Transplantes autógenos de terceiros molares inclusos

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Transplantes autógenos de terceiros molares inclusos
FO
Revista
da ADPPUCRS
Porto Alegre, nº. 5, p. 111-109, dez. 2004
Transplantes autógenos de terceiros molares inclusos
GUSTAVO SEBBEN*
MARCELO DAL SASSO CASTILHOS*
ROBERTO FERNANDES DE CARVALHO E SILVA**
RESUMO: O intuito do presente trabalho é fazer uma revisão literária sobre a técnica cirúrgica de transplante dentário, utilizando terceiros molares que são uma solução para um grave problema odontológico , a perda precoce dos molares permanentes. O relato do caso clínico ajudará na perfeita compreensão da técnica..
INTRODUÇÃO***
Os dentes mais extraídos dos seres
humanos em idade precoce são os molares
permanentes, ocasionando graves problemas de oclusão dentária que poderão inviabilizar o posterior tratamento do paciente
pela ocorrência de migrações dentárias.
Essa técnica já data de muitas décadas, e muitos relatos de sua tentativa são
encontrados na literatura desde épocas em
que os microorganismos não eram conhecidos. Com a evolução da odontologia,
muitos casos foram perfeitamente resolvidos observando-se o protocolo cirúrgico
que será discutido no presente trabalho,
obtendo-se sucessos como a formação de
tecido ósseo em torno das raízes do trans____________
*
Alunos do 5 ° ano de graduação da F.O-PUCRS.
Especialista em Cirurgia Bucomaxilofacial. Professor da F.OPUCRS
**
plante, refixação do ligamento periodontal
e até mesmo a vitalidade pulpar restaurada.
Neste estudo serão abordados aspectos sobre o protocolo cirúrgico no préoperatório, no transoperatório e pós-operatório que devem ser seguidos neste tratamento.
Por fim será apresentado um relato
de caso clínico a fim de ilustrar a técnica
cirúrgica empregada nos casos de autotransplante dentário.
1-DEFINIÇÃO
O transplante dentário é a substituição de um dente perdido ou ausente por
um dente transplantado, geralmente um
terceiro molar, para um alvéolo preparado
ou já existente ocupado pelo dente perdido.
2-INDICAÇÕES
O transplante dentário é uma alternativa de tratamento quando temos a indicação de extração de terceiros molares, podendo ser usado em um arco que tenha
ausência dentária congênita, por perdas
prematuras de molares permanentes, traumatismos, iatrogenias, perdas dentárias
ocasionadas por tumores e ainda quando o
tratamento restaurador protético estiver
inviabilizado por motivos socioeconômicos.
3-PROCEDIMENTO CIRÚRGICO
3.1-Documentação pré-operatória
O momento ideal para realizarmos
um transplante dentário é quando seu desenvolvimento radicular atingiu metade ou
dois terços do comprimento radicular total
e o forame apical ainda esteja aberto(Schultze – Mosgau et al., 1994), porém
muitos autores obtiveram sucesso em
transplantes dentários com formação radicular completa, mesmo tendo esse tipo de
transplante um prognóstico menos favorável (Marzola et al.).
Para verificarmos o estágio de formação radicular, uma documentação radiográfica mínima deverá incluir uma radiografia
panorâmica e radiografias periapicais do
dente a ser transplantado e do alvéolo receptor do transplante. A partir da análise
dessas radiografias, poderemos obter informações importantes para o planejamento do ato cirúrgico como o estágio de formação radicular, as condições do alvéolo
receptor, informações anatômicas, diâmetro mésio-distal do dente a ser transplantado e do alvéolo receptor, possíveis patologias no sítio cirúrgico e outros.
Além da documentação radiográfica,
devemos realizar uma criteriosa anamnese
para verificarmos as condições sistêmicas e
locais do paciente, se necessário requisitando exames laboratoriais que nos indiquem
que o paciente está apto para realização do
procedimento.
