Redução de danos em psiquiatria

Transcrição

Redução de danos em psiquiatria
Jornal Brasileiro de Psiquiatria • vol. 52 - nº 5 • Setembro - Outubro 2003
Jornal Brasileiro
de Psiquiatria
Brazilian Journal
of Psychiatry
ISSN 0047-2085
CODEN JBPSAX
volume 52 • set/out-2003
Publicação bimestral
Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB
Alcebíades Gomes
Festa Junina, detalhe
5
Jornal Brasileiro
de Psiquiatria
ISSN 0047-2085
CODEN JBPSAX
volume 52 • set / out 2003
J.bras.psiquiatr. 52 (5): 329-396, 2003
Publicação bimestral
Órgão Oficial do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IPUB
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Descrição baseada em: V.47, nº12 (1998)
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98-1981.
1. Psiquiatria - Periódicos brasileiros. I.
Universidade Federal do Rio de Janeiro. Instituto de Psiquiatria
CDD 616.89
CDU 616.89
Sumário
335-339
E. A. Carlini
Redução de danos: uma visão internacional
341-348
João Carlos Dias; Sandra Scivoletto; Cláudio Jerônimo da Silva; Ronaldo Ramos Laranjeira; Marcos Zaleski; Analice Gigliotti;
Irani Argimon; Ana Cecília P. Roselli Marques
Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira
para Estudos do Álcool e Outras Drogas
349-354
Carla Silveira; Denise Doneda; Denise Gandolfi; Maria Cristina Hoffmann; Paulo Macedo; Pedro Gabriel Delgado; Regina Benevides;
Sueli M oreira
Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas
355-362
Marcelo Santos Cruz; Ana Cristina Sáad; Salette Maria Barros Ferreira
Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos
na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas
363-370
E. A. Carlini
Posicionamento da Unifesp sobre redução de danos
371-374
Edward MacRae; M onica Gorgulho
Redução de danos e tratamento de substituição: posicionamento da Rede Brasileira de
Redução de Danos
375-380
André Malbergier; Arthur Guerra de Andrade; Sandra Scivoletto
Redução de danos: Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo
381-386
387-393
Beatriz Carlini-Marlatt; Dagoberto Hungria Requião; Andrea Caroline Stachon
Redução de danos: uma abordagem de saúde pública
Marcelo Araújo Campos; Domiciano J. Ribeiro Siqueira
Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação
Brasileira de Redutores de Danos
E rrra
ra t a: N o artigo Transtornos Mentais e Trabalho em Turnos Alternados em O perários de Mineração de Ferro em Itabira (M G), publicado no JBP 2003;
52(4): 283-89, uma correção precisa ser feita no Resumo : na p. 283, terceira linha, onde se lê n = 80, o correto é n = 580.
Fontes de referência e index ação:
Academia de Ciências da Rússia Biological Abstracts
BLDSC – British Library Document Supply Center
CAS – Chemical Abstracts Service of American Chemical Society
Chemical Abstracts
Embase/Excerpta Medica
EM D O CS – Embase Document Delivery Service
IBICT – Sumários Correntes Brasileiros
INIST – Institute de L’information Scientifique et Technique
KNAW – Library of The Royal Netherlands Academy of Arts
and Sciences
LILACS – Index Medicus Latino-Americano
NISC Pennsylvania, Inc.
Periódica – CICH-UNAM
Psychoinfo – American Psychological Association
Ulrich’s International Periodicals Directory
UMI – University Microfilms International
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
333
Apresentação
Atualmente os problemas relacionados ao uso de drogas lícitas ou ilícitas no Brasil somam-se de forma crescente a uma ampla
gama de questões sociais que exigem respostas precisas e efetivas. O debate sobre as formas de abordagem do uso abusivo de
drogas é marcada pela discussão de pontos de vista aparentemente inconciliáveis, gerando dificuldades para o estabelecimento de
consenso. Entre as questões discutidas mundialmente está a decisão de adotar ou não estratégias de prevenção e assistência
orientadas pela lógica de redução de danos. Esta ótica, em uso pelo menos desde o início do século 20, teve impulso na última
década como resposta, em grande parte, ao crescimento da ameaça representada pela epidemia da Aids. Redução de danos
constitui um conjunto de medidas preconizadas com o intuito de diminuir os prejuízos relacionados ao consumo de álcool e de
outras drogas, medidas essas que são adotadas sem que haja a exigência de os indivíduos implicados interromperem imediatamente
o uso de drogas.
A ausência de consenso ocorre porque se questiona se a utilização de estratégias de redução de danos, tanto em termos
individuais quanto no plano coletivo, poderia agir como facilitação ou autorização para o consumo de drogas, sem levar em
consideração os seus riscos e prejuízos. Também há aqueles que alegam ser a adoção dessa estratégia uma capitulação inaceitável na
luta contra as drogas. Aqueles que defendem as estratégias de redução de danos, além de não concordarem com esses argumentos,
ressaltam a diminuição dos prejuízos individuais pelo emprego de uma estratégia por eles considerada mais realista. Para dirimir este
embate de posições há questões que ainda precisam ser respondidas, como: “A utilização de estratégias de redução de danos
efetivamente diminui os prejuízos?” e “A sua adoção pode, por outro lado, aumentar o consumo de álcool e de outras drogas?”.
Várias outras questões são atualmente foco de debate e esforços no sentido de estender e aperfeiçoar os recursos de prevenção e
assistência aos problemas relacionados ao uso de drogas, como a necessidade de ampliação da rede de atenção, a relação com a
mídia e a justiça e muitas outras. A definição sobre a utilização das estratégias de redução de danos é, no entanto, inadiável, uma vez
que essa postura pode permear, como princípio, as ações em todas as demais áreas.
O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de São Paulo
(Cebrid/FM/Unifesp), sob a coordenação do professor Elisaldo Carlini, confirmando sua excelência como centro de pesquisa nessa
área, realizou, no dia 8 de agosto de 2003, a apresentação dos pareceres de centros universitários, associações com vasta experiência
neste campo e representantes do Ministério da Saúde e da Secretaria Nacional Antidrogas sobre a adequação da adoção de
estratégias
de redução de danos e tratamentos de substituição no Brasil. Este número do Jornal Brasileiro de Psiquiatria reúne os pareceres
apresentados como uma valiosa contribuição, uma vez que constituem, no seu conjunto, extensa revisão das evidências encontradas
na literatura, além de relevante experiência com práticas de redução de danos.
Marcelo Santos Cruz
Coordenador do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas do
Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Projad/Ipub/UFRJ)
Redução de danos:
uma visão internacional
Harm reduction: an international view
E. A. Carlini
Resu m o
A técnica de redução de danos não é mencionada nas Convenções Internacionais da O NU (1961, 1971 e 1988). Portanto, de
acordo com o International Narcotics Control Board (IN CB), órgão que é considerado o guardião das convenções, esta modalidade de atuação não pode ser classificada como contrária às convenções. Este órgão internacional reconhece mesmo a importância da redução de danos como uma estratégia de prevenção terciária. Esta opinião é partilhada por muitos órgãos internacionais e nacionais. Todavia, o IN CB também alerta que a redução de danos não deveria ser utilizada apenas como uma “espécie
de cunha” para facilitar a pregação de alguns que são favoráveis à legalização das drogas.
Unitermos
redução de danos; Convenções da ONU; INCB (JIFE); prevenção terciária; descriminalização; legalização
Su m m a r y
Harm reduction is not mentioned in the three United Nations Conventions: Single Convention on Narcotic Drugs, 1961; Convention on
Psychotropic Substances, 1971; and Convention Against Illicit Traffic in Narcotic Drugs and Psychotropic Substances, 1971. As a consequence,
according to the International Narcotics Control Board (INCB), a board considered as the guardian of these conventions, this form of
prevention can not be classified as contrary to the conventions. Actually, the INCB recognizes the importance of harm reduction as a form of
tertiary prevention. This opinion is supported by many other international and national bodies. However, the INCB also makes clear that
harm reduction should not be utilized to help to promote movements aimed at legalization of drugs.
Uniterms
harm reduction; UN Conventions; INCB (JIFE); tertiary prevention; drug discriminalization; drug legalization
Introdução e definições
Em fevereiro de 2002, assi m declarava o
International Narcotics Control Board (IN CB) das
Nações Unidas:
“As Convenções Internacionais (1961, 1971,
1988) não mencionam a redução de danos (...);
portanto, esta modalidade não pode ser classificada como contrária às Convenções.”
E em abril de 2003, o presidente do IN CB,
prof. Philip Emafo, assim se pronunciou na reunião da Comissão de Drogas Narcóticas (C N D –
Commission of Narcotic Drugs):
“ O IN CB reconhece a importância da redução de danos em uma estratégia de prevenção
terciária (...)”
A fim de melhor entender o que foi dito acima, é oportuno definir o que são os órgãos ou
estruturas mencionadas.
O IN CB, constituído de 13 membros eleitos
pelo Conselho Econômico e Social das N ações
Unidas, é um órgão independente, mas mantido
pelas Nações Unidas, que tem como função ser o
guardião das convenções , isto é, verificar se a comunidade mundial obedece aos ditames das convenções. Foi criado em 1961 pela Convenção Úni-
Membro titular eleito do International Narcotics Control Board (INCB), período 2002-2006.
Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
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Redução de danos: uma visão internacional
ca de Entorpecentes. Ele pode ser considerado o
judiciário das Nações Unidas em relação ao problema das drogas.
As três convenções da O NU (1961, sobre entorpecentes; 1971, sobre psicotrópicos, e 1988, sobre
substâncias químicas e precursores) são documentos que, através de seus artigos, dão regras aos países signatários sobre como controlar a produção, a
distribuição, o uso, o armazenamento e os estoques
de drogas narcóticas e psicotrópicas. Mais de 90%
dos países são signatários desses documentos. Para
exemplificar, 179 dos 192 países ou territórios já aderiram à convenção de 1961. Acresce-se que os 13
países/territórios que ainda não aderiram têm pequena representatividade no concerto das nações.
São eles: Angola, Congo e Guiné Equatorial, na África; Butan, Cambodja, Coréia do Norte e Timor Leste, na Ásia; Andorra, na Europa; Kiribati, Nauru,
Samoa, Tuvalu e Vanuatu, na Oceania. O Brasil é
signatário das três convenções.
A C omissão de Drogas N arcóticas (C N D –
Commission of Narcotic Drugs) é o órgão da O NU,
com mais de 50 membros, onde são tomadas decisões que poderíamos chamar de legislativas . É a
C N D que pode, em assembléia, tomar decisões
como incluir ou excluir substâncias das convenções (retirando ou determinando modificações nas
listas). A C N D seria o braço político, o legislativo ,
das Nações Unidas, em relação às drogas.
E finalmente temos o braço executivo da O NU,
o United N ations O ffice on Drugs and Crime,
(U N O D C) que substituiu o United Nations Drug
Control Programme (U N D CP).
Por fim, cabe também esclarecer as técnicas
de prevenção adotadas pelas Nações Unidas através da Organização Mundial da Saúde (O MS), que
são as que se seguem:
Preve n ção pri m ária: tem por finalidade assegurar que uma desordem, um processo ou problema não ocorrerão, ou seja, impedir o primeiro
uso de uma droga.
Preve n ç ã o sec u n d ária: procura identificar
e abolir ou modificar para melhor uma desordem,
um processo ou problema o mais precocemente
possível. Vale dizer: a prevenção secundária está
indicada para aqueles que tiveram contato com a
droga e visa a impedir ou diminuir este uso ou
pelo menos impedi-lo de aumentar.
P rrevenção
evenção ter
ciária: propõe interromper ou reterciária:
tardar o progresso de uma desordem, um processo ou problema e suas seqüelas, mesmo que as con336
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Carlini
dições básicas do fenômeno ainda persistam. Em
outras palavras, a prevenção terciária não tem mais
como condição básica e prioritária reduzir ou abolir o uso de drogas, mas sim interromper ou diminuir as seqüelas do uso, mesmo que este (as condições básicas) ainda persista.
R. L. Dupont (1987), ex-diretor do National
Institute on Drug Abuse (Nida) dos EUA sumariou os três tipos prevenção:
• primária – prevenir o uso antes que ele se
inicie;
• secundária – impedir a progressão do uso, uma
vez já iniciado;
• terciária – impedir as piores conseqüências do
uso contínuo.
É n essa últi m a t éc n ic a d e p reve n ç ã o , a
terciária, que os órgãos internacionais colocam a
redução de danos, conforme já mencionado pelo
presidente do IN CB.
Histórico da redução de danos
e as convenções da O NU
Mesmo antes da convenção da O N U sobre
narcóticos, de 1961, a redução de danos (embora sem esta designação) já era praticada em vários países. Por exemplo: ópio, heroína e morfina
já eram administrados como terapêutica de adictos em países da Europa, pelo menos desde a década de 1920; a administração de ópio a pessoas
adictas a esta substância já era prática comum na
Ásia pelo menos a partir de 1914.
E em 1965 iniciou-se a utilização da metadona
para dependentes de opiáceos.
Hoje em dia essas modalidades de intervenção terapêutica são chamadas de tratamento de
substituição ou de manutenção, sendo formas de
redução de danos.
O termo redução de danos (RD) ainda não
existia quando a Convenção de Drogas Narcóticas da O N U – 1961 foi estabelecida. Nessa convenção, o artigo 38 diz apenas: “medidas para
prevenir o abuso e identificação precoce do mesmo, tratar e reabilitar o dependente ”.
A Convenção de Psicotrópicos de 1971 também não menciona RD. No seu artigo 20 consta
apenas: “para prevenir o abuso, identificar, tratar
e reabilitar o dependente”.
A Convenção de Precursores, de 1988, já se aproxima um pouco da concepção de RD: no seu artigo
Carlini
Redução de danos: uma visão internacional
14 diz que medidas devem ser adotadas, visando a
“eliminar ou reduzir a demanda ilícita (...) com o
fito de reduzir o sofrimento humano ” ( grifo meu).
Há ainda a consignar que em uma seção especial da Assembléia Geral da O N U, em junho de
1998, o parágrafo 8 (b) pode ser interpretado
como indiretamente referindo-se às medidas de
RD: “A redução de demanda visa a prevenir o uso
de drogas e a reduzir as conseqüências adversas
do abuso de drogas ” (grifo meu).
Foi baseado nesses fatos que o IN CB já havia
concluído anteriormente que:
“As Convenções Internacionais não mencionam a redução de danos (...); portanto, esta modalidade de terapêutica não pode ser classificada
como contrária às Convenções”.
“ O IN CB, portanto, não se opõe à redução de
danos, dado ser ela parte do tratamento médico
(grifo meu) e uma estratégia coerente de redução de demanda (...)”.
“ O IN CB, entretanto, está preocupado com
que algumas intervenções de redução de danos
possam ser utilizadas com o propósito de advogar uma legalização da droga para uso não-médico, com o que não concorda”.
Definição e filosofia
da redução de danos
O U N O D C, quando ainda U N D CP, na sua publicação Redução de Demanda – Um Glossário de
Termos, assim define a redução de danos:
“Redução de danos refere-se a políticas ou programas que visam diretamente a reduzir o dano
resultante do uso de álcool ou outras drogas, tanto
para o indivíduo como para a sociedade. O termo é usado particularmente para programas que
visam a reduzir o dano sem necessariamente exigir abstinência ” (grifo meu).
O U N O D C diz mais: “A extensão do desencorajamento do uso continuado da droga varia
grandemente de acordo com a filosofia do centro que aplica redução de danos”; e ainda: “A redução de danos é neutra em relação à sabedoria
e à moralidade do uso continuado de drogas, e
não deveria ser vista como sinônimo de movimentos que procuram descriminalizar, legalizar ou
promover o uso de drogas”.
O I N C B, j á e m 1 9 9 3 , e m se u re l a t óri o
anual, tam bém reconhecia a im portância da re-
dução de danos, em bora mostrasse uma certa
preocupação:
“IN CB reconhece a importância de certos aspectos da redução de danos como uma estratégia de prevenção terciária (grifo meu) para propósitos de redução de demanda. Todavia o IN CB
considera como seu dever chamar a atenção para
o fato de que programas de redução de danos
não são substitutos para programas de redução
de demanda (...). O fato de que programas de
redução de danos devem ser considerados apenas como um elemento de uma estratégia mais
ampla e abarcante de redução de demanda tem
sido negligenciado”.
Objetivos e exemplos
da redução de danos
De acordo com o governo suíço, “intervenções
de RD são aquelas planejadas para atingir as pessoas
dependentes que não poderiam ser contatadas de
outra maneira. Por exemplo, os programas de troca
de agulhas e as salas de injeções são algumas vezes
planejados com o objetivo adicional de se chegar
até os dependentes fim de linha (hard core abusers)
para motivá-los a iniciar tratamentos” (relatório da
missão do IN CB à Suíça, ano 2000).
Essa explicação do governo suíço encaixa-se
b e m d e n tro d a d efi n ição d e R D d a d a p elo
U N O D C.
O que parece ser relevante nos programas de
redução de danos é exatamente o que afirmou o
governo da Suíça (e o de vários outros países), ou
seja, são ou deveriam ser programas destinados a
atingir usuários que não poderiam ser contatados
por outros meios. Tanto assim é que o desenvolvimento de programas de redução de danos:
• deve ter suas ações exercidas no próprio ambiente freqüentado pelos usuários de drogas; e
• deve atingir ambientes de profunda exclusão
social, exatamente o local onde se encontram
os usuários fim de linha ou com comprometimento grave.
Por outro lado, no sentido mais amplo, e seguindo as características de uma prevenção terciária (evitar as piores conseqüências do uso de drogas), várias estratégias ou programas de redução de danos
podem ser estabelecidos, como, por exemplo:
1. programa de troca ou doação de seringas;
2. escolha (sorteio) de motorista sóbrio;
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Redução de danos: uma visão internacional
3. servir bebidas em copos e recipientes que não
sejam de vidro, em casos de bares freqüentados por bebedores-problema violentos;
5. instituir tratamentos de manutenção ou de substituição. Seguramente, esta última é uma das mais
difundidas formas de redução de danos.
de danos à base de terapêutica de substituição por
metadona. Por exemplo, o IN CB diz sobre isto: “Em
quase todos os indivíduos dependentes de opióides,
a metadona, quando corretamente prescrita, reduz e freqüentemente elimina o uso de opióides
não-prescritos (...) um efeito indireto do uso legal
da metadona é a redução do crime associado” .
Deve ser ressaltado que, em todas essas estratégias, não se procura diminuir ou parar o uso de
droga, mas fazer com que o usuário evite danos a
si e a outros.
Deve-se tam bém ressaltar que nos Estados
Unidos uma conferência de consenso, patrocinada pelo National Institutes of Health (NIH), em
1998 (JAMA 280,1936-1943,1998), concluiu que:
4. adesivos de nicotina para fumantes; e,
Tratamento de
substituição / manutenção
De acordo com a O MS: “Para uma pessoa dependente de uma substância psicoativa, a prescrição d e u m a o u tra su bst â n cia psic o ativa,
farmacologicamente relacionada àquela produzindo a dependência, para atingir objetivos definidos de tratamento, usualmente melhora a saúde
e o bem-estar do paciente”.
Para o IN CB, um tratamento de substituição
tem por finalidade:
1. reduzir o uso ilícito da droga (o paciente recebe a droga e a utiliza sob orientação);
2. re d u z ir o risc o d e i n f e c ç õ es p e l a vi a
endovenosa;
3. melhorar o estado físico e psicológico do usuário; e
4. reduzir a criminalidade.
Ainda, para o IN CB:
“ O programa de tratamento de substituição
deve ser a última providência para os dependentes pesados ( hard core ) que não tiveram sucesso
em tratamentos anteriores. Tal programa deveria
ser encarado como última tentativa , mas, mesmo
assim, como um programa provisório que deverá
levar a um estilo de vida livre de drogas (...)”.
Finalmente, o IN CB assim define um tratamento de substituição: “pode ser definido como a
prescrição de uma droga com ação similar à droga de dependência, mas com menor grau de risco, com a finalidade específica de tratamento”.
Entre as substâncias usadas para a terapêutica
de substituição destaca-se a metadona (embora
outras drogas estejam mais e mais conquistando o
receit uário, co m o n o caso d a co d eín a e d a
buprernorfina). Existem opiniões taxativas a respeito das vantagens de um programa de redução
338
Carlini
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
“Embora um estado livre de drogas seja o objetivo ideal de tratamento, as pesquisas mostram
que este estado não pode ser atingido pela maioria dos pacientes. Todavia, outros objetivos importantes de um tratamento podem ser atingidos, tais como diminuição do uso de drogas,
d i m i n u i ç ã o d a a t ivi d a d e cri m i n osa e
restabelecimento de emprego, como acontece
com a maioria dos pacientes sob a metadona”.
M ais recen te m en te, a pró pria su bstância
indutora de dependência tem sido dada aos pacientes sob supervisão médica. Esses programas são chamados tratamento de manutenção. É o caso da heroína sen do fornecida, sob contrato, para os
dependentes desta substância na Holanda, na Suíça, na Alemanha e no Reino Unido; do ópio sendo
administrado sob supervisão aos dependentes desta substância na Índia, no Irã, em Mianmá, na Laos e
na Tailândia; da morfina para os dependentes desta
substância na Austrália, na Guatemala, no México e
Suíça.
Da troca de seringas
às salas de inalação
Distribuição/ troca de seringas e agulhas
Uma das formas mais utilizadas de redução de
danos é a distribuição ou troca de agulhas e seringas. Em relação a esse programa, já em 1987 o IN CB,
em seu relatório anual, assim se expressava: “É claro
que a adoção de medidas que possam diminuir o
compartilhamento de seringas entre os usuários de
drogas por via endovenosa é um passo necessário
para limitar a propagação da AIDS. Ao mesmo tempo, essas medidas profiláticas, que são urgentemente
necessárias, não deveriam permitir ou mesmo facilitar o abuso de drogas”.
Dezesseis anos mais tarde, ou seja, no ano de
2003, o IN CB novamente se posiciona favoravel-
Carlini
Redução de danos: uma visão internacional
mente ao programa, dizendo: “Decisão 76/19 – Em
relação à troca de seringas e agulhas, o IN CB reafirma sua posição anterior, já apresentada em relatórios anuais, de que, embora concorde que tais programas possam ser necessários para limitar a
disseminação de HIV/AIDS, cuidados devem ser tomados para tais medidas não provocarem o abuso
de drogas”.
Salas de injeção
Outra iniciativa de alguns governos europeus
que vem despertando a atenção refere-se a salas
de injeção. São ambientes onde os usuários podem injetar-se com as drogas que eles mesmos
adquiriram. Não existe aconselhamento ou equipe de saúde nessas salas, apenas um local mais discreto e, portanto, mais protegido, para a prática
de administração endovenosa de drogas. Essas seriam as razões aventadas para a existência da sala
de injeção: os dependentes não mais injetar-se-iam
nas ruas ou praças públicas, o que, certamente,
confere certo grau de proteção. Mas alguns comentam que, na realidade, a verdadeira razão para o
aparecimento dessas salas de injeção seria de ordem econômica. Algumas das cidades onde essa
prática (salas de injeção) está sendo incentivada
(por quem? só governo?) já haviam antes adotado
o programa das praças de drogas, locais públicos
onde usuários de drogas por via endovenosa se
reuniam para auto-administrarem-se. A grande
concentração de dependentes nessas praças e a
visão deprimente de pessoas intoxicadas fez com
que houvesse uma tremenda queda no comércio
e no valor dos imóveis locais. As salas de injeção
teriam então sido organizadas com o fito de diminuir a presença de dependentes endovenosos em
um único local (a praça), diluindo a população para
diferentes pontos (as salas de injeção).
O IN CB não concorda com a existência dessas salas de injeção, pois elas ferem as convenções, e assim se pronuncia no seu Relatório Anual
de 1999: “ O estabelecimento de salas de injeção,
onde dependentes podem abusar de drogas obtidas ilicitamente , mesmo sendo estas salas direta
ou indiretamente supervisionadas pelo governo,
é contrário às Convenções Internacionais. A autoridade que autoriza as salas de injeção, e assim
permitindo o uso (sem supervisão) de drogas,
estará facilitando ou permitindo o cometimento
de crime envolvendo a posse e o uso de drogas,
(...) encorajando o tráfico. As salas de injeção devem ser claramente distinguidas (grifo meu) dos
locais medicamente supervisionados, onde drogas são prescritas para o uso dos dependentes (tratamento de substituição ou manutenção)”.
O IN CB novamente examina o problema, em
novembro de 2002, e emite duas decisões a respeito,
confirmando o que foi dito anteriormente: “Decisão
76/18 – em relação às salas de injeção, o INCB opina
que tais programas estão em desacordo com as Convenções e são uma violação das mesmas”; “Decisão
76/17 – em relação aos tratamentos de substituição e
manutenção, o INCB opina que são legítimos em face
das Convenções, desde que o objetivo último de tais
tratamentos seja a abstinência”.
Salas de inalação
Em algumas cidades na Europa foi aberta uma
variante das salas de injeção, são as salas de inalação , onde os usuários podem fumar ou inalar
crack e heroína que são adquiridos ilicitamente.
Essas salas, que foram abertas em caráter experimental, não têm o aval do IN CB, que as condena
como fez com as salas de injeção.
Controle de qualidade das drogas
Na Holanda (e possivelmente em outros países europeus), o governo colocou junto às salas
de injeção/inalação equipamentos que permitem
aos usuários avaliar a pureza das drogas que compram ilicitamente no mercado negro. Em relação
a este tópico, o IN CB tomou duas decisões. A primeira é condenando tal prática: “ Decisão 76/20
– Em relação ao controle de qualidade de drogas,
o IN CB opina que tais programas estão em desacordo com as Convenções”.
