Desenvolvimento da pecuária orgânica no Brasil a partir do

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Desenvolvimento da pecuária orgânica no Brasil a partir do
Desenvolvimento da pecuária orgânica no Brasil a partir do exemplo dinamarquês
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Gustavo Fonseca de Almeida & John Erik Hermansen .
Centro de Ciências da Natureza, UFSCar Campus lagoa do Sino – Buri, SP, Brasil.
Departamento de Agroecologia, Universidade de Aarhus – Foulum, Mjdtland, Dinamarca.
Email: [email protected]
Resumo
Há um debate importante na sociedade brasileira que evidencia a necessidade de desenvolver novas estratégias para a
produção de alimentos que respeitem a saúde das pessoas, do ambiente produtivo e que valorizem o bem-estar dos
animais. Neste trabalho, destacamos a importância que a produção pecuária deveria receber, de maior relevância nas
discussões e nas políticas públicas para o desenvolvimento rural e em estratégias de redesenho produtivo quando se
busca desenvolver sistemas alimentares mais sustentáveis. Neste contexto, apresentamos uma breve discussão sobre
os principais atores dos sistemas alimentares e do papel esperado para cada um deles na promoção do
desenvolvimento da pecuária a partir de uma leitura dos princípios éticos e ecológicos propostos pela agroecologia.
Para ilustrar a discussão, apresentamos o caso do desenvolvimento da pecuária orgânica na Dinamarca para algumas
espécies de interesse econômico, visto que o país se destaca no consumo de alimentos de origem animal e investe
pesadamente em pesquisas e em estratégias de desenvolvimento rural atrelados ao setor pecuário há mais de duas
décadas. Concluímos o trabalho apresentando os desafios mais relevantes da produção pecuária em sistemas
orgânicos para as espécies de interesse zootécnico identificadas, visando contribuir para o desenvolvimento da
pecuária orgânica no Brasil.
Palavras-chave: Agroecologia, Sistemas Pecuários Orgânicos; Comportamento Natural; Integração Pecuária-Lavoura;
Reciclagem da biomassa.
Development of organic livestock farming in Brazil from the Danish example
Abstract
There is an important debate in the Brazilian society highlighting the need to develop new strategies for the production of
food ingredients that meets the people’s health, environment and the welfare of animals. In this paper, we highlight the
importance of livestock production should receive in discussions related to public policies for rural development and in
redesign strategies to develop sustainable food systems. We present a brief discussion of the main actors of food
systems and the role expected for each in the promotion of livestock development from a perspective of ethical and
ecological principles supported by agroecology. To illustrate the discussion, we present the case of the development of
organic livestock systems in Denmark for some species, as the country stands out in the consumption of animal foods
and invests heavily in research and rural development strategies linked to the livestock sector from the past two
decades. We conclude presenting the most relevant challenges in organic livestock systems for major species to
contribute to the development of organic livestock systems in Brazil.
Key-words: Agroecology, Organic Livestock Systems; Natural Behaviour; Integration livestock-crops; Biomass Recycle.
Introdução
A produção pecuária deverá ser tratada como a
locomotiva da próxima revolução alimentar pelo
aumento exponencial na demanda mundial por produtos
de origem animal (SORENSEN et al, 2006). Além disso,
o segmento de orgânicos é um dos que mais cresce em
todo o mundo. No Brasil, o número de unidades
produtivas destinadas ao manejo da produção orgânica
tem crescido de forma consistente (MAPA, 2014).
Similarmente à produção de alimentos de origem
vegetal, a certificação de sistemas pecuários ocorre em
mais de 120 países inclusive no Brasil (IFOAM, 2005).
Embora a participação de produtos de origem animal no
mercado mundial ainda seja baixa, já é possível
observar, em alguns países, abastecimento de
orgânicos representando acima de 20% para alguns
produtos, com destaque para derivados de leite e ovos
(WILLER & LERNOUD, 2015). No caso da Dinamarca,
atualmente o leite representa 1/3 do total consumido
enquanto mais de 1/4 do consumo anual de ovos é
certificado como orgânico (DK, 2014).
O típico rebanho leiteiro dinamarquês é composto por
140 vacas produzindo uma média de 30 litros
diários/lactação (ASAI et al., 2014). Na produção do
gado de leite, os pecuaristas destinam boa parte do
capital em infraestrutura já que a produção pecuária
naquele país exige confinamento durante boa parte do
ano. Os animais devem ser alimentados e isto requer
dos pecuaristas uma grande capacidade agrícola para
garantir alimentos aos animais e com isso altos padrões
de bem estar aos rebanhos.
A pecuária orgânica certificada teve inicio na Europa
após a grande repercussão que ocorreu após a
descoberta de que produtos químicos contidos nos
agrotóxicos pulverizados nas lavouras ou fornecidos aos
animais como antibióticos, e ou promotores de
crescimento,
poderiam
ser
transferidos
aos
consumidores através das cadeias alimentares
(EMBORG et al., 2005). O impacto social da notícia
causou um despertar nas sociedades, com destaque
para as populações da Escandinávia, por serem fortes
consumidores de produtos lácteos, ovos e de cárneos.
Na Dinamarca, até 1975, menos de cem pecuaristas
eram certificados. Em 1981, foi criada a Associação
Dinamarquesa de Pecuaristas Orgânicos para atender
ao aumento na demanda e organizar a cadeia produtiva
do leite. Com um crescimento firme no consumo, que
estava associado ao aumento da consciência
socioambiental da população, o Ministério da Agricultura
nomeou um conselho que contava com a representação
de aproximadamente 200 pecuaristas, e teve por intuito
criar ferramentas para o desenvolvimento da pecuária
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Artigo submetido à Revista Brasileira de Agroecologia em Maio de 2015 – Favor não divulgar!!
orgânica. Das reuniões do grupo nasceu o primeiro
plano de Desenvolvimento Sustentável da Agropecuária
Dinamarquesa,
ainda
no
ano
de
1991
(BENNEDSGAARD et al., 2003).
