Plasticos em Revista - PDF

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Plasticos em Revista - PDF
MEIO AMBIENTE
Quem cala consente
Mutismo do setor plástico garante espaço a ações contra água engarrafada
Letycia Janot: ação de consumo realmente consciente?
E
m contraste com a alta do consumo
na temporada do calor, a reputação
de PET está comendo o pão que o
diabo amassou neste verão. Nas
enchentes de janeiro que alagaram Rio e
São Paulo, as imagens preferidas pela mídia
mostravam garrafas boiando ou entupindo
os bueiros. Em termos de comportamento,
o poliéster e as resinas em geral passam um
cortado entre formadores de opinião. A super
model Gisele Bündchen, por exemplo, que
prestigiou em 2009 a adoção de polietileno
verde da Braskem no envase de cosméticos da
Procter & Gamble, declarou em 10 de janeiro
ao jornal O Estado de S.Paulo : “em nossa casa
(nos EUA) optamos por beber água do filtro
para não acumular plástico”. Discutível como
todo gesto radical, o movimento antiágua
engarrafada brotou nos EUA há poucos anos
e, como cogumelos na chuva, espraia-se aos
poucos por lá como no Brasil. Aqui, um de
seus motores mais visíveis é a Iniciativa Água
na Jarra, bem sucedida no convencimento de
alguns restaurantes paulistanos e comandada
por ambientalistas como Letycia Janot, diretora
da ONG Igtiba. Economista com especialização
em Negócios Internacionais e Gestão Ambiental, Letycia defende nesta entrevista o repúdio
à embalagem de água como ato de consumo
consciente, do ponto de vista da sustentabili-
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dade. Mesmo com o embasamento técnico
questionável de várias de suas ideias, o fato é
que, devido à crônica rouquidão da cadeia do
plástico para defender-se de público, posturas
e propostas como as da Água na Jarra vão
se apossando de bem intencionados, mas
desinformados, corações e mentes.
PR- Em artigo no site Água na
Jarra, você afirma que as etapas
da produção de garrafas de PET
causa danos ambientais. Quais são
as etapas e os danos em questão?
Letycia- Na realidade, não usamos
a palavra “danos”, mas sim “impactos”
ambientais. São causados pelo ciclo de
produção da garrafa PET e medidos em
termos de geração de resíduos (efluentes
líquidos, emissões atmosféricas e resíduos
sólidos). Além disso, existem outros impactos indiretos como o transporte da água do
local de envase até o local do consumo final
e os impactos relacionados ao descarte da
garrafa após o seu uso. Mesmo que a garrafa
seja reciclada, esses impactos ambientais
ainda são muito grandes.
Quando uma pessoa tem acesso à
água potável (tratada pela concessionária de
abastecimento público de água) e opta por
consumir essa água, ela deixa de gerar todos
esses impactos causados pela garrafa PET.
PR- Em outro artigo no site é
dito sobre PET – “que tem produtos
tóxicos, interferentes endócrinos e
mesmo metais pesados em sua composição química”. Quais são esses
elementos nocivos e como, apesar
disso, as garrafas foram aprovadas
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(e reaprovadas regularmente) há
décadas para contato com alimentos
e bebidas por entidades regulatórias
modelos no ramo, como a agência
americana Food and Drugs Administration (FDA)?
Letycia- Infelizmente, nós hoje convivemos e consumimos uma série de produtos
que contém componentes químicos cujos
efeitos sob a saúde humana ainda são pouco
conhecidos. Cito o caso do bisfenol A (BPA),
presente também em garrafas PET (NR.– PET
não contém BPA), já banido em alguns países e no momento sob observação na FDA.
No Brasil, o Ministério Público está atuando
para que mamadeiras sejam fabricadas sem a
utilização de BPA. Tenho lido muitas pesquisas
sobre os efeitos nocivos dessa substância à
saúde humana, principalmente em crianças.
PR- Por quais razões apenas seis
restaurantes paulistanos aderiram até
agora à Iniciativa Água na Jarra?
