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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NÚCLEO DE ESTUDOS TRAJETÓRIAS, TRABALHO E EDUCAÇÃO (NETTE) CENTRO DE ESTUDOS E DE DOCUMENTAÇÃO EM EDUCAÇÃO (CEDE) 2011 2 II Seminário Nacional Educação e Pluralidade Sócio-Cultural (2011: Feira de Santana, Bahia, Brasil) II Seminário Nacional Educação e Pluralidade Sócio-Cultural: Sociedade e Culturas tempos, espaços e sujeitos da educação, 18 - 20 de outubro de 2011 / Mirela Figueiredo Santos Iriart, coordenadora. Feira de Santana: Universidade Estadual de Feira de Santana, 2011. 695 p. il. ISSN 1984-9443 1. Pluralidade cultural. 2. Sociedade. 3. Cultura. I. Iriart, Mirela Figueiredo Santos. II. Universidade Estadual de Feira de Santana. III Título CDU: 3 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA José Carlos Barreto de Santana Reitor Genival Côrrea de Souza Vice-Reitor Marluce Maria Araújo Assis Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação Maria Helena da Rocha Besnosick Pró-Reitora de Extensão Rubens Edson Alves Pereira Pró-Reitor de Ensino de Graduação DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO Marco Antonio Leandro Barzano Diretor do Departamento de Educação Ludmila Holanda Cavalcante Vice-Diretora do Departamento de Educação Denise Helena Pereira Laranjeira Coordenadora do Mestrado em Educação Apoio Institucional 4 ORGANIZAÇÃO Coordenação Geral Prof. Dra. Mirela Figueiredo S. Iriart Secretário Prof. Dr. Marco Antônio Leandro Barzano Coordenação da Comissão Científica Prof. Dra.Ludmila Oliveira Holanda Cavalcante Comissão Organizadora Prof. Dra.Antonia Almeida Silva Prof. Dra.Denise Helena Pereira Laranjeira Prof. Dr.Eduardo Frederico Luedy Marques Prof. Ms.Ivan Faria Prof. Ms.Jacqueline Nunes Araújo Prof. Ms.Otto Vinícius Agra Figueiredo 5 COMITÊ CIENTÍFICO Prof. Dra.Amali Mussi Prof. Dra.Ana Maria Fontes Prof. Dra.Antonia Almeida Silva Prof. Dr.Antonio Roberto Seixas da Cruz Prof. Dr.Benedito Gonçalves Eugênio (UESB) Prof. Dr.Celio Espíndola (UFJT) Prof. Dra.Denise Helena Pereira Laranjeira Prof. Dr.Edinaldo do Carmo (UESB) Prof. Dr.Eduardo Frederico Luedy Marques Prof. Dra.Elenise Cristina Pires de Andrade Prof. Ms.Elizabete Pereira Barbosa dos Santos Prof. Ms.Ivan Faria Prof. Ms.Jacqueline Nunes Araújo Prof. Dra.Lana Claudia Fonseca (UFRRJ) Prof. Ms.Leomarcia Caffé de Oliveira Uzêda Prof. Dra.Lígia Maria Portela da Silva (UESB) Prof. Dra.Ludmila Oliveira Holanda Cavalcante Prof. Dr.Marco Antonio Leandro Barzano Prof. Dra.Maria Cleonice Braga Prof. Dra.Maria Cristina Dantas Pina (UESB) Prof. Ms.Maria de Lourdes H. S. Araújo Prof. Dra.Maria de Lourdes Spazziani (UNESP) Prof. Ms. Marilda Carneiro Prof. Dra.Marinalva Lopes Ribeiro Prof. Dr.Miguel Almir Lima de Araújo Prof. Dra. Mirela Figueiredo Santos Iriart Prof. Dra.Nanci Helena Rebouças Franco (UFAL) Prof. Ms.Otto Vinícius Agra Figueiredo Prof. Dr.Reginaldo Santos Pereira (UESB) Prof. Dra.Susana Couto Pimentel (UFRB) Prof. Dr. Wilson Pereira de Jesus 6 SECRETARIA DO EVENTO Naiara Gomes APOIO TÉCNICO Georgia Oliveira Costa Lins Livia Jéssica Messias de Almeida Maximiano Martins de Meireles Vânia Pereira Moraes Lopes Contatos e-mail: [email protected] Telefone: 75- 3161-8321 7 APRESENTAÇÃO O II Seminário Nacional Educação e Pluralidade Sociocultural, Sociedade e Culturas: tempos, espaços e sujeitos da educação, acontecerá entre os dias 18 e 20 de outubro de 2011, na Universidade Estadual de Feira de Santana, Bahia. O seminário pretende mobilizar diferentes atores da área de educação em torno da temática “Sociedade e culturas: tempos, espaços e sujeitos da educação”. Tal proposta é um convite à reflexão acerca dos dispositivos e embates envolvidos nas sociedades e culturas atuais sobre diferentes tempos e espaços educativos e os sujeitos que neles estão inseridos. O propósito do evento é viabilizar uma reflexão em mão dupla entre estudantes, pesquisadores, professores da educação básica, gestores e educadores sociais, entrelaçando saberes e práticas de distintos atores. Dessa mescla de experiências e projetos, o desejo de melhor compreender os sujeitos, contextos e processos educacionais escolares e não escolares, histórica e culturalmente construídos, que configuram diferentes percursos, memórias e/ou trajetórias de vida. Participantes poderão submeter trabalhos de natureza teórica ou teórica-empírica, incluindo relatos de pesquisa, relatos de experiências educativas ou textos teóricos nas modalidades de Comunicação Oral ou Pôster, de acordo com os seguintes eixos temáticos: • Eixo 1: Currículos e Práticas Educativas • Eixo 2: Formação de Professores • Eixo 3: Políticas Públicas para Educação • Eixo 4: História, Memória e Sociedade • Eixo 5: Cultura, Linguagem e Imagem 8 CONFERÊNCIA E MESAS REDONDAS Conferência de Abertura: Tempos, espaços e sujeitos da educação: desafios da Contemporaneidade Reinaldo Matias Fleuri (UFSC) Mesa Redonda 1 Educação e Cultura: Dimensões da diversidade Marisa Vorraber Costa (UFRGS) Ana Canen (UFRJ) Elenise Andrade (UEFS) Mesa Redonda 2 Políticas públicas: legado histórico, lutas e conquistas Janete M. L. de Azevedo (UFPE) Lívia Diana Magalhães (UESB) Antonia Almeida Silva (UEFS) 9 SESSÕES Eixo 1-A - Currículos e Práticas Educativas 02 03 04 05 06 07 08 09 10 Autor(es) Dimaura Fátima Carvalho Título do trabalho A PEDAGOGIA GRIÔ E A VALORIZAÇÃO DOS SABERES POPULARES: (RE)CONHECENDO AS POSSIBILIDADES Dulcinea Cerqueira Coutinho LIDERANÇAS NEGRAS EM FEIRA DE SANTANA: Barros RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA DE CONSTRUÇÃO DE REFERENCIAIS POSITIVOS NO ENSINO MÉDIO Ana Lise Costa de Oliveira DIÁLOGOS ENTRE CULTURA E EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE: A EXPERIÊNCIA DO PROJETO TOCANDO EM FRENTE EM RIACHÃO Pedro Paulo Santos DO JACUÍPE-BA William de Goes Ribeiro NA INTERFACE ENTRE O MULTICULTURALISMO E A ÉTICA: UM OLHAR PARA O DESAFIO AO BULLYING NA ESCOLA Rosiléia Oliveira de Almeida SE A CANA PRECISA ESTAR DOCE, POR QUE DILUIR O CALDO?: A CIRCULARIDADE ENTRE SABERES COTIDIANOS E CIENTÍFICOS NA ABORDAGEM ESCOLAR DA PRODUÇÃO DE CACHAÇA Jean Carlos Barbosa dos Santos EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA CAMINHOS Francisca das Virgens Fonseca PARA CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA QUE Valéria Marta Ribeiro Soares COMTEMPLE A PLURALIDADE SOCIOCULTURAL DE UMA COMUNIDADE AFROCAMPESINA Georgia Oliveira Costa Lins A PRÁTICA EDUCATIVA PAUTADA NA Jamilly da Silva Corrêa ALTERNÂNCIA:ESCOLA-FAMÍLIA AGRÍCOLA Taílla Caroline Souza Menezes COMO UMA ALTERNATIVA PARA A EDUCAÇÃO DO CAMPO Terciana Vidal Moura A EMERGÊNCIA DAS MEMÓRIAS DA CULTURA Jocineide de Almeida Santos NEGRA NA ESCOLA E O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ÉTNICA Antonio Reinaldo Santos Alves O QUE SE QUER DO CURRÍCULO? REFLEXÃO Taíse dos Santos Alves SOBRE O CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Pg. 16 27 37 47 59 73 84 93 106 Eixo 1-B - Currículos e Práticas Educativas Autor(es) 01 Tatiana Almeida dos Santos Título do trabalho Pg. CONCEPÇÕES SOBRE SURDEZ E LÍNGUAS DE 117 SINAIS E AS ABORDAGENS NA EDUCAÇÃO DOS SUJEITOS SURDOS 10 02 Maria Edina Saturnino Porto 03 Bárbara Cristina dos Santos Ferreira Rita de Cassia Brêda M. Lima Juciane dos Reis Santana 04 Rosângelis Rodrigues Fernandes Lima 05 Márcia Cristina de A. Cerqueira Célia Regina Batista dos Santos 06 Iraê Liliana da Silva Consiglio Luciana Sousa Silva Santos Eliziane santana dos Santos 07 Jerfferson de Jesus Bonfim Vania Ribeiro dos Santos 08 Taíse dos Santos Alves Robson Oliveira Lins ANÁLISE DA PRODUÇÃO TEXTUAL NO 5º E 6º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL: RUMO À CONSTRUÇÃO DA COMPETÊNCIA ESCRITORA PELOS ALUNOS VIVÊNCIAS LEITORAS COMO PRÁTICAS EDUCATIVAS NA BIBLIOTECA MONTEIRO LOBATO EM FEIRA DE SANTANA-BAHIA 126 LABORATÓRIO DE EDUCAÇÃO E ESTUDOS INTERDISCIPLINARES –LEEI COMO ELEMENTO POTENCIALIZADOR DE APRENDIZAGENS SIGNIFICATIVAS – VIVÊNCIAS E APRENDÊNCIAS A PERCEPÇÃO DE ALUNOS E PROFESSORES SOBRE A QUALIDADE EDUCACIONAL DA EJA NUMA ESCOLA PÚBLICA DE FEIRA DE SANTANA, BA. 144 137 156 CURRÍCULO, PROPOSTAS E PROPOSIÇÕES: UM 169 OLHAR SOBRE AS ESCOLAS FAMÍLIAS AGRÍCOLAS DO SEMI-ÁRIDO BAIANO [Pôster] DESENCONTROS ENTRE A POSTURA E PRÁTICA 179 DOCENTE FRENTE A UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA BASEADA NO CONSTRUTIVISMO SÓCIO-INTERACIONISTA OFICINAS PEDAGÓGICAS DE CARTOGRAFIA 192 NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: UMA PROPOSTA METODOLÓGICA Eixo 1-C - Currículos e Práticas Educativas Autor(es) 01 Ana Lúcia Vilaronga Barreto Milton Souza Ribeiro Miltão 02 Edmara de Lima Maltez 03 Adson dos Santos Bastos 04 Carla Suely Correia Santana Geny Kelly Ramos Cardoso Milton Souza Ribeiro Miltão 05 Valdenor dos Santos Ferreira 06 Marlinne da Costa Lins Título do trabalho ETNOFÍSICA: COMO OS SUJEITOS DAS EFAs COMPREENDEM E TRABALHAM A FÍSICA MÉTODOS SOCIOLÓGICOS E MÉTODOS PEDAGÓGICOS DE ENSINO COMO APOIO A PESQUISA DOCENTE NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES RECURSOS DIDÁTICOS NO ENSINO DE CIÊNCIAS: UMA REFLEXÃO A PARTIR DA REALIDADE DAS ESCOLAS PÚBLICAS DE SENHOR DO BONFIM, BAHIA A FORMAÇÃO EM FÍSICA DOS MONITORES/PROFESSORES E ESTUDANTES DAS EFAs, CONSIDERANDO A PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA E OS ASPECTOS FILOSÓFICOS SUBJACENTES MOTIVAÇÃO NAS AULAS DE GEOGRAFIA NA PERSPECTIVA DE PROFESSORES E ALUNOS MÉTODO CINESTÉSICO COMO ESTRATÉGIA PARA ENSINO DE LIGAÇÕES QUÍMICAS NO Pg. 205 214 223 235 244 254 11 NÍVEL MÉDIO Fábio Adriano Santos da Silva 07 Thiago Leandro da Silva Dias 08 Camila De Almeida Santana Josenaide Alves Da Silva TRADIÇÃO E CONTRADIÇÃO DA PRÁTICA VIVISSECCIONISTA NA EDUCAÇÃO: POR UMA PLURALIDADE METODOLÓGICA NA SUPERAÇÃO DO ANTROPOCENTRISMOESPECISTA MOVIMENTO ESTUDANTIL, CURRÍCULO E GÊNERO: O CASO DO GRÊMIO ESTUDANTIL D. HÉLDER, AMARGOSA-BA (1960-2006) 264 274 Eixo 2-A - Formação de Professores 01 02 03 04 Autor(es) Taisa de Sousa Ferreira Título do trabalho REFLEXÕES SOBRE ESCOLA, FORMAÇÃO DOCENTE, SEXUALIDADE E DIVERSIDADE SEXUAL Maria Anastácia Manzano POR QUÊ? QUEM? O QUÊ? O ENSINO DE MÚSICA EM QUESTÃO (ÕES) Bruno Henrique Afonso Pereira O ENSINO DE GENÉTICA E A ABORDAGEM DO ALBINISMO NA NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA: O QUE DIZER SOBRE O PRECONCEITO?[Pôster] Marinalva Lopes Ribeiro QUALIDADE DO ENSINO SUPERIOR E Aline dos Santos Souza FORMAÇÃO DOCENTE: REPRESENTAÇÕES DE ESTUDANTES DE LICENCIATURA Pg. 282 295 305 311 Eixo 2-B - Formação de Professores 01 02 03 04 05 06 07 Autor(es) Murillo da Silva Neto Título do trabalho A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O TRABALHO COM A INCLUSÃO DE ALUNOS SURDOS NA ESCOLA REGULAR Maximiano Martins de Meireles A IDENTIDADE DOCENTE DO ESTUDANTE DE Antonio Roberto da Cruz Seixas LETRAS COMO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO Sara Betania de Souza Silva POLÍTICA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES: O PROJETO DE CERTIFICAÇÃO OCUPACIONAL DO ESTADO DA BAHIA Amali de Angelis Mussi QUALIDADE DE ENSINO NA FORMAÇÃO DE Ana Verena de Araújo Vidal PROFESSORES Edileide da Silva Reis do Carmo A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DE LEITURA Leomárcia Caffé de Oliveira FORMAÇÃO INICIAL E APROXIMAÇÃO COM A Uzêda DOCÊNCIA Jerfferson de Jesus Bonfim FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A Vania Ribeiro dos Santos LITERATURA INFANTIL Pg. 324 336 347 359 371 382 394 12 Eixo 3-A - Políticas Públicas para a Educação 01 02 Nadja da Cruz Silva Marcos César Guimarães dos Santos Edson do Espírito Santo Filho 03 Luis Carlos Santos Oliveira Antonia Almeida Silva 04 Marcos Cesar Guimaraes dos Santos Nadja da Cruz Silva Vânia Pereira Moraes Lopes 05 Antonia Almeida Silva 06 Terciana Vidal Moura Jocineide de Almeida Santos PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, AÇÃO COMUNITÁRIA E COLEGIADO ESCOLAR 407 A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UMA ANÁLISE DE RESULTADOS EDUCACIONAIS DE BOLSISTAS DO DISTRITO DE MARIA QUITÉRIA, FEIRA DE SANTANA-BA (2001-2007) A SOCIEDADE DA (IN)SEGURANÇA: POLÍTICAS PÚBLICAS, JUVENTUDE E VIOLÊNCIA 419 432 445 (NEO)PRODUTIVISMO E GESTÃO EMPRESARIAL 457 NA ESCOLA: ANÁLISE DO PROGRAMA SGI EM FEIRA DE SANTANA-BA A POLÍTICA DA ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA EM 469 CICLOS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO: UM DESAFIO À DIVERSIDADE Eixo 3-B - Políticas Públicas para Educação Autor(es) 01 Adrina Mendes Barbosa Bárbara Dias Vergas 02 Denise Silva de Souza Antonilma Santos A. Castro Luciene Santos dos Reis Janete do Carmo 03 Raphaela Dany Freitas Silveira Gonçalves 04 Liliane Souza de Assis 05 Vanda Almeida da Cunha Araújo Selma Barros Daltro de Castro 06 José Wellington Aragão Sara Martha Dick Rafael Vasconcelos Cerqueira 07 Oliveira Título do trabalho ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS NAS ESCOLAS REGULARES: BREVE ANÁLISE SOBRE AS POLÍTICAS PÚBLICAS ALUNOS COM ANEMIA FALCIFORME NO CONTEXTO ESCOLAR E AS IMPLICAÇÕES ENTRE CLASSE, RAÇA Pg. 482 JUDICIALIZAÇÃO DAS POLITICAS PÚBLICAS PARA A EDUCAÇÃO INFANTIL NA ZONA RURAL: UM NOVO DEBATE, UM NOVO OLHAR. ENSINO FUNDAMENTAL DE NOVE ANOS: DIMENSÕES DAS ABORDAGENS ACADÊMICAS EM PERIÓDICOS NACIONAIS EDUCAÇÃO AMBIENTAL E DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL COM ALUNOS DO PROGRAMA NACIONAL DE INCLUSÃO DE JOVENS - PROJOVEM EM RAFAEL JAMBEIRO PESQUISA HISTÓRICO-EDUCACIONAL E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS 499 OS PLANOS MUNICIPAIS DE EDUCAÇÃO NA BAHIA: O PROBLEMA DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA CHAPADA DIAMANTINA 542 493 509 522 529 13 Eixo 4 - História, Memória e Sociedade Autor(es) 01 Rony Henrique Souza Pg. 552 02 562 03 04 05 06 07 08 09 Título do trabalho EDUCAÇÃO E PLURALIDADE BRASILEIRA: UM FOCO INTERDISCIPLINAR Rachel Silveira Wrege O FINANCIAMENTO DAS ESCOLAS DOS JESUÍTAS NO BRASIL-COLÔNIA: ORIGENS E PROBLEMAS Rachel Silveira Wrege OS COLÉGIOS DE OLINDA E RECIFE E OS PROBLEMAS ENFRENTADOS COM AS INCURSÕES HOLANDESAS Rita de Cassia Brêda M. Lima EXPERIENCIANDO LEITURAS LITERÁRIAS COM Maria Helena da R. Besnosik MULHERES RURAIS Elizabete Pereira B dos Santos EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA NO RECÔNCAVO DA BAHIA: HISTÓRIA E POLÍTICAS PÚBLICAS Juciane dos Reis Santana CÍRCULOS DE LEITURA: UM RELATO DE Alaine de Santana Rosario EXPERIÊNCIA COM MULHERES DA COMUNIDADE DE ANTÔNIO CARDOSO [Pôster] Vinicius Santos da Silva REFLEXÕES AMBIENTAIS NAS TESES DOS ENGENHEIROS AGRÔNOMOS DA ESCOLA AGRÍCOLA DA BAHIA (1880-1904) Ludmilla Mendes Souza Carneiro A EDUCAÇÃO E OS REFLEXOS DA ADMINISTRAÇÃO CIENTÍFICA Daiane Silva Oliveira HOMENS PARA CÁ, MULHERES PARA LÁ”: PRÁTICAS DE UMA CULTURA ESCOLAR EM FEIRA DE SANTANA (1918 – 1935) 575 584 597 609 616 626 631 Eixo 5 - Cultura, Linguagem e Imagem Autor(es) 01 Érika Ramos de Lima Pg. 644 02 656 03 04 05 06 Título do trabalho FONÉTICA Y FONOLOGÍA DE LA LENGUA ESPAÑOLA: UN ABORDAJE CONTRASTIVO CON EL PORTUGUÉS Antonio Almeida da Silva PARADOXOS DA SOCIEDADE DA TECNOLOGIA: DO HOMEM MÁQUINA AO CYBER HUMANO Jeruza Jesus do Rosário MARISQUEIRAS, PESCADORAS E SABERES AFRO-BRASILEIROS: RUMO À SUSTENTABILIDADE Lívia Jéssica Messias de Almeida REPRESENTAÇÕES RACIAIS NOS LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA PORTUGUESA DO ENSINO FUANDAMENTAL I Laurinda Sousa Julião CULTURA E LINGUAGEM NOS PROCESSOS EDUCATIVOS NÃO ESCOLARIZADOS NOS MOVIMENTOS SOCIAIS DO CAMPO: O CASO DA ASSOCIAÇÃO REGIONAL ESCOLA FAMÍLIA AGRÍCOLA DO SERTÃO - MONTE SANTO/ BAHIA Flávia de Jesus EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA Damião AFRODESCENDENTE: EXPERIÊNCIAS E APRENDIZAGENS NAS RUAS DE BAIRRO NEGRO EM SALVADOR 667 680 689 702 14 07 Eduardo Oliveira Miranda Hellen Mabel Santana Silva 08 Renata Carvalho Silva Ivan Faria GEOGRAFIA ESCOLAR: CONTRIBUIÇÕES DA 713 PARAMETRIZAÇÃO E DA CONTEXTUALIZAÇÃO NA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM. HIP HOP E EDUCAÇÃO: CONHECENDO O 717 CENÁRIO DE FEIRA DE SANTANA Eixo 1-A Currículos e Práticas Educativas 15 16 A PEDAGOGIA GRIÔ E A VALORIZAÇÃO DOS SABERES POPULARES: (RE)CONHECENDO AS POSSIBILIDADES Dimaura Fátima Carvalho1 Universidade Federal da Bahia - UFBA Resumo:Atualmente muito se vem discutindo sobre temas como diversidade, pluralidade e heterogeneidade nos cenários educacionais, entretanto, a maioria das práticas educativas, em especial nas instituições formais de ensino, ainda se apresentam pautadas por ações padronizantes e homogeneizadoras, referenciadas por modelos unos e sistemas préestabelecidos.Entendendo a educação como uma prática social, vimos à construção do conhecimento como momentos vivos, resultado das interações, dos pensamentos, e das experiências históricas, sociais e culturais dos diferentes sujeitos envolvidos nesse processo. Dessa forma, este trabalho pretende apresentar e compreender estratégias educacionais de aproximação dos saberes e fazeres da cultura popular, em especial os saberes da tradição oral, à educação formal. Para isso serão analisadas as estratégias e práticas da Associação Grão de Luz e Griô, localizada na cidade de Lençóis, região da chapada diamantina, Bahia. Associação esta que coloca comomissão o fortalecimento da identidade e ancestralidade do povo brasileiro, por meio do reconhecimento e da valorização dos saberes de tradição oral e da aproximação destes com os espaços educacionais, tendo como referência a Pedagogia Griô.A proposta deste texto é explicitar, ainda que de maneira sucinta, o modelo de ação desta associação, traçando desde sua trajetória histórica (das primeiras ações até os projetos atuais), passando pela concepção e referências da Pedagogia Griô (que pedagogia é esta?), chegando até sua aproximação com a educação formal. O objetivo é dialogar com uma proposta pedagógica que busca no fortalecimento da identidade local a possibilidade de transformar os educandos (e a comunidade) em atores e autores de seus próprios processos de construção do conhecimento. O que se obteve neste texto foiaindicação da necessidade e das possibilidades de novos e outros caminhos que permitam articular, num processo dialógico, o trabalho pedagógico às realidades vividas pelos educandos em seus meios socioculturais, através, essencialmente, da integração entre conhecimento científico e conhecimento popular. Palavras-chave: cultura popular, tradição oral, educação 1. Introdução “Se a cultura contém um saber coletivo acumulado em memória social, se é portadora de princípios, modelos, esquemas de conhecimento, se gera uma visão de mundo, se a linguagem e o mito são partes constitutivas da cultura, então a cultura não comporta somente uma dimensão cognitiva: é uma máquina cognitiva cuja práxis é cognitiva." Edgar Morin 1 Mestranda em Cultura Popular e Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia. 17 Problemas como evasão, desinteresse, baixos índices de aprendizagem, entre outros, são uma constante nos espaços educacionais brasileiros, em especial, quando voltamos às atenções para as práticas da educação formal. Importante espaço socializador, de construção de identidades e formação de valores, a instituição escolar formada na sociedade capitalista vem reproduzindo, há tempos, os valores e padrões de uma elite dominante baseada num modelo estético eurocêntrico, excluindo, portanto, outras visões de mundo, referências culturais e históricas. Dessa maneira, a elaboração dos conteúdos dos programas escolares, bem como a forma como eles vem sendo colocados em prática mostram-se demasiadamente afastados das realidades e particularidades dos educandos, ou seja, a educação formal vem afastando-se, não é de hoje, do que Freire (1987) chamou de teoria dialógica da educação. Nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão de mundo, ou tentar impô-la a ele, mas dialogar com ele sobre a sua e a nossa. Temos de estar convencidos de que a sua visão do mundo, que se manifesta nas várias formas de sua ação, reflete a sua situação no mundo, em que se constituí. A ação educativa e política não pode prescindir do conhecimento crítico desta situação, sob pena de se fazer “bancária” ou de pregar no deserto (p.87). Segundo Moraes (2007), existem dois aspectos historicamente diferentes sobre o que se deve ensinar na escola: um, diz respeito às culturas hegemônicas, ditas clássicas, que são veiculadas pela mídia em geral; o outro refere-se à especificidade regional, étnica, e sua presença nas manifestações da cultura popular. Entretanto, os conteúdos relacionados às manifestações culturais locais não se apresentam como uma prática integrante da educação escolar, do cotidiano escolar. Para Abib (2005), “a cultura é talvez, atualmente, o locus mais significativo para se pensar, analisar, vivenciar, experimentar, imaginar, compreender e mesmo definir as sociedades contemporâneas” (p.45). Desse modo, acreditando que não há como pensar a educação sem que esta esteja também voltada para as culturas inerentes às comunidades, com suas práticas, vivências e maneiras de se relacionar com o outro, torna-se indispensável buscar estratégias educacionais que procurem integrar os saberes e tradições populares aos processos formais de ensino. A ideia de cultura popular, especialmente na estrutura social vigente está, quase sempre, vinculada a um conceito limitado de tradicionalismo, como algo que foi construído somente pelos antepassados. Na contra mão dessa ideia, Abib (2005), nos diz que: 18 Uma noção atualizada de cultura popular tem que abandonar a visão essencialista que outrora a caracterizava, bem como compreender as dinâmicas de construção das identidades, que embora sejam caracterizadas por um descentramento, como diria Hall, ou deslocamento, não deixam de abrir novas e outras possibilidades de articulação em torno de interesses culturais específicos, a partir, por exemplo, da constituição de grupos imbuídos em buscar, recuperar ou mesmo reconstruir suas raízes culturais, num processo de reconstituição de seu passado e de suas tradições (p.60). Ainda neste sentido, e considerando que “os processos identitários têm, assim, uma profunda imbricação com o conceito de cultura, sem no entanto, com ele se confundir” (ABIB, 2005, p.41), Hall afirma que: Assim, a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não algo inato, existente na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo “imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”, sempre “sendo formada” (2006, p.38) Neste viés, destaca-se o trabalho realizado pela ONG, hoje Ponto de Cultura, Grãos de Luz e Griô2, onde através do reconhecimento e da valorização da cultura popular local “propõe incorporar à esfera da educação, da política e da economia da comunidade, a força e o poder da tradição oral” (www.graosdeluzegrio.org.br) Acreditando que a ação educacional baseada no diálogo e na valorização da identidade e da cultura própria de cada localidade mostre-se como um caminho para a atuação crítica do indivíduo no mundo, para o fortalecimento da identidade de um povo, e para a sustentação de seu desenvolvimento social, a proposta deste texto é compreender as práticas pedagógicas desenvolvidas pela Associação Grãos de Luz e Griô, pautadas na Pedagogia Griô, partindo da ideia de que é na aproximação com a cultura popular, mais especificamente com a tradição oral, que as práticas educativas podem ser (re)pensada. 2. Associação Grãos de Luz e Griô – Breve histórico “Este projeto que vos falo Trata de uma reinvenção Do Griô que veio da África Do Brasil e da tradição Dos que guardam na memória Preservando nossa história Geração em geração” 2 A palavra tem origem na língua Banamam, língua do noroeste da África, e significa “o sangue que circula”. Assim, os Griôs são conhecidos como contadores de histórias, guardiões das tradições orais, ou, aqueles que fazem com que as tradições circulem pelas novas gerações. 19 (Trecho do cordel O Griô de todo canto, de Márcio Caíres, 2006) A associação Grãos de Luz e Griô iniciou sua trajetória em 1993, no município de Lençóis, Bahia, quando lideranças femininas locais juntamente com algumas mães da comunidade mobilizaram-se para a distribuição de uma sopa comunitária para crianças de baixa renda de um bairro periférico da cidade chamado Alto da Estrela. Paralelo a esse movimento, o senhor Manoel Alcântara desenvolvia um projeto de horta comunitária também com crianças e jovens de baixa renda das comunidades. Foi neste contexto que Jane da Silva Pellaux, brasileira, que vivia na Suíça, propôs a integração destas ações à um projeto de educação para crianças e adolescentes. Nasce então, da união das iniciativas anteriores às oficinas de artesanato e reforço escolar o Grãos de Luz 3. Em 1997, apesar de existir um grande interesse em fundar juridicamente o Grãos de Luz, optou-se por uma parceria com uma associação local a fim de se institucionalizar os financiamentos vindos das entidades estrangeiras Amigos da Suíça (coordenado por Jane Pellaux) e a ABC Trust (da Inglaterra). ` Em1998 os responsáveis pelas oficinas de arte e brincadeira iniciaram a construção de um projeto pedagógico nomeado Oficinas Grãos de Luz, que tinham como objetivo principal o fortalecimento da identidade cultural e afetiva de seus participantes. Em 1999, reconhecendo os resultados positivos dessas oficinas a Secretaria de Educação de Lençóis convidou seus coordenadores para participarem da Semana Pedagógica Municipal, realizando vivências e propondo discussões, além de elaborar um projeto de formação de professores para os educadores da rede municipal. Ainda em 1999, durante uma atividade liderada por Líllian Pacheco4 para adolescentes afrodescendentes a figura do Griô, revelada pelo etnólogo ArdagaWidor, entra em cena. “O encontro com a ideia do Griô africano, contador de histórias da tradição oral, se identificou completamente com as intuições e estratégias de fortalecimento da identidade cultural formuladas pela coordenação de projetos. Assim foi nomeado o Projeto Griô ...” (Pacheco, 2007 p.25). 3 O nome Grãos de Luz remeteaos mitos de chamada do diamante dos garimpeiros da região. Além disso, no imaginário social é muito frequente a criança ser associada a uma semente. A palavra luz, por sua vez, associa-se a sabedoria (Pacheco, 2007). 4 Idealizadora e coordenadora da Associação Grãos de Luz e Griô, e, idealizadora da Pedagogia Griô. 20 O projeto Griô objetivou mobilizar e capacitar professores das escolas públicas de Lençóis. Contou com a participação de aproximadamente mil crianças e onze escolas da comunidade, num movimento de fortalecimento da identidade e do vínculo afetivo entre os participantes. Foi justamente nesse período que o projeto Griô, bem como as oficinas Grãos de Luz, perderam o espaço físico onde realizavam suas atividades. Assim, os educadores passaram a desenvolver seu trabalho nas ruas ou em espaços cedidos pela comunidade a fim de manter o atendimento às crianças e aos jovens. Em 2001, a difícil situação em que se encontravam, especialmente em função da falta de espaço físico e de autonomia jurídica e administrativa, motivou mães, educadores do projeto e das escolas, parceiros locais, nacionais e internacionais a se unirem para a fundação da Associação Grãos de Luz, criando assim uma rede de solidariedade e responsabilidade social. Essa rede viabilizou o pagamento do aluguel de um espaço no centro histórico de Lençóis. Nessa nova etapa a associação passa a regulamentar termos de parceria, a sistematizar seus objetivos, estratégias e atividades do projeto, que integrados receberam o nome de Grãos de Luz e Griô. Em setembro de 2005, a convite do então secretário de cidadania cultural do Ministério da Cultura (MinC), Célio Turino, o Grãos de Luz e Griô se incumbe de apresentar, numa gestão compartilhada com o MinC, um projeto para a criação da Ação Griô Nacional 5. Em dezembro do mesmo ano a SPPC-MinC(Secretaria de Programas e Projetos Culturais) aprovou em seu orçamento o valor de R$1.500.000,00 para as Bolsas de Incentivo Griô. Em 2006 o Grãos de Luz e Griô tornou-se Ponto de Cultura do Brasil, através do programa Cultura Viva do Ministério da Cultura.. Em novembro de 2009 a Ação Griô Nacional registra no Cartório de Registros de Imóveis da cidade de Lençóis o projeto de lei intitulado Lei Griô. Um projeto de lei, de iniciativa popular, que propõe instituir “uma política nacional de transmissão dos saberes e fazeres da tradição oral em diálogo com a educação formal, para o fortalecimento da identidade e ancestralidade do povo brasileiro, através do reconhecimento político, econômico e sócio cultural dos (as) griôs, mestres e mestras da tradição oral do Brasil.” (www.graosdeluzegrio.org.br) 5 Esta Ação, em parceria com a Secretaria de Cidadania e Cultura, constitui-se por uma rede de 130 Pontos de Cultura e organizações comunitárias que, com seus Griôs mestres, Griôs aprendizes e representantes da tradição oral, estabelecem diálogos com as escolas, universidades e entidades educacionais justamente através de projetos pedagógicos de fortalecimento da identidade e ancestralidade do povo brasileiro. 21 Em 2010, a Lei Griô é aprovada como uma das 32 propostas prioritárias do governo durante a II Conferência Nacional de Cultura, que aconteceu entre os dias 11 e 14 de março, no centro de Convenções Brasil 21, em Brasília, evento onde foram encaminhadas 347 propostas nacionais envolvendo 2000 representantes em todo o país. Atualmente a Associação trabalha nos projetos da Ação Griô Nacional, assessorando as entidades parceiras, e na busca pela efetivação da Lei Griô. Em sua sede, na cidade de Lençóis, embora as oficinas encontrem-se temporariamente suspensas em função de uma reforma que ocorrerá em seu espaço físico, as ações pelas comunidades continuam acontecendo, além da construção de um projeto para a criação da Universidade Griô. 3. A Pedagogia Griô Foi pesquisando, repensando e, principalmente, reinventando métodos educacionais, inspirada pela educação biocêntrica de Rolando Toro6, pela psicologia comunitária de Cézar Vagner Góis7, pela educação para relações ético-raciais positiva de Vanda Machado8 e pela educação dialógica de Paulo Feire9, que Líllian Pacheco idealizou a Pedagogia Griô. Segunda a própria idealizadora trata-se de uma pedagogia da vivência afetiva e cultural que facilita o diálogo entre as idades, entre a escola e a comunidade, entre grupos étnico-raciais interagindo saberes ancestrais de tradição oral e as ciências formais para a elaboração do conhecimento de um projeto de vida que tem com foco o fortalecimento da identidade e a celebração da vida (Pacheco 2007, p.86). Um dos pilares centrais na construção da Pedagogia Griô foi a educação biocêntrica. Formulado pelo educador Rolando Toro em 1970, o princípio biocêntrico se funda no pensamento de que o universo está organizado em função da vida. Aplicado à educação, o princípio biocêntrico busca na afetividade e na vida os alicerces fundamentais de sua ação, acreditando que, transitando por diferentes formas, espaços e tempos, o processo educativo deva concentrar-se em oferecer condições para que os educandos se sintam parte integrante de um ecossistema que precisa ser vivenciado e cuidado com amor. Amor pela vida, pela natureza, pelos outros e por si próprio. Dessa forma, a educação biocêntrica traz consigo o 6 Nascido em 1924, o educador chileno Rolando Toro elaborou o sistema terapêutico da Biodança, a partir do qual construiu a proposta da educação biocêntrica. 7 Doutor em psicologia pela Universidade de Barcelona (Espanha),é professor de psicologia da Universidade Federal da Ceará e coordena o laboratório de estudos sobre a consciência (LESC) da Universidade Federal do Ceará. 8 Historiadora, doutoranda em educação e especialista em História e Cultura Africanas pela Universidade Federal da Bahia. 9 Nascido em 1921, em Recife, o notável educador e filósofo brasileiro destacou-se, principalmente, por seus trabalhos na área da educação popular. 22 preceito de que educar não significa apenas cultivar o intelecto, mas essencialmente cultivar a afetividade. A análise de alguns materiais mostra que as ideias difundidas pela Pedagogia Griô trazem sérias críticas a atual estrutura curricular da educação escolar formal. Na tentativa de romper com os modelos conservadores dessa educação, e ressaltando a importância da abordagem do diálogo nos processos educacionais, sua proposta é “intensificar os canais de percepção da realidade, ritualizando o diálogo e o próprio processo de ensino e aprendizagem entre as idades na escola e na comunidade” (Pacheco 2007, p. 86). A intenção é que, a partir da valorização dos saberes e fazeres da tradição oral e da cultura popular local desenvolvam-se vínculos que possibilitem a emergência do sentimento de pertencimento, isto é, que as pessoas busquem pertencer aos ambientes e aos lugares, e que estabeleçam relações com a comunidade em que se encontram. Segundo Pacheco (2007) a estratégia de ação da Pedagogia Griô, sistematizada,passaria por quatro momentos integrados, são eles: 1) A Roda das Oficinas e Cooperativas Grãos de Luz A idéia inicial é que as crianças, os adolescentes e suas famílias, passem a vivenciar as propostas pedagógicas do projeto. Os encontros acontecem semanalmente e desenvolvem-se oficinas de identidade, arte, e cursos específicos que envolvem os mestres e Griôs locais. A proposta da cooperativa consiste na venda dos trabalhos produzidos pelas diferentes oficinas (artesanato em retalhos, música e tradição oral, etc.) com o objetivo de gerar renda para os jovens do projeto. 2) A Roda da Caminhada do Velho Griô. Figura criada pelo educador (também idealizador do projeto) Márcio Caíres, o Velho Griô, através de suas caminhadas (cantantes) realizadas pelas escolas e pelas comunidades, possibilitaalém de uma rede de comunicação, uma convivência afetiva e cultural com essas pessoas. O Velho Griô chega caminhando aos locais e envolve toda comunidade, crianças, adultos, educadores e diretores, num diálogo dançante sobre mitos, heróis, histórias de vida, entre outros temas. 3) A Roda dos Educadores Regulamentado por um termo de parceria com a Secretaria de Educação, os educadores da rede municipal da cidade de lençóis que experimentaram, e se encantaram com a chegada do Velho Griô às escolas, participam de um “encontro de capacitação de 23 educadores Griôs”, onde vivenciam os projetos das oficinas Grão de Luz. A intenção é integrar a tradição oral ao sistema municipal de ensino. 4) A Roda da Vida e das Idades Aqui se dá o encontro de todas as rodas, num diálogo envolvendo todos os participantes. “O encontro das rodas chama-se Roda da Vida e das Idades, que se inspira na qualidade multissetorial, intergeracional, dançante e solidária das rodas de capoeira, dos candomblés, das manifestações culturais indígenas, (…), e outras manifestações e organizações de tradição oral no Brasil” (Pacheco, 2007, p.28). Um breve relato de como uma dessas intervenções ocorreu, e geralmente ocorre, pode ilustrar melhor a forma de atuação do projeto. A visita aconteceu na Escola Municipal Terezinha Guerra, localizada no município de Lençóis (Ba), única escola da Comunidade Rural do Quilombo do Remanso e que atende a mais de 50 crianças do primeiro ciclo do ensino fundamental. “Tudo começou em abril com uma visita-surpresa. A turma assistia às aulas quando ouviu vozes vindas de longe entoando antigas cirandas. Todos foram para as janelas, curiosos que só, e avistaram uma bela moça dançando com uma saia rodada e cheia de cores, cantando canções do tempo da escravidão. Junto dela, iam as octogenárias dona Judite e dona Rosa, duas das mais antigas moradoras locais. Os músicos eram animados homens da comunidade, quetocavam zabumba, triângulo e sanfona. As crianças correram para fora da sala, uma grande roda formada por velhos e jovens se fez e a moça da saia colorida se apresentou: - Eu sou uma jovem Griô, que para os antigos africanos quer dizer ‘contador de histórias e guardião das tradições orais’. Aprendi com os mais velhos coisas muito importantes, como as músicas da nossa terra, as histórias dos nossos antepassados e a ciência escondida em nossos saberes ancestrais. Vim aqui, acompanhada dessas sábias senhoras, para contar a lenda do diamante e como essa pedra é parte viva de nosso povo. Durante toda a manhã, a garotada aprendeu velhas canções (e soube em quais situações elas eram cantadas) e ouviu a trajetória da comunidade. Durante a tarde, dona Judite contou como aprendeu com a mãe a usar ervas medicinais e preparou um xarope com as crianças. Seu Robertinho, filho de Judite, ensinou os truques da pescaria sem linhas e anzóis, fazendo a moçada construir armadilhas de pesca centenárias. Os alunos viram, 24 ainda, como a mandioca se transforma em farinha e em goma de tapioca, bases da culinária local - um resgate saboroso da própria identidade cultural” (Revista Nova Escola). 4. A aproximação com a educação formal “Eu costumo dizer que eu tenho mais nome do que tamanho. Eu não passei na universidade. A minha universidade é a da vida, eu não tenho uma linguagem elaborada, uma linguagem cheia de ‘esses’, cheia de ‘érres’, mas eu tenho aquela que a criança me escuta, aquela que eu falo e eles não esquecem, entendeu?” Dona Cicí – Mestra Griô do Ponto de Cultura Pierre Verger Na tentativa de afastar-se do modelo de educação atualmente vigente, onde os educandos, sentados de costas um para os outros, escutam “passivamente” os infinitos monólogos versados pelo professores sobre temas abstratos e distantes, e são ainda geralmente estigmatizados entre “inteligentes” e “burros”, “obedientes” e “problemáticos”, etc., O Grão de Luz e Griô aproxima-seda Secretaria de Educação de Lencóis na construção de um projeto de formação de educadores municipais, baseado no modelo de ação pedagógica da Pedagogia Griô. Um dos primeiros questionamentos de uma funcionária da Secretaria foi sobre como se daria a rotina do planejamento dos professores. Segundo Pacheco (2007, p.78) “Não é fácil conversar sobre metodologia de educação e saberes da tradição oral. É preciso se autorizar ‘artista do invisível’”, especialmente quando a ciência enxerga com mais importância o que é produzido no chamado primeiro mundo. A solução encontrada foi, através do diálogo e de uma construção coletiva, pesquisar e reinventar métodos de educação. Encontrar na comunidade onde estavam os personagens que traziam a cultura viva em suas memórias, e por meio desses personagens provocar a participação social, a valorização da palavra e da tradição oral, a fim de que comunidade, educadores e educandos pudessem se encontrar, num processo onde passado e presente juntos, (re)construíssem um novo “modelo” de aprendizagem. Entendo que “ao entrar numa sala de aula, o aluno não deixa suas referências individuais e socioculturais nos seus nascedouros ou nos corredores da escola, ele traz consigo sua bagagem de valores e crenças, com os quais vai se desenvolvendo, se modificando, se aperfeiçoando” (Macedo 2009, p.122), percebe-se que, a Pedagogia Griô buscou aliar o currículo oficial das escolas aos saberes da cultura popular das comunidades, aproximando, dessa forma, os conteúdos da realidade local. 25 Apesar dos resultados positivos apontados pela parceria entre o projeto Grãos de Luz e Griô e o sistema municipal de ensino na cidade de Lençóis, Pacheco afirma que O Grãos de Luz ainda não chegou a um processo consciente de história de vida que pode chegar, mas isso é um processo também. Os meninos, hoje, eles olham a história de vida com arquétipo, com mito, mas eles ainda não juntam com a história social do mundo, a história social e política. Isso ainda falta. Que precisa. A pedagogia Griô ainda está se estruturando para poder ter uma prática que movimente tudo isso, que junte mais tudo isso. Mas é porque está em construção mesmo (Apud Silva, 2009, p.56). 5. Considerações finais Partindo da hipótese de que as fórmulas educativas propostas pela educação formal já há algum tempo vem passando por uma série de leituras críticas, e, como nos alerta Macedo (2009, p.112) que se faz necessário o questionamento de “...proposições curriculares que se apresentem como vias únicas”, pode-se enxergar na proposta da Pedagogia Griô, trazida pela Associação Grãos de Luz e Griô, uma possibilidade viável de se colocar em prática um projeto de educação que, através da valorização das tradições e saberes populares, permita aos educandos tornarem-se atores de seus processos de aprendizagem. Se, convencionalmente, a educação exigia disciplina, silêncio, destreza e um único tipo de linguagem, a saber a leitura e a escrita, hoje podemos ver na tradição oral, com seu cantar, contar e dançar uma realidade na aproximação entre a educação e os educandos. Se, usualmente, somente a figura dos professores detinha o conhecimento, hoje podemos ver nos mestres das cultura popular “a função de ser portador e guardião da memória e da tradição de seu povo (…)” (Abib, 2005, p.95). E, se, apenas os livros, as bibliotecas e museus asseguravam o caminho da cultura e da educação, hoje podemos ver, nos saberes provenientes da cultura popular, uma fonte inesgotável não apenas de conhecimento mas, principalmente, de reconhecimento. Dialogando com a ideia de Gadotti (2000, p.37) de que “todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade em função das promessas que cada projeto contém de estado melhor que o presente”, acreditamos que o projeto pedagógico apresentado pela Associação grãos de Luz e Griô, ainda que venha, e virá, a passar por momentos de reflexão, desconstrução e 26 reconstrução, possa ser visto como um possível caminho na conquista de uma educação que se pretenda emancipadora e transformadora da realidade. Referências Bibliográficas ABIB, Pedro R. J. Capoeira Angola: cultura popular e o jogo dos saberes na roda. Salvador: EDUFBA; Campinas, SP: CMU Publicações, 2005 FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987 GADOTTI, Moacir. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guacira Lopes Louro. 11.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2006 MACEDO, Roberto S. Currículo: campo, conceito e pesquisa. 3.ed. Petrópolis: Vozes, 2009 MORAES, A. C.; CUNHA, S. N. F.; SANTOS, T. M. 2007. Os quilombos urbanos versuseducação formal: a sobrevivência das práticas corporais: In: XV Congresso Brasileiro e II Congresso Internacional de Ciências do Esporte, 2007, Recife. Anais XV congresso Brasileiro e II Congresso Internacional de Ciências do Esporte. Recife, v.15. p.97-113. PACHECO, Lílian. Pedagogia Griô – A reinvenção da roda da vida. 2. ed., Grãos de Luz eGriô, Lençóis / BA, 2007. REVISTA NOVA ESCOLA. O passado e o presente. São Paulo: Abril. Nov/2009 ed. 277. SILVA, Juliana, L. Experimentação em cultura, educação e cidadania: O caso da Associação Grãos de Luz e Griô. 2009. 136f. Dissertação (Mestrado Profissional em Bens Culturais e Projetos Sociais) Faculdade Getúlio Vargas, Rio de Janeiro. Grãos de Luz e Griô. Disponível em: www.graosdeluzegrio.org.br. 27 LIDERANÇAS NEGRAS EM FEIRA DE SANTANA: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA DE CONSTRUÇÃO DE REFERENCIAIS POSITIVOS NO ENSINO MÉDIO Dulcinea Cerqueira Coutinho Barros10 RESUMO: Trata-se de um relato de experiência pedagógica realizada com alunos do 1° Ano do Ensino Médio do Instituto de Educação Gastão Guimarães. Objetivou conhecer as lideranças negras locais, partindo de pesquisa diagnóstica em bairros e distritos de Feira de Santana. Por meio de leituras, discussões e entrevistas, os alunos foram convidados a refletir sobre o papel da escola na manutenção ou superação da exclusão social do negro e da reafirmação ou desconstrução dos preconceitos. Foram biografadas dezenove trajetórias individuais de luta de homens e mulheres que desenvolvem atividades de valorização da autoestima negra ou buscam soluções para a situação de exclusão dos afrodescendentes em nossa cidade. Esse trabalho representou a primeira iniciativa concreta de inclusão da História e Cultura Afro-brasileira e Africana no âmbito da sala de aula, contemplando o que preconiza as Leis 10.639/03 e 11.645/08. Contribuiu, em primeira instância, para a formação de um sentimento de valorização do negro em suas múltiplas contribuições, aguçando entre os alunos um sentimento de pertença, mas também, permitiu a todos os envolvidos atuar como construtores de um saber histórico local ainda pouco explorado. Palavras-chave: ensino –afrodescendência – história local. APRESENTAÇÃO A intervenção pedagógica intitulada LIDERANÇAS NEGRAS EM FEIRA DE SANTANA nasceu das leituras e reflexões propostas durante o Curso Africanidades e Educação oferecido pela Secretaria de Educação do Estado da Bahia (SEC-BA) em parceria com o Instituto Anísio Teixeira (IAT) a professores da rede pública no ano de 2010. A temática do curso veio preencher uma lacuna da minha formação acadêmica em História, carente em estudos sobre a África e com uma superficialidade no que se refere à trajetória dos afrodescendentes no Brasil. De uma forma geral, a ausência desses saberes na formação do professor dificulta a introdução efetiva da História da África e das Culturas Afro-brasileiras nos currículos escolares dos ensinos Fundamental e Médio. 10 Graduada em História- UEFS (2000), Especialista em Metodologia do Ensino, Pesquisa e Extensão em Educação- UNEB (2001) e em Política do Planejamento Pedagógico: Currículo, Didática e Avaliação- UNEB (2007). Professora da Rede Estadual de Ensino - Bahia desde 2001. 28 Como forma de iniciar e ampliar o debate em torno da inclusão da História da África e das culturas Afro-brasileiras e indígenas no Instituto de Educação Gastão Guimarães a Área de Ciências Humanas e suas Tecnologias propôs desenvolver o Projeto “Brasil Africano: reconstruindo saberes e vencendo preconceitos”, no qual, a intervenção pedagógica “Lideranças Negras em Feira de Santana” esteve ligada como um sub-projeto. Optei em trabalhar com a temática lideranças negras locais, propositadamente, primeiro, porque queria conhecer os referenciais de negritude que meu aluno conhecia, segundo, porque queria desenvolver um trabalho de pesquisa em que eles pudessem sentir-se produtores de conhecimento e, terceiro, porque não existia nenhum documento ou material didático no nosso Município que resgatasse essas trajetórias individuais de luta pela inclusão do negro na sociedade. Esse sub-projeto foi desenvolvido ao longo de três unidades letivas do calendário escolar de 2010 com alunos das oito turmas de 1º Ano do Ensino Médio do turno matutino, nas quais, atuava como professora de História. Entre os objetivos propostos estava o de mapear e trazer a público as lideranças negras que atuavam em Feira de Santana, partindo da pesquisa nos bairros e distritos onde os próprios alunos residiam. Os dados coletados nas entrevistas foram trabalhados em sala de aula e, posteriormente, organizados numa publicação para divulgação na comunidade escolar e externa. A iniciativa trouxe ganhos efetivos para professores e alunos. Estimulou o respeito e valorização da identidade negra, proporcionando a muitos a oportunidade que faltava para assumir-se negro, fez emergir do anonimato pessoas que trabalham em prol da igualdade de oportunidades para os afrodescendentes e ainda aproximou o aluno da história local, do sentirse ator e produtor da História. OBJETIVOS GERAL Conhecer as lideranças negras de Feira de Santana, partindo de pesquisa diagnóstica em bairros e distritos onde os alunos residiam; ESPECÍFICOS 29 Promover a inclusão da História e Cultura Afro-brasileira e Africana no âmbito da sala de aula, contemplando o que preconiza as Leis 10.639/03 e 11.645/08. Pesquisar e interpretar indicadores sociais sobre a população negra brasileira; Enfocar as lutas e conquistas de líderes negros no Brasil e no mundo; Elaborar biografias das lideranças negras locais pesquisadas; Confecção de material impresso para divulgação na comunidade escolar e externa. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A cultura hegemônica ocidental perpetuou o olhar maniqueísta do “bem” sobre o “mal”, do “civilizado” contra o “bárbaro”, do “belo” sobre o “feio”, no qual, o padrão europeu é o centro gravitacional por excelência. Tudo que não comunga com esse lugar-padrão está num plano periférico, logo, considerado inferior e deve ser dominado, subjugado ou descartado. Carneiro salienta que “esse conhecimento científico foi vulgarizado, com o objetivo de facilitar sua compreensão pelo grande público, interferindo no imaginário social, gerando ou reforçando estereótipos e atitudes discriminatórias” (2007, p.21). A escola, filha do paradigma moderno, absorveu ao longo de sua existência boa parte dessa teoria racista materializada no Arianismo, no Darwinismo social e na Eugenia. Livros didáticos e materiais pedagógicos perpetuaram e ainda ajudam a reforçar o etnocentrismo dos europeus. Para Napolitano (2005, p.164) "a maior parte dos currículos formais ainda está formatada (nas emendas e nos programas) sob a forma quadripartite da divisão historiográfica" e completa afirmando que a estruturação do currículo escolar de História do Brasil, em sua origem, no século XIX, recaía sobre a História Universal, relegando o ensino de História do Brasil a um segundo plano, até os anos 30 do século XX. Fernandes (2005) ao propor uma análise mais acurada de nossos currículos, programas de ensino e livros didáticos também constata a preponderância da cultura dita "superior e civilizada", de matriz européia. 30 A escola brasileira, de uma maneira geral, tornou-se refém desse modelo de organização implantado pelos portugueses através do Colégio Pedro II e do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro- IHGB, o primeiro, criado para formar os filhos da nobreza, instalados no Rio de Janeiro e, o segundo, imbuído da tarefa de construir a genealogia da recém criada Nação brasileira. Nesse projeto de Nação, a matriz branca européia é a base da civilização, em detrimento de índios e negros que aparecem estereotipados como o "bom selvagem", o "primitivo", o "sem alma". Imagens negativadas do ameríndio ou do negro povoaram os livros didáticos no Brasil e ajudaram a tecer as redes de preconceito que ainda persiste entre nós. Por ser o principal instrumento utilizado nas salas de aula brasileiras, muitas vezes, o livro didático recobre-se de “verdades absolutas” e “saberes inquestionáveis” tanto para professores quanto para alunos. Silva (2004) mapeia estudos sobre o livro didático no Brasil e aponta os anos 1950 como marco inicial das preocupações. Para ela, "o livro didático, de modo geral, omite o processo histórico e cultural, o cotidiano e as experiências dos segmentos subalternos da sociedade, como o índio, o negro, a mulher, entre outros. Em relação ao segmento negro, sua quase total ausência nos livros e a sua rara presença de forma estereotipada concorrem, em grande parte, para o recalque da sua identidade e auto-estima” (SILVA, 2004, p. 51). As contribuições das novas perspectivas para a pesquisa histórica (História Social inglesa, Nova História francesa, Nova História Política) trouxeram mudanças na escrita da História. A problematização das cronologias rigidamente estabelecidas, os novos objetos, métodos e sujeitos que emergiram desse processo possibilitaram um novo olhar sobre a realidade e sobre o passado. Analisando a influencia dessas novas tendências no Brasil, Rago (1999) afirma que das questões femininas e do gênero à masculinidade, da sexualidade às relações raciais, da história do público ao privado, da ciência à religiosidade e à magia, da cultura erudita à cultura popular e à mídia, da história social à história cultural, assistimos a uma crescente produção acadêmica, criativa, instigante e polêmica, nas últimas décadas. (1999, p.74) Avanços na educação básica também são notados conforme salienta Napolitano (2005, p.179) “no contexto pedagógico atual, a História Contemporânea, tendo em vista que ela está mais próxima do cotidiano do aluno, tem sido muito valorizada como ponte para o estudo do passado mais remoto”. Parece-nos que a história do tempo presente, do espaço local, dos 31 novos grupos sociais, pode ser o ponto de partida para a construção de novas representações, novos conteúdos para a sala de aula. Somado a essas mudanças teórico-metodológicas, as lutas e reivindicações travadas por movimentos civis organizados, ao longo de décadas do século XX, visando resgatar historicamente a contribuição dos negros na construção e formação da sociedade brasileira obteve ganhos expressivos através da regulamentação das Leis 10.639/03 e 11.645/08. Nesse arcabouço legal, o negro é evidenciado como um elo formador da identidade nacional. Porém, para além desse respaldo trazido pela legislação, novos desafios são lançados, principalmente, para nós educadores. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (2005) apontam que a criação de pedagogias de combate ao racismo e a discriminação é um desses desafios. A via escolhida para desenvolver esse trabalho partiu das mudanças teórico-metodológicas ocorridas na escrita da História e da necessidade de construir um caminho pedagógico para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no Ensino Médio. Ao resgatar trajetórias individuais de homens e mulheres que afirmam no fazer cotidiano seus laços de ancestralidade podemos, em parte, responder à demanda por reconhecimento e valorização da comunidade afro-brasileira. Esses homens e mulheres que lutam contra a discriminação racial, pela valorização da cultura e identidade afro-brasileira, em prol da igualdade de oportunidades para os afro-descendentes são conceituadas, nesse trabalho, de lideranças negras. Sabemos que a regulamentação das Leis 10.639/03 e 11.645/08 não garantem, instantaneamente, a mudança de mentalidade. Esse é um trabalho lento e coletivo. O Estado precisa investir na diversidade cultural, racial, social e econômica da Nação brasileira. As escolas precisam de forma efetiva repensar seus currículos, incluindo diariamente, nos conteúdos e atividades as contribuições histórico-culturais de todos os grupos formadores dessa sociedade plural, sem hierarquizar valores e contribuições das matrizes étnicas. Os professores da educação básica precisam de formação específica para responder a essas novas demandas, não apenas o professor de História (sobre o qual parece recair unicamente a responsabilidade de aplicar a Lei). As universidades e seus pesquisadores terão que dialogar 32 com esses professores, fornecendo material bibliográfico, acompanhando os trabalhos desenvolvidos, trocando saberes. Muito está por fazer, disso ninguém tem dúvida. Iniciativas daqui e dali começam a aparecer: reformas curriculares nos cursos de licenciatura, incluindo a discussão da questão racial na formação de professores; ampliação dos cursos de pósgraduação e de pesquisas acadêmicas nessa área; editoras e autores de materiais didáticos já começam a responder a essas novas demandas sociais; professores buscam desenvolver experiências de educação para as relações étnico-raciais e crianças, jovens adultos das nossas escolas públicas tem seu interesse reforçado pelo processo educativo. METODOLOGIA O sub-Projeto foi desenvolvido pelos alunos do 1º ano do Ensino Médio, turmas 01 a 08 do turno matutino, sob a orientação conjunta das professoras de História e Geografia, em aulas das referidas disciplinas, durante os meses de maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro e novembro de 2010, fazendo uso de aulas da 2ª, 3ª e 4ª unidades letivas. Essa diluição temporal do Projeto e Sub-projeto em várias unidades letivas foi uma opção discutida e decidida pelos professores da Área de Ciências Humanas e suas Tecnologias visando o não comprometimento dos outros conteúdos curriculares das disciplinas e para que a inclusão da História e Cultura Afro-brasileira e Africana não ficasse presa a um tempo rígido, com hora determinada para começar e acabar. Ainda assim, ficou acordado que o dia 22 de novembro seria o momento de toda a comunidade escolar compartilhar os saberes construídos, marcando na escola as comemorações pela passagem do Dia da Consciência Negra. As atividades do Sub-projeto foram planejadas para acontecerem concomitante aos conteúdos específicos das disciplinas envolvidas ou sempre que se fizesse necessário dar orientações ou tirar dúvidas dos alunos. Mas, por se tratar de um tema específico da história local, reservouse a primeira semana de cada unidade para se levantar proposições ou fazer um balanço acerca da evolução do trabalho. Dessa forma, tivemos quatro momentos importantes em seu desenvolvimento: 1º momento: Sensibilização dos alunos acerca do tema e diagnóstico da viabilidade do projeto junto às turmas: apresentação dos vídeos: “Teste feito com crianças negras”, “Vista a minha pele” e “Espelho, espelho meu” - Qual o papel da escola na reafirmação ou desconstrução dos preconceitos? Havia a necessidade de se levantar essa problemática em nossa escola? 33 2º momento: Seminário realizado pelas professoras expondo dados estatísticos e indicadores sociais sobre a população afro descendente no Brasil; Conceito e definição de Liderança Negra; Líderes negros, lutas e conquistas no Brasil e no Mundo. 3º momento: Formação de grupos utilizando o critério ‘local de moradia’: a partir de seus bairros ou distritos os alunos levantaram possíveis nomes de lideranças negras e realizaram entrevistas; Escrita de biografias. 4º momento: Correção das produções de texto, digitação, impressão na gráfica e divulgação na comunidade escolar e externa. O trabalho realizado pelos alunos foi pontuado pelas disciplinas História e Geografia com o valor total de 5,0 pontos divididos entre a 3ª e 4ª unidade. DISCUSSÃO Tanto Reis e Ferreira (2008) quanto Canen e Oliveira (2002) fazem um alerta da necessidade de se distinguir as diversas abordagens por meio das quais as relações étnico-raciais pode ser inserida na prática pedagógica, que engloba das abordagens folclóricas ou exóticas às do multiculturalismo crítico. Segundo estes estudos, na primeira abordagem, o multiculturalismo preconiza a valorização da diversidade cultural sem questionar a construção das diferenças e estereótipos, reduzido a um "adendo" ao currículo regular, não visa a transformação da sociedade desigual e preconceituosa. Ao contrário, numa postura multicultural crítica, a identificação e superação dos mecanismos históricos, políticos e sociais que impõe o silenciamento de identidades e a marginalização de grupos é o cerne. Canen e Oliveira (2002) vão além ao apresentarem um estudo de caso no qual se aplica à prática pedagógica o multiculturalismo crítico, baseado na crítica cultural, na hibridização e na ancoragem social discursiva. As autoras salientam que "a prática pedagógica multicultural é uma prática que se constrói discursivamente, por causa de intenções voltadas ao desafio à construção das diferenças e dos preconceitos a ela relacionados".Concluem, afirmando que a educação e a formação de professores não podem mais se omitir quanto a questão multicultural. A intervenção pedagógica "Lideranças negras em Feira de Santana" foi fruto das primeiras leituras e discussões de suas idealizadoras sobre a necessidade de inclusão da História da África e das culturas Afro-brasileiras e indígenas na sala de aula. Não pretendeu ser a última nem a única. Não foi fiel ao mais crítico dos multiculturalismos, tão pouco, limitou-se a mera 34 valorização da diversidade cultural sem questionar a construção histórica, social e política dessas diferenças e estereótipos. Estamos certas de que a formação de professores é essencial para que novos olhares e fazeres ultrapassem os muros de nossas escolas e ajudem a construir uma sociedade menos desigual, mas, não menos, plural. RESULTADOS Partirei de depoimentos dos próprios alunos para avaliar os resultados desse trabalho: “Inicialmente, achei a tarefa difícil, pois não sabia que aqui em Feira tinha tantas lideranças negras. Ao conhecer Ivannide Santa Bárbara me surpreendi com seu conhecimento, com sua luta e garra para defender o movimento negro” (Verônica Santos) “Esse trabalho com as lideranças negras me fez reconhecer quanto valor tem o negro na sociedade” (Hugo Barbosa de Souza) “Ver o nosso trabalho exposto em um livro foi muito gratificante para mim” (Liviane Bispo) O trabalho com lideranças negras me fez valorizar ainda mais o que já gostava” (Micaele Ribeiro da Conceição) A intervenção pedagógica “Lideranças Negras em Feira de Santana” atendeu a intencionalidade da Lei 10.639/03 e às Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnicas-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana quando esta última determina que o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira “se fará por diferentes meios, inclusive, a realização de projetos de diferentes naturezas, no decorrer do ano letivo, com vistas à divulgação e estudo da participação dos africanos e de seus descendentes em episódios da história do Brasil, na construção econômica, social e cultural da nação, destacando-se a atuação de negros em diferentes áreas do conhecimento, de atuação profissional, de criação tecnológica e artística, de luta social”(2005, p.22). Ao trazer à prática educativa a luta de sujeitos, até então, excluídos do conteúdo escolar e da cena social de nosso Município, percebemos que muitos dos nossos alunos identificaram-se 35 com as trajetórias de vida e luta das lideranças pesquisadas, orgulhando-se das contribuições dos africanos e dos afrodescendentes para a construção da nossa nacionalidade e municipalidade. Demonstraram interesse sistemático pelo tema do Projeto e, em específico, do Sub-Projeto, solicitando, inclusive, indicações de textos, filmes e músicas que tratassem da identidade e resistência negra. O contato direto dos alunos e professores com as lideranças negras locais, através de conversas e entrevistas, gerou novos conhecimentos e experiências. Esse contato estimulou o respeito e a valorização da identidade negra, proporcionou a oportunidade que faltava a muitos deles para assumir-se negro. Além disso, a escolha em trabalhar o tempo presente e o entorno do aluno (seu bairro/ distrito/ município) permitiu a consolidação do trabalho de pesquisa de campo, fazendo análise diagnóstica, entrevistas, sistematização e discussão dos dados coletados e facção de texto escrito. No contexto escolar isso só foi possível porque optamos em trabalhar com a História local e com um tema cuja demanda era reprimida. Essa iniciativa trouxe ganhos efetivos de aprendizagem para professores e alunos, talvez, o principal deles foi chegarmos à conclusão de que a escola não deve se omitir, se esconder atrás das cortinas da suposta democracia racial. Ela deve ser o espaço privilegiado de construção e valorização dos diversos referenciais identitários, sem revanchismos. Não temos um caminho pronto, mas temos a vontade de caminhar. Esse Sub-projeto representou o primeiro passo. REFERÊNCIAS ABUD, Kátia. Currículos de História e Políticas Públicas: os programas de História do Brasil na escola secundária. In. BITTENCOURT, Circe(org.). O saber histórico na sala de aula. 9. ed.