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Universidade de Rio Verde
DESIGN
EDITORIAL EASOCIAL
LINGUAGEM
JORNALÍSTICA
DO JORNADESIGUALDADE
E DESIGUALDADE
EDUCATIVA:
O
LISMO IMPRESSO
PAPEL DA ESCOLA. UMA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL
PERDIDOS NO TEMPO E NO ESPAÇO: UM ESTUDO
DO PERFIL, DA PERSPECTIVA DE TEMPO E DA
IMPORTÂNCIA DAS RELAÇÕES FAMILIARES DE
ANDARILHOS EM COMPARAÇÃO A MORADORES
Umbelina do Rego Leite2
Valéria Cristina de Sousa Freitas Alves3
Resumo
Abstract
Andarilhos são pessoas que vivem na estrada, não
tem moradia própria, vivem isolados do mundo, da
sociedade e da família. Este estudo teve como objetivo investigar a história de vida, a valoração das relações da dinâmica familiar e a perspectiva de tempo
de andarilhos, comparando com um grupo de moradores. Os participantes do estudo foram dez andarilhos, nove homens e uma mulher, que transitavam
na rodovia nas imediações da cidade de Aparecida
do Rio Doce – Goiás e um grupo para comparação,
composto por dez moradores da mesma cidade. O
instrumento continha: o Inventário de Perspectiva
Temporal do Zimbardo – ZTPI (LEITE; PASQUALI,
2008) e questões sobre as relações familiares, história pessoal e social, dados sociodemográficos e
história de errância. Encontrou-se como fator desencadeante da errância, a ruptura com a família, seguida de fatores socioeconômicos. O perfil da perspectiva de tempo dos andarilhos é diferente da dos
moradores, e mostra que esses têm escores mais
baixos em todos os fatores do ZPTI com exceção do
presente-fatalista, ressaltando a diferença estatisticamente significativa no passado-positivo. Também,
os andarilhos acreditam que não seja importante
Highway wanderers are people who live on the
road, do not own housing, live isolated from the
world, society and family. This study aimed to investigate the wanderers’ life history, the valuation
of family relations dynamics and time perspective, compared to a group of residents. Participants
were ten highway wanderers, nine men and one
woman, which pass on the highway near the city
of Aparecida do Rio Doce - Goiás and a comparison group consisted of ten residents of the same
city. The instrument contained: Zimbardo Time
Perspective Inventory - ZTPI (LEITE; PASQUALI,
2008) and questions about family relationships,
personal and social history, demographic data
and wandering history. It was found as a trigger
for wandering the family breakdown, followed by
economic factors. The time perspective wanderers profile is different from residents, and shows
that these have lower scores in all ZPTI factors
but the present-fatalistic, thus highlighting the
significant difference in the past-positive. Also, highway wanderers believe it is not important for family harmony to have a good economic situation
and hope to eventually return to sedentary life or
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2
3
Mestre em Educação (Ênfase a docência superior) pela UFU. Contato: [email protected]
Fisioterapeuta. Contato: [email protected]
Mestre em Fisioterapia pelo UNITRI, professor na Universidade de Rio Verde – UniRV. Contato: [email protected]
REVISTA ONLINE UniRV/ Ano 1, Número 1, Janeiro/2015 Universidade de Rio Verde
ISSN: 2359-4004
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PERDIDOS NO TEMPO E NO ESPAÇO: UM ESTUDO DO PERFIL, DA PERSPECTIVA DE TEMPO E DA
IMPORTÂNCIA DAS RELAÇÕES FAMILIARES DE ANDARILHOS EM COMPARAÇÃO A MORADORES
para a harmonia familiar ter uma situação econômica boa e esperam no futuro voltar à vida sedentária
ou receber uma estrutura de assistência para seu
estilo de vida.
have a structure support for their life style.
Palavras-chave: andarilhos de estrada, Inventário
de Perspectiva Temporal do Zimbardo – ZTPI, Psicologia Social
Keywords: highway wanderers, Zimbardo Time
Perspective Inventory – ZPTI, Social Psychology
INTRODUÇÃO
Andarilhos de estrada são pessoas inconfundíveis, fazendo parte do cenário das rodovias brasileiras, andando lentamente pelo acostamento sem
destino, sempre sozinhos carregando um saco às
costas ou puxando um carrinho precário, em que
levam todos os seus pertences, fazendo da caminhada uma estratégia de sobrevivência. Como
eternos migrantes ou itinerantes, cortaram todos
os laços com a vida sedentária, não tendo vínculo
familiar, nem documentos, pouca ou nenhuma fonte de renda, usam os serviços de instituições assistenciais e mantendo-se como pessoas solitárias
(JUSTO, 2005, 2011).
No Dicionário Eletrônico Houaiss a palavra andarilho é um substantivo masculino, que descreve
“que ou aquele que anda muito, andador, percorre
muitas terras ou anda de forma erradia”; diz ainda
que é diacronismo antigo, com o significado de “lacaio que acompanhava a pé os amos que viajavam
de carruagem ou a cavalo” entre outros. E para
Justo e Nascimento (2012) o andarilho de estrada
se destaca como um padrão singular de mobilidade
humana da vida social e da cultura no Brasil.
O andarilho não deve ser compreendido dentro
do mesmo grupo de moradores de rua, mendigos
ou pedintes, sendo que o primeiro tem como característica principal uma vida errante, de constante
deslocamento solitário entre as cidades e ainda o
que o torna especial: a dromomania, que é o desejo incontrolável de se locomover (JUSTO, 2011).
Mas o que os assemelha é que formam os grupos
mais excluídos da sociedade e mais vulneráveis à
violência e a vitimização, com taxa de mortalidade
muito mais alta quando comparada com a população que possui a segurança da moradia fixa. Ape-
sar da sua vulnerabilidade a sociedade mantém
atitudes negativas e preconceituosas sobre moradores de rua e andarilhos.
Não há pesquisas no Brasil sobre o número de
andarilhos. No último Censo de 2010 eles não constam entre os habitantes contados pelo IBGE. Como
as pesquisas do IBGE são de domicílio, a não ser
que outra forma de contagem seja feita, este grupo
não entrará nas estatísticas censitárias. Foi realizada uma pesquisa da população em situação de rua,
pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome – MDS em 2006, em municípios com
população igual ou superior a 300.000 habitantes,
as capitais de estado e o Distrito Federal, totalizando 23 capitais e 48 municípios, que identificou
31.922 pessoas (maiores de 18 anos) em situação
de rua. Considerado juntamente com as pesquisas
de outras cidades que realizaram recentemente levantamento semelhante (Belo Horizonte-MG, São
Paulo-SP, Recife-PE e Porto Alegre-RS), pode-se
estimar um número aproximado de 50.000 pessoas.
