Contributos para um Modelo de Trabalho Social Holístico
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Contributos para um Modelo de Trabalho Social Holístico
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO ÍNDICE CAPITULO I- INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 7 1.1. LINHAS FUNDAMENTAIS DO PRESENTE TRABALHO DE PROJETO .............................................................. 7 1.2. ALCANCE E OBJETIVOS............................................................................................................................. 9 1.4. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DE PROJETO............................................................................................. 9 CAPÍTULO II- UMA BREVE HISTÓRIA DA ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO SOCIAL ............ 11 2.1. ESPIRITUALIDADE E TRABALHO SOCIAL ................................................................................................. 11 2.2. FASE PRÉ-COLONIAL E O BEM-ESTAR INDÍGENA ................................................................................... 12 2.3. FASE COLONIAL E O PAPEL DA IGREJA ................................................................................................... 12 2.4. SECULARIZAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DO TRABALHO SOCIAL .......................................................... 12 2.5. RESSURGIMENTO DO INTERESSE PELA ESPIRITUALIDADE ..................................................................... 13 2.6. A ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO SOCIAL TRANSCENDE FRONTEIRAS ................................................ 14 CAPITULO III – FUNDAMENTOS QUE SUSTENTAM A ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO SOCIAL ...................................................................................................................................................... 17 3.1. CONCEITO DE ESPIRITUALIDADE PELO TRABALHO SOCIAL ................................................................... 17 3.2. TEORIAS DO COMPORTAMENTO HUMANO NA PRÁTICA DO TRABALHO SOCIAL .................................... 31 3.3. TEORIAS TRANSPESSOAIS NA PRÁTICA DO TRABALHO SOCIAL ............................................................. 37 3.4. A TRANSFORMAÇÃO TERAPÊUTICA NO TRABALHO SOCIAL................................................................... 43 3.5. MODELO HOLÍSTICO DE TRABALHO SOCIAL BASEADO NO LIVRO DAS MUTAÇÕES ............................... 51 CAPITULO IV – PROPOSTA DE UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO................... 65 4.1. AVALIAR E TRANSFORMAR A ORGANIZAÇÃO DE TRABALHO SOCIAL PARA UMA VIA HOLÍSTICA ........... 65 4.1.1. “Olhar” para a Espiritualidade na Organização de Trabalho Social ..................................... 73 4.1.3. Reconstituição de casos de Intervenção Social ...................................................................... 77 4.1.3.1. Caso Maria .............................................................................................................................................. 77 4.1.2. Sociometria e sociograma de equipas de Intervenção Social ............................................... 82 4.1.2.1. Caso Maria .............................................................................................................................................. 83 4.1.4. Jogos dramáticos como uma via participativa de Transformação Integral para um Trabalho Social Holístico ........................................................................................................................ 86 4.2. INVESTIGAÇÃO INTEGRAL APLICADA AO TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO ............................................... 89 CAPITULO V – DESAFIOS PARA UM TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO ........................................ 98 CAPITULO VI – BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 105 Rui Pedro Ventura 1 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO “Aprendei a ouvir no silêncio a voz de Deus, que fala no mais fundo de cada um de nós.” (João Paulo II) Rui Pedro Ventura 2 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO APRESENTAÇÃO O trabalho de projeto que, ora, me proponho apresentar visa propor um modelo holístico de trabalho social. Por força das circunstâncias ou não, há 24 anos que desempenho funções na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa; Instituição onde trabalho desde 1992. Entre trabalhos que desenvolvi, nunca deixei, em tempo algum, de questionar-me sobre o sentido e propósito do meu trabalho, numa Instituição cujos Fins refletidos nos seus Estatutos visam proporcionar o bem-estar, principalmente, das pessoas mais carenciadas. O tema da espiritualidade que aqui proponho refletir sempre me interessou antes mesmo de ter equacionado transpô-lo para o trabalho social, Pensar a espiritualidade no trabalho social foi algo que decorreu não do contato prévio com estudos sobre a matéria – ao qual vim a ter posteriormente acesso -, mas de uma convicção forte, inicial, de que fazia todo o sentido refletir a espiritualidade, também, no trabalho em trabalho social. Uma apetência em aprofundar o tema da espiritualidade aliada ao trabalho social nasce, deste modo, não só indissociável de uma caminhada pessoal como, também, de um percurso profissional bem próximo do trabalho social. Poderia ter optado por outras ciências sociais e humanas para trabalhar o tema sobre a espiritualidade elegendo-a como objeto de investigação, mas por crer no seu benefício optei por abordá-la no âmbito do trabalho social. Ao constatar da existência de propostas do trabalho social que colocam a sabedoria que reside em tradições espirituais apar de outros contributos oriundos das teorias do comportamento humano (designadamente, da psicologia transpessoal) como fundamentos do trabalho social foi para mim como um ensejo para desenvolver refletir sobre o tema. Poderia ter optado por escrever pequenos ensaios que escapasse aos imperativos científicos, porém, entendi trazer o tema da espiritualidade onde este tem encontrado algumas resistências, abrindo, assim, a possibilidade de diálogo com a ciência sobre domínios de saber até então alheados por se encontrarem ligados a tradições espirituais. Depois de buscas efetuadas e uma luz que parecia ficar cada vez mais ténue, quando menos esperava, dei-me conta da existência da Canadian Societey for Spirituality & Social Work, tendo contactado o Diretor, na pessoa do Professor Doutor John Coats. Contatei o Professor Doutor John Coats que me respondia na hora a todas as minhas questões Conheci, através do Professor Doutor John Coats, o Professor Doutor Edward Canda fundador, em 1990, da Society for Spirituality & Social Work. Foi com o Professor Doutor Edward Canda que troquei maior número de correspondências. Deu-me a conhecer as suas obras, artigos e algumas dicas para a minha pesquisa, bastante úteis, bem como o Rui Pedro Ventura 3 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO estado da arte em matéria de ligação da espiritualidade com o trabalho social. Deu-me o privilégio de ter estado pessoalmente comigo ao fim de um ano de contatos. Deu, ainda, a oportunidade ao meio universitário português conhecer outras tendências ao ter feito a primeira conferência em conjunto com a sua mulher, Hwi-Ja Canda, no ISCTE-UCI, sobre espiritualidade no trabalho social. Afinal, a espiritualidade e o trabalho social já andavam de mãos dadas há, pelo menos, três décadas. Este facto, reforçou a minha vontade em trazer o tema da espiritualidade para o trabalho social em Portugal, uma vez que ele não tinha, até então, merecido a devida, atenção, pelo menos em meio académico. Defender a ideia de aliar a espiritualidade com o trabalho social já proposta por outros em meio académico parecia não ser de todo descabido, uma vez que outros já o tinham desbravado caminho. Rui Pedro Ventura 4 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO SUMÁRIO O presente trabalho de projeto tem como propósito propor uma ligação entre a espiritualidade e o trabalho social, tendo havido, por isso, ao longo da sua elaboração a preocupação de contribuir, por um lado, para a definição de um modelo holístico de trabalho social ainda que teórico e, por outro, para uma investigação aplicada que permitisse testar esse modelo (abrangendo aqui a conceção de ferramentas de pesquisa), procurando explorar as suas potencialidades. Não obstante o trabalho de projeto que, ora, se propõe ter surgido da necessidade de uma aplicação prática a uma Instituição em concreto, propondo, nomeadamente, um modelo de trabalho social holístico, espera-se que este trabalho possa vir a ser extensível - ou, pelo menos, sirva como referência outras Instituições, quer prossigam fins de solidariedade social (incluindo ONG’s). Por este motivo, o trabalho de projeto inicia com um estudo sobre os fundamentos que alicerçam a implementação de um modelo holístico de trabalho social, tendo-se recorrido para o efeito a uma revisão da literatura sobre o tema da espiritualidade no trabalho social como, também, a outras oriundas nomeadamente de tradições religiosas e da psicologia transpessoal. Como a efetivação de “Direitos de Cidadania à luz da Declaração dos Direitos do Homem” se consubstancia na prática, intervindo no “social”, (âmbito este de qualquer trabalho social), procura-se problematizar tal relação, entre Direitos e Práxis, fazendo alusão a um conjunto de questões desafiantes com que o trabalho social se debate na atualidade, nomeadamente onde os valores em que assenta a sua intervenção se encontram, muitas das vezes, comprometidos em face de um cenário de crise Planetária. Procura-se, igualmente, ainda nesta linha, desconstruir, como em qualquer outro exercício científico, aquilo que constitui um juízo comum sobre a espiritualidade para, assim, a voltar a reconstruir, mas, aqui, já enquadrada por um novo “prisma”, cruzando não só conhecimento oriundo das tradições religiosas com, também, da psicologia transpessoal no intuito de estabelecer uma ligação com o trabalho social. Afigurou-se recorrer, ainda, e já noutro Capítulo, a uma metodologia integral, por se entender como um caminha mais adequado para uma avaliação de um modelo de trabalho social que se pretende holístico. Espera-se que o presente trabalho de projeto possa, sobretudo, responder, a par de outros tantos projetos, aos desafios que se colocam para o trabalho social, contribuindo para que Organizações (ONG’s) e Instituições de Solidariedade Social que prosseguem importantes fins humanitários possam responder aos desafios que a crise global coloca, garantindo às pessoas que se encontram numa situação mais carenciada e desprotegida possa aceder aos Direitos Humanos - princípios estes basilares do Trabalho Socia. Rui Pedro Ventura 5 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Rui Pedro Ventura 6 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO CAPITULO I- INTRODUÇÃO 1.1. LINHAS FUNDAMENTAIS DO PRESENTE TRABALHO DE PROJETO O presente trabalho de projeto surgiu com o intuito de propor um modelo de organização de trabalho social holístico. Não obstante o trabalho de projeto se circunscrever em termos do seu desenvolvimento a uma Instituição em particular, espera-se que o mesmo possa vir a revelar-se útil em outras Instituições de Solidariedade Social ou em outros contextos de Trabalho Social. Em termos do desenvolvimento do presente trabalho de desenho de um modelo de trabalho social holístico (objetivo que norteou o presente trabalho), revelou-se necessário rever toda a literatura sobre a temática da espiritualidade no trabalho social, sem descurar as exigências de rigor, procurando uma relação com as práticas do trabalho social. Para além da utilidade que se pretende para a uma IPSS e todos os profissionais do “social” que procurem na suas práticas uma orientação espiritual, afigura-se que o presente trabalho irá merecer, igualmente, a atenção de outros atores sociais que, diretamente ou indiretamente, se encontrem implicados no âmbito da ação social, sejam estes: Membros do Governo que Tutelam as áreas da Segurança Social (com enfoque especial na Ação Social) e Organismos da Administração Pública que pelas suas competências exerçam ações de fiscalização a Instituições de Solidariedade Social avaliando, nomeadamente, a qualidade da prestação ao Cidadão (Inspeção Geral do Ministério do Trabalho e da Segurança Social e Instituto da Segurança Social); Gestores de Instituições de Solidariedade Social que têm que tomar decisões do ponto de vista da intervenção social e assegurar a reputação daquelas com sentido de responsabilidade social; Mecenas e Beneméritos interessados em saber de que modo têm sido aplicados os seus donativos e que impactos têm tido em prol daqueles cujas intervenções lhes são dirigidas (intervenções estas levadas a cabo pelas Instituições benemerentes); e, Por último, outros Atores Sociais, diretamente ou indiretamente, implicados na “Questão Social” (“utentes” e familiares, profissionais da intervenção social, políticos, sindicatos, ativistas de Direitos Humanos, etc.). Rui Pedro Ventura 7 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Entende-se que um trabalho social adequado e efetivo como aquele que cumpre os objetivos operacionais delineados num plano, seja ele individual ou coletivo, zelando e promovendo: O direito à liberdade de escolha e tomada de decisão independentemente dos valores e opções de vida de cada um (desde que não ameacem os direitos e interesses legítimos de terceiros); O envolvimento e participação plena das pessoas, utilizando os meios de que se dispõe de forma a capacitá-las para o reforço de todos os aspetos de decisão e ações que afetam as suas vidas; O reconhecimento da totalidade da pessoa, família, comunidade, meio social e natural, identificando todos os aspetos da sua vida; As competências das pessoas, grupos e comunidades necessárias ao empowerment; e A Justiça social, nomeadamente: o Combatendo a discriminação negativa com base em características tais como a aptidão, idade, cultura, género, estado civil, estatuto socioeconómico, opiniões políticas, cor da pele, raça ou outras características físicas, orientação sexual ou crenças espirituais; o Reconhecendo e respeitando a diversidade étnica e cultural tendo em conta diferenças individuais, familiares, de grupo e comunitárias; o Assegurando uma distribuição justa dos recursos disponíveis de acordo com as necessidades de cada um; o Chamando à atenção os empregadores, governantes, políticos e público em geral, para as situações nas quais os recursos ou a sua distribuição sejam inadequados, assim como para as políticas e práticas que sejam opressivas, injustas e dolosas; o Questionando as condições sociais que levem à exclusão social, estigmatização ou submissão e contribuam para uma sociedade inclusiva. Por constituírem a razão de ser do trabalho social, compreende-se que tais direitos e princípios se encontrem referenciados nos Códigos de Ética e presentes nas práticas quotidianas dos profissionais que se dedicam diariamente ao trabalho social 1 , fazendo, deste modo, remissão a textos internacionais como sejam: A Declaração Universal dos Direitos Humanos; 1 Veja-se os Códigos de Ética dos Assistentes Sociais (designadamente na sua Declaração de Princípios) e, também, dos Psicólogos. Rui Pedro Ventura 8 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; O Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos e Culturais; A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial; A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres; A Convenção sobre os Direitos da Criança. 1.2. ALCANCE E OBJETIVOS Constitui objetivo geral do presente trabalho de projeto contribuir para a implementação de um modelo de trabalho social holístico. Assim, tendo em vista nortear a condução dos trabalhos com vista à conepção do presente trabalho de projeto, afigurou-se, então, necessário desdobrar o objetivo geral nos seguintes objetivos específicos: Apresentar os fundamentos para um trabalho social holístico a instituir numa organização de trabalho social; Contribuir para a definição de um trabalho social holístico; Desenvolver uma metodologia de intervenção com vista a desenvolver ou a transformar uma organização de trabalho social para uma via holística, descrevendo, ainda, todas as etapas dessa metodologia; Pensa-se, assim, que todos os objetivos terão sido alcançados no âmbito do trabalho de projeto que se apresenta, não se pretendendo, porém, ter o pretensiosismo, aqui, de julgar por acabado este projeto. Pelo contrário, considera-se ter contribuído para as bases de trabalho social holístico, esperando que o mesmo venha a constituir uma prática, mas também e sobretudo evolua do ponto de vista dos fundamentos e das metodologias da intervenção social, estando em aberto a outros especialistas do trabalho social (assistentes sociais, psicólogos comunitários, educadores sociais e outros) oriundos de campos diversos do saber. 1.4. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DE PROJETO A pesquisa que é apresentada ao longo do presente trabalho de projeto e procura fundamentar o conceito novo de trabalho social (holístico) e as opções metodológicas de intervenção, encontra-se dividida em mais quatro Capítulos, após introdução (Capítulo I). Assim, afigurou-se, logo após uma breve apresentação do projeto de trabalho, necessário Rui Pedro Ventura 9 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO apresentar os fundamentos que norteiam a ligação entre a espiritualidade e o trabalho social (Capítulo II). Seguidamente, apresenta-se um enquadramento teórico e conceptual no sentido de contribuir para uma definição conceitos, tendo-se recorrido a literatura diversa, nomeadamente, do trabalho social e da psicologia transpessoal (Capítulo III). Para finalizar a apresentação do trabalho de projeto, propõe-se uma metodologia de intervenção com vista a conceber ou a transformar uma organização de trabalho social para uma via -, com exposição de um caso prático (Capítulo IV). Com efeito, e tal como anteriormente foi referido, pretendeu-se com este trabalho procurar um reconhecimento e uma validação de uma metodologia de intervenção, explorando, nomeadamente, as potencialidades da ligação entre a espiritualidade e a prática de trabalho social. Assim, ao longo do trabalho procedeu-se, sempre que se revelou necessário, á remissão para os anexos, uma vez que o objetivo em termos académicos seria o de reconhecimento dos fundamentos que nortearam as opções do ponto de vista do enquadramento de um trabalho social holístico, do conceito designadamente de espiritualidade e das metodologias de intervenção social. Por último, o trabalho de projeto finaliza com considerações finais onde se faz alusão à emergência de um trabalho social holístico em face aos desafios emergentes. Rui Pedro Ventura 10 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO CAPÍTULO II- UMA BREVE HISTÓRIA DA ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO SOCIAL 2.1. ESPIRITUALIDADE E TRABALHO SOCIAL Há um movimento da espiritualidade no trabalho social com, pelo menos, 30 anos, tendo surgido uma primeira associação nos Estados Unidos da América, Society for Spirituality and Social Work, fundada em 1990, por Edward Canda. Existe uma outra Society for Spirituality and Social Work do Canadá e, ainda, uma revista onde conta com inúmeros artigos sobre a temática Journal of Religion & Spirituality in Social Work, cuja data do primeiro volume é de 1975, contando, hoje, com mais de 30 volumes publicados. Organizaram-se mais de oito congressos internacionais sobre a temática, caminhando-se para o nono congresso internacional, e algumas Universidades como a do Kansas, incluem, já há algum tempo, nos seus programas curriculares da formação superior de trabalho social a espiritualidade. Existe uma rede internacional de estudos sobre a temática, International Study of Religion and Spirituality in Social Work Practice, contando com a participação e colaboração de especialistas de países como a Nova Zelândia, a Noruega, o Reino Unido, entre outros. Longo é o caminho já percorrido em matéria da espiritualidade no trabalho social, tão longo que seria redutor da minha parte esgotá-lo aqui hoje. Parece-me óbvio que traçar a história mesmo que breve desse percurso implicava alguma sistemática. Por isso, optei, por parecer mais sensato, seguir as principais etapas de evolução sobre o tema da espiritualidade no trabalho social tal como é proposto por Edward Canda. Edward Canda, num artigo intitulado “Sensibilidade espiritual no Trabalho social: Uma revisão das tendências Norte Americana e Internacionais”, procura dar conta da emergência e desenvolvimento do movimento da espiritualidade no Trabalho social no Norte da América, bem como em ouros Países. Em termos históricos, e no que concerne à influência da religião na formação em Trabalho social e no bem-estar, existem diferenças substanciais de país para país. Edward Canda dá como exemplo, não só o do caso Norte-Americano como de outros países, considerando 5 fases (Canda, 2010a: 9-15): Rui Pedro Ventura 11 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO 1. A do bem-estar Indígena (período pré-colonial); 2. A de origem sectária (período colonial até meados do século XX); 3. A da secularização e profissionalização (dos anos 20 até aos anos 70 do século XX); 4. A do ressurgimento do interesse pela espiritualidade (dos anos 80 e meados dos anos 90 do século XX); e, 5. Por último, a da transcendência de fronteiras (meados do anos 90 até ao presente). 2.2. FASE PRÉ-COLONIAL E O BEM-ESTAR INDÍGENA A primeira fase é a do bem-estar indígena e que corresponde a todo o período antes da chegada dos europeus à América do Norte (12 mil anos antes da chegada dos primeiros colonos). Segundo a cultura destes nativos a harmonia entre os humanos e a natureza era essencial para o seu equilíbrio e bem-estar, sendo que todas as práticas de cura assentavam no xamanismo, isto é em práticas etno-médicas, mágicas, religiosas (animista primitiva) e filosóficas (metafísica), envolvendo transe e supostas metamorfoses pelo contacto direto entre corpos e espíritos de outros xamãs, de seres míticos, de animais e de mortos. Com a colonização pelos europeus a cultura nativa é praticamente toda assolada. 2.3. FASE COLONIAL E O PAPEL DA IGREJA O bem-estar passa a ter uma origem sectária, ou seja, da responsabilidade das Igrejas. A fase de bem-estar de origem sectária predomina até meados do século XX altura em que se dá início a um processo de secularização e profissionalização do trabalho social, deixando a promoção do bem-estar ser da exclusiva responsabilidade das Igrejas. 2.4. SECULARIZAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DO TRABALHO SOCIAL Praticamente em todos os países, o trabalho social consolidou-se na terceira fase corresponde à da profissionalização e da secularização do trabalho social, com a aplicação dos fundamentos teóricos das ciências sociais e humanas assentes na abordagem de marx, no funcionalismo, no behaviorismo, no freudismo. Todos estes fundamentos teóricos aplicados ao trabalho social tornam-se mais influentes que a teologia, por se esperar que aqueles contribuam com uma base mais realista da prática. Durante esta fase, o papel do Estado torna-se preponderante no trabalho social e no bem-estar social, existindo uma preocupação clara em separar a Igreja do Estado da arena do trabalho social. Por isso, em termos gerais, muitos assistentes sociais olham com reserva e acautelam-se face às influências da religião, em especial do julgamento moralizador, de culpa ou de vitimização, Rui Pedro Ventura 12 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO de conversão ou de excomunhão. Nos Estados Unidos, durante o período de secularização e profissionalização, a National Association of Social Workers (NASW) e o Council on Social Work Education (CSWE) constituem-se, inclusive, como organizações profissionais seculares para se distinguirem das anteriores organizações de trabalho social. O modelo de secularização contemporâneo de bem-estar social foi e é muito comum em diversos países do mundo, embora com graus diferentes em termos da sua influência. Por exemplo nos Estados Unidos da América a influência do modelo de secularização foi menor do que em Inglaterra ou na Noruega. Ainda hoje, em determinados países, os profissionais identificam espiritualidade com religião no sentido de julgamento moralizador ou conversão, fechando-se tendencialmente e rejeitando tanto a espiritualidade como a religião. Mesmo em países como a Coreia do Sul com uma cultura de 4 mil anos de história de influência do xamanismo indígena e mais de 2 mil anos de influência do Budismo, do Confucionismo e, embora com menor influência, do Daoismo (Taoismo), esta teve uma influência forte não só dos missionários cristãos como mais tarde dos modelos teóricos do ocidente, especialmente depois da Guerra da Coreia, existindo poucas publicações ou cursos sobre a espiritualidade no Trabalho social no Sul da Coreia e raramente se reportam ao Confucionismo ou ao Xamanismo. Não obstante a fase da secularização e profissionalização do trabalho social, Spencer (1956), citado por Canda (Canda, 2010a: 11), refere que alguns estudiosos continuam a chamar à atenção para a espiritualidade através de diversas publicações. Muitas ideias asiáticas religiosas, veja-se, nomeadamente, os trabalhos de David Brandon e a sua obra de referência “Zen in The Art of Helping” (1977), citado por Canda (Canda, 2010a: 11), começam a entrar na literatura do Trabalho social sem menção explícita quer de religião quer de espiritualidade, tais como as perspetivas de uma psicologia analítica de Carl Jung e outras não sectoriais. 2.5. RESSURGIMENTO DO INTERESSE PELA ESPIRITUALIDADE O ressurgimento do interesse da espiritualidade dá-se na quarta fase e em termos ecuménicos, inter-religioso e segundo uma espiritualidade não sectária junto do campo profissional Norte-Americano desde o início. Durante os anos 80 do século XX, diversas publicações apelam à profissionalização, mas sem descurar, aqui, o compromisso com a espiritualidade. O Journal of Religion & Spirituality in Social Work constituiu uma importante fonte de divulgação de estudos sobre esta matéria durante esta fase, muito embora o primeiro volume date de 1975. O elemento inovador desta fase residiu precisamente em se fazer apelo à espiritualidade mas de modo que esta fosse entendida de uma forma Rui Pedro Ventura 13 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO abrangente e com respeito à diversidade das diferentes perspetivas espirituais, religiosas e não religiosas das pessoas (clientes). A partir de meados de 1990, esta tendência continua a expandir-se rapidamente. Surgem, cada vez mais, artigos e livros associados aos dois termos, espiritualidade e o Trabalho social, procurando apelar e a incorporar conhecimentos das religiões como a Cristã, Judaica, Islâmica, Budista, Confucionista, Hinduísta, Daoista (Taoista) entre outras bem como das teorias transpessoais. Tal como, anteriormente referido, a Society for Spirituality and Social Work (Sociedade para a Espiritualidade no Trabalho social) foi fundada para reunir estudiosos e profissionais com diversas orientações espirituais para a valorização da profissão. Estudiosos do Trabalho social no Canada, Noruega, Nova Zelândia, Austrália, Reino Unido, África do Sul, Sul da Coreia, Japão, Croácia, Hong Kong (China) desenvolveram as suas redes sociais nacionais como ligações internacionais. 2.6. A ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO SOCIAL TRANSCENDE FRONTEIRAS De 1995 ao presente, a 5.ª fase, o tema transcende fronteiras. O que distingue este período do anterior reporta-se ao reconhecimento formal, nos Estados Unidos, da espiritualidade em especial nos programas educativos do Trabalho social, bem como a mobilização expressiva de estudiosos e profissionais para tornarem extensível a espiritualidade como disciplina a outras fronteiras que não apenas a Nacional. Segundo Russel (2006), (in Canda, 2010a: 13), a versão de 1995 do curriculum e linhas orientadoras da CSWE procuraram retomar a atenção para os sistemas de crenças, religião e espiritualidade, tendo em consideração, em especial, para a diversidade das pessoas (clientes). Os artigos publicados, nos Estados Unidos da América e Reino Unido, de Trabalho social durante diversos anos começaram a eleger como tema a espiritualidade. Em meados de 2000, a perspetiva de espiritualidade eco - filosófica surgem no campo do trabalho social através dos trabalhos de Besthorm (2001) e Coats (2003), (in Canda 2010a: 13). Graham e Shier (2009), (in Canda, 2010a:13), referem que o âmbito e o número de publicações sobre espiritualidade em geral e no campo específico da sua compreensão do ponto de vista científico conhecem uma grande e rápida expansão até ao presente. Perspetivas pós-modernas (tais como as feministas, eco - filosóficas, transpessoais e pós coloniais) fazem apelo a um trabalho social, para que a espiritualidade se torne abrangente Rui Pedro Ventura 14 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO a todas as pessoas e nações e para que a mesma tenha efeitos positivos em todas as pessoas, criaturas, em todo o Mundo. Aumentaram no Norte da América e em outros Países o número de Cursos, Conferências, Simpósios sobre a Espiritualidade. Por exemplo Russel (2006), (in Canda, 2010a:13), constata que a espiritualidade na América teve um incremento exponencial passados 10 a 12 anos; identificam-se 57 cursos no país em 2004. A primeira Conferência Internacional da Society for Spirituality and Social Work (SSSW) teve lugar em 2000 (já passaram 14 anos). Passado vários anos a International Federation of Social Workers (IFSW) e a International Assotiation of Schools of Social Work (IASSW) desenvolveram os meios necessários para que através de conferências internacionais fossem dados a conhecer estudos, alguns deles feitos em rede, sobre espiritualidade. Em vários países surgem diversas iniciativas que procuram levar o trabalho social ao encontro da espiritualidade. Outra característica desta fase, prende-se com uma forte tendência para a realização de pesquisas empíricas em matéria de trabalho social. Sheridan (2009), (in Canda, 2010a:14), foi o precursor das pesquisas sobre atitudes de praticantes e educadores em relação à espiritualidade no trabalho social. Ai (2006) e Koening, McCullough e Larson (2001), (in Canda, 2010a: 14), constatam que aumentaram exponencialmente os estudos qualitativos e quantitativos sobre os impactos da participação religiosa como, também, espirituais e suas relações com as práticas do trabalho social e da saúde mental. Um exemplo proeminente transnacional reporta-se à investigação que tem sido levada a cabo por Al Krenawi e Graham’s (2009), (in Canda, 2010a: 14), junto dos povos Árabes Beduínos no Negev Israel, tendo por objetivo compreender as culturas e práticas específicas que respeitam às suas tradições islâmicas. Tal contributo visa fundamentalmente criar os meios para um trabalho social que apele à diversidade cultural. Um outro exemplo respeita à investigação que tem sido desenvolvida com recurso à medicina e filosofia tradicional chinesa por Chan Ng. Lee e Leung (2009), procurando integrar a mente-corpo-espirito na abordagem do trabalho social. O estudo desenvolvido de âmbito nacional por Canda e Furman em 2008 (Canda, 2010b:329) faz parte de um amplo estudo transnacional que inclui a colaboração de diversos investigadores nos Estados Unidos da América, Noruega, Nova Zelândia e do Reino Unido, encontrando-se os sumários executivos dos estudos disponíveis no website International Study of Religion in Social Work Practice Rui Pedro Ventura . 