Simpósios de 01 - iv simpósio mundial de estudos de língua

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Simpósios de 01 - iv simpósio mundial de estudos de língua
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SIMPÓSIO 1
DO GALEGO AO BRASILEIRO, PASSANDO PELO PORTUGUÊS
O galego é vítima de um ocultamento quase sistemático nos estudos diacrônicos e sincrônicos sobre
o português nos centros de pesquisa brasileiros. Esse ocultamento é resultante de uma ideologia
multissecular. Na Espanha, o centralismo do castelhano tem mantido as demais línguas do território
à margem do poder; mesmo com a cooficialização do galego, do basco e do catalão nos últimos 40
anos, o assim chamado “espanhol” continua a gozar dos máximos privilégios na política linguística
oficial. Em Portugal, a necessidade de afirmação política frente à vizinha Espanha, sempre maior e
mais rica, levou a sociedade portuguesa a dar as costas ao galego, relegado a suas próprias
dinâmicas de língua “rústica” e desprovida de poder político. A própria criação do termo “galegoportuguês”, no século XIX, revela o desejo de reescrever a história de formação do português como
uma língua derivada diretamente do latim, quando de fato foi o galego medieval que, levado cada
vez mais para o sul, acabou por receber o nome de “português” na franja ocidental da península que
veio a se constituir como Portugal, nação soberana. No entanto, o conhecimento do galego antigo e
moderno, de suas dinâmicas sociolinguísticas e de sua história social é fundamental para uma
reestruturação dos estudos sincrônicos e diacrônicos, sobretudo quando, conforme nossa proposta,
não se pode mais falar de uma “língua portuguesa”, mas sim de uma família de línguas derivadas do
galego medieval e, posteriormente, do português levado ao resto do mundo pelos navegadores do
século XVI. A essa família damos o nome de portugalega e nela incluímos o galego, o português
europeu, o português brasileiro, bem como todos os chamados “crioulos de base portuguesa”
espalhandos mundo afora, além, é claro, das modalidades de “português” que se desenvolveram nas
ex-colônias portuguesas da África.
COORDENAÇÃO
Marcos Bagno
Universidade de Brasília
[email protected]
Xoán Carlos Lagares
Universidade Federal Fluminense
[email protected]
Jussara Abraçado
Universidade Federal Fluminense
[email protected]
Valéria Gil Condé
Universidade de São Paulo
[email protected]
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AS RAÍZES INVISÍVEIS: O PROCESSO DE APAGAMENTO DO GALEGO DA
HISTÓRIA, DA CULTURA E DA LINGUÍSTICA LUSO-BRASILEIRA
Marcos Bagno – UnB
As vicissitudes históricas que levaram ao surgimento da entidade política Portugal no século XII
são as mesmas que explicam, não por acaso, os invólucros semânticos de que a palavra galego se
revestiu ao longo da história portuguesa e, na sua esteira, da história do Brasil. Entre nós, galego
designa, quando muito, um tipo de limão, o indivíduo de cabelos loiros (no Nordeste) e todo e
qualquer português (no Rio de Janeiro). Nos estudos linguísticos, galego nunca vem sozinho, para
designar uma língua, mas sempre com seu apêndice - português, no composto galego-português,
invenção da filologia portuguesa do século XIX para designar a língua da poesia medieval
“portuguesa”, uma língua que era em tudo simplesmente o galego. Com isso, mesmo no ambiente
dos estudos linguísticos brasileiros, o galego como língua antiga, medieval e moderna é
praticamente uma entidade invisível, da qual não se fala, nem nos cursos universitários, muito
menos, é óbvio, no ensino fundamental e médio. O resultado desse apagamento – que revela o
sucesso da ideologia promovida em Portugal para a separação definitiva do país (e de sua cultura e
de sua língua) da temida Espanha – se verifica, nos meios eruditos, pela tradicional explicação dos
estudos linguísticos históricos das origens do português: a conhecida fórmula “latim → português”,
como se o português tivesse surgido diretamente de uma das variedades do latim imperial, quando
de fato o português é a simples continuação histórica do galego antigo, este sim resultante das
transformações sofridas pelo latim imperial no noroeste da Península Ibérica. Nossa comunicação
visa demonstrar como esse processo ideológico se constituiu e o que é necessário fazer para
descontruí-lo em prol de uma abordagem menos dissimulada dos fatos históricos.
CONFLITO NORMATIVO E IDENTIDADE LINGUÍSTICA NA GALIZA
Xoán Carlos Lagares – UFF
A divergência histórica das falas galego-portuguesas medievais tem causas fundamentalmente
políticas, relacionadas com diferenças sociais no momento histórico da gramatização (Auroux
1992), no século XVI, e com o posterior estabelecimento de uma fronteira entre Estados, que
orientou as práticas linguísticas de um e doutro lado para diferentes centros normativos. No caso do
galego esse centro pertencia a um idioma diferente, que se sobrepunha socialmente, o castelhano, o
qual sem dúvida teve influência decisiva em sua deriva histórica. O debate normativo na Galiza
parte de diferentes interpretações da história linguística e de suas consequências (Lagares 2008,
2010). Apesar da sua complexidade, podemos reduzir as propostas existentes em duas orientações
principais: a autonomista e a reintegracionista (vid. Sánchez Vidal 2010). A primeira dá
continuidade à tradição de escrita majoritária após o “Rexurdimento” do século XIX, quando os
escritores, que foram alfabetizados em castelhano, utilizam basicamente o sistema gráfico desta
língua para representarem o galego. Segundo essa orientação, o galego e o português seguiram
historicamente caminhos divergentes ao ponto de se terem “individualizado” como línguas
diferentes. Nesse sentido, entende-se que renunciar à construção de uma língua galega normatizada
assumindo o padrão do português suporia submeter a realidade linguística a uma violência
excessiva. A orientação reintegracionista, por outro lado, considera que o galego e o português,
apesar da separação histórica, continuam constituindo uma mesma língua e, em diversos graus, de
acordo com as tendências existentes, propõe uma aproximação à norma portuguesa. Louis-Jean
Calvet afirma serem as línguas uma criação dos linguistas e, ao mesmo tempo, o resultado de um
consenso entre os falantes, que se reconhecem como fazendo parte de uma determinada comunidade
linguística. Neste trabalho tentamos entender como se produz a interação entre a atividade
pesquisadora dos linguistas e a criação desse consenso, como as condições políticas objetivas ou as
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pretensões ideológicas de construção nacional influem na percepção que uns e outros têm de uma
“língua” em processo de "elaboração" (segundo a terminologia de Kloss) como a galega. Também
defendemos a importância de orientar a pesquisa sobre a “fronteira” ou o “continuum” galegoportuguês para a observação dos processos de acomodação linguística de emigrantes galegos no
Brasil, pois eles vivenciaram processos de adaptação a uma nova realidade linguística que supunha
o contato com uma variedade relativamente próxima do ponto de vista sistêmico-estrutural, embora
distante em termos sócio-históricos e políticos. Pensamos que a pesquisa sobre as representações
dos falantes e suas estratégias de acomodação linguística nos permitirá enxergar pontos que ajudem
na formulação de políticas concretas de reinserção do galego no espaço cultural e econômico da
lusofonia.
ORDEM DE PALAVRAS NO PORTUGUÊS BRASILEIRO E NO GALEGO: A
VEICULAÇÃO DE ENUNCIADOS SUBJETIVOS
Jussara Abraçado – UFF
Considerando que a subjetividade se refere a recursos próprios das línguas naturais que possibilitam
a seus usuários a expressão de si mesmos, de suas atitudes e crenças, e com o suporte teórico do
funcionalismo linguístico, apoiado nas contribuições de Givón (1985), Thompson e Hopper (2001)
e Traugott (2010), entre outros, este trabalho tem como proposta apresentar os resultados de
pesquisa em desenvolvimento sobre a ordem de palavras, mais especificamente, sobre o emprego da
ordem verbo-sujeito (VS) veiculando enunciados subjetivos no Português do Brasil (PB) e no
Galego contemporâneos. A motivação para tal investigação é a de aferir se a relação entre ordem de
palavras e subjetividade, verificada em pesquisas realizadas em línguas diversas, observa-se
também no uso que se faz da VS no PB e no Galego. Para tanto, foram analisadas as ocorrências da
VS na fala de 12 informantes da Amostra Censo (Projeto Censo da Variação Linguística no Rio de
Janeiro, PEUL/UFRJ) e de 13 informantes galegos do corpus A Nosa Fala (Arquivo Sonoro de
Galícia, USC). Os resultados obtidos a partir da coleta e análise dos dados realizadas até então
demonstram que, tanto no PB quanto no Galego, a VS ocorre desempenhando a função aqui
destacada.
SIGNIFICADOS SEMÂNTICOS DO SUFIXO–ARIA/-ERIA NAS LÍNGUAS GALEGA E
PORTUGUESA NO PERÍODO MEDIEVAL
Valéria Gil Condé – USP
Este trabalho integra o Grupo de Morfologia Histórica do Português, desenvolvido na Universidade
de São Paulo e pretende demonstrar se alguns dos significados semânticos do sufixo –aria/- eria das
línguas portuguesa e galega presentes no período de formação das referidas línguas ainda se
encontram em vigência na atualidade.
O GALEGUISMO NO BRASIL NAS DÉCADAS DE 1930 A 1950
Antón Corbacho Quintela – GALABRA/UFG
Durante o séc. XX, em contraste com os milhares de imigrantes galegos, só pouco mais de uma
dezena de agentes profissionais da cultura oriundos da Galiza escolheram o Brasil como país de
residência. A trajetória de um deles, um suposto exilado, Álvaro de Las Casas (1901-1950),
intelectual nacionalista da Galiza, pareceu-nos especialmente significativa; por um lado, porque,
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embora não renunciasse à reivindicação, através da sua produção ensaística e literária, da identidade
galega como uma identidade distinta no contexto espanhol, não almejou coordenar ideologicamente
um grupo de imigrantes galegos no Brasil e, por outro lado, porque demonstrou que os seus
principais objetivos intelectuais eram a sua inserção no sistema literário brasileiro e a decorrente
obtenção de reconhecimento e canonização no campo cultural. Isto é, Álvaro de Las Casas não
encarnou o modelo nem do intelectual estrangeiro brasilianista nem do estrangeiro promovedor ou
animador da cultura nacional diferencial de uma colônia de imigrantes. Todavia, no segundo lustro
da década de 1930, Las Casas alcançou um fulgurante sucesso no Brasil, como o demonstram o
corpus que ele deixou publicado e a fortuna crítica que esse corpus recebeu. Perante a vertiginosa
carreira intelectual de Las Casas no Brasil, cabe cogitar que ou, casualmente, o seu discurso literário
e jornalístico coincidiu com o gosto e o horizonte de expectativas de um considerável grupo de
receptores brasileiros, ou, deliberadamente, ele adaptou e direcionou os seus produtos ao sistema
brasileiro. Nos dois anos que passou no Brasil, 1937 e 1938, ele publicou seis obras. Trata-se de
Canciones y consejos de amor (1937) – um livro de versos e máximas –, Espanha (gênese de uma
revolução) (1937) e Angústia das nossas horas (A pátria. A democracia. Os ditadores. A guerra)
(1937) – dois ensaios sobre a circunstância bélica de Europa de entreguerras –, Os dois (1938) – um
romance de temática homoerótica ambientado na Galiza –, Na labareda dos trópicos (1938) – um
livro de viagens pelo Brasil seguindo roteiros turísticos alternativos pelo Norte e Nordeste – e
Sonetos Brasileños (1938) – uma antologia de sonetos brasileiros traduzidos ao espanhol, publicada
pela ABL. Nesta comunicação, serão comentados Os dois, os ensaios políticos antes indicados e
uma entrevista que Álvaro de Las Casas fez a Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, para o jornal
chileno El Mercurio, publicada aos 11 de junho de 1939. O nosso intuito é, em primeiro lugar,
sopesar as enunciações e os juízos de Las Casas nos dois ensaios assinalados e, em segundo lugar, a
observação da rápida inserção de Las Casas no campo cultural brasileiro. Almejamos ponderar em
que grau o habitus de Las Casas, o seu galeguismo, as suas interpretações da história europeia e os
seus posicionamentos políticos contribuíram para o seu fulgural sucesso no meio da intelligentsia
brasileira. O nosso segundo objetivo é a reconstrução da trajetória do único grupo galeguista
constituído no Brasil durante o séc. XX: o carioca A Irmandade Galega. Significativamente, as
notícias relativas ao galeguismo no Brasil procedem da imprensa galeguista de Buenos Aires.
Durante dez anos (1946-1956), o periódico A Nosa Terra publicou as notas que lhe enviava Victor
M. Balboa sobre as atividades realizadas por esse grupo de galeguistas cariocas. Esse grupo – a
Irmandade Galega – não tinha local, nem estatuto; nas suas reuniões, coordenadas por Balboa,
debatia-se que se poderia ser feito em prol do galeguismo no Brasil. No nosso parecer, ambos os
objetivos poderão derivar na estruturação das causas pelas quais, frente ao acontecido nos outros
países americanos em que se concentraram grandes colônias de galegos, não se constituíram, no
Brasil, entre as décadas de 1930 e 1950, grupos reivindicadores e incentivadores dos traços
identitários culturais da nação galega.
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SIMPÓSIO 2
VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E DIREITOS LINGUÍSTICOS
Ao longo da história das sociedades, especialmente pós-colonialismo, a padronização e a
homogeneização das línguas têm sido uma das maiores ferramentas de opressão de minorias e causa
da extinção de muitas línguas e variedades de línguas. É o que podemos constatar no Brasil, pois, a
despeito do fenômeno de variação linguística em decorrência de estratos sociais e da existência de
línguas de minorias étnicas em todo o território nacional, não há políticas linguísticas que garantam
o direito de registro e de usos, em todas as instâncias, de dialetos sociais ou regionais e de línguas
étnicas. Ao contrário, as políticas existentes reconhecem e favorecem somente a língua portuguesa
bem como uma única variedade dessa língua, a chamada norma padrão. Em consequência disso, os
falantes de variantes não padrão ou de certos dialetos regionais, bem como falantes de línguas
étnicas estão cada vez mais suscetíveis a fenômenos de hipercorreção, insegurança linguística, e
atitudes linguísticas que levam ao preconceito, estigmatização e exclusão. Este grupo de trabalho
discutirá fenômenos sociolinguísticos, descrição e revitalização de línguas indígenas, direitos
linguísticos com o objetivo de contribuir por meio da pesquisa e do debate para o fortalecimento de
ações sociais de apoio aos grupos ameaçados de extinção cultural e ou em seus direitos linguísticos,
partindo do pressuposto fundamental de que os diferentes falares e a diversidade linguística são
inerentes às sociedades humanas em todo mundo.
COORDENAÇÃO
Eliane Pereira Machado Soares
Universidade Federal do Pará
[email protected]
Austria Rodrigues Brito
Universidade Federal do Pará
[email protected]
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PRECONCEITO LINGUÍSTICO E A FUNÇÃO DA ESCOLA PARA SUA
CONSCIENTIZAÇÃO
Maridelma Laperuta-Martins – UNESP-CAr
A presente comunicação tem por objetivo expor o desenvolvimento de minha pesquisa de
doutorado, provisoriamente intitulada: “A sociolinguística e o ensino de língua portuguesa: uma
proposta para um ensino aprendizagem livre de preconceitos”. Trata-se de um projeto de pesquisa
que se inicia a partir de um percurso de sete anos no ensino de língua portuguesa no curso de Letras
da UNIOESTE – campus Foz do Iguaçu-PR –, observando o discurso dos alunos de graduação e de
professores de Ensino Fundamental (EF) e Ensino Médio (EM) (com quem trabalho em cursos de
formação continuada) sobre suas atitudes linguísticas e concluindo, empiricamente, a existência de
preconceito linguístico nesses discursos. A partir dessa conclusão, trago à tona a hipótese de que é,
apenas, por meio da escola que se pode fazer um trabalho de conscientização linguística que possa
amenizar discursos e atitudes preconceituosas sobre a linguagem (das pessoas com relação à sua
própria língua e com relação à língua do “outro”). Estou realizando, então, uma pesquisa aplicada
de abordagem qualitativa com os seguintes passos: 1. averiguação/comprovação, por meio de
entrevistas semiestruturadas, com um grupo de professores de EF e, por meio de testes de crenças,
com um grupo de alunos do mesmo nível, de seus discursos preconceituosos sobre a linguagem; 2.
discussão/debate, com esse mesmo grupo de professores os pressupostos teóricos da
Sociolinguística; 3. elaboração, ainda com esse mesmo grupo de professores, de uma sequência de
atividades de ensino que abordou amplamente questões como variação e mudança linguísticas,
homogeneidade/heterogeneidade linguísticas, normas (padrão, não padrão, culta, etc.), o vernáculo,
estigma e prestígio, preconceito linguístico, entre várias outras (atividades que foram aplicadas
pelos professores aos seus alunos); 4. verificação, novamente, por meio das entrevistas com o
mesmo grupo de professores e dos testes com alunos, dos resultados da aplicação dessas atividades,
o que tem confirmado a hipótese desta proposta de pesquisa. Neste momento, todos os itens acima
já foram executados e estamos fazendo análise e triangulação dos resultados obtidos nas entrevistas
e testes e da aplicação das atividades sobre variação e preconceito linguístico aos alunos dos
professores participantes. Como considerações parciais, temos o desconhecimento quase absoluto
dos alunos sobre o que é preconceito linguístico, antes da aplicação das atividades – situação que se
inverte depois das atividades e crenças equivocadas (de acordo com a Teoria Sociolinguística) sobre
a linguagem, antes das atividades – situação que se ameniza, também depois das atividades. A
pesquisa mostrou a necessidade e urgência de se trabalhar de modo incisivo questões de variação
linguística para que a conscientização (na vertente de Paulo Freire), pelos alunos, sobre a realidade
linguística, possa ser obtida.
ONDE ESTÁ A POLÍTICA LINGUÍSTICA?
Carla Macedo Martins – FIOCRUZ
A comunicação, oriunda de pesquisa preliminar e exploratória, tem como objetivo contribuir para a
abordagem de duas questões centrais à política linguística: o conceito de “instrumentos linguísticos”
(Auroux, 1992) e as formas de opressão das línguas (minoritárias). Quanto à primeira questão,
observa-se que a literatura vem se restringindo a analisar, como instrumento linguístico de
instituição das línguas e dos Estados, somente as gramáticas e os dicionários (NUNES, 2006;
ORLANDI, 2001; MARIANI, 2004; entre outros). No que tange à segunda questão, sobretudo
considerando a tradição sociolinguística desenvolvida no Brasil, a discussão dos direitos
linguísticos tende a focar na opressão a determinadas variantes morfossintáticas e fonéticas. A
presente comunicação se inscreve nestas tradições de crítica às formas de homogeneização
linguística, porém pretende contribuir para ampliar estas abordagens, indicando, como instrumentos
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linguísticos - e, portanto, como parte do campo dos estudos linguístico-discursivos - os manuais e
cartilhas produzidos pelo Estado brasileiro na área da atenção básica em saúde. Na atenção básica,
enfocamos, em particular, aqueles materiais dirigidos aos agentes comunitários de saúde – o
trabalhador definido como uma “ponte” entre serviços de saúde e comunidade. O corpus da análise
é composto por dois manuais, intitulados O trabalho do agente comunitário de saúde (Ministério da
Saúde, 2000) e O Guia prático do agente comunitário de saúde (Ministério da Saúde, 2009). O
primeiro se apresenta como um instrumento orientador de ações a serem desenvolvidas no primeiro
nível de atenção à saúde; se organiza em dois blocos, sendo o segundo voltado exatamente para a
apresentação de estratégias de incentivo à participação e à orientação dos procedimentos para
diagnóstico da comunidade. O segundo material tem o intuito de orientar o agente durante as visitas
domiciliares, pautadas fundamentalmente pela interação verbal entre agente e famílias. A
metodologia direcionou-se a destacar, nos manuais, o discurso em torno da interação verbal, assim
como as definições e os glossários presentes nos mesmos. A análise aponta que cartilhas e manuais
têm como um de seus focos o controle e a gestão discursiva das interações verbais – ao preescrever,
por exemplo, como o agente deve se dirigir à comunidade – abrindo, para os estudos sóciolinguísticos, novos desafios sobre as formas de homogeneização e padronização lingüística. A
padronização da interação verbal se articula com a instituição de uma determinada forma de ser
cidadão, de ser sujeito social, e de ser “saudável”. Assim, concluímos que inúmeros materiais
relacionados à institucionalização do cidadão e do Estado nacional podem ser objeto de interesse
das pesquisas sócio-linguísticas, uma vez que estes também expressam políticas de língua. Em
suma, a comunicação tem como resultante a problematização em torno das políticas linguísticas:
onde estão e quais são suas formas?
UMA ANÁLISE SOCIOLINGUÍSTICA DE TERMOS E EXPRESSÕES PARAIBANAS DE
ORIGEM AFRO-BRASILEIRA
Josete Marinho de Lucena – UFPB
A diversidade cultural, social e linguística do Brasil, fruto, sobretudo, da formação étnica a que
foram submetidas as terras brasileiras, tornou-se terreno fértil para estudos nas mais variadas áreas
do conhecimento. Entretanto, ver-se que a relação língua, cultura e sociedade são tão próximas, que
há dificuldade em falar de um desvinculado do outro. É com este olhar que nos propomos a analisar
uma amostra do corpus inicialmente levantada pelo projeto Aspectos da cultura paraibana: uma
abordagem léxico-semântica, o qual se desenvolve em três microrregiões do estado: Agreste, onde
está localizado o município de Guarabira, a pesquisa de campo acontece na feira livre; Brejo, onde
está localizada a histórica cidade de Areia. Desta região trabalhamos as cartas do areense Simeão
Leal; no Sertão a pesquisa é sobre a Festa do Festa de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, que
acontece no mês de outubro, no Povoado de Serra do Talhado, próximo a Santa Luzia; da Zona da
Mata, o objeto de estudo é a obra de José Lins do Rego e, do Cariri Ocidental a pesquisa é realizada
na obra de Ariano Suassuna. Apesar dos ditames da Globalização, o povo paraibano traz nos seus
hábitos marcas indeléveis de tradições culturais e linguísticas. Hábitos descritos tanto por escritores
paraibanos como percebidos no jeito de falar do povo. Mediante tal realidade, é objetivo deste
trabalho analisar termos e expressões da linguagem do paraibano, que sofreram influência do
elemento africano. Servirão de bases teóricas para este estudo os pressupostos teóricos
metodológicos do léxico, da Sociolinguística e da Etnolinguística.
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ESTUDO DE CARACTERÍSTICAS FONÉTICAS PRESENTES NO DIALETO CAIPIRA
NA REGIÃO DO MÉDIO TIETÊ
Rosicleide Rodrigues Garcia – USP
Em 1920, na obra O dialeto caipira, Amadeu Amaral destinou um capítulo denominado “Fonética”
para as suas observações de como ocorriam a pronúncia de determinados fonemas no cito dialeto.
Embora tais anotações sejam riquíssimas e ainda usadas como fontes de estudo, quase um século
depois se faz necessário identificar as ocorrências fonéticas de modo a ratificar os relatos do autor,
além de aprimorar seus estudos, já que, ele mesmo, em sua introdução, solicita que novos dados
sejam levantados a respeito do assunto. Assim sendo, a presente pesquisa tem como objetivo fazer
um levantamento dos fonemas que aparecem frequentemente e caracterizam o dialeto caipira da
região do Médio Tietê – especificamente nas cidades de Capivari, Itu, Porto Feliz, Santana de
Parnaíba, Pirapora do Bom Jesus, Piracicaba e Tietê. Para isso, foram realizadas vinte e oito
entrevistas livres, selecionando duas mulheres e dois homens de cada cidade, todos com idade
acima de sessenta anos, brasileiros natos e de baixa escolaridade. As entrevistas buscaram histórias
do passado de seus informantes, de modo que, por meio da livre escolha de palavras, fosse possível
recuperar marcas linguísticas que possivelmente desapareceriam em leituras ou com a utilização de
questionários. Este estudo faz parte da tese de doutorado Aspectos da prosódia do português caipira
que pretende descrever o dialeto caipira sob a perspectiva prosódica. Para isso, o levantamento dos
fonemas faz-se necessário, pois se percebeu que dados elementos fonéticos são responsáveis por
estenderem a duração dos acentos lexicais mediante alguns fonemas, isto em comparação ao dialeto
paulista. Porém, tais afirmações são base para outro estudo, e este, em especial, pretende atualizar
os dados que temos acerca do mesmo dialeto.
SANTA CASA DE MISERICÓRDIA NA BAHIA E REGISTROS DE UM DE SEUS
LADOS... NEGROS?
Antonia da Silva Santos – UFG
Marcas históricas gravaram o modo de vida de africanos escravizados habitantes da Santa Casa de
Misericórdia, na Bahia do século XIX, o que, na verdade, não garante o reconhecimento da
remanescência cultural da versão identitária interna ou externa daquela comunidade. Neste trabalho,
pretende-se apresentar uma visão de registros de assentamento de sujeitos de diferentes nações,
sujeitados à Santa Casa, e que, talvez, tenham rompido barreiras e atingido histórias comuns.
PRODUÇÃO VOCÁLICA E SÍNDROME DE DOWN: PANORAMA GERAL
Marian Oliveira – UESB
Vera Pacheco – UESB
Considerando que a síndrome de Down (SD) é uma alteração genética que ocorre durante a divisão
celular do embrião e acarreta, dentre outros coisas, hipotonia da musculatura orofacial e
macroglossia, neste trabalho, Produção vocálica e síndrome de Down: panorama geral,
buscamos apresentar as características acústicas das vogais orais produzidas por sujeitos com
Down, detectadas na tese de doutorado, Sobre aprodução vocálica na síndrome de Down:
descrição acústica e inferências articulatórias, defendida em 2011, e que partiu da hipótese de
que as características anatômicas dos sujeitos com Down interferem no sinal acústico das vogais
orais, quando produzidas por esses sujeitos. Com essa pesquisa buscamos responder a questões
como: a) quais as implicações da hipotonia orofacial e macroglossia na configuração acústica das
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vogais orais produzidas por esses sujeitos?; b) qual o padrão acústico dessas vogais, produzida por
sujeitos com Down? Objetivamos, com este trabalho: i) descrever acusticamente as vogais orais
produzidas por sujeito adulto com SD a fim de compreender eventuais especificidades dessa vogal
produzida por esses sujeitos; ii) comparar o padrão acústico encontrado para as vogais produzidas
pelo sujeito com SD, em relação ao padrão da mesma vogal produzida pelo sujeito sem síndrome e,
iii) contribuir com o conhecimento acerca dessa situação peculiar que, além de pouco explorada,
oferece várias possibilidades de olhares. Com base na Teoria Fonte-Filtro, de Fant (1960),
mensuramos em script, via Praat, os valores dos três primeiros formantes dos dados de 08 sujeitos
adultos, dos sexos feminino e masculino, naturais de Vitória da Conquista, Bahia-Brasil, 04 com SD
e 04 sem a síndrome. Na análise, partimos dos pressupostos da Teoria Fonte e Filtro da produção a
fala (FANT, 1960), segundo os quais medidas acústicas fornecem pistas articulatórias da produção
vocálica, sendo possível, pois, por meio dos valores de F1, F2 e F3, determinar a qualidade de uma
vogal. As diferenças entre as médias dos valores de F1, F2 e F3 encontrados foram avaliadas
através do teste não paramétrico Kruskall-Wallis. Foram consideradas diferenças significativas,
entre as médias, os valores de p menores que 0.05, para alfa=0.05. Os resultados obtidos mostram
que os sujeitos com Down não distinguem vogal tônica de vogal átona. Este trabalho, portanto,
apresenta uma síntese dos resultados observados na tese que demonstrou que embora as
características acústicas das vogais orais de pessoas com Down apresentem diferenças em relação
às vogais produzidas por sujeitos sem Down, tendo em vista as trajetórias articulatórias percorridas
por aqueles sujeitos, características fonológicas estão preservadas nos segmentos vocálicos
produzidos por eles. Este estudo tem relevância para as questões que são tocadas no Simpósio
Variação Linguística e Direitos Linguísticos, uma vez que trata da fala de uma minoria bastante
estigmatizada - a população com síndrome de Down brasileira, cerca de 250 mil, conforme
organização mundial da saúde – e que precisam ter não apenas seus direitos linguísticos
reconhecidos, mas seu direito enquanto cidadão de direito.
A MONOTONGAÇÃO DO DITONGO [ej] NO CENTRO-OESTE E NO SUDESTE
BRASILEIRO A PARTIR DOS DADOS DO ATLAS LINGUÍSTICO DO BRASIL
Aluiza Alves de Araújo – UECE
Esta investigação trata da supressão da semivogal anterior do ditongo [ej] na língua portuguesa a
partir dos dados do Projeto Atlas Linguístico do Brasil (ALiB) sob o prisma da sociolinguística
variacionista. A monotongação, que consiste na passagem de um ditongo a uma simples vogal,
como peixe ~ pexe, teve origem no latim vulgar e o fenômeno ainda hoje permanece vivo no
português brasileiro, como registram vários estudos de natureza diversa. Uma vez que já
reconhecemos que o ensino de língua materna pressupõe o conhecimento da realidade linguística
dos seus usuários, é de fundamental importância que cada vez mais sejam descritos fenômenos de
natureza variável. No Brasil, frequentemente, professor e aluno vivenciam situações de
heterogeneidade linguística na sala de aula e isso ocorre porque temos um país com grande extensão
territorial e também com grandes contradições sociais, o que mostra a necessidade de estudarmos,
pelo menos, os fenômenos variáveis mais frequentes na língua, com o que abordamos aqui. Nesta
pesquisa, foram controlados os seguintes fatores: sexo, faixa etária, escolaridade, localidade,
dimensão da palavra, sonoridade do segmento seguinte, tonicidade e contexto fonológico
subsequente com o objetivo de verificar a atuação de cada uma destas variáveis sobre o
comportamento variável do ditongo [ej]. Foram selecionados, para análise, 14 itens lexicais
(prateleira, travesseiro, torneira, peneira, manteiga, teia, peixe, prefeito, bandeira, correio,
companheiro, peito, meia e beijar) do Questionário Fonético-Fonológico (QFF) do ALiB. A
amostra é constituída por 56 informantes, provenientes de 07 capitais: Campo Grande, Cuiabá,
Goiânia, São Paulo, Rio de Janeiro, Vitória e Belo Horizonte, representando, assim, as regiões
centro-oeste e sudeste do ALiB. Os informantes pertencem a uma das duas faixas etárias: I - 18 a 30
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anos e II- 45 a 60 anos; são do sexo masculino ou feminino; apresentam escolaridade até a 8ª série
do fundamental ou o ensino superior completo; são nascidos na localidade e possuem pais também
nascidos na localidade. A variável contexto fonológico subseqüente é um dos fatores que exerce
maior influência sobre a regra em questão.
ASPECTOS SOCIOLINGUÍSTICOS E O ENSINO DE LINGUA NA ESCOLA DA
COMUNIDADE INDIGENA KYIKATÊJÊ DO SUDESTE DO ESTADO DO PARÁ.
Áustria Rodrigues Brito – UFPA/LALI/UNB
O presente trabalho é parte de um projeto de pesquisa em desenvolvimento pelo Laboratório de
Línguas Indígenas da UNB que objetiva analisar a situação de uso da língua nativa e do português
na comunidade indígena Kyikatêjê- o que inclui também uma investigação dentro e fora do espaço
escolar, tendo em vista ser a língua portuguesa nessa comunidade a língua majoritária, inclusive no
âmbito escolar dessa comunidade. A reflexão envolve aspectos sobre a situação da escola
Kyikatejê, com ênfase no seu currículo, na sua estrutura física e na formação dos professores e na
atitude destes quanto às línguas transmitidas formalmente e informalmente na comunidade, assim
como a interação das atividades escolares com a dinâmica cultural da escola Kyikatejê. Procura,
ainda, contribuir para a discussão sobre a questão do bilingüismo por meio da análise de como um
grupo de falantes da comunidade Kyikatejê pensa e atua frente a sua própria língua (a sua política
lingüística) e representam a sua identidade.
O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NUMA COMUNIDADE INDÍGENA NO ESTADO
DO PARÁ
Eliane Pereira Machado Soares – UFPA
O ensino de língua portuguesa às comunidades indígenas é assegurado pela Constituição brasileira
de 1998. Entretanto, como bem demonstram algumas pesquisas sobre o tema, há uma série de
barreiras à implementação desse ensino, devido ao fato de as diretrizes, os objetivos, os currículos e
os programas que regem as escolas não atenderem, na maioria das situações, às demandas próprias
da realidade das comunidades indígenas brasileiras. Nesse cenário, o ensino de língua portuguesa,
que deveria ser uma garantia aos direitos indígenas, pode representar uma grave ameaça, sobretudo,
no caso de comunidades onde a língua indígena tem uso minoritário e se acha restrita a certos
contextos e a um certo grupo de falantes. É o caso da comunidade sobre a qual discutimos neste
trabalho. Trata-se de um povo indígena protagonista de suas ações em prol de sua preservação, de
sua existência física e cultural das quais a escola é considerada a principal aliada. Entretanto, nas
pesquisas que vimos realizando nessa comunidade, nos últimos três anos, pudemos perceber que o
ensino de língua portuguesa sofre sérias restrições, muitas das quais típicas do seu ensino em
comunidades não indígenas, de maneira que não atende integralmente às necessidades dessa
comunidade, inclusive no sentido de contribuir para a revitalização de sua cultura, mas ao contrário,
podendo até representar uma ameaça concreta à língua indígena. Isso se deve ao fato de seu ensino
ser orientado pelas mesmas diretrizes que regem seu ensino a falantes não indígenas, em contextos
monolíngues e a despeito do que pretende e deseja a comunidade ter espaço privilegiado no ensino
de língua. Sendo assim, neste trabalho propomos uma reflexão sobre os problemas que cerceiam
esse ensino, considerando a situação sociolinguística da comunidade e dos aspectos mais gerais que
o caracterizam. Pretendemos com isso contribuir para a busca de alternativas para o ensino de
língua portuguesa em comunidades indígenas, de modo a se alcançar o ideal de uma educação
diferenciada, bilíngue, intercultural e específica, conforme as demandas desses povos.
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TEXTOS DE HUMOR: UMA FORMA LÚDICA PARA COMPREENDER VARIAÇÃO
LINGUÍSTICA
Naiara Sousa Vilela – UFU
Kamilla Marra de Moraes – Centro Universitário Barão de Mauá
Dalma Persia Nelly Alves Nunes – UFU
A temática aborda textos de humor para uma reflexão divertida sobre a língua portuguesa no que se
refere às percepções acerca da variação linguística e a importância do estudo para refletir sobre os
juízos de valores, os preconceitos, além de chamar a atenção para os aspectos linguísticos que
ajudam a provocar o efeito lúdico. Ao buscarmos uma interface dos mecanismos explorados por
esse tipo de material mostramos alguns problemas do nosso sistema de escrita além de compreender
o que ocorre na língua. Fazer com que o discente entenda que há diferentes construções gramaticais
por meio da piada, também serve para deixar claro aos alunos questões referentes ao tema, sendo
que um dos objetivos seja a discussão da existência do português não-padrão, não com a ideia de
explicar os erros aos alunos, mas sim, para apresentar a diversidade da língua portuguesa. Tais
aspectos contribuem diretamente com a ciência que estuda a linguagem, a qual possui uma área
denominada Sociolinguística, que por sua vez estuda as relações existentes entre os
comportamentos linguísticos e as estruturas sociais, e que nomeia de “variedades lingüísticas” os
diferentes modos de se falar dentro de uma comunidade linguística. Portanto, uma reflexão mais
aprofundada e dinâmica a respeito do assunto através da piada, poderá trazer contribuições no
sentido de subsidiar a compreensão do tema. Temos como objetivo buscar compreender e
interpretar todo contexto de variação linguística através das piadas, numa perspectiva
interdisciplinar, integrando os olhares humorísticos como eixo para retratar a dinamicidade do tema.
Nesta dinâmica, nos propusemos a responder os seguintes questionamentos: Como se desenvolve as
aulas de Língua Portuguesa diante do contexto de variação linguística? Os professores tem se
atentado em utilizar este tipo de material linguístico, que explora marcas regionais, culturais e
econômicas? Para alcançar os objetivos traçados, recorremos à pesquisa bibliográfica a fim de
realizar a revisão da literatura sobre a temática em foco, considerando que realização de um
levantamento bibliográfico permite familiaridade em relação aos temas nela tratados no sentido de
consolidar o quadro de referências para o trabalho. A discussão em foco poderá contribuir com os
debates que evidenciam aulas referentes ao tema variação linguistica, numa perspectiva
pluridimensional, e avançar no sentido de possibilitar o processo de aprimoramento das aulas que
abarcam o assunto e, ainda favorecer o conhecimento acerca da Sociolinguística.
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SIMPÓSIO 3
LÉXICO PORTUGUÊS: ENSINO E PESQUISA
A meta deste Simpósio é promover reflexões sobre o léxico português, ensejando a apresentação de
estudos e pesquisas concluídos ou em desenvolvimento. Entendendo que o léxico de uma língua é
componente definidor da competência linguística dos falantes, pretendemos reunir docentes e
pesquisadores que realizem ou orientem projetos que focalizem o léxico em perspectiva semiótica,
semântica, pragmática, discursiva, didático-pedagógica ou ainda como matéria prima da produção
textual. As ementas de trabalho podem ser: a) funções semióticas dos itens lexicais; b) léxico e
isotopia; c) flexibilidade semântica e adequação lexical; d) léxico e interação; e) léxico e variação;
f) marcas discursivas no léxico; g) estratégias didático-pedagógicas para aquisição/desenvolimvento
do repertório discente; h) texto literário e aquisição lexical etc.
COORDENAÇÃO
Darcilia Simões
Universidade Estadual do Rio de Janeiro/CNPq/Seleprot-BRA
[email protected]
Paulo Osório
Universidade da Beira Interior – Covilhã
[email protected]
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O LÉXICO EM ESTUDO: EXPLORAÇÃO DOS ESTRANGEIRISMOS LEXICAIS NA
SALA DE AULA DE PORTUGUÊS
Elza Contiero – UFMG
A exploração dos estrangeirismos lexicais nas aulas de língua portuguesa pode contribuir
significativamente para o desenvolvimento da competência lexical do aluno, isso porque a adoção
de palavras e/ou expressões estrangeiras é altamente produtiva e recorrente nas mídias impressas
como, por exemplo, nos textos publicitários veiculados em revistas juvenis. Dessa forma, observar
os contextos de usos dos quais esse fenômeno linguístico emerge é fundamental para um trabalho
de linguagem mais criativo na sala de aula de português. Nesse sentido, as revistas voltadas para o
público juvenil são um recurso autêntico bastante eficaz, sobretudo porque contêm recursos muito
inovadores e expressivos (Cf. FERRAZ, 2010). Este trabalho traz alguns resultados da investigação
sobre o modo como os estrangeirismos lexicais são abordados nos livros didáticos de português.
Aspectos como a distinção entre empréstimos e estrangeirismos, a descrição mais detalhada do
processo de neologia de empréstimos na atualidade, a reflexão acerca da produtividade lexical no
português brasileiro foram então apontados e discutidos, cujos resultados serão aqui apresentados.
Este trabalho ainda tem por objetivo discutir os referidos resultados, numa perspectiva voltada para
o desenvolvimento da competência lexical, considerando especialmente a sala de aula de língua
materna. Para tanto, será também apresentado aqui parte do corpus de estrangeirismos, coletados
em sete revistas de grande circulação no Brasil, direcionadas ao público juvenil: Toda Teen,
Capricho, Atrevida, Yes Teen, Revista DM, Como funciona e Mundo estranho. O corpus de
estrangeirismos presentes nas revistas mencionadas, coletado e descrito, serviu de base para a
análise de duas coleções de livros didáticos de português, voltadas para o Ensino Médio,
recomendadas pelo guia de livros didáticos do PNLD (BRASIL, 2011): Gramática Reflexiva –
Texto, semântica e interação (CEREJA & COCHAR, 2009); Português – Projetos (FARACO &
MARTO, 2009). Como referenciais teóricos os estudos de Ferraz (2006, 2010), Biderman (2001),
Lewis (1993) e Alves (1990).
VOCÁBULOS “TRIVIAIS” DA LÍNGUA PORTUGUESA: PROJETO DE PESQUISA
Maria Cristina Parreira da Silva – UNESP
Rosimar de Fátima Schinelo – FATEC-Catanduva
O tema proposto – léxico, cultura e trivialidade da/na Língua Portuguesa do Brasil – é o foco do
projeto de pesquisa que está sendo desenvolvido a partir de corpus constituído por análise de
dicionários, entrevistas e observações empíricas de falantes em situações de interação. Estudar uma
determinada língua é, ao mesmo tempo, dialogar sobre o homem social, sua linguagem, sua
memória e sua história e pesquisar Língua Portuguesa no Brasil é deparar-se com uma diversidade
sóciolinguística que se caracteriza na pluralidade. Essa variedade de vocábulos triviais nem sempre
convive harmoniosamente e reflete-se diretamente nas relações entre língua oral e língua escrita.
Nessa situação de uso, nem sempre se tem consciência de que vocábulos frequentes no dia a dia
estão inseridos num contexto sócio-histórico-cultural e que fazem parte da trajetória da Língua
Portuguesa, por constituirem o acervo lexical dessa língua. Muitas vezes não estão em
conformidade com a língua culta que se aprende na escola e, por isso, causam a impressão de que
não pertencem à variante escrita. Por exemplo: “apinchar um objeto”, “comprar um produto fajuto”,
“cutucar a onça”, “dar um piripaque”, “estar acabrunhado”, “fazer uma gambiarra”, ”ficar
encafifado”, “ficar matutando”, “ir para a cucuia”, “mangar de alguém”, “sentir uma gastura”, “ser
desengonçado”, “ter um chilique”, entre tantas outras expressões. Sob o olhar do estudioso da
linguagem, é possível perceber que muitos são os percursos manifestados nos vocábulos. Já o
falante, por tamanha intimidade que tem com esses vocábulos, normalmente não estabelece uma
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relação entre seu uso, a construção lexical e o registro culto dessas unidades. Cabe ao linguista
buscar, a partir de sua perspectiva multifacetada, a relação entre o dizer cotidiano (trivial) e o uso
erudito da língua. Neste estudo, pretendemos investigar a movimentação dos sentidos de vocábulos
utilizados com frequência na oralidade e quase não vistos no texto escrito a fim de: a) obter dados
sobre a origem de tais palavras (Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa – A. G. Cunha,
2010) e sua ressemantização e b) estabelecer uma interação entre história dos vocábulos,
conhecimento, uso da Língua Portuguesa e ensino. Os sentidos podem permanecer adormecidos por
algum tempo, ressurgir em um outro espaço histórico-social, com outras finalidades, delineando
uma relaçãomentre o que era (etimologia do vocábulo), o que passou a ser, ou seja, a transformação
do sentido (significação atribuída na comunidade linguística) e o que permanece (uma pluralidade
de sentidos diacronicamente marcados). A relevância deste estudo firma-se na importância de se
trabalhar a linguagem escrita associada à linguagem oral na pesquisa e no ensino. Um trabalho
dessa natureza contribui para que professores pesquisadores observem os seguintes aspectos: a) as
características peculiares da língua oral e escrita, manifestadas no léxico; b) o processo de
construção de palavras da Língua Portuguesa (variante brasileira) e c) o reconhecimento de que a
língua não é estática, mas que é viva e mutante.
AS CRIAÇÕES LEXICAIS ESTILÍSTICAS NO HUMOR PARA O ENSINO DOS
PROCESSOS DE FORMAÇÃO DE PALAVRAS
Geraldo José Rodrigues Liska – UFMG/UNIFAL-MG
A língua é um sistema de códigos heterogêneos que devem se adequar às necessidades da
comunicação e da expressão de pensamentos. Os estudos da linguagem acompanham esse sistema
aberto e em movimento, logo, observar a produtividade semântica e lexical é fundamental para
compreender sua expansão. Este trabalho investiga as criações lexicais formais como recursos
estilísticos de expressão e como mecanismos lexicogenéticos e sociolexicológicos de mudança
onomasiológica e formação de palavras, a fim de perceber o humor ocasionado pelos itens lexicais.
Ressalta-se a intencionalidade específica por meio da seleção criteriosa das palavras a fim de
produzir efeitos de sentido mediados pelo contexto e pela situação comunicativa em que as palavras
estão inseridas. Dessa forma, pretende-se contribuir com os estudos referentes ao desenvolvimento
da competência lexical por meio das habilidades e estratégias de leitura. Deve-se trabalhar no aluno
a conscientização dos traços intra e interlinguísticos, semânticos e pragmáticos, que permeiam o
funcionamento da língua e atribuem ou desconstroem o significado das ‘coisas’ no mundo, seja de
quando se trata do que é novo, do que se está ou esteve em uso. Esses fatores são importantes para a
concepção do Léxico como a base funcional em que se estrutura a língua. Além das teorias do
significado, vários enfoques têm sido apresentados sobre o assunto, sobretudo aqueles relacionados,
de um lado, ao texto e ao discurso, e, de outro, aos fatores cognitivos e lexicais do processamento
da linguagem. Em consideração a tais enfoques, é necessário que entendamos o funcionamento do
processo discursivo, que envolve enunciados, enunciadores, condições de produção, efeitos de
sentido, características pragmáticas da textualidade (intencionalidade, aceitabilidade,
situacionalidade, informatividade, intertextualidade) inseridas em determinado contexto. Ainda,
devemos percorrer os caminhos das teorias acerca da cognição, conectando o ser humano ao
mundo, ao ressaltar, para a formação da significação linguística, de natureza enciclopédica e
perspectivante, o quanto são importantes as experiências vividas, a representação mental das coisas,
a ativação das memórias episódica e semântica, as redes metafóricas e metonímicas e os esquemas
mentais nos quais elas se formam. No âmbito lexical, devemos observar a relação entre unidades
lexicais dentro e fora do enunciado, a flexibilidade polissêmica e morfológica das palavras,
principalmente nos textos humorísticos escolhidos, pois a escolha dos itens lexicais é responsável
pelo efeito de sentido. Propõe-se neste trabalho, então, a análise de um pequeno conjunto de textos
humorísticos a fim de se discutir a importância de se trabalhar, em sala de aula, com os processos de
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formação de palavras, destacando os mecanismos de natureza onomasiológica para a significação e,
com isso, compreender melhor as formações estilísticas ocasionadas em um item lexical por meio
dos scripts no humor durante o processamento da linguagem.
O DICIONÁRIO EM ATIVIDADES DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE LÍNGUA
PORTUGUESA
Ana Paula Tribesse Patrício Dargel – UEMS
Clotilde de Almeida Azevedo Murakawa – UNESP
O léxico é o nível da língua que mais revela o conhecimento de mundo de uma pessoa, uma vez que
são as unidades lexicais a se referirem a elementos (ações, objetos, sentimentos, qualidades,
eventos) do universo da vida humana. A realização deste trabalho foi motivada pela percepção do
significado que a ampliação lexical tem no decorrer do caminhar de uma pessoa. Nessa ótica, é
inegável o fato de que a escola desempenha papel preponderante no desenvolvimento lexical de um
aluno por ser o lugar em que ele entra em contato com um universo variado de textos. Desse modo,
são enfatizados aspectos referentes ao ensino do vocabulário como forma de subsídio metodológico,
teórico e prático para o professor de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental II, por meio de: i)
orientações teóricas sobre o ensino do vocabulário; ii) sugestões sobre como ensinar o aluno a
conhecer e a gostar de usar o dicionário e, assim, contribuir para que esse aluno utilize o dicionário
como recurso didático útil, elucidador e prazeroso nos atos de leitura e de produção de textos; iii)
exercícios diversos a respeito do vocabulário por intermédio de orientações para o aluno sobre
como manusear o dicionário. Nessa perspectiva, o objetivo traçado para este trabalho foi apresentar
uma metodologia de ensino centrada nos aspectos da pedagogia do léxico durante as aulas de
Língua Portuguesa do Ensino Fundamental II. Nos exercícios de vocabulário, foi organizado um
banco de dados no Programa Folio Views 4.2 com os textos dos Livros Didáticos utilizados nas
aulas de Língua Portuguesa das escolas públicas da cidade de Cassilândia – Mato Grosso do Sul.
O HOMEM QUE ESCREVIA EM MANOELÊS: A RELEVÂNCIA DO LÉXICO EM
MANOEL DE BARROS
Tania Maria Nunes de Lima Camara – UERJ
No dizer de João Cabral de Melo Neto, “Catar feijão se limita com escrever...”, ou seja, ambos
implicam escolhas para a consecução de seus propósitos: a qualidade do alimento e a produção de
sentido, respectivamente. No que se refere à produção escrita, tais escolhas envolvem aspectos da
língua portuguesa relacionados aos sons, às palavras, à estruturação sintática, à semântica. O
presente trabalho tem por objetivo refletir acerca da relevância das escolhas lexicais na obra de
Manoel de Barros bem como, pela aproximação do texto literário, ampliar a competência linguística
do aluno da Educação Básica. Numa perspectiva sociointeracionista, o léxico de uma língua
constitui o instrumento pelo qual os membros de uma sociedade interagem. Assim, quanto maior for
o conhecimento do léxico de sua língua, maior será a capacidade do usuário de interagir com o
outro, em diferentes situações comunicativas. Na sala de aula, portanto, práticas linguísticas que
levem à ampliação do universo lexical do aluno devem ser desenvolvidas pelo professor. Entre
essas práticas, o trabalho com o texto literário ganha destaque, uma vez que é nesse domínio
discursivo que a língua é capaz de materializar todas as suas potencialidades. Nesse aspecto, a
linguagem poética barrosiana bem revela a sensibilidade e o apuro estético do escritor, que, em
construções curtas, muito diz, explorando desafiadoramente o universo linguístico. Neste estudo,
nosso foco de investigação envolve a criação neológica, a erudição vocabular e a construção de
imagens como marcas expressivas dos textos analisados. Considerados tais aspectos, o léxico, na
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obra do referido autor, comporta-se, retomando João Cabral, como “pedra” que “açula” a atenção
do leitor, instigando-o e desafiando-o. Segundo o poeta, a respeito de sua própria obra, diz que a
escreve no idioleto manoelês, “língua dos bocós e dos idiotas, língua que cria um universo tão
absurdo quanto palpável”. É justamente esse desafio simultaneamente absurdo e palpável trazido ao
leitor por meio dos elementos lexicais que justifica o estudo em questão, levando o aluno/leitor não
só a ampliar seu vocabulário e, por conseguinte, seu conhecimento de mundo, como também a
saborear o texto barrosiano em seu sentido mais pleno.
ICONICIDADE LEXICAL NO FANTÁSTICO MODAL DE JOSÉ J. VEIGA
Eleone Ferraz de Assis – UERJ/FAPERJ/SELEPROT
Seguindo os passos de Gilbert (1975), podemos afirmar que o léxico é o testemunho da realidade.
Trata-se da história de uma civilização, a qual reflete seus anseios e valores, configurando-se,
portanto, como portador de expressão e interação social. Desse modo, todo e qualquer ser humano
partilha de um saber linguístico e armazena no seu léxico mental uma somatória de palavras. O
domínio desses registros vocabulares é o elo de sua linguagem com o universo cultural circundante.
As palavras de Gilbert (1975) ainda permitem-nos afirmar que quando consideramos a dimensão
significativa do léxico, podemos verificar que as unidades lexicais de uma obra literária retratam
como o autor nomeia e apreende a realidade representada por meio de signos linguísticos, as
palavras. Com o propósito de criar estratégias de compreensão da arquitetura textual de narrativa
literária, neste estudo a matriz semiótica e os procedimentos da Linguística de Corpus (Sardinha,
2004; 2009) se associam à Lexicologia para demonstrar o potencial icônico do léxico que orienta a
interpretação e participa da construção/representação de eventos insólitos no texto de José J. Veiga.
O estudo se baseia na Lexicologia (GILBERT, 1975; BARBOSA, 1981; CABRÉ, 1998;
BIDERMAN, 2001), na Linguística de Corpus (SARDINHA, 2004; 2009), na Teoria da
Iconicidade Verbal (SIMÕES, 2009) e no fantástico modal, com foco na presença do insólito na
narrativa ficcional (COVIZZI, 1978; ROAS, 2001-2011; JOZEF, 2006). Para tanto, desenvolve-se
discussão em que se incluem: (1) o potencial icônico dos itens lexicais no texto-córpus; (2) os
ícones e índices que orientam a leitura dos eventos insólitos; (3) os elementos mágicos ou
extraordinários percebidos pelos personagens como parte da "normalidade" na narrativa literária e
(4) a transformação do comum e do cotidiano em uma vivência com experiências sobrenaturais ou
extraordinárias. A investigação do texto literário busca o entendimento da obra a partir do
rastreamento dos processos cognitivos acionados pela iconicidade do léxico na constituição de
eventos insólitos.
ENSINO SUPERIOR COMO PRÁTICA INCLUSIVA: LÉXICO, DOMÍNIO E PODER
Eliana Meneses de Melo – UMC
O trabalho tem como eixo condutor a educação universitária frente aos discursos das políticas
públicas que enfatizam inclusão social e o discente ingressante nos cursos denominados de
tecnólogos, nas habilidades caracterizadoras do sujeito – leitor – escritor. A ampla repercussão dos
baixos níveis de ensino no domínio da língua portuguesa faz do cenário das IES o lugar de imanente
contradição em torno das matrizes curriculares e a construção do conhecimento concebido como
processo dinâmico, nas relações trans e interdisciplinares. Em que medida o perfil do alunado
marcado pelo baixo universo vocabular se constitui como sujeito capaz de relacionar as
experiências que possui com os novos conceitos originários da vivência acadêmica? O ponto central
está na leitura que ultrapassa a verbalização dos termos técnicos para além dos signos linguísticos.
A inclusão social de fato ocorre na medida em que a rede semântica se amplia e atinge todas as
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dimensões semióticas das linguagens verbais, não verbais e sincréticas: cidadão leitor e sujeito.
Entender as premências dos cenários organizacionais contemporâneos, compreender as ligações
sistêmicas internas e externas, além da capacidade de gerar soluções para os desafios do cotidiano,
tem como premissa a compreensão dos sentidos que se quer comunicar, logo quanto maior é a rede
semântica, maior é a capacidade de reflexão e leituras. Apresenta-se resultado de pesquisa em
primeiro período do curso tecnólogo em logística em IES de São Paulo sobre léxico e conhecimento
e os procedimentos para metodologia que auxiliem na inclusão e construção do conhecimento a
partir dos elementos semióticos. Quanto ao procedimento metodológico, foi constituído por base
exploratória destinada ao levantamento das impressões de sentido que o discente possuía sobre a
organização na qual trabalhava, ligadas aos termos gestão e liderança. Com base nos primeiros
resultados, realizou-se estudo sobre os termos a partir dos traços de sentidos atuais. A partir do
estudo em torno dos traços de sentido, chegou-se a uma tipificação das organizações em três
modalidades de gestão: contemporânea, conservadora e em transição. Em seqüência, a partir da
cultura dos estudantes, identificou-se o léxico caracterizador de cada modalidade. Observou-se que,
embora o léxico inicial dos estudantes fosse reduzido, no tocante aos termos em circulação no
ambiente organizacional, a atividade baseada no repertório da observação se constituiu em
ferramenta eficaz para as práticas de leituras conceituais e de ambientes para a realização dos
trabalhos acadêmicos.
SINONÍMIA VERBAL
Afrânio da Silva Garcia – UERJ
Sinonímia pode ser definida como o processo linguístico responsável pela existência de sinônimos.
Estes são geralmente definidos como “palavras diferentes com o mesmo significado”. Esta
definição, no entanto, não apresenta o rigor científico necessário. Vários linguistas, como Leonard
Bloomfield, são de opinião de que sinônimos perfeitos não existem, pois “se duas palavras ou
formas linguísticas possuíssem exatamente o mesmo significado e ocorressem exatamente nas
mesmas situações e contextos, a tendência da língua seria, mais cedo ou mais tarde, optar por uma
forma linguística em lugar da outra”. Assim sendo, embora possamos definir sinônimos como
palavras diferentes como mesmo significado, devemos levar em conta que todo par de sinônimos
apresenta alguma diferença entre si, seja ela uma nuance de significação, uma característica
morfossintática,uma especificação de uso, uma variação linguística ou estilística, etc. No presente
trabalho, exploraremos alguns casos marcantes de sinonímia verbal a partir do uso padrão no
português do Brasil, verificando que tipo de peculiaridade justifica a existência do par sinonímico.
Optamos, em primeiro lugar, por verbos sinônimos extremamente comuns, como saber x conhecer,
ter x possuir, beber x tomar, aparecer xsurgir, desaparecer x sumir. Em segundo lugar, por verbos
de sentido com múltiplas distinções, como ver x olhar x observar x assistir x contemplar x mirar x
espiar x espreitar e ouvir x escutar x auscultar. Por último, estudaremos alguns verbos discendi,
ou seja, verbos relacionados ao discurso, como falar x dizer x contar x pronunciar x
proferir;conversar x dialogar; afirmar x declarar x asseverar; concordar x confirmar x
anuir;negar x recusar x rejeitar x refutar x declinar; discutir x debater x redarguir. Esperamos,
com esse trabalho, contribuir para o ensino de português, ampliando a capacidade de interpretação e
elaboração de textos por parte dos alunos.
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AFRICANISMOS NO PORTUGUÊS FALADO NO SEMIÁRIDO BAIANO
Norma Lucia F. de Almeida – UEFS
O português brasileiro (PB), variedade do português, formada a partir de contatos com diversas
línguas, notadamente com as línguas africanas, possui, entre outros aspectos, um léxico bastante
diversificado. Neste sentido, o objetivo deste trabalho é examinar a vitalidade do léxico de origem
africana no PB a partir da observação de uso dos mesmos em comunidades afro-brasileiras. Até o
primeiro quartel do século XX, os africanismos eram negligenciados, em contraponto aos
indigenismos, enunciados como “brasileirismos”. Quando incluídos nos estudos, os africanismos
tinham um valor pejorativo (ALMEIDA, 2002). Recentemente, principalmente a partir das
pesquisas de Castro (2001, entre outros) e Alkmin e Peter (2008), os estudos sobre os africanismos
têm ganhado destaque. Nesta perspectiva, busca-se, neste trabalho realizado no âmbito do projeto
“Estudos lexicográficos do semiárido baiano”, listar parte das palavras de origem africana
encontradas nos corpora rurais, pertencentes ao acervo do projeto de pesquisa “A língua portuguesa
falada no semiárido baiano (UEFS)”, buscando relacionar esse vocabulário ao contexto de formação
do PB, procurando também, na medida do possível, identificar as origens africanas específicas.
ANÁLISE DOS MARCADORES EM TEXTOS JORNALÍSTISCOS PUBLICADOS NOS
LIVROS DIDÁTICOS ADOTADOS NA ESCOLA PÚBLICA EM 2012.
Magno Santos Batista – UESC
Maria D’Ajuda Alomba Ribeiro – UESC
Esta comunicação foca sobre o uso dos conectores e de estratégias discursivas nos textos
jornalísticos publicados nos livros didáticos adotados na escola pública em 2012. Assim,
tencionamos discutir a função dos conectores encontrados nesses gêneros e ressaltar a importância
desses marcadores na construção argumentativa do texto e analisar as relações inferenciais.
Apoiamo-nos em Antunes (2005); Koch (2011); Marcuschi (2008); Ducrot (1998) e Portolés
(1998), segundo os quais, os conectores são unidades linguísticas que estabelecem relações
sintáticas, semânticas, pragmáticas e organizam as ideias presentes nos textos jornalísticos. E o
ensino desses enunciados ainda se restringem aos aspectos estruturalistas, isto é, o professor de
língua materna ainda coloca em segundo plano as características discursivas dos conectores e
exploram apenas os aspectos coordenativos, subordinativos, adverbiais e preposicionais. A escolha
do gênero justifica, não por ser um tipo de texto que exige do locutor a competência argumentativa
e habilidades comunicativas dos falantes/autores, mas porque essas unidades possibilitam a
flexibilidade semântica e a adequação lexical, oportunizando assim, trabalhar na sala de aula na
interface das tipologias textuais, principalmente, a argumentativa. Embora a análise seja qualitativa,
os resultados são pertinentes, porque reitera as discussões dos autores supracitados, a saber: os
marcadores como recursos semântico-discursivos que determinam a orientação argumentativa, a
sequência textual e a organização das ideias e, sobretudo, indicadores de relações de sentido e
ligação das sub-partes do texto, além de possibilitar o estudo da argumentação no âmbito da
educação básica. Além disso, a escrita de um texto demanda o uso desses recursos e a compreensão
aluno/professor dos fatores de coerência e coesão no texto. Esses elementos indicam também um
recurso coesivo chamado repetição, o qual contribui para a articulação do texto.
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ANÁLISE DE UM CAMPO LÉXICO DE DOCUMENTOS MANUSCRITOS
SETECENTISTAS DE IRMANDADES DE PRETOS DO “ARRAỸAL DO BOMFIM DE
GOỸAZ” E “SÃO JOAQUIM DE COCAL”
Luana Duarte Silva – UFG/CAC
Esta comunicação faz parte de uma das propostas do trabalho de mestrado, ainda em
desenvolvimento e que tem o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás
(FAPEG), intitulado “Irmandades de pretos: edição e inventariação lexical em manuscritos goianos
do século XVIII”, que está vinculado ao Projeto de Pesquisa da FAPEG/CNPQ “Em busca da
memória perdida: estudos sobre a escravidão em Goiás”. A dissertação busca realizar a edição
semidiplomática dos livros de “Compromissos” das irmandades de pretos do “Arraỹal do Bomfim
de Goỹaz” e “São Joaquim de Cocal”, seguindo as normas sugeridas em Megale e Toledo Neto
(2005), bem como fazer a lição histórica e o inventário lexical do vocabulário dessas comunidades,
a fim de elaborar uma análise e discussão dos campos léxicos mais relevantes que tratam da
organização das comunidades em questão. Este será desenvolvido tendo em vista o registro da
língua da época, de modo a elencar o vocabulário dessas comunidades de fala, para demonstrar que
numa dada época e num dado contexto histórico e social, pode-se observar um vocabulário bem
específico, ou seja, considera-se o contexto de uso linguístico. As Irmandades de pretos surgiram
pela necessidade de os negros escravos melhorarem suas condições social e cultural. Essas
associações foram criadas em comum acordo com a Igreja Católica, de maneira que o preto deveria
dar uma determinada contribuição em dinheiro para participar da Irmandade e receber as
celebrações de morte, por exemplo. Estas eram um dos ensejos de maior intensidade dos negros
escravos, uma vez que eles não tinham condições de celebrar os rituais de morte, por conta dos
impedimentos provocados pelo período escravocrata. Dessa forma, neste estudo, intentamos
apresentar a análise do campo léxico “meza”, que é recorrente nos dois livros de compromissos e se
caracteriza por ser o corpo dirigente da irmandade, que prima por garantir os direitos e deveres dos
associados juntamente com a Igreja Católica e a Coroa. No que trata de campo léxico,
compreendemos que um lexema só poderá se enquadrar em um determinado campo e não em outro.
E para Coseriu (1977, p. 216), não basta apenas considerar essa forma de oposição, é preciso ainda
ponderar a relação dos itens lexicais com a realidade extralinguística que eles organizam, afinal, o
léxico de uma língua é capaz de representar essa realidade extralinguística, que é a sociedade,
inserida em um determinado contexto social e histórico. Para a compreensão dos campos léxicos.
Assim, portanto, nos pautaremos em Coseriu (1977) e ainda em Geckeler (1976) para elaborar e
embasar as discussões de campos léxicos, uma vez que eles têm retratado em suas discussões o
tema, nos permitindo compreender com mais clareza essa distribuição por campos lexicais. No que
concerne à organização das irmandades de pretos, tomaremos por base alguns autores como Borges
(2005), Loiola (2009), Russell-Wood (2005), entre vários outros que tratam do assunto das
irmandades de pretos no Brasil, especialmente, em Goiás.
O CAMPO LEXICAL ETNIA EM DOCUMENTOS SETECENTISTAS DO LIVRO PARA
SERVIR NO REGISTRO DO CAMINHO NOVO DE PARATI
Vanessa Regina Duarte Xavier – USP
Este trabalho propõe-se a analisar o campo lexical Etnia, composto a partir de documentos goianos
setecentistas que constam do códice intitulado Livro para servir no registro do caminho novo de
Parati. Para tal fim, tomaremos como ponto de partida os pressupostos teórico-metodológicos da
Linguística Estrutural e, sobretudo, os postulados por Coseriu (1977), segundo o qual os campos
lexicais são estabelecidos pelas relações de conteúdo entre os itens lexicais. Nessa concepção,
examinaremos as relações semânticas que subjazem à estruturação do campo em questão, tais como
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de hiponímia, sinonímia, antonímia, meronímia, homonímia e polissemia, com base na definição
destas em Lopes e Rio Torto (2007), Vilela (1994) e Dubois (1997). Vale ressaltar que o corpus da
presente investigação é composto por noventa e dois documentos manuscritos, que abordam
diversos aspectos da formação da Capitania goiana durante o ciclo do ouro, a saber, econômicos,
políticos, sociais, religiosos etc. Dentre estes, interessa-nos neste estudo principalmente o que diz
respeito à composição étnica dos habitantes da Capitania goiana no período compreendido entre
1751 e 1753. De modo especial, cumpre examinar como se deu o convívio entre brancos, índios,
mulatos e negros no território goiano, pois, embora seja um campo lexical bastante exíguo, o
mesmo mostra-se relevante como objeto de análise porque demonstra, ainda, a diversidade
sociocultural da Capitania mencionada. Além disso, tal análise revela a posição de cada grupo
étnico na hierarquia social da época, discorrendo sobre a tentativa de imposição ideológica e
cultural dos brancos, etnia que designa os colonizadores portugueses no corpus, sobre os índios,
mulatos e negros naquela região. Convém dizer que os itens lexicais foram agrupados no campo
lexical referido conforme as abonações extraídas do contexto discursivo, neste caso o corpus
anteriormente descrito, haja vista que as acepções dos itens lexicais que compõem o campo se
atualizam no discurso (SILVA, 2006), o qual direciona e fundamenta a análise lexical dos mesmos.
RELAÇÕES SEMÂNTICO-LEXICAIS E A COESÃO TEXTUAL: CONTRIBUIÇÕES
PARA O ENSINO DE LÍNGUA MATERNA
Alessandra Magda de Miranda – PROLING /UFPB
Mônica Mano Trindade Ferraz – PROLING/UFPB
Concebendo o léxico como elemento essencial à organização interna do texto, visto que atua
diretamente na progressão textual, e corroborando com Ilari (1997) e Antunes (2012) ao afirmarem
que tal elemento não tem sido efetivamente abordado nas aulas de Língua Materna, este estudo tem
como propósito maior apresentar algumas reflexões a respeito do papel das relações semânticolexicais para a coesão textual. Este artigo é resultado de uma investigação em nível de mestrado,
(em fase inicial), pelo Programa de Pós-Graduação em Linguística da Universidade Federal da
Paraíba, através da qual pretendemos refletir acerca da relevância do conhecimento das relações
semântico-lexicais para a elaboração textual, ressaltando a necessidade de o professor de Língua
Portuguesa contemplar, em suas aulas, atividades de estudo do léxico, principalmente, ao trabalhar
com a produção textual. Para realização do presente estudo, partimos da suposição de que boa parte
dos problemas de coesão, nos textos dos alunos relaciona-se à falta de conhecimento das relações
semântico-lexicais e de sua função na arquitetura textual. A fim de averiguar a comprovação, ou
não, desta hipótese, pretendemos, neste estudo: a) verificar, em textos produzidos por alunos de
ensino médio, quais recursos foram utilizados para estabelecer a conexão entre os elementos do
texto e quais problemas pertinentes à coesão nominal são mais recorrentes; e b) analisar dentre os
recursos de coesão presentes quais se constituem a partir de relações semântico-lexicais e dentre os
problemas constatados quais poderiam ser solucionados com a utilização de algumas dessas
relações. O corpus utilizado para este estudo constitui-se de textos produzidos por alunos do
segundo ano do ensino médio, de uma escola da rede estadual de ensino, localizada no munícipio de
Campina Grande-PB. Os mesmos resultaram do nosso trabalho docente, nas referidas turmas, e
foram produzidos no início da execução de sequências didáticas, elaboradas de acordo com a
proposta de Schneuwly e Dolz (2004). Nosso estudo constitui, portanto, uma pesquisa de cunho
qualitativo, realizada à luz dos pressupostos teóricos da Semântica e da Linguística Aplicada. Para
tanto, tomaremos como base os postulados de Antunes (2012), Henriques (2011), Ilari & Geraldi
(2006), Ilari (1997) e outros no que diz respeito ao ensino do léxico, em específico, no que se refere
às relações semântico-lexicais, às considerações de Koch (2012), Bronckart (2009) e outros, no que
tange à organização interna do texto, em específico a coesão; bem como, aos postulados de
documentos oficiais como os PCN de Língua Portuguesa (1997). Os resultados desta pesquisa,
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ainda em fase inicial, evidenciam a necessidade e a importância de questões pertinentes ao ensino
do léxico, como as relações semântico-lexicais, passarem a integrar o ‘grupo’ dos conteúdos
abordados nas aulas de Língua Materna, tendo em vista sua função/contribuição na construção do
texto.
ADEQUAÇÃO LEXICAL E NÍVEIS DE PROFICIÊNCIA EM PORTUGUÊS COMO
LÍNGUA ESTRANGEIRA
Liliane Oliveira Damazo – CEFET-MG
Jerônimo Coura-Sobrinho – CEFET-MG
Este trabalho pretende apresentar alguns resultados de uma pesquisa de mestrado desenvolvida no
Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagens do Centro Federal de Educação
Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG), a partir da abordagem de um dos objetivos alcançados
nessa pesquisa, qual seja: analisar, sob o ponto de vista linguístico, 49 textos escritos produzidos
por examinandos ao Exame Celpe-Bras (Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para
Estrangeiros). O Celpe-Bras é o único certificado de proficiência em português como língua
estrangeira reconhecido oficialmente pelo governo brasileiro, é aplicado no Brasil e no exterior e
confere quatro níveis de certificação: Intermediário, Intermediário Superior, Avançado e Avançado
Superior. É um exame de proficiência, cujo objetivo é avaliar o desempenho do examinando em
compreender e produzir a língua em tarefas que se assemelham a situações do cotidiano. Os 49
textos foram produzidos em atendimento à tarefa I, da aplicação do segundo semestre do ano de
2010 e, após avaliados por uma equipe constituída pelo Instituto Nacional de Pesquisas
Educacionais Anísio Teixeira (INEP), receberam notas que variam entre 1 e 5, de acordo com
critérios estabelecidos em uma grade de avaliação que leva em conta os seguintes descritores: (i) o
gênero/adequação discursiva, em que são avaliados enunciador, interlocutor e propósito e
informações; (ii) a adequação textual, em que são avaliadas clareza e coesão e (iii) a adequação
linguística, em que são avaliadas a adequação lexical e a adequação gramatical. Considerando que
os textos foram produzidos por examinandos ao Celpe-Bras, com variados níveis de proficiência
linguística, atestados pelo INEP, foram descritos e analisados alguns traços do processo de
aprendizagem de língua estrangeira (LE), denominado Interlíngua, a partir da observação de
incorreções linguísticas relacionadas ao descritor “adequação linguística”. O que se pretende, neste
trabalho, portanto, é apresentar os critérios estabelecidos na grade de avaliação do Exame CelpeBras e relacioná-os à natureza e à variedade das incorreções linguísticas detectadas por faixa de
certificação. Assim, é possível promover discussões acerca da adequação lexical em LE e em que
medida o léxico pode ser um elemento definidor para a avaliação de proficiência linguística em
português como língua estrangeira.
O LÉXICO DE MONTEIRO LOBATO
Maria Teresa Gonçalves Pereira – UERJ
A leitura abrangente da obra do fundador da literatura infantil brasileira, Monteiro Lobato, revela
um universo linguístico peculiar em que, utilizando palavras e expressões, faz combinações cuja
inventiva nos surpreende e encanta. Busca uma renovação constante da língua, dinamizando-a,
explorando-lhe as potencialidades, as diversas realizações, não se prendendo ao convencional,
mesmo quando dele necessita para reavaliá-lo, reaproveitá-lo ou partir para novas propostas. Sob
um prisma próprio, serve-se das regras, das normas em que a língua repousa. Cria, mas sem
violentar uma estrutura equilibrada, estabelecida e comprovadamente eficaz. Regem-na o bom
senso, a visão do gênio que sabe manipular - eis aí a chave - de quem domina o material de que
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dispõe para instaurar a magia da palavra. Pelo pitoresco, Lobato (re)apresenta a gramática da
língua, todos os seus matizes e até uma crítica ao que efetivamente não funciona, ao que na prática
não se concretiza. Além dos domínios gramaticais, também trabalhou no plano das ideias, no qual
há uma ruptura nos padrões convencionais. Não lança dúvidas ao discurso - pelo contrário, só o
enfatiza - ao abolir as dimensões do real porque atua no seu conceito de real. Causa perplexidade, se
levarmos em conta a época de publicação de suas obras, principalmente no gênero literatura infantil,
pouco receptivo a ousadias. Não importa que motivos ou efeitos o levaram a utilizar os instigantes
processos linguístico-expressivos; se, para tornar mais coloquial, nem por isso banal, o seu tom de
oralidade; fazer a mensagem atingir mais rápida e diretamente o leitor; encaixar-se em uma filosofia
de vida em que se abominava o supérfluo e se realçava o simples e o essencial; testar novos, mas
pertinentes usos em matéria de expressões e processos; revitalizar estruturas linguísticas
desgastadas; buscar, por meio do léxico, pródigo em ocorrências desusadas, uma realidade inerente
à sua obra. A apropriação (in)consciente de tais recursos e sua consequente manipulação enriquece
a Língua Portuguesa, dando-lhe outra feição. O léxico lobatiano se apresenta como exemplo
significativo. É essencial perceber a sua relevância para que o leitor e/ou aluno se convença do que
a língua materna é capaz, do seu poder e do seu alcance. Dentre tantos procedimentos de
(re)invenção do léxico, o genial escritor propicia condições para que o professor, em sala de aula,
trabalhe os processos de formação de palavras, oxigenando-os, de maneira a conferir à abordagem
linguística um olhar revitalizado, mas consistente. O ludismo verbal se instala, então, para
estabelecer um diálogo significativo, articulando língua e literatura. Assim, com mediação
adequada, se aperfeiçoa e se enriquece a educação linguística, no almejado binômio saber e prazer.
A leitura na escola de Monteiro Lobato continua essencial para a formação de leitores. A
exploração e a análise do léxico de sua obra instigante como estratégia didático-pedagógica
contribuem para desenvolver o repertório do aluno, levando-o também a perceber a relevância do
texto literário e suas possibilidades de inserção no quotidiano, promovendo o conhecimento da
língua materna em suas variadas manifestações.
AS QUESTÕES LEXICAIS NAS GRAMÁTICAS DE PORTUGUÊS LÍNGUA
ESTRANGEIRA /LÍNGUA NÃO MATERNA
Maria João Marçalo – Universidade de Évora
Como é ensinado o léxico? Como é que os manuais e gramáticas de Português Língua Estrangeira
abordam as questões lexicais? Partindo da análise de vários desses manuais e gramáticas,
procuraremos responder a estas questões, procurando ainda estabelecer uma escala diacrónica de
tipologias possíveis, partindo de obras do século XVII até à atualidade.
CONSIDERAÇÕES SOBRE LIVRO DIDÁTICO E DICIONÁRIOS NO ENSINO DO
LÉXICO
Cacildo Galdino Ribeiro – UFG/CAC/PMEL
Maria Helena de Paula – UFG/CAC/PMEL
As funções do dicionário e do livro didático (LD) podem ser muitas quando se pensa no ensino de
Língua Portuguesa (LP), entretanto, ainda que os educadores tenham essas ferramentas à mão, são
necessárias muitas pesquisas e discussões que lhes esclareçam o quanto essas duas obras são
importantes e eficazes na aquisição lexical do aluno. Falamos da prática cotidiana do uso do LD
associado ao dicionário escolar, obra lexicográfica ainda pouco utilizada nas escolas. Pesquisas
como de Krieger (2007), apontam que a pouca ou a nenhuma utilização do dicionário nas escolas se
deve, dentre outros fatores, ao desconhecimento do professor sobre as potencialidades do
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dicionário; à ausência de disciplinas das ciências do léxico, Lexicologia ou Lexicografia, na grade
dos cursos de Letras ou Pedagogia; às dificuldades dos alunos durante a consulta, seja na busca da
palavra desejada ou na compreensão das definições taxinômicas. Percebe-se que apesar de o
dicionário ser uma obra de merecido respeito entre os intelectuais, educadores e público geral,
raramente se compreende que o dicionário, além de ser uma obra de primeira linha como a
gramática, é um arcabouço histórico, social, cultural e pedagógico. Tal fato se deve porque a
maioria dos tipos de dicionários disponíveis no mercado editorial (dicionário geral da língua,
dicionários escolares e infantis, de especialidades, entre outros) está organizada no formato de listas
de palavras, diferentemente da gramática, organizada em textos que prescrevem regras da LP; por
essa razão, aqueles que o consultam, tais como professores, estudantes, jornalistas, curiosos etc., por
diversos motivos não sabem que as entradas listadas no dicionário também são textos, haja vista que
cada uma delas possui um ou mais semas, ou seja, necessariamente, não precisam estar articuladas
entre si, na modalidade de frase, oração ou período para representarem quaisquer ideias. Ademais, o
dicionário pode ser uma ferramenta para consultas diversas sobre questões fonológicas,
morfológicas, de separação silábica, de etimologia dos lexemas e outras mais. Opostamente ao
dicionário, o LD é muito utilizado nas escolas, sejam públicas ou particulares. O LD disponibiliza
aos alunos atividades que contemplam informações gramaticais, leituras, interpretações textuais e
algo que chamamos atenção para esta pesquisa, os exercícios que favorecem ao aluno o aprendizado
de novos vocábulos. Ampliar o vocabulário do aluno é uma atividade aparentemente simples,
entretanto, nem sempre o LD é capaz de realizar essa tarefa sozinho. Entendemos que o dicionário
pode ser um ótimo aliado ao LD, quando utilizados em conjunto, pode estimular a curiosidade do
aluno, levando-o a pesquisar e ampliar o conhecimento de mundo e, consequentemente,
desenvolver a competência do léxico ativo do aluno. Pensando nisso, este estudo tem o objetivo de
apresentar uma breve análise dos exercícios do livro “Linhas e Entrelinhas” (2008), do 4º ano do
Ensino Fundamental I, adotado pelas escolas municipais de Catalão-GO, no ano de 2009 e
utilizados nos anos de 2010, 2011 e 2012. A proposta não é de fazermos um levantamento exaustivo
das atividades em que o aluno pode utilizar o dicionário, pois as possibilidades poder ser diversas.
O livro em estudo traz muitas atividades que estimulam os alunos a desenvolver competências
lexicais; para este estudo, porém, centraremos apenas naquelas em que há referência direta ao uso
do dicionário, como “consulte o dicionário”, ou excerto de verbete, tal qual configurado no
dicionário. O propósito maior é discutir como o LD pode, associado ao dicionário, ser fundamental
para que as potencialidades linguísticas dos alunos sejam ampliadas significativamente,em especial
sua bagagem vocabular e o seu uso competente.
A IMPORTÂNCIA DA AQUISIÇÃO DA LEITURA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS (EJA) – UM MARCO DE CIDADANIA
Terezinha Costa da Silva Machado – UERJ
Esta comunicação tem como objetivo falar sobre o meu projeto no Doutorado em Língua
Portuguesa, na UERJ. O foco da pesquisa é a investigação sobre a forma como o aluno da EJA
(Educação de Jovens e Adultos) compreende a mensagem dos textos trabalhados em sala de aula. É
necessário apontar algumas das características da clientela da EJA: o jovem e o adulto que
procuram a continuação de seus estudos na EJA não podem ser pensados como “crianças grandes” e
o ponto de partida para seu desenvolvimento escolar deve ser a partir das experiências que trazem.
Aluno com mais idade apresenta um baixo desempenho escolar como consequência de: não ter tido
oportunidade de estudar na época indicada; é um trabalhador, em geral, porque necessita sobreviver
e, muitas vezes, sustentar família; tem urgência na aquisição de conhecimento, pois busca seu
crescimento no mercado de trabalho; reconhece suas dificuldades e, geralmente, possui
determinação para superá-las, pois tem consciência de sua limitação. Os alunos da EJA, em grande
parte, principalmente os mais jovens, não são muito disciplinados e acabam por abandonar seus
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estudos. Muitos são multirrepetentes e acabam procurando as escolas da EJA pelo constrangimento
de idade e tamanho. Há a necessidade de se planejar estratégias que possibilitem este aluno,
afastado quase sempre há anos dos bancos escolares, de ter chance de sucesso na leitura dos textos
propostos. Procura-se evitar uma “interpretação a sangue frio”, pois, sem preparação adequada
(contextualização) e sem a mediação do Professor, não se estará fazendo um trabalho de
interpretação e nem de construção de conhecimento e, sim, uma avaliação da competência de
interpretação. Existe uma diferença bem marcada na condição de comunicação do ser humano,
todos falam, mas nem todos possuem a mesma condição na hora de se expressar. Cabe ao Professor
desse segmento do Ensino Fundamental e Médio, procurar estratégias de leitura que estejam
compatíveis com a turma e, fundamentalmente, ser o mediador entre o texto e seus alunos. A
questão do “erro” atinge profundamente o aluno adulto, pois há uma carga subjetiva em nossa
sociedade que “é feio errar”. Dessa forma, vejo muitos alunos da EJA desistirem de estudar,
convencidos pelos resultados obtidos na escola que estudar não é para eles. Isso não é dito
abertamente, mas o aluno vai percebendo que possui algumas lacunas que o impedem de prosseguir
no processo ensino-aprendizagem. Após a primeira avaliação, é notório o número de desistentes,
que após alguns meses, retomam seus estudos.
APROPRIAÇÃO DA ESCRITA ALFABÉTICA NA PRÉ-ESCOLA: UM PROCESSO
MEDIADO POR SÍMBOLOS REMÁTICOS
Girlaine dos Santos Maciel – UNOPAR
Giani Gabriele Maciel Santos – UFPE
A presente pesquisa pretende analisar como nas práticas educativas, as atividades multissensoriais
podem mediar à aquisição do sistema de escrita alfabética por crianças na pré-escola. Práticas estas
que enfatizam o sujeito da aprendizagem, sobretudo dando ênfase à forma como a criança se
expressa e se relaciona com o mundo, não se atendo às discussões que se instalaram na educação
brasileira após a lei 11.274 na qual encontramos duas linhas divergentes de pensamentos: de um
lado, os educadores que afirmam ser positivo o trabalho com a língua escrita desde a educação
infantil, assumindo inclusive um caráter propedêutico, por outro lado, aqueles defendem ser
inadequada, além de uma antecipação indesejável tais prática de ensino. Para a realização deste
trabalho nos apoiaremos então na linha teórica sociocultural, sob umametodologia indutiva com
pesquisa de enfoque qualitativo-etnográfico, pois acreditamos que esta tornará possível a
demonstração célebre das interações a que estão submetidos nosso objeto de estudo. Foi possível
extrair dos autores envolvidos na pesquisa, elementos constituintes do que para estes seja uma
proposta interacionista. A referida abordagem metodológica nos dá subsídios para a compreensão e
avaliação sobre a importância da semiótica enquanto ciência aplicada à educação. Os atores sociais
envolvidos nesta pesquisa serão: professores da pré-escola além de alunos com idade entre 5 e 6
anos dos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI) na cidade de Caruaru-PE. A partir das
nossas análises pretendemos propor uma reflexão sobre as práticas educativas, no que diz respeito à
mediação da escrita alfabética na pré-escola, analisando as variantes que intervém neste processo e
por consequência, facilitar a apropriação deste sistema simbólico por parte dos educandos.
A REPRESENTAÇÃO DO LÉXICO RURAL NO CONTO “NHOLA DOS ANJOS E A
CHEIA DO CORUMBÁ” DE BERNARDO ÉLIS
Ana Paula Corrêa Pimenta – UFG-Catalão
O presente trabalho integra a dissertação de mestrado a ser defendida no segundo semestre de 2013,
junto ao Programa de Mestrado em Estudos da Linguagem da Universidade Federal de Goiás –
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Campus Catalão – e insere-se nos interesses da linha de pesquisa Língua, Linguagem e Cultura
desse programa. Este estudo propõe uma análise lexical do conto “Nhola dos Anjos e a cheia do
Corumbá”, constante da obra Ermos e Gerais de Bernardo Élis, publicada em primeira edição no
ano de 1944. O objetivo é verificar que construções lexicais se caracterizam como rurais por meio
de consultas ao Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2012) e ao Dicionário do Brasil Central
- subsídios à Filologia (1983) de Bariani Ortêncio, tendo em vista a elaboração de um glossário que
inclua um arranjo de itens suficientemente abrangente no que se refere à representação do léxico
rural no conto em questão. Para tanto, fundamenta-se teoricamente em Sapir (1969), Malinowski
(1972), Lyons (2009) e Bosi (1992) para a discussão acerca da relação entre língua, cultura e
sociedade; em Biderman (2001), Vilela (1994), Carvalho (2009), Isquerdo (2010) e Coelho (2006)
para as descrições do léxico propriamente dito, e em Frederico (1997), Bechara (1991), Jorge
(2005) e Athayde (1997) sobre o perfil humano e profissional de Bernardo Élis. Aplica-se
apropriadamente este conto como corpus de análise porque os itens lexicais representativos do
dialeto rural são recorrentes, já que o autor procurou fixar no plano literário a geografia física e
humana de seu Estado Natal – Goiás, demonstrando os aspectos históricos, políticos, socioculturais
e, especialmente, linguísticos. Valendo-se de uma linguagem regionalista, o autor soube com
maestria construir um enredo realista e memorável, concentrando suas atenções à descrição
minuciosa do espaço e da vida do homem sertanejo, razão porque foi considerado o introdutor do
Modernismo em Goiás, reconhecido como um dos maiores representantes da literatura regionalista
e, ainda, eleito para a Academia Brasileira de Letras. Assim, analisar o léxico em uma narrativa
ficcional, principalmente como a de Bernardo Élis, nos faz refletir sobre a importância desse
componente linguístico na história e na cultura de um povo e, sobretudo a relevância da variedade
linguística rural na história da língua portuguesa em Goiás.
O MAL DO URUBU É PENSAR QUE O BOI ESTÁ MORTO: FRASEOLOGISMOS NAS
AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA
Denise Salim Santos – UERJ
Este trabalho apresenta um dos recortes possíveis no trabalho com a Lexicologia: a reflexão sobre
estudos fraseológicos, comumente relegados a outros planos que não o do caráter dinâmico das
aulas de língua portuguesa como recurso eficiente na construção de novos sentidos textuais,
discursivos e ideológicos. Busca-se valorizar a existência desses conjuntos significativos – em
especial, os provérbios em uso na língua portuguesa, cujas estruturas e significados que se
cristalizaram ao longo da construção cultural dos povos, a partir da relação dos grupos sociais com
os elementos naturais, com o ambiente de uso, daquilo que de prático a vida oferece na relação do
homem com o mundo. A recorrência dessas unidades lexicais, principalmente nas atividades de
interação coloquial, se deve à força expressiva que trazem e à possibilidade da comunicação mais
efetiva pelo reconhecimento imediato de suas significações e adequação às situações de emprego.
Repensam-se maneiras de o trabalho com as formas proverbiais poderem contribuir para o
enriquecimento da produção textual, na medida em que tal emprego não seja apenas uma unidade
de significação já esvaziada de reflexão para preenchimento da “falta do que dizer” ou da “falta do
que escrever”, mas como um elemento facilitador da interlocução dos utentes de uma língua. Nesta
oportunidade, trabalha-se a variabilidade linguística, nos diferentes registros, na distribuição por
níveis, observando-se se a equivalência semântica permanece ou não quando a materialidade do
enunciado é afetada. Observa-se o emprego de fraseologismos com expectativa discursiva na
obtenção de efeito piorativo ou melhorativo - ou mesmo literal. Propõe-se a desconstrução das
unidades fraseológicas cristalizadas, aplicando estratégias como: a) mesclagem de provérbios; b)
substituição dos elementos formais, mantendo-se a estrutura sintática c) manutenção das formas do
enunciado com alteração nas relações sintáticas etc. O ludismo que se estabelece entre
tradição/construção e inovação/desconstrução fraseológica oferecerá ao emissor a possibilidade de
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ampliar os recursos expressivos pelo humor ou pela ironia no jogo de desconstrução/construção do
que já se dá a conhecer de maneira cristalizada, como no caso dos provérbios da língua portuguesa.
LEITURAS DO SERTÃO CABRALINO: LÉXICO, DISCURSO E ENSINO
Anderson da Silva Ribeiro – UERJ/CAPES
A dedicação ao ofício de escrever fez seguramente de João Cabral de Melo Neto um poeta de
envergadura, segundo se pode perceber com a avaliação da crítica literária de tradição no Brasil. A
principal frente do trabalho de poeta ficou em torno da busca incessante pela palavra nua, seca,
substantiva, "sem plumas" (1994, p. 103), capaz de reter uma realidade que caminha desde os
canaviais pernambucanos até a Sevilha espanhola, com um preciosismo expressivo capaz de
transformar o simples, o comum e o prosaico em matéria de poesia. A obsessão pela ideia de
construir uma linguagem verbal concreta, dilacerante, econômica em adjetivos, fez com que o
poeta, um "homem sem alma" (CASTELLO, 2006), empregasse tecer como uma atividade
exclusivamente meticulosa dada a arquitetura que envolvia a sua produção literária. Nessa direção,
o substantivo, ratifica e traduz o entendimento de substância e de essencialidade, no que tange à
concretização funcional e estética da gramática da língua, além de também, na perspectiva
diacrônica, resgatar as reflexões propostas por Aristóteles, relacionando-as com os estudos
contemporâneos das classes gramaticais (Cf. NEVES, 2005, p. 74-8). Como fonte de minhas
pesquisas, o texto literário se torna solo fértil, a partir do qual apresento indagações acerca da
natureza estética que o compõe, bem como da relação que ele mantém com o material linguístico
que o molda. Como se trata de um trabalho na área dos estudos da linguagem e de seu ensino, o
objetivo desta comunicação está em apresentar uma proposta de ensino de leitura, tomando por base
o léxico do universo cabralino. No decorrer da exposição, serão ainda descritas algumas atividades
realizadas com alunos do Colégio Estadual Maria de Lourdes de Oliveira Lavôr – Tia Lavôr, na Ilha
do Governador (RJ), onde atuo como professor. Para suprir as dificuldades do alunado no campo da
linguagem, procuro construir minha prática sobre a relação de língua (gramática) – leitura –
literatura. Para tal, desenvolvo, com um grupo de professores, o projeto Orientação de
letramento(s) e construção de percursos de leitura de jovens e adultos nos Ensinos Fundamental e
Médio: o protagonismo do sujeito-leitor na constituição dos sentidos, sob a coordenação da Profª.
Drª. Maria da Graça Cassano e o apoio do Governo Federal (CAPES). Busca-se, com isso,
apresentar condições pedagógicas para que os participantes se tornem, com a orientação do
professor-pesquisador, agentes letradores, ou seja, um multiplicador da leitura literária não só no
ambiente escolar, mas também em outros espaços sociais por onde transita. A figura de João Cabral
de Melo Neto, assim como o seu léxico, entrará, portanto, como elemento da cultura escolar escrita,
apresentado nas aulas de leitura e língua portuguesa. A base teórica segue a orientação de Charles
Bally (1941, 1951), atualizada por pesquisas contemporâneas realizadas, principalmente, no
Instituto de Letras da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CAMARA, 2008; PEREIRA,
1999, RIBEIRO, 2005, por exemplo). Sirvo-me, ainda, de um amplo aparato que trata de leitura
(RIBEIRO, 2011), léxico (AZEREDO, 2007; BASÍLIO, 1995, 2007; BIDERMAN, 1998;
HENRIQUES, 2007) construção de sentido (KOCH, 2003), interação (BAKHTIN, 2003; 2004) e
letramento (COSSON, 2006; KLEIMAN, 1995).
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SIMPÓSIO 4
HISTÓRIA, REGISTRO E ENSINO DE PORTUGUÊS
Desde a LDB de 1996 e a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, qualquer método, ou
qualquer instrumento didático-pedagógico, que vise à estruturação das práticas docentes de Língua
Portuguesa, partindo do intuito de implantar uma homogeneidade gramatical mediante norma(s)
padrão, negando ou ignorando a heterogeneidade dialetal, é susceptível de ser qualificado, pelas
áreas da linguística, de conceitualmente anacrônico. O processo de identificação e caracterização
rigorosa, com vistas ao Ensino Médio, dos traços diacrônicos e sincrônicos do português do Brasil
iniciou-se na década de 1920 e teve como a sua mais simbólica publicação, devido à quantidade de
reedições, a obra O idioma nacional, de Antenor Nascentes (1929); tratava-se, todavia, de um
produto orientado, fundamentalmente, a marcar os traços distintivos de padrões cultos do português
brasileiro frente à norma de Portugal. Abriu-se, no entanto, uma etapa pautada pelo método
histórico comparativo para o estudo da gramática histórica – Gramática Histórica de Ismael de
Lima Coutinho (1938) –, pela orientação da lexicologia ao ensino e pela incorporação ao ensino dos
estudos de estilística – Contribuição para uma estilística da Língua Portuguesa, de Mattoso
Câmara (1952). Essa etapa teria um momento de inflexão com a elaboração da Nomenclatura
Gramatical Brasileira, em 1959, e com, a publicação, em edição do MEC, de O ensino de
Português, de Celso Cunha (1964), obra em que se defendia a unidade da língua, mas não a sua
uniformização, e que estava em consonância com a Lei nº 4.024/61, criadora dos Conselhos
Estaduais de Educação, entidades que, no geral, passaram a contemplar a heterogeneidade dialetal
dos alunos. Desde então, o ensino de português atravessou diversas fases e foi pautado por diversas
leis, passando do ensino utilitário orientado à oralidade – a comunicação e a expressão –,
combinando a linguagem verbal com códigos não verbais, ao ensino de uma gramática reflexiva nos
enunciados que veiculam as relações de intercomunicação. Assim, o objetivo deste simpósio é
reunir pesquisadores interessados em dialogar, de uma perspectiva histórica, as questões inerentes
ao ensino do português do Brasil.
COORDENAÇÃO
Antón Corbacho Quintela
Universidade Federal de Goiás
[email protected]
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AVALIAÇÃO DO HOUAISS (2001) COMO DICIONÁRIO HISTÓRICO AUXILIAR DA
LÍNGUA PORTUGUESA
Carolina Fernandes Alves – UFRGS
Félix Bugueño Miranda – UFRGS
Embora a relação da Língua Portuguesa com a lexicografia histórica seja antiga, contando com
trabalhos clássicos como o de José Pedro Machado (1993), o filólogo sempre necessita de subsídios
adicionais na sua tarefa de pesquisa diacrônica. O objetivo da presente comunicação é avaliar o
dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2001) como um instrumento lexicográfico auxiliar aos
estudos de lexicologia e lexicografia de viés histórico. Não obstante, o dicionário Houaiss (2001)
tenha sido apresentado à comunidade luso-brasileira como um dicionário geral de língua, o aparato
microestrutural reservado à evolução do léxico é muito mais robusto em relação a outros dicionários
da Língua Portuguesa. O viés histórico do dicionário será avaliado em relação a dois componentes
canônicos, quais são: a macro e a microestrutura. No âmbito macroestrutural, é perceptível a
lematização de formas arcaicas, tais como lufa-lufa, semicúpio, colgar, frajola e quérquera. Nota-se
também a incorporação de neologismos à macroestrutura, como, por exemplo, imexível, quentinha,
quentume, toner, pay-per-view e pistolão. No âmbito microestrutural, Hou (2001) apresenta uma
novidade para a lexicografia brasileira ao “decupar” o aparelho crítico etimológico em dois
segmentos. Seguindo a tendência geralmente aceita, há um comentário etimológico imediatamente
posterior ao lema. No entanto, e diferentemente da tradição, esse comentário fica restrito à primeira
abonação da forma, assim como a fonte de documentação. O aparelho crítico etimológico, assim,
aparece desenvolvido em um pós-comentário, localizado ao final do verbete, que será chamado
“pós-comentário etimológico”. Como metodologia, empregaremos a concepção de evolução do
léxico proposta pela Escola de Basilea (W. von Wartburg), assim como uma concepção mais ampla
dos comentários da microestrutura em dicionários semasiológicos. O fato de Hou (2001) dar cabida
a arcaísmos e neologismos, assim como um tratamento mais exaustivo à etimologia, constitui, sem
dúvida, um mérito dessa obra lexicográfica. Porém, a complexa rede de informações nela
encontrada deve receber um tratamento apropriado em um dicionário que, como mencionado
anteriormente, almeja a auxiliar na compreensão histórica do léxico do português. Nossos primeiros
resultados demonstram que o dicionário Houaiss (2001), como dicionário semasiológico, pode ser
“lido” também como um dicionário histórico auxiliar da Língua Portuguesa, mas é para questionar
se o aparelho crítico etimológico apresentado é consequentemente empregado em avaliar os fatos de
língua que o próprio dicionário apresenta.
CONSTITUIÇÃO DO CORPUS-AMOSTRA COELHO NETTO: COMPILAÇÃO E
ANOTAÇÃO DE TEXTOS LITERÁRIOS DOS SÉC. XIX E XX DE COELHO NETTO
Francimary Macêdo Martins – UFMA
Este trabalho intenta apresentar a tese de doutoramento em andamento da constituição do corpusamostra Coelho Netto, um corpus compilado e anotado morfossintaticamente de textos literários
desse autor, compreendendo dois romances e três contos do período entre final do séc. XIX e início
do séc. XX. O trabalho está na interface da Linguística de Corpus e da Linguística Computacional.
O Corpus tem aproximadamente quarenta e sete mil tokens (palavras e pontuações). Para a anotação
morfossintática utilizaremos o etiquetador automático Aelius, modelo HunPos, treinado no Corpus
Histórico do Português Tycho Brahe (CHPTB). O Aelius é um software livre em Python que utiliza
a biblioteca Natural Language Toolkit – NLTK (BIRD; KLEIN; LOPER, 2010). É utilizado no préprocessamento de textos, na construção de etiquetador morfossintático e na anotação automática de
corpora com auxílio de revisão humana (ALENCAR, 2010). O CHPTB é um corpus eletrônico
anotado, composto de textos em português escritos por autores nascidos entre 1380 e 1845,
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contendo 53 textos literários, mas não contém em seu corpo uma quantidade significativa de textos
do português brasileiro (PB), sua única referência a textos do PB é o romance Iracema de José de
Alencar, que não está anotado. Além do CHPTB, outros corpora do PB foram constituídos no
Brasil, mas nenhum deles até então composto por textos literários anotados representativos. A
constituição do Corpus-Amostra Coelho Netto enriquecerá sobremaneira tanto o banco de dados do
CHPTB quanto de outros corpora, como o do CORPTEXLIT, da Linguateca dentre outros. Além
disso, esse trabalho busca outras informações relevantes como: uso “excessivo” de adjetivos e
próclises nos textos de CN (conforme crítica modernista) comparando-o com dois outros autores da
mesma época; acurácia do anotador AeliusHunPos frente a outros anotadores, tanto de textos
literários quanto de outros tipos de textos. Atualmente o Corpus-Amostra Coelho Netto encontra-se
na fase de anotação morfossintática e correção manual dessa anotação. Nesta apresentação,
ilustraremos as etapas pelas quais o trabalho já passou e trechos do corpus anotados e corrigidos
manualmente, para daí então ser divulgado para uso da comunidade linguística. Além dessa
ilustração, destacaremos os pormenores do processo de constituição do Corpus até então, como:
dificuldades de acesso às obras, textos não disponibilizados digitalmente, qualidade/ideoneidade
dos textos disponíveis na WEB, acurácia do anotador morfossintático, comparação do texto original
com o texto digitalizado disponível na Web, atualização do texto escrito, dentre outros.