Apesar da pesquisa do MDS, não abordar andarilhos, alguns dados coletados trazem informações
deste grupo. A maioria dos entrevistados (59,9%)
viveu em sua vida em um número pequeno de cidades (até três cidades), 11,9% viveram em seis
cidades ou mais, indicando um comportamento que
pode ser caracterizado como o de “trecheiro”. Dos
que já moraram em outra(s) cidade(s), 60,1% não
dormiam na rua ou em albergue na cidade anterior.
Dos que já moraram em outra(s) cidade(s), 44,8%
se deslocaram em função da procura de oportunidades de trabalho. O segundo principal motivo foram
as desavenças familiares (18,4%) (MDS, 2006).
A falta de dados aponta para outro problema que
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é a falta de políticas públicas específicas para esse
grupo, com particularidades importantes. Para se
estabelecer políticas públicas demanda pesquisas
para saber quem são essas pessoas e, principalmente, quantas são. Se andarilhos são quase invisíveis ao poder público o são também para mundo científico. Na revisão literária sobre andarilhos
quando se busca no Google Acadêmico as palavras: andarilhos e psicologia, aproximadamente
3.930 resultados são recuperados, e com a busca
com as palavras: psychology wanderer “road wanderer” “highway wanderer” aproximadamente 13 resultados. Ao se filtrar os estudos que se relacionam
à literatura psicológica se constata que os estudos
são resultado do esforço do Grupo de Pesquisa:
Psicologia e Instituições, da Universidade Estadual Paulista, campus Assis. Mesmo com os termos
em inglês não gerou resultados de estudos fora do
Brasil. Os pesquisadores, Justo, Nascimento e Peres realizaram quase que a totalidade dos estudos
encontrados.
Os estudos indicam que a errância é o estilo de
vida dos andarilhos e que é impulsionada por multifatores e envolve fatores socioeconômicos e psicológicos, em que há uma densa interação entre os
vários acontecimentos que podem atuar como motivadores da decisão de abandonar os referenciais
da vida em sociedade (PERES; JUSTO, 2005).
Justo e Nascimento (2012) apontam como fatores
determinantes da errância: pobreza, desemprego,
conflitos maritais, sofrimento emocional seguindo
morte de pessoas significantes, desejo por aventura e liberdade; e símbolos culturais relacionados
à migração, êxodo e outros modelos de deslocamento.
No plano socioeconômico, estão pobreza e desemprego. Justo e Nascimento (2005) apontam que
grande parte dos sujeitos que vivem na condição
de andarilhos se desloca pelas rodovias do país
à procura de trabalho, principalmente nas colheitas de grãos que, em determinadas regiões, ainda empregam mão-de-obra volante na agricultura.
Em situações de extrema necessidade, recorrem à
mendicância ou procuram ajuda em instituições filantrópicas das cidades por onde passam. São os
mais pobres sendo desalojados dos nichos sociais.
Há migrações constantes da família (deslocamentos do nordeste para o sudeste, mudanças de regiões ou de propriedades rurais, êxodo do campo
para a cidade), baixa escolaridade e desqualificação da mão-de-obra.
Justo e Rocha (2005) estudaram o papel do trabalho na errância e relatam que a grande maioria
dos andarilhos pesquisados traz em suas histórias
o registro das migrações regionais, do êxodo rural,
do avanço da tecnologia no campo, da perda da
estabilidade no emprego e do aparecimento da figura do trabalhador horista, free lance ou volante.
Os autores discutem que com as mudanças das relações trabalhistas para mais sazonais e breves, o
que eles denominam “liquefação do trabalho”, os
demais relacionamentos sociais e afetivos também
seguem os mesmo padrões e se tornam também
mais provisórios.
Além das questões socioeconômicas, os andarilhos apontam como os principais fatores associados
à iniciação na errância, questões psicológicas (PERES, 2001, 2002b). Peres (2001) além de investigar os eventos que levaram andarilhos a abandonar os referenciais da vida em sociedade, analisou
como são vivenciadas as pressões das circunstâncias características desse modo de existência. Encontrou que o uso abusivo de bebidas alcoólicas,
conflitos familiares que incluem a morte dos pais e
desentendimentos entre o casal, desemprego prolongado, desesperança, falta de seguridade social,
desfiliação e tantos outros acontecimentos que tornam o sedentarismo insuportável, impulsionam o
sujeito a buscar na estrada a chance de minimizar
o sofrimento.
Constata-se assim que as desavenças familiares
são um dos principais fatores associados ao rompimento com os referenciais sociais característico do
estilo de vida dos andarilhos de estrada. Sendo o
laço com a família o último que se quebra antes da
pessoa se tornar um errante (PERES, 2002b). Esses achados reacendem as reflexões sobre o papel
da família, a unidade base da sociedade. Atenta-se
para valoração da família que tem como uma das
funções promover não só para criança, ou adolescente, mas para os adultos, sensação de segurança, pertencimento, companheirismo, responsabili-
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dade e propósito para seus membros (ENRIQUE
et al., 2007).
Como reflete Formiga (2011), a família não se
trata apenas de um somatório de pessoas, mas
que, em seu sistema apresentam indicadores que
contemplam tanto espaços subjetivos da conduta
humana (por exemplo, afeto, confiança, compreensão) quanto aos espaços objetivos (por exemplo, relação conjugal, liberdade), os quais estão
interrelacionados visando à melhoria da dinâmica
familiar. Formiga e colaboradores (FORMIGA, et
al. 2008; FORMIGA, 2004, 2011), perguntaram aos
jovens sobre a importância da instituição família
para eles, pedindo para elencar adjetivos que para
esses jovens contribuiriam para uma boa relação
familiar. A partir deste estudo desenvolveram uma
escala denominada Indicadores da Valoração Interna da Família, que apresentou, em vários estudos,
qualidades psicométricas quanto à sua validade e
fidedignidade (FORMIGA et al., 2008; FORMIGA,
2004, 2011). Por fim, Formiga (2011) demonstrou
que o construto medido pela escala é capaz de predizer condutas desviantes em adolescentes. Assim,
justifica-se o uso da escala em estudos em que a
dinâmica da relação familiar seja uma variável importante. Sendo a família uma instituição central
no estudo da vida dos andarilhos, será importante
avaliar qual a valoração que os andarilhos atribuem
a ela.
Voltando para outros fatores que explicam a errância, as doenças mentais são uma delas. Caton
e colaboradores (1995) realizaram um estudo dos
fatores de risco para a entrada na condição de moradores de rua ou de errância entre os transtornos
mentais graves. Eles analisaram mulheres com
esquizofrenia; 100 indigentes, moradoras de rua e
100 mulheres sem história de indigência. As mulheres foram recrutadas de abrigos, clínicas e programas de internação psiquiátrica em Nova York.