15 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Deu-se uma abertura para uma perspetiva transdisciplinar em especial nos campos da gerontologia, saúde e saúde mental. Esta fase é caracterizada pela procura de ir além das perspetivas positivistas científicas que marcaram a história secular do trabalho social, apesar de continuarem, ainda, a predominar no mercado das ideias. Muitas das reflexões contemporâneas no trabalho social procuram inspiração nas formas mais elementares de expressões espirituais como sejam a dos indígenas. Por exemplo, ao atribuir um estatuto de aborígenes às populações indígenas, independentemente da região do mundo a que estes pertencem, e um significado positivo às suas longas tradições no que respeita aos contributos ao bem-estar incluindo a saúde, todos os assistentes sociais são orientados no sentido de terem em atenção as formas mais elementares indígenas de cuidar, com especial respeito e consideração. O trabalho social contemporâneo tem redescoberto muitas visões do mundo indígenas, em que nestas se realçam a sua dimensão holística útil na compreensão da pessoa e da sua envolvente em que tudo se relaciona nomeadamente com a dimensão sagrada da terra. Canda (Canda, 2010a:15) dá-nos como exemplo, suportando-se em Nash e Stewart (2002), em que os profissionais de trabalho social na Nova Zelândia passaram a reconhecer nas organizações indígenas direitos e, como tal, obrigações para com estes do ponto de vista do tratamento, passando, nomeadamente, a dar apreço à visão espiritual indígena e advogando tal modelo para o trabalho social em qualquer outra parte do Mundo. O trabalho social com uma orientação espiritual, em cada país, procurará reexaminar as tradições locais com sabedoria e um propósito de cuidar com sentido de humanidade, tornando o mesmo claro do que poderá ou não ser aplicado. Tais tendências no trabalho social de encontro com a espiritualidade estão a ajudar a redesenhar a profissão, em alguns países já mencionados, no sentido desta ir mais além das limitações impostas por uma visão egocêntrica, etnocêntrica, humanocêntrica e outras barreiras impostas e visões limitadas que dividem na vez de unificar. Rui Pedro Ventura 16 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO CAPITULO III – FUNDAMENTOS QUE SUSTENTAM A ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO SOCIAL 3.1. CONCEITO DE ESPIRITUALIDADE PELO TRABALHO SOCIAL O termo da espiritualidade foi adotado pelo trabalho social com o intuito dotar os assistentes sociais de um olhar mais amplo e integral da pessoa, na medida em que procura não só considerar todos os aspetos - espiritual, biológico, psicológico, social e transpessoal- que a compõem, como, também, de os procura inter-relacionar todos os aspetos na medida em que a espiritualidade surge também como agregadora. Ao dotar os profissionais com um olhar mais amplo e integral da pessoa, pretende-se, assim, que o seu modo de intervir facilite na pessoa a transição para a plena realização do seu potencial com repercussões positivas para si e para outros que façam parte das suas redes interpessoais (da família à comunidade). A espiritualidade assume, deste modo, um sentido próprio para o trabalho social alicerçada mais numa orientação holística que pretende afirmar a totalidade da pessoa sujeita da intervenção e menos de religião como prática, mesmo que aquela assuma diferentes significações do ponto de vista da sua conceptualização, ou seja, umas vezes como essência (spirituality-as-essence) outras vezes como uma dimensão humana (spirituality-as-one-dimension) (Carroll, 2010). Maria M. Carroll explora várias definições de espiritualidade em torno da espiritualidade descrevendo 7 modelos que importa, aqui, considerar, pela sua capacidade de síntese (Carroll, 2001: 5-19). De acordo com Carroll alguns profissionais de ajuda tais como profissionais de trabalho social, reportando-se a Corbett (1925), Keith-Lucas, (1960), O’Brien (1992), Richmond (1930), Siporin (1985) citados por Carroll (Carroll 2001:p 6) e enfermeiros, segundo Carson (1989ª), Stoll (1989) citados por Carroll (Carroll 2001:p 6) procuraram dar enfoque aos aspetos biológico, psicológico e social da pessoa, minimizando, porém, o aspeto espiritual. Face a tal lacuna, vários foram os contributos que procuraram incluir o aspeto espiritual de modo entender a pessoa na sua totalidade, tendose assistido a uma vasta produção literária sobre a matéria, nomeadamente em obras como de Bullis (1996), Canda (1986, 1988ª, 1997), Carroll (1997b), Cornett (1992), Cowley (1993), Weik (1983b), (in Carroll, 2001: p6). Este novo olhar suscitou, contudo, várias questões em torno, nomeadamente, do que é a espiritualidade e como pode o crescimento espiritual ser demonstrado. Para Carroll espiritualidade, no seu sentido amplo, tem sido descrita por Canda (1983), (in Carroll, 2001: p6), com o intuito de interconectar o Self, os outros, e Deus – ou tudo quanto existe no Universo. Os modelos procuram descrever identificar a totalidade, por esta razão, incluem os vários aspetos da pessoa, nomeadamente a sua ligação com o transcendente ou uma fonte suprema da realidade ou Rui Pedro Ventura 17 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO da criação segundo as propostas de Berrenson (1987), Bullis (1996), Fowler (1981), Siporin (1985), Titone (1991), citados por Carroll (Carroll, 2001: p6). Esta relação com Deus, ou o transcendente é descrito como uma abertura ou uma recetividade em relação a Deus segundo Helminiak, (1987), sentido de bem-estar na relação com Deus (a componente religiosa) de acordo com Ellison (1983) e com foco numa realidade suprema referindo-se a Canda e Furman (1999), (in Carroll, 2001: p6). Segundo Carrol esta relação com o transcendente pode (mas não necessariamente) ser facilitada por uma religião organizada em função das crenças que perfilha acerca da natureza espiritual de acordo com Dudley e Helfgott (1990), Ortiz (1991), Titone (1991), citados por Carroll (Carroll, 2001: p7). Para além da reflexão em torno da transcendência que a espiritualidade suscita, um segundo tema refere-se à espiritualidade com origem no âmago mais profundo da pessoa segundo (Canda, 1990), Jung (1954ª), Siporin (1985), citados por Carroll (Carroll, 2001: p7). Pode ser descrito como sendo adquirido pelo nascimento de acordo com Helminiack (1987), da nossa natureza fundamental Ortiz (1991), da grandeza do nosso ser Joseph, (1988, p.444), da alma Siporin (1985) e uma intangível, dádiva de vida primordial ou força Stoll (1989), citados por Carroll (Carroll, 2001: p7). Todas as anteriores asserções encontram-se interrelacionadas e são complementares de acordo com Canda (1990, 1997), citado por Carroll (Carroll, 2001: p7). Na discussão sobre a conceptualização de espiritualidade no trabalho social, Carroll identifica dois diferentes sentidos de espiritualidade: a espiritualidade como essência e espiritualidade como uma dimensão. A espiritualidade como essência refere-se a uma fonte inata de motivação energética que permite desenvolver o potencial de desenvolvimento e de transformação do Self. A espiritualidade como uma dimensão referese especificamente a uma busca de sentido e relação com Deus, o transcendente ou uma realidade suprema (Carroll, 2001: p.11). Espiritualidade como uma dimensão é frequentemente considerada para ser a dimensão transpessoal da pessoa. A dimensão reportada a Deus e ao transcendente (na medida, porém, em que ela é expressa) pode ser de domínio ou excluído de um sistema de crença de uma religião organizada. Várias palavras – Deus, transcendente e outras como, por exemplo, Criador, Poder Elevado, Energia da Vida – podem ser usadas, de modo passível de mudança, referindo-se à relação com o transpessoal. Estes dois temas, a dimensão transpessoal e a espiritualidade (como essência), encontram-se reflectidos em vários modelos procurando explorar a totalidade da pessoa. Ellison (1983), citado por Carroll (Carroll, 2001: p7) desenvolve um modelo denominado vertical -horizontal procurando ilustrar a relação entre o céu e a terra como lhe chama. Rui Pedro Ventura 18 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO FIGURA 1: MODELO VERTICAL-HORIZONTAL DE ELLISON Dimensão vertical – relação com Deus Dimensão horizontal – relação com o self, outros, ambiente É representado por duas linhas que se intercedem que representam duas diferentes, mas inter-relacionadas, dimensões. A primeira relação reporta-se directamente a Deus (ou com outra qualquer conceptualização do transcendente) e a segunda são todas as outras relações – consigo (Self), como os outros e o ambiente. A dimensão vertical refere-se à relação com Deus ou o transcendente que está para além e ou fora do Self e é fonte dos valores supremos que guiam as nossas vidas. A dimensão horizontal refere-se ao tipo e qualidade das relações connosco (Self) e com os outros, ao bem-estar pessoal (Self) e com os outros e a um sentido de propósito de vida e satisfação. Esta dimensão pode ser descrita como de comportamento psicológico social. Algumas vezes as duas dimensões são indissociáveis. Por exemplo, a espiritualidade é descrita como consciência experiencial com realidades transcendentes com o Universo ou Deus, de acordo com Ellison (1983) ou com poderes sobrenaturais, o Universo, Deus ou o Céu, segundo Siporin (1985, p.210), citados por Carroll (Carroll, 2001: p 8). Outras vezes, a espiritualidade surge como reflexo nas relações humanas e nas atividades da vida, pela vida que cada um constrói nas suas relações com Deus: ou seja a dimensão horizontal parece implicar e refletir a vertical. O segundo modelo é uma série de círculos concêntricos que reflete cinco níveis de consciência. Rui Pedro Ventura 19 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO FIGURA 2: MODELO DOS 5 NÍVEIS DE CONSCIÊNCIA Espírito Absoluto Embora cada nível possa sugerir independente face a outros níveis, todos eles se encontram conectados. A cura pressupõe uma avaliação de todos os níveis, uma vez que o bem-estar pessoal depende da saúde de todos eles (Carroll, 2001: p.21). Farran, Fitchett, Quiring-Emblen e Burck (1989), citados por Carroll (Carroll, 2001: p9) defendem que a definição de espiritualidade deve incluir a crença no transcendente aliado a um ser ou a uma força universal. FIGURA 3: MODELO PARA INCLUIR O ESPIRITUAL COMO DIMENSÃO A abordagem integradora considera a dimensão espiritual como um aspecto igual a outras dimensões (fisiológicas, psicológicas e sociológicas) da pessoa, enquanto a abordagem Rui Pedro Ventura 20 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO unificadora concebe a dimensão espiritual como a “totalidade” entrelaçando, abraçando e unificando todas as partes da pessoa. Um quinto modelo, desenvolvido por Kilpatrick e Holland (1990) é denominado por círculo de self-outro-contexto-espiritual (SOCS) citado por Carroll (Carroll, 2001: p9). FIGURA 4: CÍRCULO DAS QUATRO REALIDADES DA VIDA (SOCS) A quarta realidade ou área cerca tudo o que existe ou é experienciado; cada uma das quatro áreas tem que ser reconhecidas na sua totalidade. O Self refere-se à realidade subjectiva, o outro, por sua vez refere-se ao mundo externo dos objectos e estados e o contexto ao mundo no sentido objectivo. O espiritual refere-se a Deus ou a uma força universal que nos governa. Três destas dimensões (self, outro, contexto) formam um triângulo num círculo. Em torno do círculo, a dimensão espiritual circunda, intervém e integra as outras três áreas. A dimensão espiritual contém duas componentes: (1) valores que providenciam sentido, valor e direcção (2) fé que providencia um modo de entender a vida. O sexto modelo. O Modelo Holístico de Espiritualidade proposto por Canda e Furman (1999), citado por Carroll (Carroll, 2001, p. 11), consiste em três círculos concêntricos. FIGURA 5: MODELO HOLÍSTICO DE ESPIRITUALIDADE Rui Pedro Ventura 21 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO O círculo interior é o centro da pessoa, o centro médio está dividido em quadrantes (os aspetos biológico, psicológico, sociológico e espiritual) e o círculo externo é a totalidade da pessoa na relação com o todo. Neste modelo, existem três metáforas de espiritualidade. No círculo médio, a espiritualidade refere-se ao aspeto espiritual da pessoa, que complementam os outros três aspetos. Envolve a busca de um sentido e de relações morais satisfatórias consigo (self), outros e uma realidade suprema, porém é a pessoa que define isso. O círculo exterior representa espiritualidade como totalidade da pessoa na relação com o todo, transcende e abraçando os quatro aspetos da pessoa. O círculo do centro representa a espiritualidade no centro da pessoa, sendo inerente à pessoa integra todos os outros aspetos. O sétimo modelo, denominado a pessoa no seu todo, de Ellor, Netting e Thibault (1999), citado por Carroll (Carroll, 2001: p12), é tridimensional. A dimensão espiritual (no nível de topo) inclui os aspetos afetivos, comportamental e cognitivos; as dimensões clínicas tradicionais (no nível de fundo) incluem a dimensão física, emocional e social. Entre estas duas dimensões existe um espaço, dimensão integrativa, via através da qual a dimensão espiritual interage com as dimensões tradicionais. FIGURA 6: MODELO DA PESSOA NA SUA TOTALIDADE Todos estes modelos refletem a pessoa no seu todo e as suas dimensões embora de diferentes modos consoante o entendimento de espiritualidade. Espiritualidade como alma, como essência ou ser é apresentado no modelo holístico de espiritualidade (como centro da pessoa) e pessoa no seu todo no modelo integrativo. Encontra-se, igualmente, implícita na abordagem vertical e horizontal (ambos os eixos juntos), no círculo SOCS (com valores e fé no seu âmago), na dimensão espiritual da abordagem unificadora (com a necessidade básica de procurar sentido com origem no seu âmago) e no espírito absoluto nos cinco Rui Pedro Ventura 22 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO níveis de consciência. A dimensão transpessoal encontra-se refletida no eixo da abordagem vertical-horizontal, no nível espiritual do modelo de Vaughan (1995), com os cinco níveis da consciência, no aspeto espiritual do modelo holístico de espiritualidade e no modelo da pessoa no seu todo. Este conceito não está presente na abordagem unificadora, ainda que importante se não essencial do ponto de vista da necessidade humana em encontrar um sentido tal como Farran e al (1989), citado por Carroll (Carroll, 2001:p13), define a espiritualidade. Similarmente, a respeito do círculo SOCS tal relação encontra-se implícita na relação que proporciona uma via de busca de sentido através de valores e de fé. Descrições da espiritualidade como manifestações da relação com Deus ou o transcendente são vistas no eixo horizontal na abordagem Vertical e na dimensão espiritual do Círculo de SOCS, através do uso dos valores e da fé. A relação com o transcendente é igualmente vista na dimensão espiritual das abordagens integrativas e unificadoras com respeito aos valores se o compromisso com supremo diz respeito ao transcendente. Esta relação é igualmente evidente também nas dimensões tradicional da pessoa no seu todo: tanto no modelo através de uma acção de uma dimensão integrativa e implicação em todas as três metáforas de espiritualidade no modelo holístico de espiritualidade. Comum a ambos os temas (da espiritualidade como dimensão da essência da pessoa) é o objetivo da totalidade que inclui todos os aspectos do físico, emocional, mental, social e transpessoal em Canda (1990, 1997), Fowler (1981), Jung (1954ª), Maslow (1967/1971), Sermabeikian (1994) e Vaughan (1995), citados por Carroll (Carroll, 2001: p13). No entanto, o processo de transição para a totalidade nem sempre é expresso ou é feito de diferentes formas. Esta relação com a consciência com o transcendente emerge de uma experiência da consciência que pode ocorrer a qualquer tempo e de diversos modos incluindo momento de intuição. As abordagens integrativas unificadoras e os círculos SOCS reportam à natureza da pessoa no seu todo mas não discutem o processo tendo em vista a totalidade. Através de sucessivos níveis, os cinco níveis da consciência referido no modelo anterior esboça um processo de crescimento no sentido que cada nível necessita de ser desenvolvido; porém, o crescimento pode não ocorrer numa ordem sequencial. Crescimento na vida interior (os níveis existenciais e espirituais) pode ocorrer ao longo de um crescimento em outros níveis. Com efeito, os dois podem-se elevar um com o outro de acordo com Vaughan (1995), citado por Carroll (Carroll, 2001: p 13). A abordagem verticalhorizontal é descrita e representada em diagrama de modo a que o potencial é refletido como crescimento também de uma dimensão através da relação consigo com os outros (dimensão horizontal) parece requerer e refletir a relação com Deus ou o transcendente (a dimensão vertical). O desenvolvimento independente da dimensão psicossocial, pode, porém, ocorrer quando existe falta de uma consciência ou uma inconsciência em relação a Rui Pedro Ventura 23 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Deus o transcendente. Esta aspiração racional é suportada por Carson (1989ª), citado por Carroll (Carroll, 2001, p.14) que afirma que qualquer dimensão providencia formas através das quais cada pessoa se conecta com uma ampla realidade. Estas conexões influenciam as dimensões clínicas através da dimensão integrativa. Descrições destes modelos e processo de crescimento focam primeiramente a relação com Deus ou o transcendente e o reflexo na relação com o próprio e os outros. Um outro foco, dá enfoque à dimensão transpessoal que permite o crescimento e o desenvolvimento da sua espiritualidade ou da sua própria natureza. Jung (1933) e Fowler (1981), (in Carroll, 2001, p.14), concebem a espiritualidade como a alma da pessoa ou a essência que contém o potencial a ser realizado através de um processo de desenvolvimento. Adicionalmente, espiritualidade providencia a energia para este processo de vida longo, com início no nascimento, de realização e de tomada de consciência de si e do seu potencial segundo Jung (1934/1954ª), citado por Carroll (Carroll, 2001:p.14). Este processo potencial culmina com o preenchimento ou a totalidade que eleva a consciência a uma realidade transcendente e que aumenta uma grande conexão com o self, os outros e todo o Universo. Modelos conceptuais de desenvolvimento incluem as teorias de desenvolvimento da personalidade de Jung (1933, 1934/1954ª), a hierarquia das necessidades de Maslow (1962, 1971) a teoria de desenvolvimento da fé de Fowler (1981), a hierarquia estrutural ou modelo transpessoal de espectro de Wilber, Engler e Brown (1986) e o paradigma dialético dinâmico de Washburn (1995), citados por Carroll (Carroll, 2001:p.14). Para estes teóricos, o crescimento espiritual ocorre através de estados que são sequenciais e hierárquicos. Em geral, o estado mais baixo foca na satisfação das necessidades mais básicas e no desenvolvimento do ego seguido de uma desintegração do ego com o reconhecimento da insuficiência do ego e do movimento para um estado mais elevado envolvendo uma consciência de aceitação de e uma cooperação com forças transcendentes. O movimento através destes estados reflete mudanças qualitativas na visão de cada um do Mundo e em todas as relações. O processo de crescimento espiritual inicia-se com uma conexão entre o Self, outros e Deus ou o transcendente. O crescimento espiritual reduz disfunções, ampliando ao máximo funcionamentos e a ligação inextricável do crescimento das dimensões bio-psico-sociais. Movimentos de um estado para um próximo ocorrem através de um processo de transformação de morte e renascimento. Esta mudança na pessoa como resultado ou rutura do passado pode ser descrito como transcendência, como Ellison (1983), citado por Carroll (Carroll, 2001:p15), define como “ dar um passo para traz de e andar para além disso” (p.331). Desta definição, a transcendência deve incluir (1) o movimento crescente de um estado para um outro seguinte assim como dentro e através de um estado mais alto e (2) o movimento para além da self individual (definido num tempo Rui Pedro Ventura 24 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO particular), assim como para além das amarras humanas no sentido de uma realização plena de uma realização cósmica. Dependendo do nosso estado, a experiencia e a tomada de consciência do transcendente com aspecto separado pode ou não estar presente. Muitos esperam que a espiritualidade e a personalidade crescem através destes estados num contexto de experiências individuais, também face a eventos previsíveis ou imprevisíveis de desenvolvimento de crises e/ou traumáticos de acordo com Canda (1988c), Carroll (1997ª) e Jaffe (1985), citados por Carroll (Carroll, 2001: p15). Eventos stressantes ou traumáticos (exemplo, a guerra, uma doença que ameaça a própria vida) podem inicialmente impedir o crescimento. Similarmente, os efeitos de abuso durante a infância tal como o comportamento doentio e disfuncional do adulto (incluindo comportamento aditivo) pode também atrasar o crescimento na medida em que os comportamentos reflectem uma parte de si que se encontra desconectada do seu Self. A parte de desconexão necessita de ser reconhecida e tomada. Quando experiências de Stress são ou tornam-se percebidas como desafio, quando a pessoa -se liberta e retoma o crescimento segundo Golan (1978), citado por Carrol (Carroll: 2001, p15). Esta percepção é o potencial para colocar tais comportamentos numa perspectiva ampla mais do que em pessoas em oposição a Deus ou ao transcendente, o seu comportamento torna-se um meio através do qual cada um na falta de conexão (com o self, com outros e ou Deus) pode ser ignorado e o seu potencial impedido de emergir. Esta perspetiva reflete-se em algumas recuperações observadas com a saída do alcoolismo, “Não estaria aqui como estou hoje”, como descreve Carroll (1997ª) e Netting & Thibault (1999), citados por Carroll (Carroll, 2001: p15) e suporta a suas crenças que as suas tarefas clínicas de cliente consistem em descobrir sentidos de que o sofrimento é transformador no sentido de proporcionar uma oportunidade de crescimento de acordo com Canda e Furman (1999), citados por Carroll (Carroll, 2001: p15). As pessoas que passaram por processos de transformação através de trauma, stress, ou problemas psicológicos participaram no processo criativo de reestruturação do Self. Tem havido curiosidades e envolvimento em qualquer coisa que acontece e tem havido mudanças por mudanças que estimulam cura e crescimento. Estes eventos e experiências representam testes para a psique. Tornam-se oportunidades para o Self renovar, crescer, transformar-se ajudando e motivando pessoas para o encanto da sua origem e identidades assim como para a busca do seu propósito de vida e para o seu sentido de transcendência Carroll (1999) e Jaffe (1985), citados por Carroll (Carroll, 2001: p15). Os modelos de diagrama revistos por Carroll descrevem a natureza humana e o lugar da espiritualidade. Realçam, porém, limitações sérias na sua opinião. Primeiro, estes modelos parecem ter uma qualidade fechada em que apenas a abordagem vertical e horizontal se encontra representada, sem considerar no entanto o Rui Pedro Ventura 25 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO crescimento. Os diagramas não permitem uma ilustração de alguém nas suas dimensões num determinado lugar e tempo e através destes prosseguir num desenvolvimento espiritual (definido na dimensão transpessoal e na essência da pessoa) ao longo do tempo. Segundo, estes modelos não se reportam nem às origens nem ao início da espiritualidade, Por exemplo, do modo com esta, presente no agora, se encaixa na realidade suprema? Poderá a espiritualidade ser ausente? É descrita por vezes como sendo ausente. Esta descrição parece razoável particularmente quando a espiritualidade é definida quantitativamente na dimensão transpessoal (vertical) no Modelo Vertical-Horizontal. Um ponto zero deverá indicar que nenhuma relação consciente (com Deus ou o transcendente) existe e que a soma ou nível da relação existente teoricamente pode ser medido. Este modelo também inclui a possibilidade de escala mínima de zero que permite enquadrar a dimensão vertical em termos qualitativos (positivo ou negativo) da relação. Com respeito à espiritualidade como uma natureza nuclear, a sua inexistência parece impossível. Como poderá a espiritualidade não existir desde, com o espirito (definido com núcleo ou essência), humanos não são até mesmo vivos? E existe evidência que pessoas que perdem a fé e a esperança morrem fisicamente. E terceiro, os modelos existenciais não considera referências na literatura do negativo e imagens de desordem do transcendente. Por exemplo, muitas pessoas, especialmente aquelas que lutam contra vícios, acreditam num julgamento punitivo de Deus e frequentemente têm também dificuldades de experienciar um poder grandioso no seu Self, partilhando o seu Self com outros ou aceitando o que são segundo Carroll (1997ª), aceitando o self e os outros como imperfeitos de acordo com Krutz e Ketcham (1992) e vivendo sem medo e ressentimento na opinião de Dollard e Prugh (1985/1986), citados por Carroll (Carroll, 2001: p16). Estas considerações sugerem um novo modelo, que inclua todos os aspetos dos anteriores modelos (essência nuclear, relação com Deus ou transpessoal, e manifestações de inter-relações). Rui Pedro Ventura 26 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO FIGURA 7: MODELO HOLÍSTICO PROPOSTO POR MARIA M. CARRELL Infinito Infinito Dimensão Transpessoal Espirito Infinito Dimensão Bio-Psico-Social Infinito Compreende um entendimento e uma abertura para o desenvolvimento espiritual e providencia um modo partilhado de desenvolvimento através de crescimento. O eixo horizontal reflete a relação com os outros e com o Mundo, enquanto o eixo vertical reflete a relação com o transcendente (que podem estar ou não de acordo com à organização tradicional das crenças religiosas). Em contraste os dois eixos não intercedem ou se encontram. A falta de um ponto de encontro deixa espaço para o espirito entrar indicando o início da vida humana e colocando-se no ser no amplo contexto. Os eixos não terminam como se movem no sentido do infinito. O espaço total entre os dois eixos, indicado aqui por um círculo (podendo ter uma outra forma) é onde o crescimento ocorre. O círculo não tem fronteiras rígidas mas representa possibilidades de crescimento e expansão a montante e a jusante. Este diagrama providencia um meio de conceber a relação entre a dimensão transpessoal e a dimensão bio-psico-social, tudo isto em crescimento com um contexto espiritual Universal (similar ao Espirito absoluto nos Cinco Níveis de Consciência). De acordo com este modelo manifestações de experiências pessoais e de relação com o self e outros deve ocorrer num específico estado de desenvolvimento no eixo bio-psico-social. O grau de relação com Deus ou um poder supremo (de acordo com a conceptualização) deverá ser indicado no eixo transpessoal. As fronteiras das suas interconexões, em qualquer tempo, formam um círculo ou qualquer outra forma. Na descrição de espiritualidade, as pessoas frequentemente usam termos positivos, tais como satisfação, sentido e paz. Por esta razão, o termo “espiritualidade negativa” (reflecte numa escala o 0 da abordagem vertical-horizontal) é algo de confuso. Um modo de compreender as descrições identificadas como espiritualidade negativa é através da relação entre a Rui Pedro Ventura 27 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO dimensão bio-psico-social e as dimensões transpessoais. A pessoa poder ver as suas crenças negativas do Self, dos outros e das relações humanas negativas com aspetos de Deus ou do transcendente. Por outras palavras, as crenças negativas (que podem muito bem refletir experiências humanas) podem projetar no transcendente. Nesta situação, a pessoa tendo essas crenças negativas pode ser baixo no eixo transpessoal (baixa relação com o transcendente) e pode ser a um nível de desenvolvimento do eixo bio-psico social. Assim, as características da espiritualidade negativa podem ser atribuídas aos efeitos traumáticos ou de outros eventos problemáticos e experiências. A diferença entre a dimensão transpessoal e espiritualidade apresenta uma outra compreensão a “espiritualidade negativa”. Por exemplo, algumas religiões acreditam num Deus condicional que julga ou negativo que não é apenas Amor. Esta crença parece referir a uma imagem de Deus (ou a uma visão negativa do transcendente) mais do que à espiritualidade, em que na generalidade é considerada para ser a principal dádiva de vida ou de força. A importância da prática do trabalho social e da espiritualidade tem sido reconhecida e incrementada. Recentes livros tais como de Bullis (1996), Canda e Furman (1999) de Robbins, Chatterjee e Canda 1998), citados por Carroll (Carroll, 2001: p18), explora diversos meios, tais como teorias transpessoais, perspectiva de forças, abordagem multiculturais e técnicas de ajuda orientada para o crescimento, que são importantes para compreender a espiritualidade junto desta profissão. Todas elas permitem, estruturas teóricas e intervenções práticas, enfatizar um e outro como sendo os dois inextricavelmente entrelaçadas. Os modelos conceptuais são desenhados com vista a permitir entrelaçar a nossa compreensão da integração da teoria e da prática, mas as conceptualizações por si podem ser difíceis de seguir. Os modelos de diagramas ajudam a clarificar os conceitos e a facilitar a compreensão da integração teórica e prática. Este novo modelo diagramático providencia um meio visual de compreensão e avaliação da pessoa no ambiente corrente e de acompanhamento de mudanças ao longo do tempo. Crescendo numa base teórica multidimensional, este modelo providencia um modo de avaliar a ajuda das experiências, incluindo práticas de intervenção, com respeito às suas funções em assistir cada indivíduo em direção à realização do seu potencial pleno. Apesar de esta meta poder não ser primeiramente o da gestão da ajuda, a relação positiva entre crescimento espiritual e melhoramento do funcionamento bio-psico-social segundo Carroll (1997ª, 1999) e Smith (1995), citado por Carroll (Carroll, 2001: p18), permite suportar a compatibilidade entre a gestão do cuidado e a abordagem espiritual. Este modelo também se liga ao trabalho de Canda e Furman (1999), citado por Carroll (Carroll, 2001: p18), providenciando um outro meio de conexão entre a base conceptual do seu modelo holístico e os modelos operacionais de espiritualidade. Desenvolvendo novos meios de Rui Pedro Ventura 28 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO compreensão da pessoa no seu todo ajuda os assistentes sociais a serem mais responsáveis para a totalidade das pessoas que se encontram ao cuidado, de ir ao encontro das sua necessidades e de providenciarem serviços responsáveis em direção ao século XXI. Uma importante definição de espiritualidade já referida por Carroll é a de Canda e Furman (2010). Não obstante as limitações identificadas por aquela autora desta definição de ponto de vista do alcance operativo em face à questão da infinitude que caracteriza o processo de evolução espiritual, afigura-se de considerar ainda assim esta definição por permitir uma compreensão fácil do que é a espiritualidade e em que medida esta se distingue da definição de religião. Segundo Canda e Furman espiritualidade é um processo de crescimento inerente ao ser humano, é uma busca de sentido de vida, de um propósito, de uma moralidade e bem-estar na relação de cada um consigo próprio, de si com outras pessoas e criaturas bem como com o Universo ou uma realidade suprema (podendo esta ser concebida através de uma visão monoteísta, animista, ateísta, não ateísta, politeísta entre outras). Toda a ação é orientada para prioridades significativas centrais aliadas a um sentido de transcendência (experienciadas com profundidade, de modo sagrado ou transpessoal). As pessoas podem expressar a espiritualidade de forma religiosa ou não religiosa, em privado ou em espaços públicos destinados a manifestações espirituais e/ou legitimados para o efeito. Uma perspetiva espiritual, religiosa ou não religiosa, é uma visão ou ideologia relacionada com a espiritualidade. A transcendência refere-se a experiências e às interpretações sobre acontecimentos profundos que trespassam os limites do tempo e do espaço. A espiritualidade é uma qualidade inata de todas as pessoas que se manifesta de variadíssimas formas consoante as culturas, por isso se considera que todas as pessoas são espirituais, apesar dos diferentes níveis de importância que cada uma delas atribui à espiritualidade. Encorajar as pessoas e comunidades para o desenvolvimento de uma espiritualidade saudável poderá potenciar nestas a necessidade de busca de sentido, propósito, integridade pessoal, totalidade, plenitude, alegria, serenidade, felicidade, visão coerente e pleno bem-estar. A espiritualidade saudável contribui para o desenvolvimento de virtude pessoais como sejam a compaixão, a justiça, humanidade nas relações, respeito e de suporte que vai além do pessoal e das relações sociais, portanto, extensível a outros seres vivos. Uma espiritualidade saudável encoraja os grupos a desenvolverem suporte mútuo, atividades filantrópicas, consciência em relação à diversidade e compreensão pelas diferenças, contribuindo, ainda, através da ação para o bem comum da sociedade e do Mundo. A espiritualidade saudável terá uma importante e significativa utilidade em relação a situações que despoletam emoções incómodas (tais como o desespero, a dor, o sofrimento e a angústia), que contribuem para estados de crise e de emergência (redundando em Rui Pedro Ventura 29 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO experiências perturbadoras transpessoais) e dificuldades nas dinâmicas de grupo (resultando em conflitos prolongados e que impedem durante esse tempo um entendimento e uma reconciliação). Infelizmente, a espiritualidade como qualquer outro componente do comportamento humano não se manifesta sempre de modo saudável. A espiritualidade pode ser distorcida e orientada negativamente para crenças, atitudes e comportamentos nocivos para a própria pessoa e grupos desenvolvendo sentimentos inapropriados de culpa, vergonha, desespero, descriminação e opressão. O conceito de espiritualidade aqui apresentado não exclui a dimensão incorporal, imaterial e uma realidade ou entidade transcendente; porém uma explicação desta natureza a partir das diferentes visões desta implicaria um maior aprofundamento que não caberia, naturalmente, numa simples introdução sobre o tema da espiritualidade. O termo corrente de “espírito” em Inglês poderá induzir para outros sentidos que não o que se pretende dar, nomeadamente de alguém ter “espírito” de equipa não significando que o mesmo esteja a ser controlado ou possuído por um “espírito”. As pessoas podem entender, assim, “espírito” no sentido literário do termo ou metaforicamente para se referirem quer a vitalidade quer a transcendência. Por religião entende-se um padrão institucionalizado (isto é, sistemático e organizado) de valores, crenças, símbolos, comportamentos e experiências que envolve a espiritualidade, uma comunidade de aderentes, a transmissão no tempo de tradições; uma comunidade com funções de suporte (estruturas organizadas, assistência material, suporte emocional, de amparo e proteção) que direta ou indiretamente se encontra ligada à espiritualidade. A religião envolve sempre o privado e o público quer através das experiências individuais quer enquanto membros de uma comunidade religiosa na sua totalidade. Uma religião pode funcionar ou não através de uma organiza centralizada e burocrática. Naturalmente nem todas as pessoas ou comunidades, mesmo considerando-se espirituais, se identificam com a religião. A religiosidade refere-se ao grau e estilo de envolvimento de alguém religioso. Uma religiosidade saudável com expressão de espiritualidade encoraja as pessoas e as comunidades religiosas no sentido de procurarem o bem-estar, uma visão do mundo coerente, um crescimento de acordo com uma abordagem transpessoal, virtudes, caridade e compaixão, humanismo, respeito e suporte, que se estende para além dos próprios aderentes a toda a comunidade, sociedades e ao Mundo. Contudo, a religiosidade pode, também, se relacionar com ilusões, alucinações, baixa autoestima, abuso, opressão, violência e outras expressões lamentáveis de religiosidade doentia. De acordo com estes conceitos, a espiritualidade constitui um recurso da religião, mas não está limitada à religião. Espiritualidade inclui e transcende a religião (Canda, 2010:75-77). A espiritualidade como essência e uma dimensão da pessoa essencial para a sua realização plena não poderia, deste modo, deixar de ser considerado pelo trabalho social. Importa, por Rui Pedro Ventura 30 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO isso, situar no tempo e no espaço quando o tema surge no trabalho social, bem como dar conta da evolução que o tema teve até à atualidade do ponto de vista dos vários sentidos que este foi assumindo e dos diferentes modos de procurar transpô-lo para a prática profissional. Neste sentido, expõe-se, com recurso a um estudo sobre o estado da arte, as diferentes etapas de um trabalho social de inspiração espiritual, sem descurar outros contributos que permitem enquadrá-lo, num sentido mais lato, historicamente. Edward Canda é professor de trabalho social na Universidade do Kansas com mais obras publicadas sobre o tema da espiritualidade no trabalho social. Foi na verdade, com ele com quem vim a ter acesso a todo um trabalho desenvolvido sobre o tema e a receber sugestões extraordinárias para a investigação. Quando na altura foi elaborado o projeto Edward Canda foi de facto o mais referido, até porque ainda não tinha chegado outras obras dos EUA; obras estas sugeridas pelo próprio Edward Canda. No entanto, pensadores/professores/investigadores foram, igualmente, referidos, tais como John Coats e Fred Besthorn, também, de trabalho social, mas também outros cujos trabalhos produzidos em matéria teórica servem de fundamento e de prática para o trabalho social, como A. Maslow, Victor Frankl, Carl Gustav Jung, Roberto Assagioli, Stanislav Grof, Ken Wilber. 