Giliard da Silva Prado - III Semana de História
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Giliard da Silva Prado - III Semana de História
USOS DO PASSADO NO PROCESSO DE LEGITIMAÇÃO DA REVOLUÇÃO CUBANA (1959-2009) Giliard da Silva Prado Professor Adjunto do Curso de História da UFU (Campus Pontal) E-mail: [email protected] O dia 1º de janeiro de 1959 assinalou a vitória de uma das principais revoluções ocorridas na América Latina durante o século XX. O triunfo da Revolução Cubana, ocorrido em um contexto marcado pela polarização ideológica da Guerra Fria, não apenas marcou o início de significativas mudanças no país, como também causou grande repercussão para além das fronteiras nacionais, fazendo gravitar em torno da experiência revolucionária posições políticas antagônicas, tanto internas quanto externas, que apontavam para a necessidade premente de investir na legitimação e consolidação do governo revolucionário. Consciente de que tão importante quanto conquistar o poder seria efetivar a sua legitimidade, o governo revolucionário investiu, desde cedo, na propaganda do novo regime e passou a desenvolver as políticas de memória da Revolução, elegendo datas, personagens e acontecimentos a serem comemorados. Para além de investir na construção de significados em torno das principais datas e acontecimentos do movimento revolucionário, os líderes da Revolução Cubana deram especial ênfase à evocação da memória das guerras independentistas e, por conseguinte, dos próceres da independência nacional. Neste sentido, este trabalho analisa os sucessivos usos políticos do passado empreendidos pelo regime cubano, buscando compreender o papel que as reivindicações de ideias e personagens das guerras independentistas tiveram no processo de legitimação da Revolução Cubana. No desenvolvimento das estratégias de legitimação da experiência revolucionária, o governo cubano criou inúmeros lugares de memória – materiais, simbólicos e funcionais – (NORA, 1997: 37) para a Revolução, dentre os quais constam as mais diversas produções textuais e imagéticas, bem como uma grande quantidade de cerimônias comemorativas de efemérides. Do amplo conjunto de políticas de memória da Revolução, o governo cubano Anais eletrônicos da III Semana de História do Pontal: a profissionalização do historiador | ISSN: 2179-5665 Universidade Federal de Uberlândia – Campus Pontal | Ituiutaba-MG | 05 a 09 de outubro de 2015 1 conferiu um papel destaque a estas últimas, ou seja, às comemorações de efemérides da história nacional, sendo que a maior parte delas estava ligada à experiência revolucionária, de modo que a memória da nação pudesse refletir, em grande medida, a memória da Revolução Cubana. A importância dada pelo regime cubano aos lugares de memória e, em particular, às efemérides foi expressa, por exemplo, através da criação de um calendário para a Revolução. Este calendário, por seu caráter ritualístico, desempenha um papel importante nas estratégias de legitimação do governo revolucionário cubano, pois, além de estabelecer oficialmente as efemérides da história nacional, tem como característica atribuir uma denominação prévia a cada ano do processo revolucionário que será iniciado. Assim, fornece um indicativo das diretrizes do governo, bem como do que será homenageado e comemorado em cada ano. Dentre as efemérides de maior simbolismo para a Revolução Cubana, comemoradas em grandes concentrações cívicas, estão: o 26 de julho, data em que ocorreram as ações que inauguraram a luta insurrecional, que foi utilizada também para dar nome ao movimento rebelde organizado por Fidel Castro e que, logo após o triunfo revolucionário, foi instituída como o “dia da rebeldia nacional”; e o 1º de janeiro, dia que celebra o triunfo da Revolução e que foi instituído como o “dia da libertação”. Além do 26 de julho e do 1º de janeiro, também é solene e regularmente comemorado, apesar de não ser uma efeméride revolucionária cubana, o 1º de maio, que celebra o “dia internacional dos trabalhadores”. As principais concentrações