Outro fator importante é a explicação do ato cirúrgico para o paciente, explicitando suas limitações a fim de elucidarmos todas as possíveis dúvidas que ele possa apresentar, pois apesar de as taxas de
sucesso serem muito altas na literatura,
insucessos podem ocorrer e devemos ter a
autorização legal do paciente para a realização do transplante dentário.
3.2- Ato cirúrgico
A principal causa do sucesso dessa
técnica consiste no desenvolvimento tardio
dos terceiros molares em relação aos demais dentes(Garn et al. 1962; Gravely et al.
1965; Nicodemo, 1967; Marzola, 1988;
Andreassen, 1992).
3.2.1-Extração do germe dentário
O ato cirúrgico é muito semelhante à
remoção de terceiros molares impactados,
porém uma grande diferença é que o dente
transplantado não pode ser danificado durante a manipulação cirúrgica. O saco folicular deve ser intocado e mantido no local
como um colar a fim de permitir uma melhor cicatrização do dente transplantado.
A extração dentária deve ser realizada
com auxílio de um extrator reto, através da
ação de sarrilho na coroa do dente, evitando-se ao máximo o contato com a raiz do
dente(Marzola, 1988 ; Marzola e König
Jr.,1993) a fim de evitar o trauma na membrana do saco dental com sérios prejuízos
para o sucesso da intervenção.
Após a extração do germe dentário,
procede-se à limpeza da cavidade e sutura
da região do terceiro molar. A seguir é feito
o preparo do alvéolo receptor.
3.2.2-Preparo do alvéolo receptor
O alvéolo receptor poderá estar presente nos casos onde houve perda dentária
ou precisará ser confeccionado em casos de
ausências dentárias congênitas.
Deveremos ter o cuidado de observar
se esse alvéolo possui dimensões adequadas
para receber o transplante a partir de exame radiográfico. Caso isso não ocorra, com
o auxílio de brocas, procederemos à adequação alveolar a fim de apresentar diâmetro mésio-distal adequado, removendo o
septo ósseo, se presente.
Nos casos em que se faz necessária a
confecção alveolar, deveremos preparar o
alvéolo compatível com o tamanho do
germe a ser transplantado.
É importante lembrar que o procedimento estará contra-indicado quando o
paciente apresentar infecções como lesões
periodontais ou endodônticas, necessitando o paciente, nesses casos, cobertura antibiótica até que sejam criadas condições
para o transplante.
3.2.3-Implantação do germe dental
O germe dentário que aguarda em
cuba com soro fisiológico ou em seu próprio alvéolo deverá ser cuidadosamente
colocado no alvéolo preparado, tomando-se
o cuidado de manter a oclusão 2mm abaixo
da linha de oclusão do paciente (Marzola;
Andreassen).
Alguns autores inserem o transplante
com o saco dental completamente abaixo
da linha cervical, suturando a mucosa do
saco dental com a gengiva marginal adjacente (Apfel, 1950). Essa manobra de suturar a mucosa do saco dental com a gengiva
marginal tem por finalidade o reparo imediato desta região. Com isso obteremos
melhor cicatrização local, o que pôde ser
observado em um estudo com mais de 300
transplantes de germes de terceiros molares
em sua evolução operatória e pósoperatória superior à técnica utilizada ante-
riormente que não suturava essa membrana
(Marzola, 1972 e 1988).
3.2..4-Contenção
Com o transplante posicionado em
sua posição ideal, a fim de obtermos uma
fixação estável nas primeiras fases do processo de cicatrização, procederemos à contenção do transplante que pode ser feita
com fio de aço 2-0 ou ainda com fio ortodôntico 0,7mm nas faces vestibulares do
dente transplantado e dos dentes vizinhos,
sendo fixada com resina composta fotopolimerizável.
