Povoado da Torre - Marinha Baixa - NIA

Transcrição

Povoado da Torre - Marinha Baixa - NIA
Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos
POTOR
(Povoado da Torre)
RELATÓRIO FINAL
(2006)
Alexandre Sarrazola
Inês Mendes da Silva
Índice
1
INTRODUÇÃO
3
2
HISTÓRIA DA INVESTIGAÇÃO
6
2.1
OUTEIRO DA TORRE
7
2.2
MARINHA BAIXA
13
3
ENQUADRAMENTO HISTÓRICO-GEOGRÁFICO
18
3.1
ENQUADRAMENTO GEOMORFOLÓGICO
18
3.2
ENQUADRAMENTO HISTÓRICO
21
3.3
VIAS DE COMUNICAÇÃO
25
3.3.1
VIAS TERRESTRES
25
3.3.2
VIAS FLUVIAIS
26
4
TORRE /MARINHA BAIXA:DIACRONIA DE OCUPAÇÃO/ABANDONO
28
4.1
OUTEIRO DA TORRE
28
4.2
MARINHA BAIXA
30
5
ANÁLISE ARTEFACTUAL
38
5.1
CERÂMICA COMUM
38
5.2
VIDROS
50
5.3
TERRA SIGILLATA
63
5.3.1
OUTEIRO DA TORRE – O ESPÓLIO
67
6
ANÁLISE CONTEXTUAL
69
6.1
CONDIÇÕES PARA A PRODUÇÃO/RECICLAGEM DE VIDRO
70
6.2
MARINHA BAIXA: UM CENTRO DE PRODUÇÃO/RECICLAGEM DE VIDRO NO
NOROESTE PENINSULAR?
75
7
CONCLUSÃO
81
7.1
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-ARQUEOLÓGICA
81
7.2
POTOR: OBJECTIVOS E RESULTADOS
86
8
BIBLIOGRAFIA
90
9
FICHA TÉCNICA
94
Anexo 1 – ACÇÕES DE DIVULGAÇÃO
97
Anexo 2 – CATÁLOGO DE VIDROS / TERRA SIGILLATA
99
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
2
1
INTRODUÇÃO
O presente projecto de investigação surgiu na sequência da realização de uma série de
trabalhos arqueológicos na área de Cacia desde 19991. e teve como objectivo
fundamental a avaliação do potencial arqueológico do Povoado da Torre integrado no
contexto da rede de povoamento da região do Baixo Vouga. Neste sentido, e por forma a
atingir este fim, propusemo-nos aos seguintes objectivos:
Objectivos genéricos
•
Avaliação do potencial arqueológico do Povoado da Torre, assumida como
contributo para o conhecimento da rede de povoamento da região do Baixo Vouga
no contexto da ocupação romana do actual território português.
•
Abordagem interdisciplinar ao conhecimento da evolução da paisagem litoral na
zona do Baixo Vouga no que concerne às suas implicações históricoarqueológicas.
•
Valorização do contributo da investigação arqueológica na construção da memória
colectiva/ local, entendida enquanto elemento estruturante de identidade e como
garante do exercício da cidadania.
Objectivos específicos
•
Avaliação do grau de preservação das evidências materiais de carácter
arqueológico jazentes no sítio da Torre, sabendo que o local foi objecto de uma
actividade continuada de extracção de saibro durante a primeira metade do século
XX.
•
Elaboração de um quadro preliminar de caracterização diacrónica da ocupação do
espaço da Torre.
•
Aferição de eventuais relações sincrónicas entre o povoado da Torre e a Marinha
Baixa durante o intervalo de tempo que caracteriza cronologicamente a ocupação
desta última (séc. IV-VI). Pretendemos, desta forma, testar a nossa hipótese
interpretativa de identificação da Marinha Baixa enquanto espaço de funções
1
Para um conhecimento integral dos resultados destes trabalhos cf.ERA Relatório de Trabalhos Arqueológicos. Sistema
Multimunicipal de Saneamento da Ria de Aveiro. Prospecções e acompanhamento de obras, n.º 1, Jan. 1999 – n.º 36, Dez.
2001, [textos policop.];. SARRAZOLA, A., BORGES-COELHO, M. (2000) Relatório dos trabalhos arqueológicos. Marinha
Baixa / E.E.I.G. 1 (Cacia), ERA, [texto policop.] e SARRAZOLA, A., MENDES DA SILVA, I., MELRO, S. (2001) Relatório
dos Trabalhos Arqueológicos. Intervenção Arqueológica de Emergência. Marinha Baixa/ EEIG1 (Cacia). Segunda
campanha (Sondagens 4 e 5), ERA, [texto policop.].
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
3
especializadas associado ao sítio da Torre (SARRAZOLA, MENDES DA SILVA,
MELRO, 2001).
•
Confirmação/ infirmação da ocorrência de fases de ocupação da Torre anteriores
e posteriores ao intervalo de tempo atestado na Marinha Baixa (séc. IV-VI),
através da obtenção de dados estratigráficos.
•
Aferição de eventuais especificidades do povoado da Torre, no que concerne à
sua implantação geográfica e ao seu contexto geomorfológico e respectivas
implicações históricas; através da colaboração com especialistas em estudos
paleoambientais.
•
Realização de acções de divulgação dos resultados da investigação arqueológica
junto das populações locais, dando continuidade a iniciativas empreendidas em
articulação com a Junta de Freguesia de Cacia no decurso do ano 2000.
•
Determinação de uma estratégia de continuidade do projecto (após a avaliação do
potencial arqueológico da Torre), definida em função dos dados decorrentes da
sua realização.
Dado os resultados obtidos no decorrer da intervenção arqueológica realizada no sítio da
Torre (Cf. Relatório Final dos Trabalhos Realizados no sítio da Torre – Cacia, Aveiro),
optámos por uma alteração de estratégia no que concerne aos objectivos basilares deste
projecto. Desta forma, e tendo em consideração que no decorrer da intervenção realizada
no sítio da Torre não foram identificados contextos arqueológicos preservados, tendo-se
verificado que grande parte do topo do cabeço terá sido fortemente afectada pela
extracção de saibro que aí se verificou durante várias décadas, foi proposto ao Instituto
Português de Arqueologia (solicitação enviada a 6 de Maio de 2004) o estudo do espólio
exumado no decorrer das intervenções realizadas na Marinha Baixa, sítio por nós
interpretado como subsidiário da Torre.
Não obstante, foi registada a presença de alguns materiais que apontam para a
ocupação do cabeço em época romana tardia, como sejam o caso de alguns vidros e
fragmentos de sigillata (embora estes apareçam descontextualizados, num depósito cuja
formação terá ocorrido durante a laboração da pedreira, ou na camada de superfície
cujas terras se desconhece a proveniência), corroborando, ainda que parcelarmente, a
hipótese de trabalho preliminarmente apresentada relativa a uma ocupação tardo-romana
do sítio. Contudo, o objectivo de proceder à elaboração de um quadro de caracterização
diacrónica de ocupação do espaço da Torre, assim como o de avançar com novos dados
para o conhecimento da evolução da linha de costa na região do Baixo Vouga revelou-se,
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
4
na área sondada, impossível de concretizar. Tal facto não invalida, no entanto, que
noutras áreas do outeiro não sondadas ainda se encontrem contextos arqueológicos
preservados.
O trabalho que agora se apresenta pretende expor os resultados obtidos com a análise
do espólio exumado de ambos os sítios (Outeiro da Torre e Marinha Baixa), procurando
através desta a sua integração na rede de povoamento tardo-romano na região do Baixo
Vouga, considerando não só os aspectos artefactuais mas também a evolução
geomorfológica daquele espaço e consequente utilização das redes viária e fluvial.
Consideramos que a relativa escassez de dados arqueológicos que caracteriza o estado
actual dos nossos conhecimentos em relação ao povoamento antigo, nomeadamente no
período tardo-romano/alto-medieval, do Baixo Vouga, justifica-se mais pela fraca
frequência de iniciativas de investigação neste campo – salvaguardando as excepções
que são do conhecimento público – do que por uma efectiva ausência de objectos de
estudo.
Orientado pelos objectivos que acima apresentamos, este projecto pretende constituir um
contributo no quadro do programa de abordagem ao conhecimento da região do Baixo
Vouga no contexto da ocupação romana do actual território português.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
5
2
HISTÓRIA DA INVESTIGAÇÃO
A assumida associação Outeiro da Torre/ Marinha Baixa constitui, obviamente, uma
proposta interpretativa. Fundamentam-na o acervo de dados recolhidos na Marinha Baixa
e o estado actual dos nossos conhecimentos a propósito do Sítio da Torre. A título de
exemplo, mencione-se a correspondência crono-tipológica entre o conjunto de vidros
recolhidos na Marinha Baixa2 e a colecção proveniente da Torre, publicada em 1963 por
Jorge e Adília Alarcão (ALARCÃO, J., ALARCÃO, A., 1963: 381-389) e os dados relativos
ao estudo de materiais que adiante se expõem neste relatório.
Em 1958, Dulce Souto escrevia: “Não há dúvida que o cabeço onde foi outrora o lugar da
Torre (...) tem uma configuração que bem nos permitia integrá-lo no número dos castros
do litoral, pois aproveita de boa posição natural para a defesa” (ALVES SOUTO, 1958:
18). Em função da bibliografia arqueológica e dos dados disponíveis em 1993, diz-nos
António M. da Silva: “(...) em Cacia, (...) não se conhecem com segurança materiais préromanos” (SILVA, A.M., 1993: 435). De facto, não há qualquer informação publicada a
propósito da Torre, assim como decorrente das nossas intervenções que ateste uma
ocupação pré-romana daquele espaço.
Na Marinha Baixa, a aparente ausência de contextos de ocupação doméstica, a presença
de estruturas associáveis a actividades de produção e a proximidade à Torre, orientamnos no sentido de a interpretar como espaço industrial associado àquele povoado e,
eventualmente, situado na sua imediata periferia. Ao abordar os centros de produção
cerâmica romano-britânicos, diz-nos Vivien Swan: “(...) eram frequentemente periféricos
em relação aos povoados, por vezes junto aos seus limites exteriores ou, até, em
pequenas áreas industriais associadas aos povoados” (SWAN, 1984: 6), aludindo, mais
adiante, à cláusula da legislação de Urso (Osuna; Espanha) onde se proibia a produção
de cerâmica comum e telha dentro daquela colónia (BRUNS, 1909, pt. I, 128, Lex
Ursonis, LXXVI, apud SWAN, 1984: 49), supostamente, segundo a autora, prevenindo a
ocorrência de incêndios, mas também pelo facto das receitas de uma colónia advirem
parcialmente das olarias municipais concorrentes de produtores privados que, desta
forma, não estariam autorizados a estabelecer-se dentro dos limites urbanos. A este
respeito, J. Alarcão e R. Étienne afirmam que Conimbriga seguia com certeza a
2
Cf. infra Capítulo 6 Análise Artefactual. Vidros.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
6
legislação romana que exigia que o forno de cerâmica se localizasse fora dos limites do
território urbano (ALARCÃO J., ÉTIENNE, R., 1977: 23).
Efectivamente, se numa primeira instância se aventou a hipótese de estarmos perante
uma unidade de produção cerâmica, o desenvolvimento da nossa investigação e os
dados de que actualmente dispomos inclinam-nos forçosamente a admitir a presença na
Marinha Baixa de estruturas associadas a actividades de produção secundária
(reciclagem) de vidro. A respeito desta temática (em termos gerais), é sabido que, no
Noroeste Peninsular, as produções comuns de vidros, relacionadas com o quotidiano e
maioritariamente com o mundo doméstico, sem grandes ambições técnicas ou
estilísticas, e geralmente de origem regional ou local, se espalham territorialmente, ainda
que evidentemente dentro de distância menores [que as das produções de luxo] de
acordo com o seu carácter de produtos realizados em oficinas possivelmente muito
pouco especializadas (XUSTO, 2001: 84).
2.1
OUTEIRO DA TORRE
O conhecimento formal da presença de um sítio arqueológico em Cacia, mais
concretamente junto à Igreja de S. Julião, remonta a 1561, ano da publicação da
“Chorographia de alguns lugares (...)” de Gaspar Barreiros.
O autor da Chorographia identifica o local como os vestígios da antiga cidade de
Talábriga (apud ROCHA MADAHIL: 1941; 231), e adianta:
“N’a qual villa & igreja de Sanct. Juliã nas ribeiras de Vouga situadas, se acham vestigios
antigos. / . os fundamentos da huma torre que na memoria dos homens inda stava quasi
inteira, onde em outro tempo segundo ficou fama de huns em outros chegaram navios da
foz do mar, porque inda ali se acharam pedaços d’elles & anchoras juncto da dicta torre
em huma
lagoa. Afora muitos vestigios & ruinas de argamassa que dentro em seu
ambito comprehende huma milha pouco mais ou menos.” (sublinhado nosso;apud
ROCHA MADAHIL: 1941; 232,233).3
3
Não pretendendo, de forma alguma, submeter os dados da investigação arqueológica à informação historiográfica disponível, nem extraír
da leitura do trecho citado qualquer espécie de conclusão prévia, é inevitável constatar que os vestígios arquitectónicos postos a descoberto
na Marinha Baixa se localizam dentro dos limites da “milha” referida pelo corógrafo de quinhentos.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
7
Na “Discripção do Reino de Portugal”, de 1599, Duarte Nunes de Leão afirma a propósito
de Talabrica:
“(…) foi junto de Aveiro, na Ribeira do Vouga, onde agora há um logarinho que se chama
Cacia, onde está a Igreja de S. Julião, de que não há mais que esta notícia” (apud
Rangel de Quadros: 1911-1916; 4)
O sítio é referenciado amiudadas vezes ao longo da história da Arqueologia Portuguesa
no contexto da problemática da situação conjectural de Talábriga. No início do nosso
século, Félix Alves Pereira afasta definitivamente a hipótese da localização da cidade
antiga na zona de Cacia, em artigo publicado no Archeólogo Português (PEREIRA:
1907).
Na sequência de uma breve e superficial menção ao sítio em Origens da Ria de Aveiro
(SOUTO; 1923: 129), Alberto Souto publica em 1930 A Estação Arqueológica de Cacia.
O autor fora alertado para a descoberta de um pondus e um fragmento de cerâmica
ornamentada por Sebastião de M. Lima que, em 1929, explorava, no local, uma pedreira
(cascalheira). Em visita ao sítio, Alberto Souto identifica “um montão de pedras em
granito que logo” constatou “serem de velhas construções e absolutamente estranhas à
geologia local” (SOUTO; 1930: 8), assim como no “corte das pedreiras abertas, uma
camada de cacos e destroços de habitações” que “se estendia por todo o terreno, a um
metro, pouco menos, da superfície do solo arável e cultivado (...) onde abundavam os
fragmentos de louça e as pedras de granito e xisto, de construções demolidas”. Refere,
mais adiante, a presença de fragmentos de “colo de ânfora, misturados com tegulae,
imbrex e tijolo, restos de cozinha, ossos de caça4, cascas de molusco, e uma grande
extensão de cinzas e carvão”, e acrescenta a informação indirecta de que “daí se têm
desenterrado há muitos anos louça, ancoras, ferragens, moedas de ouro, prata e cobre,
mós, fornos, restos de esqueletos humanos, ossos, etc.” (SOUTO; 1930; 9).
Com base nas evidências materiais registadas no local, assim como nas informações
indirectas a este concernentes, o autor conclui que “ali existiu, em tempos remotos, há
2000 anos, aproximadamente, uma povoação possivelmente lusitano-romana que deve
ter desempenhado um papel importante na vida marítima e fluvial da foz do Vouga, uma
4
Note-se que, na Marinha Baixa, a quase total ausência de restos de fauna (uma única amostra relativa a um fragmento de osso proveniente
da U.E. 2057) constitui, entre outros, um dos dados que nos conduziu no sentido de afastar a hipótese de uma eventual associação deste
espaço a contextos domésticos.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
8
citânia ou um castrum, talvez um oppidum; um povoado do género de Guifões na foz do
Leça e Santa Olaia na foz do Mondego (...)” (SOUTO; 1930: 17).
Não obstante afirmar que “quase todo o outeiro tem sido revolvido, cortado, desfeito,
consideravelmente diminuído, principalmente na sua face sul” (SOUTO; 1930; 17), o
Director do Museu Nacional de Aveiro (onde desde então se encontra depositado o
espólio) conclui reforçando, a par com Mendes Correia, a “grande importância” da
estação “sob o ponto de vista arqueológico” (SOUTO; 1930: 19).
Em 1942 é dado à estampa um novo artigo de Alberto Souto, Romanização no Baixo
Vouga – Novo oppidum na zona de Talábriga, publicando o aparecimento, em Cacia, “de
importantes restos metálicos”, “entre eles um soberbo L de bronze dourado, certamente
comprovativo da importância arquitectónica de algum edifício da cidade destruída”
(SOUTO; 1942: 288).O mencionado L é documentado fotograficamente (1942: 287),
assim como o são uma anforeta (1942: 295), cerâmica comum (1942: 298) e cerâmica de
construção (1942:302) provenientes do Sítio da Torre, então nomeado assumidamente
como o Castro Luso-Romano de Cacia.
Em 1958 Dulce E. Alves Souto publica Subsídios
para uma Carta Arqueológica do
distrito de Aveiro no período da romanização. A propósito do “chamado castro de Cacia”
afirma: “Não há dúvida de que o cabeço onde foi outrora o Lugar da Torre, a poente da
Igreja de S. Julião, tem uma configuração que bem nos permitia integrá-lo no número de
castros do litoral, pois aproveita de boa posição natural para a defesa” (ALVES SOUTO;
1958: 18). Problematiza, adiante, que “poderá ter sido de facto um castro depois
romanizado, ou somente uma ampla villa romana”, tomando o partido da primeira
hipótese. E conclui a abordagem ao sítio reforçando que “ainda hoje, em visita ao local,
muito revolvido, não é difícil encontrar restos de tegulae e outros vestígios dessa
passagem dos romanos por aquela zona cujo antigo topónimo se perdeu.”(no apêndice
fotográfico deste artigo é publicada a fotografia de uma lucerna recolhida em Cacia).
(ALVES SOUTO; 1958: 19, 34)
Em 1963 Jorge e Adília Alarcão publicam na Revista de Guimarães (ALARCÃO, J.,
ALARCÃO, A.: 1963; 381-393) uma colecção de vidros romanos provenientes da Torre,
depositados no Museu de Aveiro por Alberto Souto. A cronologia definida para estes 20
fragmentos
(19 taças e 1 copo) incide maioritariamente no intervalo de tempo
compreendido entre os séculos IV e V (para 17 casos); entre a primeira metade do séc.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
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IV e o séc. VI, para 2 das peças representadas; e do séc. IV ao início do séc. VII para um
fragmento de taça5.
Em 1976 é João Sarabando quem faz regressar o Lugar da Torre ao panorama da
bibliografia
arqueológica portuguesa publicando Numisma com a efígie de Honório.
Contributo para o estudo da presença romana em Cacia. O autor nomeia os efeitos
negativos da pedreira que existiu no local, informando que ”no dizer de testemunhas
fidedignas, de velhos moradores da freguesia, o outeiro ficou reduzido de dez a doze
metros na sua altura primitiva” (SARABANDO; 1976: 37)6.
Sarabando faz publicar o registo fotográfico de uma moeda de ouro encontrada “na
Torre” durante a limpeza do antigo poço local. Nos anos cinquenta, o autor teve acesso a
“fotografias do anverso e reverso da moeda” cedidas pelo seu terceiro proprietário.
Remeteu-as “mais tarde ao numismólogo portuense Sousa Oliveira”, redactor do parecer
que é transcrito no seu artigo (SARABANDO; 1976: 37). Sousa Oliveira identifica
cronologicamente a moeda com o Imperador Honório (395-423), adiantando a hipótese
de se tratar de uma cunhagem sueva dos séculos V/VI, conclusão aferível
exclusivamente através do seu peso, dado com o qual obviamente não contava, por
apenas ter acesso ao registo fotográfico (SARABANDO; 1976: 39).
No mesmo artigo são publicadas fotografias de “fragmentos de uma estatueta e de uma
armela em bronze encontrados no sítio da Torre” (1976: 37), de cerâmica (1976: 23) e
uma fotografia aérea do outeiro (1976: 39).
Sarabando conclui afirmando que, não obstante a perda irremediável de um “avultado
número de documentos”, “outros ainda existirão, importando rastreá-los sem demora e
estudá-los convenientemente(...)”(1976:40).
O Sítio da Torre é referenciado por Jorge Alarcão em Roman Portugal, com menção à
sua localização e ao seu espólio: “(...)cerâmica e um L de bronze, proveniente de alguma
5
Este enquadramento cronológico foi posteriormente problematizado pelos mesmos autores.
6
De facto, a diferença entre a cota topográfica do topo do Outeiro da Torre registada em fins do século XIX (FOLQUE, F.: 1870) - 10 m – e
aquela que consta no levantamento militar de 1972 (C.M.P. f. 174) – 8 m – corresponde, efectivamente, a dois metros. Se tivermos em conta
que a mencionada pedreira laborou no local em meados do século XX, a informação de Sarabando é susceptível de algumas
reservas.Refira-se que a cota do ponto mais elevado do Outeiro da Torre que topografámos, aquando do início dos nossos trabalhos,
apresentava o valor de 7.72 m.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
10
inscrição em elemento arquitectónico; uma armela de sítula, um bronze figurativo e um
aureus de Honório; e vidros”. (ALARCÃO; 1988; 92).