Em 1993 foi lançado o primeiro Programa Nacional em
Agricultura Orgânica do Ministério da Agricultura na
Dinamarca. O momento foi importante na história do
movimento ecológico, pois foi quando teve início o
financiamento público para pesquisas que investigariam
sistemas orgânicos e permitiriam a realização de dias de
campo da Extensão Rural em propriedades da iniciativa
privada. De forma complementar, campanhas de
conscientização aos consumidores foram patrocinadas
pelo poder público em programas de rádio e TV. Além
de contribuir com as campanhas, os governos apoiavam
iniciativas para fomentar a organização dos mercados e
das diferentes cadeias produtivas. Havia consenso de
que para o desenvolvimento do setor seria necessário
desenvolver toda a cadeia produtiva. Em 1995 já havia
aproximadamente mil pecuaristas manejando 40.000
hectares orgânicos. Naquele momento, houve
importante aceitação popular às campanhas de
conscientização sobre os benefícios dos produtos
orgânicos (VAARST et al., 2001).
Em 1996 o Ministério da Agricultura dinamarquês lançou
um plano de ação para promoção da agricultura
orgânica com uma meta audaciosa: atingir 20% do
mercado interno para uma cesta pré-determinada de
produtos em apenas 5 anos. Com o plano em
andamento e os recursos financeiros disponibilizados
para as pesquisas e dias de campo, atividades de
extensão foram realizadas em atendimento ao primeiro
programa nacional de pesquisa, denominado DARCOF I
(Danish Agricutural Research Centre for Organic
Farming).
O DARCOF I tinha o objetivo de coordenar e
desenvolver mecanismos de financiamento para os
diferentes institutos de pesquisa do país. No início das
pesquisas, havia poucos especialistas nestes sistemas,
além disso, distribuídos em diferentes institutos e
universidades o que dificultava a concepção e condução
de projetos multidisciplinares. Com o intuito de agregar
esses pesquisadores, foi criado um núcleo gerencial que
tinha por intuito a coordenação das pesquisas e este
núcleo ficou conhecido como um “centro sem paredes”.
Os colaboradores, distribuídos em seus respectivos
centros, trabalhariam em equipes multidisciplinares
valorizando potencialidades de infraestrutura e
especialidades de cada centro e investigariam
particularidades dos sistemas alimentares orgânicos de
forma
complementar.
Os
grupos
recebiam
financiamento para pesquisar os diferentes sistemas
produtivos, a qualidade dos alimentos e planejar as
melhores estratégias para garantir o abastecimento de
alimentos orgânicos no mercado interno da Dinamarca
(DARCOF, 2000). Além disso, foi criada uma plataforma
em que trabalhos sobre sistemas alimentares orgânicos
e resultados de pesquisas seriam publicados www.orgprints.org.
Com a organização dos pesquisadores, houve a
primeira chamada em agricultura orgânica e o Ministério
financiou 33 projetos ao custo aproximado de 19
milhões de dólares (U$) (DARCOF, 2000). Os projetos
mapearam a produção orgânica do país e
estabeleceram as diretrizes e estratégias de
desenvolvimento para o setor. Importante destacar que
a chamada já buscava, desde aquele momento,
financiar trabalhos que investigassem a integridade
sistêmica de toda a cadeia produtiva, proporcionando
informações ao público sobre as contribuições da
Agricultura Orgânica nas metas de Desenvolvimento
Sustentável do país (DARCOF, 2000).
Em 1998 havia aproximadamente 1.700 produtores
manejando mais de 100.000 hectares em sistemas
orgânicos.
Havia
então,
naquele
momento,
reconhecimento e aumento na procura por parte da
sociedade. No ano 2000, a produção orgânica já era
reconhecida como instrumento de política pública
alimentar, ambiental e agrícola (HERMANSEN, 2003). O
reconhecimento do valor da produção orgânica (para a
saúde e bem estar dos animais) impulsionou o mercado
não só na Dinamarca, mas também na maioria dos
países da Escandinávia e em importantes países
consumidores da Europa.
Com o sucesso da primeira iniciativa, entre 2000 a 2005
ocorreu a segunda fase do DARCOF. Naquele
momento, a internacionalização mereceu destaque e
uma estratégia inovadora de financiamento de projetos
em agricultura orgânica dentro do bloco comum
Europeu ganhou evidencia (HALBERG et al., 2008). A
proposta de financiamento partiu do princípio da
cooperação e cada ministério depositou um valor –
conforme orçamento disponível - em uma “cesta”
comum para financiar projetos internacionais e
multidisciplinares. O DARCOF II priorizou a produção
propriamente dita. Financiou projetos em que os
objetivos eram investigar estratégias de manejo,
insumos alternativos e desenvolver novos sistemas
produtivos. O DARCOF II foi concluído em 2005 quando
44 projetos avaliaram práticas produtivas e testaram a
eficiência de diferentes insumos para atender ao setor
privado visando apoiar o desenvolvimento das cadeias
produtivas de orgânicos.