Essa contenção deverá ser eliminada
em um período de 90 a 120 dias, tempo
necessário para a cicatrização do processo
alveolar onde, em caso de sucesso, o transplante não apresentará mobilidade.
3.2..5-Pós-operatório
Após o ato cirúrgico, os pacientes deverão receber as recomendações pósoperatórias de rotina em extrações de terceiros molares inclusos que visam fornecer
ao paciente um conforto pós-operatório,
além de dar um melhor prognóstico ao
tratamento. Essas recomendações incluem
evitar esforço físico por 5 dias, tomar a
medicação prescrita, aplicar compressas de
gelo sobre o local somente por 1 dia, dormir com o travesseiro levemente mais alto,
não bochechar ou cuspir por 3 dias , evitar
fumar nas primeiras 48 horas, aconselhar
alimentação pastosa ou líquida, escovar
normalmente os dentes inclusive a região
operada com cuidado (Silveira-Beltrão et al.
1998). O cuidado com a higiene deve ser
frisado para evitarmos o risco de infecção
do local operado.
A prescrição de medicação antibiótica, antiinflamatória e analgésica deve ser
feita a fim de evitar possíveis riscos de infecção e também fornecer ao paciente o
melhor pós-operatório possível.
Outro cuidado deve ser instruir o paciente a mastigar do outro lado por um
período de 30 a 60 dias, o que é necessário
para estabilidade do dente (Andreassen).
4-CONSULTAS DE REVISÃO
As revisões são seguidas de exame radiográfico para documentar e observar o
desenvolvimento do dente transplantado.
Passados três meses do ato cirúrgico, o dente tem sua vitalidade pulpar testada, profundidade de bolsa sondada e mobilidade
verificada clinicamente. Revisões deverão
ser feitas diariamente por uma semana após
a cirurgia, a seguir, mensalmente por seis
meses, após de três em três meses por um
período de um ano, passando para seis em
seis meses durante um período variável de
três a dez anos.
4.1- Critérios clínicos de avaliação
Os seguintes critérios clínicos deverão ser observados e anotados após a realização de um autotransplante de terceiro
molar segundo Marzola (1960, 1981,1988).
A infecção apresenta alteração na coloração da gengiva adjacente e do germe
dentário, podendo estar a papila marginal
hiperplásica e ainda apresentando odor
fétido em alguns casos. Quando ocorre, o
transplante é expulso do alvéolo ou apresenta mobilidade em demasia além de dor
espontânea que não cessa com o uso de
analgésicos.
A mobilidade deverá ser testada a
partir do segundo mês através de testes com
o cabo do espelho ou leve pressão sobre o
transplante. Um dente com mobilidade
provavelmente está sendo rejeitado pelo
organismo.
O exame do tecido gengival deve apresentar uma gengiva de padrão normal
com coloração rósea e perfeita aderência
aos tecidos duros com formação de papila
interdental. Em casos de insucesso, ela es-
tará hiperêmica e em alguns casos hiperplásica, podendo não estar aderida ao dente.
Com relação à sensibilidade dentária,
deveremos testá-la a partir do terceiro mês,
porém essa resposta poderá ser negativa até
o sétimo mês, período em que geralmente
se observa desenvolvimento radicular. Outro sinal radiográfico visível é a ossificação
da região pulpar que poderá ter uma resposta negativa ao teste de vitalidade.
Decorridos seis meses do ato cirúrgico, espera-se que os germes atinjam a linha
de oclusão dos demais dentes irrompendo
totalmente.
4.2- Criterios radiográficos de avaliação
Os seguintes critérios radiográficos
deverão ser cautelosamente observados e
anotados segundo Marzola(1969, 1981,
1988) após um autotransplante dentário.
Pode-se observar que de três a sete
meses o desenvolvimento radicular já pode
ser constatado radiograficamente nos casos
favoráveis em que o dente transplantado
apresentava no mínimo metade da raiz
formada.
