Frederico Curado - Centro Histórico Embraer

Transcrição

Frederico Curado - Centro Histórico Embraer
CENTRO HISTÓRICO EMBRAER
Entrevista: Frederico Fleury Curado
São José dos Campos – SP
Março 2007
Privatização
A outra atividade que em paralelo que é de se registrar também, foi a
questão da privatização, porque nesse momento, rapidamente se
percebeu que a Empresa não ia aguentar. Houve uma troca de
comando, eu acho que ainda em 91, onde o João Cunha saiu e
trouxeram de volta para Empresa o Coronel Ozires. O engenheiro Ozires
Silva voltou para Embraer, mas já voltou com a missão e a visão do
Ministério da Aeronáutica de levar a Embraer para a privatização como a
única alternativa, como a última alternativa da Empresa sobreviver
àquela crise. E esse foi um processo de três anos e pouco, muito, muito
difícil,
porque
houve
antagonismos
filosóficos,
os
sindicatos
se
colocaram totalmente contra, a Empresa se colocou a favor, quando eu
falo Empresa, a gestão da Empresa se colocou a favor, a maioria dos
empregados até se colocou a favor. O Ministério da Aeronáutica se
colocou a favor, na verdade ele, o Ministério - é digno de registro - quer
dizer, a visão que esses homens da aeronáutica tiveram desde a criação
do ITA lá em 50, mas eu vou falar desse momento especificamente. É a
visão quase que de um pai. Um pai que vê, que sabe que tem que
encaminhar o filho na vida até se afastar do filho para que ele tenha
chance de seguir a vida dele em frente e não perecer, não cair em falso
ali. Foi isso que o Ministério fez, ele tomou a iniciativa de colocar a
Empresa num processo de privatização por entender corretamente que
se não fizesse isso, ia acabar perdendo a própria Empresa, o Brasil ia
perder a Empresa. O Brigadeiro Lobo foi uma figura chave nesse
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processo, outra figura chave dentro do governo brasileiro foi o então
Ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que depois veio a ser
presidente do país. Esses dois homens, do ponto de vista do Governo
Federal, tiveram uma enorme participação, ou eu diria até uma enorme
- mais do que participação - responsabilidade pelo fat
o
de
a
Embraer ter sobrevivido e ter sido privatizada dentro de todos os
cânones administrativos, legais, etc e tal. Houve antagonismos dos
sindicatos, consequentemente houve antagonismos no Congresso, prós
e contras, geralmente, a maioria que é pró, a maioria passiva, a minoria
que é contra é ativa, então foi um processo dificílimo. A Empresa
rapidamente percebeu que precisava ter uma atuação mais forte em
Brasília porque a coisa vai desde o Presidente da República até o 5º
escalão lá no Congresso Nacional, amassar tapete, empurrar papel, e
aquela burocracia, nesse meio termo caiu o presidente Collor, então o
presidente Itamar que não tinha a menor vontade de privatizar nada,
então, dificuldade total e nesse momento, nesse esforço de viabilizar a
privatização, eu também acabei tendo um envolvimento bastante forte
também. Nós criamos - isso um pouco mais perto do leilão da
privatização - o Clube de Investimento dos Empregados, que foi um
veículo para que os empregados pudessem participar da privatização de
uma maneira positiva, quer dizer, ter um resultado pessoal com esse
processo. A lei assim o estabelecia, a lei permitia que partes das ações a
serem vendidas fossem destinadas aos empregados com um preço
vantajoso, um preço abaixo daquele preço que o próprio leilão seria.
Então era uma oportunidade real, material pros empregados da própria
Empresa. E também Brasília, eu estive bastante tempo em Brasília, eu
não cheguei a morar em Brasília, mas cheguei a ficar assim, semanas
em Brasília, ia e voltava e coisa e tal, então nesse período foi um...
