Contributos para um Modelo de Trabalho Social Holístico

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Contributos para um Modelo de Trabalho Social Holístico
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
ÍNDICE
CAPITULO I- INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 7
1.1. LINHAS FUNDAMENTAIS DO PRESENTE TRABALHO DE PROJETO .............................................................. 7
1.2. ALCANCE E OBJETIVOS............................................................................................................................. 9
1.4. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DE PROJETO............................................................................................. 9
CAPÍTULO II- UMA BREVE HISTÓRIA DA ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO SOCIAL ............ 11
2.1. ESPIRITUALIDADE E TRABALHO SOCIAL ................................................................................................. 11
2.2. FASE PRÉ-COLONIAL E O BEM-ESTAR INDÍGENA ................................................................................... 12
2.3. FASE COLONIAL E O PAPEL DA IGREJA ................................................................................................... 12
2.4. SECULARIZAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DO TRABALHO SOCIAL .......................................................... 12
2.5. RESSURGIMENTO DO INTERESSE PELA ESPIRITUALIDADE ..................................................................... 13
2.6. A ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO SOCIAL TRANSCENDE FRONTEIRAS ................................................ 14
CAPITULO III – FUNDAMENTOS QUE SUSTENTAM A ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO
SOCIAL ...................................................................................................................................................... 17
3.1. CONCEITO DE ESPIRITUALIDADE PELO TRABALHO SOCIAL ................................................................... 17
3.2. TEORIAS DO COMPORTAMENTO HUMANO NA PRÁTICA DO TRABALHO SOCIAL .................................... 31
3.3. TEORIAS TRANSPESSOAIS NA PRÁTICA DO TRABALHO SOCIAL ............................................................. 37
3.4. A TRANSFORMAÇÃO TERAPÊUTICA NO TRABALHO SOCIAL................................................................... 43
3.5. MODELO HOLÍSTICO DE TRABALHO SOCIAL BASEADO NO LIVRO DAS MUTAÇÕES ............................... 51
CAPITULO IV – PROPOSTA DE UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO................... 65
4.1. AVALIAR E TRANSFORMAR A ORGANIZAÇÃO DE TRABALHO SOCIAL PARA UMA VIA HOLÍSTICA ........... 65
4.1.1. “Olhar” para a Espiritualidade na Organização de Trabalho Social ..................................... 73
4.1.3. Reconstituição de casos de Intervenção Social ...................................................................... 77
4.1.3.1. Caso Maria .............................................................................................................................................. 77
4.1.2. Sociometria e sociograma de equipas de Intervenção Social ............................................... 82
4.1.2.1. Caso Maria .............................................................................................................................................. 83
4.1.4. Jogos dramáticos como uma via participativa de Transformação Integral para um
Trabalho Social Holístico ........................................................................................................................ 86
4.2. INVESTIGAÇÃO INTEGRAL APLICADA AO TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO ............................................... 89
CAPITULO V – DESAFIOS PARA UM TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO ........................................ 98
CAPITULO VI – BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................... 105
Rui Pedro Ventura
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“Aprendei a ouvir no silêncio a voz de Deus,
que fala no mais fundo de cada um de nós.”
(João Paulo II)
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APRESENTAÇÃO
O trabalho de projeto que, ora, me proponho apresentar visa propor um modelo holístico de
trabalho social. Por força das circunstâncias ou não, há 24 anos que desempenho funções
na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa; Instituição onde trabalho desde 1992. Entre
trabalhos que desenvolvi, nunca deixei, em tempo algum, de questionar-me sobre o sentido
e propósito do meu trabalho, numa Instituição cujos Fins refletidos nos seus Estatutos
visam proporcionar o bem-estar, principalmente, das pessoas mais carenciadas.
O tema da espiritualidade que aqui proponho refletir sempre me interessou antes mesmo
de ter equacionado transpô-lo para o trabalho social, Pensar a espiritualidade no trabalho
social foi algo que decorreu não do contato prévio com estudos sobre a matéria – ao qual
vim a ter posteriormente acesso -, mas de uma convicção forte, inicial, de que fazia todo o
sentido refletir a espiritualidade, também, no trabalho em trabalho social. Uma apetência
em aprofundar o tema da espiritualidade aliada ao trabalho social nasce, deste modo, não
só indissociável de uma caminhada pessoal como, também, de um percurso profissional
bem próximo do trabalho social. Poderia ter optado por outras ciências sociais e humanas
para trabalhar o tema sobre a espiritualidade elegendo-a como objeto de investigação, mas
por crer no seu benefício optei por abordá-la no âmbito do trabalho social.
Ao constatar da existência de propostas do trabalho social que colocam a sabedoria que
reside em tradições espirituais apar de outros contributos oriundos das teorias do
comportamento humano (designadamente, da psicologia transpessoal) como fundamentos
do trabalho social foi para mim como um ensejo para desenvolver refletir sobre o tema.
Poderia ter optado por escrever pequenos ensaios que escapasse aos imperativos
científicos, porém, entendi trazer o tema da espiritualidade onde este tem encontrado
algumas resistências, abrindo, assim, a possibilidade de diálogo com a ciência sobre
domínios de saber até então alheados por se encontrarem ligados a tradições espirituais.
Depois de buscas efetuadas e uma luz que parecia ficar cada vez mais ténue, quando
menos esperava, dei-me conta da existência da Canadian Societey for Spirituality & Social
Work, tendo contactado o Diretor, na pessoa do Professor Doutor John Coats. Contatei o
Professor Doutor John Coats que me respondia na hora a todas as minhas questões
Conheci, através do Professor Doutor John Coats, o Professor Doutor Edward Canda
fundador, em 1990, da Society for Spirituality & Social Work. Foi com o Professor Doutor
Edward Canda que troquei maior número de correspondências. Deu-me a conhecer as
suas obras, artigos e algumas dicas para a minha pesquisa, bastante úteis, bem como o
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estado da arte em matéria de ligação da espiritualidade com o trabalho social. Deu-me o
privilégio de ter estado pessoalmente comigo ao fim de um ano de contatos. Deu, ainda, a
oportunidade ao meio universitário português conhecer outras tendências ao ter feito a
primeira conferência em conjunto com a sua mulher, Hwi-Ja Canda, no ISCTE-UCI, sobre
espiritualidade no trabalho social.
Afinal, a espiritualidade e o trabalho social já andavam de mãos dadas há, pelo menos, três
décadas. Este facto, reforçou a minha vontade em trazer o tema da espiritualidade para o
trabalho social em Portugal, uma vez que ele não tinha, até então, merecido a devida,
atenção, pelo menos em meio académico. Defender a ideia de aliar a espiritualidade com o
trabalho social já proposta por outros em meio académico parecia não ser de todo
descabido, uma vez que outros já o tinham desbravado caminho.
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SUMÁRIO
O presente trabalho de projeto tem como propósito propor uma ligação entre a
espiritualidade e o trabalho social, tendo havido, por isso, ao longo da sua elaboração a
preocupação de contribuir, por um lado, para a definição de um modelo holístico de
trabalho social ainda que teórico e, por outro, para uma investigação aplicada que
permitisse testar esse modelo (abrangendo aqui a conceção de ferramentas de pesquisa),
procurando explorar as suas potencialidades. Não obstante o trabalho de projeto que, ora,
se propõe ter surgido da necessidade de uma aplicação prática a uma Instituição em
concreto, propondo, nomeadamente, um modelo de trabalho social holístico, espera-se que
este trabalho possa vir a ser extensível - ou, pelo menos, sirva como referência outras
Instituições, quer prossigam fins de solidariedade social (incluindo ONG’s). Por este motivo,
o trabalho de projeto inicia com um estudo sobre os fundamentos que alicerçam a
implementação de um modelo holístico de trabalho social, tendo-se recorrido para o efeito
a uma revisão da literatura sobre o tema da espiritualidade no trabalho social como,
também, a outras oriundas nomeadamente de tradições religiosas e da psicologia
transpessoal. Como a efetivação de “Direitos de Cidadania à luz da Declaração dos
Direitos do Homem” se consubstancia na prática, intervindo no “social”, (âmbito este de
qualquer trabalho social), procura-se problematizar tal relação, entre Direitos e Práxis,
fazendo alusão a um conjunto de questões desafiantes com que o trabalho social se
debate na atualidade, nomeadamente onde os valores em que assenta a sua intervenção
se encontram, muitas das vezes, comprometidos em face de um cenário de crise
Planetária. Procura-se, igualmente, ainda nesta linha, desconstruir, como em qualquer
outro exercício científico, aquilo que constitui um juízo comum sobre a espiritualidade para,
assim, a voltar a reconstruir, mas, aqui, já enquadrada por um novo “prisma”, cruzando não
só conhecimento oriundo das tradições religiosas com, também, da psicologia transpessoal
no intuito de estabelecer uma ligação com o trabalho social. Afigurou-se recorrer,
ainda, e já noutro Capítulo, a uma metodologia integral, por se entender como um caminha
mais adequado para uma avaliação de um modelo de trabalho social que se pretende
holístico. Espera-se que o presente trabalho de projeto possa, sobretudo, responder, a par
de outros tantos projetos, aos desafios que se colocam para o trabalho social, contribuindo
para que Organizações (ONG’s) e Instituições de Solidariedade Social que prosseguem
importantes fins humanitários possam responder aos desafios que a crise global coloca,
garantindo às pessoas que se encontram numa situação mais carenciada e desprotegida
possa aceder aos Direitos Humanos - princípios estes basilares do Trabalho Socia.
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CAPITULO I- INTRODUÇÃO
1.1. LINHAS FUNDAMENTAIS DO PRESENTE TRABALHO DE PROJETO
O presente trabalho de projeto surgiu com o intuito de propor um modelo de organização
de trabalho social holístico. Não obstante o trabalho de projeto se circunscrever em termos
do seu desenvolvimento a uma Instituição em particular, espera-se que o mesmo possa vir
a revelar-se útil em outras Instituições de Solidariedade Social ou em outros contextos de
Trabalho Social. Em termos do desenvolvimento do presente trabalho de desenho de um
modelo de trabalho social holístico (objetivo que norteou o presente trabalho), revelou-se
necessário rever toda a literatura sobre a temática da espiritualidade no trabalho social,
sem descurar as exigências de rigor, procurando uma relação com as práticas do trabalho
social.
Para além da utilidade que se pretende para a uma IPSS e todos os profissionais do
“social” que procurem na suas práticas uma orientação espiritual, afigura-se que o presente
trabalho irá merecer, igualmente, a atenção de outros atores sociais que, diretamente ou
indiretamente, se encontrem implicados no âmbito da ação social, sejam estes:
 Membros do Governo que Tutelam as áreas da Segurança Social (com enfoque
especial na Ação Social) e Organismos da Administração Pública que pelas suas
competências exerçam ações de fiscalização a Instituições de Solidariedade Social
avaliando, nomeadamente, a qualidade da prestação ao Cidadão (Inspeção Geral do
Ministério do Trabalho e da Segurança Social e Instituto da Segurança Social);
 Gestores de Instituições de Solidariedade Social que têm que tomar decisões do ponto
de vista da intervenção social e assegurar a reputação daquelas com sentido de
responsabilidade social;
 Mecenas e Beneméritos interessados em saber de que modo têm sido aplicados os
seus donativos e que impactos têm tido em prol daqueles cujas intervenções lhes são
dirigidas (intervenções estas levadas a cabo pelas Instituições benemerentes); e,
 Por último, outros Atores Sociais, diretamente ou indiretamente, implicados na “Questão
Social” (“utentes” e familiares, profissionais da intervenção social, políticos, sindicatos,
ativistas de Direitos Humanos, etc.).
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Entende-se que um trabalho social adequado e efetivo como aquele que cumpre os
objetivos operacionais delineados num plano, seja ele individual ou coletivo, zelando e
promovendo:
 O direito à liberdade de escolha e tomada de decisão independentemente dos valores e
opções de vida de cada um (desde que não ameacem os direitos e interesses legítimos
de terceiros);
 O envolvimento e participação plena das pessoas, utilizando os meios de que se dispõe
de forma a capacitá-las para o reforço de todos os aspetos de decisão e ações que
afetam as suas vidas;
 O reconhecimento da totalidade da pessoa, família, comunidade, meio social e natural,
identificando todos os aspetos da sua vida;
 As competências das pessoas, grupos e comunidades necessárias ao empowerment; e
 A Justiça social, nomeadamente:
o
Combatendo a discriminação negativa com base em características tais como a
aptidão, idade, cultura, género, estado civil, estatuto socioeconómico, opiniões
políticas, cor da pele, raça ou outras características físicas, orientação sexual
ou crenças espirituais;
o
Reconhecendo e respeitando a diversidade étnica e cultural tendo em conta
diferenças individuais, familiares, de grupo e comunitárias;
o
Assegurando uma distribuição justa dos recursos disponíveis de acordo com as
necessidades de cada um;
o
Chamando à atenção os empregadores, governantes, políticos e público em
geral, para as situações nas quais os recursos ou a sua distribuição sejam
inadequados, assim como para as políticas e práticas que sejam opressivas,
injustas e dolosas;
o
Questionando
as
condições
sociais
que
levem
à
exclusão
social,
estigmatização ou submissão e contribuam para uma sociedade inclusiva.
Por constituírem a razão de ser do trabalho social, compreende-se que tais direitos e
princípios se encontrem referenciados nos Códigos de Ética e presentes nas práticas
quotidianas dos profissionais que se dedicam diariamente ao trabalho social 1 , fazendo,
deste modo, remissão a textos internacionais como sejam:
 A Declaração Universal dos Direitos Humanos;
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Veja-se os Códigos de Ética dos Assistentes Sociais (designadamente na sua Declaração de
Princípios) e, também, dos Psicólogos.
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 O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos;
 O Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos e Culturais;
 A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial;
 A Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as
Mulheres;
 A Convenção sobre os Direitos da Criança.
1.2. ALCANCE E OBJETIVOS
Constitui objetivo geral do presente trabalho de projeto contribuir para a implementação de
um modelo de trabalho social holístico. Assim, tendo em vista nortear a condução dos
trabalhos com vista à conepção do presente trabalho de projeto, afigurou-se, então,
necessário desdobrar o objetivo geral nos seguintes objetivos específicos:
 Apresentar os fundamentos para um trabalho social holístico a instituir numa
organização de trabalho social;
 Contribuir para a definição de um trabalho social holístico;
 Desenvolver uma metodologia de intervenção com vista a desenvolver ou a transformar
uma organização de trabalho social para uma via holística, descrevendo, ainda, todas as
etapas dessa metodologia;
Pensa-se, assim, que todos os objetivos terão sido alcançados no âmbito do trabalho de
projeto que se apresenta, não se pretendendo, porém, ter o pretensiosismo, aqui, de julgar
por acabado este projeto. Pelo contrário, considera-se ter contribuído para as bases de
trabalho social holístico, esperando que o mesmo venha a constituir uma prática, mas
também e sobretudo evolua do ponto de vista dos fundamentos e das metodologias da
intervenção social, estando em aberto a outros especialistas do trabalho social (assistentes
sociais, psicólogos comunitários, educadores sociais e outros) oriundos de campos
diversos do saber.
1.4. ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO DE PROJETO
A pesquisa que é apresentada ao longo do presente trabalho de projeto e procura
fundamentar o conceito novo de trabalho social (holístico) e as opções metodológicas de
intervenção, encontra-se dividida em mais quatro Capítulos, após introdução (Capítulo I).
Assim, afigurou-se, logo após uma breve apresentação do projeto de trabalho, necessário
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apresentar os fundamentos que norteiam a ligação entre a espiritualidade e o trabalho
social (Capítulo II). Seguidamente, apresenta-se um enquadramento teórico e conceptual
no sentido de contribuir para uma definição conceitos, tendo-se recorrido a literatura
diversa, nomeadamente, do trabalho social e da psicologia transpessoal (Capítulo III). Para
finalizar a apresentação do trabalho de projeto, propõe-se uma metodologia de intervenção
com vista a conceber ou a transformar uma organização de trabalho social para uma via -,
com exposição de um caso prático (Capítulo IV). Com efeito, e tal como anteriormente foi
referido, pretendeu-se com este trabalho procurar um reconhecimento e uma validação de
uma metodologia de intervenção, explorando, nomeadamente, as potencialidades da
ligação entre a espiritualidade e a prática de trabalho social. Assim, ao longo do trabalho
procedeu-se, sempre que se revelou necessário, á remissão para os anexos, uma vez que
o objetivo em termos académicos seria o de reconhecimento dos fundamentos que
nortearam as opções do ponto de vista do enquadramento de um trabalho social holístico,
do conceito designadamente de espiritualidade e das metodologias de intervenção social.
Por último, o trabalho de projeto finaliza com considerações finais onde se faz alusão à
emergência de um trabalho social holístico em face aos desafios emergentes.
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CAPÍTULO II- UMA BREVE HISTÓRIA DA ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO SOCIAL
2.1. ESPIRITUALIDADE E TRABALHO SOCIAL
Há um movimento da espiritualidade no trabalho social com, pelo menos, 30 anos, tendo
surgido uma primeira associação nos Estados Unidos da América, Society for Spirituality
and Social Work, fundada em 1990, por Edward Canda.
Existe uma outra Society for Spirituality and Social Work do Canadá e, ainda, uma revista
onde conta com inúmeros artigos sobre a temática Journal of Religion & Spirituality in
Social Work, cuja data do primeiro volume é de 1975, contando, hoje, com mais de 30
volumes publicados.
Organizaram-se mais de oito congressos internacionais sobre a temática, caminhando-se
para o nono congresso internacional, e algumas Universidades como a do Kansas,
incluem, já há algum tempo, nos seus programas curriculares da formação superior de
trabalho social a espiritualidade.
Existe uma rede internacional de estudos sobre a temática, International Study of Religion
and Spirituality in Social Work Practice, contando com a participação e colaboração de
especialistas de países como a Nova Zelândia, a Noruega, o Reino Unido, entre outros.
Longo é o caminho já percorrido em matéria da espiritualidade no trabalho social, tão longo
que seria redutor da minha parte esgotá-lo aqui hoje.
Parece-me óbvio que traçar a história mesmo que breve desse percurso implicava alguma
sistemática. Por isso, optei, por parecer mais sensato, seguir as principais etapas de
evolução sobre o tema da espiritualidade no trabalho social tal como é proposto por
Edward Canda.
Edward Canda, num artigo intitulado “Sensibilidade espiritual no Trabalho social: Uma
revisão das tendências Norte Americana e Internacionais”, procura dar conta da
emergência e desenvolvimento do movimento da espiritualidade no Trabalho social no
Norte da América, bem como em ouros Países.
Em termos históricos, e no que concerne à influência da religião na formação em Trabalho
social e no bem-estar, existem diferenças substanciais de país para país. Edward Canda
dá como exemplo, não só o do caso Norte-Americano como de outros países,
considerando 5 fases (Canda, 2010a: 9-15):
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1. A do bem-estar Indígena (período pré-colonial);
2. A de origem sectária (período colonial até meados do século XX);
3. A da secularização e profissionalização (dos anos 20 até aos anos 70 do século
XX);
4. A do ressurgimento do interesse pela espiritualidade (dos anos 80 e meados dos
anos 90 do século XX); e,
5. Por último, a da transcendência de fronteiras (meados do anos 90 até ao presente).
2.2. FASE PRÉ-COLONIAL E O BEM-ESTAR INDÍGENA
A primeira fase é a do bem-estar indígena e que corresponde a todo o período antes da
chegada dos europeus à América do Norte (12 mil anos antes da chegada dos primeiros
colonos). Segundo a cultura destes nativos a harmonia entre os humanos e a natureza era
essencial para o seu equilíbrio e bem-estar, sendo que todas as práticas de cura
assentavam no xamanismo, isto é em práticas etno-médicas, mágicas, religiosas (animista
primitiva) e filosóficas (metafísica), envolvendo transe e supostas metamorfoses pelo
contacto direto entre corpos e espíritos de outros xamãs, de seres míticos, de animais e de
mortos. Com a colonização pelos europeus a cultura nativa é praticamente toda assolada.
2.3. FASE COLONIAL E O PAPEL DA IGREJA
O bem-estar passa a ter uma origem sectária, ou seja, da responsabilidade das Igrejas.
A fase de bem-estar de origem sectária predomina até meados do século XX altura em que
se dá início a um processo de secularização e profissionalização do trabalho social,
deixando a promoção do bem-estar ser da exclusiva responsabilidade das Igrejas.
2.4. SECULARIZAÇÃO E PROFISSIONALIZAÇÃO DO TRABALHO SOCIAL
Praticamente em todos os países, o trabalho social consolidou-se na terceira fase
corresponde à da profissionalização e da secularização do trabalho social, com a aplicação
dos fundamentos teóricos das ciências sociais e humanas assentes na abordagem de
marx, no funcionalismo, no behaviorismo, no freudismo. Todos estes fundamentos teóricos
aplicados ao trabalho social tornam-se mais influentes que a teologia, por se esperar que
aqueles contribuam com uma base mais realista da prática. Durante esta fase, o papel do
Estado torna-se preponderante no trabalho social e no bem-estar social, existindo uma
preocupação clara em separar a Igreja do Estado da arena do trabalho social. Por isso, em
termos gerais, muitos assistentes sociais olham com reserva e acautelam-se face às
influências da religião, em especial do julgamento moralizador, de culpa ou de vitimização,
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de conversão ou de excomunhão. Nos Estados Unidos, durante o período de secularização
e profissionalização, a National Association of Social Workers (NASW) e o Council on
Social Work Education (CSWE) constituem-se, inclusive, como organizações profissionais
seculares para se distinguirem das anteriores organizações de trabalho social. O modelo
de secularização contemporâneo de bem-estar social foi e é muito comum em diversos
países do mundo, embora com graus diferentes em termos da sua influência. Por exemplo
nos Estados Unidos da América a influência do modelo de secularização foi menor do que
em Inglaterra ou na Noruega. Ainda hoje, em determinados países, os profissionais
identificam espiritualidade com religião no sentido de julgamento moralizador ou conversão,
fechando-se tendencialmente e rejeitando tanto a espiritualidade como a religião. Mesmo
em países como a Coreia do Sul com uma cultura de 4 mil anos de história de influência do
xamanismo indígena e mais de 2 mil anos de influência do Budismo, do Confucionismo e,
embora com menor influência, do Daoismo (Taoismo), esta teve uma influência forte não
só dos missionários cristãos como mais tarde dos modelos teóricos do ocidente,
especialmente depois da Guerra da Coreia, existindo poucas publicações ou cursos sobre
a espiritualidade no Trabalho social no Sul da Coreia e raramente se reportam ao
Confucionismo ou ao Xamanismo.
Não obstante a fase da secularização e profissionalização do trabalho social, Spencer
(1956), citado por Canda (Canda, 2010a: 11), refere que alguns estudiosos continuam a
chamar à atenção para a espiritualidade através de diversas publicações. Muitas ideias
asiáticas religiosas, veja-se, nomeadamente, os trabalhos de David Brandon e a sua obra
de referência “Zen in The Art of Helping” (1977), citado por Canda (Canda, 2010a: 11),
começam a entrar na literatura do Trabalho social sem menção explícita quer de religião
quer de espiritualidade, tais como as perspetivas de uma psicologia analítica de Carl Jung
e outras não sectoriais.
2.5. RESSURGIMENTO DO INTERESSE PELA ESPIRITUALIDADE
O ressurgimento do interesse da espiritualidade dá-se na quarta fase e em termos
ecuménicos, inter-religioso e segundo uma espiritualidade não sectária junto do campo
profissional Norte-Americano desde o início. Durante os anos 80 do século XX, diversas
publicações apelam à profissionalização, mas sem descurar, aqui, o compromisso com a
espiritualidade. O Journal of Religion & Spirituality in Social Work constituiu uma importante
fonte de divulgação de estudos sobre esta matéria durante esta fase, muito embora o
primeiro volume date de 1975. O elemento inovador desta fase residiu precisamente em
se fazer apelo à espiritualidade mas de modo que esta fosse entendida de uma forma
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abrangente e com respeito à diversidade das diferentes perspetivas espirituais, religiosas e
não religiosas das pessoas (clientes).
A partir de meados de 1990, esta tendência continua a expandir-se rapidamente. Surgem,
cada vez mais, artigos e livros associados aos dois termos, espiritualidade e o Trabalho
social, procurando apelar e a incorporar conhecimentos das religiões como a Cristã,
Judaica, Islâmica, Budista, Confucionista, Hinduísta, Daoista (Taoista) entre outras bem
como das teorias transpessoais.
Tal como, anteriormente referido, a Society for Spirituality and Social Work (Sociedade para
a Espiritualidade no Trabalho social) foi fundada para reunir estudiosos e profissionais com
diversas orientações espirituais para a valorização da profissão. Estudiosos do Trabalho
social no Canada, Noruega, Nova Zelândia, Austrália, Reino Unido, África do Sul, Sul da
Coreia, Japão, Croácia, Hong Kong (China) desenvolveram as suas redes sociais
nacionais como ligações internacionais.
2.6. A ESPIRITUALIDADE NO TRABALHO SOCIAL TRANSCENDE FRONTEIRAS
De 1995 ao presente, a 5.ª fase, o tema transcende fronteiras. O que distingue este
período do anterior reporta-se ao reconhecimento formal, nos Estados Unidos, da
espiritualidade em especial nos programas educativos do Trabalho social, bem como a
mobilização expressiva de estudiosos e profissionais para tornarem extensível a
espiritualidade como disciplina a outras fronteiras que não apenas a Nacional.
Segundo Russel (2006), (in Canda, 2010a: 13), a versão de 1995 do curriculum e linhas
orientadoras da CSWE procuraram retomar a atenção para os sistemas de crenças,
religião e espiritualidade, tendo em consideração, em especial, para a diversidade das
pessoas (clientes). Os artigos publicados, nos Estados Unidos da América e Reino Unido,
de Trabalho social durante diversos anos começaram a eleger como tema a
espiritualidade.
Em meados de 2000, a perspetiva de espiritualidade eco - filosófica surgem no campo do
trabalho social através dos trabalhos de Besthorm (2001) e Coats (2003), (in Canda 2010a:
13). Graham e Shier (2009), (in Canda, 2010a:13), referem que o âmbito e o número de
publicações sobre espiritualidade em geral e no campo específico da sua compreensão do
ponto de vista científico conhecem uma grande e rápida expansão até ao presente.
Perspetivas pós-modernas (tais como as feministas, eco - filosóficas, transpessoais e pós coloniais) fazem apelo a um trabalho social, para que a espiritualidade se torne abrangente
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
a todas as pessoas e nações e para que a mesma tenha efeitos positivos em todas as
pessoas, criaturas, em todo o Mundo.
Aumentaram no Norte da América e em outros Países o número de Cursos, Conferências,
Simpósios sobre a Espiritualidade. Por exemplo Russel (2006), (in Canda, 2010a:13),
constata que a espiritualidade na América teve um incremento exponencial passados 10 a
12 anos; identificam-se 57 cursos no país em 2004. A primeira Conferência Internacional
da Society for Spirituality and Social Work (SSSW) teve lugar em 2000 (já passaram 14
anos).
Passado vários anos a International Federation of Social Workers (IFSW) e a International
Assotiation of Schools of Social Work (IASSW) desenvolveram os meios necessários para
que através de conferências internacionais fossem dados a conhecer estudos, alguns deles
feitos em rede, sobre espiritualidade. Em vários países surgem diversas iniciativas que
procuram levar o trabalho social ao encontro da espiritualidade.
Outra característica desta fase, prende-se com uma forte tendência para a realização de
pesquisas empíricas em matéria de trabalho social. Sheridan (2009), (in Canda, 2010a:14),
foi o precursor das pesquisas sobre atitudes de praticantes e educadores em relação à
espiritualidade no trabalho social. Ai (2006) e Koening, McCullough e Larson (2001), (in
Canda, 2010a: 14), constatam que aumentaram exponencialmente os estudos qualitativos
e quantitativos sobre os impactos da participação religiosa como, também, espirituais e
suas relações com as práticas do trabalho social e da saúde mental.
Um exemplo proeminente transnacional reporta-se à investigação que tem sido levada a
cabo por Al Krenawi e Graham’s (2009), (in Canda, 2010a: 14), junto dos povos Árabes
Beduínos no Negev Israel, tendo por objetivo compreender as culturas e práticas
específicas
que
respeitam
às
suas
tradições
islâmicas.
Tal
contributo
visa
fundamentalmente criar os meios para um trabalho social que apele à diversidade cultural.
Um outro exemplo respeita à investigação que tem sido desenvolvida com recurso à
medicina e filosofia tradicional chinesa por Chan Ng. Lee e Leung (2009), procurando
integrar a mente-corpo-espirito na abordagem do trabalho social.
O estudo desenvolvido de âmbito nacional por Canda e Furman em 2008 (Canda, 2010b:329) faz parte de um amplo estudo transnacional que inclui a colaboração de diversos
investigadores nos Estados Unidos da América, Noruega, Nova Zelândia e do Reino Unido,
encontrando-se os sumários executivos dos estudos disponíveis no website International
Study of Religion in Social Work Practice
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Deu-se uma abertura para uma perspetiva transdisciplinar em especial nos campos da
gerontologia, saúde e saúde mental. Esta fase é caracterizada pela procura de ir além das
perspetivas positivistas científicas que marcaram a história secular do trabalho social,
apesar de continuarem, ainda, a predominar no mercado das ideias.
Muitas das reflexões contemporâneas no trabalho social procuram inspiração nas formas
mais elementares de expressões espirituais como sejam a dos indígenas. Por exemplo, ao
atribuir um estatuto de aborígenes às populações indígenas, independentemente da região
do mundo a que estes pertencem, e um significado positivo às suas longas tradições no
que respeita aos contributos ao bem-estar incluindo a saúde, todos os assistentes sociais
são orientados no sentido de terem em atenção as formas mais elementares indígenas de
cuidar, com especial respeito e consideração.
O trabalho social contemporâneo tem redescoberto muitas visões do mundo indígenas, em
que nestas se realçam a sua dimensão holística útil na compreensão da pessoa e da sua
envolvente em que tudo se relaciona nomeadamente com a dimensão sagrada da terra.
Canda (Canda, 2010a:15) dá-nos como exemplo, suportando-se em Nash e Stewart
(2002), em que os profissionais de trabalho social na Nova Zelândia passaram a
reconhecer nas organizações indígenas direitos e, como tal, obrigações para com estes do