3.2. TEORIAS DO COMPORTAMENTO HUMANO NA PRÁTICA DO TRABALHO SOCIAL Chegado o momento de procurar teorias norteadoras da investigação em trabalho social, somos confrontados com o facto do próprio profissional em trabalho social ter ele, também, à disposição teorias do comportamento humano, oriundas maioritariamente da psicologia e da sociologia, orientadoras das práticas de intervenção. Na verdade, o profissional em trabalho social poder ter nas teorias do comportamento humano uma fonte de recursos importantes, não só porque lhe permite compreender as situações com que se vai confrontando, quotidianamente, no exercício da sua atividade, como encontra, ainda, a oportunidade de procurar através delas as linhas orientadoras para as suas práticas. Existe um conjunto amplo de teorias que o profissional em trabalho social pode mobilizar para responder às situações com que se vai confrontando. Na verdade são vastíssimas mas que, ainda assim, não permitem cobrir todas as situações que surgem pela via das pessoas que cuidam, restando-lhe a sabedoria para encontrar uma resposta que seja a mais adequada em face da situação em concreto. Vastas são as sugestões teóricas para aplicação na prática em trabalho social apresentadas numa obra de de Susan P. Robbins, Pranab Chatterjee e Canda, “Contemporany Human Behavior Theory: A Critical Perspective for Social Work”, sendo que muitas dessas teorias são oriundas da sociologia Rui Pedro Ventura 31 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO e da psicologia. Nesta obra sintetizam-se 12 grandes correntes ou escolas de teorias, realçando a vertente prática no trabalho social (Robbins, 2011:409-429). Assim, NA TEORIA DOS SISTEMAS: TUDO ESTÁ CONECTADO Apesar das várias teorias dos sistemas estarem em desacordo com a natureza do sistema social e mudança social, elas estão de acordo com um ponto forte de reflexão: tudo está interligado. Este entendimento influenciou profundamente a perspetiva do trabalho social da pessoa e do ambiente. Na prática, o assistente social procura compreender a situação da pessoa ao cuidado numa perspetiva sistémica, centrando-se nos subsistemas que a seu ver podem conduzir a mudanças significativas. Utilizam-se os genogramas e os ecomapas para examinar relações significativas entre pessoas e instituições. Recentemente começaram por considerar o ambiente macro e geopolítico e a ecologia planetária. Independentemente do enfoque da intervenção, esta teoria alerta para que não se descure os efeitos de outros sistemas em nós próprios e o efeito do nosso trabalho em outros sistemas. O trabalho social prático não é psicoterapêutico, mas, antes, deve incluir na sua abordagem a psicodinâmica ou os sistemas de interação familiar. Da mesma forma, no seu sentido total não é apenas mudança institucional, deve considerar o impacto da mudança no individual, grupos, famílias e na comunidade e ambiente natural. Mesmo que o assistente social trabalhe individualmente pode não estar capaz de abarcar todos os aspetos da pessoa e do ambiente. Estas teorias orientam para um trabalho colaborativo entre assistentes sociais e outros profissionais de ajuda especializados em diversas áreas assim como outros sistemas de suporte formal e informal para criar uma compreensiva e ativa abordagem sistémica. TEORIA DOS CONFLITOS: A JUSTIÇA SOCIAL REQUER MUDANÇA SOCIAL Segundo as teorias do conflito todas as sociedades perpetuam formas de opressão e de injustiça e, por isso, o compromisso para uma justiça social requer uma constante atenção à opressão e esforços diligentes para resistir e encontrar soluções a tal opressão. Necessariamente, o confronto entrincheira instituições, políticas, programas e comportamentos individuais generalizando conflitos. Esta situação torna-se na prática muito desconfortável e algumas vezes mesmo perigoso. A teoria do conflito revela que o conflito é uma força que deriva de uma mudança social. As Teorias do conflito podem ajudar os assistentes sociais a prestarem atenção à opressão, especialmente nos seus modos sistémicos e institucionais, fazendo apelo no sentido de encontrar estratégias para a Rui Pedro Ventura 32 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO solução. Também elas mudam o sentido de lidar com os dilemas com que os assistentes sociais se confrontam enquanto membros de uma instituição onde as pessoas são ajudadas. Apesar do compromisso com a mudança social, o assistente social deverá zelar por garantir a subsistência das pessoas a seu cuidado, mesmo que tenha que encontrar estratégias para contribuir para uma mudança das várias entidades, nomeadamente o Governo. TEORIA DO EMPOWERMENT: ELEVAÇÃO DA CONSCIÊNCIA E AÇÃO COLETIVA As teorias do empowrment no trabalho social fazem parte integrante do compromisso do assistente social na promoção da justiça social. Estende-se para além da fronteira da teoria do conflito e tem uma particular enfoque com funções específicas de opressão tais como baseadas no género, classe social, idade, deficiência, orientação sexual, raça, etnicidade. Realçam os modos como a estratificação cria bloqueios estruturais de oportunidades e bem-estar. As teorias do empowerment contribuem para a compreensão de que as mudanças significativas sociais requerem a implicação de todas as pessoas num compromisso tendo em vista a justiça. Trata-se de um processo de elevação de consciência tanto individual como de acção colectiva. Em vez de se ficar presos à vitimização e assumir uma mentalidade de vítima, o profissional em trabalho social procura junto dos oprimidos o empowerment directo, visando desenvolver nas pessoas potenciais, capacidades e recursos para ajudá-los a prosseguirem as suas metas e aspirações pessoais e colectivas. TEORIA FEMINISTA: CONEXÕES ENTRE O PESSOAL E O POLÍTICO A teoria feminista providencia um modo de análise para o trabalho social que permite dar ênfase ao género e ao modo como um modelo patriarcal cria e mantém uma estratificação e opressão baseada no género. Oferece uma abordagem holística das relações interpessoais entre o material, o social, o intelectual e o espiritual faces da existência humana. A teoria feminista relaciona o pessoal, o político e suportes da mulher e outros grupos oprimidos identificando atitudes, expectativas, linguagem, comportamentos e dispositivos sociais que contribuem para a opressão e marginalização das pessoas. No seu núcleo, é uma teoria das relações de poder que permite ao assistente social uma análise crítica, generalizada, uma produção de conhecimento e promoção de um engajamento político com o propósito de promover igualdade económica, política e social. CULTURA, MULTICULTURALISMO, ADAPTAÇÃO E COMPETÊNCIA Rui Pedro Ventura 33 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO As teorias relacionadas com cultura clarificam o facto que o trabalho social se encontra mediado pela cultura e envolve uma interação através de diferenças culturais. A cultura medeia todas as transações pessoais e do ambiente porque o sentido é fabricado pelo tecido social, modos de vida e instituições sociais que definem o que é tem que ser uma pessoa e membro de um grupo social e o modo como as pessoas se relacionam com o ambiente. As teorias acerca da cultura e adaptação cultural também ilustram os modos como a sociedade dominante define diferença cultural como deficiência, iluminando as tremendas variações nas crenças culturais e normas e dando ênfase aos potenciais e promessas de interacção através da cultura. No contexto do trabalho social, estas teorias relembram que a diversidade cultural e os modos de adaptação cultural são um facto da vida. Estas teorias orientam os profissionais de forma a desenvolverem formas de compreensão dos seus clientes e engajaram tal compreensão na prática. PSICODINÂMICA E O MUNDO INTERIOR As teorias psicodinâmicas contribuem com duas perspetivas capitais: a primeira é a de que existe uma interconexão entre a mente e o corpo e a segunda é a de que o comportamento humano em parte encontra-se perfilado por um processo interior mental através do qual não nos damos conta. As teorias psicodinâmicas alertam o profissional em trabalho social a prestar atenção á conexão entre a mente e o corpo e aos processos internos mentais. Também encorajam para que eles próprios sejam autorreflexivos e estimulem os clientes a serem, igualmente, autorreflexivos. Realçam para o facto de que os processos internos interagem com o ambiente. Toda a teoria psicodinâmica dá ênfase de que a introspeção e o diálogo auto-reflexivo podem se mobilizados no sentido de um crescimento pessoal. Também sugerem para um trabalho prolongado no sentido de se conseguir alcançar mudanças pessoais com implicações fortes. Apesar das limitações das teorias clássicas psicodinâmicas, algumas das ideias básicas continuam a ser convincentes. Alertam, também, para certos cuidados nomeadamente contra toda uma tendência redutora de prática clínica da função. CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO NO CURSO DA VIA (LIFE SPAN THEORY) As teorias do curso de vida deram um importante contributo ao trabalho social, na medida em que aquelas permitem descrever e analisar as interações entre o biológico, psicológico e os aspectos sociais do desenvolvimento, da conceção até à morte. Elas sugerem que a experiência acumulada e as mudanças da vida podem gerar talentos pessoais, potenciais e virtudes assim como sofrimento e fardo. Elas sugerem que todas as pessoas encontram-se numa jornada da vida. Os profissionais em trabalho social podem prestar cuidados e Rui Pedro Ventura 34 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO assistência às pessoas nessa jornada, providenciando ajuda quando elas estão em baixo e encorajando-as ao longo desse curso. As teorias do curso da vida enfatizam todas as fases da vida podem apresentar importantes oportunidades e mudanças de crescimento e com isso de aprendizagem e crescimento é sempre possível. DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E MORAL As teorias cognitivas e do desenvolvimento moral dão ênfase ao racional, moral, intelectual, desenvolvimento da fé ao longo da vida. Descrevem o crescimento pessoal como um processo através da qual as pessoas procuram um sentido para uma nova mudança intelectual e dilemas morais. Face aos novos desafios, o assistente social necessita de uma maior compreensão e sofisticados modos de pensar, com mais maturidade intelectual e moral, exigindo-se a estes que passem de um egocentrismo para uma perspetiva intelectual, moral, espiritual de forma a compreenderem outras pessoas de um outro modo. As teorias do desenvolvimento cognitivo e moral orientam os assistentes sociais a considerarem como formam as suas próprias decisões, como pensam acerca dos seus clientes e como podem informar a sua prática com uma estrutura moral de valores profissionais e éticos. Também podem chamar à atenção aos clientes modos para compreenderem o mundo e, como isso, ajudar no seu processo de adaptação e a conquistarem relações de satisfação com os outros. As teorias podem identificar inteligências múltiplas relembrando que cada pessoa possui várias capacidades (tais como pensamento lógico, sensibilidade emocional, e relacionamento social) e de que podemos beneficiar os clientes, através do desenvolvimento de capacidades, a atingirem os seus objetivos e a tornarem-se fortalecidos. INTERAÇÃO SIMBÓLICA E TEORIA DOS PAPÉIS O interacionismo simbólico e a teoria dos papéis conduzem para os fatores do ambiente social, expectativas normativas e processo social, dando atenção ao self. Enfatizam a importância da capacidade humana para simbolizar, para ser autorreflexivo de forma consciente e a relacionar-se uns com os outros na sociedade através da interação social. Reportam-se ao processo de socialização através da vida. A interação simbólica e a teoria dos papéis levam os assistentes sociais a examinar o modo como as expectativas significativas dos outros e as instituições dominantes guiam o nosso comportamento, desenvolvimento, e decretam os papéis. As teorias da etiquetagem realçam a importância na perceção dos efeitos destrutivas de tratarem os clientes como objetos e sujeitarem-nos a um diagnóstico estigmatizante com uma etiqueta ou categorias, que se entende como satisfatório. Esta perspetiva leva a que os assistentes sociais adotem precauções no modo Rui Pedro Ventura 35 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO como tratam as pessoas, evitando atribuir certos rótulos, que levam a ignorar as suas características, habilidades e potenciais e a reduzi-los da sua estatura plena de seres humanos. FENOMENOLOGIA, CONSTRUÇÃO SOCIAL E CENTRALIDADE DA CONSCIÊNCIA A fenomenologia foca o que raramente constitui ser o recurso da nossa atenção – a consciência de si e a natureza da realidade. A postura fenomenológica revela que o que poderá constituir um choque inicial: o entendimento de nós próprios, da sociedade e do mundo é baseado numa construção social da realidade antes de ser objetiva, fixa ou de pensamento absoluto. Esta perceção apresenta uma possibilidade promissora – porque o self e a sociedade são socialmente construídas, self e sociedade podem ser desconstruídas para voltarem a ser reconstruídas. Assim, os profissionais em trabalho social podem ajudar as pessoas ao seu cuidado a identificarem o entendimento que têm do seu próprio self, da sociedade e do mundo. Elas podem ser orientadas para descobrirem por elas próprias o que são e as opções que tomam visualizando o que elas são e que papeis elas jogam para alcançarem as suas aspirações. Estas teorias também relembram que qualquer processo de reconstrução afeta as outras pessoas e seus mundos socialmente reconstruídos. A fenomenologia, também, sugere que os métodos de pesquisa positivista são incapazes de capturar a complexidade e singularidade do comportamento humano. Behaviorismo, pedagogia social e teorias da transição: controlo pelo ambiente O behaviorismo e as teorias da transição têm sido extremamente úteis para darem ênfase ao modo como o ambiente influencia o comportamento. Enquanto outras teorias chamam á atenção ao modo como o comportamento é influenciado pelo biológico e forças psicológicas, as teorias do behaviorismo, a pedagogia social e teorias da transição defendem que o comportamento é influenciado por condições externas, reforça e modela que não se pode deixar de se estar atento. Por um lado, abre a possibilidade para o uso da técnica poderosa e efetiva da modificação dos comportamentos usando medidas empíricas de processos de intervenção e dos seus resultados. Por outro lado, estas teorias servem também como precaução dos assistentes sociais não moldarem os comportamentos dos seus clientes de forma manipulativa e coerciva. TEORIAS TRANSPESSOAIS: TRANSCENDÊNCIA DO SELF E FELICIDADE As teorias transpessoais são úteis para o profissional em trabalho social se focar nos aspetos espirituais e religiosos da experiência humana o que constitui um aspecto Rui Pedro Ventura 36 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO importante da fundação da profissão. Elas providenciam conceitos não sectários e modelos para o fazer, desenhados a partir de uma variedade religiosa, e tradições filosóficas à volta do Mundo. Elas orientam para o modo como lidar com todas as pessoas e constelações ambientais, sem esquecer dos aspetos espirituais do indivíduo na relação com o Mundo. Chamam a atenção para a perceção interior positiva espiritual e potencial das pessoas, bem como da importância do espiritual e do religioso como sistema de suporte para o desenvolvimento de um sentido de vida com sentido e direção. Elas providenciam linhas orientadoras para uma discussão com as experiências dos clientes da que transcende a natureza de um self que os podem ajudar a alcançarem uma felicidade pessoal e social. Expandem a visão do profissional para uma perspectiva ideal de justiça. A teoria integral de Wilber leva a considerar todas as dimensões da pessoa e do ambiente (dos aspetos subjetivos e subjetivos do individual e do coletivo) e dos níveis (pré-egoico, egoico e transegoico) do desenvolvimento como relevante para uma situação prática. Estas grandes ideias de várias teorias podem até ser controversas e suscitarem muitas questões aos profissionais em trabalho social, mas permitem promover um sofisticado e refinamento no desenvolvimento da pessoa e do profissional. 3.3. TEORIAS TRANSPESSOAIS NA PRÁTICA DO TRABALHO SOCIAL Estas e outras propostas para um trabalho social com orientação espiritual encontram não só nos fundamentos sectários da espiritualidade religiosa e não religiosa as suas fontes de inspiração para o desenvolvimento de modelo de atividade holística como, também, nos fundamentos não sectários como aqueles que as teorias transpessoais nos propõem (Robbins, 2011: 377-408). As teorias transpessoais reportam-se aos aspetos do comportamento humano que são distintos da nossa natureza enquanto seres humanos. Reporta-se às aspirações mais elevadas e potencialidades e necessidades de amar, sentido, criatividade e comunhão para com outras pessoas e o Universo. Estas teorias propõem-nos uma imersão no mais profundo em nós para uma compreensão plena do que nós somos, de que podemos transcender o ego expandindo consciência da nossa verdadeira natureza, profundamente conectada com outras pessoas e o Universo. Ao emergir em nós próprios e em profundidade experienciamos a natureza comum que nós todos partilhamos. De acordo com as teorias transpessoais, a meta do desenvolvimento humano significa alcançar o cume da nossa própria realização pessoal, à qual deverá convergir com a realização pessoal dos outros. Ajuda-nos a desenvolver uma perspectiva holística e integrativa do comportamento humano e da prática de Trabalho social. Em termos históricos, Abraham Maslow, em 1969, anunciou o início de um novo movimento em psicologia destinado à compreensão do que está “para além do alcance da natureza Rui Pedro Ventura 37 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO humana”. Este novo movimento foi desenvolvido para dar enfoque ao aspeto distintivo e elevado do potencial humano para o desenvolvimento. Chamou a quarta força da teoria transpessoal, que procura ir além das anteriores três foças teóricas do Freudismo, Behaviorismo e Humanismo. A quarta força pretende superar a teoria humanista (a terceira força), desenvolvida entre 1950 e 1960. Os teóricos humanistas empenharam-se em contrabalançar as tendências de desumanização e reducionismo influenciadas previamente pela “primeira força” do freudismo clássico e a “segunda força” do “behaviorismo”. Na perspectiva humanista, o freudismo encontrava-se suportado numa generalização dos estudos clínicos sobre as neuroses e fora criado a partir de uma visão do comportamento humano largamente determinado pelo inconsciente, pelos instintos e impulsos selvagens de busca de prazer e fonte de conflito e tensão. Por outro lado, o behaviorismo era concebido como uma perspetiva tecnocrática e mecânica que retratam as pessoas como estando controladas por forças do meio envolvente, negando-lhes a capacidade de escolha (o livre arbítrio) e a espontaneidade. Os psicólogos humanistas estudam pessoas dotadas de elevado sentido de autoestima, criatividade e satisfação em relação à vida tendo em vista identificar um modelo ótimo de bem-estar para o potencial humano. Descobrem que, em grande medida, muita dessa realização pessoal se encontra aliada experiencias transpessoais, que são cruciais para a sua tomada de consciência. Tais experiências designam-se de transpessoal porque transcendem os limites da pessoa, das fronteiras do corpo e do ego, da sua identidade pessoal. As teorias transpessoais dão enfoque a estes tipos de experiências e do processo de desenvolvimento que permitem expandir a mente. Em suma, as teorias transpessoais focam o aspeto espiritual distintivo da experiência humana e do desenvolvimento. A somar à psicologia humanista, cinco correntes intelectuais da história influenciaram fortemente a teoria transpessoal: a filosofia existencial que emergiu em reação ao desespero causado pela industrialização e de uma Europa assolada pela guerra; as teorias psicodinâmicas transpessoais desenvolvidas em reação ao Freudismo (tais como as de Jung e Assagioli); os estudos sobre estados alterados da consciência e da parapsicologia que emergiu no período entre 1960 e 1970; e, por último, os estudos que procuram o cruzamento de culturas, perspetivas diferentes sobre o mundo e práticas religiosas e diversos esforços para juntar perceções e disciplinas diferentes numa perspetiva integral e holística (Canda & Furman, 2010, Grof, 2006, Grof & Halifax, 1977, Masters & Housten, 1966, Pelletier & Garfield, 1976, Tart, 2000, 2009, Wilber, 2000ª), citados por Robbins (Robbins, 2011: 378). Borenzweig (1984) e McGree (1984), citados por Robbins,2011:378). A introdução da teoria transpessoal bem como da filosofia da ecologia profunda no trabalho social foi defendida, anos 1990’s e inícios de 2000’s, por Besthorn & Canda (2002), Canda (1991), Canda e Smith (2001), Crowley (1993, 1996), Rui Pedro Ventura 38 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Crowley & Derezotes, (1994), citados por Robbins (Robbins, 2011: 378). como um modo de desenvolver uma perspetiva holística. A teoria integral defendida por Ken Wilber tem sido aplicada de diversas maneiras no trabalho social e na especialização em saúde mental por Larkin (2005, 2006), Larkin e Records (2007), Starnino (2009), P.E. Thomas (2004), citados por Robbins (Robbins, 2011: 378). Diversas formas holísticas de uma prática com sensibilidade espiritual têm sido inspiradas em parte por uma teoria transpessoal nomeadamente por Bullis (1996), Canda & Furman (2010), Derezotes (2006), Lee, Ng. Leung e Chan, (2009), citados por Robbins (Robbins, 2011: 379). A prática com sensibilidade espiritual destina-se a trabalhar a pessoa no seu todo – corpo, mente e espírito – no contexto das relações com as outras pessoas, com todas as criaturas e a realidade suprema. A prática com sensibilidade espiritual respeita a formas religiosas e não religiosas de espiritualidade trabalhando com as pessoas em termos dos sistemas de sentido, procurando que estas desenvolvam os seus potenciais de desenvolvimento de si mas, também, com repercussões nas relações com outras pessoas, seres vivos e ambiente, contribuindo, desta forma, para a paz e justiça. Todas as teorias transpessoais dão enfoque às experiências e processos de desenvolvimento que conduzem a pessoa para além do sentido de fronteira da identidade do corpo e ego individual, tal como afirma Washburn (1994, 1995), citado por Robbins (Robbins, 2011: 379). As teorias transpessoais defendem que as pessoas têm um potencial para alcançarem um nível de desenvolvimento para além de um nível centrado no ego, um estado transegoíco, destacando-se das teorias convencionais da psicologia do desenvolvimento por se centrarem no ego. Neste estado transegoico, o self deixa de ser experienciado, meramente, com uma entidade separada, autónoma, isto é interconectada. Pelo contrário, o self passa a ser experienciando fundamentalmente como uma unidade com todos os outros. Os resultados dessas experiências são descritos como uma consciência de unidade, consciência cósmica ou união com o divino. Wilber (1983), citado por Robbins (Robbins, 2011: 379), realça que se trata de uma distinção crucial para o entendimento do desenvolvimento humano e avaliação da saúde mental. Se os profissionais de saúde mental não reconhecerem que uma experiência transegoíca é possível, provavelmente interpretam descrições de transcendência do self de experiências místicas como uma evidência de regressão préegoíca de simbiose infantil ou de uma confusão psicótico de um ego-fronteira. Chama a isto a pré/trans falácia, que significa misturar o pré-egoico com o transegoíco. Tal falácia, também, ocorre quando no reverso uma pessoa superficialmente assume que qualquer estado se relaciona com fusão ou unidade com os outros, mesmo que em contextos de desorganização mental, de ilusão ou alucinação, reflete uma perceção mística (Wilber, 2000ª, 2000b) citado por Robbins (Robbins, 2011: 378). Os teóricos transpessoais, Rui Pedro Ventura 39 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO também, destacam os estados de consciência. Tart (2000) citado por Robbins (Robbins, 2011: 378), define discreto estado de consciência como o único completo modelo de funcionamento mental tal como aquele que nós temos consciência pessoal (self), sentido do nosso corpo e do ambiente, experiências emocionais, acessos de memória e acessos da passagem do tempo. Um estado alterado de consciência é um tipo de funcionamento mental que é significativamente diferente do estado ordinário de consciência caracterizado por um nível elevado de racionalidade e relativamente nível baixo de imaginação mental. Existe uma variedade grande de estados de consciência possíveis, em relação ao estado acordado comum, tais como aqueles associados com o sonhar, relaxamento profundo, meditação, uso de drogas psicoativas e hiperestimulação. Cada estado de consciência exprime formas particulares de experienciar a realidade, como modos distintos de perceção. Para além disso, muito dos estados alterados de consciência conduzem a uma consciência transpessoal. Os métodos de investigação e teorização sobre estados de consciência devem muito à natureza particular do estado de consciência que se está a estudar. Tart (2000), citado por Robbins (Robbins, 2011: 379), refere-se a isso como um estado de consciência específico da ciência. O nosso entendimento sobre o comportamento humano deve entrar em linha de consideração com os diferentes estados de consciência. Por exemplo, o único modo para compreender quando uma pessoa se refere a uma visão de um ser divino se encontra associado com uma psicopatologia passa por examinar a sua experiência interior (isto é, o estado e conteúdo da consciência), o sentido da experiência para si com o seu próprio curso de desenvolvimento e contexto cultural e religioso e o impacto no seu funcionamento (Canda & Furman, 2010), citado por Robbins (Robbins, 2011: 380). Experiências visionárias e estados intensificados de consciência são inteiramente expectáveis, e mesmo desejáveis, em muitos contextos rituais que envolvem orar, meditar, hiperestimulação ou privação de estímulos. Estas experiências não se comparam a ilusões e alucinações, que refletem uma desorganização mental extrema ou rigidez e insensível ao exame da realidade, como em determinadas formas difíceis de doença mental. Um dos maiores interesses da teoria transpessoal é a espiritualidade. Wilber (2000b), citado por Robbins (Robbins, 2011: 380), identifica quatro significados comuns do mundo espiritual: (a) o nível mais elevado de desenvolvimento vai para além da consciência egoíca; (b) uma linha de desenvolvimento da fé; (c) uma profunda experiência culminante, por exemplo através da oração ou meditação; e (d) uma atitude de amor, compaixão e sabedoria. TRANSPESSOAL E O TRABALHO SOCIAL Rui Pedro Ventura 40 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Nos anos recentes, as teorias transpessoais tem sido aplicada no sentido de desenvolver de forma detalhada uma estrutura para uma prática de trabalho social com sensibilidade espiritual e direcionar para muitas questões particulares, tais como experiências de infância adversas, desenvolvimento positivo de jovens, divorcio, recomposição de saúde mental, recorrendo a temas como morte, desenvolvimento espiritual face a crises, conselho com casais, doenças crónicas, hospício, gestão organizacional para serviços de idosos e educação em trabalho social (Bhagwan, 2009, Canda, 1998, Canda & Cheon, 2010, Canda & Furman, 2010, Canda & Smith, 2001; Cowly, 1993, 1996; Derezotes, 2006; Derezotes & Evans, 1995, Larkin, 2005; Larkin & Records, 2007,; Nelson – Becker, Nakashima & Canda 2006, Starnino, 2009).A teoria integral tem sido igualmente aplicada no sentido de desenvolver uma perspetiva que pode ser integrada ao nível do discernimento em muitos diferentes campos e métodos de pesquisa e para ligar abordagens do micro e do macro em termos da prática (Kerrigan, 2006; Larkin, 2006; P.E. Thomas, 2004). A busca do potencial humano pela via da empatia, da criatividade e da espiritualidade tem sido considerado, de alguma forma, por assistentes sociais desde o começo da profissão (Towle, 1965). Contudo, passados 20 anos, houve um incremento rápido do interesse pela espiritualidade, incluindo a construção de teoria, pesquisas empíricas, e prática e desenvolvimento de competências em assistentes sociais (Canda & Furman, 2010). Para o assistente social ser capaz de reconhecer uma crise de crescimento transpessoal ou para acompanhar as pessoas a lidarem com as experiências afloradas por disciplinas espirituais tais como a meditação tem que ter bases relevantes de compreensão teórica e experiencial sobre tais fenómenos (Canda & Furman, 2010, Keefe, 1996, Krill, 1990).O assistente social tem que estar num contínuo e paralelo processo entre o seu próprio crescimento e o crescimento da pessoa que tem a seu cuidado. O assistente social tem que se centrar no seu próprio processo de crescimento e numa reflexão constante para que a relação de ajuda permita expandir o nível transpessoal. Na perspetiva transpessoal, a situação de ajuda é uma oportunidade para ambos, assistente social e a pessoa ao cuidado, aprofundar o discernimento espiritual e crescer através do seu potencial superior, incluindo a consciência transpessoal se tal for relevante para as necessidades e aspirações das pessoas a que o cuidado se destina. Em acréscimo para ter treino numa base convencional de conhecimento e competência, Hutton (1994), citado por Robbins (Robbins,…9 sugere que terapeutas transpessoais devem seguir qualidades: abertura para a realidade transpessoal de experiência que visem a cura e a transformação, sensibilidade para o sagrado, conhecimento e respeito pela diversidade de caminhos espirituais; e um engajamento ativo no crescimento espiritual. Idealmente, o profissional considera o cliente como um todo irredutível e valor e dignidade inerente. Ainda que sejam usados Rui Pedro Ventura 41 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO correntemente nas práticas convencionais de instrumentos de diagnóstico/avaliação standards importa procurar não atribuir à pessoa meras categorias, rótulos ou, pior, descrições patológicas. O transpessoal permite a conexão espiritual na relação, transcendendo o nível pessoal baseado no ego e no papel do profissional, ajudando a incrementar o sentido de empatia e de compaixão (Dass & Gorman, 1985, Wilber, 2000ª). A ajuda deve nascer deste sentido de conexão mais do que de meras técnicas ou requerimentos burocráticos. De uma perspetiva transpessoal, o potencial da pessoa e das possibilidades transpessoais, tais como experiências de topo, alterados estados de consciência e de transcendência, são aceites (Canda & Smith, 2001). Hutton (1994) diz que terapias transpessoais encorajam o desenvolvimento espiritual, do sentido pessoal de totalidade e unidade com outros, uma realidade suprema e a perceção direta com o divino. Tal como Joseph (1987, 1988) afirmou os assistentes sociais necessitam avaliar as formas como as pessoas concebem o benigno ou o punitivo divino e suas conexões com sistemas de suporte religioso e modo como afetam o seu sentido de bem-estar ao longo do seu ciclo de vida. Cowley (1993) refere-se à meta transpessoal de ajuda como “saúde espiritual” em que o corpo, mente e espírito encontram-se integrados e em que alcançam um sentido de satisfação completa com a vida, paz com o Mundo e comunhão com o ambiente. A macro prática de trabalho social consiste em criar as condições globais de justiça e de equilíbrio bio ecológico que sustenha e suporte qualquer pessoa no sentido do desenvolvimento espiritual (Canda & Furman, 2010). A teoria transpessoal orientam os assistentes sociais para se moverem para além dos standards egocêntricos e etnocêntricos de avaliação incorporados nas teorias convencionais de desenvolvimento (Canda & Furmann 2010; Canda & Smith, 2001). As teorias de desenvolvimento convencionais estabelecem um standard linear, racional, um pensamento abstrato como epítome do desenvolvimento cognitivo. Propõem a consecução de um ego separado como o ponto mais alto do desenvolvimento. Assumem que uma consciência desperta funciona de um modo dualístico (separação ente sujeito/objeto e self/teoria), um standard para uma boa saúde mental. Isto está relacionado com a pré/trans falácia em que pessoas com experiências visionárias, estados alterados de consciência são identificadas de forma redutora e patológica. Certamente as desordens mentais podem causar ilusões, alucinações ou uma identidade confusa. O crescimento transpessoal pode igualmente resultar de períodos debilitados em consequência de crises psicossociais. Mas a teoria transpessoal requer que sejamos capazes de identificar as patologias de tais experiências transpessoais que contribuam para o crescimento pessoa (Nelsno, 1994; Wilber 2000ª, Wilber, Engler & Brown, 1986). É expectável que uma pessoa que supere a sua identidade egoíca e certos papeis convencionais sem que tal estado esteja associada a uma patologia (Wilber, 1986). Rui Pedro Ventura 42 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Uma consciência transpessoal poderá se revelar necessária para que uma transformação ocorra, sem que tal estado constituía uma mera desordem angustiante ou se encontre confinado a uma patologia. A pessoa pode ser aconselhada a conformar-se a normas sociais a aceitar a realidade como única existente e a receber a medicação para reduzir a consciência, contudo, tal não permitirá a sua transformação nem do meio que a circunda. A nível macro, a visão lógica reage tumultuosamente à interação global e multicultural (Wilber, 2000ª). As políticas devem transcender o etnocentrismo, o isolacionismo e imperialismo em direção ao transcultural, ao transreligioso para uma compreensão e cooperação Global. 