ENTRE O RURAL E O URBANO: a agricultura urbana em

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ENTRE O RURAL E O URBANO: a agricultura urbana em
Sidivan Resende
ENTRE O RURAL E O URBANO: a agricultura
urbana em Uberlândia (MG)
Uberlândia
2004
Sidivan Resende
ENTRE O RURAL E O URBANO: a agricultura
urbana em Uberlândia (MG)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia,
como requisito à obtenção do título de mestre em
Geografia.
Área de Concentração: Geografia e Gestão do Território
Orientador: Professor Dr. João Cleps Júnior
Uberlândia
2004
Sidivan Resende
ENTRE O RURAL E O URBANO: a agricultura urbana em
Uberlândia (MG)
BANCA EXAMINADORA:
Prof. Dr. João Cleps Júnior (Orientador/ UFU)
Prof.a Dra. Vera Lúcia Salazar Pessôa (UFU)
Prof.a Dra.Ana Maria de Souza Mello Bicalho (UFRJ)
Uberlândia, ___ de abril de 2004.
À pequenina J ulia,
meu mais impor t ant e pr oj et o de vida.
AGRADECIMENTOS
A todas as pessoas que, direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste
trabalho. Aos amigos, familiares, professores, instituições, entre outros, minha gratidão.
Dentre esses, agradeço especialmente:
Ao Professor João Cleps Júnior pela orientação profissional e justa;
Aos coordenadores do Programa de Pós-Graduação em Geografia da UFU, Prof.
Antônio Giacomini Ribeiro e Profª Marlene T. Muno Colasanti, pelo apoio e presteza na
realização de seu trabalho, facilitando nossa vida no que se refere aos trâmites burocráticos;
Aos professores do Instituto de Geografia da UFU, que acompanharam minha
trajetória e contribuíram para minha formação desde os tempos da graduação;
Em especial à professora Vera Lúcia Salazar Pessoa, pelas ricas contribuições para
este trabalho, desde a fase inicial até sua consecução, e também pelo incentivo acadêmico e
profissional;
À professora Beatriz Ribeiro Soares, pelas valorosas orientações e indicações
bibliográficas fornecidas nas fases de defesa de projeto e defesa de qualificação, bem como
em sala de aula, na disciplina Urbanização nas Áreas de Cerrado;
Aos amigos Genaro e “Marceleza”, pelo apoio durante a pesquisa de campo e pela
elaboração do material cartográfico;
A todos os "agricultores urbanos" entrevistados que gentilmente deram informações
sobre sua atividade, sem as quais essa pesquisa não teria sido possível;
Aos companheiros da pós-graduação Renatinha, Português, Douglas, Paulo Egídio,
Murilo, Renata, Wanderléia, Luciene, ...;
À todos os integrantes do Laboratório de Geografia Agrária (IG/UFU) pelo
companheirismo;
Ao CNPq, pelo fomento concedido no último ano dessa pesquisa;
À família, Mãe, Pai, Irmãos e Avó pelo apoio e incentivo constante;
E à Iara, minha companheira, pela cumplicidade e amor compartilhado em nossa
convivência, e também pela leitura crítica do texto da dissertação e suas importantes
sugestões.
RESUMO
Esta pesquisa examina as atividades agrícolas existentes no espaço urbano de
Uberlândia (MG), procurando perceber o seu papel e importância no contexto do
desenvolvimento e, mais especificamente, no contexto do abastecimento e segurança
alimentar locais. A Agricultura Urbana, concebida como um conjunto de atividades típicas
do mundo rural (cultivo, criação, pesca etc.) que se desenvolvem próximas ou no interior das
cidades, é o principal objeto desse estudo. Assim, o que motivou essa pesquisa foi a
necessidade de entender como Uberlândia, importante cidade do interior mineiro, com mais
de 500 mil habitantes, pode abrigar atividades dessa natureza. Nosso propósito pode ser
resumido no reconhecimento da realidade e da importância das atividades agrícolas no meio
urbano do município de Uberlândia (MG), a partir da compreensão das interações entre os
mundos rural e urbano. Com efeito, este estudo discute os conceitos de rural/urbano,
campo/cidade no contexto contemporâneo da Geografia e das ciências afins, buscando
desfazer tais dicotomias e demonstrar as limitações desta dualidade. Além disso, trata-se de
uma abordagem conceitual do tema agricultura urbana, caraterizando estas atividades no
mundo e em Uberlândia e descrevendo a realidade vivida pelos agricultores urbanos,
enquanto agentes sociais, sobretudo as suas relações de produção. A pesquisa, partindo da
análise dos temas agricultura urbana e desenvolvimento sustentável, procura evidenciar a
importância e a viabilidade da agricultura urbana, bem como seus problemas e perspectivas
na atualidade. Constatou-se que a agricultura urbana é uma atividade marginalizada, apesar
de apresentar muitos benefícios sócio-econômicos, e que os atuais critérios de delimitação
rural/urbano não satisfazem a análise dessa atividade rural que se desenvolve nas cidades.
Palavras-chave: agricultura urbana, relações campo-cidade/rural-urbano, desenvolvimento
sustentável.
ABSTRACT
This research examines the existent agricultural activities in the urban space of
Uberlândia (MG), trying to notice its role and importance in the context of the development
and, more specifically, in the context of the local provisioning and alimentary safety. The
Urban Agriculture, conceived as a group of typical activities of the rural world (cultivation,
creation, fishing, etc.) that are developed close or inside the cities, is the main object of this
study. Thus, what motivated the research went the need to understand the way Uberlândia, an
important city of the Minas Gerais interior, with more than 500 thousand inhabitants, can
shelter activities of that nature. Our purpose can be summarized in the recognition of the
reality and of the importance of the agricultural activities in the urban space of Uberlândia
municipal district (MG), starting from the understanding of the interactions among the rural
and urban worlds. With effect, this study discusses the urban/rural and country/city concepts
in the contemporary context of the Geography and of kindred sciences, looking for to undo
such dualities, demonstrating their limitations. Besides, it’s a conceptual approach of the
urban agriculture, analyzing this activity in the world and Uberlândia and describing the
reality lived by urban farmers while social agents, above all their production relationships.
The research, leaving of the analysis of the themes urban agriculture and maintainable
development, tries to evidence the importance and the viability of the urban agriculture, as
well as its problems and perspectives at the present time. It was verified that the urban
agriculture is a marginal activity, in spite of presenting many socioeconomic benefits, and
that the current manners of delimitate the urban e rural worlds in Brazil don't satisfy the
analysis of the rural activity that is developed in the cities.
Keywords:
development.
urban
agriculture,
country-field/rural-urban
relationships,
maintainable
LIS TA DE FIGURAS
1 - Uberlândia: terrenos cultivados com culturas temporárias no período chuvoso .......
06
2 - Uberlândia: evolução mancha urbana .......................................................................
66
3 - Uberlândia: distribuição dos vazios urbanos .............................................................
66
4 - Uberlândia: localização das atividades de agricultura urbana identificadas na
pesquisa......................................................................................................................
82
5 - Uberlândia: Bairro Pampulha - Quintal produtivo: cabras, galinhas e codornas.......
89
6 - Uberlândia: chácara do Sr. Waldemar, 4,5 ha de hortaliças em área pública ...........
90
7 - Uberlândia: vaqueiro pastoreando seus animais em áreas vazias e APP do Córrego Mogi,
bairro Karaiba .................................................................................................
92
8 - Uberlândia: Trailler-sede da atividade de pecuária urbana itinerante.......................
93
9 - Uberlândia: Animais em lotes ou áreas vazias à procura de alimentos ....................
96
10 - Uberlândia (MG): unidades de pesque-pague localizadas na cidade ......................
97
11 - Rendimento médio da agricultura urbana em Uberlândia .....................................
100
12 - Contribuição da agricultura urbana na renda familiar total (%) .............................
100
13 - Horta em quintal: produção especializada em couve e cheiro-verde ......................
101
LISTA DE QUADROS
1 - Os agricultores urbanos: naturalidade, local do nascimento e tempo de moradia em
Uberlândia .........................................................................................................
85
2 - Distribuição dos agricultores urbanos por faixa etária .......................................
86
3 - Uberlândia: situação jurídica das áreas de agricultura urbana .............................
94
LISTA DE TABELAS
1 - Regiões do mundo: porcentagens e projeções da população urbana (1970 - 2020) ...
39
2 - Uberlândia: evolução da população rural e urbana (1940 - 2000) .............................
61
3 - Uberlândia: índice de especulação imobiliária: população urbana/ lotes existentes ...
67
4 - Tamanho das áreas utilizadas com horticultura .......................................................
95
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS .......................................................................................................
iv
RESUMO ............................................................................................................................
v
ABSTRACT .......................................................................................................................
vi
LISTA DE FIGURAS .........................................................................................................
vii
LISTA DE QUADROS ......................................................................................................
vii
LISTA TABELAS ..............................................................................................................
vii
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................
01
1 – REFLEXÕES SOBRE O RURAL E O URBANO ......................................................
09
1.1 – Os limites e as dicotomias entre o rural e o urbano ............................................... 11
1.2 – Interpretações do rural e do urbano: desafios teórico-metodológicos para as
ciências humanas ................................................................................................... 15
2 – CARACTERIZANDO A AGRICULTURA URBANA: do conceito às ações.............
2.1 – Agricultura urbana: um conceito complexo .......................................................... 31
2.2 – Benefícios, riscos e perspectivas da agricultura urbana .......................................
34
2.2.1 - Os benefícios da prática de agricultura urbana ............................................
35
2.2.2 - Os riscos e problemas da prática de agricultura urbana ..............................
38
2.3 – As diferentes escalas da agricultura urbana .......................................................... 38
2.3.1 – A agricultura urbana no cenário mundial ......................................................
38
2.3.2 – A Agricultura urbana no cenário brasileiro .................................................
44
2.3.3 – A Agricultura urbana no cenário local: Uberlândia (MG) ............................
48
3 – A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE UBERLÂNDIA E DAS ÁREAS DE
AGRICULTURA URBANA .......................................................................................
52
3.1 – A produção do espaço urbano de Uberlândia MG e a constituição do Meio
Técnico-Científico-Informacional ........................................................................ 53
3.2 – A lógica da especulação imobiliária em Uberlândia e a constituição dos espaços
da agricultura urbana ............................................................................................ 62
4 – AGRICULTURA URBANA E SUSTENTABILIDADE: experiências na cidade de
Uberlândia (MG) ......................................................................................................... 69
4.1 – A agricultura urbana e os estudos geográficos ....................................................
69
4.2 – A Agricultura urbana e o desenvolvimento sustentável ......................................
76
4.3 – A agricultura urbana em Uberlândia ....................................................................
81
4.3.1 - O agricultor urbano e seu espaço .................................................................
83
4.3.2 - Os espaços da agricultura ............................................................................
87
4.3.3 - Organização do trabalho e rendimento na agricultura urbana ...................... 98
4.3.4 - Características da produção e da comercialização da agricultura urbana ...
100
4.3.5 - A base técnica da produção na agricultura urbana ......................................
104
4.3.6 - Recursos naturais e meio ambiente .............................................................
107
4.3.7 - Problemas e perspectivas da agricultura urbana em Uberlândia.............
109
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................
115
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................
119
ANEXOS ............................................................................................................................
124
ANEXO 1 – Roteiro de entrevista utilizado na pesquisa de campo ................................... 126
INTRODUÇÃO
A expressão agricultura urbana designa um conjunto de atividades típicas do mundo
rural (cultivo, criação, pesca, etc.) que se desenvolvem próximas ou no interior das cidades,
ocupando exíguos espaços e áreas não utilizáveis por residências ou outras construções. Essas
atividades utilizam e provêem recursos materiais e humanos, produtos e serviços às cidades
em que se inserem.
Cabe ressaltar, nesta pesquisa, que quando se fala em agricultura, deve-se considerar
um conceito amplo, ou seja, um conceito que extrapola a visão tradicional de atividade
agrícola como cultivo de plantas apenas. Assim, nos referimos às atividades típicas do mundo
rural como comentado acima. Preferimos, neste trabalho, o termo agricultura urbana ao de
agropecuária urbana, tendo em vista que esta expressão já se consolidou como expressão
comum na literatura que trata do assunto.
No Brasil, apesar do desconhecimento e descrédito da agricultura urbana (AU) na
academia e também nos órgãos públicos, ela é uma atividade dinâmica, existente na maioria
da cidades. Porém, em âmbito mundial, inúmeras ações estão ocorrendo no sentido de
legitimar as atividades de agricultura urbana na sociedade, procurando criar um fórum de
discussões acerca de sua importância.
Nesse sentido, a FAO/ ONU (Instituição da Organização das Nações Unidas para a
Agricultura e Alimentação), buscando conhecer as principais características, os problemas e
potencialidades da agricultura urbana, em 1999 elaborou o documento “A Agricultura Urbana
e Peri-Urbana”.
Com esse mesmo objetivo criou-se Iniciativa Mundial sobre a Agricultura Urbana em
que participam importantes organismos internacionais como o PNUD (Programa das Nações
Unidas para o Desenvolvimento), o CIID (Centro Internacional de Investigação para o
Desenvolvimento), o Banco Mundial e outros organismos como a AGUILA , uma rede de 16
países latino-americanos que intercambiam informações sobre a agricultura urbana e
periurbana.
Todas essas iniciativas demonstram a importância da AU como forma de equilibrar
um suposto ecossistema urbano. Ou seja, como forma de melhorar as condições econômicas,
sociais, ambientais e até culturais dos seus habitantes. Isto porque a AU é uma atividade
simples, tecnologicamente acessível, requerente de pouco ou nenhum recurso financeiro.
Além disso, pode ser praticada em pequenas áreas como quintais e jardins, utilizando, de
forma racional, recursos reciclados e recicláveis produzidos nas cidades.
2
Como resultado, a AU pode gerar oportunidade de emprego para jovens, idosos e
mulheres; diminuir os riscos de insegurança alimentar por oferecer uma maior quantidade de
alimentos frescos, nutritivos e baratos, o que por sua vez também proporciona menores
despesas com tratamentos médicos; e ainda, uma sensível melhoria das condições de vida e
saúde dos citadinos, na medida em que criam-se espaços verdes, de produção de oxigênio e
bem-estar promovido pela energia vital das plantas. Nesse sentido é que a FAO enfatiza as
possibilidades da AU promover uma situação de sustentabilidade nas cidades do mundo
(COAG/ FAO, 1999).
No entanto, não são apenas benefícios que essa prática traz, podendo gerar também
sérios problemas para a sociedade, dentre eles, a contaminação do meio ambiente pelo uso
indevido de insumos, sejam eles orgânicos ou químicos, a possibilidade de contaminação dos
alimentos produzidos com produtos químicos ou patologias provenientes do uso de águas
contaminadas para irrigação, entre outros.
Neste contexto, é que surge o interesse por investigar este tema, complexo e
instigador, na perspectiva da Geografia. Pois, além das contribuições que esta atividade pode
proporcionar à sociedade, se praticada de forma racional, a AU é uma tema pouco estudado,
sendo necessário maiores investigações, sobretudo no contexto das grandes cidades.
No âmbito acadêmico, a AU ainda não ocupou a pauta de interesses de pesquisadores
e estudiosos. Poucos são os trabalhos dedicados à investigação desta prática. Dentre os
geógrafos a situação não é diferente, como se pode perceber com a leitura do texto e das
referências bibliográficas utilizadas nesta pesquisa.
O desinteresse com este tema decorre do fato de que muitos pesquisadores acreditam
que a epopéia do desenvolvimento urbano-industrial moderno deverá eliminar todos os
elementos ainda existentes do mundo rural. Tanto que, num rápido levantamento
bibliográfico, pode-se encontrar inúmeros trabalhos abordando a "urbanização do mundo
rural". Assim, se até o mundo rural será urbanizado, o que dizer do futuro das atividades
agrícolas dentro ou próximas às cidades?
O cerne da questão reside no modelo de delimitação rural/ urbano adotado no Brasil
que leva em consideração apenas fatores político-administrativos para separar campo e
cidade, negligenciando fatores sócio-econômicos e culturais. E, apesar de vivermos hoje um
momento no qual a produção e a vida são presididos por novos modelos de organização do
espaço, muitos pesquisadores ainda acreditam que a ruralidade será eliminada pela expansão
das atividades industriais. Assim, consideram apenas a dimensão física e material do processo
de urbanização.
3
Dessa forma, tanto geógrafos, como os demais pesquisadores que se interessam por
fenômenos que se manifestam no espaço, deveriam abandonar a visão dicotômica em que a
sociedade e o território são conformados por um par contraditório representando os mundos
rural e urbano, e ainda que, das interações entre campo e cidade, essa última represente o
único caminho para o desenvolvimento sócio-econômico.
Um dos caminhos seria interpretar rural e urbano numa perspectiva de interação. Tal
atitude configura-se um grande desafio não só para a Geografia Agrária, ou Geografia
Urbana, mas para todos os ramos da ciência que buscam compreender a realidade atual. Ao
contrário de se criar e proteger campos científicos com seus objetivos, métodos e conceitos
próprios, para analisar os meios rural e urbano numa perspectiva de dualidade, melhor seria
considerar campo e cidade, rural e urbano, como unidades contraditórias que formam uma
unidade dialética.
Acreditamos ainda que o desinteresse e/ou esquecimento do tema da agricultura
urbana por parte dos geógrafos, deve-se à tendência, ainda comum, de focalizar apenas os
fenômenos de grande expressão econômica ou territorial. Daí que a Geografia Urbana
privilegie estudos sobre o papel e a complexidade das grandes cidades e metrópoles. E, da
mesma forma, que a Geografia Rural privilegie estudos sobre as dinâmicas territoriais de
empresas e produtos ligados ao complexo agroindustrial.
Neste contexto, o estudo sobre a temática da Agricultura Urbana se reveste, tanto de
uma relevância acadêmica/ teórica, quanto de relevância social. Na medida em que se
procurou entender a dinâmica sócio-espacial da AU por meio da discussão sobre as interações
entre o rural e o urbano, pode-se mostrar que, ao invés de buscar conceitos e delimitações
rígidas para o rural e para o urbano, para em seguida, entender suas relações, como força
antagônicas, pode-se chegar a um conceito flexível que dê conta das relações sinérgicas que a
cada dia se acentuam entre esses dois subespaços.
À medida que o estudo da AU for se desenvolvendo e seus resultados forem
divulgados à comunidade (acadêmica e civil), mostrando sua viabilidade sócio-econômica e
ambiental, e também como forma de se atingir um “desenvolvimento sustentável” não só para
a cidade mas para toda a sociedade, esta pesquisa atingirá sua relevância social
Além disso, pesquisas dessa natureza poderiam subsidiar estudos, de planejadores e
formuladores de políticas públicas, no sentido de um desenvolvimento territorial (urbano e
rural) mais equilibrado, que não leve em conta apenas a dimensão setorial para divisão de
espaços. Se contribuir para incentivar a prática da AU em nossas cidades poderemos chegar a
4
um desenvolvimento que considere não apenas a dimensão econômica, mas também,
sociocultural e ambiental.
O que nos motivou a propor um estudo dessa natureza foi, entre outras questões, a
possibilidade de contribuir para discussões acadêmicas no âmbito da Geografia. Todavia,
nossa preocupação com esse tema remonta à época em que elaboramos um projeto
objetivando implantar e incentivar hortas urbanas comunitárias em terrenos baldios de um
bairro de Uberlândia, como forma, principalmente, de eliminar focos de depósito e queima de
lixo e ainda gerar a produção de alimentos, ocupações e rendas para pessoas da comunidade1.
Nesse projeto, após um sucinto diagnóstico sócio-econômico, ambiental e de
possibilidades legais/institucionais, propomos algumas medidas que poderiam criar incentivos
técnicos, financeiros e legais à prática da agricultura urbana. Entre os incentivos legais,
propúnhamos a implementação do dispositivo de “IPTU Progressivo” como forma de
desestimular práticas especulativas do solo urbano, e/ou incentivar o “empréstimo” dessa
áreas a grupos interessados em cultivar uma agricultura urbana.
O desenvolvimento desse trabalho incentivou- nos à proposição do projeto de pesquisa
do qual agora apresentamos os resultados na forma desta dissertação. Objetivamente, esta
pesquisa se preocupou em conhecer e analisar o papel, a importância e a espacialidade das
atividades de agricultura urbana no interior do espaço urbano de Uberlândia, a partir da
compreensão das interações entre rural e urbano, campo e cidade.
Assim, com o intuito de conhecer a situação e a dinâmica das atividades de agricultura
urbana na cidade de Uberlândia, bem como caracterizar as condições sócio-econômicas de
seus praticantes, realizamos nossa pesquisa buscando articular teoria e prática. Inicialmente,
realizamos um levantamento bibliográfico acerca do tema e de assuntos afins procurando
respaldar nossas posições.
Dessa forma, procuramos conhecer literaturas que nos auxiliassem a compreender a
dinâmica das atividades de agricultura urbana, no Brasil e no Mundo. Para isto, mobilizamos
diversos tipos de estudos, dentre eles, as teorias originárias de diferentes ramos das ciências
humanas que debatem questões téorico-conceituais para o tratamento dos fenômenos "rurais"
e "urbanos" na atualidade na busca de novos parâmetros para o entendimento de suas
interações.
1
Exercício acadêmico proposto em 1999 pela disciplina “Planejamento Urbano e Regional”, do Curso de
Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, o qual não foi colocado em prática.
5
Dialogamos também com trabalhos de cunho geográfico, relativos à discussão da
dimensão espacial da AU em suas formas de produção, reprodução e gestão do espaço. Além
disso, estudos específicos relativos à agricultura urbana, principalmente os publicados em
revista especializada2. Por fim, abordamos assuntos diversos que se relacionam, direta ou
indiretamente com o tema, tais como teorias sobre desenvolvimento sustentável, estudos sobre
o tema de cidades sustentáveis e, por fim, assuntos recentes que se relacionam com o tema da
AU3.
A partir desse levantamento bibliográfico, passamos à fase de leituras e
sistematização,
procurando
elaborar
o
referencial
teórico
básico
da
pesquisa.
Instrumentalizado, por esta atividade e com o amadurecimento das idéias em torno da
problemática, elaboramos um roteiro de entrevista para coleta de dados junto aos agricultores
urbanos (Anexo 1). Cabe ressaltar, também, que os dados qualitativos e quantitativos de
cunho estatístico oficial são inexistentes, tendo em vista que essa atividade é considerada
efêmera para as autoridades.
De posse de roteiro de entrevista realizamos as primeiras sondagens, procurando testar
a sua eficácia. Constatada a sua validade e alguns problemas sendo sanados, iniciamos a fase
da pesquisa de campo. Sem dúvida, esta etapa foi a mais instigante do trabalho, pois
conhecemos e trocamos idéias com os praticantes da agricultura urbana. O que contribuiu,
sobremaneira, para o enriquecimento da investigação, devido às informações que não
esperávamos obter, e também, a descoberta das redes de trabalho e relações entre estes
"objetos de pesquisa". Assim, entrevistamos 35 pessoas responsáveis por atividades de AU
em Uberlândia. Dentre estes, 12 horticultores, 20 criadores e 03 proprietários de unidades de
pesque-pague.
Entrevistamos, ainda, pessoas envolvidas com a agricultura urbana na cidade, como
um assessor da Secretaria Municipal de Agropecuária e Abastecimento, responsável por um
projeto de hortas comunitárias e escolares, professores que desenvolvem projetos de
horticultura em escolas do município e, ainda, coordenadores de projetos comunitários de
hortas urbanas. Cabe ressaltar que práticas agrícolas sazonais não foram incluídas no
universo da pesquisa. No período das chuvas muitos lotes da cidade são cultivados com
culturas temporárias, principalmente mandioca, milho e feijão (Figura 1) .
2
3
Revista Agricultura Urbana. Para maiores detalhes consultar o sítio <www.ruaf.org> ou conferir a bibliografia.
Como o Programa Fome Zero implantado pelo Governo Federal em 2002.
6
Figura 1 - Uberlândia: terrenos cultivados com culturas temporárias no período chuvoso
Autor: S.A. RESENDE, 2003
7
De posse de imagens de satélites e plantas da cidade e também de um conhecimento
prévio de morador nativo desta, percorremos quase toda a cidade. Utilizando como meio de
transporte uma bicicleta, percorremos muitos vales, bairros periféricos e locais pouco
conhecidos de muitos outros moradores.
Devido aos problemas orçamentários e mesmo de acessibilidade aos locais, a bicicleta
foi um ótimo instrumento de trabalho. Por exemplo, ao planejar o trabalho em uma área da
cidade, como num vale, percorríamos toda esta área, observando a paisagem, identificando
hortas, ou criações de animais e conversando com seus responsáveis.
A partir destas observações e também das entrevistas, elaboramos um mapa
representando todas as áreas encontradas com os respectivos usos, bem como as áreas que
foram diagnosticadas a partir da entrevista com seus responsáveis. Além disso, realizamos
registros fotográficos das áreas pesquisadas.
Por conseguinte, relacionando o conhecimento teórico obtido a partir de leituras e
reflexões ao conhecimento empírico foi possível iniciar a redação do texto desta dissertação, o
qual foi estruturado em quatro capítulos, além desta introdução, das considerações finais e as
referências bibliográficas.
No primeiro capítulo buscou-se demonstrar e compreender a problemática da
divisão/delimitação entre rural e urbano. No primeiro item desse capítulo, procuramos
entender historicamente como se deu a divisão entre rural/urbano, campo/cidade, tanto do
ponto de vista espacial e das relações de trabalho, quanto do ponto de vista das análises
acadêmicas, ou seja, como surge a divisão física, material desses dois espaços e como as
diferentes disciplinas acadêmicas passaram a tratar a referida dicotomia.
Ainda no primeiro capítulo, discutimos, brevemente, como se processou a
compartimentação do conhecimento na Geografia em diferentes "gavetas", mais
precisamente, entre a Geografia Rural e a Geografia Urbana. Assim, a partir de algumas
considerações, ressaltamos a necessidade de mudança na forma de se analisar as relações
entre rural e urbano, sem negar suas especificidades, tendo em vista que a cada dia esses
espaços parecem se (con)fundir.
No segundo item demonstramos alguns critérios adotados em diferentes países para
delimitar o rural e o urbano e seus principais problemas. Consideramos as novas abordagens
teóricas para o entendimento das relações entre campo e cidade, rural e urbano no contexto de
8
diferentes ciências. Apresentamos, assim, os debates em torno dessa questão e as novas
categorias de análise que vêm sendo adotadas para explicar as novas relações espaciais.
No capítulo 2 apresentamos e discutimos o conceito de agricultura urbana e suas
relações com outros temas afins, tais como desenvolvimento sustentável, urbanização
mundial, (in)segurança alimentar, pobreza urbana, entre outros. Na seqüência, caracterizamos
a situação da AU nos contextos mundial, nacional e local, procurando ressaltar os principais
benefícios, riscos e perspectivas dessa atividade.
No capítulo 3 discutimos o processo de urbanização da cidade de Uberlândia, desde
sua origem até a atualidade, buscando compreender como as características deste processo
influenciam a existência e a dinâmica da atividade de AU nessa cidade. Assim, ressaltamos a
influência do processo de especulação imobiliária na constituição dos espaços de AU e
também dos processos de modernização agrícola, êxodo rural e as migrações na constituição
dos agentes da AU: os agricultores urbanos.
No capítulo 4, com base nas informações empíricas coletadas durante os trabalhos de
pesquisa de campo relacionadas às discussões teórico-metodológicas empreendidas por
geógrafos que abordaram a temática da AU no Brasil e também em teorias acerca do tema de
sustentabilidade, caracterizamos as atividades de agricultura urbana em Uberlândia. Nesse
contexto também procuramos ressaltar as contribuições e os empecilhos da atividade de AU à
constituição de uma Cidade Sustentável.
Por fim, pretensiosamente, acreditamos que esta pesquisa pode despertar outros
pesquisadores, principalmente geógrafos, para a necessidade de se investigar processos sócioespaciais aparentemente singelos e de pouca visibilidade. Nossa intenção foi realizar uma
pesquisa sobre os atores "invisíveis" da sociedade, os que estão a margem das atenções do
Estado e também da academia. No âmbito da Geografia, a motivação foi realizar uma
pesquisa preocupada com os problemas de exclusão sócio-espacial, possibilitando, talvez,
ferramentas que contribuam para um processo de transformação social.
9
1 – REFLEXÕES SOBRE O RURAL E O URBANO
A origem da cisão entre campo e cidade é bem antiga, remontando à época em que
ocorreu a primeira condição para que os homens deixassem de ser nômades e se fixassem em
um local, sedentarizando-se. Paradoxalmente, a origem das cidades é relacionada ao
surgimento e desenvolvimento de uma atividade muito usada hoje, no Brasil, para definir o
que é o campo: a atividade agropecuária.
Com o desenvolvimento dessa atividade surgiu uma das primeiras condições para a
formação das cidades, não sendo, entretanto, a única. Com o desenvolvimento e
aperfeiçoamento de técnicas de domesticação de plantas e animais, gerando assim certo
excedente alimentar, surgiu a possibilidade de alguns homens se absterem da “labuta” em
busca de alimentos e se dedicarem a outras atividades.
A partir desse momento, as relações entre o rural/ urbano, campo/ cidade começam a
ser tratadas sob uma ótica de oposição, de dualidade. Essa situação perdura até hoje, apesar de
haver diferentes setores da academia e da sociedade buscando novos parâmetros para o
entendimento dessa relação. No caso brasileiro, o parâmetro usado para delimitar o que é rural
e o que é urbano baseia-se em critérios político-administrativos fixados pelas diversas
municipalidades do país e adotado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Essa delimitação se dá da seguinte forma: tudo e todos que estiverem dentro do
perímetro fixado pela municipalidade como urbano será considerado, então, território e
população urbana. O rural será dessa forma o restante, o resíduo da área do município. Assim,
não importa se existem áreas e populações vivendo no perímetro urbano, praticando
atividades rurais e também áreas e populações vivendo na zona rural, praticando atividades
urbanas. Também não importa a função ou situação desses, mas sim a delimitação oficial, que
na maioria das vezes, é formulada levando em conta interesses fundiários ou fiscais.
Todavia, tem havido muitas discussões, inclusive no IBGE e em outras esferas
governamentais, procurando entender melhor as relações entre áreas rurais e urbanas no
Brasil. Nessas discussões parece ser consenso que o atual critério de delimitação é precário e
necessita, urgentemente, ser repensado ou até mesmo revisto4.
4
Para uma discussão detalhada dos problemas que envolvem o critério de delimitação rural-urbano no Brasil
utilizado pelo IBGE, bem como outras formas de delimitação adotadas no mundo conferir os trabalhos de Veiga
(2002) e Abramovay (2000).
10
Outro problema que vem sendo debatido e criticado nessa delimitação entre rural/
urbano diz respeito à tendência de se atribuir um critério setorial para delimitar esses espaços,
ou seja, identificar o rural com o setor primário da economia e o urbano com os setores
secundário e terciário da economia. Esse, talvez, seja o mais anacrônico dos critérios, pois
nem mesmo durante o período de formação das cidades essas se dedicavam exclusivamente
ao desenvolvimento de atividades não-agrícolas.
Da mesma forma o campo nunca foi um espaço dedicado às atividades primárias.
Lembremos do período inicial da revolução industrial no qual era bastante difundido os
trabalhos industriais à domicílio. Lembremos também do processo atual de desconcentração
industrial através do qual muitas indústrias têm se deslocado para áreas rurais na busca de
amenidades naturais, mão de obra dócil e salários baixos, entre outros motivos.
Nesse sentido existe uma tendência de
[...] fazer coincidir o rural – uma categoria territorial – com um setor – a agricultura –,
opondo-o ao urbano, também uma categoria territorial, coincidente com outros setores – a
indústria e os serviços. Tal coincidência revela-se sempre, à luz dos fatos, uma
simplificação excessiva que não se verifica senão em casos totalmente excepcionais. [...]
Esta divisão de trabalho entre cidade e campo não é na realidade verdadeira sequer para o
período pré-industrial. (SARACENO, 1996, p.3).
Podemos observar, não só no campo brasileiro mas também nos países desenvolvidos,
a crescente diversificação de atividades, sendo muitas delas não-agrícolas. Essa questão vem
sendo
muito
debatida
e
tem
sido
conceituada
como
pluriatividade
ou
ainda
multifuncionalidade. Assim, o produtor rural vem sendo compreendido por meio de suas
multifunções, sejam elas agrícolas ou não.
Assim, um parâmetro conceptual que explique as complexas interações entre rural e
urbano, ou entre campo e cidade, torna-se necessário. Pois, mesmo havendo diferenças e
especificidades entre esses dois contextos espaciais, eles não podem mais ser tratados como
estanques. Esses dois conceitos/espaços são permeados por intensas (inter)relações que se dão
nos campos econômico, social, cultural, político e também ambiental.
Nesse contexto, dentre todas as discussões que vêm sendo realizadas acerca dessa
questão, um fato chama a atenção. Independente da corrente teórica dos autores, bem como
sua área de conhecimento, existe um consenso que, da oposição anacrônica e obsoleta de
delimitação rural/ urbano como unidades opostas e contraditórias, deve-se procurar as
relações sinérgicas que regem as interações rural-urbano.
11
Nesse sentido, esse consenso se constitui num desafio teórico e metodológico, não só
para a Geografia, mas também para todas as áreas de conhecimento que se preocupam em
entender os novos contornos presentes nos mundos rural e urbano, bem como suas interações.
Entre as os debates recentes algumas categorias de análise têm sido mais expressivas.
Dentre elas destacam-se a do continuun rural-urbano (o rurbano), a ruralidade, e a
pluriatividade. Os principais debates vêm sendo empreendidos por economistas, sociólogos,
antropólogos e também geógrafos. Todavia, nesse momento, mais do que dar respostas a esse
problema objetiva-se contribuir para o debate. Acredita-se que essa não é uma tarefa fácil,
pois,
[...] na maior parte dos casos, o que é rural e o que é urbano vem intuitivamente
reconhecido e depois medido. Com freqüência tem-se sustentado que a diferença é
de natureza social e relativa ao modo como estão distribuídas as populações e as
cidades no território, ou francamente cultural, tanto que nenhum órgão oficial
empenhado nessa tarefa (nações Unidas, OCDE, U.E., Escritórios de Estatísticas)
tem conseguido encontrar uma definição que satisfaça a todos, ainda que por tempo
limitado. (SARACENO, 1996, p.2).
1.1 Os limites e as dicotomias entre o rural e o urbano
A origem da divisão entre campo e cidade remonta à Antigüidade. Um dos primeiros
fatos a contribuir para o surgimento das cidades se relaciona às melhores condições de
suprimento de alimentos proporcionadas pela domesticação de animais e plantas que acontece
antes mesmo do período neolítico (entre 10 a 13 mil anos). Foi nessa época que se iniciou
Primeira Revolução Agrícola quando o homem abandona o nomadismo e passa a ocupar um
território e acompanhar todo o ciclo de desenvolvimento natural dos produtos agrícolas e
animais (SPÓSITO, 1991).
Acompanhando essa revolução ocorre uma mudança cultural, na qual os homens
passam a se adaptar às dificuldades de uma vida sedentária, ou seja, estabelecer um território,
uma morada, cuidar de animais e plantas e alimentar sua família, sendo assim necessária a
criação de uma morada fixa, que garantisse facilidades, principalmente para as tarefas
domésticas.
Esse período de formação das primeiras aldeias não pode ser considerado como um
fenômeno urbano, haja vista que “não há quase divisão de trabalho, a não ser entre feminino e
masculino, ou determinado pelas possibilidades e limites de idade e força” (SPÓSITO, 1991,
12
p.13). Desta feita, o que distingue a aldeia da cidade seria a organização social, ou seja, uma
divisão social do trabalho complexa, na qual os indivíduos da coletividade desenvolvem
atividades diferentes que complementam a vida uns dos outros.
Spósito (1991) discute ainda que, para o surgimento das cidades, além da Revolução
Agrícola que garantiu um excedente alimentar, foi necessário o desenvolvimento de uma
organização social baseada na divisão do trabalho. Divisão essa complementada pelo
surgimento de instituições sociais que garantem relações de dominação e exploração
assegurando a transferência de produtos do campo para a cidade.
Com efeito, essa autora, apoiada em pressupostos da teoria marxista, acredita que a
origem da divisão entre campo e cidade é fruto de uma sociedade dividida em classes.
Passando a existir dessa forma, uma diferenciação ecológica entre campo e cidade, que tem
sua maior expressão na divisão de classes.
Esse espaço urbano que surge, inicialmente se configura como um local de consumo,
ou melhor, de acesso ao consumo, marcado fortemente pela presença da figura do mercador.
Mas, contrariamente à idéia de que a função primeira das cidades foi o comércio.
Pesquisadores afirmam que se desenvolviam também outras funções muito importantes, quais
sejam, a função religiosa, administrativa, militar e de gestão.
Para Carlos (1992, p.59) a origem da divisão entre campo e cidade também se
relaciona ao primado da divisão do trabalho e de classes sociais. Nesse sentido, afirma que “a
divisão do trabalho, além de implicar uma divisão da sociedade em classes, vai determinar
uma separação espacial das atividades dos homens, logo entre cidade e campo”. Assim, “a
oposição entre campo e cidade começa com a passagem da barbárie à civilização, do regime
de tribo ao Estado, de localização pontual e dispersa à nação”.