ponto de vista do tratamento, passando, nomeadamente, a dar apreço à visão espiritual
indígena e advogando tal modelo para o trabalho social em qualquer outra parte do Mundo.
O trabalho social com uma orientação espiritual, em cada país, procurará reexaminar as
tradições locais com sabedoria e um propósito de cuidar com sentido de humanidade,
tornando o mesmo claro do que poderá ou não ser aplicado. Tais tendências no trabalho
social de encontro com a espiritualidade estão a ajudar a redesenhar a profissão, em
alguns países já mencionados, no sentido desta ir mais além das limitações impostas por
uma visão egocêntrica, etnocêntrica, humanocêntrica e outras barreiras impostas e visões
limitadas que dividem na vez de unificar.
Rui Pedro Ventura
16
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
CAPITULO III – FUNDAMENTOS QUE SUSTENTAM A ESPIRITUALIDADE NO
TRABALHO SOCIAL
3.1. CONCEITO DE ESPIRITUALIDADE PELO TRABALHO SOCIAL
O termo da espiritualidade foi adotado pelo trabalho social com o intuito dotar os
assistentes sociais de um olhar mais amplo e integral da pessoa, na medida em que
procura não só considerar todos os aspetos - espiritual, biológico, psicológico, social e
transpessoal- que a compõem, como, também, de os procura inter-relacionar todos os
aspetos na medida em que a espiritualidade surge também como agregadora. Ao dotar os
profissionais com um olhar mais amplo e integral da pessoa, pretende-se, assim, que o seu
modo de intervir facilite na pessoa a transição para a plena realização do seu potencial
com repercussões positivas para si e para outros que façam parte das suas redes
interpessoais (da família à comunidade). A espiritualidade assume, deste modo, um sentido
próprio para o trabalho social alicerçada mais numa orientação holística que pretende
afirmar a totalidade da pessoa sujeita da intervenção e menos de religião como prática,
mesmo que aquela assuma diferentes significações do ponto de vista da sua
conceptualização, ou seja, umas vezes como essência (spirituality-as-essence) outras
vezes como uma dimensão humana (spirituality-as-one-dimension) (Carroll, 2010). Maria
M. Carroll explora várias definições de espiritualidade em torno da espiritualidade
descrevendo 7 modelos que importa, aqui, considerar, pela sua capacidade de síntese
(Carroll, 2001: 5-19). De acordo com Carroll alguns profissionais de ajuda tais como
profissionais de trabalho social, reportando-se a Corbett (1925), Keith-Lucas, (1960),
O’Brien (1992), Richmond (1930), Siporin (1985) citados por Carroll (Carroll 2001:p 6) e
enfermeiros, segundo Carson (1989ª), Stoll (1989) citados por Carroll (Carroll 2001:p 6)
procuraram dar enfoque aos aspetos biológico, psicológico e social da pessoa,
minimizando, porém, o aspeto espiritual. Face a tal lacuna, vários foram os contributos que
procuraram incluir o aspeto espiritual de modo entender a pessoa na sua totalidade, tendose assistido a uma vasta produção literária sobre a matéria, nomeadamente em obras
como de Bullis (1996), Canda (1986, 1988ª, 1997), Carroll (1997b), Cornett (1992), Cowley
(1993), Weik (1983b), (in Carroll, 2001: p6). Este novo olhar suscitou, contudo, várias
questões em torno, nomeadamente, do que é a espiritualidade e como pode o crescimento
espiritual ser demonstrado. Para Carroll espiritualidade, no seu sentido amplo, tem sido
descrita por Canda (1983), (in Carroll, 2001: p6), com o intuito de interconectar o Self, os
outros, e Deus – ou tudo quanto existe no Universo. Os modelos procuram descrever
identificar a totalidade, por esta razão, incluem os vários aspetos da pessoa,
nomeadamente a sua ligação com o transcendente ou uma fonte suprema da realidade ou
Rui Pedro Ventura
17
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
da criação segundo as propostas de Berrenson (1987), Bullis (1996), Fowler (1981), Siporin
(1985), Titone (1991), citados por Carroll (Carroll, 2001: p6). Esta relação com Deus, ou o
transcendente é descrito como uma abertura ou uma recetividade em relação a Deus
segundo Helminiak, (1987), sentido de bem-estar na relação com Deus (a componente
religiosa) de acordo com Ellison (1983) e com foco numa realidade suprema referindo-se a
Canda e Furman (1999), (in Carroll, 2001: p6). Segundo Carrol esta relação com o
transcendente pode (mas não necessariamente) ser facilitada por uma religião organizada
em função das crenças que perfilha acerca da natureza espiritual de acordo com Dudley e
Helfgott (1990), Ortiz (1991), Titone (1991), citados por Carroll (Carroll, 2001: p7). Para
além da reflexão em torno da transcendência que a espiritualidade suscita, um segundo
tema refere-se à espiritualidade com origem no âmago mais profundo da pessoa segundo
(Canda, 1990), Jung (1954ª), Siporin (1985), citados por Carroll (Carroll, 2001: p7). Pode
ser descrito como sendo adquirido pelo nascimento de acordo com Helminiack (1987), da
nossa natureza fundamental Ortiz (1991), da grandeza do nosso ser Joseph, (1988, p.444),
da alma Siporin (1985) e uma intangível, dádiva de vida primordial ou força Stoll (1989),
citados por Carroll (Carroll, 2001: p7). Todas as anteriores asserções encontram-se interrelacionadas e são complementares de acordo com Canda (1990, 1997), citado por Carroll
(Carroll, 2001: p7). Na discussão sobre a conceptualização de espiritualidade no trabalho
social, Carroll identifica dois diferentes sentidos de espiritualidade: a espiritualidade como
essência e espiritualidade como uma dimensão. A espiritualidade como essência refere-se
a uma fonte inata de motivação energética que permite desenvolver o potencial de
desenvolvimento e de transformação do Self. A espiritualidade como uma dimensão referese especificamente a uma busca de sentido e relação com Deus, o transcendente ou uma
realidade suprema (Carroll, 2001: p.11). Espiritualidade como uma dimensão é
frequentemente considerada para ser a dimensão transpessoal da pessoa. A dimensão
reportada a Deus e ao transcendente (na medida, porém, em que ela é expressa) pode ser
de domínio ou excluído de um sistema de crença de uma religião organizada. Várias
palavras – Deus, transcendente e outras como, por exemplo, Criador, Poder Elevado,
Energia da Vida – podem ser usadas, de modo passível de mudança, referindo-se à
relação com o transpessoal. Estes dois temas, a dimensão transpessoal e a espiritualidade
(como essência), encontram-se reflectidos em vários modelos procurando explorar a
totalidade da pessoa. Ellison (1983), citado por Carroll (Carroll, 2001: p7) desenvolve um
modelo denominado vertical -horizontal procurando ilustrar a relação entre o céu e a terra
como lhe chama.
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
FIGURA 1: MODELO VERTICAL-HORIZONTAL DE ELLISON
Dimensão vertical – relação com Deus
Dimensão horizontal – relação com o self, outros, ambiente
É representado por duas linhas que se intercedem que representam duas diferentes, mas
inter-relacionadas, dimensões. A primeira relação reporta-se directamente a Deus (ou com
outra qualquer conceptualização do transcendente) e a segunda são todas as outras
relações – consigo (Self), como os outros e o ambiente. A dimensão vertical refere-se à
relação com Deus ou o transcendente que está para além e ou fora do Self e é fonte dos
valores supremos que guiam as nossas vidas. A dimensão horizontal refere-se ao tipo e
qualidade das relações connosco (Self) e com os outros, ao bem-estar pessoal (Self) e
com os outros e a um sentido de propósito de vida e satisfação. Esta dimensão pode ser
descrita como de comportamento psicológico social. Algumas vezes as duas dimensões
são indissociáveis. Por exemplo, a espiritualidade é descrita como consciência experiencial
com realidades transcendentes com o Universo ou Deus, de acordo com Ellison (1983) ou
com poderes sobrenaturais, o Universo, Deus ou o Céu, segundo Siporin (1985, p.210),
citados por Carroll (Carroll, 2001: p 8). Outras vezes, a espiritualidade surge como reflexo
nas relações humanas e nas atividades da vida, pela vida que cada um constrói nas suas
relações com Deus: ou seja a dimensão horizontal parece implicar e refletir a vertical. O
segundo modelo é uma série de círculos concêntricos que reflete cinco níveis de
consciência.
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
FIGURA 2: MODELO DOS 5 NÍVEIS DE CONSCIÊNCIA
Espírito Absoluto
Embora cada nível possa sugerir independente face a outros níveis, todos eles se
encontram conectados. A cura pressupõe uma avaliação de todos os níveis, uma vez que o
bem-estar pessoal depende da saúde de todos eles (Carroll, 2001: p.21). Farran, Fitchett,
Quiring-Emblen e Burck (1989), citados por Carroll (Carroll, 2001: p9) defendem que a
definição de espiritualidade deve incluir a crença no transcendente aliado a um ser ou a
uma força universal.
FIGURA 3: MODELO PARA INCLUIR O ESPIRITUAL COMO DIMENSÃO
A abordagem integradora considera a dimensão espiritual como um aspecto igual a outras
dimensões (fisiológicas, psicológicas e sociológicas) da pessoa, enquanto a abordagem
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
unificadora concebe a dimensão espiritual como a “totalidade” entrelaçando, abraçando e
unificando todas as partes da pessoa. Um quinto modelo, desenvolvido por Kilpatrick e
Holland (1990) é denominado por círculo de self-outro-contexto-espiritual (SOCS) citado
por Carroll (Carroll, 2001: p9).
FIGURA 4: CÍRCULO DAS QUATRO REALIDADES DA VIDA (SOCS)
A quarta realidade ou área cerca tudo o que existe ou é experienciado; cada uma das
quatro áreas tem que ser reconhecidas na sua totalidade. O Self refere-se à realidade
subjectiva, o outro, por sua vez refere-se ao mundo externo dos objectos e estados e o
contexto ao mundo no sentido objectivo. O espiritual refere-se a Deus ou a uma força
universal que nos governa. Três destas dimensões (self, outro, contexto) formam um
triângulo num círculo. Em torno do círculo, a dimensão espiritual circunda, intervém e
integra as outras três áreas. A dimensão espiritual contém duas componentes: (1) valores
que providenciam sentido, valor e direcção (2) fé que providencia um modo de entender a
vida. O sexto modelo. O Modelo Holístico de Espiritualidade proposto por Canda e Furman
(1999), citado por Carroll (Carroll, 2001, p. 11), consiste em três círculos concêntricos.
FIGURA 5: MODELO HOLÍSTICO DE ESPIRITUALIDADE
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
O círculo interior é o centro da pessoa, o centro médio está dividido em quadrantes (os
aspetos biológico, psicológico, sociológico e espiritual) e o círculo externo é a totalidade da
pessoa na relação com o todo. Neste modelo, existem três metáforas de espiritualidade.
No círculo médio, a espiritualidade refere-se ao aspeto espiritual da pessoa, que
complementam os outros três aspetos. Envolve a busca de um sentido e de relações
morais satisfatórias consigo (self), outros e uma realidade suprema, porém é a pessoa que
define isso. O círculo exterior representa espiritualidade como totalidade da pessoa na
relação com o todo, transcende e abraçando os quatro aspetos da pessoa. O círculo do
centro representa a espiritualidade no centro da pessoa, sendo inerente à pessoa integra
todos os outros aspetos.
O sétimo modelo, denominado a pessoa no seu todo, de Ellor, Netting e Thibault (1999),
citado por Carroll (Carroll, 2001: p12), é tridimensional. A dimensão espiritual (no nível de
topo) inclui os aspetos afetivos, comportamental e cognitivos; as dimensões clínicas
tradicionais (no nível de fundo) incluem a dimensão física, emocional e social. Entre estas
duas dimensões existe um espaço, dimensão integrativa, via através da qual a dimensão
espiritual interage com as dimensões tradicionais.
FIGURA 6: MODELO DA PESSOA NA SUA TOTALIDADE
Todos estes modelos refletem a pessoa no seu todo e as suas dimensões embora de
diferentes modos consoante o entendimento de espiritualidade. Espiritualidade como alma,
como essência ou ser é apresentado no modelo holístico de espiritualidade (como centro
da pessoa) e pessoa no seu todo no modelo integrativo. Encontra-se, igualmente, implícita
na abordagem vertical e horizontal (ambos os eixos juntos), no círculo SOCS (com valores
e fé no seu âmago), na dimensão espiritual da abordagem unificadora (com a necessidade
básica de procurar sentido com origem no seu âmago) e no espírito absoluto nos cinco
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
níveis de consciência. A dimensão transpessoal encontra-se refletida no eixo da
abordagem vertical-horizontal, no nível espiritual do modelo de Vaughan (1995), com os
cinco níveis da consciência, no aspeto espiritual do modelo holístico de espiritualidade e no
modelo da pessoa no seu todo. Este conceito não está presente na abordagem unificadora,
ainda que importante se não essencial do ponto de vista da necessidade humana em
encontrar um sentido tal como Farran e al (1989), citado por Carroll (Carroll, 2001:p13),
define a espiritualidade. Similarmente, a respeito do círculo SOCS tal relação encontra-se
implícita na relação que proporciona uma via de busca de sentido através de valores e de
fé. Descrições da espiritualidade como manifestações da relação com Deus ou o
transcendente são vistas no eixo horizontal na abordagem Vertical e na dimensão espiritual
do Círculo de SOCS, através do uso dos valores e da fé. A relação com o transcendente é
igualmente vista na dimensão espiritual das abordagens integrativas e unificadoras com
respeito aos valores se o compromisso com supremo diz respeito ao transcendente. Esta
relação é igualmente evidente também nas dimensões tradicional da pessoa no seu todo:
tanto no modelo através de uma acção de uma dimensão integrativa e implicação em todas
as três metáforas de espiritualidade no modelo holístico de espiritualidade. Comum a
ambos os temas (da espiritualidade como dimensão da essência da pessoa) é o objetivo
da totalidade que inclui todos os aspectos do físico, emocional, mental, social e
transpessoal em Canda (1990, 1997), Fowler (1981), Jung (1954ª), Maslow (1967/1971),
Sermabeikian (1994) e Vaughan (1995), citados por Carroll (Carroll, 2001: p13). No
entanto, o processo de transição para a totalidade nem sempre é expresso ou é feito de
diferentes formas. Esta relação com a consciência com o transcendente emerge de uma
experiência da consciência que pode ocorrer a qualquer tempo e de diversos modos
incluindo momento de intuição. As abordagens integrativas unificadoras e os círculos
SOCS reportam à natureza da pessoa no seu todo mas não discutem o processo tendo em
vista a totalidade. Através de sucessivos níveis, os cinco níveis da consciência referido no
modelo anterior esboça um processo de crescimento no sentido que cada nível necessita
de ser desenvolvido; porém, o crescimento pode não ocorrer numa ordem sequencial.
Crescimento na vida interior (os níveis existenciais e espirituais) pode ocorrer ao longo de
um crescimento em outros níveis. Com efeito, os dois podem-se elevar um com o outro de
acordo com Vaughan (1995), citado por Carroll (Carroll, 2001: p 13). A abordagem verticalhorizontal é descrita e representada em diagrama de modo a que o potencial é refletido
como crescimento também de uma dimensão através da relação consigo com os outros
(dimensão horizontal) parece requerer e refletir a relação com Deus ou o transcendente (a
dimensão vertical). O desenvolvimento independente da dimensão psicossocial, pode,
porém, ocorrer quando existe falta de uma consciência ou uma inconsciência em relação a
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
Deus o transcendente. Esta aspiração racional é suportada por Carson (1989ª), citado por
Carroll (Carroll, 2001, p.14) que afirma que qualquer dimensão providencia formas através
das quais cada pessoa se conecta com uma ampla realidade. Estas conexões influenciam
as dimensões clínicas através da dimensão integrativa. Descrições destes modelos e
processo de crescimento focam primeiramente a relação com Deus ou o transcendente e o
reflexo na relação com o próprio e os outros. Um outro foco, dá enfoque à dimensão
transpessoal que permite o crescimento e o desenvolvimento da sua espiritualidade ou da
sua própria natureza. Jung (1933) e Fowler (1981), (in Carroll, 2001, p.14), concebem a
espiritualidade como a alma da pessoa ou a essência que contém o potencial a ser
realizado através de um processo de desenvolvimento. Adicionalmente, espiritualidade
providencia a energia para este processo de vida longo, com início no nascimento, de
realização e de tomada de consciência de si e do seu potencial segundo Jung
(1934/1954ª), citado por Carroll (Carroll, 2001:p.14). Este processo potencial culmina com
o preenchimento ou a totalidade que eleva a consciência a uma realidade transcendente e
que aumenta uma grande conexão com o self, os outros e todo o Universo. Modelos
conceptuais de desenvolvimento incluem as teorias de desenvolvimento da personalidade
de Jung (1933, 1934/1954ª), a hierarquia das necessidades de Maslow (1962, 1971) a
teoria de desenvolvimento da fé de Fowler (1981), a hierarquia estrutural ou modelo
transpessoal de espectro de Wilber, Engler e Brown (1986) e o paradigma dialético
dinâmico de Washburn (1995), citados por Carroll (Carroll, 2001:p.14). Para estes teóricos,
o crescimento espiritual ocorre através de estados que são sequenciais e hierárquicos. Em
geral, o estado mais baixo foca na satisfação das necessidades mais básicas e no
desenvolvimento do ego seguido de uma desintegração do ego com o reconhecimento da
insuficiência do ego e do movimento para um estado mais elevado envolvendo uma
consciência de aceitação de e uma cooperação com forças transcendentes. O movimento
através destes estados reflete mudanças qualitativas na visão de cada um do Mundo e em
todas as relações. O processo de crescimento espiritual inicia-se com uma conexão entre o
Self, outros e Deus ou o transcendente. O crescimento espiritual reduz disfunções,
ampliando ao máximo funcionamentos e a ligação inextricável do crescimento das
dimensões bio-psico-sociais. Movimentos de um estado para um próximo ocorrem através
de um processo de transformação de morte e renascimento. Esta mudança na pessoa
como resultado ou rutura do passado pode ser descrito como transcendência, como Ellison
(1983), citado por Carroll (Carroll, 2001:p15), define como “ dar um passo para traz de e
andar para além disso” (p.331). Desta definição, a transcendência deve incluir (1) o
movimento crescente de um estado para um outro seguinte assim como dentro e através
de um estado mais alto e (2) o movimento para além da self individual (definido num tempo
Rui Pedro Ventura
24
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
particular), assim como para além das amarras humanas no sentido de uma realização
plena de uma realização cósmica. Dependendo do nosso estado, a experiencia e a tomada
de consciência do transcendente com aspecto separado pode ou não estar presente.
Muitos esperam que a espiritualidade e a personalidade crescem através destes estados
num contexto de experiências individuais, também face a eventos previsíveis ou
imprevisíveis de desenvolvimento de crises e/ou traumáticos de acordo com Canda
(1988c), Carroll (1997ª) e Jaffe (1985), citados por Carroll (Carroll, 2001: p15). Eventos
stressantes ou traumáticos (exemplo, a guerra, uma doença que ameaça a própria vida)
podem inicialmente impedir o crescimento. Similarmente, os efeitos de abuso durante a
infância tal como o comportamento doentio e disfuncional do adulto (incluindo
comportamento aditivo) pode também atrasar o crescimento na medida em que os
comportamentos reflectem uma parte de si que se encontra desconectada do seu Self. A
parte de desconexão necessita de ser reconhecida e tomada. Quando experiências de
Stress são ou tornam-se percebidas como desafio, quando a pessoa -se liberta e retoma o
crescimento segundo Golan (1978), citado por Carrol (Carroll: 2001, p15). Esta percepção
é o potencial para colocar tais comportamentos numa perspectiva ampla mais do que em
pessoas em oposição a Deus ou ao transcendente, o seu comportamento torna-se um
meio através do qual cada um na falta de conexão (com o self, com outros e ou Deus)
pode ser ignorado e o seu potencial impedido de emergir. Esta perspetiva reflete-se em
algumas recuperações observadas com a saída do alcoolismo, “Não estaria aqui como
estou hoje”, como descreve Carroll (1997ª) e Netting & Thibault (1999), citados por Carroll
(Carroll, 2001: p15) e suporta a suas crenças que as suas tarefas clínicas de cliente
consistem em descobrir sentidos de que o sofrimento é transformador no sentido de
proporcionar uma oportunidade de crescimento de acordo com Canda e Furman (1999),
citados por Carroll (Carroll, 2001: p15). As pessoas que passaram por processos de
transformação através de trauma, stress, ou problemas psicológicos participaram no
processo criativo de reestruturação do Self. Tem havido curiosidades e envolvimento em
qualquer coisa que acontece e tem havido mudanças por mudanças que estimulam cura e
crescimento. Estes eventos e experiências representam testes para a psique. Tornam-se
oportunidades para o Self renovar, crescer, transformar-se ajudando e motivando pessoas
para o encanto da sua origem e identidades assim como para a busca do seu propósito de
vida e para o seu sentido de transcendência Carroll (1999) e Jaffe (1985), citados por
Carroll (Carroll, 2001: p15). Os modelos de diagrama revistos por Carroll descrevem a
natureza humana e o lugar da espiritualidade. Realçam, porém, limitações sérias na sua
opinião. Primeiro, estes modelos parecem ter uma qualidade fechada em que apenas a
abordagem vertical e horizontal se encontra representada, sem considerar no entanto o
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
crescimento. Os diagramas não permitem uma ilustração de alguém nas suas dimensões
num determinado lugar e tempo e através destes prosseguir num desenvolvimento
espiritual (definido na dimensão transpessoal e na essência da pessoa) ao longo do tempo.
Segundo, estes modelos não se reportam nem às origens nem ao início da espiritualidade,
Por exemplo, do modo com esta, presente no agora, se encaixa na realidade suprema?
Poderá a espiritualidade ser ausente? É descrita por vezes como sendo ausente. Esta
descrição
parece
razoável
particularmente
quando
a
espiritualidade
é
definida
quantitativamente na dimensão transpessoal (vertical) no Modelo Vertical-Horizontal. Um
ponto zero deverá indicar que nenhuma relação consciente (com Deus ou o transcendente)
existe e que a soma ou nível da relação existente teoricamente pode ser medido. Este
modelo também inclui a possibilidade de escala mínima de zero que permite enquadrar a
dimensão vertical em termos qualitativos (positivo ou negativo) da relação. Com respeito à
espiritualidade como uma natureza nuclear, a sua inexistência parece impossível. Como
poderá a espiritualidade não existir desde, com o espirito (definido com núcleo ou
essência), humanos não são até mesmo vivos? E existe evidência que pessoas que
perdem a fé e a esperança morrem fisicamente. E terceiro, os modelos existenciais não
considera referências na literatura do negativo e imagens de desordem do transcendente.
Por exemplo, muitas pessoas, especialmente aquelas que lutam contra vícios, acreditam
num julgamento punitivo de Deus e frequentemente têm também dificuldades de
experienciar um poder grandioso no seu Self, partilhando o seu Self com outros ou
aceitando o que são segundo Carroll (1997ª), aceitando o self e os outros como imperfeitos
de acordo com Krutz e Ketcham (1992) e vivendo sem medo e ressentimento na opinião de
Dollard e Prugh (1985/1986), citados por Carroll (Carroll, 2001: p16). Estas considerações
sugerem um novo modelo, que inclua todos os aspetos dos anteriores modelos (essência
nuclear, relação com Deus ou transpessoal, e manifestações de inter-relações).
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
FIGURA 7: MODELO HOLÍSTICO PROPOSTO POR MARIA M. CARRELL
Infinito
Infinito
Dimensão Transpessoal
Espirito
Infinito
Dimensão Bio-Psico-Social
Infinito
Compreende um entendimento e uma abertura para o desenvolvimento espiritual e
providencia um modo partilhado de desenvolvimento através de crescimento. O eixo
horizontal reflete a relação com os outros e com o Mundo, enquanto o eixo vertical reflete a
relação com o transcendente (que podem estar ou não de acordo com à organização
tradicional das crenças religiosas). Em contraste os dois eixos não intercedem ou se
encontram. A falta de um ponto de encontro deixa espaço para o espirito entrar indicando o
início da vida humana e colocando-se no ser no amplo contexto. Os eixos não terminam
como se movem no sentido do infinito. O espaço total entre os dois eixos, indicado aqui por
um círculo (podendo ter uma outra forma) é onde o crescimento ocorre. O círculo não tem
fronteiras rígidas mas representa possibilidades de crescimento e expansão a montante e a
jusante. Este diagrama providencia um meio de conceber a relação entre a dimensão
transpessoal e a dimensão bio-psico-social, tudo isto em crescimento com um contexto
espiritual Universal (similar ao Espirito absoluto nos Cinco Níveis de Consciência). De
acordo com este modelo manifestações de experiências pessoais e de relação com o self e
outros deve ocorrer num específico estado de desenvolvimento no eixo bio-psico-social. O
grau de relação com Deus ou um poder supremo (de acordo com a conceptualização)
deverá ser indicado no eixo transpessoal. As fronteiras das suas interconexões, em
qualquer tempo, formam um círculo ou qualquer outra forma. Na descrição de
espiritualidade, as pessoas frequentemente usam termos positivos, tais como satisfação,
sentido e paz. Por esta razão, o termo “espiritualidade negativa” (reflecte numa escala o 0
da abordagem vertical-horizontal) é algo de confuso. Um modo de compreender as
descrições identificadas como espiritualidade negativa é através da relação entre a
Rui Pedro Ventura
27
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
dimensão bio-psico-social e as dimensões transpessoais. A pessoa poder ver as suas
crenças negativas do Self, dos outros e das relações humanas negativas com aspetos de
Deus ou do transcendente. Por outras palavras, as crenças negativas (que podem muito
bem refletir experiências humanas) podem projetar no transcendente. Nesta situação, a
pessoa tendo essas crenças negativas pode ser baixo no eixo transpessoal (baixa relação
com o transcendente) e pode ser a um nível de desenvolvimento do eixo bio-psico social.
Assim, as características da espiritualidade negativa podem ser atribuídas aos efeitos
traumáticos ou de outros eventos problemáticos e experiências. A diferença entre a
dimensão
transpessoal
e
espiritualidade
apresenta
uma
outra
compreensão
a
“espiritualidade negativa”. Por exemplo, algumas religiões acreditam num Deus condicional
que julga ou negativo que não é apenas Amor. Esta crença parece referir a uma imagem
de Deus (ou a uma visão negativa do transcendente) mais do que à espiritualidade, em que
na generalidade é considerada para ser a principal dádiva de vida ou de força. A
importância da prática do trabalho social e da espiritualidade tem sido reconhecida e
incrementada. Recentes livros tais como de Bullis (1996), Canda e Furman (1999) de
Robbins, Chatterjee e Canda 1998), citados por Carroll (Carroll, 2001: p18), explora
diversos meios, tais como teorias transpessoais, perspectiva de forças, abordagem
multiculturais e técnicas de ajuda orientada para o crescimento, que são importantes para
compreender a espiritualidade junto desta profissão. Todas elas permitem, estruturas
teóricas e
intervenções
práticas,
enfatizar
um
e
outro como sendo
os
dois
inextricavelmente entrelaçadas. Os modelos conceptuais são desenhados com vista a
permitir entrelaçar a nossa compreensão da integração da teoria e da prática, mas as
conceptualizações por si podem ser difíceis de seguir. Os modelos de diagramas ajudam a
clarificar os conceitos e a facilitar a compreensão da integração teórica e prática. Este novo
modelo diagramático providencia um meio visual de compreensão e avaliação da pessoa
no ambiente corrente e de acompanhamento de mudanças ao longo do tempo. Crescendo
numa base teórica multidimensional, este modelo providencia um modo de avaliar a ajuda
das experiências, incluindo práticas de intervenção, com respeito às suas funções em
assistir cada indivíduo em direção à realização do seu potencial pleno. Apesar de esta
meta poder não ser primeiramente o da gestão da ajuda, a relação positiva entre
crescimento espiritual e melhoramento do funcionamento bio-psico-social segundo Carroll
(1997ª, 1999) e Smith (1995), citado por Carroll (Carroll, 2001: p18), permite suportar a
compatibilidade entre a gestão do cuidado e a abordagem espiritual. Este modelo também
se liga ao trabalho de Canda e Furman (1999), citado por Carroll (Carroll, 2001: p18),
providenciando um outro meio de conexão entre a base conceptual do seu modelo holístico
e os modelos operacionais de espiritualidade. Desenvolvendo novos meios de
Rui Pedro Ventura
28
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
compreensão da pessoa no seu todo ajuda os assistentes sociais a serem mais
responsáveis para a totalidade das pessoas que se encontram ao cuidado, de ir ao
encontro das sua necessidades e de providenciarem serviços responsáveis em direção ao
século XXI. Uma importante definição de espiritualidade já referida por Carroll é a de
Canda e Furman (2010). Não obstante as limitações identificadas por aquela autora desta
definição de ponto de vista do alcance operativo em face à questão da infinitude que
caracteriza o processo de evolução espiritual, afigura-se de considerar ainda assim esta
definição por permitir uma compreensão fácil do que é a espiritualidade e em que medida
esta se distingue da definição de religião. Segundo Canda e Furman espiritualidade é um
processo de crescimento inerente ao ser humano, é uma busca de sentido de vida, de um
propósito, de uma moralidade e bem-estar na relação de cada um consigo próprio, de si
com outras pessoas e criaturas bem como com o Universo ou uma realidade suprema
(podendo esta ser concebida através de uma visão monoteísta, animista, ateísta, não
ateísta, politeísta entre outras). Toda a ação é orientada para prioridades significativas
centrais aliadas a um sentido de transcendência (experienciadas com profundidade, de
modo sagrado ou transpessoal). As pessoas podem expressar a espiritualidade de forma
religiosa ou não religiosa, em privado ou em espaços públicos destinados a manifestações
espirituais e/ou legitimados para o efeito. Uma perspetiva espiritual, religiosa ou não
religiosa, é uma visão ou ideologia relacionada com a espiritualidade. A transcendência
refere-se a experiências e às interpretações sobre acontecimentos profundos que
trespassam os limites do tempo e do espaço. A espiritualidade é uma qualidade inata de
todas as pessoas que se manifesta de variadíssimas formas consoante as culturas, por
isso se considera que todas as pessoas são espirituais, apesar dos diferentes níveis de
importância que cada uma delas atribui à espiritualidade. Encorajar as pessoas e
comunidades para o desenvolvimento de uma espiritualidade saudável poderá potenciar
nestas a necessidade de busca de sentido, propósito, integridade pessoal, totalidade,
plenitude, alegria, serenidade, felicidade, visão coerente e pleno bem-estar. A
espiritualidade saudável contribui para o desenvolvimento de virtude pessoais como sejam
a compaixão, a justiça, humanidade nas relações, respeito e de suporte que vai além do
pessoal e das relações sociais, portanto, extensível a outros seres vivos. Uma
espiritualidade saudável encoraja os grupos a desenvolverem suporte mútuo, atividades
filantrópicas, consciência em relação à diversidade e compreensão pelas diferenças,
contribuindo, ainda, através da ação para o bem comum da sociedade e do Mundo. A
espiritualidade saudável terá uma importante e significativa utilidade em relação a
situações que despoletam emoções incómodas (tais como o desespero, a dor, o sofrimento
e a angústia), que contribuem para estados de crise e de emergência (redundando em
Rui Pedro Ventura
29
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
experiências perturbadoras transpessoais) e dificuldades nas dinâmicas de grupo
(resultando em conflitos prolongados e que impedem durante esse tempo um entendimento
e uma reconciliação). Infelizmente, a espiritualidade como qualquer outro componente do
comportamento humano não se manifesta sempre de modo saudável. A espiritualidade
pode ser distorcida e orientada negativamente para crenças, atitudes e comportamentos
nocivos para a própria pessoa e grupos desenvolvendo sentimentos inapropriados de
culpa, vergonha, desespero, descriminação e opressão. O conceito de espiritualidade aqui
apresentado não exclui a dimensão incorporal, imaterial e uma realidade ou entidade
transcendente; porém uma explicação desta natureza a partir das diferentes visões desta
