Inovação Sustentável na Cadeia de Suprimentos

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Inovação Sustentável na Cadeia de Suprimentos
 Inovação Sustentável na Cadeia de Suprimentos
PATRICIA DIAS
Universidade Federal do Rio Grando do Sul
[email protected]
Inovação Sustentável na Gestão da Cadeia de Suprimentos
Resumo
A gestão da cadeia de suprimentos sustentável (GCSS) através de gestão de fornecedores e de
produtos possibilita a obtenção de inovações voltadas para a sustentabilidade, ou seja,
melhorias ou novos produtos, processos e negócios que promovam benefícios econômicos,
sociais e ambientais. Porém, torna-se importante compreender as limitações
de
estabelecimento de drivers e mecanismos de orientação da GCSS e buscar propiciar o
desenvolvimento dos relacionamentos, parcerias e alianças para a aprendizagem, tornando-se
proativas para inovação sustentável. Portanto, este trabalho teve como objetivo analisar as
alianças entre firmas integrantes de uma cadeia de suprimentos para a obtenção de recursos e
capacidades no desenvolvimento de inovações voltadas à sustentabilidade. O método utilizado
foi um estudo de caso exploratório, com a realização de entrevistas com os gestores de
empresas envolvidas no projeto de substituição de matéria prima de um produto de fricção de
uma cadeia de suprimentos da indústria automotiva. Os resultados revelam que a substituição
de matéria-prima foi viabilizada através de uma aliança interfirmas para a inovação,
destacando-se a necessidade de recursos financeiros e conhecimentos técnicos de ambas as
empresas, bem como o desenvolvimento de capacidades de relacionamento e
desenvolvimento de mecanismos de governança.
Palavras-chave: Sustentabilidade, Inovação, Cadeia de Suprimentos.
Abstract
The Sustainable Supply Chain (GCSS) through suplliers risks and product
management enables the achievement of innovations aimed at sustainability, ie,
improvements or new products, processes and businesses that promote economic, social and
environmental benefits. However, there are the limitations of establishment drivers and
orientation mechanisms of GCSS. Thus it is importante provide the development of
relationships, partnerships and alliances for learning and become proactive in sustainable
innovation. Therefore, this study aimed to examine the alliances between firms members of a
supply chain for obtaining resources and capabilities to develop sustainable innovations. This
exploratory case study used interviews with managers of companies which are involved in the
project to replace the raw material of a friction product for a automotive industry. The results
revealed that the raw materials substitution was made possible through an alliance for
innovation, the both companies shared financial resources and expertise, as well as developed
relationships capabilities and governance mechanisms.
Keywords: Sustainability, Innovation, Supply Chain.
Introdução
A crescente dispersão da cadeia de valor em diversos países aumentaram a
complexidade na governança das cadeias produtivas. As organizações lidam com ambiente
institucional composto de diferentes regulamentações sociais e ambientais, padrões culturais e
de consumo e níveis de industrialização e sustentabilidade. Empresas líderes na cadeia de
suprimento adotam códigos de condutas junto a esquemas de auditorias para garantir a
atendimentos dos requisitos socioambientais. Contudo, os códigos de condutas e as formas de
controle não garantem as mudanças ou mesmo as inovações necessárias a sustentabilidade.
A definição de drivers para a sustentabilidade e, consequentemente, geração de
capacidades para a inovação exige uma rede complexa de interações interfirmas para o
aprendizado. O desenvolvimento da capacidade de acesso e uso de recursos, vai além do
esforço da firma e da complementariedade da relação comprador e fornecedor. A
transferência de know how, o suporte de experts e assistência por parte líderes (marca global)
e parceiros locais e internacionais (organizações não governamentais - ONGs, agências de
fomento e desenvolvimento, institutos de pesquisa) favorecem a inovação e a adoção de
produtos e processos mais sustentáveis.
A gestão da cadeia de suprimentos sustentável (GCSS) através de gestão de
fornecedores e de produtos possibilita a obtenção de inovações voltadas para a
sustentabilidade, ou seja, melhorias ou novos produtos, processos e negócios que promovam
benefícios econômicos, sociais e ambientais. Porém, torna-se importante compreender as
limitações de estabelecimento de drivers e mecanismos de orientação da cadeia de
suprimentos para sustentabilidade. As empresas focais precisam transpor as ações de
avaliação de desempenho e risco, devendo propiciar o desenvolvimento dos relacionamentos,
parcerias e alianças para a aprendizagem, tornando-se proativas para inovação sustentável.
Para tanto, faz-se necessário reconceituar a cadeia de suprimentos, uma vez que “as inovações
sustentáveis consideram uma lista ampla de partes interessadas secundárias” (BARBIERI, et
al. 2010. p.152) não somente clientes e fornecedores. Nesta perspectiva, busca-se
compreender: Como as alianças entre firmas integrantes de cadeia de suprimentos promovem
recursos e capacidades ao desenvolvimento de inovações sustentáveis?
Portanto, este artigo visa analisar as alianças entre firmas integrantes de cadeia de
suprimentos para a obtenção de recursos e capacidades no desenvolvimento de inovações
voltadas à sustentabilidade, considerando as pressões e a participação de respectivos
stakeholders. A partir de pesquisa bibliográfica e entrevistas com gestores de ambas empresas
parceira para a substituição de matéria prima de um produto, buscou-se nesta fase preliminar
compreender o nível de interação e colaboração entre firmas e stakeholders, mecanismos de
coordenação e de aprendizagem e de troca de informações favoráveis ao desenvolvimento de
inovações voltadas à sustentabilidade.
