Biblioteca da - Associação Académica da Universidade Aberta

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Biblioteca da - Associação Académica da Universidade Aberta
41038 – Metodologia das Ciências
Sociais: Métodos Qualitativos
Apontamentos de: Jorge Loureiro
E-mail: [email protected]
Data: 19.01.2009
Livro: Metodologia da Investigação. Guia para Auto-aprendizagem (Hermano Carmo, Manuela
Malheiro Ferreira)
Nota: Matéria referente ao ano lectivo 2008-2009 (Doutora Bárbara Bäckström)
Este documento é um texto de apoio gentilmente disponibilizado pelo seu autor, para que possa auxiliar ao estudo dos colegas.
O autor não pode de forma alguma ser responsabilizado por eventuais erros ou lacunas existentes. Este documento não
pretende substituir o estudo dos manuais adoptados para a disciplina em questão.
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ÍNDICE
1. VISÃO PANORÂMICA
1.1. O Projecto de Investigação em Ciências Sociais
1.1.1. Duas questões prévias
1.1.1.1. A questão da informação disponível
1.1.1.1.1. Uma atitude de recordista
1.1.1.1.2. Recolha preliminar de informação
1.1.1.1.3. Já se escreveu tudo sobre determinado assunto?
1.1.1.1.4. O nevoeiro informacional
1.1.1.2. A questão da gestão do tempo
1.1.2. Elementos para o planeamento de uma investigação
1.1.2.1. Investigar o quê? (Delimitar o objecto de estudo)
1.1.2.2. Definir o objectivo da pesquisa
1.1.2.3. Programar a pesquisa
1.1.2.4. Identificar e articular os recursos necessários
1.1.3. Ferramentas metacognitivas para investigação
1.1.3.1. Os mapas conceptuais
1.1.3.1.1. O que é um mapa conceptual?
1.1.3.1.2. Passos para a elaboração de um mapa conceptual
1.1.3.1.3. Clarificar conceitos
1.1.3.1.4. Desempacotar um conhecimento complexo
1.1.3.1.5. Conceber um campo semântico
1.1.3.2. Outros diagramas estruturadores cognitivos
1.1.3.3. O Vê heurístico, epistemológico ou de Gowin
1.2. Pesquisa Documental
1.2.1. Papel da pesquisa documental no contexto do processo de
investigação
1.2.2. Documentos escritos
1.2.2.1. Onde procurar?
1.2.2.1.1. Bibliotecas e arquivos
1.2.2.1.2. Primeira triagem
1.2.2.2. Exploração do texto
1.2.2.2.1. A economia da leitura
1.2.2.2.2. Estratégias de exploração de texto
1.2.2.3. Registo de dados
1.2.2.3.1. Fichas bibliográficas
1.2.2.3.2. Fichas de leitura
1.2.2.3.3. Sistemas de classificação
1.2.2.4. Documentos oficiais
1.2.2.4.1. Publicações oficiais
1.2.2.4.2. Documentos não publicados
1.2.2.5. Estatísticas
1.2.2.5.1. Virtualidades
1.2.2.5.2. Limitações
1.2.2.5.3. Princípios orientadores
1.2.2.6. Documentos pessoais
1.2.2.6.1. Limitações
1.2.2.6.2. Princípios orientadores
1.2.2.7. Documentos escritos difundidos
1.2.2.7.1. O jornal como fonte de dados
1.2.2.7.2. Análise de impacto
1.2.3. Documentos não escritos
1.2.3.1. Objectos
1.3. Técnicas de Observação
1.3.1. O que é observar?
1.3.1.1. O testemunho dos deficientes
1.3.1.2. Os ensinamentos de Baden Powell
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1.3.1.3. As lições de Conan Doyle
1.3.1.4. A experiência dos socorristas
1.3.2. Que aspectos observar?
1.3.2.1. Os indicadores como filtro de informação
1.3.2.1.1. Questões conceptuais
1.3.2.1.2. Indicadores demográficos e económicos
1.3.2.1.3. Indicadores Sociais
1.3.2.1.4. Critérios para a construção de indicadores sociais
1.3.2.2. Guiões de observação e sistemas de registo
1.3.3. Tipos de observação
1.3.3.1. Observação não-participante
1.3.3.2. Observação participante despercebida pelos observados
1.3.3.3. Observação participante propriamente dita
1.3.4. Aspectos relevantes da observação participante
1.3.4.1. A questão do observatório
1.3.4.1.1. Negociação e escolha do papel
1.3.4.1.2. O horizonte de cada papel
1.3.4.2. A questão da intensidade do “mergulho”
1.3.4.2.1. A Janela de Johari
1.3.4.2.2. Mergulho restrito
1.3.4.2.3. Mergulho profundo
1.3.5. Problemas deontológicos
1.4. Inquéritos por entrevista
1.4.1. A interacção directa, questão-chave na técnica de entrevista
1.4.1.1. Influência do entrevistador no entrevistado
1.4.1.2. Diferenças culturais entre entrevistador e entrevistado
1.4.1.3. Sobreposição de canais de comunicação
1.4.2. Quando recorrer à entrevista?
1.4.3. Tipos de entrevistas
1.4.4. Aspectos de natureza prática
1.4.4.1. Antes da entrevista
1.4.4.2. Durante a entrevista
1.4.4.3. Depois da entrevista
1.5. O Relatório de Pesquisa
1.5.1. Introdução
1.5.2. Reflexões prévias ao acto de relatar
1.5.2.1. O que é que se quer transmitir?
1.5.2.2. A quem se destina o relatório?
1.5.2.3. Quando e onde se realizou a pesquisa?
1.5.2.3.1. Condicionamentos espaço-institucionais
1.5.2.3.2. Condicionamentos temporais
1.5.2.4. Como se desenrolou a investigação?
1.5.3. Elaboração do Relatório
1.5.3.1. Conteúdo do Relatório
1.5.3.1.1. Problematização da questão
1.5.3.1.2. Itinerários e processos de pesquisa
1.5.3.1.3. Resultados alcançados
1.5.3.1.4. Consequências dos resultados
1.5.3.2. Construção e forma do relatório
1.5.3.2.1. Dois princípios básicos indispensáveis: clareza e rigor
1.5.3.2.2. Esquema de apresentação: o travejamento temático
1.5.3.2.3. O corpo do texto
2. APROFUNDAMENTO TEMÁTICO
2.1. Métodos Qualitativos
2.1.1. Introdução
2.1.1.1. Métodos e técnicas de investigação em Ciências Sociais
2.1.1.2. Métodos quantitativos e métodos qualitativos
2.1.2. Os métodos qualitativos
2.1.2.1. Características dos métodos qualitativos
2.1.2.2. Tradições teóricas em investigação qualitativa
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2.1.3. Possibilidade de utilizar uma combinação de métodos quantitativos
e qualitativos
2.2. Técnicas de Amostragem
2.2.1. Introdução
2.2.2. Amostragens probabilísticas
2.2.2.1. Amostragem aleatória simples
2.2.2.2. Amostragem estratificada
2.2.2.3. Amostragem de “cachos” (clusters)
2.2.2.4. Amostragem por etapas múltiplas
2.2.2.5. Amostragem sistemática
2.2.2.6. Determinação da dimensão da amostra
2.2.3. Amostras não probabilísticas
2.2.3.1. Amostragem de conveniência
2.2.3.2. Amostragem de casos muito semelhantes ou muito diferentes
2.2.3.3. Amostragem de casos extremos
2.2.3.4. Amostragem de casos típicos
2.2.3.5. Amostragem em bola de neve
2.2.3.6. Amostragem por quotas
2.2.3.7. Utilidade das amostragens não probabilísticas
2.3. A Prática de Investigação
2.3.1. Classificação da investigação
2.3.1.1. Classificação quanto ao propósito
2.3.1.2. Classificação quanto ao método
2.3.2. Investigação histórica
2.3.3. Investigação descritiva
2.3.3.1. Inquéritos
2.3.3.2. Estudos relativos ao desenvolvimento
2.3.3.3. Estudos complementares
2.3.3.4. Estudos sociométricos
2.3.4. Estudo de caso
2.3.4.1. Histórias de vida
2.4. A Análise de Conteúdo
2.4.1. Definição de Análise de Conteúdo
2.4.2. Tipos de Análise de Conteúdo
2.4.2.1. Análise de exploração e análise de verificação
2.4.2.2. Análise quantitativa e análise qualitativa
2.4.2.3. Análise directa e análise indirecta
2.4.3. A prática da Análise de Conteúdo
2.4.3.1. Definição dos objectivos e do quadro de referência teórico
2.4.3.2. Constituição de um corpus
2.4.3.3. Definição das categorias
2.4.3.4. Definição das unidades de análise
2.4.3.5. Quantificação
2.4.3.6. Interpretação dos resultados
2.4.4. Fidelidade e validade
2.5. Considerações finais
2.5.1. Princípios Éticos
2.5.2. O Projecto e o Relatório de Investigação
2.5.2.1. O Projecto de Investigação
2.5.2.2. O Relatório de Investigação
2.5.2.2.1. Organização do Relatório de Investigação
2.5.2.2.2. Revisão crítica de um Relatório de Investigação
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1. VISÃO PANORÂMICA
Hermano Carmo
1.1. O Projecto de Investigação em Ciências
Sociais
1.1.1. Duas questões prévias
Independentemente do tipo de investigação a realizar, existem duas
questões de grande importância que exigem a atenção de quem
pretende desenvolver um projecto:
●
a questão da informação disponível e
●
a questão da gestão do tempo
1.1.1.1. A questão da informação disponível
Duas atitudes típicas e ingénuas que se observam em estudantes
de Mestrado, no momento em que são confrontados com a
necessidade de produzir uma dissertação final, são a de que
• o terreno que vão explorar é completamente virgem ou, pelo
contrário, que
• já se escreveu tudo sobre determinado assunto.
Ambas as posições são apriorísticas necessitando de
desmontagem.
Perante esta atitude, dois objectivos devem ser atingidos pelo
estudante, tão depressa quanto possível:
●
adquirir uma atitude adequada perante o estudo que vai
desenvolver;
●
proceder a uma recolha preliminar de informação que lhe
permita ter uma primeira ideia acerca dos diversos
contributos existentes sobre o assunto.
1.1.1.1.1. Uma atitude de recordista
Em termos de atitudes, é indispensável combater a
arrogância de quem pensa que descobriu caminhos nunca
dantes trilhados e que pode iniciá-los sem a ajuda de
ninguém. Atitudes ineficientes porque, para atingir os
objectivos de investigação, o estudante será obrigado a
contar apenas com os seus recursos gastando muito mais
energias que se o fizesse contando com a cooperação de
colegas e professores.
A experiência tem demonstrado que a única competição
desejável num processo de pesquisa é aquela que o
investigador tem consigo mesmo, numa postura de
recordista
de
alta
competição.
Adquirir
mais
conhecimentos ou desenvolver melhor as suas estratégias de
apreensão do saber são, deste modo, desígnios mais
interessantes e positivos que simplesmente querer fazer
melhor que os outros.
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Esta atitude de recordista implica, antes de mais, uma
curiosidade nunca satisfeita traduzida numa motivação
sempre realimentada para aprender com os outros –
comunidade académica, informadores qualificados e
população-alvo da investigação – com as diversas fontes
de informação e com a realidade em geral.
Implica, por outro lado, uma postura de sábia humildade
intelectual, corolário da curiosidade, que permite capturar
informação pertinente em fontes menos habituais, como em
certa literatura não legitimada pela comunidade científica1 ou
em interlocutores não académicos2.
Permite, finalmente, a constituição progressiva de redes de
cooperação no seio da comunidade científica e entre esta e
outros interessados – pessoas e instituições – pelo maior
aprofundamento do saber na área em questão.
1.1.1.1.2. Recolha preliminar de informação
Em primeiro lugar, há que procurar colher elementos sobre
as teorias existentes. Reconhecendo fundamentos em certas
críticas, uma vez que algumas auto-designadas teorias não
passam de especulações doutrinárias, concebidas por vezes
sem a prova do confronto com o real, nunca é demais
salientar a enorme economia de informação sistematizada
numa boa teoria, o que permite ao investigador gerir melhor
os seus recursos e orientar as suas estratégias de pesquisa.
Em segundo lugar, há que indagar que pesquisa tem sido
feita no domínio em questão e com que métodos foi
desenvolvida.
A análise crítica dos métodos adoptados em
investigações anteriores é particularmente útil pois permitenos fazer uma ideia sobre a fiabilidade dos seus resultados.
A comunidade científica é constituída por gente mortal e
imperfeita (ainda que nem sempre haja consciência disso) e
como tal, também os académicos – cientistas e professores –
estão sujeitos à pressão de modas. Para ilustrar isto bastará
recordar
três
obsessões
frequentes
cuja
prática
indiscriminada pode levar a erros metodológicos:
●
a obsessão pelo mais recente, o que nem sempre
conduz a resultados satisfatórios uma vez que se
perde informação de boas fontes clássicas ignorando
que nem sempre o antigo é antiquado assim como
nem sempre o moderno é inovador;
●
a obsessão pelo quantitativo, que decorre da
mitificação de toda a informação que integra números,
_______________________________________
1
A bibliografia e a videografia de ficção podem ser excelentes fontes de informação e de hipóteses
científicas. A Cidade da Alegria de Lapierre, sobre o quotidiano de comunidades abaixo do limiar de
pobreza absoluta. Os Capitães da Areia de Jorge Amado, que relata as estratégias de sobrevivência
das crianças de rua baianas, ou O Pixote, filme brasileiro que retrata magistralmente uma subcultura
de pobreza, são exemplos de boas fontes de informação não ortodoxas.
2
Os antropólogos há muito contam com informadores, muitos sem quaisquer habilitações académicas
que, no entanto, se revelam indispensáveis como fontes de informação de alta qualidade.
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considerando
como
não
científica
qualquer
investigação de outra natureza; tal moda tem
conduzido por vezes a autênticas aberrações
analíticas uma vez que pressupõe como certas,
informações completamente deformadas na origem; e
●
a obsessão pelo qualitativo, tendência inversa
actualmente muito em voga de que tem resultado, por
vezes, trabalhos especulativos com alguma falta de
rigor.
1.1.1.1.3. Já se escreveu tudo sobre determinado
assunto?
No final desta fase, o investigador que pensava estar a entrar
em terreno virgem, pode ficar com a ideia oposta, altamente
desanimadora, de que tudo já se escreveu sobre o assunto.
Esta sensação angustiante e vertiginosa é típica de quem
desenvolve investigação na nossa época. Com efeito, o
primeiro sentimento que nos assalta quando pretendemos
entender o Mundo em que vivemos, é a perplexidade
perante a transitoriedade, a novidade e a diversidade com
que a vida social se nos apresenta, configurando um quadro
desconhecido, por vezes mesmo assustador.
Margaret Mead, já em 1969, intuía o que hoje vivemos,
utilizando a imagem dos imigrantes no tempo:
hoje em dia, todos os que nasceram e foram criados antes
da segunda grande guerra são imigrantes no tempo – como
os seus antepassados o foram no espaço – que lutam para
apanhar as condições estranhas da vida numa nova era.
Como todos os imigrantes e pioneiros, estes imigrantes no
tempo são portadores de culturas mais antigas. A diferença
hoje é que eles representam todas as culturas do mundo. (...)
Quem quer que sejam, estes imigrantes cresceram em céus
através dos quais nunca brilhou nenhum satélite. (...) Neste
sentido, portanto, de nos termos mudado para um presente
para o qual nenhum de nós estava preparado (...), deixámos
os nossos mundos familiares para vivermos numa época em
condições que são diferentes de qualquer das outras que nós
já conhecíamos.
Com o mesmo olhar perplexo, Edgar Morin, defendia há
poucos anos que estamos a entrar na Idade do Ferro
Planetária3, em que o Homem tem cada vez mais
consciência da mundialização, a qual, no entanto, é
convulsiva e dilacerada pelas contradições que a integram:
“somos obrigados a considerar que ainda estamos na préhistória do espírito humano e que não saímos da idade de
ferro planetária. O mais trágico, ou cómico, é que todas as
novas ameaças (desastres ecológicos, aniquilamento
nuclear, manipulações tecnocientíficas, etc.) provêm dos
próprios desenvolvimentos da nossa civilização”.
_______________________________________
3
De acordo com Morin, com a expansão europeia iniciada no séc. XV, começa a era planetária, em
que o fenómeno da mundialização se expande progressivamente gerando-se uma cada vez maior
integração dos subsistemas do planeta. Morin, E. et.al. (1991), A Idade de Ferro Planetária, in Os
Problemas do Fim de Século, Editorial Notícias, Lisboa, pag. 17 e sgs.
10
1.1.1.1.4. O nevoeiro informacional
Para complicar um pouco mais o seu trabalho de cartógrafo
da sociedade contemporânea, confonta-se com frequência,
com aquilo a que Morin chamou “nevoeiro informacional”4,
que se traduz num conjunto de três tipos de filtros que o
impedem de vizibilizar convenientemente a sociedade que
pretende estudar:
—
Ao primeiro, chama Morin sobre-informação, que se
traduz no excesso de informações em que é imerso no
seu quotidiano profissional. Ilustremos este fenómeno
apenas com um exemplo: o crescimento exponencial
do número de livros e de revistas científicas, de jornais,
de abstracts e de abstracts de abstracts, que alguns
autores consideram haver-se multiplicado por dez em
cada cinquenta anos, faz com que “seja cada vez
menos possível ao cientista ter um conhecimento
completo da literatura publicada, já não no domínio
global
da
ciência,
(...)
mas,
muito
mais
dramaticamente, sequer no do seu ramo especializado
de investigação”.
—
A par da sobre-informação, o cientista social confrontase muitas vezes com o problema aparentemente
contraditório, da sub-informação, semelhante ao dos
cartógrafos do século XIX que, para não fantasiarem
os seus mapas, tinham que representar espaços
imensos a branco. Exemplo de sub-informação, foi a
reacção de perplexidade geral e até de indignação de
alguns decisores políticos quando, em 1985, foram
divulgados os primeiros resultados do estudo sobre a
pobreza em Portugal, que concluía que 35% das
famílias portuguesas se encontravam abaixo da linha
de pobreza absoluta. Para além da resposta política de
quem sentiu a crueza dos resultados daquele estudo
como um julgamento à sua política social, o que tal
reacção pareceu demonstrar foi a ignorância dos vários
actores sociais sobre o fenómeno.
—
O terceiro filtro com que o investigador se defronta, é o
da pseudo-informação, ou seja, o conjunto de
informação,
deliberada
ou
involuntariamente
deformada, ou mesmo falseada, sobre a realidade
social. São exemplos de pseudo-informação, as
emitidas pelos sistemas de publicidade económica,
propaganda política, e os mecanismos de boato. Mas
também o são, muitas vezes, as informações
produzidas pelos mass media e as que legitimam
certas representações colectivas.
_______________________________________
4
Morin, Edgar (1981), As Grandes Questões do Nosso Tempo, Editorial Notícias, Lisboa, pag.19 e
sgs. Outros autores têm chamado a atenção para esta questão da falta de transparência da sociedade
contemporânea. Pierre Rosanvallon, por exemplo, defende que o desenvolvimento da visibilidade social
é uma das quatro estratégias indispensáveis à ultrapassagem da crise do Estado Providência.
Rosanvallon, P. (1984), A Crise do Estado Providência, Inquérito, Lisboa.
11
O quadro que se acaba de descrever, serve para explicar
que, talvez o maior dos problemas metodológicos com que
um investigador se debate ao longo de qualquer processo de
pesquisa, seja o da selecção e gestão da informação
disponível obrigando-o a um triplo esforço para reduzir os
efeitos de nevoeiro informacional:
—
em primeiro lugar, procurar não se afogar em
informação inútil tendo em vista o objectivo do
trabalho;
—
em segundo lugar, tentar explorar os espaços de
sub-informação, através do cruzamento de técnicas
diversas;
—
finalmente, tentar reduzir os perigos da pseudoinformação através da análise contrastiva das
fontes.
1.1.1.2. A questão da gestão do tempo
Sendo o tempo um dos recursos mais escassos que o investigador
tem ao seu dispor pois contrariamente ao desejado no popular
fado, o tempo não tem hipóteses de voltar para trás, é curioso
notar a pouca relevância que lhe é conferida quando se está numa
fase preliminar de pesquisa. No entanto ou por razões de natureza
legal – caso dos prazos impostos para a conclusão de mestrados –
ou de índole contratual, a verdade é que o tempo se tem vindo a
posicionar como uma variável estratégica em qualquer processo
de pesquisa. E isto por várias razões de que se salientam três:
●
porque o nevoeiro informacional acima
determina gastos consideráveis de tempo;
referido
●
porque a comunidade académica tem vindo a estabelecer
inúmeras pontes com o mundo não académico,
nomeadamente com as empresas, tendo de adaptar-se aos
seus critérios mais rigorosos de prazos e custos;
●
porque o encurtamento do ciclo de vida do saber5 não se
compadece com ciclos de pesquisa demasiado longos que
conduziriam inevitavelmente à divulgação de resultados
desactualizados à nascença.
Qualquer destas tendências apela claramente para a noção de
tempo útil de pesquisa que se assume como condicionador
importante da determinação do objecto de estudo e da metodologia
a adoptar.
Constituindo uma evidente dificuldade para quem enceta um
processo de investigação a variável Tempo, se respeitada, pode
ser transformada em oportunidade pela auto-disciplina a que
________________________________________
5
O ciclo de vida do saber é o período que decorre entre o seu nascimento e a sua morte por
desactualização. Tomemos o exemplo do frigorífico: o ciclo de vida do saber que lhe deu origem
começou quando alguém descobriu que se podia transformar electricidade em frio; numa segunda fase,
alguém percebeu que tal descoberta podia ser usada para a conservação de alimentos; num terceiro
momento, outra pessoa terá concebido um modo de comercializar a ideia sob a forma de um armário
estanque a que chamamos frigorífico; finalmente dir-se-á que o ciclo de vida terminou quando se
inventar um outro sistema mais prático e barato de conservar alimentos em nossas casas.
12
obriga, podendo assumir-se como um elemento de controlo de
qualidade da investigação e como um acelerador de resultados. Ao
condicionar o investigador a alcançar um máximo de resultados
num mínimo de tempo, chama a atenção para o seu papel social e
para o seu sentido cívico que apela a que não desperdice recursos
que não são seus mas dos financiadores da pesquisa
(contribuintes, mecenas, etc.).
Uma boa maneira de começar a lidar com a questão do tempo é
listar as principais fases e tarefas de investigação, calcular
quanto demorará cada uma delas, como se articulam entre si
(isto é, se a tarefa A antecede necessariamente a tarefa B, sucede
a ela ou podem ser desempenhadas independentemente uma da
outra) e encadeá-las de forma regressiva a partir de um dado
momento no futuro que constitui a data limite de conclusão da
pesquisa. As técnicas de programação, como o PERT e o CPM há
muito usadas pela gestão podem ser usadas com grande proveito
nesta fase.
1.1.2. Elementos para o planeamento de uma
investigação
Uma vez feita uma reflexão séria sobre a disponibilidade desses dois
recursos indispensáveis à pesquisa, a informação e o tempo, estamos
em condições de continuar a planear o trabalho que a integrará.
Recorde-se que planear é definir rumos e que sem se conhecer o rumo
da pesquisa não se pode dizer que ela venha a alcançar qualquer bom
porto.
1.1.2.1. Investigar o quê? (Delimitar o objecto de
estudo)
A primeira questão a definir é o que se quer investigar.
Em Ciências Sociais a determinação do campo que se vai
investigar não deve ser feita ao acaso ainda que este desempenhe
um papel importante. Ninguém de bom senso defende que se
façam perfurações de prospecção petrolífera indiscriminadamente
no terreno: qualquer perfuração deve ser precedida de um estudo
geológico prévio.
Na fase inicial da investigação, ainda de acordo com Raymond
Quivy, é extremamente importante evitar três tipos de erros:
●
a gula livresca ou estatística, que nos pode fazer afogar
em sobre-informação;
●
o desprezo pela disciplina que nos recomenda a prévia
concepção de hipóteses e/ou de questões-bússola que
funcionem como orientadores da pesquisa, fazendo-a
demorar mais e aumentando a imprevisibilidade dos
resultados;
●
o gongorismo arrogante de quem considera que quanto
mais hermético for o discurso mais científico será,
revelando, sob a capa de pretensa erudição, uma
deficiência de capacidade comunicativa decorrente de
frequente imaturidade cognitiva e afectiva.
13
Deste modo, é recomendável:
●
a precoce constituição de um corpo de perguntas ou de
um conjunto de hipóteses que delimitem com progressiva
clareza o objecto de estudo, funcionando como referências
para a posterior definição dos rumos de investigação;
●
a definição de uma estratégia de recolha de informação
orientada por tais perguntas e hipóteses ainda que
deixando algum espaço ao inesperado6;
●
a preocupação, desde o primeiro minuto, com a definição
rigorosa mas também clara das intenções da
investigação traduzidas num discurso simples.
A experiência aponta alguns critérios úteis para a definição do
objecto de estudo, para além, naturalmente, da sua pertinência
científica.
1.º O critério da familiaridade do objecto de estudo, mostra-nos
que é vantajoso que o trabalho a empreender se enraíze na
experiência anterior do investigador.
Se este critério se desenha de forma natural em mestrados
unidisciplinares ou cuja estrutura curricular é uma extensão
lógica ou uma especialização da formação inicial, não emerge
de forma tão evidente em programas de pós-graduação
interdisciplinares ou transversais. Neste caso é frequente
observar-se nalguns mestrandos, a tendência para quererem
dar saltos demasiado longos dos campos disciplinares onde
mergulhava a sua formação inicial para áreas recém
descobertas na pós-graduação.
Frequentemente, a consequência de tal procedimento é a
produção de estudos sincréticos sem suporte teórico e
metodológico
suficiente.
Querer
fazer
um
trabalho
predominantemente sociológico, antropológico ou politológico,
abandonando uma formação original no domínio da linguística
ou da literatura, ou pelo contrário, pretender fazer um estudo no
domínio da linguística ou da literatura tendo uma formação
inicial completamente diferente, é desperdiçar capital cognitivo
adquirido e arriscar-se a não ter bons resultados nem num
campo nem noutro.
2.º O critério da afectividade, recomenda que a selecção do
campo e do tema específico da investigação deva resultar
de uma forte motivação pessoal.
3.º O critério dos recursos, resulta, mais prosaicamente da
antevisão de facilidades na captura de meios necessários à
investigação imaginada.
_______________________________________
6
De acordo com Peter Drucker, uma das figuras mais importantes da Teoria e da Metodologia da
Gestão, a gestão do facto, do fracasso e do êxito inesperados, constitui uma das principais fontes de
inovação.
14
1.1.2.2. Definir o objectivo da pesquisa
O objectivo é verificar uma dada hipótese? De acordo com as
opções feitas quanto aos objectivos, Selttiz, Jahoda, Deutch e
Cook (1967) classificam os estudos em três tipos:
●
estudos exploratórios, cujo objectivo é, como o nome
indica, proceder ao reconhecimento de uma dada realidade
pouco ou deficientemente estudada e levantar hipóteses de
entendimento dessa realidade;
●
estudos sociográficos ou descritivos, em que a intenção
é descrever rigorosa e claramente um dado objecto de
estudo na sua estrutura e no seu funcionamento7;
●
estudos verificadores de hipóteses causais, que partem
de hipóteses para a sua verificação.
É importante denunciar o preconceito frequente de quem menos
familiarizado com a Metodologia das Ciências Sociais tende a
considerar apenas como científicos os estudos verificadores de
hipóteses causais, desprezando os outros dois tipos.
Um exemplo disto é o que se passou na História da Antropologia:
para que a teoria antropológica amadurecesse foi preciso que
muitos estudos de natureza etnográfica fossem realizados por
missionários, viajantes, administradores coloniais e também,
naturalmente, antropólogos. Em resumo, são os estudos de
natureza exploratória e sociográfica que criam terreno propício à
realização de trabalhos de verificação de hipóteses pela massa
crítica de informação que coligem.
1.1.2.3. Programar a pesquisa
Vejamos algumas questões a responder nesta fase8:
●
em função da árvore de objectivos
operacionalizada em variáveis e indicadores,
de recolha de dados vou utilizar: pesquisa
observação, inquérito por entrevista ou por
escalas de atitudes?
definida e
que técnicas
documental,
questionário,
●
como tenciono tratar e interpretar os dados: que estratégia
adoptar, sobretudo quantitativa ou qualitativa?
