Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Transcrição
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA ASPECTOS CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS DO ATUAL REGIME TARIFÁRIO E O EQUILÍBRIO ECONÔMICO E FINANCEIRO DAS DISTRIBUIDORAS DE ENERGIA ELÉTRICA Vlamir Almeida Ramos Porto Alegre, 2003 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA ASPECTOS CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS DO ATUAL REGIME TARIFÁRIO E O EQUILÍBRIO ECONÔMICO E FINANCEIRO DAS DISTRIBUIDORAS DE ENERGIA ELÉTRICA Vlamir Almeida Ramos Orientador: Prof. Dr. Stefano Florissi Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Economia da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul como requisito parcial para a obtenção do Grau de Mestre em Economia (Modalidade Profissionalizante) Porto Alegre, 2003 DEDICATÓRIA Para minha esposa, Vera e meu filho, Vitor, sem os quais me faltaria o estímulo para a persistência na jornada do constante aprendizado. Para meus pais, os quais plantaram em minha personalidade os valores fundamentais que norteiam minhas ações ao longo da vida. AGRADECIMENTOS Durante o desenvolvimento deste trabalho inúmeros profissionais do setor elétrico, em particular da Rio Grande Energia S.A. (RGE), contribuíram para meu aprendizado sobre os detalhes de tão complexa atividade e para a estruturação do meu pensamento sobre o tema estudado. Agradeço especialmente ao Sr. Sidney Simonaggio, Presidente da Rio Grande Energia S.A. (RGE) que me guiou pelos meandros do setor elétrico durante meus primeiros passos. Agradeço à Sra. Rosemeri Paes e à Sra. Luciane Castro, as quais com sua aptidão organizativa e agilidade logística viabilizaram a obtenção de literatura em tempo adequado e me apoiaram na formatação dos textos. Agradeço ao Professor Stefano Florissi, orientador deste trabalho, que, com objetividade e contínua motivação, inspirou-me a concluir o presente projeto. SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT 1 INTRODUÇÃO..................................................................................................................... 10 2 CONCEITOS-CHAVE DA TEORIA ECONÔMICA DA REGULAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA............................................................................................................................... 15 2.1 OS OBJETIVOS DA REGULAÇÃO TARIFÁRIA PARA O SETOR ELÉTRICO .... 16 2.1.1 Objetivos de Eficiência Econômica................................................................................. 16 2.1.2 Objetivos Sócio-Políticos ................................................................................................ 17 2.2 A RAZÃO DA REGULAÇÃO ......................................................................................18 2.3 A ELASTICIDADE DA DEMANDA E A DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS ............24 2.4 CARACTERÍSTICAS SOCIAIS E JURÍDICAS DO MERCADO REGULADO DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA..................................................................... 27 2.5 O EQUILÍBRIO ECONÔMICO E FINANCEIRO........................................................ 31 2.6 OS REGIMES DE REGULAÇÃO TARIFÁRIA .......................................................... 32 3 O REGIME TARIFÁRIO BRASILEIRO E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL RELEVANTE........................................................................................................................... 37 3.1 A EVOLUÇÃO DA CRISE PRÉ-REFORMAS DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO....................................................................................................................... 40 3.2 A REFORMA DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO................................................46 3.3 O REGIME TARIFÁRIO EM VIGOR NO BRASIL ....................................................50 3.4 O REGIME TARIFÁRIO DO REINO UNIDO.............................................................53 3.5 O REGIME TARIFÁRIO NORTE-AMERICANO....................................................... 54 4 CRÍTICA À ATUAL METODOLOGIA DE REVISÃO TARIFÁRIA ............................... 59 4.1 O REGIME REVENUE CAP BRASILEIRO ................................................................ 60 4.2 A LÓGICA DO RETORNO SOBRE O CAPITAL INVESTIDO................................ 63 4.3 A DETERMINAÇÃO DA BASE DE REMUNERAÇÃO REGULATÓRIA (BRR) ...65 4.3.1 Referência para uma BRR ............................................................................................... 66 4.3.2 Valor do Ágio Pago no Leilão da Privatização ............................................................... 67 4.3.3 Critérios de Valorização para a Base de Remuneração................................................... 73 4.4 ESTRUTURA E REMUNERAÇÃO DOS CAPITAIS A REMUNERAR ................... 79 4.4.1 Estrutura dos Capitais a Remunerar ................................................................................ 79 4.4.2 A Remuneração dos Capitais Empregados...................................................................... 88 4.5 PRODUTIVIDADE DAS DISTRIBUIDORAS E SEU COMPARTILHAMENTO COM OS CONSUMIDORES (“FATOR X”) ......................................................................91 4.6 CASO ESPECÍFICO: A EVOLUÇÃO DA RENTABILIDADE DAS DISTRIBUIDORAS DE ENERGIA ELÉTRICA................................................................94 4.6.1 O Caso Rio Grande Energia - RGE ................................................................................. 94 4.6.2 Estudo Sobre a Rentabilidade das Distribuidoras de Energia Elétrica pela ABRADEE 97 5 CONCLUSÕES ................................................................................................................... 102 GLOSSÁRIO.......................................................................................................................... 106 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................................109 ANEXOS ................................................................................................................................ 116 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Simulação do WACC sem “Alavancagem” ............................................................ 81 Quadro 2: Simulação do WACC com “Alavancagem”............................................................ 82 Quadro 3: Simulação do WACC com “Alavancagem” e impostos.......................................... 84 Quadro 4: Estrutura de Capital Assumida ................................................................................ 88 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Brasil – Evolução das Tarifas de Eletricidade........................................................ 41 Tabela 2 - Investimentos no Setor Elétrico Nacional ..............................................................43 Tabela 3 – Setor de Energia Elétrica ........................................................................................ 44 Tabela 4 – Perfil do Endividamento do Setor Elétrico.............................................................44 Tabela 5- Fontes e Usos de Terceiros do Setor Elétrico........................................................... 45 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Equilíbrio de Curto Prazo da Distribuidora (“Monopólio Puro”)........................... 19 Figura 2 – Comparação de Preço e Nível de Produção a Longo Prazo....................................20 Figura 3 – Equilíbrio de Longo Prazo da Distribuidora de Energia Elétrica ...........................21 Figura 4 – Soluções de Regulação para o Monopólio Natural ................................................. 23 Figura 5 – Agentes do Setor ..................................................................................................... 50 Figura 6 – Efeito da Alavancagem sobre o Valor das Ações da Empresa ...............................85 Figura 7 – Composição da Receita Bruta das Distribuidoras...................................................99 Figura 8 – Comparação das Tarifas Locais e Internacionais..................................................100 Figura 9 – Custos da Parcela A não Repassados às Tarifas ................................................... 100 Figura 10 – Retorno das Distribuidoras de Energia Elétrica – Critério AT Kearney.............101 RESUMO A hipótese central do presente estudo é caracterizada pela avaliação da adequação da atual metodologia de revisão tarifária utilizada pela agência reguladora (ANEEL) face ao conceito regulatório fundamental de estabelecer o equilíbrio econômico e financeiro das concessionárias de distribuição de energia elétrica. O enfoque adotado está voltado para o objetivo de eficiência produtiva, ou seja, a maximização do uso dos recursos e do retorno do capital investido sob o ponto de vista de estimular novos investimentos, ponderado pelo objetivo de eficiência alocativa no sentido social de Pareto-Ótimo. Como instrumento acessório da avaliação pretendida, apresenta-se uma abordagem alternativa de cálculo da remuneração dos capitais investidos (funding), para a qual se atribui melhor adequação à realidade macroeconômica e institucional Brasileira. Seguindo a introdução, o segundo capítulo é dedicado a resgatar os conceitos-chave da Teoria da Regulação Econômica e sua relação conceitual com os conceitos microeconômicos. Na terceira etapa do estudo, apresentam-se sucintamente o atual modelo adotado para o setor elétrico Brasileiro e os fundamentos históricos que o antecederam, bem como um panorama histórico dos regimes tarifários norte-americano e britânico. Concentram-se no quarto capítulo as principais avaliações e comentários, assumindo a hipótese central do estudo, corroborando as conclusões teóricas com um estudo de caso (RGE) e informações gerais sobre um grupo de distribuidoras. A última parte sintetiza as conclusões. ABSTRACT The central hypothesis of this study is the assessment of the appropriateness of the current tariff review methods used by the regulating agency (ANEEL) vis-à-vis the fundamental regulatory concept of establishing the economic and financial balance of electricity distribution concessionaires. The focus is on achieving the productive efficiency goal, i.e., the maximization of the use of resources and return on invested capital aimed at encouraging new investments, weighed by the objective of allocative efficiency in the social sense of Pareto-Optimal. An alternative approach to the calculation of funding recovery is presented as an accessory tool for this assessment, to which the best fit for the Brazilian macroeconomic and institutional reality is assigned. Following the introduction, the second chapter is designed to revisit key-concepts of the Economic Regulation Theory and its conceptual relationship with microeconomic concepts. In the third step of the study, the current model used for the Brazilian electricity sector and the historical background are briefly presented, as well as a historical overview of the North-American and British tariff regimes. The main assessments and comments are presented in the fourth chapter, assuming the central hypothesis of the study, confirming the theoretical conclusions with a case study (RGE) and general information on a group of concessionaires. The last part summarizes conclusions. 12 1 INTRODUÇÃO O problema da energia está presente em toda a história do desenvolvimento econômico humano, quer como indutor do crescimento quer como restrição do sistema produtivo. Em particular, a evolução da geração, transmissão, distribuição e comercialização da energia elétrica não pode ser dissociada da história econômica e social brasileira. Da pioneira iluminação da estação central do Rio de Janeiro em 1879 até a crise de racionamento em 2001, as preocupações acerca da energia elétrica estão presentes na agenda de todos os governos brasileiros e no orçamento de todos os agentes econômicos. Na esteira da desregulamentação do mercado de energia elétrica mundial, o governo brasileiro iniciou a reestruturação desse setor durante a década de 90 com medidas inéditas na história. A idéia era atrair capitais privados que substituíssem o Estado no atendimento da demanda por geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, preservando-o para as funções sociais básicas, tais como saúde e segurança. Também pretendeu-se desregulamentar os mercados para que os agentes pudessem satisfazer suas necessidades energéticas de modo mais eficiente em um mercado mais competitivo. As privatizações ocorridas ao longo da segunda metade da década de 90, principalmente na atividade de distribuição, são parte desse processo. No entanto, vem-se assistindo a crises de racionamento de energia elétrica, ausência de novos ingressos de capitais privados em volume necessário, além do fato de algumas distribuidoras ficarem em delicada saúde financeira. Esse quadro representa um retrocesso do modelo inicialmente pretendido. Aqueles que se debruçam sobre a análise e verificação das causas econômicas da deterioração da saúde financeira de algumas distribuidoras de energia elétrica identificam, em particular, que a recente experiência nacional de reformas do setor elétrico apresenta uma escassez de métodos e diagnósticos econômicos mais apurados por parte do órgão regulador, 13 talvez fruto da pouca maturidade e independência decorrente do novo ambiente regulatório nacional e da ausência de definições claras e fundamentadas na Teoria Econômica. A conseqüência tem sido a adoção de critérios de regulação do nível e estrutura tarifária por vezes incompatíveis com a expectativa dos atuais e potenciais investidores. É intuitivo que a regulação das tarifas determina a capacidade da distribuidora remunerar os capitais empregados e, desse modo, manter a dinâmica de atrair novos investimentos para suas atividades. O presente estudo, portanto, tem como proposição central avaliar a adequação da atual metodologia e seus aspectos revisionais utilizados pelo órgão regulador para a autorização das tarifas nos mercados ditos regulados face ao objetivo de estabelecer o equilíbrio econômico e financeiro das concessionárias e estimular investimentos no setor de distribuição de energia elétrica. Em outras palavras, optou-se por dirigir o estudo para o lado da firma, em particular para o objetivo de Eficiência Produtiva. Este trata, no âmbito da empresa, da maximização do uso dos recursos e do retorno do capital investido sob o ponto de vista de estímulo dinâmico a novos investimentos para a expansão do sistema elétrico. É pertinente observar que a melhor metodologia para determinação das tarifas é aquela que permite integrar todos os objetivos tarifários do setor elétrico, ou seja, seus aspectos econômicos e sócio-políticos. Contudo, ainda que tal método fosse menos utópico, a sua complexidade e extensão escapariam ao âmbito do presente trabalho. Assim, dada a sua importância social, decidiu-se por ponderar o objetivo de Eficiência Produtiva unicamente com o objetivo de Eficiência Alocativa, ou seja, aspectos relativos à maximização do bemestar social no conceito conhecido por Pareto-Ótimo. Para os demais objetivos, apresentam-se alguns comentários de fundo ao longo do estudo e das conclusões. A ausência de uma metodologia de revisão e estruturação tarifária consolidada no país exigiu um aprofundamento maior quanto aos aspectos econômicos basilares e melhor definição de conceitos com vistas a eliminar ambigüidades. Assim, dedica-se o segundo capítulo a uma pesquisa descritiva sobre as premissas teóricas da regulação tarifária e, de destacada importância, propõe-se uma definição para o conceito de equilíbrio econômico e financeiro das distribuidoras. Para tanto, utilizam-se os conceitos e ferramentas de análise econômica, em especial a literatura de Microeconômia, a Teoria da Regulação Econômica e a Teoria Financeira. O terceiro capítulo pretende contextualizar sucintamente o modelo atual do setor elétrico brasileiro e os fundamentos da crise que antecedeu às reformas do setor elétrico em 14 anos recentes. Complementa-se este panorama histórico com a apresentação da evolução dos regimes tarifários nacionais e a experiência internacional relevante. O quarto capítulo dedica-se ao exame e à apresentação de argumentos críticos em linha com a hipótese central deste estudo e, em complemento, coube ainda uma pesquisa aplicada visando aceitar ou rejeitar tal hipótese central. A análise histórica da rentabilidade de uma distribuidora do Estado do Rio Grande do Sul, privatizada em 1997 (Rio Grande Energia – RGE), e informações gerais sobre a rentabilidade de um grupo de distribuidoras de energia elétrica, desde 1997, desempenharam este papel. Finalmente apresentam-se as conclusões. 15 2 CONCEITOS-CHAVE DA TEORIA ECONÔMICA DA REGULAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA A longa tradição norte-americana referente à atividade regulatória de mercados e serviços públicos é, naturalmente, uma fonte de referência importante. Já em meados do século XIX (ver seção 2.6), extensos debates e litígios judiciais exigiam o esclarecimento de conceitos econômicos e legais subjacentes às concessões públicas. As características do ambiente econômico de negócios e do sistema jurídico norteamericano e de outros países exigem uma atualização constante das definições regulatórias em vigor (ver Capítulo 3). Em particular no Brasil, onde as mudanças estruturais dos mercados ditos regulados (eletricidade, telefonia, estradas, etc.) têm vindo a ocorrer de modo acelerado ao longo dos últimos anos, a consolidação dos conceitos econômicos e legais referentes à atividade regulatória de exploração de serviços públicos ainda pode ser considerada tênue. Assim, antes de avançar-se para as razões da regulação tarifária, julga-se oportuno resgatar e sintetizar alguns conceitos fundamentais da Teoria Microeconômica e da Teoria Econômica da Regulação, em particular para o setor de energia elétrica, com vista a evitar ambigüidades, aclarar o significado e relembrar aspectos teóricos fundamentais para o raciocínio e argumentação relativos à hipótese central. 16 2.1 OS OBJETIVOS DA REGULAÇÃO TARIFÁRIA PARA O SETOR ELÉTRICO Os objetivos gerais da regulação das tarifas elétricas apresentam alguma dispersão na literatura nacional e internacional. Assim, propõe-se a seguinte definição e classificação para este estudo: 1 2.1.1 Objetivos de Eficiência Econômica a) Eficiência Alocativa: Preocupação com a alocação ótima de recursos sob o ponto de vista da sociedade, ou seja, aspectos relativos à maximização do bem-estar social no conceito de Pareto-Ótimo (Economia first best); b) Eficiência Produtiva: Preocupação, no âmbito da empresa, com a maximização do uso dos recursos e do retorno do capital investido sob o ponto de vista de estímulo dinâmico a novos investimentos para a expansão do sistema. Duas observações se fazem necessárias: a) Conforme avaliação apresentada na seção 2.2, a maximização do uso dos recursos no âmbito da Eficiência Produtiva não implica necessariamente menor custo e retorno “justo e adequado” sobre o capital empregado; b) As definições de Eficiência Alocativa e Produtiva contemplam o conceito de Externalidades (Custos Sociais), isto é, impactos sobre o bem-estar social devido às decisões de consumo ou produção de terceiros. Dois exemplos típicos no setor elétrico são o impacto que uma nova usina de geração de energia pode ter sobre os hábitos de uma comunidade e o “pico de carga” derivado do uso sincronizado de energia elétrica em determinados horários. Tais custos devem ser estimados, ou no mínimo ponderados, quando da apuração do custo de oportunidade da atividade. 1 Os conceitos basilares derivam de Bitu e Born (1996, p. 139 – 140), Munasinghe e Warford (1982, p. 10,11,66,73,79), Vasconcelos e Oliveira (2000, p. 259,260, 295) e Portugal (1988, p. 6). 17 2.1.2 Objetivos Sócio-Políticos Objetivos Substanciais O serviço de distribuição de energia elétrica apresenta características próprias, de ordem econômica e social. Uma vez que essa atividade é considerada um serviço de Utilidade Pública (“Pró-Cidadão”,ver seção 2.4), existem objetivos substanciais inerentes. a) Modicidade: As tarifas devem ser razoáveis devido à essencialidade social e econômica do serviço subjacente; b) Eqüidade: Estabelece a igualdade de tratamento para os consumidores que se utilizam do sistema elétrico de modo semelhante; c) Simplicidade: Devido ao amplo impacto social e econômico do serviço de distribuição de energia elétrica, o cálculo das tarifas e o fluxo de informação e cobrança devem ser simples e práticos; d) Estabilidade: As tarifas devem ser calculadas e aplicadas com vistas a evitar flutuações excessivas a curto prazo, caso contrário podem prejudicar a sinalização para novos investimentos e impactar os preços no tecido econômico. Objetivos Complementares Alguns objetivos complementares podem ser identificados, apesar de, no entender deste trabalho,estarem subordinados ao cumprimento dos objetivos de eficiência e os substanciais. Uma lista não exaustiva é apresentada a seguir: a) Justiça Social ou Distributiva, particularmente o subsídio tarifário ou a universalização do serviço aos consumidores de menor renda; b) Políticas ou ações do setor elétrico, tais como programas de conservação de energia ou racionamento; c) Programas econômicos de fomento regional; d) Políticas ou ações de ordem ambiental. 18 2.2 A RAZÃO DA REGULAÇÃO A literatura econômica identifica e define situações em que há “falhas de mercado” (Market Failures),2 tais como o monopólio puro, que implicam violação das condições de eficiência econômica ótima no sentido de Pareto. Para o monopolista, o preço e a receita marginal são variáveis endógenas, determinadas pela escolha de produção do monopolista e difere, fundamentalmente, do desafio da firma competitiva ou de uma economia first best. De acordo com Vasconcelos (2000, p.179), o grau de monopólio “depende da existência de barreiras à entrada de firmas concorrentes.” Também, Bitu e Born (1996, p. 90) cita os principais tipos de barreiras mais comuns à entrada de novos concorrentes, as quais se resumem: (a) Controle de Fornecimento de insumos básicos para indústria; (b) Barreiras Legais, como o caso dos monopólios legais do tipo concessão de serviços de utilidade pública ou patentes e (c) Barreiras de Escala, ou seja, os custos unitários de produção são mais baixos para uma firma monopolista, do que seriam para várias empresas menores em competição entre si ou, ainda, a tecnologia possibilita que o mercado como um todo seja abastecido por uma única firma antes que esta atinja seu custo médio mínimo de produção. Vale a pena mencionar que, segundo Bitu e Born (1996, p. 21), o monopólio é dito “natural” quando atende à definição do item (c) supra3. Dentro da cadeia de suprimento de energia, a atividade de Distribuição classifica-se no caso de monopólio natural clássico, em que os custos unitários são decrescentes até o limite imposto pelo mercado – muito extenso no caso do mercado de energia elétrica. Esta situação de Monopólio Natural com característica de Economia de Escala, presente no setor elétrico, justifica a regulamentação da atividade pelo Estado. As Distribuidoras de Energia Elétrica também apresentam a característica de monopólio puro, pois são únicas na atividade de distribuição de energia elétrica nas áreas geográficas definidas pela concessão da exploração4. Em outras palavras, não há concorrentes. Essa característica dos monopólios puros induz a Distribuidora, na ausência de regulação, a ajustar seu nível de transformação e distribuição de energia elétrica com vistas a 2 Ver o caso de mercados monopolizados em Eaton e Eaton (p. 316-360) , Hirshleifer e Hirshleifer (p .225-256) e Vasconcelos (p. 179 – 188). 3 Segundo Hirshleifer e Hirshleifer (1998, p. 241), uma curva descendente de custos médios não implica necessariamente em um monopólio natural. Os custos médios podem estar decrescendo ou crescendo, mas estarem acima ou abaixo do custo médio dos competidores. 4 Segundo Leftwich (1983, p. 241), o Monopólio Puro caracteriza-se por haver somente um vendedor de um produto, para o qual não existem substitutos. No caso da distribuição de energia elétrica considera-se, dado o atual estágio de desenvolvimento no país, que o gás natural ainda não é um bem substituto ou complementar, ou, alternativamente, a elasticidade – preço ou renda cruzada é praticamente inelástica. 19 maximizar o seu lucro. Conforme demonstra a Figura 1, o monopolista irá maximizar seu lucro econômico (QM.(PM – CMe) ) ajustando sua produção para o nível que o custo marginal (CMg) se iguale à receita marginal (RMg )5. R$/MWh Demanda PM CMe ● CMe ● ● CMgLP RMg QM Quantidade MWh Figura 1 – Equilíbrio de Curto Prazo da Distribuidora (“Monopólio Puro”) Onde: PM = Preço do Monopólio QM = Quantidade ofertada pelo Monopólio RMg = Receita Marginal CMe = Custo Médio CMgLP = Custo Marginal de Longo Prazo Assim, ao passo que se atingi por excesso o objetivo perseguido pela eficiência produtiva, prejudica-se a eficiência alocativa, uma vez que não se atinge o ponto ótimo no sentido de Pareto, dado que o preço pago é superior ao que seria possível caso a produção fosse mais elevada. A sociedade teria maior bem-estar caso mais recursos fossem aplicados na produção do bem (transformação e distribuição de energia elétrica). A Figura 2 procura 5 Ver Vasconcelos (2000, p. 166) para a dedução dessa igualdade que maximiza o lucro da firma. 20 resumir esse raciocínio comparando o ponto de equilíbrio em condições monopolísticas e perfeitamente competitivas. A área ABC do triângulo corresponde à perda de Bem-Estar Social (BES) devido à indústria monopolizada. A área do triângulo BCD corresponde às perdas do consumidor devido à redução nas quantidades produzidas. A área do triângulo ADC corresponde às perdas da firma. O equilíbrio do monopólio não é Pareto-Ótimo. Matematicamente, a perda de BES pode ser representado pela diferença entre as integrais das funções de Demanda (P(Q)) e do Custo Marginal a Longo Prazo (CMgLP(Q)), como segue. BES (Q) = ∫ Qc Qm P (Q). dQ - ∫ Qc Qm CMg (Q). dQ R$/MWh CMgLP B ● PM D Pc C ● A ● Demanda RMg QM Qc Quantidade MWh Figura 2 – Comparação de Preço e Nível de Produção a Longo Prazo Onde: PM = Preço do monopólio Pc = Preço em condições competitivas QM = Quantidade ofertada pelo monopólio Qc = Quantidade ofertada em condições competitivas 21 Uma outra conclusão importante para as reflexões que se seguem é que o equilíbrio da indústria monopolizada não é caracterizado por prejuízos econômicos (lucro infranormal). A decisão de curto e longo prazo da firma monopolista que enfrenta prejuízos econômicos é alterar a capacidade de produção ou, a exemplo das firmas competitivas, abandonar a indústria (shutdown decision), respectivamente6. A Figura 3 pretende resumir essa afirmação. R$/MW Demanda CMgcp1 CMecp1 P1 CMe1 ● P2 ● CMe2 ● CMgcp1 ● CMecp2 ● ● Q1 Q2 CMgLP RMg Quantidade MWh Figura 3 – Equilíbrio de Longo Prazo da Distribuidora de Energia Elétrica No momento inicial, a firma produz a quantidade Q1 e obtém o lucro máximo Q1.(P1 – CMe1). Suponha-se que o custo marginal de longo prazo (CMgLP) seja igual à receita marginal (RMg) em Q2. O novo patamar de produção será ajustado para Q2, onde a planta ótima apresenta lucro máximo de Q2.(P2 – CMe2). O objetivo de eficiência alocativa continua não sendo atingido7 enquanto o objetivo de eficiência produtiva é atendido por excesso. Outro fator agravante da ineficiência alocativa é que o CMe1 e CMe2 não são os custos médios mínimos e, deste modo, o Bem-Estar Social não é maximizado. Cabe observar também que, no curto prazo e se o preço for igual ou superior ao custo variável médio, a firma continuará a produzir. No entanto, a firma pode apresentar custos médios de longo prazo superiores ao preço em virtude dos custos elevados, mercado 6 Esta última situação é a resultante para o setor elétrico, uma vez que o aumento de transformação e distribuição estão condicionadas ao crescimento do mercado (não- gerenciável) e as tarifas são reguladas pela ANEEL. 7 A quantidade que satisfaria esta condição corresponde ao ponto onde a curva de Demanda é seccionada pela curva de custo marginal de longo prazo. Em condições perfeitamente competitivas, a planta será ajustada para o volume onde os custos marginais de longo e curto prazo e o preço se igualam. 22 relativamente pequeno ou ambos. Um importante alerta deve ser feito nesse ponto. Como pontifica Leftwich (1983, p. 247), “há uma falsa idéia bastante comum de que um monopolista obtém lucros. Se isso acontece ou não, dependerá sempre da relação entre a curva de procura no mercado e o custo”. Desse modo, o monopolista pode maximizar seu lucro no ponto em que o CMg iguala a RMg ou pode minimizar o seu prejuízo se o custo médio de longo prazo for superior ao preço definido pela função Demanda no ponto em que CMg iguala a RMg. Conforme ver-se-á adiante, quando se analisar a composição dos custos totais de uma distribuidora, tal atividade apresenta características de custo – como o custo dos capitais empregados – que podem conduzi-la a tal situação. Também alerta Vasconcelos (2000, p. 187-188) que o monopólio natural pode apresentar esta característica, o que pode conduzir a firma a abandonar sua atividade. Duas políticas são sugeridas por esse autor para equilibrar o lucro econômico e torná-lo igual a zero. A primeira é subsidiar ou complementar a tarifa com base na diferença entre o preço competitivo (Pc) pretendido e o custo médio de longo prazo (CMeLP). Essa solução permitiria que a firma produzisse ao nível (Qc) considerado satisfatório sob o ponto de vista de Eficiência Alocativa. A segunda sugestão é fixar o preço (Ps) máximo no ponto do cruzamento da curva de demanda com a curva do custo médio (CMeLP). Essa política leva a um volume de produção (Qs) inferior8 à produção eficiente (Qc) e, por isso, é denominada Second Best. A Figura 4 apresenta essas soluções. 8 Ou superior, depende da posição da curva de Custo Médio de Longo Prazo em relação à Curva de Demanda. 23 P CMgLP CMeLP Ps ● Pc ● ● Pm Demanda Qm Qs Qc Q Rmg Figura 4 – Soluções de Regulação para o Monopólio Natural Contudo, considerando a natureza social da energia elétrica (ver seção 2.4), parece razoável supor que a sociedade terá melhor BES caso sua necessidade plena por energia elétrica seja satisfeita, ainda que sujeita à solução da equação do subsídio ou tarifação complementar. A solução Second Best no exemplo representado pela precificação pelo Preço Médio, pode conduzir à escassez de oferta ou, como já se conhece, ao racionamento e suas implicações. O cenário de produção em excesso também implica ineficiência alocativa. É relevante mencionar que o objetivo da regulação é, exatamente, eliminar as deficiências econômicas do monopólio e não substituí-las por novas. Ambas as sugestões merecem a crítica quanto à ausência de incentivo para o monopolista otimizar os custos ou investimentos e evitar o Efeito Averch-Johnson9, dado que os custos incorridos são subsidiados ou repassados ao preço final. Essas soluções devem ser complementadas com algum mecanismo que permita maior eficiência (ver seção 4.5). Como constatou-se, o monopólio puro e natural pode permitir a obtenção de taxas de retorno excessivas ou insuficientes, quando comparadas ao lucro econômico normal, e ocasionar deficiências alocativas ou de produção. Para restabelecer as condições competitivas 24 sob o ponto de vista de Eficiência Alocativa e de Produção, é aceitável a interferência do Estado visando retomar, tanto quanto possível, o funcionamento do mercado. A atividade de regulação pretende ser o mecanismo desse restabelecimento. 2.3 A ELASTICIDADE DA DEMANDA E A DISCRIMINAÇÃO DE PREÇOS A apuração do nível geral de tarifas (“nível tarifário”) relaciona-se com a viabilidade econômica da distribuidora e o binômio preço e custo médio tem papel fundamental. Nas seções 2.1 e 2.2 resgataram-se alguns conceitos microeconômicos importantes relacionados com a Eficiência Alocativa e Produtiva assumindo uma determinada curva de Demanda, contudo, sem analisar a possibilidade de discriminar preços e estabelecer uma nova estrutura de tarifas (“estrutura tarifária”). A seguir, pretende-se discutir ainda que sem uma profundidade exaustiva, dada a extensão do assunto, um conceito importante para avaliação da hipótese central: a discriminação de preços e a distorção causada pelos subsídios cruzados. Discriminação de Preços Como Leftwich (1983, p. 244) ensina, a receita marginal é igual ao preço menos a razão entre o preço e a elasticidade da procura a um determinado nível de demanda, ou seja, RMg = p – p│ε│. Daí, pode-se inferir que, quanto mais elástica for a elasticidade- preço, mais próximos são o preço e a receita marginal. Ao nível de demanda onde a ε = 1, a receita total é máxima e a receita marginal é zero. Essa conclusão conduz a que se reflita sobre a possibilidade de a concessionária separar e precificar seu produto em um ou mais segmentos de mercado (“Discriminação de Preços”)10 com vistas a maximizar seu lucro11. Como exemplo de discriminação de preços no setor elétrico, podem-se citar os segmentos de mercado referentes aos consumidores de baixa renda (residencial) e os consumidores denominados “eletrointensivos” (industrial), os quais são mais sensíveis às tarifas praticadas devido à participação desse tipo de serviço na renda familiar ou no custo de produção, 9 O Efeito Averch-Johnson relaciona-se ao uso excessivo de capital pela firma devido à atratividade da taxa de retorno permitida. 