Apesar de relevantes contribuições de pesquisas sobre inovações e modelos de gestão
da cadeia de suprimentos voltadas para a sustentabilidade, os estudos e práticas ainda são
incipientes. Em estudo recente sobre pesquisas brasileiras referentes a GCSS, Silva et al.
(2013) destacam a quantidade reduzida de estudos e publicações, bem como as discussões
pontuais relacionando as dimensões social e ambiental nas estratégias de sustentabilidade nas
cadeias de suprimentos. Assim, esta proposta de pesquisa visa colaborar na compreensão e
identificação de oportunidades e mecanismos de colaboração voltados para promoção de
inovação ao longo da cadeia de suprimentos sustentável.
Para tanto, o capítulo seguinte apresenta conceitos sobre inovação, abordagens para
formação de alianças e modelos de gestão de cadeias suprimentos sustentáveis, visando
entender as oportunidades de inovação voltadas para a sustentabilidade através alianças e
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estratégias de gestão na cadeia de suprimentos. O capítulo seguinte descreve método e
procedimentos nesta fase inicial de pesquisa, tendo como proposta a elaboração de estudo de
caso (múltiplos) exploratório. O caso a ser descrito apresenta dados de pesquisa anterior para
proposição de uma nova etapa de coleta com ênfase na proposta de inovação como uma
estratégia na gestão da cadeia de suprimentos.
Inovação Sustentável na Gestão da Cadeia de Suprimentos
Inicialmente, este capítulo descreve conceitos sobre inovação, em especial, as voltadas
para a sustentabilidade, destacando as decorrentes oportunidades geração de valor. O processo
de inovação depende de um processo de aprendizado contínuo (troca de conhecimento,
informações e experiências), exigindo da firma esforços de integração internos e externos.
Subsequentemente, ressalta a importância das alianças para o aprendizado, a obtenção e a
efetiva alocação de recursos para a inovação. Por fim, destaca as estratégias e práticas de
gestão de cadeia de suprimentos como promotoras de drivers e desenvolvimento de
relacionamentos duradouros para a “inovação sustentável”.
Inovação, sustentabilidade e Geração de Valor
Schumpeter (1942, p.105) definiu o capitalismo como uma forma de transformação
econômica, impulsionada e mantida pela criação “dos novos bens de consumo, dos novos
métodos de produção ou transporte, dos novos mercados e das novas formas de organização
industrial” pelas empresas capitalistas. Em resposta à necessidade de inovação, preconizada
inicialmente por Schumpeter, as empresas formulam, combinam ou sintetizam conhecimentos
para a geração de novos produtos, serviços ou processos. A inovação envolve um processo de
reconhecimento de uma oportunidade e o surgimento de uma nova ideia a ser desenvolvida e
levada ao mercado. Contudo, será considerada uma inovação apenas se agregar valor aos
consumidores, seja pela originalidade, relevância ou apreciação. (HBE, 2003; MILLER &
MORRIS, 1999).
As indústrias e os centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D) criam produtos
inovadores a partir de infraestruturas físicas e tecnologias existentes; incrementando e
aprimorando bens e serviços, ou ainda, configurando-os para novos propósitos.
Diferentemente, dessa inovação incremental, novas condições tecnológicas e novos
conhecimentos propiciam o surgimento de bens e serviços até então inexistentes. Essas
inovações, muitas vezes desestabilizam o mercado em virtude da alteração de toda a
infraestrutura de utilização e de distribuição. Esse tipo de inovação radical acarreta a
descontinuidade dos modelos e padrões vigentes, potencializando a competitividade do
inovador ao mudar as bases de competição. (HBE, 2003; MILLER & MORRIS, 1999, TIDD,
BESSANT & PAVITT, 2001).
Barbieri et al. (2010, p.151) definiram “inovação sustentável” como o processo de
“introdução (produção, assimilação ou exploração) de produtos, processos produtivos,
métodos de gestão ou negócios, novos ou significativamente melhorados para a organização e
que traz benefícios econômicos, sociais e ambientais, comparados com alternativas
pertinentes”. Barcellos, Bossle e Borges (2012, p.5) complementam que as eco-inovações são
dotadas de “apelos éticos/sociais/ambientais, que visam atender às demandas dos
consumidores por um tipo de produto em específico e que são produzidos a partir de critérios
de produção bem estabelecidos”.
As inovações incrementais em produtos (ex. substituição de materiais primas
perigosas) ou processos (ex. redução de níveis de poluição), visando a sustentabilidade
exigem processos colaborativos entre membros da cadeia de suprimentos. Por sua vez, as
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inovações radicais ou disruptivas (ex. fontes de energias alternativas) resultam de esforços de
pesquisas, de institutos privados e públicos, universidades, empresas e órgãos
governamentais, incorporados ao mercado através de esforços colaborativos das relações
interfirmas. Além disso, “as inovações sustentáveis consideram uma lista ampla de partes
interessadas secundárias, como a comunidade local e grupos ativistas de várias causas, tais
como ambientalistas, antiglobalização, direitos dos animais etc.” (BARBIERI, et al. 2010,
p.152).
Hall (2002) enfatizou a necessidade de inovações, em especial as radicais, como fator
chave para a mudança das bases do conhecimento, estratégias organizacionais e políticas para
o desenvolvimento sustentável. Para isso, torna-se importante facilitar a introdução e a
difusão de tecnologias sustentáveis por meio de nichos tecnológicos (espaços protegidos para
experimentos e evolução da tecnologia, práticas de uso e estruturas regulatórias) a exemplos
dos setores de energia, biogás, sistemas de transporte públicos, produção de alimentos
(BARBIERI et al., 2010). Para Hart (2005) através do desenvolvimento das tecnologias
disruptivas as firmas tem a oportunidade de desenvolver novas capabilities para enfrentar o
desafio da sustentabilidade. A exemplo disso, o autor destaca os esforços de grandes empresas
no desenvolvimento de energia solar e eólica (Shell), sistemas híbridos e células de
combustível (Toyota e Honda) e também polímeros de base biológica para substituição aos
petroquímicos. (HART, 2005).