●
que modelo de análise utilizarei e com que elementos?
●
que estratégia vou usar para difundir os meus resultados?
apenas o discurso scripto? usarei gráficos? tabelas?
diagramas? audiovisuais? software educativo? de que tipo?
●
como situar cada uma das tarefas no tempo?
_______________________________________
7
Situam-se neste tipo os estudos de natureza monográfica.
8
Cada questão deve ser operacionalizada desmultiplicando as perguntas de acordo com a clássica
proposta de Lasswell: o quê, quando, onde, quanto, como e porquê.
15
1.1.2.4. Identificar e articular os recursos
necessários
Como refere Drucker (1986) um recurso é algo para que
descobrimos uma dada utilidade. O petróleo, antes de ser
percepcionado como um recurso indispensável à economia
mundial, foi considerado um líquido peganhento e mal-cheiroso
que estragava a agricultura. Muitas plantas medicinais foram
mondadas como ervas daninhas antes de serem identificadas
como recursos. Os velhos, nas sociedades industriais, são olhados
por certas comunidades como problemas, enquanto outras os
consideram e utilizam como recurso para a sua coesão e
desenvolvimento.
Vejamos resumidamente alguns aspectos a não esquecer:
●
●
●
●
●
●
Instalações
—
onde se vai realizar a pesquisa? em casa? na
Universidade? em laboratório? em meio natural?
—
que instalações serão necessárias à realização do
trabalho?
Equipamentos
—
que tipo de hardware vou necessitar para o meu estudo
(computador – com que capacidade de disco, com que
memória RAM – impressora, scanner, modem, telefone,
gravador de video ou de audio, câmara fotográfica ou de
video – com que características)?
—
que tipo de software será preciso (processamento de
texto, folha de cálculo, base de dados, gráfico,
estatístico, para telecomunicações, etc)?
Apoio financeiro
—
que patrocínios será possível obter para este tipo de
estudo?
—
que bolsas?
Apoio logístico
—
expediente (cartas, recado, fax, arquivo)
—
apoio administrativo (fotocópias, contabilidade)
Apoio documentalístico
—
bibliotecas, centros de documentação e arquivos
—
documentalistas
Orientação científica
—
quem quero convidar para orientador(a)?
—
que tipo de orientação pretendo? mais ou menos
directiva? mais centrada nos conteúdos ou na
metodologia da investigação?
16
1.1.3. Ferramentas metacognitivas para
investigação
No início deste capítulo, salientou-se que o investigador deve ter uma
atitude adequada ao trabalho a realizar, caracterizada por ser
competitiva consigo (de permanente busca de aperfeiçoamento,
característica dos recordistas) e cooperante com os outros. Dissemos
também que tal atitude exige uma curiosidade insaciável e uma forte
motivação para a aprendizagem. Esta última característica merece ser
sublinhada: com efeito, o investigador deve assumir-se, antes de mais,
como um aprendente do Mundo e da Vida9. Se assim é, então é
fundamental que o investigador ganhe competências de aprendizagem,
isto é, aprenda a aprender cada vez melhor.
É neste contexto que se perfilam algumas propostas de ferramentas
metacognitivas cujo objectivo é, justamente, ajudar o investigador a
gerir melhor a informação e transformá-la em conhecimento10.
1.1.3.1. Os mapas conceptuais
1.1.3.1.1. O que é um mapa conceptual?
Um mapa conceptual é uma ferramenta de representação do
conhecimento (Novak, 2000) que assume a forma de um
diagrama bidimensional que procura mostrar conceitos
hierarquicamente organizados e as relações entre esses
conceitos num dado campo de conhecimento (Moreira e
Buchweitz, 1993:15).
1.1.3.1.2. Passos para a elaboração de um mapa
conceptual
Para a sua elaboração são recomendados os seguintes
passos (Buchweitz, 1984, cit. in Buchweitz e Moreira,
1993:29):
1. Localizam-se os conceitos
2. Catalogam-se os conceitos segundo uma ordem
hierárquica (dos mais gerais para os mais específicos)
3. Distribuem-se os conceitos em duas dimensões
4. Traçam-se as linhas que indicam as relações entre os
conceitos
_______________________________________
9
Na fase final da investigação, em que irá partilhar o que aprendeu com a comunidade científica, terá
de assumir-se como seu ensinante, devendo para isso, adquirir competências de comunicação,
como será referido na unidade relativa ao relatório de pesquisa.
10
De acordo com Dinis, J., 2005, Guerra da informação – perspectivas de segurança e
competitividade, Lisboa, Sílabo, pp 23-25, «os conceitos de dados, informação, conhecimento e saber
são pedras basilares que caracterizam o funcionamento da sociedade de informação. Dados são
conjuntos de elementos discretos, não organizados, compostos por números, palavras, sons ou
imagens independentes, e que podem ser facilmente estruturados. (...) Informação é um conjunto de
dados organizados, padronizados, agrupados e/ou categorizados que dizem respeito a uma descrição,
definição ou perspectiva. (...) Conhecimento é informação associada a uma experiência, que
compreende uma estratégia, uma prática, um método ou uma abordagem. (...) Saber ou sabedoria
exprime um princípio, discernimento, costume ou arquétipo, correspondendo a uma dada
competência». É neste quadro semântico que se afirma que o investigador tem de transformar
informação em conhecimento.
17
5. Escreve-se a natureza da relação
6. Procede-se à revisão e refaz-se o mapa
7. Prepara-se o mapa final.
Um aspecto importante é que um mapa conceptual deve ser
sempre encarado não como uma representação definitiva de
um dado campo de conhecimentos (o mapa conceptual), mas
como uma representação possível de um conhecimento,
sempre susceptível de ser aperfeiçoada. O termo mapa,
pretende justamente salientar a natureza instrumental e
orientadora do diagrama.
Melhor do que uma longa dissertação sobre as virtualidades
dos mapas conceptuais, será apresentar alguns exemplos
significativos devidamente comentados, e propor-lhe,
seguidamente, que experimente elaborar um.
Nesse sentido, vejamos alguns exemplos de mapas
conceptuais, concebidos com o intuito de clarificar
conceitos
complexos
(exemplo:
exclusão
social),
desempacotar um conhecimento complexo (Por exemplo:
uma conferência) e conceber um campo semântico
(exemplo: educação para a cidadania e um dos seus
módulos, a educação da personalidade).
Importa salientar que nem sempre o autor deste texto seguiu
à risca as recomendações de Novak para construir os mapas
conceptuais, uma vez que considera que estes não devem
ser entendidos como espartilhos mas como bússolas para
organizar melhor o conhecimento.
1.1.3.1.3. Clarificar conceitos
Exclusão Social
Vida digna
Pobreza
Desemprego
Conhecimento
Desigualdade
Alfabetização
Escolarização
superior
Rend. do 10% + ricos/
% > 15 anos
% de população
rend. dos 10% + pobres alfabetizados
activa com
formação superior
% de desempregados
na população activa
% de população
c/ rend. < 2US$dol/dia
Vulnerabilidade
População
infantil
Violência
% de população N.º de homicídios
< 15 anos
por 100 mil habitantes
Fonte: Carmo, 2005, O com bate à pobreza com o afirm ação dos Direitos Hum anos, Conferências Abertas, Coimbra, inédito.
Figura 1 – Elementos integrantes do conceito de exclusão social
Como se observa no mapa, o conceito de exclusão social, de
acordo com aqueles autores, envolve a ideia de uma situação
sem qualidade de vida (vida digna), experimentada por um
18
dado agregado social com baixos índices de qualificações
(conhecimento) e elevados problemas de segurança
(vulnerabilidade).
Para além de clarificar os conceitos que integram o campo
semântico do conceito de exclusão social, o mapa mostra
que o conceito de exclusão social é mais abrangente que o
de pobreza.
Para além dessa primeira leitura estimular a formulação de
diversas hipóteses, relacionando cada uma das outras
variáveis (desigualdade, alfabetização, ...) com o conceito de
pobreza, permite a análise crítica do conceito (por exemplo:
será que em vez da simples percentagem de população
inferior a quinze anos no total da população, não valeria a
pena incluir também a população com idade superior a 65
anos? Se assim fosse, o índice respectivo teria de ser
substituído pelo índice de dependência, robustecendo o
índice agregado de exclusão social).
1.1.3.1.4. Desempacotar um conhecimento complexo
Outra utilidade dos mapas conceptuais é desempacotar
conhecimentos, na feliz expressão de Gowin (Buchweitz e
Moreira, 1993:90), documentados sob diversas formas, isto é,
permitir a análise mais clara e rigorosa de documentos de
diversa natureza. É o caso da conferência intitulada Trópicos
da Europa, de Adriano Moreira, cujo mapa conceptual se
apresenta na figura 2.
Colonização
Agressores dos tempos modernos
Lusotropicalismo
Iberotropicalismo
Eurotropicalismo
Descolonização
Teologia de
mercado
Dependência
migratória
Política
securitária
Trópicos na Europa
Poder
errático
Terrorismo
Sociedade cosmopolita
Colónias interiores
Mitos raciais
Papel da Universidade
Conceptualizar
macrotendências
Interpretar
incidentes críticos
Assumir-se como
instrumento de coesão
e de orientação
Fonte: Moreira, Adriano, 2002, Os trópicos da Europa, Lisboa, Academia Internacional da Cultura Portuguesa
Figura 2 – Desconstrução da conferência Trópicos da Europa.
19
A construção do mapa, permitiu, antes de mais, clarificar o
texto que é extremamente denso, permitindo salientar as
linhas mestras do pensamento do autor, os conceitos que
seleccionou para pintar um fresco notável sobre a
problemática da imigração na Europa do século XXI, sobre as
políticas públicas em competição para fazer face a este
problema social de desorganização social e de anomia e
sobre os riscos que se perfilam, contextualizados numa
sociedade desequilibrada por aquilo que chama teologia de
mercado.
Adriano Moreira começa por recordar em breves traços a
História Mundial recente, a partir dos processos de
colonização (simbolizada pela expressão Europa nos
trópicos) e de descolonização.
1.1.3.1.5. Conceber um campo semântico
Para além de excelentes instrumentos que facilitam o
desempacotamento
de
conhecimentos,
os
mapas
conceptuais também servem para os empacotar.
No primeiro exemplo (figura 3), procurou-se integrar diversos
conceitos com que temos vindo a trabalhar nos últimos anos,
em matéria de teoria da educação para a cidadania. No
segundo exemplo (figura 4), elaborou-se um mapa
conceptual a partir de um subsistema do primeiro, a
educação da personalidade.
Educação para a cidadania
integra
Desenvolvimento pessoal
Autonomia
Solidariedade
Desenvolvimento social
Diversidade
Personalidade
Liderança Património Gerações Ambiente Mudança Pluralismo Igualdade
(gerações
vivas
(gerações
cultural de género
passadas) (presentes) futuras)
Ver MC 11
Ver MC 12
Ver MC 13
Democracia
Como
meta
Ver MC 14
Como
método
Ver MC 15
Figura 3 – Vertentes da educação para a cidadania (1º nível)
O desenvolvimento pessoal, abrange a educação para a
autonomia e para a solidariedade. Para que um indivíduo
venha a ser um ser autónomo, é necessário ser sujeito a um
processo educativo que estimule a construção de uma
personalidade rica e que possibilite dotá-lo de competências
de liderança sobre o seu destino. Para ser solidário, terá de
ganhar competências sociais de solidariedade com as
gerações passadas presentes e futuras. É nesse contexto
20
que se insere a educação para a defesa do património e para
a educação ambiental.
O desenvolvimento social, integra a educação para a
diversidade, uma das características estruturantes da nossa
época, e a educação para a democracia, o melhor sistema
que se conhece. Para se situar nesta sociedade
heterogénea, o indivíduo necessita de ganhar competências
para encarar a mudança, o pluralismo cultural e, em
particular, a nova distribuição de papéis e de estatutos em
função do género. Para poder compreender a democracia e
assumir-se como um cidadão activo, terá de aprender as
características da democracia (a democracia como meta) e o
modo de agir numa sociedade democrática (a democracia
como método).
Na base deste mapa conceptual (MC), estão assinaladas
várias remissões para outros Mcs, que objectivam alguns
conceitos deste (um mapa a outra escala).
Educação da personalidade
Conjunto de traços
Que moldam
o
Carácter (identidade)
do
da
da
da
da
da
grupo
organização
região
nação
espécie humana
pessoa
integra
integra
traços cognitivo-emocionais
integra
1. Linguís ticos
2. Lógico-m ate m áticos
3. Es paciais
4. M usicais
traços éticos
Cf r Gardner, 1995 e Goleman, 1995
5. Cine sté sica-corporais
6. Naturalistas ou biológicos
7. Intra-pe ss oais
8. Inte r-pes soais
integra
9. Inibidore s de s olidariedade
(ódio, im paciê ncia, intolerância,
rancor, s oberba e afins => é tica de
refream ento: dis ciplina interior
Cf r Dalailama, 2000
10. Prom otores de
s olidariedade (am or,
paciê ncia, tolerância,
perdão, hum ildade e afins
Fonte: Carmo, 2004, Educar para a identidade nacional, numa economia solidária e numa cultura de
paz, in Educação da juventude: carácter, liderança e cidadania, “Nação e Defesa” (Número Extra Série,
Julho de 2004) Lisboa, Instituto de Defesa Nacional
Figura 4 – Vertentes da educação para a cidadania (MC11 – 2º nível)
A leitura deste mapa sugere que:
●
a personalidade é a resultante de uma série de
traços que moldam a identidade de uma dada pessoa.
●
ao longo do processo de socialização existe um
conjunto de constrangimentos que vão influenciar a
construção da personalidade, nomeadamente os
21
grupos e organizações a que pertença, as regiões e
países a que pertença e onde tenha estado e,
naturalmente a consciência que tem (ou não) de
pertencer a uma família comum, a espécie humana.
●
Os traços que integram a personalidade são vários,
desenhando em cada pessoa um perfil único,
decorrente do maior ou menor desenvolvimento de
cada um deles. Para a sua enunciação recorreu-se à
teoria das inteligências múltiplas de Gardner, ao
conceito de inteligência emocional de Goleman e à
concepção das dimensões éticas do Dalailama.
Um MC deste tipo, tanto pode ser usado como grelha de
análise sobre o modo como um dado agregado (família,
escola, comunidade, país) educa a personalidade dos seus
mais jovens, como de estrutura base para desenhar
intervenções com esse objectivo.
1.1.3.2. Outros diagramas estruturadores
cognitivos11
A título de exemplo vejamos dois, um sob a forma de um diagrama
sistémico que permite analisar o conceito de intervenção social e
descrever alguns dos seus principais tipos e dimensões (figura 5),
o outro que representa os vários passos do seu processo (figura 6).
A figura 5 procura sintetizar os diversos níveis de complexidade da
intervenção social, partindo do seu conceito operacional:
●
qualquer processo social em que uma dada pessoa, grupo,
organização, comunidade ou rede social – a que
chamaremos sistema-interventor – se assume como
recurso social de outra pessoa, grupo, organização,
comunidade ou rede social – a que chamaremos sistemacliente – com ele interagindo através de um sistema de
comunicações diversificadas, com o objectivo de o ajudar
a suprir um conjunto de necessidades sociais,
potenciando estímulos e combatendo obstáculos à
mudança pretendida (Carmo, 2000: 61).
Para isso, distinguem-se claramente dois níveis de intervenção
social:
●
no primeiro nível, situado num plano interpessoal, grupal ou
organizacional (nível micro e meso), situam-se três tipos de
intervenção social:
•
os cuidados de proximidade,
•
as actividades de observatório social e
•
as actividades de laboratório social;
●
no segundo nível, situado no plano sócio-político,
identificam-se diversas políticas sociais, na óptica das
políticas públicas e das políticas dos parceiros sociais.
_______________________________________
11
Chamamos estruturadores cognitivos aos diagramas que permitem uma melhor estruturação da
informação possibilitando a sua transformação em conhecimento.
22
Níveis de complexidade
da intervenção social
Sistema interventor
Pessoa
Grupo
Organização
Parceria
Comunidade
Interacção
- Cuidados e serviços de proximidade
(intervenção tendencialmente personalizada)
Profissões cuidadoras: trabalho/
serviço social, educação ou pedagogia social, psicologia comunitária, animação sócio-cultural, medicina, enfermagem...
(óptica predominantemente micro
e meso)
- Observatório social (diagnóstico de recursos e necessidades sociais)
- Laboratório social (experimentação de práticas e de políticas inovadoras)
Adminitração Pública - Política Social:
(intervenção tendencialmente geEstado
ral, abstracta e tipificada, com uma
óptica predominante de nível meso e macro)
Entidade supra-estatal
Traduz-se numa estratégia de coesão social orientada para a defesa dos direitos humanos e para o
desenvolvimento,
concretizada
em políticas públicas de educação e formação, segurança social
e familiar, saúde, habitação social,
ambiente, cultura e desenvolvimento económico...
Recurso
Processo de ajuda
Sistema cliente
Contexto
Pessoa
Grupo
Micro:
Inter-pessoal
Grupal
Organização
Comunidade
Meso:
Organizacional
Adminitração
Pública
Macro:
Comunitário
Metropolitano
Estado
Regional
Nacional
Entidade supra- Internacional
estatal
Global
Necessidades sociais
Fonte: Carmo, 2008, O rasto do PETI, Lisboa, MTSS
Figura 5 – Dimensões da intervenção social
Como foi referido há pouco, a figura 6 representa qualquer
processo de intervenção social seja qual for o seu nível de
complexidade ou tipo, sob a forma de um fluxograma:
23
Identificação
do problema
Não
Há
consenso?
Sim
Análise do
problema
Há
consenso?
Definição de
objectivos,
programas
e acções
Sim
Não
Implementação e
seguimento das
normas do contrato
Sim
Há
consenso?
Não
Não
Programas
cumpridos?
Sim
Objectivos
alcançados?
Sim
Avaliação
Encerramento
Fonte: Carmo, 2001: 73
Figura 6 – Um exemplo de fluxograma
Em Metodologia e ideologia do trabalho social, (1982) Vicente de
Paula Faleiros refere um sugestivo paradigma de intervenção
proposto por Peter Ketner (...) Para a análise do fluxograma
chama-se a atenção para os seguintes aspectos:
●
a distinção que se deve observar, ao longo de todo o
conjunto de procedimentos que integram o processo de
intervenção social, entre tarefas que implicam acções
(rectângulos) e tarefas que implicam decisões
(losangos);
●
uma coerência lógica de procedimentos, iniciados com a
identificação e análise do problema, seguidos da definição
de objectivos, programas e acções, e da sua
implementação e avaliação;
●
a necessidade de cada procedimento só ter início depois de
verificado se os procedimentos anteriores foram realizados
(setas sim/não) o que obriga a uma coerência
cronológica;
●
a necessidade da obtenção de consensos adequados
entre sistema-cliente e sistema-interventor sobre a
identificação e a análise do problema, o que implica a
24
participação do primeiro desde o início do processo,
evitando uma relação paternalista/infantilizadora entre
ambos mesmo na fase de estudo e diagnóstico da
situação-problema;
●
a ideia de contrato psicológico entre os protagonistas da
intervenção social, com a explicitação do papel que cabe a
cada um no decorrer do processo (Carmo, 2000:72).
1.1.3.3. O Vê heurístico, epistemológico ou de
Gowin
(...) Os conceitos são definidos (...) como signos/símbolos
que apontam regularidades em eventos e que utilizamos
para pensar, pesquisar, aprender, enfim para dar respostas
rotineiras e estáveis ao fluxo de eventos. Os sistemas
conceptuais são conjuntos de conceitos logicamente ligados,
geralmente permitindo um padrão de raciocínio ao relacionar
uns conceitos com os outros. Os princípios e teorias podem
ser interpretados como sistemas conceptuais mais
abrangentes (Buchweiz e Moreira, 1993:87).
Com base nestes pressupostos, Gowin concebeu um esquema a
que chamou Vê heurístico ou epistemológico, também conhecido
na comunidade científica por Vê de Gowin, que pretende
representar qualquer campo de conhecimentos.
De acordo com este autor, um campo de conhecimentos integra
dois domínios específicos:
•
o domínio conceptual – filosofia(s), teoria(s), princípios,
sistemas conceptuais e conceitos – e
•
o domínio metodológico – registos, dados, transformações,
asserções de conhecimento e de valor.
Com base nesta proposta, e procurando-a aplicar ao tema deste
capítulo, o projecto de investigação, observe-se a figura 7, que
representa sob a forma de um Vê de Gowin as peças
fundamentais de qualquer projecto:
●
Objecto de estudo: antes de mais dissemos que o
investigador deve identificar um objecto de estudo
observável, coerente com os recursos disponíveis (tempo,
informação disponível, recursos materiais, humanos,
financeiros, etc.).
●
Questão chave: seguidamente, há que definir com clareza
e rigor uma ou várias perguntas que identifiquem o
objectivo da pesquisa (a meta a alcançar).
●
Concepções do Mundo e da Vida: Identificar e discutir as
concepções do Mundo e da Vida (crenças, estereótipos,
preconceitos) do investigador que possam afectar a
investigação.
●
Teorias: Identificar as teorias que vão fundamentar a
investigação.
●
Modelos: Caracterizar os modelos de observação ou de
análise que eventualmente irão ser adoptados.
25
Planeamento e avaliação de projectos de investigação
Domínio metodológico
Domínio Conceptual
Conce pções do M undo
e da Vida:
Identificar e discutir as
concepções do Mundo e da
Vida (crenças, estereótipos,
preconceitos) do investigador
que possam afectar a investigação
Que stão-Chave :
Definir com clareza e rigor
uma ou várias perguntas que
identifiquem o objectivo
da pesquisa
Juízos de valor:
Identificar o valor acrescentado
da pesquisa que se antevê, para
o desenvolvimento da teoria, da
metodologia e/ou da prática
Dialéctica
Teorias:
Identificar as teorias que vão
fundamentar a investigação.
Fazer revisão da literatura sobre
o assunto
M ode los:
Caracterizar os modelos de
observação ou de análise que
eventualmente irão ser adoptados
Conce itos:
Identificar os principais conceitos a
utilizar, relacioná-los e hierarquizá-los
sob a forma de um mapa conceptual
Juízos cognitivos (re sultados ):
Identificar os resultados que se
esperam obter sob a forma de questões
respondidas, hipóteses levantadas,
caracterizações feitas, hipóteses
verificadas
Transform açõe s:
Definir estratégias de recolha, tratamento
e interpretação de dados
- Estratégias de recolha de dados (tipo
de amostra, pesquisa documental,
observação, inquéritos por entrevista
ou por questionário, etc.)
- Estratégias de tratamento de dados
(tabulações, gráficos, diagramas, testes
estatísticos, etc.)
- Estratégias de análise de dados (análise
quantitativa e/ou qualitativa)
Regis tos :
Conceber instrumentos de registo de
informação
Fichas bibliográficas e de leitura,
roteiros de observação, guias de entrevista,
questionários, etc
Note bem : após a realização das
10 tare fas, deve rá tes tar a coerência
do projecto relacionando cada
Obje cto de e studo:
um a com todas as outras Identificar um objecto de estudo observável,
coerente com os recursos disponíveis
(tempo, informação disponível; recursos
materiais, humanos, financeiros, etc.)
HC, 97 (versão 1.4)
Cfr. Novak, Joseph; Gowin, Bob, 1996, Aprender a aprender, Lisboa Plátano, 1.ª ed. De 1984 ou Moreira,
M.A.; Buchweitz, B., 1993, Novas estratégias de ensino e aprendizagem: os mapas conceptuais e o Vê
epistemológico, Lisboa, Plátano; Novak, Joseph, 2000, Aprender, criar e utilizar o conhecimento – mapas
conceptuais como ferramentas de facilitação nas escolas e empresas, Lisboa, Plátano.
Figura 7 – Aplicação de um Vê ao projecto de investigação
●
Conceitos: Identificar os principais conceitos a utilizar,
relacioná-los e hierarquizá-los sob a forma de um mapa
conceptual.
●
Registos: Conceber instrumentos de registo de informação.
●
Transformações: Definir estratégias de recolha, tratamento
e interpretação de dados.
—
Estratégias de recolha de dados (tipo de amostra,
pesquisa documental, observação, inquéritos por
entrevista ou por questionário, etc.)
—
Estratégias de tratamento de dados (tabulações,
gráficos, diagramas, testes estatísticos, etc.)
26
—
Estratégias de análise de dados (análise quantitativa
e/ou qualitativa).
●
Resultados: Identificar os resultados que se espera obter
sob a forma de questões respondidas, hipóteses
levantadas, caracterizações feitas, hipóteses verificadas.
●
Valor acrescentado: Identificar o valor acrescentado da
pesquisa que se antevê, para o desenvolvimento da teoria,
da metodologia e/ou da prática.
Conforme é referido no Vê, após a realização das dez tarefas, o
investigador deverá testar a coerência do projecto relacionando
cada uma com todas as outras (por exemplo: será que os
resultados que se pretendem obter, têm a ver com a pergunta de
partida, com as teorias, modelos e conceitos explicitados no
projecto? As opções de recolha, tratamento e análise dados são
consistentes com os resultados que pretendem obter?)
27
1.2. Pesquisa Documental
1.2.1. Papel da pesquisa documental no
contexto do processo de investigação
Antes de mais uma pesquisa documental adequada visa seleccionar,
tratar e interpretar informação bruta existente em suportes estáveis
(scripto, audio, video e informo) com vista a dela extrair algum sentido.
Por outro lado tem por objectivo executar essas mesmas operações
relativamente a fontes indirectas.
Do que acima foi referido deduz-se que um processo de investigação é
algo de semelhante a uma corrida de estafetas: para atingir os seus
objectivos, o onvestigador necessita de recolher o testemunho de todo
um trabalho anterior, introduzir-lhe algum valor acrescentado e passar
esse testemunho à comunidade científica a fim de que outros possam
voltar a desempenhar o mesmo papel no futuro. Neste sentido a
pesquisa documental assume-se como passagem do testemunho, dos
que investigaram antes no mesmo terreno, para as nossas mãos.
Estudar o que se tem produzido na mesma área é, deste modo, não uma
afirmação de erudição académica ou de algum pedantismo intelectual,
mas um acto de gestão de informação, indispensável a quem queira
introduzir algum valor acrescentado à produção científica existente sem
correr o risco de estudar o que já está estudado tomando como original o
que já outros descobriram.
1.2.2. Documentos escritos
1.2.2.1. Onde procurar?
Relativamente aos documentos escritos o primeiro aspecto a
considerar é onde procurá-los.
1.2.2.1.1. Bibliotecas e arquivos
Os primeiros locais que naturalmente ocorrem ao
investigador são as bibliotecas e os arquivos públicos e
privados. No entanto, para respeitar o princípio da economia
de tempo, há que proceder a uma selecção prévia dos
centros de documentação, ainda que possam frequentar,
com proveito, bibliotecas gerais como por exemplo a
Biblioteca Nacional.
Na área das relações interculturais vale a pena começar
pelas bibliotecas das instituições de ensino superior,
nomeadamente as que leccionam cursos de graduação ou de
pós-graduação neste domínio específico ou em áreas afins
(Antropologia, Sociologia, Psicologia Social, Ciência Política,
Comunicação Social, Ciências da Educação e outras) como
as seguintes:
●
Universidade Aberta. No âmbito do Centro de
Estudos das Migrações e das Relações Interculturais,
tem vindo a ser coligido um património documental e
em suporte mediatizado de grande valor para os
investigadores desta área. Sendo prioritariamente
28
para uso dos académicos desta Universidade
(docentes e discentes de pós-graduação) tem-se
assumido como (bom) costume abrir o acesso a
investigadores de fora dentro das possibilidades
espaciais e materiais da instituição.
●
Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas
(ISCSP) da Universidade Técnica de Lisboa. Sendo a
escola de Ciências Sociais mais antiga do país, tem
um valioso património documental nas áreas da
Antropologia Cultural, particularmente no que respeita
a regiões tropicais, Política e Serviço Social,
Sociologia, Ciência Política e Comunicação Social.
●
Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da
Empresa (ISCTE).
●
Instituto de Ciências Sociais da Universidade de
Lisboa.
●
Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH)
da Universidade Nova de Lisboa.
●
Departamentos de Sociologia, de Antropologia e
de Comunicação Social das várias Universidades.