A segunda decisão foi a inclusão, em seu relatório anual (de 2003), a ser publicado no início de 2004,
de um ou dois parágrafos sobre esse programa.
Finalmente deve ser mencionado que o governo holandês descontinuou o programa de controle
de qualidade, pois surgiram evidências de que o mesmo estava incentivando o uso indevido de drogas.
Endereço para correspondência
E. A. Carlini
Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas
Psicotrópicas (Cebrid)
Departamento de Psicobiologia
Universidade Federal de São Paulo
Rua Botucatu 862/1º andar – Ed. Ciências Biomédicas
CEP 04023-062 – São Paulo-SP
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
339
Redução de danos: posições da
Associação Brasileira de Psiquiatria
e da Associação Brasileira para
Estudos do Álcool e Outras Drogas
Harm reduction: perspectives for the Brazilian reality. Position
of the Brazilian Association of Psychiatry and the Brazilian
Association for Studies of Alcohol and Other Drugs
João Carlos Dias1; Sandra Scivoletto1; Cláudio Jerônimo da Silva 1; Ronaldo Ramos Laranjeira2; Marcos Zaleski2; Analice Gigliotti2;
Irani Argimon2; Ana Cecília P. Roselli Marques2
Resu m o
Este artigo tem como objetivo apresentar princípios, conceitos, fundamentos e principais diretrizes da redução de danos.
Aborda as definições de risco e dano e a relação entre dano e uso de drogas, bem como a associação entre as perspectivas de
danos individuais e coletivos. Sublinha que a redução de danos é um conjunto de estratégias que visa minimizar os agravos à
saúde relacionados ao uso de drogas, quer sejam lícitas ou ilícitas, devendo ser encarada como uma das possíveis estratégias de
abordagem no tratamento e na prevenção do uso de drogas. Suas ações devem estabelecer com precisão quais os tipos e qual
a dimensão de danos que pretende minimizar e estar embasadas em evidências científicas. Enfatiza-se, contudo, a necessidade
de serem devidamente explicitadas as suas indicações e o seu público-alvo em nosso país e que evidências científicas embasarão
a prática, levando em consideração riscos e benefícios individuais e coletivos.
Unitermos
redução de danos; drogas lícitas e ilícitas; uso nocivo de drogas; dependência de drogas; risco; dano; abstinência; saúde pública
Su m m a r y
The purpose of this article is to present the principles, concepts, basis and the guidelines of the harm reduction strategy. It also presents
the definitions of risk and damage and the relation between damage and drug use, as well as the association of the individual and communitary
damage. It emphasizes that harm reduction strategy is one of the possible approaches in the treatment and prevention of drug use and its
actions must establish which kinds and dimensions it supposes to minimize based in scientific evidences. It also stresses, however, the need
of its targets in our country taking into consideration risks and benefits to the individual and to the population.
Uniterms
harm reduction; licit and illicit drugs; drug abuse; drug dependence; risk; damage; abstinence; public health
1. Departamento de Dependência Química da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
2. Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas (Abead).
J . b r a s . p s i q u i a t r.
vol. 52 (5): 341-348, 2003 341
Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas
Dias et al.
“As melhores estratégias para conscientizar a sociedade e as autoridades competentes da importância
da questão das drogas não se resumem a um só golpe de mestre. Na verdade, é um grito de guerra longo e firme.
Q uando apresentar sua argumentação sobre o caso, é fundamental se ater aos fatos, apresentá-los com sinceridade,
e nunca parecer radical ou ter se deixado levar pela paixão em relação a esta questão. Acredito que
também é importante formar alianças com outros assuntos de interesse de saúde pública mais amplos.”
G riffit h Ed w ards, e n trevista p ara o Boleti m d a ABEA D , 2 0 0 1
Introdução
Cada indivíduo traz consigo uma bagagem
diferente a respeito do uso de drogas e, conseqüentemente, diversa atitude sobre redução de
danos. Alguns apresentam posições e condutas
influenciadas por suas próprias experiências de tratamento; outros tomam por base sua própria visão e formação, estando incluída a bagagem moral-religiosa sobre o uso de droga; outros, ainda,
trazem uma visão menos estereotipada ou menos rígida do que é adequado em termos do uso
de drogas para determinado indivíduo; ou ainda
uma visão pró-legalização das drogas4 .
Q ual a atitude e a característica das diversas
visões sobre o uso de drogas e sobre os problemas a ele relacionados que caminham em sintonia
com o movimento de redução de dano? E quais
são as áreas em desacordo entre si ou que necessitam de maiores explorações e pesquisas?
A redução de danos, portanto, pode ser entendida atualmente por, pelo menos, duas vertentes diferentes: (a) a primeira, mais fidedigna
aos conceitos primordiais de sua criação, para
reduzir danos de HIV e DST em usuários de drogas injetáveis e (b) a segunda, cujo conceito mais
abrangente inclui ações no campo da saúde pública preventiva e de políticas públicas que visam
a prevenir os danos antes que eles ocorram.
Para o segundo conceito, que parte do ponto
de vista mais abrangente, alguns princípios baseados em evidências devem ser destacados.
A melhor forma de reduzir os danos de todas as
drogas à sociedade é estimular padrões de abstinência em todas as comunidades, famílias e indivíduos.
Não existe uso de drogas isento de riscos. Dados recentes mostraram que doses relativamente
baixas de álcool expõem adolescentes a maiores
riscos de acidentes e a outros problemas.
As políticas de redução de danos, neste sentido mais amplo, deveriam diminuir os danos so342
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
ciais causados pelo uso de drogas. A Organização Mundial da Saúde propõe política neste campo. Exemplificando no caso do álcool, as políticas globais que visam a diminuir o consumo geral
do álcool são: aumento do preço das bebidas;
proibição da propaganda do álcool; controle de
acesso e disponibilidade do álcool; leis mais atuantes sobre beber e dirigir. No Brasil não temos
uma política sobre o álcool que objetive diminuir
o consumo e o dano desta substância na nossa
população, e, portanto, uma das prioridades de
uma política racional sobre drogas deveria ser criar
as c o n d i ç õ es p ara q u e est a p o lí t i c a f osse
implementada. Seria a mais importante medida
para diminuir o custo social do álcool. Nos poucos exemplos onde algumas dessas políticas foram implementadas temos resultados substanciais. Por exemplo, há um ano a cidade de Diadema,
na Grande São Paulo, aprovou o fechamento dos
bares a partir das 23 horas. Desde então a mortalidade por causas violentas caiu em mais de 50%.
O primeiro conceito, baseado em princípios
mais estritos, também pode ser entendido, segundo alguns autores, como ações dentro do campo
preventivo, que é a melhor forma de reduzir ou
evitar danos. Por este ângulo, podemos lembrar
os seguintes dados:
• as políticas de redução de danos para grupos
específicos, como crianças e adolescentes, deveriam buscar ações sociais com vistas a estimular padrões de abstinência. Deveríamos entender um pouco mais as razões pelas quais a
maioria dos adolescentes não usa drogas. Existem fatores de proteção nestes indivíduos que
os mantém longe do consumo. Políticas que
visem a ampliar estes fatores de proteção ao
uso de drogas e a diminuição dos fatores de
riscos do consumo deveriam ser estimuladas
e implementadas;
• o tratamento baseado na abstinência para a dependência química funciona e pode ser entendido, por este conceito mais ampliado, como a
Dias et al.
Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas
melhor política de redução de danos. Inúmeras
evidências têm mostrado que as diferentes formas de tratamento funcionam. Infelizmente não
funcionam tanto como gostaríamos, mas, quando existe um sistema diversificado de tratamento
numa comunidade na qual os profissionais são
bem treinados, as taxas de sucesso aumentam
muito. No Brasil não temos essa rede de tratamento, que deveria ser prioridade absoluta para
uma política de redução de danos neste grupo.
Não podemos deixar de notar que um bom
número de pacientes não apresenta uma boa
evolução, mesmo com a oferta ideal de tratamento. Estes pacientes deveriam receber um tratamento especial. Todo sistema de tratamento
deveria basear-se numa política de inclusão daqueles pacientes que não estivessem tendo uma
boa evolução, quer porque tenham uma comorbidade psiquiátrica associada, quer por falta de apoio social, ou por dano cerebral decorrente da própria dependência química. Estes
pacientes deveriam ser incluídos no sistema de
tratamento com programas especiais para eles.
Nesta situação específica poderíamos falar em
redução de danos no sentido estrito da palavra
e oferecermos a possibilidade de o paciente adotar objetivos diferentes da própria abstinência.
A recusa do paciente a se tornar abstinente nunca deveria ser motivo para a exclusão do tratamento;
• portanto, a redução de danos, no sentido estrito da palavra, deveria ser uma das formas
de tratamento oferecida aos pacientes. Existem
evidências de que estas políticas podem salvar
muitas vidas. Por exemplo, na década de 1980
o oferecimento de agulhas e seringas na Inglaterra poupou muitas vidas ao permitir que as
pessoas não utilizassem material contaminado
pelo HIV. Mas foi somente com a demonstração científica que essa política salvou vidas. Só
então essas políticas foram incorporadas, na
prática, no governo conservador da primeiraministra Margareth Tatcher, na Inglaterra;
• em uma política de drogas deveríamos evitar
ideologias e seguir os avanços conceituais. As
evidências científicas ainda são os melhores critérios para adotarmos na prática de saúde. Corremos o risco de o termo redução de danos
acabar virando mais uma ideologia que venha
a produzir, ela mesma, um grande dano a uma
política de drogas que ainda não se desenvolveu no Brasil.
Assim, estabeleceu-se na literatura, ao longo
dos anos, duas ou mais correntes de idealizadores
da redução de danos. Procuraremos aqui retomar
alguns conceitos iniciais, salientando a necessidade de esclarecimento dos princípios da redução de danos, de sua definição e de suas práticas,
as quais muitas vezes se contradizem.
Voltando, então, ao princípio, é importante
que se esclareça que o fundamento da redução
de danos não estabelece, necessariamente, uma
posição contra nem tam pouco a favor do uso
de drogas4 . A redução de danos está focalizada
no aumento ou na diminuição dos agravos conseqüentes ao uso de substâncias psicoativas. A
posição predeterminada do uso de drogas como
intrinsecamente bom ou ruim não tem significado neste contexto. Assim, a discussão sobre
esta questão pressupõe a isenção de posições
ideológicas.
Esta posição tem base nos primórdios da redução de danos na Europa; entretanto algumas
reflexões foram sendo acrescentadas ao longo dos
últimos anos, colocando em xeque tal princípio.
Um profissional da saúde comprometido com a
ética e com a medicina, baseado em evidências,
poderia argumentar que as substâncias psicoativas
p o d e m l e v ar a u m a d o e n ç a d e p ri n c í p i os
biopsicossociais – a dependência – que pode ter
conseqüências danosas para indivíduo. Portanto,
ao não se assumir uma posição sobre a droga,
poder-se-ia estar incorrendo em má prática da
medicina. Ressalte-se aqui que a posição do profissional de saúde pode ser contrária às substâncias, mas não aos indivíduos que as utilizam.
Uma confusão conceitual, então, foi se estabelecendo ao longo dos anos em torno da redução de danos: alguns se mantendo nos princípios
de sua criação, mais praticados na Europa, e outros, incluindo práticas já existentes no campo da
prevenção e do tratamento, no conceito e na prática da redução de danos.
Portanto, numa primeira instância, faz-se necessário o estabelecimento de uma definição mais
precisa, clara e uniforme sobre o termo redução
de danos. Desta forma, as discussões a respeito
das visões e ações acerca do assunto poderão estar devidamente fundamentadas. Deve-se levar
em consideração o contexto social, a atitude, a
cultura, os comportamentos, os hábitos, a epidemiologia e os padrões do uso de drogas. Estes
últimos, especificamente, sofrem influência direJ . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
343
Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas
ta da disponibilidade e das tradições com relação
à formulação e fiscalização de políticas públicas
relacionadas ao uso.
De acordo com Griffith 3 , o uso de drogas
pode ser entendido em duas dimensões distintas. De um lado está o uso da droga que varia
ao longo de um continuum , e de outro, suas
conseqüências. A redução de danos tem primordialmente o seu foco no eixo dos problemas associados ao uso de drogas. Entretanto é necessário sempre considerar a relação direta existente
entre a gravidade das conseqüências e o padrão
do uso de droga. Portanto, mesmo que os conceitos se entrecruzem com prevenção e tratamento, não deveríamos expandi-los?
Definição de risco e dano
Risco pode ser definido como a possibilidade
ou probabilidade da ocorrência de um evento. O
dano prevê a ocorrência do evento em si 4 . Assim,
esses termos não deveriam ser usados como sinônimos porque, inclusive, estão relacionados a
campos diferentes de atuação dentro do contexto de uso de droga. A redução do risco está no
campo da prevenção e visa a evitar ou diminuir
as chances de que um evento perigoso à saúde
ocorra. A redução de danos prevê ações que diminuam os danos inerentes a um evento perigoso que já vem sendo praticado por indivíduos ou
grupos de indivíduos.
Relação entre uso
de drogas e danos
Comportamentos de risco não resultam necessariamente em danos. Existem, por exemplo,
indivíduos que fumam por muitos anos e se mantê m sau dáveis, ou ain da in divíd uos q ue não
usam capacete ao pilotar suas motocicletas e não
sofrem acidentes. Contudo esses fatos não alteram a relação clara desses comportamentos de
risco com a possibilidade de danos. Além disso,
alguns comportamentos de risco, sabidamente
relacionados com danos, podem ser praticados
por muitos anos antes que ocorra o dano propriamente dito.
Q ue tipos de dano podem ser associados ao
uso de drogas? Alguns tipos de danos hepáticos
e cerebrais, por exemplo, estão associados ao uso
e álcool ou barbitúricos. Estes danos estão relaci344
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Dias et al.
onados ao próprio efeito da droga no organismo. O utros danos, porém, estão associados com
a forma de utilização (por exemplo, os utensílios
utilizados). Fazem parte deste grupo as infecções
p or h e p a t i t e B, HIV e h e p a t i t e C p or
compartilhamento de equipamentos de injeção.
O utro exemplo se relaciona às drogas de aspiração, como aerossóis, resultando em laringoespasmo. Existem, ainda, os danos associados com
o contexto no qual a droga é usada, como, por
exemplo, acidentes automobilísticos associados
ao comportamento de beber e dirigir.
No estabelecimento de políticas públicas de
redução de danos é preciso ter em foco qual
o tipo da relação existente entre as drogas e
os danos associados ao uso, e quais danos se pretendem minimizar.
A política de redução de danos, estabelecida
em 1996 pelo governo do estado de São Paulo,
por exemplo 1 , visava a minimizar o contágio por
HIV, hepatites B e C associado ao uso de drogas
injetáveis por compartilhamento de seringas ou
agulhas, bem como as doenças sexualmente transmissíveis pelo comportamento sexual de risco,
comum entre os usuários de drogas injetáveis. Essas ações podem ser entendidas como preventivas se tivermos como foco o indivíduo: são ações
que objetivam diminuir o risco de os indivíduos
contraírem HIV ou outras doenças transmissíveis
por contato sangüíneo e sexual. Entretanto o foco
da redução de danos está na população, ou seja,
do ponto de vista epidemiológico, a redução de
danos visa a minimizar danos à sociedade que sofre uma epidemia de HIV e outras doenças.
A troca de seringas e agulhas foi uma estratégia que claramente tinha em vista minimizar o
dano relacionado à contaminação por HIV, sífilis
e hepatite numa população bem definida e que
obteve resultados positivos, demonstrados em diversos trabalhos científicos.
Definição: redução de danos
Uma confusão freqüente se dá entre os termos
minimização de danos e redução de danos. Redução de danos pode ser considerada algo essencialmente operacional (por exemplo, política de redução de danos, programa de redução de danos);
a minimização de danos pode ser considerada uma
meta global, um end point a ser alcançado através
das estratégias de redução de danos4 .
Dias et al.
Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas
O utro aspecto importante diz respeito ao termo dano . As políticas de redução de danos pretendem minimizar quais tipos de danos, relativos
a que áreas da vida do indivíduo e em quais segmentos da população? O utra indagação que merece destaque é se a própria dependência deve
ser considerada um dano.
Dano pode ser definido como o resultado prejudicial à saúde, de gravidade alta e que decorre
do uso de uma substância psicoativa, afetando
um grande número de pessoas. Neste sentido, a
redução de danos estabelece políticas e ações para
minimizar estes danos que tenham representação
epidemiológica.
N egrete 6 , em editorial publicado na revista
Addiction , afirma: “ Como pode alguém sugerir
que a escravidão proporcionada pela droga não
é um dos maiores danos no qual incorre o dependente?”.
A vida de uma pessoa que depende de droga
está direcionada pela urgência em obter novamente a experiência dos efeitos da droga, ou pela
necessidade de se livrar dos desconfortos causados pela ausência da substância, decorrentes de
alterações fisiológicas cerebrais. Ademais, a gravidade da dependência é um dos preditores de
baixa adesão tanto para a troca de seringa como
para a prática de sexo seguro entre os usuários
de heroína, por exemplo 2 .
N este sentido, a própria dependência química poderia ser entendida como um dano, além
do fato, já apontado, da íntima relação da dependência com outros danos. Aqui está uma confusão que precisa ser esclarecida, porque, na definição de dano, pode ser incluída a dependência,
e isto fugiria do conceito histórico inicial da redução de danos. Mas, por outro lado, como não
considerar a dependência química um dano? Fazse necessária uma definição mais clara de quais
os tipos de danos fazem parte do enfoque da
redução de danos.
Sen d o a red ução de danos tam bé m u m a
es t r a t é g i a d e sa ú d e p ú b l i c a , n ã o se d e v e
negligenciar o dano da depen dência q uímica.
Educação, inform ação adeq uada, inclusão social, acesso aos serviços de saúde são algu m as
das ações q ue p o deriam ser incluídas na redução de danos, e a estas deve ser acrescentad o
o acesso fácil e irrestrito ao tratam ento da depen dência química.
Princípios básicos de
redução de danos
A redução de danos é fundamentada nos seguintes princípios:
1. a redução de danos é uma alternativa de saúde pública para os modelos moral, criminal e
de doença do uso e da dependência de droga.
O modelo moral defende a proibição do uso
ou da distribuição de certas drogas, atos considerados crimes sujeitos a punição. Como extensão do modelo moral (pressuposto: o uso
de drogas ilícitas é moralmente incorreto), o
sistema de justiça criminal tem colaborado com
os formuladores de políticas nacionais de guerra às drogas, cujo objetivo aparente é promover o desenvolvimento de uma sociedade livre
de drogas. Já o modelo doença enfatiza os programas de tratamento e de prevenção que procuram remediar o desejo ou a demanda por
drogas por parte do indivíduo (redução da
deman- da), tendo como objetivo primordial
a abstinência. A redução de danos desvia-se
de tais princípios, evitando julgamentos morais de certo ou errado e oferecendo uma variedade de políticas e de procedimentos que visam à redução das conseqüências prejudiciais
do comportamento dependente. A redução de
danos aceita o fato concreto de que muitas
pessoas usam drogas e a maioria delas apresenta outros comportamentos, também de alto
risco. Assim, a redução de danos trabalha com
programas de baixa exigência, sem perder de
vista a possibilidade ideal da abstinência5 ;
2. a redução de danos reconhece a abstinência
como resultado ideal, mas aceita alternativas que
minimizem os danos para aqueles que permanecem usando drogas. O princípio de tolerância
zero estabelece uma dicotomia absoluta entre
nenhum uso e qualquer uso, sem distinguir o uso
experimental, os usos moderados, pesados e as
diferentes dimensões de danos associados aos distintos padrões de uso. A redução de danos não é
contra a abstinência. Contudo acredita que os
efeitos prejudiciais do uso de drogas e outros riscos associad os, co m o a ativi d ad e sexual
desprotegida, podem ser colocados em um
continuum . Quando há comportamento muito
perigoso, a redução de danos propõe reduzir o
nível da exposição ao risco. A abordagem de redução gradual estimula os indivíduos que tenham
comportamento excessivo ou de alto risco a dar
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
345
Dias et al.
Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas
um passo de cada vez para reduzir as conseqüências prejudiciais de seu comportamento5 . Estratégias de redução de danos também têm aplicação no uso de drogas legais, incluídos o tabaco
e o álcool, para, por exemplo, tabagistas incapazes de abandonar o uso de maneira abrupta e
definitiva. Existem, como alternativas disponíveis,
os adesivos de nicotina, as gomas e outras formas de administração de nicotina menos nocivas do que o fumo. Embora as terapias de substituição de nicotina tenham sido criadas como um
auxílio para deixar de fumar, algumas pessoas
usam estes produtos para manter o uso de nicotina num nível mais seguro6;
3. a redução de danos surgiu principalmente
como uma abordagem de baixo para cima , baseada na defesa do dependente, em vez de uma
política de cima para baixo , promovida por
formuladores de políticas de drogas5 ;
4. a redução de danos promove acesso a serviços
de baixa exigência como uma alternativa para
abordagens tradicionais de alta exigência. Os
programas comunitários de rua oferecem um
exemplo de abordagem de baixa exigência na
redução de danos. Em vez de estabelecer a abstinência como um pré-requisito de alta exigência, para receber o tratamento para dependência ou outro tipo de assistência, os defensores
da redução de danos estão dispostos a reduzir
estes obstáculos. Deste modo, os necessitados
têm mais possibilidade de aderir, iniciar, envolver-se com a mudança do comportamento. Os
programas de baixa exigência fazem isto de diversas formas5 . Em primeiro lugar, os defensores de abordagem de baixa exigência estão dispostos a encontrar o indivíduo em seus próprios
termos – encontrá-lo onde estiver, em vez de
onde você deveria estar. Informações de membros da população-alvo são bem-vindas e, portanto, estimuladas, na tentativa de estabelecer
uma parceria ou uma aliança entre os que fornecem os serviços e os que recebem (mesmo
quando ambos os grupos consistem em usuários de drogas ativas). Novos programas são desenvolvidos com a colaboração de pessoas diretamente envolvidas e afetadas. Por meio do
diálogo, da discussão e das iniciativas de planejamento mútuo (por exemplo, uso de grupos
focais para reunir informações iniciais e fixação
de metas), programas comunitários e serviços
associados continuaram a emergir nos segmentos comunitários5;
346
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
5. a redução de danos baseia-se no pressuposto
do prag matismo em pático versus idealismo
moralista. Um adesivo para carros, popular
em meados da década de 1990, proclama
“ Merda acontece” 6 . Sendo uma abordagem
prática, a redução de danos aceita esse fato
desagradável da vida como premissa básica.
O comportamento prejudicial acontece, sempre foi assim e sempre será. Uma vez aceita
es t a p r e m iss a , a m e t a t o r n a-s e a d o
pragmatismo empático: o que pode ser feito
para reduzir o dano e o sofrimento tanto para
o in d iví d u o q uan t o p ara a socie d a d e? O
prag matismo não pergunta se o com portamento em questão é certo ou errado, bom
ou ruim, doentio ou saudável. O pragmatismo
preocupa-se com o manejo das questões cotidianas e das práticas reais, e sua validade é
avaliada por resultados práticos 5 .
Perspectiva pessoal x
saúde pública
Grande parte dos problemas de infecção por
HIV e h e p atit e C e n tre usu ári os d e dro g as
injetáveis tem simultaneamente satisfeito as considerações tanto da saúde individual como da saúde pública. A redução de danos deve considerar
tanto o nível in dividual quanto o público da
minimização do dano. O balanço dos benefícios
dos danos para a população como um todo e o
conhecimento dos danos totais individuais fornecerão o resultado dos benefícios públicos4 . Entretanto, como política pública, na prática a redução de danos tem um olhar epidemiológico. Esta
confusão entre danos individuais e danos para a
sociedade precisa ser mais bem esclarecida, porque nem sempre é possível contemplar as duas
perspectivas em questão. Falta uma resposta, baseada em evidências, sobre qual é a perspectiva
da redução de danos.
Tipos e dimensão dos danos
e população-alvo
Os danos em um nível mais simples podem
ocorrer como um único evento. Já em outras circunstâncias os danos são cumulativos4 . A gravidade do dano relacionado ao uso da droga, bem
como os tipos de dano, deve ser cuidadosamente
avaliada no estabelecimento de programas ou
políticas de redução de danos. Na Europa os programas de redução de danos tinham o seu foco
Dias et al.
Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas
no usuário de droga que apresentava dependência grave, que recusava o tratamento e que aumentava as estatísticas dos diversos problemas associados ao uso de droga.
Entretanto, gradualmente as ações de redução de danos foram se expandindo para públicos cuja gravidade da dependência era menor.
Existem evidências de que, quanto menor a gravidade do uso de droga, mais eficaz é o tratamento. A questão não respondida claramente é
para qual público as políticas de redução de danos devem estar voltadas? Seria para os usuários que não querem tratamento. Mas seria ética
a prática de ações de redução de danos sem tocar no uso da droga? Como definir claramente
quem são os usuários que definitivamente não
irão ao tratamento? Se a redução de danos está
voltada aos problemas do uso e evita sugestões,
opções e reflexões sobre o uso da droga, como
saber se o indivíduo é elegível para um programa de redução de danos?