Foram investigados três domínios de fatores de risco: gravidade da doença, antecedentes familiares
e saúde mental antes do uso do serviço. O estudo
revelou que as mulheres moradoras de rua tinham
taxas mais elevadas de diagnóstico concomitante
de alcoolismo, abuso de drogas e transtorno de
personalidade antissocial e também tinham menos
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apoio familiar adequado.
Justo e Nascimento (2005) encontraram que o
andarilho vivendo em situações extremas de isolamento, desassistência, solidão e desamparo, não é
raro encontrar casos de andarilhos de estrada com
manifestações de persecutoriedade e pensamentos delirantes de si e do mundo, bem como delírios
derivados do consumo abusivo de álcool durante
muitos anos. Boa parte desses andarilhos é formada por egressos de hospitais psiquiátricos que
foram lançados ao mundo pelas políticas de desinstitucionalização estabelecidas para combater o
modelo asilar de confinamento da loucura, vigente
até tempos recentes.
Justo e Nascimento (2005) investigaram possíveis conexões entre a movimentação constante
dos andarilhos e a eclosão de delírios. Coletaram
e analisaram narrativas de andarilhos, explorando
especificamente os conteúdos alusivos à representação de si, de seu mundo e de sua caminhada
pelas estradas. Ideias persecutórias, megalomaníacas e depressivas, superinvestidas afetivamente,
aparecem com frequência nos pensamentos sobre
o presente, o passado e nas reflexões sobre os motivos do deslocamento constante. Os resultados sugerem que há uma forte relação entre a movimentação constante e sem destino e as ideias e visões
delirantes que os acometem.
Justo e Nascimento (2005) apontam que não
obstante os fatores socioeconômicos, grande parte dos andarilhos é formada por verdadeiros dromomanes, aqueles que já abandonaram todas as
perspectivas de encontrar trabalho, restabelecer
uma família, ter uma moradia e fixar-se num lugar.
Dromomania é o desejo de viajar, visitar novos lugares ou mover constantemente de um lugar para
outro. Na psiquiatria o termo dromomania - do grego, “correr” e “mania” - significa mania deambulatória, também chamada poriomania, às vezes se
efetua sob a forma de fuga, de automatismo deambulatório; outras vezes, de simples corrida súbita,
imotivada e precipitada (BALLONE, 2005). O nome
foi cunhado em 1886, após o francês Jean-Albert
Dadas retornar da viagem a pé da França para a
República Checa, Alemanha, Rússia, Turquia e
Áustria. Internado, seus sintomas psicológicos cha-
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mavam mais atenção que os físicos, entre eles, não
conseguia se lembrar de onde estava ou o que fez
nesses países (HACKING, 2002).
Outra característica pessoal desse grupo é que
são altamente individualizados com alto hedonismo
e autogratificação, características que são particularmente problemáticas para ocorrência de comportamento sexual de risco e uso de drogas (CASTEL,
1998). Também por estarem em um grupo excluído
socialmente, podem demonstrar falta de planejamento para o futuro e tendência de se voltar para o
presente (PLUCK, et al, 2003). A orientação para o
presente em detrimento do futuro ou passado vem
sendo observado em pessoas em outras situações
adversas. Kurt Lewin (1942) discute como o ócio
do desemprego prologando restringe as ações das
pessoas mais do que deveriam. Mesmo com tempo suficiente, ela passa a negligenciar suas tarefas
domésticas, deixa de sair de casa, e mesmos os
desejos e pensamentos se tornam reduzidos. Isso
se estende para a família. A análise deste comportamento mostra a importância do fator psicológico
chamado esperança. É quando a pessoa deixa de
ter esperanças que ela perde energia, para de planejar e finalmente para de esperar um melhor futuro. Esperança quer dizer que acreditamos que algo
no futuro irá mudar para igualar aos nossos desejos. O indivíduo pode ver seu futuro mais colorido
ou mais sombrio; variando entre a esperança e o
desespero, mas independente se essa imagem do
futuro é correta ou incorreta em um dado momento,
ela afeta profundamente o humor e a ação do indivíduo no determinado tempo.
O futuro psicológico é parte do conceito de perspectiva de tempo, popularizado por Kurt Lewin, na
sua teoria de campo, quando afirma: “o espaço vital de um indivíduo não está limitado ao que ele
considera a situação presente, mas inclui o futuro,
o presente e também o passado. Ações, emoções
e certamente o moral dos indivíduos em um dado
momento depende da sua perspectiva de tempo
total” (LEWIN, 1942, p. 104). Em outras palavras,
a perspectiva de tempo é descrita como a totalidade da visão que um indivíduo tem do seu passado,
presente e futuro psicológicos num determinado
momento presente. Perspectiva de tempo é um
conceito importante na psicologia, e mais recentemente o conceito foi explorado por Zimbardo, que
vê a perspectiva de tempo como um processo fundamental no funcionamento tanto individual como
social (ZIMBARDO; BOYD, 1999, 2009, LEITE,
2014).
Zimbardo desenvolveu uma medida padronizada da perspectiva de tempo, com qualidade psicométrica, o Inventário de Perspectiva de Tempo do
Zimbardo (ZTPI) (ZIMBARDO; BOYD, 1999, LEITE; PASQUALI, 2008), que tem sido amplamente
utilizado para ampliar o entendimento do conceito,
como também predizer uma variedade de características pessoais e comportamento (LEITE, 2014).
Com seus estudos com o ZTPI, Zimbardo propõe
a perspectiva de tempo com cinco dimensões:
passado negativo, que reflete uma visão negativa
aversiva do passado; passado positivo, que reflete
uma visão do passado, mas contrária ao do primeiro fator; presente hedonista, medindo uma atitude
de busca de prazer e de risco em relação ao tempo
e à vida; presente fatalista que revela um fatalismo
e uma atitude de falta de esperança com a vida e o
futuro; e futuro, apresentando uma orientação para
ações futuras de planejamento e expectativas.
Todas as cinco dimensões da perspectiva de
tempo estão presentes em nossas vidas, mas
há uma tendência a se ter um viés em direção a
uma ou duas, nas quais estamos mais concentrados. Uma perspectiva de tempo ideal deve ser
equilibrada e flexível que permita transições rápidas entre orientações temporais. O perfil ideal é:
passado-positivo alto, futuro moderadamente alto,
presente-hedonista moderado e passado-negativo
e presente-fatalista baixos. O passado nos conecta com a nossa identidade, o futuro nos leva a novos destinos e desafios. O presente nos dá energia
para explorar lugares, pessoas, self e sensualidade. Identificar o viés é muito importante para esse
processo. Idealmente, podemos aprender a mudar
com facilidade a nossa atenção entre o passado,
presente e futuro, e conscientemente, adaptar a
nossa mentalidade para qualquer situação. Aprender a mudar as perspectivas de tempo nos permite
participar plenamente em tudo que fazemos (BONIWELL; ZIMBARDO, 2003).