●
Institutos Superiores de Serviço Social de Lisboa,
Porto e Coimbra (Serviço Social, Política Social e
Sociologia).
●
Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA) e
Faculdades de Psicologia e Ciências da Educação
(Psicologia e Ciências da Educação).
●
Escolas Superiores de Educação dos vários
Institutos Politécnicos (Ciências da Educação).
Para além das instituições de ensino superior, pode
encontrar-se muita documentação relevante em diversos
organismos públicos e privados que se têm dedicado ao
estudo ou à intervenção nesta área:
●
Biblioteca da Fundação
(Ciências da Educação)
Calouste
Gulbenkian
●
Biblioteca da Sociedade de Geografia (Antropologia
Cultural, Etnografia e História)
●
Centros de Documentação de diversos Ministérios e
Secretarias de Estado com actuação nesta área (Ex:
Emprego, Formação Profissional, Solidariedade
Social, Educação, Comunidades Portuguesas, etc.).
1.2.2.1.2. Primeira triagem
Antes de começar a consultar indiscriminadamente
documentos sobre o objecto de estudo cedendo à tentação
da gula livresca para que nos previne Quivy, o investigador
deve
proceder
por
aproximações
sucessivas,
seleccionando progressivamente conjuntos de documentos
até chegar a uma dimensão manuseável.
29
Um modo de seleccionar com alguma facilidade conjuntos
abundantes de documentação escrita é através da consulta
de bibliografias já publicadas.
Também a consulta de enciclopédias, dicionários e
vocabulários especializados é de grande utilidade uma vez
que os seus artigos apresentam os assuntos de forma
resumida, contendo frequentemente indicações bibliográficas
adicionais interessantes. Este trabalho é particularmente útil
quando precisamos de clarificar conceitos ou de criar
conceitos operacionais.
A consulta de bases de dados, quer os catálogos em
suporte scripto (nas clássicas fichas em cartolina) quer em
suporte microfilmado e digital, revela-se uma etapa
indispensável. Qualquer que seja a base de dados a
consultar, é recomendável que a consulta seja previamente
preparada a fim de não se perder tempo a inventar critérios
de selecção no momento da recolha de dados.
Se vai fazê-lo por palavras-chave (descritores) é conveniente
que anteriormente tenha elaborado uma lista. Actualmente há
dois modos principais de aceder a bases de dados:
●
em suporte local, para além dos suportes clássicos
ou em microfilme, através de conjuntos de CD Rom
encontram-se excelentes indicações bibliográficas
tanto em formato de simples resumo, podendo muitas
vezes os textos integrais ser encomendados à editora,
como em formato integral obtendo-se cópia em
suporte scripto (por impressão) ou informo (por cópia
para disquete);
●
em suporte remoto, é possível e fácil aceder a bases
de dados em qualquer parte do Mundo através da
Internet.
Um risco a prevenir é o desnorteamento. Perante a situação
de sobre-informação que emerge de uma triagem desta
natureza, ou o investigador sabe bem o que quer e, nesse
caso, está em condições de fazer uma navegação segura por
entre o extenso leque de opções com que é defrontado, ou
não planeou suficientemente a sua consulta e perde-se num
turbilhão de nevoeiro informacional.
Outro critério de selecção que se afigura de grande utilidade
é o recurso a uma prévia identificação de revistas
especializadas.
No trabalho exploratório de escolha de informação
documental relevante, é útil recorrer aos documentalistas,
figuras muitas vezes negligenciadas como informadores
qualificados.
Para finalizar esta primeira aproximação é conveniente referir
que uma fas áreas mais promissoras para a reprodução do
conhecimento na sociedade de informação integra a
chamada literatura cinzenta, constituída por um conjunto
30
cada vez maior de relatórios de pesquisa, produzidos em
contexto académico de graduação e de pós-graduação, não
publicados, mas validados por júris qualificados de
professores especialistas em diversos domínios, que
desempenham um papel equivalente aos referees das
revistas de especialidade.
Muitos destes trabalhos, até há alguns anos ignorados pelo
facto de não estarem publicados, têm sido crescentemente
valorizados, devido a dois tipos de factores:
●
por um lado, a informatização dos catálogos dos
centros de documentação, permitiu a sua identificação
em tempo real, com evidentes vantagens para os
seus utilizadores, em termos de selecção,
organização e acesso a informação relevante;
●
por outro, a universalização da Internet e de vários
poderosos sistemas de busca (ex: Google),
propiciou que tais facilidades tendessem a tornar-se
disponíveis para um número crescente de utilizadores
sem barreiras espaciais, ajudados em muitas
situações pelo estreitamento das relações entre
centros de documentação, que têm possibilitado o
empréstimo mútuo e a cópia autorizada em formato
analógico e digital.
1.2.2.2. Exploração do texto
Uma vez feita a dupla triagem de informação acima referida – a
dos locais onde procurar e a das unidades de informação a
seleccionar (monografias, artigos, relatórios, etc.), a fase seguinte
consiste na exploração destas últimas.
1.2.2.2.1. A economia da leitura
Também esta operação deve ser efectuada com algumas
preocupações económicas, tendo em atenção o reduzido
tempo disponível para a pesquisa. Não se fique, com isto,
com a ideia que o autor é um tecnocrata empedernido com
exclusivas preocupações de engenharia social. Bem pelo
contrário, ele tem defendido o extraordinário valor das
leituras e conversas vadias (parafraseando Agostinho da
Silva), como catalizadores de inovação e de processos
cognitivos divergentes. A questão que aqui estamos a
debater, no entanto, é bem específica: não se trata de uma
pesquisa qualquer, é uma dissertação de mestrado que
dispõe de um tempo muito limitado para ser realizada
requerendo cuidados particulares de gestão desse resurso
tão escasso.
1.2.2.2.2. Estratégias de exploração de texto
Neste contexto de preocupações, não parece muito eficiente
que o estudo de uma monografia ou de um artigo seja feito
sem interrupções, do princípio ao fim. Se o fizermos
arriscamo-nos a ler muita informação inútil para o nosso
31
trabalho o que não só gasta tempo como produz ruído
informacional.
Eis algumas sugestões que a experiência tem legitimado:
●
Comece por observar atentamente o título da
unidade de informação (artigo, monografia ou outra
qualquer). Se por vezes é mal escolhido ou não tem
grande valor como informação, habitualmente
funciona como cartão de visita do documento em
causa, fornecendo elementos valiosos sobre o seu
conteúdo12.
●
O nome do autor, naturalmente fornece indicações
sobre a qualidade do trabalho, partindo do
conhecimento do valor de trabalhos anteriores da sua
autoria. Há, no entanto, que usar este critério com
alguma reserva para que não sejamos induzidos por
efeitos de halo13.
●
A data e o local das várias edições dão-nos
elementos valiosos sobre o contexto espaço-temporal
em que ocorreram o que nalguns casos,
particularmente quando se examinam obras clássicas
com várias edições, é extremamente importante para
o entendimento do documento.
●
O nome do editor é por vezes um indicador de
fiabilidade do documento.
●
Das badanas (orelhas) e da contracapa dos livros
podemos extrair uma visão resumida sobre o autor e
a obra (da responsabilidade do editor), pelo que
devem ser examinadas com cuidado.
●
Abrindo o livro, o primeiro elemento a observar com
cuidado é o índice que fornece informações
interessantes sobre a estruturação do trabalho.
●
Seguidamente, e provavelmente só após observar
com cuidado as conclusões e a introdução, o
investigador deve seleccionar os capítulos ou os
fragmentos de texto que quer examinar
cuidadosamente por serem os pertinentes para o seu
objecto de estudo.
A exploração de um artigo ou de uma monografia é
assim um processo não contínuo mas helicoidal em
________________________________
●
Grande parte dos títulos são descrições sintéticas dos conteúdos, apresentadas de forma directa ou
metafórica. Um exemplo de metáfora extremamente sugestiva escolhida para título é o da clássica
investigação de Ruth Benedict sobre a cultura japonesa: O Crisântemo e a Espada, que espelha a
dicotomia dialéctica omnipresente naquela cultura, entre o culto da estética, da harmonia e da paz
interior simbolizadas pela flor, e a exaltação de tudo o que a espada simboliza: a violência e a
desvalorização do indivíduo como fenómeno que não se repete.
13
O efeito de halo é a tendência de valorizar um determinado fenómeno, situação ou resultado
presente, de acordo com informações passadas e não de acordo com o quadro actual. Este efeito,
pode fazer com que um bom aluno que deixou de o ser demore a baixar as notas pelo facto dos
professores ainda o verem como bom aluno, assim como pode fazer com que um investigador
fascinado pelo brilhantismo (ou pela sua falta) da obra anterior de um dado autor, classifique uma dada
obra actual de acordo com a imagem que dele retém de trabalhos anteriores.
12
32
que o investigador mergulha Q.B. naquele mar de
informação a fim de extrair apenas a que necessita.
1.2.2.3. Registo de dados
A questão que a seguir se põe é a de criar um bom sistema de
registo de dados.
Havendo quem ainda prefira usar fichas em cartolina ou em folhas
soltas de papel, começa a observar-se certa tendência para o
registo directo em bases de dados já preparadas para o efeito ou
formatadas por medida pelo próprio investigador. A vantagem
deste segundo tipo de suporte é a de se poupar tempo e melhorar
a qualidade da gestão da informação registada, permitindo
procedimentos de busca, classificação, análise e uso dos dados
disponíveis, muito mais rápidos e por vezes mais rigorosos. Parece
prudente, todavia, não ceder a tentações de novo-riquismo
tecnológico, com uma conversão demasiado apressada aos novos
suportes. Também aqui o critério económico é determinante: cabe
ao investigador pesar os custos (em tempo, sobretudo) dessa
aprendizagem tecnológica e compará-los com os benefícios
esperados. Uma coisa é certa: um sistema de registo de dados não
é mais do que um instrumento de trabalho que o investigador pode
e deve personalizar.
Existem dois tipos de fichas particularmente úteis a quem está a
fazer uma dissertação, as fichas bibliográficas e as fichas de
leitura.
1.2.2.3.1. Fichas bibliográficas
Apesar da sua função eminentemente instrumental
recomendar uma adequação personalizada, há elementos
informativos que todas as fichas bibliográficas devem possuir,
funcionando como uma espécie de bilhete de identidade do
documento. As normas que a seguir se enunciam são as que
se têm usado na Universidade Aberta e que se têm mostrado
adequadas aos tipos de pesquisa até agora efectuadas.
Três tipos de documentos são habitualmente objecto de
fichas bibliográficas: monografias, artigos de revistas e
unidades (partes, capítulos e secções) de obras colectivas.
Um formato que se tem revelado adequado a uma ficha
bibliográfica que pretende identificar uma monografia é o
seguinte: apelido do autor, primeiro nome (data de edição),
título da obra, local da edição, editora, outras observações.
Exemplo 1
GRAWITZ, Madeleine (1993), Méthodes des sciences
sociales, Paris, Dalloz, 870 pp, com um excerto da lição de
abertura do Cours de science sociale (1888) de E.
Durkheim, prefácios da autora às 1ª e 9ª edições.
Chama-se a atenção para os seguintes pormenores:
33
●
O último apelido do autor pode ser registado em
maiúsculas ou não, seguido do respectivo nome; no
entanto, e isto aplica-se a qualquer outra indicação, o
critério de registo deve ser uniforme para todo o
trabalho;
●
Quando se trata de uma obra de autoria colectiva é
costume adoptar-se os seguintes critérios:
-
até três autores, mencionam-se os três nomes
separados por ”;”:
Exemplo 2
ABADIA, António Farjas; COLLAZO, Carmen Madrigal
(1989), Sociologia del Estudiantado y Rendimiento
Académico, Madrid, UNED.
-
para mais de três autores mas com um
principal, basta mencioná-lo e acrescentar et al.
(e outros):
Exemplo 3
DOERFERT, Frank et al. (1989), Short descriptions of
selected distance education institutions, Hagen,
FernUniversitat.
-
para mais de três autores com a menção de um
coordenador ou editor, regista-se o nome da
figura pivot seguida da indicação abreviada
(coord. ou ed.) do seu papel:
Exemplo 4
BOUDON, Raymond, coord.
Sociologia, Lisboa, D. Quixote.
-
(1990),
Dicionário
de
para mais de três autores sem menção de um
coordenador ou editor, anota-se a designação
AAVV (autores vários) ou VVAA (vários autores):
Exemplo 5
AAVV, (1990), Ciências da Educação em Portugal, Porto,
Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação.
●
Nos exemplos anteriores a data foi colocada entre
parêntesis a seguir ao autor, por se revelar um
elemento de interesse imediato; há muitos autores, no
entanto, que preferem colocá-la no fim ou sem ser
entre parêntesis.
●
O título, campo seguinte, dada a sua importância
identificadora costuma frequentemente ser destacado,
34
umas vezes a negrito, outras a itálico, outras a
sublinhado, outras ainda iniciando os nomes e verbos
por maiúscula; também aqui o importante é usar um
critério uniforme.
●
O local de edição e a editora (sem ed.), devem
aparecer em seguida; quando se trata de uma coedição ou de um livro publicado simultaneamente em
vários locais, essa informação deve figurar separada
por uma barra:
Exemplo 6
CEREZO, Sérgio Sánchez (coord.) 1983, Diccionario de
las Ciencias de la Educación, Madrid, Diagonal/Santillana.
●
nalgumas bibliografias torna-se útil, como elemento
informativo adicional, fazer referência ao número de
páginas da obra.
●
as outras observações são separadas por vírgulas
sem qualquer parêntesis.
Para artigos de revistas ou outras publicações
periódicas, o formato usual de uma ficha bibliográfica é o
seguinte: apelido do autor, primeiro nome (data de edição),
título da obra, nome da revista entre aspas, local da edição,
editora, volume (nº), data, localização (pp xx-yy), outras
observações:
Exemplo 7
COSTA, A. Bruto da (1984), Conceito de Pobreza,
“Estudos de Economia”, Lisboa, (3), Abril-Junho, pp.
275-295.
Quando se trata de unidades (partes, capítulos e secções)
de obras colectivas, a ficha bibliográfica deve conter os
seguintes elementos: apelido do autor, primeiro nome (data
de edição), título da obra, a designação in, autor(es) da obra
colectiva, título da obra colectiva entre aspas, local da edição,
editora, outras observações:
Exemplo 8
CÂMARA, J. Bettencourt da (1986), A III Revolução
Industrial e o Caso Português, in AAVV, “Portugal Face à
III Revolução Industrial; Seminário dos 80”, Lisboa, ISCSP,
pp. 63-111.
Há casos em que é necessário fazer registos de legislação.
Nessas circunstâncias, a ficha deve conter os seguintes
elementos: tipo de norma (Constituição, Lei, Decreto-Lei,
Decreto, Portaria, ou Despacho), código (numérico ou
alfanumérico), data, autor, fonte em que foi publicada e
conteúdo resumido.
35
Em qualquer dos casos anteriores é fundamental não deixar
de registar na ficha bibliográfica a identificação do centro de
documentação onde foi consultado o documento e a
respectiva cota, precaução que prevenirá perdas de tempo
em futuras consultas.
1.2.2.3.2. Fichas de leitura
Neste tipo de ficha é comum:
●
resumir parte do que se leu
●
citar passagens consideradas importantes
●
anotar ideias que surjam como eco da reflexão sobre
o texto
O trabalho de resumo é uma operação complexa que exige
um bom treino. No sentido de gerir o melhor possível o tempo
disponível, é conveniente o hábito de escrever directamente
no processador de texto os resumos da documentação
estudada14. É claro que isto só é exequível quando os
documentos estejam no mesmo local do computador.
Quando se resume uma dada unidade de informação,
interessa ter sempre presente o objectivo da recolha de
dados uma vez que um resumo é um acto de selecção da
informação pertinente e só dessa.
As citações deverão figurar na ficha entre aspas, com o local
de onde foram extraídas devidamente identificado (obra e
página, mesmo em relação aos documentos não publicados).
Se não houver esse cuidado, ao fim de certo tempo e de
muitos registos, o onvestigador não distingue facilmente o
que é de sua autoria, resumos e comentários, das citações
de outrem, podendo produzir textos plagiados o que, para
além da gravidade de que se reveste do ponto de vista ético,
pode acarretar consequências criminais ao prevaricador uma
vez que objectivamente se está em presença de um acto de
apropriação indevida, previsto na legislação sobre direitos de
autor.
Os comentários e ideias do investigador deverão ser
cuidadosamente anotados na ficha de leitura, enquadrados
por um sinal convencional, por exemplo com um P de
particular15.
A organização espacial da ficha pode ser de várias formas de
modo a preencher adequadamente os requisitos da pesquisa.
Tanto pode apresentar-se sob a forma de um texto corrido
(neste caso é fundamental distinguir claramente a
identificação do documento e os três tipos de elementos que
_______________________________________
14
Uma alternativa ao resumo em texto corrido é a diagramação da informação, sob vários formatos
(mapas conceptuais, vês heurísticos, fluxogramas, etc.). Este modo de desempacotar conhecimento
obriga um esforço maior de análise mas, em contra-partida, permite uma aprendizagem mais
significativa dos conteúdos em questão.
15
(Rego, 1964: 66). Sobre as vantagens de um bom arquivo de ideias a partir de fichas de leitura, vale
a pena ler a já clássica A Imaginação Sociológica, (Mills, 1969), sobretudo o apêndice intitulado O
Artesanato Intelectual.
36
se acabam de enunciar) como podem reservar espaços
próprios para cada tipo de informação:
Exemplo 9
Identificação da obra
Resumos
Comentários
pessoais
e
“(...)citações (pág. n)”
1.2.2.3.3. Sistemas de classificação
Exemplo 10
Miranda, Joana Catarina Tarelho de (1994), Grupos
étnicos
em
Portugal.
Os
estereótipos
dos
“portugueses”, Lisboa, s.n., 197 pp, tese de mestrado em
relações interculturais.
Psicologia Social, Interculturalismo, Comportamento,
Juventude, Identidade, MRI, Questionários, Grupos étnicos,
Portugal, Relações intergrupos, Estereotipo, Racismo,
Xenofobia.
No exemplo 10, observa-se que a ficha bibliográfica
seleccionada
apresenta
treze
descritores,
a
que
corresponderiam se o suporte fosse de papel ou cartolina,
treze diferentes fichas. Como neste caso o ficheiro é em
suporte informático, sempre que a base de dados for
interrogada com um dos referidos descritores a ficha será
seleccionada.
1.2.2.4. Documentos oficiais
Para muitos estudos torna-se necessária a consulta de
documentos oficiais que podemos tipificar em dois grupos: as
publicações oficiais e os documentos não publicados.
1.2.2.4.1. Publicações oficiais
O Diário da República é uma fonte riquíssima de
informações para variados estudos16 dado ser o órgão oficial
em que se publicam as principais normas jurídicas.
Também o Diário das Sessões da Assembleia da República
constitui uma fonte essencial de informação. Imagine-se, por
exemplo, que se está a estudar a política portuguesa
relativamente aos refugiados. Neste caso, é tão importante
analisar o quadro normativo vigente através do estudo da le________________________________
Um exemplo ilustrador é a dissertação de doutoramento de João Pereira Neto que utiliza como
principal fonte para o estudo da política portuguesa de integração racial o Boletim Oficial de Angola,
publicação com funções equivalentes às do, então, Diário do Governo (hoje Diário da República) para
aquele território. NETO, João Pereira (1964), Angola: Meio Século de Integração, Lisboa, ISCSPU.
16
37
gislação publicada em Diário da República, como investigar a
posição dos diversos partidos sobre o assunto. Este segundo
aspecto da questão pode ser clarificado fazendo a análise de
conteúdo do Diário das Sessões, no respeitante aquelas em
que a legislação sobre os refugiados foi debatida e aprovada.
Tal como as fontes anteriores, as publicações oficiais
oriundas da Administração Central (Ministérios e
Secretarias
de
Estado),
Regional
(dos
Órgãos
descentralizados das Regiões Autónomas) e Local (dos
municípios) podem fornecer informações interessantes ao
investigador.
1.2.2.4.2. Documentos não publicados
É frequente depararmo-nos com algumas dificuldades uma
vez que o acesso aos arquivos públicos é condicionado17.
Na expectativa de ter de recorrer a arquivos públicos, o
investigador deve, por isso munir-se de uma prévia
autorização dos respectivos decisores para o que lhe é
conveniente possuir uma credencial passada pelo orientador
da dissertação ou pela instituição que legitima a sua
investigação.
1.2.2.5. Estatísticas
As estatísticas podem também ser excelentes fontes de
informação. No entanto, há que ter consciência que não passam de
simples instrumentos ao serviço do investigador tendo
potencialidades
e
limitações
e
devendo
ser
usadas
adequadamente como qualquer outra ferramenta.
1.2.2.5.1. Virtualidades
Dados provenientes de Censos, de Anuários
Estatísticas Especiais, podem constituir elementos
por exprimirem grandes tendências nos
demográfico, social, económico e cultural, de outra
dificilmente percepcionáveis.
ou de
valiosos
campos
maneira
1.2.2.5.2. Limitações
1.º As estatísticas são concebidas por pessoas, com
critérios de categorização e arrumação discutíveis,
nem sempre suficientemente explícitos. Polémicas
frequentes em torno do modo como se concebem e
analisam as taxas de inflação e de desemprego, mostram
que nem sempre a fundamentação conceptual das
estatísticas é consensual, permitindo margens de
interpretação demasiado amplas para serem fiáveis em
________________________________
O fenómeno a que Adriano Moreira chama clandestinidade do Estado (1979, Ciência Política, Lisboa,
Bertrand) traduz-se, mesmo nos Estados em que a Democracia tem fortes raízes, num manto secreto
e/ou sagrado com que a informação é coberta face aos cidadãos exteriores ao aparelho de Estado, o
que naturalmente dificulta o trabalho de qualquer investigador. Isto, apesar da legislação conducente a
dar maior transparência ao trabalho da Administração como, entre nós, o Código de Procedimento
Administrativo.
17
38
termos absolutos.
2.º Há que não esquecer que, por vezes, as estatísticas são
concebidas não para clarificarem a realidade mas para
justificarem prévias interpretações sobre essa mesma
realidade. A posição do investigador perante os dados
estatísticos deve ser, por isso, acompanhada de uma
atenção crítica constante, sobretudo no que respeita aos
critérios de categorização e de cálculo.
3.º Os conceptores das estatísticas não têm os mesmos
interesses que os investigadores o que os leva a não
terem em conta os mesmos critérios classificatórios.
A simples categorização de grupos culturais inserta na
base de dados Entreculturas ilustra as dificuldades que
se podem encontrar nestes domínios, sublinhando o
cuidado com que as estatísticas devem ser manipuladas.
1.2.2.5.3. Princípios orientadores
Em função do exposto constituem medidas de prudência:
●
escolher como fontes estatísticas as provenientes de
instituições credíveis;
●
mesmo neste caso, reflectir criticamente sobre o
modo como os indicadores foram concebidos e
calculados;
●
utilizar a imaginação sociológica para tirar partido das
estatísticas, cruzando a matéria prima informativa
desta proveniência com informações oriundas de
outras fontes documentais e obtidas com base
noutras técnicas de recolha de dados (ex: observação
e inquérito por entrevista e por questionário).
1.2.2.6. Documentos pessoais
O estudo de Thomas e Znaniecki, no âmbito do que é designado
por Escola de Chicago, feito em 1919 sobre os camponeses
polacos que emigraram para os Estados Unidos ilustra com clareza
a riqueza e também as limitações deste tipo de documentos.
Pretendendo fazer luz sobre a teia de experiências de um
emigrante desde o momento em que toma a decisão de procurar
outras paragens para viver até à sua integração definitiva (ou não)
na sociedade de acolhimento, aqueles autores assentaram a sua
investigação na análise de dois tipos de documentos pessoais:
cartas a que tiveram acesso e relatos escritos pelos próprios
emigrantes em que era descrita toda a experiência migratória18.
O interesse deste tipo de documentos reside sobretudo em dois
aspectos:
possibilita aceder a informação que não se encontra
noutras fontes podendo extrair-se informação única, sem a
________________________________
●
Entre nós, vale a pena referir Paulo Monteiro que utilizou a mesma abordagem para proceder à
análise sociológica do abandono de nove lugares agro-pastoris da Serra da Lousã: Monteiro, P., 1985,
Terra que Já Foi Terra, Lisboa, Edições Salamandra. Virtualidades
18
39
qual dificilmente se poderiam entender certas facetas da
realidade social.
●
permite dar voz aos que normalmente não a têm,
possibilitando a difusão da versão de acontecimentos e
processos sociais relevantes, contados pelos próprios
protagonistas com as suas palavras e estilo.
Não seria possível, por exemplo, entender a complexidade do
processo pelo qual um cego-surdo pode conseguir vencer o mundo
do silêncio e da insularização social e integrar-se totalmente na
sociedade que o rodeia, sem o valioso contributo de Helen Keller
que, na sua autobiografia, descreve a espinhosa caminhada que
conseguiu fazer, poderosamente apoiada numa mestra
excepcional que foi Anne Sullivan.
O mesmo se poderia dizer, noutros campos, no que respeita, por
exemplo, a autobiografias de emigrantes, refugiados, prostitutas,
exploradores, missionários, administradores coloniais e políticos:
possuidores de um património existencial único, não se poderia
entender em profundidade o peso de tal experiência na sua vida e
na dos agregados com os quais interagem, sem o seu testemunho
pessoal, por maior que fosse a empatia19 dos cientistas sociais.
É o caso do antropólogo Oscar Lewis que, após uma longa
investigação no terreno sobre aquilo que chamou cultura da
pobreza, selecionou uma família a que deu o pseudónimo de
Sanchez, tendo pedido a cada um dos seus elementos que
contasse a sua história pessoal. O resultado dessa pesquisa é
relatado em duas obras extremamente interessantes que fazem luz
sobre o modo como se vive e morre numa cultura da pobreza.
1.2.2.6.1. Limitações
Em síntese é importante ter em conta que:
●
como expressões subjectivas dos actores sociais, estão
limitados pelos preconceitos, esteriótipos e ideologias dos
autores; valendo como testemunhos privilegiados de quem
viveu dada realidade, não a retratam com objectividade mas
com os olhos de quem a viveu por dentro, por vezes em
situações de grande envolvimento emocional com os
inevitáveis filtros perceptivos de natureza afectiva e
cognitiva;
●
por vezes não constituem documentos sociográficos (ainda
que subjectivos) mas auto-justificações mais ou menos
fundamentadas do comportamento dos autores (bastante
frequente em autobiografias de celebridades);
dada a singularidade de algumas informações que os
integram, é difícil provar a sua veracidade;
________________________________
●
Utilizamos o termo empatia no sentido rogeriano do termo, expressando a ideia de o investigador
entender o modo como o Outro (neste caso o investigado) vê e experimenta o Mundo e a Vida, tendo
no entanto consciência que não se é o Outro. Para ilustrar o conceito de empatia, Gisela Konopka
numa obra clássica cita um provérbio índio que diz: Nunca julgue um homem sem antes ter caminhado
com os seus moccasins durante uma lua. Konopka, G. (1972) Serviço Social de Grupo: Um
Processo de ajuda, Rio de Janeiro, Zahar, 2ª edição, da edição original de 1963, pp. 111-112
19
40
●
a análise quantitativa deste tipo de documentos
sendo possível através por exemplo de análise de
conteúdo é, no entanto, muito trabalhosa.
1.2.2.6.2. Princípios orientadores
É, pois recomendado:
●
verificar os factos, sempre que possível, cruzando a
informação proveniente de documentos pessoais
com a oriunda de outras fontes documentais ou vivas;
●
proceder a uma rigorosa crítica externa, averiguando
se o documento terá sido escrito pelo autor manifesto;
●
fazer uma cuidadosa crítica interna, cotejando a
coerência do texto com a realidade conhecida, de
forma a apurar a sua veracidade.
Em suma, poder-se-á dizer com alguma segurança que a
informação fornecida pelos documentos pessoais podendo
ser fonte valiosa para a investigação, tem de ser combinada
com a informação proveniente de outras fontes, dadas as
limitações acima referidas.
1.2.2.7. Documentos escritos difundidos
Tomemos o caso de um jornal: o mesmo número pode ter
unidades de informação com características diferentes:
• notícias com a finalidade de informar o público,
• crónicas cujo objectivo é exprimir uma opinião sobre
determinada situação,
• artigos claramente apontando para um objectivo formativo,
• anúncios com intenções comerciais, institucionais ou políticas,
etc.