10 Segundo Eaton e Eaton (1995, p. 339) “A discriminação de preços são atraentes para qualquer firma com algum grau de poder de mercado – ou seja, qualquer firma com alguma capacidade de estabelecer seu próprio preço”. 11 Para maximizar os lucros, a receita marginal de cada mercado ou segmento devem ser iguais entre si e iguais ao custo marginal da produção total do monopolista. Ver Leftwich (1983, p. 256) e Eaton e Eaton (1995, p. 341). 25 respectivamente. Tomando por fundamentado este conceito, as tarifas de energia elétrica deveriam ser estabelecidas nos níveis inversos ao grau de elasticidade da demanda12. Eaton e Eaton (1995, p. 339) classifica os casos de discriminação em três grupos: a) Discriminação de preços “ideal”: apesar de ser rara a sua aplicação, a discriminação é feita individualmente e, desse modo, consegue extrair o lucro máximo de cada consumidor e, por conseguinte, de todo o mercado; b) Discriminação de preços comum: o monopolista identifica grupos de consumidores potenciais e cobra preços separados; c) Discriminação por “multiparte” ou “blocos”: é o caso em que o monopolista cobra preços diferentes por quantidades (“blocos”) diferentes de um produto ou serviço. As concessionárias de energia elétrica utilizam-se comumente da discriminação do tipo “comum” (por exemplo, “horo-sazonal” ou por hora) e por “blocos”. Um exemplo típico de aplicação conjunta desses conceitos é a tarifação diferenciada para os “picos de carga” ou “ponta” devido às externalidades envolvidas. É intuitivo que o consumo de energia elétrica é maior durante o dia do que à noite, ou certas horas do dia apresentam maior “pico” de consumo do que outras. A variação do custo marginal devido ao custo de produção e distribuição de energia em momentos concentrados e a necessidade de investir em potência calculada pela “ponta” – uma vez que não é possível armazenar energia gerada – justifica uma diferenciação de tarifa para aquelas horas. A cobrança de tarifas no Brasil é, usualmente, fixada com base nos seguintes fatores: (i) classificação do consumidor em relação aos grupos de tensão (grupos A e B); (ii) potência demandada e efetivamente consumida; (iii) energia efetivamente consumida; (iv) meses do ano em que é efetuado o fornecimento; e (v) o horário de fornecimento. Esses critérios são utilizados na definição de dois sistemas tarifários: o horo-sazonal e o convencional. O Anexo A resume a estrutura tarifária típica atual de uma empresa concessionária de energia elétrica brasileira. O sistema horo-sazonal é aplicável somente aos consumidores do grupo A (aqueles cuja tensão seja igual ou superior a 2,3 kV), que se enquadrem nessa tarifa ou, conforme o 12 Regra de Ramsey ou a Lei das Elasticidades Inversas. Ver Bitu e Born (1996, p. 37), Viscusi et alli (2000, p.377) e Brown (1986, p. 39- 43). 26 caso, optarem por esse sistema. Os consumidores desse grupo pagam de acordo com a potência contratada ou a quantidade de energia efetivamente consumida. O sistema tarifário convencional é aplicável a todos os consumidores do grupo B e aos consumidores do grupo A que não optarem pelo sistema horo-sazonal, sendo calculado sobre a energia efetivamente consumida sem considerar horário ou sazonalidade. Subsídios Cruzados Em virtude da complexidade de calcular e atribuir os custos totais a cada consumidor ou por razões diversas, como políticas de incentivo industrial ou distributivas, por vezes as tarifas de energia elétrica discriminadas apresentam distorções que tornam um determinado grupo de consumidores mais beneficiado do que outros. De acordo cm Brown (1986, p. 3), um conjunto de preços livre de subsídios “é aquele que nenhum grupo de clientes está pagando mais do que seu custo individual e a firma regulada cobre todos os seus custos fixos” (tradução própria). Ainda segundo Brown (1986, p. 3), “uma declaração equivalente é que a firma regulada atinja o break even com cada grupo de clientes pagando no mínimo o custo incremental de servi-lo” (tradução própria). A existência de subsídios cruzados pode impedir que a firma regulada maximize seu retorno, dado seus custos marginais e totais. Ainda que os Preços de Ramsey (ver nota 12) estejam mais relacionados ao conceito de custo marginal, e “Preços Uniformes” possam ser ajustados para refletir os denominados “Custos Comuns”13, algumas técnicas de apuração das tarifas têm sido utilizadas pelos órgãos reguladores internacionais para a apropriação dos “Custos Comuns”. Essas abordagens são denominadas “Precificação com Base no Custo”, os quais não possibilitam atingir o objetivo de eficiência alocativa e são subjetivos devido aos critérios adotados. A abordagem mais comum, “Custos Totalmente Distribuídos” (Fully Distributed Costs – FDC), procurar alocar os custos comuns às tarifas com base na proporção de quantidades produzidas ou servidas, pico de demanda, receita ou custos atribuíveis. Em conjunto com as técnicas de alocação de “Custos Comuns”, as tarifas são calculadas com base em “Preços Não-Uniformes”14, tais como “Tarifas em Duas Partes” ou “Tarifas em Blocos”. Os estudos de precificação pelo lado da demanda exigem uma análise extensa e fogem do âmbito do presente estudo. Para os fins desta dissertação o que é 13 Ver BROWN (1986, Cap. 3) para um detalhamento técnico dos critérios de apuração dos preços Second-Best. 27 pertinente é que todos esses métodos de cálculo tarifário visam maximizar a produção, ainda que, por vezes, distantes da Eficiência Alocativa, mas sujeitos ao breakeven da concessionária (ponto de equilíbrio). Outra conclusão relevante é que, face ao objetivo de Modicidade Tarifária, nenhuma conclusão sobre a adequação do Nível Tarifário pode ser atingida sem um estudo adequado das características da demanda e do método de precificação apropriado. 2.4 CARACTERÍSTICAS SOCIAIS E JURÍDICAS DO MERCADO REGULADO DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA Dada a relação inexorável entre a atividade de distribuição de energia elétrica e o contexto sócio-jurídico, julga-se oportuno referir os principais conceitos legais pertinentes a este estudo. Do Equilíbrio de Interesses entre as Partes Com base na Constituição Brasileira15, a concessão de distribuição de energia elétrica pode ser definida como um privilégio concedido pelo Estado a uma empresa para exploração deste serviço de utilidade pública. A caracterização como serviço público faz com que o Estado tenha o direito de delegar, conceder e autorizar o fornecimento do serviço; a organização do mercado está, portanto, embasada em conceitos e princípios do monopólio de exploração, de fato e de direito. Segundo Mello (2002, p. 631), “Concessão de serviço público é o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de equilíbrio econômico-financeiro, remunerandose pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço”. É importante observar que, em virtude da natureza jurídica das tarifas públicas, compete ao Poder Concedente definir regras para seu reajuste periódico, visando à 14 Segundo Brown (1986, p. 65), “precificação não-uniforme é um método de ajustamento de preços no mesmo mercado para diferentes consumidores de acordo com seus gostos subjacentes para o bem em questão” (tradução própria). 15 A distribuição de energia elétrica está caracterizada como Serviço Público de competência da União, conforme determina a Constituição Federal Art. 21 XII item b e de incumbência do Poder Público Art. 175. 28 preservação do valor real dos preços no momento da avença, tanto em relação ao aumento dos custos dos insumos, como em relação à perda de poder aquisitivo da moeda, fruto de processo inflacionário. Desse modo, segundo Neto (1998, p. 104-105), “... o poder concedente (não a concessionária) segue com a prerrogativa de fixar a tarifa que será exigida do usuário, a qual, portanto, não se insere na liberdade constitucional dos particulares. Daí que também na concessão não há que se cogitar de tarifa fruto de contrato entre concessionária e usuário do serviço.” Paralela e adicionalmente, o regramento tarifário relaciona-se com o conceito de serviço adequado, previsto no art. 175, parágrafo único, IV da CF/88, e definido pela Lei nº 8.987/95, em seu art. 6º, § 1º, nos seguintes termos: “Art. 6o Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato. § 1o Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.” (sem grifo no original). Vê-se, assim, que o direito positivo Brasileiro vinculou, umbilicalmente, a noção de serviço adequado àquele prestado pela menor tarifa possível, desde que atendidos os demais critérios enumerados. Julga-se que a definição de Modicidade Tarifária é relativa sob o ponto de vista da Demanda (ver item 2.3) e deve ser possível de implementação. Esta possibilidade econômica deve ser avaliada à luz das possibilidades econômicas, em particular, a condição de breakeven da concessionária e a meta de Eficiência Alocativa. A condição de breakeven é uma condição predominante. Souto (2000, p. 79-80) explica que as concessões são contratos de natureza administrativa entre o poder concedente e um particular (concessionário). Ele enfatiza ainda que cabe ao concessionário “a realização e exploração, por sua conta e risco, de uma obra ou serviço público, cabendo a este o direito de remunerar-se através da cobrança de uma tarifa, paga pelo usuário do serviço, sendo o valor fixado pelo concedente de acordo com a proposta vencedora da licitação”. O citado autor afirma que “à tarifa cabe, via de regra, remunerar o capital investido, manter o serviço em operação, aprimorar a tecnologia e proporcionar o justo lucro ao empresário, tudo na forma de uma política tarifária definida em lei do poder concedente”. Sob esta ótica, tal definição 29 conduz a refletir que o breakeven deve estar presente em qualquer definição de Equilíbrio Econômico e Financeiro da concessionária. Para os propósitos deste trabalho, assume-se que os agrupamentos de objetivos SócioPolíticos, Substanciais e Complementares (ver seção 2.1), devem estar subordinados às definições e objetivos de Eficiência Econômica, sem os quais aqueles não teriam razão de existir. Da Definição Do Serviço Prestado Cabe realçar a diferença entre Serviços Públicos e Serviços de Utilidade Pública. Sob o ponto de vista legal e conforme ensina Meirelles (2001, p. 307), o conceito de serviço público não é uniforme na doutrina jurídica. Para aquele autor, a definição de Serviço Público varia segundo as exigências de cada povo e de cada época. De um modo geral, ele o define como “todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado”. O que prevalece, segundo o autor, é a vontade soberana do Estado, qualificando o serviço como público ou de utilidade pública. Aquele autor ainda propõe a seguinte definição: “Serviço Público, propriamente dito, são os que a Administração presta diretamente à comunidade, por reconhecer sua essencialidade e necessidade para a sobrevivência do grupo social e do próprio Estado. Por isso mesmo, tais serviços são considerados privativos do Poder Público, no sentido que só a Administração deve prestá-los, sem delegação a terceiros, mesmo porque geralmente exigem atos de império e medidas compulsórias em relação aos administrados. Exemplos desses serviços são os de defesa nacional, os de polícia, os de preservação da saúde pública”. Em contrapartida, o mesmo autor, define: “Serviços de Utilidade Pública são os que a Administração, reconhecendo sua conveniência (não essencialidade, nem necessidade) para os membros da coletividade, presta-os diretamente ou aquiesce em que sejam prestados por terceiros (concessionários, permissionários ou autorizatários), nas condições regulamentadas e sob seu controle, mas por conta e risco dos prestadores, mediante remuneração aos usuários. São exemplos dessa modalidade os serviços de transporte coletivo, energia elétrica, gás e telefone”. Meirelles (2001, p. 307-308) ainda enfatiza “que o Serviço Público visa a satisfazer necessidades gerais e essenciais da sociedade, para que ela possa subsistir e desenvolver-se como tal” enquanto o Serviço de Utilidade Pública “objetiva facilitar a vida do indivíduo na coletividade, pondo à sua disposição utilidades que lhe proporcionarão mais conforto e bemestar”. 30 Essa diferença de serviço pró-comunidade (Serviço Público) versus serviço prócidadão (Utilidade Pública) é fundamental para uma avaliação imparcial da exploração do serviço de distribuição de energia elétrica por uma entidade privada. Meirelles (2001, p. 310) afirma que a regulamentação e controle do serviço público e de utilidade pública caberá sempre ao Poder Público, qualquer que seja a modalidade de sua prestação aos usuários. Aquele autor afirma que “o Estado dever ter sempre em vista que serviço público e de utilidade pública são serviços para o público e que os concessionários ou quaisquer outros prestadores de tais serviços são, na feliz expressão de Brandeis, public servants, isto é, criados, servidores do público”. Das Externalidades A segregação entre Serviços Públicos e Serviços de Utilidade Pública proposta por Meirelles está em linha com o conceito subjacente de externalidade econômica na definição de bens ou serviços públicos proposto pelos economistas. Hirshleifer e Hirshleifer (1998, p. 492) define serviço público como aquele que “seu consumo por alguém não reduz o montante disponível para outros. Visto de outro modo, prover um bem ou serviço público para alguém torna possível, sem custo adicional, provê-lo a todos” (tradução própria). Pelas definições acima, fica claro que o serviço de distribuição de energia elétrica é um Serviço de Utilidade Pública, pois a energia consumida por um usuário não pode ser consumida por outro (na verdade, a energia não pode nem mesmo ser armazenada após a sua geração). Contudo, o setor de eletricidade apresenta diversas externalidades positivas e negativas, tais como impactos ambientais devido a novas usinas, níveis de consumo que afetam outros setores da economia tipificados pela escassez de oferta, universalização da oferta e necessidade de capacidade ociosa para atender a “picos” de consumo. As externalidades, em maior ou menor grau, não são solucionadas pelos mecanismos de mercado e merecem a intervenção do Estado no sentido de, por exemplo, regulamentar preços e planejar níveis de produção adequados. Entende-se que todos os custos sociais originados de externalidades devem, sempre que possíveis, ser apurados e incluídos no custo total da exploração. 31 2.5 O EQUILÍBRIO ECONÔMICO E FINANCEIRO Considerando as discussões e definições já apresentadas, é oportuna a nossa definição do que se entende ser o “Equilíbrio Econômico e Financeiro” (EEF) da atividade de distribuição de energia elétrica no âmbito do presente estudo. EEF é o nível tarifário que permite a recuperação dos custos operacionais e a recuperação e a remuneração justa e razóavel do capital empregado, decorrente de investimentos prudentes e pertinentes, e que minimize as perdas do BES no sentido de Pareto-Ótimo. A definição que se está propondo merece alguns esclarecimentos adicionais: a) Esta definição de EEF induz a inexistência de lucro ou prejuízo econômico no longo prazo. Deriva que se o custo médio de longo prazo for acima ou abaixo do preço, medidas corretivas devem ser pontualmente tomadas para ajustar o retorno sobre os capitais empregados (subsídios, redução de oferta, revisão da Estrutura Tarifária, etc.). Deve-se possibilitar que a distribuidora monopolista permaneça no negócio, ou seja, que se atenda à “restrição de equilíbrio” (breakeven constraint)16. Essa restrição de equilíbrio é aquela que, ainda que não seja a Eficiência Produtiva e Alocativa desejada, possibilita o retorno “justo e adequado” do capital empregado. Os conceitos de retorno “justo e adequado” e “investimentos prudentes e pertinentes” serão discutidos no Capítulo 4. Assim: a. O EEF não implica, necessariamente, atingir a Eficiência Alocativa (“Pareto-Ótimo”), uma vez que o custo médio pode não ser o mínimo e nem as quantidades ofertadas serem máximas; b. O EEF não implica, necessariamente, atingir a maximização do lucro no âmbito da distribuidora (CMgLP = RMg); b) O nível tarifário calculado para atender à definição proposta de EEF pode, eventualmente, não atender ao objetivo de Modicidade Tarifária. A conclusão sobre o impacto tarifário deve estar suportada por estudos da Demanda e seus segmentos e do melhor método de alocação dos “Custos Comuns” às tarifas. Tais 16 Segundo BROWN (1986, pág. 41), os preços que atendem às condições citadas são freqüentemente denominados “Preços de Ramsey”. 32 estudos permitirão concluir sobre a Estrutura Tarifária que mais se aproxima do BES ótimo. Vale a pena recordar que o próprio conceito de Modicidade Tarifária é vago e, com base nos estudos pertinentes, deve ser definido; c) Ainda que se seja sensível à preocupação social de disponibilizar energia elétrica às camadas mais pobres da população e assegurar o serviço mínimo para a sobrevivência (lifeline service), a definição apresentada não a abrange. Tal omissão mais se deve às decisões de qual método empregar para assegurar tal serviço do que ao mérito subjacente. A conclusão para tal problema encontrar-se-á entre a distribuição de renda direta via tarifas ou indireta, isto é, via realocação de recursos intra-sociedade. Essa conclusão foge ao âmbito do presente estudo; d) A definição que se pretende é imune a qualquer efeito de políticas sociais ou econômicas com vistas a desenvolver a utilização de energia elétrica em determinas regiões geográficas ou segmentos populacionais. Tal premissa implica que, se ocorrerem tais medidas (como, por exemplo, a universalização do fornecimento), essas devem encontrar compensação tarifária por parte das distribuidoras; e) O EEF não implica que a produtividade marginal dos fatores seja máxima. No entanto, havendo ganhos decorrentes do aumento de produtividade de um ou mais fatores, tais ganhos devem ser compartilhados com os consumidores após a condição de recuperação de custos ter sido atendida (volta-se a essa discussão no Capítulo 4); f) O EEF está condicionado à aproximação temporal entre os eventos econômicos e financeiros, com vista a garantir a liquidez da distribuidora. 2.6 OS REGIMES DE REGULAÇÃO TARIFÁRIA A questão de “como regular” é matéria controversa em diversos países do mundo há mais de um século. Por exemplo, Viscusi (2000, p. 301) aponta o ano de 1870 como o marco da regulação econômica nos Estados Unidos por meio das decisões da Suprema Corte americana quanto à regulação dos monopólios, em particular, em respeito aos “caminhos-deferro” (railroads) que surgiam ao redor do país. A inauguração da regulação do setor elétrico americano se deu, de acordo com o mesmo autor (p. 361), a partir da “tecnologia para a 33 produção e distribuição de energia elétrica colocada em operação em 1882 na Cidade de New York, onde Thomas Edson começou a produzir eletricidade...” (tradução própria). De um modo geral, podem-se classificar os principais regimes tarifários em cinco tipos17, como segue. Tarifa pelo Custo do Serviço Com base no serviço prestado na atividade regulada, o órgão regulador define o nível e estrutura tarifária com base principalmente nos seguintes custos: a) Custos Operacionais, particularmente a compra de energia e custos de manutenção e conservação da rede; b) Custos de reposição dos bens e instalações e serviço, particularmente o montante da depreciação; c) Custos dos capitais empregados. O Custo Total é apurado a partir das informações de origem contábil ou com base no custo marginal. Esse método foi amplamente utilizado no Brasil no passado (ver Capítulo 3) e generalizou-se a partir da experiência norte-americana durante o século XX. Seu ponto mais crítico refere-se à remuneração dos capitais empregados devido ao critério de cálculo de tal custo. Normalmente, é estabelecido um percentual de remuneração com base nos bens e instalações em serviço. Uma vez que a distribuidora caracteriza-se por ser capital – intensiva –, a definição dessa remuneração é vital. Contudo, existem muitas controvérsias quanto à base de remuneração (“capitais empregados”) e a taxa de remuneração dos investimentos. Essas controvérsias serão alvo de análise no Capítulo 4 e, por enquanto, o conceito importante a realçar é que o retorno autorizado sobre o capital empregado, embutido no custo médio apurado, deve satisfazer ao EEF. Tarifa pelo Preço ou Price Cap 17 Ver Bitu (1996, p. 38 – 43), Viscusi (2000, p. 344), Khan (1998, Cap. 3 e 4) e Munasinghe (1982, Cap. 2). 34 As tarifas são apuradas em decorrência da proposta vencedora de uma licitação para outorga da concessão e considera-se que, naquele momento, a exploração encontra-se em EEF. As atualizações dos níveis e estruturas tarifárias somente são possíveis de acordo com as regras e leis de concessão vigentes. As informações podem ser de origem contábil ou com base no custo marginal. Esse regime tem sido adotado pelo órgão regulador desde a época das privatizações como ver-se-á na seção 4.1. Esse regime, que se pretende vigore para o mercado regulado (“cativo”) adicionado a um fator de compartilhamento de eficiência (“Fator X”) ou até que um determinado consumidor se torne livre (ver seção 3.2). Devido à sua natureza metodológica, esse regime é insensível à rentabilidade da concessionária durante o período inter-revisional, ou seja, revisões do nível e estrutura tarifária somente são possíveis no momento da revisão ordinária ou extraordinária das tarifas. Tarifa pelo Custo Marginal A conceituação desse regime tarifário origina-se da abordagem correspondente da Teoria Microeconômica, cujos fundamentos para a regulação foram apresentados na seção 2.2. O regime de tarifa pelo custo marginal apresenta duas possibilidades: apuração com base no curto prazo ou no longo prazo. Veja-se o conceito e efeitos de cada alternativa. O custo marginal de curto prazo é apurado cada vez que houver flutuações expressivas na composição dos custos, situação típica de países como o Brasil onde o custo da energia e de capital sofrem alterações bruscas em períodos considerados reduzidos para uma alteração relevante da estrutura instalada. O Chile adota um critério similar. O custo marginal de longo prazo (ou de expansão) mantém os olhos em um horizonte temporal maior, uma vez que a apuração do custo baseia-se no atendimento adicional de consumo. Informações, tais como o custo marginal de expansão ótima do sistema, custo estrutural de servir e comportamento da demanda a longo prazo, são incluídas no modelo. A França adota esse critério. Munasinghe (1982, p. 11) apresenta argumentos ratificadores do uso desse critério, entre os quais se destaca ser o custo marginal de longo prazo o melhor mecanismo para sinalizar a alocação futura de novos recursos, um dos objetivos primordiais das reformas realizadas no setor elétrico nacional. 35 Simultaneamente à escolha da melhor alternativa de custo marginal a ser adotada, o comportamento do custo médio em relação à Eficiência Alocativa e Produtiva deve ser ponderado. Tarifa pelo Passivo ou Funding A abordagem da tarifação pelo passivo, ainda que rara no contexto mundial18, apresenta características interessantes sob o ponto de vista de remuneração dos capitais. Na sua forma pura, todo o passivo remunerável registrado no Passivo no Balanço Patrimonial das empresas é incluído no cálculo de custos totais, e um valor médio é apurado. O cálculo também pode basear-se nos custos marginais. A vantagem dessa abordagem é incluir as parcelas efetivamente incorridas de juros e amortizações dos empréstimos e financiamentos (capitais de terceiros) e parcela correspondente ao custo dos capitais próprios (dividendos “justos e razoáveis”), portanto, com enfoque semelhante ao conceito do “fator de recuperação de capital”, amplamente adotado nos cálculos financeiros. Ainda que a apuração dos custos de capitais próprios seja matéria controversa, a sensibilidade à remuneração dos capitais (“capitais a remunerar”) é maior devido ao enfoque adotado. Essa abordagem será retomada e discutida no Capítulo 3. Tarifa Integrada De acordo com Bitu e Born (1986, p. 43), o regime por Tarifa Integrada pretende atender aos diversos objetivos tarifários para o setor elétrico, ou seja, Econômicos, Substanciais e Complementares (ver seção 2.1). Apesar de se compartilhar com o mérito do intuito, parece óbvio a dificuldade de atingi-lo, inclusive pelas restrições e condicionantes já apresentados anteriormente. Contudo, como regime tarifário ideal pode ser adotado como referência, ainda que pouco realista, para o desenvolvimento de algumas políticas e métodos tarifários. Deste modo, nota-se que sob a perspectiva de equilíbrio econômico e financeiro o método da Tarifa pelo Price Cap, aliás, adotado de modo similar no Brasil como parte do novo modelo (ver seção 3.3), é mais propenso a ser insensível às alterações de custos dos capitais empregados durante o período inter-revisional, podendo ocorrer ganhos ou prejuízos 18 De acordo com a verificação das demonstrações contábeis de 2001, Itaipu Binacional adota um regime tarifário similar. 36 econômicos nas distribuidoras. Tais alterações são uma realidade em particular no Brasil onde os custos de energia e de capital são expressivos e voláteis. O método da Tarifa pelo Custo Marginal de Curto ou Longo Prazo para as distribuidoras aproxima-se do conceito desejado de Eficiência Alocativa, contudo a condição de equilíbrio está condicionada ao comportamento da demanda e ao perfil do custo médio, este último particularmente afetado pelos custos de capital. O método da Tarifa pelo Custo do Serviço permite capturar os custos operacionais da distribuidora, contudo deixa a cargo do agente regulador a determinação dos custos de capital a serem adicionados, podendo ocorrer maior subjetividade na escolha dos métodos e critérios. Tal era a situação pré-reformas do setor elétrico como explicitado na seção 3.1, que conduziu a uma situação de pouca aderência entre a política tarifária adotada e a realidade econômica e financeira das distribuidoras. O método da Tarifa pelo Funding é particularmente atrativo, uma vez que captura e agrega de maneira objetiva aos custos operacionais da distribuidora a remuneração e recuperação dos capitais empregados e propicia maior segurança quanto à obtenção do equilíbrio econômico e financeiro da concessionária. Esta característica se aproxima de uma abordagem mais harmoniosa com a dinâmica dos mercados financeiros e de capitais, uma vez que é mais sensível aos custos e riscos financeiros efetivos dos investidores. Também sinaliza com maior clareza para os responsáveis pela política tarifária e planejamento do sistema elétrico os custos reais da atividade e transmite maior clareza quanto às soluções necessárias, inclusive para fins de modicidade tarifária. Outra qualidade deste método é sua compatibilidade com o método do Custo Marginal, principalmente na presença de um cenário macroeconômico, institucional e setorial mais estável, visando buscar a maximização da Eficiência Alocativa. No entender deste trabalho, a Tarifa pelo Funding é o método preferencial para o caso Brasileiro atualmente, em que o custo do capital é elevado e a volatilidade do seu custo e escassez da sua disponibilidade faz o investidor muito sensível aos desequilíbrios econômicos e financeiros de curto prazo. 37 3 O REGIME TARIFÁRIO BRASILEIRO E A EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL RELEVANTE A história da eletricidade no Brasil é longa e diferenciada. A pioneira utilização para iluminação da Estação Central do Brasil no Rio de Janeiro em 1879, aliás, no mesmo ano em que Thomas Edison demonstrou a possibilidade da iluminação por meio de lâmpadas elétricas, ilustra o vínculo que se consolidaria nas décadas seguintes entre o progresso econômico brasileiro e a evolução do setor elétrico. Por exemplo, o período de 1880 a 1920 assistiu a uma verdadeira explosão na utilização da energia elétrica no Brasil19: iluminação pública nas principais cidades, adoção pela nascente indústria paulista e surgimento de diversas escolas de eletrotécnica e de engenharia elétrica. Durante aquele período e até 1930, o Estado foi pouco intervencionista nas atividades do setor elétrico, como ilustra as concessões para exploração hidroelétrica regidas pelo Decreto No. 5.407 de dezembro de 1904. Os investimentos privados, em que a São Paulo Railway, Light and Power (conhecida como “Light”) de capital anglo-americano é a referência maior e inova com projetos, tais como a geração hidroelétrica e bondes elétricos, enfrentam um crescente nacionalismo, baseado em conceitos como modernização e progresso, e representava o prenúncio do intervencionismo das décadas futuras (ver Magalhães(2000, p. 12 e 44)). Segundo Calabi (1983, p. 95), “a partir da crise de 1930, o Estado, fortalecido pela Revolução e agindo de forma centralizada, assume gradativamente as funções de principal articulador do processo de industrialização”. De fato, a Constituição de 1934 introduziu o conceito de intervenção estatal na exploração de riquezas naturais, como minas e quedas d´água, e marcou a preponderância das forças denominadas “nacionalistas”, restringindo a presença dos investimentos estrangeiros. Em julho de 1934, o presidente Getúlio Vargas assinou o Decreto No. 26.234 19 Ver Magalhães (2000, p. 12). O autor apresenta uma evolução histórica do uso da eletricidade no período da República Velha. 38 promulgando o Código de Águas que passou a regulamentar o setor de águas e energia elétrica e definiu a propriedade das fontes de energia hidráulica existentes como sendo da União e centralizou as concessões de exploração, privadas ou não, no Presidente da República. Segundo Borenstein (1997, p. 71 apud Medeiros, 1993) “o código atribuía ao poder público o controle sobre as concessionárias de energia elétrica, determinando a fiscalização técnica, financeira e contábil destas empresas” e “esta cláusula visava atingir as empresas estrangeiras atuando no Brasil, em especial a LIGHT, acusada de auferir grandes lucros, via tarifa, além de transferir capitais ao exterior”. Segundo Borenstein (1997, p.71, apud Medeiros, 1993), os indutores para esta postura intervencionista eram: a) Movimento mundial nesta direção visando reduzir níveis tarifários; b) A característica de autofinanciamento do setor permitia a interferência estatal, realizando os investimentos necessários e evitando a remessa de divisas para o exterior; c) As constantes denúncias de lucro excessivo das companhias estrangeiras; d) O desejo de eliminar autoprodução de energia, por consumidores industriais, via grupos diesel, devido ao alto preço tarifário. O período de 1930 a 1945 é caracterizado pelo lançamento das bases institucionais para o projeto de industrialização brasileira, e a história econômica brasileira assume o ano de 1930 como referência para o início do modelo de substituição de importações20. Este período é caracterizado por diversas medidas destinadas à consolidação jurídica-institucional do setor elétrico nacional e o Código de Águas e de Minas de 1934, anteriormente referido, é o marco deste período. O Código, de cunho fortemente intervencionista, regula praticamente todas as atividades de exploração e determina as tarifas de serviços públicos. Interessante observar que, segundo Calabi (1983, p. 123) as críticas que “... o Código das Águas impunha obstáculos ao desenvolvimento do setor de energia elétrica, estavam mais ligadas ao problema das tarifas, baseadas no custo histórico e no custo do serviço, gerando uma polêmica em torno desse problema que se prolongaria até a década de 60”. Segundo aquele autor,o Código de Águas deixa em papel um tanto quanto secundário o setor hidrelétrico, devido à ênfase dada ao aproveitamento das forças hidráulicas, embora reconheça certo pioneirismo no tratamento dado ao setor. 20 De acordo com Fonseca (1989, p. 147) “enquanto os economistas, principalmente os de tradição cepalina, como Celso Furtado, Ignácio Rangel, Paul Singer e Maria da Conceição Tavares, consagraram a interpretação segundo a qual a economia brasileira a partir de 1930 passara a ser regida por novo “modelo”.de “substituição de importações”, em oposição ao “modelo agroexportador” do período imediatamente precedente”. 