“Novos clássicos”? Disney Mania, cultura pop e versões musicais1

Transcrição

“Novos clássicos”? Disney Mania, cultura pop e versões musicais1
“Novos clássicos”?
Disney Mania, cultura pop e versões musicais1
Ana Carolina Almeida2
Enderson Oliveira3
Resumo
O período contemporâneo apresenta, entre tantas rediscussões e reconfigurações,
modificações em linguagens artísticas, como a música, e também na indústria e mercado
fonográficos, ramos da chamada “indústria cultural”. Neste ensaio analisamos o
desenvolvimento de versões musicais de filmes de Walt Disney Company, apresentados em
versões musicais pelos chamados “ídolos teen” como Selena Gomez, Demi Lovato e Emily
Osment nos CDs Disney Mania. Analisando a criação destes álbuns, observamos o quanto a
demanda por versões está cada vez mais presente nas novas reconfigurações da indústria
fonográfica, em que a música cada vez mais assume caráter de commodity. Cria-se, assim, um
ciclo que envolve uma “metasimbologia” que busca, apostando na “simbologia da magia” da
Disney, como afirma Luís Martins (2000), se fazer presente em diversos segmentos de
mercado visando alcançar e/ou manter novos públicos.
Palavras-chave:
Metasimbologia.
Indústria
fonográfica;
Reconfigurações;
Versões;
Disney
Mania;
Abstract
Inside the contemporary period we find, beyond so many rediscussions and reconfigurations,
some modifications in the artistic languages, as how it happens in the music, also in the
industry and the music industry market, all the ramifications of what is so called the “Cultural
Industry”. In this piece we are going to discuss the development of the musical versions of
Walt Disney Company’s movies, recorded by teen idols such as Selena Gomez, Demi Lovato
and Emily Osment. All the versions analyzed here are inside of the CDs from the company
called Disney Mania. As we analyzed the creation of those albuns, we could observe that as
the demand for versions keeps staying more present in the new configurations of the music
industry, the music gets more the characteristics of a commodity. It’s possible to notice the
creation of a cycle that involves the “metasimbologia” witch searches for the constant
presence under the most variable segments of the market. Using Luís Martin’s (2000) idea,
the use of a “magic simbology” makes possible for the company reach and also keep new
publics.
Palavras-chave:
Metasimbologia.
1
Music
Industry;
Reconfigurations;
Versions;
Disney
Mania;
Trabalho enviado para a Semana de Comuicação da Universidade da Amazônia.
Graduanda em Comunicação Social, habilitação Jornalismo pela Universidade da Amazônia – Unama/Pará, cursando o 7º
semestre. Email: [email protected]
3
Graduado em Comunicação Social, habilitação Jornalismo pela Universidade da Amazônia – Unama/Pará. Mestrando em
Ciências Sociais, área de concentração Antropologia pela Universidade Federal do Pará – UFPA. Bolsista CAPES. E-mail:
[email protected].
2
01. Apresentação
No período contemporâneo, chamado muitas vezes “pós-moderno”, cada vez mais
ganham destaque diversas (re)discussões sobre categorias, identidades, culturas. Fronteiras e
processos nos mais diversos campos, como nas artes e culturas são revistos: dicotomias como
erudito e popular, alta e baixa cultura, cultura regional e global, entre outras, apresentam-se
como fronteiras cada vez mais fluidas, discutíveis, talvez ultrapassadas.
Neste sentido, a música talvez se constitua em uma linguagem artística privilegiada,
afinal, se observarmos atentamente as interrelações entre e música, mercado e mídias,
notaremos que estas não são recentes, mas parecem se fortalecer no período contemporâneo.
Isto porque suas imbricações a outras áreas apresentam-se como propiciadoras de um
importante campo de pesquisa, afinal percebe-se ao notar
a multiplicidade e a complexidade de elementos que se colocam na música popular,
que não é possível separá-la do universo no qual está inserida: culturalmente, sua
capilar inserção na sociedade lhe confere extrema importância como objeto de
estudo nas ciências sociais; tecnicamente, são as mídias que lhe deram forma e
sustentaram até hoje; na estética, ao avaliá-la, de forma clara e consequente, nas
interfaces que produz, revela-se um produto artístico de grande riqueza. Por isso, é
importante a reflexão sobre a dinâmica da inovação e do experimentalismo na
canção popular, longe do pessimismo iluminista, do folclorismo romântico ou da
rigidez erudita, mas analisando as relações que a canção tem com a cultura midiática
e seus desdobramentos criativos (VICENTE, 2009, p. 179).
Uma das nuances destas interrelações entre música, mercado e mídia é o
desenvolvimento de diversas versões musicais no período contemporâneo 4, prática que cada
vez mais se relaciona às novas reconfigurações pelas quais vêm passando a produção e
difusão de música. Observando este novo cenário de transformações, vários autores
começaram a falar de “crise”5 da indústria e mercado fonográficos.
4
A construção de versões musicais não é uma prática nova: vem de muito tempo e por sua abrangência poderíamos listar
inúmeros exemplos desta prática, que não se constitui em uma espécie de plágio nem paródia de determinadas canções, mas
apena um novo modo de apresentá-las. Como exemplos, podemos citar a canção "Chorando se foi", gravado originalmente
pelo grupo Kaoma no final da década de 1980 e que foi adaptada e relançada em 2011 pela cantora Jennifer Lopez em
parceria com o rapper cubano Pitbull com o nome ''On the floor''. Outro exemplo fundamental ao se falar de versões musicais
é o álbum The dark side of the moon, de 1973 da banda inglesa Pink Floyd, considerado um marco do chamado “rock
progressivo” e que possui uma série de versões, de jazz ao dub, de sons de videogames ao soul, de música eletrônica até
música regional paraense, como o álbum The Charque Side of the Moon, de 2007 da banda paraense La Pupuña (sobre este
álbum, ver mais em OLIVEIRA, Enderson. Um novo lado da lua: The Charque Side of the Moon, identidades e estética pósmoderna.
