VARIAÇÃO E ENSINO: ANÁLISE DE FENÔMENOS

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VARIAÇÃO E ENSINO: ANÁLISE DE FENÔMENOS
IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação
Múltiplos Olhares
05, 06 e 07 de junho de 2013
ISSN: 1981-8211
VARIAÇÃO E ENSINO: ANÁLISE DE FENÔMENOS MORFOSSINTÁTICOS DA
LÍNGUA ESPANHOLA
Ana Kaciara WILDNER (IFSC/UFSC)
Leandra Cristina de OLIVEIRA (UFSC)
Introdução
O presente estudo decorre do interesse em refletir sobre as implicações da variação
linguística no processo de ensino-aprendizagem da língua espanhola para falantes do
português brasileiro (PB). Logo, no desenvolvimento deste trabalho, apresentamos
discussões a respeito de dois fenômenos morfossintáticos castelhanos: o uso dos pretéritos
perfeito simples (PPS) e perfeito composto (PPC) e a representação do sujeito pronominal.
As discussões propostas neste trabalho sinalizam a perspectiva de língua aqui
assumida: a língua como um fenômeno social e mutável. Sob essa perspectiva, na análise
do uso dos pretéritos perfeito simples e perfeito composto do indicativo e do sujeito
pronominal, lançamos mão de pressupostos teóricos do Funcionalismo Linguístico de
vertente norte-americana (GIVÓN, 1995; 2001; HOPPER, 1987) e da Teoria da Variação e
Mudança (WEINREICH; LABOV e HERZOG, 2006 [1968]), respectivamente.
A análise dos objetos de estudo a partir de uma abordagem funcionalista e
variacionista decorre da compatibilidade entre alguns postulados de ambas as vertentes,
sobretudo: i) pela ênfase na heterogeneidade linguística; ii) pelo reconhecimento que a
mudança é um fenômeno inerente às línguas, ocorrendo de forma contínua e gradual; iii)
pela análise de fenômenos linguísticos na língua em uso, ou seja, a partir de situações
comunicativas reais e iv) pela não dissociação entre língua e sociedade.
Os fenômenos linguísticos são aqui analisados a partir da língua em uso,
considerando, mais especificamente, uma amostra composta de entrevistas de cantores
hispânicos, capaz de representar diferentes variedades do espanhol oral: argentina e
espanhola. Após considerações introdutórias, este trabalho se organiza em duas seções: na
primeira, apresentamos discussões sobre a variação/mudança das duas formas do pretérito
perfeito composto do indicativo, fundamentadas nos pressupostos teóricos do
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Funcionalismo; prosseguimos, na segunda seção, com a análise da variação de fenômenos
morfossintáticos, tratando sobre a expressão do sujeito pronominal à luz da Teoria da
Variação e Mudança. Importa destacar que, somadas à análise linguística, são discutidas as
implicações dos fenônomenos em variação no contexto de ensino do espanhol como língua
estrangeira (doravante, E/LE).
1. A variação/mudança das duas formas do pretérito perfeito à luz do Funcionalismo
Linguístico
Conforme sinalizado anteriormente, esta investigação toma como objeto a língua
em uso, considerando uma situação comunicativa autêntica, em que falantes reais
(entrevistadores/entrevistados) interagem.
Nesse contexto, concebe-se a linguagem como
instrumento de interação social, em que a gramática – emergente e variável – surge no
discurso a partir da negociação e adaptação entre falante e ouvinte (HOPPER, 1987).
Segundo Oliveira (2010, p. 100), esse conceito de gramática permite uma
explicação mais satisfatória no que diz respeito à variação entre as duas formas do pretérito
perfeito do indicativo na língua espanhola, uma vez que a definição apriorística, com base
na sentença, não dá conta de explicar as diferentes funções que o pretérito perfeito
composto desempenha no idioma em questão.
