O AQUECIMENTO GLOBAL NO CONTEXTO DA ESCOLA BÁSICA 1

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O AQUECIMENTO GLOBAL NO CONTEXTO DA ESCOLA BÁSICA 1
A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO
DE 9 A 12 DE OUTUBRO
O AQUECIMENTO GLOBAL NO CONTEXTO DA ESCOLA BÁSICA
PAULO C. ZANGALLI JR.1
JOÃO LIMA SANT’ANNA NETO2
Resumo:Este trabalho tem como objetivo central compreender como o tema das mudanças
climáticas e o aquecimento global tem sido abordado no contexto da escola básica. Para isso, foram
entrevistados doze professores tanto da rede pública quanto privada de ensino. Além das entrevistas
também foi analisado o material didático utilizado em sala de aula. Como principais resultados
destaca-se a preocupação do conteúdo didático em abordar a apropriação desigual dos recursos,
porém com o excesso de oficialismo da informação. Os professores tendem a generalizar o tema com
os demais problemas ambientais atuando como um educador ambiental.
Palavras-chave:Ensino de Geografia, Mudanças Climáticas, Análise de Conteúdo, Educação
Ambiental
Abstract:This work aims to understand how the issue of global climate change and global warming
has been covered in basic school context. For this, it was interviewed twelve teachers from both public
and private schools. Besides the interviews, it was also analyzed the teaching materials used in the
classroom. The main results highlight the concern of the educational content to address the unequal
appropriation of resources, but with excessive officialdom information. Teachers tend to generalize the
issue with other environmental problems acting as an environmental educator.
Key-words:Geography Education, Climate Change, Content Analysis, Environmental Education
1 –Introdução
A era científica informacional, proporcionada pela Revolução Tecnológica,
permite que a informação transite em tempo real pelo espaço cibernético.
Quantidades cada vez maiores de informações são disponibilizadas e, filtrar e
absorver essas informações torna-se cada vez mais uma árdua tarefa.
O caso específico do Aquecimento Global, em que a ciência ainda diverge
sobre suas causas e consequências, não é diferente. Por um lado, cientistas
afirmam que o aquecimento do planeta, verificado nas últimas décadas, é fruto de
uma intensa atividade industrial que emite quantidades cada vez maiores de Gases
de Efeito Estufa, principalmente o dióxido de Carbono (CO2), na atmosfera,
1
- Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciência e Tecnologia da
Universidade Estadual Paulista, Campus de Presidente Prudente.
E-mail de contato: [email protected]
2
Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciência e Tecnologia da
Universidade Estadual Paulista, Campus de Presidente Prudente.
E-mail de contato: [email protected]
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alterando o equilíbrio climático do planeta. Por outro lado, cientistas, contrários a
essa hipótese, afirmam que o protagonismo dado à atividade humana é um
equívoco, sendo a variabilidade natural do clima, associada aos ciclos climáticos,
elementos fundamentais muito mais importantes que a ação antrópica.
Nesta perspectiva, esse artigo tem o intuito de compreender como o tema das
mudanças climáticas e o aquecimento global tem sido abordado no contexto da
escola básica tanto da rede pública quanto privada de ensino. Trata-se dos
resultados de dissertação de mestrado, publicado, originalmente, em forma de livro
pela editora cultura acadêmica (ZANGALLI JR, 2014).
Compreender o tema das mudanças climáticas no processo de ensino e
aprendizagem remete ao fato de que a educação é, dentre outras coisas, uma forma
de intervenção na realidade. Nesse sentido, na escola, o tema propicia a
possibilidade do debate entre diferentes vertentes científicas e ideológicas, porém o
professor é um cidadão comum que também está exposto à grande quantidade de
informações veiculadas pelas diversas formas de mídia. Será, então, que
reproduzem esse conhecimento sem crítica?
Ensinar é uma atividade especificamente humana, na qual o principal objetivo
é a aprendizagem dos alunos. Há de se considerar, no entanto, que as pessoas
carregam consigo uma série de crenças e valores éticos e morais que influenciam
nesse processo, seja por parte dos professores ou dos alunos. Numa era científicoinformacional como esta, em que a escola deixou de ser a única fonte de saber dos
alunos, os professores precisam conviver com essa contemporaneidade existente
em sua pratica docente, procurando articular os conteúdos e os meio tradicionais da
escola com toda essa quantidade de informação disponível nos novos meios de
comunicação, mediando e sistematizando a construção do conhecimento do aluno.
