Justifica-se o uso de extractos de plantas medicinais na terapêutica
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Justifica-se o uso de extractos de plantas medicinais na terapêutica
Artigos Justifica-se o uso de extractos de plantas medicinais na terapêutica da ansiedade e da depressão? Resumo C. A. Fontes Ribeiro Professor Associado de Farmacologia, Departamento de Farmacologia, Instituto Biomédico para a Investigação da Luz e da Imagem (IBILI), Faculdade de Medicina, Universidade de Coimbra. O uso de plantas medicinais em terapêutica é comum, seja como extractos de determinadas partes da planta (por exemplo, de caule, folhas, flores, rizoma) ou como componentes isolados a partir dos extractos. Qualquer destes produtos deve seguir as normas aconselhadas de qualidade, incluindo a sua padronização para garantir a uniformidade de composição de extracto para extracto. Estes produtos devem seguir o percurso normal de estudo duma substância farmacêutica: depois da realização de estudos pré-clínicos (por exemplo, em modelos animais de ansiedade ou depressão) devem seguir-se estudos de farmacologia clínica e clínicos, principalmente ensaios controlados e randomizados. Este artigo descreve as propriedades de extractos usados como ansiolíticos ou sedantes (valeriana, kava, passiflora), citando-se a propósito alguns estudos clínicos, e do extracto de hipericão (Hypericum perforatum L.), usado como antidepressor e para o qual já existem numerosos ensaios clínicos randomizados e controlados, que permitem indicálo na depressão ligeira a moderada. Também são tecidas algumas considerações acerca dos preparados de Gingko biloba e ginseng como eventuais reforços das funções cognitivas. I. Introdução O uso de fitomedicinas data do início da civilização e ainda prevalece em muitas partes do mundo, acompanhando frequentemente o uso de fármacos de desenvolvimento complexo. Por exemplo, em 1992 as vendas de fitomedicinas atingiu a soma de 1.550 milhões de dólares na Alemanha e em 1993 a Ginkgo biloba por si só vendeu na Europa 195 milhões de dólares. Muitas das plantas medicinais actualmente usadas são as que actuam principalmente no sistema nervoso. Todos conhecemos e não pomos qualquer dúvida na sua acção e efeito – o curare, a atropina, a nicotina, os digitálicos, a morfina, a reserpina, a efedrina, a fisostigmina, a pilocarpina e a muscarina. O nosso reconhecimento baseia-se principalmente no isolamento e estudo dos princípios activos existentes nos extractos de plantas. A aceitação popular dos productos naturais é feita sobretudo na crença de que além de eficazes não têm reacções adversos. A este propósito recordo diversas publicações que chamam a atenção para o surgimento de efeitos adversos sérios com o uso de plantas medicinais, como o carcinoma do urotélio associado a Aristolochia fangchi (Nortier et al., 2000), o que já mereceu editoriais de jornais prestigiados como o New England Journal of Medicine. Assim, os medicamentos naturais teriam de ser analisados como qualquer especialidade farmacêutica, devendo apresentar estudos farmacêuticos, fármaco-toxicológicos e clínicos, e estando sujeitos à farmacovigilância (Angell e Kassirer, 1998).A Agência Europeia de Avaliação de Medicamentos (EMEA) já publicou diversos alguns documentos para a regulamentação deste mercado (Ad Hoc Working Group on Herbal Medicinal Products:“Note for guidance on non-clinical testing of herbal drug preparations with long-term marketing experience – guidance to facilitate mutual recognition and use of bibliographic data”; Ad Hoc Working Group on Herbal Medicinal Products: “Points to consider on the evidence of safety and efficacy required for well-established herbal medicinal products in bibliographic applications”), e que estão disponíveis na Internet (www.eudra.org). Um dos objectivos da farmácia galénica tem sido extrair e isolar os compostos activos dos extractos naturais. Esta metodologia tem conduzido muitas vezes ao VOLUME II, Nº4. JULHO/AGOSTO 2000 09 Artigos isolamento dos compostos mais activos e mais tóxicos. Por vezes os resultados com um dos componentes do extracto são inferiores aos obtidos com o extracto total; põe-se a hipótese de haver sinergismo entre os vários componentes dum extracto. Padronização dos extractos de plantas Para garantir a qualidade de um extracto é necessário isolar um componente desse extracto que seja quantificável, estabelecendose depois a variação admissível desse componente. Assim, os diversos lotes terão uma composição qualitativa e quantitativa semelhante. Por exemplo, o extracto de hipericão (Hipericum perforatum L.) é padronizado pela quantificação de hipericina. Para o extracto de valeriana o ácido valerénico é considerado a substância padrão, uma vez que só existe na Valeriana officinalis. Isolamento dos componentes do extracto de plantas Habitualmente procura-se isolar os componentes do extracto de modo a se obter um princípio activo específico. No entanto, pode ser a conjugação dos diversos componentes que garanta a eficácia terapêutica, como já foi afirmado. 10 A maioria dos fármacos que conhecemos foram concebidos para actuar em mecanismos que já conhecemos e compreendemos, o que raramente conduziu a mecanismos inovadores. Quase sempre o progresso foi feito para melhorar os fármacos que conhecemos, seja a nível farmacocinético ou farmacodinâmico. Um exemplo desta estratégia é o desenvolvimento dos fármacos antidepressivos – se antigamente estes fármacos apresentavam mecanismos de actuação pouco selectivos, hoje já evidenciam capacidade de inibição específica da captação neuronal de serotonina e/ou noradrenalina, sendo, no entanto, as diferenças em eficácia pouco significativas. Os medicamentos de plantas medicinais são na sua maioria para o aparelho cardiovascular e para o sistema nervoso central. Destes últimos merecem particular destaque, pela sua ampla utilização e estudos farmacológicos e clínicos, dois compostos: os extractos de valeriana e de hipericão, como ansiolítico e antidepressivo, respectivamente.Também a Gingko biloba e o ginseng têm sido amplamente utilizados na esperança de melhorarem as funções cognitivas. Estudos pré-clínicos Ao longo dos anos têm sido desenvolvidos alguns modelos animais para se testarem eventuais propriedades ansiolíticas ou antidepressoras de alguns compostos. Um fármaco pode demonstrar eficácia num modelo e não o fazer noutro modelo, o que significa VOLUME II, Nº4. JULHO/AGOSTO 2000 que se deverão utilizar vários modelos. No que respeita aos preparados de plantas medicinais, também estes têm sido sujeitos a estudos pré-clínicos, incluindo ensaios in vitro. Nestes últimos poderão haver algumas dificuldades porque um extracto possui diversos componentes que poderão agir de modos diversos sobre um sistema in vitro. Por exemplo, os agonistas dos receptores 5HT1A e os antagonistas dos receptores 5-HT2 ou 5-HT3 poderão ser ansiolíticos, interferindo de modo semelhante na ligação da 3H-serotonina a membranas de córtex cerebral. II. Uso de preparados naturais em doenças psiconeurológicas a) Tratamento da ansiedade Necessidade de alternativas aos ansiolíticos / sedantes actuais As benzodiazepinas vieram substituir os barbitúricos como ansiolíticos, não causando a dependência e a depressão respiratória verificada com estes últimos, e evidenciando uma ampla margem terapêutica. No entanto, prejudicam as funções cognitivas, nomeadamente a memória, e são potenciados por substâncias depressoras do SNC, como o etanol. Provocam ainda dependência e tolerância, sobretudo as mais potentes ou quando administradas em doses elevadas. Todas estas reacções adversas obrigaram à procura de substâncias alternativas, surgindo então o propranolol e a buspirona. Os fármacos anticolinérgicos já há muito que estão no mercado mas causam prejuízo da memória e têm efeitos anticolinérgicos a diversos níveis, nomeadamente no aparelho cardiovascular, digestivo, urinário e nos olhos. O propranolol e ouutros bloqueadores dos receptores adrenérgicos beta são eficazes quando existem sintomas e sinais somáticos de ansiedade, não prejudicando ainda as funções cognitivas. Deprimem, no entanto, o aparelho cardiovascular e podem causar broncoespasmo. Tendo em atenção que muitos jovens ansiosos, nomeadamente mulheres, têm tensão arterial baixa ou doença asmática, não são medicamentos de uso aceitável nestas condições. A buspirona foi uma aquisição terapêutica significativa, já que não apresenta os problemas das benzodiazepinas. Porém, não tem efeito quando administrada em simultâneo ou em sucessão imediata às benzodiazepinas e tem latência de efeito – demora pelo menos alguns dias para exprimir significativamente os seus efeitos ansiolíticos. Do exposto conclui-se da necessidade de outras medidas terapêuticas. Os extractos de algumas plantas medicinais podem constituir uma alternativa, como, por exemplo, o extracto de Valeriana officinalis ou Valeriana radix. Lembro ainda que o chá de tília é uma bebida tradicional portuguesa, que a juntar ao seu Artigos Valeriana A Valeriana officinalis ou Valeriana radix já foi usada como uma planta medicinal por gregos e romanos. As suas propiedades sedativas foram referidas já no século XVIII (Riedel et al., 1982). A valeriana é uma planta que se encontra principalmente na Europa e na Ásia. Apresenta variações morfológicas de acordo com a sua zona geográfica de origem. Para fins farmacêuticos utiliza-se apenas o rizoma e as suas múltiplas raízes secundárias. A valeriana possui mais de 100 conponentes, entre os quais ácidos sesquiterpénicos (e.g., ácido valerénico), ácidos carboxílicos de cadeia curta (e.g., ácido isovalerénico) e ácidos carboxílicos aromáticos, alcalóides (valeranina), compostos iridóides (e.g., valepotriatos) e glutamina. Ainda não foi possível explicar o mecanismo de acção da valeriana através de um único mecanismo, existindo várias possibilidades (Santos et al., 1994; Cavadas et al., 1995). Por exemplo, a glutamina atravessa a barreira hematoencefálica e poderá ser transformada em GABA que actuará no complexo do receptor GABA-A (Cavadas et al., 1995). Em diversos testes animais foi comprovada a acção ansiolítica do extracto de valeriana (Quadro I). Quadro I. Modelos animais de ansiedade em que o extracto deValeriana demonstrou eficácia Labirinto em cruz elevado (“elevated plus maze”) Teste de esconder esferas (“marble burying test”) Teste da escada (“staircase”) Caixa claro-escuro (“light-dark box”) Teste da neofobia ou hipofagia emocional A toxicidade do extracto é muito baixa, como foi provado pela determinação da dose letal média em ratos. Quanto ao seu uso em terapêutica humana, existe numerosa documentação, incluindo estudos em crianças. A Agência Europeia de Avaliação de Medicamentos (EMEA) publicou um RCM tipo (“core SPC”) para a Valeriana radix, propondo-a como ansiolítica e sedante. Poderá ser ainda administrada na insónia do adormecer, nomeadamente se associada a ansiedade. Temos conhecimento de treze ensaios clínicos, dos quais quatro são randomizados e controlados. A este propósito cabe citar um ensaio clínico de Paes de Sousa et al. (1992) que sugeriram que o extracto possui a mesma eficácia que o clobazam. Alguns destes estudos não definem correctamente os critérios de inclusão e exclusão, sendo a indicação clínica demasiado heterogénea. Também as características populacionais são demasiado variáveis de avaliação sofre algumas vezes de pouca robustez. Acresce que poucas vezes têm sido feitos estudos de dose – efeito, o que levanta a suspeita de que frequentemente são usadas doses infra-terapêuticas (por exemplo, numa especialidade farmacêutica aconselha-se 90 mg de valeriana t.i.d, enqunato que numa outra especialidade farmacêutica já se preconiza a toma de 360 mg de valeriana t.i.d.!). Relativamente à segurança, não têm sido notificadas reacções sérias ou graves, nem o seu número difere significativamente do placebo. Não tem sido referida perturbação das funções cognitivas, nem adicção ou dependência, o que pode sugerir o seu uso na ansiedade do jovem, tal como a buspirona. Kava Kava ou awa (Piper methysticum) é uma planta muito utilizada nas áreas do sul do Pacífico para tratar a ansiedade. Também é usada como bebida ritual nas cerimónias de boas vindas. Utilizam-se os rizomas secos da planta. Os extractos são padronizados através da quantificação das kavalactonas (kavaína). Tem estudos laboratoriais, incluindo a demonstração dos seus efeitos em alguns modelos animais, e alguns estudos clínicos, realizados principalmente na Alemanha. Existem ensaios clínicos randomizados e controlados (Pittler e Ernst, 2000), e verificou-se que é significativamente superior ao placebo (redução significativa do score da escala de Hamilton para a ansiedade). Acresce que para além desta aparente eficácia, não causa tolerância ou dependência. Doses elevadas de kava poderão causar uma dermopatia semelhante à pelagra. A “American Herbal Products Association” recomenda que o kava não deve ser usado por indivíduos com depressão major nem por pessoas com menos de 18 anos de idade ou grávidas; pode ainda prejudicar a condução de veículos e ser potenciado por substâncias depressoras do sistema nervoso central, como o etanol. A dose diária recomendável é de 1,7 a 3,4 g de rizoma (equivalente a 60 – 120 mg de pironas de kava). Passiflora A passiflora (Passiflora incarnata) é uma planta cultivada em regiões tropicais e subtropicais e que entretanto foi introduzida na Europa após a descoberta e conquista do continente americano. O British Herbal Compendium reconhece-lhe propriedades ansiolíticas e antiespasmódicas (Bradley, 1992). Usa-se a parte aérea, seca ou fresca. O componente responsável por estas propriedades ainda não foi caracterizado, sendo, provavelmente, e à semelhança do que acontece com outros extractos de plantas, consequência da acção de várias substâncias, actuando de modo sinérgico. O extracto contém flavonóides, maltol e pequenas quantidades de óleos essenciais, entre outros. Como critério de qualidade, a Farmacopeia francesa exige uma quantidade superior a 0,8 % de flavonóides VOLUME II, Nº4. JULHO/AGOSTO 2000 11 Artigos totais, calculados como vitexina (Blumenthal et al., 2000). É usada algumas vezes em combinação com outros extractos de plantas, como, por exemplo, com a valeriana. Melissa officinalis (erva cidreira) Usam-se as folhas frescas ou secas desta planta, espontânea da zona mediterrânica, para o tratamento da ansiedade. É um uso tradicional, inclusive em Portugal, não havendo estudos clínicos robustos que suportem esta indicação. Apesar disto, existem alguns estudos farmacológicos que sugerem acções depressoras no sistema nervoso central (Soulimani et al., 1991). Outros extractos de plantas têm sido usados no tratamento da ansiedade. A maior parte das vezes os extractos utilizam-se em combinação – por exemplo, a preparação Songha® Night contém numa drageia 120 mg de Valeriana radix e 80 mg de Melissae foliae. b) Tratamento da depressão 12 O primeiro antidepressivo – a imipramina - foi obtido por modificação da estrutura dum fármaco neuroléptico, tricíclico. Surgiram então os chamados antidepressivos tricíclicos (ADT), com efeitos anticolinérgicos que os contraindicavam ou aconselhavam prudência em numerosas situações clínicas (glaucoma, taquiarritmias, obstipação, hipertrofia benigna da próstata...).Também as suas reacções adversas, nomeadamente as do tipo anticolinérgico, tornam os tratamentos por vezes difíceis e/ou intoleráveis. Devido a estes factos surgiram então os antidepressivos de 2ª e 3ª geração, de que destacamos o trazodone, os inibidores selectivos da recaptação de serotonina (fluoxetina, sertralina, paroxetina), os inibidores selectivos da recaptação de serotonina e de noradrenalina (venlafaxina). No entanto, se já não evidenciam os efeitos anticolinérgicos dos antidepressivos tricíclicos podem causar outras reacções adversas – por exemplo, os sintomas hemorrágicos poderão ser um efeito de classe de todos os fármacos inibidores selectivos da recaptação da serotonina. Deste modo, será útil a existência duma substância que não evidencie estes problemas, e que tenha efeitos clínicos demonstrados. Poderá o extracto de hipericão constituir esta alternativa? Extracto de hipericão A pesquisa de uma terapêutica para a depressão ligeira a moderada tem levado os médicos a investigar a utilidade de medicamentos à base de plantas. Sabe-se desde há várias décadas que o hipericão (Hypericum perforatum L.) ou erva de S. João (St. John’s Wort) é susceptível de aliviar os sintomas de depressão. No entanto, o seu uso é já conhecido desde há alguns séculos, principalmente como medicamento para diversas alterações neurológicas e psiquiátricas (Blumenthal et al., 2000). Uma vez que existem actualmente vários modelos experimentais animais que permitem predizer se um fármaco tem propriedades antidepressivas, o extracto de hipericão foi submetido a estes testes (Quadro II), tendo demonstrado eficácia. Alguns dos seus componentes também foram submetidos a testes em modelos animais. Por exemplo, a fracção rica em naftodiantrona foi testada no teste de natação forçada o rato (Butterweck et al., 1997), evidenciando resultados positivos, o mesmo acontecendo com a hipericina no teste de natação forçada no ratinho (Okpanyi e Weischer, 1987) e no rato (Winterhoff et al., 1995) e com a fracção rica em flavonóides no teste da natação forçada no rato (Butterweck et al., 1997). Para compreender estes resultados positivos foram realizadas experiências em diversos sistemas de neurotransmissores e neuromoduladores para estudar o efeito do extracto de hipericão ou de alguns dos seus componentes (Quadro III). Quadro II. Modelos animais de depressão em que o extracto de Hypericum perforatum L. demonstrou eficácia. Modelo animal Referência Teste de natação forçada no ratinho Teste de natação forçada no rato Teste da reserpina no ratinho Teste da suspenção pela cauda no ratinho Teste do desespero comportamental no rato Okpanyi e Weischer, 1987; Oztürk, 1997 Winterhoff et al., 1995; Butterweck et al., 1997 Winterhoff et al., 1995 Winterhoff et al., 1995; Butterweck et al., 1997 Gambarana et al., 1996 Quadro III. Efeitos farmacológicos de alguns constituintes do extracto de hipericão. Constituintes Actividade farmacológica Actividade farmacológica Naftodiantronas: hipericina Flavonóides: quercitrina Inibiçacão da MAO-A Inibiçacão da MAO-A Antagonismo benzodiazepínico Inibição da COMT Inibição da recaptação da 5- HT Inibição da recaptação da 5- HT/DA/NA Afinidade para os receptores das benzodiapinas Suzuki et al., 1984 Sparenberg et al., 1993 Medina et al., 1990 Thiede e Walper, 1994 Chatterjee et al., 1996 Muller, 1997 Baureithel et al., 1997 Floroglucinóis: Biflavonas: isoquercitrina hiperforina adiperforina amentoflavona VOLUME II, Nº4. JULHO/AGOSTO 2000 Artigos Também foram realizados vários ensaios clínicos para avaliar a sua eficácia e segurança, na indicação clínica de depressão ligeira a moderada. Existem nove ensaios clínicos duplamente cegos, randomizados e controlados (contra placebo ou antidepressivos tricíclicos, incluindo o “gold standard” amitriptilina). Para além destes ensaios clínicos de desenho robusto existem, pelo menos, mais 14 ensaios clínicos. Também foi publicada uma revisão com meta-análise (Linde et al., 1996). Nos ensaios clínicos controlados o extracto de hipericão na dose de 300 mg t.i.d. foi significativamente mais eficaz que o placebo e pelo menos tão eficaz como os antidepressivos tricíclicos amitriptilina (75 mg/d) (Wheatley, 1997), imipramina (75 mg/d) (Vorbach, 1994; 1997) e maprotilina (75 mg/d) (Harrer, 1994). O ensaio de comparação com a amitriptilina (P=0,06) foi feito com 165 doentes e decorreu durante 6 semanas. Duas críticas que se poderão fazer a estes estudos controlados e aleatorizados são a duração do tratamento, que deveria ter sido mais longa, e o número de doentes recrutados, que, apesar disto, foi de 1.045. A revisão com meta-análise de Linde et al. (1996), que incluiu 23 estudos, também concluiu pela eficácia do extracto de hipericão na depressão ligeira a moderada. Relativamente à segurança, como é de esperar pelo uso de um produto durante séculos, as reacções adversas foram qualitativamente e quantitativamente semelhantes ao placebo, o que significa muito melhor tolerabilidade do que os antidepressivos sintéticos. De realçar, porém, que para doses diárias superiores a 1800 mg há o risco de fotossensibilização (Hruza et al., 1993; Reum et al., 1995) (dose diária aconselhada de 500 a 900 mg). Destes ensaios clínicos há a realçar a eficácia demonstrada para a depressão ligeira a moderada, embora o tempo de tratamento tenha sido quase sempre demasiado curto. Quando um extracto apresenta eficácia procura-se habitualmente isolar os componentes do extracto que serão os responsáveis por essa eficácia. Foi assim que foram surgindo os numerosos fármacos de origem vegetal que fazem parte da nossa farmacopeia. Também o extracto de hipericão foi submetido a esta metodologia. Isolaram- (Quadro III e IV), mas não se conseguiu verificar eficácia antidepressiva significativa. Ainda se desenvolvem trabalhos de modo a caracterizar melhor algumas das fracções obtidas. c) Extractos de plantas e seus componentes para o declínio das funções cognitivas Gingko biloba Nos últimos anos os produtos extraídos da Gingko biloba tornaramse “best sellers”. São usados para melhorar a circulação periférica e central, bem como as funções cognitivas. As suas vendas acompanham as das especialidades farmacêuticas mais vendidas. Existem numerosos ensaios clínicos que aparentemente provam a sua eficácia nas perturbações cognitivas, nomeadamente na memória. Até existem estudos que provam a sua eficácia na demência de Alzheimer, com resultados pelo menos tão bons como os obtidos com os anticolinesterásicos!... Fazendo uma avaliação criteriosa dos estudos publicados ficamos decepcionados. Ensaios clínicos randomizados e controlados, de desenho robusto e execução correcta não encontrámos nenhum, apesar de haver alguns em que os enviezamentos dizem respeito ao número restrito de doentes incluídos, à definição vaga dos diagnósticos, à definição dos objectivos (“endpoints”) primários (quase sempre estabelecem-se objectivos secundários ou “surrogate endpoints”), aos critérios de avaliação e ao tratamento estatístico dos dados. Evidentemente que se impõe a realização de estudos bem concebidos e realizados, em boas práticas clínicas, de modo a não pormos de lado um produto eventualmente importante no tratamento do declínio das funções cognitivas. Ginseng (Panax ginseng) É outro produto natural de franco uso e com indicações no declínio das funções cognitivas. É extraído das raízes de Panax ginseng. Está padronizado em relação ao teor em ginsenosídeos, que poderão ser os principais princípios activos. Estimulará o metabolismo, nomeadamente o aeróbio, bem como a produção de NGF. Quadro IV. Estudos do extracto de hipericão e de alguns dos seus componentes em modelos animais de depressão. Constituintes Modelo animal Referências Extracto de hipericão Teste da natação forçada no ratinho Hipericina Teste da natação forçada no rato Teste da suspenção pela cauda do ratinho Teste da natação forçada no ratinho Teste da natação forçada no rato Teste da natação forçada no rato Okpanyi e Weischer, 1987 Ozturk, 1997 Butterweck et al., 1997 Butterweck et al., 1997 Okpanyi e Weischer, 1987 Winterhoff et al., 1997 Butterweck et al., 1997 Fracção rica em flavonóides VOLUME II, Nº4. JULHO/AGOSTO 2000 13 Artigos III. Conclusões Para a ansiedade generalizada o extracto de valeriana pode constituir uma alternativa, nomeadamente para as pessoas com vida intelectual activa, desde que prescrito com conhecimento do seu perfil terapêutico, aparentemente limitado. Na depressão ligeira a moderada o extracto de hipericão pode constituir também uma alternativa. Evidentemente que outros extractos ou infusões de plantas podem ser usados, desde que aconselhados na consciência da sua limitação. O uso tradicional em Portugal do chá de tília constitui um bom exemplo, e resolve muitas situações banais que o uso de medicamentos potentes pode iatrogenizar. Existem já alguns estudos sobre as propriedades farmacológicas da Tilia europeae L. (Cavadas et al., 1997). Estarão ainda naquela situação o Acosmium subelegans, de que se utiliza o extracto fluído das cascas do caule, a Matricaria recutita, de cujas flores secas se faz uma infusão e do qual foi isolada a apigenina que evidenciou propriedades ansiolíticas e capacidade de ligação aos receptores das benzodiazepinas, a Euphorbia hirta, cujo extracto aparenta ter capacidade sedativa, e outros. 14 BIBLIOGRAFIA Angell, M., Kassirer, J. P. 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