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Estudos de perspectiva de tempo com andarilhos de estrada não foram encontrados, mas a
relação da perspectiva de tempo com população
em condições ambientais de extrema adversidade
foi interesse desde o início dos estudos de perspectiva de tempo. Lewin (1942), o dos pioneiros,
apresenta o caso dramático dos judeus sionistas
na Alemanha, que ao contrário do comportamento
dos empregados, o moral pode ser aumentada pela
perspectiva de tempo. A grande maioria dos judeus
na Alemanha acreditava que os pogroms - ataques
violentos e maciços a judeus, com a destruição simultânea do seu ambiente (casas, negócios, centros religiosos) - que haviam acontecido na Rússia
czarista entre 1881 e 1884, não iriam acontecer na
Alemanha. Com Hitler no poder o cenário mudou e
muitos ficaram desesperados e se suicidaram; sem
nada para se apegarem, não vislumbravam um futuro que valeria à pena viver. Para um pequeno grupo de judeus, os sionistas, a realidade era diferente, eles também não consideravam a possibilidade
dos pogroms na Alemanha, mas por décadas assumiam seus problemas sociológicos realisticamente, isto é, tinham uma perspectiva de tempo que
incluíam um passado psicológico de sobrevivência em condições adversas e metas significativas
e inspiradoras para o futuro. Este pequeno grupo
foi importante para manter elevado o moral de uma
grande proporção de judeus não-sionistas.
Um dos primeiros estudos do Zimbardo com o
ZTPI relacionou a perspectiva de tempo e autoeficácia à estratégia de enfrentamento em relação à
obtenção de moradia e emprego em moradores de
rua estadunidenses (EPEL; BANDURA; ZIMBARDO, 1999). Encontram que os participantes com
alta autoeficácia e com alta orientação para a perpectiva de tempo futuro procuravam mais habitação e emprego e ficavam no abrigo por um período
mais curto, e eram mais propensos a se inscrever
em escolas e relatar benefícios positivos de sua
situação. Enquanto que os maradores de rua com
uma alta orientação para a perspectiva de tempo
presente tiveram mais estratégias de enfrentamento de esquiva. No entanto, uma alta orientação presente previu obtenção de alojamento temporário. A
perspectiva de tempo presente pode ser adaptativa
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na busca de soluções de curto prazo para uma situação instável, como falta de moradia. Assim os
autores concluíram que uma perspectiva de tempo
depende das demandas da situação e sua estrutura
de tarefas e recompensas. Mas também discutem
se a orientação presente pode ser ambos, causa e
consequência da condição de desabrigado.
Fieulaine e Apostolidis (2015) realizaram uma
revisão da literatura em como a pobreza e a insegurança social moldam a perspectiva de tempo dos
indivíduos e apontam como esta tem suas raízes e
ao mesmo tempo são moldadas pelas condições
de vida. Os autores mostram que análises da relação entre a perspectiva de tempo e o status socio-econômico apontam a perspectiva de tempo
como estratégias adaptativas em face a situações
sociais. Neste sentido, a redução da perspectiva de
tempo futura em contextos desfavorecidos socialmente constitui uma forma de adaptação para as
condições de vida impostas. As condições de vida
desses indivíduos afetam sua habilidade de ver o
futuro; eles, portanto adotam uma estratégia mais
realista excluindo todos os planos para o futuro.
Tantos nos casos de situações que são cronicamente difíceis (pobreza e exclusão) como também
as de natureza temporária (prisão, doença e eventos traumáticos) este fenômeno aconteceria. Neste
sentido a perspectiva de tempo é mais facilmente
considerada como um recurso ativo para lidar com
situações difíceis do que como resultado mecânico
das condições de vida.
Os diversos estudos realizados com andarilhos
de estrada enfatizam vários aspectos dessa problemática, mas nenhum teve o seu enfoque dado
à perspectiva de tempo. Entretanto é preciso dedicar maior atenção às peculiaridades sociais e psicológicas desse grupo para que seja possível uma
compreensão mais abrangente desse complexo
fenômeno e, consequentemente, o aprimoramento
das estratégias de intervenção dedicadas a essa
população socialmente marginalizada. Este estudo
pretende ampliar o entendimento da personalidade
dos andarilhos focando na perspectiva de tempo.
Baseando-se na literatura, espera-se que os
andarilhos quando comparados com o grupo de
moradores apresentem diferenças na perspectiva
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de tempo. Espera-se que sejam mais focados no
tempo presente, esta tendência pode ser atribuída
aos problemas e experiências de vida do dia-a-dia
que são voltados para resolução de problemas imediatos. Também se espera que estejam mais voltados para o passado-negativo, fruto da história de
vida de muitas perdas e falta de vínculos afetivos.
Como há comprovadamente uma forte associação
entre moradores de rua e andarilhos com alcoolismo, isto pode ser associado a uma perspectiva
de tempo presente-hedonista. De fato, teorias que
explicam a dependência química mostram associação com o principio do hedonismo, também presente nos andarilhos.
Assim, o presente estudo teve como objetivo investigar a história de vida, procurando compreender
os fatores desencadeantes da errância, o uso de
álcool e outras drogas, o histórico de saúde mental,
a valoração e das relações da dinâmica familiar e
a perspectiva de tempo de andarilhos, comparando
com um grupo de moradores.
MÉTODO
No presente estudo utilizou-se a abordagem de
método misto concomitante (quantitativo e qualitativo) (CRESWELL, 2003) para a coleta e análise
dos dados. A escolha do método quantitativo se
deu pelo referencial teórico, e a abordagem qualitativa se deu pelas peculiaridades do grupo alvo da
pesquisa – os andarilhos: baixa escolaridade, baixa
cognição e dificuldade de aproximação. Primariamente foi utilizado o método qualitativo para coleta
de dados pela tradição da abordagem dos estudos
com a população de andarilhos. Outro argumento para o uso deste método é de que é mais adequado com uma população que não tem tradição
com pesquisa (DITTMANN-KOHLI; WESTERHOF,
1997). Por outro lado os estudiosos desse grupo
afirmam que a comunicação verbal deles sujeitos é
extremamente estereotipada e marcada pela insinceridade, evasão, desconfiança e utilização intensa
de mecanismos de defesa (PERES, 2001; NASCIMENTO; JUSTO, 2000), assim o uso de técnicas
mistas podem aumentar a eficácia.
A pesquisa foi realizada na cidade de Aparecida do Rio Doce, situada no sudoeste goiano, com
2.830 habitantes e localizada a 290 km de Goiânia,
às margens da rodovia GO-174. A cidade não oferece abrigos ou possui alguma instituição governamental ou da sociedade em que os andarilhos recebam apoio e que poderiam ser coletados os dados.