cívicas que costumam ocorrer anualmente em Cuba destinam-se a comemorar essas três datas, as quais ainda são – junto com o 10 de outubro, dia que marca o início das guerras de independência, – honrosamente distinguidas com o fato de serem feriados nacionais. Apesar de estas serem as principais datas comemoradas em Cuba, o vasto calendário comemorativo do país ainda é composto por outras datas cívicas que totalizam quase vinte efemérides. As cerimônias comemorativas dessas efemérides – sobretudo as grandes concentrações cívicas do 26 de julho, do 1º de janeiro e do 1º de maio – constituem-se em momentos privilegiados para o processo de legitimação da Revolução, pois, sendo realizadas anualmente com impressionante regularidade, permitem que o regime cubano, em diferentes Anais eletrônicos da III Semana de História do Pontal: a profissionalização do historiador | ISSN: 2179-5665 Universidade Federal de Uberlândia – Campus Pontal | Ituiutaba-MG | 05 a 09 de outubro de 2015 2 tempos presentes, reconstrua o passado e faça a gestão da memória da experiência revolucionária, reivindicando, por exemplo, as ideologias e personagens a que se filia. Para compreender o papel que, neste amplo processo de reconstrução do passado, o governo revolucionário confere à reivindicação de personagens e ideias relacionados às guerras independentistas, priorizou-se neste trabalho a análise dos discursos proferidos pelos líderes da Revolução nas cerimônias comemorativas das principais efemérides revolucionárias no período compreendido entre 1959 e 2009, ou seja, desde o triunfo da Revolução até a efeméride do cinquentenário. No exame dessas fontes buscou-se fazer uma história da memória (DOSSE, 2003), isto é, investigar a partir de uma perspectiva diacrônica as permanências e transformações discursivas, de modo a identificar os pontos de inflexão que marcaram os usos políticos do passado pelo regime cubano. Apesar de estar centrada nas séries discursivas das cerimônias comemorativas das principais efemérides nacionais – com destaque para o 26 de julho, data da principal festa revolucionária cubana –, a análise do discurso oficial cubano não se restringiu a essas efemérides. De modo complementar, em razão da necessidade de compreensão de alguns aspectos de caráter processual não contemplados satisfatoriamente nas séries discursivas mencionadas ou ainda de acontecimentos importantes que ocorreram em outras datas, como as visitas de chefes de governo, também foram examinados, ainda que prescindindo da perspectiva diacrônica, os discursos proferidos em outras efemérides e mesmo em atos públicos de natureza diversa. No processo de legitimação da Revolução, o governo cubano empreendeu os mais diferentes usos do passado, com destaque, conforme mencionado, para as apropriações políticas de personagens, acontecimentos e ideias que remontavam ao período das guerras independentistas. Essas apropriações do passado apoiam-se na tentativa de estabelecimento de uma continuidade entre as guerras independentistas e a Revolução Cubana, no sentido de terem sido processos históricos que lutaram pela soberania nacional, mas tendo atingido resultados diferentes. As reivindicações do ideário nacionalista cubano pelos líderes da Revolução estão presentes nos primeiros documentos e manifestos escritos durante a etapa insurrecional. Este Anais eletrônicos da III Semana de História do Pontal: a profissionalização do historiador | ISSN: 2179-5665 Universidade Federal de Uberlândia – Campus Pontal | Ituiutaba-MG | 05 a 09 de outubro de 2015 3 é o caso, por exemplo, do manifesto destinado “A La Nación” e subscrito por “La Revolución Cubana” (PALENZUELA, 2011). Neste manifesto, datado de julho de 1953, são apresentadas as razões que impulsionaram os rebeldes a iniciarem a luta armada contra o governo de Fulgencio Batista, bem como o programa de ações que seria colocado em prática por ocasião do triunfo insurrecional. No documento, em que se expõem os onze pontos do programa revolucionário, reivindica-se a filiação ao ideário de José