Letycia- A Iniciativa Água na Jarra foi
lançada em 22 de março de 2010. Temos
(até o fechamento da edição) seis restaurantes que já aderiram e vários outros em
processo de adesão, inclusive em outras
cidades brasileiras. Não medimos o nosso
sucesso somente pelo número de adeptos,
mas também pelo poder multiplicador de
uma iniciativa de caráter essencialmente
educativo. Cada cliente desses restaurantes
que toma a água na jarra pode levar essa
ideia para casa e local de trabalho. A aceitação dos clientes à água na jarra superou
em muito nossas expectativas. Além disso
fazemos questão de medir o número de
garrafas que estão sendo “economizadas”
em nosso site. Somente nesse período já
foram mais de 34.000 garrafas. Para nós, o
número é bastante significativo.
Em relação às empresas, o que acontece é que a grande maioria delas já instalou
um filtro purificador em seus escritórios.
Muitas vezes essa troca é feita não só pela
questão da sustentabilidade e diminuição da
geração de resíduos, mas também porque
isso faz com que elas reduzam significativamente os gastos com compra de água.
Em tempo, em janeiro de 2011 tivemos a
primeira empresa, Progress Software, a
aderir formalmente à iniciativa.
PR- É sabido que águas premium
são envasadas em garrafas de vidro.
A iniciativa Água na Jarra também é
contra esse tipo de embalagem?
Letycia- É muito importante enfatizar
que a iniciativa não “é contra” nenhum tipo
de embalagem. Existem alguns casos onde a
água em garrafa PET é realmente necessária,
como nas cidades onde, por algum motivo,
a água está imprópria para consumo ou em
casos de grandes desastres ambientais. O
que fazemos é mostrar às pessoas que quando elas têm alternativas de consumo de um
mesmo produto que causa pouco impacto
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ambiental (água tratada/filtrada) versus uma
opção com grande impacto ambiental (água
em garrafa) e se essa troca é segura do ponto
de vista da saúde da pessoa, faz sentido que
se dê prioridade às opções de consumo que
causem os menores impactos.
A Iniciativa Água na Jarra tem caráter
voluntário – do restaurante que adere e do
cliente. Se ele não quiser a água em jarra
pode ser servida a água em garrafa de vidro
retornável. O restaurante apenas se compromete a não servir a água em garrafa PET, pois
entendemos que essa seria a opção com
mais impacto ao meio ambiente.
PR- No artigo “A sustentabilidade também começa pelo básico
na gastronomia”, postado no site,
recomenda-se a substituição nas
empresas de copos descartáveis por
recipientes reutilizáveis. Além de
tratar-se de uma alternativa criticável
do ponto de vista sustentável, devido
à água consumida nas lavagens do
recipiente, pairam dúvidas sobre a
excelência de sua higienização. Esses fatores não são levados em conta
na recomendação da troca de copos?
Letycia- Pelo contrário, o uso indiscriminado de descartáveis (inclusive dos copos
plásticos), é um dos fatores que mais contribui
para graves problemas ambientais que temos,
como o excesso de produção de lixo e a falta
de espaço para a construção de novos aterros
sanitários. A água consumida na lavagem dos
recipientes gera impacto muito menor do que
todos os outros impactos do ciclo produtivo
do plástico somados, já citados anteriormente
(etapas que inclusive incluem o consumo de
água). Um indivíduo capaz de lavar um copo
de água em sua casa também pode fazê-lo
na empresa em que trabalha. O importante é
que tenha um local adequado para lavar esse
recipiente, como uma copa ou cozinha. Eu,
sinceramente, não conheço ninguém que use
copos descartáveis de plástico em sua casa
por questões ligadas à higiene. Logo, esse
problema não existe e tudo é uma questão de
educação e de mudança de hábitos.
PR- Qual a posição da Água na
Jarra em relação a recipientes de plásticos originários de fontes renováveis?
Letycia- É uma alternativa mais interessante do ponto de vista ambiental, mas
ainda pode trazer graves problemas se o uso
for indiscriminado. Não sei se o plástico de
fonte renovável tem um tempo menor para
decomposição em relação ao plástico vindo
de fontes fósseis, por exemplo. De qualquer
forma, para qualquer tipo de material, o
fundamental é que o consumidor sempre
avalie se há possibilidade de praticar o R
de Reduzir (3R’s – Reduzir, Reutilizar e Reciclar). Para nós isso é essencial na busca
de um modelo de desenvolvimento que seja
mais sustentável.
PR- Nos EUA, as adesões à água
da bica ainda são incipientes em
cerca de 2-3 anos de movimento.
