Justifica-se o uso de extractos de plantas medicinais na terapêutica

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Justifica-se o uso de extractos de plantas medicinais na terapêutica
Artigos
Justifica-se o uso de extractos de
plantas medicinais na
terapêutica da ansiedade e da
depressão?
Resumo
C. A. Fontes Ribeiro
Professor Associado de
Farmacologia,
Departamento de
Farmacologia, Instituto
Biomédico para a
Investigação da Luz e
da Imagem (IBILI),
Faculdade de Medicina,
Universidade de
Coimbra.
O uso de plantas medicinais em terapêutica é comum,
seja como extractos de determinadas partes da planta
(por exemplo, de caule, folhas, flores, rizoma) ou como
componentes isolados a partir dos extractos. Qualquer
destes produtos deve seguir as normas aconselhadas
de qualidade, incluindo a sua padronização para garantir
a uniformidade de composição de extracto para
extracto. Estes produtos devem seguir o percurso
normal de estudo duma substância farmacêutica: depois
da realização de estudos pré-clínicos (por exemplo,
em modelos animais de ansiedade ou depressão) devem
seguir-se estudos de farmacologia clínica e clínicos,
principalmente ensaios controlados e randomizados.
Este artigo descreve as propriedades de extractos
usados como ansiolíticos ou sedantes (valeriana, kava,
passiflora), citando-se a propósito alguns estudos
clínicos, e do extracto de hipericão (Hypericum
perforatum L.), usado como antidepressor e para o
qual já existem numerosos ensaios clínicos
randomizados e controlados, que permitem indicálo na depressão ligeira a moderada. Também são
tecidas algumas considerações acerca dos preparados
de Gingko biloba e ginseng como eventuais reforços
das funções cognitivas.
I. Introdução
O uso de fitomedicinas data do início da civilização e
ainda prevalece em muitas partes do mundo,
acompanhando frequentemente o uso de fármacos de
desenvolvimento complexo. Por exemplo, em 1992 as
vendas de fitomedicinas atingiu a soma de 1.550 milhões
de dólares na Alemanha e em 1993 a Ginkgo biloba
por si só vendeu na Europa 195 milhões de dólares.
Muitas das plantas medicinais actualmente usadas são
as que actuam principalmente no sistema nervoso.
Todos conhecemos
e não pomos qualquer dúvida
na sua acção e efeito – o curare, a atropina, a nicotina,
os digitálicos, a morfina, a reserpina, a efedrina, a
fisostigmina, a pilocarpina e a muscarina. O nosso
reconhecimento baseia-se principalmente no isolamento
e estudo dos princípios activos existentes nos extractos
de plantas. A aceitação popular dos productos naturais
é feita sobretudo na crença de que além de eficazes
não têm reacções adversos. A este propósito recordo
diversas publicações que chamam a atenção para o
surgimento de efeitos adversos sérios com o uso de
plantas medicinais, como o carcinoma do urotélio
associado a Aristolochia fangchi (Nortier et al., 2000),
o que já mereceu editoriais de jornais prestigiados
como o New England Journal of Medicine. Assim, os
medicamentos naturais teriam de ser analisados como
qualquer especialidade farmacêutica, devendo apresentar
estudos farmacêuticos, fármaco-toxicológicos e clínicos,
e estando sujeitos à farmacovigilância (Angell e Kassirer,
1998).A Agência Europeia de Avaliação de Medicamentos
(EMEA) já publicou diversos alguns documentos para
a regulamentação deste mercado (Ad Hoc Working
Group on Herbal Medicinal Products:“Note for guidance
on non-clinical testing of herbal drug preparations with
long-term marketing experience – guidance to facilitate
mutual recognition and use of bibliographic data”; Ad
Hoc Working Group on Herbal Medicinal Products:
“Points to consider on the evidence of safety and
efficacy required for well-established herbal medicinal
products in bibliographic applications”), e que estão
disponíveis na Internet (www.eudra.org).
Um dos objectivos da farmácia galénica tem sido extrair
e isolar os compostos activos dos extractos naturais.
Esta metodologia tem conduzido muitas vezes ao
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isolamento dos compostos mais activos e mais tóxicos. Por vezes
os resultados com um dos componentes do extracto são inferiores
aos obtidos com o extracto total; põe-se a hipótese de haver
sinergismo entre os vários componentes dum extracto.