XXXII
Congresso
Brasileiro
de
Ciências
da
Comunicação,
2009.
Disponível
em:
http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2009/resumos/R4-0729-1.pdf). Diversas versões do The dark side of the moon
estão disponíveis no link http://euovo.blogspot.com/2010/02/blog-side-of-moon.html.
5
Ainda que se reconheça a relevância dos argumentos em favor do termo “crise” para designar o atual estágio da indústria
fonográfica, neste artigo privilegiamos o termo “reorganização” (DE MARCHI, 2006) ou mesmo “reconfiguração”
(HERSCHMANN e KISCHINHEVSKY, 2011) tanto da indústria quanto mercado fonográficos. Esta escolha se sustenta no
fato de que, ao se falar em “crise” em geral se está fazendo referência a uma crise do mainstream da indústria (que durante
Destarte, neste artigo analisamos a produção fonográfica da Walt Disney Company,
mais especificamente o desenvolvimento das versões musicais presentes nos álbuns Disney
Mania, em que podemos observar a chamada “estética das versões” que, segundo Connor
(2000: p. 152), “oferece um equivalente popular-cultural do tão celebrado princípio da
intertextualidade”. E a Disney utiliza-se justamente desta intertextualidade para buscar uma
renovação contínua de si mesma, citando-se em todas as suas linguagens e se mantendo
“visível” entre elas. A música, como veremos, homenageia as ramificações da empresa,
remetendo a Disney Co. de forma saudosista e publicitária.
Sem objetivar fazer qualquer tipo de discussão estética das canções aqui citadas,
destacamos três pontos principais para nortear as discussões por nós apresentadas:
a) Lançamento dos teen idols (jovens ídolos) no mercado (não apenas o mercado
fonográfico, mas o também o mercado visual, através dos filmes para a TV, seriados e shows
patrocinados/produzidos pela Disney);
b) Divulgação dos clássicos disneyanos: grande parte do público da Disney hoje é
composta por filhos daqueles que assistiam as obras da empresa nas “décadas de ouro” (1980
- 1990)6, de forma que para que este público seja o consumidor, não só da produção atual,
mas também de toda a história e de todos os produtos disneyanos. eles se utilizam de novos
porta-vozes para apresentar antigas trilhas, e assim talvez influenciar o público infantil para
conhecer seus clássicos;
c) Criação dos novos clássicos da Disney: além de apresentar as antigas trilhas, o
Disney Mania também pretende reapresentar ao adolescente de hoje as trilhas que ele ouviu
quando criança, criando a sensação de uma lembrança atual. Desta forma, a empresa pretende
criar solo fértil para um novo clássico. O clássico do século XXI.
Antes de analisarmos as nuances da produção fonográfica da Disney e sua relação
com a cultura pop contemporânea e as reconfigurações na indústria e mercado fonográficos (e
em última instância com as reconfigurações da indústria cultural), cremos ser importante
longo tempo possuiu o domínio da produção, divulgação e controle dos produtos musicais) e não a toda a indústria da música
em si. Esta “reorganização” – que ainda está em curso – trouxe entre outras grandes mudanças a expansão e
“profissionalização” da música independente, seja em escala global ou nacional. Quem deseja maiores informações sobre
estas modificações pode consultar “A vez dos independentes (?): um olhar sobre a produção musical independente do país”,
de Eduardo Vicente (disponível nos anais da Compós: Revista da Associação Nacional dos Programas e Pós-Graduação em
Comunicação: <http://www.compos.org.br/seer/index.php/e-compos/article/viewFile/100/99>. Acesso em 28 outubro 2010)
e também o belo artigo A reinvenção musical do Nordeste, de Felipe Trotta. Importante destacar que tanto Trotta (2010)
quanto outros autores, como Leonardo de Marchi (2006: 179), deixam claro que as grandes empresas (isto é, o mainstream)
“continuam a ser agentes centrais na economia da música, controlando os mais valorizados catálogos e se constituindo em
partes de conglomerados industriais de múltiplos investimentos, inclusive em tecnologia e outros setores do entretenimento”.
6
Entre 1980 e 1990 a produção da Walt Disney Studios foi tão intensa que foram produzidos cerca de cinco filmes por ano.
Além disso, nestas duas décadas o número de premiações que a Disney recebeu também subiu significativamente. Nesta
época foram produzidos filmes como A Espada da Lei, Alladin, Tarzan, A Bela e a Fera e O Rei Leão.
apresentar brevemente a história da empresa e dos álbuns da Disney Mania, o que fazemos a
seguir.
02. A companhia Disney.
A história da empresa Walt Disney, ao contrário do que muitos acreditam, é bem
anterior à criação de Mickey Mouse em 1928, apesar da criação do camundongo ter sido um
marco para o que a Disney era antes e o que se tornou depois de seu lançamento.
Depois da criação de Mickey Mouse, Walt Disney7 decidiu investir em novas técnicas
para tornar seus desenhos animados pequenas obras de arte. Ao contrário do que se possa
pensar, Disney não criou a animação, mas ele criou/aprimorou técnicas que são usadas até
hoje, como a inserção de som (criada em 1928 e usada pela primeira vez no curta Steamboat
Willie), técnica de coloração (criada em 1931 sendo um contrato da Walt Disney Corporation
com a Technicolor Industry, foi usada pela primeira vez em 1932 no curta Flowers and Trees)
e técnicas de perspectiva com uma câmera de macro, que dava a impressão de zoom na
animação, onde não existia (criada em 1935 e utilizada em Branca de Neve).
Walt Disney foi o primeiro a pensar em formas de conduzir uma animação para além
dos 10 minutos característicos de um curta-metragem; ele quis recriar em filmes de animações
histórias que ele vira/ouvira quando criança, mas queria que elas fossem recontadas
suavemente com personagens marcantes e o mais real possível em uma animação.