Martí, intelectual que atuou nas lutas independentistas e que é considerado como o “apóstolo” da independência cubana. No decorrer da experiência revolucionária cubana, os manifestos políticos, poemas e aforismos de José Martí foram amplamente utilizados por Fidel Castro, que reivindicou para si e para os que participaram do ataque ao Moncada o título de “geração do centenário” em alusão ao centenário do nascimento desse herói e da independência cubana, tornando notória, desse modo, sua filiação aos ideais martianos (SADER, 1986: 22). José Martí era apontado como o principal guia do pensamento político cubano, chegando a ser referido nos discursos de Fidel Castro como “autor intelectual” das ações que deram início à luta armada da Revolução Cubana (CASTRO, 1965). Além da figura do “apóstolo”, também eram reivindicados outros heróis das lutas independentistas cubanas no século XIX – Carlos Manuel de Céspedes; Ignacio Agramonte; Máximo Gómez; e Antonio Maceo. Esses generais das tropas cubanas que lutaram pela soberania nacional em diferentes etapas das guerras independentistas de Cuba, eram apontados como os responsáveis por terem inspirado a ação militar que levou ao triunfo da Revolução Cubana. As apropriações das figuras dos mambises – termo utilizado para designar os cubanos que lutaram nas guerras independentistas do século XIX – eram importantes para afirmar a tradição de lutas libertárias e o espírito combativo dos cubanos, a um só tempo, como características da identidade nacional e como atributos que tornaram possível a vitória da Revolução. Convém ressaltar que, no tocante ao seu caráter ideológico, a Revolução Cubana trinfou reivindicando-se como uma revolução nacionalista e que, apenas no decorrer da experiência revolucionária, mais precisamente a partir de abril de 1961, é que foi declarado o caráter socialista da Revolução, adotando-se o marxismo-leninismo como ideologia oficial. Anais eletrônicos da III Semana de História do Pontal: a profissionalização do historiador | ISSN: 2179-5665 Universidade Federal de Uberlândia – Campus Pontal | Ituiutaba-MG | 05 a 09 de outubro de 2015 4 No entanto, mesmo a partir de sua fase socialista, o governo revolucionário cubano não deixou de evocar os personagens das guerras independentistas que integravam o panteão cívico na nação cubana. O ideário de José Martí, por exemplo, continuou a ser evocado, reivindicando-se ideologicamente um marxismo-leninismo-martiano. Também os outros mártires e heróis das guerras independentistas continuaram, ainda que com variações de ênfase, sendo evocados ao longo da experiência revolucionária cubana. As apropriações políticas dessas figuras do panteão cívico da nação cubana eram feitas principalmente com a finalidade de apontá-los como exemplos paradigmáticos a serem seguidos, como modelos de conduta revolucionária, ou seja, sempre que era necessário exigir do povo cubano disciplina, patriotismo, disposição ao sacrifício, Fidel Castro afirmava que o povo cubano saberia ser consequente com sua “gloriosa historia”, pois era preciso honrar os heróis e mártires da história nacional (CASTRO, 1989). Durante a experiência revolucionária cubana, além dos primeiros anos após o triunfo da Revolução – ainda, portanto, na fase em que reivindicava seu caráter nacionalista – outro período no qual se reivindicou com mais ênfase ideário nacionalista foi no pós-1989, no contexto que se seguiu à queda do muro de Berlim, ao colapso do socialismo no Leste Europeu e à desintegração final da União Soviética. Desde então, as ideias nacionalistas, a tradição de lutas libertárias e o espírito combativo dos cubanos foram evocados e enaltecidos como atributos da cubanidade e como fatores que possibilitariam a Cuba, contrariamente ao que estava acontecendo nos demais países do bloco socialista, defender as conquistas da Revolução, mantendo o socialismo no país. A estratégia do discurso oficial cubano nesse período baseou-se no uso indissociável dos termos socialismo/revolução/pátria, que passaram a ser frequentemente utilizados