N’ “As cidades marítimas da Lusitânia”, comunicação apresentada em 1988, Vasco
Mantas afirma que a Sul do Porto (Cale) e de Gaia (Cerro Oppido), “o primeiro local
identificável com uma povoação de certa importância, junto à costa, é Cacia, na margem
esquerda do curso terminal do Vouga. Esta estação pertencia ao território de Talábriga e
corresponde provavelmente ao porto de embarque dos minérios provenientes da
exploração das minas de cobre e de ferro da zona de Albergaria–a-Velha e de Sever do
Vouga”(MANTAS, V.; 1990: 158)
Registe-se ainda a importância do texto de divulgação de Bartolomeu Conde – História
resumida da milenária povoação luso-romana estabelecida no sítio da “Torre” nas ribeiras
do Vouga em Cacia – publicado em 1997 pela Junta de Freguesia de Cacia, reflexo
evidente do peso deste sítio arqueológico no âmbito da história regional/local.
Finalmente, em prospecções realizadas no Outeiro da Torre em 1999, no âmbito dos
trabalhos de acompanhamento arqueológico das obras do Sistema Multimunicipal de
Saneamento da Ria de Aveiro, a nossa equipa registou, naquele espaço, a presença de
fragmentos de tegulae, imbrex e cerâmica comum (áreas ocidental, setentrional e topo) e
um fragmento de fundo de paredes finas (topo do outeiro).Casualmente, numa obra que
decorria a cargo da Câmara Municipal de Aveiro no sopé sud-oriental do outeiro,
registou-se a presença de uma estrutura de pedra seca, em xisto, “alicerçada no topo do
substracto geológico, ao longo de uma extensão de cerca de oito metros e apresentando
altura e largura médias de 30 e 40 cm, respectivamente, coerente com as descrições
concernentes ao Sítio Arqueológico da Torre patentes na bibliografia que particularmente
se lhe refere” (SARRAZOLA, A., 1999), contudo, muito diferente daquelas que foram
registadas na Marinha Baixa.
Observações posteriores efectuadas sobre uma fotografia aérea da zona permitiram
constatar, com alguma segurança, a presença de uma estreita faixa curvilínea localizada
a Sul do Outeiro da Torre, orientada no sentido Sudoeste – Nordeste, correspondente –
com toda a probabilidade – ao muro que detectámos no local.7 Na mesma imagem
fotográfica é possível observar uma linha circular que, aparentemente, circunscreve o
espaço da Marinha Baixa. Note-se que já numa fotografia aérea de 1958 havíamos
7
Fotografia aérea consultada em http://geocid-snig.cnig.pt
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
11
constatado a
presença na Marinha Baixa de uma faixa de planta subrectangular
justaposta a uma outra parabolar (USAF, 1958, 174, Rol. 45, n.º 3515).
Figura 1 – Fotografia aérea do Outeiro da Torre (anos 90)
Na Carta Arqueológica do Concelho de Aveiro, publicada muito recentemente por Carlos
Brochado de Almeida e Francisco Fernandes (2001), os autores atribuem particular
destaque ao povoado da Torre, reforçando “sérias dúvidas” em classificar o sítio como
“habitat da Idade do Ferro” (2001:24) e, remetendo para as intervenções realizadas pela
nossa equipa na Marinha Baixa, afirmam: “Ajudam e de que maneira às nossas
interrogações, as escavações que foram realizadas junto à fábrica de Cacia (...)”,
acrescentando adiante que os vestígios romanos detectados ocasionalmente na Torre “e
agora de forma sistemática com a escavação arqueológica da SIMRIA [Marinha Baixa]”
Finalmente, no âmbito de uma tentativa de enquadramento histórico dos contextos de
abandono da Marinha Baixa-Torre, propusemos a hipótese de trabalho, numa assumida
extensão regional do modelo de López Quiroga (2001) para o Entre Douro e Vouga
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
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Litoral, da Torre integrar o número de castros (re)ocupados no decurso da Antiguidade
Tardia8 (SARRAZOLA, 2003:160).
Finalmente, no âmbito do Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos, o Outeiro da Torre
foi objecto de uma intervenção arqueológica de prospecções sistemáticas e escavações
em curso em Novembro de 2003. Com o objectivo fundamental de avaliar o potencial
arqueológico do sítio– perspectivado no contexto da rede de povoamento da região do
Baixo Vouga no decurso da ocupação romana do actual território português – o projecto
veio dar sequência a uma série de trabalhos arqueológicos realizados em Cacia entre
1999 e 2004 no âmbito das acções de acompanhamento arqueológico das obras do
Sistema Multimunicipal de Saneamento da Ria de Aveiro (SIMRIA) a cargo da empresa
ERA – Arqueologia SA.. A este objectivo basilar subjaz um programa de intenções que,
como já foi mencionado, podemos sintetizar da seguinte forma:
•
Caracterização arqueológica do Povoado da Torre e respectivas implicações
contextuais;
•
Abordagem interdisciplinar ao conhecimento da evolução da paisagem litoral na
zona do Baixo Vouga;
•
Valorização do património/ conhecimento arqueológico junto das populações
locais
Através da avaliação do potencial arqueológico do Povoado da Torre (e da aferição do
grau do seu estado de preservação) – a realizar no âmbito deste projecto – era nosso
objectivo proceder à elaboração de um quadro preliminar de interpretação/ caracterização
da diacronia de ocupação da Torre, procurando estabelecer relações sincrónicas entre
este espaço e as realidades que já conhecíamos em virtude das intervenções que
efectuámos na sua periferia.
2.2
MARINHA BAIXA
Na sequência da detecção de contextos arqueológicos em Julho e Outubro de 1999, (no
decurso do acompanhamento das obras, a cargo da SIMRIA SA, de implantação do
Sistema Multimunicipal de Saneamento da Ria de Aveiro) e por deliberação do Instituto
8
López Quiroga alude à zona costeira do Noroeste como um “âmbito espacial extremamente ligado a uma forte actividade comercial de
importação durante toda a Antiguidade Tardia que não se interrompe nem se contrai com a instalação e chegada dos Suevos”, mencionando
a existência de “razões de tipo geo-económico para a ocupação ou reocupação dos antigos castros, uma vez que estes contribuiriam para
manter e, sobretudo, proteger a intensa actividade comercial que se observa durante este período por meio de uma série de sítios
fortificados de altura localizados em antigos castros com relação com os eixos principais da rede viária e hidrográfica” (2001:84).
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
13
Português de Arqueologia, a Marinha Baixa (localizada a cerca de 325 m – no sentido
Sudeste / Noroeste - do Sítio Arqueológico da Torre: CMP 174;M – 39 340; P 113 740)
foi objecto da realização de cinco sondagens arqueológicas, efectuadas em duas fases
nos anos de 1999 e 20009. Em 2002, no âmbito dos trabalhos de construção da ETAR
Norte, a área das sondagens foi protegida com geotêxtil e aterrada, sendo que, na área
da Sondagem 1, se procedeu ao desmonte acompanhado dos muros jazentes naquele
espaço (todas estas acções foram realizadas com autorização do IPA). Nas linhas que se
seguem, apresentaremos uma breve síntese dos resultados das sondagens realizadas no
local.
A Marinha Baixa é interpretada como lugar periférico associado ao Sítio arqueológico da
Torre (Cacia). Em função dos dados disponíveis, é possível traçar uma diacronia de
ocupação do sítio definida em duas fases de cronologia tardo-romana, caracterizadas por
um tipo de utilização do espaço especializada e de carácter plurifuncional, e uma terceira
fase de cronologia indeterminada. Relativamente às duas primeiras fases, datadas do
século IV à primeira metade do século VI, correspondem, com toda a probabilidade, a
uma ocupação continuada da Marinha Baixa enquanto área industrial localizada na
periferia do Sítio da Torre.
A primeira fase corresponde ao momento de construção/ utilização de dois recintos
delimitados por muros pétreos sobrepostos por construções de terra amassada,
circunscrevendo a área de funcionamento de um forno cujos componentes argilosos e
materiais cerâmicos associados foram objecto de análises arqueométricas. Os resultados
destas análises conduziram à rejeição de uma hipótese interpretativa que associava o
forno à produção de cerâmica. Análises elaboradas sobre amostras recolhidas numa
outra estrutura de combustão, localizada em espaço contíguo, produziram resultados
similares.
9
Os trabalhos de sondagem arqueológica foram efectuados pela ERA Arqueologia SA sob a responsabilidade científica de Alexandre
Sarrazola e Mafalda Borges Coelho nas sondagens 1, 2 e 3 - e de Alexandre Sarrazola, Inês Mendes da Silva e Samuel Melro – nas
sondagens 4 e 5, tendo os respectivos relatórios finais sido aprovados pelo IPA.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
14
Estrutura F
Estrutura G
MB 3
MB 1
Local de recolha das amostras
AMOSTRA
TEMPERATURA
ESTRUTURA F
Material argiloso
não superior a 450º C
Fragmento cerâmico MB3
T < 600º C
T > 500º C
ESTRUTURA G
Material argiloso
não superior a 450º C
Fragmento cerâmico MB1
T > 900ºC
T > 1100º C
Fragmento cerâmico MB2
T < 600º C
T > 500º C
Tabela 1 - Análise mineralógica de materiais cerâmicos e argilosos por difracção de raios
–X
Avaliação de temperaturas de cozedura (Mª Isabel Marques Dias - Grupo “Património
Cultural e Ciências” / I.T.N.)
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
15
Note-se que as análises mineralógicas por difracção de raios X realizadas sobre uma
amostra de argila proveniente de um componente estrutural do forno - registado in situ - e
um fragmento de cerâmica interpretado como procedente de uma peça supostamente
cozida naquela estrutura de combustão – produziram resultados que não corroboram a
correspondência hipoteticamente estabelecida. I. e., a amostra de argila esteve exposta
a temperaturas nunca superiores a 450º C, ao passo que
a amostra de cerâmica
“pressupõe temperaturas de cozedura não superiores a 600ºC (eventualmente superiores
a 500ºC)” (DIAS, M.I., 2001). É possível, face ao exposto, afirmar inequivocamente que o
mencionado artefacto cerâmico não foi cozida naquele forno. Se tivermos em conta que
a amostra de argila foi recolhida sob a superfície da câmara de cozedura, a identificação
desta estrutura como forno de produção de cerâmica (caracterizados por atingir, regra
geral, temperaturas superiores a 700ºC/900ºC) torna-se, a partir dos dados disponíveis,
dificilmente sustentável10.
Na segunda fase de ocupação integrámos as evidências estruturais associadas a uma
profunda reorganização dos espaços funcionais. Neste impulso de transformação
organizacional inserimos a implantação de um pavimento de terra batida, a edificação e
reconstrução de estruturas arquitectónicas e de uma plataforma de tipo empedrado,
assim como a abertura de um série de estruturas negativas. Aparentemente, estamos
perante um sistema de estruturas inter-relacionáveis, associadas a uma linha de água
que o delimitaria a ocidente.
A Fase III corresponde a um momento de submersão do espaço da Marinha Baixa,
caracterização documentada pelo nivelamento (por acção hidráulica) dos derrubes das
construções de terra da fase anterior e pela presença de um vasto conjunto de buracos
de poste. Do ponto de vista cronológico, não foi possível mais do que a atribuição de uma
datação lata post quem a partir do séc. VI d.C.
A cultura material concernente às duas primeiras fases de ocupação (cerâmica comum,
vidros e terra sigillata Clara D) é susceptível de datações relativas a um intervalo de
tempo entre o século IV e a primeira metade do século VI.
10
A este respeito cf. DIAS, Maria Isabel, Análise mineralógica de materiais cerâmicos e argilosos por difracção de raios x.
Avaliação de temperaturas de cozedura, ITN, em Anexo a SARRAZOLA, MENDES DA SILVA, MELRO (2001) Relatório
dos Trabalhos Arqueológicos. Intervenção Arqueológica de Emergência. Marinha Baixa/ EEIG1 (Cacia). Segunda
campanha (Sondagens 4 e 5), ERA, [texto policop.]; e SARRAZOLA, MENDES DA SILVA, BORGES COELHO; MELRO
(2001), Intervenções Arqueológicas na Marinha Baixa. Resultados preliminares, Era. Arqueologia,n.º3.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
16
Para além das realidades acima descritas no decorrer do acompanhamento arqueológico
foram detectadas mais cinco estruturas de combustão. Um destes contextos foi
intervencionado revelando uma associação directa entre um depósito exclusivamente
constituído por fragmentos de vidro tardo-romano e os restos de um pequeno forno11.
Estes elementos, em articulação com os dados anteriormente recolhidos no âmbito das
sucessivas intervenções, permitiram alargar o nosso conhecimento relativamente aos
limites espaciais deste centro de produção.
Em suma, a Marinha Baixa só pode ser amplamente perspectivada à escala do seu
contexto local/ regional. Um tal enfoque implica a incidência de uma especial atenção
sobre um lugar central – o Sítio da Torre – num enquadramento global. Parece legítimo
aventar - pelo menos como hipótese de trabalho – a probabilidade da sua implantação
geográfica na linha de costa, junto à foz do Vouga, curso navegável até Cabeço do
Vouga; este último sobranceiro ao traçado da Via Olisipo – Bracara.
11
Cf. Sérgio GOMES, Alexandre SARRAZOLA, Relatório de Progresso 40, Abril de 2002
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
17
3
3.1
ENQUADRAMENTO HISTÓRICO-GEOGRÁFICO
ENQUADRAMENTO GEOMORFOLÓGICO
Tanto o sítio da Torre como a Marinha Baixa localizam-se no lugar de Sarrazola
pertencente à freguesia de Cacia (CMP, f. 174 - Torre: M: -39340.18; P : 113648.82; Z:
6.90; Marinha Baixa:M – 39 093.55; P 113 434.29; Z 3.10), no concelho de Aveiro.
Figura 2 – Localização da Torre e da Marinha Baixa
A Torre localiza-se no pequeno cabeço localizado a Este do estradão na margem
esquerda do Vouga e sobranceiro a um braço da ria, a uma cota de c. 8 m e,
actualmente, os terrenos são utilizados para actividades agrícolas e como pastagens de
gado bovino, no entanto, entre os anos 20 e 60 do século passado estes terrenos tiveram
intensa extracção de pedra e areia para fabricar brita e adobe utilizados na construção
civil.
A Marinha Baixa, por outro lado, foi terreno de cultivo até há escassos anos, e está
situada na margem esquerda da Bacia do Vouga, a jusante da curva fluvial
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
18
interseccionada pela linha ferroviária do Norte e a montante do Rio Novo do Príncipe. É
limitada a Ocidente por uma pequena linha de água, bordejada por renques de
salgueiros, que desagua a Norte, na Ribeira do Vouga, realidade geográfica que constitui
a sua fronteira setentrional. Nesta direcção estende-se a vasta planura descendente da
margem esquerda da bacia fluvial, densamente povoada de vegetação lagunar. É esta
uma zona de fronteira entre os terrenos permanentemente alagados da larga faixa
ribeirinha e a zona seca – contudo alagável – meridional12. A Oriente e a Sul, numa
rotação ascendente, observa-se uma paisagem marcadamente antropizada por campos
de cultivo e habitações rurais. Em acentuado contraste com a zona marginal do Vouga e
o enquadramento rural, a paisagem é profundamente marcada pela presença do
complexo industrial da Portucel, a Este, da ETAR Municipal de Cacia, a Oeste, e da
Estação Elevatória IG 1 a Sul. O espaço onde se situa a Marinha Baixa integrou o
projecto de execução da ETAR Norte, na zona setentrional dos limites do
empreendimento.
Geologicamente tanto o sítio da Torre como a Marinha Baixa localizam-se em depósitos
de praias antigas do Plio-Plistocénico. “Estes depósitos são formados, essencialmente,
por leitos de areias e cascalheiras de calhaus rolados, às vezes muito espessos. (...)As
areias podem ser finas ou grosseiras. São habitualmente, claras. (...)Sobre estes
depósitos repousa, quase sempre, cobertura areno-pelítica fina, amarelada, às vezes
espessa. (TEIXEIRA, C., ZBYSZEWSKI, G., C.G.P. f. 16-A; 1976). A zona da Marinha
Baixa é debruada a Noroeste pela faixa de “arenitos e argilas de Aveiro - série “fluviomarinha de Choffat” (Cretácico), que constitui o limite geológico entre o espaço de Cacia,
Aveiro, Ílhavo e a Ria. Conforme se pode ler na Notícia Explicativa da Carta Geológica de
Portugal (IDEM., C.G.P., Aveiro, f. 16-A; 1976: 13), “estas formações, em grande parte
cobertas por depósitos modernos, podem observar-se nos vales das numerosas linhas de
água que as sulcam ou nos barreiros em que aquelas rochas são exploradas, sobretudo
as argilas, para cerâmica”. Os depósitos em questão, geralmente pouco consolidados,
são explorados para a construção civil e para o fabrico de adobes.
12
Segundo informação do Sr. António Maria Fernandes da Silva, habitante de Sarrazola, a Marinha Baixa era, há cerca de
trinta/ quarenta anos, um campo de cultivo de arroz.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
19
Figura 3 – Carta Geológica de Portugal
Por fim, também é de referir que (...)Na região de Cacia, observa-se nível de praia cuja
altitude é, em geral, de 7 ou 8 m, mas pode atingir, no entanto, 10 a 11 m. As
cascalheiras e areias repousam sobre os terrenos do Cretácio superior.” (Carta Geológica
de Portugal, 1976, Notícia explicativa da folha 16-A – Aveiro).
Entre os aspectos concernentes à abordagem ao litoral na época romana13 um tema, em
particular, é susceptível de contribuir para o esclarecimento das profundas alterações
documentadas na Marinha Baixa entre as Fases II e III14. A esse respeito afirma V.
Mantas: “ As alterações geomorfológicas que se verificaram na costa lusitana desde o
século I fizeram-se sentir de forma mais evidente em determinados sectores do litoral,
englobando numerosas situações de colmatagem de reentrâncias, progressão de
cabedelos, alteração de lagunas, assoreamento da parte vestibular de rios e ligação à
terra firme de ilhotas.
13
A este respeito cf. Amorim Girão (1922), Bacia do Vouga. Estudo Geográfico ; Vasco Mantas (1990), As cidades marítimas da Lusitânia,
Les villes de Lusitanie Romaine, pp. 154-156.; Conceição Freitas e César Andrade (1998), Evolução do litoral português nos últimos 5000
anos, Al-madan, IIª s., 7, pp. 64-70.
14
Cf. infra. Conforme exporemos adiante, a Fase III corresponde a um momento de submersão da Marinha Baixa documentada (nas
Sondagens 3, 4 e 5) pelo nivelamento dos derrubes de componentes argilosos das estruturas arquitectónicas da fase anterior e pela
presença de um considerável conjunto de buracos de poste, indiciando a existência, na terceira fase, de uma (ou várias) estrutura aérea.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
20
“Estas transformações são particularmente importantes na zona da chamada Ria de
Aveiro, onde os cordões litorais e os esteios se avolumaram e multiplicaram enquanto a
foz do Vouga se deslocou de forma significativa para jusante da embocadura antiga”. O
autor adianta que “parece evidente ter-se verificado um processo geral de transgressão
marítima sobre o habitat costeiro da época romana (...).
3.2
ENQUADRAMENTO HISTÓRICO
1
Figura 4 – Localização dos sítios arqueológicos mais próximos da Torre/Marinha Baixa
Localizados numa área estratégica do ponto de vista geomorfológico, o sítio da Torre e o
seu subsidiário, a Marinha Baixa, enquadram-se numa rede de povoamento em
funcionamento no período tardo-romano que só agora começa a ser melhor conhecida.
Assim, na envolvência destes sítios e tendo em consideração que as lacunas que este
espaço parece apresentar se prendem com factores vários, são de destacar os sítios que
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
21
de seguida se apresentam, tendo como ponto de partida aqueles que mais próximo se
localizam deste núcleo arqueológico.
O sítio dos Lares, localizado a cerca de 80m a Sudeste da Marinha Baixa, numa planura
de terras de cultivo ligeiramente elevada, ficou referenciado neste contexto, não só pelas
várias alusões dos habitantes ao aparecimento de vestígios arqueológicos naquela zona
como, mais objectivamente, pela detecção de uma estrutura sub-rectangular, constituída
por 6 lajes de granito interligadas por argilas, por nós interpretada como uma sepultura de
tipo caixa (SARRAZOLA, 2000 Rel. Prog. N.º 14: 5-7). Para além das evidências
estruturais apresentadas, não foram detectados em associação quaisquer vestígios de
cultura material ou restos osteológicos.
Implantada num espaço cujo micro-topónimo merece uma atenção especial – Lares- a
presença desta estrutura constitui per se um dado arqueológico interessante. As
semelhanças formais patentes entre a estrutura dos Lares e as sepulturas de tipo caixa
constituem uma evidência digna de menção.
A propósito do forno do Eixo (IPA, CNS 7315) escreve, em 1986, Artur Jorge de
Almeida:”(...) é desde já possível afirmar tratar-se de um forno cujo período de utilização
vai desde os finais da ocupação romana, até período indeterminado da época visigótica.
É de realçar a sua localização junto a uma linha de água, que lhe proporcionava não só a
água necessária à produção dos materiais, como a possibilidade de um escoamento dos
produtos fabricados [materiais de construção e, eventualmente cerâmica – segundo o
autor]” (ALMEIDA, 1986: 26)15. Pelas características pouco cuidadas da construção é
possível atribuir esta estrutura a uma época tardia da ocupação romana.
O povoado fortificado do Cabeço do Vouga, “com ocupação documentada desde a
Idade do Bronze ao Romano/ Medieval” (IPA, CNS, 530) tem sido objecto de inúmeras
publicações ao longo da história da arqueologia portuguesa no âmbito da problemática da
situação conjectural de Talábriga. “No ano de 1941 realizaram-se as primeiras
campanhas arqueológicas no sítio sob a direcção de Rocha Madahíl e Sousa Baptísta,
sendo os resultados então obtidos os únicos elementos conhecidos para a história do
cabeço do Vouga”16 (IPA, CNS, 530). Entre o conteúdo material procedente desta
15
É importante notar que o forno do Eixo está localizado a escassos 6 km a sul da Torre, na margem esquerda do Vouga.