Conclusões e recomendações
1. A redução de danos pode ser entendida por
uma ótica mais abrangente, envolvendo ações
de políticas públicas e tratamento ou a partir
de uma ótica mais restrita, como a troca de
seringas, mas também ações que minimizem
danos antes que estes ocorram, estabelecendo
programas, por exemplo, sobre beber e dirigir;
2. a redução de danos é um conjunto de estratégias que visa a minimizar os agravos à saúde
associados ao uso de drogas, quer sejam lícitas ou ilícitas;
3. a redução de danos está focada no eixo dos
problemas associados ao uso de drogas, mas
não deve desconsiderar a existência da clara
relação entre estes problemas e o uso, ao longo de um continuum, e que a própria dependência pode ser entendida como um dano;
4. é necessária uma definição objetiva do que seja
dano, qual tipo de dano se pretende minimizar com as estratégias de redução de danos e
quais as evidências científicas que embasarão
a prática, levando em consideração riscos e benefícios para o indivíduo e para a sociedade;
5. os princípios da redução de danos são: (1)
estabelecer uma abordagem de baixa exigência em alternativa aos serviços de alta exi-
gência focados unicamente na abstinência;
(2) proporcionar uma visão realista que reconhece que o uso de drogas ocorre, que
nem todos os usuários estão em estágios de
prontidão para mudança e que estas pessoas têm direito ao acesso aos serviços de saúde; (3) a redução de danos não é contra a
abstinência e não deve ser confundida com
atitudes ou posições ideológicas contra nem
a favor do uso de drogas;
6. as ações de redução de danos devem ter claros
quais os tipos e a dimensão de danos que se
pretendem minimizar e estar embasadas em evidências científicas. As práticas de redução de
danos mostraram-se eficazes através de pesquisas bem conduzidas em minimizar os danos
causados pelo HIV e outras doenças infecciosas,
mas para estabelecer novas ações é necessário
um maior número de pesquisas. Desta forma se
questiona se a medicina deve colocar em prática as intervenções ainda não-testadas e comparadas com outras intervenções já existentes;
7. a redução de danos reconhece que não é possível impor mudanças ao comportamento de
terceiros, mas é possível dar acesso à informação a todos os cidadãos, com respeito, sem
discriminação, e com isso minimizar os danos à saúde associados ao uso de drogas. Entretanto a recusa do tratamento não deveria
ser motivo imediato para a exclusão do tratamento. Todos deveriam ter acesso às informações referentes a ele;
8. a redução de danos deve ser considerada uma
das possíveis estratégias de abordagem ao tratamento e prevenção do uso de drogas. Desta
forma, hão que se tornar explícitas suas indicações e seu público-alvo. Entretanto algumas
questões permanecem pouco claras: (1) o foco
das estratégias de redução de danos está em
nível pessoal ou social? O u como se dá essa
ponderação entre o que é bom para o indivíduo ou para a sociedade? (2) Sabendo pelas
evidências que a dependência é um dano à saúde, estaria o profissional eticamente autorizado a não informar ao paciente sobre os riscos
de uso da droga e não deixar claro que a meta
ideal é a abstinência? (3) Para qual público de
usuários as políticas de redução de danos se
voltam, e como identificá-los?;
9. finalmente, a ABP e a ABEAD sugerem, fortemente, a realização de um consenso nacional,
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
347
Dias et al.
Redução de danos: posições da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Brasileira para Estudos do Álcool e Outras Drogas
com a participação de todas as entidades representativas, para a discussão ampla e científica d o te m a c o m a fi n ali d a d e d e sere m
estabelecidas metas, prioridades, bem como o
esclarecimento de conceitos dúbios e protocolos de atuação.
Referências
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Jornal Brasileiro de Psiquiatria
Endereço para correspondência
João Carlos Dias
Avenida Nossa Senhora de Copacabana 788/1202-1204
CEP 22050-001 – Rio de Janeiro-RJ
Tel./fax: (21) 2548-3616
e-mail: [email protected]
348
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Política do Ministério da Saúde para
atenção integral a usuários de álcool e
outras drogas
Politics of the Ministry of Health for integral attention to users
of alcohol and other drugs
Carla Silveira; Denise Doneda; Denise Gandolfi; Maria Cristina Hoffmann; Paulo Macedo; Pedro Gabriel Delgado; Regina Benevides;
Sueli Moreira
Resu m o
Os desafios colocados pela realidade contemporânea exigem esforços para construção de políticas públicas de atenção à
saúde. Historicamente, a questão sobre a temática droga foi vista exclusivamente pela ótica predominantemente psiquiátrica ou
médica. O uso e/ou abuso e/ou dependência de álcool e outras drogas representam um problema que é do âmbito da saúde
pública, que pressupõe necessária interface com outros programas do Ministério da Saúde, de outros ministérios (Justiça, Educação, Secretaria de Direitos Humanos), organizações governamentais e não-governamentais e demais representantes da sociedade civil organizada, garantindo, assim, a intersetorialidade na construção de uma política de prevenção, tratamento e educação
para o uso/consumo de álcool e outras drogas. Entendemos que sobre este tema há predomínio da heterogeneidade, já que
afeta diferentes pessoas de diferentes maneiras, por diferentes razões, em diferentes contextos e circunstâncias. As ações de
saúde devem atender às diferentes especificidades (isto é: eqüidade, universalidade e integralidade do Sistema Único de Saúde
[SUS]) apresentadas pelo consumidor. Portanto, para que esta política de saúde seja coerente, eficaz e efetiva, devemos ter em
conta que as distintas estratégias (retardo no consumo de drogas, redução de danos associada ao consumo e superação do
consumo) são complementares e fundamentais para a sua construção.
Unitermos
saúde pública; redução de danos; usuários de álcool e outras drogas
Su m m a r y
The challenges put by the contemporary reality demand efforts for the construction of public politics of attention to health. Historically, the
subjects on the theme drugs were seen exclusively through the optics of psychiatrics or doctors. The use and/or abuse and/or dependence of
alcohol and other drugs represent a problem that is of public health extent, that presuppose necessary interface with other programs of the
Ministry of Health, other Ministries (Justice, Education, General Office of Human Rights), government and non-government organizations and
other representatives of the organized civil society, so guaranteeing the participation of all the sections in the construction of politics of prevention,
treatment and education for the use and/or abuse of alcohol and other drugs. We understand that on this theme there is a prevalence of the
heterogeneity, since it affects different people in different ways, for different reasons, in different contexts and circumstances. The actions of health
Assessores do Ministério da Saúde.
J . b r a s . p s i q u i a t r.
vol. 52 (5): 349-354, 2003 349
Silveira et al.
Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas
should assist the different peculiarities (that is, equity, universality and totality of SUS) presented by the consumer. Therefore, so that
these politics of health are coherent and effective, we should take into account that the different strategies (the retard of the
consumption of drugs, the harm reduction associated to the consumption and the abstinence of the consumption) are complementary:
they are fundamental elements in the construction of these politcs.
Uniterms
public health; reduction of damages; users of alcohol and other drugs
Introdução
A realidade contemporânea tem colocado novos desafios no modo como certos temas têm sido
habitualmente abordados, especialmente no campo da saúde. A construção de diretrizes para a saúde deve ser coletiva. Os modelos assistenciais devem ser revistos, objetivando contemplar as reais
necessidades da população, o que implica desenvolver ações que possam atender igualmente ao direito de cada cidadão. Este é um preceito da Constituição brasileira: a saúde deve ter abrangência
universal, não existindo critérios que permitam a
exclusão de qualquer segmento social de possíveis
benefícios ou, ainda, que releguem grupos ou indivíduos a intervenções preventivas ou assistenciais de
qualidade inferior ou de menor abrangência do que
aquelas oferecidas aos seus concidadãos.
O Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pela
Constituição em 1988 e regulamentado pelas Leis
8.080/90 e 8.142/90, a Lei 10.216 (marco legal da
reforma psiquiátrica) e o relatório da Conferência
Nacional de Saúde Mental (dezembro/2001) vêm
reforçando e fomentando o que é hoje tomado
como imperativo: a elaboração de estratégias e propostas para efetivar e consolidar o modelo de atenção aos usuários de álcool e outras drogas, de modo
a garantir seu atendimento pelo SUS.
De acordo com a Organização M undial de
Saúde, cerca de 10% das populações dos centros
urbanos de todo o mundo consomem substâncias psicoativas de forma abusiva, independentemente de sexo, idade, nível de instrução e poder
aquisitivo. Isso nos mostra que estamos diante de
um problema de grandes proporções. Frente à ausência de políticas claras e concretas de atenção
voltadas para esse segmento, surgiram, no Brasil,
alternativas de atenção pautadas pelo resultado
de abstinência.
350
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
A política de promoção, prevenção, tratamento e educação voltada para o uso de álcool e outras drogas deverá necessariamente ser construída
nas interfaces intra/intersetoriais. Visto que o uso
de álcool e outras drogas é um grave problema
de saúde pública, o Ministério da Saúde, pautado
no compromisso ético de defesa da vida, apresenta as diretrizes para a construção de uma política de atenção integral, assumindo completamente o desafio de prevenir, tratar e reabilitar os
usuários de álcool e outras drogas e enfocando a
implementação e a implantação de ações com estratégias mais amplas, que possam contemplar
g ra n d es p arc el as d a p o p u l aç ã o e q u e n ã o
priorizem a abstinência como única meta viável.
Contexto nacional: impacto do uso
de álcool e outras drogas
Pesquisas e estudos realizados observaram os
seguintes pontos:
1. a Organização Mundial de Saúde apontou que
10% das populações que vivem em centros urbanos de todo o mundo consomem abusivamente substâncias psicoativas, sendo que o álcool e o tabaco possuem maior prevalência
global, trazendo conseqüências graves para a
saúde pública mundial 23 ;
2. est u d o c o n d u z i d o p e l a U n iv ersi d a d e d e
Harvard apontou o álcool como responsável
por 1,5% de todas as mortes no mundo e por
2,5% do total de anos vividos ajustados para
incapacidade 21 ;
3. há uma tendência mundial que aponta para
o uso cada vez mais precoce de substâncias
psicoativas, sendo que tal uso ocorre de forma cada vez mais pesada. Estudo realizado
pelo Centro Brasileiro de Informações sobre
Silveira et al.
Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas
Drogas Psicotrópicas (Cebrid) acerca do uso
indevido de drogas por estudantes em dez capitais brasileiras foi utilizado como base comparativa para outros estudos e demonstrou
que houve aumento do uso freqüente do álcool em seis das dez capitais brasileiras que
participaram do estudo, e do uso pesado (20
vezes ou mais) em oito;
4. vinte e cinco por cento dos casos notificados
de Aids no Brasil estão direta ou indiretamente relacionados à categoria de exposição ao uso
de drogas injetáveis (Boletim Epidemiológico
C N DST/Aids/2001);
5. estudo realizado entre usuários de drogas injetáveis
(UDIs) contatados por projetos de redução de
danos aponta que 38,6% compartilharam agulha e/ou seringa com outra pessoa, enquanto
35,9% utilizaram agulhas e/ou seringas de outra
pessoa. A taxa de soroprevalência de HIV nesta
população é de 36,5% 8;
6. pesquisa encomendada pelo governo federal
mostra, em seus resultados preliminares, que
53% do total de pacientes atendidos por acidentes de trânsito no Ambulatório de Emergência do Hospital das Clínicas em São Paulo
estava com índices de alcoolemia em seus exames de sangue superiores aos permitidos pelo
Código de Trânsito Brasileiro. Das análises em
vítimas fatais (IML/SP), o nível de alcoolemia
encontrado chega a 96,8% 7 ;
7. série histórica do Sistema de Mortalidade do Ministério da Saúde nos últimos oito anos sobre a
relação entre o uso de álcool e outras drogas e
eventos acidentais ou situações de violência evidencia o aumento na gravidade das lesões e a
diminuição dos anos potenciais de vida da população. Os acidentes e as situações violentas
ocupam o segundo lugar em causa de mortalidade geral, sendo o primeiro lugar na causa de
óbitos entre pessoas de 10 a 49 anos;
8. dados do Datasus referentes ao ano de 2001
notificam 84.467 internações para tratamento de problemas relacionados ao uso de álcoo l, n ú m ero q u atro ve z es su p eri or a o d e
internações ocorridas por uso de outras drogas. N este mesmo período foram emitidas
121.901 autorizações para internação hospitalar (AIHs) para internações relacionadas ao
alcoolismo; a média de internação foi de 27,3
dias, e o custo anual para o SUS foi superior a
60 milhões de reais;
9. n o p erío d o d e 1 9 8 8 a 2 0 0 1 , se g u n d o o
Datasus, os gastos decorrentes do uso de álcool re presen tava m 87,9 % co n tra 13 % d os
oriundos do consumo de outras substâncias
psicoativas;
10. no Brasil, estima-se que 20% das pessoas tratadas na rede pública de atenção primária bebem em um nível considerado de alto risco,
sendo que o sistema de saúde leva em média
cinco anos para diagnosticar tal situação.
Eficácia das ações de redução
de danos e sua ampliação para a
clínica das dependências
As ações de redução de danos tiveram início
no Brasil em 1989, em u m único m unicípio,
Santos, no estado de São Paulo. Esta primeira iniciativa teve grande resistência das autoridades judiciais. Somente em 1994, com o primeiro acordo de empréstimo do governo brasileiro com o
Banco Mundial, e em parceria com o Programa
das Nações Unidas para o Controle Internacional
de Drogas, a redução de danos constituiu-se como
uma política de governo, mas ainda de modo parcial. O governo federal assumiu a redução de danos como importante ação de saúde pública. Essas ações foram acompanhadas pelo Ministério
das Saúde – Coordenação Nacional de DST/Aids.
O primeiro programa vinculado foi o do Centro
de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (Cetad),
na Bahia, vinculado à Universidade Federal da
Bahia (UFBA).
O Ministério da Saúde, em parceria com o Ministério da Justiça, iniciou a construção de pareceres para que a interpretação da antiga Lei 6.368,
antidrogas, não impedisse as ações e o desenvolvimento de trabalhos de intervenção baseados em
capacitação pelos pares e trabalho de redutores
de danos.
Constatou-se desde então que o impacto das
ações de redução de danos está diretamente relacionado ao fato da inclusão dos usuários de drogas na agenda pública.
Estudos realizados pela Universidade Federal
de Minas Gerais (1999/2001) demonstravam que
as ações de redução de danos dirigidas a UDIs
promoviam mudança de comportamento desde
o aumento consistente no uso de preservativo,
d e 4 2 % p ara 6 5 % , a t é a d i m i n u i ç ã o n o
compartilhamento de material de injeção, de 70%
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
351
Silveira et al.
Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas
para 41%. A procura para diagnóstico de HIV e
hepatites, o tratamento de dependência química
e o tratamento da Aids também foram relatados
a partir da implantação dos programas de troca
de seringas, diminuindo a vulnerabilidade à infecção pelo HIV, bem como a soroprevalência da
hepatite C nos usuários de drogas injetáveis.
Atualmente contamos com 160 projetos financiados pela Coordenação Nacional de DST/Aids no
Brasil e que atingem 84 mil pessoas, o que equivale
a 10,5% do total estimado de UDI no Brasil. Existem
19 associações de usuários, ex-usuários e profissionais da redução de danos, sendo que duas são nacionais e 17, estaduais. Elas têm tido papel fundamental na conquista de cidadania pelos usuários de
drogas, exigindo dos profissionais de saúde novas
posturas para o atendimento do usuário.
O utras estratégias e ações devem ser iniciadas e/ou implementadas, como a atenção para o
compartilhamento de seringas e agulhas para uso
de anabolizantes em academias de ginástica e para
aplicação de silicone e de hormônios. Bem como
ações que estão sendo realizadas de forma pontual. Há necessidade, pois, de expandir as estratégias de redução de danos para outras drogas e
vias de administração, como o crack e o álcool.
A ampliação e a garantia da participação ativa
dos usuários de drogas na construção de políticas
públicas de saúde, bem como o apoio governamental para a diminuição das vulnerabilidades deste segmento. Para tanto são necessários investimentos nacionais e internacionais na discussão das leis em vigor,
a partir dos custos sociais e econômicos que as políticas repressivas (proibicionistas) fazem recair sobre
a saúde.
Diretrizes para uma política
de atenção integral aos usuários de álcool e outras drogas
A política de atenção dirigida à população
de usuários de álcool e outras drogas está em
consonância com os princípios da política de
saúde mental vigente. Sendo assim, a Lei Federal 10.216 19 também vem a ser instrumento legal/normativo máximo para a política de atenção aos usuários de álcool e outras drogas, a qual
está em sintonia com os pressupostos da Organização M undial da Saúde.
Mediante a multiplicidade de níveis de organização das redes assistenciais localizadas nos es352
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
tados e no Distrito Federal, a diversidade das características populacionais e a variação da incidência de transtornos causados pelo uso abusivo
e/ou dependência de álcool e outras drogas, o
M inistério da Saúde propôs a criação de 250
Centros de Atenção Psicossocial (Caps – álcool e
drogas), dispositivo assistencial de comprovada
resolubilidade que pode abrigar em seus projetos terapêuticos práticas e cuidados que contemplem a flexibilidade e a abrangência possíveis às
necessidades a esta atenção específica, dentro
de uma perspectiva estratégica de redução de
danos sociais e à saúde.
Os Caps ad devem oferecer atendimento diário, sendo capazes de prestar atendimento nas diversas modalidades (intensiva/semi-intensiva/nãointensiva), p ermitin d o o m anejo terap êutico
dentro de uma perspectiva individualizada e de
evolução contínua.
Como principais objetivos de ação, os compromissos que se colocam hoje para a saúde é:
• alocar a questão do uso de álcool e outras drogas como um problema de saúde pública;
• indicar o paradigma da redução de danos nas
ações de prevenção e de tratamento como
método clinicopolítico de ação territorial na
perspectiva da clínica ampliada;
• formular políticas que possam rever e discutir
o senso comum sobre o uso de drogas e o usuário destas dentro de uma ótica científica e de
saúde;
• mobilizar a sociedade civil para participar das
práticas preventivas, terapêuticas e reabilitadoras, bem como estabelecer parcerias locais
para o fortalecimento de políticas municipais
e estaduais.
Diagnosticamos como necessário para esta integração das ações propostas:
1. construção de oportunidades de inserção das
ações nos mecanismos implementados pelo
Sistema Único de Saúde (SUS) nas esferas de
governo municipal e estadual;
2. formulação de alternativas para a sustentabilidade e o financiamento das ações;
3. repasse das experiências relativas às experiências de descentralização e da desconcentração
de atividades e de responsabilidades obtidas
por estados e municípios;
4. processos de formação e capacitação de profissionais e de trabalhadores de saúde, com am-
Silveira et al.
Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas
plo investimento político e operacional para
mudança de conceitos.
de acolhimento em lugares de enfretamento coletivo das situações ligadas ao problema.
O compromisso do Ministério da Saúde é de criar, manter equipamentos, qualificar seus profissionais, formular políticas de saúde, articulando com
áreas afins, e executar e avaliar tais políticas, assumindo o que lhe cabe no enfrentamento do que faz
adoecer e morrer. Estes são os compromissos do SUS:
fortalecer seu caráter de rede, incitando outras redes à conexão; garantir o acesso aos serviços e a
participação do consumidor em seu tratamento,
através do estabelecimento de vínculos, da construção da co-responsabilidade e de uma perspectiva
ampliada da clínica; e transformar os serviços locais
Proporcionar tratamento na atenção primária, garantir acesso a medicamentos e atenção na comunidade, fornecer educação em saúde para a população, envolver comunidade/usuário/família, formar
recursos humanos, criar vínculo com outros setores,
monitorar as ações de saúde mental com a comunidade, dar apoio à pesquisa e estabelecer programas
específicos são práticas que devem ser obrigatoriamente contempladas pela Política de Atenção a Usuários de Álcool e outras Drogas em uma perspectiva
ampliada de saúde pública, como a que implantamos no Brasil.
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Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas
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DST/Aids, 2003.
Jornal Brasileiro de Psiquiatria
Endereço para correspondência
Denise Donedo
Coordenação Nacional DST/Aids
SEPN 511 – Bloco C
CEP 70750-543 – Brasília-DF
Tel.: (61) 448-8012
354
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Posicionamento do Instituto de
Psiquiatria da UFRJ sobre as
estratégias de redução de danos
na abordagem dos problemas
relacionados ao uso indevido
de álcool e outras drogas
Marcelo Santos Cruz 1; Ana Cristina Sáad 2; Salette Maria Barros Ferreira2
Resu m o
O presente parecer representa uma síntese da literatura sobre as vantagens e desvantagens na adoção da política proibicionista
ou das estratégias de redução de danos na diminuição da soroprevalência de vírus HIV, das hepatites B e C e dos comportamentos de risco entre usuários de drogas e a ausência de crescimento do consumo de drogas como resultado destas ações. Há
evidências da diminuição de riscos e danos pela utilização de terapias de substituição no tratamento de usuários de drogas. Por
outro lado, o regime proibicionista propõe a resolução dos problemas relativos ao uso de drogas através de táticas de repressão
policial, por meio de uma concepção moral e criminal, sem se mostrar eficiente para diminuir os problemas relacionados ao uso
de drogas. No que se refere à assistência, redução de danos significa o emprego de técnicas que viabilizem as melhores opções
possíveis para cada paciente, evitando uma exigência de abstinência a qualquer custo. Pelos motivos expostos, o Instituto de
Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro é favorável à adoção das estratégias de redução de danos na abordagem
dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas no Brasil.
Unitermos
álcool e drogas; redução de danos; política de saúde; terapia de substituição; proibicionismo
Su m m a r y
We present the synthesis of a literature review about advantages and disadvantages of drug prohibitionist politics versus harm reduction
strategies. Brazilian and international researches show the usefulness of harm reduction strategies in reducing HIV, hepatitis B and C
soroprevalence among drug abusers. These strategies diminish risk behaviors of drug abusers without resulting increased drug use. We found
evidences that substitution therapy for drug abuse results in reduction of risks and harm. On the contrary, prohibitionist politics focus the
resolution of drug problems on repression using a moral and criminal conception, failing to solve those problems. In health care context,
harm reduction means the use of techniques that makes possible to offer better options for each patient without the requirement of drug
abstinence. Because of the mentioned reasons, Psychiatry Institute of Universidade Federal do Rio de J aneiro supports the adopotion of harm
reduction strategies in the management of drug and alcohol problems in Brazil.
Uniterms
drug and alcohol abuse; harm reduction; health politics; substitution therapy; prohibitionist politics
1 Coordenador
do Programa de Estudos e Assistência ao Uso Indevido de Drogas (Projad), do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio
de Janeiro (Ipub /UFRJ).
2Professora visitante do Projad, Ipub /UFRJ.
J . b r a s . p s i q u i a t r.
vol. 52 (5): 355-362, 2003
355
Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas
A resposta dos responsáveis pelas políticas para
as drogas no Brasil e no restante do mundo ocidental é ainda, predominantemente, a tentativa
de eliminar a oferta de drogas ilícitas e com isso
perseguir o ideal de uma sociedade sem drogas.
Durante a última década, alguns países responderam aos problemas relacionados às drogas com
iniciativas diversas, que envolviam a noção de redução de danos16, 26 . Essas iniciativas sugerem ser
melhor, tanto para a sociedade quanto para o indivíduo, diminuir os riscos e os prejuízos relacionados ao uso contínuo de drogas e à política de
co ntrole de dro gas d o q ue restrin gir o foco
objetivado em uma sociedade livre de drogas. O
presente parecer representa uma síntese do que
encontramos na literatura sobre as vantagens e
desvantagens na adoção da política de uma sociedade livre de drogas ou das estratégias de redução de danos.
As noções contemporâneas de redução de danos surgiram na formulação da política de drogas holandesa durante o final da década de 1970
e início da de 1980 14, 18 . O evento que tornou esta
política oficial em países como Austrália, Suíça e
Grã-Bretanha foi o reconhecimento, durante meados dos anos 1980, de que injetar drogas compartilhando agulhas dissemina o vírus HIV: “ O HIV
é uma ameaça maior à saúde pública e individual
do que o abuso de drogas, e a prevenção da Aids
deve estar integrada aos esforços antidrogas” 1, 31 .
Com o crescimento da epidemia de Aids, nos locais em que já se desenvolviam atividades de redução de danos estas iniciativas passaram a ser
também dirigidas para a prevenção do contágio
por todas as doenças transmissíveis por via venosa e também sexual.
Figura 1
356
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
As estratégias de redução de danos partem do
princípio de que não se pode esperar que se realize o ideal de a humanidade um dia prescindir
de substâncias psicoativas e de que é indispensável o desenvolvimento imediato de ações para
diminuir os danos provocados para cada indivíduo e para a coletividade. Assim, a política de redução de danos visa ao desenvolvimento de uma
série de ações no sentido de que o ideal é que os
indivíduos não usem drogas, mas, se isto ainda
não for possível, que o façam com o menor risco
possível (Marlatt, 1999; Nadelmann, 1997).
Os princípios básicos da redução de danos,
segundo Marlatt 18 , são:
1. a redução de danos é uma alternativa de saúde pública para os modelos moral/criminal e
de doença do uso e da dependência de drogas;
2. a redução de danos reconhece a abstinência
como resultado ideal, mas aceita alternativas
que reduzam os danos;
3. a redução de danos surgiu principalmente
como uma abordagem de baixo para cima , baseada na defesa do dependente, em vez de uma
política de cima para baixo promovida pelos
formuladores de políticas de drogas;
4. a redução de danos promove acesso a serviços
de baixa exigência como uma alternativa para
abordagens tradicionais de alta exigência;
5. a redução de danos baseia-se nos princípios
do prag matismo em pático versus idealismo
moralista.