-São Paulo: Contexto, 2004. – (Repensando o Ensino). BRASIL, Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: MEC, 2005. _______, Lei n.10.639, de 9 de janeiro de 2003. Ensino sobre a História e Cultura AfroBrasileira. Brasília: MEC.2003. CANEN, Ana; OLIVEIRA, Angela M.A. de. Multiculturalismo e currículo em ação: um estudo de caso. Rev. Bras. Educ.,. Rio de Janeiro, n.21,dez. 2002. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php? 36 script=sci_arttext&pid=S141324782002000300006&lng=pt&nrm=iso>. acessos em 15 set. 2011. CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O Racismo na História do Brasil: mito e realidade. Série História em Movimento, Ática, 2007. NAPOLITANO, Marcos. Pensando a estranha história sem fim. In. 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A discriminação do negro no livro didático. 2. ed. – Salvador: EDUFBA, 2004. 37 DIÁLOGOS ENTRE CULTURA E EDUCAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE: A EXPERIÊNCIA DO PROJETO TOCANDO EM FRENTE EM RIACHÃO DO JACUÍPE-BA Ana Lise Costa de Oliveira Pedro Paulo Santos RESUMO: Este trabalho busca discutir as relações entre educação contemporânea e as questões vinculadas à cultura e a educação musical, considerando as práticas educativas decorrente dessa interação. Pretende-se aqui relatar a experiência de um projeto intitulado “Tocando em Frente", que está sendo realizado no município de Riachão do Jacuípe, no semiárido baiano. O referido projeto foi idealizado na ocasião da conquista do Selo UNICEF_na Edição 2008, onde o nosso município recebeu como prêmio a importância de 25 mil reais para investir em ações sócio-educativas para suas crianças e seus adolescentes. Desde então o projeto Tocando em Frente atua como uma escola de música, e vem atendo a um público infanto-juvenil composto de estudantes de escolas públicas e oriundos em sua maioria de bairros carentes da cidade, o que justifica a situação de vulnerabilidade social daqueles. A escola de música, conta atualmente com três professores que se distribuem no ensino dos seguintes instrumentos: violão, sax, flauta, bateria e teclado. Perfazendo num total de 100 alunos matriculados, a referida escola que funciona de segunda a sexta-feira, vem se destacando em seus seis primeiros meses de funcionamento, uma vez que tem promovido o resgate da cultura musical, que tradicionalmente sempre foi um dos atrativos da cidade. Nesse sentido, o projeto tem como missão além de instituir no município, uma escola de música voltada para crianças e adolescentes, buscar por meio desta a garantia dos direitos humanos e sua plena efetivação no que tange ao exercício da cidadania e ao acesso a cultura através da música. No tocante à metodologia, o projeto da escola de música está sendo mantido pela prefeitura municipal, através de suas secretarias de Educação e Cultura, bem como a secretaria de Assistência Social. Os ciclos de formação são três: capacitação de alunos, capacitação de professores, capacitação de arte-educadores e demais lideranças comunitárias. Como resultados o projeto, em sua primeira fase, está desenvolvendo o gosto e a valorização da cultura local, por meio da formação musical de alunos da rede pública, incluindo portadores de necessidades especiais. Portanto, este projeto se caracteriza por envolver em sua essência crianças e adolescentes de todo o município, carentes e desprovidos de acesso à cultura e outros bens culturais afins, principalmente aqueles que estão vulneráveis à violência, as drogas, ao trabalho infantil e aos diversos tipos de exploração; procurando reconhecê-los como sujeitos sócio-culturais, bem como protegê-los de todas essas mazelas sociais citadas; e visando descobrir nestes, talentos revelados pela música que promovam a garantia dos direitos humanos a exemplo do exercício da cidadania, ética, diversidade cultural e principalmente a dignidade. 38 Palavras-chave: Educação e Cultura; Educação musical; Práticas educativas CONSIDERAÇÕES INICIAIS A experiência intitulada “Diálogos entre cultura e educação na contemporaneidade: a experiência do Projeto Tocando em Frente em Riachão do Jacuípe-BA” está sendo realizada, desde março do corrente ano, no âmbito gestacional do poder público municipal na cidade de Riachão do Jacuípe, envolvendo duas secretarias: a de Educação e Cultura e a de Ação Social, com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social, prioritariamente, sendo estes estudantes do ensino básico cursando entre as modalidades fundamental e médio. Temos como objetivo principal neste trabalho socializar nossa experiência discutindo as relações entre educação contemporânea e as questões vinculadas à cultura e a educação musical, considerando as práticas educativas decorrente dessa interação. Assim, percebe-se que o cenário da educação contemporânea carrega em si muitas vicissitudes. São muitos os desafios que educadores e educadoras precisam enfrentar para que a educação possa fazer sentido na formação das novas gerações. Soma-se a isso as inúmeras demandas sociais que impulsionam novas exigências, como é o caso do acesso às tecnologias e do proativismo crescente dos sujeitos. Do ponto de vista da Educação e da Cultura, estamos vivenciando uma crise de valores e de identidade sócio-cultural, uma época de contradições, de intensos vazios de normativa moral, ética e cultural, no qual alguns estudiosos chegam a afirmar que estamos numa era do “pós-dever” e das identidades multifacetadas, vazias de sentido e de pertencimento. (BAUMAM, 1997; HALL(2006). Concorrendo para a superação desse quadro, a educação do século XXI tem mais um desafio que culmina na promoção de sujeitos sócio-culturais dinâmicos, conscientes, dialógicos em relação ao respeito das diferentes culturas. Tendo em vista essa realidade, este artigo intenciona somar-se às discussões do II Seminário Nacional Educação e Pluralidade Sócio-Cultural, mais especificamente no Eixo1: Currículos e Práticas Educativas. Nesse sentido, relataremos a seguir uma experiência exitosa, que está sendo desenvolvida no âmbito de uma educação não-formal, explorando a tessitura da prática educativa de um projeto que abriga uma rica diversidade de sujeitos. DESCREVENDO A PRÁTICA EDUCATIVA DO PROJETO TOCANDO EM FRENTE NA VISÃO DE SEUS ATORES, SUJEITOS SÓCIO-CULTURAIS 39 Ao adentrarmos nos pormenores desse relato, faz-se necessário antes discutirmos suscintamente os conceitos-chave que delineiam a nossa temática em questão a saber: educação, cultura ,educação musical e práticas educativas. Sobre a educação, entendemos como sendo uma prática eminentemente social responsável pela formação intelectual e psicossocial de pessoas, onde no contexto da contemporaneidade é reconhecida como a promotora dos novos tempos, aquela que abarca no seu seio as demandas e contradições sociais da atualidade, onde coexistem os vários modelos de formação, no qual se busca um novo caminho que vai ao encontro dos ideais individuais e sociais. (CHARLOT, 2008; D’ÁVILA, 2008). No tocante à cultura conforme Chauí (2009, p.10), a cultura é “a ruptura da adesão imediata á natureza, adesão própria aos animais e inaugura o mundo humano propriamente dito”. A partir do século XX a cultura passa a ser entendida como um campo simbólico em que a humanidade cria símbolos, signos, práticas e valores para definirem a si próprios. Assim, convivendo no século XXI, entendemos como cultura um modo de sentir e de agir de um povo, isto é, tudo que as pessoas lançam mão para construir sua experiência, tanto em termos matériais como espirituais, envolvendo aspectos físicos e simbólicos, de natureza material e imaterial em torno. Para Santos (2005) apud SELO UNICEF (2008, p.2) o conceito de cultura está “intimamente ligado às expressões de autenticidade da integridade e da liberdade. É uma manifestação coletiva que reúne heranças do passado, modo de ser do presente e aspirações, isto é, o delineamento do futuro desejado”. Junto a isso, pleiteia-se o desafio de uma educação musical que compreende, segundo Martins (1992) e Gohn (2011) é aquela que oportuniza ao indivíduo o acesso à música enquanto arte, linguagem e conhecimento. A educação musical, assim como a educação geral e plena do indivíduo, acontece assistematicamente na sociedade, por meio, principalmente, da industria cultural e do folclore e sistematicamente na escola ou em outras instituições de ensino nãoformal, sendo este última a modalidade que contempla a nossa experiência. Nesse sentido, integrado aos conceitos de educação, cultura e educação musical temos o conceito de práticas educativas, que contemplam na contemporaneidade um conjunto de saberes que sistematizam a aquisição do conhecimento por parte dos sujeitos. Para Freire (1996) e Gadotti ( 2000) deve-se entender por práticas educativas toda ação pedagógica que 40 medeia a construção do conhecimento, através da conscientização e autonomia dos sujeitos que interagem e constroem o aprendizado, tendo a cultura e a dialogicidade como elementos essenciais à formação dos sujeitos sócio-culturais. Em síntese, o relato dos sujeitos que se seguem tem como desafio a promoção de uma prática pedagógica, voltada para a educação musical, que vai para além da mera reprodução de conteúdos e passa a ser uma ação política de troca de concretudes e de transformação. Assim, reforçamos aqui a idéia de que a educação contemporânea carrega em si múltiplas faces que a coloca num lugar privilegiado considerando sua condição de aprendência, sua intrínseca relação com a cultura e a urgência de se trabalhar nas escolas e na sociedade com os valores humanos universais, tendo a música perpassando a transversalidade do conhecimento. Sabemos que os direitos humanos são aqueles comuns a todos sem distinção alguma de etnia, nacionalidade, sexo, classe social, nível de instrução, religião, opinião pública, orientação sexual e julgamento moral. Conforme, Benevides (2004) e Rocha (2009), estes direitos decorrem do reconhecimento da dignidade intrínseca a todo ser humano, assegurados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada há 60 anos. Desse período até os dias atuais, muita coisa mudou. Apesar de alguns avanços, como a criação de leis, por exemplo, o ECA, órgãos do governo e ONGs. Convivemos com a vulnerabilidade social que atinge a todos, sobretudo crianças e adolescentes remetendo assim à constante violação dos direitos humanos. Nesse sentido, este projeto se caracteriza por envolver em sua essência crianças, e adolescentes, de todo o município, carentes e desprovidos de acesso à cultura e outros bens culturais afins, entre os 10 e 17 anos, que estejam regularmente matriculados em escolas públicas principalmente aqueles que estão cadastrados no programa Bolsa Família assim como alunos integrantes da APAE (sem limite de idade), principalmente aqueles que estão vulneráveis à violência, as drogas, ao trabalho infantil e aos diversos tipos de exploração; procurando protegê-los de todas essas mazelas sociais e visando descobrir nesses talentos, revelados pela música, que promovam a garantia dos direitos humanos a exemplo do exercício da cidadania, ética, diversidade cultural e principalmente a dignidade. O Projeto Tocando em Frente ainda tem como missão instituir no município de Riachão do Jacuípe uma escola de música voltada para crianças e adolescentes, buscando a garantia dos 41 direitos humanos e sua plena efetivação, no que tange ao exercício da cidadania e ao acesso a cultura através da música. Além disso, como objetivos específicos temos: promover aulas de músicas e de canto, buscando assim por meio de uma atividade integral tirar crianças e adolescentes das ruas; disponibilizar atividades musicais que visem à valorização de crianças e adolescentes como seres humanos integrais; combater a exploração do trabalho infantil, assim como a exploração sexual de crianças e adolescentes através de capacitação, oficinas e aula de músicas e por último, estimular o bem estar, a conscientização e o reconhecimento de seus direitos e a esperança de um futuro promissor para crianças e adolescentes carentes do nosso município. No que se refere à sua trajetória, o nascedouro do projeto foi no ano de 2008, com a conquista do Prêmio Selo UNICEF município aprovado, onde se discutiu o destino dos 25 mil reais da premiação, em reuniões ampliadas envolvendo poder público representado pelo prefeito, secretários municipais, conselhos municipais em especial o Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), bem como sindicatos dos trabalhadores e de professores, associações comunitárias e outras entidades. O então articulador municipal do Selo Unicef lançou a idéia de se criar um projeto que envolvesse a cultura local, especialmente a música, devido a cidade ter uma Fila Harmônica premiada e reconhecida estadual e nacionalmente, formadora de boa parte dos músicos da cidade e da região. Em reuniões posteriores, o projeto foi se tecendo ao longo dos anos de 2009 e 2010. No início de 2011, com a aprovação do referido projeto pela comissão do Selo Unicef com sede em Salvador, houve liberação do recurso financeiro e a implantação se deu de fato no mês de janeiro do corrente ano com abertura das matriculas e divulgação dos trabalhos durante o mês de fevereiro. Nesse sentido, desde março de 2011, o projeto Tocando em Frente tem funcionado no espaço do palco municipal, contando com 100 alunos matriculados, 10 turmas, 3 professores de música, que ministram aulas dos seguintes instrumentos: violão, flauta, sax, bateria e teclado. As aulas funcionam de segunda a sexta-feira, nos turnos matutino e vespertino, no contraturno de horário em que os alunos freqüentam as escolas. O projeto também conta com apoio de uma pedagoga que exerce a função de coordenadora pedagógica, e um funcionário que atende aos serviços de limpeza e auxiliar administrativo. 42 Nesse ínterim, a dinâmica pedagógica do projeto, ainda está na sua primeira fase na qual está ocorrendo a formação musical de crianças e adolescentes, atendendo uma das metas principais que se pretende atingir. A prática educativa está organizada por aulas teórico-práticas, onde alunos recebem o conhecimento da teoria musical e também quase que simultaneamente exercitam o que aprenderam no contato direto com os instrumentos específicos. As aulas têm uma duração de 2 horas para cada turma, e os alunos que sentirem vontade continuar praticando podem reforçar o conhecimento em outras turmas. Os professores se reúnem a cada quinze dias com a pedagoga para reunião de planejamento do módulo das aulas. Ressalta-se que na visão dos alunos a escola de música representa um espaço de aprendizagem, onde a música representa um momento deles se sentirem felizes e aprenderem algo novo e diferente. Para esses alunos também esse é mais um espaço de socialização, de encontro com outros sujeitos, revelando a natureza afetiva que o ambiente traz, perpassando pelo aprendizado musical que muitas vezes é compartilhado uns com os outros, com muito mais freqüência do que no ambiente escolar formal. È interessante como os alunos enquanto sujeitos percebem a escola em suas nuances específicas. De um lado representa um espaço onde se aprende a música. De outro um espaço que tem um propósito de abrigar esses sujeitos, os afastando da situação de risco social. Isso se confirma na entrevista concedida por 4 alunos das quais se destacam duas falas que expressam muito bem o momento especial que demonstram estar vivenciando em suas vidas escolares: “Eu acho a escola muito legal, aqui a gente música mesmo, eu acho isso muito importante. Gosto de tocar teclado, quando o professor me ensina as notas e aos poucos vou aprendendo a tocar e parabéns é a música que tou aprendendo agora.” “Essa escola pra mim é importante, sim, é uma coisa muito boa, tira os jovens da rua. Queria que alguns colegas meus viessem pra também e aprender como eu tou aprendendo.” No ponto de vista dos professores a escola de música é como um sonho realizado. Reconhecem que é desafiante trabalhar com essa modalidade de ensino, porque ensinar música é complexo e precisa-se não só de conhecimento técnico, mas também ter dedicação, paciência e respeitar a diversidade de estilos musicais, bem como respeitar o ritmo de aprendizagem dos alunos. Acreditam, assim como os alunos, que o projeto transformado em escola de música tem uma missão importante que é colaborar com ações educativas para 43 afastar crianças e adolescentes das situações de vulnerabilidade social. Os docentes salientam também que lidar com o repertório e a diversidade musical dos alunos, não é tarefa fácil, mas para tanto lançam mão de aprender junto com os alunos, escutá-los em suas sugestões, e orientá-los a escolher um bom repertório musical durante os exercícios das aulas, o que inclui a introdução da escuta dos clássicos e do que há de contemporâneo proporcionalmente. Alem disso pretendem formar bons músicos com o trabalho que tem feito, acreditam sobretudo no potencial artístico dos seus alunos e por isso investem nisso como carro chefe do seu fazer educativo cotidiano. Vejamos o que dizem os professores: “Ser professor de escola de música é mais um aprendizado. Aprendo com os alunos também. Estou relembrando tudo que sei e aprendendo coisas novas. É gratificante trabalhar aqui, ver nos meus alunos um aprendizado rápido e são talentos novos em Riachão. Eu encarei essa oportunidade, porque sou determinado, tenho paciência e ouço bem. No dia a dia as vezes é complicado acompanhar o ritmo do aluno, mas com dedicação vejo eles se desenvolverem aos poucos e mostrando seus talentos. Estou envolvido no mundo da música há mais de 30 anos e me dedico há mais de 15 anos como professor de música e meu maior orgulho é o aprendizado e o sucesso profissional de meus alunos. Pra mim estou realizando um sonho, porque trabalhar e formar crianças e adolescentes me dá a sensação de que estou fazendo a coisa certa.” Ivonaldo, Professor de Violão. “Fui aluno do Mestre Benzinho, na Fila Harmônica Lira 8 de setembro e hoje sou professor desta escola de música. Fazer música boa hoje é um desafio. No meio de tanto besteirol, é difícil, mas com paciência eu meus colegas temos conseguido fazer com que os alunos ouçam os artistas modernos, sem esquecer dos clássicos. Me orgulho quando eles escutam Pixinguinha, Pepê Romero, Dilermano Reis, grandes artistas do passado que estão cada vez mais vivos, e também ouvem Yamandu Costa e Robson Miguel artistas de boa qualidade de que tocam hoje. Meu sonho é ver meus alunos de hoje sendo bons músicos amanhã. É gratificante ver os alunos da APAE aqui aprendendo música com a gente. A música mexe com os sentimentos, não quero que meus alunos sejam analfabetos musicais, é surpreendente ver que em apenas seis meses já tem alunos tocando muito bem” Alexandre, professor de flauta, teclado. Por último, na visão dos gestores municipais e de lideranças comunitárias locais, a escola de música representa um projeto pioneiro na cidade na região, uma vez que é a única escola mantida pelo poder público e que gratuitamente oferece serviços tendo prioridade para o atendimento de crianças e adolescentes em situação de risco social. Apesar dos poucos recursos na cultura, a prefeitura conta com a parceria das secretarias de Educação e Assistência Social, do Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), da família e da sociedade jacuipense. Esse envolvimento promove um renovar de esperanças no 44 futuro da infância e da juventude, principalmente no que tange a melhoria na qualidade de vida desses sujeitos que um dia serão adultos e com o que aprenderam de bom vão influenciar os seus descendentes e quem sabe mudar a história da música popular no município, estado e país. CONSIDERAÇÕES FINAIS Dado o exposto é sabido que o Brasil musicalmente é um país muito rico, possui uma diversidade incalculável de ritmos, sons e cabe a nós desfrutarmos desse traço marcante que nos faz sentir orgulho de ser brasileiro e preservar o temos de patrimônio cultural. Sobretudo entende-se isso não como preservação de algo que passou, mas como reconhecimento de um valor vivo que se faz presente em todo e qualquer momento. Um exemplo disso é o samba, o nosso samba de roda, o xote, o xaxado, o rap, o choro, eles estão aí, vivos e sendo tocados. É preciso preservar isso no sentido de participar ativamente, dar prosseguimento, e inovar o repertório para as gerações futuras. Através do Projeto Tocando em Frente, educação e cultura se enlaçam num elo que contempla a formação integral dos sujeitos, segundo Dayrell (1996) sujeitos sócio-culturais, que antes de tudo são as pessoas que carregam suas histórias de vida, influenciam e são influenciados pelas interações sociais nos mais variados contextos. Por meio da educação musical as práticas educativas sistematizam as dimensões intelectual, afetiva, estética e política, que promovem a consciência cidadã, o enraizamento e a preservação das identidades. Portanto, o relato nos serviu de inspiração para problematizarmos as relações entre educação contemporânea e as questões vinculadas à cultura e a educação musical, considerando as práticas educativas decorrente dessa interação. Como limites encontramos: investimento limitado do governo no fomento aos projetos culturais municipais. Como possibilidades vislumbramos a preservação da cultura local, o despertar do amor pela cultura musical, através de praticas educativas exitosas de um Projeto que no seu título carrega subjetiva e ousadamente uma ação implicada pela canção do músico e compositor Almir Sater. Por fim aqui terminamos com um trecho da canção “Tocando em frente”, que inspirou o nome do nosso Projeto e que se constitui para nós envolvidos uma lição e ao mesmo tempo um desafio: 45 “Penso que cumprir a vida seja simplesmente Compreender a marcha e ir tocando em frente Como um velho boiadeiro levando a boiada Eu vou tocando dias pela longa estrada eu vou Estrada eu sou.” Almir Sater. REFERÊNCIAS BAUMAN, Zygmut. Ética Pós-Moderna. São Paulo: Paulus, 1997. BENEVIDES, Mª Vitória de Mesquita. Conversando com os jovens sobre os direitos humanos. In: NOVAES, Regina; VANNUCHI, Paulo (orgs). Juventude e Sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2004, p.34-52. CHARLOT, Bernad. O professor na sociedade contemporânea: um trabalhador da contradição. Revista da FAEEBA, vol 17, nº30, jul/dez 2008, p. 17-32. CHAUÍ, Marilena. Cultura e Democracia. 2ª edição. Salvador: Secretaria de Cultura, Fundação Pedro Calmon, 2009. (Coleção Cultura é o quê? I) D’ ÁVILA, Cristina. Formação Docente na Contemporaneidade: limites e desafios. Revista da FAEEBA, vol 17, nº30, jul/dez 2008, p. 33-42. DAYRELL,Juarez. Múltiplos olhares sobre educação e cultura.Belo Horizonte: UFMG, 1996. FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e terra, 1996. GADOTTI, Moacir. Perspectivas atuais da educação. Porto Alegre: Ed. Artes Médicas, 2000. GOHN, Daniel. As Novas Tecnologias e a Educação Musical. Disponível em: http://sites.uol.com.br/cdchaves/educamusical.htm. Acesso no dia 01 de setembro de 2011. 46 HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomás Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 11. ed. 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A partir do modelo de Perelman, tomamos “ética” e “moral” como intercambiáveis, uma vez que seus significados em termos práticos são os mesmos. O “multiculturalismo” se configura para nós como um conjunto de respostas à condição plural de nossa sociedade, a partir do qual o conceito de identidade é central. Práticas de Bullying têm recebido grande atenção por parte de diversos meios de comunicação. Isso provocou o nosso interesse já que tais práticas sociais se relacionam a aspectos educacionais sobre os quais construímos nossos olhares. O que procuramos debater, em especial, é o desenvolvimento de um programa que buscou interferir nesse processo. Trata-se de ações que tinham como escopo reduzir o comportamento agressivo entre estudantes de algumas escolas do Rio de Janeiro. O nosso objetivo foi analisar em que medida um programa antibullying se constituiu, levando em consideração o campo de onde falamos: um espaço de interface entre a ética e o multiculturalismo. O presente estudo é um recorte dentro do contexto mais amplo da pesquisa a partir do qual fazemos uso da metodologia da análise retórica para buscar a compreensão das diferentes ações e respostas dos sujeitos. Os resultados até o momento encontrados sugerem que podem ser positivos os caminhos percorridos para se combater o bullying: movimentam novos acordos, construindo uma solidariedade contra atos de violência no espaço escolar; repercutem um clima institucional multicultural mais atento à violência; configuram uma ética intercultural na qual o argumento de direção é fundamental (uma vez nomeando o problema, passamos a fase do reconhecimento, chegamos à interferência). Porém, o principal desafio percebido está nas demandas geradas a partir da repercussão do conceito. As denúncias passam a serem geradas num movimento intenso, exigindo de seus atores uma resposta, nem sempre possível diante das condições. Se o foco ficar apenas na divulgação e na reação, este pode ser um grande limite da intervenção no desafio ao bullying na escola. Uma ética intercultural caminha em outro sentido, provocando negociações que alterem o clima institucional de maneira preventiva, fortalecendo laços que são barreiras para reprodução de qualquer tipo de violência. Palavras-chave: multiculturalismo; ética; análise retórica. 1 - Apresentação do tema Ao nascermos, aprofundamos paulatinamente um processo de desenvolvimento de diferentes linguagens. Passamos a nos orientar a partir dos significados que atribuímos ao contexto no qual estamos inserimos. Nosso vocabulário progride rumo a um estar no mundo 11 Professor da Faculdade de Formação de Professores da UERJ. Na mesma instituição é integrante do grupo de pesquisa “Intelectuais, História Social e Estudos Culturais”, no qual está inserida a linha de investigação “Multiculturalismo e Ética em Educação”. Doutorando em Educação do PPGE – UFRJ. 48 que corresponde ao próprio contínuo da humanização. É nesse caminhar que esbarramos em diferenciações e hierarquizações culturais que antecedem a nossa existência e ao mesmo tempo se faz com a nossa presença. A cada dia, temos acessos a múltiplos conceitos. Alguns podem ser simples, tais como “papai” e “mamãe” e outros bem complexos para uma criança: “como manga pode ser uma fruta e ao mesmo tempo parte de uma roupa?”. O mesmo significante pode ser nomeado de modos distintos numa mesma língua, em função da sua dinâmica e das diferenças regionais. Há palavras que não são correspondidas quando transitamos entre idiomas diferentes. Essa complexidade ganha contornos ainda mais variados quando tomamos contato com termos polissêmicos: “cultura”, “multiculturalismo”, “justiça”, “identidade”, “diversidade”, “pluralidade”, “democracia”, “liberdade”, “igualdade”, “diferença”, “raça”, “etnia”, “gênero”, “sexualidade” e “ética” são alguns desses conceitos que nos aproximamos hoje. São palavras de nossos tempos: anúncio de debates com fins de promover um cenário social e educacional diferente daquele que nos esbarramos corriqueiramente. No meio desse cenário, emerge de maneira avassaladora um conceito que expressa algo que se relaciona a um tipo específico de violência: bullying12. De alguma maneira, esse discurso chega às escolas nos dias de hoje. Quais significados e sentidos estão em jogo nessa discussão? Tem provocado quais consequências? Como os diferentes sujeitos o percebem no ambiente escolar? Cônscios de que práticas de bullying se relacionam com discursos presentes na sociedade, uma vez que toda prática social possui uma dimensão cultural (HALL, 1997); e ainda, de que as questões que dizem respeito às identidades culturais possuem uma dimensão ética (OLIVEIRA, CANEN e FRANCO, 2000), o nosso argumento é em defesa da complementaridade entre os campos do multiculturalismo e da ética para pensar um assunto de natureza tão complexa. É na interface entre os referidos domínios do conhecimento que estamos situados. A partir dessas considerações: enfocamos os campos do multiculturalismo e da ética, tomando bullying como temática; a seguir, adotamos um programa “contra o bullying na escola” como objeto de análise; ao final, levantamos considerações que dizem respeito ao 12 Estamos nos apropriando desse conceito com base em Beaudoin e Taylor (2006): a partir delas, para nós, bullying é uma palavra de origem estrangeira que se compreende como um tipo específico de violência, por se configurar de maneira sistemática, amparada em aspectos de ordem física e/ ou simbólica, causando danos psicológicos aos envolvidos. 49 momento atual do presente estudo. O objetivo da atual pesquisa foi analisar os efeitos de um programa anti-bullying na escola, considerando um campo de interface entre o multiculturalismo e a ética. 3 – Fundamentação Teórica A diversidade cultural tem sido evidenciada em muitas pesquisas nos últimos anos. Em várias partes do mundo, as profusas entradas na discussão concernentes à temática revelam uma preocupação crescente por parte daqueles que desejam construir uma sociedade democrática e cidadã. Nesse horizonte de inquietações, multiculturalismo pode ser compreendido como a natureza das respostas que se dá ao caráter plural de nossas sociedades, em tempos de intensa reorganização intercultural por parte das mudanças geográficas e tecnológicas, em um novo cenário recente da globalização (CANDAU, 2008; CANEN, 2007; CANEN e MOREIRA, 2001; CANEN e SANTOS, 2009; SEMPRINI, 1999). Cumpre observar que estamos entendendo globalização não como um simples fenômeno de homogeneização, mas como um elemento complexo das sociedades pósindustriais contemporâneas a partir das quais se percebe um reordenamento no cenário global que vem tendo um significativo impacto na nossa relação com o mundo (HALL, 1997). O campo da educação também busca respostas em relação ao caráter multicultural de nossas sociedades (CANDAU, 2008; CANEN, 2007; CANEN e MOREIRA, 2001; CANEN e SANTOS, 2009; RIBEIRO, 2009). “Quer usado como meta, conceito, atitude, estratégia ou valor, o multiculturalismo costuma referir-se às intensas mudanças demográficas e culturais que têm ‘conturbado’ as sociedades contemporâneas” (MOREIRA e CANDAU, 2008, p. 7). Para Semprini (1999), o multiculturalismo é o próprio sintoma dessas mudanças. Cumpre enfatizar que os caminhos são sempre provisórios em função das próprias características do multiculturalismo: polissêmicas, dinâmicas, tensas, conflitivas, complexas e oscilantes (CANEN, 2007; CANEN e MOREIRA, 2001; MOREIRA e CANDAU, 2008; RIBEIRO, 2009). Deste modo, uma educação multicultural pode ser entendida como a natureza das respostas à diversidade cultural que se dá nos ambientes educativos, atribuindo significações que perfazem as diferentes abordagens: folclórica, crítica, pós-colonial, dentre outras. 50 Podemos explicitar, por exemplo, as três tendências mencionadas com as quais temos trabalhado. Uma perspectiva multicultural folclórica é aquela que se limita aos ritos, festas, costumes, roupas, comidas típicas e outros produtos de uma determinada cultura. Já uma vertente crítica se concentra nas possibilidades de emancipação dos grupos oprimidos, discutindo as relações assimétricas de poder que os atinge. Tal abordagem tem incorporado a crítica pós-moderna que traz uma concepção híbrida da realidade na qual os discursos são constitutivos da mesma (CANEN, 2007; CANEN e SANTOS, 2009; RIBEIRO, 2009). Maffesoli (1995) substitui o individualismo pela identificação com o grupo, o que forja regras que se amparam numa identidade coletiva comunitária. Nesse cenário, configurase o que o referido autor chama de “Ética da Estética13” que se sustenta pelo “prazer de estar junto”. O estilo ocupa uma centralidade na discussão como um caráter essencial de um pensamento coletivo, plural e heterogêneo. Salienta-se que há transições, contaminações e superposições entre os estilos e as épocas, não facilmente separáveis. Não é fácil perceber alguma fragmentação, pois tudo está imbricado. O aludido autor possui uma contribuição para pensarmos o cenário atual da vida social. Suas inferências nos oferecem um “olhar” deslocado para as situações cotidianas, corriqueiras. Faz-se mister admitir que tal ângulo recebeu pouca importância ao longo da modernidade. Ademais, o hedonismo e o prazer de estar junto geram forças passíveis de constituir “uma ética da estética”. No entanto, como todo pensamento humano, a obra em questão está sujeita a contrapontos. Que lugar instâncias como a escola e a Universidade ocupam hoje na pós-modernidade narrada? Esvaziam-se todo e qualquer projeto que vá além das “tribos”? Qual é o lugar das decisões dos indivíduos? Estariam elas restritas e a mercê ao/ do pensamento do grupo? E quanto à responsabilidade dos sujeitos em suas próprias ações? Já Perelman (2004) salienta a rica confrontação de ideias que incidem sobre a Filosofia, trazendo essa discussão para sustentar sua perspectiva ética. Nas Filosofias Primeiras, cada pensador busca a supremacia de seus pensamentos, procurando sustentar a primazia de seus princípios. Deste modo, despreza-se qualquer outra “Metafísica”. Podemos observar, a partir disso, que as Filosofias Primeiras possuem um ponto em comum: todas se constituem por um 13 Ou da Emoção no sentido grego atribuído à palavra Estética. 51 sistema definido a priori. Busca-se determinar os seus princípios primeiros (o ser, o conhecimento ou a ação) através dos quais se empenha em solidificar objetos de prova. Uma Filosofia Regressiva, tal como sustentada por Perelman, rompe com este percurso quando não decreta a suspensão do juízo. Contamos, a partir dele, com um instrumental para pensarmos na tensão entre os princípios e os juízos de valor nas disputas por legitimação. Poder-se-ia, desta forma, sustentar uma ética entre os grupos, indivíduos e instituições de maneira não prescritiva através da qual possam negociar suas diferenças e não mais impor verdades tidas como absolutas. Isso significa a superação discursiva da dicotomia universalismo e relativismo, sustentada por Perelman através de um universalismo a posteriori que leva em consideração os juízos de valor (não confinadas para sempre como antivalor) entre pessoas e contextos que vivem as suas experiências com base em decisões (muitas vezes urgentes), opiniões, escolhas e preferências. Oliveira (2010b) discute a oportunidade de adentrarmos na discussão sobre ética/ moral e os seus desdobramentos na esfera escolar, refletindo a prática do professor, cônscio de que a mística que gira em torno desse campo na escola (e fora dela) é bem grande. Cunhase à ética, tal como nos ressalta Oliveira (1996, 2010a, 2010b), um objetivo “salvacionista” que responda aos conflitos diversos, tais como: nacionalistas, religiosos, étnico-raciais e outros. Em concordância com o mencionado autor, compreendemos que o debate em torno do referido campo vai muito além das prescrições entre o que se define como “certo” e “errado”. Deste modo, a citada obra nos situa numa complexa discussão de interesse contemporâneo uma vez atenta à complexa relação entre ética e cultura (s). 4 – Metodologia A partir da argumentação, trabalhamos com as seguintes categorias: orador, discurso e auditório (PERELMAN e OLBRECHTS-TYTECA, 2005; OLIVEIRA, 2010a). O orador entende-se que é quem busca a adesão de outrem ou de um coletivo. O auditório, por sua vez, é a quem o orador deseja convencer/ persuadir. É com base nessas posições-de-sujeito que refletimos em que medida é possível pensar em acordos com relação ao bullying nos quais a diferença pode ser ou não negociada14. Que 14 Cabe mencionar, com base em Meyer (2007), essa diferença pode não ser alterada e até mesmo ampliada caso o discurso do orador não se consiga o propósito do convencimento/ persuasão. 52 argumentos sustentam o convencimento com relação à negação ao bullying? Seria esta uma prática entendida como “agressão” pelo auditório? A taxionomia de Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005) configura-se como componente de nossa metodologia. Tomando tal obra como base, cumpre realçar que a classificação dos argumentos não é inflexível. Isto é, os argumentos podem ser caracterizados e apropriados, mas não tomados com a rigidez que contrapõe a própria constituição hermenêutica de onde se origina a interpretação15. Os argumentos encontram-se a partir da seguinte distinção: a) Quase-lógicos; b) Argumentos baseados na estrutura do real; c) Argumentos que fundam a estrutura do real; d) Argumentos de dissociação. Os argumentos quase-lógicos são aqueles que se aproximam do pensamento formal, porém não chegam ao estatuto da lógica. Uma vez se tratando de argumentos, podem ser refutados. A retórica está no campo do verossímil, das opiniões, do plausível e não da verdade absoluta. Podemos destacar “a inclusão do todo às partes” e as “definições” como um exemplo de argumentação quase-lógica. Aqueles que relacionam os fatos consoantes as consequências são chamados de argumentos baseados na estrutura do real. O argumento de direção pode ser um exemplo: “Haja dessa forma que você obterá êxito em sua vida profissional”. Os que fundam a estrutura do real são aqueles que buscam conhecer o desconhecido através de algo conhecido, por exemplo, a utilização de modelos. “Aquele professor é uma referência a ser seguida: sério, competente e bem realizado profissionalmente”. Esses três tipos completam os “argumentos de ligação”, ou seja, aqueles em que se vê um vínculo entre os termos, o que os difere dos argumentos de dissociação por que procuram separar aquilo que não deveria estar ligado, os pares filosóficos clássicos, por exemplo: verdadeiro/ falso; corpo/ alma, dentre outros. Somado a essa caracterização, as figuras retóricas16, a partir de Reboul (2004), nos proporcionam um aprofundamento que contribui com a taxionomia explicitada anteriormente. Isto porque entendemos a figura em retórica como um instrumento livre e codificado que os oradores recorrem para o convencimento/ persuasão (REBOUL, 2004). 15 De acordo com Perelman e Olbrechts-Tyteca (2005), a interpretação possui a dimensão da escolha e da criação, ressaltando a impertinência se esta for compreendida como a única possível. 16 Diferencia-se de outras figuras de linguagem por buscar o convencimento do auditório (REBOUL, 2004). 53 Com relação ao sujeito da pesquisa, optamos por entrevistar uma coordenadora pedagógica que participou de um programa antibullying desenvolvido pela ABRAPIA. Tal instituição, financiada pela Petrobrás, coordenou um trabalho que tinha como finalidade reduzir o comportamento agressivo entre estudantes de escolas públicas e privadas. Nosso empenho esteve na compreensão de sua argumentação, procurando pistas que provocavam questões para pensarmos o multiculturalismo, a ética e o combate ao bullying na escola. 5 – Discussão e resultados No que diz respeito às características do orador, trata-se de uma pedagoga experiente, atuante como especialista em Orientação Educacional desde 1991. Há 16 anos ela trabalha numa escola municipal na Zona Sul do Rio de Janeiro. No momento da entrevista, a profissional apresentou uma série de reportagens (jornais e revistas) concernentes à temática “violência escolar”, em particular sobre “bullying”, o que demonstra seu interesse em relação ao assunto, além de notória preocupação a respeito de como ele vem sendo noticiado. Entendemos que a entrevistada tem em mente um auditório constituído por acadêmicos. Cônscia de que participava de uma pesquisa de doutorado, a cuja temática ela atribuía relevância, mostrou-se solícita em contribuir com o trabalho: reservou um momento em sua sala para a entrevista; apresentou-me a alguns profissionais que se encontravam na escola; promoveu um encontro com um dos alunos que participou do programa; disponibilizou todo o material arquivado sobre o assunto para cópia. Baseado na taxionomia de Perelman e Olbrecths - Tyteca (2005), os argumentos quase - lógicos foram predominantes na entrevista, sobretudo, pela utilização de “definição” e “análise”. Uma das possíveis explicações para essa escolha pode ser explicada pelo ethos do orador, amparado em sua experiência profissional. Um dos aspectos que nos chamou a atenção é o fato do sujeito perceber o tema como inesgotável e evidente. Suas experiências profissionais, formação acadêmica, leituras e contatos com o programa da ABRAPIA contribuíram, em menor ou maior grau, para essa definição. Isso nos impulsiona para a importância do caráter pró - ativo, do papel da educação na desconstrução do bullying na escola e na sociedade, tal como nos sinaliza, direta ou indiretamente, alguns autores multiculturalistas (CANEN, 2007; CANEN e SANTOS, 2009; RIBEIRO, 2009). 54 Cumpre ressaltarmos que, antes mesmo da entrevista começar, Regina17 demonstrou preocupação com os possíveis desdobramentos do conceito que está sendo banalizado. Para ela, bullying é um processo repetitivo que causa danos psicológicos aos envolvidos, restrito a relação exclusivamente entre alunos. Nessa direção, sua resposta é taxativa. Distancia-se de nosso referencial uma vez que, para nós, os discursos não iniciam e terminam numa categoria homogênea e incomunicável. Quando analisa a presença do bullying na escola, a entrevistada enfatiza a necessidade de toda uma organização sistemática e de um trabalho conjunto que poderá proporcionar resultados favoráveis, como: planejamento e parcerias com os familiares e com a Universidade. Porém, não é o que ela vem acompanhando. Proposições anti-bullying e/ ou programas com essa intencionalidade têm impulsionado re/ ações descontínuas e permanentes. Outro aspecto a destacar diz respeito às demandas geradas pelo volume de informações dentro da escola. Conforme nos salienta Perelman (1996), novos acordos podem ser gerados, uma vez justificáveis. No caso da escola em questão, as práticas do bullying foram notadas, identificadas. Mas, isso gerou um número de denúncias que cobraram dos profissionais da educação uma reação que eles talvez não esperavam e/ ou estivessem preparados. Mais duas noções estão situadas nos quase-lógicos: “escola” e “alunos das camadas populares”. A escola é vista pela depoente como um espaço de tensões. Essa visão coaduna com a perspectiva de Candau na medida em que a autora salienta o espaço escolar mais do que um arco íris de culturas, também o espaço de conflitos (CANDAU, 2008). No entanto, contrariando o referencial por nós adotado, a diversidade cultural tende a ser vista como um problema. Isso fica ainda mais evidente quando narra a identidade dos alunos/ jovens das camadas populares. Esses são vistos como sujeitos que possuem inúmeros problemas (como se apenas eles os tivesse) e que os trazem para a escola.Quanto aos argumentos baseados na estrutura do real, três deles são interessantes: “argumento de direção”, “vínculo causal” e “relação meio-fim”. No primeiro caso, destaque para a seguinte trajetória: a) aumentam as informações sobre o bullying > b) desperta a consciência para o assunto; > c) trata-se melhor dos problemas. Esse argumento reforça a tese de que o tema está alterando a inércia, gerando possíveis acordos (PERELMAN, 1996). Todavia, a direção pode 17 Nome fictício utilizado por considerações éticas do nosso trabalho. 55 culminar, conforme já pontuamos, na desestabilidade dos profissionais da educação em não saber lidar com a demanda gerada. Salientamos a presença do vínculo causal imbricado no itinerário supramencionado: não conseguir lidar com os problemas é conseqüência de um grande volume de reclamações e despreparo dos profissionais da escola. Segundo a coordenadora pedagógica, alunos com dificuldade em aprendizado voltam a sua atenção aos seus colegas, praticando bullying. Fazse mister considerar esse rumo tomado na interpretação do sujeito. No entanto, visto de forma absoluta, essa informação nos parece assaz reducionista. Além dos três tipos de argumento que compõem esse bloco na tipologia, salientamos a presença do argumento de autoridade para as “pessoas capacitadas”. Vejamos o seguinte excerto: “a universidade, tendo as pessoas capacitadas, com formação, que possam vir à Escola, estar conosco, identificando os casos, discutindo com os alunos os casos, tentando buscar soluções com melhor relacionamento...” (entrevista cedida pela coordenadora pedagógica Regina em 24 de abril de 2011). A questão que levantamos é: por que as pessoas capacitadas estão apenas na Universidade? E quanto à formação continuada, esta não pode contribuir? Será que todos os que estão na Universidade são mesmo os capacitados para enfrentar o problema em questão? Caberia a esse oráculo a solução de todos os problemas? Não desejamos com essa problematização questionar a contribuição da Universidade na árdua tarefa de agir no mundo. Não queremos desconstruir uma autoridade que lhe cabe ao depositar esforços na reflexão no campo da educação. Distante disso, nossa intenção é romper com a dualidade entre aqueles que pensam e aqueles que agem, tal como a utilização do argumento de autoridade parece conduzir. Completa a linha de argumentos de ligação, os que fundam a estrutura do real. Conforme já expusemos, são aqueles que, segundo Olbrecths – Tyteca (2005), ligam o que aparentemente se apresenta separado. Essa dimensão teve uma marcante incidência, mormente, quando a entrevistada elege “modelos” que estão baseados: no reconhecimento do outro, na busca do diálogo, na manutenção de um clima familiar na instituição e no sucesso da aprendizagem. No seu modo de ver, como barreira para se atingir esse fim, encontra-se uma estrutura familiar negligente e problemática que acaba fazendo com que o estudante traga intimidação, menosprezo e violência para a escola. 56 Os argumentos de dissociação não foram marcantes na retórica exposta. As únicas exceções se concentram na separação entre: “estudantes oriundos das camadas populares”, o que subentende outras classificações de estudantes; e “negligência familiar”, o que sugere outra dissociação, uma vez que há outros tipos de negligência. A entrevistada separa “pobres” e “ricos” sem contemplar os aspectos culturais que os atravessam, bem como a pluralidade que os constituem. Quanto às figuras retóricas, apenas as “sinédoques” predominaram. Ela buscou delimitar o campo do bullying “entre alunos”. Além dessa sinédoque principal, Regina utilizou expressões como: “o professor” (seria apenas um?), “a direção da escola” (há três diretores), “alunos têm seu pensamento” (qual seria esse único pensamento inato do aluno?), “o funcionário” (mesmo caso dos anteriores), “cada elemento tem sua forma de ver” (idem aos anteriores), além dos “alunos da escola pública” (segundo ela, todos pobres e cheios de problemas). Uma pausa e algumas inferências O objetivo do atual estudo foi investigar até que ponto os discursos proferidos por uma coordenadora que participou de um programa de combate ao bullying na escola poderiam sugerir caminhos para o campo do multiculturalismo e da ética. Estávamos interessados nas respostas e/ ou reações dos sujeitos à proposta anti-bullying. Nossa pesquisa tem sugerido que a resposta a trabalhos como os realizados pela ABRAPIA pode ser positiva uma vez geradora de um clima desfavorável ao bullying. Estamos acompanhando a possibilidade da condição de autoria por parte do sujeito ser um forte indício nessa direção. No caso das argumentações analisadas, percebemos que a experiência profissional possui um laço muito presente na sustentação de modelos e antimodelos, o que salienta, como temos observado, a força dos argumentos que fundam a estrutura do real, uma vez que o auditório, no caso de nossa pesquisa, mostra-se convencido de que o bullying é algo prejudicial para a sociedade e passa a ser negado dentro das escolas. Procuramos argumentar que ações pró-ativas e reativas são relevantes, sugerindo programas que sejam continuados e que tomem o relacionamento como relevante para se 57 trabalhar na escola. Espaço em que diferentes sujeitos, em sua pluralidade, se constroem entre si, a partir da relação, atribuindo significados, dentre os quais, os indesejáveis. Os conflitos e tensões daí resultantes nos convidam às respostas, ainda que sejam provisórias. Bullying é uma das formas pelas quais as violências se manifestam, causando prejuízos que esbarram na necessidade de se construir uma ética multicultural a partir da identidade cultural das instituições. Não se muda ninguém pela força, mas pelo convencimento/ persuasão. Não se trata de uma panacéia, mas de uma possibilidade de reflexão e de intervenção. Referências BEAUDOIN, M.; TAYLOR, M. Bullying e desrespeito: como acabar com essa cultura na escola. Trad. Sandra Regina Netz. Porto Alegre: Artmed, 2006. CANDAU, V. M. Multiculturalismo e educação: desafios para a prática pedagógica. In: MOREIRA, A. F. e CANDAU, V. M. (org.). Multiculturalismo: Diferenças Culturais e Práticas Pedagógicas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008, p. 13- 37. CANEN, A. O multiculturalismo e seus dilemas: implicações na educação. Comunicação e Política, v.25, nº 2, p. 091-107, 2007. CANEN, A.; MOREIRA, A. F. B. Reflexões sobre o multiculturalismo na escola e na formação docente. In: CANEN, A.; MOREIRA, A. F. B. 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Ética, multiculturalismo e educação: articulação possível? Revista Brasileira de Educação. Campinas, n. 13, p. 113- 126, jan. / abr. 2000. PERELMAN, C. Ética e direito. Trad. Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes, 1996. PERELMAN, C. Retóricas. 2 ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. PERELMAN, C. & OLBRECHTS-TYTECA, L. Tratado da Argumentação: A Nova Retórica. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. REBOUL, O. Introdução à Retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2004. SEMPRINI, A. Multiculturalismo. Trad. Laureano Pelegrin. Bauru, São Paulo: EDUSC, 1999. RIBEIRO, W. G. Bullying e educação: um olhar multicultural para as dissertações e teses. In: I Seminário do Colégio Municipal, 2009, Rio Bonito. Colégio Municipal 30 anos, 2009. SE A CANA PRECISA ESTAR DOCE, POR QUE DILUIR O CALDO? A CIRCULARIDADE ENTRE SABERES COTIDIANOS E CIENTÍFICOS 59 NA ABORDAGEM ESCOLAR DA PRODUÇÃO DE CACHAÇA Rosiléia Oliveira de Almeida Faculdade de Educação Universidade Federal da Bahia Resumo: Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa empírica desenvolvida com o objetivo de evidenciar a possibilidade de circularidade entre as culturas no espaço escolar, através da promoção de articulações entre os conhecimentos científicos e os conhecimentos cotidianos na busca de atribuição de sentido à prática de diluição do caldo da cana na produção de cachaça. Tendo por referência o conceito de circularidade entre as culturas e sua aplicação ao campo da educação (TURA, 2002), bem como estudos sócio-antropológicos desenvolvidos em unidades de produção locais, foram desenvolvidos encontros formativos com professores e situações didáticas em sala de aula com estudantes do 7º ano do Ensino Fundamental, com registro fílmico e análise de interações discursivas. O estudo indicou que não é o argumento lógico derivado da ideia de que a cana deve ser moída quando está bem madura ou o desconhecimento dos argumentos técnicos que levam muitos produtores a não diluírem o caldo, mas, sim, razões práticas: a existência de mercado e a preferência local pela cachaça forte e a ideia de que a diluição atrapalha o rendimento e as propriedades sensoriais da cachaça. As atividades formativas desenvolvidas junto aos professores permitiram que eles colocassem em relação diferentes formas de cálculo do volume de água de diluição a ser adicionado ao caldo da cana, definindo qual a mais apropriada, o que considerou o pluralismo epistemológico envolvido nas recomendações técnico-científicas e nas práticas cotidianas tradicionais. As intervenções didáticas em sala de aula indicaram que os alunos ampliaram os seus universos de conhecimentos sobre as práticas culturais locais a partir do entendimento das razões que orientam as práticas dos produtores e das justificativas científicas para a realização da diluição do caldo, atribuindo significado e sentido aos conteúdos ensinados, através de um diálogo em que tiveram possibilidade de colocarem um pé numa cultura e o outro na outra cultura. Palavras-chave: circularidade de saberes; pluralismo cultural e aprendizagem escolar. INTRODUÇÃO Neste trabalho buscamos evidenciar que o ensino de Ciências, ao tomar como referência a experiência cultural dos alunos, articulando-a aos saberes técnico-científicos e às relações sociais que lhe são subjacentes, pode favorecer a atribuição de sentido à prática social local e o entendimento dos conceitos científicos pelos alunos. A mediação de situações de aprendizagem ancoradas na experiência cultural, em parceria com professores de cinco escolas da microrregião de Abaíra - BA, tendo por referência estudos sócio-antropológicos realizados unidades de produção de cachaça, permitiu que professores e alunos percebessem que a aparente rotina da produção da cachaça impõe desafios cognitivos, cuja resolução requer as aprendizagens sistemáticas que só as escolas, como ambientes educativos privilegiados, podem proporcionar. 60 Aplicando o conceito de circularidade entre as culturas ao campo da educação (TURA, 2002), constatamos a possibilidade de articulação entre os modelos cognitivos próprios da vida cotidiana e os da ciência na abordagem de várias práticas locais, entre elas a de diluição do caldo da cana no início da fermentação, que aparentemente contradiz a recomendação técnica de que a cana tem que ser cortada bem madura. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A pesquisa teve como pressuposto teórico a necessidade de articulação entre os modelos cognitivos próprios da vida cotidiana e da racionalidade técnico-científica, tendo por referência o conceito de circularidade entre as culturas (GINZBURG, 1987) e sua aplicação no campo da educação para traduzir a dinâmica da interação de diferentes padrões e lógicas culturais no espaço escolar (TURA, 2002). O conceito de circularidade entre as culturas é empregado no campo da educação para designar a dinâmica da interação de diferentes padrões e lógicas culturais no espaço escolar, traduzindo a concepção de que “a escola é um local privilegiado de troca de idéias, de encontros, de legitimação de práticas sociais, de interação entre gerações, de articulação entre diversos padrões culturais e modelos cognitivos”, o que se deve à sua “ação sistemática na aprendizagem de conhecimentos, competências e disposições socialmente reguladas à população de crianças e de jovens de uma específica organização social” (TURA, 2002, p. 156). A expressão circularidade entre as culturas é mencionada por Carlo Ginzburg, em seus estudos no campo da história da cultura, para se referir ao intenso influxo recíproco entre a cultura subalterna e a hegemônica, na primeira metade do século XVI (GINZBURG, 1987). Tura (2002, p. 155), ao se apropriar do conceito, aplicando-o ao campo da educação, considera que “a noção de circularidade entre culturas estabelece, pois, uma mobilidade fundada na inter-relação e na intertextualidade das culturas e subentende movimentos ascendentes e descendentes, que se processam no interior de uma hierarquia de poderes”. Considerando-se que nas sociedades atuais o poder está cada vez mais difuso e as identidades fluidas e fragmentadas, a ideia de movimentos “de baixo para cima, bem como de cima para baixo”, empregados por Ginzburg ao se referir à Europa pré-industrial, parecem, no atual momento histórico, ter perdido o significado. Canclini (2000 relativiza o paradigma binário subalterno/hegemônico, contrapondo-se à noção de que diferentes culturas estejam dispostas 61 em distintos patamares, já que entre elas acontecem processos frequentes de hibridações, envolvendo misturas, repulsões, atritos e sínteses. Apesar destas considerações, o conceito de circularidade entre as culturas mantém seu potencial heurístico para o campo da educação. O diálogo intercultural, através da tradução de saberes e práticas entre diferentes culturas, pode ser construído através da hermenêutica diatópica, proposta por Boaventura Sousa Santos, coerente com a perspectiva de circularidade de saberes, pois se baseia na ideia de que todas as culturas são incompletas e que o diálogo entre culturas não visa atingir a completude, por ser este um objetivo inatingível, mas sim ampliar a consciência da incompletude mútua, “através de um diálogo que se desenrola, por assim dizer, com um pé numa cultura e outro noutra” (SANTOS, 2006, p. 448 apud CANDAU, 2008, p. 52). Essa função articuladora torna-se ainda mais importante no atual cenário, em que, como afirma Certeau (1995) a escola perdeu sua centralidade como distribuidora da ortodoxia e da ortopraxia em matéria de prática social. É importante que as escolas não só admitam a existência de diferentes culturas, mas também, conforme enfatiza Azibeiro (2003), adotem um enfoque que busque “entender a singularidade e a originalidade de linguagens, valores, símbolos e estilos diferentes de comportamentos que são tecidos pelas pessoas em seu contexto histórico e social peculiar” (p. 87), o que requer considerar as diferenças culturais como construções sociohistóricas e a interculturalidade como a “produção molecular e cotidiana de espaços, de tempos e de subjetividades plurais, movendo-se no terreno do híbrido, do polifônico, do dialógico” (p. 97). Nesse sentido, o ensino de Ciência, ao promover o diálogo e a demarcação entre conhecimentos tradicionais e científicos, e não a substituição de uns por outros, favorece a ampliação dos universos de conhecimentos dos alunos com concepções científicas (BAPTISTA, 2010). METODOLOGIA Para Demo (1993), cabe à escola assumir o papel de referência comunitária, o que exige dos professores pesquisa do espaço e do tempo nos quais a instituição está inserida, em particular das identidades culturais. Neste sentido, ela deixa de ser um “supermercado anônimo” que atende genericamente ao público para resgatar a capacidade de mensagem própria diante das peculiaridades regionais e locais. 62 Coerente com esta perspectiva, Azevedo (2007) ressalta que as escolas apresentam como um importante desafio metodológico desenvolver ações pedagógicas pertinentes que propiciem a construção de conhecimentos de forma significativa a partir da prática social, o que requer a investigação socioantropológica da experiência viva das culturas e da história das comunidades. Tomando como pressuposto metodológico a necessidade de aproximação ao contexto social local como condição para a contextualização didática dos conteúdos escolares, foi desenvolvida uma investigação-ação em sala de aula do 7º ano do Ensino Fundamental, envolvendo registro fílmico de situações discursivas. A investigação buscou evidenciar a possibilidade de se promover a circularidade entre saberes na sala de aula, através da valorização das formas de pensar e agir ligadas à vida cotidiana na organização de situações de aprendizagem interativas relacionadas às estratégias de identidade locais, elaboradas de forma colaborativa com os professores, em reuniões formativas, apoiadas em resultados de um estudo sócio-antropológico em doze unidades locais de produção de cachaça, com diferentes níveis de incorporação de inovações técnicas. Neste trabalho é ressaltada a circularidade entre os saberes cotidianos, científicos e escolares envolvidos na prática de diluição do caldo da cana. RESULTADOS E DISCUSSÃO A diluição do caldo foi um dos temas de maior interesse entre os professores. Essa prática recomendada na produção da cachaça de qualidade e praticada por alguns produtores locais mesmo antes de começar a ser difundida pelo discurso técnico-científico, pareceu-lhes contraditória com a prática da colheita da cana madura. – Eu não tô entendendo! Se o caldo não pode ficar muito concentrado porque, então, as pessoas já não pegam a cana com menos açúcar para evitar ter que diluir? (Professor Henrique) – Se quando o caldo é doce demais atrapalha, por que não cortar a cana antes de ficar tão madura? (Professora Selma) – Mas como colocar água?... O que a gente ouve dizer aqui é que tem cachaça que, pra render, põem açúcar no cocho! (Professora Edimara) A análise das situações discursivas permitiu constatar que os alunos desconheciam o conceito de diluição e a recomendação técnica de se diluir o caldo na produção da cachaça, sendo que ela também lhes pareceu sem sentido, o que foi traduzido por questionamentos como: “se o produtor deve esperar a cana ficar bem doce para cortá-la, por que misturar água depois?”. 