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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ INSTITUTO DE ESTUDOS DE SAÚDE COLETIVA - IESC CURSO DE MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA VINÓLIA BARBALHO DO NASCIMENTO Estudo do Processo de Trabalho nas Cooperativas de Material Reciclável e Efeitos à Saúde em decorrência do manuseio de produtos químicos. Rio de Janeiro 2010 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ INSTITUTO DE ESTUDOS DE SAÚDE COLETIVA - IESC CURSO DE MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA VINÓLIA BARBALHO DO NASCIMENTO Estudo do Processo de Trabalho nas Cooperativas de Material Reciclável e Efeitos à Saúde em decorrência do manuseio de produtos químicos. Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre do Curso de Saúde Coletiva. Orientadora: Drª. Heloisa Pacheco-Ferreira RIO DE JANEIRO 2010 N244 Nascimento, Vinólia Barbalho do. Estudo do processo de trabalho nas cooperativas de material reciclável e efeitos à saúde em decorrência do manuseio de produtos químicos/ Vinólia Barbalho do Nascimento. – Rio de Janeiro: UFRJ/ Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2010. 118 f.: il. ; 30cm. Orientador: Heloisa Pacheco-Ferreira. Dissertação (Mestrado) - UFRJ/Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, 2010. Referências: f. 101-108. 1. Resíduos sólidos. 2. Resíduos químicos. 3. Lixo. 4. Saúde do trabalhador. 5. Saúde pública. 6. Saúde ambiental. 7. Meio ambiente. I. Pacheco-Ferreira, Heloisa. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Estudos em Saúde Coletiva. III. Título. CDD 614.76 VINÓLIA BARBALHO DO NASCIMENTO Estudo do Processo de Trabalho nas Cooperativas de Material Reciclável e Efeitos à Saúde em decorrência do manuseio de produtos químicos. Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre do Curso de Saúde Coletiva. Aprovada em: 30 de junho de 2010. Banca Examinadora: ______________________________________ Profª Drª Heloisa Pacheco-Ferreira – IESC/UFRJ Orientadora ______________________________________ Profª Drª Ana Maria Cheble Bahia Braga – ENSP/FIOCRUZ Membro ______________________________________ Profª Drª Kátia Regina de Barros Sanches – IESC/UFRJ Membro ______________________________________ Prof. Dr. Volney de Magalhães Câmara – IESC-UFRJ Membro ______________________________________ Prof. Dr. Luiz Carlos Fadel de Vasconcellos – ENSP/FIOCRUZ Membro - Substituto ______________________________________ Proª Drª Marisa Palácios da Cunha e Melo de Almeida Rego – IESC/UFRJ Membro - Substituto Dedicatória À minha Mãe, mulher batalhadora e guerreira, que me ensinou, com seu amor incondicional, a enfrentar os obstáculos e encarar os desafios da vida; À minha filha, minha melhor obra, minha companheira, minha maior incentivadora e que soube em todos os momentos respeitar e compreender a minha vontade de realizar este estudo. Às minhas adoradas irmãs Vitória Régia e Teresinha, por fazerem parte da minha vida; Aos meus adorados irmãos José Advan e Sávio por acreditarem em mim; Aos meus queridos sobrinhos Barbara Sayuri, Stephanie Hortência, Bruno Barbalho e Mariana Úrsula. A todos os trabalhadores, homens e mulheres combatentes, que lidam diariamente com os resíduos sólidos. Agradecimentos A Deus, por me conferir persistência e coragem para encarar novos desafios; À minha família, base da minha formação e que sempre me apoiou e incentivou a buscar novos caminhos; À minha filha que se dedicou com carinho, lendo inúmeras vezes este trabalho e fazendo as correções ortográficas, sempre estando presente com seu apoio e incentivo; Aos trabalhadores cooperados e gestores das cooperativas, pela solicitude, acolhida e permissão para a concretização das entrevistas e observações; À minha orientadora, Drª Heloisa Pacheco-Ferreira, pela dedicação do seu tempo, pelo carinho, pelo incentivo, e por enfatizar que “a universidade é um espaço que tem por natureza a convivência das diversidades, a partir do diálogo e do respeito mútuo (...)”; A todos os professores do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva – IESC/UFRJ, que contribuíram para o meu aperfeiçoamento acadêmico; A todos os membros da Banca de Qualificação e Defesa que contribuíram para o resultado final deste trabalho; A todos aqueles que, de forma direta ou indireta, contribuíram para a realização e finalização deste Estudo; A todos o meu obrigado e o meu carinho especial. Catadores de lixo Apesar da miséria da matéria Que os consome com sede e fome Persiste a dignidade pulsante De lutar pela vida com honestidade Na riqueza do lixo, impropriedade, Transformar sua verdade, Em alimento d'existência, Em caminho e rumo, Em arte e beleza... Em sobrevida possível, única certeza... Em desafio único pra se manter a decência, Em guerrear constantemente Que os leve avante... D'um altar e precipício D'onde vem o sustento, a esperança... N'outras a morte ou o perigo... Fazem pra si e por todos como cidadão Que não esperam pelo governo hoje tão ausente Que se promove na dor e abandono das gentes. Mônica Christi Lista de Figuras Figura 1 Cadeia Produtiva da Reciclagem 35 Figura 2 Incinerador instalado na Alemanha 41 Figura 3 Cooperativa nº 1. Quantidade de pneus armazenados para comercialização Cooperativa nº 1. Quantidade de lixo a ser triada. 62 Cooperativa nº 1. Dejetos a serem recolhidos pela COMLURB Cooperativa nº 1. Galpão Óleo Combustível. 64 e 68 e 71 e 72 e 73 Figura 11 Cooperativa nº 1. Área externa da Cooperativa Caminhões do projeto “Cata Rio Solidário”. Cooperativa nº 2. Cartuchos de impressoras copiadoras Cooperativa nº 2. Cartuchos de impressoras copiadoras Cooperativa nº 2. Cartuchos de impressoras copiadoras Cooperativa nº 3. Quantidade de lixo a ser triada. Figura 12 Cooperativa nº 3. Quantidade de lixo a ser triada. 75 Figura 13 76 Figura 17 Cooperativa nº 3. Catadora de Rua. Complexo da Maré Cooperativa nº 3. Catadora de Rua. Complexo da Maré Cooperativa nº 3. Barreira de Contenção - Canal do Cunha Cooperativa nº 3. Barreira de Contenção - Canal do Cunha Cooperativa nº 4. Resíduos a serem triados Figura 18 Cooperativa nº 4. Bombona com óleo usado 80 Figura 19 Cooperativa nº 2. Cooperada com braços queimados/Cicatrizes Cooperativa nº 2. Cooperada com braços queimados/Cicatrizes 90 Figura 4 Figura 5 Figura 6 Figura 7 Figura 8 Figura 9 Figura 10 Figura 14 Figura 15 Figura 16 Figura 20 63 65 74 76 77 77 79 91 Lista de Tabelas e Quadros Quadro 1 Classificação dos Resíduos Sólidos 29 Tabela 1 Disposição do volume de lixo coletado, por tipo 31 de disposição final, Brasil, 2000. Tabela 2 Aspectos da Legislação sobre resíduos sólidos 41 nos Estados Unidos, Japão e Países europeus Quadro 2 Tipos de resíduos manuseados nas Cooperativas estudadas. 60 Lista de Abreviaturas e Símbolos ABNT ANCINE BNDES CBO CEMPRE CEPEL CIAW CIISC COMLURB CONAMA COPPE CPRM CREA Dataprev DBO DQO ECT EPIs EU EUA EVA FEBRACOM FEEMA HCE HDPE HPAs IBGE IBM IBMEC IEF IESC INEA INSS IPT ITCP LAMSA MGIRS MNCR MS NBR – Associação Brasileira de Normas Técnicas – Agência Nacional do Cinema – Banco Nacional de Desenvolvimento – Classificação Brasileira de Ocupação – Compromisso Empresarial para Reciclagem – Centro de Pesquisas de Energia Elétrica – Centro de Instrução Almirante Wandenkolk – Comitê Interministerial da Inclusão Social de Catadores de Lixo – Companhia Municipal de Limpeza Urbana – Conselho Nacional do Meio Ambiente – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia – Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais – Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia – Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social – Demanda Bioquímica de Oxigênio – Demanda Química de Oxigênio – Empresa de Correios e Telégrafos – Equipamentos de proteção individual – União Européia – Estados Unidos da América – Acetato de Etilvinila – Federação das Cooperativas de Catadores de Materiais Recicláveis – Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente – Hospital Central do Exército – Polietileno de alta densidade – Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – International Business Machines – Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais – Instituto Estadual de Floresta – INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA – Instituto Estadual do Ambiente do Rio de Janeiro – Instituto Nacional de Seguridade Social – Instituto de Pesquisa Tecnológica – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – Linha Amarela AS – Manual de Gerenciamento Integrado de resíduos sólidos – Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – Ministério da Saúde – Normas Técnicas Brasileiras NUCLEP OMS OS PET PET PNSB PP RICAMARE RIMA RNProve SERLA UFRJ USP – Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A – Organização Mundial de Saúde – Poliestireno – Politereftalato de etileno – Polietileno tereftalato – Pesquisa Nacional de Saneamento Básico – Polipropileno – Rede Independente de Catadores de Materiais Recicláveis do Estado Rio – Relatório de Impacto Ambiental – Rede Nacional de Empreendimentos Solidários do PROVE – Superintendência Estadual de Rios e Lagos – Universidade Federal do Rio de Janeiro – Universidade de São Paulo Resumo Nascimento, V.B. do. Estudo do processo de trabalho nas cooperativas de material reciclável e efeitos à saúde em decorrência do manuseio de produtos químicos. 2010. 118 f. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva) – Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2010. As questões relacionadas aos resíduos sólidos abrangendo todas as etapas de produção, da coleta ao descarte final, têm sido um entrave nas diversas esferas – política, econômica, social, cultural e ambiental – da sociedade contemporânea. Este estudo ressalta os problemas vividos pela classe de trabalhadores, vinculados a cooperativas de materiais recicláveis, que manuseiam resíduos sólidos em condições adversas de trabalho. Nesta pesquisa analisam-se os processos de trabalho dos sujeitos que lidam, diariamente, com resíduos de origem química, bem como as conseqüências à saúde dos trabalhadores advindas desse processo. O caminho trilhado neste trabalho é o campo da saúde do trabalhador, incorporando a temática saúde e ambiente para revelar os riscos a que estão expostos. Apresentam-se a definição e classificação de resíduos sólidos e químicos, a problemática sócio-econômica dos cooperativados e a inserção social. São enfatizadas, ainda, as questões ambientais decorrentes da produção e da disposição inadequadas dos resíduos sólidos e traça-se um panorama das medidas adotadas em países da União Européia, Estados Unidos da América (EUA) e Japão. Conclui-se, então, que as questões que envolvem a gestão dos resíduos sólidos consistem em um grave problema de saúde pública ao impactar o meio ambiente e a saúde do trabalhador e da população em geral. Palavras-Chave: 1. Resíduos sólidos; 2. Resíduos químicos; 3. Lixo; 4. Saúde do trabalhador; 5. Saúde coletiva; 6. Meio ambiente. Abstract The issues related to the solid residues that involve all the production’s steps, from the collection to the final discard, have been an obstacle at the various contemporary societies’ contexts – political, economic, social, cultural and environmental. This review highlights the problems experienced by the working class, bound to recyclable material’s cooperatives, which manipulates solid residues under adverse working conditions. In this research they are analyzed the work systems of the workers that daily deal with residues that come from chemical, as well as the consequences derived from this process to the health of these people. The trodden path in this study is the worker’s health area and it puts together health and environment to show the risks to which the subjects are exposed. They are presented the solid residues’ and chemicals’ definition and classification, the cooperative workers’ socio-economic problematic is discussed and also their social insertion. The environmental questions arisen from inadequate production and disposition of the solid residues are emphasized and a panorama of the measures adopted by European Union, USA and Japan is described. It’s concluded, then, that the questions associated to the management of the solid residues consist into a serious public health problem once they affect the environment as well as the worker’s and the population’s health. Key-Words: 1. Solid residues; 2. Chemical residues; 3. Waste; 4. Worker’s Health; 5. Public health; 6. Environment Sumário 1. Apresentação 17 2. Introdução 20 2.1 – O Cenário 20 2.2 – Ambiente de trabalho. Sustentável? 23 2.3 – Lixo e suas nuances – definição e classificação 26 2.4 – Resíduos Químico-Perigosos 35 2.5 – Lixo, outras visões: Europa, Estados Unidos e Japão 39 2.6 – Cooperativas de Materiais Recicláveis–Trabalho Precarizado 47 2.6.1 – As Cooperativas em foco 2.7 – Objetivos 50 50 2.7.1 – Geral 50 2.7.2 – Específicos 51 3. Método e Análises 53 3.1 – Metodologia qualitativa, exploratória e descritiva 53 3.2 – Coleta de Dados 54 3.3 – Referências e Trabalho de Campo 56 3.4 – Público Alvo 57 3.5 – Cuidados Éticos 58 4. Resultado e Discussão 60 4.1 – Cooperativa nº 01 – de Materiais Recicláveis 61 4.2 – Cooperativa nº 02 – de Materiais Recicláveis 68 4.3 – Cooperativa nº 03 – de Materiais Recicláveis 73 4.4 – Cooperativa nº 04 – de Materiais Recicláveis 78 4.5 – Caracterização dos resíduos manuseados nas Cooperativas 81 4.6 – Catador e Triador de materiais recicláveis: profissão ou exclusão? 4.7 – Perfil 83 4.8 – Trajetórias vulneráveis 89 5. Conclusões e Recomendações 6. Referências 87 97 102 7. Apêndice 111 7.1 – Apêndice A – Roteiro de Entrevista - Cooperativa 111 7.2 – Apêndice B – Roteiro de Entrevista - Cooperado 114 7.3 – Apêndice C – Termo de Participação e Consentimento 118 7.4 – Apêndice D – Carta de apresentação 119 1. APRESENTAÇÃO 17 1. Apresentação Esta pesquisa teve como propósito analisar o cenário do trabalho dos catadores de materiais recicláveis na cidade do Rio de Janeiro que manuseiam produtos químicos, apresentando uma interface com as condições sociais, ambientais e de saúde dessa população. No decorrer desse estudo, a autora pode vivenciar momentos ímpares relacionados à sistematização do trabalho e questionamentos advindos de quais passos poderiam ser trilhados para se obter maiores e melhores informações. Foram momentos intensos de aprendizados e conhecimentos frente a uma realidade de exclusão social. Neste cenário, a adoção de uma postura que mesclasse sensibilidade, devaneios e realidade teve que ser trabalhada para se enfrentar a pesquisa que, de acordo com (Santos, 2001), deve ser vivida e enfrentada sem sofrimento. Nesse intuito, esse trabalho pretende ressaltar os problemas vividos pela classe de trabalhadores que lidam diariamente com material reciclável, sem condições adequadas de trabalho e, na maioria das vezes, sem o conhecimento necessário para manusear certas substâncias químicas encontradas nos resíduos sólidos manejados em seus postos de trabalho. Reflexões serão necessárias para se tomar uma postura de transformação que ensejem em ações de cunho político e ambientalmente sustentáveis, frente aos problemas pautados pela conjuntura econômica e socioambiental da sociedade pós-moderna. Os vários estudos realizados após a ECO 92 evocam a atenção para uma avaliação e mudanças de posturas que venham alterar os diagnósticos ambientais. Dentre eles, está a diminuição do consumo. O documento elaborado durante a realização da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio ECO 92, que resultou na Agenda Global 21, expressa, no seu capítulo 4, que: “As principais causas da deterioração ininterrupta do meio ambiente mundial são os padrões insustentáveis de consumo e produção, especialmente nos países industrializados, motivo de séria preocupação. Tais padrões de consumo e produção provocam o agravamento da pobreza e dos desequilíbrios.” 18 O que se pressupõe, nesta pesquisa, é analisar os processos de trabalho dos sujeitos que lidam, diariamente, em cooperativas de material reciclável, com resíduos de origem química, bem como as conseqüências à saúde destes trabalhadores advindas desse manuseio. Nesta perspectiva, esta dissertação esboça os conceitos de lixo, resíduos sólidos e substâncias químicas; a trajetória das cooperativas de materiais recicláveis; o perfil dos catadores e a luta destes por dignidade e inserção na sociedade como parte integrante do sistema econômico. Além disso, focaliza os conceitos e paradigmas da saúde coletiva na saúde do ambiente e dos indivíduos que integram este grupo de trabalhadores. Os conceitos de saúde e ambiente serviram de fundamentos para delinear o cenário real resultante do modo de produção e consumo desenfreado da nossa sociedade. A apresentação do diagnóstico e produção de resíduos sólidos foram as bases para o questionamento dos problemas ambientais decorrentes da produção e geração de resíduos. 2. INTRODUÇÃO 20 2. Introdução 2.1 – O Cenário “O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem.” Manuel Bandeira O crescimento da população, a economia do mundo globalizado e o consequente consumo desenfreado da sociedade moderna têm acarretado a produção exorbitante de lixo, resultado do modo de vida atual que estimula o uso de produtos com embalagens descartáveis, de fácil manuseio e praticidade. A corrida pela introdução de novos processos produtivos tem como resultado a poluição do solo, da água, dos alimentos e do ar, além de contribuir para a rápida disseminação de múltiplos riscos para o meio ambiente, para a sociedade em geral e, principalmente, para a saúde dos trabalhadores expostos (Gouveia, 1999, p. 57). Essas ameaças, de natureza física, química e biológica, causadas por diversos atos, inclusive pelo descarte inadequado de resíduos perigosos, propagam-se rapidamente por inúmeras rotas, sendo, na maioria das vezes, as responsáveis por acidentes e por doenças ocupacionais e ambientais. Nos últimos anos, os problemas decorrentes e relacionados aos resíduos sólidos urbanos despertaram o interesse de estudiosos de diversas áreas do conhecimento – meio ambiente, saúde do trabalhador, ciências sociais, epidemiologia, dentre outras -, na busca de alternativas e tecnologias que venham, senão sanar, ao menos minimizar os impactos causados ao meio ambiente e à saúde da população (Ferreira, 1997, p. 08). Para Porto-Gonçalves et al (2004, p. 18), a problemática ambiental não pode ser considerada apenas como uma questão de ordem ética, filosófica e política em detrimento de soluções práticas e técnicas. Deve ser, portanto, ativa e não meramente passiva. Dessa forma, o cuidado e a responsabilidade com os resíduos sólidos merecem ter sua importância destacada. Essa questão convida a buscar 21 alternativas que visem a preservação ambiental. Todavia, o esclarecimento das questões ambientais depende de uma articulação ético-política englobando três registros ecológicos: o meio ambiente, as relações sociais e a subjetividade humana (Guattari, 1989, p.). Segundo Câmara e Tambellini (2003, p. 96), ainda existe uma lacuna na Saúde Ambiental que deve ser explorada, estando aí inserida a pesquisa aos poluentes químicos ambientais que causam doenças aos trabalhadores e à população em geral, considerando-se o grande número de substâncias químicas utilizadas nos diversos setores econômicos. Face à deterioração ambiental e à enorme produção de resíduos sólidos, há uma necessidade progressiva de se reduzir os riscos ao meio ambiente e à saúde, um desafio que se coloca no centro das discussões contemporâneas. A agenda social e política foca suas ações, então, no propósito de viabilizar a reciclagem de materiais que podem e devem retornar à cadeia de produção/consumo. Para tanto, faz-se necessária a adequada destinação desses resíduos, bem como a adoção de meios para a redução da quantidade a ser depositada em aterros, a ser destinada a incineradores ou a cooperativas de materiais recicláveis. Os locais de despejo e de disposição dos resíduos sólidos, sejam lixões, sejam aterros controlados ou aterros sanitários, têm tido maior atenção nos últimos tempos por parte dos governos e até mesmo da sociedade na busca de alternativas adequadas para se evitar que os danos decorrentes da poluição e da proliferação de vetores, gerados pelo descarte de todo tipo de material, venham afetar, ainda mais, o meio ambiente, o solo, os meios hídricos, o ar e, principalmente, a saúde humana. Segundo Celere et al (2007, p. 940), os lixões, os aterros controlados e os aterros sanitários não podem ser o destino final irrestrito para todas as substâncias encontradas nos resíduos sólidos, pois devem-se considerar a composição físicoquímica, a resistência e a persistência dessas substâncias, destinando, a muitas, um tratamento discriminado. As pesquisas realizadas acerca da temática dos resíduos sólidos têm se voltado mais para questões ambientais, formas inadequadas de descarte, diferenças e semelhanças entre os diversos tipos de resíduos, tipos de materiais recicláveis e suas comercializações, trajetórias de vida dos catadores de materiais recicláveis e mecanismos de exclusão e visibilidade destes na sociedade (Gonçalves, 2004, p. 1). Tais trabalhos apresentam um caráter filosófico, social e ambiental, constatando-se 22 a falta de um aprofundamento no tocante à Saúde Pública e, principalmente, no campo da Saúde do Trabalhador (Ferreira e Anjos, 2001, p. 690). Questiona-se, então, em quais condições de trabalho esses catadores desenvolvem suas atividades, considerando que: “(...) por condições de trabalho é preciso entender, antes de tudo, ambiente físico (temperatura, pressão, barulho, vibração, irradiação, altitude, etc), ambiente químico (produtos manipulados, vapores e gases tóxicos, poeiras, fumaças, etc), o ambiente biológico (vírus, bactérias, parasitas, fungos), as condições de higiene, de segurança, e as características antropométricas do posto de trabalho (...)” (Dejours, 1992, p. 25). Para Tambellini e Câmara (1998, p. 52), o grau de saúde de um grupo de indivíduos é proporcional ao meio em que vivem e às suas relações de produção, podendo cada indivíduo, mesmo em coletividade, apresentar graus diferenciados de exposições a agentes, cargas e riscos. O foco da saúde deve, portanto, ser direcionado para as questões das relações entre produção, ambiente e saúde. Buscando compreender este universo diferenciado, as observações e análises neste estudo seguirão o rumo do coletivo dos trabalhadores vinculados às cooperativas associadas à Rede Nacional do PROVE. Diante de todo o contexto que envolve as questões ambíguas relacionadas aos resíduos sólidos e às condições em que o trabalho de seleção dos materiais passíveis de reciclagem é realizado, respostas serão buscadas para algumas indagações. Em que condições de trabalho são exercidas essas atividades? Quais os riscos iminentes? De que doenças esses trabalhadores são acometidos? Quais as doenças prevalentes decorrentes da exposição a resíduos químicos? Como esses trabalhadores lidam com o processo de doença? Essas são as questões que não permitem calar. Assim, o trabalho será realizado com as pessoas que fazem a triagem de material reciclável de 04 (quatro) Cooperativas de Catadores de Materiais Recicláveis, localizadas no município do Rio de Janeiro/RJ e associadas à Rede Nacional do PROVE (RNProve). Para tanto, serão analisados os discursos pessoais e privados acerca de doenças que esclareçam aspectos relacionados ao contexto grupal, coletivo (Herzlich, 2004, p. 386). O interesse pelo tema surgiu após a minha nomeação, em janeiro de 2007, como Presidente da Comissão da Coleta Seletiva Solidária no Observatório 23 Nacionala. Tal atribuição teve como objetivo atender o disposto no Decreto nº 5.940, de 25 de outubro de 2006, que instituiu “a separação dos resíduos recicláveis descartados pelos órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta, na fonte geradora, e a sua destinação às associações e cooperativas dos catadores de materiais recicláveis”. (Decreto nº 5.940/06) Com poucos conhecimentos necessários para assumir a responsabilidade naquele momento delegada, tive que adentrar por novos caminhos que não imaginava serem tão curiosos, envolventes e estarrecedores. Por ser tão complexa e ambígua, a problemática me encorajou a trilhar novas fronteiras em busca de conhecimento que, de alguma forma, venha contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos sujeitos que lidam com os resíduos sólidos. Para um melhor embasamento do assunto, visitaram-se várias cooperativas a fim de conhecer a realidade no local de trabalho, observando a rotina vivida por esses trabalhadores, os ambientes e os processos de trabalho, uma vez que sem essa visão não se poderia prosseguir nos objetivos pretendidos. Valendo-se das afirmações de Augusto (2005, p. 10), o profissional que se dispõe a discutir sobre as questões coletivas deve, obrigatoriamente, integrar-se ao ambiente como um membro dessa coletividade para compreender melhor o processo saúde-doença e os fatos causadores das nocividades ambientais, propondo uma atuação efetiva para a obtenção de meios que protejam a saúde do coletivo a que se dispôs a estudar. Além disso, buscou-se não somente uma vasta referência bibliográfica, mas também participar de vários eventos sobre a reciclagem de resíduos sólidos. Nesses momentos, teve-se a oportunidade de conhecer os atores dos processos, as suas realidades, as suas demandas e as suas reivindicações na busca de melhores condições de trabalho. 