consolidação da sede da fazenda machadinha em quissamã

Transcrição

consolidação da sede da fazenda machadinha em quissamã
Arquitetura
& Restauro
INTRODUÇÃO
Os serviços descritos neste relatório, dizem respeito à restauração de um mural elaborado
e executado nos anos de 1963-64, por Djanira, que ora encontra-se em processo de restauração, remontagem e readequação a um novo espaço - no caso o pátio interno do Museu Nacional de Belas Artes - e que tinha sido criado para a decoração de uma capela
dentro de uma gruta em plena rocha, no interior do túnel Catumbi-Laranjeiras, gruta esta
formada após o desabamento que quando da abertura do referido túnel, vitimou treze operários. O painel invoca Santa Bárbara, padroeira dos mineiros e trabalhadores em galerias subterrâneas, e constitui-se, portanto em uma homenagem da artista e do governo do
estado - que encomendou a obra - aos trabalhadores vitimados.
A primeira idéia da artista era o de realizar um painel à óleo, opção pela qual desistiu rapidamente devido às condições insalubres do local. Optou então pela azulejaria e feito o
cartão, este foi entregue a ceramista Anna Soares Mandescher1, russa que viveu parte
de sua vida em Paris e casada com um artista brasileiro, à época vivendo em Santa Teresa. A execução do painel, que ocupava uma extensão aproximada de 130 m² constituído
por 5.300 azulejos, consumiu o tempo de 06 meses.
As condições precárias do local e a ausência total de manutenção durante duas décadas,
afetaram profundamente o painel, que acabou sendo retirado do local e restaurado em
1985 por um técnico paulista, Luis Martins Sarasá, a pedido da FUNARJ, a qual tinha inicialmente a intenção de implantá-lo em outro local, o que acabou não ocorrendo. Desmontado, ficou encaixotado por mais dez anos no Depto. de Parques e Jardins da Prefeitura, até a presente data.
O CONTEÚDO ICONOGRÁFICO
Santa Bárbara hagiográficamente aparece como uma partenomártir do paleocristianismo.
Bastante cultuada a partir do século VII, os documentos são ambíguos em relação à sua
existência.
Diz a lenda que era filha de pais nobres e idólatras, que nasceu na Nicomédia e viveu
próxima do ano 300. Muito bela, teria sido encarcerada numa torre por ordens de Dióscoro, seu próprio pai, que muito zeloso da filha, queria impedir que alguém, sem a sua permissão, a pretendesse em casamento. Tendo tornado-se cristã, Bárbara mandou acrescentar uma terceira janela à torre em que vivia, para ter sempre junto a si um símbolo da
Santíssima Trindade. O pai, enfurecido, decide matá-la, porém o muro da torre se abre e
a jovem consegue escapar. Denunciada por um pastor, que por castigo divino é logo em
seguida convertido em pedra, Bárbara é capturada e o pai a entrega ao governador Mar-
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ciano, acusada de impiedade por ser cristã. É cruelmente supliciada, e recebe a noite a
visita de Jesus Cristo que a cura de suas chagas. Não vendo o espírito da jovem ser aquebrantado pela tortura, o pai e o governador decidem executá-la sendo o distinto progenitor o encarregado da tarefa, cortando-lhe a cabeça logo após martirizá-la. Ainda segundo a lenda, o pai teria sido fulminado por um raio logo em seguida ao martírio da filha.
Por associação direta a este último episódio, Santa Bárbara é invocada como protetora
contra tempestades. Em Portugal era popular ainda no séc. XIX, quando uma tempestade
se aproximava, os seguintes versinhos serem ditos como forma de esconjuro:
Santa Bárbara bendita
que no céu estais escrita
com um galhinho de água benta
que Nosso Senhor
nos livre desta tormenta
Através de um processo de migração simbólico, de uma cadeia de associações indiretas,
todas elas relacionadas de alguma forma com motivos ígneos (raio - trovão - fogo - explosão) Santa Bárbara foi instituída enquanto padroeira dos bombeiros, artilheiros, militares e
afins. Na Minas colonial, foi cultuada também como protetora dos mineiros.
Nas representações iconográficas veste dalmática, túnica e manto. É cingida por um diadema e trás, numa das mãos, um cálice e na outra uma pluma de pavão muitas vezes
uma palma - símbolo do martírio. Ao seu lado, em geral, aparece uma torre com três janelas e, Il Guercino, foi o primeiro a acrescentar em uma representação de sua autoria, um
anjo com um cálice e uma hóstia, que significa, segundo alguns iconógrafos; o fato de que
Santa Bárbara nunca esquece a seus fiéis e lhes assegura o privilégio de não morrer sem
os sacramentos.
BÁRBARA é também o nome que designa um dos modos válidos dos silogismos da primeira figura, considerados por Aristóteles como silogismos perfeitos. Provavelmente pelo
fato de que a maior parte das grandes verdades morais tinha a sua solução em BÁRBARA, este nome ficou associado ao conhecimento e à erudição. Na catedral de Salamanca,
a capela onde o futuro doutor devia dissertar e responder a seus examinadores era chamada de Santa Bárbara, e está presidida pela imagem da Santa com a torre e um livro.
No caso do nosso mural, todos os atributos iconográficos clássicos da Santa estão presentes. Djanira mostrou-se uma expert em hagiografia: no centro do mural vemos a Santa
sentada, vestida em túnica e envolta em manto, ao colo, um livro aberto onde escreve
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com uma pena que pode tanto remontar à palma do martírio como à pena do pavão. Do
lado esquerdo da Santa, a torre com as três janelas e logo em seguida, o anjo portando o
cálice e a hóstia, como a dar a comunhão. Nas laterais do painel, em volta da Santa, figuras humanas de operários com britadeiras a trabalhar, estão mescladas às figuras divinas
de anjos portando instrumentos musicais. Observe-se que estas figuras angélicas encontram-se também pairando por cima da Santa, trata-se sem dúvida de uma enfatização por
parte da artista do caráter celeste devido ao teto abobadado da gruta.