Além desses elementos, ainda segundo a autora supracitada, pode-se vincular a
separação entre campo e cidade a pelo menos seis elementos, a saber: "A) Divisão do
trabalho; B) Divisão da sociedade em classes; C) Acumulação tecnológica; D) Um sistema de
comunicação; E) Produção de excedente agrícola decorrente da evolução tecnológica; F)
Concentração espacial das atividades não-agrícolas na cidade". (CARLOS, 1992, p.60).
Nesse sentido, a partir de uma análise menos simplista, percebe-se que o surgimento
da estrutura espacial da cidade não ocorre em oposição ao campo. Na realidade, ela só surge
de avanços tecnológicos e sociais, havendo forte inter-relação entre essas duas estruturas
espaciais. A cidade, portanto, só existe em função de transformações no campo. Mesmo
13
havendo especificidades entre esses dois espaços eles fazem parte de um mesmo modelo de
organização e gestão do território, que assim dependem e se inter-relacionam.
Dessa pretensa divisão entre o campo e a cidade avancemos agora já para Idade
Moderna, mudando um pouco o foco da discussão. No momento histórico em que começam a
surgir as diferentes disciplinas científicas, sob a égide do positivismo, processa-se uma
compartimentação do saber científico em diferentes ramos passando a existir verdadeiras
“gavetas” de conhecimento que não se relacionavam entre si. Nesse contexto é que surgem as
ciências humanas e as naturais e, posteriormente, de forma específica, ciências que tratam do
rural e do urbano.
Nesse momento histórico, em meados do século XVIII, o modo de produção
capitalista já se encontrava bem consolidado e em franca expansão, fortalecendo-se ainda
mais com as inovações proporcionadas pela Revolução Industrial. É a época de
institucionalização da ciência moderna. Nesse período inicia-se um intenso desenvolvimento
científico, seguido de um processo de especialização de diferentes disciplinas acadêmicas,
marcado, como já dissemos, pela ampla aceitação da doutrina positivista.
De acordo com essa doutrina cada disciplina deveria delimitar seu objeto e método de
estudo, não sendo permitido a incorporação de assuntos que não fossem específicos de cada
campo acadêmico, compartimentando, dessa forma, a realidade como se esta não fosse
formada por vários elementos e esses não se inter-relacionassem.
No contexto do pensamento e da ciência geográfica, também houve essa tendência. O
surgimento da própria disciplina geográfica e de desenvolvimento se relaciona com essa
compartimentação. Surgiram assim as especialidades na Geografia, inclusive sua dicotomia
maior: a divisão entre Geografia Humana e Geografia Física.
Concordamos com Andrade (1989, p.21) ao enfatizar que “é falsa a idéia, bastante
generalizada, de que a Geografia é, ao mesmo tempo, uma ciência natural [...], e social. Na
realidade, essa divisão é artificial e cria uma dicotomia que põe em risco a própria existência
geográfica”.
Esse processo de compartimentação e especialização não ocorre apenas na Geografia,
mas também em outras ciências. Passa a haver uma divisão entre ciências da sociedade e da
natureza e mais especificamente entre ciência rurais e ciências urbanas. Assim, ainda hoje
podemos perceber a existência de uma sociologia rural e outra urbana, uma antropologia rural
e outra urbana e na geografia, uma rural e outra urbana.
14
À medida que se especializa o geógrafo cria uma série cada vez maior de
compartimentos, denominando-os de diferentes maneiras, tais como geografia física e
geografia humana. E, especificamente, geografias da indústria, da circulação, regional,
econômica, política, cultural, entre tantas outras. Isto sem falar nas divisões políticas, teóricas,
ideológicas: geografia tradicional, teorética, marxista, da percepção etc.
A geografia como ciência corresponde à área de conhecimento que estuda o processo
de ocupação/produção do espaço pelo homem e a transformação deste em um espaço que
atenda seus interesses. Estuda assim a relação do homem com a natureza e dos homens entre
si. Assim, é necessário que o geógrafo domine conhecimentos da natureza e da sociedade. Daí
a necessidade de se eliminar as dualidades da geografia: física/ humana, rural/ urbana.
No contexto da ciência, concordamos mais uma vez com Andrade (1989, p.11) ao
enfatizar que o “conhecimento científico não pode ser compartimentado, ele é um só, e a
divisão entre ciências é apenas uma tentativa de compatibilizar a vastidão deste conhecimento
com a capacidade de acumulação de conhecimento pelos homens”.
Como já destacamos, com o avanço da compartimentação e especialização das
ciências, a Geografia acompanha essa tendência e passa a criar campos específicos que
chegam a se pretender autônomos da ciência mãe. Dessa forma, ao analisarmos o trabalho de
Abreu (1994) percebemos a intenção de se especializar os ramos da Geografia - no caso a
Geografia Urbana - expressa na representação de um objeto de estudo específico: “Geografia
urbana: questões sobre sua natureza e seu objeto”.
Por outro lado, também podemos perceber essa tendência no desejo da Geografia
Rural de se especializar. Essa era e continua sendo uma tendência geral, rumo às
especialidades. Todavia, recentemente, tem surgido trabalhos que questionam essas
dicotomias no âmbito da Geografia e também na ciência, em geral.
Todavia, preocupado com o quadro de incertezas que se colocam com a transição do
século XX para o XXI (ascensão da globalização, fim do sistema geopolítico bipolar,
ascensão da hegemonia norte-americana, crise ambiental, acirramento de conflitos étnicoreligiosos, agravamento das desigualdades internacionais, entre outros), Andrade (1995)
enfatiza a necessidade de não se fragmentar o conhecimento geográfico, afirmando que
[...] se a situação é difícil para o geógrafo quando encara seu saber de forma
unitária, o que dizer no momento em que ele tenta dividir este saber, a fim de
encarar as paisagens e os problemas ligados a ela separando o rural do
urbano” (ANDRADE, 1995, p.5).
15
Os argumentos do autor se justificam pelo fato de que, com a modernização da
sociedade e ação da globalização, foi possível perceber que, para fazermos uma pesquisa que
realmente dê conta da complexidade da realidade social, não podemos ver espaços e ciências
separadas rigidamente, isoladas, sem relações entre si.
1.2 Interpretações do rural e do urbano: desafios teórico-metodológicos
para as ciências humanas
Acreditamos que para se discutir os problemas de definição dos termos rural e urbano
é necessário pensar nos princípios da lógica dialética. Francis; Gonçalves; Pessôa (2002)
tratando sobre os princípios dessa lógica elaboram uma espécie de metáfora relacionando dois
termos a duas figuras: um cachorro chamado Fido, e o Moat, a figura de uma fossa, tal qual
aquelas que isolavam os castelos antigos da Europa. Um que ilustra os princípios da lógica
positivista e outro os princípios da lógica dialética.
O primeiro, FIDO, tem no seu nome as primeiras letras de quatro princípios do
pensamento positivista. “O positivismo refere ao pensamento que é Fixo, Isolado, Dividido
em categorias de separação permanente e com Oposição de conceitos”. Isso significa que
idéias fixas resistem à mudança. O pensamento positivista isola as categorias da realidade
como se elas não se relacionassem. Freqüentemente, divide a realidade em unidades ou
conceitos que se opõe. Isso se assemelha muito à tendência de se ver os espaços rural e
urbano como formas divididas, isoladas e opostas.
O pensamento dialético é diferente. Assim, o MOAT, representa os termos de
Movimento, Oposição como uma unidade dos conceitos, Ação que é recíproca e
Transformação da mudança quantitativa em mudança qualitativa. Para o nosso caso,
apresentamos apenas a oposição, que para o “[...] pensamento dialético, é uma unidade. É
como os lados opostos de um imã. Eles têm pólos magnéticos opostos, positivo e negativo.
[...] Os pólos só têm sentido apenas em relação, um ao outro” (FRANCIS; GONÇALVES;
PESSÔA, 2002, p.15).
Nesse sentido, é importante pensar os conceitos de rural e urbano como conceitos
opostos que formam uma unidade em si. Se insistirmos em pensá-los como opostos e
isolados, como divisão da realidade, estaremos pensando de forma positivista. E para que
16
passemos de uma transformação quantitativa a uma qualitativa na produção do conhecimento,
devemos nos esforçar para pensar de forma dialética. Assim, voltemos ao nosso caso.
Apesar de haver uma tendência geral no sentido da urbanização do planeta terra, esse
processo não se dá de forma homogênea. Ou seja, as ondas de urbanização nem sempre
conseguem eliminar todos os elementos da vida rural com a expansão de sua malha territorial.
E o campo, mesmo sendo “urbanizado” não se deixa eliminar por completo, havendo sempre
as resistências “sobrando” sempre elementos da vida rural.
Todavia, não podemos deixar de salientar que consideramos a especificidade de cada
um desses espaços. Realmente, eles são diferentes em sua paisagem e em seu modo de vida. O
que estamos querendo mostrar é que, mesmo sendo diferentes, eles fazem parte de uma
mesma trama territorial que se relaciona a todo momento. Se, por um lado, a cidade busca no
campo matéria-prima, mão de obra, alimentos, tranqüilidade, contato com a natureza, etc., por
outro lado o campo busca na cidade insumos, ferramentas, alimentos industrializados, modos
de vida, eletricidade, televisão, etc. Assim, ambos os conceitos fazem parte de uma vida
comum, de uma mesma trama territorial.
Dessa forma, às vezes, vemos também misturas que não nos permitem dizer o que é
rural e o que e urbano, como, por exemplo, quando constatamos unidades de produção
cravadas na cidade com a criação de animais e cultivo alimentos vivendo sem água tratada,
energia elétrica ou rede de esgoto; ou quando indústrias se instalam fora do aglomerado
urbano, servindo-se da mão-de-obra de trabalhadores rurais e das amenidades rurais.
E ainda, se tomarmos como exemplo a questão do meio ambiente, veremos que é
impossível e até insensato dividir campo e cidade, rural e urbano, por oposição. O impacto da
emissão de gases poluentes por veículos, indústrias e residências não fica restrito apenas às
cidades, nem tampouco ao campo que as circunda. Esses gases geram impactos em escala
global, alimentando o Efeito Estufa e o aumento do buraco na Camada de Ozônio da Terra. A
poluição dos cursos d’água por agroquímicos provenientes da atividade agrícola não fica
restrita à área rural, nem tampouco à cidade mais próxima. Essa poluição se espalha,
chegando até aos oceanos. Da mesma forma, a emissão de efluentes líquidos e sólidos (esgoto
e lixo) pelas cidades, gera impactos para as áreas rural, urbana, local, regional, nacional,
global.
Portanto, como veremos à frente, é de suma importância rever os conceitos, as
definições e os modelos estatísticos de separação do rural e do urbano, procurando novas
abordagens. Pois, como nos reporta Santos (1997, p.45) na atualidade, diante das
transformações que o território vai conhecendo em suas formas de organização, pelo impacto
17
da revolução técnica, científica e informacional, surge a “necessidade imperiosa de
substituição de conceitos e categorias de análise da geografia” e também de outras ciências.
Assim, categorias como região, circuitos espaciais de produção, relações campocidade e hierarquia urbana deveriam ser redefinidos. Estas se incluem em contextos maiores,
“onde, não podemos mais falar da clássica noção de rede urbana, assim como também não
podemos mais referirmos as clássicas noções de relações cidade-campo”. (SANTOS, 1997,
p.48).
Hoje vivemos um momento em que surgem novas relações campo-cidade. Durante
muitos séculos campo e cidade interagiam mutuamente; mas com processos históricos como
as grandes navegações e revolução industrial, o padrão de relação tradicional campo-cidade se
transforma, assim
[...] não é mais possível ficarmos imunes às mudanças e continuarmos com os
mesmos conceitos e classificações hierárquicas. [...] com a transformação do
mundo, devemos, assim, substituir as antigas categorias de análise por outras, que
dêem conta da explicação do novo e da mudança. (SANTOS, 1997, p.57).
Todavia, a idéia de oposição entre campo-cidade e rural-urbano é bem antiga. Dentre
os principais debates se destaca, como vimos, o que considera a oposição como fruto da
divisão social e territorial do trabalho que se desenvolveu tanto nas sociedades antigas, quanto
nas capitalistas modernas. Ou seja, considera a cidade ou o urbano como lócus preferencial
das atividades comerciais, industriais e de serviços e o rural como lócus das atividades
primárias, ou melhor, da agropecuária.
Ou ainda, como postulava Marx, que a cidade seria o local do trabalho intelectual e o
campo o local do trabalho material. Nesse sentido, lemos “a maior divisão entre trabalho
material e o intelectual é a separação entre cidade e campo” (MARX, 1987, p.77).
No mesmo sentido, Singer (1981) também acredita, tanto na visão setorial da divisão
campo-cidade, ou seja, que o campo seja o local das atividades primárias e a cidade das
atividades secundárias e terciárias, quanto na idéia que campo e cidade sejam a expressão da
divisão da sociedade de classes. Nesse sentido, afirma que
a história das relações entre campo e cidade é quase sempre escrita abstraindo-se as
relações de classe ou então na suposição que há dois sistemas de classes, um
urbano e outro rural que se contrapõem. A história, assim formulada torna-se
ininteligível na mediada que as relações de dominação entre cidade e campo apenas
deixam antever, sem revelar sua inteireza, as relações de dominação de classe.
(SINGER, 1981, p. 11-12).
18
Este debate poderia até ser apropriado em épocas passadas, apesar de que, mesmo no
período feudal, ou até mesmo na cidade antiga, poderemos encontrar nos livros de história
passagens que indicam a presença de trabalho material nas cidades, e também, no início da
Revolução Industrial, nos países da Europa, a difusão do trabalho a domicílio (manufatura) no
campo.
No período atual é comum observarmos nas cidades do Brasil e também do mundo,
não só o desenvolvimento de trabalho intelectual e de atividades do setor secundário e
terciário da economia, mas também atividades de trabalho material e atividades primárias. Da
mesma forma, também é comum observarmos no campo o desenvolvimento de atividades dos
setores secundário e terciário da economia.
É nesse sentido que muitos autores passaram a adotar o conceito de pluriatividade, ou
de “novo” rural, ao analisar o espaço rural brasileiro. Esse conceito é relativo a uma série de
atividades que hoje estão se desenvolvendo no campo e que antigamente só poderiam ser
consideradas urbanas. É o caso de indústrias que se instalam fora do aglomerado urbano,
buscando uma deseconomia de escala, de atividades de turismo e lazer, como hotéis-fazenda,
unidades de pesque-pague e uma série de outras atividades.
Como exemplo disso, pode-se citar um artigo publicado no Jornal Estado de S. Paulo,
que informa as transformações que vêm ocorrendo nas cabeceiras dos rios Tietê e Paraíba.
Sob uma rígida legislação ambiental que visa proteger as áreas mananciais, essas áreas
tiveram que buscar outras atividades digamos, mais sustentáveis. Nesse sentido, passou a se
desenvolver atividades de turismo rural e ecológico, produção de alimentos tradicionais como
o queijo artesanal e também cultivo de flores e hortaliças, além de serviços especiais na zona
rural (SANTANA, 2001).
Cada vez mais podemos notar a busca dos habitantes das grandes cidades pelo campo,
pela natureza, por qualidade de vida, ou ainda, uma busca às suas raízes. Todavia, quando
buscam o campo (este é idealizado, o local da tranqüilidade, do verde, do “tempo lento”),
também querem ter acesso aos bens de consumo urbano-industriais. Assim, podemos ver
hotéis-fazenda, que mesmo reproduzindo um ethos tipicamente rural, têm que oferecer aos
seus hóspedes serviços especiais, como acesso à Internet, piscinas, quadras de esporte,
televisão via satélite, entre outros. Com efeito, forma-se uma rede de serviços não-agrícolas
ou até mesmo urbanos, num cenário que, para o padrão tradicional, seria uma área tipicamente
rural.
Por outro lado, podemos perceber também, para além da dimensão física e visível, mas
também na dimensão cultural e simbólica, a manutenção do “rural dentro do urbano”, do
19
campo dentro da cidade. Esse fato se expressa, por exemplo, na chamada cultura country, que
está cada dia mais presente nas cidades, nas grandes festas agropecuárias, nos rodeios
universitários, nos “bailes do cowboy”, etc. Todavia, o tipo caipira, o estereotipado “Jeca
Tatu” de Monteiro Lobato, hoje, foi substituído pelo tipo cowboy, na definição da ruralidade
brasileira.
Nesse sentido, Santos (2001), ao tratar da resistência e vivência dos caipiras na cidade
de Uberlândia, traça o perfil idealizado do homem rural brasileiro de hoje contrastando com o
caipira tradicional. O primeiro é um
urbanóide, monta preferencialmente em touros, usa técnicas e roupagens norteamericanas completas, cultiva valores, comportamentos, sociabilidades e tradições
que se casam com os interesses de acumulação do capital monopolista. (SANTOS,
2001, p.193).
Já o segundo, é idealizado como “o matuto, o bicho do mato, o tabaréu, o pé rachado, o
mandioca, feio, impolido, grosso, vulgar, estúpido, imbecil, murmurante, insosso”.
(SANTOS, 2001, p.193)
Mesmo assim, o mundo rural continua presente nas cidades, nas ruas e nos quintais, na
atividade dos carroceiros e suas carroças, prestando serviços para a cidade, nas pequenas
hortas e criações de animais na periferia, nas festas do Divino e de Santos Reis. Diante disso,
torna-se consenso que é complexo delimitar o que é rural e o que é urbano. Pois a tarefa de
delimitar rural e urbano, de forma coerente, tem que passar pela explicação de fatores de
ordem espacial, social, econômica, filosófica, política, cultural, ambiental, entre outros.
Assim, melhor do que buscar conceitos distintos ou opostos para delimitar rural e
urbano, seria procurar compreender a dinâmica diferenciada de cada lugar, a partir do
entendimento de um par dialético que forma uma unidade, tal como o caso de rural e urbano.
Portanto, interpretar essa situação, na qual rural e urbano se interpenetram e
interagem, configura-se um grande desafio não só para a geografia agrária, ou geografia
urbana, mas para todas os ramos da ciência que buscam compreender a realidade atual. Ao
contrário de se criar e proteger campos científicos com seus objetivos, métodos e conceitos
próprios para analisar os meios rural e urbano numa perspectiva de dualidade, melhor seria
considerar campo e cidade, rural e urbano, como unidades contraditórias e dialéticas.
Em seu clássico trabalho sobre "O que há de novo no mundo rural brasileiro"
Graziano da Silva (1997a, p.43.) mostra como, a cada dia, o campo tem incorporado novas
funções, mostrando através de dados sobre a dinâmica recente da PEA (População
Economicamente Ativa) no mundo rural brasileiro, que essa população tem se concentrado
20
cada vez mais em atividades não-agrícolas no campo. Enfatiza, então, que está cada vez mais
difícil delimitar o que é rural e o que é urbano, e essa diferença é cada vez menos importante,
pois
o rural só pode ser entendido hoje como um 'continuun' do urbano do ponto de
vista espacial, e do ponto de vista da organização da atividades econômicas, as
cidades não podem ser identificadas apenas com a atividade industrial, nem os
campos com a agricultura e a pecuária (GRAZIANO DA SILVA, 1997a, p.1).
De acordo com o autor, o fator indutor dessas transformações seria o grande
desenvolvimento tecnológico que provoca, por sua vez, uma mudança de paradigma
produtivo, que vem sendo chamado de "pós-industrial" ou "pós-fordista". Esse novo
paradigma pautado em relações de trabalho mais flexíveis proporciona o surgimento do
chamado part-time farmer, sendo a caraterística desse novo agente social, a dedicação a
tarefas não-agrícolas mescladas em tempo parcial à dedicação a agricultura. Outra
conseqüência desse fato é uma desespecialização da divisão social do trabalho entre os
membros da família.
No Brasil, assim como no mundo, configura-se então um "novo rural" que vem sendo
caracterizado pela
emergência de um conjunto de atividades intensivas (como oleicultura, floricultura,
fruticultura de mesa, piscicultura, criação de pequenos animais, etc.) cujos
produtores - muitas dos quais de origem urbana - buscam 'nichos de mercado'
específicos para sua inserção, como forma alternativa de complementar a renda
familiar (GRAZIANO DA SILVA, 1997a, p.12).
Diante desse contexto acreditamos que muitas dessas afirmativas são válidas e podem
também explicar a existência de agricultores urbanos. Esses “empreendimentos” buscam
formas complementares para o aumento de rendas para os citadinos, o que representa também
mudanças no mundo do trabalho caracterizado pelo alto desemprego e atividades informais e
em tempo parcial. Surge, dessa forma, um part-time urban farmer, ou seja, um trabalhador
urbano em tempo parcial que se dedica tanto a trabalhos agrícolas como a trabalhos urbanos.
Ou ainda, como fazem os carroceiros catadores de material reciclável (papel, alumínio, etc.),
que se utilizam de ferramentas rurais – o cavalo e a carroça – para desenvolver seus trabalhos
urbanos, mas têm que criar seus animais de alguma forma. Assim, utilizam-se de um
instrumental tradicional, uma carroça e um cavalo, para desempenhar ofícios urbanos ou
melhor, para a cidade.
Todavia, não concordamos com a tese de que o rural só pode ser entendido como um
continuun do urbano, pois, subjacente a esse discurso parece estar também a afirmação de um
possível desaparecimento do rural, que seria engolido e dominado pela cena urbana. E é
21
justamente isso que muitos autores vêm criticando ao reivindicar o papel da ruralidade no
Brasil, pois, não é porque o campo, ao absorver elementos do mundo urbano, se transforme no
mundo urbano, se esvaia e se acabe. Ao contrário, o rural tem seu significado transformado e
tem sido mais valorizado e distinguível do mundo urbano, sendo valorizados seus caracteres
naturais e culturais.
Outros autores também partilham dessa opinião, ou seja, de insatisfação quanto à tese
de continuun rural-urbano. Abramovay (2000) enfatiza que esse conceito nasceu na década de
1960 na sociologia rural norte-americana e considera que esse "continuun rural/ urbano
significa que não existem diferenças nos modos de vida, na organização social e na cultura,
determinados por sua vinculação espacial" (ABRAMOVAY, 2000, p.15).
Além disso, Abramovay (2000) discorre sobre as insatisfatórias fronteiras entre o rural
e o urbano, apresentando três aspectos: a delimitação administrativa (como no caso do Brasil),
a delimitação por peso da mão de obra empregada em atividades agrícolas e a delimitação por
patamar populacional. A primeira, baseada na delimitação político-administrativa, leva em
conta os fatores fiscais em detrimento dos aspectos geográficos, sociais, econômicos e
culturais.
A segunda forma de delimitação tem sido um dos principais critérios de definição de
uma ruralidade, sendo complicada sua utilização hoje em dia, diante da intensas
transformações por que passam as áreas rurais no mundo e no Brasil, marcado pela
diversificação das atividade produtivas, tanto agrícolas como não-agrícolas.
E a terceira e última forma de delimitação apresentada por Abramovay (2000), é
baseada em patamares populacionais e sua distribuição pelo território, sendo muito utilizada
nos países desenvolvidos. Todavia, carece de melhor definição tendo em vista as diferentes
situações encontradas em países do mundo.
Nesse contexto, Abramovay (2002) afirma que, na verdade,
[...] não existe uma definição universalmente consagrada de meio rural e seria vã a
tentativa de localizar o melhor entre os atualmente existentes [...] mas há um traço
comum nos trabalhos recentes europeus e norte-americanos: o rural não é definido
por oposição e sim na sua relação com a cidade (ABRAMOVAY, 2000, p.2).
Dessa forma, parafraseando o autor, não se deve procurar uma delimitação rígida entre
o campo e cidade, mas sim procurar entender quais as inter-relações existentes entre esses
espaços.
Em uma outra perspectiva, Vilela & Silveira (s/d), ao fazerem uma reflexão sobre os
novos contornos que vêm apresentando o mundo rural face aos impactos da globalização,
22
enfatizam que grandes mudanças estão ocorrendo, gerando novos atores e novos espaços.
Esse novos contornos são resultantes, por um lado, de uma crise na agricultura decorrente de
outras crises com dimensões ambiental, econômica e sociais e, por outro lado, do avanço dos
efeitos globalizantes que a cada dia faz emergir novos atores sociais, caracterizados por
realização de atividades diversificadas entre agricultura e outros tipos: serviços urbanos,
industriais, etc. Nesse contexto, novas ruralidades emergem, exigindo novos modelos de
análise.
Vilela & Silveira (s/d, p. 4), então, enfatizam que esses fenômenos são decorrentes de
um deslocamento geral da sociedade em virtude da globalização, evidenciando uma crise
espacial “entendida como uma desordem nos pontos de referências sociais de organização de
espaços”. Essa desordem começa quando os atores sociais do espaço são transformados pelos
efeitos da globalização e o rural que já fora tido como morto, ou irrelevante, renasce
sobrevivendo aos agressivos processos de modernização, industrialização e urbanização.
Diante deste quadro, Vilela & Silveira (s/d), consideram que "[...] a concepção
dicotômica de relação rural/ urbana está superada, ou seja, não existe mais uma separação
completa de características entre esses dois espaços" (VILELA & SILVEIRA, s/d, p.7).
Segundo os autores, a tese sobre o continnun urbano/rural é inválida, pois ela afirma que “os
termos rural e urbano designam dois modos de utilização da terra e são definidos por isso”.
Não existindo essa distinção precisa entre o rural e o urbano, o espaço comporta diversos
níveis de atividade social que ora são mais rurais e ora são mais urbanos.
Nesse contexto, para esses dois autores, é necessário desenvolver uma categoria de
análise que dê conta das transformações recentes no mundo rural e também do mundo urbano.
A Pluriatividade parece ser o melhor caminho para se proceder a análise do novo mundo rural
e do novo mundo urbano, pois "[...] ela permite a integração do campo e das populações rurais
ao espaço econômico e social global" (VILELA & SILVEIRA, s/d, p.10).
Por outro lado, as mudanças nos padrões de consumo alimentar e de estilo de vida na
chamada sociedade pós-fordista transforma rapidamente os modelos de uso dos territórios.
Dessa forma, com a crise na agricultura decorrente do produtivismo e do modelo industrial
fordista, surgem esses fenômenos que vêm sendo chamados de pluriatividade, entendido mais
como uma estratégia de reprodução de agricultores familiares.
Partindo também das grandes transformações atuais decorrentes da globalização e da
modernidade de modo geral, Carneiro (1998) busca um novo modelo analítico que contemple
os impactos dessas transformações no mundo rural e que rompa com a tradicional referência
urbano-industrial de análise do rural e também do urbano. Nesse sentido, essa autora lança a
23
discussão sobre a emergência de novas ruralidades tidas como novas identidades em
construção dos atores sociais e que não podem ser caracterizadas de forma homogênea, pois
em cada realidade histórico-cultural diferente, têm-se uma resposta diferente.
Assim, a autora apresenta a Pluriatividade como um modelo analítico que considera as
diferenciações que podem haver no processo de modernização atual, ou seja, tanto os
produtores rurais podem "modernizar" suas práticas e suas tradições culturais negando as
antigas ou podem se adaptar reinventando uma "nova" situação, uma nova atividade e uma
nova cultura que satisfaça suas necessidades.
Apesar de o processo de industrialização e urbanização forçar o campo a se
transformar, para Carneiro, ao discutir como se dá a integração da cultura rural com a urbana,
não se pode acreditar que essa integração resulte numa aculturação pura e simples da primeira
pela segunda e, nesse sentido, afirma que "elementos tradicionais da chamada ‘farming
culture’ não só persistiram como estão firmemente ancorados em largas camadas da
população urbana, até mesmo em pessoas empregadas em modernas empresas industriais"
(CARNEIRO, 1998, p.2)
A autora discute, ainda, como o conceito de pluriatividade pode ser viável tendo em
vista as grandes transformações do rural, tal como o crescimento de atividades não-agrícolas e
o surgimento de atividades de lazer e de contato com a natureza e até mesmo o surgimento de
estilos de vida alternativos. Nesse sentido, da mesma forma que o campo tem se transformado
em um lugar de vida mais que um lugar de produção, a cidade tem se transformado em um
lugar de produção de atividades agrícolas, mais que um lugar de vida exclusivamente. Dessa
forma é necessária uma visão mais dialética para a análise atual do rural e do urbano nesse
novo contexto espacial de vida produtiva.
Outras discussões críticas acerca do modelo tradicional de corte rural/urbano bem
como novas abordagens para o tratamento dessa questão estão sendo propostas. Rua (2000 e
2002) analisando as intensas transformações no mundo atual, dá sua contribuição geográfica
para esse debate. Além de introduzir o termo "urbanidades" para designar os novos hábitos e
caraterísticas do "urbano dentro do mundo rural", questiona o dicotômico corte rural/urbano e
também a tese do Continuun. Assim, enfatiza que é necessário considerar
a idéia de trabalhar com 'urbanidades no rural' criando espaços/ territórios novos,
de maior ou menor predominância urbana ou rural, sem cortes, que se lançam
numa nova aventura de imaginar novas formas de organização do espaço e novas
formas de funcionamento de sociedades locais inter-relacionadas a sociedades mais
amplas (RUA, 2000, s/p).
24
Em um procedimento de inversão conceitual, podemos indagar sobre o surgimento de
novos espaços/ territórios, construindo ruralidades no urbano. Para isso, torna-se necessário
romper com o formalismo reducionista de considerar a seguinte relação: rural = tudo - urbano,
e reforçar a dimensão espacial/ territorial em complexos mais amplos que permitam ver
regiões mais ou menos rurais, cidades em regiões rurais e até atividades agropecuárias na área
urbana de grandes centros.
Esse autor salienta que os estudos sobre o rural se dividem em duas vertentes: uma
centrada nos atores sociais e, outra, nos espaços/ territórios. Nesse sentido, concordamos com
a sua preocupação de como "integrar essas duas vertentes temáticas, buscando um maior
conhecimento das dinâmicas sócio-espaciais, das relações de poder e das estratégias dos
diferentes atores sociais" (RUA, 2000, s/p).
Para o autor, o conceito de urbanização deve ultrapassar a dimensão física do processo
(expansão da área construída, delimitação do perímetro urbano) e incorporar as dimensões
ideológicas e culturais, pois todas essas dimensões podem ser úteis para explicar esse mosaico
de situações diferenciadas na atualidade.
Assim, sustenta que “é necessário rever os conceitos de rural e urbano e analisar as
novas inter-relações do (s) espaço (s) a que se referem” Rua (2002). Nesse sentido, sua
proposta, é
[...] tentar ultrapassar o corte tradicional rural/ urbano e tomar por base novas
territorialidades [...], trabalhando integradamente o rural e o urbano em escalas
local, regional, nacional, [...] e reforçar o espacial/ territorial, em complexos
espaciais/ territoriais mais amplos, que permitam ver regiões mais ou menos rurais,
cidades em regiões rurais, agropecuária em regiões urbanas (RUA, 2002, p. 33-34).
Outra perspectiva de análise interessante é a de ruralização da cidade proposta por
Armstrog e Mcgee apud Santos (1994), originalmente na década de 1960 como uma noção de
“involução urbana”,
[...] isto é, a invasão da práxis rurais no meio urbano em virtude das numerosas e
brutais correntes migratórias provenientes do campo. Hoje, porém, talvez se possa
falar em involução metropolitana, mas em outro sentido, uma vez que um grande
número de pobres urbanos cria o caldo de cultura para que nas cidades, sobretudo
nas grandes cidades, vicejem formas menos modernas, dotadas de menor
dinamismo e com menor peso na contabilidade estatística do crescimento
econômico (SANTOS, 1994, p. 55).
Assim, o caldo de cultura denominado por Santos (1994) proporciona também o
aparecimento de atividades típicas do meio rural no ambiente urbano. Todavia, não
acreditamos que esse fato seja uma verdadeira involução, pois pode, segundo perspectivas da
25
FAO/ ONU, possibilitar novas formas de urbanismo e urbanidade que casem com a proposta
do chamado "desenvolvimento sustentável".
Na medida que o rural na cidade contribuir para a melhoria das condições de vida dos
pobres urbanos (gerando rendas e alimentos), melhoria do ambiente urbano (preservação e
produção de espaços naturais) e reciclagem de efluentes líquidos e sólidos (lixo e esgoto), a
metrópole não involui, mas, evolui. Isto, é claro, sob uma perspectiva que não considera
desenvolvimento apenas como urbanização e industrialização.
Abramovay (2000) enfatiza que em vez de uma definição setorial para as áreas rurais
(ou seja, a áreas voltadas à prática da agropecuária), é necessário uma definição espacial e
multissetorial, ou seja, uma definição que contemple não só todos os tipos de atividades
econômicas que se desenvolvem no campo, mas também os aspectos sócio-culturais
diferenciados que se dão nesse espaço.
Apesar de o autor não se voltar à questão de uma urbanidade, acreditamos que o
urbano não pode ser encarado como um espaço voltado para atividades tipicamente urbanas.
As cidades de hoje são habitadas por indivíduos que têm uma origem rural muito forte,
reproduzindo, assim, hábitos rurais no espaço urbano.
Numa perspectiva histórica e sociológica, os trabalhos de Medeiros (2002), Duarte
(2001), e Cândido (1997), de diferentes formas enfatizam que, diante dos processos de
modernização da sociedade e do desenvolvimento das relações capitalistas de produção, o
rural e o urbano interagem independentemente do espaço físico onde se localizam os sujeitos.
Assim, Medeiros (2002), estudando a cidade de Uberlândia (MG) a partir das intensas
transformações sócio-econômicas e espaciais da sociedade brasileira após a década de 1970,
percebe que estratégias de vida e trabalho são gestadas na cidade por trabalhadores, na luta
pelo “direito à cidade”, deixando nela suas marcas. Diante disso, o autor percebe que
[...] a permanência dos costumes e valores vinculados ao meio rural são como que
‘amalgamados’ aos valores próprios do meio urbano. Na verdade, é esse amalgama
que constitui, em última instância, o que se convencionou chamar de modo de vida
urbano (MEDEIROS, 2002, p.31).
No mesmo sentido Duarte (2001), ao estudar o processo de modernização agrícola e
êxodo rural da região do Triângulo Mineiro, especificamente, na cidade de Ituiutaba (MG),
salienta que novos projetos de vida são elaborados pelos migrantes, baseados numa
perspectiva urbana. Todavia, esses projetos de vida são marcados por transformações,
permanências e recriações do rural no urbano que influenciam, decisivamente, na
configuração da paisagem da cidade e do modo de vida de seus habitantes.
26
Cândido (1997), em seu clássico estudo sobre as transformações operadas na vida do
caipira paulista a partir da expansão de uma economia capitalista sobre sua economia de
subsistência pautada em técnicas rudimentares, utiliza-se de duas categorias ou conceitos:
persistência e alteração. Ou seja, do contato de uma cultura tipicamente rural, rudimentar, de
subsistência com um modo de vida urbanizado, capitalista e moderno, surgem situações em
que esse caipira persiste com seus antigos hábitos de vida e modos de produção ou os altera
procurando um equilíbrio nas suas condições de existência.
Em uma abordagem geográfica, Maia (1994), ao analisar a existência de paisagens e
modos de vida rurais na cidade de João Pessoa (PB), salienta que a permanência e a recriação
de modos de vida rurais na cidade se devem a questões de desejo e necessidade, ou seja, o
rural se mantém na cidade ora pelo desejo de sujeitos que sentem algum prazer em praticar ou
viver atividades rurais relacionadas às suas tradições, raízes ora pela necessidade de se
conseguir rendas e alimentos para continuar sobrevivendo numa cidade excludente.
Ao examinar a validade do corte rural-urbano para a análise da realidade
contemporânea, particularmente para o caso da reforma agrária no Rio de Janeiro, Alentejano
(1997) salienta que, para se superar a dicotomia rural-urbano, é preciso negar a idéia que o
campo será sepultado com o avanço da urbanização. Assim, o desafio é
[...] mostrar que apesar das inegáveis transformações sociais, econômicas, culturais
e espaciais resultantes do desenvolvimento do urbano, o rural não deixou nem
deixará de existir, apenas teve e está tendo seu significado alterado
(ALENTEJANO, 1997, p.41).
De acordo com o exposto, percebe-se que a maioria das obras citadas são de
estudiosos do mundo rural, buscando novos entendimentos para esse mundo diante das
transformações pelas quais ele está passando, sobretudo, com sua interações com a
urbanização. Percebe-se, por conseguinte, que os estudiosos do urbano ainda não se
preocuparam com as influências do rural no processo de urbanização.
Nesse contexto é necessário considerar que
[...] os contrastes entre campo e cidade vêm desaparecendo, de vez que, com as
facilidades de transportes e de comunicação, o campo penetra cada vez mais a
cidade e a cidade cada vez mais o campo. Pode se afirmar que um processo de
ruralidade urbana e, em contrapartida, um de urbanização rural (ANDRADE, 1995,
p.9).
Portanto, interpretar essa situação na qual rural e urbano se interpenetram e interagem,
configura-se um grande desafio não só para a geografia agrária, ou geografia urbana, mas para
todos os ramos da ciência que buscam compreender a realidade atual. Ao contrário de se criar
27
e proteger campos científicos com seus objetos, métodos e conceitos próprios para analisar os
meios rural e urbano numa perspectiva de dualidade, melhor seria considerar campo e cidade,
rural e urbano, como unidades contraditórias e dialéticas.