3.4. A TRANSFORMAÇÃO TERAPÊUTICA NO TRABALHO SOCIAL Um exemplo do que é uma aplicação prática de um trabalho social com uma orientação espiritual é nos dado por Canda no modelo concetual de transformação terapêutica que foi aliás trabalho que desenvolveu no âmbito do seu mestrado em trabalho social e em minha opinião poderá ser útil nomeadamente em trabalho social clínico. Segundo Canda, partindo de uma abordagem taoista, o livro da Mutações Chinês (I Ching) identifica vários tipos, níveis e ritmos de mudança na vida humana. Um modo sábio de compreender uma mudança particular implica considerar todos os aspetos da vida e não um apenas. De acordo com esta abordagem importa estar atento ao fluxo da mudança e identificar as oportunidades que permitem melhorar a vida. Alguns períodos de mudança são de transformação, os obstáculos surgem como oportunidades, apelando a uma grande sabedoria. A transformação consiste numa mudança relativamente rápida e significativa da condição inicial em que a pessoa se encontra para um estado de desenvolvimento e progresso, levando-a a ter, em determinadas situações, experiências “culminantes”. O trabalho social, tal como Canda nos propõe, procura encontrar soluções terapêuticas (de bem estar bio-psico-social e espiritual), que colocam as pessoas ao cuidado a caminho de um processo de transformação. No hexagrama com o número 23 do I Ching com o nome “Desintegração “simboliza o tempo da vida em que o status quo se encontra a fraturar. FIGURA 8. HEXAGRAMA 23 “DESINTEGRAÇÃO” ______________ _____ _____ _____ _____ Rui Pedro Ventura 43 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO _____ _____ _____ _____ _____ _____ As cinco linhas, descontínuas, representam as paredes de uma casa a desmoronar. O telhado está prestes a cair. Isto poderá ser assustador. Definitivamente é tempo de mudar! O simbolismo do hexagrama inclui um aviso para o modo como se deverá responder a esta situação. As três linhas superiores simbolizam o céu e as três linhas inferiores a terra. Se formos capazes de manter uma mente clara, virtuosa e aberta ao interior e baseada em factos então a brecha pode abrir para algo de grandioso (tal como uma montanha que permanece na terra e cresce para o céu). Um outro modo de olhar o simbolismo do hexagrama consiste em entender a linha contínua no topo como um fruto maduro que se encontra no alto de uma árvore. O fruto acaba por cair na terra, quando a mudança ocorreu até ao seu auge. Esta morte aparente acabará por plantar a semente para o futuro. Tal como a morte aparente do fruto que ao cair acaba por plantar a semente do futuro também a experiência transformacional que ocorre normalmente em face a situações adversas representa uma via facilitadora do potencial pessoal do aperfeiçoamento interior, de vitalidade, de sentido e de propósito e no rumo da vida. Tudo dependerá, todavia, no modo como se caminhará no momento da crise em que tudo parece ruir. O processo de transformação ocorre espontaneamente em situações de crises. Os encontros com as pessoas que necessitam de cuidados podem ser considerados como rituais. Estes rituais têm em vista a melhoria da vida das pessoas ao cuidado. A palavra ritual pode, num uso comum do termo, significar algumas vezes algo de antigo aliado à tradição, ultrapassado ou, ainda, uma repetição sem sentido. O sentido de ritual terapêutico é oposto ao uso comum do termo, uma vez que nos remete para algo dinâmico, intencional e cuidado. A transformação terapêutica (não confundir com psicoterapia), tal como ela é proposta por Canda, é dividida em cinco fases que se movem mais como ondas. A fase prévia à ajuda formal respeita a tudo o que precipita a pessoa à necessidade de auxílio. O especialista em trabalho social acompanha a pessoa ao longo de um percurso contínuo de desagregação, fluxo e de agregação. Após a ajuda a pessoa continua a sua vida de um modo mais esperançosa, confiante e consciente dos seus potenciais e recursos. A transformação terapêutica é como um processo de movimento para uma nova casa. Rui Pedro Ventura 44 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Na fase 1, há uma série de acontecimentos que exigem respostas rápidas, orientando a decisão para a mudança. Algumas vezes a decisão é proactiva e motivadora, outras não. A decisão, muitas das vezes, é forçada a ser tomada. A mudança de casa é um evento significativo na vida, alterando padrões de comportamento, de relações e de conforto. Mesmo quando o status quo é difícil e há uma vontade de mudar, os velhos hábitos podem ser difíceis de quebrar ou alterar. Uma vez decidida a mudança, torna-se necessário ter em atenção uma preparação prévia antes de sair definitivamente da velha casa. Caso a pessoa seja forçada a sair da casa de repente, a falta de preparação complica a mudança. Na fase 2, procede-se ao empacotamento em caixas dos pertences numa determinada ordem para que se possa recuperar e reorganizar tudo mais tarde. A fase 3 respeita à viagem cujo destino é novo e o futuro incerto. Novas possibilidades se abrem, trazendo expetativas e, ao mesmo tempo, ansiedade. Os amigos, a família ou uma mudança de companhia podem ajudar na mudança para uma nova casa de modo a que ocorra de forma relativamente tranquila e segura. Na fase 4 já na nova casa abrem-se as caixas e reorganizam-se todos os pertences de acordo com a nova situação e propósito. Na fase 5 restabelece-se a vida na nova casa, reorganizando relações e as atividades da vida quotidiana. Ora, os especialistas em trabalho social são como especialistas em todo o movimento, facilitando a embalagem, o desempacotamento e a reorganização da vida. FASE 1: PREPARAÇÃO (PRÉ-TERAPIA) Em momentos de crises tudo parece estar fora de controlo, causando a sensação de sufoco. Quando a experiência é intensa, aceita-se a ajuda de qualquer pessoa que queira dar a mão. A experiência anterior predispõe a perceber e a responder a crises ou à transição na vida de uma certa maneira. Apela-se numa estratégia de resolução de problemas aos potenciais (strengths) e socorrer-se dos recursos em função da aprendizagem pessoal. Haverá, naturalmente, situações em que se torna necessário consultar um profissional de ajuda, criando antecipadamente expectativas, esperanças e, também, preocupações antes do processo de ajuda ter início. O especialista em trabalho social deverá estar atento às deixas da pessoa que procura a ajuda (quer aquelas que são subtilmente deixadas quer as outras que são expressas de uma forma aberta) de forma a saber como antecipar e preparar a pessoa para o processo de ajuda. Torna-se útil, então, providenciar alguma orientação sobre o que a pessoa poderá esperar e o modo como poderá fazer uso do processo de ajuda de forma a poder melhor servir os seus interesses. Rui Pedro Ventura 45 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO FASE 2: SEPARAÇÃO (AJUDA FORMAL) Num trabalho social prático o especialista acolhe a pessoa numa relação de ajuda num espaço como o de gabinete ou em sua casa designado para um encontro dedicado à ajuda. Deixam dicas às pessoas para que se desvinculem de uma situação ordinária de vida da qual se sentem presas. Indicam a sua intenção de ajudar e como o irão fazer. Recolhem-se dados importantes sobre a história de vida e identificam-se os problemas e as aspirações. Esta é a fase da avaliação e da análise, que literalmente significa “desmontar”. Ajuda-se a pessoa a desconstruir a sua situação e a abrir-se a outras possibilidades. Nesta fase, torna-se importante criar um laço de confiança e segurança na relação de ajuda com a pessoa que se encontra afetada, oprimida e desorientada pelo caos, revelando-se indispensável assegurar respeito por ela. Esta fase de ajuda dá ênfase ao restabelecimento das relações, procurando-se transmitir, deste modo, um sentido de proteção, compreensão e esperança no futuro. FASE 3: FLUXO (MUDANÇA DINÂMICA) As desordens têm as suas vantagens e o caos pode ser criativo. A pessoa que sinta o status quo a ruir poderá deslumbrar uma abertura para a mudança e crescimento. Ao longo do processo de ajuda, afigura-se necessário que o especialista em trabalho social ajude a pessoa a encontrar novas oportunidades, a ter outras formas de ver e de pensar, a improvisar soluções e a recorrer aos seus próprios potenciais e recursos imprescindíveis num processo de mudança. Para o efeito, importará cortar com velhos padrões. Esta é a fase em que se abrem muitas oportunidades havendo um forte apelo à criatividade. O antropólogo Victor Turner (1965), (1969), (1974), citado por Canda (Canda, …:), inspirando-se no trabalho de Arnold Van Gennep, refere-se a isso como literalmente a rito de passagem. Quando uma pessoa está em movimento, ela sente ambiguidade e alguma desconcentração, contudo tem a possibilidade de se mover de um lugar para outro. Turner salienta que os rituais de ajuda e ritos de passagem dão ênfase a duas dimensões desta fase. Uma respeita ao facto de que as estruturas pessoais e culturais, hábitos, normas e expectativas encontram-se temporariamente alteradas ou suspensas. Muitas possibilidades se abrem. As pessoas em conjunto que passam através deste processo, tendem a formar um sentido de cooperação e suporte mútuo de base igualitária e comunitária. Esta falta de estrutura, porém, faz apelo a um suporte de proteção e orientação, que poderá ser assegurado por cuidadores (e curandeiros). Este suporte, no caos criativo, é catalisador no processo de transformação. A complementaridade entre a anti-estrutura e a estrutura é similar aos conceitos de morfostase (morphostasis) e morfogénese (morphogenesis) num sistema dinâmico. A morfostase significa “manutenção de forma”. É o processo de vida do Rui Pedro Ventura 46 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO sistema que protege e restaura a integridade de vida do sistema, de modo a poder sobreviver. A morfogénese significa “gerar forma”. Trata-se do processo que adapta, muda e cria novos padrões de vida de um sistema, de modo a poder desenvolver e crescer todo o tempo. A morfostase e morfogénese são complementares e aspetos necessários no processo dinâmico de manutenção e transformação da vida do sistema. A morfostase sozinha resulta na estagnação e morfogénese sozinha resulta em caos destrutivo. FASE 4: AGREGAÇÃO (REINTEGRAÇÃO) A quarta fase corresponde à agregação. Novas possibilidades se abrem nesta fase. Se a vida de uma pessoa se encontra desconstruída, isso destrói. O assistente social ajuda a pessoa a encontrar estabilidade consigo própria e na relação com os outros em face a nova situação. É, também, a fase de “estar junto com os outros”. O fechamento poderá constituir um impasse na nova vida. O assistente social ajuda a pessoa a ultrapassar a situação depressiva em que se encontra mostrando-lhe novas possibilidades e o quanto importante é integrar todas as aprendizagens para uma vida que se pretende melhorada. FASE 5: CONGREGAÇÃO (PÓS-TERAPIA ONGOING) Quando as pessoas alcançam o êxito nesta sua passagem, as suas vidas são marcadas pelo prazer e por uma criatividade espontânea. Deixam de depender de profissionais de ajuda (a não ser que se venham a confrontar com outras mudanças sérias). Qualquer um poderá dizer com satisfação: “estou-me a sentir como nunca me senti antes”. Durante esta fase, importa que os assistentes sociais ajudem a pessoa a desenvolver nela os seus próprios recursos de ajuda (autoajuda). A pessoa pode ser encorajada a procurar novos modos de pensar, sentir, agir e de se relacionar com outras pessoas mesmo depois de concluída as relações de ajuda. Quando ocorre uma mudança individual, esta tem implicações com o sistema de suporte familiar, relacional e comunitário. Neste sentido, importa proceder a um follow-up para o ajudar a pessoa a continuar a integrar as mudanças. Trata-se, aqui, de um acompanhamento que vai para além do curso da relação de ajuda propriamente dita que permitiu o processo de transformação aliada a um crescimento individual em face a uma situação em concreto. A relação de ajuda pode durar uma hora, um dia, 10 semanas ou um ano. O assistente social acompanha a pessoa em toda a sua corrente de mudança “espontânea” (desde a separação, passando pelo fluxo e finalizando com a agregação) e para além desta, ou seja quando a relação de ajuda supostamente se consumou. Rui Pedro Ventura 47 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Com efeito, a pessoa poderá vir a precisar de grande ajuda ao longo da sua vida, podendo este processo vir a repetir-se. Existem, porém, muitos acontecimentos na vida que levam a uma transformação e ao crescimento, que não envolvem necessariamente profissionais e relações de ajuda. Ao longo de um processo de ajuda existem muitas pequenas experiências de transformação. Com o assistente social cada encontro é marcado por um rito próprio: no momento da saudação inicial, no planear e no orientar, em termos das tarefas “terapêuticas” a serem levadas a cabo em casa, e no encerramento da sessão. Durante o encontro pode ocorrer ou ocorrerá momentos de poderoso discernimento e de catarse, que possibilitam quebrar com modos habituais de pensar, de sentir e de agir. O modelo concetual de transformação terapêutica proposto por Canda procura dar ênfase às experiências de catarse que decorrem de uma relação de ajuda. A catarse envolve o recordar e o libertar de memórias e sentimentos dolorosos. Os assistentes sociais devem, apenas, evocá-los num ambiente que confira à pessoa confiança. A recordação da dor necessita de ser convertida em energia criativa via a um crescimento pessoal. Episódios catárticos necessitam de serem processados e integrados emocionalmente, fisicamente, intelectualmente e espiritualmente de modo a que fique um sentido de conclusão, antes de se terminar uma sessão. O modelo de transformação terapêutica recorre a metáforas ou histórias, que se transpõe para a realidade vivida pela pessoa que se pretende ajudar. Apela-se, porém, à perspetiva espiritual da pessoa, de modo a que ela se reveja em tais metáforas ou histórias, não se impondo, deste modo, a perspetiva de espiritualidade do profissional de ajuda. Pretende-se que elas sejam inspiradoras e encorajadoras para a transformação e resolução de crises. Por exemplo, cristãos podem olhar para a história da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Os judeus podem refletir sobre o êxodo da escravatura no Egipto. Os hindus podem considerar a história de Bhagavad Gita sobre a crise do herói Arjuna num confronto da batalha e como o divino Krishna o avisou. Muitas pessoas encontram-se familiarizadas com uma lenda de Fénix de magia numa chama que rompe e aumenta e desperta para uma nova vida. Quando as pessoas não perfilham qualquer religião, as metáforas não religiosas de transformação podem ser exploradas. Por exemplo, uma borboleta emergindo do seu casulo, um pássaro acabado de nascer a sair do seu ovo, a lua passando por diversas fases, o nascer e o por do Sol, ou a passagem do frio do inverno para a nova vitalidade da primavera. Por vezes símbolos de transformação aparecem às pessoas de forma espontânea nos sonhos, fantasias e visões. Em qualquer um dos casos, torna-se importante ancorar estas metáforas e histórias à situação em que a pessoa se viu confrontada, procurando aprofundar essa experiencia de transformação. Pode-se pedir à Rui Pedro Ventura 48 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO pessoa que se recorde de uma experiência de luta em face a uma adversidade, de resolução de uma crise e de êxito. Uma experiência de mudança pode ser relembrada, ajudando a refletir de que modo algumas estratégias adotadas resultaram na superação de uma crise, como certas pessoas foram inspiradoras e como tudo isso, no seu conjunto, foi inspirador no crescimento, na superação de crises e na transformação de si e de outras pessoas por sua influência. O recurso a figuras ancestrais e seres sagrados pode ajudar a pessoa a encontrar discernimento, orientação e suporte. Se vivem com guias espirituais importará reconhecer e aprofundar as relações com estas pessoas importantes. As pessoas podem ter uma inspiração especial com plantas, animais ou outros seres e espaços naturais. Quando consideramos a prática do trabalho social à luz do ritual de transformação, procura-se ter em atenção as qualidades criativas, ascéticas, emotivas e dramáticas. Se o assistente social trabalha numa perspetiva, meramente, analítica a ajuda será dificilmente contagiante, inspiradora e orientadora para a transformação. Símbolos ou modos artísticos de expressão podem ser, igualmente, adotados numa terapia de transformação. A prática de trabalho social é, também, arte, na medida em que traz o lado ascético, a beleza, algo de bom e de verdadeiro, não deixando, porém, de ser ciência. Por isso, Canda afirma que a prática de trabalho social é arte científica, tendo um objetivo experiencial e de transformação. Numa prática de trabalho social com sensibilidade espiritual procura-se estar atento aos momentos de transformação encorajando a pessoa no prosseguimento de um desenvolvimento espiritual contínuo. Pode-se apelar a um suporte comunitário aliado a uma religião, caso a pessoa a perfilhe, constituindo um recurso de ajuda no seu processo transformacional ou mesmo procurar no saber aliado a uma tradição espiritual uma orientação para a prática de trabalho social. Note-se que existem muitas abordagens no trabalho social com orientação espiritual resultando em técnicas terapêuticas específicas nas relações de ajuda. As práticas de ajuda podem ser orientadas de acordo com perspetivas religiosas e não religiosas, podendo-se encontrar na terapia cognitiva e comportamental, na psicanálise, na terapia existencial ou transpessoal com orientação espiritual e na terapia holotrópica com trabalho respiratório. Revela-se, essencial, que os profissionais qualificados desenvolvam as suas práticas tendo em atenção as culturas e as perspetivas espirituais das pessoas e suas comunidades. Devem, igualmente, considerar nas suas práticas o background das pessoas. As práticas de trabalho social com orientação espiritual permitem o desenvolvimento espiritual, ajudando, ao mesmo tempo, na escolha do caminho via à realização de aspirações mais elevadas e de cura. A sua prática resulta numa tomada de consciência do Rui Pedro Ventura 49 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO self e dos outros, permitindo novos discernimentos e ajudando em tensões existentes. Conduzem para uma consciência e experiências transpessoais. Reportam-se a aspetos básicos do ser humano considerados em quase todas, se não em todas, as tradições religiosas e espirituais. Por exemplo, todas as religiões reconhecem o benefício da respiração. Muitas línguas têm palavras que associam força vital com respiração; spiritus (Latim), ruach (Hebraico), pneuma (Grego), prana (Sanskrit) e qi (Chinês). Na forma as técnicas de respiração não são religiosas, podem ter sido, contudo, inspiradas em muitas tradições religiosas. Podem ser associadas a práticas religiosas se a pessoa, assim, o entender ou aplicadas em muitas situações práticas. São muito fáceis de aprender. Não requerem um treino extensivo formal, devendo, no entanto, ser praticadas de modo cuidado no contexto de uma tradição específica ou de uma orientação terapêutica. Envolve baixos riscos para a pessoa. Os benefícios encontram-se suportados por uma extensiva evidência científica. O Código de Ética da NASW prevê, contudo, que os trabalhadores sociais tenham competência prévia antes de aplicar qualquer atividade particular de ajuda. O profissional não poderá aplicar uma prática com sentido espiritual sem ter antes uma experiência pessoal prévia e significativa, bem como um treino formal. Se a pessoa tem uma saúde frágil ou instabilidade psicológica, devem ser adotadas especiais precauções. As pessoas devem ter um sentido de autoestima e relações interpessoais positivas, antes de procurar alterar e transcender o ego com segurança. Transcender não significa suprimir o ego, significa incluí-lo e transcende-lo. Caso a pessoa se encontra confusa sobre o que ela é poderá não ser apropriado usar uma técnica de relaxamento com o propósito de se transcender Se a pessoa se encontra com alucinações incontroláveis e desagradáveis, poderá não ser apropriado induzir a estados alterados de consciência. Será melhor adotar uma prática que ajude a crescer e a centrar-se. A prática descrita poderá ajudar a lidar com desordens mentais, mas importa tomar certos cuidados. Pessoas que experienciam ansiedade podem aprender técnicas de relaxação. Pessoas que experienciam depressões podem aprender a fazer meditação. Poderá ser vantajoso fazer certos exercícios com pessoas que sofrem alguns tipos de esquizofrenia. Uma pessoa com uma desordem bipolar pode beneficiar com certos exercícios de relaxamento, de modo a estar mais alerta ao início das alterações de humor numa ação de natureza mais preventiva e no sentido de reduzir flutuações extremas. São necessários, contudo, cuidados especiais e treino por parte dos profissionais para responder a sofrimentos e incapacidades mentais ou físicas crónicas e agudas. Rui Pedro Ventura 50 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Em geral, revela-se importante escolher práticas espirituais que permitam fortalecer os potenciais (strengths) e providenciar equilíbrio na pessoa que experiência situações de crise problemáticas. Por exemplo, um ambiente tranquilo poderá não beneficiar alguém com uma elevada introspeção, de igual modo que tal ambiente poderá ser frustrante para quem é extrovertido. O extrovertido poderá sentir-se muito mais confortável com terapias com enfoque no corpo e em práticas meditativas feitas com atividade física ou ouvindo música. Uma pessoa com uma problemática extrema pode encontrar equilíbrio aprendendo uma nova habilidade. Uma pessoa introvertida, defensiva e que evita contactos físicos ou interações poderá não beneficiar de uma prática meditativa mais introspetiva. Rotinas com exercícios físicos e práticas de grupo tais como hatha yoga ou qygong poderão ajudar a pessoa a integrar uma aprendizagem espiritual com domínio físico e social. Há que respeitar as crenças espirituais e atitudes relacionadas com práticas espirituais. As decisões dos profissionais necessitam de serem centradas na pessoa, pelo que se revela necessária uma atenção especial na pessoa e no que ela acredita acerca destas coisas. 3.5. MODELO HOLÍSTICO DE TRABALHO SOCIAL BASEADO NO LIVRO DAS MUTAÇÕES De modo a ilustrar como o trabalho social poderá incorporar saberes inspirados em tradições espirituais, entendeu-se dar enfoque, mesmo que sucintamente, aos contributos dados por Edward Canda na conceção de um modelo holístico da atividade em trabalho social (Canda, 2010b: 213-242). Canda concebe um modelo holístico de trabalho social inspirado na filosofia chinesa, designadamente, no Livro das Mutações o I Ching. Edward Canda identifica no seu modelo 5 etapas (Canda, 2010b: 213-242): a) Compreender a situação; b) Desenhar um plano de ação; c) Intervir; avaliar o processo e os resultados; e, por último, d) Integrar todas essas atividades num sistema de atividade coerente.. Estas são grosso modo as etapas da intervenção em trabalho social, mesmo que sem ter esse sentido holístico que Canda pretende dar. Rui Pedro Ventura 51 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO FIGURA 9: MODELO HOLÍSTICO DA ACTIVIDADE EM TRABALHO SOCIAL O que faz distinguir o modelo de Canda de um modelo “convencional” de intervenção em trabalho social, é de que cada etapa envolve dois aspetos complementares e contrastantes, análogos ao yin e ao yang, que têm de convergir. Todas as etapas encontram-se interconectadas. Apesar de se poder dar ênfase a uma etapa respeitante à atividade em determinados momentos da prática, na verdade cada etapa e todas as atividades com ela relacionada influenciam cada uma das outras etapas e podem ter implicações no processo de ajuda. O profissional em trabalho social precisa integrar cada etapa e atividade no seu trabalho. O serviço ou organização precisa de integrar as etapas e atividades de ajuda através do seu staff, procurando estimular, ao mesmo tempo, o aperfeiçoamento, a criatividade e a proficiência (em espiral) individualmente na relação de ajuda e organizacionalmente como instituições de ajuda. Rui Pedro Ventura 52 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO O presente modelo deverá ser entendido em espiral, mais do que linear. O cruzamento de linhas verticais e horizontais demonstra a interconexão entre todas as etapas. O círculo abrangente demonstra unidade essencial de todas as etapas no fluxo da mudança útil. Cada direção encontra-se rotulada adequadamente em cada uma das etapas apropriadas e com os aspetos de complementaridade e contrastantes da atividade relevante da etapa. Um aspeto (o lado yang) de cada etapa encontra-se normalmente relacionado com a educação/formação em trabalho social, sendo o yin normalmente negligenciado. A imagem em círculo procura, ainda, representar o crescimento e o aperfeiçoamento do profissional e da organização enquanto processo de ajuda holístico. O modelo conceptual mencionado é muito abrangente dando algumas linhas orientadoras e muito gerais, nunca tendo sido antes testado através de uma investigação pura, dada à complexidade teórica do modelo. Porém, analisando o modelo sobressai algo que parece inovador a considerar, designadamente uma orientação que procura aliar ao que se associa ao lado mais racional da organização do trabalho social ou seja todos aqueles aspetos que estimulam a empatia, a intuição e a criatividade necessária em qualquer relação de ajuda. ETAPA 1. COMPREENDER/ESTRUTURAR PROBLEMAS (CONHECER E INTUIR) Segundo Canda, usualmente, em termos de ensino, os profissionais em trabalho social são orientados no sentido de assentarem o conhecimento sobre as observações empíricas, o raciocínio lógico e a aprendizagem sobre factos e teorias de especialistas e académicos. De acordo com Canda este tipo de conhecimento é necessário, mas não é suficiente. Importa, igualmente, prestar atenção aos modos não lineares, não racionais e espontâneos de tomada de consciência. Importa ter uma apreensão intuitiva da situação da pessoa que se encontra ao cuidado do profissional. A intuição, neste contexto, constitui uma via, igualmente, importante numa abordagem que se pretende holística. Para apelar à intuição importa que o profissional se torne participante do mundo da pessoa ao cuidado desenvolvendo uma relação de empatia, ouvindo as suas histórias e sem desvalorizar os seus sentimentos. Quando a relação está estabelecida, o profissional pode experienciar o mundo do ponto de vista da perspetiva da pessoa, antecipando de forma realista as suas reações. A consciência intuitiva pode aumentar a capacidade de saber o que fazer e do que fazer no momento certo face às inesperadas reações que vêm do seu íntimo. Koening e Spano (1998), citados por Canda (Canda, : ), descrevem a intuição como um todo e um só conhecimento que permite uma imersão no estado e na perspetiva da pessoa ao cuidado. Luoma (1998), citado por Canda (Canda, : ), discute intuição como um processo direto de conhecimento derivado da fusão entre sujeito (quem conhece) e do objeto (quem Rui Pedro Ventura 53 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO é conhecido). Segundo Canda a intuição surge antes de um pensamento analítico que divide sujeito e objeto e os operacionaliza de modo linear. ETAPA 2. DESENHO/ SISTEMA DE PLANEAMENTO (ANALISAR E SINTETIZAR) Depois do conhecimento da situação abre-se a possibilidade para a ação. Segundo Canda para desenhar criativamente um plano de ajuda importa apelar à análise e à síntese. A análise, por si só, envolve uma apreciação racional sobre todos os elementos recolhidos. Equaciona-se, igualmente, vias alternativas de ação. Para o efeito, procura-se relacionar os elementos recolhidos com teorias e modelos políticos que parecem ser os mais adequados e relevantes para o desenho. Pode-se seguir os manuais que prescrevem intervenções pela via da “evidence-based”. Este é o modo convencional sugerido pela academia. Segundo Canda a compreensão analítica é necessária, porém, ela não é a suficiente. A análise necessita convergir para a síntese. A