Uma informação pode ter diferentes interpretações por parte dos alunos,
cabendo ao professor, a partir de sua formação e dos seus conhecimentos sobre os
conteúdos específicos, orientar os alunos a compreender determinados conceitos.
Sendo assim, compreender como os professores estão incorporando essas diversas
informações produzidas pela ciência e pelas mídias na criação de sua própria
concepção sobre o Aquecimento Global é criar elementos para, também, identificar
a maneira como os alunos estão aprendendo sobre o tema.
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2 – Procedimentos Metodológicos
Os dois principais instrumentos utilizados neste trabalho foram os materiais
didáticos e o roteiro de uma entrevista semiestruturada realizada com professores
tanto da rede pública quanto privada de ensino do Estado de São Paulo.
O roteiro foi elaborado com o intuito de compreender alguns aspectos da
abordagem do tema das mudanças climáticas globais por esses professores
entrevistados. Portanto, o roteiro consiste em questões abertas que possibilitam o
diálogo entre os diferentes sujeitos da pesquisa, conforme se verifica no quadro 1. A
questão que norteou a elaboração do roteiro e permitirá a sua análise posterior foi:
Como os professores estão incorporando o discurso produzido pela ciência e pela
mídia na criação de sua própria concepção sobre o Aquecimento Global?
Roteiro de Entrevista Semiestrutura.
1. O que você entende ser mudança climática global?
2. O que você entende por Aquecimento Global?
3. De que forma procura abordar o tema com os alunos?
4. Em quais séries?
5. Quais as Fontes?
6. Se o professor não apresentar uma diferenciação clara dos conceitos
(mudança, variabilidade, efeito estufa) deve ser perguntado: Procura
conceituar, elucidando as diferentes definições entre os conceitos de efeito
estufa, mudança climática?
7. Utiliza as Mídias? Quais?
8. Aborda questões de escala geográfica e escalas climáticas para abordar o
tema?
9. Utiliza os debates políticos e econômicos em algum momento para elucidar
os discursos científicos?
Quadro 1: Roteiro de entrevista aplicado aos professores de Geografia
A análise das entrevistas foi realizada com base na metodologia de Análise
de Conteúdo proposta por Bardin e sistematizada por Franco (2008). Dessa forma, a
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partir de critérios pré-definidos, foram elaboradas algumas categorias para subsidiar,
de forma construtiva, a análise do conteúdo das entrevistas.
As categorias podem ser elaboradas antes da elaboração do roteiro, durante
a leitura do material coletado e até mesmo depois. Neste caso, como as entrevistas
foram gravadas, as categorias foram elaboras, principalmente durante a transcrição
das entrevistas. Para facilitar a interpretação e a análise dessas entrevistas, foi
elaborado um quadro síntese que consiste na disposição dos principais elementos
de cada resposta dos professores entrevistados em cada uma das categorias prédefinidas conforme estrutura apresentada no quadro 2 e 3 do item 4 deste trabalho.
As categorias centrais foram: “Como os professores entendem os conceitos
de Mudança Climática e Aquecimento Global”; a segunda categoria vai identificar
nas respostas elementos similares sobre “Como os professores estão transmitindo
tais conceitos para os alunos” uma vez que o professor pode desmistificar muitos
fatos e conteúdos tratados pela mídia; como um dos problemas levantados pelo
trabalho é a questão da escala, uma categoria vai procurar elementos capazes de
relacionar tais problemas a “Questões de Escala”; e, por fim, uma categoria mais
geral para identificar “Discursos políticos, econômicos, responsabilização do clima
por problemas ambientais (mitigação e impactos)”.
As escalas nesse sentido são compreendidas como dimensão geográfica e,
também, como dimensão geográfica do clima. A escala geográfica, nesse contexto,
é entendida além de uma medida de representação cartográfica e, considerando a
polimorfia do espaço, problematizar as relações entre processos e fenômenos de
naturezas distintas e amplitudes diversas (CASTRO, 2009). A escala geográfica do
clima é entendida como “processos dinâmicos dotados de atributos altamente
sensíveis aos ritmos, variações e alterações de todas as formas terrestres,
atmosféricas e cósmicas que de alguma forma exercem ou provocam qualquer tipo
de interferência no sistema climático” (SANT‟ANNA NETO, 2010).
3 – O conteúdo didático
A escola pública do estado de São Paulo utiliza o material correspondente à
proposta curricular do São Paulo Faz Escola.O principal conteúdo analisado foi o
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caderno do professor da 7ª Série do Ensino Fundamental (8º Ano), especificamente
no 3º Bimestre do ano letivo.
