Caderno de Resumos IV Colóquio Kant 2012

Transcrição

Caderno de Resumos IV Colóquio Kant 2012
Caderno de Resumos
IV Colóquio Kant da Sociedade Kant
Brasileira
Leituras Contemporâneas de Kant
(Seção Paraná)
Aguinaldo Pavão
Andrea Faggion
Charles Feldhaus
(Orgs.)
Aguinaldo Pavão
Andrea Faggion
Charles Feldhaus
(Organizadores)
CADERNO DE RESUMOS
IV COLÓQUIO DA SOCIEDADE KANT BRASILEIRA
(Seção Paraná)
LEITURAS CONTEMPORÂNEAS DE KANT
(Londrina, 06 a 07 de agosto de 2012)
Capa: Charles Feldhaus
Editoração: Charles Feldhaus
Revisão: Daiane Camila Castilho
APOIO:
Mestrado em Filosofia da Universidade Estadual de Londrina
Especialização em Filosofia Moderna e Contemporânea
Especialização em História e Filosofia da Ciência
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PREFÁCIO
Essa coletânea reúne os resumos dos estudos apresentados durante o IV
Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira (Seção Paraná). Esse evento
ocorreu nos dias 06 e 07 de agosto de 2012 na sala de eventos do Centro de
Letras e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Londrina. O evento se
constitui em um importante espaço de debate entre destacados estudiosos do
pensamento do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804). É importante
destacar a presença do professor Robert Louden, atual presidente da North
American Kant Society (NAKS) e do professor Vinícius Figueiredo, atual
presidente da Associação Nacional de Pós-graduação em Filosofia (ANPOF)
como conferencistas do evento.
O Colóquio Kant da Sociedade Kant Brasileira (Seção Paraná) é um
evento itinerante que ocorre periodicamente nas universidades do estado do
Paraná em que se concentram estudiosos do pensamento de Immanuel Kant. A
primeira edição ocorreu em 2008 e foi realizada na cidade de Curitiba na
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). A segunda edição ocorreu
em 2009 e foi realizada na Universidade Estadual do Centro-Oeste
(UNICENTRO) na cidade Guarapuava. A terceira edição ocorreu em 2011 e foi
realizada na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) em Curitiba.
A presente coletânea está dividida em duas partes: a parte inicial reúne os
resumos das conferências apresentadas durante o evento e a segunda parte
reúne os resumos das comunicações apresentadas durante o evento.
Agradecemos a todos aqueles que de alguma maneira contribuíram com a
realização do presente evento, em particular ao Mestrado em Filosofia, à
Especialização em Filosofia Moderna e Contemporânea e à Especialização em
História e Filosofia da Ciência pelo apoio financeiro, condição indispensável à
realização do mesmo. Aos professores e alunos do curso de graduação e pósgraduação em filosofia e do Departamento de filosofia que de alguma maneira
contribuíram com o evento.
Comissão Coordenadora
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RESUMOS DAS CONFERÊNCIAS
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COERÇÃO PÚBLICA E LIBERALISMO EM KANT
Aguinaldo Pavão
Universidade Estadual de Londrina
RESUMO: O que Kant nos ensina sobre a legitimidade da coerção pública? Seu
pensamento nos fornece um critério para avaliarmos a legitimidade das leis
positivas? Ao que parece, sim. Ora, pensar a legitimidade das leis positivas
envolve também pensar a extensão dessas leis. Isso nos conduz a refletir sobre a
função do Estado. A partir dessas questões tentarei defender a interpretação
segundo a qual a visão kantiana sobre a legitimidade da coerção pública pode
ser considerada como partidária de uma compreensão liberal do Estado.
NOTAS LIBERTÁRIAS ACERCA DA JUSTIFICATIVA KANTIANA
PARA PROGRAMAS ESTATAIS DE COMBATE À POBREZA
Andrea Luisa Bucchile Faggion
Universidade Estadual de Maringá
RESUMO: Na primeira parte de meu trabalho, eu pretendo sugerir que uma
fundamentação moral para programas estatais de combate à pobreza teria que
envolver uma dedução do conceito de direitos positivos (entendidos como
aqueles direitos segundo os quais seríamos beneficiados pelas ações dos outros),
dedução esta que justificaria a própria noção de algo como "justiça social", que,
a meu ver, envolve claramente aquela noção segundo a qual um cidadão teria o
direito de contar com a colaboração dos demais ao menos para satisfação de
necessidades básicas. Também nesta parte de meu texto, eu pretendo lembrar
que, libertários, por sua vez, só reconhecem direitos negativos, isto é, aquilo
que, em tese, não pode ser feito em malefício do outro. Obviamente, isso implica
dizer que, de acordo com uma teoria política libertária, não haveria nenhum
direito de aspiração à colaboração ou contribuição alheia.
Na segunda parte de minha exposição, eu pretendo mostrar que, para Kant,
não há direitos positivos. Minha interpretação será baseada na introdução à
Doutrina do Direito, mais especificamente na passagem do § B em que Kant
limita o escopo do direito (AA 06: 230), digamos assim. Argumentarei que, de
acordo com essa passagem crucial, os direitos positivos são necessariamente
excluídos do âmbito jurídico. Com isso, argumentarei ainda, programas estatais
de combate à pobreza só poderiam receber de Kant uma fundamentação
prudencial: sendo um meio para o fim da conservação da própria ordem
jurídica. Defenderei, portanto, que, em nome da coerência da Doutrina do
Direito, a princípio, seria nesse sentido que deveria ser interpretada a passagem
contida em AA 06: 325-326, onde Kant, de fato, defende a ajuda do Estado aos
mais pobres por meio da taxação da fortuna dos mais ricos.
Ora, uma fundamentação prudencial do que quer que seja, como é trivial
dizer, não é puramente racional, dado que regras prudenciais envolvem
necessariamente o conhecimento de leis causais particulares, cujo conteúdo, por
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sua vez, só pode ser conhecido a posteriori. Em suma, a ajuda do Estado aos
mais pobres, para Kant, seria então uma contingência.
No terceiro passo de meu trabalho, eu formulo o meu problema através da
seguinte questão: não haveria um conflito mesmo entre essa regra prudencial
(contingente), que fundamenta programas de combate à pobreza, e o direito
moral (racional) de Kant? A interpretação prudencial da passagem contida em
AA 06: 325-326 seria realmente suficiente para compatibilizá-la com os
conceitos fundantes da Doutrina do Direito kantiana?
No último passo do trabalho, pretendo sugerir que a constituição de
programas estatais de combate à pobreza viola o direito racional kantiano,
portanto, esses programas não poderiam ser um meio para a conservação de
uma ordem jurídica moralmente aceitável. Usarei o conceito de Direito cunhado
nos §§ C e D da mesma Introdução à Doutrina do Direito para mostrar que a
coação à colaboração, implicada por aqueles programas, é contrária ao conceito
de direito cunhado por Kant, que só autoriza a coação da coação, ou seja, os
direitos negativos dos libertários.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA INTERPRETAÇÃO HABERMASIANA
ACERCA DO PROJETO KANTIANO A RESPEITO DE UMA PAZ
MUNDIAL
Charles Feldhaus
Universidade Estadual de Londrina
RESUMO: O filósofo e sociólogo alemão Jürgen Habermas frequentemente faz
referências ao projeto do filosofo iluminista Immanuel Kant de uma ordem
mundial pacífica, de uma paz mundial, em obras como Die Einbeziehung des
Anderen, Der gespaltene Westen e Zwischen Naturalismus und Religion.
Nessas diversas oportunidades, Habermas afirma explicitamente que duas
coisas nos afastam atualmente da proposta de Kant de uma ordem cosmopolita
pacífica, ou seja, a construção da ordem mundial pacifica contém algumas
dificuldades conceituais, e, além disso, mostra-se não completamente adequada
a nossas experiências históricas. Não obstante, segundo Pauline Kleingeld, em
seu artigo Approaching Perpetual Peace: Kant’s Defense of a League of States
and his Ideal of a World Federation, a visão padrão, a que recorrem Habermas
e Rawls (ao escrever sua obra The Law of People) seria equivocada. Kleingeld
defende uma posição que combina a defesa de uma liga voluntária de nações
juntamente com um argumento a favor de uma federação mundial com poderes
coercitivos, como interpretação do projeto de uma ordem mundial pacífica. Para
fazer isso, ela afirma que é necessário um exame das três principais críticas ao
projeto do pensador alemão do século XVIII: 1) a crítica de que ele retrocede
[scaling back] em bases empíricas do ideal de um estado de estados com poder
coercitivo à liga não coercitiva de estados, ao mesmo tempo em que ainda
sustenta a exigência da razão pura prática de um estado de estados, em outras
palavras, Kant teria abandonado a ideia de um estado mundial com poderes
coercitivos similares aos dos estados nacionais baseado em razões de ordem
empírica, sem considerar a consistência disso com o que teria afirmado acerca
de outros temas ao desenvolver sua filosofia crítica; 2) a crítica a afirmação de
Kant de que a ideia de um estados de estados não envolve algum tipo de
contradição, o que leva os críticos a defenderem que o pensador de Königsberg
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não a deveria ter rejeitado com base em sua pretensa incoerência conceitual; 3)
a crítica de que uma simples liga de estados seria insuficiente para garantir a
paz mundial e que, por conseguinte, não existe nenhuma diferença significativa
entre uma liga de estados não coercitiva e nenhuma liga. O presente estudo
pretende reconstruir a visão habermasiana do projeto kantiano de uma ordem
mundial pacífica, comparar com a reconstrução de Kleingeld da visão padrão
supostamente equivocada e avaliar, primeiramente, se Habermas de fato
endossa esse tipo de interpretação do projeto kantiano; e, finalmente, se o que a
comentadora afirma condiz com a letra e o espírito do texto de Kant.
KANT E A REPRESENTAÇÃO HISTÓRICA
Daniel Tourinho Peres
Universidade Federal da Bahia
RESUMO: O trabalho explora a articulação entre direito natural e história no
pensamento de Kant, de modo a mostrar como os conceitos puros do direito,
ideias da razão, são representados historicamente e que elementos compõem tal
representação. Trata-se assim de localizar na representação histórica o
equivalente do esquematismo dos conceitos.
INVESTIGAÇÃO DA ORIENTAÇÃO REFORMISTA DA SOCIAL
DEMOCRACIA ALEMÃ NO QUADRO DA CONCEPÇÃO KANTIANA
DE ESTADO
Fábio César Scherer
Universidade Estadual de Londrina
RESUMO: Na metade do século XIX, Kant “volta à cena” através dos
neokantianos. As idéias de Kant foram retomadas no debate revisionista do
socialismo, notadamente, por Eduard Bernstein. Aluno de Marx por muitos
anos, e amigo de Engels, Bernstein acabou contrariando as perspectivas, ao
aderir ao neokantismo (cf. Bernstein, 1899, 219). É com ele que ficou conhecida
a expressão: “Zurück auf Kant”, que defendeu pela primeira vez no artigo, de
1898, Das realistische und das ideologische Moment im Sozialismus (cf. Die
Neue Zeit, XVI, 2, 388-395). Essa expressão pode ser também traduzida,
conforme o próprio Bernstein escreve no final do seu livro Die Voraussetzungen
des Sozialismus und die Aufgaben der Sozialdemokratie (1899), enquanto:
“Zurück auf Lange” ou, se quisermos, como: “Weg von Hegel”. A contaminação
com a dialética hegeliana era apontada como a principal causa da insuficiência
do paradigma teórico e prático do marxismo revolucionário na solução dos
problemas teóricos e práticos do movimento dos trabalhadores alemães. A
solução encontrada para “eliminar” as impurezas do edifício doutrinal do
“socialismo científico” foi se “voltar a Kant”. A proposta não era retomar “ao pé
da letra” Kant, mas submeter a doutrina social de Marx e Engels, assim como o
Cant dos adeptos do marxismo revolucionário, à peneira rigorosa do tribunal da
razão crítica. Neste julgamento deveria ser acusado a) a mais refinada e, por
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isso, a mais sutil desorientadora ideologia do materialismo e b) que o desprezo
do ideal, decorrente da exaltação dos fatores materiais enquanto forças
onipotentes do desenvolvimento, é uma auto-ilusão (cf. Bernstein, 1984, 219).