16
A este respeito cf. Rocha Madahíl, (1941). Estação Luso-Romana do Cabeço do Vouga, Arquivo do Distrito de Aveiro, pp.
227-251 e 313-369.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
22
estação destaque-se a presença de moedas do século III e IV. Segundo Jorge Alarcão “
Talábriga situa-se provavelmente em Cabeço do Vouga, onde os restos de um edifício,
incompletamente escavado, parecem dever interpretar-se como um forum.” (ALARCÃO,
1990: 27).
Das intervenções aqui realizadas até ao presente, nomeadamente, por Fernando Pereira
da Silva, tem-se dado particular atenção às acções de restauro e conservação das
estruturas existentes e à realização de escavações arqueológicas que permitam
caracterizar este povoado que, até ao momento, assume uma posição de extrema
relevância no que respeita à rede de povoamento do Baixo Vouga.
Considerando que este sítio seria, efectivamente, a Talábriga a que os autores clássicos
se referem, constituiria um dos pontos centrais de maior importância, tanto a nível social
como a nível económico e, consequentemente, comercial. A sua localização estratégica
num ponto de intersecção entre uma via terrestre (via Emimium – Cale) e uma via fluvial,
o rio Vouga, ter-lhe-á permitido assumir um lugar de destaque naquela região, servindo,
eventualmente, de plataforma comercial entre o litoral e o interior. É possível que este
povoado tenha funcionado em simultâneo com a Torre/Marinha Baixa, no entanto, a falta
de elementos publicados relativos à análise artefactual dos materiais aqui recolhidos ao
longo destes anos, não nos permite aferir de forma objectiva esta situação.
No que respeita ao Cristelo da Branca, não há dados que nos permitam atestar uma
ocupação deste eventual vicus (IPA, CNS 81) em época tardia, informando João Vaz que
“houve uma grande influência romana no local e o povoado ocupa uma extensa área
ainda não totalmente definida” (VAZ, 1982: 14). Na intervenção realizada por Inês Vaz,
foram detectadas realidades várias, nomeadamente, uma área passível de ser
interpretada como uma área de fundição de ferro e uma eventual sepultura de cronologia
romana. Face ao espólio exumado no decorrer desta intervenção a ocupação deste
espaço datará dos séculos I-II d.C. (VAZ, 1981-82).
Mencione-se ainda a presença, em Verdemilho (Aveiro), da Agra do Crasto. Em
Romanização do Baixo Vouga, publicado em 1942, Alberto Souto nomeia o Castro de
Verdemilho entre outros que, segundo considera, “experimentaram a romanização”
(1942:292), mas que no entanto, “não oferecem qualquer documento ou vestígio de
habitação e cultura e que apenas se identificam pela persistência do topónimo nos
respectivos locais” (1942: 292). De facto, as informações publicadas na década de
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
23
noventa por Manuel Rodrigues e Manuel Barreira (1994: 167-194), e mais recentemente
por Brochado de Almeida (2001: 30), assim como o resultado das prospecções realizadas
no local pela nossa equipa em 1999, pouco mais acrescentam às considerações de
Souto do que a necessidade de fazer incidir sobre aquele espaço uma especial atenção
preventiva.
Para além destas referências, são ainda de mencionar, considerando, é certo, o carácter
lacunar das informações que dispomos, os seguintes sítios: o Castro de Ossela, ocupa
uma posição privilegiada sobre uma linha de água, num trecho do Caima em que se dá
um estrangulamento do rio. Possui três ordens de amuralhados e um fosso que o
circunda pelo Este e pelo Sul. Intervencionado por Rocha Peixoto em 1908,
desconhecem-se por completo os resultados assim como o paradeiro do espólio
exumado (sabe-se pela laboração de pedreiras no local, do aparecimento de cerâmicas
comuns e industriais de épocas pré-romana, romana e medieval, fragmentos de objectos
metálicos, vidros e moedas); o Castro de Recarei ou de S. Martinho da Gândara, um
povoado fortificado, tradicionalmente considerado como um acampamento romano,
aparenta possuir três ordens de muralhas, de que a mais elevada é a que define o
espaço de habitat interno. Apresenta uma posição privilegiada no orla da Plataforma
Litoral, na bacia média/inferior do Ul (rio que corre a Este), dominando a linha de costa
que, actualmente, fica a uma distância em linha recta de cerca de 15Km. Do espólio ali
recolhido, são de referir a cerâmica de construção (tegulae), cerâmica micácia, alguma
dela decorada, dois cossoiros, vários bordos e fundos de vasos com vestígios de
utilização no fogo, arranques de asa e 1 conta de pasta vítrea; Rio Vouga Norte, onde
foi detectada uma área de achados avulsos de cronologia romana que poderá evidenciar
a existência nas proximidades de um pequeno casal; Quintas, localizada próxima do
local anteriormente referido, onde foi detectada durante a abertura de uma vala, uma
sepultura de cronologia romana do século II (MAURÍCIO, MURALHA, 1995).
Por fim, é de referir o Castro de Ul, que ocupa um esporão na confluência dos rios Ul e
Antuã e no qual foram identificadas várias estruturas, a muralha, um muro de delimitação
e uma provável estrutura de fundição associada a escória e cinza. A estratigrafia sugeriu
para época de destruição do povoado o último quartel do século IV, possivelmente tendo
como causa um grande incêndio. No decorrer das várias intervenções que têm vindo a
ser realizadas neste local, tem sido recolhido variado espólio, nomeadamente, vidro,
cerâmica castreja, imitações de sigillata, bronzes e cerâmica comum. Para além destas
referências são dignos de destaque, pela importância que conferem ao sítio, o miliário de
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
24
Tibério Cláudio Nero que assinala a milha XII da estrada Olissipo-Cale-Bracara Augusta e
um provável "Terminus Augustalis".
3.3
VIAS DE COMUNICAÇÃO
3.3.1
VIAS TERRESTRES
Figura 5 – Localização das vias romanas (efectivas e eventuais) segundo Seabra Lopes
(2000)
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
25
No que concerne às vias de comunicação, assumem uma importância fundamental a via
Olisipo - Bracara Augusta, dada a proximidade do seu traçado a Cabeço do Vouga e, por
sua vez, a ligação fluvial entre este povoado e Cacia, através do Vouga. A respeito da via
ad Bracara diz-nos Jorge Alarcão: “O percurso entre Aeminium e Cale não está ainda
inteiramente esclarecido. A sua definição liga-se ao problema da localização de
Talábriga, abordado por vários autores, designadamente Félix Alves Pereira, sem
conclusão definitiva. A situação de Talábriga, nas imediações do Rio Vouga (Vacua, na
Antiguidade) parece a mais provável. Talvez o Cabeço do Vouga corresponda a essa
cidade; de qualquer forma, a passagem do rio far-se-ia neste ponto” (ALARCÃO, 1988:
91).
Discute-se ainda, no âmbito deste tema, a possibilidade da existência de uma ligação
entre Travassó, localizada a Sul do Cabeço do Vouga, e Cacia, via Eixo-Aveiro. Esta
ligação, poderia constituir a conclusão da via Viseu –Marnel (RODRIGUES, 1959: 10),
permitindo um acesso relativamente directo ao litoral e, consequentemente, um mais
rápido escoamento dos produtos.
Por outro lado, não é improvável que durante o período tardo-romano, face à progressiva
deterioração do estado de conservação das vias e crescente clima de insegurança
(CANIZAR PALACIOS, 2005.225), se tivessem criado percursos alternativos às vias
principais, por forma a manter as vias comerciais activas. Seria neste contexto que vias
secundárias, como as referidas anteriormente, fariam sentido, dado que, em
circunstâncias normais se evitaria a construção de vias em áreas tão recorrentemente
sujeitas a alagamentos (como é o caso do espaço regional a que nos referimos).
3.3.2
VIAS FLUVIAIS
A respeito da suposta navegabilidade do Vouga, escreve Mário Saa: “é navegável em
maior extensão [do que o Cértima e o Águeda] até ao local das Marridas, junto do
Pessegueiro, onde o rio é transposto pela estrada actual [em 1960] de Albergaria-a-Velha
a Viseu” (SAA, 1960: 129). Vasco Mantas alude a Cacia como “porto de embarque dos
minérios provenientes da exploração das minas de cobre e de ferro da zona de
Albergaria-a-Velha e Sever do Vouga” (MANTAS, 1990: 158) e confirma a existência de
referências seguras
no que respeita à navegabilidade do Vouga (1990: 154),
corroborando a afirmação – de 1930 – de Alberto Souto relativamente à Torre: “sobre o
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
26
estuário do Vouga, por onde então as marés subiam sem os embaraços que hoje lhe
opõem a cerrada duna costeira e o dédalo das ilhotas da ria e das colmatagens dos
fundos e por onde barcos de tonelagem considerável entravam sem dificuldade”
(SOUTO, 1930: 17).
Tendo em conta os dados publicados por Vasco Mantas (1990), Alveirinho Dias et al.
(1997), Conceição Freitas et al. (1998) e Maria Assunção Araújo (2000), a probabilidade
da localização de Cacia numa posição costeira ou estuarina, durante a época romana e
alto medieval, parece adquirir cada vez mais consistência.
A título de conclusão atente-se na seguinte passagem de artigo publicado por Jorge
Alarcão na Revista Portuguesa de Arqueologia: “Para o lado do mar, havia povoado
importante em Cacia (Alarcão, 1988, estação 3/47; Sarrazola et al., 2001; Almeida e
Fernandes, 2001, p.31-34; Sarrazola, 2003). Dada a configuração da linha de costa que,
na época romana, era muito diferente da actual (Freitas e Andrade, 1998, p. 69; Lopes,
2000a, p. 198), Cacia seria um porto.” (2004, p. 328)
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
27
4
4.1
TORRE /MARINHA BAIXA:DIACRONIA DE OCUPAÇÃO/ABANDONO
OUTEIRO DA TORRE
A intervenção efectuada em 2003 no Outeiro da Torre não permitiu identificar quaisquer
contextos arqueológicos preservados. Em cinco das sete sondagens realizadas detectouse, logo após a camada de superfície, o nível de areias resultante do desperdício da
actividade de extracção (sabe-se, quer por fontes escritas quer por relatos orais de
antigos trabalhadores da saibreira, que entre os anos 20 e 60 do século passado todo o
cabeço esteve sujeito à extracção de saibro; no entanto, desconhecia-se até que ponto
essa actividade teria afectado os contextos arqueológicos relacionados com o Sítio da
Torre). Na sexta sondagem foi detectada apenas a camada humosa a qual foi escavada
até cerca de 1 m de profundidade tendo-se encontrado o nível freático e por fim, a sétima
sondagem tinha ainda preservado parte do terraço fluvial sob a camada humosa.
Subjacente a este terraço surgiu o substrato geológico composto por argilas.
Figura 6– Situação de trabalho na Sondagem 1 do Outeiro da Torre. Nos cortes são bem
evidentes as perturbações estratigráficas provocadas pela actividade da saibreira que ali laborou
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
28
Em função do exposto, considerando que um dos objectivos do presente projecto
consistia na avaliação do grau de preservação das evidências materiais de carácter
arqueológico jazentes no sítio da Torre (sabendo que o local foi objecto de uma
actividade continuada de extracção de saibro durante a primeira metade do século XX),
constata-se que a laboração daquela saibreira resultou num impacte muito evidente na
área intervencionada pelos nossos trabalhos (87m2).
Consequentemente, e no que concerne ao tema específico do presente capítulo, a
pretensão de aferir eventuais relações sincrónicas entre o povoado da Torre e a Marinha
Baixa durante o intervalo de tempo que caracteriza cronologicamente a ocupação desta
última (séc. IV-VI), assim como a confirmação/ infirmação da ocorrência de fases de
ocupação da Torre anteriores e posteriores ao intervalo de tempo atestado na Marinha
Baixa, através da obtenção de dados estratigráficos, resulta, no estado actual dos nossos
conhecimentos, inexequível.
Figura 7 – Implantação cartográfica dos trabalhos de prospecção e sondagens
arqueológicas realizados no Outeiro da Torre
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
29
4.2
MARINHA BAIXA
Note-se que a análise/ interpretação estratigráfica decorrente das intervenções
arqueológicas realizadas na Marinha Baixa em 2000 está exaustivamente descrita nos
respectivos relatórios de escavação (SARRAZOLA, A., BORGES COELHO, M., 2000;
SARRAZOLA, MENDES DA SILVA, MELRO, 2001) sendo que o que adiante expomos
corresponde a uma breve síntese para os casos das fases I e II. No que concerne à fase
III, conforme veremos, apresentamos uma nova hipótese de trabalho.
Atentemos diacronicamente em cada uma das fases de ocupação/ abandono da Marinha
Baixa assim como nas respectivas especificidades:
A primeira fase corresponde ao momento de construção/ utilização de dois recintos
delimitados por muros pétreos sobrepostos por construções de terra amassada,
circunscrevendo a área de funcionamento de um forno cujos componentes argilosos e
materiais cerâmicos associados foram objecto de análises arqueométricas. Conforme
referido anteriormente, os resultados destas análises conduziram à rejeição de uma
hipótese interpretativa que associava o forno à produção de cerâmica17. Análises
elaboradas sobre amostras recolhidas numa outra estrutura de combustão, localizada em
espaço contíguo, produziram resultados similares (note-se porém, como já foi
mencionado, que para além destes dois fornos – objecto de intervenções arqueológicas –
temos conhecimento da existência, na Marinha Baixa, de outras cinco estruturas
similares).
Figura 8 – Plano da Fase 1
17
A este respeito cf. DIAS, Maria Isabel, Análise mineralógica de materiais cerâmicos e argilosos por difracção de raios x.
Avaliação de temperaturas de cozedura, ITN, em Anexo a SARRAZOLA, MENDES DA SILVA, MELRO (2001)
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
30
Na segunda fase de ocupação integrámos as evidências estruturais associadas a uma
profunda reorganização dos espaços funcionais. Neste impulso de transformação
organizacional inserimos a implantação de um pavimento de terra batida (que sela os
níveis de abandono de um dos fornos da fase anterior), a edificação e reconstrução de
estruturas arquitectónicas e de uma plataforma de tipo empedrado, assim como a
abertura de um série de estruturas negativas. Aparentemente, estamos perante um
sistema de estruturas inter-relacionáveis, associadas a uma linha de água que o
delimitaria a ocidente (embora tenhamos conhecimento de complexos estruturais de
decantação/ depuração de pastas em contextos de produção cerâmica– susceptíveis do
estabelecimento de paralelos com a realidade que descrevemos (SWAN, 1984: 44) –
mantemos em aberto as questões relativas ao seu significado funcional, conforme
exporemos adiante).
A cultura material concernente às duas primeiras fases de ocupação (cerâmica comum,
vidros e terra sigillata Clara D) é susceptível de datações relativas a um intervalo de
tempo posicionado entre o século IV e a primeira metade do século VI.
Figura 9 – Plano da Fase 2
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
31
A Fase III corresponde a um momento de submersão do espaço da Marinha Baixa,
caracterização documentada pelo nivelamento (por acção hidráulica) dos derrubes das
construções de terra da fase anterior e pela presença de um vasto conjunto de buracos
de poste associáveis a eventuais estruturas aéreas. Do ponto de vista cronológico, não
foi possível mais do que a atribuição de uma datação lata post quem a partir do séc. VI
d.C.
Figura 10 – Plano da Fase 3
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
32
Algumas considerações a propósito da Fase III da Marinha Baixa:
Terreno de cultivo até há escassos anos, a Marinha Baixa está situada na margem
esquerda da Bacia do Vouga, a montante do Rio Novo do Príncipe. É limitada a ocidente
por uma pequena linha de água que desagua a Norte, na Ribeira do Vouga, realidade
geográfica que constitui a sua fronteira setentrional. Nesta direcção estende-se a margem
esquerda da bacia fluvial. É esta uma zona de fronteira entre os terrenos
permanentemente alagados da larga faixa ribeirinha e a zona seca – contudo alagável –
meridional18.
Figura 11 – Localização de Outeiro da Torre (2) e Marinha Baixa (1) a NO da qual se
pode observar a linha de água mencionada no texto (CMP 174)
Se a transição entre as Fases I e II se caracteriza a partir de evidências marcadamente
antrópicas – i.e. um impulso de transformação/ reorganização dos micro-espaços
funcionais operado num intervalo de tempo aparentemente curto e contínuo – o mesmo
não parece suceder na transição para a terceira fase. Embora, como referimos, seja
18
Recorde-se que, segundo informação do Sr. António Maria Fernandes da Silva, habitante de Sarrazola, a Marinha Baixa era, há cerca de
trinta/ quarenta anos, um campo de cultivo de arroz.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
33
possível atribuir uma datação lata post quem a partir da primeira metade do século VI
para a Fase III, nada nos autoriza – no estado actual dos nossos conhecimentos – a
propor uma eventual continuidade ocupacional do espaço nem, tão pouco, uma ruptura.
Não conhecemos a dimensão do intervalo de tempo contido entre o momento de
abandono do sítio no culminar da Fase II e o início da construção da realidade estrutural
da Fase III, caracterizada pela presença de um vasto conjunto de buracos de poste e
pelas evidências materiais que atestam a ocorrência de uma submersão do espaço. A
efectiva transformação, no que concerne à estratégia de ocupação/ utilização do local,
constitui um dado antrópico. Contudo, desta vez, as suas causas imediatas parecem
advir de fenómenos naturais: provavelmente, a transgressão do leito do Vouga. Podemos
afirmar que o estado de submersão da Marinha Baixa contribuiu definitivamente para o
nivelamento dos derrubes argilosos das estruturas de terra da Fase II. Determinar a
dimensão do intervalo de tempo ocorrido entre derrocada destas construções e a
implantação das que lhes sucedem constitui, de momento, tarefa inexequível.
Entre os aspectos concernentes à abordagem ao litoral na época romana19 um tema, em
particular, é susceptível de contribuir para o esclarecimento das profundas alterações
documentadas entre as Fases II e III A esse respeito afirma V. Mantas: “ As alterações
geomorfológicas que se verificaram na costa lusitana desde o século I fizeram-se sentir
de forma mais evidente em determinados sectores do litoral, englobando numerosas
situações de colmatagem de reentrâncias, progressão de cabedelos, alteração de
lagunas, assoreamento da parte vestibular de rios e ligação à terra firme de ilhotas.
“Estas transformações são particularmente importantes na zona da chamada Ria de
Aveiro, onde os cordões litorais e os esteios se avolumaram e multiplicaram enquanto a
foz do Vouga se deslocou de forma significativa para jusante da embocadura antiga”20. O
autor adianta que “parece evidente ter-se verificado um processo geral de transgressão
marítima sobre o habitat costeiro da época romana (...). O carácter geral do fenómeno
leva-nos a admitir uma subida do nível médio das águas do mar não superior a 1,5m em
relação ao nível do Alto Império” atribuindo a este facto “ a Norte do Tejo, a destruição
da arriba e o consequente desaparecimento de uma capela provável sucessora de uma
villa romana, na Praia de Santa Cruz”. Acrescenta que “ a Sul do Tejo as consequências
da modificação do nível do mar são mais evidentes e abundantes. Para a zona do
19
A este respeito cf. Amorim Girão (1922), Bacia do Vouga. Estudo Geográfico ; Vasco Mantas (1990), As cidades marítimas da Lusitânia,
Les villes de Lusitanie Romaine, pp. 154-156.; Conceição Freitas e César Andrade (1998), Evolução do litoral português nos últimos 5000
anos, Al-madan, IIª s., 7, pp. 64-70.
20
Sublinhado nosso.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
34
estuário do Sado dispomos de algumas informações do maior interesse obtidas durante
as escavações arqueológicas, em Tróia e em Setúbal, das quais parece possível deduzir
que a transgressão marítima teve um pico no século V, descendo em seguida até se fixar
no nível actual”, mencionando ainda uma série de sítios romanos algarvios que sofreram
destruição no séc. V (MANTAS, 1990: 154-156).
A admitir a ocorrência de um processo geral de transgressão marítima com um pico no
século V, e tendo em conta os baixos valores das cotas topográficas de implantação da
Marinha Baixa, tais dados seriam susceptíveis de uma eventual associação à destruição
das estruturas arquitectónicas desta estação no culminar da segunda fase de ocupação
(a presença de um exemplar de Clara D/ Hayes 97 nos níveis de abandono da Fase II
permite estabelecer uma datação lata post quem para o séc. VI da Fase III) assim como a
documentada submersão daquele espaço e a construção de uma estrutura aérea na
denominada Fase III21 (as evidências do registo arqueológico que nos orientam no
sentido de interpretar a Fase III em associação à presença de uma – ou várias – estrutura
aérea consistem numa abrangente camada de derrubes argilosos, aparentemente
nivelada por acção das águas, cuja superfície apresenta um conjunto de buracos de
poste de plana subrectangular – 22 buracos de poste na Sondagem 3, 22 na Sondagem
4; e 9 na Sondagem 5)22.
21
Note-se que não há qualquer dado do registo arqueológico que nos permita - de momento – aferir a duração do intervalo de tempo contido
entre o culminar da Fase II e a construção da(s) estrutura(s) da Fase III.