Naquele momento de internacionalização e aceitação
por parte do poder público dos países do bloco,
destacadamente da Escandinávia, foi necessário criar
um organismo internacional de financiamento e
condução de projetos em agricultura e pecuária
orgânica. Assim, DARCOF passou a ser denominado
ICROFS (Internacional Centre for Research in Organic
Food Systems) e iniciou a investigação da
sustentabilidade de cadeias produtivas globais. Nessa
perspectiva, o projeto GlobalOrg (ALMEIDA & ABREU,
2009; PANEERSELVAN et al., 2010; OELOFSE et al.,
2011; KNUDSEN et al 2011) teve destaque pois avaliou
o papel da produção orgânica no desenvolvimento do
setor rural em uma série de países em desenvolvimento.
O projeto investigou sistemas orgânicos localizados em
países como Brasil, China, Índia, Egito e Tanzânia e os
comparou com sistemas produtivos convencionais.
Em 2009 havia uma série de políticas de incentivo nos
países europeus para aumentar o consumo de
alimentos orgânicos e para o caso específico da
Dinamarca, atingir ao menos 15% do total de vendas no
varejo em 2015 (DK, 2014). A produção de ruminantes
(principalmente a produção leiteira) foi a atividade que
deu início à conversão de sistemas produtivos para
abastecimento do mercado com alimentos orgânicos na
Dinamarca. O tamanho médio das unidades produtivas
não excedia uma centena de hectares. Eram
administradas por agricultores e seus familiares e a
carência de mão-de-obra os levaram a especializar seus
respectivos sistemas produtivos (SORENSEN et al.,
2006). Mesmo assim, a produção de ruminantes na
Dinamarca integra os pressupostos dos programas de
integração lavoura-pecuária, visto importante papel que
os mesmos detêm na reciclagem da biomassa. Na
Escandinávia, devido às condições impostas pelo clima
frio atrelado ao hábito alimentar da população, a
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produção de ruminantes se destaca em comparação à
produção de grãos (THAMSBORG, 2001).
Além da produção leiteira, a criação de galinhas
poedeiras em sistemas ao ar livre tem tido destaque na
maior parte dos países da Escandinávia e também da
Europa (HERMANSEN et al., 2014). Vale destacar que
o crescimento da agricultura orgânica na Dinamarca não
tem sido uma mudança marginal, de atendimento a um
simples nicho de mercado (DK, 2014). Representa o
atendimento a importantes aspectos de uma mudança
de atitudes das pessoas com relação à compreensão
sobre o papel da agricultura na preservação dos
recursos naturais e da necessidade da continuidade do
fornecimento dos serviços ecológicos na perspectiva da
multifuncionalidade da agricultura e sobrevivência da
espécie humana (DARCOF, 2000). Alguns veículos
promotores do desenvolvimento da agricultura de base
ecológica na Europa seguem valores que expressam
uma crítica geral ao modelo convencional, intensivo e
tecnológico que impera a produção agrícola mundial. As
críticas dizem respeito ao papel que o sistema
convencional tem gerado cada vez mais dúvidas na
sociedade sobre as relações existentes entre os
homens e a natureza. (IFOAM, 2005).
O desenvolvimento do setor de alimentos orgânicos
ocorreu pelo aumento no interesse dos consumidores
ao mesmo tempo em que uma boa parcela dos
produtores se mostrou interessada em converter seus
sistemas para métodos orgânicos de produção
motivados,
principalmente,
por
subsídios
governamentais. Entretanto, os principais atores
mencionados (produtores, consumidores e poder
público) não compartilhavam, necessariamente, das
mesmas expectativas em relação ao desenvolvimento
desses sistemas. Muito menos havia consenso sobre a
forma com que tais expectativas – leis e normas de
produção - deveriam ser atendidas.
Levando em consideração o desenvolvimento do setor
pecuário
de
base
ecológica
na
Dinamarca,
procuraremos apresentar as principais expectativas dos
atores das cadeias produtivas pecuárias e discutir a
importância destes exemplos para o desenvolvimento
das cadeias produtivas pecuárias orgânicas no Brasil.
Na parte final do trabalho, faremos uma tentativa
propositiva para o desenvolvimento da pecuária
orgânica no Brasil a partir dos conhecimentos gerados
pelos colegas Dinamarqueses, país onde a pecuária
orgânica mais se desenvolveu em todo o mundo graças
ao investimento em P&D pelos esforços do Ministério da
Agricultura, Meio Ambiente e pelo papel fundamental do
DARCOF /ICROFS na governança do financiamento de
projetos de pesquisa, capacitação e extensão na
promoção do desenvolvimento rural sustentável.
O movimento orgânico e o papel dos produtores
orgânicos
A base ideológica da agricultura orgânica evoluiu dos
movimentos ecológicos que elaboraram e seguiram
valores da agricultura orgânica e promoveram sistemas
que serviriam como contraponto ao modelo
convencional da agropecuária intensiva (VON BORELL
& SORENSEN, 2004). Os principais aspectos da crítica
ao modelo intensivo estavam relacionados ao aumento
no uso de produtos químicos, especialmente fertilizantes
minerais e pesticidas na produção de alimentos e dos
medicamentos alopáticos utilizados para tratar doenças
e parasitas nos animais, além do modelo economicista
de pensamento. A busca exclusiva pela produtividade e
aumento nos lucros tinha suas limitações. Em contraste
com a agropecuária convencional, a propriedade
manejada em bases ecológicas deveria ser vista como
um organismo vivo onde os aspectos de integração e os
aspectos holísticos deveriam ser valorizados.
Era claro que para fins de certificação, a produção
orgânica deveria ser definida por regras previamente
estabelecidas em normas técnicas que fossem
replicáveis, mensuráveis e rastreáveis. Na época em
que as regras foram formuladas – como parte de um
processo de organização e desenvolvimento do setor
por parte da IFOAM - a participação de diferentes
representantes da sociedade civil organizada serviu de
base para regulamentações internacionais, como foi o
caso da regulamentação brasileira.