Tendo observado o comportamento distinto das formas simples e composta do
pretérito perfeito do indicativo em diferentes variedades do castelhano escrito (OLIVEIRA,
2008; 2010), o interesse agora recai sobre a modalidade falada. Como sinalizado,
analisamos dois fenômenos morfossintáticos a partir de pressupostos de teorias que podem
contribuir significativamente para a pedagogia da língua. Passemos, então, ao primeiro
fenômeno: a variação PPS/PPC.
Um breve olhar sobre a amostra composta de uma entrevista com um falante
argentino e outra com um falante espanhol aponta que o uso das formas simples e composta
do pretérito perfeito tem comportamento distinto nas variedades consideradas.1 Em termos
de frequência, o falante espanhol tende a empregar mais o perfeito composto, e o argentino,
o perfeito simples: entre as 40 ocorrências do pretérito perfeito na fala do cantor espanhol,
1
Os cantores são: Diego Torres (Buenos Aires, Argentina) e David Bisbal (Andaluzia, Espanha).
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27 (67,5%) aparecem na forma composta, e 13 (32,5%), na simples. Em direção contrária, o
cantor argentino tende a usar a forma simples na expressão de situações passadas, uma vez
que, entre as 33 ocorrências do pretérito perfeito, 29 (88%) correspondem ao PPS, e 4
(12%), ao PPC.
A fim de não limitarmos o estudo a uma análise meramente quantitativa, à
continuação, apresentamos algumas ocorrências de modo a observar a função do perfeito
simples e do perfeito composto na amostra considerada. Antecipamos que a análise do PPC
terá posição de destaque, dada a polissemia que essa forma verbal apresenta na língua
espanhola.2
Na amostra da variedade argentina, enquanto o pretérito perfeito simples denota
situações passadas e terminadas – função aorística –, o pretérito perfeito composto expressa
situações durativas, ou seja, valor de Continuidade. Observemos algumas ocorrências:
PPS (aoristo)
(1) “Una tarde en mi casa, en Buenos Aires, hicimos la canción y salió, como a veces salen
las canciones, y a veces no, que cuesta más trabajo, salió así con una inspiración muy
grande y a los días nos llamamos y dijimos “Está buena la canción, ¿eh?” (Diego Torres,
falante argentino)
(2) “La semana pasada en la casa de él, me invitó ahí a tomar un café porque está loco
con, fanático con su máquina nueva de café, entonces parece que es el dueño del negocio,
viste, no para de hablar (…) nos reímos mucho, me sacó unas galletitas japonesas
deliciosas, y ahí nos pusimos ahí a cantar y lo colgamos en youtube. (Diego Torres, falante
argentino)
Como se pode observar por meio dos 11 verbos destacados nos fragmentos acima,
o falante argentino emprega a forma simples do pretérito perfeito em narrativas de
situações passadas. A esse respeito, cabe destacar que, segundo a norma gramatical e
diversos estudos linguísticos, seria esse o uso previsto. Por outro lado, é previsto, tanto pela
norma quanto por algumas investigações linguísticas, o uso da forma composta em
contextos de passado próximo ao momento da fala (ALARCOS LLORACH, 1984;
2
Conforme Oliveira (2010), enquanto o PPS espanhol tem valor aspectual exclusivamente aorístico, o PPC
pode desempenhar diferentes valores: Continuidade, Experiência e Relevância presente.