síntese, neste contexto, significa que importa implicar-se e implicar a pessoa ao cuidado no seu próprio processo de ajuda, procurando, ao mesmo tempo, facilitar nela ideias e sentimentos alternativos que possibilitem o seu empowerment. Neste sentido, importa que o profissional não se limite a classificar a pessoa atribuindo-lhe categorias abstratas de imediato ou a suportar-se, apenas, em teorias ou planos de intervenção de um modo, exclusivamente, racional. Como refere Canda o profissional de trabalho social em face da pessoa que procura cuidar está numa situação imprevisível e em aberto. Torna-se necessário, por isso, desenvolver uma sinergia apelando a uma interação criativa hábil em trabalhar com perspetivas contrastantes da pessoa ao cuidado que, por vezes, se opõem à perspetiva do profissional. A criatividade não pode ser antecipada, devendo esta resultar da interação entre o profissional e a pessoa que se encontra ao seu cuidado. Várias são os elementos, em análise, que são trazidos a diálogo por todas as pessoas envolvidas. Tais elementos despontam de forma espontânea e desarrumada, sendo desejável, por isso que sejam sintetizados. A ação de planeamento implica encontros e exames de casos, pelo que importa encorajar a pessoas ao cuidado a emitir as suas opiniões, mesmo quando divergentes, apelando a uma abordagem mais compreensiva por parte do profissional. Nesta perspetiva, importa implicar a pessoa ao cuidado como como parceira no processo de ajuda, ouvindo-a, seriamente, o que ela tem para dizer. A escuta não se esgota, apenas, na pessoa ao cuidado mas toda a sua rede interpessoal e, também, da rede que se perspetiva e importa tecer no planeamento ou na sua revisão, traçando novas metas de ação. Rui Pedro Ventura 54 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO De acordo com Canda, o brainstorming afigura-se como uma abordagem útil no planeamento. No brainstorming nenhuma ideia é rejeitada. Tal como refere Canda, a impossibilidade não existe. Qualquer ideia manifestada por um dos participantes do brainstorming é considerada como útil desde que sincera, procurando que todos se expressem sem quaisquer constrangimentos. Nas sessões de terapia de família, por exemplo, cada membro é convidado a imaginar e a exprimir-se sobre a sua família ideal, como é que cada membro da família permaneceu igual ou se tornou diferente comparando com o momento atual e quais são as metas, as aspirações, expectativas e sonhos que permitem “esboçar” o ideal de família. Cada membro da família expressa, livremente, a sua ideia, podendo aquele ser abordado, apenas, para pedir uma clarificação que pode ser levada a cabo com o recurso a exemplos. O profissional em trabalho social facilita cada membro a expressar de forma clara o seu ideal de família, mesmo que este seja diferente de todos os outros membros. A família participa no brainstorming no sentido de criar um ideal de família que incorpore as expectativas e sonhos de cada membro. Este exemplo transposto para qualquer intervenção de outra natureza implica todos os intervenientes. No desenho poder-se-á pensar em vários caminhos possíveis a percorrer, mas, apenas, um será de incluir por ser afigurar o mais adequado para chegar a um determinado destino, que se pretende refletido numa transformação positiva da pessoa ao cuidado. ETAPA 3. SISTEMA DE IMPLEMENTAÇÃO (ADVOGAR E CRIAR RECIPROCIDADES) A implementação é chamada, frequentemente, de “intervenção” ou respostas sociais com vista a ajuda, “intervenções”. A intervenção implica a introdução de uma força externa e direta sobre o sistema da pessoa ao cuidado. O termo de implementação é usado, igualmente, em estratégias militares contra inimigos, tendo para o trabalho social com sensibilidade espiritual um sentido metafórico diferente: isto é, a de “cultivo”. Neste sentido, a implementação é ilustrada como o cuidar do seu jardim, fazendo, deste modo, sentir que se tem a posse sobre a terra, neste caso a “vida”. Sentem por esta via como sua a vida que têm de cuidar tal como o jardim, que se procura mostrar à vizinhança que se é dono e se tem a sua posse, dando-lhe a sua marca pessoal. Rui Pedro Ventura 55 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Um relvado verdejante de um jardim mostra o cuidado que houve por parte do seu dono. Convencionou-se que o relvado para mostrar esse cuidado tem que ser como um campo de golfe, pelo que não se aceita nem sequer uma bonita flor amarela que tenha brotado de uma semente lá deixada. A relva “ideal” tem de ser plantada em local e condições adequadas para crescer, importando ser regada com frequência e fertilizada. Se qualquer coisa indesejada aparece entendida como uma erva daninha, larvas ou moléstias há que aplicar herbicidas e pesticidas. Na manutenção de uma relva “ideal” o que cresce bem é morto e o que não cresce tão bem é mantido, com muita energia, esforço e tempo. Existe, contudo, um se não, os tóxicos das relvas juntam-se aos tóxicos dos campos que, por sua vez, contaminam os lençóis de água que ficam à disposição de quem a bebe. Esta metáfora utilizada por Canda tem em vista a compreensão de como o profissional deverá abordar a pessoa que procurar ajuda. As situações ou os problemas que a pessoa apresenta ao profissional em trabalho social e/ou que são identificados por este são as “ervas daninhas”. Importa que o profissional em trabalho social cuide em não fazer julgamentos precipitados sobre a pessoa e os seus problemas ou situações e a atuar de acordo com o que lhe parece ser “o normal”, “o funcional”, “o real”, “o saudável” ou “o adequado”. Ao se fazer julgamentos precipitados, corre-se o risco de impor modelos artificiais e socialmente construídos, tendo por base o que se entende por normalidade em termos de saúde mental, do bem-estar social ou do sistema de justiça criminal. Neste caso as pessoas são forçadas a adaptarem modelos, lançando, em termos metafóricos, os “tóxicos” às “ervas daninhas”, ou seja atitudes e comportamentos que não se enquadrarem dentro dos modelos indicados pelos profissionais. Este corresponde, normalmente, ao modelo de intervenção do profissional em trabalho social. Neste sentido. Canda sugere que os profissionais em trabalho social podem funcionar mais como jardineiros “ecológicos”. Neste caso, os profissionais identificam os potenciais, as forças e os recursos das pessoas que procuram cuidar. As pessoas normalmente sentem os problemas como obstáculos. Nesta altura, o profissional deverá procurar junto delas fazer com que tais adversidades passem a ser concebidas como desafios e oportunidades. O profissional passa a ajudar a discernir como as contrariedades podem contribuir para estimular o amor-próprio e a retirar do trabalho, do ambiente social e natural outras Rui Pedro Ventura 56 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO vantagens para si em termos do seu bem-estar. O profissional em trabalho social ajuda, deste modo, a cultivar o crescimento do potencial inerente na pessoa que cuida de modo a converter os seus obstáculos em benefícios para si. É verdade que o profissional fica por saber a maior parte das vezes qual o resultado final, mas pode experienciar diretamente com a implicação de todos os envolvidos o processo até lá chegar. Este tipo de ajuda tem sido chamado de mudança daoística (Brandon, 1976, Maslow, 1968), significando que esta ajuda procura ir ao encontro do potencial da pessoa para que esta possa fazer face à sua situação com respeito pelo corrente natural (centrada no Tao caminho, Do em Japonês). Não sendo uma ação passiva, é criativa não deixando de ser harmoniosa ao mesmo tempo. Quando o sábio Confúcio, Mencius, encoraja ajuda e suporte junto da pessoa, ele adverte contra dois mal-entendidos (Lau, trans, 1970). Ele diz que um agricultor de arroz deverá ser cuidadoso e atento no cultivo do arroz. Um erro é não fazer nada; o outro erro é ser impaciente e forçosamente intrusivo. Se o agricultor ignora as mudanças, poderá ser destruído por excesso de água ou por bandos de pássaros. Por outro lado, se o agricultor é impaciente com o crescimento rápido, ele ou ela pode esforçar a mudança esticando e encorajando a isso. Com toda a certeza a mudança será desadequada. O profissional em trabalho social que adote uma abordagem daoística intervém no sistema da pessoa ao cuidado estabelecendo uma relação de empatia com ela, procurando-a ajudar a descobrir o seu potencial e encorajando-a no seu crescimento. Esta abordagem é consistente com a abordagem no trabalho social que identifica e procura trabalhar os potenciais da pessoa ao cuidado (Saleebey, 2008). “Harmonia com” não significa evitar o confronto. Significa, pelo contrário, enfrentar de uma forma autêntica e realista as situações tal como elas são, adversas ou não, e seguir em frente com apelo à criatividade. A pessoa que necessita de ajuda em face de uma situação de crise pode sentir-se oprimida, confusa ou desorientada. Se a pessoa constitui uma ameaça para si e para outras, então, torna-se, temporariamente, necessário proteger as outras pessoas que possam ser afetadas e protegê-la a si própria com serenidade até neutralizar esse seu comportamento alterado. Este é naturalmente uma resposta com compaixão. A compaixão significa, também, que ajudamos a pessoa para que ele consiga adquirir empowerment, reorientando-a com proficiência para que as suas aspirações se possam concretizar. Advocacia e reciprocidade correspondem a dois aspetos complementares da ajuda. Na advocacia identificam-se os problemas, as barreiras e os opositores que bloqueiam as Rui Pedro Ventura 57 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO aspirações da pessoa que se pretende ajudar. Procura-se apelar ao sentido de Justiça. Canda refere-se aqui a Justiça no intuito de reforçar a necessidade de acautelar impactos prejudiciais em outras pessoas ou mesmo no ambiente que possa resultar de uma advocacia que se centre exclusivamente nas aspirações da pessoa que se pretende “advogar” sem procurar zelar que tais aspirações não colidam com aspirações de outras pessoas, igualmente, legitimas. Segundo Canda a advocacia pode-se tornar mesmo perigosa se não tiver em linha de consideração a Justiça. Afirma, recorrendo a uma expressão cristã, é um pecado por omissão não prestar atenção ou auxiliar o próximo, acabando, também, por prejudicar. Outro perigo é o de identificar algumas pessoas ou situações como inimigas e a combater. Este modo de intervir levado ao extremo corresponde a uma abordagem militar. Há um sentimento jubiloso quando se obtém uma vitória sobre os opositores. Com tal mentalidade, os outros acabam por ser entendidos, apenas, como inimigos, desvalorizando-os ou retirando-lhes importância. Ironicamente, ao procurar nesse esforço de vitória que outros saiam derrotados ou diminuídos a favor das pessoas ou comunidades que se pretende ajudar, o profissional de trabalho social torna-se, igualmente, opositor. Ao desprezar o opositor pelas suas ações indignas e prejuízos que provocam na pessoa que se procura cuidar, causando prejuízo e danos no opositor, o profissional torna-se num inimigo do opositor. Esta abordagem não apela a qualquer possibilidade de reconciliação ou de benefícios mútuos. Como afirma Canda deve-se fazer aos outros o que queremos que os outros façam a nós ou como Jesus disse “devemos amar os nossos inimigos”. Confúcio afirma que não devemos fazer aos outros o que não queremos que nos façam a nós. Todas as tradições espirituais salientam as mais elevadas aspirações em termos do amor e de compaixão. Se o profissional em trabalho social adotar isso de modo sério estará a apelar a uma sensibilidade espiritual na sua prática. Torna-se, por isso, útil complementar à advocacia a reciprocidade. Na reciprocidade procura-se crescimento e benefícios mútuos, procurando soluções criativas. Importa, para o efeito, respeitar todas as partes envolvidas, mesmo quando não se está de todo em acordo com elas ou, mesmo, em conflito. Quando um conflito parece irresolúvel, importa estar de uma forma humana, desculpar quando necessário e continuar em frente. Mohandas Gandhi e Luther King constituem grandes exemplos de luta por colocar ideais em ação. McLaughlin e Davidson (1994), citados por Canda (Canda, 20…:), delinearam uma estratégia para a mediação de conflitos que denominaram triunfar/triunfar (princípio do Rui Pedro Ventura 58 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO benefício mútuo) não para vencer um adversário, mas procurar benefícios mútuos para ambos os lados que se encontram em desacordo e ou em conflito. Na estratégia para a mediação de conflitos triunfar/triunfar são elencados um conjunto de princípios e etapas em termos da prática que passamos a elencar: 1. Trazer todas as partes para um diálogo baseado no respeito mútuo e boa vontade para compreender cada um dos lados envolvidos; 2. Não reduzir pessoas a problemas ou inimigas – procurar antes conhecer cada pessoa; 3. Identificar a posição de todas as partes e os mais importantes princípios e aspirações subjacentes em cada uma daquelas; 4. Identificar o que cada parte sente no que respeita ao sucesso do seu ponto de vista; 5. Identificar os interesses em comum e os diferentes padrões de sucesso; 6. Discutir livremente para encontrar soluções alternativas em que todas as partes se sintam que tiram benefícios para si, em função das suas várias aspirações e padrões; 7. Selecionar soluções aceitáveis para todas as partes; 8. Desenvolver um plano de ação e papéis, envolvendo cooperação em equipa através de uma representação de todas as partes; 9. Seguir a implementação do plano, avaliar o sucesso em termos dos interesses em comum e diferentes padrões; 10.Examinar os impactos a longo prazo da colaboração em termos da necessária mudança e da atividade revista. ETAPA 4. SERVIÇO DE AVALIAÇÃO (AVALIAR E TRANSFORMAR) Uma avaliação com inspiração espiritual corresponde a um processo contínuo de discernimento, implicando, ao mesmo tempo, uma abertura profissional e da pessoa ao cuidado para o reconhecimento dos impactos da relação de ajuda. Segundo Canda não se trata de um processo tipo egocêntrico de reflexão. Afirma Canda que a avaliação de inspiração espiritual preocupa-se com os resultados da ajuda, mas não se encontra amarrado de forma egoísta a ela. A avaliação não tem como o propósito garantir que as pessoas ao cuidado se conformem com as aspirações dos profissionais de trabalho social ou metas institucionais. Tem como propósito ajudar a pessoa a estar alerta e a ser encorajada a prosseguir na sua caminhada demonstrando os benefícios da mudança, evitando os erros de estratégias de ajuda que não são efetivas. O lado convencional da avaliação é a monitorização. Na monitorização procura-se assegurar que os objetivos delineados estão a ser cumpridos pela pessoa ao cuidado, tendo em atenção alertar sempre que ocorrem desvios por comprometerem a meta definida. Poder-se-á ajustar o plano em face de mudanças ocorridas, tendo em vista que a intervenção seja mais efetiva. Rui Pedro Ventura 59 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Na opinião de Canda a monitorização pode recorrer ao diálogo clínico, aos contactos de ajuda, a instrumentos psicológicos de medida, a indagação subjetiva e individual e a inquéritos de satisfação. Tudo isso é útil, mas não o suficiente. É importante zelar que o crescimento da pessoa ao cuidado seja genuíno e não algo de artificial e imposto. Torna-se necessário que esse plano ou projeto de vida seja assumido como seu. Por isso, entende que a monitorização precisa de ser complementada com um processo que vise a transformação da pessoa ao cuidado e do seu sistema, bem como da própria relação de ajuda. Há uma reflexão e um benefício mútuo nessa “parceria” de ajuda, na medida em que ambos, profissional de trabalho social e a pessoa ao cudado, se mudam um ao outro. Tal pressupõe que o profissional em trabalho social e a organização onde desenvolve a sua atividade estejam abertos para uma transformação a começar por ambos, das metas, das estratégias, das tecnologias, dos papéis, das políticas, baseando-se numa aprendizagem com as pessoas e comunidades onde se inserem. O resultado é ineficaz quando não se procura tal reciprocidade numa avaliação. Para levar a cabo uma avaliação desta natureza importa implicar as pessoas ao cuidado, o staff e administração, observando diretamente a performance organizacional. O brainstorming e os exercícios de consciencialização são importantes recursos neste tipo de avaliações. Num processo de monitorização os processos de inovação correm o risco de ficarem de fora. As transformações genuínas implicam discussões longas acerca de dificuldades como a do racismo, do preconceito ou da discriminação no local de trabalho, por exemplo. Poder-se-á apelar à (re)qualificação da equipa de intervenção para trabalhar em contexto amplo em número e diversidade de pessoas, aberta à diversidade espiritual e multiculturalidade. Poder-se-á apelar para uma reapreciação dos fundamentos ou das políticas que estruturam a práticas, mas só uma via participativa poderá fazer emergir novas iniciativas empreendedoras que mudam as organizações e os modelos quotidianos de prestações de cuidados. Poderá não ser fácil optar por tal transformação, especialmente, se a organização se encontra numa situação forçada de sobrevivência e num esforço em face de cortes de financiamento ou de outras crises organizacionais. Rui Pedro Ventura 60 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Contudo, entende-se que sem uma autotransformação, a avaliação dificilmente poderá ser autêntica e frutífera. Uma avaliação que não seja autêntica poderá criar a ilusão de mudança, servindo apenas para manter um sistema de ajuda mais dedicada aos benefícios da Instituição do que das pessoas que estão a seu cuidado. Há benefícios em apelar a uma abordagem holística na avaliação. Uma avaliação holística remete para modos de inquirir e métodos de pesquisa que se inspira em muitos modos de conhecimento e diferentes abordagens espirituais. Estas reconhecem diversos modos de conhecimento que apelam às capacidades humanas de pensar, perceber, sentir e intuir. FIGURA 10. MODOS SINERGÉTICOS DE CONHECIMENTO Uma compreensão holística requer o envolvimento (sinergia) de diferentes formas e métodos de conhecer. A pesquisa científica convencional inspirou-se durante muito tempo na filosofia tradicional e positiva. O positivismo advoga que um conhecimento autêntico deverá ser baseado numa análise lógica em substituição da experiência sensorial subjetiva. Os métodos de pesquisa associados ao positivismo reportam-se à experimentação controlada, inquéritos quantitativos, observações sem envolvimento e altamente estruturadas e análises estatísticas, procurando romper com ideias preconcebidas, pressuposições sem serem testadas e pensamentos pouco cuidados. Rui Pedro Ventura 61 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Porém, há no entender de Canda uma lacuna na pesquisa positivista. Ela não utiliza todos os meios de conhecimento, apresentando um modo simplificado, redutor de compreensão do mundo. A pesquisa holística ou de inspiração espiritual abrange todo o círculo de modos de conhecer e direciona-se para resultados de ajuda. Dependendo do problema e aspetos da espiritualidade estudados, a pesquisa experimental ou estatística podem ser úteis, como, também, são as de estudos de caso, narrativas-biográficas, pesquisas de campo, etnografias, estudos históricos e hermenêuticos, pesquisa fenomenológica, outras análises qualitativas e metodologias que fazem apelo a uma psicologia transpessoal como nos métodos meditativos. Mesmo que um profissional em trabalho social não faça pesquisa dita convencional, a avaliação levada a cabo na sua prática envolve uma espécie de questões sistemáticas, a coleta de dados e a sua interpretação é semelhante àquela. A avaliação com inspiração espiritual deverá, por isso, dar ênfase ao envolvimento ativo das pessoas ao cuidado e de outros participantes, importantes a ter em conta no desenho de pesquisa. O processo e resultados de pesquisa deverão beneficiar diretamente as pessoas ao cuidado e indiretamente outras com situações similares, podendo, por isso, ser denominada de empowerment ou de ação participativa. Coloca-se, porém, a questão de como podemos pesquisar o transpessoal sem violar ou distorcer a nossa matéria subjetiva. ETAPA 5: SISTEMA DE INTEGRAÇÃO (GERIR E SABER) Todas as etapas do processo de ajuda devem ser integradas. O “integrar” aparece no centro do modelo holístico, tendo em vista simbolizar que ele atravessa e conecta-se com todos as etapas da atividade em trabalho social. A gestão surge nesta etapa como o lado funcional, alocando meios de suporte aos profissionais para usar em benefício das pessoas que se encontram ao cuidado visando a promoção do bem-estar. Num modelo de administração burocrático as funções administrativas encontram-se localizadas no topo da pirâmide da estrutura organizacional. No topo da hierarquia detémse poder na definição da política, na tomada de decisão, na governação e em influenciar o comportamento do staff, bem como no modo como os recursos são distribuídos. O administrador executivo, normalmente, detém a autoridade de controlo de todas as operações da organização, coordenando e integrando as atividades. Caso exista um input Rui Pedro Ventura 62 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO direto do staff ou das pessoas ao cuidado da instituição, o administrador executivo tem o poder e autoridade para decidir o que fazer com esse input. O modelo de gestão burocrática encontra-se desenhado para maximizar eficiência através da determinação racional das metas e objetivos. O comportamento do staff é controlado para estar em conformidade com o bom êxito das metas. O perigo deste modelo é de tornar a organização inflexível com desvantagens para administradores, staff de serviços diretos e as pessoas destinatárias da intervenção, uma vez que não dá ênfase às relações interpessoais entre staff, pessoas destinatárias da intervenção, a comunidade e o ambiente. Não tem, igualmente, em linha de consideração o crescimento humano e a satisfação de necessidades dos seus membros. Negligencia a criatividade a favor da conformidade. Quando os gestores reconhecerem que a produtividade e a satisfação espiritual são complementares, então a administração com inspiração espiritual passa a ser uma possibilidade. A prática com inspiração espiritual apela a ou traduz uma cultura organizacional e numa estrutura que estimula e suporta a criatividade, a flexibilidade, o respeito pela pessoa, o input de todos os stakeholders nas decisões, o desenvolvimento das necessidades humanas e o bem-estar, o cuidado com o ambiente natural, integrando todos estes aspetos na prossecução das metas organizacionais. Quando nenhum destes aspetos são considerados perde-se tempo e energia, limitando ou iludindo os profissionais com políticas e práticas de gestão desumanizadas e angustiantes. Ora, os gestores encontram-se em posições chaves para inspirarem e darem suporte para um modelo holístico e uma cultura organizacional com inspiração espiritual. Contudo, importa complementarem às abordagens tradicionais de gestão a sabedoria e a sensatez. Tal como Imbrogno e Canda (1988), citado por Canda (Canda, …:), explicam: A posição central de um gestor executivo implica não só a responsabilidade pela integração da atividade, como também a performance dos profissionais em todas as fases da atividade, num constante processo criativo que favoreça o desenvolvimento organizacional e do ambiente envolvente. A função do gestor deverá ser nesta ótica o de “servir”, promovendo o bem-estar e o empowerment de profissionais e das pessoas ao cuidado, apelando, para o efeito, a Rui Pedro Ventura 63 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO qualidades espirituais de sentido e de propósito, de prioridades significativas aliados ideais elevados numa conectividade e integração da vida profissional com a vida pessoal. Bons gestores, afirma Canda, escutam bem o seu staff, vendo nos profissionais seus colaboradores mais do que subordinados. Encorajam a participação na tomada de decisão dos colaboradores e de outros stakeholders internos ou externos à organização. Estimulam a comunicação e a cooperação, delegam, apelam à criatividade, mantêm uma carga de trabalho viável, proporcionam flexibilidade em termos de tempo e a oportunidade para o profissional fazer a gestão do seu stress, facilitam a autoestima dos profissionais e providenciam uma avaliação baseada nos potenciais tendo por base um feedback, buscam sabedoria e conhecimento, implementam a espiritualidade através de políticas e práticas inclusivas e zelam para que a missão organizacional, objetivos e comportamentos quotidianos sejam congruentes. As organizações que têm estas qualidades tendem a experienciar grandes proveitos, reduzindo o turnover dos trabalhadores, baixando o absentismo e a aumentam consideravelmente a satisfação no trabalho. A pretensão para uma prática de gestão humana é ampla e não deixa de estar assente em evidências. Por isso, uma abordagem com uma inspiração espiritual na gestão tem-se tornado mais popular no mundo empresarial, desafiando o estilo de autoridade burocrática tradicional que teve lugar nos meios onde se visava apenas o lucro ou a produtividade material mais do que o bem-estar dos colaboradores, das pessoas destinatárias da intervenção e do ambiente natural. Organizações que defendam o bem-estar dos stakholders tendem a ter mais sucesso. Os gestores podem contribuir para a inovação fazendo apelo a uma sensibilidade espiritual na gestão dando ênfase a aspetos transpessoais da vida organizacional. Embora o mundo empresarial, nalguns setores, já vem reconhecendo a vantagem da espiritualidade na gestão, não deixa de ser curioso que o trabalho social tenha prestado pouca atenção sobre isso. Segundo Canda bastará que os profissionais em trabalho social respeitem de forma consistente os valores éticos da profissão para se tornarem ativos num movimento que apela à espiritualidade na gestão. Rui Pedro Ventura 64 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO CAPITULO IV – PROPOSTA DE UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO 4.1. AVALIAR E TRANSFORMAR A ORGANIZAÇÃO DE TRABALHO SOCIAL PARA UMA VIA HOLÍSTICA A espiritualidade procura ter em vista desenvolver ou transformar organizações de trabalho social para torná-las menos estigmatizantes, proporcionando crescimento e desenvolvimento não só da pessoa que se encontra ao cuidado como dos especialistas do trabalho social e de toda a equipa, pois se considera que organizações mais participativas e com ambientes mais positivos são fundamentais na promoção do desenvolvimento e e do bem-estar. Compreende-se, por isso, o quanto importa a participação e envolvimento da equipa de trabalho social em torno do sistema concreto de intervenção social, sendo necessário para o efeito o igual reconhecimento, a valorização e o estímulo dos potenciais de bem-estar da pessoa a quem a intervenção se dirige. Importa, por isso, criar as condições para que os especialistas de trabalho social sejam capazes de estabelecer uma relação de empatia com a pessoa que se encontra ao cuidado implicando-a ao mesmo tempo no processo que é seu e que visa o seu próprio crescimento pessoal, procurando não cair numa prática rotinizada e instrumentalizada. Compreende-se que uma intervenção social para que seja adequada e efetiva tem que necessariamente olhar a pessoa a quem a intervenção é dirigida no seu todo, desprovida de um rótulo qualquer atribuído numa lógica tecno-burocrática. O trabalho social que se pretende holístico deve assentar numa lógica de desenvolvimento dos potenciais da pessoa para que ela própria encontre em si meios de transmutar algo que para si constitua um obstáculo ao seu crescimento pessoal. Facilitar o desenvolvimento de tais potenciais de bem-estar pessoal junto de quem se encontra numa situação de carência psíquica-sócio-bio-espiritual para que consiga enfrentar as adversidades e olhá-las como oportunidades para sair de crises várias constitui algo de muito desafiante para o especialista que procura igualmente a sua a autorrealização numa relação de ajuda. Tal implica igualmente que o especialista de trabalho social tenha iniciado o seu próprio processo de individuação, sob pena de se ver a si próprio no lugar da pessoa que procura ajuda, em face de problemas que lhe são comuns. Esta projeção está longe de ser uma relação de empatia, uma vez que já não é outro que procuro escutar. A meditação pode ajudar neste processo. Antes de estabelecer a relação de ajuda, o especialista de trabalho social deve procurar “sossegar a mente” no intuito de estar vigilante a todos os sinais que o outro procura transmitir, incluindo os sinais não-verbais. O especialista de trabalho social deve, por isso, apurar todos os sentidos e captar todo e qualquer sinal de potencial de crescimento no outro. Neste sentido, entendese a razão pela qual o trabalho social com sentido de espiritualidade se consubstancia, Rui Pedro Ventura 65 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO muitas das vezes, na remoção de obstáculos que condicionam a pessoa via à sua realização, facilitando o encontro consigo e dos seus próprios recursos para encontrar as respostas para a saída de uma crise. Um “olhar” sobre outras teorias oriundas de uma psicologia da consciência (ou transpessoal) e a saberes baseados em tradições espirituais, poderá revela-se útil como via para uma visão holística não só das pessoas para quem a intervenção social é dirigida, como, também, dos próprios especialistas de trabalho social e da atividade por si exercidas. O sentido de transcendência manifesta-se através da autorrealização da pessoa no trabalho social com implicações positivas nas pessoas seu cuidado como nos próprios especialistas de trabalho social e, como consequência, na própria organização onde o trabalho social se desenrola. Poder-se-á, assim, perspetivar um trabalho social oposto ao de um modelo estandardizado em temos de práticas e homogeneizador do modo como concebe as pessoas ao cuidado. Um trabalho social com orientação espiritual advoga uma intervenção centrada na pessoa, concebida como um todo, mais personalizada em termos das práticas e das repostas, com uma componente de transformação integral e terapêutica na medida em que da intervenção resultará no crescimento do potencial da pessoa e num alcançar de um estado de bem-estar. A prática do trabalho social nesse sentido produz mudanças terapêuticas, o que significa melhorar a situação da pessoa e do sistema social onde se encontra. Do ponto de vista da inspiração espiritual na prática do trabalho social, reconhecemos que cada melhoria significa um movimento espiritual emergente no processo da vida, mas ele será tanto ou mais efetivo se se encontrarem reunidas as condições ideais para que o especialista em trabalho social possa ajudar a pessoa ao cuidado nessa transformação terapêutica de que Edward Canda nos fala. Numa abordagem de inspiração espiritual a missão e as metas de uma organização de trabalho social devem ser traçadas, tendo em vista o bem-estar e a justiça social. A economia, a eficiência e a eficácia devem ter em vista a sustentabilidade da atividade. As políticas não devem excluir a autorrealização dos colaboradores e das pessoas ao cuidado ou da comunidade no sentido mais lato. A inovação deverá ser uma responsabilidade partilhada pela equipa de especialistas de trabalho social, com envolvimento das pessoas ao cuidado e de outros stakholders. Os gestores encontram-se numa posição especial para estarem atentos a todas as facetas da organização, devendo, por isso, serem os facilitadores junto dos colaboradores no processo de inovação. Neste sentido, recomenda-se a realização de reuniões periódicas, abrindo a possibilidade de discussão acerca das políticas delineadas, das boas práticas e da inspiração espiritual na cultura da organização. Todos os colaboradores, a todos os níveis (i.