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REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA
ISSN 1519-5228
Volume 10 - Número 2 - 2º Semestre 2010
Aspectos da caça e comércio ilegal da avifauna silvestre por populações tradicionais
do semi-árido paraibano
José Aécio Alves Barbosa1, Veruska Asevedo Nobrega2, Rômulo Romeu da Nóbrega Alves3
RESUMO
O comércio ilegal de aves silvestres é reconhecido hoje como uma atividade prejudicial ao meio
ambiente em virtude da alta importância ecológica desses animais, que, por sua relativa abundância,
beleza e canto, são o grupo mais procurado pelos criadores, como acontece no município de
Queimadas, semi-árido paraibano. O presente estudo teve como objetivo avaliar quais as possíveis
pressões à biodiversidade oriundas da captura e do comércio ilegal de aves silvestres na área
pesquisada, bem como averiguar se os aspectos sócio-culturais e econômicos dos comerciantes e
caçadores entrevistados estão relacionados à disseminação dessa prática na região. As informações
foram obtidas através da aplicação de formulários semi-estruturados que apresentaram questões
acerca da captura, comercialização, domesticação e uso de aves na alimentação na região. Foram
entrevistadas 46 pessoas que listaram 34 espécies de utilidade comercial, o que demonstra um valor
econômico significativo dessa prática na região. As principais técnicas de caça e captura
mencionadas pelos entrevistados foram o uso de armadilhas (arapuca e alçapão) e a caça com
espingarda e cachorros, técnicas essas que são transmitidas de geração a geração. Os dados obtidos
apontam para o fato de que a maior parte das aves comercializadas é de pássaros canoros ou que são
vendidos para alimentação. A forte tradição e o relativo quadro de pobreza local contribuem para
estimular o comércio ilegal da avifauna na região. Nesse contexto, evidencia-se a importância de
estudos visando a proteção efetiva da avifauna, que está intimamente associada à conscientização e
participação dos habitantes locais, já que estes podem desempenhar papéis importantes na
preservação e conservação do ambiente.
Palavras-chave: Comércio ilegal, Avifauna, Caatinga.
Aspects of hunting and illegal trade in wild birds by traditional people of the semiarid of Paraíba.
ABSTRACT
Nowadays, the illegal trade of wild birds is recognized how a prejudicial activity to environment
because of its high ecological importance. Thus, this study has a purpose to assess as what is the
possible damages to the biodiversity from of illegal capture and trade of wild birds in municipality
of Queimadas, semi-arid of Paraíba, Brazil; as to check if the cultural, social and economical
aspects of hunters and people of the trade interviewee are related with the dissemination of this
habit in region. Totally, 46 people went interviewee that showed 34 species of commercial
usefulness, what demonstrate a significant economical value of this habit in region. All our
information shows us the most of sold birds are singer birds or birds that are sold for feeding. The
strong tradition and the relative local poverty toward to encourage the illegal trade of birds in
region. So, is made clear the importance of study looking the permanent protection of the birds, that
39 is intimately associated with the participation of the people and make the local population aware,
since the can perform important roles on conservation of environment.
Keywords: Illegal trade, Wild birds, Caatinga biome.
1 INTRODUÇÃO
A etnoornitologia é a ciência que aborda
o conhecimento popular sobre as aves,
descrevendo e analisando os conhecimentos e as
práticas das populações locais, permitindo uma
compreensão das relações entre humanos e aves.
Atualmente, os estudos em etnoornitologia
constituem um campo de cruzamentos de
conhecimentos, nos mais diversos contextos
culturais e ecológicos (Farias & Alves, 2007;
Sick, 1997).
Entre os inúmeros problemas de ordem
sócio-ambiental, o comércio ilegal de animais
silvestres é reconhecido hoje como uma
atividade prejudicial ao meio ambiente em
virtude da alta importância ecológica dos
mesmos. Dentre os animais traficados, as aves
por sua beleza e canto, aliado a ampla
distribuição geográfica e alta diversidade, são
grupo mais procurado. Dado a sua relativa
abundância, as aves são preferidas pelos
criadores, como no Nordeste brasileiro, onde
esses animais são destinados a coleções
particulares, lojas de mascotes, feiras livres ou
ao mercado exterior (Vannucci-Neto, 2000).