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GUTIÉRREZ ARAUS, 2005, por exemplo). Este fenômeno, contudo, não é observado na
amostra argentina, conforme ilustra a ocorrência a seguir:
(3) “De verdad, muchas gracias, haber estado aquí contigo también me fue un placer,
cuando la entrevista sale así natural…” (Diego Torres, falante argentino)
A situação “fue un placer” está relacionada com o presente da enunciação, uma
vez que o enunciador se refere ao momento da entrevista. Essa situação de passado recente
seria contexto favorável ao emprego do perfeito composto “ha sido un placer”, conforme
discussões apresentadas por Alarcos Llorach (1984), Gutiérrez Araus (2005), entre outros
pesquisadores. No entanto, conforme mencionado no início desta análise, na amostra
argentina, o PPC aparece exclusivamente na expressão de duração. Vejamos alguns dados:
(4) “(…) un placer enorme que la gente disfrute de “guapa”, y disfrute de este disco
“Distinto”, que ha sido todo un desafío para mí, a partir del 4 de mayo y, y nos estamos
viendo.” (Diego Torres, falante argentino)
(5) “Siempre me, me ha gustado a través de, de, de la música, me ha permitido, eh,
juntarme con diferentes artistas y, y, bueno, y eso es una de las cosas buenas y lindas que
me ha dado la música, ¿no?” (Diego Torres, falante argentino)
As ocorrências anteriores levam-nos a inferir que a variação PPS/PPC na amostra
argentina decorre de diferenças aspectuais e não temporais, uma vez que o falante emprega
a forma “fue” para expressar qualquer situação passada – seja ela próxima ou distante do
momento da fala –, e a forma “ha sido” para expressar situações durativas. Na ocorrência
em (4), por exemplo, “ha sido un desafío” é uma situação iniciada no passado (“4 de
mayo”), que se estende até o presente da enunciação. O uso do perfeito composto nas
situações destacadas em (5) também se justifica pela noção durativa que o falante quer
expressar – ideia reforçada pela presença do complemento adverbial durativo “siempre”.
Diferente dos resultados observados na amostra argentina, contextos de passado
remoto e de passado próximo parecem atuar na escolha por uma das formas verbais do
pretérito perfeito do indicativo no que diz respeito à variedade peninsular, conforme
ilustram as ocorrências a seguir:
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(6) “Cuando me, me propusieron colaborar con Rihanna fue de mano de la discográfica, y
yo encantadísimo de la vida. Imáginate, ella quería introducirse en el mercado latino y
para eso, bueno, pues hice un featuring con ella, con “I hate I love you” y yo canté mi
parte en español, en otra parte, en otra cultura latina y, oye, pues fue una oportunidad.
Pero Pixie es una artista, oye, que se dio a conocer a través de internet.” (David Bisbal,
falante andaluz)
(7)
E.: Nos alegra tenerte aquí en vivo, a ver, deja peliscarte.
D.: Ay, ha mapeado los pelos. (David Bisbal, falante andaluz)
Ao narrar situações passadas que não apresentam relação com o presente, o falante
emprega a forma simples – conforme destaques na ocorrência em (6). Por outro lado, na
expressão de passado recente, em que o falante se refere à ação tomada pela entrevistadora
de beliscá-lo no momento em que iniciam o diálogo, a forma verbal selecionada é a
composta: “ha mapeado”, presente em (7).
Além do valor de Relevância presente, marcada pela proximidade temporal da
situação com o momento da fala, o perfeito composto indica também valor aspectual de
Continuidade – similar, nesse caso, ao que acontece com o PPC argentino.
(8) “(…) siempre he tenido problema ahí en la, en la discoteca, cuando era así más pibe y
eso y tal y iba para, para la discoteca, como no llevaba, llevaba la ID, no me dejaban
entrar.” (David Bisbal, falante andaluz)
(9) “Sí, estoy muy contento con esa canción, que para mí ha sido, bueno, una propuesta de
balada, en término de producción, totalmente diferente a todo lo que he hecho
anteriormente. (…) me ha gustado en ese sentido…” (David Bisbal, falante andaluz)
Em (8), a Continuidade é marcada pelo valor durativo da situação estativa de “ter
problemas” – valor reforçado pelo complemento adverbial “siempre”. Em (9), a
Continuidade aparece marcada tanto por situações durativas – “ha sido” e “ha gustado” –,
como por uma situação iterativa, ilustrando que as canções que o cantor fez
“anteriormente” (he hecho), é algo que se repete.