é., gestão, profissionais de serviços diretos e de suporte), pessoas destinatárias da intervenção ou seus representantes, membros representantes da comunidade e todos os outros Rui Pedro Ventura 66 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO stakholders podem completar a avaliação de uma maneira anónima e confidencial recolhendo informação e sugestões para inspirar nas recomendações ao nível das boas práticas com sensibilidade espiritual. As organizações são, por vezes, levadas a este tipo de autorreflexão em especial em momentos de crises. Mesmo depois de refletir sobre o passado, as crises podem afetar a organização, uma outra vez. Importa, por isso, trabalhar de forma a retirar das crises ensinamentos e coloca-los em prática para uma via de transformação positiva. As organizações devem começar por metas pequenas e realizáveis, numa construção sensível de modo a respeitar os aspetos vantajosos da espiritualidade. As organizações devem, em termos das metas a que se propõe, integrar a espiritualidade do mesmo modo que o faz para com qualquer outra meta. Para o feito recomenda-se que sejam identificados estes potenciais, bem como as práticas que devem ser abandonadas ou corrigidas. A orientação espiritual nas organizações tem em conta benefícios mútuos para todos os stakeholders, com implicações de longo alcance para futuras gerações. Em suma, num diagnóstico da espiritualidade organizacional devemos ter em consideração um conjunto de recomendações: ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO Os objetivos estratégicos e as metas devem estar ajustados à missão e matriz espiritual A missão deve refletir os valores e ações prioritárias, no contexto de uma visão de paz, bem-estar e de justiça. Caso a organização possua uma filiação religiosa, a missão deve refletir as crenças e valores da sua religião em particular. Caso não tenha uma filiação religiosa, e prefere uma abordagem geral e inclusiva, a missão deve expressar o compromisso espiritual de uma maneira inspiradora sem usar uma linguagem religiosa A missão deve orientar para o respeito pela diversidade espiritual e cultural dos clientes e sua comunidade A missão de inspiração espiritual deve encontrar-se refletida nas metas, objetivos e comportamentos organizacionais específicos, incluindo políticas e desenho de programas. ESCALA ORGANIZACIONAL O tamanho e a complexidade da organização devem possibilitar a todas as pessoas e profissionais que se possam familiarizar Rui Pedro Ventura 67 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Caso a organização possua uma escala de grande dimensão (serviços estatais, as áreas dos gabinetes e departamentos), esta deve procurar desenvolver os meios necessários para que a comunicação flua facilmente entre gabinetes e departamentos. FLEXIBILIDADE FUNCIONAL E INTEGRAÇÃO Os elementos das equipas de trabalho social devem estar preparados para cooperarem entre si e assegurarem tarefas mesmo que estas habitualmente sejam prosseguidas por outros elementos Existe uma responsabilidade partilhada em todos os níveis da gestão para com as metas organizacionais A organização cria condições para uma trans/especialização - cross-training -, partilha de profissão – job-sharing -, interdisciplinaridade, organização participativa entre colaboradores/ administradores NORMAS FLEXÍVEIS Políticas, procedimentos, normas e papéis devem ser claros e flexíveis Políticas, procedimentos, normas e papéis devem existir para servir as pessoas; e não o inverso, as pessoas não existem para as servir. Equipas, clientes e outros representantes stakholders devem encontrar-se implicados no acompanhamento contínuo e revisão de todas as normas. As normas devem ser facilmente adaptáveis pelo Staff e ajustarem-se às circunstâncias insólitas em que os clientes se encontram. Os procedimentos constantes de manuais, seu recurso e sua revisão periódica, devem ter em consideração o enfoque no cliente, tendo em atenção os seus potenciais, prevendo uma intervenção adequada e efetiva e perspetivando sempre uma avaliação de impactos. AMBIENTES DE TRABALHO ASCÉTICOS O ambiente físico de trabalho deve ser desenhado de modo a promover saúde e bem-estar, tendo contado com o staff e os clientes através de consultas para avaliarem e desenharem o ambiente de trabalho. O ambiente deve deixar em aberto de forma subtil as suas raízes culturais ou bases espirituais tendo em atenção para que clientes e trabalhadores não se sintam nenhum deles excluídos pelas suas orientações espirituais. Rui Pedro Ventura 68 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO TECNOLOGIA SOCIÁVEL As tecnologias e sistemas de gestão da informação devem ser simples e operativas para as equipas Os colaboradores devem ter formação para o uso de tecnologia, acesso a locais e equipamentos de trabalho ergonómicos e tecnologia de informação on-line. ESTÁDIO DE PREPARAÇÃO PARA UMA PRÁTICA COM INSPIRAÇÃO ESPIRITUAL As políticas, os programas e atividades devem atender às necessidades e metas espirituais dos clientes, em qualquer situação e em atenção à cultura no contexto das perspetivas religiosas ou não religiosas e sistemas de suporte comunitários. A organização deve criar as condições para implementar serviços de espiritualidade, promover a formação, a supervisão e avaliação de uma prática de trabalho social com espiritualidade. As questões e dilemas éticos devem ser sistematicamente e explicitamente avaliados. SENTIDO E PROPÓSITO DAS INTERCONEXÕES O sentido e o propósito do trabalho social (a compaixão) deve ser partilhado por toda a equipa. A contratação e a afetação de colaboradores devem ter em conta especiais talentos e aspirações e consideram a relação entre as perspetivas culturais e espirituais dos clientes e as competências dos trabalhadores (por exemplo, se existem muitos clientes muçulmanos da comunidade numa área do serviço, a agência deverá incluir trabalhadores que são respeitados por membros da comunidade muçulmana ou que tenham treino e que estejam confortavelmente à vontade para trabalhar com clientes muçulmanos e em cooperar com o sistema de suporte comunitário muçulmano) LIDERES COM RECONHECIDO MÉRITO Os lugares de chefia devem ser preenchidos por pessoa que acolhe o respeito da equipa, devendo a mesma ser envolvida na seleção dos seus líderes. Qualquer elemento da equipa pode aceder a posições de chefia desde que reúna capacidades de liderança Liderança informal, baseada nas qualidades de inovação, cooperação e capacidades de comunicação, deve ser reconhecida e recompensada oficialmente. Rui Pedro Ventura 69 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Os líderes devem ter boa capacidade de comunicação e habilidade em escutar, inspirar colegas e encorajar a sua autoestima. PARTICIPAÇÃO NA TOMADA DE DECISÃO Todas as pessoas afetas às equipas, clientes e membros da comunidade devem ser serem implicadas direta ou indiretamente nos processos de tomada de decisão (exemplos disso são atividades de brainstorming, caixas de sugestões anónimas, sugestões e críticas para beneficiar a qualidade da prestação, sondagens, inclusão em possíveis inovações de representantes de todos os níveis das equipas, clientes e comunidade em grupos consultivos e de planeamento) As reuniões para tomada de decisão devem ser conduzidas numa atmosfera de confiança, encorajamento para assumir o risco e disposição para trabalhar através de tensão e discordância (momentos de meditação e reflexão calma podem facilitar uma interação consciente e respeitosa). GRUPO DE INOVAÇÃO EM DIVERSIDADE ESPIRITUAL Deve existir uma comissão para o planeamento, implementação e acompanhamento de inovação de diversidade espiritual (este grupo deverá encorajar e monitorizar o acompanhamento de um processo de inovação espiritual da totalidade organizacional COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL Todas as pessoas, quer de pequenos quer de grandes departamentos, devem poder comunicar uns com os outros diretamente e pessoalmente com uma base regular. Caso sejam usados modos de comunicação como memos ou emails, deve ser reforçada a comunicação pessoal em seu lugar. Na comunicação dever ser dada ênfase ao respeito, afirmação, honestidade, ao gosto, disposição para trabalhar através das divergências SATISFAÇÃO DE ASPIRAÇÕES PESSOAIS Aspirações de crescimento pessoal das equipas devem ser averiguadas de modo a que os programas possam ser desenhados no sentido de as considerar. Colaboradores devem ser vistas como pessoas pelo que importa criar condições para que a vida pessoal se possa conciliar com o trabalho. Rui Pedro Ventura 70 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Padrões de stress, burnout, absentismo, turnover devem ser localizados no sentido de desenvolver respostas preventivas e ativas (exemplos são atividades de suporte criativo e de mudança de tarefas de trabalho que promovam o desenvolvimento profissional, tempo flexível, um dia para prestação de cuidados às crianças, atividades para a gestão do stress, subsídios para a educação contínua, garantia médica que cubra cuidados holísticos incluindo os preventivos e locais e tempos para uma reflexão calma e concentrada) CLIMA ENTRE COLEGAS Todos os colaboradores em diferentes níveis e especializações devem relacionarse uns com os outros de maneira cooperante e respeitosa. A equipa deverá apreciar cada um dos elementos no valor do seu papel em particular e do seu talento que contribui cada um para o bem da organização. As relações não se devem basear numa hierarquia rígida, coerciva, autoritária ou de competição destrutiva que desdém. Deverá ser incentivado a compatibilidade entre ambiente social e cultural O ambiente comunitário deverá realçar e melhorar todos os aspetos da atividade organizacional. RELAÇÃO ENTRE AMBIENTE SOCIAL E CULTURAL O ambiente das organizações de trabalho social deverá ser apreendido em todos os seus aspetos. Líderes de comunidade profissional e grass-roots devem ser envolvidos no desenho e avaliação de programas. Interagência e networks em comunidade e equipas devem ser constituídas através de compromissos, task forces, compromissos informais de cooperação. Lideres religiosos e não religiosos espirituais, cuidadores devem ser incluídos em serviço de cooperação, com relevância para os clientes. Empowerment e princípios de justiça relevantes para a comunidade devem ser demonstrados claramente nos objetivos de trabalho e nos comportamentos. RELAÇÃO COM O AMBIENTE NATURAL O ambiente natural deverá ser apreendido em todos os seus aspetos. Os impactos prejudiciais devem ser identificados, eliminados ou minimizados. Deve ser evidente dentro da organização a inspiração e os estímulos para as conexões entre humanos/natureza Rui Pedro Ventura 71 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Espaços inspiradores de beleza natural devem ser incluídos em programas para equipas e clientes (exemplos são veículos de energia eficiente e iluminação, automóveis comuns e programas de reciclagem, uso de materiais biodegradáveis de limpeza, locais seguros para o deposito de materiais tóxicos, construção de jardins orgânicos na vizinhança, cuidando da paisagem em torno da organização com métodos orgânicos, colocação interior de plantas e aquários, janelas abertas com vista e áreas para passeios na localização das organizações de trabalho social, terapias com animais ou na floresta e organização de visitas a parques naturais para clientes e trabalhadores) Rui Pedro Ventura 72 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO 4.1.1. “OLHAR” PARA A ESPIRITUALIDADE NA ORGANIZAÇÃO DE TRABALHO SOCIAL Após a delimitação da fronteira a diagnosticar, e partindo do conjunto de referências supra mencionados, revela-se necessário planear a ação de diagnóstico, passando por proceder a um exame prévio, em todo semelhante a uma pesquisa de terreno, com base em contactos com as entidades envolvidas (chefias e profissionais), entrevistas e recolha e análise documental, que permita uma descrição preliminar da(s) estrutura(s), da posição dos intervenientes na(s) estrutura(s), definição hierárquica e responsabilidades na intervenção social, bem como de outras informações, igualmente relevantes (ambiente social) e que serão captadas por meio de uma observação participante. Considera-se fundamental, que tal ação se inicie pelas chefias, através de uma reunião, onde se explicite objetivos ou resultados que se pretendem alcançar com a ação e metodologias de trabalho, entre outras informações consideradas pertinentes (espaços a reservar para o desenvolvimento dos trabalhos, calendarização das ações, interlocutores privilegiados, etc.). Afim de não perder de vista as linhas que deve orientar uma avaliação da espiritualidade na organização, a cheklist revela-se uma ferramenta útil, uma vez que permite não descurar de nenhuma informação que venha a ser considerada pertinente. Rui Pedro Ventura 73 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO FIGURA 11. CHECKLIST PARA A CONCEPÇÃO DE CHECKLIST Dimensões Princípios a considerar na concepção de uma Checklist Definir a área a analisar Identificar os utilizadores destinatários das checklists Elaborar questionário de acordo com experiência pessoal Estudar literatura adequada Realizar entrevistas exploratórias com especialistas na área Clarificar critérios a ter em conta na elaboração da Cheklist (pertinência, inteligibilidade, clareza, imparcialidade, fácil utilização, etc.) 1 2 3 4 5 Elaborar lista de Checkpoints Listar e ordenar questões consoante importância Converter questões em Checkpoints a analisar Distinguir cada um dos Chekpoints a analisar Elaborar definição para cada descritivo anterior 1 2 3 4 Classificar, ordenar Checkpoints Escrever cada enunciado e definição separadamente Ordenar os descritivos por categorias Identificar as categorias principais e catalogar cada uma delas 1 2 3 Definir e identificar as categorias importantes Termos e conceitos principais Estabelecer uma relação com base lógica para cada categoria Avisos relevantes a serem cuidadosamente observados em cada Checkpoints Rever Checkpoints para cada categoria a fim de introduzir clareza e parcimónia Redefinir e rever se necessário os Chekpoints 1 2 Determinar a ordem das categorias Decidir a ordem de atribuição para os utilizadores Escrever a relação de acordo como ordem de preferência Fazer listagem das categorias que devem ser abordadas 1 2 3 Revisão da Cheklist Preparar uma versão do projecto de Cheklist Envolver os potenciais utilizadores para revisão e crítica do projecto de Cheklist Listar as matérias que precisam de maior atenção em face da lógica anterior Destacar as situações que foram sujeitas a observação 1 2 3 4 Revisão do conteúdo Examinar e decidir como apresentar e identificar os diferentes pontos Voltar a redigir a Cheklist 1 2 Delinear e formatar a Checklist para que seja aplicável Determinar em conjunto com os utilizadores o valor de importância das categorias consideradas Determinar em conjunto com os utilizadores modos de observação e fontes face aos Checkpoints Determinar em conjunto com os utilizadores quais os resultados satisfatórios a alcançar Determinar em conjunto com os utilizadores procedimentos a adoptar em face à apresentação Definir a forma final da Cheklist tendo em conta o trabalho anterior 1 2 3 4 5 Avaliação da Cheklist Obter pareceres de entidades e peritos Envolver os utilizadores conhecedores no teste da Cheklist Avaliar se na generalidade a Cheklist preenche as necessidades de pertinência, compreensão, clareza aplicabilidade no campo que se pretende analisar e se é de fácil utilização 1 2 Finalizar a Cheklist Enumerar sistematicamente os resultados dos testes Escrever e finalizar a Cheklist 1 2 Distribuir a Cheklist Utilizar a Cheklist Disponibilizar a Cheklist através de diversas formas de divulgação Convidar os utilizadores a providenciarem o seu preenchimento 1 2 3 Usar toda a informação disponível recebida por todos os utilizadores e melhorar continuamente a Cheklist 1 Abordagem na conceção de uma Checklist Rever periodicamente a Checklist Rui Pedro Ventura 6 3 4 5 3 74 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO A delimitação das fronteiras, nomeadamente da população, alvo da intervenção social, no planeamento, afigura-se, por isso, indispensável, uma vez que permite, desde logo, identificar as diferentes entidades implicadas na intervenção social e iniciar o desenho das interligações possíveis entre essas diferentes entidades, devendo tais interligações serem confirmadas, posteriormente, numa análise casuística ancorada a processos individuais (reconstituição de casos de intervenção), quanto à sua natureza. A título de exemplo e partindo no nosso caso prático, foi possível a confirmação de todas as entidades que intervieram em todas as outras fases ao longo do plano (nomeadamente as Unidades de Trabalho Social destinadas a pessoas sem-abrigo ou com domicílio instável e destinadas a pessoas com doenças infecto-contagiosas). Assim, caso a avaliação venha, previamente, eleger uma área de intervenção social e/ou uma população em especial, entende-se que, no âmbito de um exame prévio, devem ser contactadas as Unidades de Trabalho Social supostamente implicadas na intervenção social, podendo estas se encontrarem integradas numa ou em mais Instituições, afigurando-se, por isso, de ajustar a atuação ao tipo de avaliação (interna ou externa) a realizar. Deste modo, importará, num exame prévio, considerar os objetivos estratégicos de cada Unidade de Trabalho Social implicada na concretização da missão (se for esta a única), que em sentido lato se reportará à promoção do bem-estar. Tomando como exemplo o nosso caso prático, as Trabalho Social foram duas: A de apoio a pessoas sem-abrigo ou com domicílio instável cujo objetivo central a definição e execução de uma estratégia comum de atuação que potencie a complementaridade, rentabilidade e adequação das respostas às necessidades dos cidadãos sem residência fixa ou em trânsito na cidade de Lisboa, nas situações de emergência ou de risco social; A de apoio a pessoas com doenças infecto-contagiosas cujo objetivo é o da promoção da qualidade de vida e a integração na comunidade, que se encontram em situações social, familiar e económica precária; Refira-se, ainda, que ambas as Unidades contemplam ambas um conjunto de competências específicas e compreendem diversas medidas e respostas sociais dirigidas a pessoas em função das necessidades e problemas inerentes (informação esta a ser considerada, igualmente, na sequência do levantamento e exame prévio da intervenção social). Entende-se, igualmente, necessário proceder a uma breve caracterização psicosocial das pessoas a abranger e abrangidas pela intervenção social, bem como das Rui Pedro Ventura 75 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO necessidades e problemas a estas associadas, procurando, ainda, considerar aspetos que estejam relacionados com os valores e princípios orientadores, que nem sempre se encontram refletidos em sede de regulamentos, apesar de espelhados nos Códigos de Ética dos profissionais da intervenção social. Na ausência de referência em regulamentação interna de princípios éticos orientadores da intervenção, afigura-se necessário ouvir as chefias e profissionais de modo a apreciar em que medida tais princípios orientam a intervenção social. Na sequência do levantamento da(s) estrutura(s) consideradas no âmbito da intervenção social, afigura-se de identificar o posicionamento de cada interveniente (unidades organizacionais, chefias ou profissionais, respostas sociais, etc.), na(s) estrutura(s) em causa, numa perspetiva horizontal, ou seja em função da fase do plano de intervenção (atendimento, diagnóstico, definição do PDI/S, execução, supervisão, monitorização, etc.) e, numa perspetiva vertical, isto é dos reportes hierárquicos e da definição das responsabilidades. Neste exame prévio auxiliaria consideravelmente a existência de um Manual de Boas Práticas devendo o mesmo se encontrar atualizado, porém na ausência de tal Manual considera-se de adotar um outro tipo de estratégia. Com efeito, deverá perspetivar-se num exame prévio um levantamento documental - de organogramas, regulamentos, relatórios de atividade, etc. -e na ausência de tais fontes entrevistar de preferência chefias, para que no final se esteja em condições de se proceder a uma caracterização geral das entidades (do ponto de vista da missão, visão e valores, dos objetivos estratégicos, das pessoas a abranger no âmbito da intervenção social e medidas e respostas a mobilizar), da(s) estrutura(s) orgânica(s) e de funcionamento (hierarquias e responsabilidades) dos profissionais afetos às entidades responsáveis pela intervenção social (no que diz respeito nomeadamente às habilitações académicas e profissionais, categorias profissionais, conteúdos funcionais e tarefas atribuídas na intervenção social). Quando procedemos a uma tal análise estamos, todavia, a dar enfoque apenas aos aspetos objetivo e inter-objetivo da organização (os quadrantes direitos do modelo AQUAL de Wilber), descurando o subjetivo e o inter-subjetivo respeitante ao aspeto humano da organização (os quadrantes esquerdos do modelo AQUAL). Para que a avaliação seja completa e integral ela terá de atender a todos os quadrantes isto é não só aos aspetos objetivos e inter-objetivos da organização de trabalho social como aos subjetivos e intersubjetivos mergulhando na dimensão humana da organização. No que respeita ao trabalho social são duas as estratégias que aqui nos propomos. Por um lado, a da reconstituição de casos de intervenção social apelando a uma metodologia integral com enfoque não só a narrativas biográficas orais e documentais como também à reconstituição fazendo apelo à intuição. Por outro lado, procede-se à análise e dinâmica das relações humanas nas equipas de trabalho social com recurso à Rui Pedro Ventura 76 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO sociometria e sociograma de J.L Moreno, com o intuito de mais tarde trabalhar através de jogos dramáticos a espontaneidade levando a que cada um se possa confrontar com os seus próprios valores em face dos casos apresentados. Estas são as estratégias aqui apresentadas como contributos para um modelo de trabalhos social que se pretende holístico, resgatando nas memórias momentos de tensão e crise, criando posteriormente condições para a transformação integral das equipas de trabalho social. 4.1.3. RECONSTITUIÇÃO DE CASOS DE INTERVENÇÃO SOCIAL Após um exame prévio da organização, afigura-se importante reconstituir casos de intervenção social, recorrendo preferencialmente à análise documental uma vez que a recolha da evidência (prova) constitui elemento essencial e o testemunho oral coloca questões de natureza deontológica (no que respeita ao dever de sigilo e de confidencialidade) a serem acauteladas, sem pretender, no entanto, suprimir outros métodos que venham a se revelar úteis ao longo da ação (como a observação ou a entrevista) afim de complementar os elementos recolhidos ou a possibilitar esclarecimentos sobre questões deixadas em aberto. 4.1.3.1. CASO MARIA Ao se ter selecionado apenas um processo individual já arquivado, pretendia-se esgotar todas as possibilidades e aflorar todas as limitações que poderão advir da reconstituição de um estudo de caso. A Maria foi a pessoa (utente) escolhida para através de uma análise do seu percurso de aproximadamente três anos num plano de intervenção social, não só o apreciar do ponto de vista rede social criada, como, também, e sobretudo avaliar a técnica proposta e utilizada, suas fragilidades e potencialidades. O processo individual de Maria continha, praticamente, informação documental de todas as fases de um plano de intervenção social (entre Ficha de Caracterização, Documentos de Identificação, Relatórios Sociais, Relatórios de Avaliação e Diagnóstico, Registos de Diligências e Ocorrências (cerca de 52 registos), tendo sido possível proceder á sua observância, com recurso a cheklists criadas para o efeito, exceção feita naquelas em que não chegaram a efetivar-se (como no caso da definição do Plano de Desenvolvimento Individual ou da Monitorização). Maria dirige-se pessoalmente à Unidade de apoio a pessoas sem-abrigo ou com domicílio instável para pedir ajuda, transportando consigo uma mão cheia de nada para quem vive na dependência do único apoio de rede social que lhe resta: As Instituições de Solidariedade Social (Exército de Salvação). Maria era na altura uma mulher de 55 anos, nascida em Angola mas com nacionalidade portuguesa. Era divorciada (vitima outrora de Rui Pedro Ventura 77 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO violência doméstica por parte do marido) e tinha um único elo familiar, uma das filhas que ficava coercivamente com o seu único meio de subsistência (187,50 €), de acordo com a análise da documentação constante do Processo Individual, desconhecendo-se por falta de evidência ou existência efetiva de outros laços ou redes sociais que poderiam vir a constituir um suporte caso o plano de intervenção social assim o considerasse. Dormia num carro abandonado sempre que a filha exercia sobre si violência para lhe ficar com o seu parco RSI, tendo passado, posteriormente, por alojamentos temporários de Instituições de Solidariedade Social, destinadas a pessoas sem-abrigo ou com domicílio instável. Sem qualificação (tinha apenas o 4.º ano de escolaridade) e, provavelmente, sem aptidão profissional (não existe informação a este respeito), viveu da mendicidade (arrumava carros) o que lhe garantia algum dinheiro para a sua dependência de consumo de álcool. Contraiu HIV é referido não saber como e sofria de problemas de ossos o que lhe dificultava as suas tarefas de vida diária. A Maria após um Plano de Intervenção Social de, aproximadamente, 3 anos volta para a rua, na sequência de comportamentos agressivos que colocam em causa a integridade emocional e física de outras pessoas residentes e dos profissionais afectos à Unidade que a acolheu, de acordo com registos constantes do seu Processo Individual, acabando por sucumbir sem os cuidados necessários a quem padece do HIV. A Maria passa por um Atendimento da Unidade de Trabalho Social de apoio a pessoas sem-abrigo ou com domicílio instável onde, desde logo, foram mobilizadas, pelo Assistente Social F, medidas e respostas para cobrir a suas necessidades mais básicas (de alimentação, de alojamento, abrangendo, aí, também cuidados de higiene e de conforto), tendo-se iniciado um processo de regulamentação de documentação tal como tinha sido pedido pela própria que lhe irá permitir nomeadamente ter acesso a RIS e ao Centro de Saúde. Perspetivou-se, ainda, na sequência do Atendimento, um encaminhamento para a Sociedade Anti-Alcoólica, faltando, todavia, evidência de Maria se ter lá dirigido, se é que alguma vez se dirigiu. De acordo com informações obtidas junto desta Sociedade (apurado pelo auditor), recomenda-se que a pessoa com dependência seja acompanhada sempre por alguém mais próximo da sua rede social nuclear, uma vez se torna necessário, nos primeiros tempos, uma vigilância na toma da medicação. Maria é encaminhada pelo Assistente Social F, ao fim de 57 dias, para outra Unidade de Trabalho Social agora de apoio a pessoas seropositivas, onde, entre idas sucessivas ao Atendimento assegurado por Enfermeiros (o G, o F e o N) permanece nesta fase cerca de 607 dias. O Diagnóstico é efetuado, num só dia, através de uma única visita conjunta entre o Enfermeiro F e o Assistente Social da Unidade de apoio a pessoas sem-abrigo ou com domicílio instável e mais tarde já numa fase de mobilização de medidas e respostas sociais por um Terapeuta Ocupacional, tendo resultado dois Relatórios. Tal como no Atendimento Rui Pedro Ventura 78 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO também no Diagnóstico, apenas, se escuta Maria, sem ter sido considerado pelos profissionais outros elementos da sua rede social (nomeadamente, a Filha que mais tarde vem contactar a Unidade para informar do falecimento da sua Mãe). Sem evidência de um Plano de Desenvolvimento Individual definido, Maria entra, após Diagnóstico, de imediato para uma Resposta Social da Apoio Residencial onde lá permaneceu 140 dias (apoio este pela sua natureza continuado) assegurado por profissionais da Residência (entre estes, Ajudantes de Lar, Monitor de ATL e Enfermeiro) dirigida por um Diretor com formação em Trabalho social, tendo mais tarde passado para um Apartamento Terapeuticamente Assistido, onde veio a permanecer durante 120 dias (apoio periódico dada a natureza da Resposta) assegurado, também, por diversos profissionais do CSMM e dirigido por um Diretor com Formação em Terapia Ocupacional. Ao longo da permanência na primeira Resposta Social o Psicólogo da UBE, juntamente com os Monitores de ATL, desenvolve atividades (de acordo com os Registos pelo menos 3 vezes) de grupo de Arte-Terapia. Face aos registos encontrados, verifica-se que as medidas e respostas sociais foram mobilizadas numa perspetiva de atender pontual e casuisticamente às necessidades e problemas que iam surgindo, mas faltou um Plano que tivesse permitido à Maria ou a outras pessoas da sua eventual rede social nuclear participarem, serem escutados e implicados nas medidas e respostas mobilizadas via à promoção do seu bem-estar pessoal. A observância da fase de Avaliação faz-se, de acordo com os registos constantes no Processo Individual, na sequência de distúrbios havidos no Apartamento onde Maria reside na sequência do seu comportamento agressivo que ameaça a integridade física e emocional de pessoas residentes e profissionais, sem que tenha previamente existido ao longo do plano de intervenção social, ou pelo menos evidência, de monitorização ou de supervisão. Maria é compulsivamente colocada fora do Apartamento (a fechadura é alterada), sem existirem evidências de terem sido mobilizadas ou, pelo menos, equacionadas outras medidas ou respostas alternativas via à promoção do seu bem-estar pessoal, acabando por sucumbir do local onde encontrou sempre o seu Abrigo, quando fora vítima de violência por parte dos seus familiares (a Rua), na sequência de um plano de intervenção social que pecou, designadamente, pela ausência de observância de todas as fases de um plano de intervenção social – sendo de destacar a fase de definição do Plano de Desenvolvimento Individual - e, essencialmente, por uma coerência parcial, na medida em que desde o Atendimento - em que foi sinalizado o problema de alcoolismo na Maria - passando pelo Diagnóstico - em que foi reconhecido potenciais psicológicos via ao seu bem-estar pessoal (a vida possui um sentido) -, não foram tidos em conta elementos essenciais a serem considerados no plano de intervenção social, comprometendo, deste modo, a sua adequabilidade e efetividade. O caso de Maria Rui Pedro Ventura 79 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO permite, por um lado, reconhecer que o plano de intervenção social atendeu às suas necessidades mais básicas (alimentação, alojamento, cuidados de higiene e conforto, saúde) tendo sido mobilizadas medidas e respostas logo na fase Atendimento, de forma a proporcionar de imediato bem-estar e a garantir a efetivação de Direitos Fundamentais (a pobreza é uma violação de Direitos Humanos). Contudo, entende-se que ao ter sido descurado fases de um plano de intervenção – como sejam as de definição de um plano de desenvolvimento individual, monitorização ou mesmo a supervisão – vários aspetos não foram tidos em linha de consideração registando-se a ausência de uma coerência plena entre o que foi sinalizado na fase do atendimento (a dependência em álcool) e as medidas e respostas que vieram a ser mobilizadas posteriormente comprometendo a adequabilidade necessária à, consequente, efetividade da intervenção. Por outro lado, tudo indicia que a efetivação do plano de intervenção social terá ficado, igualmente, comprometido, desde o início do Plano, entre outros aspetos: Por não se ter esclarecido devidamente a Pessoa a quem se destinou a intervenção sobre os seus Direitos e Deveres na fase de Atendimento, necessário ao seu envolvimento (as únicas evidências são documentos assinados pelo próprio a autorizar o tratamento de dados pessoais); Por não se ter escutado outras pessoas da sua rede social nuclear na fase de Diagnóstico; Por não se ter implicado o suficiente nas medidas e respostas sociais que foram mobilizadas, em grande medida pela ausência de um Plano de Desenvolvimento Individual que não se chegou a definir; Por não se ter escutado ativamente a Pessoa não sequência do seu descontentamento e não se ter delineado em conjunto um Plano alternativo. Por isso, se o Plano de Intervenção visou desde o início promover o bem-estar pessoal através de condições objetivas de existência, pecou por não se ter atendido aos aspetos de natureza mais psico-social-espiritual que permitisse uma transformação integral. Retomando a proposta de Edward Canda sobre a transformação terapêutica sobre o caso Maria torna-se evidente que a intervenção não foi suficiente para alterar “velhos hábitos” tendo-se ficado por uma resposta de tipo formal. Segundo Canda num trabalho social prático o especialista acolhe a pessoa numa relação de ajuda num espaço como o de gabinete ou em sua casa designado para um encontro dedicado à ajuda. Deixam dicas às pessoas para que se desvinculem de uma situação ordinária de vida da qual se sentem presas. Indicam a sua intenção de ajudar e como o irão fazer. Recolhem-se dados Rui Pedro Ventura 80 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO importantes sobre a história de vida e identificam-se os problemas e as aspirações. Esta é a fase da avaliação e da análise, que literalmente significa “desmontar”. Ajuda-se a pessoa a desconstruir a sua situação e a abrir-se a outras possibilidades. Nesta fase, torna-se importante criar um laço de confiança e segurança na relação de ajuda com a pessoa que se encontra afetada, oprimida e desorientada pelo caos, revelando-se indispensável assegurar respeito por ela. Esta fase de ajuda dá ênfase ao restabelecimento das relações, procurando-se transmitir, deste modo, um sentido de proteção, compreensão e esperança no futuro. Faltou o acompanhamento