revista impressa - Faculdade Guarapuava
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1 Diálogos Multidisciplinares Desenvolvimento Regional e Sustentabilidade Revista Científica do Iº Seminário de Pesquisa, Iniciação Científica e Extensão da Faculdade Guarapuava Nº 1 – ANO 1 – 2011 APOIO 2 UNIÃO DE ENSINO E CULTURA DE GUARAPUAVA - UNIGUA Cleri Becher de Mattos Leão Diretora Presidente Leonardo Becher de Mattos Leão Diretor Administrativo FACULDADE GUARAPUAVA - FG Carlos Alberto Ferreira Gomes Diretor Geral COORDENAÇÕES DOS CURSOS DE GRADUAÇÃO ADMINISTRAÇÃO CIÊNCIAS AMBIENTAIS GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS Jair Vedoia da Silva Luciana Bortoncello Lorenzetti Andrade CIÊNCIAS CONTÁBEIS Rita Maria Gonçalves Felizardo CIÊNCIAS SOCIAIS Cerize Nascimento Gomes DIREITO Daniel Tille Gaertner ENGENHARIA CIVIL ENGENHARIA ELÉTRICA Edson Luiz Schultz 3 REVISTA CIENTÍFICA DIÁLOGOS MULTIDISCIPLINARES Artigos Científicos ANO I – Nº 1 - 2012 CONSELHO EDITORIAL Prof. Dr. Carlos Alberto Ferreira Gomes Prof. Dr. Carlos Roberto Alves Profª. Dra. Rosimeri Moreira Prof. Ms. Sérgio Cristovão Zarpellon Prof. Ms. Claudio Roberto Shimanoe Profª Ms. Cerize Nascimento Gomes Prof.Ms. Ernando Brito Gonçalves Júnior Prof. Ms. Luiz Fernando Machado Kramer CAPA Dafne Breda Revista Eletrônica Cássio Winkler GOMES, Cerize Nascimento e GONÇALVES Jr. Ernando Brito (Org.). Diálogos Multidisciplinares. Guarapuava (PR): Gráfica Impresset. Ano 1, Nº 1, 2011. Publicação: Faculdade Guarapuava. Apoio: Fundação Araucária de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Paraná e Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Palavras- Chave: Desenvolvimento Regional. Sociedade. Sustentabilidade. Meio-Ambiente. 4 APRESENTAÇÃO A publicação do primeiro número da revista científica Diálogos Multidisciplinares é um convite ao debate dos temas sociais, políticos, econômicos e culturais, tanto em nível regional quanto global. O trabalho de pesquisa apresentado nesta edição é o resultado obtido com a realização do 1º Seminário de Pesquisa, Iniciação Científica e Extensão da Faculdade Guarapuava (FG), realizado em outubro de 2011, com a temática Desenvolvimento Regional e Sustentabilidade. Estamos tentando fazer a nossa parte. O governo do Paraná, por meio da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (SETI), vem apoiando programas de pesquisa próprios para o desenvolvimento estadual, razão pela qual a FG obteve o apoio da Fundação Araucária, o maior organismo de fomento à pesquisa do Estado. Com isso é possível dar maior visibilidade à produção científica dos professores, estudantes e pesquisadores da FG e de outras instituições interessadas em fomentar o debate sobre meio ambiente, sustentabilidade, agricultura, educação, economia solidária, iniciativas culturais e outros temas que possam contribuir com o desenvolvimento da nossa região e melhores condições de vida para a população. O objetivo dos mantenedores, a União de Ensino e Pesquisa de Guarapuava (UNIGUA) e da direção da FG é o de levar a ciência e a tecnologia que são produzidas no espaço acadêmico para todos os municípios da região de abrangência da Faculdade. Assim sendo, estamos lançando com esta revista o esboço de um projeto de desenvolvimento regional. Em nosso entendimento, isso é o que deve ser feito para o surgimento de novos espaços de cidadania e de participação democrática. Tudo para que as novas gerações tenham alternativas para construir um mundo melhor. Prof. Dr.Carlos Alberto Gomes Diretor Geral 5 SUMÁRIO Conteúdo MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA FAMILIAR NA REGIÃO DE GUARAPUAVA: ESTUDO DE CASO DA FAMÍLIA PEREIRA - LUIZ FERNANDO KRAMER E JORGE LUIZ FAVERO 7 O DIREITO SOCIOAMBIENTAL - ALAIM GIOVANI FORTES STEFANELLO 23 CONSERVAÇÃO DO SISTEMA FAXINAL: UMA QUESTÃO DE POLÍTICA PÚBLICA - ELIANE CRESTIANE LUPEPSA COSTENARO 34 A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL FAVORECE A ADOÇÃO DE ESTRATÉGIAS EMPRESARIAIS DE INOVAÇÃO AMBIENTAL? - CARLA MARLANA ROCHA 52 O CARVÃO VEGETAL COMO RECURSO INDUSTRIAL RENOVÁVEL E SUA IMPORTÂNCIA PARA A INCLUSÃO SOCIAL E O MEIO-AMBIENTE - CARLOS ROBERTO ALVES 64 INFLUÊNCIA DO COBRE NO CRESCIMENTO E NO TEOR DE PIGMENTOS DE PISTIA STRATIOTES L. - CAMILLE GOES CORDEIRO 69 DESENVOLVIMENTO LOCAL: OS DESAFIOS DA AGRICULTURA FAMILIAR PARA SUA PERMANÊNCIA NO CAMPO - ADRIANA SENETRA E DIENIFFER TALINE SCHNELL 73 O RECONHECIMENTO DO DIREITO À ALIMENTAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL : A SEGURANÇA ALIMENTAR COMO MÉTODO PARA A EFETIVAÇÃO DESSE DIREITO NA REGIÃO DE GUARAPUAVA MARIANA ROCHA MALHEIROS 86 INFLUÊNCIA DE PLANTAS DE COBERTURA NAS PROPRIEDADES FÍSICAS DE UM LATOSSOLO COMPACTADO - EMANUEL SANCHEZ, ALINE MARQUES GENU E MÁRCIO FURLAN MAGGI 103 6 ANÁLISE DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS PARA O CURSO DE PEDAGOGIA: PEDAGOGIA DA TERRA OFERTADA PELA UNIOESTE (FB/PR) E O CURSO DE PEDAGOGIA DA UNICENTRO (GUARAPUAVA / PR) - VIVIANE SILVEIRA BATISTA 132 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE DA TERRA E A EXPERIÊNCIA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DO MUNICÍPIO DE CANDÓI-PR DÁRIO MIRANDA ALMEIDA 160 EDUCAÇÃO AMBIENTAL: INSTRUMENTO PARA A FORMAÇÃO DA CIDADANIA - RUBIARA APARECIDA MELO 168 O PERFUME DAS PITANGUEIRAS DE TURVO (PR) IMPRESSÕES SOBRE A PARCERIA ENTRE A COOPAFLORA DE TURVO (PR) E NATURA DO BRASIL - DÉBORA MACHADO E CERIZE NASCIMENTO GOMES 184 ALGUMAS REFLEXÕES (IN)CONVENIENTES - FERNANDO POLLI ALVES 196 O MUNICÍPIO DE TURVO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL A PARTIR DO ESTUDO BIOGRÁFICO DE BERNARDO HAKVOORT ROKELY SHEIFITER RAMOS 218 ESTUDO DE CASO SOBRE A MESORREGIÃO CENTRO-SUL DO PARANÁ : ÍNDICES DE DESENVOLVIMENTO DOS MUNICÍPIOS DA REGIÃO DE GUARAPUAVA - CERIZE NASCIMENTO GOMES E CARLOS ALBERTO GOMES 236 PROJETO DE GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA A PARTIR DE ENERGIA SOLAR E EÓLICA PARA ATENDER CONSUMO RESIDENCIAL - ALESSANDRO RICARDO KARAM, RENAN APARECIDO BAZZA, ARMINSON MICHEL ERDMANN E GILSON AUDA 258 PROJETO PARA CONTENÇAO DE TALUDES COM PNEUS INSERVÍVEIS - BRUNA CAITANO ORIZIO, TALITA GADENS ROSÁRIO E DOUGLAS RODRIGUES LEONEL 263 PROJETO DE UM GERADOR TESLA - JUAN VILALBA, DENILSON CAMARGO E ZÉ KLEITON KLOSSNIAK 266 7 MULTIFUNCIONALIDADE DA AGRICULTURA FAMILIAR NA REGIÃO DE GUARAPUAVA: ESTUDO DE CASO DA FAMÍLIA PEREIRA Prof. Ms.Luiz Fernando Machado Kramer Ciências Ambientais – FG Prof. Dr. Jorge Luís Favero Agronomia – UNICENTRO RESUMO: A multifuncionalidade surge como uma nova forma de pensar a agricultura, consistindo na idéia de que esta desempenha outras funções além da produção de alimentos e fibras. O Objetivo deste artigo é analisar a aplicabilidade do conceito da multifuncionalidade da agricultura em uma unidade de agricultura familiar na região de Guarapuava – Paraná. Foi escolhido a UPVF – Unidade de Produção e Vida Familiar - da família Pereira, localizada no município de Guarapuava, na localidade denominada Chapada do Jordão, às margens da PR 170, Km 10. Como resultado o estudo demonstrou a existência de funções chaves da multifuncionalidade. Nos aspectos da contribuição à segurança alimentar, o principal foco detectado foi a auto-sustentação da propriedade, pois além da produção de alimentos para o mercado local, há também, uma dinâmica de produção de outros alimentos para a subsistência da família e da propriedade, pois aproximadamente 95% das necessidades básicas da família estudada são supridas com produtos da própria propriedade e os 5% restantes são adquiridos no mercado local.A preocupação e o cuidado do meio ambiente está presente na UPVF da família Pereira, pois dois 35 ha da propriedade, mais de 50% estão preservados. Além da preservação do remanescente de Mata Atlântica presente na propriedade, a família busca utilizar-se de práticas menos impactantes ao meio ambiente. A função econômica e social da propriedade foi demonstrada por uma grande eficiência do sistema produtivo, aliado ao processamento de produtos a nível de propriedade, possibilitando uma maior agregação de valor, com a capacidade de gerar emprego e renda, com a reprodução social e cultural das família . Palavras-Chave: reprodução social, agroecologia, unidade de produção. INTRODUÇÃO A multifuncionalidade surge como uma nova forma de pensar a agricultura, consistindo na idéia de que esta desempenha outras funções além da produção de alimentos e fibras. Há algum tempo, a visão que se 8 tinha do setor era de simples produtora de alimentos, mas hoje, a agricultura abriga em seu pensar, além da produção de gêneros, outros benefícios para a sociedade como a preservação do meio-ambiente, a segurança alimentar, a manutenção do patrimônio cultural do campo, e a geração de empregos. O Objetivo deste estudo é analisar a aplicabilidade do conceito da multifuncionalidade da agricultura em uma unidade de agricultura familiar na região de Guarapuava – Paraná. 1. METODOLOGIA O presente estudo de caso buscou identificar um núcleo familiar em que pudesse ser analisado o conceito de multifuncionalidade da agricultura na região de Guarapuava - PR. A escolha da Unidade de Produção e Vida Familiar1 - UPVF da família Pereira foi proposital, visto que, a família tem um histórico de participação no movimento “agroecológico”, sendo a propriedade referência na região, não apenas do ponto de vista produtivo, mas especialmente sob a ótica social, ambiental e econômico. A UPVF está localizada no município de Guarapuava, na localidade denominada Chapada do Jordão, às margens da PR 170, Km 10. Possui uma área total de 35 ha, sendo que a sua superfície é composta de 20 ha como área de preservação e aproximadamente 15 ha utilizados para cultivos e criações. Para esse estudo de caso foi utilizado como referência de análise o conceito de multifuncionalidade da agricultura, analisando a contribuição a segurança alimentar, a preocupação com a questão ambiental, a contribuição da propriedade com a geração de emprego e renda e a manutenção da identidade social, e por último a análise da viabilidade econômica dessa propriedade. 1 Adotamos a terminologia UPVF – Unidade de Produção e Vida Familiar, pois se entende que o rural não é apenas espaço de produção, mas sim, espaço de reprodução dos aspectos culturais, sociais e econômicos das famílias que ali vivem. 9 2. CONCEITOS E ORIGEM DA MULTIFUNCIONALIDADE De acordo com Flexor (2007) A noção de multifuncionalidade da agricultura familiar representa uma tentativa de reconhecer que os estabelecimentos agrícolas e, portanto, os agricultores que neles vivem e estabelecem suas estratégias familiares desempenham funções sociais não exclusivamente produtivas e mercantis. Para Ribeiro (2007), a visão de multifuncionalidade da agricultura surgiu na França, no século XX, e se difundiu pela Europa. Miranda e Adib (2001) complementa descrevendo que as noções de multifuncionalidade da agricultura, nova ruralidade e desenvolvimento sustentável surgiram, de maneira simultânea, nos anos 90, na Europa e América Latina, e coincidem naquilo que pretendem construir: marcos renovados para a definição de políticas públicas que levem ao desenvolvimento rural de forma sustentável. Num contexto mundial marcado pela globalização, no entanto, os princípios que os fundamentam são específicos e estão marcados pela história econômica e social das regiões onde foram elaborados. Para o mesmo autor as discussões em torno da multifuncionalidade da agricultura têm origem no reconhecimento do papel da agricultura e de suas múltiplas relações com outros setores e atores sociais, ou seja, numa nova forma de pensar a função da agricultura além da produção de alimentos e de matéria-prima. O ápice dessa discussão se deu durante os debates realizados na Conferência Eco-92, no Rio de Janeiro, em que se reconheceu o aspecto multifuncional da agricultura, particularmente com respeito à segurança alimentar e à sustentabilidade ambiental. Com essa nova visão, começa cair por terra o modelo tradicional da agricultura produtivista, ligada ao crescimento econômico, mais voltado à produção e ao aumento da produtividade, visando ao fornecimento de alimentos e matériasprimas de baixo custo e ampliação de divisas. Na seqüência, em 1998, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) reconhece que, além de sua função primária de produção de alimentos e fibras, a atividade agrícola pode também moldar a paisagem, prover 10 benefícios ambientais, como conservação dos solos, gestão sustentável dos recursos naturais renováveis e preservação da biodiversidade, e contribuir para a viabilidade socioeconômica em várias áreas rurais. De acordo com Miranda (2001), a amplitude multifuncional da agricultura vem sendo discutida pela Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), que classifica as funções nas seguintes categorias: a) Função ambiental: está vinculada à conservação dos recursos naturais e recuperação ambiental. É relativa a forma como todos os sistemas agrícolas e de aproveitamento da terra repercutem diretamente nos componentes e funcionamento das ecologias locais. Nesse sentido, são particularmente importantes as contribuições da agricultura para a biodiversidade, degradação dos solos, desertificação, dentre outros. b) Função econômica: a agricultura continua sendo uma força importante para sustentar o funcionamento e crescimento das economias dos países, inclusive aqueles altamente industrializados. O investimento pode gerar efeitos econômicos, tanto nas atividades iniciais quanto finais do ciclo produtivo, para si mesma e para outros setores. Pelo lado da demanda, a agricultura requer insumos, mão-de-obra, serviços e capital financeiro. Pelo lado da oferta a agricultura fornece produtos que são elaborados, transportados, comercializados e distribuídos. c) Função social: a manutenção e dinamismo das comunidades rurais são fundamentais para sustentar e melhorar a qualidade de vida e para garantir a sobrevivência da população rural. O aproveitamento dos conhecimentos locais e o fortalecimento das relações sociais são fundamentais para o futuro das comunidades rurais. A viabilidade social compreende a manutenção do patrimônio cultural: muitas sociedades se identificam fortemente com suas origens históricas nas comunidades agrárias e nos estilos de vida rural. 3. AGRICULTURA FAMILIAR E A MULTIFUNCIONALIDADE 11 Conforme o Censo de Agropecuário 1996 existem no Brasil 4.139.369 estabelecimentos rurais familiares (segundo a metodologia utilizada por INCRA/FAO), ocupando uma área de 107,8 milhões de hectares. Por outro lado, há 554.501 estabelecimentos patronais, ocupando uma área de 240 milhões de hectares. Os agricultores familiares representam 85,5% do total de estabelecimentos, ocupam 30,5% da área e são responsáveis por 37,9% do Valor Bruto da Produção Agropecuária Nacional (VPB), apesar de receberem apenas 23,5% do financiamento destinado à agricultura. A região de Guarapuava de acordo com Favaro (2005) é composta de 12 municípios, possuindo um total de 23.735 estabelecimentos rurais. Destes, 21.431 são considerados estabelecimentos familiares, ou seja, 90,29%. 3.1. As funções múltiplas da agricultura familiar Conforme Soares (2001) na discussão do conceito de multifuncionalidade na agricultura familiar identificam-se as seguintes funções chaves; contribuição à segurança alimentar; função ambiental; função Econômica; função Social. 3.1.1 Contribuição à segurança alimentar A segurança alimentar e nutricional significa garantir a todos o acesso a alimentos básicos de qualidade, em quantidade suficiente, de modo permanente e sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, com base em práticas alimentares saudáveis. Contribuindo, assim, para uma existência digna, em um contexto de desenvolvimento integral da pessoa humana. A agricultura familiar estabelece várias relações com a segurança alimentar. A mais lembrada é como provedora de alimentos para a sociedade Com base no Censo de 1995/96, os agricultores familiares produzem 24% do VPB da pecuária de corte, 54% da pecuária de leite, 58% dos 12 suínos, 40% das aves e ovos, 33% do algodão, 72% da cebola, 67% do feijão, 97% do fumo, 84% da mandioca, 49% do milho, 32% da soja, 46% do trigo, 58% da banana e 25% do café. A importância da agricultura familiar para a segurança alimentar vai além da produção primária. Sua característica de distribuição de renda e geração de empregos possibilita que milhões de pessoas tenham condições de acessar os alimentos. Enfim, é estratégico o papel desempenhado pela agricultura familiar para a segurança alimentar. Tanto pelo lado da produção de alimentos quanto pelo efeito distribuidor de renda deste setor da agricultura, criando condições para o acesso ao alimento. 3.1.2. Agricultura familiar e a função ambiental A agricultura familiar tem um papel ímpar no que se refere à função ambiental da agricultura por diversas razões a agricultura familiar tem melhores condições para um desenvolvimento sustentável do ponto de vista ambiental. Para Soares (2007), seu funcionamento econômico não se fundamenta na maximização da rentabilidade do capital e na geração do lucro a curto prazo, mas está orientado para o atendimento das necessidade da família e para a manutenção a longo prazo das potencialidades produtivas do meio natural, percebido como um patrimônio familiar; por sua própria vocação de unidade de produção e consumo, a agricultura familiar valoriza a diversidade através de policultivos e criações distribuídos de forma equilibrada no tempo e espaço; a unidade de produção familiar, quer por sua extensão quer pela forma de organização do trabalho, favorece maiores cuidados técnicos nas operações de manejo, na medida em que aquele que toma as decisões é também o que as coloca em prática; enraizada em um meio físico conhecido e sob controle, a agricultura familiar mantém uma relação positiva com o território, o que se revela, sobretudo, na capacidade de valorizar as potencialidades próprias aos ecossistemas naturais em que está inserida, inscrevendo estas potencialidades em suas estratégias de reprodução econômica. A função ambiental é um bem público que a agricultura familiar produz para a sociedade (e tem potencial de produzir muito mais se converter seu 13 modelo de produção em direção à agroecologia). Gliessman (2000) afirma que: a agroecologia proporciona o conhecimento e a metodologia necessários para desenvolver uma agricultura que é ambientalmente consistente, altamente produtiva e economicamente viável. Ela abre a porta para o desenvolvimento de novos paradigmas da agricultura, em parte porque que corta pela raiz a distinção entre a produção de conhecimento e sua aplicação. Valoriza o conhecimento local e empírico dos agricultores, a socialização desse conhecimento e sua aplicação ao objetivo comum da sustentabilidade. A Agroecologia, a partir de um enfoque sistêmico, adota o agroecossitema2 como uma unidade de análise, tendo como propósito, em última instância, proporcionar as bases científicas (princípios, conceitos e metodologias) para apoiar o processo de transição do atual modelo de agricultura convencional para estilos de agricultura sustentável. 3.1.3. A agricultura familiar e a função econômica A agricultura familiar responde por uma parte importante desta contribuição. Como já dissemos, apesar de ocupar somente 30,5% da área e receber somente 25,3% do financiamento da produção, a agricultura familiar é responsável por 37,9% do Valor Bruto da Produção Agropecuária Nacional, isto corresponde a R$ 18,1 bilhões. Nas regiões Norte e Sul mais de 50% do VPB é produzido em estabelecimentos familiares. Segundo o estudo do INCRA/FAO (2000) “a Renda Total por hectare demonstra que a agricultura familiar é muito mais eficiente que a patronal, produzindo uma média de R$ 104,00/ha/ano contra apenas R$ 44,00 ha/ano pelos agricultores patronais”. Esta maior eficiência ocorre em todas as 2 Agroecossistema é a unidade fundamental de estudo, nos quais os ciclos minerais, as transformações energéticas, os processos biológicos e as relações socioeconômicas são vistas e analisadas em seu conjunto. Sob o ponto de vista da pesquisa agroecológica, seus objetivos não são a maximização da produção de uma atividade particular, mas a otimização do agroecossistema como um todo, o que significa a necessidade de uma maior ênfase no conhecimento, na análise e na interpretação das complexas relações existentes entre pessoas, os cultivos, o solo, a água e os animais (ALTIERI, 2002). 14 regiões. 3.1.4. A agricultura familiar e a função social A agricultura familiar é a principal geradora de postos de trabalho no meio rural brasileiro. Mesmo dispondo de 30 % da área, é responsável por 76,9% do pessoal ocupado. Entre os agricultores patronais são necessários em média 67,5 ha para ocupar uma pessoa, enquanto entre os familiares são necessários 7,8 ha para ocupar uma pessoa. Como visto, a agricultura familiar brasileira cumpre múltiplas funções para a sociedade, indo muito além da mera produção primária. O reconhecimento da multifuncionalidade da agricultura familiar pode significar que seu tratamento não pode ser unicamente comercial, ou de mercado. A agricultura familiar provê um conjunto de serviços e bens públicos, tangíveis e intangíveis, de elevado valor para a sociedade em geral. Os meros instrumentos de mercado não são suficientes para dar conta da complexidade do desenvolvimento da agricultura familiar em seus diversos aspectos. 4. A UNIDADE DE PRODUÇÃO E VIDA FAMILIAR DA FAMÍLIA PEREIRA A UPVF é formada por um “coletivo familiar”, ou seja, país e filhos que optaram em não dividir a propriedade e realizam a produção de forma conjunta. Nesse “coletivo familiar” podemos identificar três núcleos familiares: Núcleo 1 composto pelos pais (patriarca e matriarca) e mais dois filhos; núcleo 2 composto por filho mais esposa e dois netos e; o núcleo 3 composto pelo filho, esposa e dois netos. Um dos membros do núcleo 2 possui atividade remunerada não agrícola, sendo este, funcionário público estadual, mesmo assim, despende parte do tempo em atividades produtivas na UPVF. Do “coletivo familiar’, apenas 6 membros dedicam tempo integral as atividades agropecuárias, os demais estão em idade escolar e não realizam atividades relacionadas a 15 produção. A principal atividade econômica da UPFV dos Pereiras está na produção, beneficiamento e comercialização de mandioca (Manihot esculenta). 4.1. Contribuição da família Pereira para a segurança alimentar A dimensão da importância de famílias de agricultores, como os Pereira, para a segurança alimentar, vai além da simples produção de gêneros alimentares primários. A possibilidade de distribuição de renda, pelas atividades desenvolvidas, envolvendo um número significativo do grupo familiar, propicia condições para que a família tenha acesso a aquisição de outros bens de consumo que não são produzidos por eles. Mas, o foco central está na auto sustentação da propriedade. Além da produção da mandioca, para o mercado local, há também, uma dinâmica de produção de outros alimentos para a subsistência da família e da propriedade. Essa característica lhes permite potencializar o uso de todos os recursos disponíveis na UPVF. Os principais produtos cultivados são: milho, feijão, arroz, hortaliças e outros tradicionalmente cultivados na região, além da criação de suínos e aves. Há uma preocupação, por parte da família, de recuperar espécies alimentícias que faziam parte da cultura e da base alimentar da maioria das famílias de agricultores da região, mas, com o processo de modernização da agricultura, acabou perdendo-se o hábito de cultivar e/ou criar diversas espécies como o centeio, trigo, batata, abóbora, etc. Aproximadamente 95% das necessidades básicas da família estudada são supridas com produtos da própria UPVF e os 5% restantes são adquiridos no mercado local. Um aspecto positivo do ponto de vista da segurança alimentar tratase do conhecimento e do controle da qualidade dos alimentos produzidos na UPVF. Isto proporciona à família uma diversidade de consumo de produtos com alto valor biológico, isento de produtos químicos ou quaisquer outros elementos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Essa preocupação está 16 presente em todos os membros da família, no cuidado da alimentação e também aos relacionados a preservação ambiental. Essa característica da família tornou-a referência para os agricultores familiares na região. Além da troca de conhecimentos entre outros agricultores e a família, há ainda um estímulo à troca de germoplasma entre eles. Essa prática era comum entre as famílias de agricultores, a qual possibilitava a difusão de várias espécies cultivadas. A recuperação, ou normalmente chamado de resgate, de variedades crioulas, por parte da família Pereira e de outros, motivou a Fundação Rureco3 a apoiar iniciativas nesse sentido e, até mesmo, em montar um banco de germoplasma em parceria com a Universidade Estadual do Centro Oeste - UNICENTRO. 4.2. A família Pereira e a preocupação com a questão ambiental A preocupação com o cuidado ao meio ambiente está presente na UPVF da família Pereira. Dos 35 ha da propriedade, mais de 50% estão preservados. Além da preservação do remanescente de Mata Atlântica presente na propriedade, a família busca utilizar-se de práticas menos impactantes ao meio ambiente, valorizando a diversidade através de policultivos e criações; práticas de conservação de solo como rotação de culturas e plantio direto; proteção dos mananciais; uso de técnicas “agroecológicas” na prevenção e controle de insetos com potencial de dano econômico e de doenças às plantações, além da implantação de áreas de Sistemas Agroflorestais – SAF’s. Fica demonstrado, portanto, que a prática utilizada pela Família na UPVF, está orientada pelos princípios da Agroecologia, e não apenas no viés orgânico, pois entendem que este último, tem se preocupado prioritariamente em atender um nicho de mercado que paga um grande ágio 3 A Fundação RURECO é uma ONG de assessoria a agricultores familiares e suas organizações na região Centro Oeste do Paraná. Suas ações são orientadas pelos princípios da Agroecologia. Nos últimos anos a RURECO vem estimulando as famílias de agricultores no “resgate” e difusão de variedades crioulas, através de trocas e partilha de sementes. 17 aos produtos orgânicos, atendendo assim, principalmente a dimensão econômica, relegando a dimensão social e ambiental a um segundo plano, não construindo sistemas sustentáveis. 4.3 . A viabilidade econômica da família Pereira Toda e qualquer atividade agrícola, que pretenda ser sustentável precisa mostrar a sua viabilidade econômica. Isto porque existe a demanda de manutenção das necessidades básicas da família, para o acesso a bens e serviços, como atendimento à saúde de qualidade, vestuário, transporte, saneamento básico, acesso às manifestações culturais, etc. Enfim, a garantia de um estilo de vida simples, porém integral, com as conquistas que a humanidade já realizou e que devem, de forma eqüitativa, ser alcançada por todos. Para demonstrar a dinâmica econômica da UPVF da família Pereira, tomou-se como parâmetro uma Planilha de custos de produção de mandioca em 01 ha da propriedade, no período de 01 ano. Atualmente a família cultiva 5 ha de mandioca. Importante ressaltar que a família estabelece o ciclo produtivo da mandioca por um período de 18 meses, sendo que algumas variedades podem ter um ciclo produtivo de até 24 meses. Para a formação do custo de produção levou-se em consideração três fatores preponderantes: mão-de-obra, insumos e processamento. O cálculo da mão-de-obra utilizada (Quadro 1) está baseado na produção de 20 toneladas de mandioca, considerando apenas uma unidade de trabalho familiar (UTF). Sendo assim, para produção de 20.000 quilos foram utilizados aproximadamente 2 horas de gradagem com tração animal, 16 horas (dois dias) para o corte e armazenamento da rama, 40 horas (5 dias) para picar a rama, preparar cova e realizar o plantio, 4 horas para aplicação do biofertilizante. Considerando que são realizadas 3 capinas com duração de aproximadamente 4 dias cada uma, dentro do todo o ciclo são utilizados 12 dias no total para esta atividade. Para a colheita a mão-de-obra despendida é de 12 dias. 18 Quadro 1. Custo de Mão-de-obra e Insumos para produção de 1 hectare de mandioca no sistema “agroecológico” 0,25 Custo Unitário (R$) 20,00 Custo total (R$) 5,00 Dia 2,00 20,00 40,00 Dia 5,00 20,00 100,00 Aplicação biofertilizante Dia 0,50 20,00 10,00 Capinas (03 x) Dia 12,00 20,00 240,00 Colheita (±57 Dia 12,00 20,00 240,00 Unidade Quantidade Litro 1,5 Custo Unitário (R$) 0,17 Custo total (R$) 0,26 Mão-de-obra Unidade Quantidade Gradagem tração animal Dia Corte e armazenamento da rama Picar rama, preparar cova e plantar carroçadasx06carr/dia) Custos Biofertilizante foliar (02 aplicações) Total 635,26 Custo por tonelada: R$ 31,76 Fonte: RURECO, 2007. Considerando ainda o valor do dia de trabalho trazido pela planilha em estudo, é de R$ 20,00 (vinte reais) e ainda que para a realização as atividades mencionadas foram utilizados 31,75 dias, tem-se o custo total da mão-de-obra para a produção de R$ 635,00 (seiscentos e trinta e cinco reais). Outro fator importante na composição do custo da produção trata-se da utilização do biofertilizante foliar. Esse procedimento fora adotado em número de duas vezes no ciclo produtivo, sendo utilizado em média 1,5 litros para hectare, com custo de R$ 0,17 (dezessete centavos de reais) por litro, perfazendo um custo total de insumos R$ 0,26 (vinte e seis centavos de reais). O custo ínfimo do biofertizante utilizado se dá em razão da produção 19 do mesmo utilizar recursos e energia disponíveis na própria UPVF. E, por fim, para chegar ao custo total de produção, são analisados os gastos com o processamento e entrega do produto (Quadro 2). A propriedade processa e vende em feiras livres e aos supermercados locais, a mandioca descascada, embalada e congelada, com a marca Chapada. Para uma quantidade de 20 toneladas brutas (com casca), tem-se 12 toneladas beneficiadas, que são embaladas em 20 mil pacotes de 600 gramas cada. Cada pacote custa R$ 0,28 (vinte e oito centavos de reais) perfazendo R$ 5.600,00 (cinco mil e seiscentos reais). O frete até o mercado consumidor é de 0,22 (vinte e dois centavos de reais) por embalagem que representa 15% do preço de venda, totalizando R$ 4.400,00 (quatro mil e quatrocentos reais). Para realizar esse processamento são necessários 150 dias de trabalho de uma UTF, remunerados a R$ 20,00 que totalizam R$ 3.000,00 (três mil reais), perfazendo um total de custo de processamento de R$ 13.000,00 (treze mil reais). Quadro 2. Custo do processamento da mandioca. Custos Trabalho no processamento (descascar, embalar e condicionar) Embalagem Frete Unidade Quantidade Dias 150,00 Custo Unitário (R$) 20,00 Embalagem % Total 20.000 15,00 0,28 0,22 Custo total (R$) 3.000,00 5.600,00 4.400,00 13.000,00 Fonte: RURECO, 2007. Assim somando-se os custos da mão-de-obra para a produção R$ 635,00, mais os custos dos insumos R$ 0,26 e mais os custos do processamento R$ 13.000,00, tem-se um custo total no importe de R$ 13.635,26. Importante observar que o custo médio de produção, nesse sistema agroecológico, é de aproximadamente R$ 32,00 por tonelada. Se compararmos esses custos com o do sistema convencional de produção, há 20 uma diferença enorme. Segundo Fukuda e Otsubo (2003), o custo médio de produção para o sistema convencional é da ordem de R$ 108,15, para uma produção estimada de 20 t/ha, a mesma produção utilizada nesse estudo. Nesse sistema são utilizados insumos modernos como fertilizantes, defensivos e mecanização, mas o plantio, tratos culturais e fitossanitários e a colheita são realizados manualmente. Isso demonstra uma maior eficiência econômica do sistema produtivo agroecológico. Com o processamento desse produto, há uma agregação de valor. A mandioca sendo comercializada na forma de raiz, obtém uma remuneração média de R$ 0,60 /Kg, enquanto o produto já processado o preço pago é de R$ 1,45 por embalagem de 600 gramas. Fica demonstrado, portanto, a viabilidade econômica da atividade em estudo, tendo em vista que as 12 toneladas de mandioca processada, vendidas um preço de R$ 1,45 geram uma renda bruta de R$ 29.000,00, deduzindo-se os custos de produção no valor de 13.635,26, tem-se uma renda líquida de R$ 15.364,74 por hectare por ano. 4.4. A geração de emprego e renda e a manutenção da identidade social da família Pereira A função social da UPVF dos Pereira está expressa principalmente no que se refere ao “coletivo familiar”, tendo em vista que a família optou em manter seus membros na UPVF buscando para tanto, desenvolver uma atividade produtiva capaz de gerar renda aos mesmos, evitando assim, o êxodo. A capacidade de gerar emprego e renda na propriedade possibilita a reprodução social e cultural das famílias que vivem na UPVF. A preservação dos hábitos alimentares, da diversificação, do cuidado ao meio ambiente, são fatores observados na UPVF, mas, no entanto, são incomensuráveis, tanto para os membros da família como para o conjunto da sociedade. A manutenção do tecido social e cultural não está relacionado apenas na reprodução socioeconômica da família, mas também está relacionado a 21 identidade social, ou seja, a identidade de “agricultores familiares’. Isto porque, para os membros da família, a agricultura é vista como um modo de vida e não simplesmente como uma atividade econômica. CONSIDERAÇÕES FINAIS O estudo de caso da UPVF – Unidade de Produção e Vida Familiar da família Pereira sobre a presença da multifuncionalidade na agricultura demonstrou a existência das principais funções chaves. Nos aspectos da contribuição à segurança alimentar, foco detectado é a auto sustentação da propriedade, pois o principal além da produção de alimentos, para o mercado local, há também, uma dinâmica de produção de outros alimentos para a subsistência da família e da propriedade, pois aproximadamente 95% das necessidades básicas da família estudada são supridas com produtos da própria propriedade e os 5% restantes são adquiridos no mercado local. Essa característica lhes permite potencializar o uso de todos os recursos disponíveis na propriedade. Outro ponto que deve ser salientado em relação à contribuição a segurança alimentar é o conhecimento e o controle da qualidade dos alimentos produzidos na propriedade . Isto proporciona à família uma diversidade de consumo de produtos com alto valor biológico, isento de produtos químicos ou quaisquer outros elementos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. A preocupação e o cuidado do meio ambiente está presente na UPVF da família Pereira. Dos 35 ha da propriedade, mais de 50% estão preservados. Além da preservação do remanescente de Mata Atlântica presente na propriedade, a família busca utilizar-se de práticas menos impactantes ao meio ambiente, valorizando a diversidade através de policultivos e criações; práticas de conservação de solo como rotação de culturas e plantio direto; proteção dos mananciais; uso de técnicas “agroecológicas” na prevenção e controle de insetos com potencial de dano econômico às plantações e de doenças das plantas, além da implantação de 22 áreas de Sistemas Agroflorestais – SAF’s. A função econômica e social da propriedade foi demonstrada por uma grande eficiência do sistema produtivo aliado ao processamento de produtos a nível de propriedade possibilitando uma maior agregação de valor, com a capacidade de gerar emprego e renda possibilitando a reprodução social e cultural das famílias que vivem na UPVF. A preservação dos hábitos alimentares, da diversificação, do cuidado ao meio ambiente, foram fatores observados na Unidade de Produção e Vida Familiar no estudo de caso sobre a Família Pereira . REFERÊNCIAS ALTIERI, M. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. Guaíba: Agropecuária, 2002. CARNEIRO, M. J.; MALUF, R. S. (org). Para Além da produção: multifuncionalidade e agricultura familiar. Rio de Janeiro: MAUAD, 2003. FAVARO, J. L.; SALVADOR, E. D.; FAVARO JUNIOR, J. L. A presença da Agricultura Familiar na região de Guarapuava –PR. In: Semana de Estudos Agronômicos da UNICENTRO, 2, 2004, Guarapuava: UNICENTRO, 2004 pg. 1119. GLIESSMAN, S. R. Agroecologia: processos ecológicos em agricultura sustentável. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2000. SITOGRAFIA FLEXOR, G. Agricultura Multifuncional e Meio Ambiente: especificidade territorial e conflitos em torno dos Recursos Naturais no Município de Paraty. Disponível em: <www.ebapei.fgv.br/radma/doc/Sma/Sma-032.pdf > Acesso em: Novembro 2007. FUKUDA, C.; OTSUBO, A. A.. Cultivo da mandioca na região Centro Sul do Brasil. In: sistema de Produção, 7 – Embrapa Mandioca e Fruticultura. Versão eletrônica. Disponível em: <http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Mandioca/mandioca_c en trosul/ index.htm.> Acesso em Novembro de 2007. MIRANDA, C. L.; ADIB, A. R. Multifuncionalidade e desenvolvimento rural sustentável. Disponível em: <www.iica.orgbr/docs/noticia/multifuncionalidadedesenvolvim entoRuralSustentavel_artigo revista/Marco Social.pdf>. acesso em: Outubro 2007. RIBEIRO, D. M. G. A Multifuncionalidade da agricultura e o aproveitamento dos recursos naturais: preocupação legítima ou protecionismo disfarçado? Disponível em: <www.compedi.org/manaus/arquivo/anais/daniela%20menengoti%gonçalves%20rib ei ro.pdf> acesso em Outubro 2007. SOARES, A. C. A multifuncionalidade da agricultura familiar. Disponível em 23 <www.grupocholavi.org/php/doc/documentos/multifuncionalidade.pdf> acesso em Outubro 2007. OUTRAS FONTES INCRA/FAO Novo Retrato da Agricultura Familiar: O Brasil Redescoberto. Brasília:MDA, 2000. O Direito Socioambiental Prof. Ms. Alaim Giovani Fortes Stefanello Doutorando em Direito Socioambiental – PUC/PR Mestre em Direito Ambiental –UEA/AM Membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/PR RESUMO: O caminho histórico evolutivo do direito ambiental ao direito socioambiental é o escopo do presente artigo. O respeito e preocupação crescente à proteção do meio ambiente faz parte da compreensão e busca de uma sadia qualidade de vida, o que foi traduzido pelo legislador num capítulo da Constituição Federal de 1988 dedicado ao assunto. Ao analisar tais questões, o artigo apresenta conceitos jurídicos do meio ambiente e sua evolução como direito humano fundamental, evidenciando uma nova problemática jurídica a ser explorada. Palavras-Chave: Direito Ambiental. Direito Socioambiental. Meio Ambiente. INTRODUÇÃO O presente trabalho objetiva resgatar de forma sucinta o histórico acerca da legislação sobre o meio ambiente, seja no âmbito nacional quanto internacional, bem como destacar a transição do direito ambiental para o direito socioambiental. Também será analisado o conceito de meio ambiente sob o aspecto jurídico, apresentando as principais definições encontradas na doutrina jurídica e na legislação específica. O tema abordado possui relevância social atual, uma vez que o meio ambiente cada vez constitui-se em preocupação tanto da sociedade quanto 24 dos governos, uma vez que a sua manutenção tem direta relação com uma maior ou menor qualidade de vida no planeta. Assim, do meio ambiente natural, considerado como a natureza em seu estado puro composto pelas plantas,animais e minerais (lato sensu), parte-se hoje para o meio ambiente modificado, também conhecido como o meio ambiente artificial ou construído, a exemplo das cidades, ambos sendo objeto de preocupação por parte do direito. De igual forma o meio ambiente cultural, aquele onde a cultura em seus mais diversos aspectos (material e imaterial) constitui o ambiente, bem como o meio ambiente do trabalho, onde se desenvolvem as relações laborais, ganham destaque no estudo das ciências jurídicas. Assim, o presente artigo apresenta um pouco da preocupação com o meio ambiente do ponto de vista jurídico, o que fez como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e essencial à sadia qualidade devida, nos termos da Constituição Federal de 1988, fosse considerado como um direito humano fundamental. 1. PRINCIPAIS MARCOS JURÍDICOS DO DIREITO AMBIENTAL AO SOCIOAMBIENTAL Visitando os principais fatos históricos do direito ambiental percebe-se que surgem as mais diversas correntes teóricas procurando estabelecer um marco inicial, ou, então, demonstrar quais foram as primeiras leis produzidas que já tratavam do assunto. No entanto, na maioria das vezes as leis mais antigas que tratam acerca da temática abordada não se traduzem em marcos temporais de um verdadeiro surgimento do novo ramo do direito, mas, sim, de legislações esparsas que tratavam de temas específicos conforme a conveniência da época. No âmbito internacional, conforme explica Marcelo Dias Varella, a evolução do direito ambiental internacional não é nem lógica, nem linear. É um ramo do direito desordenado em razão de vários fatores, dentre eles 25 destaca-se a impossibilidade de identificar uma instituição coordenadora das normas internacionais, o que faz existir várias instituições que regulam diferentes acordos de modo heterogêneo4. Assim, de forma pontual e com diferentes interesses, pode-se mencionar como precursoras a Convenção de 1933 relativa a preservação da fauna e da flora nos seus estados naturais; a Convenção de 1940 sobre a proteção natural e a proteção da vida selvagem no hemisfério ocidental; a Convenção internacional de 1946 sobre a regulamentação da pesca da baleia; a Convenção internacional para a proteção dos vegetais em 1951; a Convenção sobre o alto mar em 1958, dentre outras menos expressivas mas que também tratam do assunto. No entanto, de grande importância e como verdadeiro marco jurídico e histórico é a Declaração de Estocolmo, conforme assinala Plauto Faraco de Azevedo ao afirmar que o surgimento do direito ambiental, no mundo e no Brasil, liga-se à idéia de defesa, promoção e preservação da vida, valor que permeia todas as normas ambientais, "nacionais e internacionais, a partir da Convenção de Estocolmo, de 1972, cujos dispositivos constituem o primeiro grande brado de alerta contra a poluição e destruição do ambiente"5. A Declaração de Estocolmo sobre o meio ambiente busca a preservação e melhoria do ambiente humano por meio de vinte e três princípios que tratam de direitos humanos, direito ao desenvolvimento econômico e social e meio ambiente. Evidencia-se, no campo internacional, a influência da Declaração de Estocolmo nas políticas ambientais de vários países. Assim, conforme relata Marcelo Dias Varella, é nesta época que os países escandinavos e a Alemanha criam o Ministério do Meio Ambiente, seguidos pelos Estados Unidos e Inglaterra. Apenas quatro anos depois, outros países europeus vão criar seus Ministérios, demonstrando uma tomada de consciência crescente 4 VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 24. 5 AZEVEDO, Plauto Faraco de. Ecocivilização: ambiente e direito no limiar da vida. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.93. 26 com os problemas ambientais6. Também importante foi a Conferência do Rio de Janeiro sobre o meio ambiente e desenvolvimento de 1992, de onde resultou a Convenção sobre a Diversidade Biológica. A realização da Eco 92 foi sugerida no relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente da Assembléia Geral das Nações Unidas, criada em 1983, sob a presidência da Norueguesa Gro Harlem Brundtland, razão pela qual o relatório da referida comissão tornou-se mundialmente conhecido como Relatório Brundtland. A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) foi assinada pelo Brasil durante a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, a ECO/92, realizada entre os dias 3 a 14 de junho de 1992 no Rio de Janeiro, que estabeleceu importantes regras e princípios internacionais de proteção à biodiversidade. Configura-se num dos tratados internacionais de maior importância na regulamentação do acesso e utilização da biodiversidade. O artigo 2° da CDB, traz a definição de biodiversid ade como sendo a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, entre outros, os ecossistemas terrestres e marinhos, outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte, envolvendo, ainda, a diversidade dentro de espécies, entre espécies e de ecossistemas. Rafael de Paiva Salomão explica que, "em outras palavras, a diversidade biológica refere-se à variedade de vida sobre o planeta (flora, fauna e microorganismos)" 7, bem como às diversas comunidades humanas existentes nestes ecossistemas. No âmbito nacional, conforme assinalou Guilherme Purvin de Figueiredo, vigiam desde 1521 as Ordenações Manuelinas, que continham algumas disposições de caráter protecionista. Prossegue o autor relembrando que em 1830 foi promulgado o Código Criminal que estabelecia 6 VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 24. 27 em seu artigo 178 e 257 as penas para quem efetivasse o corte ilegal de madeiras8. Como pode se perceber, no entanto, trata-se de legislação específica criada dentro de um contexto casuístico de então, objetivando proteger os interesses econômicos e não os ambientais. É a década de 1930, porém, que ganha destaque na produção de normas legislativas com temas ambientais mais específicos, quando surge, no Brasil, o primeiro Código Florestal, instituído pelo Decreto 23.793, de 23 de janeiro de 1934, o primeiro Código das Águas, por meio do decreto 24.643, de 10 de julho de 1934 e o Código de Mineração, instituído pelo decreto-lei 1.985, de 29 de janeiro 1940. Trata-se de um período de consolidação da legislação ambiental no Brasil, conforme explica Hermann Benjamin9: Tirante uma ou outra providência legislativa de regência dos recursos naturais no período colonial e Império, a tutela legal do ambiente no Brasil tem início, de modo fragmentário, na década de 30 do século passado, ganha fôlego nos anos 60 e se consolida nas décadas de 80 e 90. Já na década de 1980 os mais variados segmentos da sociedade despertaram para a importância do meio ambiente para a sobrevivência humana. Para Laymert Garcia dos Santos, “em meados de 1980 o desmatamento propulsou a floresta amazônica para o centro do debate ecológico mundial”10. Em 31 de agosto de 1981 surge a Lei 6.938, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente e constituiu-se num marco importante da 7 SALOMÃO, Rafael de Paiva. Biodiversidade e Amazônia. Revista Ciência Hoje. Rio de Janeiro, agosto de 2003, p.32. 8 FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A questão ambiental no direito brasileiro.ln: KISHI, Sandra Akemi Shimada. SilVA, Solange Teles da. SOARES, Inês Virgínia Prado. (org). Desafios do Direito Ambiental no Século XXI. Estudos em homenagem a Paulo Affonso leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 489. 9 BENJAMIN, Antônio Herman. O meio ambiente na Constituição Federal de 1988 (p.363-398). In: KISHI, Sandra Akemi Shimada. SILVA, Solange Teles da. SOARES, Inês Virgínia Prado. (organizadores). Desafios do Direito Ambiental no Século XXI. Estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005, p.370. 10 SANTOS, Laymert Garcia dos. Quando o conhecimento científico se torna predação hight-tech: recurso genético e conhecimento tradicional no Brasil. In: Semear outras soluções: os caminhos da 28 legislação ambiental, fortalecendo o surgimento do Direito Ambiental no Brasil, um dos mais novos ramos do direito. Neste sentido, João Carlos de Carvalho Rocha destaca: [...]o direito ambiental, em particular, não é novo apenas por dispor juridicamente sobre fatos que até período recente eram invisíveis para o Direito, mas por exigir uma postura metodológica diferenciada. Neste sentido ganha relevância o caráter interdisciplinar desse novo ramo do Direito e a contribuição direta 11 de diversas Ciências para sua conformação . Em decorrência de todos estes movimentos históricos e sob forte influência das organizações não governamentais, da comunidade científica e sociedade civil organizada, começa-se a discutir o meio ambiente como um direito fundamental. Essa mobilização resultou num capítulo inteiramente dedicado a questões ambientais na Constituição Federal, o qual consagra o direito de todos os brasileiros ao meio ambiente equilibrado, considerado bem de uso comum do povo, essencial à qualidade de vida saudável. Como se pode observar, o estudo do direito ambiental incorpora em seu discurso o foco principal no ser humano, uma vez que a diversidade biológica é fonte de vida, derivando da sua manutenção e utilização uma maior ou menor qualidade de vida. Assim, podemos afirmar que o amadurecimento dos direitos humanos ocorreu com a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, consolidando o tema no âmbito internacional. De outro lado, a Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente de 1972 representa para o Direito Ambiental um marco de conscientização sobre a preservação da natureza aliado ao direito de desenvolvimento econômico e social. A Constituição Federal de 1988 reflete amadurecimento desse diálogo no Brasil, consagrando como princípio fundamental da República a biodiversidade e dos conhecimentos rivais. SANTOS, Boaventura de Souza (org). Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2005, p. 140. 11 ROCHA, João Carlos de. Formação e transformação do conhecimento jurídico ambiental (p.579597).In: KISHI, Sandra Akemi Shimada. SILVA, Solange Teles da. SOARES, Inês Virgínia Prado. 29 dignidade da pessoa humana e elevando o meio ambiente ao nível maior das leis nacionais, como bem de uso comum do povo. A rica complexidade de direitos que foram alçados ao nível constitucional fez emergir pontos comuns entre os diferentes movimentos sociais, como, por exemplo, movimentos de direitos humanos, ambientalistas, indígenas, etc. Nas palavras de Carlos Frederico Marés de Souza Filho, foi nesse momento que os integrantes de movimentos indígenas uniram-se a ambientalistas ampliando o horizonte dos direitos coletivos indígenas para sua verdadeira dimensão: “direito dos povos, direito das diferenças, ao mesmo tempo em que ampliasse a idéia de proteção ambiental, retirado dela o aspecto negativista, anti-humano, para dar-lhe um sentido de direito coletivo dos povos”. Surgiu, assim, o socioambientalismo e o direito socioambiental, ponto de partida para uma releitura contemporânea e uma interpretação sistêmica dos “novos direitos” emergentes do texto constitucional, evidenciando a interdependência existente entre meio ambiente, cultura, desenvolvimento sustentável, povos indígenas, dignidade da pessoa humana, função social, direitos humanos e direito ao desenvolvimento nos seus vários aspectos, abrindo espaço para falarmos em direitos da sociobiodiversidade. 2. A DEFINIÇÃO JURÍDICA DE MEIO AMBIENTE O direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um fator essencial à sadia qualidade de vida já está consolidado no ordenamento jurídico pátrio. Decorridos mais de vinte anos da promulgação da Constituição Federal de 1988, pode-se afirmar que o capítulo que trata do meio ambiente constitui-se no principal referencial jurídico acerca do tema. O Direito Ambiental funda-se na lógica da defesa da vida humana como escopo maior, uma vez que preservar o meio ambiente em que (organizadores). Desafios do Direito Ambiental no Século XXI. Estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005, p.586. 30 vivemos para as gerações presentes e futuras significa assegurar a manutenção das condições de existência humana. A relação do direito à vida com o direito ao meio ambiente sadio é facilmente exemplificada na qualidade da água para consumo, no ar afetado pela poluição, na biosegurança e manipulação genética para produzir alimentos, etc. Em muitos lugares do planeta já não existe água apropriada para o consumo humano e, mesmo no Brasil, onde estão localizadas as maiores bacias hidrográficas do mundo, ainda existem pessoas sem acesso à água potável e com graves problemas de saúde em razão disso. Evidencia-se, pois, que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não implica apenas em manutenção das condições de vida humana, mas, igualmente importante, em garantir que a fruição coletiva dos bens ambientais possa estar ao alcance da coletividade, conferindo eficácia ao princípio da dignidade da pessoa humana. Tal acesso aos bens ambientais que compõem a biodiversidade brasileira e que asseguram uma sadia qualidade de vida é visto por Paulo de Bessa Antunes como um direito humano fundamental. Vejamos: No regime constitucional brasileiro, o próprio caput do artigo 225 da Constituição Federal impõe a conclusão de que o Direito Ambiental é um dos direitos humanos fundamentais. Assim é porque o meio ambiente é considerado um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Isto faz com que o meio ambiente e os bens ambientais integrem-se à categoria jurídica da res comune omnium. Daí decorre que os bens ambientais - estejam submetidos ao domínio público ou privado 12 são considerados interesse comum . Na mesma linha de raciocínio, Sando Nahmias Melo afirma que o direito à vida tem recebido tratamento amplo, de onde deriva a concepção do direito ao meio ambiente como extensão do direito à vida, uma vez que este não se restringe apenas a idéia de não morrer, mas sim de viver com 12 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006, p. 19. 31 qualidade e dignidade, aspectos inseparáveis do meio ambiente saudável13. Assim, sem pretender estabelecer definições e conceitos de forma absoluta, uma vez que os mesmos estão numa constante e dinâmica construção epistemológica e social, entendemos por meio ambiente o complexo de elementos que possibilitam a existência humana, compreendendo a relação do ser humano com a natureza que o cerca nos aspectos físico, químico, biológico, cultural e espiritual, onde a referência central deve ser sempre o ser humano. Em sentido semelhante, para Cristiane Derani o meio ambiente deixase conceituar como um espaço onde se encontram os recursos naturais, inclusive aqueles já reproduzidos (transformados) ou degenerados (poluídos) como no caso do meio ambiente urbano14. O legislador, por sua vez, definiu meio ambiente na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente17, Lei nº. 6.938, de agosto 1981, como o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que abriga todas as formas de vida. A definição de meio ambiente, contudo, tem gerado polêmica na teoria do direito. Para Celso Fiorillo a expressão meio ambiente é redundante, em razão de ambiente já trazer em seu conteúdo a idéia de âmbito que circunda, sendo desnecessária a complementação pela palavra meio15. Para José Afonso da Silva a palavra ambiente indica a esfera, o círculo, o âmbito que nos cerca, em que vivemos. Em certo sentido, portanto, nela já se contém o sentido da palavra meio. Para o autor, até se pode reconhecer que na expressão meio ambiente se denota certa redundância, advertida por Ramón Martín Mateo, ao observar que se utiliza decididamente a rubrica Derecho Ambiental em vez de Derecho dei Medio Ambiente, abandonando uma prática lingüística pouco ortodoxa que utiliza 13 MELO, Sandro Nahmias. Meio Ambiente do Trabalho – Direito Fundamental. São Paulo, LTR Editora, 2001, p. 114. 14 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2. ed. rev. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 74-75. 32 cumulativamente expressões sinônimas ou, ao menos, redundantes, no que incide o próprio legislador16. Em contraposição à suposta redundância manifestada nas opiniões acima, Osório Fonseca diverge, explicando que: A expressão meio ambiente, não é um termo redundante [ ... ] Essa expressão insere a palavra meio com a conotação geométrica de volume, superfície ou área, sugerindo a existência de um objeto de referência. Adicionalmente, a palavra ambiente, que compõe a expressão, tem origem na preposição latina amb que quer dizer ao redor, à volta, e no verbo ire que significa ir, e de cuja conjunção resultou o termo ambire que expressa a idéia de ir ou estar à volta de um determinado elemento, figurando uma referência espacial. Ainda, segundo o autor, ao fazer menção à expressão meio ambiente, o referencial geométrico é a natureza e o entorno complexo, mas a referência essencial é o homem que está inserido, cercado, envolvido, como ser concreto, como objetivo central do meio e que deve ser o alvo principal dos programas de governo. Concordamos com a posição acima exposta, pois não podemos perder de vista o ser humano como referência essencial neste contexto. Em sentido complementar, Cristiane Derani afirma que é importante “ressaltar que esse conceito de meio ambiente não se reduz a ar, água, terra, mas deve ser definido como o conjunto das condições de existência humana, que integra e influencia o relacionamento entre os homens, sua saúde e seu desenvolvimento"17. Tal análise torna-se necessária não apenas para fins de conceituação, mas, principalmente, para entendermos a complexa relação do ser humano com o meio ambiente. Em decorrência desta relação resultou a construção do meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental. 15 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 5ª ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2004. P.19. 16 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 19 17 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2. ed. rev. São Paulo: Max Limonad, 2001, p. 33 CONSIDERAÇÕES FINAIS Assim, percebe-se que em que pese toda a legislação existente acerca da proteção do meio ambiente, a Constituição Federal de 1988 constitui-se no grande referencial teórico do direito ambiental, uma vez que marca a transição do direito ambiental para o socioambiental, trazendo a preocupação da proteção ambiental para as gerações presentes e futuras, no intuito de preocupar-se com a qualidade de vida humana. A conceituação jurídica de meio ambiente foi apresentada formalmente em 1981, na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (6.938), tendo evoluído na doutrina e inclusive gerado polêmica. No entanto, por mais que a teoria jurídica tente conceituar o meio ambiente, a complexidade da realidade sempre esta à frente da definição, ocasionando novas discussões teóricas que apontam os caminhos para onde o direito ambiental seguirá. De qualquer forma, a definição legal trazida em 1981 possui sua importância na medida em que facilita aos operadores do direito delimitar na prática os espaços de atuação e resolução dos conflitos, uma vez que o meio ambiente passa a ser de responsabilidade de todos, nos termos da lei maior do país. REFERÊNCIAS ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2006. AZEVEDO, Plauto Faraco de. Ecocivilização: ambiente e direito no limiar da vida. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. BENJAMIN, Antônio Herman. O meio ambiente na Constituição Federal de 1988 (p.363-398). In: KISHI, Sandra Akemi Shimada. SILVA, Solange Teles da. SOARES, Inês Virgínia Prado. (organizadores). Desafios do Direito Ambiental no Século XXI. Estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: 74-75. 34 Malheiros, 2005. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2. ed. rev. São Paulo: Max Limonad, 2001. FIGUEIREDO, Guilherme José Purvin de. A questão ambiental no direito brasileiro.ln: KISHI, Sandra Akemi Shimada. SilVA, Solange Teles da. SOARES, Inês Virgínia Prado. (org). Desafios do Direito Ambiental no Século XXI. Estudos em homenagem a Paulo Affonso leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 5ª ed. São Paulo, Editora Saraiva, 2004. MELO, Sandro Nahmias. Meio Ambiente do Trabalho – Direito Fundamental. São Paulo, LTR Editora, 2001. ROCHA, João Carlos de. Formação e transformação do conhecimento jurídico ambiental (p.579-597).In: KISHI, Sandra Akemi Shimada. SILVA, Solange Teles da. SALOMÃO, Rafael de Paiva. Biodiversidade e Amazônia. Revista Ciência Hoje. Rio de Janeiro, agosto de 2003. SANTOS, Laymert Garcia dos. Quando o conhecimento científico se torna predação hight-tech: recurso genético e conhecimento tradicional no Brasil. In: Semear outras soluções: os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos rivais. SANTOS, Boaventura de Souza (org). Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 2005. SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. SOARES, Inês Virgínia Prado. (organizadores). Desafios do Direito Ambiental no Século XXI. Estudos em homenagem a Paulo Affonso Leme Machado. São Paulo: Malheiros, 2005. STEFANELLO, Alaim Giovani Fortes. Diálogos entre direitos humanos, sociobiodiversidade e propriedade intelectual. In: Revista Veredas de Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. Belo Horizonte, v.7, n. 13/14, 2010. VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. CONSERVAÇÃO DO SISTEMA FAXINAL: UMA QUESTÃO DE 35 POLÍTICA PÚBLICA Eliane Crestiane Lupepsa Costenaro Mestranda em História Cultural – Unicentro Ciências Sociais – FG RESUMO: Este artigo foi elaborado com o objetivo de analisar de que modo a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – PNPCT veio a contribuir na reafirmação de identidade dos faxinalenses, que passaram a ser considerados como povos tradicionais e se de fato tal política corresponde ao propósito de permanência do sistema faxinal. São consideradas as questões concernentes às relações de organização social e identidade nos territórios denominados faxinais. As discussões que norteiam este estudo se referem, sobretudo, às de ordem cultural e política. Pretende-se compreender a organização social e a identidade, especialmente, no Faxinal Marcondes Almeida França, localizado em Prudentópolis (PR) e no âmbito das políticas públicas, analisar a medida de efetivação da democracia participativa em prol da preservação destes povos. Palavras-chave: Identidade. Território. Faxinal. Prudentópolis. INTRODUÇÃO Este texto diz respeito a um estudo elaborado com o objetivo de se compreender como se deu o processo de inserção dos faxinalenses na esfera das políticas públicas e a repercussão disso na qualidade de vida desses povos, bem como, na organização social e reafirmação de sua identidade. Para esta pesquisa, priorizou-se o Faxinal Marcondes Almeida França, localizado na Colônia de Jesuino Marcondes, interior do município de Prudentópolis (PR). Tal objetivo não poderia ser pretendido sem que se estabelecesse e definisse alguns conceitos, como o de território e identidade. Porém, primeiramente é necessário explicitar o que se entende por Faxinal e a noção de política pública aqui empregada. O faxinal possui características próprias que o diferenciam. As terras de criar são separadas das terras de plantar por cercas. “A cerca de madeira lascada, principalmente a imbuia e o pinheiro constituem a “tecnologia” utilizada para a construção e manutenção dos cercamentos nos 36 faxinais” (LUPEPSA, 2008, p. 195). Além disso, o faxinal pode ser entendido pelo seu sistema. De acordo com o artigo 1º do Decreto Estadual de 1997, entende-se por Sistema Faxinal: O sistema de produção camponês tradicional, característico da região Centro-Sul do Paraná, que tem como traço marcante o uso coletivo da terra para produção animal e a conservação ambiental. Fundamenta-se na integração de três componentes: a) produção animal coletiva, à solta, através dos criadouros comunitários; b) produção agrícola - policultura alimentar de subsistência para consumo e comercialização; c) extrativismo florestal de baixo impacto – manejo de erva-mate, araucária e outras espécies nativas (DECRETO 3446, 1997). É importante ressaltar que o sistema Faxinal possui um princípio de produção próprio, de caráter sustentável. Para Chang (1985), o sistema faxinal tem vários componentes, dentre eles, a produção animal, por meio da criação doméstica, em que os animais são utilizados tanto para o trabalho, quanto para o consumo próprio, na técnica "à solta" em criadouros comuns. Dentre os animais destacam-se os eqüinos, suínos, caprinos e as aves domésticas. Ainda há as lavouras de subsistência circunvizinhas ao criadouro, destacando-se o milho, feijão, arroz, batata e a cebola e; a coleta da erva-mate, que desempenha um papel de renda complementar. Hoje, pode-se dizer que o fumo desempenha melhor este papel do que a ervamate. A forma de organização faxinalense é destacada “pelo seu caráter coletivo no uso da terra para a produção animal. A instância do comunal é consubstanciada, nesse sistema, em forma de criadouro comum” (DECRETO, 1997). Criadouro este que ilustra o uso do espaço e contribui para a configuração do território faxinalense. A compra constante das suas extensões de terras por proprietários acabou por comprometer a abrangência territorial, eminentemente moldada pelo Sistema Faxinal. Nestes termos, entende-se que esta conformidade desse sistema caracteriza-se pelo uso comunitário do espaço por todos os faxinalenses que ali vivem, sem que necessariamente devam ser proprietários legais. Assim, é fácil que esta conformidade abale-se e a estrutura do Faxinal seja afetada 37 internamente. A partir da perspectiva das políticas públicas, tem-se maior destaque a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais – PNPCT. Instituída pelo Decreto Nº 6.040, de 07 de Fevereiro de 2007 - DOU 08.02.2007. De acordo com este Decreto que a instituiu, seu objetivo geral é o de promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições. O setor social que mais lutou em prol dessa política de amparo a esses povos denominados tradicionais se trata principalmente dos próprios faxinalenses, quilombolas e indígenas, enquadrados nessa categoria, denominada “tradicional”. Com vistas a envolverem-se com a organização da questão de terras e das condições de vida dos faxinalenses, órgãos governamentais e não governamentais também interferiram. Como exemplo houve a criação da “Rede Faxinal” criada em julho de 2004 para atuar na defesa e promoção das terras e povos do Faxinal. Esta rede envolve órgãos do governo, de instituições de ensino e de organizações não governamentais. Não obstante, é importante destacar a noção de política pública aqui empregada. Compartilha-se da definição de Di Giovanni, para ele: A política pública como uma forma, contemporânea de exercício do poder nas sociedades democráticas, resultante de uma complexa interação entre o Estado e a sociedade, entendida aqui num sentido amplo, que inclui as relações sociais travadas também no campo da economia. Penso, também, que é exatamente nessa interação que se definem as situações sociais consideradas problemáticas, bem como as formas, os conteúdos, os meios, os sentidos e as modalidades de intervenção estatal (DI GIOVANI, 2009, p. 3). Isso implica considerar que uma política pública não se restringe meramente a intervenção do Estado numa situação problemática. De acordo com Pereira (2008), “implica, simultaneamente, intervenção do Estado, envolvendo diferentes atores (governamentais e não-governamentais), seja 38 por meio de demandas, suportes ou apoios, seja mediante o controle democrático já referido” (p. 96). A política pública corresponde, portanto, a uma forma de interação entre o Estado e a sociedade, nesse sentido, compete às organizações governamentais e não governamentais em conjunto com os faxinalenses constituírem planos de desenvolvimento, fóruns e comissões organizacionais, como instrumentos para manter tal implementação governamental, que inclui além do amparo jurídico, uma ajuda de custo aos faxinalenses por meio do repasse do ICMS Ecológico; garantido a partir da implementação da PNPCT. O ICMS Ecológico trata-se de um recurso que é repassado na forma de materiais que beneficiam as comunidades faxinalenses, tudo dentro do plano de aplicação feito por elas. Nenhuma comunidade recebe dinheiro, mas sim, bens materiais. Como exemplos desses materiais têm-se auxílio financeiro para a manutenção das cercas, mata-burros, bueiros, e outras atividades que têm sido oferecidas aos faxinalenses como inseminação artificial aos animais, cursos, reativação de viveiros na comunidade. Em Prudentópolis, “todos os faxinais possuem representantes eleitos pela comunidade que fazem a ligação entre a secretaria do meio ambiente e os faxinalenses” (JORNAL PRESERVAÇÃO, nov. 2006). A idéia é que todos os faxinais constituam conselhos devidamente registrados, com normas a serem seguidas. O sentido de política pública, aqui empregado pode associar-se à noção de Democracia, sobretudo a participativa. A palavra “Democracia” possui uma carga valorativa significativa, sendo utilizada como sinônimo de “bem estar coletivo”, como um mundo ideal construído com a participação de todos, para uma harmoniosa “justiça social”. Democracia trata-se de um conceito histórico, e dependendo do grau de participação do povo e do objetivo do Estado, este terá uma denominação e a Democracia será exercida em maior ou menor grau. De acordo com Furrer (2006), a Democracia Participativa, utiliza-se de mecanismos que proporcionam ao povo um engajamento nas questões políticas. Ela também legitima questões de relevância para a comunidade, através de uma participação direta, seja 39 pela iniciativa popular, audiência pública, consultas ou qualquer outra forma de manifestação popular. No caso do Faxinal Marcondes Almeida França – Prudentópolis (PR), a luta em defesa do sistema se sustenta pelos faxinalenses que perfazem quarenta e uma famílias permanentes nas áreas do Faxinal integradas. Na década de 1980 a área do criadouro comum abrangia aproximadamente 200 alqueires, incluindo a área de Jesuíno Marcondes. Em 2007, um levantamento da Secretaria Municipal do Meio Ambiente aponta 53,5 alqueires destinados ao criadouro comum, o que indica uma considerável diminuição desta área. Antes de discorrer a cerca da organização social do Faxinal Marcondes Almeida França cumpre-se destacar a localização do município de Prudentópolis, bem como, ressaltar alguns aspectos históricos de seu povoamento, inclusive da região em questão. O processo de povoamento é fortemente associado ao contexto da imigração em fins do século XIX. Prudentópolis ocupa uma área de aproximadamente 2.308 km², localizandose ao lado da BR-373 entre Ponta Grossa e Guarapuava, no Paraná (IBGE, 2010). Em fins do século XIX milhares de ucranianos transferem-se para o Brasil fixando-se, sobretudo, no Estado do Paraná. A respeito desse contexto, marcado pelas ondas imigratórias, Andreazza (1999) considera que existem fatores de atração e repulsão que contribuíram para a condução destes imigrantes ao Brasil. “De atração desenvolvida nos locais de adoção dos emigrados e repulsão, gerada pelas nuanças conjunturais dos países de onde se deslocam os imigrantes” (p. 44). Dentre estes dois fatores, pode-se destacar a decadência do sistema escravista, a necessidade de trabalhadores livres para as lavouras no Brasil e os conflitos internos no continente europeu. O auge do processo imigratório ocorreu em 1895 (ZAROSKI, 2001). O principal aspecto que contribuiu para a vinda desses imigrantes ao Brasil refere-se à política imigratória com o intuito de substituir a mão de obra escrava e ocupar os territórios brasileiros, sob a afirmativa, por parte do Governo, de estarem vazios inabitáveis. Sobre a política 40 imigratória, de acordo com (BURKO, s/d), em 1890 foi regulada a entrada dos imigrantes e a eles distribuídos lotes de terras nas colônias estabelecidas pelo Governo Federal, de acordo com as administrações estaduais. No século XIX, as características do Paraná apresentavam-se vinculadas a uma baixa densidade demográfica. Também havia o argumento político favorável à imigração, referente à necessidade de diversificar a produção que era baseada no tropeirismo, madeira e erva-mate, para não se correr o risco de haver uma crise de abastecimento de alimentos. “A distribuição de pequenos lotes aos imigrantes, formando colônias próximas, favoreceu a formação de uma nova classe social, a de pequenos proprietários de terras” (BATISTA, 2009, p. 32). Além disso, de acordo com Hanicz (2010), ao receberem esses lotes os ucranianos passaram a demarcar seus limites territoriais e simbólicos, o que pressupunha a organização das propriedades, do mundo religioso e cultural. “É no interior desse espaço que o imigrante vai viver a sua religião, falar a língua materna, preparar alimentos da culinária tradicional, ornamentar a casa com os seus santos e decorá-la com elementos de sua cultura” (p. 4). Em Prudentópolis os imigrantes ucranianos chegaram num número significativo, sobretudo, em 1896 e 1897 sendo que a maioria dos cerca de 20 mil que chegaram seguiu para os arredores de Curitiba, Prudentópolis e Marechal Mallet. Atualmente, boa parte da população prudentopolitana é descendente de ucranianos, pois, mesmo em 1995 há afirmativas dessa informação: “Comunidades ucranianas são encontradas em cidades como Prudentópolis (75% da população), Curitiba, Apucarana, Guarapuava, Dorizon, Ivaí, Irati, Pato branco (BOLETIM ROMÁRIO MARTINS, 1995, p. 12). Nesse contexto da colonização, a formação da Vila de Jesuíno Marcondes, assim como as demais colônias, vincula-se a um processo de divisão de terras do Governo aos imigrantes, sendo que uma das formas era por meio de concessão. As terras do Paraná fazem parte de uma conjuntura de desmembramento e classificação feita pelas companhias colonizadoras que aliavam os seus interesses aos anseios do Governo, já que, de acordo com 41 Andreazza (1999) no Brasil, os governos, federal e estadual autorizavam empresas particulares a realizarem o transporte de emigrantes que, chegados ao Rio de Janeiro, tomariam seus destinos. Além disso, “nas colocações dos Presidentes de Província e dos Governadores do Paraná são recorrentes posicionamentos que denotam o anseio governamental por força de trabalho com vistas ao povoamento e desenvolvimento econômico do território” (ANDREAZZA, 1999, p. 44). De acordo com Lupepsa (2010), estes anseios do Governo além do interesse pela força de trabalho e pelo povoamento, pressupunham também uma mudança na estrutura agrária. Pode-se dizer que a imigração veio ao encontro desse planejamento político das autoridades em substituir a estrutura agrária cabocla pela européia. “As autoridades alimentavam a esperança de que a estrutura da agricultura paranaense fosse modificada [...] Os colonos europeus teriam a missão de compensar o atraso e as técnicas elementares utilizadas pelo elemento local, ou seja, o caboclo” (CHANG, 1985, pag. 34). Nesse contexto, em Prudentópolis, as terras foram divididas em linhas, cada uma delas recebeu um nome, algumas em homenagem a certas regiões principais da Europa, meses do ano e “importantes” nomes brasileiros. Sobre tais aspectos, Zaroski (2001) afirma que, “ao longo dessas linhas mediam-se chácaras de 10 a 12 alqueires as quais eram entregues aos imigrantes para o desbravamento e o plantio” (p. 11). Estas linhas implicavam para estes imigrantes uma forma de se viver vinculada a terra e a natureza, peculiar a eles. A colonização de Jesuíno Marcondes, onde se situa o Faxinal Marcondes Almeida França, iniciou logo após o Governo ter comprado terras de um grande proprietário, Baldoino Antonio Pereira, e as distribuído aos imigrantes, ainda como pressupunha a Lei de Terras, como se pode perceber no Jornal Prácia18: O Governo Federal deu margens ao Governo Paranaense para comprar terras e distribuir aos imigrantes, os quais trabalhavam a terra para tirar seu sustento e dar uma pequena contribuição ao Governo. Como os imigrantes continuavam chegando e havia 18 Na língua ucraniana Prácia significa trabalho. 42 trinta colônias, viu-se a necessidade de comprar mais terras a eles. Foi aí que o governo do Paraná adquiriu as terras de Baldoino Antonio Pereira, onde atualmente se situa Jesuino Marcondes, para distribuir a esses imigrantes. Eles derrubaram as matas e instalaram uma vila, repartindo a terra em lotes e se instalaram. Como ali se tornou um aglomerado maior de imigrantes acabaram atraindo outros das colônias vizinhas, tais como, de Rio Preto, Linha Mauricio Fravre, Visconde de Guarapuava, Linha Nácar. Mais tarde a colônia de Jesuíno Marcondes cresceu a ponto de dividir-se em 1ª Linha, 2ª Linha e 3ª Linha. Com o ganho dessas terras eles trabalhavam na lavoura no cultivo de alimentos. (JORNAL PRÁCIA, dez. 2007, p. 4). Nesta conjuntura é que se insere, em grande parte, a formação das colônias em Prudentópolis, onde os lotes foram divididos e ocupados, e à medida que os seus colonizadores trabalhavam nas terras as tornavam agricultáveis numa produção de subsistência e também para o mercado consumidor. A maneira de integração das famílias do Faxinal Marcondes Almeida França corresponde a uma organização social e política por meio da Associação. Os faxinalenses possuem uma Associação desde o ano de 2004, ela representa os anseios dos faxinalenses, tais como os que aparecem na Escritura Pública de Contrato de comprometimento com as áreas deste Faxinal, assinada por seus integrantes em 1987. Os anseios dos faxinalenses também indicam uma transformação na forma de organização, baseada nos costumes, que passaram para os documentos escritos. Esta “escritura pública” pressupõe uma tentativa para que os faxinalenses se comprometam a continuar respeitando os mesmos costumes de seus antepassados. Conforme segue as seis cláusulas desta escritura: I- Os contratantes são proprietários e possuidores de várias áreas de terras de faxinais, com um total de mais ou menos duzentos (200) alqueires, situados na Linha Jesuino Marcondes, desta comarca e município de Prudentópolis, Estado do Paraná. II – Nesta data, os contratantes obrigam-se entre si a considerar suas áreas como um criador comum, conservando as cercas, cercas que deverão ser revisadas de seis (6) em seis (6) meses, e dessa forma todos ficam obrigados a conservar o criador. III – Para evitar a interferência de terceiros no criador, dando origem a problemas contrários aos interesses da totalidade dos contratantes, ficam os signatários deste contrato, em caso de alguns deles resolver vender sua área, obrigados a oferecê-la aos demais contratantes, pelo preço do comércio. Em caso de 43 dificuldade do interessado na venda em conversar com a maioria dos contratantes sobre a transferência de sua área, deverá explicar os motivos, oferecendo-a a todos na pessoa de Inspetor municipal. IV – Cada um dos contratantes obriga-se por si e por seus sucessores a não mudar o destino de suas áreas de criador para o de cultura. V – O contratante que desobedecer às cláusulas deste contrato ficará obrigado a responder em Juízo por indenização. VI – Por estarem certos, combinados e contratados assim este contrato na presença de duas testemunhas. Valor CZ$ 300.000.00. Prudentópolis, 21 de agosto de 1987 (ESCRITURA PÚBLICA DOS FAXINALENSES, 1987). A partir da leitura deste documento percebe-se que os interesses dos proprietários faxinalenses vão além da preocupação com a propriedade das terras do Faxinal, implica também, numa preservação de sua cultura, ou seja, do criadouro comum, da conservação das cercas, enfim, de um modo de vida e trabalho baseado na organização consuetudinária em que predomina o interesse de subsistência dos faxinalenses e do próprio Sistema Faxinal. Além disso, este documento demonstra uma forma de resistência, embora pouco eficiente, dos faxinalenses quando eles se comprometem a vender suas terras para pessoas que não tenham o intuito de “mudar o destino de suas áreas de criador para o de cultura”, cláusula esta difícil de ser cumprida, uma vez que os interesses particulares e econômicos mudam. “Ao planejar o território, a sociedade traça políticas de desenvolvimento econômico, regional e também ambiental nas quais, de modo geral, os objetivos econômicos de crescimento e sustentabilidade do consumo, são preponderantes” (FAJARDO, 2008, p. 58). Os faxinalenses concebem a terra do criadouro de maneira coletiva, embora ela seja até certo ponto particular e permite, em certa medida que pessoas desprovidas de posse da terra, também possam usufruir o espaço. O plantio das lavouras, nas terras de plantar, pode ocorrer de maneira particular, por membros de uma única família ou coletiva nos chamados puxirões ou mutirões. Entre os documentos da Associação do Faxinal Marcondes Almeida França, aparecem abaixo-assinados, explicitando um permanência da comunidade tradicional, conforme segue: interesse de 44 Nós abaixo-assinados vimos por meio deste, expor nossa intenção coletiva de permanecermos como comunidade tradicional na forma de um criador comunitário, conforme nossa experiência histórica que já completa mais de 100 anos de existência nestas terras de uso comum no município de Prudentópolis – PR (REGISTRO DA COMISSÃO DO FAXINAL MARCONDES ALMEIDA FRANÇA). Ainda neste documento seguem as assinaturas dos faxinalenses. A escritura de 1987, esta certidão e as comissões constituídas e regulamentadas a partir do ano de 2004, indicam a preocupação com a preservação do Faxinal, bem como, a apreensão das leis estaduais que amparam os Faxinais, estas que compreendem as comunidades tradicionais como, grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas geradoras e transmitidas pela tradição. (DECRETO, 6.040, 2007). A apreensão de tais leis e o cumprimento das obrigações nelas previstas representam a garantia para que as famílias faxinalenses possam usufruir dos recursos que possam ser gerados desta interação entre o Estado e a sociedade. Percebe-se que desde o promulgamento desses Decretos, os faxinalenses passaram a se enxergarem como povos tradicionais e a se tornarem mais participativos na constituição de comissões e na reivindicação de seus direitos. Isso pressupõe uma reafirmação de identidade por parte desses povos. Os conceitos de identidade e de território mostram-se pertinentes para auxiliar na compreensão do sentimento de pertencimento dos faxinalenses ao faxinal. De acordo com Pesavento: Enquanto representação social, a identidade é uma construção simbólica de sentido, que organiza um sistema compreensivo a partir da idéia de pertencimento. A identidade é uma construção imaginária que produz a coesão social, permitindo a identificação da parte com o todo, do indivíduo frente a uma coletividade e estabelece a diferença (PESAVENTO, 2003, p. 90). Houve, por outro lado, um direcionamento aos valores de grupos 45 particulares, em períodos e locais específicos. Deste modo, entram em cena as categorias explicativas de caráter regionalizado, em que as diferenças culturais assumem uma importância maior do que os elementos políticos e econômicos. As interpretações e a abrangência simbólica passam a fazer parte de um campo comum sobre o qual os pesquisadores sociais se debruçam, propiciando também uma multiplicação dos possíveis objetos de estudo. Isso pressupõe um jeito diferente de pensar a cultura e considerá-la como um conjunto de significados que os homens constroem e compartilham para explicar o mundo. As interpretações e abrangência simbólica se inserem tanto no campo da História Cultural, como da História Social. Falcon (2002) identifica o momento de aproximação desses dois campos a partir da década de 1970, contexto caracterizado pela divulgação de novas abordagens e concepções teóricas que contribuíram significativamente para o surgimento de novas orientações associadas à cultura. Essas novas orientações voltadas para o cultural decorreram em boa medida das questões propostas, a partir das premissas muito diferentes entre si, por autores como Foucalt e Thompson. Esse último, sobretudo, mais ligado ao grupo de historiadores marxistas ingleses voltados para a História Social, sublinhou a importância dos elementos culturais como constitutivos, essenciais da própria realidade social [...] À ampliação do conceito de História Cultural correspondeu quase simetricamente, a do conceito de História Social [...] Nesse novo panorama, marcado pela preeminência do social e do cultural, existem certamente muitas questões ainda pendentes, sobretudo as novas abordagens e os novos objetos, mas acima de tudo os novos problemas. (FALCON, 2002, ps. 1214) É na esfera do cultural e do social que se pode situar este estudo, considerando como objeto principal, o Faxinal Marcondes Almeida França. O fato desse faxinal comportar marcas que suscitam sentimento de pertencimento, portanto, identidade, permite com que o espaço se organize e funcione tal qual um ambiente propício onde um determinado grupo social pode criar e utilizar, segundo suas intenções e necessidades, um variado conjunto de representações e imagens que lhes possibilite formar para si e para os outros uma identidade também atrelada ao território. 46 Ambos os conceitos, territorialidade e identidade podem aplicar-se ao indivíduo ou ao conjunto social e são, portanto, suscetíveis de analisar-se em diferentes escalas – local, regional, nacional. Podese analisá-las em termos de continuidade ou descontinuidade espacial [...] O sentido de pertença, de identidade regional, de tomada de consciência regional define a territorialidade regional. Tais conceitos permitem definir: territórios de identidade, territórios de pertença, terrritórios de referência e territórios de ação (SANTOS, 2006, p. 262) Os faxinalenses encontram-se inseridos em seu território de pertença e procuram organizá-lo de acordo com os seus interesses. Os conceitos de identidade e de território que auxiliam na compreensão da relação dos indivíduos com o seu espaço de pertencimento, foram inseridos no contexto atual por estudiosos como Araujo e Haesbaerth: Se na atualidade, a estrutura de construção identitária muda pela explosão da autonomia das esferas culturais, as idéias de EstadoNação, de classe e de indivíduo, matrizes identitárias do mundo moderno, se redefinem ou perdem parte dos papéis que antes exerciam. A idéia de Estado-Nação é posta em questão, por um lado, em conseqüência da perda do poder de gestão interna e de representação dos Estados, com o transpassamento de suas fronteiras territoriais pelos fluxos econômicos e informacionais; e, por outro, pela reconstrução de tradições étnicas, numa lógica que opera sob a tensão da afirmação da diferença e da homogenização, mas que, mesmo por vezes apropriada como estratégia de resistência [...] Juntamente com essa problematização da idéia de Estado-Nação, entra também em debate uma determinada cncepção de território, moldada pela continuidade e pela fixidez, e por relações definidas e estáveis com grupos identitários ou instâncias de poder (ARAÚJO e HAESBAERTH, 2007, os. 9-10). As questões referentes aos faxinais foram, em boa medida, geradoras de conflitos, sobretudo em virtude da disparidade das opiniões referentes à preservação ou abolição do sistema. A partir do momento em que os conflitos por terras e que as lutas em prol do reconhecimento dos povos tradicionais, tornou-se constante, surge a PNPCT que soa como um direito conquistado pelos faxinalenses, como um avanço significativo para a preservação de sua cultura. De acordo com o Decreto que instituiu a PNPCT, seu objetivo geral é o de promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com ênfase no reconhecimento, fortalecimento e garantia dos 47 seus direitos territoriais, sociais, ambientais, econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização e suas instituições. A PNPCT é fruto de um processo de tentativa de garantias aos faxinalenses que se iniciou em tempos ainda remotos, no caso do Faxinal Marcondes Almeida França, sua tentativa remonta à década de 1980, como demonstra a Escritura Pública de Contrato, recém citada. Contudo, no âmbito democrático, pode-se afirmar que este processo só teve início por meio de Decretos, inicialmente com a criação das Áreas Especiais de Uso Regulamentado – ARESUR, em 199719. De acordo com os artigos desse Decreto, estas áreas especiais abrangem porções territoriais do Estado caracterizadas pela existência do modo de produção denominado "Sistema Faxinal", com o objetivo de criar condições para a melhoria da qualidade de vida das comunidades residentes e a manutenção do seu patrimônio cultural, conciliando as atividades agrosilvopastoris com a conservação ambiental, incluindo a proteção da araucária. Posterior a este Decreto é instituído outro,20 que altera a denominação, competência e composição da Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Tradicionais e dá outras providências. Neste aparecem as disposições dessa Comissão, já instituída em 27 de dezembro de 2004. A ela compete coordenar e acompanhar a implementação PNPCT e zelar pelo seu pleno funcionamento por meio de ações necessárias para a articulação, execução e consolidação de políticas relevantes para o desenvolvimento sustentável de povos e comunidades tradicionais, estimulando a execução destas ações e a participação da sociedade civil. Estes decretos e a instituição da PNPCT representam a garantia do cumprimento de ações favoráveis à preservação dos faxinais, modo de organização familiar típico da região Centro-sul do Paraná. Em contrapartida, cumpre aos faxinalenses organizarem-se por meio da constituição de uma Associação, de comissões, de meios organizacionais e 19 Decreto nº 3446 - 14/08/1997. Publicado no Diário Oficial Nº 5067 de 14/08/1997. 48 legais que abranjam seus anseios e o cumprimento da aplicação de recursos à comunidade. Na perspectiva da política pública, esta trama suscita a interação complexa do Estado com a sociedade, aqui no caso, representada pelos faxinalenses. CONSIDERAÇÕES FINAIS A partir do momento em que surgiu esta interação, entre o Estado e os faxinalenses, os faxinais adquiriram auxílio financeiro, o ICMS Ecológico é o melhor exemplo disso. Pode-se afirmar que a reafirmação de identidade dos faxinalenses teve um grau significativo de contribuição da PNPCT, pois, logo após a sua implementação, os faxinalenses passaram a se enxergar como povos tradicionais e adquiriram uma postura ainda mais participativa, podendo ser associada à noção de Democracia participativa. O faxinal é, portanto, marcado pela utilização e responsabilidade coletiva do que nele existir, principalmente as cercas e os animais. Restringir esta marca implica em comprometer o caráter do Faxinal. Deste modo, “os atores se vêem confrontados com necessidades que passam pela defesa de um território, enquanto expressão da manutenção de um modo de vida, de recursos vitais para a sobrevivência do grupo, de uma identidade ou de liberdade de ação” (SOUZA, 2001, os. 109-110). Nestes termos, o que é vital para os faxinalenses é poder soltar animais e até plantar na terra que não é legalmente sua, é poder usufruir a mata, apanhando seus frutos e a lenha disponível, além disso, todos podem compartilhar da mesma fonte de água, já que saneamento básico é precário e em certas localidades simplesmente não há. A organização social sobre a área do Faxinal Marcondes Almeida França evidencia-se nas tentativas dos faxinalenses em manter o criadouro comunitário e isso se expressa também nos documentos da Associação do Faxinal. O criadouro representa a principal característica do espaço e do 20 Decreto de 13 de julho de 2006. 49 grupo e isso se reflete na clara tentativa de conservação do mesmo e no respeito atribuído aos animais deste criadouro. Para isso a Associação do Faxinal exerce um papel: “A Associação ajuda pra gente ser sempre unido, arrumar cercas, cuidar melhor dos bichos, mais pra manter o Faxinal mesmo, mas pra outra coisa não serve” (ATA DA ASSOCIAÇÃO, 2007). A intenção de se manter o Faxinal, ainda que por meio de normas facilmente passíveis de serem ou não cumpridas, reforça o sentido de pertencimento deste grupo que prioriza a vida faxinalense, ainda que de maneira sustentável, praticando uma agricultura de subsistência e tentando explorar os recursos, mesmo ínfimos, que o espaço pode oferecer. REFERÊNCIAS ANDREAZZA, Maria Luiza. O paraíso das delícias: um estudo da imigração ucraniana 1895-1995. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999. ARAUJO, Frederico G. Bandeira de, HAESBAERTH, Rogério. (Orgs). Identidades e territórios: Questões e olhares contemporâneos. Rio de Janeiro: Access, 2007. BATISTA, Fábio Domingos; Imaguire, Marialba Rocha Gaspar; Corrêa, Sandra Rafaela Magalhães. 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JORNAL PRÁCIA (Trabalho). - Prudentópolis – Marcondes comemorou 100 anos de sua existência. Prudentópolis, 01 a 15 de dezembro de 2007. Nº 23 (6292). Tradução Marina Denczuk. JORNAL PRESERVAÇÃO. Um novo olhar sobre os faxinais de Prudentópolis. Informativo da Secretaria Municipal do Meio Ambiente. Prudentópolis-PR. Ano I. Edição nº 4. Novembro/2006. REGISTRO DA COMISSÃO EM DEFESA DO FAXINAL MARCONDES ALMEIDA FRANÇA, 2007. Figura 1 - Sede da Associação do Faxinal Marcondes Almeida França – Prudentópolis/PR. Fotografada em 17/02/2010. 52 A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL FAVORECE A ADOÇÃO DE ESTRATÉGIAS EMPRESARIAIS DE INOVAÇÃO AMBIENTAL? Carla Marlana Rocha Direito - FG Secretariado Executivo – Unicentro Orientadora – Profª. Ms. Marlete Beatriz Maçaneiro RESUMO: O presente trabalho procurar examinar a influência da legislação ambiental na formulação de estratégias de inovação ambiental por parte das empresas. Trata-se de um estudo preliminar, a partir de um levantamento teórico, baseado na literatura e legislação/normas ambientais, decorrente do Projeto de Iniciação Científica da Unicentro, intitulado “Estratégias de inovações ambientais: mapeamento e análise da influência da legislação ambiental nas estruturas internas das organizações”. Procurou-se, aqui, investigar se a legislação ambiental influência a adoção de estratégias de inovação ambiental por parte das empresas. Com efeito, apresentam-se um estudo sobre as estratégias ambientais e, por conseguinte, um exame da legislação ambiental brasileira no sentido de entender a natureza das pressões e dos estímulos a inovações ambientais. Constatando-se, portanto, que as regulamentações não somente favorecem a implantação de estratégias empresariais como também refletem na seara da competitividade. Palavras-chave: Estratégias Ambientais. Legislação Brasileira. Tecnologias end-of pipe. Tecnologia Limpa. INTRODUÇÃO A presente pesquisa apresenta o desenvolvimento teórico do trabalho científico intitulado “Estratégias de inovações ambientais: mapeamento e análise da influência da legislação ambiental nas estruturas internas das organizações”. Esta investigação decorre do Projeto de Iniciação Científica (IC) da Universidade Estadual do Centro-Oeste - Unicentro, financiado pela 53 Fundação Araucária. Este trabalho tem como objetivo desvelar a influência da legislação ambiental na incorporação de estratégias de inovação ambiental, elucidando a legislação brasileira e algumas estratégias. Buscando assim, extrair a interface entre as duas. Procura-se, aqui, apresentar alguns resultados preliminares (documentais e bibliográficos) alcançados no referido projeto de pesquisa; os dados primários (pesquisa de campo – a qual será realizada nas empresas IBEMA e Norske Skog – ambas as indústrias de papel e celulose) serão ainda levantados e apresentados como resultado final do projeto de IC. A consciência cultural da sociedade, em relação ao meio ambiente, fez com que emanassem leis com previsões de minimização de resíduos por parte das empresas (OLIVEIRA et al, 2007). E ainda, fez com que a própria sociedade almeje por uma sustentabilidade, de modo que as transações comerciais passaram a exigir o selo verde. No cenário organizacional, tem-se vislumbrado a figura da inovação ambiental, como diferenciais competitivos, as empresas têm se voltado a valores relacionados à responsabilidade social e valoração de ações de preservação do meio ambiente. Devido ao rigor das legislações que obrigam as empresas a se adaptarem a formas de trabalhar diferente do que vinham praticando anteriormente ou pela conscientização, as empresas não podem mais deixar de lado tais questões (SCHENINI, 2005). Neste sentido, qual é a influência das leis na seara das estratégias de inovações ambientais adotadas pelas empresas? Desta forma, a importância deste tipo de pesquisa justifica-se pela necessidade que há na área de Secretariado Executivo em se debater temas contemporâneos ligados às relações científicas e culturais da profissão. Os dados preliminares apresentados nesta pesquisa são de caráter descritivo–exploratório e de cunho qualitativo, que busca valorizar a densidade e qualidade das informações obtidas por meio de dados levantados (MARCONI;LAKATOS, 2010). O presente trabalho expõe exclusivamente resultados das duas primeiras fases da pesquisa de IC 54 (documental e bibliográfica) ficando a terceira fase (pesquisa de campo) para a conclusão do projeto. Na primeira etapa pesquisa bibliográfica foram utilizados teorias de Gestão Ambiental, no âmbito das estratégias de inovação, em que se buscou elucidar as formas de adoção das mesmas. No que tange a segunda etapa pesquisa documental, fez-se uma análise da legislação ambiental brasileira, em que se procurou elucidar as consequências de tais previsões. 1. GESTÃO AMBIENTAL E ESTRATÉGIAS DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA Conceitualmente, a estratégia pode ser entendida como “(...) o padrão ou plano que integra as principais metas, políticas e seqüências de ações de uma organização em um todo coerente.” (MINTZBERG e QUINN, 2001, p. 20). A concepção e a implementação da estratégia de inovação ambiental de uma empresa deve levar em contar a sua organização interna (dotação, controle e planejamento do uso dos recursos internos) e suas relações com o meio ambiente (governos, mercados, sociedade e natureza) (ANDRADE et al., 2003; BARBIERI, 2007). A estratégia de inovação busca reverter os problemas ambientais em vantagens para o negócio atual ou futuro de uma empresa com o aproveitamento das oportunidades tecnológicas e a proteção contra as ameaças advindas de questões ambientais existentes ou que poderão ocorrer no futuro. E ainda, para Porter (1999), o investimento em gestão ambiental pode reduzir os custos de produção em médio e longo prazo, porque evita o desperdício e ineficiências no consumo de energia e matérias-primas, além de melhorar a imagem da empresa e seus produtos junto aos consumidores. Na literatura sobre Economia Industrial, a corrente teórica institucionalista-shumpeteriana enfatiza a análise dinâmica ou sistêmica da competição, cujas empresas são vistas como um organismo vivo em permanente mutação que sofre influências (pressões) do ambiente no qual 55 está inserida, mas também é capaz de transformá-lo (mercados, indústrias e tecnologias) a partir da introdução de inovações tecnológicas (HASENCLEVER e TIGRE, 2002). O desenvolvimento e a adoção de inovações envolvem custos irrecuperáveis (sunk costs) decorrentes do processo de acumulação (fluxo contínuo de dispêndios em pesquisa e experimentação) de conhecimentos interno e externo à empresa. A introdução de inovações tecnológicas depende, de um lado, das formas de organização da inovação nas empresas, em particular a coordenação interna exercida pela implementação de estratégias de inovação, e, de outro, das formas de organização externas adotadas pelas empresas para acessar e difundir as inovações surgidas no ambiente tecnológico, em termos de normas técnicas e padrões de comportamento humano. A literatura econômica reconhece que certas normas técnicas são impostas pela regulamentação, pois nem sempre o mercado é o agente mais eficiente para permitir uma maior harmonia entre os interesses dos produtores e consumidores (HASENCLEVER e TIGRE, 2002). Neste sentido, a política ambiental pode ser, ao mesmo tempo, uma pressão e um incentivo para as empresas inovarem. No debate a respeito da relação entre competitividade e preservação do meio ambiente, a análise chamada “hipótese de Porter” (ANSANELLI, 2003; YOUNG e LUSTOSA, 2001), que focaliza a poluição gerada pelas empresas, torna-se uma abordagem importante para se entender as questões relacionadas à solução de problemas ambientais. Porter (1999), considerando a poluição gerada pelas empresas, argumenta que a imposição de padrões ambientais pela regulamentação governamental pode representar uma oportunidade (estímulo) para as empresas adotarem inovações tecnológicas, tornando-se, assim, uma fonte importante de vantagem competitiva. As empresas poderiam perceber nas regulamentações ambientais um desafio para desenvolver soluções inovadoras e, portanto, melhorar sua competitividade, haja vista que a poluição é, muitas vezes, um desperdício econômico. Importantes benefícios, em termos de inovações tecnológicas, podem 56 ser obtidos da regulação ambiental, que são traduzidos em inovações de processo e produto, tais como economias de materiais (reciclagem, p.e.), aumento nos rendimentos do processo, menos paralisações, menor consumo de água e energia, redução dos custos de armazenamento, eliminiação/redução de atividades de descartes, redução do custo do produto e da embalagem, maior segurança, redução do custo do descarte pelo cliente (ANSANELLI, 2003). Porter (1999) classifica a inovação resultante da regulação ambiental em duas categorias: (1) tecnologias end-of-pipe (tecnologias de final de ciclo de produção) - tecnologias que minimizam o custo de tratamento da poluição, no final do ciclo produtivo e (2) clean techonologies (tecnologia limpa) - tecnologias que atacam as causas básicas da poluição a partir da melhoria dos recursos, em todo o ciclo de produção. As primeiras baseiamse na captação dos recursos incorporados na poluição e sua conversão em algo de valor (reciclagem, melhoria de tratamento secundário, etc.), enquanto que as segundas incluem a utilização mais eficiente de insumos específicos, aumento do rendimento e melhorias dos produtos (substituição de insumos, alterações no processo produtivo, menor consumo de energia, etc.). (ANSANELLI, 2003) Nesta perspectiva, Barbieri (2007) aponta três diferentes abordagens pelas quais uma empresa pode enfrentar os problemas ambientais decorrentes das suas atividades: controle de poluição, prevenção da poluição e incorporação dessas questões na estratégia empresarial. Cada uma dessas abordagens consistem em fases de um processo de implementação gradual de práticas de gestão ambiental numa dada empresa (BARBIERI, 2007) ou estratégias diferenciadas de gestão ambiental, conforme os seus elementos estratégicos genéricos, delineados de acordo com o setor econômico ou ramo de negócios no qual as empresas estão agrupadas (ANDRADE et al., 2003). Estes tipos de abordagens estão resumidamente apresentados do Quadro 1. Dependendo da forma que a empresa aborda os problemas ambientais, definem-se, assim, padrões distintos de comportamento das 57 empresas, em termos de soluções tecnológicas. Por exemplo, a estratégia de “controle de poluição” caracteriza uma prática de adoção de tecnologia end-of-pipe, enquanto a implementação de estratégia de “prevenção da poluição” constitui uma ação típica de aplicação de tecnologias limpas em todo o ciclo produtivo. Quadro 1 - Gestão ambiental na empresa – Abordagens Características Preocupação básica Controle da poluição Cumprimento da legislação e respostas às pressões da comunidade Abordagens Prevenção da poluição Uso eficiente dos insumos Estratégica Competitividade Postura típica Reativa Reativa e proativa Reativa e proativa Ações típicas Corretivas Uso de tecnologias de remediação e de controle no final do processo (end-ofpipe) Aplicação de normas de segurança Corretivas e preventivas Conservação e substituição de insumos Uso de tecnologias limpas Percepção dos empresários e administradores Custo adicional Redução de custos e aumento da produtividade Corretivas, preventivas e antecipatórias Antecipação de problemas e captura de oportunidades utilizando soluções de médio e longo prazos Uso de tecnologias limpas Vantagens competitivas Envolvimento da alta administração Ações envolvidas Esporádico Periódico Ações ambientais confinadas nas áreas geradoras de poluição Crescente envolvimento de outras áreas como produção, compras, desenvolvimento de produto e marketing Fonte: Barbieri (2007), p. 119. Permanente e sistemático Atividades empresariais Disseminadas pela organização Ampliação das ações ambientais para toda a cadeia produtiva 58 A abordagem de controle de poluição prima pelo estabelecimento de práticas impeditivas dos efeitos da poluição gerada por um dado processo produtivo, em que se controla a poluição sem alterar significativamente os processos e produtos que as produziram. Portanto, as ações ambientais da empresa resultam de uma postura reativa sobre os efeitos negativos de seus produtos e processos produtivos mediante soluções pontuais (BARBIERI, 2007). Do ponto de vista empresarial, tal abordagem implica elevação dos custos de produção que não agregam valor ao produto e que dificilmente podem ser reduzidos face às exigências legais. Além disso, sob a perspectiva ambiental, o controle de poluição, embora seja fundamental, é deficitário e insuficiente, visto que são voltados apenas para um lado do problema, o da poluição. A prevenção da poluição pode ser entendida como uma atuação sobre os produtos e processos produtivos com o desiderato de prevenir a geração de poluição, de modo a poupar materiais e energia em diferentes fases do processo de produção e comercialização. Para tanto, isso requer mudanças em processos e produtos a fim de reduzir ou eliminar os rejeitos na fonte, antes que eles sejam produzidos e lançados ao meio ambiente. Segundo Barbieri (2007), a prevenção da poluição aumenta a produtividade da empresa, pois a redução de poluentes na fonte significa recursos poupados, o que permite produzir mais bens e serviços com menos insumos. A abordagem estratégica desenvolve-se com escopo no estabelecimento de objetivos e ações que alcancem efeitos no ambiente de negócio em que a empresa atua ou pretende atuar, colocando-a numa posição de vantagem. O que para Porter (1999) significa desempenhar atividades diferentes dos rivais ou desempenhar as mesmas atividades de modo diferente. Logo, tal abordagem procura aproveitar oportunidades mercadológicas e neutralizar ameaças decorrentes de questões ambientais existentes ou que poderão ocorrer no futuro. A estratégia ambiental, na óptica organizacional, está estreitamente 59 relacionada ao seu potencial de poluição. Para Donaire (1995), se este potencial é alto, sua importância na estratégia é vital e sua correta avaliação torna-se uma questão de sobrevivência, seja a curto ou longo prazo. Nesse contexto, no caso do segmento de papel e celulose, cujas empresas são responsáveis por impactos ambientais de extrema intensidade, Andrade et. al. (2003), propõem que as empresas estabeleçam suas estratégias ambientais visando o seguinte rol exemplificativo: a) Minimização de impactos danosos ao meio ambiente, tanto presentes como futuros; b) Eliminação de questões legais com o governo em suas diferentes esferas, adotando estratégia ambiental, portanto, de estrita observância à legislação vigente; c) Redução de dispêndios com insumos produtivos (matérias-primas, consumo de energia, serviços contratados) por meio da racionalização de seus métodos operacionais aplicados às fontes de suprimento; d) Eliminação de efeitos ambientais indesejáveis provocados pela geração de resíduos e sucatas, por meio de adoção de instalações e equipamentos de tratamento e eliminação desses elementos no ambiente; e) Maior interação com a comunidade, visando preservar a imagem da organização em bom conceito, em face das crescentes preocupações preservacionistas por parte dos membros da sociedade. Com efeito, extrai-se que, além da adoção da abordagem estratégicas (reversão de problemas em vantagens), as empresas de papel e celulose devem aplicar tecnologias limpas (economia de materiais, aumento nos rendimentos do processo, menos paralisações, menor consumo de água energia, eliminação/redução atividades de descarte, etc.) e, inclusive, incorporarem o processo de prevenção de poluição, desde a extração de madeira para a fabricação do papel até a liberação de dioxina advinda do 60 branqueamento com cloro. Porter (1999) sugere, por exemplo, como solução inovadora, a melhoria dos processos de cozimento e lavagem, eliminação do cloro pelo uso de oxigênio, ozônio ou peróxido na lavagem e processo de ciclo fechado, obtendo-se, desta forma, melhoria de processos e produtos sustentáveis. 2. A LEGISLAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA A legislação ambiental brasileira começa a ganhar nuances na década de 1930 com a promulgação de alguns códigos, como, por exemplo, Código de Caça (Dec. 23.672/34), Código Florestal (Dec. 23.7693/34), Código de Minas (Dec. 24.642/34) e Código de Águas (Dec. 24.642/34). Esta fase fica marcada pelo desiderato dos efeitos sobre os recursos naturais por meio de gestões setoriais. Em um segundo momento, com a Conferência de Estocolmo de 1972, o governo brasileiro posiciona-se a favor do desenvolvimento econômico e não apresenta grandes mudanças no cenário político ambiental. Contudo, a ausência de preocupações com o meio ambiente, desencadeou danos, o que levou o poder público a adotar uma nova postura. Em 1973, o Executivo Federal cria a Secretaria Especial do Meio Ambiente e os diversos estados, por sua vez, criam suas agências ambientais especializadas, como, por exemplo, o Cetesb no Estado de São Paulo. Todavia, só no início de 1980 é que os problemas ambientais deixam de ser percebidos de modo isolados (repartidos em solo, ar e água) e passam a ser compreendidos de forma generalizada e interdependente. Isso refletiu em uma legislação segmentada, como, por exemplo, o Decreto-lei 1.413/75 que dispõe sobre o controle da poluição do meio ambiente provocada por atividades industrial e a Lei 6.803/80 que prevê sobre as diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição. 2.1. Política nacional do meio ambiente 61 Foi somente com a Lei 6.938/81, a qual disciplina a Política Nacional do Meio Ambiente (PNUMA) e institui o Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), que o Brasil adota uma legislação relevante, apta a repercutir efetivamente nos ambientes organizacionais, integrando as ações governamentais dentro de uma abordagem sistêmica. Nas palavras Antunes (1999, p. 65), “a PNUMA deve ser compreendida como o conjunto de instrumentos legais, técnicos, científicos, políticos econômicos destinados á promoção do desenvolvimento da sociedade e economias brasileiras”. Portanto, diz-se que a política nacional do meio ambiente tem por objetivo a harmonização do meio ambiente com o desenvolvimento socioeconômico (SIRVINKAS, 2011). Neste contexto, a harmonização consiste na conciliação do meio ambiente, de um lado, com a garantia de desenvolvimento sustentável, de outro, objetivando assegurar condições necessárias ao progresso industrial aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana. A PNUMA é concebida como um divisor de águas, pois se deixou de preconizar a emissão poluente tolerada, passando-se, assim, a consagrar que mesmo o resíduo poluente, tolerado pelos padrões estabelecidos, poderá causar um dano ambiental e, portanto, sujeitar o causador do dano ao pagamento de indenização. Ou seja, uma empresa pode estar atendendo aos limites máximos de poluição legalmente impostos e, assim mesmo, estarem sendo imputadas por danos residuais causados. Adota-se aqui, a responsabilidade objetiva, a qual dispensa a comprovação de culpa, sendo somente probatório o nexo de causa e o efeito entre a atividade da empresa e um determinado dano ambiental; portanto, basta que a uma empresa produza um dano, atendendo ou não aos padrões previstos para as emissões poluente. 2.2. Constituição Federal Elucidado os contornos do novo tratamento legal dado ao meio 62 ambiente, a Constituição Federal, promulgada em outubro de 1988, dedica um capítulo inteiro ao meio ambiente, o Capítulo VI, salvaguardando-o como um dos seus princípios, ao estabelecer em seu Art. 225 “Todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo ao Poder Público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” Nossa Constituição denota ainda os mecanismos para a defesa da natureza, como, por exemplo, a ação popular em que qualquer cidadão tem o direito de propô-la para defender o meio ambiente, além de um alargamento da autonomia do Ministério Público na defesa de questões socioambiental. 2.3. Sanções criminais Na seara criminal, a lei disciplinadora é a Lei nº 9.605/98 estabelece as sanções criminais aplicáveis às atividades lesivas ao meio ambiente. Esta lei objetiva a responsabilização criminal do poluidor, sem qualquer prejuízo da aplicação da lei 6.938/81, visto que esta repercute na esfera civil e preconiza a responsabilidade objetiva. Dissidente da sanção criminal, em que a responsabilidade ocorre de acordo com o grau de culpa do agente. CONSIDERAÇÕES FINAIS Quando se fala em fatores que induzem as empresas a adotarem posturas sustentáveis, não se pode olvidar o liame entre a legislação ambiental e a implantação de estratégias ambientais por parte das empresas. Visto que as leis são coercitivas, de modo que obrigam as empresas a mudarem seu comportamento em relação ao meio ambiente. Assim, a legislação cria pressões que motivam a adoção de estratégias de inovação ambiental. Todavia, para que isso efetivamente ocorra é imprescindível que as empresas compreendam as regulamentações legais 63 como um desafio, com vistas a buscarem desenvolver soluções inovadoras. Cabe também pontuar que incorporação de estratégias empresariais de inovação possibilita a transcendência do cumprimento legal, refletindo na competitividade. Tal medida implica benesse de utilização de insumos (como, por exemplo, matérias–primas, energia e trabalho) de modo mais produtivo, reduzindo custos e compensando os gastos dos investimentos ambientais. Portanto, a legislação ambiental pode vir a estimular e determinar a estratégia de inovação ambiental, desde que focalize resultados e metas, orientando as empresas a inovar. Cabe à organização, por sua vez, assimilar essa pressão e traduzi-las em melhoria de produtividade e redução de desperdícios. REFERÊNCIAS ANDRADE, R. O. de B; CARVALHO, A. B; TACHIZAWA, T. Gestão ambiental: enfoque estratégico aplicado ao desenvolvimento sustentável. 2.ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2002. ANTUNES, P. B. Direito ambiental. 3ºed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1994. BARBIERI, J.C. Gestão ambiental empresarial: conceitos, modelos e instrumentos. 2º.ed. São Paulo: Saraiva, 2007. DONAIRE, D. Gestão ambiental na empresa. São Paulo: Atlas, 1995. HASENCLEVER, L.; TIGRE, P. Estratégias de inovação. In KUPFER, D; HASENCLEVER, L. Economia industrial. Rio de Janeiro: Elsevier. 2002, p. 431447. OLIVEIRA, M. R. et al. Gestão Estratégica para o desenvolvimento sustentável. Ponta Grossa: UEPG, 2007. MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M. Fundamentos de metodologia cinetífica. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2010. MINTZBERG, H.; QUINN, J. B. O processo da estratégia. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2001. PORTER, M. E. Competição on competition: estratégias competitivas essenciais. 10.ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999. SCHENINI, P. C. Gestão empresarial sócio ambiental. Florianópolis: Sophos, 2005. SIRVINSKAS, L.P. Manual de direito ambiental. 9.ed. São Paulo: Saraiva, 2011. OUTRAS FONTES ANSANELLI, S. L. M. Mudança Institucional, Política Ambiental e Inovação Tecnológica: caminho para o desenvolvimento econômico sustentável?. In: VIII 64 Encontro Nacional de Economia Política, 2003, Florianópolis. Anais do VIII Encontro Nacional de Economia Política, 2003. BRASIL. Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre Política Nacional do Meio Ambiente, seus afins e mecanismos de formulação e aplicação e dá outras providências. Brasília, DOU de 02/9/1981 ______. Constituição Federal, 1988, art. 225. _____. Lei 9.606 de fevereiro de 1998. Dispõe sobre sanções penais e administrativas derivadas de conduta e atividades lesivas ao meio ambiente e dá outras providências. Brasília, DOU de 13/2/1998. YOUNG, C.E.F; LUSTOSA, M.C.J. Meio ambiente e competitividade da indústria brasileira. In: Revista de Economia Contemporânea. Rio de Janeiro, v. 5, ed. especial, 2001. O CARVÃO VEGETAL COMO RECURSO INDUSTRIAL RENOVÁVEL E SUA IMPORTÂNCIA PARA A INCLUSÃO SOCIAL E O MEIO-AMBIENTE Prof. Dr. Carlos Roberto Alves Faculdade Guarapuava – PR RESUMO: O presente artigo avalia a importância da produção do carvão vegetal para a indústria brasileira e seus benefícios para o meio-ambiente. Estudase também os aspectos relacionados à possibilidades de inclusão social por meio de projetos relacionados aos recursos de fontes renováveis. Observa-se também o desenvolvimento de recursos tecnológicos para a obtenção do carvão vegetal. Palavras-chave: Carvão vegetal, renovável, meio-ambiente, inclusão social. A produção do carvão vegetal influencia diretamente o plantio de florestas para a sua sustentabilidade, que por sua vez, proporciona resultados positivos, com destaque, à geração de empregos e aos benefícios para o meio-ambiente, quando comparado ao uso de combustíveis fósseis. O consumo de carvão vegetal no Brasil, no ano de 2008, foi de aproximadamente 33,0 milhões de m3 ou o equivalente a 7,6 milhões de toneladas (1 m3 equivale aproximadamente 0,230 ton), conforme dados da Associação Mineira de Silvicultura, (AMS, 2009). O carvão vegetal é empregado principalmente como termo redutor na siderurgia e como fonte 65 energética para variados fins, sendo obtido de madeira retirada de florestas nativas e de reflorestamento. A Tabela 01 apresenta a seguir, para o período compreendido, do ano de 1991 ao ano de 2008, a relação em percentual entre a madeira nativa e a de reflorestamento, utilizada na produção do carvão vegetal. No período de 1991 a 2001, houve uma forte tendência de redução do uso de madeira nativa e aumento de madeira proveniente de reflorestamentos, destacando-se entre o ano de 1994 ao ano de 2001 uma preponderância da madeira plantada em relação à madeira de floresta nativa. A partir do ano de 2001, essa a relação tendeu a se reduzir novamente, e no ano de 2004, a quantidade de madeira nativa ultrapassou a madeira de reflorestamento. Durante o ano de 2005 a 2008, observou-se um equilíbrio de consumo entre as duas fontes. TABELA 01 – Origem do carvão vegetal consumido no Brasil Fonte – AMS, 2009 O consumo de carvão vegetal no Brasil é representado por diversos segmentos e vale destacar entre esses o setor de siderurgia. O maior consumidor de carvão vegetal é o estado de Minas Gerais, em virtude do grande número de siderúrgicas instaladas naquele estado. O consumo 66 nesse estado, no ano de 2001, foi de 17,1 milhões de m3 ou 3,9 milhões de toneladas, o que representou 65,3% do total consumido, enquanto que os estados do Amapá e Pará, consumiram juntos 19,1% e os estados de São Paulo, Rio de janeiro, Espírito Santo, Bahia, Mato Grosso do Sul e demais estados, consumiram 2,9%, 1,4%, 4,2%, 1,8%, 1,2% e 4,1%, respectivamente. No ano de 2005, o plantio para a produção de carvão vegetal para o estado de Minas Gerais, concentrou cerca de 83,6 % dos 115.580 hectares de florestas energéticas do pais, atendendo a 69% da demanda (IBGE, 2005). O Brasil e a Austrália são países que ainda mantêm uma significativa produção de carvão vegetal para fins industriais. A África também produz carvão, mas, principalmente, para uso doméstico e de forma não sustentável. O carvão vegetal brasileiro é geralmente produzido em fornos de alvenaria usando lenha de origem nativa ou de reflorestamento, nesse último caso lenha de eucalipto. O processo, segundo Almeida (1982), consiste numa forma tradicional de produção de um insumo energeticamente mais rico do que a lenha in natura e, tem uma eficiência média em torno de 24% em relação ao peso da lenha seca. Enquanto, a Europa abandonou definitivamente a siderurgia a carvão vegetal, substituída pela siderurgia a carvão mineral, no Brasil a utilização do carvão vegetal continuou a renovar-se tecnologicamente, apoiada na ampla disponibilidade de mão-de-obra e de terras apropriadas à exploração florestal e, principalmente, no alto rendimento da floresta tropical, vinte ou trinta vezes superior ao que se podem obter nas regiões temperadas e frias do Hemisfério Norte (BRITO,1990, p.47-51). Conforme relatório da AMS, 2009, é importante destacar que a siderurgia a carvão vegetal brasileira depende da cadeia produtiva de base florestal, e isso se reflete como um fator de inclusão social na medida em que gera empregos e renda em todas as camadas sociais. Vale ressaltar ainda, que todos os vegetais em processo de crescimento retiram gás 67 carbônico da atmosfera, e num sistema de rendimento sustentável, tem-se a relação de que a cada hectare em processo de colheita, existem seis em fase de crescimento, retirando carbono da atmosfera e amenizando as variações climáticas. O relatório do Ministério das Minas e Energias, (MME, 2011), apresenta os dados das fontes internas de geração de energia que são utilizadas no Brasil, com destaque para a energia gerada através do petróleo e derivados, com a participação de 37,7% do total gerado de energia, seguido das fontes de biomassa e hidráulica que juntas, correspondem a 55,3% de toda oferta de energia do Brasil. A biomassa apresenta na sua composição, 31% de lenha, 57% de produtos da cana, e o restante de outras fontes. FIGURA 02 – OFERTA INTERNA DE ENERGIA NO BRASIL Fonte: MME, 2011 Alves (2003, p. 2) destaca a importância de se aproveitar os gases que são eliminados no processo de combustão da madeira, em função das suas características químicas. Os condensados após tratamento podem ser utilizados como substitutos de alguns derivados de petróleo e, portanto, tem grande importância comercial. Uma aplicação importante é a de substituir o fenol e parte do formol que são utilizados na síntese de resinas fenólicas. As 68 resinas fenólicas são utilizadas na fabricação de cola amplamente usadas na fabricação do compensado, que por sua vez, serão aplicadas na construção civil. Portanto, não há dúvida da grande importância da produção do carvão vegetal para a indústria brasileira e, pelos efeitos positivos que decorrem de sua produção, possibilitando a inclusão social, benefícios para o meio-ambiente e, por ser um recurso de fonte renovável. O desenvolvimento de recursos tecnológicos para a obtenção do carvão vegetal, atualmente disponíveis e, a conscientização ambiental que se forma de maneira irreversível, traz para a sociedade amplos benefícios. REFERÊNCIAS Almeida, M.R. Recuperação de alcatrão em fornos de alvenaria, in: Produção e utilização do carvão vegetal, BH, Cetec, 1982. p.181-188 Alves, Carlos Roberto. Utilização de frações de alcatrão vegetal na síntese de resinas fenólicas para substituição parcial de fenol e formaldeído. Tese de doutorado, UFPR, 2003 Brito, J.O. Comportamentode madeiras naturais do Maranhão frente ao processo de destilação seca. Brasil Florestal, p.47-51, março, 1981. SITOGRAFIA Associação Mineira de Silvicultura (AMS). Florestas Energéticas No Brasil, Disponível em: <http://www.silviminas.com.br/Publicacao/Arquivos/publicacao_585.pdf> Acesso em, 05/10/2011. Ministério das Minas e Energia (MME). Resenha Energética Brasileira, Disponível em: <http://www.mme.gov.br/mme/menu/todas_publicacoes.html>. Acesso em, 06/10/2011 OUTRAS FONTES IBGE. Produção da Extração Vegetal e da Silvicultura, 2005 69 Influência do cobre no crescimento e no teor de pigmentos de PISTIA STRATIOTES L. Camille Goes Cordeiro Orientadora: Patrícia Carla Giloni-Lima Co-orientador: Vanderlei Aparecido de Lima: Setor de Ciências de Agrárias e Ambientais Biologia - Unicentro RESUMO: O objetivo deste trabalho foi avaliar a influência do cobre no crescimento e no teor de pigmentos clorofilianos em Pistia stratiotes. As plantas foram submetidas às concentrações de 2,0; 3,2; 6,0; 8,8 e 10,0 µgCu L¯¹, com tempos de exposição de 5, 7, 13, 18 e 21 dias. O diâmetro variou de 6,49 a 9,38 cm, oscilação de 4 a 8 folhas por indivíduo e a massa fresca ficou entre 2,95 e 6,54 g. O teor médio de pigmentos com 14 dias demonstrou uma tendência ao decréscimo com o aumento da concentração. Palavras-chave: Alface D’água. Clorofila. Diâmetro Planta. Massa Fresca. Metal. INTRODUÇÃO As macrófitas aquáticas representam as plantas mais utilizadas como instrumento para a absorção de metais da água. A utilização de Pistia stratiotes como biorremediador no tratamento de águas residuárias tem sido mais comum do que seu uso em testes de toxicidade, onde a bioacumulação é o fator mais amplamente investigado (KLUMPP et al., 2002; MAINE et al., 2004). O efeito fitotóxico dos metais no crescimento vegetal tem sido amplamente estudado em muitas espécies vegetais de interesse agronômico, plantas aquáticas, briófitas e algas (PANDA; CHOUDHURY, 2005). A degradação de pigmentos clorofilianos pode diminuir a eficiência fotossintética das plantas, a qual pode refletir numa redução do seu crescimento (UPADHYAY; PANDA, 2005). Desta forma, o objetivo deste trabalho foi avaliar a influência do cobre no crescimento, investigando o número de folhas, o diâmetro da planta e a 70 variação na massa fresca, bem como o teor de pigmentos clorofilianos em Pistia stratiotes, submetidas a diferentes concentrações de metais em diferentes tempos de exposição. 