No caso do uso injetável de drogas, por exemplo, se um indivíduo ainda não consegue deixar de
usar uma droga, as ações são no sentido de que ele
o faça de forma não-injetável. Se ele ainda não consegue isto, que o faça sem compartilhar seringas. Se
ele ainda não consegue, que ele e os parceiros usem
métodos eficientes de esterilização do equipamento de injeção e assim por diante. A troca de seringas
é apenas uma das ações nesta direção. Junto a esta
tarefa obrigatoriamente devem ser realizadas outras,
como oferecer tratamento para a dependência da
su bstância, exa m es clínicos p ara d oe nças
transmissíveis por via venosa ou sexual, tratamento
para doenças clínicas, ensinamentos e material
educativo sobre a prevenção de doenças de contágio sexual e venoso. Como afirmam Nadelmann,
McNeely e Drucker22, “a prioridade é colocada na
maximização da quantidade de contato que usuári-
Cruz et al.
Cruz et al.
Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas
os de drogas problemáticas têm com os serviços
comunitários sociais, de assistência e outros”.
O risco de contágio de doenças de transmissão
pelo uso de drogas injetáveis é uma preocupação
de saúde pública, sendo esta forma de contaminação relevante no contágio entre usuários de drogas
injetáveis assim como a disseminação destes para
seus parceiros pela via do contágio sexual. No Brasil, a redução de danos é a abordagem preventiva
oficial pela qual a epidemia de Aids vem sendo enfrentada, e a pretensão é que se expanda para a área
de prevenção e tratamento de usuários de drogas8 .
Como a preocupação com a transmissão da
Aids é generalizada, a maior parte dos estudos sobre os resultados da execução de estratégias de
redução de danos é referente aos riscos de contaminação pelo HIV. Esta preocupação é justificada
p e l as al t as t a x as d e p re v al ê n c i a d e
sor o p osi t ivi d a d e e n tre usu ári os d e d r o g as
injetáveis. Um estudo realizado nas cidades de
Itajaí, Porto Alegre, São José do Rio Preto, São
Paulo e Sorocaba mostra taxas que variam de
18,4% a 78% de prevalência de HIV na população de usuários de drogas injetáveis27 . A média
no grupo estudado (52,3%) é muito maior do
que a da população em geral, da mesma forma
que a prevalência de soropositividade para HTLV
(17%)4, 34 . Estudos realizados em Santos19 , Rio de
Janeiro 4 e Salvador 2 encontraram taxas igualmente
altas para estes vírus e para os das hepatites B e
C. O mais importante é que nestas três cidades
estes estudos encontraram importante queda na
prevalência destes agentes infecciosos quando
comparados com estudos realizados antes da instituição, nestas cidades, de estratégias de redução de danos para este grupo populacional. Embora não se possa afirmar que a queda nas taxas
de soropositividade seja resultado da implantação das estratégias de redução de danos, outros
resultados destas pesquisas apontam nesta direção, como é o caso da diminuição da freqüência
do uso injetável e do padrão de compartilhamento
de seringas (em Santos, Rio de Janeiro e Salvador) e do uso de preservativos (Salvador).
Os resultados dos estudos realizados no Brasil
são consistentes com aqueles efetuados nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, na Holanda e na
Austrália11, 15, 20 . Um estudo de revisão de 14 programas de troca de seringas mostrou que dez deles tiveram co m o resultad o a diminuição no
compartilhamento de seringas, quatro não mos-
Figura 2
Figura 3
traram nenhuma redução e nenhum programa
resultou em aumento 15, 20 .
O emprego da substituição de drogas por outras substâncias menos associadas a danos, mesmo quando estas oferecem risco de abuso ou
dependência, também pode ser compreendido
entre as ações das estratégias de redução de danos. N o Brasil, podem ser incluídos nesta categoria o uso dos benzodiazepínicos nas fases iniciais após a interrupção do uso do álcool e a
prescrição de metadona para dependentes de
opióides. A substituição no tratamento de dependentes de opióides é utilizada em outros país es d es d e 1 9 2 3 2 3 . S e g u n d o N a d e l m a n n ,
M c N eely e Drucker 22 , os resultad os p ositivos
e n c o n t ra d o s n a l i t era t u ra s o b r e o us o d e
metadona para usuários de heroína incluem a
diminuição no uso de heroína 12, 24 , a diminuição
do uso injetável 10, 30 , a redução de comportamenJ . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
357
Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas
que podem provocar dependência, e com a possibilidade de ocorrência de troca de uma droga
pela outra, há evidências de que não há diminuição da chance de abstinência estável de metadona
e outras drogas para pacientes que aderem a programas de metadona17 .
Em oposição à política de redução de danos está
a guerra às drogas ou a ideologia de tolerância zero ,
adotada principalmente pelo governo norte-american o e b asead a n as p olíticas d e proi bição,
criminalização e numa ideologia rígida livre de drogas (Nadelmann, 1997). Este projeto, cunhado durante o governo Reagan, tem empregado somas
vultosas em iniciativas dirigidas fundamentalmente
para a repressão de produção, comercialização e
consumo de substâncias ilícitas. O regime internacional de proibição de drogas promovido pelos Estados Unidos desde o início de 1900 está agora firmemente estabelecido pelo mundo: a Convenção Única
sobre Narcóticos (Single Convention on Narcotic
Drugs), de 1961, e a Convenção das Nações Unidas
contra o Tráfico Ilegal de Narcóticos e Substâncias
Psicoativas (Convention against Illicit Traffic in
Narcotic Drugs and Psychoactive Substances), de
1988, foram ratificadas em mais de cem governos21,
32
. As táticas de repressão e sanções desenvolvidas
pelos Estados Unidos, incluindo aparato eletrônico
de vigilância, testes de drogas, novas leis, prisões
compulsórias relacionadas às drogas, foram adotadas
em muitos países, e a proporção de aparato, recurso policial e espaço em prisões destinados a esse fim
aumentou dramaticamente 20 , inclusive no Brasil9 .
Como afirmam Nadelmann, McNeely e Drucker22,
essas políticas “se mantêm dominantes nos Estados
Unidos, apesar das recomendações em contrário de
Figura 4
Figura 5
to criminoso e prisões13 , a redução nas taxas de
mortalidade entre dependentes 7 e o aumento no
emprego 5, 12 .
Embora os críticos das estratégias de substituição se preocupem com o uso de substâncias
358
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Figura 6
Cruz et al.
Cruz et al.
Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas
várias instituições de alto nível científico e de consultores do governo ao longo de anos”.
Este tipo de abordagem entende o problema
do uso de drogas através dos modelos moral/criminal e de doença, como cita Marlatt 18 : “ O modelo moral, como expresso na política de controle de drogas dos Estados Unidos, é o de que o uso
e/ou a distribuição de certas drogas são crimes
que merecem punição... no modelo moral o uso
de drogas ilícitas é moralmente incorreto”. Estes
modelos também foram verificados em nosso país
como ideologia predominante, importados dos
EUA 28, 29 . O objetivo final dos programas de tratamento baseados em modelos moral e de doença
é reduzir e eliminar a prevalência do uso de drogas, concentrando-se no usuário.
Figura 7
Entre as críticas à política de guerra às drogas
encontra-se o predomínio da destinação de recursos públicos à repressão com resultante escassez de recursos e esforços destinados às atividad es d e preve n ção e assist ê n cia. Ta m b é m é
questionado o próprio objetivo da política, uma
vez que se discute se é possível esperar que um
dia haja alguma sociedade livre de drogas.
As críticas referentes à política de redução de
danos geralmente são calcadas mais em experiências pessoais do que em científicas e incluem a
idéia de que a redução de danos estimularia o
consumo de drogas e trabalharia visando à legalização das mesmas. Talvez seja este o motivo da
escassez de artigos que se contrapõem às estratégias de redução de danos. A preocupação com a
possibilidade de os programas de troca de seringas incentivarem o uso de drogas não é corroborada por estudos no exterior25, 35 . Embora ainda
não existam dados nacionais disponíveis para responder a esta questão, conforme Bastos e Mesquita3 “é preciso afirmar, categoricamente, que
nenhum estudo científico até hoje publicado corroborou a formulação de que a implantação de
projetos de trocas de seringas daria lugar a um
aumento do consumo de drogas nas comunidades por eles abrangidas”.
As estratégias de redução de danos têm sido
disseminadas mundialmente e atualmente passam
a ser compreendidas como uma proposta não apenas preventiva, mas também como uma das bases que fundamentam a assistência a usuários de
drogas6 . No que se refere à assistência, a utilização do modelo de redução de danos significa o
Figura 8
Figura 9
emprego de técnicas por profissionais e instituições que viabilizem as melhores opções possíveis
para cada paciente, evitando uma exigência de
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
359
Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas
Figura 10
Figura 13
Figura 11
Figura 14
Figura 12
abstinência a qualquer custo. Não se trata de desprezar a importância da abstinência para muitos
pacientes, mas incluí-la como uma possibilidade
360
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
entre outras. A utilização deste tipo de abordagem torna possível que muitos pacientes se vinculem aos profissionais e à instituição, iniciando
tratamento que pode progressivamente trazer
modificações importantes na forma de o paciente lidar consigo mesmo e com o mundo à sua
Cruz et al.
Cruz et al.
Posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ sobre as estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas
volta e, inclusive, com o seu uso de drogas. A
exigência de abstinência, por outro lado, seleciona aquela parcela do grupo de usuários de drogas que pode desde o início interromper o uso da
substância, excluindo os demais do tratamento.
Como enfatiza Carlini8 , a adoção de uma estratégia de redução de danos não se trata apenas de
uma mudança de paradigma, mas também da
“adoção de uma política que respeite a pluralidade
de modos de vida e que atue a partir da aceitação
desta realidade”. Esta autora descreve ainda como
vantagens da estratégia de redução de danos o
fato de ser menos custosa do ponto de vista dos
recursos financeiros e mais eficiente se comparada com as abordagens tradicionais.
A opção por uma estratégia de redução de danos não é contraditória com a utilização de ações
no sentido de diminuir a oferta e o consumo de
drogas. Na realidade, como demonstram Stimson
e Fitch 33 , as estratégias de redução de danos só
são opostas às posturas proibicionistas que se propõem a resolver os problemas relacionados ao uso
de drogas pela sua proibição geral.
A partir do que encontramos na literatura, o
posicionamento do Instituto de Psiquiatria da UFRJ
é favorável à utilização das estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas no Brasil. Pelos motivos expostos, deve-se
afirmar que admitir a impossibilidade imediata de
uma sociedade livre de drogas é assumir, de forma responsável, o papel que cada um tem no tratamento da dependência de drogas, tratamento
este adequado a cada indivíduo, suas necessidades e possibilidades. Investir em políticas públicas de prevenção e tratamento coerentes com a
realidade do país e da sociedade é abordar de forma coerente os problemas relacionados ao uso
de drogas. Privilegiar as ações repressivas, responsabilizar as substâncias e aqueles que as utilizam
pelos problemas encontrados e estigmatizar usuários como moralmente criminosos ou doentes
são formas parciais e preconceituosas de se enfrentar o problema do uso de drogas, propostas
não-endossadas pelas estratégias de redução de
danos.
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Jornal Brasileiro de Psiquiatria
Endereço para correspondência
Marcelo Santos Cruz
Avenida Venceslau Brás 71/fundos – Botafogo
CEP 22290-140 – Rio de Janeiro-RJ
e-mail: [email protected]
Posicionamento da Unifesp
sobre redução de danos
E. A. Carlini
Resu m o
Na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), vários grupos atuam na área de uso abusivo e dependência de álcool e
outras drogas: a Disciplina de Medicina e Sociologia do Abuso de Drogas (Dimesad), criada pela união de dois setores – o Centro
Brasileiro de Informações sobre Drogas (Cebrid) e a Unidade de Dependência de Drogas (Uded) –, e, vinculados ao Departamento de Psiquiatria –, os setores Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) e a Unidade de Atendimento a
Dependentes (Uniad). Durante a fase de preparação da reunião, várias discussões ocorreram nesses setores, sem que existisse
um consenso sobre a questão. Dada a riqueza das discussões, optamos por apresentar neste documento as diferentes reflexões
e o posicionamento desses grupos.
Unitermos
redução de danos; Unifesp; dependência de droga; tratamento
Su m m a r y
In the Federal University of S ão Paulo several groups are dealing with the problems of alcohol and drug abuse: the discipline of Medicine
and Sociology on Drug Abuse (Dimesad), composed of the Brazilian Center of Information on Psicotropic Drugs (Cebrid) and Unite of
Dependence of Drug (Uded), the Program of Attendance and Orientation of Dependent Persons (Proad) and the Unity of Attendance of
Dependent Persons (Uniad). Several previous meetings and discussions among these bodies were held, but a consensus was not reached on
harm reduction. As a consequence of this lack of consensus, the independent opinion of each of these bodies on the subject were published
separately.
Uniterms
harm reduction; Unifesp; drug addiction; treatment
Posicionamento da Disciplina de Medicina
e Sociologia do Abuso de Drogas
Alexandro B. Guerra; Ana Cecília P. R. Marques; Ana Regina Noto; Beatriz M. V. Camargo; Eroy A. Silva; Hamer A. Palhares;
José Carlos Fernandes Galduróz; Marlene Asevedo; Maria Lucia O. Souza Formigoni; Solange A. Nappo
A redução de danos não deve ser confundida com
os contextos culturais, científicos e políticos nos quais
ela ocorre. Considerando que a falta de conceitos
claros sobre redução de danos possa ser um problema para sua aceitação, implementação e avaliação,
é preciso discutir de modo aprofundado a questão e
avaliar sua efetividade15. É importante ter claro qual
dano se quer reduzir e como avaliar cientificamente
o impacto de cada tipo de ação ou estratégia na
mudança de comportamentos de risco e na redução da disseminação de epidemias, assim como sua
influência sobre os conceitos acerca do uso de drogas nas comunidades nas quais essas medidas são
adotadas.
J . b r a s . p s i q u i a t r . vol. 52 (5): 363-370, 2003
363
Carlini et al.
Posicionamento da Unifesp sobre redução de danos
As especificidades culturais são de suma importância e devem ser consideradas nessas avaliações à medida que as primeiras estratégias de
redução de danos forem desenvolvidas, visando
a atingir usuários de drogas injetáveis, principalmente dependentes de opiáceos.
N o Brasil, a maioria dos usuários de drogas
faz uso de álcool, maconha ou cocaína, requerendo ações adequadas a este perfil. É preciso discutir quais são os nossos principais problemas para
determinar as ações de redução de danos prioritárias e permitir um adequado planejamento de investimentos a curto, médio e longo prazos. Para
isso é necessário um esforço conjunto das autoridades dos sistemas de saúde, judiciário, de assistência social, da comunidade universitária e de
profissionais atuantes na área, a fim de permitir a
adoção de medidas cientificamente embasadas
que permitam a melhor aplicação possível dos recursos humanos e financeiros disponíveis.
Em resumo, a redução de danos pode e deve
ser incluída nos programas de saúde, desde que:
• sejam desenvolvidas pesquisas que comprovem
sua necessidade, sua efetividade e sua relação
custo/ benefício;
• seja contextualizada, pois a cultura de cada local influencia o modelo e o resultado de qualquer intervenção;
• não seja considerada o oposto de proibição, como
uma proposta de legalização das drogas.
Conceitos
Antes de enfocar a redução de danos propriamente dita, é importante elucidar alguns conceitos sobre prevenção.
1 ) Re d ução d a oferta – medidas repressivas que
têm como objetivo a destruição e a proibição
de produção, importação ou venda de substâncias psicoativas ilícitas, por meio de policiamento e aplicação das leis. Q uanto às lícitas, em
geral, o objetivo é agilizar a vigilância sanitária no controle de prescrições.
2 ) Re d u ção d a d e m a n d a – são medidas planejadas para diminuir os agravos à saúde decorrentes do consumo de drogas, além dos fatores de risco para o indivíduo na família, na
escola, na comunidade, no trabalho, evitando
ou diminuindo o uso.
3 ) Risc o e d a n o – o que é dano e como isto se
relaciona com risco? Ambos têm sido usados
364
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
como sinônimos, embora não o sejam. Risco
pode ser definido como a possibilidade ou probabilidade da ocorrência de um evento. Dano
se refere a uma conseqüência de um evento já
ocorrido.
4 ) Preve n ção e re d ução d e d a n os – ao aplicarmos os conceitos de prevenção à área de
uso e abuso de drogas, podemos considerar:
š prevenção primária – não existindo o consumo, engloba as ações que visam a evitar
ou retardar o início do consumo de drogas.
Ex.: campanhas educativas, divulgação de
informações, educação comunitária, limitações impostas pela legislação, etc.;
š prevenção secundária – existindo algum nível
de consumo, as ações de prevenção secundária têm por objetivo evitar o aparecimento de
problemas decorrentes do uso, podendo englobar tanto ações que visam à redução ou interrupção do consumo de drogas como ações
que visam a evitar conseqüências decorrentes
do uso, sem propor alteração do consumo. Ex.:
identificação precoce de um padrão de consumo prejudicial, informação sobre níveis seguros do consumo de álcool, detecção precoce
seguida por intervenções breves, campanhas
que propõem se beber, não dirija;
š prevenção terciária – em geral dirigida às
pessoas identificadas como dependentes, as
ações de prevenção terciária objetivam redução das conseqüências, sejam elas biológicas, psicológicas ou sociais. Pode englobar ações que visem à redução do consumo
(ex.: tratamento com meta de abstinência),
ou das conseqüências, sem propor alteração de consumo. A prevenção terciária engloba tratamento, reabilitação e estratégias
de redução de dano.
Redução de danos
A Redução de danos (RD) é um conjunto de
ações ou estratégias voltadas para diminuir os riscos e os danos decorrentes do uso de drogas a
partir de medidas que não envolvem a redução
do consumo, não exigindo abstinência20 .
O bjetivos da RD: as ações de redução de danos
visam, principalmente, a reduzir comportamentos
de risco associados ao uso de drogas, sendo pragmáticas e de baixa exigência. Não têm como objetivo a redução do consumo, mas sim a de outros
Carlini et al.
Posicionamento da Unifesp sobre redução de danos
problemas a ele associados. Um exemplo clássico
desse tipo de ação é prover os usuários com seringas limpas e preservativos, a fim de se evitar a transmissão de doenças infecto-contagiosas. Redução
de danos e minimização dos danos também são
expressões usadas como sinônimas, sendo mais
adequado utilizar o termo redução de danos ao se
referir ao conjunto de estratégias por meio das quais
se poderá minimizar o dano.
• à redução de conseqüências legais (ex.: mudança da lei, diferenciando usuários de traficantes).
A Dimesad entende que estratégias de redução de danos podem ser utilizadas na prevenção secundária e terciária, como resumido
no Q u a d r o 11.
Quadro 1 – Estratégias de redução de danos
O utras ações de redução de danos envolvem
medidas que visam:
Prevenção
primária
Prevenção
secundária
• à redução de acidentes (automobilísticos ou
por overdose );
Evitação
do consumo
Redução
do consumo
• à redução de conseqüências sociais (como as
salas para uso de drogas supervisionadas pelo
sistema de saúde);
Prevenção
terciária
Redução
do consumo
Estratégias que não envolvem redução
do consumo = redução de danos
Posicionamento da Unidade de Atendimento
a Dependentes (Uniad)
Marcelo Ribeiro; Ronaldo Ramos Laranjeira
Em relação à prevenção, existem dois braços
importantes:
1) redução do suprimento – medidas repressivas
que têm como objetivo a destruição, a proibição da produção, a importação e a venda de
SPP ilícitas por meio de policiamento e aplicação das leis. Q uanto às lícitas, em geral o objetivo é agilizar a vigilância sanitária no controle
de prescrições e exigir a ampliação das bulas e
a capacitação dos comerciantes de remédios
quanto ao uso do álcool nas formulações;
2) redução da demanda – são medidas planejadas para diminuir o consumo, diminuindo,
conseqüentemente, os riscos para o indivíduo,
para a família e para a comunidade. Essa forma de prevenção foi desenvolvida a partir do
modelo de doença e, portanto, propõe como
medidas preventivas a abstinência (prevenção
primária); a diminuição do uso (prevenção secundária) e o tratamento com abstinência (prevenção terciária). Todos esses níveis de prevenção adotam a abstinência como meta e, mais
tarde, com a evolução do modelo de uso, ampliam sua intervenção para técnicas de redu-
ção do consumo e terapias de substituição para
alguns pacientes. A proposta de beber moderadamente é um exemplo, assim como a terapia de reposição com adesivos de nicotina.
A redução de danos é um modelo de cuidados
com a saúde cujas ações ou estratégias estão voltadas para diminuir os riscos e os danos decorrentes
do uso de drogas, a partir de medidas gerais, sem
reduzir o consumo 8, 7, 17-19). Portanto esse modelo
não exige abstinência21 . A redução de danos não
deve ser confundida com os contextos ideológicos,
culturais, científicos ou políticos nos quais ela ocorre, mas é necessário assimilá-los5, 9, 13, 14.
Existem alguns pressupostos éticos e teóricos
que consideramos fundamentais:
1) é importante preservar a vida humana e melhorar os níveis de saúde do indivíduo e da população;
2) não existem sociedades que não fazem nenhum uso de drogas, portanto isto não deve
ser ignorado ou criminalizado;
3) tanto drogas lícitas como ilícitas podem promover danos com impacto individual e/ou social;
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
365
Carlini et al.
Posicionamento da Unifesp
4) as pessoas têm direito à informação sobre drogas com base em evidências científicas integradas ao contexto social;
5) os efeitos das drogas variam de acordo com
características individuais, podendo influenciar seu equilíbrio e relações sociais, gerando
dano individual e/ou social;
6) em decorrência da variabilidade individual e
social, estratégias de baixa exigência precisam
ser utilizadas;
7) quan do o in divíduo não aceita ou não consegue reduzir o uso, aplica-se o m o delo de
redução da de man da de proble mas, a redução de danos, na q ual o consu m o não é
ab ord ad o.
Na Uniad, a estratégia de redução de danos é
utilizada na prevenção terciária, dentro do tratamento formal, cuja meta ideal é a abstinência. Assim, é aplicada em uma etapa inicial e ou intermediária, visando à abstinência.
Posicionamento do Programa de Orientação
e Atendimento a Dependentes (Proad)
Fernanda Moreira; Dartiu Silveira
O Programa de Orientação e Atendimento a
Dependentes (Proad), fundado em 1987, é um
serviço do Departamento de Psiquiatria da Escola
Paulista de Medicina (Unifesp). Ao longo de sua
existência, o Proad vem desenvolvendo atividades de assistência, ensino, pesquisa e prevenção
na área das dependências de substâncias lícitas e
ilícitas e algumas dependências não-químicas, tais
como jogo patológico e sexo compulsivo. O Proad
foi a primeira instituição ligada à universidade a
instituir um programa de redução de danos no
Brasil. Já contávamos, desde 1990, com um programa de formação de outreach workers – hoje
chamados redutores de danos –, profissionais que
saíam às ruas nos locais de concentração de usuários de drogas injetáveis para ensinar-lhes técnicas de desinfecção de agulhas e seringas. Devido
aos impedimentos legais, não foi possível, na época, adotar a troca de seringas e agulhas, regulamentação que ocorreu somente em 1998.
Em 1994, com o estabelecimento de um convênio com o Ministério da Saúde (DST/Aids), o
Proad passou a coordenar ações preventivas relacionadas ao abuso de drogas e à infecção pelo
HIV em nível nacional, com subsídios da Organização das Nações Unidas (U N D CP-O N U)/Banco
Mundial. Atualmente, estamos reestruturando o
programa de disponibilização de seringas aos
usuários de drogas injetáveis, o Programa de Redução de Danos (PRD /Proad). Nesse programa,
identificamos, na rede de pacientes atendidos pelo
Proad, aqueles com potencial para atuarem como
366
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
voluntários no PRD /Proad. Esses pacientes podem
ser usuários de drogas injetáveis (UDI) ou ex-UDI,
ou, ainda, usuários de drogas que tenham penetração na rede social dessa população-alvo. A partir dessa identificação, os redutores de danos
(agentes de saúde) serão capacitados, pela equipe do Proad e por profissionais colaboradores,
para abordar usuários de drogas injetáveis, distribuir seringas e agulhas estéreis e descartáveis,
promovendo práticas de uso seguro de drogas e
aconselhamento para a prática de sexo livre de
riscos. Contamos, há cinco anos, com um grupo
de acolhimento de redução de danos dentro de
nossa sede. Esse grupo é voltado para usuários de
drogas ilícitas, entre 18 e 25 anos, que não desejam, em princípio, interromper o uso de drogas,
mas discutir formas de uso controlado com o
objetivo de realizá-lo com o menor risco possível.
Fre q üen te m en te o bserva m os q ue vários d os
freqüentadores desse grupo acabam se engajando
no tratamento, visando a abandonar o uso de
drogas. Segundo dados do Ministério da Saúde,
23% dos usuários atendidos pelos PRD procuram
tratamento para dependência química.
Nossa instituição vem desenvolvendo trabalhos
de pesquisa na área que incluem os seguintes projetos, concluídos ou em andamento: uso terapêutico
de cannabis na dependência do crack; investigação
do risco de contaminação pelo HIV entre usuários
de crack; a overdose de cocaína na perspectiva do
usuário; fatores preditivos de suicídio entre dependentes de álcool e drogas; transtorno de atenção
Carlini et al.
