Thomas - Alkantara Festival

Transcrição

Thomas - Alkantara Festival
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Q _O CONVIDADO
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Q _ O CONVIDADO
O que ando a ver, a ler e a ouvir
Thomas Walgrave
Ver
Ler
‘Uma Separação’
Alambique
11,99 €
Por uma vez, este ano
concordei com a decisão
do júri dos Óscares em ter
atribuído a este filme o prémio de
Melhor Filme Estrangeiro.
É um filme que fala do Irão
sem falar do Irão, que é
uma crítica ao regime sem
falar do regime, uma vez
que não entram nem elementos da polícia nem nenhum representante do poder. Tem um elenco incrível
e a nível da qualidade de
atores é mesmo uma grande descoberta. E é para
mim um exemplo muito forte onde não há separação
entre o íntimo e o político,
porque esta é uma história
extremamente íntima, uma
história de um encontro entre duas famílias, enquanto
o tom é mesmo político.
Este cruzamento é essencial e a arte é um lugar onde temos de mostrar que a
política faz parte da nossa
vida, não é uma coisa técnica inalcançável, a política
somos nós. E isto é essencial para um pensamento
democrático.
Ouvir
Fabiano Maciel
António Lobo Antunes
Don DeLillo
‘Oscar Niemeyer – A Vida
É Um Sopro’
‘O Esplendor de Portugal’
‘Cosmópolis’
Dom Quixote
19,90 €
Relógio d’Água
13,12 €
Midas
10,90 €
Asghar Farhadi
THOMAS WALGRAVE É DIRETOR ARTÍSTICO DO ALKANTARA FESTIVAL. NASCEU EM
ANTUÉRPIA, NA BÉLGICA,
VIVENDO EM LISBOA DESDE
2005. FEZ TAMBÉM PARTE
DA CODIREÇÃO ARTÍSTICA
DA COMPANHIA TG STAN
Eu tenho um ponto fraco
por arquitetura. E tenho
uma teoria de que existem
dois tipos de arquitetos.
Uns de teto e os outros.
Os de teto são os arquitetos que desenvolvem quase uma escultura, um jogo
de volumes, e que têm o
sonho de manter o seu espaço vazio. Os outros fazem o contrário, e o Oscar
Niemeyer é um dos exemplos. Para estes a arquitetura é uma forma de tomar
uma posição política e, por
isso, precisam de ver vida
dentro dos espaços que
concebem. O espaço
só começa a existir quando
começam a viver pessoas
aí e a transformá-lo.
O Niemeyer, com todo
o seu lado utópico, sempre
parte das pessoas. Este
documentário é lindíssimo
e mostra-nos isso também.
Quando me mudei para
Portugal recebi três livros
do António Lobo Antunes.
Entre eles estava o O Esplendor de Portugal. Esses
três livros, mas principalmente O Esplendor de Portugal, foram essenciais para eu compreender a complexidade
da cultura portuguesa.
Além disso, considero
António Lobo Antunes um
dos grandes nomes da literatura mundial, principalmente a nível estilístico.
Ele nesta obra mostra as
feridas de uma nação, com
todas as suas contradições, do processo de colonização
e descolonização. Para
mim foi um livro essencial
para compreender Portugal.
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Don DeLillo é um dos grandes escritores norte-americanos deste momento.
Cosmópolis é uma espécie
de retrato do modelo económico capitalista. Segue
um dia na vida de uma
pessoa, que atravessa Nova Iorque e está com uma
doença terminal. É assim o
último dia da sua vida e, ao
mesmo tempo, é também o
último dia deste sistema
económico. É uma parábola que para mim desnua de
uma forma muito forte as
fraquezas do modelo capitalista, que nos querem fazer convencer de que é
inquestionável. É mesmo
um livro incrível, visionário,
com uma força literária
brutal.
QUOCIENTE DE INTELIGÊNCIA
Barbara Kingsolver
Jorge Salaviza
Jonathan Littell
Faber and Faber
6,12 €
Dom Quixote
17,91 €
Galliamard
26 €
‘The Poisonwood Bible’
Retrato de uma família norte-americana que se muda
para o Congo nos anos 50.
O pai é pastor batista e
tem três filhas e uma mulher. São estas quatro mulheres que contam a história de ascensão e queda
desta família dentro do
Congo, num ambiente bastante inimigo para eles. O
livro tem muito a ver com a
incapacidade de chegar a
um diálogo por causa do
ambiente fechado em que
se vive. É mesmo um monumento, até em termos
de peso, e que cobre uma
parte da história que se relaciona com Portugal, com
os processos de colonização e descolonização e,
por isso, acho estranho
que até hoje ainda não tenha sido lançada uma tradução em português do livro. Descobri-o pouco depois da sua publicação original. Penso que foi através da minha mãe,
que é uma fonte interminável de literatura.
SÁBADO, 2 DE JUNHO DE 2012
‘Dançar a Vida’
Jorge Salaviza foi para
mim uma pessoa extremamente importante quando
comecei a trabalhar no
alkantara festival. É uma
pessoa de uma generosidade incrível
e é alguém que para mim
incorpora tudo o que eu
adoro no ser humano. É alguém que nunca tentou
encaixar-se ou corresponder a uma
norma. É alguém com uma
liberdade muito grande.