Aos olhos de quem praticava agricultura
orgânica, o movimento se baseava em valores
fundamentais relacionados à natureza, ao ambiente, à
produção de alimentos saudáveis e ao relacionamento
sadio necessário entre sociedade e a natureza. Estes
conceitos ainda são divulgados internacionalmente para
dar significado às práticas de produção e para que
possam auxiliar na aplicação prática dos valores
defendidos pelo movimento ecológico.
É importante ressaltar que já havia um consenso de que
as regras da produção não deveriam ser interpretadas
como definitivas, mas sim tentativas contemporâneas (e
assim temporárias) que visariam atender, da melhor
maneira possível, os principais valores defendidos pelo
movimento ecológico mundial. Dessa forma, guias e
regulamentos poderiam ser alterados ao longo do tempo
quando novos conhecimentos fossem apresentados,
seja uma nova ideia de manejo, seja um novo produto
ou tecnologia que permitiria atender a um ideal ou
princípio básico levando à produção mais harmônica e
holística.
A pecuária ocupa uma função fundamental nos
agroecossistemas – além de apoiar na geração de
renda aos agricultores – pois auxilia na obtenção de um
dos principais objetivos da agricultura orgânica que é a
reciclagem da biomassa (HERMANSEN et al., 2003). No
desenho da produção pecuária em sistemas orgânicos,
alguns conflitos podem ocorrer ao associar a
necessidade de atender às melhores práticas de manejo
para os animais às questões econômicas e ambientais.
Considerando o atendimento dos aspectos básicos do
comportamento
fisiológico
dos
animais,
a
disponibilidade de acesso às áreas externas deve
considerar o risco de poluição ambiental durante as
fases de produção além do objetivo de produzir em
quantidade mínima que permita a sustentabilidade
econômica da produção (DALGAARD et al., 2007).
Parece importante, em longo prazo, que diferentes tipos
de produção pecuária possam contribuir diretamente
com o aumento do atendimento aos ideais e valores
orgânicos nas unidades de produção. O ponto de vista
de Andreasen (2000) é interessante, pois sugere que a
compreensão sobre a importância da criação pecuária
deveria ser invertida, deixando de ser considerada como
uma produção marginal (meramente colaborando com a
produção vegetal no fornecimento de tração e ou
esterco), mas tratada como parte ativa e mais
importante no desenvolvimento de sistemas alimentares
sustentáveis. Além disso, maior foco deveria ser
colocado nas (várias) capacidades dos animais e menos
nos “requerimentos” mínimos para os animais como
ocorre nas regulamentações européia (HERMANSEN et
al., 2003) e brasileira.
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O desafio maior parece ser oferecer condições tais que
permitam que os rebanhos possam aperfeiçoar o valor
de suas diversas capacidades, que são intrínsecos das
espécies, além de valorizar as características
fisiológicas e ecológicas, ao invés de serem manejadas
dentro de um grupo de regras pré-estabelecidas que
busquem controlar o ambiente de criação, assim como
ocorre nos sistemas convencionais para regras de
biosseguridade.
A ênfase no desempenho em sistemas orgânicos muda
de mera habilidade de converter alimentos em carne,
leite ou ovos para maior eficiência funcional no sistema
produtivo e isso necessita novos parâmetros para
análise e avaliação (HERMANSEN et al., 2004). Por
exemplo, galinhas criadas perto dos pomares podem
ajudar no controle da incidência de moscas das frutas
por controlar a praga na fase em que as larvas caem
nos solos (HORSTED & HERMANSEN, 2007) além de
ter o potencial de reciclar boa parte dos restos de
alimentos das famílias de agricultores. Diversos
exemplos de interações e sinergismos ecológicos
podem ser apresentados em uma clara referencia ao
uso cientifico da agroecologia na compreensão de
conceitos que interferem na produção de alimentos em
sistemas
sustentáveis
(ALMEIDA,
2012).
Primeiramente, há reconhecida capacidade de
ruminantes em converter alimentos fibrosos em energia
prontamente utilizável. De uma maneira geral, é
importante para a produção de alimentos em sistemas
sustentáveis que as práticas agrícolas de intervenção do
homem agricultor considerem a visão holística e
integrada que capitalizem a inclusão de animais na
medida em que estes contribuem para o atendimento
dos objetivos gerais da reciclagem de materiais e dos
ciclos ecológicos que ocorrem nos agroecossistemas.
Contudo, alguns dilemas podem surgir quando se
sugere que o movimento orgânico (representado pelos
próprios agricultores) deva ser a força motriz para o
crescimento do setor. Embora essa reflexão possa ser
questionada no Brasil, já que o movimento que defende
a agricultura de base ecológica tem uma base muito
mais político-ideológica do que relacionada à produção
propriamente dita (WEZEL et al. 2009), nos dias atuais
já é possível verificar no Brasil o aumento de interesse
por grupos varejistas que se movimentam para atender
ao aumento na demanda aos produtos de origem animal
e seus derivados (SILVA et al., 2014).