Assim a pesquisa foi realizada na praça em frente
à rodovia, no período de março a maio de 2011. Os
andarilhos foram abordados quando acampados na
praça ou trafegando na rodovia, e o grupo de moradores, nas cercanias da praça.
Grupo 1: O grupo de andarilhos, foram nove homens e uma mulher, com idade variava de 30 a 64
anos (M=49,4; dp=10,5); quanto ao estado civil, oito
afirmaram ser solteiros, um casado e dois separados. Eram naturais de vários estados: São Paulo,
Rio de Janeiro, Minas Gerais, Acre e estados do
Nordeste. Quanto à escolaridade sete afirmaram
ser analfabetos e três de terem cursado a primeira
fase do ensino fundamental.
Grupo 2. O grupo de moradores foi escolhido
dentre os transeuntes da cidade de forma a serem
equivalentes com a amostra de andarilhos, assim
foram eram nove homens e uma mulher, com a idade entre 36 e 64 anos (M=46,4; dp=10,59), sendo
cinco solteiros e cinco casados, com a renda familiar na maioria entre 1 a 2 salários, e um de 3 a 5 salários, com o grau de escolaridade: um analfabeto,
dois do ensino médio, sete do ensino fundamental;
com naturalidade de Minas Gerais e Goiás.
Foi utilizada a técnica da entrevista semiaberta
para colher a história de vida pessoal e social para
caracterizar tanto a população de andarilhos da região quanto o grupo de moradores. Com o questionário biográfico se obteve os dados demográficos
e econômicos: sexo, idade, local de nascimento,
religião, escolaridade, renda familiar. A entrevista
constava de perguntas sobre lugares que já morou,
laços familiares, histórico de doenças, internações
e uso de álcool e outras drogas, planos futuros (10
anos). Somente para o grupo de andarilhos foi investigado a história da errância: quando tempo está
na condição de andarilho, formas de sobrevivência
na estrada, motivos para ter se tornado andarilho e
rota (trecho que percorrem).
A segunda técnica de investigação utilizada neste estudo foi aplicação de escalas. Para acessar a
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perspectiva de tempo foi utilizado o Inventário de
Perspectiva Temporal do Zimbardo – ZTPI. O ZTPI
foi validado por Leite e Pasquali (2008), com 56
itens que representam proposições sobre crenças,
preferências e valores de experiências temporais,
com cinco subescalas distintas: 1) Passado-negativo que refletem uma visão negativa aversiva
do passado; 2) Presente-hedonista, medindo uma
atitude hedonista e de risco em relação ao tempo
e à vida; 3) Futuro com itens apresentando uma
orientação para ações futuras de planejamento e
expectativas; 4) Passado-positivo que reflete uma
visão do passado, mas contrária ao do primeiro
fator; e 5) Presente-fatalista revela um fatalismo e
uma atitude de falta de esperança com a vida e o
futuro. Neste estudo foi aplicada a versão reduzida
composta por 15 itens. Para construí-la, se utilizou
o critério de Van Ittersum (2012) de incluir os três
itens com maior carga fatorial, totalizando 15 itens
(Em ANEXO).
Também foi utilizada a Escala sobre a Valoração
Interna da Família (FORMIGA, 2004, FORMIGA et
al. 2008). O instrumento é composto por oito itens:
Compreensão, Afeto e carinho, Disposição ao perdão, Ter uma situação econômica boa, Confiança,
Liberdade, União entre toda a família e Boa relação
conjugal entre os pais. Esses itens são avaliados
quanto ao grau de importância que têm para a relação familiar (atual ou anterior).
Os dois instrumentos são autoaplicáveis, mas
pela dificuldade de leitura e o analfabetismo na
maioria dos casos, a pesquisadora aplicou o questionário. No ZTPI as respostas são registradas indicando quão característica cada afirmação é para o
respondente em uma escala Likert de 5 pontos, de
absolutamente não característico = 1 a muito característico = 5. Nos indicadores da relação familiar,
o participante deve indicar o grau de importância
que eles teriam para sua relação familiar, em uma
escala Likert, de cinco pontos, a qual variava de 1=
Nada importante a 5 = Muito importante.
Dentre o grupo de andarilhos, três participantes não conseguiram responder ao protocolo de
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pesquisa plenamente. Um deles tinha sinais de
demência, outro mais jovem de retardo mental e a
mulher, estava muito alcoolizada. Assim parte dos
dados não tinha como ser coletado. Então esses
participantes entram em algumas análises, outras
não.
Foram seguidas todas as normas éticas científicas para a realização de pesquisa com seres
humanos. Antes do início da aplicação do questionário pela pesquisadora, era apresentado o Termo
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Aos
participantes analfabetos ou/e portadores de perturbação ou doença mental ou retardo, o TCLE era
lido na frente de uma testemunha que não tinha
envolvimento direto com o projeto de pesquisa.
Essa pessoa assinava o documento certificando
que todas as informações foram dadas ao participante. Os moradores eram recrutados dentre
os pedestres na mesma região que transitam os
andarilhos, nas proximidades da rodovia e o mesmo procedimento realizado para os andarilhos era
aplicado. O projeto foi aprovado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da Universidade de Rio Verde
(Protocolo 062/2011).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No período da coleta de dados andarilhos, coincidiu com o período de chuvas o que pode ter dificultado a mobilidade dos andarilhos que costumam transitar na região da pesquisa. Assim foram encontradas,
apenas dez pessoas na condição de andarilhos, sendo nove homens, e somente uma mulher. Três participantes do grupo de andarilhos tiveram sua participação limitada, devido algumas dificuldades intrínsecas
ao grupo: um deles tinha sinais de demência, outro,
mais jovem de retardo mental e a mulher estava muito
alcoolizada. Por este motivo parte dos dados não tinha como serem coletados, então estes participantes
entram em algumas análises, outras não.
Para a melhor descrição do perfil demográfico e
econômico dos participantes, andarilhos e moradores, estão dispostos na Tabela 1 os dados por participante.