22
São conhecidas evidências estratigráficas deste tipo no sítio arqueológico da Quinta da Assentada (VALERA A., 2000, Relatório de
Trabalhos Arqueológicos/ Quinta da Assentada, policop.), em Papa Uvas/ Huelva (MARTÍN DE LA CRUZ, LUCEA MARTÍN, 2003),
associadas a contextos calcolíticos, e também no povoado do Fumo/ Almendra, Vila Nova de Foz Côa (CARVALHO, A.F., 2004) estas
últimas em contextos da Idade do Bronze. Contudo, estes paralelos afiguram-se-nos, pelo seu enquadramento contextual, meramente
formais.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
35
Figura 12 – Buracos de Poste da Fase 3 (Sondagem 4)
Um contributo etnográfico:
O acervo de recolhas etnográficas reunido por Bartolomeu Conde (1999:195-208) em
Cacia e Sarrazola permite-nos encarar como bastante plausível a hipótese dos buracos
de poste registados na Marinha Baixa corresponderem às evidências estratigráficas da
realização de tapagens, técnica que consistia na implantação transversal a um curso
fluvial de um alinhamento de estacas (de margem a margem) reforçadas, do lado
montante, com taipais ou lonas e uma contrafortagem de areia. Tal recurso permitia
desviar o curso fluvial e alagar os arrozais dos campos contíguos. Este sistema de rega
terá sido praticado até meados do século XX e remonta – a avaliar pelos testemunhos
recolhidos por Bartolomeu Conde– pelo menos até 1910, desconhecendo-se a sua
efectiva antiguidade. Note-se que constituindo estruturas perecíveis, as tapagens eram
frequentemente reconstruídas, sendo, porém, possível observar o que resta de uma
dessas pequenas barragens na Ribeira de Vouga. Se somarmos as evidências anteriores
ao facto dos buracos de poste da fase III apresentarem, no seu conjunto, uma orientação
genericamente perpendicular à linha de água que atravessa este lugar e desagua na
Ribeira de Vouga, torna-se fácil admitir a hipótese que aqui aventamos. Contudo, se
podemos estar perto da compreensão do seu significado nem por isso a explicação nos
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
36
permite propor uma datação mais precisa para aquelas evidências estratigráficas, já que
uma técnica desta natureza pode bem remontar a uma antiguidade cuja baliza
cronológica se torna impossível de estabelecer.
Figura 13 – Vestígios de tapagem na Ribeira do Vouga
Figura 14 – Desenho de Bartolomeu Conde in Cacia e o Baixo Vouga, 1999,p. 207
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
37
5
ANÁLISE ARTEFACTUAL
5.1
CERÂMICA COMUM
Ana Sofia Gomes
O ESTUDO
As cerâmicas de uso comum são, sem dúvida, o maior conjunto de materiais recolhidos
no sítio arqueológico da Marinha Baixa. Neste sentido procurou-se fazer um estudo
destas, realizando um estudo morfológico e funcional de cada peça tendo em
consideração todos os elementos caracterizadores deste tipo de cerâmica: tipo de
pastas, tipo de cozedura, a presença de elementos não plásticos, estado de
conservação, tipos decorativos, entre outros.
É muito importante referir que este conjunto cerâmico se encontra em muito mau estado
de conservação o que limitou em muito o seu estudo. O número de peças passíveis de
reconstituição total é escasso, só foram identificadas duas peças com perfil completo23
para além de um cossoiro que também se encontrava intacto. Além do elevado grau de
fragmentação, as peças apresentam-se em estado avançado de deterioração que
condicionou o estudo das pastas assim como a análise das decorações e acabamentos
de superfície. Foi necessário o recurso à observação da existência de marcas de fogo
nas superfícies externas de forma a agilizar e facilitar a caracterização de algumas peças
que, de outra forma, seria inviável. Do contexto total foram apenas passíveis de
reconstituição 141 fragmentos. Quanto à selecção de peças para uma análise individual,
não foi preponderante o critério da proporcionalidade, já que existem tipos que conferem
mais informação, nomeadamente os bordos.
TIPOLOGIAS E FUNCIONALIDADE
As cerâmicas aqui apresentadas destinavam-se, na sua quase totalidade, ao uso
doméstico, à excepção de uma malha de jogo. Predominam as cerâmicas de mesa que
representam cerca de 46% do total, seguindo-se os recipientes de cozinha e de
armazenamento (ver Gráfico 1). Foi estabelecida uma primeira caracterização formal:
23
O contexto estudado ascende a um total de cerca de 400 espécimes.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
38
formas abertas e formas fechadas ao qual foi associada uma funcionalidade como sejam
cozinhar/preparar, servir, comer, iluminar, armazenar, transportar, outros usos.
Distribuição Funcional
70
66
60
50
36
40
35
30
20
10
4
0
Mesa
Armazenagem
Cozinha
Outras formas
Gráfico 1 – Distribuição funcional do conjunto de cerâmica comum
No conjunto das FORMAS ABERTAS podemos observar as taças, pratos, panelas,
alguidares. Estas formas surgem associadas a tarefas relacionadas com a confecção e
consumo de alimentos.
No conjunto das FORMAS FECHADAS podemos observar potes, púcaros, jarros, bilhas
e talhas, surgindo estas formas associadas a tarefas relacionadas com a confecção de
alimentos e armazenamento.
Quanto aos tipos cerâmicos presentes, verificamos que as taças são as formas mais
abundantes, representando cerca de 40% do conjunto, seguindo-se os potes, alguidares,
pratos, como podemos ver no Gráfico 2.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
39
Distribuição Tipológica
40
35
35
32
30
30
25
21
20
15
8
10
4
5
4
2
2
2
1
Co
ad
or
Bi
lh
as
Ja
rro
s
Ta
lh
a
Pa
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la
O
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ut
ra
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Ta
id
ça
ar
s
ca
re
na
da
s
Po
te
s
Ta
ça
s
sim
pl
es
0
Gráfico 2 - Distribuição tipológica do conjunto de cerâmica comum
LOIÇA DE MESA
TAÇAS
Foi possível observar a presença de dois tipos distintos, com características morfológicas
diferentes. As taças simples apresentam um bordo simples, por vezes, espessado
interna ou externamente e um corpo hemisférico, podendo o seu diâmetro variar entre os
14 e os 24 cm. A totalidade destes fragmentos apresenta uma pasta fina, de cor laranja
resultando de uma cozedura oxidante. Convém referir que em seis exemplares podemos
observar uma leve canelura, por vezes quase imperceptível, na parede externa, logo
abaixo do bordo. Encontramos estas taças em níveis tardios de Conimbriga (ALARCÃO,
1975, Estampa XXIX, nºs 611 a 618) e em níveis dos séculos IV-V em São Cucufate
(PINTO, 2003, p. 221-228). Importa referir que não foi identificado nenhum exemplar
completo deste tipo, mas verificámos a presença de um largo número de fundos
côncavos, apresentando também uma pasta fina, de cor laranja. Claramente estes fundos
correspondem a bases destas taças. De referir que nenhuma destas peças apresenta
marcas de exposição ao fogo, são peças que estariam relacionadas com os actos de
servir à mesa e consumo de alimentos.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
40
Figura 15 – Taças simples
Ainda dentro do grupo das taças foi identificado um grupo muito homogéneo de peças, as
denominadas taças carenadas. Estas formas revelam cozeduras oxidantes onde se
verifica uma variação de cores entre os laranjas e os beges. Possuem diâmetros que
variam entre os 7,4 e os 34 cm. Observamos taças com carenas médias bem marcadas,
parede oblíqua, bordo levemente espessado e fundo plano, que representam a maioria
do conjunto. Nestas taças, e apesar do seu elevado estado de degradação, foi ainda
possível observar, nalguns casos, vestígios de uma aguada da cor da pasta. Foi
identificado um fragmento de taça com carena baixa, de pasta castanha de cozedura
redutora, sendo a excepção do conjunto apresentado. As taças de carena alta, estando
presentes, são também em valores quase residuais. Encontramos taças carenadas
similares em todos os níveis de ocupação em São Cucufate (PINTO, 2003, p. 256) mas
atingindo um auge de incidência nos níveis do séc. V. Estas taças apresentam uma base
plana, por vezes com um pequeno ressalto, tendo sido identificadas duas peças com
perfil completo. Como se verifica nas taças simples também nestas taças carenadas não
foram encontradas marcas de fogo o que nos leva a caracteriza-las como cerâmica de
mesa.
Figura 16 – Taças carenadas
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
41
PRATOS
Esta forma surge representada no contexto com valores quase residuais. Possui uma
parede oblíqua ou quase recta e um bordo extrovertido formando uma aba. A pasta é
muito fina, de cor laranja revelando uma cozedura oxidante, com frequente inclusão de
e.n.p., sobretudo quartzos. Estas formas fazem lembrar alguns pratos de terra sigillata
clara A. Encontramos estes pratos em São Cucufate (PINTO, 2003, 206).
Dentro das formas abertas pretendemos incluir um fragmento de um coador. Trata-se de
um fundo muito deteriorado e fragmentado onde se podem observar dois orifícios
executados na peça, já depois de cozida. É uma peça de cor laranja, resultante de uma
cozedura oxidante mas não foi possível fazer qualquer reconstituição gráfica devido ao
seu estado de conservação.
JARROS
Deste conjunto foram identificados como jarros apenas dois fragmentos de gargalo. Um
ligeiramente esvasado com o bordo espessado no exterior, colo alto, ligeiramente
côncavo. Apresenta uma pasta bege, muito fina e cozedura oxidante. Possui um diâmetro
pequeno, cerca de 4 cm. O outro fragmento apresenta um bordo esvasado com ressalto,
colo alto e ligeiramente côncavo. Possui pasta laranja, muito fina resultante de uma
cozedura oxidante. Estes fragmentos são muito pequenos, poucos caracterizadores da
forma. Desconhece-se a presença de quaisquer asas. Estas formas são bastante
persistentes ao longo dos séculos, são peças muito similares às identificadas nas
necrópoles alto-alentejanas (NOLEN, 1985, p. 35-65) com cronologias desde o século II
até ao século IV.
Figura 17- Jarro
LOIÇA DE COZINHA
PANELAS
Neste formato insere-se um conjunto de recipientes destinados à confecção de alimentos
ao lume, daí as vulgares marcas de fogo na superfície externa, mas que também podiam
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
42
servir como pequenos contentores de alimentos (frutos secos, conservas, etc.).
Apresentam diâmetros do bordo semelhante aos do bojo, sendo assim consideradas
formas abertas. Observamos dois tipos: o primeiro correspondendo a panelas de bordo
direito ligeiramente esvasado e paredes rectas; a pasta é muito compacta e a cozedura
redutora. O segundo tipo apresenta um bordo mais marcado, extrovertido em aba, colo
estrangulado bem definido. Um dos exemplares apresenta vestígios de decoração
pintada, apesar dos motivos serem imperceptíveis. Esta forma apresenta uma pasta fina,
compacta, laranja, resultante de uma cozedura oxidante.
Figura 18 - Panelas
ALGUIDARES
Os alguidares teriam como função a utilização na cozinha, na preparação de alimentos,
mas também em tarefas ligadas à higiene e limpeza. Os espécimes identificados
apresentam uma grande homogeneidade formal. São peças compostas por paredes
troncocónicas, bordo extrovertido de forma amendoada, de pasta laranja, muito
compacta. A superfície interna é, na maioria dos casos, brunida, alisada.
PÚCAROS
Tratam-se de pequenos recipientes destinados a preparar ou aquecer líquidos, podendo
também ser utilizados para beber. Este exemplar possui base plana, colo côncavo e
bordo esvertido. A pasta é compacta de cor castanha clara, resultando de uma cozedura
oxidante. Encontramos formas idênticas em níveis do século IV-V de Conimbriga
(ALARCÃO, 1975, Estampa LVI, nº 983).
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
43
Figura 19 - Púcaro
LOIÇA DE ARMAZENAMENTO
POTES
Esta categoria surge muito bem representada. Estas formas eram utilizadas na cozinha
para guardar alimentos e por vezes também cozinhar. São formas altas, com colos
reentrantes, bojos ovóides e, na sua larga maioria, não possuem asas.
Os potes aqui identificados dividem-se em três categorias distintas, distinção feita a partir
do formato do bordo, pois na maioria dos casos só existe mesmo o bordo. A primeira
classe é composta por potes de bordo quase recto, ligeiramente extrovertido, na
continuidade da pança. Não existem vestígios de asas. Estas peças apresentam tanto
cozeduras redutoras como oxidantes, possuem pastas algo grosseiras com muitos e.n.p.
A segunda classe, a mais representativa, é composta por potes de bordo extrovertido em
aba com secção circular ou biselados. Possuem colo curto muito estrangulado e pança
ovóide ou esférica. As pastas apresentam cores desde os beges até aos castanhos
representando cozeduras tanto oxidantes como redutoras. A terceira classe é
representada por peças com bordos planos e colos cilíndricos. As pastas são cinzentas e
um pouco grosseiras apresentando uma cozedura redutora.
Como acontece com outras formas já referidas, estes potes apresentam uma larga
diacronia de utilização, podendo ser encontradas nas necrópoles alto alentejanas dos
séculos II-III (NOLEN, 1985, p. 113-128) como nos níveis dos séculos IV e V de
Conimbriga (ALARCÃO, 1975, Estampa III, Fig. 35, 37, 42 e 43).
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
44
Figura 20 - Potes
BILHAS
Estas peças apresentam dimensões médias, possuem fundos planos, corpos ovóides,
colos altos e estreitos. Os dois exemplares estudados apresentam duas asas em fita que
partem do ombro da peça e nenhuma das peças apresenta bordo conservado. A pasta é
laranja, correspondendo a uma cozedura oxidante, ambas as peças estão em muito mau
estado de conservação. Encontramos estas peças nos níveis do séc. V de Conimbriga
(ALARCÃO, 1975, Estampa XLV, nº 852).
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
45
Figura 21 - Bilhas
TALHAS
Foram apenas identificados dois fragmentos de bordo de talha/ dolium. Nos dois casos o
bordo é horizontal e arredondado, sendo mais espesso que o resto da parede da pança.
A pasta é castanha escura resultando de uma cozedura redutora, os e.n.p. são
frequentes prevalecendo as micas e os quartzos. Sendo os fragmentos muito reduzidos
não foi possível identificar a presença de asas. Estes materiais teriam uma função
armazenadora e uma larga amplitude cronológica.
OUTRAS FUNÇÕES
Para além destas formas acima identificadas foram também estudados outros materiais
que não se inserem, claramente, nesta distinção formas abertas/ formas fechadas. É o
caso dos elementos de suspensão internos, que apenas dispomos das referidas asas
sem
qualquer
bordo
conservado
que
nos
permita
identificar
o
diâmetro
e
consequentemente a sua representação gráfica. Estes elementos pertencem, sem
dúvidas, a recipientes de grande dimensões, onde foram aplicadas estas grandes asas
em fita, no bordo, na parede interna da peça. Os dois exemplares identificados revelam
uma cozedura oxidante com aguada e evidentes marcas de fogo na superfície externa.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
46
Figura 22 – Recipiente com elementos de suspensão internos
O número de fundos encontrados neste conjunto assume valores muito expressivos,
cerca de 36 %, mas como foi referido anteriormente, encontram-se muito fragmentados e
muito deteriorados. Neste sentido é muito difícil caracterizá-los funcionalmente.
A grande maioria das bases identificadas é plana, de cozedura redutora, pertencentes a
panelas, potes, bilhas ou taças. Pode-se observar, na grande maioria dos casos, marcas
de torno bem vincadas nas superfícies internas. Como já foi referido, identificou-se um
número bem expressivo de fundos côncavos, de cozedura oxidante, numa pasta de cor
laranja muito fina, sem quaisquer marcas de fogo. Estes fundos correspondem
claramente a fundos de taças para as quais identificámos vários bordos, não se
conservado, no entanto, nenhum perfil completo. Identificaram-se também dois
fragmentos de fundos planos que apresentam um leve ressalto, de pasta bege muito
grosseira, idênticos às duas taças de perfil completo acima referidas. Refira-se ainda a
presença isolada de um fundo de ânfora, que, sendo o único fragmento recolhido no
local, é difícil tecer considerações e ir para além da sua descrição formal.
Figura 23 – Fundo de ânfora
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
47
Foi também identificada uma malha de jogo que resultou do aproveitamento de um
fundo cerâmico de taça, pois este é em tudo semelhante às bases de taças carenadas.
As semelhanças verificam-se também na cor da pasta, bege, e no tipo de cozedura,
oxidante. Possui uma forma circular.
Do conjunto faz também parte um cossoiro de forma cónica em cerâmica comum de cor
cinzento-escuro, resultando de uma cozedura redutora. Possui uma largura máxima de 4
cm.
Figura 24 - Cossoiro
DECORAÇÃO
São muito escassos os fragmentos que apresentam motivos decorativos, cerca de seis.
Predominam as caneluras presentes no colo, separando o bordo da restante peça. Foi
identificado um pequeno fragmento de pança pintada a vermelho e um outro fragmento
de panela com decoração incisa, na pança, paralela ao bordo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na Marinha Baixa foi identificado um amplo conjunto de cerâmicas comuns onde
predominam formas com larga diacronia de utilização. Este é pois um dos problemas que
se levantam aquando do estudo de um conjunto cerâmico desta natureza. A larga
persistência de formas ao longo de todo o período de ocupação romana dificulta o
estabelecimento de datações cronológicas, se compararmos com as cerâmicas finas. A
grande maioria dos materiais aqui presentes podem ser encontrados em níveis altoimperiais, assumindo uma maior difusão e utilização durante os séculos IV-V, já no BaixoImério. A análise das pastas, que na maioria dos casos se apresentam muito porosas,
evidencia uma produção local/ regional.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
48
Figura 25 – Quadro tipológico da cerâmica comum
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
49
5.2
VIDROS
JOSÉ CARLOS QUARESMA
O espólio da Marinha Baixa/Torre revelou pouca informação sobre terra sigillata, mas, pelo
contrário, uma riqueza significante em vidros, cujas cronologia, tipologia e tecnologia
homogéneas lhe conferem um significado especial no âmbito destas produções em época
tardo-romana.
A sua importância já havia sido notada por Jorge e Adília Alarcão (1963a), que apresentaram
um primeiro estudo com os 19 exemplares das escavações de Alberto Souto.
No presente trabalho foram estudados 70 exemplares classificáveis vítreos apresentando-se
desenho e catálogo de todos eles. Entre estes 70 exemplares, cerca de 60% (43) provêm do
espaço contíguo à estrutura de combustão identificada na Área 2, de um depósito a que
atribuímos a designação estratigráfica de [6006] e os restantes 27 distribuem-se por quase
tantas outras UEs. Tal dispersão espacial orienta-nos no sentido de interpretar aquela área
como um espaço de produção secundária/reciclagem de vidro, conforme explanaremos
adiante.
As cores atribuídas aos vidros seguiram a escala cromática de Beat Rütti (1991).
Todas as estampas encontram-se à escala de ½, com desenho de Carlos Lemos e
digitalização em Adobe Illustrater do signatário.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
50
Figura 26 – Vidros recolhidos por Alberto Souto na Torre (Alarcão; Alarcão, 1963a, est. III)
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
51
1. Formas vítreas
Vasos troncocónicos
O pequeno grupo presente na Marinha Baixa/Torre não deixa de levantar alguns
problemas, pela relativa variedade de perfis. Grosso modo, esta forma impõe-se no
século III e torna-se dominante na centúria seguinte, em detrimento do vaso de perfil mais
cilíndrico. Ausente na parte oriental do Império, foi bem conhecido na sua parte ocidental,
em particular na Gália (Sanchez de Prado, 1984, p.88) e na Germânia, embora estes
vasos sejam mais altos, estreitos e ovóides (Rütti, 1991, p. 72-6; Berger, 1960, nºs 1045), em comparação com os perfis mais cónicos e acampanados da área mediterrânea e
lusitana (Xusto Rodríguez, 2001, p.349).
Sucedem assim às formas mais cilíndricas, assimiláveis aos tipos Isings 12 e 85, dos
primeiros séculos do Império, assumindo, em época tardo-romana, formas mais altas
(vasos) ou mais baixas (taça) e apresentam sempre altura superior ao diâmetro. Segundo
Xusto Rodríguez (2001, p.350), podiam assumir três formas principais, no Noroeste
peninsular:
- altas com bordo incurvado, esvasado e de aresta viva;
- de paredes rectas ou quase, e bordo acabado ao fogo;
- de perfil sinuoso e bordo notavelmente esvasado e acabado ao fogo.
Esta situação explica as diferenças encontradas na Marinha Baixa/Torre, onde os nºs 1-3
possuem paredes rectas e diâmetros menores, próximos do tipo Isings 106 (Isings, 1957,
p. 126); mas os nºs 4-6, com diâmetros maiores, parecem ter paredes mais encurvadas e
bordos claramente esvasados, que os aproximam um pouco das taças Isings 116 (Isings,
1957, p.126-43), embora pelo diâmetro e menor esvasamento, tenhamos preferido a sua
classificação como vaso troncocónico.
Todos os exemplares da Marinha Baixa/Torre, de diâmetros entre 10,5 e 15 cm, são
enquadráveis na variante maior, com diâmetros acima de 10,5cm, definida por Xusto
Rodríguez (2001, p.355).
A forma enquadrável na Isings 106 era já conhecida neste sítio (Alarcão; Alarcão, 1963a,
nºs 14-17; ver fig. 26) e encontra-se muito bem representada na área orense do Noroeste
peninsular, bem como na necrópole de La Olmeda, na Meseta.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
52
Os nºs 4-6 possuem um atributo que os destaca dos congéneres conhecidos na
bibliografia consultada e do primeiro grupo de Xusto Rodríguez, acima descrito: os bordos
são engrossados e polidos ao fogo (o nº 4 nem chega a ser engrossado, mas ondulante e
polido ao fogo) ao contrário do que sucede noutros sítios, onde os bordos possuem
arestas vivas: Santarém (Antunes, 2000, nº21), Conimbriga (Alarcão; Alarcão, 1965, nºs
201 e 203), Tramagal, Monte de Santa Maria (Vila da Feira) e Vila Nova da Talha
(Alarcão, 1971, nºs 33, 24 e 36).
Os nºs 1-3 encontram bons paralelos em Conimbriga, considerados de século IV ou V
(Alarcão et Al., 1976, nºs 226 e 227; Alarcão; Alarcão, 1965, nºs 237-40); nos ambientes
funerários da Herdade da Comenda da Igreja (fins de século III/século IV) e do Beiral
(Alarcão et Al., 1976, p.196); em Santarém (Antunes, 2000, nºs 15, 16 e 22); no Museu
Martins Sarmento (Alarcão; Alarcão, 1963b, nº 34) e no Museu do Instituto de
Antropologia da Faculdade de Ciências do Porto (Alarcão, 1971, nº 35).