Convidamos ao diálogo Veiga (2002), autor que vem desenvolvendo interessantes e
polêmicas reflexões sobre os problemas de delimitação do rural e do urbano, tendo em vista
uma política de desenvolvimento rural sustentável para o Brasil. Esse autor enfatiza a
precariedade do anômalo modelo de delimitação do campo e cidade adotado no Brasil desde o
final da década de 1930 baseado em critérios setoriais em oposição a critérios territoriais, o
que coloca o Brasil entre os países mais atrasados do mundo do ponto de vista territorial.
O referido autor classifica esse modelo como um entulho varguista, ou seja, uma
delimitação anacrônica e atualmente obsoleta, criada ainda nos tempos do Estado Novo que
considera a cidade toda e qualquer sede municipal, independente de sua situação, função ou
dimensão (Veiga, 2002).
Assim, esse modelo de divisão territorial adotado no Brasil causa sérias distorções:
[...] por exemplo, é crescente o número de agricultores, pecuaristas, extrativistas,
pescadores (e até populações indígenas ou quilombolas) que perdem o direitos aos
parcos benefícios dirigidos às populações rurais por que residem em sedes de
minúsculos municípios. [...] e por que deixaram de fazer tal opção se é justamente
nas sedes que há mais chances de acesso a água, eletricidade, correio ou escola
primária? [...] Será que a simples residência em tais locais pode fazer com que
sitiantes, vaqueiros, bóia-frias, quebradeiras de coco ou guardas florestais tenham
posições e funções definidas no território confundidas com a de bancários,
corretores, guardas de trânsito, manobristas, flanelinhas ou garis? (VEIGA, 2002,
p.57).
Assim não faz sentido, segundo ele, que o foco das políticas de desenvolvimento rural
seja baseado em critérios setoriais, ou seja, políticas voltadas à agropecuária. Nesse contexto,
as políticas de desenvolvimento urbano, não deveriam se basear apenas em critérios setoriais,
haja vista que existem dentro dos territórios urbanos práticas agropecuárias se desenvolvendo.
Não de se trata de estimular uma competição entre políticas públicas para o rural e o urbano;
trata-se, antes, de estimular práticas que poderiam gerar empregos, rendas e alimentos para
populações urbanas, funções rurais, aproveitando-se das vantagens comparativas.
Contrapondo a realidade brasileira, o autor apresenta o modelo da OCDE –
Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico – para delimitar as fronteiras
rural/ urbano e o seu inusitado padrão de organização territorial das aglomerações urbanas.
Segundo esse modelo, para que uma aglomeração seja considerada urbana é necessário que
ela tenha uma densidade demográfica de 150 Hab/km2.
28
E a partir da identificação da quantidade de população vivendo em áreas desse tipo se
define três tipologias: essencialmente rurais (regiões onde mais de 50% da população vivem
em localidade rurais); relativamente rurais (regiões onde entre 15% e 50% vivem em
localidade rurais); e essencialmente urbanos (regiões onde menos de 15% da população vivem
em localidade rurais). Situando países diferentes nessas tipologias percebe-se que países
industrializados antigos podem ter mais áreas rurais do que se imagina.
Todavia, há de se considerar a validade de utilização desse critério para o caso
brasileiro. Seguindo-o “apenas 411 dos 5507 municípios brasileiros existentes em 2000
seriam considerados urbanos” (VEIGA, 2002, p.65). Esse critério é baseado em densidade
demográfica, o que representa uma relação da quantidade de pessoas residentes em uma
determinada área territorial. Assim, como o território brasileiro é muito extenso e a maioria
dos municípios são pouco “artificializados”, com pouca pressão antrópica, ocorre que 70%
deles tem densidade inferior a 40 hab./ KM 2.
Já em outro trabalho, o autor preocupado com questão da face territorial do
desenvolvimento, também discute as tendências brasileiras de diferenciação espacial cidade/
campo e enfatiza que existe uma tendência de se amalgamar o desenvolvimento à urbanização
e assim uma área rural só se desenvolve se ela se urbanizar. Isso hoje não é verdade. Basta
observar
a situação norte-americana. Atualmente,
as melhores oportunidades de
desenvolvimentos tem-se localizado em áreas relativamente rurais ou ainda essencialmente
rurais.
Nesse sentido, relacionar desenvolvimento e urbanização é errôneo. Essa situação se
deve ao fato da valorização do campo como um espaço provedor de amenidades, tanto para
atividades turísticas, recreativas ou ainda de trabalho. Tudo isso se torna possível devido ao
grade desenvolvimento dos meio de transporte e comunicações que podem libertar as
empresas e pessoas dos grilhões urbanos para o acesso a diferentes tipos de serviços,
informações etc. [VEIGA, entre 1999 e 2001].
Da mesma forma, pode-se indagar se uma área tida como urbana poderia se
desenvolver contendo atividades rurais no seu interior e se políticas de desenvolvimento
urbano não poderiam ser territoriais ao invés de setoriais.
O autor também mostra que o processo de urbanização está longe de por fim a
contradição campo/ cidade. Para além das análises dicotômicas que pregam um antagonismo
entre as distintas áreas, e das abordagens da teoria do continuun urbano-rural que acredita
numa pretensa continuidade do urbano sobre o rural, a cada dia as diferenças se tornam mais
nítidas, tendo em vista os fenômenos de valorização cultural e dos recursos naturais “rurais”.
29
Por fim, afirma que durante muito tempo o debate sobre o duelo entre dicotomia versus
continuun, baseou-se em fatores demográficos ou sociológicos, como se os fatores ecológicos
e econômicos não fossem relevantes [VEIGA, entre 1999 e 2001].
É importante salientar que muitos dos autores referenciados estão discutindo novas
abordagens para a superação do tradicional corte rural/ urbano e procurando formas de
entender os contornos do mundo rural. Todavia, o caminho oposto, de se procurar novas
abordagens para entender os contornos, nem tão novos, do “novo” mundo urbano, permeados
pela presença do rural no urbano ainda não se tornou objeto de estudo do geógrafo, nem
tampouco de outros estudiosos das ciências sociais.
Esses não tão novos contornos estão expressos nas inúmeras hortas comerciais e
comunitárias existentes em Uberlândia, nas unidades de pesque-pague, nas vacarias e currais,
nos galinheiros, nas pocilgas, nas criações de cabra leiteira, nos carroceiros, nos herbários de
plantas medicinais, existentes dentro do perímetro urbano oficial.
Nesse contexto é necessário considerar que
[...] os contrastes entre campo e cidade vêm desaparecendo, de vez que, com as
facilidades de transportes e de comunicação, o campo penetra cada vez mais a
cidade e a cidade cada vez mais o campo. Pode se afirmar que um processo de
ruralidade urbana e, em contrapartida, um de urbanização rural (ANDRADE, 1995,
p.9).
Portanto, interpretar essa situação na qual rural e urbano se interpenetram e interagem,
configura-se um grande desafio não só para a geografia agrária, ou geografia urbana, mas para
todas os ramos da ciência que buscam compreender a realidade atual. Ao contrário de se criar
e proteger campos científicos, com seus objetos, métodos e conceitos próprios, para analisar
os meios rural e urbano numa perspectiva de dualidade, melhor seria considerar campo e
cidade, rural e urbano, como unidades contraditórias e dialéticas, formando uma unidade na
diversidade.
Diante do exposto, cabe indagar de que forma esse debate pode contribuir para a
compreensão da dinâmica das atividades agrícolas que se desenvolvem no interior das
cidades, tal como ocorre na cidade de Uberlândia. Contudo, antes de tentar responder essa
questão, passemos ao capítulo seguinte, no qual se conceitua e se carateriza essas atividades
nas cidades do mundo, do Brasil e em Uberlândia.
30
2 – CARACTERIZANDO A AGRICULTURA URBANA: do conceito às ações
A expressão e o estudo sobre a “Agricultura Urbana”, geralmente, provoca certo
estranhamento. Isso porque muitos não conseguem conceber que práticas agrícolas se
desenvolvam no interior das cidades. No Brasil, esse estranhamento é provocado, em partes
pelo modelo de delimitação rural/ urbano adotado pelas instituições publicas, pelas agências
de estatísticas e recenseamento, sendo o mesmo ensinado e reproduzido nas escolas do país.
No Brasil, entende-se geralmente, como rural o local onde se desenvolvem as práticas
agropecuárias (a lavoura, a pecuária), e como o urbano o local onde se desenvolvem as
atividades de indústria e comércio. Toda situação que não se encaixe nesse modelo não pode
ser considerada como tal e, o que é mais grave, é considerada como algo anômalo ou ainda
em vias de desaparecimento, como muitos acreditam que deve ocorrer com as práticas rurais
nas cidades que desaparecerão diante da onda incessante e inevitável da urbanização material.
Contudo, nesta pesquisa “remamos contra a corrente” acreditando que o modelo de
delimitação rural/ urbano adotado no Brasil pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística) deveria ser repensado e até substituído, se for o caso, por um outro. Por um lado,
um novo modelo que contemple e conceba os novos contornos do mundo rural, cada dia mais
influenciado por novas tecnologias, modos de vida e produção e também formas espaciais
típicas do urbano, enfim, um modelo que compreenda o “novo mundo rural brasileiro”5.
Por outro, um modelo que considere o “nem tão novo mundo urbano”, onde coexistem
não só as formas e conteúdos típicos da urbanização (indústria, comércio, ruas, prédios,
trânsito caótico, etc.), mas também as atividades “primárias” desenvolvidas por muitos
habitantes das cidades. Atividades estas como horticultura, criação de animais, equitação etc.
Mas, para além dessa discussão teórico-metodológica acerca da utilização do par rural/
urbano, já realizada no capítulo 1, passemos a discutir o conceito de agricultura urbana e suas
interações com outros temas de interesse na atualidade, qual sejam, o desenvolvimento
sustentável, a urbanização mundial e seus problemas decorrentes, pobreza urbana, e a (in)
segurança alimentar.
Com efeito, nesse capítulo objetiva-se delimitar o que se entende por Agricultura
Urbana (AU). Faz-se assim, uma abordagem conceitual do tema, demonstrando os principais
5
Expressão cunhada e desenvolvida por pesquisadores do “Projeto Rurbano”, a qual representa a emergência e
importância crescente das atividades rurais não-agrícolas no meio rural. Para maiores informações consultar o
sítio do projeto: <www.eco.uincamp.br/nea/rurbano/rurbanw.html>, ou o capítulo 1 dessa pesquisa.
31
entendimentos sobre o mesmo. Em seguida, caracteriza-se a situação da agricultura urbana
nos contextos global, nacional e local, e apontam-se seus principais benefícios, riscos e
perspectivas na atualidade.
2.1 Agricultura Urbana: um conceito complexo
A agricultura urbana é caracterizada por atividades localizadas dentro ou na periferia
de um centro urbano, que cultiva ou cria, processa e distribui uma diversidade de produtos
alimentares e não alimentares, (re)utilizando em grande medida recursos humanos e materiais,
produtos e serviços que se encontram nas cidades e, por sua vez provê recursos humanos e
materiais, produtos e serviços à zona urbana (MOUGEOT, 2001).
De maneira específica,
la agricultura urbana es considerada como un concepto dinámico que comprende
una variedad de sistema agrícolas, que van desde la producción para la subsistencia
y el procesamiento casero hasta la agricultura totalmente comercializada. La
agricultura urbana normalmente tiene una función de nicho en términos de tiempo
(transitorial), espacio (de intersticio), asi como condiciones sociales (por ej.,
mujeres y grupos de bajos ingresos) y económicas específicas (por ej. crisis
financiera, escasez de alimentos) (ZEEUW; GÜNDEL; WAIBEL, 2001, p. 13).
Devido à complexidade do tema de pesquisa, por envolver variáveis econômicas,
produtivas, sociais, culturais, ambientais e inclusive de gênero, torna-se difícil formular um
conceito que abarque todas essas dimensões e suas interações. Todavia, o que não se pode
fazer é deixar de reconhecer a existência e a importância dessas atividades “primárias”
desenvolvidas por habitantes de áreas urbanas. O não reconhecimento da AU como atividade
legítima das/ nas cidades, ou ainda, sua repressão, não contribui para equacionar a questão.
Com essa atitude, perde-se algumas chances de fomento de um desenvolvimento
urbano ambiental e socialmente sustentável. Perde-se, por um lado, oportunidades de se
conhecer as condições de produção e beneficiamento de alimentos consumidos nas cidades, e
por outro, oportunidades de apoio à geração de empregos e renda e ainda a possibilidade de
regulamentação de uma atividade que, de qualquer forma, vai continuar existindo, clandestina
ou não, pois representa formas de sobrevivência de camadas excluídas da população urbana.
Construir um conceito é uma tarefa em que se constrói uma ferramenta para auxiliar
não só na compreensão de uma parte do mundo real, mas também para inter-atuar e modificar
este. Segundo Mougeot (2001), o conceito de AU deve evoluir sobre a base de nossa
32
necessidade de codificar e refinar a experiência perceptiva que temos dessa atividade, para
que seu conceito continue sendo e se torne ainda mais útil. Para isto, a identidade e
funcionalidade desse conceito de AU deve ter tanto uma coerência interna quanto uma
funcionalidade externa. Com isto, o conceito de AU pode se converter em uma ferramenta
clara e útil servindo para se intervir na realidade.
Quando se fala em coerência interna é importante perguntar se a agricultura urbana é o
que realmente se chama de agricultura urbana, ou se é assim que queremos denominar, ou
ainda, se é o que se percebe diretamente na realidade. Para uma definição global, é necessário
a criação de um sistema conceptual completo, uma estrutura de idéias fundadas na experiência
do mundo real.
Quanto à funcionalidade externa, é necessário que se saiba qual a posição da
agricultura urbana em relação a outros conceitos, tais como agricultura rural, desenvolvimento
urbano, sustentabilidade, segurança e abastecimento alimentar. Dessa forma, o conceito de
AU deve ser suficientemente claro para que seus usuários possam perceber facilmente seu
potencial de complementaridade e sinergia com conceitos afins. (MOUGEOT, 2001).
Esse autor, ao fazer uma análise das definições mais comuns de agricultura urbana,
informa que elas têm alguns elementos em comum, entre os quais se destacam:
 Os tipos de atividades econômicas: se envolve apenas produção, ou se vão além no
processamento e comercialização;
 As categorias de produtos e serviços: se alimentares ou não alimentares, se para consumo
humano ou animal, tipos de criação ou cultivo, ou ainda serviços, como equitação de
eqüinos para fins esportivos ou terapêuticos;
 A localização intra-urbana ou peri-urbana, sendo este o elemento mais comum nas
diferentes definições;
 Os tipos de áreas onde se pratica a AU, relativo à residência (dentro ou fora da parcela) ao
nível de desenvolvimento da área (terreno com edificação, baldio ou não loteado), à
modalidade de posse (cessão, arrendamento, aluguel, usucapião, etc.), e à categoria oficial
do setor onde se localiza (residencial, comercial, industrial, etc.);
 Destinos da produção, se para autoconsumo, para o comércio, ou misto.
Além desses elementos, o contraste que a agricultura urbana tem com a agricultura
tradicional rural mostra-se muito importante. Pois, todos esses elementos acima podem ser
33
aplicados a qualquer tipo de agricultura, seja ela rural ou urbana, mas o maior contraste entre
uma e outra é a forte integração da AU ao sistema econômico e ecológico urbano. Assim, não
é a localização urbana da AU que a distingue da agricultura rural, mas sim o fato de estar
integrada e interagir com o ecossistema urbano.
Esse vínculo ecossistêmico urbano da AU precisa ser melhor desenvolvido, visto que
esta atividade interage com diversas facetas do desenvolvimento urbano, bem como possui
um potencial para apoiar e diversificar estratégias de gestão das cidades. A partir destas
idéias, desembocamos no seguinte conceito:
la agricultura urbana está ubicada dentro (intraurbana) o em la periferia (peri-urbana)
de um pueblo, una ciudad o una metrópoli, y cultiva o cría, processa y distribye una
diversidad de productos alimentarios y no alimentarios, (re)utilizando en gran
medida recursos humanos y materiales, productos y servicios que se encuentram en y
alrededor de dicha zona, y a su vez provee recursos humanos y materiales, productos
y servicios a esa misma zona urbana. (MOUGEOT, 2001, p.7).
Como se depreende da citação acima, esse conceito abrange as diferentes dimensões
da agricultura urbana. Todavia, outros conceitos interessantes podem ser encontrados, como
os que são apresentados a seguir. A ONU (Organização das Nações Unidas), através da FAO
(Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) e mais especificamente
por meio de seu Comitê de Agricultura (COAG) tem se preocupado intensamente com o
estudo dos principais problemas e potencialidades da agricultura urbana.
Nesse sentido, no documento intitulado “A Agricultura Urbana e Peri-urbana”, editado
por esta instituição, encontramos a seguinte definição:
[...] se intiende por agricultura urbana y periurbana (AUP) las prácticas agrícolas,
dentro de las ciudades y en torno a ellas, que compitem por unos recursos (tierra,
agua, anergía, mano de obra) que podrían destinarse también a otros fines para
satisfacer las necesidades de la población urbana. Son sectores importantes de la
AUP, entre otros, la horticultura, la ganaderia, la producción de forraje y leche, la
acuicultura y la silvicultura. (COAG/ FAO, 1999, p.1-2).
De acordo com esse mesmo documento, a experiência indica que a AU pode responder
as oportunidades que oferecem as mudanças demográficas e econômicas mundiais e relativas
ao uso da terra, redescobrindo modos tradicionais de prover as necessidades das populações
urbanas e inventando outros.
As atividades agrícolas, pesqueiras e florestais criam espaços próprios nas zonas
urbanas. Contudo, é evidente que nem todos os produtos e atividades são adequados para
estas zonas. Com o tempo, talvez a idéia que se tem da agricultura urbana evolua para um
novo conceito, e esta seja considerada uma atividade aceita e necessária, suplantando a
34
imagem do passado, deixando, assim, de ser considerada uma atividade temporal e orientada a
resolver situações de crises.
Preocupada com as atuais discussões sobre o tema da AU e procurando contemplar
questões sociais, econômicas e ambientais nessas discussões, Monteiro (2002, p.39) informa
que a agricultura urbana e periurbana “[...] caracteriza-se por dinâmicas sócio-econômicas e
práticas agrícolas distintas, formada tanto pela produção hortícola estruturada para o
abastecimento do mercado, quanto pela produção de subsistência das unidades domésticas
pobres”.
Já para Madaleno (2001a, s.p.), a agricultura urbana é a
[...] expressão que designa o conjunto de labores desenvolvidos para produção,
processamento e comercialização de bens alimentares, de origem vegetal ou
animal, ou de outras espécies úteis ao Homem, existentes nos espaços intra-urbanos
ou na periferia das manchas construídas e dentro de áreas metropolitanas da mais
variada dimensão. O cultivo dos exíguos espaços desocupados é feito,
preferencialmente, por meio da reutilização de resíduos sólidos e de águas residuais
convenientemente tratadas, práticas condicentes a um tão desejado
desenvolvimento urbano sustentado.
Percebe-se assim, que dentre esses conceitos/definições existem vários pontos
convergentes. O mais comum é relativo ao cultivo de alimentos ou a criação de animais
dentro das cidades voltados tanto ao autoconsumo quanto ao mercado. Da mesma forma,
existem pontos de vista diferenciados nas definições. Para Monteiro (2002), além do
abastecimento do mercado, a AU também tem papel de prover a subsistência de unidades
domésticas pobres. Já em Madaleno (2001a) percebe-se a introdução do conceito de
desenvolvimento sustentável relacionado à AU.
Desta feita, acreditamos que apesar das interseções e da diferenças entre os diferentes
conceitos apresentados, pode-se ter uma idéia do que se está chamando de AU, conseguindo
assim, a referida coerência interna do conceito. Todavia, como já se destacou, por meio das
colocações de Mougeot (2001), a funcionalidade externa do conceito de AU ainda precisa ser
melhor trabalhada, inclusive discutindo suas relações com outros conceitos/ temas, como por
exemplo o desenvolvimento sustentável e a segurança alimentar.
2.2 - Benefícios, riscos e perspectivas da Agricultura Urbana
Ressaltar os benefícios, os riscos e as perspectivas da AU demonstra sua relevância e
seu significado no contexto do desenvolvimento. Seja ele desenvolvimento econômico,
urbano, rural, industrial, sustentável ou outras adjetivações que este pode receber.
35
Vivemos um momento em que o fenômeno da urbanização vem se intensificando,
tanto nos países centrais com uma dinâmica demográfica estável, quanto nos países
periféricos, que têm essa dinâmica instável, apontando para um rápido crescimento
populacional e, consequentemente, um franco processo de urbanização. Diante desse cenário,
estudiosos têm alertado para uma provável crise urbana nas dimensões sociais, econômicas e
ambientais, sobretudo nas cidades do mundo subdesenvolvido. (DRESCHER; JACOBI;
AMEND, 2001; COMISSÃO Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, 1988).
Seguindo a tendência de urbanização mundial, a pobreza urbana também cresce de
forma assustadora, fruto do processo de inchaço das cidades, da falta de perspectivas de
emprego e renda e, conseqüentemente, melhores condições de vida para uma grande
população que reclama por empregos, alimentos, moradia, transporte e outras necessidades
humanas. Paralelamente, os atuais padrões de consumo e processos de produção, aliados ao
intenso crescimento demográfico, podem estar contribuindo, seriamente, para um colapso
ambiental dificultando às gerações futuras boas condições de vida e sobrevivência.
A AU pode representar uma alternativa para a solução de alguns problemas como
geração de emprego e renda, reutilização e reciclagem de resíduos sólidos e líquidos, melhoria
das condições de vida e segurança alimentar. Todavia, ela também pode oferecer riscos se
praticada de forma incorreta. Pode contaminar solo e água por uso negligente de insumos
químicos ou orgânicos, possibilitar proliferação de zoonozes6, contaminar alimentos com
patologias ou produtos químicos nocivos à saúde humana ao utilizar águas poluídas para
irrigação ou dessedentação de animais.
2.2.1 - Os benefícios da prática de agricultura urbana
O intenso processo de urbanização, que é mais um resultado do êxodo rural do que da
reprodução dos citadinos, indica que uma boa parte desses migrantes têm uma tradição, uma
ligação com o meio rural e, por sua vez, se identificam culturalmente com práticas na
agricultura.
Se essas pessoas se interessassem (muitas já se interessam) pela prática da AU em
pequenas áreas como quintais e jardins, alimentos e plantas medicinais poderiam ser
cultivados, gerando vários benefícios sócio-econômicos. Poderia contribuir para a formação
de uma cidade ecologicamente sustentável.
6
Nome genérico de doenças de animais que podem contaminar humanos (raiva, dengue, malária, verminoses
etc.).
36
A prática da AU pode gerar benefícios sócio-econômicos na medida em que pode
garantir trabalho para desempregados, entre eles, mulheres, idosos e jovens; diminuir os riscos
de insegurança alimentar, por oferecer uma maior quantidade de alimentos frescos e nutritivos
a baixos custos, o que por sua vez, também proporciona menores despesas com tratamentos
médicos, além de criar espaços de bem estar, de lazer, de verde, de cotanto com a natureza.
A AU pode se utilizar de dejetos orgânicos da cidade, aproveitando resíduos sólidos
(lixo orgânico) ou líquidos (como esgoto doméstico), por meio de tratamento adequado, sem
oferecer riscos aos moradores das cidade. Pode também utilizar espaços e terrenos baldios que
só contribuem com a proliferação de zoonoses; utilizar áreas próximas a nascentes e cursos
d'água urbanos para cultivo de alimentos; utilizar águas residuais para criação de peixes ou
para irrigação de hortas, proporcionando, por um lado, produção de alimentos e por outro,
aproveitamento de resíduos e despoluição dos cursos d’água (EDWARDS, 2001; FUREDY,
2001).
Com isso, além de se evitar gastos da municipalidade local com a limpeza e
conservação dessas áreas, possibilitaria uma melhoria e estabilização do solo, aumentando
ainda os índices de infiltração da águas pluviais, o que, por sua vez, diminuiria riscos de
enchentes. Esses são alguns dos fatores que concorrem para uma maior sustentabilidade
ambiental.
Nesse sentido, a FAO enfatiza a possibilidade do alcance de uma sustentabilidade do
meio ambiente urbano para a sociedade. Entre os benefícios da AU ela destaca que,
[...] incluyen una mejora del funcionamento hidrológico gracias a la conservación
del suelo y el agua, mejoras del microclima, economías en los gastos de
eliminación de los dejechos urbanos reciclados (aguas residuales y desechos
sólidos), la mejora de la biodiversidad y el aumento del valor recreativo y estético
de los espacios verdes” (FAO/ COAG, 1999, p.7).
A AU também é conservadora e geradora de biodiversidade. Um hectare de terra
urbana utilizada com prática de AU pode salvar cinco hectares ou mais de terra agrícola rural
em estado marginal ou áreas de vegetação natural. A produção de alimentos em quintais ou
áreas vazias da cidade não requerem cultivos geneticamente modificados para serem
economicamente viáveis (SMIT, 2001).
Além disso, pesquisas demonstram a intensa biodiversidade tanto de cultivos e
criações quanto de fauna urbana remanescente como pássaros e mamíferos. Sob um manejo
ecológico comunitário pode-se criar um circuito fechado de nutrientes por meio da
reutilização de dejetos orgânicos (ESREY; ANDERSSON, 2001). A captura de carbono, a
37
criação de conforto térmico e até barreiras sonoras por meio de cultivo de plantas também são
benefícios da AU (SMIT, 2001).
A segurança alimentar é um importante benefício que a AU pode proporcionar. De
acordo com os estudos de Boncondin, Campilan e Prain (2001) sobre a existência e a
dinâmica de hortas caseiras em regiões tropicais, especificamente nas Filipinas, a AU é uma
atividade intensiva, sendo uma estratégia doméstica que mantém uma relação íntima e
interdependente entre segurança alimentar e melhoramento da nutrição familiar.
Esses autores destacam que nas hortas a gama de cultivos é extensa, existindo desde
vegetais e espécies arbóreas até ervas medicinais. Essas hortas, no caso de Manila, Filipinas,
segundo o estudo, contribuem, em média, com 14% dos custos diárias da alimentação das
famílias, o que representa 22% da renda destas. E o mais significativo, é que a contribuição
das hortas caseiras se eleva a quase 50% da renda das famílias mais pobres, que também se
dedicam a comercialização de sua produção.
Este estudo revelou que as hortas caseiras representam uma importante contribuição na
quantidade, diversidade e qualidade dos alimentos consumidos pelas famílias de Manila,
desempenhando uma significativa contribuição nas provisões de vitaminas A e C, provendo
também mais de um terço das necessidades de cálcio e ferro (BONCONDIN; CAMPILAN;
PRAIN, 2001).
De acordo com o Comitê de Agricultura da FAO (COAG/ FAO, 1999) se praticada de
forma apropriada e em condições seguras, a AU pode contribuir para a segurança alimentar
em três formas. Primeiro, ao aumentar a quantidade de alimentos disponíveis no mercado
provoca uma diminuição nos seus custos, já que não se precisa importar alimentos de outras
áreas, facilitando o acesso a estes.
O cultivo em tempo parcial ou hidroponia garante alimentos e renda a pessoas que não
possuem emprego formal ou terras. A segurança alimentar também melhora em tempos de
crise nacional ou escassez (guerras, secas, incapacidade de importação) ou crise familiar
(enfermidades, problemas de saúde, desemprego etc.).
Em segundo lugar porque aumenta o grau de frescura dos produtos alimentares frescos
(PAF) e incrementam a variedade e o valor nutricional destes, pois são consumidos em menor
tempo do que os que são transportados por longas distâncias e comercializados em mercados.
E em terceiro, porque a AU pode oferecer empregos e oportunidades de investimentos em um
setor de fácil ingresso.
38
Nesse contexto, “se estima que unos 800 milones de habitantes de ciudades de todo el
mundo participam en actividades relacionadas com la agricultura urbana que generan
ingressos y/o producen alimentos”. Além disso, “tanto la disponibilidad de alimentos como
los ingressos de los hogares agrícolas pobres son considerablemente mayores que los hogares
que no pratican la agricultura” (COAG/ FAO, 1999, p.5-6).
Resumidamente, entre os benefícios da AU, podemos citar o acesso e proximidade
com os mercados de consumo; menos necessidade de acondicionar, armazenar e transportar
os alimentos; acesso dos consumidores pobres a alimentos por meios distintos do mercado;
disponibilidade de alimentos frescos e nutritivos que são altamente perecíveis; possibilidades
de reutilização de rejeitos; geração de emprego e renda agrícola; conservação e geração de
biosiversidade, melhorias das condições ambientais (COAG/ FAO, 1999; PEREIRA, 2000).
2.2.2 Os riscos e problemas da prática de agricultura urbana
Não são apenas benefícios que a AU proporciona. Sua prática também pode gerar
sérios problemas para a sociedade, sendo que os principais se relacionam ao meio ambiente e
à saúde: a contaminação do meio ambiente pelo uso indevido de insumos, sejam eles
orgânicos ou químicos; a possibilidade de contaminação dos alimentos produzidos com
produtos químicos ou patologias provenientes do uso de águas contaminadas para irrigação e
criação de peixes; possibilidade de proliferação de roedores e focos de mosquitos (malária e
dengue), entre outros (ZEEUW; GÜNDEL; WAIBEL, 2001).
Outros riscos representados pela AU se relacionam com a forte competição por terra,
água, energia e mão-de-obra. Assim, a contribuição da AU (agricultura, criação de animais,
aquicultura, silvicultura) ao bem estar das populações urbanas, depende da forma como se
aproveitam as oportunidades e também da forma e conhecimento de como lidar e controlar os
riscos oferecidos.
2.3 – As diferentes escalas da agricultura urbana
2.3.1 – A agricultura urbana no cenário mundial
A temática da agricultura urbana tem sido alvo de preocupações de muitas instituições
internacionais, nacionais, organizações da sociedade civil, de governos e também de
estudiosos. Todos esses agentes vêem na AU uma saída para a situação caótica que se vive no
âmbito do meio ambiente, da produção, da urbanização desenfreada, da globalização da
39
economia que gera intensos desequilíbrios na relação norte-sul, entre outros problemas
fundamentais da humanidade, neste início de século.
A tendência demográfica mundial contemporânea é um fator de grande preocupação
para as autoridades. Observando-se os dados da Tabela 1, pode-se inferir que além de se
processar um crescimento demográfico acelerado no mundo, atualmente, esta tem se
concentrado, sobretudo, nos países subdesenvolvidos e, o que é pior, nas áreas urbanas.
Tabela 1 - Regiões do mundo: porcentagens e projeções da população urbana (1970 a 2020)
Região
1970
África
23
Ásia
20
América Latina
57
Países industrializados
67
Mundo
37
Fonte: SIAU & YURJEVIC. (1992, p.1).
1990
34
33
72
73
47
2000
41
41
76
75
51
2010
47
49
80
78
57
2020
54
56
83
81
62
Em cem anos, do primeiro quarto do século XIX ao primeiro quarto do século XX, a
população mundial duplicou de 1 bilhão para 2 bilhões. Nos cinqüenta anos seguintes voltou a
duplicar, alcançando os 4 bilhões de habitantes. Entre 1975 e 1990, ou seja, em 25 anos,
passou de 4 bilhões para 5,3 bilhões de pessoas. Sob uma projeção moderada, em 2025 a
população mundial deverá ser de 8.5 bilhões de pessoas (SANTOS, 1999).
O fato preocupante desse crescimento demográfico acelerado é que ela se concentra
em esmagadora medida nos países periféricos do planeta. Além disto como demonstra os
dados da Tabela 1, em 2020, uma média de 62% dessa população viverá em cidades
congestionadas, muitas em condições precárias de habitação, saneamento, serviços sociais. As
populações a viver sob uma pressão crescente da fome, da miséria, da falta de empregos e à
beira do colapso ecológico. Situação alarmante!?
No caso da América Latina, a projeção de urbanização é ainda mais preocupante, visto
que se alcançará 83% de pessoas vivendo em cidades. Nesse contexto,
[...] el Banco Mundial estima que en decenio de 1990 los pobres de las zonas
urbanas que viven en condiciones de pobreza absoluta pasarán de 400 millones a
1000 millones, [...] Estimaciones basadas en las condiciones sanitarias y ambientales
indican que en las ciudades unos 600 millones de personas viven en condiciones
insalubres. Así pues, dado a una cresciente urbanización en los próximos 25 años, la
pobreza urbana y la inseguridad alimetaria podrían agravarse si no se toman medidas
preventivas (COAG/ FAO, 1999, p.2).
Esse crescimento demográfico acelerado torna-se alarmante se pensarmos no sério
desequilíbrio entre população e recursos naturais e sociais necessários a sustentar essa
40
população, sobretudo, se os atuais padrões de consumo dos europeus e norte-americanos
pudessem ser estendidos à população mundial. Procurando fugir à uma análise malthusiana da
questão, acredita-se que a solução para essa situação não será alcançada por meio de guerras,
fome ou doenças epidêmicas.
Todavia, como salienta Santos (1999), entre as três saídas históricas encontradas para
a solução da questão demográfica na época de Malthus – a emigração maciça para o “novo
mundo”, o aumento da produtividade da terra agrícola com a Revolução Agrícola, e o
aumento da produtividade do trabalho pela revolução fabril – apenas a primeira parece estar a
disposição dos países periféricos.
Mas, apesar da propalada mundialização e da derrocada das fronteiras dos estados
nacionais, assistimos hoje ao fechamento das fronteiras, ao acirramento da xenofobia entre os
povos, dificultando o processo migratório dos habitantes dos países periféricos para os países
centrais. Além disso, os recursos tecnológicos existentes para promover as revoluções
agrícolas e industriais também são vedados a esses países, visto que não possuem recursos
para comprar tecnologias (biotecnologia e robótica, por exemplo), nem tampouco podem
desenvolvê-las, devido à precariedade de recursos financeiros e intelectuais.
Diante de todas essas questões, a AU pode representar uma das saídas para os
problemas apresentados. Utilizando-se de tecnologias simples e recursos abundantes
existentes nas cidades – como mão-de-obra e terra ociosa, resíduos sólidos e líquidos – podese alimentar uma massa crescente de urbanitas, além de melhorar sensivelmente as condições
ambientais nas cidades7.
Inúmeras ações estão ocorrendo no sentido de legitimar a agricultura urbana na
sociedade, procurando criar um fórum de discussões acerca de sua importância. Nesse
sentido, a FAO tem se interessado pela agricultura urbana. Além de fomentar a investigação
das atividades agrícolas nas cidades, mediante estudos monográficos, esta instituição criou
vários programas dentro de suas dependências técnicas que auxiliam no apoio normativo e em
assistência técnica, elaborando uma base de informações sobre a AU.
Dentre esses programas, podem ser citados: AGA (relativo aos sistemas urbanos ou
periurbanos de produção, sanidade animal e saúde veterinária); AGSM (programa de
abastecimento e distribuição de alimentos nas cidades); AGPC (programa de horticultura
7
À frente, no capítulo 4, quando tratarmos do conceito de sustentabilidade e suas interações com a agricultura
urbana, teremos oportunidade de ressaltar todas as contribuições da AU para a sustentabilidade – nas dimensões
econômica, social, ambiental, espacial, cultural – da vida humana na Terra.
41
periurbana); FORC (programa sobre silvicultura urbana e periurbana). Além da FAO, outras
organizações da ONU também participam de projetos envolvendo a AU, tais como, a OMS
(Organização Mundial da Saúde), o CNUAH (Centro da Nações Unidas para os
Assentamentos Humanos), a UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e a
OACNUR (Oficina do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados). (COAG/
FAO, 1999).
Fora da FAO, a AU tem sido objeto de reconhecimento crescente entre os
formuladores de políticas públicas e ONG’s. Em meados da década de 1990 foi criado o
Grupo de Apoio a Agricultura Urbana e com ele se colocou em marcha a Iniciativa Mundial
Sobre a Agricultura Urbana. Participam desse grupo iniciativas importantes de organismos
como PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o CIID (Centro
Internacional de Investigação para o Desenvolvimento) e o Banco Mundial.
Algumas redes entre países e ONG’s formaram-se recentemente procurando estudar,
apoiar e implantar projetos relacionados à AU. Entre elas destacam-se: a) AGUILA, rede de
16 países latino-americanos que intercâmbiam informações sobre a agricultura urbana e
periurbana; b) Red Sobre la Agricultura Urbana, criada nos Estados Unidos em 1993 com o
propósito de realizar estudos de investigação e atividades de promoção da AU em todo o
mundo (COAG/ FAO, 1999).
Entre as organizações da sociedade civil interessadas nas atividades de agricultura
urbana, a CARE é um exemplo. É uma entidade canadense que realiza estudos e presta
consultoria técnica para a implantação de projetos de agricultura urbana em diversas partes do
mundo. Dessa forma, desde 1996 ela desenvolve em Port-Au-Prince, capital do Haiti,
programas de AU, buscando aumentar a disponibilidade de alimentos e garantir segurança
alimentar; aumentar oportunidades de emprego, particularmente para mulheres e promover
um ambiente urbano mais saudável, por meio da reciclagem de resíduos orgânicos e
inorgânicos (CARE, 2001).