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PERDIDOS NO TEMPO E NO ESPAÇO: UM ESTUDO DO PERFIL, DA PERSPECTIVA DE TEMPO E DA
IMPORTÂNCIA DAS RELAÇÕES FAMILIARES DE ANDARILHOS EM COMPARAÇÃO A MORADORES
Quanto ao sexo dos participantes, quase totalidade era do sexo masculino, o dado confirma
Araújo e colaboradores (2011), que argumentam
que este fenômeno pode demonstrar que a maioria
das mulheres se encontra geralmente inserida no
contexto familiar, sendo membros ativos de famílias. Quanto à idade dos participantes do grupo de
andarilhos tinham dois idosos, um jovem com aparência de aproximadamente 30 anos e a maioria,
sete, tinham entre 40 e 55 anos. Verifica-se que os
achados abrangem uma diversidade de idade, mas
com maior grupo com idade referente à força de
trabalho, confirmando achados de Justo e Rocha
(2005, p.1), que afirmam: “os andarilhos da atualidade são tomados como caso paradigmático da
itinerância desencadeada a partir do trabalho assalariado, cada vez mais volátil, provisório, volante e
submetido ao mercado”. E França (2007, p.8) que
afirma que o desemprego tem um papel crucial na
determinação da errância, porque se por um lado
expulsa o sujeito da vida sedentária e, por outro,
obriga-o a vagar incessante e incertamente em
busca de oportunidades de trabalho. Justo e Nascimento (2005) afirmam que é constante as migra-
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PERDIDOS NO TEMPO E NO ESPAÇO: UM ESTUDO DO PERFIL, DA PERSPECTIVA DE TEMPO E DA
IMPORTÂNCIA DAS RELAÇÕES FAMILIARES DE ANDARILHOS EM COMPARAÇÃO A MORADORES
ções da família (deslocamentos do nordeste para o
sudeste, mudanças de regiões ou de propriedades
rurais, êxodo do campo para a cidade), baixa escolaridade e desqualificação da mão-de-obra.
Na investigação do histórico da vida social, e
saúde e abuso de substâncias, primeiramente investigou-se sobre as atividades recreativas e de lazer, o grupo de andarilhos relatou não ter nenhum
lazer. Mas o grupo de moradores também não se
diferenciou muito, estes relataram poucas atividades de lazer: dois afirmaram que faziam caminhadas, e um, que pescava. Os andarilhos não possuíam animais de estimação, enquanto que entre os
moradores, a maioria afirmou que possuía cachorro
ou gato. Um afirmou que possuía uma égua e outro, pássaros.
Quanto à história de saúde, no relato de doenças atuais, andarilhos e moradores não diferiram,
60% em cada grupo disse não ter nenhuma doença. Entre os andarilhos foram relatados: Pressão
baixa, doença chamada “muquiana”, dor nas pernas, paralisia nas mãos. Entre os moradores, uma
pessoa disse ter colesterol alto, sinusite, labirintite
e hipertensão, e as outras três: dor de coluna, dor
de cabeça e hipertensão.
No relato de doenças anteriores, dentre os andarilhos, seis relataram não ter tido doenças, e os
quatro relataram ter tido: “meningite aos 3 anos”,
“bebida”, “facada no sem- terra” e um relatou ter
tido: “sarampo, catapora e caxumba”. Entre os moradores somente três relataram não tido doenças,
os outros relataram: “bebida”, “dengue”, “pedra na
vesícula e depressão”, “enxaqueca e furúnculo”,
“infecção de garganta”, “gastrite crônica” e dois que
afirmaram ter tido “dengue”. Observa-se que os
moradores relataram ter tido mais doenças que os
andarilhos, o que pode ser pela falta de percepção
da própria condição e falta de cuidados dos andarilhos. É possível identificar no relato dos andarilhos
delírios ou alucinações, mas isto não é mencionado
por esses como sintomas de doenças, mesmo pelo
participante 1, que relatou internação em hospital
psiquiátrico. Outro participante, quando lhe foi oferecido assistência médica, recusou afirmando que
não confiava, iriam injetá-lo veneno e matá-lo.
Já quanto a internações mais andarilhos (sete)
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afirmaram ter sido internados e por várias vezes,
contra seis moradores. Os motivos de internação
entre os andarilhos: três afirmaram ter tido várias
internações por alcoolismo, um em hospital psiquiátrico, outro por pneumonia, outro por ter quebrado a perna, e outro, várias vezes sem identificar as
causas. Dentre os moradores os motivos da internação eram: acidente e hipertensão. Observa-se
a distinção nos motivos das internações que confirmam o uso abusivo de bebidas alcoólicas apontados em outros estudos (NASCIMENTO; JUSTO,
2000, JUSTO; NASCIMENTO, 2005).
No uso de medicações, foi outro quesito que
se verificou diferença entre os dois grupos. Dentre
os andarilhos, um relatou utilizar anador e “pinga”
para dor de dente, outro usa café com sal como
medicamento e um relatou que não consegue os
medicamentos que precisa. Entre os moradores
seis relataram não utilizar medicamentos e quatro
relataram utilizar medicamentos para hipertensão,
gastrite, labirintite e anti-depressivo.
Nas observações do estado geral dos andarilhos eram visíveis as deficiências físicas e mentais.
Além de delírios, alucinações, estado alcoolizado,
havia sintomas físicos crônicos como: paralisia nas
mãos que dificultava até a alimentação e problemas nas pernas que dificultava a locomoção. Pode-se observar a precariedade da assistência médica
recebida, ou dos cuidados pelos andarilhos, mesmo os que ainda tinham a capacidade de perceber
seu estado de saúde, afirmaram não conseguir os
remédios que necessitavam.
Quanto ao uso do fumo, o mesmo número de
entrevistados dos dois grupos, equivalente a 33%,
relataram fazer uso contínuo e de longo tempo. Já
em relação ao uso do álcool, 70% dos andarilhos
relatou fazer uso contínuo, contra 20% dos moradores que faziam uso esporádico. Um dos moradores relatou ter tido problemas com alcoolismo, mas
agora não tem. As bebidas consumidas pelos moradores é cerveja, enquanto que pelos andarilhos é
cachaça, “uma bebida quente”, mas essencialmente o que conseguem, até etanol com Coca-Cola, a
“maria doida”.
Quanto às drogas ilícitas, um dos andarilhos
afirmou ter usado e outro que ainda usa maconha.
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PERDIDOS NO TEMPO E NO ESPAÇO: UM ESTUDO DO PERFIL, DA PERSPECTIVA DE TEMPO E DA
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Como previsto na literatura o uso (abuso) do álcool
prevalece em relação às outras drogas, confirmam
outros estudos. Peres (2002a) afirma que os andarilhos de estrada têm seu estilo de vida baseado na
seguinte tríade: bebida, migração e trabalhos temporários e eventuais. Conforme achados de Nascimento e Justo (2000) o uso do álcool, é visto pelos
andarilhos como uma necessidade para esquecer
problemas, em geral, conflitos afetivos não resolvidos,
que possuem como centro a infidelidade conjugal.
Os fatores desencadeantes ou motivadores da errância relatados pelos participantes foram categorizados da Tabela 2. Seguiu-se a categorização de Peres
(2002) dos fatores desencadeantes da errância em
dois planos: psicológico e socioeconômico. Assim observou-se que os participantes apontam mais de um
fator, mostrando uma interação entre o psicológico e
o socioeconômico. Dentre os dez participantes, seis
apontaram a ruptura com a família como um fator desencadeante. Os outros, apesar de não mencionarem
esse fator como importante, relatam falta de vínculos
familiares, como afirmou o participante 10: “Às vezes
você confia demais na sua família e ela te acha boba”.