Posicionamento da Unifesp
em usuários de drogas; comportamento sexual de
risco para Aids entre usuários de cocaína e crack;
fatores de risco para a infecção pelo HIV e outras
doenças sexualmente transmissíveis (DST) entre dependentes; comportamentos autodestrutivos em
usuários de álcool e drogas; violência familiar e abuso de álcool e drogas; fatores de risco para abuso de
drogas em crianças de rua; alterações psiquiátricas
e neuropsicológicas em adolescentes usuários de
ayahuasca em contexto ritual religioso; alterações
eletrocardiográficas em pacientes usuários de cocaína (monitorização eletrocardiográfica ambulatorial
– holter); prevenção do uso indevido de drogas (conhecimentos e atitudes de coordenadores pedagógicos de escolas públicas de ensino fundamental da
cidade de São Paulo) redução de danos ou guerra
às drogas, comparando-se modelos de prevenção;
situações relacionadas ao uso indevido de drogas
nas escolas públicas da cidade de São Paulo (uma
abordagem do universo escolar).
Redução de danos:
o ponto de vista do Proad
No século passado, três ocorrências favoreceram
uma nova forma de abordar o problema do uso
indevido de substâncias psicoativas no mundo: em
1926, no Colégio de Médicos Britânicos/ Comitê
Rolleston, começou-se a prescrever heroína e seringas para os dependentes de heroína; em 1984, na
epidemia de HIV e hepatite B entre usuários de drogas injetáveis na Holanda, medidas sanitárias derrubaram o preconceito de que os dependentes químicos não responderiam a intervenções de prevenção;
e houve expansão da estratégia de troca de seringas
em vários países do mundo.
A essa nova abordagem deu-se o nome de redução de danos. Atualmente o movimento de redução de danos (RD) vai muito além dos programas de disponibilização de seringas para usuários
de drogas injetáveis. Podemos pensá-lo como um
paradigma que permeia diversos aspectos do trabalho na área de uso e abuso de substâncias psicoativas.
Segundo Andrade 1 , “redução de danos é uma
política de saúde que se propõe a reduzir os prejuízos de natureza biológica, social e econômica do
uso de drogas, pautada no respeito ao indivíduo
e no seu direito de consumir drogas”.
A posição do Proad foi considerar a redução
de danos como um paradigma que permeia todo
o seu trabalho.
Em sua tese, Bravo 2 afirma existirem atualmente
dois discursos contrapostos a respeito do consumo
de drogas: o discurso tradicional, ligado a posturas
repressivas, focalizando predominantemente as drogas ilegais e criminalizando o usuário – a chamada
guerra às drogas; e um novo discurso, denominado
redução de danos, que não tem como objetivo a
eliminação total do consumo, mas a diminuição dos
efeitos prejudiciais do mesmo, priorizando a saúde
dos sujeitos e da comunidade em geral. Esse movimento aceita que “bem ou mal, as drogas lícitas e
ilícitas fazem parte deste mundo, e escolhe trabalhar para minimizar seus efeitos danosos ao invés de
simplesmente ignorá-los ou condená-los” 6 . Na RD,
o critério de sucesso de uma intervenção não segue
a lei do tudo ou nada, sendo aceitos objetivos parciais. As alternativas não são impostas de cima para
baixo , por leis ou decretos, mas são desenvolvidas
com participação ativa da população beneficiária da
intervenção. O denominador comum das ações dentro da RD é a postura compreensiva e inclusiva, as
abordagens amigáveis ao usuário12 . Cabe ressaltar
que, na visão partilhada pelo Proad, a RD não se
contrapõe ao modelo que visa à abstinência de drogas, mas o considera uma das estratégias possíveis
entre várias outras.
O Q u a d ro 2 compara a política de guerra às
drogas com o movimento de redução de danos,
tendo sido elaborado com informações sintetizadas por Wodak 22 e apresentadas por Bravo 2 .
Segundo Silveira e Silveira16 , o movimento da
redução de danos apresenta como objetivos gerais:
evitar, se possível, que as pessoas se envolvam com
o uso de substâncias psicoativas; se isto não for possível, evitar o envolvimento precoce com o uso de
drogas, retardando-o ao máximo; para aqueles que
já se envolveram, ajudá-los a evitar que se tornem
dependentes; para aqueles que já se tornaram dependentes, oferecer os melhores meios para que
possam abandonar a dependência; e se, apesar de
todos os esforços, eles continuarem a consumir drogas, orientá-los para que o façam da maneira menos prejudicial possível. Dessa forma, consideramos
a redução de riscos e a redução de danos partes de
um mesmo continuum onde estão englobadas as
estratégias de prevenção nos vários níveis – primário, secundário e terciário – bem como todas as intervenções de atendimento ao usuário, incluindo tratamento e reinserção social.
Na visão do Proad, em um tratamento da dependência química pautado nos princípios da reJ . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
367
Carlini et al.
Posicionamento da Unifesp
Quadro 2 – Comparação entre a política de guerra às drogas e o movimento de redução de danos
Redução de riscos e danos
Guerra às drogas
Aceita a inevitabilidade de um determinado nível de consumo na sociedade,
define seu objetivo primário, como reduzir as conseqüências adversas desse
consumo
Parte do pressuposto de que é possível se chegar a uma
sociedade sem drogas
Enfatiza a obtenção de metas subótimas a curto e médio prazos
Enfatiza a obtenção de metas ótimas a longo prazo
Ação dentro da visão tradicional da saúde pública
Predominância de ações jurídico-políticas, sendo restritas
as de saúde
Vê os usuários como membros da sociedade e almeja reintegrá-los
à comunidade
Vê os usuários de drogas como marginais perante a
sociedade
Enfatiza a mensuração de resultados no âmbito da saúde e da vida em
sociedade, freqüentemente com metas definidas e objetivos determinados
Enfatiza o enfoque na mensuração da quantidade de
droga consumida
Implementa as suas intervenções com envolvimento relevante
da população-alvo
As intervenções são planejadas fundamentalmente por
autoridades governamentais
Enfatiza a importância da cooperação intersetorial entre instituições do âmbito
jurídico-político e da saúde
Orientação política populista
Enfatiza a prevenção e o tratamento de usuários de drogas, fazendo com que
as atividades de repressão se dirijam basicamente ao tráfico em grande escala
Enfatiza a eliminação da oferta de drogas sem admitir a
existência de diferentes padrões de uso das mesmas
Julga que as atividades educativas referentes às drogas devam ser de
natureza factual, ter credibilidade junto à população-alvo, basear-se em
pesquisas e traçar objetivos realistas
As atividades educativas veiculam uma mensagem única:
Não às Drogas
Inclui drogas lícitas como o álcool e o tabaco
Restringe-se ao uso de drogas ilícitas
Dá preferência à utilização de terminologia neutra, não-pejorativa e científica
Dá preferência à utilização de termos veementes e valorativos
dução de danos, os usuários são acolhidos dentro das suas demandas e possibilidades. Isso inclui a possibilidade de modificação do padrão de
uso e da substituição da droga de abuso por outra com a qual o usuário consiga estabelecer um
padrão de uso menos danoso, sem excluir a possibilidade da abstinência. A substituição de drogas pode incluir tanto drogas lícitas (prescrição
de metadona para usuários de opióides e de benzodiazepínicos para dependentes de álcool) quanto ilícitas (acompanhar o uso de maconha que
usuários de crack e cocaína fazem no sentido de
tentar controlar sua fissura ). As metas intermediárias são destinadas aos pacientes que não desejam ou não conseguem, temporariamente ou não,
abandonar o uso de drogas. A busca pelo uso
moderado ou controlado da substância em questão é, em princípio, uma estratégia possível no
atendimento ao dependente de qualquer substância. No enfoque da RD, a individualidade do usuário é considerada e ele participa da construção
do seu modelo de recuperação, podendo ainda
vir a atuar como redutor de danos na recuperação de seus pares (outros usuários). O Proad considera essencial a continuidade das pesquisas sobre essas novas formas de intervenção.
368
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Ao colocarmos o status legal das drogas em
uma posição secundária nesta discussão, estamos
assumindo uma posição bastante clara: no tocante
à legislação, o Proad defende a descriminalização
do usuário de qualquer droga, assumindo que o
ato de consumir drogas, por si só, não pode ser
considerado um delito. Somente poderia ser penalizado o usuário que eventualmente viesse a com e t er u m cri m e 1 1 . C a b e esc l are c er q u e
descriminalizar diz respeito a despenalizar (não
mais tornar alvo de sanção penal) o indivíduo que
usa ou porta a droga para uso próprio, não importando se é um usuário ocasional ou um dependente. Diferentemente, legalizar refere-se a
medidas mais amplas que despenalizam igualmente a produção e a comercialização dos tóxicos4 .
O Proad considera a descriminalização das drogas uma importante medida de redução de danos: “a descriminalização do uso de drogas, em
nosso entender, poderia ser, por um lado, fator
de integração do usuário na sociedade e, por outro, acabaria com o estigma marginalizante da
droga” 4 . Dentro da mesma linha de coerência, o
Proad coloca-se frontalmente contra intervenções
coercitivas junto a usuários, como a justiça terapêutica. Essa proposta “baseia-se numa relação
Carlini et al.
Posicionamento da Unifesp
crime e castigo, obrigatoriedade e punição, numa
filosofia que ingenuamente acredita que uma lei
criminal é capaz de per se inibir o uso”, não diferenciando o dependente químico do usuário ocasional, além de propor uma forma de tratamento
que não admite a possibilidade da recaída como
fenômeno inerente ao processo de recuperação 10 .
Quanto às práticas de redução de danos na comunidade, os benefícios da prática de disponibilização de seringas e demais insumos aos usuários
de drogas injetáveis, de eficácia amplamente comprovada, levam o Proad a considerar imprescindível
sua adoção dentro de um modelo de intervenção
abrangente. Com relação à distribuição de cachimbos para usuários de crack, faltam ainda pesquisas
que justifiquem ou condenem a prática.
Na opinião do Proad, a redução de danos não
deve se restringir às drogas ilícitas, defendendo
no entanto que as muitas iniciativas já existentes
devam ser reforçadas, como as campanhas para
evitar a direção de veículos sob efeito de álcool e
a restrição de venda de bebidas alcoólicas a menores e em estradas.
Indiscutivelmente, a redução de danos é um
tópico importante no campo das dependências químicas, seja como paradigma de referência, seja
como conjunto de estratégias de intervenção. O
Proad propõe ainda que a RD seja incluída no currículo de todos os cursos na área de dependências
químicas. Defende ainda o estímulo à produção
de conhecimento no campo da redução de danos.
Segundo Carlini-Cotrim 3 , “houve um aumento de quase 12 vezes, entre as décadas de 1960 e
1980, na quantidade de artigos publicados (no
jornal O Estado de São Paulo ) sobre drogas, álcool e tabaco”. Tal interesse da mídia, por outro lado,
não se traduziu em melhoria da qualidade das reportagens, que muitas vezes veiculam informações distorcidas e tendenciosas. O Proad reconhece, assim, a necessidade de um trabalho contínuo
junto à mídia, visando a reduzir os danos relacionados à veiculação de informações equivocadas.
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Jornal Brasileiro de Psiquiatria
Endereço para correspondência
Ana Cecília P. R. Marques
Rua Napoleão de Barros 925/térreo
CEP 04024-002 – São Paulo-SP
Tel.: (11) 5539-0155 ramal 163
370
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Redução de danos e tratamento de
substituição: posicionamento da Rede
Brasileira de Redução de Danos
Harm reduction and substitution treatment: the position of
Brazilian Harm Reduction Network
Edward MacRae1; Monica Gorgulho2
Resu m o
A Rede Brasileira de Redução de Danos (Reduc) acredita que a questão das drogas deve ser entendida de maneira ampla, que
inclua os aspectos sociais, políticos e econômicos, ao lado daqueles que enfocam a saúde em sentido estrito. Similarmente, riscos
e danos devem também ser entendidos de maneira ampla, cuidando-se para não impor definições demasiadamente estritas
sobre o que seja redução de danos. A redução de danos deve ser baseada em uma abordagem simpática, isenta de moralismo e
centrada em um trabalho comunitário que, embora possa propor novos padrões e modos de uso, reconheça a importância da
escala de valores do usuário e de seu conhecimento sobre drogas. Embora favorável, em princípio, a tratamentos de substituição
e de manutenção, consideramos que, na ausência do uso de heroína de porte significativo no Brasil, restam ainda neste país
muitas questões a serem abordadas sobre o tema. Quanto ao tratamento de substituição, o presente estado de ilegalidade e
intolerância legal e cultural em relação ao uso da Cannabis vem impossibilitando a continuação de estudos sobre sua aplicabilidade
como substituto do crack . Uma das medidas mais importantes a serem tomadas seria a descriminalização do uso de drogas e a
discussão ampla, informada e democrática de medidas alternativas de controle da oferta dessas substâncias.
Unitermos
redução de danos; tratamento de substituição; tratamento de manutenção; descriminalização; crack; Cannabis; heroína; metadona
Su m m a r y
Rede Brasileira de Redução de Danos (Reduc) believes that the drug question must be understood in all its breadth, including the
cultural, social, political, economic concerns alongside those strictly focused on health. Similarly, risks and damages must also be understood
broadly and care must be taken not to impose too restrictive a definition on harm reduction. Harm reduction must be based on a sympathetic,
nonjugemental approach, centred around community work that although it may propose new patterns and modes of use, recognises the
importance of the users´ values and knowledge about drugs. Although sympathetic in principle to substitution and maintenance treatments,
we consider that in the absence of a sizeable heroin problem in Brazil, many questions on the subject are yet to be further discused in this
country. As for substitution tratment for other substances, the present state of legal and cultural intolerance towards the use of Cannabis
has been rendering it impossible to carry out further research on its use as a substitute to crack. One of the most important measures yet to
be taken would be the decriminalization of drug use and widespread informed democratic discussions on alternative measures of control
over drug supply.
Uniterms
harm reduction; substitution treatment, maintenance treatment; decriminalisation; crack cocaine; Cannabis; heroin; methadone
1 Vice-presidente
da Rede Brasileira de Redução de Danos; doutor em antropologia social; professor adjunto da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas da Universidade Federal da Bahia (UFBA); pesquisador associado do Centro de Estudos e Terapia do Abuso de Drogas (Cetad).
2 Mestre em Psicologia; diretora da Associação Internacional de Redução de Danos (IHRA).
J . b r a s . p s i q u i a t r.
vol. 52 (5): 371-374, 2003
371
Redução de danos e tratamento de substituição: posicionamento da Rede Brasileira de Redução de Danos
A discussão sobre tratamento de substituição
ainda é incipiente no Brasil, dificultando o debate até mesmo dentro da instituição que, por natureza, muito se interessa por ele, a Rede Brasileira de Redução de Danos (Reduc). Não temos ainda
um posicionamento sobre detalhes específicos referentes a esta prática, mas somos claramente favoráveis a que o tratamento de substituição seja
considerado, quando relevante, alternativa de atendimento à toxicomania, em sua proposta ampla.
Nestas condições, temos algumas reflexões a oferecer para a discussão do tema.
Primeiramente, consideramos que a redução de
danos é um conceito em aberto, ao qual podem ser
atribuídos diversos significados. Ilustra isso o fato
de diferentes autores identificarem suas origens nas
mais diferentes épocas, oscilando entre a Antigüidade, as décadas de 1920 ou 1980. A Reduc entende
o conceito menos como uma série de diretrizes específicas para condutas no atendimento a toxicômanos e mais como postura de princípios em relação aos inúmeros problemas relacionados à maneira
como nossa sociedade vem abordando a questão
das drogas. Concebemos que as noções de risco e
dano devam ser entendidas em sua relatividade. As
ciências sociais, que já vêm tratando exaustivamente d estes te m as, tê m m ostra d o co m o a
hierarquização de riscos em geral sempre depende
do ponto de vista de quem os está avaliando e, mais
importante de tudo, que se deve ter em vista a impossibilidade de se prever com certeza os resultados
a médio e longo prazos tanto de práticas individuais
quanto políticas. Assim, autores como a antropóloga Mary Douglas consideram que mais do que tentar prever todos os desfechos para determinadas
ações, a estratégia mais sensata seria reforçar a
resiliência da sociedade, ou seja, a maneira de se
manter a sua natureza original através da adaptação a novas situações1 . Portanto consideramos da
maior importância manter uma postura que preserve a diversidade de concepções sobre a questão, seus
problemas e possíveis soluções. Preocupam-nos os
esforços de alguns setores que, respaldados no prestígio social adquirido pelo discurso médico, buscam
definir de maneira categórica, a partir de um ponto
de vista estrito, quais os riscos apresentados pelo uso
de drogas e quais as maneiras de enfrentá-las que
possam, com legitimidade, vir a ser adotadas.
A Reduc chama atenção para a importância da
ampla experiência que vem sendo acumulada pelo
movimento social de redução de danos. Este, além
do crescente valor que vem adquirindo em nível in372
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
MacRae & Gorgulho
ternacional, já congrega no Brasil vários milhares de
colaboradores dos mais diversos estratos sociais e profissionais, agrupados ao redor de duas associações
nacionais, 17 redes regionais e mais de cem programas de redução de danos espalhados por todo o país.
Chama atenção também para o fato de o trabalho
que vem sendo realizado por este movimento ser atualmente um dos mais estudados e avaliados no campo de saúde pública. Consolidam-se, assim, as suas
posições nos debates que vem travando com outras
categorias, muitas das quais, além de carecerem de
maiores experiências nesta área específica, até recentemente se posicionavam contrárias a ele, chegando,
em certos casos, a tentar desqualificar ações e discursos de seus proponentes.
A Reduc considera que as questões referentes
ao uso de drogas não podem ser restritas a discussões sobre condutas a serem adotadas em relação a indivíduos que apresentam quadros de toxicomania ou o risco de contraírem o HIV e outras
doenças sexualmente transmissíveis. Atualmente
os graves problemas de segurança pública, entre
os quais as crises que vem sofrendo o Rio de Janeiro, assim como outras cidades brasileiras, nos
fornecem uma lembrança constante da variedad e d e d a n os n e c essi t a n d o d e re d u ç ã o o u
minimização. Revelam também a imbricação dos
seus vários aspectos, o que torna fúteis as tentativas de abordá-los como se fossem estanques.
Consideramos que a humanidade sempre usou
substâncias psicoativas com as mais variadas e importantes finalidades, e que não seria viável, ou até
desejável, que seu uso fosse descartado, como preconizam alguns segmentos mais radicais da sociedade
(lembremos que vinho, café e anestésicos, por exemplo, são substâncias psicoativas essenciais à nossa vida
física, social ou cultural). Partimos do posicionamento de que a abordagem mais indicada para a questão
das drogas seja aquela que prioriza a redução dos
danos decorrentes deste uso, que acreditamos ser inevitável para a maioria das pessoas. Entendemos que o
bom senso dita que a redução dos danos, concebidos de forma ampla e incluindo aspectos sociais, culturais, políticos, econômicos e sanitários, deva ser o
objetivo principal a ser atingido por uma política sobre drogas. Cremos que os controles da oferta e do
consumo devam ser concebidos somente como possíveis estratégias pontuais a serem aplicadas nos casos em que seja demonstrada de maneira científica a
real necessidade de se restringir, desta forma, a liberdade do conjunto dos membros da sociedade. Consideramos também arbitrária a diferenciação feita atu-
MacRae & Gorgulho
Redução de danos e tratamento de substituição: posicionamento da Rede Brasileira de Redução de Danos
almente entre as drogas lícitas e ilícitas e propomos
que todas devam ser contempladas numa política para
as drogas (e não antidrogas). Esta deve ser regida por
considerações de cunho estritamente democrático,
assim como devem ser as medidas implementadas
na sua execução.
Concebemos a questão da toxicomania e de
outros problemas decorrentes ou associados ao uso
de substâncias como sendo de natureza biopsicossocial, levando-nos a criticar a expressão dependência química como sendo demasiadamente redutora. Isso porém não significa que rejeitemos a noção
de que, certas dependências têm seu lado orgânico
e que, no caso dos opióides, por exemplo, deve-se
enfrentar a questão da tolerância e, ainda, que uma
das maneiras de se fazer isso seja através do uso de
substâncias que atuem como substitutas. No entanto existem várias questões a serem ainda debatidas
em maior profundidade no que concerne a tratamento de substituição, como, por exemplo:
a) o tratamento de substituição é válido somente
para drogas que provocam dependência física, ou podemos considerá-lo útil também para
tratar casos em que a dependência seja mais
de ordem psicológica ou social;
b) deve-se pensar em tratamento de manutenção
(onde se prevê a continuação em longo prazo
do uso de uma substância causadora de dependência, talvez até a droga originalmente
usada pelo paciente, heroína, por exemplo) ou
somente numa substituição provisória por outra droga da mesma categoria. Não se pode
deixar sem resposta a suspeita levantada, muitas vezes, contra certas drogas de substituição,
como a metadona, acusadas de fazer mais mal
do que as originalmente usadas pelo paciente;
c) programas de substituição devem ter alto ou baixo limiar? Consideramos que caracterizam baixo limiar: facilidade de entrada, orientação à redução dos danos, ter como objetivo principal o
alívio de sintomas e fissura e a melhoria na qualidade de vida dos pacientes, assim como a oferta
de uma gama de opções de tratamento. Programas de alto limiar seriam aqueles em que é mais
difícil ingressar, ou com critérios de seleção exigentes, orientados para a abstinência (incluindo
abstinência de metadona ou outras drogas de
substituição), inflexibilidade nas opções de tratamento, adoção de controles (de urina, etc.) para
detecção de uso, política de expulsão rígida para
recaídas, psicoterapia ou aconselhamento compulsórios;
d) um dos problemas sérios com vários programas
de substituição é o seu uso como forma de controle social, chantageando-se o usuário com a
ameaça de cortar a sua prescrição da droga de
substituição se ele incorrer em deslizes, como recaídas, violência ou tráfico. Isso nos parece agredir a própria dignidade do ser humano;
e) que fazer quando as drogas de substituição
m ais rec o m e n d áveis são ilícit as, c o m o a
Cannabis, por exemplo?
A Reduc considera necessário questionar a primazia freqüentemente atribuída ao saber médico. Assim, suas propostas sempre enfatizam, além
da necessidade de combater a exclusão social, a
im portância do protagonismo dos usuários de
dro gas tanto através de sua participação na
conceituação e discussão dos problemas quanto
na implementação das ações. Consideramos também da maior importância envolver as comunidades usuárias nesse trabalho, promovendo padrões de uso de menor risco. No decorrer dos anos
a experiência de redução de danos vem demonstrando a importância de se estabelecer um diálogo verdadeiro com os usuários de drogas, evitando estabelecer uma posição de confronto com
seus valores centrais (ou seja, evitando trazer mensagens puramente negativas ou repressivas sobre
o uso de substâncias psicoativas). Devemos, ao
invés, buscar contribuir para modificações pontuais em certos aspectos das práticas de uso, não
deixando de reconhecer o valor geral do seu conhecimento empírico de questões relacionadas ao
uso, lícito ou ilícito, dessas substâncias.
Sabemos que há algum tempo os centros médicos de maior importância vêm adotando posturas deste tipo. Assim a Universidade Federal de
São Paulo (Unifesp), por exemplo, tem realizado
pesquisas com populações indígenas para aprender com elas as possibilidades de uso medicinal de
uma grande variedade de plantas nativas de suas
regiões. Outras pesquisas sobre o uso de cocaína e
seus derivados também se voltaram para o que se
poderia chamar a cultura da coca .
Discordamos das generalizações que preconizam
a abstinência do uso de drogas como a meta ideal.
Clínicos e pesquisadores têm constatado que freqüentemente o uso de drogas ilícitas consiste numa
espécie de automedicação psiquiátrica por parte de
usuários que encontram neste recurso uma maneira de aliviar seu sofrimento, e a sua interrupção pode
levar a agravamentos de sua condição. ConsideraJ . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
373
Redução de danos e tratamento de substituição: posicionamento da Rede Brasileira de Redução de Danos
mos que tal recurso deva ser entendido de maneira
respeitosa, e não rejeitado sumariamente com a
imposição de programas de tratamento voltados
unicamente para a abstinência. Desta forma, em
muitos casos, tratamentos de substituição ou manutenção seriam recomendáveis. A Reduc questiona também a classificação automática do uso de
drogas ilícitas como uma patologia per se. Consideramos que o status legal de muitas substâncias
psicoativas é mais bem entendido a partir de análises de cunho histórico e social do que médico.
Assim, a clínica não seria um ponto adequado a partir do qual realizar-se-iam estudos sobre
o uso de drogas. Por isso a necessidade de se fazer pesquisas na população em geral, como levantamentos domiciliares ou escolares. Igualment e , d e v e m -se e vi t ar g e n erali z a ç õ es e
recomendações sobre políticas de drogas baseadas em premissas puramente clínicas. São conhecidos os perigos da medicalização de problemas
de ordem social. A organização da sociedade não
pode ser pautada somente por considerações de
saúde pública.
Um dos fatores que mais dificultam o trabalho
de redução de danos, assim como de outras abordagens de prevenção, é o status ilegal de diversas
drogas. Além de fomentar a arbitrariedade e a violência, a criminalização do uso leva a um maior isolamento do usuário, dificultando o seu encaminhamento a tratamentos de saúde, nos casos em que
isso seria necessário, e o seu acesso a vários outros
direitos que lhe deveriam ser assegurados como cidadão. Também torna mais difícil a prevenção através do diálogo franco e da promoção de métodos
mais seguros de uso. Em relação a tratamentos de
substituição, dificulta sobremaneira a busca de substâncias alternativas ou regimes de uso da droga original que sejam mais adequados às suas necessidades sociais ou de saúde. Assim, por exemplo, tem
MacRae & Gorgulho
sido muito difícil dar continuidade às indicações iniciais, vindas tanto da clínica quanto do trabalho de
campo realizado com as populações usuárias, de que
o uso da Cannabis poderia ser um bom auxiliar no
tratamento de algumas droga-dependências. O único projeto nesse sentido, montado com respaldo
acadêmico no Brasil, foi realizado no Programa de
Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad)
da Unifesp/EPM 2, mas, apesar de os estudos apontarem resultados positivos, têm faltado ousadia técnica e política a outras instituições para replicá-los
perante o atual clima de intolerância.