Esse fato, segundo Souza & Soares Filho (2005)
e Rocha et al. (2006), pode aumentar o risco de
extinção das espécies e reduzir, como
consequência a biodiversidade das áreas
pressionadas.
No bioma Caatinga alguns fatores
atualmente impossibilitam a total eficiência das
ações de combate ao tráfico de aves, como as
dificuldades operacionais associadas à vasta
extensão territorial, a baixa severidade das
penalidades previstas na legislação ambiental e
a miséria em que vive grande parte da
população (Ribeiro & Silva, 2007).
Sendo assim, este trabalho objetivou
avaliar quais as possíveis pressões à
biodiversidade oriundas da captura, utilização e
comércio ilegal de aves silvestres na área
pesquisada, listar e descrever as principais
técnicas de caça e capturas utilizadas pelos
informantes, bem como averiguar se os aspectos
sociais,
culturais
e
econômicos
dos
comerciantes e caçadores entrevistados estão
relacionados à disseminação dessa prática na
região.
2 MATERIAIS E MÉTODOS
2.1- Da área de estudo
Esta pesquisa foi realizada entre agosto
e dezembro de 2008 na comunidade de Gravatá
no município de Queimadas (latitude
7º21´29"S; longitude 35º53´53"W) localizado
na mesorregião do agreste paraibano.
Queimadas possuem uma área de 409
km². A sede da cidade tem uma altitude
aproximada de 450 metros, distando 117,2 Km
da capital (CPRM, 2005 e IBGE, 2007). O
município foi criado em 1961 e possui uma
população total é de 38.883 habitantes (IBGE,
2007), sendo 17.046 na área urbana. Seu Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH) é de 0.595,
segundo o Atlas de Desenvolvimento HumanoPNUD - 2000 (CPRM, 2005).
O Sítio Gravatá no município
Queimadas recebeu esse nome por conta da
incidência de muitas bromeliáceas conhecidas
como gravatá na região. Essa comunidade, em
virtude de sua grande extensão territorial, foi
subdividida em três áreas: Gravatá de
Queimadas - por estar mais próxima da sede do
município; Gravatá dos Trigueiros e Gravatá
dos Velez - ambos os nomes por conta de
famílias tradicionais que habitavam a região. A
comunidade é composta por aproximadamente
80 residências e está localizada em uma região
serrana com alguns trechos de vegetação nativa
preservada.
A localidade representa uma paisagem
típica do semi-árido nordestino, com vegetação
composta
basicamente
por
Caatinga
40 Hiperxerófila com trechos de Floresta
Caducifólia. O clima é do tipo Tropical Semiárido, com chuvas de verão. Esse município
apresenta uma precipitação média anual de
entre 400 e 800 mm (CPRM, 2005).
que possibilitou demonstrar a importância
relativa da espécie conhecida e utilizada
localmente. O valor de uso foi calculado através
da seguinte fórmula: (VU = ΣU/n), onde: VU =
valor de uso da espécie; U = número de citações
por espécie; n = número de informantes.
2.2- Da coleta e análise dos dados
Para coleta de dados, foram feitas visitas
aos moradores da comunidade mencionada
anteriormente.
Inicialmente
buscou-se
identificar os moradores locais que capturavam
e comercializavam aves silvestres, ou tinham
conhecimento acerca dessa prática na região.
Após os primeiros contatos, os dados acerca da
captura e comércio de aves foi obtido através da
aplicação de formulários semi-estruturados
integrados a entrevistas livres feitas de modo
individual e conversas informais (Mello, 1995;
Chizzoti, 2000; Huntington, 2000; Albuquerque
& Lucena, 2004). Buscou-se a confirmação das
informações, sobretudo de maneira sincrônica
(Marques, 1991); no entanto, para alguns
indivíduos,
principalmente
aqueles
que
demonstraram grande conhecimento em relação
ao tema, utilizou-se também o modo diacrônico
para confirmação de informações (Marques,
1991). Os formulários continham questões
acerca
da
captura,
comercialização,
domesticação e uso de aves na alimentação na
região. Por fim foi aplicado um questionário
sócio-econômico.