O conteúdo apresentado no material didático da rede pública apresenta uma
abordagem
geográfica
ao
tema,
pois
procura
apresentar
aos
alunos
a
espacialização da discussão apresentando uma perspectiva que referencia a
abordagem da Pegada de Carbono. Ao fazer isso, no material didático insere-se o
tema no contexto do processo de produção capitalista, mostrando que os diferentes
níveis de desigualdades espaciais devem ser considerados, pois o meio técnicocientífico-informacional não se realiza da mesma maneira no planeta, sendo que em
algumas partes este se desenvolve de forma extensa e contínua, enquanto em
outras como manchas ou pontos (SANTOS, 1994) como pode ser comprovado por
meio da figura 1.
Figura 1: Mosaico do Conteúdo do Caderno do Professor da Rede Pública de Ensino
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O conteúdo aborda a apropriação desigual dos recursos naturais, situa a
problemática sobre a ótica do capitalismo de maneira critica, como no caso da
situação de aprendizagem que aborda O Clube de Roma, por exemplo. Porém, a
utilização de um oficialismo, por meio da principal fonte utilizada, o Relatório de
Desenvolvimento Humano 2007/2008 das Organizações das Nações Unidas, é
também verificado.
O material didático da rede privada não é diferente. Alguns exercícios de
fixação, por exemplo, eliminam qualquer possibilidade de debate entre as diferentes
vertentes científicas. Isso fica claro em questões do tipo “Segundo o IPCC, o que
pode mudar no clima do Brasil”? e no exercício “Hoje não restam dúvidas: o principal
responsável pelas mudanças climáticas e ambientais é o próprio__________, e é ele
que deve encontrar soluções urgentes para evitar grandes catástrofes”.
4 - Os Professores
Para compreender o discurso utilizado pelos professores em sala de aula
foram analisadas as entrevistas. Pela regra de similaridade e homogeneidade da
análise de conteúdo, os professores da rede pública de ensino foram analisados
separadamente dos professores da rede privada. Por mais que em alguns casos o
profissional da educação acabe por exercer função em ambos os casos.
O quadro 2 e 3, mostra como as repostas de cada professor foram
sistematizadas para melhor compreensão do conteúdo explícito e latente de suas
respostas. Esse quadro será apresentado, neste trabalho, somente nesta categoria,
porém foram utilizadas na análise de todas as categorias pré-definidas.
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Rede Pública de Ensino: Como os professores entendem os conceitos de Mudança Climática e
Aquecimento Global.
Análise das Respostas
Professor
Não faz distinção entre o conceito de Mudança Climática e o de Aquecimento Global. Diz
1
ainda: “Eu trabalho as mudanças climáticas tanto do ponto de vista natural quanto fruto
das alterações humanas”
Não faz distinção entre o conceito de Mudança Climática e o de Aquecimento Global. Diz
2
ainda que: “pode ser um ciclo natural do planeta” ou “pode ser uma consequência do efeito
estufa”
Não faz distinção do conceito de Mudança Climática para o de Aquecimento Global. Diz
ainda: “algumas pesquisas que apontam alterações no clima. Têm os dois lados, os que
3
defendem que está ocorrendo o aquecimento global, uma mudança no clima e os que
acham que isso é uma característica geral do clima que está em constante transformação
e que na verdade estaria caminhando para um resfriamento”
Não faz distinção entre o conceito de Mudança Climática eo de Aquecimento Global. Diz
ainda que: “São os fenômenos que vem se modificando através, principalmente, do uso de
4
tantos minerais fósseis principalmente o petróleo”; “são as mudanças que vem ocorrendo e
afetando todo o nosso planeta”.
“Quando se fala em mudança climática, a primeira coisa que vem à mente é o
5
aquecimento global”; “trabalhamos com o aquecimento global e o efeito estufa”
Apresenta elementos que caracterizam uma diferença conceitual. “Trata-se de alterações
em todo o clima da terra por várias razões”. Mostra domínio das duas correntes: “entendo
6
também que o próprio meio é capaz de gerar um desequilíbrio, não é só homem, a própria
natureza em seu processo em seu ciclo de existência”
Não difere os conceitos de Mudança Climática e Aquecimento Global. Conhece as duas
correntes científicas, mas aborda uma única versão: “procuro mostrar para eles a
7
evidencia dos fatos, que tudo é verdade, que o aquecimento ele existe, embora existam
correntes que mostrem ao contrário”; “o principal responsável por isso é o homem, esse é
o meu ponto de vista”
Não apresenta clareza conceitual, nem domínio científico. “Procuro sempre falar para eles
que a mudança climática ela vai afetar desde uma escala local, por exemplo, sua casa,
sua rua, seu bairro até uma escala global, o planeta inteiro”; “Aquecimento Global seria o
aumento da temperatura do planeta e que ele pode ocorrer em determinados lugares de
8
uma forma mais específica e, em outros lugares, as vezes de uma forma um pouco mais
discreta, dando menos efeito, de uma forma mais suave”. “Porque, como eu explico para
eles, a gente mudar o clima a gente tem que fazer uma interferência muito maior do que o
Aquecimento Global”
Quadro 2: Como os professores entendem os conceitos de Mudança Climática e Aquecimento Global
na Rede Pública de Ensino.