GALICISMOS NO PORTUGUÊS DO BRASIL NUMA DIMENSÃO CULTURAL
Jaciara Mesquita Rosa – UFG/CAC/PMEL/CAPES
Este trabalho tem o objetivo de apresentar os resultados finais da dissertação de mestrado
“Galicismos no Português do Brasil: uma abordagem lexicográfica”, demonstrando a análise das
palavras de origem francesa encontradas no dicionário geral da língua, na sua versão eletrônica
(HOUAISS, 2009). A pesquisa surgiu a partir da hipótese de que o maior número de unidades
lexicais francesas no português do Brasil seria do segmento moda. Porém, essa hipótese não foi
suficiente para entendermos o recorte lexical dos galicismos no dicionário acima citado. Assim, na
metodologia deste trabalho, foi feito o caminho inverso: vimos que era necessária a observação de
todas as palavras-entrada do referido dicionário a fim de diagnosticarmos, a partir das marcas de
uso expressas em cada verbete de origem francesa, qual seria o campo lexical mais recorrente. Nos
verbetes, foram analisadas as acepções das unidades lexicais escolhidas e a etimologia, observando
nesse caso as palavras-entradas que apresentassem apenas o étimo francês. A fim de comprovarmos
a origem francesa ou não desses galicismos, tomamos como estudo comparativo o dicionário
francês-francês Le Grand Robert de la Langue Française (2001). Utilizamos, principalmente, para
tal as teorias de lexicologia como Biderman (2001); Abbade (2006); Antunes (2009), lexicografia,
tais que Biderman (1984) e Borba (2003) e de campos lexicais, à esteira de Coseriu (1979) e
Geckeler (1976), além de relacionarmos, brevemente, as teorias de língua e cultura e dos principais
movimentos que ocorreram nessas duas vertentes nos séculos XIX e XX até os dias atuais. Um dos
principais movimentos culturais de que tratamos nesse trabalho é a Belle Époque tropical, ocorrida
no Brasil, especificamente no Rio de Janeiro, capital federal do país naquela época. Trata-se da
influência francesa na elite carioca e na maneira de se vestir, nos hábitos gastronômicos, na
literatura, nas artes. As unidades lexicais francesas começaram, obviamente, a fazer parte da fala e
da escrita de poetas, jornalistas e da sociedade em geral, que adotando o modo de viver francês
supondo, assim, a superioridade e o status em relação aos demais. Reconhecemos, em mais um
momento da história, que a língua retrata os hábitos e costumes de um povo (CÂMARA JR, 2004).
Dessa feita, é nosso intento relacionar os principais campos léxicos inventariados na pesquisa com a
possível influência cultural sobre a cultura brasileira, revelada nos itens lexicais de origem francesa
lematizados no dicionário Houaiss.
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O USO DO DICIONÁRIO EM SALA DE AULA: MÉTODOS E COMPROMETIMENTOS
Ana Rachel Spalenza Soares – UFMS
A presente pesquisa visa a analisar aspectos relacionados ao uso de dicionário em sala de aula para
compreensão de textos em língua materna. Com embasamento teórico-metodológico a respeito da
Lexicografia, este projeto se dispõe em estudar dicionários escolares, voltados ao ensinoaprendizagem de uma língua, principalmente a língua portuguesa, estudos estes que, subsidiados
pela Lexicografia Pedagógica, se ocuparão do ensino do uso de dicionários em sala de aula. Nessa
perspectiva, o dicionário é entendido como um auxiliador pedagógico que pode contribuir para o
processo de aquisição formal da língua, por conter especificações concernentes ao léxico, seja nos
campos morfológico, sintático ou semântico. Dessa forma, este projeto tem como finalidade, refletir
acerca da importância do uso de dicionário, principalmente nas aulas de língua portuguesa,
auxiliando o professor e o estudante em sala de aula. O caminho que define a pesquisa é por meio
de exercícios, como estratégias que viabilizam o alcance do domínio ao uso de dicionário dos
estudantes em escola pública estadual. Como alvo para concretude do trabalho, escolhemos a sala
de aula do 6º ano do Ensino Fundamental, que será o escopo para aplicação dos exercícios,
direcionados ao uso de dicionário escolar, sobretudo nas aulas de língua portuguesa. Alicerçados no
que o Ministério da Educação do Brasil (MEC) designou para o uso de dicionários em sala de aula,
é que o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), se dispôs distribuir às escolas de rede
pública de todo o país, dicionários diferenciados conforme o tipo e etapas de ensino.
Fundamentados nesta perspectiva, utilizaremos o dicionário direcionado ao 6º ano, como acervo
complementar, no qual será o objeto desta pesquisa referindo-se às investigações de como essa obra
lexicográfica pode ser um auxiliador em sala de aula. Pela análise e interpretação desses exercícios,
é que se podem relacionar os resultados obtidos com o apoio de autores e obras que tratam do
mesmo tema ou temas próximos, verificando como a pesquisa poderá contribuir para a construção
de aspectos relacionados à coerência na compreensão lexical por meio do dicionário escolar, seja na
interpretação ou produção de textos em língua materna.
PROCESSOS CRIMINAIS: ESTRUTURA E PARTICULARIDADES LINGUÍSTICAS EM
AUTOS CRIMINAIS DOS SÉCULOS XVIII E XIX
Helena de Oliveira B. Negro – USP
Com base em literatura conhecida, na área dos estudos filológicos brasileiros, como Spina (1987),
com a Introdução à edótica, e Cambraia (2005), em sua Introdução à Crítica Textual, realizaremos
a análise filológica do processo criminal do comerciante brasileiro Antonio de Oliveira; réu na ação
em que foi acusado de fraudar os pesos e medidas dos comes e bebes de sua venda. Esse documento
trata-se de um manuscrito, datado de seis de julho de 1773 e a ação se passa na cidade de São Paulo,
promovida pelo Juizo Ordinário da comarca de São Paulo e movida por João da Motta, “inimigo
emal afeto ao Reo”. O fac-símile em análise pertence ao Arquivo do Estado de São Paulo e faz
parte da Coleção Processos Criminais da Capital, lata 04078, série Autos de Devassa. O referido
documento possui dez fólios, elaborados em escrita processada por um único punho, escrita típica
do período humanístico e encontrada em manuscritos portugueses e brasileiros, a partir do século
XVI, cuja principal característica é a escrita regular e corrida, em que a união irregular entre
palavras mostra-se também como característica do tipo documental. Esse texto trata, mais
pormenorizadamente, de um termo de sentença de absolvição de crime, lavrada no ano de 1773, em
favor de Antonio de Oliveira. Além de rico relato histórico-social, comentando nos aspectos da vida
cotidiana da população paulistana os problemas diários e as resoluções para seu enfrentamento, esse
texto apresenta-nos características de uma tipologia documental bastante específica. Para a análise
do córpus, lançamos mão da diplomática e da crítica-textual, uma vez que o objetivo central desse
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trabalho será analisar a estrutura documental e os traços léxicos específicos desse gênero textual, no
século XVIII. Matoso Silveira (2005), em sua Análise de Gênero Textual, faz breve exposição sobre
a linguagem jurídica no âmbito da escrita oficial, permitindo-nos vislumbrar algumas
especificidades do léxico e da estrutura textual que esse tipo de documento apresenta. Expressões
em latim, como “adverbum” e “theos”, o longo prológo, que antecede a descrição dos
acontecimentos, a inexistência de espaços entre linhas e o mínimo espaço entre palavras e frases,
que além de característica do tipo de escrita também era utilizado para se evitar qualquer tipo de
fraude, abreviaturas pouco comuns em documentos oficiais, como ofícios ou bandos, mas
largamente encontradas em processos civis e criminais e em outros tipos de documentos, cuja
formalidade é semelhante, apresentam-nos particularidades presentes nesse tipo documental,
diferentes de outros manuscritos da mesma natureza, porém, de finalidades diferentes. Ainda, que
parte de um mesmo contexto linguístico e formal, a estrutura documental e a lexical é notadamente
variável entre os diferentes tipos de processos judiciais. Os testamentos apresentam características
distintas dos processos criminais, que por sua vez apresentam características diferentes dos
inquéritos criminais, justificações ou das sentenças, tipo documental alvo desse trabalho. Diante
disso, como já citado, abordaremos aspectos estruturais e lexicográficos desse documento, visando
identificar suas reais características e especificidades, que possam igualmente ser encontradas em
documentos análogos no séc. XXI. Nosso intuito, portanto, é fazer uma colaboração aos trabalhos já
elaborados em Belloto (2002) em seu livro Como fazer análise diplomática e análise tipológica de
documento dearquivo.
O ACORDO ORTOGRÁFICO DE 1911 E SUA INFLUÊNCIA NA CONSTITUIÇÃO DA
IDENTIDADE DA LÍNGUA PORTUGUESA
Fabiana Fernanda Steigenberger – UFSCAR
Sabemos que o político está presente na decretação de acordos ortográficos por serem práticas
institucionais sobre a língua. Nessa perspectiva, nos propomos a analisar os sentidos da expressão
“acordo ortográfico” a partir da questão do político, o qual possibilita entender as especificidades
semânticas dessa expressão. Neste trabalho selecionamos como corpus o Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa, promulgado em 1911. Esse acordo ocorreu inicialmente apenas em Portugal,
pois o governo com o intuito de ampliar a escolaridade e combater o analfabetismo, designou uma
comissão para constituir uma ortografia simplificada para ser usada nas publicações oficiais e no
ensino. Institui-se, a partir dessa data, uma escrita mais simples, em consonância com a fonética e a
pronúncia da língua falada. Esse acordo é de grande relevância por ter princípios constitutivos que
influenciaram os acordos posteriores. Teoricamente embasamo-nos na Semântica do Acontecimento
por tratar a constituição dos sentidos no acontecimento da enunciação na sua relação com a história,
o social e o político. A expressão aqui em análise é pensada enquanto marcada por uma
multiplicidade de sentidos, todos inscritos na produção do conhecimento sobre a Língua
Portuguesa. Trata-se de uma espessura semântica que envolve a expressão e que representa a
história de sentidos constituída ao longo da trajetória da história da nossa língua. Para entendermos
esse emaranhado de sentidos, selecionamos o conceito analítico de domínio semântico de
determinação (DSD) e seus procedimentos de reescrituração e articulação, uma vez que dão
textualidade ao texto. Entendemos reescrituração como o procedimento enunciativo em que um
texto rediz insistentemente o que já foi dito fazendo interpretar uma forma como diferente de si.
Essas diferentes formas de redizer o dito produzem o sentido. A reescrituração une pontos de um
texto com outros do mesmo texto ou, ainda, pontos de um mesmo texto com pontos de outro texto.
Esse processo constrói o sentido das palavras e das expressões linguísticas e, conforme Guimarães
(2002), “ao se fazer, faz significar algo que não estava significado”. A articulação “diz respeito às
relações próprias das contiguidades locais. De como o funcionamento de certas formas afetam
outras que elas não redizem” (Guimarães, 2007, p. 88). A partir da descrição dos modos como a
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expressão “acordo ortográfico” é significada ao longo do texto. Nosso objetivo é descrever a
constituição dos seus sentidos no acontecimento enunciativo para compreendermos como o sentido
dessa expressão é representado no curso da História entre os países que falam a Língua Portuguesa.
OS ANGLICISMOS NA IMPRENSA PERNAMBUCANA: ANTES, DURANTE E DEPOIS
DA II GUERRA MUNDIAL
Boris Dimitri de Siqueira Filho – SEDUC/PE
O português, como as demais línguas, está em constante aumento dos seus vocábulos em
consonância com as outras línguas de cultura. No dicionário de Antônio de Morais e Silva, do início
do século XIX, e no dicionário da Academia Brasileira de Letras, de 1981, pode-se perceber um
crescimento de 40 mil palavras para 400 mil. Muito desse aumento é causado pelas descobertas que
acontecem em diversos campos, como na medicina, na física ou na tecnologia.
Para existir este acréscimo considerável na língua, houve a necessidade da busca de uma fonte para
alimentar o português e sua origem. O aparecimento veio pelos neologismos vernáculos, numa
busca de atualização com o momento e, provavelmente, pelos empréstimos linguísticos, por não
existir termos condizentes com a ideia do desejado. A entrada das novas palavras não acarreta
nenhum prejuízo e a sua vida dependerá exclusivamente do povo.
Normalmente, as línguas recebem o estrangeirismo em seu próprio país, mas como o português veio
ao Brasil para ficar, tornou-se vulnerável às contaminações lexicais.
As primeiras influências marcantes que o português sofreu foram das línguas indígenas, no período
inicial da colonização, africanas, no ciclo da cana-de-açúcar, a francesa, com a vinda da corte
portuguesa, e a inglesa, que tem o seu apogeu após a Segunda Guerra Mundial e retoma esse papel
com mais ênfase com as novas tecnologias que surgem no nosso dia-a-dia.
A entrada dos anglicismos ocorre de forma mais evidente pela imprensa, um dos únicos meio de
comunicação do povo com o mundo, no início do século XX, com sua grafia diferente e de certo
modo desconhecida por parte de alguns dos seus leitores. É possível observar que diante do avanço
da língua inglesa e da sua permanência dentro da sociedade fará com que algumas palavras sejam
modificadas e recebam a cidadania brasileira, sim, pois Portugal até hoje ainda reprime a entrada de
alguns elementos estrangeiros, que diga o mouse, que lá é chamado de rato, tradução literal da
palavra inglesa.
Ratificando o que foi dito acima, este trabalho tem a intenção de conduzir uma análise do uso dos
empréstimos linguísticos, em especial os anglicismos, desde a década de 30 até o início da década
de 50, que compreende o começo e o fim da II Guerra Mundial (1939-1945), nas colunas sociais da
imprensa pernambucana.
INGLÊS DE SOUSA NA IMPRENSA PAULISTA: ANÁLISE DE CRÔNICAS
PUBLICADAS NA REVISTA NACIONAL DE CIÊNCIAS, ARTES E LETRAS (1877)
Marcela Ferreira - IFG/PROAPP
Essa comunicação tem por objetivo recuperar e analisar as crônicas produzidas por Inglês de Sousa
na Revista Nacional de Ciências, Artes e Letras, publicação santista de 1877. A crítica informa
sobre a participação do autor na imprensa paulista, como colaborador, fundador e editor de diversos
periódicos. Sousa é considerado o inaugurador do “ciclo amazônico” na literatura brasileira, pois foi
o primeiro a focalizar em seus romances e contos a Amazônia. Sua obra ficcional, composta por
quatro romances — O cacaulista (1876), História de um pescador (1876), O coronel Sangrado
(1877) e O Missionário (1891) — e, um livro de contos — Contos Amazônicos (1893) —, retrata a
vida social e cultural dessa região, bem como, a relação do homem com a natureza exuberante e a
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exploração do homem e da terra, dentre outros assuntos. Na imprensa, o autor também tem como
tema principal de seus escritos a Amazônia, mas amplia seu referencial temático, circulando pela
crítica literária e, também escrevendo crônicas sobre o cotidiano. A Revista, que foi fundada por
Inglês de Sousa e Antonio Carlos Ribeiro, é amplamente divulgada nos jornais do Rio de Janeiro,
São Paulo e Campinas, com publicação de vez por mês, tendo entre 64 a 150 páginas. Propunha-se
a, conforme o anúncio publicado na Gazeta de Campinas em 31 de julho de 1877, “reunir e dar a
lume às melhores produções inéditas dos homens de letras do Brasil, tanto no campo da ciência,
como no da literatura e das artes” (A REVISTA, 1877, p. 4). Os editores também prometiam que
em cada número apareceria “uma crônica do movimento literário, científico e artístico do mundo
civilizado e um boletim bibliográfico do que de mais importante se publicar na Europa e na
América” (Ibidem). As crônicas do movimento literário ficavam a cargo de Inglês de Sousa, as
quais serão analisadas nessa comunicação.
O GÊNERO INVENTÁRIO COMO FONTE DE INFORMAÇÃO LINGUÍSTICA:
ALGUMAS REFLEXÕES
Gracinéa I. Oliveira – UFMG
Os documentos jurídicos e administrativos produzidos no Brasil colônia são uma das principais
fontes de estudos sobre a língua e a história colonial brasileira. A importância dessa documentação
ainda é maior no período anterior ao século XIX, pelo motivo de ainda não haver imprensa no
Brasil. Esse fato faz com que esses documentos sejam um dos poucos registros da vida colonial. O
domínio jurídico apresenta uma variedade muito grande de gêneros textuais como inventários,
testamentos, justificações, termos de arrematações, acórdãos, editais, despachos, etc. e tratam sobre
os mais variados assuntos. Nesta comunicação, propõe-se analisar alguns aspectos discursivos e
estruturais do gênero inventário para verificar de que maneira tal gênero textual pode contribuir
para o estudo da língua portuguesa de outras épocas, especificamente do século XVIII. Para tal
pesquisa, foram selecionados inventários lavrados no século XVIII, oriundos dos cartórios do
primeiro e segundo ofício de notas da antiga Vila Real de Nossa Senhora da Conceição do Sabará,
sede da Comarca do Rio das Velhas e uma das mais ricas e importantes vilas da capitania. Esses
documentos estão sob a guarda do IPHAN/IBRAM na Casa de Borba Gato, na sede da atual
Comarca de Sabará. Conforme já dito, os inventários são textos pertencentes ao domínio jurídico e
podem ser definidos grosso modo como um documento no qual se arrolam bens. Existem dois tipos
de inventários: os post-mortem e os por demência. Nos primeiros, são arrolados os bens deixados
por um defunto para partilha entre os herdeiros e no segundo são arrolados os bens pertencentes a
uma pessoa legalmente declarada incapacitada para que um “tutor” possa geri-los. Os inventários
post-mortem tinham geralmente a seguinte estrutura: inicialmente, a identificação do falecido, o
local e a data de sua morte e o nome do cônjuge - caso casado. Em seguida vinha a relação dos
herdeiros e suas idades, o valor dos bens herdados por cada um, devendo ser registrado na margem
esquerda; à medida que o tempo passasse, a emancipação, o casamento e a morte dos órfãos. O
processo de divisão dos bens inventariados era definido na seção intitulada Auto de Partilha.
Primeiramente, deveria ser calculado o “Monte Mor” do qual seriam subtraídas as dívidas do casal e
abatidos os gastos, chegando assim ao líquido. Os inventários por demência tinham geralmente a
seguinte estrutura: a identificação do demente, a do seu tutor e a relação de bens. Embora se
caracterizem por apresentar uma estrutura formulaica - principalmente inicial e final – os
inventários são fonte rica de informações sócio-históricas e culturais. Eles permitem visualizar,
através dos bens inventariados, a vida e a língua de parte da população (a mais abonada) daquele
período. Não apenas através da inventariação dos bens, já que nos inventários são encontrados
recibos, receitas médicas, bilhetes e outros gêneros de textos que deixam importantes pistas sobre o
quotidiano do período em que foram lavrados. Do ponto de vista linguístico, podem fornecer dados
para estudos fonéticos, morfossintáticos e lexicais.
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ANALISANDO EWE-FON COMO UM SUBSTRATO – NOVOS INSIGHTS DE PEIXOTO
EM “OBRA NOVA DA LÍNGUA GERAL DE MINA
(Analyzing Ewe-Fon as a substrate – new insights from Peixoto’s “Obra nova da Língua Geral
de Mina”)
Dzidula Samla – LMU München
Christina Märzhäuser – LMU München
Antônio da Costa Peixoto’s work "Obra nova da língua geral de Mina" from 1741 documents the
presence of Ewe-Fon in 18th century Brazil. The author of this glossary, a Portuguese from Entre
Douro e Minho, lists 899 lexical items and expressions and their equivalents in Portuguese. His
manuscript has been re-edited in 1944 in Lisbon by Luís Silveira through the Agência Geral das
Colônias. (see Rodrigues 2003: 92). Further works on the subject include some comments by Lopes
(1945), Rodrigues (2003) and _ A língua mina-jeje no Brasil: um falar africano em Ouro Preto do
século XVIII.” (2002) by the Brazilian ethno-linguist Yeda Pessoa de Castro, as well as
research by Margarida Petter (2010-2011 research project on Aspectos etnolinguísticos de
comunidades afro-brasileiras de Minas Gerais“).
Rodrigues (2003) who in in 1957 started to annotate “as formas correspondentens aos itens
lexicais da “Obra Nova” registradas no grande dicionário de Westermann, Wörterbuch der
Ewe-Sprache” (Rodrigues 2003: 93), and returned to annotating corresponding Fon words in the
1980ies with the help of a native speaker from Benin, Lucien Akabassi. Rodrigues states a 90%
coincidence with Fon lexicon, and discusses other dialectal sources from Ewe-Fon varieties. We
recently started working on a new digitalized version of Peixoto’s glossary, including multi-lingual
equivalents from both European languages (to make the document more easily accessible to a nonlusophone public) and from Ewe (Togo varieties), task possible thanks to the native speaker
competence of D. Samla.
In our paper, we will i) look at syntactic structures , ii) analyze some semantic aspects such as new
word formations, calques, metonymic and metaphorical expressions and semantic change –
some elements preserved in the 18th century Língua geral de Mina are not present in today’s Ewe
varieties anymore.
i) Syntax
We analyze multiple-word entries from Peixoto’s glossary to find out which grammatical
constructions are attested in this document, and which syntactic structures from Ewe-Fon are
attested in the Língua geral expressions. For example, Peixoto’s entry Máhina ‘no’návi (1944:
27) presents the same special serial verb construction that has been described for Ewe.
Peixoto’s translation: vou dar de mamar a h~u menino.
Compare this use of hi (go-V) to Hünnemeyer’s examples from modern Ewe, in which she analyzes
yì (go-V) as a final aspect marker in both past and future tense examples. (see Hünnemeyer 1985:
45):
49
50
ii) Semantics & semantic change
A first semantic analysis of Peixoto’s glossary shows that for example gender marking strategies
such as the Ewe elements –si for feminine and –su for masculine are also used in Língua Geral de
Mina with animal names in examples such as:
The many compounds of nhi (cow), coucoulou (chicken) in Peixoto tell us a lot about word
formation in Lingua Geral de Mina: Some (new) nouns came into existence through contact
with European customs, constructed from existing material - with intriguing semantics, as for
example the word nhinosim with the meaning ‘milk’ listed in Peixoto (1944) on page 16.
Some terms attested in Língua Geral de Mina are already archaic in modern Ewe, for example
afópatatɔ (ptg. sapateiro = shoemaker) (Peixoto 1944: 16). Apparently a change in verb meaning
has triggered its substitution. In Rongier‘s 1995 Ewe-dictionary only àfɔkpàtɔlá und àfɔkpàkãlá are
listed.
The form rom Língua Geral de Mina is not used in Ewe-phone regions anymore and sounds odd.
This is due to the fact that the verb Ewe: ta has changed its meaning from ‚to fabric‘ to ‚to draw‘,
and is therefore not used (any more) in the context of shoe-making. Still, afokpatato can be
understood by Ewe-speakers - ta has preserved its original meaning (to fabricate) if one is talking
about carpentry.
We hope these details helped to show how much an in-depth analysis of Peixoto’s glossary can
bring to light. We think that Peixoto is an extremely valuable resource for both creolistics,
research on African substrate influence in Brazilian Portuguese and diachronic studies on EweFon, for which we hope to present some useful findings.
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‘PARA LHE DAR UMA CABAL NOÇÃO’ - COTEJO DE UM OFÍCIO AUTÓGRAFO, DO
CONDE DE OEIRAS A MORGADO DE MATEUS, E SUA CÓPIA
Renata F. Munhoz – FFLCH/USP
Este trabalho tem o intuito de cotejar duas lições de um ofício enviado pelo secretário do reino, o
Conde de Oeiras (posteriormente, o Marquês de Pombal), a Dom Luís Antônio de Sousa Botelho
Mourão, o Morgado de Mateus, em seu período de governo – de 1765 a 1775 – como capitão
general da capitania de São Paulo. O diploma manuscrito autógrafo está contido em um fólio, em
que o remetente refere-se a outros documentos remetidos do reino à capitania de São Paulo acerca
dos negócios que envolvem essa capitania. Além disso, menciona o envio de reparos de autoria do
engenheiro militar genovês, o marechal de campo Dom Miguel Ângelo de Blasco, sobre a defesa do
Rio Grande de São Pedro e seus territórios.
A comparação do original autógrafo, contendo a assinatura de próprio punho do Conde de Oeiras,
com sua cópia, produzida na capitania de São Paulo, permite a observação de aspectos filológicos.
Dentre esses aspectos, destacam-se a data cronológica divergente, fato incomum à prática de cópia
do período e determinadas idiossincrasias gráficas.
Quanto aos arquivos em que se encontram arquivados, o testemunho autógrafo encontra-se em
versão microfilmada na Biblioteca Nacional, como parte do Fundo Morgado de Mateus; enquanto a
cópia pode ser pesquisada diretamente no cartulário em que se encontra encadernada no acervo do
Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Como aporte metodológico, serão empregadas as seguintes etapas:
I. A produção da transcrição semidiplomática, pois, segundo Cambraia (1999, p. 13-23), para
estudos linguísticos é simplesmente inviável uma edição de textos antigos totalmente transcritos no
português atual, pois se perderiam todas as particularidades essenciais da escrita do período.
II. A realização da collatio ou colação, enquanto a primeira parte da operação de edição crítica, em
que serão comparadas as duas lições, em busca de se verificarem as variantes.
III. A montagem do aparato crítico ou aparato de variantes, em que serão registrados os termos que
apresentarem variação de forma no processo de transmissão da primeira versão à cópia.
Assim, este trabalho intenciona apresentar as edições semidiplomáticas como meio de reprodução
textual dos dois testemunhos do documento estudado, ainda não publicado; analisar aspectos
filológicos; divergências gráficas; compor um aparato crítico e, desse modo, estudar um exemplar
da correspondência formal entre os dois governantes, reforçando a importância dos manuscritos
enquanto fontes de dados não apenas linguísticos, mas também históricos e culturais.
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SIMPÓSIO 5
ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS DE LÍNGUA
PORTUGUESA NA EDUCAÇÃO BÁSICA
O objetivo deste simpósio é congregar estudantes, professores, pesquisadores e demais profissionais
interessados em discutir questões relacionadas ao ensino e à aprendizagem de língua portuguesa, na
educação básica. Os diversos temas que tratam de estudos linguísticos e literários na formação
docente e no fazer pedagógico, em escolas de ensino fundamental e médio, serão agregados em
comunicações, de acordo com suas especificidades investigativas, teóricas e práticas. A vivência do
idioma português em comunidades urbanas e rurais, salas de aula, bibliotecas, laboratórios e demais
ambientes educativos presenciais ou virtuais norteará o debate sobre a escolarização básica que
privilegia o letramento de crianças, jovens e adultos, em situações formais e informais de ensino,
com e sem necessidades especiais de aprendizagem.
COORDENAÇÃO
Deise Nanci de Castro Mesquita
Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás
[email protected]
Ilse Leone Borges Chaves de Oliveira
Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás
[email protected]
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LEITURA, ESCRITA E FORMAÇÃO DE CONCEITOS EM UMA PERSPECTIVA
SÓCIO-HISTÓRICA
Sônia Santana da Costa – CEPAE/UFG
Maria Alice de Souza Carvalho – CEPAE/UFG
Ataíde Felício dos Santos – CEPAE/UFG
Andréa Alves da Silva Souza – CEPAE/UFG
Telma Maria Santos Faria Mota – CEPAE/UFG
O presente trabalho tem por objetivo discutir o processo de leitura e escrita para o letramento por
meio de gêneros discursivos e formação de conceitos em uma perspectiva sócio-histórica, de acordo
com os pressupostos de autores como Bakhtin (1992), Vigotski (2001), Leontiev (2006) dentre
outros. Dessa forma, abordaremos temas como Linguagem, Mediação, Formação de Conceitos e
Zona de Desenvolvimento Proximal. As categorias surgidas da perspectiva sócio-histórica
possibilitam-nos a percepção do real em seu movimento, oferecem elementos para uma análise
totalizante da relação homem-mundo, concebendo-se os homens como sujeitos concretos, que
estabelecem relações sócio-culturais entre si e com a natureza, capazes de conscientemente
transformá-la e transformarem-se. Nessa perspectiva, a criança é entendida como sujeito ativo que
se apropria e reelabora os conhecimentos veiculados pela escola, na medida em que os relaciona ou
os confronta com sua realidade sócio-cultural. Dessa forma, a escola é entendida, a partir das
contribuições de Bakhtin (1995b) e Vigotski (2004, 2001, 1988), como locus que permite interações
dialógicas entre as crianças e os diversos textos mediadas pelas intervenções do outro. Define-se,
assim, como um contexto fundamental para o processo de aprendizado e desenvolvimento da
criança e também do professor, constituindo-se num espaço privilegiado de referências culturais e
científicas. O professor, por sua vez, (re)orienta sua prática, define-se como um mediador de
conhecimentos historicamente produzidos, podendo transformar a si mesmo no bojo desse processo.
Os estudos e pesquisas abordados são realizados pela equipe de professores da 1ª Fase do Ensino
Fundamental do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação - CEPAE/UFG, integrantes do
Laboratório Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em Linguagem e Infância – LIEPLIN. Esse
laboratório tem como objetivo geral desenvolver estudos, pesquisas e extensão nas áreas da
Educação (teorias e práticas educativas) e da Linguagem (Alfabetização e Letramento, Linguística e
Literatura) voltados, prioritariamente, para a faixa etária de alunos do 1º ao 5º ano do Ensino
Fundamental.
ESCRITA E ENSINO, UMA QUESTÃO DE ELABORAÇÃO
Maria Alice de Sousa Carvalho – CEPAE/UFG
Constantemente, os professores de alfabetização, são convocados a testar e a propor novas
metodologias em sala de aula na esperança de estabelecer um bom ensino, afinal a responsabilidade
pela relação da criança com o saber está depositado no professor, principalmente no que ele
estabelece para ministrar os conteúdos escolares, assim defende a grande maioria dos discursos
oficiais que orientam as propostas educacionais como os Parâmetros Curriculares Nacionais
(PCNs). Quem dera se a relação da criança com o saber dependesse de uma metodologia bem
aplicada, em que bastaria o professor organizar as informações e colocá-las à disposição da criança.
Quem está em sala de aula sabe bem que esse processo de leitura e escrita vai além disso e, de certo
modo, é uma experiência que não acontece de forma natural e de modo controlado. Experiência
próxima ao sentido proposto para elaboração, conforme a psicanálise, quando diz do efeito do
encontro do corpo com a linguagem. Encontro que produz certos efeitos, os mais subjetivos, dentre
eles, a relação com o saber. As atividades realizadas por uma criança, como jogos, brincadeiras e
aprendizagens como a da língua escrita, não são apenas lúdicas, imitativas e/ou conhecimentos a
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serem adquiridos, mas dizem respeito ao sujeito, sempre às voltas com o impasse estrutural de sua
existência. À medida que uma criança escreve, com traços não identificados, letras diversas e letras
de seu nome próprio, por exemplo, delineia-se um processo de subjetivação de marcas
inconscientes. Por isso, pode-se reconhecer no processo de aquisição da língua escrita uma
perspectiva de elaboração. É com essa possibilidade em vista que se pretende discutir sobre a
aquisição da leitura e da escrita em ambiente escolar, na perspectiva de incluir o que se expressa de
pulsional nesse processo, para acolher algo que normalmente não está contemplado nos estudos e
pesquisas sobre alfabetização e letramento.
O PROCESSO DE LEITURA - ESCRITA E DE FORMAÇÃO DE CONCEITOS NUMA
PERSPECTIVA INTERDISCIPLINAR
Ataíde Felício dos Santos – CEPAE/UFG
Telma Maria Santos de Faria Mota – CEPAE/UFG
O presente trabalho tem como objetivo demonstrar as experiências pedagógicas e interdisciplinares
desenvolvidas na Primeira Fase do Ensino Fundamental, do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à
Educação – CEPAE-UFG, no Projeto Pedagógico – “Ponto de Apoio” (PA). As atividades
elaboradas visam propiciar significativas formas de abordar os conteúdos oferecidos em sala de aula
aos alunos que apresentam necessidades de atendimento diferenciado em Língua Portuguesa e
História, no contra turno escolar, conforme previsto na LDB/96. O projeto está vinculado aos
Laboratórios, Laboratório Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas sobre Linguagem e Infância –
LIEPLIN e Laboratório Interdisciplinar de Conceitos – LABRINCO. O projeto Ponto de Apoio
consiste, inicialmente, em aulas semanais na sala de informática do referido Centro, com a
utilização do computador como ferramenta de pesquisa via internet. A pesquisa de temáticas dos
gêneros discursivos diversos realizada pelos alunos, se dá de forma livre, com o objetivo de
otimizar o processo de leitura, escrita, interpretação e de elaboração de conceitos científicos
escolares, na perspectiva do letramento. Após a pesquisa e escolha do tema, o aluno sistematiza a
leitura e registra ainda com certa informalidade quanto à forma e conteúdo, que em seguida será
estruturada com a mediação do professor e lida para o grupo, que, segundo Bakhtin, o “outro” tem
papel fundamental no processo cognitivo. Compreende-se, desse modo, que cabe à escola o papel
de formar leitores críticos e criativos, conscientes e participativos para o exercício da cidadania, e
assim, trabalhar a dimensão social da escrita em sua concretude, tendo como suporte teórico os
conceitos de dialogia, mediação e interação na perspectiva dos autores Bakhtin (1992), Vigotsky
(2001), Geraldi (2003), entre outros.
PRÁTICA DE ENSINO E LEITURA NA ESCOLA REORIENTADA PELA PROVA
BRASIL
Núbia Régia de Almeida – UFT/SEDUCTO
Desde 2005, o Governo Federal aplica bianualmente a prova Brasil em todas as escolas da rede
estadual e municipal que tenham no mínimo 20 alunos matriculados nos 5º e 9º anos do Ensino
Fundamental. A prova é composta por questões de Língua Portuguesa e Matemática, pelo fato de
essas disciplinas serem consideradas basilares para o currículo escolar. Nas questões, avaliam-se as
competências e habilidades consideradas comuns entre todas as unidades da federação e que são
consideradas básicas para que os alunos consigam avançar no processo de aprendizagem no
decorrer de sua vida escolar. O exame possui caráter censitário e objetiva oferecer a todas as escolas
uma avaliação detalhada de seu desempenho. Tal fato pode se constituir como oportunidade para
aprimoramento das práticas de ensino nas escolas brasileiras. São indicadores para aferirem o IDEB
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das escolas (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) as combinações dos resultados do
desempenho escolar com o movimento de rede (aprovação obtidos no censo escolar) e os resultados
da Prova Brasil. O presente artigo analisa a influência provocada pela Prova Brasil nas práticas de
ensino de leitura de uma professora de Língua Portuguesa da Escola Estadual Modelo de Araguaína
- TO e averiguar se este exame tem se configurado como instrumento reorientador das práticas de
ensino de leitura da docente. Trata-se de um estudo de caso cujos dados foram gerados com base na
consulta a documentos da escola como planos de aula, diários de classe, atividades dos alunos,
avaliações internas entre os períodos de 2007 a 2011 e em observações das aulas da professora
colaboradora no segundo semestre de 2012. Ainda em andamento, a pesquisa está colaborando para
a elaboração de um retrato do letramento desenvolvido nesta escola, bem como levantar fatores que
podem tercontribuído para a obtenção dos resultados nas avaliações externas e internas no período
de 2007 a 2011. Como resultados preliminares, verificou-se que esta escola, nas edições da Prova
Brasil 20072009, teve um avanço significativo em seus resultados referentes ao IDEB 20072009, de
3,7 para 4,9 pontos, e na Prova Brasil 2007/2009, Língua Portuguesa, da escala 225 para 250. Já na
edição 2011 houve uma queda tanto na escala da Prova Brasil quanto no IDEB, mesmo assim
superou a meta projetada pelo MEC. Na análise são considerados os estudos de Soares (2001),
Koch e Elias (2009), Rojo e Jurado (2006), Marcuschi (2006), Kleiman (2006) Signorini (2006)
Cosson (2009) e Paulino (2001) a respeito do ensino de leitura e das práticas de letramento.
ENSINO E APRENDIZAGEM DOS CONCEITOS GRAMATICAIS NOS ANOS INICIAIS
DO ENSINO FUNDAMENTAL
Elane Nardotto – IFBA/UFBA
Dinéa Maria Sobral Muniz – UFBA
Este estudo objetiva apresentar dados da pesquisa (em andamento) de Doutorado em Educação, na
linha de pesquisa “Filosofia, Linguagem, Práxis Pedagógica”. Tal estudo propõe-se a investigar o
modo de apropriação dos conceitos gramaticais nos anos iniciais do Ensino Fundamental a partir da
interface ensino e aprendizagem, na qual a pressuposição é garantir uma formação linguística para
os docentes considerando a materialidade da prática pedagógica com os conceitos gramaticais em
aulas de Língua Portuguesa. Para isso, estabeleceu-se um posicionamento crítico, a partir das
contribuições do campo da linguística, sobre a forma como a gramática tradicional consolidou-se no
decorrer dos séculos como unidade de ensino. Em seguida, defende-se que o ensino da língua deve
ultrapassar o ensino de nomenclaturas e regras gramaticais para a compreensão de que ensinar
língua e ensinar gramática diferencia-se, o que reverbera para o pressuposto de que a prática de
leitura e de produção escrita e oral deva se constituir como “espinha dorsal” do ensino da língua em
articulação com uma possível “análise linguística” em que as formas gramaticais possam ser
analisadas e refletidas nas referidas práticas. A teorização se pauta na Pedagogia Soviética
histórico-cultural representada pelos autores russos – Alexander Luria e Lev Semenovich Vigotski
que, em princípio, defendem o ensino e aprendizagem dos conceitos científicos como forma de
desenvolver o pensamento teórico do escolar. Essa perspectiva rompe com a teoria behaviorista,
entre outras, ao passo que concebe o sujeito como aquele que pode dialogar com os conceitos
escolares/científicos. Atrelada a essa perspectiva, tem-se a concepção de língua defendida por
Mikhail Bakhtin que, embora não tenha discutido a escola e o ensino gramatical, traz uma
concepção de língua que nos impulsiona a problematizar um tipo de ensino pautado na
memorização mecânica de nomenclaturas gramaticais.
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FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES CAMPONESES DA EDUCAÇÃO
BÁSICA X ENSINO E APRENDIZAGEM DO CÓDIGO ESCRITO DA LÍNGUA
PORTUGUESA
Sonilda Sampaio Santos Pereira – UESB/ ERTE
O ensino e a aprendizagem do código escrito da língua portuguesa é nosso objeto de trabalho desde
janeiro de 2001, quando da inauguração da escola rural residencial Taylor-Egídio (ERTE), no
município de Jaguaquara – Bahia. O trabalho docente, ao longo de mais de uma década, vem
ancorando-se em suportes tais como: a) concomitância de eventos de letramento e trabalhos com a
consciência fonológica; b) variedade de gêneros textuais; c) coexistência das variedades linguísticas
na ambiência da educação formal; d) legitimação dos espaços de oralidade e de oralização; e)
leitura do mundo e da palavra de modo crítico; f) prevalência de atividades epilinguísticas sobre as
metalinguísticas, dentre outros. São doze anos de prática reflexiva, focada tanto na formação dos
professores camponeses de língua portuguesa da educação básica, quanto na aprendizagem da
leitura e da escrita por crianças e adolescentes do campo. Este estudo longitudinal reúne resultados
de aprendizagem não condizentes com o nível e o acúmulo de estudos dos docentes. Por isso,
resultados insatisfatórios. Dessa forma, no momento presente, problematizamos nossa pesquisa com
a pergunta: Há relação de dependência entre a formação continuada de professores de língua
portuguesa da educação básica do campo e o êxito da aprendizagem da leitura e da escrita dos
estudantes camponeses? Esta pergunta tem volvido nossa atenção da categoria aprendizagem da
leitura e da escrita para a categoria ensino da língua materna. Pensamos, atualmente, que há vazios
no ensino da língua portuguesa, na educação básica, especialmente nos anos iniciais, muito mais
danosos que as complexidades do ato de aprender. Vazios que se referem, dentre outras, às
ausências: a) da oportunização da leitura da “palavramundo” (FREIRE, 1994); b) da fascinação do
lugar preciso em que o conhecido se torna desconhecido (FERREIRO, 2005); c) da reflexão sobre a
leitura que resulta no texto-leitura (S/Z) (BARTHES, 2004); d) do resgate da capacidade leitora que
constrói a cidadania (YUNES, 2002); e) do despertamento para o encanto das palavras (QUEIRÓS,
2002). Estudo qualitativo do tipo etnográfico, realizado na Escola Estadual Rural Taylor-Egídio –
pedagogia alternante -, cujo objetivo é: Observar, analisar e contribuir com os processos de
aprendizagem da leitura e da escrita dos alunos campestres das séries iniciais do Ensino
Fundamental e de formação continuada dos professores do campo responsáveis pelo ensino do
código escrito da língua portuguesa aos referidos aprendizes.
EDUCAÇÃO BÁSICA NO CAMPO, LEITURA LITERÁRIA E LETRAMENTO
Deise Nanci de Castro Mesquita – CEPAE/UFG
Edna Borges Araújo – SEDUC/GO
Luana Pereira Lemos – SEDUC/GO
Terezinha Gislene Oliveira – SEDUC/GO
Esta comunicação coordenada apresenta e discute a pesquisa desenvolvida por representantes da
SEDUC/SEF/GO e do CEPAE/UFG, responsáveis pelos cursos de formação continuada de
professores lotados em escolas que aderiram ao Programa Nacional de Educação no Campo, em
Goiás, a partir de 2012. Intitulada “Estudos Linguísticos no Ensino Fundamental: a gramática em
função do discurso”, esta investigação tem como objetivo geral buscar formas de colaborar com
esses professores, para que tenham a sua disposição uma coletânea de atividades de leitura e escrita
relacionadas a poemas e contos que apresentam temas pertinentes à realidade campesina, que possa
ser utilizada como material interdisciplinar complementar ao livro didático adotado em classes
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multisseriadas do ensino fundamental. O princípio que sustenta esta proposta é a compreensão de
que, ao menos para uma grande parcela de alunos que advêm de culturas predominantemente orais,
esta é uma prática comumente realizada apenas quando mediada pela escola ou por ela motivada. A
partir da análise, interpretação e comparação de textos literários de diferentes gêneros e épocas, o
aluno-leitor é convidado a exercitar a percepção e a análise críticas das estratégias discursivas
utilizadas nas obras para, a partir daí, estabelecer relações entre o que lê, sua realidade e posteriores
produções textuais. Por meio da exploração do caráter estético da linguagem e da aproximação do
aluno de uma expressão elaborada do idioma, seu espírito crítico em relação à vida é aperfeiçoado e
seu letramento aprimorado. É dizer que, enquanto possibilidade de diálogo com o mundo, as
experiências contidas na leitura literatura passam a ser compartilhadas, proporcionando aos
educandos uma maior compreensão de si e de sua atuação no mundo.
REDIMENSIONANDO O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA EJA:
FORTALECIMENTO DAS VOZES DOS JOVENS E ADULTOS
Silvana Oliveira Biondi – UESB
Esse texto apresenta reflexões parciais acerca de pesquisa instigada a compreender: como ocorre o
processo de ensino aprendizagem de Língua Portuguesa na Educação de Jovens e Adultos? A
metodologia do trabalho se fundamenta na contribuição da pesquisa qualitativa, tendo base os
referenciais de Marcuschi (2008), Schneuwly (2010), Bakhtin (1986) e Freire (1987). Tratar da EJA
na nossa sociedade é adentrar num espaço marcado pelo preconceito e luta ao direito da educação a
todos. Diante dessa realidade, nos impõe assumir a vital importância do processo de universalização
da Educação Básica e das oportunidades de qualificação profissional para aqueles que estão
afastados do processo escolar e, para tanto, é imprescindível um modelo educacional que crie
situações pedagógicas satisfatórias para atender às necessidades de aprendizagem específicas desses
jovens e adultos. E nele o ensino de Língua Portuguesa tem a proposta de compreender a língua
como lugar de interação que possibilita a prática dos mais diversos tipos de atos, fazendo os alunos
interagirem com o mundo que os rodeia. É trabalhar a linguagem como um todo, a partir da prática
com a leitura e produção de textos, para se chegar ao ponto almejado: domínio das atividades com a
língua falada e escrita; e o texto ser a unidade básica desse processo, pois ele é a tradução de tudo
que se construiu e acumulou de teorias e conceitos, que, exemplarmente, é operacionalizado por
todo usuário de língua. E se sobre o texto se debruça o ensino de língua, deve haver um
deslocamento do eixo desse processo: sair de um ensino normativo, que prioriza a análise da língua
e a gramática, para um ensino procedimental, em que os usos da língua, oral ou escrita, são também
valorizados. É a incorporação de uma proposta que convoca a noção de gêneros (discursivos ou
textuais) como um instrumento que melhor favorece ao ensino de leitura e deprodução de textos
escritos e orais, (re)configurando epistemologicamente o que é educar nas aulas de Língua
Portuguesa na EJA, incorporando a essa modalidade de educação a função social da educação muito
bem definida.Palavras chave: Educação de Jovens e Adultos; prática pedagógica; ensino de língua
portuguesa.
A LEITURA DE TEXTOS LITERÁRIOS NO PROEJA: INTERAÇÃO E APRENDIZADO
Gláucia Mendes da Silva – IFG
Um dos grandes desafios das instituições de ensino brasileiras é criar estratégias para evitar a
evasão dos alunos nas fases da educação básica. Motivada por diversos fatores, dentre eles a
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defasagem de aprendizagem que impede os discentes de acompanhar e/ou progredir nos estudos, a
evasão nesta fase é o fator que leva à necessidade de políticas e práticas que resgatem esses
indivíduos para o âmbito escolar, como os programas de EJA, por exemplo, que visam resgatar
estes cidadãos para a escola, após uma série de consequências excludentes que este abandono
escolar precoce causou às suas vidas. No Instituto Federal de Goiás, câmpus Formosa, os docentes
têm diagnosticado em uma porcentagem considerável de alunos uma grande defasagem de
aprendizagem, refletida principalmente na dificuldade apresentada por estes quanto à leitura e à
escrita, demonstrando conhecimentos limitados no âmbito lexical, pouca ou quase nenhuma
capacidade de interpretação de enunciados de exercícios propostos e dificuldade de ler de forma
significativa, ou seja, compreender e dialogar sobre textos de diversos gêneros, dos mais simples
aos mais complexos (como textos teóricos adaptados para o nível deste público, por exemplo). Estas
limitações resultam na dificuldade de participação nas aulas e déficit de aprendizagem nas diversas
áreas do conhecimento, impossibilitando o desenvolvimento de uma conduta de autonomia
intelectual por parte dos alunos. Esta dificuldade é identificada em uma parcela de alunos das
diversas modalidades de ensino oferecidas atualmente pelo Instituto Federal de Goiás, câmpus
Formosa, apresentando-se mais acentuada dentre o público dos cursos técnicos na modalidade
PROEJA. Diante desse panorama, foi iniciado em 2011 um projeto de ensino com a finalidade
aperfeiçoar as habilidades de leitura e escrita dos alunos que apresentam maior grau de dificuldade,
visando melhorar o seu rendimento e garantir, com isso, sua permanência e êxito na vida estudantil.
A proposta do projeto é a de trabalhar a leitura e a escrita de forma interativa, a partir de textos de
diversos gêneros, priorizando os gêneros literários. Nesta comunicação, pretende-se relatar e
discutir os resultados obtidos até o presente, bem como mostrar a metodologia empregada e trocar
experiências teóricas e metodológicas que possam somar para o melhor desenvolvimento deste
projeto de ensino.
A ABORDAGEM DOS NEOLOGISMOS NA COLEÇÃO DE LDP: UMA PROPOSTA PARA
O LETRAMENTO
Priscila de Resende – UFMG
A língua portuguesa deve ser vista como algo dinâmico que acompanha a evolução cultural da
comunidade linguística. Por causa disso, inevitavelmente, certas palavras deixam de ser usadas
pelos falantes e surgem outras, de acordo com as necessidades. A neologia lexical, caracterizada
como criação de palavras novas e a reutilização de palavras já existentes a partir de novos
significados, constitui, então, um processo geral de desenvolvimento do léxico de uma língua. Este
trabalho, portanto, tem como objetivo principal analisar o modo como essas palavras novas, os
neologismos lexicais, são trabalhados no livro didático de português. Pelo que se observa ainda
hoje, em diversos trabalhos, no que diz respeito ao ensino do léxico, a neologia lexical permanece,
salvo raras exceções, marginalizada na sala de aula e/ou nos livros didáticos da língua portuguesa.
Nossa análise, portanto, incidiu sobre a coleção didática “Português: uma proposta para o
letramento”, da autora Magda Soares. Tal escolha se deu pelo fato de que nesta coleção há uma
proposta “inovadora” relacionada ao ensino do léxico, em especial no que diz respeito à criação de
novas palavras (os neologismos lexicais), uma vez que essas são estudadas a partir do estudo de
texto dirigido, ou seja, dentro de um contexto, levando o aluno a também inferir conhecimentos.
Considerando a competência lexical como a capacidade de reconhecer uma unidade lexical, a sua
pronúncia, sua estruturação morfológica, o significado deste item em seus diversos contextos, bem
como saber relacionar essa palavra com outras unidades, compreendemos que um estudo adequado
e aprofundado do léxico permite ao aluno adquirir um nível de conhecimento satisfatório, no que
diz respeito ao léxico de sua língua. Além disso, o desenvolvimento da competência lexical do
estudante é essencial para que este participe do processo de criação de novas palavras na língua. A
partir disso, depreendemos que o estudo do léxico nos livros didáticos de português deve abordar os
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diversos contextos em que as palavras se inserem, pois estas podem assumir variados significados
dependendo do contexto de uso. Nossa análise consistiu, portanto, em verificar na coleção didática
supracitada a metodologia usada no trato com os conteúdos lexicais, em especial, os neológicos.
Para a elaboração de nosso trabalho, assumimos a fundamentação teórica apoiada em importantes
textos teóricos como Alves (1990), na conceituação de neologia e neologismo; Ferraz (2008), no
que diz respeito ao estudo dos neologismos para o desenvolvimento da competência lexical;
Antunes (2007, 2012) no que tange ao ensino de língua portuguesa. É importante salientar que esta
comunicação se baseia em trabalho de pesquisa em andamento, cujos resultados parciais serão
discutidos aqui em termos de produtividade lexical e ensino. O conceito de neologismo lexical
adotado neste trabalho segue o critério lexicográfico, baseado em um corpus de exclusão, composto
pelos principais dicionários brasileiros de língua portuguesa, com suas mais novas edições:
Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (2010), 5ª ed., (versão eletrônica), Dicionário Eletrônico
Houaiss da Língua Portuguesa (2009) e o Dicionário Caldas Aulete (2007), versão on-line.
ENSINO DA LÍNGUA: UMA PROPOSTA DE SEQUÊNCIA DIDÁTICA OBJETIVANDO A
COMPETÊNCIA DISCURSIVA
Rosemary Pinto de Arruda Gonçalves – UFMT
Os PCNs preceituam para o ensino da Língua Portuguesa que o texto seja tomado como unidade de
ensino diante da diversidade de gêneros com a finalidade de proporcionar ao aluno sua autonomia e
competência linguística e discursiva e, em consequência disso, sua formação para a cidadania e
preparação para o trabalho. Entretanto, todo material didático, destinado ao ensino fundamental e
recebido para e pelas escolas trazem conteúdos compartimentados, como por exemplo: Parte 1 - as
estruturas gramaticais do texto; Parte 2 - Os textos do cotidiano; Parte 3 - Os textos artísticos. Em
todas as partes do livro apresentam-se “textos e diversidade de gêneros”. Todavia, nas atividades
propostas é explorada apenas a superficialidade do texto em suas formas linguísticas, ficando,
portanto, prejudicada a finalidade inicialmente almejada. Diante desse quadro, esta pesquisa, –
apoiada em bases teóricas que se inscrevem nos estudos bakhtinianos sobre a linguagem, na teoria
sócio-histórica da aprendizagem de Vygotsky e a teoria da Escola de Genebra relacionada às
sequências didáticas, não como cópia do que fizeram na Suíça, mas como parâmetro para criação
(recriação) de atividades adequadas ao público aqui pretendido e à aprendizagem dos alunos–,
pretende socializar uma reflexão para o ensino de Língua Portuguesa em que se atendam os
preceitos e as metas dos PCNs. Para tanto tomar-se-á como instrumento de aprendizagem o gênero
discursivo “o conto literário”, e deste buscar-se-á fruir tudo o que trazem os enunciados nesse
gênero, como as relações dialógicas, os vínculos dos mesmos com seus cronotopos e sua
constituição linguístico-discursiva. Proporcionaremos, durante a pesquisa, situações de interação e
de dialogismo em que se explicite aos alunos aspectos dos multiletramentos e de competência
discursiva em diferentes contextos. Nesse sentido, pretende-se enfocar a linguagem como centro de
atenção na vida escolar, em virtude de se perceber o desempenho do discurso desse mundo social
altamente semiotizado e que são muitas as necessidades de lidar com ele na vida profissional e
ética.
POR UMA EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Giselda Maria Dutra Bandoli – UENF
Eliana Crispim França Luquetti – UENF
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No âmbito da Educação, há uma tradição arraigada de circunscrever o ensino de Língua Portuguesa
a estudos eminentemente normativo-prescritivistas, nos quais conceitos, regras e categorias
gramaticais são apresentados aos alunos de forma descontextualizada e estanque, através de frases
isoladas. Para esse fim, os professores valem-se sempre das aulas de gramática e o ensino que não
estiver direcionado por essa ótica normativa não é considerado. O processo de ensino-aprendizagem
assim conduzido não contribui para o objetivo maior dos estudos de língua/linguagem: habilitar o
aluno à produção/interpretação de textos orais e escritos, concretizados em gêneros discursivos e
ajustados às inúmeras situações de comunicação, em níveis variados de formalidade. Nosso
presente trabalho tem, portanto, o objetivo de evidenciar que o ensino de gramática na escola não
atende às especificidades da língua, bem como mostrar que as práticas pedagógicas ainda estão
pautadas em velhos paradigmas de ensino. Este trabalho, portanto, se justifica na medida em que
apresenta uma proposta de encaminhamento ao ensino tradicional de gramática, buscando uma
aproximação da linguística e a prática cotidiana na sala de aula. Assim, o ensino de Língua
Portuguesa contemplaria o estudo de tópicos gramaticais não mais desvinculados do contexto de
uso, mas inseridos em uma efetiva situação de comunicação. Partimos da hipótese de que a
perspectiva da Linguística Funcionalista, aliada aos pressupostos da Sociolinguística, seria um
caminho produtivo em relação ao ensino de Língua Portuguesa. Dessa forma, além de recorrermos
às orientações dos Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, buscamos respaldo
teórico em autores que se inclinam à concepção de língua como instrumento de comunicação, de
interação social, e, assim concebida, não deve ser estudada de forma descontextualizada, autônoma:
Soares, (1997), Martelotta et al. (1996), Bagno (2002, 2011), Furtado da Cunha e Tavares (2007),
Furtado da Cunha et al. (2003), Neves (2004, 2009, 2011) e Travaglia. (2011).
INDETERMINAÇÃO DO SUJEITO NO LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS:
DESCRIÇÃO GRAMATICAL OU REALIDADE LINGUÍSTICA?
Neila Maria Oliveira Santana – UNEB
A realidade linguística brasileira tem motivado a elaboração de relevantes trabalhos acadêmicos
sobre fenômenos linguísticos variáveis no Português do Brasil (PB), entre os quais se encontram
estudos a respeito dos recursos de indeterminação do sujeito que podem ser utilizados pelos falantes
(MILANEZ, 1982, CUNHA, 1993, MENON, 1994, SETTI, 1997, CAVALCANTE, 1999,
SANTANA, 2006, entre outros). Os resultados desses estudos podem contribuir para o ensino de
língua portuguesa em sala de aula, uma vez que, de acordo com os Parâmetros Curriculares
Nacionais – PCN (1998), o ensino de português deve ter como ponto de partida a língua em uso e a
reflexão sobre ela, não só com o intuito de dar conta da variação que se manifesta em diferentes
componentes do sistema linguístico, como também de possibilitar a comparação dos fenômenos
linguísticos verificados nas modalidades falada e escrita da língua, considerando os aspectos
geográficos, históricos e sociais, e a situação de interlocução. Este trabalho tem como objetivo
verificar se os livros didáticos de português (LDP) levam em conta os resultados de pesquisas
científicas ao abordar a indeterminação do sujeito e se estes livros seguem as orientações dos PCN
quanto à prática de análise linguística. Para isso, pretende-se analisar coleções de LDP aprovadas
pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD/PNLEM), do Ministério da Educação (MEC),
utilizadas no ensino fundamental e no ensino médio, períodos de escolarização em que ocorre o
estudo sistemático desse conteúdo. Após análise, foi possível observar que os LDP expõem a
indeterminação do sujeito de uma forma descontextualizada e sem levar o aluno à reflexão sobre o
funcionamento da língua, não permitindo, portanto, o reconhecimento dos diversos recursos que
podem ser utilizados para indeterminar o sujeito em português. Dessa forma, conclui-se que, apesar
dos resultados das pesquisas realizadas nos meios acadêmicos e das orientações dos PCN, de
maneira geral, as coleções examinadas reproduzem a descrição gramatical tradicional e não
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abordam o fenômeno investigado de forma a apresentar os diversos recursos de indeterminação que
os usuários da língua podem utilizar.
CONSCIÊNCIA LINGUÍSTICA E COMPREENSÃO LEITORA NO EMPREGO DOS
TEMPOS VERBAIS
Thais Vargas dos Santos – PUCRS
A comunicação se caracteriza pela apresentação da metodologia e dos resultados de uma pesquisa
realizada com alunos da 6ª série do Ensino Fundamental, com o objetivo de verificar o desempenho
desses alunos no emprego dos tempos verbais, o nível de consciência linguística na realização dessa
tarefa e os escores de compreensão leitora. Considera-se, para isso, os dados obtidos na aplicação de
três instrumentos de pesquisa: a) instrumento de investigação do emprego dos tempos verbais e
consciência linguística; b) instrumento de investigação da compreensão leitora; e c) instrumento de
caracterização dos sujeitos da pesquisa. Teórica e metodologicamente, constituem-se em eixos
fundamentais da pesquisa a compreensão leitora, a consciência linguística e o emprego dos tempos
verbais. A compreensão leitora está apoiada no conceito de leitura como processo cognitivo, sendo
que ler significa fazer e testar hipóteses sobre o conteúdo do texto (Kato, 1987), por meio de
estratégias cognitivas e metacognitivas de leitura (Leffa, 1996), que, nesta pesquisa, se
fundamentam na regra de coerência textual com foco no emprego dos tempos verbais
(CHAROLLES, 1978). A consciência linguística (BAARS, 1988; CRICK e KOCH, 2004;
SCHIMIDT, 1990) define-se como um processo de monitoramento e reflexão propositais do leitor
durante a realização de determinada tarefa. Caracteriza-se pela habilidade que o indivíduo possui de
expressar verbalmente o processo utilizado para a resolução da tarefa. Nesse sentido, a consciência
é condição necessária durante a compreensão porque permite o planejamento e a avaliação do
processo desenvolvido. A situação de aplicação envolve o uso de instrumentos de pesquisa em dois
formatos diferentes: um respondido por escrito individualmente e outro em formato de entrevista.
Os sujeitos que respondem ao primeiro formato constituem o grupo 1, enquanto os sujeitos que
respondem ao segundo formato constituem o grupo 2. Os resultados alcançados pelo grupo 1
revelam: que os sujeitos têm bom desempenho no emprego dos tempos verbais; que demonstram ter
consciência linguística, apesar de não ser plena, para a realização dessa tarefa; que apresentam
baixo desempenho na compreensão leitora. O desempenho do grupo 2 é bom no emprego dos
tempos verbais, na consciência linguística e na compreensão leitora. Em relação às correlações
entre as variáveis emprego dos tempos verbais, consciência linguística e compreensão leitora, os
dados do grupo 1 apresentam um índice menor de correlação, do que os dados do grupo 2. Esses
resultados permitem recomendações para o ensino da leitura na escola.
LETRAMENTO LITERÁRIO: PRÁTICAS DE ENSINO
Joana de Oliveira Ferreira Paiva – ELA-GO
A presente comunicação tem por objetivo compartilhar a experiência de uma alfabetização pautada
no letramento literário, supervisionada em nosso trabalho de coordenação pedagógica na Escola
Letras de Alfenim, localizada na Cidade de Goiás-GO. Atendendo crianças da Educação Infantil e
primeira fase do Ensino Fundamental, a Escola Letras de Alfenim tem por objetivo oferecer às
crianças um ambiente alfabetizador onde a leitura literária ocupa espaço central no planejamento
das atividades cotidianas. Com este enfoque, o que se espera é a possibilidade de superar o simples
saber ler e escrever, atingindo um nível de letramento capaz de fazer com que a criança supere esse
domínio, mostrando-se apta a inserir-se social e culturalmente na conjuntura que a cerca. Nesta
perspectiva, a criança, sujeito que aprende, que tem um papel ativo no aprendizado segundo Piaget
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e Emília Ferreiro, é estimulada por um mediador qualificado, desde o Maternal, a manusear, ler
hipoteticamente e a pensar a função social e afetiva da escrita a partir de textos da atualidade, livros,
histórias, jornais, revistas, textos virtuais etc. Dessa maneira, inicia-se o processo de codificação e
decodificação da língua. O papel do mediador, nesse contexto, é o de levar a criança a compreender
a função da leitura de modo geral e da leitura literária de maneira especial, no sentido de ajudá-la a
construir significados para a sua vida pessoal e coletiva. A primeira etapa desse processo de
letramento é marcada por uma publicação em que se registram pequenos textos das crianças que
chegam ao término do primeiro ano, unindo os dois pólos que envolvem o processo de letramento: a
leitura e a escrita, entendidas como práticas sociais que vão acompanhar as crianças em etapas
futuras de desenvolvimento, seja no espaço escolar, seja na sua vida em sociedade. Essa publicação
compõe uma série chamada Coleção Alfabetário, que teve início no ano de fundação da Escola
Letras de Alfenim e, por isso, em 2012 completou sua 14ª edição. Emília Ferreiro (2007), Manuel
Antônio de Castro (1994), Tereza Colomer (2003), Magda Soares (2004), Michèle Petit (2008),
Tzvetan Todorov (2011), entre outros, são alguns dos pesquisadores que comparecerão no texto que
pretendemos mostrar nesse simpósio, uma vez que são os que nos ajudam a construir a nossa prática
pedagógica no contexto da referida escola.
LETRAMENTO(S) NO COTIDIANO ESCOLAR
Luziane Amaral de Jesus – UEFS
Carla Luzia Carneiro Borges – UEFS
Este estudo objetiva compreender como um professor, licenciado em matemática e regente de uma
classe multisseriada em escola do campo, lida com as práticas sociais de leitura e de escrita, no
município de Riachão do Jacuípe, Estado da Bahia. Pergunta-se, portanto: 1) O docente que não tem
uma formação específica para atuar no ensino-aprendizagem da leitura e da escrita limita o
desenvolvimento de competências e habilidades dos educandos no que diz respeito às práticas
sociais da leitura e da escrita? 2) Qual a importância das práticas sociais de leitura e de escrita em
uma comunidade do campo? 3) Quais as principais dificuldades que permeiam o uso dessas
práticas? E, por fim, 4) Quais os benefícios proporcionados por uma prática significativa de leitura
e de escrita? Para a concretização deste estudo, dialoga-se com as “distintas” noções de
letramento(s) de Tfouni (2010), Kleiman (2012), Soares (2012) e Rojo (2009). O estudo realizado
aponta uma possível interface das noções de letramento(s) com a práxis escolar jacuipense. Do
ponto de vista metodológico, esse estudo é qualitativo e de cunho etnográfico; especificamente, é
um estudo de caso do tipo etnográfico (ANDRÉ, 2008), e tem como técnica de pesquisa a entrevista
semiestruturada – responsável por possibilitar a descrição, explicação e compreensão dos
fenômenos sociais (TRIVIÑOS, 2008). Um dos aspectos importantes deste trabalho é a reflexão
feita acerca de uma prática pedagógica que tem como base teórico-metodológica o Projeto
Conhecer, Analisar e Transformar (CAT), o qual se fundamenta na abordagem teórico-pedagógica
de Paulo Freire. Tal projeto objetiva fazer com que os sujeitos conheçam sua realidade (Conhecer),
reflitam sobre ela e (re)construam conhecimentos (Analisar), descobrindo, assim, modos de
transformar seu cotidiano (Transformar) (MACÊDO & JESUS, 2010). Tais aportes teóricos e
metodológicos possibilitam entender que o professor é o principal mediador e responsável pelo
processo de ensino-aprendizagem significativo das práticas sociais de leitura e de escrita por parte
dos educandos. Além disso, este estudo suscita releituras da atuação pedagógica de professores
comprometidos com uma educação libertadora.
CONSIDERAÇÕES SOBRE PRÁTICAS DE LEITURA E LETRAMENTO (S) NA
ESCOLA: UMA REFLEXÃO CRÍTICO-DIALÓGICA
Nádia Cristina da Silva Santos – PPGEL/UFMT
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A presente pesquisa está vinculada ao projeto “Aprender a ler: ler para aprender – um estudo sobre
práticas de leitura”, coordenado pela professora Dr.ª Cláudia Graziano Paes de Barros, e tem como
objetivo geral investigar quais as práticas de leitura de estudantes de Ensino Fundamental e
promover encontros reflexivos com professores de Língua Portuguesa a fim de discutir e refletir
dialogicamente sobre essas práticas letradas. Para isso, o trabalho proposto pretende guiar-se pelas
teorias de leitura e multiletramentos críticos (THE NEW LONDON GROUP, 1996, 2001, 2012 e
ROJO, 2012), sobretudo as que comungam com a concepção bakhtiniana de compreensão ativa,
presente nos pressupostos teóricos do Círculo de Bakhtin (1929, 1970-71/2003), aliados à teoria de
aprendizagem e desenvolvimento humano de Vygotsky (1930), bem como dos autores que se
dedicam a estudá-los. Diferentes pesquisas e resultados de exames têm discutido as capacidades
leitoras dos alunos brasileiros, egressos dos níveis Fundamental e Médio, tendo em vista, sobretudo,
os resultados apontados pelos exames nacionais, Prova Brasil, SAEB, além dos indicadores
internacionais, como o PISA, por exemplo. Tais exames têm revelado resultados muito aquém dos
esperados. Nesse contexto, procuraremos desenvolver uma pesquisa participativa, de caráter
dialógico, com professores de escola pública mato-grossense, a fim de conhecer as suas concepções
e práticas no que tange ao ensino-aprendizagem de leitura, buscando colaborar para uma reflexão
crítica sobre essas práticas. E dessa forma, colaborar para que a escola não só olhe para o aluno e o
ensino de Língua Portuguesa de forma crítica, mas que comece a formar jovens leitores
proficientes, que respondam aos textos de forma ativa e crítica. A metodologia abordada é de
caráter qualitativo, de natureza dialógica e participativa.
LÍNGUA PORTUGUESA, DIVERSIDADE E ENSINO: UMA ANÁLISE DE CONTEXTOS
MULTILÍNGUES
Sanimar Busse – UNIOESTE
O objetivo deste trabalho é apresentar os resultados da pesquisa realizada sobre os fenômenos de
mudança e variação linguística do português brasileiro, em áreas de contato linguístico, e sua
manifestação em produções escritas escolares. Os dados foram coletados em atlas linguísticos e
estudos geossociolinguísticos sobre a fala da Região Oeste paranaense e em produções escritas
realizadas por alunos de localidades participantes do Programa Observatório da Educação
(Formação continuada para professores da Educação Básica nos anos iniciais: ações voltadas para a
alfabetização em municípios com baixo IDEB da região Oeste do Paraná)/CAPES/UNIOESTE. O
Oeste do Paraná, conforme pesquisas e estudos desenvolvidos por Aguilera (1994), Danke (1997),
Von Borstel (1999), Pereira (1999) e Busse (2010), pode ser descrito pelo seu polimorfismo
linguístico, resultado da localização na fronteira com o Paraguai e a Argentina, dos processos de
povoamento das localidades, em que convivem grupos oriundos de diferentes regiões do Brasil,
falantes de dialetos do alemão, italiano, português brasileiro, castelhano, além do guarani. Essa
realidade multicultural está representada na fala, mais especificamente nos níveis fonéticofonológico e semântico-lexical. À sombra da história abriga-se, portanto, uma realidade linguística
que não pode ser ignorada ou relegada ao segundo plano. A organização social, os meios de acesso
aos bens materiais e culturais, o projeto de povoamento da região, o ideal de homogeneidade
cultural, a preservação da propriedade, o domínio das fronteiras e a prosperidade, para tudo isso
concorreram fatores de natureza diversa, como: (a) a existência, na região, de grupos remanescentes
de povoamentos anteriores, principalmente estrangeiros, paranaenses de outras regiões e
nordestinos; (b) a forma de concessão de terras; e (c) o rápido processo de urbanização, gerado pela
construção da rodovia BR-277, de usinas hidrelétricas e do comércio com os países de fronteira,
Paraguai e Argentina, além das atividades turísticas no Parque Nacional do Iguaçu. O desafio do
professor das séries iniciais do Ensino Fundamental, nesse contexto, está em reconhecer e valorizar
a diversidade linguística da comunidade e, a partir dela, inserir o aluno no mundo letrado. A
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aprendizagem da escrita e o convívio com as formas escolarizadas da língua não devem prescindir
do trabalho com diversidade linguística, devem tomá-la como ponto de partida, valorizando e
reconhecendo sua face cultural, social e histórica. O trabalho com a variação linguística na escola,
na fase de aquisição da leitura e da escrita, deve levar o aluno a compreender a língua como produto
das relações sociais. Para tal, é preciso reconhecer as variedades linguísticas como resultado das
interações entre falantes das diferentes línguas e falares, presentes na comunidade em que se
encontram bem como nas fases e processos distintos de mudança, e, principalmente, como
elementos que caracterizam os grupos, os situam social e culturalmente. A partir de dados descritos
sobre a fala da região Oeste do Paraná e de textos produzidos por alunos, pretende-se desenvolver
algumas reflexões sobre o papel da escola em contextos multilíngues e sobre a necessidade de uma
metodologia de ensino que contemple os fenômenos de variação e mudança linguística como
conteúdos que reafirmam a identidade do falante.
REPRESENTAÇÃO E AQUISIÇÃO DO GÉNERO LINGUÍSTICO EM PE
Adriana Baptista – ESSE-IPP
Celda Choupina – ESSE-IPP
José António Costa – ESSE-IPP
Joana Querido – ESSE-IPP
Inês Oliveira – ESSE-IPP
Atualmente, em PE, os lexemas género e sexo desencadeiam algumas situações de indefinição
relativamente ao âmbito dos seus campos semânticos, às suas fronteiras sémicas e às zonas de
interseção. Usados em múltiplos contextos, são necessários para identificar realidades físicas e
psicológicas complexas, sobretudo no cerne da atual discussão sociopolítica sobre Questões de
Gênero e, como frequentemente acontece quando está em curso um processo de proliferação
polissêmica com lexemas oriundos de outras línguas, as suas traduções numa dada língua, adotadas
por diferentes falantes com níveis de informação distintos, nem sempre se lexicalizam de forma
pacífica ou contribuem para clarificar o referente. O uso do nome gênero simultaneamente na
linguagem comum para nomear um conceito sociopsicológico e, ao mesmo tempo, na
metalinguagem da linguística para identificar uma categoria morfossintática contribuiu
significativamente para confundir os campos semânticos, dado que a distinção entre gênero
linguístico - traduzido gramaticalmente - e gênero natural - correlacionado como sexo - nem sempre
se afigura clara nas práticas pedagógicas, quer entre os alunos de vários níveis de ensino, quer
mesmo entre os professores. Partindo de investigações interdisciplinares (morfossintáticas, léxicosemânticas, sociolinguísticas, morfofonológicas e discursivas) sobre os processos de marcação de
gênero linguístico, quisemos compreender, através da realização de inquéritos e entrevistas a vários
agentes do contexto pedagógico (crianças em idade pré-escolar, à saída do 1º ciclo do Ensino
Básico, jovens alunos à entrada e à saída do Ensino Superior, educadores e professores do Ensino
Básico), quais as representações que possuíam sobre o que é o gênero gramatical e em que medida
estas se relacionam, ou não, com o gênero natural. Por outro lado, procuramos demonstrar como a
investigação pode contribuir para clarificar estas questões e, assim, tornar cientificamente mais
informadas as práticas educativas, ocorram estas ou não em contexto formal. Enquanto docentes
envolvidos na formação de professores, preocupados com as consequências negativas desta confusa
distinção na aquisição da noção de gênero e na aprendizagem dos processos de marcação de gênero
linguístico, desenvolvemos uma investigação em que privilegiamos três abordagens: histórica,
morfossintática e sociolinguística. Discutiremos como a própria gênese do gênero linguístico em
português (HUBER, 1933, 2006), a partir do sistema tripartido do latim, permitIr e equacionar as
relações entre esta categoria gramatical e o sexo. Aliás, a disparidade no modo como cada língua
românica adapta as palavras neutras do latim, e mesmo algumas masculinas ou femininas, ilustra a
arbitrariedade e a ausência de uma correlação entre gênero e sexo. Incluiremos, ainda, nesta
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comunicação, os contributos da Linguística Descritiva na sistematização dos processos disponíveis
para a marcação e, por vezes, contrastação de gênero, debatendo duas questões nucleares: (i) a não
correlação das noções de gênero e sexo; (ii) a diversidade de processos para expressar o gênero, não
sendo, em caso algum, por flexão nominal (Villalva, 2000 e Costa e Choupina, 2011). Embora nem
todos os nomes admitam contraste de gênero, em Português, todos têm gênero (o denominado
gênero sintático (Câmara, 1985) ou gênero implícito (Botelho, 2004), sendo uma categoria
manifestada por uma oposição privativa (masculino, feminino), em que o masculino é o termo não
marcado (apenas há vestígios do neutro, existente no Latim, nos pronomes). Procuraremos, ainda,
sistematizar os fatores sociolinguísticos (Nieto, 1999) que subjazem às representações acima
referidas, assim como as suas implicações na aprendizagem e no ensino explícito desta categoria
gramatical. Pretendemos, consequentemente, reinvestir esta informação na apresentação de uma
proposta/propostas didática(s) que permita(m) levar o aluno a compreender a especificidade do
gênero enquanto categoria linguística e a clarificar em que aspecto estes se aproximam e, sobretudo,
se afastam do gênero natural.
A FORMAÇÃO DE LEITORES NA ESCOLA
Silvia M. Gasparian Colello – FEUSP
O Brasil é um país de poucos leitores. Esta é uma das principais conclusões da pesquisa Retratos da
Leitura no Brasil (Instituto Pró-livro/Ibope, 2012) com objetivo conhecer o comportamento leitor da
população. Embora o segmento estudantil seja o que mais lê, encontramos também neste grupo as
marcas de insuficiência das competências leitoras, atestadas pelos sistemas de avaliação escolar
(Prova Brasil, Enem e Pisa). Questionadas sobre as razões da não leitura, as pessoas se referem às
dificuldades da atividade em si (lentidão, problemas de compreensão e concentração). Por outro
lado, é o incentivo do professor o que mais favorece a leitura. A consideração deste quadro chama a
atenção para a responsabilidade da escola. Mais do que ensinar a ler, seu papel é investir na
formação de leitores, constituindo-se como a principal instância de penetração da leitura nas
práticas sociais. Partindo do pressuposto de que compreender a crise da leitura é compreender a
crise da escola, o objetivo desta comunicação é analisar, com base no referencial sócio-histórico, o
modo como a leitura se configura na escola, buscando implicações para a prática pedagógica.
Afinal, como se explica a dificuldade de formação de leitores? Quais as diretrizes para reverter esse
quadro? Em primeiro lugar, cumpre considerar o processo de ensino progressivamente apartado da
magia literária. A leitura assume uma dimensão escolarizada, traduzida por ativismos pedagógicos
impositivos que pouco exploram o prazer de ler. Em segundo lugar, importa denunciar a concepção
instrumental da língua. Na alfabetização, ela frequentemente aparece como um jogo de decifração
visando apenas à aquisição do sistema. Posteriormente, a leitura prevalece como meio para a
aquisição de saberes, não necessariamente vinculada às práticas sociais. O artificialismo linguístico
das primeiras escritas e a “pedagogização” da leitura acabam por segregar o aprender a ler, o ler
para aprender e o ser usuário da leitura. Finalmente, é preciso destacar a frágil dialogia das relações
na escola. A língua, a mais sublime invenção da humanidade para viabilizar o trânsito das ideias, é,
paradoxalmente, ensinada às custas do reducionismo interlocutivo entre professores e alunos e da
apologia do silêncio. As aulas monológicas, a desconsideração da realidade do aluno e as práticas
de discriminação linguística são apenas exemplos disso. Na tentativa de reversão desse quadro, é
possível defender diretrizes que balizam o papel da escola na formação do leitor. Além de promover
o acesso quantitativo e qualitativo ao mundo da leitura (uma necessidade em face da desigualdade
sociocultural brasileira), cumpre ressignificar a didática da leitura, e particularmente da literatura,
de modo a transformar a escola em uma comunidade de leitores. O desafio do professor é lidar com
a tensão entre ler por gosto ou por obrigação, entre as leituras prazerosas e as eruditas, entre os
textos possíveis e os desejáveis, mediando um continuum de formação marcado pela construção de
complexos mecanismos de interpretação e pelo investimento em possibilidades de fruição literária.
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A intervenção pedagógica significativa é um procedimento dialético que vai do sujeito para a o
mundo letrado e vice-versa. A apropriação cognitiva, que requer a compreensão de gêneros,
autores, estilos, recursos expressivos, estrutura e propósitos da escrita, tem, em contrapartida, uma
dimensão pessoal de sensibilização do sujeito para a sua inserção na corrente comunicativa, o
“diálogo com o texto”, o encontro com o outro e a construção de sentidos. Descartando a meta de
“um leitor preestabelecido”, o objetivo é a formação de leitores com diferentes gostos e
preferências; leitores que lançam mão dos diferentes modos de ser leitor. Daí a dimensão
constitutiva da leitura e a certeza de que o ensino da língua passa necessariamente por práticas
transformadoras do sujeito, da escola e da sociedade.
“POR MARES NUNCA DANTES NAVEGADOS”: O TRABALHO COM “OS LUSÍADAS”
NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO BÁSICA
Priscila Brasileiro Silva Do Nascimento – UNEB
O presente trabalho tem por objetivo refletir sobre o ensino de literatura e de textos clássicos no
contexto da Educação Básica. Partimos do pressuposto de que o ensino de literatura no contexto
escolar deve ser ressignificado a partir da contextualização do que os temas abordados no texto
literário podem refletir práticas sociais de ser e estar no mundo. Dessa forma, trazemos para as
discussões aspectos da prática docente desenvolvida no ensino médio com o ensino de literatura e
da releitura de “Os Lusíadas”, com alunos do 1º ano dos cursos técnicos de Eletrotécnica e
Informativa do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA – Campus
Camaçari. Com o desenvolvimento da releitura e contextualização, os alunos foram provocados a
recriarem os aspectos presentes em “Os Lusíadas” para os dias atuais, com o objetivo de perceber
que a obra literária está condicionada a fatores sociais de produção, mas que também provoca
reflexões sobre a existência humana devido ao seu aspecto de atemporalidade.
O TEXTO LITERÁRIO NA SALA DE AULA: O LEITOR EM QUESTÃO
Luzia Rodrigues da Silva – CEPAE/UFG
Neste trabalho, apresento recortes de eventos de letramento da sala de aula – gravados em áudio e
transcritos – e analiso como os textos literários são estudados nas aulas de Língua Portuguesa do
ensino básico e em que medida tal estudo contribui para que as/os estudantes desenvolvam seu
potencial crítico e suas capacidades para agirem e interagirem em diferentes domínios sociais. A
linguagem é aqui defendida como formas de representação e constituição da realidade e os gêneros
discursivos como modos de ação nas práticas sociais (FAIRCLOUGH, 2003). Apoio-me nos
pressupostos teóricos e metodológicos da Análise de Discurso Crítica (FAIRCLOUGH, 2003 e
CHOULIARAKI e FAIRCLOUGH, 1999) e nos fundamentos sustentados pelos Novos Estudos do
Letramento (STREET, 1984, 2001; BARTON e HAMILTON, 1998; KALMAN, 2005). Essas duas
abordagens visam a práticas sociais concretas, fortalecedoras e transformadoras. Desse modo,
podem contribuir para uma nova prática de ensino que possibilita às/aos estudantes uma visão
crítica da realidade, fortalecendo suas identidades como indivíduos e como grupo. O resultado deste
estudo indica que as professoras, sujeitos da investigação, rompem com uma prática pedagógica
tradicional e adotam um letramento como prática social, o que instaura eventos comunicativos –
mediados por textos - socialmente situados, contribuindo, assim, para a formação de leitores/as
críticos/as, abertos/as a questionamentos e mudanças em relação a crenças e valores e, mais
profundamente, a mudanças de práticas sociais.
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A LEITURA ATRAVÉS DA LITERATURA E DO CINEMA EM SALA DE AULA
Gabriel Adams Castelo Branco de Aragão – UFG
A proposta desta comunicação é socializar observações e reflexões feitas a partir de experiências
com o trabalho de leitura literária e fílmica com alunos e alunas do Ensino Básico do Centro de
Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás. A proposta de trabalho
com a língua/linguagem, pela Subárea de Língua Portuguesa do CEPAE/UFG, está relacionada a
um envolvimento intenso com o texto literário. A partir dessas leituras, os alunos e as alunas podem
refletir sobre valores e práticas sociais diversos, construindo sentidos por meio de comentários,
discussões e produções textuais, e compreendendo o funcionamento da linguagem formal de forma
que não se restrinja ao estudo da gramática normativa. Nesse sentido, o cinema entra como recurso
que reforça e complementa uma perspectiva discursiva de linguagem no âmbito educativo. No que
se refere aos estudos da narrativa, uma das maneiras de articular a leitura literária e a fílmica seria
apresentar adaptações cinematográficas de obras literárias. Por meio desse método, é possível que o
estudante perceba – ou que o/a professor/a possa mediar essa percepção – a maneira com que cada
uma das artes estrutura suas linguagens. Muitos autores comentam sobre a importância do uso do
cinema para fins educativos no contexto das Tecnologias de Informação e Comunicação/TIC, logo a
exploração da mídia audiovisual é, hoje, essencial à realidade prática de crianças e adolescentes que
convivem com recursos cada vez mais imagéticos. Assim, o objetivo principal das aulas de língua
portuguesa tem sido dialogar as artes, apresentando contrastes e confluências estéticas, sem deixar
de valorizar as especificidades de ambas as linguagens. Pretendo, aqui, compartilhar os resultados
da experiência com o trabalho literário atrelado aos meios audiovisuais.
LEITURA LITERÁRIA, ESTUDO LINGUÍSTICO E INCLUSÃO ESCOLAR NO ENSINO
FUNDAMENTAL
Deise Nanci De Castro Mesquita – UFG
Nesta exposição, o objetivo é apresentar e discutir um dos projetos de atendimento a alunos em
dificuldades de leitura e escrita em língua portuguesa, realizado no Colégio de Aplicação, em
parceria com outras Unidades e Faculdades da Universidade Federal de Goiás. De forma articulada
e sistematizada, monitores, estagiários e professores pesquisadores acolhem e acompanham alunos
que apresentam problemas de adaptação ao nível estudado, com e sem necessidades educacionais
especiais, organizando encontros semanais de estudo e preparação de atividades que contemplam a
análise e a interpretação de textos do gênero literário, extraídos dos livros de conto e de poesia
adotados para o ensino fundamental, nos diferentes anos escolares. Para tanto, a equipe busca
identificar formas de explorar o texto em seu sentido estético, de fruição, tendo como recurso
também a análise dos elementos linguísticos (morfossintáticos, semânticos e fonológicos) que o
organizam. O estudo funcional da gramática, proposto por Halliday (2004), orienta o mapeamento
da arquitetura linguística desses textos, contribuindo para que sejam identificados os elementos que
promovem a discursividade dos diferentes estilos literários, segundo a classificação sugerida por
Bakhtin (1997). Quando analisados os problemas que afetam o desempenho satisfatório dessas
práticas discursivas por esses alunos, três fatores se destacam: 1) tanto os alunos especiais, que
trazem um diagnóstico de limitações físicas, orgânicas e psíquicas, quanto os que são considerados
normais possuem formas distintas de entender, aprender e desenvolver, e, por isso, precisam de uma
atenção mais individualizada do que a comumente possível de ser oferecida, em sala de aula; 2)
muitos deles não se adaptam ao movimento, ao barulho, ao período exíguo de uma aula regular e,
portanto, necessitam de um atendimento mais singularizado, para que consigam ler, analisar,
compreender e relacionar as novas e diferentes informações; 3) alguns desses adolescentes,
embotados pelos meios de comunicação de massa, pela falta de cultura de leitura em casa e/ou pelo
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desábito de dedicar algumas horas ao estudo, carecem de mediação pedagógica para que possam
perceber a literatura como uma experiência estética que mantém em exercício a língua como
patrimônio coletivo. Sendo assim, cabe a este projeto potencializar as capacidades cognitivas e
intelectuais desses aprendizes, promovendo seu acesso aos bens culturais da sociedade letrada e
garantindo sua permanência em um ambiente educativo que provoque o desejo de buscar, de
conhecer e de construir, autonomamente, o próprio saber.
A CONSTITUIÇÃO DE LEITORES NO ESPAÇO AUTOBIOGRÁFICO
Ilse Leone Borges Chaves De Oliveira – CEPAE/UFG
Este trabalho objetiva problematizar a formação do leitor do texto literário e, paralelamente, a
constituição de sujeito leitor materializadas em narrativas autobiográficas, produzidas por alunos de
1º ano do Ensino Médio. Investigo, nessas autobiografias, enunciados de sujeitos que ocupam
posições determinadas na ordem do discurso e que, por isso, não são origem nem donos
absolutamente livres de seus atos discursivos. Contudo são sujeitos que não deixam de se
perceberem como únicos, indivíduos com relativa liberdade sobre seus destinos e seus atos. Pessoas
que, determinadas pelas condições sócio-históricas, são constituídas sujeitos, mas,
subjetivadamente, se constituem indivíduos. Na materialidade escrita do que enunciam, encontramse sinais de exercícios de construção estética de si, empreendidos pelos alunos autores dessas
narrativas. Submetidos pela ordem, pela disciplina, pelo controle escolar e social, cada um deles
encontra um viés particular de resistência por meio do qual trabalham sua constituição como
leitores. Um trabalho que se dá na convergência e na dispersão das práticas discursivas e não
discursivas que os condicionam. Problematizo o discurso dos alunos intrigada pela questão
formulada por Foucault (2004, p. 31): “que singular existência é esta que vem à tona no que se diz e
em nenhuma outra parte?” Ou, por outra forma, por que esse enunciado emergiu e não outro? Sem a
pretensão de responder a essas perguntas, elas permitem problematizar a constituição desses
sujeitos leitores que, envolvidos numa rede de práticas discursivas, se representam por
determinados enunciados e não por outros. Investigo as autobiografias sob o ponto de vista da
“escrita de si” (FOUCAULT, 1992) e do pensamento de Bakhtin (2003), quando considera que a
autobiografia é uma forma de descrição de uma vida, uma forma por meio da qual se pode
objetivar-se a si mesmo e à própria vida.
COMPREENSÃO LEITORA NA ESCOLA EM AMBIENTE VIRTUAL UCA: ENSINO,
PESQUISA E EXTENSÃO
Vera Wannmacher Pereira – PUC-RS
A comunicação está baseada em projeto integrado ao PROUCA (Programa Um Computador por
Aluno – MEC/CNPq) e que integra teoria/ prática, ensino/pesquisa/extensão, tendo apoio teórico na
Psicolinguística (SMITH, 2003; DEHAENE, 2012) em interface com os Estudos do Texto (ADAM,
2007; GOMBERT, 1998). É seu objetivo investigar em que medida um trabalho pedagógico com
estratégias de leitura virtuais, focalizando coerência e coesão, contribuem para a compreensão
leitora de alunos de séries finais do Ensino Fundamental e para a formação e adesão dos
professores. Para isso, a metodologia envolve: produção e geração de atividades virtuais de ensino
da leitura, preparação dos professores e dos alunos-monitores, oficinas de aplicação dos materiais
virtuais gerados, elaboração e aplicação de instrumentos de pesquisa – pré e pós-teste de
compreensão e comentários em blog para os alunos e questionário de conhecimentos e satisfação
para os professores -, produção e geração de e-book, organização de sites e realização de seminários
com professores. Constituem-se em participantes 120 alunos do E.F. (de 7ª e 8ª séries do EF) de
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duas escolas de municípios do Rio Grande do Sul (de Porto Alegre e de Novo Hamburgo), os dois
professores de Língua Portuguesa e os dois alunos-monitores dessas turmas e os demais bolsistas
contratados pelo Edital. Os resultados obtidos são os materiais e instrumentos de pesquisa gerados e
os dados decorrentes da coleta de dados.
AVALIAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA: SINALIZAÇÕES PARA A FORMAÇÃO
DOCENTE
Helena Maria Ferreira – UFLA
A avaliação das aprendizagens tem sido objeto de um número representativo de investigações. Por
se constituir um elemento de desenvolvimento do currículo, a avaliação é uma das componentes
mais complexas do processo didático e, de acordo com os textos legais em vigor, é elemento
integrante e regulador da prática educativa, assumindo ainda uma função certificativa das
aprendizagens e das competências desenvolvidas. (cf. CARDOSO, 2005). No entanto, ao se referir
à avaliação em disciplinas específicas, esse número decresce significativamente. No caso da
disciplina Língua Portuguesa, esse decréscimo parece estar ligado à complexidade que caracteriza a
avaliação escolar nessa disciplina, que precisa articular várias questões, de modo simultâneo, quais
sejam: a) a natureza do objeto de avaliação (língua portuguesa), que se apresenta interrelacionada
em práticas linguísticas e discursivas (oralidade, leitura, produção escrita, conhecimentos
linguísticos); b) a natureza transdisciplinar das aquisições que nela têm lugar, o contexto em que se
desenvolve o processo didático de ensino/aprendizagem, a multiplicidade de objetivos e objetos; c)
a própria representação social da disciplina; d) avaliação deve contemplar aprendizagens de
conteúdos, mas também habilidades e competências; e) multiplicidade de sentidos; f) diversidade de
conhecimentos prévios etc. Em face do exposto, Castro (2000) assegura que na disciplina de língua
materna, a possibilidade de avaliar o não ensinado é provavelmente maior que em outras áreas,
assim como o é a possibilidade de os resultados da ação educativa serem substancialmente afetados
por experiências de natureza não escolar. Assim, ao analisar o processo ensino-aprendizagem de
Língua Portuguesa faz-se necessário considerar a multidimensionalidade do fenômeno linguístico e
da multiplicidade de objetos de estudo. Nesse contexto, coloca-se a questão da especificidade da
avaliação nesta disciplina e ao se questionar o que se ensina/aprende e avalia na disciplina de
Língua Portuguesa, surge a questão do conhecimento pedagógico legitimamente válido. No
processo de ensinoaprendizagem, deve-se considerar a relação entre concepção de linguagem,
objetivos de ensino e avaliação, uma vez que a posição do professor em relação a essas questões
repercute fortemente no encaminhamento de suas práticas. Para fins de delimitação, a presente
comunicação elegeu como objeto de investigação o estudo dos testes escritos, com vistas a analisar
a natureza do processo avaliativo, nas dimensões de estruturação das questões, nos objetivos do
ensino, nas concepções de língua(gem). Desse modo, considerou-se que a seleção textual e de
autores, a sequencialização das perguntas, as propostas de interpretação textual, os exercícios
gramaticais, as solicitações para a produção escrita constituem um indicador dos modos de ler, das
formas de ensinar os conhecimentos acerca das estruturas da língua e das práticas de escrita
privilegiadas no âmbito da disciplina. Para um direcionamento da exposição adotou-se a seguinte
organização. Na primeira parte, apresenta-se o quadro teórico que fundamenta o estudo realizado,
abordando as especificidades da avaliação na disciplina de Língua Portuguesa, concepções de
linguagem, objetivos do ensino de Língua Portuguesa. Debate-se, também, a articulação
ensino/avaliação dos conteúdos/habilidades que são avaliadas por meio de provas escritas. Na
segunda parte, referente ao estudo empírico realizado, foi feita uma caracterização das avaliações,
considerando número de questões, público-alvo, domínio do conhecimento avaliado, tipos de
questões etc. Procedeu-se, ainda, a uma análise mais conceitual: concepções de língua, de avaliação,
de ensino etc. Os resultados evidenciaram a necessidade de o processo de formulação de questões
de avaliações escritas ser realizado de forma mais reflexiva, uma vez que pode representar um
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poderoso mecanismo na melhoria da qualidade da ação educativa e que a partir da análise e da
reflexão sobre a prática se podem encontrar alternativas capazes de melhorar a ação docente.
DESAFIOS ENFRENTADOS PELOS PROFESSORES NA CONSTRUÇÃO DE SUAS
PRÁTICAS DE ENSINO PAUTADAS NA DIVERSIDADE DE GÊNEROS TEXTUAIS
Sione Pires de Morais Guimarães – UFG/CAC
Maria Aparecida Lopes Rossi – UFG/CAC
O presente estudo discute o trabalho com o ensino de leitura a partir da diversidade dos gêneros
textuais desenvolvido por professores atuantes em 5º anos do Ensino Fundamental, em três escolas,
sendo uma da rede municipal e duas da rede estadual de ensino de Catalão. Buscamos em seu
desenvolvimento, perceber como os professores se organizam para seguir as orientações colocadas
pelo documento que institui as matrizes curriculares para o ensino dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, intitulado: Matrizes Curriculares - convite à reflexão e à ação. Tal documento é uma
reorientação curricular para toda a rede estadual de ensino do 1º ao 9º ano. Este é voltado para todas
as disciplinas e chegou às escolas do Estado de Goiás em 2008, através de uma versão preliminar.
Em sua apresentação, na parte relativa às matrizes de habilidades de Língua Portuguesa, o
documento diz que a proposta fundamenta-se nos PCNs de Língua Portuguesa que, “apesar de seus
dez anos de existência, seja talvez o documento mais recente e inovador que possuímos na área”.
(CURRÍCULO EM DEBATE, s/d, p. 180). Assim, tal documento continuou pautando o ensino de
língua materna no trabalho com os gêneros textuais, contemplando os eixos – Fala, Escuta, Leitura,
Escrita, Análise e Reflexão sobre a língua. Com a informação de que os planejamentos dos
professores são guiados tanto pelos PCNs, como pela Matriz Curricular de Habilidades, seja das
escolas municipais ou estaduais, percebemos a necessidade de explorarmos, com esses
profissionais, questões relativas ao conhecimento destes sobre as teorias que fundamentam o ensino
de leitura pautado nos diferentes gêneros textuais, já que todo o conteúdo descrito na Matriz de
Habilidades de Língua Portuguesa está centrado no trabalho com os diferentes gêneros de texto,
assim definidos por Marcuschi (2002, p. 22, 23): “Usamos a expressão gênero textual como uma
noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida
diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades
funcionais, estilo e composição característica”. Partindo disso, pensamos e discutimos com os
professores as seguintes questões: a) Como a Matriz de Habilidades chegou para vocês? Vocês
fizeram algum estudo, leram as orientações teóricas que estão colocadas nesta matriz? b) Vocês
fizeram algum curso, estudo para a implementação dessa matriz didática? c) A matriz didática
enfatiza o trabalho com a diversidade de gêneros textuais? O que você acha disso? Para você qual é
a importância de trabalhar com estes gêneros de texto no ensino de leitura? d) Você já fez algum
estudo sobre esses gêneros e o papel deles no ensino de leitura? Quais? e) Para você o que
caracteriza um gênero textual? O que é um gênero textual? f) Qual a diferença entre tipo de texto e
gênero de texto? g) Para você o que é ler e o que deve ser enfatizado no ensino de leitura? Essas
questões nos possibilitaram perceber se os professores sentem-se preparados e amparados, através
da oferta de capacitações profissionais, para estarem trabalhando com os gêneros textuais, uma vez
que o conhecimento está em constante mudança, exigindo destes profissionais que eles estejam
atualizando sua formação continuamente. Percebemos que o trabalho com os diferentes gêneros
textuais se constitui em um desafio, não somente para os alunos, mas também para os próprios
professores, que assumiram não conhecer, a priori, a teoria que dá sustentação ao ensino pautado
nos diferentes gêneros textuais, tornando-se difícil o ensino dos mesmos aos alunos, já que precisam
sanar, sozinhos, suas dúvidas e dificuldades a respeito das teorias e conceitos que estão na base das
matrizes curriculares e dos PCNs.
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LETRAMENTO LITERÁRIO NO ENSINO MÉDIO: PRAZER ESTÉTICO E
SENSIBILIDADE NA SALA DE AULA
Francisco Cezar Barbalho – UFERSA
Esta pesquisa tem como objetivo refletir sobre o processo de formação do leitor, por meio da leitura
literária no Ensino Médio, a partir das vivências de leitura em espaço escolar. Para ancorar-se
teoricamente, tomou-se como base reflexões de Bakhtin (1997); Cândido (1995); Cosson (2006);
Eagleton (2003); Soares (2003); Todorov (2009). Para tanto, foram analisadas aulas de Língua
Portuguesa em turmas do Ensino Médio de uma escola pública da rede estadual, na cidade de
Angicos/RN, através de uma pesquisa-ação da prática pedagógica do professor formador. Para a
coleta e análise dos dados, foram utilizadas a análise e observação de aulas e de práticas de leitura
realizadas na biblioteca, no laboratório de informática e em outros espaços escolares. As análises
foram realizadas considerando: a recepção dos textos literários propostos para leitura na sala de
aula; a introspecção dos referidos textos e a socialização das respectivas leituras. Como resultados,
percebeu-se a necessidade de se conceber a literatura de uma maneira mais viva em nossas
instituições de ensino. Conclui-se que o letramento literário contribui para a subjetivação, a
valorização do “eu” com o seu contexto de interação, bem como para o ensino-aprendizagem da
literatura, dando-se condições de possibilidades dos sujeitos com o texto literário na escola.