nesses três quatros anos, foi de... acho que aí que eu acabei de perder o
resto que eu tinha de cabelo, porque eu tinha o 145 (ERJ 145) a todo
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vapor, e eu tinha participação também nesse processo de privatização,
quando eu falo eu, na verdade várias pessoas, mas isso quer dizer as
duas áreas onde eu estava atuando, eram os dois caldeirões, o da
privatização e o do 145. Lances assim históricos no processo de
privatização, nós - a vida da Empresa se deteriorando -, quer dizer, não
tinha caixa, cada folha de pagamento, cada quinze dias era um
sofrimento, era um drama, isso durante quatro anos, não foram quatro
meses de dificuldades, foram quase quatro anos de dificuldade. Quando
eu entrei na Embraer, o engenheiro Ozires, o Manuel de Oliveira que era
nosso diretor financeiro, a vida deles era tesouraria, era conseguir
recursos para pagar folha de pagamento e fornecedor em atraso e vai
cortar o fornecimento de materiais e paga um pouquinho e negocia e
vai, foram três anos, quase quatro anos nesse processo de se arrastar,
esperando a privatização chegar. O paralelo que eu faço é mais ou
menos que nós não estávamos numa corrida de cavalos, nós estávamos
num rodeio, em cima de um cavalo que pulava que nem um doido e o
objetivo era não cair do cavalo, para onde é que o cavalo vai eu não
tenho a menor ideia para onde o cavalo vai, se não cair do cavalo está
bom demais. O que vinha depois da privatização? Chegou a um ponto
que a gente nem sabia direito. A privatização era quase como chegar a
poder respirar, tirar a cabeça de dentro d’água, para depois ver onde é
que você vai nadar, tem alguma ilha perto, como é que faz e um lance
interessante, quer dizer, o processo ia e travava por oposição sindical ou
por qualquer motivo, aí fomos fazer um movimento, aí surgiu uma ideia
e a Empresa, o bacana da Embraer é isso, as pessoas todas envolvidas,
os gerentes, os diretores, os empregados, como é que a gente faz? Nós
precisamos ir pro Jornal Nacional, temos que chamar a atenção do país,
como é que faz? Vamos colher então - aí surgiu uma ideia - um milhão
de assinaturas para levar ao Congresso Nacional, um milhão de
assinaturas, que são pela privatização da Embraer, pelo salvamento da
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Indústria Nacional, da Indústria Aeronáutica Nacional. Fizemos um
milhão e oitenta e quatro mil assinaturas, levamos ao Congresso
Nacional, o Presidente da Câmara dos Deputados nos recebeu lá e é
aquela coisa toda lá, televisão, então essa Empresa aqui, as pessoas
que aqui estavam fizeram de tudo para que a Empresa chegasse a sua
privatização e ela chegou, efetivamente, conseguiu sobreviver até dia
sete de dezembro, o último empecilho real era o Senador Suplicy. O
Senador Suplicy ele se colocou, ele se plantou no Senado contra a
privatização e o que acontecia é que toda vez que entrava na pauta de
votação do Senado, todos os assuntos que tinham que ser votados, eu
não sei até, mas acho que as pessoas não sabem como é que se passa
uma votação no Congresso Nacional, mas se passa na grande maioria
por voto de liderança, o que quer dizer isso? Quer dizer que os partidos
se juntam, concordam com a aprovação ou não, de determinado projeto
de lei, e lá no Plenário não tem ninguém, tem poucas pessoas, as
lideranças aprovam aquilo lá, representando - isso para mim na época
foi uma surpresa - mas é desse jeito que funciona, então o que o
Senador Suplicy fazia naquele momento? Ele pedia coro, ele pedia
verificação de coro, quando aparecia o negócio da Embraer não havia
consenso, ele tinha se colocado contra e o Partido dos Trabalhadores
tinha se colocado contra, pedia a verificação de coro, derrubava a
sessão, não tem coro, então não tem sessão. Então começou a
atravancar a pauta do governo brasileiro porque derruba a sessão,
derruba para todo mundo, não derruba só pro caso da Embraer, derruba
a sessão e esse trabalho começou a ficar complicado, e o Ministério da
Aeronáutica tentando motivar, mas o Eduardo Suplicy por outro lado,
sempre foi uma pessoa aberta a ouvir. Nesse processo de diálogo com o
Senador Suplicy, houve uma reunião histórica. Estávamos: eu, estava o
Juarez, na época representante comercial da Empresa e mais várias
pessoas. Nessa reunião nós tivemos a felicidade de conseguir que o
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Senador Suplicy acreditasse, ele conseguiu entender, enxergar e de fato
acreditar que a Empresa estava indo para o seu término e foi nesse
momento que...ali foi o último destravamento do processo da Empresa.
