packard, graves e o relógio
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packard, graves e o relógio
! M ASC ULIN O G UIA 92 93 PACKARD, GRAVES E O RELÓGIO MAIS COMPLICADO DO MUNDO A C O RRID A PARA C O NSTRUIR O REL Ó GI O M AIS LE N D ÁRI O D E SE MPRE JU N T O U D O IS H O M E NS Q UE N U N C A SE C O N H E C ERA M E Q UE D ERA M A O M U N D O ALG U M AS D AS M AIS EXTRA O RDIN ÁRIAS E C O MPLIC A D AS PE Ç AS D E REL O J O ARIA . U M A HIST Ó RIA C O N TA D A P O R STA CY PERM A N N O SEU LIVR O “ A GRA N D C O MPLIC ATI O N ” S tacy Perman é uma jornalista de investigação premiada e com provas dadas em dezenas de publicações como a Business Week, a Time, o New York Times e o The Wall Street Journal. A viver atualmente em Nova Iorque, Perman aventurou-se recentemente no campo da relojoaria num trabalho do qual resultou um livro extraordinário lançado no início de 2013. “A Grand Complication: The Race To Build The World´s Most Legendary Watch” faz-nos recuar ao início do século XX para contar um história verídica e fascinante sobre duas personagens muito especiais: Henry Graves, financeiro de Wall Street e membro da seleta alta sociedade novaiorquina, e James Ward Packard, o brilhante inventor e milionário por detrás da Packard Motor Car Company. Os dois personagens, que ajudaram os EUA a tornaremse na nação mais poderosa do mundo, nunca se chegaram a encontrar, mas protagonizaram uma disputa singular com vista a possuir o relógio mais complicado alguma vez construído. Trata-se de uma história de paixões, de poder e dinheiro, de colapso económico, do mundo da relojoaria e de como ele influenciou a expressão de riqueza e luxo acabando por se tornar num símbolo de status e de poder. Perman começa o livro pelo fim, através de uma descrição magistral do dia em que a Supercomplicação de Graves - o resultado final da disputa entre Packard e Graves, e que se mantém ainda hoje como o relógio mais valioso de sempre – é leiloada em 1999 pela Sotheby’s por 11 milhões de dólares. Stacy Perman revelou-nos alguns aspetos e considerações por detrás desta história cativante e sobre a pesquisa que teve de empreender para dar sentido aos diversos elementos abordados por esta história. Como é frequente acontecer, a ideia de escrever o livro deparou-se-lhe por mero acaso quando, há alguns anos, escrevia um artigo para a Businessweek sobre uma escola de relojoaria na Pensilvânia, nos EUA: “Enquanto estava a pesquisar a história do relógio mecânico tropecei na Supercomplicação de Graves, o relógio mais complicado alguma vez construído, e considerado a Mona Lisa da relojoaria. Fiquei bastante intrigada e comecei a aprofundar a pesquisa em busca de mais informação, o que, claro, me levou a descobrir a figura de Henry Graves, Jr., o homem que encomendou o relógio, e o seu rival James Ward Packard assim como a sua demanda em possuir o relógio mais complicado da história. Fiquei totalmente fascinada pelo que ia descobrindo. Era exatamente o género de história que eu gostava de contar, e uma, que por acaso, faz parte de uma história ainda maior. Neste caso, as vidas de Packard e de Graves, e os seus relógios, contavam a história de toda uma era”. Perman ficou fascinada com os dois personagens. “Aqui tínhamos Packard, um engenheiro brilhante e o fundador dos primeiros carros de luxo norte- ! M ASC ULIN O G UIA americanos e Graves, um financeiro, membro da mais elitista e reservada alta sociedade de Nova Iorque, e um conhecedor extremamente competitivo. Ambos personificavam o arquétipo do sucesso na América, e os seus relógios tornaram-se um reflexo das suas personalidades. Achei incrivelmente fascinante entrar no mundo destes indivíduos cujas vidas acabaram por dar origem a relógios tão extraordinários”. Para Stacy Perman o tema da relojoaria abordado no livro cruza-se com a história e com as personalidades marcantes de Graves e de Packard. “Penso que o período em que Graves e Packard viveram estava carregado de várias facetas: o nascimento da indústria automóvel, a eletricidade, a emergência da América como 94 95 superpotência mundial, e este período doirado da relojoaria. Todos se alimentavam uns dos outros. Packard e Graves eram indiscutivelmente homens do seu tempo”. Enquanto que cada relógio tem um interesse particular do seu ponto de vista técnico e artístico, Perman acha que o leitor se deixará também seduzir pela incrível história por detrás dos relógios. Ao longo dos três anos que a autora necessitou para escrever a história, o maior desafio manteve-se do lado da constante e difícil pesquisa que teve de empreender. “Nenhum dos homens deixou uma pegada pública, principalmente Henry Graves, Jr. que permaneceu um personagem extremamente reservado, tanto em vida como na morte. Foi realmente necessário um nível tremendo de difícil e penosa pesquisa para encontrar todas as peças do puzzle. Basicamente refiz o percurso das suas vidas, onde trabalharam, viveram e viajaram, desenterrando documentos, cartas, diários e fotografias enquanto conduzia incontáveis entrevistas. Foi um desafio enorme, mas foi também incrivelmente gratificante”. Um