Parecer n° 0046/2009– Procuradora Dra. Sheyla Barreto Braga de

Transcrição

Parecer n° 0046/2009– Procuradora Dra. Sheyla Barreto Braga de
ESTADO DA PARAÍBA
TRIBUNAL DE CONTAS
MINISTÉRIO PÚBLICO ESPECIAL
Processo TC nº: XXXXX/XX
Parecer nº: 0046/09
Natureza: Verificação de Cumprimento de Resolução em autos de Inspeção Especial
Origem: Câmara Municipal de XXXXX
Interessado: XXXXXXXXXXXXXXX (Presidente da Câmara Municipal de XXXXX)
P A R E C E R
I – DO RELATÓRIO
Trata-se de verificação de cumprimento da Resolução RC1 - TC n.º 311/2005, fl.
270, lavrada em sede de autos de exame da legalidade de atos de admissão de pessoal
decorrentes de aprovação em concurso público realizado pela Câmara Municipal de XXXX
em 13 de maio de 1990.
Considerando as conclusões oferecidas pelo Órgão de Instrução em seu relatório,
assim como o Parecer lavrado pelo Ministério Público Especial, foi baixada a Resolução
RC1 - TC n.° 311/2005, fixando o prazo de 60 (sesse nta) dias para o Sr. XXXXXXXXXXXXX
proceder ao restabelecimento da legalidade, exonerando os servidores XXXXXXX,
XXXXXX, XXXXXXX e XXXXXXX, nomeados através do concurso público vicioso,
resguardando-se-lhes a ampla defesa e o contraditório.
Notificações de estilo, pelo Órgão de Imprensa Oficial, às fl. 271, e pessoalmente,
às fls. 273, endereçadas ao supra citado Presidente da Câmara Municipal da Comuna de
XXXX. Entretanto, o responsável deixou escoar o prazo sem produzir qualquer
pronunciamento, conforme Certidão da Secretaria da 1ª Câmara de fls. 286, ensejando a
determinação do Relator de realização de inspeção a fim de comprovar a permanência das
inconformidades, fls. 278-v.
A Auditoria, através de Relatório de fls. 280/281, atestou, após inspeção especial
na Edilidade, que a Resolução RC1 – TC nº 311/2005 não foi cumprida, haja vista a não
disponibilização da documentação pertinente à matéria, c/c informação verbal de uma
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vereadora da Comuna, no sentido de que os servidores cujos nomes foram declinados na
referida Resolução permaneciam integrando o quadro de pessoal daquela Casa Legislativa.
Notificação ao Presidente da Câmara Municipal de XXXX para se manifestar acerca
dos fatos argüidos pela Auditoria, fls. 283/285, repetida, fl. 287, por ordem do Relator, fl.
286-v.
O parlamentar mirim finalmente compareceu, aviando através de seu causídico,
XXXXXX, a defesa acompanhada de documentos, constituídos às fls. 288/371.
O Órgão Técnico desta Corte de Contas, no Relatório de fls. 372/373, examinando
a defesa e os documentos encartados, concluiu permanecer o quadro de pessoal da
Câmara Municipal de XXXX em situação irregular.
Juntou-se o Processo TC n.º 09411/97, instaurado em duplicidade, fls. 374/401.
Retornaram os autos ao exame do MPjTC/PB em 03/12/2008.
II – DA FUNDAMENTAÇÃO
O Estado de Direito não tem poder pleno, pois está limitado aos princípios e
normas, além de gizado por uma Carta Política em que fulguram a segurança jurídica e a
paz social.
A Administração Pública, portanto, deve ter um prazo para exercer seu poder de
autotutela sobre o administrado, pois as relações jurídicas necessitam de estabilidade, sem
poder o Estado rever suas decisões ad infinitum.
Estribada no princípio da autotutela (controle interno dos atos), pode, ela mesma, a
qualquer tempo, anular os atos ilegais e revogar os inconvenientes, independentemente de
recurso ao Poder Judiciário, em harmonia com o princípio-mor do Estado Democrático de
Direito: o da legalidade.
O Supremo Tribunal Federal, através de súmulas, já se pronunciou sobre o tema
em disceptação:
Súmula 346:
A administração pública pode declarar a nulidade dos seus próprios atos.
Súmula 473:
A administração pode anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os
tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los, por motivo de
conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em
todos os casos, a apreciação judicial.
