Representações da tocha olímpica em Porto Alegre (1938
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Representações da tocha olímpica em Porto Alegre (1938
Representações da tocha olímpica em Porto Alegre (1938-1945) Luis Henrique Rolim Janice Zarpellon Mazo Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Nelson Todt Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil 0 | Abstract The Olympic Torch Relay was performed in the 1936 Berlin Olympic Games in Germany. This invented tradition was taken from Ancient Greece to Germany with the objective to unite the Aryan people and show the power of Germany. When returning to Brazil, Journalist Túlio De Rose, who had attended the Berlin Olympic Games, promoted a similar torch relay on Brazil’s Independence Day (September 7), supported by a patriotic institution. The aim of this research was to examine the representations of this tradition in Porto Alegre from 1938 until 1945. The preliminary results of the study showed that the torch relay had become a strategy of patriotic reeducation. | 706 1 | Introdução A Corrida de Revezamento da Tocha Olímpica é uma tradição inventada (Hobsbawm, 1988) originária da Grécia Antiga, reconstruída com base em idéias nacionalistas para a abertura dos Jogos Olímpicos de Berlim em 1936. Dirigentes e membros de clubes esportivos porto-alegrenses presenciaram a abertura desses Jogos e, quando retornaram para cidade, buscaram promover uma corrida semelhante. O apoio para essa realização foi concedido pela Liga de Defesa Nacional (LDN), uma entidade patriótica, fundada 1937, no período chamado de Estado-Novo (1937-1945). Nas comemorações da Semana da Pátria de 1938 realizouse a primeira Corrida de Revezamento da Tocha Olímpica em Porto Alegre, porém denominada de “Corrida do Fogo Simbólico” (CFS). Frente a este cenário emergiram as seguintes questões: a) Que representações a CFS produziram na identidade cultural esportiva na cidade de Porto Alegre no período do Estado-Novo? b) Qual a relação da CFS com a produção de uma identidade nacional brasileira durante o Estado-Novo? c) Quais as permanências e mudanças nas corridas realizadas na Grécia Antiga, nos Jogos Olímpicos de Berlim e na cidade de Porto Alegre? 707 | Na perspectiva de Chartier (2000), a CFS pode ser compreendida enquanto uma prática cultural voltada para o reconhecimento/afirmação/perpetuação de uma identidade social. Assim, na tentativa de compreender este processo, buscouse recuperar a memória da CFS em Porto Alegre no período do Estado-Novo (1938-1945). 2 | A Corrida de Revezamento da Tocha Olímpica: gênese e apropriação As corridas com as tochas (Lampadedromía) eram organizadas para homenagear algum deus ou simplesmente destacar o heroísmo daquele que seria o mais rápido a levar a tocha ao seu destino. Eram competições de equipes e, através de toda a história, essas corridas permaneceram como a primeira e principal cerimônia religiosa cujo aspecto ritual tinha primazia sobre o seu caráter competitivo (Yalouris, 2004). De acordo com Hobsbawm (1988), a utilização de materiais antigos na construção de tradições inventadas de um tipo novo e com objetivos totalmente diferentes é interessante, pois grandes quantidades de materiais dotados de linguagem simbólica acumularam-se no passado de qualquer sociedade. Desta forma, o Barão Pierre de Coubertin e Carl Diem, secretário geral do comitê organizador dos Jogos Olímpicos de Berlim em 1936, buscaram nos antigos gregos os ideais para a criação da Corrida de Revezamento da Tocha Olímpica na modernidade. Além disso, nos Jogos de Berlim em 1936, Hitler usaria a força do simbolismo da tocha como uma maneira de unificar | 708 seu povo e mostrar sua soberania com um forte sentido nacionalista. De acordo com Amaro Jr. (1944, p.41), o líder alemão referiu-se à chama olímpica como: “[...] um abraço fraternal dos povos irmãos da Europa, ali representados por milhares de jovens atletas de ambos os sexos”. 