O trabalho de campo prosseguiu com
visitas aos pontos de comércio de aves listados
nas entrevistas, para a obtenção de dados
relativos às espécies e, quando possível, aos
valores de venda. Os nomes vernaculares dos
espécimes citados foram registrados como
mencionadas pelas pessoas entrevistadas. Os
animais foram identificados usando critérios
adotados por Souza & Soares Filho (2005) e
Alves & Rosa (2006): 1) análise dos espécimes
doados pelos entrevistados; 2) análise de
fotografias dos animais feitas durante as
entrevistas; 3) através dos nomes vernaculares,
com o auxílio de taxonomistas familiarizados
com a fauna das áreas de estudo.
Para cada espécie de ave citada foi
calculado seu respectivo valor de uso (VU)
(Adaptado pra proposta de Phillips et al. 1994)
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Foram entrevistadas no total 46 pessoas
(28 mulheres e 18 homens) com idades variando
de 17 a 78 anos. Estas mencionaram um total de
34 espécies de aves divididas em 27 gêneros e
15 famílias.
3.1- Dos aspectos sócio-econômicos
A maioria dos entrevistados vivencia um
relacionamento conjugal estável, através de
casamento ou união consensual. Em relação à
atividade ocupacional, a maioria deles trabalha
na agricultura ou é aposentado. O grau de
escolaridade dos entrevistados é baixo, tendo
em vista a expressividade de indivíduos com
ensino fundamental incompleto (75,5%). No
que diz respeito à renda salarial, verificou-se a
prevalência de 1 salário mínimo (com renda
média de 1,3 salário mínimo por pessoa). Em
relação ao número de membros da família,
prevaleceu o número de 4 indivíduos por
residência (45,6%). A maioria dos entrevistados
é natural de Queimadas, tendo vivido durante
toda a vida na região em questão. A tabela 1
resume esses dados sócio-econômicos.
Tabela 1 – Dados sócio-econômicos dos entrevistados da
comunidade do Gravatá.
Sexo
Masculino
Feminino
Idade
15 - 25 Anos
26 - 45 Anos
46 - 65 Anos
66 - 80 Anos
Grau de escolaridade
Analfabeto
Ensino Fund. Incompleto
Ensino Fund. Completo
Ensino Médio Incompleto
18
28
04
19
17
06
06
31
05
02
41 Ensino Médio Completo
Estado civil
Solteiro (a)
União consensual
Casado (a)
Separado (a)
Viúvo (a)
Renda mensal
Não possuem renda fixa
Até 1 Salário Mínimo (Aposentadoria)
Até 1 Salário Mínimo
02
06
15
18
02
05
03
10
19
Até 2 Salários Mínimos
08
De 3 Salários mínimos acima
05
Não declarou
01
Tamanho da Família
1 Casal
02
3 Pessoas
09
4 Pessoas
21
5 Pessoas
07
7 Pessoas
04
9 Pessoas
03
Tempo de Residência na Região de
Estudo
Até 20 Anos
05
De 21 a 40 Anos
10
De 41 a 60 Anos
18
De 61 a 70 Anos
05
Mais de 70 Anos
01
Não Declarou
07
2006; Gama & Sassi, 2008; Nobrega et al.,
2009a).
Segundo os próprios informantes, um
dos maiores estímulos a essa prática na área é a
facilidade com que os animais são retirados da
natureza e comercializados ou preparados para
consumo. Associada a essa facilidade está a
obrigação urgente de incrementar a alimentação
e a renda média mensal para suprir as
necessidades básicas das famílias, que são
compostas por um número relativamente
elevado de membros. Martínez (2006), em
estudo acerca da utilização da fauna silvestre no
Petenes, México, também relaciona esses usos à
manutenção e subsistência de populações locais.