LEITURA, LITERATURA E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UM ESTUDO DA
VIVÊNCIA LITERÁRIA DE PROFESSORES E SUA INFLUÊNCIA NA PRÁTICA DE
LEITURA
Sâmia Macedo Ferreira – UFMG
Veralúcia Cogo – UFMG
Jacqueline Diniz Oliveira Souki – UFMG
Suzana dos Santos Gomes – UFMG
Esta pesquisa tenciona apresentar alguns resultados de uma investigação que está sendo feita com
professores oriundos dos Cursos de Pedagogia e Letras, a partir da análise de observações das
práticas pedagógicas desses docentes. Para tanto, além das observações serão feitas entrevistas com
esses profissionais, com o intuito de conhecer e analisar o repertório literário deles, repertório esse
experenciado, na infância e adolescência (memória), por eles. Assim, será analisada a relação dessa
vivência com a prática de leitura literária adotada por eles, em sala de aula, na Educação Infantil
e/ou no Ensino Fundamental. A pesquisa está sendo desenvolvida em duas etapas. Na primeira,
pretende-se focalizar professores e suas experiências de leitura: o que leram, descobriram,
conheceram e pensaram a partir de suas leituras literárias, realizadas nas fases mencionadas acima.
Espera-se, desse modo, conhecer o perfil leitor desses profissionais e as crenças deles sobre a
importância da literatura, preferências de leitura e memórias leitoras. Na segunda, almeja-se
identificar a influência da experiência leitora desses professores em suas práticas docentes. Tornase, dessa maneira, importante saber até que ponto essa experiência foi explorada na prática docente.
Cabe ressaltar, que a escolha, neste estudo, da leitura literária, justifica-se pelo fato de que a
literatura pode ser capaz de provocar inquietações, instigar a imaginação, associar e encadear
eventos diversos. Isso tudo tornando indissociáveis os processos de leitura de mundo e da palavra e,
por isso, questionar quais as possibilidades de leituras literárias são criadas em sala de aula. Por
conseguinte, espera-se, que ao final desta pesquisa, haja contribuições, no que diz respeito ao lado
humanizador da literatura e, ainda, o seu poder como instrumento de ensino e de educação na
formação de professores, consequentemente, na melhoria do ensino literário na escola.
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SIMPÓSIO 6
A CRONÍSTICA LUSO-BRASILEIRA E ESTRANGEIRA SOBRE O
BRASIL COLONIAL: LITERATURA, HISTÓRIA E IMAGINÁRIO
A relação entre o que se constitui como material literário, história e imaginário cultural na formação
da cronística colonial mundonovista tem instigado não só teóricos e críticos literários, em geral, mas
também escritores, historiadores e estudiosos de áreas afins, à reflexão e investigação do modo e do
ser desse fenômeno interrelacional nos seus aspectos retóricos, figurativos, estilísticos, políticos,
culturais, ideológicos e seus desdobramentos e questionamentos nas diferentes modalidades que
constituem esse corpus cronístico. Essa compósita realidade escritural, constituída de cartas,
tratados, relatos, diários, e mesmo diálogos, em que se mesclam ficção, poesia, realidade,
documentação, ideário, formas do imaginário cultural, devido ao seu aspecto híbrido composto de
história e literatura, examinada numa perspectiva canônica da identidade dos gêneros apenas, tem
comprometido a validade da sua visão e o sentido da sua escrita. Entretanto, tal atitude parece não
mais se sustentar, principalmente a partir dos achados teóricos a respeito da relação interdisciplinar
entre literatura, história e imaginário. Tendo por base esses pressupostos teóricos, este simpósio
receberá trabalhos que apresentem estudos críticos e analíticos sobre a contribuição dessa relação
presente nas diferentes modalidades dessa literatura cronística que se comprometeu com um tipo de
registro entre histórico e literário colonialista da realidade natural e das gentes do Brasil, em que se
fazem ideológica e politicamente presentes diversificadas formas do ideário e do imaginário cultural
do colonizador, não só português mas de outras nacionalidades. Tais formas relevam-se, sobretudo,
por se constituírem no seio de uma sui generis dicotomia entre a formula mentis da tradição
medieval e as construções do pensamento e da mentalidade europeia moderna. A questão põe-se
sobretudo atualmente quando, segundo Emmanuel Levinas, apenas podemos compreender
inteiramente a nossa humanidade através da “humanidade dos outros”. Emoldurada por essa
realidade epistemológica surge, nessa cronística, a representação do Brasil no tempo da sua
descoberta e colonização.
COORDENAÇÃO
Pedro Carlos Louzada Fonseca
Universidade Federal de Goiás
[email protected]
Maria Laura Bettencourt Pires
Universidade Católica Portuguesa
[email protected]
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DOIS MODOS DE VER O MUNDO: A CRONÍSTICA LUSO-BRASILEIRA E
EMMANUEL LEVINAS
Maria Laura Bettencourt Pires – UCP
Nesta comunicação, apresentam-se diferentes perspectivas e reflexões teóricas sobre o tema que, de
uma forma problematizadora, se referem às críticas pós-colonialistas inerentes à visão levinasiana
do "Outro". Devido ao tema do Simpósio 6, começamos por fazer uma leitura da cronística lusobrasileira e verificamos como, através da literatura e da história, temos uma visão do ideário da
época e do papel da cultura, do gênero e da noção de superioridade dos colonizadores na construção
da desigualdade cultural e social dos colonizados. A partir destas noções iniciais, na segunda parte
da comunicação, pretende-se discorrer sobre o que podemos aprender a partir da leitura das obras
do filósofo francês Emmanuel Lévinas (1905-95), e da reflexão sobre a sua teoria da alteridade, a
propósito da construção do conhecimento e da aquisição de competência cultural e da consequente
aplicação da sua conceptualização do "Outro" à educação, ao ensino de línguas, tanto maternas
como estrangeiras, e à ação social. Com esse objetivo, será apresentada uma panorâmica teórica dos
conceitos-chave de Lévinas, como a sua conceptualização de "Alteridade", e uma breve análise das
suas posições epistemológicas e éticas, concluindo com uma sucinta referência às potenciais
aplicações teóricas e práticas das suas ideias ao mundo da educação, com especial relevo para a
formação de professores tanto de Português como de línguas estrangeiras, e da acção social.
Consequentemente, serão feitas algumas considerações sobre o conceito de cultura, que tem sido
objeto de tantos debates teóricos e políticos, e seguindo Benhabib (2002), diremos que estão
ultrapassadas as noções essencialistas e holísticas da "cultura" visto que "as culturas" correspondem
a uma constante mudança dos territórios imaginários que se encontram nos diálogos em curso e, em
conclusão, que devemos respeitar todos os indivíduos de culturas, etnias, religiões e classes sociais
diferentes. Podemos assim, aplicando a teoria do "Outro" de Lévinas (1987, 1999), reconhecer e
afirmar o valor da diversidade cultural dos indivíduos ou comunidades, protegendo e preservando a
dignidade de cada um. Por outro lado, há que referir também a noção de aquisição de competência
cultural, que tem sido considerada positiva por impedir que se julguem todos por um único padrão
de comportamento, e que também se pode considerar uma perspectiva inerente ao pensamento
inovador de Lévinas. Para defini-la, pode afirmar-se que resulta, justamente, da capacidade de
compreender, comunicar e interagir eficazmente com "os Outros" através das diferentes culturas e
depende, portanto, da nossa proficiência para lidar com as diferenças e da nossa compreensão das
relações entre o "eu" e o "Outro".
DRAMAS DO ESPLENDOR: OS RELATOS DE NAUFRÁGIO E A CONSTRUÇÃO DO
OUTRO
Ana Claudia Pacheco de Andrade – UNEB
Os relatos de naufrágios surgem em meados do século XVI com o propósito de noticiar as aventuras
e infortúnios dos viajantes que participaram do projeto expansionista marítimo. Tal registro ganha
lugar de destaque na mentalidade coletiva por apresentar o cotidiano a bordo das embarcações,
experiências de um novo saber construído a partir do contato com outros povos, rotas, lugares e
costumes, bem como o reverso da visão heroica do descobrimento de novas terras. Dito isto, o
interesse deste estudo reside em identificar a ideia de trágico arraigado no imaginário coletivo do
século XVI, observando o modo como esses relatos mesclam o discurso histórico, literário e
etnográfico. Para tanto, analisaremos a obra História Trágico-Marinha (1735-36), compilada pelo
português Bernardo Gomes de Brito e organizada em cinco volumes, embora somente dois destes
tenham sido publicados. Mesmo sabendo que tal compilação não compreende todos os textos
escritos sobre o tema, é importante ressaltar que a seleção feita por Bernardo Gomes de Brito possui
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o mérito de reunir um conjunto de relatos sobre naufrágios portugueses considerados um dos mais
completos. Abordaremos os relatos, de caráter realista, que tratam do naufrágio das naus São Paulo
(1561), Santo Antonio (1565) e São Francisco (1597). O estudo enfatiza o aspecto trágico das
navegações portuguesas presentes nos relatos de naufrágios em contraposição à glória dos
descobrimentos lusitanos. Reconhecendo o valor da narrativa sobre naufrágios, a intenção é
averiguar as impressões registradas pelos narradores tomando como ponto de partida, seus relatos
ora terríveis, ora fabulosos com relação às tempestades, perda de navios, ataque de corsários, furor
do mar revolto, falta de ventos favoráveis, encontro com outros povos/culturas, ameaça da fome,
entre outros. Tais aspectos compunham o espetáculo das narrativas em que se encontram fixados o
início de uma literatura tipicamente marítima, capaz de aguçar a curiosidade de um público ávido
por relatos dramáticos e, ao mesmo tempo, marcar o grau de popularidade e êxito deste singular
gênero literário.
TROPOS E ENGENDRAMENTO DA NATUREZA E DO MUNDO ANIMAL NA
CRONÍSTICA HISTORIOGRÁFICA DO BRASIL COLONIAL
Pedro Carlos Louzada Fonseca – UFG
Este trabalho examina, por meio de pressupostos teóricos e críticos, buscados aos estudos do
discurso do gênero e suas estratégias de engendramento da realidade, vis-à-vis formas de
representação simbólica da natureza e do mundo animal, alguns dos principais tropos que se fazem
constantes no imaginário da cronística historiográfica dos descobrimentos e colonização do Brasil e
da América de modo geral. Compondo um verdadeiro sistema tropológico, esta formação figurativa
constitui um dos mais eficientes recursos retóricos para o convencimento desejável da sua
finalidade discursiva. Dentre as principais formações tropológicas dessa cronística historiográfica
colonial, comparece o arquissêmico tropo da naturalização, que engloba não só a realidade física
brasileira e americana de modo geral, referenciada ao seu mundo vegetal e animal, mas também a
sua realidade etnoantropológica. Embasado em conceitos fundamentais como esse, o trabalho
empenha-se em mostrar que a formação de tais tropos não é simplesmente imaginária, mas
carregada de construções ideológicas, obedecendo a uma ordem política inerente à tradição
patriarcal da cultura ocidental, com todas as suas prerrogativas psicossociais e formas de
procedimentos de uma mentalidade que se caracteriza pela colocação essencialista do valor e poder
centrados nas imagens masculinas e de masculinização da realidade. Na escrita dos descobrimentos
e colonização, tanto do Brasil quanto das outras partes do vasto continente americano, o
androcentrismo dessa tradição funciona como estratégia retórica para a formação de um tipo de
discurso de conquista e de domínio que se torna uma das formas de realização de um projeto
colonizador que se caracteriza essencialmente como sexualizador, isto é, que se prima por atribuir
principalmente formas, atributos e princípios do feminino à realidade americana, seja animada ou
mesmo de natureza bruta. Neste sentido, o trabalho pretende contribuir para os estudos de gênero no
que se refere ao enfoque do binômio sexo e conquista, suas atitudes de aproximação, principalmente
engendradas de forma violenta e política, verificadas na conquista europeia da América.
O SIMBOLISMO DA SERPENTE NA CRONÍSTICA LUSO-BRASILEIRA
Sueli Maria de Oliveira Regino – UFG
A angústia diante da morte levou o imaginário humano a criar fantasias que o ajudassem a superar o
terror da aniquilação do ego. Em todas as culturas, além de ser o reduto do prazer, da fartura e da
bem aventurança, o paraíso é também o lugar onde a morte não tem poder sobre os seres humanos e
a imortalidade torna-se um sonho possível. A nostalgia do Paraíso, traço recorrente no imaginário
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humano, ganhou vulto sob as condições socioeconômicas da Europa pré-industrial, depauperada de
recursos naturais e devastada pela fome e pela peste. Para os primeiros europeus aportados na
América, a identificação das novas terras com o paraíso resultou do inevitável confronto entre a
plenitude de recursos naturais do novo continente e a carência na Europa. As grandes viagens do
século XV e XVI foram uma fábrica de imagens fantásticas, que retomavam os seres monstruosos
de antigas mitologias, estimulando os viajantes a transferir para os mundos novos o patrimônio
fantástico do imaginário da Antiguidade e da Idade Média. A partir dessa perspectiva, é possível ver
os bestiários medievais como fontes, utilizadas para a compreensão das imagens com as quais o
invasor europeu descreve a natureza inédita do Novo Mundo. Em suas tentativas de apresentar os
animais desconhecidos que povoavam as terras americanas, os cronistas iam buscar particularidades
de animais que lhes eram familiares, promovendo uma estranha “colagem”. A partir dessas
considerações iniciais, o objetivo deste trabalho será examinar, por meio da hermenêutica
simbólica, a influência do Physiologus e de outros bestiários medievais na cronística luso-brasileira
do século XVI e início do século XVII, no que diz respeito às descrições de cobras brasileiras,
presentes no Tratado descritivo do Brasil em 1587, de Gabriel Soares de Souza e em Diálogos das
grandezas do Brasil de Ambrósio Fernandes Brandão. Para essa análise, serão levadas em
consideração as conexões entre o mito do Paraíso Terreno, o simbolismo da serpente e o mito da
busca pela imortalidade. Nas diferentes versões do mito do Paraíso Terreno é possível encontrar
pontos de vista que apresentam a serpente como protagonista do drama da perda do Paraíso, além
de responsável por roubar do homem o dom divino da imortalidade.
A CARTA DE CAMINHA: DO PENSAMENTO ANALÓGICO À RETÓRICA DO
DISCURSO
Rafael Barrozo de Carvalho – UFG
Lyanna Carvalho – UFG
Com a ruptura da divisão estanque entre história e literatura e o avanço dos estudos antropológicos,
as crônicas dos descobrimentos da América passam a ser lidas não somente como documento
histórico ou como literatura, mas como fonte de estudos etnoculturais tanto de europeus quanto de
nativos. A importância histórica das narrativas, com vistas a um mapeamento da formação
identitária brasileira, e, ainda, a aparente pouca observância no Brasil atual dos “textos de
informação” fundadores (que podem ainda ser considerados Literatura, seja pela retórica ou pelo
próprio fabular) motivam a presente comunicação. Procura-se realizar uma microanálise do
primeiro texto escrito em terras brasileiras, logo o marco inicial da Literatura no Brasil: A Carta de
“achamento” da terra de Vera Cruz, de 1500. O texto foi escrito por Pero Vaz de Caminha, escrivão
da armada de Pedro Álvares Cabral, ao rei D. Manuel I, poucos dias depois da chegada, a fim de
mostrar suas impressões sobre esta “nova” terra. Mais do que um documento histórico, o primeiro
do Brasil, a carta é um arcabouço de motivos imaginários da realidade dos descobridores. As
descrições das terras descobertas relatam o novo mundo, mas apresentam também a história e a
cultura do descobridor, vinculadas ao imaginário medieval. Buscamos, no trabalho, analisar o
documento, reconhecendo os recursos discursivos de que Caminha se utiliza para a descrição do
novo mundo. Serão observados principalmente seu pensamento analógico como recurso
argumentativo, que nos leva a uma dialética recorrente na mentalidade cultural de então, bem como
à retórica desses discursos e à utilização de argumentos estratégicos para basear o imperialismo que
germinava na Europa. A análise procura abranger tanto o campo discursivo quanto o conteúdo da
carta, e será feita à luz de teorias literárias contemporâneas, observando-se também estudos
históricos revisionistas das narrativas sobre as descobertas ibéricas do Novo Mundo.
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“UMA CARTA AO REI”: DOCUMENTO HISTÓRICO-LITERÁRIO SOBRE O BRASIL
Celeste Maria Pacheco de Andrade – UNEB/UEFS
O texto propõe uma análise sobre a Carta de Pero Vaz de Caminha, a partir da interlocução entre
Literatura e História, uma vez que em virtude da proximidade destas duas áreas de conhecimento,
diversos diálogos, daí oriundos, servem para ampliar pesquisas históricas, abrindo horizontes em
termos de temáticas e fontes documentais, principalmente na área dos Estudos Culturais. A relação
entre História e Literatura tem sido enfática nas discussões da atualidade, em torno de novos
paradigmas da pesquisa histórica, fruto da superação da crise vivida pelo conhecimento na transição
do século XX para o XXI. No caso específico desse estudo, busca-se inventariar o relato da Carta
de Pero Vaz de Caminha a partir dos seus aportes históricos e narrativos, de forma a reconhecer o
seu valor documental, considerando que ao ampliar os seus espaços de diálogo, a pesquisa histórica
amplia também as suas formas de abordagem. Caminha, escrivão da frota de Pedro Alvares Cabral
comunica, através de relato minucioso, ao rei de Portugal, Dom Manoel o descobrimento das novas
terras. Tal registro, datado de 1° de maio de 1500, na localidade de Porto Seguro, é considerado
representante da cronística colonial em função da sua natureza informacional, a respeito de sujeitos
e ambientes e do seu sentido cronológico. Tomando como ponto de partida a interface
Literatura/História, o objetivo do trabalho é reconhecer o valor histórico da narrativa produzida por
Caminha, a ponto de ser identificada como um texto fundacional da história do Brasil e, mais ainda,
a “certidão de nascimento do Brasil”, no intuito de relacionar o ambiente histórico da Europa do
século XV ao olhar eurocêntrico e de superioridade contido no relato. Concluímos a análise
considerando a Carta de Pero Vaz de Caminha como um texto fundamental que descreve o encontro
povos de dois mundos, documento marco tanto da história, como da literatura sobre o Brasil.
NARRATIVAS DE VIAGEM: NA LITERATURA E NO DOCUMENTO
HISTORIOGRÁFICO
Hadassa dos Passos Freire – FL-UFG
O fato de a categorização das narrativas de viagem não ser pacífica prejudica as tentativas de inserilas nos campos da Literatura ou da História, especificamente as narrativas de viagem portuguesas
de meados do século XVI-XVII sobre o Novo Mundo e sobre o Oriente - A Peregrinação de Fernão
Mendes Pinto e A Carta de Pero Vaz de Caminha. Com vistas a refutar não teorias da literatura, e
sim tornar dialéticas dicotomias que possam impedir que as narrativas de viagem sejam
consideradas obras literárias e também documentos historiográficos, esta comunicação se propõe a
analisar algumas concepções de Literatura e de texto literário, bem como a concepção de tempo
histórico. Para contribuir para a teorização desse tipo de narrativas, são abordadas as concepções de
literatura, bem como sua função a partir de alguns autores, dentre eles os formalistas russos Wellek
e Warren (1971), Compagnon (2009 e 2010) e Lukács (1965). Sobre a inserção dessas narrativas
como Literatura de Viagem, tem-se as propostas teóricas de Outeirinho (2008), Seco (2006) e Espig
e Ezequiel (2002). Como Documento Historiográfico, há as perspectivas de Barthes (apud Bastos,
2003) e Caldas (2002). No que concerne ao Jornalismo Literário, tem-se Modernell (2007), dentre
outros, em que importam também as categorizações feitas sobre as narrativas de viagem como
jornalismo literário, ou como literatura de viagem, ou como documento historiográfico, uma vez
que essas categorizações influenciam diretamente na análise que se faz do tempo dessas narrativas.
Ora o tempo é analisado como objetivo, ora como subjetivo, ora como cronológico, ora como algo
intermediário e, nesse sentido, é importante saber de quais narrativas de viagem é que se fala.
Posteriormente, é realizada uma análise narratológica dessas narrativas, com base em Reuter
(2004), e, por fim, a análise da categoria tempo é feita do ponto de vista da Teoria da História, por
meio de alguns autores, como Jaques Elliott (1984) e Ricoeur (1994 e 1997). Embora analisado
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pelas diversas ciências e pelas inúmeras perspectivas filosóficas, biológicas, físicas, literárias e
históricas – e não se pretende discutir o que deixa ou não de ser ciência – não há e talvez não venha
a haver um consenso sobre o sentido ou uma concepção única do tempo. As perguntas e discussões
sobre o tempo perpassam quase sempre as concepções dicotômicas entre tempo objetivo e tempo
subjetivo ou entre Cronos e Kairós e, no que se referem às análises do tempo nas produções
literárias, há também dicotomias entre o tempo dos acontecimentos que são contados e o tempo da
própria narrativa. Assim, há que se fazer um apanhado conceitual sobre tempo a partir das várias
análises encontradas para tornar a discussão sobre o tempo histórico o elo entre História e
Literatura.
A RELEITURA DE CAMÕES E PERO VAZ DE CAMINHA EM INVENÇÃO DE ORFEU,
DE JORGE DE LIMA
Suene Honorato – UNICAMP
Procedimento recorrente em Invenção de Orfeu (1952), de Jorge de Lima, a colagem de outros
textos na composição do poema indica um caminho produtivo para sua leitura e direciona a
percepção do sentido político-cultural que a obra assume no contexto brasileiro. Uma das questões
aí implicadas seria, a partir do aproveitamento de versos de Camões e de trechos da Carta de Pero
Vaz de Caminha, o questionamento da “versão oficial” da história do descobrimento do Brasil. Se o
narrador camoniano aproveita os eventos históricos como base para a construção do poema
oferecendo uma narrativa que logrou potencializar sua historicidade, no sentido de afirmar o
heroísmo português, para o poeta de Invenção de Orfeu, personagem principal da aventura de
“fundação da ilha”, a relação entre história e ficção se dá por meio da invenção como procedimento
capaz de revelar outras verdades históricas. Tendo em vista a memória da dizimação de povos
empreendida pelos colonizadores, o poeta negará a narrativa histórica do descobrimento: “A ilha
ninguém achou / porque todos a sabíamos” (Lima, Invenção de Orfeu – Canto I, II);
“Empreendemos com a ajuda dos ocasos / as travessias nunca projetadas, / sem roteiros, sem mapas
e astrolábios / e sem carta a El-Rei contando a viagem” (Lima, Invenção de Orfeu – Canto I, III).
Nesse sentido, o diálogo estabelecido com Camões fará do “barão assinalado” um “barão de
manchas condecorado” (Lima, Invenção de Orfeu – Canto I, I), já que o projeto épico de Os
lusíadas implica violência. Assim também a reescritura da Carta de Pero Vaz de Caminha em
Invenção de Orfeu colocará em tensão os limites entre o histórico e o fictício. No poema XXXI do
Canto I, o poeta assume a voz do cronista português para indicar que se, de um lado, “as águas são
muitas, infinitas, tudo dando”, de outro o embate entre índios e portugueses terminou com a
aniquilação dos primeiros. Aos cronistas, diz o poeta: “Não esqueçais, escribas, os somenos, / as
geografias pobres, os nordestes / vagos, os setentriões desabitados / e essas flores pétreas
antilhanas” (Lima, Invenção de Orfeu – Canto I, V) – advertência que desvela a matriz ideológica
implicada nos relatos de viagem. Nesse sentido é que Invenção de Orfeu se propõe como epopeia
moderna, em que o compromisso com a história assumido pelo gênero épico é problematizado em
função da necessidade de revisão do discurso dominante a respeito da colonização brasileira.
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REPRESENTAÇÕES DA TRADIÇÃO BESTIÁRIA MEDIEVAL EM PERO DE
MAGALHÃES GÂNDAVO
Edilson Alves de SOUZA – UFG
Pedro Carlos Louzada FONSECA – UFG
No desejo de crescimento comercial e de reconquista cristã, países, como Portugal, avançaram
territórios marítimos, provocando uma expansão que data de meados dos séculos XV e XVII.
Durante as expedições, os navegantes europeus relatavam e arquivavam suas experiências em busca
da nova terra e o que havia nela. Quando chegaram ao Brasil, também realizaram a mesma
atividade, principalmente os portugueses, como é o caso do escrivão da frota de Pedro Álvares
Cabral, Pero Vaz de Caminha. Ele foi o responsável pela elaboração da Carta de achamento do
Brasil, cultivando a “literatura de informação” – também conhecida pelas “crônicas de viagem” –,
literatura, a qual tinha a característica de descrever, explicar e documentar o que havia nos novos
lugares “encontrados”. Os cronistas, autores desses registros, se tornaram os responsáveis por criar
e repassar as primeiras imagens e impressões sobre as terras ameríndias. Essas espécies de
relatórios, também considerados propagandas de imigração, feitos pelos navegantes e também
catequizadores, eram permeados de descrições. As características que eram descritas tinham como
base os parâmetros da tônica religiosa vigorante – o Cristianismo. Com os sucessos e os insucessos
dessas excursões marítimas, o monstruoso, as fantasias entre outras manifestações místicas e
míticas foram criados pela população e literatura da época. Assim, os cronistas, em suas atividades,
eram fortemente influenciados pelo maravilhoso e o fantástico. Dentro da atmosfera fértil e
simbólica dos relatos de viagem têm-se obras, tal como a História da Província de Santa Cruz a
que vulgarmente chamamos de Brasil (1776), de Pero Magalhães Gândavo. Por meio da
mentalidade cristã e dessa literatura, ao mesmo tempo em que se tenta aproximar o nativo da
sacralidade mítica de uma visão paradisíaca do Novo Mundo, o conquistador se utiliza de termos e
noções que somam a religiosidade e ao monstruoso, fazendo referência aos elementos compositores
do imaginário elucubrado no medievo dentro dos livros chamados Bestiários. Estes descreviam,
analógica e anagogicamente, criaturas bestiais reais e fabulosas. Por terem sido popularmente
difundidos, tais manuscritos muito influenciaram a mentalidade medieval, bem como, a produção
cronística. Gândavo, em sua História, conta-nos no decorrer de seu texto a história do monstro
marinho Ipupiara que aparece na Vila de São Vicente. Independente de se averiguar a veracidade
do relato ou não, podemos auscultar ecos do pensamento medieval bestiário. Diante do exposto,
nesse trabalho, tencionamos uma leitura de Tratado da terra do Brasil e História da Província de
Santa Cruz a que vulgarmente chamamos de Brasil (1776), de Pero Magalhães Gândavo,
evidenciando traços dessa tradição bestiária medieval.
LITERATURA BESTIÁRIA E LITERATURA DE INFORMAÇÃO: AFLUÊNCIAS E
DESVIOS EM GÂNDAVO
Lilian Cristina Granziera – UC/FIMI/FSL
Este trabalho, de natureza teórica, visa ao estudo da obra História da Província de Santa Cruz (a
que vulgarmente chamamos Brasil), de Pero de Magalhães Gândavo, a fim de demonstrar que
existem aproximações e desvios das descrições fantásticas consagradas nos bestiários, compêndios
que informavam sobre o mundo animal, real e fantástico, com destaque para a ferocidade instintiva
das bestas, mediante descrições calcadas em discussões filosóficas, abstratas e generalizantes, por
vezes demasiado cifradas, devido ao exotismo de um relato imaginário e que atendia aos interesses
da Igreja, preocupada com a redenção dos homens que, para se salvarem, não poderiam agir como
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as bestas, livres, violentas e instintivamente. Esses bestiários foram comuns na Europa dos séculos
XII e XIII, conheceram o auge de sua influência ideológica e doutrinária no século XV, quando
surgiram as literaturas vernaculares, até o arrefecimento da modalidade por volta do século XVII.
Pero de Magalhães Gândavo, historiador, cronista, professor de Latim e de Português, inclusive
autor do primeiro manual ortográfico da Língua Portuguesa, nasceu em Portugal, ainda que de
origem flamenga. Foi responsável pela transcrição de documentos na Torre do Tombo, em Lisboa, e
em data controversa (entre 1556 a 1572, ou 1560 a 1576, ou, ainda, 1565 a 1570) ocupou o cargo de
Provedor, na Bahia. Suas andanças permitiram-no testemunhar e registrar as impressões sobre a
Colônia. Muitos de seus manuscritos foram perdidos, mas restam dois tratados: Tratado da Terra
do Brasil e Tratado da Província do Brasil, que, em 1576, foram reunidos e publicados como
História da Província de Santa Cruz. Nela, Gândavo descreve, com espanto, estranhamento e
maravilha, a natureza e os nativos, tendo sido bem sucedido na tarefa, pois sua História se tornou
um veículo de incentivo à imigração portuguesa, uma vez que Gândavo, ao fornecer novas
realidades à efabulação mental europeia o fez com base na observação imediata e na experiência
empírica, rompendo com as práticas de escrita dos bestiários. Portanto, analisar as afluências e os
desvios dos bestiários com a História, de Gândavo, partindo da semelhança da descrição de
registros permeados de fantasia e dos desvios decorrentes do contato direto do cronista com povos e
culturas diferentes, permite vislumbrar o alargamento da visão do europeu do século XVI sobre o
Brasil Colônia que, como desdobramento, contribuiu para a cristalização das raízes temáticas do
nacionalismo brasileiro.
PADRE FERNÃO CARDIM E OS SEUS LASTROS MEDIEVAIS
Carlos Henrique Lopes de Almeida – UFPA
O presente trabalho tem como propósito o estudo da obra Tratado da gente e terra do Brasil do
Padre Fernão Cardim, em que se traçará uma análise que rastreia as influências do imaginário e
ideário medieval, considerando a presença de alguns reflexos imagísticos da herança e dos traços da
tradição da Idade Média que se anunciam na construção da cronística de Cardim. A descrição do
cenário natural, considerando as plantas e os animais presentes nas terras das Novas Índias, ainda o
encontro entre os referenciais constituídos no decorrer da história do Velho Mundo e o espaço
novomundista, como uma espécie de receptor de todas essas figuralidades, a transliteralização de
esquemas responsáveis pela aproximação e incorporação das novas descobertas são elementos
temáticos presentes na produção cronística cardiniana. Desse modo, os escritos de Cardim assumem
uma posição fundamental para a organização política e hierárquica da Ordem religiosa dos Jesuítas,
haja vista a distribuição dos seus integrantes nas mais diferentes e distantes localidades no mundo,
gerando distintas posturas e respostas para as demandas surgidas na empresa de conversão do
gentio. Uma escrita na qual o Padre Fernão Cardim transita dentro dos relatos descritivistas, ora
caracterizando realisticamente o encontro com a natureza e os nativos, ora exercitando um toque
requintado, influenciado pelas autoridades e esquemas tão caros à tradição medieval. Nesse sentido,
a pesquisa se propõe a analisar e a buscar marcas da medievalidade presentes no cenário
historiográfico que possam dar maior sentido ao texto e, junto a essa dinâmica, dialogar com fatores
relacionados ao ideário medieval e ao contexto da colonização presente na América Portuguesa.
Para tanto, foram desenvolvidos estudos bibliográficos da obra e do tema em questão, mencionando
autores como Fonseca, Tavares e Raminelli, entre outros, buscando compreender como se dá essa
relação e algumas das imagens medievais presentes nos relatos do descobrimento e colonização das
terras do Novo Mundo.
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AUCTORITAS, ARGUMENTAÇÃO E REPRESENTAÇÃO EM A COSMOGRAFIA
UNIVERSAL DE ANDRÉ THEVET
Alessandra Conde da Silva – UFPA
A literatura de cronistas e viajantes, desde o início, logrou grande importância. As histórias exóticas
do Novo Mundo encantavam os europeus ávidos pelo maravilhoso. As viagens de Marco Polo à
Ásia, por exemplo, no século XV, permitiram registros de eventos e personagens maravilhosos,
ambos correspondentes à tradição cultural da época, envolta às representações de bruxas e
feiticeiras, aos demônios, monstros e animais desconhecidos ou imaginários. As peculiaridades do
imaginário, contidas nos registros de viagem, não são de exclusividade do campo artístico
(iconográfico ou literário), pois elas representam a mentalidade do homem medieval (LE GOFF,
1994, p. 14). Neste sentido, os registros dos cronistas mostram-se como um corpus histórico,
etnográfico e sociológico, construído mediante os seus próprios sistemas de representações
culturais. Os parâmetros e os procedimentos empregados no processo de escrita, relatos e descrições
seguiram bases clássicas e medievais, ainda vigorantes, tanto estruturalmente, quanto
conceitualmente. Motes como a auctoritas, a argumentação e a representação e desdobramentos
possibilitam-nos ver em que linhas os padrões estéticos e intelectuais europeus foram adaptados
para a descrição da paisagem e cultura americanas. Mas não somente isso, tais motes representam o
estilo de Thevet quanto à tentativa de familiarizar o leitor do século XVI às novas descobertas.
Vemos, então, que as crônicas dos viajantes são textos historiográficos ornados com os imaginários
clássicos e, sobretudo, medievais. O escritor italiano Carlo Ginzburg (2007, p. 32) afirma que no
século XVI, para alguns estudiosos da história, o ornato retórico, herdado da Antiguidade, ao lume
de Tucídides, poderia ser utilizado como mecanismo tanto para agradar, deleitar o leitor, quanto
para facilitar o processo cognoscível, desde, é claro, que o registro ficcional ficasse presentificado
no texto. Esta exigência quinhentista revela a necessidade de definir os limites entre ficção e
história, prenunciando a ruptura que ocorreria na segunda metade do século XVII “quando se
começou a analisar sistematicamente a diferença entre fontes primárias e fontes secundárias” (p.
24). Vejamos, por ilustração, o caso do discurso: o discurso direto num texto com vistas históricas
deveria ser marca do discurso ficcional. Este recurso seria utilizado como ornamento. Em
contrapartida, o discurso indireto provaria a veracidade do enunciado. A concepção da época
conectava estreitamente a História à retórica, o que permitia que a verdade fosse ornada com algum
acréscimo (p. 32). As constatações de Ginzburg, ligeiramente abordadas acima, levam-nos à
compreensão de que as referências ficcionais, encontradas na cronística de Thevet atenderam ao
mesmo parâmetro. Por referências ficcionais entendamos certas perspectivas sobre uma mesma
personagem representada atraente ou desdenhosamente, ou a apresentação de um dado cultural visto
ora como uma grandeza ampla, ora diminuta, ou a descrição fisiológica ou figurativa de um mesmo
animal etc. Além disso, o pensamento de Hayden White (2001, p. 114) sobre a relação entre ficção
e história enceta a presença de uma linguagem figurativa no relato histórico, cuja ocorrência se dá
pela necessidade de familiarizar o público sobre o estranho, considerando o emprego da linguagem
mais adequada (aptum). É claro que o ponto de vista do autor sobre determinado fato determinará a
escolha do gênero, “convencionalmente usado em nossa cultura” (p. 105), influenciando o leitor
quanto à construção do sentido. A linguagem figurativa é, na verdade, uma estratégia discursiva.
Dessa forma, o propósito deste trabalho é estudar n’A Cosmografia universal de André Thevet
aspectos como a Auctoritas, a argumentação e a representação, estratégias textuais utilizadas para
burilar o elemento estrangeiro, segundo a perspectiva eurocêntrica do século XVI.
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O IMAGINÁRIO BESTIÁRIO MEDIEVAL EM VIAGEM À TERRA DO BRASIL, DE JEAN
DE LÉRY, E A COSMOGRAFIA UNIVERSAL, DE ANDRÉ THEVET
Vanessa Gomes Franca – UFG/UEG
A colonização significou o renascimento do pensamento medieval e genesíaco, principalmente no
que se refere às figuralidades monstruosas. As crônicas de viagem, ao descreverem a paisagem, os
índios e os primeiros grupos sociais que habitaram a Terra Brasilis, serão responsáveis pela
divulgação da presença desses seres que estavam ainda tão arraigados à mentalidade da época.
Nessas narrativas, é comum encontrarmos raças monstruosas, animais fantásticos ou fabulosos ao
lado de aspectos exóticos e pitorescos do Novo Mundo. Assim, é a tradição bestiária medieval que
vai nortear o discurso cronístico. É nesse contexto que nosso trabalho se insere, constituindo numa
leitura dos livros Viagem à terra do Brasil, do calvinista Jean de Léry, e A cosmografia universal,
do frei franciscano André Thevet, para levantar traços da influência do pensamento medieval
bestiário no que concernem às descrições da fauna brasileira realizadas por eles. É interessante
ressaltar que tais cronistas franceses não foram apenas mais um compilador ou um copista das
histórias de viagem. Eles empreenderam a sua própria viagem e a apresentaram em suas narrativas.
Ambos construíram seus textos a partir da vivência que tiveram na França Antártica, colônia
francesa no Rio de Janeiro, fundada por Nicolas Durand de Villegagnon, cavaleiro de Malta, vicealmirante de Bretanha. Este parte para o Novo Mundo em maio de 1555, com alguns marinheiros e
artesãos, chegando somente em dezembro do mesmo ano. Depois de sua instalação, Villegagnon
escreve a Calvino pedindo que fossem enviadas pessoas que conhecessem a religião cristã, a fim de
divulgá-la entre os colonos que ali habitassem e igualmente aos selvagens. Desse modo,
inicialmente, protestantes e católicos vivem em harmonia. No entanto, Villegagnon não tarda a
contestar as crenças e a perseguir os calvinistas, o que os faz deixar a colônia e se mudar para uma
ilha próxima aos índios Tupinambás. Esse embate faz com que Thévet, em A cosmografia
universal, acuse os protestantes pelo fracasso da colônia de Villegagnon. Léry, em Viagem à terra
do Brasil, defendia os protestantes e acusava o cavaleiro de Malta. Tais obras, devido à herança da
Antiguidade e a dos bestiários medievais, foram o resultado da convivência num mesmo texto de
mitos, lendas, interpretações de cunho religioso e da presença de descrições de autores clássicos
como Cícero, Aristóteles, Plínio, o Velho. Desse modo, além de relatarem o que viram e ouviram,
característica das crônicas medievais, Jean de Léry e André Thevet fazem uso da auctoritas
formula, a fim de dar veracidade às suas descrições.
AS NOÇÕES ASTRONÔMICAS DOS TUPINAMBÁS: UM RETRATO MARAVILHADO
DE CLAUDE D’ABBEVILLE
Larissa Cardoso Beltrão – UFG
A cronística colonial, ao longo dos últimos anos, tem sido alvo dos estudos relacionados à literatura
de documentação da realidade das novas terras encontradas. De acordo com Fonseca (2011), a
cronística dos descobrimentos e da conquista da América coloca em cena uma série de questões
relacionadas à construção do imaginário. Os cronistas, ainda influenciados pela retórica medieval,
punham-se a registrar, em textos situados entre o real e o ficcional, o cotidiano dos nativos, de
forma a contemplar em seus escritos os mais variados assuntos, relacionados, por sua vez, ao
imaginário, tais como a natureza mítica, lendária e fabular. Em solo brasileiro são muitos os casos
de relatos dos viajantes sobre o Novo Mundo, portanto ao longo deste trabalho, destacaremos os
registros maravilhados de Claude D’Abbeville sobre as noções astronômicas dos índios tupinambás
que habitavam o estado do Maranhão. No dia 16 de julho de 1612, o padre capuchinho francês, em
uma expedição definida como uma segunda tentativa de colonização francesa, desembarcou nas
terras maranhenses, com a função de catequisar os índios tupinambás. Sua missão nas terras
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brasileiras lhe rendeu, no ano de 1614, a publicação de Histoire de la mission des pères capucins en
l’isle de Marignan et terres circonvoisines où est traicté des singularitez admirables & des moeurs
merveilleuses des indiens habitans de ce pais. Nessa obra, Claude D’Abbeville descreve, sob sua
perspectiva ideológica e europeia, as singularidades da cultura dos índios tupinambás maranhenses.
Ao assumir a condição de cronista, o frei lança um olhar de encantamento e flagra cenas que
representam o Brasil recém-descoberto ainda sob o signo da colonização. Claude D’Abbeville
consegue captar os índios tupinambás sobre diversos ângulos, declarando-se um admirador,
principalmente do modo com que os nativos lidavam com a astronomia. Portadores de grande
acuidade visual, conforme assinala o cronista, os tupinambás ocupavam-se da observação do céu.
Ainda de acordo com Claude D’Abbeville, já no século XV, os índios maranhenses não só
reconheciam a existência de outros planetas, como também lançavam mão das quatro estações do
ano. A partir da observância das rotas do sol, os tupinambás conseguiam separar a estação chuvosa
da estação seca, tomando como referência o tempo da colheita dos cajus. Tendo por base essa
perspectiva, ao longo deste trabalho, temos como objetivo principal refletir sobre as contribuições
dessas noções astronômicas dos tupinambás, colocadas em cena pelo cronista, para a construção do
imaginário cultural, com vistas a evidenciar a relação entre literatura e história, uma vez que a
literatura cronística mostra-se comprometida com o registro natural acerca do colonizado e com o
ideário e imaginário cultural do colonizador, este representado pela figura do próprio cronista.
IMAGINÁRIO E IDEOLOGIA NOS DIÁLOGOS DAS GRANDEZAS DO BRASIL DE
AMBRÓSIO FERNANDES BRANDÃO
Márcia Maria Melo Araújo – UEG
Especialmente no que diz respeito à visão da natureza e da gente nativa do Brasil Colonial, o ano de
1618 foi fundamental por registrar, em termos cronísticos, o potencial e a realidade da nova terra.
Nesse ano, data a primeira edição dos Diálogos das grandezas do Brasil, quando seu autor,
Ambrósio Fernandes Brandão, atuante senhor de engenho em Pernambuco e Paraíba, escreve
importantes informações sobre a fauna, a flora, os costumes locais e a vida dos moradores do Brasil
do século XVI. Acerca do conhecimento das terras, da sua natureza e dos seus habitantes, vários
cronistas escreveram, a partir dos seus pontos de vista ideológicos e imaginários, a respeito do
Novo Mundo. Entretanto há que se avaliar que a conquista da América se garantiu principalmente
em termos da construção de um discurso, em que aspectos do ideário do descobridor e do
conquistador demonstraram-se tão eficientes quanto as suas próprias ações. Uma questão, que
imediatamente se ressalta sobre esse ideário, é o problema da alteridade da realidade étnica e
antropológica dos gentios encontrados. A configuração dessa realidade seguia parâmetros
alocêntricos, na medida em que, da América, foram registradas percepções e informações filtradas
por uma mundividência europeia constituída por imagens idealizadas, nas quais a imaginação
muitas vezes tendia para o ideológico e o político, perdendo o seu caráter de faculdade lúdica.
Igualmente, ocorreu a experiência do conhecimento da tradicional orbis terrarum que, em princípio,
orientou a visão europeia da América. Segundo Fonseca (2011), essa ideia da configuração do
mundo fazia parte da compreensão medieval de que a distribuição das partes sólidas e líquidas do
globo consistia numa proporção que tornava a extensão das terras habitáveis menor que sua
contraparte líquida. A relação entre o estranho e o não familiar americanos e o “mesmo” europeu,
resultante dessa comparação analógica, resumia-se, portanto, na ideia redutora de que a América
seria tudo aquilo que positivamente não fosse europeu. Esse processo de identificação negativa é
comumente encontrado nas afirmações de muitos cronistas mundonovistas, os quais, pautados em
sua experiência etnocêntrica e cristianizada, afirmavam que os indígenas não tinham organização
social, política, econômica e religiosa; enfim, que nada possuíam que pudesse identificar a
realização racional e cultural do ser humano. Nesse sentido, Brandônio, nos Diálogos das
grandezas do Brasil, ao ser comentado acerca da adoração dos indígenas brasileiros ao diabo e
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sobre a ausência entre eles de um sistema de crença mais organizado, afirma num discurso indireto
que o gentio do Brasil carecia, na sua língua, de três letras: F, L, R, ou seja, que não têm fé, lei, nem
rei (Brandão, 1930). Com interesses essencialmente voltados para a exploração material e política
das terras brasileiras, os Diálogos das grandezas do Brasil, de Brandão, ao classificarem a imensa
variedade de animais da colônia, segundo sua distribuição pelos elementos cósmicos (ar, fogo, água
e terra), embora não apresentem marcas mais visíveis de consideração teológica, ainda refletiam
aquela mesma atitude da cultura bestiária de encontrar-se em estado de um constante maravilhar-se
frente à natureza e ao mundo. Assim, o objetivo deste trabalho é investigar, por meio do discurso
presente nos Diálogos das grandezas do Brasil, o enfoque da influência do imaginário e da
ideologia que embasou o tratamento desse discurso.
SIMÃO DE VASCONCELOS: “CRONISTA TARDIO” DO DESCOBRIMENTO E DA
COLONIZAÇÃO DO BRASIL
Ruth de Fátima Oliveira Tavares – UEG
O presente artigo trata dos aspectos simbólicos, figurativos, ideológicos e pragmáticos do
imaginário medieval presentes na cronística do descobrimento e colonização do Brasil,
exclusivamente da tradição literária europeia, denominada bestiários – livros de ciência natural que
apresentavam um repertório de alegorias cristãs, moralizantes e pedagógicas – e, especificamente,
na obra Notícias curiosas e necessárias das coisas do Brasil (1663), do padre jesuíta Simão de
Vasconcelos. Para tanto, utilizar-se-á o método analítico e crítico-comparativo a fim de identificar
os modos, os recursos e as estratégias narrativas de representação que deram forma a esse ideário, e,
examinar como formas e motivos do imaginário cultural europeu contribuíram para as ideias e
construções mentais, formando um conjunto norteador – espiritual e material – para a efetiva
colonização da Terra Brasilis e dos seus primeiros habitantes, os brasilíndios. Vale ressaltar que a
literatura religiosa do século XVII, baseada nas preocupações da Contra Reforma e na política de
conquista e evangelização de novas terras, caracterizou-se pela ampliação de escritos moralizantes
de fundo religioso. A Contra Reforma, enquanto movimento de reação ao protestantismo e de
renovação da Igreja Católica, colocou os padres da Companhia de Jesus na linha de frente com a
missão de combater o protestantismo, reafirmar os dogmas católicos e converter ao catolicismo os
povos dos continentes recém-descobertos por meio da educação. A maior parte daquela produção
literária tem caráter pedagógico: exemplo de comportamento religioso, espiritual e social para o
público-leitor. Os escritos de Padre Simão Vasconcelos enquadram-se nesse modelo de literatura e
são fontes para a compreensão da mentalidade e cultura intelectual do período colonial brasileiro.
Além dos discursos religiosos e dos temas da Companhia de Jesus, tratados em seus escritos, sua
descrição acerca das paisagens brasílicas e a relação entre colonos, indígenas e missionários
permite uma visão do pensamento dominante nos primeiros séculos da colonização portuguesa no
Brasil.
PARAÍSO E INFERNO NO BRASIL DOS VIAJANTES
Francisco Ferreira de Lima – UEFS
Os viajantes, desde os primeiros que aqui aportaram, moldaram significativamente a maneira de o
Brasil ver-se a si mesmo, responsáveis que foram pela fundação do que bem se poderia chamar uma
imagolatria brasileira. Deslumbrados pela exuberância tropical, cujo verde perene de um lado, e a
nudez do nativo, de outro, faziam outra vez muito próximo o paraíso terreal, de que nunca tinham
perdido a esperança de encontrar; deslumbrados ainda por coisas menos transcendentais, como a
possível presença de ouro e prata, que – acreditavam – deveriam jorrar aos borbotões de terras tão
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viçosas, os viajantes, a partir de Caminha, construíram um Brasil paradisíaco que excedia a tudo até
então conhecido. Os termos utilizados para descrever terra tão promissora confinam todos com a
hipérbole, quando não a ultrapassam, e formam as matrizes através das quais nos habituamos a
encarar o “impávido colosso” com familiar naturalidade. Apesar de predominante, tais imagens do
Brasil não são únicas. Em menor grau, rivalizam com elas um outro conjunto que aproxima o Brasil
dos mundos infernais. Não é só o calor dos trópicos que o faz uma espécie de sucursal do inferno,
mas todos os tipos de “imundicías”, como as chamou Gabriel Soares de Sousa: bichos de todos os
tipos, dos insetos praticamente invisíveis aos monstros ferozes, reais e imaginários; plantas
daninhas que a tudo sufocam e, pior que tudo, os nativos, verdadeira “praga”, a lembrar com suas
“práticas bestiais” e falas “toscas” uma escala da evolução do homem que se pensava
definitivamente ultrapassada. Mapear alguma dessas imagens em Pero de Magalhães de Gandavo,
Gabriel Soares de Sousa e Ambrósio Fernandes Brandão é a meta deste trabalho.
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SIMPÓSIO 7
LÉXICO E CULTURA NO ENSINO DE PORTUGUÊS
LÍNGUA MATERNA E ESTRANGEIRA
Ensinar língua é guiar o aprendiz à emancipação comunicativa. Isso vale para língua materna e
estrangeira, cujo ensino deve ultrapassar as informações sobre o funcionamento do idioma e
considerar a língua no contexto sócio-histórico a que ela pertence, encarando a representação
ideológica em fluxo contínuo. Adotando essa perspectiva teórica, este simpósio elege dois temas
para discutir o ensino de português língua materna (PLM) e português língua estrangeira (PLE): o
léxico e a cultura. Por meio do léxico, tradução verbal da cultura, pode-se compreender o universo
de discurso em que se insere o texto, assim como atingir os aspectos ideológicos envolvidos.
Percebe-se a intenção dos interlocutores; verifica-se a construção de campos léxico-semânticos;
nota-se como ocorre a relação entre os elementos conceituais, que apresentam características
objetivas da realidade, e os elementos afetivos, que obrigam considerar as posições dos
enunciadores. Entende-se que para se segmentar o todo em suas partes constitutivas - as unidades
léxicas - há que se considerar a articulação e o significado globais do enunciado e os componentes
da situação comunicativa, como o contexto e a identidade dos sujeitos enunciadores. Já o ensino da
cultura justifica-se pela necessidade de buscar formas adequadas de trabalhar esse tema para o
crescente número de estrangeiros matriculados nas instituições brasileiras. As viagens educacionais
no exterior, originadas no início do século XX, têm se multiplicado com os programas de incentivo
a intercâmbios que integram o processo de internacionalização das universidades. O objetivo,
portanto, é analisar as manifestações do léxico e da cultura em diferentes discursos – literatura,
publicidade, canção, imprensa e nas diversas práticas comunicativas diárias – e questionar como
integrar as abordagens teóricas às práticas pedagógicas, de forma que o nativo possa explorar o
universo lexical da língua materna e o estrangeiro possa transitar na nova cultura com menos
estranhamento e mais integração.
COORDENAÇÃO
Maria Helena da Nóbrega
Universidade de São Paulo
[email protected]
Elis de Almeida Cardoso
Universidade de São Paulo
[email protected]
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ÔNUS E BÔNUS DA INTERNACIONALIZAÇÃO DAS UNIVERSIDADES
Maria Helena da Nóbrega – USP
As viagens educacionais no exterior, originadas no início do século XX (SCHAUER, 2009), têm se
intensificado com os programas de incentivo a intercâmbios estudantis que integram o processo de
internacionalização das universidades. A posição promissora do Brasil entre as economias mundiais
faz crescer o número de estudantes estrangeiros nas universidades brasileiras, tanto na graduação
como na pós-graduação. Apesar dos aspectos positivos, como a troca de informações científicas e a
formação de profissionais aptos a atuar em mercados culturais diversos e em constante
transformação, a internacionalização educacional vem sendo criticada por ancorar-se em princípios
econômicos em detrimento da qualidade acadêmica (KIM, 2009; MOROSINI, 2006). Tais críticas
justificam a necessidade de se reforçar as pesquisas sobre esse tema, em várias perspectivas. O viés
aqui delimitado focaliza as mudanças necessárias no ambiente acadêmico e pedagógico, de forma a
aprimorar os benefícios para ambos: a universidade receptora e o intercambista. Vindos de
diferentes países, os alunos estrangeiros possuem educação formal e experiências culturais
concretas. Isso cria um ambiente de acentuada diversidade multicultural e plurilíngue que altera as
práticas linguístico-discursivas e repele posturas etnocêntricas. Nesse cenário cada vez mais
rotineiro, a permanência dos estudantes estrangeiros requer nova configuração das universidades.
Esta comunicação investiga as demandas desse novo contexto acadêmico, tendo em conta a
orientação intercultural (BYRAM, 1989; KRAMSCH, 1998; RISAGER, 2007; SANTOS,
ALVAREZ, 2010) e a pedagogia das línguas (FURTOSO, 2009; BERTOLDO, 2009). O objetivo é
orientar o acolhimento dos estrangeiros, a atração de novos interessados e a sustentabilidade do
processo integral de internacionalização. Os resultados apontam que a recepção produtiva dos
estrangeiros precisa envolver todos os atores que integram a agência de ensino alunos, professores,
funcionários e demais pessoas da comunidade acadêmica, além de requerer atualização da
infraestrutura, com destaque para a tecnologia disponível no campus e em sala de aula. Outro
aspecto importante da integração relaciona-se ao oferecimento de cursos de português para falantes
de outras línguas (PFOL), pois, para participar ativamente da vida estudantil e social, os
estrangeiros buscam aprender ou aperfeiçoar o conhecimento do idioma e da cultura do país
receptor. Esses cursos necessitam de práticas pedagógicas adequadas à heterogeneidade das turmas,
que não se restringe apenas a diferentes níveis de proficiência linguística, já que várias outras
diversidades criam espaços de instabilidade: os alunos vêm de diferentes culturas, têm necessidades,
motivações culturais e pessoais distintas na aprendizagem do português, além de vivenciar o choque
cultural de maneira singular. Como até mesmo a percepção do papel do professor é culturalmente
marcada (HATHAWAY, 2007), os entraves acentuam-se devido ao tratamento escasso dado ao
componente cultural nas aulas de PFOL, às vezes erroneamente apresentado por meio de
informações enciclopédicas e estereotipadas. Nesse caso, a solução é investir na formação de
professores interculturalistas (SERRANI, 2010), aptos a integrar o cultural e o linguístico.
Superados os ônus, a conclusão mostra os bônus da internacionalização, tanto para a instituição
receptora, zelosa da imagem educacional que propaga, quanto para o estrangeiro, encorajado a
vivenciar práticas relacionais que possibilitam a almejada construção identitária na cultura alvo.
LÉXICO, CULTURA E IDEOLOGIA: AS ESCOLHAS LEXICAIS NO DISCURSO
LITERÁRIO
Elis de Almeida Cardoso – USP
Levando em consideração a significação e o valor das palavras nocionais selecionadas por um
autor, bem como a expressividade das redes semânticas, o presente trabalho tem por objetivo
verificar de que forma as escolhas lexicais revelam aspectos culturais e ideológicos, uma vez que é
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por meio do léxico, tradução verbal da cultura, que se pode compreender o universo de discurso em
que se insere o texto. A análise será feita levando-se em consideração os pressupostos teóricos da
Estilística Léxica, que tem como objetivo analisar a escolha feita pelo enunciador, dentre os
elementos linguísticos disponíveis, verificando-se de que maneira se consegue com ela efeitos
estéticos e expressividade e, sobretudo, tentando-se chegar à intenção do enunciador por meio do
estilo encontrado em seu texto. Cabe à Estilística Léxica verificar a expressividade obtida com a
escolha das palavras, seja por sua flexão, por sua formação, por sua classificação, pelo seu
significado no contexto. Essa escolha, entretanto, tem algumas limitações que, segundo Cressot,
ocorrem por causa não só de fatores linguísticos, quanto de fatores psicológicos e sociais.
Utilizando o material linguístico de que dispõe, o enunciador faz, então, uma seleção lexical que
varia de acordo com o gênero do texto, com o tipo de público e com a situação da enunciação.
Segundo Guiraud, “estilo é o aspecto do enunciado que resulta de uma escolha dos meios de
expressão, determinada pela natureza e pelas intenções do indivíduo que fala ou escreve”. Tomando
como base a definição de Guiraud, pode-se afirmar que por trás de uma escolha existe sempre uma
intenção e, dependendo de sua intenção, esse indivíduo que produz o texto pode criar um ou outro
efeito de sentido. Embora o conjunto lexical de uma língua seja “patrimônio da comunidade
linguística” (BIDERMAN), são os usuários que criam, conservam e modificam o vocabulário. A
escolha lexical usada na elaboração de um texto diz muito sobre as intenções comunicativas de
quem o produziu e de seu papel na sociedade. As palavras selecionadas podem revelar valores
ideológicos, retratar o conjunto da experiência humana acumulada, assim como práticas sociais e
culturais, já que é no léxico que se veem representadas, de forma mais objetiva, as visões de mundo
dos sujeitos participantes da prática discursiva. Para Brait, a análise dos elementos persuasivos do
discurso deve levar em conta “os traços que permitem reconhecer uma certa intenção do
enunciador, os efeitos de sentido visados pelo texto, pelo discurso produzido por esse enunciador e
pelo locutor ou locutores por ele instituídos, e a manipulação que o enunciador pretende exercer
sobre aquele a que o discurso se destina”. Pretende-se mostrar, então, que por meio dessas escolhas,
que devem ser levadas em consideração quando um texto literário for trabalhado em sala de aula, é
possível perceber não só a visão de mundo do enunciador como também outros elementos da
situação da enunciação tais como tempo, lugar, etc.
AS COMBINATÓRIAS LEXICAIS ENTRE OS NEOLOGISMOS DO PORTUGUÊS
BRASILEIRO: UMA REFLEXÃO PEDAGÓGICA
Aline Luiza da Cunha – UFMG
Por muito tempo o ensino do léxico, no âmbito do ensino de língua materna, ficou em segundo
plano, enquanto o relevo era dado ao ensino da gramática normativa. No contexto atual da educação
básica no Brasil, muito se tem discutido sobre o lugar do léxico e sua relevância para o ensino de
português como língua materna. Com pesquisas no âmbito da variação linguística e da
sociolinguística, o léxico passou a ser percebido, pelo menos em tese, com certa importância no
contexto de ensino/aprendizagem de língua portuguesa. Este trabalho tem como objetivo central
trazer reflexões sobre o ensino do léxico, a partir do trabalho com as combinatórias lexicais,
discutindo principalmente o léxico como elemento fundamental para o desenvolvimento da
competência comunicativa. As combinatórias lexicais – itens lexicais formados por dois ou mais
elementos lexicais – recebem, pelo que se pode ver em nossos livros didáticos de português, pouca
atenção na sala da aula de língua portuguesa. Por este motivo, adotamos como marco teórico deste
trabalho a abordagem lexical (Lexical Approach) de Lewis (1993 e 1997), na qual as combinatórias
lexicais se tornam o ponto central do ensino do léxico. Embora a abordagem lexical tenha sido
proposta para o ensino/aprendizagem de inglês como língua estrangeira (LE), discutiremos neste
trabalho pontos importantes dessa abordagem e suas implicações para o ensino de português com
língua materna. Ao discutir a abordagem lexical é preciso levar em consideração alguns princípios
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teóricos relacionados ao ensino. Um princípio fundamental para a abordagem lexical é a
coocorrência de palavras (colocação), que se revela como um princípio organizador muito útil.
Nesse sentido, o fato de as palavras “andarem juntas” deve ser utilizado para orientar práticas de
ensino do léxico, nas quais para Lewis (1993), o importante não é a quantidade de unidades
lexicais, mas sim o tipo de unidades a ser trabalhado. O corpus utilizado aqui, composto por
combinatórias lexicais do português, faz parte da base de dados do projeto “Observatório de
neologismos na publicidade impressa: aplicação ao desenvolvimento da competência lexical”, em
andamento, e do qual participamos como colaboradora. Este projeto tem por objetivo coletar
unidades lexicais neológicas de textos publicitários impressos, veiculados pelas revistas noticiosas
Veja, IstoÉ e Época, em edições de 2006 a 2010. Para a nossa abordagem, no que diz respeito à
aplicação do corpus ao desenvolvimento de competências linguísticas, adotaremos como referencial
teórico Ferraz (2008). Em face do exposto, esperamos com este trabalho contribuir para uma visão
de um ensino centrado no léxico e, além disso, um ensino preocupado em cumprir o papel
fundamental de formar usuários linguisticamente competentes para atuar em diferentes situações de
interação comunicativa.
O LUGAR DO LÉXICO NO LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS: ANÁLISE DE UMA
COLEÇÃO DO ENSINO FUNDAMENTAL II
Ana Flávia Torquetti Domingues Cruz – UFMG
Considerando a competência lexical como a capacidade de explorar os diversos usos de uma
palavra, isto é, saber reconhecer uma unidade lexical, a sua pronúncia, sua estruturação
morfológica, o significado desse item em seus diversos contextos, bem como saber relacionar tal
unidade léxica com outras unidades, compreendemos que um estudo adequado e aprofundado do
léxico permite ao aluno adquirir um nível de conhecimento satisfatório, no que diz respeito ao
léxico de sua língua. Este trabalho, nascido no âmbito de uma pesquisa de mestrado em andamento
na Faculdade de Letras da UFMG, é resultado da análise de algumas coleções de livros didáticos de
português (LDP), numa avaliação do tratamento dado ao léxico, considerando especialmente o
desenvolvimento da competência lexical. Nosso objetivo, com este trabalho, é apresentar aqui os
resultados da análise empreendida, referentes apenas ao volume do nono ano da Coleção
Linguagem: criação e interação (2011), de autoria de Cassia Garcia de Souza e Márcia Paganini
Cavéquia. Nossa análise consistiu, portanto, em verificar no LDP supracitado a metodologia usada
no trato com os conteúdos lexicais. Foi observado, por exemplo, se os exercícios e estudos sobre o
léxico são contextualizados, isto é, dado um tema como a sinonímia, como se configura sua
abordagem no LDP? Tal abordagem é feita a partir de um texto ou de palavras isoladas? No livro
analisado, cada unidade está dividida em diversas seções. Assim, as que mais nos interessaram,
devido ao nosso objetivo, foram as de “Estudo do texto” e “Ampliação de vocabulário”. É
importante ressaltar que apesar de nos determos mais nessas seções, tentamos analisar o livro como
um todo, no que diz respeito à abordagem que este faz em relação ao léxico. Observamos, assim, os
exercícios que trabalham o léxico e como eles o trabalham e, ainda, quais são os conteúdos e as
estratégias utilizadas neste trabalho com o léxico. Como fundamentação teórica, este trabalho se
apoia em importantes textos teóricos como os de Ilari (1986), cuja abordagem desenvolve aspectos
importantes sobre o ensino do vocabulário, Kleiman (1996), que trata especificamente do ensino do
léxico através da leitura, e Ferraz (2008) no que diz respeito ao desenvolvimento da competência
lexical.
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NEOLOGISMOS LEXICAIS DE CARÁTER DENOMINATIVO: DESCRIÇÃO E ENSINO
Aderlande Pereira Ferraz – UFMG
Uma das principais críticas ao ensino de Português, notadamente no que concerne à aquisição
lexical, está no fato de que, tradicionalmente, o material didático usado não é o autêntico, e por isso
não se privilegia o ensino de palavras a partir das efetivas manifestações discursivas.
Indubitavelmente, o objetivo maior do ensino de língua materna é a formação de usuários
competentes da língua, que desenvolvam a capacidade de escolha do registro que vão utilizar em
função do interlocutor, do ambiente, do momento ou do contexto sociocultural, no qual se
encontrem inseridos. Com isso, claro está que a capacidade de utilizar um ou outro registro também
significa a capacidade de usar itens lexicais apropriados. A palavra presente nos discursos, em
alguns casos monossêmica, revela-se quase sempre polissêmica, capaz de abrigar vários sentidos e
conotar esquemas semanticamente diversos. Como unidade do léxico de uma língua, a palavra nova
é criada, na maior parte das vezes, a partir da necessidade, expressa pelos falantes, de interação com
o universo sociocultural. É nesse contexto que se procura aqui observar a produção de textos,
especialmente os anúncios, em manifestação no discurso publicitário. Com a linguagem da
publicidade, assiste-se a uma grande manifestação de criação lexical no português do Brasil. O
objetivo central deste trabalho é apresentar alguns aspectos do processo de nomeação desencadeado
pelas palavras neológicas, presentes no discurso publicitário impresso em circulação no Brasil,
numa abordagem voltada para o ensino do léxico. Em tal discurso, a palavra neológica,
especialmente o substantivo, pode, no processo de nomeação, promover significações para além da
simples designação, envolvendo o receptor (em geral o virtual consumidor) com ideias que se
relacionam a atitudes, aparências e comportamentos dos respectivos nomeados. É também objetivo
deste trabalho discutir alguns aspectos importantes relacionados à metodologia de ensino do léxico,
no âmbito da sala de aula de língua portuguesa, a partir do estudo da neologia lexical. Dessa forma,
pretende-se mostrar que o ensino do léxico pode contar com a utilização de material didático
autêntico, dando ênfase aos contextos de uso, no desenvolvimento da competência lexical. Como
material didático autêntico, considera-se o corpus de uma pesquisa em andamento, que se constitui
de neologismos lexicais colhidos da linguagem publicitária impressa. A metodologia utilizada parte
da extração de neologismos lexicais (GULBERT, 1975; BOULANGER, 1989; ALVES, 1990;
FERRAZ, 2006), por meio da qual se organizou o Observatório de Neologia do Português na
Publicidade Impressa, em andamento na FALE/UFMG, e do qual se utiliza aqui parte do banco de
neologismos extraídos de textos publicitários, veiculados pelas revistas Veja, Istoé e Época, em
edições a partir de 2005, dando especial destaque ao caráter nomeador da palavra neológica.
ESTUDO DO LÉXICO EM SALA DE AULA: A NEOLOGIA SEMÂNTICA
Élida Ferreira Martins – UFMG
Neste trabalho, pretendemos abordar um aspecto do léxico do português que diz respeito aos
processos de inovação lexical, especificamente os neologismos semânticos. Como neologismo
semântico, estamos considerando aqui o item lexical novo resultante de uma transformação de
significado, no qual não houve mudança na forma. Essa transformação pode resultar de variados
fatores, dentre eles a variação do contexto de uso da unidade. Estamos considerando a ideia de que
o uso de uma palavra não só confirma, mas principalmente determina seu significado, e a hipótese
de que o contexto de uso de uma unidade lexical, quando diversificado, leva à formação de nova(s)
unidade(s), através da implementação de novo(s) significado(s) à forma existente. No nosso
trabalho, enfocamos as variações de significado que um item pode assumir por meio da exploração
dos contextos de ocorrência e as consequentes implicações desse trabalho para o ensino de língua
materna no Brasil. Partimos de um corpus da publicidade, pertencente a um projeto de pesquisa em
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andamento na Faculdade de Letras da UFMG, de nome “Desenvolvimento do observatório de
neologismos na publicidade impressa: produtividade e competência lexical em português”. Esse
corpus reúne considerável número de unidades léxicas neológicas coletadas em textos publicitários
das revistas Veja, IstoÉ e Época, no período de janeiro de 2001 a dezembro de 2010. Pretendemos
explorar as características de significado de itens lexicais selecionados desse corpus, em função do
contexto em que os mesmos ocorrem, procurando pensar numa aplicação dessas reflexões ao ensino
de português (Ensino Fundamental II). Pretendemos explorar a utilização didática dos neologismos
semânticos, enfocando os vários usos dos itens lexicais de modo a observar como estes contribuem
para o significado global dos textos, ajudando na construção da coerência, e mostrando como o
contexto pode oferecer pistas para a apreensão de significados de itens desconhecidos. Os textos
publicitários, que têm por objetivo promover a divulgação de marcas, produtos, serviços etc., têm
por características a atualidade, a criatividade e a originalidade de sua linguagem e são, por isso
mesmo, bons instrumentos de veiculação de neologismos. Além disso, os aspectos destacados da
linguagem publicitária fazem com que a mesma também se aproxime da linguagem comumente
usada pelos alunos, o que favorece sua utilização em sala de aula. O trato com o texto publicitário
nos permite explorar, entre outras, as variações estilísticas que um item pode sofrer em decorrência
do objetivo almejado pelo texto. Nossa fundamentação teórica se apoia em Guilbert (1975) e Alves
(1990), na conceituação de neologia e neologismo, em Ferraz (2006), no que diz respeito à análise
do corpus, e em Antunes (2006), no que concerne ao ensino de língua portuguesa.
O VALOR PERSUASIVO DAS FORMAS NOMINAIS ANAFÓRICAS NA CONSTRUÇÃO
DE TEXTOS DA ORDEM DO ARGUMENTAR: UMA ABORDAGEM
SOCIOCOGNITIVO-DISCURSIVA NO ENSINO DO LÉXICO
Maria Bernadete Rehfeld – UFMG
No estudo do léxico, nosso interesse centra-se nas relações de sentido entre as palavras, ou seja, nas
relações que elas estabelecem umas com as outras, compondo cadeias anafóricas no texto ou,
conforme Bronckart (2009), na coesão nominal. Esse interesse deve-se ao fato de que esta
desempenha funções sociocognitivo-discursivas de grande relevância na construção textual. Uma
dessas funções é a de imprimir orientações argumentativas aos enunciados. Isso significa que as
escolhas lexicais nominais, feitas pelo produtor, têm valor avaliativo e, portanto, persuasivo, pois
direcionam o leitor para determinadas conclusões. São cruciais para a construção do sentido
pretendido por aquele, porque revelam seu ponto de vista acerca do objeto-de-discurso. Além disso,
estudos, como o de Bronckart (2009), apontam uma relação entre as formas nominais anafóricas e a
tipologia textual. Conforme o autor, elas são nitidamente as mais frequentes nos textos teóricos
opinativos, ou os da ordem do argumentar, como os chamamos aqui. Portanto, não se trata
simplesmente de substituir uma palavra por outra, mas de escolher aquela mais adequada aos
propósitos comunicativos do produtor, uma vez que, a cada retomada, ele acrescenta novas
instruções de sentido ao termo anterior, reformulando-o no curso do texto, segundo suas intenções.
Sob essa ótica, este trabalho tem como objeto de estudo a coesão nominal na construção de textos
empíricos escritos da ordem do argumentar, produzidos por alunos concluintes do Ensino Médio.
Nele, apoiamo-nos nos pressupostos teórico-metodológicos de Koch et al. (1998, 1999, 2005 e
2009), Bronckart (2009), Biderman (1998) e Antunes (2012) e adotamos a concepção
sociointeracionista de língua/linguagem e texto. Nesse enfoque, a língua não é vista mais apenas por
seus elementos internos (os subsistemas fonológico, morfológico, sintático e semântico), mas na sua
relação com fatores de natureza pragmática, tais como as condições de produção do texto; este
como um evento comunicativo em que convergem ações linguísticas, sociais e cognitivas, cujo
sentido não é dado de antemão, mas construído pelo produtor e por seu leitor durante a interação
verbal. O interesse pelo estudo da coesão nominal deve-se ao tratamento marginal que o léxico tem
recebido no ensino da língua materna, em que ele ainda é abordado como lista de palavras,
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estudadas de forma isolada e, portanto, apartadas de seu contexto de uso. Propomos o
redimensionamento do ensino do léxico pela via do desenvolvimento da competência lexical dos
alunos. Sob esse ponto de vista, o léxico é concebido como um conjunto de itens e regras que
permitem aos usuários não só analisar e interpretar as unidades lexicais já existentes, mas também
formar e entender novas unidades. Cabe ao professor propor atividades que levem os estudantes ao
domínio do léxico a fim de que eles possam fazer uso desse conhecimento para ler e produzir textos
com eficiência e autonomia.
A IMPORTÂNCIA DA PALAVRA (LINGUAGEM VERBAL) EM VIDAS SECAS
Maria da Graça de Souza – USP
Este trabalho é parte de um estudo mais amplo acerca da obra “Vidas secas” de Graciliano Ramos,
cujo objetivo é verificar a expressividade das escolhas lexicais que dão ao contexto expressividade e
revelam a visão de mundo das personagens. Neste estudo, temos por objetivo analisar, na referida
obra, a importância que o autor atribui à palavra – linguagem verbal. Para isso, o presente trabalho
está fundamentado na Estilística da Enunciação que se ocupa, segundo Martins (1989), da relação
entre protagonistas do discurso: locutor, interlocutor, referente. Assim, se no discurso dá-se mais
ênfase ao locutor, tem-se o estilo emotivo; se o locutor dá especial relevo ao referente, tem-se o
estilo avaliativo; entretanto, se o locutor se inclina para a avaliação da verdade do enunciado, temse o estilo modalizante. A Linguística/Estilística da enunciação tem o seu interesse voltado para o
nível de subjetividade do discurso. Como sabemos, a linguagem é marcada pela subjetividade,
porém, essa subjetividade se apresenta em níveis diferentes, que se podem representar por um eixo,
cujos extremos, de subjetividade e objetividade máximas, não podem ser precisamente
determinados. O enunciado mais objetivo é decorrente do esforço do locutor em usar a razão para
dominar o pessoal e atingir o geral, o universal, ocorrendo nesse caso uma redução da subjetividade.
A intertextualidade é um dos assuntos que têm sido tratados pela linguística/estilística da
enunciação, em que se tem buscado analisar os vários tipos de discurso − direto, direto livre,
indireto, indireto livre − usados para transcrever a exteriorização dos pensamentos das personagens.
Nesse sentido, os verbos de elocução que aparecem tanto no discurso direto quanto no indireto
possuem grande valor estilístico, uma vez que ao ligarem enunciados de diferentes enunciações
apresentam grande riqueza de traços semânticos, possibilitando a expressão de incontáveis
particularidades da comunicação e do enunciado. Outra marca de subjetividade é a avaliação que
pode se manifestar em graus variáveis: avaliação quantitativa, modalizadora, apreciativa ou
axiológica. Sabemos que a obra Vidas Secas trata de uma família de retirantes nordestinos que foge
da seca em condições sub-humanas e, devido à agressividade do meio, à subcondição de vida, as
personagens vão passando por um processo de “animalização”, vivendo num mundo mais de
sensações e reações instintivas. Contudo, as vidas secas dessas personagens não decorrem somente
dos mencionados fatores, mas também da falta de conhecimento sistematizado, de saber usar a
linguagem verbal com proficiência. Na obra, a ênfase dada pelo autor à linguagem verbal é
reiterada, tanto pela voz do narrador, quanto pela voz das personagens, marcada no enunciado, na
maioria das vezes pelo discurso indireto livre, uma vez que esse tipo de discurso possibilita que o
narrador apresente com maior profundidade o mundo interior das personagens: seus estados
emotivos, devaneios, reflexões, perturbações alucinatórias, autoanálise e; além disso, como as
personagens são analfabetas e não sabem usar a linguagem verbal culta como forma de
representação da realidade, o discurso indireto livre é o recurso que possibilita, com maior
verossimilhança, a exteriorização dos pensamentos delas. Ao ressaltar a importância da linguagem,
Graciliano Ramos se mostra extremamente consciente de que − conforme Gusdorf (1995) − a
palavra é o grande marco que separa o homem do animal, pois o advento da palavra manifesta a
soberania do homem que já não vive num mundo regido por instintos, mas num universo de
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designações e de ideias e; a linguagem condensa em si própria a capacidade humana que permite a
explicitação dos pensamentos pela explicitação das coisas.
ENSINO DE LÍNGUA E INTERCULTURALIDADE DO LÉXICO: UM OLHAR NA
LITERATURA E NA PUBLICIDADE
Rosimar de Fátima Schinelo – FATEC
Maria Cristina Parreira da Silva – UNESP
O ensino de língua, seja ela materna ou estrangeira, deve ser ancorado em aspectos inerentes à
própria construção da linguagem: léxico, cultura e ideologia. A partir desse pressuposto, o trabalho
com diferentes linguagens no ensino possibilita aos aprendizes vivenciar a experiência
comunicativa em diferentes segmentos textuais. A publicidade e a literatura têm fatores comuns nas
estratégias de construção de sentidos, dentre eles a escolha lapidada do léxico, o uso da linguagem
conotativa e de discursos que, materializados em textos publicitários ou literários, exigem
conhecimentos interdiscursivos do 'leitor' para que os sentidos se constituam. Muitas vezes, nesses
espaços de construção de significados, as linguagens interagem-se, promovendo uma
intertextualidade e/ou interdiscursividade que só pode ser apreendida por um leitor específico, que
lê a partir de uma memória discursiva constituída nos entremeios da história e que deve ser
considerada no ensino de línguas. Nesta comunicação, pretende-se analisar uma publicidade de
creme hidratante de Anna Pegova e trechos da obra de Graciliano Ramos – Vidas Secas e, também,
destacar a relevância desse olhar para o estudante de língua. Os discursos evidenciados nos textos
permitem uma leitura de formações ideológicas e discursivas que marcam a inversão da imagem, ou
seja, a “hidratação” sugerida na publicidade é o não espelhamento da “seca” abordada no texto
literário. O contraste de ideias e ideais desses dois contextos trazem indícios de questões sóciohistórico-culturais submersas em determinadas sociedades, no caso Brasil e França. Para tanto, a
análise do léxico, seguida da identificação de alguns discursos, apontam aspectos que permeiam a
interação entre língua, cultura e ideologia. O diálogo estabelecido entre o texto verbo-visual da
publicidade e o verbal-literário permite, ao leitor, identificar uma voz que traz consigo ecos
histórico-ideológicos e que instaura uma autoria polifônica, abrindo frestas para leituras
multiculturais. Quanto às questões lexicais, os vocábulos de uma língua têm um histórico de uso
que carregam significados anteriores e, ao mesmo tempo, são atualizados em diferentes discursos
com significados adequados para aquele contexto. Em textos publicitários e literários, o leitor pode
se deparar com essa dicotomia: os velhos sentidos usados de maneira nova ou novos sentidos
usados de maneira velha. São textos que trazem à superfície o processo de (re)significação. Nos
dizeres de Bakhtin (2000) Não há nada morto de maneira absoluta. Todo sentido festejará um dia
seu renascimento. No texto da propaganda, as unidades lexicais específicas alcançam um nível
terminológico, o que dá um tom de autoridade e competência ao produto. O fato de a publicidade
ter unidades lexicais em língua francesa não prejudica a compreensão dos sentidos que são
identificados facilmente e este dado é também significativo, pois culturalmente os franceses são
reputados pela qualidade de seus produtos de beleza. Já em Vidas Secas, é a ausência dos vocábulos
“sofisticados” e o terreno seco expresso na linguagem verbal que darão os significados aos silêncios
de Fabiano. O ensino de línguas por esses caminhos múltiplos promove um aprendizado que vai
muito além de informações sobre o funcionamento de um idioma e possibilita ao estudante
vivenciar o uso da língua em seu movimento diário.
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NEOLOGISMOS SEMÂNTICOS E O PREFIXO DES- EM CRIAÇÕES LEXICAIS DE
MANOEL DE BARROS
Ariadne Mattos Olímpio – USP
O trabalho, baseado nos postulados da Estilística da palavra (a parte da Estilística que se detém na
escolha e na formação de palavras e nos seus efeitos estéticos), pretende mostrar, por meio de
criações lexicais, encontradas em poemas de Manoel de Barros, não só a polissemia do prefixo desquando se junta a bases verbais, adjetivais e substantivais como também os neologismos
semânticos. Segundo Martins (1997), “A Estilística léxica ou da palavra estuda os aspectos
expressivos das palavras ligados aos seus componentes semânticos e morfológicos, os quais,
entretanto, não podem ser separados dos aspectos sintáticos e contextuais” (p.71). Partindo do
material linguístico de poemas de Manoel de Barros, mostrarei de que maneira esse autor aproveitase das virtualidades do sistema para manifestar sua criatividade, ou seja, quais são os processos
envolvidos nessas criações e quais são os efeitos estilísticos e os efeitos de sentido obtidos. O
corpus analisado será composto de poemas de oito livros do autor, a saber: Poemas concebidos sem
pecado (1937), Face imóvel (1942), Poesias (1947), Compêndio para uso dos pássaros (1960),
Gramática expositiva do chão (1966), Memórias inventadas (a infância) (2003), Memórias
inventadas (a segunda infância) (2006) e Memórias inventadas (a terceira infância) (2008). Como se
verá em suas criações, o prefixo des- possui outros significados além dos já dicionarizados como
negação (obedecer/desobedecer), oposição (contente/descontente), falta de (apetite/desapetite); o
prefixo des- exprime também as ideias de mudança (ver/desver), de anterioridade (fazer/desfazer),
de deixar de (acelerar/desacelerar). Toda essa polissemia do prefixo des- e seus encontros
inesperados com verbos (deseliminar), adjetivos (desaldeiado) e substantivos (desobjeto), assim
como os neologismos semânticos tornam a poética de Manoel de Barros fortemente expressiva, o
que contribui para seu estilo. Verificar-se-á ainda, na apresentação deste trabalho, se Manoel de
Barros inova e amplia os sentidos do prefixo des- ou se ele apenas amplia as palavras da língua
portuguesa brasileira, movimentando-a com suas criações e reformulando os dados de nossa
experiência, de nossa visão de mundo. Buscarei também verificar, por meio da obra literária de
Manoel de Barros, o estilo desse autor; estilo entendido aqui como na concepção bakhtiniana.
Bakhtin, no texto “O autor e o herói na atividade estética” (escrito entre 1920-1930), nos diz que
“um grande estilo representa acima de tudo uma visão de mundo e somente depois é meio de
elaborar um material” (p.217). O estilo conferiria, assim, unidade à exterioridade do mundo. Para
esse autor, o estilo é um dos elementos que, ao lado do conteúdo temático e da construção
composicional, compõe um tipo de gênero. O estilo está indissociavelmente ligado ao tipo de texto
que, por sua vez, está ligado a uma determinada esfera da atividade humana. Para Bakhtin, o estilo
pode ser estudado separadamente, porém não se deve deixar de levar em conta a natureza do gênero
em questão. E, em relação a uma palavra, se ela está inserida em um enunciado, ela já faz parte de
um estilo e não mais da gramática. Cressot (1980) também aborda o estilo passando por relações
que não só as linguísticas. Para ele, o objetivo de uma análise linguístico-estilística é observar a
escolha feita pelo falante, em todos os níveis de análise da língua, com vistas a assegurar o máximo
de eficácia ao seu ato de comunicação.
NORMAS NEOLÚDICAS E JOVENS LEITORES: OS NEOLOGISMOS VISITAM A
LITERATURA
Solange Maria Moreira de Campos – UniBH
Nos tempos atuais, a renovação lexical registrada em obras de ficção é uma realidade recorrente e a
literatura constitui uma inegável fonte disseminadora de neologismos. Nessa perspectiva de
expansão, o fenômeno neológico merece destaque na obra ficcional de autores brasileiros
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contemporâneos. O escritor talentoso, conhecedor do sistema linguístico, do universo e da
mundividência infanto-juvenil se expressa valendo-se dos recursos da língua e dos neologismos
para gerar expressividade e dinamismo no texto, transformando-o em algo sedutor e prazeroso para
o leitor. Consequentemente, é preciso reconhecer o enriquecimento linguístico e a revitalização do
sistema, em decorrência da criação lexical, que se realiza funcional e esteticamente, prova cabal da
dinamicidade do léxico no seu papel propagador da riqueza vocabular. Um ponto de interseção
entre língua portuguesa e literatura se apresenta, então, na análise metalinguística dos processos de
formação de palavras novas, prova inequívoca do manejo habilidoso com que os autores trabalham
a língua para produzir literatura. Um dos propósitos deste estudo é o de refletir sobre as formações
neológicas mais produtivas a partir das normas neolúdicas, consideradas neste estudo como um
conjunto de regras ou critérios para a análise dos processos de criação de novas palavras em obras
literárias, assim estabelecidos: léxico possível (invenção baseada nas regras morfológicas da
língua); malabarismos lexicais (desconstrução do signo no discurso e experimentos de toda ordem,
que transformam o texto num laboratório poético); metaludismo (marcações metalinguísticas com
função lúdica); neo-humor (novas unidades lexicais com intenção de provocar o riso); uso do
grafismo ou de recursos imagéticos (uma tentativa de comunicação formal e um meio de
representação e simbolização); construções irônicas (um dizer desdizendo, com ênfase ora na
incongruência, ora na ambiguidade); criações onomatopaicas (relação, ainda que imprecisa, entre a
unidade léxica criada e certos ruídos ou gritos), entre outros. Busca-se demonstrar, numa
perspectiva estilística, até que ponto a inventividade dos autores estudados desafia ou não as regras
de formação de palavras impostas pelo sistema da língua e passa a constituir, nesse particular, um
novo evento que por hora ousa-se denominar normas neolúdicas. Nesse fenômeno linguístico, o
que chama a atenção não é apenas o processo de formação de palavras, de criação em si, mas
também a expressividade e o modo como os autores “brincam” com os signos. Assim, quando se
recorre às normas neolúdicas e à exploração dos recursos da estilística, parte-se do princípio de que,
para jovens leitores, fica mais fácil observar de que recursos os autores se servem para atribuir
significados novos a significantes da língua e, consequentemente, transformar a leitura numa
atividade prazerosa, desvinculada do ato obrigatório em si. Por outro lado, procura-se pontuar um
dos elementos básicos da poética contemporânea – a renovação lexical – que se realiza no tecido
textual por meio da valorização dos recursos oferecidos pela língua e, a partir dela, sugerir uma
nova possibilidade dos estudos linguísticos e da literatura na escola. Assim, este trabalho privilegia
o estudo da função lúdica dos neologismos na literatura, valorizando uma das particularidades do
dinamismo da língua – a criação neológica – e oferece mais uma possibilidade de decodificação dos
textos ficcionais na sala de aula. O arcabouço teórico deste estudo se ancora, fundamentalmente,
nas ideias de Guilbert (1975) sobre a criatividade lexical, no que diz respeito à criação neológica
estilística, presente na linguagem literária, mas sem guarida nos dicionários; nos pressupostos
teóricos estabelecidos por Martins (2000), ao destacar a estilística e a expressividade na língua
portuguesa, e nas contribuições de Ferraz (2010) sobre a inovação lexical.
HAIKAI EM VÁRIAS FRONTEIRAS: ARROZ, FOLHAS DE BORDO E GRAVIDADE
ZERO
Ana Elvira Luciano Gebara – UNICSUL
O ensino dos gêneros poéticos nas aulas de língua materna tem sido visto tradicionalmente como o
ensino de poesia (GEBARA, 2010). Pode parecer redundante o que se afirma, mas o que se revela
na forma de denominar a questão é a necessidade de se ensinar cada um dos gêneros e não somente
ensinar o grupo dos gêneros que se designam dessa forma. Ensinar sonetos é tarefa diversa daquela
que é ensinar o vilancete ou o epigrama. Cada um desses gêneros apresenta funções diversas,
temáticas com recortes próprios, escolhas lexicais que os caracterizam, bem como estrutura
diferenciada quanto à distribuição e dimensão no espaço do suporte. (PADILHA, 2005) Talvez por
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ter como elemento comum, o verso, essa representação de homogeneidade quanto aos gêneros
poéticos tenha se disseminado e imposto à sala de aula a impressão de que estudar esses gêneros é
tarefa para poucos que conseguem entendê-los ou uma tarefa entediante que gravita em torno das
mesmas questões: verso, rima, métrica etc ano após ano. A proposta desta comunicação é partir da
análise de um gênero poético, o haikai, para verificar como os elementos que o constituem, a saber:
captura das cenas do cotidiano pela impermanência; a menção ao termo-da-estação; a presença do
elemento de corte; o olhar novo para o já conhecido; o presente como tempo fundador; e os três
versos de 5, 7, 5 sílabas respectivamente (FRANCHETTI; DOI, 2012) estimulam a aprendizagem
da língua materna, no que diz respeito à escrita autoral (Iida, 2010). Para essa análise, serão
utilizados, como corpus, três haikais: o primeiro do famoso haicaísta Bashô (século XV); outro do
pesquisador Atshushi Iida, escrito em língua inglesa (século XXI); e, por fim, o scifaiku, de Todd
Hoff (fim do século XX), cuja temática amplia as fronteiras do haicai para outras realidades. Com
essas três criações que seguem a concepção de haikai, busca-se explicitar a necessidade de se pensar
em uma didática do ensino dos gêneros poéticos, a partir do singular.
DIALOGISMO E ESCOLHA LEXICAL NA CANÇÃO POPULAR BRASILEIRA
Álvaro Antônio Caretta – UNIFESP
O estudo da língua portuguesa por meio da canção popular brasileira vem ganhando importância
nas últimas décadas. Tendo em vista o valor cultural de nosso cancioneiro popular, revelado tanto
nos seus elementos linguísticos quanto musicais, a canção popular brasileira é um gênero discursivo
bastante produtivo no ensino do português como língua materna e estrangeira. Neste trabalho,
enfocaremos os aspectos lexicais e culturais, compreendendo a canção popular no processo
dialógico da linguagem. A escolha lexical na canção popular brasileira passa obrigatoriamente pela
observação das relações estabelecidas entre o elemento linguístico e o musical, visto que essa é a
característica fundamental do gênero canção popular. Além disso, é necessário que se compreenda
as relações dialógicas que constituem esse gênero discursivo da esfera musical. Dessa forma, a
análise da letra de uma canção, a fim de se observar a escolha lexical por parte do compositor, deve
compreendê-la tendo em vista o dialogismo que ela estabelece principalmente com os discursos
prosaico e poético. Fundamentados nesse raciocínio, estudamos a escolha lexical na letra de
canções da primeira metade do século XX, tomando como método a amplificação. Para isso,
observamos como o compositor trabalha os gêneros, as expressões e o léxico prosaicos; como
utiliza os recursos poéticos, como as rimas, a sonoridade das palavras e o estilo; como relaciona a
letra e a melodia e como dialoga com o plurilinguismo. Entendemos, assim, que o estudo dialógico
da canção popular brasileira e particularmente a observação da escolha lexical na canção não deve
limitar-se apenas à observação da letra, mas compreender a sua relação com o aspecto musical, já
que essa é a característica fundamental desse gênero discursivo. Importante também é pressupor que
o léxico da canção não é extraído do sistema virtual da língua, mas do interdiscursivo com o qual a
canção estabelece relações dialógicas e do qual resgata as palavras prenhes de valores e sentidos
que o compositor reelabora.
O DICIONÁRIO ESCOLAR E SEU TRATAMENTO NO LIVRO DIDÁTICO DE
PORTUGUÊS
Raquel Moreira Rezende – UFMG
Os dicionários escolares são importantes instrumentos didáticos utilizados para o ensino e
aprendizagem de línguas, materna e estrangeira. Eles oferecem informações sistematizadas sobre o
léxico, seus usos e sentidos, assim como sobre os aspectos gramaticais, linguísticos e discursivos
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das unidades lexicais. Além disso, contribuem para a alfabetização, para o desenvolvimento da
competência de leitura e produção textual, e estudos históricos da língua. O dicionário pode ser
utilizado para a decodificação e codificação escrita, ou seja, leitura e produção textual e, para a
decodificação e codificação oral, isto é, diálogos, apresentações orais, audição de músicas, etc.
Nesse sentido, o dicionário escolar apresenta grande importância, pois contribui de forma direta
para que o falante desenvolva e amplie sua competência lexical e consequentemente sua
competência comunicativa. Infelizmente, muitas vezes, ele é subutilizado pelos professores dentro
da sala de aula, devido à falta de conhecimento de seu potencial pedagógico. Apesar disso, nos
últimos anos tem crescido a conscientização do importante papel dos dicionários para o ensino e
aprendizagem em sala de aula. Assim como o dicionário escolar, o livro didático também representa
uma importante ferramenta no apoio ao ensino de língua portuguesa. Uma das possibilidades de
potencializar o uso do dicionário é através de sua utilização conjunta com o livro didático,
mostrando que sua exploração pode ir além da mera verificação dos significados das palavras.
Considerando esses aspectos, o objetivo central deste trabalho é mostrar a análise da coleção de
livro didático de língua portuguesa do 6° ao 9° ano, intitulada Gramática Fundamental, de Douglas
Tufano, discutindo como se dá o tratamento do dicionário nessa coleção e em que medida seu uso
contribui para o ensino do vocabulário e para a ampliação lexical dos estudantes/consulentes do
ensino fundamental. Buscando apoio em outros trabalhos, assumimos a fundamentação teórica, no
âmbito da lexicografia e ensino, apoiada em importantes textos teóricos de Bezerra (1998), Ferraz
(2006), Krieger (2011) e Gomes (2011).
INSTRUMENTOS DIDÁTICOS NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA PARA
ALUNOS SURDOS: QUAL A IMPORTÂNCIA DO DICIONÁRIO?
Bárbara Neves Salviano – UFMG
O dicionário é considerado o tesouro de uma língua e, muito mais que uma simples lista de
palavras, pode ser um importante instrumento para o ensino e a aprendizagem tanto da língua
materna quanto de uma língua estrangeira. A educação dos alunos surdos tem sido objeto de
discussão, especialmente desde que a escola inclusiva foi proposta pela legislação vigente no Brasil.
As dificuldades que muitos professores de português enfrentam para lecionar para alunos portadores
de surdez, em turmas de maioria ouvinte, se devem, em geral, à falta de método e instrumentos
didáticos adequados. Muitos elementos nos permitem afirmar que o bom uso de dicionários em sala
de aula de português com alunos surdos contribui muito para o desenvolvimento da competência
lexical em Língua Portuguesa. Partindo da hipótese de que há grande defasagem no que diz respeito
à quantidade e qualidade de material didático específico para educação dos surdos em escolas
regulares no Brasil, neste trabalho o objetivo central é mostrar a importância de se usar e como usar
dicionários de língua, tanto da Língua Portuguesa como da Língua Brasileira de Sinais, como
auxílio na promoção do ensino de Português ao sujeito surdo. Como metodologia de trabalho,
desenvolvemos alguns procedimentos didáticos, mostrando como dicionários podem contribuir para
que os surdos compreendam aspectos da Língua Portuguesa normalmente percebidos pela audição.
Para tanto, foram selecionados os principais dicionários brasileiros: Dicionário Houaiss da língua
portuguesa, de 2009; Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, de 2010, Dicionário Caudas Aulete,
de 2007 e Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngüe da língua de sinais brasileira, 2001. Para a
elaboração deste trabalho contou-se ainda, como fundamentação teórica, com textos de Biderman
(2000) e Hofling (2000), Quadros (1997), Faria (2001) e Longo (2003). Enfim, propor
metodologias que vão além de um livro didático, como o uso dos dicionários já disponíveis e em
circulação, possibilitará oferecer aos alunos surdos acesso amplo à Língua Portuguesa, tão
importante nos círculos sociais nos quais estão inseridos.
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CONTRIBUIÇÃO AO MAGISTÉRIO INDÍGENA MUNDURUKÚ (PA): UM DICIONÁRIO
TERMINOLÓGICO BILÍNGUE
Dioney Moreira Gomes – UnB
Tânia Borges Ferreira – UnB
O povo Mundurukú vive nos estados do Amazonas, Mato Grosso e Pará, apresentando realidades
sociolinguísticas distintas. A maior parte do povo mora no estado do Pará, região do rio Tapajós,
mantendo a língua Mundurukú preservada, sendo então a língua materna e, em alguns casos, a
única. Reconhecem que a Educação Escolar pode ser um meio de preservar sua cultura e identidade,
por isso preocupam-se com uma proposta de escola que possibilite a utilização dos avanços técnicos
e científicos, porém sem perder sua identidade. Visando atingir seus ideais e atendendo a demanda
desse povo, em 2007, foi implantado o Ensino Médio Integrado ao Ensino Profissionalizante em
Agroecologia, Enfermagem e Magistério, áreas de vital importância para suas comunidades. Como
os professores do Ensino Médio são não índios, o ensino é dado em Português, com o auxílio de
professores indígenas que explicam os conteúdos também em Mundurukú. Para facilitar o processo
de ensino-aprendizagem desses índios se faz necessária a criação de materiais didáticos que
abordem as duas línguas de maneira que contribua para a preservação da língua materna, mas que
também auxilie no aprendizado do Português como segunda língua, já que ela é uma língua
funcional para este povo. Com o intuito de facilitar a aprendizagem das áreas técnicas surgiu o
projeto de construção de um dicionário terminológico escolar Mundurukú-Português/ PortuguêsMundurukú: Agroecologia, Enfermagem e Magistério. Este braço do projeto lida especificamente
com a área do Magistério. A construção do dicionário é baseada na Teoria Comunicativa da
Terminologia, na Linguística Textual e na Linguística de Corpus. A metodologia consiste em
estudo sobre o povo, a língua, bilinguismo e terminologia; também é feito levantamento
bibliográfico do magistério; identificação dos termos em textos; montagem de fichas
terminológicas; buscas por definições em dicionários da área; criação de definição apropriada ao
público-alvo indígena; proposta de subáreas; discussão da micro e da macroestrutura; trabalho de
campo para buscar os equivalentes em Mundurukú por meio de oficinas terminográficas; e
elaboração do dicionário-piloto. Os termos em Mundurukú são fornecidos pelos próprios índios
durante trabalhos de campo. Existe a preocupação de não transformar os equivalentes em traduções,
pois eles devem expressar o entendimento dos Mundurukú acerca dos conceitos. Existem termos
que em Português são nomes e em Mundurukú são verbos ou expressões, mostrando assim que a
equivalência não é um princípio possível também à linguagem especializada e, assim como a língua
geral, a terminologia também expressa a visão de mundo de uma cultura. Além de servir como
material para ensino-aprendizagem dos Mundurukú e ser um meio de manutenção de sua língua, a
presente obra também tem como objetivo mostrar o estudo terminológico de línguas consideradas
inferiores e pouco científicas. Dessa forma, eleva-se o status daquilo que é produzido nessas
comunidades, como os processos médicos, agroecológicos e de ensino.
O CONCEITO DE FRAMES NA ANÁLISE DE MAL-ENTENDIDOS ENTRE
APRENDIZES DE PSL E NATIVOS
Nara Sâmara de Oliveira Batista – UnB
Este trabalho investiga a ocorrência de mal-entendidos linguísticos e pragmáticos nas interações
entre aprendizes de PSL e falantes de português como língua materna. Assim, de acordo com as
análises do corpus que compõem este trabalho, observamos que as ocorrências de mal-entendidos
estão relacionadas aos frames dos interagentes. Segundo Gregory Batenson (1979), o conceito de
frame está relacionado aos processos cognitivos de compreensão e interpretação das interações
sociais. Assim, o autor afirma que o frame reúne um conjunto de instruções para que o interlocutor
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possa entender uma dada mensagem. Ele relaciona a noção de frame com uma tela artística. Para
Batenson (op. cit), o frame se assemelha à moldura em torno de um quadro, pois representa um
conjunto de instruções que indicam para onde o interlocutor deve dirigir sua atenção. Com base
nessa breve descrição do conceito de frame, compactuamos com a ideia defendida por Laforest
(2003). Esse autor afirma que a ocorrência de mal-entendidos não está relacionada somente ao
léxico, à gramática e à pronúncia. Esses fatores não são os que causam maiores estranhamentos aos
interlocutores durante a interação. Segundo o linguista, os modelos interacionais, ou seja, estruturas
cognitivas como os frames, quando não estão situados no mesmo alinhamento, são responsáveis
pelos maiores impasses na comunicação. Eles podem gerar mal-entendidos contundentes de difícil
reparação, não só relacionados à comunicação, mas também às relações sociais dos interagentes.