O relato deste outro participante aponta os dois planos, incluindo busca por trabalho, falta de apoio trabalhista, como também problemas com a família: “Eu
era segurança, inspetor de segurança e fazia um curso de arma, ai teve uma greve e eu fiquei desempregado. Tentei fazer curso de cabo. A minha vida era
um mar de rosa, minha mãe morreu eu tinha 23 anos,
ela não era ruim pra mim não, eu era casado e tinha 4
filhos. Foi na época do Collor, fiquei desempregado, e
comecei a pedir esmola, fui para Brasília a pé e deixei
a mulher e meus 4 filhos, o meu primeiro salário eu
mandei para eles, ai descobri que ela tinha arrumado
outro marido. Ai eu fui para a usina, lá eu cortei uma
veia do braço, ai eu acabei assim” (P. 9). Observa-se
também nesse relato a perda da coerência na fala, o
que pode ser efeito do tempo nas estradas.
Cinco participantes apontaram o plano econômico
tanto para o início como na permanência da errância.
Dois participantes mostravam avançado estado de doença mental, um de retardo e outro de demência, e não
responderam à pergunta sobre a história da errância,
mas se pode deduzir que estes, aliados à falta de apoio
familiar e governamental, podem ser os motivos da errância. Outro participante (P. 1) deixa claro no relato a
doença mental como fator predominante na errância:
perdeu os pais com 15 anos, se envolveu com drogas,
foi preso por isto, ficou perturbado ouvindo voz e não
se adaptou aos empregos que teve. Em 2008, arrumou um trabalho, mas não deu certo por causa dessa
voz que continua a lhe manda fazer coisas erradas. O
participante 3 quando questionado sobre os motivos
para a errância, afirmou: “É o destino, passear conhecer as cidades, isso aliado à sua história de vida de não
ter formado vínculos ou casado, mostra evidências de
que grande parte dos andarilhos, como afirmam Justo
e Nascimento (2005) é formada por verdadeiros dromamanes, que já abandonaram todas as perspectivas
e sonhos de encontrar trabalho, restabelecer uma família, ter uma moradia e fixar-se num lugar. E que a
própria errância se torna uma forma de conforto e estilo
de vida para amenizar o sofrimento dos andarilhos.
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Foi observado em dois participantes, o que parece o início do processo do fenômeno da errância. Um
deles andava sem camisa, de bermudão. Ao ser informado que a pesquisa abordava as pessoas que andam a pé, respondeu: “Eu não sou andarilho, eu estou
indo pra Bahia. Eu morava na Bahia, era amasiado, ai
descombinei com a minha mulher e fui embora para
o Mato Grosso”. Lá ele trabalhava em uma carvoeira
e como não estava sendo pago, resolveu voltar para
terra de origem. Trilhando, segue sem dinheiro, sem
documentos, sem vínculos familiares uma “volta” errante para casa.
Os participantes não souberam informar a rota ou
cidades que percorriam. Quanto às coisas que carregavam, dois participantes (P. 9 e P. 10) foram os que
mais tinham bagagens. P.9 empurrava uma bicicleta,
que havia ganhado, e nela havia uma caixa de plástico
amarrada na garupa e mais sacos e objetos pendurados abriam para os lados, até uma vara de pescar. P.
10 carregava treze sacos, sacolas, varas para armar
barraca e outros objetos. Para carregar tudo, ele trançava as varas na cabeça e dependurava os sacos e
objetos nas estacas e nos ombros.
Observa-se no grupo de andarilhos estudado a heterogeneidade desta população, apesar do número
pequeno de participantes, que corroboram a literatura
quanto à descrição da composição deste grupo. Encontra-se no grupo pessoas com problemas mentais,
outro, típico dromomane e aqueles que parecem ter
sidos empurrados para errância por problemas de conflito familiar, estes ainda sonham em voltar ao lar e recomeçar a vida ao lado da própria família ou começar
outra.
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Quanto ao perfil de perspectiva de tempo, os andarilhos apresentaram o futuro mais alto (M=3,16),
seguido do presente-hedonista (M=2,67; dp=1,55), do
passado-negativo (M=2,61; dp=1,08), presente-fatalista (M=2,50; dp=0,62) e passado-positivo (M=2,28,
dp=1,16) (Figura 1). Quando avaliado o perfil dos andarilhos isoladamente, a perspectiva de tempo futuro
foi mais alta que a perspectiva de tempo presente.
Este resultado não foi o esperado conforme estudos
relatados na literatura. Estudos com moradores de rua
e outros grupos de nível socioeconômico mais baixo,
mostra que estes são associados com a orientação
presente. Este resultado precisa ser mais explorado
em futuros estudos. Uma das explicações pode estar
nas questões culturais. Os estudos encontrados apresentam a realidade dos Estados Unidos ou da Europa,
assim possivelmente questões culturais podem estar
envolvidas. A pobreza e a desigualdade são uma realidade constante na vida do brasileiro que podem atuar
como um agente de resiliência, fazendo com que as
pessoas não caiam em desespero, mas mantenha a
esperança. Por outro lado, nos últimos anos houve um
crescimento acompanhado por condições macroeconômicas e políticas positivas que podem também ter o
efeito de aumentar a perspectiva de tempo futuro neste
grupo.
Mas quando comparado com o perfil dos moradores, os andarilhos apresentaram médias mais baixas
no passado positivo, passado negativo e futuro, e médias mais altas no presente hedonista e presente fatalista (Figura 1) como esperado. Mas somente a diferença do passado positivo foi estatisticamente significativa
(p<0,10) (Tabela 2).
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Comparando com o perfil da perspectiva de tempo balanceada proposto por Zimbardo e Boyd (2008),
os dois grupos apresentam discrepâncias, mas o grupo dos andarilhos apresentou maiores discrepâncias.
Quando se investigou a perspectiva de tempo
futuro, perguntando como se imaginavam ou o que
esperavam daqui a dez anos, três participantes do
grupo de andarilhos apontaram a necessidade de ter
uma estrutura de amparo para seu atual estado de
mendicância (P1, P3, P4). Previram que não conseguirão mais andar e necessitarão de um abrigo.
Outro espera entrar no sistema de assistência social
pagando a previdência. Dois participantes esperam
reconstruir a vida, ter família, emprego e morada fixa
(P6 e P8), mas um deles apresentava uma atitude
fatalista, de que jamais conseguiria realizar seus
sonhos. Um deles apresentou delírios e desejo de
morte (P10). Entre os dez participantes moradores
da cidade, somente dois apresentaram uma perspectiva de tempo futuro diminuída, um afirmando
que Deus é que sabe e o outro que só vive o presente. Os outros oito todos mencionaram família como
componente principal nas suas expetativas futuras.