implicaria um maior aprofundamento que não caberia, naturalmente, numa simples
introdução sobre o tema da espiritualidade. O termo corrente de “espírito” em Inglês poderá
induzir para outros sentidos que não o que se pretende dar, nomeadamente de alguém ter
“espírito” de equipa não significando que o mesmo esteja a ser controlado ou possuído por
um “espírito”. As pessoas podem entender, assim, “espírito” no sentido literário do termo ou
metaforicamente para se referirem quer a vitalidade quer a transcendência. Por religião
entende-se um padrão institucionalizado (isto é, sistemático e organizado) de valores,
crenças, símbolos, comportamentos e experiências que envolve a espiritualidade, uma
comunidade de aderentes, a transmissão no tempo de tradições; uma comunidade com
funções de suporte (estruturas organizadas, assistência material, suporte emocional, de
amparo e proteção) que direta ou indiretamente se encontra ligada à espiritualidade. A
religião envolve sempre o privado e o público quer através das experiências individuais
quer enquanto membros de uma comunidade religiosa na sua totalidade. Uma religião
pode funcionar ou não através de uma organiza centralizada e burocrática. Naturalmente
nem todas as pessoas ou comunidades, mesmo considerando-se espirituais, se identificam
com a religião. A religiosidade refere-se ao grau e estilo de envolvimento de alguém
religioso. Uma religiosidade saudável com expressão de espiritualidade encoraja as
pessoas e as comunidades religiosas no sentido de procurarem o bem-estar, uma visão do
mundo coerente, um crescimento de acordo com uma abordagem transpessoal, virtudes,
caridade e compaixão, humanismo, respeito e suporte, que se estende para além dos
próprios aderentes a toda a comunidade, sociedades e ao Mundo. Contudo, a religiosidade
pode, também, se relacionar com ilusões, alucinações, baixa autoestima, abuso, opressão,
violência e outras expressões lamentáveis de religiosidade doentia. De acordo com estes
conceitos, a espiritualidade constitui um recurso da religião, mas não está limitada à
religião.
Espiritualidade
inclui
e
transcende
a
religião
(Canda,
2010:75-77).
A
espiritualidade como essência e uma dimensão da pessoa essencial para a sua realização
plena não poderia, deste modo, deixar de ser considerado pelo trabalho social. Importa, por
Rui Pedro Ventura
30
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
isso, situar no tempo e no espaço quando o tema surge no trabalho social, bem como dar
conta da evolução que o tema teve até à atualidade do ponto de vista dos vários sentidos
que este foi assumindo e dos diferentes modos de procurar transpô-lo para a prática
profissional. Neste sentido, expõe-se, com recurso a um estudo sobre o estado da arte, as
diferentes etapas de um trabalho social de inspiração espiritual, sem descurar outros
contributos que permitem enquadrá-lo, num sentido mais lato, historicamente. Edward
Canda é professor de trabalho social na Universidade do Kansas com mais obras
publicadas sobre o tema da espiritualidade no trabalho social. Foi na verdade, com ele com
quem vim a ter acesso a todo um trabalho desenvolvido sobre o tema e a receber
sugestões extraordinárias para a investigação. Quando na altura foi elaborado o projeto
Edward Canda foi de facto o mais referido, até porque ainda não tinha chegado outras
obras dos EUA; obras estas sugeridas pelo próprio Edward Canda. No entanto,
pensadores/professores/investigadores foram, igualmente, referidos, tais como John Coats
e Fred Besthorn, também, de trabalho social, mas também outros cujos trabalhos
produzidos em matéria teórica servem de fundamento e de prática para o trabalho social,
como A. Maslow, Victor Frankl, Carl Gustav Jung, Roberto Assagioli, Stanislav Grof, Ken
Wilber.
3.2. TEORIAS DO COMPORTAMENTO HUMANO NA PRÁTICA DO TRABALHO SOCIAL
Chegado o momento de procurar teorias norteadoras da investigação em trabalho social,
somos confrontados com o facto do próprio profissional em trabalho social ter ele, também,
à disposição teorias do comportamento humano, oriundas maioritariamente da psicologia e
da sociologia, orientadoras das práticas de intervenção. Na verdade, o profissional em
trabalho social poder ter nas teorias do comportamento humano uma fonte de recursos
importantes, não só porque lhe permite compreender as situações com que se vai
confrontando, quotidianamente, no exercício da sua atividade, como encontra, ainda, a
oportunidade de procurar através delas as linhas orientadoras para as suas práticas. Existe
um conjunto amplo de teorias que o profissional em trabalho social pode mobilizar para
responder às situações com que se vai confrontando. Na verdade são vastíssimas mas
que, ainda assim, não permitem cobrir todas as situações que surgem pela via das
pessoas que cuidam, restando-lhe a sabedoria para encontrar uma resposta que seja a
mais adequada em face da situação em concreto. Vastas são as sugestões teóricas para
aplicação na prática em trabalho social apresentadas numa obra de de Susan P. Robbins,
Pranab Chatterjee e Canda, “Contemporany Human Behavior Theory: A Critical
Perspective for Social Work”, sendo que muitas dessas teorias são oriundas da sociologia
Rui Pedro Ventura
31
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
e da psicologia. Nesta obra sintetizam-se 12 grandes correntes ou escolas de teorias,
realçando a vertente prática no trabalho social (Robbins, 2011:409-429).
Assim,
NA TEORIA DOS SISTEMAS: TUDO ESTÁ CONECTADO
Apesar das várias teorias dos sistemas estarem em desacordo com a natureza do sistema
social e mudança social, elas estão de acordo com um ponto forte de reflexão: tudo está
interligado. Este entendimento influenciou profundamente a perspetiva do trabalho social
da pessoa e do ambiente. Na prática, o assistente social procura compreender a situação
da pessoa ao cuidado numa perspetiva sistémica, centrando-se nos subsistemas que a seu
ver podem conduzir a mudanças significativas. Utilizam-se os genogramas e os ecomapas
para examinar relações significativas entre pessoas e instituições. Recentemente
começaram por considerar o ambiente macro e geopolítico e a ecologia planetária.
Independentemente do enfoque da intervenção, esta teoria alerta para que não se descure
os efeitos de outros sistemas em nós próprios e o efeito do nosso trabalho em outros
sistemas. O trabalho social prático não é psicoterapêutico, mas, antes, deve incluir na sua
abordagem a psicodinâmica ou os sistemas de interação familiar. Da mesma forma, no seu
sentido total não é apenas mudança institucional, deve considerar o impacto da mudança
no individual, grupos, famílias e na comunidade e ambiente natural. Mesmo que o
assistente social trabalhe individualmente pode não estar capaz de abarcar todos os
aspetos da pessoa e do ambiente. Estas teorias orientam para um trabalho colaborativo
entre assistentes sociais e outros profissionais de ajuda especializados em diversas áreas
assim como outros sistemas de suporte formal e informal para criar uma compreensiva e
ativa abordagem sistémica.
TEORIA DOS CONFLITOS: A JUSTIÇA SOCIAL REQUER MUDANÇA SOCIAL
Segundo as teorias do conflito todas as sociedades perpetuam formas de opressão e de
injustiça e, por isso, o compromisso para uma justiça social requer uma constante atenção
à opressão e esforços diligentes para resistir e encontrar soluções a tal opressão.
Necessariamente,
o
confronto
entrincheira
instituições,
políticas,
programas
e
comportamentos individuais generalizando conflitos. Esta situação torna-se na prática
muito desconfortável e algumas vezes mesmo perigoso. A teoria do conflito revela que o
conflito é uma força que deriva de uma mudança social. As Teorias do conflito podem
ajudar os assistentes sociais a prestarem atenção à opressão, especialmente nos seus
modos sistémicos e institucionais, fazendo apelo no sentido de encontrar estratégias para a
Rui Pedro Ventura
32
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
solução. Também elas mudam o sentido de lidar com os dilemas com que os assistentes
sociais se confrontam enquanto membros de uma instituição onde as pessoas são
ajudadas. Apesar do compromisso com a mudança social, o assistente social deverá zelar
por garantir a subsistência das pessoas a seu cuidado, mesmo que tenha que encontrar
estratégias para contribuir para uma mudança das várias entidades, nomeadamente o
Governo.
TEORIA DO EMPOWERMENT: ELEVAÇÃO DA CONSCIÊNCIA E AÇÃO COLETIVA
As teorias do empowrment no trabalho social fazem parte integrante do compromisso do
assistente social na promoção da justiça social. Estende-se para além da fronteira da teoria
do conflito e tem uma particular enfoque com funções específicas de opressão tais como
baseadas no género, classe social, idade, deficiência, orientação sexual, raça, etnicidade.
Realçam os modos como a estratificação cria bloqueios estruturais de oportunidades e
bem-estar. As teorias do empowerment contribuem para a compreensão de que as
mudanças significativas sociais requerem a implicação de todas as pessoas num
compromisso tendo em vista a justiça. Trata-se de um processo de elevação de
consciência tanto individual como de acção colectiva. Em vez de se ficar presos à
vitimização e assumir uma mentalidade de vítima, o profissional em trabalho social procura
junto dos oprimidos o empowerment directo, visando desenvolver nas pessoas potenciais,
capacidades e recursos para ajudá-los a prosseguirem as suas metas e aspirações
pessoais e colectivas.
TEORIA FEMINISTA: CONEXÕES ENTRE O PESSOAL E O POLÍTICO
A teoria feminista providencia um modo de análise para o trabalho social que permite dar
ênfase ao género e ao modo como um modelo patriarcal cria e mantém uma estratificação
e opressão baseada no género. Oferece uma abordagem holística das relações
interpessoais entre o material, o social, o intelectual e o espiritual faces da existência
humana. A teoria feminista relaciona o pessoal, o político e suportes da mulher e outros
grupos oprimidos identificando atitudes, expectativas, linguagem, comportamentos e
dispositivos sociais que contribuem para a opressão e marginalização das pessoas. No seu
núcleo, é uma teoria das relações de poder que permite ao assistente social uma análise
crítica, generalizada, uma produção de conhecimento e promoção de um engajamento
político com o propósito de promover igualdade económica, política e social.
CULTURA, MULTICULTURALISMO, ADAPTAÇÃO E COMPETÊNCIA
Rui Pedro Ventura
33
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
As teorias relacionadas com cultura clarificam o facto que o trabalho social se encontra
mediado pela cultura e envolve uma interação através de diferenças culturais. A cultura
medeia todas as transações pessoais e do ambiente porque o sentido é fabricado pelo
tecido social, modos de vida e instituições sociais que definem o que é tem que ser uma
pessoa e membro de um grupo social e o modo como as pessoas se relacionam com o
ambiente. As teorias acerca da cultura e adaptação cultural também ilustram os modos
como a sociedade dominante define diferença cultural como deficiência, iluminando as
tremendas variações nas crenças culturais e normas e dando ênfase aos potenciais e
promessas de interacção através da cultura. No contexto do trabalho social, estas teorias
relembram que a diversidade cultural e os modos de adaptação cultural são um facto da
vida. Estas teorias orientam os profissionais de forma a desenvolverem formas de
compreensão dos seus clientes e engajaram tal compreensão na prática.
PSICODINÂMICA E O MUNDO INTERIOR
As teorias psicodinâmicas contribuem com duas perspetivas capitais: a primeira é a de que
existe uma interconexão entre a mente e o corpo e a segunda é a de que o comportamento
humano em parte encontra-se perfilado por um processo interior mental através do qual
não nos damos conta. As teorias psicodinâmicas alertam o profissional em trabalho social a
prestar atenção á conexão entre a mente e o corpo e aos processos internos mentais.
Também encorajam para que eles próprios sejam autorreflexivos e estimulem os clientes a
serem, igualmente, autorreflexivos. Realçam para o facto de que os processos internos
interagem com o ambiente. Toda a teoria psicodinâmica dá ênfase de que a introspeção e
o diálogo auto-reflexivo podem se mobilizados no sentido de um crescimento pessoal.
Também sugerem para um trabalho prolongado no sentido de se conseguir alcançar
mudanças pessoais com implicações fortes. Apesar das limitações das teorias clássicas
psicodinâmicas, algumas das ideias básicas continuam a ser convincentes. Alertam,
também, para certos cuidados nomeadamente contra toda uma tendência redutora de
prática clínica da função.
CRESCIMENTO E DESENVOLVIMENTO NO CURSO DA VIA (LIFE SPAN THEORY)
As teorias do curso de vida deram um importante contributo ao trabalho social, na medida
em que aquelas permitem descrever e analisar as interações entre o biológico, psicológico
e os aspectos sociais do desenvolvimento, da conceção até à morte. Elas sugerem que a
experiência acumulada e as mudanças da vida podem gerar talentos pessoais, potenciais e
virtudes assim como sofrimento e fardo. Elas sugerem que todas as pessoas encontram-se
numa jornada da vida. Os profissionais em trabalho social podem prestar cuidados e
Rui Pedro Ventura
34
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
assistência às pessoas nessa jornada, providenciando ajuda quando elas estão em baixo e
encorajando-as ao longo desse curso. As teorias do curso da vida enfatizam todas as fases
da vida podem apresentar importantes oportunidades e mudanças de crescimento e com
isso de aprendizagem e crescimento é sempre possível.
DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E MORAL
As teorias cognitivas e do desenvolvimento moral dão ênfase ao racional, moral,
intelectual, desenvolvimento da fé ao longo da vida. Descrevem o crescimento pessoal
como um processo através da qual as pessoas procuram um sentido para uma nova
mudança intelectual e dilemas morais. Face aos novos desafios, o assistente social
necessita de uma maior compreensão e sofisticados modos de pensar, com mais
maturidade intelectual e moral, exigindo-se a estes que passem de um egocentrismo para
uma perspetiva intelectual, moral, espiritual de forma a compreenderem outras pessoas de
um outro modo. As teorias do desenvolvimento cognitivo e moral orientam os assistentes
sociais a considerarem como formam as suas próprias decisões, como pensam acerca dos
seus clientes e como podem informar a sua prática com uma estrutura moral de valores
profissionais e éticos. Também podem chamar à atenção aos clientes modos para
compreenderem o mundo e, como isso, ajudar no seu processo de adaptação e a
conquistarem relações de satisfação com os outros. As teorias podem identificar
inteligências múltiplas relembrando que cada pessoa possui várias capacidades (tais como
pensamento lógico, sensibilidade emocional, e relacionamento social) e de que podemos
beneficiar os clientes, através do desenvolvimento de capacidades, a atingirem os seus
objetivos e a tornarem-se fortalecidos.
INTERAÇÃO SIMBÓLICA E TEORIA DOS PAPÉIS
O interacionismo simbólico e a teoria dos papéis conduzem para os fatores do ambiente
social, expectativas normativas e processo social, dando atenção ao self. Enfatizam a
importância da capacidade humana para simbolizar, para ser autorreflexivo de forma
consciente e a relacionar-se uns com os outros na sociedade através da interação social.
Reportam-se ao processo de socialização através da vida. A interação simbólica e a teoria
dos papéis levam os assistentes sociais a examinar o modo como as expectativas
significativas dos outros e as instituições dominantes guiam o nosso comportamento,
desenvolvimento, e decretam os papéis. As teorias da etiquetagem realçam a importância
na perceção dos efeitos destrutivas de tratarem os clientes como objetos e sujeitarem-nos
a um diagnóstico estigmatizante com uma etiqueta ou categorias, que se entende como
satisfatório. Esta perspetiva leva a que os assistentes sociais adotem precauções no modo
Rui Pedro Ventura
35
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
como tratam as pessoas, evitando atribuir certos rótulos, que levam a ignorar as suas
características, habilidades e potenciais e a reduzi-los da sua estatura plena de seres
humanos.
FENOMENOLOGIA, CONSTRUÇÃO SOCIAL E CENTRALIDADE DA CONSCIÊNCIA
A fenomenologia foca o que raramente constitui ser o recurso da nossa atenção – a
consciência de si e a natureza da realidade. A postura fenomenológica revela que o que
poderá constituir um choque inicial: o entendimento de nós próprios, da sociedade e do
mundo é baseado numa construção social da realidade antes de ser objetiva, fixa ou de
pensamento absoluto. Esta perceção apresenta uma possibilidade promissora – porque o
self e a sociedade são socialmente construídas, self e sociedade podem ser
desconstruídas para voltarem a ser reconstruídas. Assim, os profissionais em trabalho
social podem ajudar as pessoas ao seu cuidado a identificarem o entendimento que têm do
seu próprio self, da sociedade e do mundo. Elas podem ser orientadas para descobrirem
por elas próprias o que são e as opções que tomam visualizando o que elas são e que
papeis elas jogam para alcançarem as suas aspirações. Estas teorias também relembram
que qualquer processo de reconstrução afeta as outras pessoas e seus mundos
socialmente reconstruídos. A fenomenologia, também, sugere que os métodos de pesquisa
positivista são incapazes de capturar a complexidade e singularidade do comportamento
humano.
Behaviorismo, pedagogia social e teorias da transição: controlo pelo ambiente
O behaviorismo e as teorias da transição têm sido extremamente úteis para darem
ênfase ao modo como o ambiente influencia o comportamento. Enquanto outras teorias
chamam á atenção ao modo como o comportamento é influenciado pelo biológico e forças
psicológicas, as teorias do behaviorismo, a pedagogia social e teorias da transição
defendem que o comportamento é influenciado por condições externas, reforça e modela
que não se pode deixar de se estar atento. Por um lado, abre a possibilidade para o uso da
técnica poderosa e efetiva da modificação dos comportamentos usando medidas empíricas
de processos de intervenção e dos seus resultados. Por outro lado, estas teorias servem
também como precaução dos assistentes sociais não moldarem os comportamentos dos
seus clientes de forma manipulativa e coerciva.
TEORIAS TRANSPESSOAIS: TRANSCENDÊNCIA DO SELF E FELICIDADE
As teorias transpessoais são úteis para o profissional em trabalho social se focar nos
aspetos espirituais e religiosos da experiência humana o que constitui um aspecto
Rui Pedro Ventura
36
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
importante da fundação da profissão. Elas providenciam conceitos não sectários e modelos
para o fazer, desenhados a partir de uma variedade religiosa, e tradições filosóficas à volta
do Mundo. Elas orientam para o modo como lidar com todas as pessoas e constelações
ambientais, sem esquecer dos aspetos espirituais do indivíduo na relação com o Mundo.
Chamam a atenção para a perceção interior positiva espiritual e potencial das pessoas,
bem como da importância do espiritual e do religioso como sistema de suporte para o
desenvolvimento de um sentido de vida com sentido e direção. Elas providenciam linhas
orientadoras para uma discussão com as experiências dos clientes da que transcende a
natureza de um self que os podem ajudar a alcançarem uma felicidade pessoal e social.
Expandem a visão do profissional para uma perspectiva ideal de justiça. A teoria integral de
Wilber leva a considerar todas as dimensões da pessoa e do ambiente (dos aspetos
subjetivos e subjetivos do individual e do coletivo) e dos níveis (pré-egoico, egoico e
transegoico) do desenvolvimento como relevante para uma situação prática. Estas grandes
ideias de várias teorias podem até ser controversas e suscitarem muitas questões aos
profissionais em trabalho social, mas permitem promover um sofisticado e refinamento no
desenvolvimento da pessoa e do profissional.
3.3. TEORIAS TRANSPESSOAIS NA PRÁTICA DO TRABALHO SOCIAL
Estas e outras propostas para um trabalho social com orientação espiritual encontram
não só nos fundamentos sectários da espiritualidade religiosa e não religiosa as suas
fontes de inspiração para o desenvolvimento de modelo de atividade holística como,
também, nos fundamentos não sectários como aqueles que as teorias transpessoais nos
propõem (Robbins, 2011: 377-408). As teorias transpessoais reportam-se aos aspetos do
comportamento humano que são distintos da nossa natureza enquanto seres humanos.
Reporta-se às aspirações mais elevadas e potencialidades e necessidades de amar,
sentido, criatividade e comunhão para com outras pessoas e o Universo. Estas teorias
propõem-nos uma imersão no mais profundo em nós para uma compreensão plena do que
nós somos, de que podemos transcender o ego expandindo consciência da nossa
verdadeira natureza, profundamente conectada com outras pessoas e o Universo. Ao
emergir em nós próprios e em profundidade experienciamos a natureza comum que nós
todos partilhamos. De acordo com as teorias transpessoais, a meta do desenvolvimento
humano significa alcançar o cume da nossa própria realização pessoal, à qual deverá
convergir com a realização pessoal dos outros. Ajuda-nos a desenvolver uma perspectiva
holística e integrativa do comportamento humano e da prática de Trabalho social. Em
termos históricos, Abraham Maslow, em 1969, anunciou o início de um novo movimento em
psicologia destinado à compreensão do que está “para além do alcance da natureza
Rui Pedro Ventura
37
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
humana”. Este novo movimento foi desenvolvido para dar enfoque ao aspeto distintivo e
elevado do potencial humano para o desenvolvimento. Chamou a quarta força da teoria
transpessoal, que procura ir além das anteriores três foças teóricas do Freudismo,
Behaviorismo e Humanismo. A quarta força pretende superar a teoria humanista (a terceira
força), desenvolvida entre 1950 e 1960. Os teóricos humanistas empenharam-se em
contrabalançar as tendências de desumanização e reducionismo influenciadas previamente
pela “primeira força” do freudismo clássico e a “segunda força” do “behaviorismo”. Na
perspectiva humanista, o freudismo encontrava-se suportado numa generalização dos
estudos clínicos sobre as neuroses e fora criado a partir de uma visão do comportamento
humano largamente determinado pelo inconsciente, pelos instintos e impulsos selvagens
de busca de prazer e fonte de conflito e tensão. Por outro lado, o behaviorismo era
concebido como uma perspetiva tecnocrática e mecânica que retratam as pessoas como
estando controladas por forças do meio envolvente, negando-lhes a capacidade de escolha
(o livre arbítrio) e a espontaneidade. Os psicólogos humanistas estudam pessoas dotadas
de elevado sentido de autoestima, criatividade e satisfação em relação à vida tendo em
vista identificar um modelo ótimo de bem-estar para o potencial humano. Descobrem que,
em grande medida, muita dessa realização pessoal se encontra aliada experiencias
transpessoais, que são cruciais para a sua tomada de consciência. Tais experiências
designam-se de transpessoal porque transcendem os limites da pessoa, das fronteiras do
corpo e do ego, da sua identidade pessoal. As teorias transpessoais dão enfoque a estes
tipos de experiências e do processo de desenvolvimento que permitem expandir a mente.
Em suma, as teorias transpessoais focam o aspeto espiritual distintivo da experiência
humana e do desenvolvimento. A somar à psicologia humanista, cinco correntes
intelectuais da história influenciaram fortemente a teoria transpessoal: a filosofia existencial
que emergiu em reação ao desespero causado pela industrialização e de uma Europa
assolada pela guerra; as teorias psicodinâmicas transpessoais desenvolvidas em reação
ao Freudismo (tais como as de Jung e Assagioli); os estudos sobre estados alterados da
consciência e da parapsicologia que emergiu no período entre 1960 e 1970; e, por último,
os estudos que procuram o cruzamento de culturas, perspetivas diferentes sobre o mundo
e práticas religiosas e diversos esforços para juntar perceções e disciplinas diferentes
numa perspetiva integral e holística (Canda & Furman, 2010, Grof, 2006, Grof & Halifax,
1977, Masters & Housten, 1966, Pelletier & Garfield, 1976, Tart, 2000, 2009, Wilber,
2000ª), citados por Robbins (Robbins, 2011: 378). Borenzweig (1984) e McGree (1984),
citados por Robbins,2011:378). A introdução da teoria transpessoal bem como da filosofia
da ecologia profunda no trabalho social foi defendida, anos 1990’s e inícios de 2000’s, por
Besthorn & Canda (2002), Canda (1991), Canda e Smith (2001), Crowley (1993, 1996),
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
Crowley & Derezotes, (1994), citados por Robbins (Robbins, 2011: 378). como um modo de
desenvolver uma perspetiva holística. A teoria integral defendida por Ken Wilber tem sido
aplicada de diversas maneiras no trabalho social e na especialização em saúde mental por
Larkin (2005, 2006), Larkin e Records (2007), Starnino (2009), P.E. Thomas (2004), citados
por Robbins (Robbins, 2011: 378). Diversas formas holísticas de uma prática com
sensibilidade espiritual têm sido inspiradas em parte por uma teoria transpessoal
nomeadamente por Bullis (1996), Canda & Furman (2010), Derezotes (2006), Lee, Ng.
Leung e Chan, (2009), citados por Robbins (Robbins, 2011: 379). A prática com
sensibilidade espiritual destina-se a trabalhar a pessoa no seu todo – corpo, mente e
espírito – no contexto das relações com as outras pessoas, com todas as criaturas e a
realidade suprema. A prática com sensibilidade espiritual respeita a formas religiosas e não
religiosas de espiritualidade trabalhando com as pessoas em termos dos sistemas de
sentido, procurando que estas desenvolvam os seus potenciais de desenvolvimento de si
mas, também, com repercussões nas relações com outras pessoas, seres vivos e
ambiente, contribuindo, desta forma, para a paz e justiça. Todas as teorias transpessoais
dão enfoque às experiências e processos de desenvolvimento que conduzem a pessoa
para além do sentido de fronteira da identidade do corpo e ego individual, tal como afirma
Washburn (1994, 1995), citado por Robbins (Robbins, 2011: 379). As teorias transpessoais
defendem que as pessoas têm um potencial para alcançarem um nível de desenvolvimento
para além de um nível centrado no ego, um estado transegoíco, destacando-se das teorias
convencionais da psicologia do desenvolvimento por se centrarem no ego. Neste estado
transegoico, o self deixa de ser experienciado, meramente, com uma entidade separada,
autónoma, isto é interconectada. Pelo contrário, o self passa a ser experienciando
fundamentalmente como uma unidade com todos os outros. Os resultados dessas
experiências são descritos como uma consciência de unidade, consciência cósmica ou
união com o divino. Wilber (1983), citado por Robbins (Robbins, 2011: 379), realça que se
trata de uma distinção crucial para o entendimento do desenvolvimento humano e
avaliação da saúde mental. Se os profissionais de saúde mental não reconhecerem que
uma experiência transegoíca é possível, provavelmente interpretam descrições de
transcendência do self de experiências místicas como uma evidência de regressão préegoíca de simbiose infantil ou de uma confusão psicótico de um ego-fronteira. Chama a
isto a pré/trans falácia, que significa misturar o pré-egoico com o transegoíco. Tal falácia,
também, ocorre quando no reverso uma pessoa superficialmente assume que qualquer
estado se relaciona com fusão ou unidade com os outros, mesmo que em contextos de
desorganização mental, de ilusão ou alucinação, reflete uma perceção mística (Wilber,
2000ª, 2000b) citado por Robbins (Robbins, 2011: 378). Os teóricos transpessoais,
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
também, destacam os estados de consciência. Tart (2000) citado por Robbins (Robbins,
2011: 378), define discreto estado de consciência como o único completo modelo de
funcionamento mental tal como aquele que nós temos consciência pessoal (self), sentido
do nosso corpo e do ambiente, experiências emocionais, acessos de memória e acessos
da passagem do tempo. Um estado alterado de consciência é um tipo de funcionamento
mental que é significativamente diferente do estado ordinário de consciência caracterizado
por um nível elevado de racionalidade e relativamente nível baixo de imaginação mental.
Existe uma variedade grande de estados de consciência possíveis, em relação ao estado
acordado comum, tais como aqueles associados com o sonhar, relaxamento profundo,
meditação, uso de drogas psicoativas e hiperestimulação. Cada estado de consciência
exprime formas particulares de experienciar a realidade, como modos distintos de
perceção. Para além disso, muito dos estados alterados de consciência conduzem a uma
consciência transpessoal. Os métodos de investigação e teorização sobre estados de
consciência devem muito à natureza particular do estado de consciência que se está a
estudar. Tart (2000), citado por Robbins (Robbins, 2011: 379), refere-se a isso como um
estado de consciência específico da ciência. O nosso entendimento sobre o
comportamento humano deve entrar em linha de consideração com os diferentes estados
de consciência. Por exemplo, o único modo para compreender quando uma pessoa se
refere a uma visão de um ser divino se encontra associado com uma psicopatologia passa
por examinar a sua experiência interior (isto é, o estado e conteúdo da consciência), o
sentido da experiência para si com o seu próprio curso de desenvolvimento e contexto
cultural e religioso e o impacto no seu funcionamento (Canda & Furman, 2010), citado por
Robbins (Robbins, 2011: 380). Experiências visionárias e estados intensificados de
consciência são inteiramente expectáveis, e mesmo desejáveis, em muitos contextos
rituais que envolvem orar, meditar, hiperestimulação ou privação de estímulos. Estas
experiências não se comparam a ilusões e alucinações, que refletem uma desorganização
mental extrema ou rigidez e insensível ao exame da realidade, como em determinadas
formas difíceis de doença mental. Um dos maiores interesses da teoria transpessoal é a
espiritualidade. Wilber (2000b), citado por Robbins (Robbins, 2011: 380), identifica quatro
significados comuns do mundo espiritual: (a) o nível mais elevado de desenvolvimento vai
para além da consciência egoíca; (b) uma linha de desenvolvimento da fé; (c) uma
profunda experiência culminante, por exemplo através da oração ou meditação; e (d) uma
atitude de amor, compaixão e sabedoria.
TRANSPESSOAL E O TRABALHO SOCIAL
Rui Pedro Ventura
40
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
Nos anos recentes, as teorias transpessoais tem sido aplicada no sentido de desenvolver
de forma detalhada uma estrutura para uma prática de trabalho social com sensibilidade
espiritual e direcionar para muitas questões particulares, tais como experiências de infância
adversas, desenvolvimento positivo de jovens, divorcio, recomposição de saúde mental,
recorrendo a temas como morte, desenvolvimento espiritual face a crises, conselho com
casais, doenças crónicas, hospício, gestão organizacional para serviços de idosos e
educação em trabalho social (Bhagwan, 2009, Canda, 1998, Canda & Cheon, 2010, Canda
& Furman, 2010, Canda & Smith, 2001; Cowly, 1993, 1996; Derezotes, 2006; Derezotes &
Evans, 1995, Larkin, 2005; Larkin & Records, 2007,; Nelson – Becker, Nakashima & Canda
2006, Starnino, 2009).A teoria integral tem sido igualmente aplicada no sentido de
desenvolver uma perspetiva que pode ser integrada ao nível do discernimento em muitos
diferentes campos e métodos de pesquisa e para ligar abordagens do micro e do macro em
termos da prática (Kerrigan, 2006; Larkin, 2006; P.E. Thomas, 2004). A busca do potencial
humano pela via da empatia, da criatividade e da espiritualidade tem sido considerado, de
alguma forma, por assistentes sociais desde o começo da profissão (Towle, 1965).
Contudo, passados 20 anos, houve um incremento rápido do interesse pela espiritualidade,
incluindo a construção de teoria, pesquisas empíricas, e prática e desenvolvimento de
competências em assistentes sociais (Canda & Furman, 2010). Para o assistente social ser
capaz de reconhecer uma crise de crescimento transpessoal ou para acompanhar as
pessoas a lidarem com as experiências afloradas por disciplinas espirituais tais como a
meditação tem que ter bases relevantes de compreensão teórica e experiencial sobre tais
fenómenos (Canda & Furman, 2010, Keefe, 1996, Krill, 1990).O assistente social tem que
estar num contínuo e paralelo processo entre o seu próprio crescimento e o crescimento da
pessoa que tem a seu cuidado. O assistente social tem que se centrar no seu próprio
processo de crescimento e numa reflexão constante para que a relação de ajuda permita
expandir o nível transpessoal. Na perspetiva transpessoal, a situação de ajuda é uma