Ainda de acordo com as informações dos
entrevistados, fatores como a idade e o tempo de
residência na localidade facilitam a captura das
aves por influenciarem no conhecimento da
diversidade da fauna local, bem como dos
melhores períodos e locais para se apanhar cada
espécie. Nobrega et al. (2009b), em estudo
acerca das técnicas de captura de aves silvestres
no município de Queimadas, Paraíba, também
relacionam o sucesso de algumas práticas de
captura da avifauna silvestre no semi-árido
paraibano aos conhecimentos do caçador acerca
dos melhores períodos de caça, hábitos das
espécies e melhores locais para situar as
armadilhas.
3.2- Das técnicas de captura
Todos os 18 homens entrevistados
capturam, criam e comercializam ou tem
conhecimento acerca do comércio de aves na
região. Já a maioria das 28 mulheres
entrevistadas (75%) revelou que seu
conhecimento sobre a criação e o comércio da
avifauna local é oriundo da observação das
práticas de seus parceiros, práticas essas, que de
acordo com as informações obtidas, são
comumente disseminadas e culturalmente
transmitidas de geração a geração através da
tradição oral e observação direta, corroborando
com alguns trabalhos que afirmam que na
Caatinga, é muito comum a tradição de se criar
e comercializar aves (Sick, 2001; Rocha et al.,
A captura de aves na região do Gravatá
representa uma forma tradicional de manejo da
avifauna silvestre. O conhecimento dessas
técnicas é passado de geração em geração e faz
parte da cultura das pessoas que vivem na
região. Segundo Alves et al. (2009), em trabalho
acerca das estratégias de caça usadas no
município de Pocinhos, semi-árido paraibano, as
atividades de caça podem começar na infância
quando as aves são caçadas para alimentação
pelo uso de “baladeiras”, ou capturadas em
armadilhas e criadas como animais de
estimação; esse mesmo fato foi observado no
presente estudo. As principais técnicas de caça e
captura mencionadas pelos entrevistados foram
a caça com espingarda, com cachorro, o uso de
armadilhas.
42 As armas de fogo constituem uma
ferramenta básica para muitos caçadores na
região pesquisada. A adoção de caça com armas
é muito mais eficiente do que os métodos
tradicionais, já que resulta numa vasta captura
de espécies mais visadas pelos caçadores, porém
é uma técnica extremamente destrutiva (Alves
et al., 2009; Trinca & Ferrari, 2006). Apesar
disso, é ainda bastante disseminada pela
população do Gravatá.
A caça com cachorros geralmente
acontece no período noturno e em áreas com
vegetação
preservada.
Segundo
os
entrevistados, quando o cachorro late, pode
estar indicando que capturou a presa e o caçador
então segue o latido. Muitas vezes os cachorros
podem matar a presa durante a perseguição
antes que a mesma fuja. A ave mais caçada com
essa técnica é o “Lambu” - Crypturellus
parvirostris, corroborando com uma tendência
similar apresentada por Alves et al. (2009) em
seu trabalho acerca de estratégias de caça no
semi-árido da Paraíba.
As armadilhas mais utilizadas na captura
de aves são o alçapão e a arapuca. O alçapão é
um tipo de gaiola de captura para pássaros
leves. O canto de um pássaro macho, nomeado
pelos entrevistados de “chamador”, é usado para
atrair outros pássaros machos que virão
competir pelos territórios e serão capturados em
um compartimento da gaiola. Esse tipo de
armadilha é destinado especialmente para a caça
de pássaros canoros, de valor comercial ou de
criação na comunidade. Já a arapuca é
construída com pequenos pedaços de madeira.
Os caçadores do Gravatá a armam numa área
onde normalmente os pássaros se alimentam.
Quando o pássaro toca na isca, faz com que a
arapuca caia, aprisionando-o até que o caçador
retorne. Geralmente é uma técnica usada para
captura de “Ribaçãs” - Zenaida auriculata,
“Rolinhas” - Columbina sp. e “Galinhas da
água” - Gallinula chloropus. Essas armadilhas
podem ser técnicas associadas à sazonalidade e
sua eficiência está, muitas vezes, relacionada ao
conhecimento do caçador acerca dos melhores
períodos de caça, hábitos das espécies e
melhores lugares para situar as armadilhas.