É possível que este grupo mais próximo do tipo Isings 106 pudesse ter uma função
cumulativa de iluminação (Isings, 1957, p. 126).
Taças em calote
Este é o maior grupo tipológico presente na Marinha Baixa/Torre, com 54 exemplares. A
publicação anterior sobre este sítio havia já dado à estampa outros 13 exemplares
(Alarcão; Alarcão, 1963a, nºs 1-13; ver fig. 26).
É um grupo constituído por taças mais ou menos em forma de calote, com paredes mais
ou menos rectas e fundo geralmente onfalado, que, na Marinha Baixa/Torre, possui
sempre bordo engrossado e polido ao fogo. A medição dos diâmetros de bordo e a
análise do esvasamento, permitiram estabelecer três sub-grupos:
-
de perfil mais troncocónico, com diâmetros entre 12 e 16,4cm (19
exemplares; nºs 7-25);
-
de perfil intermédio, com diâmetros entre 13,9 e 17,2 cm (16 exemplares;
nºs 26-41);
-
de perfil acentuadamente esvasado, com diâmetros entre 17 e 19,9 cm (7
exemplares; nºs 42-48).
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
53
Em 1965, no estudo sobre os materiais das antigas escavações de Conimbriga, Jorge e
Adília Alarcão estabeleceram dois sub-grupos para estas taças:
-
taças decoradas com linhas horizontais gravadas, variante A: copa de
paredes rectas, que não seriam afins à Isings 116 (século IV e inícios do
V), mas estariam antes relacionadas com as taças e decoradas com fios
de vidro branco, ou linhas gravadas, datadas da segunda metade do
século V e primeira do VI (Alarcão; Alarcão, 1965, nºs 171-5);
-
taças de copa arqueada, lisas (Alarcão; Alarcão, 1965, nºs 205-11).
Em 1976, acerca dos materiais das escavações conduzidas no mesmo sítio de
Conimbriga, Jorge Alarcão et Al. desenvolvem a descrição tipológica, em face do enorme
número de exemplares surgidos nessas campanhas (272 exemplares), definindo-as como
taças baixas e muito esvasadas, com bordo espessado ao fogo e, mais raramente, com
bordo de arestas levemente polidas ao fogo. Os diâmetros variam entre 12 e 21 cm,
sendo os valores mais frequentes entre 14 e 16 cm. As diferenças constatadas na
inclinação e andamento da parede levam os autores a definir quatro sub-grupos:
-
taças de perfil troncocónico, bordo esvasado e parede ligeiramente
côncava; fundo onfalado sempre mais espesso a meio. Paredes
geralmente lisas, mas podendo ter fios de vidro branco ou linhas gravadas
ao torno. Datam-se dos séculos IV/V;
-
- perfil semelhante, mas parede mais recta, embora possa ser ondulada;
na Marinha Baixa /Torre surgem 3 exemplares (nºs 41, 56 e 57) e em S.
Cucufate conhece-se um outro exemplar algo semelhante (Nolen, 1988, nº
120);
-
taças gravadas de tipo Wint Hill (o exemplar de Conimbriga é liso e de
bordo em aresta, esvasado, de perfil em S, próximo do perfil da Isings
116);
-
taças menos profundas.
Segundo os autores, não parece haver qualquer relação tipológica ou cronológica entre
tipos e decorações (Alarcão, et Al., 1976, p.193-4).
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
54
Em 1984, no estudo sobre os materiais de Lucentum, Sanchez de Prado (1984, p.93),
assimila esta forma de taças pouco profundas à Isings 11624, datando-a dos séculos IV-V.
Tal como no estudo sobre Conimbriga, enuncia vasos lisos e decorados com linhas
gravadas ou fios branco fundidos, negando qualquer diferenciação cronológica. Apresenta
4 sub-grupos:
-
lisos (refere muitos exemplares incolores ou verde-oliva, e patines negras);
-
decorados com linhas incisas (refere igualmente muitos exemplares);
-
decorados com fios brancos fundidos;
-
com decoração soprada (Sanchez de Prado,1984, fig.9, 8-9). Os nossos
nºs 53 e 54 apresentam decoração idêntica; um outro exemplar é
conhecido em Conimbriga (Alarcão; Alarcão, 1965, nº 170, em vidro
transparente cinzento Caran d’Ache).
Mais uma vez, o estudo recente de Xusto Rodriguez (2001, p. 361) sobre o vidro no
Noroeste peninsular vem trazer novas descrições. O autor aventa o conceito de “taça em
calote”, mas acha preferível a denominação de taça/prato e considera esta forma afim à
Isings 116, e idêntica a vasos de baixelas em bronze tardo-romanas.
Define dois sub-grupos relacionáveis com o espólio de Marinha Baixa/Torre, tendo a
maior parte dos diâmetros valores ligeiramente superiores a 15 cm.:
•
bordo em aresta viva e perfil em S, esvasado;
•
perfil de calote esférica e bordo engrossado ao fogo, podendo assumir uma forma
pequena (taça) ou grande (prato), com diâmetros acima de 15 cm. (Xusto
Rodriguez, 2001, p. 361).
É consensual que o bordo espessado tem uma cronologia algo posterior ao bordo em
aresta: segundo Isings (1957) e Nolen (1994, p.178), o bordo em aresta é comum no
século IV; enquanto que o espessamento ao fogo começará na segunda metade dessa
centúria (Nolen, 1994, p. 178), sendo característico na segunda metade do século IV e
século V, em níveis estratigráficos de São Cucufate ou Conimbriga (apud Xusto
Rodriguez, 2001, p. 361).
Surgem essencialmente em contextos dos séculos IV e V, embora haja dados mais
recentes, como é o caso da necrópole de Aldaieta (Alaves), datada de meados/finais do
24
O facto do texto referir Isings 11 não deve passar de um lapso.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
55
século VI a inícios do VIII. Os níveis atribuídos exclusivamente aos séculos IV e V,
situam-se no depósito de Santomé, a Norte; ou, a Sul, em Alconetar, onde vários
exemplares surgem em conjunto com terra sigillata hispânica tardia dos séculos IV-V
(Xusto Rodriguez, 2001, p. 361).
Exemplares desta forma são conhecidos, no território actualmente português, em Balsa
(Nolen, 1994, nºs 89, 91 e 92), São Cucufate (Nolen, 1988, nºs 118, 119, 120, 121 e 124),
Santarém (Antunes, 2000, nºs 17-19), no Tramagal, Abrantes (Alarcão, 1971, nº 29), no
Museu Machado de Castro (Alarcão, 1971, nºs 30-31).
No espólio de Marinha Baixa/Torre, vários exemplares de fundo deverão pertencer a esta
forma, tendo já sido feita referência aos nºs 53 e 54, pela sua decoração soprada. Os nºs
49-52, também onfalados, e de parede mais espessa a meio, pertencerão a diversas
variantes, de maior ou menor diâmetro. Esta forma não tinha necessariamente fundo
onfalado, podendo assumir superfície convexa, como acontece com o exemplar inteiro de
Lucentum (ver figura 27); ou bases praticamente planas, como propõe Xusto Rodríguez
(ver figura 28). Contudo, o fundo onfalado parece associar-se mais à taça de parede
mais ou menos recta e bordo espessado, enquanto que a taça de bordo em S, de aresta
viva, parece ter um fundo convexo: na villa de Toralla (Coruxo, Pontevedra) surge um
exemplar inteiro desta forma, análogo ao de Lucentum (Vasquez Marínez; Caamaño
Gesto, 2004, nº 19).
O bojo nº 55 possui decoração soprada, formando facetas fitomórficas, para as quais não
encontrámos paralelos na bibliografia consultada.
Figura 27 - Taça de perfil em S de Lucentum (Sanchez de Prado, 1984, fig. 8-24)
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
56
Figura 28 - Taças de Santomé (a, b, c), A Trinidad (d, e). Taças de perfil em S (a, b) e taças de
calote (c, d, e) (Xusto Rodríguez, 2001, fig. 66)
Frascos tipo AR 146.3 (Isings 133) e Isings 104b
Não é fácil classificar os nºs 61-64, pela exiguidade dos fragmentos. O primeiro é
claramente o bordo de um frasco e os restantes dois, gargalos.
A classificação proposta baseia-se nos materiais apresentados por Rütti (1991, p. 123),
considerados frascos de fundo muito onfalado, equiparáveis às formas Trier 79b e Isings
133. É igualmente possível que o nº 64 seja o corpo bojudo de um exemplar da mesma
forma, embora a secção ondulante da parede do exemplar da marinha Baixa/Torre seja
um aspecto singular.
Os dados de Augst e Kaiseraugst apontam para uma cronologia de finais do século
III/inícios do IV, que é minimamente compatível com o espólio da Marinha Baixa/Torre. Os
nºs 62 e 63 apresentam decoração por fios horizontais de vidro branco aplicados (mas
sem se fundirem com a parede), formando finas molduras na superfície externa, que
também não encontram paralelos exactos na bibliografia consultada, mormente os
exemplares germânicos apresentarem decoração com linhas espiraladas no gargalo
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
57
(Rütti, 1991, nºs 2444-47). Este mesmo tipo de decoração também surge em jarros tipo
Isings 121 da necrópole de Montañar (Jávea), no século IV (Sanchez de Prado, 1984, p.
98).
Os nºs 65-67 deverão classificar-se na forma Isings 104b, também ela um frasco, que
surge no século III, e apresenta cronologias centradas nos séculos IV e V. O fundo destas
peças é onfalado e o corpo geralmente globular, embora alguns exemplares mais tardios
possam ter perfil acampanado ou corpo quase quadrangular. O nº 67 é um fragmento de
bojo com a esquina que denuncia esta morfologia tardia da Ising 104b (Isings, 1957,
p.122-23).
Os exemplares mais comuns são feitos em vidro verde e existem vasos com superfícies
decoradas por pintura ou incisão ao torno: os três exemplares da Marinha Baixa/Torre
possuem uma canelura soprada que não cerca a totalidade do frasco, a ver pelo nº 65. É
possível que o nº 68, com fio de vidro aplicado sobre a superfície, também pertença a
este tipo.
Outros exemplares podem ter fio de vidro aplicado à volta do gargalo (Isings, 1957,
p.122-23), o que tornaria também plausível a classificação dos nºs 62 e 63 neste tipo
(Isings, 1957, p.122-23).
Copo com pé alto
O nº 69 é um fragmento de fundo classificável na Isings 111, produzida nos séculos IV a
VII (Isings, 1957, p.139-40). Surge um exemplar em Santarém (Antunes, 2000, nº 25) e
vários em Lucentum. Embora o exemplar de Santarém e os apresentados por Isings
possuam pé-de-anel oco, em Lucentum são todos de pé-de-anel compacto. Sanchez de
Prado (1984, p. 93) confirma as cronologias propostas por Isings, mas refere a existência
de centros produtores em Alexandria e Colónia, o que torna este tipo não exclusivo da
área mediterrânea, como defendera Isings (1957, p.139).
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
58
Figura 29 – 1 a 6 – vasos troncocónicos; 7 a 20 – taças em calote
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
59
Figura 30 – 21 a 44 - Taças em calote
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
60
Figura 31 – 45 a 48 – taças em calote; 49 a 52 – fundos onfalados; 53 e 54 – fundos com
decoração soprada; 55 a 60 – fragmentos decorados
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
61
Figura 32 – 61 – bordo de frasco; 62 e 63 – gargalos; 64 a 68 – frascos; 69 – base de copo de pé
alto; 70 – fragmento de asa
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
62
5.3
TERRA SIGILLATA
JOSÉ CARLOS QUARESMA
O espólio da Marinha Baixa/Torre revelou pouca informação sobre terra sigillata (3
fragmentos). As cores atribuídas à terra sigillata seguiram a tabela de cores de solos A.
Cailleux.
Terra Sigillata africana
O nº 1 é um fragmento de bordo de Hayes 91A, fabricada em C3, revelando um fabrico
muito próximo da produção de C3 de relevos aplicados, oriunda da Bizacena, e não tanto
da produção D, da região de Cartago. A forma Hayes 91A foi produzida entre meados ou
finais do IV (Atlante, p. 82) e pode atingir a primeira metade do século VI (Bonifay, 1983,
p. 307); contudo, sendo este fragmento produzido em C3, a sua cronologia de fabrico não
ultrapassa os meados do século V (Atlante, p. 59).
O nº 2 é uma peça quase completa de Hayes 97, produzida em D2-1ª fase, da área de
Cartago, produzida entre finais entre finais do século V e meados do VI; como a produção
em D2 se situa entre finais do IV e inícios do VI (Atlante, p. 78 e 97), este fragmento deve
ter sido produzido em finais do século V ou inícios do VI.
Figura 33 – Pormenor da Hayes 97 in situ (peça nº72)
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
63
Terra Sigillata foceense tardia
O nº 3, fragmento de bordo com decoração roletada, aproxima-se da variante E da forma
Hayes 3, com um fundo mais saliente, e datará de finais do século V (Atlante, p. 232).
Figura 34 – 1 - Sigillata Hayes 97; 2 – Sigillata Hayes 91
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
64
Vidros e Sigillatas: uma visão de conjunto
A primeira grande referência do conjunto vítreo da Marinha Baixa/Torre é a sua
homogeneidade, tanto a nível de fabrico como tipológico e cronológico.
Ao nível cromático, temos a seguinte situação:
Cor (Rütti, 1991)
Quantitativo
(exemplares
classificáveis)
Incolor,
muito
levemente
esverdeado,
1
transparente
Pantone 310 (blaugrün), transparente
1
Pantone 563 (blaugrün), transparente
1
Pantone 356 (grasgrün), transparente
2
Pantone 378 (saftgrün), transparente
1
Pantone 390 (hellgrün), transparente
1
Pantone 153 (braun), transparente
5
Pantone 577 (saftgrün), transparente
22
Pantone 125 (gelboliv), transparente
8
Pantone 582 (olivgrün), transparente
30
Tabela 2 - Cores presentes nos vidros da Marinha Baixa /Torre
A monotonia cromática, reforçada pela forte presença dos tons verdes e em particular de
verde oliva são um excelente indicador do carácter baixo-imperial do espólio, quando estas
cores se tornam dominantes. (Rütti, 1991, p.111 e 116).
As formas descritas enquadram-se perfeitamente no ambiente tardio, a partir da segunda
metade do século IV - já que não existem bordos em aresta viva, recorrendo-se sempre
ao engrossamento e / ou polimento ao fogo -, estendendo-se pelo século V. O século VI
continua interrogado, pela ausência de dados relevantes nesse sentido, embora o
exemplar de terra sigillata africana (Hayes 97) possa atingir uma cronologia de fabrico de
inícios do século VI.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
65
Forma
Quantitativo
(exemplares
classificáveis)
Copo troncocónico
6
Taça em calote (=Isings 116?)
60
Frasco AR 146.3 (=Isings 133)
4
Frasco Isings 104b
4
Copo de pé alto (=Isings 111)
1
Indeterminável
1
Tabela 3- Formas vítreas presentes na Marinha Baixa/Torre
A taça em forma de calote, com paredes mais ou menos rectas e mais ou menos
esvasadas, domina esmagadoramente o quadro tipológico do conjunto e deixa antever a
importância desta forma na vivência das gentes dos finais do Império. Não deixa de ser
curioso ver a adopção desta morfologia vítrea, numa época em que algo semelhante se
passa como outros artefactos como a terra sigillata africana, que, no Baixo-Império, por
razões de facilidade de comercialização, mas também por possíveis novos hábitos
comensais, relacionados com o avanço do cristianismo, adquire uma forte tendência para
a apresentação de pratos ou formas muito abertas (Hawthorne, 1997). Este fenómeno
não é tão forte no comércio de vidros, apresentando um registo menos acentuado e talvez
mais diverso.
Na villa de Toralla (Pontevedra), com um espólio vítreo de mais de 100 peças, a
variedade é maior e apenas um exemplar corresponde à taça em calote de bordo
espessado, enquanto que outros exemplares são de bordo em S e bordo de aresta viva;
mas o mais importante deste conjunto é o de fazer um certo contraponto à Marinha
Baixa/Torre, na mesma área geográfica, apresentando uma importância bem maior de
vasos troncocónicos em face das taças em calote. Este conjunto foi datado dos séculos
IV/V e os autores o estudo levantam a hipótese de a villa de Toralla ter sido um centro
produtor local (Vasquez Marínez; Caamaño Gesto, 2004, p.89). Centro produtor ou
consumidor, denota a variabilidade dos espólios e um mosaico de gostos subjacente.
Outro atributo recorrente nas peças desta época, em particular nos vasos troncocónicos e
taças em calote, são os fios de vidro da mesma cor da peça, ou fios de cor branca,
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
66
fundidos ou semi-fundidos com a parede que decoram. Na Marinha Baixa Baixa/Torre,
praticamente metade do espólio de copos e taças apresenta esta decoração originária da
Síria, em finais do século II e generalizada na parte ocidental do Império de finais do
século IV, prolongando-se até ao século VI (Sanchez de Prado, 1984, p.93).
O Ocidente formula um gosto próprio para os vasos em vidro, a partir do século III,
marcando-se pela produção de copos de pé alto, vasos troncocónicos, taças em calote
(Sanchez de Prado, 1984, p.93), enfim, formas presentes na Marinha Baixa/Torre.
Possível centro produtor de vidros tardo-romano, este sítio do Noroeste peninsular possui
um excelente paralelo na área oposta peninsular, o Sudeste: em Lucentum (Alicante) terá
existido um outro centro produtor de vidros, a ver pela quantidade de material sem
estratigrafia aí conhecido e pelos resíduos indicadores de actividade oficinal. O espólio
tardo-romano deste sítio é também marcado pela forte presença de taça em calote, lisa
ou decorada, bem como por semelhantes técnicas decorativas. Tendo o seu início ainda
no Alto-Império, apresenta, contudo, algumas diferenças na qualidade dos produtos
baixo-imperiais: enquanto que na Marinha Baixa/Torre, os vidros indicam uma excelente
qualidade de fabrico, com pouca bolhas de ar, sem patines e até com escassa irisão; os
materiais de Lucentum decrescem de qualidade a partir do século III, surgindo muitos
exemplares com estrias e bolhas de ar no interior e superfícies muitas vezes com patina
negra. Contudo, também aqui, o conjunto denota uma grande homogeneidade de
qualidade, tipologia e cronologia.
Marinha Baixa/Torre e Lucentum são dois exemplos de um fenómeno progressivo de
desenvolvimento de oficinas de vidros, com um gosto próprio, no Ocidente do BaixoImpério (Sanchez de Prado, 1984, p.99).
5.3.1
OUTEIRO DA TORRE – O ESPÓLIO
Os materiais arqueológicos documentados durante a intervenção no sítio da Torre são
provenientes exclusivamente das camadas de superfície ou das bolsas de lodo que se
encontravam misturadas nas areias.
Uma vez que as camadas correspondentes a estas foram interpretadas como sendo o
resultado da extracção da saibreira, os materiais documentados nestes lodos estão
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
67
descontextualizados. No entanto, existe uma forte probabilidade de serem provenientes
das áreas de onde foram exumados. Já quanto aos que estão documentados nas
camadas de superfície as dúvidas da sua proveniência são grandes, uma vez que após o
fim de laboração da pedreira, todo o terreno foi regularizado de modo a que ficasse apto
para a agricultura. Este facto levanta o problema da origem dos artefactos ali encontrados
dado que se desconhece a proveniência das terras aí depositadas.
CERÂMICA, SIGILLATA E VIDRO
Ainda assim, é de notar a existência de alguns fragmentos de recipientes cerâmicos de
época moderna e contemporânea juntamente com outros que parecem apontar para
cronologias mais antigas (como é o caso do fragmento de bordo de terra sigillatta Late
Roman C recolhido na UE 17, da sondagem 5, cuja cronologia – séc V-VI – é
consentânea com o conjunto artefactual recolhido na Torre por Alberto Souto,
actualmente depositado no Museu de Aveiro, assim como com os materiais provenientes
da Marinha Baixa.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
68
6
ANÁLISE CONTEXTUAL
No decurso do processo de investigação a hipótese inicialmente aventada de vincular as
estruturas da Marinha Baixa a actividades de produção cerâmica foi progressivamente
matizada. À fragilidade de tal hipótese veio somar-se a detecção de uma nova estrutura
de combustão associada a um depósito constituído exclusivamente por fragmentos de
vidro e cinzas (Cf Figura 35 - Sondagem 6, Área 2). Como não será difícil de
compreender, estes dados alteraram o nosso ponto de focagem a propósito do sítio,
suscitando a seguinte questão: sem descartar a possibilidade de se tratar de um espaço
industrial de carácter plurifuncional, terá estado a Marinha Baixa associada a actividades
– ainda que eventualmente episódicas – de produção/reciclagem de vidro? É o que se
pretende problematizar nas linhas que se seguem.
Figura 35 - Sondagem 6, Áea 2 (UE 6006 – concentração de vidros junto a estrutura de
combustão)
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
69
6.1
CONDIÇÕES PARA A PRODUÇÃO/RECICLAGEM DE VIDRO
Citando M. Xusto Rodríguez, podemos dizer (tendo em conta a informação dos textos
clássicos e o resultado de análises físico-químicas) que o vidro romano é uma substância
rígida não cristalina, resultante do amolecimento a alta temperatura duma mistura
complexa na qual intervêm três componentes principais: elementos vitrificantes – sílice -,
elementos fundentes – carbonato de sódio – e elementos básicos ou estabilizantes – cal.
Assim, para nos aproximarmos ao conhecimento das condições que presidem à
implantação de fábricas de vidro, assume uma importância vital conhecer o potencial de
abastecimento dos componentes maioritários (sílice e carbonato de sódio), assim como
de madeira, combustível imprescindível consumido em grandes quantidades para
alimentação dos fornos vidreiros (2001: 89-90).