Eles esperam constituir uma família, casando-se e/
ou mantendo em harmonia a família constituída. A
preocupação com a moradia também está presente,
quando relatam que querem manter o lugar em que
moram ou procurar melhoras.
Como afirmam Fieulaine e Apostolidis (2015), es-
tamos em uma época de crise ambiental, social e
econômica causada pelas evoluções do capitalismo
moderno, por isto se torna fundamental medidas a
longo prazo ao invés de se implementar apenas soluções paliativas no presente imediato. Além disso,
manter a direção para o futuro, apesar da imprevisibilidade do presente, é uma exigência para se tornar
consciente e lutar contra a injustiça e as desigualdades. A perspectiva de tempo, reiteram os autores,
não é somente um arcabouço teórico, mas é também
é uma via de saída da alienação para emancipação.
Comparando a dinâmica das relações familiares
(Tabela 3), não foi encontrada diferença estatisticamente significativa entre os moradores e os andarilhos nos itens: compreensão, afeto e carinho, disposição ao perdão, confiança, liberdade, união entre
toda a família e boa relação conjugal entre os pais,
visam a uma boa relação familiar. Estes indicadores
não diferenciaram os dois grupos. Observou-se uma
diferença significativa em um indicador da relação
da dinâmica familiar: ter uma situação econômica
boa (p<0,05). O que os diferenciam é que os andarilhos não deram importância a ter uma situação econômica boa como um fator para uma boa dinâmica
familiar.
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Uma estrutura econômica é importante para que
a família sobreviva com suas funções sociais (FORMIGA, 2011), mas considerando esses resultados,
para os andarilhos não parece um indicador primordial para que a família tenha uma boa relação interna de harmonia e comportamento social aceitável,
mas para os moradores sim. Pode-se concluir que
tanto para os moradores como para os andarilhos a
família é a base para um funcionamento adequado
entre dimensões que visam a uma formação moral,
social e psicológica (FORMIGA, 2004), considerando as dimensões: compreensão, afeto e carinho,
disposição ao perdão, confiança, liberdade, união
entre toda a família e boa relação conjugal entre os
pais, visam a uma boa coesão familiar.
Apesar das mudanças e crises da família vivenciadas na contemporaneidade, a família ainda
é o principal suporte, sendo o último vinculo a ser
desfeito pelo andarilho. Assim é a instituição mais
capacitada para receber e reintegrar o andarilho.
De fato no documento da Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua
(BRASIL, 2008) é feito o reconhecimento da família
como ponto de partida para (re)integração dessas
pessoas à sociedade.
Neste estudo a grande maioria dos pesquisados parecia ter sido empurrada para errância por
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problemas de conflito familiar, e apresenta o desejo em voltar ao lar e recomeçar a vida ao lado da
própria família ou começar outra, como também
valorização a integração familiar. Por outro lado já
se espera que nos casos dos andarilhos haja a vulnerabilidade do sistema familiar que pode ter sido
desencadeador da errância. É importante a possibilidade de se intervir na conduta das pessoas para o
retorno da harmonia e organização familiar. Como
foi encontrado neste estudo, não houve disparidades entre a dinâmica familiar para os andarilhos
e moradores, a não ser para o quesito condição
econômica, contribuindo para uma percepção mais
ampla dos problemas que a família e seus participantes possam enfrentar e, que possibilite a inserção dos andarilhos na família.
Para Justo (2011), os andarilhos representam
um extremo da vida contemporânea e também um
modelo de mobilidade. E entender as razões desses homens pode ser um grande aprendizado para
entender nosso tempo. Conforme Julião (2013) estudiosos defendem que esse modo de vida deve
ser respeitado e que a pessoa tenha condições
dignas de vida. Mas, faltam políticas públicas para
quem quer deixar a errância e se estabelecer nas
cidades; como também falta apoio para quem optou pela vida em trânsito manter a sua escolha com
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dignidade. É necessário que se garanta as moradias sociais e as repúblicas, casas que pertencem
ao poder público, mas onde moradores possam
levar uma vida autônoma e que preze a sua individualidade. Atualmente, mesmo esse modelo das
casas de passagem [albergues], estes são poucos
e somente em cidades de grande porte, e entre os
existentes chega a haver os que abrigam mil pessoas de uma vez, tirando o direito de privacidade, o
que os afugenta.
Julião (2013) explica que em 2004, a Lei Orgânica de Assistência Social mudou o tratamento dado
aos migrantes com a criação do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS), passando a ser encaminhado ao Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social). Desta forma o andarilho
só tem um lugar para ficar se estiver doente, por
exemplo. Do contrário, recebe uma passagem de
ônibus para outra cidade. Muitos serviços sociais
municipais possuem escritórios nas rodoviárias
para impedir que os pardais entrem nas cidades.
Além de não ter o direito à assistência governamental, o direito à liberdade para essas pessoas fica
restrito. Aliás, a política de assepsia dos lugares
públicos é uma prática comumente adotada pelos
municípios nos espaços urbanos, em que utilizam
até de jatos d’água para retirar mendigos e moradores de rua da rua. E atualmente incorporada pelas
concessionárias das rodovias. Justo afirma que é
política de toda cidade se livrar dessa população.
Os especialistas concordam que sempre haverá
pessoas vivendo nas ruas ou nas estradas, mas
que essa deve ser a última opção quando houver o
máximo de alternativas (JULIÃO, 2013).
Conclusões
Conclui-se que a falta de apoio da família, a morte de um ente querido, a pobreza, e as doenças
mentais empurram os andarilhos para a estrada,
carregando quase nada, somente o de extrema necessidade para sua sobrevivência. Uma vez na estrada, a bebida, além dos problemas mentais, que
também podem ter sido adquiridos nas condições
de vida na estrada, os acompanham.
Os andarilhos são voltados para o futuro e o presente hedonista. Apostam em um futuro com estrutura de assistência com abrigo e alimentação quando não conseguirem mais andar. Alguns nutrem a
esperança de reconstruir a vida fora da errância, casar e ter uma família. Os andarilhos, apesar de não
terem vínculos familiares atuais dão importância à
família, e acreditam que não seja importante para a
harmonia familiar ter uma situação econômica boa.
Os andarilhos são uma parte da sociedade que
se direcionou para um caminho que os tornam excluídos. Os governos fazem pouco ou nada para
amparar esse grupo que merece ser respeitado, e
necessita ser amparado. A sociedade civil age de
diferentes formas: alguns os ignoram, outros lhes
fecham as portas, outros fogem de medo, e alguns
agem pela compaixão e ajudam dando um alimento, água ou até mesmo uma roupa.
Espera-se que o presente estudo traga mais
uma voz a este grupo que parece não ter a sua
própria. Que embalado nas memórias passadas,
considerando um futuro distante, o presente traga
mudanças sociais urgentes.
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