1. MATERIAL E MÉTODOS As plantas de P. stratiotes provenientes de Itanhém (litoral paulista) foram cultivadas no Centro de Recursos Hídricos e Ecossistemas Aquáticos (CRHEA) da EESC-USP-SC. O cultivo foi estabelecido em caixas de água com capacidade de 1000 L, às quais foram adicionados 45 L de terra vegetal e cerca de 400 g de adubo (N:P:K, na proporção de 14:12:4) diluídos em aproximadamente 800 L de água. O pH foi mantido em torno de 7,0 sendo ajustados com o uso de NaOH 1N. Foram utilizados nos testes, indivíduos que apresentaram 5-6 cm de altura, e entre 3 e 5 folhas. Os testes foram montados em recipientes plásticos com 2 litros de capacidade, e em cada recipiente foram colocados 3 indivíduos em 1 litro de solução nutritiva de Odjegba e Fasidi (2004). As soluções de cobre foram preparadas com concentrações iguais a 2,0; 3,2; 6,0; 8,8 e 10,0 µg L¯¹, com tempos de exposição de 5, 7, 13, 18 e 21 dias de exposição. Foram avaliadas as seguintes características após os 21 dias de exposição: diâmetro, número de folhas, massa fresca. O teor de pigmentos clorofilanos (clorofila a, b e total), analisado segundo a metodologia proposta por Porra et al. (1989) foi avaliado com 14 dias de exposição ao metal. 2. RESULTADOS E DISCUSSÃO Durante o experimento foi analisado o número de folhas, o diâmetro e a massa foliar de plantas de Pistia stratiotes contidas em diferentes concentrações de cobre no espaço de 5, 7, 13, 18 e 21 dias. A tabela 1 apresenta os valores médios dos parâmetros de crescimento analisados. O diâmetro das plantas submetidas a uma concentração de 3,2 µg L⁻¹ de cobre é maior que o das plantas do controle. Porém, em concentrações a 71 partir de 6,0 µg L⁻¹ é notória uma queda no diâmetro se comparado ao da concentração de 3,2 µg L⁻¹. Evidenciando, portanto que o acúmulo do cobre por Pistia stratiotes, pode ser limitante ao crescimento. Tabela 1. Diâmetro médio das plantas, número de folhas e massa fresca das plantas de P. stratiotes após 5 a 21 dias de exposição a concentrações de cobre de 2,0 a 10,0 µg L-1. Tempo de Exposição (dias) 5 7 13 18 21 0,0 7,45 7,50 7,98 8,88 7,62 5 7 13 18 21 4,83 5,33 5,83 6,50 7,00 5 7 13 18 21 3,45 3,68 5,00 4,81 5,07 Diâmetro da Planta Concentração de Cobre (µ µg L-1) 2,0 3,2 6,0 8,8 6,49 8,50 8,20 7,43 7,60 8,25 8,15 7,67 7,98 9,00 8,77 7,88 8,65 9,00 9,38 8,63 7,37 8,40 8,30 7,62 Número de Folhas 5,17 5,67 5,33 5,50 4,83 5,67 5,83 6,00 5,50 6,33 6,33 6,50 6,83 8,00 7,67 7,50 6,83 7,83 7,17 7,67 Massa Fresca (g) 3,34 3,68 3,80 3,46 3,75 4,06 4,25 3,77 4,89 5,60 5,71 5,45 5,01 5,48 5,76 5,20 5,51 6,11 6,54 4,76 10,0 7,05 6,95 7,67 8,60 8,10 4,83 4,83 6,00 7,17 7,83 2,95 3,26 4,65 4,69 5,49 Em se tratando do tempo de exposição ao cobre o diâmetro nas concentrações 3,2, 6,0 e 10,0 µg L⁻¹, após sete dias de experimento, diminui, mas depois aumenta. Além disso, em todas as concentrações, inclusive no controle, o diâmetro diminui nos últimos três dias (entre 18 e 21 dias). Mostrando a capacidade máxima de tempo que esta macrófita tolera ficando exposta ao cobre. Ao se observar a média do número de folhas pode-se constatar que não houve uma diferença relevante entre as concentrações e os tempos de exposição, variando entre quatro e oito folhas por planta de P. stratiotes. A partir desse resultado verifica-se que o número de folhas não é um bom fator para indicar a tolerância desta macrófita ao cobre, assim como observado 72 por Masutti et al. (2006), ao avaliar a tolerância da mesma espécie ao cromo. Analisando as médias, de modo geral, ao longo do tempo praticamente todas as massas aumentaram, com exceção do controle e das concentrações com 3,2 e 8,8 µg L¯¹ de cobre, com 18 dias de experimento, sendo que nesta última concentração, com 21 dias também ocorreu uma diminuição na massa. A variação no teor de pigmentos: clorofila a (Chl a), clorofila b (Chl b) e clorofila total (Chl total) pode ser observada na figura 1. Figura 1.Variação no teor de pigmentos clorofilianos de P. stratiotes com 14 dias de exposição ao cobre (2,0 a 10,0 µg L-1). Vajpayee et al. (2000), estudaram os efeitos das concentrações de 1, 10, 20, 40, 100 e 200 mg de Cr (VI) sob 4, 6 e 12 dias de exposição ao metal sobre o teor de clorofila nas folhas de Nymphaea alba L. Os autores relataram que houve uma diminuição do teor de clorofila em todas as concentrações testadas em relação ao controle. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise do diâmetro, do número de folhas e da massa fresca permitiu avaliar os limites máximos de acumulação de cobre que a macrófita Pistia stratiotes é capaz de suportar. Apesar da sua capacidade de 73 tolerância, a redução no teor médio dos pigmentos clorofilianos indica que pode estar havendo redução na sua taxa fotossintética, apesar de ser considerada um dos organismos mais adequados a ser utilizado sistemas que visem à despoluição de ambientes aquáticos. REFERÊNCIAS KLUMPP, A., Bauer, K., Franz-Gerstein, C., Menezes, M. Variation of nutrient and metal concentrations in aquatic macrophytes along the Rio Cachoeira in Bahia (Brazil). Environmental International, 28, 165, 2002. MAINE, M.A., Suñe, N.L., Lagger, S.C. Chromium bioaccumulation: comparison of the capacity of two floating aquatic macrophytes. Water Resouces, 38, 1494, 2004. Masutti, M. B. Distribuição e efeitos de cromo e cobre em ecossistemas aquáticos: Uma análise laboratorial e “in situ” (experimentos em micro e mesocosmos). Tese de Doutorado, Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, 2004. MASUTTI, M.B., Espíndola, E.L.G., Nogueira, M., Simões, F.C.F. Sensibilidade a Cobre e Cromo por Oreochromis niloticus e Pistia stratiotes. J. Braz. Soc. Ecotoxicol., 1, 37, 2006. PANDA S.K.; Choudhury, S. Chromium stress in plants. Braz Soc Plant Physiol 17, 95, 2005. PORRA, R. J.; THOMPSON, W. A.; KRIEDEMANN, P. E. Determination of accurate extinction coefficients and simultaneous equations for assaying chlorophylls a and b extracted with four different solvents: verification of the concentration of chlorophyll standards by atomic absorption sprectroscopy. Biochimica et Biophysica Acta 975, 384, 1989. UPADHYAY, R. K.; PANDA, S. K. Copper-induced growth inhibition, oxidative stress and ultrastructural alterations in freshly grown water lettuce (Pistia stratiotes L.). C. R. Biologies 332, 623, 2009. VAJPAYEE, P., SHARMA, S. C., TRIPATHI, R. D., RAI, U. N., YUNUS, M. Bioaccumulation of chromium and toxicity to photosynthetic pigments, nitrate reductase activity and protein content of Nelumbo nucifera Gaertn. Chemosphere v. 39, p. 2159-2169, 1999. DESENVOLVIMENTO LOCAL: OS DESAFIOS DA AGRICULTURA FAMILIAR PARA SUA PERMANÊNCIA NO CAMPO Adriana Senetra Dieniffer Taline Schnell Mestrado em Gestão do Território - UEPG 74 RESUMO: Este artigo tem como principal objetivo compreender como a agricultura familiar em regime de pequenas propriedades, prática típica de localidades interioranas do Paraná, se transforma e vem se mantendo no contexto atual. Nisso implica também considerar os desafios para o desenvolvimento local frente ao mundo capitalista contemporâneo. A pesquisa parte do levantamento bibliográfico e leituras pertinentes à composição da agricultura familiar e do apontamento de políticas públicas que contribuem para a permanência dessa prática na contemporaneidade. Partimos da hipótese de que há fatores favoráveis ao desenvolvimento local no meio rural, com ênfase a programas de auxílio, associados à política pública como o PRONAF. Palavras-chave: Agricultura familiar. Capitalismo. Desenvolvimento local. INTRODUÇÃO As dinâmicas do capitalismo atuam na contemporaneidade em todas as esferas da sociedade. Neste trabalho serão ressaltados alguns pontos principais do contexto histórico do capitalismo, brevemente como surgiu, como ocorrem estas dinâmicas no espaço rural, envolvendo os atores sociais, aqui considerados como os pequenos proprietários agrícolas. Destaca-se a pequena propriedade, e a prática da agricultura familiar. Pretende-se compreender o modo como esta prática sobrevive e se transforma na atualidade. No capitalismo o processo age no setor econômico, social e até mesmo cultural, pois todas as ações realizadas dependem de financiamento, de capital. E toda ação capitalista tem por principal objetivo a obtenção do lucro, e detenção do mesmo, como regulador de todos os processos sociais. A modernização nasceu dessa necessidade de ampliação do poder capitalizado, sendo o principal objetivo aumentar os lucros e diminuir os gastos, principalmente nos setores de produção. Neste processo, os vários setores da sociedade foram inundados por inúmeras transformações e adequações conforme o mercado mundial exigia. E no meio rural este processo não deixaria de atuar, já que a modernização esta intimamente ligada ao desenvolvimento, ou o mesmo surge através do moderno. Sendo, portanto, o meio rural um local marcado pela heterogeneidade, estes processos não desencadeiam as mesmas 75 reações, já que aqui se trata primeiramente da agricultura familiar, e seu papel perante estes sistemas econômicos, onde a mesma esta inserida. 1. CAPITALISMO X DESENVOLVIMENTO O processo do capitalismo atua nos setores econômico, social e cultural, pois, todas as ações realizadas dependem de financiamento. Esta ação capitalista age como regulador de todos os processos sociais. A modernização nasceu dessa necessidade de ampliação do poder capitalizado, sendo o principal objetivo aumentar os lucros e diminuir os gastos, principalmente nos setores de produção. Neste processo, os vários setores da sociedade foram inundados por inúmeras transformações e adequações conforme o mercado mundial exigia. E dentre os marcos mais importantes da evolução do capitalismo e sua mundialização, a revolução industrial inaugurou no último quarto do século XVIII uma nova fase no capitalismo, onde a partir daí novos ganhos significativos de produtividade de trabalho só poderiam ser atingidos se o corpo humano pudesse ser substituído por um mecanismo muito mais poderoso. As novas técnicas de produção são tão superiores em relação às antigas que o pequeno empreendedor acaba sendo totalmente expulso de um ramo após o outro. Assim, muitos camponeses perdem suas terras e emigram para a cidade se proletariando. Desta forma, o grande avanço técnico passou a exigir capitais crescentes para sua aplicação. Mas, a forma organizacional e a técnica de produção em massa padronizada em grandes volumes não foram muito bem aceitas e convertidas com facilidade para o sistema de produção flexível que agora trabalha num sistema de produção manufatureira, com variedade de bens e preços baixos (HARVEY, 1993). E através desta nova configuração do sistema de produção pode não parecer, mas o capitalismo está se tornando cada vez mais organizado devido à dispersão e da mobilidade geográfica às respostas dos sistemas de produção e consumo. 76 Desde então, as trocas mercantis passaram a ser planetárias e nenhum país escapa desta realidade. A globalização se efetua por uma globalização dos mercados, inclusive no âmbito dos bens culturais (WARNIER, 2000, pág.65). Todas essas mudanças e sistemas ocorrendo, gera pontos negativos para a sociedade e diante disso, segundo Peet (2007), flexibilidade do mercado de trabalho significa, “atacar os sindicatos, pagar salários mais baixos e eliminar as poucas leis que possam existir para proteger os trabalhadores” (pág. 21). Nessa perspectiva, vivencia-se hoje um mundo altamente competitivo, no que diz respeito aos campos produtivos e de conhecimento, das políticas governamentais e da promoção de valores culturais. Fatores como: A formação de um mercado de ações global, de mercados futuros de mercadorias e (até de dívidas) globais, de acordos de compensação recíproca de taxas de juros e moedas, ao lado da acelerada mobilidade geográfica de fundos significou, pela primeira vez, a criação de um único mercado mundial de dinheiro e de credito (HARVEY, 1993, pág.152). A estrutura deste sistema financeiro global torna-se muito complexo. Os bancos, corretoras, financiamentos, por exemplo, tornaram-se funções muito poderosas. Os novos mercados de produtos, de ações, de moedas e também de dívidas espalharam-se por todo o mundo. O uso de computadores e das telecomunicações eletrônicas teve um papel fundamental na coordenação dos fluxos financeiros, quebrando barreiras de ordem temporal, espacial e de moedas. Nesse sentido, Harvey (1993) afirma que, “esse espantoso mundo das altas finanças envolve uma variedade igualmente espantosa de atividades entrelaçadas [...]” (pág.154). Nesse contexto deu-se ênfase, às descobertas de maneiras alternativas de obter-se lucro. As estratégias de interesses corporativos variam da contabilidade à monitoração de mercados internacionais, neste sentido buscando tirar proveito das variações dos valores das moedas e das taxas de juros. Atualmente cabe ao Estado regular o capital corporativo no interesse da nação e também ao interesse nacional, criar condições para atrair o capital 77 financeiro global. Para comprovar isso, sem dúvida podemos citar a teoria do poder da elite que diz, segundo PEET (2007), “os governos agem no interesse do capital” (pág. 24). É pertinente ressaltar que as tendências organizacionais e de acumulação capitalista que Marx relatava em suas obras, sendo estas ainda hoje peças fundamentais de todo modo capitalista de produção características da acumulação flexível. Segundo Marx, o sistema capitalista não garante meios de subsistência a todos os membros da sociedade, ou seja, gera desigualdades. Assim a sociedade como um todo sofre as conseqüências, Quem não é dono dos meios de produção é obrigado a trabalhar em troca de um salário, nesse sentido já se percebe as desigualdades. Muitos trabalhadores não têm acesso a produtos que eles mesmos ajudaram a produzir. Conforme Peet (2007), “democracia, emancipação, desenvolvimento, progresso são belos princípios corrompidos pela forma social adotada pela modernidade – quer dizer, capitalismo” (pág. 34). Mesmo no contexto atual a discusão de desenvolvimento não encontra um conceito definido. Defendido por vários autores basicamente como o desenvolvimento ligado à modernização e esta ligada ao capitalismo, dando a entender que uma é complemento da outra. Lipietz (1991) defende que são vários elementos que constituem o desenvolvimento, a acumulação como resultado da regulação, tendo como base a organização, ou seja, é o conjunto que constitui um modelo de desenvolvimento, e não propriamente o desenvolvimento. Mas as estratégias de desenvolvimento só se constituem com os processos de modernização, de acordo com Furtado (1992) In___ Maluf, (2000), nas teorias de desenvolvimento, a assimilação de novas técnicas e o aumento da produtividade conduz à melhoria do bem-estar de uma população com crescente homogeneização social, e ao contrário a teoria do subdesenvolvimento, os processos citados anteriormente não levaram a homogeneização social, ainda que tenham elevado o nível médio de vida. Sobre esses argumentos Lipietz (1991) afirma, “um modelo de 78 desenvolvimento só consegue vingar se suas promessas coincidem com certa concepção possível de felicidade (pág. 29)”. Isso faz com que muitas culturas se percam, muitos usos e costumes de povos se percam, sob a influência globalizada de estilos, lugares, imagens, viagens internacionais, e pela mídia, e segundo Hall (2006), causa o fenômeno de identidades desvinculadas - desalojadas dentro desse mundo tendencioso e consumista. 2. AGRICULTURA FAMILIAR E DESENVOLVIMENTO LOCAL Diante do exposto acima, em relação ao capitalismo e principalmente o desenvolvimento presente nas dinâmicas sociais e sua influencia global, não deixaríamos de inter relacionar com o tema do trabalho, ou seja, a agricultura familiar e as alternativas encontradas para resistir às mudanças frenéticas. Portanto, no espaço rural, o desenvolvimento não poderia estar de fora, já que as transformações que acontecem nos sistemas econômicos também afetam o rural, direta ou indiretamente. No Brasil, o campo foi entendido como local exclusivo do desenvolvimento agropecuário, até recentemente (NEVES, 2007). Conforme Wanderley (2000), Nas sociedades modernas, o desenvolvimento dos espaços rurais dependera, não apenas do dinamismo do setor agrícola, porém, cada vez mais, da sua capacidade de atrair outras atividades econômicas e outros interesses sociais e de realizar uma profunda “ressignificação” de suas próprias funções sociais (pág. 4). Ou seja, desenvolvimento é igual à atração, que será igual a outras atividades. E, “quanto maior a identidade, a institucionalidade ou o capital humano, mais possibilidades de desenvolvimento” (GOMEZ, 2007, pág. 51). Além desses fatores, há outros conforme Pires (2007), “valores sociais também desempenham papéis preponderantes nos processos nacionais de desenvolvimento” (pág. 62). Necessitando, portanto, atribuir ao meio rural atividades diversificadas daquelas praticadas, como por exemplo, 79 uma única cultura ou agropecuária. Atualmente, essas mudanças estão ocorrendo principalmente nas pequenas propriedades, na agricultura familiar que corresponde à capacidade de o produtor criar situações que o coloquem em vantagens frente aos padrões de competitividade (NEVES, 2007). Estas situações são realizadas em primeiro plano, para sua própria subsistência, ou seja, incorporar atividades para sua sustentabilidade e de seus familiares e, além disso, complementar sua renda quando as atividades agrícolas não conseguem suprir o sustento do agricultor. Esta prática é considerada uma relativa autonomia em relação à sociedade global, que também pode abranger outros vieses, conforme Wanderley (2001) “a autonomia é demográfica, social e econômica” (pág. 24). E em relação ao pequeno proprietário, é difícil caracteriza - lo mesmo estatisticamente com dados numéricos fundados em área apropriada ou volume de produção, porque as condições no contexto brasileiro variam consideravelmente de uma região para a outra região, de um gênero de cultura para outro. Mas de uma forma geral, podemos considerar pequeno proprietário - como um lavrador de pequenas posses, que trabalha ele mesmo na sua propriedade, ajudado pela família e quando muito recebe ajuda de pessoas que socialmente não pertencem a uma categoria muito diversa da dele. Neste contexto ainda se insere o agricultor familiar que também é considerado um pequeno proprietário, e seu conceito de maneira genérica é entendida como “aquela em que a família, ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção, assume o trabalho no estabelecimento produtivo” (WANDERLEY, 2001, pág. 23). Contudo, essa categoria assume, no tempo e no espaço, uma grande diversidade de formas sociais (WANDERLEY, 2001). O espaço rural é caracterizado como um meio de exploração agrícola, um espaço que se opõe ao urbano (FAJARDO, 2005). No espaço rural, há as interações com o meio, pois o homem necessita dos recursos naturais para a própria produção agrícola, e o solo é à base dessa produção. Mas segundo Fajardo (2005) “ele não pode existir fora das condições 80 naturais (...) comportando uma maior parte de elementos naturais como relevo, clima, solo, águas, vegetais e animais” (p. 33). Porém, esta interação gera impactos ao meio ambiente, e quando empregada em larga escala, as produções agrícolas ocasionam grandes danos para esses recursos, já na produção agrícola em menor proporção, sob os preceitos de uma produção sustentável, ainda há um equilíbrio e um controle neste meio. Com o avanço da agricultura, a modernização de equipamentos e incentivos políticos para a prática da agricultura em larga escala, o pequeno proprietário que não possui recursos suficientes para acompanhar as transformações do campo, acaba sendo excluído. Mas isto ocorre principalmente nos países em desenvolvimento onde suas economias são voltadas para os setores que oferecem mais lucros, conforme Gonçalves (2008): Em economias periféricas como Latino-Americana, em especial em economias como a do Brasil, manteve-se a tradição da concentração fundiária e o controle e força política da elite nacional, pois pouco se avançou no sentido da justa distribuição da terra e na promoção da agricultura camponesa. Pelo contrário, reforçou-se seu processo de exclusão e priorizou-se um desenvolvimento acelerado do capitalismo no campo, do trabalho assalariado e das grandes propriedades do agronegócio (Pág. 15). Em um breve relato histórico sobre a pequena propriedade no Brasil, será possível, portanto, compreender melhor a temática em que este trabalho norteia e as razões pela qual foi optado em discursar neste momento, e principalmente em notar como o agricultor familiar encontra dificuldades em promover o desenvolvimento local, pois, se trata de fatores históricos, e não só econômicos ou sociais. A pequena propriedade no Brasil foi implementada em decorrência de fatores políticos e econômicos ocorridos no país e em âmbito mundial, o principal fator foi o incentivo à imigração, para o povoamento do território nacional, destacamos o paranaense. Em relação à pequena propriedade agrária, a ação pioneira na agricultura, coube invariavelmente ao grande domínio, à grande propriedade. Esta última que se instala primeiro, é a que 81 abre as frentes de exploração, ao contrário da pequena lavoura originária quase sempre do retalhamento de antigas fazendas. Este retalhamento se deu a partir da vinda da corte ao Brasil, mostrando-se a necessidade de implantação da pequena propriedade, pois esta “devia desenvolver-se ao lado da grande propriedade, ser subsidiária desta e não concorrer com ela no mercado de trabalho” (PETRONE, 1984, p.17). Além disso, posto em prática a idéia, juntamente com um interesse maior – a ocupação do território, fixação da nação e a fiel representação de “poder sobre a nova nação”. Sobre a política imigratória no contexto do século XIX, Burko afirma que: Foi nos primórdios do vigente regime republicano que a política de imigração e colonização teve o seu pleno desabrochar. Um decreto do Governo provisório, baixado em Junho de 1890, que vigorou por quatro anos, regulava a entrada dos imigrantes, concedendo-lhes passagem gratuita com subvenções conseqüentes às Companhias marítimas para o seu transporte e distribuindo aos recém-chegados lotes de terras nas colônias estabelecidas pelo Governo Federal, de acordo com as Administrações estaduais. Esse serviço era desempenhado pelo Inspetorado Geral de Terras e Colonização, em colaboração com delegacias dos respectivos Estados. (BURKO, S/D, pag. 43-44) A pequena propriedade passa a ocupar então os “espaços vazios”. Estes espaços são denominados no âmbito político ou pelo Governo como vazios demográficos, “no discurso português, porque a região já era ocupada pelos indígenas” (SILVA, 2007, p.45). Esta denominação de vazios demográficos ou sertão (BERNARDES, 1952) é um argumento favorável à ocupação do Paraná pelos imigrantes. De acordo com Lupepsa (2010), estes anseios do Governo além do interesse pela força de trabalho e de um povoamento e transformação territorial, pressupunham também uma mudança na estrutura agrária: As autoridades alimentavam a esperança de que a estrutura da agricultura paranaense fosse modificada pelos imigrantes europeus, portadores de tradições e técnicas mais evoluídas. Os colonos europeus teriam a missão de compensar o atraso e as técnicas elementares utilizadas pelo elemento local, ou seja, o caboclo. (CHANG, 1985, pag. 34) 82 Nesse processo de ocupação, a terra foi sendo valorizada e seus proprietários passaram a compor uma camada intermediária entre os latifundiários e os escravos, incorporando ao mesmo tempo o mercado consumidor e a mão-de-obra. Também coube a esta camada diversificar a produção agrícola para abastecer os grandes domínios monocultores e as populações urbanas, pois a grande propriedade se ocupava da produção para o mercado de exportação. E diferentemente da agricultura patronal, onde a atividade se torna um negócio, uma especulação, como seria outra atividade qualquer, comercial ou financeira, este não se liga a terra. O agricultor de pequena propriedade, ao contrário, para ele a terra é o centro de suas atenções, não com vistas apenas a um momento de sua vida, mas visando também uma série interminável de sucessores que virão depois dele. Atribuindo a isto, Wanderley (2001) defende: Para além da garantia da sobrevivência no presente, as relações no interior da família camponesa têm como referência o horizonte das gerações, isto é, um projeto para o futuro. Garantindo a essa as condições de sua sobrevivência (pág. 27). No cenário nacional, tomando como exemplo e reforçando a tese da pequena propriedade, o Estado do Paraná, antes da colonização européia, apresentava dinâmicas bem particulares, com baixíssima densidade demográfica e baixa produção na agricultura. Poderíamos dizer que os lugares onde foram estabelecidos os colonos se assemelham a um mundo descrito por Santos (2006) como: “um mundo sem movimento, um mundo lento, estável” (pág.14-15). As relações sociais presentes eram pouco numerosas, e eram também relações simples e pouco densas, (SANTOS, 2006), ou seja, o funcionamento dessas colônias estava ainda muito ligado às condições naturais destes lugares. Um dos fatores limitantes para o desenvolvimento das colônias agrícolas é o “isolamento geográfico”, reforçado pelas condições físico- 83 geográficas dos lugares para os quais os colonos europeus foram encaminhados, ou seja, lugares cuja morfologia do relevo dificultava a abertura de estradas, o acesso aos núcleos coloniais, o trabalho na agricultura e a saída desses colonos e de seus produtos para outros lugares. Porém, muitos colonos resolveram com iniciativas próprias essas dificuldades. Com iniciativas associativas, mantinham uma vida religiosa, escolas para os filhos e acima de tudo, trabalhavam em comunidade, diminuindo o tempo da plantação e da colheita para todos. Este modo de vida dos agricultores resiste até os dias atuais e o fato de não conseguirem promover o avanço tecnológico em suas áreas é que os torna peculiares. A agricultura familiar em regime de pequenas propriedades, atualmente, tem apoios favoráveis à sua permanência. E uma das razões explica Oliveira (1996) “são esses estabelecimentos camponeses que respondem por mais de 70% do volume total da produção agropecuária” (pág. 468). No caso dos pequenos agricultores contam com inúmeras iniciativas, porém destacamos o incentivo de créditos agrícolas, melhor representado pelo Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF). O PRONAF contribui à obtenção de créditos dos pequenos agricultores que detém de poucos recursos econômicos, e possui uma pequena propriedade de produção voltada para subsistência. Estes recursos incentivam os produtores a permanecerem no campo, criarem novas formas de produção, desenvolver associações, que os beneficiem em conjunto, elaborando atividades até mesmo, coletivas. Além de considerarmos a política pública - que no caso referimos o PRONAF - como um fator preponderante que contribui para a permanência dos agricultores no campo tem-se ainda, alternativas que auxiliam nesse propósito de conservação. Contudo, a política pública corresponde, portanto, a uma forma de interação entre o Estado e a sociedade, nesse sentido, compete às organizações governamentais e não governamentais em conjunto com os atores sociais - pequenos agricultores - constituírem planos de desenvolvimento locais. 84 Esses atores se deparam com caminhos diversificados aos praticados no campo, vê-se em muitos casos que prática tradicional da agricultura já não é tão prevalecente, um exemplo recente disso, é a disseminação do turismo rural e inclusive a agricultura orgânica, representando uma garantia a mais de lucro para o agricultor e sua família, além de promover a valorização da cultura local, principalmente no que tange à sua forte ligação com a terra e o seu sentido de pertencimento a ela. CONSIDERAÇÕES FINAIS Por meio desse trabalho nos propusemos a analisar a questão correspondente ao desafio de permanência do homem no campo como uma difícil meta no contexto do capitalismo, partindo de autores que contribuíram para esta temática. Com a intenção de fazer algumas reflexões a cerca da postura do pequeno agricultor na atualidade, e a partir dessa temática contribuir para estudos futuros, já que este é um tema que não se encerra apenas nas questões aqui destacadas. O regime do capitalismo, abordado sucintamente nesse trabalho possui dinâmicas complexas, foi enfatizada principalmente a participação dos agentes no meio rural, como tentativas de valorização da sua terra e permanência, marcadas pela agricultura familiar. Esses aspectos nos permitiram investigar como ainda se mantêm práticas tradicionais de subsistência, mesmo com a crescente corrida em busca do lucro do capitalismo já enraigado também no campo. Constata-se, por fim, que estes espaços rurais locais, sofreram transformações, foram atingidos pelo capitalismo, no primeiro momento se tornaram excluídos, por não acompanharem as transformações, ou seja, a modernização do campo. Porém, com incentivos e políticas públicas voltadas ao setor e principalmente a crescente valorização da diversidade e heterogeneidade, que estes espaços locais fornecem este cenário começou a mudar. Os incentivos fiscais/econômicos recebidos, por meio de programas como o PRONAF, direcionaram estes agentes, para sua própria 85 organização através de associações, cultivos de produtos diferenciados, práticas agrícolas que não demandam de elevada mão-de-obra. A agricultura familiar gera a sustentabilidade, pois, vai atender a mercados consumidores que valorizam produtos distintos, tais como os orgânicos, o turismo rural também se destaca como alternativa de aproveitamento do espaço rural. REFERÊNCIAS BURKO, P. Valdomiro N. 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Primeiramente analisa-se a atual conjuntura mundial, através do neoliberalismo e as conseqüências de tal ordem mundial, que são fundamentais para manter a fome no mundo. Em seguida avaliase o avanço do direito a alimentação no Brasil e sua previsão constitucional, bem como o conceito de segurança alimentar e suas implicações na produção de alimentos saudáveis. Por fim, abordam-se as decisões das conferências municipal e regional sobre segurança alimentar. 87 Palavras-chave: Alimentação. Direito Fundamental. Segurança Alimentar. Direitos Humanos. INTRODUÇÃO A alma da fome é política. Herbert José de Souza, Betinho É desnecessário discutir-se a importância de uma alimentação adequada para os seres humanos. É unânime que o homem só desenvolvese com uma alimentação sadia, dentro dos padrões nutricionais, não somente durante a infância, mas por toda a sua vida. Para ter seu direito à vida preservado é imprescindível que o ser humano possa alimentar-se. Tal ideia é unânime, e qualquer pessoa, independente se possui uma formação acadêmica, sabe que a alimentação adequada é a base de qualquer desenvolvimento sadio, físico e mental, de um ser humano. Todavia, milhões de pessoas (inclusive no Brasil) passam fome. Os dados são assustadores. A cada 5 (cinco) segundos uma criança com idade inferior a 10 (dez) anos morre diretamente de fome, ou por doenças relacionadas a uma má alimentação21. Na África subsaariana, o continente mais devastado pela fome, 34% da população padece do que se considera “fome extrema”, com uma ração diária de menos de 300 (trezentas) calorias por dia22. O Brasil, apesar de nos últimos anos se empenhar na erradicação da fome e da miséria como uma de suas principais metas, também traz dados que não são animadores. De três brasileiros, um é desnutrido e 16 (dezesseis) milhões de pessoas vivem com 250 calorias por dia, o que está bem aquém dos 1,9 quilocalorias recomendado pela ONU para uma 21 ZIEGLER, Jean. Fome e Direitos Humanos. Disponível em http://www.ecodebate.com.br/2008/04/19/fome-e-direitos-humanos-artigo-de-jean-ziegler/ Acesso em 09.10.2011. 22 Ibidem. 88 alimentação adequada à um ser humano23. O que se verifica é que combater a fome, tanto faz se esse combate é a nível mundial ou no Brasil enquanto política de Governo e/ou Estado, não é somente proporcionar um prato de alimentos para um faminto. Combater a fome é, sobretudo, distribuir a renda de forma igualitária (ou menos desigual), formular estratégias que proporcionem sustentabilidade aos povos devastados pela falta de alimentos e, ainda, preservar o meio ambiente para as futuras gerações, garantindo assim que todos tenham o seu direito aos alimentos preservado. Todavia, surge logo o questionamento: como proporcionar alimentação adequada e sustentabilidade econômica e ambiental? A Lei Federal 11.34624, sancionada em 15 de setembro de 2006 pelo expresidente Luis Inácio Lula da Silva, criou o Sistema Nacional de Segurança Alimentar – SISAN, com o intuito de assegurar o direito humano à alimentação adequada. Todavia, a própria Lei é clara ao afirmar a necessidade de preservação da autonomia dos povos, respeitando suas múltiplas características culturais, além claro da conservação da biodiversidade e da utilização sustentável dos recursos, e isso é possível na região de Guarapuava Assim, o presente trabalho objetiva demonstrar a possibilidade de eliminar a fome da região de Guarapuava, mantendo a sustentabilidade econômica e ambiental, proporcionando ainda a emancipação econômica de diversas famílias. Para tanto esse trabalho faz uma análise de conjuntura da atual situação mundial em relação ao problema da fome. Por que não há uma solução para esse problema? É possível alimentar os sete bilhões de habitantes do planeta? Posteriormente, se tratará do direito à alimentação no Brasil a luz da 23 TORRES, Bárbara. Fome é violação dos direitos humanos, denuncia relator especial da ONU. Disponível em http://noticias.uol.com.br/lusa/ultnot/2002/10/15/ult611u14980.jhtm Acesso em 09.10.2011. 24 Lei Federal 11.343/2006. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20042006/2006/Lei/L11346.htm Acesso em 08.10.2011. 89 Emenda Constitucional 64 de 4 de fevereiro de 2010 e da Lei 11.346, bem como a sua relevância enquanto direito social positivado. Em seguida, se trará a conceituação de segurança alimentar e porque é medida que se mostra adequada para solucionar esse grave mal que assola a comunidade mundial. Depois, o presente trabalho trará as propostas das Conferências Municipal e Regional de Segurança Alimentar realizadas neste ano, em Guarapuava, com ideias concretas sobre segurança alimentar e quem pode aplicar essas medidas na região. 1. VERGONHA MUNDIAL “A alma da fome é política!” Tal afirmativa dita pelo sociólogo Herbert José de Souza, o Betinho, define a maior causa da fome de milhões de pessoas por todo o mundo. Entretanto, o termo “política” não pode ser visto unicamente como uma questão de Política de Governo, envolvendo somente as forças político - partidárias de um Estado. Se assim fosse, o problema, possivelmente, seria solucionado de forma simples: eleições democráticas, em que homens e mulheres seriam eleitos por uma maioria que os legitimaria no Poder e então, poderiam eliminar de uma vez por todas essa mazela que assola grande parte da população mundial. Claro, a corrupção nos governos também é fator que agrava muito a situação dos famintos em todo o planeta, e mesmo em outras épocas é possível vislumbrar tal constatação. O Baile da Ilha Fiscal, realizado no Rio de Janeiro em 9 de novembro de 1889 é uma das maiores provas de tal fato. No último baile da monarquia havia na ceia sorvete (o que era uma novidade para a época), aves exóticas como inhambus, faisões e macucos, além de duas bandas militares que animaram o baile por toda a noite, 80 caixas de champanhe e 10 mil litros de cerveja. Apurou-se que foi gasto 100 contos de réis, destinados, originalmente, a socorrer os flagelados pela seca 90 no Ceará, segundo o historiador Milton Teixeira25 (2006, p. 22). Entretanto, o que se observa, é que independente de governos, a fome é um problema que faz parte do cotidiano da maioria dos países, principalmente os chamados países de periferia (inclusive o Brasil). Então, por que a alma da fome é política? As políticas de governo, no atual mundo globalizado, estão intimamente ligadas às políticas econômicas. Estas são ditadas pelas grandes empresas neoliberais, detentoras da maior parte do capital mundial. O neoliberalismo está presente em todas as decisões mundiais. Frei Betto, em A Mosca Azul, conceitua O neoliberalismo teve como parteiro o Consenso de Washington – a globalização do mercado “livre” e, segundo conveniências, do modelo norte-americano de democracia (jamais exigidos aos países árabes fornecedores de petróleo e governados por oligarquias favoráveis aos interesses da Casa Branca). Ele apregoa a exclusão do Estado da produção de riquezas e da administração de serviços. Ao Estado caberia zelar pelos interesses privados, defender o patrimônio particular, dirimir contendas e distribuir o excedente. Sobretudo, manter ativas as forças policiais e militares em defesa dos “sacrossantos direitos” do capital privado, assegurando ao mercado predominância sobre as demandas sociais. Assim, quanto mais se transferem instituições da esfera pública às mãos da iniciativa privada, tanto mais se considera o Estado “moderno”. Privatizar, eis o fundamento do neoliberalismo (2006, p. 133 e 134) A partir das ideias do autor, se pode pressupor que as corporações neoliberais não possuem compromisso social com um povo em um determinado Estado. Assim, elas visam somente atingir suas metas de lucros, não se importando nenhum pouco se o povo de um determinado país está bem ou não. O melhor exemplo é o caso dos diamantes em Serra Leoa. O país é um dos maiores produtores de diamantes do mundo, o maior símbolo de riqueza, luxo e ostentação; todavia, laconicamente, ocupa o último lugar no ranking da ONU no IDH – Índice de Desenvolvimento Humano. A expectativa de vida em Serra Leoa é de 35 anos e mais da 25 O Último Baile da Monarquia. Revista Aventuras Na História. Edição 36. Agosto/2006. Editora Abril. 91 metade da população vive abaixo da linha de pobreza26. Arrasado por uma guerra civil, o país assiste diariamente o contrabando de diamantes. Assim, grandes empresas compram diamantes muito mais baratos e os repassam aos consumidores com um valor extremamente alto, com grandes lucros; e enquanto isso, o povo de Serra Leoa padece, sem condições de sobrevivência. Com muita propriedade, Jean Ziegler, sociólogo suíço e relator especial da ONU sobre o direito à alimentação, explica o que acontece hoje em Serra Leoa e em grande parte dos países do planeta (...) este massacre cotidiano devido à fome não obedece a nenhuma fatalidade. Por trás de cada vítima há um assassino. A atual ordem mundial não é apenas mortífera, mas também absurda. O massacre está instalado numa normalidade imóvel. A equação é simples: quem tem dinheiro come e vive. Quem não tem sofre, torna-se inválido e morre. Não existe a fatalidade. 27 Qualquer morte por fome é um assassinato . Não há interesse dos novos donos da ordem econômica em resolver a situação dos milhões de famintos em todo o mundo. No caso de Serra Leoa é possível entender tal situação porque, no momento em que há a promoção de um povo e o seu governo passa a ser cumpridor dos Direitos Humanos, torna-se mais difícil para uma empresa (principalmente estrangeira) explorar as riquezas deste povo. No momento que Serra Leoa tiver seu povo alimentado e emancipado, com um Governo que promova a dignidade humana e políticas públicas sociais, o combate ao contrabando de diamantes tornar-se-ia uma conseqüência de sua soberania e para explorar as minas, as multinacionais terão que investir no país, o que diminuiria muito os seus lucros. Numa análise sem emoção da atual ordem mundial, o que se verifica é que a Declaração Universal de Direitos Humanos é violada diariamente de 26 CANDELORI, Roberto. Resumão/Atualidades: Os diamantes de Serra Leoa. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u2263.shtml Acesso em 08.10.2011 27 ZIEGLER, Jean. Fome e Direitos Humanos. Disponível em http://www.ecodebate.com.br/2008/04/19/fome-e-direitos-humanos-artigo-de-jean-ziegler/ Acesso em 09.10.2011. 92 forma deliberada. A fome no mundo não é um acaso do destino ou então a falta de vontade de um povo para trabalhar e muito menos uma loteria genética, em que a natureza destinou privilégio para uns e para outros não. A fome no mundo é fruto da ganância de seres humanos que para conseguir atingir suas metas de lucro e poder permitem que outros seres humanos, idênticos em dignidade, tenham violados seus principais direitos, e talvez o mais elementar de todos, o de subsistir e por conseqüência, viver. A situação apresentada torna-se ainda mais absurda se for levada em consideração a forma como atuam as forças agrícolas de produção. Conforme Jacques Diouf, dirigente da FAO – Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, com o atual desenvolvimento da agricultura por todo o mundo, o planeta Terra poderia alimentar, sem maiores problemas, 12 bilhões de seres humanos, o que significa o dobro da atual população mundial (cerca de 6 bilhões de pessoas)28. Zelando exclusivamente pelas leis de comércio, sem levar em consideração as questões das populações locais, a OMC – Organização Mundial do Comércio – mostra-se omissa quanto aos milhões de seres humanos que passam fome por todo o mundo. Isso sem falar nas legislações de cada país, com poucos programas sociais para combater a fome e incentivo ao neoliberalismo. Seres humanos não são mais seres humanos, são meros consumidores. A humanidade pode ser dividida em: quem possui poder aquisitivo e quem não possui poder aquisitivo. No último ano do século XX, a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, juntamente com as demais igrejas cristãs membros do CONIC – Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, lançou a Campanha da Fraternidade com o tema “Dignidade Humana e Paz” e o lema “Novo Milênio sem exclusões” onde, de forma corajosa, afirmou (...) toda a humanidade, atualmente, e assim também nosso País, 28 Apud ZIEGLER, Jean. Fome e Direitos Humanos. Disponível em http://www.ecodebate.com.br/2008/04/19/fome-e-direitos-humanos-artigo-de-jean-ziegler/ Acesso em 09.10.2011. 93 está nas mãos do capital financeiro internacional, concentrado nas mãos de poucos. Esse capital tem sede em alguns países muito ricos, e é favorecido por seus governos. Não aceita normas e limites e exige liberdade absoluta de ação em todo o mundo. Para servi-lo, as nações devem renunciar à sua soberania, as pessoas devem renunciar aos seus direitos, de modo especial aos trabalhistas. Ora, se a pessoa humana só vale se é produtora e consumidora, todos que não possuem este perfil são descartáveis. Quando muito, admite-se a adoção de políticas compensatórias, para que, antes de morrerem, não se revoltem e criem embaraços ao avanço da nova cultura globalizada do capital financeiro internacional (CONIC, 2000, p. 95). Os direitos humanos, positivados ou não, estão sendo violados pelos detentores do capital, que mantém políticas compensatórias para evitar alterações no status quo e assim, permanecerem com sua política financeira de dominação e exploração. E se a alma da fome é política só há uma maneira de combatê-la: com ações políticas afirmativas. 2. DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS Antes de tratar propriamente do direito à alimentação, previsto na Constituição Federal, é importante tratar da diferença entre Direitos Humanos e Direitos Fundamentais. É difícil conceituar direitos humanos tendo em vista todas as mudanças que esses direitos sofreram ao longo da história, além do mais, apesar da universalidade dos direitos humanos ser uma característica essencial, os mesmos podem variar de cultura para cultura, povo para povo. Para os cristãos todos os homens são iguais em direito porque todos são filhos do mesmo Deus, portanto irmãos, prevalecendo assim, para todos a universalidade de todos os direitos. Os materialistas, ou sem religião, ou adeptos de uma religião não cristã, tendem ao mesmo conceito; todavia o justificam na natureza humana e alguns na razão humana. Como todos são humanos, cabe a todos os mesmos valores graças a natureza ou a razão, pura e simples, que fez a todos seres humanos. 94 Essas definições não convencem porque são ideias que foram impostas por pessoas que definiram valores que beiram ao maniqueísmo no mundo ocidental. Os seres humanos não são iguais porque são filhos de Deus ou porque sua natureza humana os torna iguais. Os seres humanos são iguais e justificam essa igualdade num ser superior ou na sua natureza. Em síntese, a igualdade é um valor que nos foi passado. Se hoje se considera homens e mulheres iguais a luz do direito é porque em algum momento alguém definiu que homens e mulheres são iguais. Encontra-se na definição de direitos humanos por um viés antropológico, na visão de Luiz Eduardo Soares, a melhor resposta: “direitos humanos são a tradução prática, política e jurídica, de valores de nossa cultura ocidental, de origem humanista e vocação universalista” (apud ALENCAR, 2002, p. 76). Ou seja, Direitos Humanos são valores da cultura Ocidental. Mas não são simplesmente valores. São o que de melhor foi produzido em todo o pensamento ocidental. Claro que o conceito ainda é falho ao colocar a cultura ocidental como superior em relação a outras culturas, como a cultura oriental e islâmica, mas os Direitos Humanos representam o que de melhor foi produzido em todo o tempo de evolução do pensamento Ocidental. Por tal razão, não cabe adotar uma postura arrogante frente a outras culturas, mas se for possível, se deve convencer os outros que os valores são válidos e podem servir de acréscimo às outras culturas. Para Flores “os direitos humanos compões uma racionalidade de resistência, na medida em que traduzem processos que abrem e consolidam espaços de luta pela dignidade humana” (apud Piovesan, 2011, p. 36). Assim, por exemplo, é possível justificar a luta pacífica contra o apedrejamento de mulheres nos países islâmicos. Felizmente, no Ocidente a diferença entre homens e mulheres diminuiu significativamente nos últimos anos de modo que, se os muçulmanos se convencerem da melhoria no mundo ocidental, devem parar de aplicar a lei de apedrejamento de mulheres em casos de adultério, justificando-se assim, a intervenção junto a 95 cultura muçulmana para preservar a dignidade feminina. Por fim, Nino afirma que “os direitos humanos são uma construção consciente vocacionada a assegurar a dignidade humana e a evitar sofrimentos, em face da persistente brutalidade humana (apud Piovesan, 2011, p. 36). Partindo-se da premissa que Direitos Humanos são valores ocidentais com força universal a fim de promover o que há de melhor no homem e, por consequencia, sua dignidade, é preciso diferenciá-los dos Direitos Fundamentais. Para Sarlet os direitos fundamentais são (...) direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional de determinado Estado, ao passo que os direitos humanos são reconhecidos nos documentos de direito internacional, tendo validade universal para todos os povos e tempos (...) (apud MANIGLIA, 2008, p. 69). Assim, é possível concluir que os direitos fundamentais também são direitos humanos, porém estão positivados na Constituição de um Estado, respeitando os valores (cultura) do seu povo. 4. O DIREITO À ALIMENTAÇÃO O direito a alimentação já é reconhecido como um direito humano; o Brasil, porém, o transformou num direito fundamental. Ao inserir o termo “alimentação” no artigo 6º da Constituição Federal, através da Emenda 64, de 4 de fevereiro de 2011, o Brasil demonstrou o valor que considera a referido direito. Nas palavras de Alexandre de Moraes: Direitos Sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade as melhorias de qualidade de vida aos hipossuficientes, visando a concretização da igualdade social, e são consagrados como fundamento do Estado Democrático, pelo artigo 1º, IV, da Constituição Federal (2008, p. 193). Um Estado Social de Direito precisa garantir que seus cidadãos 96 possuam condições básicas de vida a fim de que possam ter os seus direitos fundamentais garantidos. Desde o início do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em janeiro de 2003, o Programa Social “Fome Zero” visa eliminar todas as formas de pobreza e miséria existentes no país. O programa possui muitas falhas, como por exemplo, a não emancipação das famílias assistidas pelo Programa, que são completamente dependentes do auxílio que recebem do Governo. Todavia, com o programa, mostrou-se como é importante combater a pobreza e a fome no Brasil. Em títulos de números, dos 12% da população que viviam em estado de pobreza extrema, 7, 2% deixaram esse estado miséria absoluta durante os 8 anos do Governo Lula29. Hoje, porém, é preciso pensar em maneiras de aperfeiçoar o combate a fome, tornando as famílias independentes, ou seja, na linguagem popular seria o famoso jargão “ensiná-las a pescar”. Os méritos aos programas sociais, que foram ampliados no Governo Lula, são grandes, mas agora se tornam insuficientes para atender a população brasileira. 5 . SEGURANÇA ALIMENTAR Analisando por esse aspecto, a segurança alimentar se torna uma alternativa viável para garantir que todas as pessoas possam se alimentar no Brasil. Segurança alimentar é um conceito que amplia o direito à alimentação: Alimentar-se é um ato que projeta mais que sobrevivência, é uma permissão a uma vida saudável e ativa, dentro dos padrões culturais de cada país, com qualidade que propicie nutrição e prazer, e os produtos alimentícios devem ser inspecionados por órgãos responsáveis, que devem zelar continuamente por sua oferta e sua segurança às populações (MANIGLIA, 2008, p. 123). A segurança alimentar não consiste unicamente em garantir a 29 KEHL, Maria Rita. Dois pesos... .Disponível em http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/mariarita-kehl-dois-pesos.html. Acesso em 15.10.2011. 97 alimentação para todos os seres humanos, mas também que essa alimentação seja saudável, dentro dos padrões nutricionais e que as diversas culturas consigam manter suas raízes culturais, respeitando o meio ambiente. Nas palavras de Borges segurança alimentar é sintetizada como “(...) garantia de que todas as pessoas humanas tenham a todo momento, acesso material e econômico aos alimentos que necessitam para levar uma vida ativa e saudável.” (2007, p. 1017) O conceito de segurança alimentar foi evoluindo com o passar do tempo, tanto no seu aspecto nutricional, como a qualidade do alimento ofertado e balanceamento da dieta, quanto nas atividades do Estado em proporcionar políticas públicas garantindo aos cidadãos dos diversos cantos do Brasil saneamento básico, saúde pública, incentivo ao aleitamento materno e até mesmo carinho no preparo de alimentos. Todavia, é preciso reconhecer a segurança alimentar não como a caridade de um governo ou de Instituições não governamentais que trabalham com a questão. Segurança alimentar é um direito de todos os cidadãos e deve ser proporcionado a todos poder alimentar-se de forma saudável e sustentável, tanto do ponto de vista econômico e ambiental, quanto do ponto de vista nutricional. Falar em segurança alimentar consiste em pensar na forma como será produzida a alimentação que irá chegar na mesa de todos os brasileiros por um viés econômico, quanto na qualidade desses alimentos, se de fato cumprem a função de suprir as necessidades nutricionais dos seres humanos. 6. SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA E AMBIENTAL NA SEGURANÇA ALIMENTAR A sustentabilidade econômica e ambiental não encontra respaldo nas grandes propriedades de terra. Na visão de Maniglia: 98 O latifúndio é a expressão da opressão; por meio dele, dá-se a concentração de terras, a dominação no setor rural, a monocultura, a economia de exportação. Lutar contra ele é lutar contra a fome, a favor da igualdade, da liberdade e da democracia; é a luta pela busca da solidariedade. A luta pela terra traz a mancha do sangue do vitimado, que nada mais faz do que clamar por direitos constitucionalmente garantidos, tanto no artigo 5º (direitos e garantias individuais) como nos assuntos pertinentes a questão agrária (arts. 184 a 191 da Carta Magna de 1988) (2008, p. 89). De fato, o latifúndio se mostra um dos principais responsáveis pela fome que assola o campo e a cidade. A falta de terra para trabalhar transforma o homem do campo num retirante, sendo uma das principais causas do êxodo rural. Tais propriedades ferem um dos mais significativos princípios do Direito Agrário, o Princípio da Justiça Social, que consiste (...) na obrigação do Estado em promover as reformas de base na política agrária para proporcionar aos homens do campo mais dignidade pela iniciativa privada, mais cidadania, mais mercado de trabalho, melhor condição de vida com a distribuição de renda, que entre outros, são os fundamentos da ordem econômica e social do País (...). A justiça social é toda iniciativa ou providência enviada no sentido de melhorar a condição de vida das pessoas no uso e gozo de seus direitos fundamentais (BORGES, 2007, p. 67). Existem muitas terras que estão nas mãos de poucas pessoas e muitos que não possuem terra nenhuma para trabalhar. E além desse problema social, o latifúndio demonstra não ser uma alternativa viável para a questão ambiental, já que há o predomínio da monocultura e o uso abusivo de agrotóxicos, tornando mais barato o custo da produção agrícola e até o uso de sementes transgênicas, ferindo expressamente o princípio da Precaução, previsto no Direito Ambiental. Ainda, as monoculturas dos latifúndios são para exportação, não integrando o mercado interno, prejudicando muito na produção de alimentos para o consumo da população local. circunstancias, é a agricultura familiar. O que se mostra viável, diante das 99 O artigo 3º da Lei Federal 11.326 de 24 de julho de 200630conceitua agricultura familiar: o Art. 3 Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão-de-obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo; o § 1 O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica quando se tratar de condomínio rural ou outras formas coletivas de propriedade, desde que a fração ideal por proprietário não ultrapasse 4 (quatro) módulos fiscais. o § 2 São também beneficiários desta Lei: I - silvicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o caput deste artigo, cultivem florestas nativas ou exóticas e que promovam o manejo sustentável daqueles ambientes; II - aqüicultores que atendam simultaneamente a todos os requisitos de que trata o caput deste artigo e explorem reservatórios hídricos com superfície total de até 2ha (dois hectares) ou ocupem até 500m³ (quinhentos metros cúbicos) de água, quando a exploração se efetivar em tanques-rede; III - extrativistas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos II, III e IV do caput deste artigo e exerçam essa atividade artesanalmente no meio rural, excluídos os garimpeiros e faiscadores; IV - pescadores que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos I, II, III e IV do caput deste artigo e exerçam a atividade pesqueira artesanalmente. V - povos indígenas que atendam simultaneamente aos requisitos previstos nos incisos II, III e IV do caput do art. 3º; VI - integrantes de comunidades remanescentes de quilombos 30 Lei Federal 11.326/2006. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20042006/2006/Lei/L11326.htm Acesso em 11.10.2011 100 rurais e demais povos e comunidades tradicionais que atendam simultaneamente aos incisos II, III e IV do caput do art. 3º. (...) A agricultura familiar não se realiza em grandes propriedades de terra, mas em pequenas propriedades, valorizando o trabalho de toda a família, mantendo assim também a cultura do campo e apresentando um modelo sustentável de produção de alimentos. O produto que chega às mesas das famílias urbanas é, em sua grande maioria, produto da agricultura familiar. Todavia, a fim de melhorar o sistema, necessário se faz pensar também em cooperativismo entre as famílias, favorecendo ainda mais o trabalho entre os agricultores. A própria Lei 11.326/2006, no mencionado artigo, fala do cooperativismo entre as famílias a fim de aumentar e melhorar a produção no campo. Assim o campo se torna auto-sustentável, e a cidade consome alimentos ricos em nutrientes e que preservam o meio ambiente. Esse modelo pode ser uma alternativa para resolver a questão da fome, não só na região de Guarapuava, mas, inclusive, por todo o mundo, já que valoriza a cultura local consegue suprir as necessidades de cada região. Aí entra a questão de produção local. Para preservar o meio ambiente, devem-se atender prioritariamente as necessidades locais. A produção em massa de alimentos para a exportação também é um fator de destruição ambiental muito sério. Ainda, Maniglia coloca que “o homem rural deve cuidar de manter sua atividade de acordo com o que a natureza lhe oferece, promovendo progresso para a comunidade, por meio de exploração racional de seus meios (2008, p. 97)”. Não há grandes alterações naturais quando o homem respeita a natureza, e assim, todos podem viver dela. Assim, segurança alimentar passa pela distribuição de terra e incentivo à agricultura familiar, proporcionando a todos o direito a alimentação de forma ampla. 101 7. AS CONFERÊNCIAS DE SEGURANÇA ALIMENTAR NO MUNICÍPIO DE GUARAPUAVA31 A Primeira Conferência de Segurança Alimentar realizada em Guarapuava traçou como um dos objetivos do município o incentivo à agricultura ecológica, com o “corte” de incentivos fiscais a todos os agricultores que utilizam agrotóxicos na produção de alimentos e ainda voltou a tratar da questão da limitação à propriedade, que foi tratada em 2010 por todo o Brasil e ainda tratou da importância de incentivar o cooperativismo entre os agricultores, sendo que cabe ao Estado nos três âmbitos (municipal, estadual e federal) o sistema de crédito ao pequeno agricultor. A Conferência Regional, também realizada em Guarapuava, ratificou as propostas e ainda mencionou a importância de fortalecer os conselhos de Segurança Alimentar, sendo que os mesmos devem estar presentes em todos os municípios, ainda foi tratado que as políticas de meio ambiente devem estar integradas as políticas de alimentação, sendo que ambas devem estar juntas. O que se verifica é que a Lei 11.346/2006 e a Emenda 64 da Constituição Federal já mostram o compromisso que governo e população estão assumindo para eliminar de uma vez por todo o mal que assola grande parte do país e da região de Guarapuava: a fome. CONSIDERAÇÕES FINAIS Existem diversas soluções para a fome em todo o planeta e, principalmente para toda a região de Guarapuava, responsável por boa parte da produção agrícola e da pecuária do Estado do Paraná. A criação do Conselho Municipal de Segurança Alimentar, com orçamento próprio, deve ser o fermento para que surjam alternativas para melhorar a situação no 31 Informações prestadas por Eliana Aparecida Rosa Bisol, Assistente Social do Ministério Público do Paraná em Guarapuava/PR e delegada pelo Poder Público em ambas as conferências. 102 campo, evitando o êxodo rural e promovendo a agricultura familiar cooperativada. O fim da mercantilização dos alimentos é uma das alternativas para todo o mundo. Também é dever de todas as nações zelar pela qualidade dos alimentos que chegam a todas as mesas. Eliminar a fome é algo fundamental para o desenvolvimento da região e se as propostas das conferências relacionadas ao tema forem efetivadas acredita-se que será possível a concretização de tal ideal, o que significa que será viável a existência de uma sociedade na qual todas as pessoas possam ser bem alimentadas. REFERÊNCIAS ALENCAR, Chico e outros. Direitos mais humanos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Garamond, 2002. BETTO, Frei. A Mosca Azul. Rio de Janeiro: Rocco, 2006. BORGES, Antonino Moura. Curso Completo de Direito Agrário. 2ª ed. Leme/SP: Edijur, 2007. CONIC. Dignidade Humana e Paz: Novo Milênio sem exclusões. São Paulo: Editora Salesiana Dom Bosco, 2000. MANIGLIA, Elisabeth. As interfaces do Direito Agrário e dos Direitos Humanos e a Segurança Alimentar. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2008. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e Justiça Internacional. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. VADE MECUM 2011. 12ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2011. SITOGRAFIA CANDELORI, Roberto. Os diamantes de Serra Leoa. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u2263.shtml Acesso em 08.10.2011 KEHL, Maria Rita. Dois pesos... .Disponível em http://www.viomundo.com.br/voceescreve/maria-rita-kehl-dois-pesos.html. Acessado em 15.10.2011. BRASIL, Lei Federal 11.326/2006. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11326.htm / BRASIL, Lei Federal 11.343/2006. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/Lei/L11346.htm Acesso em 08.10.2011. Site acessado em 08 de outubro de 2011. TORRES, Bárbara. Fome é violação dos direitos humanos. Disponível em http://noticias.uol.com.br/lusa/ultnot/2002/10/15/ult611u14980. Acesso em 08 de outubro de 2011. 103 ZIEGLER, Jean. Fome e Direitos Humanos. Disponível em: http://www.ecodebate.com.br/2008/04/19/fome-e-direitos-humanos-artigo-de-jeanziegler/ Acessado em 08 de outubro de 2011. INFLUÊNCIA DE PLANTAS DE COBERTURA NAS PROPRIEDADES FÍSICAS DE UM LATOSSOLO COMPACTADO. Prof. Ms. Emmanuel Sanchez - FG Profª Draª Aline Marques Genú – UNICENTRO Prof. Dr. Márcio Furlan Maggi- UNIOESTE RESUMO: As alterações das propriedades físicas dos solos afetam a produtividade das culturas comerciais, dificultando a conquista da sustentabilidade pelas propriedades agrícolas. A utilização de plantas de cobertura para melhoria em solos compactados é devido a agirem como subsoladores naturais. Este trabalho objetivou verificar a influência de quatro espécies de plantas utilizadas como cobertura de solos: ervilhaca (Vicia sativa L.), nabo forrageiro (Raphanus sativus L.), azevém (Lolium multiflorum Lam.) e aveia preta (Avena strigosa Schreb), nas propriedades físicas de um Latossolo Bruno distrófico (LBd) compactado mecanicamente. Foi desenvolvido em Guarapuava, PR, no Campus CEDETEG da Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO). Observou-se que a utilização de plantas de cobertura em solos compactados, logo no primeiro ciclo de cultivo, pode promover uma diminuição na densidade do solo na camada superficial de 0,0 a 0,10m; no entanto, a macroporosidade, microporosidade e porosidade total do solo não sofreram modificações. Também não promoveram mudanças significativas na resistência a penetração do solo, sendo os maiores valores encontrados nas camadas de 0,10 a 0,30 m. Palavras-Chave: Densidade. Compactação de Solos. Plantas de Cobertura. INTRODUÇÃO A compactação do solo é o processo pelo qual as partículas do solo e 104 agregados são rearranjados, tendo estes últimos sua forma e tamanho alterados. Este rearranjo resulta no decréscimo do espaço poroso e aumento da densidade (HAMZA e ANDERSON, 2005). A compactação pode alterar o fluxo de água no solo, reduzir a produtividade da área e aumentar os níveis de erosão, uma vez que, geralmente, reduz a taxa de infiltração, aumentando o escorrimento superficial, pois a difusão da água depende do tamanho dos poros (SEIXAS, 2000). A compactação é um processo que pode ocorrer tanto na superfície como no subsolo, resultante do histórico de tensões recebidas em uma área, através da mecanização ou pelo pisoteio animal, sendo que, segundo Reichert et al. (2003), a principal causa da compactação dos solos agrícolas é o tráfego de máquinas em operações de preparo, semeadura, tratos culturais e colheita, principalmente quando o teor de umidade é inadequado para estas operações (SECCO, 2003; STRECK, 2003). O processo de reconstrução da estrutura do solo compactado, afirma Rossello (2001), pode demandar prolongados períodos de tempo, tornandose necessário encontrar formas de acelerar estes processos de longo tempo, para assegurar a viabilidade de um sistema de produção, e uma destas formas seria o afrouxamento mecânico do solo, preservando a palhada superficial e minimizando os efeitos negativos dos agentes erosivos. Outro enfoque, segundo o autor, seria a exploração das capacidades de certas plantas para desenvolver sistemas de raízes extensas mesmo em solos compactados. As culturas utilizadas como coberturas protetoras dos solos, desempenham importante função na recuperação ou manutenção das qualidades físicas do solo, porque podem modificar as variações de temperatura no interior do solo, particularmente próximo da superfície, podendo alterar consideravelmente o ambiente para o desenvolvimento da sua flora e fauna. Inclusive são promotoras do aumento da macro e micro porosidade através da descompactação, além de incorporarem grande quantidade de matéria orgânica contribuindo, através da biomassa 105 produzida, para o sequestro e fixação de carbono no solo ( FRANCHINI, 2008). Assim, se pode considerar que a descompactação do solo pode ser de forma mecânica e/ou biológica (CAMARGO e ALLEONI, 1997). Estes autores afirmam que as principais medidas mecânicas são a aração e a escarificação; sendo que, na forma biológica é utilizada a rotação de culturas com espécies que podem agir como subsoladores naturais, as quais possuem um sistema radicular agressivo capaz de romper camadas impeditivas, onde não há preparo do solo, sendo o controle das plantas invasoras realizado com herbicidas e a semeadura feita com equipamentos especialmente desenvolvidos para o sistema utilizado. As plantas de cobertura da família das Fabaceas (leguminosas) e Poaceas (gramíneas) têm um papel muito importante em todo este processo, não só pela massa de palhada produzida, mas também na possível melhoria das propriedades físicas, químicas e biológicas do solo. O conhecimento e o entendimento da compactação do solo e suas conseqüências ao sistema produtivo, assim como dos efeitos de determinadas plantas de cobertura numa possível melhoria das condições físicas deste solo, é de grande importância na busca do retorno deste solo às condições ideais para desenvolvimento das culturas comerciais. 1. PROPRIEDADES FÍSICAS DO SOLO Os solos são constituídos de uma mistura de partículas sólidas de natureza mineral e orgânica, também de ar e água, formando um sistema trifásico, sólido, gasoso e líquido. As partículas da parte sólida variam em tamanho, forma e composição química, sendo sua combinação o que forma a matriz do solo. A distribuição quantitativa das partículas de areia, silte e argila desta composição da matriz, constituem a textura do solo, que é uma das características físicas mais estáveis. Esta fase sólida mineral do solo, composta de partículas de areia, silte e argila, normalmente, se encontram reunidas pela ação de agentes cimentantes, formando as unidades 106 estruturais do solo. Os principais agentes cimentantes das partículas são os minerais de argila, a matéria orgânica e os óxidos de ferro e alumínio (CAMARGO e ALLEONI, 1997). A matéria orgânica do solo é formada por resíduos vegetais e animais que são decompostos por microorganismos, formando o húmus, que participa da estruturação do solo e da retenção de água (LEPSCH, 2002). A fração orgânica ocorre no solo em diferentes estágios de decomposição, contando, ainda, com organismos vivos e em atividade (REICHARDT, 1990). A parte líquida do solo é denominada por solução do solo, composta de água, sais minerais e componentes orgânicos coloidais, cuja concentração varia de solo para solo e com o teor de água. A parte gasosa é o ar do solo, que é diferenciado do ar atmosférico devido à respiração das raízes e dos organismos do solo, sendo composta principalmente por oxigênio, gás carbônico e nitrogênio (REICHARDT e TIMM, 2004). Afirma Prevedello (1996) que, para desenvolver e manter um solo produtivo, bem como adequar determinadas estratégias de manejo, é importante que sejam analisadas as propriedades físicas e quimicas dos solos, na medida em que elas afetam a resposta das culturas. 1.1. Porosidade do solo O arranjo destas partículas sólidas do solo, em vários tipos de agregados, forma a estrutura do solo, que apresenta uma porosidade, dividida em macroporos e microporos. Segundo Curi et al. (1993), a porosidade do solo corresponde ao volume do solo não ocupado por partículas sólidas, incluindo todo o espaço poroso ocupado pelo ar e água. Este volume resulta na porosidade total do solo, subdividida em macroporos e microporos. Entre as partículas maiores, como a areia ou entre agregados, predominam poros grandes (macroporos); entre partículas pequenas, como a argila, predominam poros pequenos (microporos) (VIEIRA et al., 1988). Segundo Lima e Lima (1996) os macroporos são responsáveis pela aeração, movimentação de água e penetração de raízes, e os microporos pela 107 retenção de água no solo. A porosidade do solo e a relação entre a macroporosidade e microporosidade são fatores importantes para a avaliação da estrutura do solo. Em solo compactado o numero de macroporos é reduzido, os microporos são em maior quantidade e a densidade também é maior (JIMENEZ, 2008). Ademais, segundo Beutler e Centurion (2003), a quantidade de macroporos influencia no crescimento das raízes e na absorção de água e nutrientes, e sua redução induz ao crescimento lateral de raízes, que diminuem seu diâmetro a fim de penetrarem nos poros menores. A compactação do solo está indiretamente ligada à estrutura, influenciando, principalmente, na formação e estabilidade dos agregados. Como o solo é um material poroso, por compressão, a mesma massa de material sólido pode ocupar um volume menor. Isto afeta sua estrutura definindo a quantidade, o tamanho, o formato e a orientação de espaços vazios no solo e, consequentemente, a relação entre macro e microporos e a continuidade da macroporosidade (REICHARDT, 1990). Essa modificação pode ser atribuída à diminuição da porosidade total e da macroporosidade (RICHART et al., 2005) e ao aumento da microporosidade (MACHADO e FAVARETTO, 2006). 1.2. Densidade do solo A densidade do solo é um importante atributo físico dos solos, por fornecer indicações a respeito do estado de sua conservação, sobretudo em sua influência em propriedades como infiltração e retenção de água no solo, desenvolvimento de raízes, trocas gasosas e suscetibilidade deste solo aos processos erosivos, sendo muito utilizado na avaliação da compactação dos solos (GUARIZ et al., 2009). A elevação da densidade do solo prejudica o desenvolvimento das plantas, ocasionando aumento da resistência mecânica à penetração de raízes, altera a movimentação de água e nutrientes e a difusão de oxigênio e outros gases, levando ao acúmulo de 108 gás carbônico na área radicular (MAPFUMO ET al., 1998; ISHAQ ET al., 2001). A densidade do solo é dependente do espaço poroso, portanto, solos com maior porosidade têm menor densidade de solo, e dessa maneira, todos os fatores que interferem no espaço poroso irão interferir na densidade do solo (MACHADO e FAVARETTO, 2006), como a natureza, a dimensão das partículas e a forma como se acham dispostas (CAMARGO e ALLEONI, 1997). 1.3. Estrutura do solo Além dos aspectos de textura, densidade e porosidade, os solos possuem uma macroestrutura que resulta da disposição das partículas individuais em aglomerados com formas e tamanhos variados, chamados de agregados, ou estrutura do solo. A estrutura do solo está relacionada com praticamente todos os fatores que agem sobre ele, como suprimento de água e aeração, disponibilidade de nutrientes, atividade microbiana, penetração de raízes e outros (REINERT e REICHERT, 2006). Estes mesmos autores afirmam que, um solo bem estruturado apresenta poros adequados para entrada de ar e água no solo; porosidade suficiente para que a água se movimente através do solo, sendo disponível para as culturas, assim como permita uma boa drenagem do solo; porosidade adequada para o crescimento das culturas após a germinação das sementes, permitindo que as raízes explorem um maior volume de solo em busca de ar, água e nutrientes; e resistência à erosão pela alta agregação deste solo. A perda destas condições, segundo Tormena et al. (1998-b), pode ocorrer pelas práticas de manejo, influenciando a produtividade das culturas por meio das modificações na disponibilidade de água, na difusão do oxigênio e na resistência do solo à penetração das raízes. Conforme Silva et al. (2004) a utilização intensiva de máquinas e implementos agrícolas tem 109 contribuído para modificar as propriedades físicas e dinâmicas dos solos, tendo despertado o interesse dos pesquisadores por estudos de compactação e dinâmica do solo. 2. A COMPACTAÇÃO DOS SOLOS AGRÍCOLAS O sistema radicular das culturas exige um suprimento adequado de oxigênio para manter seu funcionamento fisiológico, pois as raízes realizam trocas gasosas por meio de um sistema poroso que também deve assegurar um suprimento adequado de nutrientes e água (TORRES e SARAIVA, 1999). Autores como Tavares et al. (2008), definem compactação do solo como a redução do volume por ação de pressão externa, como tráfego de máquinas, implementos agrícolas ou pressão de cascos de animais, sendo que a profundidade varia com a causa, e para as máquinas em geral é de acordo com a profundidade de ação dos implementos (cerca de 20-30 cm). As operações com máquinas agrícolas pesadas também foram comentadas por Hakansson e Reeder (1994), salientando que existem várias técnicas mecânicas capazes de reduzir a compactação do solo, entretanto sua utilização normalmente é de custo elevado e raramente são capazes de corrigir totalmente os efeitos da compactação. Os autores recomendam evitar a compactação através da minimização do carregamento mecânico sobre o solo, do que periodicamente descompactá-lo. Salientam ainda que, caso sejam aplicadas cargas excessivas após feita a descompactação do solo, este novamente apresentará compactação sub-superficial. O estado de compactação do solo tem sido avaliado por meio de diversos parâmetros físicos, tais como: densidade do solo, porosidade total, relação de vazios, resistência do solo a penetração das raízes, entre outros (IMHOFF et al., 2001). A recuperação das propriedades físicas do solo pode ser através de métodos mecânicos, com máquinas e implementos agrícolas; assim como por métodos chamados por biológicos, devido a serem utilizadas plantas e 110 matéria orgânica para realizarem as correções necessárias nestas propriedades. Vários pesquisadores como Albuquerque et al. (1995); Cattelan et al. (1997) e Silva e Mielniczuk (1997) ressaltam a importância da adoção de sistemas que envolvam menos mobilização do solo tais como: cultivo mínimo e semeadura direta, associados à rotação de culturas e à utilização de plantas de cobertura de inverno, na melhoria dos atributos físicos do solo. Inclusive Albuquerque et al. (1995) afirmam que são necessários de três a quatro anos sob condições deste manejo, para o solo desenvolver uma porosidade mais favorável ao crescimento de raízes. 3. PLANTAS DE COBERTURA As plantas de cobertura do solo entram no processo de produção proporcionando efeitos positivos, como supressão de plantas daninhas, conservação da umidade do solo, acúmulo de nutrientes na superfície e controle da erosão (SANTOS e REIS, 2001). Atualmente, o conceito de plantas de cobertura tem evoluído para, não somente a incorporação da massa produzida, mas também, como participante do processo de conservação do solo, através da prática de rotação de culturas, sucessão ou consorciação, sendo deixada na superfície do solo, sem incorporação, e deste modo visando a proteção do solo contra as variações de temperatura, impacto da gota da chuva e ação dos ventos (TAVARES et al., 2008). Segundo Capeche et al. (2008) e Rossi (2002), os benefícios das plantas de cobertura podem ser vários, como a manutenção de elevadas taxas de infiltração de água pelo efeito combinado do sistema radicular e da cobertura vegetal; promover grande e contínuo aporte de massa vegetal ao solo, de maneira a manter, ou até mesmo elevar o teor de matéria orgânica; atenuar a amplitude térmica e diminuir a evaporação; possuem sistema radicular agressivo que rompe camadas compactadas e promove aeração e estruturação das partículas, induzindo ao “preparo biológico do solo”; 111 promove a reciclagem de nutrientes e diminui sua lixiviação; a adição de nitrogênio ao solo através da fixação biológica por parte das leguminosas; reduz a população de ervas daninhas através do efeito supressor e/ou alelopático, devido ao rápido crescimento inicial e exuberante desenvolvimento da massa vegetal e apresenta múltiplos usos na propriedade. 4. CARACTERIZAÇÃO DO LOCAL DO EXPERIMENTO O experimento foi conduzido no município de Guarapuava, estado do Paraná, Brasil, no Terceiro Planalto Paranaense a 1.200 m de altitude, na Microrregião Homogênea Campos de Guarapuava da região Centro-Sul Paranaense, dentro do Campus CEDETEG – UNICENTRO, no campo experimental do curso de Agronomia, na Unidade de Pesquisa da Batata e Microclima, cujas coordenadas são 25° 23’ 42’’ S e 51° 27’ 28’’ W. O clima pela classificação de Köeppen, é do tipo Cfb, mesotérmico, úmido, sem estação seca e com verões frescos, com temperatura média anual de 17°C, a precipitação média anual é de 1.961 mm e a média anual da umidade relativa do ar é de 78% (TOMAZ e VESTENA, 2003; IAPAR, 2000). 5. CARACTERIZAÇÃO DAS ESPÉCIES UTILIZADAS Sabendo dos hábitos das plantas de cobertura, quatro espécies foram escolhidas para o estudo, sendo duas gramíneas (Poáceas) e duas leguminosas (Fabáceas). A aveia preta (Avena strigosa Schreb) é uma planta da família das gramíneas, rústica, exigente em água, com excelente capacidade de perfilhamento, produção de massa verde e resistente a pragas e doenças (MONEGAT, 1991). O plantio é realizado entre abril e meados de maio na região sul, sendo a quantidade de sementes entre 60 a 80 Kg por hectare, e feita em sulcos espaçados de 17 a 30 cm, com população média de 300 plantas m-2 e as sementes distribuídas a uma profundidade máxima de 5 cm (MONEGAT, 1991). Este autor informa que esta cultura atinge uma cobertura plena do solo entre 45 a 60 dias, e inicia 112 sua floração aos 100 dias. O azevém (Lolium multiflorum Lam.) é uma gramínea anual, cespitosa, que possui folhas finas e tenras, cujo porte chega a atingir 1,2 metros de altura (MONEGAT, 1991). É rústica, agressiva e perfilha em abundância, razão pela qual é uma das gramíneas hibernais mais cultivadas no sul do país, tanto para corte como para pastagens, sendo adaptada a temperaturas baixas (não resiste ao calor), desenvolvendo-se somente durante o inverno e a primavera (EMBRAPA, 2006). Devido a sua grande capacidade de ressemeadura natural, permanece na área de um ano para outro, sendo a época de plantio concentrada entre março e abril, com espaçamento de 20 cm entre-linhas, utilizando entre 20 a 30 quilos por hectare, atingindo uma cobertura plena do solo entre 50 a 60 dias, iniciando sua floração aos 100 dias. (EMBRAPA, 2006; MONEGAT, 1991). O nabo forrageiro (Raphanus sativus L.) é uma planta da família das Crucíferas, muito utilizada para adubação verde no inverno, sendo uma planta muito vigorosa, que em 60 dias cobre cerca de 70% do solo (COSTA, 1992). Seu sistema radicular é pivotante, bastante profundo, atingindo em média 40 cm, com o florescimento ocorrendo entre 65 a 75 dias após o plantio, atingindo sua plenitude aos 100 dias, com a altura variando de 1,00 a 1,60 m e, devido ao seu rápido crescimento, compete com as ervas daninhas invasoras desde o início, diminuindo os gastos com herbicidas ou capinas, o que facilita a cultura seguinte (MONEGAT, 1991). Produz grande volume de palha para a prática do plantio direto, sendo a recomendação de semeadura entre 15 – 20 kg ha-1 de sementes, e por isso, é importante para a rotação de culturas (COSTA, 1992). A ervilhaca comum (Vicia sativa L.) é uma leguminosa forrageira muito utilizada como adubo verde, pois permite consórcio com gramíneas, produz forragem de elevado teor proteico e de boa palatabilidade (MONEGAT, 1991). Recomenda-se 30-80 kg ha-1 de sementes (produção de sementes e adubação verde respectivamente), sendo o espaçamento de 50 cm entre linhas com 100 a 120 sementes m-2 (EMBRAPA, 2006; MONEGAT, 113 1991). 6. PREPARO DA ÁREA Todas as parcelas dos tratamentos foram submetidas ao tráfego de trator, em seis passadas (tráfego cumulativo) consecutivas do rodado por uma mesma linha, e repetido sucessivamente para toda a área do experimento. Calculou-se a pressão de contato com o solo, através da divisão da carga atuante sobre os pneus de tração pela sua respectiva área de contato. O carregamento sobre os pneus do trator foi obtido por meio de cálculo da distribuição do peso do mesmo sobre os eixos dianteiro e traseiro, devido ao trator utilizar a tração nos quatro pneus. A área de contato entre o pneu e o solo foi determinada utilizando-se a metodologia proposta por Trein (1995), a qual consta da marcação com cal o entorno do pneu. A área de contato do pneu (estático) com o solo vem a ser obtida pelo cálculo de área (base x altura) da marcação de cal numa superfície plana, resultando neste caso em 995,31 cm2. O trator utilizado na compactação da área experimental foi da marca VALMET, modelo 885-S Premium, 4x4 com tração nos quatro rodados, peso total de 5978 Kg. O trator contava com 6 lastros dianteiros de 37,5 Kg. A pressão de inflação dos pneus foi a recomendada pelo fabricante (125 kPA). Como resultado obteve-se uma pressão de contato do pneu com o solo de 147,25 kPA, repetidas em seis passadas consecutivas em cada linha do experimento, cobrindo completamente toda a área. 7. DELINEAMENTO EXPERIMENTAL E VARIÁVEIS AVALIADAS O delineamento experimental utilizado foi em blocos ao acaso com 5 repetições, dividido em 20 parcelas com 5,0 x 4,0 metros (20 m2 cada) com espaçamento de 1,5 metros entre tratamentos e 2,0 metros entre blocos. Após a compactação mecânica com trator, foram retiradas duas amostras em cada parcela nas profundidades de 0,0 a 0,10 e 0,10 a 0,20m, totalizando 40 amostras com estrutura não deformada. No período de floração, em cada parcela, devido às culturas terem atingido neste momento 114 seu maior desenvolvimento da parte aérea e radicular, foi realizada uma nova coleta de amostras não deformadas com mesmo procedimento anterior. As amostras de solo foram saturadas por vinte e quatro horas em bandeja com uma lâmina de água cobrindo 2/3 de sua altura. Em seguida foram pesadas e submetidas ao potencial de -0,006 MPa (sucção leve) em uma mesa de tensão adaptada de Klein (2008), drenando assim a água contida nos macroporos. As amostras foram novamente pesadas e colocadas em estufa para secagem a 105°C por 24 hor as, sendo novamente pesadas, já sem nenhuma umidade, e todos os dados foram submetidos às equações especificas. As análises laboratoriais físicas foram realizadas no laboratório de solos do Campus CEDETEG, departamento de Agronomia, para obtenção dos seguintes dados: densidade do solo, microporos, macroporos e porosidade total, utilizando o Método do anel volumétrico (Anel de Kopecky) submetido a Mesa de Tensão (EMBRAPA, 1997; KLEIN, 2008). Os dados obtidos de laboratório foram submetidos às seguintes equações: -3 Densidade (g cm ) = Ms / Vt ..........................................................(equação 1) Na qual: Ms = peso da amostra seca a 105 ºC, sem o cilindro, Vt= volume da amostra. -3 Microporosidade (g cm ) = (Ma – Ms) / Vt ...................................(equação 2) Na qual: Ma = peso da amostra após ser submetida a uma tensão de 60cm de coluna de água, Ms = peso da amostra seca a 105 ºC, e Vt = volume da amostra. -3 Macroporosidade (g cm ) = (Mt – Ma) /Vt.......................................(equação 3) Na qual: Mt = peso da amostra saturada, Ma = peso da amostra após submetida a mesa de tensão, e Vt = volume da amostra. -3 Porosidade total (g cm ) = macroporosidade + microporosidade....(equação 4) Em cada parcela, após a floração das culturas, momento em que 115 estas atingiram seu maior crescimento vegetativo e por ser o estágio de desenvolvimento em que deve ser realizado seu corte para o plantio da cultura comercial, foi avaliada a resistência a penetração utilizando o aparelho Penetrômetro de Impacto, Modelo IAAP/PLANALSUCAR-STOLF (STOLF, 1998), com três leituras por parcela para obter um melhor comparativo entre os pontos de penetração, e cada leitura em cinco níveis de profundidade exigidos pelo programa de cálculo, fornecendo os dados que foram digitados no PNRT – Programa para Cálculo da Resistência do Solo ao Penetrômetro de Impacto – SCS-IAC, que gerou um arquivo com as resistências de 0 a 0,50m em MPa (PNRT, 1991). Nas leituras realizadas a umidade gravimétrica do solo se situava em 29%, obtida através de 5 amostras de solo, coletadas até 0,40m de profundidade, sendo pesadas como vieram do campo e submetidas a secagem a 105 ºC até a estabilização do peso. A diferença forneceu o percentual de umidade existente nas amostras. 8. ANÁLISES ESTATÍSTICAS As análises estatísticas foram realizadas com o auxílio do Software ASSISTAT (SILVA, 2011). Inicialmente os resultados obtidos foram submetidos ao teste de Bartlett para verificar sua homogeneidade, confirmando que todas as variâncias eram homogêneas, a seguir foram submetidos a analise de variância com o propósito de conhecer as diferenças significativas entre os tratamentos pelo procedimento ANOVA. Os efeitos dos tratamentos sobre as propriedades físicas do solo foram avaliados pela análise da variância segundo o delineamento de blocos casualizados, por camada de solo, e entre os momentos da compactação e da floração. A diferença entre as médias de tratamentos foi avaliada pelo teste de Tukey, ao nível de 1% e 5% de probabilidade, comumente utilizado em trabalhos similares. Comparou-se os efeitos promovidos pelas culturas (tratamentos), na densidade, macroporosidade, microporosidade e porosidade total, e também entre as médias no momento da compactação mecânica e no momento da floração. Quanto à resistência do solo, 116 comparou-se somente as médias dos efeitos promovidos pelas culturas (tratamentos) no momento da floração, buscando a espécie que mais promove melhorias no solo em relação a este atributo. 9. RESULTADOS E DISCUSSÃO 9.1. Densidade do Solo Nos dados da tabela 1, são apresentadas as densidades no momento da compactação e os efeitos dos diferentes tratamentos nas duas profundidades avaliadas. Pode-se observar nas camadas de 0,0 a 0,10m e de 0,10 a 0,20m, que todos os tratamentos (dados colocados na linha) obtiveram resultados dentro da média, demonstrando que as espécies utilizadas, em seu primeiro ciclo de cultivo, promoveram efeitos similares na densidade do solo, não havendo possibilidades de escolher as espécies mais efetivas na melhoria deste atributo físico do solo. Tabela 1. Densidade do solo em função das plantas de cobertura e camada avaliada. Plantas de cobertura Azevém Aveia Nabo Ervilhaca -3 Densidade do solo (g cm ) Camada 0 – 0,10 m 1 3 Compactação 2 Tratamento 1,169 a A 1,175 a A 1,165 a A 1,163 a A 1,111 a B 1,118 a B 1,104 a B 1,121 a B Camada 0,10 – 0,20 m 1 Compactação 2 Tratamento 0,907 a A 0,954 a A 0,973 a A 0,945 a A 0,963 a A 0,950 a A 0,970 a A 0,958 a A 1 Após compactação mecânica; 2Após o florescimento das culturas; 3Médias seguidas pela mesma letra minúscula nas linhas, e maiúsculas nas colunas, dentro de cada camada, não diferem significativamente entre si, pelo teste de Tukey (p<0,01). Quando relacionamos os resultados dos tratamentos, na camada de 0,0 a 0,10m com a densidade no momento da compactação (dados 117 colocados na coluna), verificamos uma redução média de 4,6% na densidade do solo, nesta profundidade, após o ciclo das culturas de cobertura. Assim, a densidade não foi estatisticamente diferente entre os tratamentos, nas duas camadas avaliadas (0,0 a 0,10m e 0,10 a 0,20m), mas observa-se que na camada de 0,0 a 0,10m houve tendência de diminuição na densidade quando comparada com o momento da compactação, enquanto que nas demais camadas, houve manutenção da densidade do solo neste período. Enquanto as densidades maiores em superfície podem ser devido ao trânsito de máquinas, a sua diminuição após o ciclo das plantas de cobertura, indica uma melhoria na qualidade física do solo decorrente possivelmente da atividade da fauna edáfica e das raízes, as quais atuam na formação de canais (COSTA et al., 2003). Estes resultados para densidade são semelhantes aos obtidos por Albuquerque et al. (1995) e Bertol et al. (2000). Os resultados obtidos por Jimenez et al. (2008) e Muller et al (2001), estudando a massa de matéria seca de raízes de plantas de cobertura, observaram que para todas as espécies estudadas, e em todas as densidades, ocorreu maior concentração de raízes na camada superior (0,0 a 0,15m profundidade). Os mesmos autores avaliaram que este comportamento ocorre quando existem restrições ao crescimento radicular em subsuperficie. Outros trabalhos também relatam o acúmulo de raízes acima da camada compactada, entre eles os de Alvarenga et al. (1996), Silva e Rosolem (2002) e Gonçalves (2005); observando que as mudanças nas condições físicas do solo, em subsuperficie, são limitantes à penetração de raízes, concentrando-as próximas a superfície. Segundo Capeche et al. (2008) as plantas de cobertura possuem sistema radicular agressivo que rompe camadas adensadas, promovendo aeração e estruturação das partículas do solo. Este fato também foi constatado por Reinert et al. (2008), onde verificou uma redução da densidade do solo pelo uso de plantas de cobertura apenas na camada mais 118 superficial, assim como Franchini et al. (2009) evidenciou que é possível descompactar camadas de solo, sem intervenção mecânica e, deste modo, aumentar o desenvolvimento radicular e a disponibilidade hídrica para a soja. Estudos realizados por Costa et al. (2003) em Latossolo Bruno, constataram que a adoção do sistema de plantio direto (que utiliza as plantas de cobertura como técnica de cultivo) promoveu uma melhoria nas propriedades físicas do solo, evidenciando uma diminuição de 9% (de 1,08 para 0,99 Mg m-3) na densidade do solo em subsuperfície (0,10 – 0,20m). Já em pesquisas realizadas por Aguiar et al. (2010), onde foi feita a aração com incorporação da biomassa das plantas de cobertura ao perfil, não foram observadas diferenças significativas para densidade do solo, entre as profundidades de 0,0-0,10m; 0,10-0,20m; 0,20-0,30m, e para as diferentes plantas; estes pesquisadores não encontraram resultados que favoreçam a ação das plantas. Em trabalho realizado por Cubilla et al. (2002), também não se verificou efeito significativo nos valores de densidade do solo para diferentes sistemas de sucessão-rotação de culturas ao final de três anos. Assim como as pesquisas apresentadas por Abrão et al. (1979), que verificaram maior densidade do solo em subsuperficie ( 0,10 a 0,30m) sob plantio direto. Todavia, os autores consideram que o beneficio da inclusão de plantas de cobertura está ligado principalmente a criação de poros biológicos de alta funcionalidade na aeração e infiltração de água no solo. Sendo conhecida a classe textural do solo estudado, é possível estabelecer parâmetros de valores de densidade considerados limitantes à produtividade agrícola, como apresentado por Lima et al. (2007), que considerou estando entre 1,25 a 1,30 Mg m-3 para solos argilosos; e Reinert e Reichert (2001) estabeleceram os valores críticos de densidade para culturas comerciais em solos argilosos em 1,45 Mg m-3. Observa-se na tabela 1 que mesmo após a compactação mecânica o valor máximo de 119 densidade atingido foi de 1,17 Mg m-3 na camada superficial de 0,0 a 0,10m, o que demonstra não terem sido atingidos os referidos valores críticos, mas possivelmente já promoveram uma redução no elongamento das raízes. 9.2. Porosidade do solo As tabelas 5, 7 e 8 mostram os resultados da porosidade do solo, divididas em volume de macroporos, volume de microporos e porosidade total. Nas camadas de 0,0 a 0,10m e 0,10 a 0,20m de solo, os dados demonstram que todos os resultados dos tratamentos não tiveram diferenças significativas, tendo um ciclo de culturas de coberturas de inverno, até o momento de sua floração, não produzindo nenhuma alteração verificada. Como observado por Ferreira et al. (2000) a melhoria na estrutura do solo promovida pelas plantas de cobertura, resulta em benefícios quanto à porosidade e aeração do solo, bem como na capacidade de retenção de água no solo, somente após a decomposição das raízes, formando-se galerias no solo e facilitando a infiltração da água das chuvas. Segundo Abreu (2000), a quantidade de poros que as raízes formam, é em razão da decomposição das mesmas, e são mais estáveis, e o processo de decomposição e a ação dos microorganismos criam um material cimentante que os torna mais estáveis que os formados por processos de descompactação mecânica. Tabela 2. Macroporosidade em função das plantas de cobertura e camada avaliada. Plantas de cobertura Azevém Aveia Nabo Ervilhaca 3 -3 Macroporosidade (cm cm ) Camada 0 – 0,10 m 1 Compactação 2 Tratamento 3 0,123 a A 0,134 a A 0,142 a A 0,136 a A 0,122 a A 0,126 a A 0,120 a A 0,108 a A Camada 0,10 – 0,20 m 120 1 Compactação 2 Tratamento 0,169 a A 0,172 a A 0,159 a A 0,168 a A 0,129 a A 0,152 a A 0,133 a A 0,127 a A 1 Após compactação mecânica; 2Após o florescimento das culturas; 3Médias seguidas pela mesma letra minúscula nas linhas, e maiúsculas nas colunas, dentro de cada camada, não diferem significativamente entre si, pelo teste de Tukey (p<0,05). . Conforme tabela 2, verificamos o pequeno volume de macroporos (média de 0,119 cm3 cm-3) na camada de solo de 0,0 a 0,10m, e próximo do limite crítico restritivo para o desenvolvimento radicular das culturas, conforme apontado por Andrade e Stone (2009), de 0,100 cm3 cm-3. Estes resultados são corroborados por Giarola et al. (2007), que indicam que uma pequena proporção de macroporos encontrada no solo, sugere a ocorrência de problemas de compactação e que, até o momento, o manejo adotado ainda não contribuiu para a recuperação da estrutura do solo. Segundo Souza et al. (2005), a redução nos macroporos tem grande efeito sobre o desenvolvimento radicular das plantas por imprimir ao solo condições de baixa aeração. Um solo ideal para a produção agrícola deve apresentar porosidade total próxima a 0,50 cm3 cm-3 e uma distribuição percentual de 34% de macroporos e 66% de microporos (ANDRADE E STONE, 2009). Kiehl (1979) já afirmava que, idealmente, um solo deve possuir 50% do seu volume ocupado por poros; deste volume, 1/3 deve corresponder aos macroporos e 2/3 aos microporos, e 50% de sólidos (45% de matéria mineral e 5% de matéria orgânica), e, concordando com Brady e Weil (2002), também consideram a relação micro/macroporos ideal para as culturas agrícolas em 2:1 (tabela 3). Os baixos valores de macroporosidade e altos valores na relação micro/macroporos implicam em uma aeração deficiente do solo, o que seguramente prejudica o desenvolvimento das culturas. Tomando estes dados como referência para analise, pode-se observar que o solo do local do experimento sofreu modificações com o decorrer dos cultivos anteriores, 121 assim como um forte impacto causado pelas passadas do trator, demonstrado pelos atuais valores de densidade e porosidade. Tabela 3. Relação Micro/Macroporos no solo, em função das plantas de cobertura e camada avaliada. Plantas de cobertura Azevém Aveia Nabo Ervilhaca Relação Micro/Macroporosidade Camada 0 – 0,10 m 1 Compactação 2 Tratamento 3,9 : 1 3,6 : 1 3,3 : 1 3,5 : 1 4,0 : 1 3,8 : 1 4,0 : 1 4,5 : 1 3,2 : 1 3,4 : 1 4,3 : 1 3,6 : 1 3,0 : 1 3,1 : 1 4,0 : 1 4,2 : 1 Camada 0,10 – 0,20 m 1 Compactação 2 Tratamento Proporção ideal de 2:1 segundo Kiehl (1979) e Brady e Weil (2002). compactação mecânica; 2Após o florescimento das culturas; 1 Após Assim, a proporção média ideal de macroporos para as camadas de 0,0 a 0,10m e 0,10 a 0,20m, provavelmente seriam respectivamente de 0,200 cm3 cm-3 e 0,230 cm3 cm-3. No entanto tem-se os dados de 0,119 cm3 cm-3 e 0,150 cm3 cm-3 respectivamente (tabela 2), sendo uma redução média de 38% no volume ideal de macroporos para este tipo de solo. Já no volume de microporos encontrados (tabela 4), onde o ideal para as camadas amostradas seria de 0,390 cm3 cm-3 e 0,440 cm3 cm-3 respectivamente, encontramos o volume de 0,480 cm3 cm-3 e 0,510 cm3 cm3 , um aumento médio de 20 % no volume considerado ideal dos microporos, sendo também um indicativo de solo compactado. Este resultado é corroborado nos estudos de Boeni (2000), que, trabalhando com Latossolo Vermelho e Argissolo Vermelho trafegados por trator, encontrou redução da porosidade total e aumento da microporosidade. Assim como, Moraes et al. (1995), também observou que a porosidade total teve um decréscimo com a 122 elevação do nível de compactação, e Tormena et al. (1998-a), trabalhando com Latossolo Vemelho-Escuro, argiloso, submetido a tráfego cumulativo, observou que houve redução, em média, de 24% do volume de poros, e o volume de microporos teve um acréscimo médio de 10%. Tabela 4. Microporosidade em função das plantas de cobertura e camada avaliada. Plantas de cobertura Azevém Aveia Nabo Ervilhaca 3 -3 Microporosidade (cm cm ) Camada 0 – 0,10 m 1 Compactação 2 Tratamento 3 0,480 a A 0,481 a A 0,478 a A 0,480 a A 0,486 a A 0,485 a A 0,479 a A 0,492 a A 0,543 a A 0,543 a A 0,560 a A 0,544 a A 0,527 a A 0,532 a A Camada 0,10 – 0,20 m 1 Compactação 2 Tratamento 0,536 a A 0,537 a A 1 Após compactação mecânica; 2Após o florescimento das culturas; 3Médias seguidas pela mesma letra minúscula nas linhas, e maiúsculas nas colunas, dentro de cada camada, não diferem significativamente entre si, pelo teste de Tukey (p<0,05). A utilização de plantas de cobertura não promoveu alterações nestes atributos físicos do solo (porosidade total, micro e macroporosidade), ocorrendo somente o arranjo natural das partículas, não sendo reflexo das práticas de manejo com estas plantas. Resultado similar ao obtido por Aguiar et al. (2010), que mesmo com a incorporação da biomassa das plantas de cobertura, não foram observadas diferenças significativas para a porosidade total, macroporosidade e microporosidade. Tabela 5. Porosidade total em função das plantas de cobertura e camada avaliada. Plantas de cobertura Azevém Aveia Nabo Ervilhaca 3 -3 Porosidade total (cm cm ) 123 Camada 0 – 0,10 m 1 Compactação 2 3 0,603 a A 0,609 a A Tratamento 0,616 a A 0,620 a A 0,616 a A 0,612 a A 0,600 a A 0,601 a A 0,712 a A 0,702 a A 0,689 a A 0,696 a A 0,688 a A 0,669 a A 0,669 a A 0,664 a A Camada 0,10 – 0,20 m 1 Compactação 2 Tratamento 1 Após compactação mecânica; 2Após o florescimento das culturas; 3Médias seguidas pela mesma letra minúscula nas linhas, e maiúsculas nas colunas, dentro de cada camada, não diferem significativamente entre si, pelo teste de Tukey (p<0,05). 9.3. Resistência do solo a penetração A avaliação do solo quanto a sua resistência a penetração é apresentada na tabela 6. Observa-se que os maiores valores de resistência ocorreram nas camadas de 0,10 a 0,30m evidenciando que nestas camadas ocorreu acúmulo das tensões impostas pela compactação mecânica, promovendo a compactação do solo. Esta é uma camada característica de impedimento, tanto para o crescimento e penetração de raízes, como para infiltração de água no solo. Estes resultados são semelhantes aos encontrados por Tormena et al. (1998-a), onde foi verificado que a resistência do solo em plantio direto, demonstrou efeitos do tráfego até a profundidade de 0,35m. Não foram encontradas diferenças entre as médias de resistência do solo em cada camada avaliada individualmente. Os tratamentos com plantas de cobertura de inverno não promoveram mudanças significativas na resistência do solo nas camadas individuais de 0,0 a 0,50m, não sendo assim verificados resultados que possam demonstrar quais espécies seriam mais eficientes para promover uma melhoria deste atributo físico do solo, já no primeiro ciclo de cultivo. Tabela 6. Resistência do solo e camada avaliada, em função das plantas de cobertura de inverno após o florescimento. Umidade gravimétrica de 29%. 124 Plantas de cobertura Camada (m) Azevém Aveia Nabo Ervilhaca Resistência do solo a penetração (MPa) 0,00 – 0,10 0,906 a 0,814 a 0,846 a 0,882 a 0,10 – 0,20 1,274 a 1,334 a 1,282 a 1,362 a 0,20 – 0,30 1,094 a 1,004 a 1,058 a 1,046 a 0,30 – 0,40 0,916 a 0,914 a 0,836 a 0,910 a 0,40 – 0,50 0,922 a 0,922 a 0,898 a 0,918 a Médias seguidas pela mesma letra nas linhas, dentro de cada camada, não diferem significativamente entre si, pelo teste de Tukey (p<0,05). Estudos afirmam que a resistência do solo pode ser diminuída com vários cultivos de plantas de cobertura em anos sucessivos, pois segundo Reinert et al. (2008), foi verificado em seus trabalhos, uma redução da densidade do solo pelo uso de plantas de cobertura apenas na camada mais superficial, assim como Franchini et al. (2009) evidenciou que é possível descompactar camadas de solo, sem intervenção mecânica e, deste modo, aumentar o desenvolvimento radicular e a disponibilidade hídrica para a soja. Debiase (2008), relatou a eficiência das plantas de cobertura do solo na redução da compactação do solo, após quatro anos de condução de experimento em Argissolo, anteriormente degradado fisicamente pelo pisoteio animal. A resistência apresentada nas camadas de solo de 0,10 a 0,20m e 0,20 a 0,30m ficou entre 1,313 MPa e 1,050 MPa respectivamente, mesmo após o ciclo destas culturas de cobertura, o que pode ter afetado o crescimento destas plantas, conforme os resultados obtidos por Cintra e Mielniczuk (1983) citado por Cubilla (2002), que encontraram uma redução de 50% no comprimento radicular de várias culturas, quando a resistência à penetração foi de 1,1 MPa, em um Latossolo Vermelho-Escuro, de característica muito argilosa, similar ao Latossolo Bruno estudado, indicando 125 que, nessa situação, a produtividade das plantas pode ser reduzida. Isso sugere que a compactação mecânica do solo causa efeitos detrimentais na sua estrutura, principalmente abaixo da camada de 0,15m, sinalizando maiores cuidados com as operações realizadas com tratores. Esta camada mais compactada poderá continuar promovendo impedimentos às culturas comerciais, o que pode ser observado também em estudo de Foloni et al. (2000), onde consideram que a utilização de plantas de cobertura pode ser uma alternativa para os sojicultores com problemas de compactação no solo. Estes autores avaliaram comparativamente o desempenho da soja e de cinco leguminosas quanto ao potencial destas como descompactadoras do solo. O experimento foi realizado em casa de vegetação e verificaram que tanto a soja e as leguminosas utilizadas foram significativamente sensíveis ao aumento da compactação do solo quanto ao crescimento radicular. Assim como Dexter (2004) afirma que, a resistência do solo juntamente com a densidade do solo, são atributos físicos que influenciam diretamente o crescimento das raízes e, conseqüentemente, a parte aérea das plantas. Quando aumenta a resistência à penetração do solo, o sistema radicular apresenta desenvolvimento reduzido, podendo comprometer a produtividade da área. Os diferentes níveis de compactação deste solo podem ter afetado o crescimento do sistema radicular das culturas de inverno, como constatado por Jimenez et al. (2008), que verificaram uma influencia no crescimento de raízes de plantas de cobertura, concentrando-as na camada superior, devido a presença de compactação em um Latossolo Vermelho. Assim como Santos et al. (2009), em uma área de Latossolo VermelhoAmarelo, afirmam que o aumento da densidade do solo restringe o crescimento radicular à medida que a raiz encontra poros menores e em menor número, e Foloni et al. (2006), complementam a ação destas culturas, afirmando que as espécies vegetais com sistema radicular agressivo e abundante provocam desarranjos no solo ao penetrar camadas com alta resistência mecânica e, ao sofrer decomposição, deixam canais que 126 contribuem para a infiltração de água e difusão de gases, melhorando a qualidade física do solo para as próximas culturas. CONSIDERAÇÕES FINAIS A utilização de plantas de cobertura em solos compactados, logo no primeiro ciclo de cultivo, pode promover uma diminuição na densidade do solo na camada superficial de 0,0 a 0,10m; no entanto, a macroporosidade, microporosidade e porosidade total do solo não sofreram alterações neste período. Não houve diferença significativa entre os resultados de resistência do solo em relação às espécies de cobertura, não sendo assim verificadas alterações que demonstrem quais espécies promovem melhorias deste atributo físico do solo, já no primeiro ciclo de cultivo. Os maiores valores de resistência à penetração foram encontrados nas camadas de 0,10 a 0,30 m, caracterizando a formação de uma camada compactada em subsuperficie. Os tratamentos realizados com plantas de cobertura de inverno não apresentaram diferenças que possam apontar para a espécie mais eficiente para agir na melhoria de um solo compactado já em seu primeiro ciclo de cultivo, e anteriormente à decomposição de suas raízes. Estudos repetidos sucessivamente em vários anos, no mesmo local, poderiam esclarecer melhor estas possíveis influências das plantas de cobertura nas propriedades físicas avaliadas. REFERÊNCIAS ABRÃO, P. U. R.; GOEPFERT, C. F.; GUERRA, M.; ELTZ, F. L. F. e CASSOL, E. A. Efeitos de sistemas de preparo do solo sobre características de um Latossolo Roxo distrófico. Revista Brasileira de Ciência do Solo, 3:169-172, 1979. ABREU, S. L. Propriedades hídricas e mecânicas afetadas por sistemas de manejo e variabilidade espacial de um argissolo. 2000, Santa Maria, Tese de Mestrado, Universidade Federal de Santa Maria, 2000. 65 p. AGUIAR, R. A.; MOREIRA, J. A. A.; STONE, L. F.; BERNARDES, T. G.; JESUS, R. P. 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A pesquisa teve abordagem qualitativa, utilizando-se de documentos oficiais como o Projeto Político Pedagógico e matriz curricular, cedidos pelas duas instituições participantes da pesquisa e de consultas bibliográficas. Palavras-Chave: Pedagogia. Identidade. Diretrizes Curriculares. Projeto Político Pedagógico.. INTRODUÇÂO Desde a criação o curso de Pedagogia no Brasil, em 1939, vem se buscando delinear o papel do pedagogo e a identidade do curso. Apesar das várias transformações na legislação e regulamentação que o curso tem perpassado parece não haver consenso entre os educadores sobre essas questões. 32 Graduada em Pedagogia e Serviço Social pela UNICENTRO. Pós – graduada em Formação de Professores para Docência do Ensino Superior pela UNICENTRO. E graduanda do curso de Ciências Sociais pela Faculdade Guarapuava. 133 Buscamos com esse estudo33, fazer uma retrospectiva histórica do curso de pedagogia no Brasil desde a criação do curso até a aprovação das diretrizes nacionais, com o objetivo de compreender como as mesmas se consolidam nos cursos de Pedagogia, a saber: o curso oferecido pela UNICENTRO (Guarapuava/PR) e pela UNIOESTE (Francisco Beltrão/PR). A pesquisa pretende responder às seguintes questões: O que é Pedagogia, em que momento histórico ela se configura em nosso país? Como se deu a construção das Diretrizes Curriculares Nacionais? Quais direcionamentos curriculares esses documentos propõem para o curso? De que forma o curso, objeto da pesquisa, atende às determinações das Diretrizes Curriculares? Esse artigo está estruturado em três partes: na primeira parte apresentamos o histórico do curso no Brasil, abordando desde seu processo de criação e legitimação até a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais. Na segunda parte analisamos os documentos das Diretrizes Curriculares, e seu processo de construção. E na terceira parte apresentamos os cursos participantes da pesquisa, avaliando de que forma cada curso dentro de sua especificidade consegue contemplar as Diretrizes Curriculares. A palavra Pedagogia está ligada nas suas origens à Grécia antiga. Os escravos gregos que levavam as crianças para o local da relação de ensinoaprendizagem eram chamados de “paedagogatus”. Não era exclusivamente um instrutor, ao contrário, era um condutor, alguém responsável pela melhoria da conduta geral do estudante, moral e intelectual. Somente com o passar do tempo, esse termo passou a ser utilizado para designar as reflexões feitas em torno da educação formal. 33 A construção desse artigo só foi possível, devido à grande colaboração das instituições, Universidade Estadual do Centro Oeste (UNICENTRO) e também da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), que gentilmente cederam todas as documentações necessárias, como o Projeto político Pedagógico e a Matriz Curricular dos cursos de Pedagogia, para realização da pesquisa. 134 A Grécia clássica pode ser considerada o berço da Pedagogia, até porque é justamente lá, que tem início as primeiras reflexões acerca da ação pedagógica, que vão influenciar por séculos a educação e a cultura ocidental. Saviani34 (2008, p. 4), ao referir-se ao termo destaca que: É interessante observar que a passagem do grego para a língua latina deu origem a “paedagogatus”, substantivo masculino da quarta declinação que significa educação, instrução;”paedagogus“ e “paedagoga”, com o sentido de pedagogo, preceptor, mestre, guia, aquele que conduz. Para Libâneo (2006, p.850) a Pedagogia é uma ciência da prática, que tem como objeto de estudo a educação enquanto prática social para a construção de saberes. Kowarzik apud Libâneo (idem) entende a Pedagogia como sendo: Ciência da e para a educação, portanto é a teoria e a prática da educação. Investiga teoricamente o fenômeno educativo, formula orientações para a prática a partir da própria ação prática e propõe princípios e normas relacionados aos fins e meios da educação. Franco (2003a, p. 83-86), ao refletir sobre o conceito de pedagogia na perspectiva dialética, afirma que o objeto da pedagogia "é o esclarecimento reflexivo e transformador da práxis educativa", de modo que a teoria pedagógica se constitui interlocutora interpretativa das teorias implícitas na práxis do educador e, também, a mediadora de sua transformação para fins cada vez mais emancipatórias. A concepção de Educação concebida como prática humana direcionada por uma determinada concepção teórica é compartilhada também por Luckesi (1994, p. 21), que afirma que a “prática pedagógica está articulada com uma pedagogia, que nada mais é que uma concepção filosófica da educação”. Tal concepção ordena os elementos que direcionam a prática educacional. A educação deve ser considerada como um processo histórico em 135 que o indivíduo faz parte à medida que produz e se apropria de conhecimentos. A educação é um processo muito complexo e para compreendê-la a Pedagogia busca outras áreas do conhecimento como a Sociologia, Filosofia, Psicologia, História e outras. Há muitas polêmicas sobre a natureza da Pedagogia, no que se refere ao seu caráter teórico-prático. Sapelli (2006, p. 11) afirma que: A Pedagogia não se dilui nas ciências da Educação, mas se afirma como ciência prática e normativa. Prática, pois se preocupa com uma aplicação imediata; e normativa, porque tem a preocupação de produzir diretrizes pragmáticas para a educação. Assim, chegamos à conclusão de que a Pedagogia é uma ciência prática, diferentemente das demais, porque, segundo Pimenta (2001, p. 57) “parte da prática e a ela se dirige”. Diante dessas constatações também precisamos levantar a questão da identidade do pedagogo. A Pedagogia é considerada como uma ciência teórico-prática, pois ao mesmo tempo em que investiga a educação, contribui para modificar as práticas educativas. Se a Pedagogia se caracteriza como ciência “então o pedagogo é um cientista da Educação e como tal deve refletir sistematicamente sobre a educação para intervir intencionalmente sobre ela”. (SAPELLI, 2006, p.11) O pedagogo para dar conta de todas as questões da Pedagogia necessita ser um “especialista”. De que forma os cursos de Pedagogia estão sendo direcionados para formar esse profissional atualmente? Qual é a concepção de homem, sociedade, conhecimento, os cursos estão desenvolvendo em seus alunos? E que profissionais realmente estão sendo formados ao concluírem o curso de Pedagogia em nossas faculdades e Universidades? 1. A HISTÓRIA DO CURSO DE PEDAGOGIA DO BRASIL O curso de Pedagogia, segundo Silva (2006), foi criado no Brasil por meio da organização da Faculdade Nacional de Filosofia, da Universidade 34 Em Saviani (2007) há outros elementos sobre a história da Pedagogia. 136 do Brasil, pelo Decreto lei n°. 