E naquele momento, nós conseguimos montar uma operação de
participação nos empregados, que não tinha risco, não tinha desembolso
não tinha nada, quer dizer, basicamente, era uma operação com o
Banco do Brasil, onde eles financiavam a compra das ações, e você dava
uma fração das ações como pagamento daquele financiamento então,
não tinha risco, não tinha desencaixe, não tinha nada, tinha só que
concordar. A adesão foi de quase 100%. Não aderiram os sindicalistas
por uma questão filosófica e algumas pessoas, algumas religiões que
são contra esse tipo de - sei lá, enfim -, é uma interpretação qualquer
que seja que não concorda com isso. Todo o resto da Empresa aderiu,
porque a pergunta não foi o seguinte: “Você quer ganhar – eu não me
lembro o número, mas...– x ações da Embraer? É só assinar aqui que
você ganha”. O Senador Suplicy tinha uma preocupação com os
empregados que não eram acionistas, embora fosse a pequena maioria,
desculpe, a pequena minoria, na época 2% dos empregados, ele tinha
essa preocupação. E aí naquele momento, quem tem que conduzir o
processo de privatização oficial mesmo, por lei, era o BNDES, era o
agente do PND – Programa Nacional de Desestatização. Ministério da
Aeronáutica fazendo força. A Embraer como Empresa, dos empregados,
fazendo força, mas, oficialmente era aquilo. Houve uma negociação com
o senador Suplicy no sentido de “Está bom, então cria-se uma segunda
cadeira no conselho, para os empregados não acionistas”, quer dizer,
aquilo que a gente vive hoje na Empresa, nós temos o nosso Conselho
de Administração, três pessoas são eleitas, uma pela união federal, que
é a posição da Golden Share, quer dizer, a união federal tem um
assento no conselho, por definição, e outros dois assentos do Conselho,
são eleitos pelos empregados. Um, pelos empregados acionistas, e outro
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pelos empregados não-acionistas. Isso aqui é um desenho esquisito
porque a pessoa que não é acionista não pode sentar no Conselho de
Administração
por
lei.
Então,
o
empregado
que
é
eleito
pelos
empregados não acionistas, ele tem que efetivamente que ter uma ação
pelo menos, para poder legalmente sentar-se no Conselho. A origem
dessa coisa é justamente esse processo com o senador Suplicy, e esse
foi o último entrave, ou o último desentrave da privatização. Isso
ocorreu no finalzinho de 94, e aí a questão é o seguinte. O governo
Itamar Franco, terminava em 31 de dezembro de 94, e nós estamos
falando aí de final de novembro, começo de dezembro, quer dizer, puxa
vida, há apetite para se privatizar a Embraer antes do natal? E aí, por
obra de Deus e muito esforço de muita gente, o leilão aconteceu dia 07
de dezembro, foi a privatização do governo Itamar Franco, foi essa.
No dia 07 de dezembro de 1994, a Embraer foi privatizada na Bolsa de
Valores de São Paulo, na Bovespa, e encerrou-se aí um capítulo
dramático da vida da Empresa, que começou em 89. Esse drama, ele
durou exatamente cinco anos, perdão, quatro anos. Ele começou ao
final de 90, com aquela demissão de quatro mil pessoas e quatro anos
ininterruptos de, mas ininterruptos e decrescentes, quer dizer, quatro
anos de deterioração contínua, e nesse estado a Empresa foi, nessa
situação a Empresa foi privatizada em 94, eu diria como moribunda
praticamente, sem perspectiva. Dentro daquela figura do cavalo que eu
fiz, vencedora. Vencedora, nós conseguimos não cair do cavalo. Aí veio
o “E agora, o que vai acontecer daqui para frente?”.