Acreditamos que o Brasil cometeu grave equívoco ao ceder parte de sua soberania, submetendose a uma convenção mundial que padroniza, de maneira rígida e difícil de alterar, a abordagem da
questão das drogas. Hoje já existe uma forte discussão sobre a eficácia das convenções internacionais
para o controle de drogas, em um reconhecimento
de que o modelo de tratamento tailor-made, que já
se mostrou o mais eficaz em relação ao usuário de
drogas, deve valer também para as nações, cada qual
com suas especificidades e problemas, cada qual com
suas escolhas e soluções. Entendemos, com isso, que
o tratamento de substituição é mais um dos problemas que têm sido definidos não por suas características próprias, mas exclusivamente por definições e
encaminhamentos generalistas, que tanto já provaram sua eficácia discutível.
Finalmente, consideramos que algumas das
medidas mais importantes a serem tomadas sejam a revogação da criminalização do uso nãomedicamentoso de drogas e a abertura de amplas discussões so bre form as alternativas d e
controlar o seu mercado. Isso possibilitaria um
verdadeiro e necessário avanço na discussão sobre a real eficácia dos modelos de atenção dirigidos ao uso e abuso de substâncias psicoativas,
incluindo-se os tratamentos de substituição.
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Jornal Brasileiro de Psiquiatria
374
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Endereço para correspondência
Mônica Gorgulho
Rede Brasileira de Redução de Danos (Reduc)
Alameda Madeira 258/604 – Alphaville
CEP 06454-010 – Barueri-SP
Tel: (11) 4195-0335
e-mail: [email protected]
Redução de danos: Departamento e
Instituto de Psiquiatria da Faculdade de
Medicina da Universidade
de São Paulo
André Malbergier; Arthur Guerra de Andrade; Sandra Scivoletto
Resu m o
O modelo de redução de danos vem sendo discutido intensamente em vários países do mundo, entre os quais o Brasil. Este
estudo, através de uma revisão de artigos listados no Medline, pretende embasar o parecer do Departamento de Psiquiatria da
Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo sobre o tema. O bservou-se que existem evidências suficientes na literatura
para se considerar o modelo de redução de danos, baseado em programas de intervenção comunitária, acesso a seringas estéreis
e a tratamento, eficaz como estratégia de prevenção da infecção pelo HIV em usuários de drogas injetáveis em vários países do
mundo. O modelo de redução de danos vem sendo estudado com resultados promissores em projetos destinados a reduzir
danos associados ao uso excessivo de álcool em populações específicas. O uso do modelo em outras situações ainda necessita de
evidência empírica.
Unitermos
redução de danos; HIV; drogas; álcool
Su m m a r y
The harm reduction model has been discussed in many countries around the world, including Brazil. This study, using a Medline review,
intends to give support to elaborate a critical review on the subject by the Department of Psychiatry of the Faculdade de Medicina da
Universidade de S ão Paulo. There are sufficient evidences in the literature to consider the harm reduction model, based on community-based
intervention, access to sterile syringes and treatment, effective as a strategy to prevent HIV infection in injecting drug users in several
countries in the world. The harm reduction model has also been studied, with encouraging results, as a strategy to reduce harm associated
to binge alcohol use in specific populations. The use of the model in other situations still needs more empirical evidence.
Uniterms
harm reduction; HIV; drugs; alcohol
Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (Grea), Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de
São Paulo (FMUSP).
J . b r a s . p s i q u i a t r.
vol. 52 (5): 375-380, 2003
375
Redução de danos: Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
O modelo de abordagem do uso de drogas
segundo a ótica de redução de danos vem sendo
discutido nos últimos anos em vários países do
mundo, entre os quais inclui-se o Brasil. Este modelo passou a estar em evidência no final da década de 1980 como uma resposta ao aumento
da prevalência da infecção pelo vírus da Aids (HIV)
em usuários de drogas injetáveis (UDI) em vários
países do mundo.
Neste texto, serão discutidos os principais dados da literatura, visando a embasar parecer, baseado em evidências, a respeito do tema.
A Aids foi inicialmente detectada em UDI na cidade de Nova York no final de 1981. Todavia os primeiros casos não geraram grande interesse e preocupação entre os profissionais de saúde pública.
Naquela época, prevaleceu a idéia de que estes casos eram restritos a determinada área geográfica,
que seu número, comparativamente ao dos homossexuais, era pequeno, e ocorriam em uma população estigmatizada, marginalizada e sem poder político. Esta percepção foi rapidamente modificada após
o desenvolvimento dos testes para detecção de anticorpos para o HIV. Apesar de haver poucos casos
de doença estabelecida entre os UDI de Nova York,
os testes revelaram que aproximadamente metade
desta população já estava infectada pelo HIV20.
Estudos em diversas regiões do mundo confirmaram a possibilidade de rápida disseminação
do HIV na população de UDI. Para exemplificar,
Milão, Nova York e Viena apresentaram crescimento da seroprevalência entre UDI ao redor de 20%
ao ano. Em outras áreas, co m o Edim burgo e
Bangcoc, a disseminação foi extremamente rápida, com a seroprevalência crescendo entre 40%
e 50% em dois anos20 .
N o Brasil, alguns estudos apontam para alta
prevalência da infecção pelo HIV em usuários de
drogas injetáveis. Esta prevalência varia de 36% a
57% em grandes cidades da região Sudeste do
país (São Paulo, Rio de Janeiro, Santos)7, 16, 23 .
Após a percepção do crescimento acelerado
dos casos de Aids em UDI, os profissionais de saúde pública se defrontaram com a necessidade de
estudar e elaborar estratégias mais eficazes de
abordagem desta população.
Poucos anos após o aparecimento da epidemia, a comunidade homossexual começou a se
mobilizar e se proteger. Este fato teve como conseqüência a tendência de estabilização do número de casos nesta população. Por outro lado, o
376
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Malbergier et al.
número de casos em UDI em vários países não
parava de crescer. Este crescimento veio reforçar
a opinião de alguns autores de que o UDI seria
refratário às campanhas de prevenção e educação e incapaz de alterar o seu comportamento de
risco 3 . Este assunto ainda gera controvérsias, havendo também diversos estudos que mostram que
novas formas de abordagem têm se mostrado eficazes na prevenção da transmissão do HIV em UDI
e que esta população tem diminuído a freqüência de adoção de comportamentos de risco 4 .
Em vários países do m un do, a tradicional
dicotomia do tudo ou nada , que tem a total abstinência como meta necessária para a abordagem
do usuário, vem sendo substituída por uma visão
mais pragmática: Se você não consegue parar de
usar, use da maneira menos danosa possível . O u
seja, mesmo que o usuário não consiga deixar de
usar, os profissionais de saúde podem ajudá-lo a
diminuir a morbidade e a mortalidade relacionadas ao consumo de drogas.
A preocupação com a disseminação do HIV entre os UDI estimulou o aparecimento de novas estratégias para atacar o problema. Provavelmente a
mais popular destas estratégias é a chamada harm
reduction ou redução de danos. Esta é uma política
que visa a diminuir ao máximo os efeitos negativos
ou lesivos do uso de drogas. Esta abordagem tem
suas raízes em modelos de saúde pública com uma
visão mais humanista e sem preconceitos. Contrasta, assim, com o modelo de abstinência total, que,
segundo alguns autores, teria suas raízes na repressão e no paternalismo médico-religioso25 .
Esta política é originária da Inglaterra, onde
tal abordagem parece ter participado do controle mais eficaz da epidemia34 . O chamado modelo
inglês foi desenvolvido a partir de cinco conceitos básicos:
1) o foco tem sido transferido da dependência
propriamente dita ou do problema da droga
per se para os problemas associados a determinadas maneiras de usar drogas, como, por
exemplo, a injeção. Há autores que defendem
que as drogas não são o grande problema a
ser atacado, e sim a transmissão do HIV;
2) o usuário, ao contrário do que muitos acreditam, pode ser racional. Ele se preocupa com
sua saúde, responde às campanhas educativas
e informativas e está disposto a adotar medidas preventivas quando estas são adequadas a
sua cultura e sua linguagem;
Malbergier et al.
Redução de danos: Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
3) o foco volta-se para a saúde e o corpo e afasta-se da psicopatologia;
4) os profissionais que desejam trabalhar nesta
área tam bém precisam mudar sua abordagem. Os serviços devem ir às comunidades a
fim de trazer os usuários para o tratamento
ou assessorá-los em seu próprio meio através
de capacitação de pessoas ligadas às associações de auto-ajuda e da própria comunidade. Isto requer a formação de educadores de
saúde e muitas vezes o alistamento de ex-usuários para esta tarefa;
5) redução da hostilidade e da confrontação e o
estímulo para que se estabeleçam relações de
cooperação entre os usuários e os serviços de
tratamento 33 .
Algumas condições básicas precisam ser satisfeitas para que o novo modelo seja eficaz 6 :
• capacitação técnica dos profissionais na área
de drogas e também de Aids;
• ampla disponibilidade de preservativos;
• acesso gratuito a serviços de tratamento sem
longas filas de espera;
• am pla disponibilidade de seringas e outros
equipamentos.
Este modelo teve grande penetração na Europa. Inglaterra, Holanda, Alemanha, França e Escócia adotaram políticas de saúde pública na área
de drogas/Aids com base nos conceitos acima discutidos32 . Fora da Europa, a Austrália foi um dos
países que prontamente assumiram tal modelo no
combate à infecção pelo HIV em UDI.
E m 1 9 8 7- 1 9 8 8 , n os Es t a d os U n i d os, o
N ational Institute on Drug Abuse (Nida – órgão
máximo no assunto de drogas naquele país) começou a desenvolver projetos de prevenção de
Aids em UDI, com base em programas de intervenção na comunidade. Estes projetos representaram uma mudança qualitativa nos programas
financiados por este órgão. Em seguida, o Instituto de Medicina dos Estados Unidos lançou relatório concluindo que programas de trocas de
seringas e agulhas são eficazes em prevenir a infecção pelo HIV e não aumentam o uso de drogas ilícitas22 . A repressão ao uso e a prevenção
do uso de drogas como metas exclusivas começam a abrir espaço para programas de abordagem do usuário como ele é, isto é, usando drogas. N ão se oferece so mente ajuda para que
parem de usar, mas também para que usem da
maneira mais segura possível.
Estas abordagens menos tradicionais foram
se tornando cada vez mais freqüentes como modelos de atenção à população de UDI, já que
torna-se cada vez mais evidente que os UDI não
estão sendo atingidos pelo modelo tradicional
do sistema de saúde. Embora não haja estatísticas confiáveis nesta área no Brasil, dados norteamericanos revelam que somente 10% a 17%
dos UDI estão em contato com o sistema de saúde 2, 31 . Soma-se a este fato o contexto social em
que os UDI geralmente vivem e que podem acabar por prejudicar seu acesso e compreensão das
informações e os passos necessários à mudança
de comportamento 29, 35 .
A partir deste momento, criam-se vários programas de intervenção nas comunidades. O modelo de intervenção baseia-se em programas desenvolvidos em Chicago por uma equipe liderada
pelo médico Patrick Hughes, na década de 1970.
Neste modelo, ex-usuários de drogas foram utilizados como linha de frente na tentativa de combater uma epidemia de heroína na cidade. Na década de 1980, este modelo foi adaptado para a
prevenção da Aids em UDI.
Esta estratégia utiliza-se de ex-usuários pertencentes às comunidades-alvo. Os ex-usuários são
preferencialmente indivíduos conhecidos e com
boa penetração na população que será abordada.
Como estes indivíduos são vistos como líderes ou
modelos que conseguiram obter mudanças em
seus comportamentos de risco, eles possuem entrada facilitada no grupo. Atingindo as redes de
sociabilidade e usando os métodos característicos
de comunicação de cada grupo, visa-se a gerar respostas coletivas de mudança de hábitos30 .
Este modelo de intervenção por ex-usuários
( outreach model) na comunidade tem se mostrado um meio eficaz de prevenir a infecção pelo HIV
em uma população que não é atingida pelos serviços tradicionais de saúde. Um exemplo deste tipo
de abordagem vem sendo desenvolvido pela Universidade de Illinois, em Chicago, com sucesso na
redução da freqüência de comportamentos de risco em UDI. O ato de compartilhar seringas era relatado por 100% dos usuários no início da intervenção. Este número caiu para 14% após quatro
anos de programa. A taxa de aquisição da infecção
pelo HIV caiu de 8% para 4% ao ano36 .
Nestes últimos anos, observou-se que investimentos maciços em repressão, e não em educação e prevenção, não obtiveram impacto consiJ . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
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Redução de danos: Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
derável na prevalência do uso de drogas em várias regiões do mundo. A prevenção do uso de drogas (visando à sua erradicação) permanece como
opção de longo prazo para evitar a transmissão
da Aids. Todavia a urgência do momento criou
novas formas mais imediatas e pragmáticas de
atacar a questão. A idéia de que o uso seguro de
drogas pode ser uma forma viável de prevenção
de Aids neste grupo começa a se tornar realidade
e está sendo posta em prática com sucesso em
vários países do mundo.
A importância de programas comunitários e
do envolvimento da população no problema foi
ressaltada por Mann em assembléia da Organização Mundial da Saúde (O MS) em Genebra: “Em
programas relacionados à Aids, há uma relação
direta entre a força, diversidade e envolvimento
da comunidade e de organizações não-governamentais e o sucesso que pode ser alcançado” 19 .
Mais de 15 anos de pesquisa sobre prevenção
de HIV/Aids em UDI, usuários de crack e em seus
parceiros sexuais têm mostrado que programas
baseados na comunidade são eficazes. Pesquisas
cumulativas em 23 locais, acompanhando 18.144
usuários de drogas (13.164 UDI e 4.980 usuários
de crack) reportam que, de três a seis meses após
participarem de algum tipo de intervenção preventiva, 72% dos UDI ou pararam de se injetar
ou reduziram a freqüência de injeção. Dos que
continuaram se injetando, quase 60% pararam
ou
d i m i n u íra m
a
re u t ili z a ç ã o
ou
compartilhamento de seringas. Q uase 25% dos
indivíduos avaliados iniciaram tratamento no seguimento destes estudos27 . O utros estudos também confirmaram que a abordagem comunitária
pode ser um fator de incentivo à procura e à manutenção de tratamento 15 .
A entrada no tratamento é, em si, um fator de
prevenção do HIV nesta população, já que vários
estudos vêm mostrando que indivíduos em tratamento apresentam menores taxas de injeção de
drogas. Um estudo mostrou que usuários de drogas que não estavam em tratamento tinham seis
vezes mais chance de se infectarem pelo HIV dos
que os em tratamento 24 .
Programas de troca de seringas também estão sendo utilizados, especialmente na Europa e
nos Estados Unidos, como medidas preventivas
com o intuito de diminuir a proliferação do HIV
na população de UDI. Em vários países o programa tem sido associado à diminuição da freqüên378
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Malbergier et al.
cia do ato de compartilhar equipamentos11, 14 . Este
efeito é, em parte, devido ao aumento da disponibilidade de seringas nestes locais. Além de trocar seringas e equipamentos usados por novos,
estes programas oferecem informação, referência para tratamento e contato com profissionais
da área, potencializando os efeitos preventivos
desta iniciativa. Os possíveis efeitos negativos associados à troca de seringas, como o aumento do
consumo de drogas injetáveis ou o estímulo aos
usuários de drogas não-injetáveis a se injetarem,
não foram observados.
Projetos de acesso a seringas estéreis como
parte de um programa de prevenção de infecção
pelo HIV em UDI têm se mostrado muito úteis na
abordagem de populações de difícil acesso e de
alto risco para infecção. As avaliações destes programas indicam que eles são efetivos na redução
do uso injetável de drogas. Estudo em N ova York
mostrou redução de 70% na incidência de HIV
atribuída a programas de acesso a seringas estéreis10 . Em 29 cidades com programas estabelecidos de acesso a seringas estéreis, a prevalência de
HIV caiu, na média, 5,8% por ano. Por outro lado,
esta prevalência aumentou 5,9% por ano em outras 51 cidades que não têm este tipo de programa12 . Também estudos de custo/efetividade mostra m q u e est es pro gra m as previ n e m n o vas
infecções e poupam gastos com os cuidados médicos do tratamento para indivíduos infectados13 .
O programa de acesso a serin gas estéreis
promove:
• aumento do número de usuários de drogas que
procuram e se mantêm em tratamento se estes programas estão disponíveis;
• disseminação de informações sobre redução de
riscos para infecção pelo HIV, material para mudança de comportamento e referências para realização de testagem sorológica e tratamento;
• redução da freqüência de injeção e compartilhamento de materiais de injeção;
• redução do número de seringas contaminadas
em circulação na comunidade;
• aumento da disponibilidade de seringas estéreis na comunidade.
Um complemento ou alternativa (onde programas de trocas de seringas são proibidos) é a
descontaminação de seringas. Esta prática é estimulada em vários programas de prevenção e tem
sua eficácia comprovada com uma lavagem com
hipoclorito de sódio ou três com água1 . A distri-
Malbergier et al.
Redução de danos: Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
buição de hipoclorito de sódio é um dos aspectos
enfatizados tanto em programas de troca de seringas como em programas comunitários17 .
Estudos de custo/efetividade têm reportado
que programas estruturados de prevenção de HIV
baseados na comunidade auxiliam na redução de
futuros custos associados aos cuidados e tratamento da infecção pelo HIV28 . Também os tratamentos para dependência de drogas são custoefetivos em reduzir o uso de drogas e os custos
sociais e de saúde associados quando comparados a não tratar ou a encarcerar os usuários26 .
Em resumo, prevenir a disseminação do HIV
através do uso injetável de drogas requer uma
abordagem ampla e sincronizada com base em
alguns princípios fundamentais8 :
• assegurar coordenação e colaboração entre os
provedores de serviços aos UDI, seus parceiros
sexuais e seus filhos;
• assegurar acesso e qualidade das intervenções;
• reconhecer e superar o estigma associado ao
uso injetável de drogas;
• adequar os serviços para as características dos
UDI.
As estratégias de prevenção devem:
• prevenir o início de uso de drogas;
• usar programas comunitários para atingir usuários fora de tratamento;
• ampliar o acesso a programas de tratamento
de qualidade;
• instituir programas de prevenção de HIV em
cadeias e penitenciárias;
• prover cuidados médicos para UDI infectados
pelo HIV;
• prover aconselhamento para redução de risco
e testagem para UDI e parceiros sexuais.
Conclui-se, através das evidências da literatura, que o modelo de redução de danos, com base
em programas de intervenção comunitária, acesso a seringas estéreis e a tratamento, é eficaz como
estratégia de prevenção da infecção pelo HIV em
UDI em vários países do mundo.
As evidências sobre o uso do modelo de redução
de danos na abordagem do uso de drogas ainda não
têm o mesmo consenso que o seu uso como fator de
prevenção do HIV em UDI. Entre esses novos usos, a
estratégia de redução de danos como abordagem do
uso excessivo de álcool, principalmente em adolescentes e universitários, é a que mais apresenta estudos e evidências de eficácia na literatura. Vários estudos controlados m ostram que adolescentes e
universitários submetidos à intervenção focada em
discutir os riscos do uso excessivo (grande quantidade em pequeno espaço de tempo) mudam seu comportamento, assumindo uma postura mais responsável quanto ao uso de álcool, diminuindo episódios de
embriaguez, brigas e acidentes5, 9, 21.
A abordagem de redução de danos como estratégia de tratamento nos leva à antiga discussão das propostas de tratamento baseadas na abstinência total versus beber moderado. Ainda longe
de chegarmos a um consenso, parece, todavia,
haver um grupo de pacientes que poderia se beneficiar de uma proposta de beber moderado, estratégia considerada um modelo baseado em reduzir danos associados ao uso de álcool 18 .
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Jornal Brasileiro de Psiquiatria
Endereço para correspondência
Arthur Guerra de Andrade
Departamento de Psiquiatria
Faculdade de Medicina da USP
Rua Ovídio Pires de Campos s/n – 1º andar
Consolação
CEP 01060-970 – São Paulo-SP
Tel.: (11) 3062-9029
380
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Redução de danos:
uma abordagem de saúde pública
Harm reduction: a public health approach
Beatriz Carlini-Marlatt; Dagoberto Hungria Requião; Andrea Caroline Stachon
Resu m o
O presente artigo aborda a visão de redução de danos (RD) endossada pelo Instituto de Prevenção e Atenção às Drogas
(Ipad), reconhecendo a falta de uma definição universal do termo. Para o Ipad, a RD é uma abordagem útil para minimizar as
conseqüências de diversos comportamentos de risco, principalmente na área do abuso de substâncias psicoativas. O presente
artigo caracteriza RD e a diferencia da abordagem de algumas visões simplistas e maniqueístas erroneamente identificadas com
a mesma. Segundo o Ipad, cinco pontos devem ser enfatizados quando se define redução de danos: a RD é uma alternativa de
saúde pública para os modelos criminal e de doença; a RD reconhece a abstinência do uso de substâncias psicoativas como ideal,
mas aceita alternativas intermediárias; a RD é uma abordagem que incentiva e incorpora a participação daqueles que sofrem
com o abuso dessas substâncias (abordagem de baixo para cima); baseia-se no pragmatismo empático, em oposição ao idealismo moralista; e promove acesso a serviços de saúde de baixa exigência . Finalmente, o Ipad rejeita a identificação de RD com
legalização de drogas ilegais, defende a inclusão de drogas legalizadas na sua abordagem (como álcool e tabaco) e critica
tentativas de incluir ações de RD em grupos sociais que não se ajustam à abordagem, como é o caso de alunos do primeiro ciclo
do ensino fundamental, grupo de baixo risco de uso de substâncias, ou mensagens veiculadas universalmente via meios de
comunicação de massa. O artigo é concluído apresentando-se dados norte-americanos recentes que documentam a dificuldade
de se conseguir apoio para projetos de pesquisa dedicado a entender comportamentos de risco não-aceitos pelo status quo .
Unitermos
redução de danos; saúde pública; legalização; pesquisa
Su m m a r y
The term Harm Reduction lacks an universal definition. In this article, Ipad (Instituto de Prevenção e Atenção às Drogas) presents its
understanding of the term as an useful approach to minimize the consequences of risky health behaviors, particularly in the substance abuse
domain. According to Ipad, five main features should be emphasized on a HR approach: HR is a public health alternative to the moralistic
and disease models of drug use and addiction; HR recognizes abstinence as an ideal outcome but accepts alternatives that reduce harm; HR
has emerged primarily as a bottom-up approach based on addict advocacy, rather than a top-down policy promoted by drug policy makers;
HR promotes low-threshold access to services as an alternative to traditional, high-threshold approaches; HR is based on the tenets of
compassionate pragmatism versus moralistic idealism. Finally, Ipad rejects the identification of HR with drug legalization, defends that legal
substances should be included and prioritized in HR initiatives and is critical of attempts to overgeneralize HR approaches as beneficial for
any social group. For Ipad, HR is a helpful strategy to be used where harm exists and not a universal panacea. The article concludes by
discussing some of the current difficulties on getting support for doing research on ways to reduce harm among groups that display behaviors
not accepted by mainstream values, using recent North American cases as an illustration.
Uniterms
harm reduction; public health; research; substance abuse
Instituto de Prevenção e Atenção às Drogas (Ipad), Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
J . b r a s . p s i q u i a t r.
vol. 52 (5): 381-386, 2003
381
Carlini-Marlatt et al.
Redução de danos: uma abordagem de saúde pública
“A redução de danos não é nova na medicina. Afinal, não está longe do conselho hipocrático
aos jovens médicos de primum non nocere – em
primeiro lugar, não cause danos3 .”
D avi d A bra ms e D avi d Le w is, 1 9 9 8
Introdução
O Instituto de Prevenção e Atenção às Drogas
(Ipad) da Pontifícia Universidade C atólica do
Paraná defende e valoriza a abordagem de redução de danos (RD) como uma alternativa viável,
humana e de resultados positivos já demonstrados para vários comportamentos de risco à saúde. No entanto, a abordagem de RD não é elemento central ou definidor das ações do Ipad,
nem vista pelos seus profissionais como a panacéia universal que resolverá todos os impasses e
desafios desta área da saúde mental.
Assim sendo, os autores deste texto consideramos adequado, neste breve documento, caracterizar redução de danos e discutir alguns dos mitos e
estereótipos que cercam esta abordagem como uma
maneira de delinear mais claramente nossa posição.
Redução de danos: abordagem
de trabalho vs. movimentos
sociais
O Ipad acredita que os princípios da redução
de danos são freqüentemente úteis para abordar
comportamentos de risco, incluindo uso de substâncias psicoativas. Ele também reconhece que esses princípios vêm sendo utilizados muito antes de
a expressão redução de danos ter sido criada. Na
verdade, o que vem sendo chamado de RD é, em
grande parte, a utilização de um realismo pragmático e de um bom senso que boa parte da humanidade emprega quando se defronta com a impossibilidade de promover mudanças abruptas e radicais
em situações e comportamentos arriscados.
Nesse sentido, o Ipad tem se preocupado em
fazer distinção entre a abordagem de redução de
danos e a história da expressão redução de danos.