39 O período de 1946 a 1964 apresenta uma economia brasileira com um parque industrial avançado e bem diversificado. Apesar do crescente envolvimento dos Governos Estaduais nas atividades do setor elétrico, havia muitas vozes sugerindo o aumento de suprimentos de eletricidade, entre elas o próprio Presidente Getúlio Vargas durante seu segundo mandato. Segundo Calabi (1983, p. 137) “[Vargas] considerava que o aumento da produção de energia elétrica constituía imperativo do programa de Governo” e “alertava para o déficit considerável de instalações produtoras de energia elétrica, que poderia agravar-se com o avanço da industrialização, eletrificação ferroviária e reorganização dos transportes urbanos”. Tal cenário reforçava, na opinião do Presidente Getúlio Vargas, a necessidade de intervenção crescente do Estado dado o desinteresse do capital privado em serviços de utilidade pública21. Havia uma crise de oferta de energia no período 1953 a 1955, embora a capacidade instalada e a produção de eletricidade apresentassem fortes taxas de crescimento durante as décadas de 40 e 50 devido ao crescimento industrial acelerado. Novamente, agora em outro momento, registra-se que “para alguns, esses problemas estão relacionados com a redução dos recursos próprios das empresas, em virtude do descompasso entre o nível das tarifas e as taxas inflacionárias, gerando uma constante descapitalização das empresas concessionárias de energia elétrica” (Calabi, 1983, p. 137). As dificuldades do modelo vigente em atrair os investimentos necessários para atender à demanda crescente, particularmente aquelas relativas ao acesso a fontes de financiamento em montantes elevados, estimularam a participação estatal em anos posteriores por meio de planos como o SALTE, de Metas, BNDE e de empresas estatais. Em 1954, o Pres. Vargas apresenta três grandes planos “destinados a transformar a estrutura econômica do país, abrindo-lhe um novo e portentoso ciclo de prosperidade” e que “não escondiam seu caráter nacionalista” (Fonseca, 1989, p. 422). Tais planos estavam alicerçados na criação da Petrobrás, Plano de Valorização Econômica da Amazônia e a Eletrobrás. A Eletrobrás (Centrais Elétricas Brasileiras S.A.), cuja proposta derivava de um Plano Nacional de Eletrificação, considerado vital para o desenvolvimento brasileiro, sofreu fortes oposições no Congresso e somente foi aprovada em 1961. Segundo Calabi (1983, p. 138), o projeto Eletrobrás só avançou “em virtude da pressão exercida pelas centrais elétricas estaduais, cujas relações com o BNDE já não eram satisfatórias”. A criação da Eletrobrás inaugura uma nova fase na história do setor elétrico tipificada por uma forte intervenção estatal. A Eletrobrás foi concebida para gerir os recursos da União, 21 Ver Fonseca (1989, p. 420) acerca das posições ambíguas do Pres. Vargas em relação às denúncias do imperialismo e, simultaneamente, os pedidos de ingresso de capitais estrangeiros. 40 oriundos parcialmente do então recém-criado Imposto Único sobre a Energia Elétrica – IUEE – destinados aos empreendimentos no setor. Como destaca Robenstein (1997, p. 73), “com a constituição da Eletrobrás, ficava definida a estrutura organizacional do setor elétrico brasileiro...” e “a Eletrobrás controla ainda quatro empresas geradoras de âmbito regional, que, juntas, cobrem todo o território nacional: Eletronorte (fundada em 1972), Chesf (fundada em 1945), Furnas (fundada em 1957) e Eletrosul (fundada em 1968). Tem ainda duas controladas de âmbito estadual: a LIGHT, cujo controle adquiriu em 1978, e a Escelsa – Espírito Santo Centrais Elétricas S.A.”. A LIGHT, a Escelsa e parte da Eletrosul, como verse-á ao longo do presente capítulo, foram privatizadas como parte do novo modelo do setor elétrico implementado ao longo da década de 90. Com a inserção de Itaipu Binacional, a partir de 1973, consolidou-se a primeira experiência de planejamento integrado de grande porte. O regime militar (1964) reconhecia que as tarifas estavam defasadas e implementou um período denominado de “realismo tarifário” (1964-1975) e, até 1967, aponta Robenstein (1997, p. 76) “as tarifas cresceram, em média 62,4 % ao ano, enquanto a inflação cresceu 39 %, em média, no período”. O período pós-1975 foi marcado por diversos eventos internacionais com efeitos sobre a política energética brasileira, bem como por mudanças institucionais, políticas e econômicas internas, cujo resultado foi a expressiva diminuição dos fluxos de recursos para o setor elétrico. Este cenário econômico é analisado na seção 3.1 em maiores detalhes e foi responsável pelo agravamento da crise de abastecimento de energia elétrica a partir de 1984, pois o crescimento da demanda não era mais atendido. Esses fatos, aliados à estiagem, a partir de 1985 causaram uma crise séria de abastecimento na Região Sul (1986) e Nordeste (1987). Este era o cenário que precedeu às reformas implementadas ao longo da década de 90 como ver-se-á a seguir. 3.1 A EVOLUÇÃO DA CRISE PRÉ-REFORMAS DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO Para se compreender a evolução histórica da crise, propõe-se uma avaliação com base no conjunto de recursos para investimentos, os quais se originam, basicamente, de três fontes: (a) recursos operacionais próprios; (b) aportes de capital, principalmente governos federal e estadual; e (c) financiamentos. Relativamente aos recursos operacionais próprios, as tarifas autorizadas são determinantes. Desde 1975, as tarifas passaram a sofrer, progressivamente, redução em seu 41 valor real. Tal realidade contrasta com o período 1964-1975 já referido, cuja política tarifária foi “mais realista”. Segundo Medeiros (1996, Cap. 3), a regressão do nível tarifário passa a ser mais fortemente percebida a partir de 1977, “quando o poder de definir tarifas escapa ao âmbito do setor elétrico com o Decreto Presidencial 79.70622 e constituiu-se em forte evidência da interferência que o setor passou a sofrer da área econômica do governo federal” e pode ser percebida pela evolução tarifária apresentada na Tabela 1: Tabela 1 Brasil – Evolução das Tarifas de Eletricidade Ano Tarifa Média Industrial (3) (1) (1) (2) Residencial (2) (1) Comercial (2) (1) (2) 1975 85 100 54 100 140 100 133 100 1977 71 84 48 89 117 84 111 83 1979 65 76 45 83 103 74 103 77 1981 68 80 54 100 85 61 107 80 1983 55 65 43 80 69 49 88 66 1985 53 62 45 83 57 41 84 63 1987 58 68 50 93 65 46 100 75 1989 40 47 34 63 40 29 69 52 Fonte: DNAEE apud Medeiros (1996) (1) US$ de 1989/Mwh (2) Base 1975 = 100 (3) Exclui as tarifas especiais Apesar de o Governo Federal implementar o Plano de Recuperação Setorial –PRS – visando aumentar gradualmente as tarifas para desestimular o consumo e remunerar as empresas de forma a retomar os investimentos no setor, as tarifas continuaram a ser instrumento de combate à elevada inflação daquele período ou instrumento de política 22 O Decreto presidencial 79.706 de 19/5/77 define que “o ato de fixação ou reajustamento de qualquer preço ou tarifa por órgão ou entidade da Administração Federal, direta ou indireta, mesmo nos casos em que o poder para tal fixação seja decorrente de lei, dependerá, para sua publicação e efetiva aplicação, de prévia homologação do ministro da Fazenda”. 42 macroeconômica para fins distintos23. De qualquer modo, o decréscimo real das tarifas ao longo do período exemplificado conduziu a uma forte distorção do reajuste tarifário com conseqüente impacto sobre o nível de investimento e a taxa de retorno. Essa última garantida por lei com vistas a recompor as perdas oriundas da inflação e do custo de capital24. Os recursos para eventuais aportes do governo federal ou estadual derivavam da Reserva Geral de Reversão – RGR – (coletado com base nos valores dos ativos de cada distribuidora e gerido pela Eletrobrás) e de outras duas outras importantes fontes de recursos para investimentos no setor elétrico, o Imposto Único sobre Energia Elétrica – IUEE – e o Empréstimo Compulsório. O IUEE chegou a participar em 7% do total das fontes de recursos do setor elétrico em 1970 e foi gradualmente diminuindo ao longo do tempo devido à própria redução tarifária (base de sua incidência) e paulatinamente desviado para outros investimentos setoriais. A Constituição de 1988 extinguiu o IUEE. O Empréstimo Compulsório chegou a participar em 10% dos recursos setoriais em 1970 e foi reduzido para 2% em 1989. O endividamento do setor deriva de decisões iniciadas no passado e encontra abrigo no cenário de liquidez internacional existente durante o final da década de 60 e começo da 70. O estrondoso desequilíbrio na balança comercial, surgido em 1974 como fruto do choque do petróleo, colocou o governo militar brasileiro em frente a uma difícil decisão quanto aos rumos da economia: financiamento ou ajustamento. Segundo Castro (1985, p. 27), “a escolha do financiamento significa que as autoridades preferem evitar as dificuldades e sacrifícios que há de enfrentar-se, para que a economia se adapte às novas circunstâncias”. Segundo o mesmo autor, a alternativa é o ajustamento, ou seja, políticas fiscal e monetária ortodoxas desacelerando o crescimento econômico. Contudo, o governo militar decidiu pelo “crescimento-com-endividamento”, opção feita já nas décadas anteriores por meio do crescimento via “poupança externa”. Esta decisão, no entanto, apresentou uma vertente estratégica para o processo de desenvolvimento Brasileiro: a formação de capital racionalmente dirigida para os bens de capital e infra-estrutura /insumos e, conseqüentemente, alteração da estrutura produtiva do país. O II Plano Nacional de Desenvolvimento – PND – plano básico das intenções governamentais, foi concebido no sentido de substituir importações (basicamente bens de capital e insumos básicos) e permitir alavancar, se possível, 23 Conforme Portugal (1988, p.7), muitos autores chamavam a atenção para a manipulação de preços públicos como um instrumento de combate à inflação, contudo por vezes “a racionalidade que há por trás da política de preços públicos se liga à necessidade de ajustes do balanço de pagamentos”. 24 As tarifas homogêneas eram nacionalmente determinadas e deveriam cobrir os custos de serviço e garantir uma rentabilidade mínima de 10% e máxima de 12% sobre o denominado “imobilizado em serviço”. Os superávits e déficits eram equalizados via Conta de Resultados a Compensar – CRC– que funcionava como uma conta de compensação entre empresas eficientes e ineficientes. 43 os níveis de exportação vigentes. Havia abundância de capitais disponíveis no mercado financeiro internacional e a juros muito atraentes. Os vultosos investimentos foram realizados por meio, principalmente, das grandes empresas estatais, tais como a Eletrobrás, a Siderbrás, a Embratel, a Petrobrás e muitas outras. O expressivo aumento dos juros internacionais no começo da década de 80 viria selar a esperança de retomar o crescimento via captação de recursos internacionais e conduziu o setor elétrico a uma difícil situação financeira. Contudo, é pertinente notar que o volume de investimentos durante a década de 80 foi superior à década anterior devido aos projetos iniciados em anos anteriores, particularmente grandes projetos como Itaipu, Turucuí e Xingó. Os investimentos da atividade distribuição apresentaram comportamento semelhante, conforme Tabela 2. Tabela 2 - Investimentos no Setor Elétrico Nacional Em R$ bilhões de Reais de 1995, Médias Anuais Segmento 1970/80 1981/90 1991/95 9,2 11,4 6,0 Geração 5,4 6,7 3,4 Transmissão 2,3 2,7 1,0 Distribuição 1,1 1,5 1,1 Instalações Gerais 0,5 0,5 0,5 Total Fonte: Eletrobrás – Plano Decenal de Expansão (deflator: IGP – DI) A Tabela 3 demonstra a evolução das taxas básicas internacionais, portanto, excluindo outros custos e riscos tais como risco soberano e de crédito, mas que demonstram a grande diferença entre o retorno estimado (ver Nota 24) do setor e seu custo financeiro. 44 Tabela 3 – Setor de Energia Elétrica Comparação Entre a Taxa de Remuneração do Investimento e Taxas de Juros no Mercado Financeiro Internacional (%) Ano Remuneração Prime Libor 1975 12,30 7,60 7,80 1977 11,20 6,50 6,10 1979 7,70 11,50 10,50 1981 7,90 20,10 17,30 1983 6,70 10,50 10,00 1985 6,30 9,50 8,00 1987 5,30 8,30 7,00 1989 -0,80 11,40 9,80 Fontes: DNAEE /Banco Central /Revise Em conjunto com o encarecimento dos encargos financeiros, o perfil do prazo da dívida do setor apresentou acentuada redução, como apresentado na Tabela 4. Tabela 4 – Perfil do Endividamento do Setor Elétrico Ano No. de Anos Para Pagamento 1980 11 1981 12 1982 11 1983 10 1984 6 1985 7 1986 7 Fonte: Revise / Medeiros (1996) De acordo com Camargo (2001, p.13), a crescente dificuldade financeira do setor ao longo da década de 80 conduziu à “paralisação forçada de diversas obras importantes (dentre elas Serra da Mesa, Itá, Machadinho e Cachoeira Dourada) abandonadas pela total escassez de recursos para seu prosseguimento”. O agravar da crise induziu aos governos federal e estadual 45 a socorrer as empresas do setor por meio de transferências governamentais, o que demonstrava o esgotamento do modelo adotado. A Tabela 5 permite visualizar a evolução das fontes e usos de recursos do setor, a qual reflete os aspectos discutidos. Tabela 5- Fontes e Usos de Terceiros do Setor Elétrico Composição (%) em anos selecionados Principais Contas 1970 1975 1980 1985 1989 1994 Fontes 100 100 100 100 100 100 Ger. Própria de 42 44 44 38 11 67 Recursos Operacionais 25 20 29 25 8 54 IUEE 7 8 4 3 0 0 Empr. Compulsórios 10 7 5 4 2 0 RGR 0 9 6 6 1 13 21 18 5 2 44 21 Empr. e Financiamentos 37 38 51 60 45 12 Usos 100 100 100 100 100 100 Investimentos 76 75 54 40 25 70 Serviço da Dívida 14 15 31 68 98 66 Dividendos e Outros 0 2 7 2 19 8 Variação do Capital 10 8 8 -10 -42 -44 Recursos Transferências Governamentais Circulante Líquido Fonte: Oliveira et alii (1997, p. 112) apud Camargo (2001 p. 13) Nota-se que a introdução do Plano Real em 1993 contribuiu para alguma recuperação tarifária devido ao fim da inflação e da instabilidade macroeconômica. Contudo, a situação econômica e financeira das empresas do setor elétrico já se encontrava degradada. O decréscimo das tarifas, o grau de endividamento acompanhado pelo aumento do seu custo e redução de prazos, e a extinção de fontes importantes de recursos, como o Imposto Único Sobre Energia Elétrica – IUEE– e o Empréstimo Compulsório, culminaram em 1993 com um cenário de inadimplência do setor, exemplificada pela séria disputa entre as 46 distribuidoras e os geradores federais25. Segundo Medeiros (1996, p. 146), o passivo registrado na Conta de Resultados a Compensar – CRC – era da ordem de US$ 22 bilhões26, o qual foi transferido para a União com vista a sanear o setor elétrico. Do rescaldo do cenário caótico descrito acima, pode-se concluir que o modelo estatal e de “irrealismo tarifário” adotado se tornara inviável, e medidas corretivas eram iminentes. O modelo vigente anterior somente tornou-se viável graças à abundância de financiamento a custos relativamente baixos obtidos por meio dos mecanismos de garantia federais. O esgotamento daquele ambiente financeiro favorável exigiu mudanças radicais no setor elétrico nacional com vistas a atender às necessidades de recuperar a saúde financeira das empresas e atrair novos investimentos para o setor. 3.2 A REFORMA DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO A tendência mundial de desregulamentação do mercado de energia elétrica iniciada há mais de três décadas em países como a Inglaterra e Estados Unidos, entre outros, encontrou abrigo no Brasil em amplas discussões iniciadas ao longo da década de 80, mas cujas mudanças efetivas iniciaram-se a partir de 1993 por meio da Lei 8.631/93. A Lei 8.631 implementou em 1993, entre outras medidas, a extinção da regulação de taxa de retorno garantida, eliminou o nivelamento geográfico das tarifas e implementou o princípio do preço garantido, baseado no custo incorrido. O período entre 1993 e 1998 é caracterizado por uma regulação de maior flexibilidade da taxa de retorno e uma tentativa de recuperar tarifas. As distribuidoras e geradoras passaram a submeter suas propostas de tarifas à autoridade federal, bem como seus contratos de longo prazo, especificando quantidades, preços e garantias de pagamento. As tarifas passaram supostamente a refletir o custo incorrido de cada companhia e foi permitida maior autonomia em estabelecer tarifas para cada classe de consumidores, desde que a média tarifária fosse mantida. Esse último aspecto possibilitou a estrutura de classe tarifária diferenciada entre distribuidoras, cujo fundamento se mantém até hoje. 25 De acordo com o relatório anual da Eletrobrás (1993) havia ameaças de intervenções federais, disputas judiciais, ameaça de perda de concessões, entre outros eventos. 26 Pires (1998, p. 42) apud Resende e Alqueres (1993) menciona o montante de US$ 20 bilhões. Tal montante é o líquido dos US$ 25 bilhões devidos pela União às empresas do setor por conta da insuficiência tarifária e US$ 5 bilhões devidos pelas empresas à Eletrobrás em virtude da inadimplência da energia suprida. 47 No entanto, mesmo após a implementação do Plano Real em 1993, as tarifas continuaram a ser um mecanismo de combate à inflação e foram congeladas por um período de 18 meses, impossibilitando a recuperação da defasagem histórica e dos custos correntes27. As tarifas somente foram parcialmente recompostas a partir de 1994 devido ao fim das taxas elevadas de inflação, articulações políticas das empresas do setor e a perspectiva de privatizações, particularmente das distribuidoras. Assim, desde o início da década de 90 e simultaneamente à evolução das medidas referidas, o Governo Federal deu prosseguimento aos estudos para a reforma do setor elétrico, envolvendo aspectos estruturais e institucionais. A continuidade da crise das finanças públicas e a do setor elétrico estimularam a evolução de medidas no sentido de atrair a iniciativa privada ao setor, as quais foram incluídas no Plano Nacional de Desestatização – PND – iniciado no Governo Collor que previa a transferência de serviços públicos ao setor privado em sua segunda fase. Nesse contexto foram tomadas medidas como a permissão de livre acesso à rede de transmissão mediante pedágio via criação do Sistema Nacional de Transmissão de Energia Elétrica – SINTREL – (Decreto 1.009/93), a promulgação da Lei das Concessões (Lei 8.987/95) que implementou as condições básicas para concessões e produtores independentes de eletricidade, e a constituição do Produtor Independente de Energia Elétrica – PIEE – (Lei 9.074/95) que regulamentou a Lei 8.987/95, definindo consumidores livres, acesso à rede de transmissão e condições de concessão para o setor elétrico. Tais medidas foram fundamentais para estabelecer os próximos passos de reforma do setor. Vale a pena ressaltar que, em 1995, o setor elétrico se encontrava em uma fase aguda da crise, com elevados riscos de déficit de energia e necessidade urgente de atrair novos investimentos para expandir a capacidade de geração. Assim, a reforma do setor elétrico deveria propiciar as condições para um ambiente atrativo e competitivo para a iniciativa privada e definir um novo modelo institucional compatível com a nova arquitetura do setor elétrico brasileiro. Em julho de 1996, a Eletrobrás contratou a consultoria Coopers & Lybrand para arquitetar o novo modelo no âmbito do Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro – RESEB –. Os estudos que se estenderam até 1998 conduziram às seguintes conclusões28 e medidas: 27 A MP 482/95 que instituiu o Plano Real suspendeu, a partir de junho de 1995, os reajustes das tarifas públicas e a Lei 9.069/95 revogaram o programa de recuperação tarifária implementado pela Lei 8.631/93. 28 De acordo com o relatório da Coopers & Lybrand – Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro – Sumário Executivo – Estágio VII SEN/Eletrobrás 1997. 48 a) Estabelecimento de um novo modelo comercial de energia com a criação de um mercado denominado Mercado Atacadista de Energia – MAE –, em substituição ao sistema de preços regulamentados de geração e contratos renováveis de suprimento e os mecanismos de planejamento e desenvolvimento da expansão de geração; b) As implicações estruturais do novo modelo comercial relativas às atribuições dos agentes do setor responsáveis pelas atividades operacionais; c) Os arranjos comerciais para os sistemas de transmissão e distribuição; d) Os principais ajustes legais e regulamentares necessários para introdução das alterações comerciais e estruturais; e) A base para a regulamentação econômica, técnica e de atendimento ao cliente; f) As mudanças institucionais propostas em relação ao governo e as bases para a organização da ANEEL como órgão regulador independente; g) O novo papel da Eletrobrás; h) O financiamento do setor e o papel e organização dos agentes financeiros setoriais; e i) Análise dos principais riscos de cada atividade. Dessas conclusões decorreram regulamentações específicas, com destaque para: a) O Decreto 2.655/98 que regulamentou o MAE; b) Portaria DNAEE 459/97 que estabelece as condições gerais de acesso aos sistemas de transmissão e distribuição, definindo as zonas geoelétricas do território nacional; c) Portaria DNAEE 466/97 que estabelece as condições gerais de fornecimento, complementando o Código de Defesa do Consumidor; d) As Leis 9.427/96 e 2.335/97 que instituíram e regulamentaram a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL – extinguindo o Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE–; e) A Lei 9.648/98 que estabelece e define atividades que dependem da autorização da ANEEL, institui o MAE e a criação do Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS – (posteriormente o Decreto 2.655/98 complementa a regulamentação do MAE e define regras de organização do ONS). Simultaneamente às reformas referidas, o governo federal iniciou a “desverticalização” das empresas do setor em geradoras, transmissoras e distribuidoras. Essas 49 últimas ainda englobando as futuras atividades de comercialização. O processo de privatização das empresas de distribuição iniciou-se em 1995 com a privatização da Espírito Santo Centrais Elétricas –Escelsa–. O Anexo B apresenta a seqüência de privatizações de distribuidoras e geradoras, ocorridas desde o início do processo. Durante a segunda metade da década de 90, 19 companhias de distribuição de energia e três companhias de geração foram privatizadas no âmbito do Programa Nacional de Desestatização, criado pela Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990. Dentre as 19 companhias de distribuição privatizadas, 17 eram companhias estaduais, enquanto duas pertenciam à União. As companhias de geração privatizadas foram: (i) Tractebel, uma companhia de geração resultante da segregação dos ativos de geração da Empresa Transmissora de Energia Elétrica do Sul do Brasil – Eletrosul Transmissora; (ii) Centrais Elétricas Cachoeira Dourada, companhia de geração pertencente ao Estado de Goiás; e (iii) AES Tietê S.A. e Companhia de Geração de Energia Elétrica do Paranapanema, empresas geradoras resultantes da divisão da CESP (Centrais Elétricas de São Paulo). É importante realçar que o modelo comercial adotado no Brasil prevê a existência de dois tipos de consumidores: os “livres”, que têm o direito de escolher seu fornecedor de energia elétrica (devendo pagar, se for o caso, uma tarifa à concessionária local pelo uso do sistema de distribuição); e os “cativos”, que são obrigados a adquirir sua energia da concessionária local de distribuição. A energia elétrica demandada por Consumidores Livres é comercializada a preços livremente negociados sujeitos ao mercado competitivo. Quanto aos consumidores cativos, vigoram as tarifas sujeitas à regulação estabelecidas pelo contrato de concessão celebrado entre a distribuidora e o Poder Concedente. Com vista a um entendimento mais detalhado, apresenta-se no Anexo H um resumo das atribuições dos órgãos reguladores e de fiscalização do novo modelo do setor elétrico. A figura abaixo sintetiza os principais agentes do novo setor elétrico. 50 Figura 5 – Agentes do Setor Com o propósito de situar as reformas no contexto mundial, descrevem-se brevemente algumas características dos regimes tarifários no Brasil, no Reino Unido e Estados Unidos. As reformas britânicas e norte-americanas são consideradas uma referência habitual em estudos sobre reestruturações do setor elétrico. 3.3 O REGIME TARIFÁRIO EM VIGOR NO BRASIL Como parte da adoção de um novo modelo, agora incluindo empresas privatizadas, a agência reguladora optou por controlar as tarifas do mercado regulado (“cativo”) das concessionárias com base no regime Price Cap. De fato, adotou-se um regime derivado, o qual se pode denominar Revenue Cap, ou seja, o Nível Tarifário inicial é reajustado anualmente, considerando o crescimento de mercado projetado, e a Estrutura Tarifária é mantida fixa da data das privatizações, ocorridas até a data de Revisão Tarifária29. As tarifas praticadas pelas concessionárias referentes ao fornecimento de energia a consumidores “cativos” são determinadas segundo os contratos de concessão de cada empresa privatizada e a União, por intermédio da ANEEL. A partir de julho de 2000, os consumidores atendidos em tensão igual ou superior a 69kV e que tenham carga igual ou maior que 3 MW podem optar por adquirir energia de qualquer outro concessionário, permissionário ou autorizado a prestar serviço de energia elétrica do sistema interligado. Da mesma forma, novos consumidores que se instalarem na 29 A Lei 9427/96 contemplou, expressamente, o regime do serviço pelo preço e estendeu a sistemática prevista na Lei de Concessões para todas as demais concessões (prorrogadas, licitadas ou decorrentes de desestatização). 51 área de distribuição de determinada concessionária ou permissionária e cuja carga seja igual ou maior que 3 MW, atendidos em qualquer tensão, poderão escolher livremente seu fornecedor. A partir de 2003, esse direito poderá ser estendido a outros consumidores com tensão e/ou carga mais baixa, a critério da ANEEL. A energia elétrica demandada por Consumidores Livres que exercerem a opção de serem atendidos por um determinado fornecedor é comercializada a preços livremente negociados com o respectivo fornecedor de acordo com as regras atuais, contudo a agência reguladora poderá vir a estabelecer limites de tarifa ao consumidor final. Quanto aos consumidores “cativos”, isto é, consumidores que não podem optar por outro fornecedor de energia elétrica, vigoram as tarifas estabelecidas pelo contrato de concessão celebrado entre a concessionária e o Poder Concedente. Estas tarifas estão sujeitas aos seguintes procedimentos de reajuste e revisão: a) Reajuste Anual, realizado anualmente em uma data prédeterminada para cada concessionária, com base em uma fórmula simples que visa: (i) compensar variações nos custos da concessionária oriundos da compra de energia elétrica para revenda – incluindo as variações cambiais, cota do Reserva Global de Reversão - RGR, cotas da Conta de Consumo de Combustíveis – CCC, Taxa de Fiscalização dos Serviços de Energia Elétrica – TFSEE– e encargos de conexão e uso do sistema de transmissão (esses custos são conhecidos como “Não-Gerenciáveis” ou “Parcela A”) e (ii) atualizar a parte das tarifas que não corresponda àqueles custos, excluído o ICMS, por índice de inflação (o IGP-M ou índice que o substitua). Estes custos correspondentes às despesas operacionais e margem de lucro são denominados “Parcela B” de custos “Gerenciáveis”. A fórmula a seguir resume a lógica do reajuste anual: IRT t = VPA t+ VPB t − 1 RA Onde: IRT = Índice de reajuste Tarifário VPA = Valor da Parcela A VPB = Valor da Parcela B X = Fator “X” RA = Receita Autorizada da Concessionária ( IGPM t−1 t -X t ) 52 Em 2001, o Governo Federal autorizou a criação pelas distribuidoras de energia da Conta de Compensação de Variação de Valores da “Parcela A” (CVA). Nesta conta, deve ser contabilizada a variação dos custos Não-Gerenciáveis das distribuidoras, que compõem a chamada “Parcela A” da fórmula do reajuste tarifário anual a que as concessionárias têm direito. O saldo da CVA na data de reajuste tarifário anual será compensado nas tarifas de fornecimento das concessionárias ao longo do período de 12 meses subseqüentes ao reajuste. b) Revisão Extraordinária, que pode ser solicitada pela concessionária a qualquer tempo, caso ocorram alterações significativas nos seus custos (“desequilíbrio econômicofinanceiro”) e inclui alterações devidas às mudanças nas tarifas de compra de energia, a mudanças nos encargos de acesso aos sistemas de transmissão e distribuição ou à criação e alteração de tributos (exceto imposto sobre a renda e contribuição social), de modo a restaurar o EEF do Contrato de Concessão; e c) Revisão Periódica, que deve ter lugar um ano após o quinto reajuste anual concedido30 e, depois disto, a cada cinco anos, para que o Poder Concedente possa rever as tarifas considerando eventuais alterações na estrutura de custos e de mercado da concessionária, os níveis de tarifas observados em empresas similares no contexto nacional e internacional, a necessidade de promover o EEF e a modicidade das tarifas. Essa revisão será implementada com a determinação de uma variável, conhecida como “Fator X”, que integra a fórmula do reajuste anual e reduz ou aumenta o IGP-M ou índice que venha a substituí-lo. Durante o primeiro período entre a privatização e a primeira revisão periódica, o “Fator X” foi estabelecido em zero pela agência reguladora. A metodologia para se proceder à revisão tarifária consiste em revisar as condições de desempenho da concessionária, apurando a dimensão dos ganhos de eficiência realizados durante os cinco anos anteriores e não integrados na tarifa, bem como avaliar e corrigir eventuais desequilíbrios econômicos e financeiros. Assim, a revisão tarifária periódica incluirá os ganhos de eficiência projetados (“Fator X”) para os 5 anos seguintes ou até que se realize nova Revisão Tarifária. Conforme se observa nos Anexos B e C, diversas concessionárias foram privatizadas em 1996 e 1997 e serão alvos da 1a Revisão Tarifária a partir de 2003. A única empresa a ter uma Revisão Periódica completa foi a Escelsa (ES) em 1998 e 2001. A Nota Técnica Nº. 30 Para a Escelsa a 1ª revisão ocorreu em 1998 e a 2ª em 2001 (Nota Técnica nº. 97/2001 da ANEEL) , uma vez que seu contrato previa 3 anos de intervalo revisional. O período revisional da Light e da CERJ é de 7 anos. Para as demais, o período previsto é de 5 anos. 53 97/2001 referente à 2a revisão periódica da Escelsa, a Nota Técnica Nº. 148/2002 sobre Base de Remuneração, bem como a respectiva Resolução 493/2002 derivada da Audiência Pública 05/200231 e a Nota Técnica 326/2002 (Audiência Pública 023/2002) sobre o cálculo do “Fator X” constituem-se nos mais atualizados documentos de referência metodológica emitidos até dezembro de 2002 pela ANEEL por meio da Superintendência de Regulação Econômica. 3.4 O REGIME TARIFÁRIO DO REINO UNIDO A reestruturação do setor elétrico do Reino Unido32 destacou-se como um modelo pioneiro de liberalização e encontra-se atualmente em estágio bastante avançado. A nova arquitetura começou a funcionar em março de 1990, tendo sido precedida de intensas medidas, contratos e treinamento do pessoal envolvido com vista a diminuir o risco das reformas. A publicação e implementação do Electricity Act (1989) caracterizou-se pela introdução de uma desverticalização setorial, estabelecimento de regras a priori e mecanismos de suporte à livre competição. O mecanismo de Price Cap foi introduzido no âmbito das reformas e privatizações Britânicas, primeiramente no setor de Telecomunicações em 1984, e, posteriormente, estendendo-se aos setores de gás natural (1985), aeroportos (1987) e abastecimento de água em 1989 e 1990 (Rees e Vickers 1995 apud PIRES 1998). A criação de um “consórcio” ou pool de eletricidade foi determinante para o progresso do modelo adotado. O pool estabeleceu-se como um mercado à vista de eletricidade com filiação obrigatória para todos os geradores e fornecedores de eletricidade licenciados. Por meio do pool implementou-se um mecanismo de preço de eletricidade no atacado e a definição de mérito para geração a fim de atender à demanda prevista, mais uma reserva de margem. Apesar da existência do pool, a comercialização de energia via contratos bilaterais continuou e permite reduzir a exposição dos geradores e compradores de eletricidade às flutuações de preços do mercado à vista. Convém notar que a competição no fornecimento de energia foi introduzida gradualmente até 1999, quando o grande volume de consumidores (50% da demanda total) abaixo de 100 Kw foi incluído no mercado aberto. 31 Encerrou-se em 20 de julho de 2002 a Audiência Pública Nº 05/2002 da ANEEL com vista a recolher contribuições para um aspecto integrante da revisão tarifária: a base de remuneração para o cálculo do retorno sobre o capital investido. Essa audiência pública contou com uma colaboração de nossa autoria. 32 O Reino Unido possui três sistemas elétricos distintos: o da Irlanda do Norte, o da Escócia e da Inglaterra e País de Gales. Os comentários referem-se a este último, uma vez que é o mais representativo quanto à demanda. 54 Além do sucesso operacional do modelo implementado, diversas melhorias foram introduzidas ao longo da década de 90 no sentido de permitir reduções mais acentuadas de preços. Uma das principais alterações no modelo inicial foi a implementação de um “Fator X” que variou entre 0% e – 2,5% entre o período de 1990/95 e, devido a críticas sobre uma possível “captura” da agência reguladora (Office of Electricity Regulation - Offer33), o “Fator X” passou a situar-se entre 0% e 2%. O regime tarifário do Reino Unido também prevê a permissão de repasse (pass-through) para as tarifas dos custos variáveis que se alterem durante o intervalo regulatório (5 anos) e, segundo Pires (1998, p. 52), “os componentes passíveis de repasse aos consumidores representam 95% dos custos variáveis de suprimento de energia”, o que demonstra uma boa cobertura dos custos variáveis. O modelo liberal e o regime de Price Cap adotado no Reino Unido vem obtendo sucesso34 quanto ao objetivo de reduzir preços e atrair novos investimentos. Contudo, tal conclusão merece uma avaliação mais criteriosa à luz das condições propícias dos níveis tarifários iniciais britânicos e a sensibilidade da agência reguladora à remuneração dos capitais. 