Se numa crónica, num anúncio ou mesmo num artigo é de esperar
uma intencionalidade do autor que lhe sublinha a sua condição de
discurso construído sobre o real mas que dele por vezes se afasta,
no caso da notícia o leitor desprevenido tende a confundi-la com o
real esquecendo que, ao longo do seu ciclo de vida20 e ainda que
tenha havido particulares preocupações de objectividade, a
informação sofre progressivas filtragens afastando-se muitas vezes
da realidade que pretendia descrever. O investigador tem de estar
consciente de todos estes factores para os poder ponderar
devidamente na análise da autenticidade e validade dos dados.
1.2.2.7.1. O jornal como fonte de dados
Quando se debruça sobre um jornal com o intuito de o
analisar o investigador quer frequentemente atingir um de
três objectivos:
colher informações brutas sobre um dado fenómeno
social;
________________________________
●
O ciclo de vida de uma notícia começa com a recolha da informação, passando por um complexo
processo de verificação, elaboração, paginação, difusão, recepção e reacção dos diversos segmentos
de opinião terminando com a sua morte por esquecimento.
20
41
●
salientar o conteúdo da informação difundida;
●
revelar o tipo de impacto que dado tipo de
informação difundida tem sobre os segmentos de
opinião.
Já vimos que o primeiro objectivo deve ser visto com alguma
reserva uma vez que a informação difundida é o resultado de
sucessivas decantações que lhe podem alterar a fiabilidade.
Por seu turno a questão da análise de conteúdo será referida
na segunda parte deste Manual.
1.2.2.7.2. Análise de impacto
Para fazer uma ideia aproximada do impacto de uma dada
unidade de informação (UI), seja ela notícia, crónica, artigo,
anúncio ou outra qualquer, há que ter em conta algumas
variáveis:
●
o nome do jornal fornece informações sobre o
controlo a que está sujeito (por parte de agentes
públicos ou privados, de grupos de interesse ou de
pressão, de partidos políticos ou de movimentos
sociais, etc);
●
a data da difusão permite avaliar a importância dada
pela opinião pública à informação difundida
comparando-a com os relatos de acontecimentos
ocorridos na mesma altura (que podem contribuir para
sublinhar ou neutralizar o seu impacto);
●
a página em que a UI é colocada é um bom indicador
do seu impacto;
●
o lugar que a UI ocupa na página é também
normalmente
hierarquizado
dando-se
maior
importância às que se situam em cima e nas colunas
da esquerda;
●
a grandeza do título constitui um indicador de
bastante importância dada a competição existente
entre as várias UI relativamente à atenção do leitor;
tal grandeza deve ser vista tanto em valor absoluto
(número de colunas que abrange, altura e superfície)
como relativamente à dimensão dos outros títulos da
página;
●
no que respeita ao conteúdo do título há que ter em
conta a concordância ou não com o texto, a
acentuação de determinadas ideias mestras, bem
como a vizinhança de títulos que neutralizem ou
sublinhem a mensagem daquele.
Na selecção da mensagem a ler o leitor é normalmente
receptivo à apresentação da mesma. Assim, para avaliar o
grau de impacto que uma UI tem no público, há que ter em
conta também as variáveis seguidamente listadas:
42
●
Ilustrações. A notícia é acompanhada de ilustrações?
Se é, de que tipo? (fotos, diagramas, desenhos,
caricaturas, tabelas, gráficos, etc)
●
Tipografia. A UI está dividida em partes com
caracteres diferenciados?
●
Estrutura. Está a mensagem contida numa só página
ou fragmentada em duas ou mais? Está subdividida
em unidades inteligíveis?
●
Origem. Qual a origem da informação? (Agência
informativa; corpo redactorial; outro órgão de
informação; cidadãos comuns; entidades oficiais; etc.)
●
Selecção. Que aspectos dos factos conhecidos pelo
investigador foram sublinhados ou omitidos?
Relativamente aos jornais em formato digital, as variáveis
atrás assinaladas devem ser tidas em conta com as devidas
adaptações (por exemplo, em vez do número da página em
que está inserida a unidade de informação, poder-se-á
considerar que esta terá tanto mais impacto, quanto menos
cliques obrigar o utilizador a fazer, ou seja, quanto mais fácil
seja o acesso).
1.2.3. Documentos não escritos
1.2.3.1. Objectos
Não cabendo neste Manual o aconselhamento de investigadores
em matéria de recolha deste tipo de material21 chama-se a atenção
para o facto de qualquer objecto observado com relevância para o
estudo dever ser devidamente catalogado e analisado. Uma
forma típica de iniciar este processo é fazer uma espécie de ficha
de leitura com os seguintes elementos: descrição, localização no
espaço e no tempo, funcionalidade.
Um exemplo vivenciado no início dos anos setenta ilustra bem esta
afirmação: surpreendida com o grande número de receptores de
televisão que detectou num bairro de lata, uma equipa de
investigadores descobriu que a TV era usada sobretudo como meio
de controlo social. Com efeito, uma desculpa frequente das jovens
adolescentes para saírem à noite era irem ver a televisão ao clube
do bairro. Sabendo que aquele local era um centro de aliciamento
de adolescentes para a prostituição, muitos pais com um enorme
esforço financeiro que implicava por vezes endividarem-se,
compravam um televisor para reterem as suas filhas em casa.
________________________________
Este tipo de aproximação é mais próprio dos arqueólogos e dos antropólogos culturais que estudam
culturas tradicionais. Numa dissertação sobre Relações Interculturais provavelmente o investigador
observará objectos e classificá-los-á mas não necessitará de os recolher. Para quem precisar de o
fazer é recomendável a leitura de um livro dessas especialidades. Cfr. por exemplo Mauss, Marcel (s/d)
ou Ribeiro (2003).
21
43
1.3. Técnicas de Observação
Nas unidades anteriores foi abordado o planeamento de uma investigação e o
processo de pesquisa documental, tendo então procurado também chamar a
atenção para a necessidade de ser tomada, por parte do investigador, uma
atitude profissional, o que obriga a uma severa disciplina pessoal. O
investigador deverá assumir, assim, o papel de um verdadeiro gestor do
projecto de investigação pelo qual é responsável, o que implica delinear
rigorosas estratégias de acção e planear as consequentes tácticas de
pesquisa.
Termina-se dando especial realce à observação participante, pela frequência
com que esta técnica é usada, sublinhando ainda alguns aspectos relevantes
no desenvolvimento da sua aplicação.
1.3.1. O que é observar?
Para clarificar o que se entende por técnica de observação recorrer-se-á
a quatro diferentes contextos em que a palavra é utilizada.
1.3.1.1. O testemunho dos deficientes
Em 1977 decorreu no Instituto António Feliciano de Castilho, uma
escola para crianças cegas, em Lisboa, um curso sobre técnicas
de locomoção indispensáveis ao dia-a-dia de um cego, destinado a
sensibilizar para elas os profissionais de educação especial.
Em dada altura, já na fase final do módulo, o grupo foi dividido em
pares propondo-se-lhes o seguinte exercício:
●
em cada par foi atribuído a um dos elementos o papel de
guia e ao outro, o de cego;
●
para o efeito cada um dos que desempenhou o segundo
papel foi devidamente impedido de ver, por colocação de
uma venda nos olhos;
●
o parceiro que desempenhava o papel de guia conduziria o
que simulava ser cego por onde quizesse, observando
rigoroso silêncio, preocupando-se exclusivamente em
preservar a sua segurança, usando para isso as técnicas
aprendidas para guiar um cego;
●
o segundo, à medida que a caminhada decorresse, iria
descrevendo todo o ambiente circundante com os
pormenores que pudesse;
●
ao fim de meia hora trocariam de papéis sem comentar a
experiência;
●
finalmente, em plenário, proceder-se-ia à discussão do
exercício.
Os resultados da experiência foram espectaculares: a primeira
surpresa revelou-se ao fim de trinta metros de caminhada, por ter
sido reconhecido um cruzamento, pela diferença de correntes de ar
e pela mudança significativa de ruídos de tráfego. A partir daí as
descobertas sucederam-se: a percepção de estarmos passando ao
lado de um barbeiro, pelo cheiro a água de colónia e pelo barulho
44
ritmado da tesoura; da estação de serviço, através do
característico cheiro misturado de gasolina e óleo queimado; a
descoberta do lugar pelo cheiro das hortaliças e legumes e pela
conversa entre clientes e lojistas, etc.
Na avaliação do exercício, para além da comprovação de que o
invisual tem muito mais possibilidades de orientação espacial do
que à partida um normo-visual possa pensar, foi ainda sublinhada
através de uma descoberta por todos experimentada de que ver
não é só olhar e escutar não é só ouvir.
A passagem do olhar para o ver e do ouvir para o escutar, ou seja
a criação de uma atitude de observação consciente passa por
um treino de atenção de forma a poder aprofundar a capacidade
de seleccionar informação pertinente através dos órgãos
sensoriais.
1.3.1.2. Os ensinamentos de Baden Powell
A segunda aproximação ao conceito de observação é-nos trazida
pelos ensinamentos de Lord Baden-Powell of Gillwell (1857-1941),
fundador do movimento mundial do escutismo.
Uma das coisas mais importantes que um escuteiro22 tem de
aprender, quer seja escuteiro de guerra, quer caçador, quer
escuteiro de paz, é que nada escape à sua atenção. É
indispensável que veja as coisas mais insignificantes e as
interprete.
Dos ensinamentos de Baden-Powell pode-se extrair uma segunda
característica do conceito de observação: é a de que saber
observar, implica confrontar indícios com a experiência
anterior para os poder interpretar.
Para qualquer investigador, este procedimento implica, três
operações:
●
saber identificar indícios,
continuado da atenção;
o
que
requer
um
treino
●
possuir uma experiência anterior adequada, o que implica
possuir uma boa preparação teórica e empírica;
●
ter capacidade para comparar o que observa com o que
constitui a sua experiência anterior e a partir daí poder tirar
conclusões pertinentes, o que obriga a uma formação
metodológica sólida.
1.3.1.3. As lições de Conan Doyle
Qualquer dos exemplos atrás referidos sublinha a importância do
treino da observação. No primeiro caso de Sherlock Holmes
intitulado Um estudo em vermelho, é significativa a gostosa
passagem em que aquela personagem defende este ponto de
vista:
________________________________
O termo scout significa literalmente batedor, explorador, observador militar, sentinela avançada. Em
português a palavra foi traduzida por escoteiro (designação adoptada pela Associação dos Escoteiros
de Portugal) e por escuteiro ou escuta (tradução convencionada pelo Corpo Nacional de Escutas).
22
45
Toda a vida é uma grande cadeia cuja natureza se revela ao
examinarmos qualquer dos elos que a compõem. Como todas as
outras artes, a Ciência da Dedução e Análise só pode ser adquirida
por meio de um demorado e paciente estudo e a vida não é tão
longa que permita a um mortal o aperfeiçoar-se ao máximo nesse
campo. Pelas unhas de um homem, pela manga do seu casaco,
pelos seus sapatos, pelas joelheiras nas calças, pelas calosidades
do seu indicador e polegar, pela sua expressão, pelos punhos da
camisa... em cada uma destas coisas a profissão de um homem é
claramente indicada. Que o conjunto delas não esclareça um
indagador competente é virtualmente inconcebível.
1.3.1.4. A experiência dos socorristas
A observação é, por conseguinte, um meio indispensável para
entender e interpretar a realidade social. Por maioria de razão se
compreende que sem uma observação cuidada, feita de modo
sistemático, não é possível uma intervenção social eficaz.
Mesmo em campos elementares como no do socorrismo, o treino
da observação é indispensável como suporte à acção
subsequente.
Noutros domínios da Ciência Aplicada, sobretudo nos campos das
Ciências Sociais e da Educação, não é tão evidente a necessidade
de uma cuidadosa observação, uma vez que facilmente se toma
quase como natural aquilo que é culturalmente construído, agindo
muitas vezes os profissionais com base em representações
estereotipadas da realidade social.
Daqui decorrem outras duas características importantes no treino
da observação:
• a capacidade para o observador se distanciar do objecto de
observação, ainda que este pertença à sua própria cultura,
de modo a ganhar uma conveniente perspectiva, e
• a capacidade para interpretar um dado comportamento à luz
da diversidade cultural.
Resumindo os pontos anteriores, pode-se dizer que observar é
seleccionar informação pertinente, através dos órgãos
sensoriais e com recurso à teoria e à metodologia científica, a
fim de poder descrever, interpretar e agir sobre a realidade em
questão.
Mesmo que seja possuidor de treino básico em matéria de técnicas
de observação, para cada projecto específico o investigador tem
necessidade de planear a estratégia de observação a adoptar de
modo a recolher os dados adequados com economia de meios.
Esta preparação da observação implica, antes de mais, responder
às seguintes questões:
●
observar o quê?
●
que instrumentos se deverão utilizar para registar as
observações efectuadas?
●
que técnica de observação escolher?
46
●
no caso de opção pela observação participante que papel
assumir, como observatório, e qual o grau de
envolvimento a manter com o objecto de estudo?
●
que questões deontológicas terá de gerir?
●
que dificuldades particulares antevê no processo de
observação e como pensa ultrapassá-las?
1.3.2. Que aspectos observar?
Na unidade “O projecto de investigação em Ciências Sociais” já se fez
referência ao envolvimento do investigador por densas camadas de
nevoeiro informacional, integradas por situações de sobre-informação,
sub-informação e pseudo-informação, que apelam à necessidade de
construção de instrumentos capazes de lhe permitir seleccionar a
informação relevante necessária à resolução do seu problema de
investigação.
1.3.2.1. Os indicadores como filtros de
informação
É neste contexto que se impõe uma breve reflexão sobre a
construção e/ou selecção de indicadores, de modo a funcionarem
como instrumentos de filtragem de informação, que permitem uma
orientação mais segura no terreno.
1.3.2.1.1. Questões conceptuais
A palavra “indicador”, ensina-nos a Enciclopédia Britânica,
designa um instrumento que revela condições ou
aspectos da realidade, que de outra maneira não seriam
perceptíveis à vista desarmada. Descodificando esta
definição em partes inteligíveis observa-se que:
1º Trata-se de um instrumento, i.e. não é um fim em si
próprio. Desta natureza instrumental, emerge a
preocupação de combater o frequente erro, de gastar
demasiadas energias e tempo na sua concepção,
energias e tempo esses que poderiam ser utilizados
para atingir os objectivos principais da pesquisa. É o
que acontece, por exemplo, com complicados índices
utilizados nalguns estudos que ocuparam demasiado
tempo na sua concepção tendo benefícios
insignificantes em termos de valor acrescentado à
investigação previamente existente.
2º Outro aspecto da definição de indicador que nos
parece significativo é a sua faceta de revelador: tal
como o revelador fotográfico, que é uma substância
que permite o aparecimento da imagem na chapa
impressionada, de outro modo não percepcionável, o
indicador faz emergir informação, doutra maneira
dificilmente inteligível.
47
No meio deste turbilhão informacional, é necessário ao
investigador recorrer a processos de selecção da
informação útil.
A partir do que se acaba de referir, pode-se definir
operacionalmente indicador como um instrumento
construído com o objectivo de revelar certos aspectos
pertinentes de uma dada realidade, de outro modo não
perceptíveis, com o fito de a estudar, de a diagnosticar e/
ou de agir sobre ela.
À primeira definição referida, acrescentou-se a ideia de
construção, sublinhando que o indicador é sempre um
instrumento artificial, acentuando a sua faceta selectiva e
pragmática, fazendo ressaltar a sua natureza informativa
para a acção. Esta última ideia merece ser sublinhada: com
efeito, em toda a nossa vida quotidiana utilizamos
indicadores, se bem que muitas vezes não nos apercebamos
que o são:
●
por exemplo, o médico, para diagnosticar o
padecimento do cliente, utiliza indicadores quer de
carácter qualitativo (palidez ou rubor da pele,
dimensão da pupila e outras queixas feitas pelo
doente) quer quantitativos (tensão sanguínea,
velocidade de sedimentação, quantidade de glóbulos,
percentil do peso e da altura, etc.);
●
o meteorologista, por seu turno, não poderia exercer
a sua profissão se não recorresse aos indicadores da
pressão atmosférica, da temperatura, da humidade,
da quantidade de precipitação e de tantos outros;
●
o simples motorista, e muitos de nós o somos, utiliza
indicadores de nível de gasolina e óleo, da
velocidade, das rotações do motor, entre outros, para
uma condução mais eficiente e segura.
Ora se os indicadores são tão úteis no nosso viver
quotidiano, por maioria de razão o serão para entendermos o
sistema social onde estamos inseridos, cuja complexidade e
diversidade necessita ser descodificada, sistematizada,
avaliada e, se possível, medida para ser inteligível.
1.3.2.1.2. Indicadores demográficos e económicos
Os primeiros neste campo, a serem sistematicamente
recolhidos e tratados foram os indicadores demográficos,
que permitiram a investigadores e administradores
aperceberem-se com maior rigor e clareza de aspectos
relacionados com a estrutura da população, na sua
distribuição espacial e funcional, e retratar a sua dinâmica,
através dos indicadores de natalidade, mortalidade e
migrações. A resultante prática da utilização dos indicadores
demográficos foi tão grande, que há autores que a referem
como um dos pilares fundamentais sobre o qual assentou o
Estado-Providência.
48
Paralelamente e respondendo às necessidades de analisar
as grandes crises económicas dos dois últimos séculos
desenvolveram-se os indicadores económicos que todos
os dias são publicados e publicitados pelos media.
1.3.2.1.3. Indicadores Sociais
Houve que criar instrumentos que permitissem revelar com
clareza e precisão o que se estava a passar. É desta
necessidade que emergem os primeiros estudos sobre
indicadores sociais. Estes, tal como no caso dos anteriores,
podem ser quantitativos ou qualitativos.
Um exemplo de indicador quantitativo é a taxa de mobilidade
intergeracional calculada por Birnbaum e a sua equipa,
construído para revelar a fraca mobilidade social existente na
classe dirigente francesa nos últimos 30 anos: Para a
construir, Birnbaum começou por agrupar as diversas
profissões em diferentes níveis de status social. Com base
nestes elementos construíu o indicador referido, a taxa de
mobilidade intergeracional que, como o nome indica, se
destina a revelar a mobilidade social no espaço de uma
geração, considerando:
●
haver mobilidade vertical quando a posição social
do filho fosse superior à do pai (ascendente) ou
inferior (descendente);
●
existir mobilidade horizontal, quando pai e filho
pertencessem a profissões diferentes mas do mesmo
nível;
●
hereditariedade social quando pai e filho tivessem
exactamente a mesma profissão e o mesmo nível
hierárquico.
De acordo com aqueles critérios, Birnbaum observa que em
França, nos 30 anos que antecederam o estudo, se havia
verificado uma diminuição substancial de mobilidade
ascendente, ocorrendo com cada vez maior frequência a
situação de dirigentes, quer do sector privado quer do sector
público, serem filhos de outros dirigentes ou de ex-dirigentes.
Os indicadores qualitativos não são menos importantes na
produção científica contemporânea. Um exemplo ilustrativo é
o quadro de várias dezenas de indicadores de que Oscar
Lewis se serve para caracterizar a cultura da pobreza,
(Lewis, 1968, op.cit), e que podemos observar na fig. 8.
Tanto os indicadores sociais quantitativos como os
qualitativos, são construídos para atingir quatro objectivos
concretos:
• retratar a realidade social nas suas facetas estrutural e
dinâmica,
• revelar as percepções dos diferentes grupos sociais
sobre o sistema social,
• planear a intervenção social e, finalmente,
• avaliar essa intervenção com clareza e rigor.
49
Fig. 8 – Quadro de indicadores qualitativos indiciadores da cultura da
pobreza, segundo o antropólogo americano Oscar Lewis (1968)
I – Relação com a sociedade
envolvente
1. Falta de recursos económicos
2. Medo
3. Suspeita
4. Discriminação
5. Apatia
6. Salários baixos
7. Desemprego e subemprego crónicos
8. Rendimentos baixos
9. Ausência de posse de propriedades
10. Ausência de posse de economias
11. Ausência de reservas alimentares no lar
12. Ausência de dinheiro no dia-adia
13. Alta taxa de uso de penhores
para crédito
14. Alta taxa de uso de agiotas locais
15. Créditos locais espontâneos
16. Uso de roupas e mobiliário em
2ª mão
17. Prática de compra de pequenas
quantidades de géneros
18. Baixa produção e baixo consumo
19. Baixa taxa de alfabetização
20. Baixa participação nos sindicatos
21. Baixa participação nos partidos
políticos
22. Baixa participação associativa
23. Baixa utilização dos bancos
II – Natureza da comunidade
33. Más condições habitacionais
34. Amontoamento (sobrelocação)
35. Fraca organização
36. Consciência de pertença face
ao exterior
III – Caracterização da família
37. Ausência de infância como fase
protegida
38. Iniciação sexual prematura
39. Uniões livres em casamentos
consensuais
40. Alta taxa de abandonos
41. Alta taxa de famílias chefiadas
por mães
42. Maior conhecimento do parentesco materno
43. Maior autoritarismo
44. Falta de vida privada
45. Ênfase verbal sobre a solidariedade familiar, desmentida na
prática
IV – Aspectos individuais
46. Forte sensação de marginalidade, desamparo, dependência,
inferioridade, resignação e fatalismo
47. Alta incidência de privação materna e de oralidade
48. Estrutura fraca do ego
49. Confusão quanto à identificação
sexual
24. Baixa utilização dos hospitais
50. Falta de controle sobre os im25. Baixa utilização de grandes lopulsos. Espontaneidade comjas
portamental
26. Baixa utilização dos museus e
51. Orientação quase exclusiva pagalerias
ra o Presente. Fraco sentido de
27. Ódio à polícia
Passado e Futuro do Exterior
28. Desconfiança face à hierarquia 52. Machismo
da “outra cidade” (governo, ad- 53. Tolerância quanto a patologia fiministração, etc.)
siológica
29. Desconfiança face à Igreja
54. Ausência de consciência de
classe
30. Consciência dos valores da
55. Baixo nível de aspirações
classe média, mas sem os prati- 56. Exaltação da aventura como um
carem
valor
31. Alta taxa de casamento consen- 57. Presença quotidiana da violênsual
cia
32. Alta taxa de jus materno
Fonte: Carmo, H. (1986), Análise e intervenção organizacional, Lisboa,
Fundetec.
Utilizando o conceito operacional anteriormente definido,
poderá dizer-se que, os indicadores sociais são instrumentos
construídos com o objectivo de revelar certos aspectos
pertinentes da realidade social, de outro modo não
50
percepcionáveis, com o fito de a estudar, de a diagnosticar e
de sobre ela poder intervir.
1.3.2.1.4. Critérios para a construção de indicadores
sociais
O primeiro critério referido por diversos autores para a
construção de indicadores sociais é o do reconhecimento da
sua utilidade: com efeito, ao construir um indicador, há que
questionar se ele poderá ser útil quer para a análise da
realidade quer para a intervenção dos actores sociais.
Os caminhos utilizados para a sua elaboração são, assim,
variados podendo-se:
●
partir de dados já disponíveis e utilizá-los em
bruto (por exemplo: número de alunos de uma
minoria que frequentam uma determinada escola);
●
construir índices a partir da sua combinação (por
exemplo: número de alunos de uma minoria étnica
que frequentam uma determinada escola sobre o
número total de alunos vezes cem, o que permite ver
o seu peso relativo no total da população discente);
●
recolher dados brutos através de pesquisa directa
para responder a certas questões (por exemplo,
presença de indicadores de subcultura de pobreza no
grupo considerado).
1.3.2.2. Guiões de observação e sistemas de
registo
Quando se planeia uma observação no terreno é do terceiro tipo de
indicadores que se trata. O critério da utilidade deve estar sempre
presente, devendo construir-se um guião de observação que
inclua um conjunto de indicadores necessário para retratar o
objecto de estudo mas não excessivamente abundante de modo
a poder criar uma situação de sobre-informação.
Para se conceber tal instrumento, é conveniente tirar partido das
leituras e contactos efectuados no estudo exploratório bem como a
um reconhecimento prévio no terreno a observar. É extremamente
importante que o investigador não vá desarmado para o
campo.
Para além do uso dos próprios guiões de observação que podem
funcionar como instrumentos de registo, é usual recorrer-se a
outros elementos como os seguintes:
●
bloco-notas;
●
diário de pesquisa;
●
gravações em audio ou em vídeo.
O bloco-notas deve ser uma companhia permanente do
investigador. É nele que são anotadas as primeiras impressões,
sob a forma de tópicos, diagramas e breves memorandos, de modo
51
a auxiliar a sua memória quando vier a
detalhadamente os resultados da sua observação.
registar
mais
Este primeiro apontamento é necessário mas não é suficiente
tendo de ser completado com um relato mais detalhado em que se
registem os factos observados, interpretações que nos mereceram,
hipóteses que se nos levantaram fruto da observação, bem como
outras informações úteis a não esquecer (ex: nomes de pessoas
contactadas ou a contactar, bibliografia a revisitar, etc.). É com
essa função que vários autores recomendam a elaboração de um
diário de pesquisa.
Trata-se, como o nome indica, de um autêntico diário de bordo, em
que o investigador vai assentando por ordem cronológica os vários
procedimentos da sua investigação, os resultados das observações
efectuadas, os acontecimentos relevantes, etc. É conveniente que
a sua formatação permita a inserção de diversos tipos de
documentos anexos como fotografias, mapas, gráficos, tabelas e
outros, pelo que não é aconselhável o uso de cadernos e blocos
que dificultam a inserção desse tipo de informação adicional.
Se o investigador optar por usar um diário de pesquisa em suporte
scripto, uma solução prática é o uso de um dossier com folhas
soltas, em que se podem entremear os elementos anexos
directamente ou em pastas transparentes.
Se a escolha recair em suporte informático, isto é, se se quiser
escrever directamente num computador, ou é possível dispor de
um scanner a fim de guardar imediatamente em memória os
documentos adicionais, ou se fazem remissões no texto do diário
de pesquisa para um dossier devidamente organizado onde fique
esse material. O registo imediato do diário de pesquisa em suporte
informático tem, a nosso ver, algumas vantagens sobre o clássico
dossier:
●
em primeiro lugar, permite construir texto que pode vir a
ser recuperado facilmente na elaboração do relatório final
da investigação;
●
em segundo lugar proporciona uma pesquisa rápida da
informação registada através do recurso às ferramentas
do processador de texto;
●
em terceiro lugar, permite um arquivo seguro e
organizado dos dados recolhidos o que não é de desprezar
para quem tem de lidar com quantidades tão grandes e tão
dispersas de informação.
Em qualquer dos casos, a experiência recomenda alguns
procedimentos na feitura de um diário de pesquisa:
●
o registo deve ser feito tanto quanto possível no mesmo
dia do registado a fim de não se perder informação
relevante;
●
as anotações
cronológica;
●
a formatação do diário deve permitir que, numa leitura
posterior, o investigador possa destrinçar os factos
devem
ser
registadas
por
ordem
52
observados, dos juízos de valor, interpretações e
hipóteses que lhe tenham ocorrido;
●
periodicamente o diário deve ser usado como fonte de
reflexão e cuidadosamente anotadas novas ideias que
surjam desse procedimento; duas leituras são possíveis e
úteis:
•
uma leitura por ordem cronológica permite ao
investigador tomar consciência da sua caminhada
dando-lhe pistas para uma monitorização da sua
pesquisa e para a introdução de correcções a fazer;
•
uma leitura temática possibilita-lhe a apropriação
progressiva de cachos de ideias por processos de
comparação,
justaposição
e
combinação
de
informações colhidas em momentos e locais diferentes;
●
para uma leitura temática eficiente é conveniente que o
investigador, sobretudo se trabalhar em suporte scripto,
elabore um índice analítico do seu diário de pesquisa.
1.3.3. Tipos de observação
Uma forma usual de tipificar as técnicas de observação é distingui-las de
acordo com o envolvimento do observador no campo do objecto de
estudo.
1.3.3.1. Observação não-participante
Se o observador não interage de forma alguma com o objecto de
estudo no momento em que realiza a observação, não poderá ser
considerada como participante.
Se o investigador optar por observar a dinâmica do grupo em
situação de aula, oculto por detrás de um painel espelhado, está a
fazer uma observação não-participante.