Consumidores e
supermercados
suas
interações
com
os
A comercialização de alimentos orgânicos segue uma
orientação de mercado e as atitudes e expectativas dos
consumidores são bastante relevantes para o
desenvolvimento do setor. O preço maior cobrado pelos
produtos orgânicos ainda se caracteriza como um dos
principais entraves para o aumento no consumo dos
orgânicos não só na Europa. Por uma diversidade de
razões, há uma parcela dos consumidores que
apresentam normalmente motivação para pagar um
preço prêmio por produtos orgânicos. No Brasil, o fato
foi até instituído em política pública pelo Governo
Federal, que paga 30% de valor prêmio aos alimentos
certificados em programas de aquisição de alimentos
(PAA) e para a merenda escolar - PNAE (SCHMITT &
GUIMARÃES, 2008). Pesquisadores europeus, da
Inglaterra (HACK, 1993) e da Holanda (BEHARRELL &
MAC FIE, 1991) estimaram que um preço prêmio de 25
a 30% poderia permitir um aumento da ordem de 25 a
35% no consumo de orgânico para uma gama de
produtos, dentre eles os de origem animal. Seria uma
forma de fomentar a produção e significava que o
consumo de orgânicos poderia ser estabelecido com
preços maiores, variando ao redor de 30% de prêmio
comparado aos produtos convencionais, o que permitiria
mais acesso das camadas sociais com maior nível de
renda e escolaridade.
O dilema é que a entrada dos supermercados no circuito
dos orgânicos elitizou o acesso a estes produtos. As
feiras de rua e as feiras da economia solidária poderiam
oferecer produtos da agricultura familiar com modelos
de certificação alternativas para baratear o produto final
e poderiam permitir o acesso aos alimentos orgânicos
por maior parte da população. Já os produtos obtidos de
atividades pecuárias necessitam inspeção sanitária e
refrigeração apropriada, o que faz com que as cadeias
pecuárias sejam mais dependentes e careçam de maior
apoio de redes varejistas.
De uma maneira geral, por parte dos consumidores, há
dois motivos principais para a escolha de produtos
orgânicos. Aspectos relacionados à saúde e as
preocupações ambientais. Além disso, mas não menos
importante, há questões éticas e a mais relevante diz
respeito à preocupação com o bem estar dos animais.
Assim, não há duvida de que uma grande parcela dos
consumidores associa produtos orgânicos com
alimentos mais saudáveis e menos impactantes ao
ambiente e que respeitam o bem estar dos animais.
Observando diferentes grupos de consumidores,
algumas distinções já foram feitas por pesquisadores da
Dinamarca e do Brasil. Consumidores mais idosos dão
mais peso para a própria saúde e para a saúde das
famílias quando decidem comprar alimentos orgânicos
enquanto que os consumidores mais jovens sugerem
atender questões ambientais como fator principal na
decisão de aquisição de orgânicos. Compradores
assíduos na Europa costumavam evidenciar questões
ambientais enquanto que consumidores ocasionais
davam mais peso à saúde (SCHIFFERSTEIN & OUDE
OPHUSIU, 1998). Mais recentemente, o aumento no
consumo de produtos orgânicos de origem animal tem
atendido às preocupações do risco a saúde pela
presença de resíduos de antibióticos e hormônios na
carne, no leite e nos ovos (WIELINGA et al., 2014).
É importante relatar que tanto os consumidores
europeus como os brasileiros não procuram nos
alimentos orgânicos maiores valores nutricionais, mas
sim evitar riscos associados à contaminação por
pesticidas, resíduos de medicamentos, hormônios e
vacinas além de fatores influenciados pelo uso de
fertilizantes minerais na produção de alimentos assim
como ser contra a exploração de menores e do trabalho
escravo.
Melhorar o bem estar dos animais também é motivo
para aquisição de produtos orgânicos, embora menos
importante quando comparado às questões ambientais
e de benefícios à saúde humana. É possível concluir
que dependendo do grupo social e da idade dos
consumidores, a saúde e as questões ambientais são
relevantes nas decisões de compra e são seguidas por
questões éticas relacionadas ao bem estar dos animais
(MÜLLER-PEBODY et al., 2004).
No inicio do desenvolvimento do setor de orgânicos, o
método dominante de distribuição dos alimentos ocorria
diretamente entre produtores e consumidores. Mesmo
podendo ser encontrado na maioria dos países
produtores, o cenário foi bastante alterado na maioria
dos locais em que se fazia a comercialização de
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produtos orgânicos. Na Dinamarca, onde os alimentos
orgânicos
correspondem
atualmente
a
aproximadamente 10% do total comercializado
anualmente no país (DK, 2014), os supermercados
comercializam mais de 90% dos produtos. Na Suíça e
na Áustria, onde os alimentos orgânicos representam
aproximadamente 7% do total de alimentos
comercializados ao ano, o papel dos supermercados na
comercialização dos produtos varia de 70 a 85%. De
maneira contrastante, na Alemanha e na Holanda onde
os orgânicos representam aproximadamente 4 e 3%
respectivamente, a participação dos supermercados é
inferior a 50%. Tanto na Alemanha como na França, a
distribuição direta entre produtores e consumidores
ainda fica por volta de 20 e 30%, respectivamente. Na
Holanda, a venda em feiras de rua mantém a tradição
de reforçar o contato direto entre produtores e
consumidores.
É importante compreender que com um crescimento
esperado do setor pecuário no Brasil, a comercialização
e a distribuição dos produtos orgânicos deverá ocorrer
dentro de sistemas varejistas já estabelecidos, e que
também comercializam alimentos convencionais.
Portanto, é de ser esperar que seja cada vez mais
comum observar, principalmente nos grandes centros,
consumidores optando por adquirir alimentos orgânicos
em grandes redes varejistas. Dessa forma, o dilema que
se apresenta aos produtos orgânicos é a vulnerabilidade
às crises econômicas além do acesso elitizado aos
produtos orgânicos visto que há maiores custos
atribuídos à rastreabilidade e às garantias de qualidade
dos produtos certificados.