Apesar da aparente exposição da temática no cenário mundial, muito ainda precisa ser
feito. Especialistas que compõem o quadro do Grupo de Apoio a Agricultura Urbana,
preocupados com a falta de comunicação entre as instituições que tratam da AU –
profissionais, investigadores, agricultores urbanos, planificadores, grupos de consumidores,
entre outros interessados – criaram o Programa RUAF (Centro de Recursos para a Agricultura
Urbana), objetivando cobrir essa lacuna resultante também da falta de comunicação.
42
Por conseguinte, o Programa Ruaf iniciou em 2001 a publicação de uma revista 8
especializada no tema, por meio da qual se pretende facilitar o fluxo de informações e debates
sobre os papéis atuais, potencialidades e também riscos e problemas oferecidos pela
agricultura urbana e periurbana.
Diante desta pretensa notoriedade do tema, pergunta-se: por que motivos têm se
dispensado tanta atenção a esta atividade considerada marginal? Em que medida essa
atividade pode contribuir para o “desenvolvimento”? Estas são algumas das perguntas que se
pretende responder na seção seguinte que trata das interações da AU com o aclamado e
ambíguo termo “Desenvolvimento Sustentável”.
Todavia, cabe ainda destacar algumas experiências de AU desenvolvidas em diferentes
partes do mundo. Bourque; Cañizares (2001) relatam que em Cuba, especialmente em
Havana, tem florescido importantes projetos de AU. Durante os anos 1990, o país entrou em
uma séria crise devido a desintegração da União Soviética, perdendo seus principais canais
comerciais e também incentivos - situação agudizada com a intensificação do cerco norteamericano à ilha.
Nesse contexto, a produção e distribuição de alimentos foram abaladas devido à falta
de insumos baseados em petróleo como fertilizantes e também combustíveis para tratores e
caminhões. Assim, configurou-se uma crise expressada na dificuldade de se produzir
alimentos e para transportá-los das fazendas às cidades.
Sem combustíveis nem peças de reparo para tratores e caminhões e sem fertilizantes, a
agricultura na ilha se transformou e os cubanos passaram a utilizar tecnologias consideradas
sustentáveis. Os moradores das cidades, sofrendo com a escassez e carestia dos alimentos,
passaram a cultivar em seus quintais ou em pequenas parcelas e terrenos baldios adjacentes às
casas. O movimento de agricultura urbana nasceu de uma crise, fomentado espontaneamente
pelas comunidades.
O Estado cubano e os formuladores de políticas, ao observar o progresso desse
movimento deram conta de seu grande potencial. Assim, a AU foi declarada uma prioridade
nacional, recebendo apoio das mais altas autoridades do país. Um dos princípios desse apoio
8
A "Revista Agricultura Urbana" se constitui em uma das bases dessa pesquisa. Além de uma versão impressa,
ela também está disponível em um sítio da Internet, podendo ser acessado em vários idiomas (espanhol, inglês,
francês e chinês). Nos sítios <www.ruaf.org> e <www.pgual.org> podem ser consultados vários números desta
publicação. Além do primeiro número que trata o tema de forma geral, as edições seguintes são temáticas:
produção animal urbana, incorporação da AU no planejamento urbano, gestão da AU nos aspectos relacionados
à saúde humana, entre outros.
43
se baseia na premissa de “producir y comercializar alimentos, flores y medicinas en la
comunidad, por la comunidad y para la comunidad” (BOURQUE; CAÑIZARES, 2001, p.27).
No início deste movimento de crescimento da produção de alimentos nas cidades
cubanas, os principais desafios aos agricultores/ horticultores urbanos eram o acesso à terra e
também a falta de experiência. Assim, o Estado reestruturou os direitos de uso de terrenos
urbanos para facilitar o acesso aos mesmos e formou uma rede de extensionistas para oferecer
tecnologias, ferramentas e sementes aos interessados. Além disso, estimulou a formação de
cooperativas de crédito e serviços. Com efeito, a produção de alimentos aumentou
intensamente e os preços baixaram na mesma ordem, proporcionado segurança alimentar a
muitos cubanos.
Atualmente, o projeto cubano de AU conta com 28 programas de trabalho
coordenados pelo Grupo Nacional de Agricultura Urbana, que é composto de sete ministérios,
17 instituições de pesquisa, em 14 grupos de províncias e 169 grupos de municípios. “Para se
ter uma idéia dos impactos da agricultura urbana, em 1994, a produção de hortaliças e
condimentos frescos era de 4,2 mil/toneladas e, em 2003, da ordem de 3,5 milhões de
toneladas” (EMBRAPA, 2003, s/p).
Assim, diante dos “[...] hambrientos, sea que vivan en países subdesarrollados o
sobredesarrollados, Cuba está demonstrando al mundo que con un conjunto de adecuado de
políticas, recursos y inovación tecnológica el hambre y la inseguridad alimentaria no tiene qué
ser la norma para tantas famílias”. (BOURQUE; CAÑIZARES, 2001, p.27).
Além desse exemplo cubano, muitos outros florescem nos diferentes continentes e
países do mundo. Somente nas três primeiras edições da Revista Agricultura encontramos
inúmeros casos relatados. Por exemplo, na África, a agricultura urbana é uma realidade em
Nairobi (Quênia), Port Dudan (Sudão), Addis Ababa, Dawa e Debre Zeit (Etiópia), Dar es
Salam (Tanzânia) entre muitas outras cidades.
No continente americano encontram-se exemplos em Havana (Cuba), Washington e
Nova York (EUA), Camilo Adao e Bahia Blanca (Argentina), Montevideo (Uruguai), Quito
(Equador), Ciudad de México (México), Presidente Prudente, Belém, Ibirité, Brasília (Brasil).
Na Ásia, Cingapura, Jacarta (Indonésia), Ulam Bator (Mongólia). E ainda muitos casos em
toda Europa, e também na Índia9.
9
Cf. Revista Agricultura Urbana, várias edições.
44
Além das cidades que se tornam objeto de estudo, acredita-se que na maioria da urbes
do planeta existam práticas agrícolas. Segundo a FAO/ ONU mais de 800 milhões de pessoas
se envolvem com esta atividade em todo planeta (COAG/ FAO, 1999). Mas, geralmente, tanto
os agentes quanto suas atividades passam desapercebidas, pelo fato de se desenvolver em
pequenos espaços, às margens de rodovias ou escondidas por muros e cercas.
Geógrafos e também outros pesquisadores têm uma tendência a se interessarem apenas
pelos fatos e fenômenos de grande envergadura. Quando analisam o urbano, as atenções
recaem sobre a atividade industrial, sobre as metrópoles e grandes cidades. Quando analisam
o rural, a atenção volta-se para o complexo agro-industrial, sobre as monoculturas de
exportação etc. Assim, a análise dos fenômenos pequenos (em extensão e não em
importância) menos perceptíveis, são esquecidos ou até ignorados como algo de somenos
importância ou ainda marginal.
Isto é um equívoco, já que as populações que praticam essas atividades obtém,
dependendo do caso e do objetivo da atividade, autonomia, segurança alimentar e auto-estima.
Muitos dos produtores urbanos pobres, considerados marginais, não mendigam, não esperam
comida nem subsídios governamentais e não tem a fome como uma ameaça. Além do que
contribuem para um melhor aproveitamento de recursos que se tornariam lixo ou
contaminantes do meio ambiente, proporcionando, pela ação, práticas de desenvolvimento
sustentável.
2.3.2 – A Agricultura urbana no cenário brasileiro
No cenário nacional, apesar da existência de muitos projetos de agricultura urbana
estarem em andamento e a mesma ser praticada na maioria das cidades brasileiras, ainda não
se tornou um tema de destaque entre as preocupações de acadêmicos e formuladores de
políticas públicas. Bicalho (2000) ao estudar a sustentabilidade econômica das práticas
agrícolas na região metropolitana do Rio de Janeiro salienta que entre geógrafos,
pesquisadores de modo geral e planejadores estas práticas são consideradas como estagnadas,
vivendo uma inútil tentativa de resistir à lógica do processo de urbanização.
Todavia, segundo a autora, contrariamente a este entendimento equivocado, a
agricultura metropolitana existente no Brasil, pode ser, e geralmente é, altamente dinâmica,
como no caso da produção de hortaliças para o abastecimento urbano.
what happens is that this kind of farming is ‘invisible’ to academics and planners
because it is located in enclaves off the main roads or in areas of multiple land uses
where it is practised alongside land speculation, hobby farming, and rural
45
recreation. Aggravating the view of non-existence of agriculture in metropolitan
regions is fact that vegetable farming is an activity undertaken by small farmers,
which makes this kind of agriculture bouble invivible. (BICALHO, 2000, p.39).
No âmbito acadêmico, o estudo da agricultura urbana não é muito expressivo, havendo
poucos trabalhos publicados sobre essa temática. É nesse sentido que em alguns trabalhos
consultados encontramos afirmações como: “no Brasil [...] o estudo da agricultura
metropolitana (...) é bastante difícil e até, desacreditado” (TUBALDINI; RODRIGUES, 2001,
p,2); ou ainda quanto a AU e o estudo sobre a realidade brasileira, sobre os quais “poucos se
têm debruçado os geógrafos e os planeadores urbanos no maior país da América do Sul”
(MADALENO, 2001a. p.2).
Na esfera de políticas públicas para a promoção e regulamentação da AU, a situação
não é diferente. Apesar dos projetos já implantados ou em implantação, acreditamos que ainda
é pouco. Espontaneamente, famílias pobres e também empreendedores capitalistas já praticam
agricultura nas cidades, buscando melhoria nas condições de vida e formação de setores de
capitalização, respectivamente. Porém, devido à falta de incentivos, e o que é pior, devido às
restrições legais, essas atividades são discriminadas e não desenvolvem todo o potencial da
AU para o abastecimento e segurança alimentar dos urbanitas, melhoria das condições
ambientais da cidade, geração de emprego, renda e ocupações etc.
Além das iniciativas de comunidades, de famílias e de empreendedores da agricultura
urbana, alguns projetos de iniciativa pública já foram implantados no Brasil, apresentando
bons resultados. Assim, algumas experiências referenciadas a seguir, demonstram os
principais resultados, problemas e perspectivas para o futuro.
Um das experiências mais interessantes que se tem conhecimento trata-se de um
projeto de “biossistema integrado” implantado no ano de 1994 em Sertão de Carangola,
distrito de Petrópolis, estado do Rio de Janeiro. Esse projeto que integra tecnologia de
reciclagem de nutrientes de biomassa e atividades agrícolas como horticultura e aquicultura
foi financiado pelo Banco do Brasil. O projeto é coordenado pela ONG Instituto Ambiental,
sob os auspícios de um geógrafo. Com isto, transformou a realidade desta comunidade,
tornando-a um pouco diferente da existente na maioria da favelas brasileiras. (REDE
GLOBO, 2003).
Com um projeto apenas é possível tratar o esgoto e boa parte do lixo da comunidade,
fornecer alimentos, empregos e rendas para alguns indivíduos e, ainda, melhorar a articulação
política e a auto-estima, dos membros da comunidade, visto que o sistema é simples, podendo
ser gerido pela própria comunidade sem intervenção do poder público ou empresas.
46
O funcionamento do sistema é relativamente simples. O esgoto de 200 famílias que
vivem na área é separado. A parte sólida vai para um biodigestor, onde naturalmente se forma
um biogás que alimenta o fogão da creche e do centro comunitário. A parte líquida vai para
um sistema de tanques onde, sob a ação da luz solar e de bactérias, forma-se o fitoplâncton
que, por sua vez, alimenta peixes e aves (tilápias, carpas, patos, que são comestíveis) na
última etapa do processo. Nestes tanques vicejam plantas conhecidas como alfaces d`agua que
depois de secas se transformam em adubos para as hortas do projeto.
No final do processo, a água volta para o rio, não prejudicando o ambientre. As hortas
são cultivadas pelos jovens da comunidade, que além de ficarem mais distante da
criminalidade, produzem alimentos frescos e saudáveis para suas famílias. Todo o processo
segue normas sanitárias de acordo com padrões da Comunidade Européia, com análises feitas
pela Fundação Oswaldo Cruz do Rio de Janeiro. Apesar de não ser um projeto exclusivo de
AU, demonstra ótimas possibilidades advindas da interação dessa atividade com outras
voltadas à melhoria da qualidade de vida como o saneamento ecológico e a geração de
emprego e renda.
Na cidade de Teresina, capital do estado do Piauí, um projeto de agricultura urbana
implantado em 1994 pela municipalidade local, com recursos do BNDS (Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social) e da Caixa Econômica Federal, tem obtido bons
resultados. Como em muitas outras cidades brasileiras, os processos de êxodo rural, migração,
intensa urbanização e crescimento da pobreza urbana também estão presentes nessa cidade.
Objetivando mitigar problemas advindos desses processos junto às camadas mais
pobres da população a partir de um “modelo de co-gestão (prefeitura + comunidade) e com o
aproveitamento de áreas consideradas improdutivas”, o projeto envolveu mais de 2500
famílias, cultivando 117 ha, distribuídos em 38 hortas implantadas no interior do perímetro
urbano (PNUD, 2000). Além do autoconsumo, o objetivo principal do projeto é a produção e
a comercialização de hortaliças para o abastecimento do mercado local, possibilitando
geração de renda para as famílias.
Segundo dados do relatório técnico do projeto, um investimento médio de US$ 410
por família, em uma área média de 400 m2 de horta, proporcionou uma renda familiar mensal
de US$ 144 (aproximadamente 1,8 salário mínimo, valores de 2003). Esse valor de
investimento é muito abaixo do que se poderia conseguir para criar um posto de trabalho em
outro setor da economia (PNUD, 2000).
Além dos benefícios sócio-econômicos, impactos positivos de ordem ambiental, de
gênero (51% de participação efetiva de mulheres), financeiros, institucionais, legais e
47
10
políticos foram alcançados . Todavia, uma dificuldade apresentada foi quanto a transferência
da responsabilidade gerencial das hortas, do poder público para os horticultores. Visto que a
prefeitura implanta o projeto, fornece a infra-estrutura e insumos, firma convênios, contratos
de comodato e termos de cooperação técnica, os horticultores tendem a querer continuar a
depender da prefeitura local (PNUD, 2000).
No interior do estado de São Paulo, um outro projeto de AU pode ser citado. O Projeto
“Alimente Prudente”, criado em 1997 pela prefeitura de Presidente Prudente, inicialmente,
objetivava a limpeza e conservação de áreas desocupadas a partir da criação de áreas de
horticultura comunitária. Rapidamente, esse projeto se transformou numa ação de combate à
fome, ao desemprego, à miséria de famílias residentes próximas ao terrenos desocupados.
Segundo Madaleno (2001b) a prefeitura local fornece o trator para o preparo do solo,
doa sementes e mudas e proporciona apoio técnico necessário aos agricultores interessados
em produzir alimentos. Além disso, celebra acordos entre estes interessados e os proprietários
dos terrenos baldios, possibilitando a transformação destes em terras agrícolas.
Muitas dessas áreas são cultivadas “numa relação quase amorosa com a terra, as mais
das vezes fruto de um passado rural”. [...] Assim, “não deve surpreender o sucesso do projeto
municipal de incentivo à agricultura urbana, pois a metade da população brasileira vive
abaixo do limiar da pobreza” (MADALENO, 2001b, p.5).
Assim como em Teresina e em Presidente Prudente, projetos de incentivo à agricultura
urbana possibilitaram não só benefícios sócio-econômicos, mas também benefícios
ambientais, já que essa atividade ajuda a preservar os solos, mantém áreas de infiltração de
água das chuvas, preserva e cria reservas de biodiversidade, além de produzir oxigênio e
embelezar a cidade.
Até mesmo em São Paulo, a maior cidade da América Latina, podem-se encontrar
projetos de AU em andamento. Recentemente, esta temática foi incluída na Lei Municipal que
regulamenta seu Plano Diretor. A Prefeitura de São Paulo criou seu Programa de Agricultura
Urbana, de forma que até mesmo nas áreas mais urbanizadas, cinzentas e movimentas, hoje
existem projetos de AU. É o caso de um terreno público de 7000m2 localizado na Radial Leste
que virou terra fértil com o trabalho de mães de jovens carentes (REDE GLOBO, 2003).
10
Devido à amplitude do projeto e a necessidade de síntese desse trabalho, não é possível detalhar todos os
impactos positivos, tampouco os negativos. Além disso, o projeto ainda discute vantagens e desvantagens
decorrentes de sua implantação, bem como as possibilidade de transferência da política de hortas comunitárias
para outras cidades.
48
Além disso, uma vereadora do município de São Paulo, acreditando “[...] que a
agricultura urbana é um caminho moderno, criativo e solidário de combate à fome e à
exclusão social na cidade de São Paulo”, apresentou o projeto de lei para criar o “Programa de
Agricultura Urbana e Periurbana” no município de São Paulo. Esse projeto considera a AU de
forma ampla, ou seja, o cultivo de plantas, a criação de animais, comercialização destes
produtos assim como serviços (GONÇALVES, 2003).
Esse projeto de lei prevê o levantamento e o uso de áreas públicas para a aplicação do
programa, o uso de terras particulares por meio de incentivos fiscais como a redução de IPTU,
e ainda, a inclusão, no conteúdo de algumas disciplinas escolares, de conhecimentos e
princípios básicos de agricultura urbana.
2.3.3 – A Agricultura urbana no cenário local: Uberlândia (MG)
Em Uberlândia as atividades agrícolas no interior da cidade são intensas. A partir da
pesquisa de campo realizada foram identificados diferentes tipos de sistemas de AU,
empreendidos, também, por diferentes agentes. Nessa cidade podem-se encontrar grandes e
pequenas hortas comerciais, iniciativas para autoconsumo ou ainda mistas; projetos de hortas
comunitárias e escolares amparados pela municipalidade; projetos de hortas comunitárias e
escolares fomentados por políticos locais interessados em conquistar votos, bem como
criações de animais de diferentes espécies (bovinos, suínos, aves, caprinos, peixes), atividades
de pesque-pague e equitação.
Todas essas atividades, bem como seus agentes serão caracterizados no capítulo 4.
Nesta parte do trabalho optamos apenas por relatar as atividades existentes na esfera de
políticas públicas para a promoção e regulamentação da AU na cidade. De acordo com um
entrevistado, responsável pelo Projeto Hortas Comunitárias e Escolares do Programa
Segurança Alimentar da Secretaria Municipal de Agropecuária e Abastecimento (SMAA) da
Prefeitura Municipal de Uberlândia (PMU)11, o objetivo do projeto é contribuir para a
construção da segurança alimentar, através do estímulo à agricultura urbana, como
complemento da alimentação das famílias de baixa renda e da merenda escolar.
A SMAA presta assistência através da elaboração de projetos, acompanhamento
técnico, fornecimento de sementes, fertilizantes e infra-estrutura (cercas, equipamento de
11
Acessor do Secretário Municipal de Agropecuária e Abastecimento e Coordenador do Projeto "Hortas
Comunitárias e Escolares", do Programa Segurança Alimentar da PMU. Entrevista realizada em 18/07/2003.
49
irrigação, ferramentas, etc.). O corpo técnico do projeto é formado por um agrônomo e por um
técnico agrícola que ajudam na implantação e no acompanhamento das hortas. A preparação
do terreno também é de responsabilidade da Secretaria.
A comunidade participa com a mão-de-obra no cultivo e manutenção da horta, além de
disponibilizarem um terreno para a mesma. Para se cadastrar no projeto, deve haver um
responsável pela condução da horta. Este deve informar a área disponível para o plantio, o
destino da produção (auto-abastecimento, distribuição na comunidade, merenda escolar) e os
tipos de plantas a serem cultivadas (hortaliças, plantas medicinais, legumes, etc.). O local
deve ser situado em Uberlândia e ter água disponível.
Atualmente, o projeto conta com 40 hortas (37 desenvolvidas em escolas e creches e 3
de forma comunitária). Segundo o entrevistado, existem mais de 80 pedidos para implantação
de hortas na cidade. Todavia, a SMAA está em dificuldades devido às limitações
orçamentárias. Para o ano de 2003, foi elaborado um projeto para a manutenção das hortas
existentes e implementação de mais dez, orçado em R$23 mil. Mas, até julho de 2003,
somente R$3 mil foram liberados.
Segundo informações, as hortas têm contribuído para a melhoria da alimentação das
populações de bairros carentes e também da merenda escolar. Contribuem para a melhoria
alimentar de mães lactentes, crianças desnutridas e demais interessados. Além disso,
colaboram na melhoria da auto-estima das pessoas envolvidas, principalmente, nos projetos
de laborterapia, desenvolvido em clínicas de reabilitação de dependentes químicos. O
excedente da produção, quando ocorre, não pode ser vendido, somente pode ser distribuído a
instituições de cunho social como creches, asilos etc12.
Os principais problemas enfrentados pelo projeto da municipalidade são relativos às
questões orçamentárias, como já referido, e também quanto à condução da horta pelas pessoas
envolvidas diretamente. Como as hortaliças são plantas que requerem cuidados constantes,
como irrigação e controle de pragas diariamente, se num final de semana o responsável pela
horta faltar ou esquecer de cuidá-la, certamente toda a produção será comprometida. Além
disso, nenhuma das hortas até hoje se tornaram autônomas, ou seja, não conseguem continuar
sem a intervenção do poder público local.
Cabe ressaltar que, além desse projeto, não existem outras ações por parte do poder
público, que reconheçam ou promovam a AU na cidade. A agricultura urbana mantém
relações tanto com a questão do abastecimento e da segurança alimentar quanto com o meio
12
Informações do Acessor da SMAA em entrevista.
50
ambiente e políticas de saúde pública. Todavia, não existe reconhecimento da AU por parte
das diversas agências municipais ligadas à esses temas, tais como secretárias de meio
ambiente, de saúde e de planejamento.
Porém, na prática, sabe-se que a situação não é como relatada. Os pedidos para
implantação de hortas são muitos e a SMAA só consegue atender apenas alguns. Além disso,
geralmente, o discurso político superestima as experiências com resultados positivos ao passo
que os resultados negativos são subestimados ou mesmo omitidos.
Além desse projeto, todas as outras iniciativas existentes na cidade não são conhecidas
pela municipalidade. Segundo informações do setor de Abastecimento e Inspeção da SMAA,
não se conhece a localização das hortas, o volume da produção, nem tampouco a qualidade
desta. Ou seja, não se sabe quem produz, onde se produz, e nem como se produz (qualidade
da água de irrigação) nas hortas que abastecem os mercados da cidade.
Uma outra experiência em Uberlândia é o Projeto Sementinha. Idealizado e financiado
por um vereador local e com patrocínio de algumas empresas foi implantado no início de
2003, com duplo objetivo: melhorar a merenda escolar e possibilitar conhecimentos aos
alunos de técnicas de cultivo de hortaliças. Atualmente, está implantado em quatro escolas
públicas, atendendo a mais de quatro mil alunos. (Sementinha, 2003).
Apesar dos nobres objetivos, o projeto ainda esbarra em alguns problemas. Em termos
pedagógicos, esse projeto poderia se tornar um tema transversal, possibilitando, além da
produção de alimentos, a produção de conhecimentos em diversas áreas, por exemplo nas
áreas de ecologia, geografia, biologia, saúde e até mesmo em ciência exatas, como
matemática e geometria, que fazem parte do currículo básico escolar. Tal fato ainda não foi
contemplado nas ações desse projeto.
Já o projeto “Práticas pedagógicas de educação ambiental: tecnologia hidropônica
numa abordagem interdisciplinar” atinge todos esses objetivos13. Implantado numa escola
pública estadual, tem como objetivo principal, além de cultivar hortaliças hidropônicas para o
complemento da merenda escolar, auxiliar no aprendizado dos alunos.
13
Projeto implantado na Escola Municipal Domingos Pimentel de Ulhôa, sob a coordenação do professor de
técnicas agrícolas Antônio Neto Ferreira dos Santos.
51
Todo o trabalho, do plantio à colheita, é feito por estudantes. “As aulas práticas na
horta são sempre acompanhadas de trabalhos desenvolvidos em disciplinas como matemática,
língua portuguesa, história e ciências naturais” (HORTA, 2003, p.3).
A produção é grande e diversificada com mais de dez espécies de vegetais. Assim,
além da merenda ficar mais colorida, saborosa e nutritiva, o excedente da produção é vendido
aos pais de alunos por preços inferiores aos do mercado. O dinheiro arrecadado é investido na
manutenção da horta.
Com atenção à situação da AU em Uberlândia, de acordo com o exposto, percebe-se
que ela é uma atividade intensa e diversificada. Todavia, carece de maior legitimidade e
incentivo. Somente alguns projetos em escolas e comunidades são reconhecidos e
incentivados. A maioria das iniciativas particulares, empreendidas por pessoas carentes ou
ainda idosos, são consideradas ora improdutivas ora marginais, principalmente, no caso da
produção animal. Além disso, não se conhece a contribuição da agricultura urbana para o
abastecimento alimentar da cidade.
Mas, acreditamos que no futuro esta situação deva mudar. Com a atual política do
Programa “Fome Zero”, implantado pelo governo federal, têm surgido, em âmbito local,
iniciativas por parte do poder público no sentido de legitimar a AU. Nesse sentido, a lei
municipal 7.952, elaborada em 2002, objetiva criar mecanismos que contribuam para reduzir
a fome e aumentar a variedade nutricional da alimentação das pessoas carentes de Uberlândia.
52
3 – A PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE UBERLÂNDIA E DAS
ÁREAS DE AGRICULTURA URBANA
Para se desvendar os motivos que condicionam a existência de espaços rurais na
cidade de Uberlândia é necessário ir além de constatações empíricas, de observações dos
contrastes entre os aspectos do “urbano moderno” e do “rural atrasado” convivendo numa
mesma cidade. Nesse sentido, é necessário compreender, historicamente, o processo de
produção e reprodução do espaço na conformação da cidade, buscando o entendimento das
relações entre campo e cidade, rural e urbano no seu processo de crescimento e urbanização.
O processo de produção do espaço geográfico é resultante das interações dos homens
entre si e destes com a natureza em um determinado momento histórico. Assim, o espaço
geográfico é mais que um espaço físico, material. Ele é um espaço produzido social e
historicamente. Segundo Santos (1997, p.51) o espaço geográfico é “formado por um
conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de
ações”.
Esses sistemas de objetos e de ações que conformam o espaço geográfico, são
determinados pelo estado de evolução das técnicas utilizadas pelos homens, que por sua vez,
são representantes das características e do grau de evolução da sociedade e do próprio espaço
geográfico.
Nesse contexto, “[...] as características da sociedade e do espaço geográfico, em um
dado momento de sua evolução, estão em relação com um determinado estado das técnicas”
(SANTOS, 1997, p.137). Dessa forma, o conhecimento da evolução dos sistemas técnicos da
humanidade nos permite entender as formas de estruturação e articulação dos territórios, do
devir histórico.
Todavia, o espaço geográfico não é homogêneo havendo situações em que convivem
diferentes sistemas técnicos, de objetos e de ações num mesmo espaço. É a partir dessa
premissa que podemos entender a existência de espaços rurais no interior da cidade de
Uberlândia. Racionalidades técnicas tão diferentes: técnicas agrícolas rudimentares, arcaicas,
convivendo com técnicas de informação e comunicação baseadas em tecnologia de última
geração.
Sem pretender avançar no campo historiográfico, buscamos caracterizar a origem e o
processo de urbanização da cidade de Uberlândia, tentando perceber como inovações técnicas
condicionaram mudanças nos objetos e nas ações, nas formas e nos conteúdos, que constituem
53
o espaço dessa cidade e também entender as relações campo-cidade resultantes dessas
mudanças. Com isso, pretende-se esclarecer os motivos que proporcionam a manutenção e a
resistência de práticas rurais no espaço urbano de Uberlândia, com a criação de uma paisagem
urbana ruralizada.
Com base nas teorias de Santos (1997) sobre a constituição e expansão do meio
técnico-científico-informacional e suas implicações no processo brasileiro de urbanização,
perscrutamos como a cidade de Uberlândia foi atingida por esse processo, notadamente, pelos
impactos da modernização agrícola no cerrado. Trataremos, ainda, de um outro fator que,
acreditamos, contribui para a existência de práticas de agricultura urbana nessa cidade: a
lógica e a prática da especulação mobiliária.
3.1 -A produção do espaço urbano de Uberlândia MG e a constituição do
Meio Técnico-Científico-Informacional
Consideramos que investir na elaboração de um inventário ou documento histórico
demonstrando, em pormenores, a origem e as etapas do processo de desenvolvimento urbano
de Uberlândia é infrutífero, visto que esta tarefa já foi realizada por outros pesquisadores
locais, sob o viés de diferentes ciências sociais14. Nesse sentido, levantamos os fatos mais
importantes que marcaram a origem e o desenvolvimento dessa cidade e suas implicações no
contexto das relações entre campo e cidade.
Uberlândia15 originou-se do desbravamento das terras do Sertão da Farinha Podre16, a
oeste da região mineradora de Minas Gerais, no início do século XIX. Os Bandeirantes
abriram as primeiras picadas rumo as minas de Goiás e ex-mineiros, buscando alternativas
econômicas e de vida à decadência da mineração aurífera no centro de Minas Gerais,
apossaram de extensas áreas, constituindo grandes fazendas de gado, originárias do
fracionamento de sesmarias. Essas fazendas tiveram importante papel na colonização do
interior do Brasil e na formação de núcleos urbanos de povoamento.
14
Sobre a cidade e o urbano em Uberlândia ver: SOARES (1988, 1995, 1997), MACHADO (1990), LOPES
(2002), CORREIA (2003).
15
Assim como outras cidades, Uberlândia só recebeu o topônimo atual inicio do século XX, sendo anteriormente
denominada de vários outras formas, associados a instituições religiosas e/ou santidades.
16
Denominação original da região conhecida hoje como Triângulo Mineiro, balizada pela mosôpotâmia formada
pela confluência dos atuais rios Paranaíba e Grande.
54
Nesse contexto, na origem de Uberlândia, não havia uma nítida divisão entre campo e
cidade, pois o núcleo inicial nada produzia, servindo apenas como entreposto comercial.
Dessa forma, o arraial recebia produtos agrícolas provenientes das fazendas e comercializava
artigos demandados por estas, sobretudo sal e ferramentas.
Um dos fatores mais importantes que marcou a origem e estruturação urbana de
Uberlândia, assim como de outras cidades da América Latina até o final do século XIX, foi a
doação de terras ao patrimônio de irmandades religiosas, notadamente a Igreja. Essas doações
estimularam a constituição de núcleos urbanos, criando espaços públicos onde podiam se
instalar, além das capelas, atividades de comércio, serviços e residências.
No final do século XIX, São Pedro de Uberabinha (uma das denominações antigas de
Uberlândia) foi elevada à categoria de município, pois já contava com população (mais ou
menos 14.000 habitantes) e condições sócio-econômicas consideráveis. Nesse período, a
cidade “possuía algumas indústrias ligadas à produção rural, como por exemplo: oficinas de
ferreiro, olarias, serrarias, engenhos de cana” (SOARES, 1988b, p. 29).
Essas atividades beneficiavam a produção rural do município, bem como prestavam
serviços ao campo produzindo ferramentas como facas, machados, foices, utensílios para
carros de boi e outras de uso doméstico. Com efeito, o entendimento da formação sócioeconômica de Uberlândia nos auxilia a conhecer, historicamente, seu processo de produção do
espaço e também as formas de interação entre campo e cidade, rural e urbano.
A cidade de Uberlândia, desde os seus primórdios, manteve estreitas ligações com a
economia paulista. Com o predomínio das plantações de café em São Paulo, coube à região do
Triângulo Mineiro, principalmente Uberlândia, a produção de cereais para o abastecimento
daquela região, que nessas circunstâncias não se interessava pela produção de gêneros
alimentícios, mas somente pela produção do café, produto de exportação.
Todavia, a inserção do Triângulo Mineiro e de Uberlândia na economia nacional
[...] deve ser entendida a partir de três fatores: a extensão da Estrada de Ferro
Mogiana; a construção da Ponte Afonso Pena sobre o rio Paranaíba, ligando
o Triângulo mineiro ao Centro Oeste; e a construção de rodovias, pela
Companhia Mineira de Autoviação em 1912, que possibilitava o escoamento
de produtos e o transporte de passageiros entre 32 cidades de Goiás e Minas
Gerias. (SOARES, 1988, p.14).
A partir da constituição desse “tripé logístico”, ferrovia-ponte-rodovia (LOPES, 2002)
que convergia para Uberlândia, essa cidade aprofundou, ainda mais, suas relações com São
Paulo e, logo, com a economia nacional, se especializando na comercialização de alimentos.
55
Esses eram produzidos na área polarizada por esse tripé, beneficiados, armazenados e
comercializados em Uberlândia.
Da mesma forma, cumprindo seu papel de entreposto comercial, intermediava a
distribuição de mercadorias vindas de São Paulo que chegavam pelo terminal da Ferrovia
Mogiana, com os municípios de sua área de influencia, qual seja, os do Triângulo Mineiro,
Sudoeste Goiano e Mato Grosso.
Percebe-se assim, que nesse momento não havia oposição entre rural e urbano no
contexto de Uberlândia e também nas sua relação com outros municípios da região. Essa
cidade teve seu desenvolvimento marcado por intensas relações com o mundo rural,
regulando sua produção e provendo suas necessidades. A cidade serve ao campo, tanto
comercializando seus produtos como abastecendo-o com mercadorias, ferramentas e serviços.
Graças à articulação desse tripé logístico, a cidade transformou-se “num espaço de
circulação de mercadorias entre o Triângulo Mineiro, São Paulo, Mato Grosso e Goiás”
(SOARES, 1988, p.19). E, seguindo essas mercadorias e as riquezas geradas por sua
circulação, muitos migrantes são atraídos, buscando empregos e melhoria de vida na cidade
promissora, marcando assim, um intenso fluxo migratório e conseqüente crescimento
populacional.
Outro fator importante no desenvolvimento urbano de Uberlândia, com estreita relação
com o mundo rural, foi a instalação, em 1909, de uma usina hidrelétrica próxima à cidade.
Além de gerar energia para as residências e iluminação pública, essa usina possibilitou a
implantação de indústrias, principalmente as que atuavam no ramo de transformação e
beneficiamento de produtos agropecuários, tais como: unidades de beneficiamento de arroz,
matadouros de animais, charqueadas, curtumes, fábricas de banha, cerâmicas, entre outras17.
Com o desenvolvimento desse tipo de agroindústria, a cidade passa a crescer
tornando-se o destino de muitos trabalhadores egressos do mundo rural. Loteamentos
distantes foram implantados para abrigar ess nova população, marcando o inicio da
periferização da cidade sob a lógica da especulação imobiliária. Entre esses loteamentos e a
área central grandes vazios urbanos eram destinados a valorização fundiária.
Tem-se como hipótese nessa pesquisa que esses fatores sejam os estimuladores das
práticas rurais na cidade. Muitos desses trabalhadores, carregando uma forte ligação com o
mundo rural e não encontrando oportunidades de trabalho nesse universo urbano, passam a
17
Unidades de produção de charque, local onde se salga carne bovina para sua conservação, possibilitando o
transporte e comercialização do produto.
56
utilizar as áreas desocupadas desenvolvendo atividades tipicamente rurais, como criação de
animais e cultivo de hortas e plantas medicinais.
Com o início do processo de industrialização do município, a partir da década de 1950
que se intensifica, gradativamente, até os dias de hoje, a cidade de Uberlândia cresceu muito,
principalmente quanto ao contingente populacional e também, em extensão, de sua área
urbana.
Com efeito, as formas espaciais da cidade evoluíram e passaram a negar as ruas
tortuosas e o não-planejamento, almejando-se o “progresso”, a “modernidade”. Sendo assim,
foi necessário a construção de imagens, signos e representações dessa situação no corpo da
cidade. Largas, retas e extensas avenidas foram criadas. A cidade foi fragmentada em espaços
destinados `as elites, à pobreza e ao comércio (SOARES, 1997).
Nesse contexto, as elites locais forjam, a partir de discursos na imprensa local, a
imagem de uma cidade moderna e progressista, com uma população laboriosa e ordeira, uma
cidade de vida intensa.
[...] ha setenta anos, era São Pedro de Uberabinha. Hoje é a maravilhosa
Uberlândia. Uberlândia do arranha céu Tubal Vilela. Uberlândia do negro tapete de
asfalto, das lambretas desfilando a noite, à luz de milhares de luminosos de gás
néon colorindo a vida da cidade tentacular. Uberlândia da gente apressada, de gente
trabalhando, dos operários, dos comerciários que fazem rush às onze horas da
manhã e às seis da tarde. Uberlândia, enfim esta grandeza, este borborinho
humano, esta maravilha de cidade se agita, sofre, ri, chora de acordo com as
conveniências. Mas, acima disso é Uberlândia grande e altaneira, a metrópole
triangulina, nossa terra, nosso orgulho. (Correio de Uberlândia, 30/08/58, p. 1,
apud CORREIA, 2003, p.13).
Todavia, a cidade-luz, limpa, higiênica, planejada, escondia as mazelas do progresso
que proliferavam nas periferias. Uma cidade ilegal, tosca, marginal se erguia e se expandia. O
mesmo discurso que enfatizava a belezas das praças, os jardins, o frenesi e o burburinho
humano, os palacetes, os luminosos de luz néon, impressos nos jornais locais, reconhecia a
existência de uma outra sociedade que vivia segregada na periferia. Fato que também pode ser
apreendido nos jornais da época:
Tabocas é um lugar marcado. Além da pobreza que impera em Tabocas, a
vadiagem faz lá seu reino. Homens fortes tocam viola o dia inteiro, enquanto
mulheres magras, mascilentas mendigam tostões que elas mesmas vão gastar em
farras e cachaçadas ao rebolar dos sambas no chão batido. [...] É assim a cidade dos
párias, favela uberlandense em franco e crescente movimento. (Correio de
Uberlândia, 21/071955, p.01, apud SOARES, 1997, p. 122).