Aviação Comercial
Quando foi em 98, o Sam resolveu sair da Embraer, e aí o Maurício me
chamou para assumir então essa área, que era muito mais do que
venda, era área do negócio em si, quer dizer, vendas, contratos,
marketing, pós-venda, e aí eu acabei deixando aquela área e aí entrei
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no que hoje é o meu atual programa, da Aviação Comercial. Houve
algumas mutações ao longo desse período, mas essencialmente é o
negócio da Aviação Comercial, na sua essência é isso. E nós tivemos aí,
a primeira coisa que eu diria marcante nesse programa em 98, era a
desestruturação da própria área, quer dizer, aquele esforço inicial, era
de vender e colocar e conseguir sobreviver, então eu tenho zero de
crítica ao Sam, mas o fato é que o Sam ele viabilizou o programa com
esses dois contratos, mas a área comercial não tinha estrutura, era uma
área totalmente desestruturada. Marketing para nós era feira, organizar
feira, organizar evento. Então eu acho que nós entramos num trabalho
grande de estruturação de um negócio, quer dizer, começamos a
montar ali uma área de contratos, sabe, como deve ser, uma área de
marketing, que tem marketing estratégia de produto, estratégia de
mercado, estratégia de promoção. Começamos a montar uma área de
gestão da própria coisa, da própria venda em si, ligação, venda com
contratos, estabelecer processos, sistemas, contratar equipe, estruturar,
e os resultados foram aparecendo, então em 99 eu me lembro, 99 foi
um ano fabuloso, nós ganhamos, na Europa eu acho que todas as
campanhas, todas, a Bombardier perdeu todas as campanhas do 199 na
Europa. E aí nós começamos a crescer, crescer, crescer e a Bombardier
que tinha tido uma dianteira grande em relação a gente, porque você
está no mercado três, quatros anos antes da Embraer, nós começamos
a vender e a entregar muito mais do que eles, ao ponto de que hoje,
nós temos, praticamente nesse mercado de 50 lugares, nós temos 50%
de marketing share, de mercado dividido entre os dois praticamente,
eles com uma dianteira de quatro anos na nossa frente. Satoshi, nessa
época já como responsável pela área industrial, viabilizando esse
crescimento. O 145 (ERJ 145) teve um crescimento recorde, acho até
que tirando épocas de guerra, pós-guerra, aviões comerciais, é o
crescimento mais acentuado que já houve. E o programa, essa
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capacidade, essa flexibilidade de crescer com a oportunidade. O
mercado está aí, conseguimos atender esse mercado? Conseguimos,
vamos tocar em frente que a gente consegue. Outra grande vantagem
que a Empresa apresentou nesses anos aí. Então, de 98 para frente, eu
também acabei ficando responsável pelo negócio comercial, 1999, um
grande ano para Aviação Comercial.
As vitórias todas na Europa, e tivemos aí um outro marco, outra linha
divisória na vida da Empresa, que foi o lançamento do programa
170/190 (EMBRAER 170/190). Esse programa, a primeira voz que eu
me lembre, falando sobre um avião nessa faixa, é do Satoshi. A primeira
referência de memória que eu tenho é o Satoshi falando “Puxa, nós
temos que ver um avião”. Bombardier já tinha começado alguma coisa
lá, por eles lá, esticando os aviões que eles tinham. A Dornier tinha sido
comparado por uma empresa americana a Fairchild Dornier, tinha
lançado o 728, que era um projeto moderno, arrojado e nós estávamos
achando que talvez não seja o caso, e aquela coisa, a percepção de que
havia uma oportunidade que nós estávamos na verdade talvez perdendo
o bonde, começou a se maturar mais em 98, segundo semestre. Aí nós
lançamos no segundo semestre de 98, quer dizer, eu vou ter que voltar
atrás um pouquinho, um esforço grande de conversar com os clientes
sobre o futuro. Já inclusive dentro daquela estruturação de marketing
que eu comentei, de estratégia de mercado avançado, olhando não seis
meses, mas olhando dez anos à frente. Conversamos com 46 empresas
aéreas no mundo, empresas que operam aviões dessa faixa. Essas
empresas representavam qualquer coisa como 60% do tráfego mundial
de aviões dessa faixa. Conversamos profundamente. Sempre um
executivo sênior da Empresa e uma equipe de duas, três, quatro
pessoas técnicas, coletando um questionário pré-enviado a eles, que
tipo de velocidade, que tipo de alcance, que tipo de tecnologia, como é
que é a operação, como é a cabine, tudo. Essa pesquisa nos levou ao
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que hoje é o 170/190, como definição de produto. Mas aí é uma questão
de investimento. Nós tivemos um investimento grande pela frente, a
Empresa estava se recuperando, mas não estava ainda, ela estava
convalescendo. Estava bem longe de ser uma Empresa que tivesse
assim um enorme vigor financeiro para encarar um negócio desse
tamanho, um programa de quase um bilhão de dólares de investimento.