Esse termo foi cunhado por movimentos sociais liderados por usuários de drogas em busca de uma
maior aceitação social dos seus estilos de vida, preocupados com a crescente mortalidade por Aids
entre eles. Carrega, assim, no seu bojo, a bandeira
de afirmação política desse grupo social.
382
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
O Ipad defende a abordagem de redução de
danos segundo os princípios apresentados a seguir,
acolhe e simpatiza com movimentos sociais de usuários de drogas que lutam por maior tolerância e
menor estigma social, defendendo seus direitos de
acesso a serviços de saúde. No entanto, essa acolhida não obriga a que o Ipad concorde com algumas bandeiras defendidas por setores desse movimento, como a legalização de substâncias ilegais
ou o relaxamento de legislações de controle para
substâncias legais.
Abordagem de redução de danos
defendida pelo Ipad
A redução de danos é uma
alternativa de saúde pública para
os modelos criminal e de doença
A redução de danos oferece uma alternativa prática para os modelos moral/criminal e de doença. Diferentemente dos proponentes do modelo moral –
que vêem o uso de drogas como ruim ou ilegal e
defendem a redução de oferta (via punição e proibição) –, a proposta de redução de danos desvia a atenção do uso de drogas em si para as conseqüências ou
para os efeitos do comportamento aditivo. Tais efeitos são avaliados principalmente em termos de serem prejudiciais ou favoráveis ao usuário de drogas e
à sociedade como um todo, e não por o comportamento ser considerado, em si, moralmente certo ou
errado. Além disso, em contraste com o modelo de
doença – que vê a dependência como uma patologia
biológica/genética e promove a redução da demanda como meta primordial da prevenção e a abstinência como única meta aceitável de tratamento –, a redução de danos oferece uma ampla variedade de
políticas e de procedimentos que visam a reduzir as
conseqüências prejudiciais do com portamento
aditivo. A redução de danos aceita o fato de que muitas
pessoas usam drogas e apresentam outros comportamentos de alto risco, e que visões idealistas de uma
sociedade livre de drogas não têm quase nenhuma
chance de se tornarem realidade3.
A redução de danos reconhece
a abstinência como resultado ideal, mas
aceita alternativas que reduzam os danos
A redução de danos não é contra a abstinência. Os efeitos prejudiciais do uso de drogas po-
Carlini-Marlatt et al.
Redução de danos: uma abordagem de saúde pública
dem ser colocados num continuum , como as diversas temperaturas indicadas em um termômetro. Q uando as coisas ficam muito quentes ou perigosas, a redução de danos propõe baixar o fogo
a um nível mais moderado. A abordagem de redução gradual estimula os indivíduos com comportamento excessivo ou de alto risco a dar um
passo de cada vez para reduzir as conseqüências
prejudiciais de seu comportamento. A abstinência como meta final reduz muito ou elimina totalmente o risco de danos associados ao uso excessivo de drogas. Nesse sentido, a abstinência é
incluída co mo o ponto final ao longo de um
continuum , que varia de conseqüências excessivamente prejudiciais a conseqüências menos prejudiciais. Ao colocar os efeitos prejudiciais do uso
d e d ro g as e m u m c o n t i n u u m , e m v e z d e
dicotomizá-lo como legal ou ilegal, ou indicativo
de ausência ou presença de doença aditiva, os defensores da redução de danos incentivam qualquer movimento rumo à sua diminuição como
um passo na direção certa3 .
A redução de danos é uma abordagem de
baixo para cima, baseada na defesa das
necessidades do usuário, ao invés de
uma abordagem de cima para baixo,
promovida por formuladores de políticas
A estratégia de redução de danos visa a capacitar e a dar voz aos pacientes e clientes de serviços de saúde. Procura minimizar o diferencial de
poder entre aqueles que administram e prestam
serviços e aqueles que são contemplados por eles,
para dar voz nas decisões de como, onde e de
que maneira as pessoas são tratadas3 .
A redução de danos promove acesso a serviços
de baixa exigência como uma alternativa
a abordagens tradicionais de alta exigência
Em vez de estabelecer a abstinência como um
pré-requisito de alta exigência para receber tratamento ou outro tipo de assistência, a abordagem
de redução de danos procura reduzir obstáculos,
tentando facilitar e garantir o envolvimento daqueles que precisam de ajuda dos serviços disponíveis. Exemplo dessa postura de baixa exigência
é abordar os indivíduos onde eles se encontram ,
ao invés de onde eles deveriam estar , ou seja, serviços de outreach work que oferecem ajuda ao
usuário no próprio ambiente em que as drogas
são consumidas3 .
A redução de danos baseia-se
nos princípios do pragmatismo empático
versus o idealismo moralista
Comportamentos prejudiciais são um fato da
vida, e a abordagem de redução de danos aceita
esta realidade, não muito agradável, como uma premissa básica. Uma vez aceita essa premissa, a meta
torna-se de pragmatismo empático: o que pode ser
feito para reduzir o dano e o sofrimento dos indivíduos e da sociedade? O pragmatismo adotado pela
RD não pergunta se o comportamento em questão
é certo ou errado, bom ou ruim, doentio ou saudável, preocupa-se, isto sim, com o manejo das questões cotidianas e das práticas reais, sendo sua validade avaliada por resultados concretos3.
Temas polêmicos associados à abordagem
de redução de danos
“A redução de danos pode ser excessivamente
simplificada, e, assim, considerada um
movimento extremista diabólico. Alternativamente, pode ser vista como um novo projeto
conceitual abrangente para integração do que
há de melhor em medicina, saúde pública e
política de prevenção3”
O fato de o termo RD ter sido cunhado a partir de movimentos sociais tem conseqüências importantes no debate acadêmico especializado.
Talvez a mais importante delas seja a falta de uma
definição única do termo: RD tem sido definida
a partir da ótica daqueles que a defendem ou a
criticam, e não a partir de uma conceituação fundamentada em pesquisa publicada em literatura
especializada.
Nesse contexto, o Ipad, enquanto órgão de
assistência, pesquisa e prevenção, vê como pertinente o esclarecimento do que entende ser redução de danos, como foi feito nas páginas anteriores deste texto, assim como explicitar sua posição
em relação a temas polêmicos que têm sido associados a RD.
Nas próximas páginas será apresentada a visão do Ipad sobre a relação entre RD e legalização de drogas, RD e prevenção primária (ou uniJ . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
383
Redução de danos: uma abordagem de saúde pública
versal) e pertinência da generalização da RD e
comportamentos de risco que não sejam o uso
de drogas ilegais.
Redução de danos e legalização de drogas
ilegais
O Ipad não endossa a legalização de substâncias ilegais no Brasil como estratégia de reduzir o
dano associado a seu consumo.
No entender de seus profissionais, políticas públicas de RD devem ter como parâmetro medidas
que reduzam o dano associado ao uso de drogas de
modo coletivo, adotando-se uma perspectiva de saúde coletiva. Assim, embora seja possível que a legalização de substâncias hoje consumidas e vendidas
clandestinamente favoreça alguns usuários de drogas, que seriam menos estigmatizados e teriam acesso mais fácil a serviços de saúde e mais difícil ao
sistema carcerário, é difícil imaginar que tal medida
beneficiasse de modo coletivo nossa sociedade.
O raciocínio desenvolvido por aqueles que defendem a legalização de substâncias para reduzir
danos é baseado na visão de que esta permitiria
melhor controle social e governamental das substâncias que atualmente são consumidas ilegalmente, de que aproximaria usuários hoje temerosos de
procurar ajuda dos serviços de tratamento, de que
permitiria a geração de impostos que poderiam ser
usados para educar jovens sobre os riscos do consumo de substâncias psicoativas.
Se esse tipo de lógica pode ter sentido em países
europeus, sua base de sustentação torna-se bastante
frágil ao cruzar o Oceano Atlântico rumo ao Sul. Aqui
no Brasil ainda lutamos para garantir controles mínimos para as substâncias que são legalizadas, como
álcool, tabaco e medicamentos psicotrópicos.
384
Carlini-Marlatt et al.
ticas de controle mais efetivas para minimizar os
danos das substâncias psicoativas legalizadas em
nossa sociedade é motivo suficiente para termos
muitas reservas em relação à tentativa de legalização de outras substâncias.
N o entanto, o Ipad vê com simpatia a diminuição das penas legais associadas ao uso de
substâncias de pequeno impacto na saúde coletiva, como é o caso principalmente da maconha.
N este caso, parece que o dano produzido pela
punição tem sido maior do que o causado pelo
co m portamento, na medida em que rotula e
pune como criminosos jovens que poderiam ser
mais úteis para a sociedade se cumprissem somente uma pena de caráter social pelo seu comportamento inadequado.
Redução de danos e prevenção primária
Há também quem defenda que, numa abordagem de redução de danos, os jovens devem
ser ensinados desde pequenos a usar drogas da
maneira menos arriscada possível, pois no caso
de um dia, mais tarde, tornarem-se usuários, saberão ao menos evitar alguns riscos e minimizar
alguns danos.
Nessa linha de raciocínio, defende-se orientar
jovens nas escolas a beber com moderação; usar
seringas descartáveis, no caso de quererem injetar
alguma substância; evitar o uso de sacos plásticos
para armazenar inalantes, no caso de quererem
cheirar cola ou acetona, evitando assim o risco de
morte por asfixia se ficarem inconscientes.
O Ipad entende que propostas como essas não
estão alinhadas com a abordagem de RD, da forma como endossamos.
Nossas leis que procuram regulamentar o acesso ao álcool por menores de idade são raramente
cumpridas (ou mesmo lembradas); a legislação de
controle das propagandas de tabaco em eventos
esportivos só tem sido cumprida em eventos de
menor importância, sendo informalmente revogadas
em competições esportivas de calibre internacional;
a tentativa de diminuir acidentes por motoristas
alcoolizados esbarra no simples fato de que a existência de bafômetros é quase tão rara quanto a presença de policiais efetivamente conscientes do seu
papel educacional de multar motoristas imprudentes nas estradas.
O próprio termo redução de danos é base para
explicar este não-alinhamento: para reduzir danos é preciso que eles sejam uma possibilidade
concreta. Assim, bebedores pesados e de risco,
que vivenciam problemas eventuais devido a seu
comportamento, podem se beneficiar de programas que sugerem beber com moderação e ensinam como diminuir as chances de acidentes e
outras conseqüências negativas associadas ao uso
abusivo do álcool. Mas para aqueles que não bebem ou o fazem de modo muito esporádico, esse
tipo de orientação é não só inapropriada como
potencialmente promotora de danos.
O fato de que a sociedade civil brasileira e os
nossos governos não têm conseguido gerar polí-
Da mesma forma, ensinar a importância de se
trocar seringas para um grupo de jovens sem ne-
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Carlini-Marlatt et al.
nhum indicativo prévio de uso ou alto risco de se
tornarem usuários é inócuo e de certa forma irresponsável, pois passa a mensagem de que injetar substâncias é algo tão corriqueiro que é preciso orientar como fazê-lo nas escolas.
Generalização da abordagem da redução
de danos a drogas legais
Um outro tipo de polêmica nesta área, que
requer um posicionamento claro de entidades e
profissionais, é a necessidade de definir a abrangência da abordagem de redução de danos: trata-se de algo somente válido para drogas ilegais,
onde o termo se originou, ou é possível estendêlo para drogas legalizadas?
O Ipad entende que redução de danos não é só
nem principalmente uma proposta de enfrentamento
do uso de drogas ilegais, mas é uma abordagem de
saúde pública para comportamentos de risco à saúde, inclusive uso de álcool e tabaco.
O tabagismo, mesmo entre os setores mais
conservadores da área de tratamento, tem sido
alvo de uma abordagem clássica de RD: o uso de
adesivos e gomas de mascar com nicotina. Embora quase nenhum profissional negocie com seu
paciente que a abstinência seja a meta do tratamento do tabagismo, o uso de adesivos e gomas
de nicotina vem possibilitando uma estratégia gradual de mudança rumo à abstenção. Com esses
recursos, o fumante não tem que interromper o
uso da nicotina – substância da qual é dependente –, mas somente mudar sua via de administração. A nicotina continua sendo gradualmente liberada, em quantidades negociadas, visando a
uma readequação de hábitos e cotidiano até que
se possa interromper a administração da droga.
Da mesma forma, as estratégias de motorista
designado , muito usadas nos EUA, no Canadá e
na Europa, são exemplares de RD. É aceito quase
como inevitável que muitas pessoas vão beber
pesadamente em situações de festa, e procura-se
negociar a diminuição dos riscos e das conseqüências de se associar este comportamento com direção de veículos. Assim, campanhas educacion ais i n c e n t iva m j o ve ns a se al t ern are m n a
abstenção de álcool por uma noite e dar carona
para seus amigos embriagados. Em retorno, este
jovem poderá beber à vontade em uma outra
ocasião, pois um dos jovens que foi beneficiado
com sua carona cumprirá desta vez seu compromisso de não beber.
Redução de danos: uma abordagem de saúde pública
Palavras finais: redução
de danos e pesquisa
Para encerrar a contribuição do Ipad para este
debate, parece importante comentar um pouco
o tão usado argumento de que RD é uma abordage m interessante, m as ain da m uito p ouco
pesquisada para ser adotada.
O primeiro ponto a ser considerado neste tipo
de raciocínio é que uma série de outras abordagens
vem sendo amplamente utilizada, não só no Brasil
como no exterior, com pouquíssima pesquisa, com
muito mais condescendência. Grupos de auto-ajuda do tipo AA ou NA, ou mesmo comunidades terapêuticas, são exemplos importantes neste sentido.
Um segundo ponto é, a nosso ver, bem mais
relevante: parece haver evidências de que projetos de pesquisa que se propõem investigar abordagens que possam beneficiar os grupos mais
marginalizados da sociedade vêm enfrentando
problemas sérios de financiamento, principalmente no país que financia 85% de toda a pesquisa
na área de drogas no mundo: os EUA.
De fato, a comunidade científica tem sido surpreendida, dia após dia, com uma intervenção do
atual governo norte-americano nas linhas de pesquisa sem precedentes desde a era do mccarthismo,
nos anos 1950. Vejamos então alguns exemplos:
• em dezembro de 2002, o dr. Willian Miller, autor do livro Entrevista Motivacional , foi convidado a compor o painel de especialistas do
National Institute of Drug Abuse (Nida), que
assessora este instituto no julgamento dos milhares de projetos de pesquisa que são enviados anualmente para renovação ou início de
financiamento. Ele obviamente aceitou o convite, considerado de grande honra, embora com
remuneração modestíssima. Dias mais tarde,
um funcionário da Casa Branca ligou pessoalmente para o dr. Miller e o sabatinou sobre
suas visões políticas em relação a temas considerados controversos: aborto, pena de morte,
programa de troca de seringas, apoio a tratamentos baseados em fé religiosa e, finalmente, seu voto para presidente na última eleição.
Aparentemente, o dr. Miller não respondeu às
perguntas da maneira como seria desejável
pelo funcionário da Casa Branca, pois logo
após o telefonema ele foi desconvidado a compor o painel do Nida4 ;
• em abril deste ano, o New York Times publicou artigo sobre a censura de certos termos
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
385
Carlini-Marlatt et al.
Redução de danos: uma abordagem de saúde pública
em projetos de pesquisa na área de Aids. Segundo o periódico, vários cientistas dessa área
receberam alertas de funcionários do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (DHHS)
ou de membros do Congresso sobre a importância de evitar certas expressões em grants.
Termos como trabalhadores do sexo , homens
que fazem sexo com homens e troca de seringas seriam considerados inapropriados e praticamente anulariam as chances de financiamento dos mesmos. O bviamente, o porta-voz
do DHHS, em entrevista ao New York Times,
afirmou que não havia nenhum documento
neste sentido, mas cientistas de várias parte dos
EUA relataram experiências muito parecidas,
sempre por comunicação verbal1 ;
• no mesm o 18 de abril, a revista científica
Science reforça os achados do New York Times, comentando uma visita do DHHS à Universidade da Califórnia, em São Francisco. Segundo a Science , o pesquisador visitado foi
convidado a limpar a redação de seu projeto
de pesquisa e, consistente com o que o New
York Times relatou, substituir expressões como
troca de seringas e prostitutas para aumentar
as chances de aprovação de financiamento do
projeto 2 ;
• finalmente, durante o mês de julho, pesquisadores nos EUA foram surpreendidos com mais uma
tentativa de controle político sobre temas de pesquisa: o dr. Victor Hesselbrock, presidente da
Research Society on Alcoholism (RSA), lançou carta de apelo a todos os cientistas norte-americanos, no dia 21 de julho, no sentido de enviarem
moções de apelo a seus senadores contra a desaprovação de quatro projetos de pesquisa já aprovados pelo comitê de especialistas do National
Institute of Health (NIH), via votação de emenda
no Congresso Nacional. Com uma agenda repleta de temas mais apropriados para serem discutidos na Câmara Federal, os deputados federais dedicaram a tarde do dia 10 de julho à
discussão e à votação de uma emenda que confere ao Congresso poder de revogar aprovação
de projetos de pesquisa sobre sexualidade. Mais
assustador ainda o fato de esta emenda, sem precedentes na história da ciência norte-americana,
só ter sido derrotada por dois votos. Assim, em
poucas semanas, será discutida no Senado e poderá se tornar realidade.
Em tempos de intolerância, uma abordagem
tolerante e pragmática, como a redução de danos, precisa urgentemente de mais pesquisa para
se afirmar como uma alternativa viável. E essas
pesquisas têm sido conduzidas com rigor e sucesso, mas somente quando abordam populações
e substâncias de fácil digestibilidade política , como
jovens universitários que bebem pesadamente e
adultos tabagistas. O u quando abordam epidemias que há muito tempo deixaram de respeitar
os cordões sanitários que separam os grupos sociais de comportamentos pouco convencionais,
como é o caso da epidemia da Aids.
Muito ainda precisa ser pesquisado e nós, do
Ipad, temos completa ciência disto. Mas temos
ciência também de que as barreiras neste sentido
são grandes e vêm crescendo, e que, enquanto
isto, teremos que conviver com uma certa frustração e uma grande esperança de que o cenário
político internacional mude, rumo a uma maior
abertura a abordagens criativas que possam eventualmente ser respostas efetivas aos desafios da
saúde coletiva na área de substâncias psicoativas.
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Los Angeles Times, 2002.
Jornal Brasileiro de Psiquiatria
Endereço para correspondência
Dagoberto Hungria Requião
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Rua Imaculada Conceição 1.155 – Prado Velho
CEP 80215-901 – Curitiba-PR
Tel.: (41) 271-1515
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J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Redução de danos e terapias
de substituição em debate:
contribuição da Associação
Brasileira de Redutores de Danos
Harm reduction and substitution therapy: the Brazilian Harm
Reduction Outreach Workers Association point of view
Marcelo Araújo Campos; Domiciano J. Ribeiro Siqueira
Resu m o
A Associação Brasileira de Redutores de Danos (Aborda) entende redução de danos como movimento social para a busca de
um estado de maior bem-estar social para todos, usuários ou não de drogas legais ou ilegais. As terapias de substituição (TS) são
naturalmente entendidas como parte do repertório de ações de redução de danos ao transigir com o uso de drogas e não ter
como meta única a abstinência. Sua implantação no Brasil para drogas ilícitas – principalmente cocaína e maconha – demanda
desconstrução das atitudes antidrogas, inclusão e normatização da redução de danos e das TS na rede SUS e reordenamento da
política nacional de drogas. Nesse sentido a Aborda pode ser um ator importante para a discussão dos marcos teóricos e da sua
operacionalização em campo, além da necessária atuação de controle social e advocacy dos direitos das pessoas que usam
drogas. Dado o enorme prejuízo que a atual perseguição penal das pessoas que usam drogas ilícitas implica para elas e para a
sociedade em geral, soa pouco efetivo reduzir as terapias de substituição (ou a redução de danos em geral) a atos de promoção
da saúde stricto sensu , sendo imprescindível incluir nas discussões da sua apropriação pelo SUS alternativas para a necessária
regulamentação, em algum grau, da produção, do comércio e do consumo dessas drogas. O melhor efeito que a implantação
das TS poderia trazer seria a substituição do discurso e da atitude antidrogas por um novo paradigma de maior inclusão social e
tolerância.
Unitermos
drogas; redução de danos; terapia de substituição; movimentos sociais
Su m m a r y
Aborda understands harm reduction as a social movement towards a state of greater welfare for everyone, whether they use drugs or
not. Substitution therapies (ST) are naturally considered part of the harm reduction set of strategies, inasmuch as drug use is tolerated and
abstinence is not the only objective. To implement those illicit drugs therapies in Brazil – mainly cocaine and marijuana – the antidrug
attitude must be deconstructed, harm reduction and ST must be included and normalized in the Public Health System (SUS, in Portuguese),
and national drug policy must be reordered. In that sense Aborda can play an important part in the discussion of both its theoretical
benchmarks and field operations, besides the necessary social control activities and drug users rights advocacy. Given the enormous damages
the actual criminalized persecution represents to those who use illicit drugs and for society as a whole it does not seem effective to merely
consider substitution therapies (or harm reduction in general) as health promotion activities. As the discussions about its appropriation by
the Public Health System continues, it is necessary to address alternatives to an indispensable regulation to some extent of production, sales,
and consuming of those drugs. The best consequence of ST implementation would be the substitution of the antidrug discourse and attitude
by a new paradigm of greater social inclusion and tolerance.
Uniterms
drugs; harm reduction; substitution therapy; drug policy; advocacy
Associação Brasileira de Redutores de Danos (Aborda).
J . b r a s . p s i q u i a t r.
vol. 52 (5): 387-393, 2003 387
Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação Brasileira de Redutores de Danos
É preciso su p erar o m o m e n t o e m q u e
as dro g as são ini m i g as d a vi d a
O conceito de redução de danos (RD), na história da Associação Brasileira de Redutores de Danos (Aborda), foi estratégia de saúde , passou por
política de saúde e agora é melhor expresso como
movimento social 1 .
Em que pese a utilização, no senso comum,
da expressão redução de danos para qualquer situação onde exista busca de diminuição de prejuízos, ou mesmo ao se referir especificamente a
(eventuais ou potenciais) prejuízos resultantes do
uso de psicoativos, a Redução de Danos (escrita
com iniciais em maiúsculas), como movimento
social, superou o paradig ma sanitarista, sendo
agora entendida como busca de estado de maior
bem-estar social para todos, com ou sem uso das
drogas, inclusive daquelas tidas como ilegais.
Da mesma forma, as terapias de substituição
ganham, na RD, interpretação pelo movimento
social, ou seja, são lidas e construídas também
pelo viés ideológico.
O objetivo deste texto, contudo, não é promover debate ideológico, mas, atendendo a convite
do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas
Psicotrópicas (Cebrid), apresentar o entendimento, pela Associação Brasileira de Redutores de Danos, das terapias de substituição como uma das
estratégias para reduzir danos, naturalm ente
permeadas pelos valores eleitos pelo movimento
social de RD, esclarecendo como estes valores implicam mais que colorido ideológico: eles são, não
raro, definidores da eficácia das ações, notadamente daquelas construídas com o público-alvo dos Projetos de Redução de Danos (PRDs) – pessoas em
geral que usam drogas e que, pelo menos em princípio (a grande maioria), não estão inseridas, com
indicação ou interessadas em propostas terapêuticas para o uso de drogas em si.
A RD contribui na busca daquele estado de
maior bem-estar social para todos, indo além e até,
se necessário, contradizendo o discurso sanitarista
onde este discurso estiver orientado exclusivamente
para o controle de doenças, sem buscar saúde integral, ou distanciado dos direitos humanos.
O bjetivos da substituição
Na Aborda, as ações de redução de danos (assi m co m o q ual q uer co nstrut o teórico so bre
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J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Campos & Siqueira
psicoativos), são pensadas a partir de análise da
relação triangular droga / sujeito / contexto , consideran d o o perar m o dificações q ualitativas ou
quantitativas em quaisquer dos vértices, de modo
a obter resultado final de melhor relação risco/
benefício para quem usa e para a coletividade.
O mesmo raciocínio aplicamos às terapias de
substituição: elas devem ser fator de equilíbrio
biopsicossocial na relação tríplice entre o sujeito,
a(s) droga(s) e o(s) contexto(s) de sua vida. Portanto elas incluem a troca (quantitativa, qualitativa ou em modo de usar) de drogas legais ou
ilegais por outras, legais ou não, que melhorem o
grau de compatibilidade do uso pelo sujeito em
cada contexto. Tal compatibilidade inclui busca
de satisfação do desejo do sujeito, a conservação
de sua saúde e a harmonia com a coletividade. A
intervenção para reduzir danos busca convivência
mutuamente respeitosa entre as pessoas que usam
drogas e suas redes de relações, sejam familiares,
no trabalho, afetivas, etc.
A atitude de disposição em construir habilidades para aquela compatibilização, reunidas sob
o nome genérico estratégias de redução de danos (incluindo terapias de substituição), e que
transige com a condição de usuário de drogas, é
universalmente aplicável e, a nosso ver, direito das
pessoas que usam drogas – ilegais inclusive.
Considerando a magnitude do seu potencial
benefício – para estas pessoas, suas redes de contatos e para a sociedade em geral –, acreditamos
que a omissão das alternativas de redução de danos pelos responsáveis (diretos ou indiretos) pelo
atendimento de pessoas que usam drogas é passível de questionamento ético, caracterizando imperícia ou negligência.
Pelo olhar da Aborda, a RD inclui terapias de
substituição (TS) como uma das opções com nível de exigência mais compatível com as necessidades, capacidades e desejos das pessoas que
usam drogas do que a abstinência; é propiciadora
de construção de vínculo com estas pessoas, e alternativa para aquelas que não têm demanda ou
desejo de parar de usar não serem privadas de
medidas que lhes propiciem melhor qualidade de
vida e menos riscos, para si próprias, sua rede de
relações e sociedade em geral.