como sinônimos. No discurso do governo cubano, essa defesa do socialismo significava mais do que simplesmente manter um sistema social, uma vez que era apontada como condição imprescindível não apenas para preservar as conquistas da Revolução, mas também a “soberania” e a “independência” do país (CASTRO, 1991). A ideia de soberania nacional converteu-se, a propósito, em uma das principais estratégias de legitimação do governo revolucionário, sendo utilizada para estabelecer uma vinculação histórica entre as guerras pela independência nacional no século XIX e Revolução Anais eletrônicos da III Semana de História do Pontal: a profissionalização do historiador | ISSN: 2179-5665 Universidade Federal de Uberlândia – Campus Pontal | Ituiutaba-MG | 05 a 09 de outubro de 2015 5 Cubana do século XX. A ênfase do discurso oficial da Revolução recai no longo período de luta e, principalmente, nas circunstâncias em que foi conquistada a independência nacional. Neste sentido, convém lembrar que as guerras independentistas estenderam por longo tempo e sofreram alguns reveses até que a independência fosse finalmente alcançada. As guerras de independência de Cuba tiveram três etapas principais: a “Guerra de los Diez Años” ou “Guerra Grande”, que ocorreu no período compreendido entre 10 de outubro de 1868 e 10 de fevereiro de 1878; a “Guerra Chiquita”, que transcorreu entre 24 de agosto de 1879 e 03 de dezembro de 1880; e, finalmente, a “Guerra Necesaria” ou “Guerra del 95”, iniciada em 24/02/1895 e concluída com a conquista da independência cubana em 10 de dezembro de 1898 (IBARRA, 1996). Contudo, mais do que a esse longo período de luta para que Cuba se tornasse independente da Espanha, os discursos dos líderes da Revolução sobre o tema da independência nacional dão ênfase às circunstâncias em que a independência cubana foi alcançada: após a intervenção dos Estados Unidos na etapa final da guerra. A intervenção dos Estados Unidos na guerra de independência cubana teve curta duração. A causa imediata foi a explosão do Maine, um navio militar estadunidense, ocorrida no Porto de Havana, em fevereiro de 1898, e que resultou na morte de cerca de 260 tripulantes. Embora na investigação que se seguiu ao acontecimento não tenham sido determinados os culpados, os Estados Unidos atribuíram a explosão a um ato de sabotagem dos espanhóis e, em retaliação, a Marinha estadunidense impôs um bloqueio naval a Cuba. No mês de abril, pouco mais de dois meses após a explosão do Maine, ocorreu a declaração de guerra entre Espanha e Estados Unidos. Os enfrentamentos militares, que consistiram fundamentalmente em uma batalha naval, concentraram-se entre os meses de junho e julho, resultando na rendição das tropas espanholas e na assinatura de um armistício. O término oficial da guerra ocorreu em 10 de dezembro de 1898 com a assinatura do Tratado de Paris, documento firmado pelos Estados Unidos e pela Espanha, por meio do qual o reino espanhol renunciou a seus direitos de soberania e propriedade sobre sua, desde então, ex-colônia caribenha. Convém ressaltar que essa guerra foi além da simples intervenção dos Estados Unidos na luta independentista de Cuba contra a Espanha. Transformou-se em uma “Guerra Hispano-Americana”, que teve duas frentes de luta principais – uma delas no Caribe e a outra no Oceano Pacífico – e resultou na perda das últimas possessões coloniais do império Anais eletrônicos da III Semana de História do Pontal: a profissionalização do historiador | ISSN: 2179-5665 Universidade Federal de Uberlândia – Campus Pontal | Ituiutaba-MG | 05 a 09 de outubro de 2015 6 espanhol – Cuba, Porto Rico, Filipinas e Ilha de Guam –, que passaram, em condições e períodos diversos, ao domínio dos Estados Unidos (GOTT, 2006); (SCHOULTS, 2000). Apesar do curto período de duração da intervenção dos Estados Unidos na etapa final da guerra de independência de Cuba, as consequências dessa intervenção foram, segundo o discurso oficial da Revolução, desastrosas, uma vez que seus efeitos foram sentidos no decorrer de várias