Então, aí teve vários movimentos paralelos importantes, então, a
primeira, foi a amarração do próprio programa porque nós tivemos aí tínhamos que ter - um motor, e não foi problema, nós tínhamos até
duas empresas competindo fortemente por esse motor, parceiros de
risco que também, a exemplo do 145, nos ajudassem a reduzir o
investimento de risco, e nós tínhamos que ter fundamentalmente um
cliente. Um cliente sólido, de respeito, que nos desse assim um mínimo
de garantia que havia uma demanda, não só pelo contrato dele em si,
que por maior que fosse jamais justificaria um projeto sozinho, mas que
se ele está comprando é porque realmente faz sentido e outros vão
comprar também. Então tinha que ser um cliente de peso. E aí, final de
99, aquela primeira voz do Satoshi, depois eu me agreguei, foi indo e ao
final de 98, já era um consenso na diretoria que esse troço precisava
acontecer, e nós começamos a conversar com os acionistas, com o
Conselho de Administração e com os próprios acionistas e falar “Olha,
vem um troço grande pela frente que passa pela, quer dizer, que o
futuro da Empresa passa por isso e é um investimento forte”.
Começamos, e mais ou menos, tivemos aí uma espécie de sinal
amarelo, não verde mas amarelo, assim “Tá bom, montem o programa,
garantam pelo menos uma ordem inicial forte, que a gente toca em
frente e vamos juntos. A Empresa vai aportar capital se for necessário,
mas vamos buscar uma estratégia de funding para esse programa”.
Então, esse primeiro semestre de 99, vendendo o 145 a “dar com pau”,
mas estruturando um programa novo, então o Satoshi e o Luiz Carlos na
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área industrial, e eu muito na área comercial, com a questão do
mercado, e começamos a negociação com a Crossair.
Crossair era na época a maior empresa regional do mundo, em termos
de tamanho, frota e reconhecidamente a qualidade de operação. Era
uma empresa que era a referência mundial em aviação regional. Não
existia no mundo uma melhor, lançador, um primeiro cliente, o que a
gente chama de launch customer, o cliente de lançamento, não existia
melhor no mundo do que Crossair, só que evidentemente, justamente
por isso era dificílimo de se conseguir. E foi um trabalho de seis meses,
não é brincadeira é verdade, chegar toda sexta-feira, eu tava lá na
Basiléia, toda sexta-feira, o pessoal da imigração cumprimentava “Oh,
como é que ta?”. Artur direto, Satoshi, Luiz Carlos, era um trabalho
enorme, o John Doyle - John Doyle era o nosso vendedor -, nosso
grande Sir John, nosso homem na Inglaterra, era o vendedor dessa
conta, da Crossair, ele tinha inclusive amizade antiga com o próprio
presidente da Crossair. Tudo aconteceu bem, houve uma empatia
enorme entre as duas empresas, o projeto estava ficando cada vez
melhor e culminou no contrato.