Para Shirivastava (1995, p.180), “as tecnologias ambientais são um potencial recurso
estratégico porque afetam a cadeia de valor1 em múltiplos pontos”, promovendo vantagens
“únicas e inimitáveis”. A Visão Baseada em Recurso Natural, proposta por Hart (1995),
compõe-se de quatro estratégias ou tecnologias ambientais: a prevenção da poluição, a gestão
de produto (product stewardship), tecnologias limpas e a visão da sustentabilidade. Neste
modelo, as firmas que investem (hoje e internamente) na prevenção da poluição e ecoeficiência podem aumentar a produtividade dos recursos e minimizar resíduos e emissões dos
processos, gerando redução de custos e riscos. Ainda, aquelas que gerenciam (hoje e
externamente) todo o ciclo de vida de produtos ao longo da cadeia de valor, podem obter
benefícios ambientais e sociais ao interagir com stakeholders com mais transparência e
responsabilidade, melhorando a imagem/reputação e a legitimidade. As firmas que acelerarem
(internamente) a obtenção de tecnologias mais limpas poderão desenvolver novas
competências (futuras), possibilitando o reposicionamento de mercado e as inovações
disruptivas2. Por fim, o avanço dos caminhos e trajetórias da firma através da visão da
sustentabilidade, poderá reverter (futuro) o atual quadro mundial (externo) de pobreza e de
desigualdade, elevando a pirâmide de consumo e atendendo mercados e consumidores não
supridos, através da empregabilidade, do desenvolvimento tecnológico, da apropriada
alocação de recursos e os novos modelos de negócio. As competências necessárias a
promoção da sustentabilidade emergem do desenvolvimento de tecnologias, a partir dos
esforços de reposição de habilidades internas e conhecimentos para o futuro do
desenvolvimento econômico. (HART; MILSTEIN, 2003, HART, 2005).
1
Cadeia de Valor – conjunto de atividades que conferem valor ao produto direta ou indiretamente.
2
Inovações Disruptivas - novos produtos e serviços com a redução dos atributos dos produtos,
atendendo anseios dos clientes por preços mais baixos ou propiciando o consumo antes inexistente devido à falta
de dinheiro, conhecimento ou habilidades.
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Alianças para o Aprendizado e Inovação para a sustentabilidade
O processo de identificação de oportunidades de inovação exige o desenvolvimento de
competências e habilidades, ou seja, aprendizagem organizacional. A obtenção de
competências organizacionais e de conhecimento depende da aprendizagem, que surge muitas
vezes de um processo de integração de informações, teorias e experiências. (MILLER &
MORRIS, 1999; TIDD, BESSANT & PAVITT, 2001).
A sobrevivência e o sucesso de empresas em ambientes complexos e dinâmicos
dependem de aprendizado contínuo, em um processo de integração no âmbito interno ou
externo das organizações. A centralização de atividades de P&D em unidades especializadas
(departamentos, laboratórios,...) e o envolvimento de diferentes divisões e outros atores
externos dependem de diferentes fatores como: trajetória tecnológica, maturidade da
tecnologia, estilo estratégico das organizações e ligações com tecnologias emergentes (ex.
alianças para pesquisa básica). Para a efetiva interação e alocação de recursos em inovação
torna-se imprescindível a melhora nos processos de comunicação, incluindo os fluxos de
informação e a aprendizagem com os mercados. (TIDD, BESSANT & PAVITT, 2001).
O arranjo colaborativo para o aprendizado e a inovação decorre da necessidade das
organizações reduzirem custos, riscos e tempo de desenvolvimento e comercialização de
novas tecnologias e produtos ou mesmo da criação de novos modelos de negócio. A formação
dessas alianças provém, inicialmente, do reconhecimento da dependência e da
complementariedade da tecnologia periférica de outras firmas, comparando as capacidades
internas de desenvolvimento de competências e manutenção de profissionais de uma
determinada firma. A complexidade, a escassez e a maturidade da tecnologia e os custos de
transação (poder de barganha relação cliente-fornecedor) determinaram a aquisição ou a
colaboração no desenvolvimento de tecnologias ou inovações. O foco estratégico na
eficiência a longo prazo e avaliação dos riscos associados a colaboração (sigilo, controle e
poder, conflito de objetivos) determinam as formas de aliança. (TIDD, BESSANT &
PAVITT, 2001).
Portanto, possíveis alianças nas relações verticais e horizontais dependem de
características tecnológicas e de mercado, aspectos culturais e estratégicos. A forma de
colaboração mais próxima da firma ocorre entre fornecedores e clientes (vertical), estimulada
pela redução de custos de componentes através da especialização e troca de informação. Por
sua vez, as alianças horizontais envolvem licenciamento (exploração de propriedade
intelectual pelo pagamento de taxas e royalties); consórcio de pesquisa (trabalho conjunto em
pesquisas pré-competitivas – entre competidores – ou definição de novos padrões – entre
diferentes indústrias); alianças estratégicas ou joint-ventures (duas ou mais firmas para
desenvolver um produto ou uma tecnologia mais próxima do mercado) e redes de inovação
(composto por relacionamentos bilaterais (nós) entre indivíduos, unidades de negócio, firmas,
universidades, governos e clientes). (TIDD, BESSANT & PAVITT, 2001).