Esta comunicação é parte inicial da dissertação de mestrado “Mal-entendidos no ensino de
Português como Segunda Língua” que está analisando quais são as situações que mais geram
mal-entendidos entre aprendizes de PSL e nativos. Nesse sentido, além de identificar a natureza
desses acontecimentos linguísticos, buscamos propostas para orientar ações linguísticocomportamentais do professor de PSL para superar mal-entendidos linguístico-pragmáticos, tanto
na sala de aula de PSL quanto em contextos diversificados. Assim, a Sociolinguística Interacional,
(SI), é a base desta pesquisa, pois de acordo com Gumperz (1982), ela preocupa-se em investigar a
diversidade linguística e cultural inerente aos contextos interacionais. Brandão (1997, p. 29) afirma
que a SI "trabalha com enunciados reais em contextos sociais, e o foco de sua análise é investigar
como a interpretação e a interação são baseadas no interrelacionamento de significados linguísticos
e sociais". A SI utiliza métodos interpretativos para investigar o que acontece e como funcionam as
interações no dia a dia. Desse modo, esta pesquisa utiliza-se de metodologia de base qualitativa
interpretativista, pois buscamos não apenas quantificar os dados gerados, mas analisar de forma
reflexiva nosso objeto de estudo e o fazer pesquisa considerando, ao máximo, a complexidade e a
profundidade que os envolve.
ASPECTOS CULTURAIS DO ENSINO DO ATO DE FALA RECUSAR EM PORTUGUÊS
BRASILEIRO
Pamela Andrade – USP
A compreensão dos atos de fala, como concebidos por Austin (1990), nas diferentes culturas é
essencial para o ensino de línguas estrangeiras. É cada dia mais comum lidar com diferentes
culturas em nosso dia a dia, e para que uma comunicação intercultural com base no respeito possa
ocorrer, é preciso que professores e aprendizes de línguas estrangeiras saibam refletir sobre as
semelhanças e diferenças que afetam a realização dos atos de fala nas diferentes culturas. Afinal,
sabemos que não é possível estudar a língua sem levar em consideração os aspectos socioculturais
que a envolvem (HYMES, 2001), e que influenciam diretamente os atos de fala. Nesta pesquisa, o
foco é no ato de fala recusar no português brasileiro, que é considerado um ato ameaçador da face e
que, portanto, exige que sejam explorados os diversos contextos que afetam seu funcionamento e as
diversas estratégias utilizadas por falantes para suavizar esse ato. Em minha experiência com
aprendizes de português como língua estrangeira, é comum observar que produzir ou entender uma
recusa no português brasileiro gera conflitos para o falante estrangeiro. Por exemplo, muitos
estrangeiros são considerados rudes por brasileiros por recusarem de forma muito direta em
situações que isso não seria adequado. Por outro lado, muitas vezes, os estrangeiros têm dificuldade
em entender uma recusa de um brasileiro, por não conseguirem perceber quando um brasileiro está
fazendo uma recusa. Isso gera mal-entendidos e situações embaraçosas, e pode até reforçar a
construção de estereótipos e preconceitos. Esta apresentação visa explorar os aspectos da cultura
brasileira que afetam a realização da recusa em diferentes contextos. A base teórica deste trabalho é
a teoria dos atos de fala (AUSTIN, 1990), a pragmática intercultural (BLUM-KULKA, HOUSE,
KASPER, 1989; GASS, NEU, 1996), além de uma pesquisa intercultural desenvolvida pela
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antropóloga Tracy Novinger (2003) sobre a comunicação entre brasileiros e norte-americanos. A
contribuição do trabalho é discutir aspectos culturais importantes para que o professor de português
para falantes de outras línguas possa desenvolver a competência intercultural de seus aprendizes,
incentivando o respeito e a paz entre diferentes culturas.
O LÉXICO DA CULTURA BRASILEIRA NO LIVRO DIDÁTICO “PORTUGUÊS VIA
BRASIL: UM CURSO AVANÇADO PARA ESTRANGEIROS”
Luhema Ueti – USP
Ao se pensar em ensino/aprendizagem de uma língua estrangeira, sabe-se que não é possível
dissociar o ensino/aprendizagem de língua e cultura da nação que a tem como oficial, tendo em
vista que, para se compreender a estrutura de uma língua, é necessário, também, que se entenda a
cultura dos falantes dessa língua. Assim sendo, ao ensinar/aprender Português para Falantes de
Outras Línguas (PFOL), é necessário que também se ensine/aprenda cultura, neste caso, a brasileira.
Por ser o léxico a parte da língua que veicula dados culturais e contribui para a compreensão da
visão de mundo do falante, e pelo livro didático (LD) ser um dos recursos didáticos mais utilizados
nas aulas de ensino de línguas, optou-se por realizar um levantamento e estudo das escolhas lexicais
(lexias) de um LD de PFOL. Primeiro, foi identificado, por meio de um questionário respondido por
escolas particulares que oferecem o ensino de PFOL aos estrangeiros, que livro “Português Via
Brasil: um curso avançado para estrangeiros” é o LD de PFOL mais utilizado na cidade de São
Paulo. A fim de poder identificar como a cultura brasileira é apresentada no LD selecionado, o
presente trabalho objetivou realizar um levantamento do léxico da seção “Cotidiano Brasileiro” –
seção que, de acordo com as autoras, apresenta a cultura brasileira. Analisou-se os dez textos da
seção sobre cultura e identificou-se dez campos léxico-semânticos, a saber: festas populares, pontos
turísticos, vegetação, fauna, pessoas importantes no desenvolvimento do país, religiosidade,
recursos minerais, corpo dos brasileiros, discriminação étnica e recursos hídricos. Após a
identificação dos campos léxico-semânticos, verificou-se como é apresentada a cultura brasileira
aos alunos estrangeiros que querem aprendê-la por meio das análises das lexias apresentadas pelo
viés da Análise Crítica do Discurso (ACD). Reconheceu-se que a cultura brasileira ainda é
apresentada de forma estereotipada e tradicional, não permitindo que o estudante estrangeiro
ultrapasse as barreiras culturais e tenha um aprendizado intercultural.
L.E.C.E. (LÍNGUA ESPANHOLA E CULTURA ESPANHOLA) NO IFMS/COXIM
Jozil dos Santos – IFMS/Coxim
O L.E.C.E. (Língua Espanhola e Cultura Espanhola) é um projeto de extensão do IFMS/Coxim
desde 2011, voltado para os alunos do IFMS/Coxim e também para toda a comunidade. O projeto
tem como objetivos fazer com que os estudantes aprendam a língua espanhola tendo conhecimentos
sobre a cultura espanhola e hispano-americana (costumes, rotinas, variações linguísticas, artistas,
comidas, bebidas, filmes, obras de arte, personagens, entre outros), sendo assim, a aprendizagem é
totalmente prática, visando a atender as necessidades instrumentais, dando aos cursistas
conhecimentos culturais como uma forma de ampliar seus conhecimentos sobre o mundo que os
cerca. A língua espanhola tem ênfase nas quatro habilidades: escuta, fala, escrita e leitura, e a
mesma se dá no método direto. As atividades são bem práticas, visando o conforto do aluno para a
apreensão da língua espanhola. O projeto conta com o evento Imersión (adentrar na língua
espanhola) que é apresentado sempre no final do período anual, no qual os alunos e “simpatizantes
do espanhol” se apresentam com números de canto, dança, teatro, poesias declamadas em língua
espanhola e outros para a apreciação dos telespectadores e fluência dos apresentadores na língua
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espanhola. Em dezembro de 2011, a 1ª Imersión a la lengua española Viva la vida contou com 10
apresentações espanholas e hispanoamericanas, dentre estas houve apresentações de flamenco,
tango, paso doble e pop; interpretações de Enanitos Verdes, Rick Valey, Grupo Menudo, dentre
outros, e para brindar o evento foi servido uma bebida espanhola chamada Sangría (sem álcool). Em
fevereiro de 2013, final do ano letivo de 2012, acontecerá a 2ª Imersión a la lengua española Arriba
muchacho, a qual contará com apresentações de flamenco, tango, bolero, pop; apresentação teatral
do seriado Chaves; apresentação do filme Frida Kahlo e ao final será servido um pequeno coquetel
com algumas comidas típicas espanholas. O projeto L.E.C.E. também organizou dois blogs na
internet para que os alunos postassem textos na língua espanhola e assuntos dirigidos à cultura
espanhola,
os
blogs
são
http://amantedoespanhol.spaceblog.com.br/
e
http://espanholesmuybueno.blogspot.com.br/.
ENSINO-APRENDIZAGEM DE LEITURA LITERÁRIA E DESENVOLVIMENTO DA
ESCRITA EM CONTEXTO UNIVERSITÁRIO DE PLE/PL2
Neide Tomiko Takahashi – USP
Ao considerarmos o aumento do número de estudantes e pesquisadores oriundos de diferentes
países no processo de internacionalização em universidades brasileiras e, consequentemente, a
maior demanda por cursos de português voltados a estrangeiros, observa-se a necessidade de
reflexão do desenvolvimento de políticas e planejamentos de cursos que permitam criar condições
de entrelaçar a prática docente à integração social, sem perder de vista as expectativas e
representações de seus aprendizes. Trata-se de um desafio, já conhecido no ensino de línguas
estrangeiras, que interliga questões como interculturalidade e materiais didáticos, cujas dinâmicas
interacionais promovam um contato comunicativo eficaz, seja na esfera acadêmica, seja no
cotidiano dos estudantes. Nessa perspectiva, um fator recorrente em aulas de línguas estende-se
para os cursos de PLE e PL2: a escolha criteriosa por gêneros discursivos a serem abordados na sala
de aula. Desses gêneros, ainda são raras as pesquisas e relatos acerca das propriedades e
investimentos do domínio literário como objeto de estudo. Diante desse contexto e visando
investigar características didático-pedagógicas de tal domínio, este trabalho tem como ponto de
partida verificar a contribuição da linguagem literária de ficção, ao longo de um curso de português
para estrangeiros universitários. Propõe-se refletir sobre o processo de leitura de textos literários,
como apoio para o desenvolvimento da escrita do português, por falantes de outras línguas no nível
pré-avançado. Dessa forma, a partir da premissa de que o aprendiz estrangeiro adulto e letrado
possui o hábito da leitura, tornou-se possível analisar as expectativas, inferências e impressões
sobre obras narrativas da literatura brasileira, por meio de produções textuais conduzidas ao longo
de um semestre. O objetivo é expor tanto a dimensão cognitiva presente na relação autor-textoleitor, quanto à necessidade de formação interdisciplinar do professor de português, cujos
conhecimentos e experiências permitam aproximar esferas de ensino, muitas vezes abordadas de
formas isoladas, sejam elas: língua/literatura/cultura. Trata-se de articular saberes individuais no
ensino-aprendizagem de português como língua estrangeira às práticas de leitura universal que
construam sentidos entre seus participantes.
AS ESCOLHAS LEXICAIS EVOCATIVAS DA BRASILIDADE
Alessandra Ferreira Ignez – IF-SP
Eliana Roda Ferreira – USP/IF-SP
Tomando como ponto de partida o fato de que o léxico é revelador de cultura, observamos, nos
poetas modernistas brasileiros antropófagos, o desejo de resgatar a cultura primitiva brasileira, ou
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seja, a cultura que existia antes da colonização e da imposição do léxico português no Brasil, bem
como a influência da imigração no nosso país. O lema Tupy, or not tupy that is the question
presente no Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade orienta para a escolha temática e lexical
dos antropófagos, cujo desejo de busca das fontes mais puras, assim consideradas por eles, fez com
que os poetas antropófagos, tais como Raul Bopp, escolhessem usar expressões e formações
indígenas para dar o caráter de brasilidade genuína aos textos. A renovação literária almejada pelos
modernistas do primeiro momento deveria partir do retorno aos valores nativos e regionais. Bopp
buscou, nas suas viagens pelo país e no contato com a obra de Antonio Brandão de Amorim sobre a
literatura amazonense, inspiração para a linguagem e para o enredo de Cobra Norato, assimilando
os valores nativos e regionais para depois inseri-los antropofagicamente em suas obras. Na obra,
notamos que os mitos passam por um processo de reencantamento no qual as metáforas
potencializam as experiências humanas, valorizando a poética dos sentidos, que não coloca
fronteiras entre a fantasia e a realidade. No poema, percebemos um alargamento da percepção do
real que permite a convivência de realidades contraditórias e, aparentemente incoerentes, ou seja, há
a presença do mussangulá, termo usado pelos antropófagos para designar uma nova posição de
espírito que se opunha ao racionalismo positivista. Em Cobra Norato, fica evidente que, além de
incorporar na obra o universo mítico da Amazônia, o poeta absorveu as construções do nheengatu,
demonstrando que o novo léxico modernista e antropofágico deveria partir do léxico primitivo que
havia sido esmagado pela imposição linguística dos portugueses. Ainda que o nheengatu seja uma
língua “artificial”, criada pelos colonizadores, o nheengatu é uma língua fruto da mistura do tupi
com o português, ou seja, há expressões e formações do nheengatu que apontam para o primitivo,
para o genuinamente brasileiro, como desejavam os antropófagos. Oswald de Andrade, por sua vez,
explora, em suas obras, usos línguísticos da fala popular que evoca também a brasilidade. Ao
usarmos a concepção de estilo como escolha, vemos que Bopp e Oswald optaram pelo uso de
palavras de poder evocativo, como define Bally, para nos remeter ao cenário amazônico e
brasileiro, quer pela temática, quer pela presença de construções linguísticas. A proposta deste
trabalho fundamenta-se na Estilística Léxica e tem por objetivo mostrar que o léxico, por ser
revelador de cultura, contribui para a compreensão de textos literários no ensino de língua
portuguesa.
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SIMPÓSIO 8
TERRITÓRIOS CONTESTADOS DE PRÁTICAS
TRANSIDIOMÁTICAS: PERSPECTIVAS CONTRA-HEGEMÔNICAS
DECOLONIAIS E PÓS-COLONIAIS PARA DESINVENÇÕES E
RECONSTITUIÇÕES DA “LÍNGUA PORTUGUESA”
O propósito deste simpósio é congregar pesquisas que apresentem reflexões teóricas ou análises
empíricas que, sob perspectivas críticas decolonialistas e/ou pós-colonialistas, abordem de forma
problematizadora o conceito de “língua portuguesa”, assim como outras categorias e conceitos
hegemônicos a ela correlatos, instituídos nos diferentes contextos do processo colonial, bem como
em seus desdobramentos contemporâneos, geradores de panoramas socioculturalmente complexos
em diferentes territórios, como os são, por exemplo, os dos povos indígenas, africanos e/ou
afrodescendentes, asiáticos, populações diasporizadas, migratórias e de fronteiras. Nessa
perspectiva, são esperadas contibuições que abordem sob diferentes ângulos as interseções entre
identidades pós-coloniais e as línguas, fluxos migratórios e as línguas, especialmente trabalhos que
buscam apresentar ou compartilhar o ponto de vista de quem experiencia ou experienciou esta
língua como povo colonizado, migrante ou fronteiriço, assim como possíveis formas de
apropriações e resistências às imposições, coerções e normatizações linguísticas.
COORDENAÇÃO
André Marques do Nascimento
Universidade Federal de Goiás
[email protected]
Joana Plaza Pinto
Universidade Federal de Goiás
[email protected]
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PORTUGUÊS EM TEMPOS DE DESTERRITORIALIZAÇÃO
Luiz Paulo da Moita Lopes – UFRJ
Esta apresentação objetiva focalizar o que temos chamado de português à luz do fenômeno
compreendido como plurilinguajar (Mignolo, 2000), transidiomaticidade (Jacquemet, 2005),
polilingualismo (Jorgensen & Moller, 2012), metrolingualismo (Otsuji & Pennycook, 2012) etc.,
tendo em vista o fim do estado-nação (Hardt & Negri, 2005), uma das fontes cruciais para a
invenção de línguas, já que entendo que essas são construções disciplinares e políticas. Com os
processos de desterritorialização em que línguas, textos e pessoas são cada vez mais móveis entre as
fronteiras no mundo online e offline, pensar o português como recurso comunicativo (Bloomaert,
2010) pode ser mais responsivo ao modo como as pessoas estão cada vez mais se virando
linguisticamente aqui e ali, pelas fronteiras, se opondo a barreiras linguísticas, tão caras ao mundo
colonial e seus interesses por construir impérios e línguas puras, suas gramáticas e seus dicionários.
A linguística das comunidades ou da modernidade dá lugar então à linguística dos contatos ou da
modernidade recente, em um mundo em que, de repente, estamos todos situados na fronteira. A
apresentação visa chamar atenção para a necessidade de pensar o português de forma diferente por
meio de teorizações que vão ao encontro do modo como estamos passando a usar o que chamamos
de línguas no mundo contemporâneo. Ao concluir, ilustro meu argumento com usos
transidiomáticos do português na comunicação digital e na construção de artefatos culturais como o
rap e discuto, brevemente, possíveis ideologias linguísticas que parecem subjazer a tais usos assim
como as performance identitárias mobilizadas. Esses usos são indicadores do que tem sido chamado
de reflexividade metapragmática ou a consciência intensa da expressão em si mesma (aqui
consciência do uso feito de recursos comunicativos) e de quem encena a performance identitária,
dando conta de reflexividade e planejamento no uso da linguagem (Bauman, 1986).
“AJAPO POR AMOR, EHENDU FAZ FAVOR”: PRÁTICAS TRANSIDIOMÁTICAS E
RESSIGNIFICAÇÕES CONTRA-HEGEMÔNICAS NA COMPOSIÇÃO DO RAP
INDÍGENA BRASILEIRO
André Marques do Nascimento – UFG
Caroline Pereira de Oliveira – UNICAMP
Este trabalho insere-se no contexto mais amplo do projeto de pesquisa “Alternativas situadas para a
descolonização de práticas, ideologias e regimes de linguagem em contextos pós-coloniais
interculturais” que, em uma de suas frentes de trabalho, busca desvelar concepções e práticas
subalternizadas a respeito da linguagem, especialmente as de grupos que vivenciaram de forma
mais contundente os processos coloniais, como os povos indígenas brasileiros e que viabilizem
novas bases epistemológicas concernentes à linguagem que possam colaborar com propostas mais
simétricas de educação intercultural na contemporaneidade. Nesta direção, buscamos apresentar a
análise de composições do grupo indígena de rap Brô MC’s, sob pano de fundo de estudos
decoloniais e interculturais latino-americanos e sob perspectivas críticas contra-hegemônicas,
concernente aos estudos da linguagem. Desde essas perspectivas, visamos demonstrar como, desde
a articulação entre uma contundente crítica social expressa nas composições dos rappers indígenas,
contextualizadas nas terríveis condições de vida do povo Guarani Kaiowá, no estado do Mato
Grosso do Sul, e as práticas transidiomáticas usadas nas letras, o uso de práticas comunicativas em
língua portuguesa juntamente com o uso de práticas comunicativas indígenas constitui e indicia um
lócus fronteiriço no qual projetos globais, como a imposição e o uso das línguas de colonização
pelos povos indígenas brasileiros, assim como o alegado imperialismo cultural estadunidense, são
criticamente apropriados, desafiados e transformados, desde a subalternidade, por histórias locais.
Argumentamos, assim, que os usos da linguagem expressos através do rap indígena são importantes
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exemplos de agência indígena crítica sobre a linguagem e que, por isso, podem contribuir com
projetos de desinvenção e reconstituição de línguas, pois tratam-se de atos de resistência contrahegemônica, tanto em relação às condições de vida dos povos indígenas brasileiros, como em
relação ao uso e aos regimes de linguagem que ainda hoje operam, de maneira geral, desde uma
perspectiva fundada no contexto colonial, especialmente no que se refere à vinculação estrita e
essencialista entre língua, povo e território e de prefigurações identitárias não menos fixas.
Propomos, ainda, que a atenção aos usos contemporâneos de práticas comunicativas híbridas pode
fornecer novas e importantes bases epistemológicas para os estudos da linguagem, de maneira geral,
e mais especificamente para a educação linguística em contextos sociolinguisticamente complexos,
pois tais práticas vão além de bases que colocam em oposição práticas e regimes de linguagem
pautados em concepções de línguas como sistemas homogêneos e estáticos e que, ao mesmo tempo,
podem se transformar em importantes instâncias contemporâneas de reconstituição, renovação e
difusão de práticas comunicativas subalternizadas, como são as práticas comunicativas em línguas
indígenas no Brasil.
SOBRE A NECESSIDADE DE ENTENDER MELHOR O CONCEITO DE LÍNGUA
NOSÉCULO XXI
Djane Antonucci Correa – UEPG
No que concerne sobremaneira a questões relativas ao ensino de língua e a estudos de linguagem, a
necessidade de compreender melhor as diversas formas nas quais se configuram as práticas
linguísticas e as implicações dessa compreensão (in)adequada para as práticas de ensino e
aprendizagem de língua torna-se constante. Considerando esses apontamentos, venho observando
nas pesquisas mais recentes, junto a professores formados e em formação, uma noção de língua
bastante contraditória, ou seja, embora muitas vezes se reconheça uma visão heterogênea de língua,
marcada pela diversidade cultural e linguística, na prática cotidiana (não só pedagógica, mas
também social e ideológica), figura-se preponderantemente a visão homogênea, abalizada pela
defesa da língua portuguesa vista como língua única, cuja representatividade alude a um território
definido e identificado por ela. Nesse sentido, o objetivo geral deste trabalho é dar continuidade a
uma discussão sobre a compreensão de língua nos dias atuais, direcionando-a para algumas
configurações da língua portuguesa. Para tanto, considero a diversidade cultural e linguística em
contextos escolares diversos e na comunidade acadêmica, buscando abordar questões relacionadas à
política linguística e sua interface com ensino de língua e formação de professores de língua. Além
disso, levo em conta a necessidade de (re)conhecer as exigências contemporâneas no que diz
respeito à adequação dos currículos, especialmente os de formação de professores de língua.
Ressalto ainda, nesse âmbito de adequação, a integração das atividades de pesquisa, extensão e
ensino. Nessa direção, é significativo observar apresença de alunos PEC-G, PEC-PG, alunos que
fazem intercâmbio, indígenas, cotistas oriundos de escolas públicas, cotistas afro-descendentes, os
quais, juntamente com os demais acadêmicos da graduação e da pós-graduação compõem um
universo rico ecomplexo. Por essa razão, a compreensão dos mecanismos que configuram as
políticas de constituição e de instituição das línguas pode trazer, no seu bojo, uma visão mais
adequada das diferentes culturas e dos diversos movimentos históricos que acompanharam,
definiram e continuam a acompanhar e definir as práticas linguísticas, culturais e sociais em seus
diferentes mo(vi)mentos. Dessa maneira, pode-se dar maior visibilidade às indagações, dificuldades
e experiências oriundas de situações sociolinguisticamente e socioculturalmente complexas e, por
conseguinte, pode-se ter uma visão mais apropriada, ainda que mais conflitante, das necessidades
contemporâneas de formação não só acadêmicas mas também,e principalmente, humanas.
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A ÁFRICA TOMA A PALAVRA
Josiley Francisco de Souza – UFMG
A arte oral de contar histórias sempre fez parte da vida humana e, por muito tempo, foi uma
atividade essencial das sociedades para garantir a manutenção de memórias e saberes transmitidos
no tecido das narrativas. Um dos lugares onde essa arte se faz presente com vigor é o continente
africano. As expressões poéticas da tradição oral têm sido apontadas por diferentes pesquisadores
como traço distintivo das culturas africanas e, como demonstram muitos trabalhos, têm se
configurado como importante elemento na própria literatura escrita de autores do continente. Em
terras brasileiras, também é possível encontrar a permanência dessa arte verbal oral. A imagem de
contadores de histórias que congregam ouvidos, gestos e olhares em torno de sua palavra pode ser
encontrada em muitas regiões, especialmente no interior do Brasil. A tese de doutorado Do canto da
voz ao batuque da letra: a presença africana em narrativas orais inscritas no Brasil, de Josiley
Francisco de Souza, defendida em 2012, no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários da
Faculdade de Letras da UFMG, estudou a presença africana em um corpus constituído de mais de
300 contos de tradição oral, registrados em diferentes regiões do Brasil e publicados em livro a
partir do final do século XIX. Atualmente, novas reflexões em torno desse corpus vêm sendo
desenvolvidas no projeto de pesquisa Vozes africanas nas Américas: a palavra banto em contos
orais afro-brasileiros e afro-cubanos, coordenado por Josiley Francisco de Souza, na Faculdade de
Educação da UFMG. Nesse corpus, é possível perceber que, em muitas narrativas, a África toma a
palavra e promove inscrições de uma forte presença de línguas do grupo banto na língua
portuguesa. Desse modo, em meio às várias contribuições negro-africanas na constituição de
diferentes expressões da cultura brasileira, é possível perceber ressonâncias e contatos transculturais
que colocam em diálogo vozes brasileiras e africanas na arte verbal oral de narrar. Tais contatos e
ressonâncias fazem com que a língua portuguesa se apresente como elemento de inscrições de
diferentes vozes e culturas que a matizam e a constituem de modo polifônico.
AS IMPLICAÇÕES DA COLONIALIDADE DO SABER/PODER NA CONSTITUIÇÃO DO
CONCEITO DE “LÍNGUA PORTUGUESA”
Marco Antonio Lima do Bonfim – PosLA/NIPRA/UECE
Partindo do pressuposto de que as línguas participaram e ainda participam das etapas de
colonização na América Latina e entendendo que as práticas linguísticas têm contribuído para a
naturalização da colonialidade do saber/poder (GROSFOGUEL, 2007; PINTO, 2010) nas práticas
científicas no âmbito dos estudos linguísticos, este trabalho tem por objetivo discutir como as
concepções de língua(gem) presentes no Projeto de Lei nº 1676/1999 a respeito da proibição de
estrangeirismos na língua portuguesa, de autoria do (a época) deputado federal Aldo Rebelo
constituem a materialidade dos processos coloniais no Brasil e quais as suas implicações para as
reflexões sobre a constituição da noção de “língua portuguesa” no referido país. Especificamente,
analisamos como os conceitos colonialistas de “nação”, “língua” e “falante” sustentam, por um
lado, o argumento do referido deputado quanto a proibição dos estrangeirismos no português
brasileiro, e por outro, revelam uma estrutura geoeconômica, linguística e cultural que institui
formas hegemônicas e colonialistas de compreensão da língua portuguesa no Brasil. Para tanto,
refletimos nos estudos de Makoni & Meinhof (2006), Pinto (2008), Rajagopalan (2003, 2004) e
Schmitz (2004) a respeito das relações entre o conceito de língua e as mudanças ocorridas na
produção do conhecimento na Linguística Aplicada, bem como sobre as concepções
(des)colonialistas de língua. Com esta reflexão esperamos contribuir para a problematização da
noção colonialista de língua, apontando dessa forma, para a descolonização do conceito de língua
portuguesa, tendo por base os efeitos da naturalização do uso linguístico como um dos elementos
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constituintes das redes de poder que instauram uma perspectiva colonizadora (eurocêntrica) do que
seja uma língua, dissociando o uso linguístico das dimensões de gênero, classe, raça e lugar
geopolítico do sujeito que fala (usa) – no caso deste trabalho – a língua portuguesa.
TENSÕES PERFORMATIVAS E EFEITOS DE “LÍNGUA PORTUGUESA”
Joana Plaza Pinto – UFG
Este trabalho procura demonstrar que grande parte da pesquisa sobre línguas em geral e sobre o
português em particular depende de duas crenças complementares em homogeneidades variáveis
complementares: 1) a homogeneidade variável das práticas linguísticas, especificamente no Brasil,
sustentada pela presunção da divisão dialetal do Brasil, presumindo-se igualmente as diferenças
regionais; 2) a homogeneidade variável de camadas populacionais em áreas específicas (no caso do
NURC, urbanas). Supostamente, a convergência entre tais homogeneidades variáveis daria origem
às chamadas “variedades específicas da língua portuguesa”. Ainda que desligados do contexto
social, os estudos linguísticos costumam afirmar que estão sempre levando em conta o tal social,
especialmente quando alegam estudar “padrões reais de uso”. Para isso, a homogeneidade é
qualificada com “critérios” sociais e geográficos. Os chamados “critérios linguísticos” para a
caracterização das línguas são, assim, dependentes de “critérios sociais”, que se fundamentam nas
duas crenças que apontei e naturalizam a dicotomia culto-popular. Essa co-dependência fecha-se
para reflexões sobre as bases de cada critério, implicando a aceitação do status quo dos dois
conjuntos. A língua portuguesa é analisada assim como conjunto relativamente homogêneo passível
de ser estratificado em dialetos e variedades, correspondendo a uma hierarquia linguística
desenhada no Romantismo alemão do século XVIII (língua-nação; região-dialeto ou variedade). Da
mesma forma, a sociedade brasileira é analisada como um conjunto relativamente homogêneo
passível de ser estratificado pelo par xifópago classe escolaridade, correspondendo a uma falácia
argumentativa: a prefiguração identitária do Brasil. Essa prefiguração encontra sua força nas ideias
de que o ideal da língua é sua homogeneização escrita e que o acesso a essa escrita padronizada é
prática exclusiva de classes prestigiadas. No melhor modelo do cientificismo do século XIX, os
estudos linguísticos abusam de critérios metodológicos (programáticos, controlados etc.) para
compor “um corpus recolhido com a maior homogeneidade possível” que represente a “variante
culta da língua portuguesa” já que teríamos uma “divisão dialetal do Brasil, tornando evidentes as
diferenças regionais”. Os critérios, no entanto, escondem seu guia principal: um tipo de critério
zero, que é a correlação entre as duas homogeneidades variáveis já mencionadas, a das práticas
linguísticas e a das camadas populacionais. Para funcionar os demais critérios, é indispensável
funcionar este último, pois este tem um papel performativo na construção da língua que se alega
descrever. Para descrever o português, é preciso inventá-lo de antemão, deixar fluir um “regime de
verdade” sobre o português, que, antes de tudo, diz que ele existe. Para isso nomeamos o que lemos
e ouvimos (na rua, em rádios, na TV, em livros, na Internet etc.) de português, criamos dicionários e
gramáticas de português, tratamos fenômenos os mais dispersos em território brasileiro como
português, produzimos “efeitos de língua portuguesa”. Os “efeitos de língua” são as maneiras como
as línguas são materializadas através dos discursos que as descrevem. Neste trabalho, examino e
debato a prefiguração da identidade de falante como resultado da descrição do português no Brasil
e, em seguida, procuro tensionar a relação de tal prefiguração com a sustentação da separação entre
língua, dialeto e variedade, separação esta instituinte da mitologia sobre as línguas em geral e o
português em particular.
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A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DAS IDENTIDADES SOCIAIS NAS PRÁTICAS DE
LETRAMENTO REALIZADAS NAS AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA DAS
ESCOLAS PÚBLICAS DE MARIANA E OURO PRETO, MG
Fabiana Correia Justo – UFOP
Esta pesquisa teve por objetivo verificar se os estudos sobre letramento podem ser uma ferramenta
eficaz para a implementação da Lei 10.639/03, que institui o ensino da história dos africanos e
afrobrasileiros, nas escolas públicas dos municípios de Mariana e Ouro Preto, MG. Realizamos uma
pesquisa etnográfica de caráter qualitativo em duas escolas municipais dessas cidades. Pretendeu-se
verificar se os discursos das escolas pesquisadas contemplam e valorizam o pertencimento étnico
racial dos/as educandos/as, cabe destacar aqui que eles/as são em maioria afrodescendentes.
Compreendemos a linguagem em seu caráter performático, segundo OTTONI, a teoria performática
da linguagem, elaborada por Austin, aponta que a linguagem é mais que uma descrição do
pensamento, segundo este estudioso, a linguagem é uma forma de intervenção no mundo, ela é a
ação em si. Afirmamos que é por meio da linguagem, dentro de práticas discusivas específicas, que
as identidades dos sujeitos são construídas. Essa construção se dá em contextos específicos e
através da presença de interlocutores. Através da linguagem os sujeitos analisam, marcam, rotulam
os “Outros” sujeitos, essa classificação é de ordem política e social. A marca da diferença se dá em
detrimento dos lugares sociais ocupados pelos agentes do discurso, faz-se necessário ressaltar que
essas marcas são elaboradas pela linguagem. Assim sendo, concordamos com SILVA (2011:87)
quando ele afirma que “a diferença não é uma característica natural: ela é discursivamente
produzida”. Nesta pesquisa, analisamos a forma como os/as professores/as atribuem significados às
práticas de letramento escolares, realizadas nas aulas de língua materna, a partir de práticas de
letramento que acontecem em outros contextos, as quais estão presentes na base da identidade
dos/as alunos/as das escolas investigadas. Assim como Moita Lopes (2002:31), acreditamos que
“investigar o discurso dessa perspectiva é analisar como os participantes envolvidos na construção
do significado estão agindo no mundo por meio da linguagem e estão desse modo, construindo a
sua realidade social e a si mesmo. Entendemos que essas práticas, por estarem na base da
construção das identidades desses sujeitos, poderão nos trazer novas formas de se pensar o
letramento escolar, inseridas no contexto dos alunos. Concordamos com o pesquisador Dayrell
(2007, p.1107), quando afirma que “[...] a escola que tem que ser repensada para responder ao
desafio que a juventude nos coloca”. Acreditamos que é possível ampliar as discussões sobre as
práticas de letramentos para outros espaços além do escolar; ou seja, em outras situações
específicas, nas quais também encontramos sujeitos envolvidos em práticas singulares de
letramentos que os constitui nos diversos aspectos da vida.
POLÍTICAS LINGUÍSTICAS E IDENTIDADE CULTURAL
Angela Derlise Stübe – UFFS
Esta pesquisa parte do pressuposto de que todo estudo em linguística aplicada (LA) deve ter uma
função social. Isso porque, se a linguagem se constitui em importante palco de intervenção política,
trabalhar com a linguagem é agir politicamente, com toda a responsabilidade ética que isso acarreta.
Com tal perspectiva em mente, buscamos desenvolver uma proposta de pesquisa que apresente
relevância para as reflexões acerca do processo ensino/aprendizagem e para a formação de
professores, e que possibilite, ainda, a interlocução entre pesquisadores da Instituição de Ensino
Superior (IES), as escolas e os profissionais da educação no ensino básico. Este estudo visa a
analisar representações de língua(s) que emergem em narrativas de professores e de alunos da rede
pública de ensino na região de abrangência da UFFS – Chapecó/SC, para, então, discutir
consequências à formação dos sujeitos. Para isso, trabalhamos com narrativas de professores,
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coletadas por meio de relatos de experiências escritos, e com questionários semiestruturados aos
alunos, que lhes possibilitam narrar suas experiências com língua(s), a fim de, a partir dessa
discursividade, depreender possíveis representações de língua(s) calcadas no imaginário sóciohistórico. Para apreender e interpretar o imaginário sobre língua, os discursos sobre as políticas
linguísticas - tais como documentos oficiais e textos que circulam na mídia regional e estadual mostram-se relevantes e foram objeto de descrição e análise. Do ponto de vista teórico, situamo-nos
na interface da análise do discurso com teorias que abordam o sujeito em sua constituição
linguística, histórica e social. Em decorrência disso, no entremeio dos estudos de Pêcheux (1988,
1999, 1997), Orlandi (1996) e Coracini (2003), buscamos uma concepção de sujeito que contemple
a heterogeneidade e a contradição que lhe é inerente, como também as determinações históricosociais – permeadas pelo desejo e pelo inconsciente – que lhe são próprias. Nas análises dos
corpora, inquieta-nos a recorrência de uma visão de língua materna e de identidade sustentada por
referenciais logocêntricos, com pouca inserção em práticas e concepções alicerçadas em um
processo sócio-histórico e ideológico. Entretanto, algo fala e faz falhar esse imaginário de língua
una, apontando para o ser-estar-entre-línguas desses alunos e professores. (Apoio: Edital
MCT/CNPq 14/2010 – Universal, processo número 470175/2010-9)
SANTO NA ESCOLA: NO RAP, NARRATIVAS SOBRE COTIDIANO E CULTURA EM
SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE
Ana Lúcia Silva Souza – UFBA
A presente comunicação, como parte dos achados do projeto em curso Letramentos de
Reexistência: os discursos sobre o cotidiano no rap de São Tomé e Príncipe, objetiva problematizar
a respeito dos “lugares” das línguas maternas no cotidiano de países africanos de língua portuguesa
tornada oficial, focalizando São Tomé e Príncipe. O corpus a ser analisado dialoga com cenas
musicais de grupos de jovens que se aproximam do que entendemos como cultura hip-hop e que,
assim como em outros lugares do mundo, assumem o papel de cronistas ao tratar, em especial por
meio do rap, de temas que em seus territórios são candentes. Nesta comunicação interessa tratar
tanto das tensões que envolvem as “línguas vivas”, como também dos movimentos de reinvenção
de usos que, ao negar os silenciamentos em torno de questões “proibidas” pode contribuir para
ampliar indagações e construir novos olhares sobre culturas e identidades em São Tomé e Príncipe.
Acreditamos que tal abordagem pode contribuir com estudos que se interessam pelas discussões
sobre multilinguismo e contemporaneidade, particularmente os que recaem sobre as políticas de
ações afirmativas e relações raciais no Brasil. Salientamos que o projeto em foco, Letramentos de
Reexistência: os discursos sobre o cotidiano no rap de São Tomé e Príncipe tem como interesse
estudar os contradiscursos que informam os usos de linguagem dentro e fora da escola e, por isso
mesmo, integra a pesquisa em rede “Ensinar qual Língua, Ler qual Literatura?: Identidade,
Relações Etnicorraciais e Diversidade Sociocultural em Países de Língua Portuguesa" edital
Universal nº 14/2012 do CNPq, que envolve diversas instituições em torno de estudos de língua e
literatura em países de língua portuguesa oficial ou tornada oficial.
A HERÓICA SAGA DOS SURDOS PARA DOMINAR O ESTRANHO MONSTRO
APELIDADO DE “PORTUGUÊS”
Wilmar R. D’Angelis – UNICAMP
Excetuando as perspectivas oralistas ou oralizantes, na educação de surdos está sempre
contemplado, como crucial, o “ensino de língua portuguesa” escrita. No entanto, como deveria ser
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óbvio, “língua portuguesa”, nesse contexto, confunde-se com a chamada “norma escrita”. Apesar da
iniciativa em andamento (ao que parece, ainda bem pouco avaliada) de uma escrita para a LIBRAS,
a experiência de linguagem dos surdos é, fundamentalmente, com a modalidade de comunicação
direta de sua língua, ou seja, na presença do interlocutor. Desse modo, adquirir (ou, como parece
mais apropriado para a maioria dos casos, aprender) a “língua portuguesa” torna-se um confuso e
difícil processo, porque nele intervêm pelo menos três ordens distintas de problemas: (i) trata-se de
uma segunda língua, isto é, uma outra língua, com uma sintaxe bem distinta da LIBRAS; (ii) tratase de uma outra modalidade (a escrita), distinta daquela de uso da LIBRAS; (iii) como
representação fonográfica de uma língua oral, apoia-se em unidades (letra e sílaba) alheias à
experiência de linguagem dos surdos. A comunicação aqui proposta sugere três abordagens
complementares para um ensino bem sucedido de “português” para surdos: (i) uma abordagem
efetivamente contrastiva das duas línguas; (ii) um ensino de base morfológica, e não propriamente
alfabética; (iii) um ensino que contemple usos orais do português, presentes na literatura e em
legendas de filmes, por exemplo. O primeiro ponto já foi apontado, com propriedade, por
pesquisadores como Ronice Quadros e Magali Schmiedt (1996:24): “Nesse processo, há vários
momentos em que se faz necessária a análise implícita e explícita das diferenças e semelhanças
entre a língua de sinais brasileira e o português”. E ainda: “Ao fazer a análise explícita entre as duas
línguas, estamos utilizando a linguística contrastiva, ou seja, estamos comparando as semelhanças e
diferenças entre as línguas em seus diferentes níveis de análise” Quanto ao segundo ponto, não
temos visto quem o tenha sugerido, embora sejam evidentes, a muitos pesquisadores, alguns
equívocos do ensino para surdos calcado no ensino para crianças ouvintes: “atualmente a aquisição
do português escrito por crianças surdas ainda é baseada no ensino do português para crianças
ouvintes que adquirem o português falado. A criança surda é colocada em contato com a escrita do
português para ser alfabetizada em português seguindo os mesmos passos e materiais utilizados nas
escolas com as crianças falantes de português” (Quadros & Schmiedt, 1996:23). Nos estudos sobre
ensino e sobre produção escrita de surdos em português é comum que se reconheça a morfologia do
português como um ponto problemático, mas não se busca vê-lo como uma solução. Quanto ao
terceiro ponto, igualmente não o vemos abordado nas propostas de ensino nessa área. Há frequente
ênfase no letramento e no uso social da língua, mas alheio à existência de distinções entre português
oral e português escrito. O fato de que o surdo não oralize ou não pretenda oralizar não significa
que seja inútil ou irrelevante que conheça características do português oral (que, afinal, manifestamse em muitos gêneros escritos). Por fim, defende-se a existência de mais uma variedade de
português, ao lado de tantas outras: um “português surdo”, que merece um tratamento semelhante
ao de outras variedades do Português que se distanciam da “norma escrita” (o que até mesmo a
chamada “norma culta falada” o faz, é importante lembrar).
CONTATOS E DESACATOS: AS LÍNGUAS NA FRONTEIRA ENTRE SOCIEDADE
COLONIZADORA E INDÍGENAS (1740 A 1889) - GOIÁS
Thiago Cancelier Dias – UFG
O texto versa sobre a existência de um cargo ou função atribuído a indígenas que são conhecidos
pela designação de línguas nos documentos históricos por possuírem a capacidade de se
comunicarem em língua materna e no português. Esses faziam a interlocução entre a sociedade
colonizadora e as comunidades indígenas nos descimentos e aldeamentos realizados pelos
colonizadores no intuito de liberar as terras e angariar mão de obra indígena. É apresentado o
processo histórico de formação de línguas, a partir do estudo dos aldeamentos fundados em Goiás,
para compreender quais eram as possibilidades de atuação, como foram representados, e quais eram
os possíveis espaços ocupados por esses bilíngues. A presente pesquisa é elaborada a partir de
preceitos da microhistória social, e parte do jogo de escalas de analise para investigar os diferentes
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contextos que permearam as trajetórias de vidas de pessoas com experiências de vida emblemáticas
quanto às hipóteses elencadas.
“A GENTE” NO LUGAR DE UM ELEMENTO PRONOMINAL PERDIDO: UMA
PERSPECTIVA CRÍTICA DECOLONIALISTA
Denize Elena Garcia da Silva – UnB
O objetivo central do estudo é aproximar respostas, desde uma perspectiva crítica decolonialista,
para questões que demandam a busca de fatores de ordem histórica e de natureza discursiva, bem
como sintática e semântica, responsáveis pela “cristalização” de a gente como uma locução
pronominal, formada a partir de um sintagma constituído de artigo mais substantivo/nome. Trata-se
de um fenômeno linguístico diante do qual procuro traçar um caminho reflexivo que principia no
nível discursivo – dimensão mais ampla que faz da língua um contrato social e que me permite
sondar contextos de cultura e de situação, bem como condições sócio-históricas de produção – até
tangenciar a dimensão da interioridade do sistema linguístico. Para tanto, busco respaldo não só em
teóricos funcionalistas, que na busca de universais de usos se dedicam à pesquisa de fenômenos
linguísticos a partir de sua exterioridade (discurso), mas também em estudiosos que, desde a
perspectiva gerativista, concentram-se na investigação voltada para o interior da linguagem,
enquanto propriedade mental da espécie humana. Expor pontos de vista teóricos que refletem uma
linha de pensamento crítica, voltada para a possibilidade de convergência, bem como de relativa
congruência, de modelos teóricos que embasam a trajetória da ciência na rota dos estudos da
linguagem, significa explicitar caminhos de aproximação entre discurso e gramática. Nessa
perspectiva, enfoco estudos anteriores voltados para mudanças observadas já na passagem do latim
para as línguas românicas, mas também para mudanças registradas na variedade do português
brasileiro (PB), em contraste com o português europeu (PE), nos primeiros séculos da colonização
no Brasil. Os primeiros resultados da pesquisa ora apresentada permitem-me sugerir que a hipótese
de uma crioulização do português brasileiro pode ser afastada, mas a possibilidade de os escravos
africanos, pelas condições coercitivas de vida a que foram submetidos no período da colonização,
terem deixado na língua adquirida (superstrato) a marca de submissão, reforçada pelo traço da
indeterminação semântica, devido à condição de exclusão a que estavam relegados, não pode ser
descartada. Resumo O propósito deste simpósio é congregar pesquisas que apresentem reflexões
teóricas ou análises empíricas que, sob perspectivas críticas decolonialistas e/ou pós-colonialistas,
abordem de forma problematizadora o conceito de “língua portuguesa”, assim como outras
categorias e conceitos hegemônicos a ela correlatos, instituídos nos diferentes contextos do
processo colonial, bem como em seus desdobramentos contemporâneos, geradores de panoramas
socioculturalmente complexos em diferentes territórios, como os são, por exemplo, os dos povos
indígenas, africanos e/ou afrodescendentes, asiáticos, populações diasporizadas, migratórias e de
fronteiras. Nessa perspectiva, são esperadas contibuições que abordem sob diferentes ângulos as
interseções entre identidades pós-coloniais e as línguas, fluxos migratórios e as línguas,
especialmente trabalhos que buscam apresentar ou compartilhar o ponto de vista de quem
experiencia ou experienciou esta língua como povo colonizado, migrante ou fronteiriço, assim
como possíveis formas de apropriações e resistências às imposições, coerções e normatizações
linguísticas.
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ALGUMAS PRÁTICAS TEÓRICO-METODOLÓGICAS DECOLONIALISTAS E OS
SIGNIFICADOS DO PORTUGUÊS PARA AUTORAS E AUTORES INDÍGENAS NO
BRASIL
Elismênnia Aparecida Oliveira – UFG
De 2009 a 2012, pesquisei produções escritas em português de autoras e autores auto-identificados
como indígenas, conjuntamente a produções de autoras e autores decoloniais e pós-coloniais. A
proposta de pesquisa foi mapear e analisar concepções de linguagem – escrita, fala, língua, discurso
– e resultou na necessidade de ampliar as conceituações sobre linguagem e rever alguns conceitos
adotados no campo da Linguística. A partir dessa pesquisa, nesse trabalho, a proposta é evidenciar
concepções de língua portuguesa em produções escritas em português por autoras e autores
indígenas no Brasil, pontuando a) como algumas concepções teórico-metodológicas decoloniais
tornam possível a visibilização de produções e concepções indígenas de linguagem e de
conhecimento e b) como se aproximam, em termos de significados, das concepções indígenas sobre
linguagem. Alguns percursos das populações indígenas no Brasil, como ter reconhecimento de suas
terras e conhecimentos, a partir de 1988, e a construção de universidades que formam docentes
indígenas, a partir de 2001, têm influenciado os espaços públicos de representação social,
resultando, por exemplo, em produções de autoras e autores indígenas disponíveis na internete e em
livros com temas variados. A produção de conhecimento vinculada à discussão sobre linguagem e
língua são um dos temas recorrentes nas produções de autoras e autores indígenas no Brasil. Nessas
produções há um questionamento das concepções e usos de escrita, fala, língua e linguagem que são
comuns na produção acadêmica não indígena, e surgem concepções de linguagem que não
correspondem as concepções hegemônicas produzidas no ocidente. As produções decoloniais por
sua vez trazem apontamentos, assim como autoras e autores da Black Linguistic e do pós-colonial,
em que as concepções ocidentais sobre linguagem, como língua, escrita, fala e literatura estão
construídas a partir de uma diferença colonial hierárquica produtora de subalternizações e
resistências, apontando a necessidade de ampliar as conceituações a partir de práticas de linguagem
em que as definições sejam pensadas para além do aparato linguístico hegemônico. Nesse sentido,
as produções decoloniais, da Black Linguistic e pós-colonial, se aproximam das produções
indígenas apontando desconstruções e processos de ressignificação nas concepções de linguagem.
Nesse contexto trarei para discussão três pontos comuns da produção decolonial, às vezes da Black
Linguistic e do pós-colonial, com as produções indígenas: 1) a subalternização de conhecimentos e
epistemologias indígenas, 2) a desconstrução das habilidades linguísticas; 3) as concepções de
língua portuguesa e língua indígena em contextos multilíngues. Nas concepções de língua
portuguesa e língua indígena para algumas autoras e autores indígenas no Brasil estão relações de
hierarquia, acesso a bens, acesso e produção de conhecimento e representação social que apontam
um processo de imposição e resistência de línguas e de corpos, todos esses pontos serão
evidenciados e pensados a partir do contexto colonial de produção do poder / saber em que língua
portuguesa é construída para algumas autoras e autores indígenas no Brasil.
CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ÉTNICA E LINGUÍSTICA DO GRUPO MUNDURUKU
NA ALDEIA TAQUARA
Sâmela Ramos da Silva2(UFG)
Este trabalho apresenta o resultado de uma pesquisada realizada entre o grupo indígena Munduruku
na aldeia Taquara localizada no município de Belterra, oeste do estado do Pará. O grupo indígena
Munduruku apresenta uma situação linguística marcada pela tentativa de resgate de sua língua
indígena através do ensino desta na escola. A situação que temos diante de nós é de um grupo que
se auto-identifica como indígena e luta por seu reconhecimento, bem como luta pelo resgate de sua
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língua indígena. Muitas vezes eles expressam que, apesar de falarem português como 1ª língua, essa
não é sua língua original. Apesar de falarem português, eles a consideram uma língua imposta a
eles, uma língua emprestada, que não os pertence. Assim, por se tratar de um processo de
reafirmação da identidade étnica, estamos utilizando o conceito da Antropologia chamado
“etnogênse”. Segundo Bartolomé (2006), o processo de etnogênese nos ajuda a entender o
dinamismo próprio aos agrupamentos humanos. A partir desse contexto, apresentaremos as
estratégias desenvolvidas pelo grupo a fim de recuperar ou reaprender a língua Munduruku, os
significados culturais e identitários que a tentativa de resgate da língua através do ensino na escola
indígena pode ter na construção de uma identidade étnica e linguística da comunidade. Nossa base
teórica são os trabalhos de Lynn Mario Sousa (2007) especificamente sobre crítica aos modelos
educacionais indígenas, Pennycook e Makoni (2007) que oferecem concepções críticas sobre as
noções de língua, e nas teorias pós-coloniais de Walter Mignolo (2003), Aníbal Quijano (2005) e
Castro-Gomez (2005). Para o desenvolvimento de nossa pesquisa fizemos entrevistas, notas de
campo, observação direta e estabelecemos uma interação com o grupo há dois anos, a fim entender
o cotidiano da comunidade e como se constituem os processos de construção de identidade e a
relação com o resgate da língua Munduruku, tendo como princípio norteador a consideração de
fluidez e multiplicidade das nossas identidades. Nossa experiência entre os Munduruku na aldeia
Taquara têm nos mostrado como a identidade não é algo acabado, mas uma intensa ação de
construção.
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SIMPÓSIO 9
UM BOM DOMÍNIO DA LEITURA E DA ESCRITA: DOS
PRESSUPOSTOS AO SEU IMPACTO EM TERMOS PROFISSIONAIS
E DE RESERVA COGNITIVA
Neste Simpósio, pretende-se relacionar diferentes olhares sobre uma prática emancipadora da
leitura/escrita ao longo da vida que procurem sublinhar a sua inter-relação e o seu papel numa
sociedade que requer cada vez mais uma interação nem sempre assente na “fala” como modalidade
de uso da língua (Marcuschi 2001: 25). Haverá quem se incline mais para o estudo de fases iniciais
da aprendizagem da leitura/escrita e do que isso implica de literacia emergente; quem possa
problematizar as vantagens de um ensino/aprendizagem da leitura e da escrita demasiado cedo por
poderem acionar processos distintos dos convocados em idades tidas como regulares; quem tenha
investido ou invista na sua consolidação em vários níveis de escolaridade; quem se interesse pela
forma como são condicionadas pelas novas tecnologias da informação e da comunicação; quem
estude os vários géneros textuais motivados pelas exigências inerentes às várias práticas de uso da
língua com um possível realce para a modalidade que neles figuram em virtude dos objetivos que
servem; quem se ocupe do que importa exigir a nível académico; quem veja as implicações de uma
boa mestria destas atividades/habilidades em meio profissional com vista à melhor integração e
aceitação dos seus agentes; quem destaque as vantagens de uma leitura e de uma escrita continuadas
no decurso da vida no intento de se chegar a uma idade mais avançada com uma reserva cognitiva
que permita um emprego de uma língua mais rica em ideias, mais dirigida ao essencial, mais
articulada sintaticamente e mais criativa; quem sinta curiosidade pelo seu lado criativo e quem,
entre outras possibilidades de pesquisa, estude os desvios como contributo para um melhor
conhecimento neuro-sócio-psico-linguístico da leitura e da escrita. No caso de este Simpósio poder
atrair, pelo menos, parte dos pontos de vista enumerados, sairá seguramente enriquecido o nosso
modo de estar perante a leitura/escrita.
COORDENAÇÃO
Maria da Graça L. Castro Pinto
Universidade do Porto
[email protected]
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SEQUÊNCIAS TEXTUAIS DESCRITIVAS, PLANOS DE TEXTO E O ENSINO DA
ESCRITA EM CURSO DA ÁREA JURÍDICA
Sueli Cristina Marquesi – PUCSP/UNICSUL
Tenho por objetivo, neste trabalho, discutir a organização de sequências textuais descritivas e de
planos de texto do universo jurídico para o ensino da escrita em curso de Graduação. Para tanto,
tomando por base estudos desenvolvidos por Adam (2008), por Charaudeau (2008) e por Marquesi
(2004, 2007, 2010 e 2011), proporei atividades de escrita a partir da análise de sequências
descritivas em petições iniciais e em sentenças, e discutirei sua aplicação a alunos de uma
universidade da cidade de São Paulo, bem como os resultados obtidos. O trabalho relaciona-se a
duas pesquisas mais amplas que venho desenvolvendo, nos últimos anos, uma sobre tipos e
sequências em gêneros textuais/discursivos, no âmbito do projeto CAPES - PROCAD. NF
(UFRN,PUCSP, USP), e outra sobre dificuldades de leitura e escrita em cursos de Graduação,no
âmbito de projeto realizado na Universidade Cruzeiro do Sul, em São Paulo, e, em função da
delimitação aqui estabelecida, proponho-me a responder a seguinte questão:A organização de
sequências textuais descritivas em textos do universo jurídico pode facilitar o ensino da escrita em
cursos de Graduação em Direito?
A ESCRITA NA UNIVERSIDADE: TRAVESSIAS DE UM TEXTO-PRODUTO PARA
UMA CONSTRUÇÃO DIALÓGICA
Obdália Santana Ferraz Silva – UNEB
Este estudo é parte de uma pesquisa de doutorado que se insere no campo das discussões teóricas
sobre a escrita acadêmico-científica, propondo uma reflexão crítica sobre as práticas de produção
textual que se desenvolvem no curso de Letras Vernáculas da Universidade do Estado da Bahia
(UNEB), bem como as formas de avaliação dessa produção. De modo mais específico, intenciono
discutir sobre o lugar do “escrever”, em um curso que forma professores, os quais serão formadores
de leitores e produtores de texto. A escrita, nesse contexto de discussão, é entendida como
construção de conhecimento, que se amplia para além da escrita como fim em si mesmo, de uma
escrita-produto, que visa apenas à obtenção de nota, para transformar-se em lugar em que diferentes
vozes se encontram, lugar de labuta com signos e significações. Em termos teóricos, esta pesquisa
está alicerçada na perspectiva da linguagem como processo interativo, social e histórico, dialógico
(Bakhtin, 2003; 2004); na ideia de escrita como constituição da subjetividade e da identidade do
sujeito (Coracini, 2003); na concepção de avaliação do texto escrito como processo em que se
estabelece uma relação interlocutiva entre aluno (autor) e professor (leitor), parceiros ativos na
produção de sentidos (Costa Val et al., 2009); nas concepções teórico-metodológicas da Análise de
Discurso Francesa (ADF), para tratar da escrita como exercício de autoria, do autor como sujeito
que produz um lugar de interpretação, discurso como prática política, lugar de conflitos e
confrontos de sentidos (Orlandi, 2004; 2005a; 2005b; e Pêcheux, 1990; 1995; 2004; 2006).
Importante se fez o diálogo com o campo da linguística textual, para discutir o texto como lugar de
interação, no qual leitor e autor são sujeitos ativos, de contextos socioculturais específicos (Galli,
2010; Geraldi, 1997; 2006; Kleiman, 2000; Soares, 1999). Trata-se de uma pesquisa de campo, de
caráter etnográfico, cujos dados para constituição do corpus foram coletados através de grupos
focais e entrevistas semiestruturadas com onze professores e vinte alunos do referido curso. Os
postulados da ADF, desenvolvidos por Pêcheux (1990; 2006), e retomados, no Brasil, por Orlandi
(2005a; 2005b), serviram de suporte teórico-metodológico para interpretação e compreensão do
corpus, isto é, dos “recortes discursivos”, considerando os lugares a partir dos quais os sujeitos
produzem seus discursos. A análise dos recortes discursivos mostrou que as práticas de escrita
acadêmico-científica, no referido curso, precisam ser reconfiguradas, pois ainda se constituem no
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bojo de processos de ensino aligeirados; forjado na pressão do cumprimento do prazo para entrega
do texto ao professor, com vistas à avaliação quantitativa, em meio a um número considerável de
seminários a realizar e de leituras a fazer, configurando-se mais como um produto. Tal conclusão
aponta para a necessidade de o professor planejar, pensando a escrita acadêmico-científica como
processo sócio-histórico, como atividade de dimensão crítica, a partir da qual os alunos possam
materializar seus conhecimentos, experimentando a pluralidade de significações que os situe frente
ao saber-fazer, saber-ser, saber-dizer, colaborando, desse modo, para a formação desses sujeitos
como professores de língua materna, formadores de outros leitores produtores de texto.
A EMERGÊNCIA DA CONSCIÊNCIA TEXTUAL – UM MOMENTO DECISIVO DO
PROVESSO DE ALFABETIZAÇÃO
Onici Claro Flôres – UNISC
Este relato comenta os resultados de uma pesquisa que examinou como crianças de pré escola, de 1º
e de 2º ano do Ensino Fundamental distinguem dizer de querer dizer. O estabelecimento dessa
distinção é fundamental para que o leitor possa se distanciar da materialidade linguística das
palavras e de sua crença no significado como mero rótulo e, em contrapartida, possa desenvolver a
consciência do texto, enquanto unidade de sentido. O usual é que o leitor iniciante se fixe na
decodificação de cada uma das palavras, perdendo o fio temático do texto. A investigação realizada
embasou-se nas reações das crianças e em suas respostas às perguntas sobre a leitura feita pela
pesquisadora ou pela professora da turma, quando da prática leitora em voz alta das diferentes
versões (quatro) de um mesmo texto (livro infantil e três paráfrases) – paráfrase verdadeira ou falsa
da expressão a ser avaliada (substituição de palavras, conservando ou alterando o seu significado)
através da repetição verdadeira (textualidade verdadeira) ou falsa (textualidade falsa) da expressão a
ser avaliada (significado preservado, com alteração ou manutenção dos termos constantes do texto).
Os informantes reconheceram o texto original e a variação formal introduzida, pontuando as
mudanças ocorridas nos textos parafraseados. O estudo desenvolveu-se no mês de junho de 2011,
envolvendo 57 crianças ao todo, sendo 24 alunos do 2º ano; 19, do 1º e 14, da Pré-Escola. No
primeiro encontro com cada grupo foi lido o texto original, no portador livro e, nos subsequentes, as
paráfrases (em folhas digitadas). A metodologia utilizada teve cunho interpretativo e os encontros
filmados, de modo a captar o Pensar Alto em Grupo (ZANOTTO & PALMA, 2008), que permite e
propicia a construção intersubjetiva do conhecimento. Durante os quatro encontros realizados com
cada turma de alunos, as crianças participaram ativamente das práticas de leitura propostas e,
quando inqueridas, reconheceram as paráfrases como possibilidades de materialização de um
mesmo conteúdo, manejando relações de sentido entre palavras e estruturas, bem como
estabelecendo vínculos coesivos adequadamente. Os resultados da pesquisa indicaram que a leitura
em voz alta – por um adulto – é positiva em termos de desenvolvimento do léxico infantil e, além
disso, evidenciaram que: 1) discutir em grupo possíveis interpretações e 2) produzir paráfrases
alternativas de expressão do mesmo conteúdo são facilitadores da construção intersubjetiva do
conhecimento e da emergência da consciência textual.
O DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES DE LEITURA NO ENSINO
FUNDAMENTAL
Maria Aparecida Garcia Lopes-Rossi – UNITAU
Os professores de Língua Portuguesa, de modo geral, veem-se frequentemente diante de dados
desanimadores sobre a proficiência leitora dos alunos, manifestada em avaliações externas de
leitura como Prova Brasil, avaliações estaduais e a, cada três anos, PISA. Nesse cenário,
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constituem-se temas relevantes para a pesquisa sobre o ensino de língua portuguesa as habilidades
cobradas pelas provas externas e os principais fundamentos teóricos e metodológicos necessários a
um trabalho em sala de aula que possibilite o desenvolvimento de habilidades de leitura dos alunos.
O objetivo desta comunicação é apresentar resultados de pesquisas desenvolvidas no âmbito do
Projeto Observatório/Unitau “Competências e habilidades de leitura: da reflexão teórica ao
desenvolvimento e aplicação de propostas didático-pedagógicas”, nº23038010000201076,
financiado por CAPES/INEP, desenvolvido em sete escolas públicas de ensino fundamental da
cidade de Taubaté. Especificamente, serão apresentadas sequências didáticas de leitura de gêneros
discursivos diversos, desenvolvidas a partir de fundamentação teórica pertinente, e comentados os
resultados da prática em sala de aula dessas sequências. As atividades de leitura desse projeto são
organizadas em sequências didáticas elaboradas a partir da articulação de pressupostos teóricos da
abordagem sociocognitiva de leitura, da teoria bakhtiniana de gêneros discursivos e de
características típicas de cada um dos gêneros enfocados. Permitem contemplar, ainda, habilidades
de leitura cobradas em avaliações externas, como Prova Brasil e SARESP. Os resultados das
práticas de leitura em sala de aula mediadas por essas sequências didáticas revelam um caminho
promissor para o trabalho com leitura de gêneros discursivos, associando fundamentação teórica
pertinente, exigências de avaliações externas e textos que atraem a atenção dos alunos. Soma-se a
isso a possibilidade de o professor ampliar a coletânea de exemplares de gêneros discursivos a
serem lidos pelos alunos e elaborar as atividades de leitura independentemente de livros didáticos.
Conclui-se que a divulgação desses materiais didáticos para outros professores de Língua
Portuguesa constitui-se uma contribuição ao ensino e à reflexão crítica sobre novos
encaminhamentos que esse tipo de trabalho poderá tomar para o melhor desenvolvimento de
habilidades de leitura de alunos da educação básica.
PROCESSOS DE LEITURA/ESCRITA E CONDIÇÕES SOCIAIS PARA O
LETRAMENTO
Ana Aparecida Vieira Moura – UnB
Rosineide Magalhães de Sousa – UnB
Este trabalho situa-se no âmbito da formação acadêmica. Nele, propomos discutir estratégias e
mediação necessárias para o desenvolvimento da leitura e da escrita de educandas e educandos em
contextos de diversidade cultural. A pesquisa se dá na prática da formação do curso de Licenciatura
de Educação do Campo (LEdoC), da Universidade de Brasília – UnB, Campus Planaltina-DF, com
três turmas, de diferentes semestres, formadas por pessoas oriundas das regiões: Centro-Oeste,
Sudeste e Norte do Brasil. Esta pesquisa vem sendo desenvolvida há dois anos. Teve como
motivação, desenvolver estratégias que facilitem a leitura e a produção de gêneros discursivos
acadêmicos nesse curso, por meio da mediação. Visto que, o curso recebe, por meio de um
vestibular específico, pessoas do campo que tiveram um ensino básico de baixa qualidade e que, na
maioria das vezes, não tiveram acesso sistematizado a estratégias de leitura e de escrita, chegando à
universidade apresentando problemas nessas modalidades. Ao verificar essa problemática, que
também é comum em outros cursos universitários, procuramos utilizar o processo de construção de
sínteses, resumos, não como gênero discursivo acadêmico, mas como estratégia de compreensão e
interpretação leitora e também com o objetivo procuramos entender o aspecto sociocognitivo de
sujeitos de idades e identidades diferentes, oriundos de cultura de oralidade, na busca de um
letramento acadêmico, que estabelece seus gêneros discursivos como recursos para legitimar o
conhecimento acadêmico. Esta pesquisa se fundamenta na Sociolinguística Qualitativa que envolve
o conhecimento de contexto, interação, mediação, na Teoria dos Gêneros Discursivos e do
Letramento como Prática Social. Ainda, utiliza a Etnografia Educacional como base metodológica.
Verifica-se como resultado parcial da pesquisa, que a estratégia de resumir revela como os
educandos e as educandas da LEdoC compreendem a leitura de um determinado texto acadêmico,
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mediante sua complexidade de linguagem, mostrando ser a leitura mais refinada (profunda) ou
superficial (de pouca apreensão e compreensão). Isso conduz à busca de estratégias de mediação
que conduzam à leitura mais elaborada, fazendo com que esses educandos e essas educandas
apreendam esse processo de forma reflexiva, procurando por si mesmos seu aprimoramento leitor e
escritor.
PRÁTICAS E ESTRATÉGIAS DE LEITURA ENTRE ALUNOS DE UM CURSO DE
GRADUAÇÃO
Elsa Maria Mendes Pessoa Pullin – UEL-PR
Natália Moraes Góes – UEL-PR
Talita Kito – UEL-PR
Os meios de comunicação e a avalanche de novas informações, escritas em textos, imagens,
relatadas etc, trespassam e se afirmam de forma cada vez mais eficaz no cotidiano, pessoal e
profissional do indivíduo. Os cenários decorrentes desses contornos, de constante movimento e
transformação, bem como as demandas socioeconômicas requerem cidadãos que saibam com
autonomia e criticamente se relacionar com os outros, suas produções e aprendam continuamente,
demonstrando flexibilidade e avaliações críticas, seja sobre o que os outros produzam ou sobre os
conhecimentos que adquiram ao longo da vida (GIMENO-SACRISTAN, 2008; TEDESCO, 2011).
A leitura é uma das práticas responsáveis, talvez uma das principais pela formação do indivíduo
(LARROSA, 2002). A leitura é uma prática cultural (CHARTIER, 1991, CHARTIER e
BOURDIEU, 1996; CAVALLO e CHARTIER, 1998), que sofre constrangimentos, alguns
circunscritos pelos modos legitimados nas instituições responsáveis por seu ensino (FARIA FILHO,
2001; SILVA, 1999; CARLINO, 2003; ROCKWELL, 2006; DAUSTER, 2003), pelo espaço/tempo
de sua produção e pelas condições individuais de acesso aos textos, alguns de natureza econômica,
outros das condições que foram levados a ler (FREIRE, 1989; VOLVIO, 2010). A importância das
práticas de leitura e de examinar quais estratégias são reconhecidas quanto à sua utilização por
alunos universitários, futuros professores, para lerem os textos que lhes são prescritos para estudo,
motivaram a realização deste trabalho, que teve o objetivo de conhecer e comparar as práticas de
leitura e as estratégias de leitura utilizadas pelos acadêmicos. Para tanto, foram convidados a
participar alunos matriculados na primeira e quartas séries do curso de Pedagogia de uma
universidade pública do norte do Paraná. O estudo contou com a participação de 225 acadêmicos,
sendo 132 das primeiras séries e 93 das quartas séries que responderam ao questionário quanto ao
uso das estratégias de leitura. Foram utilizados para a coleta de dados, uma escala para indicação da
frequência do uso de estratégias de leitura (Kopke Filho, 20011) e um questionário sobre práticas de
leitura, desenvolvido e testado anteriormente por Pullin (2006). Dos matriculados na quarta série,
95 responderam a esse questionário. Os dados demonstraram que a maioria dos participantes: a)
admite não ter tido experiência anterior ao ingresso na universidade com leitura de textos de estudo;
b) reconhece manter uma boa relação com a leitura dos textos prescritos para estudo, indicando
gostar de lê-los, apesar de ocasionalmente enfrentarem dificuldades; c) interessa-se em ler os textos
prescritos em função do professor e dos modos como este utiliza os textos que prescreve em sala de
aula; d) evolui, ao longo do curso, na frequência do uso de estratégias de leitura, especialmente
daquelas relacionadas ao controle das hipóteses e da compreensão do conteúdo do texto.
Triangulações internas com os dados recolhidos foram realizadas quantitativamente para a análise
qualitativa. Apesar dos progressos registrados nesse grupo de alunos, quando comparadas as
informações relativas às estratégias de leitura, quando ingressantes e formandos no curso, bem
como das obtidas na sondagem das práticas que indicam utilizar ao ler os textos de estudo
prescritos, são sugeridas providências das Instituições de Ensino Superior, especialmente a serem
atendidas pelos professores, para que os alunos, futuros formadores de leitura, possam com
competência ler criticamente os textos que invadem seu cotidiano.
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OS DESAFIOS DA LINGUAGEM NO SÉCULO XXI
Maria Celeste Saad GUIRRA – UFMT
Eloísa de Oliveira LIMA – UFMT
Este texto objetiva discutir o trabalho com a linguagem desenvolvida na escola, considerando a
linguagem como o principal ingrediente da vida em sociedade. Vivemos numa sociedade capitalista,
caracterizada por, no mínimo, quatro grandes forças: a velocidade, a informação, a globalização e a
competitividade que, interdependentemente, acabam por fazer de nós eternos aprendizes e
provocam profundos reflexos na vida social. Nesse contexto, os educadores devem buscar tudo
aquilo que venha concorrer para um aprendizado mais eficaz e de forma equilibrada, sem ignorar a
existência das novas tecnologias, especialmente, da internet, nem considerá-los como solução para
todos os problemas. O trabalho com a linguagem, na escola, deve, pois, dotar o aluno da
competência linguística que possibilite a ele a participação na vida social. Isso significa que a escola
deve trabalhar no sentido de capacitá-lo para compreender e atribuir sentido às mensagens oriundas
de diferentes fontes de linguagem, bem como ser capaz de produzir outras tantas, em diferentes
linguagens, tendo em vista o objetivo de sua produção. Isso é interagir pela linguagem, o que
acontece tanto numa conversa informal quanto na produção dos textos técnicos e científicos. Nossa
experiência tem mostrado que muitos professores, em atuação no magistério, no ensino fundamental
e médio, não tiveram uma formação que contemplasse a dimensão sociofuncional da língua,
principalmente, por meio da exploração de diferentes gêneros textuais, e que evidenciasse a
linguagem como uma prática social. Na atualidade, não se pode ignorar o poder, o alcance e as
possibilidades desses novos “artefatos digitais”, bem como a instantânea sedução exercida por eles
sobre crianças, jovens e adultos. Nesse contexto, surge a linguagem da internet, sob as mais
diversas formas e objetivos: desde a correspondência trocada por empresas, numa língua mais
formal, até a conversa descontraída nas salas de bate-papo, no facebook, no msn, no blog, no chat.
Mais uma vez nos perguntamos: Que língua ensinar? Esse é o nosso maior desafio. Só que esse
desafio não é do século XXI. Desde a segunda metade do século passado, mais precisamente, a
partir da década de 70, a escola se debate em busca de caminhos para responder à questão, que se
complica, hoje, com o advento da internet e a popularização de seu uso. Todos concordam com a
ideia de que escola não pode ignorar essas inovações sob pena de ficar à margem dessa nova
realidade dos usos linguísticos. Mas, segundo Marchuschi (2005), a linguística está diante de um
fenômeno que a obriga a rever alguns de seus postulados teóricos, uma vez que, da forma como está
hoje, ela não dá conta dessa nova realidade que se apresenta. Mesmo porque a linguagem das novas
tecnologias não está atingindo o sistema linguístico, que não muda e que, segundo Saussure (1988),
nenhum indivíduo seria capaz disso. As novas linguagens mexem com o uso. E, como a linguística
já começou a tratar das práticas discursivas, naturalmente, ela se dedicará ao estudo dessas
ocorrências de uso linguístico. Palavras-chave: Sociedade – Educação – Linguagem – Internet
ESCRITA E FALA: INTERFACE FONÉTICA, FONOLOGIA E SOCIOLINGUÍSTICA
Gisele da Paz Nunes – UFG/CAC
Flávia Freitas de Oliveira – UFG/CAC
Este trabalho propõe repensar o ensino de língua materna, na fase de aquisição da escrita, tendo em
vista dois pressupostos teóricos: um com base nas teorias da Fonética e da Fonologia e outro com
base nas teorias da Sociolinguística. Pode-se afirmar que o processo de ensino de aquisição da
língua escrita tem sido duramente criticado em todos os sentidos. No entanto, mesmo após
profundas discussões que apontam caminhos diversos, muitos problemas do ensino de língua
materna ainda persistem em muitas escolas públicas e privadas e ainda temos muito que discutir a
esse respeito. As reflexões propostas neste trabalho deverão permitir estabelecer parâmetros mais
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119
complexos em relação ao ensino de aquisição da escrita, especialmente no que diz respeito à
aquisição da ortografia quando confrontada com problemas oriundos de variação linguística.
Professores que consideram escrever ortograficamente correto um problema de segunda categoria,
não deixam de se espantarem diante de escritas como “eZercício, aSSúcar ou poMto”. Mas esse
problema de escrita pode ser considerado menor em relação a outros de natureza diversa? Se o texto
tem coesão e coerência, dispensa-se a escrita ortograficamente correta? Se o professor deve corrigir
os erros de ortografia, quando começar a fazê-lo? A proposta defendida nesse trabalho é a de que,
se crianças que dizem ou escrevem eu “fazi” o fazem porque relacionam hipoteticamente este verbo
com outros de seu conhecimento como correr, comer e ler (cujo pretérito é, respectivamente, corri,
comi e li) têm a chance de percorrer o caminho do erro e do acerto na fala, poderiam ter o direito de
fazê-lo também em relação à escrita, aprendendo por si mesmas, através do erro/acerto, as regras
que são válidas para a escrita. Para muitos estudiosos, os erros na escrita infantil são “tateios
cognitivos” percorridos pela criança na busca de relações entre o que já domina (fala) e o que está
aprendendo (escrita) já que nas séries iniciais, os alunos percebem que a escrita tem relação com a
fala, mas observam que nem tudo é igual. Na verdade há um “canyon” entre uma e outra. Nos
primeiros anos escolares, o aluno já é capaz de escrever, estabelecendo correspondência entre fala e
escrita, mas isso não significa que já escreva ortograficamente, estando, portanto, sujeito a variados
erros, erros também de natureza oriunda da variação linguística, especialmente daqueles alunos
provenientes de classes sociais menos privilegiadas. As teorias da Fonética e da Fonologia nos
servem, nesse momento, para nos instigar a pensar em erros ortográficos que têm os processos
fonológicos como motivação para sua ocorrência. Se o professor tem conhecimento dessas teorias e
de sociolinguística, tem mais aptidão para sanar esse tipo de erro.
A IMPORTÂNCIA DA SOCIOLINGUÍSTICA INTERACIONAL NO CONTEXTO DE
LEITURA EM SALA DE AULA
Angélica Torres Vilar de Farias – UFPB
Andréa Tôrres Vilar de Farias – UFPB
É função da escola, estimular no aluno o gosto e o prazer da leitura. Desde a educação infantil, a
criança deve ter oportunidades de vivenciar situações de aprendizagem de leitura e escrita de
maneira atraente e prazerosa e significativa. Para tanto, um ferramenta importante que pode auxiliar
nesse processo é a contação de histórias em sala de aula. Elas exercem um fascínio extremamente
importante para a formação moral da criança e do futuro adulto, pois são caracterizadas por uma
verdade vital que faz com que as crianças construam sua leitura de mundo. A contação de histórias
permite uma interação entre contador e ouvinte propiciando a recomposição de valores oriundos de
experiências coletivas que por vezes se perdem na aceleração da vida moderna. Assim, se faz
necessário que o professor alfabetizador privilegie os aspectos ligados à oralidade no processo de
construção da escrita, uma vez que esta última possui certas peculiaridades que envolvem o
conhecimento linguístico, o uso da fala e sua relação com a escrita. É imprescindível que esses
professores desenvolvam uma alfabetização mais democrática garantindo que as crianças oriundas
de classes populares se apropriem da linguagem escrita e ampliem seus conhecimentos acerca da
língua oral e saibam utilizá-la nos mais variados contextos sociais. Nesse sentido, a sociolinguística
interacional se reveste de grande importância no processo educacional, tendo em vista que a
verdadeira natureza da linguagem é a interação socioverbal e as interações são pois, a base da
comunicação humana. Este artigo é constituído de uma revisão teórica onde pretendemos situar e
destacar a importância da sociolinguística interacional no contexto de leitura em sala de aula.
Acredita-se que a sociolinguística é de suma importância e pode auxiliar o docente alfabetizador em
sua principal tarefa, o ensino da língua materna. Para tanto, em nossas discussões, nos apoiaremos
em teóricos como: Bakhtin, Bortoni-Ricardo, Goffman, Soares, dentre outros.
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|A IMPORTÂNCIA DA REVISÃO DA ESCRITA
Maria da Graça L. Castro Pinto – UP-Portugal
Os estudiosos familiarizados com a prática da escrita sabem bem como conhecem uma ampla
divulgação os três processos cognitivos que a integram como processo: a planificação, a tradução e
a revisão (ver McCutchen 2006: 115). Se a revisão constitui o terceiro processo cognitivo
assinalado, poderá gerar alguma estranheza observar como é convocado para o título desta
comunicação e dessa forma chamado a terreiro em detrimento dos outros dois. É plausível que tal
opção cause alguma admiração; no entanto, não deve ser lida como sinónimo de atribuição de um
desempenho de menor interesse à planificação e à tradução/produção textual/redação. Os três
processos albergam em si graus de relevância muito próprios e a sua ordem de enunciação só nos
pode alertar para uma sequência nesse processo que se nos afigura óbvia. Descarta-se assim a
hipótese de se poder partir para uma revisão sem ter antes sido gerado um (excerto de) texto que,
quando não despido de sentido, só pode ter sido precedido da devida planificação. O destaque por
nós outorgado à revisão vem na senda do que se lê na obra Revising Prose, de Richard Lanham,
quando este autor sublinha o interesse de se aplicar o “método paramédico” (LANHAM 2006) à
escrita, no intuito de tornar a compreensão da leitura mais fácil, mercê das regras nele contidas
tendentes a reduzir o esforço cognitivo de quem lê. Das oito regras que integram o “método
paramédico”, sublinham-se como dignas de ser seguidas para evitar que não seja omitida a ação
principal das frases, para que se vá direto ao assunto e não se exagere com introduções longas e
para que se incuta o hábito de se ler em voz alta com o fim de detetar alguma incongruência no que
está escrito, as regras “3. Find the action. Who’s kicking who?”, “5. Start fast – no slow windups”
(Lanham 2006: 17) e “6. Read the passage aloud with emphasis and feeling” (Lanham 2006: x). O
principal objetivo desta comunicação reside em mostrar como o respeito pelas mencionadas regras
impede que se deixem parágrafos incompletos e que se torne a prosa menos compreensiva a quem a
ler. Serão dados como exemplos excertos extraídos da Bíblia, de uma tese de doutoramento, de
trabalhos de avaliação de estudantes de graduação e de pós-graduação e de uma monografia. A
revisão da prosa é sem dúvida importante se tivermos em mente o que se quer transmitir sem se
sobrecarregar demasiado a memória operatória do leitor (ver KEMPER & SUMNER 2001: 313,
relativamente ao efeito das orações encaixadas à esquerda do verbo principal), bem como a sua
compreensão.
LÍNGUA PORTUGUESA E POLÍTICAS DE REPRESENTAÇÃO: IDENTIDADE E
SENTIDO DE PERTENÇA
Dina Maria Martins FERREIRA – UECE
O ex-presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, em seus mandatos governamentais no Brasil
tinha o hábito em seus discursos públicos de usar a expressão “nunca dantes nesse país”.
Imediatamente, um estudioso da linguagem poderia fazer a relação interdiscursiva entre esta
expressão com a de “mares nunca dantes navegados” de Camões em Os Lusíadas. Aceita a
interdiscursividade, teríamos dois momentos do uso da língua portuguesa, século XXI e XVI, que
se encontram e se tocam, sem dúvida, pelos sentidos ufanista e patriótico, podendo nós aventar a
questão da trans-história linguística. Primeiro, acordamos, neste estudo, com a ideia de que a noção
de língua não se resume apenas a estudos internalistas e sistêmicos, em que o sincrônico se faria em
um constativo generalizador, até porque as performatividades linguísticas são situadas
historicamente e, por conseguinte, autoras de formações identitárias. Segundo, adotando o
pressuposto de que nessa questão estamos na trans-história, adentramos na natureza ecológica da
linguagem (Rajagopalan, s/d, mimeo), que como tal se caracteriza pelo reaproveitamento e resignificações ad infinitum. Como postula Derrida (1999), a linguagem percorre caminho
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bustrofédico ‒ bustrofédon, a escritura de volta de boi –, da esquerda para direita ininterruptamente,
como o arado do boi no plantio de uma terra. Essa terra é a linguagem, arada pelo uso de língua
através das histórias. Tal arado, situado, levanta terras antigas e/ou coloca terras novas, que se
misturam; e nesse revolver do arado, muitas marcas vão ressurgindo constitutivas de novas
histórias, mesmo que expressões 'antigas' sejam 'repetidas'. No entanto, nesse estudo, os sentidos
nunca são saturados (Derrida, 1999), e seus contextos também não. A memória do eventual repetido
do já-dito com o dito-agora pode estar retomando o já-dito, mas o dito-de-agora tem seu próprio
locus e seu sentido no momento de seu uso . Pelo estudo da expressão “nunca dantes” analisam-se
diferenças de uso linguístico que constroem, para alguns, uma unidade identitária lusófona pelo
movimento de diversidades. E por esse arado da língua portuguesa, a identidade lusófona
percorreria a trans-história de sua língua em manifestações históricas específicas, construindo o
sentido de pertença (Vattimo, s/d) sem as fronteiras de sua territorializão (Haesbaert, 2006), no caso
o Brasil lulista e Portugal camoniano. Historialidade, territorialização, linguagem são a tríade
argumentativa de nossa análise.
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SIMPÓSIO 10
VARIEDADES ESTIGMATIZADAS DE PORTUGUÊS: UMA VISÃO
ECOLINGUÍSTICA E SOCIOLINGUÍSTICA
Como se trata de um evento dedicado à língua portuguesa, o objetivo deste simpósio é discutir
variedades estigmatizadas dessa língua, como ela é falada no Brasil. Esse tipo de variedade é
bastante comum em nosso país. Por exemplo, temos as diversas variedades de português rural, com
as da periferia das grandes cidades, que são muito parecidas com elas, além da linguagem das
favelas, a dos moradores de rua, a dos imigrantes, a de pequenos grupos étnicos como os exquilombos e comunidades indígenas que já perderam a língua étnica ancestral, entre outras. Por um
lado, as contribuições devem estudar não apenas a estrutura dessas diversas variedades. Deve
também relacioná-las com o contexto em que estão inseridas. Por outro lado, não deve ser apenas
um estudo sociológico. Pelo contrário, deve abordar a linguagem específica dos grupos em questão,
tais como o vocabulário, a morfossintaxe, os padrões interlocucionais etc., mas relacionando-os
sempre com o entorno em que são usados. Por isso, solicitamos que se dê um tratamento
ecolinguístico ou sociolinguístico à questão. De preferência ecolinguístico, pois é assim que
poderíamos esperar uma interpretação inteiramente nova de fenômenos já conhecidos. No entanto, o
tratamento sociolinguístico também é bem-vindo, uma vez que também ele encara a língua
intimamente relacionada ao contexto social em que é usada, embora a ecolinguística leve em conta
inclusive o contexto natural e até o mental.
COORDENAÇÃO
Elza Kioko Nakayama Nenoki do Couto
Universidade Federal de Goiás
[email protected]
Hildo Honório do Couto
Universidade de Brasília
[email protected]
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CRENÇAS E AVALIAÇÕES A RESPEITO DO PORTUGUÊS E DAS LÍNGUAS DE
CONTATO EM UMA COMUNIDADE DO SUDOESTE PARANAENSE
Clarice Cristina Corbari – UNIOESTE/UFBA
Este texto apresenta resultados parciais de pesquisa sobre crenças e atitudes linguísticas manifestas
por falantes da localidade de Santo Antônio do Sudoeste, situada na região Sudoeste do Paraná, na
fronteira com a Argentina. Essa localidade constitui um cenário cultural e sociolinguisticamente
complexo graças à colonização por descendentes de imigrantes de diversas etnias e aos contatos
estabelecidos com os habitantes da cidade vizinha de San Antonio, na Argentina. Objetiva-se
identificar, principalmente, as crenças e avaliações em relação ao português falado na fronteira, bem
como à variedade resultante do contato do português com o espanhol, sem se esquecer das relações
com as demais línguas de contato (línguas de imigração), das quais o português também sofre
influência. Tais crenças (componente cognitivo) e avaliações (componente afetivo) frequentemente
conduzem a determinadas atitudes (componente conativo) frente à(s) variedade(s), que podem ser
de prestígio ou de desprestígio – neste caso, manifestando-se como preconceito ou estigma. Parte-se
do pressuposto de que as crenças e atitudes linguísticas são influenciadas por um conjunto de
circunstâncias que envolvem o uso das variedades em determinado espaço sociocultural e
geográfico, ou seja, as forças do entorno das línguas não só influem nos usos delas, mas também
afetam os seus falantes. O corpus deste estudo provém de dados do Projeto “Crenças e atitudes
linguísticas: um estudo da relação do português com línguas de contato” (AGUILERA, 2009),
coletados em diversas localidades paranaenses a partir de um questionário aplicado a dezoito
informantes. O processo de segmentação do corpus para este estudo obedeceu ao rastreamento de
respostas nas quais os informantes se manifestam sobre suas crenças, avaliações e atitudes em
relação às variedades em foco. Os resultados da análise são contrastados com dados de estudos
feitos em outras localidades da região, fronteiriças à Argentina. A tentativa de compreensão dos
dados se faz com o auxílio de pressupostos teórico-metodológicos de várias áreas que se interessam
pelos fatores que regulam os usos da linguagem: a Sociolinguística, a Sociologia da Linguagem, a
Etnolinguística, a Ecolinguística e a Psicologia Social.
A VARIEDADE DO PORTUGUÊS DA REGIÃO NORDESTE DO RIO GRANDE DO
SUL/BRASIL E AS INTERFERÊNCIAS DO DIALETO VÊNETO BRASILEIRO: USOS
DOS VERBOS TRAZER E LEVAR
Greyce Dal Picol – UCS
O contato de variedades dialetais com línguas majoritárias, como é o caso dos dialetos italianos em
relação ao português, na Serra Gaúcha, pode levá-los a abandono progressivo, vinculado a
desprestígio linguístico e social. Na língua portuguesa falada na Região de Colonização Italiana do
Nordeste do Rio Grande do Sul/Brasil (RCI/RS), ocorrem marcas da variedade dialetal italiana do
Sul do Brasil, popularmente conhecidas como talian ou vêneto sul-rio-grandense. Há traços
fonético-fonológicos, lexicais e morfossintáticos, muitas vezes passíveis de preconceito. O presente
estudo tem como objetivo analisar o emprego alternado dos verbos trazer e levar no português dos
descendentes de imigrantes italianos, à luz dos processos históricos responsáveis pelas mudanças
linguísticas e culturais ligadas a esse dialeto, como é o caso da campanha de nacionalização, de
1937, apontada como uma das causas de abandono de línguas, no Brasil. A base teórica será
auferida em Kramsch (1998), Duranti (2001) e Couto (2009), além de estudos lexicológicos. O
método é o da observação e registro de frases empregadas no cotidiano. No português da RCI, tanto
nas gerações mais velhas quanto nas mais novas, ocorre uso equivocado no emprego dos verbos
trazer e levar, pois o talian, assim como os dialetos setentrionais italianos, faz uso de apenas um
verbo, portar (no italiano padrão, portare), que tem sentido de ‘carregar algo para algum lugar’.
Esse lugar pode estar próximo ao falante (quá; ‘aqui’), ou distante (lá, ‘lá’). Assim, um único verbo
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do talian, com o auxílio de advérbios, transmite a informação que, em português, necessita de dois
verbos distintos. Em decorrência disso, observam-se frases como “Mãe, me leva o tênis [aqui]”,
sem atender à distinção entre os verbos da variedade padrão portuguesa. O corpus deste trabalho é
constituído por frases formuladas por falantes que habitam a zona rural, onde o contato com a
variedade dialetal italiana é mais contínuo. Para a análise de significação verbal, são utilizados três
grandes dicionários de língua portuguesa (HOUAISS, 2001; AURÉLIO, 2009; AULETE
DIGITAL, 2012) e outros três de língua italiana (CORTELAZZO; ZOLLI, 1999; ZINGARELLI,
2001; GARZANTI, 2008). Também será utilizado um dicionário do dialeto vêneto sul-riograndense (STAWINSKI, 1987), para fins de comparação. Com isso, busca-se apresentar, sob o
ponto de vista histórico, social e linguístico, esse elemento tão presente no português da região que,
em alguns casos, é motivo de confusão e incompreensão – e também de estigma – na comunicação
dos falantes da RCI/RS.
SEMELHANÇAS LINGUÍSTICAS NO PORTUGUÊS URUGUAIO E NO PORTUGUÊS
BRASILEIRO FALADOS NA FRONTEIRA BRASIL-URUGUAI
Cíntia da Silva Pacheco – UnB
Este trabalho contempla a variedade do português falada, desde os tempos coloniais até o século
atual, na comunidade de Aceguá, localizada a 60 km de Bagé (Brasil) e Melo (Uruguai), e a 440 km
de Porto Alegre e Montevidéu. Aceguá é uma única comunidade homônima dividida ao meio pelos
marcos territoriais, ou seja, a delimitação é estritamente política e não há nenhum acidente
geográfico. A parte brasileira é emancipada de Bagé, desde 1995, e dividida em três distritos:
Distrito de Rio Negro, Distrito de Colônia Nova e Distrito do Minuano. A parte uruguaia pertence
ao departamento de Cerro Largo, que tem como capital Melo. O objetivo da apresentação é mostrar
um panorama geral sobre a comunidade e sobre os padrões sociais e linguísticos da região, a fim de
contribuir para a discussão sobre a natureza linguística do contato entre o espanhol e o português na
fronteira Brasil-Uruguai. O fenômeno linguístico analisado é a alternância “nós” e “a gente” em
contextos de primeira pessoa do plural (Então, a gente sempre viveu mais ou menos por aqui né.)
(Nós joguemo fora) no português falado como língua materna pelos uruguaios e brasileiros. À luz
da Teoria da Variação (LABOV, 1972) e da Mudança Linguística (WEINREICH, LABOV e
HERZOG, 2006). Foram codificadas 24 entrevistas, realizadas entre 2009 e 2011, com as variáveis
sociais de faixa etária, sexo e nacionalidade do colaborador; e as variáveis linguísticas de
preenchimento do sujeito, função sintática, tipo de referência, tempo verbal, concordância de
número, paralelismo sintático. No português uruguaio de Aceguá, encontra-se o uso de “a gente”
com a mesma funcionalidade do português brasileiro. A diferença está na frequência de uso desse
pronome, porque é maior entre os brasileiros (49.1%) do que entre os uruguaios (28.4%). Para essa
apresentação, serão demonstradas as variáveis linguísticas selecionadas como estatisticamente
significativas, tais como preenchimento do sujeito, tipo de referência e paralelismo sintático. Nessa
ordem, o sujeito explícito, a referência genérica e “a gente”, precedido de “a gente” favorecem a
presença do pronome “a gente”. Esses resultados são semelhantes tanto na rodada de uruguaios
quanto na rodada de brasileiros, o que ajuda a corroborar a autenticidade do português uruguaio
como uma variedade do português brasileiro. No entanto, tudo indica que a entrada de “a gente” na
comunidade uruguaia tenha sido mais recente e seja consequência do contato entre o português e o
espanhol, uma vez que no espanhol só existe o pronome “nosotros”, equivalente a “nós”, utilizado
como primeira pessoa do plural, e a expressão impessoal “la gente” ou “uno”, utilizada como
terceira pessoa do singular. Dessa forma, o pronome “a gente”, tipicamente brasileiro, que já se
encontra em estágio avançado no português brasileiro, também é usado no português uruguaio em
contextos linguísticos semelhantes.
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SOCIOLINGUÍSTICA E ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: CONSTATAÇÕES NO
MUNICÍPIO DE JUIZ DE FORA (MG)
Bruno Defilippo Horta – UFJF
Lucia Furtado de Mendonça Cyranka – UFJF
A Sociolinguística demonstra que a variação ocorre em todos os níveis da língua. A aplicação dos
estudos sociolinguísticos ao ensino de língua portuguesa representa a temática central deste
trabalho. No âmbito teórico, suas contribuições primordiais advêm das pesquisas empreendidas por
William Labov (1972; 1975; 1983; 1987; 2008). No Brasil, essa vertente vem crescendo através dos
estudos de numerosos pesquisadores (BAGNO; 2002; 2007; 2010; BORTONI-RICARDO, 2004;
2005; 2011; CASTILHO, 2010; FARACO, 2008; PERINI, 2010). Na literatura sociolinguística
voltada ao ensino, observamos a consolidação da visão de que não se pode continuar tratando a
linguagem dicotomicamente como “certa” ou “errada”, sob pena de desconstruirmos crenças
positivas dos alunos sobre suas variedades linguísticas e de afastarmos esse ensino da promoção de
uma educação linguística que nutra o aluno de recursos que lhe permitam atuar nos diversos
contextos de sua vida. Em conformidade com esses pressupostos, objetivamos investigar se o
trabalho com língua portuguesa em Juiz de Fora (MG) se dá mediante essa abordagem
sociolinguística e se existe planejamento para o tratamento da variação nas aulas. Dessa forma,
desenvolvemos pesquisa qualitativa de base etnográfica em educação (ANDRÉ, 2000) em quatro
escolas desse Município. Para isso, acompanhamos aulas de língua portuguesa e entrevistamos
professores. Como resultados, temos que o tratamento da linguagem pautado por uma pedagogia da
variação ainda está distante das salas de aula. As exceções constituem flagrante minoria, a qual
trabalha pelo viés sociolinguístico com reflexões pautadas por contrastes entre variantes da língua e
sobre preconceito linguístico. Ao comparamos as entrevistas com as ações docentes, verificamos
dificuldade quanto à transposição didática dos discursos. Dessa forma, corroboramos a necessidade
da inclusão da Sociolinguística como disciplina obrigatória na formação dos professores de Letras e
Pedagogia para promover uma transformação no tratamento da linguagem nas aulas de língua
materna.
A AUSÊNCIA DE MARCA DE PLURAL NOS SINTAGMAS NOMINAIS EM OLIVEIRA
FORTES-MG: QUESTÕES EXTRALINGUÍTICAS
Patrícia Rafaela Otoni Ribeiro – UFJF
Patrícia Fabiane Amaral da Cunha Lacerda – UFJF
O presente trabalho tem o objetivo de expor e discutir os resultados de uma pesquisa sobre a
variação na concordância de número no sintagma nominal na fala dos moradores de Oliveira FortesMG. Em nossa investigação, pautada nos pressupostos da Sociolinguística Variacionista (LABOV,
1972, 1982, 1994, 2001), identificamos, no corpus composto por vinte e quatro entrevistas
sociolinguisticamente orientadas, 1407 ocorrências da variável concordância de número no
sintagma nominal. Destas, 146 apresentam a concordância, e as demais – que totalizam 1261
ocorrências – se configuram com ausência de concordância nominal. Em termos percentuais, são
10,4% da variante presença de concordância nominal e 89,6% da variante ausência de concordância
nominal. Diante de tais resultados, buscamos identificar os fatores condicionadores dessa variação,
tanto linguísticos como extralinguísticos, e contamos com o auxílio do programa estatístico
GoldVarb 2001. Assim, analisamos oito variáveis independentes, mas, nesta apresentação, daremos
enfoque aos quatro fatores sociais investigados: zona de residência, sexo, idade e escolaridade. Os
resultados quantitativos nos mostram que a zona de residência (rural/urbana) não é relevante para a
variação, já que a ausência de marca explícita de plural em todos os elementos do SN é recorrente
em ambas as zonas. Os outros três fatores sociais (sexo, faixa etária e escolaridade) evidenciam que
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a ausência de concordância é favorecida pelo sexo masculino, pelos falantes de faixas etárias mais
elevadas e pelos menos escolarizados. Apesar dessas constatações, procuramos justificar,
qualitativamente, o predomínio da variante ausência de concordância na comunidade, inclusive
entre as mulheres, os jovens e os escolarizados. Para tanto, recorremos aos estudos de Milroy
(1980) e Bortoni- Ricardo (2011 [1985]) acerca das redes sociais. Assim, verificamos, através das
fichas sociais dos informantes e do conhecimento empírico, que as relações na comunidade
pesquisada tendem à multiplexidade, à alta densidade e ao isolamento. Tal percepção nos leva a
pensar numa situação de conservadorismo linguístico no município, uma vez que há a manutenção
de uma variante linguística conservadora (ausência de marca de concordância de número no SN) em
detrimento da variante inovadora (presença de marca de concordância de número no SN). Pelo que
constatamos, as relações sociais dos falantes na comunidade pesquisada exercem maior controle sob
seus usos linguísticos (muito mais do que a influência das variáveis independentes) e, por isso, a
variante conservadora da concordância de número, tão estigmatizada no português brasileiro, é mais
recorrente do que a variante inovadora entre os falantes de Oliveira Fortes-MG.
AS VARIEDADES ESTIGMATIZADAS DO PORTUGUÊS BRASILEIRO E SUAS
IMPLICAÇÕES SOCIAIS
Ariosvaldo de Leal de Jesus – FSLF
Álvaro Cesar Pereira de Souza – FSLF
O presente artigo pretende discutir o que está por trás das variedades estigmatizadas do português
brasileiro, suas implicações sociais, que têm servido para discriminar e excluir os indivíduos de uma
comunidade ou de um determinado grupo social, o preconceito linguístico que vem sendo
fortemente arraigado em nossa sociedade, principalmente no contexto escolar. Nessa perspectiva,
partimos do pressuposto de que a comunicação representa o ato mais natural e relevante que os
indivíduos necessitam para conviver em grupo, de modo que suas manifestações linguísticas e
culturais devem ser antes de tudo respeitadas e não condenadas pelos falantes que detém o poder
político, econômico e cultural, pois, é através da linguagem que se pode estabelecer a comunicação
com os demais membros dos grupos sociais em que se está inserido, bem como adentrar nesses
grupos e conhecer as características de sua cultura, os traços de sua história e desenvolver ou não o
sentimento de pertença. Assim, o julgamento de valor que se tem aplicado às diversas
manifestações linguísticas em nossa sociedade tem sido um dos maiores problemas enfrentados pela
sociolinguística, visto que, para essa teoria, qualquer tipo de exclusão, por meio da linguagem, deve
ser severamente condenada. Sendo assim, a intolerância linguística, por se basear em uma visão
tradicional, causa uma indevida exclusão ao diferente, principalmente por determinar o tipo de
inserção social dos indivíduos em uma escala social. Nesse sentido, é importante reiterar que a
língua representa o meio de comunicação comum entre os usuários, sua atuação perpassa pelos
diversos contextos das estruturas sociais e culturais. Para elucidar melhor essas questões, apoiamonos nas ideias difundidas essencialmente por Bagno (2004, 2007, 2011), Bordieu (1974), Scherre
(2008), Soares (2008), entre outros. Assim, este estudo concebe que há muito o que se fazer para
que as diferenças culturais, geográficas e sociais, que se refletem na língua, sejam abordadas de
forma mais democrática e menos excludente.