décadas da história republicana do país caribenho. Isto porque no período compreendido entre a independência nacional, em 10 de dezembro de 1898, e a instauração da República no país, ocorrida em 20 de maio de 1902, Cuba foi ocupada militarmente e converteu-se em uma espécie de protetorado dos Estados Unidos. Buscando estender o seu poder de tutela ao período que se seguiria à retirada de suas tropas militares do território cubano, os Estados Unidos conseguiram aprovar a inclusão, em 12 de junho de 1901, de uma emenda à primeira Constituição da República de Cuba. Tratou-se da Emenda Platt, por meio da qual, entre outras prerrogativas, os Estados Unidos: asseguraram para si o direito de intervir militarmente no país para preservar a independência de Cuba e manter um Governo adequado à proteção das vidas, propriedades e liberdades individuais; determinaram limitações ao exercício da política externa cubana; e estabeleceram a venda ou arrendamento de porções do território cubano, a serem posteriormente definidas, para a instalação de bases navais estadunidenses. Conforme previsto em um de seus artigos, todas as disposições da emenda foram incluídas em um Tratado Permanente de Relações entre Cuba e Estados Unidos, que foi firmado em 1903 e fixou o arrendamento da Base Naval de Guantánamo (BANDEIRA, 1998: 34-35). O envolvimento dos Estados Unidos na etapa final da guerra de independência cubana, as seguidas intervenções e ingerências políticas que tiveram lugar em Cuba com base nos artigos da Emenda Platt, e a cessão de parte do território do país para a instalação de uma base militar estadunidense são alguns dos acontecimentos que fizeram com que surgisse no discurso nacionalista do país caribenho o argumento em torno da frustração dos cubanos em relação à sua plena independência e às circunstâncias em que foi instaurada a República. Neste sentido, em seus discursos, Fidel Castro retoma e, mais do que isso, amplifica, ao transformar em versão oficial da história cubana a ideia de “frustração republicana” (ROJAS, Anais eletrônicos da III Semana de História do Pontal: a profissionalização do historiador | ISSN: 2179-5665 Universidade Federal de Uberlândia – Campus Pontal | Ituiutaba-MG | 05 a 09 de outubro de 2015 7 1998: 75). Trata-se de uma ideia forjada durante as primeiras décadas do século XX por meio das produções discursivas de grupos intelectuais e políticos de Cuba, país onde – assim como ocorreu com outras nações da América Latina, como o Brasil, por exemplo – não se cumpriram a contento os sonhos e projetos do ideário republicano. O discurso oficial da Revolução buscou reforçar a ideia de que a intervenção estadunidense em fins da guerra pela independência de Cuba teria levado à instauração, em 1902, de uma “República neocolonial”, ou seja, Cuba teria deixado de ser colônia da Espanha para se tornar um domínio neocolonial dos Estados Unidos. Desenvolve-se a partir daí uma argumentação do descompasso entre o projeto republicano e as práticas engendradas por uma “falsa república” (CASTRO, 1996) implantada no país, estando sempre presente a ideia do comprometimento da soberania cubana, uma vez que as lutas empreendidas ao longo de toda a República neocolonial teriam resultado “en la frustración de las más caras aspiraciones del pueblo cubano, y en el afianzamiento del dominio imperialista sobre nuestra patria” (CASTRO, 1983). Vê-se que, conforme destacou o historiador Rafael Rojas, um tema central da historiografia sobre o período republicano em Cuba, isto é, “el nexo traumático con los Estados Unidos” converteu-se também na tônica dos discursos do líder da Revolução, cujas análises da época das guerras independentistas e do período republicano anterior ao triunfo da Revolução enfatizam recorrentemente o argumento da soberania “insuficiente” ou “inconclusa” (ROJAS, 1998: 75). Em seus usos políticos do passado com a finalidade de legitimar a experiência revolucionária, o governo cubano recorreu aos mais diversos expedientes para estimular o patriotismo do povo cubano e o seu