Além do valor de Relevância presente e de Continuidade (durativa e iterativa), o
PPC na amostra peninsular apresenta ainda o valor Experiencial.
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(10) “También he disfrutado el verano allí, por para estar con mi familia, y la verdad que
ahí vamos al revés, cuando vosotros empezáis el verano, nosotros empezamos el invierno, y
vice versa, ¿no?. Y he podido estar con mi familia, disfrutando, también he trabajado con,
he compuesto canciones, he viajado... (David Bisbal, falante andaluz)
As ocorrências destacadas em (10) indicam situações terminadas num passado sem
relação com o presente. Logo, fica descartada a interpretação de um PPC de Relevância
presente ou de Continuidade. As formas “he disfrutado”, “he podido”, “he trabajado”, “he
compuesto” e “he viajado” aludem às experiências vividas pelo cantor no período em que
esteve passando o verão na Espanha: PPC Experiencial.
Sendo proposta deste artigo não se restringir à análise linguística, transpomos as
discussões para o contexto de ensino de E/LE. Oliveira (2010, p. 25-26) argumenta que
certas nuances na variação entre as duas formas do pretérito perfeito raramente são
percebidas por falantes do português, considerando, especialmente, a forma, composta,
cujos valores não coincidem nesses idiomas, independente de terem a mesma origem latina.
Em relação ao uso, o pretérito perfeito simples possui nas línguas românicas valor
aspectual de Aoristo. Por essa razão, a aprendizagem do valor dessa forma verbal não
costuma trazer problemas no ensino de espanhol para falantes brasileiros. Aventuramo-nos
a afirmar que a dificuldade reside apenas no domínio do paradigma das formas irregulares.
Em nossa experiência profissional, constatamos que, na expressão de situações
passadas, há uma tendência de os alunos privilegiarem a forma canté em detrimento de he
cantado, já que, em sua língua materna, o uso da forma composta restringe-se a contextos
durativos e iterativos. Em outras palavras, no português, o PPC desempenha a função de
Aspecto Continuativo (BARBOSA, 2008; FIORIN, 1996; ILARI, 1997; entre outros), o
que leva falantes desse idioma a empregarem tal forma verbal apenas em situações
durativas ou iterativas ao construírem seus enunciados em espanhol: “He estudiado
mucho”, “He escuchado muchas canciones hispánicas”, por exemplo.
Essa associação apresentada pelo estudante brasileiro entre sua gramática interna e
a gramática da língua-alvo – o espanhol – não lhe traz grandes problemas, uma vez que,
neste último idioma, o PPC também indica Continuidade. Entretanto, dados da língua em
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uso, como os exemplificados nesta seção, parecem complexos para o público de que
estamos tratando. Ao se depararem com ocorrências como as ilustradas em (7) e em (10) –
bastante frequentes em situações comunicativas reais da língua espanhola – alguns
estudantes costumam questionar usos não correspondentes aos de sua língua materna.
Assistindo à entrevista, o estudante interpretaria sem grandes dificuldades a
construção “ha mapeado los pelos”, já que o entorno discursivo forneceria pistas a respeito
da intencionalidade do falante em indicar espanto com a consequência do ato da
entrevistadora. Porém, perceberia a não correspondência de uso entre o PPC português e o
PPC espanhol, pois, em sua língua, o PPC não é usado em expressões de passado recente.
Ao se deparar com ocorrências como estas o estudante é motivado a atribuir sentido às
construções escolhidas pelo falante, fazendo inferências sobre o valor que a forma
composta apresenta nos enunciados em questão. Em (10), por exemplo, a partir de
informações presentes no entorno discursivo, é possível que o aluno interprete a intenção
do falante em se referir às situações como experiências vividas no período em que este
regressou a seu país de origem Espanha – o que o levaria a concluir que, diferente de sua
língua materna, contexto experienciais justificam o uso do PPC na língua espanhola.