3.5 O REGIME TARIFÁRIO NORTE-AMERICANO A estrutura do setor elétrico norte-americano é complexa devido às características geográficas, políticas, institucionais e de configuração do sistema elétrico. Tais características são determinantes para explicar os diferentes estágios de reforma do setor elétrico entre os vários estados norte-americanos. De um modo geral, a regulação norte-americana possui uma estrutura em nível federal – Federal Energy Regulatory Comission (Ferc) – e estadual – Public Utilities Commission (PUC), para além das instituições relacionadas, tais como o Department of Justice (DOJ) e a Attorney General (AG), ambas em âmbito estadual e federal. Dada a relativa independência dos estados norte-americanos e dos sistemas geoelétricos daquele país, as PUCs tiveram ao longo da experiência americana forte presença nos assuntos regulatórios, o que possibilitou a adoção de medidas descentralizadas para a metodologia tarifária. A FERC tinha o papel de resolver conflitos ou normatizar assuntos interestaduais e manter a eficiência geral do sistema elétrico. 33 Em junho de 1999, refletindo a convergência entre os setores de gás e eletricidade, uma nova agência foi criada – Office of Gás and Electricity Markets (Ofgem). 34 Ver Palmier (2002) 55 O primeiro marco regulatório foi o Public Utility Company Act (Puhca) ocorrido em 1935. De acordo com o US Department of Energy (1997, p. 2), “o efeito dessa legislação foi dar o controle do serviço de eletricidade às companhias operacionais locais e, como resultado, facilitar a regulação efetiva da energia elétrica para transações de varejo em nível do Estado” (tradução própria). As regras definidas pela PUHCA não permitiam a livre concorrência no fornecimento de energia elétrica e a maioria das transações era regulada via regime de “Taxa de Retorno” (“Custo do Serviço”). Este modelo do setor elétrico norte-americano vigorou até 1978 quando o Public Utility Regulatory Policies Act (PURPA) foi aprovado pelo Congresso daquele país em decorrência da crise energética mundial ocorrida durante a década de 70 em virtude do embargo do petróleo árabe (1973) e a revolução Iraniana de 1978-79. De acordo com o US Department of Energy (1997, p. 3), as ações das Utilities perderam cerca de 38% do valor em menos de 6 meses em 1974. O PURPA pretendia, segundo Pires (1999, p. 11), “reduzir o excesso de capacidade instalada das empresas elétricas, reduzir as tarifas de eletricidade, encorajar a conservação de energia e estimular a entrada de produtores independentes de eletricidade com base em fontes energéticas renováveis”. Assim, entre outras medidas, destaca-se que o PURPA introduziu a competição no mercado de fornecimento de energia elétrica norte-americano exigindo que as Utilities comprassem energia de co-geradores e produtores de energia de combustível renovável. Tal medida pretendeu reduzir a dependência em relação ao petróleo e contribuiu para criar produtores independentes de energia e, adicionalmente, o embrião do mercado atacadista. No entanto, devido ao regime tarifário de Cost-of-Service que permaneceu em vigor sem um mecanismo que incentivasse o aumento de eficiência e compartilhamento de ganhos, a crise energética e financeira mundial induziu a um aumento de tarifas para o consumidor final devido ao repasse do aumento dos insumos, das taxas de juros e dos custos de regras ambientais e de segurança oriundos das plantas nucleares construídas como alternativa à crise energética (Pires, 1999, p.12). Também o conceito de “custo evitado” utilizado por vários estados permitiu a entrada em funcionamento de plantas não-econômicas e a ausência de condições para o funcionamento de um mercado competitivo de energia em nível nacional. Esse último problema é devido, principalmente, à ausência de adequado acesso de terceiros às redes de transmissão. 56 Em 1992 foi publicado o Energy Policy Act (EPACT) com intuito de corrigir os problemas mencionados e estimular maior concorrência na geração de energia elétrica35. Para o propósito deste trabalho, um importante assunto foi tratado pela legislação mencionada e posteriores diretrizes (ver Nota 23): a recuperação dos custos incorridos para servir os consumidores devido aos preços competitivos situarem-se, eventualmente, abaixo das tarifas reguladas. Quando tal situação ocorre, “custos diferenciais (incluindo a recuperação do capital de investimentos anteriores) vêm a estar “encalhados” (tradução própria)36, de acordo com o US Department of Energy (1997, p. 16). Apesar da mudança de regime tarifário previsto apenas para a atividade de geração (a distribuição e transmissão permanecem reguladas sob o regime de Custo do Serviço pelo preço médio), o impacto da desregulamentação das tarifas das geradoras conduziu a um montante estimado de “custos encalhados” da ordem de US$ 72 a US$ 169 bilhões de dólares, podendo conduzir diversas Utilities à dificuldades financeira e mesmo à falência (US Department of Energy, 1997, p. 80,93). Essa situação é tratada pela regulação dos EUA (Order 888-A, ver Nota 23) da FERC que autorizou a recuperação dos “custos encalhados” considerados pertinentes e prudentes pelas PUCs, essas últimas responsáveis por tais avaliações. A solução encontrada foi cobrar, durante um período de transição, uma “taxa de conecção ou de saída” mais do que um encargo por kilowatthora. Em outras palavras, o princípio seguido foi o da “receita perdida” originária da saída de um consumidor cativo para um mercado livre por meio de um contrato bilateral com um terceiro. Tal medida visou manter a integridade econômica-financeira das Utilities. A abertura do mercado varejista para a competição depende, para além das medidas tomadas pela FERC, de medidas oriundas das PUCs estaduais, as quais diferem quanto ao estágio de implementação e interesse político e econômico na implementação das reformas. Por esta razão, as metodologias para a definição de tarifas divergem entre os diversos estados norte-americanos. Ao longo do presente capítulo procura-se demonstrar sucintamente o vínculo entre os ciclos de investimentos no setor elétrico brasileiro, fortemente marcado pela presença do Estado a partir da década de 30, e as diversas fases do desenvolvimento nacional. Decorre que os recursos destinados aos investimentos no setor elétrico foram fortemente influenciados pelas políticas macroeconômicas e pelo ambiente econômico internacional vigentes durante o 35 As Orders 888/1996 – Promoting Wholesale Competition Through Open Access Nondiscriminatory Transmission Services by Public Utilities and Recovery of Stranded Costs by Public Utilities and Transmitting g Utilities e 889/1997 – Open Access Same-Time Information System complementam com ações nesse sentido. 57 século XX, em particular refletidas pela capacidade de o Estado obter empréstimos ou financiamentos internacionais e o grau de utilização das tarifas públicas como instrumento de combate à inflação. Aliás, especialmente às tarifas de energia elétrica se atribuíram as razões para a escassez de investimentos ou desequilíbrio econômico e financeiro do setor elétrico durante diversas crises de abastecimento do século XX. Os aspectos acima referidos parecem ser realmente as razões da grave crise financeira e de abastecimento vivida pelo setor elétrico nacional a partir da década de 80, mas cujas razões iniciaram-se na década de 70, ou seja, o esgotamento do fluxo externo de empréstimo e financiamentos ao Estado e suas empresas adicionado à explosão do custo de capital no mercado financeiro internacional e a adoção de uma política de “irrealismo tarifário”, a partir de 1975 aproximadamente. A tais razões juntou-se, posteriormente, o desaparecimento do Imposto Único sobre Energia Elétrica devido à Constituição de 1988. Frente a este cenário e à crise fiscal do Estado, a opção do Governo foi introduzir profundas reformas inspiradas parcialmente37 em modelos internacionais mais liberais, particularmente o britânico, com o objetivo de aumentar a eficiência do setor, reduzir o nível tarifário (sic) e proporcionar a retomada dos investimentos nos patamares necessários à expansão econômica brasileira. Este programa de reformas foi levado a cabo durante a década de 90, particularmente durante a sua segunda metade. As reformas, ainda em fase de consolidação, mudaram radicalmente a estrutura organizacional e econômica do setor e introduziram a figura de novos agentes e órgãos. Note-se que, segundo dados do BNDES38, o programa de privatizações centrou-se no subsetor de distribuição de energia elétrica, reduzindo a participação do setor público naquele mercado de 98% em 1995 para 37% em 2001. Em contrapartida, a geração de energia elétrica pelo setor público representava 80% aproximadamente da eletricidade gerada em 2001. Embora uma parte da necessidade de expansão da geração venha sendo atendida pelos projetos de geração hidroelétrica implementados ou iniciados por investidores privados (Machadinho, Ita, Serra da Mesa, Ceran, etc.), o programa de termoelétricas do governo federal (PPT - Programa Prioritário de 36 O termo original é stranded costs. Ao longo do nosso estudo utiliza-se também a expressão stranded investments (“investimentos encalhados”) para designar os investimentos não recuperados através das tarifas. 37 Segundo o Ex-Secretário de Energia do Ministério de Minas e Energia (MME) durante o período de março/1994 a março de 1999, Sr. Peter Grainer (“O Apagão do Setor Elétrico – Causas, Verdades e Equívocos”, São Paulo, outubro de 2001), “a Coopers & Lybrand foi contratada para elaborar um modelo competitivo de mercado elétrico para a realidade brasileira segundo um termo de referência onde se definiam todas as questões basilares a serem focadas”.Com o objetivo de ajustar o estudo às condições do País, todos os rascunhos foram discutidos com 200 técnicos brasileiros de todo País. O relatório final difere do modelo britânico em muitos aspectos. O estudo foi contratado em Agosto/96 e concluído em 1997. 38 Seminário BNDES / FGV, “A Crise de Energia: A Visão de Curto e Longo Prazo”, Presidente Francisco Gros, São Paulo, 27 de agosto de 2001. 58 Termoelétricas) não avançou. O atraso do PPT e as condições metereológicas desfavoráveis fizeram revelar o quadro deficitário de abastecimento energético nacional culminando com o racionamento de energia elétrica no país iniciado em agosto de 2001 e finalizado em meados de 2002. Deste modo, é de destacar-se a importância de implantação de um regime tarifário que estabeleça, prioritariamente, níveis tarifários compatíveis com o EEF das concessionárias, quer sejam estatais ou privadas, com a finalidade de estimular a dinâmica de investimentos no setor elétrico, em particular no momento atual em que o volume de investimentos oriundos do setor público está restrito devido à política macroeconômica em vigor. 59 4 CRÍTICA À ATUAL METODOLOGIA DE REVISÃO TARIFÁRIA A atividade de comercialização de energia elétrica é, em teoria39, competitiva e dispensa a interferência do Estado para a otimização no uso dos fatores e normalização da taxa de retorno. A atividade de distribuição refere-se ao objeto principal da concessão – e alvo deste estudo – e constitui-se em um monopólio natural, o que justifica a correção da falha do funcionamento do mercado via regulação. Em um mercado monopolizado, as companhias podem produzir menos e fixar preços mais altos do que fariam em condições competitivas. Deste modo, o monopólio natural pode permitir a obtenção de taxas de retorno excessivas ou insuficientes. Perante este papel de controlar a taxa de retorno (quer para mais quer para menos), a atividade reguladora impõe uma estabilidade do retorno sobre o capital investido, ou seja, do mesmo modo que impede o retorno excessivo por parte da companhia, ela também impede perdas extraordinárias que seriam integralmente assumidas pelo investidor e, por esta razão, impedindo o EEF. Este é um conceito importante na regulação: a regulação não permite que ocorram ganhos extraordinários (lucros econômicos supranormais) quando as condições conjunturais ou estruturais de mercado assim favorecem – como no caso do monopólio, em contrapartida, diminui o risco assumido pelo investidor, quando evita que perdas extraordinárias (lucros econômicos infranormais) ocorram. Este aspecto regulatório é fundamental para o entendimento da diferença entre uma atividade não regulada (como a livre comercialização de energia elétrica), em que o investidor assume todos os riscos mas também obtém, eventualmente, o retorno acima do lucro normal. É falacioso afirmar que o investidor privado deve assumir todos os riscos do empreendimento. Essa afirmação está mais próxima da realidade em um mercado não-regulado. Em um mercado regulado, o agente regulador tem papel determinante, e em suas mãos estão os instrumentos para estabelecer o sucesso ou 39 O modelo atualmente (2002) adotado pelo governo brasileiro pretende implementar a livre competição na atividade de comercialização de energia elétrica. Contudo, tal meta encontra-se muito distante, dado que mais de 80% da energia gerada ainda estão nas mãos do Estado. 60 insucesso do empreendimento, como, por exemplo, quando estabelece a receita máxima, via tarifas máximas em um regime price cap, o qual, devido à sua natureza, é insensível ao retorno sobre o capital empregado pela distribuidora até o momento da sua revisão. Assim, o regulador deve estabelecer mecanismos e metodologia que permitam simular o funcionamento do mercado competitivo, controlar a qualidade do serviço prestado e assegurar o EEF das distribuidoras. Cabe, portanto, averiguar se a atual metodologia utilizada pelo órgão regulador brasileiro para definição do nível tarifário assegura o EEF de acordo com a definição proposta na seção 2.5. 4.1 O REGIME REVENUE CAP BRASILEIRO Conforme apresentado na seção 3.3, o Brasil adotou o conceito de Regime Price Cap (Limite de Preço), porém de uma forma derivada, ou seja, pelo volume total de receitas por meio do Regime de Revenue Cap (Limite de Receita). Partindo das tarifas vigentes a partir da data da concessão, as distribuidoras privatizadas ou estatais passaram a ter suas tarifas atualizadas de acordo com a fórmula de reajuste denominada “IRT” e sujeitas aos critérios de revisão periódica. O objetivo do regulador passa a ser a definição de um nível tarifário que, em essência, permita à distribuidora recuperar seus custos “não-gerenciáveis” ou Parcela A (VPA, ou seja, custos da energia comprada, encargos do sistema de distribuição, impostos que não sejam sobre a renda, etc.) e seus custos “gerenciáveis“ ou Parcela B (VPB, ou seja, salários, imposto de renda e contribuição social, depreciação, etc.), este último inclui uma remuneração sobre o capital investido, o qual deriva, por exclusão dos custos gerenciáveis e não gerenciáveis, das tarifas estabelecidas no momento inicial da concessão. É importante notar que o mecanismo de recuperação dos custos da Parcela A é o repasse integral e automático (pass-through) às tarifas, enquanto a recuperação dos custos da Parcela B é feita assumindo-se o valor inicial mais a correção monetária (IGP-M). A Parcela B ainda está sujeita a um redutor denominado “Fator X”, com a finalidade de compartilhar com os consumidores os ganhos de produtividade obtidos pela distribuidora neste grupo de custos. É interessante observar que, para além da remuneração do capital, o montante de depreciação inserida na Parcela B pretende recuperar o capital investido depreciado. Em outras palavras, a recuperação e remuneração dos capitais investidos são assumidas em seus valores nominais no início do processo (por exemplo, na data da privatização) e corrigidas 61 pelo IGP-M até a data da revisão tarifária ordinária ou extraordinária. Conforme verificar-se-á adiante, a dinâmica econômica e financeira de recuperação e remuneração de capitais não é atendida por este mecanismo, tendo em vista o critério de cálculo da depreciação do ativo imobilizado e a lógica de recuperação do capital. Com esta mesma preocupação, Viscusi (2000, p. 362) apresenta uma equação contábil que descreve o equilíbrio necessário entre receita total e custo total: n Σ p q = Expenses + (RB.s), i=1 i i onde pi é o preço do i-ésimo serviço prestado (venda de MWh), qi é a quantidade do i-ésimo serviço prestado (MWh), n é o número de serviços, s é a taxa de retorno “justa e razoável” ou permitida e RB é a base de remuneração regulatória (Regulatory Rate Base) ou o BRR na definição deste trabalho. Deve-se notar que a parte esquerda da equação trata da discriminação de preços entre as classes de consumidores e produtos, ou seja, da estrutura tarifária. A parte direita da equação trata do problema tarifário, ou seja, particularmente com o EEF da distribuidora. Ainda segundo Viscusi (2000, p. 362), a “idéia subjacente, é lógico, é que as receitas devem exatamente igualar aos seus custos, tal que o lucro econômico seja zero. Note que os preços eficientes economicamente não são requeridos pela equação, apenas os preços que cobrem os custos totais” (tradução própria). Vale a pena recordar que, em um mercado competitivo first best, o lucro econômico é zero. Tomando a equação do IRT e a sugestão de Viscusi, pode-se reescrever a equação de equilíbrio e reajuste tarifário agrupando-a em dois blocos de custos operacionais e de capital, como segue: n Σ pi qi = [VPAi* + VPBi* (IGPM –X) + VPC*] + VPKj i=t Onde: pi = preço do i-ésimo MWh vendido qi = quantidade do i-ésimo MWh vendido VPAi* = Custos da Parcela A do i-ésimo MWh vendido VPBi* = Custos da Parcela B do i-ésimo MWh vendido, excluindo a depreciação e a margem inicial 62 VPCi* = Custos extraordinários e de impostos sobre resultado do i-ésimo MWh Vendido VPKj = Recuperação e Remuneração dos Capitais Investidos X = Fator de Compartilhamento de Produtividade IGPM = Índice Geral de Preços do Mercado Alguns esclarecimentos são necessários em relação a esta nova equação: a) A equação mantém sua coerência com definição de EEF (ver seção 1.5); b) Os custos VPA* mantêm suas características originais (energia, encargos do sistema, impostos com exceção do imposto sobre a renda, etc.) e seu processo automático de recuperação via repasse automático às tarifas; c) Os custos VPB* são, basicamente, os custos de pessoal, material, serviços e outros (perdas com consumidores inadimplentes, seguros, aluguel, etc.). Mantêm suas características originais, contudo excluindo depreciação e margens de lucro originalmente contemplados: Assim, VPBi* = (VPBi – depreciação – margem) x (IGP-M – X); d) Propõe-se que os custos VPC* sejam os custos extraordinários e de ajuste de impostos sobre a renda, não previstos anteriormente de modo integral, a serem justificados à agência reguladora quanto à sua pertinência ao negócio. Alguns exemplos podem ser: custos assumidos com empregados em decorrência da privatização, contribuições ao fundo de pesquisa setorial, perdas extraordinárias em decorrências de políticas ou regulamentos setoriais como “Baixa Renda” e ajuste do imposto de renda e contribuição social em decorrência do método de recuperação de capitais adotado; e) A recuperação e remuneração dos capitais investidos (VPKj) devem ser entendidas no seu sentido financeiro, ou seja, recuperação do capital investido atualizado e do custo de capital sobre o mesmo. Para efeito do presente estudo, assume-se que o fator de recuperação do capital investido dar-se-á de modo linear (ver seção 1.1 – Princípio da Estabilidade) e emprega-se a seguinte fórmula: VPKj = BRRj x FRCj ou 63 VPKj = BRRj x (1+ WACCj)t . WACCj (1+ WACCj)t - 1 Onde: BRRj = j -ésimo capital empregado acumulado RCj = Fator de Recuperação do Capital do j -ésimo capital empregado acumulado WACCj = Custo médio ponderado do j -ésimo capital empregado t = período autorizado para recuperação do capital empregado. A recuperação da totalidade das despesas operacionais (VPA*, VPB* e VPC*) permite sanar a ausência de alguns custos não previstos na fórmula do IRT, em particular aquelas referidas como extraordinárias, cuja ausência já seria suficiente para não atender a definição de EEF adotada neste trabalho. Tal correção ao modelo atualmente proposto pela ANEEL é simples de implementar e fiscalizar, dado o caráter objetivo e formal destes custos incorridos. No entanto, devido à sua complexidade e impacto sobre a rentabilidade das distribuidoras de energia elétrica, a remuneração da recuperação do capital investido é matéria mais controversa e, portanto, será analisada com mais profundidade. 4.2 A LÓGICA DO RETORNO SOBRE O CAPITAL INVESTIDO O pilar central da lógica capitalista é representado pelo conceito de “taxa de lucro”, enquanto relação entre o lucro e o capital total do sistema de produção. A acumulação de capital somente ocorre se houver lucro para sustentá-la, caso contrário, como ensina Keynes (1983, p. 122), os capitalistas entesourarão seus excedentes manifestando sua “preferência pela liquidez”. A decisão de investimento por parte de um investidor decorre da expectativa de obter um determinado fluxo de renda em contrapartida ao valor corrente do bem ou do empreendimento. Keynes batizou “a taxa de desconto que tornaria o valor presente do fluxo de anuidades das rendas esperadas desse capital, durante toda a sua existência, exatamente igual ao seu preço de oferta” (Op.Cit. p. 101) como a “eficiência marginal do capital”. Ceteris Paribus40, é a cotação entre a eficiência marginal do capital e a taxa de juros (aqui entendida no seu sentido lato, i.e., agregando-se os prêmios pelas incertezas inerentes) que determina a 40 Análises complementares das razões para os investimentos como a “Teoria q” de James Tobin, a teoria do lucro e inovação de Schumpeter e até mesmo a lógica Marxista de acumulação de capital reforçam, acredita-se, pelo menos esse argumento de Keynes. 64 decisão de investir. Na prática corrente do orçamento de capital essa comparação se dá entre a eficiência marginal do capital e o custo marginal do capital, esse último decorrente do custo do último capital obtido pela empresa calculado a partir da média ponderada do capital próprio e de terceiros (WACC). A prática de avaliação de investimentos desenvolveu mecanismos objetivos para a aplicação dos conceitos referidos, em particular o conceito fundamental de Valor Presente Líquido (VPL). O valor dos fluxos de caixa futuros descontados a um custo de capital representativo do custo marginal da empresa – ou preferencialmente do projeto – diminuindose os capitais empregados nos conduz ao cálculo do valor presente líquido. A moderna literatura financeira destaca o método do fluxo de caixa descontado como instrumento para a valorização de ativos41. É devido à independência da eficiência marginal do capital do custo marginal de capital que o custo do capital e sua composição não interferem no desempenho da geração de fluxos de caixa operacionais futuros, conforme nos propõe Modigliani e Miller42. Assim, o custo marginal de capital da empresa é definido sob determinadas condições, tais como acesso ao mercado, assimetrias de informação, avaliação de risco empresarial ou setorial e conjuntura macroeconômica. Sua definição impacta tanto em termos absolutos quanto em termos relativos o custo médio ponderado de capital (WACC). Como parte dos capitais a remunerar, o capital de terceiros têm prioridade, quer por condições contratuais ou garantias quer pela necessidade de manter o fluxo de captação constante. Eventuais impossibilidades ou restrições de remunerar os capitais empregados deverão prejudicar, em 1a instância, os capitais próprios, diminuindo o valor da empresa para seus acionistas. Desse modo, a longo prazo, a contínua impossibilidade de remunerar os capitais próprios poderá, para além de diminuir o valor da empresa, conduzir à inviabilidade de novos investimentos e até mesmo à uma decisão de encerramento (shut down decision) de suas atividades. Fica claro, portanto, que qualquer definição de recuperação de capital e seus custos não pode ser afastada do conceito WACC e BRR. Aliás, este binômio, WACC e BBR, é parte integrante e inseparável do fator de recuperação de capital (FRC), conforme definido na seção 4.1. 41 Ver Copeland et alii (2000, p. 131) e também Damodaran (1997, capítulo 2) para sua aplicabilidade e limitações. 42 Volta-se a este tema na seção 4.4.1 - “Estrutura dos Capitais a Remunerar”. 65 Apesar da inseparabilidade das variáveis BRR e WACC, para se obter o resultado final desejado, ou seja, a recuperação dos capitais investidos, concentra-se, primeiramente a definição da BRR de modo a clarificar sua composição. 4.3 A DETERMINAÇÃO DA BASE DE REMUNERAÇÃO REGULATÓRIA (BRR) Primeiramente, torna-se oportuno definir o que se entende por investimento ou capital empregado. O conceito de investimento envolve conceitos econômicos mais complexos, mas pode-se de forma mais simples adotar a definição de Downes & Goodman43: “investimento é o uso de capital para criar mais capital” e “investimento pode referir-se a um investimento financeiro ou a um investimento de esforço e tempo da parte de um indivíduo que deseja colher lucros do sucesso do seu trabalho. Investimento conota a idéia de que a segurança do principal é importante. Especulação, por outro lado, é muito mais arriscado” (tradução própria). Keynes (1983, p. 115), permite-se “aplicar o termo especulação à atividade que consiste em prever a psicologia do mercado e o termo empreendimento à que consiste em prever a renda provável dos bens durante toda sua existência”. Ao longo deste estudo, adotase os termos investimento (capitais empregados) ou capitais a remunerar no sentido apresentado acima. Assim, quando um investidor decide adquirir ações de uma companhia, ele espera receber um retorno “justo e razoável” por abrir mão de sua liquidez financeira. Ao longo do tempo sua avaliação está assentada sobre a comparação de quanto “abriu mão” a valor presente e qual foi o retorno, esse último comparado com alternativas similares de risco. É importante ratificar que a atividade regulada pretende estabelecer uma estabilidade do retorno compatível com tal risco. Assim, a expectativa e o comportamento do investidor são, obviamente, muito conservadores (avesso ao risco). Para chegar-se a uma BRR que atenda à lógica de recuperação e remuneração do investimento das empresas distribuidoras de energia elétrica, deve-se avaliar os seguintes aspectos: (a) a referência adequada para uma BRR que contemple os conceitos apresentados; (b) o valor do ágio pago no leilão da privatização para as privatizadas e (c) critérios de valorização para a BRR. 43 Downes, J. e Jordan E.Goodman, Dictionary of Finance and Investment Terms, Ed. Barron’s, 1998, EUA. 66 4.3.1 Referência para uma BRR Conforme apresentado na seção 4.2, a lógica subjacente a qualquer investimento incluindo as ações44 - é o conceito de Valor Presente Líquido (VPL) e seu principal instrumento de apuração é o fluxo de caixa descontado. Normalmente, o cálculo do fluxo de caixa descontado é complementado com análises de múltiplos de mercado (receita/consumidor, MWh vendido/consumidor, etc.) e transações comparáveis. Na sua forma original, o valor presente líquido envolve três variáveis: os montantes líquidos futuros gerados pelo investimento, os capitais próprios e de terceiros empregados e a remuneração desses capitais. Qualquer investimento somente é viável se o VPL for superior a zero, ou seja, o valor presente dos fluxos futuros for, no mínimo, igual aos capitais empregados. Aqui se encontra subjacente o conceito de funding do empreendimento, ou seja, o montante total de capitais de terceiros (B) e capitais próprios (S). Todo o resto mantido constante, qualquer parte de B ou S que não seja recuperada ou remunerada implica desequilíbrio da equação inicial. Sob o ponto de vista contábil, pode-se identificar o mesmo valor a ser remunerado com base na seguinte equação fundamental da contabilidade45, primeiramente resolvida a data da privatização: a) Ativo = Passivo b) Ativo Circulante + Ativo Realizável a Longo Prazo + Ativo Permanente = Passivo Circulante + Passivo Exigível a Longo Prazo + Resultado de Exercícios Futuros + Patrimônio Líquido O grupo Ativo Permanente é composto pelos subgrupos Investimentos + Ativo Imobilizado + Ativo Diferido, e a diferença entre Ativo Circulante e Passivo Circulante é usualmente denominada Capital de Giro, assim: c) Capital de Giro + Ativo Realizável a Longo Prazo – Passivo Exigível a Longo Prazo – Resultado de Exercícios Futuros + Investimentos + Ativo Imobilizado + Ativo Diferido = Patrimônio Líquido (S) Como se pretende recuperar e remunerar os capitais próprios e os de terceiros (“capitais a remunerar”), a expressão acima pode ser reescrita transferindo para o lado direito 44 45 Ver Brigham (1999, p. 307) e Ross et alii (2002, p. 92). Ver Lei 6.404/76 art. 178. 67 da equação os capitais de terceiros remuneráveis, basicamente empréstimos e financiamentos, mas inclui todos os recursos obtidos para os quais são pagos juros: d) Capital de Giro + Capitais de Longo Prazo Líquidos + Investimentos + Ativo Imobilizado + Ativo Diferido = Capital de Terceiros (B) + Patrimônio Líquido (S). Tendo em vista a imaterialidade dos ativos relacionados à comercialização, os ativos apresentados pela distribuidora no momento da privatização constituem-se nos principais itens que refletem os capitais empregados oriundos dos capitais a remunerar (B + S), principalmente o capital de giro (saldo de clientes, estoques, etc.), ativo fixo (subestações, alimentadores, estruturas, etc.) e eventual ágio (goodwill) pago na aquisição. Em resumo, os capitais empregados em ativos tangíveis (fios, subestações, informática, estoques, etc.) têm uma contrapartida equivalente em capitais a remunerar (B + S). Assim, pode-se adotar como base para a recuperação e remuneração de capitais quer os capitais empregados quer os capitais captados para investimento (ou funding). Cabe observar que os capitais empregados devem atender a duas condições para candidatar-se a remuneração no âmbito da regulação tarifária: (a) serem pertinentes à atividade empresarial de distribuição de energia elétrica; (b) serem prudentes. Se a primeira condição é intuitiva, a segunda pode ser um pouco mais complexa de definir. Socorre-se aqui da definição da Regra de Investimento Prudente, consagrada no mercado e jurisprudência americana46: “...a Regra do Investimento Prudente [...] pretendeu, por outro lado, não encorajar investimento e capitalização fictícias...e deste modo proteger aqueles que pagam tarifas de suportar capacidade excessiva, abandonada, destruída ou fantasma” (tradução própria). Antes de se prosseguir com a análise dos principais métodos de avaliação dos ativos e sua adequação face ao conceito de BRR referido inicialmente, convém analisar o conceito subjacente ao ágio pago na aquisição e sua adequação de inclusão na BRR face aos conceitos de pertinência e prudência. 4.3.2 Valor do Ágio Pago no Leilão da Privatização O ágio pago na aquisição da distribuidora privatizada é, por definição, a diferença entre o valor pago na aquisição e o valor do Patrimônio Líquido da empresa adquirida após o 46 Ver US Supreme Court, Verizon Communications Inc. et alii versus Federal Communications Commission et alii, Nº 511, transitado em 31 de maio de 2002. 68 exercício do “valor justo” (fair value). Essa definição decorre do tratamento financeiro47 habitual e das normativas contábeis internacionais. Assumindo que a definição contábil deve refletir a essência econômica da transação, o Comitê de Padrões Internacionais de Contabilidade (International Accounting Standards Committee ou “IASC”), estabelece a maneira de registrar uma aquisição, conforme segue48: “Uma aquisição deve ser contabilizada pelo seu custo, sendo o montante de caixa ou caixa-equivalentes pago, ou o justo valor, na data da transação, e de outras considerações de compra atribuídas pelo adquirente na transação para o controle dos ativos líquidos de outro empreendimento, mais qualquer custo diretamente atribuível à aquisição” (tradução própria). Conforme discutido anteriormente, o cálculo econômico obtido por meio do Fluxo de Caixa Descontado leva em consideração o valor total investido (o quanto o investidor “abriu mão”). O registro contábil procurará refletir o evento econômico por meio do registro definido pelo IASC. No caso das distribuidoras privatizadas, esse valor total é simplesmente o valor pago no leilão da privatização. Resta ainda definir o que se entende por ágio. A norma IAS49 define ágio como: “Qualquer excesso do custo de aquisição em relação ao direito do adquirente ao justo valor dos ativos e passivos identificáveis adquiridos à data da transação deve ser descrito como ágio e reconhecido como um ativo.” A norma IAS Nº 22, item 39, também define procedimentos para se apurar o “valor justo” dos ativos e passivos (ativos líquidos) adquiridos. No entanto, o aspecto mais importante para a presente discussão é que a prática do exercício do “valor justo” no Brasil não é prática corrente50, ao contrário de países como Estados Unidos e Inglaterra. A ausência do exercício do “valor justo”, conforme recomenda a boa prática contábil internacional, acaba por agregar ao saldo de ágio (goodwill) eventuais ajustes necessários para adequar saldos contábeis à sua realidade econômica. Um bom exemplo disso é o Ativo Imobilizado, o qual normalmente tem um “valor justo” diferente do seu valor contábil, mas devido à ausência de avaliação à data da aquisição pode conduzir ao reconhecimento de um ativo fixo por valor muito diferente daquele utilizado para fins de cálculo do valor de compra. O conceito de ágio na aquisição, depurado pelo exercício do “valor justo”, deve representar o “pagamento feito pelo adquirente em antecipação aos benefícios econômicos 47 Ver Copeland (2000, p. 176). International Accounting Standards Nº 22, item 21. 49 International Accounting Standards Nº. 22, item 41. 