2.2 – Ambiente de trabalho. Sustentável? Para a Organização Mundial de Saúde (OMS) o ambiente é definido como “a totalidade de elementos externos que influem nas condições de saúde e qualidade de vida dos indivíduos ou de comunidades”. Essa noção de ambiente, segundo a Unidade de Pesquisa integrante da estrutura básica do Ministério da Ciência e Tecnologia. 24 Barcellos (2002, p.315), é mais operacional que teórico, na medida em que não se considera a dinâmica do ambiente em si (elementos físicos, sociais e biológicos), mas apenas sua interação com as populações humanas. Sendo constituído por elementos externos aos indivíduos, o ambiente não pode ser tomado como uma característica desses indivíduos, mas algo externo a ele. O ambiente deve ser estruturado por processos sociais, políticos, culturais e tecnológicos e deve ser entendido como espaço geográfico ocupado e transformado pelo ser humano (Augusto, 2005, p.11). Assim, o ambiente pode ser entendido como o conjunto de condições materiais, socioculturais, psicológicas e morais que envolvem pessoas e as ações decorrentes de seus atos. O efeito na saúde provocado pelas condições ambientais em que as atividades laborais são exercidas vem sendo questionado desde a época de Hipócrates. Segundo Rego (2006,p.234), na obra hipocrática intitulada, “Ares, Águas e Lugares”, Hipócrates “correlaciona o ambiente aos diferentes quadros nosológicos e características populacionais, incluindo em sua análise, inclusive, aspectos das atividades cotidianas, numa interessante e rica descrição dos efeitos ambientais na saúde de indivíduos e populações”. O impetuoso processo de industrialização e urbanização desencadeados nos séculos XIX e XX contribuiu, de forma marcante, para os problemas ambientais e de saúde pública vividos na atualidade. As ações de prevenções e preocupações sanitárias estavam vinculadas à teoria dos miasmas, em que a sujeira e os odores deveriam ser eliminados para se evitar a disseminação de doenças. A higiene passou a ser uma estratégia para a saúde da população, combinada com o controle dos espaços público-urbanos, incluindo ruas, moradias, locais de despejos de lixo, sujeiras em geral e toxicidade e de grupos focais que ofereciam perigos à população devido à sujeira que apresentavam, estando incluídos os pobres, as minorias étnicas e algumas classes de trabalhadores (Freitas, 2003, p.139). Ainda de acordo com Freitas (2003, p.139), as questões relacionadas à saúde passam a compor as pautas de reivindicações dos movimentos sociais surgindo, nesse momento, a compreensão da crise sanitária como processo político e social, passando a ser denominada como medicina social. A partir de então, a política aparece como principal recurso de mudança e transformação da realidade da saúde, o ambiente deixa de ser um objeto medicalizável por meio de normatização e de práticas aplicada no âmbito individual. 25 Para Minayo, (2008, p. 249), as doenças, do ponto de vista da sociedade, estão conectadas à saúde, como um processo vivificante ou como uma ação ligada a fatores endógenos ou exógenos para a sua manifestação. As doenças nas sociedades ocidentais contemporâneas, ainda segundo Minayo (2008, p. 249), estão assim correlacionadas, “os fatores endógenos do adoecimento são representados como processos biológicos funcionais, orgânicos ou como lesões que ocorrem nos indivíduos por sua carga hereditária ou por descuido com a saúde. Os fatores exógenos são explicados pelo estilo de vida e pela relação dos cidadãos com o ambiente”. A relação entre saúde e ambiente começa a se entrelaçar somente a partir de meados do século XX, quando os ambientes passam a ser focados como uma questão de saúde pública, surgindo aí a definição da Organização Mundial de Saúde (OMS), onde: “Saúde ambiental é o campo de atuação da saúde pública que se ocupa das formas de vida, das substâncias, e das condições em torno do ser humano, que podem exercer alguma influência sobre a sua saúde e o seu bem-estar” (MS, 1999). Partindo dessa premissa, a OMS passa a encarar a saúde ambiental como: “... todos aqueles aspectos da saúde humana, que estão determinados por fatores físicos, químicos, biológicos, sociais e psicológicos no meio ambiente. Também se refere à teoria e prática de valorar, corrigir, controlar e evitar aqueles fatores do meio ambiente que, potencialmente, possam prejudicar a saúde de gerações atuais e futuras” (MS, 1999). Além do compromisso político, insere-se no contexto a responsabilidade de todos por um ambiente saudável e sustentável a ser apresentado aos nossos descendentes. Documento elaborado pelo Ministério da Saúde (MS) (Brasil, 2007, p. 18) enfatiza que, com o objetivo de se ampliar o conceito de saúde como prática social, pode-se verificar a estreita ligação entre os diversos estágios que incluem os indivíduos, as organizações, os grupos populacionais e os conflitos instaurados com o meio ambiente. Com este foco, atos de cooperação, solidariedade e transparência precisam ser resgatados. A promoção da saúde não deve ser um rol de procedimentos e dicas para capacitar indivíduos e organizações que pretendam 26 controlar os determinantes das condições de saúde de grupos específicos (Brasil, 2007, p. 18). As políticas do MS (Brasil, 2007, p. 19), focando o fortalecimento da promoção da saúde, propõem alguns caminhos que deverão ser pensados e seguidos, tais como, “a) estabelecimento de políticas públicas integradas; b) promoção e responsabilidade social; c) criação de ambientes saudáveis que apóiem o bem-estar humano; d) influências políticas de desenvolvimento econômico que promovam ganhos em saúde; e) fortalecimento da ação social participativa para a saúde; f) estímulo para o desenvolvimento das capacidades e dos potenciais individuais de grupos populacionais (empoderamento social); g) utilização dos meios de comunicação como veículo de prevenção e promoção da saúde; e h) reorientação das práticas de saúde, englobando a promoção da saúde”. Diante de toda a problemática instaurada acerca das questões ambientais que afetam diretamente grupos de indivíduos, principalmente aqueles mais vulneráveis, faz-se necessária a adoção de medidas, de caráter privado para o público, incluindo a proteção e conservação dos recursos naturais, a fim de se contribuir para a minimização dos danos causados ao meio ambiente e à saúde humana. 2.3 – Lixo e suas nuances - definição e classificação Várias definições são utilizadas para os termos lixo e resíduos sólidos e, pesquisadores do assunto, tais como Guatarri (1989), Rezende (2006), Ferreira (2001), Porto (2004), dentre outros, têm utilizado com maior freqüência o termo “resíduos sólidos” em substituição a lixo. Será adotada, também, essa terminologia. Os resíduos sólidos podem ser definidos como materiais constituídos de vários elementos, portanto, heterogêneo e inerte, de natureza mineral ou orgânico. São materiais resultantes das atividades humana e da natureza e, na sua maioria podem ser transformados para uma nova utilização contribuindo assim, para a proteção à saúde pública e para as questões dos recursos naturais. Outra definição para lixo, segundo o Manual de Gerenciamento Integrado de Resíduos Sólidos (MGIRS) (MGIRS, 2001, p. 25), é “todo material sólido ou semi-sólido indesejável e 27 que necessita ser removido por ter sido considerado inútil por quem o descarta em qualquer recipiente destinado a este ato”. Segundo a Associação Brasileira de Normas Técnica (ABNT), por meio da Norma Brasileira (NBR) 10.004/2004, os resíduos sólidos são definidos como: “Resíduos nos estados sólido e semi-sólido, que resultam de atividades de origem industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição. Ficam incluídos nesta definição os lodos provenientes de sistemas de tratamento de água, aqueles gerados em equipamentos e instalações de controle de poluição, bem como determinados líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou corpos de água, ou exijam para isso soluções técnica e economicamente inviáveis em face à melhor tecnologia disponível“ E, ainda de acordo com a NBR 10.004/2004, os resíduos sólidos são classificados conforme segue: a) resíduos classe I – Perigosos: Aqueles que apresentam periculosidade, que podem causar riscos à saúde pública ou ao meio ambiente, compreendendo inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade e patogenicidade. Se manuseados ou descartados de forma inadequada, causam efeitos adversos ao meio ambiente. As pilhas e baterias estão aqui classificadas devido à sua composição química que pode apresentar os elementos como chumbo, níquel, cádmio, mercúrio, lítio, zinco, manganês e seus compostos. Os óleos lubrificantes usados, os fluidos e óleos hidráulicos usados e as graxas são resíduos tóxicos devido à grande quantidade de elementos químicos que os constituem. Segundo a NBR 10.004/2004, os constituintes perigosos desses resíduos estão classificados como “não aplicável” - termo utilizado para os resíduos perigosos que contêm grande número de constituintes perigosos ou pelo resultado tóxico da totalidade dos elementos neles contidos. b) resíduos classe II – Não perigosos: Resíduos classe II A: 28 Não inertes: Podem ter propriedades de biodegradabilidade, combustibilidade ou solubilidade em água; apresentam a possibilidade de causar danos à saúde e ao meio ambiente; Resíduos classe II B: Inertes e incombustíveis: Não oferecem riscos à saúde nem ao meio ambiente. Assim, “lixo” é a totalidade de resíduos sólidos derivada das ações humanas, podendo ser classificado como lixo urbano, domiciliar, comercial, público, especial, industrial, de serviços de saúde, atômico, espacial e radioativo, estando distribuídos em dois grandes grupos: Orgânicob e inorgânicoc, (Rezende, 2006, p. 589). Nesse contexto, estão inseridos os restos de produtos químicos de empresas e indústrias que são, na maioria das vezes, descartados sem o rigor necessário para esse fim e sem a adoção do “manifesto de resíduos”, conforme determinado pela Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) nº 313/2002. A fiscalização, quanto ao destino desses resíduos, no Estado do Rio de Janeiro, é de responsabilidade do Instituto Estadual do Ambiente (INEA), órgão vinculado à Secretaria de Estado do Rio de Janeiro. Criado em 2007, o INEA tem a missão de proteger, conservar e recuperar o meio ambiente visando o desenvolvimento sustentável. As ações que eram desenvolvidas pela Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (FEEMA), pela Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (SERLA) e pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF) foram unificadas e ampliadas pelo INEA. Assim, a fiscalização que era realizada pela Fundação Estadual de Engenharia e Meio Ambiente (FEEMA), que admitia não possuir condições operacionais para a correta monitorização (Acselrad, 2006, p. 122), passa a partir de então a ser de responsabilidade do INEA. b Restos de animais e vegetais. Esse lixo é composto por folhas, galhos, materiais provenientes da limpeza de nossas casas, restos e sobras de alimentos e que, após coletado pode ser transformado em composto orgânico (adubo). c Restos de materiais sem vida, inanimados. Lixo inorgânico inclui todo material que não possui origem biológica ou que foi produzido por meios não-naturais, como plásticos, produtos de metal, vidro, detergentes, etc. 29 Os resíduos sólidos são classificados de várias maneiras, sendo as mais comuns e utilizadas, quanto aos potenciais riscos de contaminação ao meio ambiente e à saúde humana e quanto à sua origem e natureza. Segundo o Compromisso Empresarial para Reciclagem (CEMPRE), os resíduos sólidos estão classificados de acordo com o quadro 1. O CEMPRE é uma associação, fundada em 1992, sem fins lucrativos, que tem como objetivo promover a reciclagem ressaltando o conceito de gerenciamento integrado do lixo, além de adotar ações para a conscientização da sociedade sobre a redução, reutilização e reciclagem dos resíduos sólidos. Os programas de conscientização são orientados para prefeitos, gestores de empresas, acadêmicos de Organizações não-governamentais. Quadro 01 – Classificação dos resíduos sólidos CLASSIFICAÇÃO DOS RESIDUOS SÓLIDOS Secos Quanto à Natureza Física Quanto à Composição Química Quanto aos Riscos Potenciais ao Meio Ambiente Quanto à Origem Molhados Matéria Orgânica Matéria Inorgânica Resíduos Classe I – Perigosos Resíduos Classe II – Não perigosos: Resíduos classe II A – Não Inertes Resíduos classe II B – Inertes Doméstico, Comercial e Público Serviços de Saúde e Resíduos Especiais Pilhas e Baterias Lâmpadas Fluorescentes Óleos Lubrificantes e Pneus Embalagens de Agrotóxicos Radioativos Construção Civil/Entulho Industrial, Portos, Aeroportos e Terminais Rodoviários e Ferroviários Agrícola Fonte: IPT/CEMPRE, 2000 O lixo pode ainda ser classificado de acordo com a sua natureza e origem e, segundo o Manual de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (2001, p. 26), está assim apresentado: 1. Doméstico ou Residencial: Decorrentes das atividades diárias de casas, condomínios, apartamentos e demais moradias; 30 2. Comercial: Resultantes de atividades comerciais e de acordo com o ramo exercido; 3. Público: Os resíduos de logradouros públicos compreendem folhas, galhas, poeira, terra e areia e todos os materiais descartados indevidamente pela população; 4. Domiciliar Especial: São os entulhos de obras, pilhas e baterias, lâmpadas fluorescentes e pneus; 5. Fontes Especiais: Resíduos que, por suas características peculiares, carecem de cuidados especiais no manejo, acondicionamento, transporte, armazenamento e disposição final. Neste grupo, estão inseridos o lixo industrial, o radioativo, o de portos, aeroportos e terminais rodoferroviários, o agrícola, e os de serviços de saúde. Tão importantes quanto a classificação são o manejo, o processamento e, principalmente, a forma de disposição final da grande quantidade de resíduos que é gerada diariamente de toda natureza e origem. O consumo desenfreado de produtos industrializados e descartáveis, característico da sociedade pós-moderna contribui para o aumento considerável de resíduos que, se descartados de forma inadequada, irão, consequentemente, provocar uma série de problemas ambientais e à saúde pública. Os resíduos sólidos urbanos produzidos diariamente no Brasil são destinados aos seguintes locais: 1. Lixão ou descarga a céu aberto: disposição dos resíduos sem nenhuma medida de proteção ambiental ou à saúde pública, (Mariga, 2005, p. 184). O lixão, além de não atender às normas de proteção ambiental, é um ambiente propício à proliferação de vetores responsáveis pela transmissão de várias doenças, dentre elas: meningite, leptospirose, raiva, peste bubônica. Como não há controle, os lixões contaminam o solo e o lençol freático pela ação do chorume. 31 2. Aterro controlado ou lixão controlado: os resíduos dispostos são cobertos por uma camada de terra, o que beneficia apenas a poluição visual, mas provoca os mesmos males do lixão. 3. Aterro sanitário e aterro energético: é o processo mais avançado e legal de disposição final dos resíduos sólidos, uma vez que seguem critérios de engenharia e normas operacionais específicasd. O lixo é confinado de forma segura, o solo é impermeabilizado; existe o controle da poluição ambiental; há a proteção ao meio ambiente e não há riscos à saúde pública e à segurança; e os gases e líquidos produzidos são controlados. Esse tipo de aterro tem vida útil e deve ser desativado após o período determinado. Levantamentos realizados pela Pesquisa Nacional de Saneamento Básico (PNSB) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) (PNSB, 2000), indicam que a situação da destinação final de resíduos sólidos no País está distribuída conforme disposto na tabela 1. Tabela 1 – Disposição do volume de lixo coletado, por tipo de disposição final, Brasil, 2000. LOCAIS DE DISPOSIÇAO % de lixo disposto Aterro Sanitário 47,1 Aterro controlado 22,3 Lixões 30,5 Fonte: IBGE/PNSB, 2000 Considerando os dados acima, conclui-se que apenas 47,1% do total de resíduos coletados no país têm uma destinação correta a aterros sanitários e que 52,8% são dispostos de forma inadequada, implicando, assim, sérios riscos ao meio ambiente e graves conseqüências à saúde pública. d NBR Nº 8.419, da ABNT (1984). 