oportunidade para ambos, assistente social e a pessoa ao cuidado, aprofundar o
discernimento espiritual e crescer através do seu potencial superior, incluindo a
consciência transpessoal se tal for relevante para as necessidades e aspirações das
pessoas a que o cuidado se destina. Em acréscimo para ter treino numa base convencional
de conhecimento e competência, Hutton (1994), citado por Robbins (Robbins,…9 sugere
que terapeutas transpessoais devem seguir qualidades: abertura para a realidade
transpessoal de experiência que visem a cura e a transformação, sensibilidade para o
sagrado, conhecimento e respeito pela diversidade de caminhos espirituais; e um
engajamento ativo no crescimento espiritual. Idealmente, o profissional considera o cliente
como um todo irredutível e valor e dignidade inerente. Ainda que sejam usados
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
correntemente nas práticas convencionais de instrumentos de diagnóstico/avaliação
standards importa procurar não atribuir à pessoa meras categorias, rótulos ou, pior,
descrições patológicas. O transpessoal permite a conexão espiritual na relação,
transcendendo o nível pessoal baseado no ego e no papel do profissional, ajudando a
incrementar o sentido de empatia e de compaixão (Dass & Gorman, 1985, Wilber, 2000ª).
A ajuda deve nascer deste sentido de conexão mais do que de meras técnicas ou
requerimentos burocráticos. De uma perspetiva transpessoal, o potencial da pessoa e das
possibilidades transpessoais, tais como experiências de topo, alterados estados de
consciência e de transcendência, são aceites (Canda & Smith, 2001). Hutton (1994) diz
que terapias transpessoais encorajam o desenvolvimento espiritual, do sentido pessoal de
totalidade e unidade com outros, uma realidade suprema e a perceção direta com o divino.
Tal como Joseph (1987, 1988) afirmou os assistentes sociais necessitam avaliar as formas
como as pessoas concebem o benigno ou o punitivo divino e suas conexões com sistemas
de suporte religioso e modo como afetam o seu sentido de bem-estar ao longo do seu ciclo
de vida. Cowley (1993) refere-se à meta transpessoal de ajuda como “saúde espiritual” em
que o corpo, mente e espírito encontram-se integrados e em que alcançam um sentido de
satisfação completa com a vida, paz com o Mundo e comunhão com o ambiente. A macro
prática de trabalho social consiste em criar as condições globais de justiça e de equilíbrio
bio ecológico que sustenha e suporte qualquer pessoa no sentido do desenvolvimento
espiritual (Canda & Furman, 2010). A teoria transpessoal orientam os assistentes sociais
para se moverem para além dos standards egocêntricos e etnocêntricos de avaliação
incorporados nas teorias convencionais de desenvolvimento (Canda & Furmann 2010;
Canda & Smith, 2001). As teorias de desenvolvimento convencionais estabelecem um
standard linear, racional, um pensamento abstrato como epítome do desenvolvimento
cognitivo. Propõem a consecução de um ego separado como o ponto mais alto do
desenvolvimento. Assumem que uma consciência desperta funciona de um modo
dualístico (separação ente sujeito/objeto e self/teoria), um standard para uma boa saúde
mental. Isto está relacionado com a pré/trans falácia em que pessoas com experiências
visionárias, estados alterados de consciência são identificadas de forma redutora e
patológica. Certamente as desordens mentais podem causar ilusões, alucinações ou uma
identidade confusa. O crescimento transpessoal pode igualmente resultar de períodos
debilitados em consequência de crises psicossociais. Mas a teoria transpessoal requer que
sejamos capazes de identificar as patologias de tais experiências transpessoais que
contribuam para o crescimento pessoa (Nelsno, 1994; Wilber 2000ª, Wilber, Engler &
Brown, 1986). É expectável que uma pessoa que supere a sua identidade egoíca e certos
papeis convencionais sem que tal estado esteja associada a uma patologia (Wilber, 1986).
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
Uma consciência transpessoal poderá se revelar necessária para que uma transformação
ocorra, sem que tal estado constituía uma mera desordem angustiante ou se encontre
confinado a uma patologia. A pessoa pode ser aconselhada a conformar-se a normas
sociais a aceitar a realidade como única existente e a receber a medicação para reduzir a
consciência, contudo, tal não permitirá a sua transformação nem do meio que a circunda. A
nível macro, a visão lógica reage tumultuosamente à interação global e multicultural
(Wilber, 2000ª). As políticas devem transcender o etnocentrismo, o isolacionismo e
imperialismo em direção ao transcultural, ao transreligioso para uma compreensão e
cooperação Global.
3.4. A TRANSFORMAÇÃO TERAPÊUTICA NO TRABALHO SOCIAL
Um exemplo do que é uma aplicação prática de um trabalho social com uma orientação
espiritual é nos dado por Canda no modelo concetual de transformação terapêutica que foi
aliás trabalho que desenvolveu no âmbito do seu mestrado em trabalho social e em minha
opinião poderá ser útil nomeadamente em trabalho social clínico. Segundo Canda, partindo
de uma abordagem taoista, o livro da Mutações Chinês (I Ching) identifica vários tipos,
níveis e ritmos de mudança na vida humana. Um modo sábio de compreender uma
mudança particular implica considerar todos os aspetos da vida e não um apenas. De
acordo com esta abordagem importa estar atento ao fluxo da mudança e identificar as
oportunidades que permitem melhorar a vida. Alguns períodos de mudança são de
transformação, os obstáculos surgem como oportunidades, apelando a uma grande
sabedoria.
A transformação consiste numa mudança relativamente rápida e significativa da condição
inicial em que a pessoa se encontra para um estado de desenvolvimento e progresso,
levando-a a ter, em determinadas situações, experiências “culminantes”.
O trabalho social, tal como Canda nos propõe, procura encontrar soluções terapêuticas (de
bem estar bio-psico-social e espiritual), que colocam as pessoas ao cuidado a caminho de
um processo de transformação.
No hexagrama com o número 23 do I Ching com o nome “Desintegração “simboliza o
tempo da vida em que o status quo se encontra a fraturar.
FIGURA 8. HEXAGRAMA 23 “DESINTEGRAÇÃO”
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
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As cinco linhas, descontínuas, representam as paredes de uma casa a desmoronar. O
telhado está prestes a cair. Isto poderá ser assustador. Definitivamente é tempo de mudar!
O simbolismo do hexagrama inclui um aviso para o modo como se deverá responder a esta
situação. As três linhas superiores simbolizam o céu e as três linhas inferiores a terra. Se
formos capazes de manter uma mente clara, virtuosa e aberta ao interior e baseada em
factos então a brecha pode abrir para algo de grandioso (tal como uma montanha que
permanece na terra e cresce para o céu). Um outro modo de olhar o simbolismo do
hexagrama consiste em entender a linha contínua no topo como um fruto maduro que se
encontra no alto de uma árvore. O fruto acaba por cair na terra, quando a mudança ocorreu
até ao seu auge. Esta morte aparente acabará por plantar a semente para o futuro. Tal
como a morte aparente do fruto que ao cair acaba por plantar a semente do futuro também
a experiência transformacional que ocorre normalmente em face a situações adversas
representa uma via facilitadora do potencial pessoal do aperfeiçoamento interior, de
vitalidade, de sentido e de propósito e no rumo da vida.
Tudo dependerá, todavia, no modo como se caminhará no momento da crise em que tudo
parece ruir. O processo de transformação ocorre espontaneamente em situações de crises.
Os encontros com as pessoas que necessitam de cuidados podem ser considerados como
rituais. Estes rituais têm em vista a melhoria da vida das pessoas ao cuidado. A palavra
ritual pode, num uso comum do termo, significar algumas vezes algo de antigo aliado à
tradição, ultrapassado ou, ainda, uma repetição sem sentido. O sentido de ritual terapêutico
é oposto ao uso comum do termo, uma vez que nos remete para algo dinâmico, intencional
e cuidado.
A transformação terapêutica (não confundir com psicoterapia), tal como ela é proposta por
Canda, é dividida em cinco fases que se movem mais como ondas. A fase prévia à ajuda
formal respeita a tudo o que precipita a pessoa à necessidade de auxílio. O especialista em
trabalho social acompanha a pessoa ao longo de um percurso contínuo de desagregação,
fluxo e de agregação. Após a ajuda a pessoa continua a sua vida de um modo mais
esperançosa, confiante e consciente dos seus potenciais e recursos. A transformação
terapêutica é como um processo de movimento para uma nova casa.
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
Na fase 1, há uma série de acontecimentos que exigem respostas rápidas, orientando a
decisão para a mudança. Algumas vezes a decisão é proactiva e motivadora, outras não. A
decisão, muitas das vezes, é forçada a ser tomada. A mudança de casa é um evento
significativo na vida, alterando padrões de comportamento, de relações e de conforto.
Mesmo quando o status quo é difícil e há uma vontade de mudar, os velhos hábitos podem
ser difíceis de quebrar ou alterar. Uma vez decidida a mudança, torna-se necessário ter em
atenção uma preparação prévia antes de sair definitivamente da velha casa. Caso a
pessoa seja forçada a sair da casa de repente, a falta de preparação complica a mudança.
Na fase 2, procede-se ao empacotamento em caixas dos pertences numa determinada
ordem para que se possa recuperar e reorganizar tudo mais tarde.
A fase 3 respeita à viagem cujo destino é novo e o futuro incerto. Novas possibilidades se
abrem, trazendo expetativas e, ao mesmo tempo, ansiedade. Os amigos, a família ou uma
mudança de companhia podem ajudar na mudança para uma nova casa de modo a que
ocorra de forma relativamente tranquila e segura.
Na fase 4 já na nova casa abrem-se as caixas e reorganizam-se todos os pertences de
acordo com a nova situação e propósito.
Na fase 5 restabelece-se a vida na nova casa, reorganizando relações e as atividades da
vida quotidiana. Ora, os especialistas em trabalho social são como especialistas em todo o
movimento, facilitando a embalagem, o desempacotamento e a reorganização da vida.
FASE 1: PREPARAÇÃO (PRÉ-TERAPIA)
Em momentos de crises tudo parece estar fora de controlo, causando a sensação de
sufoco. Quando a experiência é intensa, aceita-se a ajuda de qualquer pessoa que queira
dar a mão. A experiência anterior predispõe a perceber e a responder a crises ou à
transição na vida de uma certa maneira. Apela-se numa estratégia de resolução de
problemas aos potenciais (strengths) e socorrer-se dos recursos em função da
aprendizagem pessoal. Haverá, naturalmente, situações em que se torna necessário
consultar um profissional de ajuda, criando antecipadamente expectativas, esperanças e,
também, preocupações antes do processo de ajuda ter início. O especialista em trabalho
social deverá estar atento às deixas da pessoa que procura a ajuda (quer aquelas que são
subtilmente deixadas quer as outras que são expressas de uma forma aberta) de forma a
saber como antecipar e preparar a pessoa para o processo de ajuda. Torna-se útil, então,
providenciar alguma orientação sobre o que a pessoa poderá esperar e o modo como
poderá fazer uso do processo de ajuda de forma a poder melhor servir os seus interesses.
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
FASE 2: SEPARAÇÃO (AJUDA FORMAL)
Num trabalho social prático o especialista acolhe a pessoa numa relação de ajuda num
espaço como o de gabinete ou em sua casa designado para um encontro dedicado à
ajuda. Deixam dicas às pessoas para que se desvinculem de uma situação ordinária de
vida da qual se sentem presas. Indicam a sua intenção de ajudar e como o irão fazer.
Recolhem-se dados importantes sobre a história de vida e identificam-se os problemas e
as aspirações. Esta é a fase da avaliação e da análise, que literalmente significa
“desmontar”. Ajuda-se a pessoa a desconstruir a sua situação e a abrir-se a outras
possibilidades. Nesta fase, torna-se importante criar um laço de confiança e segurança na
relação de ajuda com a pessoa que se encontra afetada, oprimida e desorientada pelo
caos, revelando-se indispensável assegurar respeito por ela. Esta fase de ajuda dá ênfase
ao restabelecimento das relações, procurando-se transmitir, deste modo, um sentido de
proteção, compreensão e esperança no futuro.
FASE 3: FLUXO (MUDANÇA DINÂMICA)
As desordens têm as suas vantagens e o caos pode ser criativo. A pessoa que sinta o
status quo a ruir poderá deslumbrar uma abertura para a mudança e crescimento. Ao longo
do processo de ajuda, afigura-se necessário que o especialista em trabalho social ajude a
pessoa a encontrar novas oportunidades, a ter outras formas de ver e de pensar, a
improvisar soluções e a recorrer aos seus próprios potenciais e recursos imprescindíveis
num processo de mudança. Para o efeito, importará cortar com velhos padrões. Esta é a
fase em que se abrem muitas oportunidades havendo um forte apelo à criatividade. O
antropólogo Victor Turner (1965), (1969), (1974), citado por Canda (Canda, …:),
inspirando-se no trabalho de Arnold Van Gennep, refere-se a isso como literalmente a rito
de passagem. Quando uma pessoa está em movimento, ela sente ambiguidade e alguma
desconcentração, contudo tem a possibilidade de se mover de um lugar para outro. Turner
salienta que os rituais de ajuda e ritos de passagem dão ênfase a duas dimensões desta
fase. Uma respeita ao facto de que as estruturas pessoais e culturais, hábitos, normas e
expectativas encontram-se temporariamente alteradas ou suspensas. Muitas possibilidades
se abrem. As pessoas em conjunto que passam através deste processo, tendem a formar
um sentido de cooperação e suporte mútuo de base igualitária e comunitária. Esta falta de
estrutura, porém, faz apelo a um suporte de proteção e orientação, que poderá ser
assegurado por cuidadores (e curandeiros). Este suporte, no caos criativo, é catalisador no
processo de transformação. A complementaridade entre a anti-estrutura e a estrutura é
similar aos conceitos de morfostase (morphostasis) e morfogénese (morphogenesis) num
sistema dinâmico. A morfostase significa “manutenção de forma”. É o processo de vida do
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
sistema que protege e restaura a integridade de vida do sistema, de modo a poder
sobreviver. A morfogénese significa “gerar forma”. Trata-se do processo que adapta, muda
e cria novos padrões de vida de um sistema, de modo a poder desenvolver e crescer todo
o tempo. A morfostase e morfogénese são complementares e aspetos necessários no
processo dinâmico de manutenção e transformação da vida do sistema. A morfostase
sozinha resulta na estagnação e morfogénese sozinha resulta em caos destrutivo.
FASE 4: AGREGAÇÃO (REINTEGRAÇÃO)
A quarta fase corresponde à agregação. Novas possibilidades se abrem nesta fase. Se a
vida de uma pessoa se encontra desconstruída, isso destrói. O assistente social ajuda a
pessoa a encontrar estabilidade consigo própria e na relação com os outros em face a
nova situação. É, também, a fase de “estar junto com os outros”. O fechamento poderá
constituir um impasse na nova vida. O assistente social ajuda a pessoa a ultrapassar a
situação depressiva em que se encontra mostrando-lhe novas possibilidades e o quanto
importante é integrar todas as aprendizagens para uma vida que se pretende melhorada.
FASE 5: CONGREGAÇÃO (PÓS-TERAPIA ONGOING)
Quando as pessoas alcançam o êxito nesta sua passagem, as suas vidas são marcadas
pelo prazer e por uma criatividade espontânea. Deixam de depender de profissionais de
ajuda (a não ser que se venham a confrontar com outras mudanças sérias). Qualquer um
poderá dizer com satisfação: “estou-me a sentir como nunca me senti antes”. Durante esta
fase, importa que os assistentes sociais ajudem a pessoa a desenvolver nela os seus
próprios recursos de ajuda (autoajuda). A pessoa pode ser encorajada a procurar novos
modos de pensar, sentir, agir e de se relacionar com outras pessoas mesmo depois de
concluída as relações de ajuda. Quando ocorre uma mudança individual, esta tem
implicações com o sistema de suporte familiar, relacional e comunitário. Neste sentido,
importa proceder a um follow-up para o ajudar a pessoa a continuar a integrar as
mudanças. Trata-se, aqui, de um acompanhamento que vai para além do curso da relação
de ajuda propriamente dita que permitiu o processo de transformação aliada a um
crescimento individual em face a uma situação em concreto. A relação de ajuda pode durar
uma hora, um dia, 10 semanas ou um ano. O assistente social acompanha a pessoa em
toda a sua corrente de mudança “espontânea” (desde a separação, passando pelo fluxo e
finalizando com a agregação) e para além desta, ou seja quando a relação de ajuda
supostamente se consumou.
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
Com efeito, a pessoa poderá vir a precisar de grande ajuda ao longo da sua vida, podendo
este processo vir a repetir-se. Existem, porém, muitos acontecimentos na vida que levam a
uma transformação e ao crescimento, que não envolvem necessariamente profissionais e
relações de ajuda. Ao longo de um processo de ajuda existem muitas pequenas
experiências de transformação. Com o assistente social cada encontro é marcado por um
rito próprio: no momento da saudação inicial, no planear e no orientar, em termos das
tarefas “terapêuticas” a serem levadas a cabo em casa, e no encerramento da sessão.
Durante o encontro pode ocorrer ou ocorrerá momentos de poderoso discernimento e de
catarse, que possibilitam quebrar com modos habituais de pensar, de sentir e de agir. O
modelo concetual de transformação terapêutica proposto por Canda procura dar ênfase às
experiências de catarse que decorrem de uma relação de ajuda. A catarse envolve o
recordar e o libertar de memórias e sentimentos dolorosos. Os assistentes sociais devem,
apenas, evocá-los num ambiente que confira à pessoa confiança. A recordação da dor
necessita de ser convertida em energia criativa via a um crescimento pessoal. Episódios
catárticos necessitam de serem processados e integrados emocionalmente, fisicamente,
intelectualmente e espiritualmente de modo a que fique um sentido de conclusão, antes de
se terminar uma sessão.
O modelo de transformação terapêutica recorre a metáforas ou histórias, que se transpõe
para a realidade vivida pela pessoa que se pretende ajudar. Apela-se, porém, à perspetiva
espiritual da pessoa, de modo a que ela se reveja em tais metáforas ou histórias, não se
impondo, deste modo, a perspetiva de espiritualidade do profissional de ajuda.
Pretende-se que elas sejam inspiradoras e encorajadoras para a transformação e
resolução de crises. Por exemplo, cristãos podem olhar para a história da paixão, morte e
ressurreição de Jesus. Os judeus podem refletir sobre o êxodo da escravatura no Egipto.
Os hindus podem considerar a história de Bhagavad Gita sobre a crise do herói Arjuna num
confronto da batalha e como o divino Krishna o avisou. Muitas pessoas encontram-se
familiarizadas com uma lenda de Fénix de magia numa chama que rompe e aumenta e
desperta para uma nova vida. Quando as pessoas não perfilham qualquer religião, as
metáforas não religiosas de transformação podem ser exploradas. Por exemplo, uma
borboleta emergindo do seu casulo, um pássaro acabado de nascer a sair do seu ovo, a
lua passando por diversas fases, o nascer e o por do Sol, ou a passagem do frio do inverno
para a nova vitalidade da primavera. Por vezes símbolos de transformação aparecem às
pessoas de forma espontânea nos sonhos, fantasias e visões. Em qualquer um dos casos,
torna-se importante ancorar estas metáforas e histórias à situação em que a pessoa se viu
confrontada, procurando aprofundar essa experiencia de transformação. Pode-se pedir à
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
pessoa que se recorde de uma experiência de luta em face a uma adversidade, de
resolução de uma crise e de êxito. Uma experiência de mudança pode ser relembrada,
ajudando a refletir de que modo algumas estratégias adotadas resultaram na superação de
uma crise, como certas pessoas foram inspiradoras e como tudo isso, no seu conjunto, foi
inspirador no crescimento, na superação de crises e na transformação de si e de outras
pessoas por sua influência. O recurso a figuras ancestrais e seres sagrados pode ajudar a
pessoa a encontrar discernimento, orientação e suporte. Se vivem com guias espirituais
importará reconhecer e aprofundar as relações com estas pessoas importantes. As
pessoas podem ter uma inspiração especial com plantas, animais ou outros seres e
espaços naturais. Quando consideramos a prática do trabalho social à luz do ritual de
transformação, procura-se ter em atenção as qualidades criativas, ascéticas, emotivas e
dramáticas. Se o assistente social trabalha numa perspetiva, meramente, analítica a ajuda
será dificilmente contagiante, inspiradora e orientadora para a transformação. Símbolos ou
modos artísticos de expressão podem ser, igualmente, adotados numa terapia de
transformação.
A prática de trabalho social é, também, arte, na medida em que traz o lado ascético, a
beleza, algo de bom e de verdadeiro, não deixando, porém, de ser ciência.
Por isso, Canda afirma que a prática de trabalho social é arte científica, tendo um objetivo
experiencial e de transformação. Numa prática de trabalho social com sensibilidade
espiritual procura-se estar atento aos momentos de transformação encorajando a pessoa
no prosseguimento de um desenvolvimento espiritual contínuo. Pode-se apelar a um
suporte comunitário aliado a uma religião, caso a pessoa a perfilhe, constituindo um
recurso de ajuda no seu processo transformacional ou mesmo procurar no saber aliado a
uma tradição espiritual uma orientação para a prática de trabalho social. Note-se que
existem muitas abordagens no trabalho social com orientação espiritual resultando em
técnicas terapêuticas específicas nas relações de ajuda. As práticas de ajuda podem ser
orientadas de acordo com perspetivas religiosas e não religiosas, podendo-se encontrar na
terapia cognitiva e comportamental, na psicanálise, na terapia existencial ou transpessoal
com orientação espiritual e na terapia holotrópica com trabalho respiratório. Revela-se,
essencial, que os profissionais qualificados desenvolvam as suas práticas tendo em
atenção as culturas e as perspetivas espirituais das pessoas e suas comunidades. Devem,
igualmente, considerar nas suas práticas o background das pessoas.
As práticas de trabalho social com orientação espiritual permitem o desenvolvimento
espiritual, ajudando, ao mesmo tempo, na escolha do caminho via à realização de
aspirações mais elevadas e de cura. A sua prática resulta numa tomada de consciência do
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
self e dos outros, permitindo novos discernimentos e ajudando em tensões existentes.
Conduzem para uma consciência e experiências transpessoais. Reportam-se a aspetos
básicos do ser humano considerados em quase todas, se não em todas, as tradições
religiosas e espirituais. Por exemplo, todas as religiões reconhecem o benefício da
respiração. Muitas línguas têm palavras que associam força vital com respiração; spiritus
(Latim), ruach (Hebraico), pneuma (Grego), prana (Sanskrit) e qi (Chinês). Na forma as
técnicas de respiração não são religiosas, podem ter sido, contudo, inspiradas em muitas
tradições religiosas. Podem ser associadas a práticas religiosas se a pessoa, assim, o
entender ou aplicadas em muitas situações práticas. São muito fáceis de aprender. Não
requerem um treino extensivo formal, devendo, no entanto, ser praticadas de modo
cuidado no contexto de uma tradição específica ou de uma orientação terapêutica. Envolve
baixos riscos para a pessoa. Os benefícios encontram-se suportados por uma extensiva
evidência científica.
O Código de Ética da NASW prevê, contudo, que os trabalhadores sociais tenham
competência prévia antes de aplicar qualquer atividade particular de ajuda. O profissional
não poderá aplicar uma prática com sentido espiritual sem ter antes uma experiência
pessoal prévia e significativa, bem como um treino formal. Se a pessoa tem uma saúde
frágil ou instabilidade psicológica, devem ser adotadas especiais precauções. As pessoas
devem ter um sentido de autoestima e relações interpessoais positivas, antes de procurar
alterar e transcender o ego com segurança. Transcender não significa suprimir o ego,
significa incluí-lo e transcende-lo. Caso a pessoa se encontra confusa sobre o que ela é
poderá não ser apropriado usar uma técnica de relaxamento com o propósito de se
transcender Se a pessoa se encontra com alucinações incontroláveis e desagradáveis,
poderá não ser apropriado induzir a estados alterados de consciência. Será melhor adotar
uma prática que ajude a crescer e a centrar-se. A prática descrita poderá ajudar a lidar com
desordens mentais, mas importa tomar certos cuidados. Pessoas que experienciam
ansiedade podem aprender técnicas de relaxação. Pessoas que experienciam depressões
podem aprender a fazer meditação. Poderá ser vantajoso fazer certos exercícios com
pessoas que sofrem alguns tipos de esquizofrenia. Uma pessoa com uma desordem
bipolar pode beneficiar com certos exercícios de relaxamento, de modo a estar mais alerta
ao início das alterações de humor numa ação de natureza mais preventiva e no sentido de
reduzir flutuações extremas. São necessários, contudo, cuidados especiais e treino por
parte dos profissionais para responder a sofrimentos e incapacidades mentais ou físicas
crónicas e agudas.
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
Em geral, revela-se importante escolher práticas espirituais que permitam fortalecer os
potenciais (strengths) e providenciar equilíbrio na pessoa que experiência situações de
crise problemáticas. Por exemplo, um ambiente tranquilo poderá não beneficiar alguém
com uma elevada introspeção, de igual modo que tal ambiente poderá ser frustrante para
quem é extrovertido. O extrovertido poderá sentir-se muito mais confortável com terapias
com enfoque no corpo e em práticas meditativas feitas com atividade física ou ouvindo
música. Uma pessoa com uma problemática extrema pode encontrar equilíbrio aprendendo
uma nova habilidade. Uma pessoa introvertida, defensiva e que evita contactos físicos ou
interações poderá não beneficiar de uma prática meditativa mais introspetiva. Rotinas com
exercícios físicos e práticas de grupo tais como hatha yoga ou qygong poderão ajudar a
pessoa a integrar uma aprendizagem espiritual com domínio físico e social. Há que
respeitar as crenças espirituais e atitudes relacionadas com práticas espirituais. As
decisões dos profissionais necessitam de serem centradas na pessoa, pelo que se revela
necessária uma atenção especial na pessoa e no que ela acredita acerca destas coisas.
3.5. MODELO HOLÍSTICO DE TRABALHO SOCIAL BASEADO NO LIVRO DAS MUTAÇÕES
De modo a ilustrar como o trabalho social poderá incorporar saberes inspirados em
tradições espirituais, entendeu-se dar enfoque, mesmo que sucintamente, aos contributos
dados por Edward Canda na conceção de um modelo holístico da atividade em trabalho
social (Canda, 2010b: 213-242). Canda concebe um modelo holístico de trabalho social
inspirado na filosofia chinesa, designadamente, no Livro das Mutações o I Ching.
Edward Canda identifica no seu modelo 5 etapas (Canda, 2010b: 213-242):
a) Compreender a situação;
b) Desenhar um plano de ação;
c) Intervir; avaliar o processo e os resultados; e, por último,
d) Integrar todas essas atividades num sistema de atividade coerente..
Estas são grosso modo as etapas da intervenção em trabalho social, mesmo que sem ter
esse sentido holístico que Canda pretende dar.
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
FIGURA 9: MODELO HOLÍSTICO DA ACTIVIDADE EM TRABALHO SOCIAL
O que faz distinguir o modelo de Canda de um modelo “convencional” de intervenção em
trabalho social, é de que cada etapa envolve dois aspetos complementares e
contrastantes, análogos ao yin e ao yang, que têm de convergir.
Todas as etapas encontram-se interconectadas. Apesar de se poder dar ênfase a uma
etapa respeitante à atividade em determinados momentos da prática, na verdade cada
etapa e todas as atividades com ela relacionada influenciam cada uma das outras etapas e
podem ter implicações no processo de ajuda.
O profissional em trabalho social precisa integrar cada etapa e atividade no seu trabalho. O
serviço ou organização precisa de integrar as etapas e atividades de ajuda através do seu
staff, procurando estimular, ao mesmo tempo, o aperfeiçoamento, a criatividade e a
proficiência (em espiral) individualmente na relação de ajuda e organizacionalmente como
instituições de ajuda.
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O presente modelo deverá ser entendido em espiral, mais do que linear. O cruzamento de
linhas verticais e horizontais demonstra a interconexão entre todas as etapas. O círculo
abrangente demonstra unidade essencial de todas as etapas no fluxo da mudança útil.
Cada direção encontra-se rotulada adequadamente em cada uma das etapas apropriadas
e com os aspetos de complementaridade e contrastantes da atividade relevante da etapa.
Um aspeto (o lado yang) de cada etapa encontra-se normalmente relacionado com a
educação/formação em trabalho social, sendo o yin normalmente negligenciado. A imagem
em círculo procura, ainda, representar o crescimento e o aperfeiçoamento do profissional e
da organização enquanto processo de ajuda holístico.
O modelo conceptual mencionado é muito abrangente dando algumas linhas orientadoras
e muito gerais, nunca tendo sido antes testado através de uma investigação pura, dada à
complexidade teórica do modelo. Porém, analisando o modelo sobressai algo que parece
inovador a considerar, designadamente uma orientação que procura aliar ao que se
associa ao lado mais racional da organização do trabalho social ou seja todos aqueles
aspetos que estimulam a empatia, a intuição e a criatividade necessária em qualquer
relação de ajuda.
ETAPA 1. COMPREENDER/ESTRUTURAR PROBLEMAS (CONHECER E INTUIR)
Segundo Canda, usualmente, em termos de ensino, os profissionais em trabalho social são
orientados no sentido de assentarem o conhecimento sobre as observações empíricas, o
raciocínio lógico e a aprendizagem sobre factos e teorias de especialistas e académicos.
De acordo com Canda este tipo de conhecimento é necessário, mas não é suficiente.
Importa, igualmente, prestar atenção aos modos não lineares, não racionais e espontâneos
de tomada de consciência. Importa ter uma apreensão intuitiva da situação da pessoa que
se encontra ao cuidado do profissional. A intuição, neste contexto, constitui uma via,
igualmente, importante numa abordagem que se pretende holística. Para apelar à intuição
importa que o profissional se torne participante do mundo da pessoa ao cuidado
desenvolvendo uma relação de empatia, ouvindo as suas histórias e sem desvalorizar os
seus sentimentos. Quando a relação está estabelecida, o profissional pode experienciar o
mundo do ponto de vista da perspetiva da pessoa, antecipando de forma realista as suas
reações. A consciência intuitiva pode aumentar a capacidade de saber o que fazer e do
que fazer no momento certo face às inesperadas reações que vêm do seu íntimo. Koening
e Spano (1998), citados por Canda (Canda, : ), descrevem a intuição como um todo e um
só conhecimento que permite uma imersão no estado e na perspetiva da pessoa ao
cuidado. Luoma (1998), citado por Canda (Canda, : ), discute intuição como um processo
direto de conhecimento derivado da fusão entre sujeito (quem conhece) e do objeto (quem
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é conhecido). Segundo Canda a intuição surge antes de um pensamento analítico que
divide sujeito e objeto e os operacionaliza de modo linear.
ETAPA 2. DESENHO/ SISTEMA DE PLANEAMENTO (ANALISAR E SINTETIZAR)
Depois do conhecimento da situação abre-se a possibilidade para a ação. Segundo Canda
para desenhar criativamente um plano de ajuda importa apelar à análise e à síntese. A
análise, por si só, envolve uma apreciação racional sobre todos os elementos recolhidos.
Equaciona-se, igualmente, vias alternativas de ação. Para o efeito, procura-se relacionar os
elementos recolhidos com teorias e modelos políticos que parecem ser os mais adequados
e relevantes para o desenho. Pode-se seguir os manuais que prescrevem intervenções
pela via da “evidence-based”. Este é o modo convencional sugerido pela academia.
Segundo Canda a compreensão analítica é necessária, porém, ela não é a suficiente. A
análise necessita convergir para a síntese. A síntese, neste contexto, significa que importa
implicar-se e implicar a pessoa ao cuidado no seu próprio processo de ajuda, procurando,
ao mesmo tempo, facilitar nela ideias e sentimentos alternativos que possibilitem o seu
empowerment. Neste sentido, importa que o profissional não se limite a classificar a