50 Apesar dessa ausência normativa, vale a pena recordar que o Instituto Brasileiro de Contabilidade –IBRACON – é membro do IASC. 48 69 futuros” (IASC Nº 22) decorrente de ativos líquidos não registrados ou não registráveis no balanço. Exemplos típicos são os valores das marcas, que indubitavelmente podem contribuir para a geração de caixa futuro, qualidade da carteira de clientes, distribuição ou características subjetivas dos ativos físicos, etc. No caso das distribuidoras, alguns exemplos podem ser citadas: características dos consumidores e sua demanda futura, densidade da rede, características geográficas e meteorológicas da região, etc. Como se vê, há total pertinência do ágio pago na data da aquisição em relação ao negócio. Há, por vezes, equívocos em relação à definição de ágio quando se assume o valor econômico mínimo atribuído pelo controlador original quando da execução dos leilões. O balizamento obtido pelo cálculo do valor econômico mínimo foi, sem dúvida, útil para estabelecer um patamar para a alienação de um ativo do Estado, sem o qual poderia encontrar um valor de mercado inferior ao pretendido ou considerado mínimo para o prosseguimento da privatização. Leal (2000) analisa os resultados e dificuldades do processo de desestatização das distribuidoras de energia elétrica em 1997. Aquele autor esclarece que “uma resposta que cobre praticamente todas as situações é que, na realidade, o vendedor desconhece o valor do bem colocado à venda, ainda que ele esteja previamente avaliado na forma de um preço mínimo” e continua “o leilão, assim entendido, é um mecanismo de extração de informações dispersas entre compradores potenciais, que, por sua vez, desconhecem a avaliação dos concorrentes, ensejando uma variedade de estratégias destinadas a ocultar a revelação do valor atribuído ao bem até o ponto em que o vendedor aceite um determinado lance como sendo vencedor”. O método empregado na fixação do preço mínimo em praticamente todos os leilões de privatização no âmbito do PND (Programa Nacional de Desestatização) e dos programas estaduais foi o de fluxo de caixa a valor presente. Entretanto, não se conhecem os parâmetros utilizados – expectativas de evolução do mercado, dos preços e das variáveis financeiras relevantes, em especial taxas de juros e câmbio. A julgar pela experiência dos agentes participantes do leilão e pela convergência dos resultados (ver Anexo A), os preços mínimos das empresas do setor elétrico devem ter sido fixados próximos ao limite inferior dos valores apurados51. Assim, o valor estabelecido como mínimo é, obviamente, mínimo. Nenhuma regra foi estabelecida para o preço máximo. Naturalmente, o estabelecimento de uma regra de preço máximo não era do interesse do controlador original. Adotar o preço mínimo como 51 Em tese, há a possibilidade de conluio entre os participantes, embora o resultado esperado nesse caso seria lances muito próximos ao do valor mínimo. 70 referência não faz sentido dentro da lógica estabelecida para se realizar um leilão. Mas se o preço mínimo de referência não se constitui no “valor justo” da transação, resta perguntar se o valor pago é excessivo ou, dentro da definição já discutida, “imprudente”. Um primeiro aspecto relevante a considerar para assumir o valor de mercado como o “valor justo” deriva do fato da impossibilidade de qualquer exercício de Fluxo de Caixa Descontado – ainda que seja o instrumento preferencial de avaliação - quantificar os efeitos dinâmicos do processo de avaliação via leilão, os quais são apresentados na moderna “Teoria dos Jogos” na literatura econômica. O que se espera do leilão é atingir-se um resultado eficiente de equilíbrio, ainda que às custas de eventuais receitas adicionais perdidas52. Cabe, portanto, ao mercado estabelecer o preço justo para as ações em leilão, aliás, como é realizado diariamente em mercados eficientes como as Bolsas de Valores ao redor do mundo, em linha com as regras e modalidade operacional estabelecida pelos leilões públicos. A sistemática adotada na venda desses ativos ao setor privado – envelopes fechados mais a possibilidade de leilões abertos entre o ofertante do melhor lance e o do segundo melhor lance até 10% abaixo do primeiro53 – conduziria necessariamente ao aumento do valor final de venda e, portanto, do ágio sobre o patrimônio líquido. Trata-se de um fenômeno típico e esperado em jogos dessa natureza. Entendemos que o modelo de venda adotado, ou seja, leilões, desempenhe esse papel notavelmente e não se pode atribuir a qualquer participante o controle do resultado dada a assimetria de informações. Em segundo lugar, um exemplo inequívoco do sucesso desses leilões, é que a diferença entre o ágio máximo e o ágio médio oferecido nos leilões é muito pequena, numa evidência de convergência que as avaliações de mercado (todas baseadas no método de fluxos de caixa descontados) convergiram para valores muito próximos, em particular quando se avalia separadamente o bloco dos competidores relevantes – agentes com experiência comprovada no setor de utilities54 (ver Anexo A). Essa característica dos agentes é reforçada pela convergência das propostas e afasta a “maldição do vencedor”55. Conforme discutido anteriormente, os players de um mercado regulado são, por sua natureza, investidores avessos ao risco, portanto, não especuladores. 52 Ver Menezes (1993, p. 317-348). BNDES (2000) e Ministério das Minas e Energia (2000). 54 Note-se que esta constatação só não é mais enfática em função de distorções provocadas pelas turbulências financeiras internacionais decorrentes da crise asiática, que influenciou negativamente o ambiente de negócios no Brasil ao reduzir a liquidez e a disposição ao risco de alguns grupos econômicos, potenciais investidores no setor, especialmente os estrangeiros. 55 A “maldição do vencedor” é a conclusão, a posteriori, de um comprador que julga ter pago muito pelo ativo. 53 71 Em terceiro lugar, outra forte argumentação em favor da razoabilidade das propostas e, conseqüentemente, da inexistência de imprudência das mesmas, é a avaliação complementar via múltiplos de mercado ou transações comparáveis. As transações comparáveis devem ser utilizadas com cuidado como fonte de informação, dada a dispersão qualitativa e quantitativa dos perfis das empresas privatizadas. Contudo, a comparação de múltiplos de mercado aponta para resultados interessantes. Um exemplo é a privatização da Rio Grande Energia (RGE) e AES-Sul. Elas apresentaram valores adicionais em relação ao valor mínimo da ordem de 82,6% e 93,6%, respectivamente, para valor econômico por consumidor de R$ 2.248,20 para a RGE, e R$ 2.071,70 para a AES-Sul. O valor econômico em relação à Receita Operacional Líquida foi de 3,8 vezes para a RGE e 3,3 vezes para a AES-Sul56. Tal convergência, como é de se esperar, reflete a substância econômica do cálculo dos proponentes, tendo em vista sua experiência e aversão ao risco. Finalmente, pode haver alguma argumentação no sentido de afirmar se o ágio pago na privatização tornaria as tarifas excessivamente caras, não atendendo ao princípio da modicidade tarifária. Essa discussão merece análise exaustiva e específica sob o ponto de vista de estrutura tarifária e escapa ao presente estudo, uma vez que envolve aspectos estruturais e históricos como, por exemplo, comparações internacionais ou de preços relativos dentro da economia brasileira ou a estrutura tarifária e as subjacentes elasticidades-preço devem ser adequadamente ponderadas antes de se concluir sobre se o nível tarifário é excessivo e inadequado para sinalizar ao mercado o real custo econômico do serviço (ver seção 2.3). De acordo com a consultoria A. T. Kearney (2002), em 2000 a tarifa média residencial no Brasil era de US$ 85/MWh enquanto a média internacional era de US$ 112/MWh e a tarifa média industrial brasileira era de US$ 39/MWh e a média internacional era de US$ 58/MWh. Caberia a pergunta: serão as tarifas brasileiras realistas face à necessidade de atração de novos capitais para o setor elétrico, em que o custo de capital e os riscos inerentes são mais elevados do que a média internacional ? A ausência de estudos econométricos sobre a estrutura da demanda e suas elasticidades, o fato da dispersão do valor do ágio sobre um período de concessão de 30 anos (líquido dos benefícios fiscais correspondentes, isto é, em média 1/3), invalida opiniões arbitrárias sobre a incompatibilidade do ágio com a modicidade tarifária. 56 Ver LEAL (2000). O autor apresenta comparações e discussões interessantes sobre os múltiplos identificados e a convergência de dispersão daqueles indicadores em relação ao coeficiente de variação da média dos ágios estudados. 72 Poder-se-ia supor que o ágio pago no momento da privatização já tenha tido sua oportunidade de recuperação durante os primeiros anos de ausência de revisão tarifária, cujo “Fator X” foi definido como zero (5 anos para a maioria das empresas). Uma breve análise da metodologia atual de reajuste tarifário nos conduz a que se duvide dessa afirmação, uma vez que a natureza capital – intensiva da atividade de distribuição –condiciona a que o montante do custo de capital da BRR seja superior ao montante das despesas de “O&M”, composto principalmente pelo fator trabalho, ambos incluídos no momento da privatização na denominada parcela B (“custos gerenciáveis”). Ainda que ambos fossem iguais à partida, o critério de corrigir a parcela B pelo IGP-M e, deste modo, atualizar a parcela de custo de capitais e custos de O&M, a evolução do custo efetivo do capital seria muito superior: por exemplo, de novembro de 1997 a junho de 2002 a variação acumulada do IGP-M foi de 55,8 % e a variação acumulada do CDI de 154,9 %. Caberia ainda agregar ao custo mínimo de remuneração (CDI), os aspectos adicionais de risco relativos ao setor elétrico. Um breve estudo da evolução destes custos de capital e de O&M é apresentado na seção 4.6. A inclusão do ágio na base de remuneração dos capitais empregados parece inequívoca, tendo em vista as definições de pertinência e prudência inicialmente estabelecidas. Sua exclusão implica uma perda correspondente à parcela do investimento realizado, ou seja, o capital empregado não será totalmente recuperado e remunerado. Essa situação caracteriza uma situação amplamente discutida nos Estados Unidos como Stranded Investment (um subtítulo de Stranded Cost)57, o qual pode ser traduzido como “investimentos encalhados”. Esse conceito deriva da desregulamentação dos mercados e sua restrição competitiva para a recuperação dos vultosos investimentos iniciais (sunk costs) realizados pela indústria de rede (network industries)58. A diferença no caso brasileiro, é a restrição imposta pelo agente regulador, não pelo futuro mercado competitivo, no âmbito regulatório da concessão. A impossibilidade de recuperar os capitais empregados e seus custos inviabiliza futuros investimentos e agride o conceito de EEF da concessionária. O Departamento de Energia dos Estados Unidos (1997, p. 17) define custos de capital como “...o custo dos fundos emprestados de investidores ou instituições financeiras e a compensação aos acionistas que é exigido para obter investimentos no mercado de capitais. Falhas para compensar os investidores ou instituições financeiras adequadamente podem resultar em 57 58 Ver Sidak e Spulber (1988, p. 28-29). Ver Sidak e Spulber (1988, p. 25) 73 falência. Falha em compensar os acionistas adequadamente pode tornar difícil levantar fundos no futuro” (tradução própria). Cabe ainda realçar que, dado o risco regulatório referente a não aceitação de “ágios” na base de remuneração, tal situação conduzirá, obviamente, a que futuras propostas em leilões de privatizações limitem-se ao valor mínimo ou ao valor contábil do patrimônio líquido. Sem dúvida, um prejuízo para toda a sociedade. 4.3.3 Critérios de Valorização para a Base de Remuneração Conforme apresentado nos tópicos anteriores, entende-se que a BRR integra ativos de diversas origens, os quais se constituem nos capitais empregados no empreendimento e que são contrapartida dos capitais a recuperar e remunerar (funding) da empresa. Capital de Giro, Ágio, Custos Diferidos e Ativo Imobilizado, entre outros, devem ser incluídos na BRR para se atingir o EEF da concessionária. Para além do ágio pago na privatização, um grupo de ativos que merece discussão mais alongada é o Ativo Imobilizado devido à sua complexidade de reconciliação entre os movimentos históricos e o seu reflexo no funding da empresa. A Nota Técnica Nº 148 de 7 de junho de 2002 e a Resolução Nº 493 de 03 de setembro de 2002 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), respectivamente, comentam acerca dos principais métodos para a definição da BRR e determinam o método do custo de reposição pelo valor de mercado para as revisões tarifárias a partir de 2003. A seguir, comenta-se acerca dos principais métodos de avaliação face aos conceitos anteriormente apresentados. a) Custo Histórico Embora apresente-se como uma medida com facilidade de identificação e controle, são conhecidas as distorções a que estão sujeitas avaliações desta natureza, em especial no caso brasileiro: 9 períodos de alta inflação pré-Plano Real (taxas chegavam a 80% ao mês e superavam 5.000% ao ano), que tornam complexos e arriscados exercícios de correção de valores reais; 9 políticas de controle da inflação não raro produziram resíduos inflacionários relevantes na conversão de moedas com instrumentos do tipo tablitas e outros conversores (Planos 74 Bresser, Cruzado, Collor e Real), de forma que a evolução histórica dos diversos índices de preço reflete precariamente as mudanças efetivas no valor real dos ativos; 9 acumulo de distorções entre os diversos índices de inflação, que cobrem períodos (mês cheio ou parte de dois meses etc.) e regiões diferentes (cobertura nacional, estadual e para capitais), de modo que há diferenças importantes conforme o índice utilizado; 9 desconhecem-se, na maioria das empresas privatizadas, os critérios de capitalização de juros ou outros custos ocorridos no passado e, muito menos, se houve prudência no investimento efetuado; 9 os critérios de depreciação, fortemente baseados em taxas fiscais ou regulatórias, podem distorcer o saldo líquido atual quando comparados aos “valor justo”. Embora a Escelsatenha assinalado a opção pela avaliação segundo o valor contábil histórico durante a primeira revisão tarifária (ver Nota Técnica Nº 10 da ANEEL), a ANEEL acatou sugestões daquela empresa para a correção monetária pelos padrões US GAAP. Entretanto, se por um lado, tal medida ameniza a distorção da base do ativo imobilizado por inserir um critério de atualização, por outro adiciona mais uma variável de comportamento conjuntural: a taxa de câmbio histórica. Adicionalmente, se se deseja identificar uma base para o “valor justo” inicial, deve-se ponderar o efeito das distorções entre o custo histórico e o valor que se encontra embutido no ágio pago, ambos considerados à data da aquisição. O ágio, como analisou-se na seção 4.3.2 na conceituação contábil acabou por absorver todas essas diferenças. Para as adições, o valor histórico corrigido pelo mecanismo citado na seção 4.3.3.4 pode amenizar as diferenças mencionadas. Em resumo, todas as distorções citadas e outras, que uma análise mais profunda possa revelar, acabam por invalidar o Critério do Custo Histórico como referência, quer para o saldo inicial quer para as adições posteriores. O principal efeito dessa BRR parcial é que a base de cálculo é incompleta e insatisfatória sob o ponto de vista da recuperação e remuneração dos capitais empregados e, conseqüentemente, não há EEF. b) Custo Corrente O critério do Custo Corrente apresenta os mesmos problemas relacionados para o Custo Histórico, contudo esses são parcialmente amenizados pela correção monetária. Ainda 75 que amenize as distorções referidas, a simples correção monetária do ativo imobilizado não reflete, nem refletirá, a recuperação do capital empregado e a sua justa remuneração. Ainda que o Ativo Imobilizado representasse exatamente os capitais a remunerar, isto é, representasse 100% dos capitais empregados, o custo do capital, em particular no Brasil que apresenta taxas e riscos entre as maiores do mundo, é muito superior à simples inflação. c) Custo de Reposição Este é o método selecionado pela agência reguladora através da Resolução 493/2002. Os métodos de valorização do ativo pelo preço corrente de mercado para substituí-lo nas mesmas condições produtivas tornam a avaliação complexa59 muito suscetível às variações de preço em mercados muito específicos (por exemplo, setores de equipamentos elétricos, construção civil etc.), cujas condições de mercado ao longo do tempo não necessariamente têm relação com o setor de energia elétrica60. Há que considerar também que práticas históricas e obrigatórias definidas pelo próprio regulador (como o “Juros sobre Obras em Andamento”, capitalizações de despesas operacionais e taxas de depreciação regulatórias), além da capitalização de juros de empréstimos vinculados a projetos específicos de acordo com as regras contábeis brasileiras, podem gerar ajustes que invalidem o Ativo Imobilizado, adotado como referência em decorrência da comparação com o valor de reposição. Outro fator que pode distanciar a avaliação do ativo imobilizado dos respectivos capitais a remunerar é a própria capacidade gerencial de cada empresa ou grupo de empresas de negociar com seus fornecedores. Do mesmo modo que o Custo Histórico e Corrente, o método do Custo de Reposição não satisfaz as condições necessárias de espelhar os capitais a remunerar, exceto por uma coincidência de valores. Todos esses critérios devem ser ajustados para tal fim. O imenso trabalho de avaliar os ativos, além de inventariar os itens físicos, com custos de elevada proporção não será frutífero para o objetivo de EEF da concessionária e de possibilitar a continuidade de atração de capitais para os novos investimentos. A linguagem do mercado 59 Um exemplo das dificuldades técnicas e físicas da avaliação é a especificação das condições produtivas, como, por exemplo, equipamentos, cabos e instalações não mais comercializados ou ultrapassados tecnologicamente. 60 O caso dos equipamentos elétricos é um exemplo interessante destas distorções. Nos anos oitenta e até meados dos anos noventa, os preços dos equipamentos cresceram muito, basicamente em função de dois fenômenos: a) fechamento do mercado nacional, com forte elevação das tarifas de importação e conseqüente encarecimento dos preços no mercado doméstico; e b) prática de sobrepreço devido à elevada inadimplência no setor. Ver Camargo (2001). 76 financeiro e de capitais não está assentada sobre o valor histórico ou corrente dos ativos, mas na sua capacidade de gerar benefícios econômicos futuros, em particular geração de caixa adequada para remunerar o funding ou, ainda permitir a recuperação e remuneração dos capitais empregados. d) Critério Do Funding Como viu-se, os métodos de avaliação do Ativo Imobilizado apresentam distorções e severas incertezas em relação à necessidade fundamental de atingir o EEF. Ainda que tais problemas possam ser contornados para o mercado submetido à regulação de preços – por exemplo por meio de vetores de correção da inflação para os períodos de mudança no padrão monetário –, o ponto crucial é estimar o montante dos capitais a remunerar para que possa ser recuperado e remunerado de forma “justa e razoável”. Por exemplo, no caso das empresas privatizadas, este montante corresponde ao valor pago pelo direito de uso dos ativos, que se obtém estimando-se a capacidade de geração de caixa da empresa ao longo do período de concessão – que, por sinal, não guarda nenhuma relação com o valor dos ativos a custo contábil histórico, corrigido monetariamente ou avaliado a mercado. Estas constatações levam à seguinte conclusão: a BRR inicial é o preço final de compra do ativo que encontra contrapartida nos capitais a recuperar e remunerar (funding), ou seja, capitais próprios e de terceiros — e não os valores derivados de uma seqüência desconhecida de decisões de investimento tomadas no passado remoto, os quais se constituem apenas parte dos capitais empregados. As adições de capital posteriores devem ser somadas aos capitais a remunerar para o cálculo do fator de recuperação e remuneração do capital. Portanto, métodos de avaliação de ativos para definição dos capitais empregados e a serem recuperados e remunerados não são aderentes à realidade das distribuidoras, em particular das privatizadas. No caso das empresas privatizadas, a BRR não é outra senão o valor pago pela concessão mais o capital remunerável adicionado aos fundos investidos posteriores – próprios e de terceiros – os quais refletem inteiramente o capital a recuperar e a remunerar (funding). Ora, é com base neste montante de capital que o investidor irá avaliar o retorno obtido, o que irá influenciar suas decisões de inversão em futuras privatizações e/ou na expansão do sistema. Portanto, é esta a base de referência para se calcular o BRR do contrato de concessão. Vista pelo lado do passivo, a BRR equivale ao capital próprio mais o capital de terceiros investido na empresa. Por fim, ambos correspondem ao conceito de funding — 77 capital de empreendimento. O funding é um conceito fundamental em teoria econômica. O conceito de funding incorpora todos os elementos do capital de investimento – capitais a remunerar, expectativas de retorno no mercado de atuação principal (taxa de lucro), custo de oportunidade (taxa de juro ativa) e custo efetivo do capital de terceiro (taxa de captação ou juro passivo). Na prática, são os mesmos elementos utilizados no critério de apuração do fator de recuperação do capital. Em sua forma contábil, trata-se meramente da soma do capital de terceiros remuneráveis, tais como empréstimos, financiamentos e debêntures de curto e longo prazo, mais o capital próprio (patrimônio líquido) a valor de histórico corrigido e recuperado pelo fator de recuperação de capital61. No balanço das empresas, a BRR assim definida equivale ao somatório, em forma dinâmica, do capital de trabalho (circulante e líquido a longo prazo) e do ativo permanente, esse último incluindo o ativo imobilizado, o ativo diferido e o valor do investimento mais ágio 61 Devido ao valor de mercado das ações embutir aspectos especulativos de mercado e, em virtude da realização do seu valor potencial se dar no futuro desconhecido, há incerteza sobre o valor efetivo de realização face ao valor de mercado ou de “capitalização”. A crítica mais comum ao critério do funding como mecanismo de apuração do “valor justo” dos capitais a remunerar assumindo o valor de mercado para os capitais próprios, relaciona-se à “circularidade” do valor de mercado de tais capitais próprios, representado pelos valores das ações. Alega-se que o valor de mercado é determinado pelas tarifas autorizadas e estas, por sua vez, são determinadas para refletir o custo de capital do valor de mercado. Os argumentos habituais apresentados em prol da solução de preço de mercado são: a) Conforme discutido, uma característica dos mercados regulados é de não permitir ganhos ditos extraordinários, ou seja, não há lucro nem prejuízo econômico. O típico investidor de empresas desse mercado é conservador (avesso ao risco). Pode-se concluir que a expectativa de retorno de tal investidor é simplesmente o custo de oportunidade do capital empregado. Em outras palavras, os capitais empregados corrigidos pela taxa de juros de ativos da mesma classe de risco; b) taxa de juros, incluindo os riscos pertinentes, deve ser capaz de atrair novos capitais para os projetos da empresa, razão fundamental para o estabelecimento de remuneração compatível com o mercado; c) o mercado é reativo e, no entender deste trabalho, altamente eficiente. Isso implica que os preços dos ativos financeiros ajustam-se imediatamente às informações reveladas ou aos riscos potenciais. O órgão regulador não deve esperar que o mercado sinalize o valor da empresa; d) dado o caráter capital – intensivo com retorno a longo prazo, flutuações conjunturais da taxa de juros ou riscos não deveriam afetar a taxa de remuneração utilizada. Tal cuidado permite maior estabilidade e modicidade tarifária. A solução da matriz das equações acima deve indicar a taxa de remuneração “justa e razoável” para os capitais próprios e, uma vez que as projeções de fluxo de caixa futuro são facilmente disponibilizadas e auditáveis por empresa independente, o cálculo do valor de mercado é identificado. 78 pago no momento da aquisição. O critério de valorização desses ativos é indiferente, desde que a diferença entre a BRR e os capitais a remunerar (B + S) sejam incluídos no cálculo do fator de recuperação de capital. A inclusão de ativos na BRR deve respeitar as regras de pertinência e prudência. O funding, portanto, apresenta as seguintes propriedades: a) representa com maior fidelidade os capitais empregados e a serem recuperados e remunerados; b) reflete os custos do capital a remunerar no mercado de referência (Brasil); c) é de apuração simples e objetiva, podendo ser facilmente auditado por empresas especializadas e dispensa discussões e longos estudos sobre a ótica da composição e correção do ativo, o que é muito mais simples do que uma avaliação dos ativos a custo de reposição; d) aproxima-se da linguagem do mercado financeiro e de capitais62, quer para empresas privadas quer para empresas estatais, para a difícil missão de atrair e remunerar adequadamente os capitais. É importante salientar que, em diversos países, os critérios adotados foram definidos levando em consideração, obviamente, a realidade local. Tal realidade caracteriza-se, por exemplo, por custo financeiro baixo em relação a países como o Brasil, em que não houve ágio na aquisição de empresas, as tarifas na época da privatização estavam em patamar elevado permitindo perdas de margem, a defasagem entre a base remuneratória e os capitais a remunerar não eram relevantes devido a flutuações mínimas de mercado, etc. Para países como o Brasil, Argentina e muitos outros em fase de consolidação de mercados competitivos e condições macroeconômicas turbulentas, os critérios internacionais podem não serem aplicáveis. Munidos dessa prudência, também é importante que se verifique a experiência internacional. Por exemplo, o regulador britânico assumiu o “valor de empreendimento”, isto é, capitalização de mercado63 mais as dívidas líquidas das concessionárias como BRR (ver estudo da A . T. Kearney 2002). O modelo de privatização do Reino Unido é um modelo consagrado de privatização, ainda que ajustes e melhorias tenham sido implementados ao longo da última década. 62 No entender do trabalho, devido à eficiência do mercado, o estabelecimento da metodologia tarifária permitindo a recuperação e remuneração dos capitais efetivamente investidos na empresa ajustaria o valor de mercado das ações imediatamente a este ponto de referência. Flutuações especulativas seriam sensivelmente diminuídas. 63 O valor de mercado derivou da venda em bolsa e ainda ajustado para cima em alguns casos para refletir expectativas de dividendos e risco dos potenciais investidores. 79 A longa experiência americana também deve ser observada. Nas palavras de Khan64, concluindo um breve histórico sobre as longas discussões sobre tarifas justas e base de remuneração julgadas pela Supreme Court dos Estados Unidos, ele propõe um teste pragmático: “...as companhias reguladas estão obtendo sucesso em atrair os capitais que elas requerem ?” (tradução própria). Entenda-se capitais como capitais de terceiros e, em particular, próprios. Em resumo, pretende-se apresentar os argumentos econômicos para a definição de uma BRR que permita o EEF. O conceito apresentado assume os capitais empregados no empreendimento com base nos capitais a recuperar e a remunerar (funding) da empresa. A contrapartida do funding, os capitais empregados, deve incluir os ativos correspondentes, tais como Capital de Giro, Ágio, Custos Diferidos e Ativo Imobilizado e que atendam aos critérios de pertinência e prudência para serem incluídos na BRR. 4.4 ESTRUTURA E REMUNERAÇÃO DOS CAPITAIS A REMUNERAR Nesta seção pretende-se discutir outros dois componentes fundamentais para o cálculo do fator de recuperação de capital (FRC): a estrutura e a taxa de remuneração dos capitais empregados. 4.4.1 Estrutura dos Capitais a Remunerar Como regra geral, a sabedoria financeira prega que o objetivo da empresa é maximizar seu valor para os acionistas. O conceito de valor pode ser entendido como o preço de mercado das ações da empresa, o qual, por sua vez, é o reflexo das decisões de investimento, financiamento e distribuição de dividendos da empresa. Em particular, as decisões de financiamento contribuem para a elevação do risco total da empresa por agregar ao risco básico do negócio65 o risco financeiro derivado da decisão de 64 Kahn, A. (1988, p. 41). O autor faz um interessante resumo sobre disputas em nível da Supreme Court dos Estados Unidos, referindo-se a casos clássicos como Smyth versus Ames, 169 US 466 de 1898 (discussão sobre o valor justo a ser cobrado pelo uso de propriedades utilizadas pelas ferrovias) e Federal Power Comission versus Hope Natural Gás Co, 320 U.S. 591 de 1944 que discute a BRR adequada dos ativos. 65 No presente estudo assume-se que o risco básico do negócio mais o risco financeiro representam o risco da concessão para a distribuidora de energia elétrica. O risco básico do negócio é a incerteza acerca dos retornos futuros sobre os capitais empregados. 80 alavancagem financeira. O uso de títulos de dívida e ações preferenciais na estrutura de capital de uma empresa concentra o risco total sobre seus acionistas66. Deste modo, supõe-se que os administradores devam escolher uma estrutura de capital que maximize o valor da empresa. No entanto, essa decisão somente é frutífera sob determinadas condições. O clássico trabalho de Modigliani e Miller67 (MM), considerado um dos trabalhos mais importantes em Finanças e que lhes proporcionou o Prêmio Nobel, trata desse tema em mais profundidade. 4.4.1.1 As Proposições de Modigliani e Miller (MM) Segundo MM, o valor de uma empresa não é afetado por sua estrutura de capital. Para atingir essa conclusão, MM assumiram os seguintes pressupostos – pouco realistas68, porém didáticos - refletindo um mercado de capitais eficiente: a) Não há custos de transação, tais como corretagem ou despesas de emissão; b) Não há impostos; c) Não há custos de falência; d) Os investidores podem tomar empréstimos à mesma taxa de juros que as corporações; e) Todos os investidores têm as mesmas informações que a administração sobre as futuras oportunidades de investimento da empresa; f) O Lucro Antes de Juros e Imposto de Renda (LAJIR) não é afetado pelo uso de endividamento. As três proposições de MM pode ser resumidas como segue69: 1. O valor total de mercado da empresa e seu custo de capital são independentes de sua estrutura de capital. O valor total de mercado da empresa é dado pela capitalização da série esperada de rendimentos operacionais descontada à taxa apropriada à sua classe de risco; 2. O rendimento esperado de uma ação, Ke, é igual à taxa de capitalização de uma série de rendimentos dos capitais próprios, mais um prêmio pelo risco financeiro igual à diferença entre a taxa de rendimentos dos capitais próprios referida e a taxa de juros, Ki, 66 Brigham e Houston ( 1999, p. 450) Modigliani e Miller ( 1958 ) 68 Brigham e Houston ( 1999, p. 474 ) 69 Horne (1980, p. 271), tradução própria. 67 81 multiplicada pela a relação Dívida (B) e Capitais Próprios a valor de Mercado (S). Em outras palavras, Ke aumenta de um modo proporcional para compensar a taxa de juros mais barata; 3. A taxa de retorno dos investimentos é completamente independente da maneira pela qual os investimentos são financiados. Essa proposição em conjunto com a primeira implica uma separação completa da decisão de investimento e financiamento da empresa. De acordo com MM, o valor da empresa sem capital de terceiros é igual ao da empresa com capital de terceiros. Para ilustrar essa afirmação, supõe-se a seguinte situação (base anual) de uma empresa inicialmente sem dívida. Quadro 1: Simulação do WACC sem “Alavancagem” LAJIR $ 1.000 i Juros - Ki Taxa de Juros - E Lucro Disponível aos Acionistas $ 1.000 Ke Taxa de Retorno dos Acionistas (com 100% payout ratio e sem 10,0 % crescimento com perpetuidade) ou E/S S Valor de Mercado das Ações $ 10.000 B Valor de Mercado da Dívida - V Valor Total da Empresa WACC Custo Médio Ponderado de Capital $ 10.000 10,0 % O custo médio ponderado do capital (WACC) dessa estrutura é de 10%, dada a ausência de dívida e é calculado pela seguinte fórmula: WACC = Ki (B / B+S) + Ke (S / B+S) Agora, assuma-se que a empresa substitua parte do seu capital por dívidas de $ 3.000 (dívida perpétua) a uma taxa de juros anual de 5%: 82 Quadro 2: Simulação do WACC com “Alavancagem” LAJIR $ 1.000 i Juros $ 150 Ki Taxa de Juros 5,0 % E1 Lucro Após Juros (antes do imposto s/ lucro) $ 850 Ke1 Taxa de Retorno dos Acionistas (com 100% payout ratio e sem 12,1 % crescimento com perpetuidade) ou E1/S1 S1 Valor de Mercado das Ações $ 7.000 B Valor de Mercado da Dívida $ 3,000 V1 Valor Total da Empresa $ 10.000 WACC1 Custo Médio Ponderado de Capital 10,0 % A nova taxa de retorno esperada pelos acionistas (Ke) é dada pela fórmula: Ke1 = Ke + B/S1 x (Ke-Ki), a qual nos conduz a Ke1 = 12,1 %. É natural supor que o acréscimo de risco financeiro oriundo do endividamento represente maior risco para os acionistas, os quais exigirão uma taxa de retorno maior. O novo cálculo WACC é 10%, ou seja, não há alteração em relação à empresa não alavancada. MM contribuíram significativamente com o argumento da arbitragem, segundo Ross e Westerfield (2002, p.324): “se as empresas alavancadas tivessem preço mais alto, os investidores racionais simplesmente tomariam emprestado por conta própria para comprar ações de empresas não alavancadas” (“alavancagem por conta própria”). Assim, o endividamento não afeta o valor de mercado da empresa. Deste modo, o custo da dívida mais o custo do capital próprio mantêm-se constante ( WACC = WACC 1) apesar da alteração da relação dívida/capital próprio. Pode-se dizer que o custo da dívida tem duas partes: o custo explícito representado pela taxa de juros e o custo implícito representado pelo aumento da taxa de retorno exigido pelos acionistas70. Todas as estruturas de capital são iguais em relação ao efeito sobre o valor da empresa e, portanto, não há uma estrutura ótima. Retomando os pressupostos assumidos, vai-se flexibilizar aqueles relativos à inexistência de efeitos fiscais e custos de falência, os quais se julgam de maior relevância para os objetivos deste trabalho. 