Este tipo de técnica, possui características interessantes por:
●
reduzir substancialmente a interferência do observador no
observado;23
●
permitir o uso de instrumentos de registo sem influenciar o
grupo-alvo;
●
possibilitar um grande controlo das variáveis a observar.
No entanto, a sua aplicação é limitada não só porque o
equipamento adequado apenas está disponível em algumas
instituições (Escolas Superiores de Educação, por exemplo) mas
também porque só se adequa a alguns objectos de estudo. Grande
parte das pesquisas exige um trabalho de campo em situação
natural não se podendo simular em laboratório situações de alta
complexidade com grande número de actores e de variáveis. Para
tais situações o investigador tem de recorrer a técnicas de
observação caracterizadas pelo seu envolvimento através da
assunção de um dado papel social junto da população observada:
________________________________
Não reduz totalmente a interferência uma vez que, por imperativo ético, o observador deve
previamente colher a autorização dos elementos do grupo-alvo da observação.
23
53
são as técnicas de observação participante.
1.3.3.2. Observação participante despercebida
pelos observados
Em certas investigações deste tipo, o papel que o investigador
assume é ténue, passando completamente despercebido à
população observada, sem que esse facto possa considerar-se
incorrecto do ponto de vista deontológico uma vez que as
situações observadas ocorrem em ambiente aberto, como nas
situações que a seguir se enumeram:
●
estudo do comportamento de claques de futebol;
●
padrões de actuação de vendedores ambulantes ciganos
em feiras;
●
expressões associativas de grupos minoritários;
●
padrões de ocupação de tempos livres de cabo-verdeanos.
No primeiro exemplo, poderá o investigador assistir a diversos
jogos, de lugares contíguos aos das claques, observando o seu
comportamento sem que a sua presença seja tida em
consideração.
Em locais ou situações de acesso condicionado, a questão
deontológica já se põe, uma vez que o papel de investigador não
lhe dá o direito de assumir um estatuto semelhante ao do infiltrado,
permitido a algumas polícias criminais.
1.3.3.3. Observação participante propriamente
dita
Como o desempenho do seu papel de estudioso junto da
população observada o faz de algum modo participar da vida da
população observada, dá-se a esta técnica o nome de observação
participante.
De Outubro de 1970 a Julho de 1971 foi realizado um estudo
exploratório sobre um bairro de lata de Lisboa com o duplo
objectivo de fazer um levantamento sociográfico sobre o estilo de
vida da população e de levantar algumas hipóteses sobre as suas
estratégias de sobrevivência24. Como estratégia de base para a
recolha de dados, cada um dos oito elementos da equipa assumiu
um papel reconhecido como socialmente útil pela comunidade:
• três inscreveram-se como professores dos cursos nocturnos
para adultos, que faziam parte do programa da instituição
particular de solidariedade social implantada no bairro;
• outros três assumiram o papel de recepcionistas do seu posto
médico, onde eram facultadas consultas de diversas
especialidades e donde estava a ser desencadeada uma
campanha de saúde pública;
• os dois restantes, ofereceram-se para o serviço de bufete do clu________________________________
Incidindo sobre um bairro hoje desaparecido, a Quinta do Bacalhau, o trabalho foi desenvolvido no
âmbito da disciplina de Metodologia das Ciências Sociais, do curriculo das licenciaturas em Serviço
Social e em Ciências Sociais e Política Ultramarina do ISCSPU/UTL.
24
54
be do bairro, local de encontro habitual da juventude e de
alguma população adulta.
No fim de cada semana, a equipa fazia uma reunião em que era
comparada a informação registada nos respectivos diários de
pesquisa e discutida a sua fiabilidade.
Da avaliação deste caso sobressaem as principais vantagens e
limitações da técnica de observação participante:
●
a possibilidade25 de entender profundamente o estilo de
vida de uma população e de adquirir um conhecimento
integrado da sua cultura é, sem dúvida, a sua principal
vantagem;
●
como limitações dominantes salientam-se a morosidade
que tal técnica exige e as dificuldades que levanta a uma
posterior quantificação dos dados.
1.3.4. Aspectos relevantes da observação
participante
Há muito utilizada pelos antropólogos em estudos sobre pequenas
comunidades, a observação participante tem vindo a ser cada vez mais
usada em trabalhos de natureza sociológica, interdisciplinar ou em
antropologia das sociedades complexas, quer como ferramenta
exploratória quer como técnica principal de recolha de dados, quer
ainda como instrumento auxiliar de pesquisas de natureza
quantitativa.
Dada a sua utilidade vale a pena reflectir um pouco sobre duas questões
a ter em conta no seu uso, a fim de dela melhor se poder tirar partido:
●
a questão do papel social que se vai desempenhar como
observatório
●
a questão da intensidade do mergulho
1.3.4.1. A questão do observatório
No estudo exploratório sobre a Quinta do Bacalhau, atrás referido,
tirou-se partido do facto de ser uma equipa diversificada e
numerosa, assumindo cada um dos estudantes um papel diferente.
1.3.4.1.1. Negociação e escolha do papel
Numa dissertação de Mestrado, como aliás acontece na
maior parte das vezes, isto não é possível realizar, uma vez
que o investigador está a trabalhar sozinho. Neste caso tem
de se ter especial cuidado na negociação, desenvolvida com
a população-alvo, e ponderar seriamente sobre o papel
social que se propõe desempenhar.
Uma vez que o investigador é habitualmente considerado
como intruso, a sua presença desperta no mínimo alguma
perplexidade e, frequentemente, desconfiança, sentimento
que é necessário vencer com habilidade e perseverança. De
________________________________
Tal conhecimento não é automático. Exige da parte do investigador uma profunda vigilância
relativamente aos seus preconceitos de raíz etnocêntrica ou não.
25
55
facto, o investigador é objectivamente um forasteiro que
precisa de ganhar a confiança do grupo ou da comunidade
onde se vai integrar. Para isso é recomendável a assunção
de um papel que seja simultaneamente claro para a
população-alvo – por exemplo que não seja identificável com
papéis antipáticos ou temidos26 – e de utilidade social
reconhecida.
No exemplo acima referido, os papéis assumidos eram
facilmente inteligíveis e reconhecidamente úteis, uma vez ter
sido dado a conhecer a nossa dupla condição: estudantes
que precisavam de apresentar um trabalho académico e que
haviam querido conciliar tal necessidade com o desempenho
de um trabalho voluntário na comunidade, professores,
recepcionistas ou voluntários no apoio ao clube do bairro.
Após uma cautelosa fase inicial, por parte da população
residente no bairro, em que os testes à nossa autenticidade
foram constantes e revelaram a verdade dos nossos
discursos, a equipa foi adoptada sem reservas,
desenvolvendo-se uma relação de grande franqueza e,
nalguns casos, mesmo de amizade, o que permitiu a nossa
presença assídua no bairro a qualquer hora do dia ou da
noite sem qualquer precaução particular de segurança.
1.3.4.1.2. O horizonte de cada papel
Na escolha do papel social a desempenhar pelo investigador,
quando em trabalho de campo, é preciso ter consciência que
este cria um espaço que vai funcionar como
observatório.
O papel de professor de adultos exercido na Quinta do
Bacalhau, por exemplo, que era extremamente adequado
para observar em profundidade os processos e as
dificuldades de aprendizagem de uma população adulta de
trabalhadores manuais não qualificados, não permitia obter
informações significativas no respeitante ao modo como
geriam os seus tempos livres, uma vez que havia um
objectivo conflito de interesses entre o tempo consagrado ao
estudo e o pouco que destinavam ao lazer. Esta situação
levava a uma certa reserva quando eram interrogados sobre
o que faziam fora das aulas.
Em suma, a escolha de cada papel social tem benefícios e
custos que é preciso ter em conta, devendo ser feita de
acordo com o objectivo da pesquisa.
1.3.4.2. A questão da intensidade do “mergulho”
As consequências da sua opção são extremamente relevantes
como adiante se poderá ver.
________________________________
A suspeita de que o investigador poderá ser um polícia infiltrado, em comunidades com problemas de
comportamento desviado, ou que é um aliado dos outros, em zonas dominadas por diferentes facções
locais, constitui um sério obstáculo à realização de uma investigação que requeira a realização de
trabalho de campo.
26
56
1.3.4.2.1. A Janela de Johari
Outro
Conhecido
pelo outro
Desconhecido
pelo outro
Conhecido
pelo próprio
Área livre
Área secreta
Desconhecido
pelo próprio
Área cega
Área inconsciente
Próprio
Fonte: LUFT, J., s/d, Introdução à Dinâmica de Grupos, Lisboa, Moraes
Figura 9 – Janela de Johari
Este modelo representa o grau de lucidez nas relações
interpessoais, classificando os elementos que influem nessas
relações em quatro áreas, relativamente a um dado ego:
• área livre: aqueles que integram a informação conhecida
pelo ego e pelo outro;
• área cega: os que são conhecidos apenas pelo outro (ex:
a imagem não verbalizada que o outro tem do ego);
• área secreta: os que, pelo contrário, o ego conhece sem
os partilhar com o outro;
• área inconsciente: os elementos que condicionam a
relação mas dos quais, nem o ego nem o outro têm
consciência.
No caso vertente a situação é a da relação de um
investigador com um dado objecto de estudo (grupo,
organização, comunidade ou outro sistema social mais
amplo). Tomemos um caso como exemplo:
Ao iniciarmos o nosso trabalho (de campo aquando da
pesquisa para a dissertação de doutoramento), tínhamos
consciência de dois tipos de limitações que poderiam
funcionar como filtros comunicacionais ao longo do
processo.
A primeira, decorria do diferente observatório em que nos
colocávamos para estudar cada uma das organizações que
constituíam o nosso objecto de estudo:
–
relativamente à UNED, posicionávamo-nos como
observador exterior, o que acarretava a evidente
vantagem de podermos interpretar a informação que
sobre ela recolhessemos com um olhar distanciado e
eventualmente menos comprometido; esta vantagem era
simultaneamente um inconveniente, na medida em que a
nossa condição de investigador externo não nos
permitiria objectivamente27 aceder a alguma informação
importante. Dito de outro modo, e utilizando o conhecido
modelo da Janela de Johari, o nosso observatório
permitia-nos o fácil acesso à área cega da UNED mas
dificultava-nos o acesso à sua área secreta;
________________________________
Com o termo objectivamente, quer sublinhar-se que as consequências desta situação seriam
independentes da boa vontade dos nossos informadores.
27
57
–
a posição de observador mergulhado na Universidade
Aberta, possibilitava, pelo contrário, o acesso à área
secreta da instituição28 mas dificultava aceder à sua
área cega29, por outro lado, se o papel de coordenador
de ensino nos colocava numa boa posição para observar
o funcionamento da UA, criava uma situação de
ambivalência sociológica devido às diferentes
exigências dos papéis em jogo – o de investigador e o de
dirigente30; (...)
1.3.4.2.2. Mergulho restrito
Como se pode ler na citação, o posicionamento distanciado
do investigador pode trazer-lhe o benefício de aceder mais
facilmente à área cega do objecto de estudo do que
aqueles que nele estão envolvidos. Aquele caso, em
concreto, permitiu ao investigador perceber que a instituição
observada apresentava três características ameaçadoras
pouco perceptíveis para alguns dos que nela trabalhavam:
●
o seu gigantismo, que lhe estava a ocasionar alguns
problemas de coesão interna e rapidez de resposta
aos desafios da mudança;
●
um modelo demasiado dependente de tutorias
presenciais,
o
que
obrigava
a
aumentar
particularmente os custos cada vez que se aumentava
a oferta de disciplinas;
●
uma tensão perigosa entre centro e periferias, factor
de redução de eficiência e de eficácia.
No entanto, há que ter consciência que quanto maior for o
distanciamento do investigador menor será o seu acesso
à área secreta do objecto a observar.
1.3.4.2.3. Mergulho profundo
A opção contrária, isto é, a escolha de um papel em que o
investigador se envolve com maior profundidade com a
população a observar tem também, como é óbvio, os
benefícios e os custos contrários à situação acabada de
descrever: o acesso à área secreta do objecto de estudo é
facilitado enquanto que a observação da sua área cega
fica substancialmente dificultada.
Esta foi a situação em que nos encontrámos ao observar a
nossa própria instituição, permitindo o acesso a informação
reservada aos de dentro mas retirando-nos a perspectiva do
observador exterior.
________________________________
Esta situação, em parte facilitadora da pesquisa levantava-nos, em contrapartida, a questão ética da
utilização da informação, o que implicava um esforço adicional da sua selecção.
29
Fosse qual fosse o ponto de observação em que nos situássemos, este seria fonte de miopia
organizacional, termo que designa o conjunto de filtros que impedem o observador de percepcionar a
organização na sua dinâmica. Carmo, H. (1986), Análise e Intervenção Organizacional, Lisboa,
Fundetec.
30
Um problema evidente era o da clássica interferência do observador no objecto de estudo. Esta
questão, no entanto, pareceu-nos de importância relativa, porque a postura meso e macro em que nos
colocávamos, distanciava-nos da nossa interferência como coordenador de ensino.
28
58
A situação de observador participante é portanto muito
complexa, contendo em si dois papéis em constante
dialéctica – o de observador e o de participante – exigindo
por parte do investigador uma constante auto-vigilância se
quer manter o equilíbrio precário conferido pela sua dupla
condição.
Tal equilíbrio apesar de difícil é possível como o demonstram
trabalhos clássicos como os de Moreno, Lewin, Lebret, e
tantos outros que conseguiram aliar a objectividade da
observação científica à militância da intervenção social.
Foi também a partir do seu papel de participante mergulhado
nas comunidades de pescadores da Bretanha em que
exercia o seu magistério, que o padre Lebret, uma das
figuras mais interessantes e mais esquecidas no domínio da
teoria e da prática da intervenção social, implementou a
metodologia do inquérito-participação como instrumento de
desenvolvimento de comunidades. Foi igualmente reflectindo
sobre a sua prática que, aquele que veio a ser um dos
principais peritos do Concílio Vaticano II em matéria de
Desenvolvimento, marcando com o seu pensamento
documentos fundamentais como a Constituição Pastoral da
Igreja no Mundo Contemporâneo (Gaudium et Spes),
elaborou uma teoria do Desenvolvimento que quase quarenta
anos mais tarde mantém uma surpreendente actualidade.
Nalguns casos, como nos de Paulo Freire31 e de Camilo
Torres32, a relação existente entre o papel de observador e o
de participante tende a desequilibrar-se claramente em favor
do segundo chamando alguns autores a esta situação a de
observação militante. Independentemente dos perigos de
oerda de objectividade científica que são muito evidentes,
sendo uma posição civicamente respeitável, em contexto de
investigação para a obtenção de um grau académico é uma
opção perigosa pois dispersa o investigador e afasta-o
objectivamente desse objectivo de curto prazo.
1.3.5. Problemas deontológicos
Partindo do princípio que todos os aspectos técnicos da
estão controlados é fundamental que o investigador, antes
recolha de dados e no seu decorrer, tenha em conta
deontológica levantada por eventuais conflitos de interesses
população-alvo.
________________________________
observação
de iniciar a
a questão
entre si e a
Andragogo brasileiro desenvolveu uma eficaz metodologia de alfabetização e educação cívica de
adultos cuja aplicação o levou ao exílio na altura da ditadura militar. O seu método tem sido utilizado
em todo o Mundo quer por organismos transnacionais como a UNESCO quer por entidades estatais e
ONGs.
32
Nascido em 1929 em Bogotá numa família da classe alta e ordenado em 1954, o padre Camilo
Torres, após ter realizado estudos superiores na Universidade de Louvain ocupou em 1958 o lugar de
professor de Sociologia na Universidade de Bogotá. Após quatro anos em que conseguiu articular a
sua actividade de docente e de investigador com a de militante dos direitos civis, entrou em rotura com
o sistema após a crise estudantil de 1962, acabando por aderir à guerrilha em 1965 e ser morto em
1966. A sua principal obra sociológica foi postumamente compilada em Torres, C. (1968), Ecrits et
Paroles, publicada em Paris pelas Éditions du Seuil.
31
59
Ao ganhar a confiança da população observada, o investigador passa a
ter acesso a um conjunto de informações secretas e eventualmente
sagradas sobre a sua cultura33. Em contrapartida, compromete-se
implicitamente a respeitar certas regras de controlo de informação
obrigando-se a só divulgá-la quando autorizado.
Um caso particular que naturalmente agudiza esta questão é o dos
estudos sobre grupos de acesso restrito como alguns agregados
políticos e económicos (movimentos sociais, elites, grupos de pressão e
partidos), comunidades étnicas e religiosas, grupos com estatuto
socialmente desvalorizado (homossexuais, delinquentes, prostitutas) e
associações secretas. Nessas situações é previsível ocorrerem
resistências ao trabalho do investigador devido às suas características
pessoais (género, idade, classe social, religião, etc.). Quando as
barreiras são vencidas e a confiança estabelecida a filtragem da
informação a difundir é de primordial importância.
Esta importante questão leva à necessidade de uma prévia negociação
com a população-alvo sobre os limites até onde pode exercer o seu
papel de investigador, não sendo desejável qualquer acção que possa
conduzir à sua identificação como ladrão de informação. Tal situação
não só seria eticamente condenável como vacinaria a população contra
trabalhos a efectuar futuramente por outros investigadores.
Podendo por vezes assumir contornos difíceis, tal negociação é possível,
como o provam estudos clássicos como o já citado de William F. Whyte
sobre os bandos de esquina, ao qual poderiam acrescentar-se muitos
outros como a que Allinsky fez sobre o bando de Al Capone ou, entre
nós, como a que Olímpio Nunes realizou sobre os ciganos.
Em suma qualquer investigador deverá ter a maturidade emocional e a
integridade moral suficientes para saber gerir a situação de
ambivalência sociológica que o confronta com o dilema da dupla
fidelidade, à comunidade académica que lhe pede resultados
cientificamente interessantes e à população-alvo que em si confiou um
património de informações de acesso reservado.
________________________________
33
Correspondentes à sua área secreta.
60
61
1.4. Inquéritos por entrevista
1.4.1. A interacção directa, questão-chave na
técnica de entrevista
A interacção directa é uma questão-chave da técnica de entrevista.
Recordando o que se disse na unidade anterior relativamente à janela de
Johari, a situação habitual no início de uma entrevista é a da presença
de dois interlocutores (duas janelas) cuja interacção apresenta áreas
livres muito reduzidas, áreas cegas relativamente grandes e áreas
secretas igualmente extensas34. Dito de outro modo, quando vai começar
uma entrevista o investigador partilhou habitualmente pouca informação
com o entrevistado (área livre pequena), sabe pouco sobre ele (grande
área cega do entrevistador e secreta do entrevistado) encontrando-se
este último na mesma situação (extensa área cega própria e secreta de
quem o vai entrevistar).
Em termos globais o objectivo de qualquer entrevista é abrir a área
livre dos dois interlocutores no que respeita à matéria da entrevista,
reduzindo, por consequência, a área secreta do entrevistado e a
área cega do entrevistador.
Para atingir tal meta uma estratégia habitualmente eficaz é a de começar
por reduzir a nossa área secreta aplicando uma regra fundamental das
relações humanas, a regra da reciprocidade. Uma primeira forma de o
fazer é através de uma apresentação bem feita a qual assume três
vertentes:
●
a apresentação do investigador
●
a apresentação do problema da pesquisa
●
e a explicação do papel pedido ao entrevistado.
Ao abrir a sua área secreta, o entrevistador fornece ao entrevistado
dados que lhe permitem entender a sua importância como fornecedor de
informação e, por consequência, a sua utilidade para a investigação em
curso. Quando é criado este tipo de entendimento, o entrevistado tem
tendência a colaborar (co-laborare = trabalhar com), sentindo que não
está a ser simplesmente utilizado ou mesmo manipulado.
A circunstância de ser uma situação em interacção directa ou presencial
faz com que no acto de entrevistar se tenham de gerir três problemas
em simultâneo:
●
1º, a influência do entrevistador no entrevistado;
●
2º, as diferenças que entre eles existem (de género, de idade,
sociais e culturais);
●
3º, a sobreposição de canais de comunicação.
________________________________
Não é relevante falar-se das áreas inconscientes uma vez que estas não se alterarão
significativamente numa entrevista deste tipo.
34
62
1.4.1.1. Influência do entrevistador no
entrevistado
Apesar de ser desejável criar uma situação simétrica no
estabelecimento do diálogo entre o entrevistador e o entrevistado,
a verdade é que existe, regra geral, uma objectiva assimetria entre
os dois interlocutores: o entrevistador possui um dado estatuto
diferente do do entrevistado, que pode limitar a comunicação quer
inibindo este último de colaborar abertamente (por desconfiança),
quer levando-o a responder às questões que lhe são postas de
acordo com o que pensa que o entrevistador deseja que ele próprio
responda (por efeito mimético).
O risco aumenta se o entrevistador for pouco cuidadoso na forma
como coloca as perguntas, induzindo as respostas com formas
enfáticas de perguntar ou com modos de excluir respostas
possíveis. Vejamos dois exemplos:
●
uma pergunta começada por uma expressão deste tipo: “o
Sr. não acha que...” é uma forma indutora por via enfática
conduzindo o entrevistado a uma resposta esperada pelo
entrevistador;
●
quando se pergunta ao entrevistado se concorda ou não
com determinada situação, admite-se apenas uma de duas
respostas - sim ou não - quando podem existir outras como
“não sei, nunca tinha pensado nisso” (entrevistado não
familiarizado com o problema) ou “depende da
circunstância X, Y ou Z” (entrevistado muito familiarizado
com o problema e com as suas nuances).
1.4.1.2. Diferenças culturais entre entrevistador e
entrevistado
Uma pergunta perfeitamente inocente numa dada cultura, como
inquirir «que idade tem?» pode ser considerada por um
entrevistado de outra cultura um atentado à sua privacidade. Para
as gerações mais velhas, sobretudo em certos estratos sociais é
considerado falta de educação perguntar a idade a uma senhora.
Outras vezes surgem questões que são extremamente claras para
o entrevistador uma vez que fazem parte da sua cultura, mas que
não fazem parte do campo de conhecimentos do entrevistado,
obrigando-o a especular improvisadamente sobre o assunto e a dar
respostas que não correspondem à sua experiência.
Imagine-se, por exemplo, que se está a inquirir uma população de
imigrantes cabo-verdeanos e quer-se indagar da sua familiaridade
com a literatura do seu país. Se a pergunta for demasiado aberta
(ex: que pensa sobre a literatura cabo-verdeana?) as respostas
serão demasiado ambíguas ou laterais. Se as perguntas forem
objectivas as respostas serão por certo mais verdadeiras.
Outra situação: perguntar a professores que não usam o
computador no seu quotidiano qual a sua opinião sobre a
aplicabilidade da conferência por computador como instrumento
63
pedagógico é um convite a especulações desenfreadas e à
explicitação de ideias pré-concebidas sobre o assunto.
Os resultados deste erro podem ser desastrosos em termos de
investigação.
1.4.1.3. Sobreposição de canais de comunicação
Outra questão a ter em conta numa situação de interacção directa
é a sobreposição de canais de comunicação. Quando se faz uma
pergunta, não se explicita verbalmente, apenas, uma interrogação:
a questão pode ser formulada com vários tipos de entoação que
revelam a expectativa do entrevistador quanto à resposta; pode ser
sublinhada ou neutralizada pela sua postura, pela sua mímica ou
por lapsos inconscientes.
Deste modo, ao preparar uma entrevista, o investigador tem de ter
em conta que o modo como põe as questões e como as enquadra
em termos não verbais é tão importante como o seu conteúdo
específico devendo ter tantos cuidados com a estratégia formal a
adoptar como com a estruturação do guião.
1.4.2. Quando recorrer à entrevista?
Como qualquer outra técnica de recolha de dados, o inquérito por
entrevista deve ser escolhido em certos contextos e evitado noutros.
Duas situações típicas em que o uso da entrevista é recomendável são
as seguintes:
●
nos casos em que o investigador tem questões relevantes, cuja
resposta não encontra na documentação disponível ou,
tendo-a encontrado, não lhe parece fiável, sendo necessária
comprová-la35;
●
em situações em que o investigador deseja ganhar tempo e
economizar energias recorrendo a informadores qualificados
como especialistas no campo da sua investigação ou líderes da
população-alvo que pretende conhecer.
Em qualquer dos contextos mencionados é fundamental ter consciência
que ao ser seleccionada uma qualquer fonte de informação estão a
rejeitar-se outras, que podem ser igualmente importantes. Um
informador qualificado é um recipiente de informação relevante, mas é
também um filtro da própria informação. Num estudo de comunidade, por
exemplo, é fundamental cruzar as informações de vários líderes locais,
obtidas por entrevista, e todas elas com outro tipo de informação
proveniente de outras fontes, a fim de testar a sua fiabilidade. Se não se
tiver esta precaução, o investigador correrá o risco de se limitar a
funcionar como caixa de ressonância dos seus informadores, os quais
têm uma percepção filtrada (necessariamente parcial) da realidade.
________________________________
Um exemplo deste tipo de questões: na pesquisa sobre os sistemas ibéricos de ensino superior à
distância não se encontrou, na documentação escrita, qualquer alusão significativa às resistências à
criação da Universidade Aberta, ocorridas durante os diversos anos da sua gestação. Para se
responder a esta questão, foi necessário recorrer a entrevistas a informadores qualificados.
35
64
1.4.3. Tipos de entrevistas
De acordo com Madeleine Grawitz pode-se classificar as entrevistas de
acordo com um continuum, variando entre um máximo e um mínimo de
liberdade concedida ao entrevistado e o grau de profundidade da
informação obtida. A partir desses dois critérios foi construído o
diagrama com um segmento de recta vertical, que representa o nível de
profundidade de informações que a entrevista pode fornecer; e o esboço
de um polígono que progressivamente se vai fechando tornando-se num
hexágono, correspondente ao decrescente grau de liberdade de resposta
proporcionada ao entrevistado.
Fig. 10 – Tipos de entrevista
● Entrevistas dominantemente informais
1 - Entrevista clínica
2 - Entrevista em profundidade
● Entrevistas mistas
3 - Entrevista livre
4 - Entrevista centrada
● Entrevistas dominantemente formais
5 - Entrevista com perguntas abertas
6 - Entrevista com perguntas fechadas
A entrevista clínica (tipo 1), como o nome indica, é utilizada
habitualmente em contextos terapêuticos, caracterizando-se por uma
liberdade quase total dada ao entrevistado na sua resposta e na grande
abundância e profundidade36 de informações que são partilhadas.
A entrevista em profundidade (tipo 2), típica de situações de
aconselhamento como as que se realizam utilizando o método de
Serviço Social de Casos ou as que decorrem em situações de
aconselhamento vocacional, apresenta ainda um grande grau de
liberdade no diálogo e profundidade na forma de abordagem temática
por parte do entrevistado, ainda que inferior à clínica.
Num grau intermédio de informalidade, encontram-se a entrevista livre
(tipo 3) e a entrevista centrada (tipo 4). Ambas são características dos
estudos exploratórios, diferindo entre si pelo nível de estruturação em
torno das temáticas específicas que são tratadas.
Características dominantemente formais têm as entrevistas estruturadas
com perguntas abertas (tipo 5) ou fechadas (tipo 6). Nestas últimas,
típicas em situação de sondagem, feitas a populações de muito grande
dimensão, o grau de liberdade do respondente é claramente reduzido
bem como a profundidade da informação obtida.
A fim de melhor caracterizar os seis tipos de entrevista observe-se a
figura 11 em que se procura diferenciá-las de acordo com seis variáveis:
o número das perguntas, a sua ordem, a sua forma, a sua focagem
dominante, o grau de interacção entre entrevistador e entrevistado e a
________________________________
Madeleine Grawitz utiliza o termo profundidade, no sentido de quantidade de informação de acesso
reservado.
36
65
facilidade de análise das respostas.