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“NÓS PEGA O PEIXE”: O FENÔMENO VARIÁVEL DE CONCORDÂNCIA VERBAL DE
PRIMEIRA PESSOA DO PLURAL NA FALA DO INTERIOR PAULISTA
Cássio Florêncio Rubio – UNILAB
Considerando a proposta do simpósio “Variedades estigmatizadas de português: uma visão
ecolinguística e sociolinguística”, que tem como objetivo a discussão do estigma sofrido por
algumas variedades do português brasileiro, devido às diversas características de ordem fonéticofonológica, morfológica, sintática, semântica e, até mesmo, discursiva, evidenciadas, proponho a
apresentação do fenômeno morfossintático variável da concordância verbal de primeira pessoa do
plural na variedade linguística do interior paulista. Segundo Rodrigues (1987), em relação à
concordância verbal, especificamente, para a primeira pessoa do plural, a ausência de marcas de
plural nos verbos é considerada estereótipo, presente na fala de indivíduos do interior do estado ou
mesmo da zona rural, fato constatado posteriormente por Rubio (2007), que, em estudo sobre a
variedade falada no interior paulista, confirmou que há a atribuição de estigma social no
apagamento das marcas de plural nos verbos e que o preconceito pode atuar em níveis diferentes
para a primeira e terceira pessoa do plural. Recentemente, um livro didático multidisciplinar
distribuído pelo Ministério da Educação foi alvo de inúmeras críticas por trazer em suas páginas,
além da prescrição normativa de concordância verbal e nominal, uma abordagem de cunho
sociolinguístico que reconhecia como recorrente o fenômeno da variação na concordância nominal
e verbal no português brasileiro popular. Com base nessas considerações, busco realizar um estudo
que considere conjuntamente a variação entre as formas pronominais “nós” e “a gente” em posição
de sujeito (como em “a gente canta” x “nós cantamos”) e a regra variável de concordância verbal
inerente a cada uma dessas formas (como em “a gente canta” x “a gente cantamos” e “nós
cantamos” x “nós canta”) no português falado no interior do Estado de São Paulo, com base nos
princípios da Sociolinguística Quantitativa Laboviana (WEINREICH, LABOV & HERZOG, 1968;
LABOV, 1972). Foram utilizadas amostras de fala do banco de dados Iboruna, constituído a partir
do projeto ALIP (Amostra Linguística do Interior Paulista), que conta com gravações de 152
informantes, estratificadas mediante os fatores sociais gênero, escolaridade e faixa etária. Além de
verificar e discutir, por meio dos resultados obtidos, o comportamento linguístico dos falantes da
supracitada região, pretendo também apresentar um estudo comparativo, a partir dos resultados
evidenciados na amostra paulista e de resultados obtidos em outras pesquisas do português
brasileiro, com o objetivo de apontar se o fenômeno em questão pode ser classificado como
característico do interior do estado de São Paulo ou como inerente a inúmeras variedades do
português brasileiro.
VARIAÇÃO FONOLÓGICA DO PORTUGUÊS POPULAR: UM ESTUDO NA
COMUNIDADE TRADICIONAL DE TEJUCUPAPO
Stella Telles – UFPE/CNPq
Paula Mendes Costa – UFPE/CNPq
Sobre o estado das variedades do português encontradas em comunidades rurais, e seu processo de
mudança, pontua-se o fato de elas poderem estar rapidamente perdendo muitas de suas
características peculiares, definidas historicamente, antes mesmo de poderem ser devidamente
documentadas e estudadas. Esse processo de mudança tem sido acelerado, sobretudo, a partir da
segunda metade do século XX, com o impulso dos movimentos migratórios, os quais têm suas
razões ancoradas em diversos fatores sóciohistóricos e econômicos. Sendo assim, pode-se
considerar que uma comunidade de fala interiorana, tradicionalmente estabelecida na zona rural,
que possivelmente é menos afetada pelas interferências externas dos grandes centros urbanos,
apresente mais variações linguísticas típicas de falares populares do português. Nessa perspectiva, o
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presente trabalho objetiva avaliar as diferenças e as semelhanças fonético-fonológicas encontradas
nas falas de dois informantes da zona rural de Pernambuco, especificamente da cidade de
Tejucupapo, distrito do município de Goiana, levando em consideração, para isso, reflexões de
cunho sociolinguístico. Esse estudo faz parte de um projeto maior intitulado Variação Fonológica
do Português Brasileiro: a fala dazona rural (CNPq) e, para a sua realização, foram utilizados dados
recolhidos in loco em 2012 (pelos pesquisadores envolvidos no projeto). Para este recorte, a escolha
dos informantes não se deu de forma aleatória; optou-se por uma dupla de jovens irmãos que
habitam em um mesmo ambiente familiar, pertencentes a uma mesma faixa etária,mas que
apresentam diferenças significativas no grau de escolaridade, na medida em que um deles é
analfabeto e o outro se encontra no oitavo ano do ensino fundamental. Os dados analisados e
comparados entre si possibilitaram a identificação de idiossincrasias fonéticas presentes nas
variedades dos informantes, passíveis de estabelecerem níveis de gradiência relacionados aos
aspectos/fenômenos variáveis encontrados. Nesse sentido, verificaram-se as co-variáveis nível de
escolarização dos indivíduos e suas vivências/experiências em contextos socioculturais distintos,
fora do ambiente familiar que compartilham, como fatores relevantes para explicar a ocorrência de
fenômenos fonológicos em suas produções de fala e identificar quais desses fenômenos
particularizam a fala de ambos como um português popular, diferenciando-se nas produções
individuais. Para este trabalho, foram adotados os seguintes procedimentos metodológicos:
transcrição fonética dos dados recolhidos em campo (2012), verificação das diferenças e
semelhanças fonético-fonológicas observadas nas falas dos dois informantes, identificação e
classificação dos fenômenos fonológicos nas falas individuais, observação da realidade
sociocultural dos informantes, análise e cruzamento dos dados linguísticos e extralinguísticos. No
que concerne à variação fonológica, foram contemplados os fenômenos que ocorrem em nível
segmental, tais como apagamento de coda, epêntese e metátese. Finalmente, é importante salientar
queeste trabalho se respalda na sociolinguística variacionista (LABOV, 1966; 1972; 1995; 2001) e
busca correlacionar seus resultados com os pressupostos integrativos da ecolinguística (HAUGEN,
1972; HAAMANN, 1996; COUTO 2007, 2009), que considera fatores ambientais e individuais
como participantes da realidade linguística. Com este trabalho, pretende-se, por fim, salientar a
relevância e a urgência da tarefa de se documentar a fala de comunidades do interior do Brasil,
formadas historicamente em localidades distantes dos núcleos urbanos aos quais pertencem, como
forma de se registrar o rico mosaico linguístico que constitui a memória sociolinguística do País.
A ECOLOGIA DA MUDANÇA LEXICAL NO PORTUGUÊS FALADO EM TIMORLESTE
Davi Borges de Albuquerque – UnB
A ilha de Timor está situada no sudeste asiático, perto da Austrália e das ilhas do Pacífico,
possuindo fronteira física com a Indonésia. Apesar de a colonização portuguesa da ilha ter iniciado
no século XVI, a presença efetiva do colonizador europeu ocorreu somente por volta do século
XVIII, findando por volta do ano de 1975, quando a Indonésia invadiu e dominou a parte leste da
ilha. No ano de 1999, o país reconquistou sua independência e, em 2002, a constituição da
República Democrática de Timor-Leste elegeu como línguas oficiais o português e o Tétum-Praça
(Tetun Prasa), ao lado do inglês e indonésio como línguas de trabalho. O presente trabalho analisará
o processo de mudança lexical ocorrido na variedade da língua portuguesa falada na ilha de TimorLeste. Serão descritos especificamente o desenvolvimento e a reestruturação lexicais, juntamente
com a interface morfológica desses processos. A análise seguirá a teoria ecolinguística da
endoecologia, que estuda aspectos estruturais da língua, relacionando-os com o ecossistema, e da
crítica ao sistema linguístico, que analisa a estrutura da língua como um objeto construído e/ou
influenciado pelo meio ambiente e os diversos processos ecológicos. As metodologias utilizadas
foram: pesquisa bibliográfica e pesquisa de campo com os falantes em Timor-Leste, onde foram
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coletados os diversos dados linguísticos. Ainda, fez-se uso da bibliografia ecolinguística como base
teórica para as análises efetuadas. O objetivo principal deste trabalho é argumentar que as mudanças
linguísticas ocorridas que ão marcas específicas da variedade do português estudada, enfatizando o
léxico da língua e sua interface com a morfologia, foram processos ecológicos de adaptação do
português e dos falantes a modificações no ecossistema linguístico. Para tanto, esta comunicação se
encontra dividida da seguinte forma: após a introdução, será feito um breve histórico da língua
portuguesa em Timor-Leste, apontando as mudanças que ocorreram no ecossistema da língua;
posteriormente, será realizada a análise do léxico, observando certos campos semânticos,
principalmente os que fazem referências a significados mais abstratos ou mais específicos, que
sofreram maior modificação; finalmente, algumas considerações finais serão feitas, principalmente
em relação aos processos de mudança linguística como adaptação ecológica que podem ser
estendidos para o estudo da mudança linguística em demais contextos além do analisado, em
Timor-Leste.
A NOÇÃO DE ERRO NA PERSPECTIVA DA GRAMÁTICA NORMATIVA, DA
SOCIOLINGUÍSTICA E DA ECOLINGUÍSTICA
Gilberto Paulino de Araújo – UnB
Inaí de Souza da Silva – Faculdade LS
Ridiane Rita Batista Leite – Faculdade LS
O presente estudo discute a posição assumida por duas vertentes da Linguística (Sociolinguística e
Ecolinguística) e da Gramática Normativa a respeito da noção de erro. Aborda questões relativas ao
preconceito linguístico e a ideologia que envolve tal tema, e como tais perspectivas veem o falante
que faz uso de variedades diferentes das que são estabelecidas pela norma padrão. Destaca a
competência do falante no uso de sua língua materna, que é adquirida antes mesmo de um estudo
formal e sistemático. Ressalta como o uso de uma variedade não padrão pode levar o falante a ser
nivelado, estigmatizado e excluído socialmente. Verificou-se, por meio do estudo, que existe muito
mais a se discutir sobre o uso da língua e que a noção de certo e errado não pode ser considerada
conceito absoluto em uma língua que é viva e mutável. Identificou-se também que tanto falantes de
classes prestigiadas quanto de classes desprestigiadas, urbanas ou rurais, fazem uso de enunciados
que não correspondem ao exigido pela gramática normativa em situações comunicativas, o que não
significa falar melhor ou pior, e sim empregar de forma hábil a língua com que tiveram contato
desde os seus primeiros anos de existência.
FRONTEIRA BRASIL/VENEZUELA: QUE LÍNGUA FALAMOS?
Maria Ivone Alves da Silva – UFRR
As fronteiras interpaíses são consideradas áreas estratégicas pelos Estados Nacionais. No caso do
Brasil, a faixa que separa o país, de Norte ao Sul, ocupa 27% do Território Nacional, significando
23.086 km de fronteiras. Estas fronteiras envolvem onze estados brasileiros, dos quais Roraima é
um deles, caracterizando situações de contato da língua portuguesa com a língua inglesa, na
fronteira com a República Cooperativista da Guiana; e com a língua hispânica, na fronteira com a
República Bolivariana da Venezuela, além das diversas línguas indígenas faladas na região. A partir
da ideia proposta por Alves-da-Silva (2012) quanto ao desenho de um tipo de ecossistema
linguístico particular, o Provisional, situado na confluência dos dois ecossistemas Fundamentais da
Língua (EFL1 e EFL2), representados respectivamente pelo Brasil e Venezuela, envolvendo as
comunidades de Santa Elena de Uairén e Pacaraima, descrevemos a situação linguística da região
fronteiriça Brasil/Venezuela, apoiando-se nos elementos da Ecolinguística, em conformidade com
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Mufwene (2001) e Couto (2009). Como um dos principais resultados encontrados podemos afirmar
que o contato entre as pessoas da região se dá principalmente em espanhol, português e por meio
das diversas línguas indígenas faladas.
QUANDO DRAGÕES SOBREVOAM O CERRADO: UMA ANÁLISE ECOLINGUÍSTICA
DO DISCURSO ADOLESCENTE GOIANO IMERSO NA CULTURA DE MASSA
JAPONESA
Genis Frederico Schmaltz Neto – FL/UFG
Este artigo se propõe a analisar como os discursos sobre o meio ambiente dos adolescentes de classe
média baixa da região sudoeste de Goiânia, imersos na cultura de massa japonesa, atravessam e se
deixam diferenciar dos discursos hegemônicos e capitalistas que constituem seu contexto goiano. A
relação japonesa com o meio ambiente é complexamente construída pela harmonização e integração
do ser na natureza, e essa interação é bem marcada em quaisquer manifestações sociais a que se
prestem – diferentemente do modo goiano de significar e se referir às estruturas ecológicas que o
rodeiam e o constituem, muitas vezes marcadas por zombaria e menosprezo. Analisando-se seis
produções textuais de alunos do ensino médio de uma escola da rede privada, sendo três mulheres e
três homens entre 15 e 17 anos, investiga-se de que forma a ideologia nipônica camufla-se e instiga
a mudança e percepção do Ambiente em que estão inseridos estes adolescentes, e em que dizeres as
novas formas de significar pela língua evidenciam-se, uma vez que o envolvimento com a cultura
de massa japonesa seja responsável por estigmatizá-los: vestimentas, hábitos alimentares, gírias e
modos de se nomear as construções sociais deixam de ser marcadas pelo Cerrado para tornarem-se
marcadas pelo estilo otaku (dedicação intensa aos ideais nipônicos). Este estudo guia-se pelos
postulados de ecolinguística de Hildo do Couto (2007) e os estudos socioculturais de M. Maffesoli
(2005). Entende-se por cultura de massa o que Edgar Morin (1987) chama de conjunto de normas e
símbolos que penetram um aglomerado de pessoas em dado momento socio-histórico. Os hábitos
orientais tornam-se acessíveis aos adolescentes por meio de narrativas que unem a arte dos
quadrinhos a técnicas cinematográficas, também chamadas animês, veiculadas na mídia aberta, em
canais de televisão pagos e pela internet, por isso considerados os maiores representantes da cultura
de massa japonesa.
O DISCURSO “FRAGMENTADO” DOS MENINOS DE RUA E DA LINGUAGEM
RURAL: UMA VISÃO ECOLINGUÍSTICA
Elza Kioko Nakayama Nenoki do Couto – UFG
Hildo Honório do Couto – UnB
Temos registros de fala de duas variedades de português que se mostraram altamente fragmentados,
quando encarados da perspectiva da estrutura gramatical do português. Para alguém que tenha
aprendido português em livros no estrangeiro, essas falas seriam praticamente ininteligíveis. No
entanto, para os falantes de português e, sobretudo, os das respectivas variedades, tratam-se de falas
facilmente inteligíveis, uma vez que decodificáveis e decodificadas. Nosso objetivo nesta
comunicação é mostrar que esse tipo de discurso não é nenhuma monstruosidade. Tanto o falante
que o produz quanto seu ouvinte têm um conhecimento internalizado de como deveria ser a forma
plena. Como se vê, esse conhecimento se aproxima até certo ponto da "competência linguística" e
da "estrutura profunda" das primeiras versões da gramática gerativa e das gramáticas filosóficas do
século XIX. Essa 'estrutura subjacente' e respectivo significado são recuperados devido ao contexto
específico da interação comunicativa em que ocorre. A constatação geral é a de que não se pode
reduzir a língua apenas ao sistema. Ele é apenas um dos componentes da ecologia da interação
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131
comunicativa, sob a forma de regras sistêmicas (gramática). Sem a complementação das regras
interacionais, as sistêmicas constituiriam um mero construto teórico sem aplicabilidade e utilidade.
A jovem disciplina ecolinguística integra os dois tipos de regras, encarando a língua como um todo
orgânico, mas também dinâmico e aberto. Esses princípios serão aplicados na análise de dois
excertos de diálogo, um dos meninos de rua com a investigadora e outro com um morador
analfabeto da zona rural de Minas Gerais.
ASPECTOS DISCURSIVOS NA CONSTRUÇÃO DO SABER CIENTÍFICO EM
LINGUAGEM POPULAR
Vilma de Fátima Soares – USP
Este estudo é parte da pesquisa que resultou na Dissertação de Mestrado, apresentada em setembro
de 2009, para a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo,
com o título “Estudo terminológico de espécies arbóreas: uma proposta para popularização do
conhecimento - do científico ao popular”. Embasados na Terminologia Contemporânea, Teoria
Comunicativa da Terminologia e na Socioterminologia, no conceito de universo de discurso e
discurso de Pais (1984), no continuum tipológico de gêneros textuais de Marcuschi (2001), nos
dialetos sociais e os níveis de linguagem de Preti (1994; 2003), reforçados também por Urbano
(2001), e na tipologia de processos, eixo continuum entre parâmetros, de Barbosa (1998; 2006),
estabelecemos, como objetivo, demonstrar a trajetória para a diminuição da densidade
terminológica do texto científico, na construção do saber em linguagem popular. Para tanto,
recortamos, dentro do capítulo “Terminologia Teórica: Fundamentação”, o item “Metalinguagem e
Universo de Discurso”, que aborda as diferenças que caracterizam as linguagens, científica e
popular, e seus níveis de formalidade. Entendemos que cada universo de discurso comporta varios
discursos com finalidades próprias, que exigem diferentes estratégias discursivas, de acordo com
públicos específicos. Consideramos, dentro do universo de discurso da Botânica, a existência de um
discurso científico e de divulgação científica (de alta densidade terminológica), com variação em
graus de formalidade (determinados pela situação de ocorrência), um discurso de divulgação
científica (com a pretensão de uma média densidade terminológica), com a mesma variação de
graus de formalidade, e a nossa proposta, que inserimos no discurso de divulgação científicopedagógico (com baixa densidade terminológica), para difusão da informação no meio popular.
Barbosa (1998, p. 26), ao abordar o discurso metalinguístico, ressalta que “a metalinguagem
terminológica é um dos fatores determinantes para delimitação conceitual de áreas, domínios e
subdomínios técnicos e científicos”. Cabré (1993, p. 104) expõe que “as linguagens se diferenciam
não só por suas terminologias, mas também pelas metalinguagens que as caracterizam, muitas vezes
determinadas pelo gênero ou pelas situações de comunicação”. Consideramos metalinguagem como
caracterizadora de discursos, quer sejam discursos científicos, técnicos ou banalizados. Em
conclusão, constatamos que é possível, em Terminologia, permanecermos dentro de um mesmo
universo de discurso e gênero textual, mudando apenas o nível de registro de acordo com objetivos
e públicos específicos.
MACROANÁLISE PLURIDIMENSIONAL DA VARIAÇÃO DO PORTUGUÊS EM
COMUNIDADES NEGRAS REMANESCENTES DE QUILOMBOS DO RS - ENTRE A
ORIGEM AFRICANA E O PORTUGUÊS CONTEMPORÂNEO: PRIMEIROS ESTUDOS
Antonio Carlos Santana de Souza – PPGLET-UFRGS
Dos poucos dados de que dispomos hoje sobre a presença e usos de línguas africanas em terras
brasileiras, a maioria se encontra em textos de historiadores, cronistas, viajantes através de autores e
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obras como História da Companhia de Jesus no Brasil (1531), Frei Vicente do Salvador (1627),
Saint-Hilaire (1820), entre outros. O objetivo desta comunicação é o de relacionar algumas
pesquisas e debates acerca da fala de Comunidades Afro-brasileiras. O estudo da fala de
Comunidades Quilombolas do Rio Grande do Sul (RS) será contrastado com os dados do ALERS
(Atlas Linguístico-Etnográfico da Região Sul do Brasil) e com o ALiB (Atlas Linguístico do Brasil)
e demais estudos que se façam necessários. As amostras do português do Brasil de Comunidades
Quilombolas encontram-se em verdadeiras ilhas linguísticas gaúchas semi-isoladas e de dificílimo
acesso. Para investigar a presente variedade dialetal do português falado, contextualizaremos, a
priori, a origem étnica dessas populações, fazendo um levantamento histórico e social seguindo a
perspectiva teórica pluridimensional de Radtke e Thun (1996), que incluem nas pesquisas
linguísticas diferentes dimensões espaciais, sociais em comunidades de fala distintas. O Estado do
RS é notadamente plurilíngue e objetivamos tornar explícito nesses espaços plurilíngues a origem e
o resultado do contato com outras realidades linguísticas, principalmente línguas autóctones
(indígenas) e línguas alóctones (de imigração). O modelo de pesquisa sobre variantes linguísticas já
descritas em outros trabalhos sobre comunidades afro-brasileiras e suas correlações com o
português padrão será relacionado à variação horizontal (diatópica) com parâmetros de ordem
social, tais como idade, escolaridade, sexo, bilinguismo, multilinguismo, etnia, ritualísticas, em
suma, o princípio da pluridimensionalidade da análise da variação linguística (THUN, 1998, p.
789). Na presente comunicação, buscar-se-á compreender e explicitar a presença anterior de línguas
negro-africanas no Brasil, observando-se a língua em uso na sincronia, em situações e localizações
geográficas específicas, rede de pontos, com informantes descendentes diretos de escravizados e,
questionário elaborado exclusivamente para este fim. Em seu sentido estrito, o trabalho visa
contribuir para um maior conhecimento da realidade cultural das minorias de origem africana
reunindo elementos que permitam definir a real contribuição desses segmentos na formação da
língua falada no Brasil. De maneira mais ampla, ele soma-se ao debate acerca da formação do
português brasileiro por ter como fulcro as comunidades negras rurais formadas e que ainda hoje se
encontram num semi-isolamento. Os resultados da recolha de dados de caráter dialetal podem tanto
apresentar características que refletem o português do período colonial, como também evidências
sobre o resultado do contato linguístico, para compreender a diferenciação do português falado no
Brasil, na heterogeneidade de suas variantes regionais e sociais, em relação ao português falado no
RS e no Brasil. Tais amostras destas comunidades de fala resultam de processos de mudanças
induzidos pelo contato entre línguas, sem fazer dessa variedade linguística uma língua crioula, ou
mesmo uma variedade linguística independente de sua língua-alvo, o português-padrão. Este
trabalho baseia-se na Dialetologia Pluridimensional para traçar considerações linguísticas a respeito
da importância dos estudos contemporâneos sobre a África e suas influências no espaço brasileiro.
CONTO REGIONALISTA E CAUSO GOIANO: LITERATURA E DIVERSIDADE
LINGUÍSTICA
Zilda Pinheiro Dourado – FL/UFG/NELIM
Os professores de língua portuguesa sempre trabalham com contos regionalistas em sala de aula.
Em Goiás, escritores como Bernardo Élis e Hugo de Carvalho Ramos são lidos nas escolas por
prestigiarem o nosso Cerrado, a figura do sertanejo, enfim, a goianidade. No entanto, existe outro
tipo de narrativa sobre o mesmo tema que é estigmatizado na escola, na academia e nos grandes
círculos literários: o causo goiano. Por mais que a figura do contador de causo atraia muitos
ouvintes, esse tipo de narrativa não recebe tanta importância pelas instituições de ensino. Este
trabalho analisa a oposição que se constrói entre conto regionalista e causo goiano nos grandes
meios intelectuais, pelo viés da ecolinguística, que estuda a interação entre língua, sociedade e meio
ambiente, e defende que a natureza influencia no modo como os falantes de um território constroem
sua visão de mundo por meio da língua. Assim, ao analisar a presença do meio ambiente na
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linguagem, essa disciplina realiza uma ecologia da língua pelo estudo das interrelações
estabelecidas com o povo e o território, permitindo construir um ecossistema fundamental da língua
(EFT) pelo modo como a população a utiliza para interagir em um território. Essa interação faz com
que cada falante faça uso da língua em um espaço físico e social que também constitui o seu modo
de vida e sua identidade. Tal como a ecologia, a ecolinguística defende a diversidade linguística,
expressa nas narrativas produzidas por essas comunidades, porque representa a riqueza, a garantia
de equilíbrio e a continuidade das línguas, dos povos e da natureza (COUTO, 2007). As histórias
orais apresentam o grupo social no seu ecossistema fundamental da língua, legitimando sua
identidade e cultura, tal como o causo goiano. Por outro lado, a negação da diversidade é a geradora
do preconceito linguístico, cujas variantes, que não obedecem às regras da gramática normativa,
dita como culta, são estigmatizadas tais como a fala do goiano. Este trabalho pretende mostrar que
isso também acontece em Goiás pela negação dos causos por parte dos próprios goianos leitores.
Por expressar o dialeto goiano em sua plenitude, esse tipo de narrativa também é estigmatizado,
subjugado pelo conto regionalista que também apresenta a goianidade, mas de um modo culto,
tirando o grupo social de seu EFL sendo, por isso, mais aceito em Goiás e no resto do Brasil. No
causo, o léxico afirma a natureza pelo modo como o caipira nomeia o meio ambiente que o cerca, e,
no conto regionalista, essa natureza é negada pela construção de uma visão urbanizada do meio
rural, o que pode ser comprovado pela análise dos itens lexicais das narrativas.
LINGUAGEM E CULTURA ECOLÓGICA EM MANOEL DE BARROS
Mara Conceição Vieira de Oliveira – FESJF
Tendo como hipótese que os textos literários, além de depositários da história cultural do povo
brasileiro, apontam para uma consciência ecológica, destacar-se-á em Manoel de Barros alguns
versos, que serão, neste sentido, considerados extremamente atuais para o debate acerca da
preservação da natureza. Evoca-se, pois, neste estudo, uma reflexão sobre sustentabilidade que não
se restringe ao âmbito ecológico. Ao pensar o texto poético, buscar-se-á compreender de que modo
ele “sustenta” uma memória, um costume, uma cultura e neste recorte específico a cultura ecológica
na poesia. Por meio da linguagem, a imagem poética permite conhecer especificidades da cultura
brasileira. São duas consciências que se unem na composição de um patrimônio cultural: a
linguagem e os costumes. Assim, objetiva-se apontar a atualidade presente em Manoel de Barros no
que tange à preservação de costumes por meio de uma memória que se materializa em versos.
Todavia, principalmente, fora da academia pouco se preserva com efetiva consciência cultural os
costumes, e menos ainda a linguagem poética. Delineia-se, portanto, a questão problema: a noção
etimológica de sustentabilidade não é praticada. Logo, não temos uma alta civilização e não
construímos um patrimônio espiritual. Diante disso, propõe-se refletir os conceitos de
desenvolvimento sustentável de modo descritivo e comparativo; mostrar-se-á os conceitos acerca da
palavra, e aplicar-se-á uma análise comparativa em alguns versos de Manoel de Barros, nos quais
destacaremos aspectos relativos ao tempo e aos costumes. Endente-se, aqui, que desenvolver não
significa apenas ampliar, crescer. Sustentar-bilidade diz respeito ao tempo, à duração natural e
necessária que “algo” dependa. Depender do tempo para formar consciência e assim,
possivelmente, crescer é uma trajetória que a linguagem, em alguns versos de Barros, nos permite
conhecer e entender que a noção de desenvolvimento sustentável está intrinsecamente relacionada
ao conceito de libertação, o qual não exclui a atitude de preservação.
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INDICADORES SOCIOLINGUÍSTICOS DE CRIOULIZAÇÃO PRÉVIA NO FALAR MATOGROSSENSE: ASPECTOS DA HISTÓRIA E DA LÍNGUA.
Ulisdete Rodrigues de Souza Rodrigues
Esta comunicação trata de alguns aspectos sociohistóricos e linguísticos do falar mato-grossense
denominado Português Mato-Grossense Basiletal (PMB) que podem ser considerados indicadores
sociolinguísticos de uma alegada crioulização prévia no Português Não Padrão (PNP) do Brasil. Como
se sabe, ainda é polêmica a questão da definição da natureza constitutiva do Português Brasileiro:
evolução natural do Português Europeu, Crioulização Prévia ou Multicausalidade. Com esse estudo,
espera-se colaborar com essa discussão agregando à questão dados sociohistóricos que revelam, em
ambiente matogrossense, os movimentos demográficos dos grupos lingüísticos em presença quando da
formação dessa variedade, os contatos entre europeus, mestiços, africanos escravos e livres e índios que
gerou ambiente propício à transmissão linguística irregular (TLI) e que podem ter colaborado com o
multilinguismo localizado no Brasil e o início de sua marcação dialetal.
Entre os traços linguísticos que são indicadores de uma eventual crioulização prévia do Português MatoGrossense estão aqueles traços típicos do Estado que podem ser categorizados como crioulizantes- traços
que aludem a uma possível crioulização prévia no PNP. Esses traços são de natureza fonéticofonológico e morfossintáticos, como a marcação de gênero, a concordância entre outros. Tais traços
marcam e reforçam a identidade dos mato-grossenses natos ao mesmo tempo em que são paralelos dos
traços considerados na literatura sociolingüística como descontínuos e trazem carga estigmatizante para
seus falantes. Por isso, nesse estudo, adentraremos também na questão do valor social desse falar e do
preconceito linguístico a ele vinculado, ao mesmo tempo em que pretende-se defender que as
transformações processadas pela “multidão sem voz” de africanos no português representam
contribuição inestimável e essencial à língua que falamos hoje.
REDUPLICAÇÃO NO GUINEENSE E CABOVERDEANO: DERIVAÇÃO OU
COMPOSIÇÃO?
Maria Aparecida Curupaná da Rocha de Mello
Ulisdete Rodrigues de Souza Rodrigues
Este estudo situa-se no cenário do entrelaçamento sociohistórico e linguístico entre o Guineense e o
Caboverdiano com o objetivo precípuo de discutir o estatuto morfológico das reduplicações nessas
línguas: composição ou derivação. O referencial teórico relativo à produtividade, à
gramaticalização, à morfofonologia e às implicações destes nos planos sincrônicos e diacrônicos
desses crioulos encontram-se em Aronoff (1976) e Kiparsky (1982). A conclusão alcançada é a de
que a reduplicação no Guineense e no Caboverdiano pode ser considerada, no caminho da
gramaticalização dessas línguas, um processo de derivação, além de simples composição.
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UMA LEITURA ECOLINGUÍSTICA DA IDENTIDADE CAIPIRA NA MUSICA “NOIS É
JECA MAIS É JOIA” E A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE DO POVO GOIANO
(GOIANIDADE).
Samuel de Sousa Silva – PG-UFG
A linguagem “caipira” do povo goiano foi e é estigmatizada devido ao processo histórico do êxodo
rural que valorizou a cultura urbana em detrimento da cultura rural, a fim de conseguir
trabalhadores para as cidades e o processo de escolarização que implementou como língua padrão a
língua escrita da elite dominante, estigmatizando as variedades com raízes marcadamente mais
ligadas à oralidade e a certos regionalismos. Nesse trabalho observaremos como essa
estigmatização permanece na estrutura da língua, mas ao mesmo tempo, como através do uso
artístico dessa linguagem por meio da musica “Nois é jeca mais é joia” se constrói um discurso de
resistência a essa estigmatização. Sendo assim, a partir do conceito ecolinguístico de Ecossistema
Fundamental da Língua, veremos como que a identidade de uma determinada comunidade
linguística (o povo caipira goiano) é reforçada e defendida, por meio da denúncia da estigmatização
da linguagem caipira que permanece na língua, e por meio de certos vocábulos pejorativos, e a
valorização de determinadas características desse povo que são consideradas pejorativas no uso
hodierno da língua, mas que são assumidas como qualidades essenciais da identidade goiana. Nessa
defesa de uma identidade goiana corajosa, que assuma aquilo que foi estigmatizado e permanece
como estigma na estrutura da língua, veremos como as interrelações entre o Meio ambiente social
da língua e a Língua constituem a identidade de um Povo, tanto na recusa dessa identidade, a fim de
assumir outra mais valorizada, quanto na revalorização e defesa dessa identidade estigmatizada.
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SIMPÓSIO 11
A CRÍTICA TEXTUAL E OS ESTUDOS FILOLÓGICOS
DA LÍNGUA PORTUGUESA
Com o desenvolvimento positivo da consciência cultural do povo brasileiro, o resgate da história
com fundamentação em documentos e textos autênticos vem se fortalecendo entre nós, como já
previa Erich Auerbach (1972, p. 11), ensinando que “A necessidade de constituir textos autênticos
se faz sentir quando um povo de alta civilização toma consciência dessa civilização e deseja
preservar dos estragos do tempo as obras que lhe constituem o patrimônio espiritual”. Além disso, a
preocupação com os estudos diacrônicos da língua portuguesa, na tentativa de reconstituir fases da
produção linguística nacional e a própria história dessa evolução até a constituição do atual quadro
do português brasileiro vem exigindo dos pesquisadores a edição filológica de textos que possam
documentar com autoridade os elementos linguísticos que foram as causas do seu estado atual. Sem
textos autênticos, seria impossível argumentar com autoridade científica a respeito das evoluções da
língua. No Brasil, esta consciência está mais fortalecida na Bahia do que em qualquer outra região,
mas os trabalhos de crítica textual já se tornam numerosos em todo o Nordeste e no Centro Oeste,
além de ter conseguido algum crescimento também nas outras regiões. Edições críticas,
interpretativas, diplomáticas e genéticas ou crítico-genéticas aparecem em quase todos os cursos de
letras, Brasil a fora, e precisarão surgir mais e melhores para que possamos resgatar a maior parte
de nossa cultura ainda preservada em textos, muitíssimos deles absolutamente inéditos, escondidos
em arquivos públicos e particulares. Com o resgate desses documentos, os estudos lexicais,
semânticos e etimológicos se tornarão mais seguros, porque os contextos em que se desenvolveram,
muitas vezes, são fundamentais para o resgate do seu sentido e de sua origem. Enfim, os estudos da
língua portuguesa em suas muitíssimas variedades só poderão ser feitos com fundamentos
científicos através de documentação escrita resgatada por meio da segura metodologia da crítica
textual.
COORDENAÇÃO
José Pereira da Silva
Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Universidade Federal do Acre
[email protected]
Rita de Cássia Ribeiro de Queiroz
Universidade Estadual de Feira de Santana
[email protected]
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O CORUJA, DE ALUÍSIO AZEVEDO – EDIÇÃO COMENTADA
Afrânio da Silva Garcia – UERJ
Esta edição comentada de O Coruja, de Aluísio Azevedo, tem por objetivo reapresentar ao leitor
brasileiro uma obra magnífica de um dos maiores nomes da literatura brasileira, infelizmente inédita
nas últimas décadas. Embora este romance mantenha a estrutura de folhetim, recorrendo a artifícios
para apelar à emoção do leitor, sua profundidade temática é imensa e, julgamos, atemporal, razão de
considerarmos oportuno seu relançamento, neste ano do centenário de morte do autor. Garantimos
ao nosso leitor grandes momentos de reflexão, emoção (dos risos às lágrimas), entretenimento e,
principalmente, engrandecimento com a leitura deste romance. Para estabelecimento do texto,
baseamo-nos na edição de 1921, visto não nos ter sido possível ter acesso à primeira edição, de
1887, cotejando-a com todas as outras edições até a edição de 1947. Quanto à redação, optamos por
atualizar a ortografia, mantendo, contudo, as seguintes exceções: a) Nas palavras em que até hoje
existe uma oscilação em algumas regiões da lusofonia entre a pronúncia com ditongo ou ou oi,
mantivemos a grafia original: dous, cou-sa, couce, doudo, loiro etc. b) Mantivemos também os
arcaísmos até hoje falados por algumas pessoas no Brasil e em Portugal, como cincoenta, bispar
etc. c) Por último, conservamos o adjetivo peior e o verbo peiorar, devido ao fato de o próprio
Aluísio Azevedo começar o livro usando-os e, no final do livro, passar a usar pior, o que
evidenciaria ou uma opção do Autor ou uma mudança linguística que ocorreu no período de
elaboração da obra. Como uma colaboração extra, apresentamos um apêndice em que comentamos
alguns dos pontos que julgamos mais marcantes e significativos do texto de O Coruja. Como para a
maioria dos leitores será o primeiro contato com esta obra tão importante, optamos por chamar estes
comentários de Muito Prazer, Senhor Coruja.
A CRÍTICA TEXTUAL E A HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA
José Pereira da Silva – UERJ/UFAC
O objetivo desta comunicação é demonstrar que a crítica textual é a base para os estudos diacrônicos da língua portuguesa, assim como de qualquer língua, porque os registros linguísticos antigos
só se mantiveram através da escrita, a única forma que podia ser fixada, até o surgimento das
gravações sonoras, apesar de nem sempre os textos serem autênticos. Sabendo-se que as gravações
sonoras surgiram no final do século XIX, ainda com qualidade muito precária e dificilmente
recuperável, toda a história anterior da língua tem de ser deduzida a partir dos textos cientificamente
editados, com base na crítica textual. Sabe-se, naturalmente, que a evolução da língua se dá a partir
da sua realização oral e não de sua representação escrita. No entanto, não há outro meio seguro para
a realização dos estudos da evolução interna de qualquer idioma nas fases anteriores à segunda
metade do século XIX, senão a partir da escrita, única forma de registro de suas diversas fases de
desenvolvimento. A gramática histórica da língua portuguesa é o registro sistematizado das
evoluções que a língua teve em sua evolução, desde o latim até a forma atual. E esta sistematização
não poderia ocorrer senão a partir de um corpus representativo e seguro, de documentos escritos das
diversas fases da língua, justificada teoricamente com fundamentação histórico-linguística
comprovada com segurança. Assim como na gramática histórica, também não se pode desprezar a
crítica textual na semântica, na lexicografia, na fonética e na ortografia, pois es-ses elementos
precisam ser fundamentados em textos autênticos que abonem a sua evolução e justifiquem a forma
atual. Descrever uma língua como algo estático é como descrever uma foto-grafia de alguém como
sendo a pessoa fotografada (sem história e sem relações sociais). O que hoje se tornou preocupação
atribuída à sociolinguística sempre foi de fundamental importância nos estudos diacrônicos da
língua portuguesa, proveniente do romanço lusitano (vernáculo latino da Ibero-românia, que veio do
latim falado) porque a gramática normativa é uma proposta de unificação, baseada numa antologia
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representativa de uma forma anterior àquela em que o estudante vive. Não é o registro da língua
viva, mas de uma hipotética língua padrão ou língua exemplar. Fica evidente, portanto, que a
gramática normativa tem como base a língua escrita exemplar. É importante também que esta
seleção seja feita com base em textos autênticos e criteriosamente estabelecidos, para não se ensinar
como exemplo de um autor algo que não representa a sua vontade. Enfim, sem a crítica textual, não
se pode conhecer a história das línguas, nem das ciências, nem a própria evolução humana.
A CRÍTICA TEXTUAL E SUA RELEVÂNCIA PARA TRABALHOS LEXICOGRÁFICOS
DE PERSPECTIVA HISTÓRICA
Flávio de Aguiar Barbosa – UERJ
Minha proposta é explicitar a relevância dos trabalhos de Crítica Textual para a lexicografia
histórica, mais especificamente para os trabalhos de datação de palavras e de registro de grafias
históricas. Relata-se especificamente a atividade de datação dos verbetes do Dicionário Houaiss da
Língua Portuguesa (2001), trabalho durante o qual se usaram 1) dicionários etimológicos, como os
de Antenor Nascentes (1952), José Pedro Machado (1952-1977) e Antônio Geraldo da Cunha
(1982); 2) obras lexicográficas de séculos passados, como os dicionários de Raphael Bluteau (17121728), Antônio de Morais Silva (1789, 1813, 1823, 1831 etc.), Solano Constâncio (1836),
Domingos Vieira (1871), Caldas Aulete (1881) e Cândido de Figueiredo (1899); 3) índices
analíticos elaborados a partir de edições confiáveis de textos históricos, na busca das primeiras
documentações dos itens vocabulares da língua portuguesa. Todos esses três tipos de referência
devem à Crítica Textual o estabelecimento dos textos a ser citados, mas o mais diretamente
relevante para a tarefa de datação é o índice analítico de textos. Um aspecto significativo de seu uso
para datação é que é preciso apurar a exata grafia de cada palavra no texto original; os índices a
partir de edições diplomáticas são especialmente úteis para esse fim. Além da abordagem da
interface entre Crítica Textual e Lexicografia, esta também é uma homenagem ao saudoso Antônio
Geraldo da Cunha, valoroso lexicógrafo brasileiro, que se dedicou diligentemente à elaboração de
índices analíticos para fundamentar trabalhos de cronologia lexical, e a quem devemos obras
monumentais, como o Índice do Vocabulário Cronológico do Português Medieval (1986-1994), o
Dicionário Histórico de Palavras Portuguesas de Origem Tupi (1989), o Índice Analítico de Os
Lusíadas (1980) e o Índice Analítico do Vocabulário dos Sonetos das ‘Rythmas’ de Camões (1995).
O grande projeto de A.G. Cunha era, com a elaboração desses índices e estudos etimológicos,
preparar um dicionário histórico da língua portuguesa, que estivesse à altura do Trésor de la Langue
Française (1971- 1994), ou do Oxford English Dictionary (1933). Tal desiderato ainda hoje desafia
os lexicógrafos; é certo que a Crítica Textual tem papel central na empreitada, pois, para elaborar
um dicionário que descreva a história da língua portuguesa, com todas as palavras datadas, inclusive
nas transformações semânticas pelas quais passaram ao longo da História, serão necessárias boas
edições de textos de todas as épocas de nossa língua. Eis, portanto, um dos diversos aspectos nos
quais as investigações de línguas se beneficiam dos trabalhos de Crítica Textual: a disponibilidade
de edições fidedignas de textos é pressuposto essencial especialmente para os estudos que visam à
descrição de particularidades históricas, como os de cronologia lexical.
A EDIÇÃO INTERPRETATIVA E A LÍNGUA PORTUGUESA NA MEMÓRIA
COLONIAL DO CEARÁ
José Pereira da Silva – UERJ/UFAC
A crítica textual tem se desenvolvido bem rapidamente, nas últimas décadas, relativamente a sua
aplicação em edição de textos de diversas naturezas. No entanto, o que será apresentado nesta
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comunicação é a contribuição que ela vem trazendo ao desenvolvimento da cultura linguística
através da divulgação de documentos inéditos, preservados em acervos diversos de manuscritos
brasileiros no período colonial. A experiência com a publicação de documentos históricos e científicos produzidos na Amazônia e no Rio de Janeiro até o século XVIII evidenciou a vantagem de se
editarem documentos facilmente consumidos por leitores não especializados (em busca de informações) e por especialistas em estudos linguísticos, como será demonstrado na edição de Memória Colonial do Ceará. Foi apresentada à Kapa Editorial a proposta de uma edição interpretativa
da Memória Colonial do Ceará (parte dos documentos organizados e microfilmados pelo “Projeto
Resgate Barão do Rio Branco”), com a atualização gráfica do texto, paralelamente à reprodução da
imagem dos respec-tivos documentos, pertencentes ao Arquivo Histórico Ultramarino. Aceita a
proposta, a editora se responsabiliza pela busca de recursos financeiros para a execução do projeto e
por sua impressão, encadernação e distribuição. A equipe foi montada com a participação de três
filólogos, digitado-res e um técnico de tratamento das imagens. Em Portugal, duas pessoas com
acesso direto aos manuscritos assessoram a revisão nos casos de impossibilidade de leitura a partir
dos microfilmes digitalizados. No primeiro tomo de cada volume é reeditada uma “Introdução
Metodológica”, em que se discriminam os critérios editoriais para orientação dos leitores e
consulentes da obra. O projeto resultará em vinte e dois volumes (em dois tomos de umas 400
páginas cada), no for-mato de 23 cm X 31cm. Os documentos são apresentados em duas colunas, de
modo que em uma é apresentada a reprodução mecânica do manuscrito e, na outra, o texto
atualizado graficamente, seguido de notas esclarecedoras de fatos diversos (linguísticos, históricos,
ecdóticos etc.). Até o momento, estão publicados seis dos vinte e dois volumes (doze tomos), com
documentos de 1619 a 1754. A crítica textual vem contribuindo decisivamente com o
desenvolvimento dos estudos históricos em geral e, mais especificamente, com a história das
ciências e da língua, porque os próprios tex-tos, quando acompanhados dos manuscritos ou em
leitura ortodoxa, retratam o estado da língua na época de sua produção. No caso específico da
Memória Colonial do Ceará, são editados documentos diversos, a maioria constituída de
documentos políticos, administrativos e cartoriais, com enorme riqueza de informações sobre o
contexto e com a participação de autores de todos os níveis sociais e culturais.
A VERSÃO LATINA DO RELATO DE VIAGEM DE ULRICO SCHMIDL SOB O OLHAR
DA CRÍTICA TEXTUAL
Thissiane Fioreto – UFGD
Um soldado bávaro passa dezessete anos em uma expedição na América do Sul e, ao regressar à
Europa, relata suas impressões sobre essa terra e conta sobre os principais acontecimentos por ele
vividos nesse período. Essa poderia ser uma boa temática para uma história de ficção, mas é de fato
o que aconteceu com Ulrico Schmidl, um bávaro natural da cidade de Straubing, que pode ser
considerado um dos primeiros historiadores da região do Prata. Sua aventura, que durou cerca de
dezessete anos, começou em 1536, quando Schmidl chegou ao Rio da Prata numa expedição
comandada Pelo adelantado Pedro de Mendoza, e terminou em 1553, quando o alemão partiu do
porto de São Vicente rumo à Europa. Ao retornar a sua terra natal Schmidl escreveu seu relato de
viagem descrevendo as terras do Novo Mundo e narrando alguns dos fatos vivenciados por ele,
neste período, em solo americano. O relato, escrito inicialmente em alemão e, posteriormente, em
latim e em espanhol, teve várias edições em várias épocas distintas e ficou conhecido como Viaje al
Río de la Plata. A comunicação apresentada é parte do projeto de pesquisa que tem por objetivo
realizar um trabalho de investigação desse relato, notadamente da edição publicada em latim e
ilustrada, em 1599, pela casa impressora da família De Bry. O intuito da pesquisa é, sob uma
metodologia filológica, confrontar as edições em espanhol e em latim para compreender o processo
de escrita e de transmissão do documento sob sua vertente latina. Pretende-se, ainda, que a pesquisa
possa culminar com a tradução do relato da língua latina para a língua portuguesa, tradução esta de
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140
caráter inédito. Para isso, além de uma necessária contextualização histórica e literária, são
utilizados os aparatos teóricos da Crítica Textual. Sendo assim, este artigo se propõe a apresentar os
resultados iniciais dessa pesquisa.
ANÁLISE DAS LIÇÕES VARIANTES DA MEMÓRIA HISTÓRICA DA CAPITANIA DE
SÃO PAULO E SUAS FONTES
Renata Ferreira Costa – USP/UL
A Memória Histórica da Capitania de São Paulo, de Manuel Cardoso de Abreu, oficial maior da
Secretaria da Capitania de São Paulo, é um manuscrito do século XVIII preservado no Arquivo do
Estado de São Paulo, composto principalmente a partir de textos dos historiadores setecentistas
Pedro Taques de Almeida Paes Leme – História da Capitania de São Vicente; Notícia Histórica da
Expulsão dos Jesuítas do Colégio de São Paulo e Nobiliarquia Paulistana Histórica e Genealógica
– e Frei Gaspar da Madre de Deus – Memórias para a História da Capitania de São Vicente.
Apesar da comprovação da reprodução integral de muitos trechos e parágrafos de tais obras, o
manuscrito não se configura como uma cópia literal de suas fontes, uma vez que Manuel Cardoso
interveio intencionalmente nos textos que lhe serviram de modelo para a construção de sua
Memória, operando, para tanto, uma série de alterações, que deram origem a um novo texto. No
início do século XX, depois da aquisição dessa obra pelo Arquivo do Estado, historiadores como
Capistrano de Abreu e, especialmente, Afonso d’Escragnolle Taunay, levantaram a questão da sua
autenticidade, amparados nas noções de autoria e propriedade intelectual, acusando-a de plágio. A
Memória Histórica é um exemplo de texto que reproduz um processo de modificação de outros
textos, em que estão em jogo mecanismos de reordenação e adequação textual nos níveis sintático,
lexical e informacional, tais como a supressão e a adição de elementos linguísticos ou informações
textuais, a reordenação da ordem de palavras e orações, a substituição de palavras ou construções
gramaticais e o uso de sinônimos. Tendo essas características, esse texto torna-se objeto para a
análise das variantes, entendidas aqui como as lições resultantes da intervenção de Manuel Cardoso
de Abreu nas suas fontes. Assim, este trabalho, que se fundamenta nos princípios teóricos e
metodológicos da Crítica de Fontes, da Filologia e da Crítica Textual, tem como objetivo analisar as
lições variantes da Memória Histórica e suas fontes. Os resultados obtidos a partir da colação das
fontes e do estabelecimento das variantes revelam uma grande incidência das fontes na Memória
Histórica, 76% do total, ou seja, muito mais do que a metade da obra, de modo que não se pode
negar que essa obra é fruto de uma apropriação textual, caracterizada como uma compilação de
fontes, na medida em que Manuel Cardoso conjuga diversos fragmentos de obras de autores
diferentes, inserindo alterações que procuram manter a coesão e a coerência textuais, ao mesmo
tempo em que procura deixar marcas de seu próprio estilo ou se distanciar do estilo dos autores
copiados. Os dados indicam ainda que Manuel Cardoso recorreu a mais de uma fonte, mas que o
texto mais aproveitado foi as Memórias para a História da Capitania de São Vicente, de Frei
Gaspar da Madre de Deus, correspondendo a 54,2% do total da obra. A partir desse texto-base,
trechos e parágrafos dos outros textos foram sendo inseridos de modo coerente. Verificou-se ainda
que a reprodução das fontes não foi ipsis verbis, porque houve uma série de alterações, que se
manifestam através de padrões, como, por exemplo, a supressão e a adição de elementos
linguísticos ou informações textuais, a reordenação da ordem de palavras e orações, a substituição
de palavras ou construções gramaticais e o uso de sinônimos. Dentre os seis padrões de variantes
identificados, como são a adição, omissão, substituição, alteração de ordem, reelaboração e
paragrafação, os com maior índice de frequência são a substituição (40,3%) e a omissão (33,5%),
que, no corpus, interferem muito mais no estilo dos autores do que propriamente no sentido dos
textos.
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EDIÇÃO SEMIDIPLOMÁTICA DE TEXTOS DO SÉCULO XIX SOBRE OS REGISTROS
DE DENÚNCIAS E CRIMES DO ACERVO DO MUSEU-UFAC
Sarajane da Silva Costa – UFAC
Antonieta Buriti de Souza Hosokawa – UFAC
O presente trabalho apresenta a edição semidiplomática justalinear de documentos modernos
pertencentes ao Museu-UFAC, relativos às denúncias e crimes ocorridos no Município de XapuriAcre. Para o desenvolvimento da pesquisa foram feitas as edições de um dos Autos, abordando os
aspectos paleográficos e codicológicos desse documento. O trabalho também mostra alguns
aspectos linguísticos, visando mostrar os aspectos diacrônicos da língua portuguesa, “pois conhecer
a língua e a cultura de uma época passada, através do texto, nos permite entender a evolução desse
sistema dinâmico passível de mutações, uma vez que para entender as mudanças ocorridas até o
presente e necessário conhecer e avaliar o passado” (BURITI,2006).
EDIÇÃO SEMIDIPLOMÁTICA E CLASSIFICAÇÃO TIPOLÓGICA DO CÓDICE
“RECENSEAMENTO RURAL - 1939”
Maria Gabriela Gomes Pires – UFG
Maria Helena de Paula – UFG
O presente trabalho propõe uma discussão sobre as edições filológicas e as classificações
tipológicas em manuscritos cartoriais jurídicos do sudeste goiano. Os documentos dessa pesquisa
encontram-se digitalizados no Laboratório de Estudos do Léxico, Filologia e Sociolinguística
(LALEFIL), do Departamento de Letras, da UFG, Campus Catalão. A iniciativa desse projeto
advém do ensejo de registrar digitalmente os documentos manuscritos que vêm se deteriorando por
razões diversas, principalmente por elementos naturais como a ação do tempo, umidade, poeira,
dentre outros fatores, além de permitir a leitura por outras pessoas, pois como afirma Spina (1977,
p. 75) a edição filológica “[...] concentra-se no texto, para explicá-lo, restituí-lo à sua genuinidade e
prepará-lo para ser publicado.” A edição realizada nesses documentos cumpre papel importante no
conhecimento histórico das práticas sociais, linguísticas, culturais e religiosas das comunidades
dessa região. A classificação tipológica tem a função de organizar os documentos de acordo com
cada gênero e assunto facilitando a compreensão por parte de pessoas que sejam leigas na leitura de
manuscritos. Para alcançar o objetivo proposto, iremos realizar a edição semidiplomática justalinear
dos documentos seguindo as regras postuladas em Megale e Toledo Neto (2005), posto que a edição
conservadora permite uma leitura fiel à característica original do documento e facilitada aos demais
leitores, por possuir como característica relevante o desenvolvimentos das abreviaturas. O segundo
passo consiste na classificação dos documentos seguindo as colocações publicadas por Bellotto
(2002) que propõe a organização dos documentos, já que eles apresentam variações de gêneros que
se conformam com suas características e assuntos próprios. Esses documentos, enquadrados nos
períodos oitocentista e novecentista, permitem que as edições sirvam para estudos sobre a história
da língua, uma vez que através dele podemos identificar o que, na língua, se modificou e o que se
manteve através do tempo. Com esse estudo, desejamos também valorizar e divulgar pesquisas com
manuscritos no estado de Goiás, em especial no Departamento de Letras da UFG/Campus Catalão.
Como material para esse estudo, utilizamos o códice manuscrito “Recenseamento Rural 1939”,
composto de quarenta fólios em recto e verso, exarado pela Prefeitura Municipal de Catalão e que
constitui o acervo digital do LALEFIL/Letras/UFG-Catalão.
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EDIÇÃO SEMIDIPLOMÁTICA E ESTUDO PALEOGRÁFICO DE FORAIS PORTUGUES
DO SÉCULO XVI
Ana Claudia de Ataide Almeida Mota – USP/UNIT
Esta comunicação versa sobre o objeto de pesquisa do doutoramento, desenvolvido junto ao
programa de Filologia e Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo, que visa tratar da edição
semidiplomática e do estudo paleográfico de alguns grafemas, de Forais produzidos em Portugal, no
século XVI. O corpus em destaque objetiva preencher uma lacuna no âmbito do PHPP (Programa
para a história do português do Brasil), referente aos estudos de textos produzidos em língua
portuguesa, no decorrer do século XVI, período em que houve uma parca produção manuscrita no
Brasil. Dada a importância desses textos, o foral é um documento com valor jurídico/administrativo,
que versa sobre legislação elaborada por um rei, com o intuito de regulamentar a administração de
terras conquistadas e que dispunha ainda sobre a cobrança de títulos e quaisquer outros privilégios
(HOUAISS, 2009, p. 914). A relevância desta pesquisa no âmbito de estudos dos forais advém da
necessidade de se verificar os hábitos de escrita dos escribas da chancelaria real, dando ênfase à tese
de que a veiculação em torno da homogeneidade na produção manuscrita desses documentos pode
ser discutida à medida que não há um estudo produzido em relação aos padrões de escrita e os
locais de produção. Ademais, o estudo dessa documentação provém da necesidade de se conhecer
mais o português seissentista, a fim de que os estudos filológicos possam constribuir com as
pesquisas que versam sobre um período em que a língua portuguesa passou a ser implantada aqui no
Brasil. O corpus em questão foi obtido no site do Arquivo Nacional da Torre do Tombo, através de
cópias digitalizadas em cores. Justifica-se a escolha do tema pela importância que o conjunto da
referida documentação possui e pela escassez ou quase inexistência de trabalhos de cunho
filológico, no panorama brasileiro.
FIRMOU-SE NA "SUPPLICANTE O ARDENTE DESEJO DE DESQUITAR-SE DO SEU
MARIDO": EDIÇÃO SEMIDIPLOMÁTICA E ESTUDO LÉXICO-SEMÂNTICO DE UMA
“ACÇÃO DE DESQUITE” DO INÍCIO DO SÉCULO XX
Josenilce Rodrigues de Oliveira Barreto – UEFS
Rita de Cássia Ribeiro de Queiroz – UEFS
É papel primordial da Filologia a recuperação de textos “esquecidos nas linhas do tempo” a fim de
trazer à superfície informações contidas em documentos, sejam estes de épocas pretéritas e/ou
presentes, literários e não literários. Ao ter acesso a um determinado documento, pertencente a
acervo público ou privado, o filólogo encarrega-se de escolher qual o tipo de edição a ser feita
naquele, pois o principal objetivo do editor é salvaguardar o conteúdo do texto e disponibilizá-lo
para que estudiosos de outras áreas do conhecimento, caso desejem, também possam realizar
estudos diversos com o dito texto. A partir dessa premissa, a preservação das informações contidas
em uma ação ordinária de desquite do início do século XX constitui-se, também, como labor
filológico, pois traremos à baila a história de Albertina da Motta Barretto (autora da ação) contra o
seu marido e réu, o senhor Antonio Alves Barretto. O documento cível referente à petição de
desquite se encontra disponível no Centro de Documentação e Pesquisa, doravante CEDOC,
localizado na Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS / BA, sob a localização: Processo
Cível - Subsérie: Ação Ordinária de Desquite, pertencente à cidade de Feira de Santana-BA, Estante
03, Caixa 65 e Documento 753, lavrado no período de 1919-1922 na referida cidade, o qual foi
escrito em papel almaço, em tinta preta, letra cursiva e, em alguns fólios, em tinta azul
datilografada, em 97 fólios escritos no recto e no verso. O critério adotado para a seleção deste
documento foi o seu pertencimento à região de Feira de Santana, bem como o período em que foi
lavrado, visto que se busca conservar a história da língua portuguesa do sertão baiano a partir dos
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documentos manuscritos. O tipo de edição adotada para este documento foi a semidiplomática, na
qual o grau de intervenção do editor é mediano, visto que apenas desdobramos as abreviaturas,
apresentando-as em itálico e separamos as palavras unidas e unimos as separadas. Através desse
tipo de edição as características ortográficas são mantidas e, portanto, fica evidente a forma de
escrever do período em análise, bem como podem ser percebidas, através do próprio texto, as
características da cultura, da estrutura geográfica da cidade no período, das relações existentes entre
marido e mulher (envolvidos na ação) e entre os familiares da autora do processo, assim como da
própria história de Feira de Santana, pois, há menções a nomes de ruas que existiam e que ainda
existem na atualidade, de profissões, do tratamento dado à mulher naquela época, etc. que são
evidenciadas através das lexias presentes no texto. Portanto, abordaremos um estudo léxicosemântico da ação ordinária de desquite supracitada, tendo como aporte teórico o Sistema Racional
de Conceitos de Hallig e Wartburg ([1952] 1963), o qual é representado a partir de uma pirâmide
tripartite, envolvendo três esferas distintas, a saber: A) O universo, B) O homem e C) O homem e o
universo, e suas respectivas subdivisões.
HISTÓRIA DO PAPEL E ESTUDO DAS FILIGRANAS UTILIZADAS NA CAPITANIA DE
MATO GROSSO NOS SÉCULOS XVIII E XIX
George Gleyk Max de Oliveira – UFMT
Elias Alves de Andrade – UFMT
Nesta comunicação oral, sob a luz da Filologia, e com o auxílio da Codicologia, temos por objetivo
levar a público a história do papel, seu surgimento na China e início do fabrico no Brasil, e da
filigrana. O papel, fabricado nos séculos XVIII e XIX eram identificados pela inserção de uma
marca denominada filigrana ou marca d’ água, que, pelo seu desenho, identificava seu fabricante e,
consequentemente, à localização da fábrica. Através da filigrana, procuramos identificar o moinho
papeleiro de origem que deixava sua marca no interior do papel. Papeis que continham filigranas
foram utilizados pelos copistas no século XVIII e XIX, na Capitania de Mato Grosso. A partir do
estudo e catalogação dessas marcas, podemos identificar a origem do moinho papeleiro, procurando
identificar, especialmente, de onde o governo brasileiro e comerciantes importavam o papel, de
fundamental importância para o registro de atos civis, religiosos e particulares. Os manuscritos ora
selecionados, que contêm filigranas, encontram-se sob a guarda do Arquivo Público de Mato
Grosso – APMT, e do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso – IHGMT. Este estudo tem
como propósito descrever e delinear a qualidade, natureza e composição do papel utilizado
regionalmente, com atenção especial às filigranas. Deste modo saberemos que os manuscritos que
de particular maneira preservam e resgatam o patrimônio cultural escrito de um povo, provinham de
terras além mar. Esta é uma atividade desenvolvida como parte do projeto de pesquisa "Estudo do
português em manuscritos produzidos em Mato Grosso a partir do século XVIII", do Programa de
Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso MeEL/IL/UFMT e do projeto de pesquisa “Para a História do Português Brasileiro – Mato Grosso –
PHPB-MT”, vinculado ao projeto temático “Para a História do Português Brasileiro - PHPB”
nacional.
LIVRO DE BATISMO DE FILHOS DE ESCRAVOS DA CHAPADA DIAMANTINA:
EDIÇÃO E ESTUDO
Jeovania Silva do Carmo – UNEB
O presente trabalho tem como objetivo apresentar a edição semidiplomática de 26 fólios recto e
verso de um livro manuscrito do século XIX. Neste estão registrados os nomes dos filhos de
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escravos que foram beneficiados com a Lei do Ventre Livre. O documento está escrito em língua
portuguesa, com características linguísticas próprias da época. No que concerne à grafia das
palavras, algumas destas apresentam variantes grafemáticas como nos exemplos a seguir:
desembro/dezembro, <s>,<z>, octubro/outubro,<oc>, <ou>, Matriz/Matris <z><s>. Comparando-se
a grafia do período em estudo (1871 a 1887) com a atual, verificamos que na época ocorriam na
scripta: letras geminadas, variação gráfica de consoantes sem alteração de significado e utilização
de consoante muda em algumas palavras, conforme os seguintes exemplos: baptizado > batizado;
anno > ano, theor > teor, assigno > assino, sette > sete, o que era muito comum, pois neste período
em que os registros foram lavrados, século XIX, não havia a normatização da ortografia da língua
portuguesa, como afirma Baurepaire-Rohan (1956, p. 4): “[...] Não faltam dicionários; mas cada
autor indica um modo de escrever e pronunciar diverso dos outros [...]”. O texto contém algumas
abreviaturas de palavras, inclusive de nomes e de sobrenomes de pessoas e, durante a transcrição,
foram feitos os desdobramentos, apresentando-as em itálico, a exemplo das palavras a seguir:
S.=Santo, S.= Senhor; N.= Nossa; Freg.= Freguesia. Após editar o documento, fizemos o estudo
dos antropônimos dos filhos de escravos nascidos entre 1871 e 1887, da Freguesia de Nossa
Senhora da Conceição do Campestre, na Chapada Diamantina - Bahia. Para desenvolvermos a
pesquisa, contamos com a Filologia para a edição, descrição e transcrição do documento e com a
Linguística para o estudo dos Antropônimos. Efetuamos assim, um trabalho linguístico-filológico
que levou em consideração uma perspectiva de análise sincrônica dos dados. Foram analisados 136
nomes de filhos de escravos e encontramos de maneira explícita uma influência portuguesa e
motivações religiosas para a nominação destes. Quanto ao étimo, a origem latina foi a que mais
sobressaiu em relação à germânica, grega e hebraica. A importância da pesquisa consiste em
possibilitar o acesso a um corpus que oferece registros histórico, cultural e linguístico de uma
época, possibilitar também a conservação da memória de um povo, além de contribuir com
pesquisadores das mais diversas áreas do saber e acrescentar dados para o resgate histórico e
linguístico, a partir dos Antropônimos usados em determinada época no Brasil. Para fundamentar a
pesquisa, foram determinantes consultas às obras que discutem aspectos teóricos acerca da Crítica
Textual e da antroponímia, a exemplo dos trabalhos desenvolvidos por Cambraia (2005),
Vasconcelos (1931), Dick (1992), Guérios (2004), Carvalhinhos (2007), Mexias-Simon (2004),
entre outros teóricos que versam sobre os assuntos abordados, além de dicionários para o estudo
etimológico.
MANUSCRITOS DO REAL FORTE PRÍNCIPE DA BEIRA (1776-1913): UMA ANÁLISE
FILOLÓGICA DOS TERMOS RELACIONADOS À CONSTRUÇÃO, ARMAMENTOS E
SUPRIMENTOS UTILIZADOS NO FORTE
Carolina Akie Ochiai Seixas Lima – UFMT
George Gleyk Max de Oliveira – UFMT
Pretendemos com este trabalho analisar a terminologia relacionada à construção de fortificações no
séc. XVIII. Utilizamos como corpus manuscritos relacionados ao Real Forte Príncipe da Beira,
fortificação construída às margens do Rio Guaporé, em 1776 e abandonada em 1913. A escolha dos
documentos relativos ao Forte justifica-se pelo fato de que esta construção e sua posição estratégica,
nesta região, permitiu primeiro às Monções e depois aos habitantes da Capitania de Mato Grosso têla como um dos principais pontos de proteção das terras limítrofes da Capitania, durante o governo
de Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres. Por encontrar-se em área de fronteira com a
Bolívia, esta fortificação é ainda hoje, considerada uma das maiores edificações realizadas pela
Engenharia Militar Portuguesa no Brasil Colonial, fruto da política pombalina de limites com a
coroa espanhola na América do Sul, definida pelos tratados firmados entre as duas coroas entre
1750 e 1777. Todos os documentos foram coletados no Instituto Histórico e Geográfico de Mato
Grosso e no Arquivo Histórico do Exército – Palácio Duque de Caxias - RJ. O objetivo deste
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trabalho centra-se na transcrição semidiplomática dos documentos, na seleção dos corpora
relacionados a armamentos e suprimentos utilizados durante o período de atividade do Forte até o
seu abandono. A análise dos dados terá como base teórica o que postula Bernard Pottier (1978,
p.145-58) a respeito das integrações “A integração é um movimento de lexicalização, isto é, a
passagem de uma sintaxe livre, original, criada no momento da comunicação, para uma sintaxe em
vias de fixação, que possa alcançar a memorização total.” E ainda, no que diz respeito ao estudo dos
corpora selecionados nos manuscritos, apresentaremos uma análise das lexias segundo o mesmo
autor, uma “lexia é uma unidade lexical memorizada. Ela pertence a uma categoria (forma do
significado) ou a classes superiores”.
MEMÓRIA SOBRE O MANUSCRITO DA PHARSALIA, DE LUCANO, TRADUZIDA
PELO CONSELHEIRO JOSÉ FELICIANO DE CASTILHO
Brunno V. G. Vieira – UNESP
A atuação de José Feliciano de Castilho (1810-1879) como tradutor de latim na corte de D. Pedro II
é vastamente testemunhada na imprensa e na literatura da segunda metade do séc. XIX. O epíteto
“sabedor de coisas latinas” atribuído a ele por Machado de Assis é um bom comprovante dessa
atividade, bem como a edição e comentário que empreendeu às traduções de seu irmão Antônio
Feliciano de Castilho a Amores (1858) e Arte de Amar (1862), de Ovídio, ambas publicadas no
Brasil com aquiescência e fomento imperial. No entanto, seu grande empreendimento tradutório até
o momento estava desaparecido. Trata-se da tradução integral da epopeia Pharsalia, escrita pelo
poeta latino Lucano (I. d. C.) em decassílabos portugueses. No volume do Dicionário Bibliográfico
Português de 1860, Inocêncio da Silva dá notícias de que José Feliciano de Castilho havia
concluído sua versão do poema e que ela seria impressa em Lisboa pela tipografia da Academia
Real de Ciências. A mesma informação consta de carta do próprio tradutor a Antônio Xavier
Rodrigues Pinto datada de 3 de maio de 1860. Nessa carta, o remetente declara ainda que os
originais estão nas mãos de dois censores designados pela Academia, a saber, Mendes Leal e
Antônio José Viale. Após a morte do tradutor em 1879, Joaquim Manuel de Macedo confirma em
necrológio publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico que a obra ainda estava no
prelo. Desde então, não há mais notícia sobre o exemplar que teve excertos publicados em
periódicos do período. No Brasil, vieram a lume o Canto I, publicado integralmente no Diário
Oficial do Império do Brasil, em dezembro de 1864, e o Canto VI, que saiu no Diário do Rio de
Janeiro, no mesmo ano. Em Lisboa, a Pharsalia teve acolhida na Revista Contemporânea PortugalBrasil que deu a versão integral do canto VII (1864) e no Arquivo Pitoresco, cujo exemplar datado
de 1862, mas publicado também em 1864, trouxe a metade do canto X. Esta comunicação se propõe
a 1) historiar o percurso dessa tradução, mas também a 2) apresentar e descrever o conjunto de
manuscritos e comentários da Pharsalia recentemente descoberto.
O PATRIMÔNIO HISTÓRICO-LINGUÍSTICO TUCANENSE: EDIÇÃO E ESTUDO
TOPONÍMICO DE DOCUMENTOS LEGISLATIVOS DO SERTÃO BAIANO
Bárbara Bezerra de Santana Pereira – UNEB
Filologia, sumariamente falando, compreende a área do conhecimento que analisa o texto. Através
deste objeto, esta ciência estuda a língua, a história, a cultura e a sociedade que o produziu,
realizando, entre outras atividades, sua reconstituição e edição. Já a Toponímia tem por objeto de
estudo os nomes próprios de lugares e acidentes geográficos. Analisando-se estes lexemas
buscamos as motivações e as causas das denominações. Intencionamos fazer no presente trabalho a
relação entre estas duas áreas do conhecimento e seus “entrecruzares”. Percebemos que essas
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ciências, aparentemente autônomas, possuem não só características comuns, como possíveis
interdependências. Vimos que os topônimos, assim como os textos, possuem o poder da
comunicação através do tempo. Aliar estas duas áreas de conhecimento favorece a constatação da
intrínseca relação entre língua, cultura e sociedade. Portanto, através dos fatos linguísticos - texto e
topônimo - podemos conhecer um pouco da história, da cultura e da sociedade de uma pequena
cidade do sertão baiano, Tucano. O presente trabalho traz como corpus um manuscrito provindo da
Câmara de Vereadores do município. Trata-se de um livro contendo as primeiras atas da câmara,
datadas dos anos de 1837 a 1876. Um dos objetivos deste trabalho é apresentar o corpus destacando
seus principais aspectos intrínsecos e extrínsecos, bem como sua edição, do tipo semidiplomática.
Escolhemos, para tanto, 18 documentos, sendo 1 termo de abertura, 3 termos de posse e 14 atas do
dito livro. A edição desse material já propicia uma rica fonte para estudos de diversas naturezas,
haja vista oferecermos um material confiável e seguro para outros pesquisadores. A partir dessa
edição, partimos para o estudo linguístico focado no léxico toponímico encontrado no material. Ao
analisarmos o documento em estudo, percebemos que as lexias relativas à geografia se destacavam,
por constar no texto as divisas geográficas da então Villa Imperial de Tucano. Portanto, a
Toponímia é o enfoque linguístico tratado neste trabalho, tendo como base as categorias
taxionômicas de Dick (1990). Em suma, partindo da edição semidiplomática do Livro de Atas da
Câmara Municipal da cidade de Tucano - Bahia analisamos as lexias toponímicas encontradas no
dito documento e confirmamos a notória infinidade de caminhos que um texto pode nos conduzir,
por ser um rico manancial de informações.
O ROTEIRO COMO FORMA DO PROCESSO CRIATIVO CINEMATOGRÁFICO
Eva Cristina Francisco – UENP
O manuscrito é considerado o documento essencial para a dinâmica do processo de criação literária
sob o viés da Crítica Genética. Com os avanços dos estudos sobre o tema e a ideia de que o
processo criativo pode ser pesquisado em diferentes obras de arte, o manuscrito, propriamente dito,
cede lugar a outras formas que também levam ao estudo da gênese da obra. É possível, dessa forma,
examinar os passos dados pelo(s) criador(res) antes que os atos teatrais cheguem ao palco; antes que
um anúncio publicitário atinja seu público alvo; antes que uma narrativa fílmica seja alcançada
pelos olhos do espectador através das telas do cinema. Para esse último caso, diversas formas de
“manuscritos” podem contribuir como documentos do processo criativo para examinar como a arte
coletiva do cinema atinge seu produto final. Roteiros, esboços, making of’s, copiões, diários,
rascunhos, desenhos, entre outros, também fazem parte da obra cinematográfica em andamento.
Nesse sentido, este trabalho objetiva apresentar a análise comparativa entre o roteiro
cinematográfico e o roteiro literário como estudo do procedimento criativo do filme. Para tanto, será
utilizado o roteiro filmado da narrativa fílmica Primo Basílio (2007), obra adaptada da narrativa
literária de Eça de Queirós (1878), em contrapartida ao roteiro da narrativa queirosiana. O que se
intenta com a referida e breve análise é mostrar as mudanças, acréscimos e supressões de um roteiro
a outro, que recriam a narrativa e, consequentemente, dando a ela uma nova formação estética,
comprovando, mais uma vez, que, independente da forma do produto final (pintura, teatro, cinema,
romance, etc) sempre irá existir um caminho percorrido até que este chegue ao seu destinatário ou à
sua conclusão. Para que o objetivo do estudo seja alcançado, será utilizada uma pesquisa
bibliográfica para abordagens sobre cinema e roteiro e considerações por meio de pressupostos da
Crítica Genética para corroborar as observações expostas.
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PELOS RAMOS DA SEXUALIDADE: EDIÇÃO E ESTUDO LÉXICO-SEMÂNTICO DO
PROCESSO CRIME DE ESTUPRO DE MARIA POSSIDONIA DE JESUS (1907)
Daianna Quelle da Silva Santos da Silva – FAPESB/ UEFS
Rita de Cásssia Ribeiro de Queiroz – UEFS
Não é novo citar que a edição de textos é a tarefa primordial da Filologia, pois esta ciência nos
permite desvendar culturas e aspectos importantes da história de um povo e/ou um grupo de povos
através da leitura, edição e, por conseguinte, disponibilização de quaisquer textos pretéritos. Neste
entremeio trazemos, no presente trabalho, o processo crime de estupro de Maria Possidonia de
Jesus, lavrado em 1907, no acervo Centro de Documentação e Pesquisa (CEDOC), situado na
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), escrito em papel almasso, escrito com letra
cursiva e contendo 50 fólios escritos no recto e verso. A edição deste documento se fez possível
através do NEMa (Núcleo de Estudo do Manuscrito), e este núcleo sedia um grupo de pesquisa
denominado GET (Grupo de Edição de Textos) ambos coordenados pela professora Drª Rita de
Cássia Ribeiro de Queiroz. Assim, seguindo os critérios do GET, a edição do documento é do tipo
semidiplomática, porque ao o descrevermos, verificamos: o número de colunas e de linhas da
mancha escrita; a existência de ornamentos; destacamos as maiúsculas mais interessantes;
enfatizamos a existência de sinais especiais; detectamos o número de abreviaturas e o tipo de escrita
e tipo de papel. Já na transcrição do documento, respeitamos fielmente o texto: grafia (letras e
algarismos), linha, fólio, etc; indicamos o número de fólio, à margem direita, fazendo a chamada
com asterisco; numeramos o texto linha por linha, indicando a numeração de cinco em cinco, desde
a primeira linha do fólio; desdobramos as abreviaturas apresentando-as em itálico; utilizamos
colchetes para as interpolações; utilizamos chaves para as letras e palavras expurgadas; indicamos
as rasuras ilegíveis com o auxílio de colchetes e reticências; e, expontuamos as letras de leitura
duvidosa. O conteúdo do corpus nos chamou atenção, em especial, por se tratar de um “crime
sexual”, vimos então, a ideologia da época em relação, principalmente, as relações sexuais,
familiares e matrimoniais, além de encontrarmos muitas palavras e expressões referentes à
sexualidade, daí nos apoiamos na Lexicologia – ciência que estuda o léxico, uma vez que a lexia
(unidade significativa do léxico) pode ser compreendida como a palavra e/ou expressões no seu
contexto de uso, ou seja, inserida em um contexto social. Para tanto, nos apoiamos na Teoria dos
Campos Lexicais (1977) de Eugênio Coseriu, a fim de estudar o macrocampo da sexualidade, e, até
o presente momento encontramos alguns microcampos, a saber: o dos órgãos sexuais masculinos, o
dos órgãos sexuais femininos, o das ações, e, o dos estados. Contudo, destacamos que o presente
trabalho está em processo devido o fato de que pretendemos culminá-lo em uma dissertação de
mestrado.
PIEDADE DE QUEM?
Angelita Heidmann Campos – UFMT
Elias Alves de Andrade – UFMT
Grasiela Veloso dos Santos – UFMT
Este trabalho está vinculado aos Projetos de Pesquisa: “Estudo do Português em manuscritos
produzidos em Mato Grosso a partir do século XVIII” – MeEL/IL/UFMT, e “Para a História do
Português Brasileiro-MT”- PHPB-MT, tem como objetivo analisar, filologicamente, o Bando do
Governador e Capitão General da Capitania de Mato Grosso João de Albuquerque de Mello Pereira
e Cáceres, apresentando-o em duas edições: a fac-símile — a qual Spina (1977, p. 77-78) e
Cambraia (2005, p.91- 92) afirmam ser a que apresenta o grau mínimo de intervenção possível do
editor, já que reproduz com muita fidelidade as características do original: o formato, o papel, as
ilustrações, as margens e possibilita o acesso quase direto ao texto — e a semidiplomática, seguindo
147
148
critérios semelhantes aos adotados por Andrade (2007, p. 70-71) e Toniazzo e Krause (2010, p. 46),
baseados no acordo feito em Campos do Jordão- SP, em 1998, durante o II Seminário para a
História do Português Brasileiro, que Cambraia (2005, p. 95-96) denomina de paleográfica e Spina
(1977, p. 78- 79) de transcrição diplomático-interpretativa, ou semidiplomática, na qual o editor
apenas desdobra as abreviaturas, elimina ou acrescenta elementos por conjectura, entre outros com
o intuito de facilitar a leitura do texto e torná-lo acessível ao público. Bem como, expor comentários
codicológicos em conformidade com as acepções dos dois primeiros autores citados (1977, p. 22),
(2005, p. 26), e Spaggiari (2004, p. 15-17) e paleográficos, baseando-se nos conceitos destes três
escritores, assim como Dias e Bivar (1986, p. 12) e Acioli (2003, p.5) considerando ainda a função
transcendente, na qual se “busca reconstituir a vida espiritual de um povo ou de uma comunidade
em determinada época, explorando a vocação ensaística do filólogo, em busca da história e da
cultura”, segundo Spina (1977, p.77).
SINAIS DE PONTUAÇÃO EM MANUSCRITOS DOS SÉCULOS XVIII XIX
Ana Maria Alves Rodrigues de Paula – UFMT
Esta comunicação analisa os sinais de pontuação presentes em manuscritos dos séculos XVIII e
XIX, que foram transcritos e analisados em seus aspectos paleográficos e ortográficos, na
dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Mestrado em Estudos de Linguagem do
Instituto de Linguagens, da UFMT, em março de 2012. Os sinais de pontuação foram usados,
conforme Acioli (1994, p. 53), já no século VI, como o ponto e vírgula, sendo a vírgula acima do
ponto, os dois pontos, usados nas abreviaturas latinas, e a interrogação que parecia o atual ponto de
exclamação, e, raramente, o sinal de admiração, um círculo com um ponto dentro. Spina (1977, p.
44) também afirma que “[...] em toda a Idade Média, não obstante as regras dos gramáticos gregos e
latinos, bem como as recomendações de Santo Isidoro nas Etimologias, a pontuação foi um
verdadeiro caos.” Nos manuscritos analisados, que pertencem à metade final do século XVIII ao
final da primeira metade do XIX, foram observadas ocorrências de pontuação que confirmam a
afirmação de Spina acima, mesmo considerando o período moderno a que pertencem. Assim,
apresentaremos, em recortes dos manuscritos em fac-simile, que compõem o corpus estudado, cujos
originais foram encontrados no Arquivo Público de Mato Grosso, cedidos para estudos, e são
compostos de cartas, ofícios, requerimento, relatório, sempre com referência a alguma autoridade
do governo da capitania e, depois, província de Mato Grosso. Assim, apresentaremos inicialmente
uma pequena referência histórica do período, para contextualizar os manuscritos. A seguir, serão
analisadas as ocorrências de ponto final, encontrados muito raramente para terminar parágrafos,
pois a estrutura de carta apresenta, quase em sua totalidade, um único parágrafo; da vírgula, que
apresenta maior ocorrência nos manuscritos datados mais ao final do período analisado, com
ocorrência em todo o corpus seguida da conjunção e; do ponto e vírgula, o ponto de interrogação e
de barras verticais, estas últimas de pouca ocorrência. A seguir, serão apresentadas as considerações
finais e a bibliografia básica.
UMA ABORDAGEM LÉXICO-FILOLÓGICA SOBRE AS RELAÇÕES DE PODER NO
“LIVRO 1X DE REGISTROS DE ÓBITOS DE SANTA LUZIA” (1814-1829)
Maria Helena de Paula – PMEL/UFG-CAC/FAPEG
Não é incomum afirmar em estudos sobre a história escrita da língua portuguesa no Brasil que
documentos manuscritos eclesiásticos revelam uma configuração da sociedade brasileira, por vezes
desconhecida, dado seu caráter de documento restrito às lidas de padres ou outros religiosos e suas
atribuições numa paróquia. Por esta razão, não raro são verdadeiros tesouros sobre a vida social e
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cultural de uma época, pois cabia quase exclusivamente à Igreja Católica registrar casamentos,
batizados e óbitos. Assim, manuscritos depositados em arquivos de paróquias e igrejas são
excelente material de pesquisa para se entender como as relações entre linguagem, cultura e
sociedade se arquitetam historicamente. Nesta perspectiva, propomos apresentar como o Livro 1X
de Registros de Óbitos de Santa Luzia, atual Luziânia-GO, datado entre 1814 e 1829, registrou
mortes e suas causas, diferentemente para negros cativos e senhores e senhoras não escravos, como
a indicação da profissão, material em que eram envoltos os corpos, campas numeradas e as sem
números, distintamente para brancos livres e para cativos. Assentados numa perspectiva lexicutural
em que os significados sociais das palavras são conferidos no seio do grupo que as (re)cria e as
ressignifica, lemos e editamos semidiplomaticamente o códice e inventariamos as ocorrências que
evidenciam como as relações de poder se mostram nos fólios do referido Livro, nos idos dos
oitocentos na Província de Goyaz. Com uma abordagem transdisciplinar nos estudos filológicos e
lexicais, pretendemos discutir como essa manifestação escrita do século XIX pode demonstrar as
relações entre língua e cultura numa sociedade escravagista, em especial na sua configuração léxica.
Para as incursões sobre a relação entre o tesouro vocabular de um povo e sua forma de conceber e
conhecer o mundo, recorreremos a alguns dos muitos estudos referenciais na área das ciências do
léxico como os de Biderman (2001) e de Vilela (1994). Como repositório do pensamento, da
memória e da cultura de uma época e de uma comunidade, o léxico serve a representar, também,
relações de poder, de forma evidente ou velada. Nesse sentido, cabe-nos perscrutar no corpus de
estudo como numerar ou não uma campa ou como os modos de descrever os panos que envolvem o
corpo morto podem apontar indícios da forma de configurar-se, para a Igreja, a divisão de classes e
a divisão entre brancos e negros livres e entre brancos e negros não livres. Para tanto, realizaremos,
inicialmente, o inventário e posterior análise de lexias referentes a esses campos no códice em
questão. O estudo proposto intenta, pois, apresentar resultados parciais de uma pesquisa em
andamento sobre memórias da escravidão negra em terras goianas.
PARA UMA EDIÇÃO CRÍTICA DE O SEMINARISTA, DE BERNARDO GUIMARÃES
Luana Batista de Souza – USP
O romance O Seminarista, de Bernardo Guimarães, foi publicado em 1872 por B. L. Garnier,
tratando-se hoje de uma obra de domínio público. Trata-se de uma obra que foi publicada muitas
vezes desde sua primeira edição até os dias de hoje. Ao analisar a tradição desse romance, podemos
constatar a existência de três redações que se diferenciam, inicialmente, pela sua extensão. O texto
completo é o da edição príncipe e das edições subsequentes até o início do século XX, já o texto
abreviado, pelo que podemos constatar até o momento, foi publicado primeiramente pela editora
Civilização Brasileira em 1931. Contudo, ao contrário do esperado a princípio, descobrimos a partir
do cotejo entre os testemunhos da tradição do texto abreviado, uma terceira redação, derivada do
texto da Civilização Brasileira, trata-se da edição da Livraria Martins publicada em 1944. Devido à
sua data de publicação, acredita-se que esta redação não é de autoria de Bernardo Guimarães, sendo
fruto de alteração da casa editorial, cujas hipóteses levam a crer na existência de uma intenção
editorial voltada para a redução do texto. Descredita-se a autoria de Bernardo Guimarães, uma vez
que se trata de uma publicação póstuma lançada quase cinquenta anos após sua morte. Tornando,
assim, improvável a existência de um manuscrito alterado que tenha chegado apenas a esta editora e
não a outras. Devido a importância para o estudo de literatura, a consulta a um texto fidedigno e
livre de erros e corruptelas, o mais correspondente possível aos originais do autor, a edição crítica
deste romance se faz necessária. Esta é uma preocupação que deve ser redobrada, sobretudo,
quando se trata de um texto publicado muitas vezes e que possui variantes quanto ao seu conteúdo.
Desse modo, o presente trabalho visa discutir as variantes do texto, os procedimentos e elementos
que devem ser considerados pelo editor crítico ao editá-lo.
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SIMPÓSIO 12
VARIEDADES DE PORTUGUÊS FALADAS NA ÁFRICA: OS
SUBSTRATOS ‘NÍGER CONGO’ E ‘CRIOULOS’
É recente, na agenda dos linguistas, a investigação de “variedades de português faladas na África”.
Trata-se, na quase totalidade, de variedades de português não padrão – algumas em
desaparecimento –, originadas da aprendizagem e da transmissão informais desta língua na África.
Os esparsos estudos sobre a sua tipologia e sistemas gramaticais têm mostrado que podem dar
contributo valioso à atual teoria linguística, não só acerca dos fenômenos que subjazem à sua
aquisição como L2s e reestruturação como L1s, mas também sobre a origem e reestruturação do
próprio português falado no Brasil.
As variedades de português faladas na África têm como substrato dois grupos: (i) línguas africanas
do grupo Níger Congo; (ii) línguas crioulas do Atlântico que, por sua vez, apresentam as línguas
Níger Congo como substrato ancestral.
Figueiredo (2010: 2.1.1.) aponta o seguinte conjunto de variedades de português de substrato NígerCongo:
(i) Português dos Tongas (Roça Monte Café, São Tomé)
(ii) Português Vernacular de Angola
(iii) Português de Moçambique
Figueiredo (2010: 2.1.1.) e Oliveira, Baio & Injai (a sair) mencionam o seguinte conjunto de
variedades de português de substrato Crioulo:
(i) Português caboverdiano (e seu substrato: Crioulo de Cabo Verde)
(ii) Português de Almoxarife (e seu substrato: Crioulo de São Tomé)
(iii) Contínuo Português Guineense (e seu substrato: Crioulo de Guiné Bissau)
(“português acadêmico guineense”/“português crioulo guineense”)
É neste cenário de diversidade do português falado na África que se inscreve a reflexão pretendida
pelo simpósio. Dada a sua perspectiva, pesquisas empíricas com análise formal são bem vindas,
sendo igualmente bem vindos estudos de cunho etnolinguístico e/ou comparativo entre variedade(s)
de português falada(s) na África, com variedades de português falado no Brasil, em Portugal ou na
Ásia; este último observado recentemente apenas em particularidades da aquisição por falantes
chineses em ambiente formal de sala de aula (p.e. Godinho, 2005; Martins, 2007).
COORDENAÇÃO
Carlos Filipe Guimarães Figueiredo
Universidade de Macau
[email protected]
Márcia Santos Duarte de Oliveira
Universidade de São Paulo
[email protected]
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151
DUPLO PREENCHIMENTO DO CP EM VARIEDADES REESTRUTURADAS DO
PORTUGUÊS: CONSIDERAÇÕES SOBRE O UNIVERSAL LINGUÍSTICO E A
SITUAÇÃO DE CONTATO
Eduardo Ferreira dos Santos – USP
Raquel Azevedo da Silva – USP
Neste trabalho enfoca-se a construção de duplo preenchimento do sintagma complementizador (CP)
no português de Angola (PA), no português de Guiné-Bissau (PGB), no português vernacular
brasileiro (PVB) ’norma não padrão’ – línguas reestruturadas –, no portugues brasileiro ‘norma
padrão’ (PB) e a aproximação desse tipo de construção, nesse conjunto de variedades distintas da
língua portuguesa, com o português europeu (PE) e brasileiro, presentes em textos dos séculos XV e
XIX. Comumente classificadas como ‘interrogativas clivadas sem cópula’, essas construções serão
tomadas como sentenças do tipo monoclausais e excluídas, portanto, do âmbito das clivadas – ver
Oliveira (2011); Santos & Oliveira (2012). Os dados em (01), exemplificam esse tipo de construção
nas referidas variedades:
(01) i. Onde que vai seguir a faculdade? (PA)
ii. O que que você acha sobre cota racial? (PGB)
iii. O que que você fez? (PB/PVB)
iv. Onde que valë ali as riquezas në as honrras në a fremosura e a postura e os grandes comeres?
(PE – séc. XV)
v. Afonso Karr diz não sei onde que o elogio não tem merecimento, senão quando aquele que elogia
podia dizer o contrário (...) (PB – séc. XIX)
Essa construção interrogativa, fronteada seguida pelo ‘que’, segundo Oliveira (2011), é comum nas
línguas do oeste africano, mas não se pode tomá-la como específica para esse conjunto de línguas,
pois outros dados apontados pela autora com línguas não pertencentes a familia Niger Congo
também apresentam esse tipo de construção. Além dos traços internos de cada língua, estaríamos,
portanto, diante de um universal linguístico e da concepção de que as teorias substratistas e
universalistas são complementares para o apontamento da gênese das línguas reestruturadas. Para
Holm & Machado (2010), as construções em (01), para o PB e PVB, estariam em uma variedade de
interlíngua do português falado no Brasil durante o período colonial. Essa questão presente nos dois
autores também reforça a hipótese de que a língua portuguesa chega em África como uma língua de
contato, apoiada nos dados do PGB e no português dos séculos XV e XIX.
DISTRIBUIÇÃO DOS NOMES NUS E RESTRUTURAÇÃO DOS SISTEMAS DE
DETERMINANTES EM LÍNGUAS E VARIEDADES DE CONTATO – ONDE COMEÇA
UMA GRAMÁTICA NOVA?
Christina Märzhäuser – LMU München
Na área da determinação nominal e da expressão da referência nominal, as variedades do
Português e as línguas crioulas de base portuguesa, que surgiram em contato com línguas
africanas, divergem do português padrão, sobretudo na sua distribuição das frases nominais sem
artigo (ou com ‘artigo ø`), os ditos ‘nomes nus’ (inglês bare nouns, abreviado BNs). Lipski chama
o artigo ø um “Key feature of Afro-hispanic and Afro-Portuguese dialects” (Lipski 2006: 113) e
explica a omissão do artigo definido em posição de sujeito nessas variedades pela ausência do
artigo nas línguas africanas de contato e por sua redundância em certos contextos definidos e
genéricos (vgl. Lipski 2008: 93). Tanto os fatores tipológicos como os aspectos da semântica de
referência parecem ser relevantes.
Esta contribuição, que se baseia no meu projeto de pesquisa atual sobre bare nouns em Espanhol e
Francês, apresenta uma comparação dos dados do BP (Schmitt & Munn 2003; Dobrovie-Sorin &
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152
Pires de Oliveira 2008), especialmente dados do português afro-brasileiro (Lipski 2008; Baxter &
Lopes 2006), do Crioulo de Cabo Verde (Baptista & Gueron 2007; Märzhäuser 2005; et al.) e
novas análises dos BNs no Português Vernacular de Angola (Inverno, no prelo). Os parâmetros
relevantes para a análise, para cuja seleção também foram relevantes as características tipológicas
das línguas de contato, são:
i. Especificidade versus Non- especificidade (vgl. von Heusinger & Kaiser 2003)
ii. Semântica lexical dos nomes
iii. Familiaridade (discurso-referential / contextual) do referente (veja familiarity, Lyons 1999)
A análise procura por paralelas entre as diferentes variedades e línguas, que todas surgiram do
contato do Português com línguas africanas – em situações de contato históricos bem diferentes.
Na análise da distribuição dos BNs nas diferentes variedades, compara-se o grau da reestruturação
(Holm 2004) e discute-se quando se pode falar dum sistema gramatical alternativo e em que casos
se trata meramente duma variação intralinguística.
A LÍNGUA CABO-VERDIANA, HOJE
Victor Manuel Eugênia Semedo – UNICV
A constitução línguistica da sociedade cabo-verdiana desenvolveu, a partir do século XVI, uma
língua, a sua escrita só começava a esboçar os primeiros passos em oitocentos, com características
da língua portuguesa, mas com a sua especificidade própria, muitos termos foram emprestados à
língua portuguesa outros vieram dos falares das etnias trazidas da África. A língua cabo-verdiana ou
a língua crioula ou simplesmente o crioulo cabo-verdiano, língua esta que sobreviveu todo o
período colonial e tem reforçado a sua existencia enquanto veiculo de comunicação, sobretudo, na
oralidade entre os cabo-verdianos residentes no território nacional e na diáspora cabo-verdiana.
Após à conquista da independência nacional, a tomada de posição política no sentido da valorização
do crioulo de cabo-verdiana tem sido sempre acanhada e hesitante. Na 1ª república, o passo mais
decisivo terá sido o reconhecimento do crioulo como língua nacional e materna e a sua assunção
como elemento fundamental da nossa identidade. Os diversos programas do Governo referiam à
criação de condições para a valorização, mas não se fixavam as metas e as etapas, não se
disponibilizavam os meios necessários.
Foi na 1ª república que a língua cabo-verdiana consolidou o seu estatuto de língua, assim, fora
realizado um colóquio linguístico, em 1979, de onde surgira a proposta de um alfabeto
estandardizadi e de base fonológica. Na 2ª república decidiu-se e com base nos estudos científicos
que vêm sendo desenvolvidos e orientados por técnicos competentes na matéria, fixar metas e
determinar etapas para a oficialização do crioulo como língua nacional, ao lado do português.
Reforça, desse modo, a ideia de valorização progressiva do crioulo cabo-verdiano, como língua de
ensino.
A revisão constitucional de 1999 enfatizou no sentido de criação de condições para a sua
oficialização, em paridade com a língua portugesa. Em 2000, havia sido alertado para um melhor
tratamento e atenção à língua crioula, com a concretização de três grandes objectivos a oficialização
do crioulo, a generalização do seu ensino e a construção de um bilinguismo funcional.
A oficialização do crioulo atribuiria à língua materna um estatuto de prestígio e de dignidade à
altura das funções que desempenha na sociedade cabo-verdiana e na arena internacional. Significa
que a oficialização já não só é desejada, mas também é irreversível.
O crioulo já goza de algum estatuto de língua oficial, tem já alguma existência, nomeadamente, nos
debates parlamentares constata-se o recurso esporádico a lingua materna com o fito de as
mensagens atinjam toda a população eleitora. No nível do ensino, nas igrejas, na literatura, nos
tribunais, na administração pública, na comunicação social, entidades oficiais e não oficias
recorrem a língua materna para comunicarem, nomeadamente, na oralidade. A situação da língua
cabo-verdiana na actualidade é confortável, há um reconhecimento por toda a sociedade da
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necessidade de sua oficialização no sentido concreto do termo,ou seja, passando do uso apenas na
oralidade para a sua normalização e instrumentalização, instroduzindo no ensino. Em 2012, o
governo cabo-verdiano atraves do Ministério da Cultura criou a Comissão Nacional para as
Línguas, composta por ilustres do mundo da letra cabo-verdiano.
ASPECTOS DA PRONOMINALIZAÇÃO NO PORTUGUÊS VERNACULAR DE LUANDA
Eliana Pitombo Teixeira – UEFS
É senso comum dizer-se que a introdução do você e da expressão a gente no sistema pronominal do
português brasileiro provocou mudanças profundas na sua gramática. Mudanças que, segundo Kato
(1994), se estenderam para além do âmbito dos pronomes pessoais. Diante disso, e também do fato
de Teixeira (2002) ter observado que a mudança tu → você ter sido promovida pela classe baixa –
no século XIX, constituída por escravos e seus descendentes (cf. MATTOSO,1992) – propusemonos a estudar o português popular angolano com base em dados obtidos em Luanda, sua capital.
Defrontados com uma guerra civil pouco tempo depois da Independência de Portugal, muitos
provincianos migraram para a capital, uma zona neutra em que, mesmo duramente, ainda se podia
sobreviver. Essa parcela da população, mais afastada do centro administrativo e, portanto, do
contato com a língua portuguesa, iria fortalecer e acelerar a difusão de um português aprendido
emergencial e imperfeitamente, visto a necessidade imperiosa de sobrevivência na cidade. Luanda
é, pois, um campo de pesquisa linguística, extraordinariamente rico e estimulante. O trabalho que
ora propomos trata essencialmente de pronomes pessoais e abrange os seguintes tópicos: o uso de
você e de a gente como pronomes pessoais; suas implicações na expressão do sujeito pronominal; o
objeto nulo; a sintaxe dos clíticos, incluindo a sua posição em relação ao verbo como também o lhe
como acusativo; a ausência do clítico em verbos reflexivos e o seu redobro em verbos pronominais;
as formas usadas para indeterminar o sujeito, enfim, fenômenos morfossintáticos que,
comprovadamente, distanciam o português brasileiro da sua matriz portuguesa. É nessa perspectiva
de diferenças entre o português de Portugual, de um lado, e as variedades constituídas nas suas excolônias, de outro, que buscamos reafirmar os efeitos do contato com línguas africanas e da
transmissão linguística irregular nas mudanças que nelas se operaram. Metodológica e
teoricamente, servimo-nos da Teoria da Variação e Mudança (LABOV, 1972). A amostra é
constituída de dez informantes analfabetos ou que tenham cursado até a 5ª série do fundamental
visto as precárias condições do ensino público naquele país. Os resultados apresentam-se
interessantes, mostrando mais semelhanças ao português brasileiro do que diferenças no que
respeita aos fenômenos estudados.