Tanto no mundo romano como durante a Idade Média a sílice era obtida
predominantemente a partir e areia (elemento fundamental para a produção de vidro).
“Isto explica, pois, que na officina vidreira da vila romana de Torre Llauder (Marató,
Barcelona), ademais de documentarse catro fornos e abundantes residuos de fabricación
de vidro, aparece tamén “depositada unha importante cantidade de area silicosa de cor
branca lixeiramente verdosa que estaba disposta para a fabricación de vidro” (RIBAS,
1972, 175)” (XUSTO RORÌGUEZ, M., 2001:90).
É sabido que a areia silícea alcançava o seu ponto de fusão ou amolecimento a
temperaturas muito altas (1700ºC), o que, para a fabricação do vidro, implicava a
necessidade de a misturar com fundentes, destinados a permitir o amolecimento a
temperaturas mais baixas (c. 1000º C no vidro de base sódica) assim como a manter a
massa vítrea maleável o maior tempo possível durante a manufactura (XUSTO
RORÌGUEZ, M.,: 94). Com a ressalva de que as actividades de reciclagem são
susceptíveis de fragilizar os dados disponibilizados por análises químicas, Xusto
Rodríguez menciona os resultados provenientes dos vidros romanos de Augusta Emerita
e Segobriga que demonstram que os mestres vidreiros romanos usavam, pelo menos até
ao século VI, a soda ou o carbonato sódico como matéria fundente (XUSTO RORÌGUEZ,
M., 2001 :94-95).Podendo a soda ser de origem vegetal ou mineral, sabe-se que esta
última, proveniente do Mediterrâneo Oriental, foi utilizada até ao século VI (XUSTO
RORÌGUEZ, M., 2001: 95). Contudo, “no caso da Península Ibérica, debemos ter en
conta que a súa costa mediterránea e, sobre todo, o val do Ebro ofrecían plantas
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
70
herbáceas lacustres da família das quenopodiáceas, tales como a salicornia e a salsola,
que crecían naturalmente sobre terras lamacentas improprias para cultivos tradicionais e
que presentaban unhas cinzas cun elevado contido sódico” (2001: 96). Acrescenta ainda
que “como fundentes, se podia recorrer ós cereais (…), ás leguminosas (…), á vexetación
pantanosa (canas e xuncos) e á propia matogueira de ericáceas (breixo) (2001: 96,97).
Manuel Xusto Rodríguez refere que muito embora os antigos vidreiros considerassem
apenas dois componentes na mistura vitrificável (areia e soda), procediam, contudo, de
forma aparentemente involuntária à adição de estabilizantes constituídos por cálcio, sob a
forma de cal ou óxido de cálcio, obtido a partir dos restos conquíferos presentes nas
areias utilizadas, assim como “as análises ata agora realizadas parecen igualmente
indicárno-la presencia involuntaria do cálcio nos álcalis procedentes de cinzas vexetais.”
(2001: 98-99).
O óxido de ferro estava presente de forma natural nas diferentes areias utilizadas como
vitrificante, conferindo ao vidro romano a típica coloração esverdeada ligeiramente
azulada dominante na produção de uso quotidiano; coloração que esverdeada que se
torna escura – verde azeitona – ou amarelada nas produções comuns tardo-romanas e
medievais (XUSTO RORÌGUEZ, M., 2001: 100). Para além disso, na coloração e
descoloração do vidro haveria que contar com um outro factor: a atmosfera oxidante ou
redutora do forno. Se uma atmosfera oxidante permite obter um vidro incolor a partir de
uma mistura com conteúdo normal de ferro, já duma atmosfera muito redutora resulta um
vidro de cor verde azeitona. Esta afirmação de Xusto, baseada em informações de S.
Frank (1982) e M. Sternini (1995) parece, de alguma forma, matizada pela observação de
Jackson quando refere que a predominância de matizes verdes (para os vidros),
associada ao fabrico de contentores cerâmicos para produção vidreira caracterizados por
tons vermelhos oxidantes é representativo de manufacturas vidreiras em ambientes
oxidantes (XUSTO RORÌGUEZ, M., 2001: 101; JACKSON et al., 2003: 448-449).
A lenha era o combustível dos fornos romanos de produção vidreira. Sabendo que o
amolecimento ou fusão da mistura vitrificável implicava elevadas temperaturas (1000º a
1200º C) e que para se conseguir a fusão era necessário mantê-las durante um amplo
intervalo de tempo (no mínimo um dia, ainda que pudesse durar vários), o consumo de
madeira atingiria uma escala de dimensões muito avultadas. Nem todos os tipos de lenha
seriam adequados para a produção de vidro (por produzirem demasiado fumo ou calor
insuficiente), sendo que as fontes escritas medievais italianas recomendavam o uso de
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
71
lenha de amieiro, azinheira; havendo também conhecimento da utilização de álamo,
castanheiro e salgueiro (XUSTO RORÌGUEZ, M., 2001: 105). A este propósito Xusto
afirma que os resultados dos estudos palinológicos da vegetação galega durante a época
romana (atestando a presença de amieiro, bétula, castanheiro, aveleira, choupo, carvalho
e salgueiro) indiciam que o abastecimento de combustível não constituiria uma
condicionante para os centros de produção do NO peninsular. Ressalva-se contudo, de
forma muito veemente, que “no estado actual dos nossos coñecementos referido ó NO
penínsular tan só podemos movernos no ámbito da supusición, posto que a concreta
identificación das especies mencionadas pasa pola imprescindible realización de análises
dos carbóns descubertos na cámaras de combustión dos fornos” (XUSTO RORÌGUEZ,
M., 2001: 107).
Citando R. W. Smith, Xusto adianta que a composição básica do vidro não se altera nas
províncias ocidentais com a desintegração do poderio romano no século IV d. C. (2001:
97).
Na sequência da realização de inúmeras análises de fluorescência de raio x, observação
por microscópio electrónico de varrimento, análises petrográficas, de espectrometria, e
difracção de raio x, sugere-se, por exemplo, que as argilas (ou contentores cerâmicos)
que apresentam uma elevada proporção de inclusões de sílica eram usualmente
seleccionadas para serem utilizadas como cadinhos de fundição na manufactura do vidro
(JACKSON et al., 2003: 441).
É referido o caso de oito amostras de quartzo e vidro intersticial seleccionadas para
análises de difracção de raio x, destacando-se que três minerais se encontravam
invariavelmente presentes nas amostras analisadas: quartzo alfa (predominante) em
associação com tridymite e cristobalite (esta última em muito menor quantidade). Afirmase que as análises realizadas reflectem claramente o resultado da exposição de sílica a
temperaturas extremamente elevadas. A presença de quantidades relativamente
abundantes de tridymite indica que estas amostras atingiram temperaturas superiores a
870º C, mantidas durante um considerável espaço de tempo. A parca presença de
cristobalite pode sugerir que foram atingidas temperaturas próximas dos 1250º C, porém
mantidas durante um curto período temporal. Conclui-se que embora estas evidências
pareçam apontar para produções de vidro a partir de matérias primas, não é possível
afirmar com segurança se estes materiais são o resultado de fabricos realizados em uma
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
72
ou duas etapas. As temperaturas excederam os 700º-900ºC usualmente necessários
para atingir a cocção dos elementos constituintes do vidro, assim como atingiram aquelas
que permitem a sua produção – superiores a 1100º.25 Contudo, não é claro se estamos
perante um caso de sobreaquecimento durante o processo de cocção, ou face à
evidência do resultado de uma tentativa falhada de produção numa única etapa
(JACKSON et al., 2003: 448).
Refere-se, a propósito dos materiais de Coppergate que todos os vidros seleccionados
eram verdes ou verdes/ azuis, o que corresponde à cor natural do vidro produzido a partir
de matérias primas nas quais o ferro é um elemento constituinte, sendo que a
predominância de matizes verdes (para os vidros), associada ao fabrico de contentores
cerâmicos para produção vidreira caracterizados por tons vermelhos oxidantes é
representativo de manufacturas vidreiras em ambientes oxidantes (JACKSON et al.,
2003: 448-449).
Num exaustivo estudo de arqueometria a propósito da produção de vidro em Coppergate
(York, Reino Unido) durante o período romano (JACKSON et al., 2003: 436), os seus
autores constatam que, actualmente, as evidências arqueológicas para a produção de
vidro na Britânia estão representadas por um limitado número de centros de produção de
pequena escala, nos quais o vidro era fabricado a par de outras manufacturas26. As
evidências materiais registam-se por vezes sob a forma de fornos de fundição, forjas ou
áreas de piso queimado, acompanhadas por vestígios de desperdícios de vidro derretido
e, nalguns casos, restos de cadinhos, embora raramente se registem estes elementos em
associação, correspondendo frequentemente a achados isolados. Na esteira de
Freestone (2002, apud JACKSON et al., 2003: 436) admite-se que muito deste material
não constitui necessariamente uma evidência de efectiva produção vidreira, podendo
representar a presença de actividades de reciclagem de vidros produzidos noutros locais,
importados sob a forma de lingotes ou mesmo desperdícios. Em si mesmos, estes sítios
constituiriam assim indicadores da presença de unidades de fabrico secundário (ou
reaproveitamento) e não propriamente centros de produção primária. Face a este
panorama, é enfatizada a importância dos vestígios registados em Coppergate, uma vez
que podem corresponder às únicas evidências materiais de produção vidreira a partir de
matérias primas detectadas até ao momento presente em território britânico relativas ao
período romano. O conjunto material deste sítio inclui cerâmica comum de tipologia
25
Sublinhado nosso.
26
Sublinhado nosso.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
73
doméstica contendo resíduos de vidro derretido e parcialmente fundido e restos de peças
inacabadas, em associação a restos de peças eventualmente produzidas a sopro, assim
como fragmentos de quartzo e vidro semi-derretidos. Entre o acervo de materiais
descrito, os autores consideram que é esta mistura de quartzo e vidro parcialmente
alterados que constitui a base para a compreensão, em termos arqueométricos, dos
processos de produção de Coppergate.
A propósito dos vidros de Coppergate enuncia-se a hipótese destes constituírem o
resultado de uma acção de reciclagem (não necessariamente utilizando vidros
manufacturados a partir de matérias primas) ou, em alternativa, corresponderem a
produtos de reciclagem de vidros fabricados no próprio local (JACKSON et al., 2003:
453,454).
Os autores concluem que os contentores cerâmicos usados na produção de vidro foram
fabricados com recurso às mesmas argilas e técnicas utilizadas para manufacturar alguns
exemplares da cerâmica doméstica local27, muito embora certas formas e certos fabricos
tenham aparentemente sido concebidos ou escolhidos especificamente para o propósito
de derreter vidro, já que tinham capacidade para suportar elevadas temperaturas. As
análises realizadas indicam que estes fabricos não se decompunham quando sujeitos a
temperaturas de 1150º C, e as estruturas de vitrificação aparentam ter sido aquecidas até
1200ºC, uma temperatura suficientemente elevada para produzir vidro (de sódio, cal e
sílica) a partir de matérias primas, sem necessidade recurso a uma etapa intermédia de
cocção.
No que concerne à actividade de reciclagem no âmbito da produção de vidro (fragmentos
de recipientes e refugo), sabe-se que facilitava o rendimento da fabricação, não só por
implicar uma forma de recuperar matéria prima, mas principalmente porque constituía um
processo de reduzir as temperaturas do ponto de fusão ou amolecimento do vidro, já que
os fragmentos reciclados (derretendo a temperaturas mais baixas) actuavam como
catalizador, acelerando o amolecimento dos restantes ingredientes da mistura vitrificante
a uma temperatura não demasiado elevada (XUSTO RORÌGUEZ, M., 2001: 102).
27
Sublinhado nosso
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
74
6.2
MARINHA BAIXA: UM CENTRO DE PRODUÇÃO/RECICLAGEM DE VIDRO NO
NOROESTE PENINSULAR?
Denota-se no panorama do Noroeste da Península Ibérica uma considerável escassez de
contextos arqueológicos preservados inequivocamente associáveis à produção vidreira
(XUSTO, 2001:111), sendo evidente uma cada vez mais manifesta a existência de
oficinas locais ou regionais tardo-romanas destinadas ao abastecimento de uso comum
de âmbito doméstico, nomeadamente, em Tui e Lugo. Porém, afigura-se como cada vez
mais provável a hipótese de alguns destes centros terem funcionado como espaços de
reciclagem e não propriamente como núcleos de produção primária. Esta realidade é
visível não só no espaço galaico-romano como também na área de Mérida, onde está
atestada a presença de unidades oficinais extra-muros, entre as quais se registou a
presença de evidências materiais de reciclagem de vidro datáveis do séc IV (XUSTO,
2001:120).
Relativamente ao actual território português tal ausência de estruturas industriais
associadas à produção de vidro é também, no estado actual dos nossos conhecimentos,
uma realidade, como se torna patente nas lacunas de informação decorrentes das
publicações relativas a Conímbriga e Bracara Augusta. No entanto, nada obsta a que
este panorama não se venha a alterar.
No que respeita à produção vidreira, torna-se claro que “as probas máis fiables están,
evidentemente, no descubrimiento dos fornos …” (FOY e SENNEQUIER, 1991, 6 apud
XUSTO RORÌGUEZ, M., 2001: 113), facto que confere aos contextos arqueológicos da
Marinha Baixa inegáveis potencialidades para o esclarecimento da questão.
Esta realidade, no entanto, não é forçosamente vinculável a uma estruturada e contínua
actividade produtiva, podendo estar relacionada com episódios esporádicos de utilização
daquele espaço por vidreiros ambulantes, hipótese de trabalho já aventada por Manuel
Xusto Rodríguez para a região galaico-romana. Esta hipótese afigura-se-nos tanto mais
provável para o caso da Marinha Baixa quanto o parece corroborar a presença muito
significativa de fragmentos vítreos depositados em áreas contíguas a estruturas de
combustão, e a ausência absoluta de evidências materiais de produção primária. Como já
se referiu anteriormente, as condições para o processo de reciclagem de vidro são muito
menos exigentes que para a sua produção a partir de matérias-primas, implicando, por
exemplo, a possibilidade de vitrificação a temperaturas mais baixas, realidade
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
75
consentânea com os resultados das análises realizadas sobre dois dos fornos ali
identificados (vide supra Tabela 1).
É de destacar, no que se refere aos dados disponíveis para a Marinha Baixa, que não
obstante as baixas temperaturas atingidas pelos fornos analisados, estes representam
uma pequena amostra dentro das evidências ali identificadas (existem sete estruturas de
combustão no espaço da área sondada). Por outro lado, é conhecido o método de
produção encadeada numa série de fornos contíguos correspondendo às várias fases de
fabrico (XUSTO, 2001: 115). Tratar-se-iam, hipoteticamente, de fornos de recocção ou
acabamentos destinados ao processo de arrefecimento gradual das peças para evitar
que uma busca mudança térmica as quebrasse, cujas dimensões não teriam que ser
muito amplas e compreenderiam só o espaço necessário para arrefecer gradualmente os
recipientes elaborados durante uma jornada de trabalho. Note-se que para identificar
realidades desta natureza nos deparamos com a necessidade de escavações em área
para privilegiar uma visão horizontal que permita identificar as diferentes unidades de
trabalho numa oficina (XUSTO, 2001:119); na Marinha Baixa estávamos condicionados
pelos objectivos inerentes a uma intervenção de salvaguarda e diagnóstico. Porém,
sondou-se uma área total de 224m2 (dividida por 6 sondagens) e intervencionou-se em
acções de limpeza na área envolvente que, embora caracterizada por uma série de
truncamentos, nos permite uma visão, se bem que parcelar e eivada de lacunas,
significativamente interessante.
No que concerne às evidências arqueológicas susceptíveis de associar a Marinha Baixa
a actividades de produção/reciclagem vidreira, assumem particular relevância os
aspectos que se passam a enunciar:
a) existência de mercados potenciais: para o caso de eventuais contactos entre a
Marinha Baixa/ Torre e outros povoados contemporâneos, assume particular importância
(pelo menos em termos teóricos) o sítio arqueológico do Cabeço do Vouga;
b) vias de comunicação: para além da eventual localização costeira da Torre, mencionese a navegabilidade do Vouga daqui até Cabeço do Vouga, por sua vez situado no
traçado da via Ad Bracara.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
76
c) disponibilidade de silica: para além da natural proximidade de areias associáveis às
acumulações sedimentares do Vouga, note-se o registo, na Marinha Baixa, de níveis
geológicos de terraços fluviais. Note-se ainda a presença de níveis de oxidação
ferruginosa presentes nestes terraços, eventualmente associáveis às tonalidade verdes
tão características da colecção da Marinha Baixa/Torre;
d) eventual disponibilidade de sódio de origem vegetal através da presença de espécies
arbóreas como sejam o salgueiro e o amieiro. Contudo, se estas espécies são
observáveis actualmente no local, não há nada (face à ausência de análises
palinológicas) que nos permita assumir que também ali se encontravam em época tardoromana. Tais considerações são igualmente válidas quando se trata de colocar em
hipótese a presença de espécies arbóreas utilizáveis como combustível;
e)
água:
conforme
expusemos
em
capítulo
concernente
ao
enquadramento
geomorfológico, a Marinha Baixa está situada na margem esquerda do Vouga e é
sobranceira, a Oeste, a uma pequena linha de água;
f) estruturas de combustão/ fornos: como já foi amplamente descrito nos relatórios de
trabalhos arqueológicos e em artigos e comunicações realizados a propósito da Marinha
Baixa/Torre, são actualmente conhecidas no local sete estruturas de combustão. Desta
forma, restringiremos aqui o nosso enfoque a três aspectos ilustrativos: a presença de
uma significativa concentração de fragmentos vítreos contígua a uma estrutura de
combustão (Figura 36); o carácter aparentemente vitrificado da película de revestimento
de uma das estruturas negativas aí expostas (Estrutura D); e a desconcertante (contudo
parcelar) ausência de resultados analíticos reveladores de temperaturas atingidas pelos
fornos superiores a 450º (inoperantes para a produção vidreira, mas não para as
respectivas fases de acabamentos).
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
77
Figura 36 – Concentração de vidros junto a estrutura de combustão da Sondagem 6 (UE 6006)
A título de conclusão, faça-se alusão a dois paralelos interessantes: a presença de um
forno tanque tardorromano em Castor St. Edmund (Reino Unido) coberto na base por
uma película vítrea de 25 mm (como parece suceder na Estrutura D da Marinha Baixa
não obstante estarmos aqui face a dimensões muito menores quer no que respeita ao
tamanho da estrutura em si mesma, assim como à espessura da película vitrificada).
Contudo, note-se que aqui a calcinação não requereria cadinhos, realizando-se
directamente na câmara de cocção e sendo transvasada para o forno-tanque por uma
espécie de caleira. É interessante notar a presença de uma caleira numa das
extremidades da Estrutura D (Figura 37), assim como, no estado actual dos nossos
conhecimentos, a total ausência de cadinhos/crisóis no conjunto total exumado.
Destaque-se, finalmente, a existência de paralelos em em Salona (Croácia) Séc III-IV;
Autun (França), séc III-IV; Varna (Bulgária) séc VI.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
78
Figuras 37 e 38 – Estruturas D e H
Por fim, a título de curiosidade, comparem-se as plantas da Marinha Baixa e da oficina
vidreira baixo-medieval de Germagnana, Itália (Figuras 39 e 40). Não obstante a
considerável dimensão do intervalo de tempo que as separa (com todos os anacronismos
históricos e tecnológicos que daí advêm), é por demais evidente a semelhança que as
aproxima no que à organização espacial concerne. Tal asserção, de carácter
eminentemente conjectural, pretende tão somente frisar a consistência da hipótese de
trabalho em que se assume que na Marinha Baixa poderá ter ocorrido produção
secundária/reciclagem vidreira num período em que a organização administrativa do
Império Romano se desagregava na Península Ibérica, suscitando concomitantemente,
como explanaremos adiante, fenómenos centrífugos de restruturação territorial.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
79
Figura 39 – Planta e proposta de reconstituição da oficina vidreira baixo-medieval de Germagnana
(Itália) Fonte: STIAFFINI, 1994, pp204 e 205 apud XUSTO, 2001: 128
Figura 40 – Fases 1 e 2 da Marinha Baixa
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
80
7
7.1
CONCLUSÃO
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICO-ARQUEOLÓGICA
Conforme já afirmámos noutro lugar, “o intervalo de tempo correspondente ao século V
no Ocidente Peninsular, tem sido ao longo da história da Arqueologia portuguesa
associado, não raras vezes, a situações de abandono decorrentes da introdução e
permanência no actual território português de populações exógenas. Não obstante, a
noção simplista de uma situação generalizada de ruptura com o passado durante aquele
período tem vindo a ser reiteradamente rejeitada na última década (Fabião, 1992; Maciel,
1996; Jorge, 2002)” (SARRAZOLA, 2002, 151). De facto os dados que fomos expondo ao
longo deste texto conduzem-nos mais à assunção de um fenómeno de continuidade do
que a rupturas com formas de produção, contactos e intercâmbios; permanências que,
efectivamente, o nosso acervo documental parece reflectir. No presente capítulo
pretende-se explanar esta asserção, do geral para o particular, partindo de modelos
recentemente propostos para a realidade histórico-arqueológica do NO Peninsular,
abordando subsequentemente, a temática da produção vidreira à luz destes modelos,
para incidir, finalmente, na problemática da inserção da Torre / Marinha Baixa nesta
realidade.
Atentemos pois, nos modelos propostos para o NO Peninsular: a propósito da Gallaecia,
Gutiérrez González fala-nos de “tendências centrífugas de grupos campesinos desde os
latifúndios mesetenhos até aos rebordos montanhosos do Noroeste (..) relacionadas com
a desintegração das estruturas políticas e dos sistemas de produção tardo-romanos e em
consonância com uma maior tendência para a produção de subsistência que com
anteriores práticas agrícolas excedentárias” (2001:21), alertando, porém, para a
complexidade do fenómeno e para a necessidade de evitar explicações simplistas.