Com o crescimento da indústria cinematográfica logo ficou interessante o
investimento em outras áreas do entretenimento, como parques de diversões, home and video,
TV, internet e música. Pode-se dividir atualmente a Disney didaticamente em cinco grandes
ramificações:
a) Cinema: aqui se inserem não só o cinema de animação, mas também os cinemas
com pessoas (live action) e as etiquetas criadas/compradas pela empresa para outros públicos
(Touchstone e a Pixar);
b) Entretenimento: parques como o complexo disneyano de Orlando e a Broadway;
7
Walter Elias Disney nasceu em 5 de dezembro de 1901. Nacionalista convicto (servindo ao governo nas duas grandes
guerras), fez parcerias inusitadas com artistas como Salvador Dalí (que resultou no Curta “Destino”), Ary Barroso, cantor e
compositor de “Aquarela do Brasil” (1939) e o presidente Roosevelt. Disney dedicou sua vida ao desenho e a criação de
novas técnicas para o seu aperfeiçoamento. Em 1920 conseguiu um emprego na Kansas City Film Ad.Company, onde teve
seu primeiro contato com a animação. Nesta empresa criou a técnica de desenho chamada de flipbook ou sobreposição de
imagens. Como a empresa não quis comprar a sua ideia, ele a patenteou e a renovou consecutivas vezes ao logo de seus 65
anos. Além da técnica do flipbook, Walt Disney foi o primeiro a colocar som e cor nos desenhos animados, além de ter sido o
primeiro a criar um longa-metragem todo em animação (A Branca de Neve e os Sete Anões, 1937). Seu espírito
empreendedor não parou na animação: em uma época em que a TV era vista como principal inimiga do cinema, Disney a
utilizou para divulgar seus curtas e suas ideias. Walt passou os últimos anos da sua vida criando e colocando em prática o
conceito do Disneyland (parque da Califórnia) e do Disney World em Orlando. Walt Disney morreu dia 15 de dezembro de
1966 e até hoje é considerado uma das grandes personalidades do século XX.
c) TV: tanto na distribuição de canais (ESPN, Disney XD e Disney Channel, por
exemplo), como na criação de filmes para este formato e seriados com temas mais
adolescentes;
d) Música: aqui estão os ramos que a empresa tem em selos musicais (EMI e
Hollywood Records), sua própria marca (Disney Records) e a criação das trilhas sonoras;
e) Produtos e Serviços: ramificação responsável pela criação dos souvenirs vendidos,
bem como artigos de modo geral. Também é a ramificação que cuida da Universidade
Disney8 e do pessoal contratado para trabalhar nas empresas da companhia.
Apesar dos setores da empresa serem bem definidos e funcionarem como núcleos
independentes, entre elas existe uma sinergia tão intensa que de maneira geral todas as
ramificações da Disney remetem sempre à própria Disney: isto é, a empresa de música remete
a home and video, que remete à Broadway, que remete ao cinema e assim sucessivamente.
Esta sinergia está dentro da ideia de “magia da simbologia” (MARTINS, 2000), onde
absolutamente tudo que é da Disney fala dela mesma, de forma que quem é responsável por
montar e manter a imagem da empresa em vigor é ela mesma, através de seus serviços e
produtos, como os álbuns do Disney Mania.
03. O que é a Disney Mania?
A criação da Disney Mania faz parte de um conjunto de ações feitas pela Disney que
visava não somente dar estabilidade financeira à empresa9, mas alcançar novos públicos e,
assim, se fazer presente em outros nichos de mercado. Atendendo a estas demandas, foram
criados, por exemplo, a Touchstone (1989), a primeira grande ramificação cinematográfica da
Disney e o Disney Channel, com programação mais voltada para o público adolescente.
Interessante observar a Disney Channel, não somente pelo fato de o canal ser mais
um veículo que visa a “fidelização” de públicos como o infantil e juvenil, mas que
apresentou/ apresenta diversos seriados como “Feiticeiros de Waverly Place”, “Hannah
Montana” e “Sunny entre estrelas”, em que era/é exigido dos atores juvenis que “saibam”
cantar, dançar e atuar. Este investimento em adolescentes/crianças prodigiosas é remanescente
8
A Disney University começou como um curso de aperfeiçoamento em atendimento, mas com o tempo acabou incorporando
elementos de artes como criação, construção de roteiros e marketing. A Universidade Disney não possui uma metodologia
tradicional e seus cursos são de curta duração, oferecidos apenas para pessoas que tenham interesse em conhecer a ideologia
da empresa. Hoje a Universidade tem cursos de atendimento, roteiro, criação, desenho gráfico, marketing e possui alguns
programas de extensão com outras universidades americanas em que é possível trabalhar nos parques ou na companhia por
um período do ano.
9
Após a morte de Walt Disney, em 1966, a empresa enfrentou um longo período de instabilidade financeira (1960 - 1970),
situação que só foi modificada a partir da década de 1980 e que fez com que os administradores posteriores percebessem a
necessidade de investimentos em outros segmentos de público, não somente o infantil.
do investimento no programa Disneyland10, que possuía crianças se apresentando durante a
programação. Este investimento foi intensificado na década de 80 com a estreia do Clube do
Mickey, programa destinado para o público infantil, em que cerca de dez crianças cantavam,
dançavam e apresentavam uma série de desenhos animados da Turma do Mickey. Devemos
observar um pouco mais a importância da Tuma do Mickey, afinal o programa se constituiu
em uma espécie de pioneiro neste estilo. Dele saíram nomes como Britney Spears, Justin
Timberlake e Christina Aguilera. A Disney e a música pop, como se pode notar, caminham
próximas há muito tempo, o que se concretizou mais ainda em Disney Mania.