Padronização dos extractos de plantas
Para garantir a qualidade de um extracto é necessário isolar um
componente desse extracto que seja quantificável, estabelecendose depois a variação admissível desse componente. Assim, os
diversos lotes terão uma composição qualitativa e quantitativa
semelhante. Por exemplo, o extracto de hipericão (Hipericum
perforatum L.) é padronizado pela quantificação de hipericina. Para
o extracto de valeriana o ácido valerénico é considerado a substância
padrão, uma vez que só existe na Valeriana officinalis.
Isolamento dos componentes do extracto de plantas
Habitualmente procura-se isolar os componentes do extracto de
modo a se obter um princípio activo específico. No entanto, pode
ser a conjugação dos diversos componentes que garanta a eficácia
terapêutica, como já foi afirmado.
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A maioria dos fármacos que conhecemos foram concebidos para
actuar em mecanismos que já conhecemos e compreendemos, o que
raramente conduziu a mecanismos inovadores. Quase sempre o
progresso foi feito para melhorar os fármacos que conhecemos, seja
a nível farmacocinético ou farmacodinâmico. Um exemplo desta
estratégia é o desenvolvimento dos fármacos antidepressivos – se
antigamente estes fármacos apresentavam mecanismos de actuação
pouco selectivos, hoje já evidenciam capacidade de inibição específica
da captação neuronal de serotonina e/ou noradrenalina, sendo, no
entanto, as diferenças em eficácia pouco significativas.
Os medicamentos de plantas medicinais são na sua maioria para o
aparelho cardiovascular e para o sistema nervoso central. Destes
últimos merecem particular destaque, pela sua ampla utilização e
estudos farmacológicos e clínicos, dois compostos: os extractos de
valeriana e de hipericão, como ansiolítico e antidepressivo,
respectivamente.Também a Gingko biloba e o ginseng têm sido amplamente
utilizados na esperança de melhorarem as funções cognitivas.
Estudos pré-clínicos
Ao longo dos anos têm sido desenvolvidos alguns modelos animais
para se testarem eventuais propriedades ansiolíticas ou
antidepressoras de alguns compostos. Um fármaco pode demonstrar
eficácia num modelo e não o fazer noutro modelo, o que significa
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que se deverão utilizar vários modelos. No que respeita aos
preparados de plantas medicinais, também estes têm sido sujeitos
a estudos pré-clínicos, incluindo ensaios in vitro. Nestes últimos
poderão haver algumas dificuldades porque um extracto possui
diversos componentes que poderão agir de modos diversos sobre
um sistema in vitro. Por exemplo, os agonistas dos receptores 5HT1A e os antagonistas dos receptores 5-HT2 ou 5-HT3 poderão
ser ansiolíticos, interferindo de modo semelhante na ligação da
3H-serotonina a membranas de córtex cerebral.
II. Uso de preparados naturais em doenças
psiconeurológicas
a) Tratamento da ansiedade
Necessidade de alternativas aos ansiolíticos / sedantes
actuais
As benzodiazepinas vieram substituir os barbitúricos como
ansiolíticos, não causando a dependência e a depressão respiratória
verificada com estes últimos, e evidenciando uma ampla margem
terapêutica. No entanto, prejudicam as funções cognitivas,
nomeadamente a memória, e são potenciados por substâncias
depressoras do SNC, como o etanol. Provocam ainda dependência
e tolerância, sobretudo as mais potentes ou quando administradas
em doses elevadas. Todas estas reacções adversas obrigaram à
procura de substâncias alternativas, surgindo então o propranolol
e a buspirona. Os fármacos anticolinérgicos já há muito que
estão no mercado mas causam prejuízo da memória e têm
efeitos anticolinérgicos a diversos níveis, nomeadamente no
aparelho cardiovascular, digestivo, urinário e nos olhos.
O propranolol e ouutros bloqueadores dos receptores adrenérgicos
beta são eficazes quando existem sintomas e sinais somáticos de
ansiedade, não prejudicando ainda as funções cognitivas. Deprimem,
no entanto, o aparelho cardiovascular e podem causar
broncoespasmo. Tendo em atenção que muitos jovens ansiosos,
nomeadamente mulheres, têm tensão arterial baixa ou doença
asmática, não são medicamentos de uso aceitável nestas condições.