1.190, de 4 de abri l 1939. Essa faculdade visava dupla função: de formar bacharéis e licenciados para áreas de Filosofia, Ciências, Letras, e a área da Pedagogia, seguindo a fórmula conhecida como "3+1", ou seja, os alunos que concluíssem o bacharelado, deveriam posteriormente cursar em mais dois anos o curso de Didática, para que fosse conferido o diploma de licenciado. O curso ficou seriado e a matriz curricular do curso estava organizada da seguinte forma: Complementos de Matemática (1ª série), História da Filosofia (1ª série), Sociologia (1ª série), Fundamentos Biológicos da Educação (1ª, 2ª e 3ª séries), Estatística Educacional (2ª série), História da Educação (2ª e 3ª séries), fundamentos Sociológicos da Educação (2ª série), Administração Escolar (2ª e 3ª séries), Educação Comparada (3ª séries), Filosofia da Educação (3ª séries). E para alcançar o diploma de licenciado, o bacharel em Pedagogia deveria cursar mais um ano do curso de Didática constituído pelas disciplinas de Didática Geral e Didática Especial. (SILVA, 2006) Silva (2006) aponta desde a gênese da criação dificuldades em definir a identidade do curso a fim de justificar sua existência, e alguns dilemas, como por exemplo, a criação de um bacharel em Pedagogia, mas sem a distinção de elementos que pudessem caracterizar esse novo profissional e sua função no mercado de trabalho. Essa indefinição em que o pedagogo poderia optar pelo bacharelado ou licenciatura, sem apresentar uma definição para as funções, traz à tona uma preocupação que ainda permeia as discussões referentes à Educação que é quanto à questão da identidade do Pedagogo. (SILVA, 2006) Ao bacharel em Pedagogia atribuia-se o trabalho intelectual para o exercício de altas atividades culturais, de ordem desinteressada ou técnica. Também para assumir cargos técnicos de educação do Ministério de Educação era necessário apresentar essa formação. E ao licenciado caberia apenas o ofício de ministrar aulas, um campo não exclusivo dos pedagogos, uma vez que, pela Lei Orgânica do Ensino Normal, para lecionar nesse curso era suficiente o diploma de ensino superior. (SILVA, 2006) 137 Saviani (2008 p. 43) salienta que o perfil do pedagogo “estaria supostamente definido”, tendo o bacharel como técnico que não apresentava definição de suas funções e ao licenciar-se atuaria como professor, mas isso não aconteceu. Essa estrutura do curso permaneceu até a aprovação da primeira LDB, em dezembro de 1961. A estrutura do curso de Pedagogia na década de 60, mesmo com o Parecer do CFE n. 251/62, apesar de várias discussões que ocorreram em função do Congresso Estadual de Estudante de Pedagogia, no ano de 1967, na cidade de Rio Claro, no estado de São Paulo, pouco mudou. Na época os alunos participantes do congresso, afirmaram que o curso apresentava um “currículo enciclopédico”, o qual acabava favorecendo para a perda do campo profissional pedagógico, por oferecer insuficiente capacitação. (SILVA, 2006) Várias polêmicas referentes à identidade do curso novamente voltaram a ser discutidas. Dentre elas apontada por SAVIANI (2008, p. 42), no Parecer do CFE n. 251/62 estava a questão da manutenção ou extinção do curso: A tendência que se esboça no horizonte é a da formação dos professores primários em nível superior e a formação de especialistas em educação em nível de pós-graduação, hipótese que levaria à extinção do curso de Pedagogia. O que estava em pauta nas discussões era a atuação do pedagogo apenas como professor primário, e quanto à formação do especialista não docente, deveria ser feita em nível de pós-graduação, o que caracterizaria o fim da graduação pela limitação da função. É importante ressaltar que neste período o país estava passando por uma crise política, econômica e social, e que refletiu no sistema educacional a partir de 64, com a Ditadura Militar, reestruturando-se o sistema educacional brasileiro que ganhou o caráter de instrumento de controle da sociedade civil, estabelecendo a relação da educação com a produção tecnicista. Germano (1993, p. 133 ) afirma que: 138 A política educacional do regime militar vai se pautar ainda, do ponto de vista teórico, na economia da educação de cunho liberal, responsável pela elaboração da chamada ”teoria do capital humano”. Neste sentido tenta estabelecer uma relação direta, imediata e mesmo de subordinação da educação à produção. Isso teve conseqüência na definição da identidade do curso de Pedagogia. A partir da Reforma Universitária, aprovada em 28 de fevereiro de 1968, com a lei federal 5.540, adotou-se os princípios de racionalidade, eficiência e produtividade no trato superior. E a função da escola passou a ser a formação técnica além de suas funções tradicionais. Em conseqüência temos, segundo Silva (2006), o espaço ganho para o profissional técnico, e a formação dividida em dois: um profissional “educador especialista” e outro “técnico em educação”, realizado por meio de um curso dividido em dois ciclos, o básico e o profissional, ou seja, separou-se a formação em preparar o profissional que planeja e o que executa. Assim, com a Resolução n º 252/69, ocorreu a regulamentação das habilitações. O que se defendia era a fixação de conteúdos e duração mínimos para serem observados na organização do curso. Segundo Scheibe (1999, p. 5), a divisão dos conteúdos deu-se da seguinte maneira: Baseou-se na concepção de que as diferentes habilitações deveriam ter uma base comum de estudos, constituída por matérias consideradas básicas à formação de qualquer profissional na área, e uma parte diversificada, para atender às habilitações específicas. A base comum foi composta pelas seguintes disciplinas: sociologia geral, sociologia da educação, psicologia da educação, história da educação, filosofia da educação e didática. No final da década de 1970, os professores e estudantes universitários se organizaram para tentar interferir no processo de reforma do curso ainda que meio às escondidas, pois o momento político vigente, não permitia a democracia, criticidade e questionamentos. Foi a partir das indicações apontadas pelos pareceres 67/75 e 70/76, que os participantes da I Conferência Brasileira de Educação, realizada na PUC de São Paulo, organizaram uma mobilização nacional visando interferir 139 no rumo do processo de discussões. Criou-se o Comitê Nacional Pró Reformulação dos cursos de formação de Educadores, com a participação de integrantes de várias partes do país que logo induziu à criação de comitês Regionais. (SILVA, 2006, p. 63). No I Seminário de Educação Brasileira realizado no ano de 1978, na Universidade de Campinas, com a participação de estudantes universitários, buscou-se discutir o processo de estudos pedagógicos do curso. Nessa década, o Movimento dos Educadores, por meio de manifestações públicas, debates, embates, ganhou forças, e buscou a redefinição da identidade do curso de Pedagogia. Havia a pretensão de apresentar uma proposta nacional para o curso de Pedagogia, que rompesse com o currículo mínimo e ainda mantivesse a base da identidade do profissional da educação centrado na docência. (AGUIAR, 2006) A partir de 1990, o foco das discussões da Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação – Anfope, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Pedagógicas (Inep/MEC), e educadores passou a ser a formação de educadores. Entende-se que este movimento, só é possível, com a reformulação do curso de Pedagogia buscando a defesa de uma política global de formação dos profissionais da educação que contemple desde a formação inicial, plano de carreira e salário, e formação continuada. (SCHEIBE & AGUIAR, 1999) A nova LDB (Lei de Diretrizes e Bases) da educação, aprovada no ano de 1996, trouxe novamente o curso de Pedagogia à pauta das discussões e, com ela, a questão da identidade. Desta vez envolvida com novas questões como, por exemplo, a manutenção do curso normal superior destinado à formação de docentes para a Educação Infantil e do Ensino Fundamental. (SILVA, 2006) Diante da nova problemática, no ano de 1997, por meio do edital n. 4 /97, o MEC (Ministério da Educação e da Cultura), solicitou à Secretaria de Educação Superior (SESu), propostas para as novas Diretrizes Curriculares 140 dos cursos superiores para serem elaboradas pelas Comissões de Especialistas do Ensino das diferentes áreas do conhecimento, entre elas a do curso de Pedagogia. (SILVA 2006, p.67) Outro marco importante na elaboração das Diretrizes se deu no ano de 1998, quando a Comissão de Especialistas de Pedagogia desencadeou um processo de discussão em todo o país, contando com a colaboração de cursos e entidades importantes, como a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE), Fórum de Diretores das Faculdades de Educação das Universidades (FORUMDIR), Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE), Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), Centro de Estudos & Sociedade (CEDES) e Executiva Nacional dos Estudantes de Pedagogia, tendo como resultado a elaboração do Documento das Diretrizes Curriculares do Curso de Pedagogia e seu encaminhamento ao CNE, em maio de 1999. (AGUIAR, 2006) No ano de 1999 uma proposta foi apresentada pela Comissão de Especialista do Ensino de Pedagogia (CEEP). Nela apresentava-se uma concepção de docência que se estendia para além do magistério, acabando com a dicotomia entre a licenciatura e o bacharelado, instituindo o fim das habilitações, defendendo a flexibilização do currículo, como uma necessidade diante da realidade brasileira, e outras questões relevantes que detalhamos mais adiante ao nos referirmos aos conteúdos. Desde o encaminhamento da proposta, em maio de 1999, até o mês de abril de 2005, o Ministério de Educação e Conselho Nacional de Educação não se manifestaram a respeito da regulamentação do curso. Questões referentes à regulamentação do curso só apareceram de forma indireta, conforme aponta Scheibe (2007), de carona, no bojo das normatização do Curso Normal Superior e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores em Nível Superior, em Cursos de Licenciatura de Graduação Plena. Foi exatamente no dia 17 de março de 2005, após anos de expectativa, que o Conselho Nacional de Educação (CNE) divulgou a 141 proposta para que ocorresse a sua apreciação pela sociedade civil. Após a divulgação da proposta houve novas mobilizações de educadores, pelo fato do documento apresentar “Diretrizes claramente identificadas com o Curso Normal Superior”, o que resultou em manifestações e um documento assinado pela ANFOPE, ANPED e CEDES, enviado ao Conselho Nacional de Educação com solicitação de uma audiência pública antes da aprovação definitiva das Diretrizes. (SCHEIBE, 2007) As Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, após muitas discussões foram aprovadas por meio do Parecer CNE/CP n. 5/CP, reexaminado pelo parecer CNE/CP N. 3/2006, aprovado em 21 de fevereiro de 2006 e homologado pelo ministro de Educação em 10 de abril de 2006. (BRASIL, 2006) Mesmo com a aprovação das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, o problema da identidade do curso ainda é forte e está sendo discutido por vários estudiosos da área. O próprio MEC tem demonstrado dificuldades em decidir sobre qual identidade o curso vai defender. 2.1. Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia. Os profissionais que trabalharam inicialmente na elaboração da proposta, foram selecionados por especialistas do MEC, nomeados pela portaria SESu/MEC n.146 de 10 de março de 1998, e composta por professores vinculados ao ensino superior por meio das faculdades e universidades brasileiras. Os profissionais eram Celestino Alves da Silva (Universidade Estadual Paulista – Unesp/Marília); Leda Scheibe, (Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC); Márcia Ângela Aguiar (Universidade Federal de Pernambuco – UFPE), Tizuko Morchida Kishimoto (Universidade de São Paulo – USP) e Zélia Mileo Pavão (Pontifícia Universidade Católica – PUC/PR). A proposta então elaborada pela CEEP, foi encaminhada em 1999 142 para a Sesu/Mec, a qual não teve receptividade positiva, e acabou não sendo enviada ao CNE, até que fosse aprovada a regulamentação para o Curso Normal Superior. Houve a alegação de que a proposta elaborada entraria em confronto com a indicação da LDB/96 que em seu artigo 63, estabelecia a figura dos Institutos Superiores de Educação, destinando aos Cursos Normais Superiores, “a formação de docentes para a educação infantil e para as primeiras séries do ensino fundamental". Então a SESu e a Secretaria de Ensino Fundamental, optaram em aguardar a regulamentação do curso para enviá-la ao CNE. (SCHEIBE, 2007) Em 08 de maio de 2001, tivemos o Parecer do CNE N.º: 009/2001, que regulamentou com a atribuição de 16 Artigos, a Proposta de Diretrizes para a Formação de Professores da Educação Básica, em cursos de nível superior. Segundo o Parecer 009/2001. (p. 4) buscava: Construir sintonia entre a formação inicial de professores, os princípios prescritos pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional/LDBEN, as normas instituídas nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação infantil, para o ensino fundamental e para o ensino médio, e suas modalidades, bem como as recomendações constantes dos Parâmetros e Referenciais Curriculares para a educação básica elaborados pelo Ministério da Educação. A organização curricular, dos cursos de licenciatura deveria seguir a Lei nº. 9.394/96 (LDB), incluindo questões como diversidade, enriquecimento cultural, práticas investigativas, elaboração e a execução de projetos e o uso de tecnologias da informação e da comunicação e de metodologias, estratégias e materiais de apoio inovadores. (CNE/CP 009/2001) A questão da carga horária que os cursos de Licenciatura Plena deveriam cumprir instituiu-se com a Resolução CNE /CP 2 de 19 de fevereiro de 2002, a qual definiu a carga horária mínima em 2.800 (duas mil e oitocentas) horas, das quais: 400 (quatrocentas) horas de práticas, 400 (quatrocentas) de estágio curricular supervisionado, 1.800 (mil e oitocentas) horas para se trabalhar conteúdos científico-cultural e 200 (duzentas) horas para outras atividades acadêmico-ciêntifico-cultural. Esse total deve ser vivenciado ao longo do curso obedecendo a LDB, que determina 200 143 (duzentos) dias letivos, no mínimo de 3 (três) anos. (CNE /CP 02/2002) Um dos vários cursos regidos por essas diretrizes foi o curso de Pedagogia para Educadores do Campo, que foi implementado no segundo semestre de 2004, no Campus Francisco Beltrão-PR, na modalidade de Licenciatura, num sistema diferenciado, turma única, em regime de alternância, ofertando 50 vagas, que segundo Rabelo (2008) atendia apenas 10% da demanda dos movimentos Sociais, que apresentavam uma demanda de pelo menos 520 professores e professoras, em processo de formação, e que aguardavam pela aprovação do curso. O curso nasceu devido à persistência dos movimentos sociais populares do campo, em oposição ao modelo neoliberal que estava sendo implementado, e conseqüentemente avanço da produção capitalista, expulsão do povo do campo, para a chegada do agronegócio responsável pela concentração da terra, de renda e do poder. Nesse contexto, os movimentos sociais buscam organizar suas bases, buscando uma boa qualificação interna para seus integrantes, que estivesse vinculada à formação política e ideológica, com respalto na produção do conhecimento, tendo como base a “prática social dos sujeitos envolvidos” . (RABELO, 2008, pg. 23) No ano de 1997, iniciava no Rio Grande do Sul , o primeiro curso de Pedagogia da Terra. No ano de 1998 a Universidade Federal do Paraná (UFPR), se interessou pela criação do curso, mas propôs que o curso fosse realizado a distância, por teleconferência, sendo rejeitado pelas movimentos. Em 1999, foi a vez da Universidade Estadual de Ponta Grossa( UEPG) retomar as negociações, porém, não havia interesse da mesma em ofertar o curso. No mesmo ano a Universidade Estadual de Maringá (UEM) iniciou o processo de negociação, construindo o Projeto Político Pedagógico, sofreu repressão tanto internamente quanto da sociedade agrária, não aceitou a proposta de formação dos Movimentos Socais Populares. A participação da UNIOESTE se deu a partir de um processo de greve, de 2001 a 2002 e um grupo de servidores da UNIOESTE, se organizaram para discutir o papel e o compromisso social da Universidade 144 na região. Em março de 2002, ocorreu uma reunião com as entidades que tiveram participação ativa na greve, objetivando organizar o Fórum De Lutas Em Prol Da UNIOESTE. e o fruto dessa reunião foi a realização de um Seminário para discutir a Questão Agrária. (RABELO, 2008) Em 02 de agosto de 2002, com a presença de representantes de vários campi da UNIOESTE e de setores organizados dos movimentos sociais, iniciou a tarefa primordial, de elaboração de um projeto para a formação de educadores para o campo. Os colegiados dos vários campi foram consultados, e muitos professores se manifestaram favoráveis à participação no projeto. Então, no dia 09 de novembro de 2002, em Cascavel, foi realizada uma reunião com representantes de professores dos Campus de Francisco Beltrão, de Cascavel e de Toledo,e assim foi criado o curso. (UNIOESTE, 2004) A duração do curso foi de 4 anos, com uma carga horária total de 2.800 horas-aula, conforme delibera a Resolução CNE /CP 2 de 19 de fevereiro de 2002. O grau obtido foi de licenciado em Pedagogia, e apresentou uma formação diferenciada além da escola, preocupando-se com a formação política e pedagógica ligada à compreensão da realidade. A matriz curricular do curso era composta das seguintes disciplinas: No 1º ano - Linguagens: produção e recepção, Sociologia Rural, História da Educação, Psicologia da Educação, Teorias e Práticas de Ensino dos Anos iniciais do Ensino Fundamental, Filosofia da Educação e Estágio supervisionado. 2º Ano: Pesquisa, Educação Popular, Sociologia da Educaçã, História da Educação II, Teorias e Práticas de Ensino dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental II, Alfabetização, Organização do Trabalho Pedagógico, Gestão Escolar e Estágio Supervisionado II . 3º Ano: Política Educacional Brasileira, Movimentos Sociais e o Campo, Teorias do Currículo, Alfabetização de Jovens e Adultos, Fundamentos da Didática, Literatura Infantil, Teorias e Práticas da Educação de Jovens e Adultos e Estágio Supervisionado III. 4º Ano: Pesquisa I , Construção Social da Infância e Educação Infantil, Educação e Saúde, A Questão Agrária e o Capitalismo, Teorias e Práticas de Ensino dos Anos iniciais do Ensino 145 Fundamental III , Educação Ambiental , Trabalho e Educação , Estágio Supervisionado IV. (UNIOESTE, 2004) Podemos perceber que há uma preocupação maior em atuar nos anos iniciais do ensino fundamental, educação da infância, de jovens e de adultos, buscando articular a teoria e a prática, adotando disciplina de Estágio Supervisionado em todos os anos do curso, totalizando 400 horas. O Curso de Pedagogia para Educadores do Campo tem a pretensão em formar um profissional que tenha a capacidade de trabalhar além do conhecimento sistematizado, segundo o Projeto Político Pedagógico do curso (UNIOESTE, 2004, p. 10), objetivando: Fortalecer a formação teórico-prática do Educador do Campo para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental; Vincular a formação do Educador do campo à dinâmica sócio-histórica das populações do campo; Desenvolver um trabalho de reflexão e ação sobre o espaço organizacional do campo e da escola do campo. Garantir aos profissionais da Educação do Campo um nível de formação pedagógica interdisciplinar, buscando superar a fragmentação dos conhecimentos no âmbito da educação;integrar momentos de formação teórico-práticos na formação do pedagogo do campo durante todo o curso, valorizando os eixos do ensino, pesquisa e extensão. O curso buscava articular a teoria e prática, possibilitando o envolvimento na construção pedagógica do curso, de forma a ajudar na construção de sujeitos capazes de refletir sobre a atuação do movimento e da sociedade, nos processos de formação nas famílias e comunidades do campo, com a perspectiva de fortalecer os seus projetos de vida. Tratou-se da formação de pedagogos que consigam construir uma educação dos povos do campo na perspectiva do sujeito histórico capaz de edificar o desenvolvimento sustentável do campo. Os pricipais objetivos, segundo Rabelo (2008, p. 34) eram: a) Qualificação do trabalho pedagógico; b) construção de métodos articulados ao trabalho e à vida do campo; c)desenvolvimento de uma formação que forme sujeitos críticos e criativos; d) valorização e qualificações das ações do campo; e) formação de sujeitos com domínio teórico e prático da educação e dos processos da agricultura. 146 O curso da Pedagogia para Educadores do Campo35, objetivava formar em nível superior, docência dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental – educação da infância e de jovens e adultos, educadores com competência técnica e compromisso político para atuar em Assentamentos de Reforma Agrária, nas comunidades de resistência e outros espaços de atuação dos Movimentos Sociais do campo. As disciplinas do curso estavam organizadas em três eixos: formação geral, proporcionando uma formação básica em Educação; a formação diferenciada que destina mais da metade da carga horária do curso com o total de 1330 horas, contemplando a teoria e a prática dos anos iniciais, Alfabetização e Educação dos Jovens e Adultos Educação Popular e Estágio Supervisionado . É muito interessante analisarmos todo o processo histórico da construção do curso Pedagogia para Educadores do Campo, visto que se deu de forma coletiva, com os movimentos sociais, a partir de uma gestão colegiada. O perfil dos alunos que freqüentou também foi diferenciado, pois tratava-se de professores que já atuam na área e que são militantes de Movimentos Sociais. Enquanto o curso de Pedagogia para Educadores do Campo foi orientado pela legislação anterior a 2006, o curso de Pedagogia da UNICENTRO (turma 2009) está sustentado nas Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006. Para analisar o curso da UNICENTRO, selecionamos alguns pontos das Diretrizes (2006): identidade do curso, princípios, campo de atuação e organização curricular. As principais mudanças se referem às características esperadas do egresso e à carga horária. No documento das Diretrizes, a questão da identidade do curso que é a docência, está descrita no artigo 2º, e determina que: As Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação 35 Para aprofundar o entendimento sobre a Educação do Campo verificar: Neto (1999), Martins (2004), SOUZA (2006), Caldart(2007) e Santos (2008). 147 Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. (BRASIL, 2006 ) Para FERREIRA (2006), essas determinações indicam que o curso deverá abranger “integradamente a docência, a participação da gestão e avaliação dos sistemas e das instituições de ensino em geral, a elaboração, a execução, o acompanhamento de programas e as atividades educativas". O que resultará em uma ampliação da atuação do profissional e conseqüentemente necessitará de uma formação concisa, para dar conta da abrangência profissional. No artigo 3º das Diretrizes, são apresentados os princípios para a consolidação do exercício profissional: Art. 3º O estudante de Pedagogia trabalhará com um repertório de informações e habilidades composto por pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos, cuja consolidação será proporcionada no exercício da profissão, fundamentando-se em princípios de interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética. Neste mesmo parágrafo mais três itens são apresentados de forma central para a formação do pedagogo: I - o conhecimento da escola como organização complexa que tem a função de promover a educação para e na cidadania; II – a pesquisa, a análise e a aplicação dos resultados de investigações de interesse da área educacional; III – a participação na gestão de processos educativos e na organização e no funcionamento de sistemas e instituições de ensino. Esses princípios apresentados exigem que, a atuação do pedagogo perpasse os conhecimentos da área pela gestão, formação para cidadania, que abarca a política, o planejamento e a avaliação, novamente potencializando as funções do profissional. Essa ampliação do campo do pedagogo fica explícita também no artigo 5º, no qual são apresentadas as habilidades que os egressos do curso de Pedagogia devem apresentar. 148 Art. 5º O egresso do curso de Pedagogia deverá estar apto a:Iatuar com ética e compromisso com vistas à construção de uma sociedade justa, equânime, igualitária;I I- compreender, cuidar e educar crianças de zero a cinco anos, de forma a contribuir, para o seu desenvolvimento nas dimensões, entre outras, física, psicológica, intelectual, social; III - fortalecer o desenvolvimento e as aprendizagens de crianças do Ensino Fundamental, assim como daqueles que não tiveram oportunidade de escolarização na idade própria;IV - trabalhar, em espaços escolares e nãoescolares, na promoção da aprendizagem de sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano, em diversos níveis e modalidades do processo educativo; V - reconhecer e respeitar as manifestações e necessidades físicas, cognitivas, emocionais, afetivas dos educandos nas suas relações individuais e coletivas; VI - ensinar Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História, Geografia, Artes, Educação Física, de forma interdisciplinar e adequada às diferentes fases do desenvolvimento humano; VII relacionar as linguagens dos meios de comunicação à educação, nos processos didático-pedagógicos, demonstrando domínio das tecnologias de informação e comunicação adequadas ao desenvolvimento de aprendizagens significativas; VIII - promover e facilitar relações de cooperação entre a instituição educativa, a família e a comunidade; IX - identificar problemas socioculturais e educacionais com postura investigativa,integrativa e propositiva em face de realidades complexas, com vistas a contribuir para superação de exclusões sociais, étnico-raciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas e outras; X - demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de natureza ambientalecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas geracionais, classes sociais, religiões, necessidades especiais, escolhas sexuais, entre outras; XI - desenvolver trabalho em equipe, estabelecendo diálogo entre a área educacional e as demais áreas do conhecimento; XII - participar da gestão das instituições contribuindo para elaboração, implementação, coordenação, acompanhamento e avaliação do projeto pedagógico;XIII participar da gestão das instituições planejando, executando, acompanhando e avaliando projetos e programas educacionais, em ambientes escolares e não-escolares; XIV - realizar pesquisas que proporcionem conhecimentos, entre outros: sobre alunos e alunas e a realidade sociocultural em que estes desenvolvem suas experiências não escolares; sobre processos de ensinar e de aprender, em diferentes meios ambiental- ecológicos; sobre propostas curriculares; e sobre organização do trabalho educativo e práticas pedagógicas; XV - utilizar, com propriedade, instrumentos próprios para construção de conhecimentos pedagógicos e científicos; XVI - estudar, aplicar criticamente as diretrizes curriculares e outras determinações legais que lhe caiba implantar, executar, avaliar e encaminhar o resultado de sua avaliação às instâncias competentes. (BRASIL, 2006) Para Libâneo, as atribuições apresentadas pelo documento são passíveis de crítica porque criaram expectativas de formação de um superprofissional. São descrições em que se misturam objetivos, conteúdos, 149 recomendações morais, gerando superposições e imprecisões quanto ao perfil do egresso (LIBANEO, 2006,p.4). Percebemos no Artigo 5º, ratificando a crítica feita por Libâneo, que há o esboço de um superprofissional. Um curso de quatro anos, por mais consistente que seja não dá conta de tal formação. O artigo 6º, contempla a estrutura curricular do curso, que está dividido em três núcleos: o Núcleo de Estudos Básicos, visando demonstrar as realidades educacionais de forma crítica e reflexiva. O Núcleo de Aprofundamento e Núcleo de Diversificação de Estudo, voltado para a atuação profissional, bem como projeto pedagógico das instituições; e o de Estudos Integradores, buscando o enriquecimento curricular por meio de projetos de pesquisa e extensão. Para Libâneo (2006), os núcleos de estudos foram apresentados de forma repetitiva, confusa e imprecisa, em que supostamente se incluem disciplinas e atividades curriculares, que não estão claras. Já segundo Saviani (2008, p. 66), há uma preocupação em se detalhar as disciplinas que fazem parte das tarefas dos núcleos: Estudo da Didática, de teoria e metodologias pedagógicas, de processo de organização do trabalho docente; em seguida, faz-se referencia á “decodificação e utilização de códigos de diferentes linguagens utilizadas por crianças, além do trabalho didático com conteúdos, pertinentes aos primeiros anos de escolarização, relativos à Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, História e Geografia, artes e Educação Física. Saviani (2008, p.67), ainda completa sua análise sobre as Diretrizes, afirmando que elas apresentam um paradoxo, sendo ao mesmo tempo “extremamente restritas no essencial e assaz excessivamente no acessório”, ou seja, elas contemplam várias questões de pluralidade de visão de mundo e culturais, diversidades étnico-raciais, interdisciplinaridade, conhecimento ambiental – ecológico entre outras, deixando de lado espaços para a configuração de um campo teórico prático, dotado de conhecimentos e experiências resultantes do processo da história. Há também preocupação com a definição da carga horária mínima e 150 distribuição no curso, que é tratado pelo artigo 7°. O curso de Licenciatura em Pedagogia terá a carga horária mínima de 3.200 horas de efetivo trabalho acadêmico, assim distribuídas: I 2.800 horas dedicadas às atividades formativas como assistência a aulas, realização de seminários, participação na realização de pesquisas, consultas a bibliotecas e centros de documentação, visitas a instituições educacionais e culturais, atividades práticas de diferente natureza, participação em grupos cooperativos de estudos; II - 300 horas dedicadas ao Estágio Supervisionado prioritariamente em Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, contemplando também outras áreas específicas, se for o caso, conforme o projeto pedagógico da instituição; III - 100 horas de atividades teórico-práticas de aprofundamento em áreas específicas de interesse dos alunos, por meio, da iniciação científica, da extensão e da monitoria. Amplia-se o mínimo de 2.800 horas definidas anteriormente para o curso de Licenciatura da Graduação Plena, para 3.200 horas, que devem ser distribuídas em 2.800 horas de atividades formativas envolvendo seminários, pesquisa e atividades práticas. Para o Estágio Supervisionado 300 horas que devem ser realizadas na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental e outras áreas desde que contemple o Projeto Político Pedagógico do curso. E mais 100 horas a serem desenvolvidas pelos alunos em atividades teórico – práticas de seu interesse, envolvendo iniciação científica, extensão e monitoria. (BRASIL, 2006) O curso de Pedagogia ofertado pela UNICENTRO (turma 2009) em Guarapuava, pauta-se nas atuais Diretrizes. O curso foi criado em 20 de novembro de 1975, e funciona em regime anual, com a duração de 4 anos, oferecido pela instituição nos períodos matutino e noturno. Pode-se dizer que o curso de Pedagogia, na UNICENTRO, conforme o seu Projeto Político Pedagógico (2008, p.04), “foi marcado por uma trajetória histórica constituída de mudanças, ora provocadas pelo mercado de trabalho, ora pela legislação, que resultaram na elaboração do projeto atual” . A partir de 1996, com a LDB 9.394/96, a organização do curso foi centrada na formação de licenciados para o Magistério dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, e foi introduzindo as habilitações de Educação Infantil 151 e Supervisão Escolar, além das que já existiam no curso, para cumprir as determinações da legislação. No ano 2000, o curso sofreu alterações, incluindo a habilitação de Educação Inclusiva, afim de formar profissionais para atuar na Educação Especial. A partir de 2005, o departamento do curso reiniciou um novo processo de estudo do curso, procurando “acompanhar a flexibilização requerida pelo mercado de trabalho e pelas discussões preliminares acerca de propostas para as Diretrizes Curriculares sobre a formação do pedagogo” (DEPED/UNICENTRO, 2008, p. 05). Em conseqüência, as habilitações deixaram de fazer parte da graduação, passando a existir somente em nível de pós-graduação e a centralidade do curso passou a contemplar a docência e a gestão educacional em instituições escolares e não escolares, enfatizando a pedagogia como ciência da educação e da formação de professores. Com as Diretrizes Curriculares Nacionais de 2006, o curso de Pedagogia não se alterou de forma muito significativa. 2.2. A questão da identidade do pedagogo no curso de Pedagogia da UNICENTRO. A questão da identidade do pedagogo prevista no artigo 2º das Diretrizes Curriculares Nacionais, defende a docência como centralidade na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e também em instituições não escolares. O Curso da Pedagogia da UNICENTRO, em conformidade com o documento prevê: formar para a “Docência nos anos iniciais, na educação infantil, nas disciplinas pedagógicas do ensino médio, modalidade normal, mas acrescenta a formação em Gestão educacional, em instituições escolares e não-escolares, conforma o Projeto Político Pedagógico (2008): O profissional formado no Curso de Pedagogia do Campus Santa Cruz da UNICENTRO, em fase de formação inicial, habilita-se, na ênfase desta formação, para atuar na Educação Formal, em ambientes escolares e não escolares contribuindo para o desenvolvimento da própria Pedagogia como Ciência da 152 Educação. Os focos principais do processo de formação (e conseqüente atuação) do (da) Pedagogo (a) são a docência e a gestão educacional, tendo a pesquisa como princípio formativo, articulada ao ensino e à extensão. Um dos conflitos existentes no curso, refere-se à atuação do pedagogo em instituições não-escolares. O que se entende por instituições não-escolares? E qual será a atuação no pedagogo nestas instituições? Segundo o PPP do curso (DEPED/UNICENTRO, 2008, p. 29), essas instituições seriam “empresas, hospitais, secretarias de escola, ONGs, etc.” E a atuação se dá de forma: (IDEM, p. 33) Integradora das diversas funções do trabalho pedagógico e dos processos educativos, escolares e não escolares, bem como análise, implementação, acompanhamento e avaliação de políticas públicas e institucionais na área de educação. Será que nas empresas, hospitais, Ongs, existirá meios de o pedagogo propor e desenvolver trabalhos pedagógicos envolvendo a educação? Ou apenas estaria desenvolvendo funções administrativas ou de Recursos Humanos, que foge da função do pedagogo e da Docência. Na matriz curricular do curso há disciplinas que contemplam a Gestão nas Instituições Escolares e Não Escolares perfazendo um total de 102 (cento e duas) horas, e o Estágio Supervisionado em Gestão nas instituições escolares e não escolares 136 (cento e trinta e seis) horas, totalizando 238 (duzentos e trinta e oito) horas. O que nos leva a refletir sobre o pouco número de horas destinado para esse campo que além de não apresentar uma definição clara da função, acaba por comprometer a qualidade da atuação do pedagogo. 2.3. Princípios para consolidação e o exercício da profissão No artigo 3º tocante aos princípios da consolidação do exercício profissional a Diretriz prevê a questão da interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e 153 sensibilidade efetiva e estética. O curso da UNICENTRO, (p. 08) determina em conformidade com a Diretriz como princípios: Conhecimento como construção sócio-histórica e cultural; relação teoria e prática ao longo do curso; a pesquisa como princípio científico e educativo; a gestão democrática; compreensão das diferenças presentes na sociedade, abrangidas pelas noções de interculturalismo e inclusão; concepção de sociedade com mais justiça social; defesa do público como instância de construção de conhecimento comprometido com a sociedade; defesa da cidadania. Os princípios que as Diretrizes apontam, e que o curso de Pedagogia adotam, são reflexos do contexto social e econômico em que estamos inseridos. Nos dias atuais, em que a discrepância social aumenta, e com ela vários problemas como a violência, injustiça, preconceito, é bonito e esta na “moda” falarmos em defesa da cidadania, direitos sociais, democratização, ética, etc, Ao fazermos um paralelo com o curso de Pedagogia para Educadores do Campo, verificamos que os princípios defendidos pelo curso são outros, consideram: “As pedagogias do Movimento; A Formação e a prática; A pesquisa como princípio educativo; Avaliação emancipatória; Organização social dos educandos no curso: Tempos/Espaços Educativos; Gestão Participativa; Equipes de Trabalho”. A fim de dar conta dos prinípios apresentados, baseam-se na concepção do materialismo histórico-dialético de orientação marxista, procurando trabalhar a matriz currícular nas relações de produção, buscando de oferecer uma formação sócio-cultural e política. (UNIOESTE, 2004) 2.4. Aptidões que o egresso do curso deve apresentar. Assim como nas Diretrizes em que encontrarmos uma lista de 16 atribuições ao egresso do curso, em que o definiria como um superprofissional, o curso de Pedagogia da UNICENTRO, segundo seu Projeto Político Pedagógico (2008, p.18) apresenta uma listagem extensa de atribuições. 154 Esse perfil, assim, definido, considerando-se a função de docente e a de gestor educacional, abrange, ainda, aspectos como a Capacidade de articular a ação-reflexão, Promoção de processos investigativos nos diversos campos educacionais, de forma a subsidiar o aprimoramento teórico-metodológico dos professores, pela sistematização de estudos, troca de experiências e debates, visando à socialização e produção do conhecimento e formação do cidadão;Conhecimento, compreensão e observação dos preceitos constitucionais e da legislação educacional em vigor; Postura ética e profissional, com responsabilidade social, que contribua para a construção de uma sociedade includente, justa e igualitária; Mobilização e integração de conhecimentos, capacidades e tecnologias para intervir qualitativamente em situações pedagógicas concretas, visando à formação e promoção dos educandos; Implementação de mecanismos de acompanhamento e avaliação do trabalho pedagógico escolar pela comunidade interna e externa; Orientação dos processos de elaboração e concretização dos planejamentos de ensinoaprendizagem, junto ao coletivo de professores da escola, incluindo-se a organização de conselhos e assembléias de classe, de forma a propiciar a reflexão-ação sobre o trabalho pedagógico desenvolvido em sala de aula; Incentivar e promover atividades concernentes à gestão democrática como a participação em atividades do conselho escolar, associação de pais e professores, reuniões pedagógicas e grupos de estudos; Participação em atividades em âmbitos não escolares tais como: sindicatos, conselhos tutelares, organizações não governamentais, entre outras; Capacidade de análise para gestar os processos escolares e não escolares que estejam relacionados ao ato pedagógico, ao trabalho educacional e a articulação entre educação formal, não formal e informal, promovendo o exercício profissional do Pedagogo centrado na sua função de compreender o processo educacional também em contextos além dos ambientes escolares; Muitas habilidades aparecem como se fosse possível desenvolver no aluno todas essas atribuições que o Projeto Político Pedagógico do curso aponta, em apenas quatro anos. A matriz curricular, por mais que apresente uma gama de 33 disciplinas, ainda seria insuficiente para desenvolver todos esses quesitos. A carga horária também deveria ser revista, pois a disciplina de estágio supervisionado, por exemplo, com um total de apenas 374 horas, não seria suficiente para dar conta de todas todo o processo pedagógico educacional referente à Educação Infantil, Alfabetização, Ensino Fundamental, Jovens e Adultos, Educação Especial, Gestão e ainda atuar em instituições não escolares. 155 2.5. A estrutura do curso O documento sugere a organização da estrutura do curso no artigo 6º, em três núcleos de estudos: básico, de aprofundamento e diversificação de estudos. O curso da UNICENTRO organiza a categorização de disciplinas do Currículo Pleno da seguinte maneira: disciplinas obrigatórias de formação básica, disciplinas obrigatórias complementares disciplinas obrigatórias profissionalizantes. No núcleo de estudos básicos segundo as Diretrizes, deve conter disciplinas que contemplem a ”literatura pertinente a realidade da sociedade educacional, por meio de reflexões e ações críticas”. E a Pedagogia da UNICENTRO, apresenta as disciplinas obrigatórias de formação básica, que possibilita o aprofundamento da realidade educacional a partir das seguintes disciplinas: Fundamentos Filosóficos da Educação, Fundamentos Históricos da Educação, Psicologia da Educação I, Sociologia da Educação I, Fundamentos Filosóficos da Educação Brasileira, História da Educação no Brasil, Psicologia da Educação II, Sociologia da Educação II, Pesquisa em Educação I, Pesquisa em Educação II, Pesquisa em Educação III – TCC, Teoria e Metodologia da Educação Especial e Inclusiva,Fundamentos da educação infantil. O Núcleo de Aprofundamento e Diversificação de estudo, das Diretrizes prevê a atuação profissional, conforme o Projeto Político pedagógico de cada curso. E nesta perspectiva o curso da UNICENTRO, apresenta as Disciplinas obrigatórias profissionalizantes: Introdução à Pedagogia: organização do trabalho pedagógico, Teoria e Metodologia da Alfabetização, Teoria e Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa, Teoria e Metodologia do Ensino de Ciências Naturais e Matemática, Metodologia da educação infantil Teoria e Metodologia do Ensino da Geografia e História, Didática, Educação de jovens e adultos, Estágio supervisionado na educação infantil, Estágio supervisionado nos anos iniciais, Teoria e Metodologia da Educação Física, Teoria e Metodologia do Ensino da Arte, Estágio Supervisionado nas disciplinas pedagógicas do ensino médio, 156 Estágio Supervisionado em gestão nas instituições escolares e não escolares, estão nas Instituições Escolares e Não Escolares. E o terceiro Núcleo de Estudos Integradores, da Diretriz propõem que “deve proporcionar o enriquecimento curricular”. Nesta perspectiva a UNICENTRO apresenta as Disciplinas obrigatórias complementares: Novas Tecnologias Aplicadas à Educação, Currículo da educação básica, Políticas Educacionais, Org. e Funcionamento da Educação Básica, Noções de língua brasileira de sinais – Libras e Planejamento e avaliação. Como podemos analisar as disciplinas que compõem a matriz curricular do curso de Pedagogia, são numerosas e buscam dar conta de todas as atribuições que o curso propõem, porém a carga horária destinada as mesmas não é suficiente para garantir aproveitamento e aprofundamento dos conteúdos. A questão da carga horária de cada disciplina acaba levando a um trabalho aligeirado e superficial do conteúdo. Percebemos no conjunto das disciplinas uma preocupação em ampliar o estudo dos fundamentos e também uma atenção maior à Educação Infantil. Houve também, apesar das polêmicas a introdução da disciplina de Educação de Jovens e Adultos. 2.1. A carga horária do curso. Com a aprovação das diretrizes a carga horária do curso passou a ser de no mínino 3.200 horas que deve ser distribuída em: 2.800 horas de atividades formativa, 300 horas para o Estágio Supervisionado e 100 horas a serem desenvolvidas pelos alunos em atividades teórico recebem uma distribuição um pouco diferenciada no curso da UNICENTRO sendo 2663 atividades formativa, 200 Atividades complementares e 350 para o estágio supervisionado, totalizando 3213 horas. Quando analisamos a Pedagogia para Educadores do Campo da UNIOESTE, é interessante observamos que a maior carga horária foi destinada para as disciplinas relacionadas com a teoria e a prática. Para o estágio supervisionado foi destinado um total de 400 (quatrocentas) horas, e que a carga horária total do é de apenas 2800 horas. 157 O curso de Pedagogia da UNICENTRO, na busca de formar um profissional para além das práticas docentes, polivalente, acaba por fragmentar sua carga horária, apresentado várias disciplinas com poucas horas destinadas às mesmas. Considerando que a maior demanda dos egressos da UNICENTRO ainda é atuar em instituições de ensino na rede particular e municipal, o estágio supervisionado nessa modalidade tem sua carga horária de 68 horas nos anos iniciais, 68 horas na Educação Infantil, 68 horas em Educação para Jovens e Adultos, e destinou-se 136 horas para Gestão em instituições não escolares. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao retratarmos a contextualização histórica do curso de Pedagogia no Brasil, marcado pela dicotomia entre o licenciado e o bacharelado, percebemos claramente a indefinição da função e do papel do pedagogo, que perpassa várias modificações históricas, de legislação e concepções educacionais, e que atualmente ainda está em discussão. Há tentativas de extremos opostos: de minimizar o papel do papel do pedagogo e de torná-lo um super profissional. Essas mudanças estão intimamente ligadas às mudanças do contexto social que cobram da escola respostas diferentes. Assim, mesmo com a aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, a questão da identidade não foi resolvida. Podemos considerar que houve avanços e retrocessos no longo caminho percorrido, marcado por lutas, reivindicações dos movimentos estudantis, e professores e de entidades educacionais, por meio de discussões e mobilizações até a aprovação das atuais Diretrizes, em 2006. Por mais que as Diretrizes apresentem a questão da Docência nos anos iniciais e ensinos fundamentais, em instituições escolares e não escolares, caracteriza o pedagogo, como um profissional polivalente, multifuncional que deve apresentar uma série de habilidades e competências, para servir às necessidades do mercado de trabalho. Temos então a seguinte preocupação: de que forma as faculdades, os institutos e 158 universidades, estão trabalhando para desenvolver em seus alunos essas super atribuições? E interessante ressaltarmos que as Diretrizes Curriculares não são fechadas e possibilitam abertura para que cada curso possa atender sua especificidade conforme a demanda de cada instituição de ensino. Essa tem sido uma característica bem presente na legislação brasileira nas últimas décadas. Em relação aos cursos analisados, podemos perceber como diferença marcante, além da ampliação da carga horária e da mudança nas disciplinas, o compromisso classista assumido por um e outro. O curso da UNICENTRO não explicita claramente sua opção. Já o da UNIOESTE explicita sua opção pela classe trabalhadora, especialmente, aquela que vive no campo. Essa reflexão nos leva a analisar com veemência a necessidade de aprofundar as discussões acerca da não neutralidade da Universidade e do papel político que ela consolida na formação de professores. Essa formação exige que se construam elementos tanto técnico-científicos como de caráter político-classista. Afinal, a serviço de quem a Universidade está? REFERÊNCIAS AGUIAR, M.S et al. Diretrizes curriculares do curso de pedagogia no Brasil: disputas de projetos no campo da formação do profissional da educação.In: Educação e Sociedade. Campinas. v.27, n. 96, p. 819-842. out. 2006. BELLO, José Luiz de Paiva. O fim da Pedagogia. Rio de Janeiro, 2003. Disponível em: www.pedagogiaemfoco.com.br. Acesso em: 06 de fevereiro de 2009. BRASIL, CNE. (2002) “ Resolução CNE/CP 2/2002”, de 19/02/2002. 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A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE DA TERRA E A EXPERIÊNCIA DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DO MUNICÍPIO DE CANDÓI-PR Dário Miranda Almeida Ciências Sociais – FG Orientadores: Profª Ms. Cerize Nascimento Gomes Prof. Rafael Morgentale Disconzi RESUMO: A questão social da propriedade da terra é o foco de estudo da presente pesquisa com estudo de caso sobre o Programa de Regularização Fundiária em desenvolvimento no município de Candói – Pr. O processo envolve 104 ações de usucapião movidas por 89 famílias de agricultores cadastradas no relatório analítico de domicílios do governo Federal. O Programa de Regularização Fundiária desenvolve-se a partir de parceria entre a Prefeitura Municipal de Candói e o Instituto de Terras e Cartografias – ITC que efetuou a medição da área, de 977.4315 hectares que deverá integralizar a posse de terras para as famílias de agricultores autoras das ações de usucapião. Palavras-chave: Terra. Regularização Fundiária. Usucapião. Questão Agrária. INTRODUÇÃO A proposição desta pesquisa está relacionada ao acompanhamento do programa de regularização fundiária, que está em desenvolvimento no Município de Candói (PR), por meio do qual famílias de agricultores das localidades de Barreiro, Cavernoso, São Roque, Vila Tomé, Retiro e do Assentamento São João Batista, devidamente cadastradas no Relatório Analítico de Domicílios do Governo Federal, deverão receber a documentação de posse de terra, devidamente regularizada. A relevância social desse programa, bem como o fato de ser uma 161 iniciativa inédita no Estado do Paraná, chamou a atenção para a necessidade de estudos de natureza acadêmica sobre a questão. Segundo informações da Assessoria de Comunicação Social da Prefeitura de Candói , o processo envolve proprietários, testemunhas e confrontantes, que ingressaram com 104 ações de usucapião, pertencentes ao Programa de Regularização Fundiária do Município de Candói, em parceria com o Instituto de Terras e Cartografias – ITC que efetuou a medição da área, de 977.4315 hectares que deverá integralizar a posse de terras para 89 famílias de agricultores, na primeira etapa do programa. O trabalho de Regularização Fundiária está sendo realizado pela Prefeitura Municipal de Candói , através da Secretaria Municipal de Agricultura a fim de documentar áreas que não possuem escrituras públicas ou matrículas, ou seja, áreas das quais o produtor só tem a posse da terra sem o documento – o que impede tais agricultores de obter financiamentos ou quaisquer subsídios governamentais para o desenvolvimento de programas agrícolas. Por meio deste estudo pretende-se realizar o registro e o perfil das famílias envolvidas nesse processo de regularização fundiária, juntamente com a reunião de fontes documentais que possam ser importantes para a compreensão dos procedimentos legais relacionados à essa questão agrária, além do cadastramento de fontes orais, a partir de entrevistas com agricultores, técnicos agrícolas e pessoas que vivenciam esse processo. Diante da diversidade de fontes disponibilizadas pela pesquisa, pode-se ainda viabilizar a produção de arquivo fotográfico e referencial bibliográfico relacionado à questão agrária, social e econômica. O acompanhamento desse processo de regularização fundiária, permitirá a construção de parâmetros e concepções que poderão servir como referência para outros processos da mesma natureza, que venham a ser desenvolvidos em outras regiões do Paraná, ou até mesmo de outros Estados. O objetivo geral deste trabalho de iniciação científica é o de fomentar pesquisa sobre o programa de regularização fundiária que está em 162 desenvolvimento no Município de Candói (PR), por meio do qual famílias de agricultores devidamente cadastradas no relatório analítico de domicílios do governo Federal, deverão receber a definitiva documentação de posse da terra, devidamente regularizada. Entre os objetivos específicos encontram-se os de apresentar o modelo de regularização fundiária em desenvolvimento no município de Candói (PR); acompanhar a regularização de posse da terra para as famílias de diversas localidades do município; pesquisar o perfil econômico e social e a procedência das famílias que participam do Programa de Regularização Fundiária em Candói; identificar os benefícios advindos com a regularização de posse da terra e o de promover a divulgação dos resultados gradativos e/ou parciais desta pesquisa em eventos de natureza científica. 1. A QUESTÃO AGRÁRIA NO BRASIL A questão agrária é uma das ramificações da pesquisa sociológica que conquistou expressão acadêmica na primeira metade do século XX na Europa e nos Estados Unidos. Maria Yeda Linhares avalia que ela ganha destaque com o surgimento dos primeiros estudos relacionados às técnicas de trabalho agrícola e às relações do homem com a natureza e com a descrição de modos de viver distintos dos modelos visíveis na sociedade urbana e industrial. No Brasil esse modelo de pesquisa só se tornaria visível a partir da década de 1970 quando historiadores, economistas e cientistas sociais lançaram novos olhares sobre a história da agricultura (LINHARES, 1997, p.165): Somente em final de 1976, colocou-se perante historiadores e cientistas sociais do país uma proposta que, uma vez seguida e desenvolvida, seria o ponto de partida para novos enfoques no campo da história da agricultura (...) Nessa ocasião apresentou-se um programa de pesquisa que tinha por objetivo fazer um amplo inventário de fontes localmente existentes, de modo a serem tratadas nos moldes da história serial, e passíveis pois de serem organizadas em séries homogêneas, extensas e significativas. (LINHARES, 1997, p.170 e p.171) 163 Entre as fontes de pesquisa apresentadas aos cientistas sociais a autora relaciona as de natureza jurídica (inventários, tutelas, escrituras, testamentos, registros paroquiais, lista de votantes e processos-crime) e as de natureza eclesiástica (registro de batismos, casamentos, processos diversos) e as de natureza fiscal ou oficial (relatórios, correspondências, legislação, estatísticas e contabilidades). Segundo ela, a catalogação de fontes novas ou antigas demonstra que a questão agrária não pode ser separada da agricultura, atividade que durante a maior parte da história “congregou homens e mulheres, constituindo-se como principal fonte de vida e de trabalho” (1997,p.166). Desse modo surgiram os primeiros estudos para especificar as linhas de pesquisa voltadas para a agricultura, privilegiando-se as práticas agrícolas, ciências e técnicas agrícolas, modos de produção e meioambiente. Apenas num segundo momento, Linhares observa que foram privilegiadas questões como as condições de vida e o cotidiano dos trabalhadores rurais e o impacto social da introdução de tecnologias agrícolas: Como se tem ressaltado tantas vezes, a história da gente comum que trabalha, come e dorme, gera filhos e saberes variados, e que na sua faina cotidiana transforma a natureza ao criar meios de subsistência e técnicas, custou a entrar nas preocupações do pesquisador como objeto de estudo (LINHARES, 1997, p.165). Num terceiro momento, a abordagem da questão agrária, teria tomado como referência a história econômica (1997,p.168), colocando em evidência estudos de Caio Prado Júnior, Celso Furtado e outros autores que analisam a transição do capitalismo para sua base agrária, bem como sua intervenção sobre a pequena agricultura. Tais autores definiram três questões fundamentais para a compreensão da história agrária no Brasil: primeiramente em escala regional, a terra tornou-se escassa diante do crescimento populacional e das pressões socioeconômicas, com favorecimento do êxodo rural; em seguida , a questão agrária seria afetada 164 com a intensificação do uso da terra, aumento de insumos, mercantilização e reorganização das unidades de produção com objetivo de atender a mercados diversos; finalmente, a questão agrária é afetada historicamente e socialmente com base na concentração das terras, monopolização dos lucros e permanência da exploração da mão de obra. (1997, p. 181-182) 2. MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA E QUESTÃO AGRÁRIA NO PARANÁ A partir dos anos de 1970 o Paraná atravessou a fase de superação do modelo agrícola tradicional mediante a adoção de um projeto de modernização do setor agrícola, com vistas a tornar a produção mais dinâmica e diversificada, mediante processo de mercantilização da agricultura. Por modernização, entendia-se o equipamentos agrícolas, adubos, defensivos, etc. uso crescente de Dados do Instituto Paranaense de Agricultura e Desenvolvimento Social – IPARDES, mostram que apenas entre 1971 e 1978 foram vendidos no Estado 63.024 tratores e a produção de soja, cana de açúcar, milho e arroz aumentou consideravelmente (IPARDES, 2006, p.26). Outro fator citado no documento do IPARDES, são as formas de organização consideradas mais avançadas, como é o caso das cooperativas que passam a intermediar as relações entre a agricultura, o comércio e a indústria, potencializando a capacidade de crédito agrícola. A soma de tais fatores permitiu um ordenamento da produção em diversas regiões do Estado. Observa-se, no entanto, que tal desenvolvimento tem dois eixos distintos. O primeiro concentra áreas consideradas dinâmicas, mercantis e em processo de transformação acelerada, com tendência à concentração da propriedade que se torna mais visível a partir da década de 1970 (2006, p.38). O segundo eixo é representado por áreas tradicionais, formadas por pequenos produtores com precário acesso aos meios de transportes, vias de comunicação e relações com o mercado, características essas que gestam 165 espaços marginais de desenvolvimento social e econômico, bem como de acesso à terra (IPARDES, 2006, p.66). Mesmo com técnicas tradicionais, baixa produtividade e pouco poder aquisitivo, até o final da década de 1970, alguns pequenos agricultores ainda tinham em seu pequeno pedaço de terra a possibilidade de diversificar a produção e eram responsáveis pela geração de quase tudo o que consumiam. Segundo o IPARDES, as vias de transporte que ligaram regiões e mercados, obrigaram essas áreas antes marginalizadas a adotar modelos e técnicas próprios do surto desenvolvimentista paranaense que tinha na agroindústria sua principal base econômica. Alguns estudiosos entendem que essa relação tornou a agricultura subordinada ao desenvolvimento industrial, e que esta pode ser vista desde 1970, como um mero aspecto da economia nacional comandado pela demanda industrial. Sobre esse período, Fábio Alves em Direito agrário e a política fundiária no Brasil, escreve: O processo de modernização da agricultura intentado pela ditadura militar- concentrador e excludente – deixa à margem expressivo número de trabalhadores, além daqueles que perderam suas terras para bancos ou se viram obrigados a entregá-las aos grandes empresários agroexportadores.(ALVES, 1995, p.150) O autor menciona também aqueles que foram atingidos pelos projetos de hidrelétricas, como os expropriados da Itaipu e antigos arrendatários, que em virtude da sua situação, teriam reorganizado os movimentos de luta pela terra. Alves diz que em 1981 começou a ressurgir o Movimento Sem terra, que se consolida em 1984 no Oeste paranaense e realiza em 1985, em Curitiba o seu primeiro congresso. (ALVES, 1985, p.150-151). Essas ações sociais são objeto de estudos sobre as condições de vida dos pequenos agricultores em uma das maiores regiões produtoras de grãos do Sul do Brasil. Ao escrever sobre esse período o engenheiro agrônomo Valdemar Arl, do Centro de Assessoria e Apoio dos Trabalhadores Rurais – CEPAGRI, observar que entre as conseqüências desse modelo foi nefasta para a 166 agricultura familiar, porque entre os anos de 1960 e 1980 ocorreu no Estado o maior registro de concentração de terra e de desgaste do solo, por meio do direcionamento do crédito para médias e grandes propriedades. Segundo o agrônomo, o pequeno agricultor foi prejudicado e marginalizado, enquanto cresciam as grandes agroindústrias, ao mesmo tempo em que o uso do agrotóxico aumentou significativamente, contribuindo para a poluição de solos, de águas e até mesmo dos alimentos com reflexos em toda a vida do homem (ARL, 2001, p.34). Conforme as estatísticas apresentadas pela CEPAGRI sobre o exôdo rural - até 1960, 64% da população vivia na área rural e no final dos anos de 1980 apenas 25% da população permanecia no campo. Assim sendo, pela presente pesquisa investigar-se-á a história das famílias que militam pela regularização fundiária no Município de Candói, para configurar se elas estão ou não relacionadas aos dados até então expostos pelas universidades e pelos institutos de pesquisa do Paraná. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para o desenvolvimento e conclusão do presente projeto de pesquisa e de iniciação científica serão tomadas as medidas necessárias para que seja realizado um trabalho que trate sobre a questão social da propriedade da terra, tomando-se como exemplo o Programa de Regularização Fundiária do Município de Candói (PR), no qual vem ocorrendo o primeiro processo do gênero no Brasil. Para o encaminhamento da pesquisa foram arroladas até o momento da produção deste artigo importantes fontes documentais que deverão fornecer o devido embasamento em prol do desenvolvimento deste trabalho, tais como o Relatório Analítico de Domicílios e Pessoas Cadastradas anexo ao Cadastramento Único para Programas Sociais do Governo Federal da Caixa Econômica Federal e do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Serão analisadas também as informações e os dados que foram expedidos pela Secretaria Municipal de Agricultura da Prefeitura 167 de Candói. Outra fonte considerável tem natureza cartográfica e diz respeito ao mapeamento da área que será objeto de regularização fundiária. Nesse sentido serão acrescentados aos documentos de pesquisa, os mapas que acompanham o processo e que foram produzidos pelo Instituto de Terras e Cartografia – ITC, acrescentando-se ainda a relação de agricultores autores da ação de usucapião que deverão ser beneficiados com o Programa de Regularização Fundiária do governo Federal. Com a finalidade de promover o devido estudo sobre o Programa de Regularização Fundiária e de recompor a história e a situação social das famílias autoras das ações de usucapião serão utilizados métodos de pesquisa bibliográfica, documental, comparativa, qualitativa e de campo. Será procedente também o uso das técnicas de pesquisa oral por meio de entrevistas com as famílias autoras das ações de usucapião e com representantes dos organismos públicos envolvidos. A partir desses procedimentos e de um estudo de caso com o a verificação do histórico dos agricultores familiares envolvidos nesse processo, procurar-se-á estabelecer os trâmites legais e os resultados sociais de um programa de regularização fundiária inédito no país e que vem ocorrendo de forma pioneira na mesorregião de Guarapuava. 4. REFERÊNCIAS ALVES, Fábio. Direito agrário e política fundiária no Brasil. Belo Horizonte: Editora Del Rey, 1995. ARL, Valdemar. Agricultura familiar: terra, alimento e vida. Passo Fundo-RS: Berthier, 2001. LINHARES, Maria Ieda. História Agrária. In CARDOSO, Ciro Flamarion. Domínios da História: Ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 1997. LINHARES, Temístocles. Paraná vivo. Curitiba: Imprensa Oficial. 2000. IPARDES. Paraná Economia e Sociedade. 