pessoa atribuindo-lhe categorias abstratas de imediato ou a suportar-se, apenas, em
teorias ou planos de intervenção de um modo, exclusivamente, racional.
Como refere Canda o profissional de trabalho social em face da pessoa que procura cuidar
está numa situação imprevisível e em aberto. Torna-se necessário, por isso, desenvolver
uma sinergia apelando a uma interação criativa hábil em trabalhar com perspetivas
contrastantes da pessoa ao cuidado que, por vezes, se opõem à perspetiva do profissional.
A criatividade não pode ser antecipada, devendo esta resultar da interação entre o
profissional e a pessoa que se encontra ao seu cuidado. Várias são os elementos, em
análise, que são trazidos a diálogo por todas as pessoas envolvidas. Tais elementos
despontam de forma espontânea e desarrumada, sendo desejável, por isso que sejam
sintetizados. A ação de planeamento implica encontros e exames de casos, pelo que
importa encorajar a pessoas ao cuidado a emitir as suas opiniões, mesmo quando
divergentes, apelando a uma abordagem mais compreensiva por parte do profissional.
Nesta perspetiva, importa implicar a pessoa ao cuidado como como parceira no processo
de ajuda, ouvindo-a, seriamente, o que ela tem para dizer. A escuta não se esgota,
apenas, na pessoa ao cuidado mas toda a sua rede interpessoal e, também, da rede que
se perspetiva e importa tecer no planeamento ou na sua revisão, traçando novas metas de
ação.
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De acordo com Canda, o brainstorming afigura-se como uma abordagem útil no
planeamento. No brainstorming nenhuma ideia é rejeitada. Tal como refere Canda, a
impossibilidade não existe. Qualquer ideia manifestada por um dos participantes do
brainstorming é considerada como útil desde que sincera, procurando que todos se
expressem sem quaisquer constrangimentos.
Nas sessões de terapia de família, por exemplo, cada membro é convidado a imaginar e a
exprimir-se sobre a sua família ideal, como é que cada membro da família permaneceu
igual ou se tornou diferente comparando com o momento atual e quais são as metas, as
aspirações, expectativas e sonhos que permitem “esboçar” o ideal de família.
Cada membro da família expressa, livremente, a sua ideia, podendo aquele ser abordado,
apenas, para pedir uma clarificação que pode ser levada a cabo com o recurso a
exemplos. O profissional em trabalho social facilita cada membro a expressar de forma
clara o seu ideal de família, mesmo que este seja diferente de todos os outros membros. A
família participa no brainstorming no sentido de criar um ideal de família que incorpore as
expectativas e sonhos de cada membro. Este exemplo transposto para qualquer
intervenção de outra natureza implica todos os intervenientes.
No desenho poder-se-á pensar em vários caminhos possíveis a percorrer, mas, apenas,
um será de incluir por ser afigurar o mais adequado para chegar a um determinado destino,
que se pretende refletido numa transformação positiva da pessoa ao cuidado.
ETAPA 3. SISTEMA DE IMPLEMENTAÇÃO (ADVOGAR E CRIAR RECIPROCIDADES)
A implementação é chamada, frequentemente, de “intervenção” ou respostas sociais com
vista a ajuda, “intervenções”. A intervenção implica a introdução de uma força externa e
direta sobre o sistema da pessoa ao cuidado.
O termo de implementação é usado, igualmente, em estratégias militares contra inimigos,
tendo para o trabalho social com sensibilidade espiritual um sentido metafórico diferente:
isto é, a de “cultivo”.
Neste sentido, a implementação é ilustrada como o cuidar do seu jardim, fazendo, deste
modo, sentir que se tem a posse sobre a terra, neste caso a “vida”. Sentem por esta via
como sua a vida que têm de cuidar tal como o jardim, que se procura mostrar à vizinhança
que se é dono e se tem a sua posse, dando-lhe a sua marca pessoal.
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Um relvado verdejante de um jardim mostra o cuidado que houve por parte do seu dono.
Convencionou-se que o relvado para mostrar esse cuidado tem que ser como um campo
de golfe, pelo que não se aceita nem sequer uma bonita flor amarela que tenha brotado de
uma semente lá deixada. A relva “ideal” tem de ser plantada em local e condições
adequadas para crescer, importando ser regada com frequência e fertilizada. Se qualquer
coisa indesejada aparece entendida como uma erva daninha, larvas ou moléstias há que
aplicar herbicidas e pesticidas.
Na manutenção de uma relva “ideal” o que cresce bem é morto e o que não cresce tão
bem é mantido, com muita energia, esforço e tempo. Existe, contudo, um se não, os
tóxicos das relvas juntam-se aos tóxicos dos campos que, por sua vez, contaminam os
lençóis de água que ficam à disposição de quem a bebe.
Esta metáfora utilizada por Canda tem em vista a compreensão de como o profissional
deverá abordar a pessoa que procurar ajuda. As situações ou os problemas que a pessoa
apresenta ao profissional em trabalho social e/ou que são identificados por este são as
“ervas daninhas”. Importa que o profissional em trabalho social cuide em não fazer
julgamentos precipitados sobre a pessoa e os seus problemas ou situações e a atuar de
acordo com o que lhe parece ser “o normal”, “o funcional”, “o real”, “o saudável” ou “o
adequado”.
Ao se fazer julgamentos precipitados, corre-se o risco de impor modelos artificiais e
socialmente construídos, tendo por base o que se entende por normalidade em termos de
saúde mental, do bem-estar social ou do sistema de justiça criminal. Neste caso as
pessoas são forçadas a adaptarem modelos, lançando, em termos metafóricos, os “tóxicos”
às “ervas daninhas”, ou seja atitudes e comportamentos que não se enquadrarem dentro
dos modelos indicados pelos profissionais.
Este corresponde, normalmente, ao modelo de intervenção do profissional em trabalho
social. Neste sentido. Canda sugere que os profissionais em trabalho social podem
funcionar mais como jardineiros “ecológicos”. Neste caso, os profissionais identificam os
potenciais, as forças e os recursos das pessoas que procuram cuidar. As pessoas
normalmente sentem os problemas como obstáculos. Nesta altura, o profissional deverá
procurar junto delas fazer com que tais adversidades passem a ser concebidas como
desafios e oportunidades.
O profissional passa a ajudar a discernir como as contrariedades podem contribuir para
estimular o amor-próprio e a retirar do trabalho, do ambiente social e natural outras
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vantagens para si em termos do seu bem-estar. O profissional em trabalho social ajuda,
deste modo, a cultivar o crescimento do potencial inerente na pessoa que cuida de modo a
converter os seus obstáculos em benefícios para si. É verdade que o profissional fica por
saber a maior parte das vezes qual o resultado final, mas pode experienciar diretamente
com a implicação de todos os envolvidos o processo até lá chegar. Este tipo de ajuda tem
sido chamado de mudança daoística (Brandon, 1976, Maslow, 1968), significando que esta
ajuda procura ir ao encontro do potencial da pessoa para que esta possa fazer face à sua
situação com respeito pelo corrente natural (centrada no Tao caminho, Do em Japonês).
Não sendo uma ação passiva, é criativa não deixando de ser harmoniosa ao mesmo
tempo. Quando o sábio Confúcio, Mencius, encoraja ajuda e suporte junto da pessoa, ele
adverte contra dois mal-entendidos (Lau, trans, 1970). Ele diz que um agricultor de arroz
deverá ser cuidadoso e atento no cultivo do arroz. Um erro é não fazer nada; o outro erro é
ser impaciente e forçosamente intrusivo. Se o agricultor ignora as mudanças, poderá ser
destruído por excesso de água ou por bandos de pássaros. Por outro lado, se o agricultor é
impaciente com o crescimento rápido, ele ou ela pode esforçar a mudança esticando e
encorajando a isso. Com toda a certeza a mudança será desadequada.
O profissional em trabalho social que adote uma abordagem daoística intervém no sistema
da pessoa ao cuidado estabelecendo uma relação de empatia com ela, procurando-a
ajudar a descobrir o seu potencial e encorajando-a no seu crescimento. Esta abordagem é
consistente com a abordagem no trabalho social que identifica e procura trabalhar os
potenciais da pessoa ao cuidado (Saleebey, 2008). “Harmonia com” não significa evitar o
confronto.
Significa, pelo contrário, enfrentar de uma forma autêntica e realista as situações tal como
elas são, adversas ou não, e seguir em frente com apelo à criatividade. A pessoa que
necessita de ajuda em face de uma situação de crise pode sentir-se oprimida, confusa ou
desorientada. Se a pessoa constitui uma ameaça para si e para outras, então, torna-se,
temporariamente, necessário proteger as outras pessoas que possam ser afetadas e
protegê-la a si própria com serenidade até neutralizar esse seu comportamento alterado.
Este é naturalmente uma resposta com compaixão. A compaixão significa, também, que
ajudamos a pessoa para que ele consiga adquirir empowerment, reorientando-a com
proficiência para que as suas aspirações se possam concretizar.
Advocacia e reciprocidade correspondem a dois aspetos complementares da ajuda. Na
advocacia identificam-se os problemas, as barreiras e os opositores que bloqueiam as
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aspirações da pessoa que se pretende ajudar. Procura-se apelar ao sentido de Justiça.
Canda refere-se aqui a Justiça no intuito de reforçar a necessidade de acautelar impactos
prejudiciais em outras pessoas ou mesmo no ambiente que possa resultar de uma
advocacia que se centre exclusivamente nas aspirações da pessoa que se pretende
“advogar” sem procurar zelar que tais aspirações não colidam com aspirações de outras
pessoas, igualmente, legitimas.
Segundo Canda a advocacia pode-se tornar mesmo perigosa se não tiver em linha de
consideração a Justiça. Afirma, recorrendo a uma expressão cristã, é um pecado por
omissão não prestar atenção ou auxiliar o próximo, acabando, também, por prejudicar.
Outro perigo é o de identificar algumas pessoas ou situações como inimigas e a combater.
Este modo de intervir levado ao extremo corresponde a uma abordagem militar. Há um
sentimento jubiloso quando se obtém uma vitória sobre os opositores.
Com tal mentalidade, os outros acabam por ser entendidos, apenas, como inimigos,
desvalorizando-os ou retirando-lhes importância. Ironicamente, ao procurar nesse esforço
de vitória que outros saiam derrotados ou diminuídos a favor das pessoas ou comunidades
que se pretende ajudar, o profissional de trabalho social torna-se, igualmente, opositor.
Ao desprezar o opositor pelas suas ações indignas e prejuízos que provocam na pessoa
que se procura cuidar, causando prejuízo e danos no opositor, o profissional torna-se num
inimigo do opositor. Esta abordagem não apela a qualquer possibilidade de reconciliação
ou de benefícios mútuos. Como afirma Canda deve-se fazer aos outros o que queremos
que os outros façam a nós ou como Jesus disse “devemos amar os nossos inimigos”.
Confúcio afirma que não devemos fazer aos outros o que não queremos que nos façam a
nós. Todas as tradições espirituais salientam as mais elevadas aspirações em termos do
amor e de compaixão. Se o profissional em trabalho social adotar isso de modo sério
estará a apelar a uma sensibilidade espiritual na sua prática. Torna-se, por isso, útil
complementar à advocacia a reciprocidade. Na reciprocidade procura-se crescimento e
benefícios mútuos, procurando soluções criativas.
Importa, para o efeito, respeitar todas as partes envolvidas, mesmo quando não se está de
todo em acordo com elas ou, mesmo, em conflito. Quando um conflito parece irresolúvel,
importa estar de uma forma humana, desculpar quando necessário e continuar em frente.
Mohandas Gandhi e Luther King constituem grandes exemplos de luta por colocar ideais
em ação. McLaughlin e Davidson (1994), citados por Canda (Canda, 20…:), delinearam
uma estratégia para a mediação de conflitos que denominaram triunfar/triunfar (princípio do
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benefício mútuo) não para vencer um adversário, mas procurar benefícios mútuos para
ambos os lados que se encontram em desacordo e ou em conflito. Na estratégia para a
mediação de conflitos triunfar/triunfar são elencados um conjunto de princípios e etapas em
termos da prática que passamos a elencar:
1. Trazer todas as partes para um diálogo baseado no respeito mútuo e boa vontade para
compreender cada um dos lados envolvidos;
2. Não reduzir pessoas a problemas ou inimigas – procurar antes conhecer cada pessoa;
3. Identificar a posição de todas as partes e os mais importantes princípios e aspirações
subjacentes em cada uma daquelas;
4. Identificar o que cada parte sente no que respeita ao sucesso do seu ponto de vista;
5. Identificar os interesses em comum e os diferentes padrões de sucesso;
6. Discutir livremente para encontrar soluções alternativas em que todas as partes se
sintam que tiram benefícios para si, em função das suas várias aspirações e padrões;
7. Selecionar soluções aceitáveis para todas as partes;
8. Desenvolver um plano de ação e papéis, envolvendo cooperação em equipa através de
uma representação de todas as partes;
9. Seguir a implementação do plano, avaliar o sucesso em termos dos interesses em
comum e diferentes padrões;
10.Examinar os impactos a longo prazo da colaboração em termos da necessária mudança
e da atividade revista.
ETAPA 4. SERVIÇO DE AVALIAÇÃO (AVALIAR E TRANSFORMAR)
Uma avaliação com inspiração espiritual corresponde a um processo contínuo de
discernimento, implicando, ao mesmo tempo, uma abertura profissional e da pessoa ao
cuidado para o reconhecimento dos impactos da relação de ajuda. Segundo Canda não se
trata de um processo tipo egocêntrico de reflexão. Afirma Canda que a avaliação de
inspiração espiritual preocupa-se com os resultados da ajuda, mas não se encontra
amarrado de forma egoísta a ela. A avaliação não tem como o propósito garantir que as
pessoas ao cuidado se conformem com as aspirações dos profissionais de trabalho social
ou metas institucionais. Tem como propósito ajudar a pessoa a estar alerta e a ser
encorajada a prosseguir na sua caminhada demonstrando os benefícios da mudança,
evitando os erros de estratégias de ajuda que não são efetivas. O lado convencional da
avaliação é a monitorização. Na monitorização procura-se assegurar que os objetivos
delineados estão a ser cumpridos pela pessoa ao cuidado, tendo em atenção alertar
sempre que ocorrem desvios por comprometerem a meta definida. Poder-se-á ajustar o
plano em face de mudanças ocorridas, tendo em vista que a intervenção seja mais efetiva.
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
Na opinião de Canda a monitorização pode recorrer ao diálogo clínico, aos contactos de
ajuda, a instrumentos psicológicos de medida, a indagação subjetiva e individual e a
inquéritos de satisfação. Tudo isso é útil, mas não o suficiente.
É importante zelar que o crescimento da pessoa ao cuidado seja genuíno e não algo de
artificial e imposto. Torna-se necessário que esse plano ou projeto de vida seja assumido
como seu. Por isso, entende que a monitorização precisa de ser complementada com um
processo que vise a transformação da pessoa ao cuidado e do seu sistema, bem como da
própria relação de ajuda.
Há uma reflexão e um benefício mútuo nessa “parceria” de ajuda, na medida em que
ambos, profissional de trabalho social e a pessoa ao cudado, se mudam um ao outro. Tal
pressupõe que o profissional em trabalho social e a organização onde desenvolve a sua
atividade estejam abertos para uma transformação a começar por ambos, das metas, das
estratégias, das tecnologias, dos papéis, das políticas, baseando-se numa aprendizagem
com as pessoas e comunidades onde se inserem.
O resultado é ineficaz quando não se procura tal reciprocidade numa avaliação. Para levar
a cabo uma avaliação desta natureza importa implicar as pessoas ao cuidado, o staff e
administração, observando diretamente a performance organizacional. O brainstorming e
os exercícios de consciencialização são importantes recursos neste tipo de avaliações.
Num processo de monitorização os processos de inovação correm o risco de ficarem de
fora. As transformações genuínas implicam discussões longas acerca de dificuldades como
a do racismo, do preconceito ou da discriminação no local de trabalho, por exemplo.
Poder-se-á apelar à (re)qualificação da equipa de intervenção para trabalhar em contexto
amplo em número e diversidade de pessoas, aberta à diversidade espiritual e
multiculturalidade.
Poder-se-á apelar para uma reapreciação dos fundamentos ou das políticas que
estruturam a práticas, mas só uma via participativa poderá fazer emergir novas iniciativas
empreendedoras que mudam as organizações e os modelos quotidianos de prestações de
cuidados.
Poderá não ser fácil optar por tal transformação, especialmente, se a organização se
encontra numa situação forçada de sobrevivência e num esforço em face de cortes de
financiamento ou de outras crises organizacionais.
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
Contudo, entende-se que sem uma autotransformação, a avaliação dificilmente poderá ser
autêntica e frutífera.
Uma avaliação que não seja autêntica poderá criar a ilusão de mudança, servindo apenas
para manter um sistema de ajuda mais dedicada aos benefícios da Instituição do que das
pessoas que estão a seu cuidado.
Há benefícios em apelar a uma abordagem holística na avaliação. Uma avaliação holística
remete para modos de inquirir e métodos de pesquisa que se inspira em muitos modos de
conhecimento e diferentes abordagens espirituais.
Estas reconhecem diversos modos de conhecimento que apelam às capacidades humanas
de pensar, perceber, sentir e intuir.
FIGURA 10. MODOS SINERGÉTICOS DE CONHECIMENTO
Uma compreensão holística requer o envolvimento (sinergia) de diferentes formas e
métodos de conhecer. A pesquisa científica convencional inspirou-se durante muito tempo
na filosofia tradicional e positiva.
O positivismo advoga que um conhecimento autêntico deverá ser baseado numa análise
lógica em substituição da experiência sensorial subjetiva. Os métodos de pesquisa
associados
ao
positivismo
reportam-se
à
experimentação
controlada,
inquéritos
quantitativos, observações sem envolvimento e altamente estruturadas e análises
estatísticas, procurando romper com ideias preconcebidas, pressuposições sem serem
testadas e pensamentos pouco cuidados.
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
Porém, há no entender de Canda uma lacuna na pesquisa positivista. Ela não utiliza todos
os meios de conhecimento, apresentando um modo simplificado, redutor de compreensão
do mundo.
A pesquisa holística ou de inspiração espiritual abrange todo o círculo de modos de
conhecer e direciona-se para resultados de ajuda. Dependendo do problema e aspetos da
espiritualidade estudados, a pesquisa experimental ou estatística podem ser úteis, como,
também, são as de estudos de caso, narrativas-biográficas, pesquisas de campo,
etnografias, estudos históricos e hermenêuticos, pesquisa fenomenológica, outras análises
qualitativas e metodologias que fazem apelo a uma psicologia transpessoal como nos
métodos meditativos.
Mesmo que um profissional em trabalho social não faça pesquisa dita convencional, a
avaliação levada a cabo na sua prática envolve uma espécie de questões sistemáticas, a
coleta de dados e a sua interpretação é semelhante àquela. A avaliação com inspiração
espiritual deverá, por isso, dar ênfase ao envolvimento ativo das pessoas ao cuidado e de
outros participantes, importantes a ter em conta no desenho de pesquisa. O processo e
resultados de pesquisa deverão beneficiar diretamente as pessoas ao cuidado e
indiretamente outras com situações similares, podendo, por isso, ser denominada de
empowerment ou de ação participativa.
Coloca-se, porém, a questão de como podemos pesquisar o transpessoal sem violar ou
distorcer a nossa matéria subjetiva.
ETAPA 5: SISTEMA DE INTEGRAÇÃO (GERIR E SABER)
Todas as etapas do processo de ajuda devem ser integradas. O “integrar” aparece no
centro do modelo holístico, tendo em vista simbolizar que ele atravessa e conecta-se com
todos as etapas da atividade em trabalho social. A gestão surge nesta etapa como o lado
funcional, alocando meios de suporte aos profissionais para usar em benefício das pessoas
que se encontram ao cuidado visando a promoção do bem-estar.
Num modelo de administração burocrático as funções administrativas encontram-se
localizadas no topo da pirâmide da estrutura organizacional. No topo da hierarquia detémse poder na definição da política, na tomada de decisão, na governação e em influenciar o
comportamento do staff, bem como no modo como os recursos são distribuídos.
O administrador executivo, normalmente, detém a autoridade de controlo de todas as
operações da organização, coordenando e integrando as atividades. Caso exista um input
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
direto do staff ou das pessoas ao cuidado da instituição, o administrador executivo tem o
poder e autoridade para decidir o que fazer com esse input. O modelo de gestão
burocrática encontra-se desenhado para maximizar eficiência através da determinação
racional das metas e objetivos. O comportamento do staff é controlado para estar em
conformidade com o bom êxito das metas.
O perigo deste modelo é de tornar a organização inflexível com desvantagens para
administradores, staff de serviços diretos e as pessoas destinatárias da intervenção, uma
vez que não dá ênfase às relações interpessoais entre staff, pessoas destinatárias da
intervenção, a comunidade e o ambiente.
Não tem, igualmente, em linha de consideração o crescimento humano e a satisfação de
necessidades dos seus membros. Negligencia a criatividade a favor da conformidade.
Quando os gestores reconhecerem que a produtividade e a satisfação espiritual são
complementares, então a administração com inspiração espiritual passa a ser uma
possibilidade. A prática com inspiração espiritual apela a ou traduz uma cultura
organizacional e numa estrutura que estimula e suporta a criatividade, a flexibilidade, o
respeito pela pessoa, o input de todos os stakeholders nas decisões, o desenvolvimento
das necessidades humanas e o bem-estar, o cuidado com o ambiente natural, integrando
todos estes aspetos na prossecução das metas organizacionais.
Quando nenhum destes aspetos são considerados perde-se tempo e energia, limitando ou
iludindo os profissionais com políticas e práticas de gestão desumanizadas e angustiantes.
Ora, os gestores encontram-se em posições chaves para inspirarem e darem suporte para
um modelo holístico e uma cultura organizacional com inspiração espiritual. Contudo,
importa complementarem às abordagens tradicionais de gestão a sabedoria e a sensatez.
Tal como Imbrogno e Canda (1988), citado por Canda (Canda, …:), explicam:
A posição central de um gestor executivo implica não só a responsabilidade pela
integração da atividade, como também a performance dos profissionais em todas as fases
da atividade, num constante processo criativo que favoreça o desenvolvimento
organizacional e do ambiente envolvente.
A função do gestor deverá ser nesta ótica o de “servir”, promovendo o bem-estar e o
empowerment de profissionais e das pessoas ao cuidado, apelando, para o efeito, a
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
qualidades espirituais de sentido e de propósito, de prioridades significativas aliados ideais
elevados numa conectividade e integração da vida profissional com a vida pessoal.
Bons gestores, afirma Canda, escutam bem o seu staff, vendo nos profissionais seus
colaboradores mais do que subordinados. Encorajam a participação na tomada de decisão
dos colaboradores e de outros stakeholders internos ou externos à organização.
Estimulam a comunicação e a cooperação, delegam, apelam à criatividade, mantêm uma
carga de trabalho viável, proporcionam flexibilidade em termos de tempo e a oportunidade
para o profissional fazer a gestão do seu stress, facilitam a autoestima dos profissionais e
providenciam uma avaliação baseada nos potenciais tendo por base um feedback, buscam
sabedoria e conhecimento, implementam a espiritualidade através de políticas e práticas
inclusivas e zelam para que a missão organizacional, objetivos e comportamentos
quotidianos sejam congruentes.
As organizações que têm estas qualidades tendem a experienciar grandes proveitos,
reduzindo o turnover dos trabalhadores, baixando o absentismo e a aumentam
consideravelmente a satisfação no trabalho.
A pretensão para uma prática de gestão humana é ampla e não deixa de estar assente em
evidências. Por isso, uma abordagem com uma inspiração espiritual na gestão tem-se
tornado mais popular no mundo empresarial, desafiando o estilo de autoridade burocrática
tradicional que teve lugar nos meios onde se visava apenas o lucro ou a produtividade
material mais do que o bem-estar dos colaboradores, das pessoas destinatárias da
intervenção e do ambiente natural.
Organizações que defendam o bem-estar dos stakholders tendem a ter mais sucesso. Os
gestores podem contribuir para a inovação fazendo apelo a uma sensibilidade espiritual na
gestão dando ênfase a aspetos transpessoais da vida organizacional.
Embora o mundo empresarial, nalguns setores, já vem reconhecendo a vantagem da
espiritualidade na gestão, não deixa de ser curioso que o trabalho social tenha prestado
pouca atenção sobre isso.
Segundo Canda bastará que os profissionais em trabalho social respeitem de forma
consistente os valores éticos da profissão para se tornarem ativos num movimento que
apela à espiritualidade na gestão.
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
CAPITULO IV – PROPOSTA DE UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
4.1. AVALIAR E TRANSFORMAR A ORGANIZAÇÃO DE TRABALHO SOCIAL PARA UMA VIA
HOLÍSTICA
A espiritualidade procura ter em vista desenvolver ou transformar organizações de trabalho
social
para
torná-las
menos
estigmatizantes,
proporcionando
crescimento
e
desenvolvimento não só da pessoa que se encontra ao cuidado como dos especialistas do
trabalho social e de toda a equipa, pois se considera que organizações mais participativas
e com ambientes mais positivos são fundamentais na promoção do desenvolvimento e e do
bem-estar. Compreende-se, por isso, o quanto importa a participação e envolvimento da
equipa de trabalho social em torno do sistema concreto de intervenção social, sendo
necessário para o efeito o igual reconhecimento, a valorização e o estímulo dos potenciais
de bem-estar da pessoa a quem a intervenção se dirige. Importa, por isso, criar as
condições para que os especialistas de trabalho social sejam capazes de estabelecer uma
relação de empatia com a pessoa que se encontra ao cuidado implicando-a ao mesmo
tempo no processo que é seu e que visa o seu próprio crescimento pessoal, procurando
não cair numa prática rotinizada e instrumentalizada. Compreende-se que uma intervenção
social para que seja adequada e efetiva tem que necessariamente olhar a pessoa a quem
a intervenção é dirigida no seu todo, desprovida de um rótulo qualquer atribuído numa
lógica tecno-burocrática. O trabalho social que se pretende holístico deve assentar numa
lógica de desenvolvimento dos potenciais da pessoa para que ela própria encontre em si
meios de transmutar algo que para si constitua um obstáculo ao seu crescimento pessoal.
Facilitar o desenvolvimento de tais potenciais de bem-estar pessoal junto de quem se
encontra numa situação de carência psíquica-sócio-bio-espiritual para que consiga
enfrentar as adversidades e olhá-las como oportunidades para sair de crises várias
constitui algo de muito desafiante para o especialista que procura igualmente a sua a
autorrealização numa relação de ajuda. Tal implica igualmente que o especialista de
trabalho social tenha iniciado o seu próprio processo de individuação, sob pena de se ver a
si próprio no lugar da pessoa que procura ajuda, em face de problemas que lhe são
comuns. Esta projeção está longe de ser uma relação de empatia, uma vez que já não é
outro que procuro escutar. A meditação pode ajudar neste processo. Antes de estabelecer
a relação de ajuda, o especialista de trabalho social deve procurar “sossegar a mente” no
intuito de estar vigilante a todos os sinais que o outro procura transmitir, incluindo os sinais
não-verbais. O especialista de trabalho social deve, por isso, apurar todos os sentidos e
captar todo e qualquer sinal de potencial de crescimento no outro. Neste sentido, entendese a razão pela qual o trabalho social com sentido de espiritualidade se consubstancia,
Rui Pedro Ventura
65
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
muitas das vezes, na remoção de obstáculos que condicionam a pessoa via à sua
realização, facilitando o encontro consigo e dos seus próprios recursos para encontrar as
respostas para a saída de uma crise. Um “olhar” sobre outras teorias oriundas de uma
psicologia da consciência (ou transpessoal) e a saberes baseados em tradições espirituais,
poderá revela-se útil como via para uma visão holística não só das pessoas para quem a
intervenção social é dirigida, como, também, dos próprios especialistas de trabalho social e
da atividade por si exercidas. O sentido de transcendência manifesta-se através da
autorrealização da pessoa no trabalho social com implicações positivas nas pessoas seu
cuidado como nos próprios especialistas de trabalho social e, como consequência, na
própria organização onde o trabalho social se desenrola. Poder-se-á, assim, perspetivar
um trabalho social oposto ao de um modelo estandardizado em temos de práticas e
homogeneizador do modo como concebe as pessoas ao cuidado. Um trabalho social com
orientação espiritual advoga uma intervenção centrada na pessoa, concebida como um
todo, mais personalizada em termos das práticas e das repostas, com uma componente de
transformação integral e terapêutica na medida em que da intervenção resultará no
crescimento do potencial da pessoa e num alcançar de um estado de bem-estar. A prática
do trabalho social nesse sentido produz mudanças terapêuticas, o que significa melhorar a
situação da pessoa e do sistema social onde se encontra. Do ponto de vista da inspiração
espiritual na prática do trabalho social, reconhecemos que cada melhoria significa um
movimento espiritual emergente no processo da vida, mas ele será tanto ou mais efetivo se
se encontrarem reunidas as condições ideais para que o especialista em trabalho social
possa ajudar a pessoa ao cuidado nessa transformação terapêutica de que Edward Canda
nos fala. Numa abordagem de inspiração espiritual a missão e as metas de uma
organização de trabalho social devem ser traçadas, tendo em vista o bem-estar e a justiça
social. A economia, a eficiência e a eficácia devem ter em vista a sustentabilidade da
atividade. As políticas não devem excluir a autorrealização dos colaboradores e das
pessoas ao cuidado ou da comunidade no sentido mais lato. A inovação deverá ser uma
responsabilidade partilhada pela equipa de especialistas de trabalho social, com
envolvimento das pessoas ao cuidado e de outros stakholders. Os gestores encontram-se
numa posição especial para estarem atentos a todas as facetas da organização, devendo,
por isso, serem os facilitadores junto dos colaboradores no processo de inovação. Neste
sentido, recomenda-se a realização de reuniões periódicas, abrindo a possibilidade de
discussão acerca das políticas delineadas, das boas práticas e da inspiração espiritual na
cultura da organização. Todos os colaboradores, a todos os níveis (i.é., gestão,
profissionais de serviços diretos e de suporte), pessoas destinatárias da intervenção ou
seus representantes, membros representantes da comunidade e todos os outros
Rui Pedro Ventura
66
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
stakholders podem completar a avaliação de uma maneira anónima e confidencial
recolhendo informação e sugestões para inspirar nas recomendações ao nível das boas
práticas com sensibilidade espiritual. As organizações são, por vezes, levadas a este tipo
de autorreflexão em especial em momentos de crises. Mesmo depois de refletir sobre o
passado, as crises podem afetar a organização, uma outra vez. Importa, por isso, trabalhar
de forma a retirar das crises ensinamentos e coloca-los em prática para uma via de
transformação positiva. As organizações devem começar por metas pequenas e
realizáveis, numa construção sensível de modo a respeitar os aspetos vantajosos da
espiritualidade. As organizações devem, em termos das metas a que se propõe, integrar a
espiritualidade do mesmo modo que o faz para com qualquer outra meta. Para o feito
recomenda-se que sejam identificados estes potenciais, bem como as práticas que devem
ser abandonadas ou corrigidas. A orientação espiritual nas organizações tem em conta
benefícios mútuos para todos os stakeholders, com implicações de longo alcance para
futuras gerações. Em suma, num diagnóstico da espiritualidade organizacional devemos ter
em consideração um conjunto de recomendações:
ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO

Os objetivos estratégicos e as metas devem estar ajustados à missão e matriz
espiritual

A missão deve refletir os valores e ações prioritárias, no contexto de uma visão de
paz, bem-estar e de justiça.

Caso a organização possua uma filiação religiosa, a missão deve refletir as crenças
e valores da sua religião em particular.

Caso não tenha uma filiação religiosa, e prefere uma abordagem geral e inclusiva, a
missão deve expressar o compromisso espiritual de uma maneira inspiradora sem
usar uma linguagem religiosa

A missão deve orientar para o respeito pela diversidade espiritual e cultural dos
clientes e sua comunidade

A missão de inspiração espiritual deve encontrar-se refletida nas metas, objetivos e
comportamentos organizacionais específicos, incluindo políticas e desenho de
programas.
ESCALA ORGANIZACIONAL

O tamanho e a complexidade da organização devem possibilitar a todas as pessoas
e profissionais que se possam familiarizar
Rui Pedro Ventura
67
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Caso a organização possua uma escala de grande dimensão (serviços estatais, as
áreas dos gabinetes e departamentos), esta deve procurar desenvolver os meios
necessários para que a comunicação flua facilmente entre gabinetes e
departamentos.
FLEXIBILIDADE FUNCIONAL E INTEGRAÇÃO

Os elementos das equipas de trabalho social devem estar preparados para
cooperarem entre si e assegurarem tarefas mesmo que estas habitualmente sejam
prosseguidas por outros elementos

Existe uma responsabilidade partilhada em todos os níveis da gestão para com as
metas organizacionais

A organização cria condições para uma trans/especialização - cross-training -,
partilha de profissão – job-sharing -, interdisciplinaridade, organização participativa
entre colaboradores/ administradores
NORMAS FLEXÍVEIS

Políticas, procedimentos, normas e papéis devem ser claros e flexíveis

Políticas, procedimentos, normas e papéis devem existir para servir as pessoas; e
não o inverso, as pessoas não existem para as servir.

Equipas, clientes e outros representantes stakholders devem encontrar-se
implicados no acompanhamento contínuo e revisão de todas as normas.

As normas devem ser facilmente adaptáveis pelo Staff e ajustarem-se às
circunstâncias insólitas em que os clientes se encontram.

Os procedimentos constantes de manuais, seu recurso e sua revisão periódica,
devem ter em consideração o enfoque no cliente, tendo em atenção os seus
potenciais, prevendo uma intervenção adequada e efetiva e perspetivando sempre
uma avaliação de impactos.
AMBIENTES DE TRABALHO ASCÉTICOS

O ambiente físico de trabalho deve ser desenhado de modo a promover saúde e
bem-estar, tendo contado com o staff e os clientes através de consultas para
avaliarem e desenharem o ambiente de trabalho.

O ambiente deve deixar em aberto de forma subtil as suas raízes culturais ou bases
espirituais tendo em atenção para que clientes e trabalhadores não se sintam
nenhum deles excluídos pelas suas orientações espirituais.
Rui Pedro Ventura
68
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
TECNOLOGIA SOCIÁVEL

As tecnologias e sistemas de gestão da informação devem ser simples e operativas
para as equipas

Os colaboradores devem ter formação para o uso de tecnologia, acesso a locais e
equipamentos de trabalho ergonómicos e tecnologia de informação on-line.
ESTÁDIO DE PREPARAÇÃO PARA UMA PRÁTICA COM INSPIRAÇÃO ESPIRITUAL

As políticas, os programas e atividades devem atender às necessidades e metas
espirituais dos clientes, em qualquer situação e em atenção à cultura no contexto
das perspetivas religiosas ou não religiosas e sistemas de suporte comunitários.

A
organização
deve
criar
as
condições
para
implementar
serviços
de
espiritualidade, promover a formação, a supervisão e avaliação de uma prática de
trabalho social com espiritualidade.

As questões e dilemas éticos devem ser sistematicamente e explicitamente
avaliados.
SENTIDO E PROPÓSITO DAS INTERCONEXÕES

O sentido e o propósito do trabalho social (a compaixão) deve ser partilhado por
toda a equipa.

A contratação e a afetação de colaboradores devem ter em conta especiais talentos
e aspirações e consideram a relação entre as perspetivas culturais e espirituais dos
clientes e as competências dos trabalhadores (por exemplo, se existem muitos
clientes muçulmanos da comunidade numa área do serviço, a agência deverá
incluir trabalhadores que são respeitados por membros da comunidade muçulmana
ou que tenham treino e que estejam confortavelmente à vontade para trabalhar com
clientes muçulmanos e em cooperar com o sistema de suporte comunitário
muçulmano)
LIDERES COM RECONHECIDO MÉRITO

Os lugares de chefia devem ser preenchidos por pessoa que acolhe o respeito da
equipa, devendo a mesma ser envolvida na seleção dos seus líderes.

Qualquer elemento da equipa pode aceder a posições de chefia desde que reúna
capacidades de liderança

Liderança informal, baseada nas qualidades de inovação, cooperação e
capacidades de comunicação, deve ser reconhecida e recompensada oficialmente.
Rui Pedro Ventura
69
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Os líderes devem ter boa capacidade de comunicação e habilidade em escutar,
inspirar colegas e encorajar a sua autoestima.
PARTICIPAÇÃO NA TOMADA DE DECISÃO

Todas as pessoas afetas às equipas, clientes e membros da comunidade devem
ser serem implicadas direta ou indiretamente nos processos de tomada de decisão
(exemplos disso são atividades de brainstorming, caixas de sugestões anónimas,
sugestões e críticas para beneficiar a qualidade da prestação, sondagens, inclusão
em possíveis inovações de representantes de todos os níveis das equipas, clientes
e comunidade em grupos consultivos e de planeamento)

As reuniões para tomada de decisão devem ser conduzidas numa atmosfera de
confiança, encorajamento para assumir o risco e disposição para trabalhar através
de tensão e discordância (momentos de meditação e reflexão calma podem facilitar
uma interação consciente e respeitosa).
GRUPO DE INOVAÇÃO EM DIVERSIDADE ESPIRITUAL

Deve
existir
uma
comissão
para
o
planeamento,
implementação
e
acompanhamento de inovação de diversidade espiritual (este grupo deverá
encorajar e monitorizar o acompanhamento de um processo de inovação espiritual
da totalidade organizacional
COMUNICAÇÃO INTERPESSOAL

Todas as pessoas, quer de pequenos quer de grandes departamentos, devem
poder comunicar uns com os outros diretamente e pessoalmente com uma base
regular.

Caso sejam usados modos de comunicação como memos ou emails, deve ser
reforçada a comunicação pessoal em seu lugar.

Na comunicação dever ser dada ênfase ao respeito, afirmação, honestidade, ao
gosto, disposição para trabalhar através das divergências
SATISFAÇÃO DE ASPIRAÇÕES PESSOAIS

Aspirações de crescimento pessoal das equipas devem ser averiguadas de modo a
que os programas possam ser desenhados no sentido de as considerar.

Colaboradores devem ser vistas como pessoas pelo que importa criar condições
para que a vida pessoal se possa conciliar com o trabalho.
Rui Pedro Ventura
70
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Padrões de stress, burnout, absentismo, turnover devem ser localizados no sentido
de desenvolver respostas preventivas e ativas (exemplos são atividades de suporte
criativo e de mudança de tarefas de trabalho que promovam o desenvolvimento
profissional, tempo flexível, um dia para prestação de cuidados às crianças,
atividades para a gestão do stress, subsídios para a educação contínua, garantia
médica que cubra cuidados holísticos incluindo os preventivos e locais e tempos
para uma reflexão calma e concentrada)
CLIMA ENTRE COLEGAS

Todos os colaboradores em diferentes níveis e especializações devem relacionarse uns com os outros de maneira cooperante e respeitosa.

A equipa deverá apreciar cada um dos elementos no valor do seu papel em
particular e do seu talento que contribui cada um para o bem da organização.

As relações não se devem basear numa hierarquia rígida, coerciva, autoritária ou
de competição destrutiva que desdém.

Deverá ser incentivado a compatibilidade entre ambiente social e cultural

O ambiente comunitário deverá realçar e melhorar todos os aspetos da atividade
organizacional.
RELAÇÃO ENTRE AMBIENTE SOCIAL E CULTURAL

O ambiente das organizações de trabalho social deverá ser apreendido em todos os
seus aspetos. Líderes de comunidade profissional e grass-roots devem ser
envolvidos no desenho e avaliação de programas.

Interagência e networks em comunidade e equipas devem ser constituídas através
de compromissos, task forces, compromissos informais de cooperação.

Lideres religiosos e não religiosos espirituais, cuidadores devem ser incluídos em
serviço de cooperação, com relevância para os clientes.

Empowerment e princípios de justiça relevantes para a comunidade devem ser
demonstrados claramente nos objetivos de trabalho e nos comportamentos.
RELAÇÃO COM O AMBIENTE NATURAL

O ambiente natural deverá ser apreendido em todos os seus aspetos.

Os impactos prejudiciais devem ser identificados, eliminados ou minimizados.

Deve ser evidente dentro da organização a inspiração e os estímulos para as
conexões entre humanos/natureza
Rui Pedro Ventura
71
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Espaços inspiradores de beleza natural devem ser incluídos em programas para
equipas e clientes (exemplos são veículos de energia eficiente e iluminação,
automóveis comuns e programas de reciclagem, uso de materiais biodegradáveis
de limpeza, locais seguros para o deposito de materiais tóxicos, construção de
jardins orgânicos na vizinhança, cuidando da paisagem em torno da organização
com métodos orgânicos, colocação interior de plantas e aquários, janelas abertas
com vista e áreas para passeios na localização das organizações de trabalho
social, terapias com animais ou na floresta e organização de visitas a parques
naturais para clientes e trabalhadores)
Rui Pedro Ventura
72
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
4.1.1. “OLHAR” PARA A ESPIRITUALIDADE NA ORGANIZAÇÃO DE TRABALHO SOCIAL
Após a delimitação da fronteira a diagnosticar, e partindo do conjunto de referências supra
mencionados, revela-se necessário planear a ação de diagnóstico, passando por proceder
a um exame prévio, em todo semelhante a uma pesquisa de terreno, com base em
contactos com as entidades envolvidas (chefias e profissionais), entrevistas e recolha e
análise documental, que permita uma descrição preliminar da(s) estrutura(s), da posição
dos intervenientes na(s) estrutura(s), definição hierárquica e responsabilidades na
intervenção social, bem como de outras informações, igualmente relevantes (ambiente
social) e que serão captadas por meio de uma observação participante. Considera-se
fundamental, que tal ação se inicie pelas chefias, através de uma reunião, onde se explicite
objetivos ou resultados que se pretendem alcançar com a ação e metodologias de trabalho,
entre outras informações consideradas pertinentes (espaços a reservar para o
desenvolvimento dos trabalhos, calendarização das ações, interlocutores privilegiados,
etc.). Afim de não perder de vista as linhas que deve orientar uma avaliação da
espiritualidade na organização, a cheklist revela-se uma ferramenta útil, uma vez que
permite não descurar de nenhuma informação que venha a ser considerada pertinente.
Rui Pedro Ventura
73
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
FIGURA 11. CHECKLIST PARA A CONCEPÇÃO DE CHECKLIST
Dimensões
Princípios a considerar na concepção de uma Checklist
Definir a área a analisar
Identificar os utilizadores destinatários das checklists
Elaborar questionário de acordo com experiência pessoal
Estudar literatura adequada
Realizar entrevistas exploratórias com especialistas na área
Clarificar critérios a ter em conta na elaboração da Cheklist (pertinência, inteligibilidade, clareza,
imparcialidade, fácil utilização, etc.)
1
2
3
4
5
Elaborar lista
de
Checkpoints
Listar e ordenar questões consoante importância
Converter questões em Checkpoints a analisar
Distinguir cada um dos Chekpoints a analisar
Elaborar definição para cada descritivo anterior
1
2
3
4
Classificar,
ordenar
Checkpoints
Escrever cada enunciado e definição separadamente
Ordenar os descritivos por categorias
Identificar as categorias principais e catalogar cada uma delas
1
2
3
Definir e
identificar as
categorias
importantes
Termos e conceitos principais
Estabelecer uma relação com base lógica para cada categoria
Avisos relevantes a serem cuidadosamente observados em cada Checkpoints
Rever Checkpoints para cada categoria a fim de introduzir clareza e parcimónia
Redefinir e rever se necessário os Chekpoints
1
2
Determinar a
ordem das
categorias
Decidir a ordem de atribuição para os utilizadores
Escrever a relação de acordo como ordem de preferência
Fazer listagem das categorias que devem ser abordadas
1
2
3
Revisão da
Cheklist
Preparar uma versão do projecto de Cheklist
Envolver os potenciais utilizadores para revisão e crítica do projecto de Cheklist
Listar as matérias que precisam de maior atenção em face da lógica anterior
Destacar as situações que foram sujeitas a observação
1
2
3
4
Revisão do
conteúdo
Examinar e decidir como apresentar e identificar os diferentes pontos
Voltar a redigir a Cheklist
1
2
Delinear e
formatar a
Checklist para
que seja
aplicável
Determinar em conjunto com os utilizadores o valor de importância das categorias consideradas
Determinar em conjunto com os utilizadores modos de observação e fontes face aos Checkpoints
Determinar em conjunto com os utilizadores quais os resultados satisfatórios a alcançar
Determinar em conjunto com os utilizadores procedimentos a adoptar em face à apresentação
Definir a forma final da Cheklist tendo em conta o trabalho anterior
1
2
3
4
5
Avaliação da
Cheklist
Obter pareceres de entidades e peritos
Envolver os utilizadores conhecedores no teste da Cheklist
Avaliar se na generalidade a Cheklist preenche as necessidades de pertinência, compreensão,
clareza aplicabilidade no campo que se pretende analisar e se é de fácil utilização
1
2
Finalizar a
Cheklist
Enumerar sistematicamente os resultados dos testes
Escrever e finalizar a Cheklist
1
2
Distribuir a
Cheklist
Utilizar a Cheklist
Disponibilizar a Cheklist através de diversas formas de divulgação
Convidar os utilizadores a providenciarem o seu preenchimento
1
2
3
Usar toda a informação disponível recebida por todos os utilizadores e melhorar continuamente
a Cheklist
1
Abordagem na
conceção de
uma Checklist
Rever
periodicamente
a Checklist
Rui Pedro Ventura
6
3
4
5
3
74
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
A delimitação das fronteiras, nomeadamente da população, alvo da intervenção social, no
planeamento, afigura-se, por isso, indispensável, uma vez que permite, desde logo,
identificar as diferentes entidades implicadas na intervenção social e iniciar o desenho das
interligações possíveis entre essas diferentes entidades, devendo tais interligações serem
confirmadas, posteriormente, numa análise casuística ancorada a processos individuais
(reconstituição de casos de intervenção), quanto à sua natureza. A título de exemplo e
partindo no nosso caso prático, foi possível a confirmação de todas as entidades que
intervieram em todas as outras fases ao longo do plano (nomeadamente as Unidades de
Trabalho Social destinadas a pessoas sem-abrigo ou com domicílio instável e destinadas a
pessoas com doenças infecto-contagiosas). Assim, caso a avaliação venha, previamente,
eleger uma área de intervenção social e/ou uma população em especial, entende-se que,
no âmbito de um exame prévio, devem ser contactadas as Unidades de Trabalho Social
supostamente implicadas na intervenção social, podendo estas se encontrarem integradas
numa ou em mais Instituições, afigurando-se, por isso, de ajustar a atuação ao tipo de
avaliação (interna ou externa) a realizar. Deste modo, importará, num exame prévio,
considerar os objetivos estratégicos de cada Unidade de Trabalho Social implicada na
concretização da missão (se for esta a única), que em sentido lato se reportará à promoção
do bem-estar. Tomando como exemplo o nosso caso prático, as Trabalho Social foram
duas:

A de apoio a pessoas sem-abrigo ou com domicílio instável cujo objetivo central a
definição e execução de uma estratégia comum de atuação que potencie a
complementaridade, rentabilidade e adequação das respostas às necessidades dos
cidadãos sem residência fixa ou em trânsito na cidade de Lisboa, nas situações de
emergência ou de risco social;

A de apoio a pessoas com doenças infecto-contagiosas cujo objetivo é o da
promoção da qualidade de vida e a integração na comunidade, que se encontram
em situações social, familiar e económica precária;
Refira-se, ainda, que ambas as Unidades contemplam ambas um conjunto de
competências específicas e compreendem diversas medidas e respostas sociais dirigidas a
pessoas em função das necessidades e problemas inerentes (informação esta a ser
considerada, igualmente, na sequência do levantamento e exame prévio da intervenção
social). Entende-se, igualmente, necessário proceder a uma breve caracterização psicosocial das pessoas a abranger e abrangidas pela intervenção social, bem como das
Rui Pedro Ventura
75
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
necessidades e problemas a estas associadas, procurando, ainda, considerar aspetos que
estejam relacionados com os valores e princípios orientadores, que nem sempre se
encontram refletidos em sede de regulamentos, apesar de espelhados nos Códigos de
Ética dos profissionais da intervenção social.
Na ausência de referência em
regulamentação interna de princípios éticos orientadores da intervenção, afigura-se
necessário ouvir as chefias e profissionais de modo a apreciar em que medida tais
princípios orientam a intervenção social. Na sequência do levantamento da(s) estrutura(s)
consideradas no âmbito da intervenção social, afigura-se de identificar o posicionamento
de cada interveniente (unidades organizacionais, chefias ou profissionais, respostas
sociais, etc.), na(s) estrutura(s) em causa, numa perspetiva horizontal, ou seja em função
da fase do plano de intervenção (atendimento, diagnóstico, definição do PDI/S, execução,
supervisão, monitorização, etc.) e, numa perspetiva vertical, isto é dos reportes
hierárquicos e da definição das responsabilidades. Neste exame prévio auxiliaria
consideravelmente a existência de um Manual de Boas Práticas devendo o mesmo se
encontrar atualizado, porém na ausência de tal Manual considera-se de adotar um outro
tipo de estratégia. Com efeito, deverá perspetivar-se num exame prévio um levantamento
documental - de organogramas, regulamentos, relatórios de atividade, etc. -e na ausência
de tais fontes entrevistar de preferência chefias, para que no final se esteja em condições
de se proceder a uma caracterização geral das entidades (do ponto de vista da missão,
visão e valores, dos objetivos estratégicos, das pessoas a abranger no âmbito da
intervenção social e medidas e respostas a mobilizar), da(s) estrutura(s) orgânica(s) e de
funcionamento (hierarquias e responsabilidades) dos profissionais afetos às entidades
responsáveis pela intervenção social (no que diz respeito nomeadamente às habilitações
académicas e profissionais, categorias profissionais, conteúdos funcionais e tarefas
atribuídas na intervenção social). Quando procedemos a uma tal análise estamos, todavia,
a dar enfoque apenas aos aspetos objetivo e inter-objetivo da organização (os quadrantes
direitos do modelo AQUAL de Wilber), descurando o subjetivo e o inter-subjetivo
respeitante ao aspeto humano da organização (os quadrantes esquerdos do modelo
AQUAL). Para que a avaliação seja completa e integral ela terá de atender a todos os
quadrantes isto é não só aos aspetos objetivos e inter-objetivos da organização de trabalho
social como aos subjetivos e intersubjetivos mergulhando na dimensão humana da
organização. No que respeita ao trabalho social são duas as estratégias que aqui nos
propomos. Por um lado, a da reconstituição de casos de intervenção social apelando a
uma metodologia integral com enfoque não só a narrativas biográficas orais e documentais
como também à reconstituição fazendo apelo à intuição. Por outro lado, procede-se à
análise e dinâmica das relações humanas nas equipas de trabalho social com recurso à
Rui Pedro Ventura
76
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
sociometria e sociograma de J.L Moreno, com o intuito de mais tarde trabalhar através de
jogos dramáticos a espontaneidade levando a que cada um se possa confrontar com os
seus próprios valores em face dos casos apresentados. Estas são as estratégias aqui
apresentadas como contributos para um modelo de trabalhos social que se pretende
holístico, resgatando nas memórias momentos de tensão e crise, criando posteriormente
condições para a transformação integral das equipas de trabalho social.
4.1.3. RECONSTITUIÇÃO DE CASOS DE INTERVENÇÃO SOCIAL
Após um exame prévio da organização, afigura-se importante reconstituir casos de
intervenção social, recorrendo preferencialmente à análise documental uma vez que a
recolha da evidência (prova) constitui elemento essencial e o testemunho oral coloca
questões de natureza deontológica (no que respeita ao dever de sigilo e de
confidencialidade) a serem acauteladas, sem pretender, no entanto, suprimir outros
métodos que venham a se revelar úteis ao longo da ação (como a observação ou a
entrevista) afim de complementar os elementos recolhidos ou a possibilitar esclarecimentos
sobre questões deixadas em aberto.
4.1.3.1. CASO MARIA
Ao se ter selecionado apenas um processo individual já arquivado, pretendia-se esgotar
todas as possibilidades e aflorar todas as limitações que poderão advir da reconstituição de
um estudo de caso. A Maria foi a pessoa (utente) escolhida para através de uma análise do
seu percurso de aproximadamente três anos num plano de intervenção social, não só o
apreciar do ponto de vista rede social criada, como, também, e sobretudo avaliar a técnica
proposta e utilizada, suas fragilidades e potencialidades. O processo individual de Maria
continha, praticamente, informação documental de todas as fases de um plano de
intervenção social (entre Ficha de Caracterização, Documentos de Identificação, Relatórios
Sociais, Relatórios de Avaliação e Diagnóstico, Registos de Diligências e Ocorrências
(cerca de 52 registos), tendo sido possível proceder á sua observância, com recurso a
cheklists criadas para o efeito, exceção feita naquelas em que não chegaram a efetivar-se
(como no caso da definição do Plano de Desenvolvimento Individual ou da Monitorização).
Maria dirige-se pessoalmente à Unidade de apoio a pessoas sem-abrigo ou com domicílio
instável para pedir ajuda, transportando consigo uma mão cheia de nada para quem vive
na dependência do único apoio de rede social que lhe resta: As Instituições de
Solidariedade Social (Exército de Salvação). Maria era na altura uma mulher de 55 anos,
nascida em Angola mas com nacionalidade portuguesa. Era divorciada (vitima outrora de
Rui Pedro Ventura
77
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
violência doméstica por parte do marido) e tinha um único elo familiar, uma das filhas que
ficava coercivamente com o seu único meio de subsistência (187,50 €), de acordo com a
análise da documentação constante do Processo Individual, desconhecendo-se por falta de
evidência ou existência efetiva de outros laços ou redes sociais que poderiam vir a
constituir um suporte caso o plano de intervenção social assim o considerasse. Dormia
num carro abandonado sempre que a filha exercia sobre si violência para lhe ficar com o
seu parco RSI, tendo passado, posteriormente, por alojamentos temporários de Instituições
de Solidariedade Social, destinadas a pessoas sem-abrigo ou com domicílio instável. Sem
qualificação (tinha apenas o 4.º ano de escolaridade) e, provavelmente, sem aptidão
profissional (não existe informação a este respeito), viveu da mendicidade (arrumava
carros) o que lhe garantia algum dinheiro para a sua dependência de consumo de álcool.
Contraiu HIV é referido não saber como e sofria de problemas de ossos o que lhe
dificultava as suas tarefas de vida diária. A Maria após um Plano de Intervenção Social de,
aproximadamente, 3 anos volta para a rua, na sequência de comportamentos agressivos
que colocam em causa a integridade emocional e física de outras pessoas residentes e dos
profissionais afectos à Unidade que a acolheu, de acordo com registos constantes do seu
Processo Individual, acabando por sucumbir sem os cuidados necessários a quem padece
do HIV. A Maria passa por um Atendimento da Unidade de Trabalho Social de apoio a
pessoas sem-abrigo ou com domicílio instável onde, desde logo, foram mobilizadas, pelo
Assistente Social F, medidas e respostas para cobrir a suas necessidades mais básicas
(de alimentação, de alojamento, abrangendo, aí, também cuidados de higiene e de
conforto), tendo-se iniciado um processo de regulamentação de documentação tal como
tinha sido pedido pela própria que lhe irá permitir nomeadamente ter acesso a RIS e ao
Centro
de
Saúde.
Perspetivou-se,
ainda,
na
sequência
do
Atendimento,
um
encaminhamento para a Sociedade Anti-Alcoólica, faltando, todavia, evidência de Maria se
ter lá dirigido, se é que alguma vez se dirigiu. De acordo com informações obtidas junto
desta Sociedade (apurado pelo auditor), recomenda-se que a pessoa com dependência
seja acompanhada sempre por alguém mais próximo da sua rede social nuclear, uma vez
se torna necessário, nos primeiros tempos, uma vigilância na toma da medicação. Maria é
encaminhada pelo Assistente Social F, ao fim de 57 dias, para outra Unidade de Trabalho
Social agora de apoio a pessoas seropositivas, onde, entre idas sucessivas ao
Atendimento assegurado por Enfermeiros (o G, o F e o N) permanece nesta fase cerca de
607 dias. O Diagnóstico é efetuado, num só dia, através de uma única visita conjunta entre
o Enfermeiro F e o Assistente Social da Unidade de apoio a pessoas sem-abrigo ou com
domicílio instável e mais tarde já numa fase de mobilização de medidas e respostas sociais
por um Terapeuta Ocupacional, tendo resultado dois Relatórios. Tal como no Atendimento
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
também no Diagnóstico, apenas, se escuta Maria, sem ter sido considerado pelos
profissionais outros elementos da sua rede social (nomeadamente, a Filha que mais tarde
vem contactar a Unidade para informar do falecimento da sua Mãe).
Sem evidência de um Plano de Desenvolvimento Individual definido, Maria entra, após
Diagnóstico, de imediato para uma Resposta Social da Apoio Residencial onde lá
permaneceu 140 dias (apoio este pela sua natureza continuado) assegurado por
profissionais da Residência (entre estes, Ajudantes de Lar, Monitor de ATL e Enfermeiro)
dirigida por um Diretor com formação em Trabalho social, tendo mais tarde passado para
um Apartamento Terapeuticamente Assistido, onde veio a permanecer durante 120 dias
(apoio periódico dada a natureza da Resposta) assegurado, também, por diversos
profissionais do CSMM e dirigido por um Diretor com Formação em Terapia Ocupacional.
Ao longo da permanência na primeira Resposta Social o Psicólogo da UBE, juntamente
com os Monitores de ATL, desenvolve atividades (de acordo com os Registos pelo menos
3 vezes) de grupo de Arte-Terapia. Face aos registos encontrados, verifica-se que as
medidas e respostas sociais foram mobilizadas numa perspetiva de atender pontual e
casuisticamente às necessidades e problemas que iam surgindo, mas faltou um Plano que
tivesse permitido à Maria ou a outras pessoas da sua eventual rede social nuclear
participarem, serem escutados e implicados nas medidas e respostas mobilizadas via à
promoção do seu bem-estar pessoal. A observância da fase de Avaliação faz-se, de acordo
com os registos constantes no Processo Individual, na sequência de distúrbios havidos no
Apartamento onde Maria reside na sequência do seu comportamento agressivo que
ameaça a integridade física e emocional de pessoas residentes e profissionais, sem que
tenha previamente existido ao longo do plano de intervenção social, ou pelo menos
evidência, de monitorização ou de supervisão. Maria é compulsivamente colocada fora do
Apartamento (a fechadura é alterada), sem existirem evidências de terem sido mobilizadas
ou, pelo menos, equacionadas outras medidas ou respostas alternativas via à promoção do
seu bem-estar pessoal, acabando por sucumbir do local onde encontrou sempre o seu
Abrigo, quando fora vítima de violência por parte dos seus familiares (a Rua), na sequência
de um plano de intervenção social que pecou, designadamente, pela ausência de
observância de todas as fases de um plano de intervenção social – sendo de destacar a
fase de definição do Plano de Desenvolvimento Individual - e, essencialmente, por uma
coerência parcial, na medida em que desde o Atendimento - em que foi sinalizado o
problema de alcoolismo na Maria - passando pelo Diagnóstico - em que foi reconhecido
potenciais psicológicos via ao seu bem-estar pessoal (a vida possui um sentido) -, não
foram tidos em conta elementos essenciais a serem considerados no plano de intervenção
social, comprometendo, deste modo, a sua adequabilidade e efetividade. O caso de Maria
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
permite, por um lado, reconhecer que o plano de intervenção social atendeu às suas
necessidades mais básicas (alimentação, alojamento, cuidados de higiene e conforto,
saúde) tendo sido mobilizadas medidas e respostas logo na fase Atendimento, de forma a
proporcionar de imediato bem-estar e a garantir a efetivação de Direitos Fundamentais (a
pobreza é uma violação de Direitos Humanos). Contudo, entende-se que ao ter sido
descurado fases de um plano de intervenção – como sejam as de definição de um plano de
desenvolvimento individual, monitorização ou mesmo a supervisão – vários aspetos não
foram tidos em linha de consideração registando-se a ausência de uma coerência plena
entre o que foi sinalizado na fase do atendimento (a dependência em álcool) e as medidas
e
respostas
que
vieram
a
ser
mobilizadas
posteriormente
comprometendo
a
adequabilidade necessária à, consequente, efetividade da intervenção. Por outro lado, tudo
indicia que a efetivação do plano de intervenção social terá ficado, igualmente,
comprometido, desde o início do Plano, entre outros aspetos:

Por não se ter esclarecido devidamente a Pessoa a quem se destinou a intervenção
sobre os seus Direitos e Deveres na fase de Atendimento, necessário ao seu
envolvimento (as únicas evidências são documentos assinados pelo próprio a
autorizar o tratamento de dados pessoais);

Por não se ter escutado outras pessoas da sua rede social nuclear na fase de
Diagnóstico;

Por não se ter implicado o suficiente nas medidas e respostas sociais que foram
mobilizadas, em grande medida pela ausência de um Plano de Desenvolvimento
Individual que não se chegou a definir;

Por não se ter escutado ativamente a Pessoa não sequência do seu
descontentamento e não se ter delineado em conjunto um Plano alternativo.
Por isso, se o Plano de Intervenção visou desde o início promover o bem-estar pessoal
através de condições objetivas de existência, pecou por não se ter atendido aos aspetos de
natureza mais psico-social-espiritual que permitisse uma transformação integral.
Retomando a proposta de Edward Canda sobre a transformação terapêutica sobre o
caso Maria torna-se evidente que a intervenção não foi suficiente para alterar “velhos
hábitos” tendo-se ficado por uma resposta de tipo formal. Segundo Canda num trabalho
social prático o especialista acolhe a pessoa numa relação de ajuda num espaço como o
de gabinete ou em sua casa designado para um encontro dedicado à ajuda. Deixam dicas
às pessoas para que se desvinculem de uma situação ordinária de vida da qual se sentem
presas. Indicam a sua intenção de ajudar e como o irão fazer. Recolhem-se dados
Rui Pedro Ventura
80
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
importantes sobre a história de vida e identificam-se os problemas e as aspirações. Esta é
a fase da avaliação e da análise, que literalmente significa “desmontar”. Ajuda-se a pessoa
a desconstruir a sua situação e a abrir-se a outras possibilidades. Nesta fase, torna-se
importante criar um laço de confiança e segurança na relação de ajuda com a pessoa que
se encontra afetada, oprimida e desorientada pelo caos, revelando-se indispensável
assegurar respeito por ela. Esta fase de ajuda dá ênfase ao restabelecimento das relações,
procurando-se transmitir, deste modo, um sentido de proteção, compreensão e esperança
no futuro. Faltou o acompanhamento durante o fluxo de mudança. As desordens têm
as suas vantagens e o caos pode ser criativo. A pessoa que sinta o status quo a ruir
poderá deslumbrar uma abertura para a mudança e crescimento. Ao longo do processo de
ajuda, afigura-se necessário que o especialista em trabalho social ajude a pessoa a
encontrar novas oportunidades, a ter outras formas de ver e de pensar, a improvisar
soluções e a recorrer aos seus próprios potenciais e recursos imprescindíveis num
processo de mudança. Para o efeito, importará cortar com velhos padrões. Esta é a fase
em que se abrem muitas oportunidades havendo um forte apelo à criatividade. Quando
uma pessoa está em movimento, ela sente ambiguidade e alguma desconcentração,
contudo tem a possibilidade de se mover de um lugar para outro. Estruturas pessoais e
culturais, hábitos, normas e expectativas encontram-se temporariamente alteradas ou
suspensas. Muitas possibilidades se abrem. As pessoas em conjunto que passam através
deste processo, tendem a formar um sentido de cooperação e suporte mútuo de base
igualitária e comunitária. Esta falta de estrutura, porém, faz apelo a um suporte de proteção
e orientação, que poderá ser assegurado por cuidadores. Este suporte, no caos criativo, é
catalisador no processo de transformação. A complementaridade entre a anti-estrutura e a
estrutura é similar aos conceitos de morfostase (morphostasis) e morfogénese
(morphogenesis) num sistema dinâmico. A morfostase significa “manutenção de forma”. É
o processo de vida do sistema que protege e restaura a integridade de vida do sistema, de
modo a poder sobreviver. A morfogénese significa “gerar forma”. Trata-se do processo que
adapta, muda e cria novos padrões de vida de um sistema, de modo a poder desenvolver e
crescer todo o tempo. A morfostase e morfogénese são complementares e aspetos
necessários no processo dinâmico de manutenção e transformação da vida do sistema. A
morfostase sozinha resulta na estagnação e morfogénese sozinha resulta em caos
destrutivo.
Que fatores humanos organizacionais terão concorrido para este desfecho? Teria sido
possível um resultado diferente com um modelo de trabalho social holístico? Como avaliar
a equipa de trabalho social? Como promover junto da equipa uma transformação com via a
um trabalho social holístico?
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
4.1.2. SOCIOMETRIA E SOCIOGRAMA DE EQUIPAS DE INTERVENÇÃO SOCIAL
O recurso à análise de redes, baseado na sociometria e sociograma de Jacob L. Moreno,
afigura-se como um importante instrumento para avaliar estruturas e dinâmicas das
equipas de trabalho social com a finalidade de avaliar dimensões importantes referidas a
propósito da espiritualidade nas organizações de trabalho. De acordo com Marta Valadas
um processo de investigação de redes sociais tem por objetivos (1) reconstituir e
representar a estrutura com o objetivo de simplificar as redes; (2) localizar cada entidade
ou pessoa do sistema social; (3) e proceder à associação entre esse posicionamento e o
respetivo comportamento (Valadas, 2000: 94). Entende-se, neste sentido, que para levar a
cabo uma investigação às redes sociais se torna imprescindível delimitar a fronteira do
estudo (exemplo: uma organização, uma área geográfica, etc.) equacionar as fontes de
informação (documentais ou outras), definir níveis de análise (podendo estes serem de
nível egocêntrico, relacional ou, ainda, estrutural), escolher o tipo de dados (sobre
relações, atributos ou comportamentos) e, por último, o tipo de relação a ser estudada.
Num processo de investigação em redes revela-se necessário a prévia definição do objeto
a analisar o âmbito – podendo estes se reportarem à área da intervenção social, às
pessoas a abranger pela intervenção ou ainda das suas problemáticas sociais: sem-abrigo
ou com domicílio instável, ou famílias, crianças e jovens em risco, pessoas idosas isoladas,
pessoas dependentes de álcool ou de drogas, pessoas desempregadas de longa duração,
pessoas vítimas de violência domestica, pessoas portadoras de deficiências ou com ser 0
positividade, etc.). A definição da área de intervenção social implicará, igualmente,
considerar as entidades implicadas no plano de intervenção social, nomeadamente das
Unidades de Trabalho Social, as Respostas Sociais entre outras - podendo algumas destas
virem a ser identificadas a partir de uma técnica de amostragem como o de snowball
sampling –, determinando, deste modo, a extensão da análise. Entende-se que a
heterogeneidade de necessidades e problemas associados das pessoas abrangidas pela
intervenção implica necessariamente a mobilização de medidas e respostas sociais
diferentes ajustadas a cada situação, pelo que outras entidades, para além daquelas que
se perspetivam analisar, podem vir a ser identificadas após análise casuística aos
processos individuais com recurso à técnica de análise de redes. Após a delimitação da
fronteira a avaliar, revela-se necessário planear a ação, passando por proceder a um
exame prévio, em todo semelhante a uma pesquisa de terreno, com base em contactos
com as entidades envolvidas (chefias e profissionais), entrevistas e recolha e análise
documental, que permita uma descrição preliminar da(s) estrutura(s) a avaliar, da posição
dos intervenientes na(s) estrutura(s), definição hierárquica e responsabilidades na
intervenção social, bem como de outras informações, igualmente relevantes (ambiente
Rui Pedro Ventura
82
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
social) e que serão captadas por meio de uma observação participante. A delimitação das
fronteiras, nomeadamente da população, alvo da intervenção social, no planeamento,
afigura-se, por isso, indispensável, uma vez que permite, desde logo, identificar as
diferentes entidades implicadas na intervenção social e iniciar o desenho das interligações
possíveis entre essas diferentes entidades, devendo tais interligações serem confirmadas,
posteriormente, numa análise casuística ancorada a processos individuais (nível
egocêntrico), quanto à sua natureza. A título de exemplo e partindo no nosso caso prático,
foi possível a confirmação de todas as entidades que intervieram em todas as outras fases
ao longo do plano (nomeadamente as Unidades de Trabalho Social destinadas a pessoas
sem-abrigo ou com domicílio instável e de respostas destinadas a pessoas com doenças
infecto-contagiosas).
4.1.2.1. CASO M ARIA
O processo individual de Maria continha uma base de evidência (entre ficha de
caracterização, cópias de documentos de identificação, relatórios sociais, relatórios de
avaliação e diagnóstico, registos de diligências e ocorrências - cerca de 52 registos) que
permitiu identificar o percurso da utente pelas diferentes etapas da intervenção e
profissionais implicados. Tal como se poderá observar na Figura … cada “nós” é
representado por uma figura geométrica: correspondendo o diamante à Maria, o quadrado
à Filha, o círculo aos profissionais e o triângulo às etapas de intervenção.
FIGURA 12. REDE DE INTERVENÇÃO SOCIAL DE MARIA
Fonte: NetDraw 2.097
A partir da análise do grafo, pode-se constatar não existir evidência que tenha sido feita
duas etapas da intervenção, nomeadamente, o plano de desenvolvimento individual e a
monitorização. A observância de todas as etapas constitui um dado de boas práticas.
Rui Pedro Ventura
83
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
Importa, ainda, referir que dos elementos constantes do processo não existe evidência que
tenha havido contato por qualquer um dos profissionais ao longo da intervenção com
familiares de Maria. Existe, apenas, um registo de contato da filha com a Diretora de
Unidade na fase de arquivamento do processo, que importa, aqui, realçar. O assistente
social, profissional responsável pelo encaminhamento de Maria para a Direção onde a
intervenção, grosso modo, ocorre, acompanha em praticamente todas as etapas da
intervenção. No que respeita à perícia, um dado que ressalta a propósito da rede de
intervenção é o seu carácter multidisciplinar, podendo-se identificar desde enfermeiros, a
terapeuta ocupacional, a assistente social, psicólogo, intervindo em diferentes etapas da
intervenção. Um outro dado importante reporta-se à consistência da rede de intervenção
medida por indicadores de centralidade, embora os laços considerados tenham sido
identificados, apenas, a partir dos elementos constantes do processo, sem escutar os
profissionais implicados na rede. A rede de intervenção teve uma densidade (density) de
0,4056 valor correspondente ao número de laços existentes entre os laços possíveis 73, o
que evidência que praticamente todos os profissionais tiveram articulados no processo de
intervenção de Maria.
QUADRO 1. DENSIDADE DA REDE DE INTERVENÇÃO
Fonte: Ucinet 6
O grau de intermediações (betweeness) ou caminhos geodésicos é, igualmente, baixo
atendendo que se trata de uma rede de intervenção em que os profissionais têm um
contacto, quase sempre, direto com a pessoa a quem a intervenção social se dirige,
registando-se um nível de intermediações praticamente nulo.
QUADRO 2: GRAU DE INTERMEDIAÇÕES NA REDE DE INTERVENÇÃO
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
Fonte: Ucinet 6
As Diretoras foram as que apresentaram maiores valores (71,83%, 18,917% e 9,250%),
explicando-se pelo facto de Maria ser a pessoa a quem a intervenção se dirige e no caso
das Diretoras pelo seu papel hierárquico que as fez relacionarem-se com quase todos os
profissionais que intervieram diretamente junto de Maria durante o processo. Em termos da
capacidade para alcançar todos os nós da rede (closenness) destaca-se, uma vez mais, a
Maria com o valor mais elevado pois ela é ator central da rede, assumindo a filha (como
parte da sua rede intima) o segundo valor mais baixo.
QUADRO 3: GRAU DE PROXIMIDADE NA REDE DE INTERVENÇÃO
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
Fonte: Ucinet 6
Não obstante esta primeira abordagem proporcionar importantes elementos para uma
apreciação da rede de intervenção no que respeita, em especial, à observância das fases,
à perícia e à consistência da rede, afigurou-se necessário complementá-la com uma
análise mais aprofundada (com questões diretas aos intervenientes), tendo em
consideração os seguintes fatores:
FIGURA 13. FATORES DE ANÁLISE
FATORES
Base-Evidência
ÍNDICES
Elementos do processo que constituam base de
evidência de todas as fases de intervenção.
INDICADORES
Dados que permitam a descrição cronológica e
detalhada das fases intervenção e dos intervenientes.
Observância das fases
da intervenção
Perícia na rede de
intervenção
Evidências em termos da efetivação das fases de
intervenção.
Profissionais implicados ao longo da intervenção em
função das suas competências técnicas
Consistência da rede
de intervenção
Laços entre profissionais, pessoa ao cuidado e
familiares tecidos na intervenção
Coerência entre as
fases de intervenção
Consonância entre as diversas fases da intervenção
Dados sobre ações encetadas que permita comprovar
a observância das fases de intervenção.
Dados sobre profissionais implicados e ações
encetadas nas diferentes fases de intervenção quer
na relação direta com a pessoa ao cuidado ou
familiares quer entre profissionais implicados no
âmbito da intervenção.
Medidas de centralidade que permitam aferir sobre
as características da rede de intervenção,
nomeadamente: densidade; centralidade,
intermediação e proximidade entre os diferentes
profissionais implicados e entre estes com a pessoa
ao cuidado e familiares.
Dados que permitam apreciar sobre a coerência
entre as diferentes fases nomeadamente sobre o
aferido e o proposto, entre o que se contratualiza e
se efetiva na prática.
Dados que permitam apreciar sobre o modo como a
pessoa a quem a intervenção se destina foi implicado
ao longo da intervenção pelos profissionais que
intervieram.
Dados que permitam validar se as respostas
identificadas foram mobilizadas e se serviram o seu
propósito.
Empoderamento
Implicação da pessoa a quem a intervenção se
destina
Proficiência das
respostas
Efetividade das respostas mobilizadas no âmbito da
intervenção
A descrição em termos de estrutura e dinâmica da rede de intervenção (sociometria)
revela-se de todo útil para o momento que se seguirá o de transformação integral levado a
cabo mediante jogos dramáticos.
4.1.4. JOGOS DRAMÁTICOS COMO UMA VIA PARTICIPATIVA DE TRANSFORMAÇÃO INTEGRAL
PARA UM TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
Depois da avaliação da análise casuística aos processos individuais (a selecionar de
acordo com critérios de amostragem tidos por adequados face aos objetivos que se
pretendem atingir) complementado com a sociometria e o sociograma da equipa de
intervenção, consideram-se estarem reunidas as condições para se tecer as conclusões a
propósito do desempenho das entidades avaliadas do ponto de vista da intervenção social.
Trata-se de um momento fundamental na medida em que se impõe rigor, objetividade,
Rui Pedro Ventura
86
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
isenção da formulação de opiniões. Este é um momento de proceder a uma relação entre
os resultados obtidos na análise aos processos individuais como todos os momentos
anteriores respeitantes ao processo de avaliação, designadamente:
 Do planeamento onde se inclui o exame prévio das Entidades.
 Da descrição, análise e avaliação do Plano de Intervenção Social; e
Após se ter percorrido o percurso inverso à da ação, afigura-se necessário identificar as
desconexões entre as práticas de intervenção objeto de avaliação com os processos e
procedimentos previstos que foram objeto de levantamento, as relações entre os casos
práticos de insucesso do ponto de vista da intervenção com as eventuais desadequações
organizacionais, mas, também, os casos práticos de sucesso e sua associação com as
boas práticas. Esta relação, entre os momentos da ação respeitantes a uma avaliação
estática (do exame prévio à descrição) com uma avaliação dinâmica identificada na
sociometria ancorada aos casos práticos individuais, permitirá formular recomendações de
melhoria ou, ainda, realçar as potencialidades da intervenção social na perspetiva de um
trabalho social holístico. Uma avaliação com inspiração espiritual corresponde a um
processo contínuo de discernimento, implicando, ao mesmo tempo, uma abertura
profissional e da pessoa ao cuidado para o reconhecimento dos impactos da relação de
ajuda. Segundo Canda não se trata de um processo tipo egocêntrico de reflexão. Afirma
Canda que a avaliação de inspiração espiritual preocupa-se com os resultados da ajuda,
mas não se encontra amarrado de forma egoísta a ela. A avaliação não tem como o
propósito garantir que as pessoas ao cuidado se conformem com as aspirações dos
profissionais de trabalho social ou metas institucionais. Tem como propósito ajudar a
pessoa a estar alerta e a ser encorajada a prosseguir na sua caminhada demonstrando os
benefícios da mudança, evitando os erros de estratégias de ajuda que não são efetivas. O
lado convencional da avaliação é a monitorização. Na monitorização procura-se assegurar
que os objetivos delineados estão a ser cumpridos pela pessoa ao cuidado, tendo em
atenção alertar sempre que ocorrem desvios por comprometerem a meta definida. Poderse-á ajustar o plano em face de mudanças ocorridas, tendo em vista que a intervenção seja
mais efetiva. Entendemos, porém, antes do profissional e da equipa de trabalho social
estar preparada para esse processo transformativo da pessoa, família ou comunidade que
acompanha deve antes ou após ela própria refletir sobre si própria, uma vez que ela
própria deverá ser levada a reconstituir os seus modos de atuação, identificar os momentos
de crise e os obstáculos para assim os poder conceber como alavancas de transformação
integral de cada um dos elementos e da equipa em geral. Uma equipa holística é aquele
em que cada um dos elementos consegue transpor cada um dos egos, sentir e funcionar
Rui Pedro Ventura
87
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
como um Todo. Assim, na opinião de Canda, a monitorização pode recorrer ao diálogo
clínico, aos contactos de ajuda, a instrumentos psicológicos de medida, a indagação
subjetiva e individual e a inquéritos de satisfação. Tudo isso é útil, mas não o suficiente. É
importante zelar que o crescimento da pessoa ao cuidado seja genuíno e não algo de
artificial e imposto. Torna-se necessário que esse plano ou projeto de vida seja assumido
como seu. Por isso, entende que a monitorização precisa de ser complementada com um
processo que vise a transformação da pessoa ao cuidado e do seu sistema, bem
como da própria relação de ajuda, que só se consegue, em nossa opinião, com uma
transformação do próprio especialista do trabalho social e da equipa de intervenção.
O processo de transformação o lado não convencional, segundo Canda da avaliação, deve
ser levado a cabo com a implicação de todos os intervenientes na intervenção social num
processo dinâmico e de transformação integral (havendo momentos em que a pessoa ao
cuidado pode ser implicada, ou não).
O modo mais adequado de o fazer, consideramos será através de jogos dramáticos
(axiodrama, teatro espontâneo, teatro playback e teatro de criação) recreando os casos de
intervenção reconstituídos no sentido de trabalhar a espontaneidade, colocando em
confronto ideias pré-concebidas, valores que, por vezes, constituem obstáculos a uma
relação de ajuda genuína e empática. Por isso, uma equipa terá que funcionar como um
todo, e esse todo só se consegue com um trabalho que facilite cada um transpor a sua
fronteira, a sua máscara, a sua persona. Inspirado no psicodrama, no teatro espontâneo,
no teatro playback e teatro de criação propõe-se um pequeno jogo dramático de acordo
com as seguintes etapas:

Momento de aquecimento com os participantes que se deslocam livremente e
descontraidamente pela sala, com ou sem interação

É proposto que cada grupo faça uma pequena encenação dramática inspirando-se
nos casos de intervenção apresentados.

Pede-se a cada elemento que escreva livremente num pequeno papel os casos que
gostariam de representar e formam-se grupos em função dos casos escolhidos;

Estes podem ser escolhidos por aqueles que estiveram implicados na intervenção
ou não (no caso do primeiro teríamos um exemplo de psicodrama em que a
experiência é dramatizada pelo próprio no outro caso é exemplo de teatro de
criação uma representação feita de forma espontânea por outro enquanto que
experienciou assiste)
Rui Pedro Ventura
88
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO

Os casos de intervenção vão sendo dramatizados pelo grupo enquanto a história
vai sendo narrado.

Neste jogo dramático cada participante ou quem tem o papel principal (por exemplo
o profissional) pode trazer consigo um “anjo” e um “demónio”, personificado por
outros elementos do grupo através de duas vozes internas do “bem” e do “mal” (de
acordo com a tradição cultural religiosa).

O demónio não tem que ser necessariamente quem advoga, por exemplo, o modelo
de gestão desenhado para maximizar a eficiência através da determinação racional
das metas e objetivos do trabalho social, sem olhar o lado humano, mas uma chefia
ou a sociedade representado por outro interveniente.