A buspirona foi uma aquisição terapêutica significativa, já que não
apresenta os problemas das benzodiazepinas. Porém, não tem efeito
quando administrada em simultâneo ou em sucessão imediata às
benzodiazepinas e tem latência de efeito – demora pelo menos
alguns dias para exprimir significativamente os seus efeitos ansiolíticos.
Do exposto conclui-se da necessidade de outras medidas
terapêuticas. Os extractos de algumas plantas medicinais podem
constituir uma alternativa, como, por exemplo, o extracto de
Valeriana officinalis ou Valeriana radix. Lembro ainda que o chá de
tília é uma bebida tradicional portuguesa, que a juntar ao seu
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Valeriana
A Valeriana officinalis ou Valeriana radix já foi usada como uma planta
medicinal por gregos e romanos. As suas propiedades sedativas
foram referidas já no século XVIII (Riedel et al., 1982).
A valeriana é uma planta que se encontra principalmente na Europa
e na Ásia. Apresenta variações morfológicas de acordo com a sua
zona geográfica de origem. Para fins farmacêuticos utiliza-se apenas
o rizoma e as suas múltiplas raízes secundárias.
A valeriana possui mais de 100 conponentes, entre os quais ácidos
sesquiterpénicos (e.g., ácido valerénico), ácidos carboxílicos de cadeia
curta (e.g., ácido isovalerénico) e ácidos carboxílicos aromáticos,
alcalóides (valeranina), compostos iridóides (e.g., valepotriatos) e
glutamina.
Ainda não foi possível explicar o mecanismo de acção da valeriana
através de um único mecanismo, existindo várias possibilidades
(Santos et al., 1994; Cavadas et al., 1995).
Por exemplo, a glutamina atravessa a barreira hematoencefálica e
poderá ser transformada em GABA que actuará no complexo do
receptor GABA-A (Cavadas et al., 1995).
Em diversos testes animais foi comprovada a acção ansiolítica do
extracto de valeriana (Quadro I).
Quadro I. Modelos animais de ansiedade em que o extracto
deValeriana demonstrou eficácia
Labirinto em cruz elevado (“elevated plus maze”)
Teste de esconder esferas (“marble burying test”)
Teste da escada (“staircase”)
Caixa claro-escuro (“light-dark box”)
Teste da neofobia ou hipofagia emocional
A toxicidade do extracto é muito baixa, como foi provado pela
determinação da dose letal média em ratos.
Quanto ao seu uso em terapêutica humana, existe numerosa
documentação, incluindo estudos em crianças. A Agência
Europeia de Avaliação de Medicamentos (EMEA) publicou um
RCM tipo (“core SPC”) para a Valeriana radix, propondo-a
como ansiolítica e sedante. Poderá ser ainda administrada na
insónia do adormecer, nomeadamente se associada a ansiedade.
Temos conhecimento de treze ensaios clínicos, dos quais quatro
são randomizados e controlados. A este propósito cabe citar um
ensaio clínico de Paes de Sousa et al. (1992) que sugeriram que o
extracto possui a mesma eficácia que o clobazam.
Alguns destes estudos não definem correctamente os critérios de
inclusão e exclusão, sendo a indicação clínica demasiado heterogénea.
Também as características populacionais são demasiado variáveis
de avaliação sofre algumas vezes de pouca robustez. Acresce que
poucas vezes têm sido feitos estudos de dose – efeito, o que levanta
a suspeita de que frequentemente são usadas doses infra-terapêuticas
(por exemplo, numa especialidade farmacêutica aconselha-se 90 mg
de valeriana t.i.d, enqunato que numa outra especialidade farmacêutica
já se preconiza a toma de 360 mg de valeriana t.i.d.!).
Relativamente à segurança, não têm sido notificadas reacções sérias
ou graves, nem o seu número difere significativamente do placebo.
Não tem sido referida perturbação das funções cognitivas, nem
adicção ou dependência, o que pode sugerir o seu uso na ansiedade
do jovem, tal como a buspirona.
Kava
Kava ou awa (Piper methysticum) é uma planta muito utilizada nas
áreas do sul do Pacífico para tratar a ansiedade. Também é usada
como bebida ritual nas cerimónias de boas vindas.
Utilizam-se os rizomas secos da planta. Os extractos são
padronizados através da quantificação das kavalactonas (kavaína).