Ora, o instituto da prescrição é uma das regras existentes para, a um só tempo,
balizar o poder de autotutela e se obter o atendimento à segurança jurídica, porquanto as
relações jurídicas devem se cristalizar no tempo, sob pena de gerarem constantes
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sobressaltos e desagradáveis surpresas ao ser humano, em suas multifacetadas atividades
(profissionais, comerciais, acadêmicas, pessoais etc). Colacione-se a opinião de Silvio
Rodrigues sobre o tema:
Mister que as relações jurídicas se consolidem no tempo. Há um interesse social em que
situações de fato que o tempo consagrou adquiram juridicidade, para que sobre a comunidade
não paire, indefinidamente, a ameaça de desequilíbrio representada pela demanda. Que esta
seja proposta enquanto os contendores contam com elementos de defesa, pois é do interesse da
ordem e da paz social liquidar o passado e evitar litígios sobre atos cujos títulos se perderam e
cuja lembrança se foi..1
Por outro lado, mister registrar-se competir a regulamentação do processo
administrativo a cada ente federativo, porque, à luz do princípio federativo, a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm poder de auto-administração.
A Magna Carta de 1988 concedeu autonomia aos entes federativos, inclusive aos
municípios, figurando tal princípio como a pedra angular do Federalismo, dispondo
cogentemente no caput do seu artigo 18:
A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta
Constituição.
Pois bem, até onde se sabe, no âmbito do Município de XXXX, ainda não se deu
regulamentação do prazo para Administração exercer seu poder de autotutela. Aliás, nem o
próprio Estado da Paraíba conta com lei específica sobre a matéria. Neste dispare, a Lei nº
9.784/99, por todos aqui do Tribunal de Contas do Estado conhecida, deve ser utilizada a
título de singela analogia no presente caso, haja vista não constituir-se lei nacional (criada
para ser aplicada a todos os entes federativos), mas sim federal, portanto, aplicável somente
à União.
Pré-falado Diploma Legal, em seu art. 54, estipula o prazo decadencial de 05 anos
para revisão dos atos administrativos viciosos no âmbito da Administração Pública Federal:
O direito da [sic] Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos
favoráveis para os destinatários decai em cinco anos, contados da data em que foram
praticados, salvo comprovada má-fé.
Celso Antonio Bandeira de Mello, em sua obra Curso de Direito Administrativo,
assevera:
[...] É, outrossim, de cinco anos o prazo para a Administração, por si própria, anular seus
atos inválidos dos quais hajam decorrido efeitos favoráveis ao administrativo, salvo
comprovada má-fé. [...] Vê-se, pois, que este prazo de cinco anos é uma constante nas
disposições gerais estatuídas em regras de Direito Público, quer quando reportadas ao prazo
1
RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. v. 1. Saraiva: São Paulo, 1998, p. 321.
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para o administrado agir, quer quando reportadas ao prazo para a Administração fulminar
seus próprios atos.2
Vedada a utilização da Lei federal n.º 9.784/99 à vertente, lance-se mão das vigas
mestras do Direito: os princípios e normas.
Neste particular, os princípios da razoabilidade e da segurança jurídica devem ser
utilizados para a dissolução do nó górdio, haja vista os servidores ilegalmente admitidos
permanecerem no cargo há quase dezenove anos, sem revisão de ofício do ato viciado. O
interregno entre as nomeações e o presente momento é suficiente, portanto, para convalidar
o ato de admissão: aqui caberia reproduzir o adágio popular consoante o qual “O que não
tem remédio remediado está”. Entram em cena princípios que, momentânea e
especificamente neste caso concreto, sobrepujam o princípio da legalidade, pondo sob os
holofotes a questão da pessoa humana e do grave impacto social de uma exoneração de
alguém para quem o cargo, passados 18 anos, integra seu patrimônio moral.
O Superior Tribunal de Justiça debruçou-se sobre caso semelhante ocorrido no
Estado da Paraíba. A decisão tornou válida a nomeação de servidores da Assembléia
Legislativa da Paraíba cujo ingresso operou-se sem a prévia aprovação em concurso
público, devido ao transcurso de quase vinte anos, preponderando, portanto, o princípio da
segurança jurídica no conflito com o princípio da legalidade. Observe-se o julgado:
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO.
SERVIDORES PÚBLICOS QUE ASSUMIRAM CARGOS EFETIVOS SEM PRÉVIO
CONCURSO PÚBLICO, APÓS A CF DE 1988. ATOS NULOS. TRANSCURSO DE
QUASE 20 ANOS. PRAZO DECADENCIAL DE CINCO ANOS CUMPRIDO,
MESMO CONTADO APÓS A LEI 9.784/99, ART. 55. PREPONDERÂNCIA DO
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA.RECURSO ORDINÁRIO PROVIDO.