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Rede Privada de Ensino: Como os professores entendem os conceitos de Mudança Climática
e Aquecimento Global.
Professor
Análise das Respostas
Apresenta elementos que nos leva a uma diferenciação conceitual; “São
alterações do clima na terra”. Ao responder sobre o conceito de Aquecimento
1
Global diz: “Está ligado, né! ”. Usa de uma única corrente científica “provocado por
uma série de detritos lançados na natureza”
Afirma que nunca pensou na diferença entre os dois conceitos “nunca pensei
nisso! Eu acho que o Aquecimento global faz parte da mudança climática global”
2
Deixa claro as duas correntes científicas, “mas eu deixo bem claro para os meus
alunos essas duas correntes de pensamento que existem”
Afirma não fazer distinção do conceito: “não trabalho de forma separada com eles”;
mostra conhecimento das duas visões científicas, mas trabalha com uma única,
com forte influência da mídia; “apesar de que os céticos acreditam, eles afirmam
3
que esse aquecimento global é uma consequência da Terra mesmo, uma
consequência natural. Já a ONU e demais entidades afirmam que esse
Aquecimento Global é resultante da atuação errônea do homem em busca de
lucros disputa de terras de modo geral, quer dizer essa busca pela riqueza”;
Clara diferença entre os conceitos. “A mudança climática global, ela é uma
alteração nos elementos climáticos que a gente percebe no tempo geológico, em
algumas épocas ocorrem modificações, nós temos as glaciações, temos períodos
de elevação de temperatura. Só que hoje existe uma ideia de que o efeito estufa
4
está muito relacionado a esse tema, se confunde muito com esse tema”. Mostra
conhecimento das duas correntes científicas e levanta questões de variabilidade
“as modificações de temperaturas dos oceanos que influem diretamente nas
correntes marítimas que influem num clima mundial”
Quadro 3: Como os professores entendem os conceitos de Mudança Climática e Aquecimento
Global na Rede Privada de Ensino
Percebe-se que tantos os professores da rede pública quanto da rede privada
de ensino não fazem distinção do conceito de Mudança Climática para o de
Aquecimento Global. Essa simplificação não é fruto de desconhecimento cientifico
pois praticamente todos os professores entrevistados mostram conhecer o debate
que gira em torno do protagonismo exercido pelo homem no aquecimento médio do
planeta verificado nos últimos anos.
O fato de conhecer as dicotomias dos diferentes paradigmas científicos não
implica necessariamente no estabelecimento e um debate. Dos doze professores
entrevistados, cinco abordam essas questões como fruto exclusivamente da ação
humana, enquanto que, dos sete que mostraram conhecer as diferentes correntes
científicas alguns não a abordam em sala de aula.
A segunda categoria de análise “como os professores estão transmitindo os
conceitos aos alunos” revela a constatação anterior, pois praticamente todos os
entrevistados afirmaram trabalhar uma visão mais próxima da produção científica
contida nos relatórios do IPCC. Isso fica evidente em respostas como “porque eu
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vejo que o material didático mais recente aponta o aquecimento global como uma
verdade inquestionável” e; “e eu procuro mostrar pra eles a evidencia dos fatos, que
tudo é verdade, que o aquecimento ele existe, embora existam correntes que
mostrem ao contrário [...] o homem é o único responsável por essa situação”.