Provavelmente a expectativa dos consumidores estará
atrelada a tópicos específicos como segurança dos
alimentos, questões ambientais e de bem estar dos
animais de uma forma em que estes tópicos se
relacionem com as atividades rotineiras da produção e
de uma vida cotidiana mais saudável. É elementar,
portanto, que para conseguir o apoio dos consumidores
para o desenvolvimento do setor pecuário orgânico, é
necessário que produtores trabalhem durante todo o
ciclo de produção de acordo com os valores estipulados
pelo movimento ecológico e que nem sempre são
refletidos nas regulamentações, seja do Brasil ou da
União Europeia. Estabelecer canais de comunicação
com os consumidores nos parece uma estratégia
fundamental para o desenvolvimento do setor.
Regras europeias e a legislação brasileira
Nos países europeus, o apoio aos sistemas orgânicos
de produção se justifica como um elemento de estimulo
e de regulamentação para que o setor agropecuário
promova o desenvolvimento rural sustentável,
estimulando a diversificação da produção, a
manutenção do homem no campo e que influencie na
redução dos impactos ambientais do meio rural. Embora
a ênfase varie de país para país, diferentes espécies
animais
tem
auxiliado
estratégias
para
o
desenvolvimento rural na União Europeia. Diferenças
culturais, geográficas, de relevo e clima das diferentes
regiões são levadas em consideração. Na Espanha, a
pecuária orgânica é vista como estratégia de
desenvolvimento rural e de recuperação das atividades
econômicas e sociais em áreas montanhosas e de
pequena escala. Na Dinamarca, os aspectos ambientais
são dominantes fazendo com que seja comum
considerar práticas orgânicas como instrumentos de
políticas públicas na melhoria e recomposição do
ambiente natural. Neste aspecto, o aumento na
conversão para agricultura orgânica é vista como uma
importante ferramenta para a recuperação da
biodiversidade. Vantagens ambientais trazidas pela
agricultura orgânica servem de justificativa para a
manutenção de estratégias políticas do bloco em apoio
ao desenvolvimento do setor (DRIES et al., 2004).
Políticas públicas do bloco europeu não são obviamente
tomadas em benefício do movimento que apoia a
agricultura orgânica. Contudo, os países integrantes do
bloco se beneficiam das características vantajosas da
agricultura de base ecológica quando realizam o
planejamento geral da produção agropecuária nacional.
Dessa forma, é razoável acreditar que a continuidade do
apoio das autoridades públicas aos pecuaristas (por
meio de subsídios) deverá ocorrer quando serviços
ambientais, de redução da poluição e da recuperação
da biodiversidade forem realmente atendidos e
praticados. Para tanto, deverão ser auditáveis e
mensuráveis para permitir a verificação e validação do
atendimento das normas para enquadramento e
autorização
legal
para
receber
subsídios
governamentais. Esta parece ser uma estratégia que
poderá ser encampada pelo poder público brasileiro na
“ecologização” ou “esverdeamento” da agropecuária
nacional sem falar no desenvolvimento do ambiente
rural voltado à agricultura familiar.
Diferentes categorias
alimentares orgânicos
de
atores
em
sistemas
A primeira categoria de indivíduos que integram um
sistema agro-alimentar orgânico é o agricultor. É
considerado como a variável ecológica mais importante
por desenhar, conduzir e manejar seu agroecossistema
(visto como um organismo vivo) de forma com que
cumpram com os valores da agricultura de base
ecológica. A segunda categoria, localizada na outra
extremidade destes sistemas, são os consumidores.
Adquirem alimentos orgânicos em beneficio da saúde da
família além de ter como intuito contribuir com a
preservação do meio ambiente. Também se importam
com as melhorias nas formas de manejo dos animais
em benefício do seu bem-estar. A terceira e não menos
importante categoria é a das autoridades públicas. É de
se esperar, na atualidade, que a agricultura preste
serviços diretos para as comunidades na forma de
menor poluição ambiental, melhore a recarga dos
aquíferos e, além disto, que fomente propostas
sustentáveis de desenvolvimento rural. Ao elencar
características que permitam o crescimento do setor da
pecuária orgânica no Brasil em apoio às estratégias de
desenvolvimento rural, a pesquisa precisará envolver os
principais atores - mais interessados – os produtores, os
consumidores e o setor público.
Sistemas orgânicos de produção pecuária
Para que seja possível identificar as principais
características e problemas enfrentados no manejo de
sistemas pecuários orgânicos, visando auxiliar o
desenvolvimento do setor no Brasil, uma breve
apresentação de desafios a serem enfrentados é
discutida na sequencia tendo por base as experiências
adquiridas ao longo dos últimos anos pelos colegas da
Dinamarca para o caso de ruminantes e de aves de
postura.
Gado de leite
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Artigo submetido à Revista Brasileira de Agroecologia em Maio de 2015 – Favor não divulgar!!
Duas preocupações merecem destaque ao planejar
sistemas pecuários para a produção de leite orgânico. A
primeira diz respeito aos menores índices de produção.