Com o lema “Estrelas da Música cantando Disney... à sua maneira” os álbuns da
Disney Mania, desde 2005 no mercado, surgiram tanto de uma necessidade da empresa em
resgatar clássicos disneyanos, como uma forma de lançar seus artistas com a pretensão de
torná-los ídolos teens, como Demi Lovato, Selena Gomez e Hilary Duff. Para fortalecê-los,
também foram convidados artistas que estão em evidência para (re)gravar os sucessos
musicais da Disney11.
A partir de um grande trabalho publicitário, que vai da produção de videoclipes até
concertos nos parques da Disney e turnês pelos Estados Unidos, Disney Mania consegue se
manter visível na indústria fonográfica, já tendo conseguido, por exemplo, excelentes
posições na Bilboard12.
Além destas ações, comuns a qualquer produção musical, há uma nuance que merece
destaque: quando os CDs são colocados à venda, a Disney anuncia para qual entidade e/ou
causa o dinheiro das vendas do álbum será revestido. Eles já ajudaram orfanatos, abrigos de
animais, ONGs de preservação ao meio ambiente e até países. Esta forma de vender um
álbum faz com que quem o esteja adquirindo tenha o sentimento de não estar apenas
comprando uma coletânea de versões disneyanas, mas também de estar ajudando uma causa
social.
Assim, a compra do objeto “CD” não é somente influenciada pelo desejo de compra,
mas sim influenciado também pela possibilidade de um consumo social mais “responsável”.
Isso nos remete a Packard (apud BAUDRILLARD, 2005: p. 295), ao sugerir que o objeto é
10
O Disneyland foi um programa criado por Walter Disney para promover sua produção de curtas com os personagens
criados por ele, como Mickey, Donald e Pateta; bem como para divulgar suas ideias quanto a construção de um parque
temático. Na época a Disney na TV foi um escândalo, uma vez que o cinema considerava a televisão uma grande vilã.
11
A Disney possui uma escola de artistas mirins que os ensina música, dança, interpretação e técnicas de TV. Alguns deles
acabam indo trabalhar em outro lugar, mas a maioria dos aprendizes que saem da escola Disney acabam trabalhando na
própria empresa, seja na Broadway, nos parques ou na TV.
12
Bilboard é uma revista semanal norte-americana responsável por classificar e enumerar os álbuns e as músicas de maior
sucesso, que mais estão vendendo. Depois da década de 1990 a Bilboard se expandiu para outros países, tornando-se
referência neste tipo de publicação.
uma espécie de serviço, uma relação pessoal entre a pessoa e a sociedade, de forma a
significar algo no ato da compra e não apenas um fetiche mercantil. É como se, no momento
em que o objeto é consumido a razão de compra ficasse mais clara e importante e não se
encerrasse na compra em si.
Desta forma o objeto pode ser compreendido como a materialização de uma ação
social e a racionalização da compra, sendo um reflexo dos “ensinamentos” publicitários
disneyanos de comportamento e consumo: “a publicidade torna-se uma dessas experiências
(saberes relacionados à vida) mais representativas ao firmar padrões físicos, estéticos e
comportamentais que deixará a criança pronta para atuar em seu papel de consumidora”
(FARIA DE SOUZA apud MARCONDES FILHO, 2000).
A Disney, portanto, possui uma formatação diferenciada quanto a sua publicidade.
Ela visa uma metasimbologia, ou seja, ela pretende não apenas vender um produto específico,
e sim vender a marca inteira, vender a Disney. Dentro desta “cadeia de retro-alimentação”, a
publicidade torna-se essencial e passa por um processo semiótico onde a sua linguagem
motiva principalmente o público adolescente, jovem ao consumo. A publicidade passou de
informação para uma persuasão clandestina (BAUDRILLARD apud PACKARD, 2002; p.
295) visando agora um consumo dirigido, e dirigido ao público adolescente.
03.1. Quem canta na Disney Mania?
Se um dos objetivos da construção do Disney Mania é a divulgação dos teen idols,
então métodos publicitários e comerciais são trabalhados para que esta divulgação seja feita
da maneira mais efetiva possível e para além das fronteiras da música, utilizando-se também
da imagem dos intérpretes. Ora, os “ídolos jovens” são mostrados como “pessoas normais”;
seu modo de ser, sua linguagem e suas atitudes são os mais naturais possíveis, pois ao final
tudo podem “se tornar” produto e serem aproveitados como tal. Como afirma João Matta,
Não se comercializa apenas a reprodução das músicas e dos shows de popstars em
CD, DVD ou em formato MP3. Também são colocados à venda inúmeros produtos
como roupas, acessórios, materiais escolares, brinquedos etc. que trazem ilustrações,
fotos e grafismos que lembram aquela celebridade (MATTA, 2009).
Com isso, o Disney Mania pretende inserir este teen idol e fazê-lo conhecido entre os
adolescentes. Para muitos destes ídolos instantâneos o Disney Mania é a primeira gravação
em estúdio e primeiro trabalho musical que fazem e que será vendido em grande escala. Se
determinado jovem tiver boa aceitação de público, a Disney investe ainda mais em sua
carreira, fechando contratos de discos solos sem a assinatura disneyana (através de uma de
suas “sub-empresas”) e transforma aquele artista em uma “marca”. É ainda Matta que
esclarece:
Quando dizemos que uma celebridade do mundo da música, por exemplo, é tratada
por uma indústria do entretenimento como uma marca, afirmamos que há um
planejamento da construção de seus significados. Busca-se, em função de objetivos
comerciais, a associação à celebridade de atributos positivos para serem lembrados
por indivíduos quando consumirem sua música e os outros produtos culturais que se
encontram à sua volta: shows, CD, DVD etc. Como dissemos, atualmente, certas
celebridades, tratadas como marcas, apresentam características típicas de produtos
do contemporâneo como: efemeridade e perecibilidade, entre outras, talvez por
padecerem de superexposição (MATTA, 2009).