Então, nós chegamos para feira de Le Bourget, em 1999. Ao chegar no
aeroporto, isso eu me lembro como se fosse hoje, ao chegar no
aeroporto, eu desci do avião, peguei o telefone, peguei o celular, liguei
pro John Doyle, aliás, eu vou ter que contar um negócio um pouquinho
antes, que o Moritz Suter fez com a gente. Moritz Suter era senhor,
presidente da Crossair. Eu estava em casa, quer dizer, nós colocamos a
nossa oferta final, e havia uma competição fortíssima entre nós e os
alemães. Os alemães já tinham conseguido a Cityline, que é uma
empresa do grupo Lufthansa, como cliente lançador, também um cliente
fortíssimo. Como empresa até que não era tanto, mas era o Grupo
Lufthansa, e nós estávamos lutando pela Crossair. Se eles conseguissem
também a Crossair acabou, quer dizer, a gente não tinha, era ganhar ou
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ganhar, não tinha muita opção. Então nós fizemos uma campanha e
essa campanha foi carregada na ponta dos dedos. Eu tinha certeza que
a gente ia ganhar – absoluta -, eu tinha convicção, eu colocava proposta
imbatível. Eu até acho que a Crossair queria que fosse, eles gostavam
do avião. Eles preferiam o negócio do não ter assento do meio, quer
dizer, tinha uma série de coisas que eles queriam, queriam também um
pouco de equilíbrio, de força no mercado, mas evidentemente não iriam
comprar uma proposta pior. Então eu tinha essa convicção e me
telefonou o John Doyle, isso uma semana antes da feira mais ou menos,
falando “Perdemos”. Aí eu falei “Mas não é possível”, “Perdemos”, e eu
falei “Não, me conta”, aí ele falou “Não, o Moritz me telefonou,
perdemos porque a outra foi melhor e não sei o que...” e eu falei “Mas
não se encaixa a coisa, não é possível, você ta brincando”, “Não, eu tô
falando, estou aqui aos frangalhos” e aí ficou aquele clima de enterro,
total. Eu liguei pro Maurício e falei “Maurício, olha, eu tenho uma
péssima notícia para te dar, o que aconteceu...”, ele falou “Mas não é
possível, você não falou que...”, “Maurício eu nem sei o que te dizer,
tenho que rever todos os meus conceitos, porque eu tinha certeza que o
negócio era nosso, certeza absoluta que era nosso, e nós perdemos” e
falei “Você liga pro Moritz e sei lá, vê se consegue tentar reverter, sei
lá”. O Maurício tinha uma relação boa, tinha não, tem uma relação boa
com o Moritz. O Maurício ligou pro Moritz e falou: “Pô Moritz, o Frederico
me ligou, puxa vida, eu to aqui...”, “Mas por que você ta assim
Maurício?”, “É, pô, você ta dando o negócio pro meu concorrente, ta
dando para o alemão”, “Mas quem falou isso para você?”, “O John Doyle
ligou para o Fred e falou”, “E você vai acreditar em John Doyle?” e o
Moritz falou. Olha, mas só por causa dessa brincadeira eu fui parar no
hospital, fazer uma endoscopia, eu tenho gastrite, tive uma crise
danada, aí o Maurício me ligou e falou “É nosso o negócio”, tinha uns
pontos adicionais, mas essa brincadeira durou quase 24 horas, esse
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negócio, então foi - e quem sabe disso sou eu, John Doyle, Maurício mas foi uma brincadeira de péssimo gosto que o Moritz fez. Hoje a
gente da risada, mas na época foi um drama esse negócio.
Mas a confirmação final vinha do Conselho de Administração da
Crossair, que foi dias depois, deixei uma listinha lá, matamos a pau isso
em 24 horas, os pontos que a gente tinha a discutir, por telefone nós
“matamos a pau” isso aí. Posamos para feira de Le Bourget, abriu a
porta do avião, no Charles de Gaulle, tem aquela coisa redonda ali. Ali
eu peguei o celular e liguei pro John e falei: “John, e aí, tem notícia dos
caras?”, “Fred, 100% fechado”, esse foi o elo que faltava para lançar o
programa
e
na
Feira
nós
anunciamos
o
contrato,
perdão, nós
anunciamos o programa na Feira, que o programa foi para domínio
público durante a Feira, engatado com a assinatura ao vivo do contrato
da Crossair, 4,9 bilhões de dólares na época, o maior contrato desse
tipo de tamanho de avião, desde sempre. Foi um troço marcante. E ali a
Embraer fez outra, passou por outra, para outro nível de atividade, de
complexidade. Essa foi outra linha divisória importantíssima na vida da
Empresa.