63 Entre os produtores a prática de diluição do caldo, embora não seja muito aceita, é conhecida por todos, sendo que a associam com a obtenção de cachaça mais fraca. O estudo socioantropológico evidenciou que não é o argumento lógico derivado da ideia de que a cana deve ser moída quando está bem madura que leva muitos produtores a não diluírem o caldo, mas, sim, razões práticas, que também interferem em suas disposições cognitivas para aprendê-la. Assim, para Sr. Edimar, um produtor com unidade de produção moderna: “a cachaça produzida com caldo diluído perde fortaleza, fica azeda e estraga mais depressa” e “os compradores querem cachaça com ajofre18 e em vez de ficá o ajofre bonito, com as bôinhas pequenininhas, ela fica aquela bôia d´água. Fica bastante bôia, mas é tudo bôia d ´água, aquela bôiona grande. Fica fofa”. Outro produtor, Sr. Hélio, que poderia ser facilmente rotulado como apegado à tradição, com seu engenho e cochos de madeira e alambique de carapuça, talvez entenda mais facilmente as diversas vantagens da diluição do caldo, pois em sua estrutura de pensamento já existe a idéia de que diluir o caldo ajuda a fermentação: “quando eu paro de moer eu jogo um pouquinho [de água]... ajuda a fermentá”. Assim, tanto é uma interpretação simplista afirmar que a continuidade das práticas tradicionais se deve a uma suposta resistência à mudança, quanto afirmar que a incorporação de tecnologias se deve a uma suposta propensão à mudança, já que as identidades individuais são plurais e até mesmo contraditórias. O estudo sócio-antropológico permitiu identificar os fatores socioculturais ligados à não realização da diluição do caldo pela maioria dos produtores: existência de mercado para a cachaça forte, já que muitos atravessadores fazem o desdobramento da cachaça e obtêm, assim, maior lucro; a ideia de que a diluição atrapalha o rendimento ou as propriedades sensoriais da cachaça e a preferência local pela cachaça forte, que “desce ardendo”. D. Rosa, mesmo diante dos argumentos fornecidos pelo técnico Adalto de que a cachaça mais fraca fica com “bouquet melhor”, “mais macia”, “mais suave”, “mais gostosa”, “mais boa de se beber”, manifesta sua convicção de que o ajofre é sinônimo de cachaça boa: “olha, eu vô te falá a verdade... eu já fiz... se ocê colocá água o ajofre na cachaça não é igual ao que você não põe água! Cê já prestou assunto pro cê vê? As boinhas num fica mais pequena... Cê ainda não prestô assunto não?”. 18 O teste do ajofre/ajofre, de natureza indiciária, engloba a observação rápida, precisa e simultânea de vários aspectos: tamanho, quantidade, disposição e tempo de duração das bolhas formadas pela cachaça, ao ser despejada numa cuia. Do ponto de vista científico, fundamenta-se na tensão superficial da mistura de água e etanol existente na cachaça. 64 Poucos produtores reconhecem a possibilidade de produzir a cachaça com um grau alcoólico definido como outra razão que justifica a diluição do caldo, o que requer o uso do sacarímetro (Figura 1) no cálculo da quantidade de água de diluição que será necessária para a padronização do caldo, de acordo com o teor de açúcares da cana moída. Eles reconhecem que não empregam a técnica com o controle recomendado, evidenciando os limites da racionalidade técnica diante da complexidade do cotidiano. – Se você fosse fazer uma cachaça baseado nesse resultado imediato aqui, você ia bagunçar tudo, você não ia colocá bastante água pra fermentá, não ia padronizar o caldo direito e ele não ia fermentá no tempo. Agora no caso da gente, no dia-a-dia, se é uma cana de uma área que você sabe como é, você não precisa ficar fazendo todo dia as medidas, pode fazer 2 vezes por semana, 3 vezes... não vai mudar muito, pelo terreno dá pra saber mais ou menos. O ideal é medir todos os dias, mas a gente faz isso e acaba dando certo. (Produtor Wilian) Entre os professores poucos manifestaram ter ideia da importância da prática de diluição do caldo na padronização do grau alcoólico da cachaça: Professora Maria do Carmo: Tenho uma curiosidade... De acordo com a quantidade do caldo da cana que põe na dorna... é dorna que fala?... aí sabe a quantidade de cachaça que sai? Professor Romilson: Aí que vêm as duas formas de fabricar... pelo menos pelo pouco contato que eu tenho. Se você tá fazendo a cachaça padronizada, pra engarrafamento, aí normalmente vai dar sempre a mesma quantidade, porque há todo um controle do doce... eu não sei como vocês chamam... do açúcar da cana. Se tá doce demais, mistura água pra ficar num padrão, aí dá mais ou menos a mesma quantidade. Já a nossa popular cachaça, aí depende do doce. Quanto mais a cana tá doce ela produz mais por alambique. É quando dizem “a cachaça tá rendendo!”. Tá dando 40, 50 L, depende da cana, do terreno, do doce... É interessante... quanto mais a cana é do alto, de onde não tem muita água, dá cachaça melhor! As outras razões que levam à recomendação técnica de se diluir o caldo da cana eram desconhecidas por todos os professores. Ao ouvirem a explicação de que a concentração alta de açúcares é prejudicial às leveduras porque elas perdem água para o meio externo e morrem por desidratação, alguns professores relacionaram o fenômeno a conhecimentos escolares ou cotidianos. – Ocorre a osmose! (Professor Henrique) – Olha, pra você ver. Com certeza, quando a garapa tá muito doce, o cocho demora de fermentar. Então, com certeza, elas morrem. (Professor Evanilson) Diante da explicação de que a diluição do caldo é também recomendada porque as leveduras não suportam um teor alcoólico acima de 17º G.L., e também porque aumenta o rendimento em cachaça, já que quanto mais doce a garapa mais água de diluição poderá ser colocada na dorna para se obter o teor de açúcares (Brix) desejado, os professores ficaram curiosos em relação ao cálculo da quantidade de água a ser adicionada, evidenciando ter noções cotidianas sobre o tema. 65 – Pra saber se precisa colocar água ou não é o sacarímetro ou já é outro aparelho? (Professor Evanilson) – Tem umas fórmulas para saber a proporção de água e de caldo e, em certos casos, também dá pra aplicar regra de três pra tamanhos diferentes de dornas se o teor de açúcares do caldo estiver igual. (Professor Henrique) Ao tomar conhecimento de que na técnica de diluição mede-se com o sacarímetro o teor de açúcares, sendo que, caso ele esteja entre 17 e 25º Bx, é necessário acrescentar um volume de água suficiente para abaixá-lo para 15º Bx, o que favorece a atividade das leveduras e resulta na padronização do grau alcoólico da cachaça, o professor Evanilson propôs um método empírico mais simples: – Pode também ir botando um pouco de água no cocho e ir medindo no cocho mesmo até atingir 15 graus! (Professor Evanilson) Professor Evanilson convenceu-se da vantagem do uso das fórmulas diante dos argumentos de que torna mais fácil o trabalho dos produtores, por ser necessário medir o Brix do caldo apenas uma vez, antes de colocá-lo na dorna, e por indicar a proporção exata de caldo, pé-de-cocho (fermento) e água necessária para preencher o volume útil da dorna. No procedimento empírico proposto por ele, o volume de caldo inicial seria aleatório, seriam necessárias várias medidas do teor de açúcares até que este atingisse 15º Bx, à medida que fosse sendo acrescentada a água de diluição, e, ainda, o volume final poderia ser menor ou maior do que o volume útil da dorna. Ele trouxe para discussão duas formas de raciocínio para calcular a quantidade de água de diluição, questionando sua validade: a recomendada por um técnico a um produtor local, que estava anotada em um pedaço de papel, e a efetuada por seu pai, que foi relatada: 20 (Brix da cana colhida) x 180 (volume do caldo) = 3600 ÷ 15 (Brix desejado) = 240 – 35 (volume do péde-cocho) = 205 – 180 (volume do caldo) = 25 litros de água de diluição (Cálculo efetuado pela APAMA para um produtor local) – Ele enche de garapa um frasco graduado com 1000 mL e divisões de 100 em 100 mL e mede a quantidade de açúcar com o sacarímetro. Se o sacarímetro indicar 20º Bx, ele retira 100 mL de caldo e acrescenta água e mede novamente. Se o Brix ainda estiver alto, ele pega outro caldo e repete a operação, retirando 200 mL. Ele vai retirando até que ele consegue a proporção necessária entre caldo e água para obter o Brix de 18 graus, que é o que ele normalmente usa. Como ele tem alambique de 180 L, quando a quantidade de açúcar tá a 20º Bx ele coloca na fermentação 160 L de caldo (8 latas) e 20 L de água (1 lata). (Procedimento adotado pelo pai do Professor Evanilson) A análise da validade desses raciocínios foi realizada com base em um procedimento para o cálculo da quantidade de água de diluição que leva em conta o volume de pé-de-cocho usado, que deve preencher de 10 a 20% do volume útil da dorna, e que também atua na diluição do caldo. 66 VC = Volume de caldo VC = VU x (BD / Bc) VH2O = VU - (VC + VF) VH2O = Volume de água de diluição VF = Volume do fermento BD = Brix desejado Quando matemático aplicaram o análise da na Bc = Brix do caldo cálculo VT (volume total) = 500 L validade do primeiro raciocínio, VU (Volume útil) = 400 L = 0,8 VT (VU = VC + VF +VH2O) professores constataram que o VF = 40 L = 0,1 VU (Assume-se que: 0,1 VU ≤ VF ≤ 0,2 VU) os acréscimo de 25 L de água de diluição estava correto. Tiveram que adotar um outro procedimento mental, pois, ao invés de Raciocínio empregado: Raciocínio de acordo com a fórmula: VC = 180 L VT = 300 L VC = VU x (BD / Bc) VU= 240 L (80% do volume total) VU = VC x (Bc / BD)= 180 x (20/15) = 240 L partir do volume útil, o raciocínio empregado pelo funcionário da APAMA partiu do volume de caldo, que é desvantajoso por não ter como referência o volume total das dornas disponíveis. Os professores, ao empregarem o mesmo procedimento de cálculo, constataram que não seria necessário o pai de Evanilson acrescentar água para diluir o caldo de 20º para 18º Bx, pois essa diluição seria feita pelo próprio pé-de-cocho. VC = 160 L VU = VC x (Bc / BD)= 160 x (20/18) = 178 L VF = 17,8 L (aproximando, 18 L) VH2O = VU - (VC + VF) = 178 – (160 + 18) = 0 L Se o pai de Evanilson fosse reduzir o Brix para 15º, conforme recomendação técnica, aí sim, precisaria acrescentar água de diluição: VC = 160 L VU = VC x (Bc / BD)= 160 x (20/15) = 213,5 L VF = 21,35 L (aproximando, 21,5) VH2O = VU - (VC + VF) = 213,5 – (160 + 21,5) = 32 L Nesse diálogo entre saberes o que mais importa não é definir qual o raciocínio está correto, mas sim a própria conversação que põe em relação os saberes e, assim, questiona o 67 cientificismo a partir de uma prática que valoriza o pluralismo epistemológico (COBERN; LOVING, 2001), buscando decidir o conhecimento que vale diante de uma situação que requer tomada de decisão. A importância da recomendação técnica de que na região os produtores passem a utilizar um tamanho padronizado de dornas com 400 L de volume útil foi percebida pelos professores ao tomarem conhecimento de que o uso das fórmulas torna-se dispensável, sendo substituído pela consulta a um quadro, o que facilita o trabalho do produtor (Quadro 1). Para os professores os obstáculos à adoção pelos produtores da técnica de diluição do caldo não seriam de natureza cognitiva, mas sim socioeconômica. – O produtor tem condição de aprender. Agora tem um problema... Eu penso assim... Igual D. Rosa... ela faz nessa qualidade aí... quanto mais tem espuma, mais caroço, ela consegue atingir o mercado. Agora se ela diluir, colocar água e chegar nessa qualidade aí, ela vai ter que atingir o mercado direto, quer dizer que atravessador não vai comprar porque o cara visa lucro grande! Os produtores ficam dominados e eles só vão diluir quando eles enxergarem o lucro. (Professor Henrique) – Se o produtor não sabe disso, como é?Ele faz uma base? Aquele produtor que a gente visitou, o Sr. Edimar, ele disse que faz tudo na experiência. Mas ele falou que não dilui, porque a cachaça fica fraca, perde o gosto, o sabor. Mas é porque quem compra na mão dele quer a cachaça forte provavelmente pra desdobrar e ter mais lucro. Por mais que você fale e comprove que tá errado ele não vai aceitar porque a clientela dele tá acostumada com aquele padrão (Professora Cleide) Quadro 1. Atenuação do Brix - Volumes de caldo e de água a serem adicionados ao pé-de-cocho com vistas à obtenção de um teor de açúcares padronizado em 15º Bx (na fermentação), em função do teor de açúcares inicial do caldo (cálculo efetuado para dornas com volume útil de 400 L e uso de 40 L de pé-de-cocho) Teor de Açúcares Volume de caldo Volume de H2O Teor de açúcares do caldo (Bc) (Vc) (VH2O) desejado no mosto (BD) º Bx L L º Bx 12 360,0 10,8 13 360,0 11,7 14 360,0 12,6 15 360,0 13,5 16 360,0 14,4 17 352,9 7,1 15,0 18 333,3 26,7 15,0 19 315,8 44,2 15,0 20 300,0 60,0 15,0 21 285,7 74,3 15,0 22 272,7 87,3 15,0 23 260,9 99,1 15,0 24 250,0 110,0 15,0 25 240,0 120,0 15,0 Fonte: MENDES, B. de A. Produção de cachaça. Orizona/GO: SESCOOP/COAPRO, 2005. Também existem obstáculos culturais à adoção da técnica, em razão de muitos produtores não estarem convencidos dos benefícios do seu emprego controlado e sistemático. O pai do professor Evanilson considera que é importante diluir o caldo, mas realiza o procedimento apenas quando a fermentação, já em curso, se encontra lenta. 68 – Meu pai tem esse equipamento... o sacarímetro19. Tem hora que ele usa, mas tem hora que ele tá moendo uma cana e tá muito doce, demora de parar, aí ele pega e joga água dentro, só que aí ele já não mede porque acha que não precisa. (Professor Evanilson) Com base na explicação de que, na produção da cachaça de qualidade, com grau alcoólico de 42ºG.L., é necessário padronizar o teor de açúcares do caldo em 15º Bx, mas que muitos produtores da cachaça comum só acrescentam água ao cocho quando percebem que a fermentação está demorando muito tempo, Selma concluiu que a experiência dos seus alunos é ligada principalmente à produção da cachaça comum. – Vários alunos escreveram que a fermentação demora dois ou três dias e não vinte e quatro horas, como seria desejável. E agora eu entendi que demora mais tempo assim porque o pé-de-cocho fica fraco... o caldo doce demais provoca a morte das leveduras. (Professora Selma) Diante do comentário de que as escolas poderiam ajudar os estudantes a perceber que a ciência pode ser aliada dos produtores, ajudando a dar sentido e a melhorar o que eles fazem, professor Evanilson completou: – As aulas ficam muito mais interessantes assim do que quando os alunos ficam só lendo no livro e fazendo exercícios. (Professor Evanilson). Como parte de nossa disposição por criar disposições voltadas para a valorização do contexto sociocultural no currículo escolar, enfatizamos a necessidade de se mudar a imagem social da escola, de um local onde os alunos “assistem aulas”, para um espaço de referência na comunidade, onde diferentes saberes sejam postos em relação. Durante as atividades com os alunos, que envolveram uma visita a um engenho local, eles elaboraram uma provável explicação para a necessidade de diluição do caldo, aplicando o conhecimento aprendido sobre o grau alcoólico máximo da cachaça: Pesquisadora-professora: Por que vocês acham que a diluição do caldo é importante? Valmor: Porque tá muito doce! Pesquisadora-professora: Isso. O caldo tá doce demais... Celso: Porque a cachaça não pode ficar doce. Pesquisadora-professora: Mas será que tem como a cachaça ficar doce? Diana: A cachaça não fica doce porque o açúcar vira álcool quando fermenta no cocho. Valmor: Porque a cachaça não pode ter muito álcool. Pesquisadora-professora: Isso. Ao diluir o caldo evita-se de produzir uma cachaça muito forte, acima de 48º G.L., que não é aceita pela legislação. 19 Os usos cotidianos do sacarímetro evidenciam a apropriação criativa (GINZBURG, 1987; CERTEAU, 2003) dos conhecimentos técnicos pelos produtores, processo complexo em envolve uma transformação astuciosa do desconhecido em algo familiar. O aparelho, além de manter sua função original de aferir o teor de açúcares do caldo a ser fermentado, é também empregado por vários produtores com outras finalidades: detectar o final da fermentação, avaliar o estado do pé-de-cocho, produzir novo pé-de-cocho e, como vimos, controlar o processo de diluição do caldo. 69 Utilizando uma miniatura de dorna (Figura 2) e as fórmulas, os alunos constataram que, para uma dorna de 500 L, o volume útil seria 400 L, pois, conforme Jéssica concluiu, “se fica cheio pode derramar... por causa das bolhas”, sendo esse volume útil preenchido com 40 L de fermento, 285,7 L de caldo de cana e 74,3 L de água, caso o produtor desejasse reduzir o teor de açúcares de 21º Bx para 15º Bx. Manifestando compreensão de que a Matemática deve ter funcionalidade na vida cotidiana, o professor Romilson destacou: “fórmula é igual número de telefone, não precisa decorar. Mas tem que estar anotadinha na agenda!”. Figura 1. Determinação do teor de açúcares do Figura 2. Miniatura de dorna utilizada na atividade caldo da cana com o uso do sacarímetro. sobre a diluição do caldo. Através da consulta ao quadro de atenuação do Brix, os alunos perceberam que os números que constavam eram exatamente o que eles haviam encontrado com a aplicação das fórmulas, entendendo a vantagem da padronização do tamanho das dornas e do teor de açúcares final em 15º Bx. Pela análise do quadro também constataram que somente a garapa com teor de açúcares acima de 17º Bx precisa ser diluída porque, abaixo desse valor, o próprio fermento, cujo volume corresponde a 10% do volume útil da dorna, já cumpria esse papel, sendo esta a razão do teor de açúcares do mosto indicado no quadro ser menor do que o do caldo. Manifestando ter entendido as circunstâncias em que se aplicam as fórmulas, Célia disse: “é porque tem dornas de tamanhos diferentes, igual aquela grandona que a gente viu em Wilian”. Outra situação abordada, que poderia requerer o uso das fórmulas, seria o interesse do produtor de padronizar o caldo em 16º Bx, por exemplo, e não em 15º Bx. Para que os alunos percebessem a vantagem de se colher a cana bem doce, solicitamos que analisassem no quadro a relação entre o teor de açúcares do caldo e a quantidade de água que poderia ser acrescentada. Eles concluíram que “quanto mais doce o caldo, pode pôr mais água e menos caldo na dorna!”, o que, ao contrário do que a maioria dos produtores acredita, 70 aumenta o rendimento, pois se o caldo estiver com 25º Bx são necessários apenas 240 L de caldo por dorna, enquanto que se o caldo estiver com 16º Bx precisa-se de 360 L. O professor Romilson comentou: – Aqui tem muitos que não têm certo conhecimento, que acreditam que é prejuízo... porque quando a cana tá doce, a garapa tá doce, eles acham que rende mais. Colocando água vai render menos por alambique, mas aumenta a quantidade de cachaça, ou seja, se você destilava um alambique, você vai destilar dois, se eram dois, vai pra três. Lógico que por alambique não, por alambique não! Porque por alambique se você não misturar água ele vai render mais. Mas, quando você dilui, você aumenta o caldo e, assim, você vai ter mais alambique pra destilar e, com certeza, quando você for calcular, de modo geral, a cachaça, que é o objeto de desejo, você vai produzir mais se você misturar água. Vai render e vai ser de qualidade, porque não vai ser forte demais e vai estar num padrão. Esse comentário favoreceu a compreensão de outra vantagem da diluição do caldo: ela permite padronizar a quantidade de açúcar no caldo, cujas implicações foram percebidas por Taiane: “e assim a cachaça vai sair sempre com quantidade de álcool igual e mais baixo!” Essa conclusão foi relacionada com a cachaça “Abaíra”, cujo grau alcoólico é sempre 42º Bx, por ser feita a padronização prévia do caldo, o que também evita a morte das leveduras, já que elas não suportam alta concentração de álcool. Os alunos contaram que muitos produtores moem a cana quando está chovendo, dando ensejo à discussão da influência das variações sazonais na qualidade da cachaça. Os alunos concluíram que o rendimento não seria o mesmo, pois “a cana fica aguada”. Para que os alunos entendessem a terceira razão que justifica a diluição do caldo, a desidratação e morte das leveduras em meio com alto teor de açúcares, realizamos um experimento relacionado ao fenômeno da osmose, com o uso de dois ovos de codorna crus, cujas cascas foram removidas com o uso de vinagre, colocados em dois meios: água e solução concentrada de açúcar. Assim que explicamos que a membrana que envolve o ovo é semipermeável, permitindo a passagem da água, mas não permitindo a passagem do açúcar, os alunos passaram a fazer predições: “então, acho que vai estourar”, “Ah! Ele vai inchar!”, “esse aí vai inchar e buf!”, e ao ovo colocado na solução de açúcar, “vai passar só a água pra dentro e ficar o açúcar”, ideias com as quais a maioria concordou. Quando a aluna Célia contestou, dizendo “eu acho que a água do ovo vai sair, porque vai tá muito açucarada a água”, o professor Romilson aprovou a resposta e fez analogia com as leveduras “com muito açúcar, as leveduras também perdem água, ficam desidratadas e morrem, enfraquecendo o pé-de-cocho”. Os alunos ficaram entusiasmados com o emprego da Matemática. Ian comentou: “até pra plantar a cana precisa da matemática, pra saber a área, o tanto de adubo! Tem produtor que 71 põe água, um ou dois baldes, mas não é de acordo com a técnica, é de acordo com achar que precisa”. O professor Romilson evidenciou estar surpreso, pois ele próprio ampliou a sua visão sobre as exigências cognitivas envolvidas na fabricação da cachaça, afirmando: “se a gente for parar pra analisar, hoje, até para realizar um trabalho grosseiro como a fabricação da cachaça tem que ter certa instrução”. CONCLUSÕES Considerando-se que a base do trabalho intercultural crítico é o diálogo, e não o monólogo que aprisiona os sujeitos exclusivamente em seus modos de ver o mundo (CANEN, 2002), concluímos que a pesquisa gerou evidências de que a articulação entre as práticas cotidianas e os saberes técnico-científicos favorece a atribuição de sentido à prática social. As atividades geraram a compreensão entre professores e alunos que o processo de incorporação de inovações técnicas é complexo e contraditório, envolvendo, além da dimensão técnica, questões políticas, sociais, econômicas e culturais, o que contribuiu para ampliar as possibilidades de posicionamento dos alunos sobre as mudanças socioculturais em curso na região. REFERÊNCIAS AZEVEDO, J. C. de. Reconversão cultural da escola: mercoescola e escola cidadã. Porto Alegre: Sulina/Editora Universitária Metodista, 2007. AZIBEIRO, N. E. Educação intercultural e complexidade: desafios emergentes a partir das relações em comunidades populares. In: FLEURY, R. M. (Org.). Educação intercultural: mediações necessárias. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 85-107. BAPTISTA, G. C. S. Importância da demarcação de saberes no ensino de ciências para sociedades tradicionais. Ciência & Educação, v. 16, n. 3, p. 679-694, 2010. CANCLINI, N. G. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: EDUSP, 2000. 3. ed. CANEN, A. Sentidos e dilemas do multiculturalismo: desafios curriculares para o novo milênio. In: LOPES, A. C.; MACEDO, E. (Org.). Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002. p. 174-195. CANDAU, V. M. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre igualdade e diferença. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 13 n. 37, p. 45-56, jan./abr. 2008. Disponível em:< http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v13n37/05.pdf>. Acesso em: 3 ago 2011. CERTEAU, M. de. A cultura no plural. Campinas, SP: Papirus, 1995. ______. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. 9 ed. Petrópolis: Vozes, 2003. 72 COBERN, W. W.; LOVING, C. C. Defining “science” in a multicultural world: implications for science education. Science Education, New York, v. 85, n. 1, p. 50-67, 2001. DEMO, P. Desafios modernos da educação. Petrópolis: Vozes, 1993. GINZBURG, C. O queijo e os vermes: o cotidiano e as idéias de um moleiro perseguido pela inquisição. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. MAPA. Instrução Normativa Nº 13, de 29 de junho de 2005. Aprova o Regulamento Técnico para Fixação dos Padrões de Identidade e Qualidade para Aguardente de Cana e para Cachaça. Disponível em: <http://extranet.agricultura.gov.br/sislegis-consulta/ consultarLegislacao.do?operacao=visualizar&id=12386. Acesso em: 22 maio 2011. TURA, M. de L. R. Conhecimentos escolares e a circularidade entre culturas. In: LOPES, A. C.; MACEDO, E. (Org.). Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2002. p. 150-173. 73 EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA CAMINHOS PARA CONSTRUÇÃO DE UMA ESCOLA QUE COMTEMPLE A PLURALIDADE SOCIOCULTURAL DE UMA COMUNIDADE AFROCAMPESINA Jean Carlos Barbosa dos Santos Francisca das Virgens Fonseca Valéria Marta Ribeiro Soares Resumo: Este trabalho é um estudo acerca da Educação Contextualizada proposta a comunidade afro-campesina de Praianos, município de Ichú, no semiárido baiano, utilizando a realidade do educandos como ponto de partida do processo de construção do conhecimento numa atitude de valorização da pluralidade sociocultural, pautada nos ideais de valorização das identidades etnicorraciais e campesina, da maioria absoluta, dos alunos que povoam a única sala de aula da Escola Drº. Ipê Cana Brasil. Assim, abraçando uma causa de construção de um novo modelo de sociedade, com mais justiça social, fraternidade e respeito a esta pluralidade sociocultural circundante, a escola adotou uma metodologia inovadora no fazer pedagógico do professor, pautada na contextualização dos conhecimentos. Desta maneira, as bases de informações – conteúdos curriculares – são trabalhadas a partir da sua utilização e aplicabilidade na comunidade, observando sempre uma situação real do cotidiano. Nosso objetivo é trilhar um caminho que nos leve a compreender o que vem a ser de fato quilombola, tomando como aporte um passado de resistências e lutas, chegando aos conceitos contemporâneos, bem como as suas demandas políticas e sociais, em especial, as demandas por uma educação que seja verdadeiramente para o homem quilombola, que nasça desse povo remanescente quilombola na contemporaneidade. Notamos que se tratava um povo esquecido das políticas públicas educacionais, relegados ao modelo urbanocêntrico de educação. O que despertou nesta comunidade o desejo de mudança e transformação interna, por meio da escola. Esta, por sua vez, serviu-se de instrumento no enfrentamento as políticas públicas descontextualizadas, pautando a construção um modelo de educação que reconhece e valoriza os saberes da comunidade, tomando-os como ponto de partida da relação ensino\aprendizagem em sala de aula. Para tanto, utilizaremos instrumentos metodológicos que comungam com a analise da realidade social a partir do paradigma crítico como a analise documental, observação em sala de aula e a entrevista semi-estruturada que, nos auxiliaram a perceber que um novo modelo de educação esta sendo construído dia a dia nesta escola afrocampesina diante a tantos os desafios. Uma educação que se propõem a desenvolver nos alunos um sentimento de pertencimento a comunidade, perpassando pela afirmação de sua identidade étnica e da valorização da pluralidade sociocultural existente. 1. Introdução Neste trabalho nos propomos a investigar como as práticas pedagógicas escolarizadas oportunizadas a uma comunidade rural e negra contribuem para a construção de conhecimentos e influenciam no sentimento de pertencimento dos sujeitos dessa comunidade 74 – atendidos pela escola – em relação à escola a educação por ela preconizada. Numa atitude de enfrentamento as históricas práticas das políticas educacionais brasileiras que relegada ao esquecimento e ao modelo de educação urbanocêntrica. Elegemos como lócus dessa investigação a comunidade de Praianos, visto que esta comunidade por sua vez, trata-se de espaço rural, com uma população majoritariamente de etnia negra, no município de Ichú, no semiárido baiano. Durante o desenvolvimento do texto nos preocupamos em confrontar o descaso com as escolas afro-campesinas, por parte das políticas públicas educacionais, no nosso caso, e a atitude de enfrentamento de uma comunidade, a este descaso promovendo uma proposta de educação que não se silencia diante dos desafios colocados, historicamente, pela cultura dominante relativos às questões raciais e a formação de uma identidade afrodescendente autoafirmada em seus alunos. Construindo uma proposta de educação que respeita e, valoriza a realidade sociocultural de seus sujeitos da educação. Propomos, também, um breve relato acerca da história dos quilombos, sua conceituação contemporânea, na tentativa de cooperar na compreensão a proposta de educação construídas nestes espaços e sua perspectiva em relação à formação do individuo. No segundo momento, apresentamos a experiência inovadora de educação contextualizada vivenciada pela Escola Drº. Ipê Cana Brasil Tais observações tiveram como foco as práticas pedagógicas da educadora e os reflexos desta atuação na construção de uma auto-estima positiva no educando afrocampesino. Como subsidio para analise dessa ação pedagógica nos debruçamos sobre estudos empreendidos acerca da temática educação para as relações étnicorraciais, dentre eles: Cavalleiros (2000), Romão (2001) e Nunes (2006). No que concerne à educação contextualizada enquanto enfrentamento as práticas políticas que acabam por cooperar com a descaracterização identitária, com a construção de conhecimentos descontextualizados a realidade do educando recorremos aos construtos teóricos de Moura (2005), e Baptista e Rocha (2005), que percebem a escola como um instrumento de embates nas sociedades e nas culturas desta contemporaneidade marcada por conflitos e incertezas. No decorrer da investigação utilizamos de instrumentos metodológicos diversos, como a observação em sala de aula, entrevista semi-estruturada com a professora, coordenadora e o diretor da Escola, além da análise das literaturas supracitadas que nos facilitaram a reflexão 75 sobre este momento de troca de experiências que foi a participação em sala de aula numa turma multisseriada20 com alunos do 3º e 4º ano do Ensino Fundamental I. Para o desenvolvimento do presente trabalho, é necessário contextualizar o chão político, pedagógico e epistemológico da pesquisa. Para a construção metodológica, tivemos como referencia os trabalhos de autores Minayo (2004) e Sarmento (2000), que fundamentaram os procedimentos adotados no estudo exploratório, na analise documental e no estudo de caso de cunho etnográfico, instrumentos que nos possibilitaram uma aproximação epistemológica e metodológica com o objeto de estudo. Com o objetivo de compreender como as práticas pedagógicas contextualizadas contribuem para a construção de auto-estima positiva no educando afrocampesino e influenciam no sentimento de pertencimento dos alunos em relação à escola e a comunidade. Recorremos ao aporte teórico do paradigma critico de investigação social - no qual toda teoria do conhecimento se apóia, implícita ou explicitamente, sobre uma determinada teoria da realidade e pressupõe uma determinada concepção da mesma realidade - que por meio de seus fundamentos epistemológicos acreditam poder articular as interpretações empíricas dos dados sociais com os contextos políticos e ideológicos em que se geram as condições da acção social (SARMENTO, 2000, P.143). Durante o processo de aproximação, analise e compreensão do objeto, as categorias analíticas Praticas Pedagógicas contextualizadas, Educação Quilombola – negra e campesina, orientam o nosso trabalho. 2. Desenvolvimento 2.1 – Quilombolas e a Educação: Uma breve conceituação. Ao se falar em quilombos logo, a representação social mais comum é como um espaço de fuga, resistência e liberdade, portando-se ao conceito dos quilombos construídos ainda no período colonial, emitido institucionalmente pelo Conselho Ultramarino em 1740, conforme afirma Moura (2007), quando nos trás “Ipsis Litteris” a definição do século XVIII, traçando uma definição dos quilombos a partir da organização e da estruturação de seus espaços, assim definido como “(...)toda habitação de negros fugidos, que passem de cinco, parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados nem se achem pilões neles”. Uma intensa rede de relações econômicas e sociais, que possibilitava a manutenção dos 20 Em que, num mesmo espaço, o professor leciona mais de uma série, geralmente são classes com quatro séries diferente, do 1º ao 5º ano. 76 quilombos e, ao mesmo tempo, as fugas que faziam parte das estratégias montadas pelos escravizados, que incluíam até esconder escravos em fazendas vizinhas, o que significava haver um circuito de comunicação entre escravos nas fazendas e quilombolas (Lopes apud Gomes, 2007, p.27). Nestes espaços não encontramos registros de educação escolarizada, ou de um espaço destinado a este fim, os conhecimentos e os saberes eram transmitidos no cotidiano, no dia-adia do quilombo, logo as crianças que ali habitasse saberia se defender de um ataque, fugir, resistir para não serem capturada e encontrar sua própria forma de subsistência. Por não possuir da Fundação Palmares21 a certidão de reconhecimento desta comunidade enquanto remanescente quilombola apesar auto-identificação de seus habitantes, optamos ao nos reportar a Comunidade de Praianos utilizar as nomenclaturas – Comunidade afro-campesina e Comunidade Negra e Rural – uma alusão a sua ancestralidade africana e o fato de ser um espaço rural. Nosso intuito é confrontar estas duas especificidades – Afrodescendente e Campesinato – em dois sentidos primeiro no descaso das políticas publicas educacionais brasileiras e segundo na atitude de enfrentamento a postura por meio da educação contextualizada a realidade afro-campesina. Na contemporaneidade, não nos cabe debruçar-se sobre um único conceito sobre os quilombos, também são chamados de terra de preto, terra de santo, terra de santíssimo, visto que o mesmo, por si só seria insuficiente de dar conta da realidade, uma vez que esta não se constitui de uma verdade absoluta e sim de verdades construídos, desconstruídas e reconstruídas a todo o momento pelos sujeitos em suas diversas identidades, assim o remanescentes das áreas em constituíram-se os quilombos no passado não mais pode ser conceituado como tão somente espaço de fuga, resistência e liberdade, sem que haja uma responsabilidade efetiva por parte do estado em suas políticas publicas, em especial no que concernem as políticas voltadas para educação nesses espaços. Pensar em quilombos, atualmente, é também pensar em sua ancestralidade de luta, resistência e busca pela liberdade, no entanto este conceito não deve, nem pode para neste ponto, ele se amplia quando se pensa os espaços remanescentes de quilombos como um 21 É uma instituição pública vinculada ao Ministério da Cultura que tem a finalidade de promover e preservar a cultura afro-brasileira. Preocupada com a igualdade racial e com a valorização das manifestações de matriz africana, a Palmares formula e implanta políticas públicas que potencializam a participação da população negra brasileira nos processos de desenvolvimento do País. È responsável também pela certificação de áreas quilombolas através de um documento expedido pela Fundação após receber um pedido das comunidades, se autorreconhecendo como remanescentes de quilombos. 77 instrumento vigoroso no processo de reconhecimento da identidade negra brasileira para uma maior auto-afirmação étnica e campesina. Uma proposta de educação escolarizada nestas comunidades deve encontra-se ancorada nestes pilares, e ser construída coletivamente com este povo, pautada em seus saberes tradicionais como ponto de partida para os novos conhecimentos. Outro ponto a ser considerado em relação à identidade quilombola é pensar que se tratam, sim, descendentes de africanos escravizados, que mantêm laços de parentescos e, que vivem em sua maioria da cultura de subsistência, em terras doadas, compradas ou ocupadas secularmente pelo grupo, e que hoje, valorizam as tradições culturais dos seus antepassados, religiosas ou não, recriando-as no presente, possuem uma história comum e têm normas de pertencimento explicitas e implícitas no seu cotidiano, com consciência de suas identidades. A Comunidade, afro-campesina, de Praianos, não foge a essa consideração, constituída por famílias descendentes de (ex) escravos que conseguiram resistir e dar continuidade às suas tradições, recriando-as em seu cotidiano, expressas por meio das redes de parentesco, assim aconteceu na culinária, religiosidade, manifestações artísticas e formas de organização do trabalho extremamente ligado ao campesinato, ainda como atividade de subsistências, mesmo que a produção seja destinada mais com fins comerciais do que para o próprio uso da comunidade. O que justifica a importância do trabalho intenso de reconhecimento, preservação, proteção e valorização da identidade étnica dessa comunidade (Reis, 2010, p.47), que vise contribuir para a formulação e execução de políticas públicas educacionais de valorização dos traços socioculturais desse povo afro-campesino, colaborando para melhoria da qualidade educacional, atendendo assim às necessidades e anseios dos alunos e das famílias, colaborando, portanto, para um desenvolvimento integral e integrado na comunidade. Justamente, neste ponto que entra o Projeto CAT (Conhecer, Analisar e Transformar a Realidade do Campo na Construção do Desenvolvimento Territorial Sustentável) de formação continuada de professores do campo de forma direta e indiretamente, a fim de estes trabalhem melhor com seus alunos e famílias, através de uma nova metodologia de trabalho em sala de aula, constituindo-se numa experiência de construção inovadora de um novo modelo de educação. Partindo das especificidades do espaço em que a escola encontra-se inserida, no nosso caso, a Escola Dr. Ipê Cana Brasil na comunidade negra e rural de Praianos localiza-se no município de Ichú, no semiárido baiano. 78 2.2 – Educação Contextualizada e a construção da auto-estima positiva no educando negro Ao observar o trabalho do professor na sala da aula, e sua concepção de ensino\aprendizagem, no intuito de identificar as ações que podem ser consideradas influentes na construção de uma auto-estima positiva nos alunos. Percebemos os impactos que estes conhecimentos contextualizados construídos têm na reconstrução da escola enquanto instrumento de transformação social com impactos significativos no desenvolvimento da comunidade. Em Ichú, outras escolas além da escola de Dr. Ipê Cana Brasil, num total de quinze professores – direta ou indiretamente – recebem a formação promovida pelo projeto CAT, numa parceria entre a UEFS - Universidade Estadual de Feira de Santana em parceria com o MOC – Movimento de Organização Comunitária; STR – Sindicato dos trabalhadores Rurais; e a prefeitura do município de Ichú, concordando com as perspectivas de Romão (2001), de construção de uma educação que promova a auto-estima da criança negra, para tanto é necessário alguma atitudes do educador a primeira atitude é importantíssima: compreender os alunos como indivíduos pertencentes a culturas coletivas... Segundo compreender que esta individualidade faz parte de uma coletividade, ou seja, de um grupo cultural racial, étnico, econômico, regional etc... A terceira ser estimulador do desenvolvimento desta criança em seu conjunto, observando aqui os aspectos emocionais, cognitivos, físicos e culturais. (Romão, 2001, p. 162, 163). Por se tratar de uma comunidade de remanescentes quilombolas, a educação ofertada em Praianos e ação do educador deve mirar nestas atitudes colaborativas de construção de uma concepção de educação que vá além do cumprimento de demandas, que se constitua em um espaço de reflexão e da ação, não dicotomizado (NUNES, 2006, p. 142), não repartido entre campos disciplinares. Segundo a mesma autora é nesse momento que precisamos propor um novo jeito de fazer a educação trazendo para dentro da sala de aulas as reminiscências que conceituam o que é ser quilombola – campesino e negro – é necessário arriscar-se e construir um novo caminho, sem que este caminho seja ou pretenda ser nem a primeira nem a ultima palavra no que diz respeito à construção de uma experiência inovadora em educação, neste novo 79 caminho segundo Romão (2001), faz-se necessário romper com os preconceitos e estereótipos, rejeitar estigmas e valorizar a história de cada um, ou seja uma educação que seja contextualizada a sua história, a sua vida em comunidade. Uma prática pedagógica que promova a auto-estima necessariamente necessita estar comprometida com a promoção e com o respeito do indivíduo e suas relações coletivas. O educador que não foi preparado para trabalhar com a diversidade tende a padronizar o comportamento de seus alunos. Tende adotar uma postura etnocêntrica e singular, concluindo que, se as crianças negras “não acompanham” os conteúdos, é porque são “defasadas econômica e culturalmente”, avaliações estas apoiadas em estereótipos racial e cultural, ou são “relaxadas” e desinteressada. (Romão, 2001, p. 163) Em Ichú o Projeto CAT atua com o objetivo de desenvolver uma educação contextualizada, a realidade do homem do campo, tendo por princípio a interdisciplinaridade (PROJETO CAT, 2010) que pretende transgredir a visão de aprendizagem tradicional que como agente de desvalorização dos elementos marcadores das identidades, transgredir a visão de currículo escolar, enquanto algo pronto e acabado, centrado em suas disciplinas, entendidas como fragmentos empacotados em compartimentos fechados, que oferecem ao aluno algumas formas de conhecimento que pouco tem a ver com os problemas dos saberes fora da escola (Hernández, 2007, p. 12) . Toda a formação é promovida intuito de que os professores através de uma metodologia de ensino/aprendizagem alternativa de trabalho, nas suas ações pedagógicas possam contemplar a valorização e o respeito aos modos de ser e viver das famílias, seu trabalho e sua cultura a ideia proposta é transgredir a incapacidade de a escola repensar-se de maneira permanente, percebe-se uma significativa mudança no trabalho dos professores, tanto com os seus alunos quanto no envolvimento da família e da comunidade, colocando sempre alunos e famílias, enquanto sujeitos da aprendizagem assim, As instituições de educação... organizam e formalizam uma aprendizagem que já se iniciou na família e que vai ter continuidade nas suas experiências com a sociedade. Assim, não só a família se torna responsável pela aprendizagem da vida social, embora represente, inicialmente, o elo mais forte que liga a criança ao mundo... Consequentemente, a ausência de relação entre a família e a escola impossibilita, a ambas as partes, a realização de um processo de socialização que propicie um desenvolvimento sadio. (Cavalleiro, 2000, p. 204) Neste processo, o educando não é tratado como se nascesse na escola, estabelecendo sempre relações entre a sua aprendizagem anterior, na vida em comunidade, na família, e a 80 atual na escola que amplia os horizontes dos alunos, fornecendo-lhes conhecimentos verdadeiramente significativos e com real aplicabilidade a sua pratica social. Este contato possibilita um diálogo com as transformações que acontecem na comunidade, pois muitas delas partem da escola. Habitualmente, os conhecimentos preconizados pela escola convencional não respeitam e, não valorizam os conhecimentos do meio em que o aluno esta inserido, gerando assim um sentimento de inferioridade, pois os saberes de sua comunidade não servem de nada, mas sim aqueles ditados pela instituição escolar. Já no dia a dia a situação é bem diferente, os conhecimentos da escola estão cada vez mais distantes da necessidade do aluno. Estes alunos por sua vez oferecem resistência a esta imposição da escola de conhecimentos descontextualizados a sua realidade. O que se vislumbra, numa proposta de educação contextualizada para uma comunidade remanescente de quilombos, é que o processo educativo formal contemple a perspectiva de dar sentido aos conteúdos, à aprendizagem, ao conhecimento. Espera-se desse modo que os educandos na relação com a natureza histórica e cultural consigam portarem-se, manter-se e situar-se – tríade que significa uma consciência emergente, um autoconhecimento das necessidades que se constitui no passo elementar para sonhar um mundo de menos necessidade e, consequentemente, de mais liberdade – dentro da sua comunidade, na disputa por um projeto de sociedade mais justa, fraterna e plural. (NUNES, 2006, P.143). Ao contrário do modelo de educação descontextualizado forjado e construído no momento histórico de passagem do modo de produção feudal para o capitalismo, colocando o foco na educação para o trabalho (Loch e Rocha, 2009. p. 01). Entretanto, não para o trabalho como princípio educativo, mais para o trabalho alienado. Na contramão desse modelo, Caldart (2003), afirma que um novo modelo de escola esta surgindo, em meio a um espaço rural em movimento, com tensões, conflitos, lutas sociais que estão mudando o jeito da sociedade olhar para o campo e seus sujeitos, escolas que ajudam no processo mais amplo de humanização, e de reafirmação destes povos como sujeitos de seu próprio destino, de sua própria história. Uma escola que se constitua enquanto instrumento de luta deste povo, na melhoria da qualidade de vida, na construção de uma sociedade mais justa partindo do princípio do desenvolvimento sustentável é um dos desafios contemporâneos da educação, aproximar a escola do cotidiano da comunidade afrocampesina, assim da vida do aluno. 81 Porém, numa sociedade em que o estado se instala de forma autoritária como na sociedade brasileira, a escola sempre esteve enquanto protagonista, disseminadora e mantedora das ideologias do estado. Para isto utiliza-se de seus sistemas simbólicos, estudados por Bourdieu (2007), no caso da escola – a ciência – que passa a ser um dos alicerces de sustentação e manutenção do sistema econômico dominante. Para mudar este quadro de séculos com acesso dificultado as instituições públicas de ensino, ocasionando com isso em exclusão desses sujeitos e descaracterização de suas identidades. Trata-se, pois, da apropriação dos conhecimentos científicos – de modo contextualizado – negados por séculos as populações afro-campesinas, visto os mais de 300 anos de escravidão e difusão de idéias de inferioridade racial, em relação ao homem europeu – dominante – faz-se mister ressignificar, se apropriar do instrumento de dominação – a ciência – tornando-a uma aliada no enfretamento as ideologias dominantes. 3. Considerações Finais Por crer que a educação sempre será o instrumento mais poderoso contra a dominação e as injustiças sociais, o meio mais prático e seguro de se fazer a democracia, de se promover a igualdade social, é nestes pilares que esta pesquisa se justifica, encontrando relevância social no respeito ao saberes prévios dos alunos, visto que ele não é uma tábula rasa, na crença de uma nova educação possível, com conhecimentos científicos socialmente relevantes, construídos a partir dos saberes prévios do aluno e da comunidade, e que contribua eficazmente com as discussões e efetivações de políticas educacionais voltadas para a comunidade em que a escola encontra-se localizada. Diante do exposto, verificou-se a necessidade de mexer na filosofia que sedimenta o processo educacional, que seja pautada numa visão filosofia em que a escola ensine partindo dos valores e crenças de sue povo, e não só como transmissora de conteúdos. Assim os conhecimentos construídos na instituição escolar vão ao encontro dos interesses emancipatórios, reafirmando a história das comunidades afro-campesinas que sempre se destacaram, com o embate político, na construção do desenvolvimento sustentável – o etnodesenvolvimento – na valorização das identidades e na tentativa de assegurar a igualdade de condições e de oportunidades para a construção de uma vida digna, dentro de uma ideal histórico de liberdade do individuo. 82 Ao tomar uma escola afro-campesina, enquanto, objeto de estudo da relação entre a educação e a valorização da pluralidade sociocultural do povo remanescente dos quilombos é colocá-la também, na luta pela terra, na resistência e no combate ás desigualdades sociais. E, a nossa escola afro-campesina, historicamente, tem essa identidade com as lutas e a resistência à imposição do poder, pois, os quilombos, de onde originou-se as comunidades afrocampesinas, pautou-se e forjou-se uma sociedade política, cultural e economicamente diferente, aposta e naquele momento, mais avançada do que a dos colonizadores. Por fim, acreditamos que quando a construção do conhecimento na escola tem como ponto de partida a realidade do aluno, este conhecimento torna-se um conhecimento vivo, com utilidade para a comunidade, coopera para a manutenção de traços ancestrais de luta e de resistência às ideologias e modelos impostos pela cultura dominante e principalmente, no nosso caso, cooperando com a construção da auto-estima positiva do aluno em relação a sua identidade de remanescente, numa atitude de corajosa da instituição escolar de tentar com todas as dificuldades existentes reinventar a sua oferta de educação. Referências Bibliográficas MOURA, Abdalaziz. 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As EFA’s são instituições que pautam os objetivos de ensino, a gestão, os instrumentos pedagógicos e os espaços de ensino (escola/comunidade) na Pedagogia da Alternância (PA). A PA é uma prática educativa que visa à formação especifica para o meio rural, pois possibilita momentos alternados de formação entre escola/família/meio sócio-profissional, ou seja, o estudante passa um período na escola, em condição de internato e um período junto à família e ao ambiente em que pode atuar profissionalmente. Neste sentido, a EFA apresenta uma prática educativa diferente da escola convencional, possui instrumentos pedagógicos específicos que estabelecem conexões entre os espaços educativos da escola/família/comunidade, visando uma formação integral do estudante para viver nestes espaços. As discussões baseadas neste trabalho possuem uma metodologia de caráter exploratório com alicerce no instrumento da observação. A observação é um instrumento relevante, pois possibilita questionarmos, o que, o porquê e como ocorrem os fenômenos (RICHARDSON, 2011). Assim o procedimento de coleta dos dados apresentados foi feito a partir de visitas realizadas em quatro EFA’s, situadas no estado da Bahia. Através dessas visitas nos foi possível observar a rotina dessas escolas, bem como ter acesso aos documentos pedagógicos dessas instituições. Frente aos dados analisados, apontamos que a própria rotina das EFAs, torna-se um complexo exercício de aprendizagem, pois muitos dos jovens que chegam à escola vêem de dinâmicas sociais diferenciadas, e quando chegam na escola deparam-se com responsabilidades e vivências que exigem adaptações difíceis e que estão em uma perspectiva de preparação para o trabalho. Concluímos assim que ao pensar a prática educativa das EFA’s, percebemos a sofisticação de sua proposta, ao propor alternativas diferenciadas para a gestão, formação dos educadores, instrumentos pedagógicos, organização do tempo escolar, etc. Não obstante, tais elementos ao mesmo tempo em que indicam uma proposta diferenciada depara-se com alguns limites, no que tange a manutenção financeira, a formação profissional, e a participação comunitária. Palavras-chave: Pedagogia da Alternância – Prática Educativa – Escola Família Agrícola INTRODUÇÃO: Este trabalho visa discutir a prática educativa das Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), abordando alguns elementos da prática no tempo da alternância escolar. As EFA’s são instituições que pautam os objetivos de ensino, a gestão, os instrumentos pedagógicos e os 22 Mestranda em Educação - UEFS, Bolsista FAPESB Graduanda em Pedagogia – UEFS, Bolsista PROEX 24 Graduanda em Pedagogia – UEFS, Bolsista PROBIC CNPq 23 85 espaços de ensino (escola/comunidade) na Pedagogia da Alternância (PA). A PA é uma prática educativa que visa à formação especifica para o meio rural, pois possibilita momentos alternados de formação entre escola/família/meio sócio-profissional, ou seja, o estudante passa um período na escola, em condição de internato e um período junto à família e ao ambiente em que pode atuar profissionalmente. Neste sentido, a EFA apresenta uma prática educativa diferente da escola convencional, possui instrumentos pedagógicos específicos que estabelecem conexões entre os espaços educativos da escola/família/comunidade, visando uma formação integral do estudante para viver nestes espaços. A escola família agrícola constitui-se como uma experiência inovadora no Brasil, iniciada na década de sessenta, e inaugurando as experiências educativas com base na Pedagogia da Alternância (QUEIROZ, 2004). O processo formativo dos estudantes ultrapassa a sala de aula e alcança o universo do qual fazem parte, enquanto sujeitos do campo. No cotidiano proposto pela Pedagogia da Alternância, os estudantes se deparam com responsabilidades escolares e comunitárias ao tempo que pronunciam neste processo formativo, suas intenções frente ao cenário que vivem e que representam como possibilidade de presente e futuro. Ressaltamos que a realização deste trabalho foi viável devido a inserção em um projeto institucional com vertentes de pesquisa e extensão, o qual nos permitiu realizar as observações nestes locais. Dessa maneira, as discussões baseadas neste trabalho possuem um caráter exploratório com alicerce no instrumento da observação. A observação é um instrumento relevante, pois possibilita questionarmos, o que, o porquê e como ocorrem os fenômenos (RICHARDSON, 2011). Assim o procedimento de coleta dos dados apresentados foi feito a partir de visitas realizadas em quatro EFAs, situadas no estado da Bahia. Através dessas visitas nos foi possível observar a rotina dessas escolas, bem como ter acesso aos documentos pedagógicos dessas instituições25. PENSANDO A PRÁTICA EDUCATIVA NAS EFAS: A PEDAGOGIA ALTERNÂNCIA 25 Os documentos aqui citados fazem parte do banco de dados do já referido projeto de pesquisa. DA 86 A prática educativa configura-se em um elemento bastante complexo, e se estrutura em parâmetros institucionais, organizativos, tradições metodológicas, possibilidades reais de professores e condições físicas existentes (ZABALA, 1998). Esta prática envolve elementos diversos, objetivos, planejamento, estratégias, atividade, instrumentos pedagógicos e avaliação. Não obstante, há vários modelos educativos que fundamentam a prática educativa. Neste sentido, as EFA’s se sustentam no modelo educativo da PA. Esta é uma práxis educativa que visa à formação do sujeito do rural, respeitando as suas especificidades, pois possibilita momentos alternados de formação entre escola/família/comunidade sócioprofissional visando qualificar a vida desses sujeitos, através da comunicação do conhecimento elaborado (institucionalizado) com o conhecimento popular (senso comum). A proposta da PA consiste em uma educação contextualizada, calcada na realidade dos jovens do rural, buscando que os mesmos tornem-se protagonistas no processo da transformação da sua localidade. (ROCHA, 2007). Uma das singularidades nesta prática educativa é a sua metodologia em ciclos de alternância (escola/família), os quais supõem estreita conexão entre os dois momentos de atividades em todos os níveis – individuais, relacionais, didáticos e institucionais (QUEIROZ, 2004). É importante ressaltar que a PA é uma práxis que ao longo de sua história foi se qualificando enquanto filosofia e método de ensino, a proposta utilizada pelas EFAs surgiu inicialmente na década de 30 na França expandiu-se para Itália e atualmente é praticada em diversos países. Essa proposta pedagógica chega ao Brasil em 1969 com o objetivo de atuar sobre os interesses do homem do campo, principalmente no que diz respeito á valorização do seu nível cultural, social e econômico (SILVA, 2000). Ressaltamos que, a Alternância, enquanto método de ensino é utilizado por diversos segmentos educacionais e podem apresentar características distintas, de acordo com Queiroz (2004), é possível encontrar três tipos de alternância a) Alternância justapositiva, que se caracteriza pela sucessão dos tempos ou períodos consagrados ao trabalho e ao estudo, sem que haja uma relação entre eles. b) Alternância associativa, quando ocorre uma associação entre a formação geral e a formação profissional, verificando-se portanto a existência da relação entre a atividade escolar e a atividade profissional, mas ainda como uma simples adição. c) Alternância integrativa real ou copulativa, com a compenetração efetiva de meios de vida sócio-profissional e escolar em uma unidade de tempos formativos. Nesse caso, a alternância supõe estreita conexão entre os 87 dois momentos de atividades em todos os níveis – individuais, relacionais, didáticos e institucionais. Não há primazia de um componente sobre o outro. A ligação permanente entre eles é dinâmica e se efetua em um movimento contínuo de ir e retornar. Embora seja a forma mais complexa da alternância, seu dinamismo permite constante evolução. Em alguns centros, a integração se faz entre um sistema educativo em que o aluno alterna períodos de aprendizagem na família, em seu próprio meio, com períodos na escola, estando esses tempos interligados por meio de instrumentos pedagógicos específicos, pela associação, de forma harmoniosa, entre família e comunidade e uma ação pedagógica que visa à formação integral com profissionalização. Destacamos que as EFAs e as Casas Familiares Rural constituem os Centros Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs) que possuem quatro pilares que sustentam a proposta dessas instituições, sendo estes: a Alternância, enquanto metodologia de ensino; a Associação de Pais, como mantenedora da instituição; o desenvolvimento local sustentável e a formação integral do jovem como finalidades das instituições. As instituições em que o a observação decorre, são três EFA’s de Ensino Médio e Profissionalizantes pertencentes à Rede de Escolas Famílias Agrícolas Integradas do Semiárido. ELEMENTOS FUNDAMENTAIS DA PRÁTICA EDUCATIVA DAS EFAs O processo educativo pautado na PA tem características específicas que consideram as peculiaridades do campo, visando uma maior autonomia e poder dos camponeses em relação a educação que desejam. Assim a gestão das EFAs é formada por uma associação de agricultores, são escolas integradas e unitárias, pois abrangem o Ensino Fundamental II, Médio e a Educação Profissional e nascem das organizações sociais locais e/ou movimentos sociais do campo (QUEIROZ, 2004). O Ensino Básico é articulado com a Educação Profissional, no qual se trabalha em regime de alternância e dentro do período estabelecido, o jovem conclui a educação básica e obtêm a formação de Técnico em Agropecuária. Um dos elementos fundamentais ao se pensar a construção dessas escolas é a formação dos profissionais que ensinam nas EFAs, estes são chamados de monitores e categorizam um perfil diferente de atuação pedagógica, pois além de ministrarem disciplinas, são responsáveis por coordenar e cuidar dos estudantes. Por ter um processo educativo específico para ser um monitor de EFA há a necessidade de realizar um processo de formação peculiar. Os CEFFAS propõem uma 88 formação especifica para os monitores que irão atuar nas instituições, o monitor se forma através do processo, também, de alternância e para concluir deverá defender uma monografia (Caderno de Formação, 2009). Vale ressaltar, que esta formação não substitui uma graduação ou pós-graduação em instituições de nível superior. Outra especificidade destas instituições é o currículo, este abarca a base comum estabelecida nacionalmente, que corresponde a formação geral, mantém os conteúdos regionais, culturais e locais característicos da PA, e abrange os conteúdos para formação de técnicos agrícolas. Os conteúdos envolvem as questões de valores, direitos, deveres e orientação para o trabalho. As EFAs buscam a comunicação entre o tempo escola (período em que o estudante desenvolve atividades na escola) e o tempo comunidade (período em que o estudante desenvolve atividades junto à comunidade), e como estratégia para esta articulação é traçado um Plano de Formação, que propõe organizar a alternância. Este Plano de Formação é contínuo, ou seja, inicia-se desde o primeiro ano que o estudante faz parte da EFA. De acordo com Begnami (2009), o Plano de Formação organiza a formação geral de um CEFFA, sendo que a construção deste é feita com os conteúdos dos eixos geradores e os conteúdos escolares, os quais têm que ter aprovação do Conselho da Escola (Associação, Famílias, Monitores e Estudantes). Para desenvolver as atividades em alternância, as EFAs adotam instrumentos pedagógicos específicos característicos da sua pedagogia, dentre os quais temos: Instrumentos de Pesquisa - Plano de Estudo (PE), folha de observação, estágios; Instrumentos de comunicação - Colocação em Comum (socialização e organização dos conhecimentos da realidade do aluno e do seu meio), visita à família e comunidade, Caderno da Realidade ou Caderno de Síntese da Realidade do Aluno (VIDA); Instrumentos didáticos - Fichas Didáticas; Visitas de Estudo; Intervenções Externas – palestras, seminários, debates, etc., e o Projeto Profissional do Jovem (PPJ) (BEGNAMI, 2009). As atividades e os instrumentos pedagógicos são pensados para ligar a prática à teoria e vice-versa. O processo de avaliação, de acordo com o Caderno de Formação Pedagógica Inicial de Monitores26, indica que nos CEFFAs esta não pode ser classificatória, quantitativa ou excludente, e sim possuir a lógica da avaliação formativa, diagnóstica e contínua. Segundo Begnami (2009), se os CEFFAs visam uma formação integral, seria uma contradição a 26 O caderno de Formação dos Monitores foi uma das fontes para compreender a constituição da prática educativa das EFAs. 89 avaliação não levar em consideração todas as dimensões do sujeito. Assim sugere que o acompanhamento do instrumento pedagógico Caderno da Realidade (espécie de diário no qual o estudante escreve/descreve suas atividades) seja uma das ferramentas para este processo. Ainda no quesito avaliação, o autor supracitado também coloca que a mesma deve considerar a observação da aquisição dos conteúdos, de metodologias, mudanças de atitudes, e as relações de convivência. Neste sentido, a avaliação da aprendizagem deve apontar para busca da melhoria e oferecer elementos para o professor orientar o ensino e perceber que este é um processo de abertura e revisão. Fizemos uma contextualização geral da organização das EFAs, de acordo com o Caderno de Formação Pedagógica Inicial dos Monitores. A organização das EFAs tem características comuns que envolvem elementos que as diferem das escolas convencionais27. Não obstante, cada EFA pode apresentar uma especificidade que é influenciada por seu contexto histórico, de território e da organização dos seus sujeitos. A DINÂMICA DA EFA Para entendermos a dinâmica da EFA vamos abordar aspectos de sua rotina e a organização de seu currículo. A rotina é um importante instrumento de dinamização da aprendizagem, e nesta podemos identificar elementos da dinâmica social e cultura que está presente na escola. A organização da rotina que acontece no período de 15 dias da alternância, em que os jovens permanecem na escola, se sustenta pela organização destes em sub-grupos responsáveis pela manutenção e pelo cumprimento dos horários das atividade. Os monitores designam tarefas, dividindo os estudantes em sub-grupos que são responsáveis por um aspecto de manutenção da escola, assim existe, e é visível o trabalho em grupo dos estudantes, os jovens assumem responsabilidades sob atividades do dia-a-dia como organizar o almoço, as atividades culturais, as atividades práticas (alimentar os animais, capinar etc.). Essa divisão pode ser traduzida como um importante momento de aprendizado, segundo Dall’Aqua e Peixoto (2008)28 é que: 27 O termo Escola Convencional é utilizado pelos sujeitos da alternância para caracterizar as escolas formais disponibilizadas pelo Estado aos sujeitos do campo, ou seja, as escolas rurais que tem seu modelo pedagógico baseado nas escolas urbanas. 