57
A partir da década de 1950, para além dos discursos, a cidade se estrutura de forma a
atender as necessidades da “modernização e do progresso”, experimentando assim, uma
intensa transformação. Nesse momento, sua estrutura urbana estava sendo redefinida a partir
de um plano diretor que determinaria seu crescimento. Esse plano orientou o crescimento da
cidade a partir da construção de grandes vias de circulação, amplas e retas, construídas sobre
córregos que foram canalizados. O abastecimento de água ganhou uma nova estrutura a partir
da construção de um grande reservatório e estação de tratamento para atender à crescente
população urbana.
[...] a cidade irregular, cheia de pequenas e tortuosas ruas, pontuada por recantos
imprevisíveis, contrasta ao espectro da cidade moderna, pautada no azáfama do
cotidiano, na urdidura de um tempo em que movimento, brilho, impacto visual de
formas arquitetónicas diferenciada em cores e proporções, vão forjando os ideais
de ordem, progresso, mesclados à resistências de e às múltiplas formas de miséria.
(LOPES, 2002, p.79).
Percebe-se, dessa forma, que o planejamento urbano de Uberlândia teve e tem uma
preocupação muito mais estética e econômica do que social. Planejamento este, orientado
também a beneficiar os interesses dos grandes detentores de terras urbanas que objetivavam
valorizar e especular ao máximo o acesso imobiliário a estas. Mesmo com esse planejamento
a cidade continuou convivendo com formas de resistência e miséria de sua população.
Transformações ocorridas no Brasil a partir da década de 1950 consolidaram ainda
mais o desenvolvimento urbano-industrial de Uberlândia. Com a intervenção do Estado na
economia e a abertura do país aos capitais estrangeiros, a expansão industrial foi intensa. Esse
processo, por sua vez, abriu perspectivas para uma ampla urbanização do país, ficando as
cidades responsáveis pela produção, distribuição de mercadorias e gestão do processo de
desenvolvimento, possibilitando assim, um ciclo de expansão econômica baseada no aumento
da produção e consumo. Dessa forma, criou-se condições para a reprodução ampliada de
capitais.
Em Uberlândia, esse processo foi sentindo e estimulado com a implantação do Distrito
Industrial, no início da década de 1960. Boa parte do capital para essa industrialização do
município originou-se da acumulação de riquezas nos setores agropecuário e de comércio.
Assim,
[...] a criação da Cidade Industrial gerou mais empregos e, consequentemente,
atraiu um número maior de migrantes, que aumentaram significamente a população
urbana. Estes eram provenientes de municípios vizinhos e da zona rural, cuja
migração foi decorrente de transformações ocorridas pela expansão do capitalismo
no campo, com a mecanização, concentração de terras, mudança nas relações de
trabalho, etc. (SOARES, 1988, p.65).
58
No mesmo período, outros fatores contribuíram para a intensificação do processo de
desenvolvimento de Uberlândia e região, como a construção de Brasília e o processo de
modernização agrícola do cerrado. Esses fatores provocaram transformações no espaço
regional, intensificando, ainda mais, o processo de urbanização da cidade de Uberlândia.
No final da década de 1950, com a construção de Brasília, a região do Triângulo
Mineiro/ Alto Paranaíba e, consequentemente, Uberlândia, passaram por profundas
transformações. Foi necessária a abertura de novas estradas integrando Goiás, Mato Grosso,
Minas Gerais e São Paulo e também a formação de um entreposto comercial de alimentos e
matérias-primas para atender ao grande canteiro de obras que seria a nova capital do Brasil. O
que incentivou, sobremaneira, tanto o processo de modernização da agricultura na região e em
Uberlândia, como o processo de urbanização dessa cidade.
Até o fim década de 1970, as áreas do cerrado brasileiro eram consideradas
improdutivas, explicando assim, seu uso predominantemente pela pecuária extensiva. A partir
desse período essa situação se transformou. Sob os auspícios do pacote tecnológico da
Revolução Verde, do capital monopolista internacional, e, principalmente, com o apoio do
Estado brasileiro, as terras do cerrado foram incorporadas a uma nova dinâmica produtiva
baseada no largo uso de insumos industriais (de natureza físico-químicas, mecânicas e
biológicas), vinculando a produção às indústrias de processamento agro-industrial ou à
exportação.
Ao abordar a questão da modernização e do desenvolvimento rural em Uberlândia,
Pessôa (1982) salienta que, a partir de 1950, as políticas de desenvolvimento nacional visaram
atrelar, fortemente, o setor agrícola ao setor urbano-industrial. E assim, a partir desse
momento, para se compreender o processo de desenvolvimento nacional é necessário
reconhecer as interações entre esses setores.
Com a modernização e industrialização do agro nacional, feita a partir da adoção de
um pacote tecnológico baseado no uso de máquinas, fertilizantes, herbicidas, sementes
selecionadas, etc., Uberlândia e, de modo geral, as terras do cerrado mineiro foram
incorporadas a esse novo modelo produtivo baseado em culturas de alta produtividade e
lucratividade voltadas ao complexo agro-industrial e à exportação, tendo como resultado,
entre outros, uma maior concentração da terra e a exclusão social.
Esse “processo de modernização faz parte de um conjunto de políticas agropecuárias
propostas pelo Governo Federal, viabilizadas pelo crédito rural, pelo beneficiamento e
59
comercialização da produção e pela expansão da rede de armazenagem” (SOARES, et al.,
1988, p.12)
Na região, duas localidades foram diretamente atingidas por essas políticas de
desenvolvimento: Iraí de Minas (MG), incorporada a partir do PRODECER (Programa Nipobrasileiro de Desenvolvimento do Cerrado); e São Gotardo (MG), incorporado pelo PADAP
(Programa de Assentamento Dirigido do Alto Paranaiba), programas esses contidos nos
PND's (Planos Nacionais de Desenvolvimento) nas décadas de 1970/80 e elaborados sob a
orientação do Estado ditatorial.
Com tais políticas ocorreram muitas transformações, tais como, no uso da terra,
notadamente com a introdução da cultura da soja substituindo a pecuária extensiva; na base
técnica produtiva, com o incremento do pacote tecnológico; e também nas relações de
trabalho no campo, através da diminuição do número de parceiros, agregados, e o aumento do
uso da mão de obra contratada, permanente e, sobretudo temporária. (PESSÔA, 1988). Todo
esse processo resultou numa forte migração campo-cidade, acelerando o processo de
urbanização e industrialização na região, concentrando-se, principalmente, na cidade de
Uberlândia.
Nesse contexto, as idéias de Santos (1994) ao abordar a questão da urbanização
brasileira, são pertinentes e nos ajudam a compreender a dinâmica urbana, não só de
Uberlândia, mas de outras cidades médias brasileiras que se desenvolvem sob a influência do
agronegócio. Assim, a partir da década de 1940, com o final da Segunda Guerra Mundial, o
Brasil entrou em uma nova fase de desenvolvimento, na qual seu território passa a ser
integrado por redes de transporte e comunicação. Essa fase foi engendrada por obras de
engenharia que passam a constituir verdadeiras “próteses da natureza”, possibilitando ao país
iniciar seu processo de substituição de importações (SANTOS, 1994).
Nesse momento, o país e seu território, passaram a ser constituídos do que Santos
(1994) denomina Meio Técnico-científico-informacional (MTCI), ou seja, uma fase ou
momento histórico no qual, a construção e reconstrução do espaço se realiza com um
conteúdo de técnica, ciência e informação.
A partir desse momento, no território nacional, constituiu-se uma nova composição
técnica representada por investimentos maciços em infra-estruturas, e, também uma nova
composição orgânica, representada por ciência e informação investida em processos
químicos, biotecnológicos, eletrônicos, de informática etc.
60
O País passou a ser mais bem conhecido e cada vez mais influenciado por esse MTCI.
Seu território se integra, sendo dotado de maior fluidez. Dessa forma, “[...] o espaço se torna
fluido, permitindo que fatores de produção, o trabalho, os produtos, as mercadorias, o capital,
passem a ter uma grande mobilidade” (SANTOS, 1994, p. 39).
Há assim um maior desenvolvimento da configuração territorial, formado por um
sistema de engenharia que busca se superpor à natureza, principalmente, com o crescimento
exponencial dos sistemas de transporte, telecomunicações e produção de energia.
Além disso, ocorre intenso desenvolvimento da produção material nacional que cresce
e se diversifica, e também o surgimento de novas formas econômicas: produtivas, materiais e
não-materiais como saúde e educação.
Nesse contexto, uma nova divisão territorial e social do trabalho emerge, provocando,
por sua vez, alterações na divisão regional do país. E, se as regiões até esse momento eram
definidas por atributos naturais, a partir de então, elas passam a ser definidas de acordo com
sua inserção no MTCI, o que define novas divisões do trabalho intra-regional, alterações nas
relações de trabalho, na densidade de capitais e na financeirização das atividades.
A partir dessa nova realidade, configuram-se novas características para urbanização
brasileira, marcada por intensa diversificação e complexidade. Passa a haver, no Brasil, um
aumento no consumo, tanto produtivo quanto consultivo. No caso das regiões do cerrado
ocorreu um crescimento do consumo produtivo, expresso na compra de diferentes tipos de
insumos e implementos para agricultura que se modermiza (SANTOS, 1994).
Todo o processo de expansão do MTCI no território brasileiro pode ser percebido na
região do Triângulo Mineiro e também em Uberlândia. Com a implantação de uma rede
rodoviária integrando a área core do desenvolvimento nacional – Rio de Janeiro e São Paulo –
ao interior, onde foi implantada a nova capital e, com modernização agrícola iniciada na
década de 1970, essa região se transforma. Nesse contexto, a cidade de Uberlândia participa
desse processo, proporcionando condições de instalação e gestão do MTCI.
Com a expansão do capitalismo no campo, representada pela modernização agrícola e
com o intenso desenvolvimento das forças produtivas nacionais, a tradicional dicotomia
Brasil rural e Brasil urbano deve ser substituída por outra, qual seja, a dicotomia de Brasil
agrícola e Brasil urbano. Tendo em vista que, se a população rural diminui enquanto a
população urbana aumenta, a população agrícola, formada pelas pessoas que trabalham na
agricultura, mas que moram em cidades (como bóia-frias / volantes, profissionais como
61
veterinários, agrônomos, técnicos em irrigação), não diminui, ao contrário aumenta
lentamente.
Com a expansão do MTCI e do capitalismo no campo e com a evolução da sociedade,
da economia e da urbanização, o território nacional pode ser dividido, utilizando com um
novo sentido o conceito de região, em regiões agrícolas e regiões urbanas. Simplesmente,
“não mais se trataria de ‘regiões rurais’ e de ‘cidades’. Hoje, as regiões agrícolas (e não
rurais) contêm cidades e, as regiões urbanas contêm atividades rurais” (SANTOS, 1994,
p.65).
No Brasil agrícola existem tanto grandes cidades, importantes e promissoras, quanto
medias e pequenas cidades que se estruturam para atender as demandas de uma agricultura
moderna, ciosa de inovações tecnológicas e capital intelectual. Estas deixam de ser cidades
em regiões agrícolas, cidades no campo e passam a ser cidades do campo, ou seja, locais que
se organizam para a esse campo. Nesse sentido, Santos (1994) enfatiza que uma alternativa à
corrente divisão (sobretudo estatística e administrativa) do País em áreas rurais e áreas
urbanas, seria uma divisão que levasse em conta critérios de distinção baseados no tipo de
relações realizadas nos subespaços do Brasil agrícola e do Brasil urbano.
No bojo desse processo, Uberlândia despontou-se como o principal centro regional,
exercendo forte atração em um grande número de trabalhadores rurais em busca de melhores
condições de trabalho e de vida. Também, por ter se configurado como um importante centro
comercial e industrial, sua população experimentou um crescimento de aproximadamente
400% em trinta anos.
Esse crescimento decorre não só do êxodo rural de seu município, mas também da
migração de pessoas de outros municípios da região, que muitas vezes também são egressos
do campo. A Tabela 2 demonstra a evolução da população rural e urbana em Uberlândia no
período de 1940-2000.
Tabela 2 – UBERLÂNDIA: evolução da população rural e urbana: 1940 – 2000
URBANA
ANO
TOTAL
RURAL
Valor
%
Valor
%
absoluto
absoluto
1940
42.179
22.123
52.5
20.056
47.5
1950
54.874
35.799
65.1
19.185
34.9
1960
88.282
71.717
81.2
16.565
18.8
1970
125.706
111.466
89.4
13.240
10.6
1980
240.961
231.598
96.1
9.363
3.9
1990
366.729
357.848
97.6
8.881
2.4
2000
500.488
488.270
97.5
12.218
2.5
Fonte: FIBGE, Censo Demográfico 1940-2000.
Org. Sidivan Resende
62
Note que, em termos absolutos e percentuais, a população total e a população urbana
aumentam, significativamente, no período de 1940-2000. Todavia, o processo correspondente,
de diminuição da população rural, acontece, drasticamente, em termos percentuais, não
ocorrendo o mesmo quanto à diminuição absoluta, que se verifica mais lentamente. Assim,
pode-se perceber que o aumento da população urbana é mais um fruto da migração do que do
êxodo rural em massa.
Todavia, cabe ponderar, como faz Veiga (2002), que o método estatístico utilizado
pelo IBGE para recensear a população e separá-la por situação rural ou urbana é discutível.
Visto que esse se baseia na "Lei Municipal do Perímetro Urbano" para delimitar áreas e
população rural e urbana. E, como já se disse no capítulo 1, na maioria das vezes essa
delimitação leva em conta mais os fatores fundiários e fiscais do que propriamente as funções
desenvolvidas pela população residente na área.
Atualmente, a cidade de Uberlândia configura-se como uma importante cidade média
no interior do estado de Minas Gerais, tendo uma considerável função na gestão de negócios e
nos fluxos de capitais e mercadorias regionais. Assim, a cidade se estrutura dos meios
técnicos-informacionais necessários à nova onda mundial chamada globalização.
O interessante é que, mesmo diante desse intenso processo de urbanização do
município, a paisagem da cidade não se mostra inteiramente urbana; não conseguindo
“varrer” completamente as práticas agrícolas do interior do perímetro construído da cidade,
demonstrando a persistência do rural dentro do urbano.
Uma das hipóteses para essa persistência reside na origem de uma grande parte da
população da cidade, que direta ou indiretamente mantem ou manteve modos de vida
herdados de uma vida rural. E, ainda mais do que a origem dos “agricultores urbanos”
expressa em desejos de praticar atividades “rurais”, essa persistência também é devido à
necessidade de se produzir alimentos e/ou rendimentos, ajudando na manutenção de unidades
familiares (MAIA, 1994).
3.2 – A lógica da especulação imobiliária em Uberlândia (MG) e a
constituição dos espaços da agricultura urbana
A cidade de Uberlândia figura como um dos melhores exemplos de especulação
imobiliária existentes no Brasil. Nesse sentido, a urbanista Raquel Rolnik, colaborando em
um artigo sobre a questão dos movimentos sociais de “sem-teto”, ao tratar dos “vazios
63
urbanos” e da especulação imobiliária, declara que “dois exemplos muito claros são
Uberlândia e Goiânia, onde se tem 40% da terra vazia ou sub-utilizada” (VIANA, 2003, p.21).
Uma das formas mais perversas de apropriação de capital é a especulação imobiliária.
Como no mercado de ações, a cidade se torna palco de negociações e de jogos de interesses
que aumentam ou diminuem o valor da terra de acordo com as circunstâncias. A cidade,
então, torna-se um mercado físico, palpável, tendo o poder público como um gerente e
mediador das possíveis contendas entre diferentes agentes produtores do espaço urbano, e,
principalmente, como provedor de infra-estruturas.
Ao liberar o loteamento de áreas não contíguas à malha urbana já existente, o Estado
tem que estender todas as redes de infra-estrutura (redes de água tratada, esgoto e iluminação)
e de serviços básicos (transporte, educação, saúde, coleta de lixo) à estas áreas, valorizando,
rapidamente, as terras que não foram loteadas e que se encontram entre a malha urbana
preexistente e a nova.
Com esta ação, os benefícios da urbanização são destinados a poucas pessoas.
Geralmente, as que fazem parte das elites dirigentes e grupos hegemônicos da sociedade, e
que, muitas vezes se confundem com o corpo do poder público. Por outro lado, o ônus da
urbanização é distribuído por toda sociedade, inclusive os agentes supracitados. Todavia, os
que pagam mais caro são as pessoas das classes trabalhadoras.
Entre os custos maléficos deste tipo de política urbana, podemos citar o encarecimento
do “custo cidade”, expresso no alto custo, dificuldades e demora no transporte público,
encarecimento dos serviços básicos de abastecimento de água, coleta de esgoto e lixo,
fornecimento de energia elétrica.
Sem mencionar a verdadeira segregação e alijamento dos pobres, de oportunidades de
lazer, cultura e diversão, pois, morando distantes do centro da cidade, onde geralmente
acontecem ou se localizam os eventos culturais, as praças urbanizadas, os parques, ficam sem
acesso a esses “serviços” urbanos, sendo excluídos do processo de cidadania.
A produção da cidade de hoje, como materialização do trabalho humano, da
acumulação de capital, pessoas e atividades produtivas, é comandada pela lógica da economia
capitalista. Sob essa lógica econômica, a terra, ou o solo e suas benfeitorias, mesmo que não
sejam fruto do trabalho humano, são mercadorias. Assim, o uso dessa terra é mediado pelo
estatuto da propriedade privada. Estatuto fundamentado, por sua vez, nas regras do jogo
capitalista, o qual determina a renda do solo urbano ou renda fundiária. Nesse sentido, a
64
lógica capitalista - o “mercado” - determina o processo de produção e organização do espaço,
no qual são produzidos e consumidos o espaço urbano e a moradia.
Quanto à especulação imobiliária, sua essência pode ser sentida no fato de que a terra
representa uma das formas mais seguras de preservação de capital acumulado e também de
possibilidades de produção e apropriação de renda fundiária decorrente de seu monopólio.
Portanto, a especulação imobiliária está diretamente ligada à produção e reprodução de
capital.
O processo de valorização fundiária, que deixa grandes e muitas áreas sem ocupação,
ou com ocupações de pouco rendimento, como reserva de valor, aumenta as distâncias entre o
centro da cidade e as periferias. Assim, o tamanho da cidade, além de outros fatores, se
relaciona diretamente com a intensidade da especulação imobiliária. Com a constituição de
loteamentos e bairros periféricos distantes, a cidade expande seus limites, provocando, como
já dissemos, o crescimento do “custo-cidade”. O pior é que, na maioria das vezes, o processo
é resguardado, permitido e incentivado pela ação do poder público.
Nesse contexto,
[...] a retenção de terrenos nas zonas urbanas aumenta, sobremaneira, os custos de
urbanização das cidades, pois a existência destes acarreta uma elevação nos custos
de implantação e manutenção de serviços básicos, tais como: redes de água, energia
elétrica, esgoto e pavimentação, bem como na implantação e operação dos sistemas
de transporte e, consequentemente, a diminuição da qualidade de vida das
populações trabalhadoras residentes nas áreas periféricas. (BESSA; SOARES,
1997, p.140).
Dessa situação, pode-se extrair uma espécie de equação representando a perversidade
da especulação imobiliária. Esta, portanto, é resultante do monopólio da terra pelos agentes
hegemônicos produtores do espaço, aumenta, exponencialmente, os gastos públicos e os
custos de moradia, causando uma intensa precarização da vida das classes menos favorecidas,
habitantes das áreas periféricas da cidade. Todavia, é justamente dessa especulação
imobiliária, ou seja, a existência de áreas vazias, sub ou não utilizadas, que moradores
excluídos da cidade legal, entre eles os agricultores urbanos, elaboram seus projetos de vida,
trabalho e resistência.
Em Uberlândia, o processo de ocupação e reprodução do solo urbano ocorreu de forma
acelerada, sendo intensa a especulação imobiliária. A partir da década de 1970, em função do
intenso crescimento populacional e econômico da cidade e diante da ausência de leis de
regulamentação do solo urbano, bem como a atuação e interesses dos agentes imobiliários,
65
gestores do espaço e, especialmente, de algumas empresas, a mancha urbana se expande
muito (Figura 2 e 3).
Assim, dos 189 km2 do perímetro urbano, em 1997, cerca de 41% estavam
completamente desocupados. Essas áreas, segundo Bessa & Soares (1997, p.142), “são
pertencentes ao poder público, áreas institucionais, e a particulares, proprietários individuais e
principalmente, as empresas imobiliárias que detêm a maior parte dos terrenos”.
As empresas imobiliárias surgem a partir da década de 1920-1930, sendo elas as
“principais responsáveis pela ampliação do perímetro urbano, tendo em vista as facilidades
[...] decorrentes da inexistência de leis e normas que ordenem seu crescimento” (SOARES,
1997, p.116). Assim, essa ausência de leis e normas de uso e ocupação do solo urbano em
Uberlândia, durante toda sua história, “[...] incentivou a especulação imobiliária por parte dos
proprietários de terras, incorporadores e gestores públicos” (SOARES, 1997, p.120).
Além disso, a prefeitura local autoriza e incentiva a abertura de novos loteamentos,
mesmo que em condições ilegais, com lotes inferiores à medida padrão, ou sem equipamentos
sociais como praças e escolas. A preocupação em se urbanizar a cidade estava ligada mais a
interesses políticos e econômicos do que a qualidade de vida de seus habitantes. Nesse
contexto, ocorre um fato comum à maioria das cidades brasileiras: a produção do espaço
urbano privilegia os interesses da classe detentora de capitais em detrimento dos interesses da
classe trabalhadora.
No caso de Uberlândia,
[...] a abertura de loteamentos e sua respectiva valorização, principalmente nas
áreas pertencentes aos gestores da administração pública ou de suas famílias, foi
uma prática corrente durante muitos anos, nessa cidade onde políticos, de forma
geral usavam o Poder Público para a construção de grandes obras que
beneficiassem os bairros e loteamentos de sua propriedade, valorizando-os.
(SOARES, 1988, p.68).
Quanto ao processo de desenvolvimento da urbanização de Uberlândia os dados da
Tabela 318, demonstram que tanto o contingente populacional quanto a extensão do perímetro
urbano, cresceram vertiginosamente ao longo de 60 anos. Neste contexto, a ação das empresas
imobiliárias tornou-se intensa, apropriando-se do solo urbano e impondo uma atividade
desenfreada de loteamento de áreas, sendo, na maioria das vezes, bairros sem nenhuma infraestrutura, cindidos da área central por vazios deixados para se valorizarem futuramente.
18
Tabela extraída e adaptada do trabalho de Bessa e Soares (1997). As autoras fazem uma relação entre o contingente
populacional urbano e o número de lotes existentes, chegando, assim, a um índice de especulação imobiliária. Para fazer essa
relação, elas tomam como base a existência de cinco habitantes por lote.
66
Figura 2 - Uberlândia: evolução mancha urbana
Figura 3 - Uberlândia: distribuição dos vazios urbanos
67
TABELA 3 – Uberlândia: índice de especulação imobiliária: população urbana/ lotes
existentes – 1930-1997
ANO
POPULAÇÃO
URBANA
LOTES
EXISTENTES
LOTES OCUPADOS
VALOR
%
ABSOLUTO
1930
16.262
5.000
3.252
65.0
3.927
1940
21.077
5.000
78.5
1950
36.467
13.590
7.293
53.7
1960
71.717
28.271
14.343
50.7
1970
111.640
62.848
22.328
35.5
1980
231.808
89.314
46.362
51.9
1991
366.711
202.058
73.342
36.3
1997
437.111
202.058
119.103
58.9
Fonte: Soares, 1995. PMU – Secretarias de Obras e de Finanças, 1997
Adaptação: S.A. Resende, 2003.
LOTES NÃO OCUPADOS
VALOR
%
ABSOLUTO
1.748
35.0
1.073
21.5
6.297
46.3
13.928
49.3
40.520
64.5
42.952
48.1
128.716
63.7
82.955
41.1
Observando-se a coluna de população urbana nota-se o intenso crescimento
populacional de Uberlândia ao longo dos anos. O aumento do número de lotes também é
intenso, ficando muitos deles vazios por longa data. No ano de 1970, a porcentagem de lotes
não ocupados chegou a mais de 60%, situação que se repetiu no ano de 1991.
Além dos loteamentos e vazios urbanos, a implantação de conjuntos habitacionais pela
ação do Estado também contribuiu para o espraiamento da cidade, caracterizando, por sua
vez, a especulação imobiliária. Soares (1988) ao abordar a questão da habitação em
Uberlândia, analisando a implantação de conjuntos habitacionais, salienta que essa ação, "[...]
foi bem apropriada à lógica do sistema capitalista, no qual o processo de ocupação do espaço
se faz pela expansão do tecido urbano, reservando-se áreas de pousio, que objetivam
primordialmente a especulação imobiliária” (Soares, 1988, p.56).
E ainda que, "[...] evidentemente os agentes imobiliários contam com a ação do
Estado, nessas transações, que apresenta-se como responsável pelo provimento de boa parte
dos serviços urbanos" (SOARES, 1988, p. 56).
Estudos locais contribuem para caracterizar a intensidade da especulação imobiliária
ao longo do processo de desenvolvimento urbano em Uberlândia. Na mesma pesquisa, Soares
(1988) demonstra que “em 1940 [...] 56,5% dos lotes estavam desocupados” (p.59), e que em
1966, “69% dos terrenos da cidade estavam sem ocupação, como reserva de valor” (p.68). Já
no ano de 1997, 41,1% da área do perímetro urbano estava desocupada (BESSA; SOARES,
1997).
Assim, considerando essas informações, e de acordo com as figuras que representam a
evolução da mancha urbana e a distribuição dos vazios urbanos, respectivamente, pode-se
perceber que ao longo dos anos (da década de 1940 a 1990), a situação pouco se alterou,
permanecendo intensa a especulação imobiliária enquanto a cidade se expande.
68
Pode-se, com isso, inferir que os principais motivos a estimular a agricultura urbana
em Uberlândia estão relacionados ao intenso crescimento do contingente populacional, bem
como o processo de incorporação de terras ao perímetro urbano, deixando grandes áreas
vazias, destinadas a especulação e valorização fundiária.
Além disso, de acordo com dados obtidos na pesquisa de campo (maio/ set. 2003),
percebeu-se que os agricultores urbanos, em sua maioria, são migrantes de origem rural.
Assim, a existência de muitas áreas vazias próximas à cidade, a tradição rural de muitos
migrantes e a falta de oportunidades de emprego e renda para estes formam um leque
explicativo para a existência e manutenção de hábitos e atividades agropecuárias no interior
do perímetro urbano, conforme poderá ser observado no capítulo 4.
Diante da situação de intensa especulação imobiliária na cidade de Uberlândia e da
promulgação do Estatuto da Cidade19, em julho de 2001, algumas questões se impõem:
Quando a terra urbana, ou melhor, a cidade cumprirá seu papel social?
Se esse Estatuto for cumprido à risca, restarão espaços onde se possa praticar
atividades de agricultura urbana?
Esta Lei que considera e exige a participação popular no planejamento e gestão da
cidade, poderá ser complementada com dispositivos que garantam as atividades de agricultura
urbana como uso legítimo da terra urbana?
Como compatibilizar a premência da questão ambiental na atualidade com os usos
agrícolas nas cidades?
Essas questões só encontrarão respostas ao longo dos anos, com a implementação ou
esquecimento dessa Lei. Todavia, acreditamos que o futuro da Agricultura Urbana, como
prática sócio-econômica e ambientalmente sustentável e legítima, depende da integração das
políticas públicas urbanas com políticas para o fomento da Agricultura Urbana.
19
Lei que objetiva transformar nossa cidades em locais socialmente justos, economicamente desenvolvidos e
ambientalmente saudáveis.
69
4 - AGRICULTURA URBANA, GEOGRAFIA E SUSTENTABILIDADE:
experiências na cidade de Uberlândia (MG)
4.1 A agricultura urbana e a Geografia
No intuito de respaldar, cientificamente, o objeto de pesquisa organizamos um
referencial teórico a partir de trabalhos elaborados pelos geógrafos. A despeito da existência
de pesquisas de outras áreas do conhecimento que abordam a temática da Agricultura Urbana
(AU), optou-se, nesta parte do trabalho, por dialogar apenas com autores dessa área do
conhecimento, buscando apreender como estes têm tratado o tema. Dessa maneira, objetiva-se
desenvolver uma investigação que articule teoria e pesquisa geográfica na análise da AU.
De acordo com o levantamento bibliográfico realizado, percebeu-se que, no Brasil, a
obra de Bicalho (1992, 1996, 1998 e 2000) se consubstancia como principal referência teórica
para o estudo das atividades agrícolas no interior ou próxima de áreas urbanas, sendo
precursora de muitos trabalhos geográficos que abordam esta questão.
A autora investiga as atividades agrícolas em áreas urbanas no contexto das regiões
metropolitanas brasileiras, sobretudo, na região metropolitana do Rio de Janeiro. E assim
salienta que, para se compreender como a agricultura resiste na cidade, mesmo diante do
intenso processo de metropolização que não consegue converter toda terra agrícola em usos
urbanos, é preciso entender a agricultura metropolitana "[...] como parte de um dinâmico
processo de contínua mudança sócio-espacial, gerado por uma situação de permanente
conflito de interesses e disputas de áreas por usos rurais e urbanos" (BICALHO, 1992, p.285).
Até a década de 1970, os estudos sobre atividades agrícolas dentro ou próximas às
áreas urbanas tinham como referência teórica o modelo Von Thünen (BICALHO, 1992;
OLIVEIRA, 2001). Esse modelo propunha um padrão de localização das atividades agrícolas
baseado em sua intensidade, decrescendo e se espraiando de acordo com o distanciamento do
centro urbano.
No entanto, esse modelo foi pensado a partir de um modelo ideal, numa situação de
"estado isolado", genérica, em que as variáveis objetivas e subjetivas nunca oscilavam. Mas,
com intensas inovações tecnológicas ocorridas no campo dos transportes e na conservação de
alimentos esse modelo foi superado.
70
Hoje, pode-se produzir alimentos distantes de onde serão consumidos, pois estes
podem ser beneficiados, embalados e conservados por longos períodos. Mesmo os alimentos
mais frescos como verduras, legumes e folhagens podem ser transportados por longas
distâncias, se isto for feito em um meio de transporte especial, tal como num caminhão
equipado com sistema de refrigeração.
Da mesma forma, alimentos podem ser, e são, produzidos dentro das cidades,
utilizando pequenas áreas, sob uma tecnologia intensiva, aproveitando-se das vantagens
locacionais de se ter um mercado consumidor próximo, e este, por sua vez, beneficia-se da
proximidade, adquirindo produtos frescos, ou até mesmo colhidos na hora da compra.
Em Uberlândia, a partir da pesquisa de campo, identificou-se uma horta que se utiliza
desta estratégia para cativar e aumentar sua clientela. O consumidor pode ele mesmo colher
seu alimento ou escolher o que deseja e pedir a um funcionário que colha a peça desejada, por
exemplo, algumas folhas de couve, ou berinjelas, rabanetes e cenouras.
Outra corrente explicativa para a existência de atividades agrícolas nas cidades é a de
Sinclair (apud Bicalho 1992). De acordo com este modelo, a existência de atividades
extensivas e de baixo rendimento nas áreas urbanas se deve a interesses fundiários
especulativos que mantêm áreas vazias (terras agricultáveis) entre os espaços urbanos à espera
de valorização e sua futura conversão em áreas e usos urbanos.
De acordo com a pesquisa, a existência de espaços urbanos vazios destinados à
especulação imobiliária representa um fator condicionante importante para a existência de
atividades agrícolas na cidade de Uberlândia. Todavia, somente esse fator não é capaz de
explicar a dinâmica da AU, sendo necessário outros elementos para essa explicação. Um deles
se deve ao fato de que as atividades agrícolas na cidade são, geralmente, muito dinâmicas,
caracterizadas por intensidade e alto rendimento.
Oliveira (2001) dá uma importante contribuição para o entendimento da AU ao
relacionar alguns fatores que possibilitam ou condicionam a permanência de atividades
agrícolas na região metropolitana de Fortaleza. De acordo com essa autora, a permanência da
agricultura na cidade deve-se a um mosaico de situações, dentre elas, a procedência rural
(tradição, cultura) dos moradores da cidade, egressos do campo; ao intenso desemprego e
precarização da vida nas cidades, e a vocação e tradição de algumas áreas para a
hortifruticultura. Ou seja, devido à fertilidade dos solos e a disponibilidade de recursos
hídricos próximos, ou ainda, devido à ocupação pretérita de áreas agrícolas englobadas pelo
processo de urbanização.
71
Ainda de acordo com Oliveira (2001), a síntese destes fatores faz com que a população
mais pobre passe a cultivar áreas vazias ou seus quintais na busca de auto-abastecimento, ou
para o abastecimento do mercado urbano, possibilitando geração ou complementação de
renda. Todavia, de acordo com nossas pesquisas e também de acordo com os trabalhos de
Bicalho (1992; 1996) e Maia (1994; 2001) não só a população pobre se interessa por estas
atividades, havendo muitos proprietários ou mesmo empresários de base urbana que investem
na AU, pois esta pode se configurar como um importante setor de acumulação de capitais.
A produção de alimentos exóticos, como escargot, coelhos ou rãs, a produção de
hortaliças orgânicas e/ou hidropônicas, ou ainda a prestação de serviços especiais, como
atividades de pesque-pague ou equitação esportiva e terapêutica, configuram-se como
importantes e rentáveis negócios que atualmente se desenvolvem em áreas urbanas,
aproveitando-se de vantagens locacionais de proximidade com o mercado consumidor.
Nesse contexto, o debate acerca das interações entre campo e cidade, rural e urbano,
mostra-se
muito
importante
para
o
entendimento
da
dinâmica
da
agricultura
urbana/metropolitana, pois "a dinâmica da agricultura metropolitana resulta de forças urbanas
e não-urbanas, atuando num contexto regional de forma consoante ou dissonante"
(BICALHO, 1992, p.216). Essas interações podem ter características diversas, sendo ora
conflituosas, ora complementares, ou ainda, justapostas, convivendo harmoniosamente
(BICALHO, 1996).
Ainda segundo a autora, nessa interação entre forças urbanas e não-urbanas na
configuração da dinâmica da AU, as primeiras demandam terra, trabalho e oportunidades de
mercado e as segundas se relacionam à mudanças tecnológicas, à mudanças no padrão de
vida, na competição inter-regional e decisões políticas.
O resultado da interação das forças urbanas e não-urbanas podem ser percebidas no
comportamento do produtor, que pode desencadear mudanças na agricultura, ao tomar
decisões e gerenciar seus negócios. Assim, dependendo da correlação de forças, podem ser
criados três tipos de ambientes agrícolas em áreas urbanas. 1. Ambientes de desenvolvimento
agrícola, na qual, há viabilidade e pode-se desenvolver uma agricultura estável; 2. Ambientes
de adaptação agrícola, marcado por incertezas, fragmentação da terra, ou sobre o futuro desta.
3. Ambientes de degeneração agrícola, quando as forças urbanas suplantam as forças rurais e
assim a agricultura declina (BICALHO, 1992).
No caso de Uberlândia, esta teoria explica, em parte a dinâmica da agricultura urbana.
Para o caso da produção hortícola pode-se perceber claramente a existência destes três
ambientes. Já para o caso da criação de animais essa concepção não contempla a diversidade
72
de situações existentes. Alguns criadores trabalham em áreas que estão sob forte pressão da
urbanização e em alguns casos, aguardam sua conversão iminente. Nessas áreas se pratica
pecuária extensiva, o que, para o proprietário, funciona como uma forma de manter a terra
ocupada e afastar as ameaças de ocupações.
Ao estudar a permanência de atividades rurais na área urbana de João Pessoa (PB)
Maia (1994; 2001) identifica a existência de acordos entre proprietários de terras e criadores
de animais. Os primeiros cedem terras aos segundos para pastagem de seus animais sob a
condição de guardar e proteger a área contra invasões. Esses acordos garantem aos
proprietários o direito à especulação imobiliária e os criadores atuam como agentes para
manutenção da guarda da terra para especulação.
Em outros casos os criadores atuam de forma precária e pastoreiam seus animais por
áreas ou lotes vazios da cidade, de forma itinerante, enfrentando muitos problemas com os
moradores da cidade. Sofrem com reclamações por conta do mal cheiro do animais e seus
excrementos e por conta dos problemas provocados ao trânsito (acidentes, redução de
velocidade), e sofrem com a queimada dos terrenos que são suas pastagens.
Assim, a existência desses três tipos de ambientes agrícolas funcionam mais para o
caso de atividades desenvolvidas em terras próprias ou arrendadas. Para o caso desses
ocupantes itinerantes o ambiente é sempre de degeneração. Assim, atuam sempre sob forte
pressão urbana. Essa pressão é representada pela exiguidade das áreas que atuam, por novos
loteamentos e ainda pela poluição dos cursos d'água, do qual seus animais se dessedentam.