A formação óssea foi observada radiograficamente em todos os casos de sucesso tanto na região apical como interradicular, se existente. Essa neoformação
óssea pode ser constatada com formação de
raiz ou não a partir do segundo mês.
Nos casos em que houve desenvolvimento radicular, o tamanho da câmara
pulpar manteve-se semelhante ao original,
podendo, em alguns casos, apresentar dimensões levemente diminuídas principalmente com o passar dos anos.
O ligamento periodontal foi observado nos casos em que houve rizogênese
completa, não estando presente em transplantes em que ocorreu anquilose dentária,
o que teve uma incidência muito baixa.
5- TRANSPLANTES DE DENTES COM RIZOGÊNESE COMPLETA
Nos casos de autotransplante dental
de terceiros molares com rizogênese completa, é provável que o transplante não
apresente vitalidade pulpar, incluindo em
nosso planejamento uma possível apicetomia a ser realizada fora da boca no transoperatório ou tratamento endodôntico posterior, se a anatomia dentária permitir.
Apesar do prognóstico não ser tão favorável em relação a dentes com metade da
raiz ou dois terços formados, existem relatos na literatura que documentam o sucesso desta técnica, vindo a ser mais uma alternativa de tratamento para aqueles pacientes com perdas prematuras de molares
permanentes ou extrações indicadas por
destruição dentária principalmente se o
fator socioeconômico desfavorável estiver
envolvido.
A seguir relataremos um caso clínico
realizado na Faculdade de Odontologia da
Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul realizado pelos autores.
CASO CLÍNICO
Paciente J.S., 23 anos, apresentava o
2° molar inferior esquerdo com extensa
lesão cariosa, sendo indicada a extração do
dente. (Figura 1). Optou-se pela realização
do transplante dentário utilizando o 3°
molar superior esquerdo, que apresentava
rizogênese completa e anatomia favorável.
Primeiramente, realizou-se a extração
do dente 37, com a técnica padrão utilizando fórceps. (Figura 2). No passo seguinte, foi feita a extração do dente 28 (Figura
3), bem como a endodontia e selamento
apical com amálgama de prata (Figura 4).
Pode-se observar como a anatomia dois
dentes é semelhante. Após, foi realizada a
colocação do transplante no alvéolo receptor e a colocação da contenção (Figura 5 ).
O acompanhamento pós-operatório é fundamental para a observação de ausência de
mobilidade, ausência de supuração e ausência de dor, bem como a formação óssea
no alvéolo receptor, (Figura 6) indicando o
sucesso do transplante. Após 4 meses foi
realizada outra análise radiográfica (Figura
7) e fez-se a retirada da contenção (Figura
8).
REFERÊNCIAS
ANDREASE, J.º: HJORTING-HANSEN, E.:
JOSLT, O. Aclinical and radiographic study of 76
autotransplanted third molars, Scand J Dent Rev, v.
78, p.512-523,1979.
CLOKIE, C.M.: YAU, D.M.: CHANO, L. Autogenous tooth transplantation: na alternative to dental
implant placement? Dep Oral Max Surg, Univ of
Toronto, J. Can Dent Assoc, V. 67, n.2, p. 92-96,2001.
KRÜGER, G. Cirurgia bucal e maxilofacial. 5. ed. Rio
de Janeiro: Guanabara Koogan, 1964.
KRUGER, E. Técnica quirúrgica para odontólogos. São
Paulo: Quintessence, 1987.
MARZOLA, C. Transplantes autógenos de terceiros
molares inferiores no homem – Estudo clínico e radiográfico. Tese de Livre-docência.
_____. Técnicas exodôntica. São Paulo. Pacast. 1994.
SILVEIRA, J. O: BELTRÃO, G. C. Exodontia.
Porto Alegre: Missau, 1998.
Figura 1
Figura 2
Figura 6
Figura 3
Figura 4
Figura 5
Figura 6
Figura 7
Figura 8