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1
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
NÚCLEO DE ESTUDOS TRAJETÓRIAS, TRABALHO E EDUCAÇÃO
(NETTE)
CENTRO DE ESTUDOS E DE DOCUMENTAÇÃO EM EDUCAÇÃO
(CEDE)
2011
2
II Seminário Nacional Educação e Pluralidade Sócio-Cultural (2011: Feira de Santana, Bahia,
Brasil)
II Seminário Nacional Educação e Pluralidade Sócio-Cultural: Sociedade e Culturas tempos, espaços e sujeitos da educação, 18 - 20 de outubro de 2011 / Mirela Figueiredo
Santos Iriart, coordenadora. Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana,
2011.
695 p. il.
ISSN 1984-9443
1. Pluralidade cultural. 2. Sociedade. 3. Cultura. I. Iriart, Mirela Figueiredo Santos. II.
Universidade Estadual de Feira de Santana. III Título
CDU:
3
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA
José Carlos Barreto de Santana
Reitor
Genival Côrrea de Souza
Vice-Reitor
Marluce Maria Araújo Assis
Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação
Maria Helena da Rocha Besnosick
Pró-Reitora de Extensão
Rubens Edson Alves Pereira
Pró-Reitor de Ensino de Graduação
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
Marco Antonio Leandro Barzano
Diretor do Departamento de Educação
Ludmila Holanda Cavalcante
Vice-Diretora do Departamento de Educação
Denise Helena Pereira Laranjeira
Coordenadora do Mestrado em Educação
Apoio Institucional
4
ORGANIZAÇÃO
Coordenação Geral
Prof. Dra. Mirela Figueiredo S. Iriart
Secretário
Prof. Dr. Marco Antônio Leandro Barzano
Coordenação da Comissão Científica
Prof. Dra.Ludmila Oliveira Holanda Cavalcante
Comissão Organizadora
Prof. Dra.Antonia Almeida Silva
Prof. Dra.Denise Helena Pereira Laranjeira
Prof. Dr.Eduardo Frederico Luedy Marques
Prof. Ms.Ivan Faria
Prof. Ms.Jacqueline Nunes Araújo
Prof. Ms.Otto Vinícius Agra Figueiredo
5
COMITÊ CIENTÍFICO
Prof. Dra.Amali Mussi
Prof. Dra.Ana Maria Fontes
Prof. Dra.Antonia Almeida Silva
Prof. Dr.Antonio Roberto Seixas da Cruz
Prof. Dr.Benedito Gonçalves Eugênio (UESB)
Prof. Dr.Celio Espíndola (UFJT)
Prof. Dra.Denise Helena Pereira Laranjeira
Prof. Dr.Edinaldo do Carmo (UESB)
Prof. Dr.Eduardo Frederico Luedy Marques
Prof. Dra.Elenise Cristina Pires de Andrade
Prof. Ms.Elizabete Pereira Barbosa dos Santos
Prof. Ms.Ivan Faria
Prof. Ms.Jacqueline Nunes Araújo
Prof. Dra.Lana Claudia Fonseca (UFRRJ)
Prof. Ms.Leomarcia Caffé de Oliveira Uzêda
Prof. Dra.Lígia Maria Portela da Silva (UESB)
Prof. Dra.Ludmila Oliveira Holanda Cavalcante
Prof. Dr.Marco Antonio Leandro Barzano
Prof. Dra.Maria Cleonice Braga
Prof. Dra.Maria Cristina Dantas Pina (UESB)
Prof. Ms.Maria de Lourdes H. S. Araújo
Prof. Dra.Maria de Lourdes Spazziani (UNESP)
Prof. Ms. Marilda Carneiro
Prof. Dra.Marinalva Lopes Ribeiro
Prof. Dr.Miguel Almir Lima de Araújo
Prof. Dra. Mirela Figueiredo Santos Iriart
Prof. Dra.Nanci Helena Rebouças Franco (UFAL)
Prof. Ms.Otto Vinícius Agra Figueiredo
Prof. Dr.Reginaldo Santos Pereira (UESB)
Prof. Dra.Susana Couto Pimentel (UFRB)
Prof. Dr. Wilson Pereira de Jesus
6
SECRETARIA DO EVENTO
Naiara Gomes
APOIO TÉCNICO
Georgia Oliveira Costa Lins
Livia Jéssica Messias de Almeida
Maximiano Martins de Meireles
Vânia Pereira Moraes Lopes
Contatos
e-mail: [email protected]
Telefone: 75- 3161-8321
7
APRESENTAÇÃO
O II Seminário Nacional Educação e Pluralidade Sociocultural, Sociedade e
Culturas: tempos, espaços e sujeitos da educação, acontecerá entre os dias 18 e 20 de
outubro de 2011, na Universidade Estadual de Feira de Santana, Bahia.
O seminário pretende mobilizar diferentes atores da área de educação em torno da
temática “Sociedade e culturas: tempos, espaços e sujeitos da educação”. Tal proposta é um
convite à reflexão acerca dos dispositivos e embates envolvidos nas sociedades e culturas
atuais sobre diferentes tempos e espaços educativos e os sujeitos que neles estão inseridos.
O propósito do evento é viabilizar uma reflexão em mão dupla entre estudantes,
pesquisadores, professores da educação básica, gestores e educadores sociais, entrelaçando
saberes e práticas de distintos atores. Dessa mescla de experiências e projetos, o desejo de
melhor compreender os sujeitos, contextos e processos educacionais escolares e não
escolares, histórica e culturalmente construídos, que configuram diferentes percursos,
memórias e/ou trajetórias de vida.
Participantes poderão submeter trabalhos de natureza teórica ou teórica-empírica,
incluindo relatos de pesquisa, relatos de experiências educativas ou textos teóricos nas
modalidades de Comunicação Oral ou Pôster, de acordo com os seguintes eixos temáticos:
•
Eixo 1: Currículos e Práticas Educativas
•
Eixo 2: Formação de Professores
•
Eixo 3: Políticas Públicas para Educação
•
Eixo 4: História, Memória e Sociedade
•
Eixo 5: Cultura, Linguagem e Imagem
8
CONFERÊNCIA E MESAS REDONDAS
Conferência de Abertura: Tempos, espaços e sujeitos da educação: desafios da
Contemporaneidade
Reinaldo Matias Fleuri (UFSC)
Mesa Redonda 1
Educação e Cultura: Dimensões da diversidade
Marisa Vorraber Costa (UFRGS)
Ana Canen (UFRJ)
Elenise Andrade (UEFS)
Mesa Redonda 2
Políticas públicas: legado histórico, lutas e conquistas
Janete M. L. de Azevedo (UFPE)
Lívia Diana Magalhães (UESB)
Antonia Almeida Silva (UEFS)
9
SESSÕES
Eixo 1-A - Currículos e Práticas Educativas
02
03
04
05
06
07
08
09
10
Autor(es)
Dimaura Fátima Carvalho
Título do trabalho
A PEDAGOGIA GRIÔ E A VALORIZAÇÃO DOS
SABERES POPULARES: (RE)CONHECENDO AS
POSSIBILIDADES
Dulcinea Cerqueira Coutinho
LIDERANÇAS NEGRAS EM FEIRA DE SANTANA:
Barros
RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA DE
CONSTRUÇÃO DE REFERENCIAIS POSITIVOS
NO ENSINO MÉDIO
Ana Lise Costa de Oliveira
DIÁLOGOS ENTRE CULTURA E EDUCAÇÃO NA
CONTEMPORANEIDADE: A EXPERIÊNCIA DO
PROJETO TOCANDO EM FRENTE EM RIACHÃO
Pedro Paulo Santos
DO JACUÍPE-BA
William de Goes Ribeiro
NA INTERFACE ENTRE O MULTICULTURALISMO E A ÉTICA: UM OLHAR PARA
O DESAFIO AO BULLYING NA ESCOLA
Rosiléia Oliveira de Almeida
SE A CANA PRECISA ESTAR DOCE, POR QUE
DILUIR O CALDO?: A CIRCULARIDADE ENTRE
SABERES COTIDIANOS E CIENTÍFICOS NA
ABORDAGEM ESCOLAR DA PRODUÇÃO DE
CACHAÇA
Jean Carlos Barbosa dos Santos EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA CAMINHOS
Francisca das Virgens Fonseca PARA CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA QUE
Valéria Marta Ribeiro Soares
COMTEMPLE A PLURALIDADE
SOCIOCULTURAL DE UMA COMUNIDADE
AFROCAMPESINA
Georgia Oliveira Costa Lins
A PRÁTICA EDUCATIVA PAUTADA NA
Jamilly da Silva Corrêa
ALTERNÂNCIA:ESCOLA-FAMÍLIA AGRÍCOLA
Taílla Caroline Souza Menezes COMO UMA ALTERNATIVA PARA A
EDUCAÇÃO DO CAMPO
Terciana Vidal Moura
A EMERGÊNCIA DAS MEMÓRIAS DA CULTURA
Jocineide de Almeida Santos
NEGRA NA ESCOLA E O PROCESSO DE
CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ÉTNICA
Antonio Reinaldo Santos Alves O QUE SE QUER DO CURRÍCULO? REFLEXÃO
Taíse dos Santos Alves
SOBRE O CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS
Pg.
16
27
37
47
59
73
84
93
106
Eixo 1-B - Currículos e Práticas Educativas
Autor(es)
01 Tatiana Almeida dos Santos
Título do trabalho
Pg.
CONCEPÇÕES SOBRE SURDEZ E LÍNGUAS DE
117
SINAIS E AS ABORDAGENS NA EDUCAÇÃO DOS
SUJEITOS SURDOS
10
02 Maria Edina Saturnino Porto
03 Bárbara Cristina dos Santos
Ferreira
Rita de Cassia Brêda M. Lima
Juciane dos Reis Santana
04 Rosângelis Rodrigues Fernandes
Lima
05 Márcia Cristina de A. Cerqueira
Célia Regina Batista dos Santos
06 Iraê Liliana da Silva Consiglio
Luciana Sousa Silva Santos
Eliziane santana dos Santos
07 Jerfferson de Jesus Bonfim
Vania Ribeiro dos Santos
08 Taíse dos Santos Alves
Robson Oliveira Lins
ANÁLISE DA PRODUÇÃO TEXTUAL NO 5º E 6º
ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL: RUMO À
CONSTRUÇÃO DA COMPETÊNCIA ESCRITORA
PELOS ALUNOS
VIVÊNCIAS LEITORAS COMO PRÁTICAS
EDUCATIVAS NA BIBLIOTECA MONTEIRO
LOBATO EM FEIRA DE SANTANA-BAHIA
126
LABORATÓRIO DE EDUCAÇÃO E ESTUDOS
INTERDISCIPLINARES –LEEI COMO ELEMENTO
POTENCIALIZADOR DE APRENDIZAGENS
SIGNIFICATIVAS – VIVÊNCIAS E
APRENDÊNCIAS
A PERCEPÇÃO DE ALUNOS E PROFESSORES
SOBRE A QUALIDADE EDUCACIONAL DA EJA
NUMA ESCOLA PÚBLICA DE FEIRA DE
SANTANA, BA.
144
137
156
CURRÍCULO, PROPOSTAS E PROPOSIÇÕES: UM
169
OLHAR SOBRE AS ESCOLAS FAMÍLIAS
AGRÍCOLAS DO SEMI-ÁRIDO BAIANO [Pôster]
DESENCONTROS ENTRE A POSTURA E PRÁTICA 179
DOCENTE FRENTE A UMA PROPOSTA
PEDAGÓGICA BASEADA NO CONSTRUTIVISMO
SÓCIO-INTERACIONISTA
OFICINAS PEDAGÓGICAS DE CARTOGRAFIA
192
NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UMA
PROPOSTA METODOLÓGICA
Eixo 1-C - Currículos e Práticas Educativas
Autor(es)
01 Ana Lúcia Vilaronga Barreto
Milton Souza Ribeiro Miltão
02 Edmara de Lima Maltez
03 Adson dos Santos Bastos
04 Carla Suely Correia Santana
Geny Kelly Ramos Cardoso
Milton Souza Ribeiro Miltão
05 Valdenor dos Santos Ferreira
06 Marlinne da Costa Lins
Título do trabalho
ETNOFÍSICA: COMO OS SUJEITOS DAS EFAs
COMPREENDEM E TRABALHAM A FÍSICA
MÉTODOS SOCIOLÓGICOS E MÉTODOS
PEDAGÓGICOS DE ENSINO COMO APOIO A
PESQUISA DOCENTE NA FORMAÇÃO DE
PROFESSORES
RECURSOS DIDÁTICOS NO ENSINO DE
CIÊNCIAS: UMA REFLEXÃO A PARTIR DA
REALIDADE DAS ESCOLAS PÚBLICAS DE
SENHOR DO BONFIM, BAHIA
A FORMAÇÃO EM FÍSICA DOS
MONITORES/PROFESSORES E ESTUDANTES
DAS EFAs, CONSIDERANDO A PEDAGOGIA DA
ALTERNÂNCIA E OS ASPECTOS FILOSÓFICOS
SUBJACENTES
MOTIVAÇÃO NAS AULAS DE GEOGRAFIA NA
PERSPECTIVA DE PROFESSORES E ALUNOS
MÉTODO CINESTÉSICO COMO ESTRATÉGIA
PARA ENSINO DE LIGAÇÕES QUÍMICAS NO
Pg.
205
214
223
235
244
254
11
NÍVEL MÉDIO
Fábio Adriano Santos da Silva
07 Thiago Leandro da Silva Dias
08 Camila De Almeida Santana
Josenaide Alves Da Silva
TRADIÇÃO E CONTRADIÇÃO DA PRÁTICA
VIVISSECCIONISTA NA EDUCAÇÃO: POR UMA
PLURALIDADE METODOLÓGICA NA
SUPERAÇÃO DO ANTROPOCENTRISMOESPECISTA
MOVIMENTO ESTUDANTIL, CURRÍCULO E
GÊNERO: O CASO DO GRÊMIO ESTUDANTIL D.
HÉLDER, AMARGOSA-BA (1960-2006)
264
274
Eixo 2-A - Formação de Professores
01
02
03
04
Autor(es)
Taisa de Sousa Ferreira
Título do trabalho
REFLEXÕES SOBRE ESCOLA, FORMAÇÃO
DOCENTE, SEXUALIDADE E DIVERSIDADE
SEXUAL
Maria Anastácia Manzano
POR QUÊ? QUEM? O QUÊ? O ENSINO DE
MÚSICA EM QUESTÃO (ÕES)
Bruno Henrique Afonso Pereira O ENSINO DE GENÉTICA E A ABORDAGEM DO
ALBINISMO
NA NA
FORMAÇÃO
DE
PROFESSORES DE BIOLOGIA: O QUE DIZER
SOBRE O PRECONCEITO?[Pôster]
Marinalva Lopes Ribeiro
QUALIDADE
DO
ENSINO
SUPERIOR
E
Aline dos Santos Souza
FORMAÇÃO DOCENTE: REPRESENTAÇÕES DE
ESTUDANTES DE LICENCIATURA
Pg.
282
295
305
311
Eixo 2-B - Formação de Professores
01
02
03
04
05
06
07
Autor(es)
Murillo da Silva Neto
Título do trabalho
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O
TRABALHO COM A INCLUSÃO DE ALUNOS
SURDOS NA ESCOLA REGULAR
Maximiano Martins de Meireles A IDENTIDADE DOCENTE DO ESTUDANTE DE
Antonio Roberto da Cruz Seixas
LETRAS COMO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO
Sara Betania de Souza Silva
POLÍTICA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES: O
PROJETO DE CERTIFICAÇÃO OCUPACIONAL DO
ESTADO DA BAHIA
Amali de Angelis Mussi
QUALIDADE DE ENSINO NA FORMAÇÃO DE
Ana Verena de Araújo Vidal
PROFESSORES
Edileide da Silva Reis do Carmo A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O PROCESSO
DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE LEITURA
Leomárcia Caffé de Oliveira
FORMAÇÃO INICIAL E APROXIMAÇÃO COM A
Uzêda
DOCÊNCIA
Jerfferson de Jesus Bonfim
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A
Vania Ribeiro dos Santos
LITERATURA INFANTIL
Pg.
324
336
347
359
371
382
394
12
Eixo 3-A - Políticas Públicas para a Educação
01
02
Nadja da Cruz Silva
Marcos César Guimarães dos
Santos
Edson do Espírito Santo Filho
03
Luis Carlos Santos Oliveira
Antonia Almeida Silva
04
Marcos Cesar Guimaraes dos
Santos
Nadja da Cruz Silva
Vânia Pereira Moraes Lopes
05
Antonia Almeida Silva
06
Terciana Vidal Moura
Jocineide de Almeida Santos
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, AÇÃO
COMUNITÁRIA E COLEGIADO ESCOLAR
407
A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO
BRASIL
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UMA ANÁLISE
DE RESULTADOS EDUCACIONAIS DE
BOLSISTAS DO DISTRITO DE MARIA QUITÉRIA,
FEIRA DE SANTANA-BA (2001-2007)
A SOCIEDADE DA (IN)SEGURANÇA: POLÍTICAS
PÚBLICAS, JUVENTUDE E VIOLÊNCIA
419
432
445
(NEO)PRODUTIVISMO E GESTÃO EMPRESARIAL 457
NA ESCOLA: ANÁLISE DO PROGRAMA SGI EM
FEIRA DE SANTANA-BA
A POLÍTICA DA ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA EM 469
CICLOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO: UM
DESAFIO À DIVERSIDADE
Eixo 3-B - Políticas Públicas para Educação
Autor(es)
01 Adrina Mendes Barbosa
Bárbara Dias Vergas
02 Denise Silva de Souza
Antonilma Santos A. Castro
Luciene Santos dos Reis
Janete do Carmo
03 Raphaela Dany Freitas Silveira
Gonçalves
04 Liliane Souza de Assis
05 Vanda Almeida da Cunha Araújo
Selma Barros Daltro de Castro
06 José Wellington Aragão
Sara Martha Dick
Rafael Vasconcelos Cerqueira
07 Oliveira
Título do trabalho
ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS NAS
ESCOLAS REGULARES: BREVE ANÁLISE SOBRE
AS POLÍTICAS PÚBLICAS
ALUNOS COM ANEMIA FALCIFORME NO
CONTEXTO ESCOLAR E AS IMPLICAÇÕES
ENTRE CLASSE, RAÇA
Pg.
482
JUDICIALIZAÇÃO DAS POLITICAS PÚBLICAS
PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL NA ZONA
RURAL: UM NOVO DEBATE, UM NOVO OLHAR.
ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS:
DIMENSÕES DAS ABORDAGENS ACADÊMICAS
EM PERIÓDICOS NACIONAIS
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E
DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL
COM ALUNOS DO PROGRAMA NACIONAL DE
INCLUSÃO DE JOVENS - PROJOVEM EM
RAFAEL JAMBEIRO
PESQUISA HISTÓRICO-EDUCACIONAL E AS
POLÍTICAS EDUCACIONAIS
499
OS PLANOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO NA
BAHIA: O PROBLEMA DA PARTICIPAÇÃO
SOCIAL NA CHAPADA DIAMANTINA
542
493
509
522
529
13
Eixo 4 - História, Memória e Sociedade
Autor(es)
01 Rony Henrique Souza
Pg.
552
02
562
03
04
05
06
07
08
09
Título do trabalho
EDUCAÇÃO E PLURALIDADE BRASILEIRA: UM
FOCO INTERDISCIPLINAR
Rachel Silveira Wrege
O FINANCIAMENTO DAS ESCOLAS DOS
JESUÍTAS NO BRASIL-COLÔNIA: ORIGENS E
PROBLEMAS
Rachel Silveira Wrege
OS COLÉGIOS DE OLINDA E RECIFE E OS
PROBLEMAS ENFRENTADOS COM AS
INCURSÕES HOLANDESAS
Rita de Cassia Brêda M. Lima
EXPERIENCIANDO LEITURAS LITERÁRIAS COM
Maria Helena da R. Besnosik
MULHERES RURAIS
Elizabete Pereira B dos Santos
EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA NO RECÔNCAVO DA
BAHIA: HISTÓRIA E POLÍTICAS PÚBLICAS
Juciane dos Reis Santana
CÍRCULOS DE LEITURA: UM RELATO DE
Alaine de Santana Rosario
EXPERIÊNCIA COM MULHERES DA
COMUNIDADE DE ANTÔNIO CARDOSO [Pôster]
Vinicius Santos da Silva
REFLEXÕES AMBIENTAIS NAS TESES DOS
ENGENHEIROS AGRÔNOMOS DA ESCOLA
AGRÍCOLA DA BAHIA (1880-1904)
Ludmilla Mendes Souza Carneiro
A EDUCAÇÃO E OS REFLEXOS DA
ADMINISTRAÇÃO CIENTÍFICA
Daiane Silva Oliveira
HOMENS PARA CÁ, MULHERES PARA LÁ”:
PRÁTICAS DE UMA CULTURA ESCOLAR EM
FEIRA DE SANTANA (1918 – 1935)
575
584
597
609
616
626
631
Eixo 5 - Cultura, Linguagem e Imagem
Autor(es)
01 Érika Ramos de Lima
Pg.
644
02
656
03
04
05
06
Título do trabalho
FONÉTICA Y FONOLOGÍA DE LA LENGUA
ESPAÑOLA: UN ABORDAJE CONTRASTIVO CON
EL PORTUGUÉS
Antonio Almeida da Silva
PARADOXOS DA SOCIEDADE DA TECNOLOGIA:
DO HOMEM MÁQUINA AO CYBER HUMANO
Jeruza Jesus do Rosário
MARISQUEIRAS, PESCADORAS E SABERES
AFRO-BRASILEIROS: RUMO À
SUSTENTABILIDADE
Lívia Jéssica Messias de Almeida
REPRESENTAÇÕES RACIAIS NOS LIVROS
DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA DO
ENSINO FUANDAMENTAL I
Laurinda Sousa Julião
CULTURA E LINGUAGEM NOS PROCESSOS
EDUCATIVOS NÃO ESCOLARIZADOS NOS
MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO: O CASO DA
ASSOCIAÇÃO REGIONAL ESCOLA FAMÍLIA
AGRÍCOLA DO SERTÃO - MONTE SANTO/
BAHIA
Flávia de Jesus
EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA
Damião
AFRODESCENDENTE: EXPERIÊNCIAS E
APRENDIZAGENS NAS RUAS DE BAIRRO
NEGRO EM SALVADOR
667
680
689
702
14
07 Eduardo Oliveira Miranda
Hellen Mabel Santana Silva
08 Renata Carvalho Silva
Ivan Faria
GEOGRAFIA ESCOLAR: CONTRIBUIÇÕES DA
713
PARAMETRIZAÇÃO E DA CONTEXTUALIZAÇÃO
NA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM.
HIP HOP E EDUCAÇÃO: CONHECENDO O
717
CENÁRIO DE FEIRA DE SANTANA
Eixo 1-A Currículos e Práticas Educativas
15
16
A PEDAGOGIA GRIÔ E A VALORIZAÇÃO DOS SABERES POPULARES:
(RE)CONHECENDO AS POSSIBILIDADES
Dimaura Fátima Carvalho1
Universidade Federal da Bahia - UFBA
Resumo:Atualmente muito se vem discutindo sobre temas como diversidade, pluralidade e
heterogeneidade nos cenários educacionais, entretanto, a maioria das práticas educativas, em
especial nas instituições formais de ensino, ainda se apresentam pautadas por ações
padronizantes e homogeneizadoras, referenciadas por modelos unos e sistemas préestabelecidos.Entendendo a educação como uma prática social, vimos à construção do
conhecimento como momentos vivos, resultado das interações, dos pensamentos, e das
experiências históricas, sociais e culturais dos diferentes sujeitos envolvidos nesse processo.
Dessa forma, este trabalho pretende apresentar e compreender estratégias educacionais de
aproximação dos saberes e fazeres da cultura popular, em especial os saberes da tradição oral,
à educação formal. Para isso serão analisadas as estratégias e práticas da Associação Grão de
Luz e Griô, localizada na cidade de Lençóis, região da chapada diamantina, Bahia.
Associação esta que coloca comomissão o fortalecimento da identidade e ancestralidade do
povo brasileiro, por meio do reconhecimento e da valorização dos saberes de tradição oral e
da aproximação destes com os espaços educacionais, tendo como referência a Pedagogia
Griô.A proposta deste texto é explicitar, ainda que de maneira sucinta, o modelo de ação desta
associação, traçando desde sua trajetória histórica (das primeiras ações até os projetos atuais),
passando pela concepção e referências da Pedagogia Griô (que pedagogia é esta?), chegando
até sua aproximação com a educação formal. O objetivo é dialogar com uma proposta
pedagógica que busca no fortalecimento da identidade local a possibilidade de transformar os
educandos (e a comunidade) em atores e autores de seus próprios processos de construção do
conhecimento. O que se obteve neste texto foiaindicação da necessidade e das possibilidades
de novos e outros caminhos que permitam articular, num processo dialógico, o trabalho
pedagógico às realidades vividas pelos educandos em seus meios socioculturais, através,
essencialmente, da integração entre conhecimento científico e conhecimento popular.
Palavras-chave: cultura popular, tradição oral, educação
1. Introdução
“Se a cultura contém um saber coletivo acumulado em memória social, se é
portadora de princípios, modelos, esquemas de conhecimento, se gera uma visão de
mundo, se a linguagem e o mito são partes constitutivas da cultura, então a cultura
não comporta somente uma dimensão cognitiva: é uma máquina cognitiva cuja
práxis é cognitiva."
Edgar Morin
1
Mestranda em Cultura Popular e Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal da Bahia.
17
Problemas como evasão, desinteresse, baixos índices de aprendizagem, entre outros,
são uma constante nos espaços educacionais brasileiros, em especial, quando voltamos às
atenções para as práticas da educação formal. Importante espaço socializador, de construção
de identidades e formação de valores, a instituição escolar formada na sociedade capitalista
vem reproduzindo, há tempos, os valores e padrões de uma elite dominante baseada num
modelo estético eurocêntrico, excluindo, portanto, outras visões de mundo, referências
culturais e históricas.
Dessa maneira, a elaboração dos conteúdos dos programas escolares, bem como a
forma como eles vem sendo colocados em prática mostram-se demasiadamente afastados das
realidades e particularidades dos educandos, ou seja, a educação formal vem afastando-se, não
é de hoje, do que Freire (1987) chamou de teoria dialógica da educação.
Nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão de mundo, ou tentar impô-la a
ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa. Temos de estar convencidos de que a
sua visão do mundo, que se manifesta nas várias formas de sua ação, reflete a sua
situação no mundo, em que se constituí. A ação educativa e política não pode
prescindir do conhecimento crítico desta situação, sob pena de se fazer “bancária” ou
de pregar no deserto (p.87).
Segundo Moraes (2007), existem dois aspectos historicamente diferentes sobre o que
se deve ensinar na escola: um, diz respeito às culturas hegemônicas, ditas clássicas, que são
veiculadas pela mídia em geral; o outro refere-se à especificidade regional, étnica, e sua
presença nas manifestações da cultura popular. Entretanto, os conteúdos relacionados às
manifestações culturais locais não se apresentam como uma prática integrante da educação
escolar, do cotidiano escolar.
Para Abib (2005), “a cultura é talvez, atualmente, o locus mais significativo para se
pensar, analisar, vivenciar, experimentar, imaginar, compreender e mesmo definir as
sociedades contemporâneas” (p.45). Desse modo, acreditando que não há como pensar a
educação sem que esta esteja também voltada para as culturas inerentes às comunidades, com
suas práticas, vivências e maneiras de se relacionar com o outro, torna-se indispensável
buscar estratégias educacionais que procurem integrar os saberes e tradições populares aos
processos formais de ensino.
A ideia de cultura popular, especialmente na estrutura social vigente está, quase
sempre, vinculada a um conceito limitado de tradicionalismo, como algo que foi construído
somente pelos antepassados. Na contra mão dessa ideia, Abib (2005), nos diz que:
18
Uma noção atualizada de cultura popular tem que abandonar a visão essencialista que
outrora a caracterizava, bem como compreender as dinâmicas de construção das
identidades, que embora sejam caracterizadas por um descentramento, como diria
Hall, ou deslocamento, não deixam de abrir novas e outras possibilidades de
articulação em torno de interesses culturais específicos, a partir, por exemplo, da
constituição de grupos imbuídos em buscar, recuperar ou mesmo reconstruir suas
raízes culturais, num processo de reconstituição de seu passado e de suas tradições
(p.60).
Ainda neste sentido, e considerando que “os processos identitários têm, assim, uma
profunda imbricação com o conceito de cultura, sem no entanto, com ele se confundir”
(ABIB, 2005, p.41), Hall afirma que:
Assim, a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de
processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do
nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela
permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada”
(2006, p.38)
Neste viés, destaca-se o trabalho realizado pela ONG, hoje Ponto de Cultura, Grãos de
Luz e Griô2, onde através do reconhecimento e da valorização da cultura popular local
“propõe incorporar à esfera da educação, da política e da economia da comunidade, a força e
o poder da tradição oral” (www.graosdeluzegrio.org.br)
Acreditando que a ação educacional baseada no diálogo e na valorização da identidade
e da cultura própria de cada localidade mostre-se como um caminho para a atuação crítica do
indivíduo no mundo, para o fortalecimento da identidade de um povo, e para a sustentação de
seu desenvolvimento social, a proposta deste texto é compreender as práticas pedagógicas
desenvolvidas pela Associação Grãos de Luz e Griô, pautadas na Pedagogia Griô, partindo da
ideia de que é na aproximação com a cultura popular, mais especificamente com a tradição
oral, que as práticas educativas podem ser (re)pensada.
2. Associação Grãos de Luz e Griô – Breve histórico
“Este projeto que vos falo
Trata de uma reinvenção
Do Griô que veio da África
Do Brasil e da tradição
Dos que guardam na memória
Preservando nossa história
Geração em geração”
2
A palavra tem origem na língua Banamam, língua do noroeste da África, e significa “o sangue que circula”.
Assim, os Griôs são conhecidos como contadores de histórias, guardiões das tradições orais, ou, aqueles que
fazem com que as tradições circulem pelas novas gerações.
19
(Trecho do cordel O Griô de todo canto, de Márcio Caíres, 2006)
A associação Grãos de Luz e Griô iniciou sua trajetória em 1993, no município de
Lençóis, Bahia, quando lideranças femininas locais juntamente com algumas mães da
comunidade mobilizaram-se para a distribuição de uma sopa comunitária para crianças de
baixa renda de um bairro periférico da cidade chamado Alto da Estrela. Paralelo a esse
movimento, o senhor Manoel Alcântara desenvolvia um projeto de horta comunitária também
com crianças e jovens de baixa renda das comunidades. Foi neste contexto que Jane da Silva
Pellaux, brasileira, que vivia na Suíça, propôs a integração destas ações à um projeto de
educação para crianças e adolescentes.
Nasce então, da união das iniciativas anteriores às oficinas de artesanato e reforço
escolar o Grãos de Luz 3.
Em 1997, apesar de existir um grande interesse em fundar juridicamente o Grãos de
Luz, optou-se por uma parceria com uma associação local a fim de se institucionalizar os
financiamentos vindos das entidades estrangeiras Amigos da Suíça (coordenado por Jane
Pellaux) e a ABC Trust (da Inglaterra). `
Em1998 os responsáveis pelas oficinas de arte e brincadeira iniciaram a construção de
um projeto pedagógico nomeado Oficinas Grãos de Luz, que tinham como objetivo principal
o fortalecimento da identidade cultural e afetiva de seus participantes.
Em 1999, reconhecendo os resultados positivos dessas oficinas a Secretaria de
Educação de Lençóis convidou seus coordenadores para participarem da Semana Pedagógica
Municipal, realizando vivências e propondo discussões, além de elaborar um projeto de
formação de professores para os educadores da rede municipal.
Ainda em 1999, durante uma atividade liderada por Líllian Pacheco4 para adolescentes
afrodescendentes a figura do Griô, revelada pelo etnólogo ArdagaWidor, entra em cena. “O
encontro com a ideia do Griô africano, contador de histórias da tradição oral, se identificou
completamente com as intuições e estratégias de fortalecimento da identidade cultural
formuladas pela coordenação de projetos. Assim foi nomeado o Projeto Griô ...” (Pacheco,
2007 p.25).
3
O nome Grãos de Luz remeteaos mitos de chamada do diamante dos garimpeiros da região. Além disso, no
imaginário social é muito frequente a criança ser associada a uma semente. A palavra luz, por sua vez, associa-se
a sabedoria (Pacheco, 2007).
4
Idealizadora e coordenadora da Associação Grãos de Luz e Griô, e, idealizadora da Pedagogia Griô.
20
O projeto Griô objetivou mobilizar e capacitar professores das escolas públicas de
Lençóis. Contou com a participação de aproximadamente mil crianças e onze escolas da
comunidade, num movimento de fortalecimento da identidade e do vínculo afetivo entre os
participantes.
Foi justamente nesse período que o projeto Griô, bem como as oficinas Grãos de Luz,
perderam o espaço físico onde realizavam suas atividades. Assim, os educadores passaram a
desenvolver seu trabalho nas ruas ou em espaços cedidos pela comunidade a fim de manter o
atendimento às crianças e aos jovens. Em 2001, a difícil situação em que se encontravam,
especialmente em função da falta de espaço físico e de autonomia jurídica e administrativa,
motivou mães, educadores do projeto e das escolas, parceiros locais, nacionais e
internacionais a se unirem para a fundação da Associação Grãos de Luz, criando assim uma
rede de solidariedade e responsabilidade social. Essa rede viabilizou o pagamento do aluguel
de um espaço no centro histórico de Lençóis. Nessa nova etapa a associação passa a
regulamentar termos de parceria, a sistematizar seus objetivos, estratégias e atividades do
projeto, que integrados receberam o nome de Grãos de Luz e Griô.
Em setembro de 2005, a convite do então secretário de cidadania cultural do
Ministério da Cultura (MinC), Célio Turino, o Grãos de Luz e Griô se incumbe de apresentar,
numa gestão compartilhada com o MinC, um projeto para a criação da Ação Griô Nacional 5.
Em dezembro do mesmo ano a SPPC-MinC(Secretaria de Programas e Projetos Culturais)
aprovou em seu orçamento o valor de R$1.500.000,00 para as Bolsas de Incentivo Griô.
Em 2006 o Grãos de Luz e Griô tornou-se Ponto de Cultura do Brasil, através do
programa Cultura Viva do Ministério da Cultura..
Em novembro de 2009 a Ação Griô Nacional registra no Cartório de Registros de
Imóveis da cidade de Lençóis o projeto de lei intitulado Lei Griô. Um projeto de lei, de
iniciativa popular, que propõe instituir “uma política nacional de transmissão dos saberes e
fazeres da tradição oral em diálogo com a educação formal, para o fortalecimento da
identidade e ancestralidade do povo brasileiro, através do reconhecimento político, econômico
e sócio cultural dos (as) griôs, mestres e mestras da tradição oral do Brasil.”
(www.graosdeluzegrio.org.br)
5
Esta Ação, em parceria com a Secretaria de Cidadania e Cultura, constitui-se por uma rede de 130 Pontos de
Cultura e organizações comunitárias que, com seus Griôs mestres, Griôs aprendizes e representantes da tradição
oral, estabelecem diálogos com as escolas, universidades e entidades educacionais justamente através de projetos
pedagógicos de fortalecimento da identidade e ancestralidade do povo brasileiro.
21
Em 2010, a Lei Griô é aprovada como uma das 32 propostas prioritárias do governo
durante a II Conferência Nacional de Cultura, que aconteceu entre os dias 11 e 14 de março,
no centro de Convenções Brasil 21, em Brasília, evento onde foram encaminhadas 347
propostas nacionais envolvendo 2000 representantes em todo o país.
Atualmente a Associação trabalha nos projetos da Ação Griô Nacional, assessorando
as entidades parceiras, e na busca pela efetivação da Lei Griô. Em sua sede, na cidade de
Lençóis, embora as oficinas encontrem-se temporariamente suspensas em função de uma
reforma que ocorrerá em seu espaço físico, as ações pelas comunidades continuam
acontecendo, além da construção de um projeto para a criação da Universidade Griô.
3. A Pedagogia Griô
Foi pesquisando, repensando e, principalmente, reinventando métodos educacionais,
inspirada pela educação biocêntrica de Rolando Toro6, pela psicologia comunitária de Cézar
Vagner Góis7, pela educação para relações ético-raciais positiva de Vanda Machado8 e pela
educação dialógica de Paulo Feire9, que Líllian Pacheco idealizou a Pedagogia Griô.
Segunda a própria idealizadora trata-se de
uma pedagogia da vivência afetiva e cultural que facilita o diálogo entre as idades,
entre a escola e a comunidade, entre grupos étnico-raciais interagindo saberes
ancestrais de tradição oral e as ciências formais para a elaboração do conhecimento de
um projeto de vida que tem com foco o fortalecimento da identidade e a celebração da
vida (Pacheco 2007, p.86).
Um dos pilares centrais na construção da Pedagogia Griô foi a educação biocêntrica.
Formulado pelo educador Rolando Toro em 1970, o princípio biocêntrico se funda no
pensamento de que o universo está organizado em função da vida. Aplicado à educação, o
princípio biocêntrico busca na afetividade e na vida os alicerces fundamentais de sua ação,
acreditando que, transitando por diferentes formas, espaços e tempos, o processo educativo
deva concentrar-se em oferecer condições para que os educandos se sintam parte integrante de
um ecossistema que precisa ser vivenciado e cuidado com amor. Amor pela vida, pela
natureza, pelos outros e por si próprio. Dessa forma, a educação biocêntrica traz consigo o
6
Nascido em 1924, o educador chileno Rolando Toro elaborou o sistema terapêutico da Biodança, a partir do
qual construiu a proposta da educação biocêntrica.
7
Doutor em psicologia pela Universidade de Barcelona (Espanha),é professor de psicologia da Universidade
Federal da Ceará e coordena o laboratório de estudos sobre a consciência (LESC) da Universidade Federal do
Ceará.
8
Historiadora, doutoranda em educação e especialista em História e Cultura Africanas pela Universidade Federal
da Bahia.
9
Nascido em 1921, em Recife, o notável educador e filósofo brasileiro destacou-se, principalmente, por seus
trabalhos na área da educação popular.
22
preceito de que educar não significa apenas cultivar o intelecto, mas essencialmente cultivar a
afetividade.
A análise de alguns materiais mostra que as ideias difundidas pela Pedagogia Griô
trazem sérias críticas a atual estrutura curricular da educação escolar formal. Na tentativa de
romper com os modelos conservadores dessa educação, e ressaltando a importância da
abordagem do diálogo nos processos educacionais, sua proposta é “intensificar os canais de
percepção da realidade, ritualizando o diálogo e o próprio processo de ensino e aprendizagem
entre as idades na escola e na comunidade” (Pacheco 2007, p. 86).
A intenção é que, a partir da valorização dos saberes e fazeres da tradição oral e da cultura
popular local desenvolvam-se vínculos que possibilitem a emergência do sentimento de
pertencimento, isto é, que as pessoas busquem pertencer aos ambientes e aos lugares, e que
estabeleçam relações com a comunidade em que se encontram.
Segundo Pacheco (2007) a estratégia de ação da Pedagogia Griô, sistematizada,passaria
por quatro momentos integrados, são eles:
1)
A Roda das Oficinas e Cooperativas Grãos de Luz
A idéia inicial é que as crianças, os adolescentes e suas famílias, passem a vivenciar as
propostas pedagógicas do projeto. Os encontros acontecem semanalmente e desenvolvem-se
oficinas de identidade, arte, e cursos específicos que envolvem os mestres e Griôs locais.
A proposta da cooperativa consiste na venda dos trabalhos produzidos pelas diferentes
oficinas (artesanato em retalhos, música e tradição oral, etc.) com o objetivo de gerar renda
para os jovens do projeto.
2)
A Roda da Caminhada do Velho Griô.
Figura criada pelo educador (também idealizador do projeto) Márcio Caíres, o Velho
Griô, através de suas caminhadas (cantantes) realizadas pelas escolas e pelas comunidades,
possibilitaalém de uma rede de comunicação, uma convivência afetiva e cultural com essas
pessoas.
O Velho Griô chega caminhando aos locais e envolve toda comunidade, crianças,
adultos, educadores e diretores, num diálogo dançante sobre mitos, heróis, histórias de vida,
entre outros temas.
3)
A Roda dos Educadores
Regulamentado por um termo de parceria com a Secretaria de Educação, os
educadores da rede municipal da cidade de lençóis que experimentaram, e se encantaram com
a chegada do Velho Griô às escolas, participam de um “encontro de capacitação de
23
educadores Griôs”, onde vivenciam os projetos das oficinas Grão de Luz. A intenção é
integrar a tradição oral ao sistema municipal de ensino.
4)
A Roda da Vida e das Idades
Aqui se dá o encontro de todas as rodas, num diálogo envolvendo todos os
participantes. “O encontro das rodas chama-se Roda da Vida e das Idades, que se inspira na
qualidade multissetorial, intergeracional, dançante e solidária das rodas de capoeira, dos
candomblés, das manifestações culturais indígenas, (…), e outras manifestações e
organizações de tradição oral no Brasil” (Pacheco, 2007, p.28).
Um breve relato de como uma dessas intervenções ocorreu, e geralmente ocorre, pode
ilustrar melhor a forma de atuação do projeto.
A visita aconteceu na Escola Municipal Terezinha Guerra, localizada no município de
Lençóis (Ba), única escola da Comunidade Rural do Quilombo do Remanso e que atende a
mais de 50 crianças do primeiro ciclo do ensino fundamental.
“Tudo começou em abril com uma visita-surpresa. A turma assistia às aulas quando
ouviu vozes vindas de longe entoando antigas cirandas. Todos foram para as janelas,
curiosos que só, e avistaram uma bela moça dançando com uma saia rodada e cheia de
cores, cantando canções do tempo da escravidão. Junto dela, iam as octogenárias dona
Judite e dona Rosa, duas das mais antigas moradoras locais. Os músicos eram animados
homens da comunidade, quetocavam zabumba, triângulo e sanfona. As crianças correram
para fora da sala, uma grande roda formada por velhos e jovens se fez e a moça da saia
colorida se apresentou:
- Eu sou uma jovem Griô, que para os antigos africanos quer dizer ‘contador de
histórias e guardião das tradições orais’. Aprendi com os mais velhos coisas muito
importantes, como as músicas da nossa terra, as histórias dos nossos antepassados e a
ciência escondida em nossos saberes ancestrais. Vim aqui, acompanhada dessas sábias
senhoras, para contar a lenda do diamante e como essa pedra é parte viva de nosso povo.
Durante toda a manhã, a garotada aprendeu velhas canções (e soube em quais
situações elas eram cantadas) e ouviu a trajetória da comunidade. Durante a tarde, dona
Judite contou como aprendeu com a mãe a usar ervas medicinais e preparou um xarope com
as crianças. Seu Robertinho, filho de Judite, ensinou os truques da pescaria sem linhas e
anzóis, fazendo a moçada construir armadilhas de pesca centenárias. Os alunos viram,
24
ainda, como a mandioca se transforma em farinha e em goma de tapioca, bases da culinária
local - um resgate saboroso da própria identidade cultural” (Revista Nova Escola).
4. A aproximação com a educação formal
“Eu costumo dizer que eu tenho mais nome do que tamanho. Eu não passei na
universidade. A minha universidade é a da vida, eu não tenho uma linguagem
elaborada, uma linguagem cheia de ‘esses’, cheia de ‘érres’, mas eu tenho
aquela que a criança me escuta, aquela que eu falo e eles não esquecem,
entendeu?”
Dona Cicí – Mestra Griô do Ponto de Cultura Pierre Verger
Na tentativa de afastar-se do modelo de educação atualmente vigente, onde os
educandos, sentados de costas um para os outros, escutam “passivamente” os infinitos
monólogos versados pelo professores sobre temas abstratos e distantes, e são ainda
geralmente estigmatizados entre “inteligentes” e “burros”, “obedientes” e “problemáticos”,
etc., O Grão de Luz e Griô aproxima-seda Secretaria de Educação de Lencóis na construção
de um projeto de formação de educadores municipais, baseado no modelo de ação pedagógica
da Pedagogia Griô. Um dos primeiros questionamentos de uma funcionária da Secretaria foi
sobre como se daria a rotina do planejamento dos professores.
Segundo Pacheco (2007, p.78) “Não é fácil conversar sobre metodologia de educação
e saberes da tradição oral. É preciso se autorizar ‘artista do invisível’”, especialmente quando
a ciência enxerga com mais importância o que é produzido no chamado primeiro mundo.
A solução encontrada foi, através do diálogo e de uma construção coletiva, pesquisar e
reinventar métodos de educação. Encontrar na comunidade onde estavam os personagens que
traziam a cultura viva em suas memórias, e por meio desses personagens provocar a
participação social, a valorização da palavra e da tradição oral, a fim de que comunidade,
educadores e educandos pudessem se encontrar, num processo onde passado e presente
juntos, (re)construíssem um novo “modelo” de aprendizagem.
Entendo que “ao entrar numa sala de aula, o aluno não deixa suas referências
individuais e socioculturais nos seus nascedouros ou nos corredores da escola, ele traz
consigo sua bagagem de valores e crenças, com os quais vai se desenvolvendo, se
modificando, se aperfeiçoando” (Macedo 2009, p.122), percebe-se que, a Pedagogia Griô
buscou aliar o currículo oficial das escolas aos saberes da cultura popular das comunidades,
aproximando, dessa forma, os conteúdos da realidade local.
25
Apesar dos resultados positivos apontados pela parceria entre o projeto Grãos de Luz e
Griô e o sistema municipal de ensino na cidade de Lençóis, Pacheco afirma que
O Grãos de Luz ainda não chegou a um processo consciente de história de
vida que pode chegar, mas isso é um processo também. Os meninos, hoje, eles olham
a história de vida com arquétipo, com mito, mas eles ainda não juntam com a história
social do mundo, a história social e política. Isso ainda falta. Que precisa. A
pedagogia Griô ainda está se estruturando para poder ter uma prática que movimente
tudo isso, que junte mais tudo isso. Mas é porque está em construção mesmo (Apud
Silva, 2009, p.56).
5. Considerações finais
Partindo da hipótese de que as fórmulas educativas propostas pela educação formal já
há algum tempo vem passando por uma série de leituras críticas, e, como nos alerta Macedo
(2009, p.112) que se faz necessário o questionamento de “...proposições curriculares que se
apresentem como vias únicas”, pode-se enxergar na proposta da Pedagogia Griô, trazida pela
Associação Grãos de Luz e Griô, uma possibilidade viável de se colocar em prática um
projeto de educação que, através da valorização das tradições e saberes populares, permita aos
educandos tornarem-se atores de seus processos de aprendizagem.
Se, convencionalmente, a educação exigia disciplina, silêncio, destreza e um único
tipo de linguagem, a saber a leitura e a escrita, hoje podemos ver na tradição oral, com seu
cantar, contar e dançar uma realidade na aproximação entre a educação e os educandos. Se,
usualmente, somente a figura dos professores detinha o conhecimento, hoje podemos ver nos
mestres das cultura popular “a função de ser portador e guardião da memória e da tradição de
seu povo (…)” (Abib, 2005, p.95). E, se, apenas os livros, as bibliotecas e museus
asseguravam o caminho da cultura e da educação, hoje podemos ver, nos saberes provenientes
da cultura popular, uma fonte inesgotável não apenas de conhecimento mas, principalmente,
de reconhecimento.
Dialogando com a ideia de Gadotti (2000, p.37) de que “todo projeto supõe rupturas
com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado
confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma nova
estabilidade em função das promessas que cada projeto contém de estado melhor que o
presente”, acreditamos que o projeto pedagógico apresentado pela Associação grãos de Luz e
Griô, ainda que venha, e virá, a passar por momentos de reflexão, desconstrução e
26
reconstrução, possa ser visto como um possível caminho na conquista de uma educação que
se pretenda emancipadora e transformadora da realidade.
Referências Bibliográficas
ABIB, Pedro R. J. Capoeira Angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda. Salvador:
EDUFBA; Campinas, SP: CMU Publicações, 2005
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987
GADOTTI, Moacir. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva,
Guacira Lopes Louro. 11.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006
MACEDO, Roberto S. Currículo: campo, conceito e pesquisa. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 2009
MORAES, A. C.; CUNHA, S. N. F.; SANTOS, T. M. 2007. Os quilombos urbanos
versuseducação formal: a sobrevivência das práticas corporais: In: XV Congresso Brasileiro
e II Congresso Internacional de Ciências do Esporte, 2007, Recife. Anais XV congresso
Brasileiro e II Congresso Internacional de Ciências do Esporte. Recife, v.15. p.97-113.
PACHECO, Lílian. Pedagogia Griô – A reinvenção da roda da vida. 2. ed., Grãos de Luz
eGriô, Lençóis / BA, 2007.
REVISTA NOVA ESCOLA. O passado e o presente. São Paulo: Abril. Nov/2009 ed. 277.
SILVA, Juliana, L. Experimentação em cultura, educação e cidadania: O caso da
Associação Grãos de Luz e Griô. 2009. 136f. Dissertação (Mestrado Profissional em Bens
Culturais e Projetos Sociais) Faculdade Getúlio Vargas, Rio de Janeiro.
Grãos de Luz e Griô. Disponível em: www.graosdeluzegrio.org.br.
27
LIDERANÇAS NEGRAS EM FEIRA DE SANTANA: RELATO DE UMA
EXPERIÊNCIA DE CONSTRUÇÃO DE REFERENCIAIS POSITIVOS NO ENSINO
MÉDIO
Dulcinea Cerqueira Coutinho Barros10
RESUMO: Trata-se de um relato de experiência pedagógica realizada com alunos do 1° Ano
do Ensino Médio do Instituto de Educação Gastão Guimarães. Objetivou conhecer as
lideranças negras locais, partindo de pesquisa diagnóstica em bairros e distritos de Feira de
Santana. Por meio de leituras, discussões e entrevistas, os alunos foram convidados a refletir
sobre o papel da escola na manutenção ou superação da exclusão social do negro e da
reafirmação ou desconstrução dos preconceitos. Foram biografadas dezenove trajetórias
individuais de luta de homens e mulheres que desenvolvem atividades de valorização da autoestima negra ou buscam soluções para a situação de exclusão dos afrodescendentes em nossa
cidade. Esse trabalho representou a primeira iniciativa concreta de inclusão da História e
Cultura Afro-brasileira e Africana no âmbito da sala de aula, contemplando o que preconiza
as Leis 10.639/03 e 11.645/08. Contribuiu, em primeira instância, para a formação de um
sentimento de valorização do negro em suas múltiplas contribuições, aguçando entre os
alunos um sentimento de pertença, mas também, permitiu a todos os envolvidos atuar como
construtores de um saber histórico local ainda pouco explorado.
Palavras-chave: ensino –afrodescendência – história local.
APRESENTAÇÃO
A intervenção pedagógica intitulada LIDERANÇAS NEGRAS EM FEIRA DE SANTANA
nasceu das leituras e reflexões propostas durante o Curso Africanidades e Educação oferecido
pela Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC-BA) em parceria com o Instituto
Anísio Teixeira (IAT) a professores da rede pública no ano de 2010.
A temática do curso veio preencher uma lacuna da minha formação acadêmica em História,
carente em estudos sobre a África e com uma superficialidade no que se refere à trajetória dos
afrodescendentes no Brasil. De uma forma geral, a ausência desses saberes na formação do
professor dificulta a introdução efetiva da História da África e das Culturas Afro-brasileiras
nos currículos escolares dos ensinos Fundamental e Médio.
10
Graduada em História- UEFS (2000), Especialista em Metodologia do Ensino, Pesquisa e Extensão em
Educação- UNEB (2001) e em Política do Planejamento Pedagógico: Currículo, Didática e Avaliação- UNEB
(2007). Professora da Rede Estadual de Ensino - Bahia desde 2001.
28
Como forma de iniciar e ampliar o debate em torno da inclusão da História da África e das
culturas Afro-brasileiras e indígenas no Instituto de Educação Gastão Guimarães a Área de
Ciências Humanas e suas Tecnologias propôs desenvolver o Projeto “Brasil Africano:
reconstruindo saberes e vencendo preconceitos”, no qual, a intervenção pedagógica
“Lideranças Negras em Feira de Santana” esteve ligada como um sub-projeto. Optei em
trabalhar com a temática lideranças negras locais, propositadamente, primeiro, porque queria
conhecer os referenciais de negritude que meu aluno conhecia, segundo, porque queria
desenvolver um trabalho de pesquisa em que eles pudessem sentir-se produtores de
conhecimento e, terceiro, porque não existia nenhum documento ou material didático no
nosso Município que resgatasse essas trajetórias individuais de luta pela inclusão do negro na
sociedade.
Esse sub-projeto foi desenvolvido ao longo de três unidades letivas do calendário escolar de
2010 com alunos das oito turmas de 1º Ano do Ensino Médio do turno matutino, nas quais,
atuava como professora de História. Entre os objetivos propostos estava o de mapear e trazer
a público as lideranças negras que atuavam em Feira de Santana, partindo da pesquisa nos
bairros e distritos onde os próprios alunos residiam. Os dados coletados nas entrevistas foram
trabalhados em sala de aula e, posteriormente, organizados numa publicação para divulgação
na comunidade escolar e externa.
A iniciativa trouxe ganhos efetivos para professores e alunos. Estimulou o respeito e
valorização da identidade negra, proporcionando a muitos a oportunidade que faltava para
assumir-se negro, fez emergir do anonimato pessoas que trabalham em prol da igualdade de
oportunidades para os afrodescendentes e ainda aproximou o aluno da história local, do sentirse ator e produtor da História.
OBJETIVOS
GERAL
Conhecer as lideranças negras de Feira de Santana, partindo de pesquisa diagnóstica em
bairros e distritos onde os alunos residiam;
ESPECÍFICOS
29
Promover a inclusão da História e Cultura Afro-brasileira e Africana no âmbito da sala de
aula, contemplando o que preconiza as Leis 10.639/03 e 11.645/08.
Pesquisar e interpretar indicadores sociais sobre a população negra brasileira;
Enfocar as lutas e conquistas de líderes negros no Brasil e no mundo;
Elaborar biografias das lideranças negras locais pesquisadas;
Confecção de material impresso para divulgação na comunidade escolar e externa.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A cultura hegemônica ocidental perpetuou o olhar maniqueísta do “bem” sobre o “mal”, do
“civilizado” contra o “bárbaro”, do “belo” sobre o “feio”, no qual, o padrão europeu é o
centro gravitacional por excelência. Tudo que não comunga com esse lugar-padrão está num
plano periférico, logo, considerado inferior e deve ser dominado, subjugado ou descartado.
Carneiro salienta que “esse conhecimento científico foi vulgarizado, com o objetivo de
facilitar sua compreensão pelo grande público, interferindo no imaginário social, gerando ou
reforçando estereótipos e atitudes discriminatórias” (2007, p.21). A escola, filha do paradigma
moderno, absorveu ao longo de sua existência boa parte dessa teoria racista materializada no
Arianismo, no Darwinismo social e na Eugenia. Livros didáticos e materiais pedagógicos
perpetuaram e ainda ajudam a reforçar o etnocentrismo dos europeus.
Para Napolitano (2005, p.164) "a maior parte dos currículos formais ainda está formatada (nas
emendas e nos programas) sob a forma quadripartite da divisão historiográfica" e completa
afirmando que a estruturação do currículo escolar de História do Brasil, em sua origem, no
século XIX, recaía sobre a História Universal, relegando o ensino de História do Brasil a um
segundo plano, até os anos 30 do século XX. Fernandes (2005) ao propor uma análise mais
acurada de nossos currículos, programas de ensino e livros didáticos também constata a
preponderância da cultura dita "superior e civilizada", de matriz européia.
30
A escola brasileira, de uma maneira geral, tornou-se refém desse modelo de organização
implantado pelos portugueses através do Colégio Pedro II e do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro- IHGB, o primeiro, criado para formar os filhos da nobreza, instalados
no Rio de Janeiro e, o segundo, imbuído da tarefa de construir a genealogia da recém criada
Nação brasileira. Nesse projeto de Nação, a matriz branca européia é a base da civilização, em
detrimento de índios e negros que aparecem estereotipados como o "bom selvagem", o
"primitivo", o "sem alma".
Imagens negativadas do ameríndio ou do negro povoaram os livros didáticos no Brasil e
ajudaram a tecer as redes de preconceito que ainda persiste entre nós. Por ser o principal
instrumento utilizado nas salas de aula brasileiras, muitas vezes, o livro didático recobre-se de
“verdades absolutas” e “saberes inquestionáveis” tanto para professores quanto para alunos.
Silva (2004) mapeia estudos sobre o livro didático no Brasil e aponta os anos 1950 como
marco inicial das preocupações. Para ela, "o livro didático, de modo geral, omite o processo
histórico e cultural, o cotidiano e as experiências dos segmentos subalternos da sociedade,
como o índio, o negro, a mulher, entre outros. Em relação ao segmento negro, sua quase total
ausência nos livros e a sua rara presença de forma estereotipada concorrem, em grande parte,
para o recalque da sua identidade e auto-estima” (SILVA, 2004, p. 51).
As contribuições das novas perspectivas para a pesquisa histórica (História Social inglesa,
Nova História francesa, Nova História Política) trouxeram mudanças na escrita da História. A
problematização das cronologias rigidamente estabelecidas, os novos objetos, métodos e
sujeitos que emergiram desse processo possibilitaram um novo olhar sobre a realidade e sobre
o passado. Analisando a influencia dessas novas tendências no Brasil, Rago (1999) afirma que
das questões femininas e do gênero à masculinidade, da sexualidade às
relações raciais, da história do público ao privado, da ciência à
religiosidade e à magia, da cultura erudita à cultura popular e à mídia,
da história social à história cultural, assistimos a uma crescente
produção acadêmica, criativa, instigante e polêmica, nas últimas
décadas. (1999, p.74)
Avanços na educação básica também são notados conforme salienta Napolitano (2005, p.179)
“no contexto pedagógico atual, a História Contemporânea, tendo em vista que ela está mais
próxima do cotidiano do aluno, tem sido muito valorizada como ponte para o estudo do
passado mais remoto”. Parece-nos que a história do tempo presente, do espaço local, dos
31
novos grupos sociais, pode ser o ponto de partida para a construção de novas representações,
novos conteúdos para a sala de aula.
Somado a essas mudanças teórico-metodológicas, as lutas e reivindicações travadas por
movimentos civis organizados, ao longo de décadas do século XX, visando resgatar
historicamente a contribuição dos negros na construção e formação da sociedade brasileira
obteve ganhos expressivos através da regulamentação das Leis 10.639/03 e 11.645/08. Nesse
arcabouço legal, o negro é evidenciado como um elo formador da identidade nacional. Porém,
para além desse respaldo trazido pela legislação, novos desafios são lançados, principalmente,
para nós educadores. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2005)
apontam que a criação de pedagogias de combate ao racismo e a discriminação é um desses
desafios.
A via escolhida para desenvolver esse trabalho partiu das mudanças teórico-metodológicas
ocorridas na escrita da História e da necessidade de construir um caminho pedagógico para o
ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no Ensino Médio. Ao resgatar
trajetórias individuais de homens e mulheres que afirmam no fazer cotidiano seus laços de
ancestralidade podemos, em parte, responder à demanda por reconhecimento e valorização da
comunidade afro-brasileira. Esses homens e mulheres que lutam contra a discriminação racial,
pela valorização da cultura e identidade afro-brasileira, em prol da igualdade de
oportunidades para os afro-descendentes são conceituadas, nesse trabalho, de lideranças
negras.
Sabemos que a regulamentação das Leis 10.639/03 e 11.645/08 não garantem,
instantaneamente, a mudança de mentalidade. Esse é um trabalho lento e coletivo. O Estado
precisa investir na diversidade cultural, racial, social e econômica da Nação brasileira. As
escolas precisam de forma efetiva repensar seus currículos, incluindo diariamente, nos
conteúdos e atividades as contribuições histórico-culturais de todos os grupos formadores
dessa sociedade plural, sem hierarquizar valores e contribuições das matrizes étnicas. Os
professores da educação básica precisam de formação específica para responder a essas novas
demandas, não apenas o professor de História (sobre o qual parece recair unicamente a
responsabilidade de aplicar a Lei). As universidades e seus pesquisadores terão que dialogar
32
com esses professores, fornecendo material bibliográfico, acompanhando os trabalhos
desenvolvidos, trocando saberes. Muito está por fazer, disso ninguém tem dúvida. Iniciativas
daqui e dali começam a aparecer: reformas curriculares nos cursos de licenciatura, incluindo a
discussão da questão racial na formação de professores; ampliação dos cursos de pósgraduação e de pesquisas acadêmicas nessa área; editoras e autores de materiais didáticos já
começam a responder a essas novas demandas sociais; professores buscam desenvolver
experiências de educação para as relações étnico-raciais e crianças, jovens adultos das nossas
escolas públicas tem seu interesse reforçado pelo processo educativo.
METODOLOGIA
O sub-Projeto foi desenvolvido pelos alunos do 1º ano do Ensino Médio, turmas 01 a 08 do
turno matutino, sob a orientação conjunta das professoras de História e Geografia, em aulas
das referidas disciplinas, durante os meses de maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro e
novembro de 2010, fazendo uso de aulas da 2ª, 3ª e 4ª unidades letivas. Essa diluição temporal
do Projeto e Sub-projeto em várias unidades letivas foi uma opção discutida e decidida pelos
professores da Área de Ciências Humanas e suas Tecnologias visando o não
comprometimento dos outros conteúdos curriculares das disciplinas e para que a inclusão da
História e Cultura Afro-brasileira e Africana não ficasse presa a um tempo rígido, com hora
determinada para começar e acabar. Ainda assim, ficou acordado que o dia 22 de novembro
seria o momento de toda a comunidade escolar compartilhar os saberes construídos, marcando
na escola as comemorações pela passagem do Dia da Consciência Negra.
As atividades do Sub-projeto foram planejadas para acontecerem concomitante aos conteúdos
específicos das disciplinas envolvidas ou sempre que se fizesse necessário dar orientações ou
tirar dúvidas dos alunos. Mas, por se tratar de um tema específico da história local, reservouse a primeira semana de cada unidade para se levantar proposições ou fazer um balanço
acerca da evolução do trabalho. Dessa forma, tivemos quatro momentos importantes em seu
desenvolvimento:
1º momento: Sensibilização dos alunos acerca do tema e diagnóstico da viabilidade do projeto
junto às turmas: apresentação dos vídeos: “Teste feito com crianças negras”, “Vista a minha
pele” e “Espelho, espelho meu” - Qual o papel da escola na reafirmação ou desconstrução dos
preconceitos? Havia a necessidade de se levantar essa problemática em nossa escola?
33
2º momento: Seminário realizado pelas professoras expondo dados estatísticos e indicadores
sociais sobre a população afro descendente no Brasil; Conceito e definição de Liderança
Negra; Líderes negros, lutas e conquistas no Brasil e no Mundo.
3º momento: Formação de grupos utilizando o critério ‘local de moradia’: a partir de seus
bairros ou distritos os alunos levantaram possíveis nomes de lideranças negras e realizaram
entrevistas; Escrita de biografias.
4º momento: Correção das produções de texto, digitação, impressão na gráfica e divulgação
na comunidade escolar e externa.
O trabalho realizado pelos alunos foi pontuado pelas disciplinas História e Geografia com o
valor total de 5,0 pontos divididos entre a 3ª e 4ª unidade.
DISCUSSÃO
Tanto Reis e Ferreira (2008) quanto Canen e Oliveira (2002) fazem um alerta da necessidade
de se distinguir as diversas abordagens por meio das quais as relações étnico-raciais pode ser
inserida na prática pedagógica, que engloba das abordagens folclóricas ou exóticas às do
multiculturalismo crítico. Segundo estes estudos, na primeira abordagem, o multiculturalismo
preconiza a valorização da diversidade cultural sem questionar a construção das diferenças e
estereótipos, reduzido a um "adendo" ao currículo regular, não visa a transformação da
sociedade desigual e preconceituosa. Ao contrário, numa postura multicultural crítica, a
identificação e superação dos mecanismos históricos, políticos e sociais que impõe o
silenciamento de identidades e a marginalização de grupos é o cerne. Canen e Oliveira (2002)
vão além ao apresentarem um estudo de caso no qual se aplica à prática pedagógica o
multiculturalismo crítico, baseado na crítica cultural, na hibridização e na ancoragem social
discursiva. As autoras salientam que "a prática pedagógica multicultural é uma prática que se
constrói discursivamente, por causa de intenções voltadas ao desafio à construção das
diferenças e dos preconceitos a ela relacionados".Concluem, afirmando que a educação e a
formação de professores não podem mais se omitir quanto a questão multicultural.
A intervenção pedagógica "Lideranças negras em Feira de Santana" foi fruto das primeiras
leituras e discussões de suas idealizadoras sobre a necessidade de inclusão da História da
África e das culturas Afro-brasileiras e indígenas na sala de aula. Não pretendeu ser a última
nem a única. Não foi fiel ao mais crítico dos multiculturalismos, tão pouco, limitou-se a mera
34
valorização da diversidade cultural sem questionar a construção histórica, social e política
dessas diferenças e estereótipos. Estamos certas de que a formação de professores é essencial
para que novos olhares e fazeres ultrapassem os muros de nossas escolas e ajudem a construir
uma sociedade menos desigual, mas, não menos, plural.
RESULTADOS
Partirei de depoimentos dos próprios alunos para avaliar os resultados desse trabalho:
“Inicialmente, achei a tarefa difícil, pois não sabia que aqui em Feira tinha tantas lideranças
negras. Ao conhecer Ivannide Santa Bárbara me surpreendi com seu conhecimento, com sua
luta e garra para defender o movimento negro” (Verônica Santos)
“Esse trabalho com as lideranças negras me fez reconhecer quanto valor tem o negro na
sociedade” (Hugo Barbosa de Souza)
“Ver o nosso trabalho exposto em um livro foi muito gratificante para mim” (Liviane Bispo)
O trabalho com lideranças negras me fez valorizar ainda mais o que já gostava” (Micaele
Ribeiro da Conceição)
A intervenção pedagógica “Lideranças Negras em Feira de Santana” atendeu a
intencionalidade da Lei 10.639/03 e às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnicas-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana
quando esta última determina que o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira “se fará por
diferentes meios, inclusive, a realização de projetos de diferentes naturezas, no decorrer do
ano letivo, com vistas à divulgação e estudo da participação dos africanos e de seus
descendentes em episódios da história do Brasil, na construção econômica, social e cultural da
nação, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação
profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social”(2005, p.22).
Ao trazer à prática educativa a luta de sujeitos, até então, excluídos do conteúdo escolar e da
cena social de nosso Município, percebemos que muitos dos nossos alunos identificaram-se
35
com as trajetórias de vida e luta das lideranças pesquisadas, orgulhando-se das contribuições
dos africanos e dos afrodescendentes para a construção da nossa nacionalidade e
municipalidade. Demonstraram interesse sistemático pelo tema do Projeto e, em específico,
do Sub-Projeto, solicitando, inclusive, indicações de textos, filmes e músicas que tratassem da
identidade e resistência negra. O contato direto dos alunos e professores com as lideranças
negras locais, através de conversas e entrevistas, gerou novos conhecimentos e experiências.
Esse contato estimulou o respeito e a valorização da identidade negra, proporcionou a
oportunidade que faltava a muitos deles para assumir-se negro. Além disso, a escolha em
trabalhar o tempo presente e o entorno do aluno (seu bairro/ distrito/ município) permitiu a
consolidação do trabalho de pesquisa de campo, fazendo análise diagnóstica, entrevistas,
sistematização e discussão dos dados coletados e facção de texto escrito. No contexto escolar
isso só foi possível porque optamos em trabalhar com a História local e com um tema cuja
demanda era reprimida.
Essa iniciativa trouxe ganhos efetivos de aprendizagem para professores e alunos, talvez, o
principal deles foi chegarmos à conclusão de que a escola não deve se omitir, se esconder
atrás das cortinas da suposta democracia racial. Ela deve ser o espaço privilegiado de
construção e valorização dos diversos referenciais identitários, sem revanchismos. Não temos
um caminho pronto, mas temos a vontade de caminhar. Esse Sub-projeto representou o
primeiro passo.
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2004.
37
DIÁLOGOS ENTRE CULTURA E EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE: A
EXPERIÊNCIA DO PROJETO TOCANDO EM FRENTE EM RIACHÃO DO
JACUÍPE-BA
Ana Lise Costa de Oliveira
Pedro Paulo Santos
RESUMO: Este trabalho busca discutir as relações entre educação contemporânea e as
questões vinculadas à cultura e a educação musical, considerando as práticas educativas
decorrente dessa interação. Pretende-se aqui relatar a experiência de um projeto intitulado
“Tocando em Frente", que está sendo realizado no município de Riachão do Jacuípe, no
semiárido baiano. O referido projeto foi idealizado na ocasião da conquista do Selo
UNICEF_na Edição 2008, onde o nosso município recebeu como prêmio a importância de 25
mil reais para investir em ações sócio-educativas para suas crianças e seus adolescentes.
Desde então o projeto Tocando em Frente atua como uma escola de música, e vem atendo a
um público infanto-juvenil composto de estudantes de escolas públicas e oriundos em sua
maioria de bairros carentes da cidade, o que justifica a situação de vulnerabilidade social
daqueles. A escola de música, conta atualmente com três professores que se distribuem no
ensino dos seguintes instrumentos: violão, sax, flauta, bateria e teclado. Perfazendo num total
de 100 alunos matriculados, a referida escola que funciona de segunda a sexta-feira, vem se
destacando em seus seis primeiros meses de funcionamento, uma vez que tem promovido o
resgate da cultura musical, que tradicionalmente sempre foi um dos atrativos da cidade. Nesse
sentido, o projeto tem como missão além de instituir no município, uma escola de música
voltada para crianças e adolescentes, buscar por meio desta a garantia dos direitos humanos e
sua plena efetivação no que tange ao exercício da cidadania e ao acesso a cultura através da
música. No tocante à metodologia, o projeto da escola de música está sendo mantido pela
prefeitura municipal, através de suas secretarias de Educação e Cultura, bem como a
secretaria de Assistência Social. Os ciclos de formação são três: capacitação de alunos,
capacitação de professores, capacitação de arte-educadores e demais lideranças comunitárias.
Como resultados o projeto, em sua primeira fase, está desenvolvendo o gosto e a valorização
da cultura local, por meio da formação musical de alunos da rede pública, incluindo
portadores de necessidades especiais. Portanto, este projeto se caracteriza por envolver em sua
essência crianças e adolescentes de todo o município, carentes e desprovidos de acesso à
cultura e outros bens culturais afins, principalmente aqueles que estão vulneráveis à violência,
as drogas, ao trabalho infantil e aos diversos tipos de exploração; procurando reconhecê-los
como sujeitos sócio-culturais, bem como protegê-los de todas essas mazelas sociais citadas; e
visando descobrir nestes, talentos revelados pela música que promovam a garantia dos
direitos humanos a exemplo do exercício da cidadania, ética, diversidade cultural e
principalmente a dignidade.
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Palavras-chave: Educação e Cultura; Educação musical; Práticas educativas
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A experiência intitulada “Diálogos entre cultura e educação na contemporaneidade: a
experiência do Projeto Tocando em Frente em Riachão do Jacuípe-BA” está sendo
realizada, desde março do corrente ano, no âmbito gestacional do poder público municipal na
cidade de Riachão do Jacuípe, envolvendo duas secretarias: a de Educação e Cultura e a de
Ação Social, com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social,
prioritariamente, sendo estes estudantes do ensino básico cursando entre as modalidades
fundamental e médio. Temos como objetivo principal neste trabalho socializar nossa
experiência discutindo as relações entre educação contemporânea e as questões vinculadas à
cultura e a educação musical, considerando as práticas educativas decorrente dessa interação.
Assim, percebe-se que o cenário da educação contemporânea carrega em si muitas
vicissitudes. São muitos os desafios que educadores e educadoras precisam enfrentar para que
a educação possa fazer sentido na formação das novas gerações. Soma-se a isso as inúmeras
demandas sociais que impulsionam novas exigências, como é o caso do acesso às tecnologias
e do proativismo crescente dos sujeitos. Do ponto de vista da Educação e da Cultura, estamos
vivenciando uma crise de valores e de identidade sócio-cultural, uma época de contradições,
de intensos vazios de normativa moral, ética e cultural, no qual alguns estudiosos chegam a
afirmar que estamos numa era do “pós-dever” e das identidades multifacetadas, vazias de
sentido e de pertencimento. (BAUMAM, 1997; HALL(2006). Concorrendo para a superação
desse quadro, a educação do século XXI tem mais um desafio que culmina na promoção de
sujeitos sócio-culturais dinâmicos, conscientes, dialógicos em relação ao respeito das
diferentes culturas.
Tendo em vista essa realidade, este artigo intenciona somar-se às discussões do II Seminário
Nacional Educação e Pluralidade Sócio-Cultural, mais especificamente no Eixo1: Currículos
e Práticas Educativas. Nesse sentido, relataremos a seguir uma experiência exitosa, que está
sendo desenvolvida no âmbito de uma educação não-formal, explorando a tessitura da prática
educativa de um projeto que abriga uma rica diversidade de sujeitos.
DESCREVENDO A PRÁTICA EDUCATIVA DO PROJETO TOCANDO EM
FRENTE NA VISÃO DE SEUS ATORES, SUJEITOS SÓCIO-CULTURAIS
39
Ao adentrarmos nos pormenores desse relato, faz-se necessário antes discutirmos
suscintamente os conceitos-chave que delineiam a nossa temática em questão a saber:
educação, cultura ,educação musical e práticas educativas. Sobre a educação, entendemos
como sendo uma prática eminentemente social responsável pela formação intelectual e
psicossocial de pessoas, onde no contexto da contemporaneidade é reconhecida como a
promotora dos novos tempos, aquela que abarca no seu seio as demandas e contradições
sociais da atualidade, onde coexistem os vários modelos de formação, no qual se busca um
novo caminho que vai ao encontro dos ideais individuais e sociais. (CHARLOT, 2008;
D’ÁVILA, 2008).
No tocante à cultura conforme Chauí (2009, p.10), a cultura é “a ruptura da adesão imediata á
natureza, adesão própria aos animais e inaugura o mundo humano propriamente dito”. A
partir do século XX a cultura passa a ser entendida como um campo simbólico em que a
humanidade cria símbolos, signos, práticas e valores para definirem a si próprios. Assim,
convivendo no século XXI, entendemos como cultura um modo de sentir e de agir de um
povo, isto é, tudo que as pessoas lançam mão para construir sua experiência, tanto em termos
matériais como espirituais, envolvendo aspectos físicos e simbólicos, de natureza material e
imaterial em torno. Para Santos (2005) apud SELO UNICEF (2008, p.2) o conceito de cultura
está “intimamente ligado às expressões de autenticidade da integridade e da liberdade. É uma
manifestação coletiva que reúne heranças do passado, modo de ser do presente e aspirações,
isto é, o delineamento do futuro desejado”.
Junto a isso, pleiteia-se o desafio de uma educação musical que compreende, segundo Martins
(1992) e Gohn (2011) é aquela que oportuniza ao indivíduo o acesso à música enquanto arte,
linguagem e conhecimento. A educação musical, assim como a educação geral e plena do
indivíduo, acontece assistematicamente na sociedade, por meio, principalmente, da industria
cultural e do folclore e sistematicamente na escola ou em outras instituições de ensino nãoformal, sendo este última a modalidade que contempla a nossa experiência.
Nesse sentido, integrado aos conceitos de educação, cultura e educação musical temos o
conceito de práticas educativas, que contemplam na contemporaneidade um conjunto de
saberes que sistematizam a aquisição do conhecimento por parte dos sujeitos. Para Freire
(1996) e Gadotti ( 2000) deve-se entender por práticas educativas toda ação pedagógica que
40
medeia a construção do conhecimento, através da conscientização e autonomia dos sujeitos
que interagem e constroem o aprendizado, tendo a cultura e a dialogicidade como elementos
essenciais à formação dos sujeitos sócio-culturais. Em síntese, o relato dos sujeitos que se
seguem tem como desafio a promoção de uma prática pedagógica, voltada para a educação
musical, que vai para além da mera reprodução de conteúdos e passa a ser uma ação política
de troca de concretudes e de transformação.
Assim, reforçamos aqui a idéia de que a educação contemporânea carrega em si múltiplas
faces que a coloca num lugar privilegiado considerando sua condição de aprendência, sua
intrínseca relação com a cultura e a urgência de se trabalhar nas escolas e na sociedade com os
valores humanos universais, tendo a música perpassando a transversalidade do conhecimento.
Sabemos que os direitos humanos são aqueles comuns a todos sem distinção alguma de etnia,
nacionalidade, sexo, classe social, nível de instrução, religião, opinião pública, orientação
sexual e julgamento moral. Conforme, Benevides (2004) e Rocha (2009), estes direitos
decorrem do reconhecimento da dignidade intrínseca a todo ser humano, assegurados pela
Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada há 60 anos. Desse período até os
dias atuais, muita coisa mudou. Apesar de alguns avanços, como a criação de leis, por
exemplo, o ECA, órgãos do governo e ONGs. Convivemos com a vulnerabilidade social que
atinge a todos, sobretudo crianças e adolescentes remetendo assim à constante violação dos
direitos humanos.
Nesse sentido, este projeto se caracteriza por envolver em sua essência crianças, e
adolescentes, de todo o município, carentes e desprovidos de acesso à cultura e outros bens
culturais afins, entre os 10 e 17 anos, que estejam regularmente matriculados em escolas
públicas principalmente aqueles que estão cadastrados no programa Bolsa Família assim
como alunos integrantes da APAE (sem limite de idade), principalmente aqueles que estão
vulneráveis à violência, as drogas, ao trabalho infantil e aos diversos tipos de exploração;
procurando protegê-los de todas essas mazelas sociais e visando descobrir nesses talentos,
revelados pela música, que promovam a garantia dos direitos humanos a exemplo do
exercício da cidadania, ética, diversidade cultural e principalmente a dignidade.
O Projeto Tocando em Frente ainda tem como missão instituir no município de Riachão do
Jacuípe uma escola de música voltada para crianças e adolescentes, buscando a garantia dos
41
direitos humanos e sua plena efetivação, no que tange ao exercício da cidadania e ao acesso a
cultura através da música. Além disso, como objetivos específicos temos: promover aulas de
músicas e de canto, buscando assim por meio de uma atividade integral tirar crianças e
adolescentes das ruas; disponibilizar atividades musicais que visem à valorização de crianças
e adolescentes como seres humanos integrais; combater a exploração do trabalho infantil,
assim como a exploração sexual de crianças e adolescentes através de capacitação, oficinas e
aula de músicas e por último, estimular o bem estar, a conscientização e o reconhecimento de
seus direitos e a esperança de um futuro promissor para crianças e adolescentes carentes do
nosso município.
No que se refere à sua trajetória, o nascedouro do projeto foi no ano de 2008, com a conquista
do Prêmio Selo UNICEF município aprovado, onde se discutiu o destino dos 25 mil reais da
premiação, em reuniões ampliadas envolvendo poder público representado pelo prefeito,
secretários municipais, conselhos municipais em especial o Conselho Municipal de Direitos
da Criança e do Adolescente (CMDCA), bem como sindicatos dos trabalhadores e de
professores, associações comunitárias e outras entidades. O então articulador municipal do
Selo Unicef lançou a idéia de se criar um projeto que envolvesse a cultura local,
especialmente a música, devido a cidade ter uma Fila Harmônica premiada e reconhecida
estadual e nacionalmente, formadora de boa parte dos músicos da cidade e da região. Em
reuniões posteriores, o projeto foi se tecendo ao longo dos anos de 2009 e 2010. No início de
2011, com a aprovação do referido projeto pela comissão do Selo Unicef com sede em
Salvador, houve liberação do recurso financeiro e a implantação se deu de fato no mês de
janeiro do corrente ano com abertura das matriculas e divulgação dos trabalhos durante o mês
de fevereiro.
Nesse sentido, desde março de 2011, o projeto Tocando em Frente tem funcionado no espaço
do palco municipal, contando com 100 alunos matriculados, 10 turmas, 3 professores de
música, que ministram aulas dos seguintes instrumentos: violão, flauta, sax, bateria e teclado.
As aulas funcionam de segunda a sexta-feira, nos turnos matutino e vespertino, no contraturno
de horário em que os alunos freqüentam as escolas. O projeto também conta com apoio de
uma pedagoga que exerce a função de coordenadora pedagógica, e um funcionário que atende
aos serviços de limpeza e auxiliar administrativo.
42
Nesse ínterim, a dinâmica pedagógica do projeto, ainda está na sua primeira fase na qual está
ocorrendo a formação musical de crianças e adolescentes, atendendo uma das metas principais
que se pretende atingir. A prática educativa está organizada por aulas teórico-práticas, onde
alunos recebem o conhecimento da teoria musical e também quase que simultaneamente
exercitam o que aprenderam no contato direto com os instrumentos específicos. As aulas têm
uma duração de 2 horas para cada turma, e os alunos que sentirem vontade continuar
praticando podem reforçar o conhecimento em outras turmas. Os professores se reúnem a
cada quinze dias com a pedagoga para reunião de planejamento do módulo das aulas.
Ressalta-se que na visão dos alunos a escola de música representa um espaço de
aprendizagem, onde a música representa um momento deles se sentirem felizes e aprenderem
algo novo e diferente. Para esses alunos também esse é mais um espaço de socialização, de
encontro com outros sujeitos, revelando a natureza afetiva que o ambiente traz, perpassando
pelo aprendizado musical que muitas vezes é compartilhado uns com os outros, com muito
mais freqüência do que no ambiente escolar formal. È interessante como os alunos enquanto
sujeitos percebem a escola em suas nuances específicas. De um lado representa um espaço
onde se aprende a música. De outro um espaço que tem um propósito de abrigar esses
sujeitos, os afastando da situação de risco social. Isso se confirma na entrevista concedida por
4 alunos das quais se destacam duas falas que expressam muito bem o momento especial que
demonstram estar vivenciando em suas vidas escolares:
“Eu acho a escola muito legal, aqui a gente música mesmo, eu acho isso
muito importante. Gosto de tocar teclado, quando o professor me ensina as
notas e aos poucos vou aprendendo a tocar e parabéns é a música que tou
aprendendo agora.”
“Essa escola pra mim é importante, sim, é uma coisa muito boa, tira os
jovens da rua. Queria que alguns colegas meus viessem pra também e
aprender como eu tou aprendendo.”
No ponto de vista dos professores a escola de música é como um sonho realizado.
Reconhecem que é desafiante trabalhar com essa modalidade de ensino, porque ensinar
música é complexo e precisa-se não só de conhecimento técnico, mas também ter dedicação,
paciência e respeitar a diversidade de estilos musicais, bem como respeitar o ritmo de
aprendizagem dos alunos. Acreditam, assim como os alunos, que o projeto transformado em
escola de música tem uma missão importante que é colaborar com ações educativas para
43
afastar crianças e adolescentes das situações de vulnerabilidade social. Os docentes salientam
também que lidar com o repertório e a diversidade musical dos alunos, não é tarefa fácil, mas
para tanto lançam mão de aprender junto com os alunos, escutá-los em suas sugestões, e
orientá-los a escolher um bom repertório musical durante os exercícios das aulas, o que inclui
a introdução da escuta dos clássicos e do que há de contemporâneo proporcionalmente. Alem
disso pretendem formar bons músicos com o trabalho que tem feito, acreditam sobretudo no
potencial artístico dos seus alunos e por isso investem nisso como carro chefe do seu fazer
educativo cotidiano. Vejamos o que dizem os professores:
“Ser professor de escola de música é mais um aprendizado. Aprendo com os
alunos também. Estou relembrando tudo que sei e aprendendo coisas novas.
É gratificante trabalhar aqui, ver nos meus alunos um aprendizado rápido e
são talentos novos em Riachão. Eu encarei essa oportunidade, porque sou
determinado, tenho paciência e ouço bem. No dia a dia as vezes é
complicado acompanhar o ritmo do aluno, mas com dedicação vejo eles se
desenvolverem aos poucos e mostrando seus talentos. Estou envolvido no
mundo da música há mais de 30 anos e me dedico há mais de 15 anos como
professor de música e meu maior orgulho é o aprendizado e o sucesso
profissional de meus alunos. Pra mim estou realizando um sonho, porque
trabalhar e formar crianças e adolescentes me dá a sensação de que estou
fazendo a coisa certa.” Ivonaldo, Professor de Violão.
“Fui aluno do Mestre Benzinho, na Fila Harmônica Lira 8 de setembro e
hoje sou professor desta escola de música. Fazer música boa hoje é um
desafio. No meio de tanto besteirol, é difícil, mas com paciência eu meus
colegas temos conseguido fazer com que os alunos ouçam os artistas
modernos, sem esquecer dos clássicos. Me orgulho quando eles escutam
Pixinguinha, Pepê Romero, Dilermano Reis, grandes artistas do passado
que estão cada vez mais vivos, e também ouvem Yamandu Costa e Robson
Miguel artistas de boa qualidade de que tocam hoje. Meu sonho é ver meus
alunos de hoje sendo bons músicos amanhã. É gratificante ver os alunos da
APAE aqui aprendendo música com a gente. A música mexe com os
sentimentos, não quero que meus alunos sejam analfabetos musicais, é
surpreendente ver que em apenas seis meses já tem alunos tocando muito
bem” Alexandre, professor de flauta, teclado.
Por último, na visão dos gestores municipais e de lideranças comunitárias locais, a escola de
música representa um projeto pioneiro na cidade na região, uma vez que é a única escola
mantida pelo poder público e que gratuitamente oferece serviços tendo prioridade para o
atendimento de crianças e adolescentes em situação de risco social. Apesar dos poucos
recursos na cultura, a prefeitura conta com a parceria das secretarias de Educação e
Assistência Social, do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), da
família e da sociedade jacuipense. Esse envolvimento promove um renovar de esperanças no
44
futuro da infância e da juventude, principalmente no que tange a melhoria na qualidade de
vida desses sujeitos que um dia serão adultos e com o que aprenderam de bom vão influenciar
os seus descendentes e quem sabe mudar a história da música popular no município, estado e
país.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dado o exposto é sabido que o Brasil musicalmente é um país muito rico, possui uma
diversidade incalculável de ritmos, sons e cabe a nós desfrutarmos desse traço marcante que
nos faz sentir orgulho de ser brasileiro e preservar o temos de patrimônio cultural. Sobretudo
entende-se isso não como preservação de algo que passou, mas como reconhecimento de um
valor vivo que se faz presente em todo e qualquer momento. Um exemplo disso é o samba, o
nosso samba de roda, o xote, o xaxado, o rap, o choro, eles estão aí, vivos e sendo tocados. É
preciso preservar isso no sentido de participar ativamente, dar prosseguimento, e inovar o
repertório para as gerações futuras.
Através do Projeto Tocando em Frente, educação e cultura se enlaçam num elo que contempla
a formação integral dos sujeitos, segundo Dayrell (1996) sujeitos sócio-culturais, que antes de
tudo são as pessoas que carregam suas histórias de vida, influenciam e são influenciados pelas
interações sociais nos mais variados contextos. Por meio da educação musical as práticas
educativas sistematizam as dimensões intelectual, afetiva, estética e política, que promovem a
consciência cidadã, o enraizamento e a preservação das identidades.
Portanto, o relato nos serviu de inspiração para problematizarmos as relações entre educação
contemporânea e as questões vinculadas à cultura e a educação musical, considerando as
práticas educativas decorrente dessa interação. Como limites encontramos: investimento
limitado do governo no fomento aos projetos culturais municipais. Como possibilidades
vislumbramos a preservação da cultura local, o despertar do amor pela cultura musical,
através de praticas educativas exitosas de um Projeto que no seu título carrega subjetiva e
ousadamente uma ação implicada pela canção do músico e compositor Almir Sater. Por fim
aqui terminamos com um trecho da canção “Tocando em frente”, que inspirou o nome do
nosso Projeto e que se constitui para nós envolvidos uma lição e ao mesmo tempo um desafio:
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“Penso que cumprir a vida seja simplesmente
Compreender a marcha e ir tocando em frente
Como um velho boiadeiro levando a boiada
Eu vou tocando dias pela longa estrada eu vou
Estrada eu sou.”
Almir Sater.
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46
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47
NA INTERFACE ENTRE O MULTICULTURALISMO E A ÉTICA: UM OLHAR
PARA O DESAFIO AO BULLYING NA ESCOLA
William de Goes Ribeiro11
Resumo: o assunto discutido se insere num conjunto mais amplo de reflexões atinentes às
questões que trazem o multiculturalismo e a ética em educação. A partir do modelo de
Perelman, tomamos “ética” e “moral” como intercambiáveis, uma vez que seus significados
em termos práticos são os mesmos. O “multiculturalismo” se configura para nós como um
conjunto de respostas à condição plural de nossa sociedade, a partir do qual o conceito de
identidade é central. Práticas de Bullying têm recebido grande atenção por parte de diversos
meios de comunicação. Isso provocou o nosso interesse já que tais práticas sociais se
relacionam a aspectos educacionais sobre os quais construímos nossos olhares. O que
procuramos debater, em especial, é o desenvolvimento de um programa que buscou interferir
nesse processo. Trata-se de ações que tinham como escopo reduzir o comportamento
agressivo entre estudantes de algumas escolas do Rio de Janeiro. O nosso objetivo foi analisar
em que medida um programa antibullying se constituiu, levando em consideração o campo de
onde falamos: um espaço de interface entre a ética e o multiculturalismo. O presente estudo é
um recorte dentro do contexto mais amplo da pesquisa a partir do qual fazemos uso da
metodologia da análise retórica para buscar a compreensão das diferentes ações e respostas
dos sujeitos. Os resultados até o momento encontrados sugerem que podem ser positivos os
caminhos percorridos para se combater o bullying: movimentam novos acordos, construindo
uma solidariedade contra atos de violência no espaço escolar; repercutem um clima
institucional multicultural mais atento à violência; configuram uma ética intercultural na qual
o argumento de direção é fundamental (uma vez nomeando o problema, passamos a fase do
reconhecimento, chegamos à interferência). Porém, o principal desafio percebido está nas
demandas geradas a partir da repercussão do conceito. As denúncias passam a serem geradas
num movimento intenso, exigindo de seus atores uma resposta, nem sempre possível diante
das condições. Se o foco ficar apenas na divulgação e na reação, este pode ser um grande
limite da intervenção no desafio ao bullying na escola. Uma ética intercultural caminha em
outro sentido, provocando negociações que alterem o clima institucional de maneira
preventiva, fortalecendo laços que são barreiras para reprodução de qualquer tipo de
violência.
Palavras-chave: multiculturalismo; ética; análise retórica.
1 - Apresentação do tema
Ao nascermos, aprofundamos paulatinamente um processo de desenvolvimento de
diferentes linguagens. Passamos a nos orientar a partir dos significados que atribuímos ao
contexto no qual estamos inserimos. Nosso vocabulário progride rumo a um estar no mundo
11
Professor da Faculdade de Formação de Professores da UERJ. Na mesma instituição é integrante do grupo de
pesquisa “Intelectuais, História Social e Estudos Culturais”, no qual está inserida a linha de investigação
“Multiculturalismo e Ética em Educação”. Doutorando em Educação do PPGE – UFRJ.
48
que corresponde ao próprio contínuo da humanização. É nesse caminhar que esbarramos em
diferenciações e hierarquizações culturais que antecedem a nossa existência e ao mesmo
tempo se faz com a nossa presença.
A cada dia, temos acessos a múltiplos conceitos. Alguns podem ser simples, tais como
“papai” e “mamãe” e outros bem complexos para uma criança: “como manga pode ser uma
fruta e ao mesmo tempo parte de uma roupa?”. O mesmo significante pode ser nomeado de
modos distintos numa mesma língua, em função da sua dinâmica e das diferenças regionais.
Há palavras que não são correspondidas quando transitamos entre idiomas diferentes.
Essa complexidade ganha contornos ainda mais variados quando tomamos contato
com
termos
polissêmicos:
“cultura”,
“multiculturalismo”,
“justiça”,
“identidade”,
“diversidade”, “pluralidade”, “democracia”, “liberdade”, “igualdade”, “diferença”, “raça”,
“etnia”, “gênero”, “sexualidade” e “ética” são alguns desses conceitos que nos aproximamos
hoje. São palavras de nossos tempos: anúncio de debates com fins de promover um cenário
social e educacional diferente daquele que nos esbarramos corriqueiramente.
No meio desse cenário, emerge de maneira avassaladora um conceito que expressa
algo que se relaciona a um tipo específico de violência: bullying12. De alguma maneira, esse
discurso chega às escolas nos dias de hoje. Quais significados e sentidos estão em jogo nessa
discussão? Tem provocado quais consequências? Como os diferentes sujeitos o percebem no
ambiente escolar?
Cônscios de que práticas de bullying se relacionam com discursos presentes na
sociedade, uma vez que toda prática social possui uma dimensão cultural (HALL, 1997); e
ainda, de que as questões que dizem respeito às identidades culturais possuem uma dimensão
ética (OLIVEIRA, CANEN e FRANCO, 2000), o nosso argumento é em defesa da
complementaridade entre os campos do multiculturalismo e da ética para pensar um assunto
de natureza tão complexa. É na interface entre os referidos domínios do conhecimento que
estamos situados.
A partir dessas considerações: enfocamos os campos do multiculturalismo e da ética,
tomando bullying como temática; a seguir, adotamos um programa “contra o bullying na
escola” como objeto de análise; ao final, levantamos considerações que dizem respeito ao
12
Estamos nos apropriando desse conceito com base em Beaudoin e Taylor (2006): a partir delas, para nós,
bullying é uma palavra de origem estrangeira que se compreende como um tipo específico de violência, por se
configurar de maneira sistemática, amparada em aspectos de ordem física e/ ou simbólica, causando danos
psicológicos aos envolvidos.
49
momento atual do presente estudo. O objetivo da atual pesquisa foi analisar os efeitos de um
programa anti-bullying na escola, considerando um campo de interface entre o
multiculturalismo e a ética.
3 – Fundamentação Teórica
A diversidade cultural tem sido evidenciada em muitas pesquisas nos últimos anos.
Em várias partes do mundo, as profusas entradas na discussão concernentes à temática
revelam uma preocupação crescente por parte daqueles que desejam construir uma sociedade
democrática e cidadã.
Nesse horizonte de inquietações, multiculturalismo pode ser compreendido como a
natureza das respostas que se dá ao caráter plural de nossas sociedades, em tempos de intensa
reorganização intercultural por parte das mudanças geográficas e tecnológicas, em um novo
cenário recente da globalização (CANDAU, 2008; CANEN, 2007; CANEN e MOREIRA,
2001; CANEN e SANTOS, 2009; SEMPRINI, 1999).
Cumpre observar que estamos entendendo globalização não como um simples
fenômeno de homogeneização, mas como um elemento complexo das sociedades pósindustriais contemporâneas a partir das quais se percebe um reordenamento no cenário global
que vem tendo um significativo impacto na nossa relação com o mundo (HALL, 1997).
O campo da educação também busca respostas em relação ao caráter multicultural de
nossas sociedades (CANDAU, 2008; CANEN, 2007; CANEN e MOREIRA, 2001; CANEN e
SANTOS, 2009; RIBEIRO, 2009). “Quer usado como meta, conceito, atitude, estratégia ou
valor, o multiculturalismo costuma referir-se às intensas mudanças demográficas e culturais
que têm ‘conturbado’ as sociedades contemporâneas” (MOREIRA e CANDAU, 2008, p. 7).
Para Semprini (1999), o multiculturalismo é o próprio sintoma dessas mudanças.
Cumpre enfatizar que os caminhos são sempre provisórios em função das próprias
características do multiculturalismo: polissêmicas, dinâmicas, tensas, conflitivas, complexas e
oscilantes (CANEN, 2007; CANEN e MOREIRA, 2001; MOREIRA e CANDAU, 2008;
RIBEIRO, 2009).
Deste modo, uma educação multicultural pode ser entendida como a
natureza das respostas à diversidade cultural que se dá nos ambientes educativos, atribuindo
significações que perfazem as diferentes abordagens: folclórica, crítica, pós-colonial, dentre
outras.
50
Podemos explicitar, por exemplo, as três tendências mencionadas com as quais temos
trabalhado. Uma perspectiva multicultural folclórica é aquela que se limita aos ritos, festas,
costumes, roupas, comidas típicas e outros produtos de uma determinada cultura. Já uma
vertente crítica se concentra nas possibilidades de emancipação dos grupos oprimidos,
discutindo as relações assimétricas de poder que os atinge. Tal abordagem tem incorporado a
crítica pós-moderna que traz uma concepção híbrida da realidade na qual os discursos são
constitutivos da mesma (CANEN, 2007; CANEN e SANTOS, 2009; RIBEIRO, 2009).
Maffesoli (1995) substitui o individualismo pela identificação com o grupo, o que
forja regras que se amparam numa identidade coletiva comunitária. Nesse cenário, configurase o que o referido autor chama de “Ética da Estética13” que se sustenta pelo “prazer de estar
junto”. O estilo ocupa uma centralidade na discussão como um caráter essencial de um
pensamento coletivo, plural e heterogêneo. Salienta-se que há transições, contaminações e
superposições entre os estilos e as épocas, não facilmente separáveis. Não é fácil perceber
alguma fragmentação, pois tudo está imbricado.
O aludido autor possui uma contribuição para pensarmos o cenário atual da vida
social. Suas inferências nos oferecem um “olhar” deslocado para as situações cotidianas,
corriqueiras. Faz-se mister admitir que tal ângulo recebeu pouca importância ao longo da
modernidade. Ademais, o hedonismo e o prazer de estar junto geram forças passíveis de
constituir “uma ética da estética”. No entanto, como todo pensamento humano, a obra em
questão está sujeita a contrapontos.
Que lugar instâncias como a escola e a Universidade ocupam hoje na pós-modernidade
narrada? Esvaziam-se todo e qualquer projeto que vá além das “tribos”? Qual é o lugar das
decisões dos indivíduos? Estariam elas restritas e a mercê ao/ do pensamento do grupo? E
quanto à responsabilidade dos sujeitos em suas próprias ações?
Já Perelman (2004) salienta a rica confrontação de ideias que incidem sobre a
Filosofia, trazendo essa discussão para sustentar sua perspectiva ética. Nas Filosofias
Primeiras, cada pensador busca a supremacia de seus pensamentos, procurando sustentar a
primazia de seus princípios.
Deste modo, despreza-se qualquer outra “Metafísica”. Podemos observar, a partir
disso, que as Filosofias Primeiras possuem um ponto em comum: todas se constituem por um
13
Ou da Emoção no sentido grego atribuído à palavra Estética.
51
sistema definido a priori. Busca-se determinar os seus princípios primeiros (o ser, o
conhecimento ou a ação) através dos quais se empenha em solidificar objetos de prova.
Uma Filosofia Regressiva, tal como sustentada por Perelman, rompe com este
percurso quando não decreta a suspensão do juízo. Contamos, a partir dele, com um
instrumental para pensarmos na tensão entre os princípios e os juízos de valor nas disputas
por legitimação. Poder-se-ia, desta forma, sustentar uma ética entre os grupos, indivíduos e
instituições de maneira não prescritiva através da qual possam negociar suas diferenças e não
mais impor verdades tidas como absolutas.
Isso significa a superação discursiva da dicotomia universalismo e relativismo,
sustentada por Perelman através de um universalismo a posteriori que leva em consideração
os juízos de valor (não confinadas para sempre como antivalor) entre pessoas e contextos que
vivem as suas experiências com base em decisões (muitas vezes urgentes), opiniões, escolhas
e preferências.
Oliveira (2010b) discute a oportunidade de adentrarmos na discussão sobre ética/
moral e os seus desdobramentos na esfera escolar, refletindo a prática do professor, cônscio
de que a mística que gira em torno desse campo na escola (e fora dela) é bem grande. Cunhase à ética, tal como nos ressalta Oliveira (1996, 2010a, 2010b), um objetivo “salvacionista”
que responda aos conflitos diversos, tais como: nacionalistas, religiosos, étnico-raciais e
outros.
Em concordância com o mencionado autor, compreendemos que o debate em torno do
referido campo vai muito além das prescrições entre o que se define como “certo” e “errado”.
Deste modo, a citada obra nos situa numa complexa discussão de interesse contemporâneo
uma vez atenta à complexa relação entre ética e cultura (s).
4 – Metodologia
A partir da argumentação, trabalhamos com as seguintes categorias: orador, discurso e
auditório (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2005; OLIVEIRA, 2010a). O orador
entende-se que é quem busca a adesão de outrem ou de um coletivo. O auditório, por sua vez,
é a quem o orador deseja convencer/ persuadir.
É com base nessas posições-de-sujeito que refletimos em que medida é possível pensar
em acordos com relação ao bullying nos quais a diferença pode ser ou não negociada14. Que
14
Cabe mencionar, com base em Meyer (2007), essa diferença pode não ser alterada e até mesmo ampliada caso
o discurso do orador não se consiga o propósito do convencimento/ persuasão.
52
argumentos sustentam o convencimento com relação à negação ao bullying? Seria esta uma
prática entendida como “agressão” pelo auditório?
A taxionomia de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) configura-se como componente
de nossa metodologia. Tomando tal obra como base, cumpre realçar que a classificação dos
argumentos não é inflexível. Isto é, os argumentos podem ser caracterizados e apropriados,
mas não tomados com a rigidez que contrapõe a própria constituição hermenêutica de onde se
origina a interpretação15.
Os argumentos encontram-se a partir da seguinte distinção: a) Quase-lógicos; b)
Argumentos baseados na estrutura do real; c) Argumentos que fundam a estrutura do real; d)
Argumentos de dissociação.
Os argumentos quase-lógicos são aqueles que se aproximam do pensamento formal,
porém não chegam ao estatuto da lógica. Uma vez se tratando de argumentos, podem ser
refutados. A retórica está no campo do verossímil, das opiniões, do plausível e não da verdade
absoluta. Podemos destacar “a inclusão do todo às partes” e as “definições” como um
exemplo de argumentação quase-lógica.
Aqueles que relacionam os fatos consoantes as consequências são chamados de
argumentos baseados na estrutura do real. O argumento de direção pode ser um exemplo:
“Haja dessa forma que você obterá êxito em sua vida profissional”. Os que fundam a estrutura
do real são aqueles que buscam conhecer o desconhecido através de algo conhecido, por
exemplo, a utilização de modelos. “Aquele professor é uma referência a ser seguida: sério,
competente e bem realizado profissionalmente”.
Esses três tipos completam os “argumentos de ligação”, ou seja, aqueles em que se vê
um vínculo entre os termos, o que os difere dos argumentos de dissociação por que procuram
separar aquilo que não deveria estar ligado, os pares filosóficos clássicos, por exemplo:
verdadeiro/ falso; corpo/ alma, dentre outros.
Somado a essa caracterização, as figuras retóricas16, a partir de Reboul (2004), nos
proporcionam um aprofundamento que contribui com a taxionomia explicitada anteriormente.
Isto porque entendemos a figura em retórica como um instrumento livre e codificado que os
oradores recorrem para o convencimento/ persuasão (REBOUL, 2004).
15
De acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), a interpretação possui a dimensão da escolha e da
criação, ressaltando a impertinência se esta for compreendida como a única possível.
16
Diferencia-se de outras figuras de linguagem por buscar o convencimento do auditório (REBOUL, 2004).
53
Com relação ao sujeito da pesquisa, optamos por entrevistar uma coordenadora
pedagógica que participou de um programa antibullying desenvolvido pela ABRAPIA. Tal
instituição, financiada pela Petrobrás, coordenou um trabalho que tinha como finalidade
reduzir o comportamento agressivo entre estudantes de escolas públicas e privadas. Nosso
empenho esteve na compreensão de sua argumentação, procurando pistas que provocavam
questões para pensarmos o multiculturalismo, a ética e o combate ao bullying na escola.
5 – Discussão e resultados
No que diz respeito às características do orador, trata-se de uma pedagoga experiente,
atuante como especialista em Orientação Educacional desde 1991. Há 16 anos ela trabalha
numa escola municipal na Zona Sul do Rio de Janeiro. No momento da entrevista, a
profissional apresentou uma série de reportagens (jornais e revistas) concernentes à temática
“violência escolar”, em particular sobre “bullying”, o que demonstra seu interesse em relação
ao assunto, além de notória preocupação a respeito de como ele vem sendo noticiado.
Entendemos que a entrevistada tem em mente um auditório constituído por
acadêmicos. Cônscia de que participava de uma pesquisa de doutorado, a cuja temática ela
atribuía relevância, mostrou-se solícita em contribuir com o trabalho: reservou um momento
em sua sala para a entrevista; apresentou-me a alguns profissionais que se encontravam na
escola; promoveu um encontro com um dos alunos que participou do programa;
disponibilizou todo o material arquivado sobre o assunto para cópia.
Baseado na taxionomia de Perelman e Olbrecths - Tyteca (2005), os argumentos quase
- lógicos foram predominantes na entrevista, sobretudo, pela utilização de “definição” e
“análise”. Uma das possíveis explicações para essa escolha pode ser explicada pelo ethos do
orador, amparado em sua experiência profissional.
Um dos aspectos que nos chamou a atenção é o fato do sujeito perceber o tema como
inesgotável e evidente. Suas experiências profissionais, formação acadêmica, leituras e
contatos com o programa da ABRAPIA contribuíram, em menor ou maior grau, para essa
definição. Isso nos impulsiona para a importância do caráter pró - ativo, do papel da educação
na desconstrução do bullying na escola e na sociedade, tal como nos sinaliza, direta ou
indiretamente, alguns autores multiculturalistas (CANEN, 2007; CANEN e SANTOS, 2009;
RIBEIRO, 2009).
54
Cumpre ressaltarmos que, antes mesmo da entrevista começar, Regina17 demonstrou
preocupação com os possíveis desdobramentos do conceito que está sendo banalizado. Para
ela, bullying é um processo repetitivo que causa danos psicológicos aos envolvidos, restrito a
relação exclusivamente entre alunos. Nessa direção, sua resposta é taxativa. Distancia-se de
nosso referencial uma vez que, para nós, os discursos não iniciam e terminam numa categoria
homogênea e incomunicável.
Quando analisa a presença do bullying na escola, a entrevistada enfatiza a necessidade
de toda uma organização sistemática e de um trabalho conjunto que poderá proporcionar
resultados favoráveis, como: planejamento e parcerias com os familiares e com a
Universidade. Porém, não é o que ela vem acompanhando. Proposições anti-bullying e/ ou
programas com essa intencionalidade têm impulsionado re/ ações descontínuas e
permanentes.
Outro aspecto a destacar diz respeito às demandas geradas pelo volume de
informações dentro da escola. Conforme nos salienta Perelman (1996), novos acordos podem
ser gerados, uma vez justificáveis. No caso da escola em questão, as práticas do bullying
foram notadas, identificadas. Mas, isso gerou um número de denúncias que cobraram dos
profissionais da educação uma reação que eles talvez não esperavam e/ ou estivessem
preparados.
Mais duas noções estão situadas nos quase-lógicos: “escola” e “alunos das camadas
populares”. A escola é vista pela depoente como um espaço de tensões. Essa visão coaduna
com a perspectiva de Candau na medida em que a autora salienta o espaço escolar mais do
que um arco íris de culturas, também o espaço de conflitos (CANDAU, 2008).
No entanto, contrariando o referencial por nós adotado, a diversidade cultural tende a
ser vista como um problema. Isso fica ainda mais evidente quando narra a identidade dos
alunos/ jovens das camadas populares. Esses são vistos como sujeitos que possuem inúmeros
problemas (como se apenas eles os tivesse) e que os trazem para a escola.Quanto
aos
argumentos baseados na estrutura do real, três deles são interessantes: “argumento de
direção”, “vínculo causal” e “relação meio-fim”. No primeiro caso, destaque para a seguinte
trajetória: a) aumentam as informações sobre o bullying > b) desperta a consciência para o
assunto; > c) trata-se melhor dos problemas. Esse argumento reforça a tese de que o tema está
alterando a inércia, gerando possíveis acordos (PERELMAN, 1996). Todavia, a direção pode
17
Nome fictício utilizado por considerações éticas do nosso trabalho.
55
culminar, conforme já pontuamos, na desestabilidade dos profissionais da educação em não
saber lidar com a demanda gerada.
Salientamos a presença do vínculo causal imbricado no itinerário supramencionado:
não conseguir lidar com os problemas é conseqüência de um grande volume de reclamações e
despreparo dos profissionais da escola. Segundo a coordenadora pedagógica, alunos com
dificuldade em aprendizado voltam a sua atenção aos seus colegas, praticando bullying. Fazse mister considerar esse rumo tomado na interpretação do sujeito. No entanto, visto de forma
absoluta, essa informação nos parece assaz reducionista.
Além dos três tipos de argumento que compõem esse bloco na tipologia, salientamos a
presença do argumento de autoridade para as “pessoas capacitadas”. Vejamos o seguinte
excerto: “a universidade, tendo as pessoas capacitadas, com formação, que possam vir à
Escola, estar conosco, identificando os casos, discutindo com os alunos os casos, tentando
buscar soluções com melhor relacionamento...” (entrevista cedida pela coordenadora
pedagógica Regina em 24 de abril de 2011).
A questão que levantamos é: por que as pessoas capacitadas estão apenas na
Universidade? E quanto à formação continuada, esta não pode contribuir? Será que todos os
que estão na Universidade são mesmo os capacitados para enfrentar o problema em questão?
Caberia a esse oráculo a solução de todos os problemas?
Não desejamos com essa problematização questionar a contribuição da Universidade
na árdua tarefa de agir no mundo. Não queremos desconstruir uma autoridade que lhe cabe ao
depositar esforços na reflexão no campo da educação. Distante disso, nossa intenção é romper
com a dualidade entre aqueles que pensam e aqueles que agem, tal como a utilização do
argumento de autoridade parece conduzir.
Completa a linha de argumentos de ligação, os que fundam a estrutura do real.
Conforme já expusemos, são aqueles que, segundo Olbrecths – Tyteca (2005), ligam o que
aparentemente se apresenta separado. Essa dimensão teve uma marcante incidência,
mormente, quando a entrevistada elege “modelos” que estão baseados: no reconhecimento do
outro, na busca do diálogo, na manutenção de um clima familiar na instituição e no sucesso da
aprendizagem. No seu modo de ver, como barreira para se atingir esse fim, encontra-se uma
estrutura familiar negligente e problemática que acaba fazendo com que o estudante traga
intimidação, menosprezo e violência para a escola.
56
Os argumentos de dissociação não foram marcantes na retórica exposta. As únicas
exceções se concentram na separação entre: “estudantes oriundos das camadas populares”, o
que subentende outras classificações de estudantes; e “negligência familiar”, o que sugere
outra dissociação, uma vez que há outros tipos de negligência. A entrevistada separa “pobres”
e “ricos” sem contemplar os aspectos culturais que os atravessam, bem como a pluralidade
que os constituem.
Quanto às figuras retóricas, apenas as “sinédoques” predominaram. Ela buscou
delimitar o campo do bullying “entre alunos”. Além dessa sinédoque principal, Regina
utilizou expressões como: “o professor” (seria apenas um?), “a direção da escola” (há três
diretores), “alunos têm seu pensamento” (qual seria esse único pensamento inato do aluno?),
“o funcionário” (mesmo caso dos anteriores), “cada elemento tem sua forma de ver” (idem
aos anteriores), além dos “alunos da escola pública” (segundo ela, todos pobres e cheios de
problemas).
Uma pausa e algumas inferências
O objetivo do atual estudo foi investigar até que ponto os discursos proferidos por uma
coordenadora que participou de um programa de combate ao bullying na escola poderiam
sugerir caminhos para o campo do multiculturalismo e da ética. Estávamos interessados nas
respostas e/ ou reações dos sujeitos à proposta anti-bullying.
Nossa pesquisa tem sugerido que a resposta a trabalhos como os realizados pela
ABRAPIA pode ser positiva uma vez geradora de um clima desfavorável ao bullying.
Estamos acompanhando a possibilidade da condição de autoria por parte do sujeito ser um
forte indício nessa direção.
No caso das argumentações analisadas, percebemos que a experiência profissional
possui um laço muito presente na sustentação de modelos e antimodelos, o que salienta, como
temos observado, a força dos argumentos que fundam a estrutura do real, uma vez que o
auditório, no caso de nossa pesquisa, mostra-se convencido de que o bullying é algo
prejudicial para a sociedade e passa a ser negado dentro das escolas.
Procuramos argumentar que ações pró-ativas e reativas são relevantes, sugerindo
programas que sejam continuados e que tomem o relacionamento como relevante para se
57
trabalhar na escola. Espaço em que diferentes sujeitos, em sua pluralidade, se constroem entre
si, a partir da relação, atribuindo significados, dentre os quais, os indesejáveis.
Os conflitos e tensões daí resultantes nos convidam às respostas, ainda que sejam
provisórias. Bullying é uma das formas pelas quais as violências se manifestam, causando
prejuízos que esbarram na necessidade de se construir uma ética multicultural a partir da
identidade cultural das instituições. Não se muda ninguém pela força, mas pelo
convencimento/ persuasão. Não se trata de uma panacéia, mas de uma possibilidade de
reflexão e de intervenção.
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58
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SE A CANA PRECISA ESTAR DOCE, POR QUE DILUIR O CALDO?
A CIRCULARIDADE ENTRE SABERES COTIDIANOS E CIENTÍFICOS
59
NA ABORDAGEM ESCOLAR DA PRODUÇÃO DE CACHAÇA
Rosiléia Oliveira de Almeida
Faculdade de Educação
Universidade Federal da Bahia
Resumo: Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa empírica desenvolvida com o
objetivo de evidenciar a possibilidade de circularidade entre as culturas no espaço escolar,
através da promoção de articulações entre os conhecimentos científicos e os conhecimentos
cotidianos na busca de atribuição de sentido à prática de diluição do caldo da cana na
produção de cachaça. Tendo por referência o conceito de circularidade entre as culturas e sua
aplicação ao campo da educação (TURA, 2002), bem como estudos sócio-antropológicos
desenvolvidos em unidades de produção locais, foram desenvolvidos encontros formativos
com professores e situações didáticas em sala de aula com estudantes do 7º ano do Ensino
Fundamental, com registro fílmico e análise de interações discursivas. O estudo indicou que
não é o argumento lógico derivado da ideia de que a cana deve ser moída quando está bem
madura ou o desconhecimento dos argumentos técnicos que levam muitos produtores a não
diluírem o caldo, mas, sim, razões práticas: a existência de mercado e a preferência local pela
cachaça forte e a ideia de que a diluição atrapalha o rendimento e as propriedades sensoriais
da cachaça. As atividades formativas desenvolvidas junto aos professores permitiram que eles
colocassem em relação diferentes formas de cálculo do volume de água de diluição a ser
adicionado ao caldo da cana, definindo qual a mais apropriada, o que considerou o pluralismo
epistemológico envolvido nas recomendações técnico-científicas e nas práticas cotidianas
tradicionais. As intervenções didáticas em sala de aula indicaram que os alunos ampliaram os
seus universos de conhecimentos sobre as práticas culturais locais a partir do entendimento
das razões que orientam as práticas dos produtores e das justificativas científicas para a
realização da diluição do caldo, atribuindo significado e sentido aos conteúdos ensinados,
através de um diálogo em que tiveram possibilidade de colocarem um pé numa cultura e o
outro na outra cultura.
Palavras-chave: circularidade de saberes; pluralismo cultural e aprendizagem escolar.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho buscamos evidenciar que o ensino de Ciências, ao tomar como referência
a experiência cultural dos alunos, articulando-a aos saberes técnico-científicos e às relações
sociais que lhe são subjacentes, pode favorecer a atribuição de sentido à prática social local e
o entendimento dos conceitos científicos pelos alunos.