As características de “marca” que possuem certas celebridades se adequam, por
exemplo, aos artistas que são convidados para participar no Disney Mania. Cada ano são
chamados artistas que estão em evidência para cantar juntamente com os intérpretes
disneyanos13. No entanto, estes artistas já conhecidos acabam sendo convidados apenas um
ano, e só são convidados mais de uma vez se se mantiverem visíveis dentro de uma ótica
comercial massificada, em geral inserida em um panorama cultural que se convencionou
chamar de pop.
04. Cultura pop e estética das versões e Disney Mania
Entre as regravações presentes nos álbuns da Disney Mania observamos canções que
foram transformadas de um clássico lírico em sua versão original, para mais uma canção pop
de certos ídolos teen14. Estas versões não se constituem em plágios e paródias, nem mesmo
“são vendidas como se fossem originais”: se constituem, na verdade, em pastiches.
O pastiche, segundo Fredric Jameson, não é plágio nem paródia, mas sim “o imitar
de um estilo único, peculiar ou idiossincrático” (2002: pp.43-44), feito sem o objetivo de
provocar o riso, satirizar, buscar a reflexão ou ser irônico. Não se constitui em técnica, muito
menos método, mas sim em uma possibilidade estética, uma alternativa que ganha força no
chamado pós-modernismo e suas “permissividades” na arte e na cultura. Em geral, com o
pastiche se visa homenagear alguém, alguma obra ou estilo.
No pastiche são mantidas as características originais do autor e/ou obra “imitado(a)”,
“repetido(a)”, mas empregam-se novos elementos e estruturas. Para Affonso Romano de
13
De acordo com os artistas que estão em evidência naquele ano a Disney já chamou vários cantores, como Anastacia, Colbie
Caillat, Usher, NSync e outros
14
Como por exemplo a versão de Kiss the Girl (Pequena Sereia) cantada por Ashley Tisdale no Disney Mania 5, ou Beauty
and the Beast (A Bela e a Fera) cantada por Jump 5 no Disney Mania 1
Sant’Anna, “o pastiche é a impotência travestida de potência. A vontade de ser aquilo que não
se é. O pastiche é o oposto da paródia, esta sim, uma revivificação da linguagem” (2003).
Destarte, o que não foi levado em conta pelo escritor mineiro é que não se pode
copiar o que não se conhece, assim como não se pode reconhecer o que se desconhece. O
pastiche, ainda que por meios turvos, por assim dizer, termina por instigar isso, provoca a
necessidade de um repertório que possibilite ao sujeito observador reconhecer que
determinada obra tem outra como predecessora e mesmo ponto de partida.
O pastiche se constitui então em uma espécie de reabilitação do passado (BUCKINX,
1998: p.26), em que uma das dominantes culturais do período contemporâneo, a chamada
“cultura pop” se faz bastante presente, como na produção dos álbuns da Disney Mania.
Ora, se esta escolha pelo pop em tais álbuns propicia uma forma mais “fácil” de
recantar (ou divulgar) a Disney não é nosso objetivo discutir neste artigo. Ainda assim, é
importante observamos o quanto a estética pop se insere na cultura contemporânea pelo fato
de se aproximar da ideia do que é pós-modernismo, entendido não como “um estilo, mas a copresença tumultuada de todos, no lugar onde os capítulos da história da arte e do folclore
cruzam entre si e com as novas tecnologias culturais” (CANCLINI 2003: p.329). Para
Relivaldo de Oliveira (2010) a cultura pop é o reino das referências, do reconhecível, de uma
estética repetitiva que parece inovar.
Ao nos referirmos ao pop estamos tanto fazendo referência ao estilo (ou prática)
musical definido por Roy Shuker em seu “Vocabulário de Música Pop”15 como ao pop como
“cultura”. Em ambos, o pop é considerado estilo por enquadrar-se na estética de “não mudar a
estética vigente”; é uma estética que diferentemente da avant garde apresenta o novo sem
inovar, coloca novas vestes no mesmo corpo, canta sem ter voz (OLIVEIRA, 2010). A Disney
Mania está inserida neste contexto, por mais que busque se apresentar como uma produção
inovadora em alguns aspectos.
O pop ganha força na Disney Mania por ser também um meio para apresentar, como
já foi dito, os clássicos da Disney, em especial ao público jovem, principal público-alvo da
produção. A referência a esta parcela do público, o jovem, é interessante não somente pelo
aspecto mercadológico, mas também identitário, se este for o termo mais apropriado. Ora, a
15
Roy Shuker em seu “Vocabulário de Música Pop” mostra os problemas ao se tentar classificar o que é “música pop”.
Ainda assim, a define como os principais gêneros musicais produzidos comercialmente e lançados no mercado,
especialmente o ocidental. Além disso, o pop domina o mercado mundial apropriando-se das produções locais ou sendo
absorvida por elas (1999, pp. 8-9). Esta definição talvez tenha sido melhor esclarecida por Jeder Janotti Junior ao afirmar que
a música pop está relacionada historicamente à segunda metade do século XX que se valeram de “instrumentos eletrificados,
técnicas de gravação e circulação tanto em suas condições de produção bem como em suas condições de reconhecimento”
(JANOTTI JR., 2005, p. 02).