Tem estudos laboratoriais, incluindo a demonstração dos seus
efeitos em alguns modelos animais, e alguns estudos clínicos,
realizados principalmente na Alemanha. Existem ensaios clínicos
randomizados e controlados (Pittler e Ernst, 2000), e verificou-se
que é significativamente superior ao placebo (redução significativa
do score da escala de Hamilton para a ansiedade). Acresce que
para além desta aparente eficácia, não causa tolerância ou
dependência. Doses elevadas de kava poderão causar uma dermopatia
semelhante à pelagra. A “American Herbal Products Association”
recomenda que o kava não deve ser usado por indivíduos com
depressão major nem por pessoas com menos de 18 anos de idade
ou grávidas; pode ainda prejudicar a condução de veículos e ser
potenciado por substâncias depressoras do sistema nervoso central,
como o etanol. A dose diária recomendável é de 1,7 a 3,4 g de
rizoma (equivalente a 60 – 120 mg de pironas de kava).
Passiflora
A passiflora (Passiflora incarnata) é uma planta cultivada em regiões
tropicais e subtropicais e que entretanto foi introduzida na Europa
após a descoberta e conquista do continente americano. O British
Herbal Compendium reconhece-lhe propriedades ansiolíticas e
antiespasmódicas (Bradley, 1992). Usa-se a parte aérea, seca ou
fresca. O componente responsável por estas propriedades ainda
não foi caracterizado, sendo, provavelmente, e à semelhança do
que acontece com outros extractos de plantas, consequência da
acção de várias substâncias, actuando de modo sinérgico. O extracto
contém flavonóides, maltol e pequenas quantidades de óleos
essenciais, entre outros. Como critério de qualidade, a Farmacopeia
francesa exige uma quantidade superior a 0,8 % de flavonóides
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totais, calculados como vitexina (Blumenthal et al., 2000).
É usada algumas vezes em combinação com outros extractos de
plantas, como, por exemplo, com a valeriana.
Melissa officinalis (erva cidreira)
Usam-se as folhas frescas ou secas desta planta, espontânea da
zona mediterrânica, para o tratamento da ansiedade. É um uso
tradicional, inclusive em Portugal, não havendo estudos clínicos
robustos que suportem esta indicação. Apesar disto, existem
alguns estudos farmacológicos que sugerem acções depressoras
no sistema nervoso central (Soulimani et al., 1991).
Outros extractos de plantas têm sido usados no tratamento da
ansiedade. A maior parte das vezes os extractos utilizam-se em
combinação – por exemplo, a preparação Songha® Night contém
numa drageia 120 mg de Valeriana radix e 80 mg de Melissae foliae.
b) Tratamento da depressão
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O primeiro antidepressivo – a imipramina - foi obtido por
modificação da estrutura dum fármaco neuroléptico, tricíclico.
Surgiram então os chamados antidepressivos tricíclicos (ADT),
com efeitos anticolinérgicos que os contraindicavam ou
aconselhavam prudência em numerosas situações clínicas (glaucoma,
taquiarritmias, obstipação, hipertrofia benigna da próstata...).Também
as suas reacções adversas, nomeadamente as do tipo anticolinérgico,
tornam os tratamentos por vezes difíceis e/ou intoleráveis.
Devido a estes factos surgiram então os antidepressivos de 2ª e 3ª geração,
de que destacamos o trazodone, os inibidores selectivos da recaptação
de serotonina (fluoxetina, sertralina, paroxetina), os inibidores selectivos
da recaptação de serotonina e de noradrenalina (venlafaxina). No entanto,
se já não evidenciam os efeitos anticolinérgicos dos antidepressivos
tricíclicos podem causar outras reacções adversas – por exemplo, os
sintomas hemorrágicos poderão ser um efeito de classe de todos
os fármacos inibidores selectivos da recaptação da serotonina.
Deste modo, será útil a existência duma substância que não
evidencie estes problemas, e que tenha efeitos clínicos demonstrados.
Poderá o extracto de hipericão constituir esta alternativa?
Extracto de hipericão
A pesquisa de uma terapêutica para a depressão ligeira a moderada tem
levado os médicos a investigar a utilidade de medicamentos à base de plantas.
Sabe-se desde há várias décadas que o hipericão (Hypericum perforatum L.)
ou erva de S. João (St. John’s Wort) é susceptível de aliviar os sintomas
de depressão. No entanto, o seu uso é já conhecido desde há alguns
séculos, principalmente como medicamento para diversas alterações
neurológicas e psiquiátricas (Blumenthal et al., 2000).