INTERINFLUÊNCIAS FONÉTICO-FONOLÓGICAS ENTRE A VARIEDADE DO
PORTUGUÊS ANGOLANO E O KIMBUNDO
Afonso João Miguel – ISCED-LUANDA
O presente trabalho centra-se na análise contrastiva entre a variedade do Português e o Kimbundu,
duas línguas faladas em Angola e em contato secular permanente. O objetivo fundamental consiste
em descrever os aspetos fonético-fonológicos mais relevantes, resultantes de adoção dos vocábulos
de uma língua para outra, procurando assim determinar a regularidade ou a irregularidade dos
fenómenos resultantes desse processo. Independentemente dos trabalhos já feitos sobre o assunto,
procuraremos apresentar uma abordagem mais formal dos fenómenos identificados nos dois
sistemas linguísticos, inserida num quadro teórico da gramática generativa, para uma melhor
compreensão da situação em foco. Para o Português, tomaremos como referência os trabalhos de
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d’Andrade (1977; 1992) e Mateus (1974); já no caso do Quimbundo, teremos em conta o trabalho
de Xavier (2010).
A BANTUFONIA NA VARIEDADE ANGOLANA DO PORTUGUÊS
Janine Félix da Silva – UNIR
Bernardo Sipiali Sakanene – ESPB
O presente estudo centra-se no domínio da reflexão sobre a variedade angolana do português, a qual
eivada de palavras vindas das línguas bantu difere-se, de alguma forma, das outras variedades. Para
compreensão desse estudo passou-se pelas seguintes vias: natureza fonológica da variedade
angolana, onde colocamos as principais interrogações para o estudo que se pretende, passando em
revista a definição do termo bantufonia; em seguida, uma resenha sobre o panorama linguístico e o
percurso histórico de Angola, nesse item focou-se o início da colonização, o qual tem quota-parte
do fenômeno em estudo; por fim, momentos da bantufonia, que começa com a entrada das palavras
das línguas bantu e a forma como são pronunciadas, seguido de um estudo minucioso com o
inventário das consoantes, classificação e uma análise sobre construções típicas dessa variedade do
português.
PORTUGUÊS RESTRUTURADO DA COMUNIDADE SEMICRIOULA DE
ALMOXARIFE, SÃO TOMÉ: SINCRETISMO SINTÁCTICO-SEMÂNTICO DA
PARTÍCULA “NEM”
Carlos Filipe G. Figueiredo – UM
Analisando-se fenômenos do contato entre o português e línguas africanas, é possível entenderemse fases de formação de algumas estruturas morfossintácticas das línguas que emergem em
consequência de tal. Por exemplo, o uso da partícula “nem”, utilizada no PE particularmente na
coordenação, apresenta distinções relativamente ao português restruturado falado pela comunidade
semicrioula e bilingue (português/santome) de Almoxarife, São Tomé (PA), que tem, no bojo da
sua formação e evolução, a situação de contacto decorrente da colonização do Golfo da Guiné e que
determinou o aparecimento do santome (substrato do PA). No PE, a partícula pode compor a
locução conjuncional disjuntiva “nem…nem”, que exclui qualquer das situações:
[1] Nem o patrão nem os trabalhadores ficam prejudicados.
No PA, a mesma partícula, independentemente de construir sentenças idênticas às do PE (exemplo
2), pode igualmente arquitectar correlativas copulativas que transmitem sentido positivo à
construção (exemplo 3) e são mal formadas no PE:
[2] nem seôr fica prusdicado nem os trabalhador també fica. [ABILH2]
“nem o senhor fica prejudicado nem os trabalhadores também ficam.”
[3] Nem banana pão nem bana prata, tudo é mesma coesa. [CLOTIM2]
“Não só/tanto a banana pão mas também/como a banana prata, é tudo a mesma coisa.”
(= A banana pão e a banana prata são a mesma coisa)
A etimologia de “nem” e a estrutura sintática [2] podem ser atribuídas ao PE, mas [3] evidencia
paralelismo com o santome:
[4] Nê kompa nê sun se tô sotxi.
CONJ compadre CONJ senhor SPEC ter sorte (Hagemeijer, 2007: 256)
“Não só/tanto o compadre mas também/como o homem tiveram sorte.”
(= O compadre e o homem tiveram sorte.)
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A distinta sintaxe da conjunção em [2] e [3], para além de se demarcar do PE (este só permite
construções como [2]), estabelece paralelismos com línguas do banto ocidental que estarão na base
do proto-crioulo do Golfo da Guiné. No quimbundo, as sintaxes da disjunção “nem” e da cópula
“não só… mas também” são desempenhadas pela mesma partícula (“né”/“né…né” – Cannecattim,
1859: 39; Chatelain, 1888/1889: 115), tal como no umbundo (“nda”/“nda…nda” – Valente, 1964:
IV Simpósio Mundial de Estudos de Língua Portuguesa: “Língua portuguesa: ultrapassando
fronteiras, unindo culturas”. Simpósio 12: Variedades de português faladas na África: os substratos
níger-congo e crioulos. Universidade Federal de Goiás. Goiânia, Brasil. 02-05 Julho, 2013. 2 337338). Tanto as semelhanças fónicas das partículas do quimbundo e do português como a partilha de
traços sintáticos que detêm nas línguas do banto ocidental terão dificultado, aos falantes destas, a
distinção sintáctica operada no PE. Este aspecto terá contribuído para que transitassem traços do
banto para o santome, que se preservaram geracionalmente no PA e levaram a partícula a operar
sincreticamente com empréstimos da língua lexificadora, na fase de restruturação. Recorrendo ao
GOLDVARB X (Sankoff, Tagliamonte & Smith, 2005), observaremos a influência de variáveis
linguísticas (p.e. função sintáctica) e extralinguísticas (p.e. idade e escolaridade) no comportamento
diacrónico da partícula “nem” no PA. Comparações com estruturas do PE, PB, santome e línguas
africanas contribuirão com mais dados para o conjunto de variáveis que testemunham a
restruturação morfossintáctica do PA, permitindo, conclusões, entre outras, sobre: (i) tipologia das
construções do PA e santome; (ii) possibilidade do português adquirido por contacto por falantes de
um crioulo de base portuguesa (CP) manifestar idênticos padrões de variação do português
adquirido por falantes quando o substrato não é um CP (Figueiredo, 2010).
ESTRUTURAS RELATIVAS DO PORTUGUÊS DE CABO VERDE: REVISITANDO
COMPLEMENTIZADORES E RELATIVOS
Márcia Santos Duarte de Oliveira – USP/FAPESP
Lurdes Teresa Jorge – USP/UnB
Francisco João Lopes – USP/CAPES
Nosso estudo aborda o português falado em Cabo Verde – daqui em diante (PCV) – , que, segundo
Figueiredo (2010: 2.1.1.), tem como substrato a língua crioula de Cabo Verde. Para a investigação
do fenômeno linguístico, sob enfoque no trabalho, qual seja estruturas do PCV que se realizam a
partir de um fenômeno comumente denominado, na literatura, de ‘complementizador relativo’,
partiremos de Lopes (2012: 82-85), que investiga relativas da língua do substrato; no caso, o
caboverdiano – variedade falada na ilha de São Nicolau, daqui em diante (CSN).
Sobre as estruturas do PCV que instanciariam um ‘complementizador relativo’ - nomenclatura
usada relativamente a dados como os em (1), em que, comparativamente a (2), observa-se estrutura
em que o relativo não é antecedido de preposição - , a hipótese é a de que, em virtude da ausência
da preposição, o relativo passaria a ter estatuto de complementizador – ver, entre outros, de Vries
(2002: 62).
Dados do PCV:
(1) Temos a antropologia que o professor logo nos dê a orientação
(2) Temos professores que nos dê orientação
O que se observa em (1), do PCV, é representado no dado em (3), do português vernacular
brasileiro (PVB):
Dado do PVB
(3) A menina que eu falei chegou.
O fenômeno em análise reporta-se, em síntese, à distinção entre as estruturas consideradas padrão e
não padrão ( ver TARALLO (1983)), entre outros.
Neste trabalho, em que revisitamos Lopes (2012), o corpus de análise será ampliado com dados
relativos a estruturas completivas do CSN, o que nos permitirá comparar o comportamento e a
155
156
distribuição de relativos e de complementizadores nessa língua crioula; em especial, as partículas ki
e ma, respectivamente. A análise das referidas partículas em posições relativizadas de SN e em
posições de argumento de V(erbo), ou seja, em estruturas distintas quanto a propriedades do sistema
CP (sintagma complementizador), tem como objetivo principal a investigação do estatuto
morfossintático do relativo do PCV, em dados como o representado em (1). Para tal análise,
seguimos a proposta teórica de derivação por fase – Chomsky (2008) –, em especial no que se
refere a propriedades dos itens lexicais quanto a traços formais e semânticos, no curso da derivação.
156
157
SIMPÓSIO 13
VARIAÇÃO E MUDANÇA NO PORTUGUÊS BRASILEIRO E
ASPECTOS DA SÓCIO-HISTÓRIA
A língua portuguesa, no Brasil, se particularizou, através de traços morfossintáticos, lexicais, e
fonéticos, resultante de um processo que envolveu séculos de transformação. A partir do século XX,
com o advento da sociolingüística e de outras áreas da lingüística, foi possível desenvolver,
mormente na segunda metade desse século, pesquisas que se utilizassem de metodologias e de
análises de dados, trazendo resultados objetivos e confiáveis. Assim é que muito conhecimento tem
sido produzido, a partir de então, sobretudo visando à obtenção de dados elucidativos sobre a
constituição histórica do português brasileiro. Já há um acúmulo muito grande de conhecimento,
tanto no nível da morfossintaxe, do léxico, da fonética, além do que as pesquisas no âmbito da
sócio-história têm apresentado. O que tem se evidenciado é que o português brasileiro apresenta
diferenças significativas em relação ao português europeu, considerando-se que, até meados do
século XVIII, predominou um multilinguismo generalizado no território brasileiro. A partir da
segunda metade desse século, com a política pombalina, que torna o português língua oficial do
Brasil, e de outras ações, passou-se ao uso corrente da língua portuguesa, já com características bem
próprias. Mattos e Silva (2004, p. 58) sugere que: “Para recuperar uma história do português
brasileiro, teremos de reconstruir uma história social linguística do Brasil: uma sociolingüística
histórica ou sócio-história lingüística e uma história lingüística, ou seja, a das mudanças lingüísticas
que fizeram e fazem o português brasileiro ter as características que tem, o seu perfil próprio, a sua
gramática.” O grupo que ora se propõe tem como objetivo congregar pesquisadores de várias
regiões com interesse na área da Variação e da Mudança lingüística com estudos nos diversos
campos da linguagem (sociolingüística, sócio-funcionalismo, crioulística, etc) com vistas a
contribuir para a reconstituição da sócio-história do Português Brasileiro.
COORDENAÇÃO
Norma da Silva Lopes
Universidade do Estado da Bahia
[email protected]
Emília Helena Portella Monteiro de Souza
Universidade Federal da Bahia
[email protected]
157
158
NORMAS LINGUÍSTICAS: UM PERCURSO HISTÓRICO
Marilda Alves Adão Carvalho – UEG-Quirinópolis
Nesta comunicação, inscrita nos domínios da Sociolinguística Variacionista e da Linguística
Histórica, buscar-se-á, conforme a visão de estudiosos dessas áreas, distinguir e discutir os
conceitos de norma culta, norma padrão e norma gramatical, enveredando-se, portanto, na sóciohistória do português brasileiro, a fim de apresentar a gênese dessas normas; suas caracterizações; a
ideologia nelas impregnada, e o tratamento nem sempre adequado e profícuo a elas dispensado no
ensino da língua portuguesa, em que, não raro, o modelo de língua é a do colonizador, ou seja, o
português europeu. Esse quadro de discussão, se por um lado prestar-se-á como contributo para
desconstruir do imaginário das pessoas a existência de uma única norma, o que as levam a
desconsiderar a relação língua-sociedade-cultura, bem como os distintos papeis sociais
desempenhados pelos indivíduos e, consequentemente, o caráter multiforme da língua, por outro
lado prestar-se-á para o reconhecimento e compreensão de como se deu a variedade popular do PB.
Em meio a essas focalizações, abrirse- á espaço para uma reflexão e questionamento sobre o que se
entende de fato por “falante culto”, e sobre até que ponto a língua se configura como instrumento de
inclusão ou de exclusão social, tendo o homem o direito ou não de usá-la com os traços linguísticos
que lhe identificam para “ser e estar” no mundo com o outro, de modo a efetivar a natureza
sociointerativa da língua. Nesse sentido, após todas essas considerações, objetiva-se chamar o
professor de língua portuguesa à responsabilidade de adotar uma prática pedagógica que
desconstrua preconceitos linguísticos e, ao mesmo tempo, contribua, de forma significativa, para a
expansão da habilidade linguística do aluno e para a consolidação de um português genuinamente
brasileiro, com o qual todos possam construir identidades como usuários da língua.
SOBRE OS USUÁRIOS DO PORTUGUÊS POPULAR EM SÃO PAULO NO INÍCIO DO
SÉCULO XXI
Angela C. S. Rodrigues – USP
Em nossos estudos sobre o Português Popular falado em São Paulo, temos levado em conta a
sugestão de Labov de uma Sociolingüística Histórica, que tem como um dos seus princípios básicos
a idéia de que não é possível o desenvolvimento de uma mudança lingüística fora da estrutura social
da comunidade em que ocorre; ou seja, é fundamental que sejam levadas em conta as pressões
sociais que continuamente operam sobre a língua. Por isso, temos buscado levantar informações
sobre a história recente da capital paulista, com atenção especial aos aspectos demográficos, isto é,
às alterações na constituição da população da capital, principalmente do contingente usuário dessa
variedade popular urbana do Português Brasileiro (PBPop), com vistas à reconstituição da história
social do Português Popular em São Paulo, nas últimas décadas do século XX e começo do XXI.
Num primeiro momento, buscamos entender as razões pelas quais a cidade de São Paulo apresenta
esta enorme estrutura de urbanização na atualidade, resultando disso observações sobre o processo
de urbanização de São Paulo, mais especificamente sobre o processo de formação da população
usuária do PBPop em São Paulo, do início do século XX até fins da década de 80 (RODRIGUES,
2012). Associamos a esse processo o da velha exclusão social, entendida como uma forma de
marginalização de parte da população expressa pelos baixos níveis de renda e escolaridade,
incidindo mais freqüentemente sobre os migrantes, analfabetos, mulheres, famílias numerosas e a
população negra. Continuamos neste trabalho a discussão iniciada em trabalho anterior sobre a
nova exclusão social, que vem contaminando rapidamente todas as classes sociais de todas as
regiões mais desenvolvidas do Brasil, por intermédio do desemprego generalizado e de longa
duração, do isolamento juvenil, da pobreza no interior de famílias monoparentais, da ausência de
perspectiva para parcela da população com maior escolaridade e da explosão da violência (Campos
158
159
et alii, 2003: 35). Centralizaremos nossa atenção nas classes menos favorecidas na medida em que
trataremos de aspectos como redistribuição da população favelada por regiões não correspondentes
exclusivamente à periferia paulistana, a diminuição do ritmo migratório e a violência associada ao
comércio de drogas. Mais recentemente, esta questão tem sido discutida sob o ângulo da
vulnerabilidade socioeconômica e civil dessa parcela da população paulistana (KOVARICK, 2009).
INVESTIGANDO A QUESTÃO DA MUDANÇA LINGUÍSTICA: UM ESTUDO NO NÍVEL
LEXICAL A PARTIR DE DADOS GEOLINGUÍSTICOS
Beatriz Aparecida Alencar – UFMS/CAPES
Os atlas linguísticos são fontes de dados sobre a história social da língua em uma determinada
região. A partir de 1950, os estudiosos da Dialetologia no Brasil começam a se dedicar à elaboração
dos primeiros atlas linguísticos no Brasil. Surgem, assim, na segunda metade do século XX, o Atlas
Prévio dos Falares Baianos (APFB, 1963), seguido pelo Esboço de um Atlas Linguístico de Minas
Gerais (EALMG) – 1977, do Atlas Linguístico da Paraíba (ALPB, 1984), do Atlas Linguístico do
Sergipe (ALS, 1987), o Atlas Linguístico do Paraná (ALPR, 1994). Outros atlas são publicados a
partir do início do século XX, como o Atlas Linguístico e Etnográfico da Região Sul (ALERS,
2002; 2012), Atlas Linguístico Sonoro do Pará (ALISPA, 2004), Atlas Linguístico de Mato Grosso
do Sul (ALMS, 2007) e Atlas Linguístico do Ceará (ALECE, 2010), além de muitos outros atlas de
pequeno e médio domínio, produzidos como teses de doutorado e dissertações de mestrado, ainda
em caráter inédito. Atualmente, há projetos em andamento em diferentes estados brasileiros, além
do Projeto ALiB (Atlas Linguístico do Brasil), de caráter nacional que está documentando a língua
portuguesa em uso em todos os Estados da Federação. Essas pesquisas de caráter geolinguístico
fornecem importante documentação sobre o uso da língua em diferentes momentos históricos,
tornando-os, assim, fontes para estudos diversos sobre a dinâmica da língua. Neste trabalho,
discutimos dados de natureza lexical relacionados às áreas semânticas Comportamento e Convívio
Social, Atividades Agropastoris, Corpo Humano, Brinquedos e Diversões e Vestuário. Para tanto,
partimos de dados mapeados pelo Atlas Linguístico de Corumbá e Ladário – ALiCoLa
(ALENCAR, 2013), analisando os itens lexicais selecionados na sua relação com motivações sóciohistóricas que possam justificar aspectos da manutenção e a mudança evidenciadas. A região onde
estão localizadas as cidades de Corumbá e de Ladário (Extremo Oeste do Estado de Mato Grosso do
Sul, fronteira com a Bolívia e com o Paraguai) teve o primeiro contato com o europeu por volta de
1524, quando o português Aleixo Garcia, a caminho do Peru em busca de ouro, passou pelo Oeste
do atual Mato Grosso do Sul, navegando pelo rio Paraguai. Apesar da sua localização geográfica, a
cidade de Corumbá foi marcada por forte colonização portuguesa e também sofreu grande
influência da região platina em diferentes momentos da sua história. Na atualidade o município de
Corumbá reúne grande dimensão territorial (64.968,84 km2), boa parte pertence ao bioma Pantanal.
Em decorrência das suas características geográficas, a cidade de Corumbá foi marcada por um
intenso isolamento até 1952, quando as linhas de trem da Companhia Noroeste ligaram a cidade ao
interior do Brasil, uma vez que até então a comunicação se dava basicamente por via fluvial (rio
Paraguai), especialmente com Cuiabá (Mato Grosso), e com as cidades de Assunção e de Buenos
Aires. O rio Paraguai foi, pois, fundamental no desenvolvimento da região, tanto na manutenção
logística da área quanto como porta de entrada para os diferentes imigrantes que se instalavam no
Extremo Oeste, atraídos, sobretudo, pela zona portuária. Esse contexto histórico-geográfico faz
dessa região um espaço sui generis em termos culturais e linguísticos, o que foi confirmado pelos
dados do Atlas Linguístico de Corumbá e Ladário (ALiCoLa, 2013). Este trabalho tem, pois, como
objetivo analisar dados lexicais relacionados às áreas semânticas selecionadas, buscando na história
social possíveis respostas para os fenômenos observados. Além disso, por meio do cotejo com
dados mapeados por outros trabalhos dialetológicos produzidos a partir de dados coletados na
região (NOGUEIRA, 1989; ALMS, 2007) e ainda com o material linguístico documentado pelo
159
160
Projeto ALiB, busca-se observar e descrever processos de mudanças em curso na norma lexical dos
habitantes da região.
ESCOLARIZAÇÃO E SUA RELAÇÃO COM A DEMOGRAFIA EM CIDADES DO
RECÔNCAVO BAIANO
Emília Helena Portella Monteiro de Souza – UFBA
Esta comunicação dá continuidade a trabalhos anteriores que foram sobre a Província da Bahia no
século XIX, a capitania de Ilhéus e a capitania de Porto Seguro, área do atual Extremo Sul baiano.
Buscou-se, nesses dois últimos trabalhos, apresentar dados sobre a demografia histórica e sobre a
escolarização, num percurso temporal que vai do século XVI ao XIX. Quanto ao Recôncavo, foram
escolhidas inicialmente cinco cidades que têm data de criação entre o século XVI e o XIX.
Pretende-se apresentar dados quanto a populações, criação de escolas, professores e alunos. A
investigação dos dados está sendo feita em fontes primárias, como Atos e Resoluções do Governo
da Província da Bahia, relatórios e falas de Presidentes da Província da Bahia, manuscritos obtidos
em arquivos públicos; e em fontes secundárias, como censos e obras de historiadores do século
XVIII, aos dias atuais. Sabe-se que essa região, do ponto de vista econômico, foi muito próspera,
considerando-se a quantidade de engenhos que se estabeleceram nas terras em volta da Baia de
Todos os Santos, desde o século XVI. Acrescente-se também o fumo como uma cultura que muito
floresceu nessas terras. Quanto à instrução, os jesuítas, no tempo em que permaneceram pela
capitania da Bahia e adjacências, aliaram a catequese ao ensino, que ofereciam aos filhos dos
colonos e indígenas. Depois de expulsos pelo diretório pombalino, na segunda metade do século
XVIII, foi criado um novo sistema de ensino, que incluía um conjunto amplo de medidas culturais e
administrativas. Esse processo de estatização da educação trouxe algum atraso na implantação das
aulas, repercutindo, sobremodo, na educação das crianças e jovens. Além do atraso, a própria
precariedade desse sistema, haja vista os resultados dos censos oficiais do século XIX. Portanto, são
objetos desta pesquisa, as condições sociais das vilas/cidades do Recôncavo, que vieram se
constituindo ao longo dos séculos, grupos étnicos existentes, o movimento populacional, a criação
de escolas e como essas funcionavam, dados sobre professores e alunos. Esses dados devem
fornecer um perfil histórico da formação dessas cidades, e do processo de escolarização existente.
HUGO SCHUCHARDT, SERAFIM DA SILVA NETO E WILLIAN LABOV: UMA
APROXIMAÇÃO
Jorge Viana de Moraes – USP/CAPES
Este trabalho tem por finalidade demonstrar a proximidade de alguns conceitos teóricos presentes
nas obras de Hugo SCHUCHARDT (1842-1927), Serafim da SILVA NETO (1917-1960) e Willian
LABOV (1927). Embora temporal e espacialmente separados, e filiados a correntes teóricas e
metodológicas distintas, o trabalho desses autores contribuem para a construção do conhecimento,
ainda que de forma não linear e assistemática, alcançando resultados significativos para o
desenvolvimento das pesquisas nas ciências da linguagem, em diferentes campos de atuação. A
aproximação conceitual que se pretende fazer diz respeito, principalmente, aos seguintes pontos
observados nas obras dos autores estudados: a) caracterização dos crioulos como uma
configuração linguística que acelera vários processos sistemáticos de mudança linguística,
observados tanto em Silva Neto quanto em Labov; b) a influência social e linguística (irradiação)
dos falantes de classes sociais mais elevadas sobre os demais, observadas tanto em Schuchardt e
Silva Neto, quanto em Labov; c) a explicação não apenas linguística, mas, sobretudo social, para
as questões da variação e mudança na língua, percebidas pelos três estudiosos e d) sobre a
variação situacional da língua, igualmente apontada pelos três linguistas. As obras consultadas
160
161
foram as seguintes: Der Vokalismus des Vulgärlateins I (1866), de Hugo Schuchardt; Fontes do
latim vulgar – o appendix probi (1938), História do Latim Vulgar (1957), Língua, Cultura e
Civilização (1960) e Introdução ao Estudo da Língua Portuguesa no Brasil (1986 [1950]) de
Serafim da Silva Neto; Padrões Sociolinguísticos (2008 [1972]), Principles of Linguistic Change –
internal factors (1994) e Principles of Linguistic Change – social factors (2001), de Willian Labov.
Como pequena amostra dos resultados aqui alcançados, observa-se, por exemplo, o que disseram
Labov e Silva Neto, a respeito do item a. É impossível deixar de notar nos dois autores semelhantes
opiniões sobre a questão dos crioulos que, segundo eles, aceleram vários processos sistemáticos de
mudança linguística. Labov (2008 [1972], p. 307, nota 02) disse: “vários dos processos
sistemáticos de mudança linguística que gostaríamos de retraçar na evolução linguística ‘normal’
podem ser observados em forma acelerada nos crioulos”. Por seu turno, Silva Neto (1986 [1950],
p. 107 e 126) reconhecia o seguinte: “não se pode esquecer que a ação dos aloglotas consiste, de
modo geral, em precipitar a deriva da língua, isto é, as tendências já contidas no sistema”. A
pesquisa segue a linha teórica e metodológica da História das Ideias Linguísticas (AUROUX 1992,
2006, 2008); (COLOMBAT, FOURNIER, PUECH, 2010), e está ligada a um estudo maior, em
desenvolvimento, nossa tese de doutoramento, cujo título provisório é "Em busca dos fundamentos
teóricos da variação linguística na obra de Serafim da Silva Neto".
VOCÊ OU O SENHOR/ A SENHORA? O TRATAMENTO PRONOMINAL EM DUAS
FAMÍLIAS SOTEROPOLITANAS
Sandra Carneiro de Oliveira – UFBA
Neste trabalho, apresentam-se os resultados preliminares de um estudo envolvendo a análise das
formas pronominais de tratamento você e o senhor/ a senhora, empregadas por membros de duas
famílias soteropolitanas para se referirem e/ ou se dirigirem aos pais. Tem-se como objetivos
identificar os fatores que influenciam na escolha das formas e discutir as atitudes sociolinguísticas
dos falantes. Trata-se de parte de uma pesquisa em andamento sobre o tratamento destinado aos pais
em Salvador - Bahia, que está, portanto, além dos pronomes de tratamento e busca compreender
aspectos mais amplos como os tipos de tratamento empregados (por exemplo, formas nominais e
ausência de pronome) e fatores socioculturais, sociolinguísticos e afetivos envolvidos no contexto
familiar. Para a análise dos dados referentes às duas famílias citadas contou-se com a participação
de onze indivíduos de diferentes idades, sendo que cada um se voltou para o destinado aos pais e
recebido como pai ou mãe. Esta parte do corpus é formada por homens e mulheres soteropolitanos
com idade entre 18 e 87 anos e engloba de duas a quatro gerações na mesma família, representantes
dos diferentes papeis: bisavó, avô, avó, pai, mãe e filha. Para a recolha do material foram realizadas
entrevistas gravadas e anotações de campo. Logo, buscou-se responder as seguintes questões: a)
Que avaliação sujeitos de diferentes gerações fazem das formas de tratamento você e o senhor/ a
senhora de modo geral e para tratar aos pais? Em outras palavras, quais são as atitudes dos falantes
com relação às variantes em questão? b) Tratar os pais por o senhor/a senhora significa mais
respeito do que por você? c) Quais são os fatores que influenciam na escolha dos termos? Esta
pesquisa, de base qualitativa e interpretativa está apoiada nos pressupostos da Sociolinguística
Interacional (GOFFMAN, 2002; RIBEIRO; GARCEZ, 1998; TANNEN, 2001; 2006). Nos
primeiros resultados constatou-se que as formas pronominais você e o senhor/a senhora mudam
com o passar do tempo e seu emprego varia de acordo com fatores como as características
socioculturais, o perfil do falante e o contexto de interação. As diferentes avaliações do tratamento
pronominal pelos soteropolitanos revela a coexistência de significados opostos: o senhor/a senhora
é visto principalmente como símbolo de respeito, mas também como forma de reconhecimento de
hierarquia e demarcador de distância entre pais e filhos; você é percebido como expressão que
denota desrespeitoso para alguns e como facilitador ou exemplo de aproximação para outros.
161
162
NÃO SÓ VOCÊ, MAS A GENTE TAMBÉM INDETERMINA O SUJEITO EM SALVADOR
Valter de Carvalho – IFBA
Este trabalho investigou as principais estratégias, para marcar a indeterminação do sujeito,
utilizadas por falantes de Salvador, tanto na fala considerada popular quanto na culta. Todas as
formas encontradas foram registradas e descritas. Para que a pesquisa tivesse um caráter mais
descritivo, buscou-se não só as formas consideradas canônicas pelas gramáticas tradicionais, tais
como as formas verbais sem sujeito lexical expresso, o verbo na 3ª pessoa do plural (Ø+V3PP), o
verbo na 3ª pessoa do singular mais o pronome “se” (Ø+V3PS+SE) ou ainda o verbo no infinitivo
impessoal (Ø+VINF), mas também outras estratégias como “você”, “a gente”, “nós”, “eles”, “eu”,
voz passiva sem a gente (VPSA), voz passiva sintética (VPASSINT) e as “formas nominais”, como,
por exemplo, “o cara, o sujeito, o pessoal” entre outras. Observou-se então que a mudança do
quadro pronominal no português brasileiro também tem atuado no que se refere ao objeto de estudo
desta pesquisa. O trabalho foi desenvolvido de acordo com o enquadramento teórico-metodológico
da Sociolinguística Variacionista, buscando identificar os contextos extralinguísticos ou sociais
(gênero/sexo, escolaridade e faixa etária) e linguísticos (forma antecedente, mudança/manutenção
do referente, tempo e modo verbal, tipo de verbo, preenchimento do sujeito, tipo de oração, grau de
indeterminação) que justificassem os usos encontrados. Para a realização desta pesquisa, foram
analisados quarenta e quatro inquéritos do tipo DID (Diálogo entre Informante e Documentador) do
Programa de Estudos sobre o Português Popular Falado de Salvador (PEPP) e do Projeto de Estudo
da Norma Linguística Urbana Culta de Salvador (NURC-SSA). Os dados, após sua coleta, foram
submetidos à quantificação através do pacote de programa Varbrul 2S e do GoldVarb X. Os
resultados mostraram que os falantes de Salvador, nos diversos níveis de escolaridade, fazem uso de
várias estratégias para marcar a indeterminação do sujeito, principalmente das formas pronominais
“você” e “a gente”, influenciadas por diversos fatores extralinguísticos e linguísticos.
REMANESCENTES QUILOMBOLAS EM PESQUEIRA (PE): REGISTRO DA MEMÓRIA
LINGUÍSTICA
Fernanda Maciel Ziober – UFPE/CAPES
Paula Mendes Costa – UFPE/CAPES
Stella Telles – UFPE/CNPq
A crioulística e a pidginística criaram um espaço sólido dentro da linguística para os estudos de
línguas de contato e da gênese de línguas. Para além do seu estudo formal, os pidgins e os crioulos
estão presentes em toda a história da humanidade pelo contato entre povos aloglotas, mas, se
tratando em geral de línguas orais, obtiveram poucos registros ao longo deste caminho e a
referência mais antiga a esse tipo de fenômeno é o da koiné grega, dialeto comum suprarregional da
Grécia. Os portugueses foram os pioneiros nas Grandes Navegações e suas viagens deram origem a
diversos pidgins e crioulos conhecidos, assim o texto crioulo mais antigo documentado é uma
conversa de 33 frases em malaio-português, publicado por Georg Meister em 1692 (HOLM, 1988
apud COUTO, 1996). Com a consolidação da crioulística, algumas informações pertinentes foram
sendo elencadas a respeito do desenvolvimento das línguas de contato e suas origens e muitas
teorias surgiram para tentar explicá-las. Quando tais concepções estenderam-se ao Brasil nas
últimas décadas do século XX, iniciou-se uma busca por processos semelhantes na nossa histórica
social e linguística para melhor entender a formação do português brasileiro, que há muito dava
sinais claros acerca das diferenças estruturais em relação ao português europeu. Ainda há muitos
debates sobre a possível crioulização de estruturas linguísticas do português brasileiro,
principalmente quanto à variação das concordâncias nominal e verbal (LUCCHESI; BAXTER;
162
163
RIBEIRO, 2009). Apesar de haver bastantes relatos históricos sobre a existência de comunidades
falantes de variedades distantes do português e sobre comunidades, como as quilombolas e as
indígenas, falantes nativas de outras línguas, sabe-se que, quanto às primeiras, poucas sobreviveram
ao processo de urbanização e consequente deslocamento para a língua portuguesa. Somente as mais
isoladas, em contextos especiais de falas como a de Helvécia e a de Cafundó, ou línguas faladas em
contexto de rituais, ainda sobrevivem, mesmo que de forma precária. Nesse contexto, refere-se a
existência de um pequeno grupo de indivíduos na cidade de Pesqueira, a 215km da cidade de
Recife, que apresenta conhecimento de resquícios de uma língua de contato, tornando-se necessária
e urgente o registro e a descrição destes dados. Estes indivíduos não têm memória detalhada de sua
origem quilombola, mas sabem que os seus ascendentes imediatos, que eram negros, migraram para
a cidade a fim de trabalharem em fábricas da região. O exame inicial dos dados disponíveis
(fornecidos por CARVALHO, 2010) sinaliza uma possível relação dos dados com o Kimbundu
(ASSIS Jr, 1967; CORDEIRO da MATTA, 1893). O presente trabalho objetiva analisar as
semelhanças observadas, expandido-se também para estruturas morfossintáticas, a fim de verificar
possíveis relações linguísticas e sociais entre a memória dos remanescentes de Pesqueira e,
principalmente, o Kimbundu (Banto), com o qual se verificou proximidade. O estudo apresenta,
então, não apenas um caráter linguístico, mas também sócio-histórico, por considerar as fontes
históricas sobre possíveis grupos étnicos quilombolas, existentes na região, de origem desta
comunidade e das línguas/etnias que poderiam integrar os mesmos. Além de investigar a relação
aparentemente plausível com o Kimbundu, o estudo contempla a comparação dos dados disponíveis
com outras línguas pertencentes à família Banto (como o Umbundu), na medida em que estas
apresentam muitas semelhanças entre si, e a verificação de uma possível interferência do português.
A metodologia adotada será a da lingüística histórica (LASS, 1997; FOX, 1998; CAMPBEL, 2004),
para a identificação das correspondências fonológicas e gramaticais entre línguas, da sócio-história
e do contato linguístico (WEINREICH, 1979, THOMASON & KAUFMAN, 1988; ROMAINE,
1988), para a verificação e o cruzamento dos dados linguísticos e extralingüísticos documentados, e
da consulta a obras de referência.
OBJETO NULO VERSUS ESTRATÉGIAS PRONOMINAIS NO PORTUGUÊS RURAL DO
ESTADO DA BAHIA E NO DE PORTUGAL
Cristina Figueiredo – UFBA
Este trabalho, realizado numa perspectiva sociolinguística, apresenta os resultados de uma pesquisa
sobre três estratégias de retomada de um DP na posição de objeto direto: o objeto nulo, o clítico
acusativo e o pronome lexical, em duas variedades faladas do português rural, o do estado da Bahia
(PRB) e o de Portugal (PRE). Nessa pesquisa, levou-se em consideração que as diferenças
existentes entre o português falado no Brasil (PB) e o falado em Portugal (PE) devem-se não só a
motivações internas à estrutura da língua, mas, principalmente, a motivações externas (sóciohistóricas) decorrentes do contato entre línguas ocorrido quando no Brasil conviveram índios,
africanos e portugueses, o que levou à polarização do português no Brasil. De um lado, o português
popular, falado nas classes sociais que compõem a base da pirâmide social, e, de outro, o português
culto brasileiro, falado nas classes sociais mais altas (Lucchesi, 1994, 1998, 2001 e 2002). A
escolha pela variedade rural do português deve-se ao fato de essa variedade resguardar
características do português popular por manter pouco contato com as variedades cultas. Ao
comparar o PRB e o PRE, buscou-se verificar se as mesmas estratégias de retomada de um DP com
a função de objeto direto estão presentes na fala dos indivíduos dessas duas variedades, bem como
verificar, numa perspectiva gerativista, se o estatuto do objeto nulo é o mesmo nas duas variedades
do português rural, considerando os condicionamentos sintáticos observados. Para a análise do
PRB, foram analisados inquéritos de três comunidades rurais: Sapé, Santo Antônio de Jesus Sede e
Santo Antônio de Jesus Campo, acervo do projeto Vertentes do português rural do Estado da Bahia
163
164
(UFBA), coordenado pelo Prof. Dr. Dante Lucchesi, e do PRE, inquéritos referentes a seis
comunidades rurais poortuguesas: duas localizadas ao norte de Portugal, Vila Praia de Âncora
(VPA), Castro Laboreiro (CTL); duas na região central, Porto de Vacas (PVC) e Vila Pouca do
Campo (VPC); e duas do sul, Porches (PAL) e Luzianes (LUZ). Os inquéritos do PRE foram
selecionados do Corpus Dialectal para o Estudo da Sintaxe (CORDIAL-SIN), disponibilizado no
site do Centro de Linguísitica da Universidade de Lisboa. Os resultados obtidos revelam que: i) o
objeto nulo está presente tanto no PRB quanto no PRE; ii) o clítico acusativo apenas no PER; e iii)
o pronome lexical apenas no PBR. Quanto ao estatuto do objeto nulo, nas duas variedades,
observou-se que o condicionamento relevante para a sua ocorrência é o fato de DPs em posição de
argumento externo não estarem disponíveis como antecedentes para o objeto nulo (Figueiredo,
2009, 2011).
A VARIAÇÃO NO USO DO MODO SUBJUNTIVO NO PORTUGUÊS POPULAR
FALADO EM FEIRA DE SANTANA
Sônia Moreira Coutinho – UEFS
Nas gramáticas normativas, os modos indicativo e subjuntivo são definidos como dois modos que
ocupam polos opostos, ou seja, se o falante deseja exprimir fatos em sua certeza e realidade, utilizase do indicativo, e se deseja expressar fatos incertos, duvidosos, eventuais, irreais, utiliza-se do
modo subjuntivo. Com base nessas definições, a prescrição gramatical também aponta contextos
bem delimitados para o emprego de um ou de outro modo. No entanto, diferentemente do que
prescreve a gramática normativa, estudos têm demonstrado que o uso das formas do modo
subjuntivo vem se mostrando como um fenômeno bastante variável na fala. Este trabalho se propõe
a apresentar uma descrição da variação no uso das formas do subjuntivo e indicativo no português
popular falado em Feira de Santana- Bahia. A pesquisa apoia-se nos pressupostos da
sociolinguística laboviana que postula a relação intrínseca entre língua e sociedade e que a variação
é inerente ao sistema linguístico, isto é, a variabilidade/heterogeneidade linguística é um fenômeno
presente em todas as línguas naturais. A língua é concebida como um fato social, concreto e que é
utilizada por uma comunidade de fala real e heterogênea, na qual a variação pode ser observada não
só na fala entre indivíduos, como na fala de um mesmo indivíduo. Assim, em qualquer comunidade
de fala é comum a ocorrência de formas em variação, ou variantes linguísticas. Ao determinar a
sistematicidade da variação, a sociolinguística assume a postura de que a variação não é livre, mas
condicionada por fatores internos (linguísticos) e externos (sociais). Com base nestes princípios, o
emprego das formas variantes não se dá de maneira aleatória, mas é determinada por grupos de
fatores (variáveis independentes) de ordem estrutural ou social. Estes exercem pressão sobre os
usos, aumentando ou diminuindo sua frequência de ocorrência, ou em outras palavras, para cada
variante correspondem certos contextos que favorecem (ou não) o seu uso. Para este estudo foram
considerados os fatores sociais: sexo, idade, escolaridade, localidade (zona rural x zona urbana), e
os fatores linguísticos: regularidade verbal, tempo verbal do evento, forma verbal prevista pelo
padrão normativo e contexto sintático. Os dados analisados foram extraídos de amostras de fala de
informantes que constituem o corpus do projeto “A língua portuguesa falada no semiárido baiano”,
o qual está sediado no Núcleo de Estudo de Língua Portuguesa – Nelp/UEFS. Comprova-se que a
variação no uso das formas do subjuntivo, na referida comunidade de fala, configura-se como um
processo de variação estável.
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VOGAIS MÉDIAS PRETÔNICAS EM MINAS
Melina Rezende Dias – UFMG
Esta pesquisa integra o projeto VARFON-MINAS, Variação fonético-fonológica, morfológica e
lexical em Minas Gerais. Com a dissertação de mestrado, iniciamos o estudo sobre as vogais médias
pretônicas no município de Piranga que pertence à Zona da Mata Mineira e no município de Ouro
Branco que pertence à região Central. Almeida (2008), em sua dissertação de mestrado, estudou as
vogais médias pretônicas no município de Machacalis, localizado no Vale do Mucuri. No
doutorado, estamos comparando a variação das vogais médias pretônicas nesses três municípios,
que também pertencem a áreas dialetais diferentes. Baseados na classificação dos falares brasileiros
de Nascentes, Ouro Branco pertence à área de falar mineiro e Machacalis pertence à área de falar
baiano. E, de acordo com os resultados obtidos em Dias (2008), Piranga pertence a uma área de
transição entre o falar mineiro/fluminense e o baiano. A metodologia utilizada neste trabalho se
baseia em princípios da teoria da variação ou sociolinguística, proposta por Labov (1972). Estão
sendo submetidos à análise quantitativa dados de 24 informantes estratificamente distribuídos por
gênero (masculino/feminino), faixa etária (jovens-18 a 24/adultos-40 a 60) e origem (Piranga/Ouro
Branco/Machacalis). Utilizamos para análise dos dados, o modelo logístico incluído no SPSS que
consiste num sistema computacional de armazenamento, tabulação de dados e cálculos
probabilísticos. As variáveis dependentes que estamos analisando são as vogais médias pretônicas
/e/ e /o/, representadas pelas variantes: [e] e [o]: pronúncia fechada das vogais; [ǫ] e [Ǥ]: pronúncia
aberta das vogais; [i] e [u]: pronúncia alta das vogais. Portanto, nosso objetivo é apresentar uma
análise do alçamento e do abaixamento das vogais médias pretônicas nestas três cidades. Neste
trabalho, apresentaremos os resultados alcançados até o momento. Estamos no processo de
qualificação do doutorado. Apresentaremos, então, os resultados alcançados para o alçamento e o
abaixamento da vogal média anterior /e/ nos três municípios. As seguintes questões direcionaram o
trabalho: Há grupos de fatores sociais favorecedores aos processos de elevação? Há grupos de
fatores favorecedores ao abaixamento das vogais, como, por exemplo, a faixa etária do falante? Há
grupos de fatores linguísticos, como a vogal seguinte ou as consoantes adjacentes, atuando? Caso
afirmativo, quais são eles? Os grupos de fatores atuantes são os mesmos nos três municípios? Os
fatores atuantes são os mesmos? Como os processos de elevação e de abaixamento podem ser
descritos? A força de atuação dos fatores é a mesma nos municípios pesquisados? Ressaltamos que
há comparatividade entre os diversos corpora, ou seja, as técnicas de seleção dos informantes,
captação, transcrição e codificação dos dados foi a mesma para os três municípios pesquisados. A
análise foi feita considerando-se os mesmos critérios e as mesmas propostas de modelos para as
análises das regressões. Considerou-se ainda a atuação lexical nas formulações dos modelos.
O COMPORTAMENTO VARIÁVEL DAS VOGAIS ÁTONAS FINAIS /E/ E /O/: UMA
INTERFACE ENTRE AQUISIÇÃO E VARIAÇÃO LINGUÍSTICA
Susana Silva de Souza – PUCRS
Este estudo investiga o comportamento variável das vogais médias átonas /e/ e /o/ em posição
postônica final referente ao processo de alçamento, por meio do qual as vogais médias finais são
pronunciadas como altas como, por exemplo, em grand[i] e bonit[u]. Para este estudo, serão
considerados dados de quarenta e oito crinaças entre 10 e 12 anos e de trinta e dois adultos
(cuidadores) nativos e residentes das cidades gaúchas de Pelotas, Porto Alegre, Santo Ângelo, Santa
Maria e Vista Alegre. Assim, teremos uma comparação de duas vias, cuidador e criança durante o
processo de aquisição da linguagem, à luz dos pressupostos teóricos da Teoria da Variação e do
Modelo de Exemplares. Conforme observado por Mallmam (2001), Vieira (1994, 2002) e Silva
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(2009) para a fala adulta, a posição postônica final apresenta variação considerável no Rio grande
do Sul. Os informantes de Porto Alegre e região metropolitana (VIEIRA 1994, 2002) tendem a
elevar as vogais /e/ e /o/, enquanto que os informantes de Panambi, Flores da Cunha, Rincão
Vermelho e Santo Ângelo (MALLMANN 2001; SILVA, 2009) tendem a preservar as vogais
médias átonas em posição postônica final. Importante referir também que os autores mostraram que
esse fenômeno é sistematicamente influenciado por variáveis linguísticas (contexto fonológico,
presença de vogal, classe gramatical, entre outros) e sociais (idade, gênero, escolaridade, etnia,
classe socioeconômica). Portanto, a investigação sobre o comportamento das vogais permitirá
observar como a criança adquire essas formas variáveis e se essas formas apresentam o mesmo
índice de aplicação da variação encontrada na fala adulta. Além disso, o interesse em analisar esse
fenômeno na fala infantil se dá porque, além desse processo ser pouco estudado na fala adulta, ele
envolve as vogais (pouco estudada na aquisição da fonologia) que são consideradas de aquisição
precoce. É importante ressaltar que os resultados deste estudo são preliminares, pois a pesquisa se
encontra em andamento. Os dados estão sendo analisados estatisticamente por meio do estatístico
Godvarb (2003). No entanto, com base na literatura sobre o tema, é possível fazer algumas
projeções: a) A emergência da variação estruturada inicia-se muito cedo, a partir dos dois anos de
idade; b) A variação que emerge na fala infantil, nos estágios iniciais de aquisição, é influenciada
pela fala do cuidador (mãe) e; c) O alçamento das vogais médias apresenta taxas de aplicação
diferenciadas nas cidades gaúchas de Pelotas, Porto Alegre e Vista Alegre do Prata.
CONTATOS LINGUÍSTICOS E INTERFERÊNCIAS NOS TIPOS DE SUJEITO NULO
Edivalda Araújo – UFBA
A convivência das línguas africanas e da língua portuguesa, até o século XIX no Brasil, resultou em
contatos linguísticos que provocaram alguma interferência nas construções sintáticas envolvendo a
função sintática do sujeito, principalmente na zona rural. As línguas africanas da família bantu, em
sua maioria (cf. BEARTH, 1996), pertencem ao grupo das línguas de sujeito nulo. O português do
período colonial, em solo brasileiro, também é considerado como uma língua de sujeito nulo. Há,
entretanto, diferenças morfológicas em relação aos tipos de língua envolvidos: as línguas africanas,
por serem aglutinantes, agregam afixos na raiz do verbo, contendo as informações relacionadas ao
sujeito. A língua portuguesa, do tipo flexional, inclui morfemas exclusivos para a flexão do verbo,
envolvendo os traços de número e pessoa, também relacionados ao sujeito. Resguardadas as
diferenças dos tipos de língua envolvidos, observamos nos dados de fala de comunidades
remanescentes de quilombolas, do Projeto Vertentes – UFBA, a ocorrência de sujeito nulo. Há,
entretanto, uma diferença entre a ocorrência dos sujeitos nulos nessas comunidades e o sujeito nulo
realizado pelas línguas envolvidas no contato. É preciso então distinguir os dois tipos de sujeito
nulo: i) o que é realizado através da sintaxe, com marcas explícitas no verbo, ou identificado no
contexto imediato e ii) o sujeito nulo que é realizado com o apoio exclusivo no contexto ou no
domínio de um conhecimento prévio entre os interlocutores. Neste trabalho, pretendemos apresentar
os tipos diversificados de sujeito nulo encontrados em dados de falantes de faixa etária acima de 70
anos da referida comunidade, numa tentativa de aproximação diacrônica do período de aquisição da
linguagem desses falantes, para identificar os sujeitos nulos que são do primeiro tipo (exclusivos da
sintaxe) e os do segundo tipo (dependentes de informações extralinguísticas, e, consequentemente,
liberados por um tópico nulo). De acordo com a análise realizada, foram identificados os seguintes
tipos de sujeito nulo: i) com referência definida e identificado pelas marcas do verbo; ii) de
referência indefinida; iii) construção na passiva; e iv) sujeito nulo liberado por um tópico nulo. Tais
dados estão parcialmente relacionados aos encontrados por Lipski (1999), que, em suas análises,
encontrou, nos crioulos derivados de línguas românicas, um tipo de sujeito nulo comum a todos eles
e que não se comporta sintaticamente como um sujeito nulo típico das línguas de sujeito nulo, visto
que é pragmaticamente ligado às informações discursivas contextuais. Além disso, esses dados
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reforçam a hipótese da transmissão linguística irregular, como defendido por Lucchesi e Baxter
(2009).
A LINGUAGEM DOS PESCADORES DE JANUÁRIA
Ros’elles Magalhães Felício – Unimontes
Este trabalho é minha proposta de tese no Programa de Doutorado em Linguística e Língua
Portuguesa da PUC-Minas (Projeto DINTER PUC-Minas/Unimontes) sob a orientação do professor
Dr. Marco Antônio de Oliveira. Fundamentei este estudo na descrição de dados de duas
modalidades diferentes da Língua Portuguesa, dois recortes sincrônicos de épocas diferentes: o
Português do século XIX, registrado numa coletânea de narrativas populares da região do médio
São Francisco, concluída em 1912, organizada em 12 lendas, 13 narrativas e 15 contos do
imaginário regional e universal que compõem a obra “Brasil Interior – Palestras populares –
folklore das margens do São Francisco” (1912) do escritor januarense Manoel Ambrósio Alves de
Oliveira e o Português contemporâneo - século XXI, levantado a partir de entrevistas feitas aos
pescadores de Januária, Norte de Minas Gerais, eleitos sujeitos desta pesquisa. A partir da leitura da
obra, constitui um corpus representativo do Português falado em Januária no início do século XIX,
em seus aspectos fonético-fonológicos, morfossintáticos e semântico-lexicais. Para a organização
desse corpus utilizei obras que registraram a língua portuguesa usada no Brasil desse período:
Amadeu Amaral, Antenor Nascentes, João Penha, Teixeira, entre outros. O cotejo desses dois
exemplares do português brasileiro objetiva investigar o que ainda persiste na atualidade na fala dos
pescadores e que é percebido na descrição da obra do januarense Manuel Ambrósio. Considerando
que a obra selecionada reflete um estágio inicial da variante do Português a ser analisada, assumi
como hipótese principal desta pesquisa que apesar de já se passado um século (1912-2012), a
linguagem dos pescadores de Januária ainda conserva traços lingüísticos do século XIX, uma vez
que esses pescadores apresentam poucos anos de escolaridade; pouco contato com o meio urbano,
uma vez que passam semanas e/ou quinzenas nas ilhas; e pouca relação com os meios de
comunicação: televisão, rádio, telefone. Com base nessa hipótese, o objetivo geral desta tese é
verificar se os aspectos lingüísticos – fonéticos-fonológicos, morfossintáticos e semântico-lexicaisregistrados por Alves de Oliveira(1912) encontram-se na linguagem falada pelos pescadores de
Januária e, também: identificar quais são traços lingüísticos (fonético-fonológicos, morfossintáticos
e semântico-lexicais) recorrentes na fala dos pescadores; verificar a presença de termos arcaicos na
obra de Manuel Ambrósio e na fala dos pescadores de Januária; mostrar a identidade do pescador
das margens do Rio São Francisco, vivente em Januária.
SALVADOR: O EFEITO DO TEMPO NA CONCORDÂNCIA
Norma da Silva Lopes – UNEB
Estudar uma língua envolve vários aspectos, um deles é entender como se processa o efeito do
tempo sobre ela, ou seja, como se dá a mudança nos seus diversos níveis. Na teoria variacionista, a
mudança linguística não é vista como exterior ao sistema, mas como integrante do seu caráter
heterogêneo. Para se fazer o estudo da mudança, segundo a teoria variacionista, existe a necessidade
de se considerar essa característica da língua, pois toda mudança pressupõe variação (LABOV,
1982, p. 20). Dessa forma, podem-se identificar mudanças em progresso, observando-se a
concorrência de variantes velhas e novas, fase da mudança em que poderão ser identificados
contextos favorecedores da nova forma e situações em que a forma velha é mantida. A observação
da variação em uma sincronia pode, pois, apresentar dados indicadores da mudança. Os dados dos
informantes mais jovens têm propensão de indicar tendências de mudança nas línguas; a observação
dos falantes mais velhos, por outro lado, podem ser ricos em registros que sirvam para caracterizar a
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conservação de traços que caminham para o desuso. Assim, através desse estudo em que se tem
acesso a amostras de fala dos dois grupos, pode-se ter um indicador de dados do passado e
projeções para o futuro daquela língua. Esse tipo de estudo da mudança se denomina estudo em
tempo aparente (LABOV, 1994, p. 45-6). Para que se confirmem as inferências de mudança feitas
nesse tipo de estudo, é necessário que se faça o estudo em tempo real, com a observação de dados
de mais de uma sincronia (LABOV, 1994, p. 73). No presente trabalho, tomam-se dados do
Programa de Estudos do Português Popular de Salvador, PEPP, e do Projeto NURC, décadas de 70
e de 90, para se fazer uma análise da variação da concordância de número no sintagma nominal em
Salvador, BA, utilizando as duas perspectivas: através da comparação de dados de faixas etárias
diferentes e do confronto entre duas sincronias. Os resultados mostram tendências diferentes,
tendendo para diversas direções, que compõem o quadro de cidade grande, com (i) movimentos
“above” (“acima da consciência”), caracterizados pelo aumento do uso da variante valorizada, como
uma busca do que é valorizado, a busca pelas melhorias sociais, o distanciamento do que se
considera atrasado; e com (ii) o movimento inverso, a mudança “below” (“abaixo da consciência”),
a crescente influência da massa desprestigiada, através do contato, da proximidade física, sobre o
que se considera prestígio (LABOV, 1991, p. 213-15). Pode-se considerar que a variável
escolaridade, nesse caso, funciona de forma relativamente semelhante ao que Naro (1981, p. 86-8)
observou com o estudo da variável orientação cultural, na fala do Rio de Janeiro.
FORMAS NOMINAIS DE TRATAMENTO DIRIGIDAS ÀS MÃES EM JEQUIÉ, BAHIA
Lucelia de Souza dos Reis Santos – PPGEL/UNEB
Norma da Silva Lopes – PPGEL/UNEB
Esse trabalho surgiu do interesse de investigar as variadas formas de tratamento dirigidas às mães
na cidade de Jequié-Bahia, município localizado a uma distância de 360 km da capital, Salvador Bahia. Embora haja referências de que a comunidade em estudo tem a forma “mainha” como marca
dialetal, percebe-se assistematicamente a utilização de outras formas. Nesse sentido, no presente
trabalho toma-se como objeto de estudo a utilização dessas formas nominais em diferentes faixas
etárias, gêneros e escolaridades, verificam-se a frequência e o peso relativo das variáveis sociais na
utilização das variantes em cada grupo, e busca-se identificar as variáveis linguísticas que servem
de condicionadores da escolha da variante pelo falante. Os pressupostos teórico-metodológicos
adotados para a realização da pesquisa são os apresentados por William Labov (2008 [1972]), no
campo da Sociolinguística Variacionista, ou Teoria da Variação. Selecionaram-se 16 (dezesseis)
informantes, distribuídos igualmente em dois grupos etários diferentes: 10 – 14 anos; 18 – 30 anos;
dentre eles, 08 (oito) homens e 08 (oito) mulheres. Esses informantes são de um dos dois níveis de
escolaridade: fundamental e médio (completo ou incompleto – com, no mínimo 6ªsérie) e, para a
pesquisa, foram utilizados quatro instrumentos diferentes para levantamento de dados: (i) Entrevista
D2; (ii) Ficha de situações; (iii) Questionário discursivo e (iv) Ficha do informante. De modo geral,
a pesquisa identificou o uso mais recorrente das formas nominais de tratamento: “mãe”; “minha
mãe” e “mainha”, contudo a maior ou menor frequência de cada uma dessas formas ficou
condicionada a atuação de variáveis sociais e linguísticas, em que o uso de cada variante pelos
falantes aumenta ou diminui de acordo a sua idade, escolaridade, gênero ou ainda por questões
estruturais. Dessa forma, em análise em Tempo Aparente, a pesquisa atesta um quadro de mudança
linguística, com a tendência de desaparecimento da forma “mainha” e a substituição dela por
“minha mãe”. As variantes: “mamãe” e “outra” ocorreram com menor frequência na fala dos
indivíduos, fato que parece configurar o uso dessas formas nominais em situações especiais de
comunicação. O estudo oportuniza o conhecimento de um fenômeno linguístico ainda não tão
explorado por outros pesquisadores da Sociolinguística e possibilita o entendimento do caráter
variacionista dessas formas nominais.
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A PREPOSIÇÃO NI EM VITÓRIA DA CONQUISTA- BA: CONTEXTOS E
IMPLICAÇÕES
Maria Bethânia Gomes Paes – PPGEL/UNEB
Norma da Silva Lopes – PPGEL/UNEB
Em linhas gerais, analisa-se nesse trabalho o perfil do uso da forma ni, variante da preposição
em, nos falantes de Vitória da Conquista- BA, com o objetivo de definir os condicionamentos
linguísticos e sociais da utilização da referida forma. Para tal, são feitos dois tipos de
mapeamento: considerando-se a interferência das variáveis sociais na utilização da variante
ni, a saber, idade e escolaridade; e observa-se a interferência de variáveis lingüísticas, como a
definitude do sintagma nominal (SN), as questões léxico-semânticas relativas ao núcleo do
SN e a natureza do item representando a noção de lugar. O corpus inicial dessa pesquisa é
constituído por quatro entrevistas transcritas, produzidas por quatro informantes do sexo
feminino, naturais da cidade de Vitória da Conquista, Bahia. Nessa etapa da pesquisa, os
dados dos quatro informantes foram organizados em quatro células: duas da variável social
escolaridade (ensinos médio e superior) e duas células da variável social faixa etária do
informante (15-29; 30-45 anos de idade). Foram considerados os pressupostos da
sociolinguística quantitativa, segundo Labov (2008), sendo a coleta de dados obtida por meio
de entrevistas e, para a quantificação dos dados, foi utilizado o programa Varbrul. As análises
feitas por Lopes e Baxter (2007) sinalizaram a variante ni “como vestígio de fases diacrônicas
anteriores e aponta para um condicionamento por parte da semântica do SN.” Na fase inicial
da presente pesquisa, apesar de não ser esperado, a variante ni apresentou-se de forma mais
acentuada nos dados da faixa etária mais jovem (15- 29 anos), o que implica dizer que as
variantes em e ni coexistem fortemente na comunidade de fala de Vitória da Conquista. Os
dados apontam ainda que o fator escolaridade interfere na escolha da variante, uma vez que os
informantes do ensino Médio fazem maior uso da variante que os informantes do ensino Superior.
Tem-se, até então, um quadro preliminar da variável: os jovens fazem maior uso dessa forma
preposicional; por outro lado, percebe-se a pressão da instituição normatizadora da escola,
acenando para a prevalência da forma preposicional em, prevista nas gramáticas tradicionais e no
uso prestigiado, adequada, portanto, ao repertório linguístico do falante que queira inserir-se na
sociedade tradicional, reconhecida e de prestígio. Confirma, portanto, a tese elaborada por Labov
(2008) referente aos mecanismos de variação e mudança linguística, já que a variação observada
mostra-se relacionada a pressões internas estruturais e sociais, ambas agindo conjuntamente.
O ITEM DE VOCABULÁRIO MAIS EM UMA COMUNIDADE RURAL
AFROBRASILEIRA: COORDENAÇÃO E SUBORDINAÇÃO
Débora Carvalho Trindade – UFBA
Este trabalho, realizado numa perspectiva Sociolinguistica, apresenta uma análise preliminar do uso
variável mais~com (1. Fiquei morando mais/com ele) e mais~e (2. Eu ficô oiano Bernardino mais/e
o fio dele), em amostras de fala da comunidade rural afrodescendente de Helvécia, localizada no sul
do estado da Bahia, acervo do Projeto Vertentes/UFBA, coordenado pelo Prof. Dr. Dante Lucchesi.
Neste trabalho objetivou-se verificar os contextos que condicionam o uso do item de vocabulário
(IV) mais em contextos de subordinação, como em (1) acima, e em contextos de coordenação, como
em (2). Na análise, levou-se em consideração que as peculiaridades do português falado no Brasil
devem-se, não só a motivações internas à estrutura da língua, mas, principalmente, a motivações
externas (sócio-históricas), considerando o contato massivo entre falantes de línguas indígenas,
africanas e o português trazido pelo colonizador, conforme Lucchesi (2000, 2001, 2009). Esse fato
justifica a escolha do corpus composto por amostras de fala de comunidades rurais
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afrodescendentes que vivem em relativo isolamento. Segundo Lucchesi, comunidades rurais
afrodescendentes guardam vestígios desse contato linguístico ocorrido no período de colonização
do Brasil. Foram analisados doze inquéritos distribuídos em quatro faixas etárias, a saber: Faixa I
(20 a 40 anos), Faixa II (40 a 60 anos), Faixa III (60 a 80 anos), e Faixa IV (mais de 80 anos). Além
da faixa etária, controlaram-se as seguintes variáveis sociais: escolaridade e estada fora da
comunidade. Justifica-se a escolha desse tema por acreditar que essa investigação possa revelar
novos fatos linguísticos em favor das propostas que consideram fundamental o contato entre línguas
na formação do português brasileiro, visto que fenômeno semelhante, um item de vocabulário com
funções morfossintáticas diversas, pode ser observado em línguas surgidas em situação de contato,
tal como no crioulo haitiano, conforme apontam Koopman e Lefebvre (1982). A análise preliminar
dos dados revela que a variação é mais frequente na fala dos mais velhos, dos não escolarizados e
daqueles que não saíram da comunidade.
UMA ANÁLISE DOS PRONOMES DE SEGUNDA PESSOA EM TEFÉ-AM
Germano Ferreira Martins – UEA
Este trabalho trata da alternância tu/você/senhor na cidade de Tefé-Am descrevendo os fatores
linguísticos e sociais que condicionam a variação nesta comunidade de fala. O estudo toma por base
a Teoria Variação e Mudança Linguística desenvolvida a partir da proposta de Weinreich, Labov e
Herzog (1968). De acordo com essa teoria, a variação é inerente às línguas e nem é aleatória, nem
livre, mas governada por regras. Assim, o uso da língua é condicionado tanto por fatores internos
quanto externos ao sistema linguístico. O conceito de footing, da Sociolinguística Interacional,
também foi utilizado para a análise do pronome você. Os dados foram obtidos basicamente através
de entrevistas tipicamente labovianas, cujo objetivo é captar o vernáculo do falante, i. e., o estilo em
que se presta o mínimo de atenção ao monitoramento da fala. Das dezenove entrevistas que
compõem nosso corpus (em algumas entrevistas há mais de um informante), quatro foram feitas
sem o conhecimento prévio do informante. Em cada um desses casos, os informantes foram
posteriormente avisados do propósito da gravação e do direito de se recusarem a participar do
estudo. Todos concordaram e suas entrevistas foram integradas ao corpus para análise. Os 30
informantes (15 homens e 15 mulheres) foram divididos em três faixas etárias (de 7 a 10 anos, de
20 a 35 anos e de mais de 50 anos) com escolaridade nos níveis fundamental e superior. Dos 1213
dados iniciais, que incluem, além das formas plenas tu, você e senhor, as formas cê e os casos de
forma pronominal zero, 865 dados foram analisados com o suporte da ferramenta estatística
conhecida por Varbrul. Não fizeram parte da análise com o Varbrul os dados de pronome zero (347
dados) e 1 dado de senhor. Os resultados indicam que o tu é a forma pronominal mais usada na
variedade tefeense, e que sua concordância com a forma verbal canônica de segunda pessoa é muito
baixa. As mulheres e as crianças (7 a 10 anos) são os maiores usuários de tu. O pronome você é um
pronome mais formal e também tem a função de contato. O pronome senhor faz parte da
comunidade de fala tefeense, mas os resultados indicam que uma possível mudança no sentido senhor _ +tu nas relações assimétricas íntimas pode estar em curso.
A FALA MINEIRA EM OURO PRETO (MG): ASPECTOS SÓCIO-HISTÓRICOS E
SOCIOGEOLINGUÍSTICOS
Clézio Roberto Gonçalves – GPDS/UFOP
O Brasil é um país cuja língua – a Língua Portuguesa – apresenta, indubitavelmente, um alto grau
de diversidade e variabilidade. O falar de uma pessoa faz parte de sua cultura e, portanto, há de ser
respeitado. Aliás, é fundamental evidenciar que ele – o falar - é, certamente, uma marca primordial
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de sua identidade, de sua cultura. Além de integrar o âmbito da linguagem – toda forma de
comunicação - assumindo o papel de principal “produto” da cultura e, ao mesmo tempo, o principal
“instrumento” de sua transmissão. Com isso, fica claro, pois, que neste trabalho não se trata
meramente de uma discussão acadêmica sobre a variação linguística, pois tratar da língua é também
tratar de um tema político, visto que é impossível desvincular a língua do ser humano que, por sua
vez, é um animal político. Não se pode negar que existe uma grande influência da língua sobre a
visão do mundo daqueles que a falam. Da mesma forma, não se pode negar o contrário, ou seja, a
influência do meio físico e do contexto cultural sobre a língua. Este estudo tem como objetivo geral:
elaborar um estudo lexical de caráter descritivo da fala do município de Ouro Preto (MG); e,
especificamente, se propõe a: i) elaborar uma base de dados semântico-lexicais do município de
Ouro Preto (MG); ii) fazer o tratamento dos dados semântico-lexicais, mostrando quantitativamente
as incidências das variações; iii) registrar e documentar todas as variantes em cartas lexicais. Além
do referencial teórico-metodológico da Geolinguística (método da Dialetologia) e da Lexicologia, a
partir de obras de Pottier (1978) e Barbosa (1978, 1989), este estudo se baseia na abordagem de
Norma efetuada por Coseriu (1973 e 1954) e em noções de Estatística Lexical, propostas por Muller
(1968), sobretudo as referentes à frequência. A metodologia deste estudo está fundamentada nos
pressupostos da Geolinguística. Esse método permite a reconstituição da história de palavras, de
suas vias de difusão, de flexões, de agrupamentos sintáticos e de antigas camadas da língua,
segundo a repartição dos tipos geográficos atuais. Esse resgate torna-se possível por meio da
aplicação de um questionário previamente elaborado a determinados sujeitos e pela elaboração de
cartogramas, onde as respostas são registradas e pelas quais poderemos, então, obter o mapeamento
das variantes linguísticas, segundo as orientações do Projeto do Atlas Linguístico do Brasil (ALiB).
Esta pesquisa constata, em termos parciais, que, desde a origem do município de Ouro Preto (MG),
alguns itens nos direcionam a uma reflexão sobre quais fatores teriam influenciado na concretização
da norma linguística que se apresenta na fala atual dos moradores.
(RE) DESCOBRINDO O “FALAR MINEIRO” ATRAVÉS DA HISTÓRIA SOCIAL DA
ZONA DA MATA E DO CAMPO DAS VERTENTES
Patrícia Rafaela Otoni Ribeiro - UFJF
Patrícia Fabiane Amaral da Cunha Lacerda - UFJF
O presente trabalho tem o objetivo de apresentar o andamento do projeto “A história social do falar
mineiro” em um dos eixos em que se concentra o estudo da história social da Zona da Mata e do
Campo das Vertentes. O projeto, coordenado pela Professora Pós-doutora Patrícia Fabiane Amaral
da Cunha Lacerda, na Universidade Federal de Juiz de Fora, possui, dentre outras questões, o
interesse de revistar a divisão dialetal do território mineiro com base na configuração sóciohistórica da língua no Estado de Minas Gerais. Tal interesse se justifica na lacuna existente sobre o
tema, uma vez que as informações disponíveis acerca das áreas dialetais do Estado de Minas Gerais
(ZÁGARI et al., 1977, 1998; ZÁGARI, 2005; NASCENTES, 1953[1922]) apresentam uma
diferente classificação em relação às regiões da Zona da Mata e do Campo das Vertentes: Zágari et.
al. (1998) e Zágari (2005) classificam as regiões como pertencentes ao “falar mineiro”, e Nascentes
(1953) como “falar fluminense”. A partir dessa divergência, a pesquisa visa a realizar uma
descrição sociolinguística sincrônica dessa região, de modo a identificar qual é o delineamento
linguístico mais adequado a partir da conjugação de pressupostos da Dialetologia (CARDOSO,
1994; AGUILERA, 1994, 1996, 2005, 2006) e da Linguística Histórica (MATTOS E SILVA, 1993,
2002, 2004, 2008; CASTILHO, 2003; ALKMIM, 2002), além dos contributos da Sociolinguística
Variacionista (LABOV, 1972, 1982, 1994, 2001). Parte-se da hipótese de que a área dialetal traçada
por Nascentes (1953 [1922]) é a mais pertinente, em virtude da história social do povoamento da
região. No presente trabalho, descreveremos a etapa dedicada ao levantamento sócio-histórico e
demográfico da área pesquisada, o qual servirá de subsídio para a descrição sociolinguística, que
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será realizada posteriormente. Esperamos, através desta empreitada investigativa, contribuir para a
compreensão da variação linguística presente no território mineiro, especificamente nas regiões da
Zona da Mata e do Campo das Vertentes.
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SIMPÓSIO 14
LINGUÍSTICA HISTÓRICA E HISTÓRIA DA LÍNGUA PORTUGUESA
Este Simpósio pretende promover uma reflexão acerca dos diferentes enquadramentos teóricos e
metodológicos em Linguística Histórica. Pretende-se, igualmente, a abordagem de fenómenos de
mudança da língua portuguesa, ao longo da sua história, apoiada na análise histórico-linguística de
documentação (literária e não literária) remanescente do passado.
COORDENAÇÃO
Paulo Osório
Universidade da Beira Interior - Covilhã-POR
[email protected]
Maria Francisca Xavier
Universidade Nova de Lisboa
[email protected]
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A LÍNGUA PORTUGUESA NA DINASTIA DE AVIS: ALGUMAS QUESTÕES DE
SINTAXE HISTÓRICA A PROPÓSITO DO LEAL CONSELHEIRO
Paulo Osório – Universidade da Beira Interior-Portugal
Pretendemos nesta comunicação descrever a Língua Portuguesa na Dinastia de Avis, tentando-se
revisitar o Português Médio (um período de transição na trajetória do português). Apoiando-nos no
enquadramento teórico-metodológico da Sociolinguística Histórica, faremos um estudo sintático do
Leal Conselheiro, nomeadamente no que respeita ao funcionamento linguístico dos verbos TER e
HAVER.
ALGUMAS DECISÕES PROBLEMÁTICAS SOBRE VEDETAS, VARIANTES E
CONFRONTOS ENTRE ARTIGOS DO DICIONÁRIO DA LÍNGUA PORTUGUESA
MEDIEVAL
Maria Francisca Xavier – Universidade Nova de Lisboa
Maria de Lourdes Crispim – Universidade Nova de Lisboa
Na elaboração do Dicionário da Língua Portuguesa Medieval, coordenado pelas autoras desta
comunicação juntamente com João Malaca Casteleiro, a decisão de exaustividade a partir de um
corpus textual do século XII ao século XVI, incluindo fontes literárias e não literárias, revelou-se
um desafio estimulante, mas muito exigente. Não foram apenas as palavras desconhecidas tanto dos
membros da equipe como dos dicionários consultados que exigiram, e ainda obrigam, a pesquisas
demoradas, mas também foram problemáticas, e continuam a sê-lo na atual fase de revisão final dos
verbetes, as múltiplas variantes, a forma das vedetas e os confrontos entre artigos. Nesta
comunicação será apresentada uma reflexão sobre os critérios estabelecidos e as decisões tomadas
com vista a facilitar a consulta do Dicionário por um público diversificado, sem prejudicar o rigor e
a qualidade da informação nele contida.
OS USOS DO VERBO CHEGAR NO ‘FLOS SANCTORUM’
Carmen Maria Faggion – UCS
Fazendo parte de um estudo mais amplo sobre a história do verbo chegar (desde sua origem latina
plicare, ‘dobrar’), este trabalho pretende analisar os empregos sintáticos e os significados que esse
verbo específico assume na obra Flos Sanctorum, com base na edição interpretativa denominada
Um flos sanctorum trecentista em português (MACHADO FILHO, 2009). A base teórica para a
análise sintática é auferida em Henriques (2009) e Othero (2008), e para a análise semântica são
seguidos os papéis temáticos presentes em Cançado (2011), levando-se em conta ainda trabalhos já
feitos sobre chegar (FORTUNATO, 2009; MENEZES, 2005; GODOY, 2008). Persegue-se a
hipótese de que o sujeito de chegar cumpre o papel temático de Experienciador. O método consiste
na coleta de todos os empregos de chegar da obra Flos sanctorum, seguidos de análise. Os
significados são listados partindo de dicionário contemporâneo. Os primeiros resultados mostram o
significado ‘atingir determinado ponto’, quase sempre seguido da preposição a, e com sujeito
humano: E assi errando per desviados logares e nõ conhoçudos, chegou ao moesteiro que de suso
vos havemos dicto (p. 59) E quando hi chegarom(...)(p. 77). Também ocorre o sentido de
‘aproximar-se’: (...) nenhuu dos frades grandes nõ se ousava chegar a ele (p. 59). Ocorrem também
usos não seguidos de locativo, com sujeito abstrato: E quando se chegou o tempo de sa morte
filhou-o hua maleyta (p. 60-61). Observa-se ainda o uso em que não se atinge um lugar, mas um
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objetivo: E tanto andey ata que cheguey aos homens que o anjo mi dissera e salvey aquel homem
que mi mandaram (p. 86). Verifica-se, no todo, que vários dos significados de hoje não são
contemplados e que os usos sintáticos são, igualmente, mais restritos nesse texto arcaico. Chegar
desenvolveu muitos significados: pode-se chegar a um lugar físico (cheguei a Porto Alegre), a um
lugar abstrato (cheguei ao desespero), a um lugar virtual (cheguei ao capítulo nove), a uma ação
(cheguei a correr), a um estado (cheguei à miséria), a um grau (cheguei a doutor) e a tantos outros
pontos que os estudiosos apontaram. Observe-se, nos exemplos aqui apontados, o uso da preposição
a. Pode-se concluir alguma trajetória física (cheguei de São Paulo) ou virtual (chega de nota baixa),
ou pode-se dar fim a um estado (chega de sofrer) ou ação (chega de trabalhar por hoje). Neste
último grupo de exemplos, ocorre preposição de. Também pode chegar um tempo (está chegando a
hora), um ser (chegou um primo), um estado de coisas (chegou a estação das chuvas). E há muitos
significados regionais (foi chegando, no sentido de ‘foi-se aproximando’, vou chegando, no sentido
de ‘vou embora’, ele é muito chegado, no sentido de ser muito próximo, ele é chegado numa
cachaça, no sentido de gostar muito, etc.). Os significados coexistem e verificam-se várias
configurações sintáticas. Anunciam-se ainda diferenças mais sutis, como a da ergatividade,
conforme alguns dos autores acima mencionados assinalam.
UMA VISÃO DIACRÔNICA DA FLEXÃO VERBAL DO PORTUGUÊS VERNÁCULO DE
JARAGUÁ-GOIÁS
Ester Ferreira – ISEP
Este trabalho mostra e analisa o fenômeno de neutralização morfológica que ocorre na língua
portuguesa do Brasil na modalidade vernácula. Os exemplos analisados são do falar goiano e
pertencem ao corpus linguístico coletado em Jaraguá-Goiás, nos anos de 2008 e 2009. Restringemse às formas verbais do modo indicativo e enfoca as noções de aspecto. O processo interpretativo do
fenômeno parte de pressupostos e métodos da Linguística Histórica. No período de transformação
do latim clássico em latim vulgar, os verbos perderam os morfemas número/pessoais, preservando
os modo/temporais. Nesse mesmo período, os verbos auxiliares passaram a designar tempo, aspecto
e modo das perífrases verbais. Essas características do latim vulgar continuam se desenvolvendo
nas línguas românicas, de modo específico, no português brasileiro. Tendo em vista o estudo
diacrônico da língua portuguesa, a neutralização de morfemas verbais é uma herança latina que
ocorreu em todos os níveis das línguas românicas. Os morfemas número/pessoais não são
propriamente verbais, ou seja, não se relacionam diretamente com o significado verbal; no entanto,
relacionam-se claramente à forma pronominal. Por outro lado, os morfemas modo/temporais que
indicam modo e tempo e, às vezes, o aspecto são próprios do significado do verbo. Desse modo,
decorre que as flexões de tempo e modo são mantidas, ao passo que as flexões de número e pessoa
são eliminadas sem comprometimento para a comunicação, pois, os pronomes exercem a função de
indicar as características de número e pessoa. Devido às características de noções gramaticais de
pessoa e número dos pronomes, eles constituem-se em sujeito do verbo. Sendo assim, há muitas
línguas literárias, como o inglês, que perderam todo ou parcial o conjunto dos números/pessoais,
substituídos pelo emprego dos pronomes. De acordo com Silva Neto (1976), a tendência geral de
toda evolução morfológica das línguas latinas consiste no prevalecimento das características
analíticas sobre as sintéticas. Nessa perspectiva, Bizzochi (2008) assinala que possivelmente ocorre
um processo de simplificação das formas linguísticas, permitindo uma comunicação mais simples e
objetiva que visa acompanhar o ritmo acelerado da vida contemporânea. Dando sequência ao estudo
da neutralização morfológica em verbos, tendo como ponto de partida as contribuições das escolas
estruturalista e funcionalista, adotaram-se a estrutura dos verbos de Câmara Jr. ([1970; 1953] 2008)
e o modelo da linguística norte-americana (SCHACHTER E SHOPEN, 2007; LYONS, 1997;
GIVÓN, 1995; 2001).
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METODOLOGIA EM LINGUÍSTICA HISTÓRICA: INTERFACE MÚSICA E TEXTO NA
COLETA DE DADOS SOBRE A PROSÓDIA DE LÍNGUAS MORTAS
Daniel Soares da Costa – UNESP
O objetivo deste trabalho é apresentar uma nova metodologia relacionada à coleta de dados para
estudos sobre a prosódia de línguas que não possuem mais falantes, no nosso caso, especificamente,
o português arcaico. Este trabalho baseia-se na pesquisa empreendida por nós, que deu origem à
tese intitulada A interface Música e Linguística como instrumental metodológico para o estudo da
prosódia do português arcaico. A metodologia que propomos se baseia em três tipos de
observações: a observação das proeminências musicais de textos poéticos musicados, a observação
das proeminências linguísticas do texto dos poemas e a observação da sua estrutura métrica. Para a
elaboração dessa metodologia, partimos de um pressuposto de que a acentuação no nível musical e
a acentuação no nível linguístico tendem a ser coincidentes. Isto é, a nossa suspeita era que as
proeminências musicais marcariam, preferencialmente, sílabas tônicas no texto. Jackendoff e
Lerdahl (1980) afirmam que, assim como a prosódia da língua, a música também possui uma
hierarquia de constituintes acentuais divididos em elementos fortes e fracos organizados em níveis.
Desse modo, puderam constatar que a atuação de constituintes prosódicos linguísticos possui um
forte paralelo com a acentuação musical. A partir daí selecionamos um corpus, representativo do
português arcaico, que pudesse servir ao nosso intento. Os textos poéticos em português arcaico são
as cantigas trovadorescas, porém, nem todas sobreviveram com sua partitura musical. As cantigas
trovadorescas que possuem a sua partitura musical são as 420 Cantigas de Santa Maria, 6 das 7
Cantigas de Martin Codax, contidas no Pergaminho Vindel e 7 Cantigas de D. Dinis, contidas no
Pergaminho Sharrer. Para a constituição do nosso corpus utilizamos somente as Cantigas de Santa
Maria, por conterem um vocabulário mais rico e uma temática mais variada. Fizemos um recorte
das cem primeiras cantigas, tomadas a partir de uma edição musicológica, feita por Anglés (1943),
que traz as pautas musicais transcritas para a notação musical atual, já que a notação musical
medieval não apresenta a divisão dos compassos musicais, o que é importante para a metodologia
que propomos. Nossa metodologia focaliza o tempo mais forte do compasso musical, o primeiro
tempo, e a sílaba que está anexada a ele. Por meio de um sistema de cores, marcamos cada tipo de
sílaba que aparece anexada a esse tempo musical, de modo a podermos visualizar e contabilizar os
tipos de sílaba que aparecem na posição de proeminência musical. Constatamos que a proeminência
musical marca uma sílaba tônica no nível textual em um percentual de 63,32%, ou seja, temos,
preferencialmente, sílabas tônicas ocupando a posição de proeminência musical. Essa constatação
mostra que a observação da música em textos poéticos musicados pode servir de instrumento
metodológico para a localização de proeminências no nível linguístico, já que a coincidência de
proeminências nos dois níveis é preponderante. O desenvolvimento da metodologia que ora
apresentamos nos possibilitou, além da análise da atribuição do acento primário no português
arcaico, observarmos os limites de ocorrência do acento secundário nessa língua, uma reflexão
sobre o status prosódico dos clíticos, a resolução de problemas relativos à silabação de encontros
vocálicos (ditongos e hiatos) e a possibilidade de analisar pautas prosódicas ainda não encontradas
nas pesquisas da área, que é o caso da pauta proparoxítona. A análise dos dados foi feita dentro do
arcabouço teórico fornecido pelas teorias fonológicas não-lineares, com um foco especial na Teoria
Métrica Paramétrica, mais especificamente na versão de Hayes (1995).
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CONSTRUÇÕES DENOMINATIVAS NA DIACRONIA DO PORTUGUÊS: ENTRE O
ATIVO, O PASSIVO E O ESTATIVO
Maria Clara Paixão de Sousa – FFLCH/USP
Gilcélia de Menezes da Silva – FFLCH/USP
Este trabalho discute aspectos sintáticos e semânticos das construções denominativas em narrativas
portuguesas dos séculos XV a XVII, discutindo as implicações gramaticais das mudanças atestadas
em sua diacronia. No início do século XV, como mostrou Menezes da Silva (2010), as construções
denominativas, transitivas ou estativas, apresentam mudanças importantes: nas transitivas, o verbo
“chamar” torna-se o predicador mais usado, em substituição a construções como “dar nome”, “pôr
nome”, etc. Nas estativas, as construções com “chamar-se” (cf. 1 a 4 abaixo) vem substituir
construções do tipo “haver nome” (“E este cavalleiro avya nome dom Rodrigo”, CGE-1344). A
partir do século XVI, o “chamar”, consolidado como principal predicador denominativo, passará
por alterações na estrutura argumental, reduzindo sua valência de três para dois, com a supressão do
argumento com papel temático de agente. Paixão de Sousa & al (2009) explicam essa alteração à
luz de mudanças gerais na gramática do “Português Médio”, (PM), representada em textos
portugueses escritos entre os séculos XV e XVII. No PM, a posição à esquerda do verbo é ocupada
pelo constituinte discursivamente proeminente, e o Sujeito é predominantemente nulo (“Y V (Xsujeito-nulo) Z”). No caso de “chamar”, a proeminência recaia sobretudo no argumento com papel
temático de “Designando” (Y), sendo a sequência mais frequente “Y chama (X-sujeito-nulo) Z”.
Essa estrutura teria sofrido uma reanálise diacrônica, com supressão do argumento agente (como
defende PAIXÃO DE SOUSA, 2012, para outros verbos), fazendo emergir, assim, a construção
estativa característica do Português Brasileiro - “Y chama Z”. Nesse contexto, torna-se
particularmente interessante analisar a diacronia das construções com “chamar-se”. Conforme
mostraremos, esse caso é especialmente relevante para a discussão do estatuto de “se”, e sua
interpretação como passivo, nominativo, ou indeterminador – como ilustram (1)-(4) abaixo:
(1) E chamavam-se Alljazira {CGE-1344}
(2) Chamam-se Aimorés {Gandavo- n.1502}
(3) E des entõ se chamou rey de Portugal} {CGE-1344}.
(4) E dessi pos coroa na cabeça e chamousse rey de tres reynos {CGE-1344}
Em princípio, em construções como (1), sem concordância entre verbo e argumento interno, “se”
poderia ser considerado nominativo, indeterminador ou impessoal; já em (2)-(3), com concordância
entre verbo e argumento interno, o “se” deveria ser analisado como passivo. Entretanto, a análise de
“se” como passivo no PM ultrapassa a mera constatação da concordância - pois, até o séc. XVI,
encontram-se construções com “se”, o argumento interno em posição de sujeito, e o argumento
externo como Agente da Passiva; para Cavalcante (2006), o se-passivo transforma-se em seindefinido no Português Europeu (após o século XVIII) justamente “por não ser mais possível a
expressão do argumento externo do verbo como um PP agente da passiva”. Assim, nos dados do
PM, a mera concordância entre verbo e argumento interno não é suficiente para determinar o
estatuto de “se”. No trabalho, discutiremos esse problema à luz de dados como (4) acima, no qual o
contexto maior mostra a possibilidade da interpretação ativa da construção com “chamar-se”.
Buscaremos, assim, mostrar como a análise da complexidade sintática e semântica das construções
denominativas pode contribuir para os estudos diacrônicos do Português.
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INVESTIGAÇÃO LEXICAL A PARTIR DE MANUSCRITOS E IMPRESSO DO SÉCULO
XVI
Rejane Centurion Gambarra e Gomes – USP/UNEMAT
A “Historia da prouincia Sãcta Cruz a que vulgarmete chamamos Brasil”, de Pero de Magalhães de
Gândavo, é considerada a primeira história escrita em Língua Portuguesa sobre o Brasil, sendo
classificada pela historiografia literária como pertencente ao período literário denominado
Quinhentismo, especificamente à Literatura de Informação, apresentando, portanto, grande
relevância junto à produção escrita do século XVI. Gândavo teria dedicado em torno de dez anos de
sua vida para elaborar a obra, escrevendo-a em três versões, até que a entregasse para impressão,
aos cuidados da oficina tipográfica de Antonio Gonsalvez, em 1576, em Lisboa. Temos, portanto,
quatro versões da obra em questão: os manuscritos “Tractado da prouinçia do Brasil”, “Tractado da
terra do Brasil” e “Historia da prouincia Sancta Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil”; e a
edição príncipe “Historia da prouincia Sãcta Cruz a que vulgarmete chamamos Brasil”. Da edição
príncipe, há oito exemplares conhecidos. Quanto aos manuscritos, a cópia mais autorizada de cada
versão encontra-se arquivada em bibliotecas de três países diferentes: primeira versão, na Inglaterra;
segunda versão, em Portugal; e terceira versão, na Espanha. De acordo com os estudos já
realizados, todas as cópias são consideradas apógrafas. Apesar de a obra inaugurar a historiografia e
geografia brasileiras, juntou-se aos impressos quinhentistas que se tornaram esquecidos. Um dos
prováveis motivos teria sido o fato de a Coroa Portuguesa tentar impedir o conhecimento de
informações a respeito das terras brasileiras, por interesses econômico-financeiros, intervindo junto
à não propagação da obra. A obra traz um conteúdo riquíssimo, deixando entrever muitas
possibilidades de recortes de investigação. Nossa proposta, portanto, será a de reunir as quatro
versões e realizar um cotejo lexical de forma a investigar as marcas de autoria de Gândavo. O
estudo do aspecto lexical, definido como recorte, justifica-se por acreditarmos que no léxico está a
riqueza “livre” da língua. Dessa forma, tal estudo será importante para a investigação acerca do
processo de nomeação do colonizador frente ao novo mundo. Assim, fazer um cotejo lexical
tomando como corpora textos do século XVI, servirá, inclusive, ainda que não seja o objetivo
principal, para pensarmos na questão da inovação/conservação do léxico da língua. Como
procedimento metodológico para o referido cotejo, utilizaremos o programa de estatística textual
Léxico 3, tomando como recorte capítulos comuns às quatro versões, e tendo como referência as
classes de palavras: substantivo, adjetivo e verbo. A pesquisa está vinculada ao programa de pósgraduação em Filologia e Língua Portuguesa da USP e ao Departamento de Letras da UNEMAT.
OS SUFIXOS –NTE E –OR E O PARTICÍPIO: UM EXAME SOBRE SUAS RELAÇÕES NA
FORMAÇÃO DOS NOMES AGENTIVOS
Anielle Aparecida Gomes Gonçalves – FFLCH/USP
Os sufixos –nte e –or são conhecidos por desempenharem funções semânticas diversas no âmbito
da formação de palavras, em que são especialmente profícuos e reconhecidos na formação de
nomes de agentes, tanto no que se refere a nomes de agentes humanos (p. ex.: ajudante,
comandante, presidente; autor, diretor, imperador), como a nomes considerados agentivos não
humanos, geralmente referentes a substâncias químicas e a instrumentos (p. ex.: amaciante,
corante, refrigerante; condicionador, descascador, refrator). Como se pode notar, além da
semelhança semântica direcionada para a construção muitas vezes dos mesmos grupos lexicais,
outra convergência de propriedades vem à tona ao se fazer uma pesquisa histórica: a utilização do
particípio como base para as formações tanto das palavras formadas com o sufixo –nte, como
também das palavras com o sufixo –or. Para a constituição dos nomes em –nte, a base e a própria
terminação citada consiste no próprio particípio presente, enquanto a base para a formação dos
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nomes em –or é, por sua vez, o particípio passado ou o supino. Deste modo, pretende-se discutir
neste trabalho qual a relação entre o particípio, tanto o presente como o passado e o supino, e os
sufixos agentivos –nte e –or, assim como o impacto resultante no sentido do vocábulo como um
todo. Os corpora do estudo compõem-se numa relação de palavras presentes no dicionário Houaiss
(2001) com o maior número de aparições no Google, cujo documento foi coligido e organizado pelo
GMHP (Grupo de Morfologia Histórica do Português), assim como suporta-se no Corpus do
Português, de Mark Davies e Michael J. Ferreira, para o estudo do significado na língua portuguesa.
Este estudo possui como metodologia a análise etimológica, feita através de dicionários
etimológicos variados, e o uso de paráfrases (RIO-TORTO: 1998, VIARO: 2009). Esta pesquisa
insere-se nos estudos desenvolvidos pelo GMHP, já citado. Apoio: FAPESP (Processo no 2010/
50668-0).
ORGANIZAÇÃO DE CORPORA A PARTIR DE JORNAIS DO TRIÂNGULO MINEIRO:
CONTRIBUIÇÕES PARA RECONSTRUÇÃO DA SÓCIOHISTÓRIA DO PB
Juliana Bertucci Barbosa – UFTM-Uberaba
Talita de Cássia Marine – UFU
Os estudos de sincronias passadas envolvem algumas dificuldades, entre elas a ausência de falantes
da língua em um tempo passado. Isso leva o linguista a estudar amostras da língua escrita,
analisando documentos considerados representativos de uma determinada época, partindo do
pressuposto de que neles se encontram registros de variações e/ou mudanças de uma forma em um
dado momento sincrônico em relação a outro. Temos aí o início do desafio, ou, como diria Labov, o
desafio de se fazer “o melhor uso de maus dados” (LABOV, 1982, p.20) – uma metáfora apropriada
utilizada, segundo Mattos e Silva (2008), para definir o tipo de dados de que dispõem os que
trabalham no campo da linguística histórica. Surge ainda outro questionamento, como: que fontes
(quando há a escolha) devem ser privilegiadas para se realizar estudos da língua em épocas
passadas? A fim de contribuir para essa discussão sobre fontes para pesquisas linguísticas e para o
resgate de aspectos de sincronias passadas (e atuais) do Português Mineiro da região do Triângulo
(Minas Gerais/Brasil) – consequentemente, contribuir para o levantamento de características da
sócio-história e para a (re)construção da identidade do Português Brasileiro (PB) –, entendemos
como uma importante fonte para pesquisas variacionistas o jornal. O jornal pode ser considerado
um relevante corpora, pois além da diversidade de gêneros textuais que abarca, também se mostra
como um veículo de expressão de costumes, cultura, comportamentos, valores, enfim, da história de
uma dada sociedade, num dado tempo. Assim, nosso objetivo principal é apresentar as discussões
teórico-metodológica que envolvem a constituição de um banco de dados composto por jornais do
final do século XIX e primeira década de XX publicados na cidade de Uberaba, Uberlândia e
região, que posteriormente servirão de corpora, para pesquisas variacionistas (histórico-social da
língua) e/ou outras áreas das Ciências Humanas. Além disso, apresentaremos também os principais
aspectos metodológicos que estamos aplicando na organização desse banco de dados composto, no
momento, pelos seguintes jornais: em Uberaba, Lavoura e Comércio, Correio Católico e A
Gazeta, e em Uberlândia, Correio de Uberlândia. Cabe destacar que a digitalização do Lavoura e
Comércio, por exemplo, fundado em 1889 e interrompida circulação em meados de 2000 e do
jornal Correio de Uberlândia, fundado em 1938 e publicado sem interrupções até hoje, já foi
iniciada e, parte desses jornais já está sendo utilizada como corpora para pesquisas linguísticas,
investigando muitas peculiaridades da língua escrita da época. Posteriormente, pretende-se refinar a
organização deste material, dividindo-o por seções e/ou cadernos, bem como por gêneros textuais.
Por fim, destacamos que o uso de corpora favorece as pesquisas linguísticas, sobretudo as de
variação e mudança linguística (WEINREICH, LABOV, HERZOG, 2006; LABOV, 1994, 2001,
2008), na medida em que proporciona a realização de descrições linguísticas de base empírica,
fundamentadas em contextos de usos reais da língua. (Apoio CNPq / Processo 476810/2010-8)
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LÉXICO DAS CARTAS NA SEMIOSE DOS TEMPOS VERBAIS
Maria Suzett Biembengut Santade – FIMI/ FMPFM-Mogi Guaçu/UERJ-SELEPROT
O texto enfoca o léxico das Cartas Pessoais de diferentes épocas brasileiras na semiose dos tempos
verbais. O processo de criação é um processo de semiose contínua e ininterrupta. A semiose, do
grego “semeiosis” e do sufixo “-sis” = ação ou processo, refere-se a qualquer tipo de ação do signo,
segundo Peirce. Semiose é a ação de um signo gerar ou produzir um interpretante de si mesmo. Na
semiologia ou na semiótica, a semiose é a produção de significados, que relaciona a linguagem com
outros sistemas de signos de natureza humana ou não. Nas bases metodológicas, a princípio,
analisaram-se dois conjuntos de Cartas Paulistas do Século XIX, observando a ordem de sujeitoverbo anteposto/posposto, o uso das primeiras pessoas do discurso singular/plural, o sujeito +nulo/nulo, o sujeito +humano/-humano e os tempos verbais básicos no intuito de examinarem-se as
ocorrências oracionais com/sem concordância verbal. Foram feitos os Gráficos para demonstraremse as ocorrências de concordância verbal. Como não houve ocorrência significativa de flutuação de
concordância verbal na primeira etapa do trabalho, precisou-se de amostragens de outros séculos
para encontrarem-se marcas de mudança através dos verbos, mapeando o uso da língua nas
diferentes cartas. Nos resultados, os dados nos gráficos demonstraram o grau de escolaridade dos
informantes e o desempenho linguístico em relação à língua convencional. Conclui-se que os
problemas de concordância são típicos da linguagem oral pelo movimento da interlocução. Quanto
às cartas em questão, notou-se que os problemas acontecem quando a linguagem escrita aproximase da falada, numa situação de maior informalidade, em que o sujeito, não tendo sido explicitado
antes do verbo, acaba não exercendo influência na concordância. Assinala-se que a semiose dos
tempos verbais na mudança e na variação da língua revela o cenário evolutivo da escrita pelas cartas
pessoais.
A CLASSE DOS VERBOS DE CRIAÇÃO DO PORTUGUÊS DO BRASIL
Morgana Fabiola Cambrussi – UFFS
O escopo dos trabalhos em semântica lexical abarca o estabelecimento de classes verbais como um
procedimento de análise recorrente. A respeito da classe dos verbos de criação do português do
Brasil, até o momento, não parece haver registro de estudos que forneçam colateralmente
evidências em favor do estabelecimento da classe, muito menos pesquisas específicas que tenham o
intuito de mapeá-la. O desenvolvimento das pesquisas sobre classes verbais do português é, em
verdade, bastante incipiente, assim como os demais estudos em semântica lexical, em especial
aqueles de interface cognitiva. Demonstrar como ocorre a organização lexical e a representação
dessa organização em uma língua constitui uma atividade de pesquisa orientada, sobretudo, para o
estabelecimento de classes. Esse procedimento é estruturado pela seleção de propriedades
semânticas, pertencentes à estrutura semântica dos predicadores, relevantes para o delineamento de
classes nas quais os itens lexicais integrantes estão associados por aspectos linguísticos comuns, a
exemplo: do compartilhamento de restrições selecionais, do compartilhamento de traços semânticos
ou da ocorrência dos itens verbais em contextos gramaticais similares ou idênticos (como é o caso
dos processos de alternância). De acordo com essa perspectiva, nesta pesquisa, propomos a
investigação das condições gramaticais e lexicais em que se realizam os verbos de criação e o
estabelecimento de uma classe regular desses verbos. O trabalho de pesquisa visa ao mapeamento
da classe, à descrição detalhada de suas condições de realização linguística, à observação dos
padrões de realização sintática e semântica, como é o caso da estrutura argumental, e à delimitação
da classe. Iniciamos a investigação pelo estabelecimento de um grupo de controle para a classe. O
grupo de controle, composto por até dez itens lexicais, é definido de acordo com o conteúdo
semântico básico da classe, respeitados os traços semânticos relativos à perspectiva (in)existencial:
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passar a existir, para a classe dos verbos de criação. Em seguida, ocorrências identificadas são
submetidas aos testes de propostas de padrões sintáticos e semânticos; uma vez realizados os testes,
são contrastados os seus resultados; por fim, é desenvolvida a análise dos resultados e a
formalização de uma proposta de estabelecimento da classe verbal em tela, expandindo-a para além
do grupo de controle.
A EVOLUÇÃO DO PARTICÍPIO PRESENTE NO PORTUGUÊS
Elaine Fererira Dias – PUC/Minas
Com vistas a contribuir para o estudo dos processos de lexicalização e gramaticalização, este
trabalho tem por objetivo apresentar algumas considerações sobre a mudança do particípio presente.
Segundo Williams (1961, p. 191), houve mudança na categoria de verbos do particípio presente no
latim e no português arcaico para adjetivos e substantivos no português contemporâneo. Em um
estudo preliminar, comprovou-se que alguns verbos no particípio presente podiam funcionar como
adjetivos, substantivos, ou em alguns casos mais restritos como preposições e conjunções. Dessa
forma, assumiu-se como hipótese inicial o desenvolvimento do particípio presente em pelo menos
duas direções: a) itens que se lexicalizam e b) itens que se gramaticalizam. Segundo Vitral &
Ramos, (2005, p.24), um item se gramaticaliza quando é recategorizado como gramatical
(lexical>gramatical). Por exemplo, a mudança de categoria do verbo no particípio presente para
conectivo com o item durante. E lexicaliza quando permanece como item da mesma categoria
lexical ou de outra categoria também lexical (lexical>lexical). Nesse caso, a mudança de verbo para
substantivo e adjetivo expressa nos itens ouvinte e minguante. No primeiro, verifica-se um
esvaziamento do conteúdo semântico e das funções lexicais para incorporar funções gramaticais, o
mesmo não ocorre com o segundo caso, que preserva as características de item lexical. A discussão
desses fenômenos envolve algumas questões, como: 1) que fatores influenciaram a mudança do
particípio presente? 2) em que estágio de gramaticalização se encontra o particípio presente no
português contemporâneo? 3) Ao considerar a evolução do particípio presente, qual forma verbal
foi empregada com a sua função no português? A fim de responder a esses questionamentos, serão
apresentadas discussões propostas por diferentes autores como, Heine, Claudi e Hünnemeyer
(1991); Brinton e Traugott (2005), Vitral e Ramos (2005). Bem como será apresentado resultado
preliminar do estudo corpus adotado, que é constituído por textos de diferentes fases da língua
portuguesa partindo do período arcaico ao período contemporâneo, no intuito de testar as hipóteses
assumidas.