3 | Representações da Corrida do Fogo Simbólico: forjando uma identidade cultural brasileira O debate sobre a formação da nação brasileira foi recuperado no governo de Getúlio Vargas (1930-1945) para legitimar uma cultura nacional (Avancini, 2000). Uma das estratégias adotadas foi as comemorações de datas oficiais com a criação de cerimônias de unificação pública e de afirmação positiva da Pátria. Assim, os eventos cívicos inscrevem-se entre aqueles que buscam inculcar na memória um acontecimento impondo crenças comuns à população ao traçar imagens fundadoras da nacionalidade. A construção da “Corrida do Fogo Simbólico” (CFS) em Porto Alegre buscava esse objetivo. Essa Corrida foi resultado da apropriação e representação de elementos históricos e culturais da cerimônia da Tocha Olímpica nos Jogos Olímpicos de Berlim, pois na abertura desses Jogos estavam presentes porto-alegrenses vinculados aos clubes esportivos de Porto Alegre: Túlio de Rose, Ernesto Capelli, João Carlos Daudt e Humberto Sachs. Túlio de Rose ficou muito impressionado e afirmou que podia sentir a força que a tocha representava para os alemães: “era como se ela pudesse abençoar e proteger aquele povo 709 | que demonstrava uma grande paixão por seu país” (Revista do Globo, 1939, p.66). Assim, decidiu realizar uma corrida semelhante e, após dois anos de planejamento, com o apoio do capitão Inácio de Freitas Rolim, presidente do núcleo portoalegrense da Liga de Defesa Nacional (LDN), ocorreu a CFS. A partir de fontes impressas e orais consultadas apontaram que a CFS foi a primeira e única cerimônia desta natureza realizada no Brasil (Mazo, 2003). Assim, busca-se agora descrever os diferentes momentos da CFS: 4 | Percorrendo a nação: trajetos da Corrida do Fogo Simbólico A primeira vez que a CFS foi realizada, em 1938, teve como ponto de partida a Igreja de Viamão (primeira capital do RS) e chegada até a Pira da Pátria, junto ao monumento ao Expedicionário, no Parque Farroupilha em Porto Alegre. No segundo ano de sua realização, a Corrida partiu da Igreja no centro da cidade de Rio Pardo (RS) chegando a Porto Alegre. Já, no início da década de 1940, a CFS ampliou seu percurso inicial de 26 km. Outros estados brasileiros começaram a participar do revezamento da tocha, integrando-se ao simbolismo desta cerimônia de nacionalização que percorria o país. Em 1940 partiu da histórica catedral de Florianópolis (SC); em 1941 da Igreja de Boa Morte em São Paulo (SP); em 1942, das ruínas da casa onde sucedeu o mártir da independência do Estado de Minas Gerais (MG); em 1943 da Basílica de Salvador (BA); em 1944, partiu de Recife (PE), terra de grandes heróis da nacionalidade; em 1945 partiu do Panteon de Caxias no Rio de Janeiro (RJ) (Pimentel, 1940, p.03-4). | 710 5 | Heróis da Pátria: os atletas conduziam o Fogo Simbólico A principal atração da CFS não se resumia apenas à tocha e ao fogo, mas também, aos atletas que voluntariamente a conduziam. Os atletas que conduziam o fogo são apresentados como heróis da Pátria. Segundo Carvalho (1990, p.55), “Os heróis são símbolos poderosos, encarnações de idéias e aspirações, pontos de referência, fulcros de identificação coletiva. São por isso, instrumentos eficazes para atingir a cabeça e o coração dos cidadãos a serviço da legitimação de regimes políticos”. A centelha do fogo simbólico foi conduzida na primeira realização da Corrida por 60 remadores veteranos, oriundos dos tradicionais clubes de Porto Alegre, que se revezaram no percurso. O entrevistado Licht contou que “todos eles correram, mas cada um corria 50 m, 20 m, 100 m, levando o Archote. O caminhão do exército da frente ia distribuindo os atletas e o caminhão de trás ia recolhendo durante o trajeto. E assim eles iam, alguns correram mais de uma vez e chegaram à Pira à meia noite”. Na Semana da Pátria de 1942, “4000 atletas conduziram o archote através de 4.000 quilômetros” (Revista do Globo, 1942, p.25). A entrevistada Barth recordou que sua filha participou da CFS. A atleta Lísia Barth, quando tinha aproximadamente 18 anos, conduziu a tocha. Nas fontes consultadas até o momento, Lísia é a única mulher que participou da CFS. 5 | Símbolo de coesão social: a população prestigia a Corrida A população prestigiava os eventos cívicos: “eram milhares de pessoas, né. E o público era uma coisa fantástica; como, 711 | como a gente vibrava” (Entrevistado Licht). Ele continua seu depoimento, dizendo que “alguns alegavam que os desfiles eram movimentos de direita, mas na verdade era o seguinte: Porto Alegre na Semana da Pátria era algo fantástico e os clubes se preparavam o ano inteiro”. 