3.3- Do comércio das aves
Segundo os entrevistados, 34 animais
são capturados e comercializados na região.
Além de comercializadas, as aves também
foram mencionadas como criadas ou
consumidas. A tabela 2 resume a lista de aves
citadas pelos entrevistados na área pesquisada
como comercializadas, criadas ou consumidas.
Os Valores de Uso (VU) das espécies
citadas variaram de 0,07 a 0,70. Com destaque
para as seguintes aves: Azulão - Passerina
brissonii - VU = 0,41; Canário - Sicalis flaveola
- VU = 0,41; Galinha d’água - Gallinula
chloropus - VU = 0,41; Lambu - Crypturellus
parvirostris - VU = 0,43; Galo de campina Paroaria dominicana - VU = 0,46; Ribaçã Zenaida auriculata - VU = 0,57 e Rolinha
cambuta - Columbina minuta - VU = 0,70.
Esses dados apontam para o fato de que a maior
parte dos animais criados ou capturados para
comercialização é de pássaros canoros ou que
são vendidos para alimentação.
De acordo com o informado pelos
entrevistados, grande parte das aves coletadas
no sítio Gravatá é vendida nas grandes feiras da
cidade de Campina Grande. Esses dados
corroboram com as observações feitas por
Rocha et al. (2006) em trabalho acerca dos
aspectos da comercialização ilegal de aves nas
feiras livres de Campina Grande, Paraíba, que
registraram
uma
gama
de
espécies
extremamente variada e oriunda de diversas
regiões circunvizinhas sendo comercializada
nessas feiras. Isso sugere a existência de rotas
comerciais de destinação ativas e pré-definidas
para as aves capturadas no Gravatá,
evidenciando a necessidade de uma fiscalização
mais efetiva que reprima essa prática ilegal que
vem se consolidando na região.
Das 15 famílias de aves comercializadas
na região, as mais destacadas foram
Emberizidae (n=11), Columbidae (n=4) e
Fringillidae (n=4), corroborando com outros
trabalhos acerca do comércio de aves silvestres
na região nordeste do Brasil (Pereira & Brito,
2005; Souza & Soares Filho, 2005; Rocha et al.,
2006; Assis & Lima, 2007). A figura 1 mostra a
distribuição das espécies de aves listadas dentro
de cada família citada.
43 12
11
10
8
6
4
4
4
2
2
1
2
1
1
1 1
2
1 1
1 1
A
B
C
D
E
F
G
H
I
J
K
L
M
N
O
0
Figura 1 – Distribuição por família da quantidade de espécies de aves citadas como comercializados na comunidade do
Gravatá. Legenda: A - Caprimulgidae; B - Cardinalidae; C - Columbidae; D - Corvidae; E - Emberizidae; F Estrildidae; G - Fringillidae; H - Furnariidae; I - Icteridae; J - Psitacidae; K - Rallidae; L - Thraupidae; M Tinamidae;
N
Turdidae;
O
Tyrannidae.
44 Tabela 2 – Identificação dos animais citados como comercializados na comunidade do Gravatá. Legenda: VU – Valor de Uso.
Família
Caprimulgidae
Identificação da Espécie
Categorias de Uso
Total
Criação Consumo Comércio
VU
Bacurau - Nyctidromus albicollis (Gmelin, 1789) LR
4
1
5
0,11
Azulão - Passerina brissonii, (Lichtenstein, 1823)
Trinca ferro - Saltator similis, d'Orbigny &
Lafresnaye, 1837
16
3
19
0,41
2
2
4
0,09
Burguesa Branca - Streptopelia sp.