70 No exemplo, o rendimento oriundo do investimento está em equilíbrio com o a remuneração dos capitais de terceiros e dos acionistas. De outro modo, o valor de mercado das ações refletiria o ajuste necessário para igualá-los. 83 4.4.1.2 O Imposto de Renda Em 1963, MM argumentaram sobre os benefícios fiscais oriundos da dedutibilidade dos juros como despesa, enquanto os pagamentos de dividendos aos acionistas não são dedutíveis71. MM demonstraram que o tratamento fiscal dos juros induz a empresa a financiar-se 100% via dívidas, mantidos os demais pressupostos inicialmente assumidos. Essa observação deve-se ao benefício fiscal do uso de capital de terceiros (Tax Shields ou Ts) e pode ser calculado por meio da seguinte expressão: Ts = Tc x Ki x B, onde Tc é a alíquota do imposto de renda (e contribuição social). Supondo que os fluxos de caixa da dívida sejam perpétuos, o valor do benefício fiscal é: Ts = (Tc x Ki x B) / Ki ou Ts = Tc x B Desse modo, o valor de uma empresa alavancada difere de uma empresa nãoalavancada apenas devido ao benefício fiscal (Ts) calculado como acima. Segundo Ross e Westerfield (2002, p. 334-335): “elevando o quociente entre capital de terceiros e capital próprio, a empresa pode reduzir seus impostos e, conseqüentemente, aumentar seu valor total. As importantes forças que atuam no sentido de maximizar o valor da empresa parecem empurrá-la para uma estrutura de capital integralmente composta por capital de terceiros”. Em outras palavras, a empresa maximizará seus benefícios fiscais (Ts) até o limite do risco financeiro. O quadro a seguir demonstra os efeitos do imposto de renda no exemplo em tela. 71 Modigliani e Miller ( Junho, 1963) 84 Quadro 3: Simulação do WACC com “Alavancagem” e impostos LAJIR E2 Lucro Após Juros Ajustado pelo Ts (antes dos impostos s/ lucro) $ 1.000 $ 901 ou LAJIR – ((1-Tc) x B x Ki)) Ts Benefício Fiscal (Tc x B ou $ 34% x 3.000)72 $ 1.020 Ke2 Taxa de Retorno dos Acionistas (com 100% payout ratio e sem 11,2 % crescimento com perpetuidade) ou E2/ S2 S2 Valor de Mercado das Ações (S + Ts) $ 8.020 B Valor de Mercado da Dívida $ 3,000 V2 Valor Total da Empresa $ 11.020 WACC2 Custo Médio Ponderado de Capital 9,0 % O novo retorno esperado pelos acionistas, o qual considera os efeitos dos impostos é dado por73: Ke2 = Ke + B/S2 x (1-Tc) x (Ke – Ki), ou seja, Ke2 = 11,2 %. É interessante observar que o Custo Médio Ponderado de Capital (WACC) reduziu-se de 10% para 9% na presença de imposto de renda sobre os juros da dívida. Mantidos o restante constante, o valor da empresa aumenta quando o WACC diminui. Como ver-se-á a seguir, há um limite para o endividamento proporcionar maior valor à empresa. 4.4.1.3 Os Custos de Falência e o Trade-Off Os custos de falência e sua probabilidade acabam por funcionar como um limitador do endividamento, ou seja, há um trade-off entre o risco do endividamento mais barato devido aos benefícios fiscais e os custos de falência, ceteris paribus. A partir de um determinado volume de dívida, a contribuição marginal da dívida para o valor das ações da empresa é negativa. A figura 5 a seguir resume o efeito da alavancagem sobre o valor das ações da empresa. 72 Assume-se que o ativo fiscal será realizado no futuro, ou seja, haverá lucro real sem restrições para seu aproveitamento. 73 Ross e Westerfield. Op. Cit. P. 335. 85 Efeito da Alavancagem sobre o valor das ações da Empresa Valor das Ações da Empresa Resultado MM Incorporando os Efeitos da Tributação Pessoa Jurídica: Preço da ação se não houvesse custos e riscos relacionados a falências Valor Agregado pelos Benefícios Fiscais pelo endividamento Redução do Valor Devida aos custos e riscos relacionados a falências Preço Realizado da Ação Valor da ação com Dívida Zero Valor da Ação se a Empresa não utilizasse Alavancagem Financeira 0 D1 Valor Limite do Endividamento, a partir do qual os custos de falência se tornam pertinentes Endividamento B/ B+S D2 Estrutura de Capital Ótima: Benefícios Fiscais Marginais = Custos Marginais relacionados com a falência Figura 6 – Efeito da Alavancagem sobre o Valor das Ações da Empresa Fonte: Baseado em Ross e Westerfield (2002) e Brigham e Houston (1999). Nota-se que o ponto ótimo será aquele na qual o Ts marginal se iguala aos custos marginais relacionados à reestruturação financeira (ou mesmo falência), identificado pelo ponto D2 no gráfico. Esses custos de reestruturação financeira apresentam maior dificuldade em sua apuração devido à sua diversidade de origens e, particularmente, ao efeito da percepção do risco dos agentes a ser incorporado no cálculo desse custo. No entanto, esse conceito explica o comportamento do valor das ações versus o nível de endividamento. O ponto D1 no gráfico também revela um conceito interessante: as dívidas podem evoluir até um determinado volume que somente agrega valor ao preço das ações (domínio 0 – D1 no gráfico) e vice-versa, ou seja, o uso de capital próprio em detrimento de capital de terceiros diminui o valor das ações da empresa. 86 4.4.1.4 O Efeito Dos Impostos Sobre Dividendos E Rendimentos Outro aspecto relevante a considerar para a avaliação do volume de endividamento é a tributação dos juros e dividendos/ganhos de capital do acionista (não necessariamente pessoa física). Segundo Ross e Westerfield (2002, p. 359), o valor de uma empresa com dívida pode ser descrito em termos de uma empresa que não têm dívidas, a saber: SL = S + [1- [(1-Tc) x (1 – Ts) / (1- Tb)]] x B, onde S é o valor da empresa sem alavancagem, Tb é a alíquota do imposto de renda de pessoa física que incide sobre rendimentos ordinários como os juros e Ts é a alíquota de imposto de pessoa física que sofre distribuições a acionistas. No modelo anterior, assumiu-se que Tb = Ts e, deste modo, SL = S + Tc x B. Atualmente no Brasil, a alíquota máxima do Imposto de Renda das empresas incluindo Contribuição Social é de 34%. Não há incidência de imposto de renda sobre distribuição aos acionistas (Ts = 0) e sobre juros de contratos de mútuos pagos aos acionistas (Tb =0)74. Dado que o produto (1-Tc) x (1-Ts) ou 0,66 é inferior ao fator (1-Tb), há preferência pelo uso de capital de terceiros. 4.4.1.5 O Risco da Concessão Em razão dos argumentos acima, parece razoável supor que a agência reguladora preocupe-se com o risco da concessão e, com objetivo de controlá-lo, intervenha limitando o endividamento da empresa detentora da concessão. Esse controle parece pertinente dada a propensão ao endividamento, ainda que teórico, e a perturbação que uma crise financeira traria à comunidade atendida pela distribuidora. No entanto, se, por um lado, um limite de endividamento parece prudente, por outro, a sua padronização para todas as empresas pode ser inviável. Para além da dificuldade de apuração do nível ótimo de endividamento, os elementos a seguir reforçam o argumento da individualização das estruturas de capital: a) As empresas ligadas à infra-estrutura, tais como as utilities de energia elétrica apresentam a característica de serem capital-intensiva e possuírem maior estabilidade das vendas do que empresas de outros setores. Desse modo, dependendo do estágio de 74 A tributação na fonte de juros pagos aos acionistas oriundos de mútuos (incluindo juros à pessoa jurídica) é matéria controversa no âmbito legal e foge ao escopo dessa análise. 87 investimento em que se encontram, apresentam propensão maior ao endividamento de longo prazo devido à sua demanda estável; b) Por serem de origem capital-intensiva e sua demanda mais estável usufruem do benefício de dispor de ativos ou crédito estável para oferecer como garantias de empréstimos, apesar das restrições habitualmente impostas pela agência reguladora; c) Devido à sua característica de prestadora de serviço de utilidade pública, a distribuidora não pode negar acesso aos novos consumidores ou atendimento à demanda. Tal fato a induz a investir continuamente e ocasiona flutuações de endividamento devido ao ciclo de captação e desembolso dos investimentos; d) Distribuidoras que apresentem maior lucratividade estão mais aptas a maior endividamento; e) Conforme discutido nas seções 4.4.1.2 e 4.4.1.4, o panorama fiscal e seus efeitos decorrentes da realidade da distribuidora podem favorecer o endividamento em detrimento dos capitais próprios. Por outro lado, a existência de prejuízos fiscais anteriores ou depreciação elevada podem diminuir a atratividade de novos “escudos fiscais”(Tax Shields); f) Características dos acionistas, tais como relevância econômica, compromissos no país, etc., podem favorecer decisões de endividamento; g) A propensão ao risco dos acionistas e administradores contribui para o perfil da alavancagem financeira. Conforme referido na seção 4.4.1.3, o nível de endividamento corrente é fundamental para as decisões de novas dívidas; h) As condições macroeconômicas e a volatilidade do mercado financeiro (Bancos e Agências de Rating) e de capitais, tanto localmente quanto no país de origem, podem determinar uma referência para o grau de endividamento possível; i) A empresa pode, prudentemente, manter uma “reserva de capacidade de endividamento” para tempos mais difíceis ou sinalizar endividamento mais baixo ao mercado como conseqüência de expectativas de valorização das ações; j) A empresa pode carecer de projetos economicamente viáveis e, em conseqüência, a demanda por capitais diminuir. Ainda, se se flexibilizar o pressuposto inicial de assimetria de informações, poderia-se ainda argumentar sobre os efeitos de informações assimétricas entre investidores e administradores. A experiência internacional aponta para soluções diversas, tais como o Reino Unido que estabeleceu uma razão fixa (50/50), ou Portugal que adota a estrutura de capital efetiva da empresa, como mostra o quadro a seguir. 88 Quadro 4: Estrutura de Capital Assumida País Estrutura de Capital Assumida (Dívida / Próprio) UK 50/50 Fixa Holanda 60/40 Fixa Portugal Estrutura Efetiva Austrália 60/40 Fixa Argentina 50/50 Ajustável Fonte: PriceWaterhouse Coopers (Maio 2002) Alguns reguladores internacionais adotam a prática de verificar a saúde financeira da empresa para se assegurar de que a receita autorizada no cálculo tarifário permita o prosseguimento dos investimentos necessários. Como parte dessa verificação, o órgão regulador pode averiguar a adequação dos níveis de endividamento face à classificação de crédito adequada para assegurar acesso a novos empréstimos (“ranking de crédito”). As agências de rating normalmente se utilizam como Encargos Financeiros em relação ao Fluxo de Caixa, a razão do Fluxo de Caixa sobre Dívida Total, Lucro antes dos Juros e Imposto de Renda em relação aos Juros Pagos, entre outros. Esses indicadores podem ser balizadores auxiliares para o acompanhamento e identificação dos limites de endividamento. Tais indicadores, os quais poderíamos batizar de covenants regulatórios, deveriam situar-se em limite não inferior aos limites médios estabelecidos no mercado financeiro para o setor de energia elétrica. Julga-se conveniente sugerir que tais covenants regulatórios sejam estabelecidos e acompanhados por instituição financeira ou agência de rating independente, dado o dinamismo e especificidade de tal matéria. Os argumentos apresentados conduzem a concluir que a estrutura de capital das empresas distribuidoras de energia elétrica deveria ser prédeterminadas apenas quanto a um limite de endividamento prudente a ser estabelecido pelo agente regulador (“Covenants Regulatórios”). 4.4.2 A Remuneração dos Capitais Empregados Conforme discutido na seção 3.1, a recuperação e a remuneração do capital deveriam ser contempladas por meio do Fator de Recuperação do Capital do j-ésimo capital empregado acumulado (FRCj). Este fator de recuperação de capital empregado pela distribuidora deve ser tal que, multiplicada pelo j-ésimo capital empregado acumulado (BRRj), possibilite a 89 recuperação total do capital e do respectivo custo (de capital). Para além do período de recuperação a ser definido pelo órgão regulador75, a taxa WACC é a variável crítica para apurar tal recuperação de modo “justo e razoável” por parte dos investidores. Se a taxa de retorno permitida pelo órgão regulador for inferior ao FRC, não haverá estímulo para novos investimentos e, no limite, haverá desinvestimento. Em contraste, um retorno superior ao FRC estimulará investimentos ineficientes devido à oportunidade de lucros supranormais. Em relação a este último cenário, os economistas Averch e Johnson76 identificaram, empírica e teoricamente, que as firmas escolheriam aplicar muito mais capital relativamente a outros fatores de produção (Efeito Averch – Johnson), o que resultaria em um produto final com custo mais alto e ineficiente. Assim, a taxa de retorno permitida deve ser calculada para se igualar ao FRC efetivo da distribuidora de energia elétrica, em particular para o setor de distribuição. Naturalmente, a estimativa do WACC para o setor ou grupos de distribuidoras é complexo, ainda que, para o custo de capital de terceiros, o próprio mercado financeiro servirá como balizador da sua razoabilidade face ao valor apresentado pela distribuidora. Contudo, para o cálculo dos capitais próprios (Ke), as dificuldades para apuração são maiores, como referido a seguir. Por meio da Nota Técnica Nº 97/2001 (Revisão Tarifária da Escelsa), a agência reguladora adotou o modelo clássico denominado CAPM (Capital Assets Pricing Model)77 para o cálculo do custo do capital próprio, o qual é estimado por meio da seguinte fórmula: KE = RF + β × [ E ( RM ) − RF ] + BrR Onde: KE = Custo do capital próprio; RF = Taxa de retorno isenta de risco β = Beta alavancado aplicável à empresa; E(RM) = Retorno esperado no mercado acionário; [E(RM) - RF] = Prêmio de risco do mercado acionário; BrR = Prêmio de risco para o mercado de dívida brasileira. 75 Para efeitos didáticos, assume-se a perpetuidade do cálculo de retorno, ignorando assim o prazo de concessão, usualmente de 30 anos renováveis por mais 30 anos. De outro modo, dever-se-ia apurar o montante de capital e seu custo ainda não recuperados na data da devolução da concessão para efeitos de cálculo da indenização por parte do Estado. 76 Ver Viscusi (2000, p. 371) e Andrade (1998, p. 109) 77 Existem outros métodos para apuração do custo de capital próprio, tais como DGM – Dividend Growth Model, APM – Arbitrage Pricing Model e razão preço / lucro. Tal comparação foi omitida por escapar ao escopo do presente estudo. 90 Assim, a ANEEL, utilizando-se da fórmula WACC = Ki (B / B+S) + Ke (S / B+S) , definiu o WACC nominal em moeda nacional em 15,61% ªª (10,11 % ªª em termos reais) a partir de uma estrutura 60 % para o capital próprio e 40 % para a dívida e impostos de 34% (IR/CSLL). Tal cálculo também levou em consideração as seguintes estimativas: a) Custo de capital próprio (Ke) de 19,28% ªª, nominal, em R$ ou 12,84% ªª, real, em R$. Identificou-se que a taxa de retorno isenta de risco (Rf) foi apurada em 8,15% ªª com base na taxa de retorno dos papéis do Tesouro dos Estados Unidos (12/1980 a 04/2001 USTB30 – 30 anos) com vista a refletir o custo de oportunidade dos investidores globais. O prêmio de risco do mercado acionário apurado foi de 3,90% ªª com base no prêmio de risco da S&P 500 (12/1980 a 12/2000 S&P 500, risco zero) de 12,05 % ªª. O Beta (alavancado) foi de 0,65 (Bloomberg para empresas brasileiras) e o Risco Brasil 4,97% ªª (Cbond30 menos USTB30 entre 01/1996 a 12/2000). O cálculo do retorno em US$ foi de 15,67% ªª após impostos, o qual ajustado pela desvalorização esperada do real com base nas diferenças dos indicadores de inflação (EUA de 2,5% ªª e Brasil de 5,7% ªª - IGPM) conduziu ao custo de 19,28% ªª em R$; b) O cálculo do custo médio de capitais de terceiros (Ki) assumiu 50% da TJLP (BNDES) com custo de 13,45% ªª (TJLP de 9,95% como média do período 20002001 mais spread básico de 2,5% ªª mais spread de risco de 1 % ªª) e 50% do custo de debêntures ou similares no mercado nacional equivalente a 17,20% ªª (CVM período 2000 – 2001). O resultado foi um custo de 15,33% ªª, nominal, antes dos impostos e um custo de 9,11% ªª em termos reais. Apesar de a estimativa do WACC por parte do regulador parecer consistente quanto à metodologia aplicada, os dados utilizados podem não ser aderentes à realidade das distribuidoras. Algumas observações são importantes para estudos específicos sobre tal adequação: a) Taxa de Inflação Esperada: Dado que a inflação projetada é determinante para o cálculo do retorno real que o investidor obterá durante o período inter-revisões, variações bruscas da inflação poderão afetar significativamente o retorno esperado e perturbar o EEF. Adicionalmente, a volatilidade da taxa de câmbio da moeda norte-americana em relação ao Real é de difícil gestão de risco (hedging), em 91 particular por referir-se a um investimento em capital físico de longo período de maturação; b) Beta e o Prêmio de Risco: O coeficiente ß utilizado é uma medida relativa ao risco sistemático de um portifólio (não-diversificável) em relação ao risco sistemático do mercado, ou seja, é a co-variância entre os retornos históricos da firma e do mercado como um todo. Uma primeira dificuldade para o cálculo do ß da firma e do mercado de ações brasileiros é que a amostra é pequena, instável e, no caso das distribuidoras, oriundo do período “estatizado”. O ß das companhias e mercado norte-americano pode não ser representativo para as necessidades brasileiras. Uma segunda dificuldade refere-se aos efeitos endógenos oriundos dos dados utilizados para o cálculo do ß nacional, em particular os riscos incorridos pela distribuidora devido aos critérios da própria regulação, tais como: risco de ativos “encalhados” (stranded asset risk), riscos de projeção (forecast risk), além do próprio impacto da incerteza ou deficiência regulatória durante os períodos revisionais, como, por exemplo, a adoção de um regime price cap em relação a um regime de taxa de retorno prédefinida. A agência reguladora adota um método usual no mercado financeiro, mas a complexidade para o cálculo do WACC é elevada. Uma eventual falha em perseguir a recuperação e remuneração justa e razóavel esperada do capital por parte dos investidores locais e internacionais poderá conduzir a um FRC indesejado, prejudicando o EEF e a dinâmica dos investimentos. 4.5 PRODUTIVIDADE DAS DISTRIBUIDORAS E SEU COMPARTILHAMENTO COM OS CONSUMIDORES (“FATOR X”) A fórmula de reajuste tarifário (IRT) apresentada na seção 3.3 prevê que o índice de inflação (IGP-M) que ajusta a denominada Parcela B seja reduzido ou aumentado por um fator (“Fator X”) a partir da data da 1a revisão tarifária. Por meio da Audiência Pública Nº 023/2002 suportada pela Nota Técnica Nº 326/2002/SRE/ANEEL (NT 326) proposta pela ANEEL, a agência reguladora detalha a proposta para o cálculo do Fator X (ver Anexo D), bem como explica o histórico da regulação por incentivos e as alternativas existentes no âmbito internacional. Devido à abrangência técnica da Nota Técnica e o objetivo deste estudo, pretende-se concentrar nos impactos do “Fator X” para o EEF. 92 O objetivo primário do “Fator X” é a busca de eficiência na prestação do serviço e a modicidade tarifária, mediante o compartilhamento dos ganhos de produtividade da concessionária com os consumidores por meio da redução tarifária. Deve-se observar que o “Fator X” pode ser um mecanismo de compensação tarifária para custos não recuperados (ver “variável K” na fórmula apresentada no Anexo D). O art. 14 da Lei n° 9.427, de 26 de dezembro de 1996, estabelece que o regime econômico e financeiro da concessão de serviço público de energia elétrica compreende “IV - apropriação de ganhos de eficiência empresarial e da competitividade”. Nesse contexto, o Fator X constitui princípio fundamental das cláusulas contratuais relativas às regras de reajuste e revisão tarifária. O FATOR X E O EEF A NT 326 da ANEEL (p. 30) conclui que a “análise da prática regulatória internacional aponta a existência de distintas abordagens para o cálculo do Fator X e que não há um método reconhecidamente superior”. Obviamente, a imposição legal e a necessidade de compartilhamento com os consumidos dos ganhos de produtividade exigem a aplicação de algum método. A NT 326 explica que a concepção de um redutor sobre preços máximos surgiu no contexto de uma decisão do Monopolies and Mergers Commission (MMC) – o órgão responsável pela aplicação da lei antitruste na Inglaterra – em 1982. Em um processo contra determinado ofertante, o MMC recomendou que: i) a variação do preço praticado pela firma fosse limitada à variação de determinado índice de custo de vida, subtraído de um percentual de 1,5%; ii) a implantação da recomendação fosse monitorada; e iii) transcorridos um período de cinco anos, fosse realizada uma revisão dos preços. Entretanto, o “Fator X” como parte do marco referencial do regime de regulação por incentivos aplicado na regulação de setores de utilities somente surgiu em 1984, introduzido por Stephen Littlechild, após a privatização da British Telecom (BT). Assim, a nova forma de regulação surgiu da necessidade de evitar a prática de preços de monopólio e assegurar a apropriação de ganhos de produtividade da concessionária no período compreendido entre a privatização e a primeira revisão com o intuito de defender os interesses dos consumidores. O regime de regulação por incentivos busca alinhar os preços de um monopólio regulado – no caso, a atividade de distribuição de energia elétrica – com custos eficientes e remuneração adequada sobre investimentos prudentes e pertinentes. A premissa distintiva do regime de regulação por incentivos é que as tarifas devem ser revistas menos 93 freqüentemente do que tem sido a norma na regulação com base no custo do serviço. O intervalo de regulação mais longo proporciona à concessionária oportunidade para aumentar seus benefícios mediante medidas de redução de custos e ganhos de eficiência, os quais são repassados aos consumidores em intervalos previamente determinados, no momento da revisão tarifária. Na revisão, as novas tarifas são então definidas com base em custos eficientes, revertendo, apenas nesse momento, para a regulação pelo custo do serviço. Dessa forma, a recuperação e a remuneração do capital investido na prestação do serviço não são prédeterminadas (como no regime de custo do serviço), mas surgem como parcela residual de receita, resultante da redução dos custos de operação com tarifas constantes em termos reais. No regime de regulação por incentivos, tais regras estimulam a concessionária a reduzir os custos de operação cobertos pela Parcela B da receita ao longo do período anterior à revisão tarifária, uma vez que menores custos para um mesmo nível real de tarifas implicam maiores benefícios para a concessionária, sob a forma de maior remuneração do capital. É exatamente devido a esta lógica que se entende que o “Fator X” deveria estar subordinado ao EEF. A prática internacional tem apontado para “fatores X” entre 1% e 5% da Receita Bruta (ver NT 326), enquanto flutuações do custo do capital no Brasil atingem patamares muito superiores. Conforme referiu-se na seção 3.3.b, a evolução do custo básico de capital no Brasil foi muito superior ao IGP-M acumulado, por exemplo, no período entre novembro de 1997 e junho de 2002, quando a variação acumulada do IGP-M foi de 55,8 % e a variação acumulada do CDI foi de 154,9 %. Caberia ainda agregar ao custo mínimo de remuneração (CDI), os aspectos adicionais de risco relativos ao setor elétrico. Como se observa, os ganhos de produtividade da concessionária deveriam ser excessivamente elevados, se possíveis, para compensar a perda de remuneração do capital no momento da aquisição da concessão. Sem que primeiramente se estabeleçam critérios para uma recuperação e a remuneração justa e razoável do capital empregado, a aplicação de um redutor à (correção monetária) da Parcela B simplesmente pode agravar o desequilíbrio econômico e financeiro da concessionária ou permitir no cenário oposto, no caso de correções positivas, ganhos acima do lucro normal. 94 4.6 CASO ESPECÍFICO: A EVOLUÇÃO DA RENTABILIDADE DAS DISTRIBUIDORAS DE ENERGIA ELÉTRICA Apresentam-se dois diagnósticos, que se julga, refletem adequadamente a hipótese deste trabalho que a atual metodologia de cálculo e as propostas para as revisões do nível tarifário utilizadas pelo órgão regulador não permitem às Distribuidoras atingir o seu EEF e, deste modo, manter uma dinâmica de estímulo do investimento no setor de distribuição de energia elétrica. O primeiro diagnóstico refere-se à concessionária Rio Grande Energia – RGE – empresa responsável pela distribuição de energia elétrica na região norte- nordeste do Estado do Rio Grande do Sul e privatizada em 1997. O segundo diagnóstico, desenvolvido pelo autor, de caráter mais geral, reflete o recente estudo sobre a rentabilidade do setor de distribuição de energia elétrica desenvolvido pela Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica – ABRADEE – com o apoio da consultoria AT Kearney. 4.6.1 O Caso Rio Grande Energia - RGE Como parte do Programa Nacional de Desestatização criado em 1990, foi iniciado em 1995 o processo de privatização dos serviços de energia elétrica do Rio Grande do Sul. A partir da Lei Estadual Nº 10.607 de 28 de dezembro de 1995, instituiu-se o Programa de Reforma do Estado (“PRE”). O “PRE” implementou, entre outras medidas, a reestruturação societária e patrimonial da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). Tal medida foi aprovada posteriormente por meio da Lei Estadual Nº 10.900, publicada em 26 de dezembro de 1996. Em 10 de junho de 1997, os acionistas da CEEE reunidos em assembléia geral extraordinária deliberaram criar seis subsidiarias integrais, sendo duas de geração (uma hidráulica e outra térmica), uma de transmissão e três de distribuição. Adicionalmente, a configuração elétrica e patrimonial do Estado foi dividida em três regiões: (i) região NorteNordeste, (ii) região Centro-Oeste e (iii) região Sul- Sudeste. Como resultado, em 28 de julho de 1997, foi constituída a empresa Companhia Norte-Nordeste de Distribuição Energia Elétrica, responsável pelo acervo de distribuição de energia elétrica da região Norte-Nordeste do Estado. Em 21 de outubro de 1997, a Companhia Norte-Nordeste foi privatizada com a venda de parte de suas ações por meio de processo de licitação, na modalidade de leilão público, 95 realizado na sede da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul e regulado pelo Edital Nº COD – 05/97, publicado em 18 de setembro de 1997. Do referido leilão resultou a venda de 90,75% de seu capital social à DOC3 Participações S.A., sociedade criada a partir do consórcio entre (i) a Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil – PREVI–, (ii) a VBC Energia S.A., união dos grupos Votorantim, Bradesco e Camargo Corrêa e (iii) a Ipê Energia S.A ., subsidiária da PSEG Americas Ltda. pertencente ao grupo americano Public Service Enterprise Group, controlador de uma das maiores concessionárias de energia elétrica dos Estados Unidos na região de New Jersey. Em 9 de dezembro de 1997, a denominação social da Companhia Norte-Nordeste foi alterada para Rio Grande Energia S.A., permanecendo até hoje. Em 13 de julho de 1998, a DOC3 foi extinta em virtude da sua incorporação pela RGE. Como conseqüência, os acionistas da DOC3 passaram a deter participação societária direta no capital social da RGE. Nessa data, o controle acionário da RGE passou a ser exercido, em conjunto, pelas seguintes empresas: (i) 521 Participações S.A., holding do setor de energia pertencente à PREVI; (ii) Serra da Mesa Energia S.A., controlada pela VBC; e (iii) Ipê, pertencente à PSEG Américas. Em 5 de julho de 2001, a estrutura acionária da RGE foi alterada. O controle acionário da Companhia passou a ser exercido, em conjunto, pela Companhia Paulista de Força e Luz – CPFL – (66,92%) e pela PSEG Américas (32,61%). Em 6 de abril de 2000 foi constituída a Sul Geradora S.A., a qual é detida 100% pela RGE, com intuito de viabilizar a obtenção de um financiamento de pré-exportação em 24 de maio de 2000, celebrado com um grupo de bancos. Em 31 de dezembro de 2001, a RGE atendia 961.196 consumidores e uma população de 3.245.306 pessoas em uma área de 90.718 Km2. O consumo de energia elétrica destes consumidores era da ordem de 6.041.459 MWh, equivalente a quase 1/3 da energia elétrica consumida no Estado do Rio Grande do Sul. Os investimentos significativos efetuados pela RGE trouxeram uma melhoria expressiva da qualidade do fornecimento e da diminuição das interrupções de fornecimento. A RGE pode ser considerada um modelo de sucesso para os estudos de privatização e, em decorrência, foi selecionada para avaliar o impacto da metodologia tarifária implementada pela ANEEL quanto ao aspecto de rentabilidade do negócio e avaliação do EEF. 4.6.1.1 Metodologia do Estudo do Caso RGE 96 Com base nas Demonstrações Financeiras publicadas pela RGE para o período de 1997 a 2001, preparou-se um resumo evolutivo do desempenho econômico – financeiro da concessionária, o qual se encontra com seus cálculos auxiliares do Anexo E ao Anexo G. Primeiramente calculou-se o retorno sobre o capital empregado (Return on Capital Employed – ROIC) tendo em mira a, posteriormente, confronta-lo com o FRC necessário para atingir o EEF da concessionária. O ROIC é calculo por meio da relação entre o Lucro Operacional Líquido Após Impostos (ou Net Operational Profit After Taxes – NOPAT), o qual representa o resultado contábil decorrente das operações normais da empresa, e o Capital (Médio) Empregado, ou seja, o Funding decorrente da proposta de BRR apresentada neste trabalho. Os únicos ajustes às Demonstrações Contábeis publicadas referem-se: (i) à amortização do ágio pago na aquisição (goodwill) para o qual adotou-se um período de amortização de 30 anos (período da concessão) em substituição ao período de 10 anos utilizado pela empresa com base nas previsões legais e fiscais e (ii) ao ajuste do imposto sobre bases econômicas para fazer refletir o NOPAT líquido dos impostos sobre a renda de caráter operacional. Os ajustes referidos tiveram como contrapartida o Patrimônio Líquido da empresa. Em segundo lugar cabem algumas ponderações sobre o critério de comparação entre o ROIC e o FRC. Uma metodologia de avaliação do lucro econômico deve levar em consideração o custo de oportunidade dos capitais próprios e de terceiros. Para este estudo, considerou-se que a taxa básica de referência é a CDI (Certificado de Depósito Interbancário), a qual se constitui em uma estimativa do custo de oportunidade geral da economia por estar assentada sobre a taxa básica dos títulos do governo federal (SELIC) e embutir em seu bojo expectativas de inflação, desvalorização cambial, diferenças de impostos e inflação entre o Brasil e os Estados Unidos e o próprio Risco Brasil (ver seção 3.4.2). Ainda que estudos mais pormenorizados sobre a taxa básica de referência possam indicar oportunidades de melhorias em relação à adoção do CDI, julgou-se que tal balizador reflete razoavelmente e de modo objetivo os custos de capital e riscos básicos inerentes para a obtenção de funding para projetos nacionais acrescido do spread bancário usual de mercado. O custo de captação de capitais de terceiros para a RGE foi estimado em 105% do CDI para empréstimos que não sejam oriundos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Tal segregação deve-se às expressivas diferenças entre as taxas de mercado, usualmente condicionadas por operações no mercado de curto prazo, e a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) do BNDES. 97 4.6.1.2 Conclusões do Caso RGE Conforme demonstrado no Anexo E, o diferencial (Spread) entre o FRC e o ROIC é expressivamente negativo. Os retornos negativos obtidos durante o período 1997 a 2001 situaram-se entre -11,02% (2001) e - 23,48% (1998). O ano de 1997, ainda que somente quatro meses nas mãos dos investidores privados, atingiu -11,12%. Os custos dos capitais empregados WACC conduziram o FRC a patamares muito superiores ao ROIC. Em valores atualizados para 31 de dezembro de 2001, o Spread negativo para o período 1997 a 2001 ocasionou uma perda econômica de R$ 1.529 milhão (R$ 1.240 milhão em valores nominais), o que representa 86% aproximadamente dos capitais médios naquela data. Adicionalmente, observa-se o esforço na contenção de custos por parte da distribuidora: os custos de operação eram de 19% da Receita Operacional Líquida em 1997 e involuiram para 14% em 2001. Os custos de energia mantiveram-se ao redor dos 48% da Receita Operacional Líquida em 2001, compatível com a proporção de 1997. No entanto, é relevante observar que os custos de “Energia Comprada” em 2001 consideram R$ 32 milhões de repasse tarifário decorrente da implementação do mecanismo de captura e repasse às tarifas da flutuação dos custos de Parcela. Tais custos somente serão autorizados a ser repassados às tarifas em abril de 2003 (data de Reajuste Tarifário da RGE). É pertinente observar que a adoção de uma BRR diferente do funding somente agrava as perdas econômicas apontadas devido à não recuperação de parte do capital empregado. Este é o caso da metodologia proposta pela NT 326/02 da ANEEL para as revisões tarifárias futuras (ver seção 4.3). Deste modo, nota-se claramente que o capital empregado não tem sido remunerado e recuperado adequadamente de modo a permitir atingir o EEF esperado. A continuação deste processo não estimula uma dinâmica de atração e aplicação de capital. 