Figura 11 – Variáveis caracterizadoras do tipo de entrevista
Tipo de
entrevista
1. Clínica
2. Em
profundidade
Número de
questões
Ordem das
questões
Forma das
questões
Focagem das
questões
Situação
Comunicacional
Possibilidades de
análise
<<<
<<<
+
no
Quase
+
abertas
entrevistado
monólogo
qualitativa
<<
<<
<
<
>
>
>>
>>
3. Livre
4. Centrada
5. Com
perguntas
abertas
6. Com
perguntas
fechadas
+
>>>
>>>
fechadas
nos conhe+
cimentos do Quase diálogo
entrevistado
quantitativa
Assim, por exemplo, a entrevista clínica (tipo 1) de duração
tendencialmente longa, caracteriza-se por um número de perguntas
muito reduzido, quase sem ordenação, apresentando uma forma
quase sempre aberta, focadas dominantemente sobre a vivência
pessoal do entrevistado o que conduz a respostas eminentemente
subjectivas. O grau de interacção entre entrevistador e entrevistado
apresenta-se sob a forma de um quase-monólogo37 e a facilidade de
análise quantitativa das respostas é reduzida.
No outro extremo do continuum, situa-se a entrevista com perguntas
fechadas, de duração tendencialmente curta, que se caracteriza por um
número de perguntas em regra mais elevado, com uma ordenação
muito rigorosa, apresentando uma forma quase sempre fechada,
focadas dominantemente nos conhecimentos e opiniões do
entrevistado. O grau de interacção entre entrevistador e entrevistado
apresenta-se sob a forma de um quase-diálogo38 e a facilidade de
análise quantitativa das respostas é grande.
________________________________
Quase-monólogo uma vez que o entrevistador tem uma intervenção extremamente reduzida. O termo
quase, exprime a interacção do entrevistador que, ainda que reduzida, intervém na produção do
discurso com a sua simples presença.
38
Quase-diálogo visto que a situação de entrevista é artificial. Apesar da dinâmica interactiva gerada
pelo conjunto perguntas/respostas ser semelhante a um diálogo vulgar, a sua formalização retira-lhe a
espontaneidade; daí a expressão quase.
37
66
1.4.4. Aspectos de natureza prática
Independentemente do tipo de entrevista a realizar a experiência
resultante do trabalho de campo aconselha a adopção de um conjunto
de padrões de actuação que se tornaram habituais, e devem ser tidos
em conta antes, durante e depois da entrevista.
Fig. 12 – ASPECTOS A TER EM CONTA NA UTILIZAÇÃO DA
TÉCNICA DE ENTREVISTA
ANTES:
● Definir o objectivo
● Construir o guia de entrevista
● Escolher os entrevistados
● Preparar as pessoas a serem entrevistadas
● Marcar a data, a hora e o local
● Preparar os entrevistadores (formação técnica)
DURANTE:
● Explicar quem somos e o que queremos
● Obter e manter a confiança
● Saber escutar
● Dar tempo para “aquecer” a relação
● Manter o controlo com diplomacia
● Utilizar perguntas de aquecimento e focagem
● Enquadrar as perguntas melindrosas
● Evitar perguntas redutoras
DEPOIS:
● Registar as observações sobre o comportamento do entrevistado
● Registar as observações sobre o ambiente em que decorreu a
entrevista
1.4.4.1. Antes da entrevista
Definir os objectivos. O planeamento de uma entrevista deve
começar por integrar a explicitação dos objectivos que se querem
alcançar. Um modo de testar a sua clareza e rigor é interrogarmonos, após a sua concepção se, quando terminar a recolha de
dados, estaremos em condições de afirmar rigorosamente que os
objectivos foram ou não foram atingidos.
Construir o guião. Após a definição clara e rigorosa dos
objectivos da entrevista, há que os operacionalizar sob a forma de
variáveis. Após este procedimento, o investigador vai ter de
operacionalizar as variáveis em perguntas adequadas às
metas que pretende atingir. Por exemplo a variável idade pode ser
formatada no guião de várias formas:
–
Que idade tem?
ou
–
Em que ano nasceu?
ou
–
A sua idade está incluída em qual dos seguintes grupos
Menos de 20 □ Entre 20 e 24
Mais de 34 □
□ Entre 25 e 29 □ Entre 30 e 34 □
67
ou ainda
Menos de 20 □ Entre 20 e 29
Mais de 49 □
□ Entre 30 e 39 □ Entre 40 e 49 □
Para o guião de entrevista ficar pronto a ser utilizado haverá ainda
que encadear as questões de forma adequada ao objectivo da
pesquisa.
Escolher entrevistados. Tal como na selecção e encadeamento
das perguntas, a escolha dos futuros entrevistados deve ser
adequada aos objectivos da pesquisa. Tal adequação pode ser
personalizada, no caso de amostras intencionais em que se
procura inquirir um conjunto de informadores qualificados, ou feita
aleatoriamente dentro do universo correspondente ao objecto de
estudo.
Preparar os entrevistados. A fim de garantir a disponibilidade dos
entrevistados no acto da entrevista é aconselhável, sempre que
possível, contactá-los previamente. Os objectivos dessa diligência
são os seguintes:
●
informá-los sobre os resultados que esperamos obter
daquela entrevista;
●
explicitar os motivos de os havermos escolhido para serem
entrevistados, mostrando o valor acrescentado que as suas
respostas podem trazer à investigação em curso;
●
informá-los sobre o tempo de duração previsto para a sua
realização;
●
combinar a data, a hora e o local para realizá-la.
A experiência tem demonstrado que o contacto prévio com os
entrevistados (que pode ser feito presencialmente mas também
pelo correio, telefone, fax, correio electrónico ou outro qualquer
canal) não é um gasto inútil de energias mas constitui, pelo
contrário, um investimento. Ao ter esse procedimento o
investigador não só fica com mais garantias sobre a
disponibilidade física e psicológica39 da pessoa escolhida mas
também se lhe apresenta com uma imagem de profissionalismo
e demonstra ter respeito pelo seu tempo, o que, decerto, irá ter
efeitos positivos no ambiente em que a mesma irá decorrer.
1.4.4.2. Durante a entrevista
É comum vermos e ouvirmos, na televisão e na rádio, situações de
entrevista que retratam exactamente o que um entrevistador em
contexto de investigação científica não deve fazer. Esta afirmação
não envolve necessariamente uma crítica global aos jornalistas,
uma vez que o contexto e os objectivos de tais entrevistas são
completamente diferentes dos de uma entrevista que serve os fins
de uma dada pesquisa científica.
________________________________
O efeito habitual da ausência de contactos prévios é a entrevista não se realizar ou, o que é pior,
decorrer em ambiente tenso com o entrevistado a despachar o entrevistador com respostas
esteriotipadas por ter outras coisas agendadas conferindo ao entrevistador o papel de intruso ou de
ladrão do seu precioso tempo.
39
68
A questão inicial. Ao iniciar a entrevista e após uma breve síntese
enquadradora lembrando as informações já partilhadas no contacto
prévio, torna-se importante escolher uma questão inicial que
coloque o entrevistado no tema da conversa e que o ajude a
aquecer o ambiente relacional. Os especialistas em negociação
afirmam que os primeiros momentos são cruciais por determinarem
a criação de um clima de confiança ou de desconfiança difusa que
se vai reflectir ao longo das negociações. Isto aplica-se claramente
à situação de entrevista, uma vez que se está em presença de uma
negociação, ainda que implicita, cuja matéria prima é a informação.
Saber escutar. Contrariamente ao jornalista que, pressionado pelo
tempo de antena e pelo consequente ritmo que tem de imprimir ao
programa, interrompe frequentes vezes o entrevistado, o
investigador em Ciências Sociais (provavelmente como o jornalista
de investigação) tem de assumir uma atitude de escuta, evitando
cortar a palavra ao entrevistado. Esta atitude implica, antes de
mais, dar-lhe tempo para se adaptar – expontaneamente40 ou
recorrendo a perguntas de aquecimento – e deixá-lo exprimir-se
pelas suas próprias palavras e ao seu ritmo pessoal. É importante,
sobretudo em entrevistas pouco estruturadas, saber respeitar os
silêncios que por vezes ocorrem no discurso do entrevistado,
permitindo-lhe assim reflectir sobre o que fala. As situações de
silêncio são difíceis de aguentar podendo afirmar-se que o saber
geri-las adequadamente constitui um sinal sólido da experiência e
tecnicidade de um investigador.
Controlar o fluxo de informação. É comum observar-se, no
entanto, que após um período de inibição inicial, em que as
respostas são dadas de forma curta e incompleta, obrigando o
entrevistador a perguntas de suporte ou de focagem para obter
a informação pretendida, o respondente ganha confiança e
aumenta excessivamente o fluxo de informação. Nessas
circunstâncias é necessário manter o controlo do fluxo de
respostas com diplomacia, especialmente se se tratar de uma
entrevista mais estruturada.
Enquadrar as perguntas melindrosas. Tais questões devem ser
posicionadas no fim da entrevista, altura em que existe um maior
clima de confiança. As questões delicadas devem assim ser
cuidadosamente enquadradas por perguntas preparatórias. Não é
tarefa fácil, temos que reconhecê-lo, razão pela qual os
entrevistados têm que ser cuidadosamente escolhidos e
preparados para o seu desempenho.
1.4.4.3. Depois da entrevista
Após a entrevista é sempre útil registar as observações sobre o
comportamento verbal e não verbal do entrevistado, bem como
sobre o ambiente em que a mesma decorreu. Tal registo
permitirá levantar hipóteses mais seguras sobre a autenticidade
das respostas obtidas e sobre o grau de liberdade com que foram
________________________________
Um recurso habitualmente usado para dar confiança ao entrevistado é o uso de técnicas de reforço
através de expressões como “estou a ver...”, da repetição parcial e da reformulação do discurso do
entrevistado.
40
69
das. Numa entrevista feita em público, por exemplo, o respondente
está sujeito a um conjunto de constrangimentos sociais que poderá
não ter se tal entrevista for efectuada na intimidade da sua casa,
sem a presença de espectadores.
70
71
1.5. O Relatório de Pesquisa
1.5.1. Introdução
O objectivo de um relatório, seja ele qual for, é pôr em comum uma
determinada acção do autor e partilhar um conjunto de informações por
ele consideradas relevantes. Isto implica, antes de mais, que a
preocupação dominante de quem tem a incumbência de produzir um
qualquer relatório deve ser a de ter uma estratégia de comunicação
adequada ao público a quem esse documento se destina.
No caso paricular do relatório de um dado projecto de investigação
científica, este deve assumir-se como um espelho da pesquisa
efectuada que permita aos leitores, não só entender os problemas que
estão em jogo e os resultados alcançados, mas também os
procedimentos metodológicos escolhidos a fim de os poderem verificar
para confirmar ou infirmar os resultados do autor.
Exemplos típicos de relatórios deste tipo são as dissertações de
mestrado e de doutoramento.
1.5.2. Reflexões prévias ao acto de relatar
Antes de iniciar o relatório, é conveniente que o investigador reflicta
sobre alguns aspectos fundamentais do seu trabalho, que se podem
equacionar sob a forma de quatro questões:
●
O que é que se quer transmitir?
●
A quem se destina o relatório?
●
Quando e onde se desenvolveu a pesquisa?
●
Como foi realizada a investigação?
1.5.2.1. O que é que se quer transmitir?
Antes de mais, é preciso ter consciência da informação que se
quer obter e como se quer difundi-la. Também na elaboração de
um relatório se aplica o princípio da economia de informação
que temos vindo a defender nas anteriores unidades. Isto significa
que nunca se deve transmitir tudo o que se fez e como se fez ao
longo do complexo percurso da pesquisa, uma vez que esse
procedimento iria produzir nevoeiro informacional nos receptores,
para além de lhes fazer gastar tempo inutilmente. Há, por isso,
que saber seleccionar a informação pertinente (e não mais que
essa) a difundir no relatório.
Independentemente do teor da pesquisa efectuada é relativamente
consensual considerar que qualquer relatório científico deve conter
informação sobre os seguintes aspectos:
●
objectivo da pesquisa (com indicação dos resultados
previstos)
●
objecto (traduz o campo bem delimitado sobre que incidiu a
investigação)
●
relação entre a problemática investigada e a teoria existente
72
●
resultados efectivamente obtidos
●
apresentação dos resultados não alcançados e justificação
dos motivos que impediram atingi-los
Os conteúdos da investigação e o modo como são explicitados sob
a forma de relatório devem ser, por outro lado, coerentes com a
motivação que presidiu à concepção do projecto:
●
saber mais (ex: comprovar uma teoria);
●
saber fazer melhor (ex: conceber e administrar uma
política de urbanização, de saúde, de educação ou de
segurança social, etc.);
●
saber situar-se melhor (ex: perante conflitos raciais,
perante problemas novos como o da integração de certo
tipo de refugiados, etc.)
1.5.2.2. A quem se destina o relatório?
A segunda interrogação prende-se à caracterização dos
utilizadores do relatório, uma vez que o investigador não escreve
para si próprio. Na unidade 1.1. foi referido que um processo de
investigação é semelhante a uma corrida de estafetas, uma vez
que para atingir os seus objectivos, o investigador precisa de
recolher o testemunho de todo um trabalho anterior, introduzir-lhe
algum valor acrescentado e passar esse testemunho à comunidade
científica a fim de que outros possam voltar a desempenhar o
mesmo papel no futuro.
Assim como a pesquisa documental se deve assumir como a
passagem do testemunho dos que investigaram antes no mesmo
terreno, para as mãos do investigador, o relatório da pesquisa
efectuada corresponde à devolução do testemunho, pelo
investigador à comunidade científica, corporizado na mais valia
introduzida com o seu trabalho. O relatório deve concretizar, por
isso, uma estratégia comunicacional adequada aos grupos-alvo a
que se destina.
Fig. 13 – Adequação do relatório aos públicos-alvo
Aspectos a ter
em conta:
Clareza
Rigor
Terminologia
Estrutura
Para a
Universidade
Para organizações
Para a
públicas e privadas comunicação
social
+
++
+++
+++
++
+
Codificada
para a
comunidade
científica
Codificação de
acordo com o tipo
de organizaçãocliente
Rigorosa e
minuciosa
Relativamente
simplificada
Simplificada
Apelativa
O rigor do discurso académico não deve dispensar a sua clareza
se bem que a homogeneidade do público-alvo implique uma
terminologia codificada para o público a que se destina. Um
73
exemplo disso é a minúcia e o rigor da sua estrutura representada
no índice.
Se se trata de um relatório destinado aos financiadores da
investigação, é conveniente que retrate a congruência dos
resultados alcançados com os interesses que levaram os
investidores a financiar a pesquisa e utilizar uma linguagem
adaptada à sua maneira de comunicar.
Investigações encomendadas por entidades públicas ou privadas,
cuja principal motivação é resolver problemas concretos, devem
culminar com relatórios cuja informação possa ser facilmente
digerível por decisores e técnicos, que não são necessariamente
académicos, como matéria útil para o desenvolvimento prático da
sua acção profissional.
Deste modo o discurso deve ter uma terminologia codificada de
acordo com a organização-cliente sendo a sua estrutura
normalmente mais simplificada que a usada para comunidades
académicas.
Finalmente, se o público-alvo é integrado por órgãos de
comunicação social ou se os resultados obtidos se destinam a ser
difundidos pelo público em geral, a informação contida no relatório
deve assumir uma forma clara e sucinta, sem as escoras teóricas e
metodológicas indispensáveis para públicos de natureza
académica ou técnica. O que para uns é sinal de rigor científico
para outros é considerado pretencioso, confusionista e ilegível. A
terminologia é simplificada, por vezes sacrificando o rigor à clareza,
e a estrutura deve ser apelativa.
1.5.2.3. Quando e onde se desenrolou a
pesquisa?
Uma terceira questão prende-se ao conjunto dos condicionamentos
espaço-institucionais e temporais que envolveram o desenrolar da
investigação.
1.5.2.3.1. Condicionamentos espaço-institucionais
Se Ruth Benedict (1887-1948), figura de proa da
Antropologia Cultural americana, tivesse sido contactada
para fazer um estudo sobre a cultura japonesa por uma
qualquer instituição académica numa altura em que o Japão
e os Estados Unidos não estivessem em guerra,
provavelmente teria feito um trabalho bem diferente do que
resultou do seu clássico O Crisântemo e a Espada. O facto
desta obra lhe ter sido encomendada pelo Estado Maior
Americano durante a Segunda Guerra Mundial, com o intuito
de entender o comportamento dos soldados japoneses nos
teatros de operações, considerado então paradoxal41, impôslhe um conjunto de condicionamentos, de entre os quais se
salientam:
________________________________
Um exemplo que poderá clarificar o que se afirma: contrariamente ao soldado ocidental que quando
em situação militar de derrota eminente apresentava uma baixa motivação para combater, o militar
japonês parecia ganhar combatitividade, o que evidentemente tinha efeitos práticos graves em termos
de baixas nos aliados.
41
74
●
do ponto de vista metodológico, foi obrigada a não
utilizar a técnica designada como observação
participante, habitual em investigação antropológica,
enquanto meio de recolher dados sobre o objecto de
estudo; em sua substituição, teve de recorrer a uma
engenhosa combinação de entrevistas a informadores
qualificados e a cidadãos americanos de origem
japonesa, à análise de conteúdo das emissões de
propaganda da Rádio Tóquio, e ainda, a uma árdua
pesquisa de natureza documental;
●
relativamente à motivação que havia presidido à
encomenda daquele estudo, teve de efectuar uma
pesquisa de grande complexidade no exíguo tempo
disponível.
Estudos sobre prisões, hospitais psiquiátricos, internatos,
investigações efectuadas sobre grupos com comportamento
desviado, trabalhos em organizações burocráticas sobre
simplificação administrativa, estudos sobre grupos fechados,
etc., são alguns exemplos de pesquisas com fortes
condicionamentos institucionais (ou grupais), limitações
essas que devem ser consciencializadas pelo investigador e
por ele partilhadas no relatório final a fim de que os seus
resultados possam ser alvo de uma avaliação contextual
adequada.
1.5.2.3.2. Condicionamentos temporais
Também os condicionamentos de natureza temporal devem
não só ser explicitados no relatório, como proporcionada ao
leitor, por parte do investigador, a justificação do ocorrido.
No acto de relatar, a limitação dos prazos deve ser
explicitada claramente, não como legitimação dos resultados
que não se alcançaram mas como indicador de
custo(tempo)/qualidade(resultados obtidos) da pesquisa.
1.5.2.4. Como se desenrolou a investigação?
Uma última reflexão que é conveniente fazer é sobre a
metodologia adoptada e as dificuldades encontradas na sua
execução. Esta auto e heterocrítica metodológica é
indispensável a quem pretende apresentar um trabalho sério e ter
consciência sobre o seu valor acrescentado e sobre as suas
limitações.
1.5.3. Elaboração do Relatório
Feito o conjunto de reflexões acima enunciadas, falemos um pouco mais
detalhadamente do conteúdo e da forma do relatório.
75
1.5.3.1. Conteúdo do Relatório
Quanto ao conteúdo e independentemente de padrões
institucionais particulares e da natureza da investigação é
consensual que qualquer relatório de pesquisa deva conter os
seguintes elementos:
●
apresentação do problema
●
processos de pesquisa
●
resultados alcançados
●
consequências dos resultados
1.5.3.1.1. Problematização da questão
Para a apresentação do fenómeno que a investigação visou
estudar e compreender, o relatório deve explicitar claramente
a delimitação do objecto da pesquisa, os seus objectivos e
a moldura teórica (quadro conceptual, teorias e hipóteses)
em que o mesmo se enquadra.
Naturalmente que a elaboração desta parte do relatório é
fortemente facilitada se o investigador tiver tido o cuidado de
planear cuidadosamente o seu trabalho e de registar
exaustivamente o resultado desse planeamento.
1.5.3.1.2. Itinerários e processos de pesquisa
A explicitação dos problemas epistemológicos com que o
investigador se confrontou, os que se prendem com a
metodologia adoptada, com as técnicas escolhidas, com as
dificuldades encontradas e com o modo como todos eles
foram ultrapassados é, como acima se disse, um elemento
indispensável de qualquer relatório científico.
1.5.3.1.3. Resultados alcançados
É extremamente importante o investigador estar ciente de
que os resultados alcançados pela investigação (positivos e
negativos), constituem a parte substantiva de qualquer
relatório.
Para além da inevitável desqualificação académica traduzida
em classificações inferiores às que os candidatos
esperariam, tal desequilíbrio tem como consequência um
desperdício de informação interessante que poderia ter sido
partilhada com a comunidade científica, retirando valor
acrescentado ao trabalho.
1.5.3.1.4. Consequências dos resultados
Finalmente, é conveniente que o relatório contenha uma
meditação sobre esse valor acrescentado, permitindo
evidenciar as consequências, nos planos prático, teórico ou
metodológico, do trabalho desenvolvido.
76
Em suma, o conteúdo do relatório deve abranger os dez
elementos que integram o Vê de Gowin referido na unidade
1.1. (reveja a figura 7) e que aqui se recordam:
●
Na vertente conceptual: Objecto de estudo, objectivo
(questão-chave), concepções extra-científicas do
investigador que possam ter afectado a investigação,
teorias, modelos e conceitos que a tenham
fundamentado.
●
Na vertente metodológica: registos, transformações
(estratégias de recolha, tratamento e interpretação de
dados), resultados obtidos e valor acrescentado da
pesquisa efectuada para o desenvolvimento da teoria,
da metodologia e/ou da prática.
1.5.3.2. Construção e forma do relatório
Uma vez que um relatório de pesquisa é, antes de mais, um
instrumento de comunicação, a forma como é apresentado é tão
importante como o seu conteúdo.
1.5.3.2.1. Dois princípios básicos indispensáveis:
clareza e rigor
O princípio da clareza obriga, antes de mais, a um discurso
morfológica, sintáctica e lexicalmente correcto. Isto implica,
por exemplo, a fuga a lugares comuns e a chavões que,
constituindo muletas de comunicação do autor, fazem
frequentemente tropeçar o leitor ou, pelo menos, têm efeito
distractivo no acto da leitura. O uso de palavras
despropositadamente difíceis ou ambíguas é sempre de
evitar, pois confundem o leitor e fazem-lhe inutilmente perder
tempo, num acrescido trabalho de interpretação. Como refere
Quivy (1992: 21), por vezes investigadores principiantes (nós
acrescentaríamos que não só esses) para assegurarem a
sua credibilidade, julgam útil exprimir-se de forma pomposa e
ininteligível e, na maior parte das vezes, não conseguem
evitar raciocinar da mesma maneira.
O princípio do rigor assenta no valor, defendido por qualquer
ramo da Ciência, da busca da Verdade. Sem um pensamento
estruturado com rigor, concretizado na sua partilha oral ou
escrita com a comunidade científica, não é possível contribuir
para o verdadeiro desenvolvimento das ciências.
1.5.3.2.2. Esquema de apresentação: o travejamento
temático
É conveniente que, o mais precocemente possível, o autor
elabore um esquema provisório da estrutura do relatório final.
Em todo este processo é importante salientar que o
esquema funciona como uma espécie de bússola, com
funções orientadoras, e não como um espartilho à
criatividade do investigador.
77
Um esquema pode obedecer a uma classificação numérica,
alfanumérica ou alfabética. Sendo indiferente a opção
tomada é fundamental, no entanto, ter em consideração que
deve apresentar um critério uniforme de estruturação. Uma
forma usual é a numérica hierarquizada que se apresenta
sob o formato seguinte, por todos conhecido:
1.
1.1.
1.2.
1.2.1.
1.2.1.1.
1.2.1.2.
1.2.2.
1.3.
2.
2.1., etc
Opiniões de não especialistas não são de negligenciar, uma
vez que frequentemente conduzem a um aperfeiçoamento do
esquema em termos de clareza.
1.5.3.2.3. O corpo do texto
Uma vez possuidor desse instrumento poderoso que é o
esquema, o investigador pode escolher um de dois caminhos:
• ou escreve o relatório final apenas ao terminar todo o
processo de investigação
• ou vai progressivamente escrevendo sucessivas versões
provisórias paralelamente ao processo de pesquisa.
Sendo a primeira uma opção respeitável, tem o inconveniente
de gastar muito tempo inutilmente com operações
redundantes de registo de informação. Em muitos contextos
de pesquisa este procedimento pode hoje ser substituído
com vantagem pela segunda opção que, no entanto,
pressupõe a estruturação prévia cuidadosa atrás referida.
Em vez do processo clássico de redacção, que poderá ser
descrito como o enchimento de um recipiente, a segunda
opção assemelha-se à construção de um puzzle, inserindo
previamente a estrutura do relatório e escrevendo texto
provisório em várias partes do esquema. Nesta fase, o
investigador pode não ter grandes preocupações formais com
o texto que vai produzindo, uma vez que na revisão final irá
ter esses cuidados. É, no entanto, vantajoso que se rotine
essa prática, desde o início, assumindo um estilo que facilite
tal operação.
Dimensão dos parágrafos e períodos. Deve
suficientemente pequena para permitir uma fácil leitura.
ser
Formatação da mancha (retirados, alíneas, espaços, etc.).
Deve apresentar-se arejada criando, através da combinação
de diferentes corpos de letra, de sublinhados e de espaços
abertos, espaços de concentração da atenção e pausas
visuais que permitem ao leitor fixar-se na mensagem
essencial.
78
Pés de página. O pé de página ou nota de rodapé pode ser
usado com êxito para comentários a propósito e referências
ao pensamento de outros autores que, no entanto, iriam
tornar o discurso excessivamente pesado ou que desviariam
o leitor do essencial se fossem postos no corpo do texto.
Quadros, gráficos, diagramas, mapas, fotos e outras
ilustrações. Podendo e devendo ser usados como
instrumentos de clarificação e de escoramento do texto, é
bom não esquecer que não são mais do que isso mesmo,
instrumentos, devendo servir o texto e não contrariá-lo,
tornando-o confuso. As ilustrações que introduzam um valor
acrescentado imediato devem ser incluídas no corpo do
texto. Todas as que constituam informação complementar
deverão ser remetidas para anexo. Quando se lida com
quadros numéricos demasiado complexos será um
procedimento prudente decompô-los em unidades mais
simples, adequadas ao texto. Cada ilustração deverá ser
convenientemente titulada e a fonte de onde foi retirada
indicada junto, com referência específica do autor, da
identificação da fonte e da data da sua produção. Por vezes,
há necessidade ainda de introduzir notas e legendas que
devem ser curtas e claras.
Em suma: o material ilustrativo a inserir tem de constituir um
todo, articulando-se com o texto e tem de estar doseado em
função do objectivo da comunicação a transmitir.
Sínteses parciais e conclusão. A fim de conferir solidez ao
texto, em relatórios de maior dimensão, pode-se recorrer a
sínteses de final de capítulo, que têm o objectivo de sublinhar
as principais ideias do trabalho.
Introdução. Estamos de acordo com o saudoso investigador
Silva Rego quando aconselhava os seus alunos a deixar a
introdução para o fim da redacção, uma vez que funciona
como apresentação geral do trabalho.
Anexos. Como atrás foi referido, deve ser incluída em anexo
a informação que, não fazendo parte integrante do texto, lhe
serve, apesar de tudo, como complemento indispensável. Do
nosso ponto de vista, um relatório de pesquisa não deve ser
sobrecarregado com informação excessiva, incluindo apenas
aquela que se apresenta com utilidade imediata para o leitor
e a que, dada a sua raridade ou originalidade, enriquece o
texto principal.
Glossários. Trabalhos que tenham de recorrer a vocabulário
especializado e mal conhecido, a conceitos polémicos, bem
como a siglas e acrónimos, devem incluir um glossário para
esclarecimento do leitor.
Índices. Para além do Índice Geral, é conveniente que os
relatórios que contenham quadros e ilustrações de vária
ordem, apresentem os índices correspondentes.
Bibliografia. No final de um relatório de pesquisa toda a
bibliografia consultada deve ser referenciada com a
79
identificação correcta e com um critério uniforme. Em nossa
opinião, só a documentação efectivamente utilizada deve ser
referenciada na bibliografia. O modo mais habitual é a mera
arrumação por autores seguindo a ordem alfabética.
Título. Muitas vezes descurado o título constitui, quando bem
escolhido, um excelente cartão de visita para uma pesquisa,
tendo um efeito de atracção ou de repulsão sobre os
potenciais leitores.
80
81
2. APROFUNDAMENTO TEMÁTICO
Manuela Malheiro Ferreira
2.1. Métodos Qualitativos
2.1.1. Introdução
2.1.1.1. Métodos e técnicas de investigação em
Ciências Sociais
Madeleine Grawitz (1993) define métodos como um conjunto
concertado de operações que são realizadas para atingir um ou
mais objectivos, um corpo de princípios que presidem a toda a
investigação organizada, um conjunto de normas que permitem
seleccionar e coordenar as técnicas.