Com efeito, esses produtores trabalham em intensa instabilidade e vão se adaptando com
muita criatividade e resistência.
Tanto no caso da horticultura quanto da pecuária, um fato marcante para se
compreender a dinâmica da agricultura urbana se relaciona à incerteza quanto ao futuro da
terra. A partir da pesquisa de campo realizada, constatou-se que somente 7 entre 35
entrevistados (20,0%), são proprietários. A maioria são posseiros ou arrendatários, cuja
situação é sempre de instabilidade. Assim, não lhes é permitida a elaboração e execução de
projetos de médio/ longo prazo ou estratégias de capitalização baseadas em investimentos.
A qualquer momento, as áreas onde atuam, podem ser loteadas e incorporadas ao
tecido urbano, e assim a intensidade das atividades de AU também ajudam a compreender sua
dinâmica. A intensidade dessas atividades torna-se obrigatória para compensar o alto custo da
terra, que se valoriza a cada dia com a expansão e desenvolvimento da cidade (BICALHO,
1992, 1996; TUBALDINI; RODRIGUES, 2001).
73
Outro fator que pode explicar a existência de atividades agrícolas na cidade se
relaciona às questões histórico-culturais. Unidades de produção ou atividade agrícolas
estabelecidas em períodos pretéritos, às vezes fruto de grandes investimentos de capitais, não
são passíveis de remoção facilmente. Por um lado, a questão financeira pesa na tomada de
decisão de permanecer ou sair da área, mesmo que sob pressões urbanas. Por outro lado,
comodismo ou idealismo faz com que unidades agrícolas permaneçam na cidade.
Durante a pesquisa de campo identificamos uma unidade de criação de cabras de leite
com mais de duzentos animais e um laticínio anexo que beneficia sua produção, hoje
localizada na área urbana da cidade e cercada por bairros densamente povoados. O fato é que
essa unidade fora instalada em um loteamento de chácaras de lazer que no passado ficava fora
do perímetro urbano.
Devido às grandes inversões de capitais e também a vontade de permanecer na área visto que o proprietário também residem nela - faz com que essa área permaneça, mesmo que
sob pressões da municipalidade e da vizinhança. Periodicamente, o órgão de vigilância
sanitária da prefeitura faz inspeções no local exigindo que as instalações estejam sempre
limpas.
As atividades motivadas por hobby ou tradição também explicam a manutenção de
atividades primárias na cidade. Muitos proprietários mantêm áreas agrícolas motivados por
desejos de ser ter uma vivência rural ou de contato com a natureza etc. Isto sempre próximo
ao local de trabalho e moradia, sendo desnecessário o deslocamento por maiores distâncias.
Todavia, por trás desses fatores, acreditamos que a especulação imobiliária tem sua
função determinada. Assim, se algum dia houver interesse em desmembrar a área, ou loteá-la,
esta estará valorizada.
Além desses fatores, a agricultura urbana praticada por pequenos produtores,
familiares ou não, proprietários ou não, torna-se permissível devido,
[...] inicialmente, pela própria atividade, que gera grande volume de produção
acumulada no decorrer do ano, e, segundo, pelas estratégias flexíveis de produção,
permitindo a capitalização do produtor e investimentos e tecnologias para suas
atividades. As estratégias flexíveis permitem combinar capital e trabalho
adequados a diferentes momentos econômicos como, também, a pronta
receptividade a novas tecnologias (BICALHO. 1996, p.4) .
74
Com uma produção diversificada, múltiplas safras anuais, e com fluxo contínuo de
renda durante o ano, pode-se resistir mais facilmente às pressões da urbanização material20. E,
vantagens locacionais de proximidade garantem, além de vendas diretas ao consumidores
vizinhos, a diminuição da rede de intermediários, melhorando a lucratividade dos produtores
e, por outro lado, diminuindo os custos para os consumidores
Mesmo diante do consenso de que as práticas agrícolas no contexto urbano tendem a
desaparecer, sucumbindo à urbanização material, estudos demonstram que essas atividades, a
cada dia, tornam-se mais dinâmicas21. Isto devido a novos padrões de organização do espaço,
da vida social e de mobilidade.
Para o caso de Uberlândia, os fatores acima enunciados podem explicar a existência e
dinâmica da AU. Assim, sumarizando, acredita-se que a AU existe na cidade devido a uma
gama de fatores, dentre os quais destacam-se:
 Existência de muitas áreas vazias na cidade criadas pelo processo de especulação
imobiliária. Estudos locais atestam que aproximadamente 40% dos lotes da cidade
encontram-se vazios22;
 Tradição rural das pessoas que se envolvem com essas práticas;
 Falta de oportunidades de trabalho;
 Complementação de renda;
 Oportunidades de capitalização possibilitadas pela proximidade do mercado consumidor.
As idéias de Maia (1994) sintetizam todos esses fatores. Assim, necessidade e desejo
explicam a dinâmica da AU. Diante da diversidade e intensidade de atividades de AU nessa
cidade, percebe-se que a manutenção e o crescimento de atividades rurais na cidade deve-se, por
um lado, à necessidade de sobrevivência dos setores marginais que desenvolvem estratégias de
vida e trabalho, configurando uma cidade muito diferente da idealizada e propalada pelo discurso
modernizante de suas elites. E, por outro lodo, deve-se ao desejo de pessoas originárias, ou com
20
Urbanização material refere-se aos arruamentos e construções, sendo parte de uma processo maior de
urbanização, que se expressa nas dimensões sócio-econômica e psicológica.
21
Os trabalhos de MAIA (1992, 1996, 1998, 2000); TUBALDINI; RODRIGUES (2001) e de OLIVEIRA
demostram que muitas atividades agrícolas na cidade têm se tornado altamente dinâmicas e com um futuro
promissor, devido justamente à presença da cidade. Fato que para muitos era visto como uma barreira, hoje tem
se tornado vantagens para a AU. O caso dos pesque-pagues são ilustrativos.
22
BESSA E SOARES (1997).
75
forte referência com o meio rural, de praticar atividades que as satisfaçam, ou ainda proporcionem
algum tipo de ligação ou contato com a natureza.
Tendo em vista os inúmeros fatores que atestam a dinamicidade da AU no cenário
brasileiro, cabe ainda ressaltar os problemas colocados aos pesquisadores para a análise
dessas práticas. O principal problema enfrentado por pesquisadores que se interessam em
investigar práticas agrícolas dentro ou próximo às cidades é relativo à precariedade ou
inexistência de informações estatísticas confiáveis.
Os atuais instrumentos de coleta e divulgação de informações sobre a atividade
agropecuária não contemplam as áreas próximas à cidade, devido à idéia de que tais
atividades desapareceram com os efeitos da urbanização, levando à eliminação das práticas
rurais pela forte pressão das cidades na conversão de solos agrícolas em usos urbanos.
Essa posição por parte dos órgãos responsáveis por coletas de dados e produção de
estatísticas se relaciona, por sua vez, ao critério de delimitação rural-urbano adotado no
Brasil. Como já se disse no capítulo 1, no Brasil essa delimitação é determinada pela Lei do
perímetro urbano. Assim, tudo que está inscrito nesse perímetro diz respeito ao urbano, e ao
comércio, serviços e atividade industrial. E o que não está contido nesse perímetro é o rural,
lócus da atividade agropecuária.
Diante disso, torna-se impossível quantificar e qualificar o papel das atividades
agrícolas urbanas no sistema agroalimentar local e até regional. Para resolver essa situação,
seria necessário o estabelecimentos de novas ferramentas de coleta de dados que dessem conta
da crescente importância e fortalecimento dessas práticas resultantes das interações entre rural
e urbano e que representam novos parâmetros de organização do espaço (BICALHO, 1996).
Os reflexos do não reconhecimento do papel e da importância da AU podem ser
percebidos na inexistência de políticas públicas para o seu apoio e fortalecimento. Assim,
torna-se necessário pensar o destino das atividades de AU, juntamente com as preocupações
como espaço agrário nacional. Pois, apesar de ser uma atividade dinâmica, geradora de
empregos e renda, a AU não conta com nenhum tipo de política agrícola. Não conta com
apoio financeiro (crédito para investimento e custeio), nem tampouco assistência técnica. Ao
contrário, no Brasil a AU geralmente, é uma atividade discriminada.
Assim, não só para o caso uberlandense, mas para o caso da maioria das cidades
brasileiras, a agricultura urbana responde por três funções básicas: especular, abastecer a
cidade e alimentar as populações marginais. Com a prática da AU garante-se a segurança de
uma área contra invasões ou desapropriações, possibilitando a especulação imobiliária segura.
76
Além disso, possibilita-se um incremento na produção e no abastecimento alimentar da
cidade. E, por fim, é uma forma de se garantir alimentos para uma população que não
consegue encontrar empregos na cidade.
De acordo com o exposto, pode-se afirmar que a AU detém forte relevância social,
econômica e ambiental e assim se relaciona diretamente aos fundamentos do conceito de
desenvolvimento sustentável (DS). E é nesse sentido que agora passamos a abordar, de forma
conceitual, o tema de desenvolvimento sustentável, procurando demonstrar suas relações com
as atividade de AU, sobretudo para a criação de uma situação de equilíbrio e sinergia entre o
campo e cidade.
4.2 A Agricultura Urbana e o Desenvolvimento Sustentável
A emergência do debate sobre a questão ecológica tem se mostrado como um
verdadeiro desafio às ações de desenvolvimento. O conceito de desenvolvimento sustentável
(DS) ou ecodesenvolvimento tem sido amplamente veiculado na mídia, fazendo parte do
discurso de gestores e planejadores públicos, empresários, educadores e organizações da
sociedade civil.
Essa situação reflete o desafio e a necessidade de se discutir e implementar formas
equilibradas na relação entre desenvolvimento e meio ambiente, visto que, mantida a atual
forma, a vida na terra mostra-se bastante ameaçada.
Vive-se, hoje, uma verdadeira crise, um período de grande turbulência nas formas de
organização da sociedade nas dimensões mundial, produtiva, doméstica, ambiental e de
cidadania. “Um período de transição paradigmática, tanto no plano epistemológico – da
ciência moderna para um conhecimento pós-moderno – quanto societal – da sociedade
capitalista para outra forma societal que tanto pode ser melhor quanto pior”. (SANTOS, 1999,
p.283).
Esse autor, partindo de um modelo analítico que procura discutir problemas
fundamentais da sociedade mundial contemporânea, nos fala do espaço-tempo mundial.
Categoria na qual se dão as relações entre sociedades territoriais no interior do sistema
mundial e da economia-mundo. Na análise dos problemas existentes nesse espaço-tempo
mundial, Santos (1999) salienta três questões fundamentais: a explosão demográfica, a
globalização da economia e a degradação ambiental.
Essas questões, por sua vez, se relacionam intimamente com o que se tem chamado de
ecodesenvolvimento e também com a AU. Tendo em vista que a relação equilibrada entre
77
desenvolvimento e meio ambiente, de forma a preservar as condições de vida na terra para
gerações futuras, tem sido a idéia principal que permeia o conceito de desenvolvimento
sustentável. Assim, numa relação dialética, esses três fatores interagem de forma que um
influencia no outro.
Dessa forma, a discussão dos temas ecologia e desenvolvimento sustentável, assim
como agricultura urbana, mostram-se pertinentes nesse início do século XXI. A despeito da
complexidade desses temas, sua discussão envolve todos os campos do saber e práticas sócioeconômicas. Além disso, requer o reconhecimento de que a humanidade e suas ações fazem
parte e influenciam no futuro comum do planeta, visto que o homem faz parte da natureza, é
natureza, estando submetido aos seus ciclos naturais.
Com atenção ao conceito de desenvolvimento sustentável, tem havido um consenso
entre pesquisadores de que se trata de um conceito amplo, indo além da visão tradicional de
que desenvolvimento seja sinônimo de crescimento econômico. Esse novo adjetivo anexado
ao conceito de desenvolvimento, significa que além do desenvolvimento econômico deve-se
buscar o desenvolvimento social e a preservação das condições ambientais para as gerações
futuras.
A origem da idéia ecodesenvolvimento, desenvolvimento sustentável, ou ainda
sustentabilidade se encontra no início da década de 1960, quando percebeu-se que a epopéia
do desenvolvimento econômico urbano-industrial estava colocando em perigo a vida humana
no planeta, provocando muitos efeitos negativos sobre o meio ambiente e também sobre a
qualidade de vida da sociedade mundial.
Evidenciou-se que a “espaço-nave terra” não poderia continuar a ser encarada como
uma fonte inesgotável de recursos e sumidouro de resíduos (SACHS, 1993). A idéia de que o
desenvolvimento só pode ser alcançado a partir do livre mercado, da liberalização do
comércio e do desenvolvimento urbano-industrial e a despeito dos impactos sócio-ambientais
também passa a ser questionada. Tendo em vista que, se os sérios impactos de degradação
ambiental e social não forem equacionados o desenvolvimento econômico não pode avançar,
ou pode inclusive encontrar barreiras.
Portanto, esse conceito reflete a busca de um modelo de desenvolvimento alternativo
ao atual: irracional no uso dos recursos naturais, degradante das condições sócio-ambientais,
altamente dependente de combustíveis fósseis e, além disso, belicoso, ou seja, que resolve
seus problemas pela via militar.
78
Contextualizando a emergência do conceito de Desenvolvimento Sustentável, Sachs
(1993) lembra que as preocupações com a gravidade dos problemas sociais, econômicos e
ambientais a partir da década de 1970, têm se tornado mais intensas, tanto que diferentes
reuniões e fóruns tem sido realizados – Founex (1972), Estocolmo (1972), Cocoyoc (1974),
Rio de Janeiro (1992), e outros –, da mesma forma que estudos e relatórios são elaborados
(Relatório Bruntdland, ou Nosso Futuro Comum).
Todas essas preocupações “[...] transmitem uma mensagem de esperança, a
necessidade e possibilidade de se projetar e implantar estratégias ambientalmente adequadas,
para promover um desenvolvimento sócio-econômico eqüitativo, ou ecodesenvolvimento”
(SACHS, 1993, p.29).
Além disso, nas décadas de 1970 e 1980 aumentaram-se os conhecimentos sobre a
biosfera e os perigos que ela corre, havendo também uma institucionalização da preocupação
sobre o gerenciamento do meio ambiente e uma crescente conscientização por parte do poder
público e pressões de grupos civis organizados e o surgimento de práticas de ideologia verde.
Objetivamente, a definição de sustentabilidade ou DS deve levar em consideração três
aspectos fundamentais nos quais a AU pode contribuir: os aspectos econômico, social e
ecológico. No primeiro aspecto o desenvolvimento deve proporcionar a geração de renda,
estabilidade espacial da família ou grupo, melhoria na produção a partir de investimentos e
manutenção da unidade de produção (no caso de famílias).
Quanto ao aspecto social, o desenvolvimento deve proporcionar eqüidade entre os
membros da sociedade na utilização dos recursos e os benefícios decorrentes dessa utilização,
bem como a melhoria da qualidade de vida de maneira geral. Já no aspecto ecológico, o
desenvolvimento deve considerar um uso racional dos recursos naturais, produzindo o
máximo com um mínimo de materiais e energia.
Com atenção especial aos sistemas agrícolas de produção familiar e patronal, Bernardo
(2001, p. 57-58) salienta que sustentabilidade
[...] vem a ser o uso de recursos naturais e humanos de forma que haja um
reconhecimento da necessidade de explorar estes, mas ao mesmo tempo, o
conservar para que as gerações futuras possam utilizá-los. Basicamente, é o
equilíbrio entre as variáveis econômicas e ambientais e, num conceito mais amplo
são também incluídas as variáveis sociais.
Já para Romeiro (1998), no que tange aos sistemas agrícolas, a sustentabilidade referese à idéia de que o desenvolvimento para ser sustentável deve ser também ecologicamente
prudente e socialmente desejável, e não apenas economicamente eficiente.
79
De acordo com o Relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (1988) - conhecido como Relatório Brundtland - o desenvolvimento
sustentável
[...] é um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção
dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológicos e a mudança
institucional se harmonizam e reforçar o potencial presente e futuro, a fim de
atender às necessidade e aspirações humanas. (CMMAD, 1988, p.49).
Ou ainda, o desenvolvimento sustentável é aquele que harmoniza o imperativo do crescimento
econômico com a promoção da eqüidade social e preservação do patrimônio natural,
garantindo assim que as necessidades das atuais gerações sejam atendidas sem comprometer o
atendimento das necessidades das gerações futuras (CMMAD, 1988).
Todavia, conceitos sempre trazem escondidas armadilhas. Apropriações ideológicas,
intencionais ou ingenuamente camufladas podem existir. Nesse contexto, o debate dobre
Desenvolvimento Sustentável tem se mostrado composto de forma bastante controversa e
ambígua, disputado e dado por ideologias e mistificações, sendo muitas vezes, um discurso
que faz parte de uma assimilação ideológica como marketing verde ou capitalismo verde.
Mas, quanto às relações entre os conceitos de desenvolvimento sustentável e de
agricultura urbana, os esquemas propostos por Pelizzoli (1999) e Sachs (1993) nos ajudam a
compreender essas relações. Segundo Pelizzoli (1999), o DS deve ser pensado sob várias
dimensões interligadas, considerando os níveis planetário, ecológico, ambiental, demográfico,
cultural, social, político e institucional.
Note-se que para este autor, o nível econômico não entra na definição do conceito de
DS. Isto porque, segundo Pelizzoli (1999) esse nível já foi muito bem articulado, dotado de
grande interesse por parte do capital. Além disso, se as outras dimensões apresentadas não
forem equacionadas a dimensão econômica do desenvolvimento entrará em colapso.
Já para Sachs (1993) o conceito de DS comporta cinco dimensões: econômica, social,
ambiental, espacial e ecológica. Acreditamos que essa proposta mostra-se coerente por
considerar importantes dimensões do desenvolvimento da vida humana. Nesse contexto,
doravante apresentamos as possíveis contribuições da AU nessas dimensões do
ecodesenvolvimento.
Nas dimensões social e econômica a AU pode contribuir para a geração de emprego e
renda para setores marginais da sociedade, sobretudo nas cidades dos países em
desenvolvimento. Se ela for praticada em grandes extensões, em regime comercial, pode gerar
muitos empregos para adolescentes, mulheres e idosos. Pode ser alvo de projetos de
80
laborterapia (terapia ocupacional ou do trabalho) praticada junto a dependentes químicos,
detentos, idosos ou até mesmo pessoas depressivas.
Na dimensão ecológica, a AU contribui de forma intensa. Dentre outras, ela pode
intensificar o potencial dos recursos naturais; limitar o consumo de combustíveis fosseis e
outros materiais danosos ao meio ambiente, ao se utilizar de fertilizantes orgânicos e diminuir
a necessidade de transporte dos alimentos por maiores distâncias; pode também reduzir o
volume de resíduos e poluição através da conservação de energia, de recursos naturais e da
reciclagem de resíduos sólidos e líquidos.
Por meio de pesquisas tecnológicas voltadas para a AU, pode-se promover a obtenção
de tecnologias de baixa quantidade de resíduos e mais eficientes no uso de recursos para o
desenvolvimento urbano, rural e industrial. Pode também ser um uso mais eficiente e
equilibrado de terras de fundos de vales nas cidades e também promover equilíbrio
hidrológico a medida que mantém áreas protegidas da impermeabilização, proporcionando
maior infiltração de água e minimizando assim, os riscos de enchentes.
Na dimensão espacial, a AU pode promover uma configuração rural-urbana mais
equilibrada; pode reduzir a destruição de ecossistemas frágeis ao produzir alimentos nas
cidades e diminuir a necessidade de derrubada de florestas para a incorporação agrícola. Pode
tornar os espaços urbanos mais agradáveis e equilibrados do ponto de vista ambiental,
proporcionando uma cidade mais arborizada, com manutenção da biodiversidade da fauna e
da flora.
E por fim, na dimensão cultural, as práticas de AU valorizam as raízes culturais de um
povo fortemente ligado ao meio rural ou ainda criam um ambiente que pode proporcionar um
conjunto de soluções específicas para o local, o ecossistema e a cultura tradicional.
Portanto, nessas cinco dimensões do ecodesenvolvimento a AU pode contribuir. Nesse
sentido, a agricultura urbana
[...] gera um leque vasto de funções úteis a saber; produção alimentar; geração de
saúde (através do cultivo de plantas medicinais); manutenção de espaços verdes;
criação de reservas genéticas; produção de oxigênio; geração de rendimentos;
promoção de espaços de lazer; de educação ambiental; de convívio das
comunidades; criação de empregos; vocação para a terapia ocupacional;
manutenção de reservas agrícolas; espaços de reserva ambiental; áreas de melhor
gestão de recursos hídricos (por serem espaços não impermeabilizados, logo
espaços de infiltração da águas pluviais); áreas de potenciação de práticas de
reciclagem e reutilização de resíduos sólidos urbanos (MADALENO, 2001, p.2).
81
4.3 A agricultura urbana em Uberlândia
Doravante, passa-se a divulgar e analisar dados obtidos com a pesquisa de campo
realizada no período de junho a novembro de 2003 na cidade de Uberlândia. Por meio do
roteiro de entrevistas (Anexo 1), realizou-se um levantamento de dados primários junto a
alguns agricultores urbanos, representantes da diversidade de situações encontradas na cidade
de Uberlândia, quais sejam, horticultores, criadores de animais (bovinos, suínos, caprinos e
aves) e proprietários de unidades de pesque-pague.
Cabe ressaltar que não se pretendeu abarcar todo o universo de pesquisa existente
nessa cidade. Essa opção deve-se ao fato de que a atividade de AU é efêmera, ou seja, pode
permanecer muitos anos num local ou pode desaparecer em questão de dias, devido à sua
instabilidade e à velocidade de mudanças que podem ocorrer no uso da terra nas cidades.
Além disso, não existem dados confiáveis que informem a quantidade ou o tipo de atividades
de AU existentes em Uberlândia, não permitindo qualquer tipo de análise comparativa.
Assim, a partir da observação e da experiência adquirida durante a pesquisa, foram
selecionadas as principais categorias de AU em Uberlândia e foram entrevistadas 35 pessoas
responsáveis pelo desenvolvimento das atividades agrícolas na cidade. A definição da
quantidade não seguiu nenhum método estatístico de coleta de dados. À medida que se
conseguiu informações com certa homogeneidade, possibilitando caracterizar a atividade de
AU em Uberlândia, finalizou-se a etapa de coleta de dados.
Acresce-se, ainda, a dispersão das unidades produtivas pela extensa malha urbana do
município, sendo necessário percorrer longas distâncias para verificar a existência da AU nas
diferente regiões na cidade. Outro fator de dificuldade para cobrir todas as áreas existentes
refere-se à disponibilidade de entrevistados e entrevistador no momento em que se realizava a
pesquisa em determinado setor da cidade, sendo que, se não realizada naquele momento, a
possibilidade de voltar a essa região tornava-se remota.
Observando-se a figura 4, um mapa que representa a distribuição das unidades de AU
encontradas a partir da pesquisa de campo, percebe-se que elas se localizam,
preferencialmente, próximas aos vales de córregos inscritos na malha urbana e próximas às
áreas da cidade onde se encontram vazios urbanos de grande extensão 23.
23
Isto porque alguns córregos ainda possuem vegetação ciliar, caracterizada como Área de Preservação
Permanente, que são utilizadas como pastagem. Ou ainda, por que nestas áreas o acesso a água é facilitado,
devido a proximidade do lençol freático, possibilitando a captação de água a pouca profundidade, mesmo nos
córregos que foram canalizados, como o caso do Córrego São Pedro e Tabocas.
82
Figura 4 - Uberlândia (MG): localização das atividades de agricultura urbana
identificadas na pesquisa
83
Note-se, ainda, que neste mapa existem, entre unidades de produção animal, vegetal e
unidades de pesque-pague, maior número de atividade identificadas do que os 35 que foram
objetos de pesquisa. Isto se deve ao fato de que muitos produtores se recusaram a conceder
entrevistas, por diferentes motivos, ou ainda por não se ter encontrado o responsável pela
atividade. Todavia, todas as áreas encontradas na pesquisa foram catalogadas e mapeadas.
Ressalta-se, ainda, que investigou-se somente áreas contidas no perímetro urbano,
apesar de que essa delimitação territorial não consegue dar conta da complexidade que
envolve as interações entre campo e cidade na atualidade.
No intuito de caraterizar as atividades de agricultura urbana na cidade de Uberlândia,
buscou-se investigar, dentre outros fatores, quem são as pessoas que se envolvem com essa
prática, bem como suas condições de vida, moradia, trabalho e renda. Buscou-se também
caracterizar a "unidade de produção", em termos de área, condições de posse, características
físicas, tipo de produção, formas de comercialização, base tecnológica da produção, principais
problemas enfrentados, bem como os planos e perspectivas para o futuro da atividade, a partir
das entrevistas realizadas (Anexo 1).
4.3.1 O agricultor urbano e seu espaço
Na busca de descobrir quem são e como vivem as pessoas que se envolvem com a
agricultura urbana (AU), incluímos no roteiro de entrevistas questões relacionadas a origem
(cidade onde nasceram e contexto rural ou urbano), idade, grau de instrução, tempo de
moradia em Uberlândia, motivo que os fizeram migrar para esta cidade, bem como o caminho
que percorreram até chegar a mesma.
Além disso, procurou-se conhecer as condições de moradia e de infra-estrutura
utilizada por agricultores urbanos de Uberlândia. Na busca de caracterizar os espaços da AU
inquirimos sobre o tamanho das áreas, situação jurídica, forma e tipos de utilização destas,
localização e sítio da AU, dentre outras questões
Assim, constatou-se que a AU, em Uberlândia, é uma atividade praticada,
preferencialmente, por migrantes. Dos 35 entrevistados, 27 são migrantes, a maioria de
cidades da região do Triângulo Mineiro, havendo, contudo, pessoas vindas de diversas partes
do país.
Quando indagados sobre o tempo de moradia em Uberlândia e os motivos que os
trouxeram para esta cidade, algumas respostas tornaram-se recorrentes. Assim, a maioria
84
afirmou ter vindo para Uberlândia em busca de melhoria de vida, representado na forma de
oportunidades de emprego, saúde e educação para a família.
A partir da década de 1960, iniciou-se em Uberlândia um intenso processo de
desenvolvimento econômico marcado pela modernização da cidade, resultante da
industrialização do município e da modernização da agricultura nos cerrados da região. Além
disso, nesse período, a cidade representou uma verdadeira base logística para a construção da
nova capital do país - Brasília - estando entre a área core do desenvolvimento nacional (RJ,
SP e MG) e a nova capital no coração do cerrado brasileiro.
Por tudo isso, a cidade passou a interceptar correntes migratórias vindas de diversas
partes do país e, principalmente, dos pequenos municípios da região com baixo ou nenhum
dinamismo econômico. Muitos desses migrantes eram egressos de zona rural, tolhidos da terra
pela “modernização dolorosa” da agricultura.
Dos 35 entrevistados, 24 nasceram e se criaram no contexto rural, “na roça” como
dizem, e sem querer incorrer em algum tipo de determinismo, essa experiência no mundo
rural contribui em muito para a manutenção de atividade rurais na cidade (Quadro 1).
Os trabalhos históricos de Medeiros (2002) e Duarte (2001) enfatizam essa situação na
cidade de Uberlândia e na região do Triângulo Mineiro. A manutenção de práticas típicas do
campo na cidade de Uberlândia representam estratégias de vida e trabalho na busca de
equilíbrio entre uma situação deixada para trás, no campo, todavia, sem ser esquecida, e uma
nova no contexto da cidade, sendo que essas práticas deixam profundas marcas na sua
paisagem e no seu funcionamento, o que pode representar conflitos e também interesses rurais e urbanos - de diferentes setores da sociedade.
Ao realizar uma investigação acerca das vivências urbanas de homens e mulheres que
migraram da zona rural para a cidade de Ituiutaba (MG), no período de 1970 a 1985, Duarte
(2001), percebeu que esses migrantes são forçados a elaborar novos projetos de vida baseados
numa perspectiva urbana. Assim, do embate entre rural e urbano resultante desses novos
projetos de vida, novas identidades são construídas, tanto no que se refere aos migrantes
quanto à vida da cidade.
Dessa forma, a autora identifica situações de resistência, recriação ou desistência, dos
indivíduos do campo na cidade. Nesse contexto, a prática da AU pode representar as duas
primeiras situações, em que um projeto de vida e trabalho tenta relacionar um modo de vida
rural passado com uma nova experiência urbana.
85
Outra característica dos agricultores urbanos verificada pela pesquisa é o seu perfil
marginal (DRESCHER; JACOBI; AMEND, 2001; e SIAU; YURJEVIC, 1992). Marginal, no
sentido de estar à margem de um tipo social tido como ideal para a sociedade capitalista
moderna. A maioria têm pouca, às vezes nenhuma instrução escolar formal, havendo ainda
predominância de indivíduos de idade avançada.
Quadro 1 - Os agricultores urbanos: naturalidade, local do nascimento e tempo de
moradia em Uberlândia
Entrevistado
Naturalidade
1
Espinosa (MG)
2
Uberlândia (MG)
3
Picos (PI)
4
Uberlândia (MG)
5
Cachoeira Alta (GO)
6
Araguari (MG)
7
Buriti Alegre (GO)
8
Uberlândia (MG)
9
Uberlândia (MG)
10
Coronel Pacheco (MG)
11
Coromandel (MG)
12
Uberlândia (MG)
13
Uberlândia (MG)
14
Sacramento (MG)
15
Buritizeiro (MG)
16
Santa Rita de Itueta (MG)
17
Dores do Indaiá (MG)
18
Santa Juliana (MG)
19
Santa Vitória (MG)
20
Prata (MG)
21
Ipiaçu (GO)
22
Rio Verde (GO)
23
Lagoa Formosa (MG)
24
Patrocínio (MG)
25
Buriti Alegre (MG)
26
Macau (RN)
27
Patrocínio (MG)
28
Uberlândia (MG)
29
Monte Alegre (MG)
30
Uberlândia (MG)
31
Portugal
32
Belo Horizonte (MG)
33
Itumbiara (GO)
34
Campina Verde (MG)
35
Criciúma (SC)
FONTE: Pesquisa de campo - 2003
Local de Nascimento
Rural
Urbano
Rural
Urbano
Rural
Rural
Urbano
Rural
Rural
Rural
Urbano
Urbano
Rural
Rural
Rural
Rural
Rural
Urbano
Rural
Rural
Rural
Rural
Rural
Rural
Urbano
Rural
Rural
Urbano
Urbano
Urbano
Rural
Rural
Urbano
Rural
Rural
Tempo de Moradia em
Uberlândia (anos)
10
37
31
67
28
35
27
45
62
03
09
42
40
60
08
15
14
40
16
21
22
10
05
23
08
22
15
34
10
43
45
20
06
21
05
Org. Sidivan Redende
Outro aspecto analisado na pesquisa refere-se à instrução escolar: dos 35
entrevistados, cinco são analfabetos, 18 cursaram pelo menos uma série do ensino básico,
cinco cursaram o ensino fundamental, cinco o ensino médio e apenas um o ensino superior.
Devido a essa situação, acreditamos que a AU torna-se um atrativo para essas pessoas que não
86
encontram oportunidades no mercado de trabalho atual, altamente exigente de qualificação
profissional.
Quanto à idade foi surpreendente a quantidade de pessoas com mais de trinta anos e a
a ausência de indivíduos com menos de 30 anos. Sem a pretensão de estipular um padrão de
distribuição de faixas etárias de população, tarefa melhor desenvolvido pelo demógrafo,
criamos seis categorias com intervalos de quinze anos (Quadro 2).
Quadro 2: Distribuição dos agricultores urbanos por faixa etária
Faixa etária (anos)
0-14
15-29
30 – 44
45 – 59
60 – 74
75 – 90
Total
Quantidade de indivíduos
0
0
13
09
08
05
35
FONTE: Pesquisa de campo – 2003
Nota-se, dessa forma, a ausência de entrevistados com menos de 30 anos de idade
envolvidos com a AU em Uberlândia. A categoria 30-44 anos abrange um número expressivo
de agricultores urbanos, sendo esses, em sua maioria, indivíduos bem-sucedidos que investem
na AU como forma de empreendimento comercial vantajoso, e, num caso específico, um
indivíduo que migrou para a cidade há poucos anos e seu único saber é lidar com animais ou
plantas.
Já as três outras categorias, de 45- 90 anos, compreendem a maioria dos entrevistados.
Seus representantes são desempregados, idosos e/ou aposentados, que se envolvem com a AU
na busca de alimentos e/ou rendas, ou apenas como uma terapia ocupacional.
No primeiro caso, são os que não conseguem empregos “urbanos” devido à idade.
Assim, utilizando conhecimentos que detêm sobre a criação de animais ou cultivo de plantas,
nas muitas áreas sem utilização existentes na cidade, garantem algum rendimento ou
alimentos.
O depoimento do Sr. José Cristino Filho (67 anos), obtido em entrevista em junho de
2003, ilustra esta situação.
"Vim de Patrocínio em 1970 prá trabalhá na construção civil. Tenho experiência
como mestre-de-obra. Tinha muito emprego em Uberlândia. O cabra só ficava
sem trabalhá se quisesse mesmo. Aí trabalhei muito anos. Hoje, taí, depois o trem
fracassô, Uberlândia ficou ruim demais. Num tem mais emprego. Cê sabe, prá
87
gente de idade não tem veiz. Antão, a gente que num é vagabundo, arrumo essas
vaquinhas, mei de ganha um troco".
Existem ainda os casos de indivíduos aposentados que, não querendo ficar inativos,
procuram na atividade de AU um trabalho terapêutico e prazeroso, ainda mais quando essas
pessoas tiveram um passado rural e se satisfazem ao se envolverem com atividades de contao
com a terra, com a natureza. O depoimento do senhor Juvercino do Santos (62 anos) é
ilustrativo dessa situação.
"O pobrema é que a gente gosta de trabaiá. Nu pode fica parado. Emprego num
tem mais. (...) Eu gosto de curtivá a terra. Se eu pará eu morro. O trabaio é vida.
Eu acho bão trabaiá. Quando chega alguém, um vizim e pede um remédio, uma
cebolinha, fico satisfeito em pode serví as pessoa. E, com isso, nunca como sem
mistura. O dinheiro que dá é pouco, mais a gente movimenta, trabaia e vive bem".
4.3.2 Os espaços da agricultura urbana em Uberlândia
Ao se buscar conhecer os espaços da AU, as relações entre esses espaços e os agentes
da AU (as pessoas) e, entre esses e os proprietários fundiários, bem como a forma como se dá
as interações entre rural e urbano no contexto da AU, elaboramos questionamentos
contemplando: o sítio e a localização das áreas utilizadas pelos AU’s; a situação jurídica das
mesmos, ou seja, se são próprias, ocupadas, alugadas, arrendadas ou outros tipos de relações;
e ainda, como é a relação dos agricultores urbanos com estas áreas: se são próprias, tempo de
ocupação, vigência e forma de contrato, etc. Além disso, buscou-se captar a dinâmica do uso
da terra na unidade de produção, bem como o tamanho das áreas.
Com efeito, descobriu-se que a situação dos agricultores urbanos de Uberlândia não se
diferencia da realidade dos agricultores urbanos de outras partes do Brasil e do Mundo. Como
ressaltam Zeeuw; Gündel; Waibel (2001), a AU têm funções de nicho em termos de tempo (é
transitória, efêmera), de espaço (localiza-se em interstícios da cidade), assim como de
condições sociais (atividade exercida preferencialmente por mulheres, idosos e grupos de
baixas rendas) e econômicas específicas (situações de crise financeira e/ou escassez de
alimentos).
Nesse sentido, a partir das pesquisas de campo, foram evidenciados os nichos em
termos de tempo e espaço da AU em Uberlândia. Entre todos os envolvidos com a AU na
88
cidade entrevistados pela pesquisa, a maioria desenvolve suas atividades sob forte ligação
com recursos naturais ainda existentes no local.
Das 35 unidades entrevistadas (entre hortas, criações de animais ou unidades de
pesque-pague) 28 estão diretamente ligadas às fontes de água natural existentes na cidade. As
hortas, excetuando-se cinco que são desenvolvidas em lotes urbanos e que utilizam água da
rede pública, estão localizadas em nascentes ou vales de córregos existentes no perímetro
urbano, isso devido à necessidade abundante de água exigida por essa atividade e também à
fertilidade dos solos que, nessas condições, são bem mais férteis.
Se observado o mapa geral da atividade horticultora (Figura 4), percebe-se que muitas
áreas não estão próximas aos cursos d’água ou nascentes. Isso, na verdade, é uma distorção
causada pela ação humana, visto que em Uberlândia três córregos foram totalmente
canalizados dando lugar à vias de trânsito, e dois foram canalizados parcialmente (Córregos
Cajubá e Lagoinha). Assim, muitas hortas localizadas no vale desses córregos, hoje, utilizamse das terras férteis que ainda restaram sem edificação e também da água subterrânea, sendo
necessária uma pequena escavação (poço ou cisterna) para se alcançá-la.
No que tange à necessidade de terra e água para a atividade horticultora no restante das
áreas que não estão sob as condições acima referidas, acontece o seguinte: cinco hortas se
desenvolvem em lotes urbanos de tamanho padrão (lotes de 300 m2, com pouca ou nenhuma
edificação) e assim, utilizam-se de terra existente, sendo o abastecimento de água feito na
rede pública normal, o que representa certo ônus para estes agricultores urbanos.
Quanto à atividade de criação de animais ocorre o mesmo: forte ligação com a água e
a terra. A maioria dos entrevistados que trabalha com a criação animal utilizam-se dos vazios
urbanos e também de áreas de preservação permanente (APP) dos córregos já referidos.
Geralmente moram próximos e até mesmo dentro destas APP’s. Constróem os currais nessas
áreas e pastoreiam seus animais durante o dia nas áreas vazias e nas APP’s.
Um questão preocupante é que a utilização dessas APP’s pode provocar um processo
de degradação ambiental. Se bem que há uma tendência à impermeabilização de mananciais e
canalização dos córregos da cidade, e assim a AU é um uso mais legítimo do que a
urbanização física e a valorização fundiária às custas da natureza e a falta de consciência
ambiental.
Nesse aspecto, nota-se um total descompasso entre as ações da municipalidade local e
as diretrizes preconizadas pela "Lei das Àguas". Como forma de resolver os problemas da
deposição de lixo e entulho de lotes vazios da cidade, a prefeitura criou centrais de entulho,
89
localizadas, geralmente, em nascentes e veredas urbanas. Assim, esse entulho serve como
aterro dessas áreas para sua posterior incorporação, degradando a natureza e favorecendo
interesses fundiários dos proprietários dessas terras que nunca poderiam ser utilizadas.
Há ainda os criadores de animais que não necessitam, ou melhor, não têm acesso aos
recursos naturais (solo e água) e assim transformam sua casa em verdadeiros criatórios,
dividindo o espaço da família com os animais que por sua vez garantem sua sobrevivência.
Durante a pesquisa, conversamos com o Sr. José Mário Filho (53 anos) que mantêm no
quintal de sua casa três cabras leiteiras, algumas galinhas e codornas poedeiras. Em um
terreno ao lado de sua casa, cultiva-se banana, mandioca, feijão e milho (esses dois últimos
somente na época das chuvas).
Com essas atividades o Sr. José, atualmente desempregado, proporciona uma
diversificação e fortalecimento da dieta familiar. Com o excedente do leite das cabras, que é
comercializado na vizinhança, ele consegue garantir uma renda extra para ser usada em
momentos de crise (Figura 5).
Nesse contexto, percebe-se que a AU em Uberlândia ocupa nichos espaciais e
temporais caracterizados pela forte pressão da urbanização física (construções humanas). Os
agricultores urbanos, geralmente, ocupam áreas exíguas ou impróprias, como APP's,
nascentes de água ou áreas próximas. Muitos atuam em áreas vazias, sem consentimento dos
proprietários e assim, sem nenhuma segurança. Vivem à margem, sofrendo pressões urbanas.
Com atenção à situação jurídica de utilização das áreas destinadas a AU, percebe-se,
mais uma vez, o caráter marginal e de nicho dessa atividade. Os entrevistados, em sua
maioria, não são proprietários das terras que utilizam. Dos 35 entrevistados apenas sete são
proprietários. Cabe-se ressaltar que, desses sete casos, cinco são referentes a pequenos lotes
residenciais, mais que são utilizados com AU.
Os outros dois casos representam a exceção. São proprietários de áreas extensas no
contexto da cidade (18.000m2 e 22.0000m2). A primeira área fica localizada num loteamento
de chácaras de lazer que fora absorvido pela cidade. A segunda uma fazenda que antigamente
ficava fora do perímetro urbano, mas que hoje já foi envolvida pela cidade, sem contudo
mudar a sua função produtiva.
90
Figura 5 - Uberlândia: quintal produtivo (cabras, galinhas e codornas)
Autor: S.A. Resende, Set. 2003
91
Na categoria de não-proprietários, encontram-se situações de arrendamento, aluguel,
ocupação, contrato de cessão e de comodato de uso de terras públicas. Assim, entre os 28
entrevistados que não são proprietários, identificamos cinco locatários. Três horticultores
pagam aluguéis entre R$200,00 e R$600,00 por mês. Já entre duas unidades de pesque-pague
os aluguéis variam entre R$300,00 e R$750,00.
A situação de arrendamento foi identificada em três unidades de AU, sendo uma delas
um pesque-pague que paga 15% do faturamento. Os outros dois casos são de horticultura e de
criação de vacas leiteiras, pagando ambos 10% do faturamento aos proprietários das terras.
As situações de ocupação ou posse, comodato e cessão de uso complementam a
totalidade e a diversidade das formas de utilização de terras pela AU investigada. A cessão de
uso ou parceria é muito comum entre os pecuaristas urbanos. Como já se disse, estes atuam
como guardiões de áreas particulares contra invasões. Os proprietários cedem suas terras para
pastoreio e a outra parte se responsabiliza pela vigia desta área, sendo que esta parceria finda
com o interesse do proprietário em dar novo uso, urbano ou não, para sua propriedade.
Identificou-se, a partir da pesquisa de campo, cinco unidades de AU nessa situação, sendo
apenas uma da categoria horticultura.
Identificou-se, ainda, em uma unidade de produção de hortaliças, um contrato de
comodato de uso de terras públicas. O principal horticultor entrevistado utiliza uma área
institucional de propriedade da prefeitura, medindo 4,5 ha e paga, em espécie, 10% de sua
produção, abastecendo escolas, creches, asilos e outras instituições mantidas pela prefeitura
local.
Figura 6 - Uberlândia: chácara do Sr. Waldemar, 4,5 ha de hortaliças em área pública
Autor: S.A. Resende, Set. 2003
92
A situação de posse é a mais comum. Dentre as 35 áreas de AU investigadas, dez se
encontram na situação de ocupação ou posse. A maioria dos casos refere-se às terras de fundo
de vale, anexas à áreas de preservação permanentes (doravante denominadas APP), nas quais
os agricultores urbanos desenvolvem suas atividades. Três casos são interessantes e merecem
destaque.
Trata-se de áreas de horticultura estabelecidas há bastante tempo (entre 36, 31 e 28
anos respectivamente) na forma de aluguel ou arredamento, cujos proprietários já morreram e
nunca apareceu ninguém para receber o foro. Assim, esses três horticultores ocupam essas
áreas indefinidamente e não sabem de seu futuro como agricultores urbanos.
Por fim, os casos mais complexos e, talvez por isso mesmo, mais interessantes, são
aqueles de pecuaristas itinerantes. A situação em que atuam não se enquadra em nenhuma das
categorias trabalhadas. Esses criadores itinerantes não possuem nenhuma terra e também não
ocupam, categoricamente, áreas particulares. Quatro casos identificados, esse pecuaristas
mantêm pequenas áreas (um curral e uma cocheira), alugadas, ou cedidas, nas quais tratam e
ordenham seus animais durante a noite e no começo da manhã, e durante o dia pastoreiam os
animais por áreas, lotes vagos ou APP's.
Esses casos foram identificados na zona sul da cidade, região onde se encontram
grande vazios urbanos destinados à especulação. As condições de trabalho desses criadores é
altamente precária. Trabalham o dia todo montados "no lombo de um cavalo", sob sol e
chuva, sem locais adequados para descansos ou refeições.
As Figuras 7 e 8 retratam alguns casos de criadores itinerantes. Na primeira, o Sr.
Franscisco Silva Carmo. Ele cuida de um rebanho de 40 reses, diariamente, nas proximidades
de um bairro de classe alta. Na sua fala, trabalha "de sol a sol, no lombo do cavalo",
aproximadamente 15 horas/dia. Mora a 5km do curral onde suas vacas passam a noite e se
utiliza de uma motocicleta para chegar ao trabalho às 5:30 da manhã.
Já os Srs. José Cristiano e Oséias Oliveira, desenvolvem uma interessante parceria. Os
dois alugaram um trailler (desses utilizados para o feitio de sanduíches nas cidades) no qual
dormem (um dia cada) e trabalham, cada um, 24 horas alternadamente. Os dois possuem,
conjuntamente, 56 reses, e durante um dia completo cuidam dos animais, ordenham as vacas e
vigiam durante a noite contra roubos. No dia seguinte, o parceiro chega para o turno de 24
horas e o outro vai para casa, levando o leite para ser transformado em queijos e vendê-los nas
mercearias locais ou na vizinhança onde moram.
93
Figura 7 - Uberlândia: vaqueiro pastoreando seus animais em áreas vazias e em áreas de
preservação permanente do Córrego Mogi, Bairro Karaiba.
Autor: S.A. Resende, Set. 2003
94
Esse trailler funciona como dormitório e local para se guardar os equipamentos e
insumos que utilizam para cuidar dos animais. Assim, dormem junto à medicamentos
(vermífugo, carrapaticida, mata-bicheira), rações, vitaminas, sal, arreios, e todos os utensílios
necessários ao seu ofício. Neste local, não existe banheiro, pia, cozinha. Logo não se
alimentam decentemente, não tomam banho, não lavam as mãos, e fazem suas necessidade
fisiológicas, no dizer do seu José Cristino, "no mato". Cabe ressaltar que o "escritório" fica
localizado na extremidade de um bairro e na cabeceira de um córrego que, por sua vez é
utilizado como fonte de irrigação de uma horta de uma entidade beneficiente que cuida de
menores abandonados.
Figura 8- Uberlândia (MG): Trailler-sede da atividade de pecuária urbana itinerante
Autor: S.A. Resende, Set. 2003
Diante dessas situações relatadas, percebe-se que a instabilidade no uso da terra é um
fator característico da AU. Mesmo nas áreas que são próprias, a atividade de AU é instável,
pois, dependendo do jogo de forças urbanas-rurais, estas áreas podem ser convertidas em
terras urbanas. Além disso, percebe-se a precariedade da vida de algumas destas pessoas que
praticam a AU como forma de sobrevivência. O Quadro 3 sintetiza a situação jurídica de
utilização das terras nas unidades de AU investigadas.
95
Quadro 3 - Uberlândia: situação jurídica das áreas de agricultura urbana
Situação jurídica da área
Própria
Locação
Arredamento
Parceria ou cessão de terras
Ocupação ou posse
Contrato de comodato
Itinerantes
TOTAL
Fonte: pesquisa de campo – 2003
Quantidade identificada
07
05
03
05
10
01
04
35
Org. Sidivan Resende
Quanto ao tamanho das áreas utilizadas, a situação é complexa devido, inclusive às
condições de posse e uso das áreas. Como já se disse, a maioria dos entrevistados não são
proprietários, muitos são posseiros e outros não se encaixam em nenhuma das situações de
posse relatadas. Todavia, para uma melhor compreensão dessa questão, nesta parte do
trabalho cabe diferenciar os tipos de agricultores urbanos, entre horticultores, criadores de
animais e proprietários de unidades de pesque-pague.
O caso dos horticultores é o mais fácil de se demonstrar. Como sua atividade se
desenvolve numa área fixa e de forma permanente esta é possível de ser mensurada. Assim,
entre as doze unidades de produção hortícola investigadas, encontramos uma média de
8800m2 de área cultivada. Todavia, essa média ponderada obscurece a diversidade existente
entre esses produtores, pois existem grandes e pequenas hortas. Estabelecendo algumas
classes de áreas chegamos a seguinte situação, expressa na tabela Tabela 4.
Tabela 4 - Tamanho das áreas utilizadas com horticultura
Área
Número de unidades
2
<50 m
01
51-500 m2
02
01
501-1000 m2
1001-4999 m2
02
5000-1há
01
>1 há
05
Fonte: pesquisa de campo - 2003
Org. Sidivan Resende
Quanto ao tamanho das áreas utilizadas pelos criadores de animais, a situação é mais
complexa de ser relatada, tendo em vista que muitos não se utilizam de áreas próprias,
cercadas, mas pastoreiam, a cada dia, seus animais por lotes e áreas vazias, ou ainda em
APP'S, ou seja, onde se encontra alimentos/ pastagem para os mesmos. Nesse sentido, optouse por não elaborar uma média do tamanho das áreas utilizadas pela atividade pecuária. A
Figura 9 ilustra a situação relatada, ou seja, animais pastando em lotes vagos no bairro
Pampulha, a 3km do centro da cidade.
96
Figura 9 - Uberlândia (MG): animais em busca de alimentos nas ruas (em lotes ou áreas
vazias) da cidade.
Autor: S.A. Resende, Set. 2003
97
Já o caso das unidades de pesque-pague representam uma situação mais estável e de
fácil compreensão. Essas ocupam áreas em locais densamente povoados, geralmente próximas
de fonte de água, ou nascente não aterradas ou impermeabilizadas. Assim, entre as três
unidades de pesque-pague encontramos áreas de 3300m2, 8000m2 e 2000m2 utilizados com
tanques, instalações (bar, banheiros, cozinha, etc.) e estacionamento (figura 10).
Figura 10 - Uberlândia (MG): unidades de pesque-pague localizadas na cidade
Autor: S.A. Resende, Set. 2003
98
4.3.3 Organização do trabalho e rendimento na agricultura urbana
Nesta parte do trabalho objetiva-se caracterizar as formas de organização do trabalho
nas unidades de AU pesquisadas. Evidencia-se a forma de ocupação e renda familiar entre as
atividades agrícolas e os trabalhos urbanos, ou seja, o grau de participação da AU na
economia familiar. Além disso, procurou-se perceber a quantidade e a freqüência de trabalho
familiar utilizado na agricultura urbana, e ainda a relação existente entre trabalho familiar e
contratado (permanente e temporário).
Tendo em vista as diferenças existentes entre cultivo de hortaliças e criação de
animais, optou-se por relatar essas questões separadamente. Nas unidades de produção
hortícola o trabalho familiar é praticado, preferencialmente, por casais, havendo pouca
participação dos filhos nas atividades de produção e comercialização. Estes, segundo os
pesquisados, não se interessam pela atividade, pois preferem procurar trabalhos típicos da
cidade, seja pela melhores condições de trabalho e renda, ou seja por uma questão de status
social, haja visto que estas atividades no interior da cidade são, geralmente, discriminadas.
Nas unidades de produção de hortaliças o trabalho contratado é mais intenso do que na
pecuária, apesar de não ser expressivo. Das doze áreas horticultoras, somente quatro utilizam
trabalho contratado. Em duas grandes áreas de produção, pode-se encontrar entre 10 e 12
trabalhadores contratados permanentes. Em uma terceira área, encontramos três trabalhadores
contratados permanentes. Nas outras oito unidades de produção hortícola não constatou-se a
existência desse tipo de trabalho. O trabalho temporário ocorre na produção hortícola nos
momentos de preparação da terra e de safra intensa, sendo que a remuneração média oscila
entre R$12,00 e R$15,00 por dia.
O trabalho na pecuária é predominantemente familiar, sendo que o homem representa
a principal força de trabalho. Este fato deve-se à rusticidade do trabalho requerida nessa
atividade. A mulher, quando participa, o faz no beneficiamento da produção, transformando o
leite em queijo, e preferencialmente, no processo de comercialização do leite ou do queijo.
Quanto ao trabalho contratado na atividade de pecuária urbana, predomina o trabalho
temporário. Geralmente, crianças ou adolescentes, que atuam como pastores das vacas por
áreas e lotes vagos da cidade, recebendo entre R$5,00 e R$10,00, dependendo da quantidade
de trabalho, por meio período ou por período integral.
O trabalho contratado permanente só foi encontrado em uma unidade de produção,
especificamente, numa área de criação de cabras. Por ser uma unidade de criação intensiva e
também um laticínio, institucionalizado e controlado por órgãos de fiscalização municipal,
99
torna-se necessário a manutenção de dois funcionários, um tratador de animais e um técnico
em alimentos responsável pela sanidade da produção leiteira.
No caso da atividade de pesque-pague, devido à sua, torna-se necessário a existência
de muitos trabalhadores permanentes. Além do tanque para pesca, nesses locais funcionam
bares, ocorrendo, portanto, trabalho na área de faxina, cozinha, e serviços auxiliares, como
pessoas encarregadas de limpar os peixes pescados. Nas três unidades pesquisadas, constatouse cinco, seis e oito trabalhadores permanentes. Nos finais de semana e período de férias,
segundo os entrevistados, há uma maior procura pelo serviço, sendo necessária a contratação
de trabalhadores temporários.
O trabalho familiar nessa atividade não é expressivo. Por ser uma atividade de alto
rendimento, os outros membros da família não se envolvem. Nos casos investigados, os filhos
não atuam na atividade, dedicando-se apenas ao estudo. O trabalho familiar na atividade de
pesque-pague, portanto, se restringe ao ofício de gerência e administração por parte do chefe
da família.
A partir do exposto, percebe-se que trabalho familiar está presente em todas as
unidades de produção de AU, variando em quantidade, dependendo da atividade. A ocupação
de um membro da família é realidade em 18 unidades; a ocupação de dois membros da
família ocorre em 12 unidades de produção; já nas outras cinco unidades restantes,
encontram-se ocupadas entre três e seis pessoas da família no processo produtivo ou
administrativo.
No intuito de evidenciar o papel da AU na renda familiar, e assim perceber sua
relevância social, fez-se uma relação entre as rendas obtidas com a atividade agrícola e as
rendas provenientes de outras atividades desenvolvidas na cidade, no cômputo da renda total
familiar. Cabe ressaltar as diferenças entre as unidades pesquisadas. Entre as mais intensas e
voltadas ao mercado e as menos intensas, constatou-se rendimentos líquidos mensais entre
RS40.000.00 e R$ 120.00, sendo, portanto, muito grande as diferenças entre as unidades
investigadas
Apesar das diferenças existentes entre as unidades pesquisadas, relativas à intensidade
e ao rendimento, elaborou-se uma média de rendimentos, em termos de salário-mínimo,
chegando ao resultado expresso na Figura 11. Cabe ressaltar que em quatro unidades não há
rendimentos líquidos, sendo caracterizados como situação de autoconsumo familiar.
100
Figura 11 - Rendimento médio da AU em Uberlândia (Salário Minimo)
Rendimento (Salário Minimo)
Até 1
De 1 a 3
De 3 a 5
De 5 a 10
De 10 a 20
Maior 20
Autoconsumo
Fonte: pesquisa de campo - 2003
Unidades de produção
07
10
02
05
04
03
04
Org. Sidivan Resende
Quanto à participação da atividade de AU na renda familiar total, ainda considerando
as diferenças entre as unidade pesquisadas, em termos de intensidade e rendimento, elaborouse um quadro representativo dessa participação. Estabeleceu-se cinco classes de participação,
em termos percentuais, com intervalos de 20%. Da mesma forma que na relação anterior, as
unidades em que não se constatou rendimentos líquidos foram caracterizadas como autoconsumo. Na Figura 12, pode-se observar a participação da AU na renda familiar total.
Figura 12 - Contribuição da AU na renda familiar total (%)
Contribuição da AU na renda familiar total (%)
0-19
20-39
40-59
60-79
80-100
Autoconsumo
Fonte: pesquisa de campo - 2003
Unidades de produção
05
03
04
10
11
02
4.3.4 Características da produção, comercialização e serviços da agricultura
urbana
A produção e os serviços prestados pela agricultura urbana em Uberlândia são
diferenciados de acordo com a categoria das atividades. Assim, a produção se diferencia entre
os produtores que se dedicam exclusivamente à atividade horticultora, os que se dedicam à
atividade de criação animal e os que se dedicam à atividade de pesque-pague.
101
No caso da produção hortícola, a produção é voltada notadamente para o cultivo de
folhagens e temperos. As unidades de produção que se dedicam a produção comercializada
cultivam entre 10 e 15 quinze espécies de cultivares, sendo que algumas se especializam em
determinados produtos. No primeiro caso, os produtores cultivam alface, couve, acelga,
rúcula, espinafre, agrião, brócoles, rabanete, almeirão, mostarda, cebolinha, salsinha e coentro
(com esses três últimos faz-se um molho misto conhecido como cheiro-verde) entre outros.
Todavia, devido aos hábitos alimentares da população local, o alface, a couve e o
cheiro-verde representam a maior parte da produção. Das doze unidades de produção
hortícola pesquisadas, duas dedicam-se, exclusivamente, à produção de cheiro-verde e couve,
produtos de grande demanda e muito utilizados em pastelarias e restaurantes (Figura 13).
Figura 13 - Horta em quintal: produção especializada em couve e cheiro-verde
Autor: S.A. Resende, 2003
102
Nas unidades de produção de vegetais mais tradicionais a produção de ervas
medicinais também é uma importante fonte de renda. Na chácara do Sr. Luiz Pedro Silva (84
anos), além de sete tipos de hortaliças, pode-se encontrar 15 tipos de ervas medicinais (puejo,
erva-de-santa-maria, confrei, alecrim, alfazema, terramicina, erva-cidreira, guaco, hortelã,
arruda, funcho, losna, mastruz, alevante e babosa) sendo que, segundo o entrevistado,
dependendo do mês, a renda dessas ervas supera a da produção de hortaliças. Sua horta é
procurada por moradores de toda a cidade em busca dessas ervas.
Esse senhor mostra-se bem disposto e saudável. Trabalha todos os dias, "no cabo da
enxada", e afirma que, quando fica doente só utiliza ervas do seu quintal para se tratar. Nestas
situações, a AU mostra-se como uma importante ferramenta para a manutenção da
biodiversidade e da manutenção de um saber tradicional.
As formas de comercialização das hortaliças são diversas. No caso das unidades que
não têm uma grande produção, a comercialização é feita de pronta-entrega, os vizinhos
compram os produtos na própria horta. Como já se disse, um produtor possui um ponto de
venda em frente a sua horta e, se o consumidor quiser colher ou escolher algum produto ainda
não colhido, isso é permitido. Outra forma de comercialização é praticada por ambulantes, ou
seja, o produtor contrata ou entrega em consignação seus produtos a uma pessoa, que são
vendidos em um carrinho pelas ruas ou oferecidos na casas, antes do horário do almoço.
No caso da grandes hortas, a comercialização é feita de quatro formas. Uma delas é via
atravessadores, que compram um grande volume e revendem a sacolões 24, mercearias ou
supermercados, utilizando como meio de transporte as camionetas ou outro tipo de veículo
utilitário.
Outra forma é a venda aos feirantes que compram os produtos e revendem em feiraslivre pela cidade. A venda direta ao consumidor também ocorre, se bem que nas grandes
hortas essa é uma prática indesejável, já que ocupa tempo e um funcionário que deveria se
dedicar a produção.
Constatou-se, ainda, a formalização de contratos entre produtores e restaurantes
industriais de grandes empresas, ou que fornecem comida a cantinas de grandes empresas.
Nestes casos, as hortaliças são vendidas por peso, e não por unidade como é feito
tradicionalmente. Segundo os produtores, esta forma de comercialização é vantajosa, pois não
se tem que separar e amarrar molhos de hortaliças ou mesmo embalar, por exemplo, como se
faz com a couve ou com o cheiro-verde.
24
Denominação de mercearias destinadas a comercializar produtos alimentares frescos (frutas, legumes,
folhagens, ovos, etc.), também chamadas de verdurão ou boteco.
103
Alguns produtores entregam a produção diretamente em sacolões, mercearias,
supermercados, de pronta-entrega, ou seja, pela manhã carregam o veículo e percorrem a
cidade, entregando nos referidos locais, a quantidade desejada naquele momento. Esta é a pior
forma de comercialização, pois, se não for vendida toda a mercadoria, esta se perde
rapidamente.
Com atenção ao caso da produção animal, constatou-se o predomínio da produção de
leite bovino. Entre os dezoito produtores de leite bovino, identificou-se grandes e pequenos
produtores, com uma média entre 8 e 90 litros de leite/ dia. As formas de comercialização
desse leite são variadas. Alguns produtores engarrafam o leite em vasilhames de refrigerante
(garrafas "pet", de dois litros) e vendem na própria vizinhança, de porta em porta, ou ainda a
compradores regulares, com entrega programada. Outros, beneficiam a produção,
transformando o leite em queijo do tipo "minas" e também vendem na vizinhança ou em
mercearias.
Os produtores com maior volume de produção (seis casos), entregam, diariamente, a
"leiteiros" que, segundo os entrevistados, fazem usos diversos. Alguns produzem queijo,
outros sorvete, e outros não sabem o destino da produção. O caso mais interessante ocorre na
zona norte da cidade. Devido a existência de um grande número de criadores nessa região, um
deles criou uma cooperativa25. Comprou também um tanque de expansão e recebe a produção
de 15 criadores, sendo que 14 produzem dentro da cidade. Diariamente, essa cooperativa
recolhe, em média, 1500 litros de leite que são repassados a um laticínio da cidade. Esta
iniciativa popular tem dinamizado a pecuária leiteira urbana nesse setor da cidade.
Segundo um dos produtores da região, que também atua como negociante de gado, a
cada dia aumenta o número de produtores, tendo em vista que se têm onde escoar a produção
que, se não fosse a cooperativa teria que ser vendida na vizinhança sobre pressões da
vigilância sanitária. Além disso, devido aos hábitos de consumo locais, muitas pessoas não
consomem esse tipo de produto por estarem acostumadas com o leite pasteurizado.
25
Tanto o gerente quanto os sócios, acreditam que participam de uma sociedade cooperativa. No entanto,
constatou-se que este empreendedor funciona como um atravessador e institucionalizador da produção dos
outros. Atualmente, os laticínios só recebem leite armazenado e resfriado em tanques de expansão. Assim, a
cooperativa recebe o leite dos produtores, que chegam no local transportando sua produção em bicicletas, motos,
carroças ou carros, e os paga no fim do mês. A cooperativa mantêm um conta numa loja de insumos agrícolas, na
qual os produtores podem fazer compras à prazo, descontadas ao final do mês dos seus rendimentos. O gerente
da cooperativa paga um determinado valor pelo leite e o vende acrescido de alguns centavos (entre 0,03 e 0,05
centavos de Real).
104
O caso da produção de leite de cabras é singular. Um produtor produz em média 300
litros de leite/dia. Já outros dois criadores de cabras produzem poucos litros, que são
destinados ao consumo familiar, doados ou vendidos na vizinhança.
Existe ainda o caso de um produtor que arrenda uma antiga granja de frangos e produz
2000 cabeças de frangos a cada 45 dias, sendo que sua produção é integrada a um grande
abatedor de aves local.
No caso da atividade de pesque-pague não há produção propriamente dita. Os peixes
são comprados de criadores especializados em atender esses locais. Utilizando-se de
equipamentos especiais de transporte, os peixes são transportados para o pesque-pague, lugar
onde não ficam mais do que dois meses, pois logo são pescados. Os peixes são vendidos
vivos. O freguês pode pescar o peixe que quiser, pois existem vários tanques, com diferentes
espécies. Também pode escolher qualquer peixe em pequenas caixas próximas ao bar do
estabelecimento. E ainda pode levar o produto para casa ou pedir que seja preparado na hora
por cozinheiras especializadas no preparo desse tipo de carne.
Nos três estabelecimentos visitados, o clima é de otimismo com a atividade.
Proximidade, comodidade e segurança são chamarizes para o negócio. O depoimento de um
dos proprietários de pesque-pague entrevistado ilustra os motivos para tal otimismo com a
atividade:
"O peixe abatido na hora é muito mais saboroso. O preparo é especial, com uma técnica
que elimina qualquer tipo de espinho. Tem ainda, a segurança do pescador, que não
precisar viajar, transitar em rodovia, gastar muito combustível, nem sujar e desgastar
seu veiculo. Além disso, evita brigas e desgastes com a família (principalmente a esposa).
Também não tem mosquito, sol escaldante, desconforto. Meu estabelecimento oferece
facilidades em termos de preparo de peixes, localização próxima e cerveja gelada. Além
disso, os rios da região não são mais piscosos. E ainda tem o sentido da preservação
ambiental, de não pescar peixes nativos, selvagens, mas sim criados em cativeiro, e ainda
a não necessidade de degradar as margens dos rios. Tem também a rapidez, se você
encontrar um amigo e quiser pescar, não precisar combinar uma viagem, preparar
equipamentos, comprar alimentos e outras coisas que se precisa numa pescaria no
campo. Você combina a pescaria para o fim da tarde, toma um cerveja, come um
peixinho fresco, frito na hora e vai para casa tranqüilo".
Nestas condições, esses estabelecimento dentro da cidade têm aumentado sua clientela
a cada dia. Todavia, são locais freqüentados por integrantes da classe média ou alta, haja visto
que os preços praticados são altos. Do peixe às bebidas, até os serviços de limpeza e preparo
dos peixes, se tem um custo maior do que os praticados no comércio comum de bebidas,
alimentos e serviços.
105
4.3.5 A base técnica de produção na agricultura urbana
No que tange à base técnica da produção, tanto na horticultora e criação de animais
quanto na atividade de pesque-pague, o uso de tecnologias modernas é uma característica. Na
atividade de horticultora, apesar de em todas as unidades investigadas se constatar o uso
predominante de fertilizante orgânico, notadamente o esterco de vaca e a cama de frango
(palha de arroz utilizada em granjas, sendo assim, misturada a suas fezes), os fertilizantes
químicos também são amplamente utilizados. Além dos fertilizantes de solo também são
utilizados fertilizante foliar, fertirrigação e sulfato de amônia para o caso das folhagens.
Nas doze unidades de produção de hortaliças pesquisadas, constatou-se o uso conjunto
de fertilizantes químicos e orgânicos. O uso de agroquímicos biocidas (inseticidas, fungicidas,
herbicidas, etc.) também foi encontrado em todas as unidades. Apenas em uma horta, além do
controle químico, constatou-se outra forma de controle de pragas mais natural. Neste caso,
pelo fato de o produtor também criar algumas vacas, este utiliza urina de vaca para controlar
insetos, cuja tecnologia, segundo o produtor, foi aprendida em uma programa de televisão.
O uso de sementes selecionadas também é recorrente nas doze unidades de produção
hortícola. O mesmo ocorre com o uso de maquinários. Nas unidades voltadas ao mercado
contatou-se o uso de pequenos tratores, conhecidos como "tobata" para o preparo da terra, e
bombas d'água para fertilização. Somente na unidade menores, voltadas para o autoconsumo,
se observou técnicas de propagação por mudas, como no caso da couve, e o uso da enxada
para a preparação da terra e controle de ervas daninhas e também irrigação tradicional, usando
mangueiras domésticas.
O maior produtor de hortaliças da cidade26, em entrevista, sintetiza as características
tecnológicas empregadas na AU comercializada:
"Uso tecnologia de primeira linha. Invisto em tecnologia avançada para
aumentar a produtividade e ganhar a concorrência. Participo de encontros,
congressos, acompanhando todos os avanços no ramo da horticultura.
Trabalho com plasticultura (de estufa e cobertura de solo) e fertirrigação, o
que me proporciona economia em água, energia e fertilizante...".
26
Willian Takeshi Okada (37 anos). Em uma horta de 3 ha, a 2 km do centro da cidade, esse agricultor produz
50.000 unidades por mês de hortaliças variadas. Com esta produção, movimenta, mensalmente, mais de
R$60.000,00 e emprega 12 pessoas permanentemente. Além dessa horta dentro da cidade, ele administra uma
outra grande horta, localizada no limite do perímetro urbano e chega a produzir mais de 100.000 unidades de
hortaliças variadas por mês, sendo que esta produção não foi objeto da pesquisa.
106
Na criação de animais também se percebe o uso de tecnologias típicas do pacote
tecnológico trazido pela modernização da agricultura. Em todas as unidades ocorre o emprego
de vacinas (contra raiva, brucelose, febre-aftosa e manqueira), rações, suplementos
vitamínicos, sais (comum e mineral) mata-bicheiras, carrapaticidas e vermífugos. Já nos
produtores menos capitalizados, o uso desses produtos é menos intenso.
Tendo em vista que a maioria dos produtores pastoreiam seus animais em terrenos e
áreas vazias da cidade, em alguns momentos faltam alimentos ou pastagem. No período das
chuvas a prefeitura de Uberlândia desenvolve um trabalho de limpeza nessas áreas que
consiste em roçar o capim existente. Todavia, isso não oferece grandes problemas, pois nessa
época o capim cresce muito rápido e existem muitas áreas vazias.
No período da estiagem e da seca, a situação fica mais crítica. A população da cidade
tem o hábito de atear fogo nessas áreas quando o capim seca. E assim, no período mais
crítico, quando não há muita disponibilidade de alimentos, os criadores que não tem terras
próprias, ou seja, a maioria, corre o risco de ficar sem pastagem próxima do local de atuação.
A solução nesse caso é oferecer ração para o gado, o que onera intensamente a
rentabilidade dos criadores. E ainda, sair a procura de pastagem em áreas distantes do local de
atuação. Isto também prejudica a atividade, pois o desgaste físico sofrido pelos animais que
caminham longas distâncias sem água e sem comida interfere na produção de leite, sendo esta
diminuída.
Quanto a atividade de pesque-pague, o uso se tecnologias é intenso. Por estarem
localizados dentro da cidade, os tanques são pequenos e ocupados por uma grande quantidade
de peixes. Esta situação provoca muitos problemas. O mais sério é quanto à oxigenação da
água. Se houver muitos peixes no tanque torna-se necessário jogar uma grande quantidade
ração, o que por sua vez favorece a proliferação de algas e bactérias (fitoplancton) que
consomem rapidamente o oxigênio da água.
Assim, peixes e fitoplancton podem consumir rapidamente (em poucas horas) esse
elemento vital. Dessa forma, a atividade requer muita atenção, pois, faltando oxigênio pode-se
perder todos os peixes e assim o prejuízo pode ser grande. A solução é alimentar os peixes
somente à noite, pois, neste período as algas tem uma baixa atuação, e também utilizar um
aerador, em casos críticos de falta de oxigênio.
Outro problema é o pequeno espaço dos tanques. Como algumas das espécies são
carnívoras e ferozes, ocorrem brigas entre os peixes, sendo que alguns se machucam e podem
morrer. Dessa forma, a qualidade da água deve estar em boas condições, evitando a
107
proliferação de bactérias em excesso que prejudicam a recuperação e cicatrização dos
ferimentos dos peixes. Para isto, torna-se necessário a utilização de produtos químicos para
limpeza da água do tanque, medicamentos, e às vezes, o próprio esvaziamento do tanque para
limpeza das fezes do peixes que se depositam no fundo e não são degradadas.
Além disso, quando alguns peixes que são fisgados e conseguem se soltar, também são
feridos, ocorrem os mesmos problemas relatados anteriormente. Por fim, para aumentar a
piscosidade do tanque, os peixes comem o mínimo, de modo que, quando um pescador lança
uma isca, rapidamente algum peixe se interessa por ela. Isso gera uma grande competição no
tanque, o que por sua vez também provoca brigas. Assim, toda a atividade envolve certa
complexidade, sendo necessário o conhecimento de todos os fatores presentes nesta e suas
conseqüências para um manejo adequado do tanque.
Com atenção à utilização de serviços de assistência técnica, somente as atividades de
pesque-pague se utilizam desse serviço, haja vista a complexidade relatada. Tanto os
horticultores quanto os criadores desenvolvem suas atividades sem o auxílio de profissionais
com conhecimentos técnicos especializados. No caso da criação, isso se deve à rusticidade e
tradicionalismo com que a atividade é praticada, apesar do amplo uso de tecnologias
modernas. Com os horticultores ocorre o mesmo processo.
Mesmo sendo atividades típicas do setor agropecuário, os agricultores urbanos
entrevistados nunca receberam apoio dos técnicos da Secretaria Municipal de Agropecuária e
Abastecimento de Uberlândia (SMAA) para o desenvolvimento de suas atividades. Ao
contrário, o relacionamento do poder público com os agricultores urbanos é de conflito,
principalmente, por parte do setor de abastecimento e inspeção de alimentos quanto à
produção de leite e seus derivados. Assim, esses agricultores não recebem assistência técnica
por parte do órgão público responsável, tampouco, por parte de profissionais liberais que
atuam de forma particular.
4.3.6 A agricultura urbana e suas relações com recursos naturais e meio
ambiente
Na tentativa de perceber como é a relação entre as práticas de AU com a questão
ambiental, foi incluído no roteiro de entrevistas perguntas relativas à fonte de abastecimento
de água, ao destino do lixo (doméstico e produtivo) e se existem problemas de contaminação
de solo e água. Além disso, inquiriu-se como são as práticas de controle de pragas e
pulverização de venenos ou agroquímicos na atividade de AU.
108
Quanto às fontes de abastecimento de água, constatou-se que o uso de fontes naturais é
recorrente. Entre as trinta e cinco unidades entrevistadas, vinte e duas utilizam água nãotratada para produzir, proveniente de fontes naturais. No caso da produção de hortaliças,
geralmente se utiliza água de poços semi-artesianos (três unidades), cisternas ou água de
pequenas nascentes ou "olhos d'água". Há, ainda, o uso consorciado de água não tratada, para
usos menos exigentes em qualidade, e uso de água tratada, proveniente da rede pública de
abastecimento.
Utiliza-se, ainda, para irrigação, águas de rios e córregos que atravessam a cidade.
Essa atividade representa certo risco aos consumidores, haja visto que, não só em Uberlândia,
mas no Brasil, os cursos d'água são utilizados como sumidouro de esgotos domiciliares e
industrial. Já para o caso da criação de animais, a situação também é diversa. No caso de
pequenas criações, próximas ou dentro das residências se utiliza água tratada.
No caso dos animais que pastoreiam por áreas vazias ou áreas de preservação
permanente (APP) estes se dessedentam nos córregos urbanos. Mas, dependendo do nível de
poluição, os animais rejeitam a água. É o que acontece na bacia do córrego Lagoinha.