Burguesa Marrom - Streptopelia decaocto,
Frivaldszky, 1838 LC
Ribaçã - Zenaida auriculata, (Des Murs, 1847)
Rolinha cambuta - Columbina minuta (Linnaeus,
1766)
4
4
1
9
0,20
4
4
18
1
8
9
26
0,20
0,57
29
3
32
0,70
Cardinalidae
Columbidae
Corvidae
Cancão - Cyanocorax cyanopogon (Wied, 1821)
10
1
11
0,24
Bigode - Sporophila lineola (Linnaeus, 1758)
Caboclinho - Sporophila bouvreuil (Miller, 1776)
Canário - Sicalis flaveola, (Linnaeus 1766)
Chorão - Sporophila leucoptera, (Vieillot 1817)
Galo de campina - Paroaria dominicana, (Linnaeus,
1758)
Gaturão - Sicalis luteola (Sparrman, 1789)
Golado - Sporophila albogularis (Spix, 1825)
Papa-capim - Sporophila nigricollis, (Vieillot 1823)
Salta caminho - Tiaris fuliginosus (Wied, 1830)
Tico-tico - Zonotrichia capensis, (Müller, 1776)
Tiziu - Volatinia jacarina, (Linnaeus, 1766)
15
6
16
2
2
2
3
1
17
8
19
3
0,37
0,17
0,41
0,07
18
16
16
7
2
2
3
3
2
1
1
1
1
2
21
18
17
8
3
3
5
0,46
0,39
0,37
0,17
0,07
0,07
0,11
Bico de lápis - Estrilda astrild, Linnaeus, 1758
11
2
13
0,28
Canário belga - Serinus canaria (Linnaeus, 1758)
Corda Negra - Agelaius ruficapillus, Vieillot,
1819LC
Pinta silva - Carduelis yarrellii, (Audubon, 1839)
Vem-vem - Euphonia chlorotica, (Linnaeus, 1776)
2
1
3
0,07
6
13
2
1
3
1
7
16
3
0,15
0,35
0,07
Casaca de couro - Furnarius leucopus, Swainson,
1837
7
2
9
0,20
Concriz - Icterus jamacaii, (Gmelin, 1788)
13
3
16
0,35
Papagaio - Amazona aestiva (Linnaeus, 1758)
Periquito-do-mato - Aratinga cactorum (Kuhl,
1820)
6
1
7
0,15
9
2
11
0,24
8
19
0,41
2
5
0,11
13
7
20
0,43
11
7
18
0,39
Emberizidae
Estrildidae
Fringillidae
Furnariidae
Icteridae
Psitacidae
Rallidae
Galinha d’água - Gallinula chloropus, (Linnaeus,
1758)
11
Thraupidae
Sanhaçu - Thraupis sayaca (Linnaeus, 1766)
3
Tinamidae
Lambu - Crypturellus parvirostris, (Wagler, 1827)
Lambu do pé roxo - Crypturellus
tataupa,(Temminck, 1815)
Turdidae
Sabiá - Turdus rufiventris, (Vieillot, 1818)
9
2
11
0,24
Maria fita - Empidonax traillii (Audubon, 1828)
5
1
6
0,13
Tyrannidae
45 A
D
F
C
B
E
G
H
Figura 3 – Alguns exemplares de aves fotografadas enquanto comercializadas pelos entrevistados da comunidade do
Gravatá. Legenda: A – Canário Belga (Serinus canaria); B – Canário (Sicalis flaveola); C – Gaturão (Sicalis luteola);
D – Lambu (Crypturellus parvirostris); E – Burguesas (Streptopelia sp.); F – Papagaio (Amazona aestiva); G – Sabiá
(Turdus rufiventris); H – Tico-tico (Zonotrichia capensis). Fotos: (A, B, G) - Veruska A. Nobrega; (C, D, E, F, H) José Aécio A. Barbosa
46 Dentre
as
espécies
de
aves
comercializadas para criação, os exemplares
machos são os mais procurados, por
apresentarem uma maior expressividade de
canto e uma plumagem mais bonita. Essa
captura acentuada de machos é um fato
agravante para o equilíbrio populacional das
espécies envolvidas, uma vez que, cerca de 90%
das espécies de aves adotam um comportamento
monogâmico durante seu período reprodutivo
(Ribeiro & Silva, 2007). A figura 3 mostra
alguns exemplares de aves fotografadas
enquanto comercializadas pelos entrevistados.