BIBLIOGRAFIA
1. O CRUZEIRO. Rio de Janeiro, 23.11.1963.
2. CUNHA, Maria José A da. Iconografia cristã. Univ. Fed. de Ouro Preto, 1993.
3. FERNÁNDEZ, Bárbara. “Santa Bárbara o la morbidez santificada” in: Des monstres...
Ouvrage “Hors Collection”des Cahiers de Fontenay. École Normale Supérieure de Fontenay-St Cloud, 1994.
4. FERRATER MORA, José. Diccionario de filosofia de bolsillo. Madrid, Alianza Editorial,
1987.
5. MORAIS, Frederico. Azulejaria contemporânea no Brasil. São Paulo, Ed. Publicações e
Comunicações Ltda., 1988.
6. REVILLA, Federico. Diccionario de iconografia y simbologia. Madrid, Ed. Cátedra, 1995.
PROCEDIMENTOS OPERACIONAIS
Os trabalhos de restauração iniciaram-se com a montagem do mural, que mede atualmente, após cortes e alterações que sofreu na restauração anterior, aproximadamente 97
m² e é composto de cerca de 4.600 azulejos ou peças cerâmicas. Para tanto foi utilizada
uma sala localizada na abóboda central do prédio do Museu Nacional de Belas Artes, no
Centro. Esta sala, embora tivesse dimensões grandiosas, não foi suficiente para que o
mural fosse estendido por completo no chão, desta forma, ele foi desmembrado em dois,
e uma parte lateral e menor do painel foi estendido no piso da sala vizinha.
Para que os azulejos fossem estendidos de forma racionalmente cartesiana, o piso da
sala foi quadriculado com a ajuda de barbante e fita crepe, com os módulos da quadrícula
exatamente com as mesmas dimensões que as dimensões dos azulejos. Após a estruturação da rede que serviu de guia à montagem, os azulejos foram retirados das caixas e
constatou-se a má acomodação dos mesmos, pois os azulejos de baixo encontravam-se
quebrados devido com toda certeza ao peso excessivo das camadas superiores. Recomenda-se, portanto, caso seja necessário acondicionar-se os azulejos novamente em caixas após os serviços de restauro, que seja aumentado o número das mesmas de forma a
dividir pelo meio a quantidade de azulejos em cada uma delas.
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A montagem das peças de azulejo foi um processo que consumiu quatro semanas de trabalho. Na verdade, a numeração que se encontrava em mapeamento dentro de cada uma
das caixas, foi de pouca ajuda, pois os azulejos encontravam-se organizados sem nenhuma lógica reconhecível. Para diretriz da montagem, foi utilizada uma fotografia do cartão original de Djanira que descobrimos em uma reportagem da revista O CRUZEIRO de
23.11.63, assim como um mapa fornecido pelo técnico Luis Sarasá.
Observaram-se às costas dos azulejos, numerações diversas; a original de Djanira e a do
restaurador. A da artista nos pareceu a mais racional e simples, inicia-se no primeiro azulejo do lado esquerdo da fiada inferior, desenvolve-se por toda a referida fiada até o último
azulejo do lado direito e depois segue para o primeiro azulejo do lado esquerdo da segunda fiada, e assim sucessivamente, até o último azulejo do lado direito da fiada superior
no alto do painel.
Contudo, com as alterações inseridas pelo restaurador - que completou lacunas no mural
que eram devido às portas, assim como acertou a curvatura da parábola que finaliza o
mural no alto e também suprimiu partes, como as escadarias - ficou impossível o restabelecimento da numeração original de Djanira. O procedimento que adotamos então foi o de
renumerar os azulejos na mesma ordem racional e simples seguida originalmente pela
artista: para isso, empregamos um pilot de cor vermelha que diferenciou a nossa numeração das demais (na cor branca a de Djanira e na cor preta a de Sarasá).
Em seguida à montagem do mural, procedeu-se ao mapeamento do mesmo. As peças
foram examinadas isoladamente de forma a informarem cada uma delas a procedência e
o estado de conservação. Assim, observou-se que temos peças originais (restauradas ou
não), reposição de peças originais (peças que o restaurador considerou irrecuperáveis e
preferiu substituir por novas) e acréscimo de peças (em locais onde originalmente não
havia peça alguma). Essas informações podem ser melhor esquematizadas através do
quadro abaixo:
A essas informações, acrescentaremos posteriormente, o estado atual de conservação de
cada uma delas, se necessita apenas limpeza, se necessita obturação ou se precisa ser
substituída; pois estes são serviços que pertencem à fase seguinte dos trabalhos.
A seguir, os mapas indicam graficamente a posição das peças, numeração atual e numeração da autora e limites pêlos quais ele passou.
PROJETO DJANIRA
MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES
FUNDAÇÃO ROBERTO MARINHO
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FICHA TÉCNICA
COORDENADORES: WALLACE CALDAS / NELSON RIBEIRO
ARQUITETO: ALESSANDRO RIFAN
RESTAURADOR: PATRÍCIA HORVART
AUXILIAR: ÉRIKA TAKEYAMA
ESTAGIÁRIOS: Luis Fernando Reis
Marcos Mattos
William de O. Santos
Yolanda M. Hardgreaves
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