2ª edição. Curitiba: Ipardes, 2006. MARES, Carlos Frederico. Função social da propriedade. FONTES DOCUMENTAIS CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - Relatório Analítico de Domicílios e Pessoas Cadastradas – Cadastramento Único para Programas Sociais do Governo Federal 168 Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – Prefeitura Municipal de Candoi PREFEITURA MUNICIPAL DE CANDÓI - Mapas da região constante do projeto de regularização fundiária ; Informações e entrevistas – Assessoria de Comunicação Social de Candói; Relação de agricultores que serão beneficiados com o Programa de Regularização Fundiária do Município de Candói – Secretaria Municipal de Agricultura. EDUCAÇÃO AMBIENTAL: INSTRUMENTO PARA A FORMAÇÃO DA CIDADANIA Rubiara Aparecida Melo Especialista em Gestão Escolar Orientadora: Profª.Ms.Déa Maria Ferreira Silveira RESUMO: O presente artigo apresentará ao leitor a importância de um estímulo à conscientização e conservação do meio ambiente e da implementação de políticas públicas que estimulem a educação ambiental. Estudam-se as relações entre cidadania, educação e meio-ambiente e sugere-se a adoção de processos de aprendizagem alternativos que valorizem o pensamento crítico, a consciência ambiental, a postura ética e a responsabilidade social. Discorre-se sobre o histórico e o percurso da educação ambiental e busca-se promover conceitos e princípios relcionados ao desenvolvimento da consciência ambiental no Brasil. Palavras-Chave: Educação Ambiental. Cidadania. Consciência Ambiental.Parâmetros Curriculares. INTRODUÇÃO Os problemas ambientais tão discutidos atualmente, não são algo recente, mas sim acontecimentos decorrentes do longo processo evolutivo e civilizatório gerado pela humanidade. Desde a Pré-História período no qual surge o homem e aprendeu a retirar da natureza seu meio de sustento através das atividades de coleta, caça e pesca, até passar a garantir seu sustento com a agricultura fixada em áreas férteis às margens de grandes rios, abrindo caminho para a formação de organizações de estruturas sociais cada vez mais complexas através da transformação natural, social, cultural e ético. 169 Através da expansão marítima européia e a revolução comercial começou uma ampliação desenfreada dos espaços locais e por consequência disso uma ampla degradação do solo. O crescimento desorganizado da indústria e da urbanização, partindo da Revolução Industrial, levou a sufocar o meio ambiente propiciando os primeiros sinais de extinção de espécies decorrentes da ação humana, além de secamento de lagos e rios, o aquecimento global que é capaz de confinar grandes quantidades de poluentes numa estreita camada da atmosfera e alterações no clima do planeta. A prepotência e a arrogância com que o homem tratava o seu meio tornava-o cego ao óbvio: os recursos ambientais são finitos, limitados e estão dinamicamente inter-relacionados. Pedrini (1997, p.21). Ao longo de sua história o relacionamento entre o homem e a natureza tem causado inúmeros prejuízos ao meio ambiente, mesmo assim as preocupações com essas questões ficavam restritas apenas a um pequeno número de estudiosos e intelectuais admiradores da natureza, mas após a II Guerra Mundial, principalmente na segunda metade do século XX é que os problemas ambientais passaram a serem encarados como algo que realmente deveriam ser levados em conta pelo homem. 1. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 1.1 Surgimento e trajetória internacional da educação ambiental No final da década de 60 e início dos anos 70, as questões sobre o meio ambiente passam a ser discutidas e o modelo capitalista também passa a ser questionado, pois o homem percebeu a necessidade de se tomar providências e tentar melhorar a sua relação com a natureza, a partir disto é que começa a se falar em Educação ambiental (E A). Alguns eventos internacionais que apontam a Educação Ambiental como estratégia 170 de preservação foram realizados e tiveram participação importante em sua construção. A Conferência de Estocolmo foi realizada na Suécia em 1972 e trouxe dois importantes marcos para o desenvolvimento de uma política mundial de proteção ambiental que foi a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), com sede em Nairóbi (Quênia) e a recomendação para a criação do Programa Internacional de Educação Ambiental (PIEA), que sugeriu que a educação ambiental fosse promovida para combater a crise do meio ambiente. O Plano de Ação da Conferência de Estocolmo foi à de que se deve educar o cidadão para solução dos problemas ambientais. Pode se dizer que aí inicia o que se convencionou chamar de Educação Ambiental. O efeito dessa conferência no Brasil foi às pressões do Banco Mundial e de instituições ambientais atuantes no país, é criada em 1973 a Secretaria Especial do Meio Ambiente/SEMA pela Presidência da República no âmbito do Ministério do Interior, que deveria orientar a gestão integrada do ambiente. Como uma devolutiva às recomendações da Conferência de Estocolmo, em 1975 a Organização das Nações Unidas (UNESCO) promoveu em Belgrado, na Iugoslávia (hoje Sérvia e Montenegro), um encontro Internacional em Educação Ambiental onde foi criado o PIEA e foi elaborada a Carta de Belgrado que segundo Dias (2003, p. 101) iria constituir num dos documentos mais lúcidos sobre a questão ambiental na época. Em 1977, na cidade de Tbilisi, ex-União Soviética, ocorreu a Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental, considerado o mais importante evento internacional em favor da educação ambiental até então. Nessa conferência foram definidos os objetivos e as características da EA. A declaração de Tbilisi, a exemplo das manifestações internacionais anteriores, entendeu que a educação ambiental deveria ser o resultado de uma reorientação e articulação de diversas disciplinas e experiências educativas, que facilitassem a visão integrada do ambiente (Dias, 2003). 171 Nessa conferência foram elaboradas 41 recomendações que constituem planos de ações para a EA, destacam os objetivos e os princípios norteadores da educação ambiental. Entre 17 a 21 de agosto de 1987, realizou-se em Moscou a II Conferência Mundial para discutir sobre Educação Ambiental, visando fazer uma avaliação do desenvolvimento da EA desde a Conferência de Tbilisi. As prioridades advindas da Conferência de Moscou tinham como meta apontar um plano de ação para a década de 90, considerando que houve um processo de conscientização gradual, no âmbito mundial e individual, do papel da educação em compreender, prevenir e resolver problemas ambientais. O Congresso de Moscou chegou à conclusão de que a EA deveria preocupar-se com a promoção de conscientização e transmissão de informações, desenvolvimento de critérios e padrões, orientações para a resolução de problemas e tomada de decisões. Portanto, objetivar modificações comportamentais de ordem cognitiva e afetiva. 1.2. Trajetória da educação ambiental no Brasil Uma das primeiras legislações que considera a Educação Ambiental é o Código Florestal instituído pela Lei n. 4774 de 1.965, onde seu Artigo 43 estabelece a semana florestal a ser comemorada de forma obrigatória nas escolas e estabelecimentos públicos. Mas a primeira vez que a EA aparece na legislação de modo integrado foi com a Lei n. 6.938 de 1981 que institui a Política Nacional de Meio Ambiente. Essa lei situa a Educação Ambiental como um dos princípios que garantem a preservação, a melhoria e a recuperação da qualidade do meio ambiente. Posteriormente com a Constituição Federal de 1988, reconhece o direito constitucional de todo o cidadão brasileiro à Educação Ambiental onde contém o Capítulo VI sobre o meio ambiente em seu Art. 225, parágrafo 1º, inciso VI: “Promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização para a preservação do meio ambiente”. 172 Com a Lei 7335 de 1989 cria-se o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) que tem a finalidade de formular, coordenar e executar a política nacional de meio ambiente. Apesar de todas as criações de leis o Brasil ainda não tinha uma total consciência sobre o meio ambiente, o país só começou a apresentar consciência ambiental a partir da década de 90, onde o Ministério da Educação passou a enfatizar a importância do ensino de educação ambiental. Em 1992, no Rio de Janeiro aconteceu a Conferência da ONU sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), onde representantes de quase todos os países do mundo reuniram-se para decidir medidas para conseguir diminuir a degradação ambiental e garantir a existência de outras gerações. A intenção, nesse encontro, era introduzir a ideia do desenvolvimento sustentável, um modelo de crescimento econômico menos consumista e mais adequado ao equilíbrio ecológico, Nesta Conferência foi elaborada a Agenda 21 é um programa de ação que viabiliza o novo padrão de desenvolvimento ambientalmente racional, que foi considerada muito importante para a EA como ressalva Dias (2003, p.50): Nessa conferência, reconhece-se a insustentabilidade do modelo de ‘desenvolvimento’ então vigente. O desenvolvimento sustentável é visto como o novo modelo a ser buscado. Nomeia-se a Agenda 21 como um Plano de Ação para a sustentabilidade humana. Reconhece-se a Educação Ambiental como o processo de promoção estratégico desse novo modelo de desenvolvimento. Durante a ECO/92, o MEC, promoveu em Jacarepaguá um workshop com o objetivo de socializar os resultados das experiências nacionais e internacionais de EA e desse workshop foi criada a Carta Brasileira para a Educação Ambiental, que reconhece que a EA é um dos instrumentos mais importantes para viabilizar sobrevivência do planeta a sustentabilidade como estratégia de 173 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei n.9394 (BRASIL, 1996), reafirma os princípios definidos na Constituição com relação à Educação Ambiental, estabelecendo que a EA deva ser considerada na concepção dos conteúdos curriculares de todos os níveis de ensino sem constituir disciplina específica, implicando desenvolvimento de hábitos e atitudes para o exercício da cidadania. Um avanço significativo no âmbito da educação formal foi a criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs, definidos pelo MEC com a colaboração de especialistas, instituições e entidades de estudos e pesquisas educacionais, em 1998. Os PCNs foram desenvolvidos com o objetivo de fornecer orientação para os professores com a proposta de que eles sejam utilizados como instrumento de apoio às discussões pedagógicas. Em abril de 1999 foi promulgada a Lei n.9.795, (BRASIL, 1999), que institui a Política Nacional de Educação Ambiental, onde são definidos os princípios relativos à Educação Ambiental que deverão ser seguidos em todo o país. A Política Nacional de Educação Ambiental estabelece que todos têm direito à EA e que cabe às instituições educativas, promover essa dedicação de forma integrada aos programas educacionais que desenvolve. No ano de 2004, foi realizado o primeiro Encontro Governamental Nacional sobre Políticas Públicas da Educação Ambiental, com a participação de dirigentes e técnicos das áreas de meio ambiente e de educação das três esferas de governo, ampliando a integração entre o setor educacional e ambiental em torno da gestão pública da EA no Brasil. Esse encontro teve por objetivo, a elaboração de propostas para articular, fortalecer e enraizar a EA. Como se pode observar existe uma história que retrata a caminhada rumo a necessidades da educação ambiental. Hoje no Brasil o ensino está estabelecido nos currículos escolares, mas muitos estudiosos acreditam que se deva estar presente em todos os espaços que educam o cidadão, pois dessa forma pode ser feita uma educação ambiental não só 174 nas escolas, mas em toda a comunidade, desde o seio da família até a sociedade em geral. A história da Educação Ambiental no Brasil ainda tem muito para caminhar e evoluir para se ter de fato algo concreto e que realmente faça a diferença no exercício da cidadania. 2. EDUCAÇÃO AMBIENTAL E CIDADANIA A questão ambiental está cada vez mais presente no dia-dia da população de nossas cidades, principalmente no que se refere ao desafio de preservar a qualidade de vida. Apesar disso, ainda está distante de ter uma consciência ambientalmente correta. Isso implica em reinserir o homem no meio, ou seja, perceber que a vida humana somente será qualificada, equilibrada, se estiver em harmonia com seu meio ambiente. O crescimento populacional, o acelerado processo de urbanização das últimas décadas, bem como os padrões de consumo e o modo de vida que estamos vivendo geraram um aumento na demanda por recursos naturais para suprir nossas necessidades humanas. Todos têm sido afetados pelos problemas, principalmente os setores mais carentes da população, pois somente uma pequena parte da população do mundo usufrui os benefícios desse sistema. A desigualdade é o problema “ambiental’ mais importante do planeta; é também seu maior problema no rumo ao desenvolvimento. (Beck, 1999 apud Loureiro, 2002, p.124). Nesses tempos em que a informação assume um papel cada vez mais relevante com a mídia, a Internet e utilizando desses meios à educação ambiental pode ser um caminho para a possibilidade de motivar e 175 tocar as pessoas para transformar as várias formas de participação na defesa da qualidade de vida. Dessa maneira a problemática ambiental produz um tema muito importante para aprofundar a reflexão e a prática em torno das ações causadas pelos crescentes agravos ambientais. Pois não basta apenas o homem querer proteger a natureza, preservando espécies de animais e vegetais, mesmo sendo essa uma questão muito importante, mas sim ter a possibilidade de entender que o consumo excessivo dos recursos naturais, o atual sistema econômico e também cultural é que determinam uma nova e urgente postura perante essa problemática e a educação é a ponte para esse entendimento. Dias (2003, p. 109) destaca: Não se pode compreender uma questão ambiental sem as suas dimensões políticas, econômicas e sociais. Analisar a questão ambiental apenas do ponto de vista “ecológico” seria praticar um reducionismo perigoso, no qual as nossas mazelas sociais (corrupção, incompetência gerencial, concentração de renda, injustiça social, desemprego, falta de moradias e de escola para todos, menores abandonados, fome, miséria, violência e outras) não apareceriam. Essas mazelas, por sua vez, são criadas pelo modelo de desenvolvimento econômico adotado, que visa, apenas, à exploração imediata, contínua e progressiva dos recursos naturais (e das pessoas), cujo lucro do uso predatório vai para as mãos de uma pequena parcela da sociedade. Podemos perceber que não basta apenas tomar atitudes dadas como corretas, como separar o lixo, jogar o papel da bala na lata de lixo se não entender o que está por trás da indústria que produziu esse produto, o valor consumista que é responsável por esse crescimento de lixo produzido pelo homem que está poluindo e afetando nosso meio ambiente. Assim, a educação ambiental deve ser entendida como educação política, no sentido de que ela reivindica e prepara os cidadãos para exigir justiça social, cidadania nacional e planetária, autogestão e ética nas relações sociais e com a natureza. A Educação ambiental como educação política enfatiza antes a questão “por que” fazer do que “como” fazer. Considerando que a educação ambiental surge e se consolida num momento histórico de grandes mudanças no mundo ela tende a questionar as opções políticas atuais e o próprio conceito de educação vigente, 176 exigindo-a, por princípio, criativa, inovadora e crítica. (Reigota, 1994, p.10). Os impactos negativos dos problemas ambientais resultam principalmente da precariedade dos serviços e da omissão dos poderes públicos em relação à prevenção das condições de vida da população, mas também é reflexo do descuido e da omissão dos próprios moradores, principalmente nos bairros mais carentes, aonde a educação não chega de maneira eficiente como deve ser. Partindo desse princípio podemos observar nas figuras seguintes, pontos diferentes da cidade de Guarapuava, a discrepância dos problemas ambientais urbanos, onde no centro da cidade a limpeza, a ordem e a preservação do meio ambiente encontram-se bem cuidada, mas por outro lado em uma vila, onde predomina a pobreza, as mesmas pessoas que fazem a coleta do lixo de forma seletiva deixam restos na rua a céu aberto poluindo o meio em que vivem. Essa atitude interfere de forma significativa na qualidade de vida da cidade e parte da responsabilidade deve-se ao poder público que não disponibiliza melhores condições de trabalho para os catadores de lixo. Isso significa que enquanto o centro da cidade é limpo e aparentemente bem cuidado, na periferia a realidade é diferente e em alguns locais crescem os redutos de lixo a céu aberto, conforme ilustrado nas fotografias que seguem: FIGURA 1 – Lago das Lágrimas, Guarapuava-PR Foto: Rubiara Melo 177 FIGURA 2 – Avenida Manoel Ribas, Guarapuava- PR – Foto – Rubiara Melo FIGURA 3 – Vila São Miguel, Guarapuava-PR Foto – Rubiara Melo 178 Esta postura não deve ser considerada responsabilidade exclusiva da população. Ela ocorre principalmente pela falta de informação, de consciência ambiental, de políticas públicas e de práticas comunitárias baseadas na participação e no envolvimento dos cidadãos. Nesse sentido a educação ambiental é um instrumento para essa ligação. A relação entre meio ambiente e educação para a cidadania assume um papel cada vez mais desafiador, demandando a emergência de novos saberes para apreender processos sociais que se complexificam e riscos ambientais que se intensificam. As políticas ambientais e os programas educacionais relacionados à conscientização sobre a crise ambiental demandam cada vez mais novos enfoques integradores de uma realidade contraditória e geradora de desigualdades que transcendem a mera aplicação dos conhecimentos científicos e tecnológicos disponíveis. (Jacobi, 2003) Este desafio está na formulação de políticas publicas voltadas para o meio ambiente que sejam críticas e inovadoras. Assim, a educação ambiental deve ser acima de tudo um ato político voltado para transformar a sociedade, enfocando uma maneira de ação que relacione o homem com a natureza, propiciando também recursos para instigar a compreensão da importância de se evitar a degradação do nosso planeta e eliminar o impacto negativo que existe nas relações sociais, ou seja, se faz necessário que a educação que é passada para o aluno lhe de condições para que ele se torne capacitado para desenvolver atos que possam melhorar a sua qualidade de vida e da comunidade que ele está inserido. 179 Precisamos considerar com grande importância o tema ambiental tornando-o parte integrante da visão de mundo, a escola deverá, ao longo do ensino, oferecer meios efetivos para que cada aluno compreenda os fatos naturais e humanos a esse respeito, desenvolva suas potencialidades e adote posturas pessoais e comportamentos sociais que lhe permitam viver numa relação construtiva consigo mesmo e com seu meio, colaborando para que a sociedade seja ambientalmente sustentável e socialmente justa. Mas para isso é preciso que a educação ambiental use uma linguagem que seja acessível para as pessoas que ela quer atingir, dessa forma a educação formal e informal vem como mais um instrumento para auxiliar a educação ambiental utilizando os espaços da vida social, com diferentes componentes, metodologias e formas de ação. A partir da realidade do aluno é possível estabelecer ligações entre o que ele aprende e o que já conhece e aplicar subsídios que façam com que ele entenda e englobe todo esse conhecimento desencadeando experiências e vivências para começar a criar uma consciência para formá-lo um cidadão reflexivo e ativo ajudando na proteção e preservação de todas as manifestações de vida de nosso mundo para garantir as condições para que ele prospere em toda beleza e diversidade. A educação ambiental é uma forma de educação que exige a participação efetiva dos cidadãos nas discussões que envolvem a problemática, estabelecendo relação entre o homem e a natureza e, acima de tudo, estimular e fortalecer a participação social consolidando e fortalecendo a cidadania para a população como um todo, e não para um grupo específico. Devem-se lembrar, acima de tudo, que o processo educativo não é neutro e objetivo, destituído de valores, interesses e ideologia. Ao contrário, a educação é uma construção social repleta de subjetividade, de escolhas valorativas e de vontades políticas, dotadas de uma especial singularidade, que reside em sua capacidade reprodutiva dentro da sociedade. Ela significa, portanto, uma construção social estratégica, por estar diretamente envolvida na socialização e formação dos indivíduos e de sua identidade social e cultura. (Lima, 2002, p. 120). 180 Na I Conferência Nacional de Educação Ambiental realizada em Brasília em 1997 foi redigido a Declaração de Brasília para a Educação Ambiental. Neste documento são apresentados diagnósticos da situação da EA e também são apresentadas recomendações visando à melhoria do processo de desenvolvimento. O tema 5 diz respeito à educação ambiental, ética e formação da cidadania e Dias (2003, p. 192) cita alguns trechos das recomendações da Declaração: Promover sistematicamente seminários, encontros, congressos, reuniões nos níveis municipal, estadual e federal, com ampla participação das comunidades, a fim de estabelecer as relações entre educação ambiental e cidadania. Mas como relacionar a educação ambiental com a cidadania? Cidadania tem a ver com pertencer a uma coletividade e criar identidade com ela, ou seja, engloba um conjunto de valores sociais que determinam o conjunto de deveres e direitos de um cidadão. A educação ambiental, como formação e exercício de cidadania, tem a ver com uma nova forma de encarar a relação do homem com a natureza, baseada numa nova ética, que pressupõe outros valores morais e uma forma diferente de ver o mundo e os homens. A Lei N° 9.795 de 27 de abril de 1999 em se u Art. 2° afirma: "A Educação Ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e nãoformal. A educação ambiental deve ser encarada como um processo contínuo de aprendizagem que ensina a valorizar as diversas formas de conhecimento transformando pessoas em cidadãos conscientes em relação à comunidade que ele vive e todo o restante do mundo. Hoje a EA tem uma visão um pouco mais realista de sua situação, buscando um equilíbrio entre o homem e o meio ambiente entende que a realidade da educação está envolvida num complexo contexto marcado pelas estruturas do neoliberalismo, do egocentrismo, o que importa 181 é o seu benefício próprio, fazendo com que a educação se volte mais para as necessidades do mercado e do desenvolvimento econômico. Mesmo com esses problemas, vários esforços foram feitos para que haja uma solução, principalmente a partir dos anos 90 onde o Brasil teve um grande impulso ambientalista, tanto nas políticas públicas como nas organizações da sociedade civil. Surgindo várias teorias sobre a educação ambiental. O Brasil possui legislação sobre o tema e incorpora essa educação nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Os PCNs de certa maneira vieram legitimar o que muitos professores da área já vinham fazendo em seus trabalhos referentes às práticas de educação ambiental. Diante de um processo de implementação efetiva da educação ambiental nas escolas, é evidentemente que se trabalhe através da cooperação, participação e pela geração de autonomia dos atores envolvidos. A escola é o local em que a interação social está em evidência e onde o aluno dará continuidade para o seu processo de socialização. É na escola que aprendemos os valores da sociedade. Comportamentos ambientalmente corretos devem ser aprendidos na prática, no cotidiano da vida escolar, contribuindo para a formação de cidadãos responsáveis assim como na comunidade onde vivem. A educação formal através da escola tem um papel de grande valia para entender as questões ambientais, pois dela se pode compartilhar do cotidiano de várias pessoas e dessa maneira possibilita que alunos e professores exerçam sua cidadania tendo a noção de seus direito e deveres. A Educação Ambiental é um processo no qual todos somos aprendizes e mestres. Os bons mestres sempre foram aprendizes até alcançarem a maestria de artes e ofícios. Mas esse processo de transmissão de saberes sempre se deu no âmbito de relações de poder daquele que detém um saber; de relações de dominação professor-aluno; de relações de autoridade e de prestigio exercidas na busca de apropriação de um saber codificado, 182 certificado. (...) a partir do saber e da identidade que se forjam e se incorporam ao ser de cada indivíduo e de cada cultura. (Leff, 2001, p. 218) Dessa forma se entende que deve ocorrer uma mudança cultural para que todo esse processo venha a ter efeito e o trabalho do professor seja realmente valorizado. CONSIDERAÇÕES FINAIS A questão ambiental, nos últimos anos, tornou-se uma preocupação mundial. A grande maioria das nações do mundo reconhece a importância e emergências dos problemas ambientais. Entretanto, a complexidade desses problemas, exige medidas sérias, que devem ser tratadas de forma global, considerando que a degradação ambiental é resultado de um processo social, determinado pelo modo como a sociedade apropria-se dos recursos naturais. O modo como se dá o crescimento econômico compromete o meio ambiente e prejudica o próprio desenvolvimento. Com base nas revisões bibliográficas foi possível perceber que para a educação ambiental realmente gerar frutos positivos com relação ao meio ambiente ela deve ser um processo permanente que deve trabalhar a educação junto com a cidadania possibilitando a participação da sociedade concretizando uma proposta de sociabilidade, baseada na educação para a participação e para a preservação ou recuperação do meio-ambiente. O desafio da construção de uma cidadania mais intensa se forma como um ponto imprescindível para constituir e fortalecer pessoas conscientes dos seus direitos e deveres, que como cidadãs possam assumir responsabilidades sociais e abrir novos espaços de participação social. Diante do estabelecimento de parâmetros curriculares que permitem aos educadores a adoção de temas transversais voltados para o meio-ambiente é preciso estar sempre edificando novos paradigmas para a 183 educação com articulação entre os espaços formais e não-formais que primem pela aproximação da escola com a comunidade em que se insere. É preciso ainda entender a importância de um planejamento integrado de atividades curriculares e extracurriculares para a construção coletiva e democrática do projeto político-pedagógico, fazendo da educação ambiental um componente para a conscientização de cidadania através da mudança de comportamento na relação do homem com a natureza. Por fim, cabe destacar que é através de uma educação de qualidade, disponível para todos e não só para uma parcela elitista, que se podem apresentar condições para que haja uma conscientização ambiental verdadeira. A educação é o primeiro passo para poder começar a reverter o excesso de consumo que está impregnado em nossa sociedade e estabelecer uma nova ética, uma mudança de comportamento para a melhoria da nossa região, do nosso país e do nosso planeta. REFERÊNCIAS DIAS, Genebaldo Freire. Educação ambiental: princípios e praticas. 8. ed. São Paulo: Gaia, 2003. GUIMARÃES, Mauro. A dimensão ambiental na educação. Campinas, Papirus. 1995. LEFF, Enrique. Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2001. LIMA, G. F. da C. Crise ambiental, educação e cidadania: os desafios da sustentabilidade emancipatória. In: LOUREIRO, C. F. B.; LAYRARGUES, P. P.; CASTRO, R. S. (orgs). Educação ambiental: repensando o espaço da cidadania. São Paulo: Cortez, 2002. LOUREIRO, C. F. B.; LAYRARGUES, P. P.; CASTRO, R. S. (orgs). Educação ambiental: repensando o espaço da cidadania. São Paulo: Cortez, 2002. MEDINA, Naná Mininni; SANTOS, Elizabeth da Conceição. Educação ambiental: uma metodologia participativa de formação. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. PEDRINI, A. G. (org). Educação ambiental: reflexões e práticas contemporâneas. 4.ed. Petrópolis, Vozes. 2001 REIGOTA, Marcos. O que e educação ambiental. São Paulo: Brasiliense, 1994. 184 SITOGRAFIA BRASIL (199). Lei n. 9795 de 27 de abril de 1999. disponível em http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=20&idCont eudo=967. Acessado em 20 de Setembro de 2010. JACOBI, Pedro. Meio ambiente, educação e cidadania: desafios da mudança. Disponível em <http//www.ufmt.br/gpea/pub/Jacobi_meio%20cidadania-%202005senac.pdf>. Acesso em 20 de setembro de 2010. O PERFUME DAS PITANGUEIRAS DE TURVO (PR) IMPRESSÕES SOBRE A PARCERIA ENTRE A COOPAFLORA DE TURVO (PR) E NATURA DO BRASIL Débora Machado Profª Ms. Cerize Nascimento Gomes Ciências Sociais - FG RESUMO: A presente pesquisa trata-se de um estudo sobre a parceria realizada entre a Cooperativa de Produtos Agroecológicos e de Artesanato (COOPAFLORA) de Turvo (PR) e a Natura do Brasil. Sabendo-se que a Cooperativa fornece mais de 25 espécies de plantas para a empresa de cosméticos, optou-se por centrar o foco da pesquisa nos produtos da linha Natura Ekos Pitanga para a promoção de um registro de impressões e expectativas relativas ao desenvolvimento desse programa de sustentabilidade e do seu projeto com os agricultores familiares do Município de Turvo. Palavras-chave: Ecodesenvolvimento. Floresta. Recursos Naturais. Cosméticos. Consciência Planetária. INTRODUÇÃO É das mãos generosas das mulheres de Turvo que tem início a alquimia que gera a beleza e o encantamento. Maria Celeste Corrêa O perfume está relacionado aos mais diversos aspectos, entre eles o histórico, o cultural e o geográfico. Esse é o caso das cerejeiras do Japão e dos girassóis da Rússia. Talvez esse seja o caso da região de Guarapuava 185 que pode estar transformando o Brasil no país que venha a ser reconhecido pelo perfume característico de pitanga, um fruto próprio da região sul do Brasil e muito comum nos municípios do Centro-Oeste do Estado. As pitangueiras que antes eram cultivadas por sua beleza e pelo sabor inconfundível dos seus frutos, na região de Turvo transformaram-se em uma fonte de trabalho e de geração de renda que provocou uma verdadeira revolução na vida das produtoras rurais do município. Após enfrentarem todas as agruras de parir um projeto de ecosustentabilidade, o trabalho dessas mulheres tornou-se referência a partir do lançamento nacional de produtos como sabonetes, loções, óleos, xampus e hidratantes com perfume das pitangueiras entre as quais muitas haviam crescido e outras meninas continuavam a crescer. Para falar sobre esse modelo de sustentabilidade, o presente estudo concentra-se sobre a parceria realizada entre o Instituto Agroflorestal Bernardo Hakvoort (IAF) e a Cooperativa de Produtos Agroecológicos, Artesanais e Florestais de Turvo – Coopaflora com a Natura do Brasil, especificamente no que diz respeito aos cosméticos e chás lançados a partir de óleos, essências e aromas cuja matéria prima procede da região CentroOeste do Paraná. 1. FLORESTA DE ARAUCÁRIAS A presente pesquisa busca convalidar a importância da floresta de pinheiros (araucária angustifolia) para o histórico de ecodesenvolvimento regional e tem como região de estudo o município de Turvo (PR). Essa preocupação surgiu porque dentro da floresta com araucárias, os tradicionais pinheiros do Paraná, abriga-se uma rica biodiversidade, que com os projetos adequados pode apresentar soluções simples para a geração de emprego e renda, e, ao mesmo tempo indicar novos caminhos para os programas de sustentabilidade. 186 Em pesquisa realizada sobre o município de Turvo (PR), Maria Celeste Corrêa, no livro O uso sustentável dos recursos Naturais na floresta com araucária, escreve que primeiramente o que chamou a atenção dos ambientalistas em Turvo foram os bosques de pinheiros. Segundo ela, isso ocorreu porque as reservas de araucária “constituem um dos mais raros e ameaçados biomas do planeta” (CORREA, p.6). O estudo realizado demonstrou que o Paraná, Estado presenteado com a maior concentração de florestas com araucária do Brasil detinha na primeira década do século XXI apenas 0,8% dos seus recursos originais. Conforme a autora “depois de uma brutal exploração de seus recursos naturais ao longo do século XX, o bioma quase desapareceu por completo” (CORREA, p.6) . Diante do quadro verificado no município de Turvo, que possui uma das maiores reservas de araucárias do Estado, a pesquisadora conta que o IAF chamou a atenção da The Nature Conservancy (TNC), organização que investiu na criação de um programa para manter os agricultores em suas terras e incentivar a geração de renda por meio de projetos de sustentabilidade, com o objetivo de promover a restauração e a conservação da floresta natural. Sobre a TNC ela explica: Fundada em 1951, a TNC está presente em 32 países. A organização mundial é lider na conservação dos recursos naturais ecologicamente importantes para a vida e as pessoas. Ao longo de sua trajetória a The Nature Conservancy já contribuiu para a proteção de mais de 47 milhões de hectares, sempre atuando em áreas com altos índices de diversidade biológica e cultural.” (CORREA, 2010, p.8) 2. PARCERIA COM A NATURA Os estudos feitos sugerem também que os projetos do IAF e da Coopaflora tornaram-se referencia nacional porque combinam uma série de experiências e de atividades dentro das propriedades rurais, ao mesmo tempo em que valorizam os saberes e as práticas dos agricultores familiares. 187 Rodrigo de Próspero, engenheiro florestal da Natura do Brasil considerou que esses foram os aspectos que chamaram a atenção da empresa para oi desenvolvimento de parceria com a Coopaflora de Turvo. A pesquisadora Maria Celeste Corrêa também enalteceu a importância dessa postura assumida pela cooperativa: Por não agredirem a natureza e conservarem a floresta, os produtores de Turvo conseguiram se tornar fornecedores de uma das maiores indústrias de produtos de beleza do País, com 25 espécies de planta. A Natura transforma folhas e flores em essências, aromas, óleos e outros ingredientes que compõem hidratantes, sabonetes, xampus, condicionadores e muitos outros produtos. (CORREA, 2010, p.27) O óleo essencial extraído das folhas de pitangueiras de Turvo são transformados em caixas presenteáveis e cada lançamento é comemorado com uma campanha de marketing que lembra as origens do produto e a parceria com a Coopaflora. 188 FIGURA 1 – Campanha presenteável da linha Natura Ekos Pitanga. Disponível em http://scf.natura.net/produtos/naturaekos/pitanga/frescorekospitanga. Acessado em 16 de outubro de 2011. Ao acompanhar a metodologia de divulgação e de recepção dos produtos feitos à base de pitanga pela Natura, Ekos Pitanga, percebeu-se que a campanha foi gradativa e constante. O prospecto feito em 2011 “A floresta está em você” foi ilustrado por fotografias do fruto das pitangueiras e dos produtos Natura, bem como por fotos dos agricultores familiares de Turvo seguidos pelo texto: Você é a obra mais perfeita da natureza. Todos os seus milagres, todos os mistérios estão reproduzidos em você. Todo conhecimento. Preste atenção nas vozes dos pássaros, das árvores, dos rios dentro de você. Você é responsável por suas 189 escolhas. Siga sua sabedoria. (NATURA EKOS, 2011) D A motivação diante da legitimidade que os cosméticos de pitanga alcançaram e pela abertura de mercado internacional propiciada pela Natura aos produtos da linha Natura Ekos Pitanga, referenda o trabalho realizado em Turvo como exemplo que implica diretamente no conceito mais amplo de desenvolvimento sustentável uma vez que os agricultores familiares responsáveis pela colheita, embalagem e distribuição da matéria-prima encaminhada para São Paulo, passam constantemente por cursos de aperfeiçoamento promovidos pela Natura. 3. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Segundo estudos feitos por Moacir Gadotti no livro Pedagogia da Terra, o termo sugere que esse tipo de desenvolvimento é um processo integral que inclui dimensões culturais, éticas, políticas, sociais, ambientais, e também, mas não só econômicas.(GADOTTI, 2000, p.57). O autor relaciona tal processo ao desenvolvimento humano com equidade e participação. Sobre isso, ele escreve: As Nações Unidas, nos últimos anos passaram a usar a expressão “desenvolvimento humano” como indicador de qualidade de vida fundado nos índices e saúde, longevidade, maturidade psicológica, educação, ambiente limpo, espírito comunitário e lazer criativo, que são também os traços de uma sociedade sustentável. (GADOTTI, 200, p.58) Ao relacionar sustentabilidade aos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), o autor promove uma reflexão bastante interessante para a região de Guarapuava, a qual segundo os dados do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), corresponde aos mais baixos IDHs do Estado. Esses dados sugerem que o desenvolvimento humano advoga que as questões sociais e econômicas são inseparáveis das questões ambientais. 190 Isso significa que para Gadotti o sonho de um capitalismo ecológico é insustentável (GADOTTI, p.59) e só se mantem por meio de uma visão colonizadora que relaciona o conceito de desenvolvimento a um padrão de industrialização e de consumo que faz com que as pessoas acreditem que a felicidade só será possível pela aquisição e pela acumulação de bens materiais (GADOTTI, p.60). Segundo o autor, os países centrais ricos, com base em uma ideologia própria de desenvolvimento, fazem com que os países periféricos aceitem políticas econômicas com consequências trágicas como o aumento da miséria, do desemprego e da violência. Nesse cenário a manutenção de políticas próprias para a agricultura familiar é responsável pela elaboração de uma nova consciência ecológica. Em torno de cooperativas, como é o caso da Coopaflora, os cooperados desenvolvem projetos e estabelecem parcerias que tornam-se modelos de alternativas viáveis tanto social quanto economicamente. Sobre a necessidade de preservação dessas experiências, Corrêa comenta: As comunidades de agricultores vêm sofrendo pressão para converter as áreas de faxinais em monoculturas. Isso exterminaria os últimos remanescentes da floresta com araucária da região, provocaria o aniquilamento de muitas espécies animais e vegetais e, ainda, levaria ao desaparecimento de um importante processo social, cultural e econômico relacionado ao uso da terra. Portanto, é absolutamente fundamental que esses modelos de produção viáveis, tanto do ponto de vista social quanto ambiental, sejam alvo de iniciativas que possam torná-los também mais interessantes do ponto de vista econômico, garantindo a sua perpetuação. (CORREA, 2010, p.7) Ainda sobre o modelo de Turvo considere-se que, conforme os pesquisadores da Universidade Federal do Paraná, Luiz Antonio Biasi e Cíceo Deschamps o Brasil ainda tem pouca expressão no mercado internacional de óleos esseciais: 191 O mercado internacional de óleos essenciais movimenta anualmente aproximdamente 1,8 bilhões de dólares, e a participação brasileira nesse mercado é pequena, de apenas 0,1%, concentrada basicamente sobre os óleos citrícos, que são subprodutos da produção de suco de laranja. (BIASI e DESCHAMPS, 2009, p.7) Os autores destacam que a biodiversidade brasileira é pouco explorada em relação à composição química da sua flora e que a ciência ainda está em fase embrionária nessa área que deve ser bastante promissora para a economia nacional: Os óleos essenciais, além da indústria de perfumaria e cosméticos, possuem uma vasta possibilidade de utilização. São fonte de matériaprima na indústria farmacêutica, na de produtos de higiene e limpeza, de alimentos, de tintas e também na agricultura, para o controle biológico de doenças e pragas. BIASI e DESCHAMPS, 2009, p.7) Francisco Gutierrez, no livro Pedagogia para o Desenvolvimento Sustentável, lista as características que apontam para formas de gestão ambientalmente corretas ou sustentáveis. São elas a promoção da vida, o equilibrio dinâmico, a preservação dos ecossistemas, a consciência ética e ecológica, o abandono do paradigma técnico em nome da racionalidade intuitiva e finalmente o desenvolvimento de uma consciência planetária. (GUTIERREZ,1996, p.3). Gustavo Costa Lima ao estabelecer os princípios do ecodesenvolvimento define os seguintes pressupostos: 1) a satisfação das necessidades básicas da população; 2) a solidariedade com as gerações futuras; 3) a participação da população envolvida; 4) a preservação dos recursos naturais; 5) um sistema social com garantia de emprego, segurança social e respeito à diversidade cultural; 6) programas de educação adequados aos projetos de ecodesenvolvimento (LIMA, 1997, p.210). 4. PROGRAMAS E METAS DA COOPAFLORA 192 Em 2006, foi assinado decreto que criou a Política Nacional de Plantas Medicinais, como parte das políticas públicas de saúde, meio ambiente, desenvolvimento econômico e social. O que possibilitou a criação do Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNMF), que tem como objetivo ampliar a produção e o comércio, bem como melhorar o acesso da população as plantas medicinais e fitoterápicos ( REDE REPARTE, 2011). Na pauta dos programas governamentais consta também a promoção da segurança alimentar e nutricional, o uso sustentável da biodiversidade e a valorização e preservação do conhecimento das comunidades e povos tradicionais. A Rede Parceiros da Terra – Rede Reparte, é uma entidade sem fins lucrativos, fundada com o propósito de contribuir para a construção e gestão de programas e projetos voltados para o desenvolvimento sustentável das suas filiadas. Segundo informações da Rede: O Paraná é responsável por 90% da produção brasileira de plantas medicinais. São 15 mil toneladas/ano, retiradas de uma área de três mil hectares, com a participação de 1.100 agricultores familiares na atividade. O restante da produção vem do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e de São Paulo. O Estado tem tradição no cultivo de plantas medicinais. Há mais de um século, a cultura de camomila foi introduzida pelos imigrantes europeus na Região Metropolitana de Curitiba. O cultivo comercial passou a ser estruturada há 40 anos, é alternativa de renda para o período de inverno. Hoje, 19 espécies ocupam 92,5% da área destinada ao cultivo de espécies medicinais, aromáticas e condimentares no Paraná. A camomila, cujo mercado cresce de 5% a 10% ao ano, tem grande expressão pelo valor econômico-social e número de produtores envolvidos. (REDE REPARTE, 2011) Roseli Eurich, agricultora familiar e uma das pessoas que sempre esteve frente a direção da Coopaflora explica a importância do programa que é desenvolvido em Turvo e que serve de modelo para vários municípios do Paraná e do Brasil: Toda a produção é agroecológica, com certificação orgânica pela Ecocert. Roseli lembra que a propriedade conta com 70% de cobertura vegetal. Permite agregar valor em 193 pequeno espaço de 1 hectare. O cultivo de plantas medicinais também contribui para a preservação da mata. A diversidade de culturas assegura, em caso de mau tempo, como geadas, mais opções de comercialização. (EURICH, entrevista, 2011) Além da Natura a Coopaflora mantém hoje parcerias com o The Nature Conservancy (TNC), o Serviço Brasileiro de Apoio as Micro e pequenas empresas (SEBRAE) e o Ministério de Turismo. No site da Cooperativa a diretoria destaca a expansão do projeto que já envolve atualmente oito municípios. Entre as ações da Cooperativa estão: Organizar o processo de comercialização de plantas medicinais aromáticas e condimentares, além dos demais produtos oriundos da floresta, através da agricultura familiar sustentável. Além disso, a Coopaflora ainda busca a inclusão de agricultores familiares de mais oito municípios da Região Central do Estado, aumentando assim a oferta de produtos, através da comercialização justa e solidária de produtos orgânicos certificados, e produzidos de forma sustentável, possibilitando desta forma, a recuperação e conservação da Mata Atlântica. (COOPAFLORA, 2011) Eurich relata que todos os agricultores familiares envolvidos no processo de produção de plantas medicinais da Cooperativa têm profundo comprometimento com a preservação do meio ambiente, e que por isso adotam o uso de tecnologias não poluentes e exigem de seus fornecedores a mesma conduta. Entre as metas definidas pela direção e pelos associados estão: Fixar a marca Arvoredo Brasil, bem como proporcionar o aumento produtivo de produtos orgânicos beneficiados da Região Centro Sul do Paraná; consolidar a agricultura familiar orgânica sustentável na região, contribuindo desta forma para a inclusão de famílias produtoras no mercado formal; aumentar a renda e qualidade de vida das famílias; contribuir diretamente para a manutenção e conservação da Floresta Ombrófila Mista; fornecer aos seus consumidores produtos com procedência garantida e reconhecida, além de disponibilizar um alto valor biológico; propiciar a continuidade dos trabalhos desenvolvidos na região, através do incentivo e oportunidades aos jovens rurais que fazem parte das comunidades rurais da região de abrangência 194 desenvolver uma produção sustentável, baseada na comercialização justa e solidária para a agricultura familiar. (COOPAFLORA, 2011) Segundo informações da Rede Reparte em 2010, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), por meio da Secretaria da Agricultura Familiar (SAF), lançou Chamada de Projetos para a contratação de projetos na área de plantas medicinais e fitoterápicos, que selecionou o Instituto Agroflorestal Bernardo Hakvoot (IAF) e a entidade Produtores Associados para Desenvolvimento de Tecnologias Sustentáveis (Sustentec). (REPATE, 2011) Os projetos selecionados devem desenvolver ações voltadas para estruturar e fortalecer redes de negócios sustentáveis de plantas medicinais com foco no arranjo produtivo local e promoção de geração de renda e agregação de valor. CONSIDERAÇÕES FINAIS O Instituto Agroflorestal Bernardo Wakvoorth (IAF) e a Cooperativa de Produtos Agroflorestais e de Artesanato (COOPAFLORA), instituídos no município de Turvo, a partir dos anos de 1990 foram responsáveis pela campanha de preservação de uma das maiores reservas de araucárias do Estado. O trabalho dessas entidades ambientais que atuavam em prol da agricultura familiar e do desenvolvimento sustentável chamou a atenção de de vários organismos públicos, organizações não governamentais e empresas particulares. Entre as instituições que tomaram conhecimento do trabalho realizado em Turvo está a The Nature Conservancy (TNC), organização internacional que investiu na criação de um programa para manter os agricultores em suas terras e incentivar a geração de renda por meio de projetos de sustentabilidade, com o objetivo de promover a restauração e a conservação da floresta natural. 195 Os estudos feitos para o desenvolvimento do presente artigo confirmam que os projetos do IAF e da Coopaflora tornaram-se referencia nacional a partir da combinação de uma série de experiências e de ações realizadas dentro das propriedades rurais, ao mesmo tempo em que foram valorizados os saberes e as práticas dos agricultores familiares. A política de não agressão a natureza e conservação das florestas regionais, fez com que os produtores de Turvo conseguissem se tornar fornecedores de uma das maiores indústrias de produtos de beleza do País, a Natura do Brasil, com fornecimento de 25 espécies de plantas transformadas em perfumes, cremes e chás. O foco da presente pesquisa foi a transformação de folhas e flores de pitanga em essências, aromas, óleos e outros ingredientes que compõem hidratantes, sabonetes, xampus, condicionadores e muitos outros produtos da linha Natura que são comercializados no Brasil e no exterior. Concluindo, considera-se que como a biodiversidade brasileira é pouco explorada em relação à composição química da sua flora e como a ciência ainda está em fase embrionária na extração de óleos essenciais o programa desenvolvido pelo IAF e pela Coopaflora representam a vitória de um desafio imposto aos agricultores familiares da região de Guarapuava que tem agora um longo e promissor caminho a sua frente. Conclui-se com a expectativa das autoras de que essa experiência seja um modelo para todos aqueles que desejam investir em desenvolvimento sustentável e na agricultura familiar. REFERÊNCIAS BARRERE, Martine (org). Terra, patrimônio comum: A ciência a serviço do meio ambiente e do desenvolvimento. São Paulo: Nobel, 1992. BECKER, Dinizar Fermiano (org). Desenvolvimento sustentável: Necessidade e/ou possibilidade? Santa Cruz do Sul (RS): EDUNISC, 1997. 196 CAVALCANTI, C. (org.). Sociedade e natureza: estudos para uma sociedade sustentável. São Paulo: Cortez; Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1998. GADOTTI, Moacir. Pedagogia da Terra: Ecopedagogia e educação sustentável. São Paulo: Peirópolis, 2000. SITOGRAFIA http://www.arvoredobrasil.com.br Acessado em 16 de maio de 2011. http://www.ecocert.com.br Acessado em 16 de maio de 2011. http://www.redereparte.org.br Acessado em 21 de outubro de 2011 http://scf.natura.net/produtos/naturaekos/pitanga/frescorekospitanga Acessado em 16 de outubro de 2011. OUTRAS FONTES DE PROSPERO, Rodrigo – Entrevista com o engenheiro florestal da Natura do Brasil realizada no dia 19 de outubro de 2011. EURICH, Roseli – Entrevista com agricultora familiar da Cooperativa de Produtos Agroecológicos e Artesanais de Turvo, realizada em 16 de outubro de 2011(PR) ALGUMAS REFLEXÕES (IN)CONVENIENTES Fernando Polli Alves Administração - FG Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Gomes RESUMO: O objetivo deste artigo é analisar aspectos da sociedade de consumo e seu impacto sobre o meio ambiente, ao mesmo tempo em que se propõe uma redução do consumo por meio de planejamentos locais e/ou regionais que possam provocar reflexos no contexto global, levando-se em conta seus efeitos na economia, no cotidiano dos indivíduos e no meio ambiente. Um dos propósitos deste artigo é a reflexão sobre o comportamento da média e sua influência sobre a patologia que as pessoas desenvolveram nas últimas décadas em relação ao poder de compra, troca e consumo. Palavras-Chave: Economia. Consumo. Mídia. Meio Ambiente. Sustentabilidade. 1. INTRODUÇÃO Em nada mais o homem apresenta-se ainda hoje tão próximo do macaco quanto na prática do comércio. Elias Canetti Por meio deste projeto apresenta-se uma reflexão sobre a sociedade 197 de consumo e seus impactos sobre o meio ambiente e os grupos culturais regionais ou periféricos. Observa-se inicialmente que dentro de um contexto histórico desde o advento da Revolução Industrial, do fim do século XVIII até a primeira década do século XXI, o onda tecnológica desenvolve-se de forma vertiginosa, refazendo e recriando estilo de vida e necessidades humanas. A evolução dos artefatos tecnológicos conquista velocidade cada vez maior e mercados cada vez mais globais. A primeira impressão que se tem diante das novas tecnologias é que a criatividade e a audácia humana desconhecem limites. Essa gigantesca revolução tem seu preço e seu custo é alto para o planeta e para a humanidade. Junto ao progresso vem o acumulo dos níveis de carbono na atmosfera, os oceanos ficam mais ácidos, eventos climáticos extremos se tornam rotina, enfim, o mundo aquece e sofre mudanças inimagináveis. Neste artigo procura-se refletir sobre os piores cenários futuros, descritos por Al Gore em seu livro Uma Verdade Inconveniente e por Fritjof Capra no livro Ponto de mutação. Ambos os autores descrevem cenários apocalípticos relacionados à poluição e ao caos ambiental e propagam atitudes radicais ou inconvenientes que possam mudar o comportamento do homem e sua relação com a natureza. Dialoga-se também com Oliviero Toscani por meio da obra A publicidade é um cadáver que nos sorri e Elias Canetti em Massa e poder. Os dois autores suportam o debate sobre a intervenção da mídia e mais especificamente da propaganda sobre o comportamento humano em relação ao consumo. Referenciam-se ainda outros autores como John Maynards Keynes, Domenico de Masi e João Ricardo Torres Souza da Motta, entre outros intelectuais preocupados com as questões econômicas e comportamentais em nível global. O objetivo proposto é o de é analisar e criticar o cenário ambiental global e apresentar algumas idéias sobre a redução planejada do consumo , levando-se em conta seus efeitos sobre a economia, o cotidiano dos 198 indivíduos e o meio ambiente. 1. O CONSUMO E A SOCIEDADE 1.1. Sentimento de Manada O “sentimento de manada” descrito por João Ricardo Torres Souza da Motta no livro As crises econômicas mundiais é uma alusão à teoria de John Maynards Keynes, economista britânico formado em Cambridge e um dos mais influentes intelectuais do século XX. O autor era defensor da teoria do pleno emprego como fator indispensável para a estabilidade econômica do sistema capitalista. Ao analisar o comportamento humano em relação ao consumo Keynes observou a existência do chamava de “espírito animal” ou “sentimento de manada”, o que era por ele definido como um tipo de comportamento impulsivo, capaz de fazer com que as pessoas se movimentassem mais por instinto que por inteligência, de forma coletiva. Segundo Keynes: Além da instabilidade devida à especulação, existe a instabilidade inerente à natureza humana, de modo que uma grande proporção de nossas atividades positivas depende mais do otimismo espontâneo do que de expectativas matemáticas, quer sejam morais, hedonísticas ou econômicas. Provavelmente, a maior parte das nossas decisões de fazer algo positivo, cujas consequências somente serão completamente conheci-das muitos dias depois, só pode ser tomada como resultado dos espíritos animais - um estímulo espontâneo para a ação, em vez da inação - e não como resultado de uma média ponderada dos benefícios multiplicada pela probabilidade". (KEYNES, 1982, p.167) O termo “sentimento de manada” foi traduzido pela vanguarda intelectual a partir dos anos de 1970 como próprio para definir a sociedade de consumo. O mesmo era utilizado para definir a onda de consumismo vivida depois da década de 1950, considerada “os anos de ouro do capitalismo”. O movimento da contracultura emergiu entre as décadas de 1960 e 199 1970, o qual se manifestou radicalmente contra o envolvimento dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã, a presença da Inglaterra na Índia e a ocupação da África por diversos países industrializados (MOTTA,2010, p.164). Além disso, os jovens adeptos da contracultura protestavam contra o consumismo da sociedade capitalista, a acumulação burguesa e a imposição dos valores culturais europeus e norte-americanos sobre as nações periféricas. O movimento, formado por hippies, ativistas sociais e ambientalistas, acusava os consumidores de estarem reagindo exatamente como bandos de animais que agiam por impulso sem o uso da razão, ou seja, que tinham o comportamento, definido por Keynes como um estímulo ou um impulso para a ação, sem qualquer ponderação sobre osbenefícios ou prejuízos pessoais ou globais advindos de suas atitudes. 1.2. A patologia do consumo Um dos propósitos deste artigo é a reflexão sobre o excesso ou a patologia que as pessoas desenvolveram a partir das três últimas décadas do século XX em relação ao poder de compra, troca e consumo. Inicialmente observa-se que com a crescente evolução da tecnologia e mais máquinas fazendo o trabalho humano, a expectativa dos estudiosos era que houvesse uma redução do tempo que as pessoas passavam trabalhando exigindo assim, um acréscimo de atividades nas lacunas dos horários extraídos do mundo do trabalho que poderiam ser dedicados ao lazer, cultura, educação e cuidados próprio e com familiares. Porém nada disso aconteceu. Se para alguns setores o trabalho diminuiu, aumentaram as preocupações e as necessidades da vida moderna. Esse processo interminável de trocas de bens e serviços significa para o trabalhador não apenas a necessidade de uma profissão, mas também o acumulo de dois ou mais empregos, além de atividades extras para suportar as necessidades impostas pelo mercado e pela família. Sobre esse fato Domenico de Masi, em O ócio Criativo, escreve: 200 Não acredito que um homem “acumule um outro emprego” só em benefício próprio. O salário dobrado serve também aos familiares, muitas vezes mais consumistas que ele. (DE MASI, p.203) Para o autor a obtenção de recursos para a aquisição de bens materiais deixou de ser um aspecto da vida familiar para transformar-se em seu principal objetivo. Os casais desenvolvem um tipo de neurose em relação ao seu poder de aquisição que resulta no fim das relações familiares e na adesão ao universo da mídia e do mercado. Sobre essa necessidade Elias Canetti, em Massa e poder, esclarece: O amontoado de moedas é, desde tempos remotos e junto à maioria dos povos, conhecido por tesouro. (...) Não apenas aquele que passa a vida inteira esperando encontrar um tesouro, mas também aquele que o acumula imagina que ele vá crescer cada vez mais, e faz de tudo para que isso aconteça. Não há dúvida de que, para alguns homens que vivem apenas para o seu dinheiro , o tesouro ocupa o lugar da massa humana. Encaixam-se aí muitas das histórias dos avarentos solitários; eles são a continuação mítica dos dragões dos contos infantis, para os quais a vigilância, a contemplação eo cuidado de um tesouro constituíam o conteúdo único de suas vidas. (CANETTI, 1995, p.183) Descrevendo a importância que o “tesouro” representado por moedas tem para as pessoas, Canetti disserta sobre sua relação com o trabalho e o consumo: A grande maioria das pessoas, mesmo nos países tecnicamente mais desenvolvidos, é remunerada de acordo com suas horas de trabalho, e o montante dessa remuneração movimenta-se numa ordem que, em quase toda parte, é concebida ainda sob a forma de moedas.(...) Trocar dinheiro, na condição de um fenômeno cotidiano, está entre os mecanismos mais frequentes e mais simples de nossa vida, um mecanismo que toda criança aprende o mais cedo possível. (CANETTI, 1995, p.183) A própria imagem da família é, para o autor, relacionada ao processo de ampliar o “tesouro” . “A imagem que se forma de família diante dos olhos quando se pensa na famíla é a de pais e filhos reunidos em torno de uma mesa” (CANETTI, 1995, p.220). Note-se aqui que quanto maior e mais 201 servida a mesa, maior é o poder ou o status da família e consequentemente maior é o seu “tesouro” acumulado. Para o autor o ideal de trabalhar para o sustento da família teria se transformado nas últimas décadas do século XX em “mera propaganda do egoísmo mais deslavado” : Dura e rija a família se torna quando veda a outros sua comida; aqueles dos quais tem que cuidar oferecem um pretexto natural para a exclusão dos demais. (...) as crianças servem como mera propaganda do egoísmo deslavado. As pessoas economizam “por seus filhos”, deixando que os outros passem fome. Na realidade , porém, o que ocorre é que, assim procedendo ficam com tudo para si pela vida toda. (CANETTI, 1995, p.221) Grifo nosso. Nesse contexto em que a melhor mesa, a mais bem servida, a que possui iguarias mais caras e mais atuais representa o ideal de família bem sucedida, o que fica em destaque é o poder de compra, é a capacidade de consumo. Desse modo o ato de comprar ou comerciar torna-se evidemente um sinal de poder. Canetti diz também que o ato de obter ou de capturar, de agarrar e de possuir faz parte de um dos mais antigos rituais do homem e que desde os tempos primitivos ao ficar em pé o ser humano aprendeu a usar as mãos para trabalhar, obter, ceder, trocar e conquistar: O comércio consiste em se dar algo definido por aquilo que se recebe. Uma das mãos segura tenazmente o objeto com o qual deseja seduzir o interlocutor a comerciar. A outra se estende ansiosa em busca de um segundo objeto que gostaria de trocar (...). Tão logo esta o toca, a primeira solta o que era sua propriedade – e não antes, do contrário poderia perdê-lo por completo. (...) ao comerciar ele dá continuidade, sob a forma de uma atitude psíquica, a um de seus movimentos mais antigos. Em nada mais o homem apresenta-se ainda hoje tão próximo do macaco quanto na prática do comércio. (CANETTI, 1995, 2011) Pondera-se sobre o peso da critica feita pelo autor sobre as massas humanas e sua vontade desmesurada de auto-proteção e de crescimento sem limites. Sobre isso ao apresentar o livro de Canetti, Francisco Foot Hardman diz que o mérito da obra esta no fato do autor perguntar-se todo o tempo, “se os homens, algum dia, terão tempo, dignidade e saber para 202 tornarem-se de fato humanos”. Crítica muito parecida, porém mais contudente sobre a ânsia de consumo é feita por Oliviero Toscani, autor do bestseller A publicidade é um cádaver que nos sorri argumenta que os índices de depressão, estresse e patologias atuais evidenciam que a felicidade das propagandas de margarina não existe na vida real. Ele explica que a propaganda é uma indústria especializada em vender coisas em grande parte desnecessárias e que justamente por isso precisa de um investimento inimaginável que lhe possibilite criar nos expectadores a necessidade dos produtos lançados no mercado capitalista para que então estes sejam devidamente consumidos. Sobre a propaganda Toscani argumenta: É preciso seduzir o grande público com um modelo de existência cujo padrão exige uma renovação constante do guarda-roupa, dos móveis, televisão, carro, eletrodomésticos, brinquedos das crianças, todos os objetos do dia-a-dia (...). Os nazistas inventaram a propaganda publicitária da alegria ariana com filmes e série de fotos que louvavam um estilo de felicidade escoteira, corpo esculpido e desnudo, beleza loura, alegria de fazer parte de um grupo, grandes emoções simples, culto do natural e do autêntico, céu sem nuvens, veículos poderosos. (TOSCANI, 1996, p.27 e 31) Nesse sentido, Toscani sugere que a propaganda é uma máquina de criar desejos e de criar infelicidades. Isso porque é fato que se as pessoas estão satisfeitas e felizes com o que tem, não precisam comprar mais nada, desta forma, o capitalismo com suas diversas possibilidades gestou uma sociedade neurótica e infeliz que acredita que só obterá a felicidade se tiver um carro, um tênis, uma calça e um relógio desta ou daquela marca, usada por este ou aquele famoso. Analisando-se o pensamento do autor, compreende-se que a propaganda induz o sexo feminino a acreditar, desde a mais tenra idade, que beleza, sucesso e satisfação também podem ser adquiridos como empanados ou repolhos em prateleiras de cosméticos ou em casos mais graves por meio de cirurgias e implantes para ficar maior aqui ou menor ali, 203 mais reto à esquerda ou mais curvo à direita. E do mesmo modo o sexo masculino também cresce afetado pelo estimulo midiático, acreditando desde sua meninice que só conquistará a mulher dos seus sonhos, a profissão ou a vitória em seus empreendimentos se possuir um carro x, fumar um cigarro y e beber uma cerveja tal. Esse tipo de crença no universo da propaganda fortalece o que se convencionou chamar de sociedade de consumo. 