Diferentemente de Marllat, que coloca como
um dos princípios que “a redução de danos reconhece a abstinência como resultado ideal, mas
aceita alternativas que reduzam danos” 4 , na Abor-
Campos & Siqueira
Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação Brasileira de Redutores de Danos
da não só não consideramos a abstinência a única alternativa válida como sequer a temos como
sempre necessária ou desejável.
Embora não persiga a abstinência, a RD também reconhece a utilidade das terapias de substituição como alternativa para pessoas em situação de uso problemático/danoso de drogas e com
desejo de interrompê-lo: estas pessoas podem ter
nas terapias de substituição um amparo eficiente
no controle de sofrimento nas fases iniciais da abstinência (diminuição ou abolição de desconforto
da abstinência) ou como manutenção da abstinência, como acontece, por exemplo, com a oferta de nicotina inalatória, oral ou transdérmica para
tabagistas em abandono do hábito.
Tanto para os que buscam abstinência como
para os que não a têm como objetivo, as terapias
de substituição podem atuar como estratégia de
escalada inversa: migração de padrões de uso e
relações mais problemáticas com psicoativos para
padrões mais harmônicos e menos problemáticos, ou seja, de deslocamento de situação de abuso rumo ao uso .
Aceitar que este movimento é possível implica também o rompimento com postulados como
o que considera o uso problemático incompatível com transição para o uso controlado (ex.: alcoolismo é uma doença incurável ), quando se
sabe que tal transição é possível3 .
N o caso, por exem plo, da cocaína, não se
podem desprezar as implicações da observação de
que, no caso da substituição da forma de assimilação (e talvez da quantidade) do psicoativo –, quando sugerimos uso inalado substituindo injetável –
não está sendo colocada a abstinência como única
meta para todos os usuários de cocaína desejosos
de diminuir ou evitar os riscos do uso injetável, ainda que para muitos a substituição seja considerada
etapa na busca de interrupção do uso. Considerar
falha terapêutica o sujeito que se mantém dependente da cocaína inalada seria subestimar o benefício de não fazer uso injetável.
Possíveis contribuições da
Aborda para a implantação
e a implementação de terapias
de substituição no Brasil
N ão é possível desvincular as ações de saúde
co nstruí d as e i m p lan ta d as co m usuários d e
álcool e outras drogas das ações de fomento ao
ativismo, protagonismo e busca de inclusão social d estas p essoas, d e m aneira social m en te
transformadora, tanto para superação ou diminuição da sua vulnerabilidade aos agravos à sua
qualidade de vida como para eficácia das próprias ações de resgate ou promotoras de sua saúde. As terapias de substituição podem ser mais
q ue intervenção co m p ortam ental e m m uitos
sentidos. Sua medicalização , ao reduzi-las a atos
de saúde stricto sensu, assim como algumas correntes entendem a redução de danos, subestima o seu valor mobilizador para superação do
paradigma antidrogas e implica atraso de transformações benéficas para a sociedade e para as
vidas das pessoas que usam drogas.
A discussão a seguir tenta apresentar as contribuições da Aborda tanto como movimento social quanto como prestação de serviços.
Ativismo (a Aborda como movimento
social de RD)
O norte da RD é dignidade com qualidade de
vida, não consideradas necessariamente incompatíveis com a condição de usuário de álcool ou
outras drogas. Para a maioria das pessoas que
usam cocaína e maconha, os fatores causadores
de má qualidade de vida são mais relacionados à
sua condição de usuários de drogas do que aos
efeitos dos psicoativos em si, e isso deve ser considerado mesmo para pessoas com uso problemático ou dependência daquelas substâncias.
O movimento social trabalha pela construção
da imagem dos usuários de droga como não sendo
necessariamente merecedores de cuidados de saúde e questiona as atitudes que os rotulam como dignos de punição e execração. Consideramos o conceito de dependência tão relativo e impreciso quanto
o de loucura, e mesmo pessoas que se identificam
como ou são rotuladas de dependentes nem sempre apresentam indicação de tratamento. A própria
desqualificação como marginal, doente ou criminoso
é fonte de estresse e condição neurotizante para
pessoas que usam drogas, especialmente daquelas
hoje tidas como ilegais no Brasil, e um dos estereótipos a serem combatidos com ativismo (incluindo
ações de advocacy dos direitos das pessoas que usam
drogas). Esse componente de advocacy deve ser considerado no delineamento das políticas de saúde para
o reconhecimento, normatização e disponibilização,
no SUS, das TS, assim como de todas as estratégias
de RD.
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Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação Brasileira de Redutores de Danos
N esse caminho rumo à institucionalização da
saúde pública que contempla TS e RD, é papel
da Aborda/ M ovimento Social demandar e auxiliar na desconstrução de situação de conflito com
a lei das orientações de substituição de drogas
ilegais por outras também ilegais, e no reconhecimento destas ações como eficazes, eticamente
legítimas e valiosas. É sabido que a TS, ao disponibilizar uma fonte regulada de acesso a drogas,
reduz problemas decorrentes da falta de controle
sobre a qualidade do produto (p. ex.: risco de
overdose ou de danos por contaminantes) e da
interação das pessoas que as usam com o mercado ilícito e violento. Há estudos, por exemplo, com a metadona, demonstrando como sua
entrada no mercado ilícito e a venda com concentração e pureza alteradas são deflagladoras
de problemas com sua qualidade e crimes. O
mesmo vem acontecendo com a buprenorfina
em vários contextos 2, 5, 6 .
Há aqui o desafio de discutir TS no Brasil para,
por exemplo, cocaína e maconha, incluindo um
possível papel de disponibilização destas mesmas
drogas (como já se faz com nicotina na medicina
privada), com qualidade controlada pelo Estado
e em contexto regulado e normatizado no Sistema Único de Saúde (SUS), como forma de esvaziar os danos causados pela condição de ilegalidade e vinculação ao dito tráfico de drogas . Tal
discussão deve incluir a alternativa de regulamentação da produção e consumo em algum nível.
Não nos esqueçamos da necessidade de se discutir a mesma disponibilização de álcool, talvez enriquecido com tiamina, para usuários em condição de indigência e que lançam mão de fontes de
álcool mais tóxicas (inclusive com metanol) quando a decisão de como resolver o desconforto da
síndrome de abstinência é feita tendo na facilidade do acesso a algo que contenha álcool o critério definidor.
O desafio de institucionalização destas propostas é ampliado pelo fato de nem sempre serem compatíveis com a cultura institucional onde
se desenvolvem as ações, além de que a própria
política de drogas nacional carece de definições.
A nosso ver, a Secretaria N acional Antidrogas
(Senad) não tem perfil nem papel definidor desta
política, já que não reúne o repertório real de contribuições dos Ministérios da Justiça, Saúde e Educação para ir além da repressão e da identificação
com a superada política norte-americana de guerra às drogas, também carente de substituição.
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J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Campos & Siqueira
Técnico-operacionais (a Aborda e seus
associados como prestadores de serviço)
Apenas ativismo não é suficiente: embora sejam, em números relativos, uma minoria do total
de pessoas que usam psicoativos, o número absoluto de pessoas em situação de uso problemático
de álcool e outras drogas no que se refere a repercussões negativas para sua saúde física é grande e
carente de acesso a assistência de qualidade.
A Aborda foi fundada em 1997 e hoje está
presente em 19 estados brasileiros, reunindo cerca de 650 membros que trabalham em diversos
projetos e programas de redução de danos, a
maioria deles financiada através da Coordenação
Nacional de DST e Aids. Em 2003 foram capacitados pela Aborda representantes destes 19 estados a atuarem como Centros de Capacitação em
Redução de Danos, criados Centros Regionais de
Redução de Danos, abrangendo N orte, N ordeste
e Centro-O este (CRRD-1), Sudeste (CRRD-2) e Sul
(CRRD-3), com a missão de fomentar consistência ao movimento de redução de danos e apoiar
os trabalhos locais, aglutinando os envolvidos e
descentralizando o gerenciamento da Aborda.
O Primeiro Treinamento Nacional de Redutores de Danos foi organizado pela Aborda em 1999
(até abril de 2003 foram capacitadas aproximadamente 350 pessoas). Através de projetos implantados com a Aborda foram abertos programas de RD
em Minas Gerais, Acre, Ceará, Pernambuco, Espírito Santo, Paraná, Mato Grosso, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Rio de Janeiro, inclusive com suporte para criação de associações locais
de redutores de danos. Os associados (pessoas que
trabalham em diversas instituições – governamentais e não-governamentais) têm na Aborda um espaço de encontro para discutirem e aprimorarem
suas práticas, tanto como provedores de serviços
de prevenção e assistência a usuários de drogas
quanto como ativistas do movimento social.
Conquanto a cobertura dos programas de redução de danos (PRDs) seja numérica (em número
de usuários atingidos) e geograficamente ampla, ela
é ain d a frágil e m term os d e co ntin uid ad e e
sustentabilidade das ações. Muitos dos PRDs são
projetos dependentes de financiamento e não autosuste n táveis, e a institucio n alização e a
profissionalização das ações de RD são incipientes,
insuficientes e pouco sólidas. Uma das propostas que
estão se n d o estrutura d as é a b usca d a
profissionalização dos redutores e da inclusão de
Campos & Siqueira
Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação Brasileira de Redutores de Danos
técnicas de RD (e de TS) nos currículos de formação
de recursos humanos dos Programas de Agentes
Comunitários de Saúde (Pacs) e Programa de Saúde
da Família (PSF). Alguns dos PRDs (p. ex.: Paraná,
São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia
e M in as G erais) atua m co m al g u m grau d e
interatividade com o SUS, inclusive com interação
com PACS e PSF, além da gradativa aproximação
com os Centros de Atenção Psicossocial (Caps).
Esta interação é forma de equacionar o outro
lado da moeda das ações de RD: a melhoria do
acesso das pessoas que usam drogas aos insumos
e serviços de assistência em saúde, cabendo, além
de facilitar aquele acesso, trabalhar pela melhoria
da qualidade desta assistência, precária qualitativa e quantitativamente.
As terapias de substituição podem ser pensadas como ampliação de repertório da assistência
a pessoas que usam drogas, mesmo no contexto
de precariedade do SUS.
Cabe aqui a observação sobre o próprio conceito de terapias de substituição , já que encontramos
entre elas algumas que se caracterizam como atos
terapêuticos (envolvem processo diagnóstico e
terapêutico, inclusive com prescrição de medicamentos, idealmente seguindo protocolos amparados na
literatura científica) e outras que a nosso ver são
passíveis de apropriação (e na verdade já aplicadas)
pelos redutores de danos, cuja capacitação tem nível de sofisticação similar ao dos agentes de saúde
comunitária (embora diferente – discussão sobre o
processo de profissionalização dos redutores de danos está sendo conduzida, com participação direta
da Aborda, junto ao Ministério da Saúde). É possível
que seja mais adequado reservar a expressão terapias de substituição para aquelas substituições que se
caracterizam como atos terapêuticos complexos
(estamos tentando evitar a expressão ato médico
para não haver confusão com defesa da classe dos
médicos como se fossem os únicos aptos a conduzir
tais tratamentos).
As formas de terapias de substituição aplicáveis em campo podem e devem ser consideradas
papel dos redutores de danos (e dos agentes de
saúde comunitária em geral). Orientações como
a substituição do crack por maconha (ou do crack
puro por mistura com maconha) ou da cocaína
injetada por inalada são formas de substituição já
incorporadas ao repertório de alternativas oferecidas aos usuários de drogas, sendo tema de discussões nas capacitações nacionais de redutores
de danos feitas pela Aborda desde 1999. Estas
substituições são particularmente relevantes no
nosso meio, onde as terapias de substituição clássicas (de opiáceos) hoje quase não têm função.
Auxiliar na demarcação, no Brasil, da fronteira entre atos terapêuticos complexos e não-complexos, bem como no estabelecimento de um
corpo organizado de técnicos e conhecimentos
sobre substituição, a exemplo do que já existe em
alguns países, é um dos papéis da Aborda.
Consideramos que o público-alvo para terapias de substituição pelos redutores de danos que
atuam em campo não são todos os usuários e que
os redutores e agentes comunitários de saúde não
serão os mais indicados para proceder a algumas
substituições. Há usuários de álcool e outras drogas que necessitarão de suporte com maior nível
de complexidade. O papel dos redutores de danos é mais bem desempenhado onde se pode promover o acesso destes usuários a serviços de saúde (SUS), os quais são poucos e nem sem pre
transigem com a condição de usuários (em geral,
a meta colocada é não usar drogas), sendo necessário normatizar as alternativas de substituição
(assim como está sendo com as alternativas de
redução de danos) nestes serviços.
Existe potencial para aproveitamento da rede
de redutores de danos, que tem entre seus papéis
o de facilitar o acesso das pessoas que usam drogas a insumos e serviços de saúde, na consolidação das terapias de substituição outras, além das
que eles já conhecem e orientam. Mais que executora de terapias, a rede de redutores, que na Aborda inclui grande número de pessoas que usam ou
já usaram drogas, pode também participar diretamente na construção de conhecimento sobre as
terapias de substituição, seja como partícipe em
protocolos de pesquisa, seja como detentor de conhecimentos a serem cientificamente avaliados
como potenciais terapias de substituição.
Entre as formas de substituição e redução de
danos de que temos relatos citamos a troca de
cocaína por anfetaminas, o álcool por maconha,
o uso de doses baixas de cocaína para contrabalançar o efeito depressor do álcool (p. ex.: ao dirigir), todas já apontadas em campo por usuários
de drogas e merecedoras de avaliação quanto ao
seu real valor, seja como estratégias a serem reconhecidas e apropriadas para obtenção daquela
melhor compatibilidade entre o sujeito e a droga
em cada contexto, seja para desaconselhar subsJ . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
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Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação Brasileira de Redutores de Danos
tituições tidas como vantajosas quando, após serem estudadas, não demonstrarem sê-lo.
N este p o n to há q ue se co nsid erar m aior
maleabilidade e disposição para enfrentamento
de questões legais pelas organizações da sociedade civil que possuem o já discutido papel de
transformação social. Por exem plo, a troca de
crack por maconha é conhecida e estimulada
pelos red utores de danos e m cam p o, m as a
m aioria d as instituições (g overna m en tais ou
não) que realizam atendimento a usuários de
dro gas, presas ao discurso antidrogas , ain da
reluta em ad mitir sua utilidade ou o faz de forma extremamente tímida, deixando de explorar esta alternativa mesmo quando potencialmente mais benéfica para quem atende.
Conclusões e considerações
finais
Classificar RD (que inclui as TS) como medida paliativa não faz sentido, já que o seu objetivo não é perpetuação de situação de uso proble m ático de dro gas, o q ue seria m anter ou
mesmo aumentar danos ao invés de reduzi-los.
Os tratamentos de substituição podem também
ser vistos como redução de danos (ainda que não
ideologicamente identificados com o movimento social de RD) para os que, em sofrimento com
sua condição de usuários, desejam ajuda para
interromper ou organizar o uso, e sempre lembrando que RD, como entendida pela Aborda,
não considera a abstinência a única meta válida
ou estado ideal de controle sobre o uso. O objetivo é a convivência mutuamente respeitosa, o
bem-estar para os indivíduos com maior sintonia
entre direitos individuais e coletivos.
A inclusão das TS de forma mais sistematizada e
institucionalmente sustentada na rede de saúde do
SUS tem no movimento de redução de danos tanto
um potencial executor como um beneficiário: ao
melhorar sua atuação com a inclusão das terapias
de substituição, os redutores de danos também se
fortalecem como categoria profissional.
Pelo olhar da RD, as TS não devem ser confundidas como etapas ou estratégia para busca de abstinência , nem justificadas ou reforçadoras de atitudes antidrogas. Tal constructo teórico (a inclusão
de TS como parte do discurso antidrogas) seria,
além de cientificamente inconsistente e de lógica
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J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
Campos & Siqueira
confusa, limitadora dos benefícios que as pessoas
que usam drogas e a sociedade em geral podem
obter co m sua disponibilização. Esta disponibilização, por sua vez, implica descriminalização e
regulamentação de consumo de psicoativos hoje
tidos como ilegais, essenciais tanto para realmente
operacionalizar a TS destes psicoativos no SUS
como para quebrar a vinculação de pessoas que os
usam (mesmo se não-formalmente inseridos em
TS) com a criminalidade. Substituir a condição de
incluídos na marginalidade pela inclusão social seria o ganho maior da implantação das TS tanto para
estas pessoas como para a sociedade em geral.
Somos uma sociedade de consumo, tendo o
desejo como mola mestra desse processo que não
sobrevive sem a continuada reinvenção do desejo e o incitamento à busca de sua satisfação. As
substâncias tidas como drogas podem ser vistas
como mais um produto para aquela satisfação,
além de tamponamento para a insatisfação.
Em tempos de globalização há o risco de sobrar
aos estados menos técnica, política ou economicamente capazes de construir e defender suas decisões se submeterem a interesses que não são os do
seu povo, exercendo o seu poder para a repressão,
o que os distancia da função fomentadora de bemestar social para todos. Ao passar a instrumento para
servir ao fluxo de capitais, o Estado perde as suas
bases, sua soberania e independência, tornando-se
mero serviço de segurança (policial inclusive) para
os incluídos nas relações legal e socialmente aceitas.
Os que não pertencem à elite ou não estão disp ostos a m o dificar seus m o d os de vida para
compactuar com as mesmas regras (como grande
parte das pessoas que consomem drogas ilegais) são
continuadamente acusados de serem ameaça ao Estado ou à sociedade, desqualificados e incluídos na
marginalidade. Mesmo usuários de drogas de alta
renda, a despeito de estarem menos vulneráveis à violência das regras do tráfico , também têm seus hábitos estigmatizados (e bem escamoteados para os de
fora) e alguma vulnerabilidade ao envolvimento com
outras formas de violência, como a corrupção.
Neste contexto antidrogas , os muros dos controles, dos quais a política de tolerância zero (que
também pode ser lida como intolerância 100% )
é instrumento, ficam mais altos, as satisfações dos
sonhados desejos ficam mais distantes, as pontes
para o atravessamento para uma vida mais digna
e cidadã revelam-se poucas, estreitas e quebradiças. É tempo de inverter esse processo, e a redu-
Campos & Siqueira
Redução de danos e terapias de substituição em debate: contribuição da Associação Brasileira de Redutores de Danos
ção de danos, como movimento social – do qual
a Aborda é expoente – é um dos caminhos para
devolver à sociedade brasileira e ao Estado por
ela constituído a condução da sua política de drogas, com justiça e independência.
Agradecimentos
A Francisco Inácio Bastos, Christiane Moema
Alves Sampaio e Luiz Paulo Guanabara, pelas contribuições.
Referências
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Sampaio C M A (orgs.). Drogas, dignidade e inclusão social:
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Jornal Brasileiro de Psiquiatria
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Marcelo A. Campos
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Instruções aos autores
No Jornal Brasileiro de Psiquiatria são publicados artigos
relevantes em português, inglês ou espanhol. Os requisitos
para apresentação de manuscritos foram estabelecidos de
acordo com Uniform requirements for manuscripts submitted
to biomedical journals do International Committee of Medical
Journals Editors – Grupo de Vancouver – publicado em Ann
Intern Med 1997:126:36-47, disponível em versão digital em
http:/ / www.acponline.org.
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Rio de Janeiro
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Uma vez aceito para publicação, torna-se o trabalho propriedade permanente da Diagraphic Editora Ltda., que reserva todos os direitos autorais no Brasil e no exterior.
Carta de autorização
• Os manuscritos devem estar acompanhados de carta de
autorização assinada por todos os autores.
Modelo
“ Os autores abaixo assinados transferem à Diagraphic
Editora Ltda., com exclusividade, todos os direitos de
publicação, em qualquer forma ou meio, do artigo..............., garantem que o artigo é inédito e não
está sendo avaliado por outro periódico e que o estudo foi conduzido conforme os princípios da Declaração de Helsinki e de suas emendas, com o consentim e n t o i n form ad o aprovad o p or co m itê d e ética
devidamente credenciado.” (incluir nome completo, endereço postal, telefone, fax, e-mail e assinatura de todos os autores).
Avaliação por pareceristas
( peer review
• Todos os manuscritos submetidos ao JBP serão avaliados
por dois pareceristas independentes.
Estrutura do manuscrito
• Os manuscritos devem ser enviados em formato eletrônico, acompanhados de quatro cópias impressas na última
versão, e não serão devolvidos em nenhuma hipótese.
• Todas as páginas devem estar numeradas, indicando na
primeira o total de páginas.
• A primeira página deve conter o título do trabalho, nome
completo dos autores e filiação científica.
• Os resumos devem ser apresentados no idioma do texto e em inglês, inclusive títulos, com, no máximo, 200
palavras.
• Os unitermos, entre três e 10, devem ser apresentados
nos dois idiomas. Recomenda-se o uso de termos da lista
denominada Medical Subject Headings do Index Medicus
ou da lista de Descritores de Ciências da Saúde, publicada
pela BIREME, para trabalhos em português.
• Tabelas e ilustrações devem estar numeradas e preparadas em folhas separadas, com as respectivas legendas em
form ato que permita sua reprodução e incluídas no
disquete. Os locais sugeridos para inserção deverão ser
indicados no texto, com destaque.
• Ilustrações não serão aceitas em negativo e impressão de
fotos em cores será cobrada do autor.
• Agradecimentos deverão ser mencionados antes das
Referências.
Referências
Devem ser numeradas e apresentadas em ordem alfabética. Deve ser usado o estilo dos exemplos que se seguem:
Artigos
• Akiskal HS, Maser JD, Zeller PJ, Endicott J, Coryell W, Keller
M, Warshaw M, Clayton P, Goodwin F. Switching from
‘unipolar’ to bipolar II. An 11-year prospective study of
clinical and temperamental predictors in 559 patients. Arch
Gen Psychiatry 1995; 52:114-23.
Livro
• Goodwin FK, Jamison KR. Manic-Depressive Illness. New
York: O xford University Press; 1990.
Capítulo de livro
• Heimberg RG, Juster HR. Cognitive-behavioral treatments:
literature review. In: Heimberg RG, Liebowitz MR, Hope
D A, Sch neier FR, editors. Social p ho bia – D iag nosis
assessment and treatment. New York: The Guilford Press;
1995, p. 261-309.
J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
395
Instructions for authors
The Jornal Brasileiro de Psiquiatria will consider for publication relevant articles in Portuguese, English or Spanish. The
following guidelines for the submission of manuscripts are
in accordance with the Uniform requirements for manuscripts
su b m itte d to bio m e dical jo urn als of t h e In tern atio n al
Committee of Medical Journal Editors – Vancouver Group –
published in the Ann Intern M ed 1997; 126:36-47, also
available in http:/www.acponline.org.
Send all manuscripts and correspondence to the following
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Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do
Rio de Janeiro
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Structure of the manuscript
• The articles should be sent in electronic format plus four
printed copies of the latest version, which will not be
returned to the authors in any instance.
• All pages must be numbered, indicating in the first page
the total numbers of pages.
• The first page must have: title of the manuscript, complete name of the authors and scientific affiliation.
• Abstracts should be presented in the languages of the text
and in english with the maximum number of 200 words.
• Key words should be presented in two languages, the one
of the text and in english (between 3 and 10). For the
choice of terms, the list entitled Medical Subject Headings
of the Index Medicus or the Lista de Descritores de Ciências d a Saú d e of BIRE M E, for p ort u g uese scie n tific
literature, are recommended.
• Tables and illustrations should be numbered and placed
in separate individual pages, with the legends, in a format
that allows its reproduction, and its inclusion in a diskette.
Places for insertion in the text should be highlighted.
• Illustration in negative will not be accepted and the
printing of coloured material will be charged to the author.
• Ack n o w le d g e m e n ts sh o ul d b e p lace d pri or t o t h e
References.
Authorizing letter
• M a n uscri p ts s h o u l d b e a c c o m p a n i e d b y a l e t t er
authorizing the publications signed by all authors.
Letter
“The undersigned authors transfer to Diagraphic Editora Ltda., with exclusiveness, the copyright of the
p u b li c a t i o n b y a n y m e a ns o f t h e m a n uscri p t
entitled...................., guarantee that this article is not
being evaluated by another periodical and that the
study has been conducted according to the Declaration
of Helsinki and its amendments with informed consent
duly approved by an independent review board (IRB).”
(include the complete name, addresses, telephone, fax,
e-mail and signature of all authors).
Peer review
• All manuscripts submitted to this Journal will be reviewed
by two independent reviewers.
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J . b r a s . p s i q u i a t r . • Vol. 52 • Nº 5 • 2003
References
Should be numbered and listed in alphabetical order. The
following styles for the references should be employed.
Articles
Akiskal HS, Maser JD, Zeller PJ, Endicott J, Coryell W, Keller
M, Warshaw M, Clayton P, Goodwin F. Switching from
‘unipolar’ to bipolar II. An 11-year prospective study of
clinical and temperamental predictors in 559 patients. Arch
Gen Psychiatry 1995; 52:114-23.
Book
Goodwin FK, Jamison KR. Manic-Depressive Illness. New
York: O xford University Press; 1990.
Book chapter
Heimberg RG, Juster HR. Cognitive-behavioral treatments:
literature review. In: Heimberg RG, Liebowitz MR, Hope
D A, Sch neier FR, editors. Social p ho bia – D iag nosis
assessment and treatment. New York: The Guilford Press;
1995, p. 261-309.

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