28 Artigo produzido com os estudantes da EFA Rosalvo da Rocha Rodrigues. 90 Uma das características mais importantes do trabalho de entidades, grupamentos de pessoas, de associações, de grupos de base, grupos sustentáveis é o trabalho em equipe, pois o trabalho em equipe provoca, ou permite que cada um/a e todos/a enfrentem seus desafios e se percebam como atores/protagonistas deste processo. É em grupo que o ser humano se faz gente, que a sociabilidade acontece, que aprendemos a enfrentar desafios. (2008, p. 59) Os autores afirmam também que é na organização de coletivos que o jovem inicia uma preocupação para garantir a higiene da escola, e até ajudar de maneira efetiva na participação do plano de vida da escola. Assim para além de desenvolver apenas atividades práticas pontuais, os jovens desenvolvem uma preocupação com o meio, assumem responsabilidades, aprendem a trabalhar de maneira coletiva para um bem comum. Neste sentido, a rotina de uma EFA é um momento, no qual os estudantes aprendem no cotidiano, por ser uma escola de tempo integral exige uma dedicação maior do jovem. Percebemos que a mesma desenvolve no estudante o sentido do trabalho, pois observamos que os mesmos estão sempre exercendo alguma tarefa. Nos dias de sábado e domingo, período designado para o tempo livre os estudantes, geralmente aproveitam para estudar e organizar as atividades teóricas solicitadas pelos monitores/professores. São os dias em que os jovens conversam e descansam. A rotina é assim dividida, em momentos de atividades do dia-a-dia, nas aulas teóricas, nas aulas práticas, e em pequenos intervalos, a noite é o período dos serões. Os serões são desenvolvidos todas as noites, é um momento em que os jovens se organizam para debates sobre diversos temas. De acordo com a organização da EFA (Observação do quadro de avisos) os serões são organizados da seguinte maneira: no primeiro dia acontece a colocação em comum, com o debate sobre a avaliação das atividades no espaço comunidade, em que são colocadas as novidades os aspectos positivos e negativos, os temas da colocação em comum podem girar em torno do temas de agropecuária, questões sociopolíticas, lúdico-afetivas e religião. Nos serões também acontecem a sistematização do Plano de Estudo que constituem o Plano de Formação. O Plano de Formação é contínuo, ou seja, ele tem uma conexão entre a primeira, a segunda e a terceira série do Ensino Médio, assim, no primeiro ano as discussões giram em torno da família, no segundo ano sobre a agricultura (o desenvolvimento local e as políticas públicas sobre o tema), para que no terceiro todo o embasamento realizado a partir das 91 pesquisas realizadas nos anos anteriores culmine na elaboração do Projeto Profissional do Jovem (PPJ), em que o jovem estudante traçará as atividades profissionais que pretende desenvolver. Esta lógica do Plano de Formação faz parte do currículo das EFAs que ainda envolve outros dois eixos, disciplinas técnicas e disciplinas teóricas. Estas disciplinas estão organizadas nas seguintes áreas: Linguagem, Códigos e suas Tecnologias; Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias, Ciências Humanas e suas Tecnologias; Componentes Curriculares de Agropecuária e Atividades Integradoras da Alternância. A organização curricular, assim como a própria dinâmica da EFA, demonstra a forte ligação da proposta educacional com a orientação para o trabalho, neste caso o trabalho agropecuário. CONCLUSÃO: O debate sobre Educação do Campo e novas práticas educativas para o rural tem ganhado espaço no cenário das reivindicações por Políticas Públicas nacionais. Os sujeitos em movimento se pronunciam e demandam não só escolas no campo, pensadas para o rural; mas sim escolas do campo, ou seja, escolas com o projeto político pedagógico vinculado às causas, aos desafios, aos sonhos, à história e à cultura do povo trabalhador do campo, pensadas com estes. (ARROYO, CALDART e MOLINA, 2004; MUNARIM, 2008). Desse modo, percebemos que estas escolas podem ser indicadores do quão é possível estabelecer um padrão de instituição educacional que possa estar em consonância com a dinâmica socioambiental dos sujeitos do campo. Ao pensar a prática educativa destas escolas, percebemos a sofisticação de sua proposta, ao propor alternativas diferenciadas para a gestão, formação dos educadores, instrumentos pedagógicos, organização do tempo escolar, etc. Não obstante, tais elementos ao mesmo tempo em que indicam uma proposta diferenciada deparase com alguns limites, no que tange a manutenção financeira, a formação profissional, e a participação comunitária. Dentre estes elementos, a própria rotina das EFAs, se tornam um complexo exercício de aprendizagem, pois muitos dos jovens que chegam à escola vêem de dinâmicas sociais diferenciadas, e quando chegam na escola deparam-se com responsabilidades e vivências que exigem adaptações difíceis e que estão em uma perspectiva de preparação para o trabalho (no sentido dialético da relação trabalho manual e intelectual). 92 Assim notamos que a rotina da escola família é rígida, com tempos bem definidos. Nesta perspectiva, tal rigidez podem se configurar em um rico processo da prática educativa das EFAs, porém indica que deveríamos analisar até que ponto pode se configurar em um elemento que dificulta a adaptação. Devemos apontar também, que as EFAs se apresentam como uma prática educativa alternativa para os sujeitos do campo, mas que possuem alguns desafios frente a todo conjuntura sócio-histórica do processo de constituição do rural. Os desafios existem no âmbito pedagógico, econômico, social e cultural e que demandam maiores estudos. Referências Bibliográficas: ARROYO, Miguel; CALDART, Roseli S.; MOLINA, Mônica Castagna (Org.). Por uma educação do campo. Petrópolis, RJ: Vozes. 2004. BEGNAMI, João Batista. O Plano de formação dos CEFFA’s. IN: Cadernos de Formação Pedagógica Inicial de Monitores, 2009. CADERNOS DE FORMAÇÂO PEDAGOGICA INICIAL DOS MONITORES. Brasília, 2009. DALL’AQUA, Pedro Eduardo e PEIXOTO, Luiz da Silva. Estudantes dos CEFFAs no processo de formação integral: auto-organização como um instrumento de participação. In: Revista da Formação por Alternância, UNEFAB, 2008. QUEIROZ, João Batista. Construção das Escolas Famílias Agrícolas no Brasil: Ensino Médio e Educação Profissional. (Tese) Doutorado – Universidade de Brasília, UnB, Brasil. 2004. RICHARDSON, Roberto Jarry; PERES, Jose Augusto de Souza. Pesquisa social: métodos e técnicas. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2011. ROCHA, Izabel Xavier de Oliveira. A Formação Integral nos CEFFAs. In: Revista da Formação Por Alternância. Brasília: UNEFAB, n.º05 ano 03 p. 05-18, dez.2007. SILVA, Lourdes Helena. As representações sociais da relação educativa escola-família no universo das experiências brasileiras de formação em alternância. Tese doutorado. PUCSP: São Paulo, 2000. ZABALA, Antoni. A pratica educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998. 93 A EMERGÊNCIA DAS MEMÓRIAS DA CULTURA NEGRA NA ESCOLA E O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ÉTNICA Terciana Vidal Moura Jocineide de Almeida Santos SOU HISTÓRIA “Debrucei-me sobre as memórias Que muitas vezes não conseguia ver Fatos da minha história Que alguns tentaram esconder Aos 11 anos sofri Pois não conseguia falar A todos que me ignoravam E me faziam calar Numa pequena sala de aula Roubaram a minha herança Silenciando a minha história Que trago com amarga lembrança Professores e colegas servis Cultuavam o padrão europeu E para contrariar as regras Quem fazia parte do grupo? Eu. Não me encontrava no livro didático História infantil ou coisa assim Sofri o racismo pelo silencio E que alguns zombavam de mim Na mudança para a série seguinte É que veio a minha aceitação Pois descobriram que minha mãe Era professora daquela instituição Professor antes possuía status Na época era coisa normal Mas eu não fiquei satisfeita Com aquele embranquecimento cultural Pois sempre fui dona de uma identidade Até minha alma sempre foi plural Hoje como professora E estudante da pós-graduação Percebo que sou história E objeto para pesquisa-ação Posso mudar a minha prática Buscando transformação”. 94 (Jorsilene Santana dos S. Souza, Professora do Sistema Municipal de Ensino de Amargosa-Ba) INTRODUÇÃO O depoimento da professora Jorsilene nos faz afirmar que, apesar dos anos e de um redimensionamento da leitura das relações raciais no Brasil, a condição do negro, ainda é, infeliz e sutilmente, compreendida por uma parcela razoável de nossa população - principalmente quem não tem a oportunidade de conhecer outras referências conceituais- por ranços das teorias e crenças racistas que, apesar de cientificamente infundadas, permanecem ainda hoje vivas na memória social, fundando o nosso imaginário e a memória coletiva enquanto representação que temos dos negros. Cardoso (2001, p. 05) afirma que “Racismo e ignorância caminham sempre de mãos dadas. Os estereótipos e as idéias pré-concebidas vicejam se está ausente à informação, se falta o diálogo aberto [...]. Não há preconceito racial que resista a luz do conhecimento”. Para Waléria Menezes (2005), as premissas históricas e ideológicas que constituíram o pensamento racial brasileiro ultrapassaram as barreiras do tempo e, ainda hoje, contribuem para manter a difícil situação da população negra, colocando, no seu cotidiano, vivências de circunstâncias como preconceito e descrédito, dificultando sua inclusão social. Tais representações, fundadas em conceitos e estereótipos negativos, fazem-nos construir “distorções cognitivas” gerando preconceito e discriminação quanto à população negra, sustentando as práticas racistas e contribuindo, assim, para justificar e validar a condição subalterna da mesma dentro da sociedade. Como evidenciam alguns estudos sobre relações raciais e educação, Fazzi (2004); Cavalleiro (2003); Rosemberg (1987;1995) as desigualdades educacionais dos alunos negros em comparação aos alunos brancos têm suas raízes no preconceito e na discriminação, na medida em que gera uma expectativa negativa em relação ao aluno negro, afetando sua auto-imagem e auto-estima, além de introjetar idéias falsas e depreciativas sobre ele, negando sua identidade. Tais práticas, aliadas a outras, têm se constituído um dos principais fatores para que este desista prematuramente da escola ou permaneça em seus bancos por muito mais tempo. A fala da professora Jorsilene, ainda, nos faz questionar sobre o papel da escola frente à diversidade étnico-cultural e principalmente no que tange ao processo de 95 afirmação da identidade negra, quando, ao invisibilizar ou silenciar os referenciais positivos, como a memória, contribui para que o aluno negro negue a sua identidade e cada vez mais seja seduzido pela ideologia do embranquecimento e pelo desejo de tornar-se branco. Nesse sentido, Santos enfatiza que: O debate acerca da identidade negra tem ocupado muito espaço na sociedade brasileira. No entanto, a conquista desses espaços não tem sido fácil, pois os grupos hegemônicos dizem que essa não é uma questão que mereça destaque pelos militantes do movimento negro. Com efeito, o discurso polifônico articulado em função do emudecimento das vozes, que discutem a identidade negra, tem sua origem no tempo da escravidão, ainda que se diga que essa é uma mancha do nosso passado histórico. Todo esforço realizado para preservar a nossa ascendência européia coincide com a tentativa de esquecer, calar e apagar no cenário nacional, não só as memórias de escravidão do povo negro, mas também a sua presença, enquanto sujeito de direito, membro de uma comunidade pluriétnica, herdeira de uma tradição ancestral que transcende o espaço-tempo e do aniquilamento histórico de sua presença em terras brasileiras. (2002, p. 44) Assim, apesar da grande relevância que o tema relações raciais vem manifestando no campo educacional, a escola ainda continua sendo um espaço de “reprodução cultural”, quando prioriza e valoriza no seu currículo instituído e vivido uma “porção de cultura” que representa a cosmovisão de mundo de grupos dominantes e apresenta, em seu cotidiano, práticas que perpetuam o racismo e o preconceito racial. Para Miranda (2005, p.02): “As formas etnocêntricas de ensino que privilegiam a cultura européia em detrimento da cultura afro-brasileira surgirão, senão como a única, pelo menos como determinantes, numa anamnese escolar, do fracasso escolar dos afrobrasileiros”. A escola, ao invés de promover a mobilidade social dos negros e o fortalecimento da identidade étnica, tem historicamente contribuído para manter as desigualdades sociais/ raciais, uma vez que é nesse espaço que a criança negra recebe a maior carga de embranquecimento, atitudes de preconceito e discriminação racial. Isso vai gradativamente contribuir para que a criança negra desenvolva uma baixa-estima, um auto-conceito negativo, negue sua identidade étnica e seu pertencimento racial e tenha uma trajetória escolar mais difícil, levando-a, muitas vezes, ao “fracasso escolar” e à sua exclusão social. Daí, as críticas, agora, centrarem-se na composição curricular, que omite, silencia e nega a história, memória e cultura africana e afro-brasileira. Pois, para Munanga: É através da educação que a herança social de um povo é legada às gerações futuras e inscrita na história. Privados da escola tradicional, 96 proibida e combatida, para os filhos negros, a única possibilidade é o aprendizado do colonizador. Ora, a maior parte das crianças está nas ruas. E aquela que tem a oportunidade de ser acolhida não se salva: a memória que lhe inculcam não é a do seu povo; a história que lhes ensinam é outra; os ancestrais africanos são substituídos por gauleses e francos de cabelos loiros e olhos azuis; os livros estudados lhe falam de um mundo totalmente estranho, da neve e do inverno que nunca viu, da história e da geografia das metrópoles; o mestre e a escola representam um universo muito diferente daquele que sempre a circundou. Apesar da diversidade étnico-cultural constituir um dos pilares da formação humana, a escola não conseguiu ser ainda um espaço de “produção e diversidade étnicocultural”. Para Luz (2000, p. 09) È preciso saber que o sistema oficial brasileiro é profundamente marcado por uma rede ideológica positivista, produtivista e imperialista, fruto de valores anglo-saxônicos e/ou euroamericanos. A criança e o jovem que conseguem entrar no sistema oficial de ensino sofrem uma lavagem cerebral tão violenta à sua alteridade própria, que todo o entulho ideológico que sobredetermina o cotidiano curricular passa a ser absorvido pela população estudantil como verdades absolutas que tem como modelo universal a civilização dos greco-romanos e anglo-saxões, paradigmas existenciais estranhos à nossa identidade nacional. Para combater as relações racistas dentro do ambiente escolar e para que a escola seja uma instituição que contribua para a construção e fortalecimento da identidade étnica, considera-se ser de vital importância a desconstrução de todo um imaginário, crenças, representações, enfim, a desconstrução das distorções cognitivas oriundas da ideologia racista. Destacamos aqui a importante luta que vem sendo travada por décadas pelos Movimentos Negros no campo de nosso interesse específico, a educação, evidencia-se uma preocupação para incluir aspectos referentes ao legado constitutivo da Cultura Negra no discurso escolar oficializado e institucionalizado, dentro da perspectiva de produção de um novo capital cultural que priorize a produção de novos significados e representações em torno do negro e de sua cultura. Em resposta a essas reivindicações, foi sancionada em 2003 a Lei nº10.639 que altera a Lei nº9394/96, ao incluir, no currículo oficial da rede de ensino do Brasil, a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira” e ainda a criação de Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, que traz uma série de princípios 97 e orientações pedagógicas para lidar com a diversidade étnico-cultural em sala de aula. Além disso, possibilidade da emergência de outros referenciais e cosmovisão de mundo que levam “à compreensão de que a sociedade é formada por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que possuem cultura e história próprias, igualmente valiosas e que em conjunto constroem, na nação brasileira, sua história” (BRASIL, 2004, p.241). Frente a esse contexto, Maria Conceição dos Reis questiona: Como se constrói a identidade negra e qual a contribuição da educação brasileira neste processo? [...] como homens e mulheres que se auto-declaram negros(as), construíram sua identidade negra e qual o percurso erguido pela educação para essa construção? Silva (1995, p.40) referindo-se aos negros, advoga que é por meio da (re)leitura da história e do conhecimento dos mecanismos de resistência de seu povo frente à escravidão, que será possível a construção de uma “identidade resgatada”. Portanto, a identidade e a memória coletiva estão associadas, pois, através da (re)leitura da biografia de um grupo, de um povo, é feita a reavaliação de sua representação social. Memória coletiva aqui conceituada como: [...] aquela formada pelos fatos e aspectos julgados relevantes e que são guardados como memória oficial da sociedade mais ampla. Ela geralmente se expressa naquilo que chamamos de lugares da memória que são os monumentos, hinos oficiais, quadros e obras literárias e artísticas que expressam a versão consolidada de um passado coletivo de uma dada sociedade. (SIMSON, 2000, p. 122) MEMÓRIAS DA CULTURA NEGRA E O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ÉTNICA O sentimento envenenado das nossas escolas, com suas referências mais ou menos tolas ao “pretinho Benedito” com os elogios das raposas ao heroísmo de Henrique Dias, tem dado ao negro a impressão de que os seus antepassados foram uns desgraçados e de que os jovens negros só por isso têm de serem sempre uns vencidos. É preciso, porém, que o negro tenha coragem de afirmar-se, pois não há motivos para temores, tudo o que existe no Brasil é obra do negro. Sem o negro não haveria Brasil, logo, o negro tem que ser respeitado aqui dentro e quando não o quiserem respeitar ele deve reagir. (JOSÉ BUENO FELICIANO, 1933, p.04 apud AHYS SISS, 1999, p.70) A preocupação específica com a cultura negra e a questão da afirmação identidade étnica dá-se, primeiro, pelo fato de que esta foi afetada secularmente por ranços de uma ideologia racista. Aqui no Brasil, há um legado histórico de nossa formação nacional que contribuiu para legitimar, solidificar, naturalizar e 98 institucionalizar uma representação e identidade negativa acerca da cultura e população negra e, principalmente para camuflar as diferenças, sucumbido os conflitos necessários a construção da identidade étnica negra. Além disso, a inquietação com tal questão resulta da observação, vivências e pesquisa dentro dessa abordagem, que apontam para o contexto contemporâneo no qual, as práticas discursivas através dos vários suportes de linguagens contribuem efetivamente para construir subjetividades, identidades e sujeitos e dentro desse contexto, a memória não deixa de ser uma prática discursiva e que produz representações e identidades. Memória concebida como: “[...] a capacidade humana de reter fatos e experiências do passado e retransmiti-los às novas gerações através de diferentes suportes empíricos (voz, música, imagem, textos, etc.)” (SIMSON, 2000, p. 126) Especificamente em relação à cultura negra, presenciamos historicamente uma avassaladora tentativa perpetrada pelo discurso dominante e hegemônico para institucionalizar e oficializar uma visão ora folclórica, ora negativa acerca da trajetória dos negros no tocante à sua história, memória e cultura. Através desta constituição histórica oficial, o negro e sua cultura foram reduzidos à esfera do folclore, opressão e dominação. O mais grave de tudo isso, é que essa visão histórica negativa constituiu-se em matéria prima para a elaboração dos discursos escolares em torno do negro. Esse discurso concorre para reproduzir estereótipo e condição histórica em que o negro é sempre o oprimido, e o branco, o herói e o dominador. Um exemplo disso é como a escola veicula a história da abolição da escravatura e de como esse conhecimento marca a nossa memória e identidade já que: [...] A liberdade é representada por um “desamarrar de cordas” e por um “soltar de pombo”. O processo de lutas dos negros? Fôra silenciado. [...] A princesa Isabel, a branca, era representada por “uma moça bem arrumada. Essa passa a ser a principal personagem da história. Ela libertou. Ela mudou os rumos da história. É possível inferir sobre as possibilidades de afirmações de que tal história possibilita para o processo de construção de identidade do grupo étnico-racial branco. Mas quais repercussões teriam essa versão no processo de construção de identidades do grupo étnico-racial negro? Esses aprendem, desde muito cedo, a se anularem, a não se verem em lugar algum, a se silenciarem, a não contarem aspectos positivos de seus antepassados. Esses aprendem a se negar, a negar a sua raça e sua identidade para ser aceito pelo outro. A afirmação da identidade cultural do grupo ético-racial negro certamente fica comprometida. As “verdades” criadas pelo grupo étnico-cultural branco continuam sendo recolocadas no currículo. As relações de poder inscritas no currículo e na escola amparam e legitimam essas verdades. (ALVES, 99 O trecho acima nos faz pensar como, através da instituição escolar, introjetamos e aprendemos tais falácias acerca da memória histórica da cultura negra, uma vez que, essas colocações são reproduzidas no livro didático (Silva, 1987) e veiculadas na sala de aula através do professor. Portanto, todo um legado histórico-discursivo construído através de uma memória histórica seletiva na qual, a prevalência de imagens, versões, monumentos acerca da cultura negra foram silenciados por ditames de um ideário etnocêntrico de mundo e que, quando emergidos, fez-se de forma folclórica, fragmentada e estereotipadas, contribuiu para que construíssemos valores, crenças, concepções discriminatórias, excludentes e preconceituosas frente ao segmento étnico negro e, ainda, para que os afro-descendentes negassem a sua identidade, sua história, sua memória e sua cultura. Portanto, a constituição da identidade negra dentro de uma sociedade que nega e silencia, através de suas instituições socializadoras, todos os suportes que corroboram para que os sujeitos de culturas silenciadas construam a percepção de si, da sua identidade, precisa de mecanismos que venham potencializar as tentativas de construir outro olhar do negro acerca de si mesmo, acreditamos aqui que a memória venha ser um desses mecanismos. Partindo do pressuposto que a identidade é uma percepção de si, construída através de um processo de significação com base em suportes e referenciais de realidade, a exemplo a memória, consideramos que, a emergência das memórias da cultura negra, dentro de uma proposta pedagógica crítica poderá contribuir grandemente para superar essas tímidas e camufladas tentativas de se trabalhar a diversidade cultural na sala de aula, introduzindo no contexto escolar, outros referencias de realidade. Henrique Cunha Jr. argumenta que a ausência da disciplina História e Cultura Africana nos currículos escolares contribui para gerar credos sobre a inferioridade do negro, do africano e do afrodescendente. Para ele essa ausência tem quatro conseqüências sobre a população brasileira. Primeiro, nega a oportunidade de o afrodescendente construir uma identidade positiva sobre as nossas origens. Segundo, cria espaços para a construção de hipóteses preconceituosas, desinformadas ou racistas sobre as origens da população negra. Terceiro, coloca a apresentação dos continentes e das diversas culturas a nível mundial, em desigualdade de informação sobre os conteúdos apresentados pela educação. E a quarta conseqüência, esta sobre o 100 entendimento fragmentado e deformado da história brasileira, no qual as realizações do povo africano no Brasil ficam sub-dimensionadas ou não reconhecidas, devido à grande ignorância no país sobre as nossas origens africanas. Portanto as memórias da cultura negra estão na condição de subterrâneas no currículo e saberes veiculados pela escola na medida em que, “[...] correspondem a versões sobre o passado dos grupos dominados de uma sociedade. Estas memórias geralmente não estão gravadas em suportes concretos como textos, obras de arte.” (SIMSON, 2000, p. 122) A EMERGENCIA DAS MEMÓRIAS DA CULTURA NEGRA NA SALA DE AULA E O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE ÉTNICA NEGRA A pesquisa evidenciou que a escola promove aprendizagens equivocadas em sala de aula de conceitos e idéias falaciosas, simplistas e depreciativas que contribuem para alimentar o imaginário racista e que não corroboram para que o aluno tenha uma compreensão mais crítica da condição da população negra na sociedade brasileira, como nos evidencia as respostas de alguns alunos: - Ouvi o professor dizendo que o negro no tempo da escravidão era tratado que nem bicho ficava acorrentado para não fugir. E se fugisse e depois eles o pegassem novamente, ia para o tronco apanhava feito um condenado. Ainda, promove uma aprendizagem superficial sobre a temática “História e Cultura Africana” que legitima a visão distorcida da participação dos negros na constituição da sociedade brasileira, reduzida, na fala dos alunos, à culinária, festas e danças. Além disso, há um reforço da escravidão e do escravo como única referência de se conceber o negro dentro da história do Brasil. Quando questionados sobre quais as histórias que eles conheciam sobre o negro e sua cultura, ficou evidente no conjunto das respostas que o conhecimento que eles tinham sobre a história do negro resumia-se a: Capoeira, senzala, bumba-meu-boi, folclore, escravidão, Quilombo de Palmares, Escrava Isaura, navio negreiro, a história dos escravos, os escravos da África, etc. Como se observa nos trechos abaixo, as histórias que os/as alunos/as mais ouvem sobre o negro são: - Sobre o quilombo dos palmares e outros como já vi no livro, o navio negreiro, a senzala, escrava Izaura e outros. - A história que eu conheço é de milhares de anos, que há muito tempo os negros eram escravos dos brancos porque eles eram pobres. 101 - Eu sei que os negros trabalhavam para os brancos e os brancos tinham nojo dos negros. - Que o negro era escravo, que era capoeirista, que apanhava. - Os negros foram trazidos a força para o Brasil para trabalhar nas fazendas como escravos. - O nego foi escravo, eles sofriam, eles eram chicoteados. Eu aprendi na quarta série. - Os negros foram escravizados e torturados pelos brancos que batiam neles de chicotes e amarravam os negros e forçavam eles a trabalhar. - Eu sei muito pouco. Li nos livros que os negros eram muito escravizado pelo branco. - Eu conheço que os negros sofriam muito ele apanhava quando fazia alguma coisa errada. Eles eram transportados como se fossem nada, eles eram vendidos como se não fosse ninguém. - Eu conheço que o negro era muito maltratado e era um escravo que trabalhava o dia todo e se ele fugisse da escravidão ele era morto pelos fazendeiros. A pesquisa também evidenciou um desconhecimento de personagens e heróis negros que resistiram e participaram efetivamente de lutas históricas pela libertação dos negros e pelo fim do regime escravista. Ficando o aluno sem referência identitária positiva, já que o negro dentro da história é sempre associado ao escravo, ao sofredor, ao passivo, ao inferior. Para Telles (2003, p. 240), Estereótipos e a ausência de pessoas emblemáticas, nas quais as crianças possam se espelhar podem contribuir para uma baixa estima entre as crianças negras em idade escolar. Os livros textos que descrevem os negros como preguiçosos ou não-civilizados e violentos são comuns nas escolas brasileiras. [...] Modelos negros estão visualmente ausentes nos livros-texto e a história africana raramente é ensinada nas escolas. As referências negras, quando existem, tendem a ser nos esportes e na musica popular. Essa falta de referência e de pessoas emblemáticas nas quais os negros possam se espelhar como referência positiva apareceu nas respostas dos alunos, quando questionados se eles conheciam algum herói negro da História do Brasil, no total de 67 alunos ocorreram às seguintes respostas: Não 30 Não se lembra 3 Não respondeu 6 Sim Não sabe 24 2 Não ouviu dizer 2 Aqueles que responderam conhecer enfatizaram a figura de Péle, Daine dos Santos e Gilberto Gil, certamente porque estas pessoas negras conseguiram ascender socialmente e romper as barreiras impostas pelos mecanismos racistas. Revelaram também que continuam valorizando pseudo-heróis enfatizados pela história oficial como a Princesa Isabel e Escrava Isaura. Isso indica o quanto está ausente no currículo 102 escolar uma visão da história dos negros, que não se assente mais na história oficial de base eurocêntrica e sim na própria história e memória do povo negro que por muito tempo esteve subterrânea, longe das salas de aula. A falta de referencial positivo torna difícil a afirmação da identidade negra entre os alunos do colégio investigado. Por isso, segundo Telles (2003), há uma tendência no Brasil de evitar a utilização de categorias não-brancas para se autoclassificar, principalmente a de preto, isso porque as categorias não-brancas geralmente são associadas a “características negativas tais como pobreza, preguiça e violência (p. 114)”. Verificamos que a maioria dos alunos, apesar de serem negros, rejeitam sua identidade étnica, como mostra a tabela abaixo. TABELA – CLASSIFICAÇÃO RACIAL DOS/AS ALUNOS/AS DO CMN Preta Branca índia amarela parda Morena Morenaclara Morenaescura Clara mulata cabocla mestiça 13 10 04 01 11 16 06 01 01 01 01 01 Fonte: Secretaria escolar do CMN. Como podemos identificar, dos 67 alunos apenas 13 se auto-classificaram como cor preta. No conjunto das respostas dos alunos evidencia-se a internalização de conceitos e representações negativos quando percebem que ter a cor negra é um fator de exclusão social dentro da sociedade e quando evidenciam que quem é negro: a) tem mais dificuldade de integração e aceitação social; b) tem menos oportunidade e possibilidade de arrumar emprego; c) sofre mais do que as pessoas de cor branca; d) é associado a uma pessoa inferior; e) é associado a estereótipos como ladrão, maconheiro, etc.; f) é visto e tratado na sociedade como pessoas sem classe e dignidade; e g) tem mais chances de ser isolado nos grupos sociais, uma vez, que muitas pessoas não gostam de negros. De acordo com Cavalleiro (2003, p.99), o preconceito e a discriminação racial, principalmente por conta da cor negra, levam os alunos a desejarem ser brancos e eliminarem, assim, a cor indesejável, característica mais perceptível do estigma de sua identidade. Na impossibilidade, “só lhe resta desejar ser uma cópia da criança branca, que é respeitada e recebida positivamente no espaço escolar. A preferência dos alunos se enquadra dentro de um continuum de cores que a classificação racial no Brasil apresenta nas categorias que mais se aproximam da cor 103 branca. Essa idéia de branca como uma cor limpa ou como a cor mais bonita traz todo um imaginário e toda uma simbologia que leva à associação da cor negra ao mal e a branca ao bem, contribuindo para a negação da identidade ética negra, na medida em que o indivíduo não quer carregar uma característica que, dentro de uma sociedade conduzida pelos valores racistas, sempre associa ao que é negativo. Julvan Oliveira (2003) argumenta que a cor negra, no pensamento ocidental, sempre foi associada a mal, ruim, feio e maléfico, ficando estigmatizada como uma mancha negativa. Então ser negro, é de certa forma, ser dotado de todas essas características negativas e depreciativas à própria identidade negra. Para Gislene dos Santos (2002, p. 275), “na cultura ocidental, a cor negra está associada ora a um sentimento de fascínio exótico ora a sensação de medo ou horror”. A associação da cor negra ao que é ruim pode ter sido construída, dentre outras explicações, pela noção e valor positivo que a cor branca assumiu dentro do pensamento ocidental, sendo a cor negra o seu “outro”, o seu oposto. Encontramos uma citação de Costa (apud SANTOS, 2002, p. 279) descrevendo o valor da brancura na cultura ocidental que, ao contrário da cor negra , representa tudo que é bom. [...] a brancura transcende o branco. Eles [os brancos] indivíduos, povo, nação ou Estado brancos podem ‘enegrecer-se’. Ela, a brancura, permanece branca. Nada pode macular esta brancura que, a ferro e fogo, cravou-se na consciência negra como sinônimo de pureza artística, nobreza, estética, majesta de moral, sabedoria científica etc. O belo, o bom, o justo, e o verdadeiro são brancos. O branco é, foi e continua sendo a manifestação do Espírito, da Idéia, da Razão. O branco, a brancura, são os únicos artífices e legítimos herdeiros do progresso e desenvolvimento do homem. Eles são a cultura, a civilização, em uma palavra, ‘a humanidade’. Desde a década de 70, o Movimento negro vem insistidamente defendendo a incorporação no currículo escolar do ensino de História e Cultura Africana como mecanismo poderoso para a desconstrução de todo um referencial de mundo etnocêntrico que serviu, por muito tempo, para inferiorizar o negro, denegrir a sua identidade e colocar sua matriz civilizatória como primitiva e incivilizada. Além disso, por possibilitar a emergência de outros referenciais e cosmovisões de mundo que levam “à compreensão de que a sociedade é formada por pessoas que pertencem a grupos étnico-raciais distintos, que possuem cultura e história próprias, igualmente valiosas e que em conjunto constroem, na nação brasileira, sua história” (BRASIL, 2004, p.241). Porém, apesar de toda ênfase atribuída a História e Cultura Africana, infelizmente verifica-se a ausência de problematização e de um trabalho mais sistemático em torno 104 dessa temática no cotidiano da escola. Essa ausência é muito prejudicial para a efetivação de um trabalho dentro da escola sobre a perspectiva da diversidade étnicocultural. Além disso, tira a oportunidade do alunado de construir subsídios para que ele possa elevar sua auto-estima, afirmar sua identidade e defender-se de práticas racistas na sociedade em que ele vive. CONSIDERAÇÕES FINAIS A relevância social e educacional desta perspectiva reside no fato da mesma trazer à tona a discussão de outras possibilidades pedagógicas, de mecanismos que possam contribuir para a efetivação de ações, voltadas para a pluralidade cultural e conseqüentemente, a afirmação identitária de grupos e comunidades, que vivem sob a égide do recalque dentro das instituições oficiais. E ainda, por inserir no espaço de discussões acadêmicas uma temática que, hoje, se torna tão importante e ainda tímida nesse âmbito; além de buscar reflexões em torno de possibilidades à formação de sujeitos plurais, de um outro “capital cultural” e práticas que contribuam a superação do “apartheid cultural” e viabilizem condições à “ética da coexistência”; uma vez que, ao desenvolver um trabalho com as memórias da cultura negra no universo plural, que é a sala de aula, todos sujeitos que nele interagem, poderão realizar uma leitura crítica acerca dessas memórias e assim, se ancorar em outros referenciais identitários. Pois, para Nascimento: Não só a criança negra sofre os prejuízos da imagem negativa dos povos africanos veiculada pelo ensino. Todas as crianças saem prejudicadas, na medida em que essas distorções afetam a visão que a escola constrói de sua gente e de seu país, cuja origem africana sobressai em quase todos os sentidos: demográfico, cultural, histórico, lingüístico, e na própria personalidade, o ethos nacional. A inferiorização do grupo étnico, que durante três quartos da existência do Brasil formou a grande maioria de sua população, e que ainda hoje é majoritária, gera um complexo de inferioridade arcaico e antibrasileiro” (1996:62) REFERÊNCIAS ALVES, Marluce P. "Currículo, Etnia www.ufrgs.br/faced/gtcurric. Acesso 15/07/2011. e Poder". Disponivel em: CAVALLEIRO, Eliane dos Santos. Do silencio do lar ao silencio escolar: racismo, preconceito e descriminação na educação infantil. 2a ed. São Paulo: Contexto, 2003. 105 CUNHA, Jr. Henrique. Diversidade Étnico – cultural e Africanidades. Seminário da Faculdade de Formação de Professores, UERJ, São Gonçalo. Rio de janeiro, janeiro de 2002 (mimeo). CARDOSO, F. 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"Identidade, Cultura e Educação" In: Cadernos de Pesquisa/Fundação Carlos Chagas, n. 63, Novem./1987, p 46-55. 107 O QUE SE QUER DO CURRÍCULO? REFLEXÃO SOBRE O CURRÍCULO NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS Antonio Reinaldo Santos Alves29 Taíse dos Santos Alves30 Resumo: Entender o Currículo na atualidade requer observar os sujeitos e espaços em que este currículo será aplicado. Um bom currículo deve se aquele construído a partir da realidade de onde ele será implementado, pois não se cabe mais currículos importados ou construídos fora da vivencia dos indivíduos que dele irão se servir. Para se pensar em um currículo para Educação de Jovens e Adultos, é indispensável ouvir o professor e o aluno desta modalidade, para que ambos deixem de ser apenas expectadores e se tornem sujeitos do currículo. Neste texto, iremos partir das concepções sobre Currículo, discutir e pensar um Currículo para a EJA, levando em consideração os seus sujeitos e deixando de lado as adaptações ate então realizadas para se ter uma organização curricular nesta modalidade educativa. Palavras-chave: Currículo, EJA, Sujeitos do Currículo PROBLEMATIZANDO AS IDEIAS SOBRE CURRÍCULO Ao falar de Currículo, se faz necessário buscar entender e compreender as possíveis mudanças acerca dele. Suas verdadeiras implicações e objetivos. Para isso 29 Pedagogo, Especialização em Educação de Jovens e Adultos pela UFBA [email protected] Licenciada em Geografia, Especialização em Educação de Jovens e Adultos pela UFBA [email protected] 30 108 precisamos conhecer um pouco de suas teorias que irá nos permitir fazer algumas indagações o que é? Como? E para o que? Entendemos que o Currículo em um período de nossa história era organizado com o objetivo de reproduzir os desejos e anseios de uma classe dominante, ou seja, o currículo está diretamente relacionado como nos desenvolvemos e ao que nos tornamos. Também envolve questões de poder, tanto nas relações professor e aluno, entre gestor e professor, quanto em todas as relações que permeiam o cotidiano da escola e fora dela, questões raciais, étnicas e de gênero, não se restringindo a uma questão de conteúdos. O objetivo desse texto é através de uma reflexão no campo do Currículo fazer novas indagações e sugestões para que o currículo da Educação de Jovens e Adultos (EJA) deixe sua forma fragmentada e tecnicista. Neste sentido, partimos da reflexão de algumas teorias e alguns conceitos sobre o Currículo para ampliar nossas discussões sobre sua aplicação na EJA. Trazemos inicialmente a teoria tradicional, que tendo como principal foco identificar os objetivos da educação escolarizada, formar o trabalhador especializado ou proporcionar uma educação geral, acadêmica ou industrial. Teve como contribuintes Bobitti e Taylor. Segundo Silva (2003): [...] de acordo com Bobbit, o sistema educacional deveria começar por estabelecer de forma precisa quais são seus objetivos. Esses objetivos, por sua vez deveriam se basear num exame daquelas habilidades necessárias para exercer com eficiência as ocupações profissionais da vida adulta (SILVA 2003, p.23). Numa linha mais progressista, mas também tradicional, apresenta-se a teoria de Dewey, que tem se preocupado mais com a democracia do que com o funcionamento da economia (Silva, 2003). Essa teoria também, dava importância aos interesses e às experiências das crianças e jovens. Seu ponto de vista estava mais direcionado à prática de princípios democráticos, sendo a escola um local para estas vivências. Em sua teoria, Dewey não demonstrava tanta preocupação com a preparação para a vida ocupacional adulta. Na década de 60 surgiram às primeiras teorizações questionando o pensamento e a estrutura educacional tradicional, em específico, as concepções sobre o currículo. 109 As teorias críticas preocuparam-se em desenvolver conceitos que permitissem compreender, com base em uma análise marxista, as concepções do currículo, a partir do desenvolvimento desses conceitos, existiu uma ligação entre educação e ideologia. Segundo Silva (2003), Althusser, fez uma breve referência à educação em seus estudos, nos quais pontuando que a sociedade capitalista depende da reprodução de suas práticas econômicas para manter a sua ideologia. Sustentou que a escola é uma forma utilizada pelo capitalismo para manter sua ideologia, pois atinge toda a população por um período prolongado de tempo e que a ideologia dominante transmite seus princípios, por meio das disciplinas e conteúdos que reproduzem seus interesses, dos mecanismos seletivos que fazem com que crianças de famílias menos favorecidas saiam da escola antes de chegarem a aprender as habilidades próprias das classes dominantes, e por práticas discriminatórias que levam as classes dominadas a serem submissas e obedientes à classe dominante. Ao analisar as relações sociais existente nas escolas, Bowles e Gintis, de acordo com Silva (2003), apontaram outra questão para responder à questão sobre como a escola é reprodutora de um sistema dominante: A escola contribui para esse processo não propriamente através do conteúdo explícito de seu currículo, mas ao espalhar, no seu funcionamento, as relações sociais do local de trabalho. As escolas dirigidas aos trabalhadores subordinados tendem a privilegiar relações sociais nas quais, ao praticar papéis subordinados, os estudantes aprendem a subordinação. Em contraste, as escolas dirigidas aos trabalhadores dos escalões superiores da escala ocupacional tendem a favorecer relações sociais nas quais os estudantes têm a oportunidade de praticar atitudes de comando e autonomia. (SILVA, 2003, p. 33). Paulo Freire critica o currículo existente através do conceito de ‘educação bancária’, currículo afastado da situação existencial das pessoas que fazem parte do processo do conhecer, concebendo a experiência dos educandos como fonte primaria para temas significativos ou geradores. A educação bancaria tende a distanciar o estudante do conhecimento, pois este é ‘despejado’ sobre ele, sem que este possa questioná-lo ou problematizá-lo. O que percebemos é que o currículo tem servido a quem tem o poder de dominá-lo e não aos sujeitos, que deve se servirão. 110 Isso se torna bem visível, quando falamos na EJA, que ainda tem currículos sem nenhuma ligação com as realidades de seus educandos. DISCUTINDO CURRÍCULO Pensamos o Currículo a partir de sua constituição, sendo este algo a ser aprendido e ensinado, que segue métodos para que através dele se realize o ensino e a aprendizagem. O currículo formal baseia-se em um conjunto de objetivos e resultados previstos, como informal ou currículo oculto, quando diz respeito à aprendizagem não planejada que ocorre nas salas de aula, nos espaços da escola ou quando os estudantes interagem com ou sem a presença do professor. O currículo vigente na maioria das escolas caracteriza-se pela fragmentação, pela descontextualização e pela irrelevância, cada disciplina não estabelece relações com as outras e até dentro da mesma área não há uma abordagem sistêmica, com vistas à integração e à percepção de que todas as coisas estão interligadas e o que acontece em uma parte reflete no todo e vice-versa. Moreira (1997) aponta o surgimento de duas distinções no currículo: currículo formal e currículo real ou oculto. O currículo citado pela escola era o formal; já o currículo oculto era aquele transmitido implicitamente, mas não mencionado pela escola e que se fazia de tal forma poderoso, pois podia propiciar controles sociais, lutas ideológicas e políticas, provocadoras de mudanças sociais. As atividades educativas são regidas ou normatizadas a partir de entendimentos entre os teóricos e pesquisados, que percebem quais são os conteúdos relevantes para aquele nível de ensino, a essa organização podemos chamar de Currículo, ou ampliarmos o seu conceito para as discussões sobre ensino e aprendizagem e quais os conteúdos próprios a cada contexto educacional e cultural em que a Escola está inserida. O Currículo por mais que tenha uma orientação pautada em documentos e leis promulgadas pelos setores reguladores de ensino, deve se adaptar as realidades de cada 111 escola, local e povo que com ele se relaciona, abrindo novos horizontes para além da ‘matriz’ a qual ele se estabeleceu. Acreditamos que não exista um só Currículo, mas Currículos, mesmo sabendo que existam leis que o normatizam, cada unidade de ensino, seja em esfera estadual, municipal ou a própria escola onde o currículo será efetivamente aplicando, pode repensar os conceitos atribuídos a esta ‘norma’ e pensar um novo currículo, capaz de atender as demandas e exigências dos sujeitos desta comunidade, os quais a partir de agora se tornam “sujeitos do currículo”. Estas adaptações ou reconstruções sofridas pelo Currículo enquanto “norma’ esta ligada a cada modalidade de ensino em que ele seja aplicado, pois as atividades curriculares estão intimamente ligadas à prática pedagógicas dos professores, os projetos de aprendizagem e as questões da formação docente. Aqui, fazemos um recorte para falar das questões curriculares da EJA, um campo de discussões em fase de consolidação, pois ainda se vê “hibridações curriculares” presente no uso do material didático, nas práticas pedagógicas e na formação de professores, distantes das realidades da EJA, fruto do aproveitamento de recursos de outras modalidades de ensino, provocando assim as hibridações. O ponto de partida para se refletir uma organização curricular para a EJA nasce em uma análise do processo história dessa modalidade de ensino no contexto da educação brasileira, conforme nos apresenta Eugênio (2004): Nos anos 80 a teoria curricular crítica começa a penetrar a discussão sobre currículo no Brasil, década em que as discussões sobre o fracasso escolar das crianças das camadas populares acentuam-se. Nesse período, a educação de jovens e adultos era identificada com as campanhas e o supletivo, principalmente depois da LDB 5692/71. Com um campo teórico e prático vasto, a EJA mantém numerosas interfaces com temas correlatos e conforme levantamento realizado por Haddad (2000), as pesquisas na área estão dispersas, sendo realizada em campos diversos como a Educação, a Linguística, Psicologia (EUGENIO, 2004, p. 61) Umas das questões fundamentais para se discutir sobre Currículo é pensá-lo para além das leis e normas que o regem. Se formos observar o que a LDB de 96 e as que 112 vieram anteriores a ela, como também analisarmos os Parâmetros Curriculares para Educação, vê o ideal que não se articula com o real, criando assim uma impossibilidade de se aplicar nas escolas o que foi pensado e discutido. Vejamos o caso da EJA que constantemente passa por mudanças, no ver das legislações educacionais, mesmo com normas para se construir currículos adaptados a realidade dos alunos jovem, adulto e idoso, não observamos práticas pedagógicas e formação docente condizente para efetivar essa organização curricular. Para se estudar e compreender o Currículo, entendendo este como um campo tão complexo Eugênio (2004) nos indica que se investiguem os momentos históricos, socialmente datados e localizados onde as questões macro e também micro são postas à sociedade. O campo do Currículo não se restringe ao dos conteúdos do processo de ensino aprendizagem, nele estudamos a história, a sociedade, as lutas pelas melhorias de vida, a economia, a política e as relações entre os sujeitos, todos esses temas são profícuos as discussões curriculares, pois tem haver diretamente com a vida daqueles que se servem dos currículos e de suas organizações. PROBLEMATIDANDO O CURRÍCULO NA EJA Percebemos, especialmente com a EJA, que os problemas com o Currículo têm se nascedouro em outras questões fundamentais da educação, e uma delas é a própria concepção da EJA como modalidade de ensino, ocorrido só na década do ano 2000. O grande tempo onde pensávamos a EJA como supletivo e esse apresentava uma organização simplória da educação, onde era mais rápido o ensino, reflete ainda hoje quando organizamos os currículos para EJA. Uma concepção de ensino fragmentada e tecnicista presente nos supletivos são vistas hoje nas salas de aula de EJA. Para propor uma organização curricular para a EJA, é preciso rever as temáticas influenciadoras, conforme apresentamos algumas a cima, como a prática pedagógica e a formação docente, requer também repensarmos o que vem a ser verdadeiramente Currículo, compreendê-lo com toda a sua complexidade para assim aplicá-lo a nossa realidade. 113 Sacristán (2000) nos remete o termo currículo como relativamente recente entre nós. Para o autor, ao definir o currículo, estamos definindo as funções da própria escola, situando-a histórica, política e socialmente. Dessa forma o currículo não é simples listagem de conteúdos a ser repassado, porém são todas as implicações contidas neste processo de conhecimento. Kurzawa (2007, p. 39) amplia esse pensamento quando nos diz que “o currículo é visto não como conhecimentos pré-determinados e rígidos, formatados em disciplinas estanques e fragmentadas, mas como uma ferramenta para construção do próprio homem”, como ser critico e reflexivo na sociedade em que vive. Percebemos o distanciamento das atividades curriculares para EJA destas reflexões problematizadas e questionamos como nossas escolas podem colocar em prática estas reflexões e a elas faltam tanta coisas? Como nossos professores podem organizar metodologias de ensino referendadas nessas discussões curriculares se a eles falta formação para o trabalho especifico com EJA? Como nossos alunos podem ter uma aprendizagem que o levem a serem construtores de conhecimentos, se estes ainda não são visto como “sujeitos do currículo?” Diante disto, podemos problematizar outras indagações pertinentes ao currículo escolar atualmente proposto para EJA, contundo pensar em algo novo requer mergulhamos em nossas realidades e pensamos caminhos novos, neste senti Kurzawa (2007) que nos diz: Acredito que a escola ensina muito mais que conteúdos. Ao perguntar o que se aprende na escola para uma turma de EJA, uma aluna respondeu que na escola, se aprende a viver e conviver com os colegas, não só as letras, mas o que nos faz pensar para mudar o que somos. O currículo deve ser parte da escola, mas também parte dos envolvidos no processo ensino/aprendizagem. Não quero dizer com isso que não deve haver conteúdos, mas que estes devem ser pensados e (re) pensados conforme a participação dos educandos e dos educadores. Afinal, do currículo também fazem parte: crenças, reflexões, desejos, necessidades e esperanças dos envolvidos no processo educativo (Kurzawa, 2007, p. 40). Assim ensinar o público da EJA exige a necessidade de buscar condições e alternativas de currículos adequados há esses sujeitos, levando em conta seus saberes, seus conhecimentos (até então produzidos) e suas experiências. Partindo desse pressuposto, Paiva (2002) afirma que as legislações em EJA recomendam a necessidade 114 de busca de condições e alternativas de currículos adequados a este público. Dessa forma as propostas de currículo, deve-se partir dos: seus saberes, conhecimentos e experiências no mundo do trabalho e dentre outros. E COMO SERIA UM CURRICULO PARA EJA? O currículo nesta modalidade de ensino deverá ser pautado em uma pedagogia crítica, que considera a educação como dever político, como espaço e tempo propícios à emancipação dos educandos e à formação da consciência crítica-reflexiva e autônomas. Temos observados conforme expressando anteriormente a fragmentação do conhecimento quando se trata da EJA, onde o aluno é levado a aprender algo novo, como se o que ele trouxesse para a sala de aula não tivesse importância. Vemos que o próprio aluno tem essa noção, de ir para a escola aprender aquilo que ele não sabe, pois ate agora ele esteve a margem da educação e o que ele aprendeu com a vida de nada valeu. Quando analisamos os processos de aprendizagem na EJA, sempre os conhecimentos prévios dos estudantes são visto como importante para que a aprendizagem seja significativa, mas na prática ainda existem práticas de ensino que distanciam esse saber adquirido do estudante do aprendido em classe. Mas como o currículo pode mudar isso? Primeiro pensamos em mudar a concepção do próprio currículo, este deve ser criado e vivido pelos seus sujeitos: professores e alunos, e deve partir do pressuposto do que vivemos e aprendemos para o que podemos aprender e viver. Um currículo produzido nas realidades de que deve se servira. Neste sentido, o saber de cada sujeito é a chave para se construir uma proposta curricular, como se fossemos tecer saberes e conhecimentos, uma só rede, e esta seria a fonte de temas e pontos que professores e alunos se serviriam para construir não somente o currículo, mas sim as prática de sala de aula. Oliveira (2008, p. 16) nos apresenta como isso pode ser concretizado: 115 A ideia da tessitura do conhecimento em rede busca supera não só o paradigma da árvore do conhecimento, como também a própria forma como são entendidos os processos individuais e coletivos de aprendizagem – cumulativos e adquiridos – segundo o paradigma dominante. A aprendizagem de novos temas, seria reflexo do que foi adquirido durante toda a vida dos sujeitos que este currículo servirá, será a base para se entender como se pode ampliar e complementar os conhecimentos, estes vividos ou aprendidos com a escola. A árvore seria a vida de cada um, do professor, do estudante que seria não apenas um recurso, mas espaço de problematização do conteúdo escolar, este ‘sagrado’ e praticamente imutável em nossas práticas pedagógicas. É nesta relação entre o conteúdo escolar e as vivencias dos alunos de EJA que consiste no grande impasse de nossas práticas e nossas discussões sobre um currículo. Ainda não sabemos como fazer isso, mas quando percebermos que o currículo pode unir os conhecimentos e saberes vividos pelos educandos e estes se tecidos ao conteúdos escolares alcançam os objetivos da aprendizagem, teremos uma educação de qualidade para os alunos trabalhadores, jovens, adultos e idosos que não tiveram oportunidades com a escola e com a sociedade que sempre os puseram a margem de tudo. Trazer os atores educativos para construção do currículo se faz mais que necessários, eles que trazem em si as primeiras impressões sobre o que se quer ensinar, partindo do olhar do professor, e do que se quer aprender, partindo do olhar do aluno, pois ainda vemos uma grande distancia daquilo pensado pelo docente para implementar a sua prática, do que espera o estudante, para conhecer novos temos. Os professores ainda vivem sobre o jugo do ‘sagrado conteúdo’ e não extrapolam suas metodologias, e um dos fatores influenciadores nesta falta de consciência para a mudança é a pouca ou nenhuma formação para preparar o docente da EJA. Para tornar as experiências do cotidiano em conteúdos significativos para os alunos, não precisa se jogar fora o conteúdo normatizado, basta ao docente um investimento em pesquisa e tempo, outro problema na EJA, pois a sobrecarga de 116 trabalho do professor e sua incapacidade de formação, gera sua prisão ao conteúdo normatizado e ao livro didático para basear sua prática e suas atividades. É preciso então alem de deixar de pensar o currículo como um sistema imutável, promover condições para que o professor pense e reflita o currículo com seus pares, e observe as histórias de vidas dos alunos que irão receber as temáticas deste currículo e também tragam suas ideias e impressões. Fazer uma nova organização curricular para EJA requer um esforço coletivo, e principalmente um olhar mais crítico para a realidade de nossas escolas atualmente. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Neste cenário, um currículo que atenda as prerrogativas da EJA deve estar voltada para a valorização e formação de sujeitos críticos, capazes de se posicionar e enfrentar a realidade, lhe questionando e trazendo suas vidas para o centro da discussão. Assim, para que isso se efetive, é necessário se propor uma política educacional que acolhe e entende as questões atuais da escola, pois esta precisa definir suas prioridades didáticas, e estas devem favorecer experiências escolares coerentes com as necessidades de seus sujeitos, oportunizando abordagens que explicitem os direitos de cada individuo e sua possível sobrevivência no mundo. Conceber um conceito de educação e de currículo, onde estas questões sejam colocadas em prática, cabe muito mais que esforços individuais, e sim esforços coletivos. Cabe mudar a formação dos professores de EJA, dando-lhes uma formação adequada e própria, caracterizando o docente desta modalidade de ensino como um profissional conhecedor das demandas e conteúdos sobre a aprendizagem de pessoas jovens, adultas e idosas, para favorecer a este professor, condições de se posicionar frente ao currículo posto e propor mudanças significativas. É preciso dar espaço ao estudante jovem, adulto e idoso apresentar seus anseios e desejos para com o ensino, isso não acontece ainda, pois a prática pedagogia e o currículo ainda são importada de classes de crianças e adolescente, não oportunizando 117 dar voz a esse aluno. Para se mudar uma proposta curricular cabe se pensar junto com que irá utilizar, e vemos ser esse o caminho mais fácil de se pensar, discutir e construir um novo currículo para EJA. REFERÊNCIAS EUGÊNIO, Benedito Gonçalves. O currículo na Educação de Jovens e Adultos: entre o formal e o cotidiano numa escola municipal em Belo Horizonte. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de PósGraduação em Educação, Belo Horizonte: PUC – MG, 2004. 180 f. Disponível em: http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Educacao_EugenioBG_1.pdf. Acesso em: 10.06.2011. KURZAWA, Gléce. O currículo na EJA: investigando as significações sociais elaboradas pelo educador. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Maria. Programa de Pós-Graduação em Educação, Rio Grande do Sul: UFSM, 2007. 102 f. Disponível em: http://w3.ufsm.br/ppge/diss_glece_07.pdf . Acesso em: 10.06.2011 PAIVA, Jane. Proposições curriculares na Educação de Jovens e Adultos: processos de formação continuada de professores como metodologia de pesquisa. In: 25º Reunião ANPED, 2002. MOREIRA, Antônio Flávio (Org.). Currículo: questões atuais. Campinas, SP: Papirus, 1997. 118 _________________; SILVA, Tomaz Tadeu. Sociologia e teoria crítica do currículo: Uma introdução. In: MOREIRA, Antônio Flávio; ___________ (Org.). Currículo, cultura e sociedade. São Paulo: Cortez, 1995. p. 7-37. OLIVEIRA. Inês Barbosa. Reflexões acerca da organização curricular e das práticas pedagógicas em EJA. IN: MOURA, Tania Maria de Melo (Org.). Educação de Jovens e Adultos: currículo, trabalho docente, práticas de alfabetização e letramento. Maceió: EDUFAL, 2008. SACRISTÁN, J. Gimeno. O Currículo: Uma reflexão sobre a prática. – 3. ed. – Porto Alegre: ArtMed, 2000. SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade: uma introdução as teorias de currículo. 3ª Ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2010. 119 Eixo 1-B Currículos e Práticas Educativas 120 CONCEPÇÕES SOBRE SURDEZ E LÍNGUAS DE SINAIS E AS ABORDAGENS NA EDUCAÇÃO DOS SUJEITOS SURDOS Tatiana Almeida dos Santos31 Resumo: As abordagens na educação de surdos, assentadas em diferentes concepções nem sempre explícitas sobre os surdos, a surdez e as línguas de sinais, constituem-se temas complexos que impõem desafios para estudiosos e educadores. O objetivo deste artigo é estabelecer relações entre estas concepções e as abordagens que nortearam e norteiam a educação dos surdos, buscando também compreender o que significa, no atual contexto, a proposta da educação bilíngue e a necessidade da sua efetivação para a inclusão dos sujeitos surdos. Trata-se de um estudo qualitativo e exploratório, devido ao tema ser de grande importância para os estudos sobre a educação de surdos e, ao mesmo tempo, ainda haver carência de torná-lo mais explícito. A ausência dessas discussões tem contribuído para o fracasso escolar dos sujeitos surdos e para concepções errôneas sobre os mesmos e sobre sua língua, pautados ainda numa filosofia oralista e numa ideologia ouvintista. Ainda estamos longe de termos um bilingüismo pleno, podendo ser observada a coexistência das três abordagens educacionais, mas ainda com avanços muito tímidos em direção a uma concepção sócio-cultural da surdez. Palavras-chave: surdos, línguas de sinais, educação de surdos. Introdução A educação de sujeitos surdos tem se apresentado como um tema complexo que lança inúmeros desafios e que requer muita atenção de estudiosos, pesquisadores educacionais e de professores. As reflexões sobre as atuais fundamentações presentes na educação desses sujeitos constituem-se numa questão polêmica que tem relação com diversas abordagens as quais se desdobraram em conseqüências para a educação dos surdos em várias épocas. Tais abordagens, por sua vez, revelam concepções diferentes sobre os surdos, a surdez e as línguas de sinais nem sempre explícitas, mas que irão fundamentar todo o trabalho pedagógico para os sujeitos surdos. O objetivo deste artigo é, pois, através de uma breve incursão histórica pelas diversas concepções sobre os surdos e as línguas de sinais em épocas diferentes, estabelecer relações com as abordagens que nortearam a educação daqueles sujeitos, buscando também compreender o que significa no atual contexto da educação de surdos, a proposta da educação bilíngüe e a necessidade da sua efetivação para a inclusão dos sujeitos surdos. 