Embraer e o futuro
Então nós estamos hoje, sentados no ano de 2007, com uma Empresa
totalmente
diferente
daquela
que
o
Maurício
pegou
em
95,
completamente diferente. Outro dia um, num jantar que a gente foi, nós
fazemos jantar, perdão, um almoço anual com a imprensa em São
Paulo. E aí o Maurício reforçou, já era conhecido, já era de domínio
público, a minha assunção em abril, pro lugar do Maurício, mas aí ele
voltou a falar e coisa e tal, e um repórter até falou: “Ah, você não tem
que fazer nada, está tudo feito, né?”, então isso é uma visão bastante
curta do que é, do que tem pela frente. Então é uma situação
completamente diferente. O Maurício pegou uma Empresa em crise,
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destroçada, e deu nova vida, e cresceu e enfim, é essa coisa fantástica
que é essa história da Embraer no passado. A gente tem que olhar isso
para frente com respeito pra caramba porque, você se manter à frente,
como nós estamos hoje e continuar crescendo, não é menos desafiante
do que o que foi, é totalmente diferente, as preocupações são muito
diferentes. Então, eu pessoalmente, pego toda essa experiência do
passado, como uma enorme escola, fabulosa escola de competência, de
princípios, de foco daquilo que é importante, de comportamentos, de
ações empresariais, mas eu vejo grandes desafios à frente. Grandes
oportunidades, mas grandes desafios.
Oportunidades são essencialmente ligadas ao crescimento, quer dizer,
crescimento do tamanho da Empresa, da sua receita, dos resultados que
ela pode gerar, para os acionistas, para os empregados, para sociedade.
A construção desse conhecimento, perdão, desse crescimento, essa
construção não é trivial e vai demandar de nós, mudanças culturais,
adaptações. Uma coisa que eu me lembro, assim, venho ouvindo o
Maurício falar, uma das primeiras coisas que eu tenho recordação do
Maurício, é a questão das pessoas, desde que chegou aqui em 95, que
uma das principais dificuldades ou entraves para o nosso crescimento
seria a falta de pessoas para conduzir esse crescimento. E como isso é
verdade, como é difícil a gente ter pessoas preparadas, como é difícil a
gente
preparar
e ter, para
perseguir
essas
oportunidades.
Elas
aparecem e se você não tem uma pessoa preparada, não tem as
equipes preparadas, você não consegue perseguir aquela oportunidade,
então você tem que parar alguma coisa igualmente importante, para
poder endereçar aquilo lá. Então, nessa linha do Maurício, quer dizer,
evidentemente o Maurício conseguiu liderar esse processo que nós
chegamos até onde chegamos porque o Maurício conseguiu desenvolver
essas pessoas. Eu sou muito agradecido, eu sou uma dessas pessoas
inclusive, fruto dessa visão e dessa persistência do próprio Maurício.
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Talvez seja ainda mais exponencial à frente, porque a coisa ela toma
uma dimensão muito maior, os fatores multiplicadores são maiores.
Então, à frente, crescimento, geração de riqueza contínua e crescente, e
os desafios associados a isso. Desafios de preparação interna, desafios
de adaptação cultural. Desafios de que os nossos, chamemos, inimigos,
das forças que se levantam contra uma Embraer que está no patamar
que está hoje, são forças completamente diferentes daquelas que se
levantaram lá atrás. Lá atrás não tinha força contra, nós estávamos tão
moribundos, aquela coisa popular, “ninguém chuta cachorro morto”. Nós
não somos mais “cachorro morto”. Então hoje, forças importantes,
estamos falando aí de empresas poderosas, muito mais poderosas do
que nós somos, financeiramente falando. Empresas que tem países e
governos muito mais fortes do que o Brasil, então nessa linha nós
temos. Agora, nós temos o nosso principal diferencial em relação, aliás
de qualquer Empresa, as pessoas. Quer dizer, passa pela capacidade
que nós temos, teremos de colocar essas pessoas devidamente
preparadas, alinhadas, motivadas, na direção de perseguir essas
oportunidades, esses desafios. Perseguir oportunidades, afastar os
obstáculos, reduzir as dificuldades que apareçam nesse caminho.