O sucesso das alianças na aquisição de competências em novos mercados e
tecnologias dependem da resolução de conflito (pessoais ou organizacionais), das
divergências estratégicas ou de objetivos, da falta de comprometimento e confiança nos
relacionamentos e a assimetria entre expectativas e incentivos entre parceiros. As intenções do
aprendizado, a receptividade do conhecimento e a transparência entre os parceiros afetam o
aprendizado através das alianças. Portanto, torna-se imprescindível a seleção dos parceiros
que contribuam com as necessidades. (TIDD, BESSANT & PAVITT, 2001).
Kale, Dyer e Singh (2001) sugerem sistemas de alianças para gerenciar a
sustentabilidade, organizando as estruturas e os sistemas de aprendizado a fim de capturar,
codificar, comunicar e gerenciar (coach) o know how (modelo de 4 C’s). O sistema de
governança com base na sustentabilidade inclui o direcionamento e as atividades de
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coordenação, considerando as diferenças de poder, os níveis de relacionamento e a capacidade
de inovação (Rodrigues et. al. 2011). A inovação exige a construção de conhecimentos
complementares e aprendizado mútuo nas interações (face to face) ao longo da cadeia de
valor.
A centralização ou modelagem da rede de valor decorre de diretrizes de organizações
líderes da cadeia, em se tratando de cadeias de suprimentos globais, refletem políticas e
regulamentações de países (exportadores e importadores) de origem ou de atuação. Fischer
(2010) salientou que as normas de condutas e mecanismos de controle não garantem as
mudanças necessárias nas práticas dos fornecedores, conforme pesquisas sobre as melhorias
nas condições de trabalhos. Além dessas políticas torna-se necessário um sistema de
assistência e transferência de know how, envolvendo atores locais como ONGs e agências de
desenvolvimento para o controle e também desenvolvimento de recursos e capacidades de
integrantes da cadeia global de valor (FISCHER, 2010).
Gestão da Cadeia de Suprimentos e Direcionadores para a Inovação Sustentável
As pressões externas e incentivos de stakeholders3 sobre as empresas focais são
comumente repassadas aos integrantes da cadeia de suprimentos. Para tanto, Seuring e Müller
(2008) destacaram a necessidade de integrar as três dimensões do Triple Bottom Line (TB) na
cadeia de suprimentos. A Gestão de Cadeias de Suprimentos Sustentável (GCSS) visa o
desempenho econômico, ambiental e social através dos fluxos de capital, materiais e
informações, bem como dos processos de cooperação ao longo da cadeia de suprimentos.
(SEURING; MÜLLER, 2008, PAGELL, WU, 2009).
A inserção dos princípios de sustentabilidade nas cadeias compreende duas dimensões
estratégicas: a “gestão de fornecedores para riscos e desempenho” e a “gestão da cadeia de
suprimentos para produtos sustentáveis” (SEURING; MÜLLER, 2008, p.1700). A gestão de
fornecedores para riscos e desempenho enfatiza as preocupações com processos eficientes e a
preservação da imagem das organizações (SEURING; MÜLLER, 2008). Para isso, torna-se
necessário gerenciar os riscos econômicos e de disrupção de processos operacionais nas
relações com os fornecedores, bem como propiciar o desenvolvimento dos fornecedores
(BESKE, 2012). A segunda dimensão de estratégias contidas na GCSS refere-se à gestão de
produtos sustentáveis, ou seja, a melhoria da qualidade dos padrões ambientais e sociais ao
longo de todo o ciclo de vida dos produtos (SEURING; MÜLLER, 2008). Este aumento da
performance socioambiental dos produtos decorre da avaliação do ciclo de vida dos produtos
(ACV) e dos esforços processos de comunicação, integração e cooperação entre todos os elos
da cadeia de suprimentos.
Conforme Pagell e Wu (2009), a introdução de práticas de sustentabilidade em cadeias
de suprimentos exige a integração de novos valores, capacidades e comportamentos. A próatividade e o comprometimento diante desses valores dependem do alinhamento entre os
modelos de negócio e os elementos socioambientais, através da capacidade organizacional
para inovar e da orientação gerencial para a sustentabilidade. (PAGELL; WU, 2009). A partir
de uma nova orientação do modelo de negócios das organizações, novos comportamentos
devem emergir em relação à estrutura da cadeia, sendo eles: a reconceitualização da cadeia e a
continuidade com os fornecedores. A fase da reconceitualização envolve a integração de
agentes socioambientais tais como: Organizações Não Governamentais (ONGs), líderes
comunitários e órgãos públicos e, até mesmo, concorrentes na avaliação de oportunidades e
mudanças necessárias ao longo da cadeia. A continuidade dos relacionamentos com
3
Públicos Interessados como: clientes, governos, ONGs, mídia, etc.
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fornecedores facilitam a transparência, a rastreabilidade, a certificação e o processo de
descomoditização entre os fornecedores.
Por sua vez, Beske (2012) elucidou quatro principais categorias essenciais para a
gestão da cadeia de suprimentos sustentável: orientação, continuidade na cadeia de
suprimentos, gestão de riscos e pró-atividade. A orientação das organizações envolve três
questões: a orientação para sustentabilidade, a orientação da gestão principal para o
desenvolvimento de estratégias de sustentabilidade para a cadeia de suprimentos e a
orientação em relação à disposição para o aprendizado de novos conhecimentos. A segunda
categoria refere-se à continuidade da cadeia de suprimentos em relação às práticas de
cooperação e integração, a partir do estabelecimento de relacionamentos de longo-prazo com
fornecedores e clientes. Por sua vez, a terceira categoria diz respeito à gestão de riscos, onde
as organizações devem identificar, reduzir e eliminar os riscos através de práticas contínuas,
baseadas no comprometimento, nas parcerias e no monitoramento. O desenvolvimento dos
relacionamentos duradouros torna-se condição da pró-atividade em relação às inovações
necessárias à promoção das cadeias de suprimentos sustentáveis (BESKE, 2012).