própria noção do que é juventude passou por uma série de negociações e possui uma série de
conflitos, desde sua “gênese”, quando o jovem foi
“Inventado” em meados do século XX através de uma ampla integração de
indústrias da área do entretenimento – cinema, música, moda, showbizz – (e) tornouse uma figura-chave nas estratégias comerciais ligadas à cultura industrializada. Na
música, o sucesso de Elvis Presley nos anos 1950 e dos Beatles na década seguinte
passou para o jovem o protagonismo das narrativas musicais, cuja ênfase se
deslocou para os conflitos e questões ligadas à vida do adolescente. Desde então, os
lançamentos de maior sucesso das grandes gravadoras transnacionais foram
dedicados a este segmento de mercado, que logo respondeu tornando-se o principal
público comprador de discos e frequentador de shows. O consumo musical
majoritário é, ainda hoje, jovem (TROTTA, 2010: p.25)
É justamente este consumidor jovem, ainda que se “divida” em diferentes grupos,
estilos, “tribos”, com diferentes gostos e de diferentes locais que talvez possa se interessar ou
mesmo se identificar com as versões apresentadas e quiçá também pelas obras originais de
filmes de décadas passadas. Os indivíduos, jovens ou não, também realizam seu processo de
identificação a partir do que ouvem. Indo além, considerando o papel fundamental da mídia e
consumo no período contemporâneo, podemos notar que a identidade também está ligada à
imagem, “o adolescente precisa ter um estilo, um jeito, uma característica, para se aceito e
‘ser alguém’.” (CARNEIRO, 2010, p.8) e quando um produto midiático, como o Disney
Mania tenta abranger ou perpassar por tantos gostos e tipos, ele estabelece com um público
que começa a construir a sua imagem certa credibilidade de/por ser eclético.
Observando as interrelações entre música, imagem e juventude, Douglas Kellner
(2001, p. 339) justifica o ecletismo musical (em especial do pop) pela construção de
identidade que o jovem passa no período da adolescência e pela aceitação ou não dos
preceitos midiáticos. A mídia neste âmbito tem um papel fundamental ao influenciar os
comportamentos destes jovens. Esta influência, como sabemos, não seria tal qual a combatida
pela Escola de Frankfurt, quando apocalipticamente se acreditava que todos estariam
condicionados a determinados padrões e hábitos por influência direta de determinada mídia.
Não obstante, a escolha pelo ecletismo nos álbuns Disney Mania se explica também
pelo aspecto mercadológico, afinal, ao apresentar canções que misturam ritmos como pop, hip
hop, rock e afins, eles se mantêm em evidência e a diversos públicos de uma só feita, ainda
que segmentados.
Importante
observarmos
este
“ecletismo”
pelo
fato
de
a
música
contemporaneidade cada vez mais estar inserida no processo de “comoditização”
16
na
– isto é,
vir sendo transformada em um produto para divulgação de demais produtos em cadeia – em
que também ganham destaque empresas (de comunicação ou não) que oferecem produtos e
serviços “inovadores” visando “a todo custo, seduzir e encantar consumidores, de modo a
mobilizá-los” (HERSCHMANN e KISCHINHEVSKY, 2005, p. 04). A Disney, atenta a isto
produziu Disney Mania que, como já se pôde notar, se enquadra sem grandes problemas nesta
definição e nos apresenta uma discussão interessante, ao apresentar “clássicos” em forma pop.
Estas observações podem nos remeter à “antropológica do espelho”, a partir da qual Muniz Sodré
(apud CARNEIRO, 2010; p.10) analisa os efeitos dos meios de comunicação e das novas tecnologias na
construção da identidade do homem midiatizado. Segundo Sodré:
“O espelho reflete e ao mesmo tempo encerra a imagem em sua superfície rasa. Não
tem profundidade de vida, e esse estar encerrado numa superficie rasa é a condição
do homem que vive no bios midiatico. É como Alice no país dos espelhos. Ou seja
se eu estou no espelho e estou com uma iluminação azul, sou o cidadão azul do
espelho. É este azul, vermelho ou roxo que a mídia ilumina que é, propriamente, o
bios midiático. O bios é uma qualificação, uma iluminação particular.” (Em
entrevista concedida à Revista Pesquisa, Ed. 78, 2002)
Desta forma os ídolos teens podem ser compreendidos como representações
caricaturadas de um estilo de música, de roupas, de personalidade, de identidade. Só que estas
representações caricaturadas não podem ser vistas sob uma ótica pessimista, pois sua função
social acaba indo além do que suas vestes dizem.
Para Kellner (2001; p.129), estes arquétipos (como a patricinha, o pateta, a roqueira,
a cheerleader) acabam “validando” a sociabilidade das identidades, no sentido de que se
tornam referências para o público jovem em busca da sua própria identidade. Ao ser possível
validar a identidade ela se torna uma espécie de característica representativa, mas também
volátil.
Volátil no sentido de que ao encontrar novos tipos e novas validações ele pode muito
bem se modificar e se reconfigurar de acordo com o que gosta e acredita naquele ponto.
05. O Clássico e o “Novo Clássico”
A princípio, em seus dois primeiros volumes (2005 e 2006), o Disney Mania
homenageava os filmes mais clássicos e antigos da Disney, como os primeiros longas das
décadas de 30 a 90. Entretanto, conforme o projeto do Disney Mania foi ganhando
16
A própria canção popular se apresentaria como commodity, devido seu caráter de “produto” dentro da lógica da indústria
cultural (VARGAS, 2009: p.169).
visibilidade, novas versões de trilhas pós década de 1990 passaram a estar presentes nos CDs,
bem como músicas de outras ramificações da Disney como a da TV, Broadway e até de
brinquedos dos parques.
Levando em conta esta ampliação do Disney Mania, vale a pena questionar se a
empresa já considera estas trilhas recentes “ultrapassadas”, dada a rapidez com que todo o
processo de identificação e de perpetuação de um “gosto” se vê inserido ou as novas versões
seriam uma forma de “adequá-las” não somente ao atual (que antes ficava apenas na gravação
do original) quanto ao “hiperatual”, em que se mantêm diversos produtos recentes não pela
sua força ou significado, mas pela repetição. É como a presença cíclica de uma mesma noticia
em todos os noticiários e diariamente. Pela repetição elas se mantem atuais e acabam sendo
agendadas.
Ao que parece neste caso é que existe uma fusão dos dois aspectos. Como se ao
mesmo tempo em que musicas de 2005 já sejam consideradas “velhas”, pretende mantê-las
atuais, a partir da lembrança do passado, mesmo que ele nem seja assim tão distante.