6 | Celebrando a integração nacional: a chegada na “Pira da Pátria” A chegada do Fogo Simbólico era sempre na Pira da Pátria em Porto Alegre. O fogo simbolizava “calor, energia e luz e representa o ardor cívico de todos os brasileiros para com o Brasil” (Relatório da LDN, 1995, p.01). Em 1945, o Fogo Simbólico foi conduzido pelo atleta Sírio Staube do Grêmio Esportivo Renner, que percorreu os principais locais da cidade e entregou ao atleta de bolão da Sociedade Gondoleiros, Ary Fischer. Ele acendeu a Pira à meia-noite do dia 01/09. No dia 07/09/1945, a extinção do Fogo se confirmou, quando às 24 horas foi extinta por Paulo Blaschke (Macchi, Jr., 1955, p.36). 7 | Extraindo significados da corrida - conclusões preliminares A CFS destaca-se nos registros da vida pública dos portoalegrenses como um gênero característico de solenidade cívica realizada anualmente, no mês de setembro, nas comemorações da Semana da Pátria sob a coordenação da LDN. Provavelmente, a Liga se apropriou e incentivou a realização do evento porque a cerimônia do Fogo Simbólico se adequava aos seus objetivos de culto ao patriotismo e educação cívica. Assim, a CFS assumiu uma função | 712 pedagógica na formação do imaginário nacional visando à construção de uma identidade cultural brasileira. Além disso, a CFS era uma performance cultural que de certa forma representava a performance física do povo brasileiro. Caracterizava-se pela expressividade estética, na qual um corpo organizado (constituído normalmente por homens) conduzindo uma tocha desfilava/percorriam as vias públicas para demonstrar uma identidade social comum. Esta performance pública incluía um número significativo de participantes, pois incorporava ao longo do trajeto a população local que assistia à comemoração. Tinha como local de chegada, a Pira da Pátria, que foi escolhida como o local simbólico para celebrar a vitória do atleta que pode ser uma representação da vitória da Pátria. A repetição anual da Corrida buscava atualizar, constantemente, a adesão imaginária do indivíduo a sociedade. Assim configurava-se uma tradição para a naturalização de uma identidade. 8 | Referências AMARO JR., J. As aventuras do Fogo Simbólico, e de seu idealizador entre nós, o jornalista Túlio de Rose. Revista do Globo. Porto Alegre, n. 369, 19/08/1944, p. 40-41. AVANCINI, E. O canto orfeônico escolar e a formação da identidade nacional no Brasil (1937-1961). Porto Alegre, 2000. Tese (Doutorado em História). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. BARTH, L. Entrevista realizada em 2000. Porto Alegre. 713 | CARVALHO, H. Regionalismo gaúcho e nacionalismo brasileiro: impactos da política de Vargas no planalto médio do Rio Grande do Sul. História: Debates e Tendência. Passo Fundo, v. 1, n. 1, junho, 1990, p. 139154. CHARTIER, R. A História Cultural: entre Práticas e Representações. Lisboa: DIFEL; Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. HOBSBAWM, E. Tradições Inventadas. Ministério da Educação – Direcção-Geral dos Desportos. Tip. Minerva do Comércio, 1988. LIGA DA DEFESA NACIONAL. Diretoria Estadual do Rio Grande do Sul. Boletim Informativo das Atividades Cívicas. 1983. ______________. Diretoria Regional do Rio Grande do Sul. Boletim Informativo. Porto Alegre, 1995. LICHT, H. Entrevista realizada em 2000. Porto Alegre. MACCHI Jr., A. Esporte Amadorista. 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