Conforme recente pesquisa de Carvalho e Barbieri (2012), a gestão de risco e
desempenho de fornecedores da empresa Natura promoveu a indução e a implementação de
novas práticas voltadas à sustentabilidade em diferentes tiers da cadeia de suprimentos. Na
gestão da CS a empresa adotou critérios socioambientais na gestão, no desenvolvimento e na
avaliação de fornecedores, bem como a avaliação de ciclo de vida de produtos e incrementos
em comunicação. A exemplo disso, a exigência de certificações ambientais no processo de
qualificação de empresas fornecedoras, favoreceu mutuamente as empresas da cadeia criando
novas oportunidades de negócio (internacionais) e o estreitamento de relacionamentos com as
comunidades locais (extração matéria-prima natural). Os relacionamentos de longo prazo e o
trabalho conjunto da empresa focal e empresas fornecedores em P&D propiciaram inovação
em materiais e também em produtos (a exemplo da linha Ekos). Além disso, a evolução da
integração propiciou mudanças no modelo de negócio entre as empresas da cadeia de
suprimentos, aplicando o conceito de “cadeia aberta” para a definição conjunta de quantidade,
volume, preço e na efetivação dos contratos. (CARVALHO, BARBIERI, 2012).
Apesar de pesquisas internacionais promoverem modelos para gestão de cadeias de
suprimentos sustentáveis, poucos estudos contemplam essa temática no Brasil (SILVA, et al.,
2013). Além disso, a falta do conhecimento de práticas de GCSS, a exemplo da Natura, torna
pertinente a promoção de outros estudos casos no país. Nesta perspectiva, o capítulo a seguir
trata da proposição e das definições metodológicas para o desenvolvimento deste foco de
pesquisa.
Método
Este capítulo descreve o delineamento da pesquisa, as técnicas e os instrumentos de
coleta e análise de dados para a fase inicial da pesquisa. Visto que há necessidade de
aproximação de objeto de estudo, devido as incipientes pesquisas sobre de inovações
sustentáveis e na gestão de cadeia de suprimentos sustentável, esta pesquisa descreve um
estudo de caso exploratório.
Gil (2009) sugere a realização de pesquisas exploratórias para o desenvolvimento de
conceitos e idéias iniciais, visão aproximada do fato e também para formulação de hipóteses
precisas, através do levantamento bibliográfico e documental, de realização de entrevistas e
estudos de caso. Então, a fase exploratória envolveu a realização de estudo caso para
compreender as oportunidades e alianças na CS para a promoção de inovações voltadas para a
sutentabilidade. A realização do estudo de caso propicia a apreciação justa e rigorosa dos
dados empíricos e favorece a análise de fenômenos complexos, sendo a estratégia de projetos
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de casos múltiplos produtora de evidências mais convincentes e consequentemente mais
robustas (YIN, 2001). Para a seleção dos casos considerou-se alguns critérios:
a) Estratégias e práticas de empresas focais para a gestão de cadeias de suprimento
sustentável
b) Processos colaborativo entre interfirmas (CSS) para o desenvolvimento de
inovações (processo e produto)
Os dados foram coletados em entrevistas com representantes de ambas as firmas
envolvidas no desenvolvimento do produto (Entrevistado E – Químico integrante da equipe
de P&D da BETA e o Entrevistado F gestor comercial da empresa ZETA), e outras fontes
secundárias como documentos e revistas internas e informações em websitesi. Na análise de
conteúdo e de discurso das informações coletadas, consideraram algumas categorias de como:
a) atores e formas de aliança (horizontais e verticais)
b) mecanismo de coordenação e aprendizagem no processo de inovação
c) recursos obtidos e capacidades desenvolvidas nos arranjos colaborativos
A partir destas categorias, o capítulo a seguir apresenta a análise dos dados parciais
obtidos nesta primeira etapa da pesquisa exploratória, destacando os atores envolvidos direta e
indiretamente para entender os direcionadores das mudanças da empresa BETA, e a aliança
com a empresa ZETA para a obtenção de recursos e capacidades para a inovação sustentável.
Inovação Sustentável a partir de aliança entre firmas de uma cadeia de suprimentos
automotiva
A inovação exige um processo de construção de conhecimentos complementares e
aprendizado mútuo nas interações (face to face) ao longo da cadeia de valor (KALE, DYER,
SINGH, 2001), exigindo processos de informação e aprendizado com o mercado (TIDD,
BESSANT, PAVITT, 2001), clientes, fornecedores, concorrentes; e outros atores locais
governos, ONGs, agências de desenvolvimento e fomento a pesquisa (FISCHER, 2010). O
caso de inovação, em estudo, refere-se a produção de materiais de fricção, a exemplo da Lona
de Freio, a partir da fibra de vidro, em substituição, as fibras de amianto, envolveu direta e
indiretamente diferentes atores da cadeia de suprimentos. Apesar de ser um projeto
desenvolvido conjuntamente entre duas empresas, ficticiamente, intituladas neste artigo como
BETA e ZETA, torna-se importante entender os direcionadores das mudanças decorrentes de
ações de outros atores como governos (locais, nacionais e internacionais) e a empresa líder na
cadeia de suprimentos (montadora de veículos automotivo).