Outra forma de se ver isto é pela “escassez” de clássicos. Após a “era de ouro
disneyana” (décadas de 1980 e 1990), quase não foram lançados grandes clássicos. Ao
retomar trilhas de filmes do pós década de 90, a empresa pode estar tentando construir os
próximos clássicos, em que os novos jovens e futuros adultos se lembrarão. Para isso os
“novos jovens” precisam tomar conhecimento dessas músicas agora, para se lembrarem com
saudosismo no futuro.
Um exemplo disto é que em 2009 foi lançado o CD Disney Mania 5, que além de
trilhas de filmes como Mulan (1995), Pocahontas (1994), Pequena Sereia (1989), também nos
deparávamos com a música do filme Carros (2002), que é uma parceria entre a Disney e a
Pixar. Este formato de reapresentação se mantem até o último volume lançado (o Disney
Mania 7) que conta com a música What I’ve been looking for do filme para TV High School
Musical (2006) e Gift of a friend do filme Tinker Bell (2009).
Além dos clássicos cinematográficos, existe a utilização do Disney Mania para a
construção de clássicos musicais da Disney como um todo. Assim como já foi dito, a Disney
possui esta sinergia de falar de si mesma, uma metasimbologia, evidenciada nas novas versões
disneyanas de músicas de outros seguimentos, como da Broadway, dos parques e seus
brinquedos. O atual Disney Mania (Disney Mania 7), por exemplo, traz uma regravação de
uma música escrita apenas para a Disney Broadway, cantada por Drew Seeley.
Assim como no Disney Mania 8 (a ser lançado)
17
a música Celebrate you,
apresentada somente no Magic Kingdom (parque da Disney localizado na Flórida), será
regravada pelo teen idol Corbin Bleu e será lançada como faixa bônus, no Disney Mania 3
(2007) a música Tiki Room (tema de uma atração do Magic Kingdom chamada The amazing
Tiki Room) foi inserida na coletânea; além da regravação da música It’s a small world (Disney
Mania 3, 2007) da atração homônima à música, presente no parque Disneyland da Califórnia.
Assim, não basta mais somente “fazer propaganda de si mesma”, apresentar seus
produtos em seus filmes e de seus curtas, é necessário que estas músicas digam mais sobre a
empresa. É necessário que o adolescente que vai a um dos parques pela primeira vez consiga
cantar It’s a small world junto com os bonequinhos da atração e também dançar com as
personagens durante a parada, entoando Celebrate You na ponta da língua.
Toda esta metasimbologia que a Disney emprega em seus produtos parece ter
também como grande alvo o que Felipe Trotta chama de “mercado da experiência” (2010, p.
41), em que não somente registros materiais são importantes, é necessário “estar presente,
fazer parte” de determinadas atividades, ações. Desta forma a empresa cria um “clima” em
que mesmo o que é novo, torna-se reconhecível e é possível conciliar o evento turístico,
atração cultural e a exploração do cacife simbólico do mito, tornando próximo pelo status que
o “estar no parque” propicia (TROTTA, 2010, p. 42). Essa relação é melhor observada pelo
próprio Trotta ao afirmar que
Explorado há anos por parques temáticos, pelo turismo e pelo próprio cinema da era
pré-videolocadora, a venda de experiências parte da ideia de que a pessoa pagará
não para obter a propriedade (de) um produto material, mas para passar alguns
momentos desfrutando de algo peculiar que se tornará memorável (2010, p.41).
Interessante estas referências ao autor carioca pelo fato de originalmente elas se
dirigirem à análise do chamado forró eletrônico no Nordeste, em especial em Recife, onde o
pesquisador atua como professor. Em última instância, seja no “pop de lá” (do eixo Estados
Unidos-Europa) ou no “pop daqui” (em ritmos populares massivos como forró, tecnobrega,
funk, sertanejo universitário, pagode) o que parece ser o grande atrativo ainda é a experiência
que seus consumidores terão, seja durante as festas (no caso brasileiro) ou nos parques e
shows que a Disney possui e organiza. Levar isto em conta é fundamental para se
compreender as modificações por que veem passando a indústria e mercado fonográfico,
ramificações da indústria cultural.
17
Disney Mania 8 está ainda sem previsão definitiva para ser lançado, porém as lista de músicas já foi divulgada.
http://www.enotes.com/topic/DisneyMania_8)
06. Considerações Finais
A Disney Company, se a metáfora nos é permitida, assim como o personagem Peter
Pan, parece não querer somente “ser criança pra sempre”, mas sim se manter visível, atual e
“hiperatual”. Para isso, reconstruiu e vem reconstruindo sua identidade: entrou na pósmodernidade, mas sem esquecer do passado e se prender a períodos históricos. Parece desejar
mesmo é ser atemporal, daí a necessidade de (re)construir clássicos e retomar aqueles que
assim já foram chamados. É exatamente isto que também justifica um “regravar-se
constantemente”, meio pelo qual a empresa também se mantém conhecida, atual.
Se a observamos mais atentamente, veremos que pode ser compreendida como um
ícone das modificações pelas quais passou e vem passando a indústria cultural, sempre
“falando de si mesma”, isto é, de seus produtos e desdobramentos, e ampliando suas
interfaces em diversos campos da cultura, seja regional, nacional ou universal. Estas
modificações parecem ser ampliadas na contemporaneidade, em que as possibilidades
tecnológicas e midiáticas são cada vez mais diversas.
É justamente o período contemporâneo que permite as readaptações discutidas neste
texto, em que carreiras meteóricas de intérpretes juvenis os transformam rapidamente em
“ídolos teens”. Nesta nova demanda do mercado contemporâneo já não é preciso
necessariamente inovar nem ser original, e a repetição (com adaptações, obviamente) de
formas passadas é não apenas tolerada como encorajada. Esta “repetição” faz lembrar a
afirmação “resignada” (?) de Robert Stam (2007, p. 333): “vivemos no reino do já dito, do já
lido e do já visto; já se esteve lá, já se fez isso”.