Uma vez que existem actualmente vários modelos experimentais
animais que permitem predizer se um fármaco tem propriedades
antidepressivas, o extracto de hipericão foi submetido a estes
testes (Quadro II), tendo demonstrado eficácia.
Alguns dos seus componentes também foram submetidos a testes em
modelos animais. Por exemplo, a fracção rica em naftodiantrona foi
testada no teste de natação forçada o rato (Butterweck et al., 1997),
evidenciando resultados positivos, o mesmo acontecendo com a hipericina
no teste de natação forçada no ratinho (Okpanyi e Weischer, 1987) e
no rato (Winterhoff et al., 1995) e com a fracção rica em flavonóides
no teste da natação forçada no rato (Butterweck et al., 1997).
Para compreender estes resultados positivos foram realizadas
experiências em diversos sistemas de neurotransmissores e
neuromoduladores para estudar o efeito do extracto de hipericão
ou de alguns dos seus componentes (Quadro III).
Quadro II. Modelos animais de depressão em que o extracto de Hypericum perforatum L. demonstrou eficácia.
Modelo animal
Referência
Teste de natação forçada no ratinho
Teste de natação forçada no rato
Teste da reserpina no ratinho
Teste da suspenção pela cauda no ratinho
Teste do desespero comportamental no rato
Okpanyi e Weischer, 1987; Oztürk, 1997
Winterhoff et al., 1995; Butterweck et al., 1997
Winterhoff et al., 1995
Winterhoff et al., 1995; Butterweck et al., 1997
Gambarana et al., 1996
Quadro III. Efeitos farmacológicos de alguns constituintes do extracto de hipericão.
Constituintes
Actividade farmacológica
Actividade farmacológica
Naftodiantronas: hipericina
Flavonóides:
quercitrina
Inibiçacão da MAO-A
Inibiçacão da MAO-A
Antagonismo benzodiazepínico
Inibição da COMT
Inibição da recaptação da 5- HT
Inibição da recaptação da 5- HT/DA/NA
Afinidade para os receptores das benzodiapinas
Suzuki et al., 1984
Sparenberg et al., 1993
Medina et al., 1990
Thiede e Walper, 1994
Chatterjee et al., 1996
Muller, 1997
Baureithel et al., 1997
Floroglucinóis:
Biflavonas:
isoquercitrina
hiperforina
adiperforina
amentoflavona
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Também foram realizados vários ensaios clínicos para avaliar a sua
eficácia e segurança, na indicação clínica de depressão ligeira a moderada.
Existem nove ensaios clínicos duplamente cegos, randomizados e
controlados (contra placebo ou antidepressivos tricíclicos, incluindo
o “gold standard” amitriptilina). Para além destes ensaios clínicos de
desenho robusto existem, pelo menos, mais 14 ensaios clínicos.
Também foi publicada uma revisão com meta-análise (Linde et al.,
1996).
Nos ensaios clínicos controlados o extracto de hipericão na dose
de 300 mg t.i.d. foi significativamente mais eficaz que o placebo
e pelo menos tão eficaz como os antidepressivos tricíclicos
amitriptilina (75 mg/d) (Wheatley, 1997), imipramina (75 mg/d)
(Vorbach, 1994; 1997) e maprotilina (75 mg/d) (Harrer, 1994). O
ensaio de comparação com a amitriptilina (P=0,06) foi feito com
165 doentes e decorreu durante 6 semanas. Duas críticas que
se poderão fazer a estes estudos controlados e aleatorizados
são a duração do tratamento, que deveria ter sido mais longa, e
o número de doentes recrutados, que, apesar disto, foi de 1.045.
A revisão com meta-análise de Linde et al. (1996), que incluiu 23
estudos, também concluiu pela eficácia do extracto de hipericão
na depressão ligeira a moderada.
Relativamente à segurança, como é de esperar pelo uso de um
produto durante séculos, as reacções adversas foram
qualitativamente e quantitativamente semelhantes ao placebo, o
que significa muito melhor tolerabilidade do que os antidepressivos
sintéticos. De realçar, porém, que para doses diárias superiores a
1800 mg há o risco de fotossensibilização (Hruza et al., 1993; Reum
et al., 1995) (dose diária aconselhada de 500 a 900 mg).