4.6.2 Estudo Sobre a Rentabilidade das Distribuidoras de Energia Elétrica pela ABRADEE Em 11 de novembro de 2002 ocorreu em Porto Alegre (Centro de Eventos da FIERGS) o “I Fórum de Regulação Econômica das Distribuidoras do Setor Elétrico Brasileiro” (ver Anexo I), encontro realizado pela Rio Grande Energia – RGE– e patrocinado pela consultoria PriceWaterhouse Coopers e o Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças – IBEF –. O evento contou com ilustres representantes e agentes do setor elétrico brasileiro. O Fórum pretendeu apresentar diagnósticos e soluções para o setor elétrico nacional com 98 enfoque no desafio de compatibilizar o equilíbrio entre a modicidade tarifária e a remuneração adequada dos investimentos. Na ocasião teve-se oportunidade de apresentar o diagnóstico e conceitos, ainda que gerais, do presente estudo78. Também naquela ocasião, a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (ABRADEE), por meio da consultoria ATKearney, apresentou o estudo setorial visando retratar a performance das distribuidoras brasileiras no período 1997 a 200179. Dada a adequação do estudo apresentado por aquela consultoria com a hipótese de inexistência de EEF, julgou-se adequado utilizar tais informações para corroborar a argumentação e o Estudo de Caso RGE. 4.6.2.1 Metodologia Adotada pela ATKearney a) O objetivo prioritário do trabalho foi suportar a ABRADEE em seu processo de comunicação junto à opinião pública, mostrando a realidade objetiva da situação econômico e financeira das distribuidoras; b) Avaliou-se 21 empresas do setor de distribuição, das diversas regiões, tanto públicas quanto privadas; c) Utilizou-se como base para a análise informações públicas, expressas no balanço patrimonial dessas empresas; d) Buscou-se separar os efeitos da recomposição tarifária extraordinária relacionada ao Acordo Setorial pós-racionamento. 4.6.2.2 Conclusões do Estudo da ATKearney (ABRADEE) A principal constatação acerca dos resultados dos levantamentos da consultoria é a diminuição de 38% da denominada “Parcela B” (custos gerenciáveis e margem) das distribuidoras. A Figura 6 ilustra esta evolução80: 78 Tais diagnósticos e conceitos têm sido apresentados em alguns outros fóruns e a órgãos governamentais, tais como Energy Summit 2002 realizado pelo International Business Communications (IBC) no Rio de Janeiro (RJ) em 22 e 23/7/02, XVII Enconsel – Encontro Nacional dos Contadores de Concessionárias do Serviço Público de Energia Elétrica realizado de 17 a 20 de novembro de 2002 em Canela (RS), patrocinado pela ANEEL e 2o Fórum Nacional de Energia Elétrica realizado pelo IIR Conferences em 9 e 10 de dezembro de 2002 em São Paulo. 79 Palestra do Sr. Arthur Ramos da Consultoria ATKearney, “O Setor elétrico – em busca da luz no fim do túnel”, Porto Alegre, 11 de novembro de 2002. 80 Estes dados são corroborados pelo relatório “A Crise de Abastecimento de Energia Elétrica” do Congresso Nacional (Comissão Especial Mista) – Brasília, 2002, p. 60, o qual concluiu que a tarifa média de distribuição apresenta a seguinte composição: Energia Comprada e Custos Associados representam 40%, Custo do Serviço e Remuneração do Investimento representam 20% e Impostos e Demais Encargos representam 40%. 99 A distribuidora tem sido a ponta da arrecadação de diversos encargos voltados ao sistema, enquanto sua margem caiu 38% Composição da receita bruta das distribuidoras (base = 100) Variação Acumulada Margem da distribuidora Impostos (PIS, Cofins e ICMS) Reserva global de reversão Conta consumo combustível Transporte de potência elétrica Energia elétrica comprada para revenda 34 38 43 34 -38% 27 35 10% 23 21 20 1 4 2 3 3 2 2 2 2 2 0 23 23 22 4 1 5 1 4 3 3 32 34 36 35 37 41 1997 1998 1999 2000 2001 2001 (excl. recomp.) -25% 99% 660% 30% Fonte: CVM; ABRADEE; Análises A.T. Kearney 55/5701/dtp 26 Figura 7 – Composição da Receita Bruta das Distribuidoras Observa-se, em particular, a evolução do custo relativo da geração de energia elétrica fortemente influenciada ou estabelecida em dólares americanos (caso de Itaipu). Tal evolução do custo de geração de energia elétrica não se refletiu nas tarifas de distribuição calculadas em dólares americanos (ver figura 7 e 8), o que contribuiu para a perda de margem das distribuidoras. O não repasse às tarifas dos custos de energia (pass-trough da Parcela A), conforme estabelece legislação tarifária atual e os contratos de concessão, implicou, como referido, na perda de margem e uma antecipação da aplicação da lógica do “Fator X” de maneira muito desproporcional. Esta desproporcionalidade pode ser observada na Figura 6 por meio da redução da margem média operacional das Distribuidoras de 43% em 1997 para 35% em 2001 (na verdade 27% se se excluir a recomposição tarifária ainda não recebida por diversas distribuidoras) e os valores de “Fator X” da prática internacional, ou seja, entre 1% e 5% da Receita Bruta (ver NT 326/2002 da ANEEL). 100 Comparadas ao mercado internacional, as tarifas locais permitiriam uma moderada elevação ... Tarifa residencial (US$/MWh – sem impostos) Tarifa industrial (US$/MWh – sem impostos) 300 300 250 250 200 200 150 1 22 100 1 33 1 32 82 1 04 12 2 11 9 1 05 10 5 77 50 150 116 11 2 85 75 100 75 50 47 78 46 71 66 48 51 62 60 48 35 58 39 0 0 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Brasil 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Média internacional1) Nota: 1) Inclui: Brasil, Argentina, Chile, México, EUA, Dinamarca, Finlândia, Alemanha, França, Grécia, Hungria, Itália, Polônia, Holanda, Portugal, Espanha, Turquia, Reino Unido, Japão e Coréia Fonte: OECD; Eletrobrás; Análises A.T. Kearney 55/5701/dtp 32 Figura 8 – Comparação das Tarifas Locais e Internacionais As perdas da parcela A, embora parcialmente recompostas no Acordo Setorial e reconhecidos no tracking account, implicaram em severas perdas de receitas para as distribuidoras Bolha da Parcela “A” • O reconhecimento integral da Parcela A a partir de 2001, foi um grande avanço introduzido pela Lei 10.438; entretanto o não reconhecimento de variações anteriores a 2001, gerou uma conta de R$ 3,7 bilhões1), absorvida pelas distribuidoras Perdas de receita devido a Parcela “A” (R$ MM) 1.158 980 772 840 • O não reconhecimento pelo regulador significou uma distribuição antecipada dos ganhos de produtividade auferidos pelas empresas, o que deveria acontecer apenas a partir de 2003, com revisão tarifária 1997 1998 1999 2000 Nota: 1) A estimativa feita pelo governo é de R$ 3,3 bilhões – apresentação feita pela Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica (GCE) Fonte: Plano Decenal 2000-2009; Análises A.T. Kearney 55/5701/dtp Figura 9 – Custos da Parcela A não Repassados às Tarifas 24 101 A metodologia da AT Kearney para a avaliação do retorno médio das distribuidoras aponta para uma rentabilidade satisfatória quando comparada ao WACC definido pela própria agência reguladora (ver Figura 9). Tal conclusão reforça a nossa conclusão de desequilíbrio econômico e financeiro, ainda que o estudo da consultoria não tenha contemplado os seguintes elementos, os quais são julgados relevantes para este trabalho: a) A BRR assumida é unicamente o ativo imobilizado líquido da depreciação, não inclui o capital de giro e outros ativos, tais como o ágio pago na aquisição (goodwill); b) O “EBIT” calculado pela AT Kearney é superior ao “NOPAT” utilizado neste Estudo de Caso RGE, uma vez que o primeiro exclui os custos da amortização do ágio, impostos e outras despesas. Ainda, se não fosse suficiente a expressiva perda de margem decorrente dos fatos mencionados, o próprio custo de capital, assumindo a CDI como referência, evoluiu drasticamente em relação à evolução do retorno sobre o capital próprio. A evolução do retorno e custo de capital apurado para a Rio Grande Energia – RGE – com base nos balanços publicados no período 1998 a 2001, demonstra esta realidade. Embora mais elevados, mesmo sem o prêmio de aquisição, o retorno médio das empresas é inferior ao definido pela Aneel Distribuidoras – EBIT sobre ativo imobilizado líquido 1) (corrigido pelo IGP-M e sem prêmio da aquisição) 60% 40% 20% 8,2% 0% 4,6% 6,3% 9,4% Wacc (antes de impostos) NT97/012): 15,3% (real) 12,2% 3,2% Excluindo a recomposição de receita -20% -40% 1997 Empresas da amostra 1998 1999 2000 2001 Média simples da amostra Nota: 1) Ativo imobilizado líquido corrigido = ativo imobilizado líquido em 1997 (corrigido pelo IGP-M de 1995 a 2001) + correção acumulada 95/96 + parcelas de aumento anual do ativo imobilizado líquido (corrigidas pelo IGP-M do ano a 2001) - parcela de prêmio de aquisição – obrigações especiais (vinculadas à concessão – participação financeira do consumidor e da União) 2) Nota técnica da Escelsa Fonte: CVM; ABRADEE; informações das empresas; Análises A.T. Kearney 55/5701/dtp Figura 10 – Retorno das Distribuidoras de Energia Elétrica – Critério AT Kearney 18 102 5 CONCLUSÕES Chegou-se ao ponto de recolher as principais conclusões apresentadas ao longo deste estudo e confrontá-las com a hipótese central, qual seja, avaliar a adequação da atual metodologia e seus aspectos revisionais utilizados pelo órgão regulador para a autorização das tarifas nos mercados ditos regulados face ao objetivo de estabelecer o equilíbrio econômico e financeiro das concessionárias e estimular investimentos no setor de distribuição de energia elétrica. O monopólio puro, como a concessão de distribuição de energia elétrica em uma determinada área geomercadológica, não implica, necessariamente, a obtenção permanente de lucros econômicos. A regulação tarifária faz-se necessária para induzir ao Equilíbrio Econômico e Financeiro da distribuidora, evitando lucros econômicos indesejáveis sob o ponto de vista de um mercado competitivo, mas também evitando prejuízos econômicos que afastam o investidor (tipicamente avesso ao risco) da atividade. Se, por um lado, eventuais prejuízos econômicos podem derivar do perfil da demanda, como, por exemplo, devido às quantidades absolutas demandadas e/ou discriminação desajustada de tarifas em relação ao custo inerente, por outro lado, o descompasso pode derivar de uma regulação tarifária desequilibrada, uma vez que a receita total autorizada (nível tarifário) pode ser insuficiente para permitir o Equilíbrio Econômico e Financeiro da distribuidora, independentemente da perda do BES no sentido de Pareto-Ótimo. Em particular o regime tarifário baseado no método Revenue Cap atualmente utilizado no Brasil, demonstra-se menos sensível ao retorno da distribuidora durante o período inter- revisional devido à sua lógica natural. Embora um crescimento de mercado (MWhs vendidos) possa propiciar ganhos ou atenuar perdas decorrentes dos ganhos de escala, tal possibilidade tende a não ser expressiva em decorrência da pequena participação relativa dos custos fixos de operação embutidos no grupo de custos denominado “custos gerenciáveis” pela Distribuidora (ver caso RGE). Contrariamente, a 103 alternativa de diminuir a transformação e a distribuição de eletricidade em busca de um eventual reequilíbrio é incompatível com a característica do setor, fortemente regulado quando à exigência de atendimento permanente aos consumidores atuais e à expansão do sistema. Deste modo, caso ocorra uma situação de desequilíbrio persistente, o monopolista concessionário tenderá a abandonar a atividade (shutdown decision) ou sentir-se desestimulado ou impossibilitado a novos investimentos devido à ausência de recuperação e remuneração do capital empregado. De fato, não apenas sob o ponto de vista teórico, mas a própria evolução histórica das crises de escassez de investimentos no setor elétrico nacional sugere a importância do agente regulador estabelecer, prioritariamente, níveis tarifários compatíveis com o Equilíbrio Econômico e Financeiro (breakeven constraint) das concessionárias (privadas ou estatais), sem o qual a dinâmica de investimentos perde vitalidade, ainda que outros objetivos da regulação tarifária para o setor, tal como a Eficiência Alocativa e a Modicidade Tarifária, não sejam plenamente atendidos. No entanto, tal não é a situação que se identificou quanto à atual metodologia e seus aspectos revisionais adotados pela agência reguladora para estabelecer o nível tarifário das distribuidoras de energia elétrica face à necessidade de induzir o Equilíbrio Econômico e Financeiro das concessionárias e estimular investimentos no setor de distribuição de energia elétrica. Esta conclusão assenta-se sobre os seguintes diagnósticos e incorreções metodológicas e conceituais: a) o atual regime tarifário propostos pela agência reguladora (Revenue Cap) vigente desde o início das privatizações apresenta características de insensibilidade quanto à adequada remuneração e recuperação obtida pela concessionária durante o período inter-revisional devido à não inclusão nas tarifas autorizadas de custos operacionais efetivos, tais como Custos Extraordinários (VPC*), e em particular os montantes relativos à remuneração e recuperação dos capitais (ver alínea c). O período de 5 anos em média para as revisões periódicas aparenta ser excessivamente longo para a saúde das concessionárias com ausência de Equilíbrio Econômico e Financeiro, fortemente afetadas pelo ambiente econômico brasileiro caracterizado pela elevada volatilidade dos juros, do crédito e do câmbio. Esta realidade é bem visível nos casos apresentados na seção 3.6 (Caso RGE e outras distribuidoras brasileiras), em que a baixa rentabilidade e os prejuízos econômicos se acumularam desde a privatização; b) com referência à revisão tarifária periódica, a proposta da agência reguladora é manter o regime de Revenue Cap , embora a remuneração dos capitais a ser considerada na 104 altura da revisão tarifária periódica seja calculada por um novo mecanismo (ver alínea c). É de expressão a omissão de uma definição objetiva do conceito de Equilíbrio Econômico e Financeiro entre as normas e resoluções da agência reguladora, conceito este fundamental para balizar as análises e conclusões sobre o objetivo principal da revisão, qual seja, o estabelecimento do próprio Equilíbrio Econômico e Financeiro das concessionárias; c) a adequação do cálculo do nível tarifário que permitirá a recuperação e remuneração do capital empregado está condicionado à apuração do binômio “taxa de retorno” (representado nesta abordagem pelo Fator de Recuperação de Capital – FRC) e a Base de Remuneração Regulatória (BRR). Sobre este binômio verifica-se: - o critério cálculo da BRR adotado pela agência reguladora está inspirado no método tradicional utilizado ao longo de décadas no Brasil e em outras partes do mundo e baseia-se na equiparação dos capitais a remunerar a alguns elementos dos capitais empregados, nomeadamente ativo imobilizado a preço de reposição e capital de giro. As características do ambiente de negócios brasileiro, fortemente dependente das linhas de crédito externas, de prazo curto, custos e inflação elevados e sujeito ao comportamento volátil da moeda norte-americana, são, no entender deste trabalho, incompatível com a definição de capitais a remunerar implementado. Na proposta que se defende assenta-se no conceito de capitais empregados no empreendimento com base nos capitais a recuperar e a remunerar (funding) da empresa. A contrapartida do funding, os capitais empregados, inclui todos os ativos correspondentes, tais como Capital de Giro, Ágio, Custos Diferidos e Ativo Imobilizado e que atendam aos critérios de pertinência e prudência para serem incluídos na BRR. No caso particular das distribuidoras privatizadas, a exclusão da BRR dos expressivos ágios pagos no processo de privatização impede a total remuneração e recuperação dos capitais empregados, configurando-se em uma situação similar a “ativos encalhados” (stranded asset). Cabe ainda realçar que, dado o risco regulatório referente à não aceitação de “ágios” na BRR, tal situação conduzirá, obviamente, a que futuras propostas em leilões de privatizações limitem-se ao valor mínimo ou ao valor contábil do patrimônio líquido; - Adicionalmente, ainda que se assuma um custo de oportunidade baseado nas taxas inter-bancárias nacionais (CDI), portanto subestimando os riscos setoriais e regulatórios pertinentes, este se mostra muito superior ao retorno autorizado, 105 conforme demonstra os Casos da RGE e demais distribuidoras analisadas e a Nota Técnica Nº 97/2001 da Escelsa S.A. que estabeleceu o WACC de 15,61 % ªª em valores nominais para fins da revisão tarifária daquela concessionária. A análise da atual metodologia e das notas e resoluções da agência reguladora não conduz à conclusão que as futuras revisões periódicas assumirão os custos de oportunidade do capital empregado efetivo das distribuidoras; d) a adoção de um redutor tarifário prospectivo com a finalidade de compartilhar os ganhos de produtividade da concessionária (“Fator X”) deve estar subordinado ao seu prévio Equilíbrio Econômico e Financeiro. Como se observa por meio dos diagnósticos apresentados na seção 4.6, as margens das distribuidoras foram expressivamente reduzidas durante o 1o período pré- revisional, já se constituindo em um compartilhamento de produtividade, por excesso, e na ausência de Equilíbrio Econômico e Financeiro, cenário, aliás, que a metodologia atual proposta pela agência reguladora deverá perpetuar. Também ao longo deste estudo, pode-se identificar a necessidade de estudos complementares de vital importância para uma correta avaliação econômica da realidade das distribuidoras de energia elétrica, entre as quais destacam-se: a) Definição e estudos adequados para a discriminação de tarifas entre os segmentos de consumidores das distribuidoras brasileiras com vista à otimização da estruturação tarifária; b) Estudos setoriais fundamentados nos conceitos econométricos relativos à produtividade dos fatores e do custo de capital, em particular a precificação pelos investidores potenciais dos riscos inerentes; c) Estudos públicos com cobertura e profundidade compatíveis com a necessidade do momento referente a agrupamentos ou clusters de referência para avaliar os níveis de custos, investimentos e indicadores de qualidade das distribuidoras sob o ponto de vista intra-setoriais e internacionais. 106 GLOSSÁRIO ABRADEE - Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica AG- Attorney General ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BRR - Base de Remuneração Regulatória BT - British Telecom . CCC- Conta de Consumo de Combustíveis CDI - Certificado de Depósito Interbancário CEEE - Companhia Estadual de Energia Elétrica CESP - Centrais Elétricas de São Paulo CRC - Conta de Resultados a Compensar CVA - Conta de Compensação de Variação de Valores da “Parcela A”. DNAEE - Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica DOJ- Department of Justice EEF - Equilíbrio Econômico e Financeiro Eletrobrás – Centrais Elétricas Brasileiras Eletronorte - Centrais Elétricas do Norte do Brasil S/A Eletrosul Transmissora - Empresa Transmissora de Energia Elétrica do Sul do Brasil EPACT - Energy Policy Act Escelsa – Espírito Santo Centrais Elétricas S/A FERC - Federal Energy Regulatory Comission FRC - fator de recuperação de capital 4 IASC - International Accounting Standards Committee ICMS – Imposto de Contribuição Mercadorias e Serviços IGPM - Índice Geral de Preços do Mercado 107 IRT - Índice de reajuste Tarifário IUEE - Imposto Único sobre a Energia Elétrica LIGHT - LIGHT Serviços de Eletricidade S/A MAE- Mercado Atacadista de Energia MM - Proposições de Modigliani e Miller MMC - Monopolies and Mergers Commission MWh – Megawat hora NOPAT - Net Operational Profit After Taxes O&M - Organização e Métodos Offer - Office of Electricity Regulation ONS - Operador Nacional do Sistema Elétrico PIEE - Produtor Independente de Energia Elétrica PND - Plano Nacional de Desenvolvimento PND - Plano Nacional de Desestatização PPT - Programa Prioritário de Termoelétricas PRE - Programa de Reforma do Estado PREVI - Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil PRS - Plano de Recuperação Setorial PSEG Americas Ltda.-Public Service Enterprise Group PUC -Public Utilities Commission PUHCA - Public Utility Company Act PURPA - Public Utility Regulatory Policies Act RA = Receita Autorizada da Concesionaria RESEB - Projeto de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro RGE - Rio Grande Energia RGR - Reserva Global de Reversão ROIC - Return on Capital Employed SINTREL - Sistema Nacional de Transmissão de Energia Elétrica TFSEE - Taxa de Fiscalização dos Serviços de Energia Elétrica VBC Energia S.A.- união dos grupos Votorantim, Bradesco e Camargo Corrêa VPA - Valor da Parcela A VPB - Valor da Parcela B VPL -VALOR PRESENTE LÍQUIDO WACCj = Custo médio ponderado do j -ésimo capital empregado 108 X = Fator “X” 109 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, Superintendência de Regulação Econômica: Nota Técnica 73/2001/SER/ANEEL, de 21/08/01(“Escelsa”);Nota Técnica 97/2001/SER/ANEEL, de 08/09/01(“Escelsa”); Nota Técnica 148/2002/SER/ANEEL, de 7/8/02 (“Base de Remuneração”); Nota Técnica 326/2002/SER/ANEEL, 25/10/02 (“Fator X”) ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica, Superintendência de Regulação Econômica. Resolução Nº 493, Metodologia e critérios gerais para a definição da base de remuneração de ativos para fins de revisão tarifária periódica das concessionárias de distribuição de energia elétrica, 3/09/02. AT Kearney Palestra do Sr. Arthur Ramos. O Setor elétrico - em Busca da Luz no Fim do Túnel, I Fórum de Regulação Econômica das Distribuidoras do Setor Elétrico Brasileiro, Porto Alegre (Centro de Eventos da FIERGS): 11/11/02 AYRES I.; BRAITHWAITE J. Responsive Regulation: Transcending the Deregulation Debate. Oxford Socio-Legal Studies, New York: 1992. BERNSTEIN I. J.; SAPPINGTON David. E.M. Setting The X Factor In Price Cap Regulation Plans. Working Paper 6622, National Bureau of Economic Research, Cambridge (MA). EUA.:1998. BERNSTEIN, Peter L.; ASWATH Damodaran. Administração de Investimentos. Porto Alegre: Bookman, 2000. 110 BITU, Roberto; BORN, Paulo. Tarifas de Energia Elétrica – Aspectos Conceituais e Metodológico. São Paulo, Ed. Mackenzie, 1996. BNDES –2001, Cadernos de Infra-estrutura – Setor Elétrico Ranking 2000. Rio de janeiro, 2001 V.1 e V.2. BORENSTEIN, Carlos R. O Setor Elétrico no Brasil: Dos Desafios do Passado às Alternativas do Futuro. Porto Alegre, Sagra Luzzato Editora, 1997. BRIGHAM, E.F.; HOURSTON, J.F. Fundamentos da Moderna Administração Financeira. Rio de Janeiro, Campus,1999. BROWN, S. J.; SIBLEY D. S. The Theory of Public Utility Pricing. Cambridge University Press, USA: 1986. CALABI A. S; FONSECA, Eduardo G. da; SAES, Flávio A. M. de; KINDI, Estair; LIMA, José L.; LEME, Maria Inês P.; REICHSTUL, Henri-Philippe. A Energia e a Economia Brasileira – Interações Econômicas e Institucionais no Desenvolvimento do setor Energético no Brasil. São Paulo, FIPE/Pioneira, 1993. CAMARGO, Fernando J. Da Crise às Incertezas – Estado e Agentes Privados na Indústria Brasileira de Energia Elétrica. (Dissertação de Mestrado) Campinas (SP), UNICAMP, 2001. CASTRO, A. Barros; SOUZA, Francisco E. Pires. A Economia Brasileira em Marcha Forçada. São Paulo, Paz e Terra, 1985. CHIANG A. Matemática para Economistas. São Paulo.Ed. Univ. de São Paulo,1982. COPELAND, Tom; KOLLER, Tim; MURRIN, Jack. Valuation: Measuring and Managing The Value of Companies. Third Edition, New York, John Wiley, 2000. DAMODARAN, Aswath. Avaliação de Investimentos – Ferramentas e Técnicas para a Determinação do Valor de Qualquer Ativo. Rio de Janeiro, QualityMark Editora, 1997. 111 EATON, B. C.; EATON D. F. Microeconomia. São Paulo, Ed.Saraiva, 1995. ENERGY INFORMATION ADMINISTRATION, U.S. Department of Energy: Electricity Prices in a Competitive Environment; Marginal Cost Pricing of Generation Services and Financial Status of Electric Utilities – A Preliminary Analysis Through 2015. USA: 1997. FALCINI, Primo. Avaliação Econômica de Empresas Técnica e Prática. Atlas, São Paulo, 1995. FONSECA, Pedro C.D. Vargas: O capitalismo em construção. São Paulo, Ed. Brasiliense, Brasil: 1999. HIRSHLEIFER J.; HIRSHLEIFER D. Price Theory and Applications. New Jersey (USA): Prentice Hall, 1998. HORNE, James C. Van. Financial Management and Policy: 5a Edição, Prentice- Hall, Englewood Cliffs, New Jersey, E.U.A .: 1980. ILIC, Marija; GALIANA, Francisco; FINK, Lester. Power Systems Restructuring – Engineering and Economics. Kluwer Academic Publishers, E.U.A.: 1998. KAHN, A. The Economics of Regulation Principles and Institutions. MIT, EUA.: 1988. KEYNES, J.M. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo, Abril Cultural, 1983. LEAL, Cláudio F. C. Ágios, Envelopes e Surpresas: Uma Visão Geral da Privatização das Distribuidoras Estaduais de Energia Elétrica. BNDES, Working Paper, 2000. LEFTWICH, R. H. O Sistema de Preços e a Alocação de Recursos. 6a ed. São Paulo, Livraria Pioneira, 1983. MAGALHÃES, Gildo. Força e Luz: Eletricidade e Modernização na República Velha. São Paulo, Editora UNESP, 2000. 112 MEDEIROS, A. Reginaldo. O Capital Privado na Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro. História e Energia – Departamento de Patrimônio Histórico da Eletropaulo: 1996 (Dissertação de Mestrado) Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro / COPPE, 1993. MELLO, Celso A .B. de. Curso de Direito Administrativo. 12 ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2002. MENEZES, Flávio M. Leilões de Privatização. Uma Análise de Equilíbrio: Revista Brasileira de Economia. Rio de Janeiro, FGV, julho/setembro, 1993. p. 317-48. MEIRELLES, Hely L. Direito Administrativo Brasileiro. 25a ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2001. MODIGLIANI, F.; MILLER, M.H. The Cost of Capital, Corporation Finance and the Theory of Investment. American Economic Review, EUA: June, 1958. p. 261-297. MODIGLIANI, F.; MILLER, M.H. Corporate Income Taxes and the Cost of Capital: a Correctio, American Economic Review, EUA: June, 1963. p. 433-443. MUNASINGHE, M.; WARFORD, J. Jeremy. Electricity Prices. Theory and Case Studies. Washington D.C., EUA., World Bank/John Hopkins Publication, 1982. MUNASINGHE, M.; MEIER P. Energy Policy Analysis and Modeling. New York, EUA, Cambridge University Press, 1993. MURRAY, Barrie. Electricity Markets – Investment Performance and Analysis. Chichester, UK: John Wiley e Sons, 1998. NETO, Benedicto Porto. Concessão de Serviço Público no Regime da Lei nº 8.987/95 – Conceitos e Princípios. São Paulo, Ed. Malheiros, 1998. 113 Office of Electricity Regulation (Offer) and Office of Gas and Electricity Markets (Ofgem) site www.ofgem.gov.uk. OSBORNE, Martin J.; RUBINSTEIN, Ariel. A Course in Game Theory. London (UK): MIT Press, 1994. PALMER, Keity; Restructuring and the Rules of the Game in England and Wales´ Electricity Industry Power Economics Magazine, U.S.A .: July/August 2002. PENNER, P.F. Electric Utility Restructuring – A Guide to the Competitive Era. Washington D.C., EUA: Congress Library, 1997. PINHEIRO, C.A.; FUKASAKU, K. A Privatização no Brasil – O Caso dos Serviços de Utilidade Pública. Rio de Janeiro: BNDES/OCDE, 2000. PIRES, José C. L.; PICCININI, Maurício S. Mecanismos de Regulação Tarifária do Setor Elétrico: A Experiência Internacional e o Caso Brasileiro. Rio de Janeiro: BNDES, 1998. (Texto para Discussão n. 64) PIRES, José C. L. Políticas Regulatórias no Setor de Energia Elétrica: A Experiência dos Estados Unidos e da União Européia. Rio de Janeiro: BNDES, 1999. (Texto para Discussão n. 73) PORTUGAL, Marcelo S. Política de Preços Públicos no Brasil, Rio de Janeiro, 1988. Dissertação PUC/RJ. (Mestrado em Economia) RAMOS, Vlamir. Descomplicando o Setor Elétrico. Gazeta Mercantil - Sul, Porto Alegre, p.2, 25 fev/2002 e Zero Hora. Porto Alegre, 22 fev/2002. RAMOS, Vlamir. Mercado de Energia e Gestão de Risco. Gazeta Mercantil - Sul (Paraná /Santa Catarina/ Rio Grande do Sul), Porto Alegre, 03 jun/2002. RAMOS, Vlamir. A Atual Metodologia de Revisão Tarifária Brasileira – Críticas e Soluções: Ciclo de Palestras: I Fórum de Regulação Econômica das Distribuidoras do Setor Elétrico 114 Brasileiro, Porto Alegre (Centro de Eventos da FIERGS): 11 de novembro de 2002; Energy Summit 2002, International Business Communications (IBC), Rio de Janeiro (RJ): 22 e 23 de julho de 2002; XVII Enconsel – Encontro Nacional dos Contadores de Concessionárias do Serviço Público de Energia Elétrica patrocinado pela ANEEL, Canela (RS): 17 a 20 de novembro de 2002; 2o Fórum Nacional de Energia Elétrica, IIR Conferences, São Paulo (SP): 9 e 10 de dezembro de 2002. ROSS, Stephen A.; WESTERFIELD, Randolph W.; JAFFE, Jeffrey F. Administração Financeira. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2002. SCHWEPPE, Fred C.; CARAMANIS, Michael C.; TABORS, Richard D.; BOHN, Roger E. Spot Pricing of Electricity. Norwell (MA), EUA: Kluwer Academi -Publishers, 1988. SIDAK, J. G.; SPULBER, D. F. Deregulatory Takings and the Regulatory Contract. New York, EUA: Cambridge University Press, 1988. SOBRINHO, José D.V. Matemática Financeira 3 ed. São Paulo: Atlas, 2000. SOUTO, Marcos J. V. Desestatização, Privatização, Concessões e Terceirizações. 3 ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2000. STRASSER, Kurt A.; KOHLER, Mark F. Regulating Utilities With Management Incentives – A Strategy for Improved Performance. WestPort (CO), EUA: Quorum Books, 1989. TOURINHO, Rodolpho. Pelo Desenvolvimento. artigo publicado na Folha de São Paulo, São Paulo, 15 abr. , 2000. THOMPSON, A. A. Aspectos Distributivos na Determinação de Preços Públicos. IPEA, Rio de Janeiro: 1998. UMBRAIA, Fernando C. O Novo Modelo do Setor Elétrico Brasileiro e a Comercialização de Energia Elétrica no Âmbito do Mercado Atacadista de Energia. Monografia apresentada à Universidade Federal do Paraná, Curitiba: 1999. 115 U.S. Department of Energy. Energy Information Administration. Electricity Prices in a Competitive Environment; Marginal Cost Pricing of Generation Services and Financial Status of Electric Utilities – A Preliminary Analysis through 2015, EUA.: 1997. VASCONCELOS, Marco A. S. de; OLIVEIRA, Roberto G. de. Manual de Microeconomia. 2a ed. São Paulo, Atlas, 2000. VIEGAS, Waldyr. Fundamentos de Metodologia Científica. 2 ed. Brasília, Editora Unb, 1999. VISCUSI, W. Kip; VERNON, John M.; HARRINGTON, Joseph E. Economics of Regulation and Antitrust. 3a ed., London, UK, MIT Press, 2000. WEBER, J. E. Matemática para Economia e Administração. 2 ed., Ed. Harbra, 2001. WHYNES, D.K.; BOWLES R.A. A Teoria Econômica do Estado. Ed. Zahar, Rio de Janeiro: 1981. 