32 Dados da Companhia Municipal de Limpeza Urbana (COMLURB) mostram que na cidade do Rio de Janeiro são coletadas, diariamente, cerca de 8.800 toneladas de lixo domiciliar e demais resíduos produzidos em toda cidade. Desse total, 60% representam a quantidade de lixo domiciliar. A média de produção diária por pessoa é de 1,505 kg/habitante por dia. Do total de lixo recolhido, por dia, do Rio de Janeiro, cerca de 6.700 toneladas são despejadas no Aterro metropolitano de Gramacho, situado no bairro de Jardim Gramacho, município de Duque de Caxias. Esse aterro, inicialmente, foi projetado como aterro sanitário, mas funcionou como lixão até meados de 1990. A partir de 1996, após pressão de várias entidades, inclusive do Ministério Público, a COMLURB resolveu terceirizar a gestão do aterro, ocorrendo assim, investimentos para a transformação do mesmo em aterro sanitário, (Porto et al, 2004, p. 1504). O Gerenciamento integrado dos resíduos sólidos requer uma articulação com ações normativas, operacionais, financeiras e de planejamento, fundamentada em práticas sanitárias, ambientais e econômicas envolvendo todo o processo, de forma criteriosa, desde a sua geração até a sua disposição final (Ferreira et Tabourgi, 2009, p. 160). O descarte inadequado dos resíduos sólidos, portanto, sem critérios específicos, provoca um impacto ambiental que não só afeta o ecossistema, como também o bem-estar da população circunvizinha. Para Leff (2009, p. 57) a adoção de práticas com sustentáculos ecológicos não são suficientes para a resolução dos problemas ambientais. Atos de inovação tecnológica para reciclagem de rejeitos contaminantes, de incorporação de normas ecológicas ao agente econômico ou de valorização do patrimônio dos recursos naturais não são suficientes para um desenvolvimento sustentável. Necessário se faz reconhecer a importância da multiplicidade étnica e cultural da humanidade visando um resultado harmônico com a natureza. Segundo a resolução CONAMA 01/86, o impacto ambiental é caracterizado como qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, motivada por diversos tipos de matéria ou energia, resultantes das atividades humanas que, de forma direta ou indireta, venham afetar: I – a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II – as atividades sociais e econômicas; III – a biota; 33 IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; e V – a qualidade dos recursos ambientais. Essa resolução determina, em seu artigo 2º, que o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, onde se incluem a construção de aterros sanitários, o processamento e a destinação final de resíduos tóxicos ou perigosos, dependerá da elaboração de estudos que culminem no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), devendo este ser submetido à aprovação do órgão estadual competente. Essas medidas objetivam acompanhar as etapas de planejamento e implantação das atividades, avaliando sistematicamente os impactos gerados nas fases iniciais e de operação. Contempla também a limitação da área geográfica a ser direta ou indiretamente afetada. Nos últimos anos, a legislação ambiental brasileira, além de focar o gerenciamento dos resíduos sólidos, tem se voltado para as condutas e atividades que venham danificar o meio ambiente, conforme disposto no artigo 54 da Lei nº 9.605/98. Essa Lei estabelece sanções penais e administrativas frente a condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Pesquisas realizadas (Sisinno et al, 1996; Jucá, 2002, Ferreira, 2001; Porto, 2004) em diversas áreas de descarte de resíduos sólidos demonstram altos níveis de contaminação ambiental que interferem diretamente na saúde das populações provocando efeito adversos e muitas vezes irreversíveis. Essa vulnerabilidade é ainda maior para os que estão inseridos nessas áreas, manuseando todo tipo de material, orgânico e inorgânico, seja em lixões a céu aberto, seja em aterros controlados e/ou sanitários, seja em cooperativas de material reciclável. Esses trabalhadores representam o último nível de estratificação social, com baixo nível de escolaridade, desqualificados para o mercado de trabalho e marginalizados por políticas econômicas sociais excludentes. Segundo Sisinno et al (1996, p. 523), os estudos que analisam os níveis de contaminação e poluição ambiental em locais de evacuação de resíduos sólidos e os consequentes efeitos à saúde da população circunvizinha estão arrolados, dentre outras questões, de significativa relevância envolvendo conflitos sociais, ambientais, sanitários, políticos e econômicos. Para a pesquisadora, esses estudos devem servir como sinais de alerta para que os problemas decorrentes do lixo não sejam colocados ao acaso e não caiam no esquecimento dos responsáveis, evitando que 34 esses locais tenham um estilo de vida degradante resultante de condições discriminativas. A gestão integrada dos resíduos sólidos se transforma em uma ferramenta poderosa e eficaz no contexto brasileiro frente à enorme quantidade de resíduos gerados diariamente no Brasil e frente à falta de políticas e de investimentos públicos compatíveis com essa problemática, (Jucá, 2002, p. 17). A adaptação dos resíduos sólidos a uma nova utilização – reciclagem – torna-se um caminho conveniente à minimização dos problemas ambientais, à redução do lixo e, principalmente, à geração de renda e resgate da cidadania de uma parcela da população brasileira, consistindo em uma atividade emergente à preservação ambiental e em um meio de sobrevivência para os catadores de lixo. Gonçalves (2004, p.27) define uma cadeia produtiva de reciclagem preenchida por vários elementos e percursos. Para a pesquisadora, essa cadeia tem sua gênese no produto, componente principal do consumo, e sua finalização no lixo, dado o comportamento consumista da nossa sociedade. Dessa forma, o descarte é a própria produção de lixo e este terá vários destinos de acordo com as práticas e políticas adotadas pela comunidade que o descartou. Nos ambientes de destinação final do lixo, encontramos os profissionais que coletam, classificam e separam o material misturado. Os catadores vinculados às cooperativas ou com atuação autônoma negociam o material coletado para atravessadores, os quais, por sua vez, revendem para a indústria. A indústria reprocessará o material reciclável, produzindo um novo produto que retornará ao ciclo do consumo. O debate sobre a problemática dos resíduos sólidos está enfatizado na Agenda 21, desde a sua geração até a sua disposição final, o que vem afirmar a relevância do tema e a necessidade de uma atenção especial para as questões ambientais e o conseqüente desfecho para a saúde. A redução do lixo ao mínimo possível, a máxima reutilização de produtos e embalagens, a reciclagem ambientalmente correta dos resíduos, a definição de áreas para o descarte ambientalmente sustentável, a ampliação dos serviços e a adoção de políticas adequadas, eficientes e eficazes tendem a resultar em um desenvolvimento sustentável focado no meio ambiente e na saúde humana. 35 Figura 1 – Cadeia Produtiva da Reciclagem PRODUTO CONSUMO DESCARTE LIXO LIXOES USINAS ATERROS CATADORES DE MATERIAIS RECICLAVEIS COMÉRCIO INDÚSTRIA ATRAVESSADORES Fonte: Gonçalves (2004, P.28). Para Pacheco-Ferreira (2005, p. 41), a luta por um ambiente ecologicamente responsável deve contrapor-se à visão empresarial e ser focado em projetos voltados para a qualidade de vida da população e a preservação do meio ambiente, observando-se que os aspectos sociais e culturais das populações devem ser conservados. Essa luta deve se guiar pelos critérios universais de desenvolvimento sustentável, equidade social, atitudes e educação ambiental, compartilhamento de tecnologias, dentre outros. Todos pautados em uma prática ética e social de cidadania. 2.4 – Resíduos Químico-Perigosos Grande quantidade de produtos químicos tóxicos é descartada, diariamente, no lixo doméstico. As substâncias químicas presentes em muitos produtos, como os metais pesados zinco, chumbo e manganês encontrados em pilhas comuns, além de substâncias perigosas como o cádmio, o cloreto de amônia e o negro acetileno apresentam riscos potenciais à saúde pública e ao meio ambiente. Os resíduos tóxicos comumente encontrados no lixo urbano, na sua maioria, são provenientes das pilhas não-alcalinas, baterias, restos de tintas e solventes, remédios vencidos, inseticidas, produtos de limpeza, produtos eletroeletrônicos, dentre outros. A separação adequada e o acondicionamento desses materiais deve ser cuidadosa e diferenciada para se evitar a contaminação do solo, do lençol 36 freático e a contaminação humana. Segundo Rezende (2006, p. 589), os resíduos eletrônicos ou `lixo digital´, provenientes do acelerado desenvolvimento da tecnologia da informação, podem causar graves e sérios problemas para o ambiente e para a saúde do homem devido à quantidade de metais pesados presentes em suas composições. A Associação Brasileira de Normas Técnicas, através da Norma Brasileira (NBR 10.004/2004), esclarece que os resíduos tóxicos “podem apresentar riscos à saúde pública, provocando ou contribuindo para um aumento da mortalidade ou incidência de doenças, e/ou apresentar efeitos adversos ao meio ambiente, quando manuseados ou dispostos de forma inadequada”. Essa norma classifica os resíduos sólidos quanto à sua periculosidade, observando os potenciais riscos ao meio ambiente e à saúde pública para um adequado gerenciamento. A classificação da periculosidade é determinada em decorrência das substâncias identificadas em testes laboratoriais complementares, considerando-se os parâmetros químicos analisados nos lixiviados e solubilizados dos resíduos (Sisinno, 2003, p. 370). Essa classificação contribui para a forma de gerenciamento adequado dos resíduos, facilitando o seu correto manuseio, transporte adequado, armazenamento e tratamento ou destinação final que contribuam para a qualidade do meio ambiente e para a saúde da população em geral. O contato e a exposição a diversos resíduos químicos podem levar o indivíduo a um nível de toxicidade aguda ou crônica, diferindo de indivíduo para indivíduo devido à susceptibilidade de cada um. Uns, respondem a doses muito baixas, outros necessitam de doses mais elevadas para apresentar algum sintoma. A toxicidade é uma resposta biológica à exposição a um ou a vários compostos químicos e/ou seus metabólitos (Ghiselli e Jardim, 2007, p. 696). Para esses autores, algumas substâncias, conhecidas mundialmente como “endocrine disruptors” ou como “endocrine disrupting”, interferem no funcionamento natural do sistema endócrino, além de causar cânceres e afetar o sistema reprodutivo. Harris e Blain (2004, p. 30) enfatizam que altas doses de uma substância química tóxica podem levar o indivíduo a uma aguda resposta tóxica, mas as exposições prolongadas a baixas concentrações podem apenas causar um lento desenvolvimento de uma resposta crônica. Portanto, as circunstâncias da exposição e o nível de toxicidade do elemento é que determinará o maior risco. Vários elementos que apresentam indícios de causar alterações no sistema endócrino são 37 encontrados facilmente nos resíduos sólidos. Assim, os trabalhadores que manuseiam esses materiais estão passíveis e vulneráveis à contaminação. Estudos realizados por Sisinno et al (2003, p.675), concluem que foram encontrados, em amostras analisadas de resíduos sólidos, vários Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos (HPAs) - substâncias lipofílicas, persistentes, que se distribuem de acordo com as condições físico-químicas de cada ambiente -, sendo prevalentes o benzo[a]pireno, fluoranteno e criseno. A identificação dessas substâncias nos resíduos indica a periculosidade existente, confirmando assim a necessidade de ações adequadas no gerenciamento desse resíduo. O descarte final dos resíduos sólidos suscita controvérsias quanto à sua classificação e à sua real capacidade de contaminação devido aos iminentes riscos para o meio ambiente e para a saúde humana, (Ferreira, 1995, p. 316), pois quanto mais perigosos, maiores deverão ser os cuidados com o acondicionamento e com o destino final adequado. Nessa mesma linha, os resíduos químicos devem ser tratados com rigor, considerando-se os riscos que esses produtos apresentam. Materiais perigosos, tais como solventes, ácidos, pesticidas, tintas e produtos de limpeza podem ser encontrados facilmente nos lixos domésticos e urbanos. Por não haver um tratamento específico na fonte geradora, esses componentes são manuseados normalmente por aqueles que estão na cadeia da reciclagem. A falta de conhecimento acerca dos graves problemas que as substâncias químicas podem causar à saúde leva os trabalhadores a ignorar sinais e sintomas que se manifestam em decorrência da exposição a que estão submetidos nos ambientes de trabalho. Segundo Pacheco-Ferreira (2009, p. 578), a exposição a agentes tóxicos pode causar danos ao sistema nervoso central e periférico desenvolvendo encefalopatias e desajustes neuropsicológicos, tais como: “desordens afetivas, diminuição da memória e da atenção, fadiga, distúrbios visuais, entre outros”, além de dormência e perda progressiva da coordenação motora. Os efeitos a essas exposições podem ser reversíveis ou irreversíveis, dependendo do nível e do tempo de exposição. O conhecimento do nível de toxicidade dos diversos elementos encontrados nos resíduos sólidos possibilita o manejo adequado, o controle da exposição dos trabalhadores a esses elementos e um destino diferenciado dos demais objetos. No caso dos trabalhadores que lidam com os resíduos sólidos, a falta de consciência dos riscos aos quais estão expostos os leva a se posicionar de forma pacífica a 38 qualquer ameaça à saúde. Para Giddens (1991, p. 42), a falta de consciência de uma ameaça pode levar o sujeito a assumir ações ou sujeitar-se a situações arriscadas, considerando, ainda, que o risco não é somente uma questão de ação individual, mas que pode afetar coletivamente outros indivíduos. De acordo com Asmus et al (2009, p. 550), o conceito de risco em saúde do trabalhador é, “toda e qualquer possibilidade de que algum elemento ou circunstância existente num dado processo e ambiente de trabalho possa causar dano à saúde, seja através de acidentes, doenças ou do sofrimento dos trabalhadores, ou ainda através da poluição ambiental”. Os fatores de riscos podem ser classificados como químicos, biológicos, físicos, ergonômicos, mecânicos. Além disso, a organização do trabalho, ou fatores psicossociais, contribui para os efeitos de avaliação e prevenção da saúde do trabalhador, tanto em nível coletivo quanto em nível individual. Para uma investigação de exposição ocupacional, o profissional de saúde deve estar embasado dos fatores e condições de riscos aos quais o trabalhador está submetido. No campo da saúde ambiental, a pesquisa sobre poluentes químicos e causadores de doenças carece de prioridade devido ao grande número de substâncias químicas que são utilizadas em quase todas as atividades econômicas. Tais poluentes provocam efeitos adversos à saúde dos trabalhadores e à sociedade em geral, (Câmara e Tambellini, 2003, p. 96). Esses autores enfatizam que na avaliação à exposição e aos efeitos desses poluentes existe uma ausência ou precariedade dos conhecimentos toxicológicos, metodológicos e tecnologias complexas e, ainda, de técnicas para monitoramento ambiental que são descartadas das rotinas das equipes técnicas. Segundo Pinto Júnior e Braga (2009, p. 2011), o campo da saúde do trabalhador ainda não foi incorporado totalmente pelo SUS, uma vez que poucos são os profissionais com capacitação adequada, principalmente em toxicologia, para identificar nexos causais decorrentes da exposição a substâncias químicas. O estudo realizado por Ferreira et al ( 2001, p. 692) constatou uma grande variedade de elementos químicos nos resíduos sólidos urbanos, merecendo destaque a quantidade de pilhas, baterias, óleos e graxas, pesticidas/herbicidas, 39 solventes e tintas, produtos de limpeza, cosméticos, remédios e aerosóis. Muitos desses resíduos são perigosos e têm efeitos nocivos à saúde humana e ao meio ambiente. Chumbo, cádmio e mercúrio, metais pesados com efeitos cumulativos, podem causar várias doenças, de distúrbios no sistema nervoso ao saturnismo. Os pesticidas e herbicidas, por sua alta solubilidade, podem ocasionar intoxicações agudas, além de serem também neurotóxicos. 2.5 – Lixo, outras visões: Europa, Estados Unidos e Japão As questões concernentes à gestão dos resíduos sólidos urbanos apresentam-se de forma contundente em quase todas as sociedades contemporâneas. O processo de industrialização e a aglomeração de pessoas nos grandes centros urbanos propiciaram o incremento em quantidade de alimentos e de inúmeros produtos para atender às necessidades de uma sociedade progressivamente consumista e alienada dos problemas decorrentes do aumento do consumo no panorama mundial. Essa postura é a principal responsável por acelerar o processo de transformação da matéria-prima em resíduos a serem descartados, o que caracteriza a insustentabilidade entre o tripé produção, consumo e geração de lixo. Embora em maior proporção, o continente europeu, como o Brasil, vem sofrendo as conseqüências da grande produção de resíduos. Tal superlativação reside não apenas no fato de a Europa ser muito povoada, o que contribui para o aumento da produção de resíduos, mas também na falta de espaços para a manutenção e criação de novos aterros sanitários. Essas questões têm sido uma preocupação em todo o continente, obrigando a comunidade européia a determinar normas que controlem a produção de lixo. Essa situação levou a União Européia (UE) a exigir que os países membros adotem medidas para diminuir a produção de resíduos sólidos, cuja meta consiste na redução de 35% do total de lixo a serem destinados a aterros, tendo como base o ano de 1995, a ser atingida até 2020. Para o alcance dessa meta, a UE começou a restringir o uso de aterros, considerando os diversos problemas que estes causam ao meio ambiente e à saúde da população (GLOBO ONLINE, 2008). 40 O procedimento mais adotado para o descarte de resíduos sólidos na Europa e nos Estados Unidos é a incineração. Países como Japão e Alemanha e vários estados do leste dos Estados Unidos utilizam os vapores resultantes da incineração dos resíduos para movimentar turbinas que podem gerar eletricidade utilizada para o aquecimento ou refrigeração de residências (Ferreira et Tambourgi, 2009, p. 159). Segundo Ferreira e Tambourgi (2009, p. 159), os países europeus que adotam o processo de incineração dos resíduos sólidos aplicam o conceito de responsabilidade compartilhada entre as esferas públicas e privadas. Essa postura envolve o poder público com políticas adequadas, permitindo englobar ações de controle, de fiscalização e de programas de conscientização da população. As empresas privadas mantêm-se responsáveis pela incineração, cabendo à indústria o compromisso de gerar produtos recicláveis que retornem à cadeia de consumo, e à sociedade, orientada pelo poder público, a participar do processo de separação dos resíduos gerados. Em vários países europeus, como na Alemanha, Holanda e Dinamarca, não existem mais lixos sem processamento prévio dispostos em aterros sanitários, pois suas legislações não permitem tal prática. Na Alemanha e Holanda, menos de 5% dos resíduos são aterrados, uma vez que a prioridade no tratamento é a reciclagem, correspondendo, em alguns casos, a cerca de 50% do lixo produzido. O restante do lixo não reciclado segue para incineração. A Alemanha contém cerca de 70 usinas de incineração, de grande porte (figura 2) e a França, 100, perfazendo um total de mais de 400 usinas em todo o continente europeu (Coraça, 2010). A utilização dessa tecnologia exige investimentos de grande monta. Todavia, esse obstáculo pode ser superado por meio de legislação apropriada no tocante à vigilância, fiscalização e monitoramento e por meio de parcerias entre entidades públicas e privadas que visem economia de escala e benefícios para o meio ambiente e para a saúde da população. Os países membros da Comunidade Européia adotam o determinado na Diretiva 96/61/CE e nas Diretivas Comunitárias 94/67/CEE e 94/62/CEE, que dispõem sobre prevenção e controle integrado da contaminação ambiental, incineração de resíduos perigosos e parâmetros a serem utilizados para as embalagens e seus resíduos, respectivamente. A legislação referente aos resíduos sólidos em vários países europeus e nos Estados Unidos encontra-se em estágio avançado, havendo prioridade aos princípios dos 3 R´s – Reduzir, Reutilizar e 41 Reciclar, em detrimento à destinação a incineradores ou a aterros (Xavier et al, 2006). Na Tabela 2, pode-se observar o avanço da legislação relativa aos resíduos sólidos em alguns países europeus, nos Estados Unidos e no Japão. Figura 2 - incinerador Instalado na Alemanha Fonte: Ferreira et Tambourgi, 2009 Tabela 2: Aspectos da legislação sobre resíduos sólidos nos Estados Unidos da América, Japão e em Países Europeus PAÍSES LEGISLAÇAO EUA Coleta seletiva e postos de entrega voluntária. Em alguns estados, há a exigência de, no mínimo, 25% do material reciclado nas embalagens, como na Califórnia; a implantação do programa de reciclagem de embalagens de óleo lubrificantes usados (Carolina do Sul); a inclusão de metas de porcentagem de reciclagem. JAPAO Em 1993 foi aprovada a Lei básica do meio ambiente, que considera estratégias de prevenção e controle ambiental. Adota o Princípio do poluidor-pagador. Em 1997, entrou em vigor a Lei para promoção de coleta seletiva e reciclagem de recipientes e embalagens. Cont... 42 Continuação PAÍSES LEGISLAÇAO ALEMANHA Promulgou em 1991 a Lei Töpfer, que regulamenta sobre a reutilização das embalagens, conferindo prioridade à reciclagem e responsabilizando todos os setores da indústria e os consumidores pela separação e reciclagem. Sistema de coleta: retorno com depósito autorizado gerenciado pela DSD (Duales System Deutschland); Eco-selo – Green Dot (exigido desde 1993). Neste país, a reciclagem energética não é autorizada. AUSTRIA Desde 1992, todas as embalagens plásticas contendo bebidas estão sujeitas a um imposto equivalente a R$ 0,66. Contribuições com valores menores, no entanto, são cobradas para recipientes não-retornáveis e de vidro. Sistema de coleta: retorno com depósito autorizado. Gerenciado pela ARA (Altsoff Recycling Austria), equivalente ao DSD alemão. BELGICA Há um acordo voluntário, desde 1990, entre as indústrias e o Estado, com o objetivo de atingir o percentual de material incinerado para 66% e a reciclagem para 28%. Existe a cobrança da Eco-taxa e Eco-selo – Green Dot, além de sistema de retorno com depósito autorizado. DINAMARCA Primeiro país europeu a estabelecer leis para coleta e reciclagem de embalagens em 1984. A produção interna de bebidas, como cerveja e refrigerante, é feita em garrafas retornáveis. Adota a reciclagem energética para resíduos sólidos domiciliares; Ecotaxa e Eco-selo. ESPANHA Em 2002, foi promulgada a Lei 16/2002 para prevenção e controle integrados da contaminação. Desde 1988, vigora a R.D. 833/88 que determina os métodos de caracterização dos resíduos tóxicos e perigosos. Em 2002, através da ordem MAM/303/2002 foram definidos os padrões operacionais de valorização e eliminação de resíduos e a lista européia de resíduos. O procedimento de instalação para incineração de resíduos foi regulamentado em 2003 através da R.D. 653/2003. Adota-se o princípio das Ecotaxas. FRANÇA Desde 1993 exige-se dos fornecedores de produtos embalados a recuperação de suas embalagens. A reciclagem energética é autorizada. Há sistema de coleta (Eco-Emballages S.A.) e Ecoselo (Point Eco-Emballages, equivalente ao Green Dot). Cont... 43 Continuação PAÍSES LEGISLAÇAO HOLANDA Possui um acordo voluntário denominado Covenant, firmado entre o governo holandês e as indústrias de embalagens, que deu origem a uma associação conhecida como Verpakkingen, cujas normas buscam reduzir a quase zero a disposição de resíduos ou incineração que não sejam para a geração de energia, buscando elevar o percentual de reciclagem de embalagens para 75%. ITÁLIA Em 1988, foram instituídos consórcios obrigatórios para coleta de materiais de embalagem e programa de reciclagem. A legislação ambiental italiana tem sido fortalecida desde 1990. Neste ano, foi estabelecida uma legislação específica que implica taxas nas sacolas de shopping (equivalente a R$ 0,12 para cada saco não biodegradável) e para cada container de líquidos. A partir de 1991, todo material utilizado na fabricação de embalagens passou a ser especificado. Permite-se a reciclagem energética de apenas 20% do lixo. PORTUGAL Acordos voluntários entre indústria e governo. REINO UNIDO Desde 1992, possui um acordo entre alguns setores da indústria para tentar encontrar soluções comuns ao problema das embalagens. Possui Eco-taxas. A legislação não faz distinção entre resíduos de embalagens doméstica e industrial/comercial/institucional (ICI). Há, entretanto, a divisão de responsabilidades entre fabricantes, conversores, embaladores e vendedores. SUÉCIA Eco-taxa – embalagens one-way; Eco-selo e Sistema de coleta: retorno com depósito autorizado. SUIÇA Desde 1985 foi determinado que 80 a 85% dos não-recicláveis deveriam ser incinerados e o restante dos resíduos destinado a aterros. Possui uma legislação severa sobre embalagens desde 1988, proibindo PVC e latas. Em 1991, entrou em vigor a legislação que proíbe embalagens descartáveis de bebidas que contenham menos de 400 ml. Eco-taxa para garrafas PET. Nessa época, foram definidas algumas metas de reciclagem, como vidro em 72%, PET em 54% e lata de alumínio em 69%, sendo que todas as metas estabelecidas têm sido alcançadas e excedidas voluntariamente. Fonte: Xavier et al, 2006 (Adaptada) Observa-se na tabela acima que a maioria dos países europeus adota a Ecotaxa e/ou Eco-selo como um meio adequado ao gerenciamento dos resíduos 44 sólidos, podendo-se constatar, ainda, que em quase todos os países citados na tabela nº 2, foram estipuladas metas para o aumento do processo de reciclagem. Nas referências estudadas acerca da problemática dos resíduos sólidos nos EUA, no Japão e na Comunidade Européia, não se constata menção alguma a trabalhadores envolvidos no processo de reciclagem. Quando citados os meios adotados para esse fim, fala-se em empresas de cunho privado, subentendendo-se que trabalhadores estejam vinculados a esse processo, porém não há nenhuma alusão direta. A Diretiva 2006/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho determina que os Estados membros tomem medidas adequadas quanto à prevenção e redução da produção ou da nocividade dos resíduos para, posteriormente, haver a sua valorização para a reciclagem, reutilização, recuperação ou outras formas que desencadeiem matérias-primas secundárias. No que tange aos trabalhadores, no entanto, o que se observa é que, para obtenção dos resultados previstos, as autoridades competentes deverão estabelecer planos que incidam, dentre outras questões, sobre “... as pessoas singulares ou coletivas habilitadas a proceder à gestão dos resíduos”. Segundo Barbosa et al (2008, p. 182), serão descritas, abaixo, as diversas formas adotadas em vários países na condução das questões pertinentes à gestão ambiental dos resíduos sólidos: a) Japão: Prevalece a incineração; focaliza a redução dos resíduos; garrafas de vidro e eletrodomésticos são reciclados por empresas privadas; a política dos governos municipais é a de não gastar com reciclagem de vidros, papeis, plásticos, etc; o setor privado ajuda o governo municipal na redução dos resíduos; b) Alemanha: País pioneiro no equacionamento da questão dos resíduos sólidos; adota o princípio de valorização dos resíduos antes da eliminação; Lei de 86 estabeleceu a minimização e eliminação de resíduos; 45 c) França: O gerenciamento dos resíduos é de responsabilidade das autoridades locais ou entidades autorizadas, porém o de resíduos perigosos é de responsabilidade de empresas privadas; d) Espanha: Ações estão sendo implementadas para o cumprimento das regras estabelecidas pela União Européia; a Lei 10798 prevê planos nacionais de resíduos, admite que entidades locais possam elaborar seus próprios planos e regula as atividades dos produtores, importadores, comerciantes e qualquer pessoa que introduza no mercado produtos geradores de resíduos; e) Canadá: Cada província tem autonomia para editar e adotar medidas que visem o meio ambiente existindo uma diversificação de ações; implementação de campanhas educativas para adesão da população à coleta seletiva, reciclagem e compostagem; em algumas províncias, a reciclagem do óleo é obrigatória; há adoção do sistema de depósito/retorno (baterias, pilhas, pneus, etc); f) Estados Unidos: Adoção do princípio poluidor-pagador ou da responsabilidade; Lei Federal de 1976 (Federal Solid Waste Disposal act), respondeu pelo financiamento de inventários estaduais de aterros sanitários e lixões; a Lei de Conservação e Recuperação (Resource Conservation na Recovery Act) de 1976, garantiu a disposição segura dos resíduos perigosos, remetendo à EPA – Agência de Proteção Ambiental (Environmental Protection Agency) um rol de padrões relacionados à gestão dos resíduos perigosos e não-perigosos. Analisando as políticas adotadas nos países supracitados, constata-se a presença efetiva do poder público com ações e sanções nos diversos segmentos que envolvem a gestão dos resíduos. Muitas leis estabelecem medidas de controle e de fiscalização a fim de assegurar a preservação do meio ambiente e do bem-estar da sociedade, bem como a minimização da utilização de matérias primas. Todavia, 46 no tocante aos trabalhadores envolvidos no processo de reciclagem, há pouca menção tanto ao processo de trabalho quanto à saúde desses trabalhadores. A adoção do processo de incineração de resíduos requer uma avaliação criteriosa, considerando que esse procedimento contribui para a emissão de grande quantidade de dioxinas e de outros compostos químicos que são lançados ao meio ambiente. As dioxinas, subprodutos industriais, são substâncias aromáticas e, portanto, potencialmente carcinogênicas (Alves, 2007, p. 1008). Além da dioxina, são lançados na atmosfera gases estufa, devido à enorme combustão de componentes orgânicos. Nas três últimas décadas, foram verificadas concentrações significativas de dióxido de carbono na camada atmosférica. As conseqüências desse aumento afetam o meio ambiente de forma assustadora comprometendo a biodiversidade (Singer, 2004, p. 25). Segundo Singer (2004, p. 28), a Convenção Básica das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas, aprovada em 1992 e acatada por 181 governos, sugere que os signatários promovam ações para a redução da emissão de gases que provocam o efeito estufa, com equidade e de acordo com a capacidade de cada um. Os países em desenvolvimento foram poupados dessa meta, garantindo a estes o direito do desenvolvimento sustentável. Essa convenção adotou o “princípio da precaução”, a fim de se evitar os perigos irreversíveis, mesmo que ainda necessitem de um caráter científico. No Protocolo de Quioto foram estabelecidas metas, após varias negociações governamentais, para que os países da União Européia e os Estados Unidos reduzam seus níveis de emissão de gases estufa entre 8 e 7 por cento, respectivamente, até 2012, adotando-se os índices de 1990. O Brasil, como signatário da Convenção de Estocolmoe, assumiu o compromisso de reduzir a emissão de poluentes orgânicos persistentes que afetam o meio ambiente e ameaçam a saúde humana. Para tanto, será necessária capacidade técnica e estrutural para identificar as fontes e quantificar as emissões objetivando o atendimento dessas metas. Nessa linha, o Brasil deve adotar medidas adequadas para a gestão dos resíduos sólidos com ações que coadunem com o previsto naquela Convenção. e Essa Convenção estabelece a eliminação gradual de um grupo de 12 substâncias, entre elas dioxinas e furanos. 47 2.6 – Cooperativas de Materiais Recicláveis – Trabalho Precarizado O movimento cooperativista é fundamentado na reunião de pessoas que buscam suprir, conjuntamente, as necessidades do grupo, além de buscar a prosperidade econômica e a gestão coletiva dos empreendimentos pretendidos. Com essa visão, o cooperativismo sugere uma alternativa socioeconômica justa e equilibrada entre seus membros. As Cooperativas de materiais recicláveis seguem esses mesmos princípios, mas privilegia as relações de trabalho, o caráter autogestionário e a emancipação dos cooperados tendo como sustentáculo o movimento da Economia Solidáriaf. Segundo Culti (2000, p.2), o cooperativismo está voltado para as causas que trazem o autodesenvolvimento e que valorizam o ser humano, capacitando-o e inserindo-o nas dimensões econômicas, sociais e culturais. É uma estrutura que, apesar de surgir com o capitalismo, apresenta-se com um caráter participativo, democrático e equânime, objetivando atender ao conjunto de interesses e anseios de grupos específicos de trabalhadores. Lima (2009, p. 113) questiona: “Em que medida, a vinculação junto a cooperativas (grifos nossos), representa passos na direção de autonomia e possibilidade de emancipação dos trabalhadores, ou mais uma artimanha do capital para a precarização das relações de trabalho, ou, ainda, simplesmente uma forma secundária de organização do trabalho e mesmo uma alternativa de emprego?”. Para Culti (2000, p.2), a precarização e a exclusão do mercado formal de trabalho, decorrentes das novas tecnologias e das práticas neoliberais, levaram muitos trabalhadores a buscarem alternativas, surgindo aí, as organizações em cooperativas, em associações, em clubes de trocas ou em redes não monetárias, com sistemas autogestionários, que consistem em uma forma de buscar a inserção no mundo do trabalho. Muitas cooperativas tiveram o apoio de incubadoras que passaram a organizar esses trabalhadores em associações ou em cooperativas, tendo como f Economia Solidária é um movimento social que luta pela mudança da sociedade, por uma forma diferente de desenvolvimento, que não seja baseado nas grandes empresas nem nos latifúndios com seus proprietários e acionistas, mas sim um desenvolvimento para as pessoas e construída pela população a partir dos valores da solidariedade, da democracia, da cooperação, da preservação ambiental e dos direitos humanos, (Bertucci et al, 2010, p. 14). 48 propósito a melhoria das condições de trabalho, uma vez que esses indivíduos deixam os lixões ou a catação na rua. Nesse sentido, torna-se evidente a vantagem obtida com a saída da situação de precariedade anterior, elevando-se a um degrau na escala de instabilidade e insuficiências para uma vida digna e equilibrada. A melhoria se apresenta dentro do contexto de vida desses indivíduos (Lima, 2009, p. 122). As primeiras cooperativas de reciclagem de lixo começaram a surgir no Brasil a partir de 1985 (Medeiros e Macêdo, 2006, p. 66). A organização desses trabalhadores visa o fortalecimento da categoria e o poder de negociação dos materiais recicláveis, pretendendo melhor competitividade, aumento da oferta e garantia na negociação. Além disso, a cooperativa torna-se, também, palco de luta dos trabalhadores por melhores condições de trabalho, levando ao protagonismo dos mesmos na sociedade. Na busca de melhor organização e objetivando um comércio mais equilibrado e justo na venda dos materiais selecionados, várias cooperativas se unem em redes para agregar valores aos seus produtos e valorizar o trabalho dos seus cooperados. Como exemplo, podemos citar a Rede Nacional de Empreendimentos Solidários do PROVE – Rede Nacional do Prove/RNProve, que foi constituída em 07 de maio de 2009, sob a forma de Associação, qualificada como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos e não-econômicos. Atualmente, a rede conta com 37 (trinta e sete) cooperativas associadas. Destas, 21 (vinte e uma) estão legalizadas juridicamente e 16 (dezesseis) em fase de legalização. Segundo informações obtidas pela presidente da RNProve, cada cooperativa associada, conta, em média, com 20 (vinte) cooperados. Dentre as várias finalidades da Rede Nacional do PROVE, destacam-se a promoção da gestão sustentável de iniciativas de interesse coletivo, de modo a garantir a aplicação de conhecimentos e o desenvolvimento equilibrado e harmonizado com interesses econômicos, sociais e ambientais. Focaliza, ainda, as questões relativas à promoção da saúde dos agentes envolvidos quanto aos direitos e valores humanos e éticos, e à preservação do meio ambiente e da saúde física e mental. Para Bosi (2008, p.67), além das questões emancipatórias e de valorização dos catadores, o comércio de resíduos sólidos recicláveis vem se tornando uma 49 atividade rentável. Nesse sentido, a organização desses indivíduos em cooperativas ou associações se mostrou um caminho viável. O trabalho desenvolvido nas cooperativas de materiais recicláveis é relevante tanto para a cadeia produtiva quanto para o meio ambiente, uma vez que a segregação desses materiais diminui a quantidade de resíduos a serem destinados a lixões, a aterros sanitários ou a aterros controlados. Todavia, apesar da importante tarefa desenvolvida, os profissionais que vivem do lixo – catadores, coletores e até engenheiros sanitaristas – sofrem os estigmas da sociedade; são tidos como os “descartáveis”. Prova disso foi a experiência vivida pelo psicólogo social Fernando Braga da Costa, que, fingindo-se de gari, varreu as ruas do campus da Universidade de São Paulo (USP) e não foi reconhecido, sequer cumprimentado. Para o pesquisador ficou comprovado que a sociedade vê apenas a função exercida pela pessoa e não o sujeito em si. Sua tese abordou a percepção humana prejudicada e condicionada à divisão social do trabalho (Velloso, 2008, p. 1958). Estudos apontam que as atividades desenvolvidas junto às cooperativas e associações buscam identificar os processos que geram ou contribuem para a vulnerabilidade dos trabalhadores, pois organizados em cooperativas, compartilham os conhecimento adquiridos no dia-a-dia, tornando-se atores das suas histórias. De posse do saber, podem intervir e transformar os fatos reais dos seus processos de trabalho e definir prioridades, implicando a elaboração de estratégias que visem a melhoria da qualidade do processo de trabalho em defesa da saúde grupal (Lacaz, 2007, p.760; Dall`Agnol e Fernandes, 2007, p. 731). Diante do debate ecológico e do desenvolvimento sustentável a gestão racional dos resíduos sólidos passou a ter destaque ganhando visibilidade na sociedade e atribuindo à reciclagem um status ambiental e sócio-economicamente corretos (Eigenheer et al, 2005, p. 10). Para esses autores, “a reciclagem é hoje um procedimento industrial de reaproveitamento da matéria-prima para a produção de novos produtos (similares ou não). Já a coleta seletiva é um procedimento que facilita a reciclagem industrial, mas não só ela como também o reaproveitamento da fração orgânica por meio da compostagem, a geração de energia a partir do lixo e mesmo a reutilização de inúmeros materiais”. Frente às dificuldades vivenciadas pelos trabalhadores no contexto de falta de um emprego formal, muitos se inserem no processo de catação e classificação dos 50 resíduos sólidos na busca de um atributo que lhes assegure, na sociedade, um espaço como cidadãos e como parte integrante desta. Todavia, as condições a que estão expostos em seus ambientes de trabalho, manuseando todo tipo de material, não lhes permite concretizar esse anseio. A repulsa que a sociedade tem pelo lixo é estendida àqueles que labutam com tais materiais. Todas essas questões, somadas às adversidades encontradas nos postos de trabalho, culminam com a certeza de um trabalho precarizado. Zaneti et al (2009, p. 180) afirmam que estes grupos sociais buscam construir alternativas de sobrevivência, “nas brechas do rolo compressor do sistema dominante”. 2.6.1 – As Cooperativas em foco No início da pesquisa, optou-se por trabalhar com três cooperativas de materiais recicláveis, associadas à Rede Nacional do PROVE. Entretanto, no decorrer do trabalho de campo, houve a necessidade de alterar a programação e acrescentar mais uma cooperativa ao escopo por considerar pertinentes as informações obtidas de alguns entrevistados e da própria Rede Nacional do PROVE de que a Cooperativa nº 04 possuía características adequadas ao nosso estudo. Assim, decidiu-se trabalhar com quatro Cooperativas. 2.7 – Objetivos 2.7.1 – Geral Analisar os processos de trabalho dos agentes que lidam com materiais recicláveis de origem química, em sua relação com a saúde, e que desenvolvem suas atividades em 04 (quatro) Cooperativas de Catadores de Material Reciclável, localizadas no Município do Rio de Janeiro/RJ e associadas à Rede Nacional do PROVE, identificando os riscos à saúde e suas conseqüências. 51 2.7.2 - Específicos 1. Descrever os ambientes de trabalho das 04 (quatro) cooperativas; 2. Caracterizar os processos de trabalho das 04 (quatro) cooperativas; 3. Identificar os riscos à saúde presentes nos processos de trabalho; 4. Analisar os processos de trabalho dentro das cooperativas. 5. Caracterizar o material recebido, a título de doação, por instituições que destinam o seu lixo em atendimento ao disposto no Decreto nº 5.940/2006, do Governo Federal. 3. Método e Análises 53 3. Método e Análises 3.1 – Metodologia qualitativa, exploratória e descritiva Para o alcance dos objetivos da presente investigação foi utilizada a abordagem da metodologia qualitativa, exploratória e descritiva. Essa escolha é justificada pelo fato de o tema proposto estar relacionado a fatores sócioeconômicos, sócio-culturais, políticos e ideológicos. Este estudo contempla situações específicas que estão imbricadas no dia-a-dia dos trabalhadores que desenvolvem atividades em cooperativas de materiais recicláveis, lidando com resíduos de origem química, e discute o conjunto de fatores que circundam e potencializam os riscos à saúde presentes nos processos de trabalho dessa coletividade. Essa metodologia permite compreender o significado que as pessoas atribuem às suas experiências do mundo social, bem como a maneira como elas apreendem este mundo (Pope e Mays, 2009, p.11). Para Minayo (2008, p.23), a pesquisa qualitativa “visa compreender a lógica interna de grupos, instituições e atores quanto a: a) valores culturais e representações sobre sua história e temas específicos: b) relações entre indivíduos, instituições e movimentos sociais; c) processos históricos, sociais e de implementação de políticas públicas e sociais.” Com esse entendimento, busca-se explorar os caminhos percorridos pelos catadores cooperativados. Esse tipo de pesquisa intensifica a complexidade dos fenômenos, fatos e processos exclusivos de grupos determinados, enfatizando os “valores, crenças, representações, hábitos, atitudes e opiniões” (Minayo, 1993, p. 247). Ainda segundo Minayo (2008, p. 57), o método qualitativo é aplicado ao entendimento da história, das relações, das representações, das percepções e das opiniões, resultados dos entendimentos definidos pelos homens, relativos ao seu modo de viver, de como constroem seus caminhos e o seu caminhar, como sentem e pensam, permitindo apresentar processos e significados que ensejem melhoras em seus postos de trabalho. 54 O tema abordado nessa pesquisa possibilita a tomada de direções em diversos âmbitos. Todavia, optou-se por trilhar o campo da saúde do trabalhador, incorporando a temática saúde e ambiente, para revelar os percalços a que estão expostos os trabalhadores que lidam com materiais recicláveis, principalmente com os que contêm substâncias químicas. 3.2 – Coleta de Dados As coletas de dados ocorreram entre os meses de dezembro de 2009 a março de 2010 e foram realizadas nas dependências das cooperativas, tendo sido uma por vez. O período de estada em cada cooperativa para obtenção das informações teve duração de aproximadamente oito horas diárias, tendo ocorrido cerca de duas a três visitas em cada cooperativa. As primeiras medidas adotadas para a obtenção dos dados foram as visitas para avaliação e compreensão dos ambientes e dos processos de trabalho. Foi privilegiado o próprio ambiente de trabalho dos sujeitos como o local adequado para a obtenção dos dados, uma vez que o ambiente natural de trabalho é o espaço onde ocorrerá a observação, permitindo identificar os fenômenos decorrentes do processo saúde-doença e ensejando encontrar alternativas para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores em foco (Turato, 2005, p. 510). Para o acesso às cooperativas, houve a necessidade de atender a uma reivindicação da Rede Nacional do Prove que consistiu na elaboração de Termo de Cooperação firmado entre o Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e aquela organização. Assim, foram estabelecidas as normas básicas e condições gerais que regulamentaram as relações entre as duas instituições no que concerne à cooperação para a pesquisa em Saúde Coletiva. Por meio da coleta de dados e análises dos processos de trabalho dos associados da Rede, foram identificados os riscos e as conseqüências à saúde dos trabalhadores que atuam em cooperativas de material reciclável associadas à Rede Nacional do PROVE. A demanda do termo de cooperação partiu da direção da Rede Nacional do Prove, em decorrência da necessidade de se realizar trabalhos continuados que possam contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos sujeitos que lidam com 55 os resíduos sólidos, principalmente, com aqueles de origem química. Por outro lado, ao se identificar trabalhadores expostos a substâncias químicas, faz-se necessário o monitoramento periódico dos ambientes e dos trabalhadores. O termo de cooperação foi aprovado, após justificativa elaborada pela Direção do IESC/UFRJ, na Sessão Ordinária da Congregação do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva - IESC/UFRJ, ocorrida em 06 de outubro de 2009 e assinado pelas partes em 26 de novembro de 2009. A coleta de dados foi realizada através de roteiros para entrevista semiestruturados, destinados aos gestores das Cooperativas (apêndice A) e aos cooperados (apêndice B). Todos os roteiros foram aplicados no próprio ambiente de trabalho dos agentes desta pesquisa e durante o expediente de exercício dos mesmos, com a devida anuência e autorização para a utilização dos dados obtidos e observados. Os trabalhadores entrevistados não foram identificados. As entrevistas foram realizadas pessoalmente pelo pesquisador. Os roteiros destinados aos cooperados foram elaborados para traçar um perfil do trabalhador quanto à sua condição sócio-econômica; à situação de trabalho para se compreender os processos desenvolvidos; ao estado de saúde; ao manuseio e à exposição aos diversos tipos de resíduos, principalmente aos químicos e suas conseqüências à saúde. Por fim, foram abordadas as relações entre as atividades desenvolvidas e o adoecimento. Todas essas questões foram trabalhadas de forma a instigar o entrevistado a contribuir além daquilo que lhe fora perguntado. Nos roteiros utilizados para os gestores procurou-se, além de traçar as características da cooperativa, identificar os tipos de materiais recebidos e negociados e abordar as relações de trabalho, incluindo a percepção do gestor quanto aos processos e riscos decorrentes do trabalho. Os instrumentos utilizados para obtenção de dados, tanto dos gestores quanto dos cooperados foram adaptados dos trabalhos realizados pelos pesquisadores Ferreira (1997, p. 194-205) e D´Acri (2002, p. 159-179). Procurou-se, por meio do diálogo, estabelecer um clima de confiança, no qual os preconceitos e desconfianças com relação ao nosso trabalho fossem descartados e os entrevistados tivessem segurança quanto às nossas pretensões na pesquisa. Não foi difícil encontrar em todas as cooperativas trabalhadores reticentes a esta pesquisa, pois muitos afirmaram que os estudos, pesquisas, propostas de melhorias, 56 são muitas, mas que nada tem acontecido para a melhoria das condições de trabalho desses sujeitos. No transcorrer das entrevistas, optou-se por um conjunto de procedimentos que viabilizasse a obtenção das informações, tais como: memorização das falas com registro posterior às conversas, notas durante as entrevistas, gravações com transcrições pósteras, uso de diários e fotografias do local, quando autorizadas. Todas essas etapas foram vividas e presenciadas pela pesquisadora que optou por participar pessoalmente desses momentos, objetivando colher, com a melhor exatidão e fidedignidade, as informações prestadas pelos interlocutores. Nesses instantes a pesquisa foi enriquecida pelas observações dos atos, sentimentos, gestos e olhares que muito expressavam e falavam. Como, segundo Minayo (2008, p. 335), define: “Vivenciar é diferente de ouvir, falar, de deduzir ou de intuir”. Atentou-se para, no início do diálogo, apresentar aos interlocutores o objetivo da pesquisa, pontuando os motivos que nos levaram a fazer este trabalho, numa linguagem acessível e clara, respeitando aqueles que, por quaisquer motivos, não dominam a linguagem científica. As entrevistas ocorreram nos meses de janeiro a março de 2010. O anonimato e o sigilo foram garantidos a todos os que se propuseram a contribuir com os dados que balizaram o trabalho, ficando claro que os nomes e pseudônimos não seriam utilizados como forma de identificação na pesquisa nem nos resultados do estudo. Foi esclarecido, ainda, que as informações fornecidas não seriam usadas para, em momento algum, prejudicar o informante. 3.3 – Referências e Trabalho de Campo Este estudo se apropriou de diversas bibliografias já existentes sobre o assunto, abrangendo livros e artigos científicos, tendo sido enriquecido com a pesquisa de campo e a observação dos processos de trabalho dos sujeitos selecionados. Dentre os diversos materiais analisados na pesquisa, foram utilizados artigos de vários jornais, informações de sítios eletrônicos, relatórios do Movimento e do Congresso Nacional de Catadores. A análise da pesquisa foi enriquecida pela observação subjetiva do pesquisador no ambiente de trabalho dos pesquisados, no intuito de colher detalhes 57 nas falas, nos gestos e nas expressões dos entrevistados e de obter orientações quanto ao caminho a ser seguido no decorrer do trabalho, (Minayo 1993, p. 246). 3.4 – Público Alvo O principal critério para a escolha das cooperativas foi consoante com a natureza dos resíduos sólidos. Como a análise e o estudo foram norteados para os resíduos químicos e suas implicações na saúde dos trabalhadores que manejam materiais recicláveis, optou-se, a princípio, dentre às trinta e sete cooperativas apresentadas pela Rede Nacional do PROVE, por três que recebem e manuseiam diferentes tipos de lixo químico ou contaminante. No transcorrer da pesquisa, foi acrescentada mais uma cooperativa que passou a lidar com produtos de natureza química. Essa informação foi obtida com os cooperados entrevistados. A população estudada foi constituída por trabalhadores vinculados a quatro cooperativas de materiais recicláveis, associadas à Rede Nacional do PROVE, perfazendo, aproximadamente, um total de oitenta trabalhadores, uma vez que cada uma das cooperativas conta com cerca de vinte cooperados. Entretanto, foram elencados e priorizados outros critérios, sem os quais a pesquisa se inviabilizaria. No primeiro, observou-se a quantidade de cooperados vinculados a fim de garantir as analises das condições e dos processos de trabalho. No segundo, a prioridade foi quanto à localização das cooperativas, de modo a assegurar o deslocamento para a pesquisa de campo. Por fim, e talvez mais importante, foi considerada a receptividade da proposta de trabalho por parte dos dirigentes das cooperativas. Os sujeitos participantes dessa investigação foram os cooperados vinculados às quatro cooperativas associadas da RNProve. Todos os cooperativados foram convidados para entrevista. Todavia, aqueles que não quiseram participar tiveram seus desejos atendidos e respeitados. Os que concordaram e se dispuseram a colaborar com a pesquisa assinaram o termo de participação e consentimento, apêndice C. A população estudada foi composta por oito gestores representantes das quatro cooperativas e por trinta e quatro cooperativados. O grupo dos cooperados continha vinte e um do gênero feminino e treze do gênero masculino. No dos 58 gestores, havia cinco de gênero feminino e dois do gênero masculino. Esses sujeitos serão identificados nessa pesquisa de acordo com a definição abaixo: a) Cooperativa: nº 01, Gestores: G1.1, G1.2, G1.3 Cooperados: C1.1, C1.2, C1.3, C1.4, C1.5, C1.6, C1.7, C1.8, C1.9 e C1.10 b) Cooperativa: nº 02, Gestores: G2.1 Cooperados: C2.1, C2.2, C2.3, C2.4, C2.5, C2.6, C2.7 C) Cooperativa: nº 03, Gestores: G3.1 e G.3.2 Cooperados: C3.1, C3.2, C3.3, C3.4, C3.5, C3.6, C3.7, C3.8 D) Cooperativa: nº 04, Gestores: G4.1 e G.4.2 Cooperados: C4.1, C4.2, C4.3, C4.4, C4.5, C4.6, C4.7, C4.8, C4.9 Quanto aos gestores, procurou-se entrevistar todos aqueles a quem se teve acesso - presidentes, secretários executivos, diretores administrativos e financeiros, etc -, sempre respeitando a disponibilidade de tempo e vontade de contribuir com as informações solicitadas. Esse grupo, ao concordar com a entrevista, assinou, também, o termo de participação e consentimento. No total, foram entrevistados oito gestores do total de quatro cooperativas. 3.5 – Cuidados Éticos Essa pesquisa obedeceu aos princípios éticos e às normas determinadas pela Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta a realização de pesquisa envolvendo seres humanos, tendo sido aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, da UFRJ, por meio do parecer CEP/IESC-UFRJ nº 07/2010, datado de 03 de Fevereiro de 2010. 4. Resultados e discussão 60 4. Resultados e discussão “Ó, mundo tão desigual Tudo é tão desigual Ó, de um lado este carnaval Do outro a fome total...” (Gilberto Gil) No quadro 2, são apresentados os tipos de resíduos manuseados diariamente nessas cooperativas. Quadro 2 – Tipo de Resíduos manuseados nas Cooperativas estudadas Materiais Coop. Coop. Coop. Coop. Nº 01 Nº 02 Nº 03 Nº 04 Baterias Sim Sim Sim Sim Bombonas Não Sim Não Não Cápsula de míssil Não Sim Não Não Cartuchos de impressoras Não Sim Não Não Chapas e Produtos de Revelação Não Sim Não Não Copos descartáveis Sim Sim Sim Sim Embalagens de produtos de limpeza Sim Sim Sim Sim Embalagens plásticas de óleo Diesel e graxa Sim Não Não Não Garrafas de água Sim Sim Sim Sim Garrafas tipo PET - Polietileno tereftalato Sim Sim Sim Sim Jornais Sim Sim Sim Sim Latas de tintas Sim Sim Sim Sim Livros Sim Sim Sim Sim Material não separado – lixo contendo matéria Sim Não Sim Sim orgânica (residências e de condomínios) Óleo vegetal Sim Sim Sim Sim Papel Branco Sim Sim Sim Sim Papel comum Sim Sim Sim Sim Papelões Sim Sim Sim Sim Pilhas Sim Sim Sim Sim Plásticos tipo EVA - Poliacetato de Etileno Vinil Sim Sim Sim Sim Pneus usados Sim Não Não Não Revistas Sim Sim Sim Sim Sucatas – Material eletroeletrônico Sim Sim Sim Sim Sucatas de ferro Sim Não Sim Sim Vidros em Geral Sim Sim Sim Sim Fonte: elaborado pelo autor 61 4.1 – Cooperativa nº 01 - Cooperativa de Materiais Recicláveis. A Cooperativa nº 01 foi criada em 1999 e ocupa um galpão de 760 metros quadrados, situado em Bonsucesso, no Complexo da Maré, cuja densidade populacional é de cerca de 200 mil pessoas. Essa cooperativa possui em seu quadro trinta cooperativados e emprega mais trinta pessoas na triagem e beneficiamento básico dos materiais recebidos a título de doação de instituições públicas, de empresas, da COMLURB e dos trazidos pelos catadores. O beneficiamento consiste na separação, classificação, prensagem e enfardamento dos recicláveis, dentre embalagens de Polietileno tereftalato (PET), Tetra Pak, latas de alumínio, papel, papelão, revistas, jornais, vidro, plástico e metais, perfazendo uma média de 80 toneladas de material por mês. Objetivando a divulgação da prática de coleta seletiva de lixo, a Cooperativa nº 01 promove palestras e presta consultoria para escolas, condomínios, empresas, associações de moradores e diversas instituições. Para o seu Presidente, "a reciclagem não é um modismo, e não existe faculdade para isso. Portanto, é nossa responsabilidade divulgar e educar a população", G1.1. A idéia e o projeto de fundar uma cooperativa de material reciclável, a Cooperativa nº 01, surgiram após a longa experiência, do atual presidente, adquirida durante os 23 anos que trabalhou na indústria plástica. Atualmente, o principal apoiador das atividades dessa Cooperativa é a empresa Coca-Cola. Outro importante projeto desenvolvido pela Cooperativa nº 01, é o DisquePneu. Esse projeto foi uma iniciativa da Secretaria Estadual do Ambiente e dessa Cooperativa, sob o apoio dos postos da BR Distribuidora. O programa de reciclagem de pneus usados, no Estado do Rio de Janeiro, foi lançado em novembro de 2007 e tem como pressuposto não apenas limpar o meio ambiente, mas também combater um dos grandes criadouros do mosquito transmissor da dengue. Os pneus, recolhidos por essa Cooperativa têm como destino final a reciclagem, resultando em subprodutos como solas de sapatos, dutos de águas pluviais, tapetes para automóveis, pisos industriais e asfalto-borracha que, segundo os diretores da Cooperativa, é mais resistente, flexível e absorve melhor a poluição sonora provocada pelo tráfego de veículos. Os pneus ficam armazenados em local 62 aberto, por um período de aproximadamente dois meses, até se atingir numa quantidade razoável para a venda, conforme podemos verificar na figura 3. Os trabalhadores desenvolvem seus trabalhos em galpões cobertos ou em espaços abertos. Quando necessário, trabalham no pátio sujeitos ao sol e à chuva. A Cooperativa nº 01 está equipada com três prensas, três balanças, dois computadores e possui um caminhão para a coleta e transporte do material. Figura 3 – Cooperativa nº 1. Quantidade de pneus armazenados para comercialização. Fonte: Autora Os materiais recebidos e manipulados nessa Cooperativa, com maior freqüência e quantidade, são papel, papelão, plásticos de vários tipos, vidro, ferro, copos descartáveis de Polipropileno (PP) e Poliestireno (PS), material eletroeletrônico (high tech), pneus usados e embalagens plásticas de óleo diesel, combustível e graxas. Esses materiais vêm de diversas fontes, como Banco Itaú, International Business Machines (IBM), Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais IBMEC, Prosint Química – Petróleo e derivados, órgãos do governo - Eletrobrás Furnas, Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social (Dataprev), Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDS) e Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (CEPEL) - e de quatro 63 condomínios residenciais. Junto ao material recebido vem todo tipo de resíduos, dentre eles os passíveis de reciclagem, além da grande quantidade de lixo “in natura”. Observou-se, em vários locais da cooperativa, grande quantidade de papéis higiênicos e papeis toalha usados, dentre os materiais a serem manipulados pelos trabalhadores e também espalhados pelo chão, o que torna o local mais insalubre. Comumente foram vistas pessoas transitando sobre esses resíduos. Nos ambientes da cooperativa existem várias pilhas de sacos de materiais, conforme visualizados na figura 4, que estão prontos para o início do processo de triagem. Figura 4 – Cooperativa nº 1. Quantidade de lixo a ser triada. Fonte: Autora A Cooperativa nº 01 possui três principais ambientes de trabalho, conforme segue: a) Galpão, denominado de produção. Nesse local trabalham os cooperados e pessoas contratadas que fazem a triagem dos materiais recicláveis. As tarefas são divididas de acordo com a capacidade de cada um e por função. Uma cooperada é responsável pela 64 coordenação e divisão de tarefas. Ordena e controla os resíduos que vão para as mesas de triagem, acompanha a destinação dos recicláveis, por tipo, para a prensagem, enfardamento, pesagem e empilhamento, e organiza o descarte do material considerado lixo. Os rejeitos são colocados para fora do galpão, onde são recolhidos pela COMLURB, conforme disposto na figura 5. Durante as entrevistas, constatou-se grande quantidade de ratos (camundongos/catitas) no interior do galpão, passando por entre os objetos manuseados durante o processo de triagem. Facilmente podem-se perceber fezes e urinas desses animais. Segundo informações dos cooperativados, a COMLURB frequentemente realiza dedetização e desratização do local, mas é impossível a exterminação desses animais. Figura 5 – Cooperativa nº 1. Dejetos a serem recolhidos pela COMLURB. Fonte: Autora Nesse setor trabalham aproximadamente quinze pessoas em sua maioria mulheres. O trabalho é realizado em pé e todos obedecem a uma carga horária de oito horas diárias. Apesar de os dirigentes da cooperativa informarem que fornecem equipamentos de proteção individual – EPIs (capacete, máscaras, avental e luvas de 65 borracha resistente), verificou-se que a maioria dos trabalhadores usavam apenas luvas de látex, e somente uma cooperada usava botas. b) Galpão – Óleo combustível Neste galpão não foi autorizada a entrada da pesquisadora. Apesar de permanecer na porta de entrada, pode observar que o recinto é totalmente inebriado de óleo combustível e de graxa. Os trabalhadores que fazem o processo de triagem de embalagens plásticas de produtos combustíveis (óleo, graxas, ceras e filtros de óleo) têm os seus corpos e vestimentas repletos de óleo. Esse fato foi constatado no momento da entrevista realizada com os trabalhadores que atuam nesse setor. O forte cheiro dos produtos, o elevado nível de temperatura e a iluminação precária contribuem para um ambiente de trabalho mais sombrio, insalubre e periculoso. Foram notados, quando da visita, vários tonéis e baldes que, geralmente, são utilizados para acondicionamento de óleos combustíveis e lubrificantes. Nesse recinto existia, ainda, grande quantidade de sacos com materiais a serem triados (figura 6). Figura 6 – Cooperativa nº 1. Galpão Óleo Combustível. Fonte: Autora 66 Os equipamentos de proteção individual utilizados são as luvas de borrachas e botas que de pouco ou nada adiantam para se evitar o contato direto com os produtos químicos. O processo de separação dos recipientes é precário. Os trabalhadores têm que jogar, a uma altura de aproximadamente 1,5 m, os frascos e filtros de óleo, o que justifica o fato de as sobras dos produtos jorrarem pelos ares não só derramando-o pelo chão, mas também respingando nos próprios trabalhadores e em suas roupas. Na figura 6 observa-se que o chão tem uma cor escura. Isso se dá pela grande quantidade de óleo combustível que é derramada no decurso da classificação e separação dos frascos usados. Os gestores informaram, que nesse ambiente trabalham, em média, dez profissionais, dentre homens e mulheres. Na ausência de um trabalhador ou quando a demanda de trabalho aumenta, fato que ocorre com freqüência, outro cooperado do setor de produção é remanejado para executar as atividades, evitando, assim, que haja uma queda no rendimento do trabalho. Dessa forma, chega-se à conclusão de que não só os trabalhadores fixos estão expostos, mas também aqueles que se revezam entre o setor chamado de produção e o do Galpão do óleo. A Resolução Conama nº 362, de 23 de junho de 2005, dispõe sobre a coleta e destinação final, incluindo a reciclagem e o rerrefino do óleo lubrificante usado ou contaminado por considerar que o uso prolongado desse produto resulta na sua degradação parcial, formando ácidos orgânicos e compostos aromáticos polinucleares com potencialidades carcinogênicas e, ainda, por ser classificado pela ABNT-NBR 10004 como resíduo perigoso por apresentar toxicidade. Essa legislação preocupa-se apenas com o destino a ser dado ao óleo após o uso, não havendo nenhuma diretriz que norteie o manuseio, descarte e reprocessamento das embalagens que acondicionam esse óleo. Essas embalagens de plástico de Polietileno de alta densidade (HDPE) contaminadas pelo óleo lubrificante e por restos dos produtos que permanecem no final dos recipientes são manuseadas diariamente na Cooperativa nº 01. Segundo os dirigentes da cooperativa, todos os cooperativados contribuem para o INSS e quando algum cooperado necessita de afastamento para tratamento de saúde, por até 15 dias, este participa normalmente do rateio como se estivesse trabalhando. Quando perguntados sobre quais são os riscos decorrentes do trabalho e quais são as doenças que podem ser adquiridas no exercício das tarefas, os dirigentes informaram que existem muitos, pois trabalham com todo tipo de material 67 contaminado e que a doença mais prevalente é a de pele, as dermatoses. Outra questão que enfatizaram foi o grande numero de faltas, absenteísmo, devido ao alcoolismo. c) Galpão central “Cata Rio Solidário” Embora não tenha sido permitido o acesso às dependências desse galpão, pode-se observar a grande quantidade de materiais armazenados, principalmente, papéis e papelões, ao chegar à entrada. Esses resíduos são enviados por várias cooperativas do município do Rio de Janeiro que são associadas à Rede de Cooperativas denominada Central “Cata Rio Solidário”. Essa associação visa negociar, de forma mais lucrativa e eficaz, os materiais encaminhados pelas cooperativas, partindo do pressuposto de que, quanto maior a quantidade, melhor o poder de barganha na transação financeira. O presidente da Rede justifica: “juntamos todo o material, negociamos em bloco com a indústria e o dinheiro arrecadado é dividido, proporcionalmente, entre as cooperativas”, (G1.1). A Central possui, atualmente, três caminhões que foram doados pela Petrobrás (um quarto caminhão doado foi vendido para formar um capital de giro). Esses caminhões são emprestados, de acordo com um cronograma semanal, para as cooperativas da Rede que não dispõem de meios próprios para transportar os materiais recebidos das diversas instituições com as quais mantêm parceria. A maior parte do material recebido é comercializada em São Paulo, onde os preços são mais vantajosos. “Vamos aproveitar essa união para dar dois importantes passos que são muito difíceis para as cooperativas isoladamente: acessar as linhas de crédito do BNDES, pois a central está totalmente documentada para isso, e buscar grandes volumes junto aos órgãos do governo, usando o incentivo do Decreto nº 5.940, do governo federal”, planeja o gestor G1.1. Na figura 7, é apresentada a área descoberta da cooperativa, onde se observa os amontoados de resíduos sólidos descartados após a triagem a serem retirados pela COMLURB. Percebe-se, ainda, os caminhões do projeto “Cata Rio Solidário” e um caminhão carregado com materiais recicláveis para negociação. Nessa área, a quantidade de rejeitos é grande e, não raro, constata-se a presença de animais e insetos, como ratos, baratas, moscas e mosquitos que são vetores para a transmissão de doenças. 68 Figura 7 – Cooperativa nº 1. Área externa da Cooperativa e Caminhões do projeto “Cata Rio Solidário”. Fonte: Autora 4.2 – Cooperativa nº 02 - Cooperativa de Materiais Recicláveis. A Cooperativa nº 02 foi criada em 2002, com o apoio da Igreja Católica situada próxima à Cooperativa, mas só em 2006 foi formalizada. O galpão da Cooperativa está situado em Brás de Pina, Rio de janeiro, e conta, atualmente, com três cooperados do gênero masculino e sete cooperados do gênero feminino. A demanda da formação da cooperativa surgiu da necessidade de se buscarem alternativas de fonte de renda para as pessoas cadastradas nos projetos sociais da Igreja, principalmente, às mulheres que não tinham estudos e que estavam desempregadas, necessitando desenvolver alguma atividade remunerada. A Cooperativa nº 02 recebe materiais de diversas instituições públicas, de acordo com a assinatura do termo de compromisso estabelecido no Decreto 5.940/2006, como Hospital Central do Exército (HCE), Arsenal da Marinha, Empresa de Correios e Telégrafos (ECT), Centro de Instrução Almirante Wandenkolk (CIAW), Ministério Público, da Igreja da comunidade e de vários condomínios residenciais. Os próprios membros dessa Cooperativa realizam palestras de conscientização e ministram cursos relativos à coleta seletiva no intuito de incentivarem os condôminos 69 a separarem os materiais passíveis de reciclagem para sua destinação à cooperativa. No processo inicial de estabelecimento da separação dos resíduos, um grupo de cooperados vai para dentro do condomínio a fim de conferir o suporte logístico e esclarecer dúvidas quanto à nova ação. Essa Cooperativa manipula diversos tipos de materiais. Os de maior freqüência são: papel branco; papelão; embalagens de cápsula de míssil (oriundos do arsenal da marinha); plásticos transparentes de Acetato de Etilvinila (EVA); bombonas que armazenam cloreto de sódio e outros produtos químicos; latas de tintas; embalagens de produtos de limpeza; revistas; jornais; vários produtos de revelação (chapa de revelação, cartuchos grandes e pequenos de impressoras, copiadoras e reveladoras); e óleo vegetal usado. A quantidade de materiais trabalhados, por mês, na Coopquitungo, gira em torno de 20 toneladas. As atividades laborais dos cooperativados são desenvolvidas em recintos abertos e fechados, tanto no galpão da cooperativa quanto nos condomínios e nas empresas ou instituições que mantêm termo de compromisso para a coleta de materiais. Todos atuam de acordo com a demanda de trabalho, da sua capacidade física e de conhecimento/capacitação. A jornada de trabalho é de 8 horas diárias, exercida em pé na maior parte do tempo, com bastante movimento e raramente os trabalhadores fazem horas extras. Os gestores da cooperativa informaram que são distribuídos equipamentos de proteção individual e que é de responsabilidade do cooperado a utilização, a guarda e a conservação dos EPIs. As luvas são adquiridas pelos próprios cooperados, decisão tomada pelo grupo como uma forma de assumir a responsabilidade pela utilização e cuidados com esse equipamento. Apesar da informação, verificou-se a utilização de luvas apenas pelo trabalhador da prensa. Todos os membros da cooperativa passaram a contribuir para o INSS a partir de outubro de 2009. Para a presidente da Cooperativa nº 2, as doenças por contaminação, dermatológicas, do trato respiratório e alergias são os riscos a que estão expostos diariamente pelo manuseio de material contaminado e periculoso, como é o caso das embalagens de míssil e dos produtos químicos dos materiais de revelação. Com a finalidade de minimizar os riscos, os cooperados optaram por fazer um revezamento freqüente das atividades, exceto o prensador, que tem uma capacitação específica para essa tarefa. Outra decisão tomada pelo grupo é a de 70 que as cargas pesadas devem ser manuseadas pelos homens devido à maior resistência física. Quando indagados sobre os riscos decorrentes do manuseio dos produtos que circulam na cooperativa, surgiram as seguintes respostas: “É só essa coisa mesmo de pegar algum tipo de material que a gente não conhece e vir com algum tipo de resíduos que venha de repente trazer risco à saúde da gente... que a gente não conhece, não sabe o que tá dentro de alguma embalagem, né? Quando a gente tava na Marinha, na Ilha das Cobras, às vezes vinha óleo, vinha uns galões grandes com coisas que a gente nem sabia o que era, um líquido.” (G2.1) “Como nosso material vem limpo, a gente não tem essa grande preocupação... mas quando vem de outro setor, tipo Marinha, HCE, a gente tem o maior cuidado. Recebemos uma grande quantidade de chapas que a gente sabe que tem problema, ai eles falaram assim que a gente tinha que ter LO aí nós fomos, buscamos a empresa que é interessada no produto, trouxemos a documentação dela, a LO, para ela ficar responsável pelo descarte desse material, pois dizem que é radioativo. Essa empresa pega as chapas e os recipientes com restos de revelador, são bombonas de plásticos que contem restos de reveladores. A gente manuseia para separar e ai a empresa pega e leva.” (G2.1) “Vários riscos à saúde, porque a gente trabalha com muitas coisas que a gente não sabe, desconhece a composição... a gente desconhece o que é químico e o que não é.” (C2.5) Todos os cooperativados têm café da manhã e almoço na própria cooperativa. Esse benefício é fruto de uma parceria com uma instituição filantrópica que doa mensalmente 30 cestas básicas que são distribuídas entre os cooperados e as que sobram são utilizadas para o consumo na cooperativa ou doadas a pessoas carentes da comunidade. Na Cooperativa nº 02, não se observou quantidade significativa de lixo. Entretanto, o que chamou à atenção foi a grande quantidade de cartuchos de impressoras espalhando toner por um raio considerável. Devido à chuva ocorrida no período em que visitei a cooperativa, o toner percolava no solo e os cartuchos que não estavam molhados, ao serem remexidos, levantavam uma poeira densa de partículas escuras. Foram presenciadas quantidades significativas de seringas jogadas ao chão, o que deve ter sido resultante do material recebido do HCE, podendo causar riscos de perfuração nos trabalhadores que transitam no recinto, principalmente pelo fato de os mesmos não usarem botas adequadas para o tipo de trabalho. 71 As figuras de números 8, 9 e 10 apresentam a grande quantidade de diversos tipos de cartuchos que já foram manuseados (classificados, separados e ensacados) pelos trabalhadores. Na ocasião da venda, esses sacos são transportados, pelos cooperados, para o carregamento do caminhão, momento em que todos reclamam da poeira de toner que é levantada. Figura 8 – Cooperativa nº 02. Cartuchos de impressoras e copiadoras Fonte: Autora Os trabalhadores questionam quais os riscos a que estão expostos pela inalação e pelo contato dérmico com as partículas de toner. Todos desconhecem a sua composição química e são unânimes na desconfiança das conseqüências futuras e se pudessem optar, não receberiam esse tipo de material. Só o fazem porque se veem obrigados devido à assinatura do termo de compromisso junto à instituição doadora, conforme previsto no Decreto 5.940/2006. As falas abaixo exemplificam as dificuldades enfrentadas pelas cooperativas. 72 Figura 9 – Cooperativa nº 2. Cartuchos de impressoras e copiadoras Fonte: Autora “Tem empresa que depois do decreto, sabe que tem que doar o material pra gente, mas não cooperou assim nem um pouquinho pra seguir o que ta na lei, né? Tanto a lei municipal, estadual e Federal pede que a instituição entregue o material separado na fonte e isso não tá acontecendo em algumas empresas até mesmo porque elas usavam esse material em beneficio próprio, vendiam... depois que veio a lei 5.940 que eles tem que doar esse material para as cooperativas isso tem dado muita dor de cabeça pra gente, é... vem só material que não presta que não tem valor comercial.” (G2.1) “Um formato de cartucho que eu acho que era algum, não é capa, é embalagem, de míssil, de montagem de míssil, que vinha com aquele residuozinho de pólvora.” (G2.1) “Essas embalagens foram manuseadas de diversas formas para se tentar abrir, para retirar o plástico e a latinha que estavam na embalagem. Usamos martelo e maquita para rasgar, mas não conseguimos. Um ferro velho que comprou, colocou as embalagens ao relento para molhar com a chuva para amolecer o papelão, para se conseguir retirar a lata e o plástico.” (G2.1) “E as empresas hoje depois do decreto tão fazendo isso, o que não presta pra eles, eles jogam pras cooperativas independente de ser ou não ser, e o que presta eles seguram.” (G2.1) 73 Figura 10 – Cooperativa nº 02. Cartuchos de impressoras e copiadoras Fonte: Autora 4.3 – Cooperativa nº 03 - Cooperativa de Materiais Recicláveis. A Cooperativa nº 03 foi criada em 04 de maio de 2002, a partir da demanda de alguns trabalhadores que, de forma isolada, faziam catação diária de materiais recicláveis tais como, latas, papelão, garrafas pet e demais resíduos sólidos comercializáveis no próprio bairro de Bonsucesso e no entorno do Complexo da Maré. Em 2004, essa Cooperativa foi incubada pela Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP/COPPE/UFRJ e, em seguida, estabeleceu uma parceria com a Linha Amarela SA (LAMSA), com o objetivo de desenvolver trabalhos de educação ambiental na área da Maré, Cidade Universitária e comunidades circunvizinhas. Além disso, essa Cooperativa desenvolve trabalhos comunitários em parceria com a Associação dos Moradores do Conjunto Bento Ribeiro Dantas e a Associação de Moradores da comunidade da Vila dos Pinheiros, no Complexo da Maré. 74 O galpão da Cooperativa está situado no Complexo da Maré – Bonsucesso. Todavia, seus cooperados prestam serviços em vários postos de trabalho de acordo com a demanda, necessidade de trabalho da Cooperativa, capacitação e conhecimento e habilidade física do cooperado. As atividades realizadas pelos cooperados se desenvolvem no próprio galpão, no Canal do Cunha, nos trabalhos de artesanatos e nas instituições com as quais mantêm termo de compromisso para o recebimento de materiais recicláveis, conforme determina o Decreto 5.940/2006. Atualmente, a Cooperativa mantém convênio com várias instituições públicas como Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA), Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A (NUCLEP), Banco do Brasil S/A, Marinha, Ministério da Fazenda, BNDES, Agência Nacional do Cinema (ANCINE) e SERLA, de onde recebe os materiais a serem triados para a reciclagem. O contrato mantido com a SERLA (Superintendência de Rios e Lagoas do Rio de Janeiro) regula o trabalho prestado pelos cooperados no Canal do Cunha, que inclui a retirada de resíduos acumulados na barreira de contenção. Após a separação desse material, os resíduos recicláveis são armazenados e o restante é descartado em contêineres para a COMLURB proceder à destinação final. Figura 11 – Cooperativa nº 03. Quantidade de lixo a ser triada. Fonte: Autora 75 O volume de resíduos manuseados mensalmente pela Cooperativa nº 03 se dá em torno de 14 toneladas no galpão da cooperativa e em torno de 10 toneladas no Canal do Cunha. Os materiais de maior prevalência são: papéis brancos, garrafas tipo PET, papelões, sucatas de ferro, vidros e plásticos em geral e pilhas e baterias. O galpão da cooperativa é bem organizado, havendo, porém, grandes amontoados de resíduos a serem separados e classificados, conforme demonstrado nas figuras 11 e 12. A cooperativa, atualmente, possui quatorze cooperados do gênero feminino e dezesseis do gênero masculino e conta, ainda, com o trabalho de catadores avulsos que trabalham por conta própria recolhendo materiais nos diversos locais de despejos existentes no Complexo da Maré (figuras 13 e 14). Esses catadores vendem à Cootrabom, de forma isolada, os resíduos coletados. Constatou-se grande quantidade de lixo disposta a céu aberto em diversas áreas do complexo da Maré e vários catadores atuando nesses locais. Figura 12 – Cooperativa nº 03. Quantidade de lixo a ser triada. Fonte: Autora 76 Figura 13 – Cooperativa nº 03. Catadora de Rua – Complexo da Maré. Fonte: Autora Figura 14 – Cooperativa nº 03. Catadora de Rua – Complexo da Maré. Fonte: Autora 77 Figura 15 – Cooperativa nº 03. Barreira de Contenção - Canal do Cunha Fonte: Autora Figura 16 – Cooperativa nº 03. Barreira de Contenção - Canal do Cunha Fonte: Autora 78 Os trabalhadores que exercem atividades no galpão trabalham em recinto fechado. Os que são destinados a atividades nas instituições conveniadas, no entanto, trabalham em recintos fechados e abertos. Todavia, os cooperados que trabalham no Canal do Cunha – Projeto Ecobarreira, exercem suas atividades somente em ambiente externo, estando expostos a todas as intempéries, sol, chuva, calor e frio (figuras 15 e 16). 4.4 – Cooperativa nº 04 - Cooperativa de Materiais Recicláveis. A Cooperativa nº 04 surgiu em 2000, sendo legalizada apenas em 2007. A cooperativa está localizada, no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro, e ocupa um galpão antigo que, segundo a presidente da cooperativa, era de propriedade da Cerveja Brahma. Esse imóvel foi abandonado há 30 anos e em 2000 foi ocupado pela cooperativa. A demanda para a formação dessa cooperativa surgiu da inquietação da atual presidente que viu no trabalho de reciclagem a possibilidade de restabelecer a dignidade, inclusive a sua, e de uma parte da população do complexo do alemão, que vivia em situação precária e sem perspectivas de emprego. No período de 2004 a 2008, a cooperativa esteve no seu auge, contando naquele momento, com cerca de cinquenta cooperados. Além de agregar os catadores que faziam catação e trabalhavam de forma isolada, a cooperativa desenvolveu, ao longo de cinco anos, projetos sociais junto à comunidade como creche, alfabetização de adultos, planejamento familiar e mutirão de limpeza dos rios da região. Naquele período, os cooperados tinham café da manhã e almoço no próprio local de trabalho. A creche foi um projeto social reconhecido pela comunidade e era mantida com os próprios recursos da cooperativa. Um grupo de cooperados, especialmente as mulheres, se revezava entre o trabalho na cooperativa e a divisão de tarefas na creche que chegou a abrigar, aproximadamente, cinquenta crianças filhos dos próprios cooperados e de alguns moradores que não tinham onde deixar os seus filhos. Devido à baixa de preço dos materiais recicláveis e à falta de incentivos financeiros para dar continuidade aos projetos sociais incorporados pela Cooperativa nº 04, os programas foram abandonados e a creche fechada. Atualmente, a 79 cooperativa conta com vinte e cinco cooperados, sendo nove do gênero masculino e dezesseis do gênero feminino. Assim como as demais cooperativas, a Cooperativa nº 04 recebe materiais de diversas origens, dentre elas de instituições públicas conforme a assinatura do termo de compromisso estabelecido no Decreto 5.940/2006, incluindo o Ministério da Fazenda, a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS). Essa última instituição foi abandonada devido ao alto preço do aluguel do caminhão para a retirada do material, ficando o custo-benefício prejudicado. Nessa Cooperativa, alguns cooperados fazem a catação nas ruas circunvizinhas ao Complexo do Alemão. Ela recebe, ainda, óleo vegetal usado e materiais não-separados de residências, o que contribui para o acúmulo de lixo no galpão da cooperativa, como pode ser visto nas figuras 17 e 18. Figura 17 – Cooperativa nº 04. Resíduos a serem triados Fonte: Autora O volume de material negociado pela cooperativa, mensalmente, é de aproximadamente 30 a 36 toneladas. Todo o resíduo é transacionado com atravessadores, pois segundo informações da gestora, essa negociação tem sido mais vantajosa do que o envio para a Central Cata Rio, uma vez que o recebimento pela venda do material é imediato e, consequentemente, o rateio entre os 80 cooperativados. A Cooperativa nº 04 dispõe de poucos equipamentos para a condução de suas atividades, dentre estes, uma balança de 200 quilos que atualmente está com defeito, uma prensa e um computador. Figura 18 – Cooperativa nº 04. Bombona com óleo usado Fonte: Autora A cooperativa, no momento, não fornece equipamento de proteção individual por não ter condições financeiras para a sua aquisição. Portanto, os cooperados não os utilizam. Segundo informação da presidente, quando sobra algum dinheiro são adquiridas apenas luvas de látex. Atualmente, nenhum cooperado contribui para a Previdência Social. Os cooperativados executam suas tarefas no decorrer de oito horas diárias, em ambientes abertos e fechados e, na maior parte desse período, trabalham sentados. 81 4.5 – Caracterização dos resíduos manuseados nas Cooperativas Essa investigação não teria parte dos seus objetivos atendidos sem a devida caracterização dos resíduos manuseados diariamente nas cooperativas analisadas neste estudo. Foi constatado que existe uma similaridade na maior parte dos resíduos sólidos manejados nas quatro cooperativas, conforme demonstrado no quadro 2. Em todas elas são manipulados papéis brancos, papelões, jornais, sucatas de ferro, plásticos e vidros em geral, garrafas de água e garrafas PET e sucatas de material eletroeletrônico (High tech). Cerca de 80% desse material é oriundo de órgãos e entidades da administração pública federal direta e indireta, de acordo com o estabelecido no Decreto nº 5.940/2006, sendo o restante proveniente de condomínios residenciais. As cooperativas nº 03 e nº 04 recebem, ainda, materiais resultantes da catação na rua. Cabe aqui, então, enfatizar alguns resíduos que, devido às suas peculiaridades e periculosidade, carecem de destaque especial e de atenção quanto à classificação e cuidados que devem lhes ser dispensados, como pilhas, baterias, bombonas usadas com restos de resíduos químicos, embalagens usadas de cápsulas de míssil contendo resíduos de pólvora, recipientes de óleo diesel e de graxa, cartuchos de impressoras e copiadoras, recipientes de materiais de limpeza e latas de tintas e de solventes. Esses resíduos contêm componentes potencialmente perigosos que oferecem riscos à saúde humana e ao meio ambiente, pois trazem em suas composições elementos com propriedades corrosivas, inflamáveis, tóxicas, patogênica ou reativa. Na Cooperativa nº 01, cabe enfatizar o manuseio de grande quantidade de embalagens de óleo diesel e graxa que são doados pelos postos da BR Distribuidora e pela Prosint Química – Petróleo e derivados. Necessário se faz salientar o nível de contaminação dos resíduos sólidos retirados do Canal do Cunha e que são manipulados pelos trabalhadores. O estudo realizado por Amaral (2006, p. 156) concluiu que “Os parâmetros de qualidade da água que mostraram maior relevância para a proposição de um índice de degradação ambiental foram: o oxigênio dissolvido, com maior peso; a demanda bioquímica de oxigênio; a demanda química de oxigênio; o nitrogênio amoniacal e a relação nitrogênio amoniacal + nitrito + nitrato, que indica quanta amônia o rio 82 recebeu e o quanto conseguiu oxidar – quanto a região foi impactada por processos de degradação e o potencial de depuração do rio -, incluindo condicionantes físicos-geográficos (velocidade, temperatura, volume d´agua e matéria orgânica presente...). O conjunto destes parâmetros revela a degradação ambiental, e logo, os riscos à saúde associados ao meio ambiente”. Nesse mesmo estudo, por meio da relação Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) x Coliformes e Demanda Química de Oxigênio (DQO) x Coliformes, foram medidos os níveis de coliformes termotolerantes, que oferecem riscos potenciais de contaminação aos seres humanos, numa relação ecossistêmica entre o homem e o meio ambiente. Essa pesquisa identificou ainda, a Refinaria Manguinhos como a possível responsável pelo lançamento de dejetos resultantes de processos industriais contendo Fenol, o que pode contribuir para uma grande eliminação de coliformes fecais e termotolerantes. No entanto, quais os riscos que o fenol pode causar à saúde humana? Os resíduos retirados do canal podem estar impregnados de fenol em níveis de contaminação aos trabalhadores? De acordo com Peixe et al (2006, p. 280), o fenol é absorvido rapidamente após exposição por via oral, inalatória e dérmica, sendo distribuído imediatamente para todos os tecidos e, em exposições agudas, apresenta toxicidade de moderada à alta e a dose letal em humanos é estimada em 70 ml/kg. Em exposições ocupacionais, o fenol pode provocar rach cutâneo, lesões eritematosas e necrose tecidual. Na Cooperativa nº 02, existe um armazenamento considerável de cartuchos usados de impressoras e copiadoras (figuras 8, 9 e 10). Esses cartuchos, ao serem manejados, liberam uma poeira densa de partículas escuras espalhando-se pelo chão e atingindo todos os que estão no ambiente pelas vias respiratórias e dérmicas, necessitando de estudos no campo da saúde para investigar possíveis agravos à saúde dos trabalhadores expostos. As cooperativas estudadas alegam que as instituições públicas têm se valido do Decreto 5.940/2006 para obrigá-las a recolher todos os tipos de materiais de que não necessitam mais e veem na cooperativa uma forma de se livrar dos entulhos que lhes causam problemas. Segundo as cooperativas, as instituições chegam a ameaçá-las caso não retirem o material, mesmo que aquele tipo de resíduo não sirva para a cooperativa ou que esta não tenha condições de absorvê-lo, como se constata na fala abaixo: 83 “Nós não reciclamos madeira, no entanto, recebemos uma pirâmide e tanto de madeira que não sabíamos pra onde descartar aquilo que nem dado ninguém quis. Aí o que fizemos, essa semana que passou liguei pra algumas lojas de construção e através destas lojas eu consegui o endereço de uma cerâmica que é quem tá tirando esses pedaços de palete de dentro do Correios pra mim. Porque eles disseram ou eu tirava aquela madeira ou então dava espaço pra outra cooperativa trabalhar que vai entrar no mesmo problema que eu, porque ninguém tem espaço pra armazenar madeira.” (G2.1) O Decreto 5.940/2006 determina que os resíduos sejam separados na fonte e entregues às cooperativas. Segundo as informações obtidas nas entrevistas, vem ocorrendo o contrário, pois as cooperativas têm alocado seus cooperativados dentro das instituições para realizar a separação e classificações dos materiais, ficando até mesmo responsáveis pela limpeza do ambiente onde estão armazenados os resíduos. 4.6 – Catador e triador de material reciclável: Profissão ou Exclusão? A exacerbação da pobreza e os desequilíbrios sociais são resultados da deterioração ambiental e dos moldes insubsistentes de produção e de consumo exacerbado, ambos, nutridos, principalmente, pelos países desenvolvidos. Essa afirmação está contida no capítulo 4, da Agenda Global 21, documento elaborado na Rio Eco 92, quando da realização, no Rio de Janeiro, da Conferência das Nações Unidas sobre as questões do meio ambiente e desenvolvimento. O modelo de consumo da sociedade contemporânea que privilegia o uso desordenado de materiais descartáveis corrobora para os problemas ambientais e para o esgotamento dos recursos naturais. A utilização de embalagens descartáveis aumentou sobremaneira, a quantidade e a qualidade dos resíduos sólidos, (Siqueira e Moraes, 2009, p. 2116). Consequentemente, o agravamento da disposição final desses resíduos. Frente às questões das desigualdades sociais provocada pela concentração de riqueza e pelos aspectos da produção e do consumo ditados na nossa sociedade, surge a categoria de Catadores de lixo, processo decorrente da exclusão social. Esses trabalhadores passam a vislumbrar um modo de vida, de subsistência e de inserção na cadeia produtiva e no mercado de trabalho. Trata-se de uma forma de obtenção de renda alinhada na busca de uma dignidade. De acordo com 84 Gonçalves (2003, p. 91), “... Ele trabalha na sombra das idiossincrasias de consumo da sociedade”. Em 1947, Manuel Bandeira, em seu poema “O Bicho”, já relatava a existência de pessoas que viviam do lixo, catando comida entre os detritos, em busca da sobrevivência, mas ainda não atentavam para a cata de materiais passíveis de reciclagem (Bosi, 2008, p. 67). No Brasil, o trabalho informal do catador existe há algumas décadas tendo recebido várias denominações, dentre elas, papeleiro, garrafeiro, sucateiro, e até mesmo “burro sem rabo”. Esse trabalhador sempre esteve presente no processo de gerenciamento de resíduos (Gonçalves, 2003, p. 91). De acordo com a descrição feita por Siqueira (2009, p. 2120), os catadores estão assim classificados: a) Catadores de lixão: representam a relação direta de exclusão, fazem a catação diretamente nos lixões e estão excluídos de qualquer assistência ou organização. Representam as mazelas sociais; b) Catadores de Rua: fazem a coleta nos sacos de lixo colocados na rua pela população em geral, pelo comércio ou pela indústria. Têm o seu transporte próprio, carroça ou outro tipo adaptado para carga; c) Catadores Cooperativados e autogestionários: prestam serviços de coleta seletiva de qualidade, de forma articulada e organizada, gerando trabalho e renda. Estão articulados em movimentos nacionais e fóruns e recebem apoio de entidades não governamentais. Estes últimos são o foco do nosso trabalho. Os agentes que exercem a atividade de catação e triagem de materiais recicláveis vêm, ao longo do tempo, buscando o reconhecimento da profissão e a otimização da atividade por meio da organização de movimentos iniciados nos anos 80. Com o apoio de instituições não-governamentais na década de 90, esses movimentos se fortaleceram, culminando em vários encontros e reuniões em diversos locais do país. Em 2001, aconteceu o 1º Congresso Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis e a 1ª Marcha de População de Rua. Nesse mesmo ano, foi criado o Movimento Nacional de Catadores, (Medeiros e Macedo, 2006, p. 65). Como resultado desse processo, houve o reconhecimento da categoria de catadores com a oficialização na Classificação Brasileira de Ocupação (CBO). Na CBO, essa categoria profissional é descrita como catador de material reciclável, podendo exercer as atividades de catação, seleção e venda de materiais recicláveis, tais como, papel, papelão, vidro e todos os tipos de materiais reaproveitáveis. O reconhecimento da profissão passa a ser um passo importante na 85 busca de condições dignas de vida e de trabalho, pois o que se constata é que esses trabalhadores são excluídos socialmente, sofrem preconceito e não são reconhecidos pelo papel que desempenham na economia e no meio ambiente. Uma exclusão perversa, por sobreviverem do lixo, “estes seres humanos são desconhecidos e identificados como `descartáveis´”, (Velloso, 2008, p. 1958). No processo de catação e separação de materiais passíveis de reciclagem, segundo o Relatório do Encontro dos 700 do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais recicláveis, ocorrido em Brasília em 2006, estima-se que existam, no Brasil, 500 mil catadores de rua. No Estado do Rio de Janeiro, segundo dados obtidos na Secretaria Estadual de Meio Ambiente, http://www.ambiente.rj.gov.br/pages/outros_projetos/coletaseletiva_cooperativas, por meio do cadastramento das cooperativas, atualizado em fevereiro de 2009, constata-se que 914 trabalhadores estejam vinculados às Cooperativas de Catadores. Segundo dados da Rede Nacional do PROVE, esse número é de aproximadamente 740 trabalhadores. De acordo com o Coordenador do Comitê Interministerial da Inclusão Social de Catadores de Lixo (CIISC)g, em palestra proferida no II Fórum dos Órgãos Federais do Rio de Janeiro para Coleta Seletiva Solidária, o Brasil se tornou pioneiro e protagonista, no cenário internacional, na problemática que envolve a inclusão dos catadores, ao reconhecer, na Classificação Brasileira de Ocupação – CBO, a categoria de Catador de Material Reciclável. Tal pioneirismo deve-se à instituição do CIISC, do Decreto Presidencial nº 5.940/2006 e da Lei nº 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento e para a política federal de saneamento básico. Todavia, ainda existe um longo caminho a ser percorrido, pois falta um olhar mais comprometido sobre o catador quando se consideram as condições em que estes estão inseridos no processo de organização, de trabalho e no ambiente. Devem também ser tomadas como relevantes a escolaridade, as condições sócio-econômicas e outras variáveis que interferem na vida e no processo saúde-doença. Os trabalhadores que executam as atividades de triagem de material descartável as exercem sob as mais diversas situações, estando expostos ao frio, ao calor, à chuva, às variações bruscas de temperatura, além do contato físico com g Comitê criado pelo Decreto Federal de 11 de setembro de 2003. 86 diversos tipos de materiais e produtos. No momento em que lidam com o lixo e manuseiam os resíduos descartados à procura de objetos passíveis de comercialização, esses indivíduos ficam expostos e vulneráveis a diversos perigos de contaminação presentes nos resíduos vazados, (Ferreira e Anjos, 2001, p. 691). A contaminação a que esses trabalhadores estão suscetíveis pode ocorrer por meio da inalação, do contato dérmico, por via oral, pela ingestão de alimentos e pelos incontáveis riscos de acidentes, (Juncá, 2004, p. 41). Diversos autores (Ferreira, 1997; Velloso 2005; Cussiol 2006 e Pinto Júnior e Braga 2009) são unânimes ao concordar que os resíduos sólidos causam efeitos adversos à saúde dos trabalhadores e ao meio ambiente. Ferreira (2001, p. 691), afirma ainda que poucos são os estudos epidemiológicos acerca da saúde dos trabalhadores vinculados ao sistema de gerenciamento dos resíduos sólidos. Devido à vulnerabilidade a que estão expostos pelo tipo de trabalho desenvolvido, essa população fica suscetível e com alta probabilidade de restrições na qualidade e vida e, conseqüente, de complicações à saúde. O caminho percorrido por estes trabalhadores apresenta inúmeras contradições e conflitos que permeiam os seus terrenos. Necessário se faz um olhar mais aguçado com políticas públicas que dêem conta, senão de todas, pelo menos da problemática que envolve a saúde destes sujeitos que lidam com os resíduos sólidos. No campo de pesquisa sobre a saúde dos trabalhadores que lidam com a triagem de materiais recicláveis, ainda há muito a se percorrer, considerando-se os ambientes vulneráveis onde esses sujeitos exercem suas atividades, os agravos à saúde resultante das exposições diárias, as precárias relações e condições de trabalho a que estão submetidos e a injustiça social a que estão relegados. Nessa direção, cabe observar as palavras de Foucault (1984, p. 13), “existem momentos na vida onde a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir.” O discurso abaixo demonstra o anseio pelo reconhecimento da atividade desses trabalhadores e a relação do significado do trabalho na vida desses profissionais. “Daqui desse trabalho, através da cooperativa tiramos o rendimento e a dignidade, o alimento da família. A importância do trabalho... acho que é bacana focar a importância da coleta seletiva... O que é lixo pra mim, pode 87 gerar renda pro outro, né? Alimento pro outro, dignidade pro outro. A importância que tem não só para os cooperados que trabalham aqui, mas para toda a sociedade, pois a gente tá retirando lixo do meio ambiente.” (G1.3) Para Porto (2004, p. 1511), os catadores veem o manejo do lixo como fonte de renda e de sobrevivência; a saúde, como capacidade primordial para a realização desse trabalho, existindo uma tendência à negação da relação direta entre trabalho com o lixo e problemas relacionados à saúde. Nesse contexto, faz-se necessária a percepção do trabalhador como sujeito ativo no seu processo de trabalho, para identificar os danos à saúde e outros obstáculos que podem causar sofrimento e mal-estar. Com este saber, poderão buscar melhores condições de trabalho em defesa da saúde e integridade física. É de fundamental importância que o trabalhador vulnerável tenha o conhecimento do seu processo de trabalho para avaliar e discutir soluções alternativas, (Dall´agnol et al, 2007, p. 731; Lacaz, 2007, p. 761). 4.7 – Perfil Os atores desta pesquisa são vinculados às cooperativas de materiais recicláveis e desenvolvem diversas tarefas de acordo com a demanda de serviço, capacidade física e nível de conhecimento. O trabalho envolve os processos de classificação, separação, prensagem, enfardamento e armazenamento, além da manutenção, da organização e da limpeza do ambiente laboral. Essas tarefas são executadas nas dependências das cooperativas ou nas instituições que mantêm acordos decorrentes do Decreto nº 5940/2006. Em duas dessas cooperativas, foram encontrados trabalhadores que exercem a atividade de catação na rua utilizando os chamados carrinhos-de-burro. No grupo definido nesta pesquisa, havia jovens e pessoas idosas, de 20 a 68 anos. A média de idade é de 44 anos, predominando trabalhadores do gênero feminino. Cinqüenta e oito por cento do total observado são casados e 9% são solteiros e residem com seus familiares. Ainda que haja pouco analfabetismo, a maioria possui baixa escolaridade, fato que, associado à insuficiência de postos de trabalho, contribuiu para adentrarem na catação. Identificou-se, porém, um trabalhador com nível superior completo em Gestão Ambiental e nove com ensino médio completo. 88 Por exigirem pouca educação formal, as tarefas exercidas pelos catadores são facilmente aprendidas, o que facilita a sua inserção rápida no trabalho sem a necessidade de uma instrução mais aprimorada. A iniciação no trabalho de catação, classificação e separação é imediata, não carecendo de experiências anteriores, segundo afirmam os catadores. No grupo estudado, a maioria ingressou nesse ramo por estar desempregada, vendo no trabalho com materiais recicláveis uma alternativa frente à falta de um trabalho formal. Apurou-se que a média de tempo nessa atividade é de quatro anos, mas encontramos cinco trabalhadores com menos de seis meses e três com mais de dez anos nessa atividade. Quase todos os profissionais residem em comunidades carentes e próximas ao local de trabalho, o que facilita o deslocamento residência-trabalho-residência. Cabe observar que todas as cooperativas citadas neste estudo também estão localizadas em comunidades, como o Complexo da Maré e o Complexo do Alemão, e em Brás de Pina. A carga horária desses trabalhadores é de oito horas diárias e 40 horas semanais. A maioria dos homens exerce outras atividades extras fora da jornada na cooperativa, como a de pedreiro, de vendedor ambulante, de armador de redes de jogos em praias, etc., a fim de aumentar a renda familiar. Já as mulheres exercem outra jornada de trabalho em casa, nas atividades domésticas. A média de renda individual é de R$ 520,00 (Quinhentos e vinte reais) e a familiar, de aproximadamente R$ 1.100,00 (Hum mil e cem reais). Todavia, existem famílias que sobrevivem apenas da renda de um membro e, como, em média, cada família é composta por 04 membros (adultos e crianças), pode-se concluir facilmente que essas famílias vivem com rendimentos pífios e insuficientes para uma vida digna. Quando indagados se consideram essa atividade um trabalho ou apenas uma alternativa pela falta de outra função laborativa, a maioria (85%) respondeu que considera um trabalho, mas, quando se insistiu na pergunta, quase se obteve uma unanimidade, pois afirmam que almejam outro trabalho em que possam ser reconhecidos como cidadãos, com vínculo formal e respectivos direitos patronais, salários fixos e dignos e em que possam exercer suas funções em um ambiente menos sombrio, como se observa nos relatos abaixo. “Alternativa enquanto arrumo outro trabalho, não gosto de mexer com o lixo o dia todo.” (C1.1) 89 “Considero um trabalho, mas alternativo, pois não há reconhecimento pela sociedade, mas é melhor do que roubar, traficar.” (C1.2) “Ganha-pão...” (C1.4) “Um trabalho, mas se aparecer outro vou analisar.” (C1.5) “É um trabalho mesmo... mas não é carteira assinada... nosso trabalho aqui é muito perigoso, é muito lixo, muita lama, muitos gases.” (C3.7) 4.8 – Trajetórias vulneráveis Os atores que exercem as atividades de classificar, separar, compactar, enfardar e acumular os produtos passíveis de reciclagem, ligados às cooperativas de materiais recicláveis, executam suas funções nas mais adversas situações, o que propicia um sentimento de instabilidade, insegurança, insatisfação e exclusão na sociedade, considerando-se invisíveis dentro do sistema. “Há 1 ano e 3 meses estou afastado, por ácido úrico que peguei aqui... parece agora que me mandaram embora... Eu tive alta do INSS, mas eu acho que fui mandado embora.” (C3.6) A vinculação a uma cooperativa não só proporciona melhor poder de barganha para a venda do material e organização da classe – elo para as reivindicações –, mas também um sentimento de pertencimento e de filiação. Consiste, portanto, em uma forma de tornar os catadores visíveis na sociedade, fazendo-os participarem de um processo produtivo que, de certa forma e nível, movimenta a economia, gerando renda e, principalmente, conferindo ao lixo um valor social e econômico (Carmo, 2009, p. 599). Fica constatado que o elo a uma instituição e classe desperta um sentimento positivo de rupturas de costumes e valores adquiridos quando estavam desempregados ou trabalhando em lixões ou, ainda, quando exerciam a atividade de catação na rua. A obrigação do cumprimento de uma carga horária, da assiduidade, do lidar com atividades rotineiras, passou a ser um fator de valorização. O compromisso, para muitos, significou o abandono de práticas consideradas ruins, como o deixar de se embriagar na noite anterior. Em quase todas as cooperativas analisadas, as atividades são exercidas por todos os trabalhadores, de acordo com a demanda de trabalho e capacidade física. O peso por fardo levantado por trabalhador se dá em torno de 80 quilos, quantidade 90 considerada alta por todos, apesar de haver ajuda dos companheiros e utilização, em algumas cooperativas, de carrinhos para a condução dos fardos. Ao final da jornada diária de trabalho, por o esforço físico despendido ser excessivo, esses profissionais estão exaustos. Geralmente, os homens ficam com as tarefas mais pesadas e as mulheres com as atividades que exigem maior concentração. Ao serem indagados se já sofreram algum tipo de acidente no horário de trabalho, como lesões por objetos perfuro-cortantes, queimaduras por produtos químicos ou quedas com fardos, a maioria nega, mas, na observação de suas rotinas, a realidade é diferente, fato que pode ser atribuído à necessidade dos cooperados de enfatizar que o trabalho com o lixo oferece riscos como qualquer outro. Verificou-se, ainda, que são grandes os riscos de saúde a que estão submetidos, pois a maioria dos catadores não utiliza equipamentos de proteção individual. Por outro lado, segundo os cooperados, é muito comum a presença de objetos cortantes e perfurantes misturados com os materiais recebidos, como seringas, agulhas, vidros quebrados e até mesmo bisturis. Figura 19 – Cooperativa nº 02. Cooperada com braços queimados/Cicatrizes Fonte: Autora 91 Na cooperativa nº 02, encontrou-se uma cooperada que sofreu queimaduras de primeiro grau nos braços (figuras 19 e 20) que, segundo ela, deveu-se ao manuseio de vários cartuchos de impressoras e copiadoras, atribuindo ao evento a grande quantidade de toner que é liberada dos cartuchos quando manejados ou mesmo pela manipulação de uns papelões à mesma época da dos cartuchos de toner, conforme relatado abaixo. “Meus braços foram queimados com alguma coisa, ou pelo toner ou por alguma coisa que tava envolvido no papelão ou no saco Eva, que entrou dentro da luva e misturou suor dentro da luva, num dia de calor e sol quente, começou uma coceira, das coceiras criou umas bolhas, porque eu já uso essas luvas a tempo, e até pensei será que foi a luva? A gente sempre comprou essas luvas... não era alergia as luvas, ela tava nova até... foi no material do Correio, plástico Eva e papelão. Ficou essa dúvida no ar... levou mais de um mês para sarar... coçava muito... me tirava o sono, até para dormir era ruim.” (G2.1) Figura 20 – Cooperativa nº 02. Cooperada com braços queimados/Cicatrizes Fonte: Autora Obteve-se a informação de que outros cooperados já tiveram o mesmo tipo de queimadura. Outro fator que pode ter contribuído para as queimaduras no braço da cooperativada foi o manuseio de embalagens de míssil, recebidas da marinha, que vinham com muitos resíduos de pólvora. O manejo desses materiais ocorreu no mesmo período, tendo sido difícil a identificação do nexo causal. 92 Quando inquiridos sobre os tipos de riscos a que estão expostos no exercício de suas tarefas, inúmeras afirmações foram prestadas. Como exemplo, pode-se citar os gases e odores fortes exalados dos amontoados de lixo e de restos de produtos químicos, presença de agulhas e seringas no material a ser separado, cheiro do material armazenado e exposição a muitos resíduos que desconhecem o tipo, a origem e a sua composição. Relataram também sobre o contato físico com o lixo, a surdez por conta do uso da prensa, a contaminação em geral, os cortes com infecção, o contato com materiais pontiagudos, o trabalho repetitivo e as diversas implicações dermatológicas. As falas abaixo expressam as preocupações desses trabalhadores no exercício de suas tarefas: “Acho o lixo tóxico.” (C1.2) “Ambiente contaminado por vetores. Resíduos Sólidos Urbanos é uma bomba.” (C1.5) “Vários, trabalho com muitos materiais que desconheço o tipo. Não sei a origem e a composição.” (C2.5) “Qualquer trabalho tem risco, mas tem que ter cuidado senão tem contaminação.” (C1.7) “Só o tempo para dizer.” (C1.4) “Veja, os que trabalham no escritório, sentado, dói as costas, tem tendinite, dor na coluna, (...) o que trabalha no hospital diz que corre o risco de ser contaminado por limpar aquele chão sujo... então, se a gente for olhar por esse caminho... o meio ambiente vai ficar por aí cada vez mais complicado, as enchentes, inundações vão piorar, vão triplicar mais ainda, porque isso é conseqüência da omissão, da falta de consciência da população, é omissão da população que tem o seu consumo e deixa por ai, joga de qualquer jeito. Então eu vejo para mim, que é trabalho como qualquer um outro. Toda profissão tem os seus riscos.” (C4.2) “É só essa coisa mesmo de pegar algum tipo de material que a gente não conhece e vir com algum tipo de resíduos que venha de repente trazer risco à saúde da gente... que a gente não conhece, não sabe o que tá dentro de alguma embalagem, né? Quando a gente tava na Marinha, na Ilha das Cobras, às vezes vinha óleo, vinha uns galões grandes com coisas que a gente nem sabia o que era, um líquido.” (G2.1) “Nosso trabalho aqui é muito perigoso, é muito lixo, muita lama, muitos gases, muito bicho morto, a gente não se prejudica mais porque tem a mascara, mas mesmo assim é a nossa saúde.” (C3.7) 93 Os cooperados que trabalham no Canal do Cunha citam que os riscos a que estão expostos no exercício das tarefas são decorrentes de gases e cheiros fortes exalados da baía de Guanabara, devido ao elevado nível de poluição da água e ao contado com o óleo que, segundo eles, é derramado na baía pela Refinaria Manguinhos. Alegam que, ao final do dia, estão impregnados com o cheiro forte de esgoto e gases da baía e, mesmo após um banho realizado com capricho, o cheiro persiste em seus corpos e no olfato. Outro fator de risco é a grande carga de material que retiram do canal e que carregam subindo uma escada de aproximadamente 15 degraus, no decorrer de toda a jornada de trabalho. “O cheiro é muito forte do gás que vem da maré... quando junta muito lixo... mesmo com a mascara a gente sente um cheiro muito forte.” (C3.7) “Tem muito risco pra pessoa... eu digo para essa garotada nova aí procurar outro trabalho... não sei que doença pode arrumar eu acho que pode ser doença grave... è muito cheiro forte... pode causar coisa pior.“ (C3.6) “Um gás danado daquele lixo que fica ali (na barreira de contenção) e fedendo... a gente tem muito sono, cansaço, dor de cabeça e é por causa do gás... sufoca a gente.“ (C3.5) “Por enquanto nada... só quando chego em casa sinto muito dor na coluna...agora a gente não sente muita coisa não, mas mais tarde pode ter muito problema.” (C3.4) “A gente sabe que nessa água tem metais pesado... a gente queria que tivesse uma acompanhamento.” (G3.1) Na cooperativa nº 01, os riscos mais citados foram a presença de vetores, principalmente de roedores, e o contato com os óleos lubrificantes e graxas restantes dos recipientes recebidos dos postos pela cooperativa. Um dos cooperados relatou que o maior risco a que está exposto é o contato direto com o óleo e com a graxa. Esse trabalhador estava com a roupa totalmente encharcada de óleo combustível, sendo o produto visível na sua cabeça, pescoço e braços. Segundo ele, para a retirada do óleo do corpo, utiliza, nessa ordem, sabão de coco líquido, sabão em pó e, por último, o sabonete. Gasta todos os dias 1 hora no banho e, mesmo após esse processo, ainda continua com a sensação de oleosidade na pele. A utilização desses produtos lhe causa prurido e irritações. Outro problema que pode causar risco é o cheiro do óleo e o abafamento no local por conta do calor, o que torna o ambiente sufocante. 94 Quanto às doenças que podem ser contraídas em decorrência do exercício da profissão, as mais citadas pelos trabalhadores que desenvolvem atividades nos galpões das cooperativas ou junto às instituições parceiras foram câncer de pele e de pulmão; problemas de coluna devido ao excesso de peso que carregam; problemas do trato respiratório como infecções pulmonares (pneumonia, bronquite), tosses, espirros, pigarros decorrentes de mofo e de particulados e fuligem; problemas dermatológicos (coceiras e irritações); leptospirose; surdez; dores musculares na região lombar e nos membros; alergias diversas; tendinite devido ao movimento repetitivo; e cefaléias. Cabe destacar as falas de alguns cooperativados que procuram justificar ou minimizar o sofrimento do pensar em adoecer. “Nenhuma doença, tomo sempre muito cuidado.” (C1.1) “Muitos problemas sérios que só com o tempo para identificar.” (C2.13) “Pode ter todo tipo de doença que virá mais tarde devido a sujeira.” (C3.19) “Nenhum serviço deixa de causar problema ao trabalhador. O trabalho desenvolvido na cooperativa pode causar várias doenças, dependendo do material e do cuidado se não for tomado.” (C4.1) Para os trabalhadores que atuam no Canal do Cunha, a visão com relação ao adoecer é mais clara, porém não encontram outra alternativa a não ser enfrentar a realidade que lhes é apresentada. Todos reclamaram de dor de cabeça no decorrer e após a jornada de trabalho. “Era bom fazer um check up, eu já perdi o baço e não sei como tá a saúde... eu agora não sinto nada, mas mais tarde eu não sei... ou até a gente pode ter alguma coisa e não sabe porque a gente não vai constantemente ao médico só vai quando vai tomar a vacina.” (C3.7) “Uma dor de cabeça, que eu não sei como arrumei ela. Demorou a sair.” (C3.6) “Não tive doença não... mas uma dor de cabeça daquelas chatinhas... direto.” (C3.2) “Fui expulso do INSS e agora eu quero saber como vai ficar... acho que eles vão me mandar embora porque passei esse tempo fora e não consigo mais fazer o que eu fazia.” (C3.6) Ao se perguntar aos trabalhadores se contraíram doenças nos últimos 15 dias, 62% dos entrevistados afirmaram que não, mas a maioria relatou a presença constante de cefaléias no percurso da jornada. Os 38% que afirmaram ter adoecido 95 nesse período, apontaram gripes e resfriados como o problema de saúde mais constante decorrente das atividades de manuseio dos resíduos. Neste último grupo, averiguaram-se três trabalhadores com problemas dermatológicos, inclusive em tratamento, mas atuando nas suas atividades. Problemas estomacais também foram relatados neste grupo, como enjôos e náuseas provocadas pelos odores dos materiais. “Nos últimos 15 dias tive micose no braço e tá até agora... começou com umas bolinhas e foi se espalhando... fui ao médico e ele me passou uma pomada, to tomando remédio até agora.” (C3.4) “Sinto muita tonteira e uma agoniação no estômago de vez em quando, dor nas costa de tanto baixar e levantar e subir a rampa que eles fizeram ali... Pode causar muitas doenças que a gente não vai sentir agora... quando a gente tiver 50 anos.” (C3.5) Apesar de relatarem que facilmente encontram objetos cortantes nos materiais, apenas 46% do grupo entrevistado informaram que foram vacinados nos últimos 2 anos contra tétano. Vinte e cinco por cento tomaram a vacina contra Influenza e 16%, contra hepatite. A argumentação dos trabalhadores pela não imunização é a de que não têm tempo para se deslocarem aos postos de saúde e ressaltam que, caso tivessem condições de receber as doses de vacinas nos locais de trabalho, estariam dispostos a serem vacinados. Constatou-se, então, que esses trabalhadores estão vulneráveis aos diversos riscos oferecidos pelo manuseio dos resíduos frente às condições insalubres, periculosas e precárias em que realizam suas atividades. Outro fator preponderante que evidencia os riscos aos quais estão expostos é a grande falta do uso de equipamentos de proteção individual, tanto pela indisponibilidade de tais equipamentos quanto pela falta de conscientização do próprio trabalhador dos malefícios que poderão ser evitados ao utilizá-los. O elo entre o trabalho e doença tende a ser negado na tentativa de afirmar que suas atividades oferecem os riscos como qualquer outra. Constatações idênticas já foram relatadas em outros trabalhos, com o de Porto et al (2004, p.1511) e de Gonçalves (2004, p.89). 5. Conclusões e recomendações 97 5. Conclusões e recomendações Esta pesquisa procurou direcionar, em todos os momentos, os caminhos relacionados às questões da saúde dos trabalhadores que exercem atividades em cooperativas de materiais recicláveis e que manuseiam resíduos de origem química, tendo como foco os paradigmas da saúde coletiva. Essa categoria de trabalhadores agrega um amplo leque multiprofissional como ex-pedreiros, ex-domésticas, ex-vendedores ambulantes e ex-operários que, hoje, compõem uma nova classe profissional, a do catador/triador. Muitos se sentem honrados por terem conquistado a satisfação, dignidade e valor por não serem mais enquadrados como desocupados. Para eles, a ocupação e o vínculo profissional os colocam numa posição da estrutura social, permeada de hierarquias e complexidades, que os fazem ascender alguns e poucos degraus na sociedade. Apesar da satisfação com o novo vínculo que consideram como trabalho, esses sujeitos não escondem a esperança de encontrar uma ocupação diferente da atual, longe da manipulação do lixo. Vislumbram uma atividade em que possam ter direitos sociais, abandonando as condições precárias onde trabalham. A maioria considera o trabalho cooperado como uma alternativa frente à falta de emprego formal. Um longo caminho ainda deverá ser percorrido para que esses trabalhadores tenham visibilidade na sociedade; para que os resultados das suas atividades possam ser percebidos como um dos fatores de minimização dos problemas ambientais; para que a sociedade seja conscientizada sobre os benefícios advindos do processo da reciclagem ao meio ambiente, que minimizam os impactos e a utilização de novas matérias primas; para que haja a constatação de que essa atividade tem um potencial econômico e que movimenta a economia, gerando renda e buscando uma valorização social do lixo por meio da reciclagem. Apesar de alguns avanços nas políticas públicas adotadas em nível federal e em alguns estados, faz-se necessária a adoção de medidas que envolvam as esferas governamentais, privadas e a sociedade civil a fim de se criarem bases que possibilitem a formulação e implementação de políticas públicas eficientes e eficazes para a gestão dos resíduos sólidos e, principalmente, para o que tange a saúde ambiental e à saúde do trabalhador envolvido no processo de reciclagem. 98 A situação de vida e de trabalho desses cooperados é crítica, com salários pífios e moradias inadequadas, colocando-os à margem da sociedade. O contexto em que ocorre o processo de trabalho, em condições insalubres e periculosas, requer ações que visem a melhoria do ambiente e que resultem em qualidade e melhoria de vida, ensejando ampliação dos direitos de cidadania a esses trabalhadores. Foi constatada que a negação quanto aos riscos advindos da relação trabalho/saúde/doença é uma forma menos dolorida de aceitar as condições que lhes são impostas frente à realidade em que se dá o processo de trabalho, manuseando todos os tipos de resíduos de várias origens e composições químicas. Percebeu-se, segundo relato dos cooperativados, que o manuseio dos materiais nas cooperativas estudadas provoca vários problemas de saúde, como doenças de pele (dermatoses), queimaduras, dores de cabeça, resfriados e problemas respiratórios, decorrentes do contato com os resíduos e dos odores exalados. O esforço físico causado pelo carregamento dos pesados fardos provoca exaustão e fadiga no final da jornada de trabalho. Averiguou-se que as instituições que assinam o termo de compromisso com as cooperativas, como determinado no Decreto 5.940/2006, têm obrigado as cooperativas a retirarem de suas dependências todos os tipos de materiais inservíveis, independentemente do seu valor reciclável, da composição química do produto e das condições de espaço e logística da cooperativa. Há, inclusive, ameaças de suspensão da doação como forma de pressionar a cooperativa a retirar materiais que possam lhes causar diversos perigos. Ressalta-se que se faz necessária uma avaliação seguida de ações de adequação do Decreto 5.940/2006 objetivando a sua correta aplicação, para que as cooperativas não sejam obrigadas a retirar das dependências das instituições materiais que possam lhe causar problemas, principalmente os relacionados à saúde. Observou-se a carência de políticas públicas efetivas e eficazes com ações nos mais variados segmentos que envolvem a gestão dos resíduos sólidos. Medidas de fiscalização e de controle devem assegurar a preservação do meio ambiente, mas, sobretudo, assegurar saúde à sociedade, principalmente, àqueles que estão envolvidos no processo de reciclagem. Ações mescladas com programas multidisciplinares objetivando práticas saudáveis que promovam a saúde individual e 99 coletiva dessa classe de trabalhadores devem ter lugar prioritário na agenda governamental. Destacam-se algumas práticas que devem ser adotadas por parte do Poder Público a fim de minimizar os problemas enfrentados pelos trabalhadores inseridos no processo de reciclagem, como: 1) Parcerias entre governo e iniciativa privada, na definição de metas e estratégias que alterem os padrões de produção/consumo de materiais que causam mais impacto ao meio ambiente; 2) Adoção de Eco-taxas, a exemplos das adotadas nos países da Comunidade Européia, quando da produção de produtos que desestabilizam o ecossistema; 3) Monitoramento dos ambientes das cooperativas e, principalmente, daqueles visivelmente insalubres, a exemplo das águas do Canal do Cunha; 4) Adoção de políticas que protejam a saúde desse coletivo de trabalhadores, incluindo monitoramento por meio de exames periódicos e campanhas específicas de imunização. Atenção diferenciada deve ser dada aos catadores/triadores por meio dos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador, objetivando a melhoria das condições de trabalho e de vida desses sujeitos; 5) Acompanhamentos devem ser realizados por meio do Programa de Saúde da Família, considerando que esse programa traz em seu bojo a capacidade de intervir sobre os fatores de risco aos quais a comunidade possa estar exposta, além de interferir nas causas determinantes das condições de vida e saúde das comunidades; 6) Concessão de aposentadoria especial para os profissionais que lidam com a triagem/classificação de resíduos sólidos. 100 Pode-se concluir, portanto, que a problemática envolvendo a gestão dos resíduos sólidos, desde a sua geração até o descarte final, é um problema de saúde pública, uma vez que afeta o meio ambiente, a saúde do trabalhador envolvido no processo de reciclagem e a sociedade quando não descartados e tratados adequadamente. Por fim, deseja-se que este trabalho desperte, nos diversos segmentos da nossa sociedade – político, social e econômico -, um olhar mais aguçado para as dificuldades enfrentadas por essa classe de trabalhadores. Almeja-se que ações públicas e privadas venham transpor as barreiras que mobilizam a nossa sociedade frente à contribuição que esses profissionais prestam ao meio ambiente. Espera-se que os silêncios não permitam a continuação ou o aumento das injustiças sociais no nosso país. 6. Referências 102 6. Referências ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR - 8.419: apresentação de projetos de aterros sanitários de resíduos sólidos urbanos: procedimento. Rio de Janeiro, 1984. ______. NBR - 10.004: resíduos sólidos: classificação. Rio de Janeiro, 1987. 63 p. ACSELRAD, H. Tecnologias sociais e sistemas locais de poluição. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 12, n. 25, p.117-138, jan./jun. 2006. 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Apêndice 7.1 – Apêndice A – Roteiro de Entrevista – Gestores/Cooperativa UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ INSTITUTO DE ESTUDOS DE SAÚDE COLETIVA - IESC CURSO DE MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA ROTEIRO DE ENTREVISTA – GESTORES DA COOPERATIVA I - IDENTIFICAÇÃO 1: Cooperativa: ______________________________________________N º ____________ 2: Localização/Endereço: _____________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 3: Data da Formação da Cooperativa: ______________________ 4: Quantidade de Cooperados: Masculino: _____________ Feminino.:_______________ II – CARACTERÍSTICAS 1: Estrutura física da Cooperativa: ( ) Galpão coberto Outros: 1. _____________________________________ ( ) banheiros 2. _____________________________________ ( ) refeitório 3. _____________________________________ ( ) escritório 2: Recinto de trabalho: ( ) aberto ( ) fechado 3: A Cooperativa possui os seguintes equipamentos: (caminhão, prensa, balança, etc) 3.1: _____________________________________ 3.2: ______________________________ 3.3: _____________________________________ 3.4: ______________________________ 3.5: _____________________________________ 3.6: ______________________________ 3.7: _____________________________________ 3.8: ______________________________ 4: Tipos de materiais recebidos: (listar todos ou os de maior quantidade ou freqüência) Material Fonte Quantidade/mês 112 6: Clientela de destinação dos resíduos: ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 7: Estrutura Organizacional: (Gerente, Financeiro, Conselho, etc) ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ III – RELAÇÕES DE TRABALHO 1. Qual o horário de trabalho da Cooperativa: ___________________________________________________________________________ 2: Os Cooperados têm Férias? Sim ( ) Não ( ) Obs.:_______________________________________________________________________ 3: Recolhem INSS? Sim ( ) Não ( ) Obs.: ______________________________________________________________________ 4: Como se dá a forma de rateio?_______________________________________________ ___________________________________________________________________________ 5: Quando em licença médica o Cooperado participa do rateio? Sim ( ) Não ( ) 6: Descrição do processo de trabalho: 6.1: ___________________________________ 6.2: ________________________________ 6.3: ___________________________________ 6.4: ________________________________ 6.5: ___________________________________ 6.6: ________________________________ 6.7: ___________________________________ 6.8: ________________________________ 6.9: ___________________________________ 6.10: _______________________________ 6.11: __________________________________ 6.12: _______________________________ 6.13: __________________________________ 6.14: _______________________________ 6.15: __________________________________ 6.16: _______________________________ 7: A Cooperativa fornece Equipamentos de Proteção Individual?(luvas, mascaras, etc) Sim ( ) Quais? ___________________________________________________ Não ( ) _________________________________________________________ 8: Existe algum programa de prevenção de acidentes? Sim ( ) Não ( ) ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 9: Quais os riscos decorrentes do trabalho? 9.1: ___________________________________ 9.2: ________________________________ 9.3: ___________________________________ 9.4: ________________________________ 9.5: ___________________________________ 9.6: ________________________________ 9.7: ___________________________________ 9.8: ________________________________ 10: Como se dá a divisão de tarefas? ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 11: Você gostaria de fazer algum comentário? ___________________________________ ___________________________________________________________________________ 113 ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ 12:Observação do entrevistador: ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ ___________________________________________________________________________ Muito Obrigada pela sua colaboração! Rio de Janeiro, ______/________/_________ __________________________________ Entrevistado __________________________________ Aplicador 114 7.2 – Apêndice B – Roteiro de Entrevista Cooperado UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ INSTITUTO DE ESTUDOS DE SAÚDE COLETIVA - IESC CURSO DE MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA ROTEIRO DE ENTREVISTA – COOPERADO I - IDENTIFICAÇÃO: 1. Cooperado n° ________ 2: Cooperativa: ________________________________ 3. Sexo: ( ) Feminino ( ) Masculino 4. Idade: ______ 5. Naturalidade: _______________ 6. Estado Civil: ( ) Solteiro(a) ( ) Casado(a) ( ) Viúvo(a) ( ) Separado(a) 7. Escolaridade: ( ) Ensino Fundamental incompleto ( ) Ensino Fundamental completo ( ) Ensino Médio incompleto ( ) Ensino Médio completo ( ) Ensino Superior II – CONDIÇÕES SÓCIO ECONÔMICAS: 1: Bairro de Moradia/Domicílio: __________________________________________________________ 2: N° de pessoas que moram no Domicílio: Adultos: _________ Crianças: ______________ 3: Renda Mensal individual:______________ 4: Renda Familiar/mensal: ______________ III – SITUAÇÃO DE TRABALHO: 1: Você é Cooperado nesta Cooperativa? ( ) Sim. Há quanto tempo? _________ ( ) Não 2: O que levou você a participar de um Grupo/Cooperativa de Catadores? _____________ _____________________________________________________________________________ 3 – O que você acha da organização dos catadores em Cooperativa? __________________ _____________________________________________________________________________ 4: Você contribui para o INSS? ( ) Sim. Há quanto tempo? _________ ( ) Não 5: Há quanto tempo você trabalha na catação/reciclagem? __________________________ 6. Você tira férias todos os anos? ( ) Sim ( ) Não 7: Quantos dias/horas você trabalha na catação/reciclagem?_____dias/semana _____hs/dia 8. Quantas horas você trabalha em pé por dia?________________________________ 9: Você faz horas extras freqüentemente? ( ) Sim. Quantas horas/semana? _____ ( ) Não 115 10: Tem outra atividade após o horário na Cooperativa? ( ) Sim ( ) Não Que tipo?_______________________ _____________________________________________ 11: Após o trabalho você volta todos os dias para casa? ( ) Sim () Não_________________ _____________________________________________________________________________ 12: Quanto tempo você gasta: 12.1: de casa para o Trabalho? __________ 12.2: do trabalho para casa? ______________ 13: Descrição das atividades de trabalho: _________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ 14: Você considera esta atividade como um trabalho ou apenas uma alternativa enquanto encontra um trabalho? ________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ 15: Você recebeu treinamento para o trabalho atual? ( ) Sim ( ) Não 16: Já sofreu algum tipo de acidente no horário de trabalho? Acidente SIM NÃO Quantas vezes Corte com vidro ou gilete Corte, arranhão, perfuração com objetos pontiagudos Queimaduras com produtos químicos Queda com recipiente, fardos ou sacos de lixo Prensagem no equipamento de compactação 17: Após o acidente você recebeu atendimento médico? ( ) Sim ( ) Não 18: Por causa do acidente você se ausentou do trabalho? ( )Sim. Quanto tempo? ________ ( ) Não 19: Você ficou hospitalizado por causa do acidente? ( ) Sim. Quanto tempo? ________ ( ) Não 20: Se você se ausentou, você recebeu o benefício do INSS? ( ) Sim ( ) Não 21: Você levanta muito peso por dia: ( ) Sim, Quantos quilos? ________ ( ) Não 22: O barulho no seu local de trabalho lhe incomoda? ( ) Sim ( ) Não 23: Que tipo de incômodo o barulho do seu trabalho provoca em você? 23.l ________________________________ 23.2________________________________ 23.3 ________________________________ 23.4________________________________ 24: O cheiro do lixo incomoda você? ( ) Sim ( ) Não 25: Você encontra objetos perfurantes e cortantes no lixo? ( ) Sim ( ) Não 116 26: Você já encontrou no lixo materiais estranhos (incomuns, chocantes)? 26.1: ( ) Sim 1. ____________________________________________________________ 26.2: ( ) Não 2. ____________________________________________________________ 3. ____________________________________________________________ 27: Que outro tipo de risco para a saúde existe em seu trabalho? _____________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ IV – ESTADO DE SAÚDE: 1: O seu trabalho pode lhe causar algum tipo de doença? 1.1: ( ) Sim 1.3: Quais?1. ______________________________________________ 1.2: ( ) Não 2. ______________________________________________ 3. ______________________________________________ 2: O trabalho de triagem provoca em você esforço físico: ( ) Pequeno ( ) Normal ( ) excessivo 3: A poeira no seu ambiente de trabalho provoca algum incômodo em você? 3.1: ( ) Sim 3.3: Quais? 1. ___________________________________________ 3.2: ( ) Não 2. ___________________________________________ 3. ___________________________________________ 4: Você teve alguma doença nos últimos 15 dias? ( ) Sim ( ) Não 4.1: Se a resposta foi sim, informe quais foram as doenças. 1. ______________________________ 2. __________________________________________ 3. ______________________________ 4. __________________________________________ 5. ______________________________ 6. __________________________________________ 7. ______________________________ 8. __________________________________________ 9. _____________________________ 10. __________________________________________ 5: Algum membro da sua família já teve hepatite? 6: Você recebeu alguma das vacinas abaixo? Vacina SIM Gripe (Influenza) Hepatite Febre Amarela Antitetânica Outra: ( ) Sim NÃO ( ) Não Quanto Tempo 7: Você gosta do seu trabalho? ( ) Sim ( ) Não 7.1: Por Que?1. _______________________________________________________________ 2. _______________________________________________________________ 3. _______________________________________________________________ 117 8: Você gostaria de fazer algum comentário? ______________________________________ ____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ 9: Observação do entrevistador: _________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ _____________________________________________________________________________ Muito Obrigada pela sua colaboração! Rio de Janeiro, ______/________/_________ __________________________________ Entrevistado __________________________________ Aplicador 118 7.3 – Apêndice C – Termo de Participação e Consentimento UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ INSTITUTO DE ESTUDOS DE SAÚDE COLETIVA - IESC CURSO DE MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA TERMO DE PARTICIPAÇÃO E CONSENTIMENTO O Instituto de Estudos em Saúde Coletiva/IESC da Universidade Federal do Rio de Janeiro/UFRJ convida você, trabalhador cooperado da ___________________________________________________________________ (nome da Cooperativa) a participar do projeto “Estudo do Processo de Trabalho nas Cooperativas de Material Reciclável e Efeitos à Saúde em decorrência do manuseio de produtos químicos”, que será realizado pela pesquisadora Vinólia Barbalho do Nascimento, sob a orientação da Doutora Heloisa Pacheco-Ferreira, tendo como objetivo analisar os processos de trabalho dos agentes que lidam com materiais recicláveis de origem química, em sua relação com a saúde. Sua participação neste projeto é de extrema importância e voluntária. Não haverá qualquer tipo de sanção ou punição caso você não queira participar deste projeto. Os trabalhadores que participarem desta pesquisa não serão identificados em nenhum momento da realização da pesquisa e nem na divulgação dos resultados. As informações fornecidas serão sigilosas. Os resultados do estudo serão apresentados a todos os trabalhadores participantes da pesquisa e aos órgãos/instituições responsáveis pelos cuidados com a saúde dos trabalhadores e pelas condições de trabalho. Ao participar da pesquisa autorizo a pesquisadora a usar integralmente ou em partes as minhas informações sem restrições de prazos e citações, abrindo mão de quaisquer direitos. Declaro estar de acordo em participar da Pesquisa. Nome: ___________________________________________________________________ RG nº __________________________________ Local e data: Rio de Janeiro, _____de _________________________ de 2010. _________________________________________________________ Assinatura 119 7.4 – Apêndice D – Carta de Apresentação UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO - UFRJ INSTITUTO DE ESTUDOS DE SAÚDE COLETIVA - IESC CURSO DE MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA CARTA DE APRESENTAÇAO Rio de Janeiro, de Fevereiro de 2010. À Cooperativa __________________________________________ Rio de Janeiro/RJ. Prezados Senhores, Apresentamos a Srª VINÓLIA BARBALHO DO NASCIMENTO, aluna do Curso de Mestrado do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva – IESC/UFRJ, que fará pesquisa de campo junto a essa Cooperativa, sob a orientação da Drª Heloisa Ferreira-Pacheco. O projeto a ser desenvolvido focará os aspectos relacionados aos Processos de Trabalho nas Cooperativas de Material Reciclável e os efeitos à Saúde em decorrência do manuseio de produtos químicos, tendo como objetivo geral analisar os processos de trabalho dos agentes que lidam com materiais recicláveis de origem química, em sua relação com a saúde. Assim, solicitamos permitir o livre acesso da pesquisadora nas dependências dessa Cooperativa, conforme previsto do termo de cooperação celebrado entre este IESC/UFRJ e a Rede Nacional do PROVE, afim de que a pesquisadora possa desenvolver o seu trabalho. Atenciosamente, Drª Heloisa Ferreira-Pacheco Diretora Instituto de Estudos em Saúde Coletiva – IESC/UFRJ