31 Professora Auxiliar da Universidade Estadual de Feira de Santana, professora da Faculdade Unime Salvador, intérprete educacional de surdos. 121 Investigar este tema significa contribuir para a discussão sobre o processo de inclusão social e educacional de surdos, o que perpassa pelo reconhecimento da língua de sinais enquanto primeira língua desses sujeitos considerados enquanto minoria lingüística que luta pela valorização e visibilidade da sua língua. Trata-se de um estudo qualitativo e exploratório, devido ao tema ser de grande importância para os estudos sobre a educação de surdos e, ao mesmo tempo, ainda haver carência de torná-lo mais explícito. Segundo Triviños, (1987) o estudo exploratório permite ao pesquisador aumentar sua experiência em torno de determinado problema e tema, além de aprofundar seu estudo sobre uma determinada realidade, buscando antecedentes, e, com isso, um maior conhecimento para planejar uma pesquisa descritiva ou do tipo experimental. Utilizamos o procedimento técnico da pesquisa bibliográfica, que se refere à utilização de informações coletadas em material já publicado como livros, artigos e material disponibilizado na internet para o desempenho da pesquisa de modo a conduzir o leitor ao conhecimento de determinado assunto, tema ou produção. (FACHIN, 2001). Breve histórico das diferentes abordagens na educação de surdos Durante a Antiguidade e a Idade Média não se tem registros sobre experiências educacionais com pessoas surdas. Pensava-se que os surdos eram seres inferiores, irracionais, primitivos e não educáveis. No início do século XVI os surdos passam a ser considerados como pessoas capazes de aprender. Com o propósito de fazer com que esses sujeitos desenvolvessem o pensamento, adquirissem conhecimentos e se comunicassem com o mundo ouvinte, através do ensino e compreensão da língua falada, surgem os primeiros pedagogos a trabalhar com os surdos e os primeiros resultados das suas práticas pedagógicas. No entanto, cada pedagogo trabalhava isoladamente mantendo em segredo os seus procedimentos e os seus serviços eram contratados por famílias nobres para que o filho surdo aprendesse a falar e assim tivesse garantido os seus direitos legais à herança, desfrutados apenas pelos surdos oralizados (LACERDA, 1998). A aprendizagem da língua escrita era também de fundamental importância, visto que, muitos professores acreditavam que a partir da leitura e da escrita podia-se instrumentalizar os surdos para desenvolver habilidades como leitura labial e articulação 122 das palavras. Neste contexto, o trabalho educacional voltado para os surdos baseava-se na perspectiva de que ensinar aqueles sujeitos a falar era o mais importante. Esta ideia precede o que hoje é conhecido como “oralismo”. No início do século XVIII essas concepções começam a ser questionadas pelos precursores do que hoje denomina-se “gestualismo”. Os gestualistas observaram que os surdos desenvolviam uma linguagem mais eficaz para a sua comunicação e aquisição de conhecimentos. No final deste mesmo século já se configuravam duas abordagens divergentes na educação de surdos: O oralismo e o gestualismo. A modalidade oralista baseia-se numa concepção clínico-terapêutica da surdez, vista como uma “deficiência” e preconiza a reabilitação e a “normalização” dos sujeitos surdos, colocando-os em desvantagem se comparados com os ouvintes (SKLIAR, 1998). Para isto, utiliza-se do treinamento sistemático da fala e da audição, da leitura labial, do uso de próteses e cirurgias e outros meios. Já a modalidade gestualista considerava a linguagem de sinais como veículo mais adequado para desenvolver o pensamento e a comunicação dos surdos. O “método francês” é o representante mais importante do gestualismo, sendo utilizado pelo Abade Charles M. De L’Epée, o primeiro a estudar uma língua de sinais usada por surdos. Defendia, em sua proposta educativa, que os educadores aprendessem os sinais para se comunicar com os surdos e fundou, em 1775 a primeira escola para surdos onde professores e alunos usavam os sinais. (LACERDA, 1998) Dentre os utilizados pela abordagem oralista, o “método alemão” é um dos mais conhecidos, fundado pelo pedagogo Heinicke, que considera que o pensamento só é possível através da língua oral e depende dela. Este método foi ganhando considerável número de adeptos e estendeu-se para a maioria dos países europeus. Com o II Congresso Internacional de Milão32, preparado por uma maioria oralista, chega ao fim uma época de convivência, tolerada na educação dos surdos, entre a linguagem falada e a gestual. Desaparece a figura do professor surdo e a linguagem gestual é praticamente banida como forma de comunicação utilizada pelas pessoas 32 O Congresso de Milão foi uma conferência internacional educadores de surdos, em 1880. Depois de deliberações entre 6 e 11 de Setembro de 1880, o congresso declarou que a educação oralista era superior à de língua gestual e aprovou uma resolução proibindo o uso da língua gestual nas escolas. Desde sua aprovação em 1880, as escolas em todos os países europeus e nos Estados Unidos mudaram para a utilização terapêutica do discurso sem língua gestual como método de educação para os surdos. 123 surdas. O oralismo passa a ser um referencial educacional em todo o mundo e as práticas educativas relacionadas a esta abordagem foram amplamente divulgadas. A partir daí, foram criadas experiências de educação especial ou de educação integradora na perspectiva de ensinar o surdo a falar. Porém, nenhuma delas obteve êxito satisfatório. A maioria dos surdos não desenvolveu uma fala inteligível e o desenvolvimento alcançado foi parcial e tardio, implicando em atraso global, mostrando sujeitos parcialmente alfabetizados após anos de escolarização (LACERDA, 2000 ). O fracasso e o descontentamento com o oralismo, bem como as pesquisas sobre as línguas de sinais, originaram a novas propostas pedagógico-educacionais na educação de surdos. Desenvolvida em meados dos anos 1960 a tendência denominada Comunicação Total ou Bimodalismo ponderava a junção do oralismo com a língua de sinais como uma alternativa de comunicação. Denton (1976) define a comunicação total como (...) todo o espectro dos modos lingüísticos: gestos criados pelas crianças, língua de sinais, fala, leitura oro-facial, alfabeto manual, leitura e escrita. A comunicação Total incorpora o desenvolvimento de quaisquer restos de audição para a melhoria das habilidades de fala ou d eleitura oro-facial, através de uso constante, por um longo período de tempo, de aparelhos auditivos individuais e/ou sistemas de alta fideidade para amplificação em grupo. Nesta orientação, no entanto, os sinais são apenas acessórios ou auxiliares da fala. Não há um lugar para o desenvolvimento das línguas de sinais enquanto uma verdadeira língua, ao contrário, são um apoio à aprendizagem da língua oral. Com a estruturação das pesquisas sobre as línguas de sinais, e em especial o pioneirismo de William Stokoe revelando que as línguas de sinais preenchiam todos os requisitos colocados pela lingüística, que lhes atribuiu status de língua, foram surgindo alternativas educacionais voltadas para uma educação bilíngüe. Esta abordagem sugere que os sujeitos surdos acessem duas línguas no contexto escolar. Considera a língua de sinais como primeira língua para surdos, uma vez que se trata de uma língua natural adquirida de forma espontânea em contato com outros surdos sinalizadores, e a língua oral da comunidade ouvinte em sua modalidade escrita e/ou oral como segunda língua adquirida de forma sistematizada. Isto porque a abordagem bilíngüe de educação para surdos sustenta-se numa concepção sócio-antropológica que entende a surdez como 124 diferença cultural e os surdos como sujeitos que interagem com o meio através da língua de sinais e têm sua identidade assentada numa cultura visual. O primeiro país a implantar a educação bilíngüe para surdos foi a Suécia33, no início dos anos 80, expandindo-se depois para os Estados Unidos, Alemanha, Rússia, Bélgica, Finlândia, Noruega, Islândia, Dinamarca, Inglaterra, Uruguai, Venezuela, Colômbia. O Brasil a introduziu recentemente, na década de 90, e vem se desenvolvendo ainda de forma muito incipiente a partir da introdução de intérpretes de Libras e educadores surdos que mediam as relações entre surdos e ouvintes na escola. Segundo a filosofia bilíngüe, as crianças surdas precisam ser postas em contato primeiro o mais precocemente possível, com pessoas fluentes na língua de sinais. Estas são adquiridas pelos surdos sem que sejam necessárias condições especiais de aprendizagem, visto que, elas aprendem a sinalizar tão rapidamente quanto as crianças ouvintes aprendem a falar. Isto favorece o desenvolvimento da capacidade e competência lingüísticas da criança. Moura (1993) acrescenta que isto possibilita, dada a relação entre o adulto e a criança, que esta possa construir uma auto-imagem positiva como sujeito surdo, sem perder a possibilidade de integrar numa comunidade de ouvintes. Skliar (1999) corrobora tal idéia sublinhando o papel que a línguas de sinais desempenham na construção de significados e de identidades surdas. Segundo Lacerda (2000) as experiências com educação bilíngüe ainda são muito recentes e a sua aplicação prática não é simples e exige cuidados especiais, formação de profissionais habilitados e o envolvimento de diferentes instituições. É necessário reconhecer que os surdos necessitam de apoios tecnológicos e humanos como o intérprete da língua de sinais que irá propiciar o acesso dos surdos aos conhecimentos numa língua que ele domina; e que o espaço escolar passe a aceitar que outra língua circule no meio acadêmico. A educação dos surdos no Brasil No Brasil, a educação dos surdos teve início durante o segundo império, com a chegada do educador francês Hernest Huet. Em 26 de setembro de 1857, foi fundado o Instituto Nacional de Surdos-Mudos, atual Instituto Nacional de Educação dos Surdos (INES), que inicialmente utilizava a língua dos sinais. 33 A língua de Sinais Sueca foi reconhecida oficialmente em 1981 125 A educação de surdos no Brasil reflete os modelos externos e vai seguir, apesar de com um certo atraso, as mesmas orientações das diretrizes internacionais. Desta forma, em 1911, sob influência do Congresso de Milão, o Instituto Nacional de Surdosmudos passa a adotar o oralismo puro. Com o fortalecimento do oralismo, observa-se o desaparecimento dos professores surdos, a marginalização da língua de sinais brasileira - Libras e o isolamento das comunidades surdas. Couto Lenzi, (1955:44) principal representante do oralismo no Brasil, afirma que: Desenvolvendo a função auditiva e dispondo dessa capacidade inata, o surdo precisa receber a linguagem de maneira natural como acontece com a criança que ouve” e que “o avanço tecnológico é capaz de proporcionar dispositivos que favoreçam a sua capacidade de compreensão. Tal afirmativa revela a crença do oralismo nos procedimentos terapêuticos e tecnológicos formais e sistemáticos para o ensino da fala e a negação da surdez quando afirma que os surdos podem adquirir linguagem da mesma maneira natural como os ouvintes. Na década de 80, com a visita de Ivete Vasconcelos, educadora de surdos da Universidade Gallaudet, chegou ao Brasil a filosofia da Comunicação Total, incluindo usos de diferentes linguagens: a fala, a escrita, gestos, alfabeto digital e língua de sinais. Apesar de ser considerado um avanço em relação ao oralismo, na verdade, segundo Brito (1993:31), a comunicação total é uma “técnica manual do oralismo” , visto que o objetivo ainda era a aprendizagem da fala, sendo a língua de sinais apenas um mero acessório para atingir este fim. As discussões sobre educação bilíngüe para surdos no Brasil iniciam-se na década de 90, a partir do I Congresso Latino Americano de Educação Bilingue para Surdos, realizado em 1995 no Rio de Janeiro, com base nas pesquisas de Ferreira-Brito (1985, 1990, 1993, 1995), Felipe (1998), Fernandes (1989), Moura, Pereira & Lodi (1993), Góes (1996), Souza (1998) e com a criação, em 1996 do Núcleo de Pesquisa em Políticas Educacionais para Surdos – NUPPES, constituído por um grupo de alunos e professores do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob a coordenação do professor Carlos Skliar. ( PEDREIRA, 2006) 126 Embora o bilingüismo seja a abordagem educacional que mais se aproxima de uma concepção dos sujeitos surdos enquanto ser com o direito de adquirir uma língua que lhe permita constituir-se enquanto sujeito social, isso articulado ao direito às diferenças e à diversidade, a realidade sobre a educação bilíngüe no Brasil ainda está longe de se tornar algo concreto. A maioria dos surdos não conhece ou conhece muito pouco a língua de sinais brasileira, devido a um contato tardio com a mesma. Além disso, a pedagogia empregada para surdos nas escolas é a mesma para ouvintes, desconsiderando-se as especificidades daqueles sujeitos. As pesquisas sobre as produções escritas dos surdos revelam grandes dificuldades na aquisição da língua portuguesa como segunda língua (L2) por esses indivíduos. Tais dificuldades, segundo Guarinello (2007:207) salientam a maneira como os profissionais lidam com o sujeito surdo, a surdez e a linguagem. Atividades repetitivas e mecânicas, o não ensino da função social da língua portuguesa e das diferenças entre esta e a língua de sinais brasileira, livros didáticos ineficientes e conteúdos escolares que privilegiam o ensino de palavras e frases soltas para surdos são alguns elementos apontados pela autora que constituem entraves para que o bilingüismo de fato ocorra nas escolas. LODI (2005:420) afirma que “a desconsideração da língua de sinais para o ensino da língua portuguesa, sua inferiorização, sustentam o uso dessas práticas”. Sobre esta questão, ainda aponta que: Embora, muitas vezes, aceite-se a língua de sinais como língua em circulação no ambiente escolar, ela é vista como prática de interação entre pares, para trocas de experiências cotidianas e informais, e não como língua em uso para as práticas de ensino (...) A língua de sinais não é considerada como próprias para o desenvolvimento e a apropriação dos conhecimentos veiculados social e culturalmente e nem tampouco para se ter acesso à língua portuguesa. (2002, p.40) Portanto, para que o bilingüismo se efetive no Brasil, torna-se fundamental que haja uma modificação nas posturas educacionais, o que perpassa também por modificações nas concepções sobre os sujeitos surdos e sua língua, esta devendo ser utilizada nos processos de significação do mundo e de construção social desses sujeitos. Considerações finais A forma como significamos o outro e a nós mesmos e como a escola contribui para a produção das diferenças e das identidades devem ser consideradas quando pensamos a educação para surdos, as práticas pedagógicas, suas limitações, lacunas e 127 propostas de mudanças. Notamos que a ausência dessas discussões tem contribuído para o fracasso escolar dos sujeitos surdos e para concepções errôneas sobre os mesmos e sobre sua língua, pautados ainda numa filosofia oralista e numa ideologia ouvintista. Ainda estamos longe de termos um bilingüismo pleno, podendo ser observada a coexistência das três abordagens educacionais, mas ainda com avanços muito tímidos em direção a uma concepção sócio-cultural da surdez. Torna-se necessário que os debates a respeito da surdez, das concepções de língua e linguagem e de cultura se ampliem visto que a ausência dos mesmos apenas reforçam as atitudes conservadoras e a permanência das perspectivas oralistas que vêem o surdo como deficientes e lhe impõem a língua majoritária ouvinte considerada superior. Acreditamos que é através da efetivação de uma educação bilíngue capaz de promover reflexões sobre as concepções ouvintes dos surdos, incentivar a inversão de narrativas equivocadas, de realizar atividades valorizando as experiências visuais dos surdos e incentivar a participação das comunidades surda em todas as atividades de ensino e pesquisa de todos os espaços acadêmicos, que estaremos em direção à construção de uma abordagem educacional que inaugura novos espaços de diálogo e novos olhares sobre os surdos, a surdez, a língua de sinais e, conseqüentemente a educação para surdos. Referências Bibliográficas COUTO-LENZI, Alpia F. O método “Perdoncini”. In: Strobel, K. L. & DIAS, S.M.S. Surdez: abordagem geral. FENEIS, 1995. FACHIN O. Fundamentos de metodologia. 3ªed. São Paulo: Saraiva, 2001. GUARINELLO, Ana Cristina. Surdez e linguagem: um estudo de caso. Rev. bras. educ. espec. vol.13 no.2 Marília May/Aug. 2007. LACERDA, C.B.F. Um pouco da história das diferentes abordagens na educação dos surdos. Cad. CEDES vol.19 n.46 Campinas Sept. 1998 LODI, Ana Cláudia B. Plurilingüismo e surdez: uma leitura bakhtiniana da história da educação dos surdos. Educação e Pesquisa, São Paulo, v.31, n. 3, p. 409-424, set./dez. 2005. 128 LODI, A.C.B.; HARRISON. K.M.P.;CAMPOS, S.R.L. de. Letramento e surdez: um olhar sobre as particularidades dentro do contexto educacional. In: LODI, A.C. ET AL. (Orgs.). Letramento e minorias. Porto Alegre: Editora Mediação, 2002. ________________ A prática pedagógica mediada (também) pela língua de sinais: Trabalhando com sujeitos surdos. Cadernos Cedes, ano XX, nº 50, Abril/00. MOURA, M.C. A língua de sinais na educação da criança surda. In: MOURA, M.C. et all; Língua de sinais e educação do surdo. São Paulo: Tec Art, 1993. PEDREIRA, Sílvia Maria Fangueiro. Porque a palavra não adianta: um estudo das relações entre surdos/as e ouvintes em uma escola inclusiva na perspectiva intercultural. Rio de Janeiro: PUC, Departamento de Educação, 2006. SKLIAR, C. (org.) Atualidade da educação bilíngüe para surdos. Processos e projetos pedagógicos. Volume I, Porto Alegre: editora Mediação, 1999. ___________ (Org.) A surdez. Um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação, 1998. TRIVIÑOS ANS. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 1987. 129 ANÁLISE DA PRODUÇÃO TEXTUAL NO 5º E 6º ANO DO ENSINO FUNDAMENTAL: RUMO À CONSTRUÇÃO DA COMPETÊNCIA ESCRITORA PELOS ALUNOS Maria Edina Saturnino Porto34 RESUMO: Este estudo é resultado de um trabalho monográfico realizado no ano de 2009 e aborda a temática da produção textual como unidade de ensino da Língua Portuguesa no Ensino Fundamental. Fazendo um recorte sobre a compreensão do texto, e incorporando-o apenas enquanto unidade verbal escrita, o estudo foi traçado com objetivos de analisar e responder em que medida as práticas de produção textual no 5º e 6º ano do Ensino Fundamental caminham rumo a construção da competência escritora pelos alunos. A base teórica do estudo foi construída essencialmente pelas discussões de Geraldi (1997, 2004, 2006); Brasil (2000); Bezerra (2007); Koch e Travaglia (2005, 2006); Perrenoud (1999, 2002); Suassuna (1995) e Possenti (1996). Metodologicamente, a pesquisa aqui discutida foi caracterizada como uma pesquisa de campo por amostragem não probabilística, realizada com professores de Língua Portuguesa que atuam no 5º e 6º ano do Ensino Fundamental, na zona rural de Capoeiruçu, município de Cachoeira-BA. Dentre eles, professores da rede pública (estadual e municipal) e particular privada. Para coleta dos dados discutidos fez-se uso do questionário, valendo-se do potencial do instrumento para coletar informações tanto qualitativas quanto quantitativas e, os dados coletados foram analisados num exercício de interpretação. Seus resultados estão apresentados essencialmente em forma de texto. As principais considerações finais do estudo evidenciam que, embora os docentes participantes da pesquisa tenham concepções teóricas claras sobre o trabalho com a produção textual na sala de aula, e atribuam valor a essas práticas, suas propostas de intervenções apontam para a existência de carências metodológicas. No 5º ano do Ensino Fundamental tem-se produzido textos, enquanto no 6º ano, se fazem redações. Esta diferença que aqui é estabelecida não se refere apenas a nomenclatura, mas a uma visão de sujeito que a escola sustenta. Por fim, considera-se que embora a escola tenha reconhecido e acatado a produção de texto como unidade de ensino da Língua Portuguesa, ainda escreve-se para a escola e não na escola, como diferencia Geraldi (1997). Palavras-chave: Ensino Fundamental. Língua Portuguesa. Produção de texto. INTRODUÇÃO A educação brasileira embora possua um arcabouço teórico riquíssimo ainda figura entre as piores do mundo no que se refere à qualidade de ensino, como mostrou a ultima avaliação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Desde os avanços das pesquisas educacionais na década de 80, aponta-se a revisão do ensino da Língua Portuguesa – leitura e escrita, como um caminho pertinente à melhora efetiva da escola, e como conseguinte, da educação do país. 34 Pedagoga e estudante da pós-graduação lato sensu em Gestão Educacional pela Faculdade Adventista da Bahia (FADBA). Email: [email protected] 130 Embora as previsões futurísticas descrevessem a substituição da escrita pela imagem e tecnologia, com o decorrer dos anos, tais postulações caíram por terra ao despontar o século XXI num mundo letrado, onde ser um usuário competente da escrita é, cada vez mais, condição para a efetiva participação social (BRASIL, 2000). As pesquisas já desenvolvidas nessa linha mostram ser necessário que a escola rompa com a tradição pedagógica caracterizada pela escolarização do ensino da escrita, passando a considerá- la nos seus usos e formas. Neste sentido, o trabalho com a escrita na escola deve contemplar práticas de produção de texto, enquanto forma de participação plena na sociedade contemporânea denominada ‘grafo cêntrica’, já que é dessa forma que a escrita se apresenta socialmente. Baseado nestas reflexões o presente estudo estabelece uma analise sobre em que medida as práticas de produção textual no Ensino Fundamental (fazendo uma análise no 5º e 6º ano – etapa de transição dos anos iniciais para os finais deste segmento), se encontram e se distanciam para que o aluno construa sua competência escritora. 2. O ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA NO BRASIL: UMA BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO Embora as primeiras gramáticas do português tenham surgido no Brasil por volta do século XVI, a disciplina de Língua Portuguesa só passou a fazer parte dos currículos escolares nas ultimas décadas do século XIX. Antes disso, o português era ensinado apenas com fins de alfabetização, etapa do ensino a qual “todos” tinham acesso. Bezerra (2007, p. 35 e 42) comentando esse contexto esclarece que após a alfabetização, [...] o grupo social que continuava os estudos era da classe social mais abastarda, de elite, que tinha práticas de leitura e de escrita em seu meio social, que falava uma variedade de língua tida como culta, de prestigio, a mesma que a escola usava e queria ver sendo usada. [...] Nesse contexto, era possível estudar-se as regras gramaticais sem tantas dificuldades, pois, os alunos dominavam aquele registro lingüístico abordado [...]. E o professor, sendo também usuário da norma padrão, [...] tinha condições intelectuais e materiais para preparar as aulas. Por volta da década de 50, a pressão das classes populares começou a desencadear o processo de universalização do ensino no país oportunizando também acesso a alunos e professores de outras camadas sociais ao ensino da Língua Portuguesa. Para a escola, isso dificultou os processos de ensino, já que a partir de então, pessoas com variedades lingüísticas diferentes deveriam alcançar o mesmo aprendizado em relação a língua. A solução encontrada foi recorrer, ou melhor, permanecer ensinando o português numa perspectiva gramaticalista. Diz 131 Suassuna (1995) um ensino pautado na existênc ia do certo em detrimento do errado; um ensino que escolarizava a língua. Por volta dos anos 70, começam a ser incorporados neste processo os livros e materiais didáticos35 visando suprir as carências de formação dos professores, que a partir da universalização do ensino não seriam apenas oriundos das classes abastardas, e, portanto, teriam dificuldades para cumprir as exigências da prática de ensino gramatical tão prestigiada. Transfere-se para o autor do livro didático a responsabilidade que era dos professores de prepararem suas aulas e exercícios, diz Bezerra (2007, p. 42). A década de 80 surge com contribuições significativas para o tratamento da disciplina Língua Portuguesa, e torna-se marco de um processo de mudanças. A ineficiência do ensino da língua detectada pelos indicadores nacionais de educação despertou uma série de reflexões acerca das concepções e práticas do ensino da Língua Portuguesa assumidas e vivenciadas pelas escolas; despertar este, impulsionado pela Lingüística e disciplinas afins (psicolingüística, sociolingüística, etc.), como comentou Suassuna (1995, p. 60): “o advento da Lingüística e a divulgação de seus pressupostos foram de extrema importância para o redimensionamento da pedagogia das línguas.” Os estudos lingüísticos propuseram alterações tanto conceituais, quanto metodológicas para o ensino da Língua Portuguesa. Dentre elas, o rompimento da visão tradicional de língua como “uma ‘essência’ não existente”, abstrata, passando a considerá-la como uma atividade social, como um trabalho empreendido pelos falantes toda vez que se põem a interagir verbalmente, seja por meio da fala, seja por meio da escrita, sendo assim algo concreto, diz Bagno (2002, p. 23-24). As discussões impulsionadas pela Linguística, e especificamente pela Linguística Textual, começaram a deslocar o foco do ensino da língua da gramática normativa para o texto como unidade de ensino. Essa alteração passa a exigir do profissional que ensina o português um conhecimento específico acerca da temática para que o processo de aprendizagem seja viabilizado. Sendo assim, a tendência atual do ensino da Língua Portuguesa prevê que ele [...] gire em torno do texto, de modo a desenvolver as competências lingüísticas, textuais e comunicativas dos alunos, possibilitando-lhes uma convivência mais inclusiva no mundo letrado de hoje [...]. Assim, a ênfase na leitura, análise e produção de textos [...] caracteriza-se como uma das renovações mais apregoadas no ensino de nossa língua, embora ainda insuficientemente praticada. (BEZERRA, 2007, p. 43). 35 Os livros e materiais didáticos não surgiram como apoio exclusivo ao trabalho com a língua, mas também as demais disciplinas do conhecimento existentes na época. 132 3. TEXTO, COMPETÊNCIA ESCRITORA E PRODUÇÃO TEXTUAL Sabedores de que muitas são as conceituações de texto, este trabalho delimitou-se ao seu estudo enquanto seqüencia verbal escrita, já que texto “poderia referir-se a uma seqüencia icônica, uma seqüencia de cores [...] seqüencias verbais orais [...] etc.” (GERALDI, 1997, p. 99). Portanto, conceitua-se texto como “uma seqüencial verbal escrita formando um todo acabado, definitivo e publicado” em acordo com Geraldi (1997, p. 101). Trabalhar com textos em sala de aula, dentre outras coisas, oportuniza ao aluno a construção da sua competência escritora. A competência escritora é aqui discutida como um recorte específico sobre a linguagem verbal escrita dentro da competência discursiva, encontrada e conceituada pelo PCN de Língua Portuguesa como “capacidade de se produzir discursos – orais e escritos – adequados às situações enunciativas em questão, considerando todos os aspectos e decisões envolvidos nesse processo” (BRASIL, 2000, p. 35). Sendo assim, competência escritora, é a capacidade de produzir textos escritos de acordo com as exigências experienciadas, quer na escola, quer na sociedade. O ensino para a construção desta competência deve promover a formação do escritor competente: aquele capaz de redigir e produzir textos coerentes, coesos e eficazes. Ter competência para produzir textos, não implica ser um profissional da escrita. Para Perrenoud (1999, p. 35) “uma competência não remete, necessariamente, a uma prática profissional e exige ainda menos que quem a ela se dedique seja um profissional completo”. Mas não exclui essa possibilidade. No meio acadêmico e escolar, há uma divergência entre o uso do termo adotado para se referir à atividade de uso da língua verbal escrita na elaboração de textos. As opiniões oscilam entre redação e produção de texto (ou produção textual). Na maioria dos discursos não há distinção – ou pelo menos não o fazem – entre um termo e outro. Comumente se usa a expressão redação para se referir a esta atividade. Entretanto, se analisados, os escritos mais recentes (da década de 80 em diante) apontam para uma nova postura, que diz respeito a mudança do termo para designar tal atividade. Essa proposta possui raízes conceituais associadas à visão que se sustenta de sujeito na escola, cujos como pode-se verificar nos documentos oficiais do Ministério de Educação do País, e também nas colocações de Geraldi (2004 e 2006). Para Geraldi (2006) tratar as produções escritas como redações, oportuniza ao sujeito simplesmente um exercício de simulação da produção de texto, uma simulação do uso da escrita, enquanto tratá- las como produção de textos, coloca-o realmente como produtor. Por isso, para ele, a proposta de produção de texto é “a devolução da palavra ao sujeito.” (GERALDI, 2004, p. 20). E acrescenta: “é devolvendo o direito à palavra – e na nossa sociedade isto inclui o direito à palavra escrita – que talvez possamos um dia ler a história 133 contida, e não contada, da grande maioria que hoje ocupa os bancos das escolas públicas.” (GERALDI, 2006, p. 131). No tocante aos PCNs, no volume de Língua Portuguesa, o aluno ao final do Ensino Fundamental deverá ter competência para “[...] assumir a palavra e produzir textos – orais como escritos – coerentes, coesos, adequados a seus destinatários, aos objetivos a que se propõem e aos assuntos tratados” (BRASIL, 2000, p. 41). Alcançar estes objetivos requer mais que uma prática de redação, requer uma prática de produção de textos, como assinalou Geraldi. Esta prática é compreendida como um processo complexo de comunicação e cognição que exige continuidade36 e leva em consideração as funções e o funcionamento da escrita, bem como o para quê e para quem, o onde e o como escrever o texto (BRASIL, 2000), saberes estes que devem ser relevados pelos docentes em seus planejamentos e intervenções. 4. METODOLOGIA Em linhas gerais este estudo se caracteriza como uma pesquisa de abordagem mista – ou qualiquanti que de acordo com Lima (2008, p. 41) são “pesquisas acadêmicas que combinam o uso de recursos metodológicos típicos de métodos quantitativos e qualitativos.” Na operacionalização do estudo, foi realizada uma pesquisa de campo por amostragem não probabilística - onde os sujeitos são escolhidos por determinados critérios, com professores de Língua Portuguesa que atuam no 5º e 6º ano do Ensino Fundamental, na zona rural de Capoeiruçu, município de Cachoeira – BA. Dentre eles, professores da rede pública (estadual e municipal) e particular privada, somando um total de cinco (05) docentes: (03) três do 5º ano do EF e (02) dois do 6º ano do EF. A escolha por tal amostra considerou dois critérios: a representatividade dos dois anos do Ensino Fundamental que se analisa no estudo (5º e 6º ano do EF) e a regência da disciplina de Língua Portuguesa nesses anos. Para coletar os dados necessários ao estudo, foi feito uso do questionário. Embora tradicionalmente este instrumento seja caracterizado como instrumento de coleta de dados para abordagem quantitativa, já se menciona a possibilidade de usá-lo também sob outras perspectivas, apoiando-se em Lima (2008, p. 75) que diz ser possível, dependendo da estrutura das questões elaboradas, alcançar materiais tanto qualitativos, quanto quantitativos. Diante destas considerações e alicerçado na pesquisa bibliográfica realizada antes do inicio do estudo, o instrumento de coleta de dados resultou num questionário com 13 questões distribuídas entre questões abertas e fechadas, sendo a maioria delas abertas, onde os respondentes esboçaram suas próprias respostas. 36 Daí apoiar-se a investigação deste estudo nos anos representativos da transição de uma etapa a outra doEnsino Fundamental: 5º ano ao 6º ano. 134 Junto ao questionário, foi redigido um termo consensual para participação na pesquisa e uma carta explicativa da escolha pela temática, do problema e dos objetivos traçados pelo estudo. Este último texto também situava o professor como sujeito integrante da pesquisa e esclarecia sobre o tratamento das informações por ele concedidas, se comprometendo com a confidencialidade de suas identidades. Para aplicação do instrumento foi estabelecido contato pessoal com os responsáveis pelas unidades escolares para apresentação do estudo e liberação da execução da pesquisa no local. Seqüencialmente, seguiu-se os mesmos passos com os docentes integrantes da amostra. Após os esclarecimentos necessários foi- lhes entregue o instrumento, o termo consensual a carta explicativa e estipulado um prazo para devolução do instrumento ao pesquisador, que deveria buscá-lo in loco. Após obter os questionários respondidos, seguiu-se a análise dos dados. Nela, foi traçado um paralelo entre as informações obtidas através dos professores e a fundamentação teórica do estudo num exercício de interpretação. Para discussão e apresentação dos resultados fez-se uso de procedimentos estatísticos viabilizados pelo software especializado Excel 2007 para tornar os dados mais claros e acessíveis. 5. APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS Em cumprimento a proposta de preservação da identidade dos professores, sujeitos da pesquisa, estes, quando necessário, estão representados na análise por códigos de identificação, conforme segue: A5º; B6º; C6º; D5º e E5º. A agregação de números às letras intenciona diferenciar em que ano do Ensino Fundamental atua cada docente, se no quinto (5º) ou sexto (6º). Como apresenta o quadro abaixo, os participantes da pesquisa, em sua maioria, possuem uma boa experiência de sala de aula, e, dentre eles (com exceção de A5º que não disponibilizou a informação), todos possuem a formação exigida para atuarem como docentes de Língua Portuguesa nos anos em questão. Quadro 01: Dados dos respondentes PARTICIPANTE FORMAÇÃO TEMPO DE ATUAÇÃO 135 A5º Informação indisponível B6º Licenciado em Letras C6º Licenciado em Letras D5º Pedagogo E5º Pedagogo Fonte: elaboração da pesquisadora 30 anos 33 anos 5 anos 7 anos 17 anos Questionados sobre a organização das suas aulas de Língua Portuguesa, se elas eram compartimentadas em Gramática, Redação e Literatura37; se se trabalhava de forma integrada a Gramática, a Redação e a Literatura; ou se eram organizadas de outra forma a ser especificada, as respostas foram praticamente unânimes quanto a organização das aulas numa perspectiva integrada dos aspectos da língua. Sabedores de que estes três aspectos da Língua Portuguesa devem ser trabalhados de forma contextualizada, integrada, principalmente quando se fala em Gramática e Redação (que se assim tratada, pode ser considerada produção de texto), as respostas dadas podem ser tidas como satisfatórias posto que fugiram da visão estritamente tradicional do ensino da língua, embora, este aspecto não seja único suficiente para este diagnóstico. Para os docentes mais experientes, a formação que receberam acerca do trabalho com textos em sala de aula, enquanto preparação profissional para o magistério foi suficiente, enquanto para os outros não foi. Este aspecto chamou-nos atenção para o fato de que se a valorização do texto, como unidade de ensino da língua, data de aproximadamente 30 anos atrás (década de 80), a ênfase dada a ele como unidade de ensino da Língua Portuguesa na formação dos docentes deveria ascender e não descender como evidenciaram as respostas de C6º, D5º e E5º quando assinalaram que sua formação orientou o trabalho com textos em sala de aula, mas não o suficiente. A compreensão que os docentes apresentaram sobre o texto são teoricamente boas. Suas definições se aproximaram em certos aspectos do conceito trabalhado aqui, dentre os quais se destacam: a) a função social do texto; b) a significação do texto, e c) a existência de diferentes possibilidades de texto (falado, escrito). A compreensão apresentada por B6º apontou para a existência do não-texto, quando disse que texto é (apenas) o que tem um significado e transmite uma mensagem. 37 O termo Literatura aqui usado não se refere à disciplina curricular, posto que, comumente ela só integra o currículo do Ensino Médio, mas refere -se ao trabalho com leituras diversificadas, que pode incluir aprendizagens especificas da área da Literatura curricular. 136 Já D5º, vai de encontro a esta compreensão quando deixa subtendido que tudo o que se produz pode ser considerado texto, independentemente de significação. Para Koch e Travaglia (2005) uma unidade lingüística só é texto quando pode ser compreendida como unidade significativa. Adiante, o estudo evidenciou que os docentes solicitavam a seus alunos que produzissem texto na disciplina de Língua Portuguesa de 03 a 20 vezes num mês, tendo um número maior de solicitações, ou seja, mais próximo das 20 vezes no 5º ano. Para medir o grau de importância destas atividades, pediu-se aos respondentes para que mensurassem de 1 a 5, sendo 5 maior grau e 1 menor grau, a importância que seus alunos davam a estas atividades de escrita, e da mesma forma, que importância, eles como professores atribuíam a ela. Quanto à importância dada pelo professor, todos foram uníssonos em atribuir valor máximo a atividade de produção textual. Também foram uníssonos em concordar que não percebiam nos alunos a mesma valorização, como vê-se ilustrado abaixo: Ilustração 02: Nível de interesse de alunos e professores pela produção de textos segundo o professor. Fonte: elaboração da pesquisadora O interesse dos alunos pela atividade de produção textual foi medido pelos professores, com exceção de D5º, como medíocre, atribuindo- lhes nível de interesse 3 na escala de 1 a 5. Evidenciando assim, que estes ainda precisam avançar, já que a atividade de produção de texto tem um valor máximo para eles enquanto docentes. Sinteticamente sobre as características das produções textuais dos alunos atendidos pelos docentes participantes, é possível caracterizar seus textos como: a) na medida do possível, claros, coerentes, coesos; b) criativos; mas c) evidenciam dificuldades de organização de idéias. E, que destino é dado a essas produções assim caracterizadas? A5º - Mural, para atividades avaliativas, etc. 137 B6º - Muitas vezes os textos são lidos em sala de aula. Também são guardados para comparar com outras produções e mesmo serem trabalhados em sala, a pontuação, ortografia, etc. C6º - Devolvo para que eles corrijam os erros circulados ou sublinhados. D5º - São entregues aos mesmos no final de cada unidade (organizados dentro de um envelope). E5º - A releitura com os alunos e a reescrita onde pode ser trabalhado a ortografia e a coesão do texto. Devolvemos amanhã. O risco evidenciado nestas colocações, estar em considerar o texto basicamentecomo um instrumento avaliativo, pautado nos conceitos de certo e errado, que em última instancia tornam-se simulações da escrita realizada socialmente. A resposta trazida por B6º merece atenção, por apontar um destino pertinente para os textos dos alunos: usá-los como textos escolares. A idéia inicial de A5º de expor os textos em murais, também é pertinente, mas que os textos não se tornem apenas enfeites. A avaliação é um problema sério da escola, e com a escrita não é diferente. A avaliação dos textos escritos pelos alunos idealmente deve considerar tanto o processo de construção quanto o produto construído. Acerca da avaliação das produções, obteve-se as seguintes colocações: A5º - Coerência, crítica, ortografia e clareza. B6º - Eu avalio a capacidade de retenção da mensagem do texto, a clareza do texto e também a ortografia. C6º - A produção em si mesma; organização; parágrafos; clareza e originalidade, etc. D5º - Valorizo em primeiro lugar o conteúdo escrito, a disponibilidade e a vontade de escrever. Porém avalio, ortografia, coerência, pontuação, descrição. E5º - O texto em si. O que a criança escreveu de acordo com o tema proposto. O nível das colocações dos alunos de acordo com o que foi pedido. Observando-se os aspectos avaliados pelos professores, fica claro que boa parte deles incide a avaliação sobre os aspectos técnicos do texto, como gramática, ortografia, apresentação e outros. Mas também se inclui as questões da coerência e coesão. Indubitavelmente, estes são aspectos indispensáveis na avaliação de uma produção escrita, por isso, o professor precisa conhecer adequadamente cada um desses itens e conceitos para não fazer julgamentos errados. O risco da avaliação esta em desconsiderar o processo de construção. Ele também deve ser apreciado na avaliação. Isto não implica em fazer apologia a um vale tudo textual, mencionado por Koch e Travaglia (2006). Como em todo processo educativo, o que se propõe para a escrita de textos na escola é que dêem ao aluno autonomia, que neste caso, se concretiza na construção de sua competência 138 escritora. É certo que o processo de construção da competência é individual e intransferível, cabendo, portanto, ao aluno. Sendo assim, a visão que a escola precisa sustentar do aluno é a de um sujeito capaz de: interagir, intervir, se responsabilizar e produzir, nas mais diversas instancias e contextos. Entretanto, para conquistar esta autonomia, esta competência, o aluno precisará da intervenção do professor. O professor precisa intervir nas produções do aluno, principalmente, enquanto escritor competente. Isso significa que suas intervenções devem ser significativas e construtivas, fazendo parte de um processo de AÇÃO–REFLEXÃO–AÇÃO e não simplesmente avaliações e críticas sem objetivos. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Diante do estudo realizado, podemos descrever algumas considerações. A compreensão sobre a nova configuração do ensino da disciplina de Língua Portuguesa é real entre os professores consultados, e estes, assumem o texto como unidade significativa de ensino. Por outro lado, suas práticas evidenciam distanciamento dos caminhos indispensáveis à construção da competência escritora pelos alunos. De modo geral, a pesquisa indicou que um dos mais instigantes problemas ou desencontros entre o 5º e o 6º ano do EF na atividade de produção textual está no fato de que no 5º ano produzem-se textos, enquanto no 6º ano, se fazem redações. É importante lembrar que a diferença aqui estabelecida não se refere apenas a nomenclatura, mas a uma visão de sujeito que se incorpora. Quer de forma consciente ou não, as práticas de produções de textos têm negligenciado, entre outros aspectos, a importância do delineamento de destinatários, de interlocutores, que atribuam sentido ao texto e justifiquem sua escrita. Pois, que prazer há em escrever por escrever? Para simular algo e depois destiná-lo ao lixo? Escrever é um processo trabalhoso, exige atenção, exige competência, e por isso deve ser um momento significativo e valorizado. As atividades de escrita realizadas na escola devem funcionar como uma ponte, entre o que acontece dentro e fora dela. Devem refletir as vivências partilhadas pelos alunos na sociedade. Em suma, podemos considerar que embora a escola tenha reconhecido e acatado a produção de texto como unidade de ensino em seus programas, ainda escreve-se, como diferencia Geraldi (1997) para a escola, quando o ideal seria escrever simplesmente na escola. Tornar-se capaz de produzir textos tem um valor social inestimável. Efetiva a plena participação do sujeito na sociedade letrada. Por isso, o professor de Língua Portuguesa, responsável oficial 139 pelas aprendizagens lingüísticas dos alunos, não pode colocar-se distante desta responsabilidade. Precisa oportunizar eintervir na construção da competência escritora deles. REFERENCIAS BAGNO, Marcos; GAGNÉ, Gilles; STUBBS, Michael. Língua materna: letramento, variação e ensino. São Paulo: Parábola Editorial, 2002. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa: 1ª a 4ª série do Ensino Fundamental. Secretaria de Educação Fundamental. 2.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa: 5ª a 8ª série do Ensino Fundamental. Secretaria de Educação Fundamental. 2.ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. BEZERRA, Maria Auxiliadora. Ensino de língua portuguesa e contextos teóricometodológicos. In: DIONÍSIO, A. P.; MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (Orgs.). Gêneros textuais e ensino. 5.ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007. GERALDI, João Wanderley. Portos de passagem. 4.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997. ______. Da redação à produção de textos. In: CITELLI, Beatriz; GERALDI, J. W. (Coord.). Aprender e ensinar com textos de alunos. 6.ed. São Paulo: Cortez, 2004,1 v. GERALDI, João Wanderley (Org.) O texto na sala de aula. 4.ed. São Paulo: Ática, 2006. KOCH, Ingedore G. V.; TRAVAGLIA, Luiz C. Texto e coerência. 10.ed. São Paulo: Cortez, 2005. ______. A coerência textual. 17.ed. São Paulo: Contexto, 2006. LIMA, Manolita Correia. Monografia: a engenharia da produção acadêmica. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. PERRENOUD, Philippe. Construir as competências desde a escola. Trad. Bruno Charles Magne. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. SUASSUNA, Lívia. Ensino de língua portuguesa: uma abordagem pragmática. Campinas, SP: Papirus, 1995. VIVÊNCIAS LEITORAS COMO PRÁTICAS EDUCATIVAS NA BIBLIOTECA MONTEIRO LOBATO EM FEIRA DE SANTANA-BAHIA Bárbara Cristina dos Santos Ferreira - UEFS 140 Rita de Cássia Brêda Mascarenhas Lima - UEFS Resumo: Na atualidade têm sido recorrentes as pesquisas e obras que se debruçam sobre a temática de leitura e da formação do leitor. Partindo desse pressuposto, norteia este trabalho a concepção de leitor como aquele que atribui sentido aquilo que ler e busca continuamente a construção e re-elaboração de novos saberes. A presente proposta de trabalho “Biblioteca Monteiro Lobato: uma experiência de contação e leitura de histórias para a formação de leitores infanto-juvenil” está ancorada nos estudos de autores que abordam e referem-se à importância das práticas socioculturais de leitura na formação de leitores e alguns deles, especificam essas ações no espaço da biblioteca. Este trabalho objetiva contribuir no processo de formação do leitor da Biblioteca Monteiro Lobato através da contação e leitura de histórias, tendo como prioridade um público infanto-juvenil. A formação de sujeitos apaixonados e conscientes de si mesmos como leitores e cidadãos pode começar a partir da inserção prazerosa nos espaços públicos de leitura. Dessa forma, Acreditamos que a biblioteca pode intervir no processo de formação do leitor, bem como auxiliar na aprendizagem e na ampliação da concepção de leitura, visto que esse envolvimento com a literatura pode motivar e seduzir o leitor. Embasada nas concepções de leitura e do papel da biblioteca para formar leitores é que buscamos, por meio dos círculos de leitura, desenvolver práticas de contação e leituras de histórias para crianças freqüentadoras da Biblioteca Monteiro Lobato situada no centro da cidade de Feira de Santana. Essas atividades vêm acontecendo quinzenalmente no espaço da biblioteca, nelas privilegiamos a participação efetiva das crianças, tanto no processo de leitura como na contação de histórias. Para desenvolver as atividades de promoção à leitura, contamos com o ambiente da biblioteca e da parceria de algumas escolas públicas e particulares que deslocam seus alunos para este espaço. O público atendido, até o momento, tem sido tanto da Educação Infantil quanto dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Os textos selecionados são fábulas e contos, por favorecerem maior envolvimento e concentração das crianças. As experiências oriundas do plano de trabalho têm se configurado como ricas oportunidades de aprendizagens tanto das crianças, que na sua maioria não tem o hábito de ir à biblioteca, quanto para mim, pois entendemos que nossa função é de extrema importância para facilitarmos o encontro prazeroso das crianças com o livro e com a biblioteca, e mais, somos responsáveis por transformar a leitura em um momento divertido e prazeroso. Considerando que o prazer e satisfação pela leitura serão resultantes de um trabalho significativo e provocador desenvolvido através da atuação efetiva na biblioteca é que esse trabalho se ancora e objetiva dar sua colaboração. Ressaltamos que a proposta de mobilização para a importância da leitura e formação do leitor desenvolvida na Biblioteca Monteiro Lobato, encontra-se em fase de execução, mas já revela a necessidade de intensificação de ações que focalizem o espaço da biblioteca como fomentar de práticas socioeducativas e de formação de leitores. Palavras Chave: Leitura Literária, Formação do Leitor, Biblioteca Introdução 141 A prática de contar e ouvir histórias vêm sendo ao longo dos tempos uma experiência vivenciada por muitos povos com intuito não apenas de transmitir saberes às novas gerações, mas, acima de tudo, como forma de acolher e agregar as pessoas. Esta experiência de contação de histórias já foi desenvolvida no espaço da Biblioteca Monteiro Lobato, no entanto, atualmente tem sido práticas rarefeitas. É importante situar que a biblioteca Monteiro Lobato é uma instituição incorporada administrativamente à UEFS, desde 1998, localizada no centro da cidade de Feira de Santana, mais precisamente na Praça da Matriz da cidade. Este trabalho objetiva, prioritariamente, contribuir no processo de formação do leitor da Biblioteca Monteiro Lobato, por meio de contação e leitura de histórias, tendo como foco um público infanto-juvenil. As vivências aqui apresentadas estão ancoradas nos estudos dos autores Roger Chartier (2001), Isabel Sole (1998), Ezequiel Teodoro da Silva (1998), Edmir Perrotti (2006), Verbena Maria Rocha Cordeiro (2006), Maria Helena da Rocha Besnosik (2004) entre outros, que abordam e referem-se à importância das práticas socioculturais de leitura na formação de leitores e alguns deles, especificam essas ações no espaço da biblioteca. A formação de sujeitos sensíveis e conscientes de si mesmos, como leitores e cidadãos, pode começar a partir da inserção prazerosa nos espaços públicos de leitura. Assim, a biblioteca pode desempenhar um papel tanto de base para a criação e difusão do conhecimento, como também de resgate e valorização do acervo cultural. Desse modo, a prática de contação e leitura de histórias no espaço da biblioteca pode assumir um papel fundamental na vivência e interação das crianças com os diversos portadores textuais. Acerca dessa questão, Silva (1991, p.112) defende a importância da biblioteca para a sociedade, quando afirma que “Ela deve se colocar como o cérebro da escola, ou seja, o local de onde partem os movimentos em direção à recriação ou criação do conhecimento, servindo a professores, alunos e comunidade”, ou seja, ressalta o poder de base que a biblioteca possui, bem como o poder transformador de intermediar e circular o conhecimento. A biblioteca se configura, desse modo, como espaço de aprendizagem não só para o aluno, como também para todos aqueles que compõem o ambiente escolar, e da própria comunidade que está à sua volta. Portanto, a biblioteca escolar e ou pública, tem um papel não apenas de armazenar um importante acervo social e cultural, mas assume um papel de grande importância na propagação do conhecimento e de formação do leitor. 142 A utilização incorreta desse espaço pode invalidar a sua função, para Silva (1991, p.112) “Sem uma previsão criteriosa e alicerçada em propósitos bem definidos a utilização das bibliotecas (públicas ou escolares) pode se transformar em tarefa inútil, contribuindo mais para o desgosto pela leitura do que para o crescimento cognitivo dos estudantes”. O autor chama atenção ainda sobre a melhor utilização desse espaço que, infelizmente, não tem proporcionado o crescimento que se espera. Segundo ele, a biblioteca precisa estar baseada e estruturada em propósitos destinados ao seu devido uso, para que a mesma realize significativamente o seu papel contribuindo para a melhor formação do aluno. Segundo Solé (1998, p. 91) “As situações de leitura mais motivadoras também são as mais reais: isto é, aquelas em que a criança lê para se libertar, para sentir o prazer de ler, quando se aproxima do cantinho de biblioteca ou recorre a ela”. A autora ratifica a idéia que a biblioteca pode intervir no processo de formação do leitor, bem como auxiliar na sua aprendizagem e na ampliação da concepção de leitura, visto que esse envolvimento com a literatura pode motivar e seduzir o leitor para novas experiencias. As experiências extensionistas de contação de história, oriundas do plano de trabalho “Biblioteca Monteiro Lobato: uma experiência de contação e leitura de histórias para a formação de leitores infanto-juvenil”, têm se configurado como ricas oportunidades de aprendizagens, tanto para as crianças, que na sua maioria, não têm o hábito de ir à biblioteca, quanto para nós, pois entendemos que nossa função é de extrema importância para facilitarmos o encontro prazeroso das crianças com o livro e com a biblioteca, e de sermos co-responsáveis por transformar as vivências leitoras em momentos significativos das crianças com o livro (objeto cultural), e desse modo contribuir para que as crianças deixem de ser apenas consumidoras de cultura e, que exerçam a função de leitores críticos e criativos. Relatando uma experiência A experiência aqui apresentada é parte da proposta de trabalho “Biblioteca Monteiro Lobato: uma experiência de contação e leitura de histórias para a formação de leitores infanto-juvenil” desenvolvida no Programa Institucional de Bolsa Extensão (PIBEX) da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), com previsão de vigência 2010/2011. Visando a execução das atividades, iniciamos o trabalho com visitas sistemáticas à Biblioteca Monteiro Lobato para familiarização com o espaço, com o acervo e com os funcionários da 143 instituição, bem como realizamos o mapeamento do acervo literário da Biblioteca. Realizamos também visitas às escolas localizadas no entorno da biblioteca com objetivo de coletar os dados das instituições, no tocante ao número de alunos, séries, faixa etária. Na oportunidade apresentamos o Projeto “Leitura Itinerante: uma alternativa de mobilização de leitores” e do plano de trabalho “Biblioteca Monteiro Lobato: uma experiência de contação e leitura de histórias na formação de leitores infanto-juvenil”, o qual teria sua execução no próprio espaço da biblioteca. É importante salientar que no primeiro momento do projeto fizemos estudo de livros teóricos que versam sobre a Literatura Infantil Brasileira, como também selecionamos os livros de Literatura Infanto-Juvenil que iriam compor o acervo que oportunizaríamos às crianças atendidas pelo plano. A proposta objetiva tornar o ambiente da biblioteca familiar para as crianças da Educação Infantil e dos anos iniciais do Ensino Fundamental; Oportunizar o contato das crianças com a Literatura Infantil, visando o fomento à leitura; Ampliar o repertório literário das crianças; Promover o encontro prazeroso das crianças com as histórias; bem como desenvolver a expressão oral e escrita das crianças; Com base nas concepções de leitura e do papel da biblioteca para formar leitores é que buscamos por meio dos círculos de leitura desenvolver práticas de contação e leituras de histórias para crianças freqüentadoras da Biblioteca Monteiro Lobato situada no centro da cidade de Feira de Santana. Essas atividades vêm acontecendo quinzenalmente no espaço da biblioteca, com a participação efetiva das crianças, tanto no processo de leitura, como na contação de histórias. Para realização das atividades de promoção à leitura, contamos com o ambiente e o acervo da Biblioteca Monteiro Lobato e da parceria de algumas escolas públicas e particulares que deslocam seus alunos para a biblioteca. O público atendido tem sido crianças entre 04 a 10 anos de idade, ou seja, vinculadas à Educação Infantil e aos anos iniciais do Ensino Fundamental. Os textos selecionados: fábulas, contos e histórias da Literatura Infantil contemporânea, se justificam por favorecerem maior envolvimento, aproximação à realidade das crianças, bem como favorece a concentração das crianças no ato da escuta das histórias. Objetivando maior envolvimento do público com o texto escolhido, utilizamos como estratégias de aproximação do leitor ao texto, não apenas a leitura nos círculos de leitura, mas, principalmente, com as crianças menores, fazemos uso de recursos como perucas, capas, ocúlos e outros, que promovem e despertem atenção, imaginação e criação. Temos ainda 144 disponibilizado material didático como papel A4, lápis de cor e de cera, entre outros para que possam extrapolar seu processo de interpretação e recriação do texto ouvido. Paralelamente às vivências leitoras no espaço da biblioteca, elaboramos continuamente materiais e recursos necessários ao desenvolvimento das atividades, com vistas a possibilitar o gosto, o prazer pela leitura e pela convivência com os livros, assim como com a ambiência da biblioteca. É importante salientar, que ao longo da realização do plano de trabalho de extensão, desenvolvemos continuamente os estudos e planejamentos junto com toda a equipe do Projeto de Extensão “Leitura Itinerante: uma alternativa de mobilização de leitores”, cadastrado na PróReitoria de Extensão da UEFS, ao qual este plano de trabalho está vinculado. Algumas pedras pelo caminho O trabalho de fomento e de formação do leitor ainda se configura nos dias atuais como uma prática em construção. Mesmo reconhecendo que muitas experiências exitosas já existem no seio das escolas, ainda nos deparamos com muitas dificuldades no usufruto das bibliotecas. Dentre as dificuldades encontradas, é salutar apontar a execução de pequenas ações que envolvem, principalmente, os alunos oriundos das redes públicas, no tocante à infraestrutura dessas ações fora do ambiente escolar. Em virtude de termos priorizado o local da própria biblioteca a serem desenvolvidas as atividades propostas por este plano de trabalho, a maior dificuldade encontrada tem sido o transporte para conduzir às crianças das escolas públicas para a Biblioteca Monteiro Lobato, visto que as escolas selecionadas não possuem transporte próprio. A locomoção dessas crianças implica em total responsabilidade da escola e do professor que está acompanhando. Portanto, por falta de condições materiais, encontramos dificuldade em agendar as atividades quinzenais. Quando não há meio de conduzir as crianças, em segurança, das suas respectivas escolas para o espaço da Biblioteca Monteiro Lobato, optamos por realizar algumas dessas atividades no próprio espaço da escola. Aprendendo com as vivências e já tecendo algumas conclusões 145 O envolvimento com este plano de trabalho tem me proporcionado aprendizagens e experiências inovadoras que, certamente, me permitem ampliar e ressignificar minhas concepções, minhas posturas e minha própria formação leitora. Os estudos e pesquisas realizadas com foco na literatura, na contação e práticas culturais de leitura têm ampliado meu repertório teórico, como também o meu acervo literário, especificamente, o infanto-juvenil. A experiência tem colaborado para a melhoria da minha relação com as crianças e com os professores, como também vem contribuindo na produção escrita e na preparação de novas oficinas. A possibilidade de me inserir no cotidiano das escolas e da biblioteca vem me instigando a debruçar, ainda mais, sobre as práticas educativas realizadas nesses ambientes e conhecer as peculiaridades que envolvem o processo de formação dos leitores e as dificuldades encontradas pelos professores. As experiências vivenciadas no espaço, especificamente, da Biblioteca Monteiro Lobato vem revelando muitas nuances interessantes. Primeiro que o prazer e o envolvimento das crianças com a leitura só dar-se-á, efetivamente, quando a estas são oferecidas oportunidades reais de contato e interação com os livros; que as práticas de leitura precisam ser envolventes e significativas; e por fim que o espaço da biblioteca precisa ser cada vez mais dinamizado, incentivado e revitalizado com materiais que provoquem nas crianças o desejo e a curiosidade de ler. Este trabalho nos mostra o quanto a presença da biblioteca na formação leitoras das crianças tem sido reduzida, para não dizer inexistente. Assim, ressaltamos que a proposta de mobilização para a importância da leitura e formação do leitor desenvolvida na Biblioteca Monteiro Lobato intenta assumir a função tanto de formação do leitor quanto de enriquecimento sociocultural dos freqüentadores da biblioteca Monteiro Lobato de Feira de Santana. O nosso trabalho procura mostrar a pertinência do espaço da biblioteca na formação do leitor, visto que tem sido nesse espaço que as crianças, beneficiárias desse projeto, têm vivenciado novas experiências, até então não exploradas. Além do espaço da biblioteca, a realização de algumas oficinas nas escolas tem favorecido às crianças, oportunidades de vivenciar momentos de leitura prazerosa o que nem sempre acontece. Pois, muitas vezes, a leitura acaba sendo uma prática repleta de exigência e imposição, e não de um aprendizado através do lúdico, da fantasia e do encantamento que as crianças tanto se identificam. REFERÊNCIAS 146 ABRAMOVICH, Fanny. Literatura infantil: gostosuras e bobices. São Paulo: Scipione, 1997. BESNOSIK, Maria Helena da Rocha. Círculos de leitura: um encontro com textos literários. In Revista FAEEBA, vol 13, n. 21. Jan/jun. Salvador: UNEB, 2004 CHARTIER, Roger. Praticas da leitura. 2 ed. Revista São Paulo, SP: Estação Liberdade, 2001. CORDEIRO, Verbena Maria Rocha. Cenas de leitura. In: TURCHI, Maria Zaira e SILVA, Vera Maria Tietzmann ( Orgs.) Leitor formado, leitor em formação – leitura literária em questão. São Paulo: Cultura Acadêmica; Assis, SP: ANEP, 2006. PERROTTI, Edmir. Biblioteca escolar. Letra A, v. 2, p. 14-15, 2006 SILVA, Ezequiel Teodoro da. Criticidade e leitura: ensaios. Campinas, SP: ALB\Mercado de Letras, 1998. SILVA, Ezequiel Theodoro da. De olhos abertos: reflexões sobre o desenvolvimento da leitura no Brasil. São Paulo: Ática, 1991. SOLÉ, Isabel. Estratégias de leitura. 