Atores e direcionadores de Sustentabilidade de uma cadeia de Suprimentos Automotiva
A empresa BETA é a maior fabricante latino-americano de materiais de fricção e uma
dos cinco maiores do mundo, conforme informações em websites e revistas institucionais, a
empresa responde por 95% do fornecimento de lonas pesadas (para veículos comerciais para
transporte), 60% de lonas leves e 35% de pastilhas de freio (para carros de passeio) para as
montadoras instaladas no Brasil. A BETA alega que foi a primeira fabricante de materiais de
fricção do Brasil a obter certificação pela norma ISO 9001 e possui também a ISO 14001 e a
ISO TS 16949, devido à preocupação com a qualidade, tecnologia e meio ambiente. Contudo,
os entrevistados informam que essas certificações, bem como outras normas e procedimentos
ambientais são exigências de empresas clientes da indústria automotiva, tanto no Brasil como
no exterior, os quais fazem parte dos critérios para a continuidade do contrato de
fornecimento de peças. Do mesmo modo, a BETA e as outras empresas da Holding, da qual
faz parte, também apresentam um sistema estruturado de seleção e avaliação de fornecedores
com critérios socioambientais, apesar de ainda não representarem grande significância, por
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exemplo, em comparação com os indicadores de qualidade. Os critérios e as regras de
fornecimento estão definidos no manual para fornecedores, que foi desenvolvido
conjuntamente pelos profissionais dos diversos setores de compras. Esse manual comporta
itens referentes a “capacidade produtiva, segurança do trabalho interno e da própria cadeia de
suprimentos do fornecedor, questões ambientais: [...] Licença de Operação, tratamento de
efluentes, políticas adequadas às normas, como a responsabilidade social [...] políticas para
evitar trabalho infantil, trabalho escravo”. Portanto, as empresas em estudo BETA e ZETA
(fornecedora de matéria prima) são influenciadas por clientes a melhorar a performance
ambiental, o que possibilita pelo menos em parte desta cadeia automotiva, inferir a adoção da
gestão de riscos e desempenho voltados aos aspectos da sustentabilidade, conforme modelo de
Seuring e Muller (2008) de dimensões estratégicas desta cadeia de suprimentos sustentável.
Especialmente, no caso da BETA, houve pressão direta dos clientes, montadoras de
automóveis, não só para a adoção de certificações e práticas ambientais nos processos
produtivos, mas também a substituição de matéria-prima (amianto) dos produtos. As pressões
externas quanto ao risco de contaminação não só dos funcionários, mas da comunidade e de
profissionais de manutenção do produto, levou a BETA, em 2002, decidir que “não iria mais
produzir materiais com amianto” (entrevistado E). Apesar de ser uma exigência de uma
montadora que fabrica veículos no exterior, os direcionadores da mudança de matéria prima
advêm indiretamente de ações de institutos de pesquisa, ao constatar e informar os perigos do
amianto, e instituições públicas ao legislarem e fiscalizarem o uso deste tipo de matéria prima.
Segundo a Agência Ambiental Americana, a exposição ao amianto pode levar a
crônicos efeitos a saúde humana, o risco da asbestose e de câncer (mesotelioma em
membranas pulmonares e abdominais), seja por inalação ou ingestão das fibras, cristalinas e
multifilamentosas, de amianto durante processo de extração, manuseio, e uso de materiais e
produtos (EPA, 2000, ICAM, 2008). O Centro de Estudos da Saúde do Trabalho e Ecologia
Humana da Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ (O GLOBO, 2007) constatou que mais de
dois mil trabalhadores brasileiros, expostos ao amianto, morreram de câncer de pleura no
período de 1980 a 2003. Contudo, a mais frequente das doenças é a asbestose (asbestosis) que
consiste em lesões do tecido pulmonar, causadas por um ácido produzido pelo organismo na
tentativa de encapsular e dissolver as fibras de amianto, gerando dificuldade de respiração e
muitas vezes o não funcionamento dos pulmões (EPA, 2000, ICAM, 2008).
Em virtude dos sérios problemas a saúde, o amianto já foi banido em 48 países, porém
no Brasil, o processo de banimento de amianto, iniciado na década 1980, abrange apenas
alguns estados e cidades brasileiras (NASSA, 2008). Conforme o manual do participante da X
Plenária Nacional de Conselhos de Saúde, realizada em 2002, os estados do “Mato Grosso do
Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul [...]” aprovaram “[...] em suas instâncias
parlamentares, a proibição da produção e comercialização dos produtos que continham fibras
de amianto de qualquer tipo, no sentido de garantir a saúde dos trabalhadores e da população”
(MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008). A exemplo do que narrou o entrevistado G, que a
empresa ZETA, na década de 1970, nos EUA, chegou a pedir concordata devido aos inúmeros
processos trabalhistas de funcionários e da comunidade pelo uso de amianto em produtos.
Conquanto, tornou-se urgente à adequação da BETA às novas exigências legais, tanto
no cenário internacional como nacional, que provavelmente, originaram as exigências do
mercado. Corroborando isso, de Fischer (2010) destacou a necessidade de acompanhamento e
interação com atores globais e locais, principalmente, sobre as questões socioambientais
Barbieri et al. (2010) destacaram a importância de considerar uma ampla lista de partes
secundárias. Então, visando a compreensão do processos de transferência de know how e
aprendizado entre atores locais, o caso evidencia a interação da empresa BETA com o
fornecedor de matéria prima, a empresa ZETA.
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Alianças entre fornecedora e cliente para a inovação em produto (substituição de matéria
prima)
A adoção de um arranjo colaborativo para a inovação, destacadas por Tidd, Bessant,
Pavitt (2001), decorre da necessidade das organizações reduzirem custos, riscos e tempo de
desenvolvimento de novas tecnologias e produtos. Essas motivações a cooperação foram
ressaltadas pelo entrevistado E, ao informar que a BETA teve um grande desafio na
“substituição de amianto, que era uma fibra muito barata, pela fibra de vidro, que era bem
mais cara”, exigindo não só um trabalho do centro de pesquisa e desenvolvimento da
empresa, mas também a busca de fornecedores para a minimização desse custo.