Uma das conseqüências dessa revisão é a rejeição da força criadora da violência
política revolucionária e de sua manifestação externa como mecanismo de
mudança e, em contrapartida, a defesa da reforma enquanto o melhor meio
para se alcançar o objetivo final da emancipação social dos trabalhadores:
liberdade e vida digna. Nessa palestra pretende-se apresentar a orientação
reformista da esquerda social-democrata alemã, mais precisamente de Friedrich
Albert Lange e de Eduard Bernstein, à luz da concepção reformista de Estado de
Kant – presente em Rechtslehre.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O ESTATUTO REFLEXIVO DO CONCEITO
DE ‘NATUREZA’ NA CRÍTICA DA FACULDADE DO JUÍZO (1790) DE
IMMANUEL KANT
Luciano C. Utteich
Universidade do Oeste do Estado do Paraná
RESUMO: Diferentemente do conceito de natureza fundado na Crítica da razão
pura (1787) a partir da constituição das categorias do entendimento (Verstand),
à base de uma faculdade de juízo determinante que subsume intuições em
conceitos puros, o conceito de natureza apresentado na Crítica da faculdade de
Juízo (1790) inova no sentido de desenvolver outro enfoque sobre o modo de
compreender a natureza, na medida em que a partir do conceito de finalidade
(Zweckmässigkeit) torna possível apreendê-la e concebê-la como a totalidade de
um ser vivo e orgânico. Kant desenvolveu neste texto a dimensão puramente
reflexionante da faculdade de juízo (Urteilskraft), que traz em si a perspectiva
de avaliação da totalidade dos objetos empíricos da natureza em conformidade
com a exigência reflexiva, de submeter toda a multiplicidade de leis a um
conceito de unidade superior que, entretanto, não existe previamente dado,
como ocorre na dimensão do conhecimento (pelas categorias), mas deve ser
elaborado reflexivamente. Assim, o conceito de “finalidade” ocupa o lugar de um
“princípio transcendental” da faculdade de juízo reflexionante, através do qual
justifica a classe de objetos que pareceriam, na natureza, desde a perspectiva do
entendimento, puramente contingentes. Pelo estatuto reflexivo fornecido pela
faculdade de juízo para pensar a totalidade de objetos empíricos, não
determinados pelo entendimento por escapar dos limites do uso das categorias,
entra em atividade conjuntamente a faculdade da razão (Vernunft) como
faculdade dos fins, que fornece à faculdade reflexiva o conceito de “fim”(Zweck)
para salvar a multiplicidade e a contingência dos objetos empíricos da natureza,
não alcançados pelas categorias do entendimento. Apresentaremos a dinâmica
do conceito de “finalidade” no interior da Crítica da faculdade de Juízo, visando
demonstrar os limites a ser atendidos por essa faculdade reflexiva na sua
dimensão “estética” e “teleológica”. O veto de confundir o conceito de
“finalidade” com as categorias do entendimento e seu uso objetivo, entretanto,
contrasta com o fato de Kant reforçar a necessidade de considerar a atividade da
faculdade reflexionante um uso “subjetivo” do conceito de finalidade no puro
pensamento, abstendo-se de buscar na natureza um correlato aos objetos
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pensados, mesmo que antes disso tenha implantado como prerrogativa
intrínseca a de que devam existir – e ser encontrados na natureza – objetos que
se organizam exclusivamente a partir da noção de “fins”. A fim de contornar a
aparente exigência de “objetividade” no uso dos conceitos pela faculdade
reflexiva do juízo, Kant apresenta esta última como a faculdade mediadora, que
estabelece a passagem da dimensão prática à teórica da razão, resolvendo-se
reflexivamente, no intervalo entre razão teórica e razão prática, o domínio dos
objetos de reflexão que de modo algum instauram outro domínio constitutivo de
objetos.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA EXCLUSÃO DA MORAL DO ÂMBITO
DA FILOSOFIA TRANSCENDENTAL NA CRÍTICA DA RAZÃO PURA
Luis Cesar Yanzer Portela
Universidade do Oeste do Paraná
Na Crítica da Razão Pura, em dois momentos essenciais de sua
argumentação, Kant apresenta dois motivos para a exclusão da moralidade do
âmbito de investigação da filosofia transcendental. O primeiro motivo de
exclusão da filosofia moral do âmbito da filosofia transcendental é apresentado
no capítulo VII da Introdução. O segundo motivo é apresentado na Doutrina
Transcendental do Método, em uma nota de rodapé que consta na seção
primeira do Cânon da Razão Pura. A apresentação, nestas passagens, de dois
motivos de exclusão da filosofia moral do âmbito da filosofia transcendental
deve ser compreendida, presumivelmente, em função do não cumprimento de
algum(s) critério(s) que permitam identificar o que pertence ao âmbito da
filosofia transcendental, sob pena de tais motivos não passarem de afirmações
injustificadas. Se esta presunção é certa, devemos então procurar identificar
esse(s) critério(s) e relacionar os motivos da exclusão da filosofia moral da
filosofia transcendental a uma caracterização positiva da filosofia moral que leve
ao não cumprimento deste(s) critério(s).
Partindo desses fatos mostraremos que na Crítica da Razão Pura é
possível identificar pelo menos dois critérios que se referem ao que pertence ao
âmbito de investigação da filosofia transcendental. Estes dois critérios, quando
inter-relacionados e aplicados, permitem incluir ou excluir um âmbito de
investigação da filosofia transcendental. Estes dois critérios são aqueles usados
por Kant para excluir a moralidade da filosofia transcendental.
Ao procedermos à identificação destes critérios e os aplicarmos para
excluir a filosofia moral do âmbito da filosofia transcendental, demonstraremos
a que Kant restringe o âmbito de investigação da filosofia transcendental.
Também mostaremos que quando Kant aplica cada um destes critérios para
excluir a moralidade da filosofia transcendental, só faz isso mediante uma
caracterização positiva do que pertence ao âmbito do sistema da moralidade
pura, e que, fazendo isso, deixa transparecer a possibilidade da existência de um
outro critério que diz respeito a como a moralidade pura pode pertencer ao
âmbito do sistema da razão pura. O não cumprimento de qualquer um dos dois
primeiros critérios é condição necessária para que a moralidade pura seja
excluída do âmbito do sistema da filosofia transcendental, mas o cumprimento
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de somente um destes critérios não é condição suficiente para que uma
investigação seja incluída no âmbito do sistema da filosofia transcendental,
enquanto que o cumprimento do terceiro critério é condição suficiente para que
a moralidade pertença ao âmbito do sistema da razão pura, e talvez algo mais.
UM ‘SONHO LÚCIDO’: O CONCEITO KANTIANO DE EXPERIÊNCIA
À LUZ DA SEXTA MEDITAÇÃO
Marco Antonio Valentim
Universidade Federal do Paraná
RESUMO: Na Refutação do Idealismo da segunda edição da Crítica da razão
pura (B 274-279), Kant põe em questão o “idealismo problemático” de
Descartes, que tomaria a consciência empírica de si como logicamente
independente do conhecimento da existência de coisas externas ao sujeito da
representação. No IV Paralogismo da primeira edição da Crítica (A 366-380), a
refutação kantiana se encontrava como que “previamente” completada
mediante a contestação da possibilidade de obter-se uma prova da realidade
transcendental do “mundo exterior” com base na consciência do sujeito
empírico sobre as suas próprias representações (sensíveis). Considerada em
toda a sua amplitude, a refutação kantiana pretende assim questionar tanto a
validade do cogito da Segunda Meditação de Descartes quanto a prova da
existência dos corpos proposta na Sexta Meditação. Gostaríamos de
problematizar a refutação de Kant por meio de uma dupla estratégia: de um
lado, retomando a discussão sobre o alcance da Refutação do Idealismo (não
substitui ela um idealismo por outro?) e, de outro, contrapondo-a à Sexta
Meditação (a prova cartesiana é realmente posta em questão?). Nesse segundo
caminho, nossa atenção estará dirigida não somente à forma própria da prova
da existência dos corpos, que parece ser negligenciada por Kant, mas sobretudo
à defasagem entre o conceito idealista-transcendental de experiência (conjunto
dos fenômenos) e a noção metafísico-empírica de natureza (a “experiência da
vida”) reconhecidos como formas irredutíveis e talvez incomensuráveis entre si
(tornando obsoleta qualquer refutação de parte a parte) de pensar e
experimentar a sempre aporética “relação ao objeto”. A partir dos resultados
dessa problematização, esboçaremos uma consideração sobre a estreiteza do
realismo defendido pela Crítica (em comparação ao proposto por Descartes),
colocando a questão acerca dos limites da análise transcendental em sua
tentativa de assegurar a objetividade da experiência sensível.
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EMOÇÕES, MAL MORAL E DELIBERAÇÃO EM KANT
Maria de Lourdes Alves Borges
Universidade Federal de Santa Catarina
RESUMO: Neste trabalho, investigo a relação entre as emoções, a deliberação e
o mal moral em Kant. Ao determinar os três graus do mal, Kant localiza o mal
propriamente dito na deliberação por máximas contrárias à lei moral e entende
a fraqueza como a dificuldade momentânea de seguir o que a máxima moral
ordena. Se os afetos são responsáveis pela fraqueza, as paixões são o móbil para
a adoção refletida de máximas não-morais. Neste sentido, as paixões são mais
nocivas para a moralidade do que os afetos. Farei neste texto a distinção entre
afetos e paixões, bem como os relacionarei com os graus do mal. Por fim,
ilustrarei esta diferença utilizando as tragédias de Shakespeare, com ênfase para
Romeu e Julieta, Macbeth e Othelo.
REFUTAÇÃO DO IDEALISMO: KANT CONTRA O ANÁTEMA DE
JACOBI
Pedro Costa Rego
Universidade Federal do Rio de Janeiro
RESUMO: Em 1787, antes de ter lido a segunda edição da Crítica da Razão Pura,
portanto com base apenas em sua leitura da refutação do idealismo cartesiano
presente na Dialética Transcendental da edição de 1781, Friedrich Jacobi lança
seu famoso anátema contra consistência da gnosiologia kantiana: sem a
pressuposição da coisa em si, não se poderia entrar no sistema kantiano; mas
com ela, não se poderia aí permanecer. Defenderei nesta comunicação que, ao
longo dos pelo menos doze anos que sucederam a publicação da edição A da
Crítica, Kant empreende um vigoroso esforço por confirmar a primeira e refutar
a segunda parte da frase de Jacobi, formulando argumentos com objetivos e
métodos variados. Apresentarei resumidamente os caminhos traçados no
“Paralogismo da Idealidade”, de 1781, na “Refutação do Idealismo” associada à
Nota do Prefácio à segunda Edição, de 87, bem como em algumas importantes
Reflexões produzidas sobre o tema após 1788, e discutirei o que me parece ser a
maneira mais aceitável de conectar a consciência que temos dos nossos estados
internos como empiricamente determinados no tempo com a existência de
objetos “fora de nós”.
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KANT AND THE WORLD HISTORY OF HUMANITY
Robert Louden
University of Southern Maine
ABSTRACT: In this essay I seek to locate the chief motivating factors behind
Kant’s theory of history. Why did he become interested in history? What were
his main recommendations concerning how history should be written, and what
motives lie behind these recommendations? After a brief tour of the German
Enlightenment debate about “pragmatic history,” which forms part of the
background for Kant’s own approach to both anthropology and history, I try to
show that his philosophy of history is motivated chiefly by anthropological and
moral concerns, and that the moral concerns are primarily empirical and
impure, rather than a priori and pure.