Percebe-se, também, que a conscientização ambiental é uma preocupação
dos professores ao abordar o tema. Oito dos doze professores entrevistados
afirmaram que abordam o tema de forma generalizada, contextualizando-o com os
demais problemas ambientais. Isso fica evidente em respostas como “retira-se
demais os recursos minerais de um lugar, utiliza-se demasiadamente alguns tipos de
gases, depois descarta esses gases na atmosfera vai destruindo a camada de
ozônio, vai provocando o efeito estufa chegando ao ponto de sair do controle do
homem”. E ao tentar mostrar aos alunos “que tipo de coisa que podemos contribuir,
„mesmo nós sendo „sic’’ uma pequena parcela” ou então questões sobre “o consumo
exagerado, aquela ideologia do „uso quebrou jogou fora‟ nós devemos abandonar
isso e voltar ao „usou, quebrou, concerte‟”
A terceira categoria, talvez elaborada não de forma tão clara, procurava
abordar as “questões da escala”, ou seja, verificar se o professor, ao abordar o
conceito, se preocupava e mostrar as diferentes escalas espaciais e temporais
contidas nele. Apesar das competências do material didático da rede pública sugerir
“identificar aspectos da realidade socioambiental em suas diversas escalas” não foi
exatamente o que se verifica com as entrevistas. A escala é utilizada pelos
professores para contextualizar os alunos, ou seja, a tentativa de partir de elementos
do cotidiano para atrair atenção e empregar sentido e significado ao tema abordado
junto aos alunos.
A última categoria elaborada serviria para apontar “discursos políticos,
econômicos, responsabilização do clima por problemas ambientais (mitigação e
impactos)”. Na análise dessa categoria aparecem alguns pontos que merecem
destaque, como o consumismo e a globalização.
Ao abordar a questão do consumo os professores procuram situar um padrão
de vida insustentável do ponto de vista dos recursos naturais e, é extremante
significativo combater esse modelo de produção/consumo. No entanto há um perigo
de, ao situar a questão climático-ambiental sobre o viés do consumo, retirar a crítica
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do lugar de origem, ou seja, o modelo de produção capitalista. Com isso, associar os
problemas ao consumo exagerado seria de certo modo transferir a responsabilidade
do modelo de produção para o modelo de consumo, como se a forma como as
pessoas consomem fossem responsáveis pela produção das demandas e não ao
contrário (RODRIGUES, 2011).
Quanto ao processo de globalização na resposta e no contexto da escola
cabe uma reflexão apontada por um dos professores “a quem interessa?A gente
tenta dar essa visão das questões geopolíticas a quem interessa as questões do
mundo globalizado?”, pois retomando uma questão importante para repensar os
paradigmas climático-ambientais, a influência do homem no aquecimento global é
um fato consolidado ou não passa de uma apropriação do processo de produção,
criando
novas
oportunidades
de
reorganização
do
sistema
econômico?
Considerando o fato de que uma coisa não exclui a outra, a questão é que, desde
que a ciência legitimou os problemas ambientais em uma escala tão abrangente,
novos rearranjos econômicos vêm se configurando, novos mercados vêm surgindo,
e novas maneiras de poluir, também.
5 – Considerações Finais
A escola é um espaço fundamental para a construção do conhecimento.
Porém, nem sempre o conhecimento tradicional impresso nas estruturas da escola
consegue acompanhar a fluidez do mundo contemporâneo.
Vivemos uma era da liquidez econômica, da flexibilização das distâncias, da
instantaneidade
da
informação,
de
intensos
avanços
tecnológicos
e,
consequentemente, de grandes problemas globais. A globalização ao mesmo tempo
que reforça elementos do local, intensifica o pensamento hegemônico globalizando
tudo quanto pode.
Porém, esse processo pouco alterou a estrutura da escola que apresenta
mais elementos do neoliberalismo da década de 1980 do que do processo de
globalização recente. Esse último fica mais evidente na transformação da educação
em uma mercadoria facilmente comercializada sobre a égide das leis do mercado
(CHARLOT, 2007).
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Diante desses problemas globais, como as mudanças climáticas, ficou
evidente que o material didático debate o tema procurando inseri-lo no contexto de
produção capitalista, mostrando a apropriação desigual dos recursos, porém o
excesso de oficialismo das fontes acaba transmitindo um discurso que reforça a
ação humana como principal responsável sem relaciona-la como os efeitos danosos
do paradigma econômico vigente.
Quanto a atuação dos professores, estes mostram conhecimento de
diferentes correntes científicas, porém optam por contextualizar a ação humana
como principal responsável por essas mudanças. A simplificação das mudanças
climáticas com os demais problemas ambientais e a contextualização através da
escala do cotidiano demonstra uma preocupação em conscientizar os alunos frente
aos problemas ambientais.
É necessário que o caráter crítico inerente aos estudos geográficos seja por
meio de um conteúdo presente tanto no material didático, quanto na ação do
professor. Sem isso, corre-se o risco de uma simples reprodução do discurso
hegemônico responsável pela manutenção de um paradigma econômico-cultural que
não condiz mais com o ideal de mundo que privilegie a justiça socioambiental.
6 – Referências Bibliográficas
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