durante o fluxo de mudança. As desordens têm as suas vantagens e o caos pode ser criativo. A pessoa que sinta o status quo a ruir poderá deslumbrar uma abertura para a mudança e crescimento. Ao longo do processo de ajuda, afigura-se necessário que o especialista em trabalho social ajude a pessoa a encontrar novas oportunidades, a ter outras formas de ver e de pensar, a improvisar soluções e a recorrer aos seus próprios potenciais e recursos imprescindíveis num processo de mudança. Para o efeito, importará cortar com velhos padrões. Esta é a fase em que se abrem muitas oportunidades havendo um forte apelo à criatividade. Quando uma pessoa está em movimento, ela sente ambiguidade e alguma desconcentração, contudo tem a possibilidade de se mover de um lugar para outro. Estruturas pessoais e culturais, hábitos, normas e expectativas encontram-se temporariamente alteradas ou suspensas. Muitas possibilidades se abrem. As pessoas em conjunto que passam através deste processo, tendem a formar um sentido de cooperação e suporte mútuo de base igualitária e comunitária. Esta falta de estrutura, porém, faz apelo a um suporte de proteção e orientação, que poderá ser assegurado por cuidadores. Este suporte, no caos criativo, é catalisador no processo de transformação. A complementaridade entre a anti-estrutura e a estrutura é similar aos conceitos de morfostase (morphostasis) e morfogénese (morphogenesis) num sistema dinâmico. A morfostase significa “manutenção de forma”. É o processo de vida do sistema que protege e restaura a integridade de vida do sistema, de modo a poder sobreviver. A morfogénese significa “gerar forma”. Trata-se do processo que adapta, muda e cria novos padrões de vida de um sistema, de modo a poder desenvolver e crescer todo o tempo. A morfostase e morfogénese são complementares e aspetos necessários no processo dinâmico de manutenção e transformação da vida do sistema. A morfostase sozinha resulta na estagnação e morfogénese sozinha resulta em caos destrutivo. Que fatores humanos organizacionais terão concorrido para este desfecho? Teria sido possível um resultado diferente com um modelo de trabalho social holístico? Como avaliar a equipa de trabalho social? Como promover junto da equipa uma transformação com via a um trabalho social holístico? Rui Pedro Ventura 81 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO 4.1.2. SOCIOMETRIA E SOCIOGRAMA DE EQUIPAS DE INTERVENÇÃO SOCIAL O recurso à análise de redes, baseado na sociometria e sociograma de Jacob L. Moreno, afigura-se como um importante instrumento para avaliar estruturas e dinâmicas das equipas de trabalho social com a finalidade de avaliar dimensões importantes referidas a propósito da espiritualidade nas organizações de trabalho. De acordo com Marta Valadas um processo de investigação de redes sociais tem por objetivos (1) reconstituir e representar a estrutura com o objetivo de simplificar as redes; (2) localizar cada entidade ou pessoa do sistema social; (3) e proceder à associação entre esse posicionamento e o respetivo comportamento (Valadas, 2000: 94). Entende-se, neste sentido, que para levar a cabo uma investigação às redes sociais se torna imprescindível delimitar a fronteira do estudo (exemplo: uma organização, uma área geográfica, etc.) equacionar as fontes de informação (documentais ou outras), definir níveis de análise (podendo estes serem de nível egocêntrico, relacional ou, ainda, estrutural), escolher o tipo de dados (sobre relações, atributos ou comportamentos) e, por último, o tipo de relação a ser estudada. Num processo de investigação em redes revela-se necessário a prévia definição do objeto a analisar o âmbito – podendo estes se reportarem à área da intervenção social, às pessoas a abranger pela intervenção ou ainda das suas problemáticas sociais: sem-abrigo ou com domicílio instável, ou famílias, crianças e jovens em risco, pessoas idosas isoladas, pessoas dependentes de álcool ou de drogas, pessoas desempregadas de longa duração, pessoas vítimas de violência domestica, pessoas portadoras de deficiências ou com ser 0 positividade, etc.). A definição da área de intervenção social implicará, igualmente, considerar as entidades implicadas no plano de intervenção social, nomeadamente das Unidades de Trabalho Social, as Respostas Sociais entre outras - podendo algumas destas virem a ser identificadas a partir de uma técnica de amostragem como o de snowball sampling –, determinando, deste modo, a extensão da análise. Entende-se que a heterogeneidade de necessidades e problemas associados das pessoas abrangidas pela intervenção implica necessariamente a mobilização de medidas e respostas sociais diferentes ajustadas a cada situação, pelo que outras entidades, para além daquelas que se perspetivam analisar, podem vir a ser identificadas após análise casuística aos processos individuais com recurso à técnica de análise de redes. Após a delimitação da fronteira a avaliar, revela-se necessário planear a ação, passando por proceder a um exame prévio, em todo semelhante a uma pesquisa de terreno, com base em contactos com as entidades envolvidas (chefias e profissionais), entrevistas e recolha e análise documental, que permita uma descrição preliminar da(s) estrutura(s) a avaliar, da posição dos intervenientes na(s) estrutura(s), definição hierárquica e responsabilidades na intervenção social, bem como de outras informações, igualmente relevantes (ambiente Rui Pedro Ventura 82 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO social) e que serão captadas por meio de uma observação participante. A delimitação das fronteiras, nomeadamente da população, alvo da intervenção social, no planeamento, afigura-se, por isso, indispensável, uma vez que permite, desde logo, identificar as diferentes entidades implicadas na intervenção social e iniciar o desenho das interligações possíveis entre essas diferentes entidades, devendo tais interligações serem confirmadas, posteriormente, numa análise casuística ancorada a processos individuais (nível egocêntrico), quanto à sua natureza. A título de exemplo e partindo no nosso caso prático, foi possível a confirmação de todas as entidades que intervieram em todas as outras fases ao longo do plano (nomeadamente as Unidades de Trabalho Social destinadas a pessoas sem-abrigo ou com domicílio instável e de respostas destinadas a pessoas com doenças infecto-contagiosas). 4.1.2.1. CASO M ARIA O processo individual de Maria continha uma base de evidência (entre ficha de caracterização, cópias de documentos de identificação, relatórios sociais, relatórios de avaliação e diagnóstico, registos de diligências e ocorrências - cerca de 52 registos) que permitiu identificar o percurso da utente pelas diferentes etapas da intervenção e profissionais implicados. Tal como se poderá observar na Figura … cada “nós” é representado por uma figura geométrica: correspondendo o diamante à Maria, o quadrado à Filha, o círculo aos profissionais e o triângulo às etapas de intervenção. FIGURA 12. REDE DE INTERVENÇÃO SOCIAL DE MARIA Fonte: NetDraw 2.097 A partir da análise do grafo, pode-se constatar não existir evidência que tenha sido feita duas etapas da intervenção, nomeadamente, o plano de desenvolvimento individual e a monitorização. A observância de todas as etapas constitui um dado de boas práticas. Rui Pedro Ventura 83 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Importa, ainda, referir que dos elementos constantes do processo não existe evidência que tenha havido contato por qualquer um dos profissionais ao longo da intervenção com familiares de Maria. Existe, apenas, um registo de contato da filha com a Diretora de Unidade na fase de arquivamento do processo, que importa, aqui, realçar. O assistente social, profissional responsável pelo encaminhamento de Maria para a Direção onde a intervenção, grosso modo, ocorre, acompanha em praticamente todas as etapas da intervenção. No que respeita à perícia, um dado que ressalta a propósito da rede de intervenção é o seu carácter multidisciplinar, podendo-se identificar desde enfermeiros, a terapeuta ocupacional, a assistente social, psicólogo, intervindo em diferentes etapas da intervenção. Um outro dado importante reporta-se à consistência da rede de intervenção medida por indicadores de centralidade, embora os laços considerados tenham sido identificados, apenas, a partir dos elementos constantes do processo, sem escutar os profissionais implicados na rede. A rede de intervenção teve uma densidade (density) de 0,4056 valor correspondente ao número de laços existentes entre os laços possíveis 73, o que evidência que praticamente todos os profissionais tiveram articulados no processo de intervenção de Maria. QUADRO 1. DENSIDADE DA REDE DE INTERVENÇÃO Fonte: Ucinet 6 O grau de intermediações (betweeness) ou caminhos geodésicos é, igualmente, baixo atendendo que se trata de uma rede de intervenção em que os profissionais têm um contacto, quase sempre, direto com a pessoa a quem a intervenção social se dirige, registando-se um nível de intermediações praticamente nulo. QUADRO 2: GRAU DE INTERMEDIAÇÕES NA REDE DE INTERVENÇÃO Rui Pedro Ventura 84 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Fonte: Ucinet 6 As Diretoras foram as que apresentaram maiores valores (71,83%, 18,917% e 9,250%), explicando-se pelo facto de Maria ser a pessoa a quem a intervenção se dirige e no caso das Diretoras pelo seu papel hierárquico que as fez relacionarem-se com quase todos os profissionais que intervieram diretamente junto de Maria durante o processo. Em termos da capacidade para alcançar todos os nós da rede (closenness) destaca-se, uma vez mais, a Maria com o valor mais elevado pois ela é ator central da rede, assumindo a filha (como parte da sua rede intima) o segundo valor mais baixo. QUADRO 3: GRAU DE PROXIMIDADE NA REDE DE INTERVENÇÃO Rui Pedro Ventura 85 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Fonte: Ucinet 6 Não obstante esta primeira abordagem proporcionar importantes elementos para uma apreciação da rede de intervenção no que respeita, em especial, à observância das fases, à perícia e à consistência da rede, afigurou-se necessário complementá-la com uma análise mais aprofundada (com questões diretas aos intervenientes), tendo em consideração os seguintes fatores: FIGURA 13. FATORES DE ANÁLISE FATORES Base-Evidência ÍNDICES Elementos do processo que constituam base de evidência de todas as fases de intervenção. INDICADORES Dados que permitam a descrição cronológica e detalhada das fases intervenção e dos intervenientes. Observância das fases da intervenção Perícia na rede de intervenção Evidências em termos da efetivação das fases de intervenção. Profissionais implicados ao longo da intervenção em função das suas competências técnicas Consistência da rede de intervenção Laços entre profissionais, pessoa ao cuidado e familiares tecidos na intervenção Coerência entre as fases de intervenção Consonância entre as diversas fases da intervenção Dados sobre ações encetadas que permita comprovar a observância das fases de intervenção. Dados sobre profissionais implicados e ações encetadas nas diferentes fases de intervenção quer na relação direta com a pessoa ao cuidado ou familiares quer entre profissionais implicados no âmbito da intervenção. Medidas de centralidade que permitam aferir sobre as características da rede de intervenção, nomeadamente: densidade; centralidade, intermediação e proximidade entre os diferentes profissionais implicados e entre estes com a pessoa ao cuidado e familiares. Dados que permitam apreciar sobre a coerência entre as diferentes fases nomeadamente sobre o aferido e o proposto, entre o que se contratualiza e se efetiva na prática. Dados que permitam apreciar sobre o modo como a pessoa a quem a intervenção se destina foi implicado ao longo da intervenção pelos profissionais que intervieram. Dados que permitam validar se as respostas identificadas foram mobilizadas e se serviram o seu propósito. Empoderamento Implicação da pessoa a quem a intervenção se destina Proficiência das respostas Efetividade das respostas mobilizadas no âmbito da intervenção A descrição em termos de estrutura e dinâmica da rede de intervenção (sociometria) revela-se de todo útil para o momento que se seguirá o de transformação integral levado a cabo mediante jogos dramáticos. 4.1.4. JOGOS DRAMÁTICOS COMO UMA VIA PARTICIPATIVA DE TRANSFORMAÇÃO INTEGRAL PARA UM TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Depois da avaliação da análise casuística aos processos individuais (a selecionar de acordo com critérios de amostragem tidos por adequados face aos objetivos que se pretendem atingir) complementado com a sociometria e o sociograma da equipa de intervenção, consideram-se estarem reunidas as condições para se tecer as conclusões a propósito do desempenho das entidades avaliadas do ponto de vista da intervenção social. Trata-se de um momento fundamental na medida em que se impõe rigor, objetividade, Rui Pedro Ventura 86 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO isenção da formulação de opiniões. Este é um momento de proceder a uma relação entre os resultados obtidos na análise aos processos individuais como todos os momentos anteriores respeitantes ao processo de avaliação, designadamente: Do planeamento onde se inclui o exame prévio das Entidades. Da descrição, análise e avaliação do Plano de Intervenção Social; e Após se ter percorrido o percurso inverso à da ação, afigura-se necessário identificar as desconexões entre as práticas de intervenção objeto de avaliação com os processos e procedimentos previstos que foram objeto de levantamento, as relações entre os casos práticos de insucesso do ponto de vista da intervenção com as eventuais desadequações organizacionais, mas, também, os casos práticos de sucesso e sua associação com as boas práticas. Esta relação, entre os momentos da ação respeitantes a uma avaliação estática (do exame prévio à descrição) com uma avaliação dinâmica identificada na sociometria ancorada aos casos práticos individuais, permitirá formular recomendações de melhoria ou, ainda, realçar as potencialidades da intervenção social na perspetiva de um trabalho social holístico. Uma avaliação com inspiração espiritual corresponde a um processo contínuo de discernimento, implicando, ao mesmo tempo, uma abertura profissional e da pessoa ao cuidado para o reconhecimento dos impactos da relação de ajuda. Segundo Canda não se trata de um processo tipo egocêntrico de reflexão. Afirma Canda que a avaliação de inspiração espiritual preocupa-se com os resultados da ajuda, mas não se encontra amarrado de forma egoísta a ela. A avaliação não tem como o propósito garantir que as pessoas ao cuidado se conformem com as aspirações dos profissionais de trabalho social ou metas institucionais. Tem como propósito ajudar a pessoa a estar alerta e a ser encorajada a prosseguir na sua caminhada demonstrando os benefícios da mudança, evitando os erros de estratégias de ajuda que não são efetivas. O lado convencional da avaliação é a monitorização. Na monitorização procura-se assegurar que os objetivos delineados estão a ser cumpridos pela pessoa ao cuidado, tendo em atenção alertar sempre que ocorrem desvios por comprometerem a meta definida. Poderse-á ajustar o plano em face de mudanças ocorridas, tendo em vista que a intervenção seja mais efetiva. Entendemos, porém, antes do profissional e da equipa de trabalho social estar preparada para esse processo transformativo da pessoa, família ou comunidade que acompanha deve antes ou após ela própria refletir sobre si própria, uma vez que ela própria deverá ser levada a reconstituir os seus modos de atuação, identificar os momentos de crise e os obstáculos para assim os poder conceber como alavancas de transformação integral de cada um dos elementos e da equipa em geral. Uma equipa holística é aquele em que cada um dos elementos consegue transpor cada um dos egos, sentir e funcionar Rui Pedro Ventura 87 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO como um Todo. Assim, na opinião de Canda, a monitorização pode recorrer ao diálogo clínico, aos contactos de ajuda, a instrumentos psicológicos de medida, a indagação subjetiva e individual e a inquéritos de satisfação. Tudo isso é útil, mas não o suficiente. É importante zelar que o crescimento da pessoa ao cuidado seja genuíno e não algo de artificial e imposto. Torna-se necessário que esse plano ou projeto de vida seja assumido como seu. Por isso, entende que a monitorização precisa de ser complementada com um processo que vise a transformação da pessoa ao cuidado e do seu sistema, bem como da própria relação de ajuda, que só se consegue, em nossa opinião, com uma transformação do próprio especialista do trabalho social e da equipa de intervenção. O processo de transformação o lado não convencional, segundo Canda da avaliação, deve ser levado a cabo com a implicação de todos os intervenientes na intervenção social num processo dinâmico e de transformação integral (havendo momentos em que a pessoa ao cuidado pode ser implicada, ou não). O modo mais adequado de o fazer, consideramos será através de jogos dramáticos (axiodrama, teatro espontâneo, teatro playback e teatro de criação) recreando os casos de intervenção reconstituídos no sentido de trabalhar a espontaneidade, colocando em confronto ideias pré-concebidas, valores que, por vezes, constituem obstáculos a uma relação de ajuda genuína e empática. Por isso, uma equipa terá que funcionar como um todo, e esse todo só se consegue com um trabalho que facilite cada um transpor a sua fronteira, a sua máscara, a sua persona. Inspirado no psicodrama, no teatro espontâneo, no teatro playback e teatro de criação propõe-se um pequeno jogo dramático de acordo com as seguintes etapas: Momento de aquecimento com os participantes que se deslocam livremente e descontraidamente pela sala, com ou sem interação É proposto que cada grupo faça uma pequena encenação dramática inspirando-se nos casos de intervenção apresentados. Pede-se a cada elemento que escreva livremente num pequeno papel os casos que gostariam de representar e formam-se grupos em função dos casos escolhidos; Estes podem ser escolhidos por aqueles que estiveram implicados na intervenção ou não (no caso do primeiro teríamos um exemplo de psicodrama em que a experiência é dramatizada pelo próprio no outro caso é exemplo de teatro de criação uma representação feita de forma espontânea por outro enquanto que experienciou assiste) Rui Pedro Ventura 88 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO Os casos de intervenção vão sendo dramatizados pelo grupo enquanto a história vai sendo narrado. Neste jogo dramático cada participante ou quem tem o papel principal (por exemplo o profissional) pode trazer consigo um “anjo” e um “demónio”, personificado por outros elementos do grupo através de duas vozes internas do “bem” e do “mal” (de acordo com a tradição cultural religiosa). O demónio não tem que ser necessariamente quem advoga, por exemplo, o modelo de gestão desenhado para maximizar a eficiência através da determinação racional das metas e objetivos do trabalho social, sem olhar o lado humano, mas uma chefia ou a sociedade representado por outro interveniente. O “demónio poderá aqui ter apenas o papel de levar o “profissional” a escolher a via mais comoda ou aquela que lhe dará maior visibilidade, mérito e reconhecimento pela chefia ou social mesmo que o seu “anjo” lhe diga que tal via não apela à espiritualidade no trabalho social, porque não esta a ter em atenção a pessoa ao cuidado. No final do jogo dramático espontâneo ou de criação, pretende-se que mediante a experiência vivencial os participantes tenham-se confrontado com os seus quadros de valores antigos e/ou novos, mudando algo de forma a poder vir a estar no trabalho (e no mundo) de um modo diferente do anterior, ou possam fazer uma espécie de catarse de uma experiência dramática dando lugar a uma transformação integral dramatizando por exemplo o fato ocorrido ou ainda aquilo que terá sido o sonho do ponto de vista do desfecho final. 4.2. INVESTIGAÇÃO INTEGRAL APLICADA AO TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO A espiritualidade é tema central no estudo científico das religiões muito particularmente na sociologia das religiões, como também é tema no estudo em outros campos nomeadamente das ciências médicas, da física quântica, de uma psicologia da consciência (ou também denominada de transpessoal), da antropologia, da teologia entre outros. O tema da espiritualidade é central no estudo das religiões, contudo, espiritualidade não é o mesmo que religião(ões), podendo ser abordada como essência e/ou aspeto da pessoa humana distinta dos aspetos social, biológico, psicológico. Por isso, assume especial interesse igualmente nas práticas profissionais, nomeadamente, do cuidar (da saúde ao trabalho social), da educação, da gestão entre outras. O relevo sociológico é apenas para quem faz da sua prática profissional a produção do conhecimento sobre a realidade social, por isso caso o presente tema aqui proposto possa vir a merecer o interesse para a Rui Pedro Ventura 89 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO sociologia, então, só poder-se-ia concluir, no final, que serve, também, a sociologia na medida em que acrescenta algo para à compreensão de fenómenos sociais, mas não será este o propósito do presente trabalho. Na verdade, o que faz distinguir a sociologia do trabalho social é essa busca em procurar que a produção do conhecimento se reflita em termos das suas práticas de intervenção não só porque tem por base determinado diagnóstico como por ser capaz de projetar modos de fazer, modos de cuidar. O trabalho social recorre, na verdade, a teorias do comportamento humano onde se incluem contributos de teóricos da sociologia, mas o trabalho social não é sociologia nem a sociologia é trabalho social. Importará, por isso, que a investigação se centre quer em termos dos seus fundamentos teóricos quer das suas práticas em termos das metodologias de atuação junto das pessoas e grupos sociais a intervir. Não se pretende aqui reduzir o importante papel que a sociologia poderá ter para o trabalho social, apenas recoloca-lo em termos do modo em que este poderá ser importante e servir o trabalho social. Neste sentido, a sociologia é tão importante como o é a psicologia para o trabalho social, pois ambas proporcionam base de compreensão do comportamento humano, mas no que respeita à arte de intervir e de cuidar esta tem um contributo especial do trabalho social desde princípios do século XX com Marie Richmond e a sua obra célebre e de referência Social Diagnosis (Richmond, 1917). Na verdade, o especialista em trabalho social pode ter nas teorias do comportamento humano uma fonte de recursos importantes, não só porque lhe permite compreender as situações com que se vai confrontando quotidianamente, no exercício da sua atividade, como, ainda, procura orientação através delas as suas práticas. Existe um conjunto amplo de teorias que o especialista em trabalho social pode mobilizar para responder às situações com que se vai confrontando. Com efeito, são vastíssimas tais teorias, mas, ainda assim, elas não permitem tornar previsível a cem por cento o comportamento humano nem, tão pouco, fornecer detalhadamente como agir, restando-lhe a sabedoria e a arte para encontrar uma resposta que seja a mais adequada em face da situação em concreto. Para além das teorias dos sistemas; dos conflitos; do empowerment; feministas, da cultura, da psicodinâmica, do desenvolvimento, do ciclo da vida (life span theory); sociológicas como a do interacionismo simbólico e do conhecimento (construção social da realidade), dos papéis, da fenomenologia, do behaviorismo, da pedagogia social, das teorias da transição existem as teorias transpessoais úteis para o assistente social dar enfase a aspetos espirituais e religiosos da experiência humana. Elas providenciam conceitos não sectários e modelos para o fazer inspiradas em tradições espirituais. Elas orientam para o modo como lidar com todas as pessoas e constelações ambientais, sem esquecer dos aspetos espirituais do indivíduo na relação com o Mundo. Chamam a atenção para a perceção interior positiva espiritual e potencial das pessoas, bem como da Rui Pedro Ventura 90 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO importância do espiritual e do religioso como sistema de suporte para o desenvolvimento de um sentido de vida com sentido e direção. Elas providenciam linhas orientadoras para lidar com experiências que transcendem o ego, podendo ajudar a pessoa ao cuidado a alcançar paz e felicidade. São, igualmente, importantes na medida em que ajudam a expandir a visão do profissional para uma perspetiva ideal de justiça. A teoria integral de Wilber, por exemplo, leva a considerar todas as dimensões da pessoa e do ambiente (dos aspetos subjetivos do individual ao coletivo) e dos níveis (pré-egoico, egoico e transegoico) do desenvolvimento como relevante para uma situação prática. Estas grandes ideias de várias teorias podem até ser controversas e suscitarem muitas questões aos assistentes sociais, mas permitem promover um complexo e completo desenvolvimento do profissional e da pessoa ao cuidado. Ora, ao passar todas as teorias mencionadas em revista pretendeu-se demonstrar que o seu propósito no trabalho social é o de aplicação prática, nomeadamente, numa relação de ajuda, correspondendo, por exemplo, o corpo das teorias transpessoais aquele que procura dar ênfase à espiritualidade e por esta via sustentar uma prática facilitadora do bem-estar, felicidade e realização da pessoa humana. Considerar a espiritualidade apenas do ponto de vista sociológico ou com recurso apenas às abordagens sociológicas mais usuais e partindo do pressuposto errado de que espiritualidade é sinónimo de religião seria e serviria de pouco ao trabalho social que procura na espiritualidade desenvolver uma atividade holística por integrar todos os aspetos da dimensão da pessoa humana incluindo o espiritual. O conceito central do presente trabalho é a espiritualidade e não a religião, embora possa aqui ter lugar na medida em que a religião está incluída na espiritualidade e não o inverso, sendo aquela, por isso, mais ampla. O termo da espiritualidade foi adotado pelo trabalho social com o intuito dotar os especialistas de trabalho social de um olhar mais amplo e integral da pessoa, na medida em que procura não só considerar todos os aspetos - espiritual, biológico, psicológico, social e transpessoal- que a compõem, como, também, de os procura inter-relacionar todos os aspetos na medida em que a espiritualidade surge também como agregadora. Ao dotar os profissionais com um olhar mais amplo e integral da pessoa, pretende-se, assim, que o seu modo de intervir facilite na pessoa a transição para a plena realização do seu potencial com repercussões positivas para si e para outros que façam parte das suas redes interpessoais (da família à comunidade). A espiritualidade assume, deste modo, um sentido próprio para o trabalho social alicerçada mais numa orientação holística que pretende afirmar a totalidade da pessoa sujeita da intervenção e menos de religião como prática, mesmo que aquela assuma diferentes significações do ponto de vista da sua conceptualização, ou seja, umas vezes como essência (spiritualityas-essence) outras vezes como uma dimensão humana (spirituality-as-one-dimension) Rui Pedro Ventura 91 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO (Carroll, 2010). Sabe-se o quanto a metodologia é importante para conferir cientificidade ao que se está a estudar. Porém, optar por uma ou por outra poderá não acolher, igual, entusiasmo. São equacionados, no âmbito da investigação com enfoque nas práticas de trabalho social com ligação à espiritualidade, vários cenários possíveis contendo propostas metodológicas completamente distintas, mas só este que aqui se apresenta se afigura como o mais adequado para uma investigação integral do trabalho social holístico. Desejável seria que houvesse casos práticos de intervenção em trabalho social já com um modelo holístico orientador e que aqueles estivessem acessíveis para que pudessem ser testados provando, assim, os seus benefícios na pessoa ao cuidado. Contudo, desconhecemos da existência de tais modelos de intervenção, pelo menos, de forma institucionalizada, tal como acontece em alguns casos já descritos por Besthorn (2001) ou Canda (2010) nos Estados Unidos. Por outro lado, optar por um método de investigação experimental testando, por exemplo, o modelo holístico, mesmo que conceptual, tal como aquele que é proposto por Edward Canda, quer ao nível organizacional quer ao nível da terapêutica, a um grupo de pessoas e ao longo de um ano monitorizando os seus resultados, para além de muito dispendioso e necessitar de uma concordância superior ao nível institucional haveriam sempre variáveis que escapariam ao seu controlo. Perguntouse ao autor do modelo de atividade holística em trabalho social Edward Canda se já tinha sido objeto de uma investigação, ao qual me respondeu que não, dada a complexidade do modelo. Sugeriu um tipo de estudo etnográfico de natureza mais qualitativa onde se procurasse aferir junto de especialistas em trabalho social não só da sensibilidade para a espiritualidade como, também, o modo como os profissionais a transpõe para a sua prática. Levar a cabo uma investigação num contexto organizacional poderia, no entanto, levantar alguns obstáculos. A permissão institucional para um estudo desta natureza e a burocracia existente em muitas das instituições para dar o seu aval nem sempre se compadece com o tempo que se impõe a um trabalho académico desta natureza, levando, a maioria das vezes, por entrevistar especialistas de trabalho social com quem se iriam tecer laços ao longo da investigação, voando para além dos muros institucionais, procurando, assim, dar atenção ao sentido de espiritualidade e como este se expressa no trabalho quotidiano dos profissionais em trabalho social. Ao centrar o foco de atenção nos profissionais pode-se aferir que sentido a espiritualidade têm para os mesmos e quais os benefícios resultantes para si e para as pessoas que cuidam. Sabe-se, porém, que a espiritualidade não faz parte de um programa de educação em profissionais em trabalho social em Portugal. Com efeito, a formação continua a privilegiar conhecimentos do positivismo e materialismo e, por isso, não se saberá ao certo se em termos das práticas profissionais haverá quem procura transpor a espiritualidade para o trabalho. Poder-se-á questionar se alguns destes Rui Pedro Ventura 92 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO profissionais, mesmo com um sentido de espiritualidade a procuram transpor para o trabalho apelando por exemplo a um saber intuitivo (o lado yin) quando se confrontam com as situações reais dos seus clientes. Poder-se-á questionar, também, se tendo como teorias à disposição com ênfase na espiritualidade no corpo das teorias do trabalho social os profissionais acabariam por adotá-las em suas práticas. Talvez qualquer teoria acabe por ser interiorizada (como teoria implícita na prática) e destas duas fontes, conhecimento e intuição, resulte sempre uma abordagem diferente, acabando por imprimir um carácter singular à intervenção. Há, com efeito, uma espécie de pré-teorização (mesmo que se procure referências de algumas teorias) e que resulta do confronto com situações novas (problemas) que vão surgindo e que necessitam de uma resposta imediata e adequada. Após a resposta ou na sequência das mesmas respostas às situações emerge uma teorização acerca de um determinado padrão de problemas versus respostas. Muitas das teorias, propriamente ditas, tiveram, também, por base evidências, que as enformaram para voltarem a ser testadas com recurso a mais evidências, num processo cumulativo. Nesta espécie de pré-teorização em face de situações novas, eventualmente, poderá ser possível fazer corresponder um paralelo com certas teorias (ex., um problema de alguém que acabará por despoletar uma determinada leitura por parte especialista de trabalho social com uma orientação espiritual e, consequentemente, uma resposta, onde poderá ser feito um paralelo com determinada teoria transpessoal). Nada garante, porém, que fosse possível encontrar na vida de todos os dias exemplos idênticos ao que foi anteriormente apresentado. Na prática poder-se-ia não encontrar evidência de que os profissionais se tenham socorrido de uma teoria transpessoal, ou mesmo que o afirmasse poderia não ser fácil estabelecer uma relação entre uma determinada decisão num processo de ajuda e um resultado com uma opção por um determinado enquadramento teórico onde seja dado ênfase à questão espiritual. Buscar nos profissionais de trabalho social modos de entender, sentir, percecionar e desenvolver a espiritualidade nomeadamente como estes emergem em si e nas suas relações interpessoais bem como das suas implicações do ponto de vista das práticas profissionais poder-se-á revelar útil do ponto de vista da academia, mesmo que posteriormente seja possível