ESQUEMAS COMO CASOS PARADIGMÁTICOS DE CONCEITOS
Tiago Fonseca Falkenbach
Universidade Federal do Paraná
RESUMO: No capítulo ‘Sobre o Esquematismo dos Conceitos Puros do
Entendimento’, Crítica da Razão Pura A137/B176, Kant caracteriza o esquema
como uma representação necessária para a aplicação de um conceito a um caso
singular. É um terceiro termo ou representação mediadora entre o conceito e o
objeto que, para desempenhar sua função, deve ser homogêneo tanto com o
conceito quanto com o objeto. No mesmo capítulo, Kant também destaca que
um esquema, apesar de ser um produto da capacidade de imaginação, não pode
ser identificado com uma imagem, a qual sempre carece da generalidade que é
intrínseca a um conceito, dando a entender que, se não fosse ele mesmo a
“representação de um procedimento universal [...] de proporcionar a um
conceito a sua imagem”, o esquema seria incapaz de exercer a função mediadora
que lhe cabe [A140/B179-80]. Sem dúvida, o problema da distinção entre
esquemas e imagens tem como pano de fundo a crítica de Berkeley à teoria da
abstração das ideias de Locke. Mas essa crítica constitui apenas parte da questão
sobre a natureza dos esquemas e não contribui para responder a questão mais
importante e também mais difícil da doutrina kantiana do esquematismo: por
que esquemas são necessários para intermediar a relação entre objetos e
conceitos? Nos termos em que essa questão é formulada, parece evidente que
Kant está lidando com alguma versão do problema do terceiro homem. Mas por
que seria a resposta ao problema do terceiro homem, e não a suposição que o
engendra, o que introduziria um meio termo entre objetos e conceitos? No
presente trabalho, defendemos que uma resposta a essas questões depende de
uma teoria dos conceitos de inspiração wittgensteiniana, mais exatamente, da
concepção de conceitos como regras cuja aplicação requer padrões espaciais que
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permanecem no tempo. Apresentamos razões teóricas e exegéticas em favor da
tese que os esquemas kantianos operam como casos paradigmáticos que
constituem padrões de correção da aplicação de conceitos.
A IDEIA KANTIANA E A FILOSOFIA DA HISTÓRIA
Vinicius de Figueiredo
Universidade Federal do Paraná
RESUMO: Na Introdução à Dialética transcendental (KrV), Kant cunha o
significado técnico e filosófico da noção de “ideia” em um contexto marcado
pela recusa do empirismo e pelo elogio a Platão, cuja compreensão acerca do
que seja um princípio normativo é reivindicado por Kant especialmente para
assuntos morais. Esta adesão ao platonismo, todavia, transcorre em um quadro
sabidamente idealista. À ideia já não corresponde qualquer realidade; despojada
pela crítica ao dogmatismo de toda dimensão ontológica, a “ideia” kantiana é
uma significação racional, ou, como Kant reiteradamente afirma: seu conteúdo
é eine blosse Idee der Vernunft. Talvez devido a este desprendimento da ideia
em relação à positividade, Kant logo cuida de afirmar que, embora transcenda a
experiência e lhe seja incongruente, ela nada tem de “quimérico”. Ou seja:
embora sendo apenas uma “ideia”, o conceito racional, eis o que Kant insiste em
reivindicar, é razoável, e não quimérico ou fantasioso. Visto que a filosofia da
história kantiana é produto de uma “ideia” (termo que figura no título da obra
inaugural da Weltgeschichte alemã, publicada em 1784), examina-se aqui quais
as implicações que o problema trazido pelo estatuto da ideia na Dialética
transcendental possui para o discurso elaborado pelo historiador-filósofo. Não
estaria em jogo aí a própria razoabilidade da razão? Como, afinal, Kant assegura
que a filosofia da história não passa de uma quimera?
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RESUMOS DAS COMUNICAÇÕES
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A INTERPRETAÇÃO NEO-KANTIANA DE THOMAS KUHN
Adan John Gomes da Silva
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
[email protected]
Com a publicação de seu livro A Estrutura das Revoluções científicas, em 1964,
Thomas Kuhn abalou o relativamente calmo campo da filosofia da ciência,
apresentando ideias que incidiriam sobre suas duas principais questões. Quanto à
primeira, a questão da racionalidade, ele ofereceu um modelo de desenvolvimento
científico que negava alguns dos pressupostos mais prezados pelos filósofos
daquela área, tais quais o da unicidade do método científico, a objetividade do
conhecimento e a cumulatividade das informações. À segunda questão, que diz
respeito ao debate realismo/anti-realismo, Kuhn ofereceu razões para duvidarmos
que a ciência consiste num empreendimento que se dirige à uma descrição cada
vez mais acurada do mundo, e que paradigmas científicos sucessivos nos dão
descrições do mundo que são incomensuráveis entre si. Quanto à segunda questão,
uma ideia em particular de Kuhn gerou acirrado debate em torno de seu
posicionamento metafísico. Sua asserção de que ‘Embora o mundo não mude com
uma mudança de paradigma, depois dela o cientista trabalha em outro mundo’
levantou dúvidas sobre em que sentido deveríamos entender seu anti-realismo, e
qual era a relação entre os mundos mutável e imutável referidos por ele. Descrito
dessa forma, esse ficou conhecido como o ‘problema do novo mundo’. Uma recente
interpretação das ideias de Kuhn a esse respeito foi dada por Paul HoyningenHuene. Segundo ele, Kuhn adere a uma espécie de neo-kantismo, e que a sua
referência a esses dois tipos de mundo pode se encaixar na distinção feita por Kant
entre o mundo fenomênico e o mundo em si. O primeiro, cognoscível e acessível
apenas mediante as categorias do nosso entendimento, seria para Kuhn o mundo
que muda com a mudança de paradigma, e o classificaria como um anti-realista
científico. O segundo, o mundo em si, incognoscível, é para Kuhn aquele que
permanece imutável, não obstante as mudanças de paradigma. Por acreditar nesse
mundo constante e independente da mente, Kuhn seria assim um realista
metafísico. Contudo, esse ponto de vista não foi totalmente aceito por outros
estudiosos de Kuhn, que apontaram nessa interpretação alguns problemas. Com
efeito, para Howard Sankey a distinção kantiana entre mundo fenomenal e mundo
em si é incoerente, pois aplicada ao contexto da ciência implicaria algum
conhecimento sobre o mundo em si. Ele nos diz que afirmar a incognoscibilidade
deste mundo seria reconhecer já algum conhecimento sobre ele, primeiro que ele
não seria passível de conhecimento, e segundo que ele existe. Também Michael
Devitt, enfatizando o ponto de Sankey, nos diz que especulações sobre o que não
podemos saber nos leva a uma metafísica bizarra. Hoyningen Huene, em resposta,
argumenta que o mundo em si seria algo postulado, ao invés de conhecido, e por
isso a distinção não estaria sujeita a incoerência. O debate se prolonga num
conjunto de réplicas e tréplicas que apenas servem para levantar a questão sobre a
eficácia da interpretação neo-kantiana de Kuhn. Nesse sentido, este trabalho
pretende avaliar os méritos dessa interpretação, valendo-se para isso de uma
análise própria de sua adequação às ideias originais de Kant sobre essa distinção, e
buscando nelas as respostas para as dificuldades levantadas.
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O IDEALISMO TRANSCENDENTAL E O PROBLEMA DOS
LIMITES DO CONHECIMENTO
Adriano Kurle
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
[email protected]
RESUMO: A doutrina do idealismo transcendental é um elemento central na
filosofia kantiana, e apenas através dela podemos compreender com clareza a
separação entre o âmbito do conhecimento e do incognoscível. Esta doutrina
com certeza é a característica mais forte da filosofia de Kant e a que mais gera
disputas e objeções. Apenas mediante o idealismo transcendental podemos
compreender a delimitação do conhecimento, a distinção entre fenômenos e
númenos, a coisa em si e a delimitação das faculdades, tanto da sensibilidade
(na impossibilidade de intuir objetos fora das condições do espaço e do tempo)
quanto do entendimento (na impossibilidade de dar realidade objetiva a
conceitos sem que eles possam ter referência a uma experiência possível, isto é,
a objetos que tenham relação com a intuição sensível). O objetivo deste trabalho
é mostrar como uma limitação do âmbito do conhecimento possível ela mesma
extrapola os próprios limites que se impõe, a não ser que se considere uma
distinção entre conhecimento empírico e transcendental e, neste caso, a questão
problemática se torna a justificação do conhecimento transcendental. Não é de
se ignorar, porém, a aporia que se expressa nesta relação entre o limite do
conhecimento e o pensamento. A possibilidade de limitar o conhecimento, não
depende ela mesma de um conhecimento, isto é, não tem esta limitação validade
enquanto conhecimento? Este conhecimento, por sua vez, não é o pensamento
como ato de se referir a uma intuição dada? Esta intuição, por sua vez, não
deveria ser justificada como uma intuição possível? Enquanto se necessita de
uma visão de fora do conhecimento para que se possa limitar o uso do
entendimento, e assim, limitar o próprio conhecer, não é já uma transgressão
destes limites? Aqui se expressa a aporia da razão transcendental, de maneira
que não parece fácil justificar a diferença de limites entre um conhecimento do
modo de conhecer do conhecimento de objetos. Parece claro que, se todo
pensamento se refere a objetos, se o pensamento que não tem referência a
objetos na intuição sensível pensa apenas o objeto em geral, e este objeto em
geral não é objeto nenhum para o conhecimento, não se deveria questionar que
objeto é este que determina o conhecimento do modo de conhecer (a saber, o
objeto da análise transcendental), e em que intuição ele pode ser dado? Uma
resposta para esta questão só pode ser encontrada enquanto buscarmos o que
legitima o método transcendental, e parece evidente que o que limita o
conhecimento empírico, que é o próprio conhecimento transcendental, não
contém os mesmos limites que se impõe. Guarda-se para todo fenômeno um
espaço para além dele, uma coisa em si pressuposta, da qual nada podemos
falar, mas apenas afirmar que há. Esta afirmação, de que há a coisa em si, é uma
afirmação transcendental, que de nenhuma maneira se identifica com a
aplicação da categoria de existência a um objeto dos sentidos, pois o objeto dos
sentidos é sempre fenômeno, e fora dele não há aplicação nenhuma das
categorias que contenha significação. Assim a afirmação de que há uma esfera
incognoscível, para além do fenômeno, é ela mesma impossível de conhecer. E
desta maneira a própria limitação do conhecimento, que depende de um para
além do conhecimento, depende do conhecimento de algo que está para além da
possibilidade de conhecê-lo.
15
A LIBERDADE KANTIANA NA DIALÉTICA TRANSCENDENTAL:
UMA APRESENTAÇÃO ARGUMENTATIVA
Carlos Augusto Pires Schroeder
Universidade Estadual de Londrina
[email protected]
O presente trabalho visa realizar a apresentação e alguns aspectos gerais da
Terceira Antinomia da Razão Pura e a sua resolução apresentada por Kant no
interior da Dialética Transcendental. Esse tema se encontra na obra Crítica da
Razão Pura em que o autor desenvolve sua teoria do conhecimento. Para
entender a resolução kantiana ao problema que se impõe à razão humana é
imprescindível entender que embora somente na Dialética Transcendental
Kant problematize os dois tipos de causalidade ele efetua já na Analítica
Transcendental o modo como o intelecto consegue organizar os objetos da
experiência. Por isso, antes dos problemas da razão consigo mesma, Kant
desenvolve o modo como opera o entendimento. Com as questões prévias acerca
do entendimento, é na Dialética que Kant busca entender a lógica da aparência
que se põe inevitavelmente à razão humana. Essa “ilusão natural e inevitável” da
razão humana se dá pela tentativa de obter a totalidade das condições do
fenômeno, ou seja, aquilo que é completamente incondicionado e que nenhuma
experiência possível poderá fornecer. Com efeito, essa tentativa levará a razão
para um terreno onde experiência alguma poderá lhe dar subsídios para
resolver seus embates, cabendo somente à razão a tomada de consciência dessa
aparência e consequentemente seu ajuste para um bom uso daquilo que um dia
assolou a metafísica. Três problemas se colocaram na metafísica, segundo Kant,
e esses problemas são tratados de maneira distinta. O primeiro problema referese ao sujeito que é tratado nos Paralogismos da razão pura, o segundo tipo são
as Antinomias da Razão Pura que tratam da “cosmologia racional”, enquanto
que o problema de Deus é apresentado no Ideal da Razão Pura. Irei me ater ao
terceiro conflito antinômico no qual Kant problematiza a questão da liberdade.