6 ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. 147 LABORATÓRIO DE EDUCAÇÃO E ESTUDOS INTERDISCIPLINARES – LEEI COMO ELEMENTO POTENCIALIZADOR DE APRENDIZAGENS SIGNIFICATIVAS – VIVÊNCIAS E APRENDÊNCIAS Rosângelis Rodrigues Fernandes Lima38 RESUMO É inegável que, diante dos efeitos da globalização, como a volatilidade das informações, a educação, bem como outras instâncias sociais, sofrem grandes impactos no que se refere às suas ações no cotidiano. Na atualidade, percebemos transformações sociais, políticas, econômicas e culturais, quebrando as fronteiras e criando intercâmbio. Neste cenário está presente a educação. Portanto, é imperativo pensarmos que educar seja mais do que transmitir conhecimentos técnico-científicos acumulados pela humanidade. A escola na atualidade começa a trilhar pelos caminhos de um currículo com vistas às interações entre culturas diversas e diferenciadas e pelos valores de uma educação que despreza os paradigmas mecânicos e estáticos e busca as abordagens pluridisciplinar, multidisciplinar e transdiciplinar. Sendo assim, o presente artigo Laboratório de Educação e Estudos Interdisciplinares - LEEI como elemento potencializador de aprendizagens significativas – vivências e aprendências, trata do relato das ações e reflexões do projeto desenvolvido neste espaço/ambiente educativo que tem se configurado como espaço de diálogos, de produção de saberes, oportunizando aos professores e alunos que pontuem as principais ações ocorridas no cotidiano escolar na busca da transformação da realidade frente aos desafios no cenário contemporâneo. Este projeto foi pensado e gestado numa perspectiva multi/inter e transdisciplinar (MIT) no qual, os graduandos do curso de Pedagogia da Faculdade Adventista de Educação do Nordeste-FAENE, professores e alunos da educação básica e, outros sujeitos de espaços não escolares, tiveram a oportunidade de interagir e vivenciar momentos nos quais a práxis pedagógica se evidenciasse em saberes e fazeres, através do desdobramento das ações em Grupos de Trabalhos (GTs), embasados numa metodologia que se pautou no tripé ação-reflexão-ação que permeia as relações entre a teoria e a prática nos processos de ensino e aprendizagem. Como resultados significativos, constatamos que, a percepção, a participação e a interação dos sujeitos são fundamentais para a prática pedagógica e para a construção de aprendizagens significativas. Palavras- chave: Educação. Estudos interdisciplinares. Aprendizagens significativas. 38 Professora da Faculdade Adventista da Bahia - FADBA – Curso de Pedagogia. Coordenadora do Laboratório de Educação e Estudos Interdisciplinares - LEEI. Coordenadora específica da elaboração da Proposta Curricular do Ensino Fundamental do município de Feira de Santana – BA. 148 CONSIDERAÇÕES INICIAS ...ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, sem aprender a refazer, a retocar o sonho por causa do qual a gente se pôs a caminhar. (FREIRE, 2001) Em pleno século XXI, o impacto que a globalização vem causando na educação e nas instituições sociais, certamente é inquestionável. Qualquer fato histórico que aconteça em algum lugar do planeta pode, nesse mundo globalizado, assumir proporções enormes diante da volatilidade das informações. Hoje percebemos transformações sociais, políticas, econômicas e culturais, quebrando as fronteiras que podem ser geográfica, étnica, de classe, linguística, de gêneros entre outros, e criando intercâmbio entre os diversos atores sociais-culturais-históricos. Nesse cenário está presente a educação. Portanto, é imperativo pensarmos que educar seja mais do que transmitir conhecimentos técnico-científicos acumulados pela humanidade. Educar deve ser uma ação humanizadora, e, segundo Freire (1969, p. 128), “uma educação só é verdadeiramente humanista se (...) esforça-se no sentido da desocultação da realidade. Desocultação na qual o homem existencialize sua real vocação: a de transformar a realidade”. É fundamental para a sociedade que a educação e os educadores tomem para si seu papel político de, junto com os alunos, desvelar a realidade escondida pelas ideologias, superar a miopia que impede a percepção daquilo que cerca o indivíduo. Para Freire (1969, p. 124-125), “o homem é um ser da práxis [e por isso] não pode reduzir-se a um mero expectador da realidade... Sua vocação ontológica (...) é a do sujeito que opera e transforma o mundo”. Assim, a relação entre os sujeitos que fazem parte do cenário educativo deve ser de diálogo e criticidade, para analisar a realidade que os cerca e então agirem em favor da transformação. O educador não é o único dono do conhecimento nem os educandos são tábulas rasas a serem preenchidas pelas palavras daqueles que se julgam detentores dos saberes e fazeres. O conteúdo não vem para ser memorizado e depois repetido, mas para ser objeto de reflexão-ação-reflexão. Neste sentido, é possível afirmar que para alcançar a meta de transformar a sociedade, precisa-se de seres capazes de compreendê-la criticamente. Partindo dessa premissa, o educador deve trabalhar para promover a conscientização junto aos educandos, pois na perspectiva freiriana, conscientizar é acreditar nos seres humanos 149 como sujeitos críticos e reflexivos que transformam o mundo. Desse modo, segundo Freire (2006, p.67), a educação “é práxis, que implica a ação e a reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo”. Voltando nossos olhares ainda para este início de milênio, percebemos que no contexto de Brasil e de mundo, nossos antepassados deixaram registrados nos anais da história e na vida de milhões de pessoas ranços e avanços. Ranços de tragédias, guerras, pobrezas, misérias, terrorismo (diga-se que esses fatos vergonhosos figuram nos nossos dias, e possivelmente, figurará no futuro. Premonição? Adivinhação? Não, tão somente não, resquícios de uma política globalizada sem precedentes) entre outros. E avanços na medicina, na física quântica e nuclear, no mapeamento dos genes, nos recursos tecnológicos, nas viagens espaciais, na informação digitalizada ultra-rápida, na fibra ótica, nas declarações de boas intenções, no campo educativo e muito mais... Mas, “Não há nada sob o sol” (IMBERNÓN, 2000, p. 18). E o século XXI confirma essa premissa, pois como afirma Imbernón (2000, p. 18) “Não foram corrigidas as imensas desigualdades sociais, de alcance planetário, nem foram reparadas as injustiças históricas. Então, há que se introduzir uma dimensão de futuro: de sonho, de utopia, de planejamento em educação. Novamente, Sacristán (2000, p. 38) nos diz que: Construir o futuro, no sentido de prevê-lo e de querer que seja um e não outro, só é possível a partir dos significados que as imagens do passado e do presente oferecem-nos. Não se trata de adivinhar o que nos espera(algo impossível, porque não existe e o construiremos, inevitavelmente, pois não acreditamos em nenhum tipo de destino, nem em nenhum itinerário de progresso previamente traçado, para além da inércia que dá tudo o que és instituído, que é modificável, e da atual orientação de nossas ações), mas de ver com que imagens do presente-passado enfrentaremos essa construção, que é o que canalizará o futuro, sua direção, seu conteúdo, seus limites. A educação que se projeta no presente e no futuro deve ajudar na compreensão das realidades contemporâneas atuais e vindouras. Sendo assim, projeta-se uma educação em dimensão planetária, para um mundo globalizado. Nesse contexto, elegem-se aspectos transversais de amplos cenários mundialmente: direitos humanos, cultura da paz, equilíbrio ambiental, desenvolvimento sustentável, responsabilidade social e diálogo internacional. CONTEXTUALIZANDO A PROBLEMÁTICA 150 Segundo Freire (2001, p.63) “admirar implica pôr-se em face do ‘não eu’, curiosamente para compreendê-lo. Por isto, não há ato de conhecimento sem admiração do objeto a ser conhecido.” No Laboratório de Educação e Estudos Interdisciplinares LEEI miramos e admiramos, bem como, ansiamos por mudanças, pois percebemos enquanto educadores e estudantes que o que se encontra na mira de nosso desejo é uma educação de qualidade para todos, afinal educação é mediação das mediações da existência histórica humana. (SEVERINO, 1994) Como educadora e coordenadora desse espaço/ambiente educativo tenho buscado conscientizar-me de que no contexto atual, necessitamos de uma educação onde haja uma reorientação de nossa práxis pedagógica, no sentido de trazer para o seu foco pontos importantes: onde a pessoa humana é objeto central da Educação e que qualquer currículo, qualquer metodologia, qualquer estratégia, qualquer tipo de avaliação, só terá sentido, se o foco estiver em relação direta e dialética com os envolvidos no processo educativo. Então, sob a perspectiva interdisciplinar, é notório que Educação-Homem-Sociedade, precisa de uma “revolução” e um dos caminhos para tal é a Educação. Compreendemos que educar, nos dias atuais, não se limita apenas ao saber técnico-científico, pois o ato educativo não se caracteriza pela simples transposição mecânica e linear dos conhecimentos. Outros saberes (social, político, humano, ético, didático, histórico, cultural, econômico e científico), e ainda não poderíamos deixar de citar os saberes que se configuram como leitura de mundo e histórias de vidas, são extremamente necessários para entender a totalidade do ato educativo e da práxis pedagógica. Sendo assim, sentimos o desejo de relatar as ações e reflexões construídas ao longo de nossas vivências, pois entendemos esse projeto como uma ação colaborativa entre o ensino superior e a educação básica, na medida em que professores e alunos dos dois níveis de educação interagiram e construíram aprendizagens significativas. O objetivo geral desse projeto realizado no LEEI foi desenvolver ações que oportunizassem a formação do sujeito crítico-reflexivo cidadão, a partir da interação com os saberes significativos para a sua formação nos espaços escolares e não escolares. Associado a este, ainda buscamos com alguns objetivos específicos oportunizar situações de aprendizagem aos estudantes de modo que os mesmos: 151 • Vivenciem um ambiente de discussão e formação para os sujeitos envolvidos no processo educativo, visando a construção de ações pedagógicas no cotidiano escolar. • Desenvolvam suas capacidades e participação nas relações sociais, políticas e culturas diversas e ampliadas, bem como priorizem o exercício da cidadania em busca de uma sociedade mais democrática. • Construam diversos saberes e fazeres em um contexto de interação sóciohistórico-social-cultural. • Desenvolvam estratégias metodológicas possibilitadas pelo movimento dialético entre o fazer e o pensar sobre o fazer no cotidiano escolar. • Contribuam para o desenvolvimento de todos os sujeitos envolvidos no projeto através de intervenções pedagógicas. CARACTERIZANDO O LEEI A Faculdade Adventista de Educação do Nordeste - FAENE entendeu a necessidade de ampliar suas atividades para além do espaço escolar interno e implementou o Laboratório de Educação e Estudos Interdisciplinares (LEEI), em 1999. Em sua trajetória, o LEEI tem se configurado como espaço de diálogos, de produção de saberes, oportunizando aos professores e alunos que pontuem as principais ações ocorridas no cotidiano escolar na busca da transformação da realidade. O mundo não é. O mundo está sendo. (...) meu papel no mundo não é só o de quem constata o que ocorre, mas também o de quem intervém como sujeito de ocorrências. Não sou apenas objeto da história, mas seu sujeito igualmente. No mundo da história, da cultura, da política, constato não para me adaptar mas para mudar. (...) (FREIRE, 2000, p. 79-81). Aproveitamos os dizeres de Freire (2000) e buscamos priorizar que as atividades realizadas pelo LEEI fossem caracteristicamente de natureza interdisciplinar e transversal contribuindo para um processo educativo qualitativo, inclusive propiciando serviços à comunidade, pois a atuação pedagógica envolve relações com e entre sujeitos, lida com seres humanos em processo de desenvolvimento, implica valores, tomada de decisão e compromissos éticos. O LEEI se constitui em espaço de “produção de teorias, de conhecimentos e de saber-fazer específicos ao ofício do professor,” (TARDIF, 2002, p. 234), um campo 152 privilegiado de reflexão, transformação e ressignificação de seus saberes, valores, crenças e concepções, tendo como mediação a teoria e a discussão entre discentes e professores do curso de Pedagogia, discentes das pós-graduações, bem como estudantes da educação básica, enfim, toda a comunidade escolar que faz parte de seu entorno. O trabalho do LEEI está estruturado, conforme o Regulamento (2010) em quatro núcleos nos quais baseamos a elaboração deste projeto: Projetos – ações educativas vinculadas aos processos de ensino e o aprendizagem, sendo desenvolvido por professores e estudantes em parceria com o entorno da FAENE. Acervo – disponibilização de livros didáticos e de literatura infantil, revistas o de educação e materiais educacionais de diferente natureza. Produção de material de apoio à prática docente - resultado do trabalho o pedagógico realizado em sala de aula por alunos e professores para fins de estágio curricular e de projetos realizados. Orientações didáticas – produção de textos e coletâneas a partir de temáticas o do cotidiano escolar elaborados por alunos e professores como forma de sistematização do conhecimento e divulgação do mesmo. O PROJETO: COMO SE CONFIGUROU O projeto LABORATÓRIO INTERDISCIPLINARES - LEEI: DE EDUCAÇÃO ELEMENTO E ESTUDOS POTENCIALIZADOR DE APRENDIZAGENS SIGNIFICATIVAS atendeu nossos alunos na participação ativa das Atividades Práticas Profissionais (APP), as quais são compreendidas como o conjunto de atividades que constituem os componentes curriculares de formação cuja dimensão prática visa enriquecer o processo formativo do futuro pedagogo como um todo. Tais atividades são vivenciadas pelo aluno de Pedagogia ao longo do curso a partir de um planejamento prévio compartilhado entre as diferentes áreas do conhecimento, oportunizando a articulação entre os saberes numa perspectiva interdisciplinar. Este projeto foi pensado e gestado numa perspectiva multi/inter e transdisciplinar (MIT) no qual, os graduandos do curso de Pedagogia, professores e alunos da educação básica e, outros sujeitos de espaços não escolares, tiveram a 153 oportunidade de interagir e vivenciar momentos de aprendizagens significativas, através, do desdobramento do mesmo em Grupos de Trabalhos (GT). CAMINHOS PERCORRIDOS É preciso que, pelo contrário, desde os começos do processo, vá ficando cada vez mais claro que, embora diferentes entre si, quem forma se reforma e reforma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir conhecimento, conteúdos, nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado. (FREIRE, 1996, p. 25). Nossa proposta com o Projeto foi implementar nesse espaço ações que viabilizem a produção de saberes e fazeres educacionais. Para tanto, a metodologia utilizada está embasada no tripé ação-reflexão-ação que permeia as relações entre a teoria e a prática no âmbito educacional. A aplicabilidade desse projeto esteve focada na práxis docente, pois “o homem é um ser da práxis [e por isso] não pode reduzir-se a um mero expectador da realidade... Sua vocação ontológica (...) é a do sujeito que opera e transforma o mundo.” (FREIRE, 1969, p.124-125). Nesse projeto buscamos a relação entre os referencias teóricos discutidos em sala de aula nas disciplinas do curso e a prática que envolve o cotidiano escolar, através do desdobramento do mesmo em grupo de trabalhos. Os encontros para planejamento, avaliação e construção coletiva aconteceram no espaço/ambiente do LEEI de acordo com cronograma de cada grupo de trabalho. A execução do projeto ocorreu em espaços pedagógicos definidos por cada grupo. Vale ainda salientar que o aluno participante em qualquer um dos grupos de trabalhos citados abaixo, cumpriu integralmente a carga horária de 100h referentes às Atividades Práticas Profissionais. Certamente, as vivências durante a elaboração desse projeto e seu desdobramento em Grupos de Trabalhos nos fez descobrir que o melhor lugar para se aprender a conhecer, a aprender, a fazer e a ser é o ambiente educativo, pois é no cotidiano escolar que as alegrias, as vitórias, as conquistas, os medos, as angústias, as lutas, os erros e acertos acontecem. É nesse lugar que, também, buscamos uma educação para a transformação. GRUPOS DE TRABALHOS (GTs) 154 GT1: Contadores e Cantadores: Roda de leitura Ao longo dos últimos anos, muito se tem falado sobre a importância da leitura e da escrita. E a escola passa por um processo de reflexão sobre as formas de como ensinar aprender a ler, pois o ato de ler atua significativamente na formação acadêmica e na formação do cidadão crítico. Sabe-se que o domínio e a prática da leitura são fatores essenciais para o sucesso de qualquer estudante em qualquer disciplina. A formação de leitores constitui-se uma exigência social e política de suma importância e que compete a todos os envolvidos no processo ensino-aprendizagem. Promover o acesso das pessoas ao mundo da leitura é possibilitar a formação de indivíduos aptos a pensar, questionar e, na medida do possível, intervir na sociedade em que vivem. Portanto, nessa perspectiva, esse grupo de trabalho elaborou atividades que contemplaram o desenvolvimento da leitura e a escrita dos alunos das escolas da educação básica que fazem parte do entorno das Faculdades Adventistas da Bahia. Objetivamos incentivar, sensibilizar e despertar nos professores e nos alunos o prazer pela leitura e escrita, desenvolvendo suas habilidades na língua escrita e falada, elevando o nível de letramento dos envolvidos no processo ensino-aprendizagem; propiciar aos alunos um trabalho rico e prazeroso na aquisição da escrita e da leitura. E ainda, elevar, gradativamente, o nível de desempenho em leitura e escrita dos professores e dos alunos, através de rodas de leituras que gerem ações concretas. Metodologia utilizada pelo GT1 Muitas vezes nos deparamos nas salas de aula com alguns alunos que não lêem e nem escrevem, outros conhecem as letras, mas não montam palavras nem frases em função das hipóteses que ainda estão desenvolvendo. Neste grupo de trabalho vivenciamos momentos ação-reflexão-ação junto aos alunos das escolas parceiras e estabelecemos relações entre a linguagem escrita e oral para que os sujeitos envolvidos nesse processo avançassem nas habilidades de leitura e escrita, através de: Cantigas de roda e do cancioneiro popular; Trabalho com a letra de tais cantigas de roda; Reescrita das cantigas de roda; Leituras de histórias; Leituras diversas da literatura infantojuvenil; Trabalho com conto e reconto; Trabalho com as diversas tipologias textuais; Painéis imagéticos; Trabalho com fantoches; Histórias de vidas. 155 Precisamos sinalizar que, ao longo do desenvolvimento das ações desse GT a avaliação se deu de forma processual e contínua e, portanto, em cada encontro observamos através das atividades propostas na metodologia que os alunos obtiveram avanços no estabelecimento das relações entre a oralidade e a escrita, bem como nas competências gerais para a leitura e a escrita. É mister pontuar que a culminância desse GT foi a construção de uma coleção de contos, cujos autores foram os participantes do mesmo. Grupo 2: Oficinas de produção de jogos educativos Quem não se lembra de um jogo divertido e animador? Caça-palavras! Palavras Cruzadas! Dominó! É muito bom quando através de jogos se consegue atingir objetivos educacionais. Aprender brincando é muito mais valioso para a criança, pois brincar faz parte de seu mundo e desenvolvimento. É através das brincadeiras que ela descobre o mundo. Com jogos é possível trabalhar conteúdos de matemática, de ciências, de leitura, de escrita, questões físicas, sociais, emocionais, afetivas, históricas e culturais. Através de jogos os sujeitos envolvidos no processo ensino-aprendizagem podem desenvolver muitas competências, habilidades e conhecimentos diversos e, certamente aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a ser e aprender a conviver de forma lúdica se torna mais gratificante e prazeroso. Urge que na atualidade o educador selecione, construa e avalie os jogos, buscando utilizá-los de modo adequado, pois os mesmos podem ser mais um dos agentes transformadores da educação, mas, vai depender muito da forma como serão utilizados e trabalhados. Os educadores têm papel fundamental, pois é através do contexto, da ação, da reflexão, da crítica e intervenções que os jogos educativos vão contribuir para o desenvolvimento e a construção de aprendizagens significativas de sujeitos críticos, reflexivos e afetivos. Este grupo de trabalho promoveu a discussão sobre o espaço de possibilidades oferecidas pelo uso os jogos educativos como recursos que possibilitem estratégias interativas de ensino-aprendizagem e a construção de jogos educativos in loco (nas escolas parceiras), através de oficinas pedagógicas para construção de jogos educativos. Sendo assim, objetivamos com esse GT que os professores percebam que os jogos 156 estimulam a criatividade, a imaginação e proporcionam uma maior compreensão da realidade; entender que os jogos educativos são, também, elementos facilitadores no processo ensino-aprendizagem, pois o jogo é um recurso didático que se converte num rico instrumento de construção de conhecimentos e proporcionar meios para construção de jogos educativos através de oficinas pedagógicas. Metodologia utilizada pelo GT2 Os jogos educativos se constituem como recursos riquíssimos para desenvolver as competências e habilidades se bem elaborados e explorados. São estratégias de ensino que podem atingir diferentes objetivos e áreas do conhecimento. Além de serem instrumentos lúdicos, quando usados pedagogicamente, auxiliam os educadores e educandos na interação e nas relações interpessoais. Sendo assim, percebemos que permeia a realidade de diversas escolas que fazem parte do entorno da FAENE, não trabalhar com os jogos educativos porque alguns professores não possuem esclarecimentos sobre a utilidade de se trabalhar com jogos, bem conhecimentos de como fazer tais jogos educativos. Portanto, como problematização deste grupo de trabalho buscamos uma parceria, através de oficinas pedagógicas nas quais discutimos e interagimos com os professores a importância de utilizar os jogos educativos em sala de aula e os processos de construção dos mesmos, através de: Leituras diversas de referências bibliográficas sobre a temática; Encontros para elaboração dos jogos; Criação do cantinho dos jogos elaborados nas oficinas. No contexto deste GT, o ato de avaliar configurou como transparente, os critérios utilizados são conhecidos pelos sujeitos envolvidos, por isso tem caráter processual e contínuo para o vir a ser constante do processo educativo. Sendo assim, em cada encontro observamos através das atividades propostas na metodologia que os professores obtiveram avanços no entendimento da importância de se trabalhar com jogos educativos, bem como a construção dos mesmos para subsidiar a práxis pedagógica do professor. (IN) CONCLUSÕES 157 Educar deve ser uma ação humanizadora, e segundo Freire (1969, p.128), “uma educação só é verdadeiramente humanista se (...) esforça-se no sentido da desocultação da realidade. Desocultação na qual o homem existencialize sua real vocação: a de transformar a realidade.” É fundamental para nossa sociedade que a educação e os educadores tomem para si seu papel político de, junto com os alunos, desvelar a realidade escondida pelas ideologias, superar a miopia que impede a percepção daquilo que cerca o indivíduo. Paulo Freire, certa vez, foi chamado de andarilho da utopia. Mas, afinal para que serve a utopia para professores e alunos? Parafraseando o escritor uruguaio Eduardo Galeano (1994): Para que serve a utopia se está lá no horizonte? Em alguns momentos quando tento me aproximar ela se afasta dois, três passos. Caminho dez passos e o horizonte também corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Será? Então, para que serve a utopia? Serve para que educadores, estudantes e demais sujeitos envolvidos no processo educativo nunca deixem de sonhar, de caminhar, de buscar uma educação que forme cidadãos críticos e reflexivos. E a guisa de parar por aqui nosso relato, pois continuaremos com nossas itinerâncias e vivências, vamos caminhando e cantando no LEEI, transformando-o em elemento potencializador de aprendizagens, que certamente refletirão no horizonte das experiências vividas. REFERÊNCIAS CACHOEIRA, Regulamentação do Laboratório de Educação e Estudos interdisciplinares – LEEI. Faculdade Adventista de Educação do Nordeste- FAENE, 2010. FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. 9 ed. 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A educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. – 2. ed. – Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. SEVERINO, Antonio Joaquim. Filosofia da educação: construindo a cidadania. São Paulo: FTD, 1994. TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Trad. Francisco Pereira. Petrópolis: Vozes, 2002. VEIGA, Ilma Passos de Alencastro. Didática: O ensino e suas relações. Campinas: Papirus, 1996. 159 A PERCEPÇÃO DE ALUNOS E PROFESSORES SOBRE A QUALIDADE EDUCACIONAL DA EJA NUMA ESCOLA PÚBLICA DE FEIRA DE SANTANA, BA. Márcia Cristina de Almeida Cerqueira39 Célia Regina Batista dos Santos40 Resumo Esse texto foi elaborado com base nos resultados de uma pesquisa que teve por objetivo investigar o significado da aprendizagem da Educação de Jovens e Adultos na concepção de alunos e professores e a sua contribuição para o engajamento social dos sujeitos que não tiveram acesso à educação na idade adequada. Tal problemática é fruto de inquietações surgidas durante as atividades de observação, co-participação e regência de classe no componente curricular Estágio Supervisionado em Geografia, desenvolvidas numa escola pública da cidade de Feira de Santana/BA, onde foi possível observar, analisar e refletir acerca dessa modalidade de ensino, seus principais agentes, alunos e professores, bem como as dificuldades mais eminentes, a exemplo de freqüência irregular e a falta de domínio da leitura e escrita. A reflexão teórica foi apoiada na discussão dos conceitos de Educação de Jovens e Adultos, Andagogia e Qualidade Educacional. Esse trabalho foi realizado por meio de uma pesquisa qualitativa, cujos sujeitos foram quatro professores de diferentes áreas de conhecimento, a quem foram realizadas entrevistas, e 19 alunos da EJA, a quem foram aplicados questionários. Os resultados indicaram que no entendimento dos professores a EJA não tem atendido a sua função, a qual está descrita no Parecer do Conselho Nacional de Educação, CNE/CEB n° 11/2000. E para a maioria dos alunos os benefícios da EJA, estão relacionados apenas à aceleração, o que compromete a emancipação social, política e econômica do sujeito. Assim, a proposta da EJA não está de acordo com o contexto educativo da escola em foco. Os déficits desse processo são discutidos nesse trabalho onde mostra que a democratização do ensino, está atrelada apenas a difusão, mas a igualização de oportunidades escolares, vem sendo negada. Palavras chave: Educação de Jovens e Adultos. Andragogia. Qualidade educacional 1. Introdução A educação é um dos meios para enfrentar os desafios de desenvolvimento do século. Todavia, a sociedade brasileira ainda enfrenta grandes desigualdades socioeconômicas e as famílias são obrigadas a buscar o trabalho ainda na idade escolar, e diante disso, a educação é marcada pela descontinuidade, o que resulta em evasão 39 Graduanda em Licenciatura em Geografia na Universidade Estadual de Feira de Santana. E-mail: [email protected] 40 Profa. Adjunta do Departamento de Educação da UEFS/BA. Docente da Matéria Metodologia e Prática de Ensino de Geografia. Integrante do EDUGEO- Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Geográfica. E-mail: [email protected] cé[email protected] 160 escolar. É nesse contexto que a Educação de Jovens e Adultos – EJA – se insere, visando assegurar acesso à educação a todos que não tiveram oportunidade na idade própria. Muito embora a modalidade de ensino EJA tenha um caráter compensatório, objetivando “desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores”, tal como propõe o art. 22 da LDB 9394/96, é possível constatar que essa modalidade não vem cumprindo seus objetivos originais. Sobre isso, um primeiro aspecto a ser observado é que conforme a referida LDB, a educação de jovens e adultos seria destinada àqueles que não tiveram acesso na idade própria, e seria voltada especificamente para alunos na faixa etária entre 15 e 18 anos, do ensino fundamental e médio, respectivamente. Porém com a redução da idade nos níveis de conclusão da Educação Básica, a legislação fez aumentar significantemente a demanda por esta modalidade e, portanto, reduziu a demanda no ensino regular, espaço de formação mais adequado aos adolescentes e jovens com pequena defasagem série/idade. São muitas as questões que envolvem a modalidade de ensino EJA, porém um aspecto importante que destaco nessa pesquisa está relacionado com a qualidade do ensino. Durante as atividades de observação, co-participação e regência de classe desenvolvidos no componente curricular Estágio Supervisionado em Geografia numa escola pública de Feira de Santana/BA, foi possível observar, analisar e refletir acerca dessa modalidade de ensino, seus principais agentes, alunos e professores, bem como as dificuldades mais eminentes, a exemplo de freqüência irregular e dos déficits na aprendizagem do discente (dentre esses estão o não domínio da leitura e escrita). Esse contexto despertou o interesse em investigar o significado da aprendizagem da EJA na concepção dos alunos e professores e a sua contribuição para o engajamento social dos sujeitos que não tiveram acesso a educação na idade adequada, a partir da seguinte pergunta: Como alunos e professores da EJA avaliam essa modalidade de ensino? Nessa perspectiva, esse artigo tem por finalidade apresentar os resultados de uma pesquisa que objetivou investigar o que o professores entendem por EJA, e como avaliam essa modalidade de ensino; identificar os sujeitos envolvidos nesse processo ensino/aprendizagem e os fatores que os levaram a escolher a EJA, bem como os ganhos e benefícios decorrentes desse processo; e avaliar, na opinião dos professores, se há consonância entre a proposta da EJA (ideal) com o contexto educativo (real) da escola investigada. 161 Entendemos que os objetivos da EJA, perpassam pelo desenvolvimento da autonomia e o senso de responsabilidade, fortalecimento da capacidade de lidar com as transformações da sociedade, promoção da tolerância e a participação criativa e crítica dos cidadãos. Sendo assim, esse trabalho possibilitará à escola, refletir acerca de que tipo de alunos está formando: se para inseri-lo no mercado de trabalho; se para preparálo para a sucessão nos estudos posteriores e formação para a cidadania; ou se para lhe conferir um certificado oficial que, a nosso ver, por si só em nada influenciará na vida desse sujeito, pois, o que interessa não é o certificado apenas, mas o conhecimento com possibilidades de refazer leituras que possibilitem a reflexão do “estar no mundo”. Assim, gestores e professores, poderão adequar a prática de ensino para melhor atender aos seus alunos de modo que esse processo gere uma formação humana plena. A metodologia da pesquisa procurou seguir os princípios da pesquisa qualitativa, pois conforme Diehl e Tatim (2004, p. 52) essa pode “descrever a complexidade de determinado problema e assim compreender e classificar os processos dinâmicos vívidos por grupos sociais, promovendo a entendimento das particularidades do comportamento dos indivíduos”. O contexto da pesquisa foi numa escola pública estadual, em bairro periférico no município de Feira de Santana – Bahia, onde realizamos coleta de dados através da observação direta dos fenômenos durante os estágios supervisionados I, II, III cujas informações foram registradas no diário do pesquisador; entrevista semiestruturada direcionada a professores; e questionários com perguntas fechadas de múltipla escolha, destinados aos discentes na faixa etária entre 18 – 30 anos. Os sujeitos da pesquisa foram 19 alunos de 02 salas diferentes, escolhidos de modo aleatório, e 04 professores da área de humanas e exatas da modalidade de ensino EJA do noturno, do eixo temático VI e VII, em consonância com a proposta curricular do 3º tempo formativo: “Aprender a fazer41”. Os dados foram organizados e analisados à luz do referencial teórico e serão apresentados nesse artigo. 2. Referencial teórico A educação é um dos direitos universais do homem. Entende-se que aprender é um processo próprio e continuado dos seres vivos e a falta desta oportunidade nega o entendimento da nossa própria existência. Ao longo da vida essa aprendizagem tem 41 A proposta da EJA está dividida em Tempos Formativos, o 3º tempo refere-se ao ensino médio, contém 02 Eixos Temáticos, com duração de 01 ano cada. 162 conexão com a cidadania, a participação e a inclusão, o que está em consonância com a LDB 9.394/96, que assegura no artigo 35 inciso III, que o ensino médio tem por finalidade “o aprimoramento do educando como pessoa humana incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico”. Sendo assim, a educação consiste num processo de humanização cuja finalidade é tornar os indivíduos participantes do processo civilizatório. Esse processo de humanização defendido pela LDB vai ao encontro às idéias de Freire (2008), que entende a educação como uma forma de intervenção no mundo, que vai além do conhecimento dos conteúdos, leva o sujeito a aprender criticamente. Cury (2007) também corrobora com a idéia acima, ao afirmar que a educação escolar é uma dimensão fundante da cidadania e tal princípio é indispensável para a participação de todos nos espaços sociais e políticos, e para (re) inserção qualificada no mundo profissional do trabalho, sendo um instrumento de diminuição das discriminações. Concordando com Cury, Libâneo (2004) enfatiza que a educação deve prezar pela qualidade social, fortalecer a identidade cultural dos alunos, preparar para a inserção na sociedade tecnológica, formar para uma cidadania crítica, e desenvolver valores éticos. Mas, para desfrutarmos dessa educação, necessitamos de um espaço educacional privilegiado que possa transformar pessoas excluídas, quer pela condição do analfabetismo, quer pela evasão, e para isso, devemos recorrer, à andragogia. Entende-se andragogia como uma metodologia voltada ao ensino do adulto, que leva em consideração que o aprendiz adulto interage diferentemente da criança; portanto, é importante compreender os interesses que conduz o aluno adulto à sala de aula, levando em consideração suas vivências e experiências. E a escola é um espaço privilegiado para que o aluno adulto possa refletir sobre suas experiências, compreendê-las e transformálas, na perspectiva de ressignificar seu mundo. A Educação de Jovens e Adultos (EJA) se insere nesse contexto como uma proposta que visa assegurar acesso à educação a todos que não tiveram oportunidade na idade própria, principalmente os adultos que não puderam continuar os estudos na idade escolar, devido à necessidade de trabalhar. A trajetória da Educação de Jovens e Adultos é marcada por uma história de lutas que, gradativamente, vem sendo reconhecida como um direito universal desde o século passado (XX), quando, a partir da década de 1940 houve inúmeras iniciativas governamentais para erradicação do analfabetismo. Entre essas iniciativas, merece 163 destaque o Programa Nacional de Alfabetização (1964), inspirado no método freiriano (DI PIERRO, 2001; HADDAD, 2007) e cuja concepção de educação tinha como princípio básico a conscientização dos homens. Todavia, essa proposta educativa, que ia de encontro aos interesses das elites brasileiras, foi suprimida com o golpe militar e em seu lugar foi proposto o MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização o qual visava atender aos interesses das classes políticas dominantes e esse tinha baixa articulação como sistema de ensino básico. Em meados da década de 1990, no governo de Fernando Henrique (FHC), ocorreu uma reforma educacional, a qual foi implementada visando a restrição do gasto público e a estabilidade econômica. Neste período conforme, os autores supracitados, a educação básica de jovens e adultos foi relegada à segundo plano, assumindo como característica principal o assistencialismo. É também nessa mesma década que os Fóruns de EJA passam a marcar presença nas audiências do Conselho Nacional de Educação com o objetivo de discutir as diretrizes curriculares para a EJA. Em julho de 2000 o Conselho Nacional de Educação, através da Resolução CNE/CEB nº 01 de 2000, estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação de Jovens e Adultos, orientando a obrigatoriedade na oferta e na estrutura dos componentes curriculares de ensino fundamental e médio. É nesse contexto que o estado da Bahia insere a sua proposta para a EJA, que tem como princípio orientador o ideário da Educação Popular, e cuja proposta curricular, pautada na pedagogia crítica, é estruturada em três Tempos Formativos: 1° Tempo: Aprender a ser; 2° Tempo: Aprender a Conviver; 3° Tempo: Aprender a Fazer, os quais correspondem ao fundamental I e II e ensino médio, respectivamente (BAHIA, 2009). Vale ressaltar que a pesquisa contemplou o 3° Tempo Formativo. É importante ressaltar que, ao longo da sua trajetória, a EJA tem passado por profundas modificações, entre elas, a redução da idade mínima para conclusão do ensino fundamental e médio, respectivamente, de 18 para 15 e de 21 para 18 anos. Essa redução a idade mínima, de acordo com Di Pierro (2001), vem resultando numa crescente juvenilização do alunado, o que pressupõe a necessidade de novas formas de atuação metodológica e de conteúdos com base em outras necessidades formativas; e levanta novas indagações e incertezas: como esse novo público (jovens) tem seus interesses e necessidades contempladas? A EJA tem produzido educação de qualidade, de modo que atenda a necessidade desses jovens, uma vez que o mercado de trabalho tem aumentado 164 as exigências de instrução e qualificação? Ela possibilita a continuidade dos estudos no curso superior? Garante uma formação para a cidadania? Esses questionamentos conduzem à idéia de que, muito embora a Constituição Federal de 1988 ressalte que o direito à educação garante não só acesso e permanência, mas também o padrão de qualidade (art. 206 inciso VII), a concepção neoliberal da economia preza pela qualidade total, a qual consiste no treinamento de pessoas para serem competentes no que fazem, visando a atender a imperativos econômicos e técnicos (LIBÂNEO, 2004). Todavia, aqui nos opomos à essa idéia de qualidade total, e concordamos com Libâneo (2004. p. 66), o qual propõe a idéia de qualidade social, essa “baseada no conhecimento e na ampliação de capacidades cognitivas, operativas e sociais, com alto grau de inclusão.” A escola com qualidade social articula a qualidade formal e política. A qualidade social parte de uma escola que inclui a todos, que não leva em consideração apenas os meios que irá conduzir à qualidade, mas considera também os fins a que essa educação destina-se. 3. Resultados e Discussões 3.1 Quem são os sujeitos investigados As visitas à escola foram feitas à noite. Os professores entrevistados, aqui identificados com: P1, P2, P3 e P4, possuem formação em matemática, geografia, estudos sociais e letras vernáculas, respectivamente, e estão no exercício da docência em média há 15,5 anos. Entretanto, na EJA a média de tempo de atuação são sete anos. Todos os educadores possuem especialização. Os dados indicam, ainda, que 75% dos educadores (03), não escolheram atuar em tal modalidade, a decisão foi tomada por outros agentes do contexto escolar, 25% não informaram. Em relação aos estudantes, a faixa etária dos jovens variou entre 18 a 29 anos, porém identificamos um numero maior de alunos na faixa etária entre 18 e 23 anos, o que corresponde a 63% do alunado, evidenciando assim o fenômeno denominado por Di Pierro (2001), de juvenilização. Faz parte da vivência concreta desse coletivo, o exercício do papel de mãe, pai, dentre muitas outras funções, esse fato se constata na declaração de 47% dos alunos, os quais afirmaram ter entre 1 e 2 filhos. Esses sujeitos são jovens e adultos que lutam pela sobrevivência, são trabalhadores assalariados ou estão associados a atividades informais, que não exige 165 grau de escolaridade elevado. Evidenciamos que 89% dos jovens trabalham e a mão-deobra empregada, em ordem decrescente por número de empregados, está nos seguintes seguimentos: serviços, os quais exigem pouca ou nenhuma qualificação; comércio, devido a vocação comercial da cidade; construção-civil, na condição de operários; o trabalho no lar se equipara ao da categoria anterior; e por fim, a indústria, essa absorve o menor número de mão de obra, apenas 11%. Em suma, esses sujeitos têm na sua trajetória a evasão, pois 89% já ficaram algum período sem estudar. Para esses alunos, a conclusão do curso está relacionada com a possibilidade de inserção no mercado de trabalho, assim 31% busca garantir emprego, 11% melhorar a colocação no trabalho e 31% deseja buscar qualificação através de cursos profissionalizantes para atuar no mercado exigente. Apenas 15%, relacionam a conclusão do ensino médio à possibilidade de ingresso no ensino superior. 11% não têm clareza do que fazer ao concluir o curso, diz apenas que quer garantir o diploma. 3.2 O que os professores entendem por EJA e como avaliam essa modalidade de ensino. Buscando compreender a finalidade e as funções da EJA descritas no Parecer do Conselho Nacional de Educação, CNE/CEB n° 11/2000, que são apresentadas como reparadora, equalizadora e qualificadora, foi indagado aos educadores o seguinte: no seu entendimento, na prática, a EJA atende as suas funções? Por quê? As respostas de 75% dos educadores revelaram que a EJA não atende as suas funções, pois, exclui no mercado de trabalho; repara apenas a série, mas restringe a produção do conhecimento. A declaração de P1 ilustra bem a situação “a função da EJA é apenas reparadora”. Argumenta ainda P3, “Não atende as suas funções, pois não traz retorno ao aluno, não amplia o conhecimento, e gera ainda exclusão no mercado de trabalho” Sendo assim, o que vem ocorrendo no ensino noturno são medidas paliativas, de caráter compensatório, trata-se de pequenos retoques num sistema discriminatório. Porém, não basta a restauração do direito negado, mas esse direito deve assegurar a igualdade de oportunidade numa escola de qualidade que propicie uma educação permanente e solidária. 3.3 Razões que levaram os alunos a escolherem a EJA e as expectativas para o curso. 166 No universo pesquisado há um grande público que se matricula apenas para conclusão do ensino médio, ou seja, para cumprir uma obrigação que lhes permita avançar em curto tempo por meio da EJA. Esse fato foi evidenciado na declaração de 73% dos alunos entrevistados, os quais informaram que a escolha da modalidade de ensino EJA ocorreu porque estavam atrasados, logo visavam acelerar para garantir o certificado. Já, 11% disseram escolher a educação de jovens e adultos porque não tinha certeza do que fazer e achar essa modalidade mais fácil e 16% informaram que a escolha dessa modalidade está relacionada ao desejo de obter novos conhecimentos ou de continuar os estudos no ensino superior. Diante das declarações, notamos que a maioria visa a aceleração, num processo aligeirado. Embora os alunos tenham apresentado a aceleração e superficialidade dos conteúdos como problemas da EJA, 58% dos discentes disseram que o curso atende as expectativas. Diante desse contentamento, perguntamos quais os benefícios que a EJA oferece? 46% atribuiu como benefício a aceleração, 11% disse que além da aceleração a antecipação do ingresso no mercado de trabalho, 11% o ensino mais fácil. Os restantes 11% dos investigados, depois de um grande esforço tentando lembrar os benefícios não conseguiram elencar um sequer. E 16% disseram que não existem benefícios, ocorre apenas a aceleração. A afirmação dos alunos condiz com a declaração dos professores o quais apontam como principal razão para o ingresso na EJA, a aceleração. Pensar a aceleração como principal razão para a existência da EJA, nos remete a idéia de Libâneo (2004. p. 66) o qual propõe uma educação com qualidade social, essa “baseada no conhecimento e na ampliação de capacidades cognitivas, operativas e sociais, com alto grau de inclusão.” Não convém à educação apenas acelerar, essa deve considerar os fins a que se destina, que é a emancipação social do sujeito. Diante do objetivo principal dos alunos (a aceleração), verificamos ainda, se nesse processo há benefícios que garantam a autonomia do sujeito. 3.4 Benefícios decorrentes do processo ensino/aprendizagem na EJA A EJA é uma modalidade da Educação Básica, portanto deve ser assegurado o que propõe a LDB 9394/96, no artigo 22 em relação à formação dos discentes: “A educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornece-lhe meios para progredir 167 no trabalho e em estudos posteriores.” Assim, quando indagados se a EJA lhes dá uma preparação que possibilite o ingresso no curso superior, 84% dos alunos investigados disseram não. Destes, 37% justificaram dizendo que os conteúdos não são aprofundados, enquanto 26% afirmaram que é porque não há tempo suficiente para uma boa preparação; e por fim 21% consideram que o curso oferece apenas uma base, porém não prepara. Por outro lado, 16% responderam que sim, o curso prepara, e que depende apenas do interesse do aluno. Mas, ao questionarmos os alunos, se eles acham que o curso poderá contribuir para novas oportunidades de emprego, 84% disseram que sim, o curso contribui para novas oportunidades. Já 16% responderam que não acreditam, justificando que a modalidade de ensino EJA é marcada por discriminação. Muitos desses jovens vêem a importância da educação como símbolo de mobilidade social dos indivíduos. Acham que a educação oferece uma grande perspectiva para saírem da pobreza e com ela vislumbram um futuro com melhores condições de vida. Mas, Alves (2007) entende que poucos desses jovens e adultos conseguem essa mobilidade, porque para essa ascensão não é exigido apenas o domínio da leitura e da escrita, mas também a competência de leitor e escritor do seu próprio texto, de suas histórias, de sua passagem pelo mundo. Com relação aos professores, 75% afirmaram que o curso não atende as necessidades do aluno, pois segundo eles, há déficit de conteúdos e evidencias de discriminação desses sujeitos no mercado de trabalho. A declaração de P3 ilustra o entendimento dos professores. “Não atende. Benefícios só haveria se houvesse retorno, ampliação do conhecimento. O que há é exclusão no mercado de trabalho”. Para esses educadores, o curso não prepara para a continuidade do 3° grau. Por outro lado, um educador, 25% diz que prepara, afirmando que ”o aluno tendo interesse ele consegue ingressar numa faculdade”. A declaração de uma minoria de alunos e professores, ao atribuir a responsabilidade de estar preparado ou não, para o ingresso no curso superior, exclusivamente aos educandos parece estar em consonância com o discurso ideológico, esse caracterizado pela inversão, onde uma realidade é dada como algo acabado, sem nunca indagar como ela foi historicamente construída. Diante dessa ideologia as condições necessárias para obter bom êxito é atribuído, exclusivamente, ao aluno, sem levar em consideração que esses jovens e adultos repetem longas histórias de negação de direitos. Como agora atribuir exclusivamente a eles a responsabilidade pelo sucesso ou fracasso? 168 É importante diferenciar duas significações, apresentadas por Sá (2008) que podem ocorrer na “democratização do ensino”. Há a democratização enquanto “difusão” do ensino; e a democratização enquanto “igualização das oportunidades escolares”. Sendo assim, uma maior porcentagem de jovens concluindo o ensino médio, pode ser um indicador da difusão do ensino, todavia não reflete necessariamente a “igualização de oportunidades”. 3.5 Há consonância entre a proposta da EJA (ideal) com o contexto educativo (real) da escola. A EJA se orienta pelos ideários da educação popular, propondo assim formação, técnica, política e social; o currículo está pautado numa pedagogia crítica. Na aprendizagem integral o aluno não se limita ao conteúdo, com a finalidade de apenas responder exercícios ou provas, esse deve aprender a ser um cidadão, de modo que transforme sua vida e o meio em que vive. Diante da proposta acima apresentada, os professores foram indagados se há consonância entre a proposta da EJA e o contexto educativo da escola; perguntamos, ainda, se estes articulam as experiências vividas pelo aluno com os temas geradores. Dos sujeitos investigados, 50% dos educadores entendem que não há consonância, e os demais acreditam que há uma consonância parcial. Quanto às experiências vividas pelos alunos, metade dos professores afirmou que não utiliza, e a outra parte afirmou que sim. Todavia, apenas (1) 25% apresentaram o benefício dessa articulação, conforme destaca P4: “os temas geradores sempre possibilitam trocas de experiências tanto dos alunos quanto dos professores enriquecendo as aulas”. Nessa declaração percebemos que na relação ensino/aprendizagem há dinâmica, interação, diálogo, troca de conhecimento no âmbito cognitivo, afetivo e motor. Quando existe essa interação, o aluno age com a consciência que lhe possibilita o conhecimento de suas necessidade e limitações e é motivado por interesses concretos, persistindo para atingir seus objetivos. Muito embora o Parecer CEB 11/2000 (p. 62) assegure que a flexibilidade curricular deve aproveitar as experiências diversas que os alunos trazem consigo, “o tratamento dos conteúdos curriculares não pode se ausentar dessa premissa fundamental”, é constatado nas respostas da maioria dos professores que no espaço investigado não há a utilização da realidade do aluno, É possível que esse déficit esteja relacionado à falta de investimento na formação docente, pois conforme 100% dos 169 entrevistados não há, na unidade de ensino, especialistas na área em estudo; e 75% destes, não participaram de cursos de capacitação destinados a conhecer os limites e possibilidades da EJA. Para encerrar, ao serem indagados sobre o que mais os atraem na escola, 64% dos alunos investigados responderam que a atividade mais interessante da escola consiste em encontrar os colegas para “bate papo” e/ou namorar, e se assim for, a escola não atende aos seus objetivos. Ocorre que, a escola tem se tornado um espaço sem atrativo e desinteressante, há poucas atividades (ou nenhuma) que sejam capazes de conciliar experiências vividas, construção de conhecimentos e entretenimento. Nesse sentido, a escola precisa ampliar as possibilidades dos alunos construírem conhecimentos significativos e adquirir uma formação integral que forneça subsídios aos alunos para que enxerguem o mundo além da aparência. Mesmo porque, a escola só se justifica se ela integrar o aluno com a realidade do mundo em que vive. 4. Considerações Finais As políticas educacionais para a educação de jovens e adultos, colocadas em práticas pelo Estado brasileiro, desde o período colônia até os nossos dias, demonstram uma educação discriminatória, o que compromete a construção do homem-sujeito, capaz de transformar o seu contexto histórico. Vimos, portanto, que na escola pesquisada, a EJA não atende as suas funções, pois repara, restaurando o direito negado, porém não assegura a igualdade de oportunidades e a qualidade social, a qual deve propiciar o conhecimento por toda a vida, em várias dimensões. Os benefícios decorrentes desse processo são muito limitados: a princípio os alunos entendem como benefício a aceleração, todavia não prepara para o ingresso nos estudos posteriores (3º grau), e embora alguns acreditem que contribui para a inserção no mercado de trabalho, há discriminação dos sujeitos, que conclui o ensino médio, via EJA. Os alunos não conseguem ver, ainda, as contribuições para o a vida e para a cidadania, talvez isso ocorra, pelo fato de não haver a articulação das experiências vividas com a prática educativas tornando assim o processo insignificante. Embora o fenômeno juvenilização seja um fato evidenciado, esses jovens não encontram na EJA os instrumentos necessários para a sua autonomia. Entendemos então, que não há consonância entre a proposta da EJA e o contexto educativo da escola, pois a metodologia não valoriza as experiências vividas, 170 promovendo a criticidade do sujeito, faltam especialistas habilitados para tal fim. O que vem ocorrendo na escola são cumprimentos de etapas burocráticas para a aquisição de um diploma, o qual tem vestígios de discriminação em detrimento da construção do conhecimento. Logo, a escola está se guiando pela correção dos fluxos, o que resulta em estatísticas favoráveis quanto a democratização do ensino enquanto difusão, e negligenciando a igualização de oportunidades educacionais, através de uma educação de qualidade social, que preza pelo desenvolvimento, cognitivo, físico e moral. 5. Referências ALVES, E. M. S. O idoso na sala de aula: um novo ator. 2007. Dissertação de Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Católica de Brasília, 2007. Disponível em < cereja.org.br/site/teses.asp > acesso em 02 out. 2010 BAHIA. Secretaria de Educação do Estado da Bahia: Política da EJA da Rede Estadual. EJA Educação de Jovens e Adultos: Aprendizagem ao longo da vida. Bahia: 2009. Disponível em < http://forumeja.org.br/ba/files/Sintese_Projeto_EJA.pdf > acesso em 12 mar 2011 BRASIL. Lei n. 9394/96. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996. Disponível em < http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf> acesso em 5 de maio 2011. BRASIL Conselho Nacional De Educação (CNE). Resolução CNE/CEB Nº. 01/2000. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Brasília, 2000. Disponível em < http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/CEB012000.pdf > acesso em 5 maio 2011. BRASIL Conselho Nacional De Educação (CNE). Parecer CNE/CEB nº 11/2000. Estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Brasília, 2000. Disponível em < http://portal.mec.gov.br/secad/arquivos/pdf/eja/legislacao/parecer_11_2000.pdf > acesso 5 maio 2011 CURY, Carlos Roberto Jamil, A gestão democrática na escola e o direito à educação. RBPAE v.23. n.3 p. 483-495. set/dez. 2007. DIEHL, A. A e TATIM, D. C. Pesquisa em ciências sociais aplicadas: métodos e técnicas. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2004 DI PIERRO, M. C et AL. Visões da Educação de Jovens e Adultos no Brasil. Cadernos Cedes, ano XXI, nº 55, p. 58-77, Nov/2001. Disponivel em < http://www.scielo.br/pdf/ccedes/v21n55/5541.pdf > acesso em 18 maio 2011 FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Ed. Paz e Terra, 2008. HADDAD, S. A ação de governos locais na educação de jovens e adultos. Revista Brasileira de Educação v.12 n.35, p. 197-211, maio/ago 2007 LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola: tória e prática. 5ª Ed, revista e ampliada, Goiânia: Ed Alternativa, 2004. 171 SÁ, Virgínio. O discurso da qualidade no contexto da recomposição das desigualdades em educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Brasília, v. 89, n. 223, p. 425-444, set./dez. 2008. 172 CURRÍCULO, PROPOSTAS E PROPOSIÇÕES: UM OLHAR SOBRE AS ESCOLAS FAMÍLIAS AGRÍCOLAS DO SEMI-ÁRIDO BAIANO Iraê Liliana da Silva Consiglio42 Luciana Sousa Silva Santos43 Eliziane Santana dos Santos44 Resumo: Este artigo resulta de nossas investigações enquanto bolsistas do projeto Rede de Escolas Famílias Agrícolas Integradas do semi-árido: possibilidades de uma educação socioambiental do campo, quando a pesquisa e a extensão são vias de mão dupla com dois projetos institucionalizados nas Pró Reitorias de Extensão e Pesquisa. O referido trabalho tem por objetivo identificar o modelo e a estrutura curricular das escolas do campo no cenário baiano, bem como compreender a trajetória histórica das lutas travada por diversos sujeitos e movimentos sociais do campo em busca da garantia do direito à educação de qualidade. Embora se saiba que o Brasil é um país de origem eminentemente agrária, há um consenso entre os estudiosos da área, no que tange ao descaso do Estado com relação às escolas no\do rural, considerado por muitos o apêndice da educação urbana. Em contrapartida a tais práticas excludentes, as Escolas Famílias Agrícolas se apresentam como uma opção de escola que considera a realidade de vida e as necessidades desses sujeitos do campo através de uma proposta diferenciada de educação, possuindo diferentes instrumentos pedagógicos e estratégias de avaliação, propõe um currículo que contemple as atividades práticas e teóricas, que interligam as relações entre escola / família / comunidade. A metodologia utilizada pauta-se na pesquisa bibliográfica e os resultados da pesquisa apontam para um cenário de complexidade no que concerne as discussões acerca do currículo na\da educação do campo, primeiro pelas condições adversas presentes nos cotidianos escolares do rural baiano (infra-estrutura, condições financeiras, condições de trabalho, recursos escolares etc), segundo pela crescente demanda por uma concepção de escola e comunidade como parceiras que compõem o currículo escolar apontando para a construção do mesmo a partir das necessidades comunitárias dando contribuições para que as pessoas possam se conhecer através deste, assim como saber analisar criticamente os elementos sócioculturais externos. Palavras-chave:Currículo,Educação do Campo, Escola Família Agrícola 42 Bolsista PIBEX/UEFS 43 Bolsista IC PROBIC/UEFS 44 Bolsista IC FAPESB/UEFS 173 Introdução As discussões que se seguem estão fundamentadas nas reflexões a cerca da organização curricular por vezes descontextualizada na maioria das escolas públicas inseridas no rural baiano, entendendo o rural como espaço geográfico que compreende as questões de territorialidade, em contrapartida com o Campo, caracterizado pela existência de diversos Movimentos Sociais como movimento de luta e resistência (ARROYO, CALDART, MOLINA, 2004). A educação oferecida no rural brasileiro foi historicamente caracterizada por políticas educacionais e práticas de currículo em uma perspectiva urbanocêntrica, que desconsidera os saberes e necessidades dos alunos do campo. Dentro desse cenário de exclusão, através da resistência, a educação se vincula a lutas sociais camponesas, daqueles que não conformados com as restrições impostas, buscam unidos e organizados por melhorias na qualidade de vida e políticas públicas que efetivem a garantia do direito a educação de qualidade. O campo surge como nomenclutura que se opõe à concepção vitimizada do rural, onde nasce a possibilidade de rebeldia dos seus sujeitos de luta. De acordo com Batista (2003), o mais impressionante na Educação do Campo é a vulnerabilidade construida historicamente acerca dos seus direitos, que por vezes são negados ou minimamente garantidos pela razão de viver no campo. Todavia existe um descaso por parte do Estado com relação aos projetos e programas, por vezes assistencialistas, oferecidos à população do campo. Na maioria das vezes o rural é compreendido como um lugar de atraso e sem possibilidades de mudanças, principalmente no que concerne a políticas públicas para a educação do campo. Baseada em uma perspectiva que reconhece o rural como lugar onde não apenas se reproduz, mas também se produz pedagogia; a educação do campo apresenta traços do que pode ser construído como um projeto de educação e de formação dos sujeitos do campo em paralelo com o currículo escolar, haja vista que o termo carrega uma reflexão originada das diversas práticas de educação desenvolvidas no campo e\ou pelos sujeitos do campo. No que concerne ao debate pela luta de uma educação diferenciada, pensada por e para os sujeitos do campo, as Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) se apresentam como 174 instituições educacionais que diferem seus objetivos, gestão e currículo das escolas convencionais instaladas no rural brasileiro ao pautar suas práticas no vínculo escola/família/comunidade, busca lançar mão de estratégias que agregue o saber popular ao saber científico, proposta que também tem um caráter de superação do conhecimento escolarizado e fragmentado por meio da grade curricular, visto que o currículo está para além da mesma, contribuindo para as várias dimensões que constituem a identidade, compreensão de mundo e postura de cada indivíduo perante a sociedade. DA EDUCAÇÃO RURAL À EDUCAÇÃO DO CAMPO: ALGUMAS REFLEXÕES. No Brasil, o acesso à educação foi por um longo tempo negado a maioria da população, de acordo com Leite (2002, p. 29), “as políticas para a educação rural no Brasil sempre estiveram voltadas aos interesses da elite, negando aos povos do campo o acesso ao conhecimento”. O controle social estava no bojo de programas de extensão rural, com o objetivo de combater as desigualdades sociais por meio da educação informal e a preparando para o trabalho, privando os povos do campo do acesso ao conhecimento historicamente construído, tudo o que a elite não queria era que a massa tivesse formação escolar e consciência política. Não é recente a trajetória de luta dos Movimentos dos trabalhadores e trabalhadoras do campo. No Brasil, essa tensa relação teve início desde a colonização, através do processo de divisão de terras, foram diversas as batalhas na busca incansável pela garantia de direitos ao acesso a educação (PALUDO, 2001). Em seu artigo 212, a Constituição de 1988 promulga a educação como “direito de todos e dever do Estado”, transformando-a em direito público e subjetivo, independente de residir na área urbana ou rural, deixando uma brecha para que a educação se adaptasse a realidade de cada escola. Apesar de mencionar a educação rural no seu contexto, o Estado não direcionava ações para a criação de políticas educacionais que fossem articuladas a realidade sóciocultural do meio rural. Ainda sob a denominação de “educação rural” o debate da educação não urbana ganha maior visibilidade com a elaboração da Lei de Diretrizes e Bases da 175 Educação (LDB 9.394/96), que em seu Artigo 28 traz um tratamento específico para a mesma. Art.28- Na oferta da educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação as particularidades da vida rural e de cada região, especialmente: I - Conteúdos curriculares e metodologias apropriadas as reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural; II – Organização escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar às fases do trabalho agrícola e as condições climáticas; III – Adequação a natureza do trabalho na zona rural. Na busca por leis que garantissem a educação diferenciada para esta população, surge o Movimento de articulação por uma educação do campo (MUNARIM, 2008), e com este, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do campoResolução nº 01 de 03 de abril de 2002, da Câmara de Ensino Fundamental do Conselho Nacional de Educação. Tais Diretrizes, com base na legislação educacional, constituem um conjunto de princípios e de procedimentos para que a educação rural tenha uma identidade e possibilidades de atuação específica para a escola rural. E em seu artigo2º,§ único, segundo o qual: A educação do campo é uma concepção politica pedagogica voltada para dinamizar a ligação dos seres humanos com a produção das condições de existência social, na relação com a terra eo meio ambiente, incorporando os povos e o espaço da floresta, da pecuária, das minas, da agricultura, os pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e extrativistas. A LUTA HISTÓRICA DA EDUCAÇÃO DO CAMPO: A INSERÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS É apenas nas ultimas décadas que a educação do campo através da articulação e mediação dos Movimentos sociais do Campo ganha maior visibilidade política. Segundo Caldart: o campo no Brasil está em movimento. Há tensões, lutas sociais, organizações e movimentos de trabalhadores e trabalhadoras da terra que está mudando o jeito de a sociedade olhar para o campo e seus sujeitos. (CALDART, 2008, p89.), 176 Arroyo (2008) sinaliza que os movimentos sociais em defesa de políticas públicas de Educação do Campo, levantam a bandeira de luta pelo direito social à escola pública enquanto dever do Estado. Desse modo, os movimentos sociais vêm nas ultimas décadas exercendo pressões sobre o Estado no intuito de que este assuma a responsabilidade e dever de garantir escolas e políticas educativas que garantam as especificidade e legitimidade da Educação do Campo. A Conferência Nacional “Por uma Educação Básica do Campo” ocorrida em 1988 em Luiziânia – Goiás traz a tona o debate sobre as novas configurações políticopedagógicas referentes a processos que definem as orientações curriculares para as escolas do campo para que realmente alcance seus objetivos de mudanças nas estruturas e nas práticas sobre as escolas. Dentro de tais discussões se estabelece que não basta apenas que se tenha escolas no campo, é necessário que se pense em uma educação feita por e para os trabalhadores que vivem e trabalham no campo. Escolas Famílias Agrícolas- EFAs: uma proposta diferenciada de currículo. As discussões trazidas no decorrer do texto apontam para a tentativa constante da sociedade em fazer leis que garantam a construção de uma educação do campo efetivada para e com a população deste. Nesse sentido, apresentamos como uma das propostas de legitimação da Educação do Campo as Escolas Famílias Agrícolas, instituições de ensino no rural brasileiro que diferem em concepção e modelo da escola convencional até então existente. As EFAs têm suas práticas pedagógicas pautadas na Pedagogia da Alternância (PA), a PA “busca integrar a escola com a família e a comunidade do educando” (CALDART, 2008, p.104), além de utilizar de mecanismos pedagógicos e do processo de formação docente apropriado, que por meio destes consolida processos concernentes, sobretudo, à atuação do monitor/professor na proposta educacional. O processo de formação realizado pelas EFAs adota o sistema seriado em regime de alternancia, o currículo é formulado com base nos conteúdos definidos em nível nacional para o ensino, mais as matérias de ensino técnico, de acordo com as características de cada município conforme determina o artigo 26 da LDB 9394/96. 177 Art.26 Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser implementada, em cada sistema de ensino e estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas caracteirísticas regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela. Gimonet (1998) apresenta como uma das características da Pedagogia da Alternância, uma concepção específica do educador e o processo educativo que se dá pela cooperação de uma rede de parceiros. A proposta curricular deve reafirmar o papel da escola enquanto espaço de manifestação e da vivência da cultura, enquanto lugar de encontro, de trocas, de vivências e convivências, com expressão das culturas locais e gerais e, o currículo, como construção coletiva enquanto movimento constante de proposição e reformulação de alternativas revisoras e criativas. É preciso, no entanto entender que apenas o currículo não determina a construção do conhecimento. A formação contínua dos docentes também implica diretamente nesse processo, pois se os professores não estiverem preparados e engajados para trabalhar com essas pessoas, o projeto de escola do campo, não sairá do papel. Segundo Begnami (2003, p.47) uma outra escola no campo exige um outro educador para educar e profissionalizar os filhos dos agricultores familiares num contexto de economia global e de grandes desafios à sobrevivência e ao desenvolvimento da agricultura familiar e do meio rural como um todo. As teorias pós-críticas da educação se encontram no cenário desse debate ao discutir uma proposta de currículo que contemple a diversidade, trazem a tona o debate da tolerância, respeito à diversidade de culturas. Nessa perspectiva, o discurso estabelecido se insere nas relações de poder, em que um determinado grupo dominante impõe sua cultura em detrimento aos demais. De acordo com Silva (1999) o currículo sempre foi construído para produzir efeitos sobre as pessoas. Conseqüentemente, propostas diversas de currículo formas identidades diversas, uma história de currículo não deve ser centralizada apenas no currículo propriamente dito, mas também neste como elemento de produção de sujeitos que carregam consigo identidades de classe, raça, gênero. Nesse sentido, o currículo deve ser compreendido não apenas como a representação ou o reflexo de interesses 178 sociais determinados, mas também como produtor de identidades e subjetividades sociais determinadas. O currículo se materializa através das práticas, da seleção dos conteúdos, da metodologia, da avaliação e dos temas a serem trabalhados nas escolas. Dessa forma, “o currículo não é um elemento inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social, que não é um elemento transcendental e temporal, (...)” (SCHMIDT, 2003, p.61), pelo contrário, pode contribuir para a reprodução de ideologias de um determinado grupo social. A partir do Parecer CNE/CEB n. 36/2001, as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo destinam-se a adequar o projeto institucional das escolas do campo às Diretrizes Curriculares Nacionais, nas diversas modalidades existentes (Educação Básica e Profissional de Nível Técnico), reconhecendo e aprovando o calendário da alternância adotado pelas escolas famílias. Para que de fato houvesse a efetivação na implementação das Diretrizes Operacionais para a educação do campo, bem como a construção de uma identidade cultural própria, organizada por seus diversos movimentos sociais, emerge a necessidade de uma educação diferente das propostas convencionais de educação. A proposta curricular das EFAs assume a função de articular alunos e seus familiares, estimulando o desenvolvimento local de maneira com a agricultura e a pecuária. Com uma prática educativa e currículo pautado na Pedagogia da alternância, as EFAS têm como principais instrumentos didático-pedagógicos: Serões - espaço/tempos de reflexão, integração, atividades artísticas, que ocorrem em sessões noturnas e que favorecem a realização de diversas atividades com os alunos. Visitas às famílias - Trata-se de um momento de troca de idéias sobre questões sociais, pedagógicas, agrícolas, ligadas diretamente ao meio familiar e escolar do aluno, possuem ainda um caráter de acompanhamento do aluno e de integração com sua família. Avaliação - a EFA possui um sistema específico de avaliação, que considera e enriquece a sessão escolar e a permanência em família, envolvendo diferentes agentes 179 O Caderno da Realidade - O caderno da realidade é um instrumento fundamental no processo metodológico da Pedagogia da Alternância. É o caderno da vida do aluno, onde ele registra suas reflexões acerca de sua realidade. O Plano de Estudo – O plano de estudo é um instrumento da Pedagogia da Alternância que integra a vida, o trabalho, a família com a EFA, de modo que o aluno desenvolva o hábito de relacionar a reflexão com a ação a partir de uma visão empírica. Viagem e Visita de Estudo - A viagem e a visita de estudo têm como principal objetivo proporcionar ao aluno um aprofundamento real sobre o tema estudado. O Estágio - É um dos recursos básicos da pedagogia da alternância, pois trata-se de uma atividade que oportuniza ao aluno vivenciar experiências em outras localidades, conhecer trabalhos, aprender na prática e melhorar sua ação na propriedade e até mesmo na escola. Tais instrumentos acima mencionados valorizam a pesquisa a fim de possibilitar a indepedência, auto-estima, contribuindo na construção de bases sólidas para uma gestão participativa. A alternância nesse processo se constitue em uma etapa no relacionamento aluno/escola/comunidade. CONSIDERAÇÕES FINAIS De acordo com as discussões feitas consideramos que, o debate em torno de uma proposta curricular em consonância com as Teorias Pós Críticas contribuem para a construção de um currículo que contemple os diversos saberes e culturas de cada comunidade escolar. A proposta não é fazer currículos diferenciados para cada grupo individualmente, mas pensar em uma proposta que possa contemplar as múltiplas diferenças, corroborando dessa forma para uma inserção justa e verdadeiramente igual para todos. As questões que se colocam perpassam pela reflexão a cerca das práticas escolares e sua vinculação no cotidiano da comunidade a que ela pertence. Essa dinâmica se consolida através das matrizes curriculares estabelecidas, que de maneira alguma são desprovidas de intencionalidades, por isso consideramos que nenhuma 180 prática é neutra. Desse modo, com a ampliação e a valorização dos conhecimentos dos alunos, alguns elementos pertencentes à emancipação do homem são considerados necessários e possíveis se contrapuserem a idéia de que escola do campo é escola pobre, ignorada e marginalizada, numa realidade de milhões de camponeses analfabetos e de crianças e jovens condenados a um ciclo vicioso: estudar para sair do campo. A complexidade deste debate, no entanto, não recai apenas e exclusivamente nas questões concernentes ao currículo, mas antes em uma realidade de entraves na qual o movimento educativo da educação do campo se encontra, as demandas pelo reconhecimento e legitimação do movimento, sua importância socioeducacional no\do campo, sua sustentabilidade enquanto proposta que visa qualificar o movimento, são dimensões de luta na luta. REFERÊNCIAS ARROYO, Miguel Gonzalez, CALDART, Roseli Salete, MOLINA, Mônica Castagna (Org.). Por uma educação do campo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. BEGNAMI, João Batista. Formação Pedagógicas de Monitores das Escolas Famílias Agrícolas e Alternâncias: Um Estudo Intensivo dos Processos Formativos de cinco Monitores. Dissertação de Mestrado em Ciência da Educação. Universidade de Lisboa – Portugal, Belo Horizonte, MG. 2003. BRASIL, Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF. 20 de dez.1996. BRASIL, Resolução CNE/CEB Nº1, de 03 de abril de 2002. Institui as diretrizes operacionais para a educação básica nas escolas do campo. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, Brasília, DF. 09 de abr.2002. CALDART, Roseli S. A escola do campo em movimento. IN: ARROYO, Miguel; CALDART, Roseli S.; MOLINA, Mônica Castagna (Org.). Por uma educação do campo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2008. GIMONET, Jean Claude. Lálternance em formation Méthode pédagogic ou nouveau système éducatif ? L´experience des Maisons Familiales Rurales. In DEMOL , J. N.,PILON, J-M. Alternance, dévelopment personnel et local. Paris: Harmattan, 1998. LEITE, Sergio Celani. Escola rural: urbanização e políticas publicas. São Paulo: Cortez, 2002. (Coleção questões da nossa época) MUNARIM, Antônio. Trajetória do movimento nacional de educação do campo no Brasil. Educação, Santa Maria, v. 33, n. 1, Jan/abr. 2008. 181 SCHMIDT, Elizabeth Silveira. Currículo: uma abordagem conceitual e histórica. In: Publ. UEPG Ci. Hum., Ci. Soc. Apl. Ling., Letras e Artes, Ponta grossa, 11(1): 59-69, Jun. 2003. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. 182 DESENCONTROS ENTRE A POSTURA E PRÁTICA DOCENTE FRENTE A UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA BASEADA NO CONSTRUTIVISMO SÓCIOINTERACIONISTA. Jerfferson de Jesus Bonfim Vânia Ribeiro dos Santos RESUMO: Este estudo se trata de um recorte de um trabalho apresentado como requisito de conclusão do curso de Licenciatura em Pedagogia, e que buscou necessariamente nesse recorte, ressaltar a relação entre a postura e prática docente de professores de uma escola pública que possui proposta pedagógica baseada na teoria construtivista sócio-interacionista, enfatizando como os professores a têm compreendido, e as evidencias dessa teoria em sua ação docente. Tal interesse surgiu diante de leituras e discussões acadêmicas que despertaram atenção especial por apresentarem uma contínua disseminação e aplicação da teoria construtivista e suas várias abordagens durante as últimas décadas em nosso país, em nosso caso a abordagem se faz construtivista sócio-interacionista, e por encontrarmos em nossa trajetória acadêmica uma instituição escolar que apresentou em sua proposta pedagógica bases teóricas elencadas a partir dessa abordagem. Assim sendo, objetivamos verificar a articulação entre a teoria que embasa a proposta pedagógica da escola e a prática docente. Para isso, buscamos também levantar o conhecimento dos professores acerca da teoria construtivista sócio-interacionista e analisar a postura do docente frente à mesma. Os meios utilizados para levantamento de informações que contemplam o tema desta pesquisa foram baseados em uma abordagem qualitativa de coletas de dados, sendo utilizado como técnica, o estudo de caso. E como instrumentos, desenvolvemos o levantamento bibliográfico, entrevista, e análise de situações a partir de observações estruturadas. Na análise de dados focalizamos nossa discussão a partir da eleição dos eixos: conhecimento dos professores sobre a teoria construtivista sócio-interacionista; compreensão do papel e postura do professor dentro desta abordagem. Para reflexão, os resultados nos apresentaram dificuldades em articular o discurso dos professores com suas próprias posturas e práticas docentes, e em consequência disso vislumbramos uma questão voltada a sua formação profissional, pois a possibilidade de desarticulação entre o entendimento teórico e a ação prática do professor apresentou-se como uma possível lacuna na formação. Palavras - chave: Construtivismo Sócio-interacionista; Postura e Prática Docente; Formação. Introdução O cenário educacional evidenciou nas últimas décadas uma corrente preocupação com a relação entre teoria e prática na ação docente. A propósito, essa relação teoria e prática é tema sempre recorrente na história e nas transformações do pensamento pedagógico brasileiro, porém devemos está cientes de que essa discussão teoria-prática pode emergir a partir de discursos dissociados da ação. Neste caso, é importante que tenhamos uma atenção cuidadosa para não se deixar dominar por uma 183 tendência que consiste em enfatizar a teorização em detrimento da prática, nem viceversa, ou seja, o mero ativismo, e buscarmos uma ênfase paliativa que valorize em seus aspectos peculiares os dois polos da questão. Diante dessa conjunção compreende-se que, uma proposta pedagógica torna-se significativa quando consegue articular o aspecto teórico com o desenvolvimento da prática do professor, e também que o profissional docente torna-se seguro quando consegue se estabelecer entre os encalços teóricos e práticos de sua função. Para isso, faz-se necessário compreender toda diversidade inclusa nessas relações, principalmente, os desafios que fazem parte do complexo trabalho do profissional docente que são desencadeados desde sua formação. A escola durante muito tempo foi influenciada principalmente pelo pensamento das correntes ideológicas positivistas e empiristas e essa influencia pôde ser notada no desenvolvimento das práticas docentes. Entretanto, no século XX, mais precisamente a partir dos anos 1970, ganham visibilidade no Brasil duas teorias embasadas a partir de estudos psicológicos: a construtivista e a sócio-interacionista, transpostas para o cenário educacional a partir adoção de seus princípios fundamentais. É importante ressaltarmos que tais teorias influenciaram a elaboração de um dos mais importantes documentos norteadores dos currículos, da didática e das práticas pedagógicas que são os atuais Parâmetros Curriculares Nacionais. O construtivismo e o sócio-interacionismo são teorias que compreendem uma associação entre a psicologia genética de Piaget e a abordagem sócio-histórica de Vygotsky, unindo idéias que propõem uma nova concepção de como se dá o conhecimento, ao dizer que ele é uma produção individual, que envolve toda uma adaptação de elementos biológicos e uma mediação pela interação social. Por isso, é importante entender que essa teoria não foi desenvolvida exclusivamente para a educação, foram pesquisas da área de psicologia que estudaram o comportamento humano acerca da aprendizagem e do desenvolvimento. A teoria construtivista associada a idéias de Piaget e de Vygotsky seria como uma reformulação do interacionismo de Kant, acrescida da visão genética (Piaget) e transformista/dialética (Vygotsky), pois, enquanto Piaget apresenta características oriundas do pensamento de Kant, Vygotsky apresenta relação com as idéias marxistas (MATUI, 1998). Além da dimensão interacionista, o construtivismo embasado em Piaget apresenta sua essência biológica, em que o desenvolvimento é visto como um processo 184 de adaptação. Já o construtivismo que parte das idéias de Vygotsky apresenta a dimensão histórica do sujeito e cultural do objeto, atribuindo às mudanças históricas da sociedade consequentes mudanças na natureza humana (GOULART, 1995; MATUI, 1998). Ao pensar em estabelecer um conceito para o Construtivismo, pode-se correr o risco de identificar nas idéias de alguns autores a existência de vários construtivismos, e isso pode ocorrer em decorrência das idéias que autor vai relacionar ou privilegiar, no caso as de Piaget ou Vygotsky. Segundo Barros (1996), há outros pesquisadores além de Piaget que buscaram explicar as mudanças qualitativas observadas no desenvolvimento intelectual, por isso, existem outras teorias construtivistas além da piagetiana. Mas como ressalta Carretero (2002), a teoria pode consistir em “uma posição compartilhada de diversas tendências e pesquisas psicológicas e educativas” (CARRETERO, 2002, p. 10). Em uma reflexão sobre a teoria podemos caracterizá-la utilizando o pensamento de Coll e Solé (1998) quando diz que “a concepção construtivista não é um livro de receitas, mas um conjunto articulado de princípios em que é possível diagnosticar, julgar e tomar decisões fundamentais sobre o ensino”. (p. 10) A partir desses pensamentos, posturas docentes transformadoras surgiram na educação nos últimos tempos. Tais posturas consideram o aluno como sujeitos sociais, políticos, culturais e psicológicos, e destacam a importância de valorizá-lo segundo tais características por não conceberem uma escola democrática que seja dissociada delas. Pensamentos e idéias pedagógicas que valorizam essas questões são convergentes a muitos pressupostos do construtivismo sócio-interacionista. Um dos aspectos que nos motivou para o desenvolvimento da pesquisa foi a realização de estudos ao longo da graduação que possibilitou a percepção de que os princípios básicos da teoria construtivista sócio-interacionista tem se tornado cada vez mais comum como orientação das propostas pedagógicas das escolas que atendem a modalidade dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, desenvolvendo a necessidade em compreender como os professores articulam princípios desta teoria na sua prática docente. Por isso, apresentamos como questão norteadora: Em que medida, os fundamentos teóricos apresentados na Proposta Pedagógica de uma escola que se define como construtivista sócio-interacionista, são efetivamente referenciados na prática dos professores? 185 Desse modo, nosso principal objetivo foi verificar a articulação entre a teoria que embasa a proposta pedagógica de uma escola e a prática docente. No intuito de alcançar esse objetivo maior, definimos objetivos específicos, assim, buscamos relacionar a articulação entre a proposta pedagógica da Escola - considerando às bases teóricas com a prática docente em sala de aula; levantar o conhecimento dos professores sobre a teoria que embasa proposta pedagógica da Escola e a percepção do seu papel e postura. Numa abordagem proposta pelo construtivismo que alia os estudos de Piaget e Vygotsky, observamos que a aprendizagem decorre do nível de desenvolvimento cognitivo e vice-versa. Por isso, ao pensar o ensino, partindo de pressupostos construtivistas, é importante valorizar esse aspecto, pois ele apresenta-se como essencial na hora elaborar uma proposta de intervenção pedagógica. Na abordagem construtivista sócio-interacionista, a aprendizagem é uma construção interna que ocorre na interação com o meio, por isso, “não basta à apresentação de uma informação ao individuo para que ele aprenda, mas que também é necessário que a construa mediante sua própria experiência interna”. (CARRETERO, 2002, p. 42). Isso porque, o que temos observado nas idéias construtivistas é que “o conhecimento deve ser construído e reinventado, criado pelo aluno, e que o conhecimento não é “transmitido”, não é “revelado” ao aluno pelo professor”. (BARROS, 1996, p. 160) Para Piaget, quanto para Vygotsky, a interação entre o sujeito e o objeto é o elemento fundamental no processo de construção e evolução do conhecimento e do próprio sujeito. Isso significa dizer, que é neste processo que se desenvolve uma aprendizagem significativa que envolve o progresso do sujeito e a apropriação do mundo. É claro para nós, como ressaltou Vygotsky (2000), que em qualquer situação de aprendizagem que a criança deparar-se na escola, haverá sempre uma historia anterior referente a ela. Isso significa dizer que antes de provocar uma situação de aprendizagem, o professor deve levar em consideração os conhecimentos prévios que o aluno possui. As mentes de nossos alunos estão bem longe de parecerem lousas limpas, e a concepção construtivista assume este fato como elemento central na explicação dos processos de aprendizagem e ensino na sala de aula. Do ponto de vista desta concepção, aprender qualquer um dos conteúdos escolares pressupõe atribuir um sentido e construir os significados implicados em tal conteúdo. Pois bem, essa construção não é efetuada a partir do zero, nem mesmo nos momentos iniciais da escolaridade. O aluno constrói 186 pessoalmente um significado (ou o reconstrói do ponto de vista social (com base nos significados que pôde construir previamente. Justamente graças a esta base é possível continuar aprendendo, continuar construindo novos significados. (MIRAS, 1998, p.58) Partindo dessa concepção de ensino é necessário, acima tudo, repensar o papel do professor, pois o professor que assume uma postura construtivista em sua prática pedagógica não abre mão de seu papel essencial na relação de ensino, mas reconstrói essa relação colocando-se como elemento participante e não determinante. O construtivismo não desvaloriza a ação docente, mas a resignifica. Dessa forma o professor assume o papel de preparar e mediar o melhor ambiente de aprendizagem. Descrição geral da pesquisa Os procedimentos metodológicos utilizados na construção das discussões do tema desta pesquisa contemplaram os princípios e técnicas de uma abordagem qualitativa, mais especificamente, por meio de um estudo de caso. No que se refere aos fins, esse estudo se constituiu como exploratório-descritivo, pois envolveu levantamento bibliográfico da literatura acerca da temática, entrevistas com pessoas que tem experiências práticas com o problema pesquisado e análise de situações que estimularam a compreensão da realidade que adentramos (MENESES e SILVA, 2001). Assim, os dados construídos pautaram-se em informações organizadas a partir de observação em sala de aulas e entrevistas estruturadas com o coordenador e dois professores da escola. A pesquisa foi realizada em uma escola de um bairro periférico de Feira de Santana – BA. A escola foi fundada no ano de 1991, e a partir do ano de 2000 aderiu a uma proposta pedagógica com princípios construtivista. Para preservar a identidade dos sujeitos participantes dessa pesquisa, a escola pesquisa será chamada apenas de Escola e utilizaremos nomes fictícios para os professores (Ana e Gil), e como o Coordenador foi apenas um entrevistado, chamaremos de Coordenador mesmo. Para compreender e perceber essa articulação entre a teoria que embasa a proposta pedagógica da Escola e a prática pedagógica dos professores com dos dados coletados, elegemos duas categorias: conhecimento dos professores sobre a teoria; papel e postura do professor na abordagem construtivista sócio-interacionista. Na análise consideramos os elementos citados pelos professores e coordenador entrevistados que englobam pressupostos construtivistas sócio-interacionistas e a 187 postura docente observadas em sala de aula. Partindo dessa acepção, consideramos importante direcionar os dados coletados para as categorias eleitas a partir da recorrência de temas como forma de organização do pensamento construído a partir da revisão bibliográfica, visto que as categorias que desenvolvemos são originadas da nossa compreensão sobre a teoria construtivista sócio-interacionista e os elementos necessários para desenvolvimento de uma prática docente pautada nela. Conhecimentos dos professores sobre a teoria construtivista sócio-interacionista O construtivismo sócio-interacionista é uma teoria que partiu de pesquisas psicológicas, e compreende uma nova concepção de como se dá o conhecimento. Nesse tópico buscamos apresentar como os professores compreendem os princípios dessa teoria em uma prática educativa, pois entendemos ser fundamental o professor estar munido de conhecimentos teóricos para desenvolver uma prática. A respeito do conhecimento e entendimento dos professores sobre a teoria construtivista sócio-interacionista foi possível notar nas falas dos professores e do coordenador a apreensão de alguns dos pressupostos essenciais da teoria. Os professores da Escola falam do construtivismo sócio-interacionista com muito entusiasmo, pois a teoria faz parte das discussões sobre a prática pedagógica desde suas formações iniciais, no magistério e na universidade. Assim, explanando seus conhecimentos, colocaram que os pressupostos teóricos da proposta pedagógica da escola poderia ser considerado da seguinte maneira: “é trabalhar dentro da realidade do aluno, (...) o que na prática do dia-a-dia deles, eles sabem fazer” (Ana); “é uma teoria que tem origem dos estudos de Vygotsky, na qual o individuo interage com o meio externo, o social, para adquirir conhecimentos” (Gil); E o coordenador expõe que: E a nossa proposta é baseada no construtivismo sócio-interacionista, porque nós acreditamos que, o cidadão hoje tem que entender a sociedade. E esse conhecimento é construído através do contato com o outro e também com o objeto. (Coordenador) Na descrição realizada pelos professores sobre o que eles entendem da teoria, foi possível perceber uma compreensão lógica acerca do que ela sugere, por isso, destacamos nessas falas fatores como a interação com o meio (social e biológico) e o objeto como essencial para produzir conhecimentos, dessa forma, podemos notar um 188 grau de entendimento dos professores dessa Escola sobre os princípios básicos da teoria construtivista sócio-interacionista, pois nessa perspectiva: O conhecimento não é uma descrição de mundo, mas uma representação que o sujeito faz do mundo que o rodeia, em função de suas experiências na interação com ele. Dizemos, por isso, que todo conhecimento é uma construção individual, resultante da experiência do sujeito cognoscente, em sua interação com o mundo físico e social que o rodeia; isto é, todo conhecimento é uma construção individual mediada pelo social. (MORETO, 2010, p. 43) A participação da teoria construtivista sócio-interacionista é apontada pelos professores como elemento significativo na aprendizagem de seus alunos, pois eles relatam que a teoria resignifica o papel do professor e também o papel do aluno, e observam como é diferente uma prática pedagógica tradicional de uma prática pedagógica orientada pelos preceitos construtivistas sócio-interacionistas. O sócio-interacionismo dá uma abertura para gente, porque parte do conhecimento prévio do aluno, então o aluno não chega aqui como uma tabula rasa como era no tradicional. E então a gente parte do pressuposto do que o aluno sabe, e aí que se é desenvolvida as atividades, então existe essa articulação. (Coordenador) A teoria traz pontos positivos para o aluno, e com ela o aluno só tem a ganhar, porque ele pode interagir, colocar suas opiniões, ser sujeito na situação de aprendizagem, sujeito que pode agir, que pode se pronunciar (Gil) Em relação à teoria, eu tenho visto que quando eu pego um aluno em determinada serie no inicio do ano, que eu começo a observar como é que ele está, que eu busco o tipo de atividades adequadas para ele, eu vejo o crescimento deles através de minha mediação, através do nosso trabalho que tem melhorado bastante. (Ana) Analisando os discursos acima, podemos notar na fala desses professores elementos que fundamentam a idéia de construção de conhecimento defendida pelo construtivismo sócio-interacionista, eles relataram seu entendimento sobre a teoria, ao dizer que nela: “... O aluno pode interagir... ser sujeito na situação da aprendizagem...” (Gil); “... ele constrói o conhecimento dele...” (Coordenador); “...eu vejo o crescimento deles através de minha mediação... (Ana). Nesses posicionamentos, podemos perceber uma conexão entre o que a teoria integralmente psicológica propõe e a transposição realizada para o contexto educacional, pois eles relacionam a importância do ser individual (psicológico) e social para uma significativa construção de conhecimentos, e faz em isso indicando elementos presente na prática docente por compreender que esses elementos requerem uma prática diferenciada, por isso, a crítica a epistemologia tradicional. Mas vale ressaltar, que esses 189 professores não deixaram claro o que eles entendem como concepção tradicional, eles mencionaram alguns elementos que podem até fazer parte dessa concepção, mas sem articular com os fundamentos. Logo, temos nesse contexto uma dicotomia, porque ao mesmo tempo em que observamos os professores esboçando entendimentos coerentes da teoria, observamos também lacunas e inseguranças em suas próprias palavras ao observarem apenas poucos desencadeamentos práticos sem reais sustentações teóricas do construtivismo sóciointeracionista. Isso nos diz necessariamente que talvez o professor entende algumas facetas do desenrolar prático, mas deixar a dever na sustentação teórica. Papel e postura do professor na abordagem construtivista sócio-interacionista A concepção construtivista da educação pressupõe uma nova abordagem do papel do professor. Diferente do que alguns críticos propõem (CARVALHO E LABURÚ, 2005; DUARTE, 1998), nessa concepção o papel do professor é bem definido. A função do professor nessa concepção envolve uma postura política de democratizar a construção e o saber humano e promover a interação entre o aluno e o objeto de conhecimento, por isso, “o papel de mediação atribuído ao professor vem resgatar a figura desse profissional, atualmente muito desgastada na sociedade”, (MATUÍ, 1998, p. 189). A mediação funciona como um catalisador químico que, presente numa reação, facilita ou acelera e até mesmo possibilita essa reação. Ausente, retarda a reação ou esta pode até não ocorrer. Como mediador, o professor não se perde no processo, mas acelera e até possibilita a aprendizagem, respeitando a natureza do sujeito e do objeto e, principalmente, do processo de construção de conhecimentos. (MATUÍ, 1998, p. 188) A compreensão do papel e postura do professor dentro de uma abordagem construtivista sócio-interacionista exposta pelos docentes da Escola, é que o professor que trabalha com os princípios dessa teoria deve ter uma postura mediadora dentro da sala de aula. Foi possível perceber no relato desses professores ao falar do papel da mediação, como uma postura docente comum a prática deles. Na minha pratica eu gosto muito de servir como mediadora do conhecimento, para que os alunos desenvolvam mais seus conhecimentos, que ele construa mais seu desenvolvimento. (Ana) O papel do professor é ser aquele professor mediador, que faça com que o processo de construção do conhecimento aconteça, e aconteça de forma gradativa. (...) Além de o professor ser um mediador, ele também direciona 190 esse aluno para achar novos caminhos, novos rumos para a aprendizagem. (Gil) Nesses comentários observamos um esforço considerável em desenvolver uma postura mediadora e solidaria na sala de aula, pois os professores se mostram como elemento adjunto no processo de ensino-aprendizagem, e não como o centralizador e detentor de conhecimentos, até pelo contrario, eles se apresentam como mais um aprendiz nesse processo, valorizando os conhecimentos construídos pelos seus alunos e abertos a aprendê-los. Em uma das observações realizadas das aulas, em que o tema abordado era a “Água”, a professora Gil procedeu a construção de conhecimentos dos alunos sobre o tema a partir de uma leitura compartilhada de um texto que apresentava conceitos e tipos de água, mas antes de ler e discutir diretamente um conceito, a professora indagava aos alunos sobre o que eles sabiam e sobre o que estava escrito no texto, ela também solicitava exemplos, e a exposição de causos que eles vivenciaram em relação ao conteúdo, e compreensão sobre os conceitos e se eles achavam aquilo importante para vida deles. Esse procedimento se baseia no interrogatório, que consiste em observar o que o aluno está fazendo, interrogando-o sobre o processo e associações que estão fazendo. Ao utilizar coerentemente o interrogatório em suas aulas, o processo de construção de conhecimentos torna-se mais significativo, porque com o artifício das perguntas o professor pode levantar e avaliar os conhecimentos prévios, apresentar um conteúdo e ir observando a compreensão desse conteúdo por etapas, e consequentemente, estará fazendo com que os alunos pensem, identifiquem o que sabem, o que estão e como estão fazendo e o que estão e como estão aprendendo. A ação pedagógica nessa mediação tem duplo movimento. Inicialmente, o que mais importa é a busca das “concepções prévias” dos alunos para que nelas o professor possa ancorar o processo de seu ensino. Assim, ao propor qualquer novo assunto, todo professor inicia perguntando o que os alunos já conhecem sobre o tema, Isto é, quais os fatos a ele relacionados e qual a linguagem já conhecida. Em seguida, apresenta o assunto novo, sempre relacionando com as representações que o aluno manifestou. (MORETTO, 2010, p. 50-51) Ser mediador caracteriza-se como um princípio essencial da teoria construtivista sócio-interacionista, nesse papel o professor desenvolve sua aula e organiza suas estratégias de ensino a partir das posições prévias do entendimento do aluno acerca de um conteúdo ou procedimento, e dessa forma, o professor vai promovendo a interação entre o sujeito do conhecimento o objeto de conhecimento, mas sem esquecer que: 191 Uma visão construtivista da aprendizagem sugere uma abordagem do ensino que oportunize aos alunos experiências concretas, contextualmente significativas, nas quais eles possam buscar padrões, levantar suas próprias perguntas e construir seus próprios molelos, conceitos e estratégias. (FOSNOT, 1998, p. 11) Essa concepção compreende o aluno como sujeito ativo em seu processo de aprendizagem, por isso, ao pensar na aprendizagem e no ensino a partir dessa perspectiva, faz-se necessário que o professor assuma seu papel mediador e esteja ciente que a experiências individuais dos alunos devidamente orientadas que desencadeará a construção de conhecimentos. Dessa forma, compreende-se que a relação entre ensino-aprendizagem na concepção construtivista se estabelece em compreender a função que cada elemento desempenha nesse processo, como cada função deve ocorrer, e, sobretudo como esse processo será desenvolvido, e é evidenciado na concepção construtivista que a construção individual contextualizada e devidamente mediada é o foco principal a ser desenvolvido nesse processo. Entre os elementos que são essenciais da concepção construtivista foram evidenciados nos discursos dos professores a valorização dos conhecimentos prévios, a experiência individual e a mediação. Esses três elementos (conhecimentos prévios, experiência individual e mediação) foram notados na prática observada em sala de aula. Quando trabalhou o tema ”Água”, a professora Gil usou interrogatório para levantar os conhecimentos dos alunos sobre, depois fez suas intervenções e exposição do conteúdo a partir de uma leitura compartilhada, e depois solicitou dos alunos uma atividade individual na qual eles deveriam elaborar perguntas com respostas sobre o tema a partir do texto e da discussão realizada na aula, e durante essa atividade ela intercalou momentos de orientações para o grupo e orientações individuais. O que sentimos falta nesse processo foi uma avaliação dos conhecimentos prévios que os alunos trouxeram sobre o tema, a professora os ouviu, mas não deu magnitude aos elementos expostos pelos alunos, tanto que nem os anotou e nem enfatizou o interrogatório nas questões que os alunos levantaram. O interrogatório da professora focou mais no momento de sua participação no processo, no que foi produzido na leitura compartilhada e na discussão. Dessa forma, é possível perceber que os professores entendem a importância desses três elementos, mesmo assim, na prática a relação necessária entre eles não foi desenvolvida de uma forma tão próxima aos princípios da concepção construtivista, e essa relação pode não ter ocorrido de maneira plena por não constar como objetivo 192 essencial em suas atividades de levantamento de conhecimentos prévios a avaliação dos mesmos. Considerações . Foi notável a dedicação dos professores em trabalhar princípios da teoria construtivista sócio-interacionista, por exemplo, quando os professores buscavam assumir uma postura mediadora em sala de aula, mas essa postura foi notada apenas no desenvolvimento das atividades, como se as atividades tivessem um fim em si mesmas, perdendo o senso de continuidade e de relação entre os conteúdos aprendidos e os necessários a aprender. Por exemplo, a professora acompanhava e orientava todo desenvolvimento de uma atividade, mas não registrava o desempenho dos alunos, deixando lacunas para a avaliação. E com base nas ideias construtivistas, entendemos que não seja possível praticar uma avaliação mediadora e processual que busca mediar e compreender um processo sem registrar e relacionar as atividades desenvolvidas. Outro ponto que se evidenciou uma dissociação entre o entendimento teórico e a prática dos professores da Escola foi à questão dos conhecimentos prévios. Os professores relataram que valorizavam os conhecimentos prévios dos alunos, mas o que foi observado é que eles apenas os ouviam, mas não os avaliavam nem os utilizavam no decorrer da atividade. Assim, não houve uma relação articulada entre a mediação do professor, o conteúdo trabalhado e os conhecimentos prévios dos alunos, o que foi enfatizado no decorrer da atividade foram às dúvidas que os alunos tinham frente ao tema da aula, e não uma associação ou reconstrução de seus conhecimentos iniciais. Até em seus discursos os professores deixaram vagos além de conceitos importantes, insegurança quanto aos procedimentos necessários para sua prática, pois se diziam mediadores, tal como orienta os princípios construtivistas, mas como essa postura era desenvolvida na prática, eles não souberam explicar claramente, e nas observações o que notamos foram algumas descontinuidades nesta postura. Neste contexto, é perceptível lacunas entre o conhecimento a postura e a prática docente dos professores, pois havia um discurso muito articulado em relação a proposta da escola, mas o mesmo não ocorria em relação aos princípios da teoria e na prática em sala de aula. Os professores demonstraram que ainda precisam organizar melhor suas idéias acerca do construtivismo sócio-interacionista e consequentemente organizar melhor suas práticas docentes. 193 Partindo desses resultados podemos vislumbrar um desencontro em a postura e a prática desses professores com a teoria que embasa a proposta pedagógica da escola, e podemos também levantar como questão desencadeadora da situação encontrada, possíveis lacunas na formação desses professores. Isso porque nos é pertinente dizer que o profissional que apresenta insegurança no discurso e lacunas em sua prática diante de um cenário no qual se constrói uma proposta pedagógica valorizada e implementada por eles mesmos, deixa evidente a carência profissional. Porém essa carência não deve se entendida como resultado de comprometimento profissional pessoal, mas como brechas na formação. Reforçamos essa posição devido ao fato desse professor revelar acesso em sua formação inicial e continuada a teoria que embasa a proposta da escola, e mesmo assim não ter consolidado suas aprendizagens acerca dela, ou seja, o professor não aprendeu a desenvolver seu trabalho com a devida segurança que supõe observar em um profissional bem formado. Nesse sentido, entendemos que sua formação tanto inicial, quanto continuada gerou visível inconsistência teórica e insuficiência prática. Referências BARROS, Célia Silva Guimarães. Psicologia e Construtivismo. Série Educação. São Paulo: Ática, 1996. CARRETERO, Mario. Construtivismo e Educação. 2º Ed. São Paulo: Artmed Editora, 2002. CARVALHO, Marcelo de; LABURÚ, Carlos Eduardo. Educação Científica: Controvérsias construtivistas e pluralismo metodológico. Londrina: Editora da Universidade Estadual de Londrina, 2005. GOULART, Iris Barbosa (org.). A educação na perspectiva construtivista: reflexões de uma equipe interdisciplinar. 3º Ed. Petrópolis: Vozes, 1995. COLL, César; SOLÉ, Isabel. Os professores e a concepção construtivista. In: COLL, César et al (orgs.). O Construtivismo na Sala de aula. 5º Ed. São Paulo: Ática, 1998. DUARTE, Newton. Concepções afirmativas e negativas sobre o ato de ensinar. Cad. Cedes v. 19 n. 44, abr., Campinas: 1998. FOSNOT, Catherine Twomey. Construtivismo: teoria, perspectiva e prática. Tradução: Sandra Costa. Porto Alegre: Artmed, 1998. MATUI, Jiron. Construtivismo: Teoria construtivista sócio-histórica aplicada ao ensino. São Paulo: Editora Moderna, 1998. MENESES, Estera Muszkat; SILVA, Edna Lúcia. 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No entanto, atualmente, entender a importância desta ferramenta associando-a a tarefas cotidianas não é fácil, principalmente se considerarmos que para boa parte da população chegar a um lugar desconhecido utilizando um mapa é uma tortura. Para Gentile (2003) embora essas ações pareçam banais, realizá-las com desenvoltura envolve uma série de conhecimentos que só são adquiridos num processo de alfabetização diferente. Para a autora este processo envolve diretamente a aprendizagem da linguagem gráfica, condição primordial para o domínio da linguagem cartográfica. Na Educação de jovens e adultos essa realidade também se encontra presente, pois esta modalidade de ensino se restringia apenas na transmissão assistemática de alguns conhecimentos da cultura letrada e na alfabetização do indivíduo. Este artigo, no entanto, vem discuti a importância da utilização das oficinas pedagógicas, como alternativa metodológica da problemática existente no ensino da Geografia e Cartografia na Educação de Jovens e Adultos - EJA. O objetivo aqui é debater a realidade dos alunos do EJA buscando criar e planejar situações que possam desenvolver no estudante habilidades e competências referentes ao uso da Cartografia enquanto instrumento de aprendizagem da Geografia. As oficinas pedagógicas podem minimizar uma deficiência existente no ensino da Geografia na EJA, no que diz respeito à abordagem cartográfica. A ideia é estabelecer a importância entre uma prática pedagógica que extrapole o ambiente tradicional da sala de aula, e a organização do conhecimento voltado ao ensino de jovens e adultos numa perspectiva de autonomia, pois irá proporcionar um maior conhecimento na sistematização do seu espaço de vivencia, ajudando numa formação cidadã de um sujeito crítico/reflexivo. Para tanto as reflexões apontadas são resultados da monografia de aperfeiçoamento, especialização em Educação de Jovens e Adultos pela Faculdade de Educação - UFBA. A Cartografia na EJA, para que? Primeiras impressões... Todos os mistérios... encontram sua solução racional na práxis humana e no compreender esta práxis. (Karl Marx) O mapa é uma das mais antigas modalidades da comunicação gráfica produzidas pela humanidade, este surge da necessidade que o ser humano possui em conhecer o espaço que o cerca. No entanto, atualmente, entender a importância desta ferramenta associando-a a tarefas cotidianas não é fácil, principalmente se considerarmos que para 45 Pós - Graduanda em Educação de Jovens e Adultos (FACED/UFBA) e Licenciada em Geografia (UNEB – Campus XI). Email: [email protected]; 46 Prof. Mestre. Universidade do Estado da Bahia – UNEB – Campus XI. Email: [email protected]. 196 boa parte da população chegar a um lugar desconhecido utilizando um mapa é uma tortura. Para Gentile (2003), “embora essas ações pareçam banais, realizá-las com desenvoltura envolve uma série de conhecimentos que só são adquiridos num processo de alfabetização diferente". Para a autora este processo envolve diretamente a aprendizagem da linguagem gráfica, condição primordial para o domínio da linguagem cartográfica47. Saber ler mapas faz com que as pessoas consigam pensar sobre territórios e regiões que não conhece. Sua linguagem é usada no ensino não só da Geografia, mas também da História e das Ciências em geral. No entanto, de todas as ciências ligadas à Cartografia, nenhuma é tão importante quanto a Geografia, na medida em que esta tem como objeto de estudo o espaço geográfico e seus fenômenos físicos e humanos. Portanto, o ensino da Cartografia deve está relacionada ao ensino da Geografia, com o foco á atender as necessidades do aluno em seu cotidiano. Segundo Souza e Katuta (2001), O mapa tem uma função relevante no ensino de Geografia, pois pode organizar uma massa confusa de informações espaciais. Ainda segundo os autores "o mapa oferece maior possibilidade de explicações de uma dada realidade que poderão servir de subsídio de entendimento de determinada territorialidade" (SOUZA e KATUTA, 2001). Ainda neste contexto, para Passini (1994) a possibilidade de ler mapas de forma adequada é de grande importância para se educar os indivíduos para autonomia. Para Freire (2000), a autonomia esta diretamente ligada a ideia de dignidade, devendo ser conquistada, principalmente, no âmbito escolar. Portanto, a educação deve proporcionar contextos formativos que sejam adequados para que os educandos possam se fazer autônomos. Portanto, o uso do mapa pode proporcionar o desenvolvimento pleno dos alunos, respeitando seus interesses, estimulando a pesquisa e a criatividade. Neste sentido o papel da Geografia, enquanto disciplina escolar, vai além do ensino meramente conteudista, a mesma deve desenvolver no aluno a sua principal 47 Denominação atual nas discussões da Cartografia Escolar o qual os autores Souza & Katuta (2001) destacam e afirmam: “as propostas mais recentes para a aprendizagem da leitura de mapas, grosso modo, baseiam-se nos desdobramentos das teorias psicogenética de Jean Piaget para o ensino como todo. Utilizando-se desses referencias Almeida & Passini afirmam que: Iniciando o aluno em sua tarefa de mapear, estamos, portanto, mostrando os caminhos para que se torne um leitor consciente da linguagem cartográfica (...) as autoras partem do pressuposto de que é mapeando que o aluno vai tomar consciência da importância representações utilizadas em Geografia e vai, portanto, poder utilizá-las de uma forma mais consciente. No entanto, para a leitura de mapas, como já afirmamos, só mapear não bastar: é preciso dominar um conjunto de habilidades, noções, conceitos, informações para realmente que realmente essa leitura seja plena de significados (p. 133-134).” Por isso que partir somente da alfabetização cartográfica não implicará do conhecimento da sua linguagem. 197 competência cognitiva, a de pensar. O ensino tradicional da Geografia tomou o caminho oposto da desta premissa, uma vez que são ensinados conteúdos descontextualizados para os quais não é necessário pensar, basta o exercício de memória. Quando se pensa no ensino da Geografia na EJA esta realidade é bem mais problemática, pois segundo Costa (2004), a educação de Jovens e Adultos se restringia apenas na transmissão assistemática de alguns conhecimentos da cultura letrada e na alfabetização do indivíduo. Ainda segundo a autora, esta postura estava relacionada a interesses burgueses, pois bastava ao individuo o domínio superficial da leitura e da escrita. Desta forma não havia a formação de um sujeito autônomo e crítico a sua realidade, permanecendo a ordem instituída. Ao contrario desta lógica a Geografia deve contemplar os conhecimentos que despertam o senso crítico no indivíduo, uma vez que discuti sobre a realidade sócioespacial de forma analítica, induzindo a reflexão do seu cotidiano. Diante dessas discussões, este artigo busca aponta a importância da metodologia das oficinas pedagógicas em Cartografia para contribuir no processo de ensino/aprendizagem da ciência Geográfica na EJA. Esta prática pedagógica pode colaborar na formação destes alunos em obter conhecimentos na linguagem cartográfica, que irá proporcionar uma maior autonomia na sistematização do seu espaço de vivencia, ajudando numa formação cidadã de um sujeito crítico/reflexivo. Sendo assim, a oficina pode minimizar uma deficiência existente no ensino da Geografia na EJA, no que diz respeito à abordagem cartográfica. A ideia é estabelecer a importância entre uma prática pedagógica que extrapole o ambiente tradicional da sala de aula, e a organização do conhecimento voltado ao ensino de jovens e adultos. A importância do ensino da Geografia e a Cartografia na Educação de Jovens e Adultos: algumas considerações A educação para o público da EJA tem entre seus objetivos despertar o desenvolvimento humano desses sujeitos, entretanto, esta formação deve ser completa e voltada aos problemas enfrentados diariamente por esses estudantes. E nesta ótica de ensino, “a Geografia tem um papel central, visto que a mesma possibilita uma leitura crítica do mundo, já que o seu objeto de estudo é a sociedade e o espaço geográfico, tanto em nível local, como mundial” (ALBRING, 2008, p. 02). 198 Infelizmente os alunos da educação básica veem a Geográfica como um conhecimento estático, está percepção, também, não está alheia aos sujeitos da EJA. No entanto a compreensão da Geografia perpassa pelo entendimento da dinâmica do mundo atual, numa abordagem diferenciada das demais disciplinas, que envolve um jogo de escalas de análise que pode partir do particular para o todo e do geral para o específico. Assim, Albring (2008) nos remete esse pensamento e destaca que: A Geografia, através da roupagem crítica possibilita ao educando uma melhor compreensão e, em consequência, uma melhor e maior adaptação ao novo, às constantes e profundas mudanças que vêm ocorrendo diariamente no mundo. Entretanto, na maioria das vezes o estudante não tem esta visão da Geografia, já que no passado, quando frequentava os bancos escolares, era uma disciplina escolar apenas de descrição, conceitualização e memorização, não correlacionando a teoria com a prática – embora hoje isto também ocorra em alguns estabelecimentos de ensino. Sem este elo teóricoprático, o aluno não vê aplicabilidade para esta disciplina em sua vida e assim, seu interesse também não é dos maiores. Prova do comentário anterior é o que se pôde constatar na questão que se refere às palavras que vêm à cabeça ao pensar em Geografia. Dentre as mais citadas estão elementos cartográficos e naturais, ou seja, os educandos possuem apenas uma visão física e estática da Geografia (ALBRING, 2008, p. 04). Diante do exposto, qual a importância do ensino da Cartografia para o ensino da Geografia nas diversas modalidades de ensino? Haja vista que a Geografia enquanto disciplina requer do alunato uma postura mais ativa perante os saberes trabalhados. É neste quesito que a Cartografia, enquanto instrumento que auxilia na compreensão do espaço, possui papel importante no ensino da Geografia. Segundo os PCNs, a Cartografia ajuda a desenvolver habilidades e competência, no que diz respeito em desenvolver nos alunos uma percepção de leitores críticos do ambiente vivido. No entanto, o ensino de Cartografia nas aulas de Geografia constitui - se como um conteúdo “problemático”, eu diria (in)visibilizado e ou negado sendo considerado (algumas vezes) desnecessário por alguns professores nas diferentes modalidades de ensino. É o que define Francischett (2008) o “caos pedagógico” no seu ensino. A autora destaca o panorama do ensino de Cartografia nos últimos anos e questiona: Falar da relação do ensino das representações cartográficas e da relação com a realidade como elas são apresentadas na sala de aula pressupõe dizer que alcançamos o “caos pedagógico”. O mapa já não aparece mais nem no tempo, nem no espaço do ensino de Geografia. Na escola, ele não está mais pendurado, mas também não se encontra na sala, não faz parte da aula. O lugar onde ele está mais apresente é no interior do livro didático. [...] Como o professor trabalha a representatividade dos movimentos da Terra de maneira 199 que o aluno entenda? Porque recursos didáticos como globo e mapas quase não participam das aulas de Geografia do Ensino Fundamental? (FRANCISCHETT, 2008, p. 2). Sobretudo essa percepção do aluno em relação ao conhecimento Geográfico e também Cartográfico está intimamente ligada à forma como os professores mediam essa disciplina, como afirma Lacoste (1988): O discurso geográfico escolar que foi imposto a todos no fim do século XIX e cujo modelo continua a ser reproduzido hoje, quaisquer que pudessem ter sido, aliás, os progressos na produção de ideias científicas, se mutilou totalmente de toda prática e, sobretudo, foi interditada qualquer aplicação prática. De todas as disciplinas ensinadas na escola, no secundário, a geografia, ainda hoje, é a única a aparecer, por excelência, como um saber sem a menor aplicação prática fora do sistema de ensino. Nenhuma esperança de que o mapa possa aparecer como uma ferramenta, como um instrumento abstrato do qual é preciso conhecer o código para poder compreender pessoalmente o espaço e nele se orientar ou admiti-lo em função de uma prática. Nem se pensar que a carta possa aparecer como um instrumento de poder que cada qual pode utilizar se sabe interpretá-la (LACOSTE, 1988, p. 26). Souza e Katuta (2001) traduzem o ensino cartográfico como à linguagem cartográfica, ou seja, uma das formas de linguagem que indubitavelmente devem ser utilizadas no ensino, pois representa a territorialidade dos diferentes fenômenos, razão de ser da própria ciência geográfica. Por isso é relevante e imprescindível, o professor de Geografia conceber a Cartografia, como forma de linguagem. Conceber o ensino Cartográfico como foco de linguagem por sua vez, deve ser trabalhado no início da escolaridade. Assim, o conhecimento cartográfico será compreendido por etapas, até desenvolver análises e capacidades relativas à representação do espaço, concedida pelo mapa. Sobretudo, mesmo apontando a as razões de aplicação do ensino da Geografia e por consequência a Cartografia, na modalidade de ensino da EJA é concebido de forma precária e não se caracteriza como elemento de destaque na formação desses sujeitos, já que: Historicamente no Brasil, concebeu-se uma educação de jovens e adultos de forma compensatória, voltada para a reposição da escolaridade e marcada, sobretudo, pelo aligeiramento dos estudos. Essa concepção, materializada na oferta de cursos supletivos e campanhas de alfabetização, preconizava a minimização de conteúdos escolares para a realização dos estudos em um período de tempo reduzido. Nesse contexto, os conhecimentos sistematizados da cartografia, bem como de outras áreas do conhecimento, passaram a ser abordados de forma precarizada na escola, não atendendo às particularidades 200 dos sujeitos da EJA e não garantindo, dessa forma, o direito à educação de qualidade (CANHAMAQUE e SANTOS, 2009, p.03). Ainda sobre o pensamento de Canhamaque e Santos (2009) sob a perspectiva de problematização do ensino de cartografia na EJA, apontam para a possibilidade de respeito aos saberes dos educandos jovens e adultos, na abordagem dos conhecimentos cartográficos produzidos historicamente pela humanidade. Desse modo, torna-se necessário levar em consideração as diversas representações e significados que são formados pelo imaginário dos sujeitos da EJA, admitindo-se suas dimensões subjetivas e, consequentemente, singulares. Essas imagens simbólicas estão ligadas à localização, orientação e organização do espaço que habitam, sendo assim abordagem do lugar e da ocupação humana recai na compreensão das relações que os jovens e adultos mantêm com o ambiente em que vivem, bem como na análise das diferentes formas, espaços e lugares. Nesse sentido, há a necessidade de sensibilidade no ensino de cartografia, evidenciando a experiência e os saberes desses sujeitos. Diante esse pensamento, evidenciar a linguagem cartográfica como parte integrante do cotidiano das aulas para a EJA se caracteriza como um componente importante e necessário, já que induz aos alunos compreender seu espaço de vivencia e suas transformações sociais, politicas e econômica. As oficinas pedagógicas como metodologia de conhecimento da linguagem Cartográfica: uma perspectiva teórica – metodológica Segundo Padim (2006), entende-se por oficinas como sendo uma metodologia diferenciada para o ensino de maneira em geral, uma vez que sai da rotina das aulas tradicionais exigindo uma maior participação dos alunos. Alguns autores relatam um amplo aproveitamento pedagógico neste tipo de atividade. Brito (2006) relata vários pontos positivos, entre eles, a existência de uma maior interação entre os alunos, facilitando o entendimento dos conteúdos abordados. No entanto, embora existam algumas bibliografias quanto à aplicação de oficinas pedagógicas, estas ainda são incipientes, principalmente, quando avaliam esta atividade como um método de aprendizado em Geografia. Em relação aos PCNs houve relativos avanços teóricos e metodológicos no ensino da Geografia e Cartografia. Segundo este documento, o aluno passou a ser orientado a desenvolver uma consciência crítica em relação ao mapeamento que estará 201 realizando em sala de aula. Esta linha de pensamento esta comprometida com a corrente filosófica da Geografia Crítica. Ainda sobre o PCN a Cartografia significa muito mais uma técnica da representação voltada para a leitura e a explicação do espaço geográfico onde o leitor comportava-se como sujeito. Portanto, isso significa entender que o aluno deixou de ser visto como um mapeador mecânico para ser um mapeador consciente. De um leitor passivo para um leitor crítico dos mapas. Neste contexto é de total relevância que esse conhecimento seja inserido na modalidade de educação do EJA. Para que o ser humano se engaje na reconstrução desse espaço-sociedade, Passini (2004) afirma que: [...], é preciso que ele seja antes de mais nada um geógrafo crítico, um leitor competente do espaço e de sua representação. Um leitor crítico do espaço é aquele capaz de ler o espaço real e a sua representação, o mapa. E através dessas leituras apreender os problemas do espaço e ao mesmo tempo conseguir pensar as transformações possíveis para aquele espaço (p. 17). Diante dessas discussões a Cartografia deve ser abordada de forma a desenvolver as habilidades cognitivas dos educandos, uma vez que o público ligado a EJA é diferenciado, possui uma experiência de vida que os distinguem dos demais estudantes. Trata-se de um público, segundo Pina (2010): São homens e mulheres desempregados, com subempregos ou ainda em busca do primeiro, são filhos, pais, mães, moradores urbanos e/ou oriundos da zona rural (...) pessoas cujas moradias estão localizadas em áreas menos prestigiadas da cidade, em bairros carentes de infra-estrutura decente. São sujeitos sociais e culturais, empurrados para a margem da sociedade, desprestigiados nas esferas socioeconômicas e educacionais, privados do acesso à cultura letrada e, consequentemente, privados do acesso aos bens culturais e sociais produzidos pela sociedade da qual faz parte (PINA, 2010, p. 53). Esta realidade, no entanto, não reduz a capacidade intelectual destes indivíduos, esta mesma autora chama atenção para a disposição de aprendizado dos mesmos quando afirma que: Não é paradoxal dizer que os alunos da EJA trazem consigo uma rica bagagem que referem a saberes construídos dentro e fora da escola. São pessoas possuidoras de experiências vivenciadas no seu cotidiano e quando adentram a sala de aula são capazes de compartilhar essas experiências de forma bastante peculiar (PINA, 2010, p. 54) . Diante desta realidade, as oficinas pedagógicas devem contemplar essas experiências, enfocando os conhecimentos prévios dos alunos. Ao enfocar o 202 conhecimento cartográfico o professor deve planejar suas atividades partindo da espacialização do espaço de vivência dos indivíduos. Ou seja, fazendo do ato de ensinar uma "via de mão dupla", um ato de reciprocidade, uma simetria invertida onde ensinar também significa em aprender. Para Padim apud Archela (2006) a oficina é um caminho, ou seja, um processo de desenvolvimento de determinado conteúdo. Assim, a oficina nada mais é, do que uma forma de desenvolver o conteúdo procurando usar uma metodologia adequada. Nesta perspectiva esta escolha metodológica significa uma busca pedagógica que prima pela dinamicidade e comunicação entre os “personagens”: professor e aluno. “[...] a oficina surge um novo tipo de comunicação entre esses sujeitos. É formada uma equipe de trabalho, onde cada um contribui com sua experiência. O professor é dirigente, mas também aprendiz. Cabe a ele diagnosticar o que cada participante sabe e promover o ir além do imediato”. (VIEIRA et al, 2002. p.17). Corroborando com Vieira (2002), Feldkercher; Freitas e Martins (2009) afirmam que: (...) a oficina pode permitir a quebra das “hierarquias do conhecimento o (...) que se dá muitas vezes, pela detenção de um discurso especializado que justifica a maior importância de quem profere em relação aos outros”. Sendo assim, pensamos que a oficina pode estabelecer uma independência das ações educacionais em relação aos modelos que priorizam mais uma área do saber do que outra, ou seja, oportuniza estratégias de resistência à qualificação ou desqualificação de saberes pelas agências oficiais de ensino (FELDKERCHER; FREITAS e MARTINS, 2009, p. 4356). Portanto, para a realização de uma oficina a escolha do tema é fator decisivo. Neste sentido, Corrêa (2000) aponta como estratégias para a realização desta atividade metodológica, as seguintes etapas: decidir o tema de estudo, que se refere à escolha realizada por pessoas que se propõe a construir uma oficina, reunir todo o material possível sobre o tema, buscando subsídios em materiais como revistas, filmes, livros, mas também nas conversas cotidianas; o entendimento do tema que será abordado, que se dará através do Estudo e desenvolver estratégias para poder dizer sobre o tema, podendo referir-se a qualquer meio disponível ou possível de ser criado. Dessa forma concordamos com o pensamento de Brito (2008) no que afirma que as oficinas pedagógicas de Cartografia na EJA, é uma metodologia na qual colaborará na melhoria [...] da qualidade de ensino, contribuindo para a formação de um indivíduo mais crítico, autônomo e participativo na sociedade e, além disso, diminuir a 203 evasão do aluno da EJA é uma necessidade e também um grande desafio” (BRITO, 2008, p. 03). Diante do exposto é possível afirmar que a cartografia, quando trabalhada em oficinas, é um instrumento poderoso na quebra de alguns paradigmas ligados a EJA. Principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento da autonomia dos alunos, pois esta metodologia parte da vivência dos alunos, trabalhando sua realidade sócio-espacial e mais importante levando a troca de experiências com professores e colegas. (In) Conclusões Diante das analises e discussões apontadas, percebe-se que é importante valorizar e incluir a Cartografia na EJA. Pois a mesma possibilita uma leitura mais ampla do espaço geográfico aguçando nos alunos uma visão critica/reflexiva do espaço de vivência. Nesta linha de pensamento corroboramos com Souza e Katuta (2001) quando destacam que o professor de Geografia pode despertar no aluno, através da leitura de mapas e textos, um entendimento mais amplo da realidade, procurando entendê-la melhor, desmistificando-a, proporcionando um conhecimento mais elaborado da sociedade. Assim estes conhecimentos contribuirão na formação de sujeitos autônomos intelectuais de sua auto-estima e sua cidadania de fato. Neste contexto, as oficinas pedagógicas tornam-se um dispositivo importante para uma nova dinâmica de ensino, fazendo das aulas mais criativas e participativas, principalmente quando nos referimos aos alunos da EJA, um público que possui singularidades no que diz respeito as suas experiências de vida. Este dispositivo pedagógico é bastante acessível às escolas em geral e dinamizam o processo de ensino aprendizagem e estimulam o engajamento criativo de seus integrantes. Portanto as oficinas podem se constituir numa alternativa viável para o ensino-aprendizagem da Geografia, pois trata-se de uma prática dinâmica e criativa onde existe interação entre professores e alunos, superando desta forma as práticas tradicionais de ensino. É importante que os profissionais que lecionam na EJA transformem a escola em um espaço em que os ideais de transformação e diálogo sejam uma constante realidade. Canhamaque e Santos (2009) nos afirma que é “necessário que tenhamos profissionais que busquem uma prática que contemple as particularidades e relacionem os conteúdos 204 ensinados com a vivência dos sujeitos da EJA” (p. 08). E assim estará criando um caminho acessível ao processo de transformação social. A Geografia entra neste processo quando é trabalhada dentro da perspectiva da realidade cotidiana dos alunos. Nesta premissa a cartografia é a principal ferramenta de auxilio para o entendimento das questões Geográficas, pois, o uso de mapas implicará no aluno (através de sua leitura) entender a lógica das diferentes territorialidades produzidas no espaço. Dessa forma durante o dialogo deste artigo procuramos apontar que o ensino da Cartografia se configura como um instrumento valioso na educação de jovens e adultos assinalamos para a necessidade de valorização do deste conhecimento, assim torna-se necessário priorizar novas práticas, caminhos e possibilidades no ensino de cartografia como as oficinas pedagógicas. . REFERÊNCIAS ALBRING, Loraine. O ensino da Geografia na educação de jovens e adultos: por uma prática diferenciada e interdisciplinar. Portal Cereja. v. 1. n. 1. 2006. São Paulo. Disponível em: <http://www.cereja.org.br/arquivos_upload/loraine_albring_ensino_geografia.pdf> Acesso em: 17/05/2011; BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. 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Para isto foi necessário ingressar no mundo rural, nas escolas ligadas à Rede de Escolas Famílias Agrícolas Integradas do Semi-Árido (REFAISA), para a execução da pesquisa e assim, utilizando os ensinamentos da Etnofísica, aprender a lidar com questões que nos permitam relacionar o conhecimento intuitivo (conhecimento prévio) desses sujeitos com o formalismo subjacente às teorias e leis gerais da Física que, em geral, é tratado nas escolas e universidades. Como metodologia de pesquisa, utilizamos aquela do tipo ação participante (DEMO, 2004; GIANOTTEN e WIT, 2000). Assim, o estudo se pauta no diálogo teoria e prática, no universo academia e Rede de EFAs. A implementação da pesquisa se dá por meio de viagens de campo, onde permanecemos em cada escola uma média de três dias para realizarmos o processo de investigação compreendido como etnografia, ou seja, fazemos entrevistas, questionários e observação participante, em que nos inserimos no contexto do grupo estudado e, após esta interação, partimos para uma coleta de dados num bloco de anotações para a devida análise dos resultados obtidos. O trabalho, portanto, objetiva também contribuir nas discussões sobre a rejeição sofrida pela Física na sala de aula, rejeição essa que se configura em um problema no que tange à aceitação e compreensão, por parte dos educandos, desse importante Campo do Saber. Palavras-chave: Etnofísica - EFA - Pedagogia da Alternância. Introdução A proposta deste trabalho é fazer um estudo que possibilite uma ligação entre os conhecimentos populares das Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) e o conhecimento científico. Para tanto, nos ancoraremos nos ensinamentos da Etnofísica, área da Física que busca compreender, a partir dos próprios grupamentos sociais, a sua visão de mundo. Desta forma, analisaremos a Etnofísica e a possibilidade de seu estudo enquanto estratégia para o ensino de Física envolvendo a Pedagogia da Alternância em Escolas Famílias Agrícola (EFAs). Desde muito tempo, muitos alunos têm a visão de que Física é simplesmente mais uma disciplina do currículo escolar, desvinculada da realidade. Esta falta de 48 2 UEFS/Departamento de Física-DFis/ [email protected] UEFS/Departamento de Física-DFis/[email protected] 49 208 contextualização dos conteúdos descritos no currículo com as realidades nas quais os alunos se inserem torna o processo de ensino-aprendizagem mais difícil, pois pouco estimula a curiosidade e o interesse dos educandos. Um dos objetivos da escola, dos educadores e da sociedade em geral, deveria ser o fato de que o conhecimento construído merece ser aplicado tendo em vista que o conteúdo trabalhado gerou ou foi gerado de uma situação real, para que desta forma a evolução do conhecimento se dê de forma gradual, partindo de algo concreto e imaginável. No entanto, nota-se que os saberes intuitivos dos educandos são, na maioria das vezes esquecidos, ocasião em que muitos entram em conflito com os conhecimentos científicos apresentados por meio de uma abordagem teórica, de maneira que constitui para o aluno um conhecimento desprovido de significação. Por essa razão, é importante que este processo se dê, inicialmente, de forma que sejam levadas em conta representações da realidade. No que tange à compreensão do Campo do Saber da Física, devemos analisá-lo sob uma perspectiva, ainda que introdutória, do significado do próprio conhecimento humano. Assim sendo, vamos considerar alguns princípios filosóficos (MILTÃO, 2010, p. 4-5): (a) O conhecimento é uma faculdade, normalmente irredutível à afetividade e à atividade, que indica a função da alma (aqui entendida filosoficamente como a essência do sujeito), assim como o resultado dessa função, de tornar compreensível-concebível um objeto (interno ou externo), obtendo dele um juízo ou uma representação. (b) As condições e os limites do conhecimento devem ser estabelecidos de acordo com a busca da verdade. (c) O campo do saber é compreendido como um grupamento de fenômenos, que possuem alguma ligação entre si, ou seja, na manifestação de propriedades em comum, definidos a partir de uma análise profunda e até refletindo no surgimento de novos conhecimentos. (d) A organização da Universidade deve considerar a concepção própria que cada indivíduo tem a cerca do conhecimento humano, refletindo na diversidade de saberes. Diante disso, percebe-se que os Campos do Saber proporcionam aos seres humanos o entendimento do Universo e da natureza onde estão inseridos. Entre as relações que o ser humano estabelece com a natureza e com o universo, estão aquelas investigadas e sistematizadas no campo do saber da Física. Tal ‘campo’, sendo um dos campos do saber científico, possui um objeto próprio, um método, e um conjunto de hipóteses e teorias, sendo também inseparável do contexto social e histórico. 209 Dessa forma, definimos a Física como O estudo do comportamento e da constituição do Universo, com o objetivo de descrevê-lo; portanto, é o conjunto sistematizado de conhecimentos científicos que objetivam estabelecer a origem, evolução e estrutura da matéria e da radiação do Universo, e cujo método passa pelas dificuldades do teste, da verificação, da relação entre as teorias e a realidade empírica, e da validação das descrições, previsões e aplicações (MILTÃO, 2010, p. 4); A caracterização que damos ao Campo do Saber da Física consiste no que segue (ÁREA DE FÍSICA, 1998): Os fenômenos estudados se manifestam como matéria e radiação do Universo e estão ligados ao seu comportamento e constituição; O domínio de estudo é caracterizado pela análise do comportamento e constituição da matéria e da radiação do Universo e é composto de um conjunto de conceitos, axiomas, postulados, definições, leis e teorias; Os Níveis de Integração Teórica dos Conceitos Fundamentais e Unificadores são caracterizados por teorias e leis gerais que atualmente são as seguintes: Mecânica Clássica, Eletromagnetismo, Termodinâmica, Mecânica Estatística, Relatividade, e Mecânica Quântica; Os métodos para descrever fenômenos físicos, visando estabelecer todas as suas teorias e leis (em particular as teorias e leis gerais), utilizam a indução, e dedução, bem como a intuição; Os Instrumentos de análise, na construção dos modelos para descrever os fenômenos observados, consistem no intelecto, na linguagem e na matemática, nos sentidos, e nos equipamentos; As contingências históricas que são as ações e influências internas e externas do 'aqui' e do 'agora' que ocorrem no processo de evolução histórica do Campo do Saber da Física; As Aplicações que consistem na forma como o campo do saber da Física se projeta no conhecimento humano. Para que nosso trabalho seja desenvolvido considerando o contexto cultural próprio das EFAs, levaremos em conta os ensinamentos que a pesquisa em Etnofísica nos dá. A Etnofísica, parafraseando D’Ambrosio (1993), é entendida como a arte mágica, dentro de um contexto cultural próprio, de explicar, de entender, e de se desempenhar os fenômenos físicos, em suas respectivas existências espaço-temporais. Assim, nesse trabalho pretendemos estudar a possibilidade de algumas Escolas Famílias Agrícolas compreenderem os fenômenos físicos de acordo com o contexto em que estes grupos são inseridos. O que se objetiva, na verdade, é valorizar os conceitos dos fenômenos naturais dos educandos, relacionando-os à Física Científica. Vale ainda frisar a importância de se buscar recursos que viabilizem um melhor estudo das EFAs. 210 Para que essa compreensão se torne efetiva, algumas ações são desenvolvidas (Cavalcante e Santos, 2008; Madejsky, 2009): (i) apresentação das Ciências Físicas aos estudantes através de discussões, considerando os conceitos prévios dos mesmos, percebidos nas nossas observações e questionários; (ii) participação no processo de Formação dos Monitores, levando em consideração a realidade das EFAs, percebida nas nossas observações e questionários; (iii) observações astronômicas utilizando pequenos telescópios; (iv) proposta de criação de Museus de Ciências que traduzam o contexto cultural das EFAs e a sua ligação com a visão científica dos fenômenos. Com isso as EFAs poderão tornar-se ambientes de apoio à educação formal (escolarizados), não formal (organizados fora da escola) e informal (na vivência do cotidiano) (GOHN, 1999), objetivando a popularização das Ciências Físicas. Escola Família Agrícola é um exemplo de educação no meio rural a partir do referencial pedagógico da Alternância (CAVALCANTE, 2006, p.3). A Pedagogia da Alternância tem como base um método científico que consiste na observação, descrição, julgamento, experimentação e questionamento (por meio dos Planos de Estudos) dos fenômenos envolvidos. Consiste no fato de que a vida nos ensina mais que a escola, portanto o foco do processo ensino-aprendizagem é o educando e sua realidade. Neste caso a teoria está em função de melhorar a qualidade de vida. Alternância, por seu turno, significa o processo de ensino-aprendizagem que acontece em espaços diferenciados e alternados (TEIXEIRA et all, 2008). O primeiro é o espaço familiar e a comunidade de origem (realidade); depois vem a escola onde o educando partilha os diversos saberes que possui com os outros e reflete sobre eles em base científica (reflexão); e, por fim, retorna-se a família e a comunidade a fim de continuar a práxis (prática + teoria) seja na comunidade e/ou na propriedade (atividades de técnicas agrícolas). Desenvolvimento A Etnofísica que se propõe aqui é determinada pela maneira com que os fenômenos físicos são vistos, interpretados, compreendidos, explicados e trabalhados por parte dos educandos. A pesquisa se dá por meio de viagens de campo, onde permanecemos em cada escola uma média de três dias para assim começar o processo de investigação compreendido como etnografia, ou seja, fazem-se entrevistas, questionários, e observações buscando compreender e respeitar a cultura do outro. A pesquisa desenvolvida é do tipo ação participante (DEMO, 2004; GIANOTTEN e WIT, 2000). Desta maneira, o estudo será pautado no diálogo teoria e prática, no universo academia e Rede de EFAs, visando o fortalecimento do trabalho desenvolvido pelas suas escolas, seus processos formativos nos contextos em que se 211 inserem, mediante o processo formativo de seus monitores (CAVALCANTE e SANTOS, 2008). As entrevistas foram conduzidas durante as observações e nas horas de descanso para o lanche, almoço, etc. Foram investigados os conhecimentos prévios de Física na prática diária da Pedagogia da Alternância. O questionário teve por objetivo inicial conhecer os educandos, professores e monitores da área, saber as principais dificuldades que eles encontram relacionadas ao ensino de Física, como os estudantes qualificam estudar Ciências em uma EFA, como a Física é vista na Pedagogia da Alternância e tentar identificar as áreas de trabalho em que eles têm percepção do uso de conhecimentos físicos. Na observação participante, nos inserimos no contexto do grupo estudado e, após esta interação, partimos para uma coleta de dados num bloco de anotações para a devida análise dos resultados obtidos. Até o momento da pesquisa foram visitadas quatro EFAs, sendo elas: EFA de Ribeira do Pombal, Alagoinhas, Rio Real e Monte Santo. Além dos questionários aplicados, fazemos observações e algumas anotações pertinentes à pesquisa. Vejamos algumas delas: EFA de Ribeira do Pombal: Tivemos a impressão de que a escola se organizou para a nossa visita, pois estavam presentes os monitores das disciplinas: Ciências, História, Religião, Português e Agricultura; Na EFA só há ensino fundamental, e estavam lá as turmas de 6ª a 8ª séries; Fazem parte da escola estudantes de cidades e assentamentos vizinhos, como: Cícero Dantas, Tucano, Cipó, Fátima, Heliópolis, Paripiranga, Banzaê, Geremoabo, Simão Dias, Adustina e Ribeira do Amparo; No dia em que chegamos foi feita uma apresentação da área da Física, abordando a origem do Universo X crenças religiosas; Houve uma discussão e certa “rejeição” das idéias, do ponto de vista científico, por parte da monitora de Religião; Embora seja uma turma de ensino fundamental, que abordam conceitos físicos de forma muito superficial através da disciplina de Ciências, os alunos mostraram grande interesse em questões relacionadas a origem do Universo e teve questionamentos sobre o Big Bang, o Homem na Lua, Plutão, etc. Os estudantes ficaram entusiasmados e curiosos com a possibilidade de a escola adquirir um telescópio, afirmando acharem a idéia interessante e por nunca terem contato com um. 212 EFA de Alagoinhas: A EFA se localiza no alto de uma planície e tem um pôr do sol muito bonito, próximo a BR 110; Existem as seguintes comunidades circunvizinhas: Riacho da Guia, Sucupira, Aldeia Boa Vista. Assim, existe um público em potencial para freqüentar um Museu de Ciências, caso a escola tenha interesse; Pareceu-nos, à primeira vista, que a EFA não se organizou para receber a equipe, visto que o monitor de Física não estava presente; Poucos monitores estavam presentes nos dias da visita; Logo quando chegamos, notamos em alguns monitores presentes, vontade de irem embora. As falas deles refletiam isso: “Já estou aqui desde ontem”, “Estou cheio de atividades...”; Tais monitores, na verdade, professores, dão aulas em outros locais; Como implementar o curso de formação sem tais monitores? Eles participariam nas outras visitas? No período da visita, só estavam presentes os estudantes do 3º ano do ensino médio; Durante as apresentações acerca do trabalho desenvolvido, o interesse dos alunos foi grande, com dúvidas e curiosidades; É necessária a existência de material didático específico para que as avaliações de Física tivessem uma abordagem considerando a Pedagogia da Alternância; Como articular o Museu de Ciências? Os professores não são monitores. Fazendo os estudantes se encantarem com a idéia, eles forçariam os professores e a EFA; É preciso um diálogo mais efetivo da nossa equipe com os responsáveis pela EFA, para que o projeto seja compreendido em sua extensão e profundidade. Para isto, é importante a presença dos professores e monitores nas próximas visitas. EFA de Rio Real: A EFA se localiza no nível do plano ao lado da BR 101; Comunidades circunvizinhas: Lagoa de Baixo, Mucambo, Saco da candeia, Sítio, Puba, Teotônio e Santa Rita. Assim, há público em potencial para freqüentar um museu de Ciências; 213 A escola se organizou para a visita da equipe, pois marcou com os pais e monitores para estarem presentes ( Física, Matemática, Geografia, Cultura, Administração e Economia Rural); Os monitores presentes mostraram interesse em permanecer na escola durante a nossa visita; Alguns professores ensinam em outras escolas; Nos dias da visita, estavam presentes na escola alunos do 2º e 3º anos do ensino médio; Houve grande interesse por parte dos estudantes com a visita do grupo e durante as apresentações relacionadas ao projeto. EFA de Monte Santo: A EFA se localiza a aproximadamente 489 m acima do nível do mar; Existem as seguintes comunidades circunvizinhas: Capivara, Lagoa da Fonseca, Lagoa do Mandacaru, Mulungu, Pedra do Pepedro, Pedra Vermelha, Paus Verdes, Oiteiro, Muquem, Salgado, Lagoa do Saco, Vieira, Curral Velho, Barreiros e Itapicuru; Tivemos a impressão inicial de que a EFA não se organizou para a nossa visita, pois poucos monitores estavam presentes e a turma de 3º ano do ensino médio estava em uma atividade de campo no quilombo vizinho; Alguns monitores dão aulas em outras escolas; Os monitores (Física, História, Geografia, Filosofia, Agricultura) disseram que tinham vontade de ficar na escola, mas os que estavam no momento da apresentação do projeto eram apenas dois; Durante a visita estavam as turmas de 7ª e 8ª séries do ensino fundamental e 1º, 2º e 3º do ensino médio; Os alunos demonstraram interesse pela idéia do museu de ciências; Ocorreu uma reunião entre os monitores. São 19 ao todo, estavam presentes 18, variando no decorrer da discussão. Esta reunião teve, no seu primeiro ponto de pauta, a participação da AREFASE (Associação que mantém a EFA). Fomos convidados para participar; Discutiram a necessidade de reforçar a presença dos monitores na reunião de pais; 214 Na reunião específica de monitores inicialmente ocorreu uma espécie de conselho de classe, onde eram dadas notas a alguns estudantes; Em relação à avaliação, 10% da nota diz respeito ao critério de convivência, através de observação extraclasse; Esta avaliação é informada para o estudante especificando os motivos através de um monitor que será o tutor da turma. Cada turma tem um tutor que diz a nota da convivência para a turma e para os casos mais dramáticos, conversa em particular com o estudante. São considerados alguns itens: introversão, educação com o professor, colegas, brincadeiras de mau gosto, socialização, realização de tarefas, capacidade de liderança (sem prepotência e arrogância), participação na sala de aula, expressão oral, comportamento nos dormitórios, etc. Na análise, sempre que possível, se levava em conta a relação familiar. Deu-nos a impressão de que um ponto importante é a capacidade de formar lideranças, pois o objetivo da escola é formar técnicos para atuarem na sociedade/comunidade, como agentes comunitários. Os critérios da avaliação da convivência estão estabelecidos no regimento interno da escola, definidos em assembléia (com a participação dos pais); Não existe um acompanhamento de um profissional de Psicologia e Assistência Social; Começou uma discussão sobre as pendências para a conclusão do cursoestágio PPJ (Projeto Profissional do Jovem) de alguns estudantes; Discutiu-se a questão dos monitores e alguns problemas, tais como: repasse irregular de verbas, instabilidade na carga horária, etc. Foi elaborado o Rodízio na EFA em virtude do período de férias. Durante o recesso, alguns monitores e estudantes das EFAs tomam conta da escola, cuidando dos animais, plantas e manutenção em geral. Nota-se disposição no cumprimento do rodízio, apesar das dificuldades de agendas de cada um. Alguns estudantes também colaboram nesta empreitada, apesar dos problemas como faltas e atrasos. Para os alunos o rodízio é tarefa obrigatória, uma espécie de punição das irregularidades ocorridas durante o ano letivo. Conclusão Diante dos dados que nós já temos acerca do trabalho desenvolvido, podemos tecer algumas considerações iniciais no que tange a uma avaliação parcial da pesquisa. Nota-se que muitos sujeitos envolvidos na pesquisa ainda não se dão conta das aplicações da Física, tais como: as investigações dos fenômenos eletromagnéticos, as 215 quais levaram à invenção do gerador e do motor elétrico, do rádio, da televisão, do radar e dos sofisticados meios de comunicações tão fundamentais para a sociedade contemporânea; o avanço dos fenômenos nucleares, que tanto têm contribuído em campos importantes da atividade humana, tais como a Medicina, a Biologia, dentre outros; as investigações dos fenômenos astronômicos, que permitem ponderações histórico-filosóficas sobre a origem da vida, do Universo e sobre o seu futuro. Os monitores ou professores da área afirmam encontrar dificuldades para ensinar, pois há necessidade de materiais didáticos que relacionem a Física com a Pedagogia da Alternância, sem contar ainda que os sujeitos que ensinam não tem qualificação profissional adequada Notamos ainda que não há uma organização quanto as competências da Física que devem ser privilegiadas, levando em conta os objetivos formativos desejados para a ação escolar. Sabemos ainda que as competências para lidar com o mundo físico não têm qualquer significado quando trabalhadas de forma isolada. O conhecimento deste campo do saber se constrói em articulação com outras áreas. Em outros termos, a realidade educacional e os projetos pedagógicos das escolas devem direcionar o trabalho de construção do conhecimento físico a ser empreendido. Um grande desafio para que o ensino se aproxime ao adequado é enfrentado pelas EFAs no que tange a questões como: De que forma podemos modificar a maneira de trabalhar para garantir uma construção sólida do conhecimento em Física? Como poderemos apresentar a Física considerando a Pedagogia da Alternância? Até que ponto se deve desenvolver o formalismo da Física? Que temas devem ser privilegiados? É possível “abrir mão” de alguns tópicos, como por exemplo, o Eletromagnetismo? E a Astronomia, o que tratar? São questões que estão ainda, para muitos, sem resposta, indicando a necessidade de uma reflexão que revele caminhos a serem seguidos. O ideal seria partir dos conhecimentos prévios para, a partir daí, avançar para os conhecimentos científicos, pois sabemos que a ciência não pode se restringir apenas ao cotidiano, ou seja, não se deve criar a perspectiva de que a ciência só serve para representar o real, precisamos da percepção cognitiva para buscar modelos matemáticos que nos faça entender alguns fenômenos físicos. 216 Bibliografia ANACLETO, Bárbara da Silva. Etnofísica na Lavoura de arroz. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós graduação da Universidade Luterana do Brasil, 2007. Área de Física – UEFS. “Departamento de Física da UEFS”, PubliFis, Feira de Santana – BA, 1998 ARROYO, Miguel; CALDART, Roseli S.; MOLINA, Mônica Castagna (Org.). Por uma educação do campo. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004. CALDART, Rosely Salete. Por uma Educação do Campo: Traços de uma identidade em construção. In: Educação do campo: Identidades e Políticas Públicas. Orgs Kolling, E. J.; Cerioli P. R.; CALDART, R. S. 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Alguns pontos relevantes configuram o papel do professor pesquisador no contexto escolar: é o caso do uso de métodos que o auxiliem no processo de elaboração própria por meio da pesquisa. Na formação de professores os métodos sociológicos e pedagógicos são ferramentas imprescindíveis para o desenvolvimento de suas práticas. O objetivo deste trabalho é analisar a relevância dos métodos sociológicos e pedagógicos para o trabalho de pesquisa docente na formação de professores. A pesquisa é bibliográfica e analisa algumas discussões de autores sobre a importância dos métodos sociológicos e os pedagógicos, tendo como referência os estudos de autores clássicos e contemporâneos. As considerações pautam-se na necessidade de se trabalhar os métodos sociológicos e pedagógicos de forma a aglutinar suas particularidades e inseri-las na prática de pesquisa proposta na formação de professores. Palavras-chave: Métodos sociológicos e pedagógicos. Pesquisa Docente. Formação de Professores INTRODUÇÃO Para entender a importância da pesquisa na formação de professores para sua atuação na escola, este estudo analisa as contribuições dos métodos sociológicos e métodos pedagógicos. Entende-se que, para enfrentar os problemas da educação no Brasil, é importante contar com ferramentas estratégicas que possam organizar a prática de pesquisa do professor. Este é um sujeito que necessita estudar para adquirir as informações úteis ao seu trabalho na escola. Ao escolher os métodos sociológicos, apresentamos as contribuições de Durkheim, sendo assim possível adentrar na questão dos fatos sociais que segundo os estudos desse autor exigem reflexão prévia e distância das ideias pré-concebidas. Em sua corrente teórica ele propôs que se levasse em conta o conjunto de crenças e também os sentimentos coletivos, ambos como base da coesão da sociedade. Ao destacar o estudo moral dos indivíduos, causou grande impacto reflexivo quando de fato condiciona a própria sociedade à criação de mecanismos de coerção internos. A partir 219 dessa concepção de coação por meio das regras, evidencia que os indivíduos acabam por aceitá-las dentro dessa sociedade. Para o professor em formação conhecer essas questões podem auxiliá-lo a delimitar seu problema de pesquisa, além da reflexão necessária sobre o que se propõe a estudar. Para entender o universo da pesquisa do professor na escola é preciso questionar se este a adota como base de suas ações desenvolvidas em sala de aula. Nesse contexto, condicionar os planejamentos das aulas e projetos escolares aos métodos sociológicos (científicos) e métodos pedagógicos pode significar ainda uma realidade pouco vivida por alguns professores. Por outro lado, é uma necessidade condicional para os que estão dispostos a atuar de forma atual e contextualizada com seus alunos. Muitos professores não assumem sua condição de pesquisador, pois a eles são negadas condições mínimas para esse trabalho, ou seja, faltam bibliotecas, tempo para pesquisar e principalmente apoio quanto à divulgação de suas ações já desenvolvidas. Dados do MEC, sobre o percentual de funções docentes por grau de formação e localização, mostram que no nordeste, mais precisamente na zona rural são apenas 5,4 % de professores com nível superior. (INEP, 2002). A partir desta realidade, o interesse em estudar a importância do professor pesquisador se intensifica, não somente por compor este cenário de educação rural, mas por descobrir a cada ano letivo a ausência de postura de pesquisador e de elaboração própria acabam por prevalecer. É negada a estes professores a oportunidade de conhecer e estudar os métodos sociológicos e pedagógicos e assim poder fortalecer os subsídios metodológicos para este professor tornar-se um pesquisador. Por isso, em sua formação deve ser dada aos professores a oportunidade de adquirirem, além das competências oferecidas nos curós, ferramentas para adquirir habilidades com o uso dos métodos sociológicos e pedagógicos. Enquanto problema discute-se: na ausência de métodos sociológicos e pedagógicos nas atividades educacionais do professor pesquisador em formação, ocorre uma desarticulação entre a pesquisa e a prática e consequente negativação do êxito escolar deste profissional? Neste contexto, o objetivo aqui proposto é apontar a relevância dos métodos sociológicos e pedagógicos para o trabalho de pesquisa na formação de professores. O processo que dá alusão à importância da pesquisa do professor na escola pode ser vista como forma de suprir a insuficiência da formação inicial desse educador e colocá-lo 220 como construtor de habilidades profissionais no que se refere às atividades propostas em sala de aula. Buscar, por meio da leitura e registrar por meio da escrita, esse processo de formação somente pode corroborar para uma eficiente identidade de pesquisador atuante na escola. 1.1 MÉTODO SOCIOLÓGICO EM DURKHEIM Em termos de origem o método é o caminho que se utiliza para fins de um alcançar um determinado objetivo. Já a metodologia é responsável pelas regras estabelecidas para se fazer uso de certo método. “a necessidade de observar, de formular hipóteses, a elaboração de instrumentos, etc. “(RICHARDSON, 1999, p. 22). É na pesquisa que os métodos se constituem, pois há preocupação com o conhecimento que se pode adquirir quando em contato com a teoria é que organiza o objeto estudado. Não se deve pesquisar por mera aquisição de conhecimento ou desejo de resolver problemas, mas investigar um cenário mais próximo de uma intervenção positiva para a realidade social. Conscientes das diferenças e das imposições derivadas das necessidades vividas em sociedade, os estudiosos como Durkheim (2007) discutem o direcionamento para métodos objetivos, ou seja, os fatos sociais quando estudados, são coisas e por isso independentes das filosofias ou ideologias. Para este autor a sociedade possui características próprias e que não deriva nem da natureza humana, nem das consciências individuais. O método sociológico de Durkheim contrapunha-se ao conhecimento filosófico da sociedade, pois para ele as correntes teóricas que não tinham validade científica eram tidas como crenças. O conhecimento dos fatos sociais deveria levar à interação desses fatos e a realização humana nada mais era para ele do que produto da própria sociedade. Para ele, as consciências individuais surgem da sociedade por meio da coerção. (DURKHEIM, 2007). Talvez por isso a socialização constitui uma das bases da sociologia, ou seja, desde a infância nossas maneiras de agir são marcadas pelas regras sociais que acabam por definir em qual grupo social pertencemos. Estes grupos aprendem a conhecer a si e os outros para conviverem na dinâmica das interações para a construção contínua de sua individualidade e relações de convivência com o coletivo. Para Maturccelle (1997) “a concepção interacionista da noção de socialização implica que se leve em conta a criança como sujeito social, que participa da sua própria socialização”. 221 Diante das considerações desses autores, é pertinente questionar em que sentido podem ser trabalhados pelo professor pesquisador o método sociológico para buscar respostas às situações vividas em sala de aula. Em resposta podemos inferir citando um exemplo de conflito vivido pelo professor em sala de aula: Paulo, um aluno que normalmente não tem qualquer problema de indisciplina e agressividade, estava sentado em sua carteira, escrevendo algo em seu caderno, enquanto Alex, que segundo a professora vivia ‘metido em brigas’, dá-lhe um grande tapa na nuca dizendo ‘pedala Robinho’. (VINCENTIN, s/d, p. 86). Ao descrever tal situação a autora propõe que se sigam dois princípios citados por Devries e Zan (1998 apud VINCENTIN, s/d), o de reconhecimento de que o conflito pertence à criança e a de que esta tem a capacidade de solucionar seus próprios conflitos. Não deve o educador assumir a resolução destes, mas propor uma reflexão mediante o autocontrole afetivo. Pode parecer fácil quando se é possível conhecer essas possibilidade resolução de um ‘problema’. Aparentemente não há um método sociológico implícito ou mesmo desenvolvido. Conhecimento dos fatos sociais, coerção por meio de regras não seriam estes elementos bastantes presentes nas escola? Sim, por isso é interessante quando Durkheim coloca que a formação do ser social é construída pela educação e quanto à assimilação de normas, princípios morais, religiosos, éticos e de comportamento o indivíduo os assume porque é produto da sociedade. Quando um professor se propõe a pesquisar para tentar resolver um problema, deve encontrar apoio para suas reflexões nos métodos sociológicos como o de Durkheim. Fazer uso de métodos e técnicas é organizar-se para obter oportunidades de aprendizagem, através de investigação metódica, que cria possibilidades para construção de competências e habilidades pedagógicas. Durkheim (2010) liga a atuação de interação e inter-relacionamento dos indivíduos a capacidade destes de produzir algo mais profundo e complexo para a compreensão da própria formação. Por isso a observação é em seu método um caminho para o estudo de um fenômeno. A esse respeito tem-se: Só existe um meio de demonstrar que um fenômeno é causa de outro: comparar os casos em que eles estão simultaneamente presentes ou ausentes e examinar se as variações que apresentam nessas diferentes 222 combinações de circunstâncias testemunham que um depende do outro (DURKHEIM, 2010, p. 45). Assim, Durkheim sugere o uso tanto da observação como da experimentação indireta ou comparação, visto a ocorrência de um fenômeno que não pode ser resolvido pelo observador, pois os fatos surgiram espontaneamente. Voltando ao exemplo citado anteriormente sobre o conflito entre alunos em sala de aula, inferimos que para o professor compreender em que dimensão está sua ação, isto é, se assumirá uma postura mediadora ou ordenadora do cumprimento de punições. Portanto, conhecer os métodos sociológicos e combina-los com os métodos pedagógicos é uma tendência que precisa ser mais refletida na escola pelo professor. Na prática do professor problematizador não deve haver limites para as possibilidades de uso de um ou mais métodos. Na condição de pesquisador não se pode apenas informar regras e conteúdos, mas aprofundar-se em conhecimentos que o leve a contribuir com seus alunos para o resignificado de conceitos ou criação de novos. No contexto atual das salas de aula, as contribuições de Durkheim se fazem pertinentes na medida em que apontam para uma ação humana que ainda insiste na punição absoluta ou mesmo rejeição social. A pesquisa do professor neste sentido, fazendo uso de métodos sociológicos, favoreceria o conhecimento mais aprofundado sobre a identidade, a diversidade cultural, os valores, a etnicidade e muitos outros. É preciso dar sentido e experiência à prática docente por meio da pesquisa. 1.2 MÉTODOS PEDAGÓGICOS E PRÁTICA DOCENTE São problemas como drogas, violência, indisciplina, evasão, subnutrição e outros que os professores passam a lidar diariamente no contexto de sua escola. São alunos vindos de níveis sociais diferentes com problemas complexos que iniciam-se desde a família até a convivência em meio social. Do outro lado, os professores ainda estão pouco fortalecidos pedagógica e cientificamente, ou seja, para enfrentar os desafios diários é preciso desenvolver práticas que passem pelos métodos científicos e pedagógicos. Há ainda uma ressalva quanto a ausência de políticas públicas que direcionem e apóiem as pesquisas desenvolvidas pelos professores. Mesmo sem ter habilidade com o desenvolvimento de textos acadêmicos, muitos professores registram suas ações pedagógicas e o processo pelo qual se pretende 223 chegar ao objetivo proposto. Dessa forma, apóiam-se nos métodos pedagógicos para a elaboração de planos de aula, projetos escolares, relatórios de atividades, dentre outros. Ao conhecer alguns estudiosos e suas correntes teóricas, os professores pesquisadores devem refletir sob as relações sociais na sociedade, inclusive as envolvidas na educação. Dentre os vários métodos considerados pedagógicos está o de Paulo Freire. Autores reportam-se à contribuição de Freire não como uma simples metodologia a ser reproduzida, mas uma rica e importante relação dialética entre prática e teoria (PALMER, 2006). Ao sugerir o uso do conhecimento adquirido pelos alunos para reapropriar-se do conhecimento dominante em busca da emancipação, Freire (2004, p. 47) afirma que “ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar possibilidades para a própria produção ou a sua construção”. Para ele cabem algumas competências essenciais ao educador: Ensinar exige pesquisa: dominar conteúdos e estar atualizado; ensinar exige respeito aos saberes dos educandos: respeitar os conhecimentos prévios e valorizar a cultura dos alunos; ensinar exige criticidade: fazer uma leitura crítica da realidade [...] (FREIRE, 2004, p. 56). Portanto, a pesquisa é ferramenta base do ato de ensinar e este deve contribuir de forma significativa, problematizando dentro do contexto da realidade vivida pelos alunos. Cada educador deve buscar formular suas questões e procurar responde-las, fazendo uso de métodos contextualizados, como o construtivista (BRUNER), emancipatório e dialógico (FREIRE). O método pedagógico é: “uma forma específica de organização dos conhecimentos, tendo com conta os objetivos do programa de formação, as características dos formandos e os recursos disponíveis”. (FREIRE, 2004, p. 64). 1.3 CONTRIBUIÇÃO DOS MÉTODOS PARA A SOCIALIZAÇÃO DA PESQUISA DO PROFESSOR Os métodos empregados devem subordinar-se ao tipo de aula a ser ministrada, afirma Fonseca (2003), pois a escolha do método a ser utilizado depende do 224 tipo de aula. O propósito desta escolha é regular as forma de interação entre ensino e aprendizagem, aluno e professor. Assim, para Gadin (2004) os métodos devem assumir na prática docente uma relação do objetivo-conteúdo, além dos meios a serem seguidos para se alcançar tais objetivos. Entendemos assim que a construção de métodos a serem usados em situações pedagógicas específicas depende de uma concepção metodológica mais ampla do processo educativo em que se está inserido professor e aluno. Com isso, os procedimentos metódicos da prática do professor pesquisador devem servir para fundamentar paradigmas de reflexão e ação sobre a realidade educacional. Para tanto, é importante reconhecer que o processo de conhecimento e a atividade prática do homem na sociedade devem estar vinculados a estes métodos de ensino como respostas aos objetivos propostos. O método da reflexidade epistêmica de Bourdieu (2004) orienta para uma forma de pensar e ordenar a realidade de forma minuciosa. É respeitado por auxiliar a entender a prática intelectual na educação. Para (PALMER, 2006, p. 282): A atitude e os métodos de reflexividade epistêmica oferecem uma estratégia para refletir sobre a postura epistemológica e social do pesquisador, em vez de entrar numa prática subjetiva que é meramente biográfica e expressa um relacionamento com nossas crenças e com as maneiras de adotarmos certas posições. Por ser assim considerado o conhecimento um fato social considera importante a investigação social e histórica. Portanto, ao combinar o uso dos métodos sociológicos como os métodos pedagógicos, o professor pesquisador trabalhar a elaboração e o fazer algo com organização para melhorar o cenário educacional. Assumindo critérios particulares as atividades do professor com o aluno devem ser eficazes e oportunas. Aglutinar os métodos é um desafio para muitos educadores que não têm o hábito de elaboração própria através da pesquisa, porém se faz necessário para o trabalho educacional. A demonstração é uma forma de representar fenômenos e processos que ocorrem na escola, por isso, a pesquisa do professor deve ser demonstrada em seus objetivos, conteúdos e métodos. Isso pode ser feito junto aos alunos e com o uso de ferramentas como as mídias, ilustrações e a própria escrita. Expor os fatos e fenômenos investigados na escola e levar a conhecimento público através da elaboração própria ainda é uma realidade distante da prática docente. 225 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este artigo, ao propor como objetivo apontar a relevância dos métodos sociológicos e pedagógicos para o trabalho de pesquisa na formação de professores, trouxe algumas considerações importantes. Uma delas seria entender o processo de pesquisa como uma investigação que parte do trabalho social da prática desse docente e que por meio dos métodos se pode chegar à resolução de problemas. O desafio em aliar a pesquisa científica com a pedagógica na escola é outro ponto que se constitui a partir dos métodos sociológicos e dos métodos pedagógicos, pois há predominância em ambos que merecem um olhar investigativo, seja pelo fato de estarem voltados à pesquisa social e questões relevantes de interesse coletivo, seja pela articulação destes métodos, os quais têm como base as teorias que aproxima a pesquisa científica à pedagógica por representar uma significação social. Diante disso, entende-se que sobre as contribuições de Durkheim não basta estudar a correlação entre os fatos sociais, cabe uma explicação racional dos resultados a serem interpretados. Caso o conhecimento permita uma intervenção ativa o processo de pesquisa tem lugar no campo social e serve como fonte transformadora e formadora de indivíduos. Conclui-se que é possível combinar a pesquisa científica com a pedagógica desde que – para estar presente nas escolas não como apoio, mas como uma busca pela inovação e mudança de um cenário que ainda desqualifica a educação – se priorize o estudo teórico, a investigação e a intervenção, fazendo uso dos métodos sociológicos e pedagógicos. REFERÊNCIAS BOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. São Paulo: Brasiliense, 2004. DURKHEIM, Émile. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins fontes. 2007. 226 FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Cortez, 2004. FONSECA, Selva Guimarães. Didática e Prática do Ensino de História. 4.ed. Campinas-SP: Papirus, 2003. GADIN, Danilo & Cruz. Planejamento na Sala de Aula. 2.ed. Campinas-SP: 2004. INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA (INEP). 2002. MARTUCCELLI, Danilo. Dans quelle société vivons-nous. Buenos Aires: Losada, 1996. PALMER, Joy A. 50 Grandes Educadores Modernos: de Piaget a Paulo Freire. Trad. Mirna Pinsk. São Paulo: contexto, 2006. RODWELL MK. Um modelo alternativo de pesquisa: o construtivismo. Rev FAEEBA. 1994;3:125-41. VICENTIN, Vanessa F. E quando chega a adolescência: uma reflexão sobre o papel do educador na resolução de conflitos entre adolescentes. São Paulo: mercado das letras, s/d. RICHARDSON, J. R. Pesquisa Social: métodos e técnicas. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1999. 227 RECURSOS DIDÁTICOS NO ENSINO DE CIÊNCIAS: UMA REFLEXÃO A PARTIR DA REALIDADE DAS ESCOLAS PÚBLICAS DE SENHOR DO BONFIM, BAHIA Adson dos Santos Bastos Resumo: Vivemos na era da tecnologia, onde as informações são processadas de forma rápida, no qual o saber pré-fixado sede lugar a busca da construção contínua do conhecimento e neste sentido o ensino das Ciências deve despertar o raciocínio científico e não ter apenas um caráter informativo. E cabe ao professor facilitar a construção do processo de formação, influenciando o aluno no desenvolvimento da motivação da aprendizagem e os recursos didáticos são ferramentas fundamentais para o processo de ensino e aprendizagem. O objetivo desse trabalho é promover uma reflexão sobre a utilização dos recursos didáticos no ensino de ciências nas escolas públicas da cidade de Senhor do Bonfim-BA, buscando verificar como as aulas estão sendo desenvolvidas pelos professores da disciplina. Como instrumento metodológico foi utilizado a observação dos recursos didáticos encontrados no ambiente escolar e aplicação de questionários. Questionários do tipo semi estruturados contendo questões abertas e fechadas para obter informações quanto ao ensino e os possíveis recursos didáticos utilizados durante as aulas de ciências. Verificou-se que as aulas ainda têm um caráter tradicional tendo como recursos didáticos mais utilizados o livro didático e o quadro marcado pelo instinto da memorização e avaliações escritas. Porém começam a surgir algumas mudanças e outros recursos ditos como recursos audiovisuais e tecnológicos começam a ganhar destaque no ensino de ciências mesmo que de forma tímida. E diante desse contexto conclui-se que é necessário mudar, quebrar com essa barreia ainda tradicionalista e partir para um método construtivista onde o professor deve ser o mediador e o aluno o construtor do próprio conhecimento, e os recursos didáticos é de grande valia, pois quando bem planejados tornam a aula envolvente e atrativa. Palavras-chave: Ciências Naturais; Ensino Fundamental; Recursos Didáticos. Introdução O mundo tem passado por mudanças cada vez mais aceleradas, estamos diante de um novo paradigma, vivemos na era tecnológica, onde as informações são processadas de forma rápida, e isso exige que os docentes reflitam melhor sobre sua ação pedagógica e revejam novas formas de ensinar. A educação está implantada nesse processo globalizado, onde o saber determinado e previsível sede lugar a busca da construção continua do conhecimento. E apesar de toda tecnologia impregnada 228 atualmente o Ensino de Ciências ainda permanece enfadonho, restrito a aulas tradicionais, tendo como recursos didáticos o quadro e o livro didático marcado pelo instinto da memorização e avaliações escritas. É fundamental romper com esse método e familiarizar o estudante com a pesquisa e a descoberta, formando cidadãos capazes de responder as necessidades atuais e o professor deve abrir caminhos para que isso ocorra promovendo a investigação, experimentação e a discussão ao invés de apenas se preocupar em repassar conteúdos (PAVÃO e FREITAS, 2008). Não se trata de negar a importância das aulas expositivas e nem o uso dos livros didático, afinal representa a comunicação na sua forma mais fundamental e qualquer recurso bibliográfico tem seu valor, o que é imperdoável é a frequência dessa modalidade de ensino e a passividade que ela promove, uma vez que está vinculada a um modelo de ensino que deve ser superado (PACHECO, 2000). Com a utilização de recursos variados, pensa-se em suprir os espaços vazios que o ensino tradicional geralmente deixa, e desse modo, além de expor o conteúdo de forma diferenciada, mais atrativa, torna os alunos participantes do processo de aprendizagem. Mais para que isso ocorra de forma positiva o professor deve ter domínio e um equilibrado conceito de técnicas e recursos didáticos adequados a faixa etária que se destina. Delizoicov, Angotti e Pernambuco (2002) apontam que é preciso está sempre inovando na sala de aula e utilizando recursos diversos para uma melhor abordagem dos conteúdos, para que o conhecimento que estava distante do tempo e do espaço possa ser assimilado e reconstruído pelo aluno. Mello (2004) salienta que os recursos não podem ser utilizados como se fossem aulas em si, deve ser utilizado como um meio, um apoio para que ocorra a troca de conhecimentos entre professor e aluno. Souza (2007) postula que: O professor deve ter formação e competência para utilizar os recursos didáticos que estão ao seu alcance e muita criatividade, ou até mesmo construir juntamente com seus alunos, pois, ao manipular esses objetos a criança tem a possibilidade de assimilar melhor o conteúdo. Os recursos didáticos não devem ser utilizados de qualquer jeito, deve haver um planejamento por parte do professor, que deverá saber como utilizá-lo para alcançar o objetivo proposto por sua disciplina (p.111). O docente deve fazer uma reflexão prévia sobre os conteúdos a seres trabalhados e assim programar recursos que se adaptem a seus objetivos já traçados, deve haver uma 229 seleção onde o docente deve analisar quais recursos ele tem quais recursos a escola dispõe para que aquele determinado assunto seja trabalhado de forma eficaz. Quase tudo pode ser considerado como recurso didático se o mesmo for usado num contexto de formação específica com a função de facilitar a aprendizagem, e entre os mais diversos tipos de recursos didáticos podemos citar: livros, quadro, revistas, documentários, filmes, computador, internet, matérias manipuláveis, data show, aula de campo entre tantos outros, enfim uma gama de variedades. E quando usados de forma adequada colaboram para despertar o interesse dos alunos e aproximá-los da realidade, desenvolver a capacidade de observação, oferecer informação e dados específicos. Quanto mais variado e rico for o meio intelectual, metodológico ou didático fornecido pelo professor, maiores condições ele terá de desenvolver uma aprendizagem significativa da maioria de seus alunos (LABURÚ; ARRUDA e NARDI, 2003). Por isso, o docente deve ser um profissional crítico e reflexivo, buscando atualizar-se para um melhor desempenho profissional, deve está atento as mudanças e sempre preparar suas aulas com antecedência, explorando outros recursos e assim obter motivação no processo de ensino e aprendizagem. O foco desse estudo foi conhecer os recursos didáticos mais utilizados pelos professores de ciências que atuam nas escolas estaduais e municipais da sede do município de Senhor do Bonfim durante suas aulas e perceber a importância dos mesmos para o docente no processo do ensino e aprendizagem com a intenção de trazer uma contribuição na discussão sobre propostas concretas de intervenção. Procedimentos Metodológicos Como instrumento metodológico foi utilizado a observação dos recursos didáticos encontrados no ambiente escolar e aplicação de questionários. As observações foram feitas constantemente durante as visitas as escolas, sendo orientados pelo diretor, vicediretor ou algum funcionário da escola, foram apresentados os recursos disponíveis e seu estado de conservação. Após esse procedimento ocorreu à aplicação dos questionários contendo questões abertas e fechadas para obter informações quanto ao ensino e os possíveis recursos didáticos utilizados durante as aulas de ciências. Com o questionário buscou-se caracterizar o perfil docente através de questões sobre idade, tempo de serviço, habilitação profissional, formação acadêmica, disciplinas que lecionam na escola. Em seguida questão sobre os recursos didáticos existentes na 230 escola e quais o docente utiliza com mais frequência, importância de diversificação durante as aulas de ciências, interesse pelos recursos didáticos. Análise dos dados O professor entra em contato com seu campo de atuação desde a sua formação inicial, através das disciplinas pedagógicas e quando começa a atuar profissionalmente vai ganhando mais experiência com a prática docente. O trabalho docente requer constante reflexão e aprofundamento, no qual o professor, na resolução dos problemas cotidianos de seu saber-fazer, desenvolve ações que se apresentam como respostas aos desafios que a prática impõe. E nesse contexto Oliveira et. al., (2006) afirma que “o desenvolvimento pessoal e profissional de um professor é um processo complexo e tecido conforme ele se posiciona em relação as múltiplas e, por vezes, contraditórias situações”. Perrenoud (2000) destaca que o ato de ensinar envolve muito mais do que apenas experiência de quem ensina, é preciso saber ensinar para que se aprenda. E neste sentido o docente por mais que tenha anos de experiência na sala de aula, isso não irá garantir que seus alunos aprendam se ele não tiver atento para a utilização de diferentes metodologias e estratégias que garantam a aprendizagem dos alunos. Analisando as disciplinas que os docentes lecionam, além de ensinar ciências muitos atuam em outras áreas para completar a carga horária. Foram citadas as disciplinas: História, Artes, Cultura Afro, Inglês, Geografia, Religião, Química, Sociologia, Matemática, Geometria e Redação. Esse misto de disciplinas acaba fazendo parte da rotina desses profissionais da educação, que ficam repletos de disciplinas para dar conta e devido à sobrecarga de trabalho nem sempre sobra tempo para se dedicar exclusivamente as ciências e planejar uma aula investigativa que promova a descoberta e motivação da turma. Em relação aos recursos didáticos mais utilizados pelos professores de Ciências que trabalham no ensino fundamental II tanto das escolas Estaduais quanto das escolas Municipais da sede de Senhor do Bonfim, notou-se que os livros didáticos e o quadro são os mais utilizados (Figura 01). Esse resultado confirma que o ensino de Ciências ainda permanece associado a uma educação “bancária” desvinculada da realidade do aluno e do contexto atual, caracterizada pelo padrão tradicionalista. Santos (2010) e Buck (2002) relatam que 231 apesar dos professores saberem a importância de diversificar suas aulas, deixando-as mais envolventes, a utilização dos recursos ainda é deficiente, limitando-se a aulas expositivas com uso do livro didático e o quadro, onde os conteúdos são abordados como mera transmissão de conhecimento científico, geralmente feito por um processo fragmentado, através de atividades ultrapassadas como cópias, ditados e exercícios de memorização. Para Fernandes (2005), o livro impresso ainda reina soberano no espaço da sala de aula sendo, portanto, o definidor do próprio currículo escolar, apesar das novas tecnologias de informação e comunicação. Figura 01 – Relação dos recursos didáticos mais utilizados pelos professores de Ciências que atuam no Ensino Fundamental II (6°ano a 9°ano) nas escolas públicas de Senhor do Bonfim, BA. Neste sentido, o livro didático tem grande valor nas construções curricular sendo a principal fonte de muitos docentes, e as falhas contidas nos livros têm gerado grandes discussões, tornando-o alvo de diversas análises (SOUTO, 2003). Para tal tradição Borges (2000), associa a fatores externos e internos a sala de aula: características econômicas e culturais dos alunos, formação e condições de trabalho dos professores, suas concepções de ensino, as políticas educacionais e suas implicações na grade curricular e nos conteúdos. Nesse sentido é fundamental quebrar com esse vinculo ao livro didático e utilizar outros recursos buscando outras formas e fontes de transmitir conhecimentos. 232 Por outro lado, o uso de filmes começa a ganhar destaque no cenário escolar. Os professores começam a levar para sala de aula recursos audiovisuais saindo da mesmice diária das aulas tradicionais. O uso da imagem e do áudio quando bem planejados tornam-se eficazes como destaca Dantas (2008), “o uso da imagem e da mensagem transmitida nos filmes leva o aluno a descobertas, estimulando sua autonomia, criticidade e curiosidade, propiciando o desenvolvimento da linguagem, do pensamento, da concentração e da atenção”. Utilizar esse tipo de recurso possibilita a inovação no contexto escolar e dessa forma possibilita que o aluno tenha outras maneiras de aprender. Forma-se um elo para que o conhecimento do professor, geralmente científico, seja entendido pelo aluno de uma forma mais atrativa, já que o hábito de ver filmes faz parte do cotidiano de muitos indivíduos. O mesmo percentual dado a TV Pendrive foi dado ao uso de cartazes pelos docentes. O cartaz é um meio de comunicação em massa, cuja finalidade é transmitir os mais diversos tipos de mensagens, a sua utilização em sala de aula é muito limitada e tem como objetivo informar e chamar a atenção dos alunos. Já a Tv pendive pode ser vista como um símbolo do avanço tecnológico que chega às escolas com o intuito de facilitar o trabalho do professor e promover uma aula mais interativa e atrativa com uso de imagens e áudio para o público alvo. O uso consciente e criativo desse recurso pelo docente junto aos seus alunos poderá ser um recurso significativo na construção do conhecimento científico. Brito e Purificação (2006), enfatiza que para isso, o professor deve está em continuo aperfeiçoamento, ou seja, a necessidade da formação continuada, articulandose educação e tecnologia, adequando a mesma a sua prática pedagógica. Cortes (2008) ressalta que é indispensável que se crie mecanismos para a formação dos professores, trazendo a estes a compreensão das reais necessidades do processo educativo atual, do uso didático-pedagógico de tais ferramentas, aliando a técnica com o pedagógico. Outros recursos didáticos citados foram: fotocópias, revistas e data show. Geralmente o uso de fotocópias e revistas está associado a textos e segundo Côco (2001) a leitura participa da construção cultural do homem, mais o texto deve ser escolhido através de algum critério e não servir à comodidade do docente simplesmente, facilitando o processo de preparo da aula. O professor, na escolha do material e no trabalho com ele, deve compreender que a compreensão do texto exige uma leitura crítica que implica na percepção das relações 233 entre o texto e o contexto (FREIRE, 1989). Sendo assim, é essencial entender porque e como o professor utiliza os textos e de que forma ele minimiza ou contorna as questões citadas. A final qualquer recurso bibliográfico é valido mais o docente deve ser crítico e não torná-lo como única fonte de trabalho. Já o data Show apesar de ser um equipamento bastante útil, de fácil transporte e que ajuda no processo de visualização de imagens ainda é muito pouco usado pelos professores de ciências, muitos docentes ainda não sabem como usar esse recurso e acabam por eliminá-lo do seu campo de atuação ao invés de buscar maneiras de aprender a manusear esses novos equipamentos tão freqüente nos dias atuais. Segundo Schmidt e Pazin Filho (2007) o custo de aquisição deste equipamento é alto, nem sempre está disponível em locais de apresentação e exige algumas técnicas pra manuseá-lo. Mais o docente tem que ser receptivo a mudanças, no sentido de dispor aos alunos novos recursos tecnológicos, visando um ensino mais relacionado como mundo atual. O uso do computador começa a assumir um papel relevante nas escolas publicas sendo que 22% dos professores afirmaram seu uso durante as atividades didáticas. Esses dados nos mostram que as novas tecnologias começam a ganhar espaço na sala de aula e que alguns professores estão se adaptando a essa fase tecnológica. Sendo bastante relevante para o processo educacional, conforme Coscarelli (1998), o uso de novas tecnologias estimula os estudantes proporