Mochos Filhos de Aspados

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Mochos Filhos de Aspados
Mochos Filhos de Aspados
Recentemente pudemos observar um fenômeno raro, no rebanho da Bacuri.
Durante muitos anos selecionamos apenas a variedade mocha da raça Nelore. Nesse trabalho
acasalamos vacas mochas com touros mochos e com touros aspados; e vacas chifrudas com touros
mochos. Recentemente, seguindo sugestão de alguns clientes, decidimos formar um núcleo da variedade
padrão. Passamos então a acasalar fêmeas padrão com touros padrão.
Eis que logo em 2007 nasceram dois produtos de acasalamentos de animais padrão que à
desmama apresentaram-se mochos. Deixamos passar um tempo para verificar se surgiriam chifres
tardios. Isso não ocorreu; o garrote MGLP6 e a novilha MGLP22 continuam perfeitamente mochos com
cerca de 30 meses.
Os pais do garrote qualificam-se como tais, conforme genotipagem feita pela Gene/Genealógica,
por nossa iniciativa, e também por dois outros laboratórios, para confirmação, a pedido da ABCZ. Nesse
caso não resta, portanto, qualquer dúvida.
Diríamos que o caso da novilha é muito semelhante ao do garrote. Não é igual porque sua mãe
foi vendida, logo após a desmama, antes de se coletar material para exame de DNA. Entretanto, nossa
escrituração zootécnica informa que ela era uma vaca Nelore padrão, assim também considerada pelo
técnico registrador da ABCZ. Por outro lado, não há em nossas anotações qualquer menção a dúvida
quanto à maternidade dessa novilha. E o pai qualifica-se como tal, conforme a genotipagem feita, por
nossa iniciativa, pela Gene/Genealógica.
Lembramo-nos de que, quando começamos a estudar genética, nos anos sessenta, o Prof. Raul
Briquet Junior apresentava, como exemplo de caracteres controlados por um par de alelos, com
dominância completa, em bovinos, o mocho e o chifrudo, respectivamente dominante e recessivo (Lições
de Genética, Rio de Janeiro, 1961, p.58).
Pouco mais tarde, o Prof. Octavio Domingues já alertava que, além do gen fundamental, haveria
mais três, um dos quais influenciado pelo sexo, que explicariam a presença ou não de rudimentos de
chifres, ou batoques (O Gado Indiano no Brasil, Rio de Janeiro, 1966, p.232). E sustentava que, desde
tempos remotos, o caráter mocho vem surgindo, com freqüência, por mutação, em Bos taurus. Também
afirmava que na literatura sobre Bos indicus, não se encontrava citação de ocorrência de aqueratismo na
Índia, alertando que a mutação mocha em Bos indicus, que segundo alguns criadores e zootecnistas
estaria ocorrendo no Brasil, talvez tivesse origem em mutantes mestiços de gado europeu.
Passados vinte anos, segundo o Pesq. Alberto Alves Santiago (Gado Nelore – 100 anos de
seleção, São Paulo, 1987, p.221), os zootecnistas continuavam convictos de que os caracteres
mocho/chifre dependeriam de quatro pares de gens, responsáveis pela existência de animais portadores
de chifres normais; portadores de chifres rudimentares; possuidores de tocos ou simples botões; e
indivíduos perfeitamente mochos. Embora considerando as mutações bem raras, e defendendo que o
gado mocho nacional, de origem taurina, deve ter contribuído para o surgimento de zebuínos mochos no
Brasil, admite que parece ter ocorrido uma mutação no início da formação do rebanho Nelore mocho da
Fazenda Santa Marina, considerada o nascedouro dessa raça.
Transcorridos mais vinte anos, o Prof. Orlando da Silva (Herança genética do caráter mocho em
bovinos, Revista ABCZ 39, jul-ago 2007, p.94) informa que em Bos indicus a herança do caráter
mocho/chifre não depende de apenas um, mas sim de dois pares de gens, pois nessa espécie ocorre o
gen do chifre africano, inexistente em Bos taurus, sendo que a expressão desse gen, semelhantemente à
do gen do batoque, é influenciada pelo sexo. Um par de alelos dominantes para chifre africano (ou para
batoque) é necessário para que estes apêndices apareçam nas fêmeas, mas apenas um alelo dominante
para chifre africano (ou para batoque) é suficiente para que se mostrem nos machos.
Analisaremos o caso do nosso garrote, à luz dessas teorias. Para isso, admitiremos que o touro
e a vaca são pais do garrote e de fato portam chifres, que o garrote não ostenta. Parece-nos uma
suposição razoável, tendo em vista os resultados dos exames de DNA, feitos por laboratórios
credenciados pela ABCZ, e as avaliações morfológicas dos animais, feitas por técnicos da ABCZ, Dr.
Leonardo Machado Borges e Dr. Luiz Antonio Josahkian.
Suponhamos que os chifres dos pais sejam chifres comuns (não africanos). Então ambos teriam
que ser homozigotos recessivos para o gen do chifre comum, o gameta de cada um carregaria uma cópia
do gen recessivo e os filhos de ambos, machos ou fêmeas, teriam que ser homozigotos recessivos,
portando chifres. Mas o garrote é mocho.
Suponhamos então que os chifres dos pais sejam chifres africanos. Nesse caso o pai poderia ser
homozigoto ou heterozigoto dominante para o gen do chifre africano e a mãe teria que ser homozigota
dominante para o mesmo gen. O gameta da mãe carregaria um gen dominante para chifre africano e isso
definiria o fenótipo do filho macho, independentemente do gameta do pai. Com pelo menos um alelo
dominante para chifre africano, o filho macho teria que portar chifres. Mas o garrote é mocho.
O caso desse garrote traz à nossa memória viva lembrança dos tempos em que ministrávamos
cursos de metodologia científica: ensinávamos aos alunos que, no âmbito de uma ciência empírica,
voltada para a explicação de fenômenos do mundo real, uma hipótese, uma teoria, não pode ser
verificada ou comprovada, mas apenas corroborada por sólida e ampla evidência, tendo assim um caráter
provisório, podendo ser falseada por nova evidência.
Aparentemente, as teorias mencionadas foram falseadas. Admitindo que estejam corretas, seria
o caso de se concluir pela ocorrência de uma mutação, que muitos consideram tão improvável? Não
necessariamente, pois para explicar um único fenômeno é possível conceber inúmeras teorias, que
precisam lutar pela sobrevivência, na arena da metodologia científica.
Esperamos, em conseqüência, que o caso desse animal nascido na Fazenda Bacuri induza
pesquisas que venham consolidar ou ampliar o conhecimento sobre genética zebuína.
Acolhendo os fatos, bem documentados, a ABCZ aprovou mudança no regulamento, que foi
referendada pelo Ministério da Agricultura e da Pecuária, para conceder o registro definitivo ao nosso
garrote MGLP6, mocho nascido de pais aspados.
Não tendo sido possível qualificar a mãe da novilha, pelo mais robusto método disponível, o
exame de DNA, foi negado o seu registro. Decisão compreensível. Como dizem os mineiros, prudência e
caldo de galinha não faz mal a ninguém...
Esse achado - nosso MGLP6, mocho filho de pais aspados – ainda sem explicação, sugere que
toda a celeuma sobre distinção de raças, Nelore e Nelore mocha, deveria ser evitada. Afinal, animais
mochos podem gerar animais chifrudos e animais chifrudos podem gerar animais mochos. E nas
populações de ambas as variedades há certamente recursos genéticos que não deveriam ser
desprezados pelos selecionadores. Em nossa opinião, portanto, melhor seria que bons reprodutores
fossem usados em rebanhos das duas variedades, independentemente de portarem ou não chifres.
Gabriel Luiz Seraphico Peixoto da Silva
Fazenda Bacuri
Poacatu 4 da Bacuri - mocho filho de aspados

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