A segunda diz respeito ao manejo inapropriado dos
bezerros machos em rebanhos orgânicos. A produção
orgânica de leite na Dinamarca utiliza vacas de alto
desempenho com o mesmo perfil genético dos sistemas
convencionais. A média produtiva de 500 rebanhos
(média de 87 vacas/plantel) manejados de forma
orgânica foi de 7.500 litros de leite por lactação (305
dias)
o
que
representa
uma
redução
de
aproximadamente 10% em comparação ao sistema
convencional (KISTERSEN & MOGENSEN, 2000). No
Brasil, o cruzamento entre animais de origem europeia
com animais de origem indiana, mais rústicos e
adaptados às condições climáticas brasileiras, merece
destaque. Assim, o gado girolando (Gir x Holandês) é
encontrado não somente em sistemas orgânicos. No
Brasil, o gado deve ser necessariamente mais rústico
em sistemas orgânicos. Contudo, só é possível produzir
pouco mais que 1/3 da produção alcançada pelas vacas
orgânicas da Dinamarca. No Brasil, Soares e colegas
(2011) relataram que rebanhos místiços (girolando e
outros) manejados em sistemas orgânicos produziram
30% menos leite que animais do mesmo perfil genético
manejados em sistema convencional e alimentados com
ingredientes convencionais. Os mesmos autores
sugeriram que a incapacidade de elaborar uma
suplementação nutricional concentrada de alto valor
proteico, destacadamente nos períodos secos,
utilizando apenas ingredientes de origem orgânica,
impediu um desempenho similar das vacas manejadas
no sistema convencional. Na opinião dos autores, com a
baixa eficiência produtiva, o preço do leite orgânico no
Brasil deveria ser 70% superior ao produzido no sistema
convencional para que a atividade fosse lucrativa e
atrativa aos pecuaristas.
O uso de ingredientes orgânicos na nutrição das vacas
manejadas em sistemas orgânicos parece ser o fator
mais limitante (e de difícil de adaptação) na produção na
medida em que ainda é bastante comum observar
pecuaristas fornecendo suplementos vitamínicos e
aditivos alimentares autorizados pelas certificadoras.
Nos parece lógico imaginar que vacas manejadas em
sistemas orgânicos no Brasil devam receber somente
ingredientes orgânicos na alimentação. Contudo, há
uma série de desafios para viabilizar estratégias
nutricionais com base em 100% de ingredientes
orgânicos, destacadamente em períodos de seca. Este
fato pode influenciar na possibilidade de pecuaristas
oferecerem nutrientes suficientes sem prejudicar a
saúde das vacas assim como influenciar na qualidade
do leite. Este “conflito” pode aumentar no caso do
pecuarista selecionar o mérito genético dos animais com
foco somente na produção. É importante considerar que
a lógica que move a escolha da genética das vacas
utilizadas em sistemas orgânicos deve ser diferente da
escolha de vacas que integram sistemas convencionais.
Além disso, é necessário estabelecer métodos
diferentes de tratamento nutricional aos animais
manejados em sistemas orgânicos sendo este um dos
principais focos para a pesquisa em gado de leite em
sistemas de base ecológica.
Outro aspecto crucial da pecuária de leite orgânica é o
destino que se dá aos bezerros machos. Nos países em
que a atividade é praticada de forma intensiva, inclusive
na Dinamarca, bezerros machos provindos de sistemas
orgânicos são normalmente comercializados em idades
jovens e criados em sistemas de engorda convencionais
até o período de abate. Em alguns casos, os animais
são sacrificados logo após o nascimento da mesma
forma como ocorre em boa parte dos sistemas
convencionais (NIELSEN & THAMSBORG, 2002). A
razão principal alegada pelos pecuaristas é que é difícil
atender as regras da produção orgânica de uma forma
que seja economicamente viável. Contudo, esse manejo
não se adéqua aos valores do movimento orgânico e
também
não
atendem
às
expectativas
dos
consumidores e da opinião pública. Portanto, é
necessário investigar e desenvolver sistemas produtivos
rentáveis e inovadores ao mesmo tempo em que
permitam a integração dos bezerros machos aos
sistemas com alimentação fornecida basicamente com
pastagens e silagem. A integração lavoura pecuária ou
a parceria entre unidades de produção em que a
principal atividade seja a produção leiteira com lavouras
comerciais podem ser alternativas. Outra estratégia para
o manejo dos bezerros machos seria a doma destes
para tração animal. O uso de touros de raças de corte
em uma parcela das vacas leiteiras dos plantéis
orgânicos poderia melhorar a qualidade da carne de
bezerros (onde machos e fêmeas seriam manejados
como gado de corte) e ao mesmo tempo melhorar a
qualidade
da
carne
orgânica
oferecida
aos
consumidores. Na Dinamarca, grande parte da carne
orgânica comercializada nos supermercados é carne
moída, embalada em bandejas de 500 gramas, obtidas
majoritariamente do abate das vacas de leite de
descarte. Possivelmente a confecção de hambúrguer e
almôndegas com carne orgânica poderia ter boa
aceitação no Brasil, inclusive em estratégias públicas de
abastecimento para merenda escolar.
Ovinos e gado de corte
A criação extensiva de ovinos e bovinos para a
produção de carne se enquadra facilmente nos valores
sugeridos pelo movimento orgânico, pois os rebanhos
são manejados em condições naturais e os filhotes
podem ser criados recebendo leite materno. Contudo,
há uma questão relevante para ser abordada em
criações de ruminantes em sistemas orgânicos para a
produção de carne, que são as infecções (e infestações)
parasitárias. Infecções endoparasitárias causadas por
helmintos em animais jovens é o principal problema de
saúde nos rebanhos pecuários sobre manejo orgânico
(YOUNIE & HERMANSEN, 2000). Visto que o
tratamento profilático medicamentoso não é permitido, o
manejo preventivo precisa ser muito bem planejado. Há
estratégias conhecidas de manejo que buscam reduzir a
pressão de infecções parasitárias. Seja a rotação de
piquetes e manejo de pastos que possam diluir a
pressão de infecção seja por alternar diferentes
espécies animais em pastagens sob manejo rotativo
(THAMSBORG et al., 2004). Estratégias de manejo nem
sempre são tão simples de serem implantadas visto que
mais de uma espécie irão demandar diferentes taxas de
lotação o que requer maior atenção e mão de obra por
parte dos pecuaristas. Consequentemente, há um risco
enorme de que os animais manejados nos sistemas
orgânicos irão sofrer com o ataque de parasitas. São
problemas ao mesmo tempo econômicos e éticos. É
preciso que a pesquisa investigue também estratégias
para controle de parasitas nas pastagens que possam
influenciar na resistência dos animais. Por exemplo, a
inclusão de Lotus pedunculatus em pastagens para
ruminantes pode apoiar na diluição da infestação já que
as plantas contêm altos níveis de taninos condensados,
conhecidos como antiparasitários naturais (HOST et al.,
2006).