Destes ensaios clínicos há a realçar a eficácia demonstrada para
a depressão ligeira a moderada, embora o tempo de tratamento
tenha sido quase sempre demasiado curto.
Quando um extracto apresenta eficácia procura-se habitualmente
isolar os componentes do extracto que serão os responsáveis por
essa eficácia. Foi assim que foram surgindo os numerosos fármacos
de origem vegetal que fazem parte da nossa farmacopeia. Também
o extracto de hipericão foi submetido a esta metodologia. Isolaram-
(Quadro III e IV), mas não se conseguiu verificar eficácia
antidepressiva significativa. Ainda se desenvolvem trabalhos de
modo a caracterizar melhor algumas das fracções obtidas.
c) Extractos de plantas e seus componentes para
o declínio das funções cognitivas
Gingko biloba
Nos últimos anos os produtos extraídos da Gingko biloba tornaramse “best sellers”. São usados para melhorar a circulação periférica
e central, bem como as funções cognitivas. As suas vendas
acompanham as das especialidades farmacêuticas mais vendidas.
Existem numerosos ensaios clínicos que aparentemente provam
a sua eficácia nas perturbações cognitivas, nomeadamente na
memória. Até existem estudos que provam a sua eficácia na
demência de Alzheimer, com resultados pelo menos tão bons
como os obtidos com os anticolinesterásicos!...
Fazendo uma avaliação criteriosa dos estudos publicados ficamos
decepcionados. Ensaios clínicos randomizados e controlados, de
desenho robusto e execução correcta não encontrámos nenhum,
apesar de haver alguns em que os enviezamentos dizem respeito
ao número restrito de doentes incluídos, à definição vaga dos
diagnósticos, à definição dos objectivos (“endpoints”) primários
(quase sempre estabelecem-se objectivos secundários ou
“surrogate endpoints”), aos critérios de avaliação e ao tratamento
estatístico dos dados. Evidentemente que se impõe a realização
de estudos bem concebidos e realizados, em boas práticas clínicas,
de modo a não pormos de lado um produto eventualmente
importante no tratamento do declínio das funções cognitivas.
Ginseng (Panax ginseng)
É outro produto natural de franco uso e com indicações no declínio
das funções cognitivas. É extraído das raízes de Panax ginseng. Está
padronizado em relação ao teor em ginsenosídeos, que poderão
ser os principais princípios activos. Estimulará o metabolismo,
nomeadamente o aeróbio, bem como a produção de NGF.
Quadro IV. Estudos do extracto de hipericão e de alguns dos seus componentes em modelos animais de depressão.
Constituintes
Modelo animal
Referências
Extracto de hipericão
Teste da natação forçada no ratinho
Hipericina
Teste da natação forçada no rato
Teste da suspenção pela cauda do ratinho
Teste da natação forçada no ratinho
Teste da natação forçada no rato
Teste da natação forçada no rato
Okpanyi e Weischer, 1987
Ozturk, 1997
Butterweck et al., 1997
Butterweck et al., 1997
Okpanyi e Weischer, 1987
Winterhoff et al., 1997
Butterweck et al., 1997
Fracção rica em flavonóides
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III. Conclusões
Para a ansiedade generalizada o extracto de valeriana pode constituir
uma alternativa, nomeadamente para as pessoas com vida intelectual
activa, desde que prescrito com conhecimento do seu perfil
terapêutico, aparentemente limitado.
Na depressão ligeira a moderada o extracto de hipericão pode
constituir também uma alternativa.
Evidentemente que outros extractos ou infusões de plantas podem
ser usados, desde que aconselhados na consciência da sua limitação.
O uso tradicional em Portugal do chá de tília constitui um bom
exemplo, e resolve muitas situações banais que o uso de
medicamentos potentes pode iatrogenizar. Existem já alguns estudos
sobre as propriedades farmacológicas da Tilia europeae L. (Cavadas
et al., 1997). Estarão ainda naquela situação o Acosmium subelegans,
de que se utiliza o extracto fluído das cascas do caule, a Matricaria
recutita, de cujas flores secas se faz uma infusão e do qual foi isolada
a apigenina que evidenciou propriedades ansiolíticas e capacidade
de ligação aos receptores das benzodiazepinas, a Euphorbia hirta,
cujo extracto aparenta ter capacidade sedativa, e outros.
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VOLUME II, Nº4. JULHO/AGOSTO 2000

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