A mediação de situações de aprendizagem ancoradas na experiência cultural, em
parceria com professores de cinco escolas da microrregião de Abaíra - BA, tendo por
referência estudos sócio-antropológicos realizados unidades de produção de cachaça, permitiu
que professores e alunos percebessem que a aparente rotina da produção da cachaça impõe
desafios cognitivos, cuja resolução requer as aprendizagens sistemáticas que só as escolas,
como ambientes educativos privilegiados, podem proporcionar.
60
Aplicando o conceito de circularidade entre as culturas ao campo da educação (TURA,
2002), constatamos a possibilidade de articulação entre os modelos cognitivos próprios da
vida cotidiana e os da ciência na abordagem de várias práticas locais, entre elas a de diluição
do caldo da cana no início da fermentação, que aparentemente contradiz a recomendação
técnica de que a cana tem que ser cortada bem madura.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
A pesquisa teve como pressuposto teórico a necessidade de articulação entre os modelos
cognitivos próprios da vida cotidiana e da racionalidade técnico-científica, tendo por
referência o conceito de circularidade entre as culturas (GINZBURG, 1987) e sua aplicação
no campo da educação para traduzir a dinâmica da interação de diferentes padrões e lógicas
culturais no espaço escolar (TURA, 2002).
O conceito de circularidade entre as culturas é empregado no campo da educação
para designar a dinâmica da interação de diferentes padrões e lógicas culturais no espaço
escolar, traduzindo a concepção de que “a escola é um local privilegiado de troca de idéias, de
encontros, de legitimação de práticas sociais, de interação entre gerações, de articulação entre
diversos padrões culturais e modelos cognitivos”, o que se deve à sua “ação sistemática na
aprendizagem de conhecimentos, competências e disposições socialmente reguladas à
população de crianças e de jovens de uma específica organização social” (TURA, 2002, p.
156).
A expressão circularidade entre as culturas é mencionada por Carlo Ginzburg, em
seus estudos no campo da história da cultura, para se referir ao intenso influxo recíproco entre
a cultura subalterna e a hegemônica, na primeira metade do século XVI (GINZBURG, 1987).
Tura (2002, p. 155), ao se apropriar do conceito, aplicando-o ao campo da educação,
considera que “a noção de circularidade entre culturas estabelece, pois, uma mobilidade
fundada na inter-relação e na intertextualidade das culturas e subentende movimentos
ascendentes e descendentes, que se processam no interior de uma hierarquia de poderes”.
Considerando-se que nas sociedades atuais o poder está cada vez mais difuso e as identidades
fluidas e fragmentadas, a ideia de movimentos “de baixo para cima, bem como de cima para
baixo”, empregados por Ginzburg ao se referir à Europa pré-industrial, parecem, no atual
momento histórico, ter perdido o significado. Canclini (2000 relativiza o paradigma binário
subalterno/hegemônico, contrapondo-se à noção de que diferentes culturas estejam dispostas
61
em distintos patamares, já que entre elas acontecem processos frequentes de hibridações,
envolvendo misturas, repulsões, atritos e sínteses. Apesar destas considerações, o conceito de
circularidade entre as culturas mantém seu potencial heurístico para o campo da educação.
O diálogo intercultural, através da tradução de saberes e práticas entre diferentes
culturas, pode ser construído através da hermenêutica diatópica, proposta por Boaventura
Sousa Santos, coerente com a perspectiva de circularidade de saberes, pois se baseia na ideia
de que todas as culturas são incompletas e que o diálogo entre culturas não visa atingir a
completude,
por ser este um objetivo inatingível, mas sim ampliar a consciência da
incompletude mútua, “através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé
numa cultura e outro noutra” (SANTOS, 2006, p. 448 apud CANDAU, 2008, p. 52). Essa
função articuladora torna-se ainda mais importante no atual cenário, em que, como afirma
Certeau (1995) a escola perdeu sua centralidade como distribuidora da ortodoxia e da
ortopraxia em matéria de prática social.
É importante que as escolas não só admitam a existência de diferentes culturas, mas
também, conforme enfatiza Azibeiro (2003), adotem um enfoque que busque “entender a
singularidade e a originalidade de linguagens, valores, símbolos e estilos diferentes de
comportamentos que são tecidos pelas pessoas em seu contexto histórico e social peculiar” (p.
87), o que requer considerar as diferenças culturais como construções sociohistóricas e a
interculturalidade como a “produção molecular e cotidiana de espaços, de tempos e de
subjetividades plurais, movendo-se no terreno do híbrido, do polifônico, do dialógico” (p. 97).
Nesse sentido, o ensino de Ciência, ao promover o diálogo e a demarcação entre
conhecimentos tradicionais e científicos, e não a substituição de uns por outros, favorece a
ampliação dos universos de conhecimentos dos alunos com concepções científicas
(BAPTISTA, 2010).
METODOLOGIA
Para Demo (1993), cabe à escola assumir o papel de referência comunitária, o que exige
dos professores pesquisa do espaço e do tempo nos quais a instituição está inserida, em
particular das identidades culturais. Neste sentido, ela deixa de ser um “supermercado
anônimo” que atende genericamente ao público para resgatar a capacidade de mensagem
própria diante das peculiaridades regionais e locais.
62
Coerente com esta perspectiva, Azevedo (2007) ressalta que as escolas apresentam
como um importante desafio metodológico desenvolver ações pedagógicas pertinentes que
propiciem a construção de conhecimentos de forma significativa a partir da prática social, o
que requer a investigação socioantropológica da experiência viva das culturas e da história
das comunidades.
Tomando como pressuposto metodológico a necessidade de aproximação ao contexto
social local como condição para a contextualização didática dos conteúdos escolares, foi
desenvolvida uma investigação-ação em sala de aula do 7º ano do Ensino Fundamental,
envolvendo registro fílmico de situações discursivas. A investigação buscou evidenciar a
possibilidade de se promover a circularidade entre saberes na sala de aula, através da
valorização das formas de pensar e agir ligadas à vida cotidiana na organização de situações
de aprendizagem interativas relacionadas às estratégias de identidade locais, elaboradas de
forma colaborativa com os professores, em reuniões formativas, apoiadas em resultados de
um estudo sócio-antropológico em doze unidades locais de produção de cachaça, com
diferentes níveis de incorporação de inovações técnicas. Neste trabalho é ressaltada a
circularidade entre os saberes cotidianos, científicos e escolares envolvidos na prática de
diluição do caldo da cana.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A diluição do caldo foi um dos temas de maior interesse entre os professores. Essa
prática recomendada na produção da cachaça de qualidade e praticada por alguns produtores
locais mesmo antes de começar a ser difundida pelo discurso técnico-científico, pareceu-lhes
contraditória com a prática da colheita da cana madura.
– Eu não tô entendendo! Se o caldo não pode ficar muito concentrado porque, então, as pessoas já não
pegam a cana com menos açúcar para evitar ter que diluir? (Professor Henrique)
– Se quando o caldo é doce demais atrapalha, por que não cortar a cana antes de ficar tão madura?
(Professora Selma)
– Mas como colocar água?... O que a gente ouve dizer aqui é que tem cachaça que, pra render, põem açúcar
no cocho! (Professora Edimara)
A análise das situações discursivas permitiu constatar que os alunos desconheciam o
conceito de diluição e a recomendação técnica de se diluir o caldo na produção da cachaça,
sendo que ela também lhes pareceu sem sentido, o que foi traduzido por questionamentos
como: “se o produtor deve esperar a cana ficar bem doce para cortá-la, por que misturar
água depois?”.
63
Entre os produtores a prática de diluição do caldo, embora não seja muito aceita, é
conhecida por todos, sendo que a associam com a obtenção de cachaça mais fraca. O estudo
socioantropológico evidenciou que não é o argumento lógico derivado da ideia de que a cana
deve ser moída quando está bem madura que leva muitos produtores a não diluírem o caldo,
mas, sim, razões práticas, que também interferem em suas disposições cognitivas para
aprendê-la. Assim, para Sr. Edimar, um produtor com unidade de produção moderna: “a
cachaça produzida com caldo diluído perde fortaleza, fica azeda e estraga mais depressa” e
“os compradores querem cachaça com ajofre18 e em vez de ficá o ajofre bonito, com as
bôinhas pequenininhas, ela fica aquela bôia d´água. Fica bastante bôia, mas é tudo bôia d
´água, aquela bôiona grande. Fica fofa”.
Outro produtor, Sr. Hélio, que poderia ser facilmente rotulado como apegado à tradição,
com seu engenho e cochos de madeira e alambique de carapuça, talvez entenda mais
facilmente as diversas vantagens da diluição do caldo, pois em sua estrutura de pensamento já
existe a idéia de que diluir o caldo ajuda a fermentação: “quando eu paro de moer eu jogo um
pouquinho [de água]... ajuda a fermentá”.
Assim, tanto é uma interpretação simplista afirmar que a continuidade das práticas
tradicionais se deve a uma suposta resistência à mudança, quanto afirmar que a incorporação
de tecnologias se deve a uma suposta propensão à mudança, já que as identidades individuais
são plurais e até mesmo contraditórias. O estudo sócio-antropológico permitiu identificar os
fatores socioculturais ligados à não realização da diluição do caldo pela maioria dos
produtores: existência de mercado para a cachaça forte, já que muitos atravessadores fazem o
desdobramento da cachaça e obtêm, assim, maior lucro; a ideia de que a diluição atrapalha o
rendimento ou as propriedades sensoriais da cachaça e a preferência local pela cachaça forte,
que “desce ardendo”.
D. Rosa, mesmo diante dos argumentos fornecidos pelo técnico Adalto de que a
cachaça mais fraca fica com “bouquet melhor”, “mais macia”, “mais suave”, “mais
gostosa”, “mais boa de se beber”, manifesta sua convicção de que o ajofre é sinônimo de
cachaça boa: “olha, eu vô te falá a verdade... eu já fiz... se ocê colocá água o ajofre na
cachaça não é igual ao que você não põe água! Cê já prestou assunto pro cê vê? As boinhas
num fica mais pequena... Cê ainda não prestô assunto não?”.
18
O teste do ajofre/ajofre, de natureza indiciária, engloba a observação rápida, precisa e simultânea de vários
aspectos: tamanho, quantidade, disposição e tempo de duração das bolhas formadas pela cachaça, ao ser
despejada numa cuia. Do ponto de vista científico, fundamenta-se na tensão superficial da mistura de água e
etanol existente na cachaça.
64
Poucos produtores reconhecem a possibilidade de produzir a cachaça com um grau
alcoólico definido como outra razão que justifica a diluição do caldo, o que requer o uso do
sacarímetro (Figura 1) no cálculo da quantidade de água de diluição que será necessária para a
padronização do caldo, de acordo com o teor de açúcares da cana moída. Eles reconhecem
que não empregam a técnica com o controle recomendado, evidenciando os limites da
racionalidade técnica diante da complexidade do cotidiano.
– Se você fosse fazer uma cachaça baseado nesse resultado imediato aqui, você ia bagunçar tudo, você não
ia colocá bastante água pra fermentá, não ia padronizar o caldo direito e ele não ia fermentá no tempo.
Agora no caso da gente, no dia-a-dia, se é uma cana de uma área que você sabe como é, você não precisa
ficar fazendo todo dia as medidas, pode fazer 2 vezes por semana, 3 vezes... não vai mudar muito, pelo
terreno dá pra saber mais ou menos. O ideal é medir todos os dias, mas a gente faz isso e acaba dando
certo. (Produtor Wilian)
Entre os professores poucos manifestaram ter ideia da importância da prática de
diluição do caldo na padronização do grau alcoólico da cachaça:
Professora Maria do Carmo: Tenho uma curiosidade... De acordo com a quantidade do caldo da cana que
põe na dorna... é dorna que fala?... aí sabe a quantidade de cachaça que sai?
Professor Romilson: Aí que vêm as duas formas de fabricar... pelo menos pelo pouco contato que eu tenho.
Se você tá fazendo a cachaça padronizada, pra engarrafamento, aí normalmente vai dar sempre a mesma
quantidade, porque há todo um controle do doce... eu não sei como vocês chamam... do açúcar da cana. Se
tá doce demais, mistura água pra ficar num padrão, aí dá mais ou menos a mesma quantidade. Já a nossa
popular cachaça, aí depende do doce. Quanto mais a cana tá doce ela produz mais por alambique. É
quando dizem “a cachaça tá rendendo!”. Tá dando 40, 50 L, depende da cana, do terreno, do doce... É
interessante... quanto mais a cana é do alto, de onde não tem muita água, dá cachaça melhor!
As outras razões que levam à recomendação técnica de se diluir o caldo da cana eram
desconhecidas por todos os professores. Ao ouvirem a explicação de que a concentração alta
de açúcares é prejudicial às leveduras porque elas perdem água para o meio externo e morrem
por desidratação, alguns professores relacionaram o fenômeno a conhecimentos escolares ou
cotidianos.
– Ocorre a osmose! (Professor Henrique)
– Olha, pra você ver. Com certeza, quando a garapa tá muito doce, o cocho demora de fermentar. Então,
com certeza, elas morrem. (Professor Evanilson)
Diante da explicação de que a diluição do caldo é também recomendada porque as
leveduras não suportam um teor alcoólico acima de 17º G.L., e também porque aumenta o
rendimento em cachaça, já que quanto mais doce a garapa mais água de diluição poderá ser
colocada na dorna para se obter o teor de açúcares (Brix) desejado, os professores ficaram
curiosos em relação ao cálculo da quantidade de água a ser adicionada, evidenciando ter
noções cotidianas sobre o tema.
65
– Pra saber se precisa colocar água ou não é o sacarímetro ou já é outro aparelho? (Professor Evanilson)
– Tem umas fórmulas para saber a proporção de água e de caldo e, em certos casos, também dá pra aplicar
regra de três pra tamanhos diferentes de dornas se o teor de açúcares do caldo estiver igual. (Professor
Henrique)
Ao tomar conhecimento de que na técnica de diluição mede-se com o sacarímetro o teor
de açúcares, sendo que, caso ele esteja entre 17 e 25º Bx, é necessário acrescentar um volume
de água suficiente para abaixá-lo para 15º Bx, o que favorece a atividade das leveduras e
resulta na padronização do grau alcoólico da cachaça, o professor Evanilson propôs um
método empírico mais simples:
– Pode também ir botando um pouco de água no cocho e ir medindo no cocho mesmo até atingir 15 graus!
(Professor Evanilson)
Professor Evanilson convenceu-se da vantagem do uso das fórmulas diante dos
argumentos de que torna mais fácil o trabalho dos produtores, por ser necessário medir o Brix
do caldo apenas uma vez, antes de colocá-lo na dorna, e por indicar a proporção exata de
caldo, pé-de-cocho (fermento) e água necessária para preencher o volume útil da dorna. No
procedimento empírico proposto por ele, o volume de caldo inicial seria aleatório, seriam
necessárias várias medidas do teor de açúcares até que este atingisse 15º Bx, à medida que
fosse sendo acrescentada a água de diluição, e, ainda, o volume final poderia ser menor ou
maior do que o volume útil da dorna. Ele trouxe para discussão duas formas de raciocínio
para calcular a quantidade de água de diluição, questionando sua validade: a recomendada por
um técnico a um produtor local, que estava anotada em um pedaço de papel, e a efetuada por
seu pai, que foi relatada:
20 (Brix da cana colhida) x 180 (volume do caldo) = 3600 ÷ 15 (Brix desejado) = 240 – 35 (volume do péde-cocho) = 205 – 180 (volume do caldo) = 25 litros de água de diluição (Cálculo efetuado pela APAMA
para um produtor local)
– Ele enche de garapa um frasco graduado com 1000 mL e divisões de 100 em 100 mL e mede a quantidade
de açúcar com o sacarímetro. Se o sacarímetro indicar 20º Bx, ele retira 100 mL de caldo e acrescenta água
e mede novamente. Se o Brix ainda estiver alto, ele pega outro caldo e repete a operação, retirando 200 mL.
Ele vai retirando até que ele consegue a proporção necessária entre caldo e água para obter o Brix de 18
graus, que é o que ele normalmente usa. Como ele tem alambique de 180 L, quando a quantidade de açúcar
tá a 20º Bx ele coloca na fermentação 160 L de caldo (8 latas) e 20 L de água (1 lata). (Procedimento
adotado pelo pai do Professor Evanilson)
A análise da validade desses raciocínios foi realizada com base em um procedimento
para o cálculo da quantidade de água de diluição que leva em conta o volume de pé-de-cocho
usado, que deve preencher de 10 a 20% do volume útil da dorna, e que também atua na
diluição do caldo.
66
VC = Volume de caldo
VC = VU x (BD / Bc)
VH2O = VU - (VC + VF)
VH2O = Volume de água de diluição
VF = Volume do fermento
BD = Brix desejado
Quando
matemático
aplicaram
o
análise
da
na
Bc = Brix do caldo
cálculo
VT (volume total) = 500 L
validade do primeiro raciocínio,
VU (Volume útil) = 400 L = 0,8 VT (VU = VC + VF +VH2O)
professores constataram que o
VF = 40 L = 0,1 VU (Assume-se que: 0,1 VU ≤ VF ≤ 0,2 VU)
os
acréscimo de 25 L de água de
diluição estava correto. Tiveram que adotar um outro procedimento mental, pois, ao invés de
Raciocínio empregado:
Raciocínio de acordo com a fórmula:
VC = 180 L
VT = 300 L
VC = VU x (BD / Bc)
VU= 240 L (80% do volume total)
VU = VC x (Bc / BD)= 180 x (20/15) = 240 L
partir do volume útil, o raciocínio empregado
pelo funcionário da APAMA partiu do volume de caldo, que é desvantajoso por não ter como
referência o volume total das dornas disponíveis.
Os professores, ao empregarem o mesmo procedimento de cálculo, constataram que não
seria necessário o pai de Evanilson acrescentar água para diluir o caldo de 20º para 18º Bx,
pois essa diluição seria feita pelo próprio pé-de-cocho.
VC = 160 L
VU = VC x (Bc / BD)= 160 x (20/18) = 178 L
VF = 17,8 L (aproximando, 18 L)
VH2O = VU - (VC + VF) = 178 – (160 + 18) = 0 L
Se o pai de Evanilson fosse reduzir o Brix para 15º, conforme recomendação técnica, aí
sim, precisaria acrescentar água de diluição:
VC = 160 L
VU = VC x (Bc / BD)= 160 x (20/15) = 213,5 L
VF = 21,35 L (aproximando, 21,5)
VH2O = VU - (VC + VF) = 213,5 – (160 + 21,5) = 32 L
Nesse diálogo entre saberes o que mais importa não é definir qual o raciocínio está correto,
mas sim a própria conversação que põe em relação os saberes e, assim, questiona o
67
cientificismo a partir de uma prática que valoriza o pluralismo epistemológico (COBERN;
LOVING, 2001), buscando decidir o conhecimento que vale diante de uma situação que
requer tomada de decisão.
A importância da recomendação técnica de que na região os produtores passem a
utilizar um tamanho padronizado de dornas com 400 L de volume útil foi percebida pelos
professores ao tomarem conhecimento de que o uso das fórmulas torna-se dispensável, sendo
substituído pela consulta a um quadro, o que facilita o trabalho do produtor (Quadro 1). Para
os professores os obstáculos à adoção pelos produtores da técnica de diluição do caldo não
seriam de natureza cognitiva, mas sim socioeconômica.
– O produtor tem condição de aprender. Agora tem um problema... Eu penso assim... Igual D. Rosa... ela faz
nessa qualidade aí... quanto mais tem espuma, mais caroço, ela consegue atingir o mercado. Agora se ela
diluir, colocar água e chegar nessa qualidade aí, ela vai ter que atingir o mercado direto, quer dizer que
atravessador não vai comprar porque o cara visa lucro grande! Os produtores ficam dominados e eles só
vão diluir quando eles enxergarem o lucro. (Professor Henrique)
– Se o produtor não sabe disso, como é?Ele faz uma base? Aquele produtor que a gente visitou, o Sr.
Edimar, ele disse que faz tudo na experiência. Mas ele falou que não dilui, porque a cachaça fica fraca,
perde o gosto, o sabor. Mas é porque quem compra na mão dele quer a cachaça forte provavelmente pra
desdobrar e ter mais lucro. Por mais que você fale e comprove que tá errado ele não vai aceitar porque a
clientela dele tá acostumada com aquele padrão (Professora Cleide)
Quadro 1. Atenuação do Brix - Volumes de caldo e de água a serem adicionados ao pé-de-cocho com vistas à obtenção de
um teor de açúcares padronizado em 15º Bx (na fermentação), em função do teor de açúcares inicial do caldo (cálculo
efetuado para dornas com volume útil de 400 L e uso de 40 L de pé-de-cocho)
Teor de Açúcares
Volume de caldo
Volume de H2O
Teor de açúcares
do caldo (Bc)
(Vc)
(VH2O)
desejado no mosto (BD)
º Bx
L
L
º Bx
12
360,0
10,8
13
360,0
11,7
14
360,0
12,6
15
360,0
13,5
16
360,0
14,4
17
352,9
7,1
15,0
18
333,3
26,7
15,0
19
315,8
44,2
15,0
20
300,0
60,0
15,0
21
285,7
74,3
15,0
22
272,7
87,3
15,0
23
260,9
99,1
15,0
24
250,0
110,0
15,0
25
240,0
120,0
15,0
Fonte: MENDES, B. de A. Produção de cachaça. Orizona/GO: SESCOOP/COAPRO, 2005.
Também existem obstáculos culturais à adoção da técnica, em razão de muitos
produtores não estarem convencidos dos benefícios do seu emprego controlado e sistemático.
O pai do professor Evanilson considera que é importante diluir o caldo, mas realiza o
procedimento apenas quando a fermentação, já em curso, se encontra lenta.
68
– Meu pai tem esse equipamento... o sacarímetro19. Tem hora que ele usa, mas tem hora que ele tá moendo
uma cana e tá muito doce, demora de parar, aí ele pega e joga água dentro, só que aí ele já não mede
porque acha que não precisa. (Professor Evanilson)
Com base na explicação de que, na produção da cachaça de qualidade, com grau
alcoólico de 42ºG.L., é necessário padronizar o teor de açúcares do caldo em 15º Bx, mas que
muitos produtores da cachaça comum só acrescentam água ao cocho quando percebem que a
fermentação está demorando muito tempo, Selma concluiu que a experiência dos seus alunos
é ligada principalmente à produção da cachaça comum.
– Vários alunos escreveram que a fermentação demora dois ou três dias e não vinte e quatro horas, como
seria desejável. E agora eu entendi que demora mais tempo assim porque o pé-de-cocho fica fraco... o caldo
doce demais provoca a morte das leveduras. (Professora Selma)
Diante do comentário de que as escolas poderiam ajudar os estudantes a perceber que a
ciência pode ser aliada dos produtores, ajudando a dar sentido e a melhorar o que eles fazem,
professor Evanilson completou:
– As aulas ficam muito mais interessantes assim do que quando os alunos ficam só lendo no livro e fazendo
exercícios. (Professor Evanilson).
Como parte de nossa disposição por criar disposições voltadas para a valorização do
contexto sociocultural no currículo escolar, enfatizamos a necessidade de se mudar a imagem
social da escola, de um local onde os alunos “assistem aulas”, para um espaço de referência
na comunidade, onde diferentes saberes sejam postos em relação.
Durante as atividades com os alunos, que envolveram uma visita a um engenho local,
eles elaboraram uma provável explicação para a necessidade de diluição do caldo, aplicando o
conhecimento aprendido sobre o grau alcoólico máximo da cachaça:
Pesquisadora-professora: Por que vocês acham que a diluição do caldo é importante?
Valmor: Porque tá muito doce!
Pesquisadora-professora: Isso. O caldo tá doce demais...
Celso: Porque a cachaça não pode ficar doce.
Pesquisadora-professora: Mas será que tem como a cachaça ficar doce?
Diana: A cachaça não fica doce porque o açúcar vira álcool quando fermenta no cocho.
Valmor: Porque a cachaça não pode ter muito álcool.
Pesquisadora-professora: Isso. Ao diluir o caldo evita-se de produzir uma cachaça muito forte, acima de
48º G.L., que não é aceita pela legislação.
19
Os usos cotidianos do sacarímetro evidenciam a apropriação criativa (GINZBURG, 1987; CERTEAU, 2003)
dos conhecimentos técnicos pelos produtores, processo complexo em envolve uma transformação astuciosa do
desconhecido em algo familiar. O aparelho, além de manter sua função original de aferir o teor de açúcares do
caldo a ser fermentado, é também empregado por vários produtores com outras finalidades: detectar o final da
fermentação, avaliar o estado do pé-de-cocho, produzir novo pé-de-cocho e, como vimos, controlar o processo
de diluição do caldo.
69
Utilizando uma miniatura de dorna (Figura 2) e as fórmulas, os alunos constataram que,
para uma dorna de 500 L, o volume útil seria 400 L, pois, conforme Jéssica concluiu, “se fica
cheio pode derramar... por causa das bolhas”, sendo esse volume útil preenchido com 40 L
de fermento, 285,7 L de caldo de cana e 74,3 L de água, caso o produtor desejasse reduzir o
teor de açúcares de 21º Bx para 15º Bx. Manifestando compreensão de que a Matemática deve
ter funcionalidade na vida cotidiana, o professor Romilson destacou: “fórmula é igual
número de telefone, não precisa decorar. Mas tem que estar anotadinha na agenda!”.
Figura 1. Determinação do teor de açúcares do Figura 2. Miniatura de dorna utilizada na atividade
caldo da cana com o uso do sacarímetro.
sobre a diluição do caldo.
Através da consulta ao quadro de atenuação do Brix, os alunos perceberam que os
números que constavam eram exatamente o que eles haviam encontrado com a aplicação das
fórmulas, entendendo a vantagem da padronização do tamanho das dornas e do teor de
açúcares final em 15º Bx. Pela análise do quadro também constataram que somente a garapa
com teor de açúcares acima de 17º Bx precisa ser diluída porque, abaixo desse valor, o
próprio fermento, cujo volume corresponde a 10% do volume útil da dorna, já cumpria esse
papel, sendo esta a razão do teor de açúcares do mosto indicado no quadro ser menor do que o
do caldo. Manifestando ter entendido as circunstâncias em que se aplicam as fórmulas, Célia
disse: “é porque tem dornas de tamanhos diferentes, igual aquela grandona que a gente viu
em Wilian”. Outra situação abordada, que poderia requerer o uso das fórmulas, seria o
interesse do produtor de padronizar o caldo em 16º Bx, por exemplo, e não em 15º Bx.
Para que os alunos percebessem a vantagem de se colher a cana bem doce, solicitamos
que analisassem no quadro a relação entre o teor de açúcares do caldo e a quantidade de água
que poderia ser acrescentada. Eles concluíram que “quanto mais doce o caldo, pode pôr mais
água e menos caldo na dorna!”, o que, ao contrário do que a maioria dos produtores acredita,
70
aumenta o rendimento, pois se o caldo estiver com 25º Bx são necessários apenas 240 L de
caldo por dorna, enquanto que se o caldo estiver com 16º Bx precisa-se de 360 L. O professor
Romilson comentou:
– Aqui tem muitos que não têm certo conhecimento, que acreditam que é prejuízo... porque quando a cana tá
doce, a garapa tá doce, eles acham que rende mais. Colocando água vai render menos por alambique, mas
aumenta a quantidade de cachaça, ou seja, se você destilava um alambique, você vai destilar dois, se eram
dois, vai pra três. Lógico que por alambique não, por alambique não! Porque por alambique se você não
misturar água ele vai render mais. Mas, quando você dilui, você aumenta o caldo e, assim, você vai ter mais
alambique pra destilar e, com certeza, quando você for calcular, de modo geral, a cachaça, que é o objeto
de desejo, você vai produzir mais se você misturar água. Vai render e vai ser de qualidade, porque não vai
ser forte demais e vai estar num padrão.
Esse comentário favoreceu a compreensão de outra vantagem da diluição do caldo: ela
permite padronizar a quantidade de açúcar no caldo, cujas implicações foram percebidas por
Taiane: “e assim a cachaça vai sair sempre com quantidade de álcool igual e mais baixo!”
Essa conclusão foi relacionada com a cachaça “Abaíra”, cujo grau alcoólico é sempre 42º Bx,
por ser feita a padronização prévia do caldo, o que também evita a morte das leveduras, já que
elas não suportam alta concentração de álcool. Os alunos contaram que muitos produtores
moem a cana quando está chovendo, dando ensejo à discussão da influência das variações
sazonais na qualidade da cachaça. Os alunos concluíram que o rendimento não seria o mesmo,
pois “a cana fica aguada”.
Para que os alunos entendessem a terceira razão que justifica a diluição do caldo, a
desidratação e morte das leveduras em meio com alto teor de açúcares, realizamos um
experimento relacionado ao fenômeno da osmose, com o uso de dois ovos de codorna crus,
cujas cascas foram removidas com o uso de vinagre, colocados em dois meios: água e solução
concentrada de açúcar.
Assim que explicamos que a membrana que envolve o ovo é
semipermeável, permitindo a passagem da água, mas não permitindo a passagem do açúcar,
os alunos passaram a fazer predições: “então, acho que vai estourar”, “Ah! Ele vai inchar!”,
“esse aí vai inchar e buf!”, e ao ovo colocado na solução de açúcar, “vai passar só a água
pra dentro e ficar o açúcar”, ideias com as quais a maioria concordou. Quando a aluna Célia
contestou, dizendo “eu acho que a água do ovo vai sair, porque vai tá muito açucarada a
água”, o professor Romilson aprovou a resposta e fez analogia com as leveduras “com muito
açúcar, as leveduras também perdem água, ficam desidratadas e morrem, enfraquecendo o
pé-de-cocho”.
Os alunos ficaram entusiasmados com o emprego da Matemática. Ian comentou: “até pra
plantar a cana precisa da matemática, pra saber a área, o tanto de adubo! Tem produtor que
71
põe água, um ou dois baldes, mas não é de acordo com a técnica, é de acordo com achar que
precisa”. O professor Romilson evidenciou estar surpreso, pois ele próprio ampliou a sua
visão sobre as exigências cognitivas envolvidas na fabricação da cachaça, afirmando: “se a
gente for parar pra analisar, hoje, até para realizar um trabalho grosseiro como a
fabricação da cachaça tem que ter certa instrução”.
CONCLUSÕES
Considerando-se que a base do trabalho intercultural crítico é o diálogo, e não o
monólogo que aprisiona os sujeitos exclusivamente em seus modos de ver o mundo (CANEN,
2002), concluímos que a pesquisa gerou evidências de que a articulação entre as práticas
cotidianas e os saberes técnico-científicos favorece a atribuição de sentido à prática social. As
atividades geraram a compreensão entre professores e alunos que o processo de incorporação
de inovações técnicas é complexo e contraditório, envolvendo, além da dimensão técnica,
questões políticas, sociais, econômicas e culturais, o que contribuiu para ampliar as
possibilidades de posicionamento dos alunos sobre as mudanças socioculturais em curso na
região.
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73
EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA CAMINHOS PARA CONSTRUÇÃO DE UMA
ESCOLA QUE COMTEMPLE A PLURALIDADE SOCIOCULTURAL DE UMA
COMUNIDADE AFROCAMPESINA
Jean Carlos Barbosa dos Santos
Francisca das Virgens Fonseca
Valéria Marta Ribeiro Soares
Resumo: Este trabalho é um estudo acerca da Educação Contextualizada proposta a
comunidade afro-campesina de Praianos, município de Ichú, no semiárido baiano, utilizando a
realidade do educandos como ponto de partida do processo de construção do conhecimento
numa atitude de valorização da pluralidade sociocultural, pautada nos ideais de valorização
das identidades etnicorraciais e campesina, da maioria absoluta, dos alunos que povoam a
única sala de aula da Escola Drº. Ipê Cana Brasil. Assim, abraçando uma causa de construção
de um novo modelo de sociedade, com mais justiça social, fraternidade e respeito a esta
pluralidade sociocultural circundante, a escola adotou uma metodologia inovadora no fazer
pedagógico do professor, pautada na contextualização dos conhecimentos. Desta maneira, as
bases de informações – conteúdos curriculares – são trabalhadas a partir da sua utilização e
aplicabilidade na comunidade, observando sempre uma situação real do cotidiano. Nosso
objetivo é trilhar um caminho que nos leve a compreender o que vem a ser de fato
quilombola, tomando como aporte um passado de resistências e lutas, chegando aos conceitos
contemporâneos, bem como as suas demandas políticas e sociais, em especial, as demandas
por uma educação que seja verdadeiramente para o homem quilombola, que nasça desse povo
remanescente quilombola na contemporaneidade. Notamos que se tratava um povo esquecido
das políticas públicas educacionais, relegados ao modelo urbanocêntrico de educação. O que
despertou nesta comunidade o desejo de mudança e transformação interna, por meio da
escola. Esta, por sua vez, serviu-se de instrumento no enfrentamento as políticas públicas
descontextualizadas, pautando a construção um modelo de educação que reconhece e valoriza
os saberes da comunidade, tomando-os como ponto de partida da relação
ensino\aprendizagem em sala de aula. Para tanto, utilizaremos instrumentos metodológicos
que comungam com a analise da realidade social a partir do paradigma crítico como a analise
documental, observação em sala de aula e a entrevista semi-estruturada que, nos auxiliaram a
perceber que um novo modelo de educação esta sendo construído dia a dia nesta escola afrocampesina diante a tantos os desafios. Uma educação que se propõem a desenvolver nos
alunos um sentimento de pertencimento a comunidade, perpassando pela afirmação de sua
identidade étnica e da valorização da pluralidade sociocultural existente.
1. Introdução
Neste trabalho nos propomos a investigar como as práticas pedagógicas escolarizadas
oportunizadas a uma comunidade rural e negra contribuem para a construção de
conhecimentos e influenciam no sentimento de pertencimento dos sujeitos dessa comunidade
74
– atendidos pela escola – em relação à escola a educação por ela preconizada. Numa atitude
de enfrentamento as históricas práticas das políticas educacionais brasileiras que relegada ao
esquecimento e ao modelo de educação urbanocêntrica.
Elegemos como lócus dessa investigação a comunidade de Praianos, visto que esta
comunidade por sua vez, trata-se de espaço rural, com uma população majoritariamente de
etnia negra, no município de Ichú, no semiárido baiano.
Durante o desenvolvimento do texto nos preocupamos em confrontar o descaso com as
escolas afro-campesinas, por parte das políticas públicas educacionais, no nosso caso, e a
atitude de enfrentamento de uma comunidade, a este descaso promovendo uma proposta de
educação que não se silencia diante dos desafios colocados, historicamente, pela cultura
dominante relativos às questões raciais e a formação de uma identidade afrodescendente autoafirmada em seus alunos. Construindo uma proposta de educação que respeita e, valoriza a
realidade sociocultural de seus sujeitos da educação.
Propomos, também, um breve relato acerca da história dos quilombos, sua
conceituação contemporânea, na tentativa de
cooperar na compreensão a proposta de
educação construídas nestes espaços e sua perspectiva em relação à formação do individuo.
No segundo momento, apresentamos a experiência inovadora de educação contextualizada
vivenciada pela Escola Drº. Ipê Cana Brasil
Tais observações tiveram como foco as práticas pedagógicas da educadora e os
reflexos desta atuação na construção de uma auto-estima positiva no educando afrocampesino. Como subsidio para analise dessa ação pedagógica nos debruçamos sobre estudos
empreendidos acerca da temática educação para as relações étnicorraciais, dentre eles:
Cavalleiros (2000), Romão (2001) e Nunes (2006).
No que concerne à educação contextualizada enquanto enfrentamento as práticas
políticas que acabam por cooperar com a descaracterização identitária, com a construção de
conhecimentos descontextualizados a realidade do educando recorremos aos construtos
teóricos de Moura (2005), e Baptista e Rocha (2005), que percebem a escola como um
instrumento de embates nas sociedades e nas culturas desta contemporaneidade marcada por
conflitos e incertezas.
No decorrer da investigação utilizamos de instrumentos metodológicos diversos, como
a observação em sala de aula, entrevista semi-estruturada com a professora, coordenadora e o
diretor da Escola, além da análise das literaturas supracitadas que nos facilitaram a reflexão
75
sobre este momento de troca de experiências que foi a participação em sala de aula numa
turma multisseriada20 com alunos do 3º e 4º ano do Ensino Fundamental I.
Para o desenvolvimento do presente trabalho, é necessário contextualizar o chão
político, pedagógico e epistemológico da pesquisa. Para a construção metodológica, tivemos
como referencia os trabalhos de autores Minayo (2004) e Sarmento (2000), que
fundamentaram os procedimentos adotados no estudo exploratório, na analise documental e
no estudo de caso de cunho etnográfico, instrumentos que nos possibilitaram uma
aproximação epistemológica e metodológica com o objeto de estudo.
Com o objetivo de compreender como as práticas pedagógicas contextualizadas
contribuem para a construção de auto-estima positiva no educando afrocampesino e
influenciam no sentimento de pertencimento dos alunos em relação à escola e a comunidade.
Recorremos ao aporte teórico do paradigma critico de investigação social - no qual
toda teoria do conhecimento se apóia, implícita ou explicitamente, sobre uma determinada
teoria da realidade e pressupõe uma determinada concepção da mesma realidade - que por
meio de seus fundamentos epistemológicos acreditam poder articular as interpretações
empíricas dos dados sociais com os contextos políticos e ideológicos em que se geram as
condições da acção social (SARMENTO, 2000, P.143).
Durante o processo de aproximação, analise e compreensão do objeto, as categorias
analíticas Praticas Pedagógicas contextualizadas, Educação Quilombola – negra e campesina,
orientam o nosso trabalho.
2. Desenvolvimento
2.1 – Quilombolas e a Educação: Uma breve conceituação.
Ao se falar em quilombos logo, a representação social mais comum é como um
espaço de fuga, resistência e liberdade, portando-se ao conceito dos quilombos construídos
ainda no período colonial, emitido institucionalmente pelo Conselho Ultramarino em 1740,
conforme afirma Moura (2007), quando nos trás “Ipsis Litteris” a definição do século XVIII,
traçando uma definição dos quilombos a partir da organização e da estruturação de seus
espaços, assim definido como “(...)toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco,
parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles”.
Uma intensa rede de relações econômicas e sociais, que possibilitava a manutenção dos
20
Em que, num mesmo espaço, o professor leciona mais de uma série, geralmente são classes com quatro séries
diferente, do 1º ao 5º ano.
76
quilombos e, ao mesmo tempo, as fugas que faziam parte das estratégias montadas pelos
escravizados, que incluíam até esconder escravos em fazendas vizinhas, o que significava
haver um circuito de comunicação entre escravos nas fazendas e quilombolas (Lopes apud
Gomes, 2007, p.27).
Nestes espaços não encontramos registros de educação escolarizada, ou de um espaço
destinado a este fim, os conhecimentos e os saberes eram transmitidos no cotidiano, no dia-adia do quilombo, logo as crianças que ali habitasse saberia se defender de um ataque, fugir,
resistir para não serem capturada e encontrar sua própria forma de subsistência.
Por não possuir da Fundação Palmares21 a certidão de reconhecimento desta
comunidade enquanto remanescente quilombola apesar auto-identificação de seus habitantes,
optamos ao nos reportar a Comunidade de Praianos utilizar as nomenclaturas – Comunidade
afro-campesina e Comunidade Negra e Rural – uma alusão a sua ancestralidade africana e o
fato de ser um espaço rural. Nosso intuito é confrontar estas duas especificidades –
Afrodescendente e Campesinato – em dois sentidos primeiro no descaso das políticas publicas
educacionais brasileiras e segundo na atitude de enfrentamento a postura por meio da
educação contextualizada a realidade afro-campesina.
Na contemporaneidade, não nos cabe debruçar-se sobre um único conceito sobre os
quilombos, também são chamados de terra de preto, terra de santo, terra de santíssimo, visto
que o mesmo, por si só seria insuficiente de dar conta da realidade, uma vez que esta não se
constitui de uma verdade absoluta e sim de verdades construídos, desconstruídas e
reconstruídas a todo o momento pelos sujeitos em suas diversas identidades, assim o
remanescentes das áreas em constituíram-se os quilombos no passado não mais pode ser
conceituado como tão somente espaço de fuga, resistência e liberdade, sem que haja uma
responsabilidade efetiva por parte do estado em suas políticas publicas, em especial no que
concernem as políticas voltadas para educação nesses espaços.
Pensar em quilombos, atualmente, é também pensar em sua ancestralidade de luta,
resistência e busca pela liberdade, no entanto este conceito não deve, nem pode para neste
ponto, ele se amplia quando se pensa os espaços remanescentes de quilombos como um
21
É uma instituição pública vinculada ao Ministério da Cultura que tem a finalidade de promover e preservar a
cultura afro-brasileira. Preocupada com a igualdade racial e com a valorização das manifestações de matriz
africana, a Palmares formula e implanta políticas públicas que potencializam a participação da população negra
brasileira nos processos de desenvolvimento do País. È responsável também pela certificação de áreas
quilombolas através de um documento expedido pela Fundação após receber um pedido das comunidades, se
autorreconhecendo como remanescentes de quilombos.
77
instrumento vigoroso no processo de reconhecimento da identidade negra brasileira para uma
maior auto-afirmação étnica e campesina. Uma proposta de educação escolarizada nestas
comunidades deve encontra-se ancorada nestes pilares, e ser construída coletivamente com
este povo, pautada em seus saberes tradicionais como ponto de partida para os novos
conhecimentos.
Outro ponto a ser considerado em relação à identidade quilombola é pensar que se
tratam, sim, descendentes de africanos escravizados, que mantêm laços de parentescos e, que
vivem em sua maioria da cultura de subsistência, em terras doadas, compradas ou ocupadas
secularmente pelo grupo, e que hoje, valorizam as tradições culturais dos seus antepassados,
religiosas ou não, recriando-as no presente, possuem uma história comum e têm normas de
pertencimento explicitas e implícitas no seu cotidiano, com consciência de suas identidades.
A Comunidade, afro-campesina, de Praianos, não foge a essa consideração, constituída
por famílias descendentes de (ex) escravos que conseguiram resistir e dar continuidade às
suas tradições, recriando-as em seu cotidiano, expressas por meio das redes de parentesco,
assim aconteceu na culinária, religiosidade, manifestações artísticas e formas de organização
do trabalho extremamente ligado ao campesinato, ainda como atividade de subsistências,
mesmo que a produção seja destinada mais com fins comerciais do que para o próprio uso da
comunidade.
O que justifica a importância do trabalho intenso de reconhecimento, preservação,
proteção e valorização da identidade étnica dessa comunidade (Reis, 2010, p.47), que vise
contribuir para a formulação e execução de políticas públicas educacionais de valorização dos
traços socioculturais desse povo afro-campesino, colaborando para melhoria da qualidade
educacional, atendendo assim às necessidades e anseios dos alunos e das famílias,
colaborando, portanto, para um desenvolvimento integral e integrado na comunidade.
Justamente, neste ponto que entra o Projeto CAT (Conhecer, Analisar e Transformar a
Realidade do Campo na Construção do Desenvolvimento Territorial Sustentável) de formação
continuada de professores do campo de forma direta e indiretamente, a fim de estes trabalhem
melhor com seus alunos e famílias, através de uma nova metodologia de trabalho em sala de
aula, constituindo-se numa experiência de construção inovadora de um novo modelo de
educação. Partindo das especificidades do espaço em que a escola encontra-se inserida, no
nosso caso, a Escola Dr. Ipê Cana Brasil na comunidade negra e rural de Praianos localiza-se
no município de Ichú, no semiárido baiano.
78
2.2 – Educação Contextualizada e a construção da auto-estima positiva no educando
negro
Ao observar o trabalho do professor na sala da aula, e sua concepção de
ensino\aprendizagem, no intuito de identificar as ações que podem ser consideradas influentes
na construção de uma auto-estima positiva nos alunos. Percebemos os impactos que estes
conhecimentos contextualizados construídos têm na reconstrução da escola enquanto
instrumento de transformação social com impactos significativos no desenvolvimento da
comunidade.
Em Ichú, outras escolas além da escola de Dr. Ipê Cana Brasil, num total de quinze
professores – direta ou indiretamente – recebem a formação promovida pelo projeto CAT,
numa parceria entre a UEFS - Universidade Estadual de Feira de Santana em parceria com o
MOC – Movimento de Organização Comunitária; STR – Sindicato dos trabalhadores Rurais;
e a prefeitura do município de Ichú, concordando com as perspectivas de Romão (2001), de
construção de uma educação que promova a auto-estima da criança negra, para tanto é
necessário alguma atitudes do educador
a primeira atitude é importantíssima: compreender os alunos como indivíduos
pertencentes a culturas coletivas... Segundo compreender que esta individualidade
faz parte de uma coletividade, ou seja, de um grupo cultural racial, étnico,
econômico, regional etc... A terceira ser estimulador do desenvolvimento desta
criança em seu conjunto, observando aqui os aspectos emocionais, cognitivos,
físicos e culturais. (Romão, 2001, p. 162, 163).
Por se tratar de uma comunidade de remanescentes quilombolas, a educação ofertada
em Praianos e ação do educador deve mirar nestas atitudes colaborativas de construção de
uma concepção de educação que vá além do cumprimento de demandas, que se constitua em
um espaço de reflexão e da ação, não dicotomizado (NUNES, 2006, p. 142), não repartido
entre campos disciplinares.
Segundo a mesma autora é nesse momento que precisamos propor um novo jeito de
fazer a educação trazendo para dentro da sala de aulas as reminiscências que conceituam o
que é ser quilombola – campesino e negro – é necessário arriscar-se e construir um novo
caminho, sem que este caminho seja ou pretenda ser nem a primeira nem a ultima palavra no
que diz respeito à construção de uma experiência inovadora em educação, neste novo
79
caminho segundo Romão (2001), faz-se necessário romper com os preconceitos e
estereótipos, rejeitar estigmas e valorizar a história de cada um, ou seja uma educação que
seja contextualizada a sua história, a sua vida em comunidade.
Uma prática pedagógica que promova a auto-estima necessariamente necessita estar
comprometida com a promoção e com o respeito do indivíduo e suas relações
coletivas. O educador que não foi preparado para trabalhar com a diversidade tende
a padronizar o comportamento de seus alunos. Tende adotar uma postura
etnocêntrica e singular, concluindo que, se as crianças negras “não acompanham” os
conteúdos, é porque são “defasadas econômica e culturalmente”, avaliações estas
apoiadas em estereótipos racial e cultural, ou são “relaxadas” e desinteressada.
(Romão, 2001, p. 163)
Em Ichú o Projeto CAT atua com o objetivo de desenvolver uma educação
contextualizada, a realidade do homem do campo, tendo por princípio a interdisciplinaridade
(PROJETO CAT, 2010) que pretende transgredir a visão de aprendizagem tradicional que
como agente de desvalorização dos elementos marcadores das identidades, transgredir a visão
de currículo escolar, enquanto algo pronto e acabado, centrado em suas disciplinas,
entendidas como fragmentos empacotados em compartimentos fechados, que oferecem ao
aluno algumas formas de conhecimento que pouco tem a ver com os problemas dos saberes
fora da escola (Hernández, 2007, p. 12) .
Toda a formação é promovida intuito de que os professores através de uma
metodologia de ensino/aprendizagem alternativa de trabalho, nas suas ações pedagógicas
possam contemplar a valorização e o respeito aos modos de ser e viver das famílias, seu
trabalho e sua cultura a ideia proposta é transgredir a incapacidade de a escola repensar-se de
maneira permanente, percebe-se uma significativa mudança no trabalho dos professores, tanto
com os seus alunos quanto no envolvimento da família e da comunidade, colocando sempre
alunos e famílias, enquanto sujeitos da aprendizagem assim,
As instituições de educação... organizam e formalizam uma aprendizagem que já se
iniciou na família e que vai ter continuidade nas suas experiências com a sociedade.
Assim, não só a família se torna responsável pela aprendizagem da vida social,
embora represente, inicialmente, o elo mais forte que liga a criança ao mundo...
Consequentemente, a ausência de relação entre a família e a escola impossibilita, a
ambas as partes, a realização de um processo de socialização que propicie um
desenvolvimento sadio. (Cavalleiro, 2000, p. 204)
Neste processo, o educando não é tratado como se nascesse na escola, estabelecendo
sempre relações entre a sua aprendizagem anterior, na vida em comunidade, na família, e a
80
atual na escola que amplia os horizontes dos alunos, fornecendo-lhes conhecimentos
verdadeiramente significativos e com real aplicabilidade a sua pratica social. Este contato
possibilita um diálogo com as transformações que acontecem na comunidade, pois muitas
delas partem da escola.
Habitualmente, os conhecimentos preconizados pela escola convencional não
respeitam e, não valorizam os conhecimentos do meio em que o aluno esta inserido, gerando
assim um sentimento de inferioridade, pois os saberes de sua comunidade não servem de
nada, mas sim aqueles ditados pela instituição escolar. Já no dia a dia a situação é bem
diferente, os conhecimentos da escola estão cada vez mais distantes da necessidade do aluno.
Estes alunos por sua vez oferecem resistência a esta imposição da escola de conhecimentos
descontextualizados a sua realidade.
O que se vislumbra, numa proposta de educação contextualizada para uma
comunidade remanescente de quilombos, é que o processo educativo formal contemple a
perspectiva de dar sentido aos conteúdos, à aprendizagem, ao conhecimento. Espera-se desse
modo que os educandos na relação com a natureza histórica e cultural consigam portarem-se,
manter-se e situar-se – tríade que significa uma consciência emergente, um autoconhecimento
das necessidades que se constitui no passo elementar para sonhar um mundo de menos
necessidade e, consequentemente, de mais liberdade – dentro da sua comunidade, na disputa
por um projeto de sociedade mais justa, fraterna e plural. (NUNES, 2006, P.143).
Ao contrário do modelo de educação descontextualizado forjado e construído no
momento histórico de passagem do modo de produção feudal para o capitalismo, colocando o
foco na educação para o trabalho (Loch e Rocha, 2009. p. 01). Entretanto, não para o trabalho
como princípio educativo, mais para o trabalho alienado.
Na contramão desse modelo, Caldart (2003), afirma que um novo modelo de escola
esta surgindo, em meio a um espaço rural em movimento, com tensões, conflitos, lutas sociais
que estão mudando o jeito da sociedade olhar para o campo e seus sujeitos, escolas que
ajudam no processo mais amplo de humanização, e de reafirmação destes povos como
sujeitos de seu próprio destino, de sua própria história. Uma escola que se constitua enquanto
instrumento de luta deste povo, na melhoria da qualidade de vida, na construção de uma
sociedade mais justa partindo do princípio do desenvolvimento sustentável é um dos desafios
contemporâneos da educação, aproximar a escola do cotidiano da comunidade afrocampesina, assim da vida do aluno.
81
Porém, numa sociedade em que o estado se instala de forma autoritária como na
sociedade brasileira, a escola sempre esteve enquanto protagonista, disseminadora e
mantedora das ideologias do estado. Para isto utiliza-se de seus sistemas simbólicos,
estudados por Bourdieu (2007), no caso da escola – a ciência – que passa a ser um dos
alicerces de sustentação e manutenção do sistema econômico dominante.
Para mudar este quadro de séculos com acesso dificultado as instituições públicas de
ensino, ocasionando com isso em exclusão desses sujeitos e descaracterização de suas
identidades. Trata-se, pois, da apropriação dos conhecimentos científicos – de modo
contextualizado – negados por séculos as populações afro-campesinas, visto os mais de 300
anos de escravidão e difusão de idéias de inferioridade racial, em relação ao homem europeu
– dominante – faz-se mister ressignificar, se apropriar do instrumento de dominação – a
ciência – tornando-a uma aliada no enfretamento as ideologias dominantes.
3. Considerações Finais
Por crer que a educação sempre será o instrumento mais poderoso contra a dominação
e as injustiças sociais, o meio mais prático e seguro de se fazer a democracia, de se promover
a igualdade social, é nestes pilares que esta pesquisa se justifica, encontrando relevância
social no respeito ao saberes prévios dos alunos, visto que ele não é uma tábula rasa, na
crença de uma nova educação possível, com conhecimentos científicos socialmente
relevantes, construídos a partir dos saberes prévios do aluno e da comunidade, e que contribua
eficazmente com as discussões e efetivações de políticas educacionais voltadas para a
comunidade em que a escola encontra-se localizada.
Diante do exposto, verificou-se a necessidade de mexer na filosofia que sedimenta o
processo educacional, que seja pautada numa visão filosofia em que a escola ensine partindo
dos valores e crenças de sue povo, e não só como transmissora de conteúdos. Assim os
conhecimentos construídos na instituição escolar vão ao encontro dos interesses
emancipatórios, reafirmando a história das comunidades afro-campesinas que sempre se
destacaram, com o embate político, na construção do desenvolvimento sustentável – o
etnodesenvolvimento – na valorização das identidades e na tentativa de assegurar a igualdade
de condições e de oportunidades para a construção de uma vida digna, dentro de uma ideal
histórico de liberdade do individuo.
82
Ao tomar uma escola afro-campesina, enquanto, objeto de estudo da relação entre a
educação e a valorização da pluralidade sociocultural do povo remanescente dos quilombos é
colocá-la também, na luta pela terra, na resistência e no combate ás desigualdades sociais. E, a
nossa escola afro-campesina, historicamente, tem essa identidade com as lutas e a resistência
à imposição do poder, pois, os quilombos, de onde originou-se as comunidades afrocampesinas, pautou-se e forjou-se uma sociedade política, cultural e economicamente
diferente, aposta e naquele momento, mais avançada do que a dos colonizadores.
Por fim, acreditamos que quando a construção do conhecimento na escola tem como
ponto de partida a realidade do aluno, este conhecimento torna-se um conhecimento vivo,
com utilidade para a comunidade, coopera para a manutenção de traços ancestrais de luta e de
resistência às ideologias e modelos impostos pela cultura dominante e principalmente, no
nosso caso, cooperando com a construção da auto-estima positiva do aluno em relação a sua
identidade de remanescente, numa atitude de corajosa da instituição escolar de tentar com
todas as dificuldades existentes reinventar a sua oferta de educação.
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84
A PRÁTICA EDUCATIVA PAUTADA NA ALTERNÂNCIA: ESCOLA FAMÍLIA
AGRÍCOLA COMO UMA ALTERNATIVA PARA A EDUCAÇÃO DO CAMPO
Georgia Oliveira Costa Lins22
Jamilly da Silva Corrêa23
Taílla Caroline Souza Menezes24
RESUMO:
Este trabalho visa discutir a prática educativa das Escolas Famílias Agrícolas (EFAs),
abordando alguns elementos da prática no tempo da alternância escolar. As EFA’s são
instituições que pautam os objetivos de ensino, a gestão, os instrumentos pedagógicos e os
espaços de ensino (escola/comunidade) na Pedagogia da Alternância (PA). A PA é uma
prática educativa que visa à formação especifica para o meio rural, pois possibilita momentos
alternados de formação entre escola/família/meio sócio-profissional, ou seja, o estudante
passa um período na escola, em condição de internato e um período junto à família e ao
ambiente em que pode atuar profissionalmente. Neste sentido, a EFA apresenta uma prática
educativa diferente da escola convencional, possui instrumentos pedagógicos específicos que
estabelecem conexões entre os espaços educativos da escola/família/comunidade, visando
uma formação integral do estudante para viver nestes espaços. As discussões baseadas neste
trabalho possuem uma metodologia de caráter exploratório com alicerce no instrumento da
observação. A observação é um instrumento relevante, pois possibilita questionarmos, o que,
o porquê e como ocorrem os fenômenos (RICHARDSON, 2011). Assim o procedimento de
coleta dos dados apresentados foi feito a partir de visitas realizadas em quatro EFA’s, situadas
no estado da Bahia. Através dessas visitas nos foi possível observar a rotina dessas escolas,
bem como ter acesso aos documentos pedagógicos dessas instituições. Frente aos dados
analisados, apontamos que a própria rotina das EFAs, torna-se um complexo exercício de
aprendizagem, pois muitos dos jovens que chegam à escola vêem de dinâmicas sociais
diferenciadas, e quando chegam na escola deparam-se com responsabilidades e vivências que
exigem adaptações difíceis e que estão em uma perspectiva de preparação para o trabalho.
Concluímos assim que ao pensar a prática educativa das EFA’s, percebemos a sofisticação de
sua proposta, ao propor alternativas diferenciadas para a gestão, formação dos educadores,
instrumentos pedagógicos, organização do tempo escolar, etc. Não obstante, tais elementos ao
mesmo tempo em que indicam uma proposta diferenciada depara-se com alguns limites, no
que tange a manutenção financeira, a formação profissional, e a participação comunitária.
Palavras-chave: Pedagogia da Alternância – Prática Educativa – Escola Família Agrícola
INTRODUÇÃO:
Este trabalho visa discutir a prática educativa das Escolas Famílias Agrícolas (EFAs),
abordando alguns elementos da prática no tempo da alternância escolar. As EFA’s são
instituições que pautam os objetivos de ensino, a gestão, os instrumentos pedagógicos e os
22
Mestranda em Educação - UEFS, Bolsista FAPESB
Graduanda em Pedagogia – UEFS, Bolsista PROEX
24
Graduanda em Pedagogia – UEFS, Bolsista PROBIC CNPq
23
85
espaços de ensino (escola/comunidade) na Pedagogia da Alternância (PA). A PA é uma
prática educativa que visa à formação especifica para o meio rural, pois possibilita momentos
alternados de formação entre escola/família/meio sócio-profissional, ou seja, o estudante
passa um período na escola, em condição de internato e um período junto à família e ao
ambiente em que pode atuar profissionalmente. Neste sentido, a EFA apresenta uma prática
educativa diferente da escola convencional, possui instrumentos pedagógicos específicos que
estabelecem conexões entre os espaços educativos da escola/família/comunidade, visando
uma formação integral do estudante para viver nestes espaços.
A escola família agrícola constitui-se como uma experiência inovadora no Brasil,
iniciada na década de sessenta, e inaugurando as experiências educativas com base na
Pedagogia da Alternância (QUEIROZ, 2004). O processo formativo dos estudantes ultrapassa
a sala de aula e alcança o universo do qual fazem parte, enquanto sujeitos do campo. No
cotidiano proposto pela Pedagogia da Alternância, os estudantes se deparam com
responsabilidades escolares e comunitárias ao tempo que pronunciam neste processo
formativo, suas intenções frente ao cenário que vivem e que representam como possibilidade
de presente e futuro.
Ressaltamos que a realização deste trabalho foi viável devido a inserção em um
projeto institucional com vertentes de pesquisa e extensão, o qual nos permitiu realizar as
observações nestes locais.
Dessa maneira, as discussões baseadas neste trabalho possuem um caráter exploratório
com alicerce no instrumento da observação. A observação é um instrumento relevante, pois
possibilita questionarmos, o que, o porquê e como ocorrem os fenômenos (RICHARDSON,
2011). Assim o procedimento de coleta dos dados apresentados foi feito a partir de visitas
realizadas em quatro EFAs, situadas no estado da Bahia. Através dessas visitas nos foi
possível observar a rotina dessas escolas, bem como ter acesso aos documentos pedagógicos
dessas instituições25.
PENSANDO
A
PRÁTICA
EDUCATIVA
NAS
EFAS:
A
PEDAGOGIA
ALTERNÂNCIA
25
Os documentos aqui citados fazem parte do banco de dados do já referido projeto de pesquisa.
DA
86
A prática educativa configura-se em um elemento bastante complexo, e se estrutura
em parâmetros institucionais, organizativos, tradições metodológicas, possibilidades reais de
professores e condições físicas existentes (ZABALA, 1998). Esta prática envolve elementos
diversos, objetivos, planejamento, estratégias, atividade, instrumentos pedagógicos e
avaliação. Não obstante, há vários modelos educativos que fundamentam a prática educativa.
Neste sentido, as EFA’s se sustentam no modelo educativo da PA. Esta é uma práxis
educativa que visa à formação do sujeito do rural, respeitando as suas especificidades, pois
possibilita momentos alternados de formação entre escola/família/comunidade sócioprofissional visando qualificar a vida desses sujeitos, através da comunicação do
conhecimento elaborado (institucionalizado) com o conhecimento popular (senso comum). A
proposta da PA consiste em uma educação contextualizada, calcada na realidade dos jovens
do rural, buscando que os mesmos tornem-se protagonistas no processo da transformação da
sua localidade. (ROCHA, 2007). Uma das singularidades nesta prática educativa é a sua
metodologia em ciclos de alternância (escola/família), os quais supõem estreita conexão entre
os dois momentos de atividades em todos os níveis – individuais, relacionais, didáticos e
institucionais (QUEIROZ, 2004).
É importante ressaltar que a PA é uma práxis que ao longo de sua história foi se
qualificando enquanto filosofia e método de ensino, a proposta utilizada pelas EFAs surgiu
inicialmente na década de 30 na França expandiu-se para Itália e atualmente é praticada em
diversos países. Essa proposta pedagógica chega ao Brasil em 1969 com o objetivo de atuar
sobre os interesses do homem do campo, principalmente no que diz respeito á valorização do
seu nível cultural, social e econômico (SILVA, 2000).
Ressaltamos que, a Alternância, enquanto método de ensino é utilizado por diversos
segmentos educacionais e podem apresentar características distintas, de acordo com Queiroz
(2004), é possível encontrar três tipos de alternância
a) Alternância justapositiva, que se caracteriza pela sucessão dos tempos
ou períodos consagrados ao trabalho e ao estudo, sem que haja uma relação
entre eles.
b) Alternância associativa, quando ocorre uma associação entre a formação
geral e a formação profissional, verificando-se portanto a existência da
relação entre a atividade escolar e a atividade profissional, mas ainda como
uma simples adição.
c) Alternância integrativa real ou copulativa, com a compenetração
efetiva de meios de vida sócio-profissional e escolar em uma unidade de
tempos formativos. Nesse caso, a alternância supõe estreita conexão entre os
87
dois momentos de atividades em todos os níveis – individuais, relacionais,
didáticos e institucionais. Não há primazia de um componente sobre o outro.
A ligação permanente entre eles é dinâmica e se efetua em um movimento
contínuo de ir e retornar. Embora seja a forma mais complexa da alternância,
seu dinamismo permite constante evolução. Em alguns centros, a integração
se faz entre um sistema educativo em que o aluno alterna períodos de
aprendizagem na família, em seu próprio meio, com períodos na escola,
estando esses tempos interligados por meio de instrumentos pedagógicos
específicos, pela associação, de forma harmoniosa, entre família e
comunidade e uma ação pedagógica que visa à formação integral com
profissionalização.
Destacamos que as EFAs e as Casas Familiares Rural constituem os Centros
Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs) que possuem quatro pilares que sustentam
a proposta dessas instituições, sendo estes: a Alternância, enquanto metodologia de ensino; a
Associação de Pais, como mantenedora da instituição; o desenvolvimento local sustentável
e a formação integral do jovem como finalidades das instituições. As instituições em que o a
observação decorre, são três EFA’s de Ensino Médio e Profissionalizantes pertencentes à
Rede de Escolas Famílias Agrícolas Integradas do Semiárido.
ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA PRÁTICA EDUCATIVA DAS EFAs
O processo educativo pautado na PA tem características específicas que consideram as
peculiaridades do campo, visando uma maior autonomia e poder dos camponeses em relação
a educação que desejam. Assim a gestão das EFAs é formada por uma associação de
agricultores, são escolas integradas e unitárias, pois abrangem o Ensino Fundamental II,
Médio e a Educação Profissional e nascem das organizações sociais locais e/ou movimentos
sociais do campo (QUEIROZ, 2004). O Ensino Básico é articulado com a Educação
Profissional, no qual se trabalha em regime de alternância e dentro do período estabelecido, o
jovem conclui a educação básica e obtêm a formação de Técnico em Agropecuária.
Um dos elementos fundamentais ao se pensar a construção dessas escolas é a
formação dos profissionais que ensinam nas EFAs, estes são chamados de monitores e
categorizam um perfil diferente de atuação pedagógica, pois além de ministrarem disciplinas,
são responsáveis por coordenar e cuidar dos estudantes.
Por ter um processo educativo específico para ser um monitor de EFA há a
necessidade de realizar um processo de formação peculiar. Os CEFFAS propõem uma
88
formação especifica para os monitores que irão atuar nas instituições, o monitor se forma
através do processo, também, de alternância e para concluir deverá defender uma monografia
(Caderno de Formação, 2009). Vale ressaltar, que esta formação não substitui uma graduação
ou pós-graduação em instituições de nível superior.
Outra especificidade destas instituições é o currículo, este abarca a base comum
estabelecida nacionalmente, que corresponde a formação geral, mantém os conteúdos
regionais, culturais e locais característicos da PA, e abrange os conteúdos para formação de
técnicos agrícolas. Os conteúdos envolvem as questões de valores, direitos, deveres e
orientação para o trabalho.
As EFAs buscam a comunicação entre o tempo escola (período em que o estudante
desenvolve atividades na escola) e o tempo comunidade (período em que o estudante
desenvolve atividades junto à comunidade), e como estratégia para esta articulação é traçado
um Plano de Formação, que propõe organizar a alternância. Este Plano de Formação é
contínuo, ou seja, inicia-se desde o primeiro ano que o estudante faz parte da EFA. De acordo
com Begnami (2009), o Plano de Formação organiza a formação geral de um CEFFA, sendo
que a construção deste é feita com os conteúdos dos eixos geradores e os conteúdos escolares,
os quais têm que ter aprovação do Conselho da Escola (Associação, Famílias, Monitores e
Estudantes).
Para desenvolver as atividades em alternância, as EFAs adotam instrumentos
pedagógicos específicos característicos da sua pedagogia, dentre os quais temos:
Instrumentos de Pesquisa - Plano de Estudo (PE), folha de observação, estágios; Instrumentos
de comunicação - Colocação em Comum (socialização e organização dos conhecimentos da
realidade do aluno e do seu meio), visita à família e comunidade, Caderno da Realidade ou
Caderno de Síntese da Realidade do Aluno (VIDA); Instrumentos didáticos - Fichas
Didáticas; Visitas de Estudo; Intervenções Externas – palestras, seminários, debates, etc., e o
Projeto Profissional do Jovem (PPJ) (BEGNAMI, 2009).
As atividades e os instrumentos pedagógicos são pensados para ligar a prática à teoria
e vice-versa. O processo de avaliação, de acordo com o Caderno de Formação Pedagógica
Inicial de Monitores26, indica que nos CEFFAs esta não pode ser classificatória, quantitativa
ou excludente, e sim possuir a lógica da avaliação formativa, diagnóstica e contínua. Segundo
Begnami (2009), se os CEFFAs visam uma formação integral, seria uma contradição a
26
O caderno de Formação dos Monitores foi uma das fontes para compreender a constituição da prática
educativa das EFAs.
89
avaliação não levar em consideração todas as dimensões do sujeito. Assim sugere que o
acompanhamento do instrumento pedagógico Caderno da Realidade (espécie de diário no
qual o estudante escreve/descreve suas atividades) seja uma das ferramentas para este
processo.
Ainda no quesito avaliação, o autor supracitado também coloca que a mesma deve
considerar a observação da aquisição dos conteúdos, de metodologias, mudanças de atitudes,
e as relações de convivência. Neste sentido, a avaliação da aprendizagem deve apontar para
busca da melhoria e oferecer elementos para o professor orientar o ensino e perceber que este
é um processo de abertura e revisão.
Fizemos uma contextualização geral da organização das EFAs, de acordo com o
Caderno de Formação Pedagógica Inicial dos Monitores. A organização das EFAs tem
características comuns que envolvem elementos que as diferem das escolas convencionais27.
Não obstante, cada EFA pode apresentar uma especificidade que é influenciada por seu
contexto histórico, de território e da organização dos seus sujeitos.
A DINÂMICA DA EFA
Para entendermos a dinâmica da EFA vamos abordar aspectos de sua rotina e a
organização de seu currículo. A rotina é um importante instrumento de dinamização da
aprendizagem, e nesta podemos identificar elementos da dinâmica social e cultura que está
presente na escola.
A organização da rotina que acontece no período de 15 dias da alternância, em que os
jovens permanecem na escola, se sustenta pela organização destes em sub-grupos
responsáveis pela manutenção e pelo cumprimento dos horários das atividade. Os monitores
designam tarefas, dividindo os estudantes em sub-grupos que são responsáveis por um
aspecto de manutenção da escola, assim existe, e é visível o trabalho em grupo dos estudantes,
os jovens assumem responsabilidades sob atividades do dia-a-dia como organizar o almoço,
as atividades culturais, as atividades práticas (alimentar os animais, capinar etc.). Essa
divisão pode ser traduzida como um importante momento de aprendizado, segundo Dall’Aqua
e Peixoto (2008)28 é que:
27
O termo Escola Convencional é utilizado pelos sujeitos da alternância para caracterizar as escolas formais
disponibilizadas pelo Estado aos sujeitos do campo, ou seja, as escolas rurais que tem seu modelo pedagógico
baseado nas escolas urbanas.
28
Artigo produzido com os estudantes da EFA Rosalvo da Rocha Rodrigues.
90
Uma das características mais importantes do trabalho de entidades,
grupamentos de pessoas, de associações, de grupos de base, grupos
sustentáveis é o trabalho em equipe, pois o trabalho em equipe provoca, ou
permite que cada um/a e todos/a enfrentem seus desafios e se percebam
como atores/protagonistas deste processo. É em grupo que o ser humano se
faz gente, que a sociabilidade acontece, que aprendemos a enfrentar desafios.
(2008, p. 59)
Os autores afirmam também que é na organização de coletivos que o jovem inicia uma
preocupação para garantir a higiene da escola, e até ajudar de maneira efetiva na participação
do plano de vida da escola. Assim para além de desenvolver apenas atividades práticas
pontuais, os jovens desenvolvem uma preocupação com o meio, assumem responsabilidades,
aprendem a trabalhar de maneira coletiva para um bem comum.
Neste sentido, a rotina de uma EFA é um momento, no qual os estudantes aprendem
no cotidiano, por ser uma escola de tempo integral exige uma dedicação maior do jovem.
Percebemos que a mesma desenvolve no estudante o sentido do trabalho, pois observamos
que os mesmos estão sempre exercendo alguma tarefa.
Nos dias de sábado e domingo, período designado para o tempo livre os estudantes,
geralmente aproveitam para estudar e organizar as atividades teóricas solicitadas pelos
monitores/professores. São os dias em que os jovens conversam e descansam. A rotina é
assim dividida, em momentos de atividades do dia-a-dia, nas aulas teóricas, nas aulas práticas,
e em pequenos intervalos, a noite é o período dos serões.
Os serões são desenvolvidos todas as noites, é um momento em que os jovens se
organizam para debates sobre diversos temas. De acordo com a organização da EFA
(Observação do quadro de avisos) os serões são organizados da seguinte maneira: no primeiro
dia acontece a colocação em comum, com o debate sobre a avaliação das atividades no espaço
comunidade, em que são colocadas as novidades os aspectos positivos e negativos, os temas
da colocação em comum podem girar em torno do temas de agropecuária, questões
sociopolíticas, lúdico-afetivas e religião. Nos serões também acontecem a sistematização do
Plano de Estudo que constituem o Plano de Formação.
O Plano de Formação é contínuo, ou seja, ele tem uma conexão entre a primeira, a
segunda e a terceira série do Ensino Médio, assim, no primeiro ano as discussões giram em
torno da família, no segundo ano sobre a agricultura (o desenvolvimento local e as políticas
públicas sobre o tema), para que no terceiro todo o embasamento realizado a partir das
91
pesquisas realizadas nos anos anteriores culmine na elaboração do Projeto Profissional do
Jovem (PPJ), em que o jovem estudante traçará as atividades profissionais que pretende
desenvolver.
Esta lógica do Plano de Formação faz parte do currículo das EFAs que ainda envolve
outros dois eixos, disciplinas técnicas e disciplinas teóricas. Estas disciplinas estão
organizadas nas seguintes áreas: Linguagem, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da
Natureza, Matemática e suas Tecnologias, Ciências Humanas e suas Tecnologias;
Componentes Curriculares de Agropecuária e Atividades Integradoras da Alternância. A
organização curricular, assim como a própria dinâmica da EFA, demonstra a forte ligação da
proposta educacional com a orientação para o trabalho, neste caso o trabalho agropecuário.
CONCLUSÃO:
O debate sobre Educação do Campo e novas práticas educativas para o rural tem
ganhado espaço no cenário das reivindicações por Políticas Públicas nacionais. Os sujeitos em
movimento se pronunciam e demandam não só escolas no campo, pensadas para o rural; mas
sim escolas do campo, ou seja, escolas com o projeto político pedagógico vinculado às
causas, aos desafios, aos sonhos, à história e à cultura do povo trabalhador do campo,
pensadas com estes. (ARROYO, CALDART e MOLINA, 2004; MUNARIM, 2008).
Desse modo, percebemos que estas escolas podem ser indicadores do quão é possível
estabelecer um padrão de instituição educacional que possa estar em consonância com a
dinâmica socioambiental dos sujeitos do campo. Ao pensar a prática educativa destas escolas,
percebemos a sofisticação de sua proposta, ao propor alternativas diferenciadas para a gestão,
formação dos educadores, instrumentos pedagógicos, organização do tempo escolar, etc. Não
obstante, tais elementos ao mesmo tempo em que indicam uma proposta diferenciada deparase com alguns limites, no que tange a manutenção financeira, a formação profissional, e a
participação comunitária.
Dentre estes elementos, a própria rotina das EFAs, se tornam um complexo exercício
de aprendizagem, pois muitos dos jovens que chegam à escola vêem de dinâmicas sociais
diferenciadas, e quando chegam na escola deparam-se com responsabilidades e vivências que
exigem adaptações difíceis e que estão em uma perspectiva de preparação para o trabalho (no
sentido dialético da relação trabalho manual e intelectual).
92
Assim notamos que a rotina da escola família é rígida, com tempos bem definidos.
Nesta perspectiva, tal rigidez podem se configurar em um rico processo da prática educativa
das EFAs, porém indica que deveríamos analisar até que ponto pode se configurar em um
elemento que dificulta a adaptação.
Devemos apontar também, que as EFAs se apresentam como uma prática educativa
alternativa para os sujeitos do campo, mas que possuem alguns desafios frente a todo
conjuntura sócio-histórica do processo de constituição do rural. Os desafios existem no
âmbito pedagógico, econômico, social e cultural e que demandam maiores estudos.
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93
A EMERGÊNCIA DAS MEMÓRIAS DA CULTURA NEGRA NA ESCOLA E O
PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ÉTNICA
Terciana Vidal Moura
Jocineide de Almeida Santos
SOU HISTÓRIA
“Debrucei-me sobre as memórias
Que muitas vezes não conseguia ver
Fatos da minha história
Que alguns tentaram esconder
Aos 11 anos sofri
Pois não conseguia falar
A todos que me ignoravam
E me faziam calar
Numa pequena sala de aula
Roubaram a minha herança
Silenciando a minha história
Que trago com amarga lembrança
Professores e colegas servis
Cultuavam o padrão europeu
E para contrariar as regras
Quem fazia parte do grupo? Eu.
Não me encontrava no livro didático
História infantil ou coisa assim
Sofri o racismo pelo silencio
E que alguns zombavam de mim
Na mudança para a série seguinte
É que veio a minha aceitação
Pois descobriram que minha mãe
Era professora daquela instituição
Professor antes possuía status
Na época era coisa normal
Mas eu não fiquei satisfeita
Com aquele embranquecimento cultural
Pois sempre fui dona de uma identidade
Até minha alma sempre foi plural
Hoje como professora
E estudante da pós-graduação
Percebo que sou história
E objeto para pesquisa-ação
Posso mudar a minha prática
Buscando transformação”.
94
(Jorsilene Santana dos S. Souza, Professora do
Sistema Municipal de Ensino de Amargosa-Ba)
INTRODUÇÃO
O depoimento da professora Jorsilene nos faz afirmar que, apesar dos anos e de
um redimensionamento da leitura das relações raciais no Brasil, a condição do negro,
ainda é, infeliz e sutilmente, compreendida por uma parcela razoável de nossa
população - principalmente quem não tem a oportunidade de conhecer outras
referências conceituais-
por ranços das teorias e crenças racistas que, apesar de
cientificamente infundadas, permanecem ainda hoje vivas na memória social, fundando
o nosso imaginário e a memória coletiva enquanto representação que temos dos negros.
Cardoso (2001, p. 05) afirma que “Racismo e ignorância caminham sempre de mãos
dadas. Os estereótipos e as idéias pré-concebidas vicejam se está ausente à informação,
se falta o diálogo aberto [...]. Não há preconceito racial que resista a luz do
conhecimento”.
Para Waléria Menezes (2005), as premissas históricas e ideológicas que
constituíram o pensamento racial brasileiro ultrapassaram as barreiras do tempo e, ainda
hoje, contribuem para manter a difícil situação da população negra, colocando, no seu
cotidiano, vivências de circunstâncias como preconceito e descrédito, dificultando sua
inclusão social. Tais representações, fundadas em conceitos e estereótipos negativos,
fazem-nos construir “distorções cognitivas” gerando preconceito e discriminação
quanto à população negra, sustentando as práticas racistas e contribuindo, assim, para
justificar e validar a condição subalterna da mesma dentro da sociedade.
Como evidenciam alguns estudos sobre relações raciais e educação, Fazzi
(2004); Cavalleiro (2003); Rosemberg (1987;1995) as desigualdades educacionais dos
alunos negros em comparação aos alunos brancos têm suas raízes no preconceito e na
discriminação, na medida em que gera uma expectativa negativa em relação ao aluno
negro, afetando sua auto-imagem e auto-estima, além de introjetar idéias falsas e
depreciativas sobre ele, negando sua identidade. Tais práticas, aliadas a outras, têm se
constituído um dos principais fatores para que este desista prematuramente da escola ou
permaneça em seus bancos por muito mais tempo.
A fala da professora Jorsilene, ainda, nos faz questionar sobre o papel da escola
frente à diversidade étnico-cultural e principalmente no que tange ao processo de
95
afirmação da identidade negra, quando, ao invisibilizar ou silenciar os referenciais
positivos, como a memória, contribui para que o aluno negro negue a sua identidade e
cada vez mais seja seduzido pela ideologia do embranquecimento e pelo desejo de
tornar-se branco. Nesse sentido, Santos enfatiza que:
O debate acerca da identidade negra tem ocupado muito espaço na
sociedade brasileira. No entanto, a conquista desses espaços não tem
sido fácil, pois os grupos hegemônicos dizem que essa não é uma
questão que mereça destaque pelos militantes do movimento negro.
Com efeito, o discurso polifônico articulado em função do
emudecimento das vozes, que discutem a identidade negra, tem sua
origem no tempo da escravidão, ainda que se diga que essa é uma
mancha do nosso passado histórico. Todo esforço realizado para
preservar a nossa ascendência européia coincide com a tentativa de
esquecer, calar e apagar no cenário nacional, não só as memórias de
escravidão do povo negro, mas também a sua presença, enquanto
sujeito de direito, membro de uma comunidade pluriétnica, herdeira
de uma tradição ancestral que transcende o espaço-tempo e do
aniquilamento histórico de sua presença em terras brasileiras. (2002,
p. 44)
Assim, apesar da grande relevância que o tema relações raciais vem
manifestando no campo educacional, a escola ainda continua sendo um espaço de
“reprodução cultural”, quando prioriza e valoriza no seu currículo instituído e vivido
uma “porção de cultura” que representa a cosmovisão de mundo de grupos dominantes
e apresenta, em seu cotidiano, práticas que perpetuam o racismo e o preconceito racial.
Para Miranda (2005, p.02): “As formas etnocêntricas de ensino que privilegiam a
cultura européia em detrimento da cultura afro-brasileira surgirão, senão como a única,
pelo menos como determinantes, numa anamnese escolar, do fracasso escolar dos afrobrasileiros”.
A escola, ao invés de promover a mobilidade social dos negros e o
fortalecimento da identidade étnica, tem historicamente contribuído para manter as
desigualdades sociais/ raciais, uma vez que é nesse espaço que a criança negra recebe a
maior carga de embranquecimento, atitudes de preconceito e discriminação racial. Isso
vai gradativamente contribuir para que a criança negra desenvolva uma baixa-estima,
um auto-conceito negativo, negue sua identidade étnica e seu pertencimento racial e
tenha uma trajetória escolar mais difícil, levando-a, muitas vezes, ao “fracasso escolar”
e à sua exclusão social. Daí, as críticas, agora, centrarem-se na composição curricular,
que omite, silencia e nega a história, memória e cultura africana e afro-brasileira. Pois,
para Munanga:
É através da educação que a herança social de um povo é legada às
gerações futuras e inscrita na história. Privados da escola tradicional,
96
proibida e combatida, para os filhos negros, a única possibilidade é o
aprendizado do colonizador. Ora, a maior parte das crianças está nas
ruas. E aquela que tem a oportunidade de ser acolhida não se salva: a
memória que lhe inculcam não é a do seu povo; a história que lhes
ensinam é outra; os ancestrais africanos são substituídos por gauleses
e francos de cabelos loiros e olhos azuis; os livros estudados lhe falam
de um mundo totalmente estranho, da neve e do inverno que nunca
viu, da história e da geografia das metrópoles; o mestre e a escola
representam um universo muito diferente daquele que sempre a
circundou.
Apesar da diversidade étnico-cultural constituir um dos pilares da formação
humana, a escola não conseguiu ser ainda um espaço de “produção e diversidade étnicocultural”. Para Luz (2000, p. 09)
È preciso saber que o sistema oficial brasileiro é profundamente
marcado por uma rede ideológica positivista, produtivista e
imperialista, fruto de valores anglo-saxônicos e/ou euroamericanos. A
criança e o jovem que conseguem entrar no sistema oficial de ensino
sofrem uma lavagem cerebral tão violenta à sua alteridade própria,
que todo o entulho ideológico que sobredetermina o cotidiano
curricular passa a ser absorvido pela população estudantil como
verdades absolutas que tem como modelo universal a civilização dos
greco-romanos e anglo-saxões, paradigmas existenciais estranhos à
nossa identidade nacional.
Para combater as relações racistas dentro do ambiente escolar e para que a
escola seja uma instituição que contribua para a construção e fortalecimento da
identidade étnica, considera-se ser de vital importância a desconstrução de todo um
imaginário, crenças, representações, enfim, a desconstrução das distorções cognitivas
oriundas da ideologia racista.
Destacamos aqui a importante luta que vem sendo travada por décadas pelos
Movimentos Negros no campo de nosso interesse específico, a educação, evidencia-se
uma preocupação para incluir aspectos referentes ao legado constitutivo da Cultura
Negra no discurso escolar oficializado e institucionalizado, dentro da perspectiva de
produção de um novo capital cultural que priorize a produção de novos significados e
representações em torno do negro e de sua cultura.
Em resposta a essas reivindicações, foi sancionada em 2003 a Lei nº10.639 que
altera a Lei nº9394/96, ao incluir, no currículo oficial da rede de ensino do Brasil, a
obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” e ainda a criação de
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o
Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, que traz uma série de princípios
97
e orientações pedagógicas para lidar com a diversidade étnico-cultural em sala de aula.
Além disso, possibilidade da emergência de outros referenciais e cosmovisão de mundo
que levam “à compreensão de que a sociedade é formada por pessoas que pertencem a
grupos étnico-raciais distintos, que possuem cultura e história próprias, igualmente
valiosas e que em conjunto constroem, na nação brasileira, sua história” (BRASIL,
2004, p.241).
Frente a esse contexto, Maria Conceição dos Reis questiona: Como se constrói
a identidade negra e qual a contribuição da educação brasileira neste processo? [...]
como homens e mulheres que se auto-declaram negros(as), construíram sua identidade
negra e qual o percurso erguido pela educação para essa construção?
Silva (1995, p.40) referindo-se aos negros, advoga que é por meio da (re)leitura
da história e do conhecimento dos mecanismos de resistência de seu povo frente à
escravidão, que será possível a construção de uma “identidade resgatada”. Portanto, a
identidade e a memória coletiva estão associadas, pois, através da (re)leitura da
biografia de um grupo, de um povo, é feita a reavaliação de sua representação social.
Memória coletiva aqui conceituada como:
[...] aquela formada pelos fatos e aspectos julgados relevantes e que
são guardados como memória oficial da sociedade mais ampla. Ela
geralmente se expressa naquilo que chamamos de lugares da memória
que são os monumentos, hinos oficiais, quadros e obras literárias e
artísticas que expressam a versão consolidada de um passado coletivo
de uma dada sociedade. (SIMSON, 2000, p. 122)
MEMÓRIAS DA CULTURA NEGRA E O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA
IDENTIDADE ÉTNICA
O sentimento envenenado das nossas escolas, com suas referências
mais ou menos tolas ao “pretinho Benedito” com os elogios das
raposas ao heroísmo de Henrique Dias, tem dado ao negro a
impressão de que os seus antepassados foram uns desgraçados e de
que os jovens negros só por isso têm de serem sempre uns vencidos.
É preciso, porém, que o negro tenha coragem de afirmar-se, pois não
há motivos para temores, tudo o que existe no Brasil é obra do negro.
Sem o negro não haveria Brasil, logo, o negro tem que ser respeitado
aqui dentro e quando não o quiserem respeitar ele deve reagir. (JOSÉ
BUENO FELICIANO, 1933, p.04 apud AHYS SISS, 1999, p.70)
A preocupação específica com a cultura negra e a questão da afirmação
identidade étnica dá-se, primeiro, pelo fato de que esta foi afetada secularmente por
ranços de uma ideologia racista. Aqui no Brasil, há um legado histórico de nossa
formação
nacional
que
contribuiu
para
legitimar,
solidificar,
naturalizar
e
98
institucionalizar uma representação e identidade negativa acerca da cultura e população
negra e, principalmente para camuflar as diferenças, sucumbido os conflitos necessários
a construção da identidade étnica negra.
Além disso, a inquietação com tal questão resulta da observação, vivências e
pesquisa dentro dessa abordagem, que apontam para o contexto contemporâneo no qual,
as práticas discursivas através dos vários suportes de linguagens contribuem
efetivamente para construir subjetividades, identidades e sujeitos e dentro desse
contexto, a memória não deixa de ser uma prática discursiva e que produz
representações e identidades. Memória concebida como: “[...] a capacidade humana de
reter fatos e experiências do passado e retransmiti-los às novas gerações através de
diferentes suportes empíricos (voz, música, imagem, textos, etc.)” (SIMSON, 2000, p.
126)
Especificamente em relação à cultura negra, presenciamos historicamente uma
avassaladora tentativa perpetrada pelo discurso dominante e hegemônico para
institucionalizar e oficializar uma visão ora folclórica, ora negativa acerca da trajetória
dos negros no tocante à sua história, memória e cultura. Através desta constituição
histórica oficial, o negro e sua cultura foram reduzidos à esfera do folclore, opressão e
dominação. O mais grave de tudo isso, é que essa visão histórica negativa constituiu-se
em matéria prima para a elaboração dos discursos escolares em torno do negro. Esse
discurso concorre para reproduzir estereótipo e condição histórica em que o negro é
sempre o oprimido, e o branco, o herói e o dominador. Um exemplo disso é como a
escola veicula a história da abolição da escravatura e de como esse conhecimento marca
a nossa memória e identidade já que:
[...] A liberdade é representada por um “desamarrar de cordas” e por
um “soltar de pombo”. O processo de lutas dos negros? Fôra
silenciado. [...] A princesa Isabel, a branca, era representada por “uma
moça bem arrumada. Essa passa a ser a principal personagem da
história. Ela libertou. Ela mudou os rumos da história. É possível
inferir sobre as possibilidades de afirmações de que tal história
possibilita para o processo de construção de identidade do grupo
étnico-racial branco. Mas quais repercussões teriam essa versão no
processo de construção de identidades do grupo étnico-racial negro?
Esses aprendem, desde muito cedo, a se anularem, a não se verem em
lugar algum, a se silenciarem, a não contarem aspectos positivos de
seus antepassados. Esses aprendem a se negar, a negar a sua raça e sua
identidade para ser aceito pelo outro. A afirmação da identidade
cultural do grupo ético-racial negro certamente fica comprometida. As
“verdades” criadas pelo grupo étnico-cultural branco continuam sendo
recolocadas no currículo. As relações de poder inscritas no currículo e
na escola amparam e legitimam essas verdades. (ALVES,
99
O trecho acima nos faz pensar como, através da instituição escolar, introjetamos
e aprendemos tais falácias acerca da memória histórica da cultura negra, uma vez que,
essas colocações são reproduzidas no livro didático (Silva, 1987) e veiculadas na sala de
aula através do professor. Portanto, todo um legado histórico-discursivo construído
através de uma memória histórica seletiva na qual, a prevalência de imagens, versões,
monumentos acerca da cultura negra foram silenciados por ditames de um ideário
etnocêntrico de mundo e que, quando emergidos, fez-se de forma folclórica,
fragmentada e estereotipadas, contribuiu para que construíssemos valores, crenças,
concepções discriminatórias, excludentes e preconceituosas frente ao segmento étnico
negro e, ainda, para que os afro-descendentes negassem a sua identidade, sua história,
sua memória e sua cultura.
Portanto, a constituição da identidade negra dentro de uma sociedade que nega e
silencia, através de suas instituições socializadoras, todos os suportes que corroboram
para que os sujeitos de culturas silenciadas construam a percepção de si, da sua
identidade, precisa de mecanismos que venham potencializar as tentativas de construir
outro olhar do negro acerca de si mesmo, acreditamos aqui que a memória venha ser um
desses mecanismos.
Partindo do pressuposto que a identidade é uma percepção de si, construída
através de um processo de significação com base em suportes e referenciais de
realidade, a exemplo a memória, consideramos que, a emergência das memórias da
cultura negra, dentro de uma proposta pedagógica crítica poderá contribuir
grandemente para superar essas tímidas e camufladas tentativas de se trabalhar a
diversidade cultural na sala de aula, introduzindo no contexto escolar, outros referencias
de realidade.
Henrique Cunha Jr. argumenta que a ausência da disciplina História e Cultura
Africana nos currículos escolares contribui para gerar credos sobre a inferioridade do
negro, do africano e do afrodescendente. Para ele essa ausência tem quatro
conseqüências sobre a população brasileira. Primeiro, nega a oportunidade de o
afrodescendente construir uma identidade positiva sobre as nossas origens. Segundo,
cria espaços para a construção de hipóteses preconceituosas, desinformadas ou racistas
sobre as origens da população negra. Terceiro, coloca a apresentação dos continentes e
das diversas culturas a nível mundial, em desigualdade de informação sobre os
conteúdos apresentados pela educação. E a quarta conseqüência, esta sobre o
100
entendimento fragmentado e deformado da história brasileira, no qual as realizações do
povo africano no Brasil ficam sub-dimensionadas ou não reconhecidas, devido à
grande ignorância no país sobre as nossas origens africanas. Portanto as memórias da
cultura negra estão na condição de subterrâneas no currículo e saberes veiculados pela
escola na medida em que, “[...] correspondem a versões sobre o passado dos grupos
dominados de uma sociedade. Estas memórias geralmente não estão gravadas em
suportes concretos como textos, obras de arte.” (SIMSON, 2000, p. 122)
A EMERGENCIA DAS MEMÓRIAS DA CULTURA NEGRA NA SALA DE
AULA E O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ÉTNICA
NEGRA
A pesquisa evidenciou que a escola promove aprendizagens equivocadas em sala
de aula de conceitos e idéias falaciosas, simplistas e depreciativas que contribuem para
alimentar o imaginário racista e que não corroboram para que o aluno tenha uma
compreensão mais crítica da condição da população negra na sociedade brasileira, como
nos evidencia as respostas de alguns alunos:
- Ouvi o professor dizendo que o negro no tempo da escravidão era
tratado que nem bicho ficava acorrentado para não fugir. E se fugisse
e depois eles o pegassem novamente, ia para o tronco apanhava feito
um condenado.
Ainda, promove uma aprendizagem superficial sobre a temática “História e
Cultura Africana” que legitima a visão distorcida da participação dos negros na
constituição da sociedade brasileira, reduzida, na fala dos alunos, à culinária, festas e
danças. Além disso, há um reforço da escravidão e do escravo como única referência de
se conceber o negro dentro da história do Brasil. Quando questionados sobre quais as
histórias que eles conheciam sobre o negro e sua cultura, ficou evidente no conjunto das
respostas que o conhecimento que eles tinham sobre a história do negro resumia-se a:
Capoeira, senzala, bumba-meu-boi, folclore, escravidão, Quilombo de Palmares,
Escrava Isaura, navio negreiro, a história dos escravos, os escravos da África, etc. Como
se observa nos trechos abaixo, as histórias que os/as alunos/as mais ouvem sobre o
negro são:
- Sobre o quilombo dos palmares e outros como já vi no livro, o navio
negreiro, a senzala, escrava Izaura e outros.
- A história que eu conheço é de milhares de anos, que há muito
tempo os negros eram escravos dos brancos porque eles eram pobres.
101
- Eu sei que os negros trabalhavam para os brancos e os brancos
tinham nojo dos negros.
- Que o negro era escravo, que era capoeirista, que apanhava.
- Os negros foram trazidos a força para o Brasil para trabalhar nas
fazendas como escravos.
- O nego foi escravo, eles sofriam, eles eram chicoteados. Eu aprendi
na quarta série.
- Os negros foram escravizados e torturados pelos brancos que batiam
neles de chicotes e amarravam os negros e forçavam eles a trabalhar.
- Eu sei muito pouco. Li nos livros que os negros eram muito
escravizado pelo branco.
- Eu conheço que os negros sofriam muito ele apanhava quando fazia
alguma coisa errada. Eles eram transportados como se fossem nada,
eles eram vendidos como se não fosse ninguém.
- Eu conheço que o negro era muito maltratado e era um escravo que
trabalhava o dia todo e se ele fugisse da escravidão ele era morto
pelos fazendeiros.
A pesquisa também evidenciou um desconhecimento de personagens e heróis
negros que resistiram e participaram efetivamente de lutas históricas pela libertação dos
negros e pelo fim do regime escravista. Ficando o aluno sem referência identitária
positiva, já que o negro dentro da história é sempre associado ao escravo, ao sofredor,
ao passivo, ao inferior. Para Telles (2003, p. 240),
Estereótipos e a ausência de pessoas emblemáticas, nas quais as
crianças possam se espelhar podem contribuir para uma baixa estima
entre as crianças negras em idade escolar. Os livros textos que
descrevem os negros como preguiçosos ou não-civilizados e violentos
são comuns nas escolas brasileiras. [...] Modelos negros estão
visualmente ausentes nos livros-texto e a história africana raramente é
ensinada nas escolas. As referências negras, quando existem, tendem a
ser nos esportes e na musica popular.
Essa falta de referência e de pessoas emblemáticas nas quais os negros possam
se espelhar como referência positiva apareceu nas respostas dos alunos, quando
questionados se eles conheciam algum herói negro da História do Brasil, no total de 67
alunos ocorreram às seguintes respostas:
Não
30
Não se
lembra
3
Não
respondeu
6
Sim
Não sabe
24
2
Não ouviu
dizer
2
Aqueles que responderam conhecer enfatizaram a figura de Péle, Daine dos
Santos e Gilberto Gil, certamente porque estas pessoas negras conseguiram ascender
socialmente e romper as barreiras impostas pelos mecanismos racistas. Revelaram
também que continuam valorizando pseudo-heróis enfatizados pela história oficial
como a Princesa Isabel e Escrava Isaura. Isso indica o quanto está ausente no currículo
102
escolar uma visão da história dos negros, que não se assente mais na história oficial de
base eurocêntrica e sim na própria história e memória do povo negro que por muito
tempo esteve subterrânea, longe das salas de aula.
A falta de referencial positivo torna difícil a afirmação da identidade negra
entre os alunos do colégio investigado. Por isso, segundo Telles (2003), há uma
tendência no Brasil de evitar a utilização de categorias não-brancas para se autoclassificar, principalmente a de preto, isso porque as categorias não-brancas geralmente
são associadas a “características negativas tais como pobreza, preguiça e violência (p.
114)”. Verificamos que a maioria dos alunos, apesar de serem negros, rejeitam sua
identidade étnica, como mostra a tabela abaixo.
TABELA – CLASSIFICAÇÃO RACIAL DOS/AS ALUNOS/AS DO CMN
Preta
Branca
índia
amarela
parda
Morena
Morenaclara
Morenaescura
Clara
mulata
cabocla
mestiça
13
10
04
01
11
16
06
01
01
01
01
01
Fonte: Secretaria escolar do CMN.
Como podemos identificar, dos 67 alunos apenas 13 se auto-classificaram
como cor preta. No conjunto das respostas dos alunos evidencia-se a internalização de
conceitos e representações negativos quando percebem que ter a cor negra é um fator de
exclusão social dentro da sociedade e quando evidenciam que quem é negro: a) tem
mais dificuldade de integração e aceitação social; b) tem menos oportunidade e
possibilidade de arrumar emprego; c) sofre mais do que as pessoas de cor branca; d) é
associado a uma pessoa inferior; e) é associado a estereótipos como ladrão, maconheiro,
etc.; f) é visto e tratado na sociedade como pessoas sem classe e dignidade; e g) tem
mais chances de ser isolado nos grupos sociais, uma vez, que muitas pessoas não
gostam de negros.
De acordo com Cavalleiro (2003, p.99), o preconceito e a discriminação racial,
principalmente por conta da cor negra, levam os alunos a desejarem ser brancos e
eliminarem, assim, a cor indesejável, característica mais perceptível do estigma de sua
identidade. Na impossibilidade, “só lhe resta desejar ser uma cópia da criança branca,
que é respeitada e recebida positivamente no espaço escolar.
A preferência dos alunos se enquadra dentro de um continuum de cores que a
classificação racial no Brasil apresenta nas categorias que mais se aproximam da cor
103
branca. Essa idéia de branca como uma cor limpa ou como a cor mais bonita traz todo
um imaginário e toda uma simbologia que leva à associação da cor negra ao mal e a
branca ao bem, contribuindo para a negação da identidade ética negra, na medida em
que o indivíduo não quer carregar uma característica que, dentro de uma sociedade
conduzida pelos valores racistas, sempre associa ao que é negativo. Julvan Oliveira
(2003) argumenta que a cor negra, no pensamento ocidental, sempre foi associada a
mal, ruim, feio e maléfico, ficando estigmatizada como uma mancha negativa. Então ser
negro, é de certa forma, ser dotado de todas essas características negativas e
depreciativas à própria identidade negra. Para Gislene dos Santos (2002, p. 275), “na
cultura ocidental, a cor negra está associada ora a um sentimento de fascínio exótico ora
a sensação de medo ou horror”. A associação da cor negra ao que é ruim pode ter sido
construída, dentre outras explicações, pela noção e valor positivo que a cor branca
assumiu dentro do pensamento ocidental, sendo a cor negra o seu “outro”, o seu oposto.
Encontramos uma citação de Costa (apud SANTOS, 2002, p. 279) descrevendo o valor
da brancura na cultura ocidental que, ao contrário da cor negra , representa tudo que é
bom.
[...] a brancura transcende o branco. Eles [os brancos] indivíduos,
povo, nação ou Estado brancos podem ‘enegrecer-se’. Ela, a brancura,
permanece branca. Nada pode macular esta brancura que, a ferro e
fogo, cravou-se na consciência negra como sinônimo de pureza
artística, nobreza, estética, majesta de moral, sabedoria científica etc.
O belo, o bom, o justo, e o verdadeiro são brancos. O branco é, foi e
continua sendo a manifestação do Espírito, da Idéia, da Razão. O
branco, a brancura, são os únicos artífices e legítimos herdeiros do
progresso e desenvolvimento do homem. Eles são a cultura, a
civilização, em uma palavra, ‘a humanidade’.
Desde a década de 70, o Movimento negro vem insistidamente defendendo a
incorporação no currículo escolar do ensino de História e Cultura Africana como
mecanismo poderoso para a desconstrução de todo um referencial de mundo
etnocêntrico que serviu, por muito tempo, para inferiorizar o negro, denegrir a sua
identidade e colocar sua matriz civilizatória como primitiva e incivilizada. Além disso,
por possibilitar a emergência de outros referenciais e cosmovisões de mundo que levam
“à compreensão de que a sociedade é formada por pessoas que pertencem a grupos
étnico-raciais distintos, que possuem cultura e história próprias, igualmente valiosas e
que em conjunto constroem, na nação brasileira, sua história” (BRASIL, 2004, p.241).
Porém, apesar de toda ênfase atribuída a História e Cultura Africana, infelizmente
verifica-se a ausência de problematização e de um trabalho mais sistemático em torno
104
dessa temática no cotidiano da escola. Essa ausência é muito prejudicial para a
efetivação de um trabalho dentro da escola sobre a perspectiva da diversidade étnicocultural. Além disso, tira a oportunidade do alunado de construir subsídios para que ele
possa elevar sua auto-estima, afirmar sua identidade e defender-se de práticas racistas
na sociedade em que ele vive.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A relevância social e educacional desta perspectiva reside no fato da mesma
trazer à tona a discussão de outras possibilidades pedagógicas, de mecanismos que
possam contribuir para a efetivação de ações, voltadas para a pluralidade cultural e
conseqüentemente, a afirmação identitária de grupos e comunidades, que vivem sob a
égide do recalque dentro das instituições oficiais. E ainda, por inserir no espaço de
discussões acadêmicas uma temática que, hoje, se torna tão importante e ainda tímida
nesse âmbito; além de buscar reflexões em torno de possibilidades à formação de
sujeitos plurais, de um outro “capital cultural” e práticas que contribuam a superação
do “apartheid cultural” e viabilizem condições à “ética da coexistência”; uma vez que,
ao desenvolver um trabalho com as memórias da cultura negra no universo plural, que é
a sala de aula, todos sujeitos que nele interagem, poderão realizar uma leitura crítica
acerca dessas memórias e assim, se ancorar em outros referenciais identitários. Pois,
para Nascimento:
Não só a criança negra sofre os prejuízos da imagem negativa
dos povos africanos veiculada pelo ensino. Todas as crianças
saem prejudicadas, na medida em que essas distorções afetam a
visão que a escola constrói de sua gente e de seu país, cuja
origem africana sobressai em quase todos os sentidos:
demográfico, cultural, histórico, lingüístico, e na própria
personalidade, o ethos nacional. A inferiorização do grupo
étnico, que durante três quartos da existência do Brasil formou a
grande maioria de sua população, e que ainda hoje é
majoritária, gera um complexo de inferioridade arcaico e antibrasileiro” (1996:62)
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107
O QUE SE QUER DO CURRÍCULO?
REFLEXÃO SOBRE O CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS
Antonio Reinaldo Santos Alves29
Taíse dos Santos Alves30
Resumo: Entender o Currículo na atualidade requer observar os sujeitos e espaços em
que este currículo será aplicado. Um bom currículo deve se aquele construído a partir da
realidade de onde ele será implementado, pois não se cabe mais currículos importados
ou construídos fora da vivencia dos indivíduos que dele irão se servir. Para se pensar em
um currículo para Educação de Jovens e Adultos, é indispensável ouvir o professor e o
aluno desta modalidade, para que ambos deixem de ser apenas expectadores e se tornem
sujeitos do currículo. Neste texto, iremos partir das concepções sobre Currículo,
discutir e pensar um Currículo para a EJA, levando em consideração os seus sujeitos e
deixando de lado as adaptações ate então realizadas para se ter uma organização
curricular nesta modalidade educativa.
Palavras-chave: Currículo, EJA, Sujeitos do Currículo
PROBLEMATIZANDO AS IDEIAS SOBRE CURRÍCULO
Ao falar de Currículo, se faz necessário buscar entender e compreender as
possíveis mudanças acerca dele. Suas verdadeiras implicações e objetivos. Para isso
29
Pedagogo, Especialização em Educação de Jovens e Adultos pela UFBA [email protected]
Licenciada em Geografia, Especialização em Educação de Jovens e Adultos pela UFBA
[email protected]
30
108
precisamos conhecer um pouco de suas teorias que irá nos permitir fazer algumas
indagações o que é? Como? E para o que?
Entendemos que o Currículo em um período de nossa história era organizado
com o objetivo de reproduzir os desejos e anseios de uma classe dominante, ou seja, o
currículo está diretamente relacionado como nos desenvolvemos e ao que nos
tornamos. Também envolve questões de poder, tanto nas relações professor e aluno,
entre gestor e professor, quanto em todas as relações que permeiam o cotidiano da
escola e fora dela, questões raciais, étnicas e de gênero, não se restringindo a uma
questão de conteúdos.
O objetivo desse texto é através de uma reflexão no campo do Currículo fazer
novas indagações e sugestões para que o currículo da Educação de Jovens e Adultos
(EJA) deixe sua forma fragmentada e tecnicista. Neste sentido, partimos da reflexão de
algumas teorias e alguns conceitos sobre o Currículo para ampliar nossas discussões
sobre sua aplicação na EJA. Trazemos inicialmente a teoria tradicional, que tendo como
principal foco identificar os objetivos da educação escolarizada, formar o trabalhador
especializado ou proporcionar uma educação geral, acadêmica ou industrial. Teve como
contribuintes Bobitti e Taylor. Segundo Silva (2003):
[...] de acordo com Bobbit, o sistema educacional deveria começar
por estabelecer de forma precisa quais são seus objetivos. Esses
objetivos, por sua vez deveriam se basear num exame daquelas
habilidades necessárias para exercer com eficiência as ocupações
profissionais da vida adulta (SILVA 2003, p.23).
Numa linha mais progressista, mas também tradicional, apresenta-se a teoria de
Dewey, que tem se preocupado mais com a democracia do que com o funcionamento da
economia (Silva, 2003). Essa teoria também, dava importância aos interesses e às
experiências das crianças e jovens. Seu ponto de vista estava mais direcionado à prática
de princípios democráticos, sendo a escola um local para estas vivências. Em sua teoria,
Dewey não demonstrava tanta preocupação com a preparação para a vida ocupacional
adulta.
Na década de 60 surgiram às primeiras teorizações questionando o pensamento
e a estrutura educacional tradicional, em específico, as concepções sobre o currículo.
109
As teorias críticas preocuparam-se em desenvolver conceitos que permitissem
compreender, com base em uma análise marxista, as concepções do currículo, a partir
do desenvolvimento desses conceitos, existiu uma ligação entre educação e ideologia.
Segundo Silva (2003), Althusser, fez uma breve referência à educação em seus
estudos, nos quais pontuando que a sociedade capitalista depende da reprodução de
suas práticas econômicas para manter a sua ideologia. Sustentou que a escola é uma
forma utilizada pelo capitalismo para manter sua ideologia, pois atinge toda a
população por um período prolongado de tempo e que a ideologia dominante transmite
seus princípios, por meio das disciplinas e conteúdos que reproduzem seus interesses, dos
mecanismos seletivos que fazem com que crianças de famílias menos favorecidas saiam
da escola antes de chegarem a aprender as habilidades próprias das classes dominantes, e
por práticas discriminatórias que levam as classes dominadas a serem submissas e
obedientes à classe dominante.
Ao analisar as relações sociais existente nas escolas, Bowles e Gintis, de
acordo com Silva (2003), apontaram outra questão para responder à questão sobre
como a escola é reprodutora de um sistema dominante:
A escola contribui para esse processo não propriamente através do
conteúdo explícito de seu currículo, mas ao espalhar, no seu
funcionamento, as relações sociais do local de trabalho. As escolas
dirigidas aos trabalhadores subordinados tendem a privilegiar relações
sociais nas quais, ao praticar papéis subordinados, os estudantes
aprendem a subordinação. Em contraste, as escolas dirigidas aos
trabalhadores dos escalões superiores da escala ocupacional tendem a
favorecer relações sociais nas quais os estudantes têm a oportunidade
de praticar atitudes de comando e autonomia. (SILVA, 2003, p. 33).
Paulo Freire critica o currículo existente através do conceito de ‘educação
bancária’, currículo afastado da situação existencial das pessoas que fazem parte do
processo do conhecer, concebendo a experiência dos educandos como fonte
primaria para temas significativos ou geradores. A educação bancaria tende a
distanciar o estudante do conhecimento, pois este é ‘despejado’ sobre ele, sem que
este possa questioná-lo ou problematizá-lo. O que percebemos é que o currículo tem
servido a quem tem o poder de dominá-lo e não aos sujeitos, que deve se servirão.
110
Isso se torna bem visível, quando falamos na EJA, que ainda tem currículos sem
nenhuma ligação com as realidades de seus educandos.
DISCUTINDO CURRÍCULO
Pensamos o Currículo a partir de sua constituição, sendo este algo a ser
aprendido e ensinado, que segue métodos para que através dele se realize o ensino e a
aprendizagem. O currículo formal baseia-se em um conjunto de objetivos e resultados
previstos, como informal ou currículo oculto, quando diz respeito à aprendizagem não
planejada que ocorre nas salas de aula, nos espaços da escola ou quando os estudantes
interagem com ou sem a presença do professor. O currículo vigente na maioria das
escolas caracteriza-se pela fragmentação, pela descontextualização e pela irrelevância,
cada disciplina não estabelece relações com as outras e até dentro da mesma área não há
uma abordagem sistêmica, com vistas à integração e à percepção de que todas as coisas
estão interligadas e o que acontece em uma parte reflete no todo e vice-versa.
Moreira (1997) aponta o surgimento de duas distinções no currículo: currículo
formal e currículo real ou oculto. O currículo citado pela escola era o formal; já o
currículo oculto era aquele transmitido implicitamente, mas não mencionado pela escola
e que se fazia de tal forma poderoso, pois podia propiciar controles sociais, lutas
ideológicas e políticas, provocadoras de mudanças sociais.
As atividades educativas são regidas ou normatizadas a partir de entendimentos
entre os teóricos e pesquisados, que percebem quais são os conteúdos relevantes para
aquele nível de ensino, a essa organização podemos chamar de Currículo, ou
ampliarmos o seu conceito para as discussões sobre ensino e aprendizagem e quais os
conteúdos próprios a cada contexto educacional e cultural em que a Escola está inserida.
O Currículo por mais que tenha uma orientação pautada em documentos e leis
promulgadas pelos setores reguladores de ensino, deve se adaptar as realidades de cada
111
escola, local e povo que com ele se relaciona, abrindo novos horizontes para além da
‘matriz’ a qual ele se estabeleceu.
Acreditamos que não exista um só Currículo, mas Currículos, mesmo sabendo
que existam leis que o normatizam, cada unidade de ensino, seja em esfera estadual,
municipal ou a própria escola onde o currículo será efetivamente aplicando, pode
repensar os conceitos atribuídos a esta ‘norma’ e pensar um novo currículo, capaz de
atender as demandas e exigências dos sujeitos desta comunidade, os quais a partir de
agora se tornam “sujeitos do currículo”.
Estas adaptações ou reconstruções sofridas pelo Currículo enquanto “norma’
esta ligada a cada modalidade de ensino em que ele seja aplicado, pois as atividades
curriculares estão intimamente ligadas à prática pedagógicas dos professores, os
projetos de aprendizagem e as questões da formação docente. Aqui, fazemos um recorte
para falar das questões curriculares da EJA, um campo de discussões em fase de
consolidação, pois ainda se vê “hibridações curriculares” presente no uso do material
didático, nas práticas pedagógicas e na formação de professores, distantes das realidades
da EJA, fruto do aproveitamento de recursos de outras modalidades de ensino,
provocando assim as hibridações.
O ponto de partida para se refletir uma organização curricular para a EJA nasce
em uma análise do processo história dessa modalidade de ensino no contexto da
educação brasileira, conforme nos apresenta Eugênio (2004):
Nos anos 80 a teoria curricular crítica começa a penetrar a discussão
sobre currículo no Brasil, década em que as discussões sobre o
fracasso escolar das crianças das camadas populares acentuam-se.
Nesse período, a educação de jovens e adultos era identificada com as
campanhas e o supletivo, principalmente depois da LDB 5692/71.
Com um campo teórico e prático vasto, a EJA mantém numerosas
interfaces com temas correlatos e conforme levantamento
realizado por Haddad (2000), as pesquisas na área estão
dispersas, sendo realizada em campos diversos como a Educação, a
Linguística, Psicologia (EUGENIO, 2004, p. 61)
Umas das questões fundamentais para se discutir sobre Currículo é pensá-lo para
além das leis e normas que o regem. Se formos observar o que a LDB de 96 e as que
112
vieram anteriores a ela, como também analisarmos os Parâmetros Curriculares para
Educação, vê o ideal que não se articula com o real, criando assim uma impossibilidade
de se aplicar nas escolas o que foi pensado e discutido. Vejamos o caso da EJA que
constantemente passa por mudanças, no ver das legislações educacionais, mesmo com
normas para se construir currículos adaptados a realidade dos alunos jovem, adulto e
idoso, não observamos práticas pedagógicas e formação docente condizente para
efetivar essa organização curricular.
Para se estudar e compreender o Currículo, entendendo este como um campo tão
complexo Eugênio (2004) nos indica que se investiguem os momentos históricos,
socialmente datados e localizados onde as questões macro e também micro são postas à
sociedade. O campo do Currículo não se restringe ao dos conteúdos do processo de
ensino aprendizagem, nele estudamos a história, a sociedade, as lutas pelas melhorias de
vida, a economia, a política e as relações entre os sujeitos, todos esses temas são
profícuos as discussões curriculares, pois tem haver diretamente com a vida daqueles
que se servem dos currículos e de suas organizações.
PROBLEMATIDANDO O CURRÍCULO NA EJA
Percebemos, especialmente com a EJA, que os problemas com o Currículo têm
se nascedouro em outras questões fundamentais da educação, e uma delas é a própria
concepção da EJA como modalidade de ensino, ocorrido só na década do ano 2000. O
grande tempo onde pensávamos a EJA como supletivo e esse apresentava uma
organização simplória da educação, onde era mais rápido o ensino, reflete ainda hoje
quando organizamos os currículos para EJA. Uma concepção de ensino fragmentada e
tecnicista presente nos supletivos são vistas hoje nas salas de aula de EJA.
Para propor uma organização curricular para a EJA, é preciso rever as temáticas
influenciadoras, conforme apresentamos algumas a cima, como a prática pedagógica e a
formação docente, requer também repensarmos o que vem a ser verdadeiramente
Currículo, compreendê-lo com toda a sua complexidade para assim aplicá-lo a nossa
realidade.
113
Sacristán (2000) nos remete o termo currículo como relativamente recente entre
nós. Para o autor, ao definir o currículo, estamos definindo as funções da própria escola,
situando-a histórica, política e socialmente. Dessa forma o currículo não é simples
listagem de conteúdos a ser repassado, porém são todas as implicações contidas neste
processo de conhecimento. Kurzawa (2007, p. 39) amplia esse pensamento quando nos
diz que “o currículo é visto não como conhecimentos pré-determinados e rígidos,
formatados em disciplinas estanques e fragmentadas, mas como uma ferramenta para
construção do próprio homem”, como ser critico e reflexivo na sociedade em que vive.
Percebemos o distanciamento das atividades curriculares para EJA destas
reflexões problematizadas e questionamos como nossas escolas podem colocar em
prática estas reflexões e a elas faltam tanta coisas? Como nossos professores podem
organizar metodologias de ensino referendadas nessas discussões curriculares se a eles
falta formação para o trabalho especifico com EJA? Como nossos alunos podem ter
uma aprendizagem que o levem a serem construtores de conhecimentos, se estes ainda
não são visto como “sujeitos do currículo?” Diante disto, podemos problematizar outras
indagações pertinentes ao currículo escolar atualmente proposto para EJA, contundo
pensar em algo novo requer mergulhamos em nossas realidades e pensamos caminhos
novos, neste senti Kurzawa (2007) que nos diz:
Acredito que a escola ensina muito mais que conteúdos. Ao perguntar
o que se aprende na escola para uma turma de EJA, uma aluna
respondeu que na escola, se aprende a viver e conviver com os
colegas, não só as letras, mas o que nos faz pensar para mudar o que
somos. O currículo deve ser parte da escola, mas também parte dos
envolvidos no processo ensino/aprendizagem. Não quero dizer com
isso que não deve haver conteúdos, mas que estes devem ser pensados
e (re) pensados conforme a participação dos educandos e dos
educadores. Afinal, do currículo também fazem parte: crenças,
reflexões, desejos, necessidades e esperanças dos envolvidos no
processo educativo (Kurzawa, 2007, p. 40).