Verifica-se, desse modo, que a concepção da linguagem como um instrumento de
interação social não apenas ajuda a encontrar respostas mais satisfatórias acerca da
mudança de fenômenos linguísticos, como contribui para o processo de ensinoaprendizagem. A gramática de uma língua, seja ela materna ou estrangeira, é adquirida via
experiência. Nesse âmbito, ensinar uma língua estrangeira a partir de situações
comunicativas reais leva o aluno a: i) refletir sobre as divergências e convergências entre a
gramática interna e a gramática da língua-alvo, ii) constatar as múltiplas funções que as
formas podem desempenhar no discurso, iii) experienciar diferentes formas para expressar
uma função, iv) perceber a intencionalidade discursiva do falante a partir de suas escolhas
linguísticas, v) ajustar sua fala conforme a situação comunicativa; por fim, vi) apropriar-se
da língua em suas múltiplas faces.
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3. Preenchimento do sujeito pronominal a partir de pressupostos da Teoria de
Variação e Mudança
Nesta seção, analisamos a expressão do sujeito pronominal referencial de
sentenças finitas nas amostras argentina e espanhola, com base no pressuposto variacionista
de que as línguas são constituídas de heterogeneidade ordenada (WEINREICH; LABOV;
HERZOG, 2006 [1968]), o que significa dizer que a variação existente nas línguas não é
livre ou caótica, mas condicionada. Em outras palavras, nesta perspectiva teórica assume-se
que o falante pode variar sua maneira de falar em decorrência da pressão exercida por
fatores linguísticos (fatores internos – relacionados à língua em si) e extralinguísticos
(fatores externos – relacionados a motivações sociais).
Dessa forma, Weinreich, Labov e Herzog (2006 [1968]) rompem o paradoxo das
teorias ditas formalistas no que se refere à homogeneidade e à mudança, valendo-se do
argumento de que é incoerente reconhecer que as línguas mudam e estabelecer que o
sistema é homogêneo. Como uma alternativa para esse impasse, os autores sustentam que a
mudança linguística é decorrente de períodos de variação, em que há concorrência entre as
formas alternantes, postulando que todas as línguas são compostas de heteregeneidade
ordenada.
Com relação ao fenômeno da expressão do sujeito pronominal em língua
espanhola, inúmeros estudos empíricos têm apontado que diferentes variedades do espanhol
manifestam preferência pela ausência do sujeito pronominal na oração (cf. ENRÍQUEZ,
1984; BARROS, 1977; WILDNER, 2011). A possibilidade de não explicitar os pronomes
sujeito em língua espanhola tem sido associada à riqueza do paradigma flexional desse
idioma, uma vez que através das desinências verbais é possível recuperar o referente do
sujeito pronominal ausente.
A análise quantitativa dos sujeitos pronominais na amostra constituída comprova
essa tendência, pois, na fala do cantor argentino, ocorrem 89% de sujeitos nulos (86 de 96
ocorrências), e na do espanhol, 81% (100 de 123 ocorrências).
Com relação à presença pronominal, alguns autores a associam a fatores
discursivos como ênfase e contraste, e a ausência, a usos neutros, isto é, com valor
declarativo e informacional apenas (LUJÁN, 1999; ENRÍQUEZ, 1984; FERNÁNDEZ
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SORIANO, 1999). Analisando nossos dados, observamos que há situações em que o sujeito
pronominal explícito parece indicar ênfase e/ou contraste, como ilustram os dados (11) e
(12):
(11) “Yo creo que lo que, lo que quiero es que la gente disfrute este disco, ¿no?, eh, tanto
como lo disfruté yo haciendolo, hay un alto compromiso y una responsabilidad muy grande
para mí a la hora de hacer un disco, por eso a veces me llevo tanto tiempo hacer un disco,
porque uno da vueltas y piensa y, este, y madura bien las cosas, ¿no?, porque estas
canciones me acompañarán a mí el resto de mi vida, quizá. Eh, entonces, lo que quiero es
eso, es llegar al corazón de mucha gente con estas canciones y que eso me permita, ¿no?”
(Diego Torres, falante argentino)
(12) “Hay muchas veces que la discográfica te trae una oportunidad de oro, como, por
ejemplo, Rihanna. Cuando me, me propusieron colaborar con Rihanna fue de mano de la
discográfica, y yo encantadísimo de la vida. Imáginate, ella quería introducirse en el
mercado latino y para eso, bueno, pues hice un featuring con ella, con “I hate I love you” y
yo canté mi parte en español, en otra parte, en otra cultura latina y, oye, pues fue una
oportunidad. Pero Pixie es una artista, oye, que se dio a conocer a través de internet. Así
que, mira, hoy está ahí firmada en una de las grandes discográficas del mundo y, y, bueno,
pues, tiene mucho futuro.” (David Bisbal, Espanha)
Nos dados (11) e (12), a presença dos pronomes sujeitos destacados parece estar
relacionada a questões discursivas, nos quais se percebe a intenção do falante em contrastar
diferentes sujeitos, como em “disfruté yo” e “yo canté mi parte”; e enfatizar a
individualidade (subjetividade) do falante, como na oração principal da ocorrência em (12)
“yo creo que...”. Já na sentença “ella quería” temos um uso desambiguador, haja vista que
a forma verbal “quería” pode ser combinada com a primeira pessoa do singular también
(yo).
Ao afirmar que a presença do sujeito pronominal em espanhol está sempre
relacionada a contextos de “ênfase-contrastiva”, Luján (1999) argumenta que a expressão
do sujeito encontra-se em distribuição complementar, explicação esta que exclui a
possibilidade de variação linguística desse fenômeno. Entretanto, Wildner (2011), em sua
dissertação de mestrado, apresenta argumentos que questionam essa hipótese, haja vista que
a expressão do sujeito pronominal se mostra condicionada por algumas variáveis
controladas pela autora. Dentre as variáveis que se destacam encontram-se a “forma de
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realização do sujeito pronominal” e o “indivíduo” – ambas selecionadas nas quatro
variedades analisadas, a saber: Argentina, Espanha, México e Porto Rico.
A seleção da variável “forma de realização do sujeito pronominal” indica que
parece haver uma diferença de comportamento entre o pronome de primeira pessoa do
singular (yo) com relação aos demais pronomes – excetuando-se as formas pronominais
usted e ustedes, que ocorrem em número pouco significativo no corpus constituído. O
pronome yo tende a favorecer a explicitação do sujeito, enquanto outros pronomes, como
nosotros(as) e ellos(as), favorecem amplamente a ausência pronominal (WILDNER, 2011).
Nessa mesma direção, no que tange à amostra analisada neste artigo, os resultados
mostram que a primeira pessoa do singular (yo) apresenta o menor percentual de sujeito
nulo, comparada às demais pessoas, conforme podemos ver na tabela 1 – exceto pelo
pronome vosotros que só ocorre uma vez na fala de David Bisbal e de maneira explícita.
Tabela 1 – Sujeito nulo na fala dos entrevistados
Forma pronominal
Número de ocorrências sujeito nulo e total
% sujeito nulo
Sujeito nulo na fala de Diego Torres - Argentina
Yo (1ª pessoa singular)
38/44
86%
Vos (2ª pessoa singular)
8/9
88%
Él/ella (3ª pessoa singular)
21/23
91%
Nosotros (1ª pessoa plural)
15/16
93%
Ustedes (2ª pessoa plural)
1/1
100%
Ellos/ellas (3ª pessoa plural)
3/3
100%
TOTAL
86/96
89%
Sujeito nulo na fala de David Bisbal - Espanha
Yo (1ª pessoa singular)
57/73
78%
Tú (2ª pessoa singular)
12/15
80%
Él/ella (3ª pessoa singular)
5/6
83%
Nosotros (1ª pessoa plural)
18/20
90%
Vosotros (2ª pessoa plural)
0/1
0%
Ellos/ellas (3ª pessoa plural)
8/8
100%
TOTAL
100/123
81%
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Em nossa amostra, vemos que os percentuais de sujeito nulo são bastante elevados
na fala de ambos os entrevistados. Os dados (13) e (14) ilustram essa preferência pelo
sujeito nulo:
(13) “La semana pasada en la casa de él, __ me invitó ahí a tomar un café porque __ está..