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Aves de postura
A produção de ovos orgânicos, onde galinhas são
manejadas em pequenos plantéis e tem disponibilidade
de acesso às áreas externas, pode ocorrer de forma
eficiente em termos de produção de ovos e de
conversão alimentar quando comparados com sistemas
em que galinhas são confinadas em gaiolas coletivas.
Contudo, o consumo de ração é bem superior e a
mortalidade idem. Estes resultados podem ser
observados tanto na Dinamarca como no Brasil onde as
galinhas de linhagens comerciais e de alta produção são
utilizadas nos sistemas orgânicos. Estas galinhas têm
sido selecionadas, ao longo de várias gerações, para
aumento de desempenho reprodutivo com foco na
capacidade individual de produzir mais ovos em
ambiente confinado (dentro de gaiolas). Assim, pouca
atenção foi dada a habilidade das galinhas em serem
manejadas em plantéis maiores e em ambiente aberto.
O resultado desse objetivo de seleção foi a obtenção de
galinhas altamente produtivas, mas com sérias
dificuldades de socialização e de manejo quando
tratadas em rebanhos comerciais (SORENSEN &
KIAER, 2000). No Brasil, Almeida e colegas (2012)
observaram casos em que produtores comerciais
dividiam as granjas para formar grupos menores de
galinhas (100 a 400 indivíduos) com a justificativa de
melhorar a interação social dos animais e que permitia
alcançar resultados expressivos nos índices de bem
estar animal e ao mesmo tempo melhorava a produção
e reduzia a taxa de mortalidade. Na Europa, sistemas
orgânicos que manejam grandes plantéis de aves têm
apresentado problemas sérios de comportamento
animal como o arranque de penas entre as galinhas que
acabam por acarretar altos índices de canibalismo. A
mortalidade anual em plantéis orgânicos pode chegar a
mais de 20% quando nos sistemas convencionais esse
número fica abaixo dos 5%. Isto se dá não somente pelo
canibalismo. Ataques de predadores, comum em
sistemas de criação de galinhas ao ar livre, e por
comportamento inapropriado das galinhas, que se
aglomeram em cantos em situações de estresse e
acabam morrendo pisoteadas e/ou sufocadas. A alta
mortalidade em sistemas orgânicos é um problema
sério, principalmente aos olhos do consumidor, que dá
destaque para as questões de bem estar dos animais. É
necessário, assim, que a pesquisa também aborde o
desenvolvimento de linhagens genéticas que por um
lado sejam produtivas, mas ao mesmo tempo reduzam
os índices de canibalismo além de melhorar a utilização
das áreas externas para explorar melhor os piquetes e
com isso reduzir a dependência de ração comercial.
O potencial de poluição com nitrogênio e fósforo é alto
nas áreas próximas das granjas comerciais e o uso de
casas móveis pode auxiliar na resolução deste problema
(FORKMAN et al. 2004). Além disso, o pastejo
associativo com outras espécies animais pode contribuir
com o melhor uso da área externa buscando integração
com piquetes em que seja explorada a produção de
frutas, por exemplo. As aves poderiam reduzir a pressão
de contaminação dos pastos com pragas que acometem
às frutas e proporcionar a limpeza da saia dos pomares
reduzindo a competição das plantas de interesse com a
emergência de ervas espontâneas (PEDERSEN et al.,
2004). É necessário que a pesquisa desenvolva
sistemas e métodos de produção que vão além de um
mero atendimento dos requisitos para conseguir
certificar a produção. Pesquisas que abordem o bem
estar dos animais devem partir do pressuposto de que é
necessário compreender o comportamento natural das
espécies para que seja possível sugerir sua introdução
nas unidades produtivas e nos sistemas produtivos na
perspectiva de contribuir com o redesenho dos
agroecossistemas do futuro.
Conclusão
O desenvolvimento da pecuária orgânica é condição
fundamental para o desenho de sistemas alimentares
mais sustentáveis. Assim como foi realizado nos países
da Escandinávia, é importante haver o estímulo para o
desenvolvimento de toda a cadeia produtiva. Descobrir
como a produção animal pode ser incorporada aos
sistemas produtivos agrícolas dentro de uma visão
holística e ecológica se associa a necessidade de
aumentar a conscientização dos consumidores quanto
aos benefícios de uma alimentação cada vez mais
saudável. Na produção de leite, estratégias nutricionais
e de acasalamento devem levar em consideração não
só a produção como também outras habilidades como
adaptação a sistemas mais rústicos assim como
planejar um destino mais humanitário aos bezerros
machos. Na produção de ruminantes destinados a
produção de carne orgânica, as infecções e infestações
parasitárias merecem destaque sendo que a pesquisa
sobre sistemas produtivos e insumos alternativos
derivados de extratos de plantas para combater os
parasitas merecem atenção especial dos órgãos de
fomento. Acreditamos que a pecuária será a locomotiva
da próxima revolução alimentar e a agroecologia a
ciência responsável por atender aos desafios da
produção de alimentos em bases mais sustentáveis.
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