A terceira antinomia é apresentada como afirmações opostas que se mostram
igualmente como falsas, embora naturais e inerentes ao campo da razão
humana. Dentro desse recorte é possível ver um par de afirmações opostas em
que Kant de um lado mostra, na tese, que a causalidade pela natureza não se
sustenta em sua “universalidade ilimitada”. Isso revela que é necessário, para
explicar os fenômenos em sua totalidade, admitir a existência de uma
causalidade pela liberdade. Se por um lado só com a aceitação da “causalidade
pela liberdade” ou “liberdade transcendental” podemos entender os fenômenos
em sua totalidade incondicionada, por outro lado, na antítese, há a negação da
causalidade pela liberdade, uma vez que a admissão desta traria a perda do fio
condutor de toda norma da experiência possível, formando então um verdadeiro
vazio de razão. Embora a razão se encontre em um embate inevitável a resposta
ao problema das antinomias não é somente negativo no sentido de que não há
possibilidade de resposta enquanto campo constituinte do saber. Para além da
negatividade do terceiro conflito antinômico a liberdade entra em cena como
um simples conceito passível de ser pensado. Tendo um valor meramente
regulativo de nossas ações, não constituindo as coisas mesmas dos fenômenos.
Isso porque, segundo Kant, há um duplo caráter nas ações humanas. O caráter
empírico consegue mostrar que a antítese tem sua dose de razão ao dizer que os
16
fenômenos ocorrem em decorrência da causalidade, pois é isso que a
experiência possível consegue fornecer, mas a tese, enquanto liberdade
transcendental, também pode ser pensada sem contradição para realizar a
mesma ação. Isso porque nas antinomias dinâmicas, diferentemente das
antinomias matemáticas, as duas afirmações não se contradizem e
consequentemente podem se sustentar simultaneamente. Sendo assim, a
liberdade apresentada na Dialética Transcendental se encaixa como um
conceito racional que possui um duplo aspecto, o inteligível enquanto o ser
humano pensa iniciar em absoluto uma causa em absoluto, que Kant chama de
“liberdade transcendental” e por outro lado tem suas ações determinadas
enquanto faz parte da natureza.
17
O FENÔMENO DE “MORRER” E A ILUSÃO DE “ESTAR
MORTO” NA ANTROPOLOGIA KANTIANA
Dennis Donato Piasecki
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
[email protected]
RESUMO: Trata- se de uma investigação sobre as afirmações de Kant no que
tange à morte e ao morrer, tal como desenvolvidas pelo filósofo de Königsberg
no § 27 de sua obra Antropologia de um ponto de vista pragmático (1798). A
partir da leitura anotada do parágrafo em questão, insere-se o objetivo principal
deste trabalho, que é reconstruir criticamente a argumentação kantiana sobre a
relação do estar morto e do morrer. Para tanto, busca-se diferenciar nesta
mesma relação (1) aquilo que pode ser compreendido como pertencente ao nível
da sensibilidade e do entendimento, ou seja, o fenômeno “morrer” considerado
como experiência possível de ser conhecida, mesmo que essa experiência,
segundo Kant, só realize-se pela percepção de outro e; (2) aquilo que pode ser
inserido no âmbito da dialética transcendental como uma ilusão da razão, ou
seja, a ideia de se “estar morto” que segundo Kant, é natural ao pensamento
humano, apesar de contraditória. Ao fim, procura-se verificar em que medida é
válida a posição kantiana da negação de uma experiência do morrer no
indivíduo em si mesmo, contrastando a mesma com a asserção de que é possível
ter experiência do morrer no plano individual, entendendo o morrer e suas
manifestações fenomênicas como um processo perceptível que se desenvolve no
decorrer da vida, e, portanto, passíveis de conhecimento por uma consciência.
Metodologicamente, nosso trabalho consiste em apreciar o parágrafo
supracitado remetendo-a a algumas passagens da Crítica da Razão Pura (1787)
que, acredito eu, são convenientes para uma melhor compreensão das
proposições de Kant explicitadas na sua didática antropológica. O tema aqui
proposto parece encontrar ressonância na clássica discussão epistemológica a
respeito dos conceitos de fenômeno e noumeno, que se realocariam no contexto
desta apresentação antropológica na noção de “morrer” e da ideia de “estar
morto”. É interessante observarmos na Crítica da Razão pura, no capitulo
sobre a distinção de todos os objetos em geral em fenômeno e noumeno, Kant
se utiliza de uma metáfora bastante peculiar para representar a concepção do
conceito de noumeno: o entendimento puro – a terra da verdade - seria uma
ilha rodeada por um extenso oceano que leva os navegantes a sonhar com
aventuras e a encontrar novas terras (B295). Fica claro que o extenso oceano é o
campo da metafísica no sentido tradicional (terra dos noumenos) e que as
conclusões que podemos chegar são de que nós devemos por necessidade nos
contentar com a ilha que habitamos e que não existe em outra parte do mundo
um local seguro onde podemos aportar. Esse local seguro é precisamente o
campo do conhecimento fenomênico. Segundo Kant, o noumeno em sentido
negativo é a coisa como ela é em si mesma, abstraindo-a do nosso modo de
intuí-la, ou seja, as coisas como elas podem ser pensadas sem a relação com o
nosso modo de intuí-las. Assim, quando afirmamos que a intuição sensível do
homem é fenomenizante, deve-se admitir algo metafenômenico, ou seja,
numênico. O conceito de noumeno é um conceito problemático no sentido de
que é conceito que não contém contradição e que, portanto, nós podemos
pensa-lo, mas não conhecê-lo efetivamente. Tem a qualidade negativa de limitar
18
o emprego do entendimento e da razão ao que pode ser um objeto de intuição, e
a qualidade positiva de caracterizar um espaço problemático para além desses
limites, por ser também, segundo Kant, um conceito-limite. Assim, o noumeno
“serve apenas para delimitar as fronteiras do nosso conhecimento sensível e
deixar livre um espaço que não podemos preencher, nem pela experiência
possível, nem pelo entendimento puro” (B345). Enfim, é com este pano de
fundo que projetamos nossa discussão.
REFERÊNCIAS
KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2010.
______. Antropologia de um ponto de vista pragmático. São Paulo:
Iluminuras, 2006.
MONTAIGNE, Michel de. Ensaios. São Paulo: Abril Cultural, 1972.
SCHUMACHER, Bernard N. Confrontos com a morte. A filosofia
contemporânea e a questão da morte. São Paulo: Edições Loyola, 2009.
19
KANT E JOHN RAWLS: APROPRIAÇÕES E DIVERGÊNCIAS EM
UMA TEORIA DA JUSTIÇA
Danilo de Oliveira Caretta
Universidade Estadual de Londrina
[email protected]
Neste trabalho, pretendo expor algumas das apropriações que John Rawls faz
da moral kantiana, sobretudo aquelas apresentadas em sua obra Uma Teoria da
Justiça. Além disso, também tentarei defender a ilegitimidade dessas
apropriações, bem como a irrelevância de alguns paralelos da justiça como
equidade com a filosofia moral do pensador alemão. Para tal proposta,
construirei minha argumentação em três passos. Primeiramente, farei uma
breve exposição dos três conceitos-chave da teoria rawlsiana: posição original,
véu de ignorância e princípios de justiça. Num segundo momento, discorrerei
acerca da apropriação do conceito de autonomia, tal como se apresenta na seção
40 de Uma Teoria da Justiça, bem como o paralelo da cooperação social e do
princípio da diferença com a segunda formulação do imperativo categórico e
com o dever de auxílio mútuo. Até aqui, o diálogo com Kant se dá apenas no que
tange à sua filosofia moral. Por fim, apresentarei a distinção entre deveres éticos
e jurídicos exposta pelo pensador alemão em sua Metafísica dos Costumes, e
verificarei as conseqüências da introdução dessa categoria conceitual na análise
dos problemas concernentes ao princípio da diferença. Sabe-se que a
preocupação de Rawls é com o âmbito social da justiça. Para averiguar quais
princípios devem nortear a distribuição de direitos, deveres e vantagens numa
sociedade, ele sugere um procedimento contratual e hipotético, onde pessoas
encontram-se numa situação de igualdade para apresentar e defender quais
princípios de justiça elas acreditam ser mais razoáveis. Como a deliberação
acerca desses princípios está sujeita a toda sorte de intervenções (como a
influência de concepções de bem que as partes compartilham ou o desejo de
favorecer mais a si próprias), Rawls introduz o véu de ignorância: sob este véu,
as partes desconhecem a real posição que ocupam na sociedade, a concepção de
bem que compartilham, suas inclinações, aptidões físicas e intelectuais, etc. São
várias as restrições. Assim, sob tais circunstâncias, o autor crê que a deliberação
dos princípios possa ser considerada autônoma em termos kantianos. Não é o
que se observa, visto que a autonomia não está relacionada apenas à expressão
da natureza racional, livre e igual dos seres humanos (como pensa Rawls), mas
também intimamente ligada à submissão da vontade a leis morais a priori. A
meu ver, o pensador estadunidense faz um recorte muito grande da moral
kantiana, deixando de lado elementos importantes (como a distinção entre
arbítrio e desejo) e fazendo diversos acréscimos, como a hipótese da posição
original e as restrições do véu de ignorância. Tal distanciamento não é tão
grande, entretanto, quando é apresentado o paralelo entre os conceitos
rawlsianos de cooperação social e princípio da diferença com os kantianos de
dever de auxílio mútuo e imperativo categórico, visto que aqueles servem de
exemplos e fundamentam-se nestes. Todavia, a questão que se coloca é: a
obrigatoriedade moral da cooperação social serve de escusa para sua
positivação? Não se encontra uma distinção clara entre os campos moral e
jurídico em Uma Teoria da Justiça. Todavia, Kant assinala que nem toda
prescrição moral deve ser um dever jurídico. Assim sendo, a cooperação e o
20
princípio da diferença,
prudencialmente.
tal
como
21
Rawls
propõe,
só
se
justificam
INCOMPATIBILIDADE ENTRE A DIVISIBILIDADE DO ESPAÇO E A
METAFÍSICA NA OBRA KANTIANA DE 1756: A MONADOLOGIA
FÍSICA
Danilo Fernando Miner de Oliveira
Universidade Estadual do Oeste do Paraná
[email protected]
RESUMO: A Monadologia Física constitui um texto kantiano com aspectos
fundamentais do pensamento filosófico de Leibniz. Porém, o crescente prestígio
das ciências naturais e sua segura fundamentação do conhecimento leva Kant a
uma tentativa significativamente importante embora inconcebível: a fusão das
ideias transcendentes metafísicas com os postulados da geometria e da física
newtoniana. Indagações e temas quanto à constituição dos corpos físicos, a
força de atração e repulsão entre estes mesmos corpos, a natureza do espaço e a
prova de sua divisibilidade infinita possuem papel privilegiado no debate físicometafísico da obra em questão. O conceito de espaço está muito presente tanto
na tentativa de conciliação da metafísica e geometria quanto a sua problemática
concepção. Enquanto a metafísica nega a divisibilidade infinita do espaço a
geometria a afirma como uma evidência muito clara e distinta. Kant pretende
acabar com este conflito mostrando como é possível superar a refutação
metafísica contra a divisibilidade infinita do espaço e em contrapartida
demonstrar, pela mesma estratégia, que a física pode abdicar da existência de
um espaço completamente vazio. Primeiramente, tenta-se promover a harmonia
entre as investigações acerca da monadologia de Leibniz com a geometria
euclidiana através da atribuição de força inerente à matéria demonstrando que
esta força entre as substâncias primitivas ou mônadas pode ser tanto repulsiva
quanto atrativa. Deve-se investigar como estão concebidos os corpos presentes
no espaço, pela mera repulsão de suas partes primitivas ou por aglomeração de
suas partes. A primeira hipótese é descartada para compreender a composição
dos corpos no espaço, pois não promove a união dos mesmos, ao passo que se
considerar a força atrativa pode-se compreender a reunião dos elementos
primitivos (mônadas) no espaço, porém não a constituição do próprio espaço.
Logo, a composição dos corpos nada mais é do que a reunião de substâncias
primitivas autônomas e sua separação não afeta sua natureza justamente por
serem independentes. Kant passa a demonstração de que a existência das
mônadas está de acordo com os postulados geométricos e que a divisibilidade
infinita do espaço, apontada por esta ciência, é verdadeira ao afirmar na
proposição III que “o espaço ocupado pelos corpos é infinitamente divisível e,
por consequência, não é composto de partes primitivas e simples” (KANT, 1983.
p. 83). A prova a ser apresentada por Kant da divisibilidade infinita do espaço
não somente confere créditos à geometria como também garante a identificação
entre espaço físico e geométrico, em outras palavras, as construções feitas pela
geometria são também fisicamente possíveis. Aos pensadores que fazem esta
distinção dos aspectos estruturais entre espaço geométrico e espaço físico
aparentemente não concebem claramente o que a distinção feita por eles
implica. A argumentação kantiana se enreda em dificuldades ao apresentar que
um corpo não é infinitamente divisível, porém o espaço que ele ocupa sim.