Assim ensinar o público da EJA exige a necessidade de buscar condições e
alternativas de currículos adequados há esses sujeitos, levando em conta seus saberes,
seus conhecimentos (até então produzidos) e suas experiências. Partindo desse
pressuposto, Paiva (2002) afirma que as legislações em EJA recomendam a necessidade
114
de busca de condições e alternativas de currículos adequados a este público. Dessa
forma as propostas de currículo, deve-se partir dos: seus saberes, conhecimentos e
experiências no mundo do trabalho e dentre outros.
E COMO SERIA UM CURRICULO PARA EJA?
O currículo nesta modalidade de ensino deverá ser pautado em uma pedagogia
crítica, que considera a educação como dever político, como espaço e tempo propícios à
emancipação dos educandos e à formação da consciência crítica-reflexiva e autônomas.
Temos
observados
conforme
expressando
anteriormente
a
fragmentação
do
conhecimento quando se trata da EJA, onde o aluno é levado a aprender algo novo,
como se o que ele trouxesse para a sala de aula não tivesse importância. Vemos que o
próprio aluno tem essa noção, de ir para a escola aprender aquilo que ele não sabe, pois
ate agora ele esteve a margem da educação e o que ele aprendeu com a vida de nada
valeu.
Quando analisamos os processos de aprendizagem na EJA, sempre os
conhecimentos prévios dos estudantes são visto como importante para que a
aprendizagem seja significativa, mas na prática ainda existem práticas de ensino que
distanciam esse saber adquirido do estudante do aprendido em classe. Mas como o
currículo pode mudar isso? Primeiro pensamos em mudar a concepção do próprio
currículo, este deve ser criado e vivido pelos seus sujeitos: professores e alunos, e deve
partir do pressuposto do que vivemos e aprendemos para o que podemos aprender e
viver. Um currículo produzido nas realidades de que deve se servira.
Neste sentido, o saber de cada sujeito é a chave para se construir uma proposta
curricular, como se fossemos tecer saberes e conhecimentos, uma só rede, e esta seria a
fonte de temas e pontos que professores e alunos se serviriam para construir não
somente o currículo, mas sim as prática de sala de aula. Oliveira (2008, p. 16) nos
apresenta como isso pode ser concretizado:
115
A ideia da tessitura do conhecimento em rede busca supera não só o
paradigma da árvore do conhecimento, como também a própria forma
como são entendidos os processos individuais e coletivos de
aprendizagem – cumulativos e adquiridos – segundo o paradigma
dominante.
A aprendizagem de novos temas, seria reflexo do que foi adquirido durante toda
a vida dos sujeitos que este currículo servirá, será a base para se entender como se pode
ampliar e complementar os conhecimentos, estes vividos ou aprendidos com a escola.
A árvore seria a vida de cada um, do professor, do estudante que seria não apenas um
recurso, mas espaço de problematização do conteúdo escolar, este ‘sagrado’ e
praticamente imutável em nossas práticas pedagógicas.
É nesta relação entre o conteúdo escolar e as vivencias dos alunos de EJA que
consiste no grande impasse de nossas práticas e nossas discussões sobre um currículo.
Ainda não sabemos como fazer isso, mas quando percebermos que o currículo pode unir
os conhecimentos e saberes vividos pelos educandos e estes se tecidos ao conteúdos
escolares alcançam os objetivos da aprendizagem, teremos uma educação de qualidade
para os alunos trabalhadores, jovens, adultos e idosos que não tiveram oportunidades
com a escola e com a sociedade que sempre os puseram a margem de tudo.
Trazer os atores educativos para construção do currículo se faz mais que
necessários, eles que trazem em si as primeiras impressões sobre o que se quer ensinar,
partindo do olhar do professor, e do que se quer aprender, partindo do olhar do aluno,
pois ainda vemos uma grande distancia daquilo pensado pelo docente para implementar
a sua prática, do que espera o estudante, para conhecer novos temos. Os professores
ainda vivem sobre o jugo do ‘sagrado conteúdo’ e não extrapolam suas metodologias, e
um dos fatores influenciadores nesta falta de consciência para a mudança é a pouca ou
nenhuma formação para preparar o docente da EJA.
Para tornar as experiências do cotidiano em conteúdos significativos para os
alunos, não precisa se jogar fora o conteúdo normatizado, basta ao docente um
investimento em pesquisa e tempo, outro problema na EJA, pois a sobrecarga de
116
trabalho do professor e sua incapacidade de formação, gera sua prisão ao conteúdo
normatizado e ao livro didático para basear sua prática e suas atividades.
É preciso então alem de deixar de pensar o currículo como um sistema imutável,
promover condições para que o professor pense e reflita o currículo com seus pares, e
observe as histórias de vidas dos alunos que irão receber as temáticas deste currículo e
também tragam suas ideias e impressões. Fazer uma nova organização curricular para
EJA requer um esforço coletivo, e principalmente um olhar mais crítico para a realidade
de nossas escolas atualmente.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Neste cenário, um currículo que atenda as prerrogativas da EJA deve estar
voltada para a valorização e formação de sujeitos críticos, capazes de se posicionar e
enfrentar a realidade, lhe questionando e trazendo suas vidas para o centro da discussão.
Assim, para que isso se efetive, é necessário se propor uma política educacional que
acolhe e entende as questões atuais da escola, pois esta precisa definir suas prioridades
didáticas, e estas devem favorecer experiências escolares coerentes com as necessidades
de seus sujeitos, oportunizando abordagens que explicitem os direitos de cada individuo
e sua possível sobrevivência no mundo.
Conceber um conceito de educação e de currículo, onde estas questões sejam
colocadas em prática, cabe muito mais que esforços individuais, e sim esforços
coletivos. Cabe mudar a formação dos professores de EJA, dando-lhes uma formação
adequada e própria, caracterizando o docente desta modalidade de ensino como um
profissional conhecedor das demandas e conteúdos sobre a aprendizagem de pessoas
jovens, adultas e idosas, para favorecer a este professor, condições de se posicionar
frente ao currículo posto e propor mudanças significativas.
É preciso dar espaço ao estudante jovem, adulto e idoso apresentar seus anseios
e desejos para com o ensino, isso não acontece ainda, pois a prática pedagogia e o
currículo ainda são importada de classes de crianças e adolescente, não oportunizando
117
dar voz a esse aluno. Para se mudar uma proposta curricular cabe se pensar junto com
que irá utilizar, e vemos ser esse o caminho mais fácil de se pensar, discutir e construir
um novo currículo para EJA.
REFERÊNCIAS
EUGÊNIO, Benedito Gonçalves. O currículo na Educação de Jovens e Adultos:
entre o formal e o cotidiano numa escola municipal em Belo Horizonte. Dissertação
de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de PósGraduação em Educação, Belo Horizonte: PUC – MG, 2004. 180 f. Disponível em:
http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Educacao_EugenioBG_1.pdf.
Acesso
em:
10.06.2011.
KURZAWA, Gléce. O currículo na EJA: investigando as significações sociais
elaboradas pelo educador. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa
Maria. Programa de Pós-Graduação em Educação, Rio Grande do Sul: UFSM, 2007.
102 f. Disponível em: http://w3.ufsm.br/ppge/diss_glece_07.pdf . Acesso em:
10.06.2011
PAIVA, Jane. Proposições curriculares na Educação de Jovens e Adultos: processos
de formação continuada de professores como metodologia de pesquisa. In: 25º
Reunião ANPED, 2002.
MOREIRA, Antônio Flávio (Org.). Currículo: questões atuais. Campinas, SP:
Papirus, 1997.
118
_________________; SILVA, Tomaz Tadeu. Sociologia e teoria crítica do currículo:
Uma introdução. In: MOREIRA, Antônio Flávio; ___________ (Org.). Currículo,
cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 1995. p. 7-37.
OLIVEIRA. Inês Barbosa. Reflexões acerca da organização curricular e das práticas
pedagógicas em EJA. IN: MOURA, Tania Maria de Melo (Org.). Educação de Jovens
e Adultos: currículo, trabalho docente, práticas de alfabetização e letramento. Maceió:
EDUFAL, 2008.
SACRISTÁN, J. Gimeno. O Currículo: Uma reflexão sobre a prática. – 3. ed. –
Porto Alegre: ArtMed, 2000.
SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução as teorias de
currículo. 3ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010.
119
Eixo 1-B Currículos e Práticas Educativas
120
CONCEPÇÕES SOBRE SURDEZ E LÍNGUAS DE SINAIS E AS
ABORDAGENS NA EDUCAÇÃO DOS SUJEITOS SURDOS
Tatiana Almeida dos Santos31
Resumo:
As abordagens na educação de surdos, assentadas em diferentes concepções nem
sempre explícitas sobre os surdos, a surdez e as línguas de sinais, constituem-se temas
complexos que impõem desafios para estudiosos e educadores. O objetivo deste artigo é
estabelecer relações entre estas concepções e as abordagens que nortearam e norteiam a
educação dos surdos, buscando também compreender o que significa, no atual contexto,
a proposta da educação bilíngue e a necessidade da sua efetivação para a inclusão dos
sujeitos surdos. Trata-se de um estudo qualitativo e exploratório, devido ao tema ser de
grande importância para os estudos sobre a educação de surdos e, ao mesmo tempo,
ainda haver carência de torná-lo mais explícito. A ausência dessas discussões tem
contribuído para o fracasso escolar dos sujeitos surdos e para concepções errôneas sobre
os mesmos e sobre sua língua, pautados ainda numa filosofia oralista e numa ideologia
ouvintista. Ainda estamos longe de termos um bilingüismo pleno, podendo ser
observada a coexistência das três abordagens educacionais, mas ainda com avanços
muito tímidos em direção a uma concepção sócio-cultural da surdez.
Palavras-chave: surdos, línguas de sinais, educação de surdos.
Introdução
A educação de sujeitos surdos tem se apresentado como um tema complexo
que lança inúmeros desafios e que requer muita atenção de estudiosos, pesquisadores
educacionais e de professores. As reflexões sobre as atuais fundamentações presentes na
educação desses sujeitos constituem-se numa questão polêmica que tem relação com
diversas abordagens as quais se desdobraram em conseqüências para a educação dos
surdos em várias épocas. Tais abordagens, por sua vez, revelam concepções diferentes
sobre os surdos, a surdez e as línguas de sinais nem sempre explícitas, mas que irão
fundamentar todo o trabalho pedagógico para os sujeitos surdos.
O objetivo deste artigo é, pois, através de uma breve incursão histórica pelas
diversas concepções sobre os surdos e as línguas de sinais em épocas diferentes,
estabelecer relações com as abordagens que nortearam a educação daqueles sujeitos,
buscando também compreender o que significa no atual contexto da educação de
surdos, a proposta da educação bilíngüe e a necessidade da sua efetivação para a
inclusão dos sujeitos surdos.
31
Professora Auxiliar da Universidade Estadual de Feira de Santana, professora da Faculdade Unime
Salvador, intérprete educacional de surdos.
121
Investigar este tema significa contribuir para a discussão sobre o processo de
inclusão social e educacional de surdos, o que perpassa pelo reconhecimento da língua
de sinais enquanto primeira língua desses sujeitos considerados enquanto minoria
lingüística que luta pela valorização e visibilidade da sua língua.
Trata-se de um estudo qualitativo e exploratório, devido ao tema ser de grande
importância para os estudos sobre a educação de surdos e, ao mesmo tempo, ainda
haver carência de torná-lo mais explícito. Segundo Triviños, (1987) o estudo
exploratório permite ao pesquisador aumentar sua experiência em torno de determinado
problema e tema, além de aprofundar seu estudo sobre uma determinada realidade,
buscando antecedentes, e, com isso, um maior conhecimento para planejar uma
pesquisa descritiva ou do tipo experimental.
Utilizamos o procedimento técnico da pesquisa bibliográfica, que se refere à
utilização de informações coletadas em material já publicado como livros, artigos e
material disponibilizado na internet para o desempenho da pesquisa de modo a conduzir
o leitor ao conhecimento de determinado assunto, tema ou produção. (FACHIN, 2001).
Breve histórico das diferentes abordagens na educação de surdos
Durante a Antiguidade e a Idade Média não se tem registros sobre experiências
educacionais com pessoas surdas. Pensava-se que os surdos eram seres inferiores,
irracionais, primitivos e não educáveis.
No início do século XVI os surdos passam a ser considerados como pessoas
capazes de aprender. Com o propósito de fazer com que esses sujeitos desenvolvessem
o pensamento, adquirissem conhecimentos e se comunicassem com o mundo ouvinte,
através do ensino e compreensão da língua falada, surgem os primeiros pedagogos a
trabalhar com os surdos e os primeiros resultados das suas práticas pedagógicas. No
entanto, cada pedagogo trabalhava isoladamente mantendo em segredo os seus
procedimentos e os seus serviços eram contratados por famílias nobres para que o filho
surdo aprendesse a falar e assim tivesse garantido os seus direitos legais à herança,
desfrutados apenas pelos surdos oralizados (LACERDA, 1998).
A aprendizagem da língua escrita era também de fundamental importância,
visto que, muitos professores acreditavam que a partir da leitura e da escrita podia-se
instrumentalizar os surdos para desenvolver habilidades como leitura labial e articulação
122
das palavras. Neste contexto, o trabalho educacional voltado para os surdos baseava-se
na perspectiva de que ensinar aqueles sujeitos a falar era o mais importante. Esta ideia
precede o que hoje é conhecido como “oralismo”.
No início do século XVIII essas concepções começam a ser questionadas pelos
precursores do que hoje denomina-se “gestualismo”. Os gestualistas observaram que os
surdos desenvolviam uma linguagem mais eficaz para a sua comunicação e aquisição de
conhecimentos. No final deste mesmo século já se configuravam duas abordagens
divergentes na educação de surdos: O oralismo e o gestualismo.
A modalidade oralista baseia-se numa concepção clínico-terapêutica da surdez,
vista como uma “deficiência” e preconiza a reabilitação e a “normalização” dos sujeitos
surdos, colocando-os em desvantagem se comparados com os ouvintes (SKLIAR,
1998). Para isto, utiliza-se do treinamento sistemático da fala e da audição, da leitura
labial, do uso de próteses e cirurgias e outros meios. Já a modalidade gestualista
considerava a linguagem de sinais como veículo mais adequado para desenvolver o
pensamento e a comunicação dos surdos.
O “método francês” é o representante mais importante do gestualismo, sendo
utilizado pelo Abade Charles M. De L’Epée, o primeiro a estudar uma língua de sinais
usada por surdos. Defendia, em sua proposta educativa, que os educadores aprendessem
os sinais para se comunicar com os surdos e fundou, em 1775 a primeira escola para
surdos onde professores e alunos usavam os sinais. (LACERDA, 1998)
Dentre os utilizados pela abordagem oralista, o “método alemão” é um dos
mais conhecidos, fundado pelo pedagogo Heinicke, que considera que o pensamento só
é possível através da língua oral e depende dela. Este método foi ganhando considerável
número de adeptos e estendeu-se para a maioria dos países europeus.
Com o II Congresso Internacional de Milão32, preparado por uma maioria
oralista, chega ao fim uma época de convivência, tolerada na educação dos surdos, entre
a linguagem falada e a gestual. Desaparece a figura do professor surdo e a linguagem
gestual é praticamente banida como forma de comunicação utilizada pelas pessoas
32
O Congresso de Milão foi uma conferência internacional educadores de surdos, em 1880. Depois de
deliberações entre 6 e 11 de Setembro de 1880, o congresso declarou que a educação oralista era superior
à de língua gestual e aprovou uma resolução proibindo o uso da língua gestual nas escolas. Desde sua
aprovação em 1880, as escolas em todos os países europeus e nos Estados Unidos mudaram para a
utilização terapêutica do discurso sem língua gestual como método de educação para os surdos.
123
surdas. O oralismo passa a ser um referencial educacional em todo o mundo e as
práticas educativas relacionadas a esta abordagem foram amplamente divulgadas. A
partir daí, foram criadas experiências de educação especial ou de educação integradora
na perspectiva de ensinar o surdo a falar. Porém, nenhuma delas obteve êxito
satisfatório. A maioria dos surdos não desenvolveu uma fala inteligível e o
desenvolvimento alcançado foi parcial e tardio, implicando em atraso global, mostrando
sujeitos parcialmente alfabetizados após anos de escolarização (LACERDA, 2000 ).
O fracasso e o descontentamento com o oralismo, bem como as pesquisas
sobre as línguas de sinais, originaram a novas propostas pedagógico-educacionais na
educação de surdos. Desenvolvida em meados dos anos 1960 a tendência denominada
Comunicação Total ou Bimodalismo ponderava a junção do oralismo com a língua de
sinais como uma alternativa de comunicação. Denton (1976) define a comunicação total
como
(...) todo o espectro dos modos lingüísticos: gestos criados pelas
crianças, língua de sinais, fala, leitura oro-facial, alfabeto manual,
leitura e escrita. A comunicação Total incorpora o desenvolvimento de
quaisquer restos de audição para a melhoria das habilidades de fala ou
d eleitura oro-facial, através de uso constante, por um longo período
de tempo, de aparelhos auditivos individuais e/ou sistemas de alta
fideidade para amplificação em grupo.
Nesta orientação, no entanto, os sinais são apenas acessórios ou auxiliares da
fala. Não há um lugar para o desenvolvimento das línguas de sinais enquanto uma
verdadeira língua, ao contrário, são um apoio à aprendizagem da língua oral.
Com a estruturação das pesquisas sobre as línguas de sinais, e em especial o
pioneirismo de William Stokoe revelando que as línguas de sinais preenchiam todos os
requisitos colocados pela lingüística, que lhes atribuiu status de língua, foram surgindo
alternativas educacionais voltadas para uma educação bilíngüe. Esta abordagem sugere
que os sujeitos surdos acessem duas línguas no contexto escolar. Considera a língua de
sinais como primeira língua para surdos, uma vez que se trata de uma língua natural
adquirida de forma espontânea em contato com outros surdos sinalizadores, e a língua
oral da comunidade ouvinte em sua modalidade escrita e/ou oral como segunda língua
adquirida de forma sistematizada. Isto porque a abordagem bilíngüe de educação para
surdos sustenta-se numa concepção sócio-antropológica que entende a surdez como
124
diferença cultural e os surdos como sujeitos que interagem com o meio através da
língua de sinais e têm sua identidade assentada numa cultura visual.
O primeiro país a implantar a educação bilíngüe para surdos foi a Suécia33, no
início dos anos 80, expandindo-se depois para os Estados Unidos, Alemanha, Rússia,
Bélgica, Finlândia, Noruega, Islândia, Dinamarca, Inglaterra, Uruguai, Venezuela,
Colômbia. O Brasil a introduziu recentemente, na década de 90, e vem se
desenvolvendo ainda de forma muito incipiente a partir da introdução de intérpretes de
Libras e educadores surdos que mediam as relações entre surdos e ouvintes na escola.
Segundo a filosofia bilíngüe, as crianças surdas precisam ser postas em contato
primeiro o mais precocemente possível, com pessoas fluentes na língua de sinais. Estas
são adquiridas pelos surdos sem que sejam necessárias condições especiais de
aprendizagem, visto que, elas aprendem a sinalizar tão rapidamente quanto as crianças
ouvintes aprendem a falar. Isto favorece o desenvolvimento da capacidade e
competência lingüísticas da criança. Moura (1993) acrescenta que isto possibilita, dada
a relação entre o adulto e a criança, que esta possa construir uma auto-imagem positiva
como sujeito surdo, sem perder a possibilidade de integrar numa comunidade de
ouvintes. Skliar (1999) corrobora tal idéia sublinhando o papel que a línguas de sinais
desempenham na construção de significados e de identidades surdas.
Segundo Lacerda (2000) as experiências com educação bilíngüe ainda são
muito recentes e a sua aplicação prática não é simples e exige cuidados especiais,
formação de profissionais habilitados e o envolvimento de diferentes instituições. É
necessário reconhecer que os surdos necessitam de apoios tecnológicos e humanos
como o intérprete da língua de sinais que irá propiciar o acesso dos surdos aos
conhecimentos numa língua que ele domina; e que o espaço escolar passe a aceitar que
outra língua circule no meio acadêmico.
A educação dos surdos no Brasil
No Brasil, a educação dos surdos teve início durante o segundo império, com a
chegada do educador francês Hernest Huet. Em 26 de setembro de 1857, foi fundado o
Instituto Nacional de Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação dos Surdos
(INES), que inicialmente utilizava a língua dos sinais.
33
A língua de Sinais Sueca foi reconhecida oficialmente em 1981
125
A educação de surdos no Brasil reflete os modelos externos e vai seguir, apesar
de com um certo atraso, as mesmas orientações das diretrizes internacionais. Desta
forma, em 1911, sob influência do Congresso de Milão, o Instituto Nacional de Surdosmudos passa a adotar o oralismo puro. Com o fortalecimento do oralismo, observa-se o
desaparecimento dos professores surdos, a marginalização da língua de sinais brasileira
- Libras e o isolamento das comunidades surdas.
Couto Lenzi, (1955:44) principal representante do oralismo no Brasil, afirma
que:
Desenvolvendo a função auditiva e dispondo dessa capacidade inata, o
surdo precisa receber a linguagem de maneira natural como acontece
com a criança que ouve” e que “o avanço tecnológico é capaz de
proporcionar dispositivos que favoreçam a sua capacidade de
compreensão.
Tal afirmativa revela a crença do oralismo nos procedimentos terapêuticos e
tecnológicos formais e sistemáticos para o ensino da fala e a negação da surdez quando
afirma que os surdos podem adquirir linguagem da mesma maneira natural como os
ouvintes.
Na década de 80, com a visita de Ivete Vasconcelos, educadora de surdos da
Universidade Gallaudet, chegou ao Brasil a filosofia da Comunicação Total, incluindo
usos de diferentes linguagens: a fala, a escrita, gestos, alfabeto digital e língua de sinais.
Apesar de ser considerado um avanço em relação ao oralismo, na verdade, segundo
Brito (1993:31), a comunicação total é uma “técnica manual do oralismo” , visto que o
objetivo ainda era a aprendizagem da fala, sendo a língua de sinais apenas um mero
acessório para atingir este fim.
As discussões sobre educação bilíngüe para surdos no Brasil iniciam-se na
década de 90, a partir do I Congresso Latino Americano de Educação Bilingue para
Surdos, realizado em 1995 no Rio de Janeiro, com base nas pesquisas de Ferreira-Brito
(1985, 1990, 1993, 1995), Felipe (1998), Fernandes (1989), Moura, Pereira & Lodi
(1993), Góes (1996), Souza (1998) e com a criação, em 1996 do Núcleo de Pesquisa em
Políticas Educacionais para Surdos – NUPPES, constituído por um grupo de alunos e
professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, sob a coordenação do professor Carlos Skliar. ( PEDREIRA, 2006)
126
Embora o bilingüismo seja a abordagem educacional que mais se aproxima de
uma concepção dos sujeitos surdos enquanto ser com o direito de adquirir uma língua
que lhe permita constituir-se enquanto sujeito social, isso articulado ao direito às
diferenças e à diversidade, a realidade sobre a educação bilíngüe no Brasil ainda está
longe de se tornar algo concreto. A maioria dos surdos não conhece ou conhece muito
pouco a língua de sinais brasileira, devido a um contato tardio com a mesma. Além
disso, a pedagogia empregada para surdos nas escolas é a mesma para ouvintes,
desconsiderando-se as especificidades daqueles sujeitos.
As pesquisas sobre as produções escritas dos surdos revelam grandes
dificuldades na aquisição da língua portuguesa como segunda língua (L2) por esses
indivíduos. Tais dificuldades, segundo Guarinello (2007:207) salientam a maneira como
os profissionais lidam com o sujeito surdo, a surdez e a linguagem. Atividades
repetitivas e mecânicas, o não ensino da função social da língua portuguesa e das
diferenças entre esta e a língua de sinais brasileira, livros didáticos ineficientes e
conteúdos escolares que privilegiam o ensino de palavras e frases soltas para surdos são
alguns elementos apontados pela autora que constituem entraves para que o bilingüismo
de fato ocorra nas escolas. LODI (2005:420) afirma que “a desconsideração da língua
de sinais para o ensino da língua portuguesa, sua inferiorização, sustentam o uso dessas
práticas”. Sobre esta questão, ainda aponta que:
Embora, muitas vezes, aceite-se a língua de sinais como língua em
circulação no ambiente escolar, ela é vista como prática de interação
entre pares, para trocas de experiências cotidianas e informais, e não
como língua em uso para as práticas de ensino (...) A língua de sinais
não é considerada como próprias para o desenvolvimento e a
apropriação dos conhecimentos veiculados social e culturalmente e
nem tampouco para se ter acesso à língua portuguesa. (2002, p.40)
Portanto, para que o bilingüismo se efetive no Brasil, torna-se fundamental que
haja uma modificação nas posturas educacionais, o que perpassa também por
modificações nas concepções sobre os sujeitos surdos e sua língua, esta devendo ser
utilizada nos processos de significação do mundo e de construção social desses sujeitos.
Considerações finais
A forma como significamos o outro e a nós mesmos e como a escola contribui
para a produção das diferenças e das identidades devem ser consideradas quando
pensamos a educação para surdos, as práticas pedagógicas, suas limitações, lacunas e
127
propostas de mudanças. Notamos que a ausência dessas discussões tem contribuído para
o fracasso escolar dos sujeitos surdos e para concepções errôneas sobre os mesmos e
sobre sua língua, pautados ainda numa filosofia oralista e numa ideologia ouvintista.
Ainda estamos longe de termos um bilingüismo pleno, podendo ser observada a
coexistência das três abordagens educacionais, mas ainda com avanços muito tímidos
em direção a uma concepção sócio-cultural da surdez.
Torna-se necessário que os debates a respeito da surdez, das concepções de
língua e linguagem e de cultura se ampliem visto que a ausência dos mesmos apenas
reforçam as atitudes conservadoras e a permanência das perspectivas oralistas que vêem
o surdo como deficientes e lhe impõem a língua majoritária ouvinte considerada
superior.
Acreditamos que é através da efetivação de uma educação bilíngue capaz de
promover reflexões sobre as concepções ouvintes dos surdos, incentivar a inversão de
narrativas equivocadas, de realizar atividades valorizando as experiências visuais dos
surdos e incentivar a participação das comunidades surda em todas as atividades de
ensino e pesquisa de todos os espaços acadêmicos, que estaremos em direção à
construção de uma abordagem educacional que inaugura novos espaços de diálogo e
novos olhares sobre os surdos, a surdez, a língua de sinais e, conseqüentemente a
educação para surdos.
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128
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olhar sobre as particularidades dentro do contexto educacional. In: LODI, A.C. ET
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________________ A prática pedagógica mediada (também) pela língua de sinais:
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PEDREIRA, Sílvia Maria Fangueiro. Porque a palavra não adianta: um estudo das
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___________ (Org.) A surdez. Um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação,
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TRIVIÑOS ANS. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa
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129
ANÁLISE DA PRODUÇÃO TEXTUAL NO 5º E 6º ANO DO ENSINO
FUNDAMENTAL: RUMO À CONSTRUÇÃO DA COMPETÊNCIA
ESCRITORA PELOS ALUNOS
Maria Edina Saturnino Porto34
RESUMO: Este estudo é resultado de um trabalho monográfico realizado no ano de 2009 e
aborda a temática da produção textual como unidade de ensino da Língua Portuguesa no Ensino
Fundamental. Fazendo um recorte sobre a compreensão do texto, e incorporando-o apenas
enquanto unidade verbal escrita, o estudo foi traçado com objetivos de analisar e responder em
que medida as práticas de produção textual no 5º e 6º ano do Ensino Fundamental caminham
rumo a construção da competência escritora pelos alunos. A base teórica do estudo foi
construída essencialmente pelas discussões de Geraldi (1997, 2004, 2006); Brasil (2000);
Bezerra (2007); Koch e Travaglia (2005, 2006); Perrenoud (1999, 2002); Suassuna (1995) e
Possenti (1996). Metodologicamente, a pesquisa aqui discutida foi caracterizada como uma
pesquisa de campo por amostragem não probabilística, realizada com professores de Língua
Portuguesa que atuam no 5º e 6º ano do Ensino Fundamental, na zona rural de Capoeiruçu,
município de Cachoeira-BA. Dentre eles, professores da rede pública (estadual e municipal) e
particular privada. Para coleta dos dados discutidos fez-se uso do questionário, valendo-se do
potencial do instrumento para coletar informações tanto qualitativas quanto quantitativas e, os
dados coletados foram analisados num exercício de interpretação. Seus resultados estão
apresentados essencialmente em forma de texto. As principais considerações finais do estudo
evidenciam que, embora os docentes participantes da pesquisa tenham concepções teóricas
claras sobre o trabalho com a produção textual na sala de aula, e atribuam valor a essas práticas,
suas propostas de intervenções apontam para a existência de carências metodológicas. No 5º ano
do Ensino Fundamental tem-se produzido textos, enquanto no 6º ano, se fazem redações. Esta
diferença que aqui é estabelecida não se refere apenas a nomenclatura, mas a uma visão de
sujeito que a escola sustenta. Por fim, considera-se que embora a escola tenha reconhecido e
acatado a produção de texto como unidade de ensino da Língua Portuguesa, ainda escreve-se
para a escola e não na escola, como diferencia Geraldi (1997).
Palavras-chave: Ensino Fundamental. Língua Portuguesa. Produção de texto.
INTRODUÇÃO
A educação brasileira embora possua um arcabouço teórico riquíssimo ainda figura
entre as piores do mundo no que se refere à qualidade de ensino, como mostrou a ultima
avaliação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Desde os avanços das
pesquisas educacionais na década de 80, aponta-se a revisão do ensino da Língua Portuguesa –
leitura e escrita, como um caminho pertinente à melhora efetiva da escola, e como conseguinte,
da educação do país.
34
Pedagoga e estudante da pós-graduação lato sensu em Gestão Educacional pela Faculdade Adventista
da Bahia (FADBA). Email: [email protected]
130
Embora as previsões futurísticas descrevessem a substituição da escrita pela imagem e
tecnologia, com o decorrer dos anos, tais postulações caíram por terra ao despontar o século
XXI num mundo letrado, onde ser um usuário competente da escrita é, cada vez mais, condição
para a efetiva participação social (BRASIL, 2000). As pesquisas já desenvolvidas nessa linha
mostram ser necessário que a escola rompa com a tradição pedagógica caracterizada pela
escolarização do ensino da escrita, passando a considerá- la nos seus usos e formas. Neste
sentido, o trabalho com a escrita na escola deve contemplar práticas de produção de texto,
enquanto forma de participação plena na sociedade contemporânea denominada ‘grafo cêntrica’,
já que é dessa forma que a escrita se apresenta socialmente.
Baseado nestas reflexões o presente estudo estabelece uma analise sobre em que medida
as práticas de produção textual no Ensino Fundamental (fazendo uma análise no 5º e 6º ano –
etapa de transição dos anos iniciais para os finais deste segmento), se encontram e se distanciam
para que o aluno construa sua competência escritora.
2. O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL: UMA BREVE
CONTEXTUALIZAÇÃO
Embora as primeiras gramáticas do português tenham surgido no Brasil por volta do
século XVI, a disciplina de Língua Portuguesa só passou a fazer parte dos currículos escolares
nas ultimas décadas do século XIX. Antes disso, o português era ensinado apenas com fins de
alfabetização, etapa do ensino a qual “todos” tinham acesso. Bezerra
(2007, p. 35 e 42) comentando esse contexto esclarece que após a alfabetização,
[...] o grupo social que continuava os estudos era da classe social
mais abastarda, de elite, que tinha práticas de leitura e de escrita em seu meio
social, que falava uma variedade de língua tida como culta, de prestigio, a
mesma que a escola usava e queria ver sendo usada. [...] Nesse contexto, era
possível estudar-se as regras gramaticais sem tantas dificuldades, pois, os
alunos dominavam aquele registro lingüístico abordado [...]. E o professor,
sendo também usuário da norma padrão, [...] tinha condições intelectuais e
materiais para preparar as aulas.
Por volta da década de 50, a pressão das classes populares começou a desencadear o
processo de universalização do ensino no país oportunizando também acesso a alunos e
professores de outras camadas sociais ao ensino da Língua Portuguesa. Para a escola, isso
dificultou os processos de ensino, já que a partir de então, pessoas com variedades lingüísticas
diferentes deveriam alcançar o mesmo aprendizado em relação a língua. A solução encontrada
foi recorrer, ou melhor, permanecer ensinando o português numa perspectiva gramaticalista. Diz
131
Suassuna (1995) um ensino pautado na existênc ia do certo em detrimento do errado; um ensino
que escolarizava a língua.
Por volta dos anos 70, começam a ser incorporados neste processo os livros e materiais
didáticos35 visando suprir as carências de formação dos professores, que a partir da
universalização do ensino não seriam apenas oriundos das classes abastardas, e, portanto, teriam
dificuldades para cumprir as exigências da prática de ensino gramatical tão prestigiada.
Transfere-se para o autor do livro didático a responsabilidade que era dos professores de
prepararem suas aulas e exercícios, diz Bezerra (2007, p. 42).
A década de 80 surge com contribuições significativas para o tratamento da disciplina
Língua Portuguesa, e torna-se marco de um processo de mudanças. A ineficiência do ensino da
língua detectada pelos indicadores nacionais de educação despertou uma série de reflexões
acerca das concepções e práticas do ensino da Língua Portuguesa assumidas e vivenciadas pelas
escolas; despertar este, impulsionado pela Lingüística e disciplinas afins (psicolingüística,
sociolingüística, etc.), como comentou Suassuna (1995, p. 60): “o advento da Lingüística e a
divulgação de seus pressupostos foram de extrema importância para o redimensionamento da
pedagogia das línguas.”
Os estudos lingüísticos propuseram alterações tanto conceituais, quanto metodológicas
para o ensino da Língua Portuguesa. Dentre elas, o rompimento da visão tradicional de língua
como “uma ‘essência’ não existente”, abstrata, passando a considerá-la como uma atividade
social, como um trabalho empreendido pelos falantes toda vez que se põem a interagir
verbalmente, seja por meio da fala, seja por meio da escrita, sendo assim algo concreto, diz
Bagno (2002, p. 23-24).
As discussões impulsionadas pela Linguística, e especificamente pela Linguística
Textual, começaram a deslocar o foco do ensino da língua da gramática normativa para o texto
como unidade de ensino. Essa alteração passa a exigir do profissional que ensina o português
um conhecimento específico acerca da temática para que o processo de aprendizagem seja
viabilizado.
Sendo assim, a tendência atual do ensino da Língua Portuguesa prevê que ele
[...] gire em torno do texto, de modo a desenvolver as competências
lingüísticas, textuais e comunicativas dos alunos, possibilitando-lhes uma
convivência mais inclusiva no mundo letrado de hoje [...]. Assim, a ênfase na
leitura, análise e produção de textos [...] caracteriza-se como uma das
renovações mais apregoadas no ensino de nossa língua, embora ainda
insuficientemente praticada. (BEZERRA, 2007, p. 43).
35
Os livros e materiais didáticos não surgiram como apoio exclusivo ao trabalho com a língua, mas
também as demais disciplinas do conhecimento existentes na época.
132
3. TEXTO, COMPETÊNCIA ESCRITORA E PRODUÇÃO TEXTUAL
Sabedores de que muitas são as conceituações de texto, este trabalho delimitou-se ao
seu estudo enquanto seqüencia verbal escrita, já que texto “poderia referir-se a uma seqüencia
icônica, uma seqüencia de cores [...] seqüencias verbais orais [...] etc.” (GERALDI, 1997, p.
99). Portanto, conceitua-se texto como “uma seqüencial verbal escrita formando um todo
acabado, definitivo e publicado” em acordo com Geraldi (1997, p. 101).
Trabalhar com textos em sala de aula, dentre outras coisas, oportuniza ao aluno a
construção da sua competência escritora. A competência escritora é aqui discutida como um
recorte específico sobre a linguagem verbal escrita dentro da competência discursiva,
encontrada e conceituada pelo PCN de Língua Portuguesa como “capacidade
de se produzir discursos – orais e escritos – adequados às situações enunciativas em
questão, considerando todos os aspectos e decisões envolvidos nesse processo” (BRASIL, 2000,
p. 35). Sendo assim, competência escritora, é a capacidade de produzir textos escritos de acordo
com as exigências experienciadas, quer na escola, quer na sociedade. O ensino para a
construção desta competência deve promover a formação do escritor competente: aquele capaz
de redigir e produzir textos coerentes, coesos e eficazes. Ter competência para produzir textos,
não implica ser um profissional da escrita. Para Perrenoud (1999, p. 35) “uma competência não
remete, necessariamente, a uma prática profissional e exige ainda menos que quem a ela se
dedique seja um profissional completo”. Mas não exclui essa possibilidade.
No meio acadêmico e escolar, há uma divergência entre o uso do termo adotado para se
referir à atividade de uso da língua verbal escrita na elaboração de textos. As opiniões oscilam
entre redação e produção de texto (ou produção textual). Na maioria dos discursos não há
distinção – ou pelo menos não o fazem – entre um termo e outro. Comumente se usa a
expressão redação para se referir a esta atividade. Entretanto, se analisados, os escritos mais
recentes (da década de 80 em diante) apontam para uma nova postura, que diz respeito a
mudança do termo para designar tal atividade. Essa proposta possui raízes conceituais
associadas à visão que se sustenta de sujeito na escola, cujos como pode-se verificar nos
documentos oficiais do Ministério de Educação do País, e também nas colocações de Geraldi
(2004 e 2006).
Para Geraldi (2006) tratar as produções escritas como redações, oportuniza ao sujeito
simplesmente um exercício de simulação da produção de texto, uma simulação do uso da
escrita, enquanto tratá- las como produção de textos, coloca-o realmente como produtor. Por
isso, para ele, a proposta de produção de texto é “a devolução da palavra ao sujeito.”
(GERALDI, 2004, p. 20). E acrescenta: “é devolvendo o direito à palavra – e na nossa
sociedade isto inclui o direito à palavra escrita – que talvez possamos um dia ler a história
133
contida, e não contada, da grande maioria que hoje ocupa os bancos das escolas públicas.”
(GERALDI, 2006, p. 131).
No tocante aos PCNs, no volume de Língua Portuguesa, o aluno ao final do Ensino
Fundamental deverá ter competência para “[...] assumir a palavra e produzir textos – orais como
escritos – coerentes, coesos, adequados a seus destinatários, aos objetivos a que se propõem e
aos assuntos tratados” (BRASIL, 2000, p. 41). Alcançar estes objetivos requer mais que uma
prática de redação, requer uma prática de produção de textos, como assinalou Geraldi. Esta
prática é compreendida como um processo complexo de comunicação e cognição que exige
continuidade36 e leva em consideração as funções e o funcionamento da escrita, bem como o
para quê e para quem, o onde e o como escrever o texto (BRASIL, 2000), saberes estes que
devem ser relevados pelos docentes em seus planejamentos e intervenções.
4. METODOLOGIA
Em linhas gerais este estudo se caracteriza como uma pesquisa de abordagem mista –
ou qualiquanti que de acordo com Lima (2008, p. 41) são “pesquisas acadêmicas que combinam
o uso de recursos metodológicos típicos de métodos quantitativos e qualitativos.”
Na operacionalização do estudo, foi realizada uma pesquisa de campo por amostragem
não probabilística - onde os sujeitos são escolhidos por determinados critérios, com professores
de Língua Portuguesa que atuam no 5º e 6º ano do Ensino Fundamental, na zona rural de
Capoeiruçu, município de Cachoeira – BA. Dentre eles, professores da rede pública (estadual e
municipal) e particular privada, somando um total de cinco (05) docentes: (03) três do 5º ano do
EF e (02) dois do 6º ano do EF. A escolha por tal amostra considerou dois critérios: a
representatividade dos dois anos do Ensino Fundamental que se analisa no estudo (5º e 6º ano
do EF) e a regência da disciplina de Língua Portuguesa nesses anos.
Para coletar os dados necessários ao estudo, foi feito uso do questionário. Embora
tradicionalmente este instrumento seja caracterizado como instrumento de coleta de dados para
abordagem quantitativa, já se menciona a possibilidade de usá-lo também sob outras
perspectivas, apoiando-se em Lima (2008, p. 75) que diz ser possível, dependendo da estrutura
das questões elaboradas, alcançar materiais tanto qualitativos, quanto quantitativos. Diante
destas considerações e alicerçado na pesquisa bibliográfica realizada antes do inicio do estudo,
o instrumento de coleta de dados resultou num questionário com 13 questões distribuídas entre
questões abertas e fechadas, sendo a maioria delas abertas, onde os respondentes esboçaram
suas próprias respostas.
36
Daí apoiar-se a investigação deste estudo nos anos representativos da transição de uma etapa a outra
doEnsino Fundamental: 5º ano ao 6º ano.
134
Junto ao questionário, foi redigido um termo consensual para participação na pesquisa e
uma carta explicativa da escolha pela temática, do problema e dos objetivos traçados pelo
estudo. Este último texto também situava o professor como sujeito integrante da pesquisa e
esclarecia sobre o tratamento das informações por ele concedidas, se comprometendo com a
confidencialidade de suas identidades.
Para aplicação do instrumento foi estabelecido contato pessoal com os responsáveis
pelas unidades escolares para apresentação do estudo e liberação da execução da pesquisa no
local. Seqüencialmente, seguiu-se os mesmos passos com os docentes integrantes da amostra.
Após os esclarecimentos necessários foi- lhes entregue o instrumento, o termo consensual a
carta explicativa e estipulado um prazo para devolução do instrumento ao pesquisador, que
deveria buscá-lo in loco.
Após obter os questionários respondidos, seguiu-se a análise dos dados. Nela, foi
traçado um paralelo entre as informações obtidas através dos professores e a fundamentação
teórica do estudo num exercício de interpretação. Para discussão e apresentação dos resultados
fez-se uso de procedimentos estatísticos viabilizados pelo software especializado Excel 2007
para tornar os dados mais claros e acessíveis.
5. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
Em cumprimento a proposta de preservação da identidade dos professores, sujeitos da
pesquisa, estes, quando necessário, estão representados na análise por códigos de identificação,
conforme segue: A5º; B6º; C6º; D5º e E5º. A agregação de números às letras intenciona
diferenciar em que ano do Ensino Fundamental atua cada docente, se no quinto (5º) ou sexto
(6º).
Como apresenta o quadro abaixo, os participantes da pesquisa, em sua maioria, possuem
uma boa experiência de sala de aula, e, dentre eles (com exceção de A5º que não disponibilizou
a informação), todos possuem a formação exigida para atuarem como docentes de Língua
Portuguesa nos anos em questão.
Quadro 01: Dados dos respondentes
PARTICIPANTE
FORMAÇÃO
TEMPO DE ATUAÇÃO
135
A5º
Informação indisponível
B6º
Licenciado em Letras
C6º
Licenciado em Letras
D5º
Pedagogo
E5º
Pedagogo
Fonte: elaboração da pesquisadora
30 anos
33 anos
5 anos
7 anos
17 anos
Questionados sobre a organização das suas aulas de Língua Portuguesa, se elas eram
compartimentadas em Gramática, Redação e Literatura37; se se trabalhava de forma integrada a
Gramática, a Redação e a Literatura; ou se eram organizadas de outra forma a ser especificada,
as respostas foram praticamente unânimes quanto a organização das aulas numa perspectiva
integrada dos aspectos da língua. Sabedores de que estes três aspectos da Língua Portuguesa
devem ser trabalhados de forma contextualizada, integrada, principalmente quando se fala em
Gramática e Redação (que se assim tratada, pode ser considerada produção de texto), as
respostas dadas podem ser tidas como satisfatórias posto que fugiram da visão estritamente
tradicional do ensino da língua, embora, este aspecto não seja único suficiente para este
diagnóstico.
Para os docentes mais experientes, a formação que receberam acerca do trabalho com
textos em sala de aula, enquanto preparação profissional para o magistério foi suficiente,
enquanto para os outros não foi. Este aspecto chamou-nos atenção para o fato de que se a
valorização do texto, como unidade de ensino da língua, data de aproximadamente 30 anos atrás
(década de 80), a ênfase dada a ele como unidade de ensino da Língua Portuguesa na formação
dos docentes deveria ascender e não descender como evidenciaram as respostas de C6º, D5º e
E5º quando assinalaram que sua formação orientou o trabalho com textos em sala de aula, mas
não o suficiente.
A compreensão que os docentes apresentaram sobre o texto são teoricamente boas. Suas
definições se aproximaram em certos aspectos do conceito trabalhado aqui, dentre os quais se
destacam:
a) a função social do texto;
b) a significação do texto, e
c) a existência de diferentes possibilidades de texto (falado, escrito).
A compreensão apresentada por B6º apontou para a existência do não-texto, quando
disse que texto é (apenas) o que tem um significado e transmite uma mensagem.
37
O termo Literatura aqui usado não se refere à disciplina curricular, posto que, comumente ela só integra
o currículo do Ensino Médio, mas refere -se ao trabalho com leituras diversificadas, que pode incluir
aprendizagens especificas da área da Literatura curricular.
136
Já D5º, vai de encontro a esta compreensão quando deixa subtendido que tudo o que se
produz pode ser considerado texto, independentemente de significação. Para Koch e Travaglia
(2005) uma unidade lingüística só é texto quando pode ser compreendida como unidade
significativa.
Adiante, o estudo evidenciou que os docentes solicitavam a seus alunos que
produzissem texto na disciplina de Língua Portuguesa de 03 a 20 vezes num mês, tendo um
número maior de solicitações, ou seja, mais próximo das 20 vezes no 5º ano. Para medir o grau
de importância destas atividades, pediu-se aos respondentes para que mensurassem de 1 a 5,
sendo 5 maior grau e 1 menor grau, a importância que seus alunos davam a estas atividades de
escrita, e da mesma forma, que importância, eles como professores atribuíam a ela. Quanto à
importância dada pelo professor, todos foram uníssonos em atribuir valor máximo a atividade
de produção textual. Também foram uníssonos em concordar que não percebiam nos alunos a
mesma valorização, como vê-se ilustrado abaixo:
Ilustração 02: Nível de interesse de alunos e professores pela produção de textos segundo o professor.
Fonte: elaboração da pesquisadora
O interesse dos alunos pela atividade de produção textual foi medido pelos professores,
com exceção de D5º, como medíocre, atribuindo- lhes nível de interesse 3 na escala de 1 a 5.
Evidenciando assim, que estes ainda precisam avançar, já que a atividade de produção de texto
tem um valor máximo para eles enquanto docentes.
Sinteticamente sobre as características das produções textuais dos alunos atendidos
pelos docentes participantes, é possível caracterizar seus textos como:
a) na medida do possível, claros, coerentes, coesos;
b) criativos; mas
c) evidenciam dificuldades de organização de idéias.
E, que destino é dado a essas produções assim caracterizadas?
A5º - Mural, para atividades avaliativas, etc.
137
B6º - Muitas vezes os textos são lidos em sala de aula. Também são guardados para
comparar com outras produções e mesmo serem trabalhados em sala, a pontuação, ortografia,
etc.
C6º - Devolvo para que eles corrijam os erros circulados ou sublinhados.
D5º - São entregues aos mesmos no final de cada unidade (organizados dentro de um
envelope).
E5º - A releitura com os alunos e a reescrita onde pode ser trabalhado a ortografia e a
coesão do texto. Devolvemos amanhã.
O risco evidenciado nestas colocações, estar em considerar o texto basicamentecomo
um instrumento avaliativo, pautado nos conceitos de certo e errado, que em última instancia
tornam-se simulações da escrita realizada socialmente. A resposta trazida por B6º merece
atenção, por apontar um destino pertinente para os textos dos alunos: usá-los como textos
escolares. A idéia inicial de A5º de expor os textos em murais, também é pertinente, mas que os
textos não se tornem apenas enfeites.
A avaliação é um problema sério da escola, e com a escrita não é diferente. A avaliação
dos textos escritos pelos alunos idealmente deve considerar tanto o processo de construção
quanto o produto construído. Acerca da avaliação das produções, obteve-se as seguintes
colocações:
A5º - Coerência, crítica, ortografia e clareza.
B6º - Eu avalio a capacidade de retenção da mensagem do texto, a clareza do texto e
também a ortografia.
C6º - A produção em si mesma; organização; parágrafos; clareza e originalidade, etc.
D5º - Valorizo em primeiro lugar o conteúdo escrito, a disponibilidade e a vontade de
escrever. Porém avalio, ortografia, coerência, pontuação, descrição.
E5º - O texto em si. O que a criança escreveu de acordo com o tema proposto. O nível
das colocações dos alunos de acordo com o que foi pedido.
Observando-se os aspectos avaliados pelos professores, fica claro que boa parte deles
incide a avaliação sobre os aspectos técnicos do texto, como gramática, ortografia, apresentação
e outros. Mas também se inclui as questões da coerência e coesão.
Indubitavelmente, estes são aspectos indispensáveis na avaliação de uma produção
escrita, por isso, o professor precisa conhecer adequadamente cada um desses itens e conceitos
para não fazer julgamentos errados. O risco da avaliação esta em desconsiderar o processo de
construção. Ele também deve ser apreciado na avaliação.
Isto não implica em fazer apologia a um vale tudo textual, mencionado por Koch e
Travaglia (2006).
Como em todo processo educativo, o que se propõe para a escrita de textos na escola é
que dêem ao aluno autonomia, que neste caso, se concretiza na construção de sua competência
138
escritora. É certo que o processo de construção da competência é individual e intransferível,
cabendo, portanto, ao aluno. Sendo assim, a visão que a escola precisa sustentar do aluno é a de
um sujeito capaz de: interagir, intervir, se responsabilizar e produzir, nas mais diversas
instancias e contextos.
Entretanto, para conquistar esta autonomia, esta competência, o aluno precisará da
intervenção do professor. O professor precisa intervir nas produções do aluno, principalmente,
enquanto escritor competente. Isso significa que suas intervenções devem ser significativas e
construtivas, fazendo parte de um processo de AÇÃO–REFLEXÃO–AÇÃO e não
simplesmente avaliações e críticas sem objetivos.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do estudo realizado, podemos descrever algumas considerações. A compreensão
sobre a nova configuração do ensino da disciplina de Língua Portuguesa é real entre os
professores consultados, e estes, assumem o texto como unidade significativa de ensino. Por
outro lado, suas práticas evidenciam distanciamento dos caminhos indispensáveis à construção
da competência escritora pelos alunos.
De modo geral, a pesquisa indicou que um dos mais instigantes problemas ou
desencontros entre o 5º e o 6º ano do EF na atividade de produção textual está no fato de que no
5º ano produzem-se textos, enquanto no 6º ano, se fazem redações. É importante lembrar que a
diferença aqui estabelecida não se refere apenas a nomenclatura, mas a uma visão de sujeito que
se incorpora. Quer de forma consciente ou não, as práticas de produções de textos têm
negligenciado, entre outros aspectos, a importância do delineamento de destinatários, de
interlocutores, que atribuam sentido ao texto e justifiquem sua escrita. Pois, que prazer há em
escrever por escrever? Para simular algo e depois destiná-lo ao lixo? Escrever é um processo
trabalhoso, exige atenção, exige competência, e por isso deve ser um momento significativo e
valorizado.
As atividades de escrita realizadas na escola devem funcionar como uma ponte, entre o
que acontece dentro e fora dela. Devem refletir as vivências partilhadas pelos alunos na
sociedade.
Em suma, podemos considerar que embora a escola tenha reconhecido e acatado a
produção de texto como unidade de ensino em seus programas, ainda escreve-se, como
diferencia Geraldi (1997) para a escola, quando o ideal seria escrever simplesmente na escola.
Tornar-se capaz de produzir textos tem um valor social inestimável. Efetiva a plena participação
do sujeito na sociedade letrada. Por isso, o professor de Língua Portuguesa, responsável oficial
139
pelas aprendizagens lingüísticas dos alunos, não pode colocar-se distante desta
responsabilidade. Precisa oportunizar eintervir na construção da competência escritora deles.
REFERENCIAS
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Fundamental. Secretaria de Educação Fundamental. 2.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
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Fundamental. Secretaria de Educação Fundamental. 2.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000.
BEZERRA, Maria Auxiliadora. Ensino de língua portuguesa e contextos teóricometodológicos.
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2005.
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LIMA, Manolita Correia. Monografia: a engenharia da produção acadêmica. 2.ed. São Paulo:
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PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Trad. Bruno Charles
Magne. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999.
SUASSUNA, Lívia. Ensino de língua portuguesa: uma abordagem pragmática. Campinas, SP:
Papirus, 1995.
VIVÊNCIAS LEITORAS COMO PRÁTICAS EDUCATIVAS NA BIBLIOTECA
MONTEIRO LOBATO EM FEIRA DE SANTANA-BAHIA
Bárbara Cristina dos Santos Ferreira - UEFS
140
Rita de Cássia Brêda Mascarenhas Lima - UEFS
Resumo: Na atualidade têm sido recorrentes as pesquisas e obras que se debruçam
sobre a temática de leitura e da formação do leitor. Partindo desse pressuposto, norteia
este trabalho a concepção de leitor como aquele que atribui sentido aquilo que ler e
busca continuamente a construção e re-elaboração de novos saberes. A presente
proposta de trabalho “Biblioteca Monteiro Lobato: uma experiência de contação e
leitura de histórias para a formação de leitores infanto-juvenil” está ancorada nos
estudos de autores que abordam e referem-se à importância das práticas socioculturais
de leitura na formação de leitores e alguns deles, especificam essas ações no espaço da
biblioteca. Este trabalho objetiva contribuir no processo de formação do leitor da
Biblioteca Monteiro Lobato através da contação e leitura de histórias, tendo como
prioridade um público infanto-juvenil. A formação de sujeitos apaixonados e
conscientes de si mesmos como leitores e cidadãos pode começar a partir da inserção
prazerosa nos espaços públicos de leitura. Dessa forma, Acreditamos que a biblioteca
pode intervir no processo de formação do leitor, bem como auxiliar na aprendizagem e
na ampliação da concepção de leitura, visto que esse envolvimento com a literatura
pode motivar e seduzir o leitor. Embasada nas concepções de leitura e do papel da
biblioteca para formar leitores é que buscamos, por meio dos círculos de leitura,
desenvolver práticas de contação e leituras de histórias para crianças freqüentadoras da
Biblioteca Monteiro Lobato situada no centro da cidade de Feira de Santana. Essas
atividades vêm acontecendo quinzenalmente no espaço da biblioteca, nelas
privilegiamos a participação efetiva das crianças, tanto no processo de leitura como na
contação de histórias. Para desenvolver as atividades de promoção à leitura, contamos
com o ambiente da biblioteca e da parceria de algumas escolas públicas e particulares
que deslocam seus alunos para este espaço. O público atendido, até o momento, tem
sido tanto da Educação Infantil quanto dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Os
textos selecionados são fábulas e contos, por favorecerem maior envolvimento e
concentração das crianças. As experiências oriundas do plano de trabalho têm se
configurado como ricas oportunidades de aprendizagens tanto das crianças, que na sua
maioria não tem o hábito de ir à biblioteca, quanto para mim, pois entendemos que
nossa função é de extrema importância para facilitarmos o encontro prazeroso das
crianças com o livro e com a biblioteca, e mais, somos responsáveis por transformar a
leitura em um momento divertido e prazeroso. Considerando que o prazer e satisfação
pela leitura serão resultantes de um trabalho significativo e provocador desenvolvido
através da atuação efetiva na biblioteca é que esse trabalho se ancora e objetiva dar sua
colaboração. Ressaltamos que a proposta de mobilização para a importância da leitura e
formação do leitor desenvolvida na Biblioteca Monteiro Lobato, encontra-se em fase de
execução, mas já revela a necessidade de intensificação de ações que focalizem o
espaço da biblioteca como fomentar de práticas socioeducativas e de formação de
leitores.
Palavras Chave: Leitura Literária, Formação do Leitor, Biblioteca
Introdução
141
A prática de contar e ouvir histórias vêm sendo ao longo dos tempos uma experiência
vivenciada por muitos povos com intuito não apenas de transmitir saberes às novas gerações,
mas, acima de tudo, como forma de acolher e agregar as pessoas.
Esta experiência de contação de histórias já foi desenvolvida no espaço da Biblioteca Monteiro
Lobato, no entanto, atualmente tem sido práticas rarefeitas. É importante situar que a biblioteca
Monteiro Lobato é uma instituição incorporada administrativamente à UEFS, desde 1998,
localizada no centro da cidade de Feira de Santana, mais precisamente na Praça da Matriz da
cidade.
Este trabalho objetiva, prioritariamente, contribuir no processo de formação do leitor da
Biblioteca Monteiro Lobato, por meio de contação e leitura de histórias, tendo como foco um
público infanto-juvenil. As vivências aqui apresentadas estão ancoradas nos estudos dos autores
Roger Chartier (2001), Isabel Sole (1998), Ezequiel Teodoro da Silva (1998), Edmir Perrotti
(2006), Verbena Maria Rocha Cordeiro (2006), Maria Helena da Rocha Besnosik (2004) entre
outros, que abordam e referem-se à importância das práticas socioculturais de leitura na
formação de leitores e alguns deles, especificam essas ações no espaço da biblioteca.
A formação de sujeitos sensíveis e conscientes de si mesmos, como leitores e cidadãos, pode
começar a partir da inserção prazerosa nos espaços públicos de leitura. Assim, a biblioteca pode
desempenhar um papel tanto de base para a criação e difusão do conhecimento, como também
de resgate e valorização do acervo cultural. Desse modo, a prática de contação e leitura de
histórias no espaço da biblioteca pode assumir um papel fundamental na vivência e interação
das crianças com os diversos portadores textuais.
Acerca dessa questão, Silva (1991, p.112) defende a importância da biblioteca para a sociedade,
quando afirma que “Ela deve se colocar como o cérebro da escola, ou seja, o local de onde
partem os movimentos em direção à recriação ou criação do conhecimento, servindo a
professores, alunos e comunidade”, ou seja, ressalta o poder de base que a biblioteca possui,
bem como o poder transformador de intermediar e circular o conhecimento.
A biblioteca se configura, desse modo, como espaço de aprendizagem não só para o aluno,
como também para todos aqueles que compõem o ambiente escolar, e da própria comunidade
que está à sua volta. Portanto, a biblioteca escolar e ou pública, tem um papel não apenas de
armazenar um importante acervo social e cultural, mas assume um papel de grande importância
na propagação do conhecimento e de formação do leitor.
142
A utilização incorreta desse espaço pode invalidar a sua função, para Silva (1991, p.112) “Sem
uma previsão criteriosa e alicerçada em propósitos bem definidos a utilização das bibliotecas
(públicas ou escolares) pode se transformar em tarefa inútil, contribuindo mais para o desgosto
pela leitura do que para o crescimento cognitivo dos estudantes”. O autor chama atenção ainda
sobre a melhor utilização desse espaço que, infelizmente, não tem proporcionado o crescimento
que se espera. Segundo ele, a biblioteca precisa estar baseada e estruturada em propósitos
destinados ao seu devido uso, para que a mesma realize significativamente o seu papel
contribuindo para a melhor formação do aluno.
Segundo Solé (1998, p. 91) “As situações de leitura mais motivadoras também são as mais
reais: isto é, aquelas em que a criança lê para se libertar, para sentir o prazer de ler, quando se
aproxima do cantinho de biblioteca ou recorre a ela”. A autora ratifica a idéia que a biblioteca
pode intervir no processo de formação do leitor, bem como auxiliar na sua aprendizagem e na
ampliação da concepção de leitura, visto que esse envolvimento com a literatura pode motivar e
seduzir o leitor para novas experiencias.
As experiências extensionistas de contação de história, oriundas do plano de trabalho
“Biblioteca Monteiro Lobato: uma experiência de contação e leitura de histórias para a
formação de leitores infanto-juvenil”, têm se configurado como ricas oportunidades de
aprendizagens, tanto para as crianças, que na sua maioria, não têm o hábito de ir à biblioteca,
quanto para nós, pois entendemos que nossa função é de extrema importância para facilitarmos
o encontro prazeroso das crianças com o livro e com a biblioteca, e de sermos co-responsáveis
por transformar as vivências leitoras em momentos significativos das crianças com o livro
(objeto cultural), e desse modo contribuir para que as crianças deixem de ser apenas
consumidoras de cultura e, que exerçam a função de leitores críticos e criativos.
Relatando uma experiência
A experiência aqui apresentada é parte da proposta de trabalho “Biblioteca Monteiro Lobato:
uma experiência de contação e leitura de histórias para a formação de leitores infanto-juvenil”
desenvolvida no Programa Institucional de Bolsa Extensão (PIBEX) da Universidade Estadual
de Feira de Santana (UEFS), com previsão de vigência 2010/2011.
Visando a execução das atividades, iniciamos o trabalho com visitas sistemáticas à Biblioteca
Monteiro Lobato para familiarização com o espaço, com o acervo e com os funcionários da
143
instituição, bem como realizamos o mapeamento do acervo literário da Biblioteca. Realizamos
também visitas às escolas localizadas no entorno da biblioteca com objetivo de coletar os dados
das instituições, no tocante ao número de alunos, séries, faixa etária. Na oportunidade
apresentamos o Projeto “Leitura Itinerante: uma alternativa de mobilização de leitores” e do
plano de trabalho “Biblioteca Monteiro Lobato: uma experiência de contação e leitura de
histórias na formação de leitores infanto-juvenil”, o qual teria sua execução no próprio espaço
da biblioteca.
É importante salientar que no primeiro momento do projeto fizemos estudo de livros teóricos
que versam sobre a Literatura Infantil Brasileira, como também selecionamos os livros de
Literatura Infanto-Juvenil que iriam compor o acervo que oportunizaríamos às crianças
atendidas pelo plano.
A proposta objetiva tornar o ambiente da biblioteca familiar para as crianças da
Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental; Oportunizar o contato das
crianças com a Literatura Infantil, visando o fomento à leitura; Ampliar o repertório
literário das crianças; Promover o encontro prazeroso das crianças com as histórias;
bem como desenvolver a expressão oral e escrita das crianças;
Com base nas concepções de leitura e do papel da biblioteca para formar leitores é que
buscamos por meio dos círculos de leitura desenvolver práticas de contação e leituras de
histórias para crianças freqüentadoras da Biblioteca Monteiro Lobato situada no centro da
cidade de Feira de Santana. Essas atividades vêm acontecendo quinzenalmente no espaço da
biblioteca, com a participação efetiva das crianças, tanto no processo de leitura, como na
contação de histórias.
Para realização das atividades de promoção à leitura, contamos com o ambiente e o acervo da
Biblioteca Monteiro Lobato e da parceria de algumas escolas públicas e particulares que
deslocam seus alunos para a biblioteca. O público atendido tem sido crianças entre 04 a 10 anos
de idade, ou seja, vinculadas à Educação Infantil e aos anos iniciais do Ensino Fundamental. Os
textos selecionados: fábulas, contos e histórias da Literatura Infantil contemporânea, se
justificam por favorecerem maior envolvimento, aproximação à realidade das crianças, bem
como favorece a concentração das crianças no ato da escuta das histórias.
Objetivando maior envolvimento do público com o texto escolhido, utilizamos como estratégias
de aproximação do leitor ao texto, não apenas a leitura nos círculos de leitura, mas,
principalmente, com as crianças menores, fazemos uso de recursos como perucas, capas, ocúlos
e outros, que promovem e despertem atenção, imaginação e criação. Temos ainda
144
disponibilizado material didático como papel A4, lápis de cor e de cera, entre outros para que
possam extrapolar seu processo de interpretação e recriação do texto ouvido.
Paralelamente às vivências leitoras no espaço da biblioteca, elaboramos continuamente
materiais e recursos necessários ao desenvolvimento das atividades, com vistas a possibilitar o
gosto, o prazer pela leitura e pela convivência com os livros, assim como com a ambiência da
biblioteca.
É importante salientar, que ao longo da realização do plano de trabalho de extensão,
desenvolvemos continuamente os estudos e planejamentos junto com toda a equipe do Projeto
de Extensão “Leitura Itinerante: uma alternativa de mobilização de leitores”, cadastrado na PróReitoria de Extensão da UEFS, ao qual este plano de trabalho está vinculado.
Algumas pedras pelo caminho
O trabalho de fomento e de formação do leitor ainda se configura nos dias atuais como uma
prática em construção. Mesmo reconhecendo que muitas experiências exitosas já existem no
seio das escolas, ainda nos deparamos com muitas dificuldades no usufruto das bibliotecas.
Dentre as dificuldades encontradas, é salutar apontar a execução de pequenas ações que
envolvem, principalmente, os alunos oriundos das redes públicas, no tocante à infraestrutura
dessas ações fora do ambiente escolar.
Em virtude de termos priorizado o local da própria biblioteca a serem desenvolvidas as
atividades propostas por este plano de trabalho, a maior dificuldade encontrada tem sido o
transporte para conduzir às crianças das escolas públicas para a Biblioteca Monteiro Lobato,
visto que as escolas selecionadas não possuem transporte próprio.
A locomoção dessas crianças implica em total responsabilidade da escola e do professor que
está acompanhando. Portanto, por falta de condições materiais, encontramos dificuldade em
agendar as atividades quinzenais. Quando não há meio de conduzir as crianças, em segurança,
das suas respectivas escolas para o espaço da Biblioteca Monteiro Lobato, optamos por realizar
algumas dessas atividades no próprio espaço da escola.
Aprendendo com as vivências e já tecendo algumas conclusões
145
O envolvimento com este plano de trabalho tem me proporcionado aprendizagens e
experiências inovadoras que, certamente, me permitem ampliar e ressignificar minhas
concepções, minhas posturas e minha própria formação leitora.
Os estudos e pesquisas realizadas com foco na literatura, na contação e práticas culturais de
leitura têm ampliado meu repertório teórico, como também o meu acervo literário,
especificamente, o infanto-juvenil. A experiência tem colaborado para a melhoria da minha
relação com as crianças e com os professores, como também vem contribuindo na produção
escrita e na preparação de novas oficinas.
A possibilidade de me inserir no cotidiano das escolas e da biblioteca vem me instigando a
debruçar, ainda mais, sobre as práticas educativas realizadas nesses ambientes e conhecer as
peculiaridades que envolvem o processo de formação dos leitores e as dificuldades encontradas
pelos professores.
As experiências vivenciadas no espaço, especificamente, da Biblioteca Monteiro Lobato vem
revelando muitas nuances interessantes. Primeiro que o prazer e o envolvimento das crianças
com a leitura só dar-se-á, efetivamente, quando a estas são oferecidas oportunidades reais de
contato e interação com os livros; que as práticas de leitura precisam ser envolventes e
significativas; e por fim que o espaço da biblioteca precisa ser cada vez mais dinamizado,
incentivado e revitalizado com materiais que provoquem nas crianças o desejo e a curiosidade
de ler.
Este trabalho nos mostra o quanto a presença da biblioteca na formação leitoras das crianças
tem sido reduzida, para não dizer inexistente. Assim, ressaltamos que a proposta de mobilização
para a importância da leitura e formação do leitor desenvolvida na Biblioteca Monteiro Lobato
intenta assumir a função tanto de formação do leitor quanto de enriquecimento sociocultural dos
freqüentadores da biblioteca Monteiro Lobato de Feira de Santana.
O nosso trabalho procura mostrar a pertinência do espaço da biblioteca na formação do leitor,
visto que tem sido nesse espaço que as crianças, beneficiárias desse projeto, têm vivenciado
novas experiências, até então não exploradas. Além do espaço da biblioteca, a realização de
algumas oficinas nas escolas tem favorecido às crianças, oportunidades de vivenciar momentos
de leitura prazerosa o que nem sempre acontece. Pois, muitas vezes, a leitura acaba sendo uma
prática repleta de exigência e imposição, e não de um aprendizado através do lúdico, da fantasia
e do encantamento que as crianças tanto se identificam.
REFERÊNCIAS
146
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SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6 ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.
147
LABORATÓRIO DE EDUCAÇÃO E ESTUDOS INTERDISCIPLINARES –
LEEI COMO ELEMENTO POTENCIALIZADOR DE APRENDIZAGENS
SIGNIFICATIVAS – VIVÊNCIAS E APRENDÊNCIAS
Rosângelis Rodrigues Fernandes Lima38
RESUMO
É inegável que, diante dos efeitos da globalização, como a volatilidade das informações,
a educação, bem como outras instâncias sociais, sofrem grandes impactos no que se
refere às suas ações no cotidiano. Na atualidade, percebemos transformações sociais,
políticas, econômicas e culturais, quebrando as fronteiras e criando intercâmbio. Neste
cenário está presente a educação. Portanto, é imperativo pensarmos que educar seja
mais do que transmitir conhecimentos técnico-científicos acumulados pela humanidade.
A escola na atualidade começa a trilhar pelos caminhos de um currículo com vistas às
interações entre culturas diversas e diferenciadas e pelos valores de uma educação que
despreza os paradigmas mecânicos e estáticos e busca as abordagens pluridisciplinar,
multidisciplinar e transdiciplinar. Sendo assim, o presente artigo Laboratório de
Educação e Estudos Interdisciplinares - LEEI como elemento potencializador de
aprendizagens significativas – vivências e aprendências, trata do relato das ações e
reflexões do projeto desenvolvido neste espaço/ambiente educativo que tem se
configurado como espaço de diálogos, de produção de saberes, oportunizando aos
professores e alunos que pontuem as principais ações ocorridas no cotidiano escolar na
busca da transformação da realidade frente aos desafios no cenário contemporâneo. Este
projeto foi pensado e gestado numa perspectiva multi/inter e transdisciplinar (MIT) no
qual, os graduandos do curso de Pedagogia da Faculdade Adventista de Educação do
Nordeste-FAENE, professores e alunos da educação básica e, outros sujeitos de espaços
não escolares, tiveram a oportunidade de interagir e vivenciar momentos nos quais a
práxis pedagógica se evidenciasse em saberes e fazeres, através do desdobramento das
ações em Grupos de Trabalhos (GTs), embasados numa metodologia que se pautou no
tripé ação-reflexão-ação que permeia as relações entre a teoria e a prática nos processos
de ensino e aprendizagem. Como resultados significativos, constatamos que, a
percepção, a participação e a interação dos sujeitos são fundamentais para a prática
pedagógica e para a construção de aprendizagens significativas.
Palavras- chave: Educação. Estudos interdisciplinares. Aprendizagens significativas.
38
Professora da Faculdade Adventista da Bahia - FADBA – Curso de Pedagogia. Coordenadora do
Laboratório de Educação e Estudos Interdisciplinares - LEEI. Coordenadora específica da elaboração da
Proposta Curricular do Ensino Fundamental do município de Feira de Santana – BA.
148
CONSIDERAÇÕES INICIAS
...ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o
caminho caminhando, sem aprender a refazer, a retocar o sonho por causa do
qual a gente se pôs a caminhar. (FREIRE, 2001)
Em pleno século XXI, o impacto que a globalização vem causando na educação
e nas instituições sociais, certamente é inquestionável. Qualquer fato histórico que
aconteça em algum lugar do planeta pode, nesse mundo globalizado, assumir
proporções enormes diante da volatilidade das informações. Hoje percebemos
transformações sociais, políticas, econômicas e culturais, quebrando as fronteiras que
podem ser geográfica, étnica, de classe, linguística, de gêneros entre outros, e criando
intercâmbio entre os diversos atores sociais-culturais-históricos.
Nesse cenário está presente a educação. Portanto, é imperativo pensarmos que
educar seja mais do que transmitir conhecimentos técnico-científicos acumulados pela
humanidade. Educar deve ser uma ação humanizadora, e, segundo Freire (1969, p. 128),
“uma educação só é verdadeiramente humanista se (...) esforça-se no sentido da
desocultação da realidade. Desocultação na qual o homem existencialize sua real
vocação: a de transformar a realidade”. É fundamental para a sociedade que a educação
e os educadores tomem para si seu papel político de, junto com os alunos, desvelar a
realidade escondida pelas ideologias, superar a miopia que impede a percepção daquilo
que cerca o indivíduo.
Para Freire (1969, p. 124-125), “o homem é um ser da práxis [e por isso] não
pode reduzir-se a um mero expectador da realidade... Sua vocação ontológica (...) é a do
sujeito que opera e transforma o mundo”. Assim, a relação entre os sujeitos que fazem
parte do cenário educativo deve ser de diálogo e criticidade, para analisar a realidade
que os cerca e então agirem em favor da transformação. O educador não é o único dono
do conhecimento nem os educandos são tábulas rasas a serem preenchidas pelas
palavras daqueles que se julgam detentores dos saberes e fazeres. O conteúdo não vem
para ser memorizado e depois repetido, mas para ser objeto de reflexão-ação-reflexão.
Neste sentido, é possível afirmar que para alcançar a meta de transformar a
sociedade, precisa-se de seres capazes de compreendê-la criticamente. Partindo dessa
premissa, o educador deve trabalhar para promover a conscientização junto aos
educandos, pois na perspectiva freiriana, conscientizar é acreditar nos seres humanos
149
como sujeitos críticos e reflexivos que transformam o mundo. Desse modo, segundo
Freire (2006, p.67), a educação “é práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens
sobre o mundo para transformá-lo”.
Voltando nossos olhares ainda para este início de milênio, percebemos que no
contexto de Brasil e de mundo, nossos antepassados deixaram registrados nos anais da
história e na vida de milhões de pessoas ranços e avanços. Ranços de tragédias, guerras,
pobrezas, misérias, terrorismo (diga-se que esses fatos vergonhosos figuram nos nossos
dias, e possivelmente, figurará no futuro. Premonição? Adivinhação? Não, tão somente
não, resquícios de uma política globalizada sem precedentes) entre outros. E avanços na
medicina, na física quântica e nuclear, no mapeamento dos genes, nos recursos
tecnológicos, nas viagens espaciais, na informação digitalizada ultra-rápida, na fibra
ótica, nas declarações de boas intenções, no campo educativo e muito mais... Mas, “Não
há nada sob o sol” (IMBERNÓN, 2000, p. 18). E o século XXI confirma essa premissa,
pois como afirma Imbernón (2000, p. 18) “Não foram corrigidas as imensas
desigualdades sociais, de alcance planetário, nem foram reparadas as injustiças
históricas.
Então, há que se introduzir uma dimensão de futuro: de sonho, de utopia, de
planejamento em educação. Novamente, Sacristán (2000, p. 38) nos diz que:
Construir o futuro, no sentido de prevê-lo e de querer que seja um e não
outro, só é possível a partir dos significados que as imagens do passado e do
presente oferecem-nos. Não se trata de adivinhar o que nos espera(algo
impossível, porque não existe e o construiremos, inevitavelmente, pois não
acreditamos em nenhum tipo de destino, nem em nenhum itinerário de
progresso previamente traçado, para além da inércia que dá tudo o que és
instituído, que é modificável, e da atual orientação de nossas ações), mas de
ver com que imagens do presente-passado enfrentaremos essa construção,
que é o que canalizará o futuro, sua direção, seu conteúdo, seus limites.
A educação que se projeta no presente e no futuro deve ajudar na compreensão
das realidades contemporâneas atuais e vindouras. Sendo assim, projeta-se uma
educação em dimensão planetária, para um mundo globalizado. Nesse contexto,
elegem-se aspectos transversais de amplos cenários mundialmente: direitos humanos,
cultura da paz, equilíbrio ambiental, desenvolvimento sustentável, responsabilidade
social e diálogo internacional.
CONTEXTUALIZANDO A PROBLEMÁTICA
150
Segundo Freire (2001, p.63) “admirar implica pôr-se em face do ‘não eu’,
curiosamente para compreendê-lo. Por isto, não há ato de conhecimento sem admiração
do objeto a ser conhecido.” No Laboratório de Educação e Estudos Interdisciplinares LEEI miramos e admiramos, bem como, ansiamos por mudanças, pois percebemos
enquanto educadores e estudantes que o que se encontra na mira de nosso desejo é uma
educação de qualidade para todos, afinal educação é mediação das mediações da
existência histórica humana. (SEVERINO, 1994)
Como educadora e coordenadora desse espaço/ambiente educativo tenho
buscado conscientizar-me de que no contexto atual, necessitamos de uma educação
onde haja uma reorientação de nossa práxis pedagógica, no sentido de trazer para o seu
foco pontos importantes: onde a pessoa humana é objeto central da Educação e que
qualquer currículo, qualquer metodologia, qualquer estratégia, qualquer tipo de
avaliação, só terá sentido, se o foco estiver em relação direta e dialética com os
envolvidos no processo educativo. Então, sob a perspectiva interdisciplinar, é notório
que Educação-Homem-Sociedade, precisa de uma “revolução” e um dos caminhos para
tal é a Educação.
Compreendemos que educar, nos dias atuais, não se limita apenas ao saber
técnico-científico, pois o ato educativo não se caracteriza pela simples transposição
mecânica e linear dos conhecimentos. Outros saberes (social, político, humano, ético,
didático, histórico, cultural, econômico e científico), e ainda não poderíamos deixar de
citar os saberes que se configuram como leitura de mundo e histórias de vidas, são
extremamente necessários para entender a totalidade do ato educativo e da práxis
pedagógica.
Sendo assim, sentimos o desejo de relatar as ações e reflexões construídas ao
longo de nossas vivências, pois entendemos esse projeto como uma ação colaborativa
entre o ensino superior e a educação básica, na medida em que professores e alunos dos
dois níveis de educação interagiram e construíram aprendizagens significativas.
O objetivo geral desse projeto realizado no LEEI foi desenvolver ações que
oportunizassem a formação do sujeito crítico-reflexivo cidadão, a partir da interação
com os saberes significativos para a sua formação nos espaços escolares e não escolares.
Associado a este, ainda buscamos com alguns objetivos específicos oportunizar
situações de aprendizagem aos estudantes de modo que os mesmos:
151
•
Vivenciem um ambiente de discussão e formação para os sujeitos envolvidos no
processo educativo, visando a construção de ações pedagógicas no cotidiano
escolar.
•
Desenvolvam suas capacidades e participação nas relações sociais, políticas e
culturas diversas e ampliadas, bem como priorizem o exercício da cidadania em
busca de uma sociedade mais democrática.
•
Construam diversos saberes e fazeres em um contexto de interação sóciohistórico-social-cultural.
•
Desenvolvam estratégias metodológicas possibilitadas pelo movimento dialético
entre o fazer e o pensar sobre o fazer no cotidiano escolar.
•
Contribuam para o desenvolvimento de todos os sujeitos envolvidos no projeto
através de intervenções pedagógicas.
CARACTERIZANDO O LEEI
A Faculdade Adventista de Educação do Nordeste - FAENE entendeu a
necessidade de ampliar suas atividades para além do espaço escolar interno e
implementou o Laboratório de Educação e Estudos Interdisciplinares (LEEI), em 1999.
Em sua trajetória, o LEEI tem se configurado como espaço de diálogos, de produção de
saberes, oportunizando aos professores e alunos que pontuem as principais ações
ocorridas no cotidiano escolar na busca da transformação da realidade.
O mundo não é. O mundo está sendo. (...) meu papel no mundo não é só o de
quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito
de ocorrências. Não sou apenas objeto da história, mas seu sujeito
igualmente. No mundo da história, da cultura, da política, constato não para
me adaptar mas para mudar. (...) (FREIRE, 2000, p. 79-81).
Aproveitamos os dizeres de Freire (2000) e buscamos priorizar que as atividades
realizadas pelo LEEI fossem caracteristicamente de natureza interdisciplinar e
transversal contribuindo para um processo educativo qualitativo, inclusive propiciando
serviços à comunidade, pois a atuação pedagógica envolve relações com e entre
sujeitos, lida com seres humanos em processo de desenvolvimento, implica valores,
tomada de decisão e compromissos éticos.
O LEEI se constitui em espaço de “produção de teorias, de conhecimentos e de
saber-fazer específicos ao ofício do professor,” (TARDIF, 2002, p. 234), um campo
152
privilegiado de reflexão, transformação e ressignificação de seus saberes, valores,
crenças e concepções, tendo como mediação a teoria e a discussão entre discentes e
professores do curso de Pedagogia, discentes das pós-graduações, bem como estudantes
da educação básica, enfim, toda a comunidade escolar que faz parte de seu entorno.
O trabalho do LEEI está estruturado, conforme o Regulamento (2010) em quatro
núcleos nos quais baseamos a elaboração deste projeto:
Projetos – ações educativas vinculadas aos processos de ensino e
o
aprendizagem, sendo desenvolvido por professores e estudantes em parceria com o
entorno da FAENE.
Acervo – disponibilização de livros didáticos e de literatura infantil, revistas
o
de educação e materiais educacionais de diferente natureza.
Produção de material de apoio à prática docente - resultado do trabalho
o
pedagógico realizado em sala de aula por alunos e professores para fins de estágio
curricular e de projetos realizados.
Orientações didáticas – produção de textos e coletâneas a partir de temáticas
o
do cotidiano escolar elaborados por alunos e professores como forma de sistematização
do conhecimento e divulgação do mesmo.
O PROJETO: COMO SE CONFIGUROU
O
projeto
LABORATÓRIO
INTERDISCIPLINARES
-
LEEI:
DE
EDUCAÇÃO
ELEMENTO
E
ESTUDOS
POTENCIALIZADOR
DE
APRENDIZAGENS SIGNIFICATIVAS atendeu nossos alunos na participação ativa
das Atividades Práticas Profissionais (APP), as quais são compreendidas como o
conjunto de atividades que constituem os componentes curriculares de formação cuja
dimensão prática visa enriquecer o processo formativo do futuro pedagogo como um
todo. Tais atividades são vivenciadas pelo aluno de Pedagogia ao longo do curso a partir
de um planejamento prévio compartilhado entre as diferentes áreas do conhecimento,
oportunizando a articulação entre os saberes numa perspectiva interdisciplinar.
Este projeto foi pensado e gestado numa perspectiva multi/inter e
transdisciplinar (MIT) no qual, os graduandos do curso de Pedagogia, professores e
alunos da educação básica e, outros sujeitos de espaços não escolares, tiveram a
153
oportunidade de interagir e vivenciar momentos de aprendizagens significativas,
através, do desdobramento do mesmo em Grupos de Trabalhos (GT).
CAMINHOS PERCORRIDOS
É preciso que, pelo contrário, desde os começos do processo, vá ficando cada
vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se reforma e reforma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste
sentido que ensinar não é transferir conhecimento, conteúdos, nem formar é
ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo
indeciso e acomodado. (FREIRE, 1996, p. 25).
Nossa proposta com o Projeto foi implementar nesse espaço ações que
viabilizem a produção de saberes e fazeres educacionais. Para tanto, a metodologia
utilizada está embasada no tripé ação-reflexão-ação que permeia as relações entre a
teoria e a prática no âmbito educacional.
A aplicabilidade desse projeto esteve focada na práxis docente, pois “o homem é
um ser da práxis [e por isso] não pode reduzir-se a um mero expectador da realidade...
Sua vocação ontológica (...) é a do sujeito que opera e transforma o mundo.” (FREIRE,
1969, p.124-125).
Nesse projeto buscamos a relação entre os referencias teóricos discutidos em
sala de aula nas disciplinas do curso e a prática que envolve o cotidiano escolar, através
do desdobramento do mesmo em grupo de trabalhos. Os encontros para planejamento,
avaliação e construção coletiva aconteceram no espaço/ambiente do LEEI de acordo
com cronograma de cada grupo de trabalho.
A execução do projeto ocorreu em espaços pedagógicos definidos por cada
grupo. Vale ainda salientar que o aluno participante em qualquer um dos grupos de
trabalhos citados abaixo, cumpriu integralmente a carga horária de 100h referentes às
Atividades Práticas Profissionais.
Certamente, as vivências durante a elaboração desse projeto e seu
desdobramento em Grupos de Trabalhos nos fez descobrir que o melhor lugar para se
aprender a conhecer, a aprender, a fazer e a ser é o ambiente educativo, pois é no
cotidiano escolar que as alegrias, as vitórias, as conquistas, os medos, as angústias, as
lutas, os erros e acertos acontecem. É nesse lugar que, também, buscamos uma
educação para a transformação.
GRUPOS DE TRABALHOS (GTs)
154
GT1: Contadores e Cantadores: Roda de leitura
Ao longo dos últimos anos, muito se tem falado sobre a importância da leitura e
da escrita. E a escola passa por um processo de reflexão sobre as formas de como
ensinar aprender a ler, pois o ato de ler atua significativamente na formação acadêmica
e na formação do cidadão crítico.
Sabe-se que o domínio e a prática da leitura são fatores essenciais para o sucesso
de qualquer estudante em qualquer disciplina. A formação de leitores constitui-se uma
exigência social e política de suma importância e que compete a todos os envolvidos no
processo ensino-aprendizagem. Promover o acesso das pessoas ao mundo da leitura é
possibilitar a formação de indivíduos aptos a pensar, questionar e, na medida do
possível, intervir na sociedade em que vivem.
Portanto, nessa perspectiva, esse grupo de trabalho elaborou atividades que
contemplaram o desenvolvimento da leitura e a escrita dos alunos das escolas da
educação básica que fazem parte do entorno das Faculdades Adventistas da Bahia.
Objetivamos incentivar, sensibilizar e despertar nos professores e nos alunos o prazer
pela leitura e escrita, desenvolvendo suas habilidades na língua escrita e falada,
elevando o nível de letramento dos envolvidos no processo ensino-aprendizagem;
propiciar aos alunos um trabalho rico e prazeroso na aquisição da escrita e da leitura. E
ainda, elevar, gradativamente, o nível de desempenho em leitura e escrita dos
professores e dos alunos, através de rodas de leituras que gerem ações concretas.
Metodologia utilizada pelo GT1
Muitas vezes nos deparamos nas salas de aula com alguns alunos que não lêem e
nem escrevem, outros conhecem as letras, mas não montam palavras nem frases em
função das hipóteses que ainda estão desenvolvendo. Neste grupo de trabalho
vivenciamos momentos ação-reflexão-ação junto aos alunos das escolas parceiras e
estabelecemos relações entre a linguagem escrita e oral para que os sujeitos envolvidos
nesse processo avançassem nas habilidades de leitura e escrita, através de: Cantigas de
roda e do cancioneiro popular; Trabalho com a letra de tais cantigas de roda; Reescrita
das cantigas de roda; Leituras de histórias; Leituras diversas da literatura infantojuvenil; Trabalho com conto e reconto; Trabalho com as diversas tipologias textuais;
Painéis imagéticos; Trabalho com fantoches; Histórias de vidas.
155
Precisamos sinalizar que, ao longo do desenvolvimento das ações desse GT a
avaliação se deu de forma processual e contínua e, portanto, em cada encontro
observamos através das atividades propostas na metodologia que os alunos obtiveram
avanços no estabelecimento das relações entre a oralidade e a escrita, bem como nas
competências gerais para a leitura e a escrita. É mister pontuar que a culminância desse
GT foi a construção de uma coleção de contos, cujos autores foram os participantes do
mesmo.
Grupo 2: Oficinas de produção de jogos educativos
Quem não se lembra de um jogo divertido e animador? Caça-palavras! Palavras
Cruzadas! Dominó! É muito bom quando através de jogos se consegue atingir objetivos
educacionais. Aprender brincando é muito mais valioso para a criança, pois brincar faz
parte de seu mundo e desenvolvimento. É através das brincadeiras que ela descobre o
mundo. Com jogos é possível trabalhar conteúdos de matemática, de ciências, de
leitura, de escrita, questões físicas, sociais, emocionais, afetivas, históricas e culturais.
Através de jogos os sujeitos envolvidos no processo ensino-aprendizagem
podem desenvolver muitas competências, habilidades e conhecimentos diversos e,
certamente aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver
de forma lúdica se torna mais gratificante e prazeroso.
Urge que na atualidade o educador selecione, construa e avalie os jogos,
buscando utilizá-los de modo adequado, pois os mesmos podem ser mais um dos
agentes transformadores da educação, mas, vai depender muito da forma como serão
utilizados e trabalhados. Os educadores têm papel fundamental, pois é através do
contexto, da ação, da reflexão, da crítica e intervenções que os jogos educativos vão
contribuir para o desenvolvimento e a construção de aprendizagens significativas de
sujeitos críticos, reflexivos e afetivos.
Este grupo de trabalho promoveu a discussão sobre o espaço de possibilidades
oferecidas pelo uso os jogos educativos como recursos que possibilitem estratégias
interativas de ensino-aprendizagem e a construção de jogos educativos in loco (nas
escolas parceiras), através de oficinas pedagógicas para construção de jogos educativos.
Sendo assim, objetivamos com esse GT que os professores percebam que os jogos
156
estimulam a criatividade, a imaginação e proporcionam uma maior compreensão da
realidade; entender que os jogos educativos são, também, elementos facilitadores no
processo ensino-aprendizagem, pois o jogo é um recurso didático que se converte num
rico instrumento de construção de conhecimentos e proporcionar meios para construção
de jogos educativos através de oficinas pedagógicas.
Metodologia utilizada pelo GT2
Os jogos educativos se constituem como recursos riquíssimos para desenvolver
as competências e habilidades se bem elaborados e explorados. São estratégias de
ensino que podem atingir diferentes objetivos e áreas do conhecimento. Além de serem
instrumentos lúdicos, quando usados pedagogicamente, auxiliam os educadores e
educandos na interação e nas relações interpessoais.
Sendo assim, percebemos que permeia a realidade de diversas escolas que fazem
parte do entorno da FAENE, não trabalhar com os jogos educativos porque alguns
professores não possuem esclarecimentos sobre a utilidade de se trabalhar com jogos,
bem conhecimentos de como fazer tais jogos educativos.
Portanto, como problematização deste grupo de trabalho buscamos uma parceria,
através de oficinas pedagógicas nas quais discutimos e interagimos com os professores
a importância de utilizar os jogos educativos em sala de aula e os processos de
construção dos mesmos, através de: Leituras diversas de referências bibliográficas sobre
a temática; Encontros para elaboração dos jogos; Criação do cantinho dos jogos
elaborados nas oficinas.
No contexto deste GT, o ato de avaliar configurou como transparente, os
critérios utilizados são conhecidos pelos sujeitos envolvidos, por isso tem caráter
processual e contínuo para o vir a ser constante do processo educativo. Sendo assim, em
cada encontro observamos através das atividades propostas na metodologia que os
professores obtiveram avanços no entendimento da importância de se trabalhar com
jogos educativos, bem como a construção dos mesmos para subsidiar a práxis
pedagógica do professor.
(IN) CONCLUSÕES
157
Educar deve ser uma ação humanizadora, e segundo Freire (1969, p.128), “uma
educação só é verdadeiramente humanista se (...) esforça-se no sentido da desocultação
da realidade. Desocultação na qual o homem existencialize sua real vocação: a de
transformar a realidade.” É fundamental para nossa sociedade que a educação e os
educadores tomem para si seu papel político de, junto com os alunos, desvelar a
realidade escondida pelas ideologias, superar a miopia que impede a percepção daquilo
que cerca o indivíduo.
Paulo Freire, certa vez, foi chamado de andarilho da utopia. Mas, afinal para
que serve a utopia para professores e alunos? Parafraseando o escritor uruguaio Eduardo
Galeano (1994): Para que serve a utopia se está lá no horizonte? Em alguns momentos
quando tento me aproximar ela se afasta dois, três passos. Caminho dez passos e o
horizonte também corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Será?
Então, para que serve a utopia? Serve para que educadores, estudantes e demais sujeitos
envolvidos no processo educativo nunca deixem de sonhar, de caminhar, de buscar uma
educação que forme cidadãos críticos e reflexivos.
E a guisa de parar por aqui nosso relato, pois continuaremos com nossas
itinerâncias e vivências, vamos caminhando e cantando no LEEI, transformando-o em
elemento potencializador de aprendizagens, que certamente refletirão no horizonte das
experiências vividas.
REFERÊNCIAS
CACHOEIRA, Regulamentação do Laboratório
de Educação e Estudos
interdisciplinares – LEEI. Faculdade Adventista de Educação do Nordeste- FAENE,
2010.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 9 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
2001.
______. O papel da educação na humanização. Revista Paz e Terra. Rio de Janeiro,
ano IV, n.09, p. 123-132, out. 1969.
______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários as práticas educativas. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
158
______ Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. São
Paulo: Editora Paz e Terra, 2001.
______. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo:
UNESP, 2000.
______. Pedagogia do oprimido. 45 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006.
GALEANO, E. As palavras andantes. Porto Alegre: L&M, 1994.
IMBERNÓN, Francisco. A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. –
2. ed. – Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
SACRISTAN, J. G. Poderes instáveis em educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.
SACRISTÁN, José Gimeno. A educação que temos, a educação que queremos. IN:
IMBERNÓN, Francisco. A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. –
2. ed. – Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000.
SEVERINO, Antonio Joaquim. Filosofia da educação: construindo a cidadania. São
Paulo: FTD, 1994.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Trad. Francisco Pereira.
Petrópolis: Vozes, 2002.
VEIGA, Ilma Passos de Alencastro. Didática: O ensino e suas relações. Campinas:
Papirus, 1996.
159
A PERCEPÇÃO DE ALUNOS E PROFESSORES SOBRE A QUALIDADE
EDUCACIONAL DA EJA NUMA ESCOLA PÚBLICA DE FEIRA DE
SANTANA, BA.
Márcia Cristina de Almeida Cerqueira39
Célia Regina Batista dos Santos40
Resumo
Esse texto foi elaborado com base nos resultados de uma pesquisa que teve por objetivo
investigar o significado da aprendizagem da Educação de Jovens e Adultos na
concepção de alunos e professores e a sua contribuição para o engajamento social dos
sujeitos que não tiveram acesso à educação na idade adequada. Tal problemática é fruto
de inquietações surgidas durante as atividades de observação, co-participação e regência de
classe no componente curricular Estágio Supervisionado em Geografia, desenvolvidas numa
escola pública da cidade de Feira de Santana/BA, onde foi possível observar, analisar e
refletir acerca dessa modalidade de ensino, seus principais agentes, alunos e professores,
bem como as dificuldades mais eminentes, a exemplo de freqüência irregular e a falta de
domínio da leitura e escrita. A reflexão teórica foi apoiada na discussão dos conceitos de
Educação de Jovens e Adultos, Andagogia e Qualidade Educacional. Esse trabalho foi
realizado por meio de uma pesquisa qualitativa, cujos sujeitos foram quatro professores
de diferentes áreas de conhecimento, a quem foram realizadas entrevistas, e 19 alunos da
EJA, a quem foram aplicados questionários. Os resultados indicaram que no
entendimento dos professores a EJA não tem atendido a sua função, a qual está descrita
no Parecer do Conselho Nacional de Educação, CNE/CEB n° 11/2000. E para a maioria
dos alunos os benefícios da EJA, estão relacionados apenas à aceleração, o que
compromete a emancipação social, política e econômica do sujeito. Assim, a proposta da
EJA não está de acordo com o contexto educativo da escola em foco. Os déficits desse
processo são discutidos nesse trabalho onde mostra que a democratização do ensino, está
atrelada apenas a difusão, mas a igualização de oportunidades escolares, vem sendo
negada.
Palavras chave: Educação de Jovens e Adultos. Andragogia. Qualidade educacional
1.
Introdução
A educação é um dos meios para enfrentar os desafios de desenvolvimento do
século. Todavia, a sociedade brasileira ainda enfrenta grandes desigualdades
socioeconômicas e as famílias são obrigadas a buscar o trabalho ainda na idade escolar,
e diante disso, a educação é marcada pela descontinuidade, o que resulta em evasão
39
Graduanda em Licenciatura em Geografia na Universidade Estadual de Feira de Santana. E-mail:
[email protected]
40
Profa. Adjunta do Departamento de Educação da UEFS/BA. Docente da Matéria Metodologia e
Prática de Ensino de Geografia. Integrante do EDUGEO- Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação
Geográfica. E-mail: [email protected][email protected]
160
escolar. É nesse contexto que a Educação de Jovens e Adultos – EJA – se insere,
visando assegurar acesso à educação a todos que não tiveram oportunidade na idade
própria.
Muito embora a modalidade de ensino EJA tenha um caráter compensatório,
objetivando “desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável
para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em
estudos posteriores”, tal como propõe o art. 22 da LDB 9394/96, é possível constatar que
essa modalidade não vem cumprindo seus objetivos originais. Sobre isso, um primeiro
aspecto a ser observado é que conforme a referida LDB, a educação de jovens e adultos
seria destinada àqueles que não tiveram acesso na idade própria, e seria voltada
especificamente para alunos na faixa etária entre 15 e 18 anos, do ensino fundamental e
médio, respectivamente. Porém com a redução da idade nos níveis de conclusão da
Educação Básica, a legislação fez aumentar significantemente a demanda por esta
modalidade e, portanto, reduziu a demanda no ensino regular, espaço de formação mais
adequado aos adolescentes e jovens com pequena defasagem série/idade.
São muitas as questões que envolvem a modalidade de ensino EJA, porém um
aspecto importante que destaco nessa pesquisa está relacionado com a qualidade do
ensino. Durante as atividades de observação, co-participação e regência de classe
desenvolvidos no componente curricular Estágio Supervisionado em Geografia numa escola
pública de Feira de Santana/BA, foi possível observar, analisar e refletir acerca dessa
modalidade de ensino, seus principais agentes, alunos e professores, bem como as
dificuldades mais eminentes, a exemplo de freqüência irregular e dos déficits na
aprendizagem do discente (dentre esses estão o não domínio da leitura e escrita).
Esse contexto despertou o interesse em investigar o significado da aprendizagem
da EJA na concepção dos alunos e professores e a sua contribuição para o engajamento
social dos sujeitos que não tiveram acesso a educação na idade adequada, a partir da
seguinte pergunta: Como alunos e professores da EJA avaliam essa modalidade de
ensino? Nessa perspectiva, esse artigo tem por finalidade apresentar os resultados de
uma pesquisa que objetivou investigar o que o professores entendem por EJA, e como
avaliam essa modalidade de ensino; identificar os sujeitos envolvidos nesse processo
ensino/aprendizagem e os fatores que os levaram a escolher a EJA, bem como os ganhos
e benefícios decorrentes desse processo; e avaliar, na opinião dos professores, se há
consonância entre a proposta da EJA (ideal) com o contexto educativo (real) da escola
investigada.
161
Entendemos que os objetivos da EJA, perpassam pelo desenvolvimento da
autonomia e o senso de responsabilidade, fortalecimento da capacidade de lidar com as
transformações da sociedade, promoção da tolerância e a participação criativa e crítica
dos cidadãos. Sendo assim, esse trabalho possibilitará à escola, refletir acerca de que
tipo de alunos está formando: se para inseri-lo no mercado de trabalho; se para preparálo para a sucessão nos estudos posteriores e formação para a cidadania; ou se para lhe
conferir um certificado oficial que, a nosso ver, por si só em nada influenciará na vida
desse sujeito, pois, o que interessa não é o certificado apenas, mas o conhecimento com
possibilidades de refazer leituras que possibilitem a reflexão do “estar no mundo”.
Assim, gestores e professores, poderão adequar a prática de ensino para melhor atender
aos seus alunos de modo que esse processo gere uma formação humana plena.
A metodologia da pesquisa procurou seguir os princípios da pesquisa qualitativa,
pois conforme Diehl e Tatim (2004, p. 52) essa pode “descrever a complexidade de
determinado problema e assim compreender e classificar os processos dinâmicos vívidos
por grupos sociais, promovendo a entendimento das particularidades do comportamento
dos indivíduos”. O contexto da pesquisa foi numa escola pública estadual, em bairro
periférico no município de Feira de Santana – Bahia, onde realizamos coleta de dados
através da observação direta dos fenômenos durante os estágios supervisionados I, II, III
cujas informações foram registradas no diário do pesquisador; entrevista semiestruturada direcionada a professores; e questionários com perguntas fechadas de
múltipla escolha, destinados aos discentes na faixa etária entre 18 – 30 anos. Os sujeitos
da pesquisa foram 19 alunos de 02 salas diferentes, escolhidos de modo aleatório, e 04
professores da área de humanas e exatas da modalidade de ensino EJA do noturno, do
eixo temático VI e VII, em consonância com a proposta curricular do 3º tempo
formativo: “Aprender a fazer41”. Os dados foram organizados e analisados à luz do
referencial teórico e serão apresentados nesse artigo.
2.
Referencial teórico
A educação é um dos direitos universais do homem. Entende-se que aprender é
um processo próprio e continuado dos seres vivos e a falta desta oportunidade nega o
entendimento da nossa própria existência. Ao longo da vida essa aprendizagem tem
41
A proposta da EJA está dividida em Tempos Formativos, o 3º tempo refere-se ao ensino médio, contém
02 Eixos Temáticos, com duração de 01 ano cada.
162
conexão com a cidadania, a participação e a inclusão, o que está em consonância com a
LDB 9.394/96, que assegura no artigo 35 inciso III, que o ensino médio tem por
finalidade “o aprimoramento do educando como pessoa humana incluindo a formação
ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico”. Sendo
assim, a educação consiste num processo de humanização cuja finalidade é tornar os
indivíduos participantes do processo civilizatório.
Esse processo de humanização defendido pela LDB vai ao encontro às idéias de
Freire (2008), que entende a educação como uma forma de intervenção no mundo, que
vai além do conhecimento dos conteúdos, leva o sujeito a aprender criticamente.
Cury (2007) também corrobora com a idéia acima, ao afirmar que a educação
escolar é uma dimensão fundante da cidadania e tal princípio é indispensável para a
participação de todos nos espaços sociais e políticos, e para (re) inserção qualificada no
mundo profissional do trabalho, sendo um instrumento de diminuição das
discriminações.
Concordando com Cury, Libâneo (2004) enfatiza que a educação deve prezar
pela qualidade social, fortalecer a identidade cultural dos alunos, preparar para a
inserção na sociedade tecnológica, formar para uma cidadania crítica, e desenvolver
valores éticos. Mas, para desfrutarmos dessa educação, necessitamos de um espaço
educacional privilegiado que possa transformar pessoas excluídas, quer pela condição do
analfabetismo, quer pela evasão, e para isso, devemos recorrer, à andragogia. Entende-se
andragogia como uma metodologia voltada ao ensino do adulto, que leva em
consideração que o aprendiz adulto interage diferentemente da criança; portanto, é
importante compreender os interesses que conduz o aluno adulto à sala de aula, levando
em consideração suas vivências e experiências. E a escola é um espaço privilegiado para
que o aluno adulto possa refletir sobre suas experiências, compreendê-las e transformálas, na perspectiva de ressignificar seu mundo.
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) se insere nesse contexto como uma
proposta que visa assegurar acesso à educação a todos que não tiveram oportunidade na
idade própria, principalmente os adultos que não puderam continuar os estudos na idade
escolar, devido à necessidade de trabalhar.
A trajetória da Educação de Jovens e Adultos é marcada por uma história de lutas
que, gradativamente, vem sendo reconhecida como um direito universal desde o século
passado (XX), quando, a partir da década de 1940 houve inúmeras iniciativas
governamentais para erradicação do analfabetismo. Entre essas iniciativas, merece
163
destaque o Programa Nacional de Alfabetização (1964), inspirado no método freiriano
(DI PIERRO, 2001; HADDAD, 2007) e cuja concepção de educação tinha como
princípio básico a conscientização dos homens. Todavia, essa proposta educativa, que ia
de encontro aos interesses das elites brasileiras, foi suprimida com o golpe militar e em
seu lugar foi proposto o MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização o qual
visava atender aos interesses das classes políticas dominantes e esse tinha baixa
articulação como sistema de ensino básico.
Em meados da década de 1990, no governo de Fernando Henrique (FHC),
ocorreu uma reforma educacional, a qual foi implementada visando a restrição do gasto
público e a estabilidade econômica. Neste período conforme, os autores supracitados, a
educação básica de jovens e adultos foi relegada à segundo plano, assumindo como
característica principal o assistencialismo. É também nessa mesma década que os Fóruns
de EJA passam a marcar presença nas audiências do Conselho Nacional de Educação
com o objetivo de discutir as diretrizes curriculares para a EJA.
Em julho de 2000 o Conselho Nacional de Educação, através da Resolução
CNE/CEB nº 01 de 2000, estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação
de Jovens e Adultos, orientando a obrigatoriedade na oferta e na estrutura dos
componentes curriculares de ensino fundamental e médio. É nesse contexto que o estado
da Bahia insere a sua proposta para a EJA, que tem como princípio orientador o ideário
da Educação Popular, e cuja proposta curricular, pautada na pedagogia crítica, é
estruturada em três Tempos Formativos: 1° Tempo: Aprender a ser; 2° Tempo: Aprender
a Conviver; 3° Tempo: Aprender a Fazer, os quais correspondem ao fundamental I e II e
ensino médio, respectivamente (BAHIA, 2009). Vale ressaltar que a pesquisa
contemplou o 3° Tempo Formativo.
É importante ressaltar que, ao longo da sua trajetória, a EJA tem passado por
profundas modificações, entre elas, a redução da idade mínima para conclusão do ensino
fundamental e médio, respectivamente, de 18 para 15 e de 21 para 18 anos. Essa redução
a idade mínima, de acordo com Di Pierro (2001), vem resultando numa crescente
juvenilização do alunado, o que pressupõe a necessidade de novas formas de atuação
metodológica e de conteúdos com base em outras necessidades formativas; e levanta
novas indagações e incertezas: como esse novo público (jovens) tem seus interesses e
necessidades contempladas? A EJA tem produzido educação de qualidade, de modo que
atenda a necessidade desses jovens, uma vez que o mercado de trabalho tem aumentado
164
as exigências de instrução e qualificação? Ela possibilita a continuidade dos estudos
no curso superior? Garante uma formação para a cidadania?
Esses questionamentos conduzem à idéia de que, muito embora a Constituição
Federal de 1988 ressalte que o direito à educação garante não só acesso e permanência,
mas também o padrão de qualidade (art. 206 inciso VII), a concepção neoliberal da
economia preza pela qualidade total, a qual consiste no treinamento de pessoas para
serem competentes no que fazem, visando a atender a imperativos econômicos e
técnicos (LIBÂNEO, 2004). Todavia, aqui nos opomos à essa idéia de qualidade total, e
concordamos com Libâneo (2004. p. 66), o qual propõe a idéia de qualidade social, essa
“baseada no conhecimento e na ampliação de capacidades cognitivas, operativas e
sociais, com alto grau de inclusão.” A escola com qualidade social articula a qualidade
formal e política. A qualidade social parte de uma escola que inclui a todos, que não leva
em consideração apenas os meios que irá conduzir à qualidade, mas considera também
os fins a que essa educação destina-se.
3.
Resultados e Discussões
3.1 Quem são os sujeitos investigados
As visitas à escola foram feitas à noite. Os professores entrevistados, aqui
identificados com: P1, P2, P3 e P4, possuem formação em matemática, geografia,
estudos sociais e letras vernáculas, respectivamente, e estão no exercício da docência em
média há 15,5 anos. Entretanto, na EJA a média de tempo de atuação são sete anos.
Todos os educadores possuem especialização. Os dados indicam, ainda, que 75% dos
educadores (03), não escolheram atuar em tal modalidade, a decisão foi tomada por
outros agentes do contexto escolar, 25% não informaram.
Em relação aos estudantes, a faixa etária dos jovens variou entre 18 a 29 anos,
porém identificamos um numero maior de alunos na faixa etária entre 18 e 23 anos, o
que corresponde a 63% do alunado, evidenciando assim o fenômeno denominado por Di
Pierro (2001), de juvenilização. Faz parte da vivência concreta desse coletivo, o
exercício do papel de mãe, pai, dentre muitas outras funções, esse fato se constata na
declaração de 47% dos alunos, os quais afirmaram ter entre 1 e 2 filhos.
Esses sujeitos são jovens e adultos que lutam pela sobrevivência, são
trabalhadores assalariados ou estão associados a atividades informais, que não exige
165
grau de escolaridade elevado. Evidenciamos que 89% dos jovens trabalham e a mão-deobra empregada, em ordem decrescente por número de empregados, está nos seguintes
seguimentos: serviços, os quais exigem pouca ou nenhuma qualificação; comércio,
devido a vocação comercial da cidade; construção-civil, na condição de operários; o
trabalho no lar se equipara ao da categoria anterior; e por fim, a indústria, essa absorve o
menor número de mão de obra, apenas 11%. Em suma, esses sujeitos têm na sua
trajetória a evasão, pois 89% já ficaram algum período sem estudar.
Para esses alunos, a conclusão do curso está relacionada com a possibilidade de
inserção no mercado de trabalho, assim 31% busca garantir emprego, 11% melhorar a
colocação no trabalho e 31% deseja buscar qualificação através de cursos
profissionalizantes para atuar no mercado exigente. Apenas 15%, relacionam a
conclusão do ensino médio à possibilidade de ingresso no ensino superior. 11% não têm
clareza do que fazer ao concluir o curso, diz apenas que quer garantir o diploma.
3.2 O que os professores entendem por EJA e como avaliam essa
modalidade de ensino.
Buscando compreender a finalidade e as funções da EJA descritas no Parecer do
Conselho Nacional de Educação, CNE/CEB n° 11/2000, que são apresentadas como
reparadora, equalizadora e qualificadora, foi indagado aos educadores o seguinte: no seu
entendimento, na prática, a EJA atende as suas funções? Por quê? As respostas de 75%
dos educadores revelaram que a EJA não atende as suas funções, pois, exclui no
mercado de trabalho; repara apenas a série, mas restringe a produção do conhecimento.
A declaração de P1 ilustra bem a situação “a função da EJA é apenas reparadora”.
Argumenta ainda P3, “Não atende as suas funções, pois não traz retorno ao aluno, não
amplia o conhecimento, e gera ainda exclusão no mercado de trabalho”
Sendo assim, o que vem ocorrendo no ensino noturno são medidas paliativas, de
caráter compensatório, trata-se de pequenos retoques num sistema discriminatório.
Porém, não basta a restauração do direito negado, mas esse direito deve assegurar a
igualdade de oportunidade numa escola de qualidade que propicie uma educação
permanente e solidária.
3.3 Razões que levaram os alunos a escolherem a EJA e as expectativas para
o curso.
166
No universo pesquisado há um grande público que se matricula apenas para
conclusão do ensino médio, ou seja, para cumprir uma obrigação que lhes permita
avançar em curto tempo por meio da EJA. Esse fato foi evidenciado na declaração de
73% dos alunos entrevistados, os quais informaram que a escolha da modalidade de
ensino EJA ocorreu porque estavam atrasados, logo visavam acelerar para garantir o
certificado. Já, 11% disseram escolher a educação de jovens e adultos porque não tinha
certeza do que fazer e achar essa modalidade mais fácil e 16% informaram que a escolha
dessa modalidade está relacionada ao desejo de obter novos conhecimentos ou de
continuar os estudos no ensino superior.
Diante das declarações, notamos que a maioria visa a aceleração, num processo
aligeirado. Embora os alunos tenham apresentado a aceleração e superficialidade dos
conteúdos como problemas da EJA, 58% dos discentes disseram que o curso atende as
expectativas. Diante desse contentamento, perguntamos quais os benefícios que a EJA
oferece? 46% atribuiu como benefício a aceleração, 11% disse que além da aceleração a
antecipação do ingresso no mercado de trabalho, 11% o ensino mais fácil. Os restantes
11% dos investigados, depois de um grande esforço tentando lembrar os benefícios não
conseguiram elencar um sequer. E 16% disseram que não existem benefícios, ocorre
apenas a aceleração.
A afirmação dos alunos condiz com a declaração dos professores o quais
apontam como principal razão para o ingresso na EJA, a aceleração. Pensar a aceleração
como principal razão para a existência da EJA, nos remete a idéia de Libâneo (2004. p.
66) o qual propõe uma educação com qualidade social, essa “baseada no conhecimento e
na ampliação de capacidades cognitivas, operativas e sociais, com alto grau de
inclusão.” Não convém à educação apenas acelerar, essa deve considerar os fins a que se
destina, que é a emancipação social do sujeito. Diante do objetivo principal dos alunos
(a aceleração), verificamos ainda, se nesse processo há benefícios que garantam a
autonomia do sujeito.
3.4 Benefícios decorrentes do processo ensino/aprendizagem na EJA
A EJA é uma modalidade da Educação Básica, portanto deve ser assegurado o
que propõe a LDB 9394/96, no artigo 22 em relação à formação dos discentes: “A
educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação
comum indispensável para o exercício da cidadania e fornece-lhe meios para progredir
167
no trabalho e em estudos posteriores.” Assim, quando indagados se a EJA lhes dá uma
preparação que possibilite o ingresso no curso superior, 84% dos alunos investigados
disseram não. Destes, 37% justificaram dizendo que os conteúdos não são aprofundados,
enquanto 26% afirmaram que é porque não há tempo suficiente para uma boa
preparação; e por fim 21% consideram que o curso oferece apenas uma base, porém não
prepara. Por outro lado, 16% responderam que sim, o curso prepara, e que depende
apenas do interesse do aluno. Mas, ao questionarmos os alunos, se eles acham que o
curso poderá contribuir para novas oportunidades de emprego, 84% disseram que sim, o
curso contribui para novas oportunidades. Já 16% responderam que não acreditam,
justificando que a modalidade de ensino EJA é marcada por discriminação.
Muitos desses jovens vêem a importância da educação como símbolo de
mobilidade social dos indivíduos. Acham que a educação oferece uma grande
perspectiva para saírem da pobreza e com ela vislumbram um futuro com melhores
condições de vida. Mas, Alves (2007) entende que poucos desses jovens e adultos
conseguem essa mobilidade, porque para essa ascensão não é exigido apenas o domínio
da leitura e da escrita, mas também a competência de leitor e escritor do seu próprio
texto, de suas histórias, de sua passagem pelo mundo.
Com relação aos professores, 75% afirmaram que o curso não atende as
necessidades do aluno, pois segundo eles, há déficit de conteúdos e evidencias de
discriminação desses sujeitos no mercado de trabalho. A declaração de P3 ilustra o
entendimento dos professores. “Não atende. Benefícios só haveria se houvesse retorno,
ampliação do conhecimento. O que há é exclusão no mercado de trabalho”. Para esses
educadores, o curso não prepara para a continuidade do 3° grau. Por outro lado, um
educador, 25% diz que prepara, afirmando que ”o aluno tendo interesse ele consegue
ingressar numa faculdade”.
A declaração de uma minoria de alunos e professores, ao atribuir a
responsabilidade de estar preparado ou não, para o ingresso no curso superior,
exclusivamente aos educandos parece estar em consonância com o discurso ideológico,
esse caracterizado pela inversão, onde uma realidade é dada como algo acabado, sem
nunca indagar como ela foi historicamente construída. Diante dessa ideologia as
condições necessárias para obter bom êxito é atribuído, exclusivamente, ao aluno, sem
levar em consideração que esses jovens e adultos repetem longas histórias de negação de direitos. Como
agora atribuir exclusivamente a eles a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso?
168
É importante diferenciar duas significações, apresentadas por Sá (2008) que
podem ocorrer na “democratização do ensino”. Há a democratização enquanto “difusão”
do ensino; e a democratização enquanto “igualização das oportunidades escolares”.
Sendo assim, uma maior porcentagem de jovens concluindo o ensino médio, pode ser
um indicador da difusão do ensino, todavia não reflete necessariamente a “igualização
de oportunidades”.
3.5 Há consonância entre a proposta da EJA (ideal) com o contexto
educativo (real) da escola.
A EJA se orienta pelos ideários da educação popular, propondo assim formação,
técnica, política e social; o currículo está pautado numa pedagogia crítica. Na
aprendizagem integral o aluno não se limita ao conteúdo, com a finalidade de apenas
responder exercícios ou provas, esse deve aprender a ser um cidadão, de modo que
transforme sua vida e o meio em que vive.
Diante da proposta acima apresentada, os professores foram indagados se há
consonância entre a proposta da EJA e o contexto educativo da escola; perguntamos,
ainda, se estes articulam as experiências vividas pelo aluno com os temas geradores. Dos
sujeitos investigados, 50% dos educadores entendem que não há consonância, e os
demais acreditam que há uma consonância parcial. Quanto às experiências vividas pelos
alunos, metade dos professores afirmou que não utiliza, e a outra parte afirmou que sim.
Todavia, apenas (1) 25% apresentaram o benefício dessa articulação, conforme destaca
P4: “os temas geradores sempre possibilitam trocas de experiências tanto dos alunos
quanto dos professores enriquecendo as aulas”. Nessa declaração percebemos que na
relação ensino/aprendizagem há dinâmica, interação, diálogo, troca de conhecimento no
âmbito cognitivo, afetivo e motor. Quando existe essa interação, o aluno age com a
consciência que lhe possibilita o conhecimento de suas necessidade e limitações e é
motivado por interesses concretos, persistindo para atingir seus objetivos.
Muito embora o Parecer CEB 11/2000 (p. 62) assegure que a flexibilidade
curricular deve aproveitar as experiências diversas que os alunos trazem consigo, “o
tratamento dos conteúdos curriculares não pode se ausentar dessa premissa
fundamental”, é constatado nas respostas da maioria dos professores que no espaço
investigado não há a utilização da realidade do aluno, É possível que esse déficit esteja
relacionado à falta de investimento na formação docente, pois conforme 100% dos
169
entrevistados não há, na unidade de ensino, especialistas na área em estudo; e 75%
destes, não participaram de cursos de capacitação destinados a conhecer os limites e
possibilidades da EJA.
Para encerrar, ao serem indagados sobre o que mais os atraem na escola, 64%
dos alunos investigados responderam que a atividade mais interessante da escola
consiste em encontrar os colegas para “bate papo” e/ou namorar, e se assim for, a escola
não atende aos seus objetivos. Ocorre que, a escola tem se tornado um espaço sem
atrativo e desinteressante, há poucas atividades (ou nenhuma) que sejam capazes de
conciliar experiências vividas, construção de conhecimentos e entretenimento. Nesse
sentido, a escola precisa ampliar as possibilidades dos alunos construírem
conhecimentos significativos e adquirir uma formação integral que forneça subsídios aos
alunos para que enxerguem o mundo além da aparência. Mesmo porque, a escola só se
justifica se ela integrar o aluno com a realidade do mundo em que vive.
4.
Considerações Finais
As políticas educacionais para a educação de jovens e adultos, colocadas em
práticas pelo Estado brasileiro, desde o período colônia até os nossos dias, demonstram
uma educação discriminatória, o que compromete a construção do homem-sujeito, capaz
de transformar o seu contexto histórico.
Vimos, portanto, que na escola pesquisada, a EJA não atende as suas funções,
pois repara, restaurando o direito negado, porém
não assegura a igualdade de
oportunidades e a qualidade social, a qual deve propiciar o conhecimento por toda a
vida, em várias dimensões. Os benefícios decorrentes desse processo são muito
limitados: a princípio os alunos entendem como benefício a aceleração, todavia não
prepara para o ingresso nos estudos posteriores (3º grau), e embora alguns acreditem que
contribui para a inserção no mercado de trabalho, há discriminação dos sujeitos, que
conclui o ensino médio, via EJA. Os alunos não conseguem ver, ainda, as contribuições
para o a vida e para a cidadania, talvez isso ocorra, pelo fato de não haver a articulação
das experiências vividas com a prática educativas tornando assim o processo
insignificante. Embora o fenômeno juvenilização seja um fato evidenciado, esses jovens
não encontram na EJA os instrumentos necessários para a sua autonomia.
Entendemos então, que não há consonância entre a proposta da EJA e o contexto
educativo da escola, pois a metodologia não valoriza as experiências vividas,
170
promovendo a criticidade do sujeito, faltam especialistas habilitados para tal fim. O que
vem ocorrendo na escola são cumprimentos de etapas burocráticas para a aquisição de
um diploma, o qual tem vestígios de discriminação em detrimento da construção do
conhecimento. Logo, a escola está se guiando pela correção dos fluxos, o que resulta em
estatísticas favoráveis quanto a democratização do ensino enquanto difusão, e
negligenciando a igualização de oportunidades educacionais, através de uma educação
de qualidade social, que preza pelo desenvolvimento, cognitivo, físico e moral.
5.
Referências
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Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos.
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171
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425-444, set./dez. 2008.
172
CURRÍCULO, PROPOSTAS E PROPOSIÇÕES: UM OLHAR SOBRE AS
ESCOLAS FAMÍLIAS AGRÍCOLAS DO SEMI-ÁRIDO BAIANO
Iraê Liliana da Silva Consiglio42
Luciana Sousa Silva Santos43
Eliziane Santana dos Santos44
Resumo: Este artigo resulta de nossas investigações enquanto bolsistas do projeto Rede
de Escolas Famílias Agrícolas Integradas do semi-árido: possibilidades de uma
educação socioambiental do campo, quando a pesquisa e a extensão são vias de mão
dupla com dois projetos institucionalizados nas Pró Reitorias de Extensão e Pesquisa. O
referido trabalho tem por objetivo identificar o modelo e a estrutura curricular das
escolas do campo no cenário baiano, bem como compreender a trajetória histórica das
lutas travada por diversos sujeitos e movimentos sociais do campo em busca da garantia
do direito à educação de qualidade. Embora se saiba que o Brasil é um país de origem
eminentemente agrária, há um consenso entre os estudiosos da área, no que tange ao
descaso do Estado com relação às escolas no\do rural, considerado por muitos o
apêndice da educação urbana. Em contrapartida a tais práticas excludentes, as Escolas
Famílias Agrícolas se apresentam como uma opção de escola que considera a realidade
de vida e as necessidades desses sujeitos do campo através de uma proposta
diferenciada de educação, possuindo diferentes instrumentos pedagógicos e estratégias
de avaliação, propõe um currículo que contemple as atividades práticas e teóricas, que
interligam as relações entre escola / família / comunidade. A metodologia utilizada
pauta-se na pesquisa bibliográfica e os resultados da pesquisa apontam para um cenário
de complexidade no que concerne as discussões acerca do currículo na\da educação do
campo, primeiro pelas condições adversas presentes nos cotidianos escolares do rural
baiano (infra-estrutura, condições financeiras, condições de trabalho, recursos escolares
etc), segundo pela crescente demanda por uma concepção de escola e comunidade como
parceiras que compõem o currículo escolar apontando para a construção do mesmo a
partir das necessidades comunitárias dando contribuições para que as pessoas possam se
conhecer através deste, assim como saber analisar criticamente os elementos sócioculturais externos.
Palavras-chave:Currículo,Educação do Campo, Escola Família Agrícola
42
Bolsista PIBEX/UEFS
43
Bolsista IC PROBIC/UEFS
44
Bolsista IC FAPESB/UEFS
173
Introdução
As discussões que se seguem estão fundamentadas nas reflexões a cerca da
organização curricular por vezes descontextualizada na maioria das escolas públicas
inseridas no rural baiano, entendendo o rural como espaço geográfico que compreende
as questões de territorialidade, em contrapartida com o Campo, caracterizado pela
existência de diversos Movimentos Sociais como movimento de luta e resistência
(ARROYO, CALDART, MOLINA, 2004).
A educação oferecida no rural brasileiro foi historicamente caracterizada por
políticas educacionais e práticas de currículo em uma perspectiva urbanocêntrica, que
desconsidera os saberes e necessidades dos alunos do campo. Dentro desse cenário de
exclusão, através da resistência, a educação se vincula a lutas sociais camponesas,
daqueles que não conformados com as restrições impostas, buscam unidos e
organizados por melhorias na qualidade de vida e políticas públicas que efetivem a
garantia do direito a educação de qualidade. O campo surge como nomenclutura que se
opõe à concepção vitimizada do rural, onde nasce a possibilidade de rebeldia dos seus
sujeitos de luta. De acordo com Batista (2003), o mais impressionante na Educação do
Campo é a vulnerabilidade construida historicamente acerca dos seus direitos, que por
vezes são negados ou minimamente garantidos pela razão de viver no campo.
Todavia existe um descaso por parte do Estado com relação aos projetos e
programas, por vezes assistencialistas, oferecidos à população do campo. Na maioria
das vezes o rural é compreendido como um lugar de atraso e sem possibilidades de
mudanças, principalmente no que concerne a políticas públicas para a educação do
campo.
Baseada em uma perspectiva que reconhece o rural como lugar onde não apenas
se reproduz, mas também se produz pedagogia; a educação do campo apresenta traços
do que pode ser construído como um projeto de educação e de formação dos sujeitos do
campo em paralelo com o currículo escolar, haja vista que o termo carrega uma reflexão
originada das diversas práticas de educação desenvolvidas no campo e\ou pelos sujeitos
do campo.
No que concerne ao debate pela luta de uma educação diferenciada, pensada por
e para os sujeitos do campo, as Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) se apresentam como
174
instituições educacionais que diferem seus objetivos, gestão e currículo das escolas
convencionais instaladas no rural brasileiro ao pautar suas práticas no vínculo
escola/família/comunidade, busca lançar mão de estratégias que agregue o saber popular
ao saber científico, proposta que também tem um caráter de superação do conhecimento
escolarizado e fragmentado por meio da grade curricular, visto que o currículo está para
além da mesma, contribuindo para as várias dimensões que constituem a identidade,
compreensão de mundo e postura de cada indivíduo perante a sociedade.
DA
EDUCAÇÃO
RURAL
À
EDUCAÇÃO
DO
CAMPO:
ALGUMAS
REFLEXÕES.
No Brasil, o acesso à educação foi por um longo tempo negado a maioria da
população, de acordo com Leite (2002, p. 29), “as políticas para a educação rural no
Brasil sempre estiveram voltadas aos interesses da elite, negando aos povos do campo o
acesso ao conhecimento”. O controle social estava no bojo de programas de extensão
rural, com o objetivo de combater as desigualdades sociais por meio da educação
informal e a preparando para o trabalho, privando os povos do campo do acesso ao
conhecimento historicamente construído, tudo o que a elite não queria era que a massa
tivesse formação escolar e consciência política.
Não é recente a trajetória de luta dos Movimentos dos trabalhadores e
trabalhadoras do campo. No Brasil, essa tensa relação teve início desde a colonização,
através do processo de divisão de terras, foram diversas as batalhas na busca incansável
pela garantia de direitos ao acesso a educação (PALUDO, 2001). Em seu artigo 212, a
Constituição de 1988 promulga a educação como “direito de todos e dever do Estado”,
transformando-a em direito público e subjetivo, independente de residir na área urbana
ou rural, deixando uma brecha para que a educação se adaptasse a realidade de cada
escola. Apesar de mencionar a educação rural no seu contexto, o Estado não direcionava
ações para a criação de políticas educacionais que fossem articuladas a realidade sóciocultural do meio rural.
Ainda sob a denominação de “educação rural” o debate da educação não
urbana ganha maior visibilidade com a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da
175
Educação (LDB 9.394/96), que em seu Artigo 28 traz um tratamento específico para a
mesma.
Art.28- Na oferta da educação básica para a população rural,
os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua
adequação as particularidades da vida rural e de cada região,
especialmente:
I - Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas as reais
necessidades e interesses dos alunos da zona rural;
II – Organização escolar própria, incluindo a adequação do
calendário escolar às fases do trabalho agrícola e as condições
climáticas;
III – Adequação a natureza do trabalho na zona rural.
Na busca por leis que garantissem a educação diferenciada para esta população,
surge o Movimento de articulação por uma educação do campo (MUNARIM, 2008), e
com este, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do campoResolução nº 01 de 03 de abril de 2002, da Câmara de Ensino Fundamental
do
Conselho Nacional de Educação. Tais Diretrizes, com base na legislação educacional,
constituem um conjunto de princípios e de procedimentos para que a educação rural
tenha uma identidade e possibilidades de atuação específica para a escola rural. E em
seu artigo2º,§ único, segundo o qual:
A educação do campo é uma concepção politica pedagogica voltada
para dinamizar a ligação dos seres humanos com a produção das
condições de existência social, na relação com a terra eo meio ambiente,
incorporando os povos e o espaço da floresta, da pecuária, das minas, da
agricultura, os pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas.
A LUTA HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO: A INSERÇÃO DOS
MOVIMENTOS SOCIAIS
É apenas nas ultimas décadas que a educação do campo através da articulação e
mediação dos Movimentos sociais do Campo ganha maior visibilidade política.
Segundo Caldart:
o campo no Brasil está em movimento. Há tensões, lutas sociais,
organizações e movimentos de trabalhadores e trabalhadoras da terra
que está mudando o jeito de a sociedade olhar para o campo e seus
sujeitos. (CALDART, 2008, p89.),
176
Arroyo (2008) sinaliza que os movimentos sociais em defesa de políticas
públicas de Educação do Campo, levantam a bandeira de luta pelo direito social à
escola pública enquanto dever do Estado. Desse modo, os movimentos sociais vêm nas
ultimas décadas exercendo pressões sobre o Estado no intuito de que este assuma a
responsabilidade e dever de garantir escolas e políticas educativas que garantam as
especificidade e legitimidade da Educação do Campo.
A Conferência Nacional “Por uma Educação Básica do Campo” ocorrida em
1988 em Luiziânia – Goiás traz a tona o debate sobre as novas configurações políticopedagógicas referentes a processos que definem as orientações curriculares para as
escolas do campo para que realmente alcance seus objetivos de mudanças nas estruturas
e nas práticas sobre as escolas. Dentro de tais discussões se estabelece que não basta
apenas que se tenha escolas no campo, é necessário que se pense em uma educação feita
por e para os trabalhadores que vivem e trabalham no campo.
Escolas Famílias Agrícolas- EFAs: uma proposta diferenciada de
currículo.
As discussões trazidas no decorrer do texto apontam para a tentativa constante
da sociedade em fazer leis que garantam a construção de uma educação do campo
efetivada para e com a população deste. Nesse sentido, apresentamos como uma das
propostas de legitimação da Educação do Campo as Escolas Famílias Agrícolas,
instituições de ensino no rural brasileiro que diferem em concepção e modelo da escola
convencional até então existente.
As EFAs têm suas práticas pedagógicas pautadas na Pedagogia da Alternância
(PA), a PA “busca integrar a escola com a família e a comunidade do educando”
(CALDART, 2008, p.104), além de utilizar de mecanismos pedagógicos e do processo
de formação docente apropriado, que por meio destes consolida processos concernentes,
sobretudo, à atuação do monitor/professor na proposta educacional.
O processo de formação realizado pelas EFAs adota o sistema seriado em
regime de alternancia, o currículo é formulado com base nos conteúdos definidos em
nível nacional para o ensino, mais as matérias de ensino técnico, de acordo com as
características de cada município conforme determina o artigo 26 da LDB 9394/96.
177
Art.26 Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter
uma base nacional comum, a ser implementada, em cada sistema
de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte
diversificada, exigida pelas caracteirísticas regionais e locais da
sociedade, da cultura, da economia e da clientela.
Gimonet (1998) apresenta como uma das características da Pedagogia da
Alternância, uma concepção específica do educador e o processo educativo que se dá
pela cooperação de uma rede de parceiros. A proposta curricular deve reafirmar o papel
da escola enquanto espaço de manifestação e da vivência da cultura, enquanto lugar de
encontro, de trocas, de vivências e convivências, com expressão das culturas locais e
gerais e, o currículo, como construção coletiva enquanto movimento constante de
proposição e reformulação de alternativas revisoras e criativas.
É preciso, no entanto entender que apenas o currículo não determina a
construção do conhecimento. A formação contínua dos docentes também implica
diretamente nesse processo, pois se os professores não estiverem preparados e
engajados para trabalhar com essas pessoas, o projeto de escola do campo, não sairá do
papel. Segundo Begnami (2003, p.47)
uma outra escola no campo exige um outro educador para
educar e profissionalizar os filhos dos agricultores familiares num
contexto de economia global e de grandes desafios à sobrevivência e ao
desenvolvimento da agricultura familiar e do meio rural como um todo.
As teorias pós-críticas da educação se encontram no cenário desse debate ao
discutir uma proposta de currículo que contemple a diversidade, trazem a tona o debate
da tolerância, respeito à diversidade de culturas.
Nessa perspectiva, o discurso
estabelecido se insere nas relações de poder, em que um determinado grupo dominante
impõe sua cultura em detrimento aos demais.
De acordo com Silva (1999) o currículo sempre foi construído para produzir
efeitos sobre as pessoas. Conseqüentemente, propostas diversas de currículo formas
identidades diversas, uma história de currículo não deve ser centralizada apenas no
currículo propriamente dito, mas também neste como elemento de produção de sujeitos
que carregam consigo identidades de classe, raça, gênero. Nesse sentido, o currículo
deve ser compreendido não apenas como a representação ou o reflexo de interesses
178
sociais determinados, mas também como produtor de identidades e subjetividades
sociais determinadas.
O currículo se materializa através das práticas, da seleção dos conteúdos, da
metodologia, da avaliação e dos temas a serem trabalhados nas escolas. Dessa forma, “o
currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do
conhecimento social, que não é um elemento transcendental e temporal, (...)”
(SCHMIDT, 2003, p.61), pelo contrário, pode contribuir para a reprodução de
ideologias de um determinado grupo social.
A partir do Parecer CNE/CEB n. 36/2001, as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica nas Escolas do Campo destinam-se a adequar o projeto institucional
das escolas do campo às Diretrizes Curriculares Nacionais, nas diversas modalidades
existentes (Educação Básica e Profissional de Nível Técnico), reconhecendo e
aprovando o calendário da alternância adotado pelas escolas famílias.
Para que de fato houvesse a efetivação na implementação das Diretrizes
Operacionais para a educação do campo, bem como a construção de uma identidade
cultural própria, organizada por seus diversos movimentos sociais, emerge a
necessidade de uma educação diferente das propostas convencionais de educação. A
proposta curricular das EFAs assume a função de articular alunos e seus familiares,
estimulando o desenvolvimento local de maneira com a agricultura e a pecuária.
Com uma prática educativa e currículo pautado na Pedagogia da alternância, as
EFAS têm como principais instrumentos didático-pedagógicos:
Serões - espaço/tempos de reflexão, integração, atividades artísticas, que ocorrem em
sessões noturnas e que favorecem a realização de diversas atividades com os alunos.
Visitas às famílias - Trata-se de um momento de troca de idéias sobre questões sociais,
pedagógicas, agrícolas, ligadas diretamente ao meio familiar e escolar do aluno,
possuem ainda um caráter de acompanhamento do aluno e de integração com sua
família.
Avaliação - a EFA possui um sistema específico de avaliação, que considera e
enriquece a sessão escolar e a permanência em família, envolvendo diferentes agentes
179
O Caderno da Realidade - O caderno da realidade é um instrumento fundamental no
processo metodológico da Pedagogia da Alternância. É o caderno da vida do aluno,
onde ele registra suas reflexões acerca de sua realidade.
O Plano de Estudo – O plano de estudo é um instrumento da Pedagogia da Alternância
que integra a vida, o trabalho, a família com a EFA, de modo que o aluno desenvolva o
hábito de relacionar a reflexão com a ação a partir de uma visão empírica.
Viagem e Visita de Estudo - A viagem e a visita de estudo têm como principal objetivo
proporcionar ao aluno um aprofundamento real sobre o tema estudado.
O Estágio - É um dos recursos básicos da pedagogia da alternância, pois trata-se de
uma atividade que oportuniza ao aluno vivenciar experiências em outras localidades,
conhecer trabalhos, aprender na prática e melhorar sua ação na propriedade e até mesmo
na escola.
Tais instrumentos acima mencionados valorizam a pesquisa a fim de possibilitar
a indepedência, auto-estima, contribuindo na construção de bases sólidas para uma
gestão participativa. A alternância nesse processo se constitue em uma etapa no
relacionamento aluno/escola/comunidade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com as discussões feitas consideramos que, o debate em torno de uma
proposta curricular em consonância com as Teorias Pós Críticas contribuem para a
construção de um currículo que contemple os diversos saberes e culturas de cada
comunidade escolar. A proposta não é fazer currículos diferenciados para cada grupo
individualmente, mas pensar em uma proposta que possa contemplar as múltiplas
diferenças, corroborando dessa forma para uma inserção justa e verdadeiramente igual
para todos.
As questões que se colocam perpassam pela reflexão a cerca das práticas
escolares e sua vinculação no cotidiano da comunidade a que ela pertence. Essa
dinâmica se consolida através das matrizes curriculares estabelecidas, que de maneira
alguma são desprovidas de intencionalidades, por isso consideramos que nenhuma
180
prática é neutra. Desse modo, com a ampliação e a valorização dos conhecimentos dos
alunos, alguns elementos pertencentes à emancipação do homem são considerados
necessários e possíveis se contrapuserem a idéia de que escola do campo é escola pobre,
ignorada e marginalizada, numa realidade de milhões de camponeses analfabetos e de
crianças e jovens condenados a um ciclo vicioso: estudar para sair do campo.
A complexidade deste debate, no entanto, não recai apenas e exclusivamente nas
questões concernentes ao currículo, mas antes em uma realidade de entraves na qual o
movimento educativo da educação do campo se encontra, as demandas pelo
reconhecimento e legitimação do movimento, sua importância socioeducacional no\do
campo, sua sustentabilidade enquanto proposta que visa qualificar o movimento, são
dimensões de luta na luta.
REFERÊNCIAS
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181
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SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do
currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
182
DESENCONTROS ENTRE A POSTURA E PRÁTICA DOCENTE FRENTE A
UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA BASEADA NO CONSTRUTIVISMO SÓCIOINTERACIONISTA.
Jerfferson de Jesus Bonfim
Vânia Ribeiro dos Santos
RESUMO: Este estudo se trata de um recorte de um trabalho apresentado como
requisito de conclusão do curso de Licenciatura em Pedagogia, e que buscou
necessariamente nesse recorte, ressaltar a relação entre a postura e prática docente de
professores de uma escola pública que possui proposta pedagógica baseada na teoria
construtivista sócio-interacionista, enfatizando como os professores a têm
compreendido, e as evidencias dessa teoria em sua ação docente. Tal interesse surgiu
diante de leituras e discussões acadêmicas que despertaram atenção especial por
apresentarem uma contínua disseminação e aplicação da teoria construtivista e suas
várias abordagens durante as últimas décadas em nosso país, em nosso caso a
abordagem se faz construtivista sócio-interacionista, e por encontrarmos em nossa
trajetória acadêmica uma instituição escolar que apresentou em sua proposta pedagógica
bases teóricas elencadas a partir dessa abordagem. Assim sendo, objetivamos verificar a
articulação entre a teoria que embasa a proposta pedagógica da escola e a prática
docente. Para isso, buscamos também levantar o conhecimento dos professores acerca
da teoria construtivista sócio-interacionista e analisar a postura do docente frente à
mesma. Os meios utilizados para levantamento de informações que contemplam o tema
desta pesquisa foram baseados em uma abordagem qualitativa de coletas de dados,
sendo utilizado como técnica, o estudo de caso. E como instrumentos, desenvolvemos o
levantamento bibliográfico, entrevista, e análise de situações a partir de observações
estruturadas. Na análise de dados focalizamos nossa discussão a partir da eleição dos
eixos: conhecimento dos professores sobre a teoria construtivista sócio-interacionista;
compreensão do papel e postura do professor dentro desta abordagem. Para reflexão, os
resultados nos apresentaram dificuldades em articular o discurso dos professores com
suas próprias posturas e práticas docentes, e em consequência disso vislumbramos uma
questão voltada a sua formação profissional, pois a possibilidade de desarticulação entre
o entendimento teórico e a ação prática do professor apresentou-se como uma possível
lacuna na formação.
Palavras - chave: Construtivismo Sócio-interacionista; Postura e Prática Docente;
Formação.
Introdução
O cenário educacional evidenciou nas últimas décadas uma corrente
preocupação com a relação entre teoria e prática na ação docente. A propósito, essa
relação teoria e prática é tema sempre recorrente na história e nas transformações do
pensamento pedagógico brasileiro, porém devemos está cientes de que essa discussão
teoria-prática pode emergir a partir de discursos dissociados da ação. Neste caso, é
importante que tenhamos uma atenção cuidadosa para não se deixar dominar por uma
183
tendência que consiste em enfatizar a teorização em detrimento da prática, nem viceversa, ou seja, o mero ativismo, e buscarmos uma ênfase paliativa que valorize em seus
aspectos peculiares os dois polos da questão.
Diante dessa conjunção compreende-se que, uma proposta pedagógica torna-se
significativa quando consegue articular o aspecto teórico com o desenvolvimento da
prática do professor, e também que o profissional docente torna-se seguro quando
consegue se estabelecer entre os encalços teóricos e práticos de sua função. Para isso,
faz-se necessário compreender toda diversidade inclusa nessas relações, principalmente,
os desafios que fazem parte do complexo trabalho do profissional docente que são
desencadeados desde sua formação.
A escola durante muito tempo foi influenciada principalmente pelo pensamento
das correntes ideológicas positivistas e empiristas e essa influencia pôde ser notada no
desenvolvimento das práticas docentes. Entretanto, no século XX, mais precisamente a
partir dos anos 1970, ganham visibilidade no Brasil duas teorias embasadas a partir de
estudos psicológicos: a construtivista e a sócio-interacionista, transpostas para o cenário
educacional a partir adoção de seus princípios fundamentais. É importante ressaltarmos
que tais teorias influenciaram a elaboração de um dos mais importantes documentos
norteadores dos currículos, da didática e das práticas pedagógicas que são os atuais
Parâmetros Curriculares Nacionais.
O construtivismo e o sócio-interacionismo são teorias que compreendem uma
associação entre a psicologia genética de Piaget e a abordagem sócio-histórica de
Vygotsky, unindo idéias que propõem uma nova concepção de como se dá o
conhecimento, ao dizer que ele é uma produção individual, que envolve toda uma
adaptação de elementos biológicos e uma mediação pela interação social. Por isso, é
importante entender que essa teoria não foi desenvolvida exclusivamente para a
educação, foram pesquisas da área de psicologia que estudaram o comportamento
humano acerca da aprendizagem e do desenvolvimento.
A teoria construtivista associada a idéias de Piaget e de Vygotsky seria como
uma reformulação do interacionismo de Kant, acrescida da visão genética (Piaget) e
transformista/dialética (Vygotsky), pois, enquanto Piaget apresenta características
oriundas do pensamento de Kant, Vygotsky apresenta relação com as idéias marxistas
(MATUI, 1998).
Além da dimensão interacionista, o construtivismo embasado em Piaget
apresenta sua essência biológica, em que o desenvolvimento é visto como um processo
184
de adaptação. Já o construtivismo que parte das idéias de Vygotsky apresenta a
dimensão histórica do sujeito e cultural do objeto, atribuindo às mudanças históricas da
sociedade consequentes mudanças na natureza humana (GOULART, 1995; MATUI,
1998).
Ao pensar em estabelecer um conceito para o Construtivismo, pode-se correr o
risco de identificar nas idéias de alguns autores a existência de vários construtivismos, e
isso pode ocorrer em decorrência das idéias que autor vai relacionar ou privilegiar, no
caso as de Piaget ou Vygotsky. Segundo Barros (1996), há outros pesquisadores além
de Piaget que buscaram explicar as mudanças qualitativas observadas no
desenvolvimento intelectual, por isso, existem outras teorias construtivistas além da
piagetiana. Mas como ressalta Carretero (2002), a teoria pode consistir em “uma
posição compartilhada de diversas tendências e pesquisas psicológicas e educativas”
(CARRETERO, 2002, p. 10).
Em uma reflexão sobre a teoria podemos caracterizá-la utilizando o pensamento
de Coll e Solé (1998) quando diz que “a concepção construtivista não é um livro de
receitas, mas um conjunto articulado de princípios em que é possível diagnosticar,
julgar e tomar decisões fundamentais sobre o ensino”. (p. 10)
A partir desses pensamentos, posturas docentes transformadoras surgiram na
educação nos últimos tempos. Tais posturas consideram o aluno como sujeitos sociais,
políticos, culturais e psicológicos, e destacam a importância de valorizá-lo segundo tais
características por não conceberem uma escola democrática que seja dissociada delas.
Pensamentos e idéias pedagógicas que valorizam essas questões são convergentes a
muitos pressupostos do construtivismo sócio-interacionista.
Um dos aspectos que nos motivou para o desenvolvimento da pesquisa foi a
realização de estudos ao longo da graduação que possibilitou a percepção de que os
princípios básicos da teoria construtivista sócio-interacionista tem se tornado cada vez
mais comum como orientação das propostas pedagógicas das escolas que atendem a
modalidade dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, desenvolvendo a necessidade em
compreender como os professores articulam princípios desta teoria na sua prática
docente. Por isso, apresentamos como questão norteadora: Em que medida, os
fundamentos teóricos apresentados na Proposta Pedagógica de uma escola que se define
como construtivista sócio-interacionista, são efetivamente referenciados na prática dos
professores?
185
Desse modo, nosso principal objetivo foi verificar a articulação entre a teoria que
embasa a proposta pedagógica de uma escola e a prática docente. No intuito de alcançar
esse objetivo maior, definimos objetivos específicos, assim, buscamos relacionar a
articulação entre a proposta pedagógica da Escola - considerando às bases teóricas com a prática docente em sala de aula; levantar o conhecimento dos professores sobre a
teoria que embasa proposta pedagógica da Escola e a percepção do seu papel e postura.
Numa abordagem proposta pelo construtivismo que alia os estudos de Piaget e
Vygotsky, observamos que a aprendizagem decorre do nível de desenvolvimento
cognitivo e vice-versa. Por isso, ao pensar o ensino, partindo de pressupostos
construtivistas, é importante valorizar esse aspecto, pois ele apresenta-se como essencial
na hora elaborar uma proposta de intervenção pedagógica.
Na abordagem construtivista sócio-interacionista, a aprendizagem é uma
construção interna que ocorre na interação com o meio, por isso, “não basta à
apresentação de uma informação ao individuo para que ele aprenda, mas que também é
necessário que a construa mediante sua própria experiência interna”. (CARRETERO,
2002, p. 42). Isso porque, o que temos observado nas idéias construtivistas é que “o
conhecimento deve ser construído e reinventado, criado pelo aluno, e que o
conhecimento não é “transmitido”, não é “revelado” ao aluno pelo professor”.
(BARROS, 1996, p. 160)
Para Piaget, quanto para Vygotsky, a interação entre o sujeito e o objeto é o
elemento fundamental no processo de construção e evolução do conhecimento e do
próprio sujeito. Isso significa dizer, que é neste processo que se desenvolve uma
aprendizagem significativa que envolve o progresso do sujeito e a apropriação do
mundo.
É claro para nós, como ressaltou Vygotsky (2000), que em qualquer situação de
aprendizagem que a criança deparar-se na escola, haverá sempre uma historia anterior
referente a ela. Isso significa dizer que antes de provocar uma situação de
aprendizagem, o professor deve levar em consideração os conhecimentos prévios que o
aluno possui.
As mentes de nossos alunos estão bem longe de parecerem lousas limpas, e a
concepção construtivista assume este fato como elemento central na
explicação dos processos de aprendizagem e ensino na sala de aula. Do ponto
de vista desta concepção, aprender qualquer um dos conteúdos escolares
pressupõe atribuir um sentido e construir os significados implicados em tal
conteúdo. Pois bem, essa construção não é efetuada a partir do zero, nem
mesmo nos momentos iniciais da escolaridade. O aluno constrói
186
pessoalmente um significado (ou o reconstrói do ponto de vista social (com
base nos significados que pôde construir previamente. Justamente graças a
esta base é possível continuar aprendendo, continuar construindo novos
significados. (MIRAS, 1998, p.58)
Partindo dessa concepção de ensino é necessário, acima tudo, repensar o papel
do professor, pois o professor que assume uma postura construtivista em sua prática
pedagógica não abre mão de seu papel essencial na relação de ensino, mas reconstrói
essa relação colocando-se como elemento participante e não determinante. O
construtivismo não desvaloriza a ação docente, mas a resignifica. Dessa forma o
professor assume o papel de preparar e mediar o melhor ambiente de aprendizagem.
Descrição geral da pesquisa
Os procedimentos metodológicos utilizados na construção das discussões do
tema desta pesquisa contemplaram os princípios e técnicas de uma abordagem
qualitativa, mais especificamente, por meio de um estudo de caso. No que se refere aos
fins, esse estudo se constituiu como exploratório-descritivo, pois envolveu levantamento
bibliográfico da literatura acerca da temática, entrevistas com pessoas que tem
experiências práticas com o problema pesquisado e análise de situações que
estimularam a compreensão da realidade que adentramos (MENESES e SILVA, 2001).
Assim, os dados construídos pautaram-se em informações organizadas a partir de
observação em sala de aulas e entrevistas estruturadas com o coordenador e dois
professores da escola.
A pesquisa foi realizada em uma escola de um bairro periférico de Feira de
Santana – BA. A escola foi fundada no ano de 1991, e a partir do ano de 2000 aderiu a
uma proposta pedagógica com princípios construtivista. Para preservar a identidade dos
sujeitos participantes dessa pesquisa, a escola pesquisa será chamada apenas de Escola e
utilizaremos nomes fictícios para os professores (Ana e Gil), e como o Coordenador foi
apenas um entrevistado, chamaremos de Coordenador mesmo.
Para compreender e perceber essa articulação entre a teoria que embasa a
proposta pedagógica da Escola e a prática pedagógica dos professores com dos dados
coletados, elegemos duas categorias: conhecimento dos professores sobre a teoria;
papel e postura do professor na abordagem construtivista sócio-interacionista.
Na análise consideramos os elementos citados pelos professores e coordenador
entrevistados que englobam pressupostos construtivistas sócio-interacionistas e a
187
postura docente observadas em sala de aula. Partindo dessa acepção, consideramos
importante direcionar os dados coletados para as categorias eleitas a partir da
recorrência de temas como forma de organização do pensamento construído a partir da
revisão bibliográfica, visto que as categorias que desenvolvemos são originadas da
nossa compreensão sobre a teoria construtivista sócio-interacionista e os elementos
necessários para desenvolvimento de uma prática docente pautada nela.
Conhecimentos dos professores sobre a teoria construtivista sócio-interacionista
O construtivismo sócio-interacionista é uma teoria que partiu de pesquisas
psicológicas, e compreende uma nova concepção de como se dá o conhecimento. Nesse
tópico buscamos apresentar como os professores compreendem os princípios dessa
teoria em uma prática educativa, pois entendemos ser fundamental o professor estar
munido de conhecimentos teóricos para desenvolver uma prática.
A respeito do conhecimento e entendimento dos professores sobre a teoria
construtivista sócio-interacionista foi possível notar nas falas dos professores e do
coordenador a apreensão de alguns dos pressupostos essenciais da teoria. Os professores
da Escola falam do construtivismo sócio-interacionista com muito entusiasmo, pois a
teoria faz parte das discussões sobre a prática pedagógica desde suas formações iniciais,
no magistério e na universidade. Assim, explanando seus conhecimentos, colocaram
que os pressupostos teóricos da proposta pedagógica da escola poderia ser considerado
da seguinte maneira: “é trabalhar dentro da realidade do aluno, (...) o que na prática do
dia-a-dia deles, eles sabem fazer” (Ana); “é uma teoria que tem origem dos estudos de
Vygotsky, na qual o individuo interage com o meio externo, o social, para adquirir
conhecimentos” (Gil); E o coordenador expõe que:
E a nossa proposta é baseada no construtivismo sócio-interacionista, porque
nós acreditamos que, o cidadão hoje tem que entender a sociedade. E esse
conhecimento é construído através do contato com o outro e também com o
objeto. (Coordenador)
Na descrição realizada pelos professores sobre o que eles entendem da teoria, foi
possível perceber uma compreensão lógica acerca do que ela sugere, por isso,
destacamos nessas falas fatores como a interação com o meio (social e biológico) e o
objeto como essencial para produzir conhecimentos, dessa forma, podemos notar um
188
grau de entendimento dos professores dessa Escola sobre os princípios básicos da teoria
construtivista sócio-interacionista, pois nessa perspectiva:
O conhecimento não é uma descrição de mundo, mas uma representação que
o sujeito faz do mundo que o rodeia, em função de suas experiências na
interação com ele. Dizemos, por isso, que todo conhecimento é uma
construção individual, resultante da experiência do sujeito cognoscente, em
sua interação com o mundo físico e social que o rodeia; isto é, todo
conhecimento é uma construção individual mediada pelo social. (MORETO,
2010, p. 43)
A participação da teoria construtivista sócio-interacionista é apontada pelos
professores como elemento significativo na aprendizagem de seus alunos, pois eles
relatam que a teoria resignifica o papel do professor e também o papel do aluno, e
observam como é diferente uma prática pedagógica tradicional de uma prática
pedagógica orientada pelos preceitos construtivistas sócio-interacionistas.
O sócio-interacionismo dá uma abertura para gente, porque parte do
conhecimento prévio do aluno, então o aluno não chega aqui como uma
tabula rasa como era no tradicional. E então a gente parte do pressuposto do
que o aluno sabe, e aí que se é desenvolvida as atividades, então existe essa
articulação. (Coordenador)
A teoria traz pontos positivos para o aluno, e com ela o aluno só tem a
ganhar, porque ele pode interagir, colocar suas opiniões, ser sujeito na
situação de aprendizagem, sujeito que pode agir, que pode se pronunciar
(Gil)
Em relação à teoria, eu tenho visto que quando eu pego um aluno em
determinada serie no inicio do ano, que eu começo a observar como é que ele
está, que eu busco o tipo de atividades adequadas para ele, eu vejo o
crescimento deles através de minha mediação, através do nosso trabalho que
tem melhorado bastante. (Ana)
Analisando os discursos acima, podemos notar na fala desses professores
elementos que fundamentam a idéia de construção de conhecimento defendida pelo
construtivismo sócio-interacionista, eles relataram seu entendimento sobre a teoria, ao
dizer que nela: “... O aluno pode interagir... ser sujeito na situação da aprendizagem...”
(Gil); “... ele constrói o conhecimento dele...” (Coordenador); “...eu vejo o crescimento
deles através de minha mediação... (Ana).
Nesses posicionamentos, podemos perceber uma conexão entre o que a teoria
integralmente psicológica propõe e a transposição realizada para o contexto
educacional, pois eles relacionam a importância do ser individual (psicológico) e social
para uma significativa construção de conhecimentos, e faz em isso indicando elementos
presente na prática docente por compreender que esses elementos requerem uma prática
diferenciada, por isso, a crítica a epistemologia tradicional. Mas vale ressaltar, que esses
189
professores não deixaram claro o que eles entendem como concepção tradicional, eles
mencionaram alguns elementos que podem até fazer parte dessa concepção, mas sem
articular com os fundamentos.
Logo, temos nesse contexto uma dicotomia, porque ao mesmo tempo em que
observamos os professores esboçando entendimentos coerentes da teoria, observamos
também lacunas e inseguranças em suas próprias palavras ao observarem apenas poucos
desencadeamentos práticos sem reais sustentações teóricas do construtivismo sóciointeracionista. Isso nos diz necessariamente que talvez o professor entende algumas
facetas do desenrolar prático, mas deixar a dever na sustentação teórica.
Papel e postura do professor na abordagem construtivista sócio-interacionista
A concepção construtivista da educação pressupõe uma nova abordagem do
papel do professor. Diferente do que alguns críticos propõem (CARVALHO E
LABURÚ, 2005; DUARTE, 1998), nessa concepção o papel do professor é bem
definido. A função do professor nessa concepção envolve uma postura política de
democratizar a construção e o saber humano e promover a interação entre o aluno e o
objeto de conhecimento, por isso, “o papel de mediação atribuído ao professor vem
resgatar a figura desse profissional, atualmente muito desgastada na sociedade”,
(MATUÍ, 1998, p. 189).
A mediação funciona como um catalisador químico que, presente numa
reação, facilita ou acelera e até mesmo possibilita essa reação. Ausente,
retarda a reação ou esta pode até não ocorrer. Como mediador, o professor
não se perde no processo, mas acelera e até possibilita a aprendizagem,
respeitando a natureza do sujeito e do objeto e, principalmente, do processo
de construção de conhecimentos. (MATUÍ, 1998, p. 188)
A compreensão do papel e postura do professor dentro de uma abordagem
construtivista sócio-interacionista exposta pelos docentes da Escola, é que o professor
que trabalha com os princípios dessa teoria deve ter uma postura mediadora dentro da
sala de aula. Foi possível perceber no relato desses professores ao falar do papel da
mediação, como uma postura docente comum a prática deles.
Na minha pratica eu gosto muito de servir como mediadora do conhecimento,
para que os alunos desenvolvam mais seus conhecimentos, que ele construa
mais seu desenvolvimento. (Ana)
O papel do professor é ser aquele professor mediador, que faça com que o
processo de construção do conhecimento aconteça, e aconteça de forma
gradativa. (...) Além de o professor ser um mediador, ele também direciona
190
esse aluno para achar novos caminhos, novos rumos para a aprendizagem.
(Gil)
Nesses comentários observamos um esforço considerável em desenvolver uma
postura mediadora e solidaria na sala de aula, pois os professores se mostram como
elemento adjunto no processo de ensino-aprendizagem, e não como o centralizador e
detentor de conhecimentos, até pelo contrario, eles se apresentam como mais um
aprendiz nesse processo, valorizando os conhecimentos construídos pelos seus alunos e
abertos a aprendê-los.
Em uma das observações realizadas das aulas, em que o tema abordado era a
“Água”, a professora Gil procedeu a construção de conhecimentos dos alunos sobre o
tema a partir de uma leitura compartilhada de um texto que apresentava conceitos e
tipos de água, mas antes de ler e discutir diretamente um conceito, a professora
indagava aos alunos sobre o que eles sabiam e sobre o que estava escrito no texto, ela
também solicitava exemplos, e a exposição de causos que eles vivenciaram em relação
ao conteúdo, e compreensão sobre os conceitos e se eles achavam aquilo importante
para vida deles. Esse procedimento se baseia no interrogatório, que consiste em
observar o que o aluno está fazendo, interrogando-o sobre o processo e associações que
estão fazendo.
Ao utilizar coerentemente o interrogatório em suas aulas, o processo de
construção de conhecimentos torna-se mais significativo, porque com o artifício das
perguntas o professor pode levantar e avaliar os conhecimentos prévios, apresentar um
conteúdo
e ir
observando
a
compreensão
desse conteúdo
por
etapas,
e
consequentemente, estará fazendo com que os alunos pensem, identifiquem o que
sabem, o que estão e como estão fazendo e o que estão e como estão aprendendo.
A ação pedagógica nessa mediação tem duplo movimento. Inicialmente, o
que mais importa é a busca das “concepções prévias” dos alunos para que
nelas o professor possa ancorar o processo de seu ensino. Assim, ao propor
qualquer novo assunto, todo professor inicia perguntando o que os alunos já
conhecem sobre o tema, Isto é, quais os fatos a ele relacionados e qual a
linguagem já conhecida. Em seguida, apresenta o assunto novo, sempre
relacionando com as representações que o aluno manifestou. (MORETTO,
2010, p. 50-51)
Ser mediador caracteriza-se como um princípio essencial da teoria construtivista
sócio-interacionista, nesse papel o professor desenvolve sua aula e organiza suas
estratégias de ensino a partir das posições prévias do entendimento do aluno acerca de
um conteúdo ou procedimento, e dessa forma, o professor vai promovendo a interação
entre o sujeito do conhecimento o objeto de conhecimento, mas sem esquecer que:
191
Uma visão construtivista da aprendizagem sugere uma abordagem do ensino
que oportunize aos alunos experiências concretas, contextualmente
significativas, nas quais eles possam buscar padrões, levantar suas próprias
perguntas e construir seus próprios molelos, conceitos e estratégias.
(FOSNOT, 1998, p. 11)
Essa concepção compreende o aluno como sujeito ativo em seu processo de
aprendizagem, por isso, ao pensar na aprendizagem e no ensino a partir dessa
perspectiva, faz-se necessário que o professor assuma seu papel mediador e esteja ciente
que a experiências individuais dos alunos devidamente orientadas que desencadeará a
construção de conhecimentos.
Dessa forma, compreende-se que a relação entre ensino-aprendizagem na
concepção construtivista se estabelece em compreender a função que cada elemento
desempenha nesse processo, como cada função deve ocorrer, e, sobretudo como esse
processo será desenvolvido, e é evidenciado na concepção construtivista que a
construção individual contextualizada e devidamente mediada é o foco principal a ser
desenvolvido nesse processo.
Entre os elementos que são essenciais da concepção construtivista foram
evidenciados nos discursos dos professores a valorização dos conhecimentos prévios, a
experiência individual e a mediação. Esses três elementos (conhecimentos prévios,
experiência individual e mediação) foram notados na prática observada em sala de aula.
Quando trabalhou o tema ”Água”, a professora Gil usou interrogatório para levantar os
conhecimentos dos alunos sobre, depois fez suas intervenções e exposição do conteúdo
a partir de uma leitura compartilhada, e depois solicitou dos alunos uma atividade
individual na qual eles deveriam elaborar perguntas com respostas sobre o tema a partir
do texto e da discussão realizada na aula, e durante essa atividade ela intercalou
momentos de orientações para o grupo e orientações individuais. O que sentimos falta
nesse processo foi uma avaliação dos conhecimentos prévios que os alunos trouxeram
sobre o tema, a professora os ouviu, mas não deu magnitude aos elementos expostos
pelos alunos, tanto que nem os anotou e nem enfatizou o interrogatório nas questões que
os alunos levantaram. O interrogatório da professora focou mais no momento de sua
participação no processo, no que foi produzido na leitura compartilhada e na discussão.
Dessa forma, é possível perceber que os professores entendem a importância
desses três elementos, mesmo assim, na prática a relação necessária entre eles não foi
desenvolvida de uma forma tão próxima aos princípios da concepção construtivista, e
essa relação pode não ter ocorrido de maneira plena por não constar como objetivo
192
essencial em suas atividades de levantamento de conhecimentos prévios a avaliação dos
mesmos.
Considerações
.
Foi notável a dedicação dos professores em trabalhar princípios da teoria
construtivista sócio-interacionista, por exemplo, quando os professores buscavam
assumir uma postura mediadora em sala de aula, mas essa postura foi notada apenas no
desenvolvimento das atividades, como se as atividades tivessem um fim em si mesmas,
perdendo o senso de continuidade e de relação entre os conteúdos aprendidos e os
necessários a aprender. Por exemplo, a professora acompanhava e orientava todo
desenvolvimento de uma atividade, mas não registrava o desempenho dos alunos,
deixando lacunas para a avaliação. E com base nas ideias construtivistas, entendemos
que não seja possível praticar uma avaliação mediadora e processual que busca mediar e
compreender um processo sem registrar e relacionar as atividades desenvolvidas.
Outro ponto que se evidenciou uma dissociação entre o entendimento teórico e a
prática dos professores da Escola foi à questão dos conhecimentos prévios. Os
professores relataram que valorizavam os conhecimentos prévios dos alunos, mas o que
foi observado é que eles apenas os ouviam, mas não os avaliavam nem os utilizavam no
decorrer da atividade. Assim, não houve uma relação articulada entre a mediação do
professor, o conteúdo trabalhado e os conhecimentos prévios dos alunos, o que foi
enfatizado no decorrer da atividade foram às dúvidas que os alunos tinham frente ao
tema da aula, e não uma associação ou reconstrução de seus conhecimentos iniciais.
Até em seus discursos os professores deixaram vagos além de conceitos
importantes, insegurança quanto aos procedimentos necessários para sua prática, pois se
diziam mediadores, tal como orienta os princípios construtivistas, mas como essa
postura era desenvolvida na prática, eles não souberam explicar claramente, e nas
observações o que notamos foram algumas descontinuidades nesta postura.
Neste contexto, é perceptível lacunas entre o conhecimento a postura e a prática
docente dos professores, pois havia um discurso muito articulado em relação a proposta
da escola, mas o mesmo não ocorria em relação aos princípios da teoria e na prática em
sala de aula. Os professores demonstraram que ainda precisam organizar melhor suas
idéias acerca do construtivismo sócio-interacionista e consequentemente organizar
melhor suas práticas docentes.
193
Partindo desses resultados podemos vislumbrar um desencontro em a postura e a
prática desses professores com a teoria que embasa a proposta pedagógica da escola, e
podemos também levantar como questão desencadeadora da situação encontrada,
possíveis lacunas na formação desses professores. Isso porque nos é pertinente dizer que
o profissional que apresenta insegurança no discurso e lacunas em sua prática diante de
um cenário no qual se constrói uma proposta pedagógica valorizada e implementada por
eles mesmos, deixa evidente a carência profissional. Porém essa carência não deve se
entendida como resultado de comprometimento profissional pessoal, mas como brechas
na formação.
Reforçamos essa posição devido ao fato desse professor revelar acesso em sua
formação inicial e continuada a teoria que embasa a proposta da escola, e mesmo assim
não ter consolidado suas aprendizagens acerca dela, ou seja, o professor não aprendeu a
desenvolver seu trabalho com a devida segurança que supõe observar em um
profissional bem formado. Nesse sentido, entendemos que sua formação tanto inicial,
quanto continuada gerou visível inconsistência teórica e insuficiência prática.
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195
OFICINAS PEDAGÓGICAS DE CARTOGRAFIA NA EUCAÇÃO DE
JOVENS E ADULTOS: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA
Taíse dos Santos Alves45
Robson Oliveira Lins46
Resumo:
O mapa é uma das mais antigas modalidades da comunicação gráfica produzidas pela
humanidade, este surge da necessidade que o ser humano possui em conhecer o espaço que o
cerca. No entanto, atualmente, entender a importância desta ferramenta associando-a a tarefas
cotidianas não é fácil, principalmente se considerarmos que para boa parte da população chegar
a um lugar desconhecido utilizando um mapa é uma tortura. Para Gentile (2003) embora essas
ações pareçam banais, realizá-las com desenvoltura envolve uma série de conhecimentos que só
são adquiridos num processo de alfabetização diferente. Para a autora este processo envolve
diretamente a aprendizagem da linguagem gráfica, condição primordial para o domínio da
linguagem cartográfica. Na Educação de jovens e adultos essa realidade também se encontra
presente, pois esta modalidade de ensino se restringia apenas na transmissão assistemática de
alguns conhecimentos da cultura letrada e na alfabetização do indivíduo. Este artigo, no entanto,
vem discuti a importância da utilização das oficinas pedagógicas, como alternativa
metodológica da problemática existente no ensino da Geografia e Cartografia na Educação de
Jovens e Adultos - EJA. O objetivo aqui é debater a realidade dos alunos do EJA buscando criar
e planejar situações que possam desenvolver no estudante habilidades e competências referentes
ao uso da Cartografia enquanto instrumento de aprendizagem da Geografia. As oficinas
pedagógicas podem minimizar uma deficiência existente no ensino da Geografia na EJA, no que
diz respeito à abordagem cartográfica. A ideia é estabelecer a importância entre uma prática
pedagógica que extrapole o ambiente tradicional da sala de aula, e a organização do
conhecimento voltado ao ensino de jovens e adultos numa perspectiva de autonomia, pois irá
proporcionar um maior conhecimento na sistematização do seu espaço de vivencia, ajudando
numa formação cidadã de um sujeito crítico/reflexivo. Para tanto as reflexões apontadas são
resultados da monografia de aperfeiçoamento, especialização em Educação de Jovens e Adultos
pela Faculdade de Educação - UFBA.
A Cartografia na EJA, para que? Primeiras impressões...
Todos os mistérios... encontram sua solução racional na
práxis humana e no compreender esta práxis.
(Karl Marx)
O mapa é uma das mais antigas modalidades da comunicação gráfica produzidas
pela humanidade, este surge da necessidade que o ser humano possui em conhecer o
espaço que o cerca. No entanto, atualmente, entender a importância desta ferramenta
associando-a a tarefas cotidianas não é fácil, principalmente se considerarmos que para
45
Pós - Graduanda em Educação de Jovens e Adultos (FACED/UFBA) e Licenciada em Geografia
(UNEB – Campus XI). Email: [email protected];
46
Prof. Mestre. Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Campus XI. Email: [email protected].
196
boa parte da população chegar a um lugar desconhecido utilizando um mapa é uma
tortura. Para Gentile (2003), “embora essas ações pareçam banais, realizá-las com
desenvoltura envolve uma série de conhecimentos que só são adquiridos num processo
de alfabetização diferente". Para a autora este processo envolve diretamente a
aprendizagem da linguagem gráfica, condição primordial para o domínio da linguagem
cartográfica47.
Saber ler mapas faz com que as pessoas consigam pensar sobre territórios e
regiões que não conhece. Sua linguagem é usada no ensino não só da Geografia, mas
também da História e das Ciências em geral. No entanto, de todas as ciências ligadas à
Cartografia, nenhuma é tão importante quanto a Geografia, na medida em que esta tem
como objeto de estudo o espaço geográfico e seus fenômenos físicos e humanos.
Portanto, o ensino da Cartografia deve está relacionada ao ensino da Geografia, com o
foco á atender as necessidades do aluno em seu cotidiano.
Segundo Souza e Katuta (2001), O mapa tem uma função relevante no ensino de
Geografia, pois pode organizar uma massa confusa de informações espaciais. Ainda
segundo os autores "o mapa oferece maior possibilidade de explicações de uma dada
realidade que poderão servir de subsídio de entendimento de determinada
territorialidade" (SOUZA e KATUTA, 2001).
Ainda neste contexto, para Passini (1994) a possibilidade de ler mapas de forma
adequada é de grande importância para se educar os indivíduos para autonomia. Para
Freire (2000), a autonomia esta diretamente ligada a ideia de dignidade, devendo ser
conquistada, principalmente, no âmbito escolar. Portanto, a educação deve proporcionar
contextos formativos que sejam adequados para que os educandos possam se fazer
autônomos. Portanto, o uso do mapa pode proporcionar o desenvolvimento pleno dos
alunos, respeitando seus interesses, estimulando a pesquisa e a criatividade. Neste
sentido o papel da Geografia, enquanto disciplina escolar, vai além do ensino
meramente conteudista, a mesma deve desenvolver no aluno a sua principal
47
Denominação atual nas discussões da Cartografia Escolar o qual os autores Souza & Katuta (2001)
destacam e afirmam: “as propostas mais recentes para a aprendizagem da leitura de mapas, grosso modo,
baseiam-se nos desdobramentos das teorias psicogenética de Jean Piaget para o ensino como todo.
Utilizando-se desses referencias Almeida & Passini afirmam que: Iniciando o aluno em sua tarefa de
mapear, estamos, portanto, mostrando os caminhos para que se torne um leitor consciente da linguagem
cartográfica (...) as autoras partem do pressuposto de que é mapeando que o aluno vai tomar consciência
da importância representações utilizadas em Geografia e vai, portanto, poder utilizá-las de uma forma
mais consciente. No entanto, para a leitura de mapas, como já afirmamos, só mapear não bastar: é preciso
dominar um conjunto de habilidades, noções, conceitos, informações para realmente que realmente essa
leitura seja plena de significados (p. 133-134).” Por isso que partir somente da alfabetização cartográfica
não implicará do conhecimento da sua linguagem.
197
competência cognitiva, a de pensar.
O ensino tradicional da Geografia tomou o caminho oposto da desta premissa,
uma vez que são ensinados conteúdos descontextualizados para os quais não é
necessário pensar, basta o exercício de memória. Quando se pensa no ensino da
Geografia na EJA esta realidade é bem mais problemática, pois segundo Costa (2004), a
educação de Jovens e Adultos se restringia apenas na transmissão assistemática de
alguns conhecimentos da cultura letrada e na alfabetização do indivíduo. Ainda segundo
a autora, esta postura estava relacionada a interesses burgueses, pois bastava ao
individuo o domínio superficial da leitura e da escrita. Desta forma não havia a
formação de um sujeito autônomo e crítico a sua realidade, permanecendo a ordem
instituída.
Ao contrario desta lógica a Geografia deve contemplar os conhecimentos que
despertam o senso crítico no indivíduo, uma vez que discuti sobre a realidade sócioespacial de forma analítica, induzindo a reflexão do seu cotidiano.
Diante dessas discussões, este artigo busca aponta a importância da metodologia
das
oficinas
pedagógicas
em
Cartografia
para
contribuir
no
processo
de
ensino/aprendizagem da ciência Geográfica na EJA. Esta prática pedagógica pode
colaborar na formação destes alunos em obter conhecimentos na linguagem
cartográfica, que irá proporcionar uma maior autonomia na sistematização do seu
espaço de vivencia, ajudando numa formação cidadã de um sujeito crítico/reflexivo.
Sendo assim, a oficina pode minimizar uma deficiência existente no ensino da
Geografia na EJA, no que diz respeito à abordagem cartográfica. A ideia é estabelecer a
importância entre uma prática pedagógica que extrapole o ambiente tradicional da sala
de aula, e a organização do conhecimento voltado ao ensino de jovens e adultos.
A importância do ensino da Geografia e a Cartografia na Educação de Jovens e
Adultos: algumas considerações
A educação para o público da EJA tem entre seus objetivos despertar o
desenvolvimento humano desses sujeitos, entretanto, esta formação deve ser completa e
voltada aos problemas enfrentados diariamente por esses estudantes. E nesta ótica de
ensino, “a Geografia tem um papel central, visto que a mesma possibilita uma leitura
crítica do mundo, já que o seu objeto de estudo é a sociedade e o espaço geográfico,
tanto em nível local, como mundial” (ALBRING, 2008, p. 02).
198
Infelizmente os alunos da educação básica veem a Geográfica como um
conhecimento estático, está percepção, também, não está alheia aos sujeitos da EJA. No
entanto a compreensão da Geografia perpassa pelo entendimento da dinâmica do mundo
atual, numa abordagem diferenciada das demais disciplinas, que envolve um jogo de
escalas de análise que pode partir do particular para o todo e do geral para o específico.
Assim, Albring (2008) nos remete esse pensamento e destaca que:
A Geografia, através da roupagem crítica possibilita ao educando uma
melhor compreensão e, em consequência, uma melhor e maior adaptação
ao novo, às constantes e profundas mudanças que vêm ocorrendo
diariamente no mundo. Entretanto, na maioria das vezes o estudante não tem
esta visão da Geografia, já que no passado, quando frequentava os bancos
escolares, era uma disciplina escolar apenas de descrição, conceitualização e
memorização, não correlacionando a teoria com a prática – embora hoje isto
também ocorra em alguns estabelecimentos de ensino. Sem este elo teóricoprático, o aluno não vê aplicabilidade para esta disciplina em sua vida e
assim, seu interesse também não é dos maiores.
Prova do comentário anterior é o que se pôde constatar na questão que se
refere às palavras que vêm à cabeça ao pensar em Geografia. Dentre as mais
citadas estão elementos cartográficos e naturais, ou seja, os educandos
possuem apenas uma visão física e estática da Geografia (ALBRING, 2008,
p. 04).
Diante do exposto, qual a importância do ensino da Cartografia para o ensino da
Geografia nas diversas modalidades de ensino? Haja vista que a Geografia enquanto
disciplina requer do alunato uma postura mais ativa perante os saberes trabalhados.
É neste quesito que a Cartografia, enquanto instrumento que auxilia na
compreensão do espaço, possui papel importante no ensino da Geografia. Segundo os
PCNs, a Cartografia ajuda a desenvolver habilidades e competência, no que diz respeito
em desenvolver nos alunos uma percepção de leitores críticos do ambiente vivido.
No entanto, o ensino de Cartografia nas aulas de Geografia constitui - se como
um conteúdo “problemático”, eu diria (in)visibilizado e ou negado sendo considerado
(algumas vezes) desnecessário por alguns professores nas diferentes modalidades de
ensino. É o que define Francischett (2008) o “caos pedagógico” no seu ensino. A autora
destaca o panorama do ensino de Cartografia nos últimos anos e questiona:
Falar da relação do ensino das representações cartográficas e da relação com
a realidade como elas são apresentadas na sala de aula pressupõe dizer que
alcançamos o “caos pedagógico”. O mapa já não aparece mais nem no tempo,
nem no espaço do ensino de Geografia. Na escola, ele não está mais
pendurado, mas também não se encontra na sala, não faz parte da aula. O
lugar onde ele está mais apresente é no interior do livro didático. [...] Como o
professor trabalha a representatividade dos movimentos da Terra de maneira
199
que o aluno entenda? Porque recursos didáticos como globo e mapas quase
não participam das aulas de Geografia do Ensino Fundamental?
(FRANCISCHETT, 2008, p. 2).
Sobretudo essa percepção do aluno em relação ao conhecimento Geográfico e
também Cartográfico está intimamente ligada à forma como os professores mediam essa
disciplina, como afirma Lacoste (1988):
O discurso geográfico escolar que foi imposto a todos no fim do século XIX
e cujo modelo continua a ser reproduzido hoje, quaisquer que pudessem ter
sido, aliás, os progressos na produção de ideias científicas, se mutilou
totalmente de toda prática e, sobretudo, foi interditada qualquer aplicação
prática. De todas as disciplinas ensinadas na escola, no secundário, a
geografia, ainda hoje, é a única a aparecer, por excelência, como um saber
sem a menor aplicação prática fora do sistema de ensino. Nenhuma
esperança de que o mapa possa aparecer como uma ferramenta, como um
instrumento abstrato do qual é preciso conhecer o código para poder
compreender pessoalmente o espaço e nele se orientar ou admiti-lo em
função de uma prática. Nem se pensar que a carta possa aparecer como um
instrumento de poder que cada qual pode utilizar se sabe interpretá-la
(LACOSTE, 1988, p. 26).
Souza e Katuta (2001) traduzem o ensino cartográfico como à linguagem
cartográfica, ou seja, uma das formas de linguagem que indubitavelmente devem ser
utilizadas no ensino, pois representa a territorialidade dos diferentes fenômenos, razão
de ser da própria ciência geográfica. Por isso é relevante e imprescindível, o professor
de Geografia conceber a Cartografia, como forma de linguagem.
Conceber o ensino Cartográfico como foco de linguagem por sua vez, deve ser
trabalhado no início da escolaridade. Assim, o conhecimento cartográfico será
compreendido por etapas, até desenvolver análises e capacidades relativas à
representação do espaço, concedida pelo mapa.
Sobretudo, mesmo apontando a as razões de aplicação do ensino da Geografia e
por consequência a Cartografia, na modalidade de ensino da EJA é concebido de forma
precária e não se caracteriza como elemento de destaque na formação desses sujeitos, já
que:
Historicamente no Brasil, concebeu-se uma educação de jovens e adultos de
forma compensatória, voltada para a reposição da escolaridade e marcada,
sobretudo, pelo aligeiramento dos estudos. Essa concepção, materializada na
oferta de cursos supletivos e campanhas de alfabetização, preconizava a
minimização de conteúdos escolares para a realização dos estudos em um
período de tempo reduzido. Nesse contexto, os conhecimentos sistematizados
da cartografia, bem como de outras áreas do conhecimento, passaram a ser
abordados de forma precarizada na escola, não atendendo às particularidades
200
dos sujeitos da EJA e não garantindo, dessa forma, o direito à educação de
qualidade (CANHAMAQUE e SANTOS, 2009, p.03).
Ainda sobre o pensamento de Canhamaque e Santos (2009) sob a perspectiva de
problematização do ensino de cartografia na EJA, apontam para a possibilidade de
respeito aos saberes dos educandos jovens e adultos, na abordagem dos conhecimentos
cartográficos produzidos historicamente pela humanidade. Desse modo, torna-se
necessário levar em consideração as diversas representações e significados que são
formados pelo imaginário dos sujeitos da EJA, admitindo-se suas dimensões subjetivas
e, consequentemente, singulares. Essas imagens simbólicas estão ligadas à localização,
orientação e organização do espaço que habitam, sendo assim abordagem do lugar e da
ocupação humana recai na compreensão das relações que os jovens e adultos mantêm
com o ambiente em que vivem, bem como na análise das diferentes formas, espaços e
lugares. Nesse sentido, há a necessidade de sensibilidade no ensino de cartografia,
evidenciando a experiência e os saberes desses sujeitos.
Diante esse pensamento, evidenciar a linguagem cartográfica como parte
integrante do cotidiano das aulas para a EJA se caracteriza como um componente
importante e necessário, já que induz aos alunos compreender seu espaço de vivencia e
suas transformações sociais, politicas e econômica.
As oficinas pedagógicas como metodologia de conhecimento da linguagem
Cartográfica: uma perspectiva teórica – metodológica
Segundo Padim (2006), entende-se por oficinas como sendo uma metodologia
diferenciada para o ensino de maneira em geral, uma vez que sai da rotina das aulas
tradicionais exigindo uma maior participação dos alunos. Alguns autores relatam um
amplo aproveitamento pedagógico neste tipo de atividade. Brito (2006) relata vários
pontos positivos, entre eles, a existência de uma maior interação entre os alunos,
facilitando o entendimento dos conteúdos abordados. No entanto, embora existam
algumas bibliografias quanto à aplicação de oficinas pedagógicas, estas ainda são
incipientes, principalmente, quando avaliam esta atividade como um método de
aprendizado em Geografia.
Em relação aos PCNs houve relativos avanços teóricos e metodológicos no
ensino da Geografia e Cartografia. Segundo este documento, o aluno passou a ser
orientado a desenvolver uma consciência crítica em relação ao mapeamento que estará
201
realizando em sala de aula. Esta linha de pensamento esta comprometida com a corrente
filosófica da Geografia Crítica. Ainda sobre o PCN a Cartografia significa muito mais
uma técnica da representação voltada para a leitura e a explicação do espaço geográfico
onde o leitor comportava-se como sujeito. Portanto, isso significa entender que o aluno
deixou de ser visto como um mapeador mecânico para ser um mapeador consciente. De
um leitor passivo para um leitor crítico dos mapas.
Neste contexto é de total relevância que esse conhecimento seja inserido na
modalidade de educação do EJA. Para que o ser humano se engaje na reconstrução
desse espaço-sociedade, Passini (2004) afirma que:
[...], é preciso que ele seja antes de mais nada um geógrafo crítico, um leitor
competente do espaço e de sua representação. Um leitor crítico do espaço é
aquele capaz de ler o espaço real e a sua representação, o mapa. E através
dessas leituras apreender os problemas do espaço e ao mesmo tempo
conseguir pensar as transformações possíveis para aquele espaço (p. 17).
Diante dessas discussões a Cartografia deve ser abordada de forma a
desenvolver as habilidades cognitivas dos educandos, uma vez que o público ligado a
EJA é diferenciado, possui uma experiência de vida que os distinguem dos demais
estudantes. Trata-se de um público, segundo Pina (2010):
São homens e mulheres desempregados, com subempregos ou ainda em
busca do primeiro, são filhos, pais, mães, moradores urbanos e/ou oriundos
da zona rural (...) pessoas cujas moradias estão localizadas em áreas menos
prestigiadas da cidade, em bairros carentes de infra-estrutura decente. São
sujeitos sociais e culturais, empurrados para a margem da sociedade,
desprestigiados nas esferas socioeconômicas e educacionais, privados do
acesso à cultura letrada e, consequentemente, privados do acesso aos bens
culturais e sociais produzidos pela sociedade da qual faz parte (PINA, 2010,
p. 53).
Esta realidade, no entanto, não reduz a capacidade intelectual destes indivíduos,
esta mesma autora chama atenção para a disposição de aprendizado dos mesmos quando
afirma que:
Não é paradoxal dizer que os alunos da EJA trazem consigo uma rica
bagagem que referem a saberes construídos dentro e fora da escola. São
pessoas possuidoras de experiências vivenciadas no seu cotidiano e quando
adentram a sala de aula são capazes de compartilhar essas experiências de
forma bastante peculiar (PINA, 2010, p. 54)
.
Diante desta realidade, as oficinas pedagógicas devem contemplar essas
experiências, enfocando os conhecimentos prévios dos alunos. Ao enfocar o
202
conhecimento cartográfico o professor deve planejar suas atividades partindo da
espacialização do espaço de vivência dos indivíduos. Ou seja, fazendo do ato de ensinar
uma "via de mão dupla", um ato de reciprocidade, uma simetria invertida onde ensinar
também significa em aprender.
Para Padim apud Archela (2006) a oficina é um caminho, ou seja, um processo
de desenvolvimento de determinado conteúdo. Assim, a oficina nada mais é, do que
uma forma de desenvolver o conteúdo procurando usar uma metodologia adequada.
Nesta perspectiva esta escolha metodológica significa uma busca pedagógica
que prima pela dinamicidade e comunicação entre os “personagens”: professor e aluno.
“[...] a oficina surge um novo tipo de comunicação entre esses sujeitos. É
formada uma equipe de trabalho, onde cada um contribui com sua
experiência. O professor é dirigente, mas também aprendiz. Cabe a ele
diagnosticar o que cada participante sabe e promover o ir além do imediato”.
(VIEIRA et al, 2002. p.17).
Corroborando com Vieira (2002), Feldkercher; Freitas e Martins (2009) afirmam
que:
(...) a oficina pode permitir a quebra das “hierarquias do conhecimento o (...)
que se dá muitas vezes, pela detenção de um discurso especializado que
justifica a maior importância de quem profere em relação aos outros”.
Sendo assim, pensamos que a oficina pode estabelecer uma independência
das ações educacionais em relação aos modelos que priorizam mais uma área
do saber do que outra, ou seja, oportuniza estratégias de resistência à
qualificação ou desqualificação de saberes pelas agências oficiais de ensino
(FELDKERCHER; FREITAS e MARTINS, 2009, p. 4356).
Portanto, para a realização de uma oficina a escolha do tema é fator decisivo.
Neste sentido, Corrêa (2000) aponta como estratégias para a realização desta atividade
metodológica, as seguintes etapas: decidir o tema de estudo, que se refere à escolha
realizada por pessoas que se propõe a construir uma oficina, reunir todo o material
possível sobre o tema, buscando subsídios em materiais como revistas, filmes, livros,
mas também nas conversas cotidianas; o entendimento do tema que será abordado, que
se dará através do Estudo e desenvolver estratégias para poder dizer sobre o tema,
podendo referir-se a qualquer meio disponível ou possível de ser criado.
Dessa forma concordamos com o pensamento de Brito (2008) no que afirma que
as oficinas pedagógicas de Cartografia na EJA, é uma metodologia na qual colaborará
na melhoria
[...] da qualidade de ensino, contribuindo para a formação de um indivíduo
mais crítico, autônomo e participativo na sociedade e, além disso, diminuir a
203
evasão do aluno da EJA é uma necessidade e também um grande desafio”
(BRITO, 2008, p. 03).
Diante do exposto é possível afirmar que a cartografia, quando trabalhada em
oficinas, é um instrumento poderoso na quebra de alguns paradigmas ligados a EJA.
Principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento da autonomia dos alunos, pois
esta metodologia parte da vivência dos alunos, trabalhando sua realidade sócio-espacial
e mais importante levando a troca de experiências com professores e colegas.
(In) Conclusões
Diante das analises e discussões apontadas, percebe-se que é importante
valorizar e incluir a Cartografia na EJA. Pois a mesma possibilita uma leitura mais
ampla do espaço geográfico aguçando nos alunos uma visão critica/reflexiva do espaço
de vivência.
Nesta linha de pensamento corroboramos com Souza e Katuta (2001) quando
destacam que o professor de Geografia pode despertar no aluno, através da leitura de
mapas e textos, um entendimento mais amplo da realidade, procurando entendê-la
melhor, desmistificando-a, proporcionando um conhecimento mais elaborado da
sociedade. Assim estes conhecimentos contribuirão na formação de sujeitos autônomos
intelectuais de sua auto-estima e sua cidadania de fato.
Neste contexto, as oficinas pedagógicas tornam-se um dispositivo importante
para uma nova dinâmica de ensino, fazendo das aulas mais criativas e participativas,
principalmente quando nos referimos aos alunos da EJA, um público que possui
singularidades no que diz respeito as suas experiências de vida. Este dispositivo
pedagógico é bastante acessível às escolas em geral e dinamizam o processo de ensino
aprendizagem e estimulam o engajamento criativo de seus integrantes. Portanto as
oficinas podem se constituir numa alternativa viável para o ensino-aprendizagem da
Geografia, pois trata-se de uma prática dinâmica e criativa onde existe interação entre
professores e alunos, superando desta forma as práticas tradicionais de ensino.
É importante que os profissionais que lecionam na EJA transformem a escola em
um espaço em que os ideais de transformação e diálogo sejam uma constante realidade.
Canhamaque e Santos (2009) nos afirma que é “necessário que tenhamos profissionais
que busquem uma prática que contemple as particularidades e relacionem os conteúdos
204
ensinados com a vivência dos sujeitos da EJA” (p. 08). E assim estará criando um
caminho acessível ao processo de transformação social.
A Geografia entra neste processo quando é trabalhada dentro da perspectiva da
realidade cotidiana dos alunos. Nesta premissa a cartografia é a principal ferramenta de
auxilio para o entendimento das questões Geográficas, pois, o uso de mapas implicará
no aluno (através de sua leitura) entender a lógica das diferentes territorialidades
produzidas no espaço.
Dessa forma durante o dialogo deste artigo procuramos apontar que o ensino da
Cartografia se configura como um instrumento valioso na educação de jovens e adultos
assinalamos para a necessidade de valorização do deste conhecimento, assim torna-se
necessário priorizar novas práticas, caminhos e possibilidades no ensino de cartografia
como as oficinas pedagógicas.
.
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206
Eixo 1-C Currículos e Práticas Educativas
207
ETNOFÍSICA: COMO OS SUJEITOS DAS EFAs COMPREENDEM E
TRABALHAM A FÍSICA
Ana Lúcia Vilaronga Barreto 48
Milton Souza Ribeiro Miltão49
Resumo: Este trabalho investiga a Física trabalhada em Escolas Famílias Agrícola (EFAs) sob
a lógica da Pedagogia da Alternância, ou seja, estuda como os monitores/professores e
estudantes das EFAs se apropriam dos conceitos físicos, como o estudo da Física influencia na
prática diária deste grupo, e também como esses indivíduos têm consciência disto. Para isto foi
necessário ingressar no mundo rural, nas escolas ligadas à Rede de Escolas Famílias Agrícolas
Integradas do Semi-Árido (REFAISA), para a execução da pesquisa e assim, utilizando os
ensinamentos da Etnofísica, aprender a lidar com questões que nos permitam relacionar o
conhecimento intuitivo (conhecimento prévio) desses sujeitos com o formalismo subjacente às
teorias e leis gerais da Física que, em geral, é tratado nas escolas e universidades. Como
metodologia de pesquisa, utilizamos aquela do tipo ação participante (DEMO, 2004;
GIANOTTEN e WIT, 2000). Assim, o estudo se pauta no diálogo teoria e prática, no universo
academia e Rede de EFAs. A implementação da pesquisa se dá por meio de viagens de campo,
onde permanecemos em cada escola uma média de três dias para realizarmos o processo de
investigação compreendido como etnografia, ou seja, fazemos entrevistas, questionários e
observação participante, em que nos inserimos no contexto do grupo estudado e, após esta
interação, partimos para uma coleta de dados num bloco de anotações para a devida análise dos
resultados obtidos. O trabalho, portanto, objetiva também contribuir nas discussões sobre a
rejeição sofrida pela Física na sala de aula, rejeição essa que se configura em um problema no
que tange à aceitação e compreensão, por parte dos educandos, desse importante Campo do
Saber.
Palavras-chave: Etnofísica - EFA - Pedagogia da Alternância.
Introdução
A proposta deste trabalho é fazer um estudo que possibilite uma ligação entre os
conhecimentos populares das Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) e o conhecimento
científico. Para tanto, nos ancoraremos nos ensinamentos da Etnofísica, área da Física
que busca compreender, a partir dos próprios grupamentos sociais, a sua visão de
mundo. Desta forma, analisaremos a Etnofísica e a possibilidade de seu estudo enquanto
estratégia para o ensino de Física envolvendo a Pedagogia da Alternância em Escolas
Famílias Agrícola (EFAs).
Desde muito tempo, muitos alunos têm a visão de que Física é simplesmente mais
uma disciplina do currículo escolar, desvinculada da realidade. Esta falta de
48
2
UEFS/Departamento de Física-DFis/ [email protected]
UEFS/Departamento de Física-DFis/[email protected]
49
208
contextualização dos conteúdos descritos no currículo com as realidades nas quais os
alunos se inserem torna o processo de ensino-aprendizagem mais difícil, pois pouco
estimula a curiosidade e o interesse dos educandos.
Um dos objetivos da escola, dos educadores e da sociedade em geral, deveria ser o
fato de que o conhecimento construído merece ser aplicado tendo em vista que o
conteúdo trabalhado gerou ou foi gerado de uma situação real, para que desta forma a
evolução do conhecimento se dê de forma gradual, partindo de algo concreto e
imaginável. No entanto, nota-se que os saberes intuitivos dos educandos são, na maioria
das vezes esquecidos, ocasião em que muitos entram em conflito com os conhecimentos
científicos apresentados por meio de uma abordagem teórica, de maneira que constitui
para o aluno um conhecimento desprovido de significação. Por essa razão, é importante
que este processo se dê, inicialmente, de forma que sejam levadas em conta
representações da realidade.
No que tange à compreensão do Campo do Saber da Física, devemos analisá-lo sob
uma perspectiva, ainda que introdutória, do significado do próprio conhecimento
humano. Assim sendo, vamos considerar alguns princípios filosóficos (MILTÃO, 2010,
p. 4-5):
(a) O conhecimento é uma faculdade, normalmente irredutível à afetividade e à
atividade, que indica a função da alma (aqui entendida filosoficamente como a
essência do sujeito), assim como o resultado dessa função, de tornar
compreensível-concebível um objeto (interno ou externo), obtendo dele um
juízo ou uma representação.
(b) As condições e os limites do conhecimento devem ser estabelecidos de acordo
com a busca da verdade.
(c) O campo do saber é compreendido como um grupamento de fenômenos, que
possuem alguma ligação entre si, ou seja, na manifestação de propriedades em
comum, definidos a partir de uma análise profunda e até refletindo no
surgimento de novos conhecimentos.
(d) A organização da Universidade deve considerar a concepção própria que cada
indivíduo tem a cerca do conhecimento humano, refletindo na diversidade de
saberes.
Diante disso, percebe-se que os Campos do Saber proporcionam aos seres humanos
o entendimento do Universo e da natureza onde estão inseridos.
Entre as relações que o ser humano estabelece com a natureza e com o universo,
estão aquelas investigadas e sistematizadas no campo do saber da Física. Tal ‘campo’,
sendo um dos campos do saber científico, possui um objeto próprio, um método, e um
conjunto de hipóteses e teorias, sendo também inseparável do contexto social e
histórico.
209
Dessa forma, definimos a Física como
O estudo do comportamento e da constituição do Universo, com o
objetivo de descrevê-lo; portanto, é o conjunto sistematizado de
conhecimentos científicos que objetivam estabelecer a origem, evolução
e estrutura da matéria e da radiação do Universo, e cujo método passa
pelas dificuldades do teste, da verificação, da relação entre as teorias e a
realidade empírica, e da validação das descrições, previsões e aplicações
(MILTÃO, 2010, p. 4);
A caracterização que damos ao Campo do Saber da Física consiste no que segue
(ÁREA DE FÍSICA, 1998):
 Os fenômenos estudados se manifestam como matéria e radiação do
Universo e estão ligados ao seu comportamento e constituição;
 O domínio de estudo é caracterizado pela análise do comportamento e
constituição da matéria e da radiação do Universo e é composto de um
conjunto de conceitos, axiomas, postulados, definições, leis e teorias;
 Os Níveis de Integração Teórica dos Conceitos Fundamentais e Unificadores
são caracterizados por teorias e leis gerais que atualmente são as seguintes:
Mecânica Clássica, Eletromagnetismo, Termodinâmica, Mecânica
Estatística, Relatividade, e Mecânica Quântica;
 Os métodos para descrever fenômenos físicos, visando estabelecer todas as
suas teorias e leis (em particular as teorias e leis gerais), utilizam a indução,
e dedução, bem como a intuição;
 Os Instrumentos de análise, na construção dos modelos para descrever os
fenômenos observados, consistem no intelecto, na linguagem e na
matemática, nos sentidos, e nos equipamentos;
 As contingências históricas que são as ações e influências internas e externas
do 'aqui' e do 'agora' que ocorrem no processo de evolução histórica do
Campo do Saber da Física;
 As Aplicações que consistem na forma como o campo do saber da Física se
projeta no conhecimento humano.
Para que nosso trabalho seja desenvolvido considerando o contexto cultural
próprio das EFAs, levaremos em conta os ensinamentos que a pesquisa em Etnofísica
nos dá. A Etnofísica, parafraseando D’Ambrosio (1993), é entendida como a arte
mágica, dentro de um contexto cultural próprio, de explicar, de entender, e de se
desempenhar os fenômenos físicos, em suas respectivas existências espaço-temporais.
Assim, nesse trabalho pretendemos estudar a possibilidade de algumas Escolas Famílias
Agrícolas compreenderem os fenômenos físicos de acordo com o contexto em que estes
grupos são inseridos. O que se objetiva, na verdade, é valorizar os conceitos dos
fenômenos naturais dos educandos, relacionando-os à Física Científica. Vale ainda
frisar a importância de se buscar recursos que viabilizem um melhor estudo das EFAs.
210
Para que essa compreensão se torne efetiva, algumas ações são desenvolvidas
(Cavalcante e Santos, 2008; Madejsky, 2009): (i) apresentação das Ciências Físicas aos
estudantes através de discussões, considerando os conceitos prévios dos mesmos,
percebidos nas nossas observações e questionários; (ii) participação no processo de
Formação dos Monitores, levando em consideração a realidade das EFAs, percebida nas
nossas observações e questionários; (iii) observações astronômicas utilizando pequenos
telescópios; (iv) proposta de criação de Museus de Ciências que traduzam o contexto
cultural das EFAs e a sua ligação com a visão científica dos fenômenos. Com isso as
EFAs poderão tornar-se ambientes de apoio à educação formal (escolarizados), não
formal (organizados fora da escola) e informal (na vivência do cotidiano) (GOHN,
1999), objetivando a popularização das Ciências Físicas.
Escola Família Agrícola é um exemplo de educação no meio rural a partir do
referencial pedagógico da Alternância (CAVALCANTE, 2006, p.3). A Pedagogia da
Alternância tem como base um método científico que consiste na observação, descrição,
julgamento, experimentação e questionamento (por meio dos Planos de Estudos) dos
fenômenos envolvidos. Consiste no fato de que a vida nos ensina mais que a escola,
portanto o foco do processo ensino-aprendizagem é o educando e sua realidade. Neste
caso a teoria está em função de melhorar a qualidade de vida.
Alternância, por seu turno, significa o processo de ensino-aprendizagem que
acontece em espaços diferenciados e alternados (TEIXEIRA et all, 2008). O primeiro é
o espaço familiar e a comunidade de origem (realidade); depois vem a escola onde o
educando partilha os diversos saberes que possui com os outros e reflete sobre eles em
base científica (reflexão); e, por fim, retorna-se a família e a comunidade a fim de
continuar a práxis (prática + teoria) seja na comunidade e/ou na propriedade (atividades
de técnicas agrícolas).
Desenvolvimento
A Etnofísica que se propõe aqui é determinada pela maneira com que os
fenômenos físicos são vistos, interpretados, compreendidos, explicados e trabalhados
por parte dos educandos.
A pesquisa se dá por meio de viagens de campo, onde permanecemos em cada
escola uma média de três dias para assim começar o processo de investigação
compreendido como etnografia, ou seja, fazem-se entrevistas, questionários, e
observações buscando compreender e respeitar a cultura do outro.
A pesquisa desenvolvida é do tipo ação participante (DEMO, 2004;
GIANOTTEN e WIT, 2000). Desta maneira, o estudo será pautado no diálogo teoria e
prática, no universo academia e Rede de EFAs, visando o fortalecimento do trabalho
desenvolvido pelas suas escolas, seus processos formativos nos contextos em que se
211
inserem, mediante o processo formativo de seus monitores (CAVALCANTE e
SANTOS, 2008).
As entrevistas foram conduzidas durante as observações e nas horas de descanso
para o lanche, almoço, etc. Foram investigados os conhecimentos prévios de Física na
prática diária da Pedagogia da Alternância.
O questionário teve por objetivo inicial conhecer os educandos, professores e
monitores da área, saber as principais dificuldades que eles encontram relacionadas ao
ensino de Física, como os estudantes qualificam estudar Ciências em uma EFA, como a
Física é vista na Pedagogia da Alternância e tentar identificar as áreas de trabalho em
que eles têm percepção do uso de conhecimentos físicos.
Na observação participante, nos inserimos no contexto do grupo estudado e,
após esta interação, partimos para uma coleta de dados num bloco de anotações para a
devida análise dos resultados obtidos.
Até o momento da pesquisa foram visitadas quatro EFAs, sendo elas: EFA de
Ribeira do Pombal, Alagoinhas, Rio Real e Monte Santo.
Além dos questionários aplicados, fazemos observações e algumas anotações
pertinentes à pesquisa. Vejamos algumas delas:
EFA de Ribeira do Pombal:
 Tivemos a impressão de que a escola se organizou para a nossa visita, pois
estavam presentes os monitores das disciplinas: Ciências, História, Religião,
Português e Agricultura;
 Na EFA só há ensino fundamental, e estavam lá as turmas de 6ª a 8ª séries;
 Fazem parte da escola estudantes de cidades e assentamentos vizinhos, como:
Cícero Dantas, Tucano, Cipó, Fátima, Heliópolis, Paripiranga, Banzaê,
Geremoabo, Simão Dias, Adustina e Ribeira do Amparo;
 No dia em que chegamos foi feita uma apresentação da área da Física,
abordando a origem do Universo X crenças religiosas;
 Houve uma discussão e certa “rejeição” das idéias, do ponto de vista científico,
por parte da monitora de Religião;
 Embora seja uma turma de ensino fundamental, que abordam conceitos físicos
de forma muito superficial através da disciplina de Ciências, os alunos
mostraram grande interesse em questões relacionadas a origem do Universo e
teve questionamentos sobre o Big Bang, o Homem na Lua, Plutão, etc.
 Os estudantes ficaram entusiasmados e curiosos com a possibilidade de a escola
adquirir um telescópio, afirmando acharem a idéia interessante e por nunca
terem contato com um.
212
 EFA de Alagoinhas:
 A EFA se localiza no alto de uma planície e tem um pôr do sol muito bonito,
próximo a BR 110;
 Existem as seguintes comunidades circunvizinhas: Riacho da Guia, Sucupira,
Aldeia Boa Vista. Assim, existe um público em potencial para freqüentar um
Museu de Ciências, caso a escola tenha interesse;
 Pareceu-nos, à primeira vista, que a EFA não se organizou para receber a equipe,
visto que o monitor de Física não estava presente;
 Poucos monitores estavam presentes nos dias da visita;
 Logo quando chegamos, notamos em alguns monitores presentes, vontade de
irem embora. As falas deles refletiam isso: “Já estou aqui desde ontem”, “Estou
cheio de atividades...”;
 Tais monitores, na verdade, professores, dão aulas em outros locais;
 Como implementar o curso de formação sem tais monitores? Eles participariam
nas outras visitas?
 No período da visita, só estavam presentes os estudantes do 3º ano do ensino
médio;
 Durante as apresentações acerca do trabalho desenvolvido, o interesse dos
alunos foi grande, com dúvidas e curiosidades;
 É necessária a existência de material didático específico para que as avaliações
de Física tivessem uma abordagem considerando a Pedagogia da Alternância;
 Como articular o Museu de Ciências? Os professores não são monitores.
Fazendo os estudantes se encantarem com a idéia, eles forçariam os professores
e a EFA;
 É preciso um diálogo mais efetivo da nossa equipe com os responsáveis pela
EFA, para que o projeto seja compreendido em sua extensão e profundidade.
Para isto, é importante a presença dos professores e monitores nas próximas
visitas.
 EFA de Rio Real:
 A EFA se localiza no nível do plano ao lado da BR 101;
 Comunidades circunvizinhas: Lagoa de Baixo, Mucambo, Saco da candeia,
Sítio, Puba, Teotônio e Santa Rita. Assim, há público em potencial para
freqüentar um museu de Ciências;
213
 A escola se organizou para a visita da equipe, pois marcou com os pais e
monitores para estarem presentes ( Física, Matemática, Geografia, Cultura,
Administração e Economia Rural);
 Os monitores presentes mostraram interesse em permanecer na escola durante a
nossa visita;
 Alguns professores ensinam em outras escolas;
 Nos dias da visita, estavam presentes na escola alunos do 2º e 3º anos do ensino
médio;
 Houve grande interesse por parte dos estudantes com a visita do grupo e durante
as apresentações relacionadas ao projeto.
EFA de Monte Santo:
 A EFA se localiza a aproximadamente 489 m acima do nível do mar;
 Existem as seguintes comunidades circunvizinhas: Capivara, Lagoa da
Fonseca, Lagoa do Mandacaru, Mulungu, Pedra do Pepedro, Pedra
Vermelha, Paus Verdes, Oiteiro, Muquem, Salgado, Lagoa do Saco,
Vieira, Curral Velho, Barreiros e Itapicuru;
 Tivemos a impressão inicial de que a EFA não se organizou para a nossa
visita, pois poucos monitores estavam presentes e a turma de 3º ano do
ensino médio estava em uma atividade de campo no quilombo vizinho;
 Alguns monitores dão aulas em outras escolas;
 Os monitores (Física, História, Geografia, Filosofia, Agricultura)
disseram que tinham vontade de ficar na escola, mas os que estavam no
momento da apresentação do projeto eram apenas dois;
 Durante a visita estavam as turmas de 7ª e 8ª séries do ensino
fundamental e 1º, 2º e 3º do ensino médio;
 Os alunos demonstraram interesse pela idéia do museu de ciências;
 Ocorreu uma reunião entre os monitores. São 19 ao todo, estavam
presentes 18, variando no decorrer da discussão. Esta reunião teve, no
seu primeiro ponto de pauta, a participação da AREFASE (Associação
que mantém a EFA). Fomos convidados para participar;
 Discutiram a necessidade de reforçar a presença dos monitores na
reunião de pais;
214
 Na reunião específica de monitores inicialmente ocorreu uma espécie de
conselho de classe, onde eram dadas notas a alguns estudantes;
 Em relação à avaliação, 10% da nota diz respeito ao critério de
convivência, através de observação extraclasse;
 Esta avaliação é informada para o estudante especificando os motivos
através de um monitor que será o tutor da turma. Cada turma tem um
tutor que diz a nota da convivência para a turma e para os casos mais
dramáticos, conversa em particular com o estudante. São considerados
alguns itens: introversão, educação com o professor, colegas,
brincadeiras de mau gosto, socialização, realização de tarefas,
capacidade de liderança (sem prepotência e arrogância), participação na
sala de aula, expressão oral, comportamento nos dormitórios, etc.
 Na análise, sempre que possível, se levava em conta a relação familiar.
Deu-nos a impressão de que um ponto importante é a capacidade de
formar lideranças, pois o objetivo da escola é formar técnicos para
atuarem na sociedade/comunidade, como agentes comunitários. Os
critérios da avaliação da convivência estão estabelecidos no regimento
interno da escola, definidos em assembléia (com a participação dos pais);
 Não existe um acompanhamento de um profissional de Psicologia e
Assistência Social;
 Começou uma discussão sobre as pendências para a conclusão do cursoestágio PPJ (Projeto Profissional do Jovem) de alguns estudantes;
 Discutiu-se a questão dos monitores e alguns problemas, tais como:
repasse irregular de verbas, instabilidade na carga horária, etc.
 Foi elaborado o Rodízio na EFA em virtude do período de férias.
Durante o recesso, alguns monitores e estudantes das EFAs tomam conta da
escola, cuidando dos animais, plantas e manutenção em geral. Nota-se disposição no
cumprimento do rodízio, apesar das dificuldades de agendas de cada um. Alguns
estudantes também colaboram nesta empreitada, apesar dos problemas como faltas e
atrasos. Para os alunos o rodízio é tarefa obrigatória, uma espécie de punição das
irregularidades ocorridas durante o ano letivo.
Conclusão
Diante dos dados que nós já temos acerca do trabalho desenvolvido, podemos
tecer algumas considerações iniciais no que tange a uma avaliação parcial da pesquisa.
Nota-se que muitos sujeitos envolvidos na pesquisa ainda não se dão conta das
aplicações da Física, tais como: as investigações dos fenômenos eletromagnéticos, as
215
quais levaram à invenção do gerador e do motor elétrico, do rádio, da televisão, do radar
e dos sofisticados meios de comunicações tão fundamentais para a sociedade
contemporânea; o avanço dos fenômenos nucleares, que tanto têm contribuído em
campos importantes da atividade humana, tais como a Medicina, a Biologia, dentre
outros; as investigações dos fenômenos astronômicos, que permitem ponderações
histórico-filosóficas sobre a origem da vida, do Universo e sobre o seu futuro.
Os monitores ou professores da área afirmam encontrar dificuldades para
ensinar, pois há necessidade de materiais didáticos que relacionem a Física com a
Pedagogia da Alternância, sem contar ainda que os sujeitos que ensinam não tem
qualificação profissional adequada
Notamos ainda que não há uma organização quanto as competências da Física
que devem ser privilegiadas, levando em conta os objetivos formativos desejados para a
ação escolar. Sabemos ainda que as competências para lidar com o mundo físico não
têm qualquer significado quando trabalhadas de forma isolada. O conhecimento deste
campo do saber se constrói em articulação com outras áreas. Em outros termos, a
realidade educacional e os projetos pedagógicos das escolas devem direcionar o
trabalho de construção do conhecimento físico a ser empreendido.
Um grande desafio para que o ensino se aproxime ao adequado é enfrentado
pelas EFAs no que tange a questões como:
 De que forma podemos modificar a maneira de trabalhar para garantir
uma construção sólida do conhecimento em Física?
 Como poderemos apresentar a Física considerando a Pedagogia da
Alternância?
 Até que ponto se deve desenvolver o formalismo da Física?
 Que temas devem ser privilegiados?
 É possível “abrir mão” de alguns tópicos, como por exemplo, o
Eletromagnetismo?
 E a Astronomia, o que tratar?
São questões que estão ainda, para muitos, sem resposta, indicando a
necessidade de uma reflexão que revele caminhos a serem seguidos.
O ideal seria partir dos conhecimentos prévios para, a partir daí, avançar para os
conhecimentos científicos, pois sabemos que a ciência não pode se restringir apenas ao
cotidiano, ou seja, não se deve criar a perspectiva de que a ciência só serve para
representar o real, precisamos da percepção cognitiva para buscar modelos matemáticos
que nos faça entender alguns fenômenos físicos.
216
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218
MÉTODOS SOCIOLÓGICOS E MÉTODOS PEDAGÓGICOS DE ENSINO
COMO APOIO A PESQUISA DOCENTE NA FORMAÇÃO DE PROFESORES
Edmara de Lima Maltez
RESUMO
O presente estudo trata de forma sucinta da importância dos métodos sociológicos e
pedagógicos para a pesquisa docente na formação de professores. Alguns pontos
relevantes configuram o papel do professor pesquisador no contexto escolar: é o caso do
uso de métodos que o auxiliem no processo de elaboração própria por meio da pesquisa.
Na formação de professores os métodos sociológicos e pedagógicos são ferramentas
imprescindíveis para o desenvolvimento de suas práticas. O objetivo deste trabalho é
analisar a relevância dos métodos sociológicos e pedagógicos para o trabalho de
pesquisa docente na formação de professores. A pesquisa é bibliográfica e analisa
algumas discussões de autores sobre a importância dos métodos sociológicos e os
pedagógicos, tendo como referência os estudos de autores clássicos e contemporâneos.
As considerações pautam-se na necessidade de se trabalhar os métodos sociológicos e
pedagógicos de forma a aglutinar suas particularidades e inseri-las na prática de
pesquisa proposta na formação de professores.
Palavras-chave: Métodos sociológicos e pedagógicos. Pesquisa Docente. Formação de
Professores
INTRODUÇÃO
Para entender a importância da pesquisa na formação de professores para sua
atuação na escola, este estudo analisa as contribuições dos métodos sociológicos e
métodos pedagógicos. Entende-se que, para enfrentar os problemas da educação no
Brasil, é importante contar com ferramentas estratégicas que possam organizar a prática
de pesquisa do professor. Este é um sujeito que necessita estudar para adquirir as
informações úteis ao seu trabalho na escola.
Ao escolher os métodos sociológicos, apresentamos as contribuições de
Durkheim, sendo assim possível adentrar na questão dos fatos sociais que segundo os
estudos desse autor exigem reflexão prévia e distância das ideias pré-concebidas. Em
sua corrente teórica ele propôs que se levasse em conta o conjunto de crenças e também
os sentimentos coletivos, ambos como base da coesão da sociedade. Ao destacar o
estudo moral dos indivíduos, causou grande impacto reflexivo quando de fato
condiciona a própria sociedade à criação de mecanismos de coerção internos. A partir
219
dessa concepção de coação por meio das regras, evidencia que os indivíduos acabam
por aceitá-las dentro dessa sociedade. Para o professor em formação conhecer essas
questões podem auxiliá-lo a delimitar seu problema de pesquisa, além da reflexão
necessária sobre o que se propõe a estudar.
Para entender o universo da pesquisa do professor na escola é preciso
questionar se este a adota como base de suas ações desenvolvidas em sala de aula.
Nesse contexto, condicionar os planejamentos das aulas e projetos escolares aos
métodos sociológicos (científicos) e métodos pedagógicos pode significar ainda uma
realidade pouco vivida por alguns professores. Por outro lado, é uma necessidade
condicional para os que estão dispostos a atuar de forma atual e contextualizada com
seus alunos. Muitos professores não assumem sua condição de pesquisador, pois a eles
são negadas condições mínimas para esse trabalho, ou seja, faltam bibliotecas, tempo
para pesquisar e principalmente apoio quanto à divulgação de suas ações já
desenvolvidas.
Dados do MEC, sobre o percentual de funções docentes por grau de
formação e localização, mostram que no nordeste, mais precisamente na zona rural são
apenas 5,4 % de professores com nível superior. (INEP, 2002). A partir desta realidade,
o interesse em estudar a importância do professor pesquisador se intensifica, não
somente por compor este cenário de educação rural, mas por descobrir a cada ano letivo
a ausência de postura de pesquisador e de elaboração própria acabam por prevalecer. É
negada a estes professores a oportunidade de conhecer e estudar os métodos
sociológicos e pedagógicos e assim poder fortalecer os subsídios metodológicos para
este professor tornar-se um pesquisador. Por isso, em sua formação deve ser dada aos
professores a oportunidade de adquirirem, além das competências oferecidas nos curós,
ferramentas para adquirir habilidades com o uso dos métodos sociológicos e
pedagógicos.
Enquanto problema discute-se: na ausência de métodos sociológicos e
pedagógicos nas atividades educacionais do professor pesquisador em formação, ocorre
uma desarticulação entre a pesquisa e a prática e consequente negativação do êxito
escolar deste profissional?
Neste contexto, o objetivo aqui proposto é apontar a relevância dos métodos
sociológicos e pedagógicos para o trabalho de pesquisa na formação de professores. O
processo que dá alusão à importância da pesquisa do professor na escola pode ser vista
como forma de suprir a insuficiência da formação inicial desse educador e colocá-lo
220
como construtor de habilidades profissionais no que se refere às atividades propostas
em sala de aula. Buscar, por meio da leitura e registrar por meio da escrita, esse
processo de formação somente pode corroborar para uma eficiente identidade de
pesquisador atuante na escola.
1.1 MÉTODO SOCIOLÓGICO EM DURKHEIM
Em termos de origem o método é o caminho que se utiliza para fins de um
alcançar um determinado objetivo. Já a metodologia é responsável pelas regras
estabelecidas para se fazer uso de certo método. “a necessidade de observar, de formular
hipóteses, a elaboração de instrumentos, etc. “(RICHARDSON, 1999, p. 22).
É na pesquisa que os métodos se constituem, pois há preocupação com o
conhecimento que se pode adquirir quando em contato com a teoria é que organiza o
objeto estudado. Não se deve pesquisar por mera aquisição de conhecimento ou desejo
de resolver problemas, mas investigar um cenário mais próximo de uma intervenção
positiva para a realidade social. Conscientes das diferenças e das imposições derivadas
das necessidades vividas em sociedade, os estudiosos como Durkheim (2007) discutem
o direcionamento para métodos objetivos, ou seja, os fatos sociais quando estudados,
são coisas e por isso independentes das filosofias ou ideologias. Para este autor a
sociedade possui características próprias e que não deriva nem da natureza humana,
nem das consciências individuais.
O método sociológico de Durkheim contrapunha-se ao conhecimento
filosófico da sociedade, pois para ele as correntes teóricas que não tinham validade
científica eram tidas como crenças. O conhecimento dos fatos sociais deveria levar à
interação desses fatos e a realização humana nada mais era para ele do que produto da
própria sociedade. Para ele, as consciências individuais surgem da sociedade por meio
da coerção. (DURKHEIM, 2007).
Talvez por isso a socialização constitui uma das bases da sociologia, ou
seja, desde a infância nossas maneiras de agir são marcadas pelas regras sociais que
acabam por definir em qual grupo social pertencemos. Estes grupos aprendem a
conhecer a si e os outros para conviverem na dinâmica das interações para a construção
contínua de sua individualidade e relações de convivência com o coletivo. Para
Maturccelle (1997) “a concepção interacionista da noção de socialização implica que se
leve em conta a criança como sujeito social, que participa da sua própria socialização”.
221
Diante das considerações desses autores, é pertinente questionar em que sentido podem
ser trabalhados pelo professor pesquisador o método sociológico para buscar respostas
às situações vividas em sala de aula.
Em resposta podemos inferir citando um exemplo de conflito vivido pelo
professor em sala de aula:
Paulo, um aluno que normalmente não tem qualquer problema de
indisciplina e agressividade, estava sentado em sua carteira,
escrevendo algo em seu caderno, enquanto Alex, que segundo a
professora vivia ‘metido em brigas’, dá-lhe um grande tapa na nuca
dizendo ‘pedala Robinho’. (VINCENTIN, s/d, p. 86).
Ao descrever tal situação a autora propõe que se sigam dois princípios
citados por Devries e Zan (1998 apud VINCENTIN, s/d), o de reconhecimento de que o
conflito pertence à criança e a de que esta tem a capacidade de solucionar seus próprios
conflitos. Não deve o educador assumir a resolução destes, mas propor uma reflexão
mediante o autocontrole afetivo.
Pode parecer fácil quando se é possível conhecer essas possibilidade
resolução de um ‘problema’. Aparentemente não há um método sociológico implícito
ou mesmo desenvolvido. Conhecimento dos fatos sociais, coerção por meio de regras
não seriam estes elementos bastantes presentes nas escola? Sim, por isso é interessante
quando Durkheim coloca que a formação do ser social é construída pela educação e
quanto à assimilação de normas, princípios morais, religiosos, éticos e de
comportamento o indivíduo os assume porque é produto da sociedade.
Quando um professor se propõe a pesquisar para tentar resolver um
problema, deve encontrar apoio para suas reflexões nos métodos sociológicos como o
de Durkheim. Fazer uso de métodos e técnicas é organizar-se para obter oportunidades
de aprendizagem, através de investigação metódica, que cria possibilidades para
construção de competências e habilidades pedagógicas.
Durkheim (2010) liga a atuação de interação e inter-relacionamento dos
indivíduos a capacidade destes de produzir algo mais profundo e complexo para a
compreensão da própria formação. Por isso a observação é em seu método um caminho
para o estudo de um fenômeno. A esse respeito tem-se:
Só existe um meio de demonstrar que um fenômeno é causa de outro:
comparar os casos em que eles estão simultaneamente presentes ou
ausentes e examinar se as variações que apresentam nessas diferentes
222
combinações de circunstâncias testemunham que um depende do
outro (DURKHEIM, 2010, p. 45).
Assim, Durkheim sugere o uso tanto da observação como da experimentação
indireta ou comparação, visto a ocorrência de um fenômeno que não pode ser resolvido
pelo observador, pois os fatos surgiram espontaneamente.
Voltando ao exemplo citado anteriormente sobre o conflito entre alunos em
sala de aula, inferimos que para o professor compreender em que dimensão está sua
ação, isto é, se assumirá uma postura mediadora ou ordenadora do cumprimento de
punições. Portanto, conhecer os métodos sociológicos e combina-los com os métodos
pedagógicos é uma tendência que precisa ser mais refletida na escola pelo professor. Na
prática do professor problematizador não deve haver limites para as possibilidades de
uso de um ou mais métodos. Na condição de pesquisador não se pode apenas informar
regras e conteúdos, mas aprofundar-se em conhecimentos que o leve a contribuir com
seus alunos para o resignificado de conceitos ou criação de novos.
No contexto atual das salas de aula, as contribuições de Durkheim se fazem
pertinentes na medida em que apontam para uma ação humana que ainda insiste na
punição absoluta ou mesmo rejeição social. A pesquisa do professor neste sentido,
fazendo uso de métodos sociológicos, favoreceria o conhecimento mais aprofundado
sobre a identidade, a diversidade cultural, os valores, a etnicidade e muitos outros. É
preciso dar sentido e experiência à prática docente por meio da pesquisa.
1.2 MÉTODOS PEDAGÓGICOS E PRÁTICA DOCENTE
São problemas como drogas, violência, indisciplina, evasão, subnutrição e
outros que os professores passam a lidar diariamente no contexto de sua escola. São
alunos vindos de níveis sociais diferentes com problemas complexos que iniciam-se
desde a família até a convivência em meio social. Do outro lado, os professores ainda
estão pouco fortalecidos pedagógica e cientificamente, ou seja, para enfrentar os
desafios diários é preciso desenvolver práticas que passem pelos métodos científicos e
pedagógicos. Há ainda uma ressalva quanto a ausência de políticas públicas que
direcionem e apóiem as pesquisas desenvolvidas pelos professores.
Mesmo sem ter habilidade com o desenvolvimento de textos acadêmicos,
muitos professores registram suas ações pedagógicas e o processo pelo qual se pretende
223
chegar ao objetivo proposto. Dessa forma, apóiam-se nos métodos pedagógicos para a
elaboração de planos de aula, projetos escolares, relatórios de atividades, dentre outros.
Ao conhecer alguns estudiosos e suas correntes teóricas, os professores
pesquisadores devem refletir sob as relações sociais na sociedade, inclusive as
envolvidas na educação. Dentre os vários métodos considerados pedagógicos está o de
Paulo Freire. Autores reportam-se à contribuição de Freire não como uma simples
metodologia a ser reproduzida, mas uma rica e importante relação dialética entre prática
e teoria (PALMER, 2006).
Ao sugerir o uso do conhecimento adquirido pelos alunos para reapropriar-se
do conhecimento dominante em busca da emancipação, Freire (2004, p. 47) afirma que
“ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar possibilidades para a própria
produção ou a sua construção”. Para ele cabem algumas competências essenciais ao
educador:
Ensinar exige pesquisa: dominar conteúdos e estar atualizado;
ensinar exige respeito aos saberes dos educandos: respeitar os
conhecimentos prévios e valorizar a cultura dos alunos; ensinar
exige criticidade: fazer uma leitura crítica da realidade [...]
(FREIRE, 2004, p. 56).
Portanto, a pesquisa é ferramenta base do ato de ensinar e este deve
contribuir de forma significativa, problematizando dentro do contexto da realidade
vivida pelos alunos. Cada educador deve buscar formular suas questões e procurar
responde-las, fazendo uso de métodos contextualizados, como o construtivista
(BRUNER), emancipatório e dialógico (FREIRE). O método pedagógico é: “uma forma
específica de organização dos conhecimentos, tendo com conta os objetivos do
programa de formação, as características dos formandos e os recursos disponíveis”.
(FREIRE, 2004, p. 64).
1.3 CONTRIBUIÇÃO DOS MÉTODOS PARA A SOCIALIZAÇÃO DA PESQUISA
DO PROFESSOR
Os métodos empregados devem subordinar-se ao tipo de aula a ser
ministrada, afirma Fonseca (2003), pois a escolha do método a ser utilizado depende do
224
tipo de aula. O propósito desta escolha é regular as forma de interação entre ensino e
aprendizagem, aluno e professor. Assim, para Gadin (2004) os métodos devem assumir
na prática docente uma relação do objetivo-conteúdo, além dos meios a serem seguidos
para se alcançar tais objetivos.
Entendemos assim que a construção de métodos a serem usados em
situações pedagógicas específicas depende de uma concepção metodológica mais ampla
do processo educativo em que se está inserido professor e aluno. Com isso, os
procedimentos metódicos da prática do professor pesquisador devem servir para
fundamentar paradigmas de reflexão e ação sobre a realidade educacional. Para tanto, é
importante reconhecer que o processo de conhecimento e a atividade prática do homem
na sociedade devem estar vinculados a estes métodos de ensino como respostas aos
objetivos propostos.
O método da reflexidade epistêmica de Bourdieu (2004) orienta para uma
forma de pensar e ordenar a realidade de forma minuciosa. É respeitado por auxiliar a
entender a prática intelectual na educação. Para (PALMER, 2006, p. 282):
A atitude e os métodos de reflexividade epistêmica oferecem uma
estratégia para refletir sobre a postura epistemológica e social do
pesquisador, em vez de entrar numa prática subjetiva que é
meramente biográfica e expressa um relacionamento com nossas
crenças e com as maneiras de adotarmos certas posições.
Por ser assim considerado o conhecimento um fato social considera
importante a investigação social e histórica. Portanto, ao combinar o uso dos métodos
sociológicos como os métodos pedagógicos, o professor pesquisador trabalhar a
elaboração e o fazer algo com organização para melhorar o cenário educacional.
Assumindo critérios particulares as atividades do professor com o aluno devem ser
eficazes e oportunas. Aglutinar os métodos é um desafio para muitos educadores que
não têm o hábito de elaboração própria através da pesquisa, porém se faz necessário
para o trabalho educacional.
A demonstração é uma forma de representar fenômenos e processos que
ocorrem na escola, por isso, a pesquisa do professor deve ser demonstrada em seus
objetivos, conteúdos e métodos. Isso pode ser feito junto aos alunos e com o uso de
ferramentas como as mídias, ilustrações e a própria escrita. Expor os fatos e fenômenos
investigados na escola e levar a conhecimento público através da elaboração própria
ainda é uma realidade distante da prática docente.
225
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo, ao propor como objetivo apontar a relevância dos métodos
sociológicos e pedagógicos para o trabalho de pesquisa na formação de professores,
trouxe algumas considerações importantes. Uma delas seria entender o processo de
pesquisa como uma investigação que parte do trabalho social da prática desse docente e
que por meio dos métodos se pode chegar à resolução de problemas. O desafio em aliar
a pesquisa científica com a pedagógica na escola é outro ponto que se constitui a partir
dos métodos sociológicos e dos métodos pedagógicos, pois há predominância em ambos
que merecem um olhar investigativo, seja pelo fato de estarem voltados à pesquisa
social e questões relevantes de interesse coletivo, seja pela articulação destes métodos,
os quais têm como base as teorias que aproxima a pesquisa científica à pedagógica por
representar uma significação social.
Diante disso, entende-se que sobre as contribuições de Durkheim não basta
estudar a correlação entre os fatos sociais, cabe uma explicação racional dos resultados
a serem interpretados. Caso o conhecimento permita uma intervenção ativa o processo
de pesquisa tem lugar no campo social e serve como fonte transformadora e formadora
de indivíduos.
Conclui-se que é possível combinar a pesquisa científica com a pedagógica
desde que – para estar presente nas escolas não como apoio, mas como uma busca pela
inovação e mudança de um cenário que ainda desqualifica a educação – se priorize o
estudo teórico, a investigação e a intervenção, fazendo uso dos métodos sociológicos e
pedagógicos.
REFERÊNCIAS
BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004.
DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins fontes.
2007.
226
FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 2004.
FONSECA, Selva Guimarães. Didática e Prática do Ensino de História. 4.ed.
Campinas-SP: Papirus, 2003.
GADIN, Danilo & Cruz. Planejamento na Sala de Aula. 2.ed. Campinas-SP: 2004.
INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO
TEIXEIRA (INEP). 2002.
MARTUCCELLI, Danilo. Dans quelle société vivons-nous. Buenos Aires: Losada,
1996.
PALMER, Joy A. 50 Grandes Educadores Modernos: de Piaget a Paulo Freire. Trad.
Mirna Pinsk. São Paulo: contexto, 2006.
RODWELL MK. Um modelo alternativo de pesquisa: o construtivismo. Rev FAEEBA.
1994;3:125-41.
VICENTIN, Vanessa F. E quando chega a adolescência: uma reflexão sobre o papel
do educador na resolução de conflitos entre adolescentes. São Paulo: mercado das
letras, s/d.
RICHARDSON, J. R. Pesquisa Social: métodos e técnicas. 3.ed. São Paulo: Atlas,
1999.
227
RECURSOS DIDÁTICOS NO ENSINO DE CIÊNCIAS: UMA REFLEXÃO A
PARTIR DA REALIDADE DAS ESCOLAS PÚBLICAS DE SENHOR DO
BONFIM, BAHIA
Adson dos Santos Bastos
Resumo: Vivemos na era da tecnologia, onde as informações são processadas de forma
rápida, no qual o saber pré-fixado sede lugar a busca da construção contínua do
conhecimento e neste sentido o ensino das Ciências deve despertar o raciocínio
científico e não ter apenas um caráter informativo. E cabe ao professor facilitar a
construção do processo de formação, influenciando o aluno no desenvolvimento da
motivação da aprendizagem e os recursos didáticos são ferramentas fundamentais para o
processo de ensino e aprendizagem. O objetivo desse trabalho é promover uma reflexão
sobre a utilização dos recursos didáticos no ensino de ciências nas escolas públicas da
cidade de Senhor do Bonfim-BA, buscando verificar como as aulas estão sendo
desenvolvidas pelos professores da disciplina. Como instrumento metodológico foi
utilizado a observação dos recursos didáticos encontrados no ambiente escolar e
aplicação de questionários. Questionários do tipo semi estruturados contendo questões
abertas e fechadas para obter informações quanto ao ensino e os possíveis recursos
didáticos utilizados durante as aulas de ciências. Verificou-se que as aulas ainda têm um
caráter tradicional tendo como recursos didáticos mais utilizados o livro didático e o
quadro marcado pelo instinto da memorização e avaliações escritas. Porém começam a
surgir algumas mudanças e outros recursos ditos como recursos audiovisuais e
tecnológicos começam a ganhar destaque no ensino de ciências mesmo que de forma
tímida. E diante desse contexto conclui-se que é necessário mudar, quebrar com essa
barreia ainda tradicionalista e partir para um método construtivista onde o professor
deve ser o mediador e o aluno o construtor do próprio conhecimento, e os recursos
didáticos é de grande valia, pois quando bem planejados tornam a aula envolvente e
atrativa.
Palavras-chave: Ciências Naturais; Ensino Fundamental; Recursos Didáticos.
Introdução
O mundo tem passado por mudanças cada vez mais aceleradas, estamos diante de
um novo paradigma, vivemos na era tecnológica, onde as informações são processadas
de forma rápida, e isso exige que os docentes reflitam melhor sobre sua ação
pedagógica e revejam novas formas de ensinar. A educação está implantada nesse
processo globalizado, onde o saber determinado e previsível sede lugar a busca da
construção continua do conhecimento. E apesar de toda tecnologia impregnada
228
atualmente o Ensino de Ciências ainda permanece enfadonho, restrito a aulas
tradicionais, tendo como recursos didáticos o quadro e o livro didático marcado pelo
instinto da memorização e avaliações escritas.
É fundamental romper com esse método e familiarizar o estudante com a pesquisa
e a descoberta, formando cidadãos capazes de responder as necessidades atuais e o
professor deve abrir caminhos para que isso ocorra promovendo a investigação,
experimentação e a discussão ao invés de apenas se preocupar em repassar conteúdos
(PAVÃO e FREITAS, 2008). Não se trata de negar a importância das aulas expositivas
e nem o uso dos livros didático, afinal representa a comunicação na sua forma mais
fundamental e qualquer recurso bibliográfico tem seu valor, o que é imperdoável é a
frequência dessa modalidade de ensino e a passividade que ela promove, uma vez que
está vinculada a um modelo de ensino que deve ser superado (PACHECO, 2000).
Com a utilização de recursos variados, pensa-se em suprir os espaços vazios que o
ensino tradicional geralmente deixa, e desse modo, além de expor o conteúdo de forma
diferenciada, mais atrativa, torna os alunos participantes do processo de aprendizagem.
Mais para que isso ocorra de forma positiva o professor deve ter domínio e um
equilibrado conceito de técnicas e recursos didáticos adequados a faixa etária que se
destina.
Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002) apontam que é preciso está sempre
inovando na sala de aula e utilizando recursos diversos para uma melhor abordagem dos
conteúdos, para que o conhecimento que estava distante do tempo e do espaço possa ser
assimilado e reconstruído pelo aluno.
Mello (2004) salienta que os recursos não podem ser utilizados como se fossem
aulas em si, deve ser utilizado como um meio, um apoio para que ocorra a troca de
conhecimentos entre professor e aluno. Souza (2007) postula que:
O professor deve ter formação e competência para utilizar os recursos
didáticos que estão ao seu alcance e muita criatividade, ou até mesmo
construir juntamente com seus alunos, pois, ao manipular esses objetos a
criança tem a possibilidade de assimilar melhor o conteúdo. Os recursos
didáticos não devem ser utilizados de qualquer jeito, deve haver um
planejamento por parte do professor, que deverá saber como utilizá-lo para
alcançar o objetivo proposto por sua disciplina (p.111).
O docente deve fazer uma reflexão prévia sobre os conteúdos a seres trabalhados
e assim programar recursos que se adaptem a seus objetivos já traçados, deve haver uma
229
seleção onde o docente deve analisar quais recursos ele tem quais recursos a escola
dispõe para que aquele determinado assunto seja trabalhado de forma eficaz.
Quase tudo pode ser considerado como recurso didático se o mesmo for usado
num contexto de formação específica com a função de facilitar a aprendizagem, e entre
os mais diversos tipos de recursos didáticos podemos citar: livros, quadro, revistas,
documentários, filmes, computador, internet, matérias manipuláveis, data show, aula de
campo entre tantos outros, enfim uma gama de variedades. E quando usados de forma
adequada colaboram para despertar o interesse dos alunos e aproximá-los da realidade,
desenvolver a capacidade de observação, oferecer informação e dados específicos.
Quanto mais variado e rico for o meio intelectual, metodológico ou didático fornecido
pelo professor, maiores condições ele terá de desenvolver uma aprendizagem
significativa da maioria de seus alunos (LABURÚ; ARRUDA e NARDI, 2003).
Por isso, o docente deve ser um profissional crítico e reflexivo, buscando
atualizar-se para um melhor desempenho profissional, deve está atento as mudanças e
sempre preparar suas aulas com antecedência, explorando outros recursos e assim obter
motivação no processo de ensino e aprendizagem. O foco desse estudo foi conhecer os
recursos didáticos mais utilizados pelos professores de ciências que atuam nas escolas
estaduais e municipais da sede do município de Senhor do Bonfim durante suas aulas e
perceber a importância dos mesmos para o docente no processo do ensino e
aprendizagem com a intenção de trazer uma contribuição na discussão sobre propostas
concretas de intervenção.
Procedimentos Metodológicos
Como instrumento metodológico foi utilizado a observação dos recursos didáticos
encontrados no ambiente escolar e aplicação de questionários. As observações foram
feitas constantemente durante as visitas as escolas, sendo orientados pelo diretor, vicediretor ou algum funcionário da escola, foram apresentados os recursos disponíveis e
seu estado de conservação. Após esse procedimento ocorreu à aplicação dos
questionários contendo questões abertas e fechadas para obter informações quanto ao
ensino e os possíveis recursos didáticos utilizados durante as aulas de ciências.
Com o questionário buscou-se caracterizar o perfil docente através de questões
sobre idade, tempo de serviço, habilitação profissional, formação acadêmica, disciplinas
que lecionam na escola. Em seguida questão sobre os recursos didáticos existentes na
230
escola e quais o docente utiliza com mais frequência, importância de diversificação
durante as aulas de ciências, interesse pelos recursos didáticos.
Análise dos dados
O professor entra em contato com seu campo de atuação desde a sua formação
inicial, através das disciplinas pedagógicas e quando começa a atuar profissionalmente
vai ganhando mais experiência com a prática docente. O trabalho docente requer
constante reflexão e aprofundamento, no qual o professor, na resolução dos problemas
cotidianos de seu saber-fazer, desenvolve ações que se apresentam como respostas aos
desafios que a prática impõe.
E nesse contexto Oliveira et. al., (2006) afirma que “o desenvolvimento pessoal e
profissional de um professor é um processo complexo e tecido conforme ele se
posiciona em relação as múltiplas e, por vezes, contraditórias situações”. Perrenoud
(2000) destaca que o ato de ensinar envolve muito mais do que apenas experiência de
quem ensina, é preciso saber ensinar para que se aprenda. E neste sentido o docente por
mais que tenha anos de experiência na sala de aula, isso não irá garantir que seus alunos
aprendam se ele não tiver atento para a utilização de diferentes metodologias e
estratégias que garantam a aprendizagem dos alunos.
Analisando as disciplinas que os docentes lecionam, além de ensinar ciências
muitos atuam em outras áreas para completar a carga horária. Foram citadas as
disciplinas: História, Artes, Cultura Afro, Inglês, Geografia, Religião, Química,
Sociologia, Matemática, Geometria e Redação. Esse misto de disciplinas acaba fazendo
parte da rotina desses profissionais da educação, que ficam repletos de disciplinas para
dar conta e devido à sobrecarga de trabalho nem sempre sobra tempo para se dedicar
exclusivamente as ciências e planejar uma aula investigativa que promova a descoberta
e motivação da turma.
Em relação aos recursos didáticos mais utilizados pelos professores de Ciências
que trabalham no ensino fundamental II tanto das escolas Estaduais quanto das escolas
Municipais da sede de Senhor do Bonfim, notou-se que os livros didáticos e o quadro
são os mais utilizados (Figura 01).
Esse resultado confirma que o ensino de Ciências ainda permanece associado a
uma educação “bancária” desvinculada da realidade do aluno e do contexto atual,
caracterizada pelo padrão tradicionalista. Santos (2010) e Buck (2002) relatam que
231
apesar dos professores saberem a importância de diversificar suas aulas, deixando-as
mais envolventes, a utilização dos recursos ainda é deficiente, limitando-se a aulas
expositivas com uso do livro didático e o quadro, onde os conteúdos são abordados
como mera transmissão de conhecimento científico, geralmente feito por um processo
fragmentado, através de atividades ultrapassadas como cópias, ditados e exercícios de
memorização.
Para Fernandes (2005), o livro impresso ainda reina soberano no espaço da sala de
aula sendo, portanto, o definidor do próprio currículo escolar, apesar das novas
tecnologias de informação e comunicação.
Figura 01 – Relação dos recursos didáticos mais utilizados pelos professores de Ciências que atuam no
Ensino Fundamental II (6°ano a 9°ano) nas escolas públicas de Senhor do Bonfim, BA.
Neste sentido, o livro didático tem grande valor nas construções curricular sendo a
principal fonte de muitos docentes, e as falhas contidas nos livros têm gerado grandes
discussões, tornando-o alvo de diversas análises (SOUTO, 2003). Para tal tradição
Borges (2000), associa a fatores externos e internos a sala de aula: características
econômicas e culturais dos alunos, formação e condições de trabalho dos professores,
suas concepções de ensino, as políticas educacionais e suas implicações na grade
curricular e nos conteúdos. Nesse sentido é fundamental quebrar com esse vinculo ao
livro didático e utilizar outros recursos buscando outras formas e fontes de transmitir
conhecimentos.
232
Por outro lado, o uso de filmes começa a ganhar destaque no cenário escolar. Os
professores começam a levar para sala de aula recursos audiovisuais saindo da mesmice
diária das aulas tradicionais. O uso da imagem e do áudio quando bem planejados
tornam-se eficazes como destaca Dantas (2008), “o uso da imagem e da mensagem
transmitida nos filmes leva o aluno a descobertas, estimulando sua autonomia,
criticidade e curiosidade, propiciando o desenvolvimento da linguagem, do pensamento,
da concentração e da atenção”.
Utilizar esse tipo de recurso possibilita a inovação no contexto escolar e dessa
forma possibilita que o aluno tenha outras maneiras de aprender. Forma-se um elo para
que o conhecimento do professor, geralmente científico, seja entendido pelo aluno de
uma forma mais atrativa, já que o hábito de ver filmes faz parte do cotidiano de muitos
indivíduos.
O mesmo percentual dado a TV Pendrive foi dado ao uso de cartazes pelos
docentes. O cartaz é um meio de comunicação em massa, cuja finalidade é transmitir os
mais diversos tipos de mensagens, a sua utilização em sala de aula é muito limitada e
tem como objetivo informar e chamar a atenção dos alunos. Já a Tv pendive pode ser
vista como um símbolo do avanço tecnológico que chega às escolas com o intuito de
facilitar o trabalho do professor e promover uma aula mais interativa e atrativa com uso
de imagens e áudio para o público alvo. O uso consciente e criativo desse recurso pelo
docente junto aos seus alunos poderá ser um recurso significativo na construção do
conhecimento científico.
Brito e Purificação (2006), enfatiza que para isso, o professor deve está em
continuo aperfeiçoamento, ou seja, a necessidade da formação continuada, articulandose educação e tecnologia, adequando a mesma a sua prática pedagógica. Cortes (2008)
ressalta que é indispensável que se crie mecanismos para a formação dos professores,
trazendo a estes a compreensão das reais necessidades do processo educativo atual, do
uso didático-pedagógico de tais ferramentas, aliando a técnica com o pedagógico.
Outros recursos didáticos citados foram: fotocópias, revistas e data show.
Geralmente o uso de fotocópias e revistas está associado a textos e segundo Côco
(2001) a leitura participa da construção cultural do homem, mais o texto deve ser
escolhido através de algum critério e não servir à comodidade do docente simplesmente,
facilitando o processo de preparo da aula.
O professor, na escolha do material e no trabalho com ele, deve compreender que
a compreensão do texto exige uma leitura crítica que implica na percepção das relações
233
entre o texto e o contexto (FREIRE, 1989). Sendo assim, é essencial entender porque e
como o professor utiliza os textos e de que forma ele minimiza ou contorna as questões
citadas. A final qualquer recurso bibliográfico é valido mais o docente deve ser crítico e
não torná-lo como única fonte de trabalho.
Já o data Show apesar de ser um equipamento bastante útil, de fácil transporte e
que ajuda no processo de visualização de imagens ainda é muito pouco usado pelos
professores de ciências, muitos docentes ainda não sabem como usar esse recurso e
acabam por eliminá-lo do seu campo de atuação ao invés de buscar maneiras de
aprender a manusear esses novos equipamentos tão freqüente nos dias atuais.
Segundo Schmidt e Pazin Filho (2007) o custo de aquisição deste equipamento é
alto, nem sempre está disponível em locais de apresentação e exige algumas técnicas pra
manuseá-lo. Mais o docente tem que ser receptivo a mudanças, no sentido de dispor aos
alunos novos recursos tecnológicos, visando um ensino mais relacionado como mundo
atual.
O uso do computador começa a assumir um papel relevante nas escolas publicas
sendo que 22% dos professores afirmaram seu uso durante as atividades didáticas. Esses
dados nos mostram que as novas tecnologias começam a ganhar espaço na sala de aula e
que alguns professores estão se adaptando a essa fase tecnológica. Sendo bastante
relevante para o processo educacional, conforme Coscarelli (1998), o uso de novas
tecnologias estimula os estudantes proporcionando o desenvolvimento de diversas
habilidades intelectuais e assim se mostram mais motivados para aprender. Garção e
Andrade (2009) afirmam que se o professor souber usar o computador para fins
didáticos o mesmo torna-se um recurso colaborador para a aprendizagem.
Os recursos menos citados foram: jogos, fotografias, rádio, retoprojetor e aula de
campo. 4% dos professores afirmaram a utilização desses recursos durante suas aulas.
Os jogos tornam-se bastante apropriado para que o aluno assimile melhor os conteúdos
de forma lúdica. Como relata Pedroso (2009):
Através da dinâmica dos momentos pedagógicos, os conhecimentos escolares
deixam de ser abstrações, passando a constituírem-se como instrumentos que
podem ser utilizados na busca de soluções para os desafios de uma nova
forma de olhar o mundo (p. 3189).
Por outro lado, esse recurso ainda precisa ser mais usado pelos professores de
ciências, pois desse modo o processo de construção do conhecimento escolar se
descaracteriza e deixa de contribuir para uma postura critica do conhecimento.
234
As fotografias ainda não são vistas como um recurso de grande potencial para as
ciências, apesar da popularização dos aparelhos eletrônicos, seu uso como recurso
didático ainda é bastante tímido, deixando de lado um importante recurso visual, onde o
uso da imagem poderia ser compartilhada, apreciada e interpretada pelos alunos e
professores. De acordo com Bento (2009), o uso de fotografias surge como mais uma
possibilidade e oportunidade do professor facilitar e melhorar o processo ensinoaprendizagem, uma vez que o nosso universo está repleto de imagens.
Já o rádio contribui bastante para torna uma aula mais atraente principalmente
para os jovens de hoje que são movidos a música e o professor pode utilizar esse
recurso para diversificar suas aulas e atrair os jovens para a sala de aula. Como aborda
Catão (2010) a música pode tornar o ambiente escolar mais alegre e favorável á
aprendizagem. E com um bom planejamento a música torna-se eficaz para ensino de
Ciências, como observou SANTANA e ARROIO (2008) em seus estudos que a música
é uma forma de diálogo da ação humana, neste sentido é um recurso que permite ao
professor utilizá-la como mecanismo importante nos processos de mediação e
negociação de significados ao abordar temas científicos.
O uso de retroprojetor e transparências já está bastante difundido nas escolas,
apesar do custo de aquisição e manutenção ainda alto e do custo das lâminas para
transparências, esse recurso ainda a é bastante útil apesar da introdução de novos
recursos tecnológicos (ROSA, 2008). A transparência é usada basicamente como apoio
para exposição oral, fazendo uso de imagens e textos para facilitar a troca de
conhecimentos, mas em virtude da crescente utilização de projetores multimídias onde a
conexão é diretamente através do computador, esse recurso didático vai perdendo
espaço no cenário escolar.
Já as aulas de campo ou aulas práticas segundo Lakatos (2001) proporcionam
grandes espaços para que o aluno seja atuante, tornando-se agente do seu próprio
aprendizado. E analisando o trabalho de Carvalho et. al., (2010) observou-se que na
vivência da escola as atividades práticas são pouco frequentes, embora permaneça a
crença dos professores que por meio delas, pode se transformar o ensino de Ciências.
Krasilchik (2004) argumenta que no ensino das Ciências, e mais especificamente
de Biologia, as práticas de laboratório e campo ainda são muito escassas. E nesse
contexto chama-se atenção para a necessidade de mudanças, às vezes bruscas, na
atuação dos professores.
235
Esses recursos citados anteriormente são menos frequentes nas atividades
pedagógicas desenvolvidas pelos professores de Ciências envolvidos na pesquisa,
embora observe uma introdução tímida, é preciso ficar atento as novas mudanças no
processo educacional e adequar às novas modalidades de ensino. Vianna e Carvalho
(2001) enfatizam que:
Há necessidade de uma mudança didática, onde as interferências das áreas de
conhecimento pedagógico e do conteúdo a ser ensinado, no nosso caso
ciências, precisam atuar. É preciso que o docente, numa atividade de
atualização, possa refletir sobre a sua prática, os conteúdos que ensina,
aprendendo o que acaba de ser produzido, colocando-o em xeque em como
introduzir os novos conhecimentos em sala de aula (p.115).
Em todas as escolas pesquisadas não existiam laboratório de ciências, apesar de
50 % das escolas possuírem microscópio, mas esse se encontrava muitas vezes
danificado ou inutilizável pelos professores. É lamentável que nas escolas não tenham
laboratórios de Ciências afinal o laboratório constitui um local bastante significativo
para o ensino principalmente para que o aluno possa associar a prática à teoria.
As aulas práticas são essenciais para que os alunos tenham um aprendizado
eficiente e significativo, pois nesse tipo de aula os alunos manuseiam equipamentos,
materiais, observam fenômenos que só podem ser visualizados através de um
microscópio e, além disso, as aulas práticas ajudam a sair da rotina da sala de aula e a
disciplina de Ciências se torna atrativa para o aluno. Em seus estudos Zimmerann
(2005) defende que:
É durante a atividade prática que o aluno consegue interagir muito mais com
seu professor. É utilizando esse tipo de atividade que o aluno pode elaborar
hipóteses, discutir com os colegas e com o professor e testar para comprovar
ou não a idéia que teve. Isso tudo, sem dúvida, resulta numa melhor
compreensão das Ciências (p. 25).
De acordo com Dourado (2001), as atividades de laboratório começaram a surgir
no inicio do século XIX quando a disciplina de Ciências começou a fazer parte dos
currículos de muitos países. E o mesmo autor defende que as atividades experimentais
são essenciais para o processo de ensino e aprendizagem e devem estar adequadas às
capacidades e atitudes que se pretende desenvolver aos alunos.
Considerações Finais
Com este trabalho foi possível perceber que as aulas de Ciências no Ensino
Fundamental II ainda estão em sua maioria enraizada em recursos didáticos tradicionais.
236
Os recursos mais usados ainda estão na direção daqueles que se identificam com as
habituais aulas expositivas. Nesse contexto é importante ressaltar que os docentes
devem mudar a forma de transmitir conhecimentos e quebrar com essa barreira ainda
tradicionalista e partir para um método construtivista onde o professor deve ser o
mediador e o aluno o construtor do próprio conhecimento.
A maioria das escolas pesquisadas dispõe de recursos tanto convencionais (livros,
quadro), quanto recursos audiovisuais (TV pendrive, aparelho DVD, Data Show) e
recursos tecnológicos (Computador, internet) para facilitar o trabalho docente e nota-se
que os recursos ditos como audiovisuais e tecnológicos devem ser mais explorados pelo
professor, pois a educação de hoje está em processo contínuo de transformação,
momento em que o acesso a informação torna-se indispensável tanto para o professor
como para o aluno e o uso dessas tecnologias tem a possibilidade de enriquecer as aulas
tornando-as mais dinâmicas e interessantes.
Mediante este cenário, ressalta-se a importância da capacitação e aperfeiçoamento
do docente no que se refere não só ao domínio da tecnologia, mas também no manuseio
dos equipamentos, de forma que consolide uma aula mais voltada para o conteúdo e as
necessidades do discente, visando uma melhor formação intelectual com qualidade de
ensino.
Percebe-se ainda que apesar dos professores valorizarem os recursos didáticos
como meios para facilitar a aprendizagem e relatarem sua importância como um
excelente apoio para o desenvolvimento do trabalho docente seu uso ainda precisa ser
estimulado. Os docentes precisam inovar, criar, experimentar e não ter medo do novo,
pois os recursos didáticos criam possibilidades para o professor, evitando que o
cotidiano escolar não seja engolido pela mesmice do dia-a-dia.
Nesse aspecto torna-se necessário refletir sobre a prática docente e o processo de
ensino e aprendizagem procurando discutir a aprendizagem e a qualidade do ensino.
Somente assim será possível contribuir para a formação de cidadãos ativos, conscientes,
autônomos, participativos e críticos.
Referências
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partir da visão dos discentes e docentes do curso de Geografia da Universidade Federal
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239
A FORMAÇÃO EM FÍSICA DOS MONITORES/PROFESSORES E
ESTUDANTES DAS EFAs, CONSIDERANDO A PEDAGOGIA DA
ALTERNÂNCIA E OS ASPECTOS FILOSÓFICOS SUBJACENTES
Carla Suely Correia Santana
Genny Kelly Ramos Cardoso
Resumo: Nesse trabalho buscamos compreender, a partir de bases filosóficas, como os
sujeitos das Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), ligadas à Rede de Escolas Famílias
Agrícolas Integradas do Semi-Árido (REFAISA), vêem sentido no conhecimento das
Ciências Físicas, e como a Física pode colaborar no contexto deles, sabendo-se que o
conhecimento e o estudo da Física contribuem para o domínio das técnicas agrícolas,
bem como para o melhor aproveitamento destas no rural, buscando qualificar o diálogo
dos conhecimentos científicos com os conhecimentos locais/tradicionais previstos na
Pedagogia da Alternância (PA), fundamento de tais escolas, a fim de tornar viável uma
educação socioambiental que relacione as formas de apropriação, pelo ser humano, do
mundo e da natureza por meio das relações de poder que se inscreveram nas formas
dominantes da ação humana. Consideramos os pressupostos da pedagogia da resistência
cultural, a PA, pois esta pedagogia almeja um processo de ensino aprendizagem em
espaços-tempos e territórios diferenciados e alternados, de tal forma que o espaçotempo da comunidade e o espaço-tempo escolar, presentes na proposta das EFAs, sejam
respeitados através de uma ação transdisciplinar entre as Ciências e o conhecimento
popular, asseverando o diálogo entre os saberes. Como metodologia de pesquisa,
utilizamos aquela do tipo ação participante, através de questionário e observação in
loco, em conjunção com a Etnofísica, que possibilita perceber a relação entre a Física e
um determinado grupo ou comunidade social, nos pautando no diálogo teoria e prática,
no universo constituído pela academia e Rede das EFAs. Para a implementação da
pesquisa utilizamos viagens de campo, permanecendo em cada escola uma média de
três dias para começar o processo de investigação. Notamos como um dos resultados,
por exemplo, que as bases filosóficas da PA, no que tange à formação nas ciências
físicas, não estão bem assentadas e que a transdiciplinaridade ainda não se processa
adequadamente.
Palavras chaves: Aspectos Filosóficos - Etnofísica - Pedagogia da Alternância.
INTRODUÇÃO
A luta por uma escola de qualidade no campo seguiu na mesma direção da luta
pela reforma agrária no país, o que representou um ideal de muitas pessoas e grupos
comunitários que, mesmo sem escolaridade, defendiam a importância da escola como
ferramenta de transformação política e social da realidade injusta e arbitraria em que
vivem (FIGUEIREDO, 2009). Portanto, tendo em vista um projeto de desenvolvimento
educacional, tomando como base a formação das Escolas Famílias Agrícolas (EFAs),
não se podem descartar os fatores culturais do meio a que se destina. Assim, é
necessário ter em vista as influencias da cultura sobre o desenvolvimento em diversas
dimensões do conhecimento: científico, socioambiental, filosófico, político, e social.
240
Uma educação para a formação do sujeito está vinculada por uma multiplicidade
de ações com princípios fundamentais, p.ex.: a luta com urgência para a aplicação de
uma metodologia especifica de realidade igualitária, respeitando as questões do
cotidiano da terra; as experiências do meio rural; e a própria vivência (SILVA, 2010).
Além disso, acrescentamos a essa discussão mais um princípio que se refere ao aspecto
metodológico, quando nessa formação se insere o conhecimento das ciências físicas;
uma metodologia atual denominada Etnofísica, que na cultura do cenário agrícola nos
mostra como o conhecimento popular pode ser compreendido através de um enfoque da
física capaz de dialogar com uma determinada cultura – o dito enfoque etnofísico, pois a
historicidade de um povo, de uma cultura, também são bases para o crescimento
científico de uma nação (ANACLETO, 2007; SANTOS, 2002).
Sob essas considerações basilares, esse trabalho visa compreender, a partir de
bases filosóficas (CRUZ, 1940), como os sujeitos das EFAs, ligadas à Rede de Escolas
Famílias Agrícolas Integradas do Semi-Árido (REFAISA), vêem sentido no
conhecimento da Física, e como esta pode colaborar no contexto deles, sabendo-se que
o seu conhecimento e estudo contribuem para o domínio das técnicas agrícolas, bem
como para o melhor aproveitamento destas no rural (ANACLETO, 2007).
Consideramos os pressupostos da pedagogia da resistência cultural, a Pedagogia da
Alternância (PA), garantindo um processo de ensino aprendizagem em espaços-tempos
e territórios diferenciados e alternados, de tal forma que o espaço-tempo da comunidade
e o espaço-tempo escolar, presentes na proposta das EFAs (CAVALCANTE, 2006b,
2007, 2010), sejam respeitados através de uma ação transdisciplinar entre as Ciências e
o conhecimento popular, asseverando o diálogo entre os saberes.
A importância do uso da Etnofísica se dá pelo fato de que ela nos possibilita
perceber a relação entre a Física e a realidade das EFAs, pois, parafraseando
D‟Ambrosio (1993), Etnofísica é entendida como a arte mágica, dentro de um contexto
cultural próprio, de explicar, de entender, e de se desempenhar os fenômenos físicos, em
suas respectivas existências espaços-temporais. A utilização do referencial da PA ocorre
pelo fato de ser esta a pedagogia utilizada pelas EFAs (CAVALCANTE, 2006a);
pedagogia que tem como base um método científico que consiste na observação,
descrição, julgamento, experimentação e questionamento (por meio de instrumentos
didáticos que possibilitem o contato com o entorno e a inserção do entorno no cotidiano
escolar, como acontece com os Planos de Estudos) dos fenômenos envolvidos. Tal
pedagogia considera que a vida nos ensina mais que a escola, estabelecendo, portanto,
que o foco do processo de ensino-aprendizagem é o educando e sua realidade,
acreditando que a teoria está em função de melhorar a qualidade de vida, para formar
cidadãos inseridos na sociedade (TEIXEIRA et all, 2008).
Ancoramo-nos em bases filosóficas pelo fato de que, subjacente às EFAs
(CAVALCANTE, 2007), à PA (SOMMERMAN, 1999; TEIXEIRA et all, 2008), bem
como ao conhecimento físico (FARIAS e MILTÃO, 2005; MILTÃO, 2010), existem
pressupostos filosóficos que consideram questões ontológicas, epistemológicas,
cosmológicas, sociais e políticas, dentre outras.
Como metodologia de pesquisa, utilizamos a ação participante (DEMO, 2004;
GIANOTTEN e WIT, 2000), pautada no diálogo teoria e prática, no universo
constituído pela academia e EFAs. Para a implementação da pesquisa utilizamos
viagens de campo, permanecendo em cada escola uma média de três dias para começar
o processo de investigação, visando o fortalecimento do trabalho desenvolvido pelas
EFAs em seus processos formativos nos contextos em que se inserem, e participamos
do processo formativo de seus monitores/professores através de seminários (MILTÃO,
2010) realizados na universidade (CAVALCANTE e SANTOS, 2008).
241
DESENVOLVIMENTO
Para melhor compreendermos o debate do ensino de Física nas EFAs
consideraremos alguns pressupostos filosóficos, estabelecidos nas referências Área de
Física (1998) e Farias e Miltão (2005), que embasam o conhecimento humano e levam
em conta suas questões ontológica e epistemológica, e o conceito de Campo do Saber.
Assumimos que o conhecimento é um produto do processo de produção da existência
humana; é um produto do “(...) processo histórico, que tem sua existência manifesta
num comportamento cosmológico do indivíduo como parte de um todo social”
(ABRAMCZUK, 1981, p. 39); e que o campo do saber é um conjunto sistematizado de
conhecimentos relativos a um grupo de fenômenos ou objetos (CRUZ, 1940; SANTOS
FILHO, 1992), i.e., relativos a fenômenos ou objetos que manifestam propriedades em
comum. Também, consideramos que os diversos conhecimentos, distribuídos entre os
Campos do Saber, constituem o Patrimônio da Humanidade e que “são produtos de, e
exprimem as, relações que o ser humano estabelece com a natureza na qual se insere”
(ANDERY et all, 1988, p. 12).
No que tange à Física, assumimos como definição que ela estabelece
o estudo do comportamento e da constituição do Universo, com o objetivo de
descrevê-lo; portanto, é o conjunto sistematizado de conhecimentos
científicos que objetivam estabelecer a origem, evolução e estrutura da
matéria e da radiação do Universo, e cujo método passa pelas dificuldades do
teste, da verificação, da relação entre as teorias e a realidade empírica, e da
validação das descrições, previsões e aplicações (FARIAS e MILTÃO, 2005,
p. 80).
Com isso, a Física se consubstancia como um dos legítimos
campos do saber, contribuindo na construção da parede do
conhecimento e na estruturação do conhecimento como
Patrimônio da humanidade. O que justifica ser estudada e
compreendida por todo e qualquer cidadão, seja ele do meio
urbano ou do meio rural.
Em termos de pressupostos filosóficos, a PA desenvolve-se apoiada nos pilares
seguintes: os pilares fins – (i) a formação integral e personalizada (projeto de vida) e (ii)
o desenvolvimento do meio (social, econômico, humano, político, ambiental) e os
pilares meios – (iii) a alternância integral ou copulativa (uma epistemologia apropriada
que possibilite uma formação socioprofissional e escolar baseada na reflexão sobre os
dois espaços da escola e da comunidade e sobre seus contextos) e (iv) a Associação
local (famílias, instituições profissionais) (GOWACKI et all, 2009, p. 5). A PA
apresenta quatro lógicas que garantem o seu caráter articulador (CAVALCANTE,
2007): a lógica relacional (que busca a relação escola e comunidade); a lógica
pedagógica (que busca a relação teoria e prática); a lógica produtiva (que busca a
relação educação e trabalho); e a lógica socioambiental (que busca a relação ambiente
e sociedade rural presente na escola família). As três primeiras lógicas “sobressaem-se
na trajetória organizacional das escolas e podem trazer como subsídio de análise o
perfil dessas instituições atuantes no campo” (CAVALCANTE, 2007, p. 149). A quarta
lógica sobressai-se na trajetória organizacional da comunidade sendo “construída pelos
e para os camponeses da região, traçando as suas trajetórias locais tendo em vista as
visões pessoais” (CAVALCANTE, 2007, p. 149).
242
Assim, para que a PA efetivamente ocorra, considerando uma inter-relação entre
os quatro pilares acima (GOWACKI et all, 2009, p. 5), pondo em prática as quatro
lógicas citadas (CAVALCANTE, 2007, p. 149), e enfatizando “o respeito à cultura do
sujeito do campo” (SOMMERMAN, 1999, p. 1), é essencial também introduzirmos o
que denominaremos o „pilar conjuntivo‟ da transdisciplinaridade (para que envolva os
„pilares fins‟ com os „pilares meios‟, em união com as quatro lógicas), pondo em
relevo “a urgência de cultivar o campo do sujeito (...), pois não é possível cultivar o
campo do sujeito sem respeitar as suas raízes, a cultura na qual ele está inscrito,
[através de uma] ‘educação intercultural e transcultural’” (SOMMERMAN, 1999, p.
1).
A transdisciplinaridade é aquela ação supradisciplinar (CETRANS, 2002;
FARIAS e MILTÃO, 2005; HERRÁN-GASCÓN, 2004; NICOLESCU, 1997;
SANTOS FILHO, 1992) que se dá “como uma unificação [entre as diversas formas de
conhecimento, considerando o mais alto grau de interação] através da comunicação,
com cooperação e coordenação para uma visão comum, total” (MILTÃO, 2010, p. 9).
As ações supradisciplinares se configuram como movimentos intelectuais que buscam a
interação entre os Campos do Saber, considerando o grau e a forma da interação entre
eles, dirigindo-se para a totalidade do saber (COSTA, 2000; FARIAS e MILTÃO, 2005;
HERRÁN-GASCÓN, 2004; NICOLESCU, 1997; SANTOS FILHO, 1992).
A EFA é uma proposta de escola rural que objetiva buscar o fortalecimento da
relação escola comunidade, considerando uma perspectiva integrativa de educação,
onde as “dicotomias teoria e prática, conhecimento elaborado e conhecimento
popular, mundo da vida e mundo da escola, estudo e trabalho se dissolvem em uma
única proposta que pressupõe garantir uma melhor formação do jovem rural em sua
comunidade” (CAVALCANTE, 2006a, p. 4). As EFAs se ancoram em quatro pilares, a
saber: “a formação integral dos alunos, o desenvolvimento local dos contextos onde
atuam, a gestão participativa da escola pelos pais agricultores e a sua orientação
intrínseca, a própria pedagogia da alternância” (CAVALCANTE, 2006a, p. 4).
Os pilares da PA e das EFAs se relacionam com questões filosóficas como
segue: a interação sujeito-objeto (problema ontológico) está na base dos pilares da
formação integral (sujeito) e do desenvolvimento do meio (objeto); o problema
epistemológico está na base do pilar da alternância, enquanto uma pedagogia; e o
problema político e social está na base do pilar da gestão participativa da associação.
No que tange ao ensino de ciências algumas questões chaves precisam ser
compreendidas. Muito freqüentemente os estudantes passam a ver Ciências como
apenas mais uma disciplina no currículo escolar. No ensino médio, quando as Ciências
Exatas se dividem em Química, Física e Biologia, são percebidas com ainda maior
parcimônia por eles, que não raramente apresentam dificuldades de aprendizado e pouca
motivação. Aprender não significa apenas ser capaz de reproduzir aquilo que foi visto
na escola, mas, sim, saber aplicar o conhecimento construído, tendo ciência de que o
conteúdo trabalhado gerou ou foi gerado a partir de uma situação real, ainda que tal
conhecimento deva ser abstraído para ter validade mais geral. Fazer com que esse
estudante interaja com o mundo, tornando-se um pensador crítico e capaz de transpor
barreiras, essa é a função da escola, dos educadores e da sociedade, contudo as escolas
tradicionais não têm cumprido esse papel, o que levou à proposta das EFAs
(CAVALCANTE, 2006a, p. 3).
Desde então, a relação escola família e ambiente rural, e as diversas dimensões
de análise atreladas a esse “movimento sócio educativo” (GIMONET, 1999) têm sido o
objeto de estudo atrelado a alguns grupos de pesquisa na área de educação do campo
(ARROYO et all, 2004; CALDART, 2002; TEIXEIRA et all, 2008) e no entanto, pelo
243
menos no que tange à apreensão do processo pedagógico na sua totalidade, o problema
aludido no parágrafo anterior persiste (SILVA, 2008, p.111). Problema que existe,
inclusive, na apropriação dos conhecimentos de Física, Química, Biologia e Matemática
por parte dos monitores/professores das EFAs, como nossa pesquisa tem identificado.
Assim, nosso trabalho buscou compreender como os sujeitos das EFAs (seus
estudantes, e seus professores/monitores) percebem as questões filosóficas subjacentes
ao próprio conhecimento, em particular ao conhecimento físico, com o intuito de
utilizar a Física na sua formação, considerando a PA através da ação transdisciplinar.
Para isso, os ensinamentos da pesquisa em Etnofísica são fundamentais. Quatro EFAs
foram visitadas, dentre essas, uma de Ensino Fundamental 2 e as outras 3 de Ensino
Médio. As questões colocadas para a comunidade nos permitiram fazer as seguintes
considerações:
As respostas dos estudantes, no que tange ao conhecimento da Física,
demonstraram inicialmente um desconhecimento relativo à essa disciplina, revelando
que tal disciplina nunca tinha sido trabalhada no ensino fundamental, como demonstra e
resposta: “a principal dificuldade encontrada ao entrar na EFA foi a adaptação com
essa disciplina, pois foi a primeira vez que eu trabalhei com essa matéria”. No aspecto
da ajuda que as EFAs dão para compreender a Física, as respostas demonstram que
existe uma tentativa (“... a alternância que passava atividades e eu passei a me esforçar
mais ...”), no entanto não fica claro se essa ajuda se efetiva pois algumas respostas
falam de uma Física baseada “em muita formulas e muitos cálculos”. Em relação à
importância das EFAs apresentarem aulas de Ciências, existe uma compreensão que
qualifica de ótima essa ação. Isso demonstra que os estudantes têm consciência da
importância da Física não só na sua vida, mas na sociedade.
Quando consideramos a relação da PA com a Física, fica evidente o
desconhecimento dos estudantes de como tal relação pode ocorrer. Uma resposta
representativa coloca “gostaria de poder levar livros da disciplina para casa...”. Vemos
assim que, em geral, os estudantes, nesse quesito, enxergam uma alternância
justapositiva (CAVALCANTE, 2007), pois fica indicada uma relação temporal entre
trabalho e estudo, sem vínculo entre ambos. Além disso, os estudantes acham
importante que exista um livro texto sobre física levando em conta a PA.
Quando se questiona os estudantes sobre o que mais gostam em relação às
Ciências Física, as respostas indicam um sentimento ingênuo da disciplina: “a interação
dos objetos no espaço”; “as experiências que são feitas e poder ver as estrelas de
perto”. Em relação ao que mais chateia os estudantes, percebe-se um posicionamento
muito semelhante ao dos estudantes das escolas tradicionais, como indicam as
respostas: “pra mim é estudar uma coisa por obrigação”; “as vezes os cálculos”; “são
as fórmulas que são difíceis de aprender”. Quando opinam sobre mudanças no ensino,
as respostas indicam uma dificuldade de compreensão do que é a Física, posto que se
circunscrevem meramente ao aspecto da forma como os conteúdos são ministrados: “a
única coisa que eu queria mudar na Física é o tamanho das contas, porque são
grandes”; “uma das três leis de Newton”; “facilitava mais em relação aos cálculos”. No
aspecto da ação pedagógica dos monitores/professores das EFAs, percebe-se que existe
um esforço de tais monitores, como indicam as respostas dos estudantes: “bem, pois os
professores que tivemos realmente tentaram nos ensinar...”.
As respostas dos monitores/professores das EFAs, no que tange ao
conhecimento da Física, demonstram pouco conhecimento no que diz respeito à Física,
indicando uma formação não apropriada para o seu ensino. Respostas representativas
são: “Interpretação e compreensão dos termos abordados”; “Materiais de Matemática
com a contextualização local e regional”; e “Interpretar problemas; fazer cálculos
244
envolvendo subtração e divisão”. Nota-se uma concepção conteudista, semelhante com
aquela vivenciada nas escolas tradicionais. No aspecto da ação docente, as respostas
indicam uma preocupação na questão didática e na alternância: “Atividades que
facilitam a aprendizagem, fazendo a relação com problemas do dia-a-dia de cada
aluno”; “Aulas dinâmicas e práticas, contextualizando com o dia-a-dia e a realidade de
cada alternante”. Observamos que as respostas ficam conflitantes com as respostas dos
estudantes, na medida em que os estudantes falam das dificuldades encontradas para a
compreensão dessa disciplina. Além disso, considerando o parágrafo anterior, somos
levados a concluir que a transposição didática não está sendo cumprida a contento. No
que tange ao planejamento das ações pedagógicas, bem como à utilização dos
instrumentos da alternância, as respostas dos indicam uma tentativa de cumprimento
dos preceitos da didática e da alternância: “Atividades práticas; projeto político
pedagógico com os conteúdos específicos para cada turma”; e “São feitos os planos de
sessão de acordo com o plano de formação e discutido com a equipe de monitores os
conteúdos a serem trabalhados de acordo com o Plano de Estudo”.
Quando consideramos a relação da PA com a Física, as respostas indicam que
eles conhecem a PA e afirmam que é possível a existência dessa relação: “Sim, pois os
jovens repassam que aprendem durante o período de estadia na EFA para a família e a
comunidade”; “Sim. É uma linha de pensamento que se consolida a todas as
disciplinas”; e “Sim, pois os instrumentos pedagógicos proporcionam a
interdisciplinaridade com os conteúdos da Matemática”. Apesar da consciência da
importância da relação não nos parece que tal relação consegue ser implementada, ao
considerarmos as respostas dos estudantes que indicam uma alternância justapositiva.
Além disso, os monitores/professores acham importante que exista um livro texto sobre
física levando em conta a PA.
As observações feitas nas EFAs confirmam as considerações levantadas a partir
das respostas ao questionário.
CONCLUSÕES
Nota-se um desconhecimento da natureza ou definição da Física por parte dos
estudantes o que implica em um desconhecimento por parte dos monitores/professores,
como se evidencia nas respostas dos monitores/professores. A Física é vista, em geral,
como formulas sem sentido fenomenológico, histórico e conceitual. Emerge uma
concepção, no que tange ao ensino da Física, de uma alternância justapositiva,
significando que a ação transdisciplinar não se efetiva. Observamos que, em geral, o
termo interdisciplinaridade se confunde com o termo transdisciplinaridade. Ainda
assim, diríamos que filosoficamente, a teoria da PA está presente, quando observamos
algumas falas dos estudantes e monitores/professores. Assim, no que se refere ao
conhecimento científico, percebemos que as bases filosóficas da Pedagogia da
Alternância não estão bem assentadas nas EFAs visto que conceitos como
complexidade, lógica do terceiro incluído, e os níveis de realidade, pilares do
pensamento transdisciplinar (CETRANS, 2002; SOMMERMAN, 1999, p. 4) e que têm
uma forte ligação com a Física moderna e contemporânea (CETRANS, 2002), não são
refletidos nas respostas aos questionários nem nas observações feitas.
De forma positiva, vemos a certeza de que existe um sentimento marcante de
que é possível uma relação da Física com a PA, tanto da parte dos estudantes como dos
monitores/professores das EFAs. Do ponto de vista filosófico, esse sentimento é
245
importante, pois revela o compromisso dessa comunidade com os pressupostos da PA e
das EFAs, condição sine qua non para tal relação ser buscada e concretizada.
Dessas considerações, algumas questões desafiadoras surgem; são elas:
• De que forma podemos modificar a maneira de trabalhar dos
monitores/professores para garantir uma construção sólida do conhecimento em
Física?
• Como envolver os monitores/professores das outras disciplinas para
conseguirmos efetivar a ação transdisciplinar?
• Como poderemos apresentar a Física considerando a Pedagogia da Alternância,
já que persiste de certa forma, uma visão mágica (na concepção freireana) de tal
campo do saber não só nos monitores/professores, mas nos estudantes?
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248
MOTIVAÇÃO NAS AULAS DE GEOGRAFIA NA PERSPECTIVA DE
PROFESSORES E ALUNOS
Valdenor dos Santos Ferreira50
Célia Regina Batista dos Santos51
Resumo
Este texto tem por objetivo apresentar os resultados de uma pesquisa que procurou
analisar a importância da motivação para o processo de ensino e de aprendizagem da
geografia escolar, bem como pontuar as sugestões de professores e alunos para tornar as
aulas de geografia mais interessantes. Tal problemática é fruto de inquietações surgidas
durante as atividades de observação, co-participação e regência de classe no
componente curricular Estágio Supervisionado em Geografia, bem como das reflexões
desenvolvidas, em sala de aula, acerca da desmotivação dos alunos nas aulas de
Geografia. A reflexão teórica foi apoiada na discussão dos conceitos de motivação,
geografia escolar e ensino/aprendizagem, onde foi entendido que a motivação está
diretamente relacionada à aprendizagem em sala de aula, considerada como uma
possibilidade de estimular os estudantes para aprender, principalmente, disciplinas que
os mesmos consideram “chatas”. A metodologia utilizada foi pautada na pesquisa
qualitativa, onde foram aplicados questionários destinados a 10 alunos do 9° ano do
ensino fundamental, numa escola de rede estadual de ensino, localizada na cidade de
Feira de Santana e entrevista para 07 professores, sendo 04 de Geografia e 03 das
demais disciplinas. Os resultados indicam que a motivação influencia
significativamente o processo de ensino e aprendizagem tanto da Geografia, quanto das
demais disciplinas, bem como é consenso, entre alunos e professores investigados,
sobre a necessidade da inovação nas aulas desta disciplina para motivar os alunos em
sala de aula.
Palavras chave: Motivação. Ensino de Geografia. Ensino-Aprendizagem
1. Introdução
O estágio supervisionado de regência é um momento crucial para a formação
docente, pois, neste período o estudante de licenciatura direciona o seu olhar mais
crítico e reflexivo para as questões educacionais, bem como coloca em prática o fazer
docente. Considerando que atualmente existem debates e discussões acadêmicas a
respeito de formar professores pesquisadores na área de educação, a regência de classe é
50
51
Graduando em Licenciatura em Geografia- UEFS; E-mail: [email protected]
Orientadora: Profª. Drª. Departamento de Educação- UEFS; E-mail: [email protected]
249
tida como uma oportunidade propicia para o futuro educador desenvolver tal objetivo.
Desta forma esta pesquisa foi desenvolvida a partir da experiência vivida no
componente curricular Estágios Supervisionados em Geografia (I, II e III), disciplina
obrigatória do curso de graduação em Geografia, aos quais as atividades de observação,
co-participação e, principalmente, de regência de classe foram desenvolvidas numa
escola da rede estadual de ensino, na cidade de Feira de Santana-BA.
O fato observado foi que os alunos do 9° ano do ensino fundamental, do turno
matutino, se mostravam desmotivados e/ou desinteressados para com o ensino de
Geografia, principalmente quando estávamos no estágio II (fase de observação em sala
de aula). A partir do pressuposto de que os estudantes estavam desmotivados devido ao
“tradicionalismo” das aulas, que eram predominantemente expositivas e apoiadas no
livro didático, planejamos e desenvolvemos, no estágio de regência, atividades que
contemplassem o uso de recursos, tais como TV pen drive, músicas, mapas, globo
terrestre, filmes entre outros, bem como procedimentos e dinâmicas que, nosso ponto de
vista, poderiam tornar as aulas mais interessantes e atrativas para os alunos. Para além
dos recursos citados, fizemos questionamentos, problematizamos situações,
incentivamos a participação dos alunos, relacionamos os conteúdos com a realidade
local. No entanto, constatamos que o efeito não foi tão significativo para motivar os
estudantes, pois, durante as aulas houve momentos em que os alunos não ficavam
quietos, não demonstravam interesse, atrapalhavam o desenvolvimento da aula.
Essa nossa experiência nos levantou vários questionamentos, entre os quais: O
que realmente motiva os alunos? O que na opinião deles, tornaria as aulas de
Geografia mais interessantes? No intuito de aprofundar essa questão, o presente
trabalho objetivou analisar a importância da motivação para o processo de ensino e de
aprendizagem da geografia escolar, bem como pontuar as sugestões de professores e
alunos para tornar as aulas de geografia mais interessantes.
A metodologia utilizada foi de viés qualitativo, pois, em se tratando de pesquisa
na área educacional, o pesquisador deve buscar sempre analisar as informações, os
dados de uma maneira que vá além de levantamentos estatísticos, pois, a necessidade de
encontrar alternativas para melhoria do ensino se faz presente e requer uma análise mais
criteriosa e reflexiva dos resultados obtidos.
A coleta de dados foi realizada numa turma de 9° ano do ensino fundamental, de
uma escola pública da rede estadual de ensino, localizada na cidade de Feira de
Santana-BA. Os sujeitos da pesquisa foram 10 alunos, aos quais foram aplicados
questionários, e 07 professores, sendo 04 de Geografia, 03 das demais áreas de
conhecimento, aos quais foram desenvolvidas entrevistas. Após a coleta, os dados
foram tabulados e analisados á luz do arcabouço teórico discutido ao longo do trabalho.
2. Apoio Teórico
250
2.1. O que se entende por motivação
Tapia e Fita (2001) argumentam que a motivação é um conjunto de variáveis que
ativam a conduta e a orientam em determinado sentido para buscar objetivos, sendo
entendida como uma maneira de analisar os fatores que levam as pessoas a empreender
esforços para alcançar suas metas, concretizar desejos. É com esse entendimento que os
autores ressaltam que a motivação está diretamente relacionada à aprendizagem em sala
de aula, argumentando que toda mobilização cognitiva que a aprendizagem necessita,
deve nascer de um interesse, de uma necessidade de saber, de um querer alcançar
determinadas metas. Portanto a questão da motivação em sala de aula é trazida como
uma possibilidade de estimular os estudantes para aprender, principalmente disciplinas
que os mesmos consideram “chatas”.
Despertar, motivar o aluno para a aprendizagem é uma missão fundamental
quando se trata de questões relacionadas à educação. Entre professores, o fato de a
motivação influenciar no processo de ensino e aprendizagem do aluno é uma
preocupação que vem ganhando cada vez mais importância. Sobre isso, Moysés (1995,
p77) salienta que:
A preocupação em motivar os alunos para a aprendizagem é um ponto
em comum entre as professoras. É um processo em que o despertar o
interesse para aprender se reveste de forte conotação afetiva, expresso
em um clima de cumplicidade.
Desta maneira, o professor passa a ser o intermediário para o estímulo do aluno.
Para isso necessita analisar as formas de aprender para promover métodos que
estimulam os educandos para a aprendizagem.
Raasch (1999) argumenta que os educandos devem sentir-se estimulados para a
aprendizagem, uma vez que eles terão que refletir as suas percepções para adquirir
novos conhecimentos de modo que avancem cognitivamente, e a figura do professor é
um dos provedores da motivação em sala de aula. Certo da sua imensa influência para
este processo, o docente tem a missão de tonar os conteúdos mais significativos para os
alunos, objetivando proporcionar aulas mais dinâmicas que estimulem os alunos a
querer aprender.
No entanto, é válido ressaltar que, mesmo que possa contribuir para a motivação
de seus alunos, ela (a motivação) não depende exclusivamente do professor, mas de
todo um processo que envolve a construção do conhecimento. Sobre isso, Tapia e Fita
(2001) destacam que a motivação depende de vários fatores, inclusive da própria
vontade do aluno em querer aprender.
2.2 Motivação e ensino da Geografia escolar
No âmbito da geografia escolar, historicamente, sempre houve o predomínio de
uma prática de ensino, pautada na descrição e memorização dos conteúdos geográficos,
251
que tornava as aulas dessa disciplina desinteressantes e enfadonhas, resultando na total
desmotivação dos alunos. Nunes (2008) corrobora essa hipótese, ressaltando que a falta
de interesse e a desmotivação em estudar geografia por parte dos alunos, recai sobre as
próprias aulas da disciplina, onde os professores apenas transmitem o conhecimento
sem levar em consideração as experiências dos alunos, além de abordar os conteúdos
sem relacionar com a realidade do educando.
Felizmente, essa prática tradicional de ensino, que até então, predominava nesta
disciplina, vem sendo diluída para dar aspectos à outra concepção da geografia.
Conforme Cavalcanti (2002, p 11):
Particularmente, a geografia escolar tem procurado pensar o seu papel
nessa sociedade em mudança, indicando novos conteúdos,
reafirmando outros, reatualizando alguns outros, questionando
métodos convencionais, postulando novos métodos.
Desta forma, o ensino dessa disciplina busca encontrar novas formas
metodológicas para serem abordadas em sala de aula de maneira mais interessante e
significativa para a vida do aluno, na perspectiva de motivá-los, despertá-los, incentiválos para o estudo dessa disciplina. Porém, esse ainda tem sido um grande desafio para os
professores em sala de aula.
Para Paludo e Martins (2007), o enfrentamento desse desafio requer que os
professores de geografia tenham uma boa formação teórica e procurem colocar isso em
prática através de ações concretas que possam envolver os alunos, dinamizando e
tornando suas aulas mais interessantes. Assim a visão do aluno com relação ao ensino
de geografia poderá ganhar novas nuanças.
No nosso ponto de vista, o ensino da geografia pode ocorrer de maneira mais
empolgante e significativa se o aluno entender a real importância do conhecimento
geográfico na sociedade. Sobre isso corroboramos com Cavalcanti (2002) a ideia de que
o trabalho da geografia escolar consiste em levar as pessoas, os alunos em geral, os
cidadãos, a uma consciência da espacialidade das coisas, dos fenômenos que elas
vivenciam, diretamente ou não, como parte da historia social. A partir disso, o ensino
desta disciplina torna-se extremamente relevante para que os alunos compreendam e
sintam-se capazes de intervir e transformar sua realidade social onde estão inseridos,
objetivando almejar uma sociedade mais justa e igualitária.
Diante disso, entendemos que a discussão sobre a importância do conhecimento
geográfico para a sua formação, a percepção de que geografia é praticada no dia-a-dia, a
noção de que os estudos geográficos podem contribuir para analisar a realidade espacial
local podem estimular os estudantes para a aprendizagem dessa disciplina. Entretanto,
mesmo buscando-se novas alternativas para que o ensino desta disciplina torne-se mais
interessante, é válido ressaltar, como já colocado anteriormente, que a motivação dos
alunos dependem de vários fatores, inclusive da própria vontade do aluno em querer
aprender.
252
3. Apresentação e discussão dos resultados
Como já ressaltado, a coleta de dados foi realizada numa turma de 9° ano do
ensino fundamental, de uma escola pública da rede estadual de ensino, localizada na
cidade de Feira de Santana-BA. Os sujeitos da pesquisa foram 10 alunos, aos quais
foram aplicados questionários, e 07 professores, sendo 04 de Geografia, 03 das demais
áreas de conhecimento, aos quais foram desenvolvidas entrevistas. Tanto nas entrevistas
quanto nos questionários, as questões versavam sobre a opinião dos alunos e professores
sobre quais atividades tornam as aulas de Geografia mais interessantes; e como o
professor entende este processo para a aprendizagem em sala de aula.
3.1 O que os alunos entendem por motivação, sua influência no processo de
ensino e de aprendizagem e as atividades que tornam as aulas mais interessantes
Ao serem indagados sobre o que eles entendem por motivação para o ensino,
podemos constatar que as respostas foram as mais variadas, no entanto, é possível notar
que a explicação dada pelos alunos em termos gerais não foge ao conceito de motivação
salientado por alguns autores já citados nesta pesquisa.
Dos 10 alunos que responderam ao questionário, 80% responderam que a
motivação está relacionada à busca de objetivos, estímulo, incentivo para estudar ou
fazer outras coisas, o que pode ser confirmado nas respostas de alguns alunos: “ajudar
o aluno a alcançar seu objetivo”; “é a vontade própria de fazer alguma coisa”; “Estar
atento e inspirado para estudar ou fazer outras coisas”. Desta forma, as concepções
dos alunos a respeito da motivação para o ensino estão diretamente relacionadas aos
processos de ensino e aprendizagem destes, pois, o aluno motivado busca compreender,
participar das aulas e consequentemente a apreensão dos conteúdos se faz de maneira
mais fácil e prazerosa. As respostas dos alunos corroboram as ideias de Carretero (2002,
p 56) ao salientar que: “sem motivação, o aluno não realizará nenhum trabalho
adequadamente, não só o de aprender um determinado conceito, mas o de colocar em
andamento as estratégias que lhe permitam resolver problemas similares aos
aprendidos”
Sobre isso, Marchesi (2006) argumenta que, quando os alunos estão motivados
realizam suas atividades, estão incentivados para aprender, estudar, em função das
metas, objetivos que pretendem alcançar. Isso pode ser constatado na seguinte resposta
dada pelo aluno sobre motivação: “incentiva buscar um caminho melhor no futuro”.
Com isso, a motivação aparece diante dos alunos entrevistados como um
estímulo, incentivo para estudar, confirmando a relação direta existente entre o processo
de ensino e aprendizagem. Neste caso, é importante ressaltar que a motivação também
está ligada às características pessoais e ao ambiente ao qual o processo de ensino e
253
aprendizagem está se desenvolvendo, considerando o contexto escolar em que o aluno
vivencia.
Com relação à escola, quando questionados se o ambiente escolar os motivava,
70% dos alunos disseram que sim, justificando de maneiras diversas, entre as quais:
“Eu gosto da escola porque tem o auxilio das professoras”, ou ainda” Estou na
presença dos meus amigos e me sinto mais confortável”. No nosso ponto de vista, isso é
algo positivo, pois, a escola tem que ser realmente um lugar prazeroso, instigante para o
aluno se sentir bem e estimulado para buscar o conhecimento. Reforça esta afirmativa, o
aluno ao dizer: “eu acho as aulas legais”. Ou como relata a estudante: “a escola é um
lugar legal”.
Por sua vez, 30% dos investigados consideram a escola como um local
desinteressante ou que a influência negativa dos colegas de classe contribui para tal
concepção. Essa perspectiva pode ser constatada na resposta do aluno: “a escola é
chata”, E ainda. “minha amiga não deixa estudar”. Percebe-se que o aluno
desmotivado passa a encarar a escola como algo sem importância e desagradável. Esse
fato leva os educandos a incomodar o bom desenvolvimento da aula e
consequentemente a influenciar negativamente na aprendizagem da classe.
A discussão sobre se os estudantes sentem-se motivados ou não no ambiente
escolar é importante, tendo em vista que o perfil do estudante brasileiro tem mudado e
para atender essas mudanças, a instituição escolar deve acompanhar essa nova realidade
e proporcionar ao aluno um ambiente escolar mais agradável, onde o estudante se sinta
estimulado, interessado em aprender os conteúdos ensinados pelos professores, fazendo
com que se sintam sujeitos ativos do processo de ensino e aprendizagem.
3.2 Opinião dos estudantes sobre as atividades que tornam as aulas de
Geografia mais interessantes
Como já salientado, as discussões voltadas para o ensino da geografia escolar
ressaltam a relevância de o docente se atentar para os aspectos motivacionais dos
alunos, promovendo metodologias que possam diversificar e relacionar os conteúdos
com a realidade local, no sentido de atribuir significados dos conhecimentos
geográficos para vida do estudante.
Com esse entendimento, ao serem questionados sobre como o professor os
estimula nas aulas de Geografia, a maioria respondeu que o mesmo promove
brincadeiras, inovando em atividades, conversa com os alunos. Conforme fala o
estudante: “inovando em atividades” ou ainda “Fazendo trabalhos legais e
divertidos”... “Trabalhos, brincadeiras, conversas”.
A tarefa de motivar o interesse do aluno em aprender depende, além de outros
fatores, da maneira como o professor conduz as suas aulas, sendo assim a
responsabilidade por este processo requer uma concepção bastante profunda do ato de
254
ensinar e motivar. No entanto, a utilização de equipamentos, recursos tecnológicos,
mapas, dentre outros podem ajudar o docente a desenvolver tal objetivo, embora não
signifique que a utilização desses instrumentos por si só tornarão as aulas de geografia
mais interessante. Neste caso, o importante é perceber que as rotinas das aulas merecem
ser quebradas para mostrar aos alunos o real significado dos conteúdos ensinados,
apresentando como estes podem ser vivenciados na sua vida prática.
Com relação às sugestões dos alunos para dinamizar as aulas de Geografia foi
sugerido aos professores que:
• Conversem com os alunos, sejam afetivos, amigos dos alunos
• Utilizem músicas
• Apresentem dinâmicas
• Utilizem recursos tecnológicos (TV Pen Drive, laboratório de informática, globo
terrestre.
Lembrando que essas sugestões foram apontadas pelos próprios alunos. Portanto
é importante considerarmos, pois, os mesmos são os protagonistas do fazer docente no
dia a dia da sala de aula. No entanto, a utilização desses recursos foram colocados em
prática, mas os resultados não foram tão significativos, uma vez que os alunos , ainda
apresentavam-se desmotivados com o ensino da disciplina. Isso nos faz refletir sobre o
que almejam os professores de geografia na escola e a escola qual sua função? Vale
ressaltar que está claro que a nossa intenção não é ajustar o indivíduo ao modelo de
sociedade vigente, mas sim, mostrar através da educação e dos conhecimentos
geográficos abordados de forma critica, alternativas que levam os alunos a enfrentar os
desafios e a refletir sobre a possibilidade de construção de uma sociedade melhor e mais
justa. Por isso as tentativas de buscar metodologias que possam dinamizar as aulas
foram postas em prática no dia a dia do fazer docente.
3.3 O que professores entendem por motivação, sua influência no processo
de ensino e aprendizagem e as atividades que tornam as aulas mais interessantes
Foram entrevistados 07 professores, sendo 04 de geografia. Para iniciar as
nossas discussões segue alguns relatos de professores sobre o entendimento que os
mesmos têm a respeito de motivação no ensino: para o professor de Língua Portuguesa
“motivação é a condição de fazer o aluno se apaixonar pelo assunto trabalhado em
sala de aula”. Já para os professores de Geografia motivar é “demonstrar para o aluno
a importância da educação para transformação da sua vida e, por conseguinte, da
sociedade”; “O desenvolvimento de estratégias para fugir da rotina e assim estimular
os alunos. Essas respostas estão semelhantes às concepções dadas pelos autores Tapia e
Fita (2001) que afirmam que a motivação é uma pré-condição para aprendizagem, ou
ainda quando falam que o professor deve buscar estratégias para estimular os alunos em
sala de aula. Também se comparado as resposta dos alunos, pode ser entendida de
255
maneira similar, pois, ambos relacionam este sentimento a busca de objetivos tanto para
promover o ensino (professor) quanto para estudar (por parte do aluno). Podemos citar a
fala da professora de Geografia, quando afirma que o professor deve “procurar
metodologias para expor o conteúdo, contextualizando-o sempre, de forma que chame
á atenção dos alunos”
Quando indagados se costumam chegar motivados em sala de aula, as respostas
dos professores de outras áreas do conhecimento quase sempre foram positivas,
relacionando as respostas com a satisfação em ser professor. As falas das professoras de
Língua Portuguesa e Matemática traduzem bem essa afirmação: “Sempre sou
apaixonado pelo meu trabalho”; “somos educadores conscientes e temos o dever de
desenvolver nosso trabalho com vontade, mesmo quando a situação não é adequada.”.
As concepções desses professores a respeito da motivação no ensino perpassam
inicialmente seu próprio sentimento pela profissão. Com isso o processo de ensino
(professor) e aprendizagem (aluno) se faz com maior qualidade gerando resultados
satisfatórios.
Já os professores de Geografia foram mais incisivos e enfáticos nas respostas,
quando dizem: “Sim, contudo há momentos que me sinto impotente a partir da
realidade apresentada; Ou ainda, “Ás vezes entro em algumas turmas só para cumprir
o meu papel, mas sem ânimo algum”. Assim, subentende-se que a desmotivação nas
aulas de Geografia atinge todo o contexto escolar, pois por mais que os professores
busquem motivar, estimular, inovar as aulas de Geografia, os resultados ficam aquém
das expectativas.
Essa falta de motivação atinge também as outras áreas de conhecimento,
conforme pode ser observado no relato da professora de Matemática: “temos que ser
sempre criativos e aproveitar as habilidades dos nossos alunos, motivando-os,
orientando-os, etc. Hoje em dia, não devemos ser apenas conteudistas. O segredo na
verdade é a pré-motivação”. Ou conforme a professora de Língua Portuguesa: “sempre
levo textos de auto-ajuda, de humor, textos bons para serem lidos sem cobrança.”.
Subentende-se, portanto, que os professores das outras disciplinas enfrentam problemas
relacionados a falta de motivação dos alunos para a aprendizagem, porém no caso da
geografia, o problema parece ser mais explícito, uma vez que historicamente esta
disciplina teve no passado e ainda aparece em práticas pedagógicas de professores sua
abordagem para o ensino tida como enfadonha e sem importância.
Carretero (2002) argumenta que a motivação é um elemento essencial para o
bom andamento da aprendizagem escolar. É algo que qualquer professor pode observar
em sua atividade diária. Corroboram essa afirmação os relatos dos professores de
Geografia, quando perguntados se a motivação favorece a aprendizagem: “Sim, quando
o ensino é agradável e com metodologias que atrai o aluno, o conteúdo é fixado de uma
maneira mais fácil”; “Sim quando ambas as partes acreditam que é possível a
construção de uma sociedade melhor, a aula acaba sendo mais dinâmica e proveitosa”.
256
Essas afirmações vão ao encontro das respostas dos alunos, que responderam que
quando motivados, aprendem com mais facilidade.
Diante desse contexto, os professores, no nosso ponto de vista, apresentam um
entendimento coerente a respeito da importância da motivação na aprendizagem. Tanto
os professores de outras áreas de conhecimentos quanto os da Geografia compreendem
que a motivação é primordial para a aprendizagem, assim como buscar alternativas para
inovar as aulas no sentido de despertar o interesse dos alunos para o estudo.
A utilização de recursos aparece com uma das alternativas para dinamizar as
aulas de geografia. A exibição de filmes, vídeos, jogos geográfico, confeccionar algo
referente ao tema estudado, promover dinâmicas foram fatores relatados pelos
professores da disciplina, onde afirmam que buscar diversificar e enfocar os conteúdos
levando em consideração a realidade dos alunos são algumas técnicas que os docentes
devem realizar para despertar o interesse do aluno; bem como desmitificar a idéia da
geografia como conhecimento enfadonho e descritivo.
4. Considerações finais
A questão da motivação no ensino vem despertando interesse e preocupação por
parte de professores e educadores. Entendida como algo inerente ao processo de ensino
e aprendizagem, este sentimento tem muito a contribuir para o desenvolvimento
cognitivo dos alunos nas instituições escolares.
A falta de motivação para a aprendizagem não é exclusividade da disciplina
geografia, mas atinge as diversas disciplinas, e este problema tem gerado preocupação
dos educadores e professores na tentativa de buscar discutir esta temática existente no
campo educacional para traçar alternativas que contornem essa situação.
A motivação dos alunos nas aulas de geografia pressupõe desmitificar o ensino
tradicional desta disciplina. Nesse contexto em que os estudantes são movidos pelas
novidades do mundo contemporâneo, o professor tem que estar conectado para mostrar
aos alunos o significado dos conteúdos geográficos nessa nova era tecnológica. Assim,
a motivação influencia diretamente no processo de ensino e aprendizagem dos alunos,
uma vez que os estudantes motivados apresentam maior facilidade para apreender os
conteúdos em sala de aula.
Desta forma, os conhecimentos geográficos abordados numa perspectiva de
analise espacial e critica da realidade social na qual o individuo está inserido, também
podem contribuir para os alunos sentirem-se motivados nas aulas de geografia, uma vez
tal abordagem pode possibilitar que os alunos enxerguem possibilidades que viabilizem
sua participação na sociedade de maneira responsável e reflexiva do ponto de vista das
suas práticas sociais. Em suma, inovar as atividades, promover dinâmicas, e utilizar
recursos tecnológicos associados às novas perspectivas de ensino desta disciplina, pode
contribuir para aguçar o interesse do aluno em querer aprender os conteúdos
geográficos.
257
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258
MÉTODO CINESTÉSICO COMO ESTRATÉGIA PARA ENSINO DE
LIGAÇÕES QUÍMICAS NO NÍVEL MÉDIO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
Marlinne da Costa Lins
Fábio Adriano Santos da Silva
RESUMO
A utilização de métodos que permitam ao professor facilitar o aprendizado de alunos
com características de aprendizado classificado como visuais, auditivos, cinestésicos e
digitais, é de suma importância para o desenvolvimento dos alunos como cidadãos. Esse
processo permite ainda a transformação de informação em conhecimento, podendo ser
útil na solução de problemas do cotidiano do aluno. Métodos lúdicos demonstram
melhores resultados quando se trabalha com adolescentes. As estratégias para o ensino
da química no ensino médio devem ser escolhidas de acordo com o perfil do professor,
além de, preferencialmente, utilizar-se de métodos cinestésicos (que envolvem
utilização de movimentos do corpo e manipulação de objetos para o aprendizado),
sendo, portanto, mais atrativos ao cérebro que apresenta seletividade ao que será
armazenado. Neste trabalho pretende-se abordar, de forma descritiva, estratégias para o
ensino de ligações químicas e geometria molecular baseadas em métodos lúdicos e
cinestésicos, com uso de massa de modelar ou isopor, palitos e bolas de soprar, de
maneira a contribuir no trabalho do professor para ajudar o aluno na aprendizagem. Na
prática os resultados comparativos demonstram de forma qualitativa que utilizar de
métodos que transcendem o aspecto bidimensional, comum no ensino da química,
permite ao aluno compreender de forma clara o que se pretende que ele garanta como
conhecimento adquirido. A consciência de que alunos aprendem de forma individual e
coletiva, além de suas predileções definidas pela predominância de um dos hemisférios
do cérebro, nos permite compreender a dificuldade que alguns possuem em relação ao
aprendizado das disciplinas das ciências exatas, já que elas exigem uma inteligência
matemática e espacial. Porém, o aprendizado não precisa ser exclusivamente mecânico,
com repetições de resoluções de questões ou métodos, quando na verdade o aprendizado
deve ser útil a quem aprende, devendo, portanto, ter nuanças críticas de todo o conteúdo
abordado, o que transforma o aprendizado em algo apreciável por alunos e professores.
Palavras – chave: cinestésico, geometria, modelagem.
INTRODUÇÃO
259
O contato diário com alunos dentro da escola nos levou a observação de que
durante o ensino fundamental eles costumam afirmar que sua disciplina preferida é
Ciências, embora, ao iniciar o ensino médio, essa preferência se perca.
Acreditamos que um dos fatores ligados a essa mudança se deve a forma de
transmissão do conteúdo proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s),
que é pouco atrativa para um adolescente que vivencia um mundo dinâmico, repleto de
interações tecnológicas. Sob essa perspectiva, a batalha entre escola e as atividades
“divertidas” é desigual.
Nas ciências exatas há ainda a problemática de se utilizar mecanismos e tratar de
assuntos que dificilmente o aluno encontra em sua casa, nas conversas com os amigos,
nos shoppings, ou ainda em seus jogos de computadores. Dessa forma, a linguagem
escolhida para transmissão dos conteúdos das ciências exatas não é absorvida pelo
aluno. Especificamente em química ainda há a dificuldade de explanações teóricas de
um mundo invisível e inalcançável demasiadamente abstrato aos alunos.
O ensino de química, nesse quadro, padece da doença da narração. O professor
fala desta Ciência como se esta fosse sem movimento, estática, separada em
compartimentos e previsível. Ao invés de refletir e discutir os temas químicos, tornando
comum numa consideração contextual, o professor dá comunicados que os discentes
pacientemente devem aprender e reproduzir. É uma forma “cumulativa” de ensinoaprendizagem. Esta é a concepção bancária de educação, onde acontece uma
comunicação unidirecional, a qual enche os depósitos vazios, que “suportam” tudo que
for lançado, ou “calcado” dentro deles, de forma que não podem conter vazamento
(FREIRE apud SILVA, 2006).
Nessa concepção, a única ação que resta ao educando é captar e guardar, a todo
custo, os conteúdos. Isso bloqueia no aluno a criatividade, o saber e a transformação,
considerando que é na criação e recriação que existe o saber, e este é também fruto de
uma busca inquieta e constante presente nas relações homem-homem e homem-mundo
(FREIRE apud SILVA, 2006).
Shön (1992), Carvalho e Gil-Pérez (1995), Maldaner (2000), Mizukami (2002),
Rosa (2004) e Silva (2010) destacam em seus trabalhos que a ideia de simples
transmissão de conteúdos na docência é fruto da formação dos professores, fortemente
ligada apenas ao acúmulo de conhecimentos teóricos, tanto específicos quanto
pedagógicos, desvinculados entre si e desvinculados das necessidades das escolas e
sociedade atuais. Conforme os autores, a formação dos professores se baseia na
Racionalidade Técnica, onde o que se busca é a imitação e acúmulo de conhecimentos.
Sob essa perspectiva, a prática educativa prima pela reprodução.
Acreditamos que é possível mudar esse quadro a partir da escolha de estratégias
para ensino da química que estimulem a participação dos alunos, que considerem o
perfil do professor, o tipo de aula que está sendo oferecida e o tipo de aula que o aluno
necessita.
260
É a partir dessa concepção se propôs a aula de ligações químicas, interações
moleculares e geometria com foco cinestésico, isto é, envolvendo a utilização de
movimentos do corpo e manipulação de objetos para o aprendizado, combinado com
atividades lúdicas e música.
Acreditamos que essa metodologia alternativa favorece a participação ativa dos
alunos no processo de ensino-aprendizagem, tendo raízes na ação-reflexão-ação
alicerçada na Racionalidade Prática, isto é, numa atuação docente que considere a
reflexão sobre docência, questões sócio-históricas e a participação ativa do alunado no
processo de ensino-aprendizagem, conforme defendem Shön (1992), Maldaner (2000),
Mizukami (2002) e Silva (2010),
PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM: DO ABSTRATO AO CONCRETO
Segundo O’Connor e Seymour (apud SILVA, 2006), a aprendizagem ocorre em
quatro estágios: Primeiro Estágio – “incompetência inconsciente”, acontece quando um
indivíduo não sabe que não sabe, e, portanto, não tem dúvidas por não conhecer nada a
respeito do objeto; Segundo Estágio – “incompetência consciente”, ocorre quando um
indivíduo já sabe que não sabe, por exemplo, quando alguém tem consciência que não
sabe dirigir um automóvel; Terceiro estágio – “competência consciente”, no qual
conseguimos desenvolver uma atividade com certa perfeição, mas prestando atenção ao
que se está fazendo. Por exemplo, a pessoa já sabe dirigir um carro, contudo faz isto
atentando para cada comando; Quarto Estágio - “competência inconsciente”, este
estágio é atingido quando um indivíduo desenvolve um determinado trabalho de forma
automática.
É esperado por pais, e até por alguns alunos, que o professor encontre um
caminho, talvez até um atalho, para que esse quarto estágio seja alcançado. Porém, é
necessário julgar as habilidades inerentes ao aluno.
A análise da capacidade pertinente à turma deve ser moldada segundo os
aspectos de competências individuais e de todo o grupo. Segundo Vygotsky (1984),
quando alguém não consegue realizar sozinho alguma atividade, mas a realiza sob
orientação de um parceiro, mais experiente, demonstra que já garante, em algum grau,
os conceitos e noções relativas à tarefa exigida, revelando, portanto, o seu nível de
desenvolvimento proximal.
Dessa maneira, o aprendizado compartilhado pode ser a saída para turmas com
grande déficit em algum conteúdo.
A problemática enfrentada pelos professores da área de exatas talvez seja
respondida, em alguns casos, pela neurociência. Nela encontramos uma hipótese de
lateralidade do cérebro. Segundo Roger Sperry, prêmio Nobel de Medicina, no final dos
261
anos setenta, os dois hemisférios cerebrais que o compõem, e que dividem as principais
funções intelectuais não possuem exatamente as mesmas funções. O hemisfério direito é
preponderante nos seguintes aspectos do intelecto: percepção do espaço, o ritmo, a
gestalt (estrutura total), a cor, a dimensão, a imaginação, entre outras. Por sua vez, o
hemisfério esquerdo possui dominância em outra escala, já que o lado esquerdo é
verbal, lógico, seqüencial, numérico, linear e analítico.
Segundo Schütz (2005), o hemisfério direito seria, por assim dizer, a porta de
entrada das experiências e a área de processamento dessas experiências para transformálas em conhecimento.
Dessa maneira, a assimilação do conteúdo ministrado em aula ocorreria via
hemisfério direito para ser sedimentada no hemisfério esquerdo como habilidade
permanente, tornando-se, portanto uma competência inconsciente.
Para que isso ocorra, é necessário que o aluno seja cativado pelo que se deseja
que ele aprenda, já que a atenção humana baseia-se em experiências, caso sejam
prazerosas e gratificantes, a experiência é repetida, caso contrário, ela é evitada sempre
que possível.
De forma geral, a ferramenta utilizada para o acesso da informação é a memória.
Segundo Leão (2011), para que a memória funcione adequadamente no processo de
informação, se faz necessária a busca da interação entre os dois hemisférios,
equilibrando o uso de nossas potencialidades. Como se processam muitas informações
diárias, o cérebro acaba seletivo, guardando apenas informações que impressionem,
desenvolvendo a capacidade para a fixação dos fatos. Descobrir de que maneira pode-se
cativar um aluno para que ele absorva as informações e as decodifique em
conhecimento é uma arma importante para os profissionais da educação.
A facilidade com que um aluno tem aptidões por certas disciplinas está
relacionada à predominância de um dos hemisférios, dessa maneira, alunos com
predominância do hemisfério esquerdo normalmente apresentam predileção pelas
disciplinas da área de exatas. Isso não significa que um aluno com predominância do
hemisfério direito jamais aprenderá física, química e matemática, basta apenas que o
professor saiba alcançá-lo em suas limitações.
Uma maneira não tão fácil é perceber de que maneira esse aluno pode aprender,
já que o processo de aprendizagem não é universal. Segundo Carvalho (2011), os estilos
de aprendizado classificam-se como: 1 - Visuais: aqueles em que seu aprendizado é
baseado no visual, facilmente memorizam as imagens que vêem; 2 - Auditivos: o
aprendizado é baseado na audição, ou seja, são auditivos, e se prendem muito mais à
informação passada por meio da oratória que às anotações e registros; 3 - Cinestésicos:
precisam realizar a tarefa para entender sua dinâmica, a mecânica de seu aprendizado é
fundamentado na execução de uma tarefa, muitas vezes repetidamente; 4 - Digitais: que
têm seu aprendizado fundamentado através de passos, procedimentos e seqüências
262
lógicas. Caso o professor reconheça a modalidade de aprendizado de seu aluno, poderá
tornar mais fácil o aprendizado de seu aluno.
Acreditamos que ao atingirmos os cinestésicos, atingimos todos os outros
grupos. Porém a tarefa de desenhar uma aula cinestésica não é nada fácil, pois exige
criatividade e tempo para elaboração de novas estratégias. O professor tem o papel
explícito de interferir no processo, diferentemente de situações informais nas quais a
aprendizagem ocorre por imersão em um ambiente cultural. Portanto, é papel do
docente provocar avanços nos alunos e isso se torna possível com sua interferência na
zona proximal, considerando, evidentemente, que o aluno não é tão somente o sujeito da
aprendizagem, mas, aquele que aprende junto ao outro o que seu grupo social produz e
como tal produz e possui valores, linguagem e o próprio conhecimento.
ENSINO DE LIGAÇÕES, FORÇAS INTERMOLECULARES E GEOMETRIA:
QUAIS ESTRATÉGIAS UTILIZAR?
A ligação covalente é definida como a ligação que ocorre com compartilhamento
de elétrons entre átomos que não apresentem tendência a perder elétrons, como é o caso
dos ametais.
O entendimento da ligação permite ainda a compreensão da forma como os
átomos são organizados nessas ligações. Sendo fator preponderante para a justificativa
de formação de sistemas heterogêneos a partir do conceito de interações
intermoleculares definidas através da polaridade das moléculas.
A transmissão desse conteúdo no 9º ano e no ensino médio normalmente é
realizada de forma visual, mecânica (fundamentado em repetições) e pouco crítica, não
sendo, portanto, muito atrativa ao aluno.
A falta ou pouco desenvolvimento da visão espacial impede que a maioria dos
alunos interprete a geometria molecular através de ilustrações desenhadas na lousa. O
conceito de nuvens eletrônicas definido através da densidade eletrônica, ou seja, local
mais provável de encontrar um elétron num determinado local, parece ser bastante
complexa sem uma demonstração física, pois se utiliza da constante movimentação dos
elétrons.
Acreditamos que uma aplicação útil no ensino de ligações químicas é a
utilização de abstrações perceptíveis em escalas macroscópicas. No que concerne a
ligação covalente, poder-se-á utilizar da ideia de festas-casadas, aquelas em que um
ingresso dá direito a duas pessoas participarem da festa, o contexto de
compartilhamento é útil e aplicável principalmente no valor do ingresso.
As dificuldades de trabalhar com geometria molecular podem ser subjugadas
com a utilização de bolas de soprar que representariam as nuvens eletrônicas, podendo
263
ainda ser representativas de orbitais atômicos nas explanações de ligações sigma (σ) e pi
(π).
Para explanações sobre a geometria das moléculas utiliza-se do modelo madeira
e bola, respeitando a geometria molecular. Têm-se como materiais para confeccionar o
modelo, massa de modelar colorida ou bolas de isopor de tamanhos diferentes para
denotar os respectivos raios atômicos e palitos de dente ou churrasco para as ligações.
Essa metodologia nos permite ainda auxiliar no entendimento de isômeros geométricos
(cis e trans) que são normalmente tratados no decorrer da 3ª série do ensino médio.
METODOLOGIA
Essa proposta trata-se de um relato de experiência de atividade lúdica
desenvolvida em escolas de nível médio, das redes particular e pública, na cidade de
Feira de Santana – BA.
O assunto ligações químicas foi escolhido devido ao elevado grau de abstração
que apresenta e a dificuldade por parte dos alunos na visualização de imagens em 3D a
partir das representações espaciais em 2D no quadro negro, além da possibilidade de
expressar a idéia microscópica das moléculas de forma macroscópica e manipulável
pelos alunos a partir de materiais de baixo custo. Utilizamos, assim, massa de modelar,
bolas de sopro e palitos.
Para tornar a atividade ainda mais interessante aos alunos e reforçar os
conhecimentos teóricos foi proposta e desenvolvida uma música utilizando os termos
científicos/químicos a partir de uma música popular de melodia conhecida pelos alunos,
cuja letra foi alterada conveniente ao tema e com as devidas licenças poéticas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Num primeiro momento os alunos se mostraram surpresos com a proposta de
trabalho com música, massa de modelar e bolas de soprar no ensino médio, ainda mais
numa disciplina como química, tradicionalmente conduzida de forma mais sisuda.
Embora tenha havido um estranhamento inicial, a receptividade ao modelo
trabalhado foi satisfatória, sendo posteriormente solicitado, por parte dos alunos, que
em outros conteúdos a mesma estratégia fosse repetida.
A definição do conceito de nuvens eletrônicas por meio de bolas de soprar
auxiliou na visão do espaço ocupado por pares de elétrons ligantes e pares não ligantes,
além da representação das ligações sigma (σ) e pi (π) em diferentes hibridizações.
264
A utilização da massa de modelar e dos palitos para denotar a geometria de
compostos moleculares foi de suma importância, pois transformu a informação
bidimensional demonstrada em livros e no quadro em informação tridimensional,
facilmente manipulável pelo aluno, conforme Figuras 1 e 2.
Figura 1. Modelos confeccionados com massa de modelar e palitos.
CCl4 , H2CO e NH3 (da esquerda para a direita)
Figura 2. Modelo da molécula de Benzeno.
C6H6, molécula plana devido à hibridização sp2 do carbono
O aproveitamento do conteúdo pode ser comprovado por comparação de
atividades antes e após a modelagem, utilizando de moléculas que apresentam mesma
geometria, por exemplo, água e ácido sulfídrico, conforme Figura 3.
Figura 3. Modelo da molécula de Ácido Sulfídrico.
H2S, molécula angular, 105º
265
A estratégia de aula musical tem um efeito muito maior no subconsciente do
alunado, pois junge a teoria com o lúdico, além da formação de vínculo afetivo entre
educador e educando, fator preponderante para aceitação do conteúdo ministrado em
aula. A utilização da música para aproveitamento teórico foi de fundamental
importância, dada a interação cognitiva referente a todo o processo de aprendizagem por
instrumentos lúdicos, que mantêm a teoria enraizada mesmo após o término do ano
letivo.
CONCLUSÕES
A utilização de metodologias alternativas aliadas a métodos lúdicos para o
ensino de química se mostra interessante tanto para os alunos quanto para os
professores, pois quebra com a austeridade da química permitindo ao aluno permear
este universo científico, transformando as informações absorvidas em ferramentas para
que o ele ao defrontar-se com um problema possa compreendê-lo, avaliá-lo e tomar um
posicionamento que lhe permita resolver tal problema. Dessa maneira, relata-se sobre
aprendizado crítico e contínuo, a utilização de conhecimento como ferramenta e não
como arquivos pouco úteis ao cotidiano, atento a reflexão docente conforme Shön
(1992), Maldaner (2000) e Sacristán (2000) nos ensinam.
A utilização de métodos que permitam transcender o bidimensional,
demonstrando a possibilidade de manipulação de modelos geométricos é facilmente
reconhecida como um método cinestésico.
A modelagem é uma forma de instrumentação do conteúdo abordado. A
estratégia de aula musical se mostra útil em quaisquer conteúdos a serem ministrados,
proposta bastante difundida no âmbito das ciências humanas com excelentes resultados
demonstrados no exercício da atividade lúdica.
O impacto positivo da utilização dos métodos descritos é facilmente observável
quando se solicita aos alunos que construam moléculas com atomicidade maior que
cinco como as dos hidrocarbonetos: etano, propano, but-2-eno e etc. A absorção de que
a orientação das ligações delineia a geometria da molécula pode se mostrar útil em
conteúdos futuros.
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268
TRADIÇÃO E CONTRADIÇÃO DA PRÁTICA VIVISSECCIONISTA NA
EDUCAÇÃO: POR UMA PLURALIDADE METODOLÓGICA NA
SUPERAÇÃO DO ANTROPOCENTRISMO-ESPECISTA
Thiago Leandro da Silva Dias1,2 & Ana Cerilza Santana Mélo1,3
1 – Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Feira de Santana
(UEFS). Av. Transnordestina, s/n, Novo Horizonte – CEP 44036-900 – Feira de Santana-Bahia;
2 – Licenciando em Ciências Biológicas. [email protected]; 3 – Professora Adjunta do
Departamento de Ciências Biológicas.
Resumo
O uso de animais no ensino é baseado em intervenções como dissecações e
vivissecções. Dissecação é a separação, com instrumento cirúrgico, de partes do corpo
ou órgão de animais mortos para estudo de anatomia. O termo “vivissecção”
literalmente significa “cortar (um animal) vivo”, mas é aplicado genericamente a
qualquer forma de experimentação animal que implique em intervenção com vistas a
observar um fenômeno, alteração fisiológica ou estudo anatômico. Tais práticas e
intervenções estão imersas em um paradigma que há muito direciona a ciência
ocidental, fruto da tradição moral em vigor, o antropocêntrico-especista, que considera
os interesses e necessidades do ser humano como superiores a de todos os demais seres,
por possuir sua condição biológica especial, na qual nascem a razão e a linguagem.
Mesmo decorrendo milhares de anos, a consideração do animal como objeto autômato e
destituído de sensibilidade ainda se perpetua como na lógica de René Descartes (15961650). Nesse sentido, o presente trabalho de natureza teórica busca analisar a prática
tradicional da vivissecção na educação e seus aspectos contraditórios. Muitos dos
processos didático-metodológicos no Ensino Básico e Superior para o Ensino de
Ciências, Biologia e Áreas Médicas utilizam-se de animais em atividades práticas com
amimais. Na educação básica a experimentação animal é proibida desde 1979, embora
ainda se faça presente em muitas situações. No ensino superior predomina, via de regra,
a mentalidade vivisseccionista. Tanto no campo didático quanto no científico, muitas
experiências extremamente dolorosas são repetidas exaustivamente com animais. O uso
de animais em sala de aula possibilita, inevitavelmente, circunstâncias traumáticas ou
marcantes para os/as estudantes, e acaba por interferir nos processos cognitivos
necessários para compreensão do conteúdo pretendido. É questionável uma ação
educacional baseada num único estilo didático. Repensar, refletir e reformular
determinados padrões metodológicos requer uma abordagem crítica do que seja o
ambiente da sala de aula, os sujeitos em relação e as perspectivas epistemológicas em
questão. Um amadurecimento dos debates em torno da inserção de questões éticas na
estrutura curricular da formação de professores se faz necessário.
269
Palavras-chave: Vivissecção, paradigmas, práticas didático-científicas.
Apresentação do tema
Paradigmas são concebidos em bases de grande interesse com vistas ao exercício
de poder. O paradigma antropocêntrico sustenta-se em duas características básicas, ou
seja, visa ao bem-estar apenas do ser humano, e recomenda a exploração da natureza em
seu benefício (PRADA, 2008). Um paradigma que há muito direciona a ciência
ocidental, fruto da tradição moral em vigor, é o antropocêntrico-especista, que
considera os interesses e necessidades do ser humano como superiores a de todos os
demais seres, por possuir sua condição biológica especial, na qual nascem a razão e a
linguagem (TRÉZ & NAKADA, 2008). De acordo com Felipe (2008), essa tradição
moral conservadora tem a vida da espécie humana como referência absoluta, derivando
dessa tese o fundamento do direito humano de dominar tiranicamente todas as demais
formas de vida. Portanto, sob essa análise, é tirânica, exploradora e fascista essa
concepção de mundo na qual os animais são meros objetos destituídos de interesses, e
construída sob a ótica cientificista cartesiana, mecanicista, instrumental e especista.
O uso de animais na pesquisa e ensino é baseado em intervenções como
dissecações e vivissecções. Dissecação é a separação, com instrumento cirúrgico, de
partes do corpo ou órgão de animais mortos para estudo de anatomia (GREIF, 2003). O
termo “vivissecção” literalmente significa “cortar (um animal) vivo”, mas é aplicado
genericamente a qualquer forma de experimentação animal que implique em
intervenção com vistas a observar um fenômeno, alteração fisiológica ou estudo
anatômico (GREIF & TRÉZ, 2000).
O uso de animais para fins didáticos na educação básica e superior não foge à
regra do paradigma hegemônico – antropocêntrico-especista, em que a ciência e
educação estão inseridas. A vivissecção de animais gera conflitos e contradições éticas,
morais, pedagógicas e psicológicas que devem ser discutidas de forma plural, sendo
essa discussão fundamentada em uma séria reflexão e em conceitos teóricos pertinentes
à esfera da Bioética (FEIJÓ et al, 2008), levando-se em consideração a pluralidade
270
sócio-cultural - que clama por uma pluralidade metodológica - presente nos espaços
educativos e seus desdobramentos.
Nesse sentido, o presente trabalho de natureza teórica busca analisar a prática
tradicional da vivissecção na educação e seus aspectos contraditórios, ressaltando a
necessidade da superação do paradigma antropocêntrico-especista nos debates e práticas
educativas, sendo assim, perpassa por uma discussão ética, metodológica e sóciocultural.
Tradição da vivissecção
Mesmo decorrendo milhares de anos, a consideração do animal como objeto
ainda se perpetua como na lógica de René Descartes (1596-1650). Para esse filósofo, os
animais eram meros objetos, não possuíam qualquer sensibilidade e funcionavam como
máquinas. De acordo com Levai (2006):
Foi a partir do racionalismo de René Descartes (1596-1650) que o uso
de animais para fins experimentais tornou-se método padrão na
medicina. Tal filósofo justificava a exploração sistemática dos
animais, equiparando-os a autômatos ou a máquinas destituídas de
sentimentos, incapazes de experimentar sensações de dor e de prazer
(LEVAI, 2006, p.02).
Tal pensamento e prática em relação aos animais já eram desenvolvidos antes de
Descartes por outros pensadores. Remonta à Antiguidade, e teria se iniciado na Grécia
com Hipócrates (550 a.C.) que, tido como o pai da medicina, já relacionava o aspecto de
órgãos humanos doentes com os de animais, e realizava dissecações com finalidade
didática (FERRARI, 2004). Ainda nesse período, os fisiologistas Alcmaeon (550 a.C.),
Erasistratus (350-240 a.C.) e Galeano (130-200 a.C.) praticavam a experimentação
animal com a mesma finalidade de Hipócrates (LEVAI, 2001). Aristóteles (384-322
a.C.), ratificando esta prática, afirmava que os animais existiam para servir aos
interesses dos seres humanos e os consideravam meros instrumentos vivos (SINGER,
2004).
Nos antigos textos hebraicos como a bíblia, os animais e toda natureza eram
considerados como subservientes ao homem/ser humano. Segundo esse pensamento,
Deus deu ao homem/ser humano o domínio sobre todas as coisas viventes, como
exposto no Antigo Testamento:
271
Deus os abençoou e disse: Crescei e multiplicai-vos e enchei a terra,
sujeitai-a, e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves do céu, e
sobre todos os animais que se movem sobre a terra (Gênesis 1:28,
p.5).
A moral judaico-cristã, com base nos ensinamentos bíblicos, só reforçou a idéia
de exploração dos animais ao afirmar a inferioridade destes na escala da criação e sua
subserviência aos homens/seres humanos. Tal concepção foi revigorada pela filosofia
escolástica, cujo principal vulto, Tomás de Aquino (1228-1274), costumava dizer que
não tínhamos deveres para com essas criaturas (LEVAI & DARÓ, 2008).
Em meados do século XIX, Claude Bernard (1813-1878), fisiologista francês,
lançou as bases da moderna experimentação animal com sua obra Introdução à
medicina experimental, publicada em 1865, considerada por muitos como a “bíblia dos
vivissectores”, e que transformou a fisiologia em um dos intocáveis mitos da ciência
médica (FERRARI, 2004).
Sob influência da perspectiva do ser humano como superior e dominador de
todas as coisas – configurando-se enquanto paradigma antropocêntrico, o contexto
científico desenvolve diversas atividades que hoje nos fazem repensar e refletir sobre
sua continuidade. A forma como os animais são tratados nos laboratórios e salas de aula
demonstra, muitas vezes, uma desconsideração para com as faculdades sensitivas
destes, acarretando numa prática cruel e insensível que merece questionamentos.
Segundo Levai (2001) em seu livro Vítimas da Ciência, os animais destinados às
experiências são martirizados, de formas inimagináveis, em prol de um suposto
progresso científico. Para a autora, a morte desses animais, independente do sofrimento
a que possam ser submetidos, é justificada pela ciência como mal necessário e está
inserida numa visão antropocêntrica-especista de fazer ciência.
Animais não-humanos na educação: usos e desacordos
Muitos dos processos didático-metodológicos no Ensino Básico e Superior para
o Ensino de Ciências, Biologia e Áreas Médicas utilizam-se de animais em atividades
práticas para demonstrar estruturas morfofisiológicas, procedimentos, métodos e
técnicas de pesquisa científica e de habilidades cirúrgicas manuais (LIMA & FREITAS,
2009).
272
Na educação básica, a experimentação animal é proibida desde 1979, quando a
Lei n.º 6.638 determinou em seu Art 3º que a vivissecção não seria permitida “em
estabelecimentos de ensino de primeiro e segundo graus e em quaisquer locais
freqüentados por menores de idade”. Hoje, a Lei de Crimes Ambientais (1998) e a Lei
Arouca (2008) determinam que experiências dolorosas em animais vivos, sejam com
fins didáticos ou científicos, a coleta não autorizada, por órgão competente (IBAMA),
de espécimes selvagens e a realização de vivissecção durante o ensino básico regular
incorrem em infrações (MELGAÇO et al, 2010). No entanto, a prática com animais
ainda se faz presente na educação básica, como salientam Lima et al (2008) em seus
estudos e experiências, ressaltando que “ainda registramos professores utilizando
animais ou partes deles para fundamentar e/ou comprovar conceitos em atividades
práticas de ensino de Ciências e Biologia” (LIMA et al, 2008, p.354).
Nas Instituições de Ensino Superior (IES) espalhadas pelo Brasil são facilmente
percebidos os diversos métodos tradicionais com os quais os animais são utilizados.
Greif & Tréz (2000) demonstram essa situação:
São várias as finalidades dos experimentos realizados com animais
nas universidades brasileiras: observação de fenômenos fisiológicos e
comportamento a partir da administração de drogas; estudos
comportamentais de animais em cativeiro; conhecimento da anatomia
interna; e desenvolvimento de habilidades e técnicas cirúrgicas. Estes
experimentos são comuns em cursos de medicina humana e
veterinária, odontologia, psicologia, educação física, biologia,
química, enfermagem, farmácia e bioquímica, e eventualmente em
outras áreas das ciências biológicas (GREIF & TRÉZ, 2000, p. 12).
No ensino superior, animais têm sido dissecados nas salas de aula de biologia
desde cerca de 1900 e no currículo de biologia, a dissecção foi inserida há 60 anos
(TRÉZ, 2000). Porém, predomina no meio acadêmico como um todo, via de regra, a
mentalidade vivisseccionista. Tanto no campo didático quanto no científico, muitas
experiências extremamente dolorosas são repetidas exaustivamente com animais
diferentes a fim de demonstrar para públicos diversos, teses cujos resultados são
notórios (LEVAI & DARÓ, 2008). Além dos maus-tratos infligidos aos animais
envolvidos em aulas práticas e a sua total desconsideração de interesses, associados à
falsa prerrogativa de “usar para conservar”, esse processo gera contradições éticas e
morais nos(as) estudantes que possuem determinados princípios, deslegitimando a
pluralidade sócio-cultural e de valores éticos e morais envolvidas.
273
Das contradições éticas aos métodos substitutivos
O uso de animais em sala de aula possibilita, inevitavelmente, circunstâncias
traumáticas ou marcantes para os estudantes (BARBUDO, 2006), e acaba por interferir
nos processos cognitivos necessários para compreensão do conteúdo pretendido
(PAIXÃO, 2008), contrariando o que muitos professores argumentam na defesa sobre
as chamadas experiências práticas. Como salienta Paixão (2008), num debate sobre a
visualização do coração de uma rã pulsando fora do corpo (aula comum de fisiologia):
Espera-se que “cenas chocantes, desagradáveis ou marcantes” fiquem
retidas na memória daqueles alunos que não gostam das aulas
demonstrativas e também na daqueles que “tinham muita curiosidade”
No entanto, não basta “ver o coração bater”, é preciso uma série de
informações para que os alunos “entendam a fisiologia cardíaca”
(PAIXÃO, 2008, p.117).
De fato, sabemos por experiência própria, que essas cenas não são esquecidas
facilmente, especialmente aquelas que foram, para alguns alunos, as mais chocantes, as
mais desagradáveis e, por isso, marcantes durante o seu curso. Porém, há também uma
literatura científica que demonstra que a indução de humor negativo piora a
performance se o indivíduo tiver que realizar uma tarefa difícil. Isso significa que um
estado emocional negativo pode dificultar mecanismos cognitivos mais complexos. A
cena ficará na memória, mas os processos cognitivos necessários para um
“entendimento significativo” serão de fato “atrapalhados” pelos estímulos emocionais
negativos advindos da “cena chocante” (PAIXÃO, 2008).
Os(as) estudantes, ao terem seu primeiro contato com experimentos envolvendo
animais, ficam sujeitos a conflitos e contradições cujos valores previamente adquiridos
são confrontados com a autoridade institucional, suficientemente forte para garantir a
eficiências das aulas com animais e determinar o comportamento dos indivíduos
envolvidos nela (LIMA, 2008). Em tal conjuntura é de se questionar o equívoco das
práticas e processos pedagógicos que tais estudantes estão sujeitos. Equívoco este
oriundo de uma prática não reflexiva e autoritária por parte dos educadores e
instituições, submetendo também os educandos a essa não reflexidade. Pois como
salienta Freire (1996), “a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da
relação teoria/prática”, sem a qual é impossível avançar na prática educativo-crítica.
274
Embora muitos(as) estudantes sintam-se desconfortáveis e incomodados com
tais práticas, a maioria não se posiciona contrariamente e depois de um tempo acabam
reproduzindo o que foi transmitido pelo professor(a) (SINGER, 2004). Esse é um
exemplo claro, segundo Singer (2004), da “cegueira ética condicionada” na qual o(a)
estudante está sujeito(a) a adquirir durante sua formação acadêmica, evidenciando a
universidades e a escolas como altares de reprodução de paradigmas. Nesse contexto, a
decisão de continuidade de determinada prática subentende a vontade do pesquisador/a
e/ou professor/a, sem referências ou considerações às necessidades estudantis (LEVAI,
2006).
Toda e qualquer prática que utiliza animais para fins didáticos, decorre de um
erro metodológico que a considera o único meio para se obter conhecimento científico,
a partir de um único método e modelo (animal) para experimentação, e desconsiderando
os pressupostos e considerações dos sujeitos envolvidos (animais humanos em
formação acadêmica e animais não-humanos utilizados) (LEVAI, 2006; 2008).
As recentes conclusões de workshops internacionais sobre o ensino da fisiologia
já revelam que o uso de animais em sala de aula está em declínio e o uso de
computadores é crescente, e cada vez mais importante para o processo de aprendizagem
(SEFTON, 2001; SEFTON & HANSEN, 2002 apud PAIXÃO, 2008). Estudantes e
professores podem escolher dentre uma grande variedade de alternativas e substitutos
para serem utilizados na educação: modelos e simuladores mecânicos; filmes e vídeos
interativos; simulações computacionais e de realidade virtual; acompanhamento clínico
em pacientes reais; estudo anatômico em animais mortos por causas naturais ou
circunstâncias não-experimentais; experimentos in vitro; estudos de campo e
observacionais; dentre outros (GREIF, 2003).
Diversos estudos já demonstram resultados que questionam a continuidade dos
métodos tradicionais, por parte de diferentes amostras de estudantes, com relação ao uso
de animais na educação (FOWLER & BROSIUS, 1968; HENMAN & LEACH, 1983;
HUANG & ALOI, 1991; MCCOLLUM, 1987; MORE & RALPH, 1992; ERICKSON
& CLEGG, 1993; JOHNSON & FARMER, 1989 apud GREIF, 2003), ao comprovar
desempenhos equivalentes no aprendizado entre métodos alternativos/substitutivos e
tradicionais. No Brasil, em estudo comparativo recente (DINIZ et al, 2006), os
resultados demonstraram a possibilidade de um desempenho semelhante entre duas
turmas (uma utilizou animais vivos como recurso e a outra não) em relação à
275
aprendizagem, demonstrando que a substituição de animais em aulas é possível,
mantendo-se a mesma qualidade de ensino.
Portanto, como confirmam Laburú et al (2003), “é questionável uma ação
educacional baseada num único estilo didático, que só daria conta das necessidades de
um tipo particular de aluno ou alunos e não de outros” (LABURÚ et al, 2003, p.5).
Nesse sentido o professor, poderia ser assemelhado a um perscrutador, no sentido de um
prático-reflexivo, um inovador, um testador de novas propostas, procurando não se
afastar da auto-reflexão ética e crítica que leva a essas ações, pois há limites morais para
o que pode ser reputado como ensino, logo, tendo muito maior responsabilidade na
avaliação dos seus atos (LABURÚ et al, 2003).
Considerações Finais
A imersão em um paradigma específico dá acesso aos modelos de como se deve
agir, não havendo levantamento de nenhum problema ou questão o que traria a inércia
de atitudes e comportamento tradicional (LIMA. 2008). A autoridade do professor,
representante da instituição escolar, assim como a metodologia reducionista por ele
adotada, raramente é questionada pelo estudante. No entanto, diversos estudos
demonstram o quanto essa prática tradicional é contraditória avaliando os aspectos e
relações plurais estabelecidas nos processos de ensino-aprendizagem.
Ensinar não é transferir conhecimento, conteúdos, nem formar é ação pela qual
um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado (FREIRE,
1996). Segundo Freire (1996), “não há docência sem discência”. Existe uma linha tênue
no ínterim do processo de ensino-aprendizagem entre professor e estudante na qual
deve-se agrupar dialogicidade e autonomia, nunca autoritarismo. Como reitera o autor,
“o educador democrático não pode negar-se ao dever de, na sua prática docente,
reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão”, portanto,
os valores prévios dos estudantes, a capacidade crítica e os preceitos éticos devem ser
considerados de forma equânime e respeitosa para garantir uma prática pedagógica
crítico-reflexiva que favoreça o processo de ensino-aprendizagem.
Repensar, refletir e reformular determinados padrões metodológicos requer uma
abordagem crítica do que seja o ambiente da sala de aula, os sujeitos em relação e as
perspectivas epistemológicas em questão. Nessa discussão, Laburú et al (2003), trazem
à tona o debate de que os estudantes variam em suas motivações e preferências, no que
276
se refere ao estilo ou ao modo de aprender, e mesmo na sua relação com o
conhecimento, entre outras facetas. Diante destes fatores que podem vir a ser colocados
numa sala de aula, a decisão do emprego da estratégia metodológica deve ser crítica,
participativa, mutável e em consonância com a realidade do educando, pois como nos
ensina Freire (1996), “o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo
ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros” (FREIRE, 1996,
pag 59).
A partir deste contexto de análise, abre-se precedente tanto para questionar e
denunciar as práticas didático-científicas, de uso de animais, envolvidas em um único
viés metodológico e positivista, como para propor um amadurecimento dos debates em
torno da inserção de questões éticas na estrutura curricular da formação de professores.
Como sustenta Lima et al (2008), “um dos principais desafios na formação do professor
de Ciências consiste na integração de conteúdos científicos aprofundados e atualizados
com uma concepção humanística que subsidie seu futuro papel na formação ética de
seus alunos” (LIMA et al, 2008, p.353).
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279
MOVIMENTO ESTUDANTIL, CURRÍCULO E GÊNERO: O CASO DO
GRÊMIO ESTUDANTIL D. HÉLDER, AMARGOSA-BA (1960-2006).
Camila de Almeida Santana
Josenaide Alves da Silva
RESUMO: O trabalho decorre de uma pesquisa realizada no âmbito do Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID da Universidade Federal do
Recôncavo da Bahia – UFRB/CFP, no Colégio Estadual Pedro Calmon, Amargosa-BA,
entre abril e agosto de 2010, ocasião em que nos dedicamos a reconstituir o histórico
desta instituição. Durante a pesquisa, chamou-nos a atenção a atuação destacada do
Grêmio Estudantil D. Helder Câmara (GEDC). Criado em 1960, o GEDHC teve intensa
ação política junto aos estudantes secundaristas da escola, e de outras instituições
educacionais do município e mesmo da região durante aquela década. Em fins dos anos
1990 o Grêmio foi reativado, passando novamente a ter protagonismo político nos anos
seguintes. Através de reuniões, cursos de formação, eventos, elaboração de ofícios e
relatórios, publicação de jornais, passeatas, protestos, etc., o movimento se constitui em
espaço de formação política de estudantes secundaristas, alguns dos quais depois vieram
a ocupar espaços e cargos importantes no cenário político nacional, estadual e local. Os
dados analisados dão conta que o grêmio teve um importante papel no desenvolvimento
do colégio. No entanto através dos dados levantados acreditamos que existia certa
hierarquização entre os papes ocupados por homens e mulheres neste movimento.
Assim apoiado nos estudos sobre o Movimento Estudantil (Mesquita 2003,), Currículo
(COSTA 1999) e Gênero (LOURO 2008, SILVA E CRUZ 2010), o trabalho apresenta
dados de campo levantados a partir de fontes escritas (livros de atas, ofícios e jornais)
existentes no Arquivo da Escola e encontrados com ex-dirigentes da instituição, bem
como fontes orais, produzidas através de entrevistas semi-estruturadas realizadas com
ex-professores e ex-dirigentes do GEDHC para, em seguida, problematizar as relações
de gênero no âmbito deste movimento estudantil, procurando analisar a participação de
homens e mulheres na composição da estrutura administrativa da entidade e no
desenvolvimento de sua ação política no período entre 1960-2007.
Palavras-chave: Movimento Estudantil; Currículo; Gênero
280
1. APRESENTAÇÃO:
O trabalho aqui apresentado decorre de uma pesquisa realizada no âmbito do
Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID da Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB/CFP, no Colégio Estadual Pedro Calmon,
Amargosa-BA, entre abril e agosto de 2010, ocasião em que nos dedicamos a
reconstituir o histórico desta instituição. Durante a pesquisa, chamou-nos a atenção a
atuação destacada do Grêmio Estudantil D. Helder Câmara (GEDC). Dessa forma nosso
objetivo é analisar a participação de homens e mulheres na composição da estrutura
administrativa da entidade e no desenvolvimento de sua ação política no período entre
1960-2010.
Assim, analisar o papel desempenhado pelo Grêmio Estudantil D. Helder
Câmara no colégio Estadual Pedro Calmon é ter um olhar voltado para a atuação de
jovens na construção de uma sociedade justa e democrática, tendo em vista que as
bandeiras de lutas levantadas pelos integrantes do movimento era em prol de melhorias
no colégio ao qual estava inserido o movimento e também por direitos a liberdade.
Dessa forma através de um estudo de um estudo de caso e utilizando abordagem
qualitativa, através dos métodos da História Oral, buscamos analisar e conhecer a
trajetória atuante do movimento estudantil e também a participação das mulheres neste
processo.
2. OBJETIVO:
O trabalho intitulado objetiva analisar a atuação do movimento e a participação
de homens e mulheres na composição da estrutura administrativa da entidade e no
desenvolvimento de sua ação política no período entre 1960-2007.
3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA:
281
Segundo Marcos Mesquita (2003) o movimento estudantil em geral foi bastante
ativo no século passado, assim marcando sua presença no cenário político latinoamericano. Segundo o autor no Brasil sua trajetória de certa forma remonta grandes
momentos históricos, bem como, os principais fóruns e debates acerca da educação e
dos modelos de universidade, dessa forma os movimentos estudantis conseguiram, por
algum tempo, ser o ator social de maior força e organização, atraindo outros grupos e
movimentos sociais.
Com relação aos movimentos sociais, cabe destacar que o currículo estar
totalmente imbricado, assim afirma Tomaz da Silva (2007), nas discussões cotidianas,
quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento, esquecendo-nos de
que o conhecimento que constitui o currículo está inexoravelmente, centralmente,
virtualmente, envolvido naquilo que somos, ou naquilo que nos tornamos. Desse modo
possamos dizer que, além de uma questão de conhecimento, o currículo é também uma
questão de identidade.
Para Macêdo (2007), o currículo é um espaço vivo de construção de
conhecimento, resultante dos pensamentos, das experiências dos sujeitos e das suas
interações da natureza histórica, social e biológica.
È conveniente salientar que os movimentos tiveram maior repreensão na época
da ditadura militar. Esta fase marcada por embates, mortes, proibições etc. Segundo
Paula e Duriguetto (2006 e 2007) o ano de 1968 representou um endurecimento ainda
maior do Estado de Segurança Nacional frente a qualquer movimento social, assim
foram proibidas passeatas e greves.
Morais (2008) traz que após a ditadura militar um dos momentos mais
importantes da nossa história protagonizado pelos estudantes secundaristas foi o “Fora
Collor” (1992), onde os estudantes pintaram os rostos e saíram mais uma vez às ruas
para pedir a saída do presidente eleito pelo voto direto, Fernando Collor de Melo
acusado de corrupção, feito este que logrou sucesso, no Movimento que ficou
conhecido como os “Caras-pintadas”
Destarte, compreende-se que o movimento estudantil tem suas ações políticas
articuladas a uma ação coletiva e que em suas práticas mobilizatórias tem um sentido
significativo para determinadas inovações nos âmbitos institucionais.
282
4. METODOLOGIA:
Para o desenvolvimento do trabalho realizamos entrevistas semi-estruturadas
com alguns ex-participantes do referido Grêmio (GEDC), analisamos documentos
como, por exemplo, o livro de atas, relatórios, jornais e ofícios. Ressaltamos que nestes
documentos encontramos vestígios da ação política do Grêmio.
5. DISCUSSÕES E RESULTADOS:
Ao analisar o papel desempenhado pelo Grêmio Estudantil D. Helder Câmara no
colégio Estadual Pedro Calmon, percebemos que havia uma atuação ativa dos
estudantes que participavam do movimento, suas ações políticas eram em prol a
construção de uma sociedade justa e democrática. Ainda, por melhorias no Colégio ao
qual estava inserido o movimento e também por direitos a liberdade.
A leitura da ata deste período nos permite a compreender que mesmo estando
distante do cenário dos grandes combates que acontecia no Rio de Janeiro, os estudantes
que participavam do movimento estudantil em Amargosa também estavam plausível a
possíveis investigações, perseguições ou repressões militares.
Recebemos a visita inesperada do comandante da Polícia Militar destacado
em nossa cidade, juntamente com o gerente do Banco do Brasil e a diretora
do nosso colégio (Livro de Atas do G.E.D.H.C, p.7 – verso, 06 de maio de
1964)
Notamos a partir de algumas falas que os participantes do movimento estavam
engajados na realização de ações políticas bastante definidas como: encontros de
formação; publicação de jornais; denúncias em rádios e TV; denúncias na SEC-Ba;
realização de passeatas. Segundo alguns entrevistados, os maiores embates do
movimento estudantil ocorreu com a direção da escola, pois se tratava de uma
administração autoritária.
283
Os dados analisados nos permitiram compreender que a participação das
mulheres no Grêmio Estudantil Dom Helder Câmara quase era em menor quantidade e
em cargos inferiorizados.
Tabela 01 – Distribuição das funções/cargos na estrutura administrativa do
Grêmio Estudantil D. Hélder Câmara, por gênero – 1960-2006.
MULHERES
HOMENS
FUNÇÃO/CARGO TOTAL Quantidade Percentual Quantidade Percentual
Presidência
12
01
1%
11
99%
Vice-Presidência
08
00
0%
08
100%
Secretaria Geral
20
04
20%
16
80%
de 08
00
0%
08
100%
de 10
00
0%
10
100%
de 13
05
19%
08
81%
Secretario fiscal
51
23
19%
28
81%
Biblioteca
10
03
15%
07
85%
Secretaria
Esportes
Secretaria
Intercâmbio
Secretaria
Finanças
Ao analisar o papel desempenhado pelo Grêmio Estudantil D. Helder Câmara no
colégio Estadual Pedro Calmon, percebemos que havia uma atuação ativa dos
estudantes que participavam do movimento, suas ações políticas eram em prol a
construção de uma sociedade justa e democrática. Ainda, por melhorias no Colégio ao
qual estava inserido o movimento e também por direitos a liberdade.
Nos anos de 1997-2006 foram marcados por embates com a direção da escola.
As lideranças deste movimento estavam engajados na formação dos cidadãos,
284
promovendo encontros entre os estudantes para tratar de interesse de todos e assuntos
que se faziam presentes na época. Os relatos a seguir dar conta que o grêmio tinha uma
participação maior nesta época no colégio.
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ótica dos Novos Movimentos Sociais. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, 66, p.
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Snoeck – Faculdade de Serviço Social/UFJF. In: Libertas, Juiz de Fora, v.6 e 7, n. 1 e
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08/08/2011.
SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução as teorias do
currículo. 2.ed., 10ª reimp. Belo Horizonte, Autêntica, 2007.
285
EIXO 2 A – FORMAÇÃO DE PROFESSORES
REFLEXÕES SOBRE ESCOLA, FORMAÇÃO DOCENTE, SEXUALIDADE E
DIVERSIDADE SEXUAL
286
Taisa de Sousa Ferreira52
Trata-se de um estudo que se propôs a refletir sobre a formação docente em
relação às questões que envolvem a sexualidade e diversidade sexual, objetivou
identificar através das falas docentes de que maneira o curso de formação de professor
contribuiu positiva ou negativamente para sua prática pedagógica em relação à
sexualidade e diversidade sexual. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa, com
utilização de entrevista semiestruturada, com quatro docentes (dois homens e duas
mulheres), das áreas de exatas, biológicas e humanas de uma escola pública, em Feira
de Santana. Pondera-se que, apesar da questão da sexualidade estar na "ordem do dia",
enquanto pauta educacional, presente em diversos espaços escolares, de ultrapassar
fronteiras disciplinares e configurar-se como um assunto a ser abordado por diferentes
agentes educacionais, em geral, observa-se que os cursos de formação de professores,
através de suas propostas curriculares, ainda mantêm uma postura tímida no
desenvolver de reflexões profundas sobre sexualidade e diversidade sexual. Em função
das posturas assumidas na formação desenvolvida, os cursos acabam não oferecendo o
desenvolvimento de práticas pedagógicas que levem os (as) futuros (as) professores (as)
compreenderem e refletirem sobre suas ações frente à cultura homofóbica na sua relação
com a educação, assim como sobre as contribuições destes (as) para formação de
indivíduos que concretamente exerçam sua autonomia e cidadania em relação às
possíveis expressões sexuais. Em sua maioria, os (as) professores (as) entrevistados (as)
avaliam como importante o debate acerca desta, porém não conseguem perceber o seu
papel no enfrentamento as desigualdades que se fazem na escola no que diz respeito à
diversidade e na sua fala elegem sujeitos exteriores a dinâmica escolar para trabalhar
tais questões. Outro dado que chama atenção na pesquisa é que quando tal discussão
ocorre na escola esta se restringe apenas a professores que atuam nas ciências
biológicas, com recortes focados nas questões reprodutivas silenciando o contexto
afetivo, social e cultural dos corpos.
RESUMO:
Palavras- Chaves: Formação docente. Diversidade Sexual. Prática Pedagógica.
INTRODUÇÃO
Segundo Martins (2001, p.01) apesar de expressões como diversidade, respeito às
diferenças, liberdade e respeito ao outro, atualmente terem tornado-se objeto de olhar
nas pautas da educação, a escola ainda está atrelada a concepções sobre corpo,
sexualidade e gênero, que foram construídas no século XVI. Corroborando com Martins
é ponderado por Louro (1999) que:
52
Mestranda em Educação, Bolsista FAPESB - Universidade Estadual de Feira de Santana
287
A escola é uma entre as múltiplas instâncias sociais que exercitam uma
pedagogia da sexualidade e do gênero, colocando em ação várias tecnologias
de governo. Esses processos prosseguem e se completam através de
tecnologias de autodisciplinamento e autogoverno exercidas pelos sujeitos
sobre si próprios, havendo um investimento continuado e produtivo desses
sujeitos na determinação de suas formas de ser ou "jeitos de viver" sua
sexualidade e seu gênero.
De modo geral, a escola através de seus agentes e currículos, negligenciam questões
que tratam de corpo, gênero e sexualidade. Sobre o papel da escola e do currículo nas
questões de gênero e sexualidade nos alerta Freire (2011):
O currículo vai ajudando a formar masculinidades e feminilidades de acordo
padrões estabelecidos culturalmente, segundo relações de poder assimétricas
que ancoram sua elaboração e vivência no interior da escola. (p.08)
Ou seja, a escola afirma o que cada sujeito pode ou não fazer, delimita espaços,
separa, institui os lugares dos corpos, tal postura contribui para constituição de
subjetividades, representações e identidades dos sujeitos e a forma como tal socialização
se desenvolve geralmente produz maneiras enrijecidas de enxergar o mundo,
acarretando a cristalização das posições dos sujeitos, bem como a criação de
estereótipos, constituindo-se em latente desigualdade social.
Em casos em que a sexualidade é tratada em sala de aula, esta discussão ocorre
através de aulas de ciências ou biologia, com priorização de questões referentes à
reprodução humana, fazendo assim com que as questões ligadas à sexualidade se
limitem à procriação, desvinculando e até ignorando as questões do desejo, e das
múltiplas possibilidades de vivência da sexualidade.
ou ainda como aponta Fraga
(2000) citado por Lima (2006):
Ao se tomar como ponto de análise a forma como os currículos escolares
estão estruturados, é possível perceber que as questões relativas à sexualidade
não aparecem de maneira explícita. Quando o tema precisa ser tratado,
geralmente a instituição educativa recorre aos especialistas da área médica
e/ou psicológica, organizando palestras ou oficinas. (p.64)
Carvalho e Cabral (2011) sobre a formação docente apontam que se verifica a
necessidade de revisão dos processos de formação de professores, com a constituição de
novas práticas e novos instrumentos de formação, já que em geral os saberes têm sido
tratados de forma estanque, privilegiando-se alternadamente os saberes disciplinares e os
pedagógicos de caráter mais teórico, citando ALMEIDA E BIAJONE (2007, p.293)
chamam atenção para a necessidade de garantir que as formações cultural, científica,
pedagógica e disciplinar dos professores estejam vinculadas à formação prática.
288
Por sua vez, Azevedo (2011) nos leva a refletir sobre o descompasso entre o
saber produzido na universidade e as situações que circunscrevem a vida social,
chamando atenção para o papel desta universidade no cenário social que ora se
apresenta, a autora pontua que:
O saber teórico que se institui na universidade precisa dialogar com as
concepções construídas no âmbito das relações sociais cotidianas. Analisar a
complexidade das relações contemporâneas do ser humano numa sociedade
com as características de uma sociedade que se transforma de forma muito
mais dinâmica é assumir uma competência e um compromisso político na
academia voltado para as questões reais da cotidianidade. (p.03)
A necessidade de se pensar uma educação e, por conseguinte um currículo
progressista esbarra na construção histórica das concepções e práticas educativas que
em muitos momentos tem por base a homogeneização e a assimilação das culturas
dominantes. Esse cenário alerta para o papel da Educação no combate à homofobia, por
meio de ações que promovam a construção de uma sociedade justa e equânime e que
garantam os direitos humanos, por intermédio da integração das Políticas Públicas
citadas aos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) para a Orientação Sexual, isso
porque a escola ainda reflete o panorama de desconhecimento dessas políticas no que
diz respeito a ações práticas, o que dificulta o reconhecimento da homofobia presente no
cotidiano e ressalta o despreparo de educadores para lidar com essa situação.
Nesta perspectiva, esse estudo buscou a partir das falas de docentes construir um
olhar sobre o currículo e a formação docente dos cursos de formação de professor em
relação à sexualidade e diversidade sexual. Deste modo, através de uma pesquisa de
abordagem qualitativa, em uma escola de ensino fundamental e médio em Feira de
Santana, Bahia, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com quatro docentes,
cujos resultados embasaram a presente discussão.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O contato com o colégio objeto de pesquisa iniciou-se através da vice-diretora
do turno matutino do colégio escolhido, a qual intermediou o contato com professores
da unidade escolar. Na perspectiva de conhecer possíveis ações pedagógicas e
curriculares no decorrer da formação dos docentes, a proposta do estudo (a descrição do
tema e do objetivo da pesquisa) foi apresentada individualmente e a seguir foram
289
marcadas entrevistas com os interessados.
As entrevistas foram realizadas em Feira de Santana no período de novembro de
2007 a janeiro de 2008. Foram entrevistados quatro professores (dois homens e duas
mulheres) com faixa etária entre 23 e 45 anos, dois ocupantes do cargo de vice-diretor,
formados nas áreas de Matemática, Física, Geografia e Ciências Biológicas, docentes de
uma escola pública de médio porte que atende ao ensino fundamental e médio,
localizada no Conjunto Feira VI, em Feira de Santana. A decisão de escolher dois
professores de cada gênero sustenta-se no objetivo de perceber a possível existência de
diferentes olhares e práticas de acordo com o gênero do docente, no que diz respeito às
áreas de formação, foi buscado transpor apenas a área de Ciências Biológicas, no
sentido de pluralizar o conhecimento sobre as praticas formativas nos cursos de
formação de professor.
Os dados foram produzidos mediante o dialogo informal, a realização de
entrevistas semiestruturada e o preenchimento de questionário. Foram realizadas três
entrevistas registradas em áudio e o preenchimento de um questionário.
53
Os nomes de
cada participante foram substituídos por pseudônimos com o intuito de manter o sigilo
das informações prestadas.
Foi elaborado inicialmente um quadro com todas as entrevistas realizadas. Tal
quadro consistiu na realização de comentários sintéticos e, na transcrição das
entrevistas, foram selecionados trechos considerados interessantes ou significativos das
entrevistas. Buscou-se, na transcrição das entrevistas, integrar às verbalizações visando
o enriquecimento da análise e possibilitando uma maior compreensão da dimensão
metacomunicativa (relacional) presente no momento da entrevista.
As análises foram orientadas a partir das seguintes categorias temáticas: (a) a
formação do professor, (b) diversidade sexual, (c) o trabalho em sala de aula
envolvendo a discussão acerca da diversidade, (d) o preconceito em relação às diversas
expressões sexuais.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
De acordo com Gomes (2008), a inserção da diversidade nas políticas
educacionais, nos currículos, nas práticas pedagógicas e na formação docente implica
53
O questionário foi utilizado porque um dos professores, o qual inicialmente tinha se disposto a seguir a
proposta de entrevista, no dia marcado, alegou não sentir-se a vontade para gravar à mesma.
290
compreender as causas políticas, econômicas e sociais de fenômenos como:
desigualdade, discriminação, etnocentrismo, racismo, sexismo, homofobia e xenofobia.
Nesse sentido, a autora afirma que falar sobre diversidade e diferença implica,
também, posicionar-se contra processos de colonização e dominação. Implica
compreender e lidar com relações de poder. Para tal, é importante perceber como, nos
diferentes contextos históricos, políticos, sociais e culturais, algumas diferenças foram
naturalizadas e inferiorizadas, tratadas de forma desigual e discriminatória. Trata-se,
portanto, de um campo político por excelência. (GOMES, 2008)
Dados da UNESCO, Abromovay (2004) comprovam que a intolerância e a falta
de conhecimento sobre a diversidade de expressão sexual colocam a escola entre os
órgãos que merecem atenção sobre a questão, notadamente quando o preconceito parte
dos professores e professoras.
A pesquisa “Perfil dos Professores Brasileiros”, realizada pela UNESCO, em
todas as unidades da federação brasileira, revelou que para 59,7% dos
professores (as) é inadmissível que uma pessoa tenha relações homossexuais
e que 21,2% deles tampouco gostariam de ter vizinhos homossexuais. Outra
pesquisa, realizada pelo mesmo organismo em 13 capitais brasileiras e no
Distrito Federal, forneceu certo aprofundamento na compreensão do alcance
da homofobia no ensino básico (fundamental e médio). Constatou-se, por
exemplo, que o percentual de professores (as) que declara não saber como
abordar os temas relativos à homossexualidade em sala de aula pode chegar a
48%. O percentual de mestres(as) que acreditam ser a homossexualidade uma
doença ultrapassa os 20% em muitas capitais”. (ABRAMOVAY, 2004, p.)
Diante disso, inferimos que tratar das diversas formas de viver as sexualidades
na sociedade contemporânea, se caracteriza, sobretudo como um grande desafio, pois
trata-se de atravessar conflitos com uma sociedade marcada historicamente por valores
machistas e heteronormativos, estes que ainda nos dias de hoje, são proliferados,
renegando a multiplicidade de culturas, raças, religiões e orientações sexuais que temos
em na sociedade brasileira, fazendo germinar preconceitos e ações discriminatórias às
diversidades.
Os professores entrevistados neste estudo, a exceção da professora Gabriela,
afirmaram que a formação acadêmica recebida não os habilitou para discussão em
relação à sexualidade/ diversidade sexual, e ponderaram ainda que nem mesmo em
ambientes universitários este é um assunto comum.
Nádia, Juremar e Cláudio,
pontuaram nunca terem participado ou ouvido falar de cursos de formação continuada
de professor com o tema da diversidade sexual.
291
Foi verbalizada pelos docentes a necessidade de formação especifica para o
trabalho com as questões identitárias relativas à diversidade, formação que os dê
condições de atuar pedagogicamente com seus alunos no tocante a questão da
diversidade cultural, a diversidade sexual, e sexualidade.
Estudos recentes voltados à relação diversidade e formação docente apontam a
necessidade de se compreender a diversidade como base da estrutura social e entender
que toda a intervenção curricular tem como finalidade preparar cidadãos capazes de
exercitar socialmente, criticamente e solidariamente as suas ações, assim a discussão
sobre diversidade sexual nos currículos dos cursos de formação de professores
representam uma possibilidade de romper com o processo de homogeneização da
humanidade, onde a idéia de evolução e o acúmulo de conhecimentos seria um processo
universal e natural das coisas.
No que diz respeito ao currículo do seu curso de graduação, apenas a professora
Gabriela, formada em Ciências Biológicas, afirmou ter tido disciplinas voltadas à
diversidade:
Por estar na área da biologia, tive disciplinas que discutiam sexualidade,
tanto obrigatórias quanto optativas, embora muitas delas tivessem foco mais
no biológico do que na educação, em virtude de minha pesquisa consegui dar
uma direcionada durante as mesmas para o lado da educação. Tive matérias,
como sexualidade e educação, pluralidade cultural e educação, que me
ajudaram bastante em estar atuando hoje com mais facilidade dentro dessa
temática. (Profª Gabriela)
Para Tanno (2007), especificamente na formação de professores, o debate em
torno das questões de sexualidade requer uma postura de comprometimento, haja vista
que o papel do educador é o de promover a construção de uma ética fundada no respeito
e na cidadania, condição básica para a convivência em grupo. Afirma ainda que “os
docentes devem ser preparados para intervir em todas as situações de preconceitos
homofóbicos, de raça, credo e qualquer outro tipo de intolerância, reforçando sempre a
dignidade humana e os direitos dos cidadãos”. (2007, p.07)
Portanto, a formação inicial de docentes, inclusive das séries iniciais, deve se
pautar em práticas pedagógicas que levem futuros os professores e professoras a
repensarem suas ações frente à cultura homofóbica, devendo-se assim: “promover uma
educação pautada em um programa que vise à formação de profissionais capacitados
para a elevação de uma educação afetivo-sexual, que seja capaz de preservar os direitos
de cidadania. (Tanno, 2007, p. 07)
A existência de lacunas na formação docente em relação a discussões
292
aprofundadas voltadas a diversidade sexual e a sexualidade têm contribuído, para que a
escola produza/ reproduza a exclusão daqueles grupos cujos padrões étnico-culturais, de
gênero, de sexualidade, não correspondem aos dominantes.Martins (2001) afirma que os
educadores tendem a defender condutas que condizem com os comportamentos
considerados aceitáveis pela sociedade, muito embora a maioria dos professores
concorde com a introdução de temas contemporâneos no currículo, tais como prevenção
às drogas, saúde reprodutiva, muitos continuam a tratar a homossexualidade54 como
doença, perversão ou deformação moral. Dizem lidar com a questão da
homossexualidade de maneira natural, dizendo encarar a expressão sexual dos
estudantes como um fator natural, mas na realidade buscam disfarçar o preconceito.
Esta reflexão proposta por Martins (2001) nos remete a pensar sobre o papel
ideológico que a escola e professores desempenham no sentido de garantir a
manutenção de determinados valores sociais. Tomamos a concepção de Althusser
(1998) ao retratar a escola enquanto aparelho ideológico do Estado e sustentador de
determinada norma, de que raros são os professores que se posicionam contra a
ideologia, contra o sistema e contra as práticas que os aprisionam. A maioria nem
sequer suspeita do trabalho que o sistema os obriga a fazer ou, o que é ainda pior, põem
todo o seu empenho e engenhosidade em fazê-lo de acordo com a última orientação (os
métodos novos). Eles questionam tão pouco que pelo próprio devotamento contribuem
para manter e alimentar essa representação ideológica da escola, que hoje faz da Escola
algo tão natural e indispensável quanto era a Igreja no passado.
A existência do preconceito disfarçado pode ser observado, por exemplo, na fala
do professor Juremar quando questionado sobre sua compreensão acerca da existência
da discriminação a homossexualidade:
“Uma serie de coisas não se muda em dez anos ou cinco anos, você tem que
levar sei lá toda uma geração e mais gerações, fazer um trabalho lento, muito
lento, para mudar toda uma estrutura de vida, ta sendo alterado graças a deus,
mas ainda falta muito, a mesma coisa com o preconceito com
homossexualismo, hoje você já consegue ver digamos assim...um
homossexual na rua e não se espantar, né... antigamente você via e se
espantava, hoje você vê que o numero de homossexuais está crescendo
muito...não é porque eles não existiam, hoje eles já se dão ao direito de se
expressar seus sentimentos”. [grifos meus]
Apesar de julgar importante a perspectiva de mudança da postura na sociedade
54
Ao fazer no texto, a expressão homossexualidade ou homossexual, serão utilizadas de modo geral, tanto
para pessoas do gênero masculino quanto feminino, abrangendo o universo de sujeitos de expressão
sexual não- heteronormativa. Para os casos de bissexuais e transexuais usar-se-ão as referidas expressões.
293
em relação aos homossexuais, o professor coloca a homossexualidade como algo fora
do normal, o que em sua prática pedagógica pode refletir em manutenção da
heteronormatividade. Quando falamos em orientação sexual na escola as opiniões se
divergem quanto a se tratar do tema apenas nos conteúdos programáticos (nas aulas de
Ciências e Biologia) ou como um tema transversal permeando todas as disciplinas do
currículo escolar. Nos PCN, a educação sexual está incorporada como tema transversal
além de indicada à pertinência do espaço específico para a temática da sexualidade,
comporta uma sistematização e um espaço específico, mas não deve ser colocada em
uma matéria obrigatória, nem a preocupação de que estas aulas possam gerar uma nota
ou uma avaliação.
O professor de qualquer disciplina pode realizar um trabalho de educação
sexual, podendo abordar o assunto a qualquer momento em qualquer disciplina, pois é
um tema transversal que atravessa fronteiras disciplinares. Quando perguntados se
discutem ou já discutiram temas associados à sexualidade ou a homossexualidade nas
suas aulas, os professores deram o seguinte depoimento:
“Não, pois não faz parte dos conteúdos da minha disciplina” (Juremar –
professor de física).
“Muito pouco, e de forma informal com um pequeno grupo, porque não é de
minha formação, da minha disciplina” (Clemente – professor de matemática).
Dois aspectos podem ser destacados no depoimento dos entrevistados: o
entendimento dos mesmos de que por atuarem com disciplinas da área de exatas a
discussão acerca da homossexualidade não pode ser abordada nas suas aulas; e a
utilização da conversa informal como medida pedagógica para evitar a discriminação.
Observa-se na reflexão dos entrevistados, que tanto o professor Juremar quanto
o professor Clemente alegando não serem formados para tal atuação acabam por
assumir no exercer de sua prática educativa a posição de silenciamento perante a
temática. Refletindo sobre a importância da discussão sobre sexualidade e diversidade
sexual na prática educativa no ambiente escolar, os entrevistados ponderam ainda que:
“É importante, principalmente em disciplinas como filosofia, sociologia,
língua portuguesa, biologia, buscando discutir o direito de escolha que cada
cidadão tem em relação a sua opção sexual” (Juremar).
“A escola que tem que ir atrás de solucionar esse problema, não tem mais
como ficar esperando. É uma questão que tem que rever, realmente e já.
Agora volto a afirmar, tem que ter profissionais capacitados, para não fazer a
base do eu acho, eu quero, entendeu? Não ficar na coisa empírica,
294
simplesmente, eu que acho que é melhor assim. Para isso precisa haver uma
capacitação de profissionais voltados a isso, tem que ter alguém, eu como
professor de matemática, não me sinto preparado para discutir isso na sala”
(Clemente).
Está colocado no depoimento dos professores Juremar e Clemente o
entendimento de que a homossexualidade deve ser restrita a determinadas disciplinas
escolares e, por conseguinte, a ideia de que o tema deve ser trabalhado por profissionais
específicos, posição que os fazem implicitamente legitimar a não focalização
institucional da temática de modo transversal, algo que está garantido nas leis
educacionais. Tais práticas docentes, sob o véu da neutralidade técnica, legitimam o
silenciar das diferentes “vozes” que chegam a nossas escolas.
Por sua vez, contrapondo à compreensão dos professores Juremar e Clemente, as
professoras Gabriela e Nádia alertam para o papel do professor na tarefa de desconstruir
o preconceito e responsabilidade dos mesmos enquanto agentes de transformação social,
ressaltando ainda a importância de tal discussão no âmbito da escola:
“Deve ser inserida para que o preconceito possa ser desconstruido, quanto
mais for debatido, melhor será para as pessoas. Os professores têm que se
responsabilizar em disponibilizar espaços para a discussão” (Gabriela).
Acho que o papel do educador é discutir sobre todos os temas que vão
favorecer o crescimento do educando, que vai contribuir para o
desenvolvimento de um individuo critico, capaz de intervir na sua sociedade,
capaz de respeitar todos, inclusive a si mesmo. Assim falar sobre
homossexualidade, combater o preconceito religioso, étnico, sexual, deve ser
um projeto de toda a escola a meu ver, nós professores devemos unir forças
para que o papel que nos foi dado seja cumprido e em todos os momentos
trazer o debate para nossas aulas. (Nádia).
Refletindo sobre os elementos que motivam o preconceito em relação a sujeitos
com expressão sexual não-heteronormativa. Os entrevistados afirmam que o
preconceito se dá em função de questões culturais em especial pelo não estimulo e não
ensino do respeito ao outro na educação. Observemos as falas:
“Na nossa sociedade, o menino foi criado desde bebê para ser o homem ser
macho e mulher para ser fêmea, você nunca dá para sua filha de um ou dois
anos, uma bola, você não dá boneca ao seu filho. Você não enche seu filho de
bichinho de pelúcia. Para a menina, você compra o quartinho rosa e você
arruma em azul o do menino, e o da menina rosa, você é criado para ser sexos
separados. Homem é homem, mulher é mulher, quando ele se depara, onde
homem faz o papel de mulher, há um choque e ai todo esse motivo desse
preconceito, e outro detalhe importante, enquanto seres humanos, nós não
somos educados, principalmente na fase da infância a respeitar as escolhas
dos outros, nós somos criados para ser egoístas”. (Clemente)
295
Observamos na fala do professor Clemente sua compreensão acerca da
existência do preconceito. Para ele, principalmente a forma como é construída a
identidade de gênero na nossa sociedade, com as expectativas sociais em relação aos
sujeitos, a demarcação do dimorfismo sexual como elemento que instaura na nossa
sociedade os papeis destes sujeitos, onde homens e mulheres têm seus papeis separados
a partir de suas diferenças biológicas, bem como a ausência do respeito ao outro como
principio norteador da educação em sociedade, são elementos determinantes para que o
preconceito faça parte do cotidiano dos seres humanos.
Vemos ainda na fala do
professor de maneira sutil a sua própria compreensão de que a partir do contexto social
pautado no dimorfismo, o sujeito fora da norma se institui como motivador do
preconceito, ao exercer um papel social que não fora legitimado como seu.
A professora Nádia diz:
Eu acho que isso passa por uma questão ainda de formação, em geral o jovem
não é educado para ser sensível, então quando ele descobre que um colega
dele é homossexual, para ele é um choque, porque ele não foi criado para
isso. Precisamos de uma cultura de educação voltada para o respeito mutuo
de todos. Esse preconceito que vemos é cultural, contra o branco, o negro, o
homem, a mulher, isso foi largamente desenvolvido, há alguns anos vem
sendo melhorado né, mas ainda tem muita coisa a ser feita.
Os professores demonstraram discordar de práticas preconceituosas, destacando
a importância do respeito ao outro, do respeito à diferença, mas em alguns momentos
foram percebidas algumas concepções que evidenciam o preconceito disfarçado.
De modo geral, através da pesquisa realizada se pôde constatar que sexualidade
e mais especificamente, a homossexualidade são entendidas como temas necessários a
serem discutidos na escola, visto o potencial que a escola tem para construção de
conhecimento, contudo para os professores entrevistados faltam atores e instrumento
didático-pedagógicos que cumpram tal função, assim como ficou evidenciada a carência
de discussão acerca de sexualidade e diversidade sexual nos cursos de formação de
professores e o prejuízo implícito as práticas pedagógicas em torno da temática na
escola.
REFLEXÕES FINAIS
Os dados analisados apontaram para a necessidade de serem destinados mais
momentos para as discussões sobre sexualidade, diversidade sexual e gênero dentro da
296
universidade. Existe uma visível dificuldade na discussão desses temas dentro do
ambiente escolar, uma vez que os/as educadores/educadoras são vulneráveis, sentem-se
inseguros/inseguras e sem qualquer preparo para discutir os temas gênero, sexualidade e
diversidade sexual, ou para conviver com alunas/alunos de diferentes identidades
sexuais. Compreende-se, pois que, certamente sentem-se assim em função de um
processo histórico de negação às diversidades sexuais e de gênero, principalmente
quando o que está em pauta é um espaço escolar embasado por perspectivas
essencialistas e normatizantes acerca das identidades.
A pesquisa aponta inicialmente para uma melhor aceitação das diversidades
sexuais, porém uma análise mais detalhada aponta para uma assimilação do discurso
politicamente correto, mas sem uma mudança significativa das concepções binaristas e
excludentes sobre a produção das identidades sexuais no mundo contemporâneo.
Todavia, apesar da consciência da urgência da discussão, a mesma não é feita, e quando
surge no ambiente escolar é relegada ao professor da área de Ciências Biológicas ou a
um pretenso especialista. Depreende-se assim que as práticas educativas dos docentes
pesquisados, em sua maioria, em diversas instâncias, muito mais contribuem para
perpetuação do preconceito do que para a promoção do respeito às diferenças.
A importância de se tratar do assunto no âmbito da sala de aula, especialmente
nos cursos de formação de professores, requer uma proposta de mudança de postura,
haja vista a relevância do tema. É preciso que a questão passe a ser entendida e tratada a
partir da cultura dos direitos humanos, procurando assim, esclarecer professores e
professoras sobre a superação ao preconceito, possibilitando o reconhecimento da
sexualidade como algo inerente à vida do ser humano.
Destaca-se, por fim, a necessidade de maior espaço no currículo de formação
professor para discussão dos temas sexualidade e gênero. Neste contexto, a universidade
é chamada a sua responsabilidade mediante essas discussões, em especial quando se
refere a cursos de formação de professores/professoras, uma vez que na Educação há, de
maneira geral, uma ausência desses estudos e ainda há uma demanda no espaço da
escola acerca da discussão dessas questões, é fundamental que as/os profissionais da
educação tenham um preparo, durante a graduação, para que possam trabalhar esses
temas. A realização de novas pesquisas sobre esta temática é, portanto, de suma
importância. Afinal, os conhecimentos produzidos podem colaborar na transformação
social, na construção de uma cultura democrática de valorização da diversidade em
297
todos os níveis.
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299
POR QUÊ? QUEM? O QUÊ? O ENSINO DE MÚSICA EM QUESTÃO (ÕES)
Maria Anastácia Manzano55
Resumo: Uma nova situação do ensino de música nas escolas de Educação Básica vem
se delineando a partir da promulgação da lei 11769/08, que torna esse ensino
obrigatório nessas escolas. Esta situação requer reflexões, pesquisas e discussões para
que consigamos um ensino de música efetivo e com qualidade. Proponho neste trabalho
um estudo teórico sobre três questões, que considero serem as primeiras que vem à
mente quando se toca no assunto, principalmente para as pessoas leigas. Por que ensinar
música nas escolas? Quem deve ensinar música nas escolas? O que deve ser ensinado?
Partindo de textos de referência legais (PCNs, Diretrizes curriculares Nacionais do
Curso de Graduação em Música, LDBEN/96) e estudos acadêmicos na área, apresento a
música como parte da infra estrutura humana sendo o fazer musical uma ação social,
capaz de interferir em outras categorias de ações sociais. Mostro que no decorrer da
história do Brasil, as intenções com o ensino de música mudaram, sendo essas
mudanças verificadas na legislação geral da Educação Básica. Hoje, segundo as
orientações dos PCNs, a ênfase parece estar nas questões estéticas e criativas de
crianças e jovens, com intuito de compor um bom cidadão ao final do processo
educativo. Quanto a quem deve ensinar música, apesar de muitos autores demonstrarem
certa ausência de preocupação nos documentos oficiais, a LDBEN/96 e as Diretrizes
(2004) enfatizam a necessidade da formação superior em curso de licenciatura para tal
profissional. Apresento a opinião de alguns autores, destacando a necessidade da
formação de qualidade. Quanto ao que ensinar, sinto ser a questão mais vulnerável e
sujeita a ideologias, pois da mesma maneira que há uma legitimação do conhecimento
musical pelo conhecimento da notação musical a partir da tradição europeia, há um
desejo dos autores em se valorizar a oralidade, as diversas culturas e “fazeres musicais”.
Um impasse entre uma formação erudita, formal e excludente, e uma formação
generalista, diversificada culturalmente e que respeita as manifestações culturais
também de povos oprimidos e esquecidos historicamente. Finalizo destacando a
complexidade do tema ensino de música na educação básica brasileira e reforço a
necessidade de mais estudos e reflexões na área.
Palavras-chave: Educação musical. Lei 11769/08. Ensino de música
Introdução
A Lei no 11769/08 alterou a LDBEN/96 em seu artigo 26 e institui a
obrigatoriedade do ensino de música na Educação Básica. Seu texto diz que “a música
deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular” e
ressalta que a partir de três anos letivos a contar da data de sua publicação, os sistemas
de ensino teriam que se adaptar às exigências estabelecidas pela lei (BRASIL, 2008).
55
Mestre em Educação para a Ciência, graduanda do curso de Licenciatura em Música (UEFS)
300
Esses três anos foram completados no dia 18 de agosto passado. Como está o ensino de
música nas escolas de Educação Básica no Brasil?
Este trabalho tem como objetivo discutir, em termos teóricos, os aspectos dessa
questão, apresentados no título: Por que ensinar música nas escolas? Quem deve
ensinar música nas escolas? O que deve ser ensinado nas escolas? Com a criação do
Curso de Licenciatura em Música na Universidade Estadual de Feira de Santana e o
presente Seminário, acredito ser este o espaço e o momento adequados para essa
reflexão. O trabalho não tem a pretensão de apresentar uma resposta definitiva às
questões, visto que a educação é um processo em constante recriação, mas pretendo
proporcionar a reflexão sobre as “missões” de estudantes de licenciatura em música, dos
formadores de professores de música para a escola básica, e de profissionais
responsáveis pela construção de conhecimento e formação de massa crítica na área em
questão.
Como já mencionado trata-se de uma pesquisa de caráter teórico, de natureza
qualitativa, buscando as respostas às questões propostas na produção acadêmica
brasileira e em textos de referência para a Educação Musical.
Por que ensinar música nas escolas de Educação Básica do Brasil?
Para iniciar a discussão julgo necessário me posicionar sobre qual a ideia de
música que quero trabalhar. Para tanto recorrerei às ideias de Jonh Blacking um dos
mais importantes etnomusicólogos do século XX.
A música, segundo Blacking (2007), é uma parte da infraestrutura da vida
humana sendo o fazer musical uma categoria de ação social que apresenta
consequências para outros tipos de ações sociais. Como ação social a música em si só se
torna arte por meio de atitudes e sentimentos atribuídos pelos seres humanos. Para o
autor a arte vive nos seres humanos e é manifestada publicamente por processos de
interação. Os signos, portanto, só apresentam significado quando são socialmente
compartilhados.
Ainda segundo Blacking (2007) a música é “um produto observável da ação
humana intencional”, ou seja, o meio ambiente extra-humano não produz música. Pode
produzir sons agradáveis (ou não), que interferem no humor das pessoas e que podem
inspirar criações musicais, mas música é produzida por seres humanos, com intenções
301
expressas ou não. O autor apresenta também a música como “um modo básico de
pensamento pela qual toda ação pode ser constituída” (p. 202).
Historicamente o ensino de música no Brasil iniciou-se com uma intenção, um
“por que”, bem determinados. Ele remonta ao tempo dos jesuítas que catequizavam as
crianças indígenas com a ampla utilização de músicas e autos teatrais, objetivando a
construção de um país católico. Durante o período colonial toda a educação, inclusive a
musical, manteve-se ligada à igreja católica; o ensino de música resumia-se em práticas
musicais e canto coral. Em 1854 instituiu-se oficialmente o ensino de música nas
escolas públicas brasileiras. Em 1890 o decreto federal (no 981, 28 de novembro) exigia
“formação especializada do professor de música”. No decorrer da história ocorreram
várias iniciativas da incorporação do ensino de música para a escola básica: a Escola
Nova, com a ideia de ampliar a prática para todos, não se restringindo aos “talentosos”,
o Canto Orfeônico, conduzido por Villa Lobos durante o governo de Getúlio Vargas e
as iniciativas de Koellreutter, que trouxe para o Brasil importantes ideias europeias
(FONTERRADA, 2008).
Assim como os diferentes momentos da educação nacional, o ensino de música
apresentava objetivos distintos, tais como a intensificação de uma identidade (com
Villa-Lobos), ou a super valorização da expressão artística dos estudantes onde a “arte
adulta deveria ser mantida fora dos muros da escola, pelo perigo da influência que
poderia macular a “genuína e espontânea expressão infantil” (BRASIL, 1998, p. 21).
Na história recente sabemos que, com a Lei no 5692/71, a música perdeu o
status de disciplina e passa a ser uma atividade do conteúdo de Educação Artística.
Nesse período, segundo Pires (2003), pregava-se o apogeu da pró-criatividade e para a
disciplina Educação Artística foram criadas as licenciaturas polivalentes (formação dos
professores em diversas áreas artísticas) sendo a educação artística vista principalmente
como lazer.
Atualmente o ensino de música nas escolas brasileiras está amparado pelos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que apresentam a música no conteúdo Arte
(BRASIL, 1998) e principalmente pela Lei no 11769/08, que altera a LDBEN/96,
instituindo a obrigatoriedade do ensino de música nas escolas (BRASIL, 2008).
Os PCNs reconhecem que, além de “destacar os aspectos essenciais da criação e
percepção estética dos alunos e o modo de tratar a apropriação de conteúdos
imprescindíveis para a cultura do cidadão contemporâneo” a aprendizagem de arte,
tanto dentro quanto fora da escola, pode mobilizar a expressão e a comunicação pessoal
302
e ampliar a formação do estudante como cidadão, principalmente por intensificar as
relações dos indivíduos tanto com seu mundo interior como com o exterior (BRASIL
1998, p. 19). O documento discute ainda a importância de se conhecer a diversidade
artística entre as culturas para valorizar a diversidade e buscar compreensão dos modos
de pensar e agir da sociedade. Apesar de reconhecer a importância do conteúdo na
formação do jovem e sua integração social, a ênfase do ensino de artes apresentada é na
formação artística e estética.
Blacking (2007) amplia essa compreensão do conteúdo “Arte”, especificamente
música, ao afirmar que se soubéssemos mais sobre a música como capacidade humana,
como potencial força intelectual e afetiva nas esferas da comunicação, relações sociais e
na cultura, a música poderia ser usada amplamente para “melhorar a educação geral,
construir sociedades pacíficas e igualitárias e prosperas no século XXI” (p. 216). O
autor considera também que o “fazer musical pode ser uma ferramenta indispensável
para a intensificação e a transformação da consciência como um primeiro passo para
transformar as formas sociais” (p. 208). Não estaria aí uma boa justificativa para o
ensino de música nas escolas brasileiras?
Quem deve ensinar música nas escolas de Educação Básica no Brasil?
Como já mencionado anteriormente o Decreto Federal no 981 de 28 de
novembro de 1890 exigia “formação especializada do professor de música”.
(FONTERRADA, 2008).
Apesar desse reconhecimento, na história recente do Brasil a formação desse
professor não acompanhou a formação dos professores de outros componentes
curriculares.
Até a década de 60, existiam poucos cursos de formação de professores de
música, sendo que professores de outras matérias, artistas e pessoas que passaram por
cursos de belas artes, escolas de artes dramáticas, e conservatórios poderiam assumir as
disciplinas de Desenho, Desenho Geométrico, Artes Plásticas, Música e Arte Dramática
(BRASIL, 1998).
Na década de 70 a Lei 5692/71 reduziu o ensino de artes à Educação Artística,
reconhecida como “atividade educativa” e não disciplina. Para tanto eram formados
professores polivalentes, com o intuito de abranger as áreas artísticas (música, artes
303
plásticas, artes cênicas). Essas determinações empobreceram consideravelmente o
ensino-aprendizado na área (BRASIL, 1998).
Nas décadas seguintes, 80 e 90, iniciativas de cursos de pós-graduação e de
estudos
mais
sérios
nas
diversas
expressões
artísticas
proporcionaram
o
desenvolvimento de novas metodologias para o ensino de Artes, sendo esse reconhecido
como obrigatório na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996
(LDBEN/96). Com a alteração desse decorrente da lei 11769/08, a formação de
professores ganhou espaço nas discussões em universidades, eventos e dentro das
escolas (BRASIL, 1998).
A discussão estende-se à questão de qual profissional deverá participar da
música nas escolas. Há dois grupos principais que defendem posições opostas. O
primeiro exige que esse profissional tenha curso superior de Licenciatura em Música.
Podemos citar o caso da ABEM, Associação Brasileira de Educação Musical, que
recomenda que o professor de música na escola seja licenciado em Música. Já a segunda
vertente reclama que muitas pessoas competentes, especialistas em métodos de
educação musical e que já atuam com sucesso nas escolas, estariam sendo
desprestigiadas com a exigência da Licenciatura. A lei 11769/08 não define o
profissional necessário para o ensino de música nas escolas, porém Figueiredo e Pereira
(2009) afirmam que “o artigo 62 da mesma LDB continua em vigor, o que implica que
para ser professor da educação básica é necessário ter diploma de licenciatura. Seguindo
essa orientação, para ensinar música na escola é preciso ser licenciado em música”
(p.2).
Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em
Música (BRASIL, 2004) a formação do professor deve ser de caráter específico e o
documento ainda sugere a transformação das licenciaturas plenas de Educação Artística
com habilitação em música em Licenciaturas em Música. Penna (2007) defende essa
ideia afirmando que “a licenciatura em música é a formação que nossa área tem
defendido e construído, em um árduo processo, configurando a formação ideal para o
educador musical” (p. 51)
Entendido então que a formação do professor de música para atuação nas escolas
básicas do país está amparada legalmente e deve se dar em nível superior nos cursos de
Licenciatura em Música, cabe-nos agora discutir sobre a qualidade de formação desse
profissional.
304
Pires (2003) ressalta que para compreender a formação desse professor há que se
entender os valores, concepções e crenças que orientam as ações educativas.
Del Ben (2003) também destaca que a opção por ser professor para a escola
básica deve ser vista como escolha e não como falta de espaço para musicistas e
bacharéis. A autora destaca ainda três aspectos que merecem atenção sobre a formação
do professor de música: 1) a necessidade de relacionar a formação inicial do professor à
sua atuação profissional, ou seja, os cursos de licenciatura precisam preparar
adequadamente os professores de música para atuarem nas diferentes realidades de
ensino-aprendizagem nos contextos escolares; 2) deve-se reconhecer a prática como
local de produção e crítica dos saberes; 3) selecionar um corpo de conhecimentos
profissionais necessários à docência de música, tais como: conhecimentos musicais e
pedagógicos, formação cultural (saber ser e saber tornar-se), o ensino com pesquisa e os
saberes da experiência.
Penna (2007) discute o senso comum de que bastaria tocar para ensinar e
defende veementemente a ideia de que uma licenciatura é muito mais, pois almeja
formar um profissional capaz responder produtivamente ao
•
Compromisso social, humano e cultural de atuar em diferentes
contextos educativos.
•
Compromisso de constantemente buscar compreender as
necessidades e potencialidades de seu aluno.
•
Compromisso de acolher diferentes músicas, distintas culturas e
as múltiplas funções que a música pode ter na vida social. (p. 53)
Com esse empenho dos profissionais envolvidos com o ensino de música nas
escolas básicas, tanto para o reconhecimento da música como área de conhecimento,
quanto para a preocupação de formação de um profissional de qualidade, caberiam tais
profissionais nas escolas de educação básica do Brasil?
O que deve ser ensinado nas aulas de música nas escolas de educação básica no
Brasil?
Blacking (2007) considera que se todo ser humano tem a capacidade de produzir
sentido da música; ouvintes, compositores e performers são parte do processo do fazer
musical. O autor ainda ressalta que dentre as fontes de informações sobre a música
devem ser consideradas as “visões leigas”, ou seja, a participação dos ouvintes na
305
produção de sentido da música. O autor é enfático ao afirmar que sem o reconhecimento
e valoração dessa fonte de informação na compreensão e análise das músicas, não
haverá progresso em direção à compreensão da “música como capacidade humana”
(p.205).
Analisando
a
evolução
humana,
Blacking
(2007)
ressalta
que,
o
desenvolvimento da linguagem verbal não excluiu a música e a dança como adaptação
cultural. A linguagem é considerada como mais eficiente nessa adaptação, porém a
sobrevivência da música e dança “sugere que este valor evolutivo reside na sua eficácia
como linguagem não-verbal” (p. 212). Sobre essa questão ainda, o autor afirma que “as
pessoas não distinguem as músicas umas das outras com a mesma certeza que
reconhecem outras línguas naturais, como a fala” (p. 213).
Com relação à definição dos conteúdos de música a serem desenvolvidos nas
escolas, a discussão ainda divide aqueles que pensam na inclusão do ensino obrigatório
de instrumento, nos que defendem uma formação rigorosa em teoria musical e aqueles
que ainda vêm o componente curricular em questão como o momento de descontração e
recreação.
Penna (2007) quando discute se para ensinar só precisa tocar, destaca que essa
ideia é frequentemente tomada como verdade dentro de um modelo tradicional de
ensino de música. Esse modelo é caracterizado pela ênfase no domínio da leitura e
escritas musicais, tem foco na técnica instrumental cuja meta é o virtuosismo, onde se
reproduz um modelo de música e de fazer música, Esse modelo apoia-se na música
erudita europeia e na notação correspondente e seria resistente às transformações. Para a
autora esse modelo é restrito quando comparado à larga e multifacetada presença da
música na vida cotidiana, ou seja, manifestações musicais diferentes tem forte presença
no cotidiano do mundo contemporâneo e cumprem funções diferentes, formando um
grande e diversificado “patrimônio de manifestações musicais”.
Luedy (2009) discute as ideias de analfabetismo musical e música como
linguagem. O autor considera a expressão “música como linguagem” é uma metáfora,
visto que é uma ideia decorrente da necessidade de se conhecer a sintaxe da notação
musical ocidental para se legitimar o conhecimento em música. Assim como o
analfabeto que não tem o domínio do sistema alfabético fundamental nas sociedades
letradas, o analfabeto musical é aquele que não reconhece a sintaxe da notação musical
que é legitimada pela academia. Assim, ao desconsiderar a oralidade e privilegiar
apenas as notações simbólicas, a ideia de “ler música” é reduzida a conhecer o sistema
306
notacional da “música erudita de tradição europeia” (p. 51). Considerando que esse
discurso apresenta limites pedagógicos e culturais, ao ser adotado em concursos para
ingresso em cursos superiores de música, já na seleção para a formação do professor de
música verifica-se uma ausência com relação ao “reconhecimento do caráter híbrido e
plural das sociedades contemporâneas” e a “importância de se considerar, desde uma
perspectiva institucional acadêmica, culturas e saberes musicais diversos” (LUEDY, p.
52).
Os PCNs das séries finais do Ensino Fundamental apresentam os conteúdos de
música em três categorias, cada uma delas com desdobramentos em 12 itens, a saber: 1)
Expressão e comunicação em Música: improvisação, composição e interpretação; 2)
Apreciação significativa em Música: escuta, envolvimento e compreensão da linguagem
musical; 3) Compreensão da música como produto cultural e histórico (BRASIL, 1998).
As exigências neste caso comtemplam os saberes diversos apresentados pelos autores
aqui discutidos, porém deve se ter o cuidado em não tratar esses assuntos como exóticos
ou menos importantes.
Ainda com relação aos PCNs, desde a sua publicação até os dias de hoje (13
anos) não temos visto uma aplicação séria nas escolas. Com apenas uma ou duas aulas
de música por semana, ou restrita à eventos e comemorações, notamos que não é
possível trabalhar com muito dos objetivos propostos. Dentre os 36 desdobramentos (12
de cada categoria de objetivos apresentadas), podemos citar alguns que requerem uma
formação prévia sólida e habilidades específicas na área musical:
Improvisação, composição, interpretação com instrumentos musicais,
tais como, flauta doce, percussão, etc., e/ou vozes (...) fazendo uso de
técnicas instrumental e vocal básicas, participando de conjuntos
instrumentais e/ou vocais, desenvolvendo autoconfiança, senso crítico
e atitude de cooperação.
Arranjos, acompanhamentos interpretações de músicas das culturas
populares brasileiras, utilizando padrões rítmicos, melódicos, formas
harmônicas e demais elementos que a caracterizam. (p. 83)
E finalmente, concordando com a posição de Pires (2003) que afirma “os lugares
que a música tem ocupado nos currículos escolares, lugares esses estabelecidos pela
legislação educacional, não lhe tem oferecido seu status de objeto de conhecimento”
questiono-me: como definir conteúdos sem se discutir a natureza do conhecimento
307
musical e se ter claro onde se quer chegar com o ensino de música nas escolas básicas
do país?
Considerações finais
As ideias e questões levantadas por este estudo deixam clara a complexidade do
ensino de música na Educação Básica brasileira. Assuntos não abordados, como por
exemplo, a delimitação da educação musical como área de conhecimento, as dimensões
e funções do conhecimento pedagógico-musical, as expectativas da sociedade com
relação ao ensino-aprendizado em música, e tantos outros, demonstram que, assim
como os demais componentes curriculares para a Educação Básica, a Educação Musical
requer estudos teóricos e práticos, investimento em pesquisa e em ações e fóruns de
discussões para uma efetiva condução do ensino de música nas escolas.
Entendo que se deva ensinar música nas escolas porque esta é parte constitutiva
do ser humano, manifesta e recebe significados pela interação social e tem uma história
socialmente construída sendo indissociável da história humana. A música deve ser
ensinada por profissionais formados para essa intenção, ou seja, professores formados
em licenciaturas, com conteúdos pedagógicos e musicais, capazes de construir
criticamente seu espaço dentro na instituição escolar. O que deve ser ensinado é uma
questão que será sempre polêmica, pois acredito que a distinção entre a informação e
formação em música ainda necessita de muita reflexão e ação para se chegar a uma
definição. Este é um ponto frágil, sujeito a ações externas e ideologias dominantes.
Há estudos e pesquisas em andamento e acredito que com essa nova condição da
música nas escolas da Educação Básica esse movimento deverá ser ampliado. Uma
coisa é certa: as respostas que esperamos só serão produzidas através da interação dos
diversos “sub-temas” da Educação Musical e o compartilhar das pessoas envolvidas
com esse processo.
Referências
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201-218, 2007.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais:
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308
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Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Música e dá outras
providências. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, DF, 12 mar. 2004,
Seção 1, p.10.
309
O ENSINO DE GENÉTICA E A ABORDAGEM DO ALBINISMO NA
FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA: O QUE DIZER
SOBRE O PRECONCEITO?56
BRUNO HENRIQUE AFONSO PEREIRA57
RESUMO
O albinismo é uma doença genética em que ocorre a falha na produção do pigmento
melanina, afetando homens, mulheres e outros animais. Os albinos possuem pouca ou
nenhuma pigmentação em seus olhos, pele e cabelo, deixando-os com uma aparência
clara ou com um amarelo pálido, também os tornam mais suscetíveis, a problemas na
visão, sensíveis a fricção, câncer e queimaduras de pele causadas pelo sol. Nesse
sentido, os portadores de albinismo por possuírem uma aparência diferenciada se
destacam em meio à sociedade e são passíveis de atos preconceituosos. Desta forma, o
presente estudo teve por objetivo Analisar se o Ensino de Ciências e Biologia podem
contribuir no entendimento das relações entre a sociedade e os albinos evidenciando as
possíveis formas de preconceito sofrido por eles. A pesquisa foi qualitativa, sendo sua
modalidade um estudo de caso. A investigação ocorreu na Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia, campus de Vitória da Conquista, tendo como sujeitos da pesquisa
vinte e quatro alunos do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas. A coleta de
dados constou da aplicação de um questionário aberto contendo oito questões relativas
ao tema albinismo e a relação dos seus aspectos envolvendo questões de ordem social e
o preconceito articulando-se ao processo de formação do licenciando. A análise dos
dados constou do agrupamento das categorias para fundamentar os aspectos obtidos nas
respostas dos sujeitos para discussão dos resultados. Estes apontaram que os alunos de
biologia associaram o albinismo sempre num caráter biológico, não como um ser social,
na qual sofre de preconceito por possuir uma característica diferenciada. No entanto a
maioria dos alunos aceita que temas sociais poderiam integrar o ensino de genética
como forma de entender as relações conflitantes entre o albino e a sociedade. Nesse
sentido, conclui-se que o estudo foi de fundamental importância uma vez que
evidenciou a necessidade de uma mudança nas aulas de genética onde uma explanação
mais abrangente sobre o tema poderia contribuir de forma significante no entendimento
das relações sociais que incluem os portadores de albinismo, além de promover nos
alunos um entendimento mais amplo relacionando temas biológicos aos sociais
contribuindo para sua formação profissional.
Palavras-chave: Albinismo. Preconceito. Formação de Professores.
56
Trabalho monográfico de conclusão de curso apresentado em 2011, ao Colegiado de Ciências
Biológicas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia campus Vitória da Conquista como requisito
necessário para obtenção do título de graduação no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas. Sendo
orientado pelo Prof. Msc. Francisco Antonio Rodrigues Setúval.
57
Primeiro Autor é o graduando Bruno Henrique Afonso Pereira, estudante do curso de Licenciatura em
Ciências Biológicas, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista BA, CEP:
45.015-000. Email: [email protected]
310
INTRODUÇÃO
Os albinos são caracterizados pela pouca ou nenhuma pigmentação na pele,
olhos e cabelos claros, dando aos portadores da doença um aspecto pálido e amarelado,
deixando-os mais expostos a agressão solar causando entre outras, queimaduras e
cânceres de pele ocasionadas por essa falha na produção de melanina. Tais
características afetam de tal forma a vida dos albinos que acabam prejudicando seu
convívio social, apenas por serem “diferentes” dos padrões ditados pela sociedade.
Sobre esta égide, é notória a discriminação e o preconceito presente, inclusive,
em locais acadêmicos, uma característica contraditória ao se tratar de um ambiente o
qual informações e conhecimentos são compartilhados a todo o momento.
A este respeito, é frequente encontrar estudos sobre o albinismo abordando
apenas o caráter estritamente biológico, dando ênfase à genética e aos mecanismos
bioquímicos que causam tal doença. Contudo, este trabalho objetiva fazer uma ponte
entre o caráter biológico e o social, uma vez que este geralmente é deixado à parte, não
analisando o sujeito albino inserido na sociedade, desconsiderado a relação entre as
características da doença e o convívio social, sendo papel do professor formar
profissionais críticos da sociedade.
No âmbito educacional, é perceptível que não se discute sobre problemas
sociais referentes a aspectos físicos diferenciados como o do albino, sendo que em sala
de aula esse fato é desconsiderado, bem como tais características refletem na vida dos
indivíduos perante a sociedade, sendo necessário mais estudo nessa área.
Assim, para a realização deste trabalho foram utilizados referencias teóricos
como Griffiths & Miller (2002), Junqueira & Carneiro (2006), Gardner & Snustad
(1987) e Alberts (1997), além de outros estudiosos que tratam sobre as características
biológicas do albinismo, como também Salles e Silva (2008), Trovão (2008), Guimarães
(2004) e Neves (1996), autores que abordam a questão do preconceito de modo geral.
Em relação à questão social essa despigmentação acaba tornando-os diferentes
dos ditos “normais”, tal diferença desencadeia o preconceito e, consequentemente, a
discriminação, deixando os albinos à margem da sociedade. Nota-se, com isso, que o
“diferente” é visto como um processo de produção social, processo este onde está
envolvido relações de poder, as quais ditam regras que permitem incluir ou excluir
311
pessoas, demarcando fronteiras. Sabe-se que a escola é um lugar privilegiado de
produção de conhecimentos e valores sociais, onde pessoas interagem, instituindo
modos de pensar, sentir e agir, na qual produz atitudes e preconceitos (SILVA &
COIMBRA, 2005). É perceptível que o estudo nas escolas se faz produtivo, podendo
tornar nas aulas de ciências e biologia o tema Albinismo comum e criar uma geração
que não considere o albino incomum.
Desta forma, o Ensino de Ciências e Biologia, por muitos motivos, é
indispensável para a vida dos indivíduos, pois facilita na compreensão dos diversos
eventos que nos cercam, seja relacionado há um simples hábito como escovar os dentes
ou , até mesmo, sobre as interações no meio ambiente (CASAGRANDE, 2006). No
ensino de ciências e biologia é relativamente fácil fazer uma ponte entre a escola e o
cotidiano, visto que o nosso cotidiano é um evento biológico, e explicar cientificamente
estes eventos não deve ser uma tarefa impossível. Com isso, tornar os estudantes cada
vez mais familiarizados com esses eventos tornam as aulas de ciências e biologia uma
importante ferramenta na formação social.
Assim, a metodologia deste estudo será embasada em pesquisas bibliográficas
sobre o referido tema, para que em seguida, possa ser realizado um estudo de caso uma
pesquisa do tipo qualitativa na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, no
Campus de Vitória da Conquista, tendo como informantes alunos do curso de
licenciatura em Ciências Biológicas, sendo 50% que fizeram a disciplina Genética Geral
e 50% que não a fizeram.
De forma que, acredita-se que seja nessa disciplina que esses alunos tiveram
e/ou teriam a primeira explicação aprofundada de como se forma o albinismo, a base
genética da doença e suas características, ensinando o tema como forma de aprendizado
sobre as bases da genética humana. Nesse sentido, pretende-se saber se existe alguma
relação entre esse conhecimento e o comportamento preconceituoso, se a disciplina
relaciona o social com o científico, como esses alunos relacionam esse conhecimento
com seu cotidiano ou como essas experiências em sala de aula podem melhorar sua vida
social.
Em essência, acredita-se que este trabalho poderá servir como reflexão acerca do
tema, procurando, com isso, ressaltar a influência e a importância deste para a formação
de informações e opiniões, não apenas do caráter biológico, como também social do
albinismo.
312
A pesquisa teve como resultado, 24 questionários amostrados, com 192
respostas, formando um total de 22 categorias, somadas a partir das 8 perguntas.
Algumas categorias se repetiram em perguntas diferentes como as categorias Sem
Resposta e Expressão Fenotípica. A quantidade de alunos é significativa tendo ¼ de
alunos a mais, se compararmos aos estudos de Borges (2010), sobre a percepção
imagética do albino com 18 informantes.
Diante do estudo efetuado, ao analisar e discutir os dados dos informantes, foi
possível notar que os resultados apresentados explicitam um mesmo comportamento,
uma vez que todos os alunos elucidaram de forma sintetizada o seu entendimento a
respeito do albinismo, não variando muito as opiniões entre os informantes.
Não obstante, as respostas dos informantes ressaltaram a sua visão diante da
temática abordada. Assim, foi possível observar que a imagem dos acadêmicos está
restrita, ou seja, estão sempre relacionadas às aulas de genética num contexto puramente
biológico, apenas um arquétipo de “um erro nato do organismo”.
Através das respostas dos informantes, pode-se observar que a minoria destes
acredita que não há necessidade de intercalar outros temas nas aulas de genética, pois
tratar-se de um curso de biologia e o que deve ser trabalhado são as características
genéticas de determinados eventos biológicos. Prevalecendo, assim, a visão biológica
sobre o assunto abordado, parecendo ser dispensável o caráter social.
Tais observações permitem especular que a maioria dos graduandos pesquisados
ira seguir a mesma linha de raciocínio quando se tornarem professores, pois não
aprendera durante sua formação intercalar temas sociais e biológicos, pois durante sua
formação foi adquirido apenas uma visão restrita aos aspectos biológicos.
Fica claro que, o professor no ensino de genética é capaz de fazer a ponte com o
social em temas que tratam da diversidade humana, principalmente em aulas que
exemplifiquem doenças como o albinismo,
Assim, conclui-se que os professores de biologia em aulas de genética quando
tratam de temas referentes ao albinismo não consideram os aspectos sociais, de modo
que os alunos se formaram podendo seguir a mesma linha de ensino. Porém, os alunos
demonstram acreditar que é possível integrar temas sociais e biológicos, sendo
necessária uma mudança nas aulas de genética onde uma explanação mais abrangente
sobre o tema poderia contribuir de forma significante em diminuir formas de
preconceito sofrido pelos portadores de albinismo, além de promover nos alunos um
313
entendimento mais amplo relacionando temas biológicos e sociais contribuindo para sua
formação profissional.
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vigente. 2008.
315
QUALIDADE DO ENSINO SUPERIOR E FORMAÇÃO DOCENTE:
REPRESENTAÇÕES DE ESTUDANTES DE LICENCIATURA
1. Aline dos Santos Souza Bolsista PIBIC/CNPq, Graduanda em Pedagogia,
Universidade Estadual de Feira de Santana, e-mail: [email protected]
2. Marinalva Lopes Ribeiro Orientadora FAPESB, Departamento de Educação,
Universidade Estadual de Feira de Santana, e-mail: [email protected]
RESUMO
Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa qualitativa, cujo objetivo foi
compreender as representações sociais de vinte e quatro estudantes de cursos de
licenciatura de uma universidade pública sobre a qualidade da prática dos docentes
universitários. O quadro teórico centrou-se nos conceitos de qualidade da educação,
particularmente do ensino superior, formação de professores, numa perspectiva de
indissociabilidade entre teoria e prática e a teoria das representações sociais na
perspectiva moscoviciana. Concluímos que as representações sociais dos estudantes
estão ancoradas em elementos característicos da profissionalização docente
(planejamento, compromisso, formação profissional, pesquisa, relação entre teoria e
prática). Entretanto, os resultados indicam, também, a existência de representações de
ensino de qualidade vinculadas ao mercado de trabalho que visa a preparação de mão de
obra para o mercado capitalista.
Palavras-chave: Qualidade do ensino superior. Representações sociais. Formação
docente.
Introdução
Diante das novas exigências da sociedade em termos de produção e inovação, a
busca da qualidade se tornou preponderante nas várias instituições responsáveis pela
informação e formação de sujeitos. Demo (2007) considera que a qualidade é uma ação
própria dos seres humanos, pois somente os seres capazes de se construírem
historicamente, o fazem num sentido qualitativo, isto é, adaptam a realidade às
necessidades humanas favorecendo, além disso, a interação social.
Atualmente, a qualidade é assumida com o sentido de “qualidade total”,
expressão que surgiu numa perspectiva empresarial e busca a competitividade no
atendimento ao mercado. Esse tipo de qualidade é requerido em várias instituições
sociais, dentre elas a universidade. Nessa lógica, a educação passou, então, a ser espaço
de formação de mão de obra qualificada para o mercado de trabalho.
Em contraposição a essa ideia, Demo (2007) propõe uma qualidade total que
visa a formação de sujeitos críticos, criativos e participativos. O professor, nesse
sentido, teria uma formação de qualidade formal e política não resumida a
316
“treinamentos domesticadores”, em que o sujeito à mercê da exploração deixa de se
pronunciar criticamente.
Pensando numa sociedade inovadora, as novas exigências para o profissional da
educação são de ordem de formação qualitativa. O professor, anteriormente visto como
um detentor exclusivo do conhecimento, cuja função básica era ministrar aulas numa
perspectiva de reprodução de saberes para alunos receptores de conhecimentos,
necessitava apenas dominar os conhecimentos específicos da disciplina ministrada.
Hoje, na busca da inovação, exige-se do profissional o desenvolvimento de uma prática
educativa que atenda a complexidade do ensino, o que demanda, além dos
conhecimentos específicos, conhecimentos da ciência pedagógica, como propõe Veiga
(2008):
Outra característica da docência está ligada à inovação quando rompe
com a forma conservadora de ensinar, aprender, pesquisar e avaliar;
reconfigura saberes, procurando superar as dicotomias entre
conhecimento científico e senso comum, ciência e cultura, educação e
trabalho, teoria e prática etc.; explora novas alternativas teóricometodologicas em busca de outras possibilidades de escolha; procura
renovação da sensibilidade ao alicerçar-se na dimensão estética, no
novo, no criativo, na inventividade; ganha significado quando é
exercida com ética (VEIGA, 2008, p. 14).
Um dos pontos que Veiga (2008) destaca está ligado à questão da inovação
visando uma prática docente não conservadora. Essa prática tem a pesquisa como um
elemento primordial na forma de ensinar. Demo (2007) reforça um novo modelo de
profissional quando destaca o “processo inovativo” como o aprender a aprender, no qual
o professor deve avaliar a complexidade do processo de ensino e aprendizagem. O autor
considera ainda importante uma formação permanente e de qualidade para este
profissional.
Nesse contexto, indagamos: o ensino superior é de qualidade? O ensino
praticado pelos docentes universitários influencia na prática dos futuros professores?
O objetivo desse estudo é compreender as representações dos estudantes das
licenciaturas de uma universidade pública da Bahia sobre a qualidade da prática dos
docentes universitários. Para responder a essas questões, construímos um referencial
teórico com os conceitos de qualidade e de formação de professores. Em seguida,
apresentamos o percurso metodológico, a análise dos dados e os resultados do estudo.
Ensino de qualidade para a atualidade
317
O termo qualidade tem sido muito discutido na sociedade atual. A preocupação
em torno de seu conceito se deu pelo fato desse ser cobrado nas várias instâncias
sociais. Tal preocupação surge, mais precisamente na era da globalização, momento no
qual a sociedade depara-se com a questão da “qualidade total”.
A busca pela eficiência no final do século XX e início do século XXI obrigou as
instituições sociais a qualificarem-se cada vez mais para atender às demandas do tão
concorrido mercado. Com a escola não foi diferente. A educação passou a seguir
padrões qualitativos que atendessem uma lógica competitiva no que diz respeito a
oferecer o melhor “produto” para o mercado.
Demo (2007) afirma que a qualidade total vem se constituindo como um
conceito que está na moda nos vários setores da sociedade, numa perspectiva de
organização empresarial, na qual é tomado por base o aliciamento dos sujeitos. A escola
como espaço de construção de um sujeito crítico, passa a ignorar sua função
reproduzindo nesse novo modelo de sociedade uma competição excessiva, na qual
existe uma dominação de poucos sobre muitos.
Um ensino de qualidade deve promover a reflexão do sujeito em formação, e
não apenas atender a um mercado que visa apenas o lucro e a exploração. Segundo
Coêlho (2006) “o que move o mercado é a permanente busca da eficiência, da
produtividade, do lucro rápido e seguro, numa palavra, a lógica da acumulação do
capital” (p.47). Se a qualidade da educação for cobrada sobre tal aspecto, o ensino se
resumirá em instrução, repasse de habilidades mínimas para sobrevivência na sociedade.
O verdadeiro ensino de qualidade capacita o sujeito para pensar, refletir e
construir formas de mudanças e inovações sociais. Demo (2007) define qualidade a
partir de dois desafios que corroboram o entendimento de educação de qualidade antes
proposto: construtivo e participativo.
No desafio construtivo exige-se a capacidade de iniciativa, autogestão e
proposta, ligada ao sujeito histórico que consegue uma gestão colegiada. O desafio
participativo, por sua vez, implica a capacidade de inovação para o “bem comum, tendo
por objetivo uma sociedade marcada por paz, democracia, equidade e riqueza” (p.20).
Tendo por base essas perspectivas um ensino de qualidade para a atualidade
deve estar pautado numa prática que busque a autonomia do sujeito em formação, o
qual pode colaborar com a sociedade em termos de inovação e mudança.
Formação de professores: entre a teoria e a prática
318
Atualmente, há muitas expectativas em torno da escola, pois, acredita-se que o
progresso das sociedades está diretamente vinculado à qualidade da educação, portanto,
à formação inicial e continuada de professores, uma vez que eles são concebidos como
elementos imprescindíveis no processo de educação formal.
Para que ocorra a tão propalada inovação do ensino, faz-se necessário a busca pela
profissionalização docente, que passa pela formação inicial e continuada dos
professores. Hoje, observam-se vários modelos formativos: o modelo hegemônico, ou
da tradição e o modelo emergente da formação. O modelo hegemônico, de acordo com
Ramalho, Nuñhez, Gauthier (2004) traz aspectos do racionalismo técnico e da formação
acadêmica tradicional. Nessa concepção de formação, o professor seria mero receptor e
consumidor de saberes produzidos por especialistas. Haveria o treino de habilidades,
conteúdos fragmentados que não atendem à realidade do educador. Além disso, o
ensino estaria distante do trabalho na escola básica, o que demonstra a separação da
teoria com a prática. É importante destacar que esse modelo formativo vai de encontro à
proposição feita no Decreto Nacional de Formação de Profissionais do Magistério e da
Educação Básica que no seu Art. 2°, inciso V, ressalta a necessidade da articulação
entre a teoria e a prática no processo de formação docente contemplando a
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (BRASIL, 1999).
Esse modelo de formação acaba desvalorizando o educador, uma vez que este é
tido como alguém que não é capaz de refletir e produzir conhecimento. Sobre esse
aspecto, Pimenta (1999) coloca que há uma desvalorização do profissional docente visto
que existem concepções que o considera técnico reprodutor de conhecimentos e/ou
monitor de programas pré-elaborados.
É importante colocar que hoje, alguns cursos de formação de professores estão
buscando essa relação entre a teoria e prática. Na Universidade Federal da Bahia,
UFBA, por exemplo, com a Política de Reestruturação dos Currículos dos Cursos de
graduação, o curso de Pedagogia, aprovado em 1999, trouxe a articulação dos eixos
teórico-práticos, objetivando construir conhecimento, competências, habilidades e
integrar os conteúdos que irão ser trabalhados com os alunos, durante seu processo de
formação. Nesse projeto pedagógico, a ênfase foi dada a três eixos: no primeiro,
apoiado em diferentes áreas do conhecimento, os conteúdos devem possibilitar o
319
entendimento sobre o processo educativo; o segundo eixo deve voltar-se para conteúdos
que dizem respeito à prática docente; e no terceiro eixo o trabalho deve ser feito com
conteúdos que embasam as ações no campo da pesquisa.
A partir desse contexto, Nóvoa (1999) destaca a necessidade de se pensar e
construir um novo modelo teórico de formação docente que abarque o desenvolvimento
pessoal e profissional dos professores. A formação iria valorizar a experiência do
educador como aluno, como aluno-mestre, como estagiário, como professor iniciante,
titular e reformado. Sobre essa questão da valorização docente, o Decreto Nacional de
Formação de Profissionais do Magistério e da Educação Básica coloca em seu Art. 3°,
inciso V, que na formação inicial e continuada deve haver a valorização do educador
estimulando-o para o ingresso, a permanência e a progressão na carreira (BRASIL,
1999).
Para Ramalho, Nuñuz, Gauthier (2004), esse seria o “modelo emergente da
formação” que considera o professor como um profissional que mobiliza saberes,
valores, resolve situações problemas e tem a capacidade de argumentar e refletir. Nesse
sentido, a formação estimularia no educador a prática do pensar critico-reflexivo,
promovendo, assim, a construção da identidade profissional. Sobre esse mesmo aspecto
Pimenta (2009) ressalta que:
Uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da significação
social da profissão; da revisão das tradições. Mas também da
reafirmação de práticas consagradas culturalmente e que permanecem
significativas. [...] Constrói-se, também, pelo significado que cada
professor, enquanto ator e autor, confere à atividade docente no seu
cotidiano (PIMENTA, 2009, p. 19).
Nessa perspectiva, a identidade é um processo de construção do sujeito. Assim,
a formação deve contribuir para que o profissional docente reflita e se perceba como
produtor de sua identidade. Além disso, esse modelo de formação docente reflexivo, de
acordo com Pimenta (2009), implica na valorização do trabalho crítico-reflexivo do
professor sobre sua prática.
É importante salientar que essa reflexão do professor sobre sua ação só será
significativa se o educador avançar no sentido de uma nova prática, na qual a teoria, a
reflexão e a crítica estejam articuladas. Portanto, é nesse sentido, principalmente, que
está a necessidade de refletir sobre um modelo de formação docente que promova o
desenvolvimento do educador para que este possa contribuir para a transformação da
sociedade.
320
Caminhos Metodológicos
Para analisar as representações dos estudantes sobre a qualidade do ensino
superior, desenvolvemos uma pesquisa, pautada na abordagem qualitativa que permite a
captura da perspectiva dos participantes, ou seja, a forma como estes encaram as
questões que são postas de modo a possibilitar o dinamismo interno das situações e
considerar os diferentes pontos de vista desses sujeitos (LÜDKE, ANDRÉ, 1986).
Este trabalho está integrado a uma pesquisa realizada em rede, envolvendo
pesquisadores de sete universidades, cujo objetivo é compreender as representações de
estudantes da graduação e da pós-graduação sobre a relação entre ensino, pesquisa e
desenvolvimento profissional docente na perspectiva da qualidade de ensino de
graduação e pós-graduação. A pesquisa contou com uma amostra composta por 33
estudantes, sendo 24 destes do último semestre dos cursos de licenciatura (graduação) e
os demais, matriculados nos programas de pós-graduação stricto sensu (Mestrado).
Para a coleta de dados, utilizamos a entrevista semiestruturada que, segundo
Lüdke e André (1986) tem vantagens sobre outras técnicas por possibilitar a capitação
imediata e corrente da informação desejada e ainda permite esclarecimentos, correções e
adaptações que a torna método eficaz na coleta de dados. Escolhemos este instrumento
de pesquisa devido a sua flexibilidade e a possibilidade de novos questionamentos
durante o processo. Assim, buscamos extrair dos depoimentos, sua subjetividade e
complexidade aparentes.
O tratamento dos dados foi realizado mediante análise de conteúdo do tipo
temática que possibilita compreender mais profundamente as representações sociais dos
estudantes sobre o objeto estudado. Esta pode ser conceituada ainda como uma
“operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação
e, seguidamente, por reagrupação segundo o gênero (analogia), com os critérios
previamente definidos” (BARDIN, 1977, p. 117).
Os resultados do estudo
O estudo apontou para um ensino de qualidade sobre diversos focos e
perspectivas. Na busca de articular os diversos sentidos retirados das falas dos
321
estudantes, organizamos duas categorias de análise: a) profissionalização da docência;
b) formação para o mercado, que serão analisadas a seguir.
Profissionalização docente é aqui entendida com três sentidos, como propõe
Bourdoncle (1991): primeiro, se refere a um processo de desenvolvimento de
capacidades e de aquisição de saberes relativos ao exercício de uma profissão, isto é a
formação inicial; segundo, designa mudança de natureza da atividade de oficio para
profissão; terceiro trata da adesão ao discurso e às normas estabelecidas coletivamente,
quer dizer, trata-se da construção de um código de ética. Tal processo, na perspectiva
dos estudantes participantes deste estudo, envolve os seguintes aspectos: planejamento,
compromisso, formação profissional, relação teoria e prática e pesquisa.
Nas várias colocações dos estudantes, percebemos que o planejamento é um
ponto relevante para que o ensino seja considerado de qualidade. Para os depoentes, um
professor que planeja, melhora a qualidade de sua prática em sala de aula. Tal afirmação
pode ser comprovada na seguinte fala:
[...] posso fazer uma comparação com professores A e
professores B. Professores A, que eu penso que trabalham para
melhorar a educação e se preocupam em pelo menos fazer um
planejamento de aula, um plano de aula para levar para o
aluno o essencial que ele precisa. Já os professores B levam
qualquer coisa, às vezes nem se preparam adequadamente para
ministrar aulas [...] (RA2).
O estudante em questão faz uma comparação entre professores que
planejam e professores que improvisam suas aulas. Para o depoente, fazer um
planejamento da aula é o mínimo que um professor pode fazer em busca da qualidade
do ensino superior. Quando o professor planeja, consegue definir seus objetivos e
expressar a visão de educação que permeia sua prática de sala de aula. Para Masetto
(2003) planejar consiste numa organização de ações daquilo que vai ser realizado. O
autor considera ainda que “o planejamento da disciplina se faz em função de objetivos
educacionais a serem alcançados, e não unicamente em razão apenas dos conteúdos a
serem transmitidos” (MASETTO, 2003, p. 176).
Outro ponto levantado pelos estudantes foi a questão do compromisso
profissional docente, como aspecto relevante à profissionalização docente:
[...] qualidade pra mim no ensino da universidade é o
comprometimento do professor [...] os professores que
tiveram... Que puderam me fornecer um ensino de melhor
qualidade
eram
aqueles
professores
vividamente
comprometidos, e aí quando eu digo comprometimento eu digo
322
que trabalhava com pesquisa, que participava de reuniões
diárias de departamento, de colegiado, que buscava se inserir
em todos os momentos de decisões, de organização do curso, da
universidade. Pra mim é essencial pra qualidade do ensino
(RL1).
Essa ideia vai ao encontro de Pimenta (2009) quando refere à questão da
identidade do professor. Segundo a autora, a identidade profissional é construída a partir
da significação social da profissão, ou seja, como esta profissão é vista pela sociedade e
em qual patamar esta se enquadra. Muitos são os profissionais docentes que não se
identificam como professores, pelo fato de essa profissão ainda ser vista como um
ofício menor. Sugere-se que haja processos de formação continuada, para que esses
docentes entendam os objetivos da profissão e tenham compromisso com as funções
que ela exige na atualidade.
Outro depoente sinaliza a questão da formação profissional do professor
universitário como fator preponderante do ensino de qualidade. Eu não consigo
entender, um ensino de qualidade, uma qualidade no ensino sem que não haja uma
formação, uma excelente formação (ML10). Imbernón (2010) considera que a formação
inicial docente deve promover conhecimentos válidos e atitudes que conduzam o
educador a compreender a necessidade de uma atualização permanente em razão das
mudanças que ocorrem na sociedade, a criar mecanismos de intervenção, análise,
reflexão e cooperação. Dessa forma, a formação docente se faz necessária para o
processo de profissionalização que vai redundar no ensino superior de qualidade,
pautado na inovação que visa a transformação dos sujeitos e da realidade.
Outro aspecto levantado pelos estudantes é a questão da articulação entre teoria
e prática moldando a metodologia do professor: [...] segurança assim do professor [...]
a questão da teoria [...] de como ele olha a prática, a metodologia dele para que ele
tenha uma boa fala, que tenha uma boa postura (MQ11). Fica claro que para o
estudante em questão o professor que associa a teoria com a prática poderá ter
segurança na sala de aula e, além disso, uma metodologia que favoreça a aprendizagem.
Assim, foi possível notar que a relação da teoria com a prática docente é um aspecto
relevante para um ensino superior de qualidade, pois o educador pode utilizar a teoria
para subsidiar sua prática visando uma aprendizagem significativa.
Nesse sentido, Imbernón (2010) considera que as instituições de formação de
educadores
devem
possibilitar
aos
estudantes
perceberem
a
relação
de
323
indissociabilidade entre teoria e prática. “As práticas nas instituições educativas [...]
devem levar necessariamente a analisar a estreita relação dialética entre teoria e prática
educativa [...]” (IMBERNÓN, 2010, p.66).
Outros estudantes destacam a pesquisa como aspecto relacionado à
profissionalização da docência, portanto à qualidade do ensino. Notamos que os
depoentes consideram que uma boa aula, um ensino de qualidade é feito quando o
professor pesquisa e influencia seus alunos a pesquisarem. Essa afirmação fica clara na
seguinte fala: “fazer com que o aluno ele possa buscar o que ele tá naquele momento
vendo em seu dia a dia né... buscar... então a busca é a necessidade de uma boa aula,
então quando o professor ele incentiva para que ele busque, ele vá né... pesquisar, ele
vá observar lá fora, fora da sala de aula aquilo que tá se aprendendo ali (RD3).
Essa representação é confirmada por Moreira e Caleffe (2008), ao considerar
que o professor pesquisador pode conduzir, no contexto de sua prática profissional, a
pesquisa, a qual pode ajudar a melhorar sua prática pedagógica, possibilitando o
desenvolvimento de novas estratégias de ensino. Além disso, o professor que pesquisa
busca soluções para os problemas que afetam a aprendizagem do aluno. É possível
perceber, então, que os docentes engajados na pesquisa podem utilizá-la nas suas ações
diárias, podendo obter a partir disso, reflexões que o levem a melhoria da qualidade do
ensino.
Outro estudante considera que a qualidade do ensino pode ser percebida na
pesquisa por meio do seu processo de desenvolvimento e seus resultados. Ele coloca: eu
acho que uma evidência de qualidade está exatamente na pesquisa, de como ela é
gerida, de como ela é feita e principalmente para onde esse trabalho deve ir. (RG4).
Para Moreira e Caleffe (2008), a pesquisa realizada pelos professores não levará a
respostas prontas e absolutas para a melhoria no contexto escolar. Entretanto, o
educador pesquisador poderá compreender melhor os fenômenos educativos, podendo
entender que suas ações têm implicações diversas. Além disso, o conhecimento
“revelado” na pesquisa é incompleto, mas pode conduzir à qualidade do ensino. Fica
claro assim, que a pesquisa pode contribuir de forma significativa para a prática docente
e, dessa forma, para a melhoria da qualidade do ensino.
No que tange à categoria “formação para o mercado”, esta tem o sentido de
busca da eficiência, da produtividade e do lucro na lógica capitalista, como visto
anteriormente no quadro teórico deste trabalho.
324
Nas diversas colocações dos entrevistados, notamos que a formação para o
mercado é considerada um ponto importante para que haja um ensino de qualidade.
Essa afirmação pode ser evidenciada na seguinte fala: “em se tratando de ensino, eu
compreendo qualidade como sendo um produto, é com objetivos específicos, capacitar
o indivíduo, tornar ele apto a disputar mercado de trabalho, isso é um produto de
qualidade.” (MM4). É possível perceber que o estudante utiliza palavras e expressões
próprias do mercado capitalista. Além disso, o depoente em questão considera a
qualidade como um produto do ensino, o qual deve estar voltado para formação do
indivíduo para atuar no mercado de trabalho. Essa ideia é corroborada por Coêlho
(2006) ao criticar que o papel do ensino superior seria atender às metas dos organismos
internacionais que estão diretamente relacionados aos objetivos do mercado capitalista.
Em outras palavras, seria utilizar à lógica da competitividade, privilegiado o mundo do
trabalho, o “aprender a fazer”, as questões imediatistas e úteis com ênfase na
operacionalização da natureza e da sociedade.
No que diz respeito à formação para o mercado, foi possível perceber, também,
nos depoimentos, que a qualidade do ensino é considerada uma mercadoria, produto a
ser entregue ao cliente. Nesse sentido, o estudante afirma: Qualidade ela serve também
como parâmetro de respeito ao seu cliente, aquele que vai receber aquele produto [...]
é uma vitória você conseguir a satisfação daquele que você ofertou o produto (MM4).
Essa forma de conceber o ensino de qualidade está diretamente relacionada com o modo
de produção capitalista, em que se busca eficiência e a produtividade. No ensino, essa
lógica fica clara quando há uma preocupação com a transmissão de informações, na
qual o indivíduo não tem autonomia e criatividade para solucionar os problemas
emergentes na prática. Nesse contexto, Coêlho (2006) considera que a formação do
aluno como mão de obra para o mercado de trabalho empobrece a educação. Ele afirma:
“É ainda limitar, banalizar... a escola, a universidade e a formação de estudantes,
circunscrevendo-as ao mundo da prática, da operação, do funcionamento ágil, eficiente
e seguro” (COÊLHO, 2006, p.45).
Considerações finais
Diante dos resultados apresentados, podemos concluir que as representações
sociais dos estudantes de licenciatura sobre a qualidade do ensino superior estão
relacionadas à profissionalização docente, na medida em que consideram: a) o ato de
325
planejar como forma de organizar sua prática, visando um ensino reflexivo, no qual
nada está pronto e acabado; b) o compromisso, que reflete na identidade docente
construída ao longo de sua formação e das representações oriundas da sociedade; c) a
formação profissional de excelência; d) a indissociabilidade entre teoria e prática como
forma de embasamento de uma aprendizagem significativa; e) a pesquisa como forma
de promover um ensino inovador, destacando a influência do professor pesquisador em
sala de aula. Tais representações caracterizam um ensino emergente, o qual busca a
autonomia dos sujeitos em formação.
Em contraposição ao ensino emergente, identificamos em algumas falas
representações de ensino de qualidade vinculadas ao mercado de trabalho, pautadas num
modelo de formação preparatória para o emprego bem sucedido, para a lógica do
capital, que pode desaguar na mecanização da formação, na busca desenfreada pelo
atendimento “cego” às necessidades do mercado.
Esta pesquisa nos levou a perceber que a qualidade do ensino superior depende
do paradigma que orienta os currículos dos cursos de formação das universidades e as
práticas dos docentes do ensino superior, uma vez que se essa formação estiver
direcionada ao atendimento do mercado capitalista, provavelmente o futuro professor
terá em sua atuação profissional uma postura acrítica, obediente às regras de um
mercado que visa apenas ao lucro.
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327
EIXO 2B – FORMAÇÃO DE PROFESSORES
328
A FOMAÇÃO DE PROFESSORES E O TRABALHO COM A INCLUSÃO DE
ALUNOS SURDOS NA ESCOLA REGULAR
Murillo da Silva Neto
RESUMO
A inclusão de alunos surdos na escola regular requer muito mais que boa vontade. É
preciso empenho, seriedade e investimento em formação profissional. O presente
trabalho justifica-se por vários motivos, a saber, o principal deles é o fato de que não se
pode mais falar em educação “inclusiva” sem que os professores/educadores estejam
aptos a trabalharem com as diferenças que lhes são impostas pela inclusão de indivíduos
privados de sentidos, sensoriais e/ou motores, em suas salas de aula. Este trabalho,
realizado através de estudos teóricos/bibliográficos e pesquisa de campo, por meio da
observação de um projeto de “inclusão” em uma escola municipal da cidade de Feira de
Santana – FSA/BA (Centro Integrado de Educação Municipal Prof. Joselito Falcão de
Amorim - CIEMJFA), despertou reflexões frente às temáticas que abordam a educação
de surdos, para que se pudessem desmitificar formas de preconceitos existentes na
sociedade, referentes aos processos educacionais “inclusivos”, sendo referenciado
teoricamente pelos ideários de Letramento, em contexto escolar, Inclusão e Formação
de Professores, sendo, este último, o objeto a ser pesquisado e mais importante nesse
trabalho. Os objetivos principais da pesquisa foram: discutir a formação dos
profissionais ligados ao sistema educacional inclusivo; os métodos da “inclusão” de
alunos surdos em escolas regulares, além de verificar como se constituem os processos
de letramento escolar dos surdos na escola regular, dita “inclusiva”, para verificarmos
como se dão as práticas desse letramento na educação dos alunos surdos, a partir da
conjectura multidisciplinar do Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural, ao qual
está vinculada esta pesquisa. Em linhas gerais vê-se que nas análises feitas pelo corpus
das entrevistas feitas aos professores do CIEMJFA, existe uma linha difusa sobre que
seria a “inclusão” nos discursos, do que realmente é na prática.
Palavras-chave: Formação de Professores; Práticas inclusivas de Letramento;
Educação de Surdos.
Ao pensar em trabalhar com a temática em questão “A fomação de professores e
o trabalho com a inclusão de alunos surdos na escola regular”, inserido em um
programa de Mestrado em Crítica Cultural, dentro da Linha de Pesquisa II “Letramento,
Identidades e Formação de Professores”, interessou-me descobrir como os professores
(de diversas áreas), com suas formações, trabalham conteúdos, conceitos e modos de
vida nas suas salas de aula com alunos surdos em escolas regulares, a ponto de inserilos em práticas de letramento no contexto escolar. Pretendo nessa artigo, tratar a
formação
dos
professores
para
o
trabalho
com
a
diversidade/pluralidade/
329
multiculturalidade; como os docentes possibilitam aos surdos tais práticas de letramento
e a seguridade do respeito à diferença nas relações interpessoais entre a cultura ouvinte
e a cultura surda, no mesmo contexto.
Para além das questões disciplinares, preocupou-me saber se o indivíduo surdo
tem a sua identidade58 respeitada, e não é tratado apenas como um educando que possui
a obrigação, tão somente, de aprender técnicas de leitura e escrita. É preciso pensar se a
educação desse aluno “diferente” possibilitará a ele a capacidade de se posicionar e
fazer inferências críticas sobre as leituras que pode fazer ao longo dos seus estudos e da
sua vida. A preocupação com as práticas de letramento para os alunos ouvintes também
existiu, mas não foi o foco do trabalho no momento.
Algumas das informações aqui registradas foram fornecidas pela Secretaria de
Educação – Setor Divisão Especial – do município de Feira de Santana, cidade do
Estado da Bahia, onde se realizou a investigação; outras foram fornecidas pelo Centro
Integrado de Educação Municipal Professor Joselito Falcão de Amorim (CIEMJFA),
principal colégio da cidade, no âmbito municipal, com esta modalidade educativa na
perspectiva da surdez.
O CIEMJFA é um colégio de grande porte e teve, em seus três turnos de
funcionamento em 2011, 1289 alunos matriculados, dos quais 153 são surdos ou têm
deficiência auditiva, ou seja, mais de 10% do total, sem contar os alunos com outros
tipos de deficiências. Nesse panorama, 26 professores trabalham nesse espaço inclusivo
e foi um de nossos objetivos verificar como se davam as representações desses
professores acerca de sua prática docente para o letramento escolar dos alunos surdos,
no contexto inclusivo.
A inclusão trata-se de ampliar a participação do ser como agente transformador,
capaz, pensante e autônomo do saber e do fazer, ao mesmo tempo inserido dentro de
uma cultura excludente, seletiva, sem crenças, que não permite o desenvolvimento
intelectual e até mesmo a inserção social das pessoas que possuem privações de
sentidos. A sustentação de um projeto escolar inclusivo implica necessariamente
mudanças em propostas educacionais da maioria das escolas e em organização
curricular idealizada e executada pelos seus professores, diretores, pais, alunos, e todos
58
Uso o termo do ponto de vista do campo cultural, o qual sugere que as identidades são constituídas
dentro das culturas e não fora delas, em linhas gerais a cultura na qual estamos inseridos vai determinar a
forma como compreendemos, vemos ou explicamos o mundo.
330
os interessados em educação, na comunidade em que a escola se insere. Por isso, a
prerrogativa de que existam profissionais qualificados para o trabalho com a inclusão é
de extrema importância para fazer o projeto funcionar na prática, como se idealiza em
teoria.
Se os alunos precisam desenvolver-se em práticas letradas, de aprendizagem de
leitura e escrita, então os professores devem ter consciência que suas representações
sobre o projeto de inclusão, em si, precisam ser repensadas, para que possa ser oferecido
ao surdo um ensino de qualidade. Quando questionados, aos professores do CIEMJFA,
como as suas práticas de letramento na escola contribuem para a transformação do
sujeito surdo como pessoa, os professores disseram:
(P1)59 – Se a prática fosse realmente acessível, mas o surdo
apenas está inserido, sem recurso, sem profissionais e
capacitação. Sua transformação fica a desejar até porque
muitos não sabem e não querem lidar com eles.
(P2)60 – As práticas de letramento auxiliam o aluno surdo a se
aproximar do mundo ao seu redor, compreendendo melhor o
que está a sua volta, possibilitando oportunidades de opinar,
discutir, aprender.
(P3)61 – Acredito que essa transformação ocorre mais no
campo da socialização e integração grupal, levando o sujeito a
dividir e participar do mundo que o cerca.
(P4)62 – Sinceramente, acho que não há este tipo de
contribuição, visto que temos turmas com muitos surdos
para apenas um intérprete e sem falar na falta de material
especializado.
(P5)63 – Acredito que inserindo este na 2ª língua.
(P6)64 – Ajudando a superar.
59
Professora formada em Letras pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), 2008. Atua na escola
como professora de Inglês.
60
Professora formada em Letras com Espanhol pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS),
2005.
61
Professora formada em Geografia pela UEFS - 2001, especialista em Educação pela Universidade do
Estado da Bahia (UNEB) 2005. Atua na escola como professora de Geografia.
62
Professora formada em Letras Vernáculas pela UEFS, especialista em Psicopedagogia pela FACEBA.
Trabalha com as disciplinas Língua Portuguesa, Redação, Artes, Religião e Inglês.
63
Professora formada em Matemática pela UNIASSELVI.
64
Professor formado em Matemática pela UEFS – 2006, especialista em Projetos pela UNEB - 2006.
Trabalha com as disciplinas Matemática e Geometria.
331
(P7)65 – Caso o aluno passe por ela e tenha êxito, ele se sentirá
sujeito de sua aprendizagem.
(P8)66 – Creio que eles se sentem inseridos no contexto escolar e
se sentem bem com isso.
Enquanto (P2 e P3) se posicionam favoravelmente à questão, dizendo que as
práticas de letramento auxiliam os surdos a se posicionarem e compreenderem melhor o
mundo à sua volta quando dizem (P2) “As práticas de letramento auxiliam o aluno
surdo a se aproximar do mundo ao seu redor, compreendendo melhor o que está a
sua volta, possibilitando oportunidades de opinar, discutir, aprender” e (P3)
“Acredito que essa transformação ocorre mais no campo da socialização e integração
grupal, levando o sujeito a dividir e participar do mundo que o cerca”, (P1 e P4) nem
consideram que tais práticas existam, posto que não há recursos materiais e humanos
para que esse trabalho possa ser desenvolvido de modo que possibilite ao surdo sua
transformação social, ao dizerem (P1) “Se a prática fosse realmente acessível, mas o
surdo apenas está inserido, sem recurso, sem profissionais e capacitação” e (P4)
“Sinceramente, acho que não há este tipo de contribuição, visto que temos turmas
com muitos surdos para apenas um intérprete e sem falar na falta de material
especializado”.
Sobre essas questões, a representação dos professores incide para uma ideologia
de inclusão social, pois fica evidenciada nas respostas acima que a questão da
aprendizagem da leitura e da escrita, da transformação ‘intelectual’, ainda fica a desejar,
como coloca (P1) quando diz “Sua transformação fica a desejar até porque muitos
não sabem e não querem lidar com eles”.
A formação de professores para o trabalho inclusivo deve ser encarada como
uma unidade sistêmica de um sistema de ensino mais global deveria ser um meio de
mudança e de renovação (FONSECA, 1995, p. 227). Vê-se que os professores do
CIEMJFA buscam essa formação da maneira que podem, inclusive na própria prática,
mas é dever da prefeitura, enquanto instância máxima municipal assegurar a esses
profissionais a oportunidade de poderem realizar um trabalho mais digno com seus
alunos, através de cursos gratuitos de formação continuada para o trabalho com a
65
Professora formada em Letras com Espanhol, especialista em Metodologia. Atua com a disciplina de
Língua Portuguesa.
66
Professora formada em Ciências pela UEFS – 1990, especialista em Métodos e Técnicas do Ensino
Superior, pela Salgado Oliveira – 2002. Trabalha com a disciplina de Matemática.
332
diversidade. Poucos professores do CIEMJFA tiveram essa capacitação e ao serem
perguntados sobre o seu preparo para este trabalho, disseram:
(P1) – Fazendo cursos extra classe, sendo intérprete voluntária.
(P2) – Na prática com alunos de uma escola particular,
discutindo com especialista da área, através de leituras, cursos
e da especialização. Vale ressaltar que essa preparação é
constante e que, todos os dias, nos deparamos com novos
desafios e vamos em busca de novos conhecimentos.
(P3) – Não tive nenhum conhecimento prévio de que trabalharia
com pessoas com deficiência o que não oportunizou uma
preparação, atualmente faço leituras do tema
(P4) – Não me preparei. Os casos vão surgindo, tento adaptar
as atividades e peço auxílio as prós (que são poucas) na sala
de recursos.
(P5) – Não me preparei inicialmente, ainda não tinha tido
nenhuma disciplina, nem preparação prévia, mas procuro
adequar meu conteúdo, o que sei, buscando interagir sempre
com meus alunos surdos, na medida do possível, com a ajuda
deles e dos intérpretes.
(P6) – Curso no colégio, leitura e o aluno.
(P7) – Fui aprendendo com a prática. A escola oferece
pequenos cursos para que o professor ao menos perceba as
“deficiências”.
(P8) – Assistir algumas palestras e fiz algumas leituras a
respeito de inclusão.
Com exceção das respostas de (P1, P3 e P8) acima, que dizem que seus preparos
para o trabalho com a inclusão seu deu através de leituras que fizeram sobre o tema e de
eventos extraclasse, os demais professores disseram que seu aprendizado sobre como
trabalhar essa diversidade, se deu, segundo (P2) “Na prática com alunos de uma escola
particular [...] Vale ressaltar que essa preparação é constante e que, todos os dias,
nos deparamos com novos desafios e vamos em busca de novos conhecimentos”. O
que diz (P2) reafirma o nosso posicionamento sobre a qualificação processual e
contínua que devem ter os professores que trabalham com alunos com deficiência; (P4)
“Os casos vão surgindo, tento adaptar as atividades e peço auxílio às prós (que são
poucas) na sala de recursos”, a Sala de Recursos do CIEMJFA é uma sala de apoio
333
pedagógico aos alunos com deficiência, mas também, é a válvula de escape para os
professores que buscam a qualidade do ensino ao aluno surdo, mesmo sem ter sido
preparado para oferecer isso; “(P5) [...] procuro adequar meu conteúdo, o que sei,
buscando interagir sempre com meus alunos surdos, na medida do possível, com a
ajuda deles e dos intérpretes”, esse olhar de (P5) sugere uma sensibilidade para a
questão da diferença e é um ponto positivo no processo, o querer, segundo o que
acreditamos, já é um passo para se fazer a diferença; (P7) “Fui aprendendo com a
prática. A escola oferece pequenos cursos para que o professor ao menos perceba as
“deficiências””, mais uma vez, a prática do professor o forma para a sua prática didática
na sala de aula.
Conforme as respostas acima, o preparo da maioria dos profissionais se deu a
partir de suas buscas pessoais, o próprio letramento do professor para a educação
inclusiva, se deu, acima de tudo, em sua própria prática. O CIEMJFA, na tentativa de
minimizar os danos causados por essa problemática, promove reuniões quinzenais,
conforme informações da vice-diretora Dayane, para que as práticas educativas sejam
pensadas a partir da proposta a que se propõe a escola, mas não podemos deixar de
frisar que é função dos poderes públicos (federais, estaduais, municipais) oferecer mais
cursos profissionalizantes, de extensão, de capacitação, para que os docentes tenham
condições de realizar um trabalho mais perto do desejável pelo que regulamentam as
leis da educação inclusiva. As políticas públicas de inclusão ainda estão fortemente
marcadas e atravancadas no papel. Assim, pelo apoio que é oferecido aos professores
pela coordenação pedagógica do CIEMJFA, através das reuniões quinzenais, a postura
pedagógica do professores tem sido modificada na sala de aula, mas ainda há muito a se
fazer.
Tendo em vista o papel de formador de opinião que deve ser exercido pelo
professor no seu diálogo com o aluno, até porque “a educação não é outra coisa que
uma forma de relação” como argumenta Larrosa (2001, p. 284), nada impede que na sua
atuação docente, de reciprocidade, ele contribua para o auto-reconhecimento do alunado
surdo, auxiliando-o na construção da sua identidade, se ao longo de sua prática, do seu
fazer didático-pedagógico ele perceber e entender (ainda que de maneira sucinta) que as
diferenças impostas pelas deficiências, precisam ser respeitadas.
334
Os próprios professores do CIEMJFA dizem como veem suas práticas
pedagógicas e de letramento, na prática:
(P1) – Na prática? Sem prática. O surdo está só. É algo
doloroso. Os profissionais não tem capacitação. Não há
intérprete suficiente.
(P2) – Compreendem perfeitamente essa necessidade e sempre
se dispõem a auxiliar no que for possível, inclusive estimulando
essa prática.
(P3) – Como professora, vejo que ainda são muito falhas,
distante da real necessidade desses sujeitos. Um ponto crucial
é a falta de preparação dos profissionais para executá-las.
(P4) – Com bastante dificuldade, pois não dispomos de suporte
básico: o profissional qualificado para atendê-los.
(P5) – Como algo a melhorar.
(P6) – Como aceitação.
(P7) – Na prática nós não temos suporte para a inclusão
(profissionais, materiais e preparação.
(P8) – Ainda nos sentimos despreparados para ajudá-los em
alguns aspectos.
Como pode observar nas respostas acima, não há prática (P1) que seja eficaz;
não há material (P7) disponível; não há preparação / capacitação (P1, P3, P4, P7 e P8) e
ainda assim se fala em “inclusão”. Mesmo sendo precária a situação da formação dos
professores do CIEMJFA para o trabalho inclusivo, muito se pode fazer se os
profissionais tiverem abertos e dispostos a buscarem essa preparação na prática e fora
dela (como já vimos na questão anterior a essa).
Quando paramos para analisar o prisma da proposta da inclusão (que, em linhas
gerais, é garantir ao aluno com deficiência sociabilidade e desenvolvimento pessoal e
cognitivo), percebemos que nem todas as esferas da proposta são contempladas, pois
falta muito a se fazer; falta qualificação profissional para o trabalho com as
particularidades que as deficiências apresentam; falta muito para que as coisas deem
certo, pois o fracasso não é só do profissional, mas também e sobretudo do surdo, o
maior prejudicado. Se é assim, o que prega a Declaração de Salamanca não está sendo
garantido pelo trabalho docente do CIEMJFA. Vê-se, nas respostas (acima) dos
335
professores, que por conta da falta de preparo, capacitação/ formação, pouco se pode
fazer ou se faz, para que o aluno surdo tenha acesso à sua transformação intelectual e
para que essa tal sociedade inclusiva seja uma realidade.
Para se desenvolver uma ação docente inclusiva o professor precisa vencer o
desafio da dificuldade de lidar com as diferenças. Segundo Campos (2006/2007) o
professor precisa desempenhar sua função a partir de uma visão renovada e integral.
Mobilizar suas capacidades profissionais, sua disposição pessoal e sua responsabilidade
social para desenvolver relações significativas entre o conhecimento já produzido e a
realidade, procurando dar sentido à aprendizagem dos alunos. Esse foco assinala a
necessidade de transformação de práticas tradicionais onde se privilegiava,
simplesmente, a memorização de conteúdos prontos, pois nessa nova proposta a
diversidade e a identidade cultural dos indivíduos com deficiência envolvidos nesse
processo, devem ser valorizadas.
Assim, a formação de professores torna-se imprescindível, pois é impossível
pensar em práticas de letramento escolar inclusivas se os profissionais envolvidos no
processo não estiverem abertos a outra formação, que (re)signifique suas propostas
teórico-prático-metodológicas para este novo paradigma educacional de inclusão, para
que as falsas impressões sobre a comunidade surda possam ser desmitificadas. É preciso
rever todo o processo educacional enquanto ciência e relações sociais.
Em cada sala os alunos representam uma fonte rica de experiências, de
inspiração, de desafio e de apoio que, se for utilizada, pode contribuir
com uma imensa energia adicional as tarefas e atividades em curso.
No entanto, tudo isto depende da capacidade do professor de
aproveitar essa energia. Os alunos têm a capacidade de contribuir para
a própria aprendizagem. A aprendizagem é, em grande medida, um
processo social (CARVALHO, 1999, p. 62).
Um ponto positivo na nossa investigação foi saber que mesmo não tendo preparo
para o trabalho inclusivo, os professores do CIEMJFA têm sensibilidade para a questão
da experiência visual do indivíduo surdo e procuram, aproveitando essa potencialidade,
sempre que possível, trazer/planejar atividades adaptadas (conforme respostas dadas
abaixo por P1, P2, P3, P4, P5, P6 e P7), com recursos visuais, para tentarem fazer o
surdo se inserir com mais propriedade nas práticas de letramento na sala de aula. Os
professores manifestam essa sensibilidade quando revelam:
336
(P1) – O diálogo com o outro. A busca de imagens.
(P2) – Através da Língua de Sinais e fazendo uso de recursos
visuais, dramatizações, trabalhos em grupo.
(P3) – Faço uso de recursos visuais (lousa digital, imagens,
maquetes, símbolos geográficos, jornais, revistas, avaliações
orais etc).
(P4) – Procuro adaptar as atividades, procuro trabalhar com
bastante imagens...
(P5) – Aulas com alguns materiais, com material dourado, uso
da lousa eletrônica, etc.
(P6) – Desenhos, imagens, livro didático.
(P7) – Utilizar gravuras é bom, mas nem sempre é possível. Eu
procuro conversar com eles durante toda a aula. Com isso, a
comunicação acontece.
(P8) – Eles acompanham a aula observando os intérpretes de
libras.
Falar de processos educativos, de ensino-aprendizagem, metodologias e práticas
pedagógicas que se remetem à situação da educação inclusiva no Brasil não é tarefa
fácil, visto que, muitos desses processos ainda estão em fase de experimentação, embora
as discussões a respeito da inclusão não sejam tão novas como se pensa.
Muitas escolas, no equívoco, acabam julgando-se que não estão a caminho dos
ideais e metas para uma educação inclusiva, acham que estão despreparadas para iniciar
este projeto de inclusão, no entanto, o que não sabem ou fingem não saber é que, o
início do processo de implantação da escola inclusiva não exige muito mais que um
pouco de criatividade, disponibilidade, amorosidade, respeito e compromisso dos
educadores e de toda a comunidade escolar, para a questão da diversidade. É claro que
toda a equipe precisa rever seu processo de formação e revisitar a sua preparação, não
há como negar que é necessário essa preparação, mas ela só ocorrerá se acontecer
simultaneamente a inclusão, já que nota-se, pela nossa amostra, que a maioria dos
professores do CIEMJFA não tiveram preparação para trabalharem com a educação
inclusiva. É necessário que se trabalhe estes dois conceitos juntos, conhecer e incluir
simultaneamente. É preciso cumprir o dever de incluir “todas” as crianças no espaço
escolar sem qualquer vestígio de discriminação, além de ser um dever do estado e da
337
escola, é um direito da criança de ter justiça, alegria, convivência, interação e acesso ao
saber, como preveem, entre outras leis, a Declaração de Salamanca e a LDB 9.394/96,
discutidas nesse trabalho.
A inclusão é possível e abre várias possibilidades de aperfeiçoar e melhorar a
educação na escola e beneficiar todos os alunos que têm ou não deficiências. Porém,
tudo depende da disposição da escola, do corpo docente, da família, dos próprios alunos
deficientes, dos gestores municipais, enfim, de toda comunidade para enfrentar e aceitar
o novo, o diferente, as inovações. É necessário que se mude as atitudes frente ao outro.
Esse encontro com o outro pode ser uma abertura para que todos se coloquem no lugar
do outro e também descubra suas limitações e ao mesmo tempo descubra que pode ir
além da própria capacidade.
O que deve ser repensado são as posturas assumidas pelos professores (que
devem continuar buscando continuadamente formação), pelos alunos (sobretudo os
surdos - que devem impor suas vontades e “brigarem” por seus direitos constitucionais
-, mas também os ouvintes), pela direção (que deve cobrar do município cursos de
formação/capacitação para os profissionais, condições de trabalho, recursos materiais
etc), pela coordenação (que deve promover planejamentos adaptados para a realidade na
qual se inserem), pelos intérpretes (que devem promover a LIBRAS dentro do contexto
inclusivo como um instrumentos de força nas comunicações), pelas famílias dos surdos
(que devem cobrar medidas mais eficazes na educação de seus filhos) e acima destes, do
município de FSA enquanto instância superior da cidade, que deve oferecer
mecanismos e condições de trabalho aos profissionais, para que a inclusão aconteça na
prática e não apenas exista no papel. O trabalho, nesse sentido, precisa ser coletivo, pois
para que os objetivos finais do projeto inclusivo (que é o desenvolvimento social e
cognitivo das pessoas com deficiência) possam ser alcançados, forças precisam se unir
em prol de uma ideologia que pode funcionar, desde que aja condições para que ele
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UFSC. 2008.
340
A IDENTIDADE DOCENTE DO ESTUDANTE DE LETRAS COMO OBJETO
DE INVESTIGAÇÃO
Maximiano Martins de Meireles67
Antonio Roberto Seixas da Cruz68
Resumo: Este artigo tem como objetivo discutir sobre a identidade docente do
estudante do Curso de Letras Vernáculas, futuro professor de língua portuguesa. O
presente texto intenciona apontar resultados parciais de uma pesquisa em andamento no
sentido de caracterizar os enfoques sobre a identidade docente do estudante de letras na
produção das dissertações e teses defendidas em Programas de Pós-Graduação, no
período de 2003 a 2009, acessadas a partir do Portal da CAPES. A pesquisa da literatura
sobre identidade docente de professores de línguas, em bancos de teses e dissertações,
revelou que a questão da formação continuada tem merecido um maior destaque e uma
maior preocupação. Isto sinaliza, por outro lado, uma espécie de lacuna no tocante à
realização de pesquisas que tomem como objeto de investigação a identidade docente do
estudante de letras, futuro professor, no contexto da formação inicial. Com o
levantamento realizado foi possível identificar, ainda, que as investigações sobre a
referida temática estão centradas no estudo do currículo do referido curso. Porém, há
uma lacuna em investigações sobre a construção da identidade docente que tomem
como foco as representações e sentidos que emergem nos discursos dos estudantes de
letras e que concorrem para assunção identitária desse sujeito. Sendo assim, percebemos
a necessidade de pesquisas que permitam a tomada da palavra por estes sujeitos, no
sentido de pensar a identidade do professor de língua portuguesa a partir de sua própria
voz, suas representações, discursos e pontos de vista. Longe de ser exaustivo ou de se
definir como um estudo sobre o estado da arte no campo da identidade docente do
estudante de letras, o presente trabalho intenciona apontar caminhos possíveis na
construção do conhecimento nesta área, sinalizando, inclusive, ‘outra’ perspectiva de
investigação. Pressupomos que esta pesquisa poderá desvelar questões sobre o processo
de construção de identidades docentes polifônicas, apontando que as posições
identitárias se constituem nos conflitos provenientes das representações sociais
construídas ao longo da história sobre o ‘ser’ professor e pelos dizeres acadêmicos que
vão sendo apropriados, reelaborados e ressignificados pelos estudantes de letras ao
longo de sua formação.
Palavras-chave: Estudante de letras. Identidade docente. Pesquisas.
67
Aluno do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação/UEFS, Bolsista CAPES. Membro do
Núcleo de Estudo e Pesquisa em Pedagogia Universitária - NEPPU. Especialista em Educação Especial UEFS; Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional - Realiza-Pós; Graduado em Letras –
UNEB; e-mail: [email protected].
68
Doutor em Educação. Professor Adjunto da Universidade Estadual de Feira de Santana. Departamento
de Educação. Membro do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Pedagogia Universitária - NEPPU email:
[email protected].
341
1 APROXIMAÇÕES INICIAIS: DO TEMA ÀS IMPLICAÇÕES
Este trabalho toma como centralidade as discussões voltadas à temática da
identidade docente. Investigar processos identitários, no âmbito da formação de
professores, pressupõe caminhar em dois sentidos diferenciados e complementares: um
que diz respeito ao estudante, futuro professor, o outro ao professor como docente. Em
termos de objeto de estudo, isto significa dizer que a discussão pode endereçar-se para
os processos formativos iniciais ou para as trajetórias da formação continuada. Estes
dois sentidos não se configuram como antagônicos e excludentes, apenas delimitam o
campo de estudo.
Desse modo, foi preciso fazer uma escolha. Por acreditarmos que a construção
da identidade do professor seja um processo que, necessariamente, transite pela
formação acadêmica (LANDEIRA, 2006), e que a formação inicial deve se constituir
como desencadeadora da identidade docente (NETO, 2007; ARROYO, 1996;
PERRENOUD, 2001) optamos por investigar os processos identitários de estudantes de
letras69 no contexto da formação inicial. Neste processo de escolha, algumas perguntas
surgiram: Que razões nos motivaram na escolha do objeto de estudo? Por que estudar a
identidade docente de estudantes de letras no contexto da formação inicial? O que as
dissertações e teses revelam sobre a temática? Que implicações pessoais, profissionais e
acadêmicas atravessam este estudo? Qual a relevância acadêmica e social da discussão?
E foi assim, entre idas e vindas, no desejo de buscar algumas respostas, que surgiu e
está se constituindo esta investigação.
Para além das questões de natureza epistemológica, a pesquisa ora apresentada
partiu do princípio de que a escolha de um tema, ou seja, de um objeto de pesquisa, está
relacionada também às questões intersubjetivas que permeiam a experiência e a
trajetória pessoal, profissional e acadêmica do pesquisador. Esse entendimento é fruto
de um paradigma científico emergente, o qual vem incorporando novos elementos no
fazer ciência, dentre eles a questão da subjetividade, indo, nesse sentido, para além da
idéia de neutralidade e de objetividade presente no paradigma científico moderno
(SANTOS, 2004).
Pensando dessa maneira, decidi realizar um processo de investigação no qual
estou implicado. Sendo assim, posso dizer que o meu interesse em investigar a questão
da construção da identidade docente do estudante de Licenciatura em Letras nasceu, a
69
Estudante do Curso de Letras Vernáculas, futuro professor de língua portuguesa.
342
priori, de minhas inquietações: seja como docente, seja como coordenador pedagógico,
ora na escola, ora nos espaços de formação continuada, sempre estive em contato com
outros professores e, junto com eles, vivenciei encantos e desencantos, as contradições,
os desafios, os dilemas que permeiam a profissão e a constituição da identidade docente.
Do ponto vista acadêmico e profissional, o que justifica é a questão de minha formação
inicial em Letras Vernáculas e, também, o fato de me constituir professor de língua
portuguesa, parte significativa da minha identidade docente.
Apropriando-me das palavras de Brito (2009), posso dizer que talvez tenha sido
essa a razão, a despeito da justificativa ‘acadêmico-científica’, que motivou a
elaboração deste trabalho: entender meu próprio percurso de formação - visto que
jamais será ‘finalizado’- “como sujeito que já esteve na posição de nossos sujeitos de
pesquisa. Trata-se simplesmente de nos contemplar no olhar do outro para tentar
também contemplá-lo... de uma outra forma, por um novo gesto” (BRITO, 2009, p.1).
Nessa perspectiva, em diálogo com Souza (2004), é que podemos dizer que todo
conhecimento se configura em auto-conhecimento.
O presente texto, objetiva, portanto, apontar resultados parciais da pesquisa em
andamento no sentido de caracterizar os enfoques sobre a identidade docente do
estudante de letras na produção das dissertações e teses apresentadas e defendidas,
respectivamente, em Programas de Pós-Graduação, no período de 2003 a 2009. Não há
intenção, neste artigo, de se realizar um estudo exaustivo ou de se definir como uma
investigação sobre o estado da arte no campo da identidade docente do estudante de
letras. A intenção é apontar caminhos possíveis na construção do conhecimento, nessa
área, demarcando, inclusive, ‘outra’ perspectiva de investigação.
2 A IDENTIDADE DOCENTE DO ESTUDANTE DE LETRAS COMO OBJETO
DE PESQUISA: O QUE DIZEM AS DISSERTAÇÕES E TESES?
O estudo sobre a identidade docente e sobre as questões ligadas à formação de
professores, não somente na formação do docente de língua portuguesa vem ganhando
espaços nas pesquisas acadêmicas. Ao fazer um levantamento no Banco de
teses/dissertações da CAPES, utilizando a expressão “identidade docente”, foi possível
identificar que existem 120 teses/dissertações, o que revela o interesse de vários
pesquisadores pela temática. É importante salientar que os estudos abordam a
construção da identidade docente nas mais variadas perspectivas. Emergem, nesse
343
contexto, como temáticas privilegiadas, as discussões e investigações endereçadas à
construção da identidade docente no âmbito da educação, priorizando o sujeitoprofessor no cotidiano da escola, no desenvolvimento de práticas pedagógicas, nos
contextos da formação continuada.
Entretanto, no que se refere à identidade docente na formação inicial,
percebemos que existe um número reduzido de pesquisas, sendo prioridade, nesse
contexto, o estudo com licenciandos do Curso de Pedagogia. É importante destacar,
ainda, que esta pesquisa da literatura sobre identidade docente de professores de línguas
em bancos de teses e dissertações revelou que a questão da formação continuada tem
merecido um maior destaque e uma maior preocupação. Isto sinaliza, por outro lado,
uma espécie de lacuna no tocante à realização de pesquisas que tomem como objeto de
investigação a construção da identidade docente de estudantes do Curso de Letras,
futuros professores, no contexto da formação inicial, no sentido de entender como esses
sujeitos expressam em seus discursos elementos constitutivos dessa identidade.
Para uma compreensão mais precisa da questão, foi necessário continuar fazendo
um levantamento “mais afunilado” com foco nos estudos sobre o sujeito-professor de
língua (materna e estrangeira), e, sobretudo, com um olhar atento aos estudos referentes
ao sujeito-aluno, futuro professor de língua portuguesa, estudante do Curso de
Licenciatura em Letras. Apresentamos a seguir, um panorama sobre os enfoques
presentes nas dissertações e teses, defendidas no período de 2003 a 2009, identificadas
no portal da CAPES, no que diz respeito aos processos identitários de estudantes de
letras.
A dissertação de Mestrado70, na área Estudos Linguísticos e Literários em Inglês,
intitulada de Análise discursiva de um Currículo de Letras: noções de conhecimento e
formação de identidade, de Inês Confuorto Gomes Macedo, defendida em 2003, teve
como foco a análise do discurso do currículo de Letras – Habilitação em Português/
Inglês e Português/ Espanhol - de uma Instituição de Ensino Superior privada da cidade
de São Paulo. A hipótese construída foi a de que havia, no discurso do currículo,
conflitos que necessitariam ser silenciados, criando a ilusão de um currículo coerente e
eficiente, gerando resultados pedagógicos complexos.
A referida pesquisa objetivou a) problematizar conflitos relativos às noções de
conhecimento e identidades representadas no discurso desse currículo; b) verificar em
quais formações discursivas esse discurso está inserido; c) verificar como essas
70
As informações foram retiradas dos resumos próprias dissertações e teses pesquisadas.
344
representações agem na constituição das identidades dos sujeitos, a partir do contato
com várias regiões do interdiscurso.
O resultado da análise da materialidade lingüística do currículo demonstrou que
este aparenta ser crítico-dialógico, porém, o conhecimento legitimado como válido se
ancora numa formação tradicional de educação. Esse conflito é silenciado para que o
currículo se apresente como coerente. A análise constituída na dissertação também
revelou o autoritarismo do discurso do currículo, uma vez que ele cria idealmente
posições-sujeito homogêneas e naturalizadas que, provavelmente, concorrerão para a
reprodução de práticas pedagógicas tradicionais. Finalmente, a análise demonstrou que
o discurso do currículo investigado está fortemente perpassado pelo discurso neoliberal.
A dissertação de Mestrado, na área de Educação, intitulada de Linguagem,
Metodologia e Novo Paradigma no Campo de Estágio: um Perfil dos Docentes de
Língua Portuguesa e Literatura Brasileira Formados sob a Proposta do Novo Projeto
Pedagógico da PUCPR, de Marcus Vinicius Santos Kucharski, defendida em 2004,
buscou investigar o novo Projeto pedagógico da PUC-PR, reformulado à luz do novo
paradigma da ciência, que encontrou abrigo no pensamento educacional, trazendo à tona
a importância de conceitos como contextualização, holismo e conhecimento
significativo para o trabalho de sala de aula.
O desafio da pesquisa foi investigar, em 2004, a seguinte questão: qual a
identidade metodológica predominante entre os quarto-anistas licenciandos em Letras
em sua prática de ensino? Buscou-se entender se essa identidade se configura mais
dentro dos princípios inovadores, posto que as turmas investigadas foram formadas
integralmente sob este novo Projeto Pedagógico, ou se ainda se apresenta mais
tradicional.
Os dados coletados apontaram a tensão entre o discurso inovador assumido pelos
licenciandos em Letras e sua prática, que demonstra forte aliança a princípios
metodológicos tradicionalistas – e consequentemente práticas pedagógicas que
estiveram sempre muito aquém do que se imagina como neoparadigmática.
A tese de doutorado, na área de Estudos da Linguagem, intitulada de Saberes e
identidade profissional em um curso de formação de professores de Língua
Portuguesa, de Aparecida de Fátima Peres, defendida em 2007, construída a partir de
um estudo de caso, cujo propósito foi investigar que saberes e que identidade
profissional subjazem a um curso de formação de professores de Língua Portuguesa
(LP) – um curso de Letras de uma Instituição de Ensino Superior do Noroeste do
345
Paraná. Considerando a influência do currículo na constituição da identidade do sujeito
(SILVA, 2001, 2003), esta tese investigou: 1) como o currículo de formação de
professores de LP é proposto nas diretrizes curriculares oficiais (Diretrizes de Letras e
Diretrizes das Licenciaturas) e em um curso específico; 2) como o currículo desse curso
é concebido pelos sujeitos envolvidos no processo de formação por ele oferecido.
Como instrumentos de coleta de dados foram adotadas análises de documentos e
duas entrevistas de grupo focal – uma com sete professores-formadores e outra com dez
alunos-professores.
No tocante ao discurso oficial, as análises dos dados revelaram que as Diretrizes
de Letras são marcadas pelo caráter da racionalidade técnica (SCHÖN, 2000), pois
priorizam os saberes teóricos no processo formativo, fator que pode contribuir para a
constituição de uma identidade profissional em que os saberes teóricos são mais
valorizados em relação aos práticos. Já as Diretrizes das Licenciaturas são
caracterizadas pela epistemologia da prática (SCHÖN, 2000), pois destacam ser
necessária a articulação entre teoria e prática nos cursos de formação e propõem a
aprendizagem para o magistério com base no paradigma ação-reflexão-ação.
Ainda segundo os resultados da pesquisa, as Diretrizes de Letras, o currículo
proposto pelo Projeto Pedagógico do curso investigado também se mostrou pautado na
racionalidade técnica, porque, além de por a formação docente em segundo plano,
demonstra conceber que apenas as disciplinas teóricas sejam suficientes no processo
formativo e não promove articulação efetiva entre teoria e prática, o que estaria
prejudicando a formação inicial de professores de língua portuguesa. Por essa razão,
tanto os professores-formadores quanto os estudantes de letras consideram ser preciso
oferecer mais prática pedagógica na formação inicial, por entenderem que a base de
conhecimentos necessária ao professor de língua portuguesa deva envolver saberes
teóricos, práticos, pedagógicos e contextuais.
A dissertação de Mestrado, na área de Educação, intitulada de Representações
de professores de língua portuguesa em formação acerca da profissão docente:
mediações entre teoria e a prática, de Maisa de Alcântara Zakir, defendida em 2008,
trata de reflexões acerca da formação de alunos de Letras de uma universidade pública
paulista e de seu primeiro ano de exercício profissional como professora de língua
portuguesa em uma escola estadual. O objetivo foi investigar como as dificuldades que
a autora teve ao ingressar no magistério eram também sentidas entre os alunos do quarto
ano do Curso de Letras que participaram da pesquisa.
346
Por meio da análise do material produzido pelos alunos (portfólios elaborados na
disciplina Prática de Ensino de Língua Portuguesa e Estágio Supervisionado) seria,
então, possível, segundo a pesquisadora, ter uma percepção mais ampla do seu próprio
processo de formação, uma vez que a mesma investigaria as questões que lhe afetavam
como professora recém-formada.
No desenvolvimento da pesquisa, fazendo uma interlocução entre as narrativas
dos professores em formação e sua própria trajetória profissional, a pesquisadora
chegou a algumas considerações relevantes para pensar o processo de formação e o
desenvolvimento profissional de professores de língua portuguesa.
O estudo revelou que o curso de Letras em questão parece não proporcionar as
mediações necessárias para que os futuros professores estabeleçam relações entre teoria
e prática docente. Para superação, desse contexto, o trabalho constitui alguns
indicativos: a) é necessário repensar a importância da licenciatura na formação dos
professores e estabelecer um diálogo mais efetivo entre as disciplinas específicas e as
pedagógicas do curso; b) quando há um diálogo entre teoria e prática docente, o estágio
de observação torna-se um momento importante no qual o futuro professor parece ter
mais consciência acerca da profissão que escolheu; c) é possível questionar e pensar na
transformação de práticas escolares reproduzidas historicamente.
A tese de doutorado, na área de Estudos da Linguagem, intitulada de Vozes em
embate no discurso do sujeito-professor-de-língua(s)- em-formação, de Cristiane
Carvalho de Paula Brito, defendida em 2009, objetivou investigar o embate de vozes na
construção das imagens dos sujeitos-professores-de-língua(s)-em formação, no caso
alunos de um curso de Letras, em relação a si mesmos e ao seu objeto de estudo,
entrevendo, assim, seus movimentos de identificação com diferentes formações
discursivas.
O estudo partiu da hipótese de que os discursos dos sujeitos da pesquisa eram
constituídos por vozes conflitantes, oriundas de diferentes regiões discursivas e de que
apesar de serem (ou terem sido) expostos a diferentes discursos sobre a
língua/linguagem, sobre o processo de ensino/aprendizagem, sobre o sujeito etc, os
sujeitos da pesquisa consolidam, independentemente do ano em que estão no curso,
concepções homogeneizantes e totalizadoras sobre si mesmos ou sobre seu objeto de
estudo. Partindo dizeres dos estudantes, foram analisadas as imagens em relação ao “ser
professor” e ao saber sobre a língua materna, construídos pelos sujeitos da pesquisa.
347
Em se tratando da questão do “ser professor”, o estudo revelou um embate do
dizer de teorias pedagógicas tradicionais e atuais, de teorias lingüísticas, e do discurso
neoliberal. Em relação ao saber sobre a língua, verificou-se que a posição sujeitoprofessor-de-língua(s)-em-formação se confronta com a posição sujeito-usuário-dalíngua por meio do jogo de aceitação-resistência da gramática normativa.
A partir deste levantamento, foi possível identificar que os estudos da identidade
docente do estudante de Letras, futuro professor de língua portuguesa, estão centrados
no estudo do currículo dos referidos cursos. Porém, há uma lacuna em investigações
sobre a construção da identidade docente que tomem como foco as representações e
sentidos que emergem nos discursos dos estudantes de letras e que concorrem para a
constituição identitária desse sujeito. Sendo assim, percebemos a necessidade de
pesquisas que levem em consideração as falas destes sujeitos, no sentido de pensar a
identidade do professor de língua portuguesa a partir da voz dos estudantes, suas
representações - discursos e pontos de vista.
3 PARA ALÉM DO QUE DIZEM AS TESES E DISSERTAÇÕES: O
PROBLEMA E OS OBJETIVOS DE PESQUISA
Em aproximação a tese de doutorado Vozes em embate no discurso do sujeitoprofessor-de-língua(s)- em-formação, de Cristiane Carvalho de Paula Brito, mas indo
para além, algumas curiosidades epistêmicas surgiram. Quando os estudantes de letras
tomam a palavra para discorrer sobre aspectos relativos à sua identidade docente em
(trans)formação, que representações sobre o ‘ser’ professor vêm à tona? Seus dizeres
revelam uma identificação ou não com a profissão? Suas posições identitárias são
interpeladas por quais vozes? Que pontos de vista constroem sobre a relevância do
curso para a constituição da identidade docente?
Deste modo, foram sistematizadas as seguintes questões de pesquisa: 1. Que
sentidos o estudante de letras constrói sobre o ser, o modo de ser, de tornar-se e vir a ser
professor? 2. De que modo cada estudante foi, durante a sua formação, identificando-se
ou não com a profissão docente? 3. Do ponto de vista do estudante, qual a relevância da
formação inicial na sua constituição identitária? 4. Que vozes/discursos acadêmicos
interpelam as posições identitárias desses sujeitos? 5. Como o Curso de Letras se
constituiu como desencadeador de identidades docentes polifônicas de professores em
(trans)formação?
348
Sendo assim, tendo em vista a questão norteadora, a presente pesquisa objetiva
investigar as representações sobre ser/tornar-se professor que emergem no discurso do
estudante de Licenciatura em Letras e concorrem para a construção de identidades
docentes polifônicas. Como desdobramento, será necessário, a) identificar os sentidos
de estudantes de letras sobre o que é ser, o modo de ser, de tornar-se e vir a ser
professor de língua materna. b) verificar como cada estudante de Licenciatura em Letras
foi, durante a formação, identificando-se ou não com a profissão. c) identificar o ponto
de vista de estudantes de letras sobre a relevância da formação inicial na construção da
identidade docente. d) identificar as vozes filiadas aos discursos acadêmicos que
concorrem para construção de sua identidade profissional. e) analisar as representações
e os sentidos constitutivos da identidade docente que emergem no discurso de
estudantes de Licenciatura em Letras f) constituir indicativos sobre o curso de Letras
como desencadeador de identidades docentes polifônicas de sujeitos em (trans)
formação.
4 PRESSUPOSTOS DA PESQUISA
Pressupomos que este estudo poderá desvelar questões sobre o processo de
construção de identidades docentes polifônicas, apontando que as posições identitárias
se constituem a partir dos conflitos provenientes das representações sociais construídas
ao longo da história sobre o ‘ser’ professor e pelos dizeres acadêmicos que vão sendo
apropriados, reelaborados e ressignificados pelos estudantes de letras ao longo de sua
formação.
É importante dizer, ainda, que o estudo da construção da identidade docente do
estudante de Licenciatura em Letras, a partir de suas representações/discursos, faz-se
necessário e configura-se como relevante, na medida em que retoma a centralidade do
professor nos debates educativos e nas problemáticas de pesquisas nesta área (NÓVOA,
1992), pensando a construção da identidade docente numa perspectiva polifônica,
demarcando, assim, as vozes (acadêmicas) e os dizeres que concorrem para a posição
identitária de um sujeito em (trans) formação: discussão ainda ausente/pouco explorada
nas pesquisas acadêmicas.
Ademais, pensar essas questões, no âmbito da formação inicial, permite dar
visibilidade a esta experiência formativa que se configura na primeira etapa da
constituição identitária (NETO, 2007), ao fornecer um arcabouço ideológico e
349
pedagógico sobre o qual o professor constrói sua identidade (ARROYO, 1996), sendo,
portanto, desencadeadora do perfil profissional (PERRENOUD, 2001). A pesquisa aqui
desenhada poderá contribuir, com igual intensidade, para a valorização do trabalho
docente, sinalizando elementos que ajudem a “rever e modificar a precariedade da
carreira docente nas diferentes instituições de ensino superior” (PIMENTA;
ANASTASIOU, 2002, p.89), sobretudo nos Cursos de Licenciatura em Letras.
REFERÊNCIAS
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Horizonte: UFMG, 1996.
BRITO, Cristiane Carvalho de Paula. Vozes em embate no discurso do
sujeito-professor-de-língua(s)- em-formação. Tese de doutorado,
Campinas, SP, 2009.
LIBÂNEO, J.C; PIMENTA, S.G. Formação de profissionais da educação: uma visão
crítica e perspectivas de mudança. In: Pimenta, S.G. (org.). Pedagogia e pedagogos:
caminhos e perspectivas. São Paulo, Cortez, 2002.
KUCHARSKI, Marcus Vinicius Santos. Linguagem, Metodologia e Novo Paradigma
no Campo de Estágio: um Perfil dos Docentes de Língua Portuguesa e Literatura
Brasileira Formados sob a Proposta do Novo Projeto Pedagógico da PUCPR.
Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 2004.
MACEDO, Inês Confuorto Gomes. Análise discursiva de um Currículo de Letras:
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Paulo, 2003.
NETO, João Batista. Formação do professor, profissionalização e cultura docente:
concepções alternativas ao profissional. In: Mercado, Luís Paulo Leopoldo; Cavalcante,
Maria Auxiliadora da Silva (orgs). Formação do pesquisador em educação:
profissionalização docente, políticas públicas, trabalho e pesquisa. Maceió: EDUFAL,
2007.
PERRENOUD, Philippe. O trabalho sobre o habitus na formação de professores:
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quais estratégias? Quais competências? Porto Alegre: Artmed, 2001.
PERES, Aparecida de Fátima. Saberes e identidade profissional em um curso de
formação de professores de Língua Portuguesa. Tese de doutorado. Universidade
Estadual de Londrina, 2007.
PIMENTA, Selma Garrido e ANASTASIOU, Lea das Graças Camargo. Docência no
ensino superior: problematização. In: PIMENTA, Selma Garrido. Docência no ensino
superior. São Paulo: Cortez, 2002.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da Razão Indolente: Contra o Desperdício
da Experiência. Porto: Afrontamento, 2004.
350
Zakir, Maisa de Alcântara . Representações de professores de língua portuguesa em
formação acerca da profissão docente: mediações entre teoria e prática. Dissertação
de Mestrado, Marília, 2008.
351
POLÍTICA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES: O PROJETO DE
CERTIFICAÇÃO OCUPACIONAL DO ESTADO DA BAHIA
Sara Betania de Souza Silva
Profª Educação Básica
Licenciada em Pedagogia pela
Universidade Estadual de Feira de Santana/UEFS.
e-mail: [email protected]
RESUMO:
A década de 1990 marca um período de reformas educacionais que visavam uma
educação com qualidade para todos. Nesse sentido, a construção e implementação de
várias políticas públicas voltadas para a obtenção de um ensino eficaz, a partir deste
período, passou a ser uma constante entre os Estados brasileiros. A Bahia, neste
contexto, por meio da Secretaria de Educação e Cultura, desenvolveu o Programa
Educar para Vencer e, este por sua vez, outros Projetos, entre eles o Projeto de
Certificação Ocupacional dos Profissionais da Educação, foco da presente investigação,
implementado na Bahia visando promover uma melhor formação profissional do quadro
docente, na tentativa de atender as demandas apresentadas na educação pública. Essa
pesquisa vislumbrou analisar as ações do Governo voltadas para a formação docente,
num contexto em que o estado da Bahia, similar aos demais estados do Brasil,
apresentava índices elevados de analfabetismo, repetência e evasão escolar. O interesse
em desenvolver esse trabalho articulava-se ao objetivo de apreender em que sentido o
Projeto de Certificação Ocupacional para Professores pode contribuir para formação dos
professores e, por conseguinte, a melhoria da qualidade do ensino. Para a realização
desse estudo, utilizou-se a pesquisa qualitativa e como instrumento de coleta de dados a
entrevista individual, semi estruturada. As informações coletadas permitem verificar
que no bojo das ações adotadas, em âmbito nacional e estadual, existiam muitas
intencionalidades voltadas para a reversão dos elevados índices de evasão escolar,
repetência e analfabetismo, mas que não deram conta de reparar os problemas
educacionais do Estado. Observou-se, ainda que a qualidade desejada para o ensino
atrelava-se, principalmente, à prática docente. Entretanto, o referido Projeto não
ofereceu aos profissionais condições suficientes para atualizarem seus conhecimentos,
àqueles que buscavam, por conta própria, a sua formação continuada. Espera-se que a
presente investigação possa colaborar de forma significativa para as discussões acerca
de certificação.
Palavras-chave: Certificação Ocupacional. Formação de Professores. Políticas
Educacionais.
INTRODUÇÃO:
O destaque dado às políticas educacionais, tanto em âmbito nacional como
internacional, vem se alargando gradativamente em função da crença existente, entre
países desenvolvidos e alguns em desenvolvimento, de ser a educação a melhor
estratégia para o crescimento econômico-social de sua população e, por conseguinte o
sucesso no cenário da competitividade internacional.
352
Essa estratégia também vem sendo utilizada pelo Brasil, especialmente, desde as
últimas décadas do século passado. A implementação de políticas públicas voltadas para
a educação tem sido uma das formas encontradas para se alcançar índices positivos no
panorama educacional. Nesse sentido, especialistas na área educacional se dedicam a
investigar o fracasso do sistema escolar brasileiro.
A Bahia, nesse cenário, tem adotado políticas públicas na intenção de propiciar
um ensino básico com qualidade, necessário para a inserção do aluno ao mundo letrado.
Tal afirmação pode ser exemplificada por intermédio do Projeto de Certificação
Ocupacional dos Profissionais da Educação, idealizado pela Secretaria da Educação
(SEC/BA, 2005), com o intuito de "promover um salto qualitativo no processo ensino
aprendizagem em toda sua rede", além de buscar aprimorar a profissionalização e a
qualificação do quadro dos profissionais de educação.
A Certificação dos Profissionais da Educação é parte do Programa estratégico
"Educar para Vencer". O referido Programa é composto por outros Projetos, tais como:
Avaliação Externa, Gestão Educacional, Regularização do Fluxo Escolar e Programa de
Enriquecimento Instrumental (PEI).
Embasado nessas referências, esse trabalho tem como objetivo apreender como o
Projeto de Certificação Ocupacional dos Professores, no Estado da Bahia, pode
contribuir para a formação docente.
No decorrer do estudo, ficou claro que a pesquisa qualitativa é a que melhor se
adapta ao caminho percorrido nessa investigação, pois possibilita confrontar os dados
obtidos nos parâmetros mais amplos da sociedade e analisá-los à luz dos fatores sociais,
econômicos, psicológicos e pedagógicos (TRIVIÑOS, 2008).
Nesse sentido, a coleta de dados ocorreu tendo como fonte os documentos
oficiais da SEC-BA e da FLEM, instituições que, respectivamente, desenvolveram o
papel de execução e coordenação do Projeto de Certificação.
Como instrumento de coleta de dados utilizou-se a entrevista individual, semi
estruturada, tendo como sujeitos os membros da FLEM, e o levantamento documental.
Acredita-se que a utilização desses instrumentos permitiu a obtenção de dados
significativos para o resultado desta pesquisa.
REFERENCIAL TEÓRICO:
353
A década de 1990 representou um período de iniciativas políticas voltadas para a
formação de professores, na tentativa de alcançar uma educação eficaz. Nesse período
de reformas educacionais, agregou-se uma linguagem nos discursos de estudiosos e
políticos, refletindo uma nova concepção de formação docente.
A esse respeito Menezes (2003) analisa e considera que alguns dos termos mais
destacados apareciam frequentemente nas ocorrências concernentes ao sistema
educacional, são eles: reciclagem, treinamento, aperfeiçoamento e capacitação.
Esses termos citados foram utilizados com maior ênfase a partir da influência da
iniciativa privada na administração dos órgãos públicos, ostentando a perspectiva de
mercado no campo educacional. Tais termos passaram a caracterizar o novo perfil
profissional, exigindo maior nível de educação formal, flexibilidade, dotado de
habilidades e competências (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSHI, 2006).
Nesse sentido, ainda utilizando os estudos dos autores acima citados, é
possível aferir que
na ótica economicista e mercadológica, presente na atual reestrutura
produtiva do capitalismo, o desafio essencial da educação consiste na
capacitação da mão-de-obra e na requalificação dos trabalhadores,
para satisfazer as exigências do sistema produtivo e formar
consumidor exigente e sofisticado para um mercado diversificado,
sofisticado e competitivo (p.111).
Dessa forma, a perspectiva presente na educação voltava-se para formar
profissionais com vistas a atender a lógica capitalista e isto incluía os próprios
professores, envolvidos numa corrida desenfreada por títulos, condição necessária para
a obtenção de melhor salário.
No âmbito dessa discussão a autora trata do termo “capacitação" como um
indicativo que se associa com a idéia de continuidade do processo educativo
profissional, pois parte da noção de que, para exercer a função o profissional deve
sempre buscar atualizar-se. Nessa vertente, o termo capacitação indica ações para obter
patamares mais elevados de profissionalização.
Seguindo o ponto de vista de Menezes (2003, p.316) compreende-se que “a
adoção dessa concepção desencadeou inúmeras ações de “capacitação” visando à
“venda” de pacotes educacionais ou propostas fechadas, aceitas acriticamente em nome
da inovação e da suposta melhoria”.
Nesse sentido, vale ressaltar que no bojo desses acontecimentos, no Brasil,
foram criadas políticas educacionais, voltadas para a formação docente, visando à
capacitação dos profissionais e uma prática pedagógica mais eficaz.
354
Essa capacitação de professores passa a ser requerida como meio de
valorização profissional, de forma mais veemente, após a instauração da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/96), que estabelece no Art. 67,
aos sistemas de ensino, a promoção da "valorização dos profissionais de educação,
assegurando-lhes: [...] aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com
licenciamento periódico para esse fim; [...] período reservado a estudos, planejamento e
avaliação, incluído na carga de trabalho" (BRASIL, 1999c, p.131).
Diante do que apresenta a LDB, a valorização do educador deve ser assegurada
por meio da formação continuada, termo que também ganha um peso maior nesse
contexto em que o educador recebe a maior carga de responsabilidade pelos problemas
do sistema público de ensino, da mesma forma que ocorreu em outras ocasiões.
Nos estudos de Scheibe (2002, p. 52) fica evidente que tais políticas
educacionais têm a intencionalidade de inserir um novo entendimento sobre o perfil do
professor e sua formação, quando se toma a reforma institucional que estabelece como
base “o curso normal superior e os institutos superiores de educação, e o
desenvolvimento de competências como conteúdo”.
A afirmação revela as questões que se configuraram polêmicas no que se refere à
formação dos professores, no final do século passado. A primeira destaca o modelo das
instituições superiores da educação, que passa a ser desvinculada do ensino
universitário se constituindo em preparação técnico-profissionalizante com nível
superior (SCHEIBE, 2002).
A segunda questão remete a inserção do termo competência de maneira mais
evidente, principalmente, a partir da década de 1990 nas políticas educacionais. Sobre
esse aspecto Dias e Lopes (2003, p.157) afirmam que "o currículo por competências, a
avaliação do desempenho, a promoção dos professores por mérito, os conceitos de
produtividade, eficiência e eficácia, entre outros, disseminam-se nas reformas educacionais em
curso no mundo globalizado".
Verifica-se, a partir desses argumentos, que as políticas educacionais passaram a
estabelecer para o professor um conjunto de competências, enfatizando a qualidade do
trabalho pela sua produtividade, ou seja, o saber fazer. Nessa perspectiva, a formação
docente assume um caráter profissionalizante, por ser definida a partir de uma lista de
competências que comprovam a profissionalização e não valorizavam dos
conhecimentos construídos ao longo de sua vida pessoal e profissional.
355
Nesse entendimento, a concepção de formação de professores presente nas
políticas educacionais da década de 1990, perpassa pelos significados que se fizeram
presentes nas décadas anteriores. Ficou claro que existe ainda muito forte o
aligeiramento da formação (num contexto de competitividade em que os títulos são
exigidos como simbolismo de produtividade), uma educação profissional de natureza
técnica (partindo do entendimento que o educador tem de saber fazer o que está
estabelecido), uma formação individualizada e fragilizada (pois o acesso ao ensino
superior público é escasso, cabendo ao educador a responsabilidade pela aquisição das
competências requeridas).
Sobre esses aspectos, o Projeto de Certificação Ocupacional para professores,
exemplifica e retrata bem o modelo e a concepção de formação que se constituiu no país
no final do século XX.
O referido Projeto, lançado em 1999, coordenado e desenvolvido pela FLEM,
foi instituído visando contemplar, no âmbito do sistema escolar, o processo de formação
do educador com vistas ao alcance de uma educação com qualidade, para o Estado
baiano (BAHIA, 2008).
Após várias leituras e reflexões sobre as especificidades desse Projeto, foi
possível apreender alguns aspectos relevantes sobre a possibilidade de se obter a
melhoria no sistema de ensino, partindo do desenvolvimento dessa política pública.
Trata-se de um projeto destinado a estimular a formação continuada dos
profissionais da educação, que aponta como critério padrões de competências para o
exercício de sua função, que são: Referenciais Pedagógicos, Norteadores do Trabalho
do Professor, Planejamento do Curso, Prática Docente, Conteúdos Específicos da
Disciplina e Língua Portuguesa (FLEM, 2008).
Essas competências estão discriminadas no documento intitulado Padrões de
Competências do Professor de 5ª à 8ª série do Ensino Fundamental e Médio e revelam
um conjunto de habilidades que devem estar inerentes à prática do educador, embora
este documento cite que ele não pretende prescrever métodos pedagógicos particulares.
Sobre esse aspecto, o relatório das atividades do Governo deixa claro que a base
do exame de certificação é o padrão de competências estipulado pela função, construído
a partir das informações dos ocupantes do cargo (BAHIA, 2006).
Nesse sentido, é possível aferir que a escolha das competências elencadas como
padrão foi baseada a partir de experiências vividas por um grupo de profissionais de um
356
determinado contexto escolar. Contudo, é preciso levar em conta as peculiaridades,
complexidades e culturas dos indivíduos que convivem no ambiente escolar.
Não se pode perder de vista que tanto professores, quanto alunos são sujeitos de
suas histórias de vida diferentes. Por conta disto, a sala de aula torna-se um ambiente
rico em diversidades. Além do mais, haverá situação em que as competências
estipuladas pela FLEM não terão sentido para um determinado contexto, e outras, não
estabelecidas, poderão ser necessárias no tratamento das várias situações que ocorrem
no cotidiano escolar.
É oportuno destacar que as competências que são requeridas para cada
profissional, foram elaboradas de acordo com o que foi estabelecido pela Secretaria da
Educação do Estado, pois segundo dados da SEC/BA (2008), o padrão de competências
não está dissociado do que a Secretaria pensa para os profissionais, porque é ela quem
chancela o padrão.
Para a Secretaria da Educação da Bahia, a qualificação profissional do educador
se efetiva quando este apresenta um perfil de um profissional que maneje bem as
competências que lhe são requeridas. Essa perspectiva demonstra o cunho conservador e
reprodutor de uma ideologia que faz da educação o mais forte instrumento para
manutenção da estrutura social (CANDAU, 2003).
Os documentos ainda revelam a concepção de qualidade implícita no Projeto de
Certificação. Tal concepção está atrelada a forma como se dá o desdobramento da
referida ação do Governo, ou seja, teoricamente o professor busca caminhos para a
renovação da sua prática pedagógica e, como resultado, eficácia na forma de ensino.
Sobre esse ponto de vista, nota-se que a concepção de qualidade presente no Projeto de
Certificação, na Bahia, centra-se para a mensuração da eficiência do educador, por
meio, sobretudo, da mediação nos processos de ensino e aprendizagem.
Diante do que foi exposto, pode-se aferir que as intervenções do Governo do
Estado da Bahia, inclinadas para a formação docente e a qualidade do ensino, revelam
intenções que poderiam ter contribuído no processo de reversão de empobrecimento do
ensino. Contudo, o tratamento destinado ao processo de formação de educadores
assemelha-se ao quadro das profissões de caráter técnico empresarial quando estes são
submetidos a um processo que certifica competências e habilidades a fim de justificar
sua prática escolar.
É preciso considerar que a função desempenhada pelo técnico diferencia-se do
educador, pois o exercício técnico enfatiza a operacionalização repetitiva das tarefas,
357
em contrapartida, o trabalho docente envolve uma complexidade maior por tratar-se
também de uma relação com as diversidades, demandas sociais e históricas que se
refletem em sala de aula.
DISCUSSÃO:
De acordo com Tardif (2008), um dos aspectos a ser analisados nos referenciais
é que apresentam as competências como catálogos ou listas de competências que os
professores devem seguir e ignoram as singularidades da prática de cada profissional, da
escola e as diferentes culturas que estão inseridas na sala de aula.
Vale destacar que embora o projeto seja coordenado e desenvolvido pela
FLEM, as competências exigidas para cada profissional passaram pelo aval da
Secretaria da Educação do Estado. Conforme cita uma das coordenadoras da FLEM:
“Então o padrão, ele não está dissociado do que a Secretaria pensa para os profissionais,
porque é até ela quem chancela o padrão, é ela quem diz: eu quero que inclua isso...”.
Percebe-se que, segundo a concepção da FLEM e da SEC, a qualificação
profissional do educador se efetiva quando este apresenta um perfil tecnicista de um
profissional que maneje bem as competências requeridas a ele. Nesse sentido,
desconsidera-se que para cada instituição uma comunidade, cada aluno uma família e
para cada educador demanda diferentes realidades na sala de aula.
Essa perspectiva, segundo Candau (2003), demonstra-se de cunho conservador
e reprodutor, que revela uma ideologia que faz da educação o mais forte instrumento
para manutenção da estrutura social.
Nesse sentido, Arroyo (1996, p. 48), ao analisar as propostas concernentes a
formação docente, declara:
As propostas se concentram em como requalificar os cursos de
formação, como dotá-los de maior densidade teórica e prática
[...]. A lógica linear continua predominante: qualifiquemos e
requalifiquemos os mestres e teremos sistemas escolares de
qualidade, pois, se não temos uma escola de qualidade é porque
nos falta qualidade profissional.
Essa concepção, também, pode ser observada na proposta do governo baiano que
buscou, através do Projeto de Certificação, a maneira de "dotar os educadores de maior
densidade teórica e prática". Para tanto, os profissionais da educação do Estado da
Bahia deveriam provar, por intermédio dos exames, que possuíam as competências
necessárias para exercerem sua função.
358
A coordenadora, em sua fala, contempla a afirmação anterior: “toda literatura
moderna, não trabalha mais com aquilo que você sabe, mais com aquilo que você sabe e
sabe aplicar. Não adianta saber e não saber aplicar. Então, o conceito de competência
envolve o saber, o saber fazer e o querer fazer. A certificação não pode avaliar o querer
fazer, aliás, o querer fazer é algo que só se pode avaliar a partir da avaliação
processual”.
Essa forma de se certificar competências, de acordo com a coordenadora, avalia
a habilidade do educador no cotidiano escolar. Ao contrário de outros métodos de
formação continuada, o Projeto de Certificação não depende da inserção do profissional
num curso de formação, mas o educador é induzido a buscar a refletir sobre sua prática
em sala de aula.
A respeito desse sistema de formação, Candau (2003) sugere que o locus da
formação continuada dos professores deveria ser a própria escola e não o espaço de uma
universidade ou empresa destinada a formação docente.
Tardif (2008) comungando com o que foi comentado afirma que “o centro de
gravidade dos programas deve ser a ação profissional em si, simultaneamente como
objeto de conhecimentos, como espaço de ação e de formação, como mecanismo de
reflexão teórica, cultural e crítica”. (p.08)
Com base esse pressuposto, é possível afirmar que o Projeto de Certificação
pode ser considerado um significante sistema de formação docente, já que possibilita ao
educador utilizar-se de seu campo de atuação para refletir sobre a sua prática
pedagógica. Diante dessa afirmação surge uma inquietação: Porque, então, esse sistema
de formação não se consolidou na Bahia? A coordenadora ao ser questionada a esse
respeito deixa claro qual foi o sentido da certificação no âmbito do estado baiano: “na
realidade, era um conjunto de ações que visava melhorar os indicadores sociais”.
O processo de certificação poderia ter contribuído no processo que visa um
sistema educacional de qualidade, na perspectiva de tornar possível ao aluno o acesso a
uma educação que lhe prepare para o viver e não simplesmente para o trabalhar.
Percebe-se que o Projeto de Certificação embora apresente uma proposta relevante para
a carreira dos profissionais da educação, ele destaca-se mais como um projeto
estratégico de governo, servindo como instrumento de coletar dados, sem nenhum
propósito de intervenção no diagnóstico revelado.
Assim, diante do que foi exposto, percebe-se que o Projeto de Certificação na
Bahia teve sua participação na formação do educador baiano, no sentido de aproximá-lo
359
as novas tendências concernentes a competências e habilidades do exercício de sua
função, ou seja, sua capacitação técnica e além de incentivá-lo a buscar ascensão para a
sua carreira profissional.
RESULTADOS:
O Projeto de Certificação Ocupacional foi instituído visando contemplar, no
âmbito do sistema escolar, o processo de formação do educador com vistas ao alcance
de uma educação com qualidade, para o Estado baiano (SEC/BA, 2008).
Após várias leituras e reflexões sobre as especificidades desse Projeto, foi
possível apreender alguns aspectos relevantes sobre a possibilidade de se obter a
melhoria no sistema de ensino, por intermédio da formação de professores, partindo do
desenvolvimento dessa política pública.
Trata-se de um projeto destinado a estimular a formação continuada dos
profissionais da educação, que aponta como critério padrões de competências para o
exercício de sua função, que são: Referenciais Pedagógicos, Norteadores do Trabalho
do Professor, Planejamento do Curso, Prática Docente, Conteúdos Específicos da
Disciplina e Língua Portuguesa (FLEM, 2008).
As competências discriminadas no documento revelam um conjunto de
habilidades que devem estar inerentes a prática do educador, embora este documento
cite que ele não pretende prescrever métodos pedagógicos particulares.
Ao entrevistar uma das coordenadoras do Projeto, ela explica: “[...] o que dá
base ao exame de certificação é uma coisa chamada padrão de competências do cargo,
ele é construído a partir das informações dos ocupantes do cargo (...)”.
Nesse sentido, é possível aferir que a escolha das competências elencadas como
padrões foram baseados a partir de experiências vividas por um grupo de profissionais
de um determinado contexto escolar. Contudo, é preciso levar em conta as
peculiaridades, complexidades e culturas dos indivíduos que convivem no ambiente
escolar. Não se pode perder de vistas que tanto professores, quanto alunos são sujeitos
de suas histórias de vida diferentes. Por conta disto, a sala de aula torna-se um ambiente
rico em diversidades. Além do mais, poderá haver situação em que as competências
estipuladas pela FLEM não terão sentido para um determinado contexto, e outras, não
estabelecidas, poderão ser necessárias no tratamento das várias situações que ocorrem
no cotidiano escolar.
360
É oportuno destacar que as competências que são requeridas para cada
profissional, foram elaboradas de acordo com o que foi estabelecido pela Secretaria da
Educação do Estado, conforme cita a coordenadora “[...] o padrão, ele não está
dissociado do que a Secretaria pensa para os profissionais, porque é ela quem chancela
o padrão, é ela quem diz: eu quero que inclua isso”.
Para a Secretaria da Educação da Bahia, a qualificação profissional do educador
se efetiva quando este apresenta um perfil de um profissional que maneje bem as
competências que lhe são requeridas. Essa perspectiva demonstra o cunho conservador e
reprodutor de uma ideologia que faz da educação o mais forte instrumento para
manutenção da estrutura social (CANDAU, 2003).
Os documentos ainda revelam a concepção de qualidade implícita no Projeto de
Certificação. Tal concepção está atrelada a forma como se dá o desdobramento da
referida ação do Governo, ou seja, teoricamente o professor busca caminhos para a
renovação da sua prática pedagógica e, como resultado, eficácia na forma de ensino.
Sobre esse ponto de vista, nota-se que a concepção de qualidade presente no Projeto de
Certificação, na Bahia, centra-se para a mensuração da eficiência do educador, por
meio, sobretudo, da mediação nos processos de ensino e aprendizagem.
Um outro aspecto observado, a partir da análise documental, é a forma como a
FLEM (2008, p.15) descreve a função do professor, atribuindo ao cargo as obrigações a
serem exercidas na prática: “Compete ao Professor garantir o sucesso escolar do aluno,
ajudando-o a gerir os seus processos de aprendizagem (...)”.
O documento da FLEM evidencia que a função exercida pelo educador é
essencial para um ensino de qualidade, mas é importante reconhecer que o professor não
pode ser considerado o único responsável em efetivar esse sucesso, mas depende de
questões políticas, econômicas e sociais.
Ao buscar analisar o conteúdo dos documentos oficiais, pode-se constatar a
interpretação do que é ser professor, segundo a FLEM, levando em conta a posição de
protagonista desse profissional no contexto de busca pela qualidade do ensino.
Os Padrões estipulados pela referida instituição, esboça como se espera que o
profissional desenvolva sua função. No conjunto de várias leituras, foi possível inferir
que a presença constante do verbo deve indica um sentimento de coerção a prática
pedagógica. Sabe-se que toda coerção é desenvolvida por um dominador e reflete a um
problema de ordem histórica, tem a ver com a relação de poder existente entre educação
e Estado.
361
O conceito de professor definido pela instituição remete à idéia de um simples
executor de tarefas, como um especialista neutro, que desempenha seu trabalho via
gerenciamento de técnicas de ensino, de organização escolar e de avaliação. Contudo, a
função do professor não se limita ao cumprimento das tarefas padronizadas, mas de um
ofício complexo, pois envolve relação e troca de experiências.
Diante do que foi exposto, pode-se aferir que as intervenções do Governo do
Estado da Bahia, inclinadas para a formação docente e a qualidade do ensino, revelam
intenções que poderiam ter contribuído no processo de reversão de empobrecimento do
ensino. Contudo, o tratamento destinado ao processo de formação de educadores
assemelha-se ao quadro das profissões de caráter técnico empresarial quando estes são
submetidos a um processo que certifica competências e habilidades a fim de justificar
sua prática escolar.
É preciso considerar que a função desempenhada pelo técnico diferencia-se do
educador, pois o exercício técnico enfatiza a operacionalização repetitiva das tarefas,
em contrapartida, o trabalho docente envolve uma complexidade maior por, tratar-se
também relação com as diversidades, demandas sociais e históricas que se refletem em
sala de aula.
REFERÊNCIAS:
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FLEM. FUNDAÇÃO LUÍS EDUARDO MAGALHÃES: uma instituição a serviço da
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qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 2008.
363
QUALIDADE DE ENSINO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UM OLHAR
SOBRE O CURSO DE PEDAGOGIA – EDUCAÇÃO INFANTIL E SÉRIES
INICIAIS DA UEFS
Amali de Angelis Mussi
Ana Verena de Araújo Vidal
RESUMO
Este trabalho é fruto de um estudo monográfico que se propôs a compreender e analisar
os componentes da qualidade do curso de Pedagogia - Educação Infantil e Séries
Iniciais do Ensino Fundamental – da Universidade Estadual de feira de Santana –
UEFS, por estudantes do curso. O problema da investigação se constituiu em responder
a seguinte questão: Quais componentes de qualidade estão presentes nas
representações sociais de estudantes do curso de Pedagogia da UEFS? Para tanto,
realizou-se uma pesquisa bibliográfica para destacar os referenciais de estudo, dentre
eles, Demo (1985, 1995), Bourdoncle (1991), Gimeno Sacristán (1995), Moscovici
(2003), Cunha (2006), Ribeiro (2008), Gadotti (2009), e a realização de uma pesquisa
de campo, de caráter exploratório. A investigação que inspirou este trabalho teve por
base os princípios da pesquisa qualitativa. Com efeito, para a análise dos dados adotouse as Representações Sociais (RS), na perspectiva moscoviciana, por entender que elas
se materializam através de práticas sociais, onde poderíamos conhecer o que os
professores/estudantes representam acerca da qualidade do ensino. Para a coleta de
dados, optou-se pela elaboração de um questionário estruturado com questões abertas e
fechadas sobre a temática em relevo, para ser aplicado aos estudantes do 8º semestre da
graduação em Pedagogia, em curso no 1º semestre de 2011. Da aplicação do
questionário aos 36 estudantes selecionados para o estudo, obteve-se o retorno de 09
estudantes, que constituíram a amostra de sujeitos desta investigação. Com a análise
realizada, os resultados indicam que as representações sociais das participantes sobre os
componentes da qualidade do curso de Pedagogia – Educação Infantil e Séries Iniciais
do Ensino Fundamental da UEFS estão centradas na relação teoria e prática, no diálogo
entre o ensino e /com pesquisa e na qualidade do corpo docente.
Palavras-chave: Qualidade de Ensino; Formação de Professores; Representações
Sociais.
APRESENTAÇÃO
Nas últimas décadas, os processos de formação inicial de professores ocupam
lugar de destaque nas pesquisas educacionais, tanto no sentido de críticas à formação
oferecida quanto ao valor dessa formação na profissionalização docente.
Tem-se reclamado por uma transformação substancial nos cursos de licenciatura.
Trata-se de um período muito importante porque é quando o estudante pode adquirir
uma imagem cristalizada e assistencial do magistério, ou, ao contrário, construir uma
364
bagagem de conhecimentos, de práticas e de atitudes que lhe permita exercer a profissão
com a responsabilidade social e política que todo ato educativo implica.
Compreender a formação inicial nessa perspectiva torna relevante investigar a
qualidade da formação oferecida pelos Cursos de Pedagogia. Como o tema é amplo e
complexo, há a necessidade de estabelecer um recorte para esta investigação e, para
tanto, algumas questões podem ser levantadas: O que entendemos por qualidade no
ensino para a formação de professores? E o que os estudantes de cursos de Pedagogia
entendem por qualidade na sua formação profissional? Ou seja, quais as compreensões
de qualidade no ensino possuem os estudantes de Curso de Pedagogia?
Este trabalho pretende trazer contribuições para essa discussão ao investigar os
componentes de qualidade que estão presentes nas representações sociais produzidas
por uma amostra de estudantes do curso de Pedagogia – Educação Infantil e Séries
Iniciais, da Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS.
REFERENCIAL TEÓRICO
Para investigar sobre a qualidade presente nos cursos de Pedagogia, faz-se
necessário promover a discussão acerca de alguns elementos que subsidiam a ideia de
qualidade, oportunizando a compreensão deste conceito e seus reflexos no cenário do
ensino superior, especificamente na formação de professores. Portanto, na sequência,
discutimos a definição de qualidade da educação e os entrelaces deste conceito na
formação de professores.
Qualidade, numa concepção dicionarizada, é definida como o conjunto de
propriedades, atributos e condições inerentes a um objeto e que são capazes de
distingui-lo de outros similares, classificando-o como igual, melhor ou pior, ou ainda,
como um atributo que permite aprovar ou desaprovar um objeto com base em um
padrão de referência. Nessa direção, qualidade está atrelada a ideia de comparação:
pode-se dizer que um objeto tem qualidade, quando suas características permitem
afirmar que ele é melhor que outros objetos que não as possuem ou que não há um
padrão de igualdade.
Demo (1995) entende que qualidade converge com a ideia de algo bem feito e
completo, em especial quando o termo está articulado à ação humana, sendo que nesse
caso, qualidade é o toque humano na quantidade. Demo (1995) traz o conceito de
365
qualidade mais ligado às questões ontológicas, isto é, do ser humano, e não somente às
questões ligadas ao ter.
Em estudo sobre a qualidade da educação superior, Demo (1985) apresenta os
conceitos de qualidade acadêmica, qualidade social e qualidade educativa. A qualidade
acadêmica é entendida como “[...] a capacidade de produção original de conhecimento,
da qual depende intrinsecamente a docência” (DEMO, 1985, p.35). Nesse sentido, ao
ensino superior requer cultivar a experiência criativa que há através da pesquisa
científica e oportunizar na formação acadêmica a capacidade de, por meio do
conhecimento científico, pesquisar e apresentar soluções práticas aos problemas
específicos da sociedade. A qualidade social é definida por Demo (1985) como “[...] a
capacidade de identificação comunitária, local e regional, bem como com relação ao
problema do desenvolvimento [...] Trata-se de colocar à universidade a necessidade de
ser consciência teórica e prática do desenvolvimento” (p.38). E a qualidade educativa se
refere à “[...] formação da elite, no sentido educativo. A universidade também educa”
(DEMO, 1985, p.39). A qualidade educativa é revelada pela capacidade das
universidades dedicarem seus esforços na formação plena dos indivíduos, o que também
implica na formação de professores nas diversas áreas, de profissionais do setor
econômico, dos líderes políticos, dos que constroem uma ideologia, enfim, de cidadãos
que cuidam para que a sociedade seja democraticamente organizada e se desenvolva em
seus diferentes segmentos: político, institucional, econômico e cultural.
De acordo com Dourado (2007, apud Ribeiro, 2008), o conceito de qualidade da
educação é um conceito “polissêmico”: a educação é de qualidade quando contribui
para a eqüidade; do ponto de vista econômico, a qualidade refere-se à eficiência no uso
dos recursos destinados a educação. Há, portanto, a necessidade de se estabelecer
padrões de qualidade, a partir de um conjunto de indicadores de qualidade que devem
ser levados em conta para a sua compreensão. Nesse sentido, Dourado (2007, apud
Ribeiro, 2008), aponta que a qualidade tem fatores extra-escolares (dimensão
socioeconômica e cultural do contexto envolvido e a dimensão dos direitos, das
obrigações, das políticas no nível do Estado) e intra-escolares (condições de oferta do
ensino, a gestão e organização do trabalho escolar, a profissionalização do professor, o
acesso, a permanência e o desempenho escolar).
Gadotti (2009) nos lembra que qualidade implica em melhorar a vida das
pessoas, de todas as pessoas. Na educação a qualidade está diretamente articulada ao
bem viver de todas as comunidades, a partir da comunidade escolar. É fundamental,
366
portanto, não perder de vista que qualidade é um conceito histórico, que se altera no
tempo e no espaço, vinculando-se às demandas e exigências sociais de um dado
contexto (BRASIL, 2009, p.30).
Gadotti (2009) destaca que a educação é de boa qualidade quando ela forma
pessoas para pensar e agir com autonomia e que uma universidade “precisa pouco para
ser de qualidade, mas nelas não podem faltar idéias”(p.08). Precisa basicamente de três
condições: professores bem formados, condições de trabalho e um projeto:
Para se formar bem, o professor precisa ter paixão de ensinar, ter
compromisso, sentir-se feliz aprendendo sempre; precisa ter domínio técnico
pedagógico, isto é, saber contar históricas, isto é, construir narrativas
sedutoras, gerenciar a sala de aula, significar a aprendizagem, mediar
conflitos, saber pesquisar. Precisa ainda ser ético, dar exemplo. A ética faz
parte da natureza mesma do agir pedagógico. Não é competente o professor
que não é ético. Ser humilde, ouvir os alunos, trabalhar em equipe, ser
solidário. A qualidade do ensino depende muito da qualidade do professor.
Além de qualidade na formação de professores, Gadotti (2009, p.08) continua a
destacar e contribuir ao nosso entendimento:
Quanto á escola ou universidade: elas devem oferecer as condições
materiais, físicas e pedagógicas para criar um ambiente propício à
aprendizagem. No ambiente oferecido a alunos e professores de hoje, em
muitas escolas, eu me pergunto como eles podem aprender alguma coisa. Os
professores são competentes; faltam-lhes as condições de ensinar. A escola
deve oferecer ao professor formação continuada da sua equipe,
principalmente para refletir sobre a sua prática. E precisa ter um projeto ecopolítico-pedagógico.
No que diz respeito aos cursos de formação de professores, Schön (1992)
destaca que a fragmentação das disciplinas, a desarticulação entre a teoria e a prática, a
separação entre as pesquisas desenvolvidas na universidade e o trabalho conduzido nas
escolas resultam do modelo de racionalidade técnica que configura os currículos
universitários de formação de professor.
Acerca disso, Mizukami (1986) e Behrens (2003) afirmam que essa visão se
expressa num modelo conservador da prática educativa que se caracteriza pela
reprodução do conhecimento e o ensino dar-se-á por aulas expositivas, demonstrações e
sistematização da matéria numa seqüência lógica, ordenada e desvinculada das outras
disciplinas dos cursos e da realidade dos estudantes. Dessa forma, a relação teoria e
prática não assume um sentido dialógico, o que contribui para o desprestígio da
profissão de professor e que pode marcar o seu processo de formação por uma postura
de ser um mero executor de propostas desenvolvidas por especialistas, mero
consumidor de pesquisas e de políticas definidas de cima para baixo.
367
Consideramos que o processo de formação inicial para a docência necessita
fornecer subsídios teóricos e práticos para viabilizar a reflexão consistente sobre a
educação e o processo de ensino e aprendizagem, constituindo-se como prática cultural
intencional de produção e internalização de significados. Esse entendimento gera a
necessidade de associar, no processo formativo, o exercício da autonomia do professor
pela atitude investigativa sobre o contexto da formação e da prática profissional.
Sobre o processo de ensinar e aprender nos cursos de licenciatura, Mussi (2008)
destaca a necessidade da articulação teoria e prática constituírem-se em atitude
profissional, tanto dos alunos em formação, como dos seus professores formadores,
compartilhando assim, uma proposta de formação.
Por isso, faz-se necessário, aos cursos de licenciatura, ensinar a pensar
– estimular a capacidade de raciocínio e julgamento, melhorar a
capacidade reflexiva do professor em formação, de forma que, no
exercício da docência, ele se comprometa com a qualidade cognitiva
das aprendizagens de seus alunos. Ou seja, o futuro professor precisa
ser capaz de investigar como se pode ajudar os alunos a se
constituírem como sujeitos pensantes, capazes de lidar com conceitos,
a selecionar o que é relevante, argumentar, relativizar, confrontar e
respeitar diferentes pontos de vista, resolver problemas, para se
defrontarem com dilemas e problemas da vida prática, assumindo
responsabilidades. Mas essa concepção só adquire sentido se estiver
imbuída pela essência do desenvolvimento da formação humana [...]
(MUSSI, 2008, P.51).
Nesse pressuposto, ensinar e aprender em curso de formação de professores
requer o domínio de saberes que articulem o ensino com a pesquisa, ou melhor, que
entende que ensino também é pesquisa, o que remete a uma aprendizagem e formação
profissional de qualidade por oportunizar o diálogo entre o que se sabe e o que se
precisa aprender, o que construir e o que desconstruir, o que aprender e o que
desaprender.
Desta forma, num curso de formação de professores, deve-se ou dever-se-ia
romper com a racionalidade técnica e caminhar para a construção de uma
fenomenologia da prática, isto é, “refletir a partir da reflexão da própria prática” nas
situações de aprendizagem, exercida em conjunto com o professor que também é
parceiro nesse processo (SCHÖN, 1992). Portanto, fica evidente que um curso de
formação de professores os estudantes precisam ter a oportunidade de desconstruir as
representações que trazem da profissão docente, vivenciadas a partir da figura de seus
professores quando estudantes da escola básica. E por trazerem essa construção, sem o
368
exercício da reflexão, podem vir a assumirem a função de transmissores de
conhecimento ao se relacionarem com a prática da profissão.
Partindo dessa concepção, Gimeno Sacristán (1983) evidencia que o estudante
aprende a considerar a sua sala de aula universitária e conseqüentemente a da sua
vivência de professor, como um objeto de estudo, aprende a problematizá-la e a propor
hipóteses para a superação das deficiências detectadas, reelaborando, assim,
continuamente suas representações e sua prática, tornando-se sujeito do processo de
construção do “ser professor”, e caracterizando-se como um “pesquisador em
potencial”, como um profissional capaz de produzir conhecimentos sobre o ensino
através da pesquisa, que nesse processo o tornará um “pesquisador competente”.
Portanto, compreender os entrelaces da qualidade na formação de professores
implica em dialogar entre o ensino e a aprendizagem, oportunizar o contato direto com
ensino e pesquisa, favorecer a (des)construção de concepções e práticas alinhadas aos
saberes científicos para que possam ter uma formação acadêmica de qualidade, bem
como, contribuir para um educação de qualidade.
CAMINHO METODOLÓGICO
O presente trabalho teve por base os princípios da pesquisa qualitativa. Por
conseguinte, trabalhou com o universo de significados, aspirações, crenças e valores dos
sujeitos sociais (MINAYO, 2007) de modo a realizar uma análise, ainda que
exploratória, sobre os componentes da qualidade do ensino no curso de Pedagogia da
Universidade estadual de Feira de Santana – UEFS.
A Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, localizada em Feira de
Santana – BA, mantém 02 turmas de Pedagogia, 01 turma de Curso de Pedagogia
regular e 01 turma do Programa de Formação para Professores, Curso de Pedagogia –
Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental.
Considerando que os estudantes do Programa Especial já são docentes inseridos
em escolas públicas e particulares, com vivência profissional que pode contribuir para
uma perspectiva de qualidade mais aguçada, consideramos pertinente elegê-los como
sujeitos desta pesquisa. Ao escolhermos estudantes do 8º semestre, utilizamos como
interesse, a trajetória acadêmica, já que estão finalizando a graduação.
Os sujeitos da pesquisa foram 09 estudantes do curso de Pedagogia – Educação
Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental da UEFS, que cursavam o 8º semestre
369
do curso no final do 1º semestre de 2011. A amostra foi assim definida uma vez que
foram aplicados questionários a 36 estudantes do curso, mas por motivos diversos
somente 09 retornaram. Todas elas são do sexo feminino. Para preservar a identidade
dos sujeitos entrevistados, elas foram aqui tratadas de S1, S2, S3 ... S9.
Para a coleta de dados, optou-se pela elaboração de um questionário estruturado
com questões abertas e fechadas sobre a temática em relevo. O tratamento dos dados
proveniente dos questionários foi realizado mediante análise de conteúdo do tipo
temática (BARDIN, 1977), a qual nos possibilita compreender mais profundamente as
representações dos professoes/estudantes sobre o objeto estudado.
Tomamos como base conceitual e metodológica para a realização da análise dos
dados desse estudo as representações sociais (RS), na perspectiva moscoviciana, por
entender que elas se materializam através de práticas sociais, se veiculam através da
comunicação
e
que,
em
função
delas,
poderíamos
conhecer
o
que
os
professores/estudantes representam acerca da qualidade do ensino.
Portanto, ao investigarmos as representações sociais dos professores/estudantes,
buscamos reunir conceitos construídos no senso comum e experiências da trajetória de
formação desses sujeitos, na tentativa de compreender quais os elementos que estão
presentes em suas representações acerca da qualidade do ensino no curso e do processo
de profissionalização docente.
Na análise dos dados, dois aspectos foram relevantes aos objetivos da
investigação: o conceito e os componentes da qualidade do curso de Pedagogia –
Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental da UEFS.
QUALIDADE NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL
Os relatos das estudantes nos mostram que a qualidade na formação profissional,
no curso de Pedagogia – Educação Infantil e Séries Iniciais, é aquela que:
“Investe na intensificação do aluno em alcance de pesquisa, de produções,
de possibilidades para rede de discussões que realmente favoreçam a
aprendizagem do futuro profissional e não usar o tempo para realizar ações
que estamos aptas a lidar” (S1)
“Ressignificar os saberes através da reflexão contribuindo assim para novas
descobertas que influencie para termos profissionais bem mais
qualificados.” (S2)
A estudante, S4 aponta que um curso de graduação de qualidade “Valoriza o
magistério, proporciona pesquisas que confirmem ou não os estudos teóricos e dê
condições aos alunos para realizar tais pesquisas” (S4). Outra, nos diz que “Oferece
370
suporte teórico e faz relação da teoria com a prática” (S3) e ainda, que “Seja
comprometida em relacionar o currículo à realidade do educando e considere-o em sua
singularidade e diversidade” (S7).
Mediante as respostas dos sujeitos coletadas pelo questionário, analisamos que
as estudantes compreendem o conceito de qualidade também quando apontam lacunas
na universidade, isto é, aquilo que compromete a sua qualidade:
“Durante esses quase quatro anos pude observar que muitas coisas
poderiam ser melhor estabelecidas; desde a grade curricular que têm pontos
que precisam se ajustar, aos docentes que mesmo sendo especializados em
uma determinada área, tem que dar aulas em outras disciplinas”(S2).
Infelizmente não são em todos os professores que encontramos compromisso,
e lembrando da falta de professor para cumprir algumas disciplinas” (S9).
Vemos a partir desses dados, que dois atributos indissociáveis, responderiam tal
questão: a relação ensino e/com pesquisa que aponta para todos esses dados
mencionados pelos sujeitos da pesquisa. Estamos falando aqui da atitude investigativa
que caracteriza o estudante como pesquisador, como produtor do saber, neste caso, do
saber docente. Essa demanda (ensino e/com pesquisa) suscita para a responsabilidade da
universidade, dos docentes e dos estudantes/professores em formação para a mudança
das suas ações e necessidade de adaptação às novas exigências da sociedade, ou seja, se
faz necessário formar o estudante/professor para saber enfrentar os desafios da pósmodernidade.
No tocante a qualidade do curso, os estudantes revelam os seguintes pontos:
•
Satisfação em fazer parte da instituição e no curso;
•
A grande contribuição que a instituição e o curso trouxeram a formação;
•
A credibilidade social que a instituição tem no currículo dos estudantes deste
curso de Pedagogia.
No tocante as lacunas da formação, os mesmos apontam para:
•
Ausência de professores, descaso e disciplinas que são trabalhadas sem
responsabilidade pelos professores que prejudicam o aprendizado;
•
Adequação do curso as demandas das Séries Iniciais;
•
Melhor organização e trabalho das disciplinas e sua respectiva carga horária.
Deste modo, queremos ressaltar aqui que qualquer curso de Pedagogia, seja este
de Formação em Serviço ou o de futuros professores, traz em sua base a formação do
professor, profissional que necessita de uma formação específica e o domínio de
371
diversos saberes no que diz respeito ao ensino e a aprendizagem. Não estamos nos
referindo a um curso que forma professores técnicos e que constituem - se na profissão
reproduzindo modelos ou incorporando teorias hierarquizadas. Ao contrário, estamos
falando de um curso que deve ou deveria formar professores políticos e pesquisadores,
com competências que viabilizem a atuação docente mediante o mundo globalizado e
saibam atender as demandas e exigências da sociedade.
Portanto, a qualidade é atributo do humano e a formação adequada dos
professores é componente de qualidade no processo de formação profissional em um
Curso de Pedagogia.
COMPONENTES DA QUALIDADE
Ao solicitar dos estudantes que escrevessem até cinco componentes que
considerassem qualidade, várias dimensões foram expostas. Desse modo, agrupamos os
componentes em 03 unidades de sentido: professor universitário, da relação ensino
e/com pesquisa, no processo de ensino e aprendizagem e no Curso de Pedagogia em
estudo e organizamos 03 gráficos para demonstrar o que compõe qualidade na visão dos
estudantes com relação ao curso de Pedagogia em tese.
GI – Componentes da Qualidade – Professor Universitário
Os dados acima estruturados demonstram que os estudantes representam como
componentes da qualidade a responsabilidade do professor universitário e o
compromisso deste com a formação dos professores/estudantes. Com relação ao item
compromisso, vemos cinco indicadores o que mais uma vez chama a atenção para a
responsabilidade dos docentes universitários com este curso e com a sua demanda
especial, que é a formação em serviço.
372
O segundo gráfico apresenta dados da relação ensino e/com pesquisa:
G2 – Componentes da Qualidade – Relação Ensino e/com Pesquisa
Esses dados demonstram as evidências da relação teoria e prática nas
experiências com pesquisa e de que maneira esta tece contribuições na formação dos
professores em exercício. Há valorização da prática da pesquisa como componente da
qualidade e como um caminho de articulação com os referenciais estudados.
O terceiro gráfico reflete:
G3 – Componentes da Qualidade – Processo de Ensino e Aprendizagem
Os dados obtidos nesse gráfico refletem que os professores/estudantes clamam
por um curso pedagogicamente organizado, com ações definidas e articuladas, ementas
com propostas significativas, articulação entre as disciplinas e professores que
contribuem para o andamento do trabalho pedagógico mais consistente e eficaz. Assim,
é preciso entender que esse curso é um espaço de formação em lócus, no qual a práxis é
o foco da formação e os estudantes podem constituir-se melhores profissionais através
deste. Não queremos fazer “campanha” para a continuidade do curso, mas deixar a
reflexão para a universidade do quanto ele foi e tem sido importante na vida de vários
professores que perpassam as escolas do município de Feira de Santana e
circunvizinhos.
373
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo o foco desse trabalho, a qualidade da formação do professor, fizemos a
tentativa de unir o conceito de qualidade ao conceito de profissão docente e dos
entrelaces que perpassam a formação desse docente, que nesta pesquisa, já exercem a
profissão, buscando compreender o que compõe essa formação que une a prática e a
teoria de maneira indissociável.
Assim, ao propor aos professores/estudantes o questionário e analisar as
unidades de sentido presentes em suas representações sociais, pode-se observar que os
sujeitos traziam a representação cristalizada do conceito de qualidade no que tange ao
conhecimento do senso comum, ficando claro que suas representações estão
estruturadas fortemente na face simbólica, o que provém de crenças e conceitos préestabelecidos e, expuseram lacunas que verdadeiramente comprometem a qualidade do
ensino, como: falta de compromisso dos docentes, ausência de um quadro completo de
professores, falta de salas disponíveis para o trabalho, ausência de pesquisa, entre
outros.
Deste modo, os dados mostram que os sujeitos dessa pesquisa necessitam
reconstruir o que vem a ser os diferentes conceitos de qualidade, em especial do foco
dessa pesquisa, e os seus impactos no contexto educacional do qual fazem parte.
Outro dado importante que a pesquisa revelou, é que os professores/estudantes
apontam que um ensino com e de qualidade no curso de Pedagogia deve ou deveria
partir do diálogo entre o ensino e/com pesquisa.
No que diz respeito ao curso de Pedagogia – Educação Infantil e Séries Iniciais
do Ensino Fundamental da UEFS, as representações sociais dos estudantes parecem
estar ancoradas em elementos reveladores como componentes de qualidade, quase que
unanimemente, no diálogo entre a teoria e prática, considerando o curso como uma
aprendizagem em prática (S9), uma das premissas desse curso.
REFERÊNCIAS
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374
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SCHÖN, D. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. (Org).
Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992, p. 77 – 91.
375
A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O PROCESSO DE ENSINOAPRENDIZAGEM DE LEITURA
Edileide da Silva Reis do Carmo71 (UFBA/CAPES)
Resumo:
A discussão sobre a formação de leitores tem sido foco de muitos estudos acadêmicos
sob diferentes perspectivas e/ou projetos de intervenção em espaços sociais diversos.
Tais ações se fazem necessárias diante da realidade, inclusive de insucesso do processo
de escolarização. O reflexo da formação escolar, resultante de outros fatores sociais, é
dimensionado nos exames avaliadores da educação, os quais têm em seus resultados
marcas do cenário socioeconômico da população brasileira e da infraestrutura (precária)
de muitas unidades públicas de ensino. A formação de leitores no âmbito da educação
escolar remete-me à necessidade de discutir o processo de ensino-aprendizagem de
estudantes dos cursos universitários, especificamente aqueles cuja habilitação é a
licenciatura em Letras. A esses profissionais são atribuídos a responsabilidade de dar
condições para que os educandos aprendam, desenvolvam e utilizem competentemente
as habilidades linguísticas básicas: falar, escutar, ler e escrever. Por isso, considerar a
sua história nos diferentes ambientes sociais, sobretudo, no que se refere à educação
escolar, é indispensável para compreender questões concernentes à atividade docente, a
qual reflete no processo de ensino-aprendizagem de aprendentes da educação básica.
Diante do exposto, o presente artigo objetiva discutir aspectos relacionados à formação
de professores de Língua Portuguesa, tomando como elementos para essa discussão
dados coletados, via questionário, com a professora participante da pesquisa de
mestrado Herdando uma biblioteca: práticas de ensino-aprendizagem de leitura, em fase
de conclusão. Para a realização desse estudo, cujo foco é o trabalho pedagógico com a
leitura em língua materna, propus a discussão adotando uma perspectiva pentagonal,
que se configura assim: o aluno – a língua – o ensino – a biblioteca escolar – o
professor, e apresento algumas considerações parciais dessa produção acadêmica.
Entende-se que o processo formativo do profissional de línguas repercute na formação
dos educandos, estando, assim, ambos imbricados. E, a relação deste último grupo com
a leitura é proveniente das experiências vividas no ambiente escolar.
Palavras-chave: Formação de professores. Formação de leitores. Leitura – ensinoaprendizagem.
Licenciada em Letras Vernáculas e Mestranda em Língua e Cultura, pela Universidade
Federal da Bahia; integrante do Grupo de Pesquisa Lince – Núcleo de Estudos em Língua,
Cultura e Ensino/UFBA e bolsista da CAPES.
71
376
INTRODUÇÃO
Os Parâmetros Nacionais de Língua Portuguesa (2001), doravante PCNLP,
apontam para a empreendedora discussão sobre a formação de leitores. Esta tem sido
foco de muitos estudos acadêmicos sob diferentes perspectivas e/ou projetos de
intervenção em espaços sociais os mais diversos. Tais ações se fazem necessárias diante
da realidade, inclusive de insucesso do processo de escolarização, sobretudo, aquele
viabilizado pelo sistema público de ensino.
Os documentos oficiais preconizam que ao concluir cada uma das etapas da
educação básica o estudante tenha adquirido e desenvolvido diversas habilidades e
competências relacionadas aos vários componentes curriculares. Essas devem lhe
proporcionar a inserção no mercado de trabalho e o exercício pleno da cidadania.
A formação de leitores não está restrita a idade das pessoas nem ao seu contexto
socioeconômico, ou seja, um indivíduo imerso numa sociedade letrada, mesmo que esta
seja constituída pela má distribuição de renda e outras desigualdades sociais, poderá
desenvolver capacidades leitoras, tornando-se, assim, um leitor competente, assíduo e
crítico. Isso porque, como afirma Santaella (2010), a leitura está “fora e além do livro”.
Essa autora, a partir da concepção de leitura de mundo, cunhada por Freire, discorre
sobre os tipos ou modelos de leitor, os quais são: 1) leitor contemplativo, meditativo; 2)
leitor fragmentado, movente; e 3) leitor virtual.
Trata-se de uma tipologia que não se baseia na diferenciação dos
processos de leitura em função das distinções entre classes de signos
ou espécies de suporte desses signos, mas toma por base os tipos de
habilidades sensoriais, perceptivas e cognitivas que estão envolvidas
nos processos de ler, de modo a configurar modelos de leitor [...].
(SANTAELLA, 2010)
O reflexo da formação escolar, resultante de outros fatores sociais, é
dimensionado nos exames avaliadores da educação. Os principais deles atrelados
diretamente ao ensino fundamental II são a Prova Brasil e o PISA, os quais têm em seus
resultados marcas do cenário socioeconômico da população brasileira e da infraestrutura
(precária) de muitas unidades públicas de ensino. Tal situação impacta o percurso de
alunos e professores.
377
Esse estado é agravado pela configuração das práticas educativas; estas, segundo
Rojo (2009, p. 8) são ineficazes, devido ao “[...] desinteresse, desânimo e resistência
dos alunos das camadas populares diante das propostas de ensino e letramento
oferecidas pelas práticas escolares [...]”. A formação de leitores no âmbito da educação
escolar remete-me à necessidade de discutir o processo de ensino-aprendizagem de
estudantes dos cursos universitários, especificamente aqueles cuja habilitação é a
licenciatura em Letras. A esses profissionais são atribuídos a responsabilidade de dar
condições para que crianças, adolescentes e jovens, já que se deve considerar a
defasagem idade-série, aprendam, desenvolvam e utilizem competentemente as
habilidades linguísticas básicas: falar, escutar, ler e escrever.
Diante do exposto, o presente artigo objetiva discutir aspectos relacionados à
formação de professores de Língua Portuguesa (LP), tomando como elementos para
essa discussão dados coletados, via questionário, com a professora participante da
pesquisa de mestrado Herdando uma biblioteca: práticas de ensino-aprendizagem de
leitura, em fase de conclusão. Para a realização desse estudo, cujo foco é o trabalho
pedagógico com a leitura em língua materna, propus a discussão adotando uma
perspectiva pentagonal, que se configura assim: o aluno – a língua – o ensino – a
biblioteca escolar – o professor. Apresento algumas considerações parciais dessa
produção acadêmica. Entende-se que o processo formativo desse profissional repercute
na formação dos educandos, estando, assim, ambos imbricados. E, a relação deste
último grupo com a leitura é proveniente das experiências vividas no ambiente escolar.
FORMAÇÃO DE PROFESSORES: O PAPEL DOS CURSOS DE LETRAS
Tornar-se um profissional legalmente habilitado em licenciatura, ou seja,
professor, significa que o indivíduo percorreu uma escolaridade de longa duração72. De
modo geral, a discussão sobre o processo formativo de docentes não pode ser limitado
aos anos em que ele fez seu curso universitário. Considerar a sua história nos diversos
espaços sociais, sobretudo, no que se refere à educação escolar, é indispensável para
Esta expressão já é empregada quando a pessoa conclui o ensino médio – etapa final da
educação básica. Rojo (2009) utiliza bastante esse termo e o discute ao abordar aspectos da
exclusão social e insucesso escolar.
72
378
compreender questões concernentes à atividade docente, a qual reflete no processo de
ensino-aprendizagem de aprendentes da educação básica.
Não adianta ignorar a trajetória escolar, assim como a familiar, dos educadores
valorizando apenas o momento em que eles estiveram na universidade, como se esta
fosse apagar seu percurso repleto de “altos e baixos”, enquanto estudantes
secundaristas, na relação com as disciplinas curriculares e os lecionadores destas. Ou,
como muitos ainda esperam, que as Instituições de Ensino Superior (IES) sanem as
dificuldades provenientes do sistema básico de ensino.
Ao ingressarem em cursos de graduação, muitos dos possíveis futuros
professores se deparam com a realidade de que após aproximadamente 18 anos de
estudos não dominam, como exige a sociedade acadêmica, a variante padrão da sua
língua materna, e não desenvolveram adequadamente as quatro habilidades linguísticas
e as competências ligadas a elas. (MENDES, 2006)
Mendes (2006, p. 10-11), ao tratar dessa questão, enfatiza que seus colegas de
profissão, de diferentes áreas, fazem comentários e se queixam da situação,
apresentando justificativas para o problema encontrado. Dentre os motivos, a autora cita
“[...] a má qualidade do ensino fundamental e médio, a falta de hábito da leitura e o
pouco acesso aos bens de consumo culturais, como cinema, teatro, artes e literatura.”
Costa (2008, p. 28), ao se referi à relação entre norma linguística e ensino de
língua, afirma que os professores do ensino fundamental e médio têm ansiado por
mudanças temáticas e metodológicas e para produzi-las inserem “[...] nas suas aulas
novas teorias lingüísticas ou materiais nelas inspirados, sem terem tido a oportunidade
de maior aprofundamento e reflexão [...]”. Essa autora ressalta que é fundamental
diferenciar as teorias científicas daquelas que podem ser aplicadas pedagogicamente.
O posicionamento de Costa (2008) evidencia o quanto a universidade precisa
valorizar a formação docente. Considerar os contextos reais das nossas salas de aula e as
mais recentes orientações para o ensino de LP, as quais visam à preparação do aluno
para o uso da língua em situações diversificadas a ponto de ele saber adequar as
variedades linguísticas (vernacular e escolar) de acordo com o lhe é exigido no
momento, são passos indispensáveis para que isso ocorra. (MENDES, 2008)
Um número significativo de professores da academia, da mesma forma que os de
unidades de ensino básico e a sociedade civil em geral, reforça uma ideia equivocada: a
de responsabilizarem os docentes de LP pelo cenário desolador. Embora esse discurso
ainda seja dominante, há educadores, numa perspectiva humanista e de reflexividade,
379
que reconhecem o papel social da categoria e assumem que o desenho atual da educação
brasileira é resultado da ação comprometida (ou não) de todos, inclusive de indivíduos
atuantes em outros setores.
As instituições de ensino superior têm uma parcela de participação na formação
de professores, por isso lhes cabem “[...] desencadear ações que contribuam para
melhorar o desempenho social e acadêmico dos alunos, assim como as relações sociais
que estabelecem dentro e fora da universidade.” (MENDES, 2006, p. 12) Portanto, é
importante para se pensar na formação do leitor considerar o histórico intra/extraescolar
dos meus colegas de Língua Portuguesa. Conhecer como eles experimentaram as
práticas de leitura na escola e também no contexto familiar, e as razões que os
motivaram a escolher a profissão são aspectos relevantes ao tratar do ensino de leitura
na escola, pois, indubitavelmente, eles influenciam, em alguma medida, no agir
pedagógico em sala de aula.
A qualidade do trabalho escolar a que Silva (2008) faz referência depende,
dentre muitos elementos, da demanda de atividades atribuídas aos professores. Estes,
como bem discute Guedes (2006), possuem uma jornada de trabalho sobrecarregada,
pois lhes cabem planejamento de aulas, elaboração de atividades avaliativas e sua
correção, registro de conteúdos, frequência e do desempenho quantitativo de alunos em
diários. Além disso, eles são responsáveis por ensinar a várias turmas, as quais,
dificilmente, têm menos de 30 aprendentes (já tive uma classe com 50 frequentes). A
situação se agrava quando tais turmas são de diferentes ciclos escolares e/ou quando
para completar a carga horária, os professores assumem mais de uma disciplina.
Participam também desse processo a heterogeneidade sociocultural e de identidade de
cada educando entrelaçada à sua trajetória escolar, a do próprio docente e os demais
papéis e interesses, desenvolvidos e cultivados por esse profissional.
O problema maior tem sido sempre a busca pela coerência e equilíbrio
das nossas ações, no sentido de estabelecer uma ponte, um vínculo
entre o que desejamos idealmente e teoricamente e aquilo que
praticamos, ou pensamos praticar, quando ensinamos e aprendemos.
Na maioria das vezes, temos a consciência clara do que não queremos
fazer, mas não sabemos como fazer diferente. (MENDES, 2008, p. 58)
Sem dúvida, atuar como educador envolve um conflito de interesses marcado
pela constante negociação do indivíduo com seus princípios norteadores, crenças e
perspectivas de mudança. Agir diferentemente das práticas escolares consideradas
380
tradicionais é um desafio, mesmo quando ciente do panorama da educação escolar fazse, conscientemente, a escolha de ser professor.
O PERCURSO FORMATIVO DE UMA PROFESSORA DE LÍNGUA
PORTUGUESA
O ensino-aprendizagem de leitura na escola está, então, diretamente relacionado
à formação docente (nas fases inicial e continuada), ao exercício da profissão, aos
investimentos governamentais e à manutenção de condições humanas e pedagógicas no
ambiente educativo. A escola, como instituição social globalmente reconhecida, tem o
papel social de formar cidadãos, possibilitando-lhes a inserção formal no “[...] universo
da escrita (manuscrita, impressa e virtual) por meio da alfabetização e do letramento
[...]” (SILVA, 2008, p. 9). Segundo esse teórico, o ato de ler se constitui um prérequisito para o desenvolvimento do estudante em outras atividades curriculares, sendo,
por isso possível considerar que a formação como leitor interfere no desempenho
escolar73 do aprendente.
Nesse sentido, é importante conhecer a história intra/extraescolar de professores
e suas experiências com as práticas leitoras, inclusive aquelas propiciadas durante o
curso universitário, pois essa escuta fornece informações que quando discutidas devida
e coerentemente podem contribuir com o processo de ensino-aprendizagem de
educadores e educandos.
A docente participante do estudo supracitado, 34 anos, é licenciada em Letras
Vernáculas e há 12 anos ensina Língua Portuguesa, tendo ingressado no funcionalismo
público em 2000. Atua em duas unidades de ensino da rede estadual, somando cerca de
40h de trabalho docente; declara nunca ter participado de cursos de formação
continuada e está em fase de andamento num curso de pós-graduação lato sensu. Sua
escolha profissional se deu por dois fatores: “o gosto pela leitura” e “o conviver com
outras pessoas”. Quanto ao primeiro, já se considerava uma leitora antes de seu ingresso
na universidade, pois a relação com diferentes textos fazia parte do seu dia-a-dia. Numa
fase atual, ela lê frequentemente com a finalidade de aprender coisas novas e ampliar
Os PCNLP (2001) também defendem que a capacidade dos alunos lidarem com textos é
fundamental para o bom aprendizado dos diferentes conteúdos disciplinares e é ela que
possibilita isso.
73
381
seus conhecimentos e para tal manuseia “biografias, romances, revistas, qualquer texto
que [...] considere interessante [...] por obrigação ou diversão.”
Conheçam um pouco de seu contexto familiar e escolar, além de sua relação
com as práticas leitoras em algumas fases. Minha colega de Língua Portuguesa cursou a
maior parte da educação básica em instituições de ensino público e não foi conservada
em nenhuma série, tendo concluído esse processo de nível básico aos 18 anos. Seu
primeiro contato com a leitura ocorreu ainda na infância por iniciativa própria e de seus
pais; estes lhe contavam histórias. O cultivo do hábito de ler nessa fase se deu porque a
leitura a fazia sonhar e imaginar lugares onde nunca esteve, por isso lia com frequência.
Ideias como essa constitui o imaginário de muitos leitores. Os gêneros textuais,
direcionados para o público infantil, que mais subsidiaram esse exercício foram:
mito/lenda, romance, conto, fábula, letra de música, revista em quadrinhos, crônica,
enciclopédia e receita culinária. Na adolescência, a colega manteve seu gosto pela
leitura e a sua relação com essa prática continuou, a ponto de ler no ônibus, ao voltar
para casa, o que era feito também em casa e na escola durante os intervalos de aula. Ela
justifica que agia assim pelo seguinte motivo: “[...] eu queria conhecer mais do mundo
através dos livros e aprender a falar e escrever corretamente.”
O seu acesso a materiais de leitura comumente se dava através de diferentes
meios: empréstimo em bibliotecas públicas e compra de revistas, romances, gibis e
palavras cruzadas, além de outros, como livros didáticos e paradidáticos, presentes em
sua casa. A leitura desse acervo era compartilhada com amigos e colegas da escola que
tivessem os mesmos gostos e preferências. Essa ação é muito importante para o
desenvolvimento de práticas leitoras e o fomento desse hábito. Sendo assim, é
imprescindível que pais e professores promovam atividades, cuja finalidade seja o
estreitamento das relações pessoais e pedagógicas dos filhos/educandos com os diversos
letramentos.
Além da diversidade de textos utilizados por iniciativa própria pela agente da
pesquisa durante a infância e a adolescência, busquei conhecer quais gêneros textuais a
escola promoveu a leitura em sua trajetória. Para esse registro, foi apresentada uma
questão de múltipla escolha com 30 opções, dentre as quais 10 foram marcadas: jornal,
reportagem, romance, conto, dicionário, letra de música, propaganda, revista em
quadrinhos, crônica e livro didático74.
74
O livro didático, material de apoio às atividades pedagógicas, quando não se constitui o único adotado
em sala de aula, é utilizado, muitas vezes, de forma inadequada.
382
O referido estudo acadêmico discute os fatores que fomentam a formação de
leitores no contexto da educação escolar brasileira, focalizando a utilização da
biblioteca escolar, doravante BE, como espaço de construção da identidade na cultura
letrada. Isso porque muito se diz que os alunos não leem, mas as escolas, sobretudo,
públicas são deficitárias na oferta de materiais de leitura, inclusive, aquelas que
recebem, sob apoio do PNBE, publicações para a composição de acervo de suas
bibliotecas. Nesse sentido, ao questionar se seus professores utilizavam de algum modo
a BE, a resposta foi não e as razões desconhecidas, mesmo que em duas das unidades de
ensino onde estudou havia esse ambiente pedagógico.
Quando perguntado se como profissional a colega usa a BE do colégio onde a
pesquisa foi realizada, ela informou que sim, mas ao justificar fugiu parcialmente de sua
real prática pedagógica, o que ficou evidenciado também na resposta seguinte, ao lhe
ser questionado como ela fazia uso desse espaço.
Há bons livros paradidáticos com diferentes tipos de textos.
Os alunos sempre buscam material para pesquisas ou leitura em sala
de aula.
A biblioteca escolar é, além da sala de aula, um ambiente de ensinoaprendizagem de leitura e enfrenta dificuldades para cumprir suas funções por motivos
semelhantes aos encontrados pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola. No caso da
BE da unidade de ensino pesquisada, pouquíssimos professores a subutilizam, indo ao
espaço, geralmente, para procurar algum livro didático. Todos, no entanto, indicam que
atitudes poderiam modificar as condições constituintes do cenário escolar. A respeito
disso, a docente colaboradora do estudo afirma:
Os prof.os sugeririam títulos de livros a serem emprestados ao aluno;
consultas a trechos de obras para fazerem trabalhos; algum
encarregado observaria e ajudaria o alunado a escolher um bom
texto a ser lido nas aulas vagas, etc.
Essa proposta de uso da BE pode contribuir para que os educandos desenvolvam
práticas leitoras além daquelas que já fazem parte de seu universo, mas o
acompanhamento de seus professores e como esses profissionais trabalham nas
atividades cotidianas na sala de aula são elementos favorecedores para a promoção de
383
um processo de ensino-aprendizagem significativo. Este implicará na formação de
leitores competentes, assíduos, críticos etc.
Outros indivíduos que podem colaborar com as atividades escolares são os
familiares, tendo como objetivo comum o desenvolvimento socioeducacional de seus
atores. Essa inter-relação entre escola e família influencia na formação cidadã dos
filhos/educandos e fazem com que eles se tornem leitores. É o que declara a docente da
pesquisa, ao lhe ser perguntado A sua família e a escola contribuíram para que você
se tornasse uma leitora?
Sim. Sempre tive acesso a livros em minha casa, pois meus irmãos
mais velhos também gostam de ler e as atividades escolares me
ajudaram a manter o hábito de ler.
Apesar dessa opinião, outras quanto ao hábito de leitura dos aprendentes não
corroboram que a escola pode promover mudanças no percurso de relação dos alunos,
inclusive dos seus, com a leitura.
Muitas pesquisas concluem que os estudantes brasileiros leem
pouco. Você concorda com esse resultado? Por quê?
Sim. Vivenciando o dia-a-dia dos alunos nota-se que eles não gostam
de ler por não terem desenvolvido esse hábito em casa.
As aulas de Língua Portuguesa influenciam no hábito de leitura
dos alunos? Justifique sua resposta.
Não. A maior parte do alunado só lê aquilo que lhe conceda
pontuação.
Você acredita que sua história como leitora poderá influenciar
seus alunos a lerem mais? Por quê?
O tempo que eles passam no ambiente familiar é maior do que o
tempo passado na escola.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados coletados e apresentados dão pistas do quanto o processo formativo na
educação básica está imbricado com a formação para a docência e ambos têm
implicações no trabalho pedagógico. A universidade tem um papel socialmente
384
relevante na qualificação de professores, assim como a escola na construção e
desenvolvimento de habilidades e competências a serem exercitadas durante toda a vida.
Não é possível afirmar que a postura adotada pela colega enquanto professora de
Língua Portuguesa é estritamente reflexo de sua formação enquanto estudante do nível
básico e universitário, sendo estes determinantes e, por isso, o trabalho docente
realizado é imutável. Isso porque o processo de reflexividade a que todos, de algum
modo, são capazes de desencadear a partir das múltiplas relações estabelecidas com o
mundo, as pessoas a sua volta e outros elementos, é responsável por colaborar com o
desejo de que mudanças ocorram.
Acredito, como Matos Oliveira (2010), na possibilidade de se promover “uma
reflexão crítica sobre as relações de aprendizagem” a partir de uma formação docente
pautada no conhecimento das suas memórias de estudante. Portanto, não se pode
ignorar as histórias de leitores e de leitura, pois a escuta delas é imprescindível para uma
discussão com vistas à construção de medidas profícuas para um exercício docente em
que toda a comunidade escolar seja beneficiada.
REFERÊNCIAS
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Curriculares Nacionais: língua portuguesa. 3. ed. Brasília: Secretaria da Educação
Fundamental, 2001.
COSTA, Sônia. Norma lingüística e ensino de língua. In: ______. Saberes em
português: ensino e formação docente. Campinas, São Paulo: Pontes Editores, 2008. p.
27-44.
MATOS OLIVEIRA, Maria Oliveira de. Narrativas (auto)biografias em ambientes
virtuais de aprendizagem. Disponível em:
<http://www.unebead.adm.br/moodlecv/course/view.php?id=191> Acesso em: 18 ago.
2010.
MENDES, Edleise. “Lutar com palavras”: o processo de desenvolvimento da leitura e
da escrita de alunos do ensino superior. In: RIVERO, Sérgio; ARAGÃO, Erika. (Org.)
Lutar com palavras: leitura, escrita e gêneros textuais. Salvador: Associação Baiana de
Educação e Cultura, 2006. p. 9-22.
385
______. Língua, cultura e formação de professores: por uma abordagem de ensino
intercultural. In: ______. Saberes em português: ensino e formação docente. Campinas,
São Paulo: Pontes Editores, 2008. p. 57-77.
ROJO, Roxane. Letramentos múltiplos, escola e inclusão social. São Paulo: Parábola
Editorial, 2009.
SANTAELLA, Lúcia. A leitura fora do livro. Disponível em:
http://www4.pucsp.br/pos/cos/epe/mostra/santaell.htm Acesso em: 08 ago. 2010.
SILVA, Ezequiel. Apresentação. In: ______. (Org.). Leitura na escola. São Paulo:
Global: ALB – Associação de Leitura do Brasil, 2008. p. 9-10.
FORMAÇÃO INICIAL E APROXIMAÇÃO COM A DOCÊNCIA:
REFLEXÕES A PARTIR DA EXPERIÊNCIA EM
ESTAGIO SUPERVISIONADO
386
Leomárcia Caffé de Oliveira Uzeda
RESUMO: O presente texto é fruto de inquietações e reflexões experimentadas no
componente curricular - Estágio Supervisionado em Educação Infantil - do curso de
pedagogia de uma universidade pública baiana, traduzidas nos escritos construídos
pelos estudantes, oriundos da participação dos mesmos em situações variadas nas
classes e instituições de educação infantil. A experiência aqui relatada problematiza o
campo do estágio supervisionado como possibilidade de compreender e partilhar as
impressões e apreensões dos estudantes sobre o campo do estágio enquanto ritual de
formação/passagem e aproximação da docência em educação infantil, haja vista ser para
muitos deles o primeiro contato com o lócus escolar. No decorrer dos encontros, as
atividades propostas foram mediadas por discussões/debates no contexto da sala de
aula; observações, exposições dialogadas; estudo de textos, análise de vídeos;
construção de um projeto de intervenção para ser desenvolvido no decorrer do estágio
(compartilhado e aprovado pela professora regente da classe de educação infantil na
qual os estudantes passam a conviver no período de estágio); elaboração de registros
baseados nas experiências vividas no estágio, que articulassem questões teóricas e
práticas/experiências vivenciadas pelos estudantes, visando à construção de um parecer
sobre a experiência. Busca-se dar visibilidade aos dilemas iniciais ao ingressar no rito
de estágio; as ações, desafios e perspectivas sinalizados pelos estudantes, baseados no
percurso de estágio nas instituições que os acolhem. O referido texto assevera o estágio
curricular como espaço de aprendizagem e de conhecimento e apropriação, ainda que
inicial, do cotidiano infantil, das culturas infantis, das conceitualizações e
representações sobre a infância e criança que povoam as instituições escolares, assim
como enfatiza que o estágio é um campo formativo, lócus de investigação e reflexão
sobre a docência. Os resultados obtidos anunciam a premência de discussões sobre o
estágio em educação infantil, objetivando um olhar e escuta sensíveis para as demandas,
subjetividades que tal processo, bem como indicam a importância de fomentarmos
pesquisas acadêmicas nessa área, assim como sugerem repensar e tomar o estágio como
de investigação e pesquisa para as professoras iniciantes.
Palavras-chave: Estágio Supervisionado, Educação Infantil, Formação Inicial.
Introdução
[...] O estágio não nos habilita para nos tornarmos professoras,
porque o tempo é muito escasso e também porque a docência só se
aprende exercendo, ou seja, conhecendo e aprendendo sobre o
cotidiano infantil e suas singularidades [...] sinto que Falta muito a
aprender, muito a experimentar e viver em sala de aula. (Estudante
A.)
O presente texto busca apreender, nas relações entre o dito e o não dito, “nas
entrelinhas”, entre o narrado e o vivido, entre o registrado e o experimentado, o lugar
que ocupa o Estágio Supervisionado, em especial de educação infantil, nos cursos de
387
formação inicial de professores, convidando os leitores e interessados pela temática à
seguinte reflexão:
Formar pedagogos constitui, portanto, um grande desafio. Trata-se da
formação de intelectuais, cuja função é o trabalho sistemático de
interferir intencionalmente sobre o processo de humanização que
acontece, principalmente - na reflexão que fazemos neste texto - na
infância. Tal formação exige o profundo conhecimento sobre as
especificidades do desenvolvimento e da educação neste momento da
vida. Exige, assim, bases teóricas sem as quais a prática pedagógica
torna-se inócua, um fazer desprovido de sentido. Demanda um
trabalho que seja capaz de superar a dicotomia teórico-prática, desde
o início da profissionalização docente. E isso traz implicações diretas
para a forma como o curso de Pedagogia deve ser organizado e atuar.
(BISSOLI, 2009).
Diante do exposto alguns questionamentos emergem como norteadores da
experiência, ainda que não tivéssemos/tenhamos a intenção de respondê-los
linearmente, mas, tomá-los como reflexões constantes: como articular uma relação entre
comunidade externa, universidade e instituições escolares visando uma parceria que
prime pela qualidade de vida da infância que vive nos espaços destinados aos cuidados e
educação de crianças de tão tenra idade, através do estágio curricular? Como respeitar
as diferentes representações que são feitas acerca da criança e infância que habitam o
cotidiano das escolas de educação infantil, tentando dialogar com as mesmas, mas
trazendo a tona a importância de repensarmos as práticas pedagogias e o viés
burocratizante que circula nesses espaços? Como fomentar nos estudantes, o desejo e o
sentido de desenvolverem um trabalho significativo com as crianças, sem tomar uma
visão idílica da docência no campo da educação infantil, considerando o estágio como
esse campo eminentemente formativo, de pesquisa?
Vale ressaltar que tais questões emergem da experiência da autora enquanto
professora de estágio, que vivenciou - e vivencia - as inquietações primeiras dos
estudantes que se descobrem diante de a questão: serei professor (a), e agora? Além
disso, vivem o medo de adentrar as salas de crianças tão pequenas; o receio de não saber
como lidar com as mesmas e não saber planejar/executar situações didáticas
significativas; apresentam as mais variadas conceitualizações e representações sobre
infância e criança - “não sabem fazer nada direito; não obedecem; não seguem uma
rotina; não entendem o que falamos; não obedecem regras; basta que gostemos delas e
saibamos cuidar, etc.” - que constroem ao longo de sua (auto) formação e que vão
388
interferir na sua ação e intervenção pedagógica no decorrer da experiência em estágio,
caso esse componente curricular não seja o fórum para reflexão desses conceitos.
A partir do exposto, pretende-se com o relato dessa experiência publicizar os
desafios que os estudantes vivem ao ingressarem em estágio supervisionado,
principalmente por esse ser um ritual de passagem, ou “de ingresso” no exercício inicial
da docência (PIMENTA, 1995, 2004 e 2002), que muitas vezes, quando não é
vivenciado de maneira crítica, reflexiva, fomentadora de uma discussão que englobe a
relação teoria e prática, sem dicotomizá-la, pode se tornar um momento de rejeição, de
hesitação a iniciação da docência, pois a depender da experiência, do acolhimento e
acompanhamento desse ritual, pode-se perder o desejo de “ao menos tentar” exercer a
docência.
O referido texto assevera o estágio curricular, especialmente em educação
infantil, como espaço de aprendizagem e de conhecimento e apropriação, ainda que
inicial, do cotidiano infantil, das culturas infantis, das conceitualizações e
representações obre a infância e criança que povoam as instituições escolares, assim
como enfatiza que o estágio é um campo formativo, lócus de investigação e reflexão
sobre a docência.
Intenções, percurso e reflexões: relato da experiência:
[...] o estágio nos permite conhecer, aprender e refletir sobre os
espaços, as crianças, suas subjetividades e por isso acredito que
essa é uma atividade importante para os estudantes do curso de
pedagogia. E, é vivendo esse espaço e compartilhando dessas
experiências que crescemos como pessoas e como profissionais.
(Estudante B)
Podemos verificar que todos nós em algum momento da nossa história de vida,
nos aproximamos e/ou nos relacionamos com crianças. Tais relações surgem por
inúmeros fatores e orientam-se, na maioria das vezes em concepções, sentidos que são
atribuídos a infância construídos ao longo dessa história. A idéia/sentido que ronda o
imaginário social sobre a infância e que até hoje é propagada é a de um ser
desprotegido, necessitado de atenções e de cuidados especiais, ou um tempo de
aprendizagem para ser adulto; pois nela - na infância - reside uma “esperança de futuro
para um país”.
389
Contribuições acerca das especificidades da infância estão presentes em vários
aportes teóricos (SARMENTO, 2008, 2003 e 2001; KRAMER, 2006, 2005 e 2003;
ARIÈS, 1981; REDIN E REDIN, 2007; KUHLMANN JR. 2000 e 2006), que refletem
sobre o desenvolvimento histórico do conceito e sentimento de infância e, desta forma,
chamam atenção para suas “singularidades e especificidades”.
Outro aspecto relevante no tocante a infância diz respeito às condições de vida
(qualidade) das crianças que fazem parte de diferentes realidades sociais, culturais e
econômicas. Segundo Müller e Redin (2007), “o que se discute atualmente é se a
infância, como categoria social, pode ou não ser considerada como um grupo específico,
com características comuns, embora vivendo em espaços diferenciados, com culturas
diversificadas”. (p.13)
Dessa forma, é imprescindível que reflitamos sobre a importância da infância e
das crianças como protagonistas de uma dada sociedade, como também sobre um
repensar o sentido que é atribuído as crianças e a sua educação, bem como as práticas
pedagógicas, as dimensões que envolvem cotidiano e as instituições que lidam com essa
infância.
Ao realçar a singularidade e a especificidade da educação infantil, o presente
texto traz a acepção de que é imprescindível que pensemos acerca dessa etapa na vida
do ser humano, sem deixar de considerar o contexto social, político, econômico na sua
amplitude, assim como acerca da formação dos profissionais - inicial ou continuada que de alguma maneira vivenciaram ou vivenciam o cotidiano com tais crianças. De
acordo com Müller e Redin (2007),
Ao mesmo tempo em que a infância se apresenta como única, como
um período de vida que não volta mais, a não ser nas memórias dos
poetas, também se mostra múltipla, marcada pelas diferenças de
direitos e deveres, de acesso a privilégios, de faltas, de restrições.
Então, não pode ser vista como uma infância do passado e nem
mesmo uma infância do futuro. Só pode ser vista a partir de outro
lugar, de outro olhar. (p14).
Em presença do contexto citado pergunta-se: a que será que se destina a
educação infantil na contemporaneidade? Esse questionamento permeou o percurso do
estágio curricular aqui em questão, pois antes mesmo de discutirmos que “prática
adotar”, que “planejamento elaborar e executar”, “que estratégias adotar para lidar com
as crianças”, precisávamos entender e discutir que infância e que crianças são essas que
390
povoam as instituições escolares que seriam visitadas e habitadas no percurso de
estágio.
Inicialmente certo estranhamento tomou conta dos estudantes, uma vez que
estavam ansiosos para adentrar no campo de estágio, no espaço escolar. Essa ansiedade
foi “abrandada” quando compreenderam que a variedade de concepções, de
entendimento sobre a infância também repercute diretamente no lidar com a mesma.
Entender, por exemplo, a que se destina, como tem sido pensada e praticada a educação
e o cuidado das crianças, que concepções sobre infância e criança circulam entre as
profissionais e instituições escolares é indispensável, pois é o olhar do adulto, com
vistas a preparação e ingresso dessa infância cada vez mais rápido no contexto de
escolarização que povoa nossas escolas e direciona as ações no contexto escolar.
A intenção nesse processo inicial foi possibilitar aos estagiários a reflexão sobre
a importância de termos um olhar apurado, atento, crítico, pedagógico para
compreendermos o que vimos, vemos e veremos nos espaços de estágio, e não
considerarmos comum, não banalizarmos o cotidiano que muitas vezes já está
impregnado de “uma mesmice e descaso para com as crianças” (depoimentos dos
estudantes no percurso da disciplina). Antes de qualquer coisa, um olhar atento e
respeitoso para os profissionais que labutam e vivenciam o dia-a-dia com as crianças
também foi requisitado, pelo fato de estarem em condições variadas, propicias ou não,
para o atendimento e o desenvolvimento de suas ações pedagógicas, e por muitas vezes,
a depender do contrato didático e ético que se estabeleça entre estudantes-estagiários,
docente que ministra o componente curricular as mesmas se sentem “vigiadas, avaliadas
e julgadas” no processo de estágio.
Durante a operacionalização do estágio, por exemplo, pensamos nos limites,
dilemas e desafios que serão vivenciados pelos estudantes de maneira conjunta. Nossa
sala de aula tornou-se fórum de discussões, de partilha, de elaborações conjuntas no que
tange a resolução e proposição de situações que colaborem com os estudantes a viver
esse ritual de passagem de maneira “mais suave”, fortalecida pela cumplicidade do
grupo, sem uma visão idílica desse processo. O que não quer dizer que se preconizou a
harmonia de conceitos, representações e opções profissionais, nem se tentou colonizar
pensamentos e ações dos referidos estudantes no tocante a inserção no campo da
docência em educação infantil, por exemplo. Até por que muitos estudantes saíram com
uma visão inicial “de que não era essa opção que queriam para sua vida profissional: ser
391
professora de educação infantil”. (Depoimentos dos estudantes no decorrer dos
encontros)
Desta forma, o componente curricular estágio em educação infantil foi
desenvolvido com base nos propósitos citados anteriormente, a partir das reflexões e
proposições tanto do docente do componente curricular, quanto dos estudantes (no texto
apresentados como estudante A, B, C etc.), a fim de que pudéssemos coletivamente
analisar implicações sobre o significado/importância do estágio na formação inicial dos
estudantes e os desdobramentos deste no espaço escolar, na comunidade, no convívio
com as crianças.
No decorrer dos encontros, as atividades propostas foram mediadas por
discussões/debates no contexto da sala de aula; observações, exposições dialogadas;
estudo de textos, análise de vídeos; construção de um projeto de intervenção para ser
desenvolvido no decorrer do estágio (compartilhado e aprovado pela professora regente
da classe de educação infantil na qual os estudantes passam a conviver no período de
estágio); elaboração de registros baseados nas experiências vividas no estágio, que
articulassem questões teóricas e práticas/experiências vivenciadas pelos estudantes,
visando à construção de um parecer sobre a experiência.
Além disso, buscou-se também proporcionar aos estudantes o contato com a
realidade escolar, procurando envolvê-los nas dimensões do cotidiano escolar,
destacando as relações interpessoais nas instituições; conhecimento do espaço físico
escolar, acolhimento, rotina de Educação Infantil etc.; assim como oferecer a estes a
oportunidade para vivenciar a docência na área da educação infantil, tornando o campo
de estágio como lócus de observação e pesquisa do cotidiano infantil, da prática e
formação inicial docente.
Tais intenções levaram-nos a pensar sobre os cursos de formação considerando
as dimensões objetivas e subjetivas do trabalho docente; bem como no campo teórico e
prático que o estágio supervisionado ocupa, levaram-nos também a refletir a profissão professor de educação infantil - no contexto da sociedade contemporânea, o que implica
em alguns desdobramentos vitais na construção de conhecimentos e saberes sobre
docência por parte dos estudantes, sobre o papel social da escola, da universidade
perante a comunidade, e das políticas públicas direcionada à educação infantil, entre
outros aspectos importantes.
Vale enfatizar que os estudantes quando adentram o campo de estágio, muitas
vezes já vão com idéias pré-concebidas, representações do que vão encontrar nas
392
instituições, mesmo discutindo-as anteriormente: “escolas em condições precárias no
que tange ao espaço físico e atendimento das crianças; professores desestimulados e
cansados da profissão”, ou o inverso paradoxalmente, ou seja, “profissionais e
instituições que mesmo diante de uma precariedade e condições impraticáveis de
desenvolvimento da ação docente, são extremamente comprometidos e lutam pela
qualidade esse atendimento” (depoimentos dos estudantes no decorrer dos encontros). É
comum ouvirmos nos bastidores do estágio supervisionado: será que darei conta de agir
na educação infantil? Será que conseguirei ‘levar uma aula’ com as crianças? Será que
conseguirei ser professor em tão pouco tempo? Será que nos estágio damos conta de nos
tornarmos professores?
É bem provável que os docentes que vivenciam a experiência com o componente
curricular estágio, independente da modalidade de ensino, entrem em uma seara que é
impraticável não adentrar, ou, ao menos se questionem no decorrer do processo: É
possível “ensinar” ser professor, haja vista ser uma atividade complexa e laboriosa? Que
espaço ocupam as disciplinas que lidam “com a prática” na formação para a docência?
Que exemplo de estágio podem ser compartilhados e apreendidos pelos estudantes, em
especial no nível de educação infantil? Até mesmo por ser um campo relativamente
recente e termos parcas produções acerca da temática, ou seja, docência na educação
infantil. (CERISARA, 2002 e 1996; KRAMER, 2003; ARCE, 2007)
Em verdade, tais questionamentos emergem, também, pelo fato do estágio
curricular agregar um combinado de sentimentos que circulam “a cerimônia” de
ingresso/passagem pela docência e cotidiano escolar, muitas vezes desconhecidos pelos
estudantes, ou representados de maneira equivocada - estágio é momento de aplicar
teoria - ao longo da sua permanência e vivência na licenciatura. É importante destacar
que ao compartilhar com os estudantes o ofício de ser professor, experimentado de
maneira pontual e inicial (o tempo de estágio geralmente é breve nas instituições),
estamos também convivendo com as suas idiossincrasias, com suas histórias de vida
experiências individuais e coletivas. (SOUZA, 2006).
Comumente, é perceptível que os dilemas, desafios, sentimentos, problemas que
abarcam a organização e execução dos estágios (rotatividade de professores para
ministrar a disciplina; concepções equivocadas sobre estágio e sua operacionalização;
falta de um projeto curricular específico pensado e elaborado em parceria universidade
X comunidade; condições precárias de acompanhamento do estágio; várias concepções
e representações de criança e infância que não dialogam entre si, etc.), por vezes não são
393
considerados com o devido respeito e seriedade pela comunidade acadêmica, o que
repercute nas instituições que recebem os estagiários, haja vista muitas delas não
“abrirem harmoniosamente” seus espaços para que os estágios aconteçam.
Nesse sentido, existe uma necessidade de se construir projetos de estágio que
articulem o “universo acadêmico” e a comunidade externa, aqui entendida como as
instituições escolares e profissionais de educação infantil, objetivando reflexões,
ponderações e uma operacionalização para o desenvolvimento do estágio, de maneira a
contemplar e primar pela colaboração entre os pares envolvidos nesse processo, visando
também promover a formação contínua dos professores da escola, dos estagiários e dos
professores que orientam a disciplina estágio supervisionado. (PIMENTA, 2004 E
1995)
O estágio pode, ou melhor, deveria ser pensado também, para além da percepção
do cotidiano pelos estagiários e da constituição da sua identidade docente, como uma
via de contribuição retorno a comunidade escolar e extra-escolar, pelo meio de
diagnósticos e ações elaboradas através das experiências vividas pelos estudantes, das
necessidades formativas, demandas, desafios e desejos daqueles que abrem seu
cotidiano, seu espaço/tempo profissional e pessoal.
Algumas considerações, ou: o que nos contam os estudantes sobre suas
experiências...
O estágio em educação infantil foi o momento em que pude vivenciar
na prática a realidade que até então era conhecida apenas através das
teorias e estudos de caso abordados e discutidos na sala de aula. Foi
uma proposta que soou como um desafio receoso, porque ao
contrário do que se imagina, atuar na sala de aula nessa modalidade
de ensino requer uma formação especifica e adequada para contribuir
com o crescimento integral das crianças, na qual eu não me sentia
preparada. (Estudante G)
O estágio como campo de reflexão da ação docente (PIMENTA E LIMA, 2004),
como espaço de apreensão dos sentidos que são atribuídos ao cotidiano escolar, as
representações e conceitualizações sobre infância e criança possibilita aos estudantes
que ainda não exercem a docência aprender, sentir e viver com aqueles que já possuem
experiência na atividade docente. Compreender que tais reflexões, que uma relação
394
entre professores da universidade e escola, estudantes-estagiários quando vislumbram e
criam proposições positivas, baseadas na discussão dessas experiências, de seus limites
e possibilidades, configura um passo importante no campo da formação inicial.
Procurar estabelecer uma relação de parceria entre comunidade externa e
universidade primando pela qualidade do trabalho a ser desenvolvido com a infância
que habita as instituições de educação infantil, através do estágio curricular, deve ser
premissa básica ao lidar com o estágio supervisionado. Nesse contexto é indispensável
que saibamos compreender as subjetividades que envolvem a infância, as ações das
crianças, seus sentimentos, bem como dos professores/professoras que lidam com as
mesmas.
Outro aspecto importante diz respeito a necessidade de considerar as diferentes
representações que são feitas acerca da criança e infância por parte dos profissionais,
gestores, funcionários que trabalham nas instituições de educação infantil, no sentido de
tentar dialogar com as mesmas, entendê-las e observá-las como elementos que
implicarão na ação que os mesmos elaboram e executam com as crianças, uma vez que
a forma como os adultos vem as crianças terão desdobramentos na maneira de agir com
estas.
Provocar nos estudantes-estagiários, o desejo e o sentido de desenvolverem um
trabalho significativo com as crianças, sem tomar uma visão idílica da docência no
campo da educação infantil, considerando o estágio como esse campo eminentemente
formativo é uma tarefa complexa para os docentes que ministram o componente
curricular, uma vez que não passa pela questão de cooptar novos profissionais para uma
determinada área de atuação, nível de ensino, mas fazer do estágio esse lugar de
discussão constante sobre a iniciação a docência, que potencialize a construção de
novos conhecimentos e saberes docentes (TARDIFF, 1991) nas esferas individuais e
coletivas. Alguns dos registros sinalizam para essa complexidade:
Como proposta da disciplina Estágio Supervisionado em Educação
Infantil pôde-se vivenciar a experiência, em curto período, porém
intenso, de uma turma de educação infantil. [...] Posso afirmar que
esta experiência foi marcante, nunca vou perdê-la da lembrança, pois
foi a primeira vez que fiquei tanto tempo e com tanta freqüência em
uma sala de aula. Sei que daquelas crianças não irei esquecer,
algumas vou lembrar mais. (Registro - Estudante C)
Entendo o estágio como uma aproximação da prática, no intuito de
conhecê-la e refletir sobre ela, principalmente para quem não teve
esse contato durante o curso [...], porém, o contato direto com a
395
educação infantil, abriu para mim um leque de questionamentos e
reflexões sobre a prática pedagogia, me causando um certo receio por
conta das dificuldades e, principalmente da grande responsabilidade
que precisa ter o professor para lidar e trabalhar com esta infância.
(Registro - Estudante D)
O estágio foi um momento de experiência que me levou a realidade,
como sempre foi discutido em textos, no que se refere ao cotidiano
das nossas salas de aula. [...] além de tudo, o estágio teve uma
contribuição importante, sendo importante para observar a dinâmica
interna de uma instituição educacional. (Registro - E)
O estágio em educação infantil foi uma experiência riquíssima para
minha vida acadêmica. Poder vivenciar, mesmo que por poucos dias,
a rotina de uma classe de educação Infantil, me fez pensar em toda a
teoria estudada no curso de pedagogia. (Registro - Estudante F)
[...] Essa experiência veio reforçar que para lidar com educação
infantil não basta ser mulher, gostar de crianças e ter habilidades para
lidar com as mesmas. Necessita-se, sobretudo, de uma concepção
filosófica que faça compreender o desenvolvimento cognitivo, e
sócio-afetivo das crianças; compreender suas etapas de
desenvolvimento e maneira como a construção do conhecimento
ocorre em cada fase que acriança percorre. (Registro - Estudante G)
Não banalizar a ação docente, pelo fato de terem que “cumprir com um
componente curricular” e não naturalizar o que viram nas instituições para não nos
apropriarmos de determinadas práticas que não concordamos - burocratização da
infância, escolarização das crianças antecipadamente, descaso do poder público para
com as instituições que lidam com educação infantil, falta de respeito as peculiaridades
das crianças e as sua singularidades, etc. - eram considerações que permeavam as
discussões no decorrer dos encontros destinados a discutir estágio supervisionado em
educação infantil. Nesse sentido, pensar o estágio supervisionado de maneira crítica é
pensar na formação dos nossos futuros pedagogos (as), professores (as).
A questão central que se destaca no presente texto é tornar o campo de estágio,
não como um campo de batalha entre teoria e prática, nem dicotomizar essa relação,
mas autorizar aos estudantes um confronto e reflexão sobre o que eles poderão viver,
ver, sentir e consequentemente transformar quando enveredarem pela docência (se essa
for opção!),
tirando dessa experiência elementos imprescindíveis para sua (auto)
formação.
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398
FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A LITERATURA INFANTIL:
REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO NA PRÁTICA DOCENTE
Jerferson de Jesus Bonfim
Vania Ribeiro dos Santos
Resumo: Esta pesquisa se refere á um recorte dado à monografia, apresentado ao curso de
Licenciatura em Pedagogia, e teve como objetivo geral analisar qual o lugar que ocupa a
literatura infantil na sala de aula do 3°ano do ensino fundamental de uma escola pública
de Feira de Santana, abrangendo ainda, os seguintes objetivos específicos: Averiguar
qual a concepção do professor sobre a importância do trabalho com a literatura infantil
no ensino fundamental; bem como, identificar como o professor utiliza a literatura
infantil em sala de aula. Para esse recorte, elegemos, especificamente, uma categoria de
análise, que se trata de refletir sobre o trabalho docente, tentando perceber que postura
esses professores adotam em suas salas de aula no momento prático da utilização da
literatura infantil, o que minimamente, requer uma formação especifica ou mais
articulada no que concerne à utilização das narrativas para criança, nessa perspectiva, se
pretendeu com esse estudo, analisar qual a formação do professor em relação à literatura
infantil. Para desenvolvimento do trabalho, a metodologia foi direcionada a partir dos
princípios da pesquisa de natureza qualitativa, a apreensão dos dados foi realizada
mediante o uso da técnica da observação, os dados foram colhidos também, através de
entrevista semi-estruturada. A metodologia de trabalho para a coleta dos dados foi
pautada em três momentos: observações e entrevistas com professores, registro e
análises críticas da realidade vivenciada. Com os resultados da pesquisa, foi possível
detectar que as professoras não possuem uma formação específica para o uso da
literatura infantil em sala de aula, apesar de considera - lá como um instrumento
relevante, com isso, a análise dos dados, permitiu concluir que há uma necessidade de
melhoria na prática dos professores, enquanto mediadores da leitura junto às crianças,
no intuito de garantir a qualidade da mesma e evitar que a literatura infantil seja
utilizada de maneira desarticulada da sua real função e importância.
Palavras Chave: Formação de professor, prática pedagógica, literatura infantil
INTRODUÇÃO
No âmbito da atual escola, não se sabe se a literatura infantil está sendo utilizada
com caráter meramente didático, e não é vista como arte. Isso, muitas vezes, pode
ocasionar uma utilização inadequada e insuficiente transformando o uso da literatura
infantil de maneira meramente mecânica, e desassociada da possibilidade de despertar o
gosto pela leitura.
Por outro lado, tem-se notado discussões e preocupações mais freqüentes acerca
da narrativa para crianças nos livros, sites, etc., bem como, da sua representação
enquanto formadora de mentalidades, a partir da consciência-de-mundo, de modo que,
399
se tem a literatura infantil, como um leque extenso de possibilidades no universo
infantil, atuando principalmente na formação do pequeno leitor com estímulos para o
desenvolvimento de um leitor crítico e reflexivo em relação às questões sócio-culturais
que o cerca.
Nesse sentido, pretendemos refletir sobre a formação do professor em relação à
literatura infantil. Sabemos que a literatura infantil, sem sombra de dúvida, ocupa um
lugar na prática docente, mas como ela tem sido desenvolvida?
LITERATURA INFANTIL: CONCEITO E SIGNIFICAÇÃO
Apesar de, hoje a literatura para crianças está sendo bastante discuta, há ainda,
uma dicotomia ao que de fato ela representa. Para uns ela se refere inteiramente a arte,
para outros, tem um caráter didático. Nesse sentido, Zilberman, (2003, p.46), nós
apresenta que essa dicotomia se modifica de acordo com o a direção que lhe é atribuída.
[...] explicita-se a duplicidade própria da natureza da literatura infantil: de um
lado, percebida da óptica do adulto, desvela-se sua participação no processo
de dominação do jovem, assumindo um caráter pedagógico, por transmitir
normas e envolver-se com sua formação moral; de outro, quando se
compromete com o interesse da criança, transforma-se num meio de acesso
ao real, na medida em que facilita a ordenação de experiências existenciais,
pelo conhecimento de histórias, e a expansão de seu domínio lingüístico.
Notadamente, a direção que é dada a literatura infantil em sala de aula depende
expressivamente do professor, de modo que, ele é o responsável por promover e
possibilitar para a criança no início da vida escolar, um contexto de aprendizagens que
desperte o desejo de aprender e continuar aprendendo. “Assim os adultos têm um papel
decisivo na iniciação que poderá transforma-se em prazer ou desprazer quase que
definitivos”. (YUNES & PONDÉ, 1989, p.56).
Por isso, Zilberman (1994), ressalta que a literatura infantil tem uma função
formadora, voltada para o “conhecimento do mundo e do ser”, ou seja, a literatura
infantil possibilita ao sujeito, o ponto de partida para refletir os interesses do leitor,
percebendo a leitura nesse contexto, como um elemento, desencadeador dessa postura
reflexiva diante da realidade.
[...] é a linguagem narrativa que acaba por organizar a percepção infantil do
mundo, às vezes negado à criança pela escola ou pela família. Por isso, o
texto precisa ser coerente e verossímil, sem o que não coincidirá com as
400
expectativas do leitor. Cabendo-lhe, pois, ser literatura, e não mais
pedagogia. (ZILBERMAN, 2003, p. 57).
Dessa maneira, é possível perceber que a literatura infantil tem um papel
relevante, no que se refere à formação do leitor crítico, tornando-se, algo indispensável
na formação do leitor. Zilberman (2003), destaca ainda, a necessidade dos professores
da escola fundamental trabalhar diariamente com a literatura, por considerar que a
narrativa para crianças, representa um elemento imprescindível, para aguçar a
criatividade infantil e despertar a arte da criança.
Desse modo, é necessário que antes de qualquer coisa, aceitemos a literatura
infantil, como um elemento que contribui plenamente no processo de aprendizagem dos
sujeitos, pois;
Se não aceitamos presunçosamente a literatura infantil como, antes de tudo,
um artifício seguro, saudável e anti-séptico para a preservação da puerilidade,
é porque seus apelos mais fundamentais são os apelos de toda a efetiva
literatura – ela explora nosso anseio de novidade, assim como nossa
insistência da realidade humana. (ROSENHEIM, 1968, apud ZILBERMAN
& MAGALHÃES, 1987, p.3).
A não utilização da literatura em sala de aula como um suporte seguro de
aprendizagem acontece muitas vezes pelo desconhecimento do docente quanto à
variedade literária que existe, cujas crianças poderiam se envolver, bem como, por não
saber como utiliza - lá. Logo, os docentes começam a utilizar a leitura e a literatura de
uma maneira mecânica, e punitiva.
Ao longo do tempo, nota-se que, houve progressos em relação à construção do
livro literário voltado para criança, principalmente porque já não se imprime mais a
visão da criança como um ser sem importância e sem necessidades específicas, mas
como um ser em desenvolvimento, que constrói saberes através das experiências
vividas, com necessidades específicas e com direitos de ser criança.
Por isso, o uso da leitura por meio da narrativa para crianças, necessita
veementemente, ser repensada no contexto da sala de aula, principalmente do ensino
fundamental, pensando em melhorar e aprimorar o gosto da criança pela leitura.
PENSANDO NA FORMAÇAO DO PEQUENO LEITOR
A Literatura Infantil surgiu segundo muitos autores com o intuito de transmitir
valores, comportamentos e ações que melhor adequassem à criança na sociedade, logo
401
todas as histórias tinham uma moral, um sentido, uma finalidade de apresentar modelos
de comportamentos para integrar a criança no contexto social burguês.
Atualmente autores como: Abramovich (1997), Zilberman (2003), Coelho (1991),
entre vários outros, defendem a literatura para crianças, como um elemento relevante
para estimular a leitura na criança, desde muito cedo, pois ela é arte e passou a
representar a direção para um mundo infinito de descobertas, que envolva a fantasia,
sentimentos, emoções e compreensão do mundo.
Nessa perspectiva se percebe a importância da leitura como auxílio na/para a
formação de leitores, conscientes e capazes de dar sentido e criar o seu próprio
significado para as coisas, através da autonomia de criação e recriação do pensamento, e
principalmente através da interação e compreensão de textos.
Brockmeier e Harré (2003) destacam que a literatura sempre foi percebida como
um meio, pelo qual as possíveis realidades humanas podem ser imaginadas e
examinadas, ou seja, o mundo fictício conhecido através das histórias nos permite
estabelecer parâmetros com a realidade da vida.
Ou seja, pode-se articular então, que, a literatura infantil enquanto arte pode
proporcionar aos sujeitos, o estabelecimento de relações da realidade em que vive com
questões da ficção, além disso, evidencia que a literatura infantil hoje tem uma
representação expressiva na vida das pessoas, ou melhor, dos pequenos leitores, tendo
em vista, o seu papel como formadora de leitores e mentalidades, que instiga o anseio
pela leitura e promove o amadurecimento das idéias, conseqüentemente, um melhor
entendimento do contexto social no qual os sujeitos estão inseridos.
PAPEL DO PROFESSOR
Muitas pesquisas sobre literatura infantil apontam a ausência de profissionais
competentes para orientar o público infantil a obter um contato agradável e favorável
com os livros, por isso, existe a necessidade do professor se preparar para trazer o
quanto antes a literatura infantil para a sala de aula, a partir de um ambiente estimulante,
com várias situações de contação de histórias ou de leitura, aonde a criança tenha a
possibilidade de participar e demonstrar com liberdade seus questionamentos e
colocações acerca dos textos literários.
Nessa direção, o professor tem um papel muito importante, principalmente no
momento de promover e incentivar a leitura. Nessa medida, através da literatura o
402
professor pode proporcionar ao seu aluno uma aproximação mais eficaz da linguagem,
permitir que a criança mergulhe e atente para o mundo extraordinário da literatura
infantil, participe mais da aula dialogicamente faça perguntas, comentários, interprete
fatos, demonstre identificação com a história, entre outras coisas.
Logo o docente deve possibilitar um contato da criança com a leitura de maneira
constante para que ela desperte o gosto por essa ação, que, como sugere Zilberman,
(1994, p. 23), “[...], seu emprego em aula ou em qualquer outro cenário desencadeia o
alargamento dos horizontes cognitivos do leitor, o que justifica e demanda seu consumo
escolar”.
Para isso, é necessário que o docente conheça bem o seu ambiente de trabalho,
de modo a favorecer uma escolha apropriada da história a ser contada, um objetivo ao
contar a história e, sobretudo, é necessário que ele conheça bem a narrativa com a qual
pretende trabalhar, para contá-la com segurança e ao final que saiba como proceder para
não se tratar de algo meramente mecânico, para a criança, mas, que favoreça o
estabelecimento de significações. Permitir interação da criança com a obra literária
possibilita uma formação de maneira lúdica e peculiar.
A literatura infantil hoje se mostra relevante no contexto educacional para
crianças, pois é na infância que se desperta o gosto pela leitura, por isso, a relação da
narrativa para crianças, deve ser, algo totalmente associado somente ao prazer e
desprovido de caráter didático.
Para Abramovich, (1997), o caráter didático é algo que distância a criança da
leitura. Nessa acepção, é sabido que o gosto pela leitura muitas vezes é prejudicado no
ambiente da sala de aula, quando a leitura é associada a questões inteiramente
pedagógicas, nesse sentido, ouvir narrativas na concepção dessa autora é,
[...] ficar sabendo história, geografia, filosofia, política, sociologia, sem
precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula
[...] Porque se tiver deixa de ser literatura, deixa de ser prazer e passa a ser
didática, que é outro departamento [...] (ABRAMOVICH, 1997, p. 17).
Para isso, evidentemente, se faz necessário leituras adequadas que possibilitem a
libertação do sujeito do processo sistêmico e massificado o qual é contido pela
informação restrita e dirigida, logo, esconde as contradições os problemas e não
proporciona a dimensão crítica.
403
Diante disso, acredita-se que a literatura infantil atualmente representa a arte, e que
essa modalidade contribui significativamente para a emancipação do sujeito, quando lhe
é dado à possibilidade de refletir e pensar criticamente sobre o mundo.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A metodologia desse trabalho foi direcionada a partir dos princípios da pesquisa
de natureza qualitativa, que segundo Lüdke e André (1986), presume um contato
intenso do pesquisador para com o objeto da pesquisa, possibilitando um envolvimento
significativo no processo de desenvolvimento dos objetivos buscados.
Nessa perspectiva, Minayo (1994, 2000), afirma que a pesquisa qualitativa
responde a questões peculiares, focalizando num nível de realidade que não se pode
mensurar, bem como, trabalha com um mundo de diversos significados, aspirações,
valores, atitudes, crenças, entre outros.
No que se refere ao trabalho de campo, esse, sugere a inserção do pesquisador
no ambiente de convívio dos sujeitos. Dando destaque no papel do pesquisador no
campo, Lüdke e André (1986, p. 05), enfatiza que “o papel do pesquisador é justamente
o de servir como veículo inteligente e ativo entre esse conhecimento acumulado na área
e as novas evidências que são estabelecidas a partir da pesquisa”.
A abordagem qualitativa, nessa medida, possibilita a compreensão da realidade
pesquisada de uma maneira mais objetiva e contextualizada, por meio do trabalho de
campo. A apreensão dos dados foi realizada mediante o uso da técnica da observação,
que de acordo Lüdke e André, (1986) deve ser esquematizada cuidadosamente e o
pesquisador deve estar apto a conduzi - lá, pois de acordo com Patton (1980), apud
Lüdke e André, (1986, p. 26),
para realizar as observações é preciso preparo material, físico, intelectual e
psicológico. O observador, [...], precisa aprender a fazer registros descritivos,
saber separar os detalhes relevantes dos triviais, aprender a fazer anotações
organizadas e utilizar métodos rigorosos para validar suas observações.
Além das observações, os dados foram colhidos também, através de entrevista
semi-estruturada, que para Lüdke e André (1986), se constitui a técnica de entrevista
que mais se adéqua aos estudos na pesquisa em educação, por se tratar de um
instrumento mais maleável e livre, desse modo, o contato com os participantes, se torna
mais conveniente por ser mais flexível.
404
A metodologia de trabalho para a coleta dos dados foi pautada em três
momentos: observações e entrevistas com professores, registro e análises críticas da
realidade vivenciada.
O primeiro momento aconteceu através de visita à escola para estabelecimento
vínculo com a professora e alunos, apresentação da proposta; o segundo com o objetivo
de realizar as observações do trabalho das docentes em sala de aula, a fim de identificar
os dados necessários à pesquisa e o terceiro e último momento visava à realização de
uma entrevista semi-estrutura com as professoras, com o objetivo de sistematizar as
informações dos resultados da pesquisa.
A Pesquisa foi realizada numa Escola Estadual, situada no bairro da
Queimadinha, zona urbana de Feira de Santana. A Pesquisa foi realizada com duas
turmas do 3° ano do ensino fundamental e os sujeitos que participaram foram duas
professoras e seus respectivos alunos.
A FORMAÇAO DO PROFESSOR EM RELAÇAO A LITERATURA INFANTIL
A partir das observações e das entrevistas, foi possível identificar qual a
formação das professoras em relação à literatura infantil, analisando as suas ações. Para
tanto, iniciei um dos blocos da entrevista, perguntando às professoras se elas já leram
algum livro que trate da importância da literatura infantil, que aponte como se conta,
bem como, que sugere quais histórias contar, indicando o assunto apropriado para cada
idade e como se dá o processo de desenvolvimento da criança, etc. Elas por sua vez,
responderam:
P(A) Tem muito tempo que eu li esses livros quando eu trabalhava com a
pré-escola, mas já faz uns 15 anos.
P(B) Pra ser sincera eu tenho assim uma pequena noção, já li, mas não foi
com profundeza.
De fato, as declarações das professoras, apontam que elas precisam
urgentemente, ter um aprofundamento sobre a literatura infantil, na busca da construção
de conhecimentos sólidos acerca da temática, que contribuam com o processo de leitura
em sala de aula. Pois, como sugere Cunha (1997), gostar ou não de literatura, ou de
405
qualquer outra ação, depende da construção histórica de cada indivíduo. Logo, cabe ao
educador tentar contribuir para ajudar o máximo que for possível nesse ato da leitura.
Nesse sentido, Cunha (1997), salienta que do ponto de vista da filosofia da
educação, é papel do professor revelar a literatura, assim como outras artes, nas relações
diárias dos sujeitos, estabelecendo um contato entre o indivíduo e a obra, como também,
mostrar as possibilidades e deixar o sujeito livre para escolher o que quer.
Do ponto de vista estratégico, Cunha (1997), menciona que é obrigação do
professor buscar sempre ter uma ação eficiente, que promova direção e estímulos
possibilitando um maior contato da criança com a literatura de maneira natural.
Como alude Zilberman (2003), a história na vida da criança é muito importante,
de modo que:
Para contar uma história – seja qual for – é bom saber como se faz. Afinal,
nela se descobrem palavras novas, se entra em contado com a música e com a
sonoridade das frases, dos nomes... Se capta o ritmo, a cadência do conto,
fluindo como uma canção... Ou se brinca com a melodia dos versos, com o
acerto das rimas, com o jogo das palavras... Contar histórias é uma arte... e
tão linda!!! (ABRAMOVICH, 1997, p.15).
Sendo assim, o professor deve considerar a literatura infantil como um elemento
plenamente significativo para a formação do sujeito, bem como, deve se envolver de tal
modo com as histórias que consigam perceber as possibilidades de crescimento e
desenvolvimento que assolam a partir delas, dessa maneira, é necessário que ele
reconheça que:
En definitiva, es casi impossible oferecer uma receta para crar lectores. Quizá
com un poco de entusiasmo, um poco de cercania y, sobre todo, com uma
extrema confianza en el poder sugeridor, em la magia de la palabra,
podríamos aproximarmos a la receta exacta. Sin embargo, como em la buena
cocina, al final, el secreto se encuentra en el punto justo. Y solo seremos
capaces de crear lectores si creemos en la verdad de lo que postulamos y
trasmitimos com entusiasmo, que solo contagiaremos aquello que de verdad
sentimos. (TABERNERO SALA, 2005, p.53).
É necessário que o professor não tenha dúvida que a ação de ouvir e
compartilhar histórias colabora para que o indivíduo se aproprie da linguagem, bem
como, contribui para a formação de uma personalidade mais segura e independente,
pois sem essa crença ele estará fadado a não utilizar esse instrumento, ou, se utilizar
dele inadequadamente, sem um mínimo de coerência em seu uso.
406
As professoras não possuem nenhum curso de formação com relação à literatura
infantil, nem mesmo, demonstram a prática de se qualificar e se atualizar no exercício
da profissão. A partir dos seus depoimentos e das observações, elas deixaram claro que
acham importante a narrativa para crianças, mas, tem uma restrição quanto á sua
utilização.
Todavia, acreditam que as histórias contribuem para as crianças se
desenvolverem associando ou estabelecendo parâmetros do mundo das narrativas com a
realidade vivida. Isso se ratifica em seus depoimentos a seguir:
P(A) Sim, porque tem histórias quem eles vivem a realidade deles né? A
depender do tipo de história, às vezes eles lembram alguma coisa da
realidade deles.
P(B) Sim, cada criança tem mundo de criatividade e tem seu mundo dentro
de si, então eu acho que vale a pena.
Um detalhe importante que não pode deixar de ser refletido em relação à
formação do educador, é que, não basta reconhecer a literatura como algo importante, e
utilizá-la mesmo que de maneira muitas vezes incoerente, é preciso principalmente, que
esse professor seja também um leitor. No desenvolvimento dessa pesquisa, foi possível
notar que em relação à formação das professoras, elas não se compreendem como
leitoras, tampouco leitoras assíduas, e isso é demonstrado nos depoimentos abaixo:
P (A): Devido ao corre-corre eu leio romance, histórias que tem que trabalhar
com eles, mas não como antigamente.
P(B): É, depende de tempo né, pra gente ter uma leitura boa, depende de
tempo, ler por ler não adianta né, então ai eu pego leio quando eu venho pro
trabalho, que eu to esperando o transporte, então eu pego e leio, eu do uma
lidinha, só pra passar o tempo mesmo.
Enquanto professoras, representam e disseminam exemplos primordiais de
formação e incentivo da leitura. Logo, se o aluno não percebe isso partindo do
professor, no ambiente escolar, ficará mais difícil o seu contato com o livro de maneira
natural.
Cunha, (1997), diz que o adulto fala em fazer a criança ser uma leitora, mas tem
pouca relação com o livro e com a importância do hábito de ler e especifica dizendo que
o adulto sempre consegue encontrar desculpas para não realizar essa ação, sendo que
407
algumas das mais comuns são: “[...] que lê pouco (ou não lê) por absoluta falta de
tempo, ou que só lê aquilo que tem ligação direta com sua profissão” e ainda “que o
cansaço impede qualquer leitura”, etc. (CUNHA, 1997, p. 48).
Nessa medida, a relação do educador com a leitura literária e a sua prática leitora
é de importância fundamental para a disseminação e formação leitora de seus alunos, no
que tange ao papel do professor na formação do gosto pela leitura, Magnani afirma que
“... o professor é, concomitantemente, alguém que participa ativamente desse processo,
alguém que estuda que lê e expõe sua leitura e seu gosto, tendo para com o texto a
mesma sensibilidade e atitude crítica que espera de seus alunos” (MAGNANI, 1989,
p.94).
Sendo assim, é relevante que o professor também demonstre o gosto pela leitura
e pela literatura, com o intuito de estimular os seus alunos a ler.
Nessa perspectiva, para Machado, (2001), os professores que “não lêem, não
vivem com os livros uma relação boa, útil, importante. [...] não dão exemplo e não
conseguem verdadeiramente passar uma paixão pelos livros __ e sem paixão, ninguém
lê de verdade” (Machado, 2001, p. 118).
O professor, nessa medida, mais do que um simples mediador, serve de exemplo
e modelo a ser seguido pelos seus alunos, diante disso, ele deve apresentar uma postura
de um educador competente, entusiasmado e capaz de contribuir para modificar a
realidade dos seus alunos, alcançando e sanando as dificuldades que eles apresentarem
de maneira construtiva e multidisciplinar e a única forma de fazer isso, bem feito é
através do conhecimento articulado e pensado, para ser realizado por meio de uma ação
significativa de aprendizagem. Portanto, se o docente pretende utilizar a literatura
infantil em sua sala de aula, ele precisa se apropriar desse conhecimento no intuito de
realizar para as crianças o melhor.
Sabemos, entretanto, que essa pesquisa representa meramente uma pequena
parcela das várias discussões e acepções acerca da literatura infantil e que ainda há
muito a se buscar, se questionar, se compreender, pensando principalmente no
desenvolvimento da criança enquanto sujeito social e no seu engajamento mais efetivo
no contexto em que vive a partir do discernimento e entendimento dos fatos ao seu
redor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
408
A partir das análises dos dados, notadamente as professoras demonstraram
através dos seus discursos, que não possuem formação específica para uso da literatura
infantil e ainda de uma maneira mais grave, há muito tempo não se atualizam, por isso
consideramos que elas, necessitam passar por um processo de reciclagem, não só para a
utilização desse conhecimento, mas para melhor direcionar os seus trabalhos em sala de
aula.
Nessa perspectiva, é preciso que as docentes além de se reconhecerem como
elementos fundamentais no processo de desenvolvimento do sujeito, estejam aptas a
buscar o conhecimento e estratégias eficazes que contribuam com o seu trabalho em
sala de aula.
As possibilidades da leitura literária vão exigir que o trabalho escolar seja
repensado através de um processo de formação, que seja menos repetidor de
conhecimento, ou seja, um conhecimento mais integrado à vida dos sujeitos.
Pois, sabemos que o trabalho docente deve ser um trabalho continuado, que
deve ser ressignificado constantemente, visando sobretudo, contribuir para a
aprendizagem e formação dos educandos.
Assim sendo, é de extrema importância que a escola e o professor, possam
possibilitar um ambiente que melhor atendam as necessidades dos sujeitos, através de
um redirecionamento do processo de ensino aprendizagem, tentando garantir um espaço
onde as ações desenvolvidas sejam mais articuladas, contextualizadas e dotadas de
significação à formação social, intelectual e humana do sujeito.
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410
EIXO 3 – POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EDUCAÇÃO
411
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, AÇÃO COMUNITÁRIA E COLEGIADO
ESCOLAR: ESPAÇO DE AÇÃO DEMOCRÁTICA?
SILVA. Nadja da Cruz –
UFBA/FACED
[email protected]
SANTOS. Marcos César Guimarães dos – UFBA/FACED
[email protected]
Agência financiadora: FAPESB
RESUMO
O presente artigo colabora e amplia a discussão sobre a importância da participação
popular nos diversos espaços sociais, da construção de um clima democrático dentro ou
fora do ambiente escolar. Seja no nível local das representações comunitárias e das
associações de moradores ou das representações do colegiado escolar através do
conselho escolar e grêmio estudantil. A discussão é desenvolvida à luz de autores como:
Bartinik (2004); Bordenave (1994); Gohn (2004); Demo (1996); Peruzzo (1998); Werle
(2003); Paro (2008) entre outro que abordam sobre a temática da participação e as
relações de poder que permeiam o contexto escolar e comunitário. A metodologia
utilizada para a realização do trabalho é de cunho qualitativo utilizando-se para isso
levantamento, seleção, analise bibliográfica e pesquisa documental através de livros,
artigos e documentos legais que possibilitam um embasamento teórico para construção
dos conceitos sobre participação e as ações democráticas na escola. A introdução tratase de realizar um resgate histórico do conceito de participação no Brasil, bem como as
formas e tipos de participação, além da analise das relações de poder no contexto social
e político da sociedade. No decorrer do texto é ressaltada a participação da comunidade
local e escolar para a construção de uma gestão escolar mais democrática, participativa
e com relações de poder menos autoritárias. São abordadas questões convergentes e
divergentes sobre a construção de espaços de representações democráticas no âmbito
escolar. É evidenciado no texto a relevância de introduzir no ambiente escolar conceitos
de participação no processo de ensino e aprendizagem através da construção de uma
gestão democrática e da criação de canais de participação efetivos por meio de
representações comunitárias e conselho escolar. Além da importância de se reformular
um currículo voltado para a participação da comunidade escolar e local nas questões da
escola; e na possibilidade de se formar sujeitos conscientes e atuantes na sociedade.
Palavras- chave: Participação comunitária; Gestão escolar democrática; Relações de poder.
INTRODUÇÃO
O processo de participação ao longo da história do Brasil se deu de forma
tolhida e fragmentada. Isto é, devido a uma herança clientelista, pautada em privilégios
412
de classe, econômicos e políticos. Assim, os processos de participação e decisões
estavam concentrados nas mãos de uma minoria dominante e as tentativas de
participação popular em vários momentos foram sucumbidas e/ou abafadas por uma
atitude de tutela por parte do Estado.
Em parte é possível se afirmar que a elaboração da constituição de 1988
configurou-se como uma transição entre a saída de um período ditatorial e o inicio de
uma participação mais aberta às camadas populares. Mas esse processo de abertura
democrática do país, foi complexo, não foi algo tranqüilo e harmônico foram
necessárias diversas formas de manifestações populares tais como: passeatas, protestos
e assembléias, até se colocar tais ações no âmbito legal para os direitos e deveres do
cidadão, principalmente a conquista do direito de participar e opinar, ou pelo menos,
expressar as insatisfações da população. É preciso também compreender que a
consciência de que participar é importante para o processo democrático do país é algo
que deve ser construído e discutido nos diversos espaços, a saber: escolas e associações
comunitárias.
No âmbito social brasileiro é marcante a presença de um contexto históricosocial caracterizado pelo exercício do poder de forma autoritária e pouco participativa é
cada vez mais difícil fomentar práticas democráticas e posicionar-se de forma
participativa no exercício do poder. Assim, é imprescindível que possamos inserir
noções de descentralização e participação cidadã nos diversos espaços. Isto, porque a
sociedade organizada ou não clamam por uma democracia não apenas representativa,
em que as decisões são tomadas por poucos sobre o destino do coletivo, mas que o
processo democrático possa ser autônomo e de fato participativo. Como afirma Peruzzo
(1998, p.77)”A participação da população nas decisões, a menos usada no Brasil
contemporâneo, implica o exercício do poder em conjunto, de forma solidária e
compartilhada, como partricipação-poder”.
É importante destacar que os diferentes interesses sociais nem sempre são
convergentes com os interesses da coletividade, esse conflito de interesses pode resultar
no enfraquecimento do processo de participação social. Para Bordenave (1994) “a
participação não pode ser igualitária e democrática quando a estrutura de poder
concentra as decisões numa elite minoritária” (p.41). Assim, é evidente que quando as
estruturas de poder das classes dirigentes e seus privilégios estão ameaçados
as
questões que dizem respeito à coletividade são colocadas em segundo plano ou
413
descartadas, a exemplo do período do golpe político de 64, em que os militares tomaram
o poder.
Para Peruzzo (1998, p.78-79) a participação coloca-se em três modalidades de
ação coletiva que são: participação passiva, participação controlada e participaçãopoder. O primeiro tipo de participação ocorre quando o individuo delega a outra pessoa
o poder de decisão ou escolha, o que de acordo com a autora favorece que as decisões
sejam verticalização de cima para baixo. Em seguida a participação controlada é
concedida de cima para baixo e controlada com base em algumas restrições, é
caracterizada pela limitação ao realizar determinada ação, ou seja, só é possível quando
as instâncias detentoras do poder permitem; já na participação controlada manipulável a
legitimação do poder ocorre de forma velada a fim de adequar aos interesses de quem
detém o poder. No terceiro tipo, participação- poder é constituído de elementos que
favorecem a participação democrática, ativa e autônoma em que o exercício do poder é
compartilhado e tem como expressões a co-gestão e a autogestão.
No interior das práticas participativas estão implícitas e explicita diversas
manifestações de poder, que vária de uma participação tutelada e fragmentada a efetivas
práticas de participação. Para Ammann (2009, p.12) a classe dominante exerce seu
poder no seio das classes subordinadas, sob duas formas, através do consenso e
hegemonia no nível da sociedade civil e sob a forma de ditadura na sociedade política,
decorrente da manifestação dos diversos tipos de poder que ocorre no meio social.
Contudo, o exercício do poder e da dominação do sujeito, nem sempre ocorre através da
coerção, mas sim através do consenso e da legitimação das ações do outro.
É preciso analisar os mecanismos do poder nas suas formas mais especificas
minuciosa, nas suas micro relações, para assim, compreender a dinâmica das macro
relações do poder e os seus efeitos no cotidiano da vida social. Foucault (1979) destaca
que podemos compreender o poder como uma rede que atravessa todo o tecido social. O
poder se exerce em níveis variados e em pontos distintos da dinâmica social. E para se
analisar é preciso compreender que fazemos parte da dinâmica social que envolve essa
teia, desta forma não é possível desloca-se para um plano exterior para analisar essas
relações, mesmo quando estamos inseridos num processo de resistência. Foucault
(1979) também explicita as relações que existem entre saber e poder, e principalmente a
utilização deste saber para exercício do poder e para favorecer os interesses particulares
de determinados grupos sociais.
414
Assim, as relações de poder configuram-se de maneira assimétrica, desiguais,
determinando o comportamento do outro e impondo a sua própria vontade,
hierarquizando as relações no ambiente escolar. No confronto das relações de poder
haverá sempre um desequilíbrio entre quem detém menor ou maior porcentagem deste
poder, que pode está determinado através de bens sociais, econômicos ou culturais.
Essas relações de poder se instalam na medida em que existem a submissão, obediência
e conformismo do outro.
Paro (2008) conceitua poder destacando que o mesmo possui diferenciados usos.
Dentre esses o autor vai ater-se aquele que supõe o ser humano como sujeito. E a esse
respeito o poder pode ser visto sob duas perspectivas: “o poder como capacidade de agir
sobre as coisas e o poder como capacidade de determinar o comportamento do outro”
(Paro, 2008, p.32). O exercício do poder depende da aceitação do individuo ou grupo
para se concretizar. No que se refere ao estado do poder existe o poder atual (poder de
fato exercido) e o potencial (possibilidade de ser exercida).
Ainda segundo o autor a manifestação do poder através da coerção – Podemos
perceber claramente um conflito de interesses entre quem detém o poder e quem é
objeto dele. Poder de A sobre B se exerce contra a vontade deste, que obedece em
virtude de um constrangimento por parte de A sob a forma de coação ou ameaça de
punição. Através da manipulação – O individuo que exerce o poder provoca o
comportamento do outro, ocultando ou camuflando seu verdadeiro interesse. Os meios
utilizados se referem especialmente ao controle e uso enganoso da informação. E da
persuasão – deve supor o dialogo e a ausência de conflito na relação de poder. Neste
caso B realiza determinado interesse de A porque este o convenceu.
No que tange a participação popular inserida no contexto dos movimentos
sociais Gohn (2004) afirma que com o fim do regime militar, a partir de 1985, passa
existir uma maior abertura dos canais de participação, abertura política e um
redirecionamento do significado de sociedade civil, assim como o destaque dos
movimentos sociais populares urbanos e os novos atores sociais na luta pelos direitos
sociais e culturais modernos. No que diz respeito ao processo de participação no Brasil
é importante destacar que a década de 90 foi marcada por vários debates e mobilizações
em torno da conquista da cidadania o que deu espaço a um novo desenho dos
movimentos sociais. Já os movimentos populares de bairro retraem-se, ganham
destaque as organizações comprometidas com questões mais amplas. E as questões
415
básicas defendidas pelos movimentos de bairro ficam em áreas delimitadas e restritas a
vida cotidiana.
OS
CANAIS
DE
PARTICIPAÇÃO
E
O
FORTALECIMENTO
DA
COMUNIDADE
Historicamente as associações de moradores representam o ponto de
aproximação entre os interesses da comunidade e a negligência do Estado. No âmbito
comunitário a participação e a organização têm um efeito local, ocorrem geralmente
quando questões básicas não são supridas pelo Estado. A comunidade na tentativa de ter
suas demandas atendidas mobiliza-se para resolver questões que atingem o coletivo.
Nesse contexto a associação de moradores configura-se como um importante elemento
de participação da comunidade, pois se transforma no elo entre os problemas da
comunidade e o Estado. Desta forma, a participação precisa transformar-se em ações
que mobilizem os sujeitos e os façam entrar numa sinergia em busca de um ideal
comum.
É importante destacar a necessidade de formação de espaços de participação da
comunidade escolar e do seu entorno. A criação de aparelhos de participação nas
escolas é o primeiro passo para o desenvolvimento de uma efetiva participação. Os
conselhos escolares constituem-se a configuração de um desses espaços de
representações dos sujeitos, que dependem de vários fatores, entre eles as relações de
poder que se desenrolam nestes espaços, para que de fato cumpram seu real objetivo de
representação coletiva e democrática, assim:
Os conselhos escolares são um espaço de relação de poder, que depende
predominantemente do capital cultural dos representantes eleitos pela
comunidade escolar e de como eles se relacionam entre si, com os problemas
da escola e onde ocorrem aprendizagens vivenciais de democracia e
participação. (WERLE, 2003, p.12
Ainda segundo Werle (2003) é necessário estabelecer espaços de aprendizagem
participativa, democrática e de empowerment de seus componentes, além de maior
engajamento e efetiva participação nas questões de interesse do coletivo. O que se
traduziria em uma das funções do conselho escolar que é justamente a viabilidade da
participação de forma consciente e democrática pelos sujeitos.
416
No tocante as formas de empowermente dos sujeitos ou empoderamento como
tem sido traduzida na língua portuguesa, entende-se pela capacidade dos indivíduos
serem atuantes na sua história de vida, possuir poder de decisão sob questões sociais.
Para Gohn (2004, p.3) empoderar-se pode “referir-se ao processo de mobilização e
práticas destinadas a promover e impulsionar grupos e comunidade, no sentido de
crescimento e autonomia” como poderá referir-se a ações assistencialistas de integração
dos excluídos. O enfoque dado ao significado de empoderamento irá depender do
sentido do projeto social e da instituição que articula as intervenções sociais.
É preciso compreender que os instrumentos e canais de participação como os
conselhos escolares, os grêmios estudantis, associações comunitárias e os órgãos
colegiados como um todo são formas de representação e organização popular
legitimadas no âmbito legal, que precisam ser efetivamente introduzidas nas práticas
escolares. Pois além de formalizadas nos currículos escolares, é necessário incentivar a
construção dos espaços de participação de forma prática e efetiva. Para Werle (2003,
p.23) a escola é um dos espaços de formação dos “sujeitos-políticos” indispensável para
se discutir os processos de participação, assim a autora afirma que:
[...] para discutir processos de participação, é preciso atentar para a
necessidade de uma formação política que desenvolva valores e
conhecimentos que favoreçam a participação. A escola deve propor objetivos
relacionados à formação de indivíduos sujeitos-politicos capazes e dispostos
a participar do processo político democrático. (WERLE, 2003,p.23)
A escola é considera um importante espaço para promover uma cultura de
participação no âmbito local. O intercambio da escola com a comunidade é a extensão
de uma aprendizagem participativa pautada no diálogo e na co-responsabilidade da
comunidade escolar. É significativo destacar que os profissionais da educação são
elementos essenciais para introduzir a cultura da participação nos processos educativos.
Que são inseridos através da prática ativa das instituições estudantis, dos conselhos
escolares e em praticas docentes democráticas.
É relevante destacar que no âmbito escolar os espaços e as formas de
participação são desiguais, os sujeitos que fazem parte deste contexto em muitos
momentos não tomam consciência desta desigualdade, acabam ocultando-se ou
acomodando-se frente aos problemas do cotidiano escolar. Um exemplo disso, é o grau
de participação que os pais, professores e funcionários tem nas ocasiões de reuniões ou
eleições para representantes do conselho escolar. A falta de informação, aliada a uma
417
cultura de comodismo são um dos fatores que contribuem para a falta de participação
dos sujeitos. Uma vez que participar não é apenas está presente, mas sim interagir,
cooperar e questionar.
No que tange ao ponto de vista legal sobre a participação no espaço escolar a
LDB ( Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) de 1996 reafirma no seu artigo
14º a importância de consolidar uma proposta pedagógica pautada no principio da
participação de todos os sujeitos envolvidos no contexto da comunidade escolar.
Art. 14º. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do
ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e
conforme os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto
pedagógico da escola;
II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou
equivalentes.
A partir deste momento passa-se a exigir e a contar de forma legal a
implementação de uma gestão democrática nas unidades escolares, favorecendo a
participação da comunidade escolar e local nos conselhos escolares e na administração
do espaço da escola. Para a concretização desse ideal de participação a escola precisa
estabelecer uma forte articulação com a comunidade que está em torno do ambiente da
escola, para isto, é essencial a conscientização dos professores, pais e funcionários.
A participação e o envolvimento de toda a equipe escolar e da comunidade
constituem-se enquanto elemento fundamental para minimizar o exercício do poder de
forma autoritária e repressiva. Participar, portanto assume uma conotação de
questionamento e inquietação frente às ações do poder no ambiente escolar. A
construção de uma escola que adote uma gestão democrática e práticas pedagógicas
baseada no envolvimento de todos os sujeitos da escola é resultado da participação
consciente da comunidade escolar, assim:
A inserção de todos os sujeitos envolvidos, nos problemas cotidianos,
provoca um efeito pedagógico sobre todos os integrantes, pois, à medida em
que pensam os problemas, propõem soluções e participam das decisões,
assumem o papel de co-responsáveis no projeto educacional da escola e por
extensão da comunidade. Para que a escola possa se organizar
democraticamente e atingir seu objetivo maior é de fundamental importância
o trabalho da equipe pedagógica e diretiva da escola. (BARTNIK, 2004,
p.35).
A participação da comunidade na escola é decorrência de uma gestão
democrática pautada no envolvimento dos sujeitos nos processos educativos que
418
ocorrem dentro e fora do espaço escolar. O que envolve a participação dos sujeitos do
cenário educativo para elaboração de propostas que venham a contemplar os interesses
coletivos. Desta forma Bartnik (2004) afirma que os sujeitos incluídos neste processo se
tornam “co-responsáveis do processo educacional da escola e por extensão da
comunidade” (p.35). E assim, pensar numa gestão participativa significa refletir e adotar
ações e idéias pautadas na coletividade e em atitudes democráticas para caminharmos na
construção de um projeto político pedagógico em que as pessoas sejam protagonistas e
colaboradores deste documento.
Para Demo (1996) a participação é considerada uma conquista e configura-se
como uma constante busca, é processo, portanto não pode ser entendida como
concessão, nem ter seu espaço delimitado, mas é resultado de uma tomada de
consciência e de suas condições enquanto sujeito do tecido social. A participação por
sua vez revela outras formas de poder que podem ser partilhados, ou seja, com
características democráticas, participativa e de autonomia ou pode revelar-se com
características autoritárias e controladoras. O autor chama a atenção para as supostas
aberturas dos canais de participação oferecidos pelo governo, e afirma que na realidade
é mais um elemento para camuflar as ideologias dominantes e suas formas de exercício
do poder, assim:
[...] quem acredita em participação, estabelece uma disputa com o poder.
Trata-se de reduzir a repressão e não de montar a quimera de um mundo
naturalmente participativo. Assim, para realizar participação, é preciso
encarar o poder de frente, partir dele, e, então, abrir os espaços de
participação, numa construção arduamente levantada, centímetro por
centímetro, para que não se recue nenhum centímetro. Participação, por
conseguinte, não é ausência, superação, eliminação do poder, mas outra
forma do poder (grifo do autor). (DEMO, 1996, p.20).
Ghanem (2004) em suas pesquisas revelou que uma das importantes formas de
compreender as questões em torno da participação, integração da escola com a
comunidade é analisando os seus canais de participação que se revelam através dos
conselhos escolares, associações de pais e professores e dos grêmios estudantis. Isto é,
quando estes canais de participação funcionam com o propósito de viabilizar o
envolvimento dos indivíduos, permitem alinhar os discursos com a prática. Pois em
muitos casos fazemos excelentes discursos que não condizem em nada com a nossa
prática, que está travada em tarefas burocráticas e particulares. A participação deve ser
entendida como um mecanismo que pode transformar as práticas pedagógicas,
promover a organização, autogestão e superar as formas mais autoritárias do poder.
419
AS RELAÇÕES DE PODER NO COTIDIANO ESCOLAR
As relações de poder no espaço escolar se dão de múltiplas formas e se
desenrolam no cotidiano da escola, tendo como agentes os sujeitos e/ou objetos que
fazem parte do contexto escolar e da comunidade em torno à escola. Essas relações se
estendem nas instâncias e circulo do poder e se desenrolam nas suas esferas macro e
micro. De acordo com Resende (1995, p.35) o poder se coloca como elemento de um
mecanismo social mais amplo, e em formas de dominação mais gerais, mas para
compreendê-lo é necessário desencadear seus elementos mais particulares.
Paro (2008) destaca a possibilidade da constituição de sujeito livres e uma
educação com vista a evidenciar práticas democráticas. A orientação pedagógica
tradicional que costuma nortear as escolas brasileiras resiste ou desconhece à idéia dos
alunos serem detentores do poder. Ignora-se o processo de interação dos sujeitos e
visualizam o processo pedagógico como uma mão única que vai do professor que ensina
para o aluno que aprende passivamente. Por outro lado o professor manifesta o seu
poder no sentido de mudar comportamentos e no exercício de sua função.
A escola exerce seu poder na transmissão de conhecimentos impostos aos
educandos, sem nenhum debate ou questionamento. No processo avaliativo quando se
tem a aprovação ou reprovação como motivação para o aluno estudar o professor
também exerce seu poder. Um ponto destacado na relação entre educação e poder que o
autor faz e que com a aprovação automática adotada pela escola pública para diminuir
os índices de reprovação o professor sente-se em muitos momentos derrotado, pois não
dispõe mais do argumento de punir o aluno reprovando, enfraquecendo assim, o seu
poder em sala de aula.
A instituição escolar que não prevalece à formação de sujeitos autônomos e
independentes contribui para o fortalecimento de uma cultura da acomodação e
passividade, em que aluno ‘obediente’ é o que aceita as determinações do professor sem
questionar e encara a dominação dos indivíduos como algo natural. O trabalho
individualizado cuja finalidade é preparar os indivíduos para o mercado de trabalho
reforça o egocentrismo e favorece um clima de disputa. O que contribui para acirrar as
relações de poder no ambiente escolar entre a comunidade escolar.
A permissividade do individuo e a falta de questionamento nas decisões tomadas
possibilita a instalação de diversas formas de poder. Para Castro (1998) as relações de
poder nas escolas situadas nas periferias dos centros urbanos desenrolam-se de forma
420
inconsciente e subliminar, sob a forma do poder simbólico de Bourdieu; e em outros
momentos de forma explicita identificada como o poder formal, impessoal e legal,
muitas vezes com o uso da força ou sob influência social, política e ideológica como
aborda o teórico weber. O acesso aos bens econômicos e culturais nesses contextos
escolares são restritos, dando espaço para imperar diversas formas de poder, inclusive
as explicitas e impositivas. As relações de poder que ocorrem nas suas instancias e
círculos repercutem no espaço escolar, local onde se processa as varias configurações
do poder, inclusive as disputas e conflitos.
A analise dos documentos da escola aliada a sua prática pedagógica é reveladora
dos níveis de relação de poder que perpassam pelo espaço escolar. E por tanto o
currículo não é neutro, mas sim um dos instrumentos das relações de poder que
desencadeia no ambiente escolar. Silva (2002) afirma que existe uma relação
significativa entre currículo e poder, entre a organização do conhecimento e a
distribuição do poder. O currículo carrega intencionalidades e ideologias, e está a
serviço de interesses de determinados grupos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É importante compreender que os espaços democráticos são constituídos
socialmente a partir do momento que os indivíduos viabilizam os canais de participação.
Esses espaços democráticos precisam ser ocupados por pessoas imbuídas de um
sentimento de igualdade, ética e justiça social, afastando as práticas clientelistas e
paternalistas presentes na sociedade brasileira nas diferentes esferas do poder público.
O processo de participação da comunidade no espaço escolar é um forte
indicio do fortalecimento de elementos que compõe a democracia no âmbito escolar,
isto também demonstra que uma vez que os pais que na sua maioria fazem parte do
contexto comunitário estão mais próximos da realidade da escolar ocorre uma abertura
maior da comunidade escolar o que traz impactos positivos para o desenvolvimento do
fazer pedagógico. Assim, os pais não são apenas chamados para serem informados do
comportamento dos filhos ou em momentos pontuais de festas e comemorações, mas
significa uma presença maior na vida escolar, na fiscalização e envolvimento do
direcionamento dos recursos e nas decisões do conselho escolar.
421
Para Andrews (1999, apud GHANEM 2004, p.7) em seus estudos verificou a
existência de sete fatores promotores da participação da comunidade na escola que são:
informação, trabalho em equipe, foco na família, conhecimento da comunidade,
criatividade, respeito, disciplina e responsabilidade e liderança. Com a articulação
desses fatores pretende-se desenvolver de forma efetiva práticas de participação da
comunidade na escola, principalmente se partirmos dos conhecimentos que temos sobre
a comunidade que está em torno à escola e realizarmos um trabalho que tenha como
foco a família.
Quando se trata em participação da escola com a comunidade os indivíduos
envolvidos devem tomar consciência da importância dos canais de participação e
mobilização, das conquistas e legitimidade desses espaços, bem como das
reivindicações das demandas e interesse da escola e da comunidade. Para que não se
crie uma cultura da acomodação e desmobilização, um hábito que se encontra em
resquícios históricos de autoritarismo e repressão. E assim, os indivíduos ficam sempre
a espera das formas assistencialistas, que nada mais é do que uma das mais perversas
formas de controle do poder pela classe dominante.
Os processos participativos geram conflitos, o que requer habilidade no seu
enfrentamento. Pois nem sempre as pessoas que exercem papel de liderança conseguem
conduzir com maturidade os conflitos gerados no grupo e preferem manter uma situação
de comodismo, evitando a discussão e o debate de idéias. Essa tentativa de promover o
consenso é mais uma maneira de ocultar relações de poder autoritárias e formas de
participação passiva. Portanto, faz-se necessário descentralizar o poder e promover o
compartilhamento das tomadas de decisões para que se possa almejar uma participação
ativa e autônoma.
As ações participativas no âmbito comunitárias constituem-se como o ponto de
partida para o desenvolvimento democrático no nível macro da sociedade brasileira,
pois é a partir do trabalho de participação no nível micro comunitário, nas atividades
escolares que estimulem o processo participativo que podemos viabilizar a construção
de espaços sociais e políticos mais democráticos. O fortalecimento do poder local no
nível comunitário é um aspecto fundamental para a construção de uma democracia
participativa e no empoderamento das classes populares, ou seja com possibilidades
efetivas de participação. Com decisões sendo tomadas com um formato horizontal,
gerando relações de poder mais simétricas e igualitárias.
422
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WERLE, Flávia Obino Corrêa. Conselhos escolares: implicações na gestão da escola
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423
A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL:
impactos na escola pública
Edson do Espírito Santo Filho75
O presente artigo tem como intencionalidade realizar uma aproximação acerca dos
principais pressupostos da Nova Pedagogia da Hegemonia no Brasil, através da
recondução das teses neoliberais por meio da chamada Terceira Via. Neste sentido,
buscou-se neste artigo apontar em forma preliminar os elementos que contribuam para
elucidar à seguinte indagação: Quais os impactos da intervenção da hegemonia do
capital, na educação brasileira, através da conformação dos trabalhadores a um novo
padrão de sociabilidade, a responsabilidade social empresarial? Neste sentido, através
do estudo de duas principais obras que estabelecem a crítica sobre o assunto no Brasil,
“A Nova Pedagogia da hegemonia no Brasil: estratégias do capital para a educação do
consenso” e “Direita para o Social e Esquerda para o Capital: intelectuais da nova
hegemonia no Brasil” identificou-se como o discurso da responsabilidade social
empresarial, vem se tornando o principal fio condutor da recomposição da intervenção
do empresariado no Brasil. A educação pública vem se tornando área prioritária de
intervenção desses setores, através de fundações ligadas a empresas que, para além de
projetos sociais, buscam o controle das políticas educacionais nos municípios, a partir
da implantação de uma gestão empresarial da escola. Através dessas constatações
chegamos a conclusões provisórias de que no plano mediato e histórico, esse tipo de
intervenção possa permitir que ocorra o próprio desmonte da escola pública. Na
contracorrente desse processo, a defesa da escola pública e que defenda os interesses da
classe trabalhadora perpassa pela luta pela ampliação dos seus investimentos e da
superação do modelo vigente de enfoque empresarial da supervalorização do sistema
nacional de avaliação com prerrogativas para a produtividade, para um sistema nacional
de educação, que contemple a urgente formação de um novo homem para o
enfrentamento da barbárie que se avizinha e que coloca para a humanidade o caminho
da sua própria destruição.
PALAVRAS-CHAVE: Hegemonia, responsabilidade empresarial, educação.
Introdução
O final da chamada “Guerra Fria”, simbolicamente representada pela Queda do
Muro de Berlim no final da década de 1980, apresentou-se enquanto consolidação do
capitalismo enquanto opção para a humanidade. Uma vez que a experiência socialista
desencadeada no Leste Europeu não conseguiu se sustentar em um conjunto de países
do planeta, e assim, de superar a hegemonia do imperialismo, liderado pelos Estados
75
Mestrando em Educação no Programa de Pós-Graduação da Faced/UFBA, professor da Universidade
Estadual de Feira de Santana e membro do Grupo LEPEL/UEFS (Linha de Estudos em Educação Física,
Esporte e Lazer, da Universidade Estadual de Feira de Santana).
424
Unidos. Intelectuais da pós-modernidade insistiram no anúncio de um suposto “fim das
ideologias” no plano mundial.
A década seguinte ficou caracterizada como um período histórico em que houve
um momento de crise e a necessária recomposição de hegemonia da burguesia nos
países da América Latina. Ao mesmo tempo em que se anunciava a supremacia do
capitalismo como modelo societal, devido a uma desarticulação e desmoronamento dos
regimes socialistas nos países do leste europeu, um movimento contraditório colocava
em xeque a perspectiva neoliberal como a saída necessária para a crise do capital global.
Contudo, esta crise apontava um elemento mais agravante que, conforme afirma
Mészáros (2004), já ultrapassa os limites conjunturais, definindo-se no que o autor
destaca enquanto a crise estrutural do capital76.
Percebe-se aqui que, ao contrário do que era propagado pelos seus principais
formuladores sobre a necessidade do Estado Mínimo, o que ocorreu foi uma necessária
atividade da sociedade política (com enfoque na aparelhagem estatal) para regular o
conflito estabelecido entre o capital e o trabalho. Ao contrário da perspectiva de nãointervenção do Estado na economia, diversas frações da burguesia se apóiam em ações
governamentais para a reprodução exorbitante das altas taxas de lucros, através de
benefícios concedidos pela implementação de pacotes econômicos e de uma política
mais agressiva de austeridade fiscal, cortes nos gastos públicos ligados a geração de
políticas setoriais e contenção dos avanços salariais dos trabalhadores.
Ainda assim, nos países em que o Estado possui uma ampla participação dos
diversos setores da sociedade civil percebemos um duplo movimento: a) de criação e
consolidação dos aparelhos privados de hegemonia como braços de intervenção do
Estado Capitalista, através do apelo à colaboração cidadã em substituição à
intensificação da luta de classes; 2) do papel da educação escolar como estratégico para
a conformação dos futuros trabalhadores a um padrão de sociabilidade, através de uma
cidadania perpassada pela cultura do voluntariado.
Neste sentido, buscou-se neste artigo apontar, em forma ainda preliminar, os
elementos
que contribuam para elucidar
à seguinte indagação:
Quais os
desdobramentos da hegemonia do capital na educação brasileira, através da
76
A respeito da intensificação de uma crise estrutural do sistema do capital podemos buscar neste autor a
seguinte afirmação: “(...)A falência histórica do reformismo social-democrata fornece um testemunho
eloqüente da irreformabilidade do sistema; e a crise estrutural profunda, com seus perigos para a
sobrevivência da humanidade, destaca de maneira aguda sua incontrolabilidade”. MÉSZÁROS, 2004, p.
11)
425
conformação
dos
trabalhadores
a
um
novo
padrão
de
sociabilidade,
a
responsabilidade social empresarial?
A partir da seguinte pergunta, buscou-se identificar os aspectos principais do
desenvolvimento da Agenda Política da Terceira Via na década de 1990 até aos dias
atuais, como um processo mundial de reformulação das teses neoliberais sobre o
Estado. Também buscou compreender como essa lógica opera na organização das
políticas educacionais e na organização do trabalho pedagógico da escola, através das
Fundações e os impactos futuros para a escola pública. Ao final, fizemos um balanço da
interferência do empresariado na educação pública e os possíveis efeitos nefastos da
nova pedagogia da hegemonia ao propor um novo padrão de sociabilidade.
1. A nova pedagogia da hegemonia do capital no Brasil
Os estudos organizados por Neves (2005; 2010)77 apontam elementos
importantes para compreender como os dominantes dominam no Brasil. A partir do que
aponta a autora e colaboradores, destaca-se como a hegemonia do capital apresenta uma
renovada expressão fenomênica que revela e esconde uma nova reconfiguração do
Estado capitalista, caracterizando no plano da apreensão filosófica da relação
fenômeno-essência como mais uma expressão da práxis fetichizada do capital. A
configuração apresentada é caracterizada como Terceira Via.
A perspectiva ora desenvolvida nos primeiros anos do século XXI foi
sedimentada por meio de uma agenda política e econômica denominada de Cúpula da
Governança Progressiva78. Remetendo aos principais pressupostos apontados por este
fórum da governança mundial, Lima e Martins (2005) estabelecem a seguinte crítica:
(...) a Terceira Via considera que algumas políticas de cunho neoliberal que
orientaram a modernização do Estado foram “atos necessários de
modernização” (GIDDENS, 2001b, p. 1379), identificando como problema o
fato de que, ao lado dessas medidas, o social foi desconsiderado, o que
77
Buscamos nos respectivos artigos escritos pelos colaboradores dessas obras (“A Nova Pedagogia da
Hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso”, publicado em 2005 e “Direita para o Social e
a Esquerda para o Capital: intelectuais da nova hegemonia no Brasil”, publicado em 2010), os elementos
para reconhecer os principais pressupostos da Nova Pedagogia da Hegemonia.
78
A Governança Progressiva reúne governantes de diversos países e tem se transformando em espaço de
consenso para a legitimação da lógica do capital, uma vez que ganha adesão de representantes dos países
em desenvolvimento. Essa cúpula já teve a presença dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e
Lula da Silva. Esse grupo reivindica um caráter político da perspectiva neoliberal na consolidação de um
capital mais humanizado.
79
GIDDENS, Anthony. A terceira via e seus críticos. Tradução de Rita Vinagre. Rio de Janeiro: Record,
2001.
426
“ameaçou seriamente a coesão social” (GIDDENS, 2001b, p. 14). Destaca-se
aqui a concordância com o conteúdo e com a direção das reformas neoliberais,
o que por si só já é revelador. Contudo, indo mais além, é possível notar um
problema de ordem ético-política de grande magnitude. Para esse projeto, os
problemas sociais gerados pelo neoliberalismo foram negativos por terem
causado revoltas sociais que abalaram a “coesão social”. Identifica-se que o
centro das preocupações da Terceira Via não se relaciona aos efeitos nefastos
que se abateram de forma radical sobre os trabalhadores, mas sim ao grau de
estabilidade político-social vivida pelos países (LIMA e MARTINS, 2005, p.
45)
Neste sentido, os autores a Terceira Via mesmo estabelecendo uma ao
neoliberalismo, parte das questões centrais desta perspectiva para refiná-lo e o tornar
mais compatível, mais humano (LIMA e MARTINS, 2005, p. 48). Com isso, diferente
apenas na aparência em relação ao neoliberalismo, a perspectiva da Terceira Via, agora
autodenominando-se na esfera política enquanto “esquerda modernizante”, entende
como necessária a reformulação de sua intervenção no plano social e político.
No Brasil, assim como nos países da América latina em quase sua totalidade, a
chamada “repolitização da política” pode ser entendida como um mecanismo de
recomposição da burguesia nacional e internacional, pois, se ancora tanto no que
apontam os Organismos Multilaterais (ONU, FMI, Banco Mundial) como na construção
elaborada nos aparelhos privados de hegemonia, principalmente daqueles criados como
uma expansão do setor empresarial (Sistema S80, Instituto Liberal, Fundação Abrinq,
Institutos de Pesquisas e ONGs, dentre outros). Enquanto as primeiras são as
responsáveis pela fundamentação teórica do projeto de nova Governança Mundial e da
implantação dos receituários de ajustes fiscais e um novo padrão de sociabilidade aos
países que estão atrelados a uma perversa política de dependência econômica, os
últimos são aqueles que irão operar por meio de programas e projetos, no sentido de
conformar os trabalhadores a uma dada concepção de mundo.
Sua necessidade de reformulação pode ser identificada desde a década de 1980,
quando Martins (2005) destaca a importância dos novos organismos cuja intervenção
ocorre na sociedade civil, dentre elas o IEDI e o IL81 como responsáveis pela difusão em
toda a sociedade de uma nova concepção de mundo. O fracasso do milagre econômico
no período da Ditadura Militar teve uma forte repercussão nos setores empresariais,
colocando assim, novos desafios para a hegemonia burguesa. Entre os principais
pressupostos pelos quais esses organismos formularam e buscaram implementar suas
80
Serviço Social do Comércio – SESC; Serviço Social da Indústria – SESI; Serviço Social dos
Transportes – SEST.
81
Instituto Liberal
427
concepções na década de 1980, podemos apontar desde a divulgação de cursos sobre a
necessidade de “modernização capitalista”, perpassando pela proposição de novos
projetos de lei e políticas públicas.
Na educação, percebe-se a sua ação direta na educação especificamente no
Estado de São Paulo através de sua participação em cursos de formação de professores e
da produção de material didático. No plano do sindicalismo patronal, a CNI –
Confederação Nacional da Indústria - divulga no ano de 1888 o documento
Competitividade industrial: uma estratégia para o Brasil82. Esse documento torna-se
um marco para o reordenamento da política industrial, ampliando a sua intervenção na
área educacional, científica e da integração do país na economia internacional.
Em paralelo ao documento estratégico do CNI, destaca-se também a intervenção
do PNBE83. Seu surgimento se deu na década de 1980, contudo também na década de
1990 identifica-se sua contribuição em difundir as bases de uma renovada intervenção
do modelo industrial no país. Esse organismo será o responsável por uma reformulada
concepção de mundo. Ao fazer a crítica a economicismo propagado na concepção do
CNI, principal portadora do neoliberalismo da época, o PNBE reivindica a necessidade
de uma maior participação política dos setores do empresariado na construção de um
novo projeto burguês de sociabilidade, apontando a “crise de desenvolvimento” e a
“ausência de democracia” como alvos a serem atacados por todo o conjunto da
população. A consolidação deste organismo na década de 1990 foi importante para que
se realizasse uma série de coalizões políticas entre empresários e partidos políticos
(dentre eles, o Partido dos Trabalhadores).
Esses elementos se constituem como imprescindíveis para o desenvolvimento de
um processo de recomposição da hegemonia do capital. Nesta direção,
podemos
reconhecer no plano político-econômico que,
O fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que se deve levar em conta
os interesses e as tendências dos grupos sobre os quais a hegemonia será
exercida; que se forme certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o grupo
dirigente faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa. Mas também é
indubitável que os sacrifícios e o compromisso não se relacionam com o
essencial, pois se a hegemonia ético-política também é econômica; não pode
deixar de se fundamentar na função decisiva que o grupo dirigente exerce no
núcleo decisivo da atividade econômica. (GRAMSCI, 1989, p. 33)
82
Documento produzido no ano de 1998 e que se tornaria uma referência do empresariado para a sua
intervenção nas empresas e universidades, submetendo-as aos interesses do setor produtivo.
83
Pensamento Nacional das Bases Empresariais.
428
Assim, apelando para uma maior participação dos setores da burguesia na
sociedade, constata-se que por meio deste organismo as ações contingentes do
empresariado na criação de projetos sociais (filantropia empresarial) ganha um novo
significado através da chamada responsabilidade social empresarial. Esse novo projeto
de sociabilidade se propõe a uma possibilidade de ação educativa da classe burguesa,
visando sua consolidação enquanto dirigente de toda sociedade. Com isso, também
ocorrerá uma intensa articulação desse setor nas políticas públicas sociais no Brasil,
sedimentando os elementos para as inúmeras privatizações ocorridas neste período em
torno do setor público.
Nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002)
houve uma organização empresarial de duas frentes. A primeira estava responsabilizada
pela sistematização da nova pedagogia da hegemonia, através de: convencimento e
mobilização dos empresários para a adoção da ideologia da “responsabilidade social”;
representação política junto à aparelhagem estatal; difusão de um ideário de que as
empresas estão sensíveis às causas sociais; forte apelo para uma grande ação da
sociedade civil em prol do “voluntariado social”. A segunda forma de intervenção,
perpassa pela intervenção de Fundações e Institutos ligados ao mundo dos negócios,
adotando em seus projetos educativos os preceitos dessa nova ideologia (MARTINS,
2005, p. 150-152).
O marco da reorganização do aparelho estatal na condução dos pressupostos da
Terceira Via no Brasil teve como grande expressão a criação do Programa Comunidade
Solidária, conforme relata trecho abaixo:
A nova relação Estado-sociedade civil pautada na filosofia da colaboração foi
catalisada pelo Programa Comunidade Solidária coordenado pela então
primeira-dama do país Ruth Cardoso, fomentador de empresas cidadãs voltadas
ao desenvolvimento social sustentável. Nessa perspectiva, começaram a
despontar as empresas de responsabilidade social, que se organizaram no
Grupo dos Institutos, Fundações e Empresas (Gife), criado em 1995, e no
Instituto Ethos de Responsabilidade Social, criado em 1998. A noção de
“capitalismo ético” vem guiando as ações das empresas associadas ao Instituto
Ethos, que se tornou uma organização empresarial “cidadã” internacional com
no Conselho Internacional do Pacto Global criado em 2000 pela ONU para
tornar o mercado mais humano (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS,
200084). (FALEIROS; PRONKO; OLIVEIRA, 2010, p. 87-88)
84
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. O pacto global: liderança das empresas na economia
mundial. Lisboa, 2000.
429
Nesta perspectiva, o intenso ataque a organização do sistema educacional
brasileiro vem acompanhada do seu suposto antídoto: a participação de empresas e
fundações na condução de um novo padrão educacional. Ao mesmo tempo, a
perspectiva de modernização, flexibilidade, competitividade, desempenho e eficiência, é
a justificativa para a necessária descentralização, autonomia e equidade desses sistemas.
Com isso, percebemos a articulação de um novo padrão de sociabilidade, a
Terceira Via, que através da sua expressão fenomênica - a responsabilidade social
empresarial -, busca um redirecionamento da formação da classe trabalhadora. O debate
que autores colocam na pauta do dia seriam;
a)
o resgate da função social da escola capitalista, conforme já destacado
por Mészáros (1981, p. 273)85 e reafirmado na crítica elaborada por
Freitas (1995) quando aponta que o seus objetivos principais seriam:
“(...) a produção das qualificações necessárias ao funcionamento da
economia, e 2) a formação de quadros e a elaboração dos métodos
para um controle político” (FREITAS, 1995, p. 95);
b)
da necessidade da inserção de “parceiros” que possam através de um
pacto entre governo e sociedade civil reestruturar o sistema de ensino
brasileiro, tendo em vista uma gestão democrática e participativa da
escola e (MARTINS, 2005);
c)
a mudança no padrão de gerenciamento da escola, a partir do acúmulo
realizado no campo da administração empresarial (OLIVEIRA, 2003).
A busca pelo modelo de dominação da hegemonia da burguesia industrial no
Brasil implicou a necessária difusão do consenso de que seria preciso um processo de
reestruturação do sistema educacional brasileiro. O primeiro argumento destacado pelos
setores do empresariado, através da expressão máxima do sindicalismo patronal - CNI -,
é a do aspecto da desoneração custo/benefício na educação. Para isso, a valorização da
educação perpassa pela inversão da lógica de que esses setores precisam obter melhores
resultados, contudo, as alternativas requerem a sua viabilidade financeira, ou seja,
menores investimentos. O foco das políticas educacionais brasileiras deve está muito
menos preocupada com os investimentos, e mais antenadas com as experiências que
atestam uma melhora significativa da qualidade da educação (OLIVEIRA, 2003).
85
MÉSZÁROS, Istvan. Marx: A teoria da alienação. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.
430
2.
A nova pedagogia da hegemonia e o empresariado em ação
A partir dos elementos destacados anteriormente, é notável uma participação
mais robusta do empresariado na disputa pelo gerenciamento da escola pública.
Historicamente a sua luta se dava pela posse da educação profissional no país. No plano
do controle dos investimentos na educação e da sua destinação, a descentralização dos
recursos do FUNDEB86 e da participação da sociedade civil no controle social, não
almejou um caráter popular. A respeito dessa polêmica, Oliveira (2003), faz o seguinte
comentário:
Se no âmbito desse documento houve um reducionismo da educação aos
interesses imediatos do processo produtivo, em outros momentos, o
empresariado procurou afirmar a importância da educação como elemento
fundador de uma nova cidadania, para que os indivíduos tenham
intervenção mais crítica no interior da sociedade. Entretanto, quando isso
ocorreu, o empresariado elegeu a educação como meta fundamental para
alavancar a modernização, responsabilizando-a pela mudança na
problemática social. (OLIVEIRA, 2003, p. 51)
Ao escolher a educação como setor prioritário, sua intencionalidade é o de
apontar que é possível o direito à educação é perfeitamente compatível à sua exploração
empresarial, quer seja através de projetos de Fundações “bem intencionadas” ligadas a
estes setores, como também explorando um potencial mercado que surge pela ausência
da sua oferta (no caso específico da proliferação das Instituições de Ensino Privado, no
grau superior).
Outro ponto que o CNI através dos seus solicita seria a da necessidade de um
controle dos resultados da educação por meio da implantação de um sistema nacional e
permanente, além de maior participação de instituições criadas pelo conjunto dos
diversos setores do empresariado interessados na qualificação da mão-de-obra do
mercado - a exemplo do SENAI e SENAC – na colaboração deste sistema de avaliação.
Para estes setores, é necessário esse caminho para se conseguir uma sociedade
industrialmente moderna e competitiva.
Destaca-se a interlocução que esses projetos operam sobre a escola pública.
Dentre as inúmeras instituições criadas pelos setores do empresariado para intervenção
e formação do consenso do capital nas diversas instâncias da sociedade civil, citaremos
86
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica.
431
a experiência da Fundação Belgo-Mineira na cidade de Vespasiano, em Minas Gerais,
tendo o seu início no ano de 2003.
O estudo realizado por Thomaz (2005) discorre a evolução desta instituição
criada no ano de 1988 e que passou a integrar o Gife, de uma ação pontuada de
filantropia empresarial, para o marco da responsabilidade social empresarial. A
proposta desta fundação, no seu início era prioritariamente na criação de projetos que
pudessem disseminar a cultura do voluntariado entre os seus empregados. A educação
para a cidadania pautava-se na estimulação no protagonismo de ações desenvolvidas
pelos seus empregados e familiares nas comunidades em seu entorno, como forma de
promover melhorias na suas respectivas formas de organização da vida coletiva. Neste
sentido, para a Fundação, todos teriam retorno: a comunidade que receberia as ações; os
seus empregados, pois teriam o prazer de ajudar ao próximo e à sua comunidade; e a
empresa que teria uma equipe mais estimulada e consciente de seu papel no mundo.
A partir da construção deste projeto, a autora vai destacar que em 1999 a
Fundação Belgo-Mineira concentra suas ações na área educacional. O motivo: na área
educacional, ao contrário da área social, é um campo estratégico cujos resultados já são
reconhecidos pela empresa em curto prazo, além de ser um investimento que não se
torna oneroso para a empresa. Dessa forma que a autora destaca esta ação enquanto um
projeto maior de refuncionalização da atuação empresarial na sociedade, anunciando
uma suposta melhoria nas condições da escola atuar com autonomia e promover a
democratização da educação (THOMAZ, 2005, p. 238).
O projeto inicial de grande impacto é o Programa Ensino de Qualidade (PEQ),
como o próprio nome aponta, tem como objetivo a melhoria da qualidade do ensino.
Para isso, atua diretamente com a formação continuada de profissionais da educação,
para que se possa promover a construção de um projeto educativo que favoreça o
sucesso escolar dos alunos. Neste sentido, a fundação firma uma política de convênios e
cooperação técnica, buscando em suas ações parcerias com outras fundações que
assegure a utilização do material didático, a exemplo da Fundação Pitágoras.
Como desdobramento desse projeto inicial surge um segundo denominado SGI
(Sistema de Gestão Integrada). Este destaca a necessidade de sua intervenção enquanto
modelo de uma política municipal de educação. Esse programa buscou promover uma
mudança desde o padrão de normatização da Secretaria Municipal de Educação até o
monitoramento da forma como cada professor deveria trabalhar com a sua respectiva
disciplina.
432
O campo de atuação do Programa Educação de Qualidade (PEQ) se delineia no
que eles chamam de Escola Formal e um segundo, denominado de Atividades
Suplementares. No campo de atuação “Escola Formal” o foco é a modificação do
Projeto Político-Pedagógico, currículo, avaliação e o modelo de gerenciamento
organizacional de empresas na escola. No campo “Atividades Suplementares”, as
principais ações são: PEAS (Programa de Educação Afetivo-Sexual), Ver e Viver,
Sempre Sorrindo, Ouvir para Melhor Aprender, ações ligadas ao meio ambiente e
cultura.
O que se anuncia é que para o projeto existe uma preocupação na “formação”
dos futuros de uma concepção ético-moral da cidadania e do voluntariado. No aspecto
operacional, essa experiência teve inúmeros problemas, pois, as escolas escolhidas para
a atividade piloto deveriam possuir infra-estruutura básica e equipe técnica completa,
além de um bom desempenho escolar.
Outro problema deflagrado decorre da forma mecânica que este Programa tenta
transpor para o espaço escolar a lógica empresarial. Quando apontado que o aluno é
entendido como cliente, a educação escolar como produto, a família como fornecedores
e do prefeito como “patrocinador”, percebe-se a tentativa de internalização de uma
lógica que substitui a escola do seu papel de instituição para uma agência de
mercantilização de conhecimentos.
Como uma última consideração a ser apontada sobre a pesquisa é que evidencia
que a base teórica que balizaram as estratégias educativas do Programa Educação de
Qualidade baseiam-se majorirariamente nos postulados da pedagogia da competência,
ao dar pouca ênfase à formação cognitiva do aluno, restringindo-a no conhecimentos
rudimentares da leitura, escrita e cálculos. Com isso, mesmo apontando no projeto a
necessidade de formação de cidadãos críticos e de um novo cidadão, os conhecimentos
envolvendo a relação homem-natureza e homem-sociedade foram relegadas a segundo
plano.
3. Considerações finais
A crise estrutural exige de setores do capital a formação de trabalhadores mais
flexíveis, adaptáveis às novas mudanças que estão ocorrendo no processo. Como nova
expressão da burguesia do capital, a Terceira Via vem se consolidando como um
caminho necessário para a educação do consenso dos trabalhadores. Esta forma de
433
sociabilidade é a justificativa encontrada para a contenção dos conflitos gerados no
mundo da produção, sob a chancela do aparelho estatal.
Na educação pública indicamos os sinais dos impactos da intervenção do
empresariado através da perspectiva de Fundações ligadas aos setores empresariais
assumirem o comando das políticas educacionais, no gerenciamento destas respectivas
ações nos estados e municípios. Ao mesmo tempo, essa lógica afeta o trabalho
pedagógico dos professores, ao limitar a sua capacidade de participar da proposta
pedagógica da escola e, assim questioná-la tendo em vista assegurar os interesses da
classe trabalhadora.
No sentido de conter a denúncia à falaciosa tendência neoliberal, a perspectiva
da Terceira Via, através da ideologia da responsabilidade social empresarial vem
promovendo a recomposição não somente de setores da burguesia na condução éticopolítico do Estado brasileiro, mas ampliando a reprodução dos lucros. O controle
ideológico da classe trabalhadora, a preparação menos custosa da sua força-de-trabalho
industrial, além da difusão da propaganda de que as empresas estão preocupadas com as
problemáticas que afligem a educação brasileira – sendo uma propaganda social do seu
produto – são prerrogativas imprescindíveis para a recomposição da hegemonia do
capital no Brasil.
Para além do imediato, percebe-se que todo esse processo poderá flexibilizar
futuramente o desmonte da educação básica, assim como já vem ocorrendo com o
ensino superior, através da valorização de supostas boas experiências – que aqui já
identificamos estas como de qualidade duvidosa - geradas pelos parceiros. Como fundo
dessa discussão, percebe-se que dentro de um projeto maior de “parceria” com o
aparelho estatal, essas fundações podem se tornar os novos protagonistas da condução
do sistema educacional no país.
Com isso, a luta pela defesa da escola pública perpassa pela sua ampliação no
investimento e de que cada vez mais seja assegurada esta enquanto direito
constitucional. Perpassa também pela luta dos seus trabalhadores contra a ofensiva dos
setores dominantes de, ao estabelecer a crítica a educação brasileira, aponta como saída
a defesa da eficiência e competitividade da escola pública, colocando a tarefa de
substituição de um sistema nacional de educação por um sistema de avaliação por
competências e habilidades.
Para além das suas relações internas, a educação não pode ser entendida fora das
relações sociais capitalísticas. Sendo assim, reafirmamos o posicionamento de Mészáros
434
(2004) de que as mudanças na sociedade não podem ser por meio de reforma de um
capitalismo mais humanizado (tal qual defende os interlocutores da Terceira Via), mas
que elas precisam ser estruturais. Eis que a defesa de superação do mundo do capital
para além de uma perspectiva filosófica e política, se torna uma condição necessária
frente à barbárie humana que se avizinha.
Referências Bibliográficas
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hegemonia, p. 39-104, In: NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Org.). Direita para o
social e a esquerda para o capital: intelectuais da nova hegemonia no Brasil. São
Paulo: Xamã, 2010.
FREITAS, Luís Carlos de. Crítica da organização do trabalho pedagógica e da
didática. Campinas-SP: Papirus, 1995 (Coleção magistério: Formação e Trabalho
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GRAMSCI, Antônio. Maquiavel, a política e o Estado moderno. 7ª edição. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 1989.
LIMA, Kátia Regina de Souza; MARTINS, André Silva. Pressupostos, princípios e
estratégias. p. 43-57, In: NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Org.). A nova pedagogia da
hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso. São Paulo: Xamã, 2005.
MÉSZÁROS, Istvan. A crise estrutural do capital. p. 7-15, In: Revista Outubro,
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NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Org.). A nova pedagogia da hegemonia: estratégias
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MARTINS, André Silva. Estratégias burguesas de obtenção do consenso nos anos de
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OLIVEIRA, Ramon de. O empresariado industrial e a educação brasileira, p.47-60, In:
Revista Brasileira de Educação, jan/fev/mar/abr de 2003, n. 22.
435
THOMAZ, Adriane Silva. Fundação Belgo-Mineira: o empresariado em ação, p. 237254, In: NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Org.). A nova pedagogia da hegemonia:
estratégias do capital para educar o consenso. São Paulo: Xamã, 2005.
436
PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UMA ANÁLISE DE RESULTADOS
EDUCACIONAIS DE BOLSISTAS DO DISTRITO DE MARIA QUITÉRIA,
FEIRA DE SANTANA-BA (2001-2007)
Luis Carlos Santos Oliveira
Antonia Almeida Silva
Resumo
O presente estudo, “Programa Bolsa Família: uma análise de resultados educacionais de
bolsistas do Distrito de Maria Quitéria, Feira de Santana-Ba (2001-2007)”, teve por
objetivo analisar se e em que medida o Programa Bolsa Família, vem cumprindo seu
objetivo de manter o estudante na escola, bem como se esta “permanência” tem
implicado em sucesso escolar. Partimos então do pressuposto de que a cidadania tutelar
não leva os indivíduos a outro lugar senão ao assistencialismo que enclausura e limita
os sujeitos no processo de conquista de seus direitos. Para o desenvolvimento da
pesquisa adotou-se como metodologia o estudo documental, os quais abrangeram o
Programa Bolsa Escola e o Programa Bolsa Família do Governo Federal, além dos
registros de acompanhamento do programa e atas de uma escola pública do Distrito
pesquisado. Como suporte à análise documental, foi elaborado e aplicado um
questionário a 30 estudantes bolsistas, previamente selecionados a partir de critérios
definidos. A análise dos dados vislumbrou uma percepção crítica e interrogou a
concepção de cidadania que norteia o programa. Após a coleta e análise dos dados
verificou-se que, no município de Feira de Santana, o acompanhamento dos resultados
educacionais dos beneficiários encontra-se ainda imaturo e confuso, tendendo a
corroborar com a crítica de outras pesquisas que apontam para o tímido resultado do
Programa, inclusive em relação aos seus desdobramentos para a redução da evasão e do
insucesso escolar. Pudemos concluir que a análise dos dados dos alunos do Colégio em
questão apontou para dois caminhos. O primeiro indicando um avanço em termos de
permanência dos estudantes na escola durante o ano letivo, considerando-se que
estamos nos referindo a uma unidade escolar localizada em um distrito, locais que
historicamente concentraram os índices mais elevados de evasão e repetência. Outro,
não tão animador, revela que os resultados dos estudantes indicam fragilidades em
termos do aprendizado necessário, ao menos, para o acesso às séries seguintes.
Palavras-chave: Programa Bolsa Família; educação; cidadania, políticas públicas.
O presente trabalho é fruto de monografia apresentada em um programa de pósgraduação, tendo como objetivo analisar se e em que medida o Programa Bolsa Família
vem cumprindo seu objetivo de manter o estudante na escola, bem como se esta
“permanência” tem implicado em sucesso escolar.
O Programa Bolsa Família do Governo Federal tem origem em âmbito nacional
no ano de 2001, a partir da implantação do Programa Nacional de Bolsa Escola, na
437
segunda gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso. De Programa Bolsa Escola,
com a junção aos Programas Bolsa Alimentação e Auxílio Gás, já na gestão do
presidente Luís Inácio Lula da Silva, passou a compor o então conhecido Programa
Bolsa Família, em 2003. De sua origem, em 2001, aos dias atuais o Programa vem
sendo considerado por alguns intelectuais, órgãos e instituições como um dos mais
importantes programas sociais da atualidade em nosso país. Dentre os discursos de
aprovação ao programa situa-se o de que ele constitui um importante instrumento no
combate à pobreza, além de promotor da cidadania.
O Programa integra atualmente os chamados Programas de Renda Mínima, os
quais segundo Machado(2007), têm por principal característica o fornecimento de um
benefício na forma monetária sem a necessidade de uma contribuição anterior. Se o
Programa Bolsa Família tem encantado a muitos, principalmente aos que dele se
beneficiam (percebido nos altos índices de aprovação do governo Lula e por que não
dizer da eleição de sua sucessora) não podemos esquecer que também tem recebido
críticas acerca de alguns outros aspectos.
Verifica-se nesse cenário, portanto, de um lado aqueles que aprovam e apóiam a
iniciativa, justificando a capacidade de melhoria nas condições de vida das famílias
beneficiárias, muitas das quais tem nessa fonte a única renda familiar; outros pela
capacidade de movimentação dos comércios e serviços locais, contribuindo para a
geração do que chamam de ‘novos postos de trabalho’; há também aqueles que
defendem a capacidade de manter estudantes na escola e o cartão de vacinação dos
filhos em dia.
Por outro lado, os que trazem argumentos mais críticos apontam deficiências na
estrutura do programa a partir do que se propõe em seus próprios objetivos. Dentre as
críticas pode-se destacar a incapacidade de sozinho, conseguir acabar com a pobreza e
com a fome; insuficiência dos recursos para a manutenção básica da família;
inadequação dos serviços de saúde e educação para recebimento das novas demandas
provenientes da obrigatoriedade de cumprimento das chamadas condicionalidades
(condições exigidas para permanência no Programa); alcance limitado dos objetivos das
condicionalidades; propensão ao comodismo; e, principalmente, fragilidade na
promoção à cidadania.
438
Da questão norteadora à metodologia da pesquisa: o caminho trilhado e os
conceitos
Nesta caracterização do PBF, enquanto parte de um programa maior, o Fome
Zero, que visa contribuir para a conquista da cidadania pela parcela da população mais
vulnerável à fome, nos voltamos para o questionamento da noção de cidadania referida
no programa, bem como os seus efeitos para os beneficiários ‘conquistarem’ o sucesso
escolar.
Desta forma coloca-se a seguinte questão: o Programa Bolsa Família vem
cumprindo seu objetivo de manter os alunos beneficiários na escola? Em que medida
esta permanência vem se configurando em sucesso nos estudos dos integrantes do
Programa, com vista à conquista da cidadania? Partimos então do pressuposto de que a
cidadania tutelar não leva os indivíduos a outro lugar senão ao assistencialismo que
enclausura e limita os sujeitos no processo de conquista de seus direitos.
Assumimos aqui que o processo de construção e conformação da cidadania não
se dá de forma tutelar ou pelo assistencialismo, mas sim pela participação do indivíduo
na vida social, política e econômica, interagindo com os diversos movimentos de
contestação das estruturas de dominação capitalista que alienam e contribuem para a
reprodução de diferentes formas de exclusão, massificação e exploração dos dominantes
pelos dominados, como defende Saes(2000).
Quanto à compreensão de educação, referenciados por Silva (2007),
compreendemos que “em sua unidade dialética com a totalidade é um processo que
conjuga apropriação e reelaboração de saberes, cujas marcas são as aspirações e
necessidades dos seres humanos no contexto de sua situação histórico social” (p. 32).
Desta forma, ela faz sentido a partir do momento em que se dá a construção de novos
saberes, redesenhados e reelaborados visando a formação intelectual, a informação que
fundamenta a reflexão e mobiliza a práxis, como também a definiu Patto (2007).
Assim sendo, de que forma a permanência na escola pode vislumbrar as
competências acima a partir da concepção de cidadania que o programa propõe
promover a partir dos seus objetivos e das condicionalidades exigidas? Lembramos que
exigem como contrapartida de seus beneficiários a simples matrícula e permanência dos
estudantes na escola sem, por outro lado, garantir meios de que sua permanência nos
439
espaços escolares seja acompanhada de um aprendizado que o faça não só progredir nos
estudos, mas se situar como sujeito histórico, isto é, agente social de mudança.
Para dar conta das questões acima levantas a pesquisa foi realizada essencialmente
com fontes escritas. Desta forma, o procedimento metodológico mais adequado à
apreensão dos dados necessários à compreensão do objeto de estudo foi a pesquisa
documental. Ao decidirmos por tal caminho, nos referenciamos por Demo (1992), o
qual chama a atenção para que, ao analisar dados, em particular dados que referenciam
apenas indiretamente o fenômeno pesquisado, é essencial colocar o que não dizem,
revelam e o que encobrem, pois (...) “o mesmo dado pode permitir ilações
contraditórias, dependendo de seu encaixe teórico” (p. 14). Assim sendo, a análise de
documentos requereu atenção redobrada àquilo que se tentou apreender.
Dentre as fontes documentais foram utilizados os Decretos Federais onde foram
coletadas informações relativas à criação e regulamentação do Programa Bolsa Escola e
sua posterior inclusão no Programa Bolsa Família; os critérios de inclusão/exclusão no
Programa; as condicionalidades; resultados; beneficiários; valores da bolsa; bem como
relatórios anuais do Governo Federal acerca do Programa. Compõe ainda as fontes
documentais o Censo Escolar da Secretaria Municipal da Educação de Feira de Santana
referente ao ano de 2006, de onde foram apreendidas informações acerca do rendimento
escolar dos estudantes do município no referido ano. Além da Secretaria Municipal
foram também utilizados os censos escolares da Secretaria Estadual da Educação
referentes aos anos 1996 à 2005, disponíveis no site da SEC/BA. Na unidade de ensino
pesquisada foram coletados dados relativos aos rendimentos dos alunos, contidos nas
atas de final de ano do período compreendido entre 2001 a 2007, além de diários de
classe e documentos referentes aos alunos bolsistas do colégio.
Estes documentos embora tenham se constituído em fontes importantes não foram
suficientes para dar conta da questão empreendida, razão pela qual foi elaborado e
aplicado um questionário com 30 estudantes beneficiários do Programa.
Inicialmente foi necessário identificar os estudantes bolsistas do Colégio. O
questionário foi então aplicado aos estudantes da 5ª à 8ª série, no turno matutino e
vespertino. A aplicação do questionário a este segmento deve-se ao fato de que o
colégio funciona com estas séries no diurno. Além da identificação dos estudantes
bolsistas fez-se necessário localizar dentre os bolsistas aqueles que estavam no
programa há mais tempo e estudando na mesma unidade de ensino.
440
O processo de tratamento dos dados passou por etapas que possibilitaram o seu
melhor aproveitamento, quais sejam: sua localização, catalogação, descrição, para
posterior interpretação à luz das discussões teóricas sobre o tema.
Os documentos foram analisados sob uma perspectiva crítica e contextualizada e,
por assim dizer, qualitativa, tendo em vista que nenhum documento seja ele escrito,
visual ou auditivo, está isento das subjetividades, interesses e visões de mundo daqueles
que os produzem, bem como do meio em que foi gestado.
A unidade escolar na qual foram feitas as coletas de dados, localiza-se no
distrito de Maria Quitéria, município de Feira de Santana. Sua escolha foi impulsionada
pelo fato de que historicamente as escolas localizadas no campo apresentaram (e de
alguma forma ainda apresentam) índices sociais mais preocupantes que os centros
urbanos em nosso país, principalmente se tratando de desempenho escolar.
Tendo em vista que, de 700 alunos matriculados, aproximadamente 60%87
possuíam a bolsa, foi necessário proceder à seleção de um grupo representativo. O
critério de seleção utilizado foi então o de analisar os dados de estudantes que tivessem
a bolsa por mais de dois anos e no mesmo colégio. Assim, obteve-se um total de 30
alunos.
Resultados educacionais de bolsistas: controvérsias do Programa Bolsa Família
Iniciamos a análise do desempenho dos estudantes da unidade escolar
pesquisada a partir de uma provocação feita por Patto (2007), no artigo “Escolas cheias,
cadeias vazias: nota sobre as raízes ideológicas do pensamento educacional brasileiro”.
Neste trabalho, refletindo sobre os resultados das escolas públicas brasileiras, Patto
questiona:
O panorama atual da sociedade brasileira, embora não mais pautado pelo
modo de produção escravista, nos põe, no entanto, diante da seguinte
questão: até que ponto o Estado, num país que faz parte da lógica da
globalização, que dispensa cada vez mais o trabalho de grandes contingentes
de trabalhadores, e que está entre os campeões mundiais de desrespeito
bárbaro aos direitos humanos, vê-se de fato diante da premência de investir
num sistema de instrução pública que garanta a todos a posse de habilidades
e conhecimentos a que têm direito como participantes de uma sociedade em
87
Visto que a escola não possui dados exatos de quantos possuem a bolsa pois alguns alunos, embora
conste do Cadastro Único como pertencente à unidade escolar, não são localizados na escola, devido a
ocorrência de transferências e a não atualização dos dados pela Secretaria de Ação Social do Município.
441
que predominam o letramento e a informação técnico-científica e que os
domestique por meio de uma visão ideológica de mundo? (p. 262)
O questionamento formulado pela autora nos provocou a pensar os dados
educacionais dos estudantes participantes do Programa Bolsa Família tentando, em
diálogo com Patto (2007), transpor a simplificação das análises de dados que não
contemplam o contexto e conjuntura nos quais o fracasso escolar se impõe.
Os dados referentes à aprovação, reprovação e abandono da unidade de ensino
em questão entre os anos de 2001 e 2007 (período de implantação do Programa Bolsa
Escola em nível nacional e três antes da implantação do Programa Bolsa Família) de
acordo com informações retiradas das atas de final de ano, nos apresentam o seguinte
quadro:
Ano
Total de
Alunos
2001
549
2002
472
2003
636
2004
665
2005
652
2006
633
2007
578
Aprovação
70,86
68,85
56,45
46,01
58,59
51,18
58,82
Reprovação
10,93
15,68
22,8
36,09
22,85
37,6
30,45
Abandono
17,12
15,04
16,04
15,34
4,91
9,16
8,8
Fonte: Atas de resultados finais referentes aos anos de 2001- 2007
Como podemos visualizar no quadro acima, o volume de matrículas no colégio
apresentou no intervalo oscilações, revelando um volume maior de ingresso de
estudantes no ano de 2004 (um ano após a implantação do PBF) apresentando tendência
à queda nos anos seguintes. Quanto aos dados referentes à aprovação verificamos que se
no ano de 2004 o colégio recebeu um volume maior de matrículas, é também neste ano
em que se percebe a menor taxa de aprovação do período, 46,01%, ou seja, menos da
metade dos estudantes matriculados conseguiram aprovação. Conseqüentemente a taxa
de reprovação é elevada em relação aos anos anteriores. Se compararmos as taxas de
2006 e 2007 com as de 2001 e 2002 o número de alunos que foram reprovados
apresentam um salto considerável. Da série de dados apenas as taxas de abandono
acenam para uma crescente queda, embora se levarmos em consideração o ano de 2005,
os anos de 2006 e 2007 já apresentam um aumento de quase 100% em relação àquele
442
ano. Por outro lado, ainda encontra-se bem abaixo dos índices de 2001 bem como do
histórico de abandono escolar registrado nas áreas rurais do Brasil.
Como podemos perceber, os dados referentes ao desempenho dos alunos nos
anos de 2001 e 2007 não são muito animadores. Embora verifiquemos uma tendência à
queda na evasão escolar no período acima, por outro lado, os problemas se acentuam na
reprovação escolar. A queda considerável na taxa de abandono registrada no ano de
2005, 4,91%, pode ser um dos reflexos dos programas sociais do governo federal que
começou a partir de então a incluir um numero maior de beneficiários, como já indicam
algumas pesquisas a exemplo do que encontramos em Medeiros et al (2007). Para estes
autores as crianças atendidas têm menor probabilidade de faltar a um dia de aula por
mês em comparação com crianças em domicílios similares que não recebem o
benefício, além de ser menor a probabilidade de as crianças beneficiárias abandonarem
a escola.
Enquanto as taxas de aprovação no Estado da Bahia se mantêm estável, variando
entre 64 e 66%, os dados referentes ao colégio apresentam uma variação mais irregular,
apontando para índices inferiores àqueles a partir de 2003. Entretanto, vale ressaltar que
os dados da SEC dizem respeito às unidades de ensino urbanas e rurais, públicas e
privadas do estado, o que limita nossa comparação com estabelecimentos de ensino da
mesma situação administrativa.
Apesar de representar um avanço, não podemos olhar para a progressiva
redução das taxas de abandono como sendo a tábua de salvação das escolas brasileiras,
pois, como bem lembra Patto (2007, p. 244), “o ensino público está aquém até mesmo
da ‘pseudoformação’ criticada por Adorno (1995), ou seja, até mesmo do ensino
limitado à racionalidade instrumental”. Assim sendo, pelos dados apresentados os
próprios objetivos de escolarização dos indivíduos ainda encontra-se longe de ser
alcançado pelas nossas instituições públicas de ensino.
Os dados referentes à série 2001-2007 não apontam melhoras nos resultados
no universo dos estudantes do colégio, à exceção da redução das taxas de abandono,
como já pontuei. Diante disso, poderíamos então nos perguntar: como anda o
desempenho dos estudantes integrantes do Programa Bolsa Família? Acompanham o
mesmo processo dos dados universais ou seu desempenho, influenciado pela exigência
da freqüência à escola, sofreu alguma mudança?
443
Considerando que os dados coletados nos diários escolares não nos davam
uma noção mais completa sobre a permanência e o desempenho dos beneficiários do
Programa na escola, elaboramos e aplicamos um questionário. Dos cinqüenta alunos
(bolsistas) inicialmente selecionados, apenas trinta e seis estavam no colégio há mais de
dois anos. Destes trinta e seis apenas trinta possuíam as informações completas quanto à
freqüência, e desempenho nas disciplinas.
Os resultados referentes ao ano de 2005, apontaram taxa de aprovação de 50%
indicando uma séria fragilidade no aprendizado destes alunos visto que, dos quinze
aprovados (que correspondem aos 50%) seis obtiveram média final 5,0, o que nos leva a
deduzir que provavelmente tenham sido aprovados por Conselho de Classe. A taxa de
reprovação mostrou-se muito elevada, ainda mais se a compararmos com a taxa
registrada na Bahia no mesmo período, que era de 19%. Assim como nos dados gerais
do Colégio, a taxa de abandono entre os bolsistas aponta para queda acentuada, pois
enquanto no estado foi registrada uma taxa de 14,9%, entre os bolsistas verifica-se um
percentual de 6,67%.
No ano de 2006, de acordo com a ata de resultados e dos diários de nota, a
taxa de aprovação apresentou queda acentuada, de 50% no ano anterior, para 40%, em
2006, ou seja, menos da metade dos bolsistas analisados conseguiram aprovação
naquele ano. Em equivalência, mais da metade destes são reprovados, sendo que a taxa
de abandono permaneceu a mesma. O desempenho geral da escola no ano de 2006,
entretanto, alcançou 51%, percentual superior ao alcançado pelos estudantes
beneficiários do Programa Bolsa Família, que atingiu o patamar de apenas 40% de
aprovação.
Apresentando uma gangorra, no ano de 2007 as taxas são invertidas,
apontando para um desempenho melhor que os anos anteriores, indicando uma taxa de
aprovação maior e reprovação menor. A comparação dos resultados de 2007 dos
bolsistas com o resultado geral da escola mostra que os resultados são muito próximos
com 60% e 58,82%, respectivamente.
Observando os resultados mais de perto podemos verificar que as taxas de
reprovação estão concentradas, em sua maior parte, entre os estudantes da 5ª série.
Dentre os dez alunos da quinta série nove são repetentes e um tem histórico de
444
abandono nos últimos anos. A partir das séries seguintes as taxas de reprovação tendem
a cair.
Quanto às freqüências dos alunos, a análise dos diários aponta para uma maior
presença destes alunos no colégio, com as faltas anuais oscilando entre 10% e 20% do
total de dias letivos. Um avanço se pensarmos nos históricos números de alunos que
evadiam as unidades escolares, situação ainda mais agravada no campo, quando muitos
estudantes, pela necessidade trabalhar deixavam os bancos escolares, ou até mesmo pela
falta de transporte e recursos para compra de fardamento e material escolar.
Diante dos dados, a afirmação feita por Patto (2007) faz cada vez mais sentido,
tendo em vista que a escola, que deveria no mínimo promover o letramento de seu
público não o tem feito. De que forma então o Programa Bolsa Família pretende
contribuir para o desenvolvimento desses sujeitos, posto que exige de seus beneficiários
apenas o comparecimento à escola para a garantia dos recursos mensais? Acreditamos
que o papel da escola deveria ser o de promover uma educação que dê conta de uma
formação intelectual, entendida como acesso à informação que fundamenta a reflexão e
mobiliza a práxis. A implementação de um sistema educacional que assim procedesse
contribuiria para a formação de sujeitos conscientes da situação de exploração e
desigualdade a que é submetida a grande maioria de nossa população bem como para a
luta e garantia de seus direitos por meio da mobilização social. Lembrando também que
a própria formação escolar destes contribuiria sobremaneira para sua profissionalização
e, assim, ao pleno emprego (pensando em políticas públicas de longo prazo, não
imediatistas).
Por certo o imediatismo de nossas políticas públicas tem causado a formação
de uma massa de homens e mulheres cada vez mais dependentes e clientes de serviços
que em longo prazo não trazem nenhum benefício em termos de autonomia, para que
possam ‘caminhar’ com suas próprias pernas.
Considerações finais
A análise dos dados dos alunos do Colégio pesquisador apontou para dois
caminhos. O primeiro indicando um avanço em termos de permanência dos estudantes
na escola durante o ano letivo, considerando-se que estamos nos referindo a uma
unidade escolar localizada em um distrito, local que historicamente concentra índices
445
mais elevados de evasão e repetência. Outro, não tão animador assim, revela que os
resultados dos estudantes indicam fragilidades em termos de aprendizado necessário, ao
menos, para o acesso às séries seguintes.
Desta forma, aquilo que Moura (2007) chama de aparente confusão e
esquizofrenia dos referenciais ‘filosóficos’ das políticas sociais pode e deve ser levado
em consideração se houver pretensão no redirecionamento efetivo das ações
governamentais na busca de soluções de nossos problemas sociais. O primeiro passo a
ser dado diz respeito ao próprio entendimento de cidadania do Programa, pois, ao que
parece, mostra incompatibilidade com seus objetivos, visto que, criança na escola não
implica, necessariamente, saída da escola (após o cumprimento de todas as etapas).
A não adequação das políticas públicas às reais necessidades dos grupos
historicamente excluídos continuaremos, como bem afirmam Brandão e Craveiro
(1999), a ver multiplicar entre nós, os estudantes sem estudo, os trabalhadores sem
trabalho, os cidadãos sem cidadania. E por sinal, esta imagem dos ‘sem’ nos é
diariamente mostrada nos diversos jornais em circulação, ratificando o acima exposto.
Dessa forma, o desafio que se coloca para a sociedade brasileira, é a superação
da não cidadania, como cidadania de segunda classe, também conhecida por cidadania
pela metade ou pseudo-cidadania. A superação dessa realidade passa pela cidadania
ampliada, coletiva, concreta, histórica, que pressupõe a realização dos direitos,
associada à possibilidade de realização dos deveres do homem no mundo. A ‘cidadania
ampliada’ requer desta forma, a participação ativa dos indivíduos no cumprimento de
seus deveres no mundo, pois, caso se pretenda a conquista dos direitos estes devem ser
direcionados a todos e só será possível mediante uma atuação consciente e coletiva.
Por fim, para que a escola contribua para a construção da cidadania, é preciso
que se redirecione e se articule com a sociedade organizada, com a comunidade que a
financia, e que o Estado, em seus projetos sociais e políticas públicas, assuma a
implantação de várias medidas administrativas e, principalmente, pedagógicas. Enfim,
estes continuam sendo os desafios para a prática cotidiana da escola que deve ter como
pressuposto a compreensão de que cidadania e democracia andam juntas e buscam a
libertação política real de homens e mulheres.
446
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VIOLIN, Tarso Cabral. A sociedade civil e o estado ampliado, por Antonio Gramsci.
Revista Eletrônica do CEJUR, v. 1, nº 1, ago./dez. 2006.
449
A Sociedade da (In)segurança: Políticas Públicas, Juventude e
Violência
Marcos Cesar Guimarães dos Santos
Nadja da Cruz Silva
Resumo
O presente artigo visa abordar a discussão a respeito dos conceitos de violência e suas
implicações na sociedade, assim como da fragmentação e ausência das políticas
públicas voltadas em especial para a juventude, aliados a negligência do Estado, que
resultaram neste quadro que colaborou para a eclosão em um cotidiano de violência.
Autores com Bauman (1998), Gomes (2007), Merton (1949), Minayo (1994) Espinheira
(2007), entre outros, serviram de referência para o processo de construção deste artigo.
Os jovens são as principais vítimas de um ambiente social adverso, expostos a situações
de vulnerabilidade social e violência. A matéria vinculada no jornal A Tarde aponta
para um aumento de 263% nos últimos dez anos no número de jovens recolhidos a casas
de custodia (BANDEIRA; SANTANA; CIRINO, 2007). Em Salvador, 4.500 jovens
infratores foram encaminhados a tutela do Estado. O perfil destes jovens, que se
transformaram em vitimizadores, é caracterizado pelo sexo masculino, a raça/cor negra
e por relatar casos de agressões familiares, físicas e psicológicas. Têm em média 14 a 26
anos de idade, são moradores de comunidades carentes, em 90% dos casos não possuem
o ensino fundamental completo e 86% são usuários de drogas. O aumento dessa
população “carcerária” juvenil representa o fracasso do Estado em prover
oportunidades e acesso à educação e à economia, que garanta uma inserção produtiva e
dialógica com o processo de exercício de cidadina. Há uma migração das periferias, das
favelas, em direção as cadeias onde, por falta de assistência adequada, aprofundou-se o
envolvimento com o crime, retroalimentando esse sistema excludente. É preciso tratar
da criminalidade como conseqüência do fracasso dos programas econômico-sociais que
ao longo da nossa história resultou na exclusão de grande parte da população. Para o
desenvolvimento desta pesquisa utilizamos o método qualitativo, apoiado no estudo de
caso, metodologia esta amparada na obra de Yin.
Palavras-chave: Políticas Públicas. Violência. Educação. Juventude.
Introdução
“Aprendemos a voar como pássaros, a nadar como
peixes, mas não aprendemos a viver como irmãos” Martim
Luter King
A história da formação da sociedade brasileira é marcada ao longo do tempo
pelo regime da escravidão no qual o indivíduo era desqualificado na característica
fundamental de pessoa humana e tratado como "mercadoria" de manipulação dos seus
450
"donos" estabelecendo a servidão de índios e negros, posteriormente instumentalizou
comportamentos de “mando”, por parte de uma pequena elite branca e de “submissão”
para o restante da população marginalizada em relação ao poder.
Chauí 2007, aponta que a verticalização, o autoritarismo, a hierarquização, o
clientelismo, a violência estrutural e simbólica, são as principais características do
Brasil contemporâneo, que mitificou uma imagem de país democrático, não violento,
onde a existência de conflitos sociais e éticos foram negligenciados. Mas não
simplesmente ignorados, as nossas contradições são vistas como perigo a “ordem”,
exemplo claro o golpe militar de 1964, onde a luta social recebeu a resposta das “elites”:
a força da repressão militar e policial.
A cidadania é vista como uma concessão do Estado e dos detentores do poder,
um beneficio as camadas populares, as classes perigosas (a pobreza), que pode ser
retirado a qualquer momento em nome da segurança nacional e da democracia (ou seja,
para a proteção das elites) todas as vezes que se sentirem ameaçados, em todos os
momentos que seus privilégios estejam em risco.
Como afirma Adorno (1994) no período Imperial à sociedade brasileira resolvia
os seus conflitos relacionados à propriedade, ao monopólio do poder e à raça utilizando
de modo geral o emprego da violência física e simbólica. Este era considerado um
comportamento normal, legítimo e por ser rotineiro passava a ser institucionalizado. Ao
longo da história do nosso país, o que se tem observado é que mesmo com a
implantação do regime republicano88, cujo fundamento básico era o bem comum e o
bem público a todos os cidadãos, esse quadro de violência alterou-se adaptando-se a
nova realidade, desenvolvendo novos mecanismos de opressão e exclusão, até porque,
no campo político, temos convivido com várias alternâncias de regimes autoritários e
ditatoriais que implodiram o direito das minorias.
Estes foram períodos que trouxeram elevados custos à convivência democrática
do nosso povo, com violações do direito à vida e inúmeras mutilações físicas ou
psíquicas, mas infinitamente pequenas em relação à mutilação do processo político, de
sua evolução, redundando em prejuízos sociais de difícil mensuração, mas com reflexos
sentidos por toda a sociedade.
Assim foi a apropriação das forças policiais e das forças armadas para a garantia
de uma “ordem” apesar desta “ordem” ser contestada, gerando a sua deformação em
88
Para melhor compreensão da formação do regime republicano no Brasil ver José Murilo de Carvalho, A
Formação das Almas – O Imaginário da República no Brasil, Companhia das Letras.
451
relação a sua finalidade de proteção do cidadão para predador da cidadania que até hoje
sentimos, ao largo de qualquer controle social, autista em seus processos e técnicas. O
mesmo ocorreu com a justiça, defasada e anacrônica, anti-social e elitista, atenta a
condenação dos desvalidos e relapsa em relação aos poderosos.
Durante muito tempo, a discussão sobre a segurança pública ficou a cargo do
Estado e de suas instituições, tratada como caso de polícia. Hoje, o alto indicie de
criminalidade que aflige a sociedade, principalmente nas comunidades carentes, trazem
aos holofotes da mídia o debate do enfrentamento da violência. Estamos em um mundo
de múltiplas verdades, onde na academia através de uma mediação crítica busca a
construção de políticas públicas governamentais e não governamentais (sociedade civil,
Ongs) de combate a violência.
O medo generalizado da violência coloca-a como questão de ordem. Questionase em todas as esferas da sociedade a presença e o papel do Estado no combate a
violência (BAUMAN, 1998).
Hoje é possível afirma a existência de um consenso a respeito da incapacidade
do Estado em promover a segurança e controlar a violência. Diante dessa nova realidade
percebe-se a necessidade de se abandonar a postura de um Estado penal centrado no
controle do delito e na punição (Wacquant, 2001), passando para uma nova forma de
participação popular onde irá favorecer um sentimento de pertencimento comunitário na
busca da construção de um novo modelo de prevenção e controle da violência.
A partir dessa perspectiva é possível se construir um campo, ou seja, um espaço
social onde os atores sociais sejam capazes de interagirem, influenciarem-se e
discutirem propostas e práticas, reconhecendo as ambivalências e contradições na
construção de política públicas de prevenção e redução dos danos sociais. Valorizando,
consolidando e ampliando o exercício da participação cidadã.
A Multidimensionalidade da Violência
Não existe um conceito fechado de violência, ele varia de acordo com cada
sociedade, acontecendo sob as mais variadas formas (podemos falar da violência
estrutural, psicológica, física, simbólica). Envolvendo diferentes atores, em diferentes
dimensões. Porém, nas sociedades ocidentais há uma singularidade em conceituar a
452
violência enquanto perda dos direitos e/ou quando o cidadão tem sua integridade moral
e física ameaçada (Schilling, 2004).
A violência pode tanto ser um mecanismo de defesa, quanto pode ser
intencional. Para Hannah Arendt (1994), a violência é um instrumento, não o fim, com
isso a autora busca colocá-la dentro das manifestações das relações sociais. Segundo
Foucault (1998), a violência pode ser vista enquanto dispositivo de controle, tanto por
parte do aparato oficial do Estado, quanto de pequenos grupos por meios ilícitos.
A violência se constitui uma forma de poder sobre as pessoas pelo medo que
gera, estagnando-os, fazendo com que vivam medos individuais de forma solitária,
alimentados por um sentimento de impotência frente à realidade, frente ao
desconhecido, gerador de uma vulnerabilidade frente ao outro. O medo enquanto
sentimento é vivenciado solitariamente, reforçando assim o poder da violência.
Silva (2005) cita a filósofa Marilena Chauí para afirma que:
(...) a violência tem uma expressão multifacetada: seria tudo o que se vale da
força para ir contra a natureza de um agente social; todo ato de força contra a
espontaneidade, à vontade e a liberdade de alguém (é coagir, constranger,
torturar, brutalizar); todo ato de transgressão contra o que uma sociedade
define como justo e como um direito. Conseqüentemente, violência é um ato
de brutalidade, sevícia e abuso e/ou psíquico contra alguém e caracteriza
relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo
medo e o terror. (Chauí apud Sallas, 1999:25)
Minayo (1994) enquadra as múltiplas formas de violência em três grandes
categorias, a estrutural, a da resistência e a da delinqüência. A primeira corresponderia a
expressões da desigualdade social construídas historicamente, onde as pessoas são
impedidas de ter acesso a seus direitos sociais básicos e fundamentais. A segunda
refere-se à construção de uma cultura de dominação e de inferioridade do diferente,
fundamentados em preconceitos de classe e raça, a partir de representações simbólicas
da realidade social. Por fim a da delinqüência produto da reação ou não do individuo
sujeito a violência estrutural e da resistência, para fins pessoais, obter: o que lhe é
negado, sem observar quaisquer princípios ou normas sociais.
Para Durkheim (1898), a violência representa um estado de fratura nas relações
sociais, das normas, uma das formas de regulação da vida humana, é o conjunto de
normas sociais que pode ser visto de diferentes formas pelos indivíduos, influenciados
por um olhar de classe. A violência funda-se sobre as desigualdades e as agressões são
suas expressões mais externas e evidenciadoras. Admite varias origens, tanto do
453
aprendizado social, quando de fatores externos ao indivíduo, já que o homem é
influenciado também por suas condições de existência.
A violência não deve ser considerada apenas em seus atos, suas linguagens,
devem levar em consideração também os sentimentos subjetivos de violência, que
reforçam o medo e instalam um ambiente de insegurança. É necessário buscar perceber
os elementos emocionais e relacionais colocados sobre o fenômeno da violência.
A Sociedade da (In)segurança: Formas Estruturantes e a
Dinâmica do Estado
Hoje a violência está representada no nosso imaginário, materializada em nossas
ações, no aparato de segurança (grades, seguranças particulares, câmeras e outros) que
montamos para nos “isolarmos”. A medida que aumentamos nossos aparatos de
segurança, proporcionalmente aumentam nossos medos.
Somos todos parte desse cotidiano inseguro que atinge de maneira diferenciada
as pessoas, institucionalizado pelas hierarquias sociais que se manifestam do
nascimento do indivíduo até o cumprimento de todas as etapas de sua vida, presente na
desigualdade de acesso a uma educação de qualidade, a um sistema de saúde digno e
eficaz, ao trabalho, a moradia. No abandono, por parte do Estado, das garantias do bemestar social a toda a população, sem distinção de classe, raça e gênero, portanto, se
concretiza nas práticas das desigualdades89.
A contemporaneidade move-se sob o signo das incertezas, da violação das
garantias sociais duramente conquistadas ao longo do fim século XIX e inicio do XX, e
do sentimento de insegurança (Bauman, 2000; Wacquant, 2001) opondo-se ao que
Bauman (2000) coloca como necessário para que o individuo viva e produza em
coletividade: a segurança, as certezas e as garantias.
Schiling (2004, p.15) mostra que “como cidadão vivendo na sociedade atual,
sentimo-nos como equilibristas na corda bamba.” Na era das incertezas não existem
garantias.
Na concepção da professora Alba Ramos, vivemos em um Estado de separação,
de diferença, a sociedade é o coração do Estado90, mas esse Estado separou-se dessa
89
Como afirma Francisco de Oliveira há um flagrante desmantelamento do Estado brasileiro.
O Estado, é produto da sociedade, fruto das suas contradições internas, que se utiliza da força
legitimada e de outros mecanismos em prol do controle social. Para uma maior compreensão da Relação
entre Estado e sociedade civil ver, Bobbio, Norberto. Estado, Governo, Sociedade – para uma teoria
geral da sociedade. São Paulo, 1997.
90
454
sociedade, tornou-se anacrônico. Hoje, podemos ver claramente um divórcio entre o que
a sociedade deseja e o que o Estado desenvolve em ações. As sociedades e os
indivíduos abriram e abrem mão de sua autonomia em prol da normatização do Estado,
da garantia do bem comum, mas o Estado deixou de ser representativo, respeitado91.
A globalização vem exigindo a diminuição do papel do Estado. A discussão
sobre o novo liberalismo e as privatizações da rede social (saúde, educação) refere-se,
sobretudo, às obrigações e deveres que o Estado tem com a sociedade e com a família,
com a criança e o adolescente, com os idosos e a responsabilidade com os diferentes
grupos étnicos e que quase sempre não são cumpridas. A desarticulação do Estado do
bem-estar-social, influenciado pelo modelo econômico neoliberal, vem estimulando o
surgimento de uma sociedade individualizada, baseada na concentração e na exclusão.
O Processo Sócio-espacial
A exclusão social no Brasil coloca-se enquanto forma de maior expressividade
no processo de desenvolvimento econômico brasileiro (Caio Prado, 2004; Celso
Furtado, 2004). Ao longo da nossa história recente há uma profunda e estrutural
persistência das desigualdades sociais. A exclusão e a inclusão social enquanto
fenômenos manifestam-se espacialmente, territorialmente, na dificuldade de acesso as
infra-estruturas urbanas, na favelização do território, na precariedade dos serviços
públicos.
Os anos 1970 e 80 registraram uma forte expansão urbana nas regiões
metropolitanas, em especial a cidade de Salvador, que em pouco mais de 30 anos teve
uma explosão demográfica saltando de uma população de 1.007,195 para 2.457,000 em
2000, segundo dados do IBGE, esse crescimento vertiginoso é marcado por uma
desigualdade social no uso e ocupação do solo urbano, a favelização do território, local
propício para a fusão entre desigualdade e a segregação, evidenciando uma relação
dialética entre as questões sociais e espaciais. Há uma concentração dos pobres nas
periferias dos centros urbanos92.
91
No caso do Brasil em especial, a nossa formação histórica é marcada por uma cultura de exclusão e
marginalização social, onde predomina relações de clientelismo, corrupção, de cooptação do público e do
privado.
92
O forte processo de migração das populações rurais e das pequenas cidades do interior em direção as
regiões metropolitanas resultou em um amplo e acelerado processo de crescimento urbano, ligado a
imposição de deslocamento dos pobres em direção a áreas periféricas das cidades, sem infra-estrutura
urbana.
455
O conceito de periferia em nossa sociedade nos remete a pensá-lo não apenas no
sentido estrito de caráter espacial, é preciso ir além, é necessário vê-lo na suas
dimensões socioeconômicas, como forma de conceituar e estigmatizar bairros carentes
em todos os sentidos, onde os serviços públicos são deficitários e negligentes, onde a
população é majoritariamente negra e pobre.
O crescimento urbano desordenado, a favelização do território, o agravamento
das constantes crises econômicas, a forte desigualdade de distribuição de renda são, em
parte, fatores explicativos da violência disseminada na sociedade segundo Gomes (2007
a).
Para a “elite” brasileira, hoje “aterrozida” com os índices de violência que batem
as suas portas, os pobres trazem consigo os estigmas da violência, da suspeição, da
predisposição ao crime, já que a sua pobreza material, por conseqüência cultural e
simbólica potencializam suas chances de ingressar em condutas criminosas.
Nas palavras de Espinheira (2007), “a pobreza contribui para a violência, não
que o pobre seja mau, mas é embrutecido pelo não ter, por estar longe de uma educação
de qualidade, de bens de consumo, forçados a adaptar-se à lógica perversa do
“mercado”, do “ter”, ou seja, colocam-se em evidência as aspirações culturalmente
construídas e as possibilidades reais estruturadas socialmente para a realização dessas
aspirações, a busca pela satisfação, por ser reconhecido.
Merton (1949) afirma que a pobreza sozinha não é capaz de expelir o individuo
a um comportamento criminoso.
“A pobreza não é uma variável isolada que opere precisamente da mesma
forma, onde quer que seja encontrada; é apenas uma dentro de um complexo
de variáveis sociais e culturais, identificáveis e interdependentes.
O consumo se tornou uma maneira de se pensar às relações. No mundo do
consumismo, da estética, as relações sociais se baseiam na aparência. As necessidades
são socialmente construídas, cria-se o desejo social, as permanentes frustrações são o
oposto do desejo, em alguns casos uma mola para a violência, para a criminalidade.
De fato a sociedade brasileira encontra-se em uma fase da sua história em que ha
uma bipolarização marcante, de um lado temos uma pequena “elite” que domina mais
da metade dos recursos disponíveis no país, que tem acesso ilimitado aos bens de
consumo e as garantias de acesso ao Estado democrático de direito, do outro temos a
imensa maioria da população que luta cotidianamente pela sobrevivência, marcada por
456
uma carência absoluta/relativa, além de um acesso restrito ou desigual as garantias do
Estado93.
A violência não é sinônimo de pobreza, não devemos, portanto, criminalizá-la.
Isso corresponderia à desumanização do pobre, o que direcionaria o indivíduo aos
espaços da rua, onde a mendicância e/ou o crime tornam-se formas de vida. A pobreza
não tem como conseqüência direta a violência. A construção da desumanização da
pessoa coloca como diferente o outro (diferente dos parâmetros da sociedade) deve ser
execrado, cria-se um estado de separação social. Estigmatiza-se a pessoa, ela deixa ter
direito à proteção do estado.
Fragmentação, Anomia e Violência
A incidência do crime e da criminalidade está associada a três grandes hipóteses,
que não possuem nenhuma relação hierárquica ou de causa e efeito:
1.
A opção do individuo pelo crime;
2.
Fatores estruturais (econômicos, sociais, políticos e culturais);
3.
Falência das instituições sociais e das normas.
Para Gomes (2007), o Estado se omite em relação à sociedade, permite que
pequenos crimes deixem de ser reprimidos, chega-se a um nível em que a sociedade
acostuma-se, banaliza a violência, colocando na questão econômica a responsabilidade
por estes desvios, desencadeando um processo de aceitação do crime e,
progressivamente, um estado de entorpecimento, quando o crime ou várias espécies de
crime já são aceitos como normais. Posteriormente entra-se em uma nova fase, a da
admiração pelos jovens, da glorificação do comportamento criminosos, da sua adoção
como “moda” e como forma de ascensão social em uma sociedade que nega outras
formas de reconhecimento , como o esporte, a arte, a educação, o trabalho, etc.
Grupos “marginais” têm seus direitos individuais violados, apoiado pela
legitimação da sociedade que os vêem como diferentes, como os “de fora”. As garantias
93
Em capitulo exibido na novela Duas Caras, da Rede Globo de Televisão, em 21/01/08, coloca em
evidência as veias abertas da segregação social e racial do Brasil. O personagem Evilasio (Lazaro
Ramos), negro, morador de uma favela carioca (a Portelinha), é desqualificado por não possuir as
condições “necessárias” para prosseguir com um relacionamento amoroso com uma “típica”
representante das “elites” (brancas e educadas) brasileiras que tanto valoriza seu pseudo altruísmo,
condicionado a uma auto segregação social, espacial e racial. Os negros, pobres não devem buscar esse
nível de inter-relação, devem continuar isolados nas cozinhas, portarias, garagens, permanecendo na sua
invisibilidade social. A nossa estrutura social vai retro-alimentando esse sistema social excludente, dando
contornos de naturalidade à situação de miséria e desigualdade. E como povo assistimos bestializados
sentados em nossa poltrona o filme da vida cotidiana.
457
dos direitos são vistas enquanto bens escassos, condicionais, baseado na impotência do
Estado em universalizar os direitos. O mau funcionamento do aparato estatal gera um
capital social negativo, facilitando a influência dos criminosos.
Castel (1997) propõe que se pense na “marginalização”, ou seja, na exclusão
social, enquanto processo, resultado de uma permanente relação de conflitos
econômicos, sociais e culturais, que têm na exclusão, na desumanização, o “fim de um
processo”. Segundo o autor, o indivíduo encontra-se em um duplo processo de
desligamento em relação ao mundo do trabalho e da sua rede social. A exclusão tem
como resultado a vulnerabilidade social94.
O processo de vulnerabilidade de grupos sociais, refere-se possibilidade de
gerenciar os dispositivos que afetam seu bem-estar, ou seja, a posse ou controle de
mecanismos que constituem os recursos necessários para o aproveitamento das
oportunidades propiciadas pelo Estado, mercado e sociedade. Assim a vulnerabilidade à
pobreza não se limita em considerar a falta de recursos financeiros, comprometendo o
acesso a serviços, trabalho, educação e as próprias redes sociais.
A família forma os primeiros laços sociais que têm importância significativa
para a integração dos indivíduos no sistema social moderno. Redes sociais com laços
fortes têm maior poder de articulação, desenvolvendo espaços de sociabilidade positiva.
Há uma valorização do capital social95 intergrupal. Porém famílias de baixa renda estão
expostas a um processo de vulnerabilidade sócio-espacial. O capital social contextualiza
as ações individuais e coletivas. O capital positivo auxilia na redução da violência
através da construção de comunidades com laços fortes, ou seja, melhores equipadas
para a resolução de conflitos.
Uma análise das redes sociais permite a compreensão da estrutura social e da
ação individual. Estas se constituem pontes que ligam os indivíduos as instituições
sociais e a inserções sociais que garantem sua identidade. A densidade, a centralidade e
a proximidade são pontos que identificam e caracterizam a rede em que se esta inserido.
Vizinhança, amigos, parentes, correspondem aos laços fortes. Já colegas de
trabalho, sindicatos, entre outros, formam os laços fracos. Em comunidade de baixa
94
O conceito de vulnerabilidade social, permite perceber como grupos sociais heterogêneos podem estar
submetidos a um processo de precariedade das suas redes sociais, que comprometem sua subsistência.
Está associado também a disponibilidade negativa de recursos e o acesso a bens sociais produzidos pelo
Estado, sociedade e mercado.
95
Capital social corresponde aos recursos disponíveis a indivíduos e grupos sociais, baseado nas relações
sociais estabelecidas entre os atores envolvidos, baseado na sua capacidade de buscar novas relações,
participações em redes, envolvimento em organizações sociais, só sendo acessível por meio dessas
relações. Podendo o capital social ser individual, grupal, comunitário, externo ou de conexão (ponte).
458
renda os laços fortes são extremamente importantes, os laços de solidariedade ajudam
na sobrevivência, porém não se deve negar o conflito. Em situações comunitárias que
predominam os laços fracos há maiores possibilidades de influência da criminalidade.
Comunidades que possuem baixos índices de desenvolvimento geralmente têm pouca
capacidade de mobilização social, participação em assembléias e associações, a maior
parte da população não se interessa pela atuação direta na resolução dos problemas que
afetam o bairro, nessas áreas o capital social é pouco desenvolvido.
O capital social é um elemento endógeno aos grupos sociais, representando
elementos como o acesso a cidadania, a cooperação, ao empoderamento de suas
potencialidades locais, a luta pela conquista de espaços de equidade, ajuda recíproca e
confiança. Pode ser visto também da forma tradicional baseada nas relações familiares.
A partir da análise de suas potencialidades, os grupos ou redes têm a possibilidade de
ter suas características principais valorizadas de forma positiva em prol do individuo e
da comunidade a partir de projetos de desenvolvimento local.
Os indivíduos encontram-se inseridos nas mais variadas redes sociais, onde
figuram sentimentos de pertencimentos e representações das práticas sociais, que
estruturam a vida em sociedade. A exclusão social no Brasil tem raízes profundas,
Gomes (2007b) cita Rodrigues (1965), para afirmar que:
A divisão entre o poder e a sociedade manifesta-se especialmente pela
estabilidade da estrutura e a instabilidade governamental, pelo desequilíbrio
entre a população representada no poder e a mantida na periferia, pela não
integração à sociedade de vasta camada da população.
Hoje esta exclusão permanece e se manifesta no exercício da cidadania, onde o
cidadão da polis é substituído pelo cidadão de consumo.
Espinheira aponta que as “diferenças são historicamente construí