REVISITANDO AS CANTIGAS DE AMIGO: ANÁLISE LINGUÍSTICA
Paulo Osório – Universidade da Beira Interior-Portugal
Embora os textos literários não sejam os preferíveis para estudos de periodização linguística, pelo
facto de serem de datação difícil (devido a uma tradição textual complexa), tomaremos, todavia,
para estudo linguístico, nesta comunicação, um conjunto de 500 Cantigas de Amigo, servindo-nos,
para o efeito, da edição levada a cabo por Rip Cohen. Para além de algumas considerações de
natureza introdutória, o nosso estudo apoiar-se-á no enquadramento teórico da Sociolinguística
Histórica, tentando descrever alguns fenómenos sintáticos que o corpus sugere.
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SIMPÓSIO 15
PRODUÇÃO LITERÁRIA PARA CRIANÇAS E JOVENS E DIÁLOGOS
CONTEMPORÂNEOS
A produção literária para crianças e jovens, na contemporaneidade, abarcando a complexidade de
nosso tempo, reflete novos conceitos estéticos. Assim, estão emergindo modos construtivos com a
inserção de novas tecnologias na produção, recepção e consumo. Este simpósio tem por objetivo
propor reflexões acerca dos diálogos que se estabelecem entre literatura e outras áreas do saber. Em
uma perspectiva interdisciplinar, pretende-se uma discussão que abarque o estudo de adaptações,
análises críticas e análises comparadas, traduções intersemióticas, aspectos envolvidos na produção
e recepção de textos em diferentes códigos e linguagens e, por conseguinte, na formação do leitor
literário.
COORDENAÇÃO
Maria Auxiliadora Fontana Baseio
Universidade de Santo Amaro
[email protected]
Maria Zilda da Cunha
Universidade de São Paulo
[email protected]
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APLICAÇÕES DAS LINGUAGENS DA ARTE NOS ABRIGOS PÚBLICOS DE MENINAS
COM TRAJETÓRIA DE RUA DA CIDADE DE BELO HORIZONTE
Dulce Helena Couto Alves – PBH/UEMG
A experiência foi realizada a partir da necessidade da criação de oportunidades educativas capazes
de serem aplicadas em espaços de passagem e nos abrigos femininos da cidade de Belo Horizonte,
espaços regulamentados pela Secretaria de Assistência Social do município. O público é composto
por adolescentes e jovens com idade entre 14 e 18 anos, todas com trajetória de rua. Muitas já
perderam o vínculo com as famílias e a maioria evadiu da escola. Considerando este, ser um
problema da vida prática, criamos uma iniciativa governamental municipal, em termos de
estratégias, efetividade e continuidade, para garantir a inserção familiar ou social e o acesso aos
bens culturais da cidade. Independente de quanto tempo ou de como seja a permanência, as meninas
necessitam de atividades lúdicas, pedagógicas, culturais e de socialização. A proposta, também,
abrange a criação de novos leitores, tendo como ponto de partida a apropriação de códigos
recorrentes do universo feminino. Por sua vez, os educadores, que executam o trabalho, precisam de
uma metodologia apropriada capaz de contribuir para o desenvolvimento de aprendizagens,
fortalecendo, dignamente, a existência das usuárias. Essa metodologia é construída tendo, como
ponto de partida, a identidade e a história de vida das participantes. Tais elementos são
imprescindíveis para o planejamento de um itinerário formativo intencional, considerando, também,
o espaço de transitoriedade. Por meio da produção textual e artística e dos diálogos estabelecidos
durante o processo, a iniciativa busca sensibilizar famílias, conscientizar a sociedade e propor novas
medidas interventivas para o poder público e organizações, responsáveis pelo futuro desse público.
Acreditamos que um trabalho, a partir de textos literários, pictóricos, musicais e filosóficos,
utilizando diferenciados códigos e procedimentos da arte, pode ser uma ponte sensível entre a
experiência das ruas e o desejo das meninas estarem inseridas num novo quadro de socialização.
Y-JUCA PIRAMA – A REPRESENTAÇÃO DO ÍNDIO DO ROMANTISMO À
CONTEMPORANEIDADE À LUZ DA ADAPTAÇÃO PARA OS QUADRINHOS.
Andréa Castelaci Martins – USP
Sabe-se que a temática indígena não é uma novidade na Literatura Brasileira, pois sempre esteve
presente desde a carta de Pero Vaz de Caminha, principalmente dentro da literatura já considerada
um sistema, segundo a concepção de Antonio Candido. Nesse percurso que consolidou a tradição
dessa temática no Brasil, o período do Romantismo brasileiro, mais especificamente no seu
momento indianista, foi marcado por seus vários escritores que idealizaram a imagem do indígena
como uma figura que representava a brasilidade e o exotismo; e também promoveu a construção de
um ícone do nacionalismo latente no período resultante desse momento sócio-político e cultural.
Dentre os autores que produziram no bojo dessa tradição encontram-se: Domingos José Gonçalves
de Magalhães, Gonçalves Dias e José de Alencar. Entretanto, foi a poesia de Gonçalves de Dias que
na época (e também na contemporaneidade) se destacou por sua força dramática, valorização da
cultura indígena, etnográfica, folclórica e lingüística. Atualmente, a temática indígena está em voga
na literatura infantil e juvenil principalmente após a promulgação da lei 11.645 de 2008, a qual
torna obrigatório o estudo da história e cultura indígena nas escolas de todo o Brasil. Como
conseqüência deste fato pode-se notar uma intensificação na produção de literatura infantil e juvenil
com essa temática. Ao mesmo tempo, é notório o movimento de adaptações literárias para outras
linguagens como: cinema, TV, quadrinhos, etc. Dessa forma, considerando a constatação de Lucia
Santaella de que todas as linguagens são híbridas, e certamente, são fruto de uma situação cultural
que permite o desenvolvimento de técnicas artísticas cada vez mais desenvolvidas, principalmente
quando se trata das especificidades próprias das linguagens verbal e não-verbal na literatura infantil
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e juvenil; é importante ressaltar as adaptações de clássicos da literatura para outras linguagens,
como a dos quadrinhos, as quais tornam o texto mais lúdico, suave e próximo ao público leitor
contemporâneo. Em virtude dessas novas experiências, considera-se interessante a exploração dessa
transposição de linguagens; portanto, essa análise pretende explorar a representação da imagem do
indígena no poema de Gonçalves Dias: Y-Juca Pirama e sua adaptação homônima para os
quadrinhos, executada por Laerte Silvino e publicada pela Editora Peirópolis em 2012, tendo como
base o entrelaçamento da tríade (autor-obra-público) proposta por Antonio Candido, vislumbrando
com isso a percepção do engajamento estético e literário de ambos os autores em suas respectivas
épocas e linguagens utilizadas.
ATUALIZAÇÃO E PERMANÊNCIA DAS NARRATIVAS POPULARES TRADICIONAIS
NO GÊNERO LITERÁRIO CONTO: LITERATURA ORAL NO BRASIL E CONTOS DE
ENGANAR A MORTE
Valdir Moreira da Silva – UFRN/IFRN
Edna Maria Rangel de Sá – UFRN
O presente estudo, surgido de pesquisa de mestrado em andamento, consiste em análise
comparativa – objetivando ressaltar a atualização e a permanência – entre as narrativas populares
tradicionais, próprias da tradição oral, coligidas por Luís da Câmara Cascudo, em Literatura oral
no Brasil (1984), vinculadas à categoria dos Contos de Demônio Logrado e do Ciclo da Morte, e os
Contos de enganar a morte (2004), do ficcionista, ilustrador e pesquisador de folclore Ricardo
Azevedo. Nesta obra, traços e motivos recorrentes nas narrativas orais estão vivos e perenes,
evidenciando a permanência das narrativas tradicionais atualizadas na contemporaneidade pelo
gênero literário conto. Defende-se que o caráter simbólico, lúdico e o humor inerentes a essas
narrativas orais (ZUMTHOR, 1993), atualizadas e perenizadas na obra de Azevedo, faz-se campo
propício ao ensino de estratégias de letramento literário na formação de professores, bem como à
prática de leitura – nos ensinos fundamental e médio – que construa sentidos a partir do valor
estético, polifônico e dialógico do objeto literário (COELHO, 1991, 2003; TURCHI, 2004;
BAKHTIN, 1996), já que boa parte das narrativas que vem se tornando clássicos catalogados como
Literatura Infantil nasceram no meio popular ou em meio culto e depois se popularizaram em
adaptações. Portanto, antes de se perpetuarem como “histórias para crianças”, foram literatura
popular (COELHO, 1991). Além disso, ao lado do povo que sabe e ainda conta estórias de
Trancoso e de Fadas, o gênero literário conto tem podido manter em circulação os mesmos assuntos
para o público infantil sucessivamente renovado (CASCUDO, 1984), possibilitando o resgate da
narrativa oral tradicional, bem como a compreensão e valorização tanto da tradição popular quanto
da renovação imposta por seu tempo, perenizando-se a concepção estética filtrada por elementos
sociais (sincrônicos e diacrônicos), sem perder de vista a singularidade e a autonomia da obra
literária (CÂNDIDO, 1976). Assim, as atividades de leitura do gênero textual literário conto
revelam-se como fomento ao letramento literário e à formação de leitores. Palavras-chave:
Narrativas populares tradicionais, práticas de leitura, letramento literário.
REPRESENTAÇÕES DA CONCEPÇÃO DE JUVENTUDE NA CONTEMPORANEIDADE:
UM OLHAR PARA SCOTT PILGRIM, DOS QUADRINHOS AO CINEMA
Rogério Bernardo da Silva – USP
As produções literárias para crianças são muito bem delimitadas e marcadas. A própria concepção
de infância, mesmo diante das novas configurações dos contextos familiares e escolares, é
amplamente estudada e conhecida. Entretanto, a transição entre o que é destinado ao público infantil
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e o que é destinado ao jovem/ adolescente, como diria Antoine Compagnon, não está mais
assegurada. Percebe-se atualmente uma dificuldade tanto por parte da família quanto das
instituições educacionais de lidar com esse público. Em contrapartida, a indústria cultural parece ter
construído estratégias mais eficazes de diálogo com os sujeitos que vivem essa etapa da vida. Antes
de pensar naquilo o que deve se destinar ao jovem do ponto de vista das produções artísticas e
culturais, especificamente, da literária, é importante que se reflita acerca da concepção de juventude
hoje, na contemporaneidade. Nesse sentido, como fruto de contextos e tensões sociais, a obra de
arte pode oferecer preciosas pistas a esse respeito, mesmo no contexto da indústria cultural, como
diria Adorno. Entende-se que uma obra cuja destinação preveja a recepção da juventude, muito
pode revelar sobre a representação do jovem, de seu contexto e da própria estética artística em
questão, cabendo a ressalva da não promoção de uma sociologia da arte, mas da percepção de como
elementos da vida social são representados e passam a constituir a obra de arte. Trata-se, portanto,
de observar atentamente essa dupla relação, como já propunha Candido, da arte para a vida e da
vida para a arte. Diante disso, esse trabalho tem por objetivo perceber como e quais aspectos do
“contexto jovem e adolescente” a adaptação de uma obra em quadrinhos para o cinema deixa
transparecer e que podem auxiliar na criação de um esboço acerca da concepção de juventude atual
e da própria estética criada por esse processo de representação. Para tanto, os procedimentos
metodológicos se organizam por meio de uma olhar comparativo sobre a adaptação da obra Scott
Pilgrim contra o mundo, de Bryan Lee O’Malley, e a produção homônima para o cinema do diretor
Edgar Wright. A utilização de diferentes linguagens no processo de adaptação, passando pela
internet, pelo mundo dos games e até pelos próprios quadrinhos torna a versão cinematográfica um
exemplo de película construída por intercódigos e interdiscursos que revela marcas do mundo, da
cultura e do indivíduo/ sujeito jovem. Tanto a estética das histórias em quadrinhos quanto a
linguagem do cinema são instâncias que coadunam o interesse da juventude. Por isso, a tentativa de
perceber como ambas as linguagens dialogam entre si, consolidando seus processos de
representação do jovem adolescente, pode fornecer elementos importantes para a elaboração de um
esboço da concepção de juventude e a criação de uma estética específica a ela destinada.
ENTRE ROSA E AMARELO: RELAÇÕES DE UNIDADE E OPOSIÇÃO EM “VIZINHO,
VIZINHA”
Mariana Miranda Máximo – UFMT
Neste trabalho objetivamos analisar recursos retóricos e visuais da obra da literatura infanto-juvenil
contemporânea, “Vizinho, Vizinha” (2002), observando que os autores, ao fazerem a representação
de gênero (menino e menina), partem de individualidades, gostos pessoais, tendências de cada um,
mas acabam compondo, com muita sutileza, relações de unicidade, culminando na valorização da
pessoa humana e de sua interação. O estudo da obra considerará a sua natureza de interface artística
(literatura e ilustração), e o contexto sócio-cultural em que foi produzida. “Vizinho, Vizinha” é um
trabalho de parceria entre Roger Mello (ilustração do corredor e escrita), Mariana Massarani (ilustra
o vizinho) e Graça Lima (ilustra a vizinha). A história se desenvolve dentro dos apartamentos da
vizinha, do vizinho e do corredor que os separa. O leitor visualiza ao mesmo tempo os três planos
(nas duas páginas do livro): o interior dos dois apartamentos (cada apartamento em uma
extremidade do livro – o vizinho à esquerda, a vizinha, à direita) e o corredor (ao meio). A
individualidade dos ambientes e a particularidade das personagens são marcadas tanto no texto
verbal, quanto pela ilustração, pois cada ilustrador desenha um ambiente e personagem (imprimindo
seus traços), dessa forma cada espaço é desenhado com uma técnica diferente, demonstrando a
própria dinâmica da história. Esta narração, prosa poética, é relato de dois adultos que conduzem
suas vidas no plano da imaginação, que não seguem rotinas de trabalho como a sociedade espera,
têm suas próprias regras e horários. Embora vizinhos, os dois só têm consciência um do outro, ou de
suas proximidades, quando a sobrinha de um e o neto do outro vêm visitá-los e preenchem o espaço
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vazio do corredor com todas as coisas dos dois. A partir desse momento os dois percebem que têm
algo em comum a partilhar, a partir da visão particular das crianças, esse olhar aguçado que só os
meninos e meninas trazem.
AS RELAÇÕES ENTRE TEXTO VISUAL E TEXTO VERBAL NAS ADAPTAÇÕES
LITERÁRIAS EM QUADRINHOS DE MACHADO DE ASSIS
Caroline Peixoto e Silva – FaE/UFMG
Celia Abicalil Belmiro – FaE/UFMG
A pesquisa, em andamento, tem como finalidade verificar como se dão as relações entre o texto
verbal e visual nas adaptações das obras de Machado de Assis para quadrinhos. Este autor é
conhecido, entre outras qualidades, pela escrita refinada e pelo diálogo com o leitor. Como, então,
analisar suas obras adaptadas para outra linguagem, a dos quadrinhos, de forma a não perder a
qualidade literária, poder ganhar corpo e se constituir como um outro trabalho? Se se considerar as
histórias em quadrinhos – HQs – como mera adaptação de um original, um conto, por exemplo,
evidencia-se a tendência de não mostrar o que há de específico no trabalho do adaptador. Porém, se
se der relevância à originalidade dessa nova obra, há que considerar a presença de outro autor, o
conhecimento de outras áreas e a interação entre diferentes linguagens. Essa é uma discussão que
atravessa parcialmente a questão da tradução. Por se tratar de uma reflexão que se encontra na
interseção entre várias áreas do conhecimento, como literatura, artes visuais e educação, é possível
investigar se os quadrinhos são um texto literário ou outra forma de arte. Conceitos tratados por
diversos autores, com diferentes visões, como adaptação, tradução, coautoria, entre outros,
contribuem para uma compreensão mais efetiva do que pode ou não ser considerada uma adaptação
satisfatória para quadrinhos. Exemplo disso é a pesquisa na área da teoria dos HQs que pode
iluminar as reflexões com categorias da linguagem dos quadrinhos. Este estudo ganha relevância ao
mostrar a importância que as relações entre imagens, consideradas textos visuais, e texto verbal
trazem para a constituição de um discurso multimodal. Além disso, a perspectiva da adaptação
literária e sua função educacional apontam a pesquisa para o campo da formação de professores,
para a construção de uma competência crítica que irá auxiliar esses profissionais a lidar com esse
material já disponível no ambiente escolar. As obras selecionadas para a pesquisa fazem parte do
banco de dados do Grupo de Pesquisa do Letramento Literário – Gpell, parte integrante do Centro
de Alfabetização Leitura e Escrita – Ceale – da Faculdade de Educação da UFMG. O Gpell
participa, na condição de votante institucional, da seleção anual de livros infantis e juvenis da
Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil – FNLIJ. A proposta inicial de analisar todas as
adaptações para quadrinhos do banco de dados esbarrou na quantidade de volumes dessas obras.
Após uma primeira análise, observou-se o grande número de adaptações das obras de Machado de
Assis. Esse fato, acrescido da notoriedade do autor, levou à escolha dos quadrinhos de suas obras
como centro da pesquisa. Baseadas na possibilidade de realizar um estudo comparativo entre várias
adaptações de uma mesma obra, foram selecionadas quatro versões do conto O Alienista e duas
versões do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas. Os procedimentos metodológicos
pressupõem um levantamento bibliográfico de obras analíticas a respeito da produção de Machado
de Assis, uma releitura prévia das obras de Machado de Assis adaptadas para quadrinhos e os
quadrinhos das obras adaptadas, para dar tratamento ao material da pesquisa.
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DIGRESSÕES EM HQ: EFEITOS NOS DESENHOS EM ADAPTAÇÃO DE UM CONTO
Graça Paulino – UFMG
As adaptações de narrativas literárias para histórias em quadrinhos estão tornando-se uma prática
constante de diálogo entre as duas artes. O pressuposto editorial predominante é o de que os jovens
leitores se interessam muito mais por HQ que por textos verbais sem ilustrações. A questão pode ser
analisada pelo viés da própria indústria editorial, que vinha oferecendo às crianças livros farta e
ricamente ilustrados enquanto propiciava aos jovens textos verbais mais longos e quase sempre sem
uma ilustração sequer. Há também que se considerar o fato de que uma sociedade da imagem se
tornou hegemônica a partir da segunda metade do século XX e se dissemina especialmente pelo
suporte digital. Não existe modo de ignorar a diversidade que se institui no próprio universo das
imagens hoje. Uma das mais significativas é a que distingue imagens fixas de imagens em
movimento, e nisso o cinema se distanciaria das histórias em quadrinhos. Mas estas possuem
recursos que permitem a existência de um movimento interno, associado a planos, cenas,
sequências, recortes etc. O objetivo deste trabalho é analisar uma adaptação de um conto de
Machado de Assis, “O espelho”, realizada por Jeosafá, Doutor em Letras pela USP, com roteiro e
desenhos de João Pinheiro. Publicado como livro em 2012, O espelho de Machado de Assis em HQ
compõe a série “Clássicos realistas HQ”, da Mercuryo Jovem. Traz primeiro a adaptação, precedida
de um breve incentivo à leitura, de natureza filosófica. Explicada também a preocupação em não
alterar o texto original, começa a HQ com paisagens do Rio de Janeiro e as falas dos cinco
cavalheiros que trocavam ideias numa noite propícia a debates metafísicos. O narrador, Jacobina,
resolve contar uma história que protagonizou quando jovem. Terminada a HQ, segue-se uma
resenha do conto e o texto integral de Machado de Assis. Esta análise aqui apresentada se detém nas
digressões, pois uma das maiores dificuldades da linguagem imagética é representar ideias,
sentimentos, pensamentos, enfim, o que se passa além das ações das personagens. Os recursos
utilizados pelo desenhista para expressar as frequentes digressões presentes na narrativa de Jacobina
são analisados numa perspectiva intersemiótica, verificando especialmente a relação entre as duas
linguagens e seus efeitos de sentido.
O DEMÔNIO COMO PROTAGONISTA: ASPECTOS SOBRE OS PROCESSOS DE
HUMANIZAÇÃO DO DIABO EM LITERATURA INFANTIL CONTEMPORÂNEA
Débora Vieira Marques – UFF
É longa e antiga a discussão sobre os clássicos da literatura dita infantil, com sua carga de violência
e grotesco, e sobre as maneiras como afetariam as crianças que a eles tivessem acesso. Apesar de
teóricos defenderem essas narrativas como fundamentais para o desenvolvimento mental pleno,
atualmente, o que de fato se faz presente no imaginário popular são as versões amenizadas, as
versões “Disney”, em que o belo é bom e o feio é mau, absolutamente. É longa e antiga também a
discussão sobre os possíveis efeitos dessa estética dicotomizante na dinâmica social (ou se tal
estética não é causa, mas resultado). O presente trabalho tem por objetivo analisar de que forma e
em que aspectos se dá a amenização, na Literatura, em relação a um personagem fundamental no
que diz respeito às noções ocidentais de mal e medo: o Diabo. Para tanto, serão consideradas três
obras da produção literária contemporânea: Muito capeta, de Ângela Lago, em que o reconto de
narrativas folclóricas sobre o demônio garante um viés cômico ao personagem; O gato e o diabo,
conto curto escrito por James Joyce há mais de 50 anos e relançado recentemente pela editora
Cosac Naify, em que é representada uma faceta ingênua do diabo; A diaba e sua filha, de Marie
NDiaye, em que uma figura feminina protagoniza um demônio desolado que ama maternalmente.
Humanizado por narrativas que lhe tiram do óbvio papel de antagonista, o tinhoso passa a ocupar,
assim, uma posição de equivalência em relação ao leitor, preparando o terreno para ser por ele
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desmitificado. Será também alvo de investigação a forma com que essa estratégia de humanização
do Diabo se relaciona com as já citadas questões do maniqueísmo e da dicotomização presentes em
tantas narrativas infantis que encontram no estereótipo uma forma de driblar o mal ficcional.
LITERATURA E CINEMA: RELAÇÕES INTERSEMIÓTICAS
Maria Auxiliadora Fontana Baseio – UNISA
Maria Zilda da Cunha – USP
Vivemos uma era hipercomplexa na qual cada vez mais são evidentes os diálogos entre as
diferentes linguagens, expressos pelas novas mídias tecnológicas de informação e comunicação, e
que propiciam as mais diversas práticas intersemióticas de produção e recepção. Nesse contexto em
que a arte e as comunicações se interpenetram, o hibridismo promovido pelas criações artísticas e os
novos diagramas textuais que têm emergido tornam-se um desafio ao pesquisador da área da
literatura, em especial se pensarmos na literatura para crianças e jovens, universo em que os leitores
virtuais são exatamente aqueles que mobilizam novas práticas de leitura. Pretende-se, neste
trabalho, mirar algumas relações entre cinema e literatura, dois campos narrativos diversos, que
historicamente mantêm um interessante relacionamento intersemiótico. Se, por um lado, torna-se
fecundo um olhar sobre renovações estéticas que ocorrem mediante o uso de recursos
cinematográficos na produção literária impressa, por outro, torna-se fundamental discutir a
arquitetura estética que se constrói na interseção dessas duas artes, a partir do estudo e análise do
texto cinematográfico em sua dinâmica de tradução de uma obra literária. Visando a tal desafio,
selecionamos a produção fílmica de Eduardo Goldeinstein: Corda Bamba, realizada a partir da obra
homônima de Lygia Bojunga Nunes.
A RELEVÂNCIA DA REVISTA RECREIO PARA A LITERATURA INFANTIL
BRASILEIRA
Lígia Regina Máximo Cavalari Menna – UNIP
Os anos de 1970 são considerados como o “renascimento” da literatura infantil brasileira, um
“grande surto criador”, nas palavras de Nelly Novaes Coelho. Nessa época surgiram novas
propostas e escritores consagrados até a atualidade, como Ana Maria Machado e Ruth Rocha, cujos
primeiros trabalhos foram publicados na revista Recreio a partir de 1969. Dessa forma, esse
periódico assumiu-se até 1981, em sua primeira fase, como divulgador de novos escritores, um
espaço lúdico, pedagógico e incentivador da leitura, objetivando divertir e educar, conforme já
antecipava seu slogan: "Leia e pinte , recorte e brinque”. Este trabalho tem por objetivo demonstrar
a relevância da revista Recreio para a formação de leitores e para história da literatura infantil.
Daremos destaque para a história de Marcelo, Martelo, Marmelo, de Ruth Rocha, publicada na
revista em 1970, com versão para livro em 1976.
LITERATURA E ARTE: DIÁLOGO ENTRE SEMIÓTICA E CIBERCULTURA
Egley Amarolina – UFF
A partir dos anos 1970 surge a cibercultura, forma sociocultural que advém de uma relação de
trocas entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base micro-eletrônicas, termo utilizado
na definição dos agenciamentos sociais das comunidades no espaço eletrônico virtual e definida
como a cultura contemporânea fortemente marcada pelas tecnologias digitais. Seu surgimento partiu
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da relação entre a Modernidade e a tecnologia. Sua principal característica é ser uma arte aberta e
interativa, criada com a utilização das novas tecnologias, como os computadores e as redes de
comunicação como a internet. Desse modo, fazer surgir novas forças escondidas nas virtualidades
das novas tecnologias significa a exploração do “campo dos possíveis”, e isso é extrair o sensível do
inteligível, o icônico do simbólico, o tecno-poético do tecno-lógico.(JULIO PLAZA), Imagemmáquina: a era das tecnologias do virtual. Ao refletir sobre os processos imaginativos em seu
ensaio sobre a visibilidade,Calvino direciona os refletores para o natural entrelaçamento existente
entre a Literatura e as artes visuais, mostrando que esses processos podem se realizar de duas
maneiras: “o que parte da palavra para chegar à imagem visível e o que parte de imagem visível
para chegar à expressão verbal” (1993, p. 99). Enquanto a Literatura possibilita a projeção da
imagem, do movimento e do som na mente do leitor, os meios tecnológicos facultam sua plena
exteriorização por meio da aparição de imagens em uma tela – também a do computador - que se
oferece à contemplação do olhar e à apreensão dos sentidos. Logo, a imagem perde sua
exterioridade de espetáculo para se abrir a essa imersão. A representação é substituída pela
virtualização interativa de um modelo. Todo processo de comunicação pode ser analisado e esse é o
papel da semiótica: ser um precursor metodológico-analítico empenhado em entender os processos
sígnicos que habitam as diferentes naturezas da mensagem e, como se dá a recepção destes signos
pelos receptores. Ao se tornar aplicável, a teoria semiótica nos permite ir a fundo e atravessar as
fronteiras que habitam as superfícies das mensagens, deixando, assim, para trás o superficial. O
trabalho em questão tem por objetivo aprofundar os estudos das teorias entre Literatura e Arte,
assim como seus aspectos históricos na mídia visual, a narratividade da imagem visual e da
evolução da linguagem literária através do estudo da cultura material no processo de simbolização.
Abre-se a possibilidade de entender os elementos visuais como operadores de discurso, junto à
literatura, através da sua correlação com a semiótica dentro deste contexto visual em que se
encontram as tecnologias.
IMPLICAÇÕES SOBRE AS PRÁTICAS DE LEITURA NA TELA
Léa Anny de Oliveira Moraes – UFU
Este trabalho tem como objetivo analisar práticas de leitura atuais em ambientes digitais e refletir
sobre suas implicações no comportamento do leitor, afinal o avanço tecnológico, permitiu
mudanças que afetaram fatalmente os diversos aspectos da vida em sociedade, o uso do computador
e da internet, por exemplo, proporcionaram a universalização das informações. Por meio dessa
ferramenta o navegador tem acesso a um mundo virtual em alta velocidade e sem distâncias
territoriais. A linguagem não permaneceria imutável perante tal fato, a leitura, por exemplo, sofreu
mudanças acentuadas com seus novos costumes e práticas diante dos textos disponíveis em suporte
digital. Os sujeitos selecionados para a pesquisa foram alunos do curso de Pedagogia, da
Universidade Federal de Uberlândia, no ano de 2010. Foi desenvolvido um trabalho estruturado
com base na abordagem qualitativa sócio-histórica de pesquisa, e adotada a modalidade estudo de
caso do tipo etnográfico. Por meio de entrevistas semi-estruturadas foi possível recolher os dados e
depois analisá-los à luz das teorias que embasam o trabalho, partindo de dois pilares conceituais: a
concepção de homem como ser social, cultural e histórico, postulado por Vygotsky (1999) e a
análise histórica e sociológica das práticas de leitura, segundo Chartier (1999). Os resultados
demonstraram que a leitura digital é cada vez mais aceita como uma prática extremamente útil, haja
vista que sua natureza imaterial permite que seja acessado em qualquer parte do planeta, a qualquer
hora do dia e por mais de um leitor simultaneamente. Por outro lado, a leitura na tela abala os
modos de ler, pois exige novas técnicas de leitura, demanda um leitor muito dinâmico, que saiba
selecionar os textos que chegam até ele, que tenha conhecimento sobre a linguagem utilizada no
texto eletrônico e sobre os aparatos tecnológicos e esse preparo causa certa tensão no leitor que está
acostumado com o impresso. O contato físico com o texto é uma questão cultural e ainda está
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fortemente arraigada nos leitores. Sendo assim, entende-se que a adaptação aos novos suportes
textuais não é instantânea, nem simples, mas sim um processo que leva um tempo para que o leitor
consiga adequar o seu comportamento e suas habilidades à cultura presente.
O LÉXICO EM MANUEL BANDEIRA
Aira Suzana Ribeiro Martins – CPII
Nosso trabalho pretende fazer um estudo do léxico de alguns poemas de Manuel Bandeira presentes
na obra Libertinagem (1930). A pesquisa, com base na teoria semiótica de Peirce (1975), pretende
elaborar estratégias facilitadoras para a compreensão dos textos. Entendemos que estejam presentes
num texto, sobretudo o literário, marcas que permitam inferir o projeto comunicativo subjacente do
autor. A partir do estudo dos elementos lexicais, cremos ser possível levar o usuário da língua à
ampliação da competência comunicativa e à valorização da língua nacional. O texto de Manuel
Bandeira, por suas peculiaridades, pode oferecer importante material para que se inicie o estudo do
texto poético em sala de aula, com vistas à formação do hábito de leitura e ao prazer estético.
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SIMPÓSIO 16
O PORTUGUÊS EM TIMOR-LESTE E O PORTUGUÊS DE TIMORLESTE
Timor-Leste é um país tipicamente multilíngue, onde, em um pequeno território, convivem
aproximadamente 16 línguas. Neste cenário linguístico destacam-se a língua portuguesa e a língua
tétum, sendo a primeira, o português, de importância histórica e cultural para o povo lestetimorense, enquanto a segunda, o tétum, é um elemento de identidade e unidade nacional, já que é a
língua franca que serve para a comunicação entre os diversos povos de Timor-Leste, falantes de
diferentes línguas. Por esses motivos, ao conquistar sua independência, em 2002, a República
Democrática de Timor-Leste elegeu como línguas oficiais o português e o tétum. Atualmente, são
vários os desafios encontrados para a pesquisa linguística e o processo de ensino-aprendizagem da
língua portuguesa nesse país, entre os tópicos principais, é possível citar: a relação benéfica entre o
português e o tétum; o contato entre o português e as demais línguas nativas; o ensino de português
em situações de multilinguismo; questões de política e planejamento linguísticos; a variação
linguística do português em Timor-Leste; e o surgimento de uma variedade local da língua
portuguesa. Desta maneira, este simpósio possui o objetivo de discutir temas tanto a respeito da
língua portuguesa em Timor-Leste (ensino e aprendizagem, política linguística), quanto de
fenômenos linguísticos notáveis do cenário local, ou seja, a formação do português de Timor-Leste
(contato de línguas, multilinguismo). Assim, o presente simpósio está interessado em comunicações
que versem sobre um ou mais tópicos mencionados sobre a situação da língua portuguesa em
Timor-Leste.
COORDENAÇÃO
Regina Pires de Brito
Universidade Presbiteriana Mackenzie
[email protected]
Davi Borges de Albuquerque
Universidade de Brasília
[email protected]
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O ENSINO DO PORTUGUÊS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM TIMOR-LESTE:
DOS DOCUMENTOS OFICIAIS ÀS APROPRIAÇÕES DOS SUJEITOS
Fabiana Almeida dos Santos – UFPA/CAPES
O presente trabalho apresenta uma reflexão sobre o ensino do português para professores da
Educação Básica (Pré-secundário e secundário) em Timor-Leste, a partir de uma análise discursiva
dos documentos oficiais em que se assenta o Programa de Reintrodução da Língua Portuguesa em
Timor-Leste e das maneiras como os professores inseridos nesse contexto atribuem sentido a essa
política linguística. Essas reflexões baseiam-se em uma experiência como professora do curso de
formação de professores em língua portuguesa, de responsabilidade da cooperação brasileira desde
2005, através do “Programa de Qualificação e ensino da Língua Portuguesa em Timor-Leste
(PQLP)”, coordenado pela Fundação CAPES. Para proceder a discussão tomarei como base teorias
da AD apoiadas nos conceitos de Maingueneau (1984), especialmente o de “inter-incompreensão”,
como também os conceitos de “estratégia” e “tática” de Michel de Certeau (1999), que compõem
seu modelo polemológico das apropriações culturais. O corpus da pesquisa se constitui de dados de
duas naturezas: um primeiro conjunto é da ordem dos documentos oficiais, que fomentam a
reintrodução do português em Timor- Leste, os quais são o Projeto de Reintrodução da Língua
Portuguesa em Timor-Leste (PRLP), o acordo de cooperação Brasil-Timor e a Leis de bases da
educação de Timor-Leste; um segundo conjunto constitui-se de entrevistas e textos dos alunos
produzidos durante as aulas de português que ministrei no curso de formação de professores no
período de 2009/2010. Nas análises das entrevistas e dos textos oficiais busco reconhecer marcas
que evidenciam suas relações interdiscursivas. Essas análises, ainda em andamento, apontam uma
construção de simulacros de tradução/interpretação do discurso do ‘Outro’ nas categorias do
‘Mesmo’ entre o discurso do programa de reintrodução do português em Timor-Leste presente nos
documentos oficiais e os sujeitos que aderem a esse discurso, especificamente, os professores
timorenses.
LINGUAGENS DO HUMANITÁRIO: A LÍNGUA PORTUGUESA NA CRUZ VERMELHA
TIMOR-LESTE
Daniel de Lucca Reis Costa – UNTL
Criada logo a após a independência do país, em 2002, a Cruz Vermelha Timor-Leste (CVTL)
constitui umas das poucas organizações nacionais de auxílio humanitário num território atualmente
caracterizado pela maciça presença de instituições internacionais de ajuda e assistência. Como
instituição timorense articulada a redes locais e transnacionais de apoio, financiamento e atuação
conjunta, a comunicação cotidiana dos profissionais e agentes da CVTL é necessariamente
multilíngüe. Com especial destaque para o delicado trabalho de mediação cultural e tradução entre
os timorenses falantes das línguas locais e os estrangeiros falantes do inglês, do indonésio e do
português. Baseando-se em pesquisa etnográfica e na experiência do ensino de língua portuguesa
como professor voluntário na sede da CVTL, localizada em Díli, este trabalho pretende
problematizar os usos, os significados e o lugar atribuído à língua portuguesa nesta instituição.
Analisando narrativas de origem da CVTL e situações comunicacionais multilíngües, busca-se
apresentar e examinar o modo como os atores em questão manuseiam e valorizam o idioma de
Camões frente a outras línguas.
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PRESENÇA DA LÍNGUA PORTUGUESA EM TIMOR-LESTE
Izabel Cristina Diniz – CEFEET/MG
Luana Fabrícia Correia Silva – CEFEET/MG
Como já se sabe, a jovem República Democrática de Timor-Leste situa-se numa ilha, no sudeste
Asiático. Com uma enorme diversidade linguística, a pequena nação apresenta hoje em seu
panorama linguístico aproximadamente 18 línguas nacionais. Nesse cenário, oficialmente a Língua
Portuguesa foi decretada, juntamente com o Tétum, como língua oficial. Atualmente, esse país
passa por um processo de reintrodução da Língua Portuguesa que foi a língua da resistência, além
de ter sido considerada uma rede comunicativa de grande valor simbólico para a população
timorense no período da invasão indonésia. Apesar do interesse do Governo em expandir o uso da
Língua Portuguesa nas diversas esferas sociais, observa-se que essa língua ainda não é utilizada
pela maioria dos timorenses. Diante disso, este trabalho tem como objetivos dar a conhecer alguns
aspectos da atual realidade do país no que tange a presença da Língua Portuguesa nesse território,
bem como, apontar as dificuldades encontradas no ensino de Português para os timorenses. Os
resultados apontam para a importância de uma política linguística que se deve preparar para grandes
desafios em termos educacionais. Verifica-se, também, que apesar dos esforços do Governo
timorense e dos muitos apoios internacionais, o panorama educativo de Timor-Leste encontra-se
ainda num estado de fragilidade organizacional, científica e pedagógica. No âmbito escolar,
observam-se conflitos e opiniões divergentes em relação ao ensino da Língua Portuguesa. Na Lei de
Bases da Educação, artigo 8.º de Timor-Leste, a Língua Portuguesa, assim como o Tétum, deve ser
a língua de ensino do sistema educativo desse país, entretanto a maioria dos professores timorenses
não possui fluência oral e/ou escrita em relação a essa língua, o que representa um grande problema
dentro da sala de aula. Para incentivar e promover o uso do Português existe projetos internacionais
com o intuito de oferecer cursos de Língua Portuguesa para funcionários de diversos setores e
níveis de proficiência. Porém, observa-se que os estudantes timorenses não utilizam, efetivamente,
essa língua em suas práticas sociais o que interfere no aprendizado e uso dessa língua como oficial
em Timor- Leste.
PORTUGUÊS EM TIMOR-LESTE PÓS-INDEPENDENTE
Regina Pires de Brito – UPM
O quadro linguístico timorense é complexo: até 1975, além do tétum (língua nacional veicular) e
mais de uma dezena de outras locais, tinha-se o português como língua administrativa. Com a
política de “destimorização” aplicada no período indonésio (1975-1999), incluiu-se nova forma
linguística, traduzida pela imposição da “bahasa indonésia”, pela minimização do uso do tétum e
pela proibição do português. Hoje, como decorrência da independência, o português voltou a ser, ao
lado do tétum, a língua oficial. A língua do colonizador português tornou-se, então, um fator
importante para que Timor-Leste mostrasse sua face diferenciada: um povo de cultura híbrida, que
dialoga com a realidade multicultural do país e com as marcas do processo colonial. Tal hibridismo
foi cerceado em suas manifestações culturais durante a ocupação indonésia, que procurou impor
pelas armas sua cultura politicamente hegemônica. Atualmente, a política oficial direciona-se no
sentido de restaurar essa diversidade, abrindo-se para associações comunitárias com os demais
países de língua oficial portuguesa. 2012 assinalou 500 anos da chegada dos portugueses a TimorLeste, 100 anos da revolta de Manufahi, 10 anos da Independência. Essas marcas, simbólicas que
são, ensejam reflexões várias que, nesta oportunidade, fixam-se em considerações no plano
linguístico-cultural, enfatizando, por meio de exemplos concretos, contributos para a difusão da
comunicação em português, valorizada como forma de diferenciação e de afirmação identitária.
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ORALIDADE E ESCRITA NO AMBIENTE ACADÊMICO: UMA EXPERIÊNCIA COM O
ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA NO CURSO DE DIREITO DA UNIVERSIDADE
NACIONAL DE TIMOR LESTE.
Adriana Rosa – UNTL
O presente trabalho parte do olhar de uma professora brasileira diante da didática utilizada no
ambiente acadêmico da Universidade Nacional de Timor Leste (UNTL). No contexto do Curso de
Direito apresenta-se uma proposta de um ano inicial (Ano Vestibular), quando os alunos em contato
diário com Língua Portuguesa buscam entender o idioma no qual será ministrado o curso. Sem a
pretensão de definir o que é certo ou o errado, e sim, com a proposição de instigar a reflexão, o
estudo aponta para algumas ideias que surgem da prática docente na situação de professora de
Língua Portuguesa naquele país. A busca constante do entendimento da Língua para a comunicação
é a preocupação que fundamenta a temática. A distância entre a oralidade e a escrita e a relação
desta com a didática utilizada naquele momento é o objeto do presente trabalho. Portanto, estudar o
ensino da Língua Portuguesa muitas vezes significa reinventar a maneira de aprender a ler e a
escrever. Fator imprescindível quando o ensino de uma língua estrangeira torna-se essencial para a
formação acadêmica do futuro advogado timorense. Uma vez definida como Língua co-oficial, ao
lado do Tétum Praça, esta assume relevante função no processo de aprendizagem do mesmo.
Portanto, a experiência docente durante esse período oferece a possibilidade de reflexão no tocante
ao trabalho a ser desenvolvido na parceria com professores brasileiros em projetos de cooperação
internacional em Timor.
O ENSINO DE LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO EM LÍNGUA PORTUGUESA PARA
ESTUDANTES TIMORENSES DA UNILAB
Carlos Eduardo de Oliveira Bezerra – UNILAB
Nesta comunicação, tenho o objetivo de relatar algumas experiências didático-pedagógicas
realizadas na disciplina Leitura e Produção de Texto - 1 ministrada para estudantes timorenses do
primeiro trimestre dos cursos de graduação em Engenharia de Energias e Ciências da Natureza e
Matemática da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB),
no campus da Liberdade, em Redenção, Ceará, onde atuo como Professor Visitante da área de
Humanidades e Letras. Destaco que no Timor-Leste o português é língua oficial. Porém, não é a
única, pois os seus habitantes, sobretudo os jovens, falam o Tétum e demais línguas existentes no
país. Este mesmo fato constata-se no grupo de estudantes timorenses da UNILAB. Assim,
desenvolvi algumas atividades didático-pedagógicas e procurei fundamentá-las em um dos pilares
da universidade: a integração. A maioria das atividades foi feita em grupo, cujos participantes
variavam de número e de nacionalidade. As atividades visavam também a colaboração entre os
membros dos grupos, o que pode ser um exercício importante para a formação dos futuros
profissionais, sejam eles timorenses, africanos ou brasileiros. Trataram-se de atividades de leitura,
de interpretação, de escrita e de reescrita de textos. Documentei o desenvolvimento das atividades
com exercícios e fotos. Além disso, fiz observações escritas, que constituem um caderno de campo,
usando a perspectiva metodológica da etnografia adaptada à sala de aula. Segundo Baztán (1995) e
Geertz (1989), o objetivo da etnografia é fazer um estudo descritivo de uma determinada
comunidade ou de parte dela. Percebi o aumento da integração e da cooperação entre os alunos.
Pelos trabalhos de escrita e de reescrita, entremeados de conversas individuais para a correção dos
textos e explicações, registrei avanços no conhecimento da língua portuguesa, o que certamente será
importante para a prática dos discentes nas demais disciplinas.
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POLÍTICAS LINGUÍSTICAS PERCEBIDAS EM TORNO DO ENSINO DE PORTUGUÊS
EM TIMOR LESTE
Socorro Cláudia Tavares de Sousa – UFPB
Maria Erotildes Moreira e Silva – SEDUC/UFC
O presente trabalho tem como objetivo analisar as percepções de estudantes timorenses, que moram
no Brasil, sobre as políticas linguísticas em torno da língua portuguesa, que foram estabelecidas em
Timor Leste, a partir do momento em que o idioma se tornou língua oficial, ao lado do tétum-praça.
Com este propósito, entrevistamos alunos de cursos de graduação da Universidade da Integração
Internacional da Lusofonia-Afro-Brasileira (UNILAB), acerca das ações oficiais em torno do
português, com foco, principalmente, no ensino de português, vivenciado por estes discentes,
durante a formação básica, em um contexto em que o português coexiste com o tétum, o inglês e o
bahasa indonésio, dentre outras possibilidades linguísticas dos timorenses. Nesta investigação, a
partir de reflexões sobre o conceito de política linguística Schiffman (2002), Castilho (2005) e
Calvet (2002 e 2007) e com base na descrição e implicações das políticas linguísticas oficiais
voltadas ao ensino de português (BATORÉO, 2010; ALBUQUERQUE, 2010 E 2011), analisamos
o processo de ensino e aprendizagem do português, em Timor, dentro da perspectiva de estudantes
timorenses, que moram e estudam em um país, onde a língua materna, para grande parte da
população, é o português. Alicerçamos as discussões aqui delineadas em noções teóricas de
lusofonia e do binômio política/planejamento linguístico, uma vez que este trabalho se insere na
linha de Políticas Linguísticas, área de pesquisa dentro da Sociolinguística que, em uma perspectiva
mais ampla, é campo de estudo das Ciências Sociais e Humanas, o que nos leva a considerar o
ensino de línguas dentro do contexto histórico e ideológico em que ele está inserido. Resultados
parciais sinalizam que a língua portuguesa é, para esses estudantes, símbolo de libertação, mas o
ensino nas escolas carece de maior aporte teórico e prático, para uma efetiva solidificação do
português, no contexto plurilíngue que, hoje, caracteriza o Timor Leste.
PORTUGUÊS DE TIMOR-LESTE: O QUE SIGNIFICA ESTUDAR UMA VARIANTE
EMERGENTE DE UMA LÍNGUA PLURICÊNTRICA?
Hanna J. Batoréo – Universidade Aberta-Lisboa
O conceito de emergência é normalmente associado às teorias dos sistemas complexos e diz
respeito a um fenómeno ou processo de formação de padrões complexos a partir de uma
multiplicidade de interacções simples. As estruturas emergentes são, assim, padrões, estruturas ou
comportamentos espontâneos que não resultam de um único evento nem obedecem a regras ou
padrões determinados por uma ordem superior, hierarquizada, centralizada e/ou normativa, de tipo
descendente (topdown). Pelo contrário, estes sistemas são mais do que a soma das suas partes: as
interacções de cada uma das partes com o seu ambiente geram um processo complexo e ordenado
num processo ascendente (bootom-up) por via de auto-organização. A autoorganização dos sistemas
emergentes caracteriza-se, assim, pelos seguintes factores: (i) ausência do controlo externo; (ii)
vários estados estáveis co-existentes, em vez de um estado único, (iii) hierarquias múltiplas com
vários centros nucleares; (iv) operações dinâmicas; (v) ordem global, ascendente e emergente das
interacções locais; (vi) causalidade descendente, na qual a ordem superior define as interacções
locais (cf. Gibbs, no prelo). Os processos descentralizados e distribuídos dependem de um grande
número de participantes, que conhecem apenas uma parte do sistema, apesar de todos terem a
consciência de fazerem parte de algo maior do que eles mesmos. A organização de cima para baixo
aumenta a motivação e a união da estrutura, enquanto a organização de baixo para cima aumenta a
variedade e a diversidade. Esta união é responsável pela complexidade das estruturas emergentes.
Os processos ou comportamentos emergentes resultantes de auto-organização podem ser
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observados em todos os aspectos das nossas vidas, desde a ciência exacta (p. ex., organismos
multicelulares, organização social de animais como formigas, pássaros em voo ou térmitas) até às
ciências humanas e sociais (funcionamento de cidades sem planeamento urbano nem infraestruturas, trânsito urbano ou redes sociais, por exemplo). O fenómeno da auto-organização pode,
também, ser observado a vários níveis da actividade humana: (i) pode ocorrer ao nível
neurocognitivo, nos cérebros dos indivíduos, quando as novas estruturas de conhecimento coerente
emergem da activação dinâmica e da inibição da cognição de níveis já existentes; (2) ao nível
social, nos grupos de indivíduos, na emergência das hierarquias sociais; (3) entre as populações de
indivíduos, na emergência de crenças partilhadas e normas culturais, a partir da comunicação e da
influência entre os indivíduos, etc. (cf. Vera Lúcia Paiva 2010). A emergência da linguagem
humana tem sido postulada por Tomasello (1999) e Clark (2009), com base na investigação
desenvolvida em várias frentes e ao longo dos anos, por exemplo, por Bowerman ou KarmiloffSmith. Assim, do ponto da vista da ontogénese das espécies, a aquisição da linguagem tem sido
abordada como um sistema emergente que é capaz de se auto-organizar. Do mesmo modo, a
mudança na linguagem, tanto no espaço como no tempo, foi abordada dinamicamente (cf. Abrams
and Strogatz (2003) e Nakamura et al. (2008), como um sistema em auto-organização que permite
que um idioma morra, que nasça uma língua nova ou, ainda, que se alterem as fronteiras de línguas
em contacto, tudo na sequência de emergências efectuadas ao nível de escala micro, com a autoorganização no sentido ascendente. (Pela escala micro, entende-se, aqui, a compreensão e a
produção linguísticas no caso das línguas em contacto). Pela mesma ordem de ideias, um falante
bilingue ou multilingue, quando aprende uma língua nova, auto-organiza ou, melhor, re-autoorganiza o seu sistema linguístico de um modo dinâmico e ascendente, partindo das línguas que
conhece (maternas ou não) e que entram em contacto umas com as outras, dando origem a uma
nova realidade emergente individual. No que diz respeito à variação linguística, vejamos, por
exemplo, o caso das línguas pluricêntricas (como Português, Castelhano, Inglês ou Francês, só para
citar os idiomas das antigas potências coloniais europeias) e das novas variantes emergentes destas
línguas, criadas no(s) contexto(s) sociolinguístico(s) pós-colonial(is), bem como da formação das
línguas crioulas. Tradicionalmente, a problemática linguística é abordada, nestes casos, em função
da norma padrão (= variante standard) do idioma da antiga colônia (isto é, por exemplo, o
Português Europeu como norma para ser seguida pelos falantes do Português em Timor-Leste). As
produções linguísticas locais são vistas, assim, como desvios da norma destas novas realidades
linguísticas e são consideradas erros, que – por conseguinte e por definição – devem ser corrigidos
e erradicados de acordo com a norma imposta, numa intervenção hierárquica de carácter
descendente. No entanto, se as produções linguísticas das novas realidades sociolinguísticas forem
estudadas no seu contexto específico, em que vários idiomas (cerca de vinte, tanto locais como
internacionais, no caso de Timor-Leste) entram em contacto uns com os outros, o que é focado e
investigado não é o desvio de uma certa norma, mas a emergência de um novo sistema em autoorganização interna de carácter ascendente.
TIMOR-LESTE E LÍNGUA PORTUGUESA: POSSIBILIDADES
Regina Pires de Brito – UPM
Neusa Maria Bastos – UPM/PUC-SP
Maria Lúcia Vasconcelos – UPM
Em Timor-Leste, como decorrência do processo de independência assinalada em maio de 2002, o
português voltou a ser a língua oficial, tornando-se um fator essencial para que o país mostre sua
face diferenciada. A política oficial direciona-se, agora, no sentido de restaurar essa diversidade em
termos de atualidade, abrindo-se para associações comunitárias com os países de língua portuguesa.
Estreitamente associados à língua, estão os campos de produção simbólica da literatura, canção
popular, televisão, cinema, etc. – um conjunto de práticas discursivas que intercorrem entre si,
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mostrando similaridades comunitárias entre os países de língua portuguesa. O comunitarismo
linguístico dá base a um comunitarismo cultural mais amplo, estabelecendo laços de parentesco
supranacionais. Tais articulações são valorizadas pelos timorenses como forma de diferenciação e
de afirmação identitária. Esse contexto ensejou a elaboração e o desenvolvimento de diferentes
ações, por muitos atores. Nesta oportunidade, ilustramos nossa participação com dois projetos que
objetivam a difusão e/ou a sensibilização para a comunicação em nossa língua comum – projetos
que mostram que a união de instituições de ensino superior ainda que em pontos distantes do globo
é um caminho viável para a melhoria da qualidade e democratização do saber. Nos dois casos,
temos o trabalho integrado e enfaticamente construído com base no respeito às diversidades, no
reconhecimento das especificidades e na construção do saber, materializado na forma de parceria
entre universidades do Brasil e de Timor-Leste. O primeiro deles é o Universidades em Timor-Leste
(1ª. edição – 2004, em fase de reformulação para uma nova edição), projeto pedagógico-cultural de
difusão da comunicação e da expressão em língua portuguesa, realizado por meio de oficinas,
utilizando-se da canção popular brasileira como instrumento didático, em conformidade com a
política nacional de cooperação entre os países de língua portuguesa. A segunda ação é o Projeto de
Cooperação Acadêmico-Cultural UNTL-UPM - 2012 para o qual foram selecionados e capacitados
docentes de universidades brasileiras e portuguesas para a atuação nos primeiros anos de cursos de
graduação da Universidade Nacional Timor Lorosa´e, no ano que marcou a chegada à universidade
dos primeiros timorenses que, pós-independência, tiveram sua formação escolar em língua
portuguesa.
A ECOLOGIA DAS LÍNGUAS EM TIMOR-LESTE E A LÍNGUA PORTUGUESA APÓS
10 ANOS DE INDEPENDÊNCIA
Helem Andressa de Oliveira Fogaça – UnB
Jessé Silveira Fogaça – UnB
Antônio Augusto Souza Mello – UnB
Timor-Leste é um país localizado no sudeste asiático, constituído por uma variedade de grupos
étnicos, que possuem culturas, histórias, saberes e principalmente línguas próprias. Assim como o
Brasil, Timor-Leste foi colonizado por Portugal entre os anos de 1515 e 1975, e no período de 1975
e 1999 foi invadido e dominado pela Indonésia, vivenciando uma política de destruição das suas
línguas, culturas, valores e principalmente sua identidade, através da política repressora e pela
imposição da língua indonésia, o Bahasa, minimizando o uso da língua nacional- o Tétum Praça, e
proibindo o uso da língua portuguesa. Em 1999, a Organização das Nações Unidas (ONU) chegou
ao país a fim de reestabelecer a paz e iniciar a reconstrução daquela nação. Em 2002, com a
independência e a constituição da República Democrática de Timor-Leste, a língua portuguesa
tornou-se língua oficial ao lado da língua local, o Tétum-Praça. Diante dos problemas políticos que
esta nação enfrenta, dentre outras razões, gerados pela divisão etnolinguística, o governo timorense
decidiu nos últimos anos investir principalmente no ensino e difusão destas línguas oficiais, como
meio de proporcionar uma unidade da nação timorense. Este trabalho tem como objetivo realizar
uma breve descrição da ecologia linguística de Timor-Leste, seguida por uma análise retrospectiva
dos 10 anos da Língua Portuguesa no pós-independência, 2002-2012, envolvendo as questões de
política e planejamento linguístico. Apresenta-se um panorama do atual contexto linguístico do
Timor-Leste considerando a Ecologia Fundamental da Língua - EFL, pois para que haja uma língua,
necessita-se de um povo e um território. Observa-se as motivações linguísticas, políticas, históricas
e sociais da escolha da Língua Portuguesa nesta pequena ilha diante das línguas indonésia e inglesa,
destacando algumas das estratégias adotadas pelo governo afim de alcançar seu objetivo. Destaca-se
ainda sua contribuição na identidade cultural timorense e na inserção do Timor-Leste no grupo de
países lusófonos, bem como sua inserção na atualidade.
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INFLUÊNCIAS DAS L1 NATIVAS NO PORTUGUÊS DE TIMOR-LESTE: UM ESTUDO
DOS MARCADORES VERBAIS
Davi Borges de Albuquerque – UnB
A ilha de Timor está situada no sudeste asiático, perto da Austrália e das ilhas do Pacífico,
possuindo fronteira física com a Indonésia. Apesar de a colonização portuguesa da ilha ter iniciado
no século XVI, a presença efetiva do colonizador europeu ocorreu somente por volta do século
XVIII, findando por volta do ano de 1975, quando a Indonésia invadiu e dominou a parte leste da
ilha. No ano de 1999, o país reconquistou sua independência e, em 2002, a constituição da
República Democrática de Timor-Leste elegeu como línguas oficiais o português e o Tétum-Praça
(Tetun Prasa), ao lado do inglês e indonésio como línguas de trabalho. A política linguística da
coroa portuguesa para o chamado Timor Português foi a de ensinar a língua portuguesa apenas aos
cidadãos importantes: timorenses que tinham qualquer influência sobre as suas aldeias, como: reis,
príncipes, sacerdotes e outras pessoas com origens nobres. Esta política sofreu modificações
somente no final do século XIX, exatamente no ano de 1898 com a fundação do Colégio de
Soibada, quando a administração portuguesa decidiu investir no ensino e nas escolas. Porém, tal
situação veio a se modificar, logo em seguida, no século XX, com a invasão japonesa a Timor
(1942-1945) e, posteriormente, com a dominação indonésia já citada (1975-1999). Esse contexto
contribuiu na formação de uma variedade da língua portuguesa falada em Timor-Leste com alguns
traços linguísticos específicos, assim como de outras variedades já conhecidas e melhor estudadas,
como o Português de Moçambique (PM) e o Português de Angola (PA). A presente comunicação
pretende analisar a variedade da língua portuguesa falada em Timor-Leste, chamada aqui somente
de Português de Timor-Leste (PTL), apresentando uma característica notória dessa variedade que é
o uso de certos advérbios como marcadores temporais, aspectuais e modais do verbo,
principalmente o emprego de já como marcador de aspecto perfectivo, ainda marcador de aspecto
progressivo/durativo, ainda não como modalizador negativo. Tais marcadores verbais podem ser
encontrados também em vários crioulos, notavelmente nos crioulos de base lexical portuguesa.
Porém, sem descartar uma possível influência do Crioulo Português de Malaca, do Crioulo
Português de Macau e dos crioulos indo-portugueses em Timor-Leste, é argumentado neste
trabalho, assim como são apresentadas várias evidências com base nos dados linguísticos coletados
em campo, que a influência principal na existência desses marcadores no PTL é a língua materna
(L1) do cidadão leste-timorense, já que a maioria das línguas nativas de Timor-Leste é de origem
austronésica, com a presença de um grande número de marcadores pré-verbais e pós-verbais para
expressar as categorias de tempo, modo e aspecto no verbo. Assim, serão apontadas diversas
características dessas línguas maternas, enfatizando a língua Tetun, e a influência delas no PTL.
A NASCENTE LITERATURA DE LÍNGUA PORTUGUESA EM TIMOR-LESTE
Edson Luiz de Oliveira – USP
Os navegantes portugueses chegaram à ilha de Timor no início do século XVI, interessados no
sândalo, árvore que se encontrava em abundância nos bosques daquela ilha da Insulíndia. Conforme
ficou registrado em versos de Os Lusíadas, onde Camões se refere ao “sândalo, salutífero e
cheiroso”. Enquanto os comerciantes praticavam a exploração daquela madeira exótica,
missionários católicos se estabeleciam na ilha, difundindo o cristianismo e ensinando a língua
portuguesa. Ao longo dos séculos, a exploração sem critérios resultou na quase extinção das árvores
de sândalo. Porém, a língua portuguesa e a religião católica permaneceu.
Por outro lado, os timorenses possuem formas de expressão próprias muito antigas, transmitidas
oralmente nas 16 línguas faladas no território. O tétum, considerado há muito tempo a língua franca
do Timor, é também, a que possui mais textos escritos, muitas vezes em formato bilíngue, em
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parceria como português ou inglês. Hoje, Timor-Leste, oficialmente denominado República
Democrática de Timor-Leste é um dos países mais jovens do mundo –completando 10 anos em
2012. A nação timorense resultou de um doloroso processo de independência iniciado em 1974,
tendo o português como uma de suas duas línguas oficiais, garantidas pela Constituição de TimorLeste.
A literatura e a política convergem em muitos momentos da história de Timor-Leste; o ex-primeiro
ministro Ramos-Horta começou sua carreira como jornalista, enquanto o grande líder
revolucionário Xanana Gusmão pode ser considerado como o poeta número um de Timor-Leste. No
entanto, esse país, membro mais jovem da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa,ainda não
possui uma historiografia literária sistematizada. Pretende-se nesta apresentação destacar algumas
obras de autores timorenses que escreveram em português, assim como portugueses e brasileiros
que publicaram textos sobre o Timor durante a estada naquela ilha, ou após retornarem a seus países
de origem. Também há os timorenses da diáspora, residentes seja em Portugal, seja na Austrália
que recordam sua terra natal no idioma português.
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SIMPÓSIO 17
ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NUMA PERSPECTIVA
SISTÊMICO-FUNCIONAL
O objetivo deste Simpósio é viabilizar discussões acerca das contribuições que a Linguística
Sistêmico-Funcional de Michel Halliday tem a oferecer no âmbito do ensino-aprendizagem da
língua materna na Escola Básica. Diante da nova realidade que se apresenta e das exigências da
vida em sociedade e do mundo do trabalho, o foco das aulas de Língua Portuguesa não pode ser
mais a gramática com objetivo e fim em si mesma, como ainda vem acontecendo em nossas escolas.
O desafio que se coloca para os professores, hoje, como condutores do processo de ensinoaprendizagem da língua, é ampliar a competência comunicativa dos alunos. Para que esse objetivo
seja alcançado, a ênfase precisa estar no trabalho com textos, ou seja, com a língua em
funcionamento. As pesquisas sobre a linguagem desenvolvidas nas Universidades têm contribuído
para o questionamento de conceitos e métodos que orientam o trabalho dos professores com a
linguagem verbal na Escola Básica, e um dos caminhos apontados é o enquadre teórico proposto
pela Linguística Sistêmico-Funcional, que muito tem a oferecer no que diz respeito ao trabalho com
a gramática. Esse modelo investigativo representa uma tentativa de descrição do funcionamento da
língua – o que deveria ser o foco do trabalho na escola –, examinando-a como uma entidade não
suficiente em si, e investigando a estrutura linguística vinculada a seu contexto de uso – o que
confere especial relevância à correlação entre as propriedades das estruturas gramaticais e as
propriedades dos contextos em que ocorrem. Assim, este Simpósio contemplará trabalhos que, com
base em uma concepção funcionalista de gramática, busquem descrever, explicar e/ou interpretar os
usos reais da linguagem verbal dentro de seus respectivos contextos de situação e de cultura,
considerando as relações necessárias entre os recursos lexicogramaticais e a constituição semântica
dos textos e sendo, por isso, contribuição valiosa para um ensino mais produtivo da língua materna.
COORDENAÇÃO
Vania L. R. Dutra
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
[email protected]
Magda Bahia Schlee
Universidade Federal Fluminense
[email protected]
200
201
A INTERCULTURALIDADE E O ENSINO FUNCIONALISTA AOS ALUNOS
INDÍGENAS EM ESCOLAS PÚBLICAS URBANAS
Marly Augusta Lopes de Magalhães – UFMT
Vânia Cristina Casseb Galvão – UFG
O objetivo desta comunicação é atentar para a abordagem funcionalista da gramática da língua
portuguesa, com a finalidade de proporcionar ao aluno indígena o conhecimento do sistema
linguístico dessa língua, ao mesmo tempo em que se considera a presença do seu próprio idioma. As
duas línguas pertencem a tipologias diferentes, o que justifica, inicialmente, a sua comparação
morfossintática, para, mais tarde, tratar das questões semânticas e pragmáticas, que, dependentes de
contexto, igualmente oferecem dificuldades de aprendizagem a esse aluno. Assim conscientizado, o
aluno indígena entenderá a distância que a língua impõe aos falantes de diferentes culturas, tanto na
maneira de informar, quanto na de interagir com o seu interlocutor não indígena. O que se pretende
com esses alunos é torná-los mais próximos dos textos e da gramática numa perspectiva mais
produtiva de se trabalhar com a língua, fazer com que eles explorem os sentidos do texto,
reconheçam a estrutura gramatical por meio de elementos compatíveis com a aprendizagem da
língua portuguesa e possam relacioná-los aos elementos dos contextos de sua língua materna e de
sua cultura. Para que isso seja possível, é necessário que se eleja uma teoria de base, adequando as
realidades do ensino da língua em contexto de interculturalidade, adotando uma concepção
pedagógica que promova a aproximação entre o ensino da língua portuguesa e o ensino da língua
materna. Há que se acrescentar que o ensino na perspectiva da interculturalidade não é apenas
traços de encontro e confronto entre as etnias mas, sobretudo, uma proposta que promove as
relações sociais a partir da articulação entre os diferentes modos de representação do mundo. Diante
da nova realidade que se apresenta nas escolas públicas urbanas, decorrentes das constantes
presenças dos alunos indígenas e das novas exigências da sociedade e do mundo, o foco das aulas
não podem ser mais aquelas que apresentam a gramática com fins em si mesma mas, "uma
atividade de produção linguística a ensejar reflexão sobre a linguagem". O desafio que se coloca é a
ampliação da competência linguística e também comunicativa dos alunos indígenas a fim de que
possam investigar o modo como o sentido é construído, e o que significa para cada comunidade
linguística.
AS MANIFESTAÇÕES EVIDENCIAIS PRESENTES EM MATERIAIS DIDÁTICOS PARA
ALUNOS DE EAD
Ana Silvina Ferreira Fonseca – IFMA
O presente estudo faz parte de uma investigação que tem como objetivo discutir as manifestações
evidenciais em seus aspectos sintáticos, semânticos e pragmático-discursivos identificadas no
material didático para cursos superiores da modalidade de Educação a Distância (EAD), no sentido
de avaliar as indicações das fontes dos conteúdos asseverados para responder ao seguinte
questionamento: que aspectos sintáticos, semânticos e pragmático-discursivos caracterizam a
manifestação da evidencialidade na indicação das fontes dos conteúdos asseverados nesse material?
Considerando-se que o interesse deste estudo se apoia na competência comunicativa dos falantes
envolvidos no processo ensino-aprendizagem, foi utilizado como aporte teórico o Funcionalismo
Linguístico, tendo em vista este modelo gramatical se realizar dentro de um quadro geral de
interação social capaz de analisar as funções das manifestações linguísticas em uso numa dada
língua, mais especificamente a Gramática Discursivo-Funcional (GDF), desenvolvida por
Hengeveld e Mackenzie (2008). Partiu-se da hipótese de que as manifestações evidenciais no
material didático para alunos de cursos superiores na modalidade de Educação a Distância apontam
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202
para um distanciamento dos autores em relação aos conteúdos veiculados. O corpus é constituído de
oito apostilas, quatro da grande área Ciências Humanas (Educação, Antropologia, Psicologia e
Filosofia) e quatro da grande área Linguística, Letras e Artes (Língua Portuguesa, Linguística II,
História das Artes Visuais I, Laboratório de Teatro I). Para esta apresentação, discutiremos os tipos
de fontes e de evidencialidade utilizadas nesse material. Como resultado ainda preliminar da
análise, identificamos predominância do tipo de fonte externa definida na manifestação da
evidencialidade reportativa, o que, na construção discursiva, serve ao propósito de indicação de
fontes para o aprofundamento dos conteúdos.
COMPETÊNCIAS E HABILIDADES LINGUÍSTICAS REQUERIDAS EM
INSTRUMENTOS AVALIATIVOS EM LARGA ESCALA PARA INGRESSO NO ENSINO
SUPERIOR
Silvone Fernandes Melchior Silva – UEG/UFG
Considerando-se que os documentos oficiais da educação determinam que, no Ensino Médio, a
organização curricular deve ser feita a partir da definição de competências e habilidades
fundamentais para o exercício da cidadania e que essa perspectiva visa contrapor-se à formação
tecnicista que historicamente foi implementada no sistema de ensino brasileiro, este trabalho visa a
verificação de quais e como as competências e habilidades linguísticas são mobilizadas na
resolução das questões das provas de Língua Portuguesa dos Processos Seletivos da Universidade
Federal de Goiás (UFG), da Fundação para o vestibular (FUVEST) e do Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM) e que perfil de egresso do Ensino Médio essas competências e habilidades ajudam a
definir. Para isso, fundamentamo-nos no modelo sistêmico-funcional de Halliday (2004) e no
Funcionalismo brasileiro, capitaneado por Neves (1997, 2000, 2004) e em Casseb-Galvão (2011),
mais especificamente, analisamos os conhecimentos/conteúdos gramaticais requeridos nas questões
das provas de maneira a observar como estes requerem determinadas competências e habilidades do
egresso do ensino médio. Esta pesquisa integra o Projeto ELPBP – Ensino de Língua Portuguesa no
Brasil e em Portugal: bases epistemológicas, objetivos e conteúdos, que, tem entre seus objetivos
distinguir conteúdos e métodos de avaliação que favoreçam a constituição de um perfil adequado ao
ingressante no ensino superior. Os dados revelam que a abordagem de competências e habilidades
dada pelos processos seletivos em análise varia de acordo com a proposta teórico-metodológica
adotada, o que define também o perfil esperado do candidato, que é estabelecido a partir de
interesses institucionais, considerando-se o papel das instituições gerentes desses processos na
dimensão social em que se inserem.
O DESENREDO DA LINGUAGEM: PERCURSO DA CONSTRUÇÃO NARRATIVA
ROSIANA
Carla MacPherson Garcia de Paiva – UERJ
Este estudo apresenta uma proposta de leitura do conto Desenredo, de Guimarães Rosa, utilizando
os postulados teóricos da Linguística Sistêmico-Funcional (LSF) e da Linguística Textual (LT).
Usar contos de Guimarães Rosa nas salas de aula nem sempre é tarefa fácil, pois os alunos
deparam-se com estruturas que contrariam as regras da valorizada língua padrão aprendidas nas
aulas de Língua Portuguesa, como frases caóticas e entrecortadas, fortes inversões sintáticas,
emprego inusitado de classes gramaticais, confronto entre português arcaico e neologismos, além de
regionalismos, uso de provérbios populares e máximas do próprio autor mineiro, tudo em favor de
um poético exercício literário, nascido de grande experimentação verbal. A ressignificação do
conteúdo discursivo é um dos traços mais marcantes no universo textual rosiano, pois o autor cria e
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recria a palavra no plano de expressão, apontando novos sentidos a serem depreendidos pelo leitor,
despertando-o para reflexões acerca da vida e do mundo. Nesse sentido, as escolhas de recursos
lexicogramaticais do autor, bem como a articulação destes na construção discursiva, constituem
semanticamente o texto, fazendo com que, à superfície textual, sobreponha-se outro sentido. No
caso do conto em exame, às venturas e desventuras amorosas das personagens sobrepõe-se a
capacidade do ser humano reinventar metalinguísticamente a sua história. Na primeira seção deste
trabalho, a teoria sistêmico-funcional de Michael Halliday foi o suporte empregado para analisar a
construção na narrativa rosiana. A abordagem focalizou especificamente a metafunção ideacional, a
fim de examinar a categoria lexicogramatical da transitividade que estrutura a construção das
personagens e do fluxo narrativo, e a metafunção interpessoal, analisando as escolhas que
promovem a interação estabelecida entre os interlocutores, entre elas as relações intertextuais. Na
segunda seção, com amparo nos ditames da Linguística Textual, examinou-se mais detidamente a
importância da intertextualidade no percurso de construção da coerência do texto. Adotou-se,
portanto, a noção de que a intertextualidade tem importância relevante para a compreensão dos
processos de construção do sentido da narrativa pelo leitor. A leitura produzida à luz das duas
correntes teóricas mostrou que o sentido de um texto depende não só do contexto de situação e da
léxico-gramática, mas também das relações intertextuais mobilizadas dentro do contexto de cultura
dos membros de uma comunidade.
A GRADAÇÃO EM PORTUGUÊS: UMA PERSPECTIVA FUNCIONALISTA PARA
ABORDAGEM/APRENDIZAGEM DO SUFIXO “-INHO”
Suzana Pinto do Espírito Santo – UFAM
O presente estudo apresenta uma abordagem sobre a gradação em português, com enfoque nas
formações com sufixo –inho, com o objetivo de mostrar que este item pode assumir outros valores,
além da noção de dimensão e afetividade. Com isso, descreveremos as funções exercidas por -inho,
com base em Gonçalves (2006), bem como levantar os fatores que motivam determinados usos,
como a escolha do público e do registro. Esses usos estão metodologicamente organizados e
identificados como: dimensivo, intensificador, expressivo afetivo, expressivo pejorativo, e neutro.
A discussão visa, ainda, contribuir para ampliar a visão adotada pela gramática normativa que
prioriza o valor diminuto e não aborda os aspectos contextuais e semânticos que envolvem as
formações com sufixo em foco, colaborando assim para uma nova perspectiva de abordagem desse
item gramatical no ensino de Língua Portuguesa, o qual ainda está arraigado em uma abordagem
tradicional restrita a um único valor semântico, para isso, sugerimos o uso de revistas impressas e
dos diferentes gêneros discursivos-textuais que dela fazem parte, como uma ferramenta possível de
uso dentro da sala de aula. Para isto, constituímos um corpus com textos escritos de diferentes
gêneros, selecionados de sete edições das seguintes revistas: Revista Cláudia, Revista Info-exame e
Revista Scientific American. Essa discussão está ancorada na teoria funcionalista que concebe a
língua em uso e concebe a linguagem como instrumento de interação social, no dizer de Neves
(1997), descreve a estrutura gramatical e inclui na análise toda situação comunicativa: o propósito
do evento da fala, seus participantes e seu contexto de uso. Os resultados mostram o
comportamento de 33 ocorrências de usos de –inho, registrados com 37% de uso intensificador
(valor superlativo), 24% de expressivo afetivo ( indica a atitude do falante), 18% de usos dimensivo
(função dimensiva/tamanho), 18% para o uso neutro (outros sentidos), e, 3% de uso pejorativo
(atitude subjetiva sobre a caracterização de um ser).
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AS CONSTRIBUIÇÕES DA LINGUÍSTICA FUNCIONAL PARA O ENSINO DO
ADVÉRBIO: DESAFIOS E PERSPECTIVAS
Anderson Monteiro Andrade – UFPB
Denilson Pereira de Matos – UFPB/TLB
Tem crescido cada vez mais nos estudos linguísticos a ideia de que a língua está e sempre estará em
processo de variação e mudança conforme o uso e as interações que os seus usuários fazem por
meio dela. Desta maneira, entendendo a linguagem como instrumento de comunicação em que se
pressupõe um contexto numa dimensão real e não apenas ideal, ou seja, numa representação
enunciativa no evento comunicativo, convém entender também que o ensino de língua portuguesa,
em suas minúcias, deve seguir nesta mesma direção. Entretanto, o que se tem visto nas aulas de
língua portuguesa é um ensino que não reflete os usos da língua, tendendo apenas a descrevê-la e
defini-la em situações de metalinguagem. Pensando dessa forma e seguindo esse modelo prioriza-se
um ensino dentro de um paradigma formal, pronto, acabado e incapaz de promover nos discentes
uma reflexão acerca dos usos da língua. Na contramão ao exposto até aqui, pensamos em lançar
mão de uma discussão que priorize o ensino de língua portuguesa numa interface com o seu uso
real, ou seja, entendendo a língua a partir de sua heterogeneidade e possibilidades de uso. Assim,
analisamos neste trabalho como é apresentada em alguns livros didáticos de LP do ensino médio a
classe de palavra Advérbio e de que forma a gramática se posiciona a esta categoria e, por
conseguinte, fazemos uma relação à luz do que assevera a Linguística Funcional- LF que procura
descrever e compreender a linguagem em funcionamento como um sistema de comunicação e não
como um conjunto de regras gerais, desvinculadas de seu contexto de uso. O que pretendemos com
este trabalho é mostrar outra possibilidade de se estudar o advérbio a partir do texto e não
unicamente a partir de situações desvinculadas e descontextualizadas. Dessa maneira, a proposta
que lançamos nos faz ter a certeza de que texto, enquanto unidade de uso, e gramática são
indissociáveis e esta deve estar a serviço daquele e não o contrário. Assim, entendemos que o
ensino do advérbio não pode ser observado como uma palavra que por si só denota circunstâncias,
mas que deve ser analisado pela lógica da língua em seu uso, ou seja, como determinados advérbios
atuam/funcionam no texto. Assim, diante do que alude a LF, os elementos linguísticos não
significam isoladamente e, dessa forma, propomos com esta pesquisa o ensino do advérbio dentro
do texto. Guiamo-nos pelos postulados teóricos de Bechara(2009), Bomfim(1998), Cunha e
Cintra(2008), Halliday (1985) , Givón (1979) e Votre e Naro (1989).
A ANÁLISE DA METAFUNÇÃO TEXTUAL EM REDAÇÕES ESCOLARES DO ENSINO
MÉDIO
Maria Pereira da Silva – UFPE
Hérvicton Israel – UFPE
Este trabalho tem como objetivo investigar a Metafunção Textual no gênero redação escolar,
realizado por alunos do Ensino Médio. A Metafunção Textual é responsável pela organização dos
significados experienciais e interpessoais em um todo coerente. Essa organização é feita
principalmente através da escolha que fazemos do elemento que ocupa a posição inicial de cada
oração que enunciamos, chamado Tema. Assim, do ponto de vista da metafunção textual da
linguagem, cada oração divide-se em duas partes: a primeira é o Tema, e o restante é o Rema. Desse
modo, a Metafunção Textual relaciona-se ao “cumprimento das exigências de operacionalidade de
uma língua” (Halliday 1978, p. 42 apud Santos, 1996, p. 10), ou seja, ao papel da linguagem, com
quais escolhas linguísticas, a mensagem está sendo construída e organizada dentro de um sistema
determinado pelo contexto e pela intenção do autor. Relacionado à Metafunção Textual está o
Modo, que aparece na escolha dos temas, em traços léxico-gramaticais específicos à modalidade
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oral ou à escrita, no uso de conjunções ou outro tipo particular de coesão. Como fundamentação
teórica será utilizada a Linguística Sistêmico-Funcional (LSF), que estuda a língua em uso em
diferentes contextos, desenvolvida por Halliday (1985, 1994) e revista por Halliday e Matthiessen e
outros. A Linguística Sistêmico-Funcional (doravante LSF), de orientação hallidayana, é
reconhecida pela sua contribuição aos estudos da linguagem em função de dois traços. Em primeiro
lugar, por sua aplicabilidade ao ensino, tendo em vista apresentar-se como uma abordagem de
análise textual, o que favorece o seu uso na sala de aula. Em seguida, pelo marco teórico que
introduz nos estudos da linguagem, a) ao advogar uma concepção da natureza da linguagem como
interação; b) ao voltar sua atenção para a dimensão paradigmática da linguagem; e c) ao considerar
a linguagem como uma semiótica social, com ênfase na produção de sentidos localizada na cultura e
na história. Nessa perspectiva, a LSF difundiu-se no Brasil a partir do final da década de oitenta e
tem sido reconhecida como um quadro teórico produtivo na descrição e interpretação da linguagem
em função de seu duplo estatuto, como teoria de descrição gramatical e modelo de análise textual
(GOUVEIA, 2009). Partindo desse ponto de vista, procura-se fazer com esse trabalho uma análise
da Metafunção Textual, a fim de compreender como se estrutura o gênero redação escolar,
identificando os mecanismos fundamentais para o encadeamento das ideias, configurando-se um
texto coeso. É possível, por exemplo, identificar nesse gênero problemas como fuga ao tema,
evidenciados pela ausência da retomada temática (Tema e Rema), ou seja, a quebra da progressão
textual. Desse modo, acreditamos que pesquisas nesse campo são importantes para oferecer ao
aluno uma abordagem para o melhor domínio desse gênero, visando a um produtor crítico, reflexivo
e atuante.
A DISCRIMINAÇÃO EM CLARA DOS ANJOS, DE LIMA BARRETO, À LUZ DA
AVALIATIVIDADE: UMA PERSPECTIVA SISTÊMICO-FUNCIONAL
Fabiana Pastore Brasil – PUC/SP
A presente pesquisa enfoca a questão da discriminação sociorracial no romance Clara dos Anjos, de
Lima Barreto, examinando as escolhas lexicogramaticais feitas pelo autor para, não só se posicionar
em relação à questão sociorracial, mas também para obter a solidariedade do leitor, criando um
quadro convincente da inconsciência dos negros em relação à sua própria servidão. Para tanto,
examina a questão da identidade, segundo Bucholtz e Hall (2005) e Snow (2001) e a importância do
contexto ideológico, segundo Banks (2005). Em termos metodológicos, o exame apoia-se nos
estudos da semântica avaliativa, uma ampliação da Metafunção Interpessoal da Linguística
Sistêmico-Funcional (HALLIDAY, 1994, 2004), com o sistema de Appraisal (doravante,
Avaliatividade) (MARTIN, 2000), e o faz a partir do enfoque da Linguística Crítica, de Fowler
(1991). A análise conta também com o apoio de Li (2010) para quem as ideologias sociopolíticas ou
socioculturais estão entrelaçadas com a língua e o discurso. O autor recorre a VanDijk (1993, 1997),
em uma abordagem da Análise do Discurso Crítica, que relaciona a noção macro da ideologia às
noções micro dos discursos e das práticas sociais de membros de grupo. O estudo deve responder
às seguintes perguntas: (a) que escolhas lexicogramaticais são feitas por Lima Barreto para enfocar
a questão da discriminação sociorracial em Clara dos Anjos? (b) como são caracterizadas essas
escolhas do ponto de vista do sistema da Avaliatividade? (c) de que forma a Linguística SistêmicoFuncional pode desnudar a ideologia que envolve a identidade racial no romance?A pesquisa
mostra que, por meio de escolhas lexicais de Avaliatividade negativas, Lima Barreto busca
construir um leitor ideal, capaz de compartilhar suas amarguras, de uma vida marcada pela
discriminação sociorracial.
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A METÁFORA GRAMATICAL E A METAFUNÇÃO INTERPESSOAL NO TEXTO DE
NELSON RODRIGUES
Jane Suely S. Araujo - UERJ
O presente trabalho tem como motivação a análise de construções metafóricas presentes na crônica
“É aluna da PUC e desapareceu como se jamais tivesse existido” (RODRIGUES,2007,p. 217) .
Observaremos o substantivo ausência como metáfora gramatical, tendo como base o fato de que o
enunciador, ao fazer a seleção pelo vocábulo “ausência tão densa”, usa o recurso do
“empacotamento” de uma forma congruente. Ao apresentar combinações como ausência densa, o
autor coloca a ausência como tema da crônica em análise. O adjetivo qualificador densa é uma
metáfora gramatical de como se jamais tivesse existido. Rodrigues utiliza os adjetivos
qualificadores de base sinestésica para sugerir um sentido inusitado, que foge ao senso comum,
como recurso para envolver o interlocutor (metafunção interpessoal).
Partiremos da hipótese de que o autor, ao formar construções como “ausência tão densa”, apresenta
a combinação do adjetivo densa com o substantivo abstrato ausência e propõe um sintagma cuja
disposição “ ausência” + tão + densa” passa a ser um todo significativo no projeto de argumentação
de Rodrigues. De acordo com Castilho (2010), os adjetivos (em função de adjunto adnominal)
agregam ao núcleo do sintagma nominal propriedades semânticas que o substantivo não possui. O
texto em análise aponta para o percurso discurso-gramática e confirma, por meio das metáforas
gramaticais apresentadas pelo autor, a sensibilidade da gramática às pressões da informatividade e à
força ditada pelas atitudes do falante (NEVES, 2002). “a gramática, afinal, se molda por
acomodação, sob pressões de ordem comunicativa, isto é, sob pressões discursivas.” (NEVES,
2002, p. 173). De acordo com Charaudeau (2009), o modo de organização argumentativo é dirigido
ao ser que raciocina. Os adjetivos dos sintagmas construídos por Rodrigues funcionam como
delimitadores (BECHARA, 2009) do signo ausência e representam o argumento do autor em
relação à temática do corpus em análise. Estudaremos a presença do contraste sugerido por
combinações como ausência densa e vazio absurdo, característica dos textos de Rodrigues.
Considerado o período “É aluna da PUC e desapareceu como se jamais tivesse existido” que dá
título a crônica, concluímos que Rodrigues discorre sobre o tema “ausência” e utiliza o adjetivo
como ícone direcionador da construção da metafunção interpessoal.
ESTRUTURA DA INFORMAÇÃO E PROGRESSÃO DO TEMA EM TEXTOS
ARGUMENTATIVOS
Magda B. Schlee – UERJ/UFF
Vania L. R. Dutra – UERJ/UFF
Em seu memorável trabalho intitulado Introduction to Functional Grammar, Halliday (2004)
postula que, por meio da língua, construímos significados a partir de três metafunções da linguagem
que se complementam: Metafunção Ideacional, Metafunção Interpessoal e Metafunção Textual. A
primeira trata da representação do mundo; a segunda, do relacionamento entre os falantes; a
terceira, da organização da mensagem. Este trabalho terá como foco a terceira metafunção (a
Metafunção Textual), que organiza os significados ideacionais ou experienciais e os significados
interpessoais para que formem um todo coerente, ou seja, um texto. Nosso objetivo é analisar a
organização temática de dois textos: uma redação de concurso, em nível médio, que obteve nota
máxima e uma redação que obteve baixa avaliação no mesmo exame, a partir da Gramática
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Sistêmico-Funcional, no que diz respeito à Metafunção Textual da linguagem. A organização
temática das orações revela como o autor efetua a ligação entre informações para organizar sua
mensagem. Assim, segundo Fuzer (2010), os temas das orações que constituem um texto auxiliam
sobremaneira no processo de construção textual e, com base na análise dos tipos de progressão
temática mais frequentes (padrão com tema constante, padrão linear e subdivisão do rema),
procuraremos demonstrar de que forma a organização temática contribuiu para a construção do
sentido num e noutro texto, e em que medida favoreceu a avaliação positiva ou não do texto. O foco
do trabalho é, assim, observar como esses textos se desenvolvem, o que sua estrutura de informação
revela, o que os autores põem em destaque, em função de suas intenções comunicativas.
Acreditamos ser esse um dos caminhos para auxiliar o professor na difícil tarefa de fazer de seus
alunos leitores proficientes.
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SIMPÓSIO 18
VARIEDADES DIAMÉSICAS EM CONTEXTOS ARTÍSTICOCULTURAIS
Este simpósio abriga trabalhos voltados para a literatura em (e de) língua portuguesa e em línguas
românicas. Os estudos envolvem aspectos históricos, sociais, estilísticos e linguísticos tanto no que
diz respeito às identidade lusófona quanto ao papel da produção artística literária nas românias
antiga e atual. São bem vindos também trabalhos que valorizem a interdisciplinaridade e a
interculturalidade e que se focalizem na importância das variedades diamésicas em contextos
artístico-culturais. Incentivamos que as apresentações abordem esses aspectos a partir da análise da
variação da língua em conformidade com o gênero textual da obra analisada.
COORDENAÇÃO
Gian Luigi de Rosa
Universidade Del Salento – Itália
[email protected]
Kátia de Abreu Chulata
Universidade Del Salento – Itália
[email protected]
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POESIA BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA: A REPRESENTATIVIDADE DO ESPAÇO
FEMININO NA POESIA DE ADÉLIA PRADO
Sueli De Fátima Alexandre Argôlo – UFG
Esta pesquisa pretende apresentar detalhes da poesia lírica feminina contemporânea que se destaca
pela busca da ruptura com a tradição masculina e consequentemente a busca por uma linguagem
que represente os anseios do ser feminino, o que nos lembra do espirito de renovação das
vanguardas brasileiras. A poesia feminina desacreditada diante de uma poética unicamente
masculina busca uma forma particular de sobrevivência, encontrando em poetas como Adélia
Prado, com sua poesia representativa do universo cotidiano feminino, uma temática e uma
linguagem que trazem o sujeito para o centro da poesia. O lirismo aparece nos poemas adelianos
por meio de um tom de conversa íntima e confissão pessoal, apesar de estar na contemporaneidade
não objetiva apenas apresentar o universo desse indivíduo, mas falar também o cotidiano de um ser
feminino que compartilha de uma família e se constitui de anseios, dificuldades, erotismo, busca
pelo religioso, entre outros. Adélia Prado retoma o discurso do eu lírico masculino de poemas de
autores como Carlos Drummond de Andrade, por exemplo, e o transforma em um discurso
feminino, conforme se percebe no “Com licença poética”, que é norteado por um eu lírico que
recusa a condição de coxo na vida e aceita os subterfúgios que lhe cabem como uma condição
particular de ser desdobrável. É um eu lírico ousado, que expressa sua independência e capacidade
de criar sua própria poesia, fundar reinos. Nos poemas adelianos há um entrelaçamento das
vivências cotidianas dando forma e vida a essa poesia cujos termos mais instigantes são a
emergência qualitativa e quantitativa de uma nova poesia feminina capaz de ter uma participação
ampla e exemplar na produção literária das últimas décadas, as quais apresentam uma pluralidade
temática que se refere a termos existenciais, filosóficos e histórico-sociais por meio de um estilo
próprio, que incorpora a epifania de inspiração bíblica e o erotismo como uma de suas temáticas.
PERSPECTIVA: O APELO PELA HUMANIZAÇÃO NA POESIA DE CASALDÁLIGA
Talita Cristina Bandeira de Figueiredo – UFMT
Este trabalho pretende realizar uma análise literária do poema “Perspectiva”, de Pedro Marìa
Casaldáliga Plá. O escritor, nascido na Espanha, em 1928, mudou-se em 1968 para o Brasil, onde
exerceu a função de Bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia, em Mato Grosso. Missionário da
Ordem dos Claretianos e adepto da Teologia da Libertação, Casaldáliga tornou-se conhecido por
sua postura política de luta em defesa dos mais humildes. O religioso é tido hoje como um dos
expoentes progressistas da Igreja Católica no Brasil e já recebeu o título de Doutor Honoris Causa
pela Universidade de Campinas e pela Universidade Federal de Mato Grosso. Casaldáliga possui
diversos livros de poesia publicados e sua obra literária é indissociável de sua obra política e
religiosa. O autor caracteriza-se por trabalhar com temas relacionados aos conflitos contemporâneos
dos povos oprimidos na região amazônica. Em seus escritos é possível identificar reflexões acerca
do direito à liberdade, à terra e à vida. Em “Perspectiva”, o poeta demonstra que a falta de empatia é
um fator de impedimento ao ideal de igualdade necessário para a vida em sociedade. A escolha por
esse poema para a realização de uma análise, portanto, se dá pelo fato de que seu conteúdo exprime
um apelo pela humanização das relações sociais, evidenciando o engajamento e o profundo
interesse pela humanidade por parte do escritor. Neste sentido, a análise partirá da definição de
Jean-Paul Sartre a respeito da literatura engajada, a qual afirma que a literatura deve servir de
espelho da sociedade para si mesma, a fim de que os homens tomem consciência de si próprios e da
realidade e, assim, façam suas próprias escolhas. Entretanto, sabe-se que Sartre desconsiderava o
engajamento literário no plano da arte poética. Deste modo, a análise buscará responder se é
possível identificar em “Perspectiva” os propósitos do engajamento idealizado pelo filósofo.
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Importa acrescentar que, à primeira vista, “Perspectiva” sintetiza a ideia de que toda pessoa deve ser
respeitada com humanidade e que o desrespeito pode surgir quando nos recusamos a ver os outros
de perto, levando o leitor a refletir sobre seus próprios pontos de vistas e atitudes em relação às
pessoas. Portanto, é perceptível uma proposta de libertação concreta a partir de uma alienação
particular neste poema, permitindo, a princípio, qualificar Casaldáliga como um escritor engajado.
Por fim, nesta comunicação, será também utilizado o conceito de poesia proposto por Octavio Paz,
para demonstrar os elementos que conferem poeticidade ao poema.
MÚSICA E POESIA: SENHAS DE ADRIANA CALCANHOTTO
Mirian Lesbão Dumont – UFMT
A presente pesquisa pretende analisar, do ponto de vista musical e poético, as canções de Adriana
Calcanhotto. O corpus a ser estudado trata-se de canções e de poemas musicados. Assim,
entendemos a relevância de se fazer algumas relações entre música e poesia. Desta forma,
buscaremos a intersecção que houve nessas duas artes fazendo um resgate histórico. Neste processo,
a separação entre música e poesia ocorre na renascença em que a lírica trovadoresca é superada para
ser declamada ou objeto de leitura. O contexto musical contemporâneo e sua penetração na cultura
de massa promove uma aproximação não só com a literatura, como também com outras artes,
sobretudo, em se tratando dos poemas-canções de Adriana Calcanhotto, que navega na fonte de
vários poetas, escritores e artistas de vanguarda. Ao estudarmos a interface música e poesia
pesquisaremos o ritmo como forma de desdobramento da intertextualidade e da metalinguagem. O
intertexto ou dialogismo como consequência do ritmo propiciará leituras relativas à produção
musical de Calcanhotto, tanto na forma, neste caso, para se compreender um provável engajamento
social – o ritmo como articulação social – quanto no processo de mixagem, que nos possibilitará
compreender os arranjos melódicos que constitui o corpo da canção – o ritmo como articulação
sonora. Outro aspecto a considerar é a metalinguagem, que é o trabalho com o signo linguístico,
portanto, a linguagem estará a serviço do fazer poético, nesse sentido, a compositora traduz em seus
versos uma reflexão sobre o ato de fazer música, versos, como na letra da “Canção por acaso” ou
em “Uns versos”. O refletir sobre a feitura da música ou a escritura dos versos nos dá uma
dimensão da função poética da linguagem. Por essas razões a análise desses textos torna-se
pertinente uma vez que a interface música e literatura estão presentes em nosso cotidiano.
AS FRONTEIRAS DO “EU CAMPEIRO”: ASPECTOS DO LÉXICO NA MÚSICA
GAÚCHA
Odair José Silva dos Santos – UCS
A música concretiza-se discursivamente como um produto cultural e carrega marcas da identidade
do povo ao qual está envolvido. No âmbito do Rio Grande do Sul, as canções gauchescas revelam
costumes, vivências e o “ser gaúcho” a partir do estereótipo do homem que vive e trabalha no
campo. Nesse contexto, o léxico exerce uma função importante, uma vez que revela o discurso do
homem do campo, edificando-se como uma marca identitária à medida que palavras típicas da
região são utilizadas como modo de representação do sujeito campeiro. O objetivo deste trabalho é
analisar itens lexicais que estão ligados à cultura gauchesca, observando que as palavras e o seus
discursos exercem força no cenário sociolinguístico em que são produzidos, uma vez que muitas
vezes transcendem as barreiras das fronteiras linguísticas e políticas. O corpus analisado nesta
perspectiva são as canções “Cambichos”, do grupo musical “Os Serranos”, e “Romance de um peão
posteiro”, do grupo “Os Mateadores”; o primeiro grupo é um tradicional conjunto musical
gauchesco que foi criado em 1968 e desde então fazem espetáculos no Brasil e em diversas cidades
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do exterior; já o segundo, foi fundado em 1980 e faz apresentações tanto no Brasil como nos países
da América Latina, trabalhando com canções tradicionalistas gaúchas. Para o embasamento desta
pesquisa são utilizados estudos sobre cultura, léxico e discurso; contribuem, neste sentido, as ideias
de Certeau (1994), Bourdieu (1996), Hannerz (1997), Oliveira e Isquerdo (1998), Cuche (2002) e
Orlandi (2005). As canções, como as dos grupos apresentados, constroem-se como produções que
identificam o povo o qual está envolvido, à medida que se confluem cultura, léxico e discurso.
Palavras como “surungo”, “gaudério”, “encilhar”, “rancho” e “posteiro” possibilitam vislumbrar
que estas se edificam como marcas do sujeito campeiro, evidenciando o “ser gaúcho campeiro”.
Pretende-se, assim, contribuir para as discussões sobre o léxico no âmbito de contextos
regionalistas.
ESTUDO DE POÉTICAS CONTEMPORÂNEAS GOIANAS: OS ENGENDRAMENTOS
ABARROTANTES EM PIO VARGAS
Miguel d’Abadia Ramos Jubé Júnior – UFG
Durante o século XVIII, as Poéticas passam, em todo o Ocidente, por um de seus caminhos mais
tensos de sua história, caminho esse que resultará no aparecimento de uma nova tradição poética, a
tradição da ruptura com aquela anterior. Essa nova tradição sistêmica, as Poéticas Modernas,
apoiada nos referenciais estético-teóricos vanguardistas, perdurou até que rupturas
contingencialmente inexoráveis se lhe dessem, a partir de outras tensões, chegando às Poéticas
Contemporâneas do modo como este Simpósio se propõe a tratar desses conceitos anteriormente
elencados. No Estado de Goiás, tradicionalmente, sempre houve movimentos ou grupos artísticopoéticos que se podem encaixar dentro das perspectivas evolutivas estéticas das Poéticas Modernas
– até se chegar às Contemporâneas – que tentassem gerar uma consciência e uma
discussão/dimensão poética (criando um movimento de fato), mas nem sempre o lograram por
motivos diversos. Estabelecendo um estudo das Poéticas Contemporâneas Goianas, tomando como
tais aquelas produzidas por poetas nascidos ou radicados no Estado de Goiás a partir da década de
1980, o presente trabalho cuida dos aspectos da obra de Pio Vargas que o fizeram
compor/engendrar uma Poética bastante peculiar, profícua e até mesmo única, apesar de
precocemente interrompida, tendo publicado apenas três livros, um deles póstumo, respectivamente
– Janelas do espontâneo (1983), Anatomia do Gesto (1988) e Os novelos do acaso & O ofício de
apagar efêmeros (1991). Cabe observar como se dão, em seu texto poético, os movimentos de
apropriação das poéticas modernas em geral (modernas, pós-modernas e contemporâneas), a ruptura
anárquica com suas apropriações e, disso, a criação de vozes poéticas que bem representam o
espírito contemporâneo ante o impacto abarrotante das metrópoles no interior, no íntimo do ser
humano, gerando uma produção que transpôs o caráter do discurso regional e atingiu a dimensão
discursiva nacional, traduzindo e descontruindo tanto as tradições quanto as rupturas que se lhe
dirigiam. Para tanto, como referenciais teóricos centrais, utilizar-se-ão as teorias hermenêuticosemióticas de Umberto Eco, exposta principalmente em Obra Aberta, e de Paul de Man, em
Semiotic and Rethoric, que dão conta dos processos das Poéticas Contemporâneas, como bem
referidas e definidas neste Simpósio, partindo das discussões sobre os limites da interpretação
dessas obras.
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POESIA E LINGUAGEM: CAMINHOS DE NOSSO ENCONTRO COM O MUNDO
Anelito Pereira de Oliveira – PPGL/UNIMONTES
Rosane Ferreira de Sousa – UNIMONTES/PPGL/FAPEMIG
Este trabalho propõe uma discussão sobre a relevância da Poesia, já que o número daqueles que se
voltam para o poético fica cada vez mais escasso. O texto dá ênfase à fala polissêmica e reunidora
da linguagem poética, fundante de uma nova ordem e uma nova existência. No texto poético
instaura-se uma relação de confronto entre o conteúdo simbólico e a realidade. Por meio da palavra,
o homem abre espaço para deslocar estruturas estabelecidas além de penetrar no desconhecido e
transformar o que é comum em particular. O poeta ao perscrutar os caminhos da linguagem
trazendo à tona a sua fala promove o nosso encontro com o mundo. Neste sentido, diferentemente
da ciência, a Poesia aponta um procedimento que faz vê o que não se vê ao valorizar o que o poeta
diz e como ele diz. Deste modo, a poesia se revela como expressão mais autêntica do fenômeno da
linguagem.