O comércio de aves silvestres nas feiras
visitadas
ocorre
abertamente,
sendo
absolutamente visível a qualquer um e
envolvendo um número grande de espécies.
Segundo alguns entrevistados, a captura e o
comércio são justificados pela necessidade de
sobrevivência, mas, rendem ao caçador (coletor)
e comerciante muito pouco dinheiro comparado
ao grau de destruição. Contudo, esse mesmo
valor é tido como significativo para alguns
habitantes locais, uma vez que os mesmos
retiram as aves da natureza praticamente sem
nenhum custo.
O quadro de pobreza social e a falta de
alternativas econômicas contribuem para
estimular o comércio ilegal da fauna na região.
Assim, percebe-se que a cadeia social que
propicia e estimula esse comércio tem sua
origem nos setores mais pobres situados na zona
rural, como acontece na comunidade do
Gravatá. A consciência que predomina nesse
seguimento sócio-cultural é a de que os recursos
da natureza são infinitos, capazes, portanto, de
suportar a ação predatória (Souza & Soares
Filho, 2005).
A redução da abundância de aves e da
riqueza de espécies está sujeita a ter suas
consequências ampliadas no semi-árido
paraibano, graças a diversidade dos impactos
sociais dessa região. As aves representam um
dos maiores e mais conhecidos grupos de
organismos afetados também pelo caráter
cultural e econômico dos usuários exploradores,
e o status de conservação de todas as espécies
exploradas precisa, segundo Sekercioglu et al.
(2004), ser avaliado de maneira mais intensa.
Segundo dados do IBAMA, 71% dos
animais contrabandeados são aves. O impacto
do tráfico sobre o equilíbrio ambiental é
significativo, visto que ele é a segunda principal
causa da redução populacional de várias
espécies nativas, depois da redução de habitat
pelo desmatamento (Rocha et al. 2006).
4 CONCLUSÕES
A captura e o comércio de aves silvestres
é uma prática bastante disseminada na
comunidade do Gravatá e está intimamente
ligada ao contexto sócio-cultural e econômico
dos habitantes locais. A intensificação e
continuidade dessa prática ilegal podem
acarretar prejuízos à biodiversidade local, fato
que
evidencia
estudos
e
medidas
conservacionistas, no intuito de minimizar as
pressões à fauna. Nesse contexto, evidencia-se a
necessidade
de
medidas
visando
à
sustentabilidade do uso da avifauna silvestre, as
quais devem incorporar aspectos culturais
associados à utilização desses animais.
No Brasil, trabalhos como esse, que
busquem descrever localmente as características
de criação e comércio de aves, precisam ser
realizados em mais localidades estrategicamente
definidas, sobretudo na região nordeste. A
riqueza natural precisa ser conservada mediante
estratégias conjuntas com a população e através
da conscientização proveniente de estudos
baseados em princípios educacionais. Os
conhecimentos dos comerciantes e caçadores da
área pesquisada podem ser de grande valia para
conservação da biodiversidade local, desde que
sejam utilizados de maneira adequada.
AGRADECIMENTOS
Gostaríamos
de
agradecer
a
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e ao
Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq) pelo auxílio
financeiro concedido ao 1º e 2º autores através
do Programa institucional de Bolsas de
Iniciação Científica (PIBIC), e, em especial
47 agradecemos
aos
entrevistados,
que
compartilharam conosco seus conhecimentos.
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______________________________________
1 - Biólogo, Membro do Grupo de Pesquisas em
Etnobiologia e Etnoecologia da UEPB, Departamento de
Biologia, /CCBS/UEPB –
e-mail: [email protected]
2 - Curso de Licenciatura e Bacharelado em Ciências
Biológicas – UEPB/ Bolsista de Iniciação Científica –
CNPq/UEPB.
3 - Professor do Curso de Licenciatura e Bacharelado em
Ciências
Biológicas
–
UEPB
–
email:
[email protected]
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