Neste “reino do reconhecível”, as versões musicais em produções como a Disney
Mania não somente atendem a lógica de um mercado cada vez mais “sedento” por novas
alternativas de consumo cultural, mas também são utilizadas como mais um meio de difusão
de alguns intérpretes. Em uma época em que o consumo de canções é cada vez mais
segmentado (como a própria indústria fonográfica), a Disney aposta no formato álbum e no
nicho musical. Por sua vez, devemos observar que uma série de fatores farão seus produtos
serem ou não consumidos, o que envolve processos de consumo, identificação e escolha, que
se espraiam muitas vezes pelo campo da psicologia e que não se constituiram em nosso foco
de análise neste ensaio.
Objetivamos sim observar o quanto os produtos da Disney Mania podem ser
considerados e compreendidos como elementos importantes para análise em um período em
que a música é, além de uma linguagem artística, um produto de divulgação de demais
produtos estéticos, inserida de modo fundamental no panorama de reconfigurações por que
vem passando a indústria fonográfica.
Com o Disney Mania, a Disney Company dá continuidade a um ciclo que aposta
justamente em representações imagéticas cuja base é sua “simbologia da magia”; isto é, ao se
“autoreferir” em diversas produções, cria uma cadeia que poderíamos chamar de
metasimbólica, em que até mesmo certo apagamento individual dos artistas (TROTTA, 2010,
p. 42) ocorre em prol não de uma banda ou movimento musical, mas sim desta
metasimbologia. Para um bom resultado deste modelo de cadeia midiática, comercial e
mesmo de identificação, as interrelações entre música, cinema, imaginário e espaço real são
fundamentais.
07. Referências
BAUDRILLARD, Jean. Significação da publicidade. In LIMA, Luiz Costa. Teoria da
Cultura de Massa. Editora Paz e Terra. São Paulo. 2002. P. 291 - 299.
BUCKINX, B. O Pequeno Pomo - ou a história da música do pós-modernismo. Cotia, São
Paulo: Ateliê Editorial, 1998.
CARNEIRO, R. O novo espelho das adolescentes. CELACC/ECA-USP. Trabalho de
Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Mídia, Informação e Cultura. 2010.
CONNOR, S. Cultura Pós-Moderna: Introdução às Teorias do Contemporâneo. 4ª ed. São
Paulo: Edições Loyola, 2000.
DE MARCHI, Leonardo. Indústria fonográfica e a Nova Produção Independente: o futuro
da
música
brasileira?
Disponível
em
<http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/comunicacaomidiaeconsumo/article/view/5
200/4828>. Revista Comunicação, Mídia e Consumo. São Paulo: vol. 3 n. 7 j u l. 2006.
Acesso em 07 jan. 2010.
HERSCHMANN, Micael. e KISCHINHEVSKY, Marcelo. Indústria da Música – uma crise
anunciada.
Disponível
em
<http://www2.eptic.com.br/sgw/data/bib/artigos/d48719d6ab63ab38e89847f4ae8c2109.pdf>.
Acesso em 23 jan 2010.
HERSCHMANN, Micael. e KISCHINHEVSKY, Marcelo. A reconfiguração da indústria
da música. Compós: Revista da Associação Nacional dos Programas e Pós-Graduação em
Comunicação.
Disponível
em
<http://www.compos.org.br/seer/index.php/ecompos/article/viewFile/524/508>. Acesso em 18 out 2011.
JANOTTI JUNIOR, J. S. Por uma Abordagem Mediática da Música Popular Massiva Por
Uma Abordagem Mediática da Canção Popular Massiva. In: Revista E-Compós, Rio de
Janeiro, v. 3, 2005.
KELLNER, Douglas. A Cultura da mídia. Bauru, São Paulo: EDUSC, 2001.
MARTINS, Luis. A fórmula do sucesso da Disney. DVD. 1 dvd. Cor. 20 min. documentário.
Commit. 2000.
MATTA, João Osvaldo Schiavon. Cultura da mídia e celebridades (midiáticas) do
contemporâneo: Madonna e Avril Lavigne. Anais do II Colóquio Binacional Brasil-México
de Ciências da Comunicação, abril de 2009, São Paulo, Brasil. Disponível em
<http://www.espm.br/ConhecaAESPM/Mestrado/Documents/COLOQUIO%20BXM/S5/joao
%20matta.pdf>. Acesso em 18 out 2011.
OLIVEIRA, Relivaldo de. Lady Gaga, uma aula do pastiche. Disponível em
<http://www.digestivocultural.com/colunistas/coluna.asp?codigo=2985&titulo=Lady_Gaga,_
uma_aula_do_pastiche>. Acesso em 19 mar 2010.
SANT’ANNA. Affonso Romano de. Uma guerra pós-moderna. Jornal O Globo, 5 de abril de
2003. Disponível em <http://www.almacarioca.net/uma-guerra-pos-moderna-affonso-romanode-santanna/>. Acesso em 30 de abril de 2011.
STAM, R. Introdução à Teoria do Cinema. 2ª ed. Campinas: Papirus Editora, 2006.
SHUKER, Roy. Vocabulário de Música POP. São Paulo: Hedra, 1999.
TROTTA, Felipe da Costa. A reinvenção musical do nordeste. In: BEZERRA, Arthur Coelho;
GONÇALVES, Marco Antonio; TROTTA, Felipe da Costa. Operação forrock. TROTTA
Recife: Fundação Joaquim Nabuco; Editora Massangana, 2010.
VICENTE, Eduardo. Por onde a canção? Os impasses da indústria na era do mp3. In:
VARGAS, Herom; CARDOSO, João Batista; SANTOS, Roberto. Mutações da Cultura
Midiática. São Paulo: Paulinas, 2009.