das questões mais interessantes levantadas por Perman refere-se aos muitos relógios de Packard e de Graves que existem por aí e que ainda têm de ser descobertos. Curiosamente, nenhum dos ! M ASC ULIN O 96 homens catalogou a sua coleção e ninguém, nem mesmo as marcas que colecionaram, como a Patek Philippe e a Vacheron Constantin, sabem hoje exatamente quantos relógios Pakard e Graves chegaram a possuir. “Ao longo do tempo em que trabalhei neste livro, descobri que cada homem possuiu um número de relógios substancialmente superior ao que se pensava inicialmente. Na realidade, um dos aspetos bastante excitantes da minha pesquisa surgiu quando descobri relógios que se desconhecia existirem. Por exemplo, a bengala-relógio da Patek Philippe, construída exclusivamente para Packard em 1918, é apenas um exemplo de um número bastante significativo de peças à espera de serem descobertas”. Perman revela que no caso de Graves, um dos episódios mais intrigantes está relacionado com a sua encomenda daquele que se chama o “relógio misterioso.” Acreditase que Graves tenha encomendado um segundo relógio com mapa astral à Patek Philippe numa altura em que a manufatura já estava a trabalhar na sua “magnum opus” – a Supercomplicação. “À medida que trabalhava no livro deparei-me com desenhos deste relógio, mas como na altura apenas possuía o número do movimento, e não o número da caixa, tornou-se impossível confirmar se o relógio tinha efetivamente sido construído. Depois, cerca de dois anos decorridos desde o início da minha pesquisa, um estojo da Patek Philippe que pertencera a Henry Graves surgiu em leilão. O estojo estava vazio. Mas quando o interior da tampa foi aberto descobriu-se o certificado de origem deste “relógio misterioso”. Aqui estava uma prova tangível de que o relógio tinha efetivamente sido produzido. Um aspeto que obviamente leva a um número de questões que discuto em pormenor neste livro. A primeira das quais é, claro, onde está hoje este relógio? E em segundo lugar, o que motivou Graves a encomendar uma peça destas quando a Supercomplicação estava já em plena produção? Caso este relógio alguma vez venha a ser descoberto, será certamente um acontecimento ímpar no mundo da relojoaria”. Stacy Perman pensa que o que distingue a disputa entre Packard e Graves é o facto de ter sido travada à volta de relógios mecânicos. A inovação e o conhecimento envolvidos na criação destes relógios deixaram um legado que ultrapassa em muito as próprias peças que sobreviveram até aos nossos dias. “A engenharia mecânica que foi aplicada em cada um destes relógios influen- ciou fortemente Packard à medida que desenvolvia os seus carros, tanto na forma em como encarava os problemas e as suas soluções, como na união entre a tecnologia e a arte. Da mesma maneira, os desejos de Packard e de Graves impeliram marcas como a Patek e a Vacheron a ultrapassar as fronteiras do que era possível realizar nesta altura. Muitos acreditam que foram estas peças, que Packard e Graves encomendaram, que cimentaram a atual reputação da Patek Philippe e da Vacheron Constantin como construtores supremos de relógios complicados”. A conversa acabou por abordar a magnífica Grande Complicação construída pela Patek Philippe para Stephen S. Palmer, que recentemente foi leiloada pela Christie’s. Poderá esta, de alguma forma, ser um elo perdido em toda esta história? Afinal, ela precede à primeira Grande Complicação de Packard em quase 16 anos, podendo ter sido a fonte de inspiração original de Packard. “Essa é uma pergunta interessante. De facto, segundo se sabe, Packard recebeu o seu primeiro relógio de bolso complicado da Patek Philippe em 1905, um cronógrafo que incluía uma repetição de minutos, um calendário perpétuo e uma grande e pequena “sonnerie.” Antes do seu interesse pela Patek, Packard encomendou diversos relógios complicados a manufaturas britânicas como a Smith & Son e a Dent. De um eles, adquirido em 1902 à Smith & Son, diz-se ter sido um dos relógios mais complicados alguma vez construídos em Inglaterra. Certamente que Packard se teria interessado por grandes complicações muito mais cedo do que o Patek que recebera em 1916 com 16 complicações, incluindo segundos “foudroyante.” O que eu penso que a descoberta do S.S Palmer vem demonstrar é que a história da Patek e dos seus relógios complicados começou muito mais cedo do que a maioria das pessoas pensavam. Packard foi um dos primeiros devotos, e podemos ver como o seu interesse evoluiu ao longo do tempo, culminando com o seu Patek astronómico, o “Packard”, concluído em 1927. O que irá ser bastante interessante de verificar é se mais algumas Grandes Complicações de S.S. Palmer vierem a ser descobertas. Se assim for, então este livro terá certamente contribuído para o que sabemos hoje sobre a história das Grandes Complicações”. Com a conversa já longa não resistimos a perguntar se, ao escrever este livro, Stacy Perman acabou por se apaixonar pela relojoaria e pelas suas criações extraordinárias. A resposta não poderia ter sido mais elucidativa: “Absolutamente”! 97
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