O caso destaca a importância do reconhecimento da dependência e da
complementariedade da tecnologia periférica de outras firmas, comparando as capacidades
internas de desenvolvimento de competências e manutenção de profissionais de uma
determinada firma (TIDD, BESSANT & PAVITT, 2001). Nesse sentido, destacou-se que a
BETA “começou a trabalhar no desenvolvimento de materiais sem amianto [...] em 1983 e
1984, com o programa de eliminação de amianto” (entrevistado E), o qual só foi eliminado
totalmente da produção em 2002. Nesse período, as formulações com o amianto foram,
gradativamente, sendo substituídas. Apesar da empresa já trabalhar com fibra de vidro há 20
anos, para viabilizar economicamente a substituição de matéria prima, tornou-se necessário
desenvolver junto ao fornecedor um tipo especial de fibra. Assim, os profissionais da área de
desenvolvimento de produto e de compras contataram o fornecedor ZETA, e explicaram que
precisavam
de uma saída, que não podiam mais usar o amianto ou mesmo usar a fibra de
vidro já utilizada [...] porque o custo estava sendo muito alto. [...] Então,
desenvolveu um tipo especial de fibra junto com o fornecedor, que hoje
fornece para a BETA [...] três tipos de fibra (entrevistado E).
Assim, a BETA e ZETA formaram uma aliança vertical, que é a mais próxima da
firma, em que fornecedores e clientes colaboram estimulados pela redução de custos de
componentes através da especialização e troca de informação (TIDD, BESSANT & PAVITT,
2001). As trocas de informação entre as equipes de pesquisa e desenvolvimento das empresas
parceiras envolveram requisitos de qualidade, em que a nova fibra “não poderia ser muito
comprida [...]” (entrevistado E), devido à dificuldade de processamento, em especial, na
conformação. Conforme, o representante da ZETA “a formulação da lona de freio [...] usa
diferentes tipos de pó [...] com resina” e que “o amianto é todo reticulado, [...] muito macio
[...] e o pó aglutina” fácil, diferentemente da “fibra de vidro que é totalmente lisa [...]”,
acarretando dificuldades de aderência e conformação (entrevistado F).
Com isso, os esforços de pesquisa da empresa ZETA buscaram “fornecer diversos
produtos [...] em que as variáveis [...] são o número de cabos por mecha, o comprimento da
fibra e o diâmetro de monofilamento, porque o efeito principal da fibra de vidro na lona é a
resistência mecânica [...]” (entrevistado F) e também o atrito, devido à necessidade de
eficiência de frenagem do produto. Por sua vez, a BETA despendeu investimentos e esforços
de desenvolvimento para testar e aprovar o novo insumo, envolvendo químicos de
desenvolvimento, os engenheiros de aplicação, gestores da qualidade e de compras. E em
decorrência do alto custo da fibra de vidro, utilizou na nova formulação uma menor
quantidade de fibra em comparação a fibra de amianto, buscou outras matérias-primas
complementares mais baratas e alterou o processo para ganhos de produtividade. Isso
demonstra em ambas as firmas a necessidade de investimentos financeiros e de mão de obra
especializada como recursos chaves na capacidade de inovação em resposta as mudanças
institucionais e de mercado.
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Contudo, destacou-se também a capacidade de desenvolver os relacionamento, em
ambas as partes acreditam ter um bom relacionamento e boa interação entre os profissionais,
como explica o representante da BETA (entrevistado E):
O pessoal da área química e o de compras recebem eles, conversam, jogam
os problemas na mesa abertamente. Falam das necessidades, do tipo de
produto novo que precisamos. Se não sabemos exatamente do que
precisamos, eles procuram ajudar. Descobrir possibilidade de novos
materiais, enfim estão sempre querendo trazer uma coisa nova [...].
Contudo, apresentaram certa ambiguidade das relações ao tratar de bom
relacionamento ao lidar com as pressões e os conflitos entre as partes, quanto a custo de um
lado e aumento de venda de outro, conforme relatou o entrevistado E: “Temos uma relação
muito boa com eles, pelo volume que a gente compra tem relações comerciais muito
importantes, discussões muito sérias de custo [...]. O relacionamento é muito aberto e
sabemos que o fornecedor está tentando vender alguma coisa [...]”. Além disso, informou que
o processo de negociação cabe ao setor de compras, que “se encarrega de negociar custo”,
enquanto que o pessoal da área técnica (desenvolvimento de produto e engenharia) necessita
fazer a relação de materiais “essa fibra, nessa formulação”, e o do planejamento (produção) “o
quanto vai consumir” (entrevistado E). Além disso, em virtude dos cuidados com a
confidencialidade, especialmente com as fórmulas, firmaram contratos de sigilo e de
exclusividade por 2 anos. Segundo o entrevistado F, favoreceu a empresa BETA que teve
vantagem de ser pioneira no mercado nacional a fornecer as lonas de freio sem amianto. O
lançamento do produto no mercado e o consequente aumento de demanda por fibra de vidro
levaram a ZETA a investir na aquisição de novos equipamentos de produção. Esses
mecanismo contratuais, bem como a disposição de resolução de conflitos (pessoais e
organizacionais), conforme depoimento dos entrevistados, são importantes para o sucesso das
alianças na aquisição de competências em novos mercados e tecnologias (TIDD, BESSANT
& PAVITT, 2001). O sistema de governança necessita considerar as diferenças de poder, os
níveis de relacionamento e a capacidade de inovação (Rodrigues et. al. 2011), por isso o
entrevistado E, afirmou que esse tipo de relacionamento não pode ser desenvolvido com todo
os fornecedores, destacando que apenas “meia dúzia trabalham contigo”, a exemplo do
“fornecedor de resina, de fibra, alguns de lubrificante”. Ao contrário do que ocorre com os
“mineradores [...] que dizem eu tenho isso aqui [...] serve, não serve?”. No caso das
fornecedoras de minerais, em que há pouco poder de barganha devido a baixa
representatividade da BETA na demanda deles são necessários contratos de fornecimento. E
nesses casos, o entrevistado E destacou a importância do relacionamento para a garantia do
fornecimento, em que “você tem de ser amigo”, do fornecedor e “mostrar que ele é muito
importante” para a empresa. Apesar de acreditar que “antes o fornecedor era mais amigo, [...]