Neste dilema reside a incompatibilidade da metafísica leibniziana das mônadas
com os postulados da geometria euclidiana que evidencia a divisibilidade
22
infinita do espaço. Não havendo outro modo de concepção a não ser de que cada
mônada, substância espiritual, ocupe um lugar no espaço, Kant afirma que o
espaço só pode ser o produto da relação das mesmas, pois este não pode se
constituir igualmente como uma substância que seja infinitamente divisível. “De
fato, que o espaço seja desprovido inteiramente de substancialidade, que seja
um fenômeno de relação exterior entre mônadas unidas e, sobretudo que ele
não seja esgotável através de uma divisão contínua, isso é inteiramente
evidente.” (ibidem). A divisibilidade do espaço não se opõe a simplicidade das
mônadas ao afirmar que o mesmo é um conceito abstraído destas relações
substanciais, em outras palavras, da ação das forças atrativa e repulsiva das
substâncias sobre outras. Suprimida a relação entre as substâncias do mesmo
modo a ideia do espaço é suprimida. É neste contexto polêmico entre o método
físico e o metafísico de se investigar um mesmo objeto ou conceito que Kant
começa a nutrir um pensamento demasiado crítico em relação ao conhecimento
humano.
REFERÊNCIAS
CAYGILL, Howard. Dicionário Kant. Tradução: Álvaro Cabral, Revisão técnica:
Valério Rohden. Rio de Janeiro: Editora Jorge Zahar, 2000.
KANT, Emmanuel. Uso da metafísica unida à geometria em filosofia natural
cujo espécime I contém a monadologia física. in: Textos Pré-críticos. Seleção e
introdução de Rui Magalhães. Tradução de José Andrade Alberto Reis. RÉSEditora, Lda, 1983.
LEIBNIZ, Gottfried Wilhelm. Correspondência com Clarke. Trad. Carlos Lopes
de Mattos. São Paulo: Abril Cultural. 1983. (Col. Os Pensadores).
TORRETTI, Roberto. Manuel Kant: Estudio sobre los fundamentos de la
filosofia crítica. Santiago: Universidad del Chile, 1967.
23
DISTINÇÃO E RELAÇÃO ENTRE DIREITO E MORAL – KANT E
HABERMAS
João Paulo Rodrigues
Universidade Estadual de Londrina
[email protected]
A distinção kantiana entre direito e moral traz dois problemas vinculados entre
si, a saber, o da motivação e o da coerção, e tais conceitos trarão, em Kant, os
contornos precisos para se resolver a pergunta o que é o direito? Será
apresentada então, em um primeiro momento, a distinção que Kant faz entre
direito e moral. Posteriormente, será apresentada a posição que Habermas tem
sobre a distinção kantiana de direito e moral. Por último, será exposta a relação
entre direito e moral que Habermas apresenta de acordo com a sua
interpretação de Kant. Ora, será através do conceito de coerção, ao analisar o
direito, que Kant diferenciará direito de moral, visto que o conceito de direito é
definido pela coerção, ao se determinar a privação de expor a regra do direito
como móbil da ação. Kant tem a seguinte pretensão: que ao direito esteja aliada
uma autorização para a coerção, mas, mesmo sabendo que coagir é limitar, no
mesmo momento em que o direito reduz o espaço da ação, ele libera o espaço da
motivação. Assim, partindo do modelo dos direitos subjetivos, Kant apresenta o
seu conceito de direito, pois ao conferir ao sujeito o exercício da liberdade
subjetiva de ação, isentando-o da interferência do Estado e dos outros sujeitos e
retirando-o da obrigação de obedecer à lei por dever, acaba permitindo ao
sujeito escolher as razões pelas quais ele deseja a obedecer, cabendo a ele
decidir obedecer à lei por seu auto-interesse ou por temor da coação legal, desde
que seu comportamento seja conforme a lei. Isto permite a Kant diferenciar o
direito da moral a partir dos conceitos de moralidade, que é formado na
obediência à norma por dever, onde a ação do agente é motivada pela própria
norma, e de legalidade, pois o que se exige é apenas que a ação aconteça
conforme o dever, e o que se espera é apenas que seu comportamento externo se
apresente em conformidade com a lei. Habermas mostra que, para Kant, esta
relação entre a faticidade e validade da norma, fixado pela validade jurídica, é
apresentada como uma relação interna entre coerção e liberdade, instituída pelo
direito. Assim, o direito está ligado à autorização para o uso da coerção, desde
que esse uso esteja justificado quando se elimina obstáculos à liberdade de cada
um. O Direito tem a capacidade de exercer coação, justificado como um
obstáculo que surge contra uma ação e que aparece depois como um obstáculo à
liberdade dos cidadãos, assim, a coação seria a negação da negação da
liberdade, ou seja, o mesmo que a afirmação da liberdade. Essa coação da lei
permite o livre arbítrio das outras pessoas, segundo uma lei universal da
liberdade, fazendo com que os cidadãos obedeçam à lei subjetivamente, por
temor da coerção, e que, objetivamente, aconteça a conciliação entre os arbítrios
através de uma lei universal da liberdade onde a sua legitimidade é reconhecida
por todos os indivíduos, mesmo que estes não sejam motivados por respeito à
lei. Este conceito de legalidade de Kant é usado por Habermas, reconstruído
pela teoria da ação comunicativa, que acaba obtendo a forma jurídica que o
direito adota na sociedade moderna, demonstrada pela funcionalidade
desempenhada pelo direito moderno na sociedade complexa. Esta forma
jurídica do direito moderno é resultado do papel social que o direito adota de
24
integração social entre os indivíduos do mundo da vida e do sistema. Ora, para
Habermas, as normas jurídicas e as normas morais são co-originárias na
medida em que uma não é legisladora para a outra, ou seja, não se pode
fundamentar uma ao se normatizar a outra, pois ambas são simultaneamente
originárias. Porém, apesar de todos os pontos em comum, Habermas diz que a
moral e o direito diferem-se prima facie, pois a moral, na sociedade moderna,
representa somente uma forma do saber cultural. Já o direito toma para si
obrigatoriedade também no nível institucional, mostrando que o direito é ao
mesmo tempo um sistema de ação e não somente um sistema de símbolos.
Agora, para Habermas, uma ordem jurídica só pode obter a sua legitimidade
quando não estiver contrariando princípios morais, pois será a partir da
legitimação da validade jurídica que o direito irá adquirir uma relação com a
moral. Deste modo, o direito não está subordinado à moral, pois se encontram
em uma relação de complementação recíproca.
25
PRÉ-FORMAÇÃO GENÉRICA E ORGANIZAÇÃO ORIGINAL NO “§81”
DA CRÍTICA DA FACULDADE DO JUÍZO DE KANT
Niege Pavani
Universidade Estadual Paulista
[email protected]
RESUMO: No “§81” da Crítica da Faculdade do Juízo Kant trata da junção entre
o mecanismo e o princípio teleológico, objetivando, assim, a possibilidade dos
organismos como fins naturais. Para ele, unir em um mesmo processo
mecanismo e finalidade significará adequar a hipótese da formação dos
organismos pela epigênese a pressupostos fundamentais do pensamento crítico,
como a forma reflexionante do juízo e o princípio transcendental da
"conformidade a fins" [Zweckmäßigkeit]. Destacamos a especificidade da teoria
da epigênese em questão por ser ela algo distinta daquela predominantemente
presente no interior do debate entre pré-formação e epigênese, por conter
elementos que levaram o filósofo a denominá-la, também, um "sistema da
preformação genérica [System der generischen Präformation]". Também nesse
mesmo passo de sua terceira e última Crítica, Kant, ao nomear Johann
Friedrich Blumenbach como sendo um exemplo de excelência no que concerne à
elaboração da teoria da epigênese, diz-nos que ele conforma em uma mesma
teoria o indispensável mecanismo e o “princípio insondável de uma
organização original [unerforschlichen Princip einer ursprünglichen
Organisation]”. Atentos à especificidade destas duas expressões [“sistema da
preformação genérica” e “organização original”], sugeriremos que uma e outra
cumprem papel fundamental no esclarecimento de grandes temas da segunda
parte da Crítica da Faculdade do Juízo. Para reconstruir o significado textual e
contextual das citadas expressões, em atenção aos múltiplos vetores de
influência e composição do texto kantiano, adotaremos o procedimento da
chamada “quellengeschichtliche Interpretation”. Sendo assim, apresentaremos
uma análise da construção e emprego destas expressões no contexto do “§81” da
terceira Crítica, como também, ainda, faremos referência a outros parágrafos do
mesmo texto ou a passagens nas quais Kant emprega de modo analógicometodológico o termo “epigênese” [como, por exemplo, no “§27” da “Dedução
Transcendental” da Crítica da Razão Pura]. Já num contexto externo ao texto,
apresentaremos pelo menos uma fonte histórica que trata a teoria da epigênese
como um sistema interpretativo que incluiria a participação de partes
preformadas, ou seja, uma leitura que aproxima Kant de outros
desenvolvimentos no campo das então incipientes ciências biológicas. O texto ao
qual nos referimos faz parte das Mémoires sur L'Immortalité de L'Âme,
apresentadas na Real Academia de Ciências e de Belas-Artes de Berlin por
Sulzer, e datado de 16 de julho de 1778 [a doze anos, portanto, da publicação da
Crítica da Faculdade do Juízo e a três do surgimento da primeira Crítica], o qual
analisa a Theoria Generationis [1759] de Caspar Friedrich Wolff. Ainda que a
literatura especializada afirme Kant não ter trabalhado diretamente com os
textos de Wolff, por não haver nenhuma menção do filósofo a ele, este
documento aponta um elo ou ao menos uma afinidade de Kant com a
embriologia da época. Esperamos que com estes elementos possamos elaborar
26
ferramentas complementares para uma melhor compreensão de alguns
importantes elementos do pensamento kantiano.
27
A JUSTIFICAÇÃO DA IDEIA DA LIBERDADE NA FUNDAMENTAÇÃO
DA METAFÍSICA DOS COSTUMES
Thomas Matiolli Machado
Universidade Estadual Paulista
Dr.ª Clélia Aparecida Martins/CNPq
E-mail: [email protected]
RESUMO: O ser humano dotado de vontade tem a ideia da liberdade por conta
de sua racionalidade (GMS, AA 04: 448), somente segundo a mesma ele pode
agir (GMS, AA 04: 431). Então ele está determinado a se restringir e a agir
baseado em máximas de ações válidas universalmente? Mas se fosse assim, não
só a distinção entre imperativo e lei seria inócua, como também a liberdade do
arbítrio não se colocaria, ou seja, inexistira a possibilidade de suas ações não
serem determinadas apenas pela lei moral (GMS, AA 04: 449). Ora, se a
moralidade só apresenta o valor de lei na medida em que somos seres racionais,
e a liberdade como propriedade da vontade não pode se basear na experiência
da natureza humana, há de se supor que seus fundamentos devem fazer parte da
atividade de seres racionais em geral. Tanto é que, embora se trate aqui de
pressuposto, precisamos prová-la: “visto que ela [a moralidade, TMM] tem de
ser derivada unicamente da propriedade da liberdade, então a liberdade
também tem de ser provada enquanto propriedade da vontade de todos os seres
racionais, e não basta mostrá-la a partir de certas pretensas experiências da
natureza humana [...] é preciso prová-la como pertencente à atividade de seres
racionais e dotados de uma vontade quaisquer que eles sejam.” (GMS, AA 04:
447-448). Então, se pela apreensão da lei não vamos compreender ela mesma, e
sim o homem como dotado de uma vontade, através da qual possui a
possibilidade de determinar-se a agir sob a ideia de sua liberdade, a
Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785) objetiva-se na “busca e
estabelecimento do princípio supremo da moralidade” (FMC, 85) sobre um
método analítico e sintético de reflexão e validação de suas teses. O primeiro é
caracterizado nos Prolegômenos (1783) como o método no qual “partimos do
que é procurado como se fosse dado e ascendemos às condições unicamente sob
as quais o procurado é possível”. (A 41, Ak IV 276 n.). Significa considerar um
objeto de pesquisa como partida não questionável em relação à sua procedência
e regredir até as condições que o tornam possível. Em outras palavras, é
perpassar as relações de subordinação de uma asserção na coerência de suas
dependências com outros conceitos e asserções implícitas na coesão de seu
sentido até as condições que permitem pensá-la como possível. O método
sintético na Fundamentação consiste na observância de uma auto avaliação da
razão pura que é forçada a considerar na medida de para tanto ser prática a
objetividade (prática) e a universalidade (lógica) como propriedades
indispensáveis de uma vontade pressuposta livre, para daí através de um exame
crítico (Prüfung) buscar exaustivamente nas implicações sustentadas in
abstracto das condições que unicamente a fazem possível sua conformidade no
conjunto de consequências extraíveis às reconhecidas necessidades de como a
moralidade com absoluta necessidade de imputabilidade como seu termo de
admissão não deve ser. Sem mais, Kant estabelece a liberdade como uma
exigência da razão antes mesmo de ser para a vontade condição de se atribuir
máximas universais, segundo o postulado da razão que para atribuir-se
espontaneidade de pensamento deve poder iniciar sua própria atividade e
28
livrar-se da causalidade da natureza. O propósito do texto é elucidar como isso
se justifica se sabemos bem que não é suficiente que atribuamos liberdade à
nossa própria vontade, sem que tenhamos razão para atribuir à vontade de
todos os seres racionais em geral (GMS, AA 04: 430-1).