estabelecer algum paralelismo com algumas teorias com ênfase na espiritualidade (teorias implícitas). Contudo, não se saberá ao certo se os especialistas em trabalho social que venham a ser implicados na pesquisa procurem nas suas práticas profissionais orientação espiritual - mesmo que implicitamente – e mesmo que estas se possam considerar com tal orientação os próprios profissionais podem não se dar conta que muitas das suas práticas já a incorporam. Com efeito, em Portugal a espiritualidade não faz parte de um programa de formação em trabalho social ao contrário do que acontece em outros países, mas ainda assim tal facto não será impeditivo dos Rui Pedro Ventura 93 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO especialistas em trabalho social procurem nas suas práticas uma sensibilidade ou uma orientação espiritual. Numa pesquisa realizada por Canda com Leola Furman (Canda, 2010a) foi desenvolvido um inquérito, em 2008, em termos nacionais, junto de assistentes sociais membros da NASW (n=1,804). Estes autores constatam que a maioria dos assistentes sociais americanos abordam questões relacionadas com a espiritualidade junto das pessoas que procuram cuidar. Constatam, ainda, que em determinados momentos, a maioria inspira-se na espiritualidade e orientam as suas práticas de cuidar em função dessa inspiração. Porém, essa maioria refere que tiveram pouca ou nenhuma preparação educativa sobre espiritualidade. Por exemplo, 50% ou mais inquiridos recomendaram a pessoas (suas clientes) livros ou textos sobre religião ou espiritualidade, orações ou meditação. Usaram conceitos ou uma linguagem espiritual ou religiosa. Recomendaram a participação em atividades religiosas ou espirituais. Referiram contributos de mentores ou guias de ajuda espiritual religiosos e não religiosos. Abordaram, igualmente, aspetos relacionados com espiritualidade e religião a pessoas que prestaram cuidados, tais como o sentido de vida, o propósito existencial e abordagens sobre a vida depois da morte. Todos estes resultados são apreciados pelos autores com reserva e preocupação e advertem para os cuidados a ter, nomeadamente se a pessoa ao cuidado está em condições frágeis e de instabilidade do ponto de vista físico, emocional ou mental. Para estas pessoas, devem ser adotadas precauções especiais. Existirá uma qualidade espiritual na pessoa e que constitua um potencial inato, que poderá ser fortalecido, sem que, previamente tenha tal qualidade sido facilitado através de um suporte da comunidade religioso ou não. No caso dos assistentes sociais tal qualidade pode ter emergido, naturalmente, no contexto das suas redes interpessoais (abrangendo a profissional) mesmo que não tenha constituído matéria de programa universitário (ao contrário do que acontece em algumas Universidades nos EU onde a formação em espiritualidade foi introduzida nos programas dos cursos em trabalho social). Esta poderá ser uma hipótese de pesquisa que poderemos vir a adotar. Compreender como estes fundamentos pré-teóricos ou teóricos, com ênfase na espiritualidade, se encontram implícitos nas práticas dos profissionais, como o sentido da espiritualidade emerge e se expressa nas suas práticas profissionais constitui assim um possível objeto de investigação viável e pertinente. Na mesma linha, numa pesquisa desenvolvida por Stacey L. Barker e Jerry E. Floersch (Barker & Floersch: 2010) aplicaramse entrevistas a 20 alunos de trabalho social com menos 3 anos de experiência no campo, selecionados através da técnica de amostragem snwoball, tendo colocado um conjunto de questões semiabertas com o objetivo de compreender o entendimento sobre a espiritualidade. Os estudantes foram, através das questões levados a refletir sobre, diversos aspetos da espiritualidade, tendo-se chegado à conclusão de que os estudantes Rui Pedro Ventura 94 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO de trabalho social não possuíam uma linguagem adequada para definirem a espiritualidade. Constatam os investigadores pela análise de conteúdo um dispersão ampla de entendimentos sobre a espiritualidade, designadamente: como difícil de definir; como não sendo religião; como devendo ser definida, apenas, em termos individuais; como característica comportamental e descrita, apenas, como tal; como multidimensional; como manifestação de fé; como manifestação da natureza humana; como busca de sentido e de propósito da vida. Em face dos resultados alcançados e dispersão de entendimentos vagos sobre a espiritualidade, consideram estes investigadores de que se torna necessário considerar uma nova linguagem para conceptualizar o fenómeno e a promoção de uma reflexão junto dos profissionais em trabalho social em torno da espiritualidade e potencial impacto no contexto das práticas profissionais. Ora, uma investigação tal como foi desenvolvida por Stacey L. Barker e Jerry E. Floersch (Barker & Floersch: 2010) ou uma outra, com um carácter mais extensivo, por Canda, E. R. & Furman, L. D. (2009), em que estes realizaram um inquérito nacional, afigura-se útil. À semelhança destas investigações, poder-se-á desenvolver uma pesquisa junto dos profissionais em trabalho social sentidos de espiritualidade e formas de transpô-la para o quotidiano, contudo, tal pesquisa não permitirá trazer um contributo para uma prática profissional sustentada em suporte teórico e uma metodologia de intervenção que se pretende holística. Ao tornar a prática em trabalho social com sensibilidade espiritual como objeto de investigação seguindo este entendimento, então, é porque se pretende torna-la, depois de refletida e reconstruída, extensível às práticas profissionais, pelo que exigirá uma teorização prévia com tal orientação. As propostas de aliar espiritualidade à ciência em ciências sociais e humanas vão neste sentido ganhando especial relevo no trabalho social que busca uma orientação holística em termos da intervenção, porém uma investigação que possa avaliar um modelo holístico de trabalho social implicará inevitavelmente uma metodologia integral. Uma metodologia integral, tal como se pretende aqui seguir (Braud, 1994: 30-33): (a) reconhece e investiga múltiplas realidades; (b) reconhece e incorpora múltiplas formas de conhecimento; (c) enfatiza a totalidade mais do que a fragmentação (d) procura harmonização (c) preocupa-se em acrescentar valor. A metodologia integral reconhece múltiplas realidades ou domínios do ser e do se tornar – do mais ordinário ao mais extraordinário – do mundano e do transcendente. Ela reconhece que a verdade descoberta é construída pela ciência, pelas humanidades, pelas artes e tradições espirituais (ontologia pluralista). Reconhece e aceita todas as formas de conhecimento, nomeadamente a observação empírica, o pensamento racional, a experiência interior, a intuição, as gnoses e as experiências humanas excecionais. O empiricíssimo que a metodologia integral emprega é um empiricíssimo amplo a todas as formas possíveis. Empírico é derivado do Rui Pedro Ventura 95 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO grego que originariamente significa derivado da experiência. Com a metodologia integral, empírico significa experiencial, e não deverá nunca ser confundido com experimental. A metodologia integral reconhece métodos que derivam das ciências, valorizando, também, as expressões artísticas, ascéticas, literárias, narrativas, simbólicas e metafóricas. Reconhece múltiplas perspetivas: desde pessoas indígenas, de outras culturas, do feminino como do masculino. Reconhece a importância do conhecimento tácito, do conhecer subtil e do que pode ser conhecido e auferido através do silêncio, da imaginação e do pensamento não discursivo (epistemologia pluralista). A metodologia integral reconhece a natureza holística do Universo, as interconexões de todas as coisas. Reconhece a importância das inter-relações e dos diferentes aspetos ou facetas da pessoa – corpo, mente, emoção e espírito –, assim como das relações que esta estabelece com outras pessoas e a natureza. Por causa destas relações, a causalidade é multifacetada e ocorre em ambas as direções a montante e a jusante, jogando um papel influente e ativo. Complementarmente, o investigador é por si uma parte integral de qualquer investigação, ambos influenciam e são influenciados por qualquer coisa que esteja a ser estudado (holístico/ interconexões). Dado que a realidade e modos de a conhecer são pluralistas, os profissionais das metodologias integrais buscam equilíbrio tanto quanto possível na dispersão de muitas dimensões. Eles buscam o equilíbrio entre as abordagens quantitativas e qualitativas, entre um interesse em leis gerais e um interesse na singularidade individual. Eles reconhecem ambas as leis causais e conexões (a)causais (o surgimento de fenómenos mutuamente conectados sem o sentido convencional de estabelecimento de qualquer ligação óbvia casual). Eles reconhecem os limites do conhecimento e isso mantém um equilíbrio entre o domínio da perícia e o mistério, entre a familiaridade o temor e a veneração, entre a compreensão e o enigma, entre o espontâneo e o deliberadamente planeado, entre o esforço e a graça (Divina). Existe uma aptidão para viver com a tensão entre esses complementos, assim como um talento para tolerar a ambiguidade. Existe um equilíbrio entre o velho e o novo. Em muitas arenas da vida e do pensamento existe um privilegiar para o mais novo, mais recentes acontecimentos, descobertas, e refletir sobre o antigo, as visões “tradicionais” ou “clássicas”. Isto relacionase, sem dúvida, numa crença e numa valorização do “progresso” – uma visão de que a humanidade e do seu conhecimento e produção encontram-se em “evolução”, constantemente a crescer a tornar-se maior e melhor, tudo o que aconteceu antes é simplesmente uma preparação e um marco fundamental para os avanços posteriores. Verdades mais antigas baseadas em tradições espirituais quer as descobertas quer as abordadas e transpostas aos novos tempos não devem ser ignoradas e esquecidas, mas deve existir uma certa cautela nem para adotar cegamente as primeiras caindo num Rui Pedro Ventura 96 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO tradicionalismo rígido nem os revestimentos novos que lhes são dados que levam a cair, muitas das vezes, numa errática trapaça (busca equilíbrio). A metodologia integral interessa-se com as metas e os resultados no sentido da possibilidade das aplicações e implicações das suas descobertas. É reconhecido e expectável que as investigações tenham importantes impactos sobre os participantes da investigação, no investigador e na sociedade. As investigações devem ser acompanhadas de ciência, de perceções e experiências que possam contribuir para o físico, o psicológico e as mudanças espirituais nos co-investigadores. Investigadores da metodologia integral encontram-se preparados para experienciar transformações possíveis no decurso das suas próprias investigações. Transformações implicam participar totalmente em certas investigações, fazer certos tipos de observações, ou adquirir certos tipos de conhecimento ou experiências – isto é, adequatio deve ser tido em atenção. É esperado que a investigação integral resulte não apenas do incremento do conhecimento, mas, igualmente, nas mudanças que possam ocorrer em si. Maior mudança “local” desta espécie pode resultar em impactos clínicos adicionais e espirituais nos profissionais; do ponto de vista de uma maior extensão, podendo, igualmente, promover mudanças sociais. Assim, um projeto de investigação integral executada com a maior atenção e rigor possível pode ser, simultaneamente, um veículo, nomeadamente, para acrescentar conhecimento e expandir a sua disciplina, promotor de uma série de interações terapêuticas, agente de ação social e para contribuir na caminhada pelo trilho da sua espiritualidade. Partindo destes princípios, entende-se incluir o investigador ao objeto da investigação, focando-se nas práticas, nas redes de relações que se vão tecendo nessa busca de soluções práticas com sentidos de espiritualidade. É, por isso, importante não só compreender como esta espiritualidade se sente e se expressa nas práticas, mas, sobretudo, procurar como numa prática profissional se poderá ter uma sensibilidade espiritual útil para quem a pratica e quem se encontra ao cuidado. Não se pretende apenas partir de fundamentos norteadores, mas de transformar integralmente a realidade que é igualmente a sua. O recurso variado, da reconstituição de casos, à sociometria das equipas de intervenção ao teatro criativo revelam-se como um conjunto de métodos úteis no âmbito de uma metodologia de intervenção para uma via holística de trabalho social pelos fundamentos aqui chamados contudo tal metodologia de intervenção carece de uma investigação experimental que valide a sua adequação e eficácia do ponto de vista do impacto que aquela possa ter sobre o grupo (por exemplo, tornar-se-á o grupo mais coeso em face de tal metodologia de intervenção). A investigação em trabalho social resulta assim num validar de um modelo de intervenção que pretendemos testar, sendo o investigador junto com os especialistas de trabalho ator da transformação integral para uma via holística de trabalho social. Rui Pedro Ventura 97 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO CAPITULO V – DESAFIOS PARA UM TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO O tema da espiritualidade no trabalho social é pioneiro em Portugal uma vez que ao contrário do que existe em matéria de investigação é inexistente. É pertinente porque poderá introduzir um elemento inovador às práticas dos profissionais em trabalho social, isto é uma orientação espiritual que possa responder ao apelo a metas e aspirações das pessoas e das suas comunidades, que evocam por uma apropriada abordagem holística e cultural, no que, em especial, se refere às práticas em trabalho social. A espiritualidade no Trabalho social respeita, igualmente, a uma diversidade de expressões espirituais religiosas e não religiosas, dando enfoque ao sentido de vida que cada pessoa ao cuidado e suas comunidades buscam, bem como aos propósitos que atribuem à sua própria existência e suas metas, às cogitações que tecem sobre as vias de alcançar a perfeição e o transcendente, resultado das suas aspirações mais elevadas, mesmo que implícitas ou que importa resgatar. Ao apreender tais potenciais, o trabalho social procurará ora facilitar, ainda, mais o seu crescimento ora orientá-los no sentido de cada um ou das comunidades transmutarem dificuldades em desafios tendo em vista alcançarem o bem-estar e o equilíbrio face às condições em que se encontram e dos meios de que dispõem. A espiritualidade não tem merecido atenção exclusiva do trabalho social. Também, a psicologia (especialmente, transpessoal e psicologia positiva) procurou aprofundar o tema da espiritualidade, constituindo uma fonte importante, igualmente, os estudos sobre a resiliência, a saúde e a saúde mental, em especial, os que produzem conhecimento sobre a relação entre a espiritualidade e o bem-estar, sem descurar outros contributos complementares, nomeadamente, provenientes dos estudos religiosos e multiculturais. Para além da psicologia, entroncam num movimento paralelo o counseling, a medicina, a enfermagem e outras ciências associadas às relações de ajuda em busca de incorporarem a espiritualidade nas suas práticas, quer sejam estas ao nível da pesquisa elegendo aquela como objeto empírico, quer nas relações de cuidar. Interessante será, igualmente, de constatar que um dos precursores do transpessoal, Ken Wilber, referido por Besthorn (2001), conta atualmente com um número considerável de seguidores, adeptos da sua teoria integral, em diferentes campos profissionais (desde a saúde, psicologia, politica, educação, espiritualidade, entre muitos outros). Apesar deste movimento emergente há, pelo menos, três décadas, muitos assistentes sociais e outros profissionais que cuidam de pessoas ou de investigadores encontram-se pouco sensíveis ou conscientes da importância da espiritualidade no cuidar. Em Portugal, desconhece-se da existência de pesquisas sobre o papel da espiritualidade no trabalho social, o mesmo já não acontece nas ciências da saúde ou da consciência, nomeadamente, com os trabalhos desenvolvidos através do Centro Transdisciplinar de Estudos da Consciência. O primeiro valor espiritual Rui Pedro Ventura 98 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO orientador para um trabalho social impregnado de sensibilidade espiritual é a compaixão. A compaixão significa literalmente paixão em relação a outros. O sentimento de compaixão implica empatia com os outros. Constitui, ainda, uma resposta solidária ao sofrimento de outros. A espiritualidade é um comprometimento do “coração” para um trajeto espiritual tendo em vista promover bem-estar junto das pessoas e de todas as criaturas. O tema da compaixão tem uma relação com uma ligação entre “coração” com “coração” em serviço expresso, igualmente, na Filosofia Tradicional Chinesa. A principal virtude que o Confucionismo dá ênfase é “Ren” (termo Chinês) que significa benevolência e humanidade. Estes caracteres Chineses são formados como se acrescentassem dois lados, significando conexão, símbolo para “Pessoa”. O mesmo significa que para se ser um ser humano genuíno este tem que estar ligado. Crescemos com um sentido de ligação, de responsabilidade com outras pessoas, outras criaturas. No mais íntimo do ser, como que uma apetência inata, procura-se ajudar a nós próprios e ao Mundo tendo como meta sarar “feridas”. Todas as tradições espirituais se dirigem ao sofrimento, à injustiça, à imoralidade e à morte, procurando o seu remédio e um sentido de transcendência para o que acontece. A sabedoria de Confúcio Mencius realça para o facto de todos sem exceção terem um coração, sofrendo com o sofrimento de outros, sem um coração com compaixão não seriamos humanos. Com efeito, o carácter Chinês de mente encontra-se perfilado com um coração, indicando que a mente humana é fonte de sentimento, de caridade e preocupação. A espiritualidade já se encontra expressa, amplamente, em princípios éticos, difundidos pela National Association of Social Workers (NASW) e no Council on Social Work Education (CSWE) e na International Associations of Schools of Social Work e International of Social Workers (IASSW/IFSW). Os princípios foram delineados de modo a estes poderem vir a ser adotados por cada profissional e adaptados a cada contexto nacional e cultural. Os princípios incorporam uma orientação para uma ética responsável, para a defesa de Direitos, para a Paz Social, para a mudança e o empowerment, o que, em grande medida, reflete essa sensibilidade espiritual no trabalho social. Tal facto traduz uma conjugação entre uma atitude dinâmica e de troca entre visões diferentes de acordo com a diversidade espiritual e os contextos sociopolíticos. Em termo do trabalho social prático com sensibilidade espiritual, aquele tem em vista a aplicação de conhecimentos, valores e competências para ajudar as pessoas a alcançar as suas metas, zelando pelas necessidades materiais, biológicas, psicológicas e relacionais de acordo com as prioridades e aspirações dos clientes e comunidades. Trata-se de um trabalho social que orienta, deste modo, as pessoas a recorrerem às suas próprias potencialidades e recursos do meio de modo sócio e ecologicamente responsável. Em termos da justiça social, a espiritualidade no trabalho social tem em vista desenvolver os meios para uma mudança Rui Pedro Ventura 99 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO positiva no sentido da justiça social, em prol das pessoas e grupos de pessoas oprimidas e, ainda, descriminadas negativamente pelas suas orientações espirituais ou religiosas. Por isso, procura desenvolver os meios necessários a suprimir ou, pelo menos, a atenuar os efeitos de um ambiente de racismo e de xenofobia, de injustiça social tanto nacional como internacional, de conflitos e de guerra entre culturas e nações e de todas as outras atividades humanas destrutivas para os sistemas ecológicos e extenso planeta Terra. O cuidado é extensível, portanto, a qualquer lugar deste Mundo e para além deste. Em termos da dignidade e valor da pessoa humana, a espiritualidade no Trabalho social procura uma abordagem da pessoa humana com compaixão e respeito, consciente das dissemelhanças individuais e culturais, incluindo as diferenças espirituais e religiosas. No contexto das normas e dos papéis profissionais, considera a pessoa na sua totalidade e integridade, avaliando os traços das pessoas de modo flexível, colaborativo e orientado para os valores dos clientes e das suas comunidades. Respeitam-se as diferenças procurando junto destas criar um terreno propício à cooperação. Atendem-se às necessidades humanas comuns e universais, encarando a existência humana como estando impregnada de um sentido, um propósito, uma moralidade e uma felicidade que deve emergir em cada um e nas relações interpessoais. Procura promover a autodeterminação das pessoas, das culturas e das nações, num contexto de responsabilidade social e global. Em termos das relações, advoga que relações sociais saudáveis entre pessoas e outras criaturas são importantes para o desenvolvimento. Por isso, procura implicar as pessoas considerando-as como parceiras nos processos de ajuda, apelando, ainda, ao conhecimento dos sistemas espirituais, religiosos e não religiosos como uma fonte importante para essa ajuda. A espiritualidade no trabalho social visa fortalecer as relações entre pessoas e entre estas com outras criaturas tendo em vista promover, reparar, manter e ampliar o bem-estar pessoal, familiar, dos grupos sociais, das organizações, comunidade global e todos os ecossistemas onde cada um se encontra inserido. Reconhece e respeita a identidade pessoal, os diversos modos de interrelacionamento pessoal e identidades familiares e comunitárias. Contribui para o enriquecimento profissional do ponto de vista do conhecimento e das competências para uma prática efetiva. Os profissionais em trabalho social com sensibilidade espiritual vão obtendo um conhecimento relevante e competências práticas, especialmente, através da observação que faz das formas explícitas de espiritualidade religiosas e não religiosas: das crenças, dos símbolos, dos rituais, das práticas terapêuticas e dos sistemas de suporte comunitário. Assim, na prática quotidiana, face à diversidade de modos de expressão da espiritualidade das diferentes comunidades, culturas e tradições espirituais, o trabalho social com sensibilidade espiritual desenvolve-se no respeito pelos valores, orientações Rui Pedro Ventura 100 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO espirituais das pessoas e restantes membros dos grupos e comunidades. O profissional em trabalho social com sensibilidade espiritual aprende como cooperar e colaborar com a comunidade, muitas das vezes atuando como sistema de suporte de base espiritual, cuidando modo não convencional e com a competência que lhe advém da cultura de quem necessita. Uma abordagem ética destas questões irá colocar a necessidade de se fazer uma distinção entre aquilo que deve ser considerado como adequado ou não de considerar nas realidades observadas ou mobilizar do ponto de vista dos saberes e competências práticas tendo em atenção as situações concretas das pessoas e dos contextos culturais. Face a uma população – específica, uma localidade – específica, e uma cultura – específica, o trabalho social tem de partir da observação do “terreno”. Para o efeito, tornase necessário que o trabalho social esteja aberto à diversidade de perspetivas e senso comum apelando a um exame detalhado das mesmas. Além disso, importa zelar para que nenhuma orientação espiritual religiosa ou não religiosa seja imposta às pessoas e suas comunidades sem terem em consideração a livre escolha. O uso de conceitos e de atividades de cuidar dependem das metas, aspirações e visões daqueles a quem os cuidados são dirigidos. O cruzamento da espiritualidade no trabalho social com a globalização poderá resultar numa vantagem útil para abordar questões como a promoção dos Direitos Humanos ou contrariar as formas mais prejudiciais que comprometem os mesmos Direitos, como a expansão dos conflitos bélicos e militares, a exploração económica transnacional, etc. O desafio que é colocado, presentemente, é de saber como a espiritualidade no trabalho social poderá continuar a expandir-se no sentido do bem-estar pessoal, social e ecológico para todas as pessoas e criaturas do Planeta. Ora, os profissionais em trabalho social que investem na espiritualidade procuram desenvolver conhecimento em que local e global se tornem compatíveis, ligando o Norte e Sul, Este e Oeste, através da colaboração não hegemónica e de mútuo reconhecimento na diversidade. Ao procurar no âmbito do presente investigação trabalhar o tema da espiritualidade estávamos cientes da sua importância no trabalho social e dos cuidados a adotar pelos profissionais em termos da abordagem com as pessoas e comunidades que cuidam. A avaliação espiritual dá enfoque ao potencial espiritual implícito. Adverte-se, porém, para que na avaliação do potencial espiritual a pessoa não deva ser reduzida a problemas, patologias, sujeito de diagnósticos de modo fragmentado. Se a pessoa se encontra a lidar com problemas específicos ou fragilidades, tal facto terá relacionado com todo o seu contexto pessoal e ambiental, incluindo o espiritual. As pessoas devem ser ajudadas facilitando nestas os seus talentos, habilidades, capacidades, sem descurar os necessários laços interpessoais que as faz ligar à sua comunidade, e contribuir para que as mesmas encontrem as suas aspirações. Os seus potenciais e recursos, seja qual for a Rui Pedro Ventura 101 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO relevância que lhes seja atribuída, são para ter em linha de conta complementarmente com o sentido de vida e de evolução, o entendimento dos problemas e modo de os transmutar no sentido do crescimento, cura, recuperação, restabelecimento e resiliência. Apesar do enfoque no agora, o passado constitui, igualmente, uma importante fonte no sentido em que este poderá permitir resgatar memórias que dificultem o crescimento e transmutar medos numa valorização de si, permitindo ter um efeito catalisador e de esperança em relação ao futuro. Avaliar a espiritualidade implica colocar as questões de modo implícito. Em primeiro lugar, torna-se desejável cultivar uma relação carinhosa com a pessoa que necessita de cuidado, sem falar explicitamente de religião ou de espiritualidade. Lança-se, no máximo, uma deixa à pessoa, dando-lhe abertura para que esta se exprima livremente, demonstrando recetividade, interesse e respeito por qualquer assunto que se manifeste como importante para ela. A avaliação espiritual implícita poderá ser facilitada colocando questões em aberto, lançando temas relacionados com a religião e a espiritualidade e procurando, igualmente, ter uma linguagem de fácil acesso e não religiosa. As respostas das pessoas podem facultar deixas importantes para uma avaliação espiritual implícita, constituindo uma oportunidade para que as mesmas se vão tornando cada vez mais explícitas com a ajuda do facilitador. Em termos dos princípios éticos, os profissionais em trabalho social devem aplicar práticas explicitamente orientadas para as pessoas em função de dois princípios: Ter uma significativa experiência pessoal e um treino formal suficiente com essas pessoas; Assegurar que tais práticas sejam congruentes com os interesses das pessoas (clientes), dos valores, das metas e das suas crenças. Em geral, torna-se útil escolher práticas espirituais que reforcem as forças das pessoas a quem se destinam os cuidados de modo a providenciar um equilíbrio necessário para fazer face aos seus infortúnios e problemáticas extremas. No entanto, todas as práticas espirituais (como a meditação, a contemplação, a oração, exercícios respiratórios holotrópicos) requerem prudência. Torna-se necessário designadamente ter uma mente clara e um conhecimento profundo do que se está a fazer, rompendo com preconceitos e juízos. Existe uma variedade de técnicas relacionadas com sistemas terapêuticos que requerem cuidado no seu uso, tais como as terapias cognitivas e comportamentais, vocacionadas, em particular, para a saúde ou a saúde mental. As terapias de meditação proporcionam a diminuição do stress, da ansiedade, da depressão (não clínica), ajudam nas doenças cardiovasculares, incrementam uma capacidade de autocontrolo, expressões de espiritualidade, criatividade e outros benefícios positivos, empatia, aceitação, ajudando, também, a melhorar a perceção, tempos de reação e concentração. Certos tipos de Rui Pedro Ventura 102 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO meditação podem induzir a mudanças significativas e melhorias ao nível da consciência, associadas a mudanças dos sistemas neurológicos, químicos e funcionamento do cérebro. As práticas prudentes demonstram ser efetivas no que respeita a distorções da personalidade, desordens do estado de espírito e mentais (psicoses), gestão da dor, violência com os seus pares e modo de lidar com uma série de doenças. Em suma, a sensibilidade espiritual releva não só aspetos do bem-estar pessoal mas ao nível da promoção da harmonia local e global. A espiritualidade no trabalho social dá enfoque aos potenciais e recursos disponíveis, através de uma avaliação especializada que incorpora espiritualidade e religião na prática do Trabalho social. Procura ajudar as pessoas a remover os seus obstáculos inclusive que a espiritualidade ou a religião poderá ter para estas. Na verdade, como qualquer aspeto da vida humana, a religião e a espiritualidade (religiosa ou secular) para além de poderem ser usadas como suporte, podem, também, servir para impedir a satisfação e a justiça social individual. Em diversos países existem experiências religiosas e práticas espirituais que proporcionam grande consolo, poder, beleza, sabedoria e empowerment, como, também, podem estar na origem de manifestações nocivas que podem prejudicar. Um trabalho social com orientação espiritual pretende facilitar o crescimento potencial e recurso de quem se cuida, bem como, das comunidades em que se encontram inseridas, procurando transformar problemas e obstáculos, trabalhando nestes, com o objetivo de obter elevados benefícios ao nível do bem-estar mas, também, ao nível da justiça social. Esta aproximação à espiritualidade pelo trabalho social, na prática, assume uma diversidade de contornos em função da diversidade de inspirações espirituais e culturais. Desejavelmente, a espiritualidade no trabalho social, tal como se tem vindo a desenhar pode vir a servir como referencial e proporcionar, ainda, um diálogo em termos internacionais podendo vir a contar com a colaboração de profissionais em trabalho social em todo o Mundo. Muitos profissionais começam a sentir-se encorajados a adotarem aspetos que consideram ser de adotar do ponto de vista da espiritualidade e a rejeitar o que consideram não ser de adotar. Um processo internacional que estimula o diálogo multicultural possibilitará uma aprendizagem mútua e uma colaboração do ponto de vista da investigação, promovendo a inovação no trabalho social com relevância local e global. A espiritualidade no trabalho social tem por finalidade promover o bem-estar em todas as pessoas e criaturas. Para o efeito, torna-se necessário que os profissionais em trabalho social desenvolvam valores, conhecimentos, competências, qualidades relacionais, com uma ampla consciência, ligando-se ao Local, às situações concretas, tal como ao global e ao Cosmos. Ainda que o tema da espiritualidade no trabalho social seja uma matéria extensa, em termos de objetivos afigura-se importante atenuar ou prevenir a ocorrência de situações que conduzam ao sofrimento das pessoas, Rui Pedro Ventura 103 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO de grupos e de comunidades (abrangendo outras criaturas) e de todas as situações geradoras de divisões negativas e conflitos no Mundo. Considerando a reflexão anterior em torno da importância do tema da espiritualidade no trabalho social que se procurou fazer tendo em vista encontrar uma fundamentação para a presente pesquisa, afigura-se-me por demais pertinente não só introduzir o tema no contexto do trabalho social português, bem como o desenvolvimento de uma investigação mesmo que de natureza exploratória começando por compreender os modos de entendimento e de expressar a espiritualidade junto de profissionais dando um enfoque especial aos contextos profissionais onde podem ocorrer práticas com uma orientação ou sensibilidade espiritual. Rui Pedro Ventura 104 CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO CAPITULO VI – BIBLIOGRAFIA Berenson, D, (1987). Alcoholics Anonymous: From surrender to transformation. Family Therapy Network, 11 (4), 25:31. Besthorn, F. H. (2001). Transpersonal psychology and deep ecological philosophy: Exploring linkages and applications for social work. In E. R. Canda & E. D. 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