A nossa engenharia é uma grande força. Quer dizer, nós temos uma
capacidade, uma criatividade e um conhecimento diferenciados. Eles
não são... eu não vou dizer que nós tenhamos mais capacidade do que
tem uma Boeing, que tem uma Airbus, mas nós conseguimos ter tanta
competência quanto, há uma base de custo mais baixa, isso gera
competitividade internacional. A nossa flexibilidade, a maneira - a nossa
atitude diante do cliente -, também é fruto muito de uma visão que o
Maurício trouxe para Empresa. É diferenciado, nós somos flexíveis, o
brasileiro tende a ser flexível. Quando essa flexibilidade está associada a
uma visão de negócio, ela torna-se poderosa, quer dizer, a gente faz
coisas pelos nossos clientes que talvez outros não façam. Coisas de
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valor ou até talvez coisas de pouco valor material, mas de grande valor
digamos, de credibilidade, de demonstração, de compromisso, de
parceria. Então, eu olho para o futuro com alegria pelo desafio que tem
pela frente. A motivação vem muito do desafio. Se não tivesse desafio
não teria e nem haveria motivação. É dessa forma que eu vejo, a
Empresa vai crescer, gerar empregos, gerar resultados, e nós vamos
dar conta das dificuldades que tem por aí.
A nossa cultura, historicamente é uma cultura muito rica. É uma cultura
de excelência tecnológica. Nós somos uma Empresa aeronáutica por
excelência.
Nós
nascemos
aeronáuticos.
Então,
a
questão
da
transparência, da honestidade em relação a aviação, quer dizer, o
respeito à aviação, aquele velho ditado “errar em aviação, é grave.
Omitir o erro, é crime”, isso é um coisa que está no DNA da Empresa e
as relações das pessoas acabam refletindo um pouco esses valores.
Agora nós temos essa cultura, essa cultura evidentemente com a
chegada do Maurício no pós-privatização, ela se juntou com a questão
da... isso aí a serviço da coisa empresarial, gerando resultado e gerando
isso aí, os resultados e a própria continuidade da Empresa e sua
longevidade. Agora, nós crescemos muito nesses últimos anos. Então
quando a gente fala de desafio de crescimento à frente, é fundamental
que a gente tenha capacidade de agregar as pessoas que vão entrar na
Empresa e eu diria até mais, eu diria as pessoas que entraram
recentemente na Empresa agregaram a essa cultura. Nós temos um
desafio de consolidação cultural nada desprezível. As pessoas que, se
nós pegarmos o grupo das pessoas que estavam na Empresa em 97, no
momento mais crítico em 97, nós chegamos a três mil empregados, e
logo depois começamos a ter ali um crescimento, aquelas pessoas
viveram uma Empresa que estava morta, que ressuscitou, que cresceu e
que é o que é hoje. Então eu e mais três mil e poucos que estávamos
aqui naquela época, lembramos bem do que é uma Empresa em crise, e
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temos um enorme respeito à questão das dificuldades. Agora quando a
gente pega um garoto de 20 anos, que entrou na Embraer no mês
passado, nós não temos nem porque imaginar, muito menos exigir, que
ele tenha essa visão. Ele não viveu isso. Ele tem uma Empresa que está
todo dia no jornal, que é uma Empresa de sucesso, que é uma Empresa
que todo mundo fala, o orgulho do Brasil, formidável. Só que, cabe à
Empresa e não as pessoas, cabe à Empresa agregar essas pessoas e
dizer “Olha, é tudo verdade, só que olha só, dá uma olhada em como a
coisa se construiu”, é aquela brincadeira, você vê a cachaça que eu
tomo mas não vê o tombo que eu levo, e tomamos muito tombo nesse
caminho. Então nós já temos aí acho que um certo passivo cultural, que
a gente tem que agregar. E quando a gente pensa em 2007 agregar três
mil pessoas, em 2008 continuar crescendo e por aí vai, esse tem que
ser o foco, e esse passará a ser um foco específico, que é a questão de
trabalhar a cultura da Empresa. A coisa não acontece naturalmente por
inércia, isso depende de ação empresarial. Isso é uma força que a
Empresa tem e ela não se dissipou, mas se não for tomada uma ação
específica, focada para isso, ela pode até se dissipar e a gente perde
força. Não que a gente vai ter um problema de falta de identidade, não
é isso, mas a gente perde aquela coisa, aquela união, aquele
entendimento conjunto, que alavanca a Empresa à frente.
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