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, G. A. Kant e o “facto da razão”: “cognitivismo” ou “decisionismo”
moral? Studia Kantiana, 1.1 (1998): 53-81.
GREIMANN, D. A derivação kantiana da fórmula do imperativo categórico do
seu mero conceito. Studia Kantiana, nº 9, (2009): 41-59.
GUYER, P. Self-understanding and philosophy: the strategy of Kant’s
Groundwork. Studia Kantiana, 1.1, 1998.
____. Introduction: the starry heavens and the moral law. ed.: The Cambridge
Companion to Kant, Cambridge, UK: Cambridge University Press.
KANT, I. Crítica da razão pura. 10ª ed. Lisboa, Tradução de Manuela Pinto dos
Santos e Alexandre Frandique Morujão. Edição da Fundação Calouste
Gulbenkian, 1997.
____. Fundamentação da Metafísica dos Costumes. Trad. e Introdução por
Guido A. de Almeida, São Paulo, Discurso Editorial/Barcarolla, 2010.
____. Prolegômenos a toda metafísica futura: que queira apresentar-se como
ciência. Tradução Artur Morão, Lisboa, 70, 2003.
ROHDEN, V. O humano e racional na Ética. Studia Kantiana, volume I, n º I,
setembro de 1998.
SCHNEEDWIND, J. B. Autonomia, obrigação e virtude: Uma visão geral da
filosofia moral de Kant, ed.: The Cambridge Companion to Kant. Cambridge,
UK: Cambridge University Press.
TERRA, R. T. A arquitetônica da filosofia prática kantiana. Studia Kantiana,
v.1 nº I, setembro de 1998.
WOOD, A. A boa vontade. Studia Kantiana, v.9, 12/2009, pp. 07-40.
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A CRÍTICA DE SCHOPENHAUER À FILOSOFIA KANTIANA: ASPECTOS
EPISTEMOLÓGICOS E MORAIS
Rogério Moreira Orrutea Filho
Universidade Estadual de Londrina
[email protected]
RESUMO: Pretende-se aqui abordar a crítica de Schopenhauer dirigida à filosofia
de Kant, tendo como principais fontes o apêndice à obra principal de
Schopenhauer – O mundo como vontade e representação – intitulado “Crítica da
filosofia kantiana”, assim como o escrito Sobre o fundamento da moral. Nestes
textos, Schopenhauer discorre sobre os principais pontos desenvolvidos na filosofia
de Kant, destacando suas virtudes, bem como suas falhas, para as quais
Schopenhauer oferece soluções tiradas de sua própria filosofia. Porém, não
realizaremos uma análise completa do citado apêndice, mas apenas daquelas
partes que exploram aspectos epistemológicos e morais da filosofia de Kant. Assim,
veremos que, após Schopenhauer atribuir amplo mérito a Kant pela maneira com
que realizou a distinção entre “fenômeno” e “coisa-em-si”, logo em seguida discorre
sobre a forma viciada através da qual Kant deduziu a coisa-em-si. Neste ponto,
Schopenhauer retoma a crítica de Schulze segundo a qual não se pode deduzir a
existência de uma coisa em si mesma exterior ao sujeito, tendo como fio condutor a
afecção daquela mesma coisa exterior, uma vez que tais afecções estariam baseadas
na lei da causalidade, a qual, contudo, em termos kantianos, seria válida a priori
no processo de conhecimento e, portanto, poderia apenas ser subjetiva. Esta crítica
é de especial importância, uma vez que é a partir dela que Schopenhauer concluirá
que a busca pela coisa-em-si não poderia dirigir-se ao exterior, mas apenas ao
interior. Ainda na esteira da epistemologia kantiana, verificar-se-á que
Schopenhauer absorve, em grande medida, a Estética Transcendental; porém, não
poupa críticas à Lógica Transcendental, da qual conserva apenas a categoria da
causalidade. Isto é: Schopenhauer concorda com Kant que as formas puras da
intuição seriam a de espaço e tempo. Porém, contra a Lógica Transcendental,
Schopenhauer argumenta que não podem existir outras categorias do
entendimento com exceção daquela da causalidade. Além disso, Schopenhauer
propõe uma noção de “entendimento” diferente daquela que ele julga ser a
compreendida por Kant. Pois a categoria da causalidade não é, para Schopenhauer,
resultado de um processo reflexivo, abstrato – como Kant parece sustentar – mas
sua aplicação se daria de maneira intuitiva, uma vez que a causalidade, juntamente
com as formas de espaço e tempo, seria uma forma a priori constitutiva da
realidade empírica, cuja representação completa não necessitaria da mediação do
pensamento reflexivo e abstrato. O segundo e último aspecto que abordaremos é
aquele de ordem moral, no qual Schopenhauer opõe, à razão pura prática, a
compaixão como fundamento da moral. De acordo com Schopenhauer, o
pensamento racional, por ser essencialmente abstrato, não teria força suficiente
para determinar a conduta humana. Além disso, a razão poderia ser igualmente
útil para alcançar fins imorais. Assim, Schopenhauer julga encontrar o motor
primordial das ações morais no sentimento de compaixão, o qual, por não ser
produto meramente abstrato, teria poder de determinação sobre a conduta do
homem; e, por outro lado, toda conduta motivada pelo sentimento de compaixão
seria oposta àquelas condutas determinadas por fins egoístas e, portanto, o ato
30
compassivo sempre conservaria sua pureza moral. Schopenhauer também analisa a
fórmula do imperativo categórico, a qual, segundo sua crítica, na verdade
constituir-se-ia em um imperativo hipotético, pois ocultaria uma condição de
natureza egoísta: ao universalizar sua própria máxima, o sujeito se imaginaria não
somente como aquele que age, mas também como aquele que padece. Em última
instância, o fator que decidiria pela possibilidade ou impossibilidade de
universalização da máxima seria o desejo ou aversão pelos efeitos da própria ação.
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ITINERÁRIO DA COISA EM SI MESMA NA CRÍTICA DA RAZÃO
PURA
Pedro Henrique Vieira
Universidade Federal do Paraná
pedro h [email protected]
A experiência, como se esclarece já no primeiro parágrafo da Introdução à CRP,
é o resultado da transformação que a faculdade intelectual do homem opera
sobre a “matéria bruta das impressões sensíveis”. Em sua discursividade, é
apenas mediante determinações conceituais prévias que o conhecimento
humano se relaciona com a matéria sensível e, muito embora possua conceitos
que encadeiam as intuições numa unidade empírica, possibilitando a
objetividade da natureza, permanece insondável o fundamento último da
existência manifesta. As coisas em si, que temos de pensar como sua causa extra
intellectum, são o incognoscível. Inteiramente perpassada por esta
compreensão, a CRP – em especial nos primeiros decênios que seguiram suas
publicações originais, – soou para muitos um convite ao subjetivismo absoluto,
à assimilação completa do eu transcendental como fundamento último de toda
efetividade. Não obstante, ou mesmo precisamente por isso, a obra parecia
carregar uma contradição insolúvel: como seria possível deduzir da coisa em si,
problematicamente pensada, a realidade das intuições empíricas? Seria o objeto
de Kant uma pálida imagem que nada daria a conhecer além da própria
subjetividade, que não desvelaria sequer um pouquinho da coisa a que se refere?
Nesse caso, não teríamos, de fato, de admitir a impossibilidade de postular
como causa das manifestações uma existência fora da faculdade da
representação, dado que conceitos como causa, existência e coisa não passam,
também eles, de representações? Não seríamos assim forçados a reduzir toda a
natureza a um conjunto de operações e imagens originadas na e pela própria
unidade da consciência? Diante de tal situação, facilmente se julga necessária
uma completa reinterpretação do percurso da investigação crítica, que pode
certamente conduzir a destinos alheios às pretensões do filósofo de Königsberg.
Porém, esperamos que um olhar mais atento possa talvez iluminar nosso trajeto
através dos sinuosos caminhos pelos quais se desdobra o idealismo
transcendental. É através da noção de coisa em si mesma que Kant identifica a
inevitável confusão em que se viu sempre envolta a razão humana. Ao
tomarmos como coisas em si o que apenas se manifesta à sensibilidade, nos
rendemos, em última instância, a uma ilusão intrínseca à estrutura do nosso
pensamento. É essa a ilusão que o filósofo pretende, tanto quanto possível,
contornar, através da delimitação das possibilidades e dos limites do
conhecimento puro. Contudo, muitas vezes é justamente atrás de determinada
interpretação dessa mesma noção que o “kantismo” é reduzido a uma
alternativa metafísica inviável. Destarte, é preciso perguntar enfim: qual
significação teórica resta à coisa em si na proposta de uma crítica
transcendental? É essa a questão da qual trataremos sucinta e provisoriamente,
buscando caracterizar uma noção que, muito embora legada à negatividade e ao
silêncio, sempre se nos imporá como limite absoluto – aliciante limite que
também incessantemente nos incitará a ultrapassar as barreiras que delimita.
32
Mas a fundamental confusão concernente à coisa em si, se nos conduz à
autocontradição, é também a chave para a solução do conflito. Posta pela crítica
a esterilidade de toda a tentaiva de conhecer o que ultrapassa as condições
sensíveis, a coisa em si se converte na negatividade de um puro pensamento.
Porém, somente por essa via é possível extrair da razão sua lei prática, que,
ademais, nos permite pensar o mundo sensível como caminho para a realização
de um ideal numênico, simplesmente inteligível. Longe de uma contradição
manifesta, é a noção de coisa em si que permite que compreendamos nosso
engano e, ao mesmo tempo, que nos coloquemos no caminho da adequada
disciplina. Se é inelutável nossa finitude, a compreensão da ilusão prescreve
atenção constante de quem age segundo desígnios de Deus. Das contradições
dialéticas à limitação teórica e à realização prática, a coisa em si se mostra fio
condutor da descoberta do que nos é mais próprio. Logo, o adequado
tratamento da questão aqui proposta concerne não à coerência interna de uma
“teoria do conhecimento”. Ele nos transporta ao centro do sentido total da
crítica, ao possibilitar a colocação dos fundamentos e de parte da resposta à
pergunta “que é o homem?”, à qual, segundo Kant, se reconduzem todas as
demais perguntas filosóficas.