Por um lado, faz parte de
uma aristocracia cultural
portuguesa, por outro tem
uma vertente muito popular
e simples. Ele é provavelmente a pessoa mais intuitiva que eu conheci até
hoje,
é como um gato. Agora publicou estas memórias, que
são de uma extrema franqueza, de uma honestidade que não tem nada a esconder. É um homem extraordinário e este autorretrato é ainda mais extraordinário.
SÁBADO, 2 DE JUNHO DE 2012
‘Les Bienveillantes’
Jonathan Littell, um norte-americano que escreveu
em francês. É um livro essencial, bastante grande,
que me coube um verão inteiro de leitura. É um retrato de alguém que faz parte
do regime nazi. Um jovem,
inteligente, brilhante, homossexual e que faz parte
do sistema e que cada vez
mais, pelas circunstâncias,
é forçado a assumir posições e a tomar medidas
que nunca na vida tomaria.
É um retrato de que a humanidade é capaz do melhor e do pior, ao mesmo
tempo e, estranhamente,
pelas mesmas pessoas.
Além de ser um livro que,
a nível histórico, está incrivelmente bem documentado, é também uma obra
que conta uma grande parte da historia da Segunda
Guerra Mundial, dos erros
que se cometeram e dos
mecanismos que podem
funcionar dentro desse sistema.
Depois a escrita é incrível.
Quando adoro um livro,
ele costuma ter dez ou 20
frases que são para a vida.
Este deve ter, pelo menos,
umas 300.
Anne Teresa
De Keersmaeker
& Bojana Cvejic
Mercatorfonds and Rosas
49,95 €
Este é um livro que vai sair
agora durante o festival, no
dia 7, no Teatro São Luiz, e
é muito mais do que um livro. É um objeto impressionante e que é resultado de
uma missão quase impossível.
É um retrato das quatro primeiras criações de Anne
Teresa de Keersmaeker,
que foram apresentados no
Centro Cultural de Belém
entre fevereiro e março. O
livro tem esta ambição de
explicar as criações de tal
forma que revela tudo.
Contém os diários de bordo, os cadernos, desenhos, anotações musicais
e quatro DVD,
em que cada um cobre um
espetáculo. Estes DVD
mostram a Anne Teresa
em frente a um quadro a
explicar,
literalmente, cada movimento. Desfia o espetáculo
de tal forma que percebemos que cada movimento
tem um sentido em si próprio em relação aos outros
movimentos. Normalmente,
os artistas gostam de guardar os segredos, o mistério, e ela faz o contrário.
Ela quer partilhar o seu trabalho com as pessoas. Isto
tem a ver com a sua posição dentro da comunidade,
sendo a mesma filosofia
com que gere a escola Rosas. Ela tem uma visão
ideológica do mundo muito
marcada e isso é algo que
a diferencia dos seus colegas.
Houria Aichi
Eric Dolphy
Accords Croisés
22,90 €
West Wind
18 €
A música deste disco entra
na banda sonora do espetáculo da companhia holandesa Dood Paard, uma
adaptação de Otelo de
William Shakespeare [amanhã e segunda-feira em
cena no Teatro Maria Matos]. Houria
Aichi é uma cantora argelina e que tem neste Cavaliers de l’Aurés um disco
fortíssimo. É um casamento entre a música tradicional da região de onde ela é
natural,
uma cultura de pós-nómadas, e o jazz atual.
Escolho este disco por causa do tema Springtime.
Ando a ouvir muito este
disco neste momento.
Ouvi-o pela primeira vez há
20 anos e achei-o tão forte
que para não queimar o
disco decidi impor uma regra de que só podia tocá-lo
uma vez por ano, na altura
em que as temperaturas
sobem para cima de 20
graus, ou seja, quando começa a primavera. Segundo, acho que o Eric Dolphy
é alguém com uma influência que não dá para subestimar, e que por muitos motivos desapareceu na sombra da história. É triste, porque a morte dele é das
mais trágicas do jazz. Ele
morreu de diabetes, num
hospital em Paris. Como
era negro e músico de
jazz, acharam que ele tinha
um problema de heroína e
esqueceram-se dele. E depois é incrível que como última gravação ele grave
algo como a primavera, ou
seja, Springtime.
‘Cavaliers de l’Aurès’
‘A Choreographer’s Score’
Graindelavoix & Björn
Schmelzer
‘Cesena’
Glossa
18 €
Disco do ensemble Graindelavoix e que é banda sonora de um espetáculo no
festival, também chamado
Cesena, de Anne Teresa
de Keersmaeker e de Björn
Schmelzer. Não escolhi
esta música com objetivos
de promoção, mas acho
que este é mesmo um objeto único. O disco contém
música polifónica do século
XIV, mas interpretada de
uma forma muito complexa
e muito rica, quase moderna na complexidade da sua
estrutura. Foi criada num
momento muito difícil de
fome, das guerras papais
entre Avignon e Roma, de
peste, e então houve uma
resposta por parte da comunidade artística. Por outro lado considero que existe um eco muito forte dessa época com os tempos
que
vivemos hoje em dia. O
que considero único no disco é que os Graindelavoix
têm uma abordagem à musica antiga que é pré-clássica, ou seja, o que nós conhecemos da música antiga passou em grande parte
pela escola clássica dos
séculos XVIII e XIX, e aqui
eles regressam a um método anterior, quase popular,
que dá espaço a vozes
muito atípicas.
‘Last Recordings’
QUOCIENTE DE INTELIGÊNCIA
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