1. O poder-dever da Administração de invalidar seus próprios atos encontra limite temporal
no princípio da segurança jurídica, de índole constitucional, pela evidente razão de que os
administrados não podem ficar indefinidamente sujeitos à instabilidade originada da
autotutela do Poder Público.
2. O art. 55 da Lei 9.784/99 funda-se na importância da segurança jurídica no domínio
do Direito Público, estipulando o prazo decadencial de 5 anos para a revisão dos atos
administrativos viciosos e permitindo, a contrario sensu, a manutenção da eficácia dos
mesmos, após o transcurso do interregno qüinqüenal, mediante a convalidação ex
ope temporis, que tem aplicação excepcional a situações típicas e extremas, assim
consideradas aquelas em que avulta grave lesão a direito subjetivo, sendo o seu
titular isento de responsabilidade pelo ato eivado de vício.
3. A infringência à legalidade por um ato administrativo, sob o ponto de vista abstrato,
sempre será prejudicial ao interesse público; por outro lado, quando analisada em face das
circunstâncias do caso concreto, nem sempre sua anulação será a melhor solução. Em face da
dinâmica das relações jurídicas sociais, haverá casos em que o próprio interesse da
coletividade será melhor atendido com a subsistência do ato nascido de forma irregular.
4. O poder da Administração, dest'arte, não é absoluto, de forma que a recomposição da
ordem jurídica violada está condicionada primordialmente ao interesse público. O decurso do
tempo, em certos casos, é capaz de tornar a anulação de um ato ilegal claramente prejudicial
ao interesse público, finalidade precípua da atividade exercida pela Administração.
5. Cumprir a lei nem que o mundo pereça é uma atitude que não tem mais o abono da
Ciência Jurídica, neste tempo em que o espírito da justiça se apóia nos direitos fundamentais
2
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. Malheiros: São Paulo, 2001, p. 210.
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da pessoa humana, apontando que a razoabilidade é a medida sempre preferível para se
mensurar o acerto ou desacerto de uma solução jurídica.
6. Os atos que efetivaram os ora recorrentes no serviço publico da Assembléia Legislativa da
Paraíba, sem a prévia aprovação em concurso público e após a vigência da norma prevista no
art. 37, II da Constituição Federal, é induvidosamente ilegal, no entanto, o transcurso de
quase vinte anos tornou a situação irreversível, convalidando os seus efeitos, em apreço ao
postulado da segurança jurídica, máxime se considerando, como neste caso, que alguns dos
nomeados até já se aposentaram (4), tendo sido os atos respectivos aprovados pela Corte de
Contas Paraibana.
7. A singularidade deste caso o extrema de quaisquer outros e impõe a prevalência do
princípio da segurança jurídica na ponderação dos valores em questão (legalidade vs
segurança), não se podendo fechar os olhos à realidade e aplicar a norma jurídica como se
incidisse em ambiente de absoluta abstratividade.
8. Recurso Ordinário provido, para assegurar o direito dos impetrantes de permanecerem nos
seus respectivos cargos nos quadros da Assembléia Legislativa do Estado da Paraíba e de
preservarem as suas aposentadorias. (RMS 25652/PB, Rel. Ministro Napoleão Maia
Nunes Filho, Quinta Turma, julgado em 16/09/2008, DJE 13/10/2008).
Neste diapasão, os servidores da Câmara Municipal de XXXX arrolados na
Resolução ora em apreço, apesar da nomeação ilegal, devem permanecer no quadro, por
força da ocorrência da prescrição, passados mais de dezoito anos desde as suas
admissões, afastando-se o monolítico princípio do Fiat justitia pereat mundus.
III – DA CONCLUSÃO
Ante o exposto, opina esta Representante do Parquet Especial pela declaração de
insubsistência da Resolução de fl. 270, por força da aplicação do princípio da segurança
jurídica e da proteção à pessoa humana, reputando-se convalidados os atos de nomeação
dos Srs. XXXXXXXX, XXXXXXXXX, XXXXXXXXX e XXXXXXX, antes ditos viciados.
João Pessoa(PB), 14 de janeiro de 2009.
SHEYLA BARRETO BRAGA DE QUEIROZ
Procuradora do Ministério Público junto ao TC-PB
mce