loco con, fanático con su máquina nueva de café, entonces parece que __ es el dueño del
negocio, ¿viste?, __ no para de hablar, __ te dice “No, porque, mira, tiene diferentes
colores y diferentes sabores, ¿vos lo querés con leche?, ¿__lo querés más amargo?, ¿__lo
querés más (incompreensível)?”, y yo: “Noel, ¿__estás, estás bien?”, “no, __lo estoy muy
bien, lo que pasa es, mira, __tenés uno que es más fuerte, __tenés uno que es más amargo,
y pues también __te puedo calentar la leche también [risos]”. (Diego Torres, falante
argentino)
(14) “Sí, sí, bueno, __estamos ahora trabajando y __tenemos muchas canciones, ¿no?, eh,
al mismo tiempo, me parece una cosa irreal, pero, pero lo cierto es que sí, ¿no?.
__Estamos disfrutando mucho con mi princesa, ya que, previamente, __disfrutamos con
“Esclavo de su beso”, que me dio una energía muy fuerte, ahora con una balada, que
__escribí con Amaurio Gutiérrez, y bueno, pues, la __he disfrutado muchísimo. Pero al
mismo tiempo __seguimos con, con la gente de Coca-Cola, con la canción de [SN] para,
para el próximo mundial de Sudáfrica y al mismo tiempo, pues, mira, apoyando o
colaborando con Maili Sairus en esa canción “when I look at you”, con la película de
“Last Song”, que, bueno, que es una oportunidad muy grande para mí, ¿no?, así que...”
(David Bisbal, falante andaluz)
Em (13) vemos que só ocorre um pronome explícito “vos lo querés con leche”,
referente à segunda pessoa do singular “vos”, e em (14) todos os sujeitos pronominais estão
ausentes. Destacamos que a maioria dos sujeitos nulos em (14) se referem à primeira
pessoa do plural (nosotros), o que explica a ausência de sujeitos plenos no trecho destacado
da entrevista do cantor espanhol, pois, das vinte ocorrências com o pronome de primeira
pessoa do plural, apenas duas se dão de maneira explícita. Por outra parte, quando
analisamos o trecho em (15), a seguir, no qual ocorrem pronomes de primeira pessoa do
singular, vemos que o pronome yo se explicita em 3 das 4 orações finitas, aparecendo
explícito, inclusive, em uma oração com verbo no infinitivo, contexto este em que é
predominante o sujeito nulo: “para yo venir a trabajar”.
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(18) “Bueno, hombre, eh, yo me siento igual, __me siento el mismo, lo que pasa que
evidentemente hay un ser, ¿no?, que, que bueno, del cual __te enamoras, ¿no?, porque yo
estoy enamorado de, de, de la bebé. Y, eh, como __te siente mucha alegría, mucha alegría,
mucha ternura, mucho amor, pero al mismo tiempo también se sufre un poquillo, ¿no?. Es
como cuando se está enamorado, ¿no?, que te gusta esa sensación, pero también __lo pasa
mal, ¿no?, es como.. una contradicción, ¿no?, duele un poquito, ¿no?, y así es. Yo creo que
es por la responsabilidad, un poco de todo. Y luego que sí es cierto que me da mucha
energía, y, y me da mucha alegría para yo venir a trabajar, ¿no?” (David Bisbal, falante
andaluz)
Como podemos ver na tabela 1, os resultados referentes ao pronome yo mostram
que, na fala de David Bisbal, ocorrem 16 sujeitos explícitos (de 73 ocorrências), já na de
Diego Torres, esse número é reduzido: 6 sujeitos plenos (de 44 ocorrências). Essa diferença
pode estar relacionada a questões subjetivas, como, por exemplo, a fatores estilísticos. A
esse respeito, no estudo de Wildner (2011), a variável “indivíduo” – que se refere ao
controle da variação do fenômeno na fala de cada entrevistado – foi a primeira selecionada
pelo programa computacional na amostra argentina, e a segunda na dos demais países
(Espanha, México e Porto Rico), mostrando que alguns entrevistados explicitam com maior
frequência o sujeito que outros conterrâneos. O fato de haver informantes do mesmo país
que manifestam diferentes tendências sinaliza que, possivelmente, a expressão do sujeito
pronominal está relacionada, também, a fatores subjetivos, como identidade, personalidade
e estilo, por exemplo.