Como explica esse comportamento
do consumidor e quais as estratégias para dotar de alcance nacional
a conscientização do consumidor
pretendida pela Água na Jarra?
Letycya- Nos EUA o movimento
em prol do consumo da TAP Water, cuja
tradução correta seria água da torneira, é
muito grande. A venda de água em garrafa
vem caindo e todos os relatórios mundiais que falam sobre isso apontam esse
movimento como uma das causas dessa
queda. Além disso, os norte-americanos não
costumam consumir a água em garrafa nos
restaurantes – existe um hábito cultural do
consumo da água tratada, direto da torneira.
Qualquer cartilha de sustentabilidade para
restaurantes prega o consumo dessa água
em substituição à água em garrafa. Para se
ter uma ideia, estou lendo o terceiro livro
de autores americanos que se dedicaram
exclusivamente ao estudo dos impactos am-
bientais negativos causados pelo consumo
da água em garrafa.
Como já mencionei, estamos satisfeitas com os resultados alcançados pela
Iniciativa. Trabalharemos para ampliar o
número de adesões e por ampliar as nossas
ações de caráter educativo para disseminar a
importância do consumo consciente.
PR- O fato de PET ser a resina plástica mais reciclada no mundo e tendências
em voga para a embalagem, como a
redução da espessura ou mistura de PET
virgem com reciclado, não tornam essa
garrafa merecedora de mais simpatia
dos adeptos da Água na Jarra?
Letycia -Repito que não somos
“contra” nenhum tipo de embalagem.
Qualquer melhoria de performance ambiental de processos e produtos é bem
vinda, mas focamos nosso esforço em
conscientizar as pessoas para o consumo
responsável da água, priorizando a água
tratada/filtrada sempre que possível. Em
casos de emergência e de calamidades
ambientais entendemos que a água em
garrafa PET tem sim um papel importante.
PR- É sabido que a qualidade
da água potável no Brasil oscila
bastante, apesar das diretrizes regulatórias, conforme o local. Turistas
– em especial, do exterior – recebem
recomendações expressas para não
consumir água da bica em regiões
como o Norte, Centro-Oeste e Nordeste. Isso não colide com os propósitos
da iniciativa Água na Jarra?
Letycia- Todas as concessionárias
públicas de água estão obrigadas a seguir as
normas de potabilidade estabelecidas pela
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (An-
visa) e podem sofrer graves sanções se não o
fizerem. Além disso, sempre recomendamos
que a água tratada seja filtrada por um aparelho com qualidade certificada pelo Inmetro.
Isso garante um duplo padrão de qualidade e
previne possível contaminação que pode acontecer se a caixa d’água não tiver a manutenção
correta. Obviamente, nosso esforço educativo
é centrado nas pessoas residentes no país. Se
uma pessoa vive em uma área do Brasil onde
a água tratada está fora das especificações
estabelecidas pela Anvisa, ela tem que exigir
do poder público que esse problema seja solucionado. O acesso à água potável é um direito
dos cidadãos, reconhecido internacionalmente
pela ONU. Queremos justamente incentivar as
pessoas que conheçam mais sobre os mananciais que abastecem suas cidades e sobre quais
ações podem ser tomadas para protegê-los.
PR- Quais as metas concretas
da iniciativa Água na Jarra para
2011 e quando a iniciativa foi constituída e por quem?
Letycia- A Iniciativa foi criada por
mim e Maria Fernanda Franco em março de
2010 através da ONG Igtiba, da qual somos
diretoras. Fizemos isso porque entendemos
que esse tema é muito importante e alguma
instituição precisava falar sobre isso aqui no
Brasil. Além de falar e educar sobre essa
questão, tentamos também oferecer uma
ação concreta de mudança, que se dá pela
adesão dos estabelecimentos. É importante ressaltar que não nos consideramos
ambientalistas, temos formação em áreas
de negócio e carreiras feitas em grande
parte na área financeira. Tenho visto muitas
pessoas que, assim como nós, decidiram
mudar a carreira para trabalhar com o tema
da sustentabilidade.
PET apanha sem chiar
Avisada com folgada antecedência das declarações a Plásticos em Revista de Letycia Janot, a Associação Brasileira da Indústria do PET (Abipet)
se comprometeu a esclarecer os mal entendidos e equívocos afirmados pela
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entrevistada. O prazo expirou sem a entidade se manifestar.
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