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UM OLHAR SOBRE A FILOSOFIA POLÍTICA NA TERCEIRA CRÍTICA
Júlia Casamasso Mattoso1
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
[email protected]
RESUMO: Tornou-se lugar comum por em questão a estética kantiana,
indicando os pontos radicais da terceira crítica, ou até mesmo pretendendo
descobrir os motivos de levaram Kant a escrevê-la. No entanto, o presente artigo
pretende dar conta de uma discussão um pouco diferente, a filosofia política que
permeia a primeira parte da obra, a saber, os juízos reflexivos estéticos como
ponto de partida para um julgamento político. As discussões sobre a terceira
crítica de Kant na maioria das vezes nos remetem ao contexto dos juízos
reflexivos, a questão do juízo sobre a beleza, e principalmente ao juízo de gosto
que é inteiramente subjetivo e mesmo assim possui uma pretensão a
universalidade. Kant deixa explicito nessa obra o tema da finalidade,
contemplando o sujeito com a capacidade de pensar o “impensável”. O sujeito
torna-se então o único responsável por seu ajuizamento, o qual não possui
nenhuma referência objetiva, mas depende unicamente de seu sentimento de
prazer e/ou desprazer. Tais juízos são construídos através da imaginação e do
entendimento em livre jogo, possibilitando liberdade e espontaneidade nas
faculdades cognitivas. Em seu livro A filosofia política de Kant, Hannah Arendt
propõe que tal juízo reflexivo estético deve ser aplicado como uma espécie de
“juízo político”, pois afinal a universalidade subjetiva desse juízo está pautada
na capacidade do sujeito de colocar-se no lugar do outro. Nossa intenção é
promover um olhar a partir das leituras de Arendt sobre o juízo reflexivo como
fundamento do juízo político, na medida em que o sujeito seja capaz de julgar os
eventos políticos de maneira reflexiva. Hannah Arendt se afasta de uma leitura
ortodoxa dos textos kantianos, vislumbrando assim a estrutura do juízo político
no juízo reflexivo estético. Em constante diálogo com a Crítica da faculdade do
juízo, na qual a autora afirma conter a verdadeira filosofia política de Kant,
Arendt constrói conceitos e fornece meios para a interpretação política da obra.
No decorrer do artigo pretendemos situar os conceitos kantianos para
compreender as condições interpretativas da autora, na intenção de demonstrar
qual o pressuposto fundamental de sua interpretação. Através da analise dos
textos mostraremos como se dá o funcionamento da faculdade de julgar, das
faculdades cognitivas da imaginação e do entendimento, e por meio de
exposição e discussão das teorias, relacioná-las aos eventos políticos. Desse
modo apresentaremos as condições de possibilidade do juízo, elucidando o
conceito chave de senso comumis. Tais conceitos apresentados por Kant estão
relacionados as possíveis condições que o sujeito encontra ao julgar, e a
capacidade do sujeito de julgar em nome de outros sujeitos. Assim,
investigaremos as perspectivas através das quais a faculdade do juízo e o senso
comum se manifestam no mundo público, permitindo uma conexão entre as
faculdades cognitivas do sujeito e as implicações éticas que estão presentes na
faculdade de julgar. A reflexão presente nesse artigo é uma tentativa de
1
Mestre em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, com pesquisa no
pensamento estético kantiano. Orientada pela Professora Doutora Vera Cristina de Andrade Bueno.
Dissertação defendida em 2011 “Reflexão e fundamento: a validade universal do juízo de gosto na
estética de Kant”. Graduada em Filosofia – Bacharelado e Licenciatura em 2008, pela Universidade
Católica de Petrópolis.
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identificar e de compreender como Arendt interpreta a faculdade de julgar e
seus aspectos centrais. Uma vez que a autora considera essa faculdade como a
mais política das habilidades que constituem o homem, analisaremos qual é a
relevância política da atividade reflexionante do sujeito.
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KANT E APLICAÇÃO DE REGRAS
Everton Thiarles dos Santos
Universidade Estadual de Londrina
[email protected]
Na introdução à Metafísica dos Costumes, Kant se expressa sobre a
necessidade de regras de transição tal como ocorreu no campo teórico da
filosofia, uma transição que permite aplicar os princípios puros do dever (o
imperativo categórico) aos casos que são apresentados na experiência. Dessa
maneira, a Fundamentação da Metafísica dos Costumes e a Crítica da Razão
Prática são devotadas ao trabalho de identificação do princípio supremo da
moralidade, ao passo que uma Metafísica dos Costumes ocuparia o papel de
desenvolver princípios de aplicação para o imperativo categórico tanto na ética
como no direito. Ao devotar-se a questões de aplicação dos princípios práticos, é
necessária a referência ao conhecimento empírico a respeito do ser humano, a
fim de verificar, por exemplo, as condições empíricas que favorecem ou
atrapalham na aplicação dos princípios do dever. É preciso recorrer às
considerações do que Kant denomina de antropologia moral. Kant, além disso,
distingue entre deveres de perfeitos e deveres imperfeitos. O direito somente
conteria deveres de obrigação estrita (perfeitos), ao passo que a moral tanto de
obrigação estrita quanto os que possibilitam algum espaço para
discricionariedade no cumprimento do dever (imperfeitos). Os deveres de
obrigação estrita não permitem exceções e o cumprimento parece de mais fácil
compreensão, ao passo que os deveres de obrigação imperfeita, parecem exigir
regras de aplicação para especificar os casos em que deve ser realizado, como
devem ser realizados e até que ponto deve ser realizado, como por exemplo, o
dever de beneficência, que exige que saibamos quando cumpri-lo, como cumprilo e até que ponto de nossos bens se devem utilizar para cumpri-lo.
Kant aborda o problema das regras de aplicação no direito e na moral na
Metafísica dos Costumes. Segundo Kant, assim como são necessárias regras
para aplicar os princípios puros do conhecimento teórico, são necessárias regras
para aplicar os princípios puros do dever aos casos que são apresentados na
experiência. A Crítica da Razão Prática e a Fundamentação da Metafísica dos
Costumes exigem como complemento uma metafísica dos costumes que levando
em consideração a antropologia conterá uma parte relativa a regras destinada a
facilitar o emprego dos princípios puros e auxiliará no cumprimento do dever,
uma vez que uma antropologia especifica em que medida certos elementos
(geralmente empíricos) atrapalham ou favorecem o cumprimento das normas
práticas. Kant sustenta, por exemplo, que a visita a hospícios, hospitais e o
respeito à parte irracional da natureza constituem atitudes que favorecem o
cumprimento das regras morais. Na Fundamentação da Metafísica dos
Costumes, o próprio Kant aplica o imperativo categórico a alguns deveres
perfeitos (de obrigação estrita) e imperfeitos (de obrigação ampla) para elucidar
o significado de seu critério normativo. Em certo sentido, as próprias
formulações do imperativo categórico podem ser consideradas regras de
aplicação, uma vez que Kant sustenta que o imperativo categórico é apenas um,
e que suas diferentes formulações são apenas diversas maneiras de apresentar
esse critério mais acessível à intuição. Kant aplica o imperativo categórico, a fim
de evidenciar que tipo de contradição está envolvido na prática de ações
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imorais, ao dever de não cometer suicídio, ao dever de não fazer promessas
mentirosas, e ao dever de fazer beneficência. As máximas imorais podem violar
a consistência da vontade implicada na fórmula da universalidade, podem violar
o respeito à pessoa e a dignidade humana implicada na fórmula da humanidade
e a tomada de decisão independente dos condicionamentos oriundos das
inclinações implicada na fórmula da autonomia do ser humano racional.
37
A MORAL QUASE KANTIANA DO JOVEM HEGEL
Pedro G.A. Novelli.
Universidade Estadual Paulista
[email protected]
RESUMO: Enquanto estudante de teologia em Tübingen, Hegel submeteu-se à
uma prática corrente adotada no seminário protestante, ou seja, a realização de
sermões. Após as refeições um aluno do mestrado deveria proferir uma homilia
que seria avaliada por um de seus professores. A edição crítica da obra de Hegel
reúne quatro sermões proferidos pelo jovem teólogo. Considera-se aqui o
primeiro deles com data de 10 de janeiro de 1792. Há indicações de que o tema
poderia ser escolhido livremente, mas que deveria conter temas como fé,
costumes, natureza e verdades históricas. O ponto de partida seria normalmente
uma citação bíblica e, no presente caso, trata-se de uma passagem do livro do
profeta Jeremias, capítulo 61 e versículos 7 a 8 na qual Deus afirma seu agrado
pela oferenda da justiça e sua rejeição em relação às ofertas que se caracterizam
por serem frutos do mal. Hegel inicia suas considerações afirmando que ocuparse com a grandiosidade de Deus é o que nos conforta e nos fortalece e,
acrescenta que Deus nos eleva e nos torna humildes e com ele nós nos
encontramos no que somos e podemos. Por ele somos fortalecidos diante das
dificuldades e sofrimentos. Nosso destino está em suas mãos e aí reside o
melhor para nós porque Deus não é senão o melhor para o homem. Após essa
introdução Hegel procura tratar da justiça divina como ela se mostra, por um
lado, enquanto punição e, por outro lado, como justiça louvável. A exposição do
primeiro aspecto mostra a identificação com a perspectiva da moral kantiana
tomada como um fato da razão, pois segundo o próprio Hegel afirma, Deus
colocou em cada um de nós uma lei segundo a qual somos guiados sobre como
devem ser nossas ações independentemente de nossas sensações e de nossa
situação. Contudo, a continuação afasta-se da posição kantiana, pois ele indica
que essa lei vem acompanhada de um sentido que se manifesta agradável ou não
segundo o que é feito. Isso não nos é estranho, segundo Hegel, pois é o que
experimentamos o tempo todo. Além disso, Deus proveu todos os homens com
a motivação para o bem o que pode ser ainda mais desenvolvido em nós. Essa
motivação, para Hegel, passa pelas sensações aparentemente marcadas pelo
prazer ou pelo que é agradável. No entanto, contraditoriamente, onde a
sensação atua mais fortemente como, por exemplo, na natureza o chamado da
lei interior não é ouvido. Quando se é jovem ou se se encontra em extrema
necessidade ou fragilizado pela doença, por exemplo, o sentimento do justo e do
injusto não encontrará eco nas consciências. Mas, nossa ligação com a lei em
nossos corações é tão intensa que sentimos facilmente o impulso para a justiça.
No entanto, a justiça, sendo mais do que uma sensação, se dá na medida em que
todos os homens são atingidos por ela, pois enquanto somente uns poucos se
encontrarem sob a égide da justiça esta ainda não terá se estabelecido. O
estabelecimento da justiça é fruto do querer a justiça o que se dá cedendo ao
desejo natural, porém, ao contrário, a resistência a esse desejo tem como
consequência a punição que se obtém pela prática da injustiça. O resultado da
injustiça é penoso, pois suas consequências dar-se-ão no convívio entre os
homens visto que somente estes serão afetados por ela e jamais Deus. Por isso, o
que se recebe como contrapartida da injustiça é a reação do injustiçado pela dor
no corpo ou pelo sofrimento no espírito. Daí, o bem retirado injustamente de
38
alguém não pode provocar alegria nem paz naquele que o pratica nem naquele
que sofre a injustiça. A injustiça será ainda mais duramente castigada porque
não se pode negar o desconhecimento disso, pois não somente o injusto faz o
que não deveria, mas também vai contra o que sabe que não deveria fazer.
Apesar das penas auto-impostas e sentidas pelos homens, isso não passa de uma
particularidade diante da universalidade divina que suprassume em si a própria
injustiça. A justiça divina se exterioriza infinitamente, por ser universal, assim
como o próprio Deus é infinito. Contudo, aponta Hegel, Deus não nos pune
segundo nossos pecados, mas segundo sua misericórdia porque seu filho já nos
livrou da pena eterna e o temor do mesmo Deus pode reconduzir o homem ao
que momentaneamente perdeu. A conformação com o plano de Deus conduz à
compreensão de que estar com ele definitivamente não é senão experimentar
sua grande criação, isto é, ele mesmo na qual reside a maior alegria. Não há
ainda nesse período uma oposição expressa de Hegel em relação a Kant, porém
o jovem teólogo já nesse momento deixa evidente que a motivação para o bem
não se dissocia de sua experiência e confirmação (sensíveis!).