apoio à Revolução: insistiu no caráter indissociável das ideias de socialismo, revolução e pátria; explorou a imagem do inimigo externo, afirmando que era necessário fazer frente ao imperialismo estadunidense; recorreu ao passado de lutas heroicas e ao espírito combativo dos cubanos, evocando a memória dos heróis das guerras independentistas e dos diversos mártires do país; e instou cada cubano a ser “patriota” e “revolucionario”, afirmando, por exemplo, que era aos revolucionários que se tinha que pedir mais “sacrificio” (CASTRO, 1993). A apropriação política do ideário nacionalista foi particularmente importante, entre outros aspectos, para a construção da ideia de que a Anais eletrônicos da III Semana de História do Pontal: a profissionalização do historiador | ISSN: 2179-5665 Universidade Federal de Uberlândia – Campus Pontal | Ituiutaba-MG | 05 a 09 de outubro de 2015 8 Revolução era um prolongamento das guerras independentistas do século XIX e que – ao contrário destas, frustradas pela instauração de uma república neocolonial – tinha conseguido efetivar a plena independência do país, ou seja, tinha feito com que Cuba se tornasse verdadeiramente uma nação soberana. Fontes e referências bibliográficas: BANDEIRA, Luiz Alberto Moniz. De Martí a Fidel: a Revolução Cubana e a América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1998. CASTRO, Fidel. 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[1989] Discurso pronunciado por Fidel Castro Ruz, Presidente de la República de Cuba, en el acto conmemorativo por el XXXVI Aniversario del Asalto al Cuartel Moncada, celebrado en la Plaza Mayor General “Ignacio Agramonte”, Camagüey, el día 26 de julio de 1989, "Año 31 de la Revolución". Disponível em: <http://www.cuba.cu/gobierno/discursos/1989/esp/f260789e.html>. Acesso em: 22 set. 2009. ______. [1991] Discurso pronunciado por el Comandante en Jefe Fidel Castro Ruz, Primer Secretario del Comité Central del Partido Comunista de Cuba y Presidente de los consejos de Estado y de Ministros, en el acto central por el XXXVIII Aniversario del Asalto al Cuartel Moncada, efectuado en la Plaza Victoria de Girón, en la provincia de Matanzas, el 26 de julio de 1991. Disponível em: <http://www.cuba.cu/gobierno/discursos/1991/esp/f260791e.html>. Acesso em: 23 set. 2009. ______. [1993] Discurso pronunciado por el Comandante en Jefe Fidel Castro Ruz, Primer Secretario del Comité Central del Partido Comunista de Cuba y Presidente de Anais eletrônicos da III Semana de História do Pontal: a profissionalização do historiador | ISSN: 2179-5665 Universidade Federal de Uberlândia – Campus Pontal | Ituiutaba-MG | 05 a 09 de outubro de 2015 9 los consejos de Estado y de Ministros, en la clausura del acto central por el XL Aniversario del Asalto a los cuarteles Moncada Y "Carlos Manuel de Céspedes", efectuado en el Teatro "Heredia", Santiago de Cuba, el 26 de julio de 1993, "Año 35 de la Revolución". Disponível em: <http://www.cuba.cu/gobierno/discursos/1993/esp/f260793e.html>. Acesso em: 23 set. 2009. ______. [1996] Discurso pronunciado por Fidel Castro Ruz, Presidente de la Republica de Cuba, en el acto central por el XLIII Aniversario de los Asaltos a los cuarteles Moncada y "Carlos Manuel de Céspedes", efectuado en la Plaza "Calixto García Iñiguez", Holguín, el 26 de julio de 1996. Disponível em: <http://www.cuba.cu/gobierno/discursos/1996/esp/f260796e.html>. Acesso em: 23 set. 2009. DOSSE, François. Uma história social da memória. In: A história. Bauru: EDUSC, 2003, p. 261-298. GOTT, Richard. Cuba: uma nova história. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2006. IBARRA, Jorge. Historia de Cuba: las luchas por la independencia nacional y las transformaciones estructurales (1868-1898). La Habana: Editora Política, 1996. NORA, Pierre. Entre mémoire et histoire: la problematique des lieux. In: Les lieux de mémoire. V. 1 (La République; La Nation). Paris: Gallimard, 1997, p. 23-43. PALENZUELA, María Delys Cruz. El Manifiesto del Moncada. 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