Note-se que a propósito do Norte peninsular são conhecidos casos de continuidade de
ocupação de castros sem refortificação entre os séculos III e V-VI, enquanto que noutros
se documenta a erecção de muralhas entre o século IV e inícios do V ou entre o V e o VI,
alertando Gutiérrez González para o facto de “a diferença em termos de contexto sócioeconómico e a diversa cronologia obrigarem a não considerar este processo de
“acastelamento” tardo-antigo como uniforme e homogéneo, para além do mais
escassamente conhecido e caracterizado arqueologicamente”(2001: 21).
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
81
No que concerne a fontes de natureza arqueológica, López Quiroga (2001: 83) informanos da presença de 31 castros que apresentam uma continuidade ou uma reocupação
nas primeiras décadas do século V – no espaço entre o Cantábrico e entre Minho e
Douro. O autor considera que “a distribuição espacial destes castros permite observar
como a zona costeira entre o Ulla e o Douro juntamente com o sistema montanhoso
conhecido como a Dorsal Galega constituem as áreas que apresentam uma maior
concentração de ocupações deste tipo para a primeira metade do século V”, constatando
o facto de o maior número de achados de terra sigillata clara D e de tesouros monetários
com exemplares de Arcádio e Honório se encontrarem na zona costeira (2001:83);
precisamente o tipo de evidências materiais que conhecemos na Torre (solidus de
Honório) e na Marinha Baixa (terra sigillata clara D Hayes 91 e 97).
Não obstante o carácter fragmentário da informação disponível (para uma interpretação
satisfatória da distribuição espacial) L. Quiroga arrisca-se a algumas reflexões
conducentes à consideração da manutenção do castro como unidade fundamental de
povoamento (2001: 84), i.e. a constatação de uma “ocupação ou reocupação de castros
anterior à instalação dos suevos em 411(...) especialmente significativa em torno de
Braga, Porto, Tui, Orense, Iria e Lugo. Isto é: as capitais politico-administrativas da
Gallaecia (Braga e Lugo), um núcleo portuário importante e estratégico na
desembocadura do Douro (Porto) e outros núcleos posicionados no curso médio-final do
Minho (Orense e Tui) ou a entrada na Ria de Arosa (Iria Flavia)” (2001: 84). Tais
considerações – a propósito de uma área regional e provincial diversa - colocam-nos a
questão da importância estratégica de Cacia, do seu posicionamento costeiro na
desembocadura do Vouga, e da sua ligação fluvial a Cabeço do Vouga, povoado
fortificado sobranceiro à via ad Bracara Augusta. Quiroga alude à zona costeira do
Noroeste como um “âmbito espacial extremamente ligado a uma forte actividade
comercial de importação durante toda a Antiguidade Tardia que não se interrompe nem
se contrai com a instalação e chegada dos suevos” - destacando a presença em núcleos
deste espaço de TS clara D – e supondo a existência de “razões de tipo geo-económico
para a ocupação ou reocupação dos antigos castros, uma vez que estes contribuiriam
para manter28 e, sobretudo, proteger a intensa actividade comercial que se observa
durante este período por meio de uma série de sítios fortificados de altura localizados em
antigos castros com relação com os eixos principais da rede viária e hidrográfica”
(2001:84). Os paralelos com a Torre, em particular, e genericamente as suas implicações
28
Sublinhado nosso.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
82
com o Baixo Vouga parecem, ainda que hipoteticamente, susceptíveis de uma extensão
regional do modelo de Quiroga para o Entre Douro e Vouga Litoral.
Em função do exposto, afigura-se-nos pertinente colocar duas questões:
Será lícito conjecturar, para a Torre, o seu enquadramento, salvaguardando as suas
especificidades regionais e intrínsecas, numa tendência centrífuga desta natureza? Pelas
evidências materiais provenientes do povoado sabemos que é muito provável que este se
encontrasse ocupado já no século III (Silva, 1994: 46), assim como é de crer numa
idêntica continuidade ocupacional para o Cabeço do Vouga (CMA, s.d.), aliás ambos com
evidências de ocupação desde o período pré-romano até à alta idade média.
Por outro lado, fará sentido perspectivar a Torre enquanto povoado continuadamente
ocupado durante o período romano e a antiguidade tardia, desempenhando funções
portuárias e um papel activo no âmbito de um processo centrífugo de gestão territorial
supostamente ocorrido no Noroeste peninsular no decurso dos complexos e
heterogéneos processos de transformação e mudança (Gutiérrez González, 2001:19) que
aparentemente caracterizam a época em foco?
Manuel Xusto Rodríguez afirma que o NO hispânico durante os séculos VI e VII
continuou também dentro da ergologia vítrea assim como noutras manifestações
plásticas aparentado com a tradição tardo-romana local. Adianta que o vidro que
caracteriza o período suevo e hispano-visigodo (na Galiza alto-medieval ou de
hegemonia germânica) será, portanto, um vidro enraizado no mundo clássico,
interpretável como produto da perduração e/ou reactivação da tradição vidreira galaicoromana (2001: 61).
Ainda segundo este autor, também as produções comuns de vidros, relacionadas com o
quotidiano e maioritariamente com o mundo doméstico, sem grandes ambições técnicas
ou estilísticas, e geralmente de origem regional ou local, se espalham territorialmente,
ainda que evidentemente dentro de distância menores [que as das produções de luxo] de
acordo com o seu carácter de produtos realizados em oficinas possivelmente muito
pouco especializadas. Desta forma, os objectos de vidro, sejam ou não de uso diário,
conheceram uma distribuição territorial dominada pela maior ou menor distância ao
centro de produção de acordo com a sua função e qualidade (2001: 84).
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
83
No que concerne ao carácter plurifuncional de alguns espaços oficinais, é sabido que nos
casos do vidro e da cerâmica, tendo em conta a proximidade dos seus centros de
produção, torna-se plausível admitir que partilhariam a mesma rede comercial. Xusto cita
mesmo o modelo proposto por PRICE e COOL (1991, 27 apud XUSTO RODRÍGUEZ,
2003: 145) para a Grã-Bretanha romana: um modelo de produção de vidro em pequena
escala associado à produção de cerâmica, sugerindo a possibilidade de que as mesmas
agências de distribuição de produtos finais ou acabados em vidro e cerâmica fossem
também as encarregadas de recuperar e proceder ao retorno do vidro fracturado aos
centros de produção vidreiros para a sua reciclagem (XUSTO,145).
Para o autor galego, tudo parece indicar que as oficinas de Lugo, Mérida, La Maja (Rioja)
e provavelmente Braga puderam conhecer uma situação muito similar à realidade
saxónica de Mancetter, Castor e Sheepen Colchester baseada na associação entre
fornos cerâmicos e de vidro, frisando que esta possibilidade deve manter os
investigadores atentos, no decurso de intervenções arqueológicas em oficinas galaicoromanas de produção cerâmica, em torno das quais, provavelmente se possam vir a
deparar com a aparição e novas officinae vidreiras.
É mencionada a frequente associação de centros vidreiros a locais onde existem também
centros oleiros: Lugo (Galiza); Castor e Mancetter (Grã Bretanha) neste último local
coexistindo produção vidreira com uma das principais unidades de produção de tijolos; La
Maja (Calahorra, Espanha). Tal facto justifica que tenhamos mantido em aberto a
hipótese de um carácter plurifuncional para a Marinha Baixa. Contudo, os casos citados
por Xusto aparentam corresponder a coexistências a uma escala que não a do local
específico de produção mas sim da localidade. Não nos podemos esquecer da presença,
em período tardio, dos fornos do Eixo (produção de cerâmica de construção) a escassos
quilómetros da Marinha Baixa. A comparação remete-nos mais para uma unidade de
produção (e/ ou reciclagem de vidro) do que uma olaria.
Esta chamada de atenção parece reforçar as nossas reservas aquando da caracterização
funcional da Marinha Baixa. Isto é, se num primeiro momento lhe atribuímos um
significado plurifuncional, deixando em aberto a sua interpretação definitiva e rechaçando
uma conclusão que apresentasse esta oficina como um centro de produção cerâmica, as
novas informações que nos fazem agora inclinar para uma caracterização da Marinha
Baixa enquanto centro de produção vidreira não devem ser tomadas sem precauções.
Daí que apresentemos os mesmos dados materiais à luz das duas hipóteses (olaria ou
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
84
oficina vidreira?) e consideremos que valerá a pena continuar as testar a plausibilidade
de ambos os caminhos interpretativos, não obstante o facto de assumirmos que, no
estado actual dos nossos conhecimentos, se nos afigura podermos com mais segurança
admitir que nos inclinamos para uma caracterização da Marinha Baixa enquanto oficina
de produção vidreira de carácter secundário durante o período tardo-romano.
Alargando a abordagem a uma escala social/ espacial mais abrangente, embora
posicionamentos teóricos actuais e trabalhos analíticos suportem a hipótese, para o
mundo tardo-romano, da existência de um escasso número de importantes centros de
produção (FREESTONE et al. 2002, apud JACKSON et al., 2003: 454) as evidências
provenientes de York desafiam-nos a considerar a presença de um movimento de
artesãos qualificados e, consequentemente, do vidro enquanto mercadoria (JACKSON et
al., 2003: 454).
Fazendo incidir o nosso enfoque à escala intra-sítio, e importando a ideia de que o
abandono de estruturas ou áreas de actividade é um processo constante em muitos
sítios, constituindo acções como a limpeza e a reutilização dois dos mais importantes
processos legíveis no registo arqueológico (Cameron, 1993: 5) constatamos que o tipo de
estruturas existentes na Marinha Baixa reflecte de forma inequívoca um processo
continuado de gestão do espaço: i. e. fornos que são recorrente e sistematicamente
destruídos
e
reconstruídos
assim
como
estruturas
arquitectónicas
tornadas
inoperacionais e reconstruídas num curto intervalo de tempo segundo os mesmos moldes
arquitectónicos e com recurso às mesmas técnicas tradicionais (Sarrazola, Mendes da
Silva, Borges Coelho, Melro, 2001). Tal constatação entronca na noção de que, não
obstante possam ocorrer em sítios abandonados, processos como reutilização e limpeza
encontram-se especialmente pronunciados em sítios habitados onde áreas de
actividades ocupadas e abandonadas se encontram em estreita proximidade (Cameron,
1993: 5).
Em suma, um tentame de síntese dos dados arqueológicos e das perspectivas
teóricas/modelos que expusemos ao longo deste texto conduz-nos a assumir, no estado
actual dos nossos conhecimentos, três conclusões fundamentais:
•
O povoado da Torre, enquanto espaço ocupacional tardo-romano/alto-medieval, é
susceptível de ser interpretado como uma unidade territorial enquadrável no
modelo norte-ocidental vinculado à ideia da permanência, após a desagregação
administrativa do Império Romano na Península Ibérica, de uma rede de
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
85
comunicações associada ao movimento de produtos, populações e ideias. A título
ilustrativo recorde-se a ideia de Vilella Masana relativa à perduração até ao século
VI das rotas mediterrânicas e norte-atlânticas, destacando “um leque de relações
não comerciais muito mais alargado e complexo: relações que implicam
aculturação” (1990: 59).
•
A ideia supra exposta parece viabilizar a assunção da existência em época tardia
de grupos de artífices vidreiros itinerantes que num determinado local fariam uso
das estruturas oficinais disponíveis para a produção do vidro, independentemente
da função para que teriam sido concebidas, desde que permitissem uma efectiva
operacionalidade. Tal asserção pode sustentar a heterogeneidade formal
identificada no espaço da Marinha Baixa e o carácter plurifuncional que lhe
atribuímos.
•
A ausência de evidências materiais de carácter arqueológico que permitam
identificar sem reservas a ocorrência de produção primária (a partir de matériasprimas) de vidro na Marinha Baixa, associada à inequívoca presença de
estruturas de combustão conectadas com unidades estratigráficas caracterizadas
por uma considerável profusão de fragmentos vítreos de qualidade e tipologia
amplamente conhecidas
no mundo tardo-romano,
contribuem
para que
apresentemos este sítio como um espaço de produção secundária/reciclagem de
vidro em funcionamento relativamente prolongado ou episódico.
O que acabámos de explanar parece fazer sentido num território e num tempo em que
cada vez mais se nos afigura pertinente, sem embargo das suas complexidades,
constatar que a tónica dominante incide não na ruptura mas, manifestamente, na ideia de
continuidade.
7.2
POTOR: OBJECTIVOS E RESULTADOS
No que concerne aos objectivos inicialmente delineados, que adiante se reenumeram,
vejamos ponto por ponto de que forma foi possível concretizar aquilo que houvera sido
proposto.
Objectivos genéricos
•
Avaliação do potencial arqueológico do Povoado da Torre, assumida como
contributo para o conhecimento da rede de povoamento da região do Baixo
Vouga no contexto da ocupação romana do actual território português.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
86
Consideramos ter concretizado este objectivo genérico, já que se procedeu
efectivamente a uma avaliação do potencial arqueológico do sítio. Sem embargo
de termos constatado que a área intervencionada foi profundamente afectada pela
saibreira que ali laborou largos anos, redundando tal constatação numa avaliação
claramente deficitária do ponto de vista patrimonial, o facto de termos sido
forçados pelas circunstâncias a reequacionar a agenda científica do projecto
conduziu a uma efectiva contribuição para o conhecimento histórico-arqueológico
da região, reforçada pelo carácter singular dos dados objectivos.
•
Abordagem interdisciplinar ao conhecimento da evolução da paisagem
litoral na zona do Baixo Vouga no que concerne às suas implicações
histórico-arqueológicas. Condicionado pelo facto do sítio da Torre se encontrar
amplamente afectado pelos motivos já expostos e relacionados pela sua história
recente, redireccionamos as nossas intenções de interdisciplinaridade para um
outro campo: no âmbito da nossa participação nas Jornadas Nacionales – Vidrio
de la Alta Edad Media y Andalusí (San Ildefonso, Segovia – 2006), foram
enviadas para a Universidade Autonoma de Madrid (Prof. Angel Fuentes)
amostras de vidros para análises arqueométricas (cujos resultados se aguardam e
serão publicados nas respectivas actas e, posteriormente, entregues ao Instituto
Português de Arqueologia). Em suma, manteve-se o carácter interdisciplinar do
projecto adaptado aos seus novos objectivos. Contudo, aquilo que foi exposto a
propósito do estado actual dos nossos conhecimentos relativamente à localização
de Cacia na linha de costa em época romana não deixa de significar um
contributo para conhecimento da evolução da paisagem litoral na zona do Baixo
Vouga no que concerne às suas implicações histórico-arqueológicas.
•
Valorização do contributo da investigação arqueológica na construção da
memória colectiva/ local, entendida enquanto elemento estruturante de
identidade e como garante do exercício da cidadania. A respeito deste
objectivo destaque-se a estreita relação com a Junta de Freguesia de Cacia em
sede da qual procedemos a uma comunicação pública dos resultados que à data
da sua realização dispúnhamos, assim como, a publicação de dois artigos no
Boletim oficial daquele organismo autárquico. Finalmente, na sequência de uma
solicitação da Junta de Freguesia de Cacia e após a apresentação ao Instituto
Português de Arqueologia do presente documento, será disponibilizada on-line
uma síntese dos resultados do POTOR no site oficial da Junta de Freguesia.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
87
Objectivos específicos
•
Avaliação do grau de preservação das evidências materiais de carácter
arqueológico jazentes no sítio da Torre, sabendo que o local foi objecto de
uma actividade continuada de extracção de saibro durante a primeira
metade do século XX. Como já referido, a avaliação da preservação do sítio foi
concretizada e os seus resultados constam do respectivo relatório de progresso.
•
Elaboração de um quadro preliminar de caracterização diacrónica da
ocupação do espaço da Torre. Em virtude da já mencionada afectação do sítio
durante o século XX este objectivo específico revelou-se inexequível.
•
Aferição de eventuais relações sincrónicas entre o povoado da Torre e a
Marinha
Baixa
durante
o
intervalo
de
tempo
que
caracteriza
cronologicamente a ocupação desta última (séc. IV-VI). Pretendemos, desta
forma, testar a nossa hipótese interpretativa de identificação da Marinha
Baixa enquanto espaço de funções especializadas associado ao sítio da
Torre (SARRAZOLA, MENDES DA SILVA, MELRO, 2001). Não obstante os
condicionalismos expressos no ponto anterior, são evidentes as relações de
sinconia crono-tipológica entre os materiais da Torre e os da Marinha Baixa,
assim como a inequívoca associação entre estes dois espaços em período tardoromano. Esta constatação decorre da análise comparada dos conjuntos
artefactuais provenientes de ambos os sítios que, na nossa opinião, terão
constituído uma só ocupação espacial.
•
Confirmação/ infirmação da ocorrência de fases de ocupação da Torre
anteriores e posteriores ao intervalo de tempo atestado na Marinha Baixa
(séc. IV-VI), através da obtenção de dados estratigráficos. Pelos motivos já
expostos não foi possível dar resposta a este objectivo.
•
Aferição de eventuais especificidades do povoado da Torre, no que
concerne à sua implantação geográfica e ao seu contexto geomorfológico e
respectivas
implicações
históricas;
através
da
colaboração
com
especialistas em estudos paleoambientais. Pelos motivos já expostos não foi
possível dar resposta a este objectivo.
•
Realização de acções de divulgação dos resultados da investigação
arqueológica junto das populações locais, dando continuidade a iniciativas
empreendidas em articulação com a Junta de Freguesia de Cacia no
decurso do ano 2000. Este objectivo foi eficazmente alcançado nos termos
acima descritos.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
88
•
Determinação de uma estratégia de continuidade do projecto (após a
avaliação do potencial arqueológico da Torre), definida em função dos
dados decorrentes da sua realização. A alteração estratégica dos objectivos do
projecto conduziu a uma solução de continuidade que se materializará na
publicação dos resultados decorrentes das análises acima referidas (Universidade
Autonoma de Madrid).
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
89
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Folha 174
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
93
9
FICHA TÉCNICA
Responsáveis científicos
Alexandre Sarrazola
Inês Mendes da Silva
Equipa Técnica
Ana Patrícia Madeira
Ângela Ferreira
Beliza Vilar
Iola Filipe
Eunice Gomes
Trabalhadores não especializados
António Maria da Silva
Carlos Ferreira da Silva
Tiago Silva
Bruno Fernandes
Elaboração do Relatório
Alexandre Sarrazola
Ana Sofia Gomes
Inês Mendes da Silva
José Carlos Quaresma
Desenhadores
José Pedro Machado
________________
Alexandre Sarrazola
______________________________
Inês Mendes da Silva
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
94
Índice de Figuras
Figura 1 – Fotografia aérea do Outeiro da Torre (anos 90)
12
Figura 2 – Localização da Torre e da Marinha Baixa
18
Figura 3 – Carta Geológica de Portugal
20
Figura 4 – Localização dos sítios arqueológicos mais próximos da Torre/Marinha Baixa 21
Figura 5 – Localização das vias romanas (efectivas e eventuais) segundo Seabra Lopes
(2000)
25
Figura 6– Situação de trabalho na Sondagem 1 do Outeiro da Torre. Nos cortes são bem
evidentes as perturbações estratigráficas provocadas pela actividade da saibreira
que ali laborou
28
Figura 7 – Implantação cartográfica dos trabalhos de prospecção e sondagens
arqueológicas realizados no Outeiro da Torre
29
Figura 8 – Plano da Fase 1
30
Figura 9 – Plano da Fase 2
31
Figura 10 – Plano da Fase 3
32
Figura 11 – Localização de Outeiro da Torre (2) e Marinha Baixa (1) a NO da qual se
pode observar a linha de água mencionada no texto (CMP 174)
33
Figura 12 – Buracos de Poste da Fase 3 (Sondagem 4)
36
Figura 13 – Vestígios de tapagem na Ribeira do Vouga
37
Figura 14 – Desenho de Bartolomeu Conde in Cacia e o Baixo Vouga, 1999,p. 207
37
Figura 15 – Taças simples
41
Figura 16 – Taças carenadas
41
Figura 17- Jarro
42
Figura 18 - Panelas
43
Figura 19 - Púcaro
44
Figura 20 - Potes
45
Figura 21 - Bilhas
46
Figura 22 – Recipiente com elementos de suspensão internos
47
Figura 23 – Fundo de ânfora
47
Figura 24 - Cossoiro
48
Figura 25 – Quadro tipológico da cerâmica comum
49
Figura 26 – Vidros recolhidos por Alberto Souto na Torre (Alarcão; Alarcão, 1963a, est.