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LIBERDADE E HETERONOMIA EM KANT
Vinicius Elias Foderario
Universidade Estadual de Londrina
Logo no início da terceira seção da Fundamentação da Metafísica dos Costumes
(FMC) uma passagem em especial nos chama atenção no que se refere à
imputabilidade moral em Kant. Nela o filósofo alemão afirmar que “vontade
livre e vontade submetida às leis morais são uma e a mesma coisa” (FMC, III, §
2, p. 243). Kant nesta passagem parece estabelecer a vontade autônoma como
única possibilidade de vontade livre, desta forma a vontade livre seria para ele
uma vontade necessariamente moral. Deste modo, se considerarmos a
passagem mencionada acima de forma isolada poderíamos afirmar que a
vontade só é livre no momento em que uma pessoa age de maneira moral. No
entanto, esta interpretação nos levaria, por conseguinte, à seguinte conclusão:
Ora, a vontade só é livre no momento em que um indivíduo pratica uma ação
submetida à lei moral, ou seja, por dever. Deste modo, este mesmo indivíduo ao
realizar uma ação contrária a lei moral não poderia ser imputado moralmente,
pois, uma vez que a ação não é a expressão de sua liberdade o mesmo não pode
ser considerado moralmente responsável. Assim sendo, a teoria moral kantiana
teria seria dificuldades no que diz respeito a imputabilidade, pois, o agente da
ação sempre seria parcialmente responsável, de maneira que jamais seria
possível aplicar o qualificativo imoral ao agente de uma ação. Portanto, no
presente texto pretendo demonstrar a partir de elementos textuais presentes
nas seções I e II da FMC, que é possível considerar uma ação realizada de forma
heterônoma como uma ação livre e desta maneira imputar moralmente o agente
da mesma.
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OS IMPERATIVOS KANTIANO E JONASIANO: “A
RESPONSABILIDADE PRESENTE E FUTURA DO AGIR HUMANO
PERANTE A TÉCNICA.”
Wilson Correia Neto
Universidade Estadual de Londrina
[email protected]
O objetivo do trabalho é esclarecer a importância e a abrangência dos
imperativos kantiano e jonasiano com enfoque na área tecnocientífica, ou seja, o
campo que envolve questões de caráter bioético. O imperativo kantiano diz: “Aja
de tal modo que a máxima de tua ação se converta em lei universal”. Esse
mandatório lógico e formal deve ser aplicado sobre os diálogos/debates de
caráter bioético, isto é, aqueles assuntos de suma importância que levantam
uma nova gama de disciplinas, os quais devem ser decididos à luz de princípios.
A bioética que visa um diálogo multidisciplinar e transdisciplinar reúne
pensadores vinculados a várias religiões, não importando o credo, por isso, os
cientistas e tecnólogos detêm autonomia para refletir sobre as questões mais
cruciais, isto é, as que colocam em jogo não somente a existência humana, mas a
sua essência, como diz Hans Jonas. Nesse colóquio permanecem dois
sentimentos antagônicos: “tecnolatria e tecnofobia”. De um lado, a crença
ingênua em que a técnica poderá solucionar todos os problemas da humanidade
e, de outro, o medo de se arriscar ao progresso, isto é, “satanizando” as práticas
tecnocientíficas. Como diz Zuben (2006), aqui não cabe divinizar e nem mal
dizer as tecnociências, mas se deve fazer com que a decisão seja universalizada,
como nos diz o imperativo de Kant para que todos cheguem a um consenso
bioético, a fim de que nenhuma opinião predomine sobre todas, mas que a
decisão deve ser aceita por todos os indivíduos que participam desse
diálogo/debate. Esse embate propõe novas reflexões, tais como: o sentido da
vida e da morte, os custo da saúde, o direito das pessoas e o respeito à sua
autonomia, ou a questão mais densa, qual o sentido da autonomia na economia
do existir humano? As responsabilidades pessoais e profissionais (ZUBEN,
2006, p. 194). De fato, muitas questões são levadas a reflexão, uma delas
abordará o “controle de comportamento”, em que certamente esse novo modelo
ultrapassa as antigas categorias éticas. Na Obra “O Princípio Responsabilidade”,
Jonas faz algumas reflexões sobre esse controle de comportamento. Um
exemplo seria o controle psíquico da conduta através de agentes químicos ou
pela intervenção direta no cérebro, por meio de eletrodos. Pode-se dizer que,
tais empreendimentos sejam defensáveis e louváveis. Libertar doentes parece
ser algo totalmente benévolo. Portanto, não é fácil traçar limites dessas
possibilidades, pois elas podem agregar princípios perigosos e benfazejos ao
mesmo tempo. Ao aplicar tais mecanismos às sociedades vinculadas a
comportamentos individuais, abre-se um campo de indefinições, uma vez que
tais conceitos possuem possibilidades inquietantes (JONAS, 2006). Dentro
desse aspecto, levantam-se inúmeras dificuldades e pontos referentes à
dignidade dos homens. Devem-se induzir crianças na escola ao uso de
medicamentos para melhor disposição de aprendizado, para assim contornar a
motivação autônoma? Deve-se superar a agressão por meio da pacificação
eletrônica de regiões cerebrais? Podem-se obter sensações de felicidade e prazer
para a obtenção do desempenho pessoal? Empresas podem agregar esse
procedimento ao desempenho dos funcionários, independentemente de
41
existirem efeitos colaterais? E o homem da mais um passo a sua evolução,
tornando-se um ser mais responsável perante as suas ações. O ser humano
deverá buscar luzes para esses novos problemas da sociedade e praticar algo que
nunca se fez anteriormente, procurando realizar tais procedimentos da melhor
maneira possível, com o intuito de fazer valer a pena (JONAS, 2006). O
imperativo jonasiano diz: “Aja de tal modo que os efeitos de tua ação sejam
compatíveis com a permanência de uma autêntica vida sobre a terra” (JONAS,
2006) Este mandatório não conduz apenas a própria destruição física da
humanidade, mas também que a sua própria essência está em jogo, isto é, o
filósofo pensa mais na morte essencial da sociedade, aquela que advém da desconstrução e aleatória reconstrução tecnológica do meio ambiente e do ser
humano. No passado, o cientista que era considerado puro, tornou-se um
destruidor de mundos após ocasionar a destruição de 50 mil edifícios e a morte
instantânea e retardada de 200 mil pessoas aproximadamente, por meio do
projeto Manhattan. De fato, isso ocorreu devido ao desconhecimento do poder
nefasto que a técnica continha. Jacques Ellul (ZUBEN, 2006) enfaticamente diz
que não existe nenhuma moral, ética e espiritualidade que oriente o homem a
dominar a técnica. Descartes diz ainda que, com a técnica os homens tornarão
senhores e possuidores da natureza, pois saber é poder, diz Bacon. O imperativo
de Jonas elimina o sujeito, a liberdade e a consciência em proveito de um
determinismo, pois a finalidade da construção do mandatório é que a
magnitude da técnica transfira os seres humanos às novas dimensões de
responsabilidade, uma vez que a “causa e efeito” não é mais a mesma, isso nos
introduz então a conseqüências imprevisíveis, em que os princípios da ética
anterior não podem mais contê-los.
REFERÊNCIAS
JONAS, Hans. O princípio responsabilidade: ensaio de uma ética para a
civilização tecnológica. Tradução de Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez. Rio
de Janeiro: Contraponto Editora PUC-Rio, 2006. 354 p. Tradução de: Das
Prinzip Verantwortung: versuch einer ethic für die technologische zivilisation.
ZUBEN, Newton Aquiles Von. Bioética e tecnociências: a saga de Prometeu e a
esperança paradoxal. Bauru, SP: Edusc, 2006.
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O CONCEITO DE TRANSCENDENTAL EM KANT E HUSSERL:
DIFERENÇAS E SIMILITUDES
Yuri José Victor Madalosso
Universidade Estadual de Londrina
[email protected]
RESUMO: É possível desvelar e constatar que, em Kant e Husserl, há
semelhanças com relação ao conceito de transcendental? Por outro lado, há,
pois, diferenças redundantes ou substanciais entre os dois conceitos? Tais
questionamentos são, em primeira mão, consideráveis e direcionarão o intento
deste trabalho teórico. Transcendental, em Kant, além de distinto de empírico,
denota as possibilidades a priori de todo o conhecimento por parte do sujeito, o
modo de conhecimento possível dos objetos, sendo, com efeito, a utilização a
priori de determinado conhecimento em torno de uma subjetividade que
polariza em si a constituição da objetalidade. Em Husserl, consiste na própria
subjetividade, no ego, isto é, não se trata de uma estrutura a priori que dá
constituição aos objetos cognoscíveis, mas sim em considerar este ego que
unifica as vivências fenomênicas que o perpassam - relações noéticonoemáticas, cogitatio-cogitatum -, através da redução fenomenológica, como
objeto mesmo de uma experiência transcendental. E, deste modo, o ego
transcendental, recuperado pela redução, constitui a objetalidade, fornecendo
de modo apodítico as estruturas noético-noemáticas que a sustentam; portanto,
não validando o conhecimento apenas sob o crivo da subjetividade, mas
também no dar-se do objeto. Em um primeiro momento, portanto, iremos
avaliar estas diferenças, e reconstruir, ainda que de modo limitado, a
argumentação que as fundamenta, e matiza suas principais diferenças e
similitudes. Em um segundo momento, analisaremos criticamente a
argumentação de que Paul Ricoeur dispõe, em seu ensaio Kant e Husserl, para
fundamentar sua constatação de percalços fenomenológicos na Crítica da
Razão Pura, vinculados estreitamente ao conceito de transcendental. De fato,
pretendemos aqui analisar a constatação de Paul Ricoeur de alguns temas
fenomenológicos já aparecerem ao longo da primeira Crítica, a saber, a
consideração, na Analítica Transcendental, das análises kantianas de cunho
fenomenológico sobre os juízos, o próprio ato de julgar; quer dizer: trata-se,
com a Analítica dos Princípios, de investigar a relação entre o julgar e o julgado,
ou seja, percebe-se uma pré-constatação da relação noética-noemática, ainda
que determinada pelo estatuto ontológico da Crítica da Razão Pura. Em outras
palavras, os prelúdios fenomenológicos de Kant estão centrados ainda na
questão ontológica da possibilidade do conhecer, e não – ainda que seja um dos
temas principais, como a problemática dos juízos sintéticos a priori – os modos
de conhecer, uma descrição e genealogia do conhecimento. Ricoeur frisa
também as considerações husserlianas e kantianas a respeito da intuição, sendo
que para Kant tal faculdade considera a fenomenalidade, a mera sucessão
fenomênica distante do incondicionado. Outro tema pertinente em Kant é o
cuidado em tomar a distinção de fenômeno e númeno como o seguro limite da
distância entre a aparência e coisa em si mesma, e a constante decepção em
transpor os limites da Crítica. É importante, porém, visar certas similitudes,
como o jogo de representação e consciência, além de outros temas marginais
que implicariam em um vislumbre do tema da intencionalidade, do intentar o
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objeto que se doa como vivido fenomênico. Atentaremos, sobretudo, à questão
das aproximações desta constatação de Ricoeur concernentes ao conceito de
“ego transcendental” husserliano. Portanto, este trabalho, ainda que limitado e
cauteloso, por um lado, tem como escopo apresentar e construir uma análise do
conceito de transcendental segundo cada um dos filósofos em questão,
deslindar, e por outro, analisar a proposta teórica de Paul Ricoeur, de modo a
dar, por fim, um balanço desta, contrapondo-a com as constatações das
semelhanças e similitudes conceituais entre os dois autores em questão.
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INDÍCE REMISSIVO DE AUTORES
Adan John Gomes da Silva - 14
Adriano Kurle - 15
Aguinaldo Pavão - 4
Andrea Faggion - 4
Carlos Augusto Pires Schroeder - 16
Charles Feldhaus - 5
Daniel Tourinho Peres - 6
Danilo Fernando Miner de Oliveira - 22
Danilo de Oliveira Caretta – 20
Dennis Donato Piasecki - 18
Everton Thiarles dos Santos - 36
Fábio César Scherer - 6
João Paulo Rodrigues - 24
Júlia Casamasso Mattoso - 34
Luciano C. Utteich - 7
Luis Cesar Yanzer Portela - 8
Marco Antonio Valentim - 9
Maria de Lourdes Borges - 10
Pedro Costa Rego - 10
Pedro Henrique Vieira - 32
Pedro G.A. Novelli - 38
Robert Louden - 11
Rogério Moreira Orrutea Filho - 30
Thomas Matiolli Machado - 28
Tiago Fonseca Falkenbach - 11
Niege Pavani - 26
Vinicius Elias Foderario - 40
Vinicius de Figueiredo - 12
Yuri José Victor Madalosso - 43
Wilson Correia Neto - 41
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