1.3. Reflexões sobre a felicidade Os questionamentos sobre os motivos que levam os seres humanos a agir por impulso como grupos desprovidos de poder crítico ou sobre como se desenvolve nas pessoas o tal “sentimento de manada” fazem com que surjam mais perguntas que respostas: Que sociedade construiu o mundo ocidental capitalista? Por que so longo de suas vidas as pessoas trabalham oito horas e passam mais quatro estudando? Por que os pais deixam a criação dos seus filhos de lado para se dedicar exclusivamente ao trabalho? Por que uma reunião da diretoria ou uma prova de teoria ou cálculo é mais importante que estar ao lado de uma pessoa querida que não esteja bem de saúde? Por que ter dois empregos e ainda fazer um ‘bico’ no fim de semana? Por que estudar, trabalhar e dedicar a vida a correr atrás de dinheiro? A resposta mais honesta é que as pessoas fazem tudo isso apenas para consumir porque para elas comprar é o principal símbolo de poder na sociedade capitalista. Para isso a mídia por meio da publicidade, cria necessidades permanentes a fim de que todos trabalhem cada vez mais para desfrutar de tudo que o mercado oferece. Desse modo alimenta-se a ilusão de que ter é sinônimo de felicidade. Como quanto mais se trabalha, mais se tem, imagina-se que desse modo é fácil ser mais feliz e ter mais poder. Verifica-se ainda que esse pensamento é financiado corporações mais diversas e por todos os governos do Ocidente pelas que 204 estimulam as pessoas para que trabalhem e consumam cada vez para que a roda da economia capitalista continue a girar. Por fim, os meios de comunicação, cada vez mais presentes no cotidiano das pessoas as incitam a comprar e a consumir de forma patológica, incontrolável e insustentável. Em O lado sombrio do crescimento, capitulo do livro Ponto de Mutação, Fritjof Capra fala sobre esse desequilíbrio ambiental e cultural e sobre os sintomas doentios da sociedade capitalista contemporânea: O excessivo crescimento tecnológico criou um meio ambiente no qual a vida se tornou física e mentalmente doentia. Ar poluído, ruídos irritantes, congestionamentos de tráfego, poluentes químicos, riscos de radiação e muitas outras fontes de estresse físico e piscológico passaram a fazer parte da vida cotidiana da maioria das pessoas. (CAPRA, 1982, p.226) Grifo Nosso. Sobre o que diz respeito à saúde pública o autor considera ainda que: Esses múltiplos riscos para a saúde não são apenas suprodutos casuais do progresso tecnológico; são características integrantes de um sistema econômico obcecado com o crescimento e a expansão, e que continua a intensificar sua alta tecnologia numa tentativa de aumentar a produtividade.(CAPRA, 1982, p.227) Alguns poderão questionar o subtítulo desta argumentação, por conta do fato que a abordagem é sobre a felicidade humana e discorre-se sobre questões tão alarmantes. Porém os riscos para a sobrevivência humana, decorrentes da poluição ambiental por meio de resíduos químicos tóxicos são relacionados pelo autor de forma bastante clara: Os vertedouros de lixos químicos tóxicos poluem massas de águas e infiltram-se em quintais gerando fumaças tóxicas que causam entre os residentes na área, elevadas taxas de defeitos congênitos, lesões renais e hepáticas, dificuldades respeiratórias e vários tipos de câncer. (CAPRA, 1982, p.227) Além do quadro assustador para a saúde humana, ele alerta sobre a situação em que se encontra o planeta Terra: Além dos riscos para a saúde que podemos ver, ouvir e 205 cheirar existem outras ameaças ao nosso bem-estar que podem ser muito mais perigosas porque nos afetaraão numa escala muito maior, no espaço e no tempo. A tecnologia humana está desitengrando e perturbando seriamente os processos ecológicos que sustentam nosso meio ambiente natural e que são a base da nossa existência.(CAPRA, 1982, p.227) Diante desses fatos e das leituras feitas para o desenvolvimento do presente artigo, no lugar do encontro de respostas, somos invadidos por questionamentos ainda maiores: Quem tornou o mundo assim? Como surgiu o consumo desenfreado, a poluição, o estresse e a depressão? Como se criou uma sociedade instintiva, manipulada e doente? Como foram criados os jovens atiradores que invadem salas de aulas e sessões de cinema matando crianças? Por que as prisões estão superlotadas de jovens viciados? Como será o comportamento das crianças que têm por mãe uma televisão, por pai um computador e por irmão um vídeo-game? Como uma pessoa poderá sentir-se importante e amada cercada por seres sem tempo e sem sonhos? Como os homens e as mulheres encontrarão a plenitude se estão repletos de vazio, ansiedade, desejo de consumo e solidão? Infelizmente todos esses questionamentos exigem maior tempo, mais leitura, muita reflexão e desenvolvimento de espírito crítico. Como a maioria das pessoas não está interessada ou não tem tempo para encontrar respostas para tais indagações elas permanecem em aberto. Desse modo considera-se que o ideal de felicidade descrito pelos filósofos clássicos, modernos e contemporâneos fica cada vez mais distante da realidade no mundo massificado pelo poder midiático e econômico. 2. MENOS É MAIS 2.1. Menos coisas e mais valores A frase “menos é mais” começou a ser utilizada pelos ambientalistas no fim do século XX e tornou-se um slogan do século XXI. Essas três palavras são bastante profundas dentro de um contexto no qual as pessoas julgam que para ser alguém é preciso ter cada vez mais. Esse slogan nos 206 faz pensar sobre a atualidade da redução e na lei do menos: menos consumo, menos lixo, menos roupas, menos sapatos, menos complicações, etc. Ao mesmo tempo o slogan que sugere menos coisas e mais valores, nos faz substituir vários itens por um ou dois: menos monografias e mais artigos, menos filmes e mais realidade, menos dinheiro e mais saúde, menos posses e mais liberdade, menos consumo e mais felicidade. Uma indagação (in) conveniente seria como uma grande redução do consumo ocorreria e como impactaria na vida das pessoas? Ora, a redução do consumo, segundo a maioria dos estudiosos, seria o fim do emprego e do sistema capitalista. Tal indagação se faz mais urgente quando colocada frente as fortes ondas de consumo e a crise iniciada em 2008, que continua assolando os países centrais de forma avassaladora na segunda década do século XXI. Essa crise sugere que é preciso identificar novas formas de vida e de trocas, ou seja, é preciso uma nova cultura global que leve em conta que a dignidade das pessoas e que desperte valores sociais e humanos que não se medem por acres de terra, títulos acadêmicos, empregos, carros, roupas e quaisquer tipos de posse. Para expressar esse pensamento, dialoga-se com a Grécia clássica, por meio da filosofia de Socrátes, um pensador que, defendia em seus escritos que as virtudes são as maiores riquezas, além de elementos indispensáveis para a felicidade humana: Outra coisa não faço senão andar por aí, persuadindo-vos, moços e velhos, a não cuidar tão aferradamente do corpo e das riquezas, como de melhorar o mais possível a alma, dizendo-vos que dos haveres não vem a virtude para os homens, mas da virtude vêm os haveres e todos os outros bens particulares e públicos. (SOCRÁTES, p.40, 1996). A partir das idéias desse filósofo clássico, pode-se afirmar que a verdadeira riqueza de um povo não esta no ouro ou na quantidade de terras de sua nação, nem mesmo em sua tecnologia ou em seus campos petrolíferos, mas sim na sabedoria com que tratam todos estes fatores. 207 2.2. Sobre o ócio criativo No artigo, Saiba o que é e pratique o ócio criativo, a psicóloga Monica Aiub destaca a etimologia da palavra ócio, recompondo sua descrição do dicionário Aurélio que explica o ócio como sendo : 1. Descanso do trabalho, folga, repouso; 2. Tempo que se passa desocupado; vagar, quietação, lazer, ociosidade; 3. Falta de trabalho; desocupação, inação, ociosidade; 4. Preguiça, indolência, moleza, mandriice, ociosidade; 5. Trabalho mental ou ocupação suave, agradável. Ao ler tal significado Aiub pondera sobre a distancia entre o que se traduz etimologicamente a respeito do ócio e o que ele realmente significa para a sociedade capitalista: O advento da sociedade capitalista exige a ampliação dos negócios. Vindos de uma classe habituada a trabalhar, os burgueses valorizam o trabalho braçal, a técnica. O trabalhador vende sua força de trabalho, e institui-se a moral do trabalho produtivo e do tempo útil, incutindo no ser humano uma espécie de “relógio moral”. É preciso dedicarse a um trabalho que se transforme em mercadoria e traga lucros. O trabalho intelectual, anteriormente valorizado, passa a ser indigno; o ócio, antes necessário, passa a ser motivo de exclusão social. (AIUB, 2011) Sobre essa inversão de valores e de conceitos, a autora escreve ainda que após uma via inteira de trabalho, já aposentadas, as pessoas ainda não se sentem bem com o tempo que possuem para lazer e descanso: Já atendi muitos aposentados que passaram a vida trabalhando, sofrendo cotidianamente com um trabalho “torturante”, sonhando com a aposentadoria. Logo após os primeiros dias de aposentadoria, entraram em depressão, adoeceram. A sensação de inutilidade, de peso social tomou conta de algumas dessas pessoas. Outros, apesar de se sentirem bem com o fato de não necessitarem mais trabalhar diariamente, sentiam-se envergonhados por sua “ociosidade”, ainda que estivessem repletos de atividades de lazer. Outros trouxeram como causa de seu sofrimento o fato de serem “obrigados” pela idade a uma aposentadoria compulsória, apesar de amarem seu trabalho e não saberem viver sem ele. (AIUB, 2011) 208 A partir dessas reflexões Aiub sugere que é necessário romper a dissociação existente entre trabalho, lazer, conhecimento, realização. Segundo ela não é preciso trabalhar oito horas, dormir oito horas e ter oito horas de ócio, mas sim incluir, no cotidiano, atividades que reúnam o descanso, o lazer, o trabalho e a aprendizagem. O autor italiano De Masi defende um retorno ao pensamento grego sobre o ócio criativo. Esse propósito parece inusitado uma vez que sugere a uma sociedade atribulada e complexa o dever de não fazer nada, de parar para ficar simplesmente pensando sobre a própria vida ou sobre o universo. Ele compreende ainda que o ócio criativo deva ser apreendido pela sociedade capitalista não apenas em nome da da arte, da filosofia ou da literatura, mas em benefício da própria preservação daquilo que nos faz humanos. Argumenta ele: O ócio criativo obedece a regras completamente diferentes. É o alimento da ideação. E uma matéria-prima da qual o cérebro se serve. Do mesmo modo que a máquina usava matérias-primas como o aço e o carvão, transformando-as em bens duráveis, o cérebro precisa do ócio para produzir idéias. (...) E as idéias são necessárias ao desenvolvimento da sociedade. Do mesmo modo que dedicamos tanto tempo e atenção para educar os jovens para trabalhar, precisamos dedicar as mesmas coisas e em igual medida para educálos ao ócio. (DE MASI, 200,p.223) Ao reduzir o ritmo de consumo acredita-se que haverá tempo maior para que as pessoas façam o que lhes agrada e satisfaz. De Masiipropõe momentos de descanso que possibilitem o despertar do ócio criativo . Segundo ele esse ócio positivo que possibilita a criação de alternativas viáveis para a sociedade e para o meio ambiente não despertará enquanto o tempo livre das pessoas não for melhor utilizado. Isso significa que enquanto os individuos contentarem-se em passar o pouco tempo livre que possuem acomodados em seus sofás confortáveis, assistindo televisão e digerindo uma programação que vise apenas o entretenimento, e a massificação, enquanto abrir mão da convivência com os familiares e amigos reais em nome dos contatos promovidos pelas redes 209 sociais, a única possibilidade de descanso merecerá cada vez mais o rótulo de fuga da realidade e o seu resultado será uma massificação cada vez maior. O ócio proposto por De Mais é aquele que emerge do silêncio, da desconexão e da solidão. É o ócio que desperta quando os seres desligam seus circuitos dos veículos midiáticos. É o ócio que se dá ao comtemplar a natureza por varias horas; ao fazer uma pescaria – mesmo sem peixes com os familiares; ao brincar com as crianças; ao ouvir e analisar a letra de uma musica que tenha mais de vinte palavras; ou ao se envolver em um dialogo despropositado com quem quer que seja. Todas essas situações se encontram atualmente em vias de extinção. Compreende-se que para De Masi uma redução do consumo não seria um retrocesso para a sociedade, uma vez que representaria uma evolução, não tecnológica, mas sim uma humana. Nesse contexto percebe-se que neste início de século XXI as pessoas não precisam passar pelas mais sofridas situações descritas por seus avós porque são detentoras de avançadas tecnologias e de conhecimentos científicos que não se comparam aos de um passado próximo. Contudo, entende-se é preciso estimular as novas gerações para que compreendam os mais nobres sentimentos vistos nos olhos dos mais velhos e que desejem herdar sua dignidade e sua nobreza. Para que isso ocorra será preciso criar meios para reavivar os sentimentos que nos tornam humanos e que vem sendo gradativamente sufocados pela sociedade capitalista. Quando o assunto é a valoração da nossa humanidade diante do valor de mercado, vale salientar que nos dias atuais muitos pais podem comprar um carro com controle remoto para os filhos, mas poucos tem disponibilidade para construir junto com os filhos um carrinho de rolimã. As meninas retratam-se a si mesmas nas redes sociais como bonecas de última geração mas já não fazer bonecas de pano com suas avós nem bordam telas com suas mães. Os jovens comunicam-se com pessoas que vivem em continentes distantes em vários idiomas mas já não conseguem dialogar 210 com seus pais. Infelizmente – caso não haja mudança de hábitos - a alegria da reunião em torno de brinquedos e objetos de artesanato confecionados em família, a beleza de um diálogo franco e despretencioso entre pais e filhos, jamais fará parte das memórias das crianças do século XXI. Essa afirmação é feita com base no fato que disponibilidade e dedicação, companheiros e brincadeiras não podem ser comprados em lojas, nem consumidos em grupos enquanto as pessoas não tiverem tempo e saúde para conviver com familiares e amigos. Sobre esse afastamento, De Masi comenta: Transmitem aos mais jovens um estilo de vida baseado na subordinação, em vez da dignidade, e também uma gestão arcaica dos tempos e espaços, recorrendo à chantagem psicológica: ou você se comporta dessa maneira, ou não terá nunca uma boa carreira. (...) Depois que se aposentam, têm ainda vinte ou trinta anos de vida diante de si, mas são desadaptados da vida privada e familiar, e portanto sua velhice será feita só de solidão e saudosismo.(DE MASI, 2000, p.225) Tais idéias vem sendo motivo de debates para todos aqueles que acreditam que a redução do consumo e a busca de novos valores são alternativas que podem mudar radicalmente o quadro atual e transformar uma sociedade consumista, fria, irracional e vazia em uma comunidade na qual os maiores valores não sejam representados pelos zeros a direita, mas sim pela dignidade, o respeito ao próximo e ao meio ambiente. Essa mudança de valores tão necessária para o sucesso de qualquer programa de sustentabilidade em nível local ou global, e que exige apenas amor a vida que se tem e ao mundo em que se vive, parece a primeira vista impossível quando colocada em confronto com a realidade insustentável que foi contruída para os seres humanos e para o planeta. 3. CAPITAL AMBIENTAL E HUMANO Justifica-se pelo encaminhamento deste artigo que a impressão de 211 uma velocidade cada vez maior à sociedade de consumo repousa sobre a idéia de que ao reduzir o consumo, reduz-se a oferta de trabalho e também os salários, o que implicaria automaticamente na diminuição do poder de consumo de parte considerável da população que seria relegada ao empobrecimento de suas condições de vida. Sobre a pobreza , a Organização das Nações Unidadas (ONU) utiliza a faixa de US$ 2 dólares por dia por pessoa como linha de pobreza e de US$ 1 dólar por dia por pessoa como linha de miséria. Segundo os autores liberais a redução do consumo fará com que bilhões de pessoas se tornem pobres ou miseraveis, segundo os padrões atuais (ONU, 2011). Mas seria o dinheiro a unica maneira de conceber se uma pessoa é pobre ou rica? Mansões, terras, carros e tecnologia de última geração são fatores fundamentais para a felicidade? O sucesso financeiro de alguns em um mundo no qual muitos ou a maioria são pobres ou miseráveis pode ser considerado justo? É possível medir os valores humanos além do papel do dinheiro e dos titulos de propriedade? Al Gore, no livro Uma verdade inconveniente explica que a raça humana tem um penhasco mais a frente em sua jornada, contudo muito pouco é feito a respeito disso. O aquecimento global vem elevando as temperaturas globais, estudos desenvolvidos pelos mais respeitados climatologistas do mundo comprovam a veracidade do efeito estufa. As medições relativas à temperatura no hemisfério norte nos últimos mil anos são bastante preocupantes. Os dados por ele descritos foram obtidos a partir de medições realizadas em geleiras no hemisfério norte. Esse procedimento é o que os cientistas chamam de “testemunho do gelo”, são medições precisas e confiáveis. Também derivam do gelo as medições de carbono na atmosfera, relativas aos últimos 650 mil anos. (AL GORE, p.47) Segundo o autor mesmo com grandes eventos, como explosões de super vulcões ou queimadas continentais, ocorridos nos últimos 650 mil anos, os níveis de carbono nunca estiveram tão altos. Os níveis de CO2 mantiveram se em 280 ppm ( parte por milhão) até o inicio da revolução 212 industrial, sendo que os níveis atuais são de 380 ppm. Medições diretas na atmosfera são realizadas desde 1958 no Havai, elas mostram o aumento de carbono ano a ano na atmosfera. Al Gore acredita que se mudanças rápidas não forem realizadas os índices chegaram á 600 ppm em 2050, algo nunca visto na história humana. (AL GORE, p. 58) Junto do acumulo de CO2, vem o aumento da temperatura. Temperatura que neste século registrou elevação de meio grau, considerando os dados dos últimos mil anos. Sobre esses índices, leia-se: Meio grau pode parecer pouco, mas foi o suficiente para gerar ondas de calor tão intensas que mataram mais de 35 mil pessoas na Europa em 2005 quando foram registradas as maiores temperaturas já catalogadas. Sabe-se que além da atmosfera, os oceanos também aquecem, gerando mais furacões e de maior intensidade. Sobre isso a última década nos mostrou a maior série de furações registradas e provavelmente a maior da história humana. Até mesmo o atlântico sul, que até o momento nunca tinha registrado um furacão, foi atingido pelo Catarina em março de 2004. Também em 2004 foi quebrado o recorde de tornados nos EUA. (COSMOBRAIN, 2011) No Brasil o maior problema são as chuvas. Elas promoveram o caos em Santa Catarina, Rio de Janeiro e no litoral paranaense, provocando gigantescos deslizamentos e perca de milhares de vidas na ultima década. No que diz respeito as grandes tempestades, tanto no atlântico como no pacifico, aumentaram em duração e intensidade, desde a década de 1970, em cerca de 50%. ( COSMOBRAIN, 2011) Para Al Gore as tempestades são apenas uma fração do problema, praticamente todas as geleiras de montanha do planeta estão derretendo em ritmo acelerado. Na Ásia, as geleiras do Himalaia sofreram forte redução, estas geleiras fornecem boa parte da água para 40% da população mundial, sua redução provocará sede e fome (AL GORE, 2006). Isso significa que não apenas a redução de consumo pode provocar o aumento dos índices de pobreza e de miserabilidade, mas que o caos ambiental ameaça todas as pessoas em todos os países da Terra. Isso tudo lembra o discurso de uma jovem, em uma conferencia da 213 ONU dos anos 90 no Rio de janeiro (http://www.youtube.com/watch?v=kJzTZvAJf3c ) ela procurava alertar os governantes sobre os problemas relacionados ao aquecimento global. Em seu discurso a jovem lembrava que antes de eles serem lideres de suas nações, eles eram lideranças familiares e comunitárias , e que deveriam pensar no futuro de seus filhos e netos. Ela concluiu afirmando que o aquecimento global atingirá a todos de formas diferentes. Alguns países centrais poderão desaparecer e haverá grandes perdas nos países periféricos. 3.1. Há Uma solução quem acredite que a tecnologia irá dar cabo de todos os problemas de aquecimento do planeta. Diversas midias apresentam soluções futuristas para todos os problemas do efeito estufa. Entre os exemplos estão cidades envoltas em cúpulas, espelhos espaciais que refletem a luz solar, grandes diques que conteriam inundações ou biodiesel limpo. Mas enquanto essas tecnologias não estiverem disponíveis qual é a melhor opção? Empurrar esta conta para os filhos e netos é a atitude certa? E se a tecnologia der conta de todos os problemas, essa solução será para todos? Alternativas que servem para os países centrais poderão ser adotadas pelos países periféricos? A redução do consumo impacta diretamente nas emissões de Gases do Efeito Estufa (GEE), isso é importante quando se fala em redução dos itens supérfluos para nossa subsistência. Isso significa que se as pessoas reduzirem o consumo em 50%, por exemplo, a redução dos GEE será bem mais expressiva que 50%. (COSMOBRAIN, 2011) Outro ponto a ser debatido é quanto ao aumento da população mundial. Políticas de controle populacional já são realidade na China mesmo que essa atitude caminhe contra o que pensa a maioria das religiões. Não 214 existem mais terras disponíveis para colonização. A Amazônia é a última floresta preservada. Outros planetas são distantes e inóspitos, a humanidade não tem para onde fugir, ou cuida deste planeta ou compromete as futuras gerações e deixa problemas gravíssimos para nossos filhos e netos. A redução do consumo parece ser a solução mais eficaz e mais simples. O modelo de sustentabilidade necessário exige que uma empresa anule praticamente todas as emissões de gases do efeito estufa causadas por conta de seu produto, até mesmo a do carro de seu cliente que foi até o supermercado comprar seu produto, além da garantia de matéria prima limpa para seu produto por mil anos (COSMOBRAIN, 2011). Ou seja, isto é praticamente impossível. Se não bastasse a concorrência desleal, as injustiças e a poluição causadas pelo sistema capitalista, governos tem que intervir arduamente e a altos custos na economia, a fim de estabilizar o mercado em períodos de crise. A economia liberal vem sendo colocado à prova desde seus primórdios, os períodos de crises mundiais como a de 1929 ou mais recentemente com a recessão de 2009 que atingiu o epicentro do sistema capitalista, ou seja, os países mais ricos da América do Norte e da Europa. Ao pesquisar sobre o assunto, o economista João Ricardo Torres Souza da Motta, no estudo intitulado As crises econômicas Mundiais, analisa que a “ilusão de prosperidade” gestada pelo acumulo de riquezas não foi suficiente para prevenção dos efeitos recessivos. Segundo ele as políticas adotadas pelos governos não tiveram competência para “domar o fantasma das crises e de tempos em tempos, mudanças bruscas no padrão de executivas vem propagado a desordem no sistema econômico mundial” (MOTTA, 2010 p.3 ). O autor considera que a alternância entre períodos de aparente prosperidade seguidos de crises cada vez mais volumosas chama atenção para um fato, em algum momento os governos e a sociedade civil perderão o controle da situação, ou seja, hora virá em que a crise do sistema financeiro estará fora de controle: 215 As crises mostraram-se presentes e com um agravante perigoso: a velocidade de propagação e a intensidade da movimentação dos fluxos financeiros tornaram virtualmente impossível o seu controle a partir de sua deflagração. (MOTTA, 2010, p.3 ) Ao refletir sobre o significado da sobrevivência em um cenário de instabilidade econômica cada vez maior, é preciso colocar em questão o trabalho, a moradia, o meio ambiente, o acesso à saúde e à educação, isso sem falar em cultura, lazer e segurança. A simples idéia de que o capitalismo pode entrar ou que já teria entrado em colapso e que toda a economia mundial pode estar caminhando ladeira abaixo até ficar fora do controle do governo e da sociedade global deve causar calafrios em todos aqueles que acreditavam caminhar com os pés no chão rumo a um destino sem abismos ou tempestades. Nesse sentido as crises financeiras tatuam a incerteza e a insegurança como marcas registradas do século XXI. Motta argumenta que diante de crises cada vez maiores, surge a necessidade de apontar culpados. Mesmo especialistas sugerem que entre os principais com divergências,os vilões aparecem o clientelismo do capital, a fraqueza dos países asiáticos, o imperalismo dos Estados Unidos e da Europa, o Fundo Monetário Internacional, bem como o despreparo dos países emergentes e periféricos para recepção do fluxo de capitais externos. Além desses fatores, o pesquisador pontua também a própria natureza humana como um dos elementos sugeridos pelos estudiosos como geradores da crise: Algumas das principais causas da crise parecem ser, de fato, a própria natureza humana. O fator psicológico vem aumentando o seu grau de importância na explicação para a velocidade de propagação das crises, em uma espécie de “sentimento de manada” que varre os mercados com otimismo ou pessimismo exagerados (MOTTA, 2010, p.18). Para o economista as crises internacionais do século XXI indicam que “a moeda eletrônica e o mercado de títulos acumularam excessivo poder e 216 ameaçam hoje a soberania dos governos nacionais e os interesses econômicos de diversos países” (MOTTA, p.7). Diante do retrocesso em aspectos fundamentais dos direitos humanos e sem condições de manter os índices de empregabilidade, a partir da paisagem estadunidense e européia, o pesquisador aconselha que sejam tomadas medidas radicais e novas atitudes para transformar um estilo de vida consumista em um modelo que possa assegurar condições de vida dignas para as futuras gerações. CONSIDERAÇÕES FINAIS A antecipação dos fatos é algo próprio do ser humano. Cientistas fazem projeções, elaboram previsões e criam cenários. Isso acontece para que os seres humanos possam vislumbrar o futuro, antecipar os fatos e evitar ou preparar-se para catástrofes eminentes. As projeções descritas pelos autores referenciados neste artigo alertam que dezenas de milhões de pessoas terão que deixar seus lares por conta da elevação dos oceanos, o mapa mundi terá que ser redesenhado e parte do mundo que conhecemos estará submerso pelos mares em 2050. Quanto à emissão de Gases do Efeito Estufa (GEE), é coerente afirmar que o aquecimento do planeta é um fato consumado. O planeta está mais quente e irá aquecer ainda mais. Mesmo que cessem imediatamente as emissões de GEE a humanidade sofrerá por décadas as suas conseqüências. Ações para combater o aquecimento do planeta já foram tomadas, mas não resolvem nem uma parcela do problema. A tão propagada sustentabilidade ainda é uma utopia diante dos moldes tecnológicos e de consumo atuais. O modelo capitalista procura readaptar ou readequar os projetos de sustentabilidade e essa atitude impede o surgimento de uma sociedade sustentável. O aquecimento global ira tornar mais difícil nossa vida no planeta. Com a elevação dos oceanos, secas e inundações, furacões e ciclones, milhões de pessoas serão obrigadas a migrar. Essas migrações poderão 217 gerar disputas inimagináveis por territórios e alimentos. Contudo, mesmo diante dos dados apresentados pelos cientistas ambientais, percebe-se que uma redução do consumo, apesar de ser uma idéia simples e uma alternativa coerente, é descartada porque cairia como uma bomba sobre a economia capitalista. Outro fator é puramente intelectual os governos e as corporações ainda não entenderam um principio básico: a economia, o sistema capitalista, as empresas e os governos, foram criados para facilitar e promover a existência humana e sua subsistência neste planeta. Isso significa que sempre que a humanidade e a Terra forem ameaçadas deverão ser tomadas as providencias para evitar o caos. Consequentemente diante de um sistema capitalista que promove o consumismo e a crescente destruição do planeta e da saúde humana, as instituições capitalistas deveriam abrir mão dos agentes de poluição e de intoxicação que acabam com a saúde do planeta e das pessoas. Diante dos desastres ambientais e das epidemias de doenças que assolam a humanidade, acredita-se que a redução do consumo é uma alternativa viável. A conta fecha: consome-se menos, ganha-se menos, trabalha-se menos e vive-se mais. Mesmo que as ações nefastas do efeito estufa ainda sejam visíveis por décadas. Na conclusão deste estudo muitas perguntas continuam sem as devidas respostas e muitos questionamentos pairam no ar. Porém, antes de limitar este trabalho e os objetivos por ele propostos, acredita-se que o enfoque utilizado amplia o poder de reflexão e de crítica dos interessados no tema propondo-lhes novos desafios e novas questões: o que poderá acontecer se a civilização não buscar o bom senso e o entendimento diante dos problemas ambientais regionais e globais? Se por ventura as questões ambientais forçarem a redução do consumo e a adoção de programas de sustentabilidade como reagirão os governos, as corporações e as mídias ? Uma redução do consumo se faz realmente necessária? Existe uma solução mais simples, eficaz e rápida? Se esta não é uma solução viável, qual seria? A proposta de conclusão deste trabalho é que tais questionamentos 218 permitam a abertura de novos e freqüentes debates sobre um tema que interessa a maioria da população e que está cada vez mais infiltrado na agenda de debates do século XXI. REFERÊNCIAS AL GORE, Albert. Uma Verdade Inconveniente. Barueri SP. Manole, 2006. CANETTI, Elias. Massa e poder. São Paulo: Cia das Letras, 1995. CAPRA, Fritjof. O ponto de mutação: a ciência, sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cultrix, 1982. DE MASI, Domenico. O ócio Criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. KEYNES, John Maynardes. Teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Atlas, 1982. MOTTA, João Ricardo Torres Souza da.As crises Econômicas Mundiais. Brasilia: Consultoria Legislativa, 2010. RODRIGUES, Huberlan (org.) Referências conceituais para ações integradas: uma tipologia da autogestão. Brasília:MTE//IIPEA//ANPEC, 2003. TOSCANI, Oliviero. A publicidade é um cadáver que nos sorri. 2ª. Edição, Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. SITOGRAFIA AIUB, Mônica. Saiba o que é e pratique o ócio criativo. Disponivel em : http://www2.uol.com.br/vyaestelar/ocio_criativo.htm. Acessado em 21 de setembro de 2011. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) – Disponível em: http://www.cosmobrain.com.br/cosmoforum/viewtopic.php?f=23&t=3203&start=60. Acesssado em 14 de setembro de 2011. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) – VÍDEO. Disponível em: (http://www.youtube.com/watch?v=kJzTZvAJf3c. Acessado em 23 de setembro de 2011. O MUNICÍPIO DE TURVO E O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL A PARTIR DO ESTUDO BIOGRÁFICO DE BERNARDO HAKVOORT 1977-1997 Rokely Scheifiter de Ramos História - UNICENTRO Orientador : Prof. Dr. Ariel José Pires 219 RESUMO: O estudo proposto tem por objetivo, a partir da biografia de Bernardo Hakvoort e de seus projetos para o desenvolvimento sustentável do município de Turvo, reconstituir as premissas básicas de seu pensamento, o que envolve compreender o contexto histórico em que o mesmo estava inserido. Tendo em vista a seguinte problemática: a produção agrícola dominante das monoculturas, a conseqüente concentração de renda, e a destruição ambiental. Este artigo utiliza a metodologia da história biográfica para colocar em evidencia o trabalho iniciado pelo biografado no município de Turvo para a preservação dos remanescentes naturais. Palavras-chave: Biografia. Meio Ambiente. Desenvolvimento Sustentável. Agricultura Familiar. História. INTRODUÇÃO Deus criou um belo jardim de Araucárias no município de Turvo. É responsabilidade de todos respeitar e manter essa obra do senhor. Bernardo Hakvoorth Neste início do século XXI, as questões ambientais estão sendo colocadas em primeiro plano no debate sócio-político. Em nível mundial, presenciamos uma intensa discussão acerca da queima de combustíveis fósseis e seus malefícios, no cenário nacional a discussão vai além da busca por sugestões para os problemas ambientais que estão sendo evidenciados. Buscam-se também alternativas para diminuir o índice de pessoas que passam fome. Paradoxalmente, nesse país de grande produção agrícola considerado o “celeiro do mundo”, torna-se necessário o incentivo à agricultura familiar e ao desenvolvimento sustentável com propostas de produção sem insumos poluidores. A presente pesquisa procura referendar esse processo, tomando por base projetos desenvolvidos no município de Turvo, entre 1977 e 1997, por meio de um estudo biográfico sobre o ambientalista holandês Bernardo Harkvoort, cuja atuação para a recuperação e utilização sustentável do ecossistema, transformou-se em referência para todo o Paraná. Ao promover a introdução deste trabalho, é necessário que se recorde, 220 que a partir de 1950, o Brasil começou a desenvolver sua indústria pesada ou de base, e que o desenvolvimento industrial desse período combinou investimentos estatais em setores estratégicos como a siderurgia e a geração de energia com investimentos estrangeiros. A mudança capitalista que se processava no Brasil visava uma maior inserção na economia mundial exigindo que se aumentassem as exportações em nome do desenvolvimento econômico brasileiro, repetindo um modelo clássico bastante criticado pelo historiador Caio Prado Júnior na obra História Econômica do Brasil (1998). O sociólogo Octávio Ianni, em O ciclo da revolução burguesa, analisa que nesse contexto de mudança capitalista iniciou-se uma “política de modernização”, que visava tornar a agricultura brasileira mais dinâmica e produtiva, por meio de financiamentos agrícolas, para serem investidos em equipamentos modernos. Mas, a política modernizadora não levou em conta as implicações sociais que esse processo acarretaria. A introdução de novas tecnologias no cultivo agrícola gerou uma redução de mão-de-obra e conseqüente êxodo rural, além disso, excluiu os pequenos proprietários desse processo, sendo que essa modernização contribuiu para fortalecer a concentração de renda. Segundo ele: O processo histórico da revolução burguesa brasileira relaciona-se com o problema da formação de uma economia capitalista. Trata-se de caracterizar a feição autoritária adquirida pela revolução burguesa no Brasil. Trata-se de uma sociedade na qual a passagem para o capitalismo ocorre sem alteração na estrutura agrária. (IANNI,1984, p. 31). Essa política agrícola privilegiou na segunda metade do século XX, a grande e a média propriedade com créditos, em detrimento dos pequenos agricultores. Ianni observa que: Todas as grandes alternativas concretas vividas pelo nosso país, direta ou indiretamente, aquela transição (Independência, Abolição, República, modificação do bloco de poder em 30 e 37, passagem para um novo patamar de acumulação 221 em 64), encontraram uma resposta na qual a conciliação “pelo alto”, não escondeu jamais a intenção explicita de manter marginalizados ou reprimidos, de qualquer modo, fora do âmbito das decisões – as classes e camadas sociais “de baixo”. (IANNI, 1984, p. 31). É frente a essa problemática, que evidencia a utilização inadequada dos recursos ambientais e de uma política agrícola excludente, que empreendemos o presente estudo, onde, procurar-se-á relatar brevemente a atuação de Bernardo Hakvoort no Município de Turvo e sua intervenção sobre a sociedade local. Para tanto, apresentaremos uma visão panorâmica da sociedade, bem como da relação do biografado com a mesma – sua participação em movimentos sociais, na estruturação de sindicatos, associações e demais projetos que visavam o desenvolvimento local. O foco geográfico da pesquisa será o município de Turvo, ao qual remeter-se-á com o intuito de compreendê-lo enquanto cenário dinâmico, não só do biografado, mas da coletividade da qual faz parte. O recorte temporal está centrado entre os anos de 1977 - referente à chegada de Hakvoort no município - e de 1997 - ano de seu falecimento. Recorda-se ainda que o município no período abordado vivenciava o momento de sua emancipação política, a corrida pela madeira – principalmente a araucária, e pela erva-mate, enquanto buscava a formação de uma identidade local e sobretudo, o progresso econômico. Tendo em vista tal contexto algumas perguntas poderão ser colocadas para problematizar o assunto: que motivos o teriam levado a acreditar no desenvolvimento sustentável, justamente em um momento histórico em que a mentalidade humana ainda estava impregnada pelos ideais iluministas como o de progresso? Em um momento em que a população turvense e paranaense em geral estavam vivenciando a corrida pela madeira? Em que se baseavam e qual a importância de seus projetos para o desenvolvimento local da época? É na busca de levantar hipóteses para responder a essas e outras perguntas, para refletir sobre o desenvolvimento auto-sustentável, a 222 viabilidade da agricultura familiar dentro do modo de produção capitalista e sobre a importância da consciência ambiental nos dias atuais que conduzirse-á este trabalho. Destaca-se ainda como justificativa para a escolha desse tema a escassez de produção historiográfica sobre o município. Como referencial básico para esse estudo utilizar-se-á a obra: Turvo no caminho do desenvolvimento sustentável de autoria do biografado, entrevista com Agnes Vercauteren Hakvoort, e fontes documentais dos arquivos: do sindicato dos trabalhadores de Turvo, da Associação dos Hortifrutigranjeiros e do Instituto Agroflorestal Bernardo Hakvoort. 2. A REDESCOBERTA DA HISTÓRIA BIOGRÁFICA Ao optar pelo tema em questão torna-se necessário fazer uma breve releitura sobre o estudo biográfico, que durante um bom tempo foi relegado a um segundo plano por muitos historiadores. Na transição do século XX para o século XXI, percebe-se um redespertar, ou como denominaram alguns autores um retorno do gênero biográfico, que ressurge com uma nova roupagem, não se restringe apenas em revelar o sujeito através de uma narrativa linear. Sobre essa nova roupagem, comentou Francisca Nogueira de Azevedo, na obra Biografia e gênero: Hoje a biografia é um modelo de escrita da história nitidamente definida. Há uma metodologia explicitada na qual a biografia não se destina mais ao julgamento feito por seus autores, mas sim a uma construção relevante sobre hipóteses cujos pressupostos serão confirmados ou não. Seu objetivo fundamental é levar a compreensão da época que, como a montagem de um quebra-cabeça, pouco a pouco vai revelando o que permanente, indicando as diferenças, permitindo perceber a realidade dos problemas sociais através do concreto de uma vida. (AZEVEDO, 2000. p. 133). Assim sendo, torna-se fundamental para o desenvolvimento de um estudo biográfico a observação feita por Pierre Bourdieu, de que não se pode tratar a vida como um relato coerente de uma seqüência de acontecimentos, pois 223 tal procedimento equivaleria a reduzir a vida ao que ele chama de “ilusão biográfica”. Tentar compreender uma vida como uma série única e por só suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outro vinculo que não a associação a um “sujeito” cuja constância certamente não é senão aquela de um nome próprio, é quase tão absurdo quanto tentar explicar a razão de um trajeto de um metro sem levar em conta a estrutura da rede. (BOURDIEU, 1998. p.189) Além dessas noções - do que o estudo biográfico pretende ser hoje, e do que ele não pode vir a ser, há que se articular outros conceitos que servirão de base para a compreensão do tema proposto. Procurar-se-á interligar a história de vida do biografado, relacionando-a com o que o município de Turvo possui hoje em termos de desenvolvimento sustentável, incluindo-se aí a sua relevância para desenvolvimento da agricultura familiar, para a recuperação e utilização sustentável, e a própria atuação do Instituto Agroflorestal Bernardo Harkvoort. 3. O BIOGRAFADO O biografado, Bernardo Hakvoort, produtor rural, engenheiro formado pela Escola Superior de Águas, Solos e Florestas da Holanda, especializado em Planejamento e Política de Desenvolvimento Rural, com estágios e cursos em Israel, Oklahoma (EUA), Portugal, Alemanha e Suíça foi cofundador da Pastoral Rural da Diocese de Guarapuava, da Associação dos Hortifrutigranjeiros de Turvo, Sindicato dos trabalhadores rurais de Turvo, Fundação para o Desenvolvimento Econômico Rural da Região CentroOeste do Paraná (Fundação RURECO) e do Instituto Agro Florestal (IAF).(PREFEITURA MUNICIPAL DE TURVO, 1987). Em sua obra “Turvo no caminho do desenvolvimento sustentável” publicada após a sua morte, o autor apresenta suas idéias para o desenvolvimento de Turvo, para ele o desenvolvimento tem que ter quatro esteios como base: a fé (ética, moral), a saúde, o ensino e a economia (a 224 produção). A principal militância de Hakvoort foi nas áreas social e econômica, estudar sobre sua vida, seus pensamentos compreende também perceber o momento histórico no qual estava inserido, o seu envolvimento com o contexto pode revelar muito sobre a história dessa época. Hakvoort era filho de agricultores, nasceu na região leste da Holanda em 04/10/1949, ajudava na agricultura e nas criações com seus pais, na juventude, como membro de um grupo de jovens, ajudou na organização da juventude rural da sua comunidade e região, e trabalhou na organização da Juventude Rural do seu país participando de vários intercâmbios em diversos continentes. Seguindo a tradição agrícola da sua família foi para a Universidade e se formou em Engenharia Agrícola e Recursos Hídricos. Chegou em Turvo em 1977, com sua esposa Agnes Vercauteren Hakvoort, seu primeiro trabalho foi visitar as comunidades em companhia do Padre João Adolfo Barendse, conhecendo a situação de cada uma, em seguida passou a implantar nas comunidades campos demonstrativos de como melhorar a produção das lavouras tradicionais de milho e feijão, ao mesmo tempo em que junto com sua esposa começava a organizar grupos de jovens e de mulheres enviando lideranças para curso de formação (HAKVOORT, 1998). Em entrevista temática realizada com Agnes Vercauteren Hakvoort em 06/07/2007, ela nos relatou que quando chegaram na região de Turvo, a comunidade recepcionou-os com uma festa, lembrou com entusiasmo que “no início o povo estava esperando que fizéssemos milagres, mas a gente não conhecia a realidade aqui, então na verdade nos primeiros dias, o trabalho era visitar as comunidades com o Padre, e aprender muito; o que era um pé de mandioca, todas as culturas aqui, e aprender o português que era muito difícil”. Agnes o conheceu em Portugal, em 1973, nesse momento ele estava muito envolvido com grupos de jovens, e se preocupava em demasia com problemas ambientais em nível mundial. Sobre a vinda para o Brasil relata: 225 Tínhamos vontade de vir para América Latina, nesse período encontramos uma carta do Padre João Adolfo Barendse, que pedia um casal para fazer parte de um trabalho que já estava sendo realizado em Turvo, ele queria um engenheiro agrônomo para trabalhar, já haviam procurado no Brasil, mas como no momento vivia-se a revolução verde, os agrônomos eram muito procurados, nenhum queria vir para o Turvo (VERCAUTEREN, Entrevista Temática, 06/07/2007). Um ano depois foi organizada a Associação dos Hortifrutigrangeiros de Turvo que, segundo ela a aassociação tinha “no mínimo vinte sócios, desde o início então a associação tinha um departamento de provisão, outro administrativo e outro que era mais a parte educativa, nós trabalhávamos com os jovens e com as mulheres organizando cursos”. Sobre a comercialização destaca que: Naquela época estavam fazendo o asfalto, tinha uma vila grande de operários, um acampamento onde moravam mais de 18 famílias, então eles precisavam comprar as coisas, organizamos uma feira e todo sábado tinha lá então verduras, ovos, leite (...) tinha de tudo lá, era bem animada aquela feira, muitos anos ela funcionou. ( VERCAUTEREN, entrevista temática 06/07/2007) Hakvoort dava apoio técnico a esses pequenos produtores, ensinava como utilizar melhor o solo, horticultura, a fazer adubo orgânico... Quando chegou utilizava-se ainda a técnica da queimada e a produção apresentava pouca diversidade, era basicamente composta pelo cultivo do milho e feijão. A partir da criação da associação passou-se a incentivar outros cultivos e criações, como frangos. Nesse momento a associação estabeleceu vínculos com a Batavo e na medida que a produção foi aumentando a sobra foi sendo levada para Guarapuava. Agnes conta-nos que o trabalho desenvolvido por ela e seu esposo não se restringia ao município de Turvo: Bem, a gente sempre teve não só trabalho aqui no Turvo, mas através da igreja ligada a outras paróquias aqui na região através da pastoral rural, a pastoral rural reunia pessoas da região mas também do Paraná inteiro, promovia 226 cursos para liderança e nesses encontros o pessoal começou a olhar e perceber que o Turvo estava se organizando, alguns agricultores estavam conseguindo progredir. Então Nova Tebas foi o segundo município a se organizar, o padre pediu para gente organizar um casal para eles começar também esse trabalho, então veio um casal da Bélgica para trabalhar lá. Depois foi Laranjeiras e Pinhão, criou-se uma associação em Pitanga, e Bernardo passou então a desenvolver um trabalho mais na região, com a pastoral rural ajudando a organizar as associações e também os sindicatos de trabalhadores rurais. (VERCAUTEREN, entrevista temática 06/07/2007) A entrevistada relatou ainda que a partir de então as pessoas passaram a sentir necessidade de uma organização que pudesse dar apoio ao trabalho, que estava se desenvolvendo, criou-se então a Fundação RURECO, da qual Hakvoort foi o primeiro coordenador. Segundo ela: Ele só deixou a Fundação para se dedicar à preservação das araucárias, em especial no Turvo, organizou daí o Instituto Agroflorestal (IAF) que tinha como objetivo a preservação da mata araucária e a sobrevivência dos agricultores. O instituto contava com a participação de agricultores familiares, envolvia os índios e tinha vários sócios não só do Turvo, mas de uma região mais ampla, técnicos, agricultores e várias pessoas envolvidas com a mata. E aí em 1997, quando Hakvoort era coordenador do IAF, ele faleceu. (VERCAUTEREN, entrevista temática 06/07/2007) Grifo Nosso Após sua chegada ao município, com a criação da Associação dos Hortifrutigranjeiros de Turvo, passou-se a incentivar a diversificação, organizar a produção e estimular o mercado de produtos regionais. Para isso criou a Feira Livre de Turvo e estimulou diversos agricultores para que vendessem nas feiras de outros municípos, entre eles Pitanga e Guarapuava. Hakvoort buscou convênios para viabilizar a compra de insumos e a venda da produção, estabeleceu convênio com a BATAVO, com a COAMIG e a CTP – o que garantiu o início da produção de frangos, o custeio da gerência, o treinamento de agricultores e, principalmente, o crescimento do movimento associativista em Turvo. Conseguiu, também, convênio com o governo do Estado e a implantação do escritório da ACARPA, em Turvo; 227 estabeleceu convênio com o Instituto Cristão de Castro conseguindo bolsas de estudo para jovens estudantes. Com tal assessoria a Associação se fortaleceu, tendo uma boa equipe técnica para assistência às comunidades e aos clubes de mães. (HAKVOORT, 1998). Entre 1979 a 1990 trabalhou como coordenador e membro da Pastoral Rural na região, promovendo cursos e seminários de formação de lideranças, apoiando a organização de entidades nos demais municípios da região, assim surgiram as Associações de lavradores e Sindicatos de Trabalhadores Rurais de Nova Tebas, Pitanga, Laranjeiras do Sul e Pinhão. Em 1986 foi constituída em Turvo a Fundação para o Desenvolvimento Econômico Rural do Centro-Oeste do Paraná (RURECO), cuja atuação foi regionalizada e tornou-se bastante representativa em termos políticos, econômicos e sociais. Em 1992 Bernardo deixou a coordenação da Fundação Rureco e dedicou-se a estudar os problemas da agricultura no Estado e no País, esse trabalho levou tempo, mas deu origem a Campanha Nacional em Defesa da Agricultura Familiar, refletida nas mobilizações nacionais de agricultores nos gritos da Terra I, II e III. Em 1995, voltou a trabalhar com especial olhar para o Turvo e fundou o Instituto Agroflorestal. Dedicou-se em escrever e sugerir propostas de políticas públicas e idéias para planos de governo. Sonhava em formar uma Associação de Proprietários de Terras com Florestas, fazia parte do conselho de desenvolvimento do município e viveu com entusiasmo a constituição da Cooperativa de Crédito com Interação Solidária, a terceira CRESOL da região. De acordo com a entrevistada: Bernardo queria ver o Municipio como um exemplo de município, com uma riqueza enorme de natureza e queria ver todo mundo reunido com esse ideal, por isso que ele escreveu aquele livro, ele queria deixar um tipo de desafio para quem viesse a trabalhar e a governar em Turvo”. (VERCAUTEREN, Entrevista Temática, 06/07/2007). 228 Ao lado do desenvolvimento econômico o biografado desejava um município agradável de viver, com esse intuito escreveu um livro onde deixou registrada sua visão humana, espiritual, ética e moral; suas idéias e propostas para resolver os problemas, para melhorar a qualidade de vida das pessoas, embelezar a cidade e manter viva a memória de Turvo. Durante seu depoimento a entrevistada confessou que Hakvoort além da agricultura, gostava ainda de música clássica, de ler bons livros sobre assuntos diversos, dos serviços de marcenaria e construção e até mesmo de fazer brinquedos para as crianças. Segundo ela, ele se preocupava muito com as relações familiares e com o desenvolvimento da região, seus projetos tinham um fundo político e econômico, mas ele estava sempre atento às questões relacionadas à saúde e à educação. Para a entrevistada muita coisa não está como ele sonhava, mas observou que muito do que se iniciou teve continuidade. O biografado desenvolveu muitas idéias para melhorar as condições de vida e desenvolvimento da sociedade regional, algumas colocadas em prática e outras que sobrevivem na sua obra como um plano de desenvolvimento que pode ser adotados pelos herdeiros de suas crenças. 4. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Um dos conceitos nucleares que há que se articular é o de desenvolvimento sustentável, segundo, Norbert Fenzl Doutor em Geologia e Geoquímica Ambiental, Coordenador do Núcleo de Meio Ambiente (NUMA), de um modo geral o desenvolvimento sustentável articula-se levando em conta as seguintes metas e objetivos básicos: a taxa de consumo de recursos renováveis não deve ultrapassar a capacidade de renovação dos mesmos; a quantidade de rejeitos produzidos não deve ultrapassar a capacidade de absorção dos ecossistemas; os recursos não renováveis devem ser utilizados somente na medida em que podem ser substituídos por um recurso equivalente renovável. O autor conclui que “resumindo podemos dizer que em última instância, o conceito de desenvolvimento sustentável 229 descreve um processo socioeconômico, ecologicamente sustentável e socialmente justo” (FENZL). Dessa forma, o desenvolvimento auto-sustentável coloca-se não só como uma alternativa para a agricultura, mas também para contornar os graves problemas sociais e ambientais, característicos do atual modo de produção capitalista. Entendendo-se que o Paraná é um dos maiores produtores agrícolas do Brasil e se destaca no que diz respeito ao desenvolvimento sustentável e a agricultura familiar. Desde o princípio da colonização do Brasil, a agricultura familiar, ainda que não conceituada devidamente parece ter uma importância muito vasta no que diz respeito à sobrevivência e desenvolvimento do campo. Porém foi só no final da década de 1970, que se iniciou na região centro-oeste do Paraná um trabalho de organização dos agricultores familiares, foi uma tentativa para melhorar o desenvolvimento local, assessorado por pastorais católicas, tais como: Pastoral Rural, e Fundação RURECO. No município de Turvo essa organização tornou-se visível a partir de 1977, com a vinda do casal Bernardus Henricus Franciscus Hakvoort e Agnes Vercauteren Hakvoort, que passam a organizar e assentar as bases para a formação de uma associação para representar e organizar os pequenos produtores. O município nessa época não contava com nenhuma assistência ou orientação técnica de qualquer órgão à agricultura, quer Estadual ou de cooperativas regionais, Bernardo e Inês (como eram chamados) passaram a promover reuniões para a conscientização dos agricultores. O biografado em sua obra Turvo no caminho do desenvolvimento sustentável, expressa sua concepção sobre desenvolvimento sustentável, ao abordar sobre religião nos passa o seu parecer sobre como deve ser o desenvolvimento, segundo ele é impossível proceder com um plano de desenvolvimento desvinculado da religiosidade, o uso indiscriminado de agrotóxicos na agricultura bem como a destruição das florestas é entendida por ele como um desajuste entre o homem e o conjunto da Criação, criador 230 e criação devem estar ligados para o bem comum. O autor escreve sobre a importância e o sentido da religião, no entanto não faz apologia a nenhuma religião em específico, ao contrário considera que as religiões são caminhos diferentes que convergem para o mesmo ponto, e que sendo assim não há importância em seguirmos por caminhos diferentes desde que alcancemos o mesmo objetivo, seu trabalho levou em conta o ecumenismo, como citou Agnes em entrevista: Ele sempre se interessou muito pela questão da origem do cristianismo, na verdade ele fez um curso na Holanda de licenciatura para dar aula de religião, mas na verdade era mais uma busca pessoal para achar resposta de quem é Jesus, da onde que veio, por que a igreja? Porque as religiões? Então ele se interessava muito por isso. Embora que, por outro lado, aqui no Turvo ele procurava muito o ecumenismo, então ele se dava muito bem com todas as igrejas, uma relação boa com a igreja presbiteriana, luterana, católica. Ele sempre procurou aproximar muito as pessoas, acho que isso foi uma característica muito forte do Bernardo tanto a partir das igrejas quanto entre pequenos e grandes produtores, em beneficio da mata ele conseguia conversar com todo mundo, com os políticos dos vários partidos, com as serrarias, com os proprietários das terras, com os pequenos agricultores, ele conseguia trazer todo mundo e achava que era importante que todos tivessem o mesmo objetivo de tentar preservar esse patrimônio que Turvo ainda possuía.(VERCAUTEREN, Entrevista Temática, 06/07/2007). Quanto à preservação ambiental, a principal preocupação do biografado era com a Araucária, abundante no município na época, mas que sofria uma grande devastação, pois o período abordado era de grande procura, vale lembrar que em 1987 dez anos após a chegada de Hakvoort, o município contava com aproximadamente vinte serrarias, um grande número se levarmos em conta a população da época. Em sua obra ao falar sobre a industrialização, faz algumas críticas às madereiras e propõe que a madeira seja utilizada de forma a gerar mais renda e mais empregos, porém sem agredir e destruir o meio ambiente. No sentido de estimular projetos de preservação das florestas e intimidar o corte indiscriminado de madeira sugere a criação de incubadoras tencolológicas que acompanhassem par e passo os programas de 231 beneficiamento das madeiras no município. Tais incubadoras deveriam ser colocadas em terrenos para indústrias perto do Turvo e outras nos distritos, aliás, o seu programa de desenvolvimento num todo era para uma industrialização descentralizada, que atingisse a todos, isso se justifica no fato de acreditar no desenvolvimento que leva em conta a família e a preservação ambiental. Segundo esse pensamento, automaticamente o dinheiro ganho na indústria possibilitaria mais investimentos nas chácaras, a agricultura familiar ajudaria a pequena indústria com a mão-de-obra e a indústria à agricultura familiar garantindo uma renda extra, e a permanência das famílias no campo. No município de Turvo houve e ainda há uma grande emigração de jovens devido à falta de perspectiva e de emprego, se analisássemos mais a fundo verificaríamos que a população principalmente interiorana é hoje na sua maioria formada por pessoas mais velhas. A economia de Turvo caracteriza-se pela agropecuária e a indústria madeireira, ao mesmo tempo em que apresenta umas das maiores produções de erva mate da região centro-oeste. No entanto não havia nenhum tipo de planejamento para extração controlada dessas espécies e essa foi uma das grandes preocupações de Hakvoort, gerar renda, e manter as pessoas em seu ambiente cultural, com melhores condições de vida e fazendo uso adequado desse habitat. Ao tratar da industrialização não se esqueceu da indústria de confecção e de artesanato. A comunidade indígena tinha uma produção artesanal riquíssima, destaca o trabalho com ferraria, calçados e artesanatos em couro, além das costureiras, bordadeiras. Trabalhos como, os de marceneiros, carpinteiros, pedreiros, deveriam ser preservados e valorizados, jovens e adolescentes poderiam ter aulas com as pessoas do município que eram detentoras de conhecimentos e de práticas tradicionais do. Para que esse projeto fosse adiante logo Hakvoorth reconheceu a importância do apoio da administração pública. Tais eventos seriam realizados através da promoção de cursos, treinamentos e incentivos para 232 ampliação da atividade já existentes. Tais ações promoveriam ainda a instalação de novas indústrias em Turvo. O biografado evidenciava o interesse da população do município em produzir leite, erva-mate e peixes, que para ele eram excelentes culturas especialmente para pequenas e médias propriedades, para propriedades com faxinal e com cobertura florestal, podendo ser combinadas com um bom projeto de incentivo e de captação de recursos. Orientava ainda, as pessoas sobre como e o que fazer para ter maior produção levando em conta as preservações culturais e ambientais. No pensar de Hakvoort a agricultura familiar era um privilégio para o município. Segundo ele essa forma de agricultura já havia mostrado sua importância a nível mundial, por oferecer produtos mais saudáveis e baratos, proporcionando emprego para muitas pessoas, enquanto que as grandes empresas rurais acabam optando por um pacote tecnológico que como sabemos requer menos mão de obra, mais agrotóxicos e que afeta diretamente os ecossistemas. Em sua opinião os governos municipais, estaduais e federais estão cheios de boas razões econômicas, ecológicas e sócio-culturais para que realizem investimentos na agricultura familiar. 