O “demónio poderá aqui ter apenas o papel de levar o “profissional” a escolher a via
mais comoda ou aquela que lhe dará maior visibilidade, mérito e reconhecimento
pela chefia ou social mesmo que o seu “anjo” lhe diga que tal via não apela à
espiritualidade no trabalho social, porque não esta a ter em atenção a pessoa ao
cuidado.
No final do jogo dramático espontâneo ou de criação, pretende-se que mediante a
experiência vivencial os participantes tenham-se confrontado com os seus quadros de
valores antigos e/ou novos, mudando algo de forma a poder vir a estar no trabalho (e no
mundo) de um modo diferente do anterior, ou possam fazer uma espécie de catarse de
uma experiência dramática dando lugar a uma transformação integral dramatizando por
exemplo o fato ocorrido ou ainda aquilo que terá sido o sonho do ponto de vista do
desfecho final.
4.2. INVESTIGAÇÃO INTEGRAL APLICADA AO TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
A espiritualidade é tema central no estudo científico das religiões muito particularmente na
sociologia das religiões, como também é tema no estudo em outros campos
nomeadamente das ciências médicas, da física quântica, de uma psicologia da consciência
(ou também denominada de transpessoal), da antropologia, da teologia entre outros. O
tema da espiritualidade é central no estudo das religiões, contudo, espiritualidade não é o
mesmo que religião(ões), podendo ser abordada como essência e/ou aspeto da pessoa
humana distinta dos aspetos social, biológico, psicológico. Por isso, assume especial
interesse igualmente nas práticas profissionais, nomeadamente, do cuidar (da saúde ao
trabalho social), da educação, da gestão entre outras. O relevo sociológico é apenas para
quem faz da sua prática profissional a produção do conhecimento sobre a realidade social,
por isso caso o presente tema aqui proposto possa vir a merecer o interesse para a
Rui Pedro Ventura
89
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
sociologia, então, só poder-se-ia concluir, no final, que serve, também, a sociologia na
medida em que acrescenta algo para à compreensão de fenómenos sociais, mas não será
este o propósito do presente trabalho. Na verdade, o que faz distinguir a sociologia do
trabalho social é essa busca em procurar que a produção do conhecimento se reflita em
termos das suas práticas de intervenção não só porque tem por base determinado
diagnóstico como por ser capaz de projetar modos de fazer, modos de cuidar. O trabalho
social recorre, na verdade, a teorias do comportamento humano onde se incluem
contributos de teóricos da sociologia, mas o trabalho social não é sociologia nem a
sociologia é trabalho social. Importará, por isso, que a investigação se centre quer em
termos dos seus fundamentos teóricos quer das suas práticas em termos das metodologias
de atuação junto das pessoas e grupos sociais a intervir. Não se pretende aqui reduzir o
importante papel que a sociologia poderá ter para o trabalho social, apenas recoloca-lo em
termos do modo em que este poderá ser importante e servir o trabalho social. Neste
sentido, a sociologia é tão importante como o é a psicologia para o trabalho social, pois
ambas proporcionam base de compreensão do comportamento humano, mas no que
respeita à arte de intervir e de cuidar esta tem um contributo especial do trabalho social
desde princípios do século XX com Marie Richmond e a sua obra célebre e de referência
Social Diagnosis (Richmond, 1917). Na verdade, o especialista em trabalho social pode ter
nas teorias do comportamento humano uma fonte de recursos importantes, não só porque
lhe permite compreender as situações com que se vai confrontando quotidianamente, no
exercício da sua atividade, como, ainda, procura orientação através delas as suas práticas.
Existe um conjunto amplo de teorias que o especialista em trabalho social pode mobilizar
para responder às situações com que se vai confrontando. Com efeito, são vastíssimas tais
teorias, mas, ainda assim, elas não permitem tornar previsível a cem por cento o
comportamento humano nem, tão pouco, fornecer detalhadamente como agir, restando-lhe
a sabedoria e a arte para encontrar uma resposta que seja a mais adequada em face da
situação em concreto. Para além das teorias dos sistemas; dos conflitos; do empowerment;
feministas, da cultura, da psicodinâmica, do desenvolvimento, do ciclo da vida (life span
theory); sociológicas como a do interacionismo simbólico e do conhecimento (construção
social da realidade), dos papéis, da fenomenologia, do behaviorismo, da pedagogia social,
das teorias da transição existem as teorias transpessoais úteis para o assistente social dar
enfase a aspetos espirituais e religiosos da experiência humana. Elas providenciam
conceitos não sectários e modelos para o fazer inspiradas em tradições espirituais. Elas
orientam para o modo como lidar com todas as pessoas e constelações ambientais, sem
esquecer dos aspetos espirituais do indivíduo na relação com o Mundo. Chamam a
atenção para a perceção interior positiva espiritual e potencial das pessoas, bem como da
Rui Pedro Ventura
90
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
importância do espiritual e do religioso como sistema de suporte para o desenvolvimento
de um sentido de vida com sentido e direção. Elas providenciam linhas orientadoras para
lidar com experiências que transcendem o ego, podendo ajudar a pessoa ao cuidado a
alcançar paz e felicidade. São, igualmente, importantes na medida em que ajudam a
expandir a visão do profissional para uma perspetiva ideal de justiça. A teoria integral de
Wilber, por exemplo, leva a considerar todas as dimensões da pessoa e do ambiente (dos
aspetos subjetivos do individual ao coletivo) e dos níveis (pré-egoico, egoico e transegoico)
do desenvolvimento como relevante para uma situação prática. Estas grandes ideias de
várias teorias podem até ser controversas e suscitarem muitas questões aos assistentes
sociais, mas permitem promover um complexo e completo desenvolvimento do profissional
e da pessoa ao cuidado. Ora, ao passar todas as teorias mencionadas em revista
pretendeu-se demonstrar que o seu propósito no trabalho social é o de aplicação prática,
nomeadamente, numa relação de ajuda, correspondendo, por exemplo, o corpo das teorias
transpessoais aquele que procura dar ênfase à espiritualidade e por esta via sustentar uma
prática facilitadora do bem-estar, felicidade e realização da pessoa humana. Considerar a
espiritualidade apenas do ponto de vista sociológico ou com recurso apenas às
abordagens sociológicas mais usuais e partindo do pressuposto errado de que
espiritualidade é sinónimo de religião seria e serviria de pouco ao trabalho social que
procura na espiritualidade desenvolver uma atividade holística por integrar todos os
aspetos da dimensão da pessoa humana incluindo o espiritual. O conceito central do
presente trabalho é a espiritualidade e não a religião, embora possa aqui ter lugar na
medida em que a religião está incluída na espiritualidade e não o inverso, sendo aquela,
por isso, mais ampla. O termo da espiritualidade foi adotado pelo trabalho social com o
intuito dotar os especialistas de trabalho social de um olhar mais amplo e integral da
pessoa, na medida em que procura não só considerar todos os aspetos - espiritual,
biológico, psicológico, social e transpessoal- que a compõem, como, também, de os
procura inter-relacionar todos os aspetos na medida em que a espiritualidade surge
também como agregadora. Ao dotar os profissionais com um olhar mais amplo e integral
da pessoa, pretende-se, assim, que o seu modo de intervir facilite na pessoa a transição
para a plena realização do seu potencial com repercussões positivas para si e para outros
que façam parte das suas redes interpessoais (da família à comunidade). A espiritualidade
assume, deste modo, um sentido próprio para o trabalho social alicerçada mais numa
orientação holística que pretende afirmar a totalidade da pessoa sujeita da intervenção e
menos de religião como prática, mesmo que aquela assuma diferentes significações do
ponto de vista da sua conceptualização, ou seja, umas vezes como essência (spiritualityas-essence) outras vezes como uma dimensão humana (spirituality-as-one-dimension)
Rui Pedro Ventura
91
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
(Carroll, 2010). Sabe-se o quanto a metodologia é importante para conferir cientificidade ao
que se está a estudar. Porém, optar por uma ou por outra poderá não acolher, igual,
entusiasmo. São equacionados, no âmbito da investigação com enfoque nas práticas de
trabalho social com ligação à espiritualidade, vários cenários possíveis contendo propostas
metodológicas completamente distintas, mas só este que aqui se apresenta se afigura
como o mais adequado para uma investigação integral do trabalho social holístico.
Desejável seria que houvesse casos práticos de intervenção em trabalho social já com um
modelo holístico orientador e que aqueles estivessem acessíveis para que pudessem ser
testados provando, assim, os seus benefícios na pessoa ao cuidado. Contudo,
desconhecemos da existência de tais modelos de intervenção, pelo menos, de forma
institucionalizada, tal como acontece em alguns casos já descritos por Besthorn (2001) ou
Canda (2010) nos Estados Unidos. Por outro lado, optar por um método de investigação
experimental testando, por exemplo, o modelo holístico, mesmo que conceptual, tal como
aquele que é proposto por Edward Canda, quer ao nível organizacional quer ao nível da
terapêutica, a um grupo de pessoas e ao longo de um ano monitorizando os seus
resultados, para além de muito dispendioso e necessitar de uma concordância superior ao
nível institucional haveriam sempre variáveis que escapariam ao seu controlo. Perguntouse ao autor do modelo de atividade holística em trabalho social Edward Canda se já tinha
sido objeto de uma investigação, ao qual me respondeu que não, dada a complexidade do
modelo. Sugeriu um tipo de estudo etnográfico de natureza mais qualitativa onde se
procurasse aferir junto de especialistas em trabalho social não só da sensibilidade para a
espiritualidade como, também, o modo como os profissionais a transpõe para a sua prática.
Levar a cabo uma investigação num contexto organizacional poderia, no entanto, levantar
alguns obstáculos. A permissão institucional para um estudo desta natureza e a burocracia
existente em muitas das instituições para dar o seu aval nem sempre se compadece com o
tempo que se impõe a um trabalho académico desta natureza, levando, a maioria das
vezes, por entrevistar especialistas de trabalho social com quem se iriam tecer laços ao
longo da investigação, voando para além dos muros institucionais, procurando, assim, dar
atenção ao sentido de espiritualidade e como este se expressa no trabalho quotidiano dos
profissionais em trabalho social. Ao centrar o foco de atenção nos profissionais pode-se
aferir que sentido a espiritualidade têm para os mesmos e quais os benefícios resultantes
para si e para as pessoas que cuidam. Sabe-se, porém, que a espiritualidade não faz parte
de um programa de educação em profissionais em trabalho social em Portugal. Com efeito,
a formação continua a privilegiar conhecimentos do positivismo e materialismo e, por isso,
não se saberá ao certo se em termos das práticas profissionais haverá quem procura
transpor a espiritualidade para o trabalho. Poder-se-á questionar se alguns destes
Rui Pedro Ventura
92
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
profissionais, mesmo com um sentido de espiritualidade a procuram transpor para o
trabalho apelando por exemplo a um saber intuitivo (o lado yin) quando se confrontam com
as situações reais dos seus clientes. Poder-se-á questionar, também, se tendo como
teorias à disposição com ênfase na espiritualidade no corpo das teorias do trabalho social
os profissionais acabariam por adotá-las em suas práticas. Talvez qualquer teoria acabe
por ser interiorizada (como teoria implícita na prática) e destas duas fontes, conhecimento
e intuição, resulte sempre uma abordagem diferente, acabando por imprimir um carácter
singular à intervenção. Há, com efeito, uma espécie de pré-teorização (mesmo que se
procure referências de algumas teorias) e que resulta do confronto com situações novas
(problemas) que vão surgindo e que necessitam de uma resposta imediata e adequada.
Após a resposta ou na sequência das mesmas respostas às situações emerge uma
teorização acerca de um determinado padrão de problemas versus respostas. Muitas das
teorias, propriamente ditas, tiveram, também, por base evidências, que as enformaram
para voltarem a ser testadas com recurso a mais evidências, num processo cumulativo.
Nesta espécie de pré-teorização em face de situações novas, eventualmente, poderá ser
possível fazer corresponder um paralelo com certas teorias (ex., um problema de alguém
que acabará por despoletar uma determinada leitura por parte especialista de trabalho
social com uma orientação espiritual e, consequentemente, uma resposta, onde poderá ser
feito um paralelo com determinada teoria transpessoal). Nada garante, porém, que fosse
possível encontrar na vida de todos os dias exemplos idênticos ao que foi anteriormente
apresentado. Na prática poder-se-ia não encontrar evidência de que os profissionais se
tenham socorrido de uma teoria transpessoal, ou mesmo que o afirmasse poderia não ser
fácil estabelecer uma relação entre uma determinada decisão num processo de ajuda e um
resultado com uma opção por um determinado enquadramento teórico onde seja dado
ênfase à questão espiritual. Buscar nos profissionais de trabalho social modos de entender,
sentir, percecionar e desenvolver a espiritualidade nomeadamente como estes emergem
em si e nas suas relações interpessoais bem como das suas implicações do ponto de vista
das práticas profissionais poder-se-á revelar útil do ponto de vista da academia, mesmo
que posteriormente seja possível estabelecer algum paralelismo com algumas teorias com
ênfase na espiritualidade (teorias implícitas). Contudo, não se saberá ao certo se os
especialistas em trabalho social que venham a ser implicados na pesquisa procurem nas
suas práticas profissionais orientação espiritual - mesmo que implicitamente – e mesmo
que estas se possam considerar com tal orientação os próprios profissionais podem não se
dar conta que muitas das suas práticas já a incorporam. Com efeito, em Portugal a
espiritualidade não faz parte de um programa de formação em trabalho social ao contrário
do que acontece em outros países, mas ainda assim tal facto não será impeditivo dos
Rui Pedro Ventura
93
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
especialistas em trabalho social procurem nas suas práticas uma sensibilidade ou uma
orientação espiritual. Numa pesquisa realizada por Canda com Leola Furman (Canda,
2010a) foi desenvolvido um inquérito, em 2008, em termos nacionais, junto de assistentes
sociais membros da NASW (n=1,804). Estes autores constatam que a maioria dos
assistentes sociais americanos abordam questões relacionadas com a espiritualidade junto
das pessoas que procuram cuidar. Constatam, ainda, que em determinados momentos, a
maioria inspira-se na espiritualidade e orientam as suas práticas de cuidar em função
dessa inspiração. Porém, essa maioria refere que tiveram pouca ou nenhuma preparação
educativa sobre espiritualidade. Por exemplo, 50% ou mais inquiridos recomendaram a
pessoas (suas clientes) livros ou textos sobre religião ou espiritualidade, orações ou
meditação. Usaram conceitos ou uma linguagem espiritual ou religiosa. Recomendaram a
participação em atividades religiosas ou espirituais. Referiram contributos de mentores ou
guias de ajuda espiritual religiosos e não religiosos. Abordaram, igualmente, aspetos
relacionados com espiritualidade e religião a pessoas que prestaram cuidados, tais como o
sentido de vida, o propósito existencial e abordagens sobre a vida depois da morte. Todos
estes resultados são apreciados pelos autores com reserva e preocupação e advertem
para os cuidados a ter, nomeadamente se a pessoa ao cuidado está em condições frágeis
e de instabilidade do ponto de vista físico, emocional ou mental. Para estas pessoas,
devem ser adotadas precauções especiais. Existirá uma qualidade espiritual na pessoa e
que constitua um potencial inato, que poderá ser fortalecido, sem que, previamente tenha
tal qualidade sido facilitado através de um suporte da comunidade religioso ou não. No
caso dos assistentes sociais tal qualidade pode ter emergido, naturalmente, no contexto
das suas redes interpessoais (abrangendo a profissional) mesmo que não tenha
constituído matéria de programa universitário (ao contrário do que acontece em algumas
Universidades nos EU onde a formação em espiritualidade foi introduzida nos programas
dos cursos em trabalho social). Esta poderá ser uma hipótese de pesquisa que poderemos
vir a adotar. Compreender como estes fundamentos pré-teóricos ou teóricos, com ênfase
na espiritualidade, se encontram implícitos nas práticas dos profissionais, como o sentido
da espiritualidade emerge e se expressa nas suas práticas profissionais constitui assim um
possível objeto de investigação viável e pertinente. Na mesma linha, numa pesquisa
desenvolvida por Stacey L. Barker e Jerry E. Floersch (Barker & Floersch: 2010) aplicaramse entrevistas a 20 alunos de trabalho social com menos 3 anos de experiência no campo,
selecionados através da técnica de amostragem snwoball, tendo colocado um conjunto de
questões semiabertas com o objetivo de compreender o entendimento sobre a
espiritualidade. Os estudantes foram, através das questões levados a refletir sobre,
diversos aspetos da espiritualidade, tendo-se chegado à conclusão de que os estudantes
Rui Pedro Ventura
94
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
de trabalho social não possuíam uma linguagem adequada para definirem a
espiritualidade. Constatam os investigadores pela análise de conteúdo um dispersão ampla
de entendimentos sobre a espiritualidade, designadamente: como difícil de definir; como
não sendo religião; como devendo ser definida, apenas, em termos individuais; como
característica comportamental e descrita, apenas, como tal; como multidimensional; como
manifestação de fé; como manifestação da natureza humana; como busca de sentido e de
propósito da vida. Em face dos resultados alcançados e dispersão de entendimentos vagos
sobre a espiritualidade, consideram estes investigadores de que se torna necessário
considerar uma nova linguagem para conceptualizar o fenómeno e a promoção de uma
reflexão junto dos profissionais em trabalho social em torno da espiritualidade e potencial
impacto no contexto das práticas profissionais. Ora, uma investigação tal como foi
desenvolvida por Stacey L. Barker e Jerry E. Floersch (Barker & Floersch: 2010) ou uma
outra, com um carácter mais extensivo, por Canda, E. R. & Furman, L. D. (2009), em que
estes realizaram um inquérito nacional, afigura-se útil. À semelhança destas investigações,
poder-se-á desenvolver uma pesquisa junto dos profissionais em trabalho social sentidos
de espiritualidade e formas de transpô-la para o quotidiano, contudo, tal pesquisa não
permitirá trazer um contributo para uma prática profissional sustentada em suporte teórico
e uma metodologia de intervenção que se pretende holística. Ao tornar a prática em
trabalho social com sensibilidade espiritual como objeto de investigação seguindo este
entendimento, então, é porque se pretende torna-la, depois de refletida e reconstruída,
extensível às práticas profissionais, pelo que exigirá uma teorização prévia com tal
orientação. As propostas de aliar espiritualidade à ciência em ciências sociais e humanas
vão neste sentido ganhando especial relevo no trabalho social que busca uma orientação
holística em termos da intervenção, porém uma investigação que possa avaliar um modelo
holístico de trabalho social implicará inevitavelmente uma metodologia integral. Uma
metodologia integral, tal como se pretende aqui seguir (Braud, 1994: 30-33): (a) reconhece
e investiga múltiplas realidades; (b) reconhece e incorpora múltiplas formas de
conhecimento; (c) enfatiza a totalidade mais do que a fragmentação (d) procura
harmonização (c) preocupa-se em acrescentar valor. A metodologia integral reconhece
múltiplas realidades ou domínios do ser e do se tornar – do mais ordinário ao mais
extraordinário – do mundano e do transcendente. Ela reconhece que a verdade descoberta
é construída pela ciência, pelas humanidades, pelas artes e tradições espirituais (ontologia
pluralista). Reconhece e aceita todas as formas de conhecimento, nomeadamente a
observação empírica, o pensamento racional, a experiência interior, a intuição, as gnoses e
as experiências humanas excecionais. O empiricíssimo que a metodologia integral
emprega é um empiricíssimo amplo a todas as formas possíveis. Empírico é derivado do
Rui Pedro Ventura
95
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
grego que originariamente significa derivado da experiência. Com a metodologia integral,
empírico significa experiencial, e não deverá nunca ser confundido com experimental. A
metodologia integral reconhece métodos que derivam das ciências, valorizando, também,
as expressões artísticas, ascéticas, literárias, narrativas, simbólicas e metafóricas.
Reconhece múltiplas perspetivas: desde pessoas indígenas, de outras culturas, do
feminino como do masculino. Reconhece a importância do conhecimento tácito, do
conhecer subtil e do que pode ser conhecido e auferido através do silêncio, da imaginação
e do pensamento não discursivo (epistemologia pluralista). A metodologia integral
reconhece a natureza holística do Universo, as interconexões de todas as coisas.
Reconhece a importância das inter-relações e dos diferentes aspetos ou facetas da pessoa
– corpo, mente, emoção e espírito –, assim como das relações que esta estabelece com
outras pessoas e a natureza. Por causa destas relações, a causalidade é multifacetada e
ocorre em ambas as direções a montante e a jusante, jogando um papel influente e ativo.
Complementarmente, o investigador é por si uma parte integral de qualquer investigação,
ambos influenciam e são influenciados por qualquer coisa que esteja a ser estudado
(holístico/ interconexões). Dado que a realidade e modos de a conhecer são pluralistas, os
profissionais das metodologias integrais buscam equilíbrio tanto quanto possível na
dispersão de muitas dimensões. Eles buscam o equilíbrio entre as abordagens
quantitativas e qualitativas, entre um interesse em leis gerais e um interesse na
singularidade individual. Eles reconhecem ambas as leis causais e conexões (a)causais (o
surgimento de fenómenos mutuamente conectados sem o sentido convencional de
estabelecimento de qualquer ligação óbvia casual). Eles reconhecem os limites do
conhecimento e isso mantém um equilíbrio entre o domínio da perícia e o mistério, entre a
familiaridade o temor e a veneração, entre a compreensão e o enigma, entre o espontâneo
e o deliberadamente planeado, entre o esforço e a graça (Divina). Existe uma aptidão para
viver com a tensão entre esses complementos, assim como um talento para tolerar a
ambiguidade. Existe um equilíbrio entre o velho e o novo. Em muitas arenas da vida e do
pensamento existe um privilegiar para o mais novo, mais recentes acontecimentos,
descobertas, e refletir sobre o antigo, as visões “tradicionais” ou “clássicas”. Isto relacionase, sem dúvida, numa crença e numa valorização do “progresso” – uma visão de que a
humanidade e do seu conhecimento e produção encontram-se em “evolução”,
constantemente a crescer a tornar-se maior e melhor, tudo o que aconteceu antes é
simplesmente uma preparação e um marco fundamental para os avanços posteriores.
Verdades mais antigas baseadas em tradições espirituais quer as descobertas quer as
abordadas e transpostas aos novos tempos não devem ser ignoradas e esquecidas, mas
deve existir uma certa cautela nem para adotar cegamente as primeiras caindo num
Rui Pedro Ventura
96
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
tradicionalismo rígido nem os revestimentos novos que lhes são dados que levam a cair,
muitas das vezes, numa errática trapaça (busca equilíbrio). A metodologia integral
interessa-se com as metas e os resultados no sentido da possibilidade das aplicações e
implicações das suas descobertas. É reconhecido e expectável que as investigações
tenham importantes impactos sobre os participantes da investigação, no investigador e na
sociedade. As investigações devem ser acompanhadas de ciência, de perceções e
experiências que possam contribuir para o físico, o psicológico e as mudanças espirituais
nos co-investigadores. Investigadores da metodologia integral encontram-se preparados
para experienciar transformações possíveis no decurso das suas próprias investigações.
Transformações implicam participar totalmente em certas investigações, fazer certos tipos
de observações, ou adquirir certos tipos de conhecimento ou experiências – isto é,
adequatio deve ser tido em atenção. É esperado que a investigação integral resulte não
apenas do incremento do conhecimento, mas, igualmente, nas mudanças que possam
ocorrer em si. Maior mudança “local” desta espécie pode resultar em impactos clínicos
adicionais e espirituais nos profissionais; do ponto de vista de uma maior extensão,
podendo, igualmente, promover mudanças sociais. Assim, um projeto de investigação
integral executada com a maior atenção e rigor possível pode ser, simultaneamente, um
veículo, nomeadamente, para acrescentar conhecimento e expandir a sua disciplina,
promotor de uma série de interações terapêuticas, agente de ação social e para contribuir
na caminhada pelo trilho da sua espiritualidade. Partindo destes princípios, entende-se
incluir o investigador ao objeto da investigação, focando-se nas práticas, nas redes de
relações que se vão tecendo nessa busca de soluções práticas com sentidos de
espiritualidade. É, por isso, importante não só compreender como esta espiritualidade se
sente e se expressa nas práticas, mas, sobretudo, procurar como numa prática profissional
se poderá ter uma sensibilidade espiritual útil para quem a pratica e quem se encontra ao
cuidado. Não se pretende apenas partir de fundamentos norteadores, mas de transformar
integralmente a realidade que é igualmente a sua. O recurso variado, da reconstituição de
casos, à sociometria das equipas de intervenção ao teatro criativo revelam-se como um
conjunto de métodos úteis no âmbito de uma metodologia de intervenção para uma via
holística de trabalho social pelos fundamentos aqui chamados contudo tal metodologia de
intervenção carece de uma investigação experimental que valide a sua adequação e
eficácia do ponto de vista do impacto que aquela possa ter sobre o grupo (por exemplo,
tornar-se-á o grupo mais coeso em face de tal metodologia de intervenção). A investigação
em trabalho social resulta assim num validar de um modelo de intervenção que
pretendemos testar, sendo o investigador junto com os especialistas de trabalho ator da
transformação integral para uma via holística de trabalho social.
Rui Pedro Ventura
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
CAPITULO V – DESAFIOS PARA UM TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
O tema da espiritualidade no trabalho social é pioneiro em Portugal uma vez que ao
contrário do que existe em matéria de investigação é inexistente. É pertinente porque
poderá introduzir um elemento inovador às práticas dos profissionais em trabalho social,
isto é uma orientação espiritual que possa responder ao apelo a metas e aspirações das
pessoas e das suas comunidades, que evocam por uma apropriada abordagem holística e
cultural, no que, em especial, se refere às práticas em trabalho social. A espiritualidade no
Trabalho social respeita, igualmente, a uma diversidade de expressões espirituais
religiosas e não religiosas, dando enfoque ao sentido de vida que cada pessoa ao cuidado
e suas comunidades buscam, bem como aos propósitos que atribuem à sua própria
existência e suas metas, às cogitações que tecem sobre as vias de alcançar a perfeição e
o transcendente, resultado das suas aspirações mais elevadas, mesmo que implícitas ou
que importa resgatar. Ao apreender tais potenciais, o trabalho social procurará ora facilitar,
ainda, mais o seu crescimento ora orientá-los no sentido de cada um ou das comunidades
transmutarem dificuldades em desafios tendo em vista alcançarem o bem-estar e o
equilíbrio face às condições em que se encontram e dos meios de que dispõem. A
espiritualidade não tem merecido atenção exclusiva do trabalho social. Também, a
psicologia (especialmente, transpessoal e psicologia positiva) procurou aprofundar o tema
da espiritualidade, constituindo uma fonte importante, igualmente, os estudos sobre a
resiliência, a saúde e a saúde mental, em especial, os que produzem conhecimento sobre
a relação entre a espiritualidade e o bem-estar, sem descurar outros contributos
complementares, nomeadamente, provenientes dos estudos religiosos e multiculturais.
Para além da psicologia, entroncam num movimento paralelo o counseling, a medicina, a
enfermagem e outras ciências associadas às relações de ajuda em busca de incorporarem
a espiritualidade nas suas práticas, quer sejam estas ao nível da pesquisa elegendo aquela
como objeto empírico, quer nas relações de cuidar. Interessante será, igualmente, de
constatar que um dos precursores do transpessoal, Ken Wilber, referido por Besthorn
(2001), conta atualmente com um número considerável de seguidores, adeptos da sua
teoria integral, em diferentes campos profissionais (desde a saúde, psicologia, politica,
educação, espiritualidade, entre muitos outros). Apesar deste movimento emergente há,
pelo menos, três décadas, muitos assistentes sociais e outros profissionais que cuidam de
pessoas ou de investigadores encontram-se pouco sensíveis ou conscientes da
importância da espiritualidade no cuidar. Em Portugal, desconhece-se da existência de
pesquisas sobre o papel da espiritualidade no trabalho social, o mesmo já não acontece
nas ciências da saúde ou da consciência, nomeadamente, com os trabalhos desenvolvidos
através do Centro Transdisciplinar de Estudos da Consciência. O primeiro valor espiritual
Rui Pedro Ventura
98
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
orientador para um trabalho social impregnado de sensibilidade espiritual é a compaixão. A
compaixão significa literalmente paixão em relação a outros. O sentimento de compaixão
implica empatia com os outros. Constitui, ainda, uma resposta solidária ao sofrimento de
outros. A espiritualidade é um comprometimento do “coração” para um trajeto espiritual
tendo em vista promover bem-estar junto das pessoas e de todas as criaturas. O tema da
compaixão tem uma relação com uma ligação entre “coração” com “coração” em serviço
expresso, igualmente, na Filosofia Tradicional Chinesa. A principal virtude que o
Confucionismo dá ênfase é “Ren” (termo Chinês) que significa benevolência e humanidade.
Estes caracteres Chineses são formados como se acrescentassem dois lados, significando
conexão, símbolo para “Pessoa”. O mesmo significa que para se ser um ser humano
genuíno este tem que estar ligado. Crescemos com um sentido de ligação, de
responsabilidade com outras pessoas, outras criaturas. No mais íntimo do ser, como que
uma apetência inata, procura-se ajudar a nós próprios e ao Mundo tendo como meta sarar
“feridas”. Todas as tradições espirituais se dirigem ao sofrimento, à injustiça, à imoralidade
e à morte, procurando o seu remédio e um sentido de transcendência para o que acontece.
A sabedoria de Confúcio Mencius realça para o facto de todos sem exceção terem um
coração, sofrendo com o sofrimento de outros, sem um coração com compaixão não
seriamos humanos. Com efeito, o carácter Chinês de mente encontra-se perfilado com um
coração, indicando que a mente humana é fonte de sentimento, de caridade e
preocupação. A espiritualidade já se encontra expressa, amplamente, em princípios éticos,
difundidos pela National Association of Social Workers (NASW) e no Council on Social
Work Education (CSWE) e na International Associations of Schools of Social Work e
International of Social Workers (IASSW/IFSW). Os princípios foram delineados de modo a
estes poderem vir a ser adotados por cada profissional e adaptados a cada contexto
nacional e cultural. Os princípios incorporam uma orientação para uma ética responsável,
para a defesa de Direitos, para a Paz Social, para a mudança e o empowerment, o que, em
grande medida, reflete essa sensibilidade espiritual no trabalho social. Tal facto traduz uma
conjugação entre uma atitude dinâmica e de troca entre visões diferentes de acordo com a
diversidade espiritual e os contextos sociopolíticos. Em termo do trabalho social prático
com sensibilidade espiritual, aquele tem em vista a aplicação de conhecimentos, valores e
competências para ajudar as pessoas a alcançar as suas metas, zelando pelas
necessidades materiais, biológicas, psicológicas e relacionais de acordo com as
prioridades e aspirações dos clientes e comunidades. Trata-se de um trabalho social que
orienta, deste modo, as pessoas a recorrerem às suas próprias potencialidades e recursos
do meio de modo sócio e ecologicamente responsável. Em termos da justiça social, a
espiritualidade no trabalho social tem em vista desenvolver os meios para uma mudança
Rui Pedro Ventura
99
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
positiva no sentido da justiça social, em prol das pessoas e grupos de pessoas oprimidas e,
ainda, descriminadas negativamente pelas suas orientações espirituais ou religiosas. Por
isso, procura desenvolver os meios necessários a suprimir ou, pelo menos, a atenuar os
efeitos de um ambiente de racismo e de xenofobia, de injustiça social tanto nacional como
internacional, de conflitos e de guerra entre culturas e nações e de todas as outras
atividades humanas destrutivas para os sistemas ecológicos e extenso planeta Terra. O
cuidado é extensível, portanto, a qualquer lugar deste Mundo e para além deste. Em
termos da dignidade e valor da pessoa humana, a espiritualidade no Trabalho social
procura uma abordagem da pessoa humana com compaixão e respeito, consciente das
dissemelhanças individuais e culturais, incluindo as diferenças espirituais e religiosas. No
contexto das normas e dos papéis profissionais, considera a pessoa na sua totalidade e
integridade, avaliando os traços das pessoas de modo flexível, colaborativo e orientado
para os valores dos clientes e das suas comunidades. Respeitam-se as diferenças
procurando junto destas criar um terreno propício à cooperação. Atendem-se às
necessidades humanas comuns e universais, encarando a existência humana como
estando impregnada de um sentido, um propósito, uma moralidade e uma felicidade que
deve emergir em cada um e nas relações interpessoais. Procura promover a
autodeterminação das pessoas, das culturas e das nações, num contexto de
responsabilidade social e global. Em termos das relações, advoga que relações sociais
saudáveis entre pessoas e outras criaturas são importantes para o desenvolvimento. Por
isso, procura implicar as pessoas considerando-as como parceiras nos processos de ajuda,
apelando, ainda, ao conhecimento dos sistemas espirituais, religiosos e não religiosos
como uma fonte importante para essa ajuda. A espiritualidade no trabalho social visa
fortalecer as relações entre pessoas e entre estas com outras criaturas tendo em vista
promover, reparar, manter e ampliar o bem-estar pessoal, familiar, dos grupos sociais, das
organizações, comunidade global e todos os ecossistemas onde cada um se encontra
inserido. Reconhece e respeita a identidade pessoal, os diversos modos de interrelacionamento pessoal e identidades familiares e comunitárias. Contribui para o
enriquecimento profissional do ponto de vista do conhecimento e das competências para
uma prática efetiva. Os profissionais em trabalho social com sensibilidade espiritual vão
obtendo um conhecimento relevante e competências práticas, especialmente, através da
observação que faz das formas explícitas de espiritualidade religiosas e não religiosas: das
crenças, dos símbolos, dos rituais, das práticas terapêuticas e dos sistemas de suporte
comunitário. Assim, na prática quotidiana, face à diversidade de modos de expressão da
espiritualidade das diferentes comunidades, culturas e tradições espirituais, o trabalho
social com sensibilidade espiritual desenvolve-se no respeito pelos valores, orientações
Rui Pedro Ventura
100
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
espirituais das pessoas e restantes membros dos grupos e comunidades. O profissional em
trabalho social com sensibilidade espiritual aprende como cooperar e colaborar com a
comunidade, muitas das vezes atuando como sistema de suporte de base espiritual,
cuidando modo não convencional e com a competência que lhe advém da cultura de quem
necessita. Uma abordagem ética destas questões irá colocar a necessidade de se fazer
uma distinção entre aquilo que deve ser considerado como adequado ou não de considerar
nas realidades observadas ou mobilizar do ponto de vista dos saberes e competências
práticas tendo em atenção as situações concretas das pessoas e dos contextos culturais.
Face a uma população – específica, uma localidade – específica, e uma cultura –
específica, o trabalho social tem de partir da observação do “terreno”. Para o efeito, tornase necessário que o trabalho social esteja aberto à diversidade de perspetivas e senso
comum apelando a um exame detalhado das mesmas. Além disso, importa zelar para que
nenhuma orientação espiritual religiosa ou não religiosa seja imposta às pessoas e suas
comunidades sem terem em consideração a livre escolha. O uso de conceitos e de
atividades de cuidar dependem das metas, aspirações e visões daqueles a quem os
cuidados são dirigidos. O cruzamento da espiritualidade no trabalho social com a
globalização poderá resultar numa vantagem útil para abordar questões como a promoção
dos Direitos Humanos ou contrariar as formas mais prejudiciais que comprometem os
mesmos Direitos, como a expansão dos conflitos bélicos e militares, a exploração
económica transnacional, etc. O desafio que é colocado, presentemente, é de saber como
a espiritualidade no trabalho social poderá continuar a expandir-se no sentido do bem-estar
pessoal, social e ecológico para todas as pessoas e criaturas do Planeta. Ora, os
profissionais em trabalho social que investem na espiritualidade procuram desenvolver
conhecimento em que local e global se tornem compatíveis, ligando o Norte e Sul, Este e
Oeste, através da colaboração não hegemónica e de mútuo reconhecimento na
diversidade. Ao procurar no âmbito do presente investigação trabalhar o tema da
espiritualidade estávamos cientes da sua importância no trabalho social e dos cuidados a
adotar pelos profissionais em termos da abordagem com as pessoas e comunidades que
cuidam. A avaliação espiritual dá enfoque ao potencial espiritual implícito. Adverte-se,
porém, para que na avaliação do potencial espiritual a pessoa não deva ser reduzida a
problemas, patologias, sujeito de diagnósticos de modo fragmentado. Se a pessoa se
encontra a lidar com problemas específicos ou fragilidades, tal facto terá relacionado com
todo o seu contexto pessoal e ambiental, incluindo o espiritual. As pessoas devem ser
ajudadas facilitando nestas os seus talentos, habilidades, capacidades, sem descurar os
necessários laços interpessoais que as faz ligar à sua comunidade, e contribuir para que as
mesmas encontrem as suas aspirações. Os seus potenciais e recursos, seja qual for a
Rui Pedro Ventura
101
CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
relevância que lhes seja atribuída, são para ter em linha de conta complementarmente com
o sentido de vida e de evolução, o entendimento dos problemas e modo de os transmutar
no sentido do crescimento, cura, recuperação, restabelecimento e resiliência. Apesar do
enfoque no agora, o passado constitui, igualmente, uma importante fonte no sentido em
que este poderá permitir resgatar memórias que dificultem o crescimento e transmutar
medos numa valorização de si, permitindo ter um efeito catalisador e de esperança em
relação ao futuro. Avaliar a espiritualidade implica colocar as questões de modo implícito.
Em primeiro lugar, torna-se desejável cultivar uma relação carinhosa com a pessoa que
necessita de cuidado, sem falar explicitamente de religião ou de espiritualidade. Lança-se,
no máximo, uma deixa à pessoa, dando-lhe abertura para que esta se exprima livremente,
demonstrando recetividade, interesse e respeito por qualquer assunto que se manifeste
como importante para ela. A avaliação espiritual implícita poderá ser facilitada colocando
questões em aberto, lançando temas relacionados com a religião e a espiritualidade e
procurando, igualmente, ter uma linguagem de fácil acesso e não religiosa. As respostas
das pessoas podem facultar deixas importantes para uma avaliação espiritual implícita,
constituindo uma oportunidade para que as mesmas se vão tornando cada vez mais
explícitas com a ajuda do facilitador. Em termos dos princípios éticos, os profissionais em
trabalho social devem aplicar práticas explicitamente orientadas para as pessoas em
função de dois princípios:
Ter uma significativa experiência pessoal e um treino formal suficiente com essas pessoas;
Assegurar que tais práticas sejam congruentes com os interesses das pessoas (clientes),
dos valores, das metas e das suas crenças.
Em geral, torna-se útil escolher práticas espirituais que reforcem as forças das pessoas a
quem se destinam os cuidados de modo a providenciar um equilíbrio necessário para fazer
face aos seus infortúnios e problemáticas extremas. No entanto, todas as práticas
espirituais (como a meditação, a contemplação, a oração, exercícios respiratórios
holotrópicos) requerem prudência. Torna-se necessário designadamente ter uma mente
clara e um conhecimento profundo do que se está a fazer, rompendo com preconceitos e
juízos. Existe uma variedade de técnicas relacionadas com sistemas terapêuticos que
requerem cuidado no seu uso, tais como as terapias cognitivas e comportamentais,
vocacionadas, em particular, para a saúde ou a saúde mental. As terapias de meditação
proporcionam a diminuição do stress, da ansiedade, da depressão (não clínica), ajudam
nas doenças cardiovasculares, incrementam uma capacidade de autocontrolo, expressões
de espiritualidade, criatividade e outros benefícios positivos, empatia, aceitação, ajudando,
também, a melhorar a perceção, tempos de reação e concentração. Certos tipos de
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
meditação podem induzir a mudanças significativas e melhorias ao nível da consciência,
associadas a mudanças dos sistemas neurológicos, químicos e funcionamento do cérebro.
As práticas prudentes demonstram ser efetivas no que respeita a distorções da
personalidade, desordens do estado de espírito e mentais (psicoses), gestão da dor,
violência com os seus pares e modo de lidar com uma série de doenças. Em suma, a
sensibilidade espiritual releva não só aspetos do bem-estar pessoal mas ao nível da
promoção da harmonia local e global. A espiritualidade no trabalho social dá enfoque aos
potenciais e recursos disponíveis, através de uma avaliação especializada que incorpora
espiritualidade e religião na prática do Trabalho social. Procura ajudar as pessoas a
remover os seus obstáculos inclusive que a espiritualidade ou a religião poderá ter para
estas. Na verdade, como qualquer aspeto da vida humana, a religião e a espiritualidade
(religiosa ou secular) para além de poderem ser usadas como suporte, podem, também,
servir para impedir a satisfação e a justiça social individual. Em diversos países existem
experiências religiosas e práticas espirituais que proporcionam grande consolo, poder,
beleza, sabedoria e empowerment, como, também, podem estar na origem de
manifestações nocivas que podem prejudicar. Um trabalho social com orientação espiritual
pretende facilitar o crescimento potencial e recurso de quem se cuida, bem como, das
comunidades em que se encontram inseridas, procurando transformar problemas e
obstáculos, trabalhando nestes, com o objetivo de obter elevados benefícios ao nível do
bem-estar mas, também, ao nível da justiça social. Esta aproximação à espiritualidade pelo
trabalho social, na prática, assume uma diversidade de contornos em função da
diversidade de inspirações espirituais e culturais. Desejavelmente, a espiritualidade no
trabalho social, tal como se tem vindo a desenhar pode vir a servir como referencial e
proporcionar, ainda, um diálogo em termos internacionais podendo vir a contar com a
colaboração de profissionais em trabalho social em todo o Mundo. Muitos profissionais
começam a sentir-se encorajados a adotarem aspetos que consideram ser de adotar do
ponto de vista da espiritualidade e a rejeitar o que consideram não ser de adotar. Um
processo internacional que estimula o diálogo multicultural possibilitará uma aprendizagem
mútua e uma colaboração do ponto de vista da investigação, promovendo a inovação no
trabalho social com relevância local e global. A espiritualidade no trabalho social tem por
finalidade promover o bem-estar em todas as pessoas e criaturas. Para o efeito, torna-se
necessário que os profissionais em trabalho social desenvolvam valores, conhecimentos,
competências, qualidades relacionais, com uma ampla consciência, ligando-se ao Local, às
situações concretas, tal como ao global e ao Cosmos. Ainda que o tema da espiritualidade
no trabalho social seja uma matéria extensa, em termos de objetivos afigura-se importante
atenuar ou prevenir a ocorrência de situações que conduzam ao sofrimento das pessoas,
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
de grupos e de comunidades (abrangendo outras criaturas) e de todas as situações
geradoras de divisões negativas e conflitos no Mundo. Considerando a reflexão anterior em
torno da importância do tema da espiritualidade no trabalho social que se procurou fazer
tendo em vista encontrar uma fundamentação para a presente pesquisa, afigura-se-me por
demais pertinente não só introduzir o tema no contexto do trabalho social português, bem
como o desenvolvimento de uma investigação mesmo que de natureza exploratória
começando por compreender os modos de entendimento e de expressar a espiritualidade
junto de profissionais dando um enfoque especial aos contextos profissionais onde podem
ocorrer práticas com uma orientação ou sensibilidade espiritual.
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CONTRIBUTOS PARA UM MODELO DE TRABALHO SOCIAL HOLÍSTICO
CAPITULO VI – BIBLIOGRAFIA
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