O AMOR E A MULHER NA LITERATURA BRASILEIRA: TEMPOS E CONTEXTOS
Ana Maria de Carvalho Leite – UFMG
As novas diretrizes para o ensino da Literatura na Educação Básica têm procurado superar o modelo
de estudo tradicional que, segundo Leahy-Dios (2009) “pregava a memorização de características
de períodos literários, junto com datas, informações histórico-econômicas, nomes de autores
considerados clássicos”. No escopo de um projeto de formação da competência leitora, busca-se
aliar o ensino da Literatura às práticas de leitura, analisando como a obra literária dialoga com
temas sociais. A idéia é tornar a leitura do texto literário um hábito rotineiro, a fim de formar um
leitor mais ativo, que faça da leitura literária “parte de seus fazeres e prazeres”, como sugere
Paulino (1998, p.8). Isso pode ser verificado, por exemplo, no Conteúdo Básico Comum de Língua
Portuguesa (CBC-LP, 2008), elaborado pela Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais.
Nessa proposta curricular, a Literatura é tratada como interlocução literária e figura no Eixo
Temático III – A Literatura Brasileira e outras Manifestações Culturais. Propõe-se um trabalho
voltado para a interação entre aluno e texto literário, a partir da qual são construídos conceitos sobre
o fazer literário, seus contextos e especificidades (CBC-LP, 2008, p.15-16). No intuito de verificar
se tais tendências teórico-metodológicas são adotadas na sala de aula e de que forma se
concretizam, observamos o trabalho desenvolvido com uma turma de 3º ano, do Ensino Médio, em
uma escola pública estadual do interior de Minas Gerais. Trata-se da aplicação do tópico 34. O
amor e a mulher na literatura brasileira, relativo ao Tema 1: Temas, motivos e estilos na literatura
brasileira e em outras manifestações culturais, do Eixo Temático III supracitado, que procura
articular a área de Linguagens, Código e suas Tecnologias com outras áreas do conhecimento. O
objetivo principal do tópico é desenvolver no aluno habilidades de relacionar formas diferentes de
representação do amor e da mulher a contextos históricos e literários diferentes (CBC-LP, 2008,
p.130). Com base nas leituras de Senhora (José de Alencar) Luzia-homem (Domingos Olímpio) e
Memorial de Maria Moura (Rachel de Queiroz), foram realizadas atividades de compreensão,
linguagem, estilística, comparação de representações do amor e da mulher em textos literários de
diferentes épocas da história literária do Brasil, bem como análises intertextuais entre textos
literários e outras manifestações culturais sobre o amor e a mulher, tais como novelas, notícias e
comerciais. Com as reflexões empreendidas sobre o projeto, pretendemos contribuir para o debate
em torno do papel da escola para a formação literária dos alunos.
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BIOGRAFIAS DA FLORESTA: DIÁLOGOS INTERCULTURAIS E LITERATURA
INDÍGENA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Cynthia de Cássia Santos Barrra – UNIR
“O homem é um ser político porque é um ser literário”, nos diz Jacques Rancière (1995) em
“Políticas da Escrita”. Bartomeu Melià (1989), no ensaio “Desafios e tendências na alfabetização
em língua indígena”, retoma a polêmica questão concernente à introdução das comunidades de
tradição oral na cultura do impresso; e ressalta a importância de “as novas cartilhas” produzidas em
um contexto educacional comprometido com a afirmação e autonomia do saber indígena estarem
abertas à literatura indígena como criação. Especificamente, a partir do final da década de 1960,
diversas experiências de alfabetização, coordenadas por Organizações Civis e Governamentais,
levaram em consideração os sentidos extensivos da palavra “escrita” e buscaram o exercício
criativo da palavra escrita em direção à literatura de autoria indígena. O objetivo geral da presente
comunicação é o de analisar três obras de caráter ensaístico e/ou (auto)biográfico, publicadas na
primeira década de 2000, cujas autoras participam como professoras, há mais de vinte anos, em
diversos programas de formação de professores indígenas, e possuem um papel significativo no
cenário nacional como organizadoras e/ou editoras de literatura indígena produzida em língua
portuguesa e/ou indígena. Buscamos, por meio da análise temática e estilística das obras que nos
servem de fonte – “Diários da Floresta” (MINDLIN, 2006), “Cronistas em viagem e educação
indígena” (MONTE, 2008), “Desocidentada: experiência literária em terra indígena” (ALMEIDA,
2009) – , identificar os conceitos de Cultura, de Escrita, de Narrativa e de Texto, pertinentes aos
métodos concebidos e praticados por cada uma das pesquisadoras em suas ações interculturais e
intervenções editoriais junto às comunidades indígenas. A análise dessas obras contribui para uma
melhor compreensão do “boom” editorial dos “livros da floresta”, ocorrido na década de 1990, e do
movimento literário de autoria indígena em cena no Brasil contemporâneo.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRODUÇÃO LITERÁRIA DE AUTORES DE LÍNGUA
PORTUGUESA DE PORTUGAL E PAÍSES DE ÁFRICA VOLTADA PARA CRIANÇAS E
JOVENS NO BRASIL
Margareth Silva de Mattos – UFF
No documentário de Victor Lopes filmado em seis países lusófonos, Língua: vidas em português,
José Saramago define metaforicamente a língua portuguesa como um corpo espalhado pelo mundo.
E afirma: “não há uma língua portuguesa, há línguas em português”. Leitores brasileiros raramente
têm acesso à produção literária de autores de outros países da lusofonia, especialmente os do
continente africano. Há pouco tempo, algumas editoras brasileiras vêm investindo, mesmo que
muito timidamente, em publicações que favorecem trocas linguísticas e culturais com outros países
de língua portuguesa. Nossa reflexão se assenta, precipuamente, em dados empíricos coletados nos
arquivos do Programa de Alfabetização e Leitura (PROALE) da Universidade Federal Fluminense
(UFF/RJ), programa de extensão da Faculdade de Educação que atua como membro do Júri do
Prêmio FNLIJ, concedido anualmente pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil a diversas
categorias de livros destinados a crianças e jovens publicados no Brasil. A FNILJ, seção brasileira
do International Board on Books for Young People, instituiu em 2005 a categoria Literatura em
Língua Portuguesa. Desde então, não só confere o Prêmio FNLIJ Henriqueta Lisboa – O Melhor
Livro de Literatura de Língua Portuguesa a obras de autores de língua portuguesa que não sejam
brasileiros, mas também o selo de Altamente Recomendáveis às obras dessa categoria que se
destacam em termos de qualidade estético-literária. Nossa atuação no Programa de Alfabetização e
Leitura (PROALE) na função de avaliar os livros concorrentes ao Prêmio nos leva a investigar os
rumos, a conformação e as implicações da produção editorial voltada para o campo da literatura
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destinada a crianças e jovens. Dos 29 títulos que receberam o selo Altamente Recomendável entre os
anos de 2005 a 2011 nessa categoria, apenas 4 são de autores de países de África; todos os outros 25
títulos são de autores portugueses, a maior parte, já consagrados. Esses dados são importantes
indicadores de uma política editorial entre países dos diferentes continentes em que se localizam as
“línguas em português”. Neste trabalho, nosso interesse volta-se, portanto, para a realização de um
mapeamento da presença e da ausência de obras literárias em língua portuguesa, especialmente de
países de África e de Portugal, no Brasil. Para isso, pretendemos analisar os modos como se
estabelecem as relações entre diferentes culturas e produções literárias que têm a língua portuguesa
como realidade comum, considerando o art. 7º, itens 1 e 2, da Declaração Universal dos Direitos
Linguísticos publicada pela UNESCO em 1996: “1. Todas as línguas são a expressão de uma
identidade coletiva e de uma maneira distinta de apreender e descrever a realidade, pelo que devem
poder beneficiar das condições necessárias ao seu desenvolvimento em todas as funções. 2. Cada
língua é uma realidade constituída coletivamente e é no seio de uma comunidade que ela está
disponível para o uso individual como instrumento de coesão, identificação, comunicação e
expressão criadora.”
A PRIMEIRA CRÍTICA DE BENEDITO NUNES SOBRE A PROSA DE FERNANDO
PESSOA
Maria de Fatima do Nascimento – UFPA
O dorso do tigre (1969) é o segundo livro de Benedito Nunes em que ele analisa obras de
imaginação. Essa publicação é constituída de duas partes, sendo a primeira de estudos filosóficos e
a segunda de crítica literária. Entre os ensaios sobre poesia, constam quatro sobre Fernando Pessoa,
a saber: “Os outros de Fernando Pessoa”, “Paradoxo e verdade” (12/11/1966), “O ocultismo na
poesia de Fernando Pessoa” (22/10/1966) e “A prosa de Fernando Pessoa” (1º/10/1966), que já
haviam sido estampados no Suplemento Literário do jornal O Estado de São Paulo, a partir de
1966, conforme as datas citadas. Contudo, o primeiro ensaio não foi localizado no referido
periódico. Constata-se que Nunes vinha estudando a poesia do bardo português desde a década de
1940, pois em pesquisas feitas no Suplemento Arte Literatura da Folha do Norte de Belém (PA),
que circulou de 5 de maio de 1946 a 14 de janeiro de 1951, Pessoa, ao lado de Rainer Maria Rilke,
foi um dos poetas mais divulgados ali. Inclusive, na Revista Encontro (1948), coordenada por
Nunes na capital do Pará, há uma pequena coletânea de poemas do vate lusitano, organizada por
Francisco Paulo Mendes, demonstrando que Pessoa era lido pela Geração Moderna do Pará de
1946, na qual Nunes foi incluído. Assim sendo, a presente comunicação tem por objetivo apresentar
alguns aspectos do ensaio de Benedito Nunes, “A prosa de Fernando Pessoa”, o primeiro a ser
publicado no Suplemento Literário do jornal O Estado de São Paulo, em 1º/10/1966, acerca da obra
do literato português. Este, de acordo com Nunes no livro Poetas Modernos do Brasil – 1, dedicado
ao bardo João Cabral de Melo Neto, foi muito importante aqui para a “Geração de 45”. Isto porque,
segundo o crítico paraense (1971, p. 26-27), a partir de 1942, quando começa a vir a lume a vasta
obra póstuma pessoana, seu autor revela para a “Geração de 45" do Brasil tanto o lirismo moderno
da arte verbal lusa, quanto um procedimento de criação literária que troca a lei da franqueza
biográfica pela lei da franqueza estética.
A ANATOMIA DA ANGÚSTIA EM AVALOVARA, DE OSMAN LINS
Norival Bottos Júnior – PUC/Goiás
Objetiva-se, com este trabalho, apreender o modo como uma obra de arte, sendo fruto da
tardividade poética, se vê obrigado a enfrentar o fato de que chegou demasiado tarde na historia da
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literatura. Com base na teoria da Angustia da Influência, do crítico norteamericano Harold Bloom,
buscar-se-á o processo de criação a partir da noção de desleitura e desvio corretivo que a obra
contemporânea elabora tendo como base a própria tradição que lhe inspira. Em Avalovara, objeto
de pesquisa do presente trabalho, percebe-se, notadamente, um profundo diálogo com as obras “Em
busca do tempo perdido” de Marcel Proust e “Ulisses”, de James Joyce. O que se deseja é
evidenciar como o romance Avalavora busca confrontar-se agônicamente com essas outras obras,
porque se trata sempre da busca de um lugar no espaço do cânone literário. Porém, é preciso notar
que a função disso seria a de redimensionar esses outros textos, corrigindo-os e desvelando a partir
desse diálogo, as dobras na linguagem que permitem apreender a força contra a outra força, ou seja,
outras possibilidades de leituras tendo como modelo as obras que vieram primeiro.
A LINGUAGEM CORPORAL NOS POEMAS DE LÍVIA NATÁLIA ENTRELAÇADOS
NAS TEIAS DA ANCESTRALIDADE DE OLIVEIRA
Silvania Cápua Carvalho – UEFS
Objetiva-se, neste estudo, examinar a nuance da ancestralidade nos versos dos poemas Água Negra
de Lívia Natália (2011), poetisa baiana, cujo eu-lírico evidenciado em seus poemas é uma mulher
que se nega ceder/abrir mão de seus ideais, semelhantemente à personagem Muadia na ficção de
Mia Couto. Essas mulheres defendem seus desejos, vivenciam sua fé, convivem com o fato de
serem muitas em um só corpo, várias faces de uma mesma alma feminina. Nos versos dos poemas
de Água Negra e na experiência moçambicana da narrativa coutiana, está presente o mito feminino
das águas. Por meio do referencial teórico da obra Filosofia da Ancestralidade de Oliveira (2007)
foi trilhada as argumentações sobre a categoria ancestralidade. O intelectual e acadêmico Oliveira
(2007) visa contribuir na formação das novas gerações de pensadores sobre a ancestralidade
presente em nossas veias e cultura. Para tanto, tenta fazer com que seja compreendida a tese da
Ancestralidade, como a arte de tecer teias teóricas permeadas da arte de experimentar. Este autor
busca a construção de sua Pedagogia do Encantamento, utilizando a história e a experiência de um
outro: Norval Cruz, protagonista da obra Filosofia da Ancestralidade de Oliveira (2007). O corpo
também se constitui na matéria prima para os poemas da poetisa baiana, assim como para o filósofo,
o que evidencia a importância do estudo do corpo na nossa cultura de matriz africana. O corpo
expressa a beleza da mulher nos versos de Lívia Natália. Em seus poemas o corpo feminino é muito
mais do que memória: é uma trajetória. Uma anterioridade. Uma ancestralidade. O mito feminino
das águas constitui a forma cultural africana, é um modelo histórico-ideológico que está
visceralmente relacionado ao corpo e à sua expansão. Por isso, essa experiência ética nas águas da
Baía de Todos e a narrativa coutiana em O outro pé da sereia (2006) serão o lócus das
considerações acerca da ancestralidade africana na experiência de Moçambique.
POÉTICA DA SIMULTANEIDADE: UMA LEITURA POSSÍVEL
Rubens Vaz Cavalcante – UNIR
A poética da simultaneidade é uma compreensão da poesia a partir dos poemas de Arnaldo Antunes
(artista que dá seguimento ao pensamento construtivista e pop na poesia brasileira), que coloca em
discussão o aspecto intersemiótico e multimidiático da arte neste interstício de séculos. O conceito,
para melhor operacionalização, foi dividido em quatro modos: simultaneidade de suportes, de
traços de leitura, de traços de escritura e de formas e conteúdos. A simultaneidade de suportes é a
utilização de diferentes modalidades de linguagem na confecção e veiculação das obras, e denota o
procedimento multimidiático na poesia contemporânea, caso do kit (livro, disco e vídeo) intitulado
NOME (1993). A simultaneidade de traços de leitura é a sobreposição de influências e confluências
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na superfície e profundidade da escritura poética, e revela a atitude intertextual instalada na poesia
do agora, exemplo disso são as técnicas de composição utilizadas a um só tempo pelo autor
oriundas de poetas concretistas, imagistas, caligrafistas, grafiteiros, etc. A simultaneidade de traços
de escritura é a ocupação do mesmo espaço gráfico e sintático por diferentes vocábulos e múltiplos
estilos, e retrata o paradigma espacial em que o discurso poético se instala ao ocupar mais de um
lugar ao mesmo tempo, como se observa nas experiências efetuadas no livro 2 ou + corpos no
mesmo espaço (1997). A simultaneidade de formas e conteúdos é a sobreposição de gêneros,
subgêneros e temas, e demonstra os deslimites das criações literárias do presente, procedimento
visível na estrutura semelhante à de revistas literárias que os livros de Antunes apresentam. A
poesia de nosso tempo, pelo menos em parte, caminha em direção à simultaneidade, ao discurso
potencializado pelas múltiplas formas de expressão e suporte. Por outro lado, existem tendências
que seguem em direções diferentes e que precisam ser colocadas em discussão, para que se amplie o
alcance do conceito e se mantenha acesa a busca de compreensão.
MEMÓRIAS LITERÁRIAS: DIALOGISMO E ESCRITURA
Neiva de Souza Boeno – UFMT/MeEL/SEDUC
Desde a década de 90, a teoria dos gêneros vem sendo discutida nos Parâmetros Curriculares
Nacionais de Língua Portuguesa para o Ensino Fundamental e Médio, segundo as reflexões de
Bakhtin (2010[1952-1953]) e dos teóricos Dolz e Schneuwly (1996) da escola de Genebra, bem
como nas Orientações Curriculares do Estado de Mato Grosso (2010), para além do que já era
trabalhado na escola, enquanto gêneros literários e tipologia textual. Tais documentos apontam para
a concepção de linguagem enquanto interação social. Nesse contexto, a Olimpíada de Língua
Portuguesa Escrevendo o Futuro (OLPEF), programa instituído como política pública pelo
Ministério da Educação em 2008, propôs em seu material o ensino da língua materna por meio dos
gêneros textuais, sendo um deles o gênero Memórias Literárias. Desse universo, surgiram as
seguintes indagações: Qual é a origem e como se constitui o gênero memórias literárias? Como o
caderno da Olimpíada de Língua Portuguesa Escrevendo o Futuro “Se bem me lembro...” relê e
didatiza esse gênero? Questões que nortearam o início desta pesquisa e do ponto de vista
metodológico da análise dos discursos possibilitaram o des-vendar de aspectos da esfera de
comunicação social em foco e a sócio-história do gênero memórias para a compreensão respondente
em relação ao gênero memórias literárias e suas particularidades no contexto educacional, dados
que discutem as concepções de memória (filosófica e biologicamente), de dialogismo e de escritura
como ato criativo. Este trabalho está sendimentado à luz de alguns conceitos bakhtinianos:
dialogismo, exotopia, cronotopo, compreensão ativa responsiva, à luz da teoria de aprendizagem de
Vygotsky, e à luz do diálogo com outros teóricos, filósofos, pesquisadores, especialistas da
Antiguidade à Contemporaneidade, tais como: Heráclito, Aristóteles, Henri Bergson, Maurice
Halbwachs, Jacques Le Goff, Jacques Derrida, Roland Barthes, Lévinas, Augusto Ponzio, Cláudia
Leite, Éclea Bosi, Joaquim Dolz, Bernard Schneuwly, Luciano Ponzio, Luiz Antonio Marcuschi,
Maria Solimini, Reginal Dell’Isola, Simone Padilha, Scheila Maciel, Shirlei Neves, Susan Petrilli,
Viviane Carrijo, Julia Ponzio. Essa investigação está inserida no projeto de pesquisa “Relendo
Bakhtin: contribuições do Círculo de Bakhtin para uma análise dialógica de discursos produzidos
em diferentes esferas da atividade humana”, desenvolvida pelo Grupo de pesquisa RELENDO
BAKHTIN (REBAK), do Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagem, da Universidade
Federal de Mato Grosso.
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O DIALOGISMO NA OBRA: O CENTAURO NO JARDIM
Neuza de Fatima Vaz de Melo – UFG
O propósito deste trabalho é demonstrar a questão da discursividade na obra O Centauro no Jardim,
de Moacyr Scliar, publicada em 1980. È relevante a questão do judeu, metaforizado em centauro,
pois sendo filho de judeus camponeses, normais, o nascimento bizarro é responsável pela
disseminação de uma linguagem, também inusitada, apresentando os conflitos do personagem, que
não aceita a condição monstruosa, portanto, numa trajetória de fuga, e busca, parte para desvendálas e, quem sabe, eliminar o aspecto animalesco no programa da descentaurização. Dado o exposto,
essa pesquisa objetivou discutir em que medida o sujeito do discurso se constrói, se desconstrói, se
desdobra, se dispersa em vários eus, evidenciando as várias vozes produzidas no confronto dos
vários sujeito. Percebemos diferentes discursos com diferentes vozes caracterizando os vários
sujeitos, coexistindo em um único espaço discursivo: a obra literária em estudo. Nesse sentido,
recorremos aos construtos teóricos que fundamentam a Análise do Discurso de linha francesa.
Partimos das noções bakhtinianas de dialogismo e polifonia. Como resultado, foi possível
evidenciar a presença do conceito de dialogia na elaboração da obra analisada, cuja história narra a
trajetória da vida do povo judeu. Desse modo, na narrativa, ouve-se uma multiplicidade de vozes,
vozes que se sobrepõem e fazem retornar palavras ditas que são reditas de modo a ressignificar o
passado que ora se faz presente no novo modo de encarar a vida. E assim, a história e o seu sujeitonarrador são reconstruídos como o são a vida e o Homem, este ser histórico e social.
A CONSTRUÇÃO DE SENTIDOS NA HISTÓRIA DE PORTUGAL DE FERNÃO DE
OLIVEIRA
Eliéte Oliveira Santos – UFBA
Numa dada situação de comunicação, os sujeitos atuam no intuito de produzir sentidos junto a seus
interlocutores. Quem fala/escreve é um sujeito histórico que, de acordo com suas intenções e com o
interlocutor pretendido, sempre inserido em determinada situação, organiza o seu texto a fim de
persuadir, convencer, colocar-se como aquele que diz algo ou aquele que reproduz a realidade
através de palavras conscientemente escolhidas e controladas. Nesse caso, o signo só interessa
como estrutura concreta da enunciação, variável, flexível, adaptável às condições de produção.
Assim, ao debruçar-se sobre determinado material escrito em qualquer época, o leitor ou
pesquisador procura pistas que lhe indiquem intenções por trás de determinadas escolhas léxicas
dentro do contexto da produção textual, informações relevantes para análise do período social e
histórico da obra e ideologias que possam descrever os comportamentos da sociedade da época em
questão. Tendo como base o texto intitulado História de Portugal, escrito por Fernão de Oliveira
por volta de 1581, no contexto da crise sucessória do reino português, procura-se analisar a
construção ideológica apresentada por Oliveira, através das escolhas lexicais e do método
historiográfico em seu propósito de produzir sentidos dentro daquele tempo e espaço.
AS RELAÇÕES DE GÊNERO NA LITERATURA INFANTO JUVENIL NO ACRE
Margarete Edul Prado de Souza Lopes – UFAC
Neste trabalho analisamos e estudamos como são construídas as relações de gênero e proposições
feministas e de emancipação da mulher na produção infanto-juvenil dos tempos atuais no Acre.
Selecionamos narrativas de Gregório Filho, Vássia Vanessa da Silveira e Neiva Nara Lins e outras,
porém vamos nos ater principalmente em duas histórias: Lua Mulher, Homen Sol, de Francisco
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Gregório Filho e Barboletas e Ciuminsetos, de Vássia Vanessa, que é uma história inovadora,
apesar de ter todos os elementos tradicionais de contos infantis. Os relatos surpreendem com o
comportamento de meninas tentando lidar com as relações de gênero e a figura da avó enquanto
elemento mediador de iniciação das crianças no mundo adulto. E qual é o impacto dessa mudança
para as crianças e como suas identidades podem ser fixadas e ou remodeladas pelas narrativas a elas
dirigidas? Como viés teórico, utilizamos Nelly Novaes Coelho, Margarete Lopes e Ivia Alves.
POLIANA: OTIMISMO VERSUS REALIDADE
Elisandra Aparecida Gomes da Silva – FAAT
Muitas obras para crianças e jovens são polissêmicas, uma vez que oferecem ao leitor uma vivência
simbólica, pois a literatura para a juventude “é portadora de um sistema de referências que permite
a cada leitor organizar sua função psíquica com o vivido e a sensibilidade que lhe é própria”
(FARIA, 2006:19). Esta polissemia, por exemplo, é encontrada pelo leitor no livro Poliana (1913)
de Eleanor Hodgman Porter. Esta obra, um clássico da literatura infanto-juvenil, perpassa por
gerações com temas atemporais, como amor, bondade, afeto. A primeira publicação foi em 1913,
nos Estados Unidos, um ano antes do início da I Guerra Mundial. O país estava em crise nesta
época, portanto o livro buscava trazer otimismo e alegria para as crianças americanas, tentava
transformar suas identidades e confortá-las, dando esperança. Dessa forma, com este contexto
histórico e com a atemporalidade da obra, a presente comunicação tem como finalidade apresentar
uma análise do livro Poliana que toma como critérios as características estilísticas e estruturais
(Coelho, 2000), os modelos da literatura infantil (Zilberman, 2003), e a perspectiva da
semiolinguística (Oliveira, 2003), permitindo também, observar que a obra analisada faz com o que
o tu-interpretante reflita sobre alguns aspectos sociais: de como muitas vezes as relações humanas
são difíceis, entretanto podem ser superadas e de como há muitos problemas na sociedade, mas que
alguns podem ser resolvidos com otimismo e paciência. A obra também faz com que o leitor sintase mais otimista e seja encorajado a lidar com as dificuldades do cotidiano. Em suma, a obra pode
ser lida como uma crítica à sociedade adulta, pois nota-se a decadência e a falta de humanismo nas
pessoas, que cada dia mais só se interessam pelas próprias individualidades. Em contrapartida,
temos a alegria e o encanto de Poliana que traduz a ingenuidade e simplicidade das crianças, que
muitas vezes parecem que vivem em mundo diferente do mundo dos adultos.
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SIMPÓSIO 19
CONTEXTOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSOR DE PLE/PL2 E SEUS
CONTEXTOS DE ATUAÇÃO
Nos últimos anos, vem se instalando um discurso sobre a crescente importância do português como
língua global, que muitas vezes traduz o momento presente como “a hora do português”. Há,
porém, indícios díspares sobre a relevância alcançada pela língua portuguesa como língua não
materna nas diferentes latitudes. No nosso contexto mais próximo, mas acreditamos que não só na
América do Sul, os processos de integração regional como o MERCOSUL e a UNASUL revelam
uma preocupação com a formação de falantes/usuários de português que permita pensar no diálogo
entre os cidadãos dos países membros, para o desenvolvimento de uma cidadania regional - e/ou
uma identidade mercosulina-, para “que os futuros cidadãos compreendam uns aos outros, que
possam expressar-se na língua dos outros e sejam capazes de elaborar estratégias de aprendizagem
de outras línguas” (ARNOUX, 2010, p. 17). Neste sentido, a implementação de políticas
linguístico-educativas como a do governo argentino através da Lei 26.468/2009, supõe encarar, por
parte das Instituições de Ensino Superior, o desafio de formar recursos humanos bem qualificados,
que realizem tais políticas através de suas práticas no sistema educativo nacional. Por esse motivo,
compreende-se que também nos contextos de formação de professores, é necessário fomentar a
sensibilização da comunidade local em relação à importância da aprendizagem de línguas.
Pretendemos que este simpósio seja um espaço para refletir sobre os processos de formação do
professor de PLE/PL2 e sua qualificação, considerando os contextos de imersão/não imersão, as
LMs que falam os aprendizes, mais ou menos próximas/distantes do português, o estatuto do
português no contexto de ensino: língua oficial, língua de herança, língua de vizinhança, os
objetivos e os contextos de aprendizagem: presencial/ virtual, as concepções e representações das
línguas, culturas, identidades dos professores, as presentes nos programas dos cursos de formação e
nos materiais didáticos.
COORDENAÇÃO
Lucielena Mendonça de Lima
Universidade Federal de Goiás
[email protected]
Juan José Rodríguez
Universidad Nacional de Córdoba
[email protected]
219
220
O DISCURSO DE PROFESSORES COMO REFERÊNCIA PARA REPENSAR A
FORMAÇÃO DOCENTE: O AGIR DO PROFESSOR E SEU REPERTÓRIO
Eulalia Vera Lúcia Fraga Leurquin – UFC
Para avançar no caminho da internacionalização da língua portuguesa no Brasil, de maneira
produtiva, é preciso também repensar a formação do professor que atua nesta área. Questiona-se se
basta apenas ter a licenciatura em Letras com habilidade em língua portuguesa para ser professor de
Português Língua Estrangeira; qual é efetivamente o espaço do PLE nas universidades brasileiras;
como as universidades brasileiras vêem a crescente procura de profissionais desta área; e o que diz
o professor que atua na sala de aula de PLE sobre o seu agir. Nesta comunicação, destaca-se a
formação do professor. Para isso, serão consideradas entrevistas feitas sobre o agir dos professores.
Entende-se que é fundamental considerar o que diz o professor sobre o seu agir, pois assim sendo
tem-se acesso a informações sobre atitudes, decisões tomadas em sala de aula. Destaca-se, portanto,
essa mudança de paradigma na formação do professor como elemento fundamental para uma
formação reflexiva. Ao rever seu agir, o professor em formação tem possibilidade de rever sua
prática e refletir sobre ela. O meu objetivo geral com esse trabalho é apresentar resultados de uma
pesquisa em andamento sobre a formação do professor de PLE. Em especial, quero apresentar
análises do repertório mobilizado por dois professores, um experiente e um não experiente,
relacionando-o às figuras de ação. Os dados foram coletados no Curso de Português Língua
Estrangeira: língua e cultura brasileiras, nos níveis I, II e III, ofertado pelo Departamento de
Letras Vernáculas. O Curso reúne sessenta alunos estrangeiros que vieram por intermédio da
mobilidade acadêmica. Mobiliza três alunos da graduação e três da pós-graduação. Os alunos da
graduação fazem as gravações das aulas, participam das reuniões de preparação do material e
também das sessões de autoconfrontação. Os alunos da pós-graduação dão as aulas, preparam o
material didático comigo e são alvos das sessões de autoconfrontação. Analiso o discurso dos
alunos-professores quando eles, em situação de autoconfrontação, falam sobre seu agir em
determinadas situações de sala de aula. Para isso, ancoro-me nas figuras de ação interna (BULEA,
2010) e relaciono-as ao repertório (CICUREL, 2011) do alunoprofessor mobilizado em sala de aula
para entender determinadas atitudes docentes e seus posteriores desdobramentos para a formação do
professor de PLE. O olhar lançado a essas questões tem como base o quadro epistemológico do
Interacionismo sociodiscursivo (BRONCKART, 1999, 2008), articulado aos estudos desenvolvidos
sobre o agir do professor (CICUREL, 2011).
NÓS E OS OUTROS: O PAPEL DAS REPRESENTAÇÕES NO CONTEXTO DA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE PORTUGUÊS PARA ESTRANGEIROS
Lucia Maria de Assunção Barbosa – UnB
Inserida nas atividades do Grupo de Pesquisa Língua, Cultura, Representação (CnPq), esta
comunicação pretende discutir o papel das representações na e para formação de professores de
línguas estrangeiras em geral, e de português para estrangeiros mais especificamente. Nosso ponto
de partida retoma estudos e perspectivas conceituais como os de Zarate (1993), Abdalhah-Pretceille
(1996) Auger (2008) e Castelloti & Moore (2002), nos quais ficam evidenciados como as
representações de uma língua-cultura podem interferir no percurso dos agentes envolvidos nesse
processo. Isto se justifica, pois as imagens de si e do outro são aspectos dotados de forças
mobilizadoras das quais muitas vezes se tem pouca consciência. Na aquisição de uma língua-cultura
estrangeira, nossa visão baseia-se toma como ponto de ancoragem nossa língua-cultura materna
(quase sempre tomada como universal) enquanto dispositivo de um etnocentrismo. Nessa
perspectiva, o material didático quase sempre vem permeado por elementos exóticos, folclóricos e
generalizantes e a sala de aula torna-se espaço privilegiado para se falar sobre a língua. Zarate
220
221
(1993) assinala o fato de que as representações sociais não se configuram como um conjunto de
subjetividades distintas, uma vez que elas são produto de um trabalho coletivo, por meio do qual os
agentes sociais constroem formas de conhecimento da realidade. Portanto, as representações devem
ser vistas não como um decalque da realidade, mas como ações que explicitam (mais ou menos) as
interações dos grupos que as produzem. Nesse sentido, o professor exerce um papel fundamental,
enquanto construtor do espaço entre o parecido e o diferente, o interior e o exterior, o próximo e o
distante. No contexto do ensino-aprendizagem de Português para Estrangeiros, sobretudo no que
concerne à formação de professores e à elaboração de material didático, o campo de estudo das
representações mostra-se terreno fértil para (re)pensarmos como elas têm influenciado nossos
olhares, nossos discursos e, principalmente, nossas ações.
AVANÇOS E DESAFIOS NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE PORTUGUÊS NA
UNIVERSIDAD NACIONAL DE CÓRDOBA
Ana Cecilia Pérez – UNC
Juan José Rodríguez – UNC
Nos últimos anos, vem se instalando um discurso sobre a crescente importância do ensino do
português no contexto regional, que muitas vezes traduz o momento presente como “a hora do
português”. Há, porém, indícios díspares sobre a relevância alcançada pela língua portuguesa como
língua não materna nas diferentes latitudes. No nosso contexto mais próximo, mas acreditamos que
não só na América do Sul, os processos de integração regional como o MERCOSUL e a UNASUL
revelam uma preocupação com a formação de falantes/usuários de português que permita pensar no
diálogo entre os cidadãos dos países membros, para o desenvolvimento de uma cidadania regional e/ou uma identidade mercosulina-, para “que os futuros cidadãos compreendam uns aos outros, que
possam expressar-se na língua dos outros e sejam capazes de elaborar estratégias de aprendizagem
de outras línguas” (ARNOUX, 2010, p. 17). A implementação de políticas linguístico-educativas
como a do governo argentino através da promulgação da Lei 26.468/2009 supõe um gesto político
neste sentido, que deve ser apoiado por decisões institucionais para a ampla inserção do português
na educação pública argentina. Desde as Instituições de Ensino Superior, destacamos o desafio de
formar recursos humanos bem qualificados, com as ferramentas que permitam concretizar práticas
situadas no sistema educativo nacional. Este trabalho pretende refletir acerca da formação de
professores de português como língua estrangeira no contexto argentino e considerar as influências
dos âmbitos político-governamental e educativo-institucional como delimitadoras da perspectiva
formativa dos estudantes futuros formadores.
COMO APRESENTAM-SE NOMEADAS E DEFINIDAS AS ABORDAGENS DE BASE
COMUNICATIVA EM PLANEJAMENTOS DE ÁREA DE PORTUGUÊS PARA
ESTRANGEIROS?
Liliana Gottheim – Centro de Línguas – CEL/Unicamp
Por meio da constatação de como professores nomeiam e definem as abordagens de ensinoaprendizagem, que fundamentam seus estudos teórico-práticos de criação de materiais como suporte
impresso de aulas de português como língua estrangeira, apresentaremos resposta para a pergunta
formulada. Objetivamos compartilhar as informações obtidas e trazer reflexões sobre tendências de
abordagens de base comunicativa na atualidade. Além disso, ensejamos incluir reflexões de como o
conceito “abordagem comunicativa” sobreviveu à mudança dos tempos e à transformação de
enfoques teórico-metodológicos, coexistindo com outras nomenclaturas de abordagem que
surgiram. Quase como um termo “geral”, ele compacta no seu cerne uma variedade de dimensões
221
222
de conhecimento linguístico-sociocultural, que foram ampliando-se com o avanço dos estudos em
Linguística Aplicada nos últimos anos. Em verdade, o termo pode englobar entendimentos variados
de princípios e pressupostos de abordagem e de potencial linguístico-comunicativo que os textos
têm para um trabalho pedagógico. Concluiremos nossas reflexões com considerações sobre o estado
da arte na área de produção de materiais em português para estrangeiros, trazendo referências
bibliográficas desses trabalhos e as linhas teóricas que fundamentam essas produções.
222
223
SIMPÓSIO 20
LÍNGUA PORTUGUESA: ENSINO E MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA
Levamos em conta as posturas básicas de Bakhtin (1995) acerca do conceito de dialogismo que
postula a interação social como ação desencadeadora dos dizeres como enunciados. Desse modo,
somente o processo interacional conduz à constituição do ser humano como sujeito e à produção de
sentidos dentro de uma situação e de um contexto social. O intuito principal deste simpósio é
apresentar estudos sobre o ensino e a aprendizagem de língua portuguesa acerca de LEITURA e
PRODUÇÃO de TEXTO envolvendo: descrição de rotinas de interação; estratégias desenvolvidas
pelos alunos na compreensão leitora; análise de procedimentos de escrita e reescrita junto a alunos
com diferentes graus de competência linguística. Temos em vista a importância e o valor da
investigação para desenvolver o conhecimento na área educacional de alunos do ensino público e
ampliar o debate junto a pesquisadores de todos os locais onde se fala a nossa língua. Nosso
interesse liga-se à linha de pesquisa Ensino e aprendizagem de línguas (L.P.6) do Programa de Pós
Graduação em Letras e Linguística da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás
(Brasil). O simpósio é também oportunidade para apresentarmos as conclusões parciais obtidas no
Projeto Leitura e Escrita: ações de mediação pedagógica, liderado pelo Prof. Dr. Sinval Martins de
Sousa Filho e ligado ao Grupo Goiano de Pesquisa sobre Texto, Discurso e Ensino (FAPEG). E
acreditamos que o projeto é de alto interesse para oportunizar o debate e a troca de experiências
sobre a aquisição da capacidade de leitura e escrita entre estudiosos do ensino da língua portuguesa.
COORDENAÇÃO
Eliane Marquez da Fonseca Fernandes
Universidade Federal de Goiás/FAPEG
[email protected]
Sinval Martins de Sousa Filho
Universidade Federal de Goiás/FAPEG
[email protected]
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224
A MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA: PROJETO DE LEITURA E ESCRITA
Sinval Martins de Sousa Filho – UFG
Eliane Marquez da Fonseca Fernandes – UFG
Este projeto inscrito na REDE GOIANA DE PESQUISA (FAPEG) interessa-se em investigar
relações entre texto, discurso e ensino. O objetivo é estudar os gestos de interpretação de leitura e
procedimentos de escrita e reescrita junto a alunos do Nível Básico e Nível Superior. Tem, ainda, o
propósito de descrever e analisar os procedimentos desenvolvidos pelos alunos na compreensão
leitora de textos usados no ambiente escolar. É uma investigação de Linguística Sociointerativa
educacional sobre aspectos de desenvolvimento de leitura e escrita em redes sociais de falantes de
variedades de pouco prestígio social por meio do processo de interação. Para compreender melhor
as estratégias mobilizadas para processar a compreensão do texto ou para a produção textual,
tomam-se os pressupostos teóricos das Linguísticas do texto e do discurso, com os conceitos de
Bakhtin/Volochinov (1995); Bakhtin (2003); Marcuschi (2008); Van Djik (1981) e de Koch (2003).
Conforme Bakhtin/Volochinov, a interação, a perspectiva dialógica e o dislogismo são primordiais
para o uso da linguagem. Segundo Marcuschi, há uma complexidade no processo de compreensão
leitora porque é necessário trabalhar, inferencialmente, com informações textuais, conhecimentos
pessoais e suposições, inter-relacionando um conjunto de elementos sociais, cognitivos, linguísticos
e históricos. Para Van Djik, no ato da leitura, o leitor não recupera todo o processo de produção,
pois, ao ler, ocorre uma compreensão parcial das interligações e, com o avanço da leitura, a
compreensão se amplia para além do que está escrito porque uma informação interfere na
compreensão das precedentes e, procede-se a reformulações do sentido. Cada interlocutor toma
como parâmetro o próprio conhecimento de mundo e gera uma noção muito mais ampla do sentido
do próprio texto, estabelecendo conexões fora do texto com a sua experiência de mundo e com
outros textos. Para Koch, a produção e a compreensão de um texto levam em conta o contexto
sóciocognitivo, numa conexão interacional da comunicação verbal com contexto e com as
condições de produção pelos conhecimentos: o linguístico, o enciclopédico, o comunicativo, os
tipos textuais, os gêneros e os intertextos. Assim, ao redigir, o autor pressupõe que o leitor possua
alguns saberes adquiridos pela própria vivência e pelo conhecimento de mundo acumulados em sua
memória. Essa expectativa leva quem escreve a codificar dados, conhecimentos e experiências que
considera integrarem um saber partilhado por autor e leitor. A concepção de texto inclui uma
multiplicidade de operações que desencadeiam uma integração dos diversos sistemas de
conhecimento dos parceiros. Com isso, o autor como o leitor põem em ação um conjunto de noções
e de procedimentos que incorporam, de modo interativo, aspectos cognitivos, sociais, pragmáticos e
culturais de modo interativo. Conforme Bakhtin, os elementos textuais do gênero surgem de uma
prática individual e coletiva em procedimentos que se encadeiam em ações conjuntas que se
desenvolvem, plenas de complexidade, num duplo percurso entre os interlocutores. Essa permuta
entre sujeitos ativos permite aos seres humanos se construirem e se constituirem, dialogicamente,
como seres de linguagem. Na coleta longitudinal do corpus, conta-se com pesquisadores alunos da
Graduação e da Pós-Graduação em Letras e/ou professores que contactam sujeitos colaboradores de
pesquisa em ações de leitura e escrita individual ou em pequenos grupos. Cada colaborador
pesquisado participa de dez encontros, registrados em áudio e transcritos em protocolos, reunidos
em Porfólios. Concomitantemente, desenvolvem-se discussões e analises a partir da asserção geral
de que a experiência escolar (medida em número de anos de escolaridade) e a exposição do
colaborador a práticas da cultura letrada em domínios fora da escola são fatores que interferem no
acervo de conhecimentos linguísticos e vivência social.
224
225
AS RELAÇÕES DE ENSINO E A MEDIAÇÃO DO PROFESSOR NO PROCESSO DE
PRODUÇÃO DE TEXTOS
Helen Cristine Bido Brandt Dellosso – UNIMEP/PPGE
Márcia Regina de Oliveira Savian – UNMEP/PPGE
Cláudia Beatriz Nascimento Ometto – UNIMEP/PPGE
Este trabalho teve como objetivo principal documentar e analisar, nas relações de ensino da Língua
Portuguesa materializada na sala de aula, as atividades de produção de texto em diferentes gêneros
vividas pelos alunos considerando que a aproximação desses processos pode contribuir para a
explicitação dos modos de elaboração vividos por eles dentro e fora da Escola em diferentes
condições, a saber: 1. no processo de leitura para extração de informações; 2. no processo de
produção de textos que indiciam suas compreensões sobre os conteúdos escolares trabalhados ou 3.
sobre a própria significação do que vem a ser o papel do produtor de textos na sociedade letrada em
que estamos inseridos. Como referencial teórico-metodológico o estudo se apoia nas perspectivas
histórico-cultural do desenvolvimento humano de Vygotsky e discursivo-enunciativa de Bakhtin,
por considerar que é na relação com o outro, mediada pela linguagem, que o homem se constitui,
constrói sua história e é constituído por ela. Porque somos seres simbólicos a palavra é mediadora
de todo nosso processo de elaboração acerca do mundo e de nós mesmos, uma vez que se determina
tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém,
dialogicamente. Neste sentido, ressaltamos a importância da reflexão, pelos docentes, sobre o
trabalho com Língua Portuguesa levando-nos, necessariamente, a pensar sobre as concepções de
linguagem que embasam o trabalho do professor. No trabalho com a linguagem, em uma
perspectiva discursiva, a compreensão, pelo professor, da linguagem como forma de inter-ação
possibilita a compreensão das relações entre os sujeitos no momento em que falam/lêem/escrevem.
Compreender tal princípio nos remete também aos conceitos da perspectiva histórico-cultural do
desenvolvimento humano, na qual entende-se que a escrita é uma forma de fala mais elaborada e
que sua aprendizagem depende de um treinamento artificial que requer a atenção e os esforços de
professores e alunos, uma vez que a escrita é considerada um sistema particular de símbolos e
signos cuja dominação prenuncia um ponto crítico em todo o desenvolvimento cultural do sujeito.
No recorte para esta apresentação, tomaremos como foco de nossa atenção um processo de
produção textual vivido por alunos do ensino fundamental II que desqualificavam as atividades
propostas bem como a preocupação com a apropriação da escrita. A coleta de dados aconteceu
durante o segundo semestre de 2012, quando da coleta de dados da pesquisa de mestrado de uma
das autoras. As aulas foram audiogravadas e foram realizadas anotações em diário de campo.
Também foram tomados como dados do corpus os textos produzidos pelos alunos. A opção
metodológica foi de analisar as práticas de ensino de língua portuguesa bem como os processos de
significação acerca da produção de textos à luz das perspectivas apontadas, o que requer um olhar
não somente para as atividades desenvolvidas, mas para as relações que se estabeleciam entre os
sujeitos inseridos na dinâmica interativa. As análises apontaram para a fundamental importância da
mediação do professor no trabalho com a produção de texto engendrado ao trabalho com a
linguagem e sobre a linguagem enquanto lugar de interação e interpretação com o outro e com o
mundo em que estamos inseridos, uma vez que a reflexividade é uma característica essencial da
linguagem, já que ela pode se remeter a si mesma.
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EXPERIÊNCIAS COM A PALAVRA ESCRITA: UMA PRÁTICA DE MEDIAÇÃO ENTRE
LINGUAGEM E SUBJETIVIDADE NA NARRATIVA
Joelma Rezende Xavier – FALE/UFMG
A perspectiva bakhtiniana de que “os domínios da atividade humana, por mais variados que sejam,
estão sempre ligados à utilização da linguagem” (BAKHTIN, 1984) e o Sociointeracionismo
Discursivo (BRONCKART,1999), no qual se propõe uma abordagem para as ações de linguagem
como práticas mediadas pela representação dos mundos discursivos, dos arquétipos psicológicos,
dos tipos de discurso, dos mecanismos de textualização e de mecanismos enunciativos, constituemse importantes referenciais para o estudo do texto em variadas situações discursivas, uma vez que as
bases epistemológicas dessa perspectiva teórica consideram a produção textual como um produto
sócio-histórico em constante interação com a realidade subjetiva (perfil do sujeito-produtor), com
os gêneros de textos disponíveis historicamente no intertexto e com o contexto em que se insere a
ação de linguagem. A partir desse diálogo teórico, pretendo, neste trabalho, analisar algumas formas
de construção e de representação do texto narrativo, considerando, para isso, produções elaboradas
em sala de aula, por alunos da primeira série do Ensino Médio. Pretendo demonstrar alguns
mecanismos característicos do mundo discursivo da narração como uma prática resultante do
constante diálogo do indivíduo com as formas subjetivas de contato com o universo da linguagem.
A análise em foco neste trabalho parte dos contos “Famigerado” e “Sorôco, sua mãe, sua filha”, de
João Guimarães Rosa. O contato com a palavra escrita, a demarcação das relações humanas a partir
do universo ficcional representado funcionaram como importantes mediadores da sequência
didática elaborada como roteiro de produção escrita em sala de aula.
A ESCRITA NO ESPAÇO ESCOLAR – PRODUÇÃO TEXTUAL E A PROBLEMÁTICA
COERÊNCIA-COMPREENSÃO
Mariana da Silva Marinho – UFU
O texto como unidade de ensino e aprendizagem é hoje o foco da Educação Básica, assim como é
tema de muitas pesquisas que versam, por exemplo, sobre sua relação com o ensino de gêneros e de
gramática na e pela escola. Segundo os Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa, o texto é
eleito como unidade básica de ensino e, para que os alunos sejam formados como cidadãos com
plena participação social, eles devem saber ler e escrever textos pertencentes a diversos gêneros. O
presente trabalho, por sua vez, se debruça sobre um ponto específico da relação professor-aluno, a
saber: o processo de assunção do aluno à escrita de textos, problematizando a influência do
professor na compreensão e na produção de coerência nos textos produzidos por escolares. Nesse
sentido, o trabalho se justifica por levar em conta a complexidade e por propor outro “olhar” sobre a
produção textual no espaço escolar. Assim, a coerência é problematizada a partir de um ponto de
vista textual advindo da Semântica do Texto, em que tomamos a noção de texto como uma
produção humana resultante do fato de que, conforme Benveniste (1989), a língua serve para o
homem viver; afinal, é na e pela língua que o homem pode “transmitir” algo de si para outro(s).
Nessa perspectiva, como afirma Campos (2005), se não há nada que seja texto em si mesmo e, por
isso, se faz necessária uma discussão sobre as concepções de texto subjacentes às análises que se
fazem deste objeto complexo, então a coerência, enquanto um dos fatores determinantes para
definição e entendimento de textos como objetos produtores de sentido, prescinde, também ela, de
uma essência. Se assim for, a possibilidade de se produzir um texto e que esse seja considerado
coerente parece basear-se em um caráter relacional entre os polos de produção e de recepção.
Considerar o caráter relacional da coerência abre a possibilidade de que um mesmo escrito possa ser
tomado por alguém como coerente e, portanto, como texto, e por outro como incoerente e até
mesmo incompreensível. De nossa parte, analisamos esse aspecto relacional tomando como lócus
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de observação a relação professor-aluno, problematizando-a nos processos de escrita das produções
textuais, a partir do estabelecimento ou não da coerência, naquilo que ela tem a ver com a
incompreensão. Como material de análise, elegemos produções escritas de escolares do 6º ano do
Ensino Fundamental de uma escola da rede estadual de ensino de Minas Gerais, situada na cidade
de Araguari. Quanto às produções escritas, são consideradas suas versões, ou seja, a primeira
escrita, a intervenção do professor, a reescrita e a versão final, assim como anotações da
pesquisadora sobre as aulas de produção escrita, naquilo que tange à apresentação e recepção da
produção textual como tarefa escolar.
A ARGUMENTAÇÃO COMO ATO RESPONSÁVEL: UMA ANÁLISE DE REDAÇÕES DE
VESTIBULAR
Caroline Theml Pinto – USP
O “ato responsável”, conceito desenvolvido por Mikhail Bakhtin, não é um ato necessariamente
enunciativo. De acordo com Augusto Ponzio, em seu prefácio à obra de Bakhtin “Por uma filosofia
do ato responsável”, trata-se de “um ato de pensamento, de sentimento, de desejo, de fala, de ação,
que é intencional, e que caracteriza a singularidade, o monograma de cada um (...) em seu dever
responder, responsavelmente, a partir do lugar que ocupa, sem álibi e sem exceção”. Neste trabalho,
tem-se como objetivo fazer a exploração deste conceito, considerando-se sua complexidade
holística, mas tendo como recorte principal a construção da argumentação em um texto produzido
no contexto vestibular. Em outras palavras, pretende-se analisar como a argumentação pode se
constituir enquanto ato responsável de um sujeito enunciador do ponto de vista argumentativo. O
material de referência são 400 redações produzidas para o vestibular de 2009 da Universidade de
São Paulo que têm como tema “Fronteiras”. A escolha do material levou em consideração a
natureza altamente coercitiva de um concurso, enquanto condição de produção em que, a princípio,
o “dever” poderia vir a se sobrepor à “ética”. Os resultados, ao contrário disso, demonstram que o
ato responsável existe não apenas como decisão individual, mas também como condição inalienável
do sujeito, conforme defende o próprio teórico, Mikhail Bakhtin. Como estratégia de análise,
dialogou-se ainda com outro conceito bakhtiniano, promovendo-se uma identificação dos tipos de
relações dialógicas estabelecidas entre o enunciador e seu interlocutor enquanto representação
social (o brasileiro, o cidadão, o acadêmico etc). Entre as principais categorias desenvolvidas nesta
pesquisa como tipos de relações dialógicas, estão as de conservação e de rompimento, sendo que
cada uma destas relações pode ser construída por meio de uma ampla diversidade de formas, como,
por exemplo, recategorizações por sinonímia e hiponímia, uso de conectores contra-argumentativos,
entre outras. A evidência de que, mesmo nos discursos conservadores, há singularidade na forma de
apropriação do já-dito parece contribuir para a comprovação da hipótese, de um ato responsável
intrínseco, independente daquele se manifesta enquanto decisão individual.
RECORRÊNCIA DE MARCAS PROVERBIAIS EM REDAÇÕES DE VESTIBULAR:
ENTRE O DIZER E O (JÁ-)DITO
Glauce de Oliveira Alves – USP
O presente trabalho tem por objetivo analisar, do ponto de vista discursivo, o espaço de
(re)significação criado, quando o escrevente, a partir do tema proposto em situação de vestibular,
recorre ao já-dito por meio de diferentes modos de dizer um provérbio. O material de análise é
composto por sessenta redações do vestibular da FUVEST/2006 e por sessenta redações do
vestibular da FUVEST/2009. Na articulação entre a Teoria da Enunciação de filiação bakhtiniana e
da Análise do Discurso de linha francesa, este trabalho é norteado pelos estudos de Bakhtin (2006),
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em que se aponta para a relativa estabilidade dos gêneros do discurso; de Lysardo-Dias (2004), em
que se concebe o provérbio como um gênero do discurso; e de Maingueneau (2002, 2010) em que
se desenvolvem considerações sobre os processos de captação e de subversão, nos quais se fundam
os desvios de provérbios. Ao buscar as ocorrências empíricas dos provérbios em redações de
vestibular, salta aos olhos a articulação entre o que muda e o que permanece nesse ato de recorrer
ao gênero por parte dos escreventes. Há, pois, a apropriação do gênero, mas nem sempre ela se
marca como repetição literal. Mais frequentemente, ela se dá pelo uso de variadas formas, as quais
chamo marcas proverbiais. A expressão marcas proverbiais foi usada para abranger os seguintes
tipos de registro de provérbios encontrados: (a) construção em que o provérbio aparece de maneira
integral com o uso de aspas e/ou glosa; (b) construção em que o provérbio aparece de forma integral
sem o uso de aspas; (c) enunciados em que o provérbio se encontra estruturalmente modificado; (d)
enunciados que aludem ao sentido de um provérbio; e (e) construções que reproduzem sua forma.
Na qualidade de categorias metodológicas extraídas dos textos analisados, cada tipo de marca
proverbial refere-se a um modo específico de “dizer” o provérbio, em que características formais se
alteram, mas possibilitam, ainda assim, o reconhecimento de um “(já-)dito”, resgatado para a
construção de textos. (APOIO: CNPq-PROCESSO 152759/2011-5 / FAPESPPROCESSO 201116337-9)
A REPERCUSSÃO DA COLETÂNEA DA PROVA DO VESTIBULAR NA REDAÇÃO DO
CANDIDATO: UMA ANÁLISE DO DISCURSO
Maria Abadia de Sousa – UFG
Eliane Marquez da Fonseca Fernandes – UFG
Este trabalho tem como objetivo analisar a relação entre o discurso da profecia religiosa e o
discurso da ciência presentes na coletânea da prova de Redação do Vestibular da Universidade
Federal de Goiás de 2010/1 e na produção de texto dos candidatos ao vestibular. Orientamo-nos,
pelas concepções de linguagem de Bakhtin (1995) e pelas posturas sobre o discurso de Pêcheux
(1997) e de Foucault (2009). Assim, especificamente guiadas pelo método arqueológico, proposto
por Foucault (2009) vamos investigar algumas regularidades encontradas em dispersão nos textos,
tendo em vista a produção e a circulação dos discursos a partir de determinadas posições-sujeito.
Nosso trabalho faz uma interpretação, segundo a Análise do Discurso, por meio dos dispositivos
teóricos constituídos pela noção de discurso como efeito de sentidos, formação discursiva, formação
ideológica e interdiscurso. Esses dispositivos nos possibilitam deslocar de uma interpretação
tradicional para uma leitura sintomática: a que coloca o dizer em relação a outros dizeres já ditos ou
que poderiam ter sido ditos. Portanto, temos por finalidade compreender como se dá o processo de
produção de sentidos instalado pela materialidade discursiva da coletânea da prova de Redação
UFG 2010/1. Nossa análise enfoca as formações discursivas sobre a “crença e a desconfiança”
inseridos na coletânea.
ASPECTOS DISCURSIVOS EM TEXTOS DE ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL
Orley José da Silva – UFG
Este trabalho visa compreender alguns aspectos discursivos presentes em dois pares de textos
colhidos de alunos do último ano do Ensino Fundamental, de uma escola pública municipal de
Goiânia, no mês de novembro de 2009. Para escreverem seus textos, os alunos basearam-se em
textos e imagens selecionadas pelo pesquisador, que relacionam a possível influência da mídia e da
moda com a constituição do corpo das pessoas. Verificou-se que os alunos-autores produziram dois
enunciados em um intervalo de nove dias, dando continuidade ao tema do primeiro texto e
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229
mantendo o aspecto de uma mesma enunciação. Isso, apesar de não terem tido acesso à coletânea
que lhes serviu de base para o primeiro texto. É possível ler as duas partes de seus textos como se
tratasse de um texto somente. Assim, compreende-se que o processo de produção textual pode
desenvolver-se em dois episódios de elaboração diferentes, sem prejuízo para o sentido. A
constatação de que os alunos são capazes de estabelecer relação de continuidade entre duas aulas
distanciadas pelos dias, mesmo quando há outras aulas e outros conteúdos nesse intervalo de tempo,
nos permite afirmar que é possível ao professor de língua materna trabalhar a produção de textos
com os seus alunos, em momentos diferentes, utilizando a mesma temática. Esse procedimento
contribui para que o aluno amplie seu conhecimento acerca do assunto abordado e desenvolva
habilidades linguísticas e discursivas. Os alunos se valem de sofisticados recursos argumentativos e
usam diferentes estratégias com a finalidade de convencer o leitor acerca do que têm a dizer. Eles
buscam referenciais na própria realidade por meio de exemplos pessoais e de terceiros a fim de
aconselharem o leitor. Este estudo é de natureza qualitativa e, para sua realização, o pesquisador
exerceu o papel de participante ativo no processo de produção textual, em contexto de sala de aula.
A pesquisa é baseada na teoria do dialogismo e do enunciado, segundo Bakhtin (1997; 2003) e
outros estudiosos que tomaram a escrita, o texto e o discurso como foco de suas indagações, tais
como: Authier-Revuz (1990), Foucault (2005), Koch (2006), Orlandi (2005; 2006), Pêcheux (1990;
1997; 1999).
UMA EXPERIÊNCIA DE RETEXTUALIZAÇÃO EM SALA DE AULA - DO ORAL PARA
O ESCRITO NA ABORDAGEM DO GÊNERO TELEFONEMA
Cláudia Onuszezak – PPGMEL-UFMS
Raimunda Madalena Araújo Maeda – PPGMEL-UFMS
Os estudos da Linguística Textual dos últimos 15 anos, em especial a perspectiva interacionista com
representantes como: Schneuwly & Dolz (2004), Marcuschi (2008), Koch & Elias (2008) vieram
contribuir para uma nova tendência para o ensino de Língua Portuguesa, voltada para a análise dos
gêneros textuais e seus usos em sociedade. Tal linha teórica considera as relações entre fala e escrita
em constante dinamismo, e não como práticas dicotômicas da língua, e por isso é dada a oralidade e
a escrita a mesma importância comunicativa, uma vez que são formas de expressão do mesmo
sistema linguístico. Um exemplo típico desta tendência é a atividade de retextualização, defendida
por Marcuschi (2004) e Dell’Isola (2007) como um processo que envolve operações complexas que
interferem tanto no código como no sentido, evidenciando a compreensão como fator preponderante
para a transposição de um gênero a outro, seja do oral para o escrito, do oral para o oral, do escrito
para o oral, ou do escrito para o escrito, e por isso mesmo uma prática possível de ser aplicada no
trabalho com os gêneros textuais em sala de aula. Nesse sentido, o presente artigo pretende mostrar
resultados de uma pesquisa-ação sobre o processo de retextualização do gênero telefonema – do
oral para o escrito, realizada com alunos do 6º ano do Ensino Fundamental de uma escola estadual
do Mato Grosso do Sul, situada no município de São Gabriel do Oeste. Ao relatar tal experiência
espera-se evidenciar a progressão dos alunos na aquisição dos recursos típicos do texto oral e
escrito, verificar a validade da reescrita do próprio texto mediada pela avaliação do professor em
conjunto com os colegas de classe, além da suposição de aplicação da retextualização como uma
prática proveitosa. A escolha do gênero telefonema justifica-se pela dificuldade demonstrada pelos
alunos em escrever narrativas com discurso direto. Atentou-se também para a adequação da
tipologia textual narrativa ao conteúdo que consta no Referencial Curricular da Rede Estadual de
Ensino /MS (2008), considerando a faixa etária e o nível de desenvolvimento em língua materna,
pretendido e esperado para o 6° Ano do Ensino Fundamental.
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MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA NO ENSINO E APRENDIZAGEM DA LEITURA E
PRODUÇÃO TEXTUAL: IMITAÇÃO, RETEXTUALIZAÇÃO E AMPLIFICAÇÃO DE
TEXTOS
Jacqueline Diniz Oliveira Souki – UFMG
Esta pesquisa tenciona mostrar como a Pedagogia Retórica pode oferecer contribuições para o
ensino e a aprendizagem da leitura e da produção textual. Particularmente, neste trabalho, distinguese apenas uma parte dessa metodologia, no tocante à leitura e produção de texto. Por isso, foram
priorizadas as atividades de leitura e produção textual de imitação de conteúdo, retextualização e
amplificação as quais podem ser trabalhadas em sala de aula, a partir de rotinas de interação.
Possuem, portanto, o intuito de desenvolvimento da competência linguística de alunos, em termos
de leitura e escrita, tanto de escolas públicas quanto privadas do ensino fundamental e/ou médio. A
metodologia usada para este trabalho foi a pesquisa bibliográfica, por meio do rastreamento em
diversas fontes de investigação. Pode-se afirmar, então, que tais atividades podem ser de grande
ajuda na mediação pedagógica do ensino da leitura e produção textual. Assim, podem auxiliar tanto
os aprendizes quanto os profissionais que necessitam de ferramentas para o ensino dessa área do
conhecimento.
CONSTRUINDO PONTOS DE VISTA NO GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO
Eliana Vasconcelos da Silva Esvael – EMEFCC
O objetivo deste trabalho é apresentar o relato de uma experiência com o ensino do gênero artigo de
opinião para alunos da rede pública municipal na cidade de São Paulo. Para esta apresentação,
proponho um recorte do trabalho, abordando especificamente o ensino da argumentação nesse
gênero, a partir do estudo da construção de pontos de vista no texto. O trabalho partiu dos
resultados obtidos na pesquisa de doutorado por mim desenvolvida, que tratou da construção do
ponto de vista dominante no gênero a redação de vestibular. A fundamentação teórica é baseada nos
estudos enunciativos e discursivos da linguagem, tendo como principais eixos teóricos a teoria da
enunciação buscada em Bakhtin (2003 [1979]; 1986 [1929]), que toma a linguagem como um
fenômeno social, histórico, ideológico e dialógico, permitindo um diálogo amplo entre escrevente,
interlocutor, texto e situação de enunciação. As vozes que se destacam desse diálogo constroem
pontos de vista, direcionando a argumentação para um ponto de vista dominante. Ainda na
perspectiva enunciativa, busco em Rabatel (2004, 2005) a noção de ponto de vista que, neste
trabalho, é articulada com a construção da argumentação, vista como tomada de posições, a partir
da compreensão da multiplicidade de vozes presentes nos enunciados estudados. Essa
multiplicidade de vozes é resultado do cruzamento de discursos, isto é, do interdiscurso
(MAINGUENEAU, 2008). O discurso caracteriza-se, assim, como o lugar da manifestação de
posicionamentos de seu locutor. Nesse espaço, manifesta-se a multiplicidade de vozes que encenam
diferentes “posturas enunciativas” (MAINGUENEAU, 2004,) abertas à constituição do escrevente.
Esses lugares discursivos são passíveis de observações de elementos concernentes ao escrevente,
bem como da permeabilidade dos discursos e saberes que os contornam. Essa permeabilidade dos
discursos está inscrita nos enunciados de diferentes maneiras, algumas mostradas e marcadas, outras
mostradas e não-marcadas (AUTHIER-REVUZ, 1990). O discurso caracteriza-se, assim, pelo
princípio dialógico da linguagem (BAKHTIN, 1986, 1992). Essa abordagem do interdiscurso não
deixa de fazer eco com o que Bakhtin chama de dialogismo, quando o autor afirma que uma posição
só é tomada na correlação com outras posições (BAKHTIN, 2003 [1979]). É nesse sentido que o
trabalho dialoga com os postulados da Análise do Discurso, articulando, assim, as perspectivas
enunciativas e discursivas para o estudo de um gênero visto como prática social, conforme apontam
seus resultados: o gênero artigo de opinião é constituído em seu caráter enunciativo-discursivo, a
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partir da construção de diferentes pontos de vista, cumprindo sua função social de demonstrar, por
meio da escrita, determinados posicionamentos dominantes.
DEBATE REGRADO –POSSIBILIDADE DE TRABALHO COM UM GÊNERO DO
DOMÍNIO ARGUMENTATIVO EM UMA TURMA DE 3º ANO DO ENSINO
FUNDAMENTAL
Jane Engel Corrêa – Unisinos
Trabalhar o domínio argumentativo é desafiador para todos os professores em qualquer etapa do
desenvolvimento do educando, mas o que normalmente se vê nas escolas de ensino básico é o
estudo de gêneros desse domínio apenas a partir do sexto ou sétimo ano. No entanto, como
professora do 3º ano do Ensino Fundamental fui desafiada para este trabalho, como uma atividade
do projeto “Por uma formação continuada e cooperativa para o desenvolvimento do processo
educativo da leitura e produção textual escrita no Ensino Fundamental”, desenvolvido junto ao
Programa de Pós Graduação em Linguística Aplicada da Universidade do Vale do Rio dos SinosUnisinos, com apoio do Programa Observatório da Educação da CAPES. Este projeto, com base
sobretudo no trabalho desenvolvido por Dolz e Schneuwly (2004), desenvolve a noção de projetos
didáticos de gênero- PDG (Guimarães e Kersch, 2012), que aliam o ensino de gêneros do discurso
(Bakhtin, 2003) a práticas sociais. Para a minha turma de 3º ano, com alunos que possuíam em
torno de oito anos e ainda não estavam totalmente inseridos no mundo da leitura e escrita, procurei
um gênero oral: o debate regrado. A partir dos relatos diários destas crianças de cenas de violência
que presenciam na comunidade em que vivem e do interesse em ouvi-los e até mesmo poder
aconselhá-los e ajudar a mudar esta realidade, surgiu o tema para a produção do PDG: “A violência
no Bairro Santo Afonso”. Somado a tudo isto, sabe-se que é de grande importância trabalhar a
oralidade em qualquer etapa da vida escolar, pois a escola, dentro de sua função social, precisa
formar cidadãos críticos e capazes de exporem suas opiniões e serem compreendidos dentro da
sociedade, e portanto, é necessário que sejam desenvolvidas habilidades argumentativas em
qualquer prática de linguagem. Diversas atividades fizeram parte das oficinas desenvolvidas durante
o PDG, como a utilização de um texto literário que abordava o tema gerador, reportagem de jornal
que trazia o assunto da violência no bairro, visualização de um debate televisivo e compreensão das
normas para desenvolver um debate regrado. Como o gênero é oral, houve a necessidade de utilizar
a filmagem para a primeira e última produção textual, para que os próprios alunos, após
participarem de todas as oficinas pudessem avaliar e serem avaliados nestas produções. Ao
encerramento do PDG ficou claro o avanço destes alunos em relação ao domínio argumentativo e o
conhecimento que adquiriram sobre as regras de um debate, bem como a mudança de postura que se
evidenciou entre eles com relação ao respeito que devem ter sobre as diferentes opiniões. Ao
mesmo tempo que puderam refletir sobre os motivos da violência no bairro em que vivem e
opinaram sobre maneiras de mudar esta realidade, mostraram que o domínio do argumentar pode
ser trabalhado entre os pequenos.
UMA CONTRIBUIÇÃO DOS GÊNEROS DISCURIVOS PARA O ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA
Rosângela Costa da Silva – UFG
Sinval Martins de Sousa Filho – UFG
A presente pesquisa tem como objetivo verificar possíveis contribuições de uma aula que utiliza os
gêneros discursivos como meio de intervenção pedagógica para o Ensino de Língua Portuguesa. A
opção por desenvolver o trabalho dentro de um colégio deve-se ao fato da escola se constituir um
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local privilegiado, rico em dados descritivos e por apresentar a realidade de forma complexa e
contextualizada. Assim, as tensões, os conflitos e as estratégias que permeiam e atravessam o
ensino e a aprendizagem acontece em tempo real e fornecem elementos que são essenciais para
pensarmos sobre todo esse processo. Nessa perspectiva, consta nos documentos oficiais, como as
Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM, Brasil, 2006), subsidiadas pelos princípios
da LDB (Brasil, 1996), que constitui responsabilidade da escola preparar o estudante para participar
dos processos de interação na sociedade atual em toda sua complexidade, tornando-o autônomo em
seu processo de aprendizagem. Desse modo, um dos caminhos que colabora para alcançar esse
objetivo perpassa pelo ensino de Língua Portuguesa (L. P.), pois o desenvolvimento da linguagem é
importante para que o estudante aprimore sua autonomia intelectual. Dessa forma, através de uma
metodologia centrada na pesquisa-ação, são descritas e analisadas situações de ensino-aprendizado
realizadas numa sala de aula, composta por alunos do 3º ano do Ensino Médio, da rede estadual de
ensino da cidade de Senador Canedo/GO. Conforme Moreira e Callefe (2008, p. 39) “a pesquisa e
seus resultados facilitam a reflexão, a crítica e a maior compreensão do processo educacional, que
por sua vez ajudam a melhorar a prática pedagógica”. É justamente com esse intuito, refletir para
tentar compreender o processo educacional, que se pretende uma aproximação do objeto estudado a
fim de perceber seu funcionamento e suas contribuições para o ensino. Assim sendo, autores como
Bakhtin (2003, 2006), Geraldi (1997) e Foucault (2006), entre outros, são essenciais para esse
trabalho. Com essa pesquisa, espera-se contribuir na prática docente e, assim, sugerir atividades
para que os alunos desenvolvam as habilidades de fala, escuta, leitura e escrita e sejam inseridos
efetiva e autonomamente no universo da escrita.
GÊNEROS OU TIPOS TEXTUAIS: O QUE ENSINAR?
Marta Alves dos Santos – UFMS
Raimunda Madalena Araújo Maeda – UFMS
Discernir gêneros textuais de tipos de texto é um saber fundamental à produção e entendimento de
textos que circulam nas diferentes esferas sociais, pois este conhecimento permite um número
“ilimitado” de construções textuais coesas e coerentes, que colaboram para com o desenvolvimento
da “competência sociocomunicativa dos falantes/ouvintes e leva-os à detecção do que é adequado
ou inadequado em cada uma das práticas sociais.”(KOCH, 2009, p. 53). Na atualidade, porém, ao
observarmos o cotidiano do âmbito escolar, como também alguns livros didáticos de Língua
portuguesa, notamos que a distinção entre o uso e o sentido dos termos “tipologia textual” e “gênero
textual” ainda não são compreendidos e ensinados como deveriam em práticas de leitura e de
produção de textos, pois é comum vermos textos, professores e alunos conceituarem e entenderem
gêneros e tipos como sinônimos, ou seja, denominarem o segundo como sendo o primeiro e viceversa. Diante desse problema de distinção teórica e terminológica a respeito das tipologias textuais
e dos gêneros textuais e, certo de que o conhecimento linguístico sobre esses termos é essencial ao
trabalho de leitura, análise linguística e de produção de textos, este trabalho, fundamentado em
princípios da concepção bakhtiniana de gênero, em considerações feitas sobre essa temática por
Marcuschi, Köche, Schneuwly e Dolz, pretende apresentar alguns conceitos sobre esses vocábulos,
suas características, como também refletir sobre a importância de ambos no ensino de Língua
Portuguesa.
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O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA E O LIVRO DIDÁTICO: EM FOCO AS
PRÁTICAS DE LEITURA E DE PRODUÇÃO TEXTUAL
Antonilma Santos Almeida Castro – UFBA
Edna Ribeiro Marques Amorim – UEFS
Compreende-se que o ensino e aprendizagem da língua materna, no caso em questão da língua
portuguesa, devem focalizar o trabalho com a linguagem, na condição de produto das relações
sociais e como possibilidade de interação entre interlocutores (Bakhtin,1953). Nesse sentido faz-se
necessário propor situações didáticas que propiciem o uso da língua nas diferentes instâncias
sociais. Um dos instrumentos que pode contribuir para o desenvolvimento de ações que incitem a
reflexão sobre os diversos usos lingüísticos, por meio da leitura e produção textual, é o livro
didático. Seguindo esse pensar, este texto tem o objetivo de apresentar resultados da análise feita
em livros didáticos de Língua Portuguesa, considerando as práticas propostas para o
desenvolvimento da leitura e da produção textual nas modalidades oral e escrita. Para tanto, apóiase teoricamente na concepção de que ler é construir sentidos e que o leitor deve assumir postura de
sujeito ativo nesse processo de construção, observando as vozes, as intenções e indícios presentes
no texto. Concebe também a produção textual como atividade verbal na qual o sujeito interage com
interlocutores, considerando tempo, espaço e suporte em uma dada situação sociocomunicativa. O
estudo tem, como material de análise, livros didáticos do quarto e quintos anos do ensino
fundamental de nove anos, indicados pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) em 2013.
No âmbito da leitura e da produção textual, foram analisados os seguintes aspectos: a coletânea, os
gêneros e os suportes trabalhados, as atividades apresentadas para a inserção do aluno no mundo da
leitura, da oralidade e da escrita, efetivando a formação do leitor, falante e escritor proficiente e
multiletrado. Após análise, os resultados apontam para: mudança significativa na prática da leitura,
não mais priorizando atividades que centralizam “o que o autor quais dizer” e “qual a mensagem do
texto”; no âmbito da produção textual, ainda se enfatiza a produção de texto escrito em detrimento
do texto oral, entretanto a produção já é concebida como atividade verbal que necessita de
condições de produção, efetivada a partir de um planejamento e não mais uma prática mecânica de
se falar e escrever na escola para a escola.
IDEÁRIOS DE LEITURA E DE LEITOR EM LIVROS DIDÁTICOS DE PORTUGUÊS
(1984-2007): ESCOLHAS TEXTUAIS E VALORAÇÕES SOCIAIS
Mariana Queiroga Tabosa – FaE/UFMG
Este trabalho tem como objetivo geral compreender o modo como se constroem ideários
pedagógicos sobre a leitura e a formação dos leitores, em cinco diferentes edições de um livro
didático de Português, publicadas no período entre 1984 e 2007. Metodologicamente, esta pesquisa
desenvolve-se a partir de reflexões teóricas nos campos da Educação, da Linguística Aplicada, da
História da Leitura e da História das Disciplinas Escolares, considerando aspectos que tangenciam a
reconfiguração dos saberes científicos em objetos de ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa,
ao longo do tempo. Quanto aos procedimentos de análise, foram considerados os seguintes pontos
para o estudo da formação em leitura: 1) o repertório de textos oferecido pelos livros didáticos; 2)
as estratégias enunciativas utilizadas, por esses materiais, para a construção do discurso pedagógico
sobre a leitura e sobre a formação dos leitores; 3) quais os modos de ler são propostos pelas
atividades de leitura. A pesquisa concluiu que são pelo menos dois os ideários pedagógicos sobre a
leitura a formação dos leitores, que se hibridizam e se intercambiam, nas edições analisadas: ideário
restrito e ideário social. O primeiro deles, o restrito, refere-se ao trabalho com a leitura a partir da
localização de informações no texto. No ideário restrito, as atividades de leitura dão ênfase à
recuperação dos fatos, ideias, personagens, estruturas vocabulares e textuais, desconsiderando a
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cooperação do leitor. O texto é percebido, portanto, como um produto informativo em si mesmo. O
leitor, então, lê para adquirir conhecimentos sobre os modos de estruturação da língua, em
diferentes textos; ou seja, lê para apreender sobre os modos de escrever textos. O segundo, o social,
é característico das propostas de leitura que apresentam uma preocupação em trabalhar os sentidos,
ainda que para modelá-los ou tutelá-los. As modelações tanto funcionam para a determinação dos
sentidos do texto, leitura modelada, como para a determinação da sua escrita, na leitura modelar.
Nesse ideário, a defesa da variedade de textos tem como desdobramento o estabelecimento de um
objetivo de formação que considera a importância da inserção do aluno em uma cultura legítima.
A LEITURA NO LIVRO DIDÁTICO DE PORTUGUÊS: ANÁLISE DE UMA ATIVIDADE
Wesley Luis Carvalhaes – UFG/PG/FAPEG/UEG
Eliane Marquez da Fonseca Fernandes – UFG
Os professores da língua materna, em seu fazer pedagógico, contam com o auxílio do livro didático
de português (LDP), que, ao lado do manual do professor que o acompanha, é visto comumente
como um importante instrumento de trabalho. Depois de algum tempo abandonado pelos estudiosos
de forma geral (LAJOLO, 1982), o LDP tem sido, ultimamente, objeto de estudo de toda sorte de
pesquisadores. De arquitetos a educadores, de médicos a cientistas sociais, enfim, intelectuais de
todos os campos do saber têm se dedicado aos mais diversos estudos que partem de um olhar e
investigação sobre o livro didático (BITTENCOURT, 2004). O folhear de um LDP revela o
destaque dado pela maioria dos autores dessas obras à questão da leitura e, por conseguinte, à
compreensão de textos. Escritos para serem utilizados na escola, os LDP evidenciam a confiança da
sociedade naquela instituição como espaço propício para o incentivo, exercício, desenvolvimento e
valorização da leitura. O presente trabalho objetiva analisar como é proposto o trabalho com a
leitura em um LDP. Para a análise, o estudo baseia-se em contribuições teóricas dos estudos do
discurso, por meio da apropriação de noções teóricas de Bakhtin (2006) e Foucault (2010; 2012).
Foi selecionada para a investigação a seção “estudo do texto” de um LDP destinado ao 9º ano do
ensino fundamental. As questões propostas para a compreensão e interpretação do texto foram
comparadas às noções de língua, discurso e leitura exploradas pelos autores no LDP e evidenciadas
no manual do professor. Como principais conclusões, pode-se observar que há um descompasso
entre o que os autores propõem no manual e o que, de fato, as atividades didáticas para a abordagem
do texto apontam; e que a leitura não é vista como produção de sentido, mas como identificação de
um sentido determinado, postulado contrário à noção de leitura derivada dos estudos do discurso
sobre os quais, segundo os autores mesmos afirmam no manual do professor, se fundamenta a
elaboração do LDP analisado.
MANUAIS ESCOLARES: A QUESTÃO DOS GÊNEROS MULTIMODAIS
Ester Maria de Figueiredo Souza – UESB
Layane Dias Cavalcante Viana – UESB
Na sociedade existem vários tipos de conhecimento que podem ser tomados como objeto de ensino
e que circulam em diferentes esferas da comunicação humana. Os manuais escolares, em destaque o
formato de livro didático, sintetiza um corpora de conhecimentos disciplinares de uso e ensino da
língua e ocupa espaço privilegiado nas pesquisas sobre os gêneros discursivos que circulam na
esfera escolar. No Âmbito da linguística aplicada, esses estudos revelam a necessidade de
apropriação dos conceitos de dialogia e interação para reelaboração de práticas de ensino de língua.
A partir dessa compreensão, delimita-se para este estudo, como objeto de investigação propostas de
ensino, recursos e materiais de ensino do livro didático de Português, do ensino médio, a fim de
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indiciar a presença de diferentes gêneros discursivos e sua exploração com a multimodalidade e os
multiletramentos na formação de professores de português. O estudo envolve o acompanhamento de
trabalho didático realizado por professores participantes do projeto PIBID – Programa de Iniciação
à Docência, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB, integrantes do Núcleo de
Linguagens. Explora-se a aplicação de propostas didáticas na sala de aula apresentadas por unidades
temáticas do livro didático de português, em uso na sala de aula, pelos sujeitos participantes do
projeto, extraindo-se os movimentos discursivos de apropriação de conhecimento sobre a linguagem
pelos processos de interação didática na sala de aula.
A LEITURA DE TEXTOS MULTISSEMIÓTICOS NA FORMAÇÃO DO LEITOR
PROFICIENTE: LIMITES E POSSIBILIDADES DO LIVRO DIDÁTICO
Mauricéia Silva de Paula Vieira – UFLA
O livro didático é um material de apoio ao professor e, geralmente, encontra-se presente na sala de
aula. Tal material constitui um dos elementos básicos na organização do trabalho docente. Nesse
sentido, este trabalho objetiva discutir questões ligadas ao ensino da leitura de textos
multissemióticos, considerando-se os limites e as possibilidades presentes no livro didático de
Língua Portuguesa. Ao aliar recursos visuais como desenhos, fotografias, tabelas, links etc. a textos
verbais curtos, tais gêneros demandam modos diferenciados de leitura e sobrelevam a necessidade
de um trabalho mais ativo por parte do leitor, uma vez que a construção do sentido está relacionada
à mobilização de conhecimentos prévios, ao levantamento de hipóteses e à produção de inferências.
São questionamentos que orientaram as investigações: quais as possibilidades oferecidas pelo livro
didático para a formação de um leitor proficiente? Quais os gêneros textuais presentes nesse
contexto de formação leitora? Quais são as competências e habilidades exploradas? Quais os limites
impostos à formação do leitor? Entende-se que a relevância dessa discussão encontra respaldo no
cenário de práticas de ensino e de aprendizagem da língua portuguesa, considerando-se, sobretudo,
o contexto atual de produção e circulação de gêneros textuais diversificados, que conjugam em seu
modo de constituição, a integração de vários recursos multissemióticos e/ou multimodais. A
investigação conjuga princípios de uma abordagem quantitativa a uma abordagem qualitativa.
Fazem parte do corpus analisado coletâneas aprovadas pelo Plano Nacional do Livro Didático para
o Ensino Fundamental – anos finais. A construção do quadro teórico baseia-se em Soares, Dionísio,
Rojo, Kress (2012) e Kress e Van Leeuwen (1996, 2001). Os resultados indicam a presença de uma
variedade de gêneros multissemióticos, limitados, contudo, a uma exploração que não vialibiza o
desenvolvimento de capacidades leitoras.
CONSTRUINDO UM DIÁLOGO: LÍNGUA PORTUGUESA E ENSINO DE LEITURA - O
ENTRECRUZAMENTO COM AS DIFERENTES DISCIPLINAS CURRICULARES
Maria Aurora Neta – UEG/PUC-GO
A comunicação proposta discute a importância do entrecruzamento entre os estudos de língua
portuguesa, o ensino da leitura e as demais disciplinas que compõem o currículo escolar. A
discussão perpassa a ideia de que o reconhecimento da importância da palavra falada, da escrita, da
interpretação, consequentemente, da leitura na constituição das aprendizagens reforça a
compreensão de que ler e escrever são práticas que estão incorporadas em todas as áreas do
conhecimento. Isto significa que o trabalho com a leitura e a escrita não são tarefas exclusivas dos
professores de português, já que estas práticas não estão circunscritas a uma única disciplina, a
saber: o português, como pensam muitas pessoas, inclusive, alguns professores. Isto quer dizer que
no âmbito da formação empreendida na escola todos os professores usam a leitura e a escrita para
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efetuarem suas práticas de ensino, logo todos são professores de língua e de leitura. Ainda, todos os
livros usados na escola pelos professores são utilizados para ler, refletir, aprender e, assim,
integram-se ao conjunto de atividades que são inerentes ao processo de ensino – aprendizagem.
Dessa forma, constituem objetos das diferentes áreas do conhecimento quer estejam divididas em
qualquer disciplina do currículo, qual seja português, matemática, história, geografia, biologia,
física, artes, entre outras. Sendo assim, vale lembrar que todos os livros estão escritos em língua
portuguesa é, portanto, por meio desta língua que os professores ensinam seus conteúdos. Nesse
sentido, quando os professores insistem no discurso da falta de leitura dos alunos e nas dificuldades
da escrita é importante chamar a atenção para o seguinte: se todos os professores usam a leitura para
intermediar os estudos que realiza, se todos os professores usam a escrita como forma de registro do
que foi aprendido, todos os professores, são, portanto, professores de língua portuguesa e de leitura.
Com isso, tem-se que independentemente da matéria em curso ou da área de conhecimento a língua
se faz presença e, como tal, exige que seja considerada no âmbito do ensino-aprendizagem nas
diferentes séries escolares pelos diferentes professores, reforçando a ideia de que o ensino da língua
não se circunscreve à disciplina de língua portuguesa. Ressalta-se também que a leitura como
mediadora do ensino-aprendizagem promove a interlocução entre as diferentes áreas do
conhecimento e fortalece a concepção de que a prática pedagógica dos professores é uma ação que
se desenvolve coletivamente, uma vez que todos os professores estão tecidos dentro de uma mesma
rede, tecendo juntos a teia de conhecimentos necessários àqueles que estão na condição de
aprendizes, os alunos e alunas. Ao reconhecer o caráter integrador da língua e da leitura, dentro da
escola, enfatiza-se que ler e escrever são práticas pedagógicas necessárias em todas as disciplinas,
dai sublinhar a necessidade da sensibilização a este modo de pensar como forma de fortalecer o
ensino e a aprendizagem dos estudantes, isto feito por meio de uma perspectiva que prevê a
formação integral dos sujeitos e não uma formção fragmentada, como ainda podemos presenciar.
PROCESSOS DE LEITURA EM SITUAÇÕES INTERATIVAS: ASSENTAMENTO
POÇÕES-GO.
Ondina Maria da Silva Macedo – IFGoiano-Ceres/UFG
Partindo da descrição das rotinas de interação social vivenciadas no Assentamento Poções-GO,
verificamos quais as estratégias utilizadas pelos leitores-assentados no processo de compreensão
das atividades sugeridas pelos técnicos de entidades e empresas distintas que ministram cursos
nessa localidade. Embora façamos análise de diálogos do cotidiano dessas pessoas, nosso interesse
centra-se nos procedimentos científicos adotados e sugeridos por esses técnicos. Firmamo-nos na
convicção de que o texto ou a atividade verbal acontecem com finalidades sociais, portanto
procuramos verificar se o material escrito, por exemplo, as apostilas destinadas aos assentados,
apresentam estratégias concretas de realização dos objetivos, no caso, a compreensão dos cursos ali
ministrados. Consideramos que se trata de um grupo bastante heterogêneo em que se percebe o
confronto entre texto científico versus linguagem típica da oralidade, ora ocorre uma adesão à
linguagem divulgada nos cursos ali ministrados. Nossa pesquisa acontece nessas condições reais de
enunciação, pois sabemos que é nesse momento que os enunciados mostram sua heterogeneidade
entremeando discursos vários num jogo entre concordar, discordar, refutar. Nosso embasamento se
filia à concepção bakhtiniana (2010) que defende a troca de valores por meio da interação e do
dialogismo. Nesta pesquisa, especificamente, a observação de uma arena como o Assentamento
Poções em Goiás verificamos como se dá a leitura dos valores discursivos empíricos e científicos.
Observamos como se efetiva a leitura dialógica das apostilas fornecidas pelos técnicos, bem como
os diversos sentidos de interpretação que os leitores fazem daquilo que os técnicos dizem, pois
sabemos que a interpretação está sempre vinculada à valorização dos discursos que seu interlocutor
lhe traz. Verificamos, por meio da pesquisa etnográfica, até que ponto os textos produzidos pelo
técnico se tornam realmente uma ponte lançada entre ele e os outros (assentados) e após a conclusão
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dos cursos, como se efetiva a leitura e interpretação do material deixado por esse técnico e a sua
vinculação às práticas.
SALA DE AULA: ESPAÇO PARA A FORMAÇÃO HUMANA
Loremi Loregian-Penkal – UNICENTRO/CAPES
Carla Micheli Carraro – PIBID/CAPES/UNICENTRO
Documentos oficiais de ensino defendem a ideia de que a educação deve estar voltada à formação
de cidadãos. Neste contexto, pensar o ensino como um espaço que promove a formação humana do
aluno é de grande relevância e as aulas de Língua Portuguesa podem contribuir com este objetivo.
Assim, esta pesquisa tem por finalidade discutir atividades desenvolvidas nas aulas de Língua
Portuguesa, com alunos do Ensino Médio, de uma escola pública de Irati-PR, por meio do Programa
Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência/PIBID: Subprojeto Licenciatura em Letras
Português – UNICENTRO/CAPES, tendo como base o trabalho com a formação humana dos
alunos. Neste sentido, trabalhamos com a temática “ética” dentro de diversos gêneros discursivos –
nos moldes da concepção sócio interacionista de linguagem (BAKHTIN; VOLOCHINOV, 1999),
utilizando músicas, charges, fragmentos de filme, notícias de jornal, crônicas, entre outros, todos
envolvendo questões relacionadas à ética, sob diversos prismas. Nesta proposta, buscamos também
contemplar as práticas discursivas defendidas pelas Diretrizes Curriculares Estaduais de Língua
Portuguesa/ DCEs, realizando aulas pautadas na prática de leitura, oralidade, escrita e reescrita.
Sendo assim, organizamos o trabalho da seguinte forma: trabalhamos com os conhecimentos
prévios dos alunos, seguindo para a formulação de um conceito (o que é ética) e, por meio da leitura
e discussão dos diversos gêneros, trabalhamos com o intuito de os alunos perceberem como a ética
se manifesta nas relações humanas do cotidiano. Ao percebermos que os estudantes já tinham
construído informações acerca da ética, seguimos para a produção escrita que refletiu
posteriormente na reescrita. As atividades desenvolvidas em sala de aula com a temática supracitada
trouxeram resultados bastante relevantes, uma vez que os alunos participaram das discussões, das
leituras e, principalmente, da produção escrita e reescrita acerca da temática escolhida. Além disso,
percebemos melhorias das relações humanas dos alunos com os colegas. Diante dos resultados
observados, a proposta é dar continuidade ao trabalho com a temática ética em sala de aula e
também expandi-la, englobando outras questões pertinentes em relação à formação humana e às
relações interpessoais, pois entendemos que contribuir para a formação humana e para a melhoria
das relações entre as pessoas é papel fundamental da escola, visto que os reflexos irão se solidificar
no âmbito social.
AQUISIÇÃO DIALÓGICA DA LINGUAGEM: PALAVRA BAKHTINIANA
Diego Pinto de Sousa – PPGEL/UFMT
Moisés Carlos de Amorim – ECCO/UFMT
O fenômeno da linguagem verbal configura-se como uma das mais inquietantes estâncias do
conhecimento. Percebe-se nos estudos da linguagem desde as primeiras produções, direta ou
indiretamente, a pretensão em instaurar conceituações acerca de sua definição, natureza, unidade,
bem como os processos de aquisição e desenvolvimento. Os últimos exercem papel de vanguarda
nessa pesquisa que – sob o prisma ofertado pela filosofia bakhtiniana da linguagem – pretende
promover uma justificativa dialógica sobre o processo de aquisição da linguagem verbal. A área de
Aquisição de Linguagem está engendrada nas ciências da cognição (SCARPA, 2006) e, portanto,
forja sua autonomia em múltiplas relações com ciências que tocam e compartilham semelhantes
questões, como é o caso da neurolinguística, psicolinguística e biolinguística. De fato Mikhail
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Bakhtin não versa, abertamente, acerca do processo de aquisição da linguagem verbal. Suas
reflexões de um fenômeno da linguagem sócio-historicamente constituído, inclusive em seu viés
literário, permitem, no entanto, erigir a possibilidade de tangenciar sua palavra com outras palavras,
palavras alheias, contrárias, camaradas. De sorte que são as brechas teóricas (como o Período
Crítico e o discussão entre o inato e o adquirido) e possíveis parolas com as vertentes e pensadores
como Chomsky, Lacan e Vygotsky os lugares de encontro entre o filósofo russo e a área de
Aquisição de Linguagem. Constata-se que para além de coadunar-se e/ou contrapor-se frentes as
bases epistemológicas para a psicogênese (Empirimo – Racionalismo – Construtivismo –
Interacionismo) a palavra bakhtiniana interventivamente adentra o Interacionismo subvertendo-o
com seus conceitos de dialogismo, enunciado-concreto, exotopia, ideologia, e, da mesma maneira,
suas premissas acerca do sujeito e natureza da linguagem, produzindo nova ótica sob o processo de
aquisição: um Interacionismo dialógico, num primeiro instante: “[...] o organismo e o mundo
encontram-se no signo.” (BAKHTIN, 2010). Em três pontos básicos concebe-se a relevância da
pesquisa: Há ainda incipiente participação de estudiosos bakhtinianos na área de Aquisição da
Linguagem; o empreendimento de conceitos bakhtinianos para uma área ainda pouco visitada por
estudiosos dessa inscrição teórica promove uma releitura refratária dos mesmos conceitos. Enxertase a isso a questão de que apesar da existência de manifestações de pesquisa que coadunam
conceitos da obra de Mikhail Bakhtin à pesquisa acerca da Aquisição de Linguagem ainda não se
observa uma palavra, eminentemente, bakhtiniana sobre o tema. Ademais, debruçar-se sobre a
natureza da linguagem é encontrar caminhos para compreensão do próprio homem. A pesquisa em
andamento vincula-se a linha de pesquisa Práticas textuais e discursivas: Múltiplas abordagens do
Programa de Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da Universidade Federal de Mato Grosso.
LINGUAGEM E CULTURA EM BAKHTIN
Raimunda Dias Duarte – UFPA
Laura Maria Silva Araújo Alves – UFPA
Este trabalho tem como objetivo principal analisar a relação entre linguagem e cultura nos trabalhos
de Mikahil Bakhtin e seu círculo. Para isso, busca discutir categorias fundamentais do círculo, tais
como: dialogia, polifonia, ideologia, alteridade, enunciado, gêneros discursivos. Bakhtin e seu
círculo ressignificam as concepções de linguagem, preconizadas no início do século XX pelo
estruturalismo linguístico, cujo principal expoente foi Ferdinand de Saussure. Ao estabelecer a
dicotomia língua/fala, sincronia/diacronia, Saussure dá proeminência à língua como sistema
abstrato, monovalente, sincrônico, descolado, portanto, da sua história e da cultura que lhe é
própria. Contudo, para o círculo de Bakhtin, o foco de estudo da linguagem não deve concentrar-se
no sistema estável, abstrato, homogêneo, imutável (língua, sincronia), mas num sistema dinâmico,
concreto, heterogêneo, flexível, variável (fala, diacronia). Logo, a linguagem é, por natureza, viva,
móvel, plurivalente, ideológica, histórica, cultural, possui um significado e remete a algo situado
fora de si mesma. Ao defender esses postulados, o círculo de Bakhtin coloca em discussão também
o conceito de cultura postulada como universal, baseada nas concepções positivistas. Para Bakhtin e
seu círculo, a cultura, longe de ser um sistema fechado em suas possibilidades, é uma unidade
aberta, marcada pela mobilidade no espaço e no tempo. A linguagem, na mesma medida, é
postulada como múltipla, heterogênea, dialógica, cujas posições avaliativas em suas múltiplas interrelações responsivas são a grande força que move o universo das práticas culturais, posto que no ato
cultural há sempre uma posição valorativa frente a outras posições avaliativas. Para a produção do
trabalho, A metodologia empregada é a revisão bibliográfica, cujos dados são analisados com base
na análise polifônica do discurso do círculo de Bakhtin, tendo como orientação teórica trabalhos
postulados pelo Círculo de Bakhtin por outros teóricos que estudam os postulados bakhtinianos.
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DESAFIOS DA DIDATIZAÇÃO DA LEITURA: UM OLHAR BAKHTINIANO SOBRE AS
PRÁTICAS DE ENSINO NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Suzana dos Santos Gomes – UFMG
Neste trabalho são apresentados os resultados de uma pesquisa sobre as práticas de leitura. Os dados
foram coletados na segunda fase do Ensino Fundamental em escolas da rede pública. Para tanto,
foram analisadas as práticas de leitura e os eventos de letramento, observando-se em que medida as
formas de apropriação/transmissão dos discursos de outrem oportunizaram ou não o
desenvolvimento das capacidades leitoras. Como referencial teórico foram utilizadas as
contribuições vygotskiana sobre o desenvolvimento humano, a aprendizagem e a interação na
construção do conhecimento, aliados aos postulados bakhtiniano sobre a natureza social da
linguagem e de sua construção dialógica, a partir da qual a leitura é considerada um processo de
compreensão ativa e responsiva. A análise dos eventos de letramento evidencia elementos que
interferem no trabalho com a leitura no âmbito da sala de aula. Revela, também, elementos que
demandam a discussão de concepções de língua, linguagem e ensino, além de provocar reflexões
sobre a formação do professor para o trabalho com a leitura na escola. Esse movimento constitui um
campo fértil para a emergência de novos saberes, novas ações e compromisso com a didatização do
trabalho com a linguagem. Assim, para as teorias da vertente discursiva e enunciativa, a leitura é
compreendida como linguagem e, como tal, constituída e constitutiva nas/das práticas de interação
social. Como a determinação dessas práticas é de natureza histórica e cultural, assumem
significados distintos para cada grupo social, por isso, o foco do estudo desloca-se para as questões
relativas ao letramento. Por todas essas razões, a leitura é importante no currículo escolar. É
requisito fundamental para que o aluno exerça plenamente sua cidadania, participe da sociedade
letrada em que se insere, tornando-se leitor e produtor de textos. Diante disso, torna-se necessário
refletir sobre as propostas nos últimos anos, para se empreender uma transformação significativa no
ensino da leitura no Brasil. Os resultados desta pesquisa apontaram os limites e as possibilidades do
letramento escolar. Reafirmaram, assim, a emergência da formação de professor no campo do
letramento, tendo em vista a criação, no âmbito da escola, de um projeto de leitura assumido por
todas as áreas do conhecimento e a demanda por maiores investimentos nas políticas públicas de
incentivo à leitura no contexto escolar e extraescolar.
A PRÁTICA DOCENTE E O PERFIL DE PROFESSORES IMBRICADOS PELO NOVO
CONTEXTO EDUCACIONAL
Marcilene de Assis Alves Araújo – PIBID/CAPES/UNIRG-TO
Nessa comunicação propõe-se uma reflexão a respeito da formação inicial do professor e do seu
agir no discurso e em sala de aula, pois, desde a segunda metade dos anos 90, com o surgimento dos
Parâmetros Curriculares Nacionais, o ensino da língua portuguesa tem-se pautado por uma prática
de ensino de língua, na qual um perfil de professores construídos a partir de abordagens de ensino
sociointeracionistas inspiradas, principalmente nos estudos de Bakhtin, Bronckart e outros. No
Brasil, em relação ao ensino/aprendizagem de língua portuguesa, Antunes (2003) expõe que a
prática docente deve tomar como eixos fundamentais quatro campos: oralidade, escrita, leitura e
gramática. Segundo a autora, o trabalho com a linguagem deve apresentar atividades que
contemplem a variedade de tipos e de gêneros de discursos orais, de forma que seja um discurso, no
qual de considera a realidade social do aluno, proporcionando o desenvolvimento da competência
comunicativa deles, de forma que se garanta leituras diversificadas e motivadas, visando o
desenvolvimento de um aluno crítico, reflexivo e com condições de ler, interpretar e produzir textos
dos mais variados tipos e gêneros, sendo capazes de promover uma contínua reconstrução de
significados, de comunicação entre os vários tipos de interlocutores. De acordo com os estudos
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bakhtiniano, um texto (enunciado) não existe nem pode ser avaliado e/ou compreendido
isoladamente: ele está sempre em diálogo com outros textos, revelando uma relação radical de seu
interior com seu exterior. Nessa perspectiva, essa proposta focaliza-se uma ação pedagógica em que
o trabalho de linguagem possa prever a pluralidade de normas linguísticas e contextos
sociocomunicativos. Portanto, durante esse semestre, propõe-se acompanhar um grupo de
professores na realização de atividades interativas e dialógicas com alunos do sétimo ano de uma
escola pública de Gurupi-TO, no intuito de verificar o desenvolvimento da aprendizagem desses
alunos diante de práticas realizadas por meio de oficinas em que o discurso é visto e entendido
como saberes socialmente contextualizado e partilhado.
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