5. O BIOGRAFADO COMO SEMEADOR O Instituto AgroFlorestal Bernardo Hakvoort (IAF), surgiu com a missão de promover a conservação e enriquecimento dos remanescentes florestais, bem como para a recuperação dos ambientes florestais já degradados, e buscar a melhoria das condições de vida das famílias agricultoras que ali residem, produzem e vivem, através do desenvolvimento da agricultura familiar sustentável, baseada na agroecologia (INSTITUTO AGROFLORESTAL BERNARDO HAKVOORT). Atualmente desenvolve vários projetos, organiza os Agricultores em grupos ou cooperativas, dando sustentação para o desenvolvimento desses. Hakvoort sempre insistia que: “(...) não podemos pensar pequeno, no sentido de atingir poucos produtores, precisamos pensar grande; montar um projeto que atinja o município inteiro” (HAKVOORT, 1998, p.10). E assim o 233 Instituto vem procurando estimular à produção a preservação com o intuito de promover o desenvolvimento ecologicamente e socialmente correto do município. Ao narrar o que presenciava no município, Hakvoort chama atenção para os projetos ecológicos e sua importância para o futuro da região: Terra dos pinheirais até quando? Quando cheguei no Turvo, 20 anos passados, Turvo era rodeado por Pinheirais fechados. Ninguém imaginava que isto iria mudar. Nos últimos anos estão surgindo grandes “buracos” dentro desta bela floresta. Os Pinheirais de Turvo estão ameaçados com o desaparecimento. O rápido corte da floresta está se tornando um desastre ecológico, econômico e sóciocultural. Sem as florestas de araucárias, Turvo não tem futuro. Turvo esta matando a galinha que poderia botar ovos de ouro. (HAKVOORT, 1998, p.35) Sua atuação despertou a preocupação de algumas lideranças que resolveram criar uma Organização Não Governamental, o IAF, que tinha por objetivo apoiar a Agricultura Familiar na área agroflorestal, junto com os proprietários das florestas e faxinais achar caminhos para a preservação com uso deste importante ecossistema. Ao entender que a preservação não é só responsabilidade dos proprietários, mas também de toda comunidade, o Instituto desenvolve sistemas de manejo que aumentam a renda por alqueire e passa a pesquisar alternativas que aumentem a renda dos proprietários das florestas.“Vamos trabalhar juntos, para garantir que isto se torne realidade. Deus criou este belo jardim das Araucárias. É responsabilidade de todos nós respeitar e manter esta obra do senhor”.(HAKVOORT,1998, p.36). Com relação à preservação das florestas e faxinais (muito presentes ainda no município), destaca a importância de apoiarmos as pessoas que fazem o possível para preservar as últimas florestas da araucária, para que possa haver a preservação é preciso aumentar a renda na propriedade, mas isso levando em conta todos os fatores que compõem a sustentabilidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após esta breve pesquisa sobre alguns aspectos da vida e do trabalho de Bernardo Hakvoort em prol do desenvolvimento sustentável e da 234 agricultura familiar no município de Turvo, percebe-se que o biografado foi um estudioso do município. Estudou seus aspectos geográficos como clima, solo e relevo, além dos aspectos sociais, culturais e econômicos. Era também um memorialista, afinal todo seu trabalho foi feito com um olhar para o passado, com ênfase sobre as tradições e as técnicas utilizadas pelos agricultores com o intuito de utilizá-las e preservá-las. Foi ainda, um político, no sentido em que buscou representar a população e lutar pelos seus interesses. Pode ser considerado também um crítico pois conseguia vislumbrar as diferenças sociais e os conflitos da sociedade na qual estava inserido. A partir de seus escritos percebe-se sua preocupação com o turismo em Turvo. Hakvoort acreditava que o município tinha possibilidade de se tornar um dos mais importantes centros turísticos do Sul do País, pensava em turismo de saúde – em virtude da rica flora de plantas medicinais. Para atrair o interesse das pessoas de outras regiões ele acreditava ser necessária uma ampla divulgação com fotografias das belas florestas de araucárias e dos campos cobertos de camomila e outras ervas medicinais. O aspecto histórico também era valorizado por Hakvoorth que costuma dizer que Turvo era um município com uma população que tem uma rica história e que era muito interessante falar com pessoas que ainda sabiam como tinham vivido os seus antepassados. Em seu livro descreveu que muitos moradores do município relatavam histórias de pais e avôs que vieram da Europa. Outros relatavam casos de mestiçagem de imigrantes europeus com os indígenas e abordavam o encontro dessas culturas distintas. O ambientalista gostaria de ter trabalhado na elaboração de um livro sobre a história do Turvo, e queria que o mesmo fosse feito através da pesquisa oral. Defendia também a implementação de um museu onde ficariam guardados quaisquer “documentos” do passado: fotos, ferramentas, pilões, rodas de água, carroças, etc, com espaço para todas as etnias radicadas no Município. Seu interesse pela história leva em conta todas as classes, etnias, e todos os aspectos, ou seja, valoriza coisas pequenas e 235 cotidianas, não fica só na história do desbravador ou da emancipação política. Em sua obra apresentou idéias que a seu ver poderiam tornar o Turvo um município bonito e típico no meio dos pinheirais, com qualidade de vida e e um grande histórico de preservação da sua história e do meio ambiente, pretensão possível a seu ver, se houvesse interesse comum. Esses são alguns aspectos que pudemos esboçar no espaço de um artigo. O presente estudo não tem a pretensão de ser completo, todavia aspira contribuir para a produção historiográfica de Turvo e suscitar novos debates sobre os assuntos apresentados neste artigo e sobre a importância da história biográfica ou da história de vida de pessoas como Bernardo Hakvoorth. REFERÊNCIAS BARCELOS, Cezar Augusto; AZEVEDO, Francisca Nogueira e outros. Questões de teoria e metodologia da história. Biografia e gênero. UFRGS, 2000. BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, M.; AMADO, J. Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: FGV, 1998. HAKVOORT, Bernardo. Turvo no caminho do desenvolvimento sustentável. Guarapuava: Editora da Unicentro, 1998. IANNI, Octavio. O ciclo da revolução burguesa. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1984. PRADO JUNIOR, Caio – História Econômica do Brasil. São Paulo: Editora Brasiliense, 1997. PREFEITURA MUNICIPAL DE TURVO. Turvo Cidade dos Pinheirais. Londrina: Gráfica Modelo, 1987. SITOGRAFIA FENZL, Norbert. Desenvolvimento Sustentável e a Agenda 21. Disponível em: <www.ufpa.br/amazonia21/publicacoes/agenda21>. Acesso em: 05 de jan. de 2007. INSTITUTO AGROFLORESTAL BERNARDO HAKVOORT. Disponível em : <http://www.institutoagroflorestal.org.br>. Acesso em: 25 de set. de 2007. OUTRAS FONTES VERCAUTEREN HAKVOORT, Agnes. Entrevista temática concedida em 06 de jul. de 2007. 236 ESTUDO DE CASO SOBRE A MESORREGIÃO CENTRO-SUL DO PARANÁ : ÍNDICES DE DESENVOLVIMENTO DOS MUNICÍPIOS DA REGIÃO DE GUARAPUAVA Profª.Ms. Cerize Nascimento Gomes - FG Prof. Dr. Carlos Alberto Gomes - FG/UNICENTRO RESUMO: Pretende-se com este artigo explorar dados divulgados pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) sobre a Mesorregião Centro-Sul, que tem como pólo a cidade de Guarapuava. Serão abordados também aspectos históricos e índices regionais que contenham informações específicas sobre os municípios regionais e aspectos variados. Averiguam-se também os movimentos sociais rurais existentes na Mesorregião. O objetivo deste estudo é chamar a atenção da comunidade acadêmica para a necessidade de conhecer a realidade social, econômica, cultural e política da região de abrangência na qual se insere. Os dados apresentados devem exercer a função de promover reflexões e debates com a finalidade de promover programas, projetos e políticas públicas com poder de intervenção sobre a sociedade regional. Palavras-Chave: Região. Contexto. Sociedade. Índices. Desenvolvimento. INTRODUÇÃO Este artigo é fruto de um trabalho de pesquisa realizado sobre os dados referentes à mesorregião Centro-Sul do Paraná, da qual Guarapuava é a cidade pólo. O objetivo que move esta pesquisa está relacionado à desinformação ou desconhecimento sobre os índices de desenvolvimento regional, sobre os quais se procurou realizar um trabalho bastante específico que possa contribuir com novos estudos e propiciar a reflexão sobre a necessidade de políticas públicas e programas sociais próprios para a região contextualizada. Para enriquecimento das informações sobre os municípios apresentados dados do Instituto Paranaense de são Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) e outros referenciais considerados importantes como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e o Índice de Gini, este último responsável pela identificação da desigualdade na distribuição de renda. 237 Desse modo, este estudo pode ser útil para a promoção de um banco de dados ou de uma rede de índices regionais que possam oferecer contribuições no que diz respeito à elaboração de projetos de pesquisa e de políticas públicas que permitam aos professores, estudantes e pesquisadores a intervenção sobre a sua realidade social. Para que isso ocorra, é preciso, porém, algumas informações mais complexas que permitam que os conhecimentos adquiridos na academia possam ter aplicabilidade sobre o contexto social. Considerando-se que os municípios regionais possuem os menores índices de desenvolvimento humano do Paraná, e uma das maiores taxas de desigualdade social, nos mais diversos aspectos. Esta pesquisa tem os objetivos de aliar as teorias à práxis e de atuar no sentido de promover projetos próprios em prol do desenvolvimento de ações que permitam a intervenção acadêmica e social sobre a região de Guarapuava. 1. HISTÓRIA E DIVERSIDADE REGIONAL Os estudos sobre a sociedade regional sugerem que algumas das maiores distorções regionais podem ser compreendidas a partir da combinação de dois tipos de fatores: os relativos ao processo de colonização e de ocupação da terra e aqueles relacionados à dinâmica sócio-cultural do desenvolvimento regional com tardia implantação e lento desenvolvimento do ensino superior na região. A historiadora Gracita Gruber Marcondes, História de luta e trabalho, relata que com uma no livro Guarapuava: área primitiva de 175.000 km2 , Guarapuava foi nos século XIX e XX, o maior município do Brasil . O território fazia limite com o rio dos Patos (Ivaí) até o rio Paraná, de Corrientes (Argentina) e dali até Goyo-En (Uruguai) até os Campos de São João (Porto União). Seu povoamento foi o resultado de um processo histórico iniciado no século XVIII, pela Real Expedição de Conquista e Povoamento dos Campos de Guarapuava.(MARCONDES, 1998, p.70 e 71). 238 1.1. Encontros étnicos A partir de 1770, as terras até então habitadas por tribos indígenas foram colonizadas pelos portugueses e pelos espanhóis. Colônias francesas também foram estabelecidas na região. Estudos históricos confirmam que enquanto alguns grupos indígenas receberam pacificamente os colonizadores, outros ofereceram resistência à colonização européia. A antropóloga Kumiye Tommasino, do Programa de Estudos de Populações da Universidade Estadual de Maringá (UEM), confirma a presença dos kaingang e xokleng no planalto no sul do país, em áreas de florestas subtropicais e de araucária, desde o Estado de São Paulo aos estados da Região Sul. Ela relata que quando as primeiras expedições chegaram aos campos de Guarapuava, provocaram violentas reações por parte dos habitantes kaingang e xokleng. Conta ela: Foram onze expedições organizadas entre 1768 e 1774, pelo Tenente-coronel Afonso Botelho com o objetivo de reconhecer e tomar posse das pastagens naturais existentes no interior da Província. Em 1770, a expedição comandada pelo Tenente Bruno Costa chegou aos campos de Koran-bang-rê (atual Guarapuava). Mais duas chegaram em 1771, uma comandada pelo sertanista Martins Lustosa e outra pelo Tenente Cândido Xavier. Os armamentos incluíam peças de artilharia e todas as armas de guerra da época (TOMASSINO, 2001, p.2). Segundo a pesquisadora, a morosidade da conquista dos campos de Guarapuava pode servir como elemento para confirmar a defesa que os povos indígenas fizeram de seus territórios na região: As reações dos índios foram violentas, marcadas por ataques de ambas as partes, apesar da estratégia dos brancos em angariar a confiança dos índios levando-lhes presentes. Todas as expedições tiveram de abandonar os Campos Gerais e só 40 anos mais tarde retornaram, tendo maior sucesso no século XIX. (...) A ocupação dos Campos Gerais foi retomada em 1810, quando nova expedição retornou para os campos de Koran-bang-rê, com o claro objetivo de obter a vitória contra os índios. Não se tratava mais de escravizar índios ou vendê-los como escravos, mas sim de conquistar suas terras, primeiro as áreas de campos que podiam imediatamente servir como 239 pastagens para os rebanhos que acompanhavam as expedições. Depois de três meses de guerras e batalhas sangrentas, os Kaingang dos Koran-bang-rê foram derrotados pelas tropas comandadas por Diogo Pinto de Azevedo. (TOMASSINO, 2001,P.3) A figura a seguir reproduzida faz parte de uma série de pinturas realizadas durante as primeiras expedições feitas aos campos de Guarapuava e que são bastante reveladoras sobre os primeiros contatos entre os povos indígenas e os colonizadores europeus. FIGURA 1 Tela em guache e aquarela, de autoria de José Miranda. Feita no século XVIII durante as tentativas de colonização dos campos de Guarapuava. Disponível em: pib.socioambiental.org/pt/povo/kaingang/287 . Acessado em 15 de agosto de 2010. Mesmo com as dificuldades inerentes ao processo de conquista e ocupação dos campos de Guarapuava, Marcondes (1998) argumenta que os colonizadores aos poucos estabeleceram convivência com os povos indígenas e que muitos dos seus usos e costumes estão presentes no cotidiano regional. Ela menciona alguns exemplos de costumes deles herdados: Entre outros cita-se o uso do mate frio (tererê), em 240 Cia de porungo; da carne sem tempero e assada na brasa (no espeto ou no moquém, isto é, grelha de varas); do poncho como agasalho para o frio (curucachá); o uso da rede e dos ranchos de chão batido; a conservação da carne pela defumação e a conservação do pinhão pela água corrente. (...) Herdamos também os alimentos derivados de milho (farinha de beiju, canjica, fubá e pipoca) e farinha de pau (mandioca). A cura de doenças pelo poder medicinal das plantas, o uso do banho diário (...). ( MARCONDES, 1998,p.45 e 46) A autora destaca ainda outros costumes e práticas culturais que permanecem até os dias atuais, relacionando entre os mesmos o artesanato de cestaria, inúmeros nomes próprios, como o próprio nome da cidade, denominação de aves e de plantas, práticas como o mutirão e a queimada. Referencia também brincadeiras infantis. 1.2. Tropeiros e imigrantes Os tropeiros de Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul tinham a região como rota de passagem e influenciaram a formação regional. Eram na sua maioria descendentes de portugueses, poloneses, italianos e ucranianos. Desde o final do século XIX, constantes levas de imigração trouxeram ainda suábios, libaneses, japoneses e espanhóis. Ao mesmo tempo uniram-se aos europeus, povos árabes e asiáticos. Juntamente com remanescentes de tribos indígenas e grupos africanos, fariam surgir uma das regiões com maior diversidade étnica do Paraná. O encontro entre tais etnias gestou um povo multifacetado, com um repertório cultural vasto e sincrético, que faz parte do cotidiano da população e que pode ser observado por meio de eventos culturais, gastronômicos e religiosos, constantes do calendário dos municípios regionais. O município de Pinhão realiza todos os anos a Festa do Pinhão; em Entre Rios ocorre a Festa da Cevada, em Candói a Festa do Xarque e nas aldeias indígenas a Festa do Milho, entre outras. Toda essa mistura de cores, folclore, músicas, danças, lendas, pratos, crenças e gentes concede à região um jeito próprio de ser e de viver, no qual o sincretismo cultural, gastronômico e religioso se revela no cotidiano da população. 241 1.3. Presença indígena Atualmente, 32 mil indivíduos se identificam como índios no Estado do Paraná, e desses, 14 mil residem em aldeias indígenas, conforme dados elaborados a partir do Censo 2010. A informação é do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção às Comunidades Indígenas (CAOP/MP, 2011). Os indígenas paranaenses ocupam uma área de 85.264,30 hectares de terras, distribuída em 17 unidades de Terras Indígenas (TI) que abrigam as etnias Kaingang, Guarani e remanescentes do povo Xetá. FIGURA 2 Mapa da distribuição das Terras Indígenas (TI) do Estado do Paraná. Disponível em: http://www.indigena.caop.mp.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=16. Arquivo acessado em 22 de setembro de 2011. No que diz respeito às Terras Indígenas (TI), sob cuidados da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) de Guarapuava, estão as de Palmas, 242 situadas no município de Palmas(PR), e Abelardo Cruz (SC), com uma população de 550 habitantes de origem kaingang e uma área de terras de 2.944 hectares; a de Ocoy, no município de São Miguel do Iguaçu, com quase 200 habitantes de origem guarani, com uma área de 231,88 hectares; a TI de Ivaí, localizada nos municípios de Manoel Ribas e Pitanga, com 800 habitantes de origem kaingang e uma área de 7.306,34 hectares; a reserva de Rio D’Areia, no município de Inácio Martins, com uma população quase 100 habitantes de origem guarani, e uma área de terras de 1.280,56 hectares; a aldeia de Faxinal, no município de Cândido de Abreu com quase 500 habitantes de origem kaingang, vivendo em uma área de terra de 2.049,89 hectares. Além dessas terras indígenas, a Funai de Guarapuava responde também pela TI de Rio das Cobras, a maior do Estado, com mais de 2.600 habitantes de origem kaigang, guarani e xetá, vivendo em uma área de 18.681, 98 hectares, dividida em nove aldeias indígenas. Duas outras grandes aldeias encontram-se sob a mesma jurisdição: a TI de Marrecas nos municípios de Guarapuava e Turvo, com cerca de 400 habitantes de origem kaingang, com uma área de 16.538, 58 hectares e de Mangueirinha, com mais de 1.500 habitantes de origem kaingang e guarani e uma área de terras de 17.308,07 hectares. Além de práticas agrícolas, o artesanato com base na cerâmica e na cestaria representa uma fonte de renda para os indígenas. Cestos, colares e acessórios, vasos e panelas de barro modelado, bichos talhados em madeira são típicos da região. Pintura e desenhos abstratos são usados para colorir seus trabalhos. O repertório de lendas relacionadas aos povos indígenas é bastante amplo. A luta pela terra e a guerra contra os colonizadores envolvem personagens estudados nos livros de história regional, mesmo assim a presença dos grupos indígenas é pouco valorizada e sua história pouco explorada. A Secretaria de Estado da Educação confirma que: O Estado tem 27 escolas em áreas indígenas, 21 municipais, quatro federais e duas estaduais. Dos 243 2.035 alunos indígenas, 1.482 estão cursando de 1ª a 4º série; 223 estão na pré-escola; 120 cursam de 5ª a 8ª séries; 60 estão no ensino médio; e, 25 índios fazem cursos superiores. São 150 professores, dos quais, 83 são kaingangs e guaranis. (SEED/PR, 2011) As políticas públicas voltadas para as aldeias são raras e os programas sociais insuficientes. Nesse sentido, as Instituições de Ensino Superior (IES), poderão contribuir para a promoção de pesquisas e projetos específicos sobre as populações indígenas. 1.4. Comunidades quilombolas O Programa Brasil Quilombola luta pela promoção da igualdade racial e pela regularização de territórios quilombolas , além da identificação de “terras de faxinais” e outras comunidades tradicionais . Trata da definição de questões, cujo impacto social resulta na inserção dos agricultores para que com suas terras regularizadas, tenham acesso às políticas agrícolas de crédito, previdenciárias e fiscais, dos governos Estadual e Federal. Estudiosos definem quilombo como forma de organização sociopolítica, com conceito de resistência, para além do contexto da escravidão, estendendo-o às dinâmicas étnicas pela posse da terra, ocorrida após a abolição. No Paraná existem comunidades quilombolas em pelo menos 16 municípios . No Centro-Sul elas se encontram em Guarapuava, Candói, Palmas e Turvo. A comunidade mais conhecida é a de Invernada Paiol de Telha Fundão: A comunidade de Invernada Paiol da Telha está localizada em Guarapuava, no estado do Paraná. Ela é composta por 200 famílias. Foi o primeiro quilombo reconhecido no Paraná pela Fundação Cultural Palmares, o que aconteceu em 2005. A padroeira da comunidade é Nossa Senhora das Graças. A comunidade está dividida em quatro núcleos urbanos, assentamento, Pinhão e Reserva do Iguaçu. É com o que cultivam em roças que os quilombolas sobrevivem neste local. As condições de vida aqui são precárias: não há telefonia pública ou energia elétrica e o transporte público está disponível apenas três vezes por semana.(…) Não existe escola na comunidade e as crianças e os jovens frequentam estabelecimentos de ensino da Colonia Vitória, no 244 distrito de Entre Rios. (FUNARTE, 2010) Conforme o fascículo 11, da Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do Brasil, publicado em 2008, com ISBN 8586037-20-6, disponibilizado pelo Governo Federal , a Invernada Paiol de Telha, também conhecida por Fundão cuja área é de 29.778.000 m2, é parte da fazenda Capão Grande, situada no Distrito de Pedro Lustosa, Município de Reserva do Iguaçu, Comarca de Pinhão. (HARTUNG, 2008) Essa comunidade vive um histórico de resistência e luta por uma área de terras herdadas por meio de testamento feito por Balbina Francisca de Siqueira, que teria deixado aos seus escravos uma área de 3.600 hectares, na década de 1860, sendo essa área motivo de disputa entre negros e colonizadores, praticamente desde que o testamento foi lido. Segundo a antropóloga Mirian Hartung, as famílias não só residiam nas terras como dela retiravam o seu sustento, praticando uma agricultura de subsistência juntamente com a criação de animais destinados ao consumo da comunidade. Durante quase um século, os herdeiros e as gerações que se seguiram residiram comunitariamente na área recebida em 1866, conforme se pode verificar na Certidão emitida em 1977 pela Vara Cível da Comarca de Guarapuava (HARTUNG, 2008). No fascículo, a autora relata que em 1940 a comunidade entrou com um processo reivindicando a reintegração das terras que haviam sido desmembradas. Na década de 1960, as terras continuaram a ser divididas, contrariando a cláusula de inalienabilidade que consta no testamento e novos processos foram impetrados pela comunidade. Para a antropóloga, a luta pela posse da terra aprofundou-se após esse processo, que reduziu a área original de 3.600 hectares para 1.245 hectares. Sobre a organização dos quilombolas, o pesquisador Valmir Jocoski, em Estudos sobre a organização política e a representatividade social da Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha Fundão, escreve: Politicamente, sabe-se que a partir de 1995, a Comissão Pastoral da Terra – CPT, incentivou a 245 formação de uma associação com a finalidade de organizar legalmente as ações comunitárias, o que teria resultado na criação da Associação PróReintegração da Invernada Paiol de Telha, comunidade para descendente de escravos, definida como - Associação Civil sem fins lucrativos sob a inscrição 01.194.255/001-03, com endereço à o o Rua XV de Novembro, N 3466, 4 andar, sala 404, Guarapuava-Paraná. (JOCOSKI, 2011, p.98) Sobre o apoio de entidades estaduais, regionais e municipais, Jocoski realizou uma pesquisa sobre os quilombolas e averiguou algumas das principais manifestações recebidas: Nos primeiros passos da pesquisa foram encontradas evidencias sobre o apoio de várias entidades estaduais, principalmente sindicais, que teriam se manifestado em prol da causa dos quilombolas de Paiol de Telha, entre elas a Associação de Professores do Paraná (APP – Sindicato), Sindicato dos Bancários de Curitiba; ACNAP (Associação Cultural Negritude e Ação Popular); Comissão Pastoral da Terra, SISMMUC (Sindicato dos Servidores Municipais de Curitiba), Instituto Afro-brasileiro, setorial de negros e negras do PT, Coletivo de Mulheres Negras. Além dessas entidades, na região de Guarapuava, a Associação de Paiol de Telha teria conseguido o apoio da Pastoral da Terra, Pastoral Operária e Pastoral da Criança, do Diretório Municipal do PT, da Associação de Famílias de Trabalhadores Rurais de Pinhão- AFATRUP, do Sindicato dos Servidores Públicos e Professores Municipais de Guarapuava e do Núcleo Sindical da APP - Sindicatos. (JOCOSKI, 2011, p.98) O apoio das instituições nominadas tem o objetivo de movimento quilombola, porém, mesmo com muitas fortalecer o décadas de enfrentamento judicial, a conquista do documento de reintegração e de posse da área é uma demanda difícil. Importa saber que, sem a posse da terra reivindicada, os habitantes de Paiol de Telha Fundão não podem dispor de crédito e nem participar de programas executados pelos organismos públicos, o que torna inviáveis os projetos da comunidade. 246 2. A QUESTÃO AGRÁRIA E OS MOVIMENTOS SOCIAIS A região de Guarapuava é uma das maiores produtoras de trigo, soja, milho, batata-inglesa, cevada e feijão do Brasil. A criação de gado de corte e leiteiro, ovinos, caprinos, eqüinos e aves também faz da região, uma referência econômica para o Brasil. Tecnologias européias são usadas pelos criadores. Porém, mesmo com toda essa produtividade agrícola, a mesorregião tem os menores Índices de Desenvolvimento Humano – IDH, do Estado e a cidade pólo de Guarapuava é envolta por um cinturão de pobreza e problemas sociais que estimulam o surgimento de movimentos populares . A questão agrária, é uma das maiores causas de conflitos regionais e contempla, além da luta de povos indígenas e quilombolas, grupos de agricultores que vivem em sistema de faxinais, posseiros e sem terras. FIGURA 3 Mapa constante do arquivo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Regional do Paraná. A maior parte dos assentamentos foi feita no Centro e no Centro-Sul paranaense, a região mais pobre do Estado. Disponível em : http://www.cpt.org.br - Acessado em 10 de junho de 2010. 247 A política agrária possibilitou o crescimento de latifúndios e a mecanização dessas propriedades promoveu ao longo dos anos a migração de pequenos agricultores para a área urbana, na qual ocuparam a periferia e passaram a viver em condições de extrema pobreza. A organização dos pequenos agricultores, a partir dos anos de 1980 , fez com que a região, juntamente com o Sudoeste do Paraná, se tornasse cenário de ressurgimento do Movimento Sem Terra – MST. Associações, cooperativas e sindicatos foram instituídos para defender a sustentabilidade, a agroecologia e a autonomia de pequenos produtores. O exemplo dos faxinalenses de Turvo e dos posseiros de Pinhão, bem como dos agricultores familiares organizados em Associações de Pequenos Agricultores - APAS são comuns na região. Um dos melhores exemplos desse tipo de associação é o da Cooperativa de Produtos Agroecológicos e de Artesanato ( COOPAFLORA), do município de Turvo. A mesma é responsável pela produção e comercialização de ervas medicinais e atua também com programas de preservação de plantas características da floresta regional, algumas das quais são comercializadas também para manipulação de cosméticos. A produção da cooperativa é comercializada em nível nacional e internacional. Com todos esses movimentos, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) realiza anualmente aproximadamente 16 romarias da terra na região, reunindo agricultores de vários movimentos e municípios, com organizações sociais e pastorais. O interesse da CPT é preservar também a cultura dessas pessoas e desses movimentos. Com esse fim, reúne agricultores para realizar o que chama de mística da terra, uma manifestação na qual se celebra a vida do camponês, bem como sua reza, sua arte, sua luta, sua alegria e sua dor, seus costumes e suas tradições. (CPT, 2010). 3. A MESORREGIÃO CENTRO-SUL A mesorregião Centro-Sul do Paraná abrange 29 municípios de três 248 microrregiões (Guarapuava, Pitanga e Palmas) e uma população estimada em 533.317 pessoas. Sua área territorial é de 26.409,78 km². O maior núcleo urbano dessa divisão político-administrativa é Guarapuava, sede da mesorregião. Os municípios da região de Laranjeiras do Sul, apesar de pertencerem geograficamente a Mesorregião de Pato Branco, realizam com Guarapuava uma série de projetos e convênios comuns, o que amplia a atuação regional para aproximadamente 40 municípios o que representa uma população estimada em um milhão de habitantes. A relação de Guarapuava com essa vasta região está relacionada à sua grande área primitiva, da qual se emanciparam os municípios em questão. Essa antiga ligação territorial se manifesta atualmente em termos políticos, econômicos e sociais que precisam de projetos comuns para promover ações entre os diversos municípios regionais. FIGURA 4 249 Mapa expandido da região de abrangência de Guarapuava com os municípios pertencentes à região de Laranjeiras do Sul. ( Dados cartográficos consultados em 2011) Todos os municípios da Centro-Sul apresentam IDH abaixo da média paranaense, sendo o índice de renda per capita o que registra condições mais críticas. A dificuldade de geração de emprego faz com que 1/3 das famílias encontre-se em situação de pobreza. Sete dos dez municípios mais pobres do Paraná situam-se no Centro-Sul do Estado. Dez (10) entre os trinta (30) municípios com menor IDH no Paraná pertencem a mesorregião de Guarapuava. São eles: Mato Rico, Reserva do Iguaçu, Laranjal, Santa Maria do Oeste, Cândido de Abreu, Rio Bonito do Iguaçu, Palmital, Altamira do Paraná, Goioxim e Cantagalo. 4. DADOS REGIONAIS DO IPARDES Os dados que serão mencionados em seguida servem como indicador 250 dos problemas sociais representados pelas graves distorções regionais apontadas pelo Índice de Gini e o IDH regional. Analisando-se os dados estudados, juntamente com as informações do IPARDES, pode-se afirmar que a mesorregião Centro-Sul é marcada por fortes desigualdades entre as cidades e a população, o que define a estrutura econômica e as relações de trabalho da região. Pessoas em situação de pobreza integram a população calculada em função da renda familiar per capita de até 1/2 salário mínimo. Os dados referentes à Situação de Pobreza são provenientes dos microdados do Censo Demográfico (IBGE) e das tabulações especiais feitas pelo IPARDES. Sua composição social incorpora dois segmentos sociais marcados por lutas para superar a pobreza: 60% das áreas indígenas e 40% das áreas de assentamento do Estado do Paraná. (IPARDES, 2004). O total de famílias pobres no Centro-Sul representa mais de 20% da população estadual. Deste percentual, mais de 65% residem em áreas urbanas. Segundo informações da seção das Famílias Pobres no Paraná (IPARDES, 2004), o município de Guarapuava é considerado com elevado contingente de pobres, menor ou igual a 40% do total de famílias. Entre os municípios que formam a mesorregião Centro-Sul, Turvo, Boa Ventura de São Roque, Candói, Cantagalo, Santa Maria do Oeste, Palmital, Pitanga e Pinhão – são considerados municípios críticos, pois apresentam mais de 40% do total de famílias pobres. 4.1. Mapeamento social Os municípios de baixo grau, considerados passíveis de intervenção social em virtude do baixo IDH e do alto índice de desigualdade social são: Mato Rico, Palmital, Santa Maria d’Oeste, Boa Ventura de São Roque, Turvo, Campina do Simão, Goioxim, Cantagalo, Marquinho, Laranjal, Nova Laranjeiras, Espigão Alto do Iguaçu, Quedas do Iguaçu, Rio Bonito do Iguaçu, Porto Barreiro, Coronel Domingos Soares, Honório Serpa, Clevelândia, Inácio Martins. Tais municípios mantém até 60% das pessoas 251 em domicílios rurais. FIGURA 5 O mapa de famílias pobres apresenta os aspectos mais relevantes nas cores mais escuras. A mesorregião de Guarapuava tem os maiores índices de pobreza (IPARDES, 2004) Os municípios de tipologia médio baixo possuem baixa densidade. O crescimento da população é negativo e com dependência urbana, ocupação no campo e moradia urbana. Entre esses estão: Pinhão, Reserva do Iguaçu, Mangueirinha, Candói, Laranjeiras do Sul, Virmond e Pitanga. No município classificado como médio, Foz do Jordão, mais próximo de Guarapuava, existem boas condições de saneamento, economia voltada à agricultura, baixa densidade demográfica e boas condições de moradia. Já em relação os municípios classificados com desenvolvimento médio alto, Guarapuava e Palmas, são considerados casos isolados. FIGURA 6 252 O mapa informa o grau de urbanização das regiões. As cores claras representam os municípios com menores índices de investimentos em infraestrutura urbana. A região de Guarapuava tem os piores desempenhos do Estado. FIGURA 7 O mapa reproduz nas cores claras os municípios sem banheiro interno e sem infraestrutura sanitária. A região mais clara do mapa reflete os maiores problemas, ou seja, a Mesorregião de Guarapuava. (IPARDES, 2004) 253 FIGURA 8 O Índice de Gini representa o nível de concentração de renda e identifica os níveis de desigualdade social. As cores escuras refletem as áreas com maior concentração de renda e altas taxas de pobreza.. A região de Guarapuava demonstra o maior índice do Estado. (IPARDES, 2004) O Coeficiente de Gini é um parâmetro internacional usado para medir a desigualdade de distribuição de renda entre os países. O coeficiente varia entre 0 e 1, sendo que quanto mais próximo do zero, menor é a desigualdade de renda num país, ou seja, melhor a distribuição de renda. Quanto mais próximo do um, maior a concentração de renda num país. O Índice de Gini do Brasil demonstra que nosso país tem uma alta concentração de renda. No Paraná, a região de Guarapuava é a que apresenta a maior desigualdade social do Estado. Essa realidade extrapola a beleza dos aspectos físicos e os excelentes índices de produtividade agrícola e pecuária, porque uma vez que a geração de renda está concentrada nas mãos de poucas famílias, a pobreza recai sobre o universo social, no qual é representada por subnutrição, desemprego, falta de habitação, saúde e educação. 254 5. REPRESENTATIVIDADE POLÍTICA E SOCIAL As Associações de Municípios do Paraná (AMP) são entidades representativas dos municípios, habilitadas para integrar órgãos colegiados da administração pública estadual ou indicar seus representantes, bem como firmar convênios com o poder público estadual nos diversos setores de atividades da administração pública. Existem 18 associações do gênero no Estado do Paraná, integrando praticamente todos os municípios em torno de ações e projetos coletivos. Há muitos anos o município de Guarapuava não participa ativamente de nenhuma dessas associações. Seu histórico é de práticas políticas isolacionistas. Já os Arranjos Produtivos Locais (APL) são concentrações de indústrias de um mesmo segmento ou de atividades complementares em uma mesma região. Os APLs propiciam ações conjuntas, como compra de matérias-primas, consórcios para exportação, compartilhamento de tecnologias e capacitação de mão-de-obra. Sobre a importância dos APLs o site oficial da Rede de Arranjos Paranaense informa: A Rede Paranaense de Apoio aos Arranjos Produtivos Locais (Rede APL Paraná) é formada por instituições do Governo estadual, Sistema FIEP, Sebrae-PR, BRDE, Banco do Brasil, Bradesco, IBQP e Curitiba S.A. Tem como objetivo proporcionar maior articulação entre os diversos atores que realizam ações nos APLs.A implantação e consolidação dos APLs é fundamental ao desenvolvimento pretendido para o Estado. Para isso é necessário estruturar planos, estudos e ações de apoio e promoção ao desenvolvimento de empresas/instituições que estejam localizadas em regiões com clara especialização produtiva, de modo a permitir maior efetividade e melhores resultados econômicos dos APLs.(Rede APL Paraná, 2011). O resultado da organização de APLs é que as indústrias ganham em escala, reduzem custos e conseguem ser mais competitivas. Atualmente o Paraná tem 22 APLs consolidados, que geram mais de 60 mil empregos. 255 Guarapuava não integra nenhum arranjo produtivo em prol do desenvolvimento industrial. FIGURA 9 Mapeamento dos Arranjos Produtivos Locais (APL) feitos pela Secretaria de Estado da Indústria e do Comércio (GOVERNO DO ESTADO, 2006). Dados sobre as 10 maiores economias do Paraná publicados em 2006 pelo IPARDES, colocavam Curitiba em primeiro lugar com um Produto Bruto (PIB) de R$ 32.153.307 mil correntes e uma participação de 23,5 % . Em segundo lugar, o município de Araucária, com R$8.437.759 de PIB e 256 participação de 6,2%. Em terceiro lugar está São José dos Pinhais, com R$ 7.034.113 e uma participação de 5,1% no PIB. Em quarto lugar, Londrina com R$6.612.093 e uma participação de 4,8% no PIB do Estado. A partir das cinco maiores economias, a participação no PIB nos outros cinco municípios que seguem é relacionada a partir de 4,0%, a saber: em quinto lugar, Foz do Iguaçu, com R$5.467.714 e 4,0% de participação. Em sexto lugar, Maringá, com R$ 5.275.927 mil correntes e 3,9% de participação. Em sétimo lugar está Ponta Grossa, com R$ 4.382.467 e 3,2%. Em oitavo lugar, Paranaguá, com R$4.125.923 e 3,0%. Em nono lugar, Cascavel, com R$3.229.991 e uma participação de 2,4%. Finalmente, em décimo lugar, com R$1.908,615 mil correntes, aparece o município de Guarapuava, com 1,4% de participação no PIB do Estado. Tais índices demonstram que em Guarapuava, as ocupações industrial e terciária não têm alcançado dinamismo suficiente para gerar emprego e absorver a população economicamente ativa. O município apresenta uma alta taxa de desemprego. Sua população abaixo da linha de pobreza é estimada em 24,85%. O Índice de Gini é de 0,640 (2006). Apesar dos dados utilizados serem em sua maioria de 2004, 2006 e 2008, isso não significa que houve tempo para grandes transformações no quadro regional e municipal. Isso significa que em termos comparativos, mesmo com algumas pequenas mudanças, o contexto deve manter o mesmo padrão de desenvolvimento. CONSIDERAÇÕES FINAIS Marcada por características que elevam sua desigualdade econômica e social, a Mesorregião Centro-Sul, tem Guarapuava como cidade pólo. A região convive com grandes distorções, apresenta o maior índice de famílias pobres e o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Estado. A baixa geração de emprego faz com que 1/3 das famílias encontrese em situação de pobreza. Sete dos 10 municípios mais pobres do Paraná pertencem a mesorregião estudada. 10 entre os 30 municípios com menor 257 IDH no Paraná pertencem a mesorregião em questão. Os casos de municípios com alto grau de desenvolvimento são isolados e estão relacionados a dois municípios, Guarapuava e Palmas. Todos os aspectos positivos da região: índices de produtividade agrícola, pecuária qualificada internacionalmente, riqueza histórica, potencial étnico, diversidade cultural, movimentos sociais expressivos, programas de sustentabilidade ambiental e agrícola perdem o sentido diante da divulgação das informações e dos índices que colocam em evidência os aspectos negativos da mesorregião. Os mais preocupantes estão relacionados aos direitos básicos do ser humano: habitação, educação e saúde. A manutenção da linha de pobreza e a baixa renda per capita são sinônimos da resistência e da luta de grupos sociais e de comunidades excluídas que lutam por melhores condições de vida e que sonham com melhores dias. O desemprego e o baixo poder aquisitivo da população estão relacionados à falta de infra-estrutura urbana, falta de representatividade política e social e também à falta de investimentos em arranjos produtivos locais que pudessem estimular o desenvolvimento industrial da região. Todas essas características apontam para a abertura existente aos mais diversos campos de pesquisa acadêmica, com oportunidade para desenvolvimento de novas temáticas, formação de grupos de estudos e intercâmbio com universidades, fundações e institutos de pesquisa. A conclusão é que as instituições de ensino superior e de pesquisa devem assumir a linha de frente na apresentação de projetos que possam efetivar novas perspectivas e articular parcerias entre a sociedade civil e as esferas governamentais, municipal, estadual e federal. Conclui-se que, apenas por meio do desenvolvimento de programas próprios para a mesorregião de Guarapuava poderá ocorrer a devida intervenção e a necessária transformação da região por meio de políticas públicas e ações sociais comprometidas e competentes. REFERÊNCIAS 258 HARTUNG, Mirian. Nova Cartografia Social das Comunidades Tradicionais do Brasil – Invernada Paiol de Telha Fundão. Fascículo 11. Curitiba: SEED/PR, 2008. JOCOSKI, Valmir. Estudos sobre a organização política e a representatividade social da Comunidade Quilombola Invernada Paiol de Telha Fundão. Revista Contato Social. Guarapuava: Faculdade Guarapuava, 2011, p.97 a 103. Disponível em: http://www.faculdadesguarapuava.br. MARCONDES, Gracita. Guarapuava: História de luta e trabalho. Guarapuava: Unicentro, 1998. SITOGRAFIA TOMASSINO, Kimiye. Kaingang: histórico do contato. Maringá: UEM, 2001. Disponível em: http://pib.socioambiental.org/pt/povo/kaingang/287. Acessado em 21 de setembro de 2010. OUTRAS FONTES CENTRO DE APOIO OPERACIONAL DAS PROMOTORIAS DE PROTEÇÃO ÀS COMUNIDADES INDÍGENAS COMISSÃO PASTORAL DA TERRA - REGIONAL DO PARANÁ FUNDAÇÃO NACIONAL DE ARTES (FUNARTE) PROGRAMA BRASIL QUILOMBOLA REDE DE ARRANJOS PRODUTIVOS LOCAIS PARANÁ SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO – SEED/PR. Educação indígena. Projetos de pesquisa experimental das engenharias Civil e Elétrica em prol do desenvolvimento sustentável PROJETO DE GERAÇÃO DE ENERGIA ELÉTRICA A PARTIR DE ENERGIA SOLAR E EÓLICA PARA ATENDER CONSUMO RESIDENCIAL Alessandro Ricardo Karam Renan Aparecido Bazza Arminson Michel Erdmann Gilson Auda Engenharia Elétrica – FG 259 Orientador : Prof. Ms. Edson Luiz Schultz RESUMO : O presente trabalho visa demonstrar a utilização de gerador eólico e/ou gerador fotovoltaico de pequeno porte para suprir parte ou totalmente a energia elétrica consumida em uma residência, reduzindo custos sem causar danos ao meio ambiente. Esses sistemas se tornam eficientes principalmente se a aplicação for para lâmpadas LED (Diodo Emissor de Luz) que tem baixo consumo aumentando a eficiência energética da residência. Palavras-chave : Energia. Eletricidade. Consumo. Gerador. Meio Ambiente. INTRODUÇÃO Considerando-se que atualmente a demanda de energia elétrica é alta e tende aumentar, que grande parte da energia mundialmente gerada é a custo de combustíveis fósseis e em nosso planeta já evidenciamos em alguns lugares danos ao meio ambiente e ao ser humano devido a poluição emitida por esses tipos de geradores de energia, portanto, a busca de novas fontes alternativas limpas e renováveis se faz necessária para a minimização dos efeitos decorrentes dessa situação. No Brasil observa-se que ainda não é tão impactante a utilização de geração a partir de combustíveis fósseis. A hidroeletricidade ainda é a principal fonte de energia explorada, porém, os recursos hídricos estão se esgotando, grandes usinas já não são mais autorizadas devido ao impacto ambiental por inundarem grandes áreas, causando prejuízos incomensuráveis para a fauna e a flora. Com a conseqüente diminuição da geração hidrelétrica, outra fonte deve ser explorada e a tendência é a utilização das termelétricas a gás natural, uma vez que as mesmas poluem menos que óleo combustível e carvão mineral. Analisando-se tal cenário, surge uma proposta interessante e que já vem sendo utilizada de forma alternativa em vários países europeus e atualmente nos EUA: a casa sustentável ou casa verde ou green house, que consiste em uma residência que aproveita os recursos naturais para se manter em termos de energia, utilizando-se da força dos ventos e da luz e 260 calor solar. Aliado a esse tipo de geração de energia, pode-se melhorar a eficiência energética utilizando-se parte da iluminação da casa através da tecnologia LED. 5. MATERIAIS E MÉTODOS A metodologia proposta para o desenvolvimento da pesquisa para este projeto terá como base a pesquisa aplicada cujo trabalho deverá ser dividido em três etapas: a) A pesquisa aplicada ou pesquisa tecnológica irá definir conhecimentos básicos para a aplicação prática, a qual será focada para a solução de problemas específicos de acordo com o interesse do projeto. Reconhecendo, portanto, que a pesquisa aplicada para este projeto e as áreas afins resultará em benefício para todos da comunidade acadêmica e em geral. b) Pesquisa bibliográfica é o primeiro passo para entender um tema e para a construção efetiva do saber de um determinado assunto. Os objetivos, geral e específicos da presente pesquisa, estão ligados diretamente à relevância do tema e portanto estão relacionados com a profundidade que os acadêmicos proponentes deste projeto irão tratar das suas fontes e dos métodos científicos que serão utilizados para o desenvolvimento da pesquisa. c) Em um terceiro momento, aplicar-se-á a pesquisa experimental, a qual permitirá que o projeto seja desenvolvido e construído por meio de protótipos próprios para comparações entre a teoria e a prática. 6. RESULTADOS E DISCUSSÕES O projeto acadêmico em questão consiste em desenvolver um gerador eólico portátil, utilizar-se de um gerador fotovoltaico para pequenas cargas e desenvolvimento de lâmpada led para agregar-se a residência que 261 se utilizará dessa tecnologia, a fim de reduzir o consumo e tornar viável a instalação desses geradores. As características deste projeto são: a) Fornecer uma tensão de alimentação de aproximadamente 12Vcc nos terminais dos geradores. b) Acumular a energia gerada pelos geradores em baterias; c) Distribuir a energia acumulada nas bateria para um sistema de iluminação utilizando o L.E.D( Diodo emissor de Luz) no período noturno e demais cargas de baixo consumo. 2.2. Potencial eólico No Brasil, o potencial eólico é favorável para expansão de energia através do vento. Localmente, Guarapuava que está situada a 1070m acima do nível do mar, foi selecionada para a estatística descritiva dos ventos na área central do Paraná, segundo Rafael Cabral Gonçalves (2010). Nos meses de julho a setembro, a velocidade média dos ventos é de 16,8m/s e de outubro a dezembro é de 17,3m/s. Nos meses de abril a junho, é de 14,3 m/s e de janeiro a março é de 14,7 m/s. Isto indica que a região de Guarapuava é favorável para a construção de geradores eólicos. 2.3. Potencial fotovoltaico Devido a energia solar ser uma fonte inesgotável, limpa e disponível o ano todo no globo terrestre, torna-se uma opção para conversão de energia luminosa em elétrica. Potencial esse que pode ser explorado de forma sustentável sem que cause danos ao meio ambiente. 262 2.4. Geradores O sistema eólico é composto por uma hélice que utiliza a energia dos ventos para movimentar-se e transmitir essa energia cinética a um gerador que converterá a energia mecânica em elétrica O gerador fotovoltaico utiliza-se diretamente da luz solar que é captada pelas placas solares e através de um efeito chamado fotovoltaico, que transforma a energia luminosa em elétrica. 2.5. Armazenamento da energia elétrica A energia gerada será acumulada em uma ou mais baterias que serão fontes das cargas associadas a essas. Para o nosso projeto utilizaremos baterias de 12 Vcc de tensão e 4,5 A/H de capacidade de corrente em uma hora. 2.6. Sistemas de iluminação A tecnologia de iluminação para esse projeto será a partir de lâmpadas LED (Diodo Emissor de Luz) devido o baixo consumo, tornando viável o tipo de geração. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo principal desse projeto é mostrar a viabilidade da utilização de fontes alternativas, bem como cargas de baixo consumo para atender as necessidades do consumidor de uma forma sustentável e limpa. Por meio de iniciação e capacitação científica, os acadêmicos da Faculdade Guarapuava poderão se posicionar um passo a frente em relação ao futuro, no qual certamente haverá escassez energética a partir das fontes tradicionais. 263 Desse modo, por meio da atuação de professores e estudantes do Curso de Engenharia Elétrica, pretende-se contribuir significativamente com novas ações ambientais que possam prevenir o desgaste de recursos indispensáveis à vida humana. REFERÊNCIAS PALZ, Wolfgan. Energia Solar e Fontes Alternativas. Curitiba: Hemus SA, 2002. BONJORNO, José Roberto. Física 3 Eletricidade – Editora FTD, 1992 volume 3; PROJETO PARA CONTENÇAO DE TALUDES COM PNEUS INSERVÍVEIS Bruna Caitano Orizio Talita Gadens Rosario Douglas Rodrigues Leonel Engenharia Civil – FG Orientador – Prof. Edson Schultz RESUMO: Este trabalho define brevemente o que são taludes e o que é contenção, além de apresentar a utilização de pneus inservíveis como alternativas aos métodos já utilizados na contenção de taludes, apresentando-se menos impactante ao meio ambiente e de baixo custo, resolvendo também um problema de descarte de resíduos. Por fim são apresentados dois casos, já estudados, em que os pneus são usados para a contenção de taludes. Palavras-Chave: Taludes. Contenção. Resíduos. Pneus. INTRODUÇAO Com a atual industrialização, a geração de pneus inservíveis vem crescendo a cada dia no mundo todo. O pneu é um resíduo de difícil degradação e leva cerca de 150 anos para se decompor. Fontes revelam que cerca de 2 milhões de novos pneus são fabricados todos os dias no mundo. Isto quer dizer que anualmente são fabricados 730 milhões de novos pneus. Ao mesmo tempo, cerca de 800 milhões de unidades são transformadas em sucata por ano. 264 Todo esse detrito é depositado em lixões, aterros, terrenos baldios e em locais abertos, formando grandes pilhas e acumulando água da chuva, tornam-se um lugar propicio a proliferação e reprodução de mosquitos Aedes aegypti, transmissor da febre amarela e da dengue. Em 1999 entrou em vigor a resolução n°258 do Consel ho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, que proibiu o descarte inadequado de pneus inservíveis e obrigou empresas e fabricantes a darem um destino adequado ao rejeito existente em território nacional. Dessa forma, as empresas, com a ajuda de órgãos não governamentais ou por iniciativa própria, foram obrigadas a implantar alternativas ambientalmente corretas de destinação aos pneus inservíveis. A necessidade de se desenvolver novos métodos para o proveitamento do material vem crescendo. Com o avanço da tecnologia, novas alternativas foram surgindo para o aproveitamento dos pneus. Uma técnica bastante promissora que tem sido utilizada, ainda que em pequena escala, é a utilização na contenção de taludes. O uso deste método é de grande vantagem, pois o material é de grande eficiência mecânica e de baixo custo. Na grande maioria das vezes o material pode ser obtido de forma gratuita trazendo como alternativa um custo/benefício bastante atrativo. Além disso, a técnica contribui para a preservação do meio ambiente, visto que possui um alto consumo de pneus, contribuindo assim, para a redução do rejeito no meio ambiente. Talude pode ser definido como uma superfície inclinada que delimita um maciço terroso ou rochoso. A contenção, segundo Ranzini (1998, apud Silva, 2006, p.49) “é todo elemento ou estrutura destinado a contrapor-se a empuxos ou tensões geradas em maciço cuja condição de equilíbrio foi alterada por algum tipo de escavação, corte ou aterro. A contenção é feita pela introdução de uma estrutura ou de elementos estruturais compostos, que apresentam rigidez distinta daquela do terreno que conterá”. 1. DESENVOLVIMENTO O aumento da urbanização e do desenvolvimento de áreas sujeitas 265 a escorregamentos, o desflorestamento continuo destas áreas e o aumento das taxas de precipitação causadas pelas mudanças do clima, geram desastrosas conseqüências acarretadas pelos escorregamentos, isso fez com que o estudo dos processos de instabilidade de taludes e suas formas de contenção sejam cada vez mais necessários. Os escorregamentos geram custos, que por sua vez podem ser diretos ou indiretos. Os diretos são as reparações dos danos, os indiretos são os mais preocupantes, pois o local pode perder a produtividade industrial agrícola e florestal, o potencial turístico, as propriedades perdem seus valores, e também a perda de vidas humanas, invalidez física ou trauma psicológico em moradores dos locais afetados. Para que a obra de estabilidade de taludes alcance seus objetivos são necessários cuidados como estudo de investigação do solo, elaboração de projeto, e também, deve haver boa execução de acordo com o conhecimento deste e daquele. No trabalho presente foram estudados dois casos de contenção. 1.1. Caso 1 O estudo foi realizado na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Foi construído um muro com malha de pneus usados, de 0,6m de diâmetro e 0,2m de largura da banda de rolamento, amarrados entre si e em camadas horizontais. A parte interna da malha foi preenchida com solo compactado, em 4 diferentes tipos de seções. A seção A foi composta por pneus amarrados com corda de propileno contendo 6 pneus na base subindo até 4 no topo. A seção B se diferenciava por ser feita com pneus cortados com uma só banda lateral. A seção a C era igual a B, com a diferença de ser amarrada com arame tipo Maccaferri, e a seção D diferiu da B por utilizar 3 pneus na base e, ao invés de diminuir até o topo, foi constante. A técnica mostrou grande resistência ao cisalhamento do solo e, utilizou instrumentos, como inclinômetros e extensômetros magnéticos, para monitorar os movimentos horizontais e verticais e células de pressão, para medir tensões horizontais. 266 1.2. Caso 2 Estudo sobre um muro de solo pneus executado no interior do Estado de São Paulo por uma borracharia, construído acerca de 25 anos, sendo desconhecida elaboração de projeto e, motivos de sua execução. Esse estudo teve como objetivo mostrar uma obra bem executada e que vem recebendo manutenção eficiente. Uma construção realizada na principal entrada da cidade que se mostra de boa durabilidade, economia e beleza. CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo principal desse projeto é mostrar a viabilidade da utilização de pneus na contenção de deslizamento de encostas, ou seja, não tratar o pneu como lixo, mas sim como elemento útil na preservação e conservação do meio ambiente e também na proteção das vidas de pessoas que vivem em áreas consideradas de risco pela defesa civil. REFERÊNCIAS SILVA, Daniella Fernanda Machado. CONTENÇAO DE TALUDES COM PNEUS: UMA ALTERNATIVA ECOLOGICA E DE BAIXO CUSTO. São Paulo: Universidade Anhembi Morumbi, 2006 DYMINSKI, Andrea Sell. Notas de Aula - Estabilidade de Taludes. Noções de estabilidade de taludes e contenção. UFPR PROJETO DE UM GERADOR TESLA Prof. Juan C. Villalba - FG Denilson J. Camargo Ze Kleiton Klossniak 267 Engenharia Elétrica - FG PALAVRAS CHAVE: Bobina de Tesla. Transformador. Transmissão de energia. INTRODUÇÃO A bobina de Tesla ou transformador Tesla é uma invenção do final do século XIX, de autoria de Nikola Tesla (1856-1943). Tesla foi um engenheiro de etnia sérvia que atuou nos campos da engenharia mecânica e eletrotécnica. É considerado como sendo um dos maiores inventores da humanidade. Entre suas contribuições podemos citar a descoberta do rádio, raio X (8 anos antes de Röentgen), a corrente alternada, desenvolvimento dos modernos motores elétricos (CA), a construção de lâmpadas fluorescentes, distribuição de energia sem fio, dentre outras que ainda utilizamos hoje em dia.A distribuição de energia sem fio foi o que ele consideraria seu maior trabalho, mas, nunca conseguiu finalizá-lo. Trata-se da transformação de energia de algumas centenas de volts para milhares de volts. Tesla construiu um enorme transformador nos EUA (Torre de Wanderclyff), e conseguiu acender lâmpadas a cerca de 1 km do transformador sem a utilização de cabos elétricos. O transformador de Tesla é constituído de um transformador ou uma série de transformadores com núcleo de ar, ligados à um capacitor (ou associação de capacitores) carregado a uma tensão de cerca de 5- 30 kV se descarregando sobre uma bobina primária através de um faiscador. A bobina primária possui poucas espiras de fio grosso (1-20), podendo ser cilíndrica, plana ou cônica, e é montada próxima à base da bobina secundária. O circuito secundário é formado por uma bobina secundária cilíndrica maior do que a primeira contendo aproximadamente 1000 espiras. Esta é montada centrada sobre a bobina primária, que ressona com sua própria capacitância distribuída e com a capacitância de um terminal montado no topo da bobina. Estas capacitâncias distribuídas dependem apenas da geometria do 268 sistema, e formam a capacitância secundária. A figura 1 ilustra um exemplo de circuito para o transformador Tesla. Figura 1: Circuito convencional de um Transformador Tesla 1. MATERIAIS E MÉTODOS Após essa avaliação pesquisamos vários projetos, para avaliar qual seria viável para trabalharmos e construir o nosso projeto. Dentre os estudos realizados, à conclusão é que a maior dificuldade que teremos é conseguir a fonte (transformador) que irá gerar alta tensão na saída que vai alimentar a bobina primária. Algumas opções são construir uma fonte com fly-back ou usar uma fonte de microondas, também temos a opção de utilizar um transformador de neon. A princípio decidimos optar em utilizar um transformador de microondas. Após essa definição, iremos correr atrás para conseguir esse transformador e estudar o mesmo como funciona e como aplicá-lo no projeto. Também definimos a sequência dos próximos passos a serem dados, após concluído o estudo do transformador do microondas. Os passos a seguir foram definidos da seguinte forma: • Adquirir o transformador de microondas, estudar como funciona e como aplicá-lo no projeto. 269 • Definir o projeto que iremos fazer e verificar os materiais que serão utilizados • Levantar os custos dos materiais que utilizaremos no projeto. • Definir como iremos comprar os materiais, prazo de compra e como dividir as despesas. • Estudar o projeto (funcionamento, montagem e testes a serem realizados) • Iniciar a montagem do projeto • Realizar os primeiros testes 2. DESENVOLVIMENTO DO PROJETO Portanto no presente trabalho, estão sendo utilizados 3 transformadores ligados em paralelo (de micro ondas), 4 capacitores de alta tensão associados em paralelo, um interruptor simples, esfera de irradiação do tipo gerador de Van der Graaf, faiscador ajustável, uma resistência de 33 kohms, um indutor de alta tensão de alta frequência e uma bobina de tesla e coolers para refrigeração do sistema. Para acomodação do circuito construiu-se uma caixa de mdf. Até o presente momento foram realizados os testes com os componentes e iniciou-se a montagem do circuito. Testes do sistema estarão sendo realizados em breve. REFERÊNCIAS QUEIROZ, A. C. M., Bobina de Tesla. Disponível em: http://www.coe.ufrj.br/~acmq/tesla/BobinadeTesla.pdf, Acessado em 10/10/2012. Disponível em : http://pt.wikipedia.org/wiki/Nikola_Tesla. Acessado em 10/10/2012. Disponível em : www.coe.ufrj.br/~acmq/tesla/tefp.html. Acessado em 10/10/2012