III)
Figura 27 - Taça de perfil em S de Lucentum (Sanchez de Prado, 1984, fig. 8-24)
51
56
Figura 28 - Taças de Santomé (a, b, c), A Trinidad (d, e). Taças de perfil em S (a, b) e
taças de calote (c, d, e) (Xusto Rodríguez, 2001, fig. 66)
57
Figura 29 – 1 a 6 – vasos troncocónicos; 7 a 20 – taças em calote
59
Figura 30 – 21 a 44 - Taças em calote
60
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
95
Figura 31 – 45 a 48 – taças em calote; 49 a 52 – fundos onfalados; 53 e 54 – fundos com
decoração soprada; 55 a 60 – fragmentos decorados
61
Figura 32 – 61 – bordo de frasco; 62 e 63 – gargalos; 64 a 68 – frascos; 69 – base de
copo de pé alto; 70 – fragmento de asa
62
Figura 33 – Pormenor da Hayes 97 in situ (peça nº72)
63
Figura 34 – 1 - Sigillata Hayes 97; 2 – Sigillata Hayes 91
64
Figura 35 - Sondagem 6, Áea 2 (UE 6006 – concentração de vidros junto a estrutura de
combustão)
69
Figura 36 – Concentração de vidros junto a estrutura de combustão da Sondagem 6 (UE
6006)
Figuras 37 e 38 – Estruturas D e H
78
79
Figura 39 – Planta e proposta de reconstituição da oficina vidreira baixo-medieval de
Germagnana (Itália) Fonte: STIAFFINI, 1994, pp204 e 205 apud XUSTO, 2001: 128
80
Figura 40 – Fases 1 e 2 da Marinha Baixa
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
80
96
ANEXO 1 – ACÇÕES DE DIVULGAÇÃO
Poster apresentado no âmbito das Jornadas sobre vidrio de la Alta Edad Media y
Andalusi (La Granja, Segovia; Novembro de 2006)
Jornal “Ecos de Cacia”, nº 11, 26 de Novembro de 2003 (p3)
Jornal “Ecos de Cacia”, nº 12, Janeiro de 2004
Outeiro da Torre
Projecto de investigação arqueológica em curso
Alexandre Sarrazola
Inês Mendes da Silva
O Outeiro da Torre foi objecto de prospecções e escavações arqueológicas durante o mês
de Novembro do ano em curso, no âmbito de um projecto de investigação, da
responsabilidade dos signatários, subsidiado pelo Instituto Português de Arqueologia
(Ministério da Cultura) integrado no Plano Nacional de Trabalhos Arqueológicos e
apoiado pela Junta de Freguesia de Cacia. Refira-se que o apoio da Junta de Freguesia,
nomeadamente na logística, no fornecimento de mão de obra, no estabelecimento de
contactos com os proprietários dos terrenos intervencionados, mas também na
hospitalidade manifestada para com a equipa de arqueologia, constituiu um dado basilar
para o sucesso dos trabalhos.
Conforme foi anunciado na última edição do Ecos de Cacia (nº 11, 3ª série, 26/11/2003),
subjazem ao mencionado projecto três objectivos fundamentais:
•
•
•
Caracterização arqueológica do Povoado da Torre e respectivas implicações
contextuais;
Abordagem interdisciplinar ao conhecimento da evolução da paisagem litoral na
zona do Baixo Vouga;
Valorização do património/ conhecimento arqueológico junto das populações locais
Concluída a campanha de escavções arqueológicas no Outeiro da Torre, não obstante se vá
proceder a partir de agora ao estudo dos dados recolhidos, é possível adiantar
preliminarmente que, em virtude do amplo impacte provocado pela saibreira que laborou
no Outeiro durante o século XX, não foi detectada, na área dos 87 m2 escavados, qualquer
vestígio de estruturas arquitectónicas. Contudo, se não bastassem os elementos conhecidos
da história da arqueologia local, a somar aos resultados das nossas intervenções na
Marinha Baixa (Cacia), o tipo de vestígios artefactuais registados durante a campanha de
Novembro de 2003 (fragmentos de cerâmica comum e de cerâmica de construção e
artefactos em ferro) confirma bem a existência de uma ocupação romana naquele local.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
97
Cumprindo o calendário de trabalhos do projecto, proceder-se-á, durante o ano de 2004, ao
estudo de materiais arqueológicos provenientes da Marinha Baixa e do Outeiro da Torre,
assim como à realização de análises paleoambientais (a efectuar no âmbito de um
protocolo com o Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro).
No sentido de dar resposta ao terceiro dos objectivos que enunciámos, está prevista para
Fevereiro do próximo ano a realização, nas instalações da Junta de Freguesia de Cacia, de
uma comunicação pública dos resultados decorrentes das campanhas de escavação
arqueológica realizadas na Marinha Baixa e no Outeiro da Torre. No último trimestre de
2004 far-se-á, no mesmo local, nova comunicação de resultados.
Apresentação da Comunicação “Marinha Baixa (Cacia, Aveiro) na Junta de Freguesia de
Cacia em Junho de 2004
Posters da exposição temporária realizada em Cacia, nas instalações da Junta de
Freguesia, em 2004
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
98
ANEXO 2 – CATÁLOGO DE VIDROS / TERRA SIGILLATA
EP=espessura da parede; DB=diâmetro de bordo; DF=diâmetro de fundo; DBJ=diâmetro
de bojo; H=altura
O número de inventariação é composto pelo acrónimo; pela UE e pelo número de peça.
Vidros
Vaso troncocónico
1 - MB[6006]0 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa
com linhas de vidro branco opaco aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede.
Fragmento de bordo. EP:0,7-1,1mm. DB:11cm.. Pantone 582 (olivgrün), transparente
2 - MB[5043]66 – Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Raras bolhas de ar
pequeníssimas e redondas. Fragmento de bordo espessado. EP:1mm..DB:10,5cm.. Pantone
310 (blaugrün), transparente.
3 - MB[-]50 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Raras bolhas de ar
pequeníssimas e redondas. Fragmento de bordo. EP:1,1mm. DB:14cm.. Pantone 153 (braun),
transparente.
4 - MB[-]55 - Vidro soprado, com bordo polido ao fogo. Superfícies caneladas junto ao bordo.
Bolhas de ar alongadas. Fragmento de bordo. EP:0,9mm. DB:14,1cm.. Pantone 577 (saftgrün),
transparente.
5 - MB [4040]101 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Raras bolhas de ar
pequeníssimas e redondas. Fragmento de bordo. EP:0,7mm. DB:15cm.. Pantone 153 (braun),
transparente.
6 - MB[-]16 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa com
linhas de vidro da mesma cor aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede, abaixo do
bordo. Fragmento de bordo. EP:1mm. DB:14,9cm.. Pantone 125 (gelboliv), transparente.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
99
Taça em calote
7 - MB[-]33 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa com
linhas de vidro da mesma cor aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede. Fragmento de
bordo. EP:0,5-1,5mm. DB:15,9cm.. Pantone 577 (saftgrün), transparente.
8 - MB[-]43 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa com
linhas de vidro da mesma cor aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede. Fragmento de
bordo. EP:0,6-1mm. DB:14cm.. Pantone 577 (saftgrün), transparente.
9 - MB[-]45 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Parede com linha de vidro
da mesma cor aplicada a quente e semi-fundida com a parede abaixo do bordo. Algumas
bolhas de ar alongadas. Fragmento de bordo. EP:0,9mm. DB:12cm.. Pantone 125 (gelboliv),
transparente.
10 - MB[-]44 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa com
linhas de vidro da mesma cor aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede, abaixo do
bordo. Raras bolhas de ar, muito pequenas e redondas, junto ao bordo. Fragmento de bordo.
EP:0,5-1mm. DB:14 cm.. Pantone 582 (olivgrün), transparente
11 - MB[-]41 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa com
linha de vidro da mesma cor aplicada a quente e semi-fundida com a parede, abaixo do bordo.
Algumas bolhas de ar muito alongadas. Fragmento de bordo. EP:1mm. DB:15cm.. Pantone 125
(gelboliv), transparente.
12 - MB[-]42 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa com
linha de vidro da mesma cor aplicada a quente e semi-fundida com a parede. Algumas bolhas
de ar longas no bordo. Fragmento de bordo. EP:1mm. DB:14cm.. Pantone 577 (saftgrün),
transparente.
13 - MB[-]9+10 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa com
linhas de vidro da mesma cor aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede, abaixo do
bordo. Fragmento de bordo. EP:1mm. DB:14cm.. Pantone 582 (olivgrün), transparente
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
100
14 - MB[-]11 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa com
linhas de vidro branco opaco aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede, abaixo do
bordo. Fragmento de bordo. EP:1mm. DB:14cm.. Pantone 582 (olivgrün), transparente
15 - MB[48]20 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa com
linhas de vidro da mesma cor aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede, abaixo do
bordo. Bolhas de ar, pequenas e alongadas, junto ao bordo, dispostas em fiada. Fragmento de
bordo. EP:0,7mm. DB:13,9cm.. Pantone 582 (olivgrün), transparente
16 - MB[120]141 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa
com linhas de vidro da mesma cor aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede, abaixo do
bordo. Algumas bolhas de ar longas. Fragmento de bordo. EP:1mm. DB:13,8cm.. Pantone 153
(braun), transparente.
17 - MB[81]26+[57]32 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície
externa com linhas de vidro da mesma cor aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede,
abaixo do bordo. Fragmento de bordo. EP:0,7mm. DB:12cm.. Pantone 577 (saftgrün),
transparente.
18 - MB[33]139+[128]150 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície
externa com linhas de vidro da mesma cor aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede,
abaixo do bordo. Algumas bolhas de ar longas. Fragmento de bordo. EP:1mm. DB:13,4cm..
19 - MB[162]164 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Bolhas de ar,
pequenas e alongadas, junto ao bordo, dispostas em fiada. Fragmento de bordo. EP:0,91,1mm. DB:13,9cm.. Pantone 582 (olivgrün), transparente
20 - MB[104]66+[66]55 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Fragmento de
bordo. EP:0,8mm. DB:15,1cm.. Pantone 577 (saftgrün), transparente.
21 - MB[104]64+[66]60 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Raras bolhas
de ar longas. Um pouco irisado. Fragmento de bordo. EP:0,8mmmm. DB:15,5cm.. Pantone 577
(saftgrün), transparente.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
101
22 - MB[125]140 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Raras bolha de ar
redondas, pequeníssimas. Fragmento de bordo. EP:1mm. DB:16,4cm.. Pantone 577 (saftgrün),
transparente.
23 - MB[50]25 – Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Muitas bolhas de ar
muito pequenas e longas. Fragmento de bordo espessado. EP:1mm..DB:12,8cm.. Pantone 563
(blaugrün), transparente.
24 - MB[-]161 - Vidro soprado, com bordo ligeiramente espessado e polido ao fogo. Bastantes
bolhas de ar alongadas. Fragmento de bordo. EP:1mm. DB:ind.. Pantone 577 (saftgrün),
transparente.
25 - MB[-]48 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa com
linhas de vidro branco opaco aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede, possivelmente
helicoidais e terminando com uma gota mais espessa, abaixo do bordo Raras bolhas de ar
pequeníssimas e redondas. Fragmento de bordo. EP:1,1mm. DB:ind.. Pantone 153 (braun),
transparente.
26 - MB[155]163 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa
com linhas de vidro da mesma cor aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede, abaixo do
bordo. Fragmento de bordo. EP:1mm. DB:17,2cm.. Pantone 582 (olivgrün), transparente
27 - MB[-]27 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa com
linhas de vidro da mesma cor aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede. Algumas
bolhas de ar muito longas. Fragmento de bordo. EP:1-1,4mm. DB:14,9cm.. Pantone 577
(saftgrün), transparente.
28 - MB[-]51 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa com
linhas de vidro da mesma cor aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede abaixo do
bordo. Raras bolhas de ar pequeníssimas, redondas. Fragmento de bordo. EP:1mm.
DB:17,1cm.. Pantone 582 (olivgrün), transparente
29 - MB[-]18 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Parede com linha de
vidro da mesma cor aplicada a quente e semi-fundida com a parede abaixo do bordo.
Fragmento de bordo. EP:1mm. DB:15cm.. Pantone 125 (gelboliv), transparente.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
102
30 - MB[-]19 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa com
linha de vidro da mesma cor aplicada a quente e semi-fundida com a parede. Fragmento de
bordo. EP:1,1mm. DB:14cm.. Pantone 577 (saftgrün), transparente.
31 - MB[-]30 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa com
linhas de vidro da mesma cor aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede, abaixo do
bordo. Raras bolhas de ar, muito pequenas e alongadas, junto ao bordo. Fragmento de bordo.
EP:1mm. DB:16,1cm.. Pantone 582 (olivgrün), transparente
32 - MB[-]31 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa com
linhas de vidro da mesma cor aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede, abaixo do
bordo. Fragmento de bordo. EP:0,6-1,1mm. DB:16,1cm.. Pantone 582 (olivgrün), transparente
33 - MB[-]32 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa com
linhas de vidro da mesma cor aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede. Fragmento de
bordo. EP:1mm. DB:15,1cm.. Pantone 125 (gelboliv), transparente.
34 - MB[-]28 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Raras bolhas de ar,
pequenas e alongadas. Fragmento de bordo. EP:1mm. DB:15,1cm.. Pantone 582 (olivgrün),
transparente
35 - MB[-]29 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Superfície externa com
linhas de vidro da mesma cor aplicadas a quente e semi-fundidas com a parede, abaixo do
bordo. Algumas bolhas de ar longas, grandes e muito pequenas, redondas. Fragmento de
bordo. EP:0,8mm. DB:16,1cm.. Pantone 577 (saftgrün), transparente.
36 - MB[-]52 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Algumas bolhas de ar,
pequenas e alongadas. Fragmento de bordo. EP:0,6mm. DB:14,1cm.. Pantone 582 (olivgrün),
transparente
37 - MB[-]53 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Raras bolhas de ar, muito
pequenas e alongadas. Fragmento de bordo. EP:1mm. DB:14,1cm.. Pantone 582 (olivgrün),
transparente
38 - MB[-]54 - Vidro soprado. Fragmento de bordo espessado e polido ao fogo. EP:1mm.
DB:ind.. Pantone 582 (olivgrün), transparente
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
103
39 - MB[-]26 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Raras bolhas de ar, muito
pequenas e alongadas. Fragmento de bordo. EP:1mm. DB:13,9cm.. Pantone 582 (olivgrün),
transparente
40 - MB[-]20 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Fragmento de bordo.
EP:1mm. DB:16cm.. Pantone 582 (olivgrün), transparente
41 - MB[-]23 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Parede ondulante, com
linha de vidro da mesma cor aplicada a quente e semi-fundida com a parede, abaixo do bordo.
Bolhas de ar alongadas. Fragmento de bordo. EP:1mm. DB:17cm.. Pantone 577 (saftgrün),
transparente.
42 - MB[-]22 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Algumas bolhas de ar
alongadas junto ao bordo. Fragmento de bordo. EP:1mm. DB:17cm.. Pantone 125 (gelboliv),
transparente.
43 - MB[34]31 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Raras bolhas de ar
pequeníssimas, redondas. Fragmento de bordo. EP:0,6mm. DB:19,2cm.. Pantone 582
(olivgrün), transparente
44 - MB[34]22 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Raras bolhas de ar
pequeníssimas, redondas. Fragmento de bordo. EP:1mm. DB:19,5cm.. Pantone 582 (olivgrün),
transparente
45 - MB[24]15 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Fragmento de bordo.
EP:0,5mm. DB:21,7cm..
46 - MB[45]36 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Raras bolhas de ar
pequenas, alongadas. Fragmento de bordo. EP:0,9mm. DB:17,4cm.. Pantone 125 (gelboliv),
transparente.
47 - MB[24]14 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Raras bolhas de ar
pequenas e longas. Fragmento de bordo espessado. EP:1mm.. DB:18,5cm.. Pantone 378
(saftgrün), transparente.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
104
48 - MB[29]29 - Vidro soprado, com bordo espessado e polido ao fogo. Muitas bolhas de ar longas.
Fragmento de bordo espessado. EP:0,6mm..DB:19,9cm.. Pantone 356 (grasgrün), transparente.
49 - MB[6006]5+7 - Vidro soprado. Bastantes bolhas de ar, muito pequenas e redondas. Fragmento
de fundo onfalado. EP:1,2-5mm. DF:7,6cm.. Pantone 582 (olivgrün), transparente
50 - MB[-]47 - Vidro soprado. Bolhas de ar redondas, pequenas. Fragmento de fundo onfalado.
EP:1-5mm. DF:4,6cm.. Pantone 125 (gelboliv), transparente.
51 - MB[6006]2 - Vidro soprado. Bastantes bolhas de ar, grandes e redondas. Fragmento de fundo
onfalado. EP:1,1-4mm. DF:8,2cm.. Pantone 582 (olivgrün), transparente
52 - MB[4076]158 – Vidro soprado. Bastantes bolhas de ar redondas e longas. Fragmento de fundo
onfalado. EP:1mm..DF:6m.. Pantone 390 (hellgrün), transparente.
53 - MB[-]12 - Vidro soprado. Fundo externo decorado com caneluras formando uma espiral,
realizadas a sopro. Fragmento de fundo onfalado. EP:1-3mm. DF:5,6cm.. Pantone 582 (olivgrün),
transparente
54 - MB[-]8 - Vidro soprado. Fundo externo decorado com caneluras formando uma espiral,
realizadas a sopro. Fragmento de fundo onfalado. EP:1,1-3mm. DF:4,7cm.. Pantone 582 (olivgrün),
transparente
55 - MB[-]38 - Vidro soprado. Superfície externa com decoração vegetalista através de facetas
realizadas a sopro e linhas de vidro da mesma cor aplicadas a quente e semi-fundidas com a
parede . Fragmento de bojo. EP:1mm. DBJ:ind.. Orientação indeterminável. Pantone 577 (saftgrün),
transparente.
56 - MB[-]39 – Fragmento de parede levemente curva canelada. Algumas bolhas de ar longas. EP:
0,6mm.. DB:ind.. Orientação indeterminável. Incolor, muito levemente esverdeado, transparente.
57 - MB[-]36 - Vidro soprado. Superfície externa canelada. Fragmento de bojo. EP:1,8mm. DBJ:ind..
Orientação indeterminável. Pantone 577 (saftgrün), transparente.
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
105
58 - MB[-]40 - Vidro soprado. Superfície externa com linhas de vidro da mesma cor aplicadas a
quente e semi-fundidas com a parede. Fragmento de bojo. EP:1mm. DBJ:ind.. Orientação provável.
Pantone 577 (saftgrün), transparente.
59 - MB[-]46 – Vidro soprado. Superfície externa com linhas de vidro branco opaco aplicadas a
quente e semi-fundidas com a parede. Raras bolhas de ar pequeníssimas e redondas. Fragmento
de bojo. EP:1mm. DBJ:ind.. Orientação indeterminável. Pantone 153 (braun), transparente.
60 - MB[48]18 – Vidro soprado. Superfície externa com linhas de vidro branco opaco aplicadas a
quente e semi-fundidas com a parede. Fragmento de bojo. EP:1,1-2mm. DBJ:8cm.. Pantone 577
(saftgrün), transparente.
Frascos tipo AR 146.3 (Isings 133) e Isings 104b
61 - MB[-]35 - Vidro soprado, com bordo curvado para dentro, de diâmetro irregular. Fragmento de
bordo. EP:1mm. DB:3,5cm.. Pantone 582 (olivgrün), transparente
62 - MB[-]14 - Vidro soprado. Parede externa decorada com fio de vidro branco aplicado sobre a
superfície, formando duas finas molduras, sem se fundirem com a parede . Fragmento de gargalo.
EP:0,9mm. DBJ:4cm.. Pantone 577 (saftgrün), transparente.
63 - MB[-]15 - Vidro soprado. Parede externa decorada com fio de vidro branco aplicado sobre a
superfície, formando uma fina moldura, sem se fundir com a parede . Fragmento de gargalo.
EP:0,9mm. DBJ:4cm.. Pantone 577 (saftgrün), transparente.
64 - MB[6006]1 - Vidro soprado. Superfícies interna e externa caneladas. Algumas bolhas de ar
alongadas. Fragmento de bojo. EP:1mm. DBJ:8,1cm.. Pantone 577 (saftgrün), transparente.
65 - MB[-]37 - Vidro soprado. Decoração soprada na superfície externa, formando uma moldura que
não atinge todo o diâmetro da peça. Fragmento de bojo. EP:1mm. DBJ:ind.. Pantone 582 (olivgrün),
transparente.
66 - MB[-]34 - Vidro soprado. Decoração soprada na superfície externa, formando uma moldura.
Fragmento de bojo. EP:1mm. DBJ:11,5cm.. Pantone 582 (olivgrün), transparente
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
106
67 - MB[6006]6 - Vidro soprado. Decoração soprada na superfície externa, formando uma moldura.
Fragmento de bojo formando uma esquina curva. EP:1,3mm. DBJ:ind.. Pantone 582 (olivgrün),
transparente.
68 - MB[6006]3+4 - Vidro soprado. Superfície externa decorada com fios de vidro aplicados sem se
fundirem com a parede. Algumas bolhas de ar, grandes e redondas. Fragmento de bojo. EP:0,91,1mm. DBJ:ind.. Pantone 582 (olivgrün), transparente.
Copo com pé alto
69 - MB[8]12 – Vidro soprado. Raras bolhas de ar muito pequenas e redondas. Fragmento de fundo
em pé-de-anel. EP4mm.. DB:4,7cm.. Pantone 356 (grasgrün), transparente.
Forma indeterminável
70 - MB[-]13 - Vidro soprado. Fragmento de asa. L.:6mm.. H:4mm.. Pantone 582 (olivgrün),
transparente.
Terra Sigillata
71 – MB[52]27 – Terra Sigillata africana C3. Fragmento de bordo com lábio um pouco descaído.
Pasta dura, algo compacta, cor N20 (=10 R 6/8 = rouge clair) e verniz bem conservado, fino, polido,
um pouco brilhante no bordo, cor M39 (=2,5 YR 6/8 = rouge clair). DB:17,3mm..
72 – MB[4079]165 - Terra Sigillata africana D2-1ª fase. Perfil quase completo: lábio um pouco
descaído, com canelura no topo, de planta com onze faces; pé-de-anel de secção subrectangular;
sulco no fundo interno da taça. Pasta dura, algo compacta, mas menos fina que a do exemplar
anterior, cor M39/N39 (=2,5 YR 6/8 = rouge clair; =2,5 YR 6/8 = rouge clair) e verniz muito mal
conservado, algo espesso, cor P39/N39 (=2,5 YR 5/8 = rouge; = 2,5 YR 6/8 = rouge clair). DB(lábio
incluído):20,5cm.. DF: 10,3cm.. H:5,4cm..
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
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73 – MB[-]81 - Terra Sigillata foceense tardia. Fragmento de bordo vertical com
decoração roletada. Fragmento não observado para descrição de pasta e verniz.
DB:25,7cm..
POTOR – Povoado da Torre (Cacia, Aveiro) Relatório Final
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