116 ANEXOS ANEXO A – EXEMPLO DE TABELA TARIFÁRIA 117 Tabela A TARIFA CONVENCIONAL SUBGRUPO DEMANDA CONSUMO (R$/kW) (R$/MWh) A2 (88 a 138 kV) 22,56 56,78 A3 (69 kV) 24,34 61,22 12,16 30,62 A3a (30 kV a 44 kV) 8,44 123,54 A4 (2,3 kV a 25 kV) 8,77 128,10 A4a COOPERATIVA DE ELETRIFICAÇÃO 3,33 48,69 2,64 38,41 1,74 25,63 12,90 134,03 A3 COOPERATIVA DE ELETRIFICAÇÃO RURAL (69 kV) RURAL TIPO 1 A4b COOPERATIVA DE ELETRIFICAÇÃO RURAL TIPO 2 A4c COOPERATIVA DE ELETRIFICAÇÃO RURAL TIPO 3 AS (Subterrâneo) B1-RESIDENCIAL: 232,78 B1-RESIDENCIAL BAIXA RENDA: Consumo mensal até 30 kWh 81,46 Consumo mensal de 31 a 100 kWh 139,67 Consumo mensal de 101 a 160 kWh 209,51 B2-RURAL 159,92 B2-COOPERATIVA DE ELETRIFICAÇÃO 107,09 RURAL B2-IRRIGAÇÃO 139,35 B3-DEMAIS CLASSES 232,46 B4-ILUMINAÇÃO PÚBLICA: B4a - Rede de Distribuição 119,76 B4b - Bulbo da Lâmpada 131,46 B4c - Nível de IP acima do Padrão 194,72 118 Tabela B TARIFA HORO-SAZONAL AZUL SEGMENTO HORÁRIO DEMANDA (R$/kW) SUBGRUPO FORA DE PONTA PONTA A1 (230 kV ou mais) 13,24 2,74 A2 (88 a 138 kV) 14,22 3,27 A3 (69 kV) 19,07 5,22 (69 kV) 9,54 2,61 A3a (30 a 44 kV) 22,27 7,43 A4 (2,3 a 25 kV) 23,11 7,67 AS (Subterrâneo) 24,20 11,84 A3 Cooperativa de Eletrificação Rural - CER Tabela C TARIFA HORO-SAZONAL AZUL SEGMENTO SAZONAL CONSUMO (R$/MWh) SUBGRUPO PONTA FORA DE PONTA SECA ÚMIDA SECA ÚMIDA A1 75,32 65,87 53,28 45,29 A2 79,82 74,47 57,19 52,45 A3 90,42 80,18 62,30 53,75 A3 CER 45,21 40,09 31,15 26,88 A3a 146,23 135,37 69,57 61,49 A4 151,63 140,32 72,09 63,71 AS (Subterrâneo) 158,71 146,86 75,45 66,70 119 Tabela D TARIFA DE ULTRAPASSAGEM - HORO-SAZONAL AZUL SEGMENTO HORO-SAZONAL SUBGRUPO DEMANDA (R$ kW) PONTA FORA DE PONTA SECA OU ÚMIDA SECA OU ÚMIDA A1 (230 kV ou mais) 49,05 10,30 A2 (88 a 138 kV) 52,69 12,04 A3 (69 kV) 70,75 19,30 (69 kV) 35,38 9,65 A3a (30 a 44 kV) 74,98 24,99 A4 (2,3 a 25 kV) 69,36 23,11 AS (Subterrâneo) 72,60 35,46 A3 Cooperativa de Eletrificação Rural - CER Tabela E TARIFA DE ULTRAPASSAGEM - HORO-SAZONAL VERDE SUBGRUPO DEMANDA (R$ kW) A3a (30 kV a 44 kV) 7,43 A4 (2,3 kV a 25 kV) 7,67 AS (Subterrâneo) 11,84 Tabela F TARIFA HORO-SAZONAL VERDE AC 354 HORO-SAZONAL SUBGRUPO CONSUMO (R$ /MWh) PONTA FORA DE PONTA SECA ÚMIDA SECA ÚMIDA A3a 661,87 651,00 69,57 61,49 A4 686,17 674,93 72,09 63,71 AS (Subterrâneo) 718,07 706,29 75,45 66,70 120 Tabela G TARIFA DE ULTRAPASSAGEM - HORO-SAZONAL VERDE SUBGRUPO DEMANDA (R$ kW) PERÍODO SECO OU ÚMIDO A3a (30 kV a 44 kV) 24,99 A4 (2,3 kV a 25 kV) 23,11 AS (Subterrâneo) 35,46 Tabela H TARIFA DE EMERGÊNCIA - AUTOPRODUTOR SUBGRUPO DEMANDA CONSUMO (R$/kW. ANO) (R$ /MWh) A2 (88 a 138 kV) HORO-SAZONAL AZUL 54,08 237,54 A3 (69 kV) HORO-SAZONAL AZUL 55,45 333,85 A3a (30 a 44 kV) HORO-SAZONAL AZUL 62,80 349,61 A3a (30 a 44 kV) HORO-SAZONAL VERDE 15,70 349,61 A4 (2,3 a 25 kV) HORO-SAZONAL AZUL 58,06 323,27 A4 (2,3 a 25 kV) HORO-SAZONAL VERDE 14,52 323,27 Tabela I DESCONTOS PERCENTUAIS UNIDADE CONSUMIDORA RURAL – GRUPO A DEMANDA CONSUMO PONTA FORA DE PONTA 10 10 15 15 - 15 ÁGUA, ESGOTO E SANEAMENTO GRUPO A ÁGUA, ESGOTO E SANEAMENTO GRUPO B 121 ANEXO B - Privatização no Setor Elétrico (1995-2000) Companhia Data da Principais Preço US$ / Venda Acionistas US$ mi GWh (2) transf. Dívida US$ mi (3) (1) % Ágio Fatia de Vendido % (5) Mercado % (6) (4) 1. Distribuição Sul / Sudeste/ Central-Oeste Iven (Brasil) (7) 1. Escelsa (ES) 11/07/95 GTD (Brasil) 2. Light (RJ) 21/05/96 AES (EUA) 520 189,5 2 50,00 11,78 2,2 2.508 229,2 586 50,44 0 9,0 587 145,7 364 70,26 30,0 2,4 1.486 355,1 149 90,75 82,6 1,9 Houston (EUA) EDF (França) 3. CERJ (RJ) 20/11/96 Endesa (Chile) Chilectra (Chile) Endesa (Espanha) EDP (Portugal) 4. RGE (RS) 21/10/97 VBC ( Brasil) 122 (CEEE Norte / Nordeste) CEA (EUA) Previ (Brasil) 5. AES SUL (RS) 21/10/97 AES (EUA) 1.372 261,5 64 90,91 93,6 2,4 05/11/97 VBC (Brasil) 2.731 398,2 102 41,06 70,1 7,1 (CEEE Central/Oeste) 6. CPFL (SP) Bonaire ( Brasil) Previ (Brasil) 7. Enersul (MS) 19/11/97 Escelsa (Iven. GTD) 565 461,9 218 48,67 83,8 1,0 8. Cemat (MT) 27/11/97 Grupo Rede /Inepar 353 189,9 461 86,91 21,1 0,95 1.777 171,5 1.241 29,8 0 13,7 1.489 310,2 428 46,62 98,9 4,1 860 124,5 375 29,8 0 9,2 ( Brasil) 9. Eletropaulo 14/04/98 Metropolitano (SP) Light (AES, Houston, EDF) 10. Elektro (SP / MS) 16/07/98 Enron (EUA) 11. Bandeirante (SP) 17/09/98 EDP (Portugal) 123 (EBE) (8) CPFL (VBC, Bonaire, Previ) Total 14.248 228,9 3.990 44,7 27,5 (9) (10) (11) (12) (13) 53,95 2. Distribuição Norte / Nordeste Companhia Data da Principais Preço US$ / Dívida % Ágio Fatia de Venda Acionistas US$ mi GWh transf. Vendido % Mercado % US$ mi 31/07/97 12. Coelba (BA) Iberdrola (Espanha) 1.598 320 213 62,54 77,38 3,3 520 403 40 86,42 96,05 0,6 606 339 112 85,75 73,90 0,9 BrasilCap (Brasil) Previ (Brasil) 13. Energipe (SE) 03/12/97 Cataguases (Brasil) CMS (EUA) 14. Cosern (RN) 12/12/97 Coelba (Iberdrola, Previ) Guaraniana 124 15. Coelce (CE) 02/04/98 CERJ (Endesa / Chile / 868 342 378 53,11 27,20 1,9 388 251 116 51,26 0,1 1,2 1.004 177 131 79,62 0 2,4 289 193 158 86,25 0 0,5 5.273 284,1 1,148 67,62 39,8 10,3 Chilectra, Endesa / Espanha, EDP) 16. Celpa (PA) 09/07/98 Grupo Rede / Inepar (Brasil) 17. Celpe (PE) 17/02/00 Iberdrola (Espanha) Previ (Brasil) 18. Cemar (MA) Total 15/06/00 PP & L 125 ANEXO B - Privatização no Setor Elétrico (1995-2000) Companhia Data da Principais Preço US$ / Dívida % Ágio Fatia de Venda Acionistas US$ mi GWh transf. Vendido % Mercado % US$ mi 3. Geração 05/09/97 Endesa (Chile) 714 237 140 78,88 43,49 0,03 15/09/98 Tractebel (Bélgica) 801 96 1.082 42,10 0 6,8 19. Cachoeira Dourada (GO) 20. Gerasul (SC) (15) CMS (EUA) 21. Cesp Paranapanema 28/07/99 Duke-Energy (EUA) 682 179 482 38,7 90,2 4,9 27/10/99 AES (EUA) 472 108 668 38,7 29,97 5,6 2.669 123,6 2.372 40,1 35,3 17,33 (SP) 22. Cesp Tietê Total Fonte: Pires (2000), Rosa, Tolmasquim e Pires (1998), MME, BNDES (2000) 126 Notas: (1) Total do valor da venda (2) Quociente do valor da venda pelo total da venda de energia (em GWh) (3) Total da dívida transferida na transação (4) Percentual do capital total (5) Ágio sobre o preço de venda divulgado (6) Quotas calculadas por: vendas de eletricidade para distribuidoras e o total bruto de geração para companhias de geração. (7) EDP (Portugal) comprou IVEN em 25/08/99 (8) EDP e CPFL efetuaram a cisão da Bandeirantes em 01/10/2001 (9) Soma do valor das vendas (10) Média ponderada de preço por GWh (valores dados pela divisão de mercado) (11) Soma da dívida transferida nas vendas (adicionando esta à soma do valor da venda, obtém-se a renda total da venda) (12) Média ponderada do percentual vendido (valores dados pela divisão de mercado) (13) Média ponderada de ágio (valores dados pela divisão de mercado) 127 ANEXO C – LISTA DAS DATAS DE REVISÃO TARIFÁRIA DAS DISTRIBUIDORAS CONCESSIONÁRIA SIGLA Data da Revisão 01 Centrais Elétricas Matogrossenses CEMAT 08/Abr/03 02 Companhia Energética de Minas Gerais CEMIG 08/Abr/03 03 Companhia Paulista de Força e Luz CPFL 08/Abr/03 04 Empresa Energética de Mato Grosso do Sul S/A ENERSUL 08/Abr/03 05 AES SUL Distribuidora Gaúcha de Energia S/A AES-SUL 19/Abr/03 06 Rio Grande Energia S/A RGE 19/Abr/03 07 Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia COELBA 22/Abr/03 08 Companhia Energética do Ceará COELCE 22/Abr/03 09 Cia. Energética do Rio Grande do Norte COSERN 22/Abr/03 10 Empresa Energética de Sergipe S/A ENERGIPE 22/Abr/03 ELETROPAULO 04/Jul/03 CELPA 07/Ago/03 ELEKTRO 27/Ago/03 BANDEIRANTE 23/Out/03 PIRATININGA 23/Out/03 LIGHT 07/Nov/03 CERJ 31/Dez/03 CAIUÁ 03/Fev/04 CFLO 03/Fev/04 Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São 11 Paulo S/A 12 Centrais Elétricas do Pará S/A 13 Elektro Eletricidade e Serviços S/A 14 Bandeirante Energia S/A 15 Companhia Piratininga de Força e Luz 16 Light Serviços de Eletricidade S/A 17 Companhia de Eletricidade do Rio de Janeiro 18 CAIUÁ - Serviços de Eletricidade S/A 19 Companhia Força e Luz do Oeste 128 20 Companhia Jaguari de Energia CJE 03/Fev/04 21 Companhia Luz e Força de Mococa CLFM 03/Fev/04 22 Companhia Nacional de Energia Elétrica CNEE 03/Fev/04 23 Companhia Paulista de Energia Elétrica CPEE 03/Fev/04 24 Companhia Sul Paulista de Energia CSPE 03/Fev/04 25 Empresa Elétrica Bragantina EEB 03/Fev/04 EEVP 03/Fev/04 SANTA CRUZ 03/Fev/04 Empresa de Eletricidade Vale Paranapanema 26 S/A 27 Companhia Luz e Força Santa Cruz 28 Empresa Luz e Força Santa Maria S/A ELFSM 07/Fev/04 29 Companhia Campolarguense de Energia COCEL 30/Mar/04 30 Empresa Força e Luz de Urussanga Ltda. EFLUL 30/Mar/04 31 Empresa Força e Luz João Cesa Ltda. JOÃO CESA 30/Mar/04 32 Companhia de Eletricidade de Nova Friburgo CENF 18/Jun/04 33 Companhia Força e Luz Cataguazes Leopoldina CFLCL 18/Jun/04 34 Companhia Paranaense de Energia Elétrica COPEL 24/Jun/04 Departamento Municipal de Eletricidade de 35 Poços de Caldas DMEPC 28/Jun/04 36 Departamento Municipal de Energia de Ijuí DEMEI 29/Jun/04 37 Centrais Elétricas de Carazinho S/A ELETROCAR 29/Jun/04 38 Hidroelétrica Panambi S/A HIDROPAN 29/Jun/04 39 Muxfeldt, Marin & Cia. Ltda MUXFELDT 29/Jun/04 Companhia de Energia Elétrica do Estado do 40 Tocantins CELTINS 04/Jul/04 41 Centrais Elétricas de Santa Catarina CELESC 07/Ago/04 42 Espírito Santo Centrais Elétricas S/A ESCELSA 07/Ago/04 43 Hidroelétrica Xanxerê Ltda. XANXERÊ 07/Ago/04 44 Companhia Energética de Brasília CEB 26/Ago/04 45 Força e Luz Coronel Vivida Ltda. FORCEL 26/Ago/04 46 Companhia Energética do Maranhão CEMAR 28/Ago/04 47 Companhia Energética do Piauí CEPISA 28/Ago/04 48 S/A de Eletrificação da Paraíba SAELPA 28/Ago/04 129 49 Companhia Energética de Alagoas CEAL 28/Ago/04 50 Companhia Energética de Goiás CELG 12/Set/04 51 Companhia Hidroelétrica São Patrício CHESP 12/Set/04 52 Companhia Estadual de Energia Elétrica CEEE 25/Out/04 53 Boa Vista Energia S/A BOA VISTA 01/Nov/04 54 Manaus Energia S/A MANAUS 01/Nov/04 55 Centrais Elétricas de Rondônia S/A CERON 30/Nov/04 56 Companhia de Eletricidade do Acre ELETROACRE 30/Nov/04 57 Companhia Sul Sergipana de Eletricidade SULGIPE 14/Dez/04 58 Usina Hidro Elétrica Nova Palma Ltda. UHENPAL 28/Dez/04 59 Companhia Energética da Borborema CELB 04/Fev/05 60 Companhia Energética de Pernambuco CELPE 30/Mar/05 61 Companhia Energética do Amazonas CEAM A definir 62 Companhia Energética de Roraima CER A definir 63 Companhia de Eletricidade do Amapá CEA A definir 64 Cooperativa Aliança COOPERALIANÇA A definir 130 ANEXO D – FÓRMULA GERAL PARA CÁLCULO DO “FATOR X” X i = max 0, ( XE + X0 ) . Ψi - -K ou ● ● ● ● X i = max 0, ( max. 0, (PTFS - PTFeco)+( Weco - Ws) + X0 .Ψi - K ou n ● ● ● ● X i = max 0, ( max. 0, (Σ γi . ( Yi - α Li – (1 - α ) Ki - (- Yeco – α Leco – (1- α ).Keco) + ● ● i + ( Weco – Ws) + XO .Ψi - K Onde: Xi = Fator X da distribuidora i; XE = Estimativa da variação dos ganhos de produtividade do pagamento de distribuição de energia elétrica no período tarifário; γi = Ponderador definido pelo nº de consumidores da firma i em relação ao total do nº de consumidores do segmento de distribuição de energia elétrica; ● Yi = Variação estimada do produto da distribuidora i no período tarifário; α = Participação do fator trabalho no valor adicionado da distribuidora i ; ● Li = Variação estimada do fator trabalho da distribuidora i no período tarifário; ● 131 Ki = Variação estimada do fator capital da distribuidora i no período tarifário; ● Yeco = Variação estimada do produto da economia no período tarifário; ● Leco = Variação estimada do fator trabalho de economia no período tarifário; ● Keco = Variação estimada do fator capital da economia no período tarifário; ● PTFs = Variação estimada da produtividade total dos fatores do segmento de distribuição de energia elétrica para o período tarifário; ● PTFeco = Variação estimada da produtividade total dos fatores da economia para o período tarifário; ● Weco = Variação estimada dos custos dos insumos da economia para o período tarifário; ● Ws = Variação estimada dos custos dos insumos do segmento de distribuição de energia elétrica para o período tarifário; Xo = Estimativa da variação dos ganhos de produtividade do segmento de distribuição de energia elétrica no período tarifário; Ψi = Proporção dos custos operacionais sobre a parcela “B” da receita da concessionária de distribuição de energia elétrica i no ano teste; K = Elemento de recuperação de despesas estimadas operacionais e investimentos de caráter extraordinário a critério do regulador. 132 ANEXO E - Estudo de Caso -Rio Grande Energia - RGE Valores em R$ Milhões 1997 Lucro Operacional Líquido após Impostos ("Nopat") 1998 1999 2000 2001 (28/7/97) Receita Operacional Bruta (ROB) Deduções (ICMS, PIS, Cofins, RGR) Receita Operacional Líquida (ROL) 275 61 214 129% 29% 100% 665 169 496 134% 34% 100% 754 191 563 134% 34% 100% 904 226 678 133% 33% 100% 1057 252 805 131% 31% 100% Energia Comprada Encargo Sist. Distr. e Transmissão Conta de Consumo de Combustível 108 0 4 50% 0% 2% 218 37 13 44% 7% 3% 267 41 18 47% 7% 3% 306 53 40 45% 8% 6% 386 55 37 48% 7% 5% Margem de Contribuição 102 48% 228 46% 237 42% 279 41% 327 41% Custo de Operação 40 19% 92 19% 82 15% 104 15% 110 14% Lucro antes dos Juros, Impostos, Depreciação e Amortização ("EBITDA") 62 29% 136 27% 155 28% 175 26% 217 27% Depreciação Amortização do Ágio (30 anos) 15 0 7% 0% 39 19 8% 4% 42 37 7% 7% 49 37 7% 5% 52 37 6% 5% Lucro antes dos Juros e Impostos ("EBIT") 47 22% 78 16% 76 13% 89 13% 128 16% Result. Financeiro Operacional Outros (Provisões Privatização) 0 42 0% 20% 0 0 0% 0% 0 0 0% 0% 0 0 0% 0% 0 0 0% 0% Lucro Operacional Líquido antes dos Impostos ("NOPBT") 5 2% 78 16% 76 13% 89 13% 128 16% Impostos s/ bases econômicas 2 1% 27 5% 26 5% 30 4% 44 5% Lucro Operacional Líquido após Impostos ("Nopat") 3 2% 51 10% 50 9% 59 9% 84 10% 133 ANEXO E - Estudo de Caso -Rio Grande Energia - RGE Valores em R$ Milhões Capitais a Remunerar Capitais Terceiros Capitais Próprios 110 565 16% 84% 458 1296 26% 74% 500 1183 30% 70% 593 1028 37% 63% 654 937 41% 59% Total Capital a Remunerar Capital a Remunerar Médio Capital a Remunerar Atualizado IGP - M (Final do Período) 675 675 691 100% 1754 1215 1236 100% 1683 1719 2064 100% 1621 1652 1817 100% 1591 1606 1773 100% Capital de Giro Ativo Permanente Ágio na Aquisição (30 anos) Exigível a Longo Prazo Líquido Obrigações Especiais 94 707 0 -92 -34 14% 105% 0% -14% -5% -2 731 1101 -34 -42 0% 42% 63% -2% -2% -45 761 1027 -9 -51 -3% 45% 61% -1% -3% -14 711 915 9 0 -1% 44% 56% 1% 0% -38 783 802 44 0 -2% 49% 50% 3% 0% Total Capital Empregado 675 100% 1754 100% 1683 100% 1621 100% 1591 100% Capitais Empregados ROIC = NOPAT / Capital Médio WACC (Ver Planilha WACC) ROIC - WACC 0,48% 11,11% -10,63% 4,16% 27,62% -23,46% 2,43% 23,80% -21,37% 3,23% 16,04% -12,81% 4,77% 15,58% -10,81% Lucro Econômico ([ROIC X WACC] x Cap. Médio) - R$ MM Lucro Econômico Atualizado pelo IGP - M até 31/12/01 -74 1,483635 -290 -109 1,457572 -441 -423 1,213612 -233 -535 1,103723 -192 -257 1,000000 -192 Total -1229 -1516 Fator de Recupreação de Capital - FRC Spread (ROIC - FRC) Spread (ROIC - FRC) em R$ milhões Spread Atualizado pelo IGP - M até 31/12/01 11,60% -11,12% -77 1,483635 27,64% -23,48% -290 -114 1,457572 23,84% -21,41% -442 -423 1,213612 16,23% -13,00% -236 -536 1,103723 15,79% -11,02% -195 -261 1,000000 -195,32 Total -1240 -1529 134 ANEXO F - Estudo de Caso -Rio Grande Energia – RGE Estimativa do WACC CDI ªª Custo de Captação 105% CDI TJLP ªª + 4% a.a. Cap. Proprios Médios Cap. Terceiros - BNDES - TJLP Cap. Terceiros - Outros Alíquota dos Impostos Total Cap. Terceiros WACC RGE 1997 1998 28/07/1997 Gearing % Annual Proporcional Gearing % 24,60% 11,20% 25,83% 11,76% 14,13% 5,58% 83,70% 0,00% 16,30% 1999 Anual Gearing % 28,58% 30,01% 15,66% 21,62% 0,00% 4,21% 34,00% 2,78% 9,84% 0,00% 1,92% 1,26% 22,99% 0,00% 7,02% 34,00% 4,63% 24,40% 11,11% 27,62% 76,62% 0,00% 23,38% 72,13% 1,43% 26,45% 2000 2001 Consolidado Consolidado Anual Gearing % Anual Gearing % Anual 25,13% 17,32% 17,29% 26,39% 18,19% 18,15% 17,22% 14,75% 13,50% 19,03% 0,25% 6,98% 34,00% 4,77% 23,80% 66,92% 4,33% 28,75% 12,17% 0,64% 5,23% 34,00% 3,87% 16,04% 61,18% 5,79% 33,03% 11,11% 0,78% 6,00% 34,00% 4,47% 15,58% 135 ANEXO G - Estudo de Caso - Rio Grande Energia - RGE Estrutura de Capital Valores em R$ Milhões 1997 Capitais Próprios Capital de Terceiros - BNDES Capital de Terceiros - Outros Total Final 565 0 110 675 Médio 565 0 110 675 1998 % 83,70% 0,00% 16,30% 100,00% Final 1296 0 458 1754 Médio 931 0 284 1215 1999 % 76,62% 0,00% 23,38% 100,00% Final 1183 49 451 1683 Médio 1240 25 455 1719 % 72,13% 1,43% 26,45% 100,00% 2000 Consolidado Final Médio % 1028 1106 66,92% 94 72 4,33% 499 475 28,75% 1621 1652 100,00% Final 937 92 562 1591 2001 Consolidado Médio % 983 61,18% 93 5,79% 531 33,03% 1606 100,00% 136 ANEXO H – ÓRGÃOS REGULADORES E DE FISCALIZAÇÃO Agência Nacional de Energia Elétrica - ANEEL A ANEEL, autarquia federal sob regime especial vinculada ao Ministério de Minas e Energia, foi criada pela Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996 para regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes estabelecidas pelo Governo Federal. A ANEEL sucedeu o extinto DNAEE, que regulava e fiscalizava o setor sob o regime anterior. Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica – CGCE A CGCE foi um órgão de caráter transitório durante o período 2001 e 2002, de composição eminentemente política (entre seus membros incluem-se diversos ministros de Estado) e competência normativa abrangente, com o objetivo de propor e implementar medidas para superar a crise energética de 2001. Mercado Atacadista de Energia Elétrica - MAE O MAE é uma empresa civil de direito privado, sem fins lucrativos, submetida à regulamentação por parte da ANEEL, e foi criada através da Medida Provisória nº 29, de 7 de Fevereiro de 2002, em substituição à antiga estrutura da ASMAE, cujo objetivo é viabilizar as transações de compra e venda de energia elétrica nos sistemas interligados. Devem participar do MAE, obrigatoriamente, (i) titulares de concessão ou autorização para exploração de serviços de geração que possuam central geradora com capacidade instalada 137 igual ou superior a 50MW - exceto pelos titulares de autorização para autoprodução e cogeração, desde que suas instalações de geração estejam diretamente conectadas às instalações de consumo e não sejam despachadas centralmente pelo ONS; (ii) titulares de concessão, permissão ou autorização para exercício de atividades de comercialização de energia elétrica com mercado igual ou superior a 300GWh/ano; e (iii) titulares de autorização para importação ou exportação de energia elétrica em montante igual ou superior a 50MW. Facultativamente, podem participar do MAE: (i) os demais titulares de concessão ou autorização para exploração de serviços de geração; (ii) os demais titulares de concessão, permissão ou autorização para exercício de atividades de comercialização de energia elétrica; (iii) os demais titulares de autorização para importação ou exportação de energia; e (iv) Consumidores Livres. O MAE mantém um mercado para realização de negócios de comercialização de energia, destinado exclusivamente aos seus membros. As operações realizadas no âmbito desse mercado são sujeitas a um extenso conjunto de regras, incluindo a Convenção de Mercado, que contempla mecanismo e convenção de arbitragem para solução de divergências entre seus membros relativas às operações nele realizadas. Através do MAE são celebrados contratos de compra e venda de energia elétrica no sistema interligado entre participantes, sob preços, volumes e prazos livremente negociados (“Contratos Bilaterais”). O MAE possui também um segmento de mercado para negociação de montantes de energia que não forem objeto de Contratos Bilaterais e de eventuais sobras daqueles Contratos. Neste sistema (“Mercado de Curto Prazo”), os preços são fixados segundo as regras aprovadas pela ANEEL. Nos termos do art. 6º da Resolução nº 249, de 11 de agosto de 1998, da ANEEL, do montante de energia comercializado por participantes do MAE com consumidores finais, pelo menos 85% deverão estar cobertos por energia assegurada de usinas próprias ou por contratos de compra de energia, cuja duração seja no mínimo de dois anos. Todas as operações de negociação de energia elétrica no âmbito do MAE transitam pelo Sistema de Contabilização e Liquidação, onde são registrados os Contratos Bilaterais e são feitas a valoração e liquidação financeira dos negócios no Mercado de Curto Prazo. 138 A liquidação financeira dos Contratos Bilaterais é feita diretamente entre as partes contratantes. O MAE é administrado pela (i) Assembléia Geral do MAE; (ii) Conselho de Administração do MAE; e (iii) Superintendência. A Assembléia Geral é o órgão deliberativo superior do MAE, composta por concessionários, permissionários, autorizados e Consumidores Livres, além de dois representantes dos Conselhos de Consumidores (um da região norte/nordeste e outro da região sul/sudeste/centro-oeste). As Principais atribuições da Assembléia Geral são (a) eleger os conselheiros do Conselho de Administração do MAE, exceto os indicados pelo Ministério de Minas e Energia e pela ANEEL, bem como destituí-los; (b) deliberar sobre o orçamento do MAE; (c) decidir sobre a remuneração dos conselheiros do MAE; e (d) aprovar relatório anual do Auditor do Processo de Contabilização e Liquidação e as demonstrações econômico-financeiras anuais do MAE. O Conselho de Administração do MAE é órgão colegiado constituído por 5 executivos profissionais eleitos pela Assembléia Geral, admitida a reeleição, sendo um conselheiro indicado pelo Ministério de Minas e Energia. O presidente do Conselho é escolhido por meio de eleição realizada pelo próprio Conselho e o mandato será de, no máximo, dois anos. O mandato dos conselheiros, eleitos pela Assembléia Geral do MAE, e indicado pelo Ministério de Minas e Energia será de três anos, devendo, a cada ano, ser realizada a substituição de pelo menos um conselheiro. O Conselho de Administração do MAE, em sua primeira composição, terá dois membros indicados pela ANEEL e o mandato destes conselheiros terá duração máxima de 12 meses. As principais atribuições da Superintendência do MAE, entre outras, são: (i) registrar e contabilizar as transações no âmbito do MAE; (ii) promover a liquidação financeira das transações efetuadas no Mercado de Curto Prazo; (iii) promover a confiabilidade das operações realizadas no âmbito do MAE; (iv) implantar as Regras e Procedimentos de Mercado e assegurar ou seu cumprimento; e (v) elaborar a proposta de orçamento anual para funcionamento do MAE. 139 Uma das importantes regras do MAE é o MRE, que consiste num mecanismo financeiro de compartilhamento do risco hidrológico que está associado à otimização do sistema hidrotérmico, garantindo a proteção para as usinas hidrelétricas cuja energia é despachada de modo centralizado pelo ONS. O MRE abrange, também, a parcela de cada empresa, na proporção da respectiva quota, da energia vinculada à potência contratada com Itaipu. Operador Nacional do Sistema Elétrico - ONS O ONS foi criado pela Lei nº 9.648, de 27 de maio de 1998 e regulamentado pelo Decreto 2.655, de 21 de julho de 1998. Entre outras atribuições, compete ao ONS: (i) o planejamento e a programação da operação e o despacho centralizado da geração, com vista à otimização dos sistemas eletroenergéticos interligados, (ii) a supervisão e coordenação dos centros de operação de sistemas elétricos, (iii) a supervisão e controle da operação dos sistemas eletroenergéticos nacionais interligados e das interligações internacionais, (iv) a contratação e administração de serviços de transmissão de energia elétrica e respectivas condições de acesso, e (v) a definição de regras para a operação das instalações de transmissão da rede básica dos sistemas elétricos interligados, sujeitas à aprovação da ANEEL. Integram ainda as atribuições do ONS as novas funções relativas à administração do transporte de energia, incluindo a definição das regras de operação da rede básica de transmissão, que devem assegurar o livre acesso à rede, a contabilização e cobrança dos encargos de transmissão e serviços ancilares, e a definição das ampliações e reforços necessários na rede básica. Em 1º de março de 1999, o ONS efetivamente assumiu as funções de supervisão e controle da operação da Rede Básica81, envolvendo a pré-operação, a operação em tempo real e a pós-operação. Nessa data, foram transferidos para o ONS o Centro Nacional de Operação dos Sistemas – CNOS - e os centros de operação das supridoras regionais do Sistema Eletrobrás. Para o perfeito cumprimento dessa função, o ONS passou a contratar os serviços de centros de operação de outras empresas. O ONS é pessoa jurídica de direito privado constituído sob a forma de associação civil e possuindo os órgãos de uma sociedade anônima, quais sejam, Assembléia Geral, 140 Conselho de Administração, Diretoria e Conselho Fiscal. Além desses órgãos típicos da sociedade anônima, o ONS possui também um Comitê de Arbitragem para solucionar os litígios em sua área de atuação e um Comitê de Auditoria para assegurar a adequação dos controles internos. O ONS possui membros associados e membros participantes. São membros associados: (i) os agentes de geração com usinas despachadas de modo centralizado; (ii) os agentes de transmissão com instalações na rede básica; (iii) os agentes de importação com autorização para implantação de sistemas de transmissão para a importação de energia; (iv) os agentes de exportação com autorização para implantação de sistemas de transmissão para a exportação de energia; (v) os agentes de distribuição que distribuam através de suas instalações montante de energia superior a 300GWh/ano; e (vi) os Consumidores Livres conectados à rede básica, desde que declararem por tal participação. Os membros associados possuem direitos a voto. Os membros associados do ONS estão divididos em três categorias, quais sejam, consumo, transporte e produção, contando as categorias consumo e produção com o triplo do número de votos atribuído à categoria transporte. São membros participantes, sem direito a voto: o representante do Poder Concedente, através do Ministério de Minas e Energia, e o representante dos Conselhos de Consumidores. O representante do Poder Concedente possui direito de veto em relação às deliberações que conflitem com as diretrizes e as políticas governamentais para o setor de energia elétrica. Agentes Prestadores de Serviços A exploração dos serviços e instalações de energia elétrica é regulada a partir da sua divisão entre as atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização (incluindo importação e exportação). Cada atividade está sujeita a regras específicas e sua exploração é outorgada de forma independente, embora o Poder Público possa determinar que as instalações de transmissão de interesse restrito de centrais de geração, ou de âmbito próprio de concessionário de distribuição, sejam consideradas integrantes dos respectivos serviços de geração ou distribuição. 81 Todo sistema de transmissão com tensão igual ou superior a 230 kV, exceto as instalações de uso exclusivo de consumidor livre ou gerador, salvo algumas exceções indicadas nas Resoluções da ANEEL Nº 66/99, Nº 141 A atividade de geração de energia elétrica é exercida mediante concessão ou autorização. A concessão ou autorização pode prever que a geração será destinada (i) ao atendimento do serviço público de distribuição, (ii) à comercialização, no todo ou em parte, por conta e risco do gerador, neste caso designado “Produtor Independente”, ou (iii) ao consumo exclusivo em instalações industriais ou comerciais do gerador, neste caso designado “Autoprodutor”, admitida a comercialização, eventual e temporária, dos excedentes, mediante autorização da ANEEL. Aos Produtores Independentes é facultado comercializar a energia que produzirem junto a: (i) empresas concessionárias de serviços de energia elétrica, (ii) Consumidores Livres, (iii) consumidores de energia elétrica integrantes de complexo industrial ou comercial aos quais o Produtor Independente também forneça vapor oriundo de processo de co-geração, (iv) consumidores de energia elétrica em relação aos quais as condições de fornecimento tenham sido previamente ajustadas entre o Produtor Independente e os respectivos concessionários locais de distribuição e (v) consumidores que tenham solicitado o fornecimento de energia ao concessionário local de distribuição e que tenham demonstrado que o acesso à energia elétrica não lhes foi assegurado pelo concessionário dentro do prazo de 180 dias contados de tal solicitação. O artigo 5º do Decreto nº 2655/98 determina que, no caso de privatização de empresa federal detentora de concessão ou autorização de geração de energia elétrica para fins de atendimento do serviço público de distribuição, o regime de exploração será alterado, no todo ou em parte, para o de Produtor Independente, o mesmo aplicando-se às empresas sob controle dos Estados, do Distrito Federal ou de Municípios, desde que haja concordância destes. A transmissão de energia elétrica é em geral explorada mediante concessão. Dentre as instalações e equipamentos de transmissão detidas pelos concessionários, compete à ANEEL selecionar aqueles que devem integrar a rede básica nacional. As instalações e equipamentos considerados integrantes da Rede Básica são operados segundo Contrato de Prestação de Serviços de Transmissão celebrado entre os concessionários de transmissão e o ONS. As demais instalações de transmissão são disponibilizadas diretamente aos distribuidores e demais usuários interessados, contra o pagamento dos encargos correspondentes. 166/00 e Nº 433/00. 142 Para ter acesso às instalações da Rede Básica, as concessionárias de distribuição e demais usuários devem celebrar: i) Contrato de Uso dos Sistemas de Transmissão com o ONS (agindo na qualidade de representante das concessionárias de transmissão), sujeito à homologação pela ANEEL, estabelecendo as condições técnicas e as obrigações relativas ao uso das instalações de transmissão; e ii) Contrato de Conexão com as concessionárias de transmissão, com interveniência do ONS e sujeito à homologação pela ANEEL, estabelecendo as responsabilidades pela implantação, operação e manutenção das instalações de conexão e os respectivos encargos. A distribuição de energia elétrica é exercida mediante concessão ou permissão. A atividade de distribuição refere-se a uma área de atuação, onde a empresa concessionária ou permissionária do serviço tem o direito de fornecer e comercializar energia elétrica aos consumidores ali situados. Atualmente, a energia de que necessitam os distribuidores para suprir seu mercado é por eles adquirida principalmente através dos Contratos Iniciais. De acordo com o art. 10, inciso II da Lei nº 9.648/98, a partir de 2003 os montantes de energia e de demanda de potência sob Contratos Iniciais serão gradualmente reduzidos à razão de 25% ao ano, até que em 2006 os distribuidores deverão comprar toda a sua energia sob condições livremente negociadas. Há, finalmente, a figura do agente de comercialização, que opera apenas com a compra e venda de energia no Brasil ou no exterior, nos termos de autorização outorgada pela ANEEL. Os agentes de comercialização podem ser: (i) concessionárias de geração desejando vender energia diretamente a seus consumidores finais; (ii) concessionárias de distribuição atuando fora de suas áreas de concessão; e (iii) agentes de comercialização independentes. Contratos Iniciais Durante o período de transição (1998-2005), que permitirá a introdução gradual da competição no setor, a aquisição e venda de energia será realizada através de Contratos Iniciais. O propósito destes contratos é proteger as partes contra exposição ao risco de preços potencialmente voláteis no MAE. De acordo com a Resolução nº 249, de 11 de agosto de 1998, 85% do mercado cativo das distribuidoras devem estar contratados por 143 meio de contratos bilaterais de longo-prazo (superiores a dois anos). Essa norma foi superada pela Resolução nº 102, de 1º de março de 2002. No entanto, a ANEEL anunciou, através do artigo 5º da própria Resolução nº 102/02, que estabelecerá percentual de cobertura mínimo e o prazo mínimo de duração dos contratos de compra de energia. Os Contratos Iniciais foram calculados pelo Grupo Coordenardor para Operação Interligada − GCOI − e homologados pela ANEEL, em agosto de 1998, para as empresas localizadas na Região Sul, e em dezembro de 1998 para as demais regiões do Brasil. Foram estabelecidos montantes de energia e de demanda de potência para 1999, 2000 e 2001, repetindo para 2002 os mesmos montantes de 2001. Durante o período de 2003 a 2005, os montantes de energia e de demanda de potência dos Contratos Iniciais deverão ser reduzidos a uma taxa de 25% do montante referente ao ano de 2002. A partir de 2006, as empresas estarão, portanto, totalmente livres para negociar novos contratos de fornecimento de energia elétrica a preços de mercado para substituir os montantes não contratados. A energia que não é contratada sob o sistema dos Contratos Iniciais e a energia excedente poderão ser diretamente formalizados por Contratos Bilaterais de curto prazo ou no mercado spot do MAE. Durante este período de transição, a ANEEL também será responsável pela regulamentação das tarifas dos Contratos Iniciais. Devido ao atraso na entrada em operação da Usina Angra II da Eletronuclear, expondo Furnas a débitos significativos junto ao mercado, surgiram problemas não resolvidos no sistema, os quais estão levando o Governo Federal, juntamente com a ANEEL e o MAE, a discutir um novo modelo de contratação e obrigações junto ao mercado, associado à energia de Angra, o qual ainda não está formalizado nem acordado no âmbito do MAE. 144 ANEXO I – AGENDA “I FÓRUM DE REGULAÇÃO ECONÔMICA DAS DISTRIBUIDORAS DO SETOR ELÉTRICO BRASILEIRO” A Rio Grande Energia tem o prazer de convidá-lo para o primeiro Fórum de Debates RGE - A Regulação Econômica das Distribuidoras do Setor Elétrico Brasileiro. Dia 11 de novembro de 2002 Local Centro de Eventos FIERGS Sala Plenário Mercosul - Avenida Assis Brasil, 8787 - Porto Alegre - RS Objetivo Promover o debate e apresentação de diagnósticos e soluções para o setor elétrico nacional. Enfoque na atual crise do setor e a perspectiva de atingir-se um equilíbrio entre a modicidade tarifária e a remuneração adequada dos investimentos. Público-Alvo • Gestores de organizações em áreas relacionadas com o setor elétrico brasileiro. • Profissionais que ocupam cargo de direção, gerência, consultoria e técnicos que mantêm relação com os órgãos públicos, fornecedores, mercado financeiro, parceiros e clientes do setor elétrico. Programa 8h Inscrições e credenciamento 9h Abertura 9h30 Diagnóstico Geral do Setor Elétrico Brasileiro Palestrante: Arthur Ramos – Vice Presidente da A.T. Kearney 10h30 Debate com a presença de representantes do setor elétrico nacional José Said de Brito – Diretor Superintendente da Votorantim Energia Arthur Ramos – Vice-presidente da A.T. Kearney Representante da Agência Na cionalal de Energia Elétrica (ANEEL) Representante da Associação Brasileira das Distribuidoras de Energia Elétrica (ABRADEE) Carlos Weinschenck de Faria - Coordenador do Grupo Temático de Energia Elétrica - Fiergs Sidney Simonaggio – Diretor Presidente da RGE Mediador: Vlamir Ramos – Diretor Administrativo Financeiro da RGE 12h00 Perguntas e Respostas 12h30 Almoço 14h00 O Modelo Chileno para o Setor Elétrico Palestrante: Mário D. Peralta Alba – Consultor Ing. Y Servicios Enermark Ltda. – Chile 14h45 O Modelo Argentino para o Setor Elétrico Crise de Liquidez: aspectos fundamentais do processo de renegociação de passivos Palestrantes: PriceWaterHouse Coopers Auditores Independentes 15h30 A atual metodologia de revisão tarifária brasileira – Críticas e Soluções 145 Palestrante: Vlamir Ramos – Diretor Administrativo Financeiro da RGE 16h30 Intervalo para o Café 16h45 As privatizações na América Latina Palestrante: Prof. Dr. Sabino da Silva Porto Jr. – Faculdade de Economia UFRGS 17h15 Considerações Finais e Encerramento