Através da análise dos resultados apresentados na tabela 1 é possível apreender
que a ausência pronominal é predominante nas amostras investigadas, havendo, porém,
contextos mais propícios para a presença pronominal, especialmente quando o pronome se
refere à primeira pessoa do singular (yo), o que parece estar relacionado também a fatores
subjetivos, como estilo, por exemplo.
Por outra parte, estudos sobre o português brasileiro (PB) têm evidenciado a
preferência pela explicitação do sujeito, quer seja através de uma forma pronominal
(DUARTE, 1995; WILDNER, 2009), quer seja através de um item lexical anafórico
(GRAVINA, 2008), indicando que o PB está passando por um processo de mudança
linguística na expressão do sujeito.
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Dessa forma, o português brasileiro e diversas variedades do espanhol manifestam
tendência contrária no que tange à expressão do sujeito pronominal de referência definida,
pois, enquanto em espanhol há predominância de sujeitos nulos, no português brasileiro há
um maior uso de sujeitos preenchidos. Nesse sentido, González (1994) fala de assimetria no
preenchimento tanto do sujeito quanto do objeto, pois, neste caso, o falante do PB pode
omitir as formas pronominais que retomam o objeto verbal, enquanto em espanhol esta
função é predominantemente preenchida.
Com base nessas diferenças entre o PB e variedades do espanhol, é previsto que os
brasileiros ao aprender o idioma espanhol apresentem dificuldades na utlização das formas
pronominais tanto em função de sujeito quanto de objeto. Nossa prática pedagógica tem
demonstrado essa situação, pois é bastante comum presenciar alunos empregando formas
pronominais e itens lexicais explícitos para expressar a função de sujeito em contextos onde
não se fazem necessários, demonstrando, também, dificuldade em compreender o
funcionamento e uso dos pronomes clíticos. É importante destacar que entre o
(re)conhecimento das diferenças entre o português brasileiro e o espanhol e o uso efetivo de
suas respectivas regras gramaticais (internas) há uma distância que pode ser superada. Para
isso, é importante que o docente conheça o funcionamento tanto do idioma nativo do aluno
quanto da língua alvo, problematizando, em sala de aula, as divergências e convergências
entre esses idiomas.
Considerações finais
Analisar as implicações da variação de fenômenos morfossintáticos no ensino de
espanhol para falantes do português brasileiro é uma forma de evidenciar a relevância em
associar reflexões sobre variação e mudança linguísticas e ensino de línguas. No geral,
muitos estudos linguísticos questionam o tratamento da língua como um fenômeno
homogêneo dado pelas gramáticas, e, quando se direcionam para o âmbito do ensino, as
críticas costumam girar em torno do distanciamento entre a língua em uso e as estruturas
apresentadas em sala de aula – cujo material de apoio são comumente as gramáticas.
IV CONALI - Congresso Nacional de Linguagens em Interação
Múltiplos Olhares
05, 06 e 07 de junho de 2013
ISSN: 1981-8211
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