agora já mudou um pouco [...], hoje está mais para o lado do financeiro, [...] perdemos o
contato pessoal”.
Desenvolvimento de Capacidades Internas e Inovações em Processo
Por outro lado, as relações com o mercado também apresentavam algumas
dificuldades, uma vez que os concorrentes ainda produziam produtos com amianto, ofertandoos a preços mais baixos. Isso, levou a BETA a desenvolver um novo projeto de mudança: o de
reutilização de resíduos (originários do processo). Os produtos da empresa são resultantes de
“uma mistura seca de resinas, fibras, produtos minerais, lubrificantes, abrasivos” (entrevistado
E), em que os principais componentes são a fibra de vidro e a resina fenólica (aglomerante do
compósito). Essa mistura passa por um processamento de conformação (prensagem a quente
para a fundição, a fluidificação e a cobertura da resina em toda a composição); de
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polimerização, virando uma telha curvada; e de nova prensagem e estabilização térmica por
cozimento, para evitar inchamento, dilatações e crescimento. Após esse processo a telha é
cortada, lixada, furada e desgastada (sistema limitador de uso), gerando resíduos que junto aos
rejeitos do processo produtivo são insumos para a nova formulação. No final de 2003, a
BETA iniciou o reaproveitamento dos materiais, que hoje é de no mínimo 95%, que não é
total devido ao uso de lixas cujos grãos abrasivos no composto causam desgastes na aplicação
do freio contra o tambor. Apesar das mais de 40 formulações diferentes, a maior parte da
demanda da BETA corresponde a 3 ou 4 fórmulas, facilitando a reciclagem do resíduo
produzido. Com isso a empresa, deixou “de colocar, em 3 anos, 22 mil toneladas desse pó no
aterro sanitário, e [...] de consumir [...] minerais naturais”, além da “competitividade em
preço” (entrevistado E), com as mudanças no insumo e os ganhos em escala. Ainda
alcançaram uma durabilidade maior do produto e assim um “custo beneficio aceitável pelo
usuário” que, em diferentes mercados, controlam cada vez mais o tempo de duração do
produto e o preço ofertado, bem como tempo e os gastos com a manutenção dos veículos.
Considerações Finais
No caso apresentado, há contribuição tanto do centro de pesquisa e desenvolvimento
da empresa BETA, ao buscar as especificações de fibra de vidro para substituir a fibra de
amianto, quanto do fornecedor ZETA para ofertar diferentes especificação dos materiais
solicitados. Os esforços da empresa BETA, não só possibilitaram a substituição da matériaprima, atendendo a padrões internacionais de segurança, saúde e meio ambiente, mas também
a reciclagem dos resíduos, ao criar uma nova formulação para seus produtos, acarretando
outros benefícios além dos ambientais. Isso acarretou principalmente em benefícios ligados a
imagem perante a sociedade, além da garantia de participação no mercado externo,
significando conquista de legitimidade.
Além dos benefícios socioambientais, esses exemplos de cooperação entre cliente e
fornecedor geraram ganhos econômicos, pois a substituição da fibra de amianto pela de vidro
proporcionou a BETA a continuar fornecendo o mercado externo e ainda ser inovadora no
mercado interno, sendo a primeira a fornecer produtos de fricção de fibra de vidro no país. E a
continuidade no desenvolvimento do produto ainda possibilitou a empresa a competir por
preço, ao reciclar os resíduos, reduzindo os custos de produção. A empresa ZETA obteve a
continuidade e o aumento da quantidade de fornecimento de fibra-de-vidro.
Esse processo de inovação envolveu aplicação de recursos tanto de fornecedor quanto
do cliente: investimentos financeiros, profissionais especializados, compartilhamento de
informações. Além disso, desenvolveu a capacidade de estreitamento do relacionamento e
colaboração entre profissionais de diferentes áreas de ambas as firma parceiras, motivados
pela complexidade e dificuldades técnicas para a realização do projeto. Contudo, esse
relacionamento esteve limitado pelo risco de oportunismo, levando as empresas a
desenvolverem mecanismos de coordenação, a exemplos dos contratos para garantir a
execução, exclusividade e o sigilo dos projetos considerados estratégicos.
Então, apesar dos benefícios sociais econômicos e ambientais dos projetos, essas ações
não são sistemáticas, não há uma proposta estruturada para uma Gestão Sustentável da Cadeia
de Suprimento. Além disso, os entrevistados apresentaram dificuldades de relacionar a gestão
de fornecedores a gestão ambiental. E os profissionais ligados à área ambiental conseguiram
identificar poucos projetos com benefícios ambientais com a participação de outros membros
da cadeia de suprimentos. Assim, as pesquisas na área de GSCM, em especial no Brasil,
devem considerar a falta de conhecimento desse novo conceito, a raridade dessas ações e as
dificuldades em obter informações junto às empresas, por envolver questões estratégicas com
restrições ao acesso e divulgação dos dados.
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