Segundo dois criadores que praticam a AU na área, os animais não bebem a água do córrego,
pois, "ela é muito poluída e fede muito". A solução é procurar por de pequenas nascentes ou
"olhos d'água", represar a água e levar os animais para estes locais.
Em três residências de criadores, localizadas em APP, pequenas nascentes ou "olhos
d'água" abastecem, tanto os animais quanto o uso doméstico. O Sr Divino Pereira, que tem
residência na nascente do córrego Mogi, só consome água não tratada. Segundo ele, a forma
de saber se uma água é boa para o consumo humano, é observar "se o fundo do córrego é
"verdinho", se for, pode beber, se não for, não pode beber".
Quanto ao lixo, tanto o doméstico como os resíduos da produção e embalagens de
produtos, constatou-se que a maioria das unidades de produção encaminham o lixo para a
coleta pública (28 unidades). Porém, em seis casos, parte do lixo é queimada ou ainda
reciclada, no caso de materiais orgânicos que podem ser transformados em fertilizantes.
Quando inquiridos sobre a existência de problemas de contaminação das fontes de
água utilizadas, nenhum entrevistado alegou existir esse tipo de problema. Mas, como já se
observou antes, os cursos d'água, são os principais escoadouros de esgotos domésticos da
cidade27.
27
A prefeitura local está implantando um projeto de tratamento de esgoto, com uma grande estação de
tratamento a jusante da cidade, nas margens do maior rio que a atravessa, o rio Uberabinha. Mas ainda hoje,
pode-se perceber o lançamento de esgoto nas pequenas microbacias, afluentes deste rio.
109
Dessa forma, pode-se afirmar que a AU oferece riscos e benefícios para as questões
ambiental e de saúde na cidade de Uberlândia. Os riscos são representados pelo uso das APP
como pastagem e ou construção de moradias, provocando a compactação do solo e
intensificação de processos erosivos, ou ainda o desmatamento dessas áreas pelo uso de
agroquímicos e fertilizantes que podem contaminar solo e água e ou/ provocar a intoxicação
de pessoas e animais. E por fim, a utilização indiscriminada de biocidas ou ainda com a
utilização de águas residuais (esgoto) sem tratamento para irrigação de hortas ou
dessedentação de animais.
4.3.7 Problemas e perspectivas da agricultura urbana em Uberlândia
Nesta parte do trabalho, a partir dos dados da pesquisa de campo, almeja-se
caracterizar os principais problemas e perspectivas para as atividade de agricultura urbana em
Uberlândia, evidenciando o grau de satisfação de seus agentes com essa prática, quais são
seus planos para o futuro, e também quais os principais problemas e barreiras para o
desenvolvimento da atividade. Todavia, antes de se realizar essa caracterização, cabe abordar
um pouco do passado e do presente na vida dos agricultores urbanos entrevistados. Assim,
procurou-se na pesquisa descobrir quais os fatores que motivam as pessoas a se envolverem
com essas atividades. Assim, mais uma vez, a perspectiva de Maia (1994) nos ajuda a
entender a dinâmica da AU, ou seja, necessidade e desejo representam o cerne dos motivos
para o envolvimento com a AU.
Nesse sentido, dos trinta e cinco entrevistados, 20 alegaram a tradição, suas raízes e o
passado, como profissão ou gosto pela atividade agropecuária, de trato com plantas e animais,
como principal motivo para desenvolverem estas atividades na cidade. Seguem alguns
depoimento obtidos colhidos durante a pesquisa de campo.
"É o ofício que sei e gosto de fazê, e tem a área disponível e os freguês na porta. Toda
vida prifiri mexê com terra do que com outros serviço. (...) Se tirá a prantação de mim eu
morro, fico doente. Adoro zelá, coiê, vendê prus'oto. Acho bão vendê aquela verdura
bonita, sadia pros oto" (Sr. Manoel Pereira da Silva, 59 anos, horticultor).
"Sempre mexi com roça. Na minha cidade, antes de vim pra cá, tocava lavoura de arroiz,
fejão, mii. Aí vim pra cá para educá os fii. Juntei com um genro meu e fui tocá horta. Eu
sabia que no Berlândia pricisava de gente pra tocá horta, aí, tô aqui até hoje. (...) Eu
acho bão, agente tem fartura e eu gosto de mexê com a terra" (Sr. Luiz Pedro da Silva,
84 anos, criador).
110
"Toda vida gostei demais de mexê com criação. Cê sabe, dá aquela vontade na gente, na
moda do outro, é um vício. (...) Eu tô satisfeito, é o que eu sei fazê" (Sr. Ilton Gomes
Ferreira, 61 anos, criador).
"Não tem outra coisa prá fazer. Eu não tenho estudo. (...) Eu gosto de mexê com animal e
gosto de fazê uns catira [negócios: compra, venda ou troca], tenho uma alma cigana, meu
povo sempre mexeu com animais, cavalos principalmente" (Sr. Antônio Lopes, 56 anos,
se auto-determina cigano, criador e negociante de animais).
"Vários motivos. Como sou economista, gosto de pescaria, tinha um capital para investir
e sabia da existência de uma lote na área central da cidade com uma nascente d'água,
visualizei uma oportunidade de negócio, sem concorrentes no mercado. (...) Se você for
comparar, poucas coisas na cidade dão uma margem de lucro tão boa como um pesquepague. Para quem gosta é muito bom. Você pode trabalhar ao ar livre, o que é muito
melhor do que numa sala fechada (Célio Batista do Nascimento, dono de pesque-pague).
"Já mexia com gado na roça. Quando vim prá cidade trouxe o gado junto, pois tinha
muita terra prá pastagem. Trabalhei uns tempo numa farmácia, mas não agüento lugar
fechado, patrão e tudo. Prá ganhá mixaria [pouco] e agüentá patrão, não compensa,
prefiro ganhá mixaria por conta própria, livre, sem bater ponto" (Sr. Antônio Carlos
Frota, 39 anos, criador).
Percebe-se, a partir desses depoimentos, que vários motivos incentivaram os
entrevistados a se envolverem com a AU: tradição, falta de oportunidades de outros
empregos, desqualificação profissional, idade avançada, oportunidade empresarial, ou ainda,
incompatibilidade com trabalhos na cidade. Mas a tradição, o gosto ou desejo pela atividade é
recorrente, sendo um dos principais motivos do envolvimento para com a AU.
Com efeito, pode-se concluir que apesar de muitos agricultores urbanos se
interessarem por essa atividade por ser ela um ofício que já dominam, ou ainda porque
necessitam de produzir alimentos ou rendas, alguns vêem nesta atividade oportunidade de
capitalização, via negócios que, a cada dia, se tornam mais rentáveis.
Assim, torna-se necessário fazer uma síntese das proposições de Bicalho (1992, 1996),
Maia (1994), Oliveira (2001) e ainda dos autores precursores desses estudos, como Sinclair
apud Bicalho (1996), para se entender a dinâmica da AU.
Quanto ao grau de satisfação dos entrevistados em relação à atividade que
desenvolvem, procurou-se separá-las em termos pessoais e financeiros. Como se depreende
dos depoimentos anteriores, devido ao gosto, à tradição e o desejo de se envolver com a AU,
em termos pessoais, todos os entrevistados se dizem satisfeitos, sendo que onze alegam estar
muito satisfeitos com o que fazem. Todavia, por trás dessa satisfação percebe-se certo
conformismo, pois a situação poderia ser bem melhor se lhes fossem dados incentivos por
parte da sociedade e do Estado. Alguns depoimentos podem ilustrar a questão.
111
"Estou muito satisfeito, tenho dinheiro para gastar. A atividade rende bem.
Não dá para ficar rico, mas a gente vai vivendo".
"Estou muito satisfeito. O negócio é 100%, é um remédio, serve como
terapia, e inclusive é uma indicação do meu médico".
"Eu acho bom trabalhar. Quando chega alguém é pede alguma coisa, um
remédio, e eu posso servi, íchiii, é bão demais. Agente nunca come se
mistura, o dinheiro é pouco mais agente movimenta, trabalha e vive bem.
Velho não pode ficar parado, se não agente morre".
"Eu tô satisfeito, é o que gosto de fazer e também preciso sobreviver, e já
estou acostumando. Vivi a vida toda na roça e não me adapto ao trabalho
da cidade."
Em termos financeiros, a situação já não é tão boa segundo a percepção da maioria dos
entrevistados. Somente os proprietários de unidades de pesque-pague se dizem totalmente
satisfeitos com o retorno financeira de suas atividades. Tanto no caso dos horticultores e
quanto de criadores, as reclamações são generalizadas, não sendo diferente da situação dos
pequenos agricultores familiares do Brasil que se dedicam à produção de gêneros de primeira
necessidade.
As reclamações mais comuns referem-se ao baixo preço conseguido por seus produtos
no mercado, a existência de grande número de atravessadores e ainda o alto número de
concorrentes. Outra reclamação é relativa a situação de aumento constante dos custos dos
insumos básicos à produção, tanto no caso de plantadores quanto no caso de criadores.
Apesar da simplicidade da maioria dos entrevistados, todos entendem, perfeitamente,
os impactos do aumento da cotação do dólar no mercado no rendimento da sua atividade, pois
todos os insumos sobem de preço e, estes custos não podem ser repassados integralmente aos
consumidores.
Quando questionados sobre a existência de problemas, empecilhos ou barreias quanto
a sua atividade em relação à proximidade com a cidade, a maioria dos entrevistados salientou
que existe algum tipo, dos quais se tratará adiante. Por outro lado, dez dos trinta e cinco
entrevistados alegaram que não enfrentam nenhum tipo de problema, ao contrário, só se
beneficiam com esta proximidade.
Segundo esses agricultores urbanos, que não vêem nenhum problema de atuarem no
contexto urbano, a principal vantagem é relativa à proximidade com o mercado consumidor,
inclusive, outros dez entrevistados que têm problemas, também alegam que esta proximidade
é vantajosa em termos mercadológicos. Outras vantagens são relativas aos serviços que a
112
cidade oferece, tais como segurança policial próxima, serviços de educação e saúde para os
filhos, transporte urbano, saneamento básico, entre outros.
Quanto aos problemas oriundos do contato da atividade rural com a cidade, estes são
bastante diversos. As principais reclamações são relativas aos roubos. Tanto os horticultores
quanto os criadores de animais sofrem com este problema, sendo que 12 entrevistados já
tiveram alguma mercadoria roubada, inclusive vacas e bezerros.
Outro problema relatado, freqüentemente, diz respeito às reclamações de vizinhos.
Essas reclamações, no caso da horticultura, se referem ao mal-cheiro provocado pela
fermentação de matéria orgânica para produção de fertilizante (esterco da gado ou cama-defrango). Mas isso não dura mais do que dois dias por trimestre. No caso dos criadores de
animais, as reclamações se referem ao mau cheiro que estes animais causam, quando defecam
na rua em frente às residências, ou quando fazem barulho, quando provocam problemas de
trânsito, quando vacas ou cabras, literalmente, comem o jardim de algum morador das
proximidades.
Ainda para o caso dos criadores de animais, alguns problemas são específicos. A
queimada de pastos é um grande problema para estes criadores, pois, como já se observou, em
períodos de seca a população costuma atear fogo em áreas não edificadas como forma de
eliminar "refúgio de bandidos" alegam, e assim, perdem-se áreas de pastagens importantes
neste período de seca.
O lixo depositado nas áreas utilizadas como pastagem é outro sério problema, pois,
animais ruminantes, principalmente, bovinos, costumam comer sacos plásticos e não
conseguem digeri-los, o que provoca mortandade de alguns animais28. Cortes e perfurações
nos pés dos animais também ocorrem por conta de cacos de vidro, pregos ou latas depositadas
nas áreas de pastoreio.
Outros problemas enfrentados por criadores de animais devido ao contexto urbano em
que atuam é provocado por vizinhos que cortam cercas, roubam os arames, ou simplesmente,
deixam abertas as porteiras ou cochetes. Assim, os animais saem para as ruas, sem a presença
de seu dono, provocando problemas de trânsito (acidentes ou necessidade dos veículos
diminuir velocidade, o que nenhum motorista gosta de fazer). Ou ainda comem lixo,
28
Durante a pesquisa de campo, um entrevistado alegou que um vizinho próximo costuma fazer armadilhas para
matar seus animais. Esta, consiste em jogar sacolas plásticas cheias de sal de cozinha nos locais de pastoreio dos
animais e, haja visto que, estes animais apreciam sal, esta é uma armadilha quase fatal, pois eles não conseguem
digerir este material e acabam morrendo.
113
desaparecem, são roubados ou apreendidos pela "carrocinha" de grandes animais da
Prefeitura. Este último problema causa transtorno aos criadores, pois os animais são levados
para um depósito e só são liberados após o pagamento de uma multa. Geralmente, os
produtores menos capitalizados perdem seus animais por não terem dinheiro suficiente para
pagar tal multa.
A expansão da cidade também é um problema para os agricultores urbanos,
principalmente, os criadores. À medida que terrenos e áreas vazias vão sendo ocupados,
edificadas, áreas de pastagem ou cultivo vão sendo perdidas, fazendo com que estes
agricultores tenham que se deslocar para as franjas da cidade. E como já estão estabelecidos
em algum lugar, tem uma moradia, esta situação dificulta a atividade, quando não a
inviabiliza. Além disso, com a expansão urbana, há uma intensificação da degradação dos
cursos d'água, que são as fontes de abastecimento para irrigação e dessedentação de animais.
Outros problemas relatados, porém com menor intensidade, se referem ao alto custo
do aluguel de áreas urbanas e também do IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano).
Todavia, como apenas 20% dos entrevistados são proprietários, e uma minoria é locatária,
este problemas só atingem alguns produtores.
Ao se perguntar sobre os planos para o futuro das suas atividades, percebe-se que o
fator propriedade da terra é predominante nas respostas. Os que são proprietários e detêm o
poder de decisão sobre o futuro da gleba que utilizam, não têm interesse em parar com suas
atividades. Quanto aos que não são proprietários, posseiros, locatários ou arrendatários, estes
não têm condições de traçar planos para o futuro.
Além desse fator, a questão da idade dos entrevistados pesa muito no futuro da
atividade. Anteriormente, foi caracterizado o perfil dos agricultores urbanos, sendo que
muitos já são idosos ou estão a próximos da terceira idade. Assim, é recorrente respostas do
tipo "vou continuar enquanto tiver forças, enquanto conseguir".
O processo de ocupação das terras urbanas com construções também é um fator que
interfere no futuro da atividade de AU. No caso dos horticultores, é crescente o custo da terra,
seja por conta da alta dos aluguéis ou ainda pelo alto custo do IPTU. Para o caso dos criadores
de animais a expansão urbana obriga que estes se afastem cada vez mais a procura de
pastagem, e isto tem sido preponderante na decisão de continuar ou não na atividade. Os que
são mais novos e dispostos afirmam que vão continuar, se afastando a cada dia que passa. Já
os criadores mais idosos, sentem as dificuldades de se deslocarem por maiores distâncias e
afirmam ter que parar com a atividade brevemente.
114
O futuro da AU é incerto e até mesmo efêmero. Três entrevistados no momento da
pesquisa já planejavam parar com a atividade, tendo em vista que já sabiam que teriam que
sair da área, pois esta seria ocupada ou loteada. Constatou-se que um deles parou um mês
após ser entrevistado. A terra em que pastoreava seus animais foi incorporada e transformada
num condomínio fechado de residências de alto padrão.
Mas como muitos dos entrevistados não tem outro ofício, sete afirmaram que iriam
continuar de qualquer forma, em qualquer local que lhes fosse possível desenvolver suas
atividades. Na verdade, permanecer na cidade não é uma opção, é uma condição. Como não
sabem outro ofício, não têm qualificação profissional e não tem terras, o jeito é continuar
vivendo à margem da cidade, aproveitando-se das possíveis vantagens que esta pode oferecer.
Nesse sentido, muitos entrevistados afirmaram ter o sonho de possuir um pedaço de
terra para continuar com suas atividades e sobreviverem. Alguns, inclusive, afirmaram que
pensam em entrar para algum movimento de luta pela terra na região. Por outro lado, alguns
nem aceitam falar nessa possibilidade, pois acreditam que "a propriedade privada é um direito
incontestável".
Por fim, ainda se perguntava o seguinte: se você tiver que sair da área que atua por
alguns motivos (expansão urbana, despejo, etc.) continuaria na atividade em outra área?
Contraditoriamente, apesar do futuro incerto e desgosto com
atividade, 25 dos 35
entrevistados afirmaram que pretendiam continuar na atividade, preferivelmente na zona
rural, se tivessem condições. Já os outros dez entrevistados, que representam os mais idosos,
afirmaram que não mais continuariam com a atividade e se aposentariam.
Vê-se, com isso, que o sonho de uma vida rural é recorrente para a maioria dessas
pessoas, e como o acesso à terra é algo quase intangível, eles continuam elaborando seus
planos e sonhos de uma vida rural, mesmo morando na cidade. Neste contexto, percebe-se que
a definição de ruralidade ou urbanidade têm muito mais a ver com os desejos e com as
vivências do que uma delimitação espacial imaginária, tal qual a do perímetro urbano.
115
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com o exposto ao longo do trabalho pode-se afirmar que a agricultura
urbana (AU) em Uberlândia é uma atividade dinâmica, estando presente e distribuída por
todos os setores da cidade. Não só nessa cidade, mas em muitas outras cidades do mundo,
sejam elas de países desenvolvidos ou subdesenvolvidos, a AU tem proporcionado diversos
benefícios para a sociedade, apesar de também oferecer riscos e problemas.
A despeito da existência de atividades de AU nas cidades do mundo e da
importância assumida em diferentes dimensões (fortalecimento da segurança alimentar para
integrantes de setores marginais da sociedade, equilíbrio e/ou minimização de problemas
ambientais, geração de empregos e/ou rendas, etc.), essa atividade continua desconhecida ou
ignorada por muitos acadêmicos e também pelos gestores públicos.
Além desse desconhecimento, como no caso de Uberlândia, a AU muitas vezes é
tratada como uma atividade marginal, alvo de repreensão por parte dos diferentes órgãos
normativos das cidades - vigilância sanitária, principalmente - não existindo preocupações no
sentido de conhecer, normalizar e incentivar essa atividade.
Tal atitude representa muitas perdas, sobretudo para a dimensão do desenvolvimento
sócio-ambiental e da melhoria das condições de vida e saúde das populações urbanas. Não se
pode deixar de reconhecer a existência e a importância dessas atividades “primárias”
desenvolvidas por habitantes de áreas urbanas. O não reconhecimento da AU como atividade
legítima das/nas cidades, ou ainda, sua repressão, não contribui para equacionar a questão.
Com essa atitude perde-se, por um lado, oportunidades de se conhecer as condições de
produção e beneficiamento de alimentos consumidos nas cidades e, por outro, oportunidades
de apoio à geração de emprego e renda, e ainda a possibilidade de regulamentação de uma
atividade que, de qualquer forma, vai continuar existindo, clandestina ou não, pois representa
forma de sobrevivência de camadas excluídas da população urbana e também um importante
setor de acumulação de capitais.
Neste contexto, melhor seria reconhecer a AU como atividade legítima no contexto
urbano, e integrar ações, projetos e políticas públicas com outras matérias que já são alvo de
planejamento e preocupações do poder público e da sociedade. Assim, torna-se necessário
integrar políticas para a AU às políticas voltadas à saúde, ao saneamento (de resíduos sólidos
e líquidos) e ao planejamento urbano (uso e ocupação do solo, zoneamento, instrumentos
contra a especulação imobiliária, por exemplo) dentre outras, no sentido de criar novas formas
116
de urbanismo e urbanidade que garantam a realização de um projeto de desenvolvimento
urbano sustentável.
No caso de Uberlândia, constatou-se que as atividades de AU desenvolvem-se
intensamente motivadas por diferentes fatores. Um fator importante, fornecedor da base
material para essas atividades, decorre da existência de muitos lotes e áreas vazias na cidade à
espera de valorização fundiária.
Como ressaltado no capítulo 3, em 1997, 41% dos lotes urbanos encontravam-se
desocupados, excluindo dessa cifra os imensos vazios urbanos existentes entre as áreas
loteadas, caracterizando, assim, um intenso processo de especulação imobiliária praticado por
proprietários de terras urbanas.
Outro fator de estímulo à AU em Uberlândia constatado por esta pesquisa se relaciona
a grande massa de imigrantes existentes na cidade, muitos de origem rural. Conforme foi
demonstrado no capítulo 3, entre 1950 a 2000 a população do município saltou de
praticamente 50 mil para 500 mil.
Por outro lado, como demonstrado no capítulo 4, a partir dos dados da pesquisa de
campo, aproximadamente 70% das pessoas entrevistadas envolvidas na atividade de AU
nasceram ou viveram na zona rural, tendo forte ligação com práticas agrícolas.
Nesse contexto, muitos desses imigrantes não conseguem colocações no mercado de
trabalho formal e passam a viver sob condições precárias. Assim, utilizando-se dos espaços
vazios existentes e da experiência vivida no campo com o trato de plantas e animais, passam a
praticar atividades agrícolas no contexto da cidade.
Todavia, não só a necessidade de se produzir alimentos para autoconsumo ou
comercialização - objetivando geração de renda - motivam a AU em Uberlândia. Desejos
também se configuram num fator de estímulo a estas atividades. Ou seja, os agricultores
urbanos também gostam do que fazem, sendo que muitos só o fazem por satisfação pessoal.
Por fim, o fator econômico também desempenha papel preponderante na existência de
práticas agrícolas na interior do espaço urbano da cidade de Uberlândia. O caso da produção
de hortaliças e da atividade de pesque-pague, ilustra esta situação. Oportunidades de
capitalização proporcionadas pelo fator locacional - da existência de mercado consumidor
próximo - motiva o investimento em atividades dessa natureza.
No que tange às relações entre os temas da agricultura urbana (AU) e o do
desenvolvimento sustentável (DS), ou ainda, sintetizando os temas no conceito de
desenvolvimento urbano sustentável é necessário considerar as diferentes dimensões da vida
117
que se relacionam com estes conceitos, temas e atividades, ou seja, as dimensões social,
ambiental e econômica, entre outras.
O desenvolvimento urbano sustentável, ou ainda, a criação de cidades sustentáveis,
segundo o documento elaborado pelo Ministério do Meio Ambiente, em parceria com o
IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis),
denominado "Cidades sustentáveis: subsídios à elaboração da Agenda 21 brasileira", leva em
consideração um marco teórico que relaciona duas noções-chave. A de sustentabilidade
ampliada que trabalha a sinergia entre as dimensões ambiental, social e econômica do
desenvolvimento e a noção de sustentabilidade progressiva, que trabalha a sustentabilidade
como um processo pragmático e contínuo de desenvolvimento sustentável (BRASIL, 2000).
Neste contexto, a AU se relaciona e pode ter muito a contribuir à constituição de
Cidades Sustentáveis na medida em que sua prática envolve as três dimensões citadas da
sustentabilidade ampliada, sendo que sua dinâmica pode ser benéfica ou maléfica. Contudo, a
AU precisa ser melhor conhecida, de modo a contribuir para a sustentabilidade progressiva
por meio de sua integração às políticas públicas, possibilitando este processo pragmático e
contínuo de desenvolvimento sustentável.
Dessa forma, com atenção ao objetivo da pesquisa de conhecer o papel, a importância
e as atividades agrícolas no interior do espaço urbano de Uberlândia a partir da compreensão
das interações entre rural e urbano e ainda mostrar e analisar suas dimensões de
sustentabilidade, acreditamos que a AU é uma atividade importante e dinâmica, podendo
contribuir à constituição de cidades sustentáveis no futuro.
Todavia, como já salientamos, ela ainda precisa ser mais bem conhecida, assim como
também precisam ser discutidos os conceitos de rural e urbano de forma a possibilitar
melhores padrões de entendimento dessa prática que envolve tanto o rural quanto o urbano.
Com efeito, essas tarefas são questões que esta pesquisa não conseguiu equacionar, faltando
um maior aprofundamento.
A abordagem teórico-metodológica empreendida neste trabalho não teve pretensões de
dar conta da complexidade que o tema da agricultura urbana pode suscitar. Assim, muitas
questões ficaram em aberto, sem respostas, porque extrapolam os objetivos da pesquisa cuja
complexidade deixa brechas para novas investigações, sob diferentes abordagens.
No que tange às lacunas e à necessidade de novas pesquisas, vários temas precisam
ainda ser investigados. Dentre eles, podemos citar alguns que se relacionam às dimensões
118
econômicas, sociais, ambientais, culturais e teóricas atinentes a agricultura urbana. Assim,
podemos ainda fazer muitas indagações, tais como:
Qual o papel da AU no abastecimento e na segurança alimentar da cidade de
Uberlândia e de outras cidades do Brasil?
Tendo em vista que a pesquisa focalizou mais a etapa produtiva, como se processam as
etapas de comercialização e/ou beneficiamento dos produtos e quais os principais problemas
enfrentados pelos produtores?
Como a Geografia, a partir do estudo da AU, pode contribuir para o debate das
interações entre campo e cidade no século XXI?
Como abordar o tema da agricultura urbana numa perspectiva ampla, de modo a
integrar as diferentes áreas de investigação da Geografia, tais como as "Geografias" rural,
urbana, econômica e cultural, por exemplo?
Como podem ser elaboradas metodologias de estudo da AU no contexto de cidades
pequenas, médias e grandes, de forma a subsidiar a formulação de políticas publicas e
tomadas de decisão para incentivar e regulamentar a AU?
E ainda, como criar mecanismos de integração da agricultura urbana em políticas
publicas integradas para a saúde, meio ambiente, educação e desenvolvimento sócioeconômico?
Quais as perspectivas da AU diante da possível e premente implementação do Estatuto
da Cidade o qual apresenta instrumentos para eliminação da especulação imobiliária?
Que vantagens e incentivos as práticas de AU podem ter com as ações dos programas
de combate à fome e pobreza, a exemplo do "Fome Zero" criado pelo governo federal na atual
gestão do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva?
Enfim, outras questões ainda poderiam ser levantadas, constituindo-se em uma extensa
agenda de pesquisa, tanto para geógrafos quanto para outros pesquisadores de diferentes áreas
do conhecimento.
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urbana en las políticas urbanas. Agricultura Urbana. v.1, n.1, p.13-15, abr. 2001. Disponível
em <www.ruaf.org>. Acesso em Jan. 2003.
125
ANEXOS
ANEXO 1 – Roteiro de entrevista utilizado na pesquisa de campo
126
UNIVERSIDADE FEDERAL DE UBERLÂNDIA
INSTITUTO DE GEOGRAFIA – MESTRADO EM GEOGRAFIA
PROJETO: ENTRE O RURAL E O URBANO: AGRICULTURA URBANA EM UBERLÂNDIA (MG)
Sidivan Resende
João Cleps Júnior (Orientador)
Nº:
Data:___/___/2003
ROTEIRO DE ENTREVISTA
IDENTIFICAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO
1
-
Nome
do
entrevistado:
____________________________________________________________________
2 - Endereço e telefone para
contato:___________________________________________________________
3
–
Endereço
da
propriedade:________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_______________
4 - Localidade:
___________________________________________________________________________
__
5 – História de vida
5.1 Local e data de nascimento:
_______________________________________________________
5.2 Contexto do local: (
) rural
5.3 Escolaridade: ( ) Analfabeto
(
) urbano
( ) Analf. Funcional
( )
básico
( ) fundamental
( ) médio
Superior
5.4 Tempo de moradia em
Uberlândia:__________________________________________________
5.5 Motivo da
migração:_____________________________________________________________
( )
127
5.6 Roteiro de migrações:
____________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_____________________________
___________________________________________________________________________
______________
6 – Situação "Geo-ambiental"
(
) nascente ou vale (indicar
microbacia):______________________________________________
(
(
) Área de preservação
privada)
permanente
(
) lote sem edificação
(
) lote com edificação
(
7 - Situação jurídica do área:
(
) legalizado com registro definitivo
(
) em processo de legalização
(
) ocupado
(
) cedido
(
) arrendado
(
) alugado
(
)
outras
(especificar):____________________
__________________________________
_____
) área urbana não loteada (pública ou
) quintal
128
8 – Relações com a área/proprietário
8.1
–
Há
quanto
tempo
ocupa
a
área:___________________________________________________________
8.2
–
Modalidade
de
contrato
(como
e
quanto
paga):______________________________________________
___________________________________________________________________________
______________
___________________________________________________________________________
______________
8.3
–
Vigência
do
contrato:_________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
______________
9 – Reside no local?
(
) Sim (
8.1
–
) Não
Se
não
residente,
qual
a
distância
da
morada:
___________________________________
8.2
-
Com
que
freqüência
vai
ao
local:_____________________________________________
8.3
–
Horas
de
trabalho
na
atividade:_____________________________________________
8.4
–
Horário
de
trabalho
(especificar):_____________________________________________
10
-
Número
de
pessoas
residentes
no
local:
_________________________________________________
11 - Ocupação e Renda da família:
Nome
Parentesco
(a)
Atividade
principal na
unidade prod.
Renda*
(R$)
Ativ. fora da
unidade prod.
Renda
(R$)
129
*Renda da atividade principal na propriedade
a- Legenda:
1 - Chefe
2- Cônjuge
3- Filho (a)
4- Outros (parentes, empregados etc)
CARACTERIZAÇÃO DA PRODUÇÃO/ COMERCIALIZAÇÃO
12 – Quais as atividades mais freqüentes na propriedade?
(
)
Agricultura,
tipo:
_______________________________________________________________________
(
)
Criação,
tipo:_______________________________________________________________________
____
(
)
Outro,
especificar:
_______________________________________________________________________
13 – Período de Atividade
(
) Permanente
(
)
Sazonal:
Motivo:_____________________________________________________________________
___
14
–
Área
total:
___________________________________________________________________________
15 – Área utilizada:
Uso
16 – Sistema de .........
Área
Período
130
Atividade
Unid. Quant.
Volume
produção
Consumo
Mercado
Valor unitário
Agricultura
Criação
17 – Comercialização da produção:
17.1 Forma de distribuição e principais pontos de venda:
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_______________________
17.2Meio de transporte utilizado: _______________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________
___________________________________________________________________________
___________
17.3
Problemas:
______________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________
___________________________________________________________________________
___________
___________________________________________________________________________
___________
___________________________________________________________________________
___________
18 – Tecnologia e insumos utilizados na produção:
131
Tipo
Quant./mê
s
Fonte
Custo/ mês
Tipo
Quant./mê
s
Fonte
Custo/ mês
Fertilizantes químicos
Fertilizantes orgânicos
Biocidas
Sementes selecionadas
Mudas selecionadas
Continuação.....
Mecanização
Irrigação
Ração
Medicamentos
Total de custos
19 – Pessoal ocupado
Mão-de-obra
Familiar
Permanente
Temporária
N de
trabalhadores
Período
Remuneração
132
20 – O que despertou a possibilidade de trabalho com atividades agrícolas na cidade?
Há
quanto
tempo?_____________________________________________________________________
______________
21 – Motivo (s) para desenvolver atividades agrícolas na cidade?
(
(
(
(
(
(
)
)
)
)
)
)
Consumo
Comércio
Hobby
Terapêutico
Comunitário
Outro:______________________________________________________________________
_______________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
_____________________________
22 – Grau de satisfação na atividade (se gosta, desde quando pratica e porque):
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
____________________________________________________________
RECURSOS PRODUTIVOS E MEIO AMBIENTE
23 – Qual a fonte de abastecimento de água para a produção:
(
(
(
(
(
(
(
) Rede pública de abastecimento
) Rio:_______________________________
) Córrego: ___________________________
) Nasceste, mina d’água
) Poço artesiano
) Cisterna
) Outro_____________________________
24 – Faz ou já fez análise de solo?
( ) Não
133
(
)
Sim,
qual
a
________________________________________________________________
finalidade:
25 – Existe algum problema de contaminação de solo ou água?
( ) Não
(
)
Sim,
qual:
_________________________________________________________________________
26 – Recebe assistência técnica de alguma instituição (pública ou privada)?
( ) Não
(
)
Sim,
qual:
_________________________________________________________________________
27 – Destino do lixo doméstico e produtivo:
(
(
(
(
(
(
) Coleta pública
) Enterrado
) Queimado
) Reciclado (adudo)
) Depositado diretamente no terreno
) Outro:_______________________________
CARACTERIZAÇÃO DO DOMICÍLIO
28 – Existe casa na propriedade?
( ) Sim
( ) Não
29 – Se sim, há quanto tempo foi construída?__________________________________
30 - Benfeitorias:
Discriminação
Casa
Casa
Estábulo
Curral
Chiqueiro
Paiol
Galinheiro
Depósito/ Galpão
Outros...
Área (m²)
Unidade
Valor de avaliação (R$)
31 - Espécie:
(
) Particular
( ) Coletivo (
32 – Condição de ocupação do domicílio:
)Outra: Especificar __________________
134
(
) Próprio
(
) cedido pelo empregador
(
) Cedido pelo proprietário
(
) Alugado. Valor do aluguel:________________
33 - Total de cômodos:
N° ___________
34 - Parede (assinalar com X o tipo predominante):
(
) Alvenaria
(
)
Madeira (
) Taipa não revestida
aparelhada
(
) Material aproveitado
(
) Adobe
(
)
Outro:
_______________________________
35 - Cobertura (assinalar com X o tipo predominante):
(
) Laje de concreto
(
) Telha de Cimento Amianto
(
) Material Improvisado
(
) Telha de Barro
(
) Madeira Aparelhada
(
) Outro:______________
(
) Zinco
(
) Palha
36 - Qual é a principal fonte de abastecimento de água que essa moradia utiliza:
(
) Ligado à rede pública
(
) Córrego
(
) Rego d’água
(
) Abastece no vizinho
(
) Poço artesiano
(
) Armazena água de chuva
(
) Cisterna
(
) Outra___________________________
(
) Nascente/ mina d’água
38 - O domicílio dispõe de energia elétrica: (
) Sim
(
) Não
39 - O domicílio dispõe de:
(
) Vaso sanitário com descarga
(
) Fossa em construção isolada
(
) Vaso sanitário sem descarga
(
) Nenhum destes
(
) Outro________________________
40 - Como é resolvido o problema de esgoto da sua casa?
(
) Usa fossa séptica
(
) Outros, especificar ______________________
( ) Rede de esgoto
135
OUTRAS QUESTÕES
41 – Que tipo de relações o produtor tem com o meio urbano (poder público, vizinhos,
proprietários: conflitos, complementaridade, indiferença, etc,):
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
42 – Como o produtor percebe a situação do seu empreendimento (passado e
perspectivas para o futuro)?
___________________________________________________________________________
_______________
___________________________________________________________________________
_______________
___________________________________________________________________________
_______________
___________________________________________________________________________
______________
43 – Como o produtor vê a possibilidade de produção de alimentos orgânicos?
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
44 - Caso o produtor (a) tenha que se mudar do local, ou sofrer pressões do meio
urbano, pretende permanecer na atividade?
136
_________________________________________________________________________________________
_________________________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________________
ti
uri
Có
Có
rre
go
B
rre
go
Sa
Có
ma
m
ba
rreg
ai
o Zeb
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ndi
a
Córr eg o Congon hal
R
io
Ub
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era
a
ego
S ão
Jor
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Có
r reg
o Bo
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a
Córr
o Be
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Cór rego
P erpétua
C ór
Có
rre
go
do
Sa
Có
rre
go
rra
Te
B
ran
ca
lto
Có
rre
go
Li
so
SETOR NORTE
C órr
ego
Lo
SETOR LESTE
bo
rr ego
Ma
rim
bon
do
Có
rre
go
Lis
o
Uberlândia-MG: localização das atividades de
Agricultura Urbana identificadas na pesquisa-2003
Có
Cór rego Bur itizinh o
Flor
Cór rego Beij a-
Legenda
rre
go
va
Ca
lo
Limite dos Setores Urbanos
do
Fu
nd
o
Có
Có
rre
go
Limite do Perímetro Urbano ( Lei Municipal 5969/1994)
Drenagem
Parque de Exposições e sede do Sindicato Rural
Produção Vegetal
SETOR CENTRAL
Hortas comunitárias ou escolares
Hortas comerciais
Cór
reg
o do
Hortas para autoconsumo
Óle
o
Lavoura e/ou pastagem
Có
rre
go
L ago
Produção Animal
inh
a
C órr
eg
o do
Ó leo
Bovinos
Caprinos
Có
go
rre
M
Aves
og
i
SETOR OESTE
Có
rreg
oB
ons
Olh
Mista (bovinos, caprinos,aves e suínos)
os
Córr ego Vinhedo
Outros
Rio Ub er abinha
Pesque-Pague
Equitação
ari
Leilão de Animais
SETOR SUL
bas
Có
rre
go
Lag
o inh
Condomínios e/ou Loteamentos de Chácaras
a
Có
go
rre
Ca
be
ce
ira
do
ge
La
ad
Córr eg o do Paula
Gu
Córr ego do Glória
rr ego
o
Escala Gráfica
Córr eg o Campo Alegre
Có
0
1000
2000
3000
4000 m
ESCALA ORIGINAL 1 : 50.000
FONTE: Pesquisa de campo-jul/set/2003
ELABORAÇÃO: Sidvan Resende
ADAPTAÇÃO: Marco Genaro
Base Cartográfica Digital Prefeitura Municipal de Uberlândia 2001
UBERLÂNDIA 2003