As técnicas são procedimentos operatórios rigorosos, bem
definidos, transmissíveis, susceptíveis de serem novamente
aplicados nas mesmas condições, adaptados ao tipo de problema
e aos fenómenos em causa. A escolha das técnicas depende do
objectivo que se quer atingir, o qual, por sua vez, está ligado ao
método de trabalho.
A técnica representa a etapa de operações limitadas, ligadas a
elementos práticos, concretos, definidos, adaptados a uma
determinada finalidade, enquanto que o método é uma
concepção intelectual coordenando um conjunto de operações,
em geral várias técnicas.
2.1.1.2. Métodos quantitativos e métodos
qualitativos
Tradicionalmente a investigação quantitativa e a investigação
qualitativa estão associadas a paradigmas. A distinção entre
paradigmas diz respeito à produção do conhecimento e ao
processo de investigação e pressupõe existir uma correspondência
entre epistemologia, teoria e método. No entanto, a distinção é
usualmente empregada a nível do método. Cada tipo de método
está portanto ligado a uma perspectiva paradigmática distinta e
única.
Nas últimas décadas têm sido objecto de discussão não só as
vantagens e inconvenientes relativos à adequada utilização de
métodos quantitativos e de métodos qualitativos em trabalhos de
investigação em Ciências Sociais, como tem sido encarada a
possibilidade de utilizar uma articulação de ambos.
2.1.2. Os métodos qualitativos
2.1.2.1. Características dos métodos qualitativos
Sem pretensão de uma enunciação exaustiva das características
dos métodos qualitativos, entendemos ser, no entanto, importante
para a sua compreensão indicar algumas delas:
82
Indutiva – Os investiagdores tendem a analisar a informação
de uma “forma indutiva”. A teoria é desenvolvida de “baixo
para cima” (em vez de cima para baixo), tendo como base os
dados que obtiveram e estão inter-relacionados. Esta teoria
designa-se por “teoria fundamentada” (Glaser e Strauss,
1967);
Holística – Os investigadores têm em conta a “realidade
global”. Os indivíduos, os grupos e as situações não são
reduzidos a variáveis mas são vistos como um todo, sendo
estudado o passado e o presente dos sujeitos de
investigação;
Naturalista – A fonte directa de dados são as situações
consideradas “naturais”;
Os investigadores são “sensíveis ao contexto” - Os actos,
as palavras e os gestos só podem ser compreendidos no seu
contexto;
O “significado” tem uma grande importância – Os
investigadores procuram compreender os sujeitos a partir dos
“quadros de referência” desses mesmos sujeitos. Procuram
compreender as perspectivas daqueles que estão a estudar,
de todos na sua globalidade e não apenas de alguns;
Os métodos qualitativos são “humanísticos” - Quando os
investigadores estudam os sujeitos de uma forma qualitativa
tentam conhecê-los como pessoas e experimentar o que eles
experimentam na sua vida diária (não reduzem a palavra e os
actos a equações estatísticas);
Os investigadores interessam-se mais pelo processo de
investigação do que unicamente pelos resultados ou
produtos que dela decorrem;
Em investigação qualitativa o “plano de investigação é
flexível”;
A investigação qualitativa é “descritiva”. A descrição deve
ser rigorosa e resultar directamente dos dados recolhidos. Os
investigadores analisam as notas tomadas em trabalho de
campo, os dados recolhidos, respeitando, tanto quanto
possível, a forma segundo a qual foram registados ou
transcritos;
O investigador é o “instrumento” de recolha de dados; a
validade e a fiabilidade dos dados depende muito da sua
sensibilidade, conhecimento e experiência.
Em investigação qualitativa dá-se uma grande importância à
validade do trabalho realizado. Neste tipo de investigação
tenta-se que os dados recolhidos estejam de acordo com o
que os indivíduos dizem e fazem;
Em investigação qualitativa “a preocupação central não é a
de saber se os resultados são susceptíveis de
generalização, mas sim a de que outros contextos e
sujeitos a eles podem ser generalizados” (Bogdan e
Biklen, 1994).
83
As técnicas mais utilizadas em investigação qualitativa são a
observação participante, a entrevista em profundidade e a análise
documental.
2.1.2.2. Tradições teóricas em investigação
qualitativa
A investigação qualitativa não é uniforme devido a existirem
diferentes tradições teóricas e orientações metodológicas.
Patton (1990) refere as principais, que estão indicadas no Quadro
seguinte:
Quadro 1 – Tradições teóricas em investigação qualitativa
Perspectiva
Origem disciplinar
Questões centrais
1 - Etnografia
Antropologia
Qual é a cultura deste grupo de
indivíduos ?
2 - Fenomenologia
Filosofia
Qual é a estrutura e a essência
da experiência deste fenómeno
para estes indivíduos ?
3 - Heurística
Psicologia Humanística
Qual é a minha experiência deste
fenómeno e a experiência essencial de outros que também tiveram uma experiência intensa deste fenómeno ?
4 - Etnometodologia
Sociologia
Como é que os indivíduos atribuem sentido às actividades
diárias, de modo a comportaremse de uma maneira socialmente
considerada como aceitável ?
5 – Interaccionismo
Simbólico
Psicologia social
Qual o conjunto comum de
símbolos e conhecimentos que se
criaram para dar sentido às interacções entre indivíduos ?
6 – Psicologia Ecológica
Ecologia, Psicologia
Como é que os indivíduos tentam
alcançar os seus fins mediante
comportamentos específicos em
ambientes determinados ?
7 – Teoria sistémica
Interdisciplinar
Como e porquê este sistema funciona como um todo ?
8 – Teoria do caos:
dinâmica não linear
Física teórica, Ciências Naturais
Qual é a ordem subjacente (no
caso de existir alguma) aos fenómenos desordenados ?
9 - Hermenêutica
Teologia, Filosofia,
Crítica Literária
Quais são as condições em que
se realizou uma actividade humana ou um produto foi elaborado
de tal forma que se possa interpretar o seu significado ?
10 – Qualitativa
Orientacional
História das Ideias,
Economia Política
Como é que uma dada perspectiva ideológica se manifesta (ou
se manifestou) neste fenómeno ?
Fonte: (Patton, 1990, 88)
84
2.1.3. Possibilidade de utilizar uma
combinação de métodos quantitativos e
qualitativos
Autores como Reichardt e Cook (1986) afirmam que um investigador não
é obrigado a optar pelo emprego exclusivo de métodos quantitativos ou
qualitativos e se a investigação o exigir poderá combinar a sua utilização.
Patton (1990) afirma que uma forma de tornar um plano de investigação
mais “sólido” é através da triangulação, isto é, da combinação de
metodologias no estudo dos mesmos fenómenos ou programas. O autor
cita Denzin (1978) que identificou quatro grandes tipos de triangulação:
1 - triangulação de dados - o uso de uma variedade de fontes num
mesmo estudo;
2 - triangulação de investigadores - o uso de vários investigadores
ou avaliadores;
3 - triangulação de teorias - o uso de várias perspectivas para
interpretar um mesmo conjunto de dados;
4 - triangulação metodológica - o uso de diferentes métodos para
estudar um dado problema ou programa.
A lógica da triangulação é que cada método revela diferentes aspectos
da realidade empírica e consequentemente devem utilizar-se diferentes
métodos de observação da realidade.
No entanto é referido por todos os autores que o facto de se combinarem
métodos quantitativos e qualitativos apresenta vários problemas
relativamente ao:
–
custo
–
tempo
–
experiência e competência do investigador na utilização dos dois
tipos de métodos pois raramente ele domina de igual modo cada
um desses tipos de métodos de forma a poder utilizá-los
eficazmente.
85
2.2. Técnicas de Amostragem
2.2.1. Introdução
Patton (1990) afirma que provavelmente nada põe tão bem em evidência
a diferença entre métodos quantitativos e métodos qualitativos como as
diferentes lógicas que estão subjacentes às técnicas de amostragem.
População ou universo é o conjunto de elementos abrangidos por uma
mesma definição. O número de elementos de uma população designa-se
por grandeza ou dimensão e representa-se por N (os estudantes
universitários portugueses, os imigrantes caboverdianos residentes em
Portugal, podem constituir exemplos do que designámos como
populações). A população deve ser definida em pormenor, de tal forma
que um investigador possa determinar se os resultados que se obtiveram
ao estudar uma dada população podem ser aplicados a outras
populações com características idênticas.
Na prática, em grande número de casos, como os indicados
anteriormente, o número de elementos de uma população é demasiado
grande para ser possível, dado o custo e o tempo, observá-los na sua
totalidade, sendo então necessário proceder-se à selecção de elementos
pewrtencentes a essa população ou universo. A técnica designada por
amostragem (processo de selecção de uma amostra) conduz à
selecção de uma parte ou subconjunto de uma dada população ou
universo que se denomina amostra, de tal maneira que os elementos
que constituem a amostra representam a população a partir da qual
foram seleccionados. O número de elementos que fazem parte de uma
amostra designa-se por dimensão ou grandeza da amostra e
representa-se por n. O propósito da amostragem é obter informação
acerca de uma dada população; sendo raro um estudo incidir sobre a
totalidade da população. De facto, em grande número de casos não só
não é possível utilizar a totalidade dos elementos que constituem a
população, como também não é necessário fazê-lo. Se a população é
constituída por um grande número de elementos, ou se estes estão
geograficamente dispersos, o facto de se estudar toda a população
implicaria um grande gasto de tempo e de dinheiro. A selecção da
amostra pode ser feita de tal forma que esta seja representativa do
conjunto da população que se pretende estudar.
Existem dois grandes tipos de técnicas de amostragem:
• a probabilística. Amostras probabilísticas são seleccionadas de tal
forma que cada um dos elementos da população tenha uma
probabilidade real (conhecida e não nula) de ser incluído na amostra,
e
• a
não probabilística. Amostras não probabilísticas são
seleccionadas de acordo com um ou mais critérios julgados
importantes pelo investigador tendo em conta os objectivos do
trabalho de investigação que está a realizar (não está garantida uma
probabilidade conhecida e não nula de cada um dos elementos da
população ser seleccionado para fazer parte da amostra).
Seja qual for a técnica utilizada, ao realizar uma amostragem devem ser
dados os passos seguintes:
–
Definição da população;
86
–
Determinação da dimensão ou grandeza da amostra necessária;
–
Selecção da amostra
2.2.2. Amostragens probabilísticas
As amostragens probabilísticas implicam que a selecção dos
elementos que vão fazer parte da amostra seja feita aleatoriamente.
Procede-se à selecção de amostras probabilísticas com o objectivo de
poder generalizar à totalidade da população os resultados obtidos com o
estudo dos elementos constituintes da amostra, devendo assim ser estes
representativos dessa população.
Existem cinco técnicas básicas de amostragem probabilística.
2.2.2.1. Amostragem aleatória simples
Na amostragem aleatória simples cada elemento de uma dada
população tem uma igual probabilidade de ser seleccionado. Todos
os elementos de uma população fazem parte de uma lista que, em
cada caso considerado, inclui a sua totalidade e o número de
elementos que constituem a amostra são seleccionados
aleatoriamente a partir dela.
2.2.2.2. Amostragem estratificada
A amostragem estratificada é o processo de seleccionar uma
amostra de tal forma que subgrupos ou estratos previamente
identificados na população em estudo estejam representados na
amostra em proporção idêntica à que existem na população em
estudo. Os elementos pertencentes a cada um dos estratos, depois
de numerados, deverão ser seleccionados aleatoriamente
(utilizando uma tabela de números aleatórios).
2.2.2.3. Amostragem de “cachos” (clusters)
Na amostragem de “cachos” (clusters) cada elemento da
população pertence a um dado grupo ou “cacho” (cluster). O
“cacho” é neste caso um conjunto que se identifica com a unidade
de amostragem, que não é, portanto, constituída por cada
elemento individual da população estudada.
Utiliza-se esta técnica de amostragem quando os “cachos” estão
geograficamente dispersos tal como o caso de escolas dispersas
pelo País, prédios de residência inseridos em diversos locais de
uma cidade, etc.
2.2.2.4. Amostragem por etapas múltiplas
A amostragem por etapas múltiplas resulta da extensão do
conceito de amostragem de cachos. A forma mais simples é o
processo de amostragem ser realizado em duas etapas, mas por
vezes faz-se em várias etapas de selecção. Tome-se o seguinte
exemplo:
Selecciona-se aleatoriamente uma dada percentagem de escolas
do País e em cada escola seleccionada é escolhido um
87
determinado número de turmas. Os alunos dessas turmas é que
irão fazer parte da amostra.
2.2.2.5. Amostragem sistemática
Na amostragem sistemática os elementos são seleccionados a
partir de uma lista dos elementos da população. Aleatoriamente
escolhe-se o primeiro elemento a ser seleccionado e
seguidamente, com intervalos iguais, os restantes elementos. A
maior diferença relativamente ao processo de amostragem
aleatória simples é que de facto todos os elementos da população
não têm uma probabilidade independente de serem seleccionados.
Uma vez escolhido o primeiro elemento a ser seleccionado os
outros elementos são em fase subsequente automaticamente
determinados. Apesar disso, uma amostragem sistemática pode
ser considerada aleatória se a lista da população for ordenada
aleatoriamente. Se os elementos da lista não tiverem sido
ordenados aleatoriamente a amostra não representa, com a
mesma qualidade, a população considerada comparativamente às
outras técnicas indicadas anteriormente.
A vantagem deste tipo de amostragem é a facilidade como são
seleccionados os elementos para constituição da amostra quando
se está, por exemplo, a realizar trabalho de campo.
2.2.2.6. Determinação da dimensão da amostra
A resposta à pergunta qual deverá ser a dimensão da amostra é
difícil. Se ela for de muito pequena dimensão, os resultados do
estudo podem não ser generalizáveis à população considerada. Os
resultados podem apenas ser válidos para a amostra e poder-seiam obter diferentes resultados se se estudasse a totalidade dos
elementos dessa mesma população.
Usualmente considera-se que quanto maior for a amostra mais
possibilidades tem de ser representativa da população. Para um
estudo descritivo, uma amostra que integre 10% do total da
população considerada é julgado como a dimensão mínima a
obter. Se a população é pequena, pode ser necessário uma
amostra de 20%. Para um estudo correlacional são necessários
pelo menos 30 sujeitos para estabelecer se existe ou não uma
relação entre duas variáveis. Para estudos experimentais e causalcomparativos é geralmente recomendado um número mínimo de
30 sujeitos por grupo. Por vezes é necessário utilizar amostras
maiores, por exemplo em estudos experimentais, quando se
espera que a diferença entre o grupo experimental e o grupo de
controlo seja pequena, pois se a amostra não for suficientemente
grande a diferença pode não ser evidenciada. Existem no entanto
técnicas estatísticas relativamente precisas, que podem ser
utilizadas para estimar qual a dimensão necessária da amostra
para um dado estudo experimental; o uso de tais técnicas exige
que se conheçam determinados factos acerca da população, tais
como as diferenças esperadas entre grupos.
88
2.2.3. Amostras não probabilísticas
As amostras não probabilísticas são utilizadas em muitos projectos de
investigação. Amostras não probabilísticas podem ser seleccionadas
tendo como base critérios de escolha intencional sistematicamente
utilizados com a finalidade de determinar as unidades da população que
fazem parte da amostra. Muitas vezes são utilizadas para fazer estudos
em profundidade.
Enumera-se, a título ilustrativo, sete das técnicas de amostragem não
probabilística mais frequentemente utilizadas:
2.2.3.1. Amostragem de conveniência
Na amostragem de conveniência utiliza-se um grupo de
indivíduos que esteja disponível ou um grupo de voluntários.
Poderá tratar-se de um estudo exploratório cujos resultados
obviamente não podem ser generalizados à população à qual
pertence o grupo de conveniência, mas do qual se poderão obter
informações preciosas, embora não as utilizando sem as devidas
cautelas e reserva.
2.2.3.2. Amostragem de casos muito
semelhantes ou muito diferentes
Nestes estudos os elementos seleccionados são normalmente em
pequeno número e portanto os recursos necessários para fazer o
estudo são limitados, mas é evidente que se levanta o problema
querendo generalizar os resultados para além dos casos
estudados.
2.2.3.3. Amostragem de casos extremos
Esta técnica de amostragem consiste em seleccionar elementos
em que o fenómeno em estudo se manifesta em grau muito
elevado. A lógica que subjaz a este tipo de amostragem é a de que
os resultados obtidos ao estudar casos extremos possam contribuir
para explicar casos mais típicos.
2.2.3.4. Amostragem de casos típicos
Este tipo de amostragem é o melhor exemplo de técnica de
amostragem utilizada quando existem grandes limitações em
tempo e nos recursos disponíveis, o que torna impossível efectuar
uma amostragem de tipo probabilístico. Para aumentar a
autenticidade do estudo, casos que sejam considerados únicos ou
especiais não serão, obviamente incluídos na amostra. A suspeita
de que um ou mais deles não são típicos vai afectar o
reconhecimento da cientificidade que o estudo reveste.
2.2.3.5. Amostragem em bola de neve
Este tipo de amostragem implica que a partir de elementos da
população já conhecidos se identifiquem outros elementos da
mesma população. Frequentemente esta forma de seleccionar a
89
amostra é utilizada quando se torna impossível obter uma lista
completa dos elementos da população que se quer estudar.
2.2.3.6. Amostragem por quotas
Com esta técnica pretende-se atingir um objectivo idêntico ao que
se consegue na amostragem aleatória: constituir uma amostra que
seja um modelo reduzido da população. A população é dividida em
sub-grupos, por exemplo grupos de homens e de mulheres,
definição de escalões de idade, enumeração de grupos étnicos de
pertença, etc. Seguidamente, tendo como base as percentagens
de indivíduos necessários para a amostra final, é indicada aos
entrevistadores uma quota ou seja, o número de sujeitos
pertencentes a cada sub-grupo que têm que seleccionar e
entrevistar.
Este tipo de amostragem apresenta similaridades com
amostragens de carácter probabilístico, especialmente com a
amostragem estratificada, mas difere dela num importante aspecto:
os sujeitos são escolhidos por entrevista. Aos entrevistadores são
dadas instruções específicas sobre os sujeitos que deverão
seleccionar para realizá-la, mas esta selecção pode ocasionar
enviesamentos na amostra, pois muitas vezes os entrevistadores
têm tendência a entrevistar pessoas pertencentes à sua rede de
relações pessoais ou então indivíduos detentores de determinadas
características que os tornam mais facilmente contactáveis.
Por outro lado, o problema da não resposta não existe, porque
quando um sujeito se recusa a responder ou o entrevistador não
encontra ninguém em casa procura outro sujeito com as mesmas
características para ser entrevistado. É possível impôr aos
entrevistadores um itinerário, dependendo neste caso a
representatividade da amostra da pessoa que estabelece o plano
de estudo. Se o processo de selecção for mal definido não há
nenhum método estatístico válido para estimar o erro de
amostragem, o que constitui um perigo a ter em conta.
A amostragem por quotas não é tão dispendiosa como a
amostragem aleatória estratificada, mas apresenta grandes
inconvenientes relativamente a esta, nomeadamente no que diz
respeito à representatividade da amostra e, consequentemente, à
possibilidade de generalização dos resultados.
2.2.3.7. Utilidade das amostragens não
probabilísticas
O processo de constituição de uma amostra por selecção não
probabilística é uma técnica de amostragem útil em determinadas
circunstâncias, algumas das quais já indicadas anteriormente.
Retomá-las-emos de forma sistematizada:
●
Quando se estudam determinadas populações cuja
listagem completa é impossível de obter. A amostragem
em bola de neve é quase a única técnica possível de ser
aqui utilizada com êxito em casos como os citados;
90
●
Quando o investigador está interessado em estudar apenas
determinados elementos pertencentes à população, de
características bem recortadas;
●
Numa fase exploratória do processo de investigação,
quando o investigador quer averiguar se um problema é ou
não relevante.
É necessário não esquecer que devido ao carácter subjectivo que
envolve o processo de selecção, põe-se o problema da validade
externa (relativo à generalização dos resultados obtidos). Não é
possível saber-se se os resultados alcançados seriam os mesmos
no caso de os elementos da população seleccionados serem
outros.
Quando utiliza um processo de amostragem não probabilística o
investigador deverá explicar pormenorizadamente como procedeu
à selecção dos elementos da população em estudo, que deverão
também ser descritos com o maior rigor possível.
91
2.3. A Prática de Investigação
2.3.1. Classificação da investigação
Já anteriormente tinha sido referida a dificuldade de definir métodos e,
do mesmo modo, a sua classificação levanta grandes problemas (vide
Almeida e Pinto, 1995).
Embora com algumas adaptações, apresenta-se a classificação de L. R.
Gay que foi elaborada relativamente à investigação em Ciências de
Educação, mas que pode ser extensiva a outras Ciências Sociais.
O referido autor classifica a investigação:
Quanto ao propósito - Esta classificação é baseada fundamentalmente
na aplicabilidade dos resultados e no grau em que estes são
generalizáveis à população em estudo. Ambos os critérios são função do
controlo da investigação exercido durante a condução do estudo.
Quanto ao método - O autor põe em evidência que embora muitos
trabalhos de investigação tenham aspectos em comum, apresentam um
método ou estratégia característico. As diferenças existentes entre eles
são devidas ao método de investigação, pois cada um deles foi
concebido para responder a uma determinada questão.
2.3.1.1. Classificação quanto ao propósito
Quanto ao propósito da investigação o autor considera cinco
categorias:
a) Investigação básica - Na sua forma mais pura, a
investigação básica tem como propósito desenvolver a
teoria e estabelecer princípios gerais.
b) Investigação aplicada - Como o nome indica, é conduzida
com o propósito de aplicar ou testar a teoria e avaliar a sua
utilidade na resolução de problemas sociais.
O mesmo autor põe em evidência que frequentemente é
difícil distinguir a investigação básica da investigação
aplicada porque existe entre elas um continuum.
c) Investigação em Avaliação - O propósito da investigação
em avaliação é recolher e analisar dados com o fim de
facilitar tomadas de decisão que digam respeito a duas ou
mais acções alternativas. Os dados deverão ser assim
recolhidos em função de um ou mais critérios.
Avaliar a eficácia de um projecto é ainda mais complexo
porque envolve naturalmente juízos de valor.
Alguns investigadores defendem que a avaliação é uma
investigação, enquanto outros defendem que é uma
disciplina individualizada. Na realidade, a separação entre
investigação e avaliação é ténue, porque em avaliação
adopta-se frequentemente um plano de investigação.
Muitos trabalhos de investigação são conduzidos na
situação real e envolvem problemas de controlo da mesma
maneira que muitas avaliações. Embora o problema não
92
esteja resolvido, com maior frequência a avaliação aparece
classificada como uma investigação cujo propósito é facilitar
tomadas de decisão.
d) Investigação e Desenvolvimento (I & D) - O principal
propósito de I & D é desenvolver produtos para serem
utilizados com determinados fins e de acordo com
especificações pormenorizadas. Uma vez elaborados, os
produtos são testados e revistos até que um nível de
eficácia pré-determinado seja atingido. O processo é
dispendioso mas pode resultar na elaboração de produtos
de qualidade elevada.
e) Investigação-Acção - O propósito desta investigação é
resolver problemas de carácter prático, através do emprego
do método científico. A investigação é levada a cabo a partir
da consideração da situação real. A sua principal finalidade
é a resolução de um dado problema para o qual não há
soluções baseadas na teoria previamente estabelecida.
2.3.1.2. Classificação quanto ao método
Quanto ao método de investigação o autor acima referido
considera cinco categorias de investigação:
• investigação histórica,
• investigação descritiva,
• investigação correlacional,
• investigação experimental e
• investigação causal-comparativa.
2.3.2. Investigação histórica
O propósito da investigação histórica é testar hipóteses ou responder a
questões que digam respeito às causas, aos efeitos ou às tendências de
acontecimentos passados, que possam ajudar a explicar acontecimentos
actuais e a prever acontecimentos futuros.
As etapas da investigação histórica são as mesmas de outras
investigações e um estudo histórico deverá compreender
• a definição de um problema;
• a formulação de hipóteses ou de questões de investigação;
• a recolha, organização, verificação, validação, análise e selecção de
dados;
• a testagem de hipóteses ou a resposta às questões; e
• a redacção de um relatório de investigação.
Uma das principais diferenças da pesquisa histórica relativamente a
outras é a de que nela se utiliza informação já existente. As fontes de
informação podem ser de dois tipos fundamentais: primárias e
secundárias. As fontes primárias fornecem informação directa (em 1ª
mão) e podem ser de vária natureza: por exemplo • artefactos, tais como: esqueletos, fosseis, armas, utensílios, edifícios,
quadros, mobiliário, moedas e obras de arte; ou
• documentos e relatos orais de quem testemunhou ou participou nos
acontecimentos, obtidos frequentemente por entrevista.
Os documentos podem ser manuscritos, legislação, registos, ficheiros,
cartas, minutas de reuniões, memorandos, memórias, biografias,
93
publicações oficiais, testamentos, jornais, revistas, mapas, diagramas,
catálogos, filmes, pinturas, inscrições, gravações, transcrições, agendas
e relatórios de investigação, entre outros, capazes de intencionalmente
ou não transmitir a descrição de um acontecimento.
As fontes secundárias não são fontes originais, mas sim relatos
escritos por alguém que não presenciou um acontecimento, mas a quem
foi relatado esse acontecimento, muitas vezes não por quem o
presenciou, mas por alguém a quem já tinha sido por sua vez relatado, o
que frequentemente dá origem a distorções do que realmente se passou.
Obviamente que sempre que for possível, será preferível utilizar fontes
primárias, mas não se deverá minimizar, de modo nenhum, o papel que
as fontes secundárias podem desempenhar.
Definição do problema - É importante definir um problema sobre o qual
seja possível realizar investigação, isto é, um problema relativamente ao
qual haja informação disponível pois, caso contrário, se não há sobre ele
informação suficiente, o problema não poderá ser correctamente
estudado, e as hipóteses levantadas não poderão ser adequadamente
testadas. É do mesmo modo preferível estudar um problema mais
restrito, bem definido, para o qual seja possível formular hipóteses ou
colocar questões de forma concreta, em vez de investigar um problema
mais amplo relativamente ao qual se formulam hipóteses ou questões de
uma forma imprecisa. Tome-se como exemplo: Sanches, em 1990,
realizou um trabalho de investigação sobre a educação durante o
período comumente designado por “Estado Novo”, em que formulou a
seguinte hipótese: “O principal objectivo do Estado Novo em relação à
educação da população portuguesa tinha sido o de inculcar atitudes de
passividade e um comportamento conformista através da desmobilização
e despolitização”.
Análise dos dados - Todas as fontes históricas deverão ser sujeitas a
uma crítica externa para determinar a sua autenticidade e a uma crítica
interna para determinar o rigor do conteúdo. A idade de um documento
pode actualmente ser estabelecida utilizando testes físicos e químicos,
mas para determinar o rigor do documento, há pelo menos quatro
aspectos que deverão ser considerados:
–
Conhecimento e competência do autor;
–
Tempo que passou entre o desenrolar do acontecimento e a data
do relato do mesmo. Quanto mais longo for esse período de tempo
maiores são as probabilidades de haver distorções dos
acontecimentos relatados;
–
Enviesamentos e motivações do autor. Tal distorção pode ser ou
não intencional;
–
Consistência dos dados. Cada documento deverá ser comparado
com outros para determinar o grau de concordância entre a
informação que deles consta.
Síntese dos dados - Após a análise e crítica dos dados recolhidos estes
deverão ser organizados procedendo-se à elaboração de uma síntese e
à formulação (se possível) de conclusões e generalizações. Em
investigação histórica levanta-se o problema de ser ou não possível
generalizar os estudos da investigação, dado que os acontecimentos
nunca se poderão repetir da mesma maneira; daí a necessidade dessa
94
generalização, ao ser efectuada, dever revestir grandes cuidados. Em
investigação histórica, como noutras investigações, quanto mais similar
for uma nova situação relativamente à anterior, mais aplicáveis poderão
ser as generalizações baseadas no passado.
Atendendo a que a síntese histórica compreende fundamentalmente uma
análise lógica, o investigador deverá ser o mais objectivo possível para
não cometer os erros de eliminar dados precisos que contrariem a
hipótese formulada ou dados que a confirmem, embora obtidos sem o
rigor que deve ser característico da sua recolha.
2.3.3. Investigação descritiva
Os dados numa investigação descritiva são normalmente recolhidos
mediante a administração de um questionário, a realização de
entrevistas ou recorrendo à observação da situação real. Dado que são
formuladas questões que não tinham sido postas anteriormente ou que
se procura obter dados que não estavam disponíveis, esta investigação
exige frequentemente a elaboração de um instrumento apropriado para
obter a informação necessária. É possível, no entanto, utilizar um
instrumento já existente desde que este se revele adequado. A
construção de um novo instrumento é, no entanto, geralmente baseada
em instrumentos já utilizados anteriormente. Este deverá ser testado e
corrigido antes de ser administrado aos sujeitos que constituem a
amostra. Os procedimentos de administração, assim como de análise
dos dados recolhidos, deverão ser cuidadosamente planeados.
Há vários estudos incluídos nesta categoria:
2.3.3.1. Inquéritos
Nestes estudos utilizam-se questionários e entrevistas para
recolher dados.
2.3.3.2. Estudos relativos ao desenvolvimento
(“Developmental Studies”)
Em Ciências Sociais, nomeadamente em Ciências da Educação,
são na maioria dos casos estudadas variáveis comportamentais
em diferentes escalões de idade. Os estudos podem ser
longitudinais ou transversais (“cross-sectional”).
Nos estudos longitudinais um mesmo grupo de sujeitos é
seguido durante um período de tempo mais ou menos longo, com o
objectivo de poder analisar a evolução das variáveis em estudo. O
principal problema destes estudos diz respeito ao facto de ser difícil
manter o número inicial de crianças, durente um período de tempo
muito prolongado, devido a diferentes razões, tais como mudança
de residência ou desistência em colaborar no estudo ao fim de
alguns anos, e de igual modo, exigem um envolvimento do
investigador durante o mesmo período, o que muitas vezes se
torna difícil ou impossível devido a motivos pessoais ou
profissionais.
Nos estudos transversais (“cross-sectional”) grupos de crianças
em diferentes estádios de desenvolvimento são estudadas
simultaneamente. A vantagem destes estudos relativamente aos
95
anteriores será a possibilidade que oferecem de estudar grupos de
crianças mais numerosos.
2.3.3.3. Estudos complementares (“Follow-Up
Studies”)
Estes estudos são levados a cabo para averiguar qual a situação
dos sujeitos de investigação após um dado período de tempo.
2.3.3.4. Estudos sociométricos
Sociometria consiste na avaliação e análise das relações
interpessoais dentro de um dado grupo de sujeitos. A cada
membro do grupo será pedido que indique outros membros do
grupo com os quais gostaria, preferencialmente, de executar um
trabalho, ou desenvolver uma dada actividade. Obviamente a
escolha dos membros do grupo poderá variar de acordo com a
actividade a realizar em conjunto, pois os sujeitos com quem
preferencialmente se gostaria de executar uma tarefa poderão não
ser os mesmos com quem se preferiria exexcutar uma outra tarefa.
As escolhas feitas pelos membros do grupo são representadas
num gráfico denominado sociograma que põe em evidência as
escolhas mútuas dos membros do grupo. Um sociograma mostra
aqueles que são escolhidos por muitos membros do grupo, aqueles
que ninguém escolhe e pequenos grupos cujos membros se
escolhem mutuamente.
As técnicas sociométricas são utilizadas com fins práticos ou para
investigação no caso de se pretender estudar relações entre
membros de um grupo e características comportamentais.
2.3.4. Estudo de Caso
O estudo de caso tem sido largamente usado em investigação em
Ciências Sociais, nomeadamente em Sociologia, Ciência Política,
Antropologia, História, Geografia, Economia e Ciências da Educação.
Definição - Yin (1988) define um estudo de caso como uma abordagem
empírica que:
–
investiga um fenómeno actual no seu contexto real; quando,
–
os limites entre determinados fenómenos e o seu contexto não
são claramente evidentes; e no qual
–
são utilizadas muitas fontes de dados.
De acordo com o mesmo autor esta definição permite distinguir o estudo
de caso de outras investigações:
• experimental, que deliberadamente separa o fenómeno do seu
contexto;
• histórica, que estuda acontecimentos passados; e
• descritiva, onde se procura estudar o fenómeno e o contexto, mas em
que o estudo do contexto é extremamente limitado.
Além destes estudos de caso cujo objectivo é a explicação de
fenómenos, o mesmo autor refere ainda a existência de estudos de caso
exploratórios e descritivos. Em estudo de caso pode ainda estudar-se um
96
caso único ou casos múltiplos e os dados recolhidos podem ser de
natureza qualitativa, quantitativa ou ambas.
Merriam (1988) resumiu as características de um estudo de caso
qualitativo:
particular - porque se focaliza numa determinada situação,
acontecimento, programa ou fenómeno;
• descritivo - porque o produto final é uma descrição “rica” do
fenómeno que está a ser estudado;
• heurístico - porque conduz à compreensão do fenómeno que está a
ser estudado;
• indutivo - porque a maioria destes estudos tem como base o
raciocínio indutivo;
• holístico - porque tem em conta a realidade na sua globalidade.
É dada uma maior importância aos processos do que aos produtos, à
compreensão e à interpretação.
•
A planificação de um estudo de caso varia segundo se trata de um
estudo de carácter essencialmente qualitativo ou quantitativo.
Yin (1988) põe em evidência a necessidade de definir as questões de
investigação:
• as proposições que focalizam a atenção do investigador sobre algo
que deverá ser observado durante o estudo;
• a(s) unidade(s) de análise que poderão ser um ou mais programas,
acontecimentos, indivíduos, processos, instituições ou grupos sociais
conforme se trata do estudo de um caso único ou de casos múltiplos;
• a lógica que liga os dados às proposições; e
• os critérios para interpretação dos resultados.
Uma rigorosa análise de dados é fundamental em qualquer investigação
e no caso de um estudo de caso qualitativo o investigador deverá
proceder à análise dos dados à medida que procede à sua recolha. O
produto final é uma descrição “rica” e rigorosa do caso que constitui o
objecto de estudo.
Nos estudos de caso, como em quaisquer outros estudos, torna-se
necessário assegurar a validade e fiabilidade do estudo. A validade
interna diz respeito à correspondência entre os resultados e a realidade,
isto é, à necessidade de garantir que estes traduzam a realidade
estudada. A fiabilidade diz respeito à replicação do estudo, isto é, à
necessidade de assegurar que os resultados obtidos seriam idênticos
aos que se alcançariam caso o estudo fosse repetido.
A validade interna pode ser assegurada de diferentes maneiras:
• por triangulação – utilizando vários onvestigadores, várias fontes
dados ou diferentes métodos;
• verificando se os dados recolhidos estão de acordo com o que
participantes disseram ou fizeram e se a sua interpretação
correctamente feita;
• observando o fenómeno em estudo durante um período longo
realizando observações repetidas do mesmo;
• discutindo os resultados com outros investigadores;
• envolvendo os participantes em todas as fases da investigação.
de
os
foi
ou
A fiabilidade pode ser garantida sobretudo através de uma descrição
pormenorizada e rigorosa da forma como o estudo foi realizado, a qual
97
implica, não só uma explicitação dos pressupostos e da teoria
subjacentes ao próprio estudo, mas também uma descrição do processo
de recolha de dados e da forma como se obtiveram os resultados.
A possibilidade de generalização dos resultados a outras situações –
validade externa – continua a ser debatida.
Yin (1988) indica 5 características de um bom estudo de caso:
• ser relevante,
• ser completo,
• considerar perspectivas alternativas de explicação,
• evidenciar uma recolha de dados adequada e suficiente e
• ser apresentado de uma forma que motive o leitor.
2.3.4.1. Histórias de vida
São um tipo de estudo de caso, em que o investigador mediante
entrevistas em profundidade tenta coligir uma narrativa de um
indivíduo. Em Psicologia são utilizadas para a compreensão de
aspectos básicos do comportamento humano. Em Ciências de
Educação têm sido igualmente realizadas histórias de vida, visando
sobretudo utilizá-las na (auto)formação de professores.
98
99
2.4. A Análise de Conteúdo
2.4.1. Definição de Análise de Conteúdo
Berelson, (1952, 1968), por exemplo, definiu Análise de Conteúdo como
“uma técnica de investigação que permite fazer uma descrição objectiva,
sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto das comunicações,
tendo por objectivo a sua interpretação”. Pormenorizando:
Objectiva - porque a análise deve ser efectuada de acordo com
determinadas regras, obedecer a instruções suficientemente claras e
precisas para que investigadores diferentes, trabalhando sobre o mesmo
conteúdo, possam obter os mesmos resultados.
Sistemática - porque a totalidade do conteúdo deve ser ordenado e
integrado em categorias previamente escolhidas em função dos
objectivos que o investigador quer atingir.
Quantitativa - uma vez que na maior parte das vezes é calculada a
frequência dos elementos considerados significativos.
Posteriormente foram propostas outras definições.
Como salienta Bardin (1977), a Análise de Conteúdo não deve ser
utilizada apenas para se proceder a uma descrição do conteúdo das
mensagens, pois a sua principal finalidade é a inferência de
conhecimentos relativos às condições de produção (ou eventualmente
de recepção), com a ajuda de indicadores (quantitativos ou não).
Se a descrição (a enumeração resumida após tratamento das
características do texto) constitui a primeira etapa de realização numa
Análise de Conteúdo e se a interpretação (o significado atribuído a
essas mesmas características) é a última etapa, a inferência é o
procedimento intermédio que permite a passagem, explícita e controlada,
de uma à outra.
De acordo com o mesmo autor, esta técnica de pesquisa pode
considerar-se como a articulação entre:
–
o texto, descrito e analisado (pelo menos em relação a certos
dos seus elementos característicos), e
–
os factores que determinaram
deduzidos logicamente,
essas
características,
constituindo estes a especificidade da Análise de Conteúdo.
2.4.2. Tipos de Análise de Conteúdo
Utilizando, mais uma vez, o que Madeleine Grawitz (1993) escreveu
sobre o assunto, apresenta-se seguidamente a distinção dos vários tipos
de Análise de Conteúdo:
2.4.2.1. Análise de exploração e análise de
verificação
Corresponde à distinção entre a análise de documentos que tem
como finalidade a verificação de uma hipótese, cujo objectivo é
bem definido e conduz à quantificação dos resultados; e aquela
100
cuja finalidade é fundamentalmente explorar. Uma análise
fortemente sistematizada, dirigida, apresenta inconvenientes pois
podem ser deixados fora do campo de estudo elementos
essenciais que não foram previstos antecipadamente.
2.4.2.2. Análise quantitativa e análise qualitativa
A principal distinção entre as duas é que na análise quantitativa, o
que é mais importante é o que aparece com frequência, sendo o
número de vezes o critério utilizado, enquanto que numa análise
qualitativa, a noção de importância implica a novidade, o interesse,
o valor de um tema.
2.4.2.3. Análise directa e análise indirecta
A análise quantitativa emprega na maior parte das vezes a medida
de uma forma directa. Este é o modo mais simples de proceder.
A análise indirecta que procura uma interpretação do que se
encontra latente sob a linguagem expressa é geralmente
considerada como característica de uma análise de tipo qualitativo;
mas, por vezes a partir de uma análise quantitativa indirecta, para
além do que é manifesto num discurso, por inferência, pode
chegar-se a conclusões sobre o que propositadamente não foi dito
ou escrito.
2.4.3. A prática da Análise de Conteúdo
A Análise de Conteúdo compreende no seu percurso um certo número
de etapas:
–
Definição dos objectivos e do quadro de referência teórico;
–
Constituição de um corpus;
–
Definição de categorias;
–
Definição de unidades de análise;
–
Quantificação (não obrigatória);
–
Interpretação dos resultados obtidos.
2.4.3.1. Definição dos objectivos e do quadro de
referência teórico
Como qualquer outra técnica de investigação a Análise de
Conteúdo implica que sejam definidos objectivos e um quadro de
referência teórico. Dado a definição de objectivos e o papel da
teoria no desenvolvimento da investigação já terem sido abordados
em capítulos anteriores não serão aqui novamente desenvolvidos
esses aspectos.
101
2.4.3.2. Constituição de um corpus
O investigador deverá proceder à escolha dos documentos que vão
ser sujeitos à análise. A escolha pode ser feita de duas maneiras:
• determinada a priori (por exemplo, por análise sistemática de
todos os números de uma revista que só foi editada durante
quatro anos) ou
• os documentos podem ser escolhidos de acordo com os
objectivos da investigação em curso (por exemplo, o
investigador pretende analisar a evolução da importância dada
nos programas do Ensino Básico a questões ambientais, nos
últimos 10 anos; para isso pode escolher e analisar os
programas de Biologia e de Geografia deste nível de ensino).
Constitui-se assim o corpus ou seja o conjunto dos documentos
escolhidos para se proceder posteriormente à Análise de
Conteúdo.
Essa escolha deverá ser feita tendo em atenção certas regras, tais
como:
• a exaustividade (o que implica considerar todos os elementos
do conjunto, no exemplo dado todos os programas das duas
disciplinas dos últimos 10 anos);
• a representatividade (o que implica proceder à análise de uma
parte dos documentos, devendo a parte seleccionada ser
representativa do conjunto dos documentos);
• a homogeneidade (os documentos escolhidos devem obedecer
a critérios de escolha rigorosos e não apresentar demasiada
singularidade relativamente a esses critérios de escolha);
• a pertinência (ou seja, os documentos escolhidos devem ser
adequados como fonte de informação para corresponder ao
objecto da análise que sobre eles irá recair). (Bardin, 1977).
2.4.3.3. Definição das categorias
As categorias são “rubricas significativas, em função das quais o
conteúdo será classificado e eventualmente quantificado” (Grawitz,
1993). A definição das categorias pode ser feita a priori ou a
posteriori.
No primeiro caso foram formuladas hipóteses e o investigador
pretende verificá-las, tendo para tal definido antecipadamente as
categorias de análise. A Análise de Conteúdo permitir-lhe-á
detectar se as categorias estabelecidas estão ou não presentes
nos documentos que constituem o corpus. Por exemplo, pode ser
este o caso de um inquérito por entrevista em que na fase de prétestagem se puderam definir as categorias.
No segundo caso as categorias não foram definidas
antecipadamente. Este tipo de análise é designado por
“procedimento exploratório”.
A escolha das categorias é fundamental na Análise de Conteúdo.
As categorias devem ter as seguintes características:
Exaustivas – o que significa que todo o conteúdo que se tomou a
decisão de classificar deve ser integralmente incluído nas
categorias consideradas, sendo no entanto possível, de acordo
102
com os objectivos, não considerar alguns aspectos do conteúdo,
caso em que se torna necessário justificar porque razão esses
aspectos não foram considerados. (Por exemplo, entrevistados
relatam por vezes factos ou emitem opiniões sobre aspectos que
estão fora dos objectivos da investigação);
Exclusivas – os mesmos elementos devem pertencer a uma e não
a várias categorias;
Objectivas – as características de cada categoria devem ser
explicitadas sem ambiguidade e de forma suficientemente clara de
modo a que diferentes codificadores classifiquem os diversos
elementos, que seleccionaram dos conteúdos em análise, nas
mesmas categorias;
Pertinentes – devem manter estreita relação com os objectivos e
com o conteúdo que está a ser classificado. Note-se que quando
se definem categorias a priori pode-se pôr em risco a pertinência
da sua inclusão.
Dever-se-á também ter sempre em conta, em alguns casos,
elementos cuja ausência poderá também ser significativa.
Como foi referido, categorias definidas a priori podem levar a que
não se tenha em consideração aspectos importantes do conteúdo;
a definição de categorias a posteriori deve ser feita com muitos
cuidados, após leituras sucessivas do texto e tendo em atenção os
objectivos da investigação; as categorias não devem igualmente
ser numerosas, nem demasiado pormenorizadas ou, pelo contrário,
serem em número insuficiente e demasiadamente englobantes e,
por conseguinte, de fronteiras imprecisas.
Um problema levantado por muitos autores incide sobre a
possibilidade de definir um conjunto de aspectos da realidade
comuns a muitas análises, de forma a facilitar e a normalizar a
Análise de Conteúdo, apesar das diferenças de objectivos que
encerram e dos textos que lhe venham a ser submetidos.
Reconhecendo a importância que revestem, enumeram-se alguns
desses aspectos que podem constituir objectos da análise
(Grawitz, 1993):
Matéria – importa saber de que trata a comunicação (assuntos que
nela são abordados);
A direcção da comunicação – que pode ser por exemplo, favorável,
neutra, desfavorável, entre outras;
Os valores – procuram explicar a orientação da comunicação pelo
reconhecimento dela ser favorável, neutra ou desfavorável,
revelando as finalidades que os indivíduos nela implicados
procuram alcançar;
Os meios – dizem respeito aos instrumentos de comunicação
utilizados para os receptores aderirem aos valores do emissor (por
exemplo, em discursos, a ameaça, a persuasão, a negociação,
etc.);
Os actores – trata-se de definir as características individuais dos
actores intervenientes, como por exemplo: a idade, o sexo, a
103
profissão, o nível de instrução, o nível sócio-económico, a
nacionalidade, a naturalidade, a religião;
A origem – diz respeito à origem dos textos utilizados, tais como:
artigos de revistas ou de jornais regionais, nacionais ou
internacionais, etc.
2.4.3.4. Definição das unidades de análise
Após a definição de categorias torna-se necessário proceder à
definição de três tipos de unidades:
a) Unidade de registo é o segmento mínimo de conteúdo que
se considera necessário para poder proceder à análise,
colocando-o numa dada categoria.
A unidade de registo pode ser de natureza e de dimensões
muito diversas, sendo a distinção mais habitual entre
unidades formais, que podem ou não coincidir com
unidades linguísticas, e unidades semânticas.
Podem considerar-se unidades formais a palavra, a frase,
uma personagem, um qualquer item (designação esta
empregue para unidades muito diferentes tais como um
livro, um filme ou um discurso, que são utilizados como
“unidade” quando as variações dentro do item considerado
são menos relevantes do que as variações entre itens
diversos).
A unidade semântica considerada mais comum é o tema
(a título de exemplo: a democracia, o sucesso escolar, a
imigração). O tema é também uma das unidades de registo
mais utilizadas, no entanto, verifica-se frequentemente
discordância entre codificadores sobre onde começa e
acaba um dado tema (por exemplo, ao efectuar a análise de
um discurso), o que põe problemas quanto à fidelidade do
estudo.
b) Unidade de contexto constitui o segmento mais longo de
conteúdo que o investigador considera quando caracteriza
uma unidade de registo, sendo a unidade de registo o mais
curto. Por exemplo, se a palavra for considerada a unidade
de registo, a unidade de contexto poderá ser a frase. É
assim importante considerar a unidade de contexto para
assegurar a fidelidade e a validade da análise.
c) Unidade de enumeração é a unidade em função da qual
se procede à quantificação. Por exemplo, num dado
discurso se se pretende distinguir a importância que foi
prestada a vários temas, a unidade de registo será
traduzida pelo número de vezes que aparece em cada um
dos temas e a unidade de enumeração o número de linhas
dedicadas a cada um deles.
A escolha das unidades de enumeração deve ser
cuidadosamente feita e devem ser indicados os critérios
que a orientaram. A realidade pode no entanto ser outra,
porque o autor pode intencionalmente omitir de forma
estratégica objectos a que dá real importância.
104
2.4.3.5. Quantificação
Está fora do âmbito deste Manual indicar toda a variedade das
técnicas de quantificação na Análise de Conteúdo, técnicas que
evoluíram muito e se diversificaram devido não só ao
desenvolvimento da análise estatística aplicada ao campo das
Ciências Sociais como à utilização do próprio computador.
2.4.3.6. Interpretação dos resultados
A interpretação de resultados obtidos, feita à luz dos objectivos e
do suporte teórico, é fundamental. No entanto, para assegurar a
validade de qualquer previsão que venha a ser feita, torna-se
necessário fazer o cruzamento com os resultados obtidos por
outras técnicas.
2.4.4. Fidelidade e validade
A fidelidade diz respeito ao problema de garantir
• que diferentes codificadores cheguem a resultados idênticos
(fidelidade inter-codificadores), e
• que um mesmo codificador ao longo do trabalho aplique de forma
igual os critérios de codificação (fidelidade intra-codificador).
Para que tal aconteça é necessário que o investigador explique
pormenorizadamente os critérios de codificação por ele utilizados e que
estes sejam aplicados com o maior rigor.
A validade diz respeito àquilo que o investigador pretendia medir. Uma
Análise de Conteúdo será válida, quando a descrição que se fornece
sobre o conteúdo tem significado para o problema em causa e reproduz
fielmente a realidade dos factos. Para isso, é necessário que todas as
etapas que integram o processo de análise sejam correctamente
executadas.
105
2.5. Considerações finais
2.5.1. Princípios Éticos
A realização de uma qualquer investigação implica por parte do
investigador a observância de princípios éticos, geralmente aceites pela
comunidade de investigadores em Ciências Sociais, que o obrigam a:
1 - Respeitar e garantir os direitos daqueles que participam
voluntariamente no trabalho de investigação.
2 - Informar os participantes sobre todos os aspectos da
investigação que podem ter influência na sua decisão de nela
colaborar ou não e explicar-lhes todos os aspectos da
investigação sobre os quais possam vir a ser postas questões.
3 - Manter total honestidade nas relações estabelecidas com os
participantes. Dever-lhes-ão ser explicadas as razões porque não
se torna conveniente indicar-lhes os verdadeiros ou a totalidade
dos objectivos subjacentes à investigação, o que os poderá então
levar a optar por colaborar ou não.
4 - Aceitar a decisão dos indivíduos de
investigação ou de desistir no seu decurso.
não
colaborar
na
5 - Antes de iniciar a investigação estabelecer um acordo com os
participantes de forma a que fiquem explícitas conjuntamente as
responsabilidades do investigador e a deles próprios.
6 - Proteger os participantes de quaisquer danos ou prejuízos físicos,
morais e profissionais no decurso da investigação ou causada
pelos resultados que venham a ser obtidos.
7 - Informar os participantes dos resultados da investigação e do
mesmo modo, esclarecer quaisquer dúvidas que estes possam a
vir a levantar aos participantes.
8 - Garantir a confidencialidade da informação obtida, salvo se os
participantes não se opuserem a tal e solicitarem eles próprios a
sua divulgação.
9 - Solicitar autorização das instituições a que pertencem os
participantes para estes colaborarem no estudo.
A estes princípios orientadores a que devem obedecer as relações do
investigador com os participantes, juntam-se outros que o devem levar a
ter a obrigação de fazer uma rigorosa explicitação das fontes utilizadas
quer estas sejam documentais ou não; de ser autêntico quando redige o
relatório da investigação, nomeadamente no que diz respeito aos
resultados que apresenta e às conclusões a que chega, mesmo que por
razões ideológicas ou de outra natureza os mesmos não lhe agradem.
106
2.5.2. O Projecto e o Relatório de Investigação
2.5.2.1. O Projecto de Investigação
A elaboração do projecto deve conter 4 secções:
Título (ainda que provisório)
1. Objecto da Investigação
1.1. Problema de investigação;
1.2. Justificação do estudo;
1.3. Limitações do estudo;
1.4. Questões ou hipóteses de investigação (incluindo as
variáveis que vão ser investigadas);
1.5. Definição de termos (palavras-chave do estudo).
2. Revisão da literatura
Indicação do enquadramento teórico e sumário de trabalhos de
investigação já realizados que estejam relacionados com o
tema em estudo e sua importância e implicações para o
trabalho de investigação que o mestrando se propõe efectuar.
3. Procedimentos
3.1. Explicitação do plano de investigação (com indicação e
descrição do palno experimental, se para ele houver lugar);
3.2. Indicação da população em estudo e do processo de
amostragem e justificação da sua escolha;
3.3. Técnicas e instrumentos de pesquisa a serem utilizados
para recolha de dados;
3.4. Actividades a desenvolver (descrição em pormenor do que
se vai fazer, quando, onde e como);
3.5. Validade (como vai ser assegurada a validade interna do
estudo);
3.6. Análise dos dados (com explicitação dos procedimentos de
organização e tratamento);
3.7. Calendarização.
4. Referências bibliográficas (as obras devem ser pesquisadas em
função do tema de estudo e da metodologia da investigação a
ser utilizada).
2.5.2.2. O Relatório de Investigação
A elaboração do relatório de investigação reveste-se da maior
importância dado ser a sua leitura que vai permitir avaliar a
pertinência, o rigor e o valor científico do trabalho de investigação
realizado.
No entanto, não se pretende que todos os Mestrandos apresentem
a mesma organização do relatório da pesquisa por eles efectuada,
107
dado aquela estar dependente do trabalho efectivamente realizado
e reflectir as características do seu autor. Rigor e criatividade são
as condições essenciais para a realização de um trabalho de
investigação, que o relatório de investigação deverá traduzir
através de uma descrição pormenorizada, precisa e imaginativa.
2.5.2.2.1. Organização do Relatório de Investigação
Resumo (em Português, Francês e Inglês - uma página A4)
I.
Secção Introdutória
1.1. Título
1.2. Índice
1.3. Lista das Figuras
1.4. Lista dos Quadros
II. Parte Principal
1. Objecto da Investigação
1.1. Problema de investigação
1.2. Justificação do estudo
1.3. Limitações do estudo
1.4. Questões ou hipóteses de investigação
1.5. Definição de termos
2. Revisão da literatura (enquadramento teórico e estado
da arte relativo ao tema de investigação)
3. Procedimentos
3.1. Descrição do plano de investigação
3.2. Explicitação da população em estudo e do processo
de amostragem
3.3. Descrição das técnicas e dos instrumentos utilizados
para recolha de dados
3.4. Explicação das actividades desenvolvidas
3.5. Discussão da validade interna
3.6. Discussão e justificação da análise dos dados
efectuada
4. Resultados
4.1. Descrição dos resultados relativos a cada uma das
questões ou hipóteses
5. Conclusões
5.1. Discussão à luz da teoria, das implicações dos
resultados e seu significado
5.2. Sugestões para futuros trabalhos de investigação
III. Referências bibliográficas
IV. Anexos (por exemplo, guiões e transcrições de
entrevistas; formulários de questionários e cartas de
envio dos mesmos; documentos vários).
2.5.2.2.2. Revisão crítica de um Relatório de
Investigação
1 - O problema está convenientemente definido?
2 - A justificação do estudo é convincente? É lógica? É
suficiente? É indicado como é que os resultados do
estudo terão implicações tanto ao nível teórico, como
prático?
108
3 - As questões ou hipóteses de investigação estão
claramente formuladas? São apropriadas? É possível
responder-lhes? Podem ser testadas?
4 - Os conceitos utilizados e termos empregues são
claros e não oferecem qualquer ambiguidade na
interpretação?
5 - A investigação realizada anteriormente acerca do
mesmo assunto é convenientemente referida?
6 - O plano de investigação está bem apresentado e
descrito? Parece adequado à investigação que foi
realizada?
7 - Se o tipo de estudo exigiu ou foi aconselhável a
constituição de uma amostra, que tipo de amostra foi
utilizada? É uma amostra aleatória? Se o não for, está
claramente definido o processo de selecção utilizado?
No caso da generalização dos resultados a uma dada
população, a população está bem determinada? São
discutidas as eventuais limitações do estudo,
nomeadamente no que respeita à generalização dos
resultados?
8 - As técnicas e os instrumentos de pesquisa
utilizados estão devidamente caracterizados? São
indicadas a sua validade e fiabilidade? Em que
medida é que inferências baseadas nos instrumentos
merecem credibilidade científica?
9 - O autor faz uma descrição pormenorizada das
actividades realizadas?
10 - Quais as ameaças evidentes à validade interna do
estudo? Foram devidamente controladas?
11 - Os dados estão sintetizados e foram apresentados
com clareza? As estatísticas (descritivas e
inferenciais) foram bem utilizadas? A sua
interpretação é correcta? São discutidas as
respectivas limitações?
12 - Os resultados e a discussão dos mesmos estão
claramente apresentados?
13 - As conclusões são satisfatórias?
14 - O autor apresenta sugestões pertinentes para
futuras investigações?
15 - A linguagem é clara e rigorosa?
16 - A apresentação gráfica é adequada?
17 - A bibliografia relevante para o tema é citada?
18 - Nos anexos estão incluídos todos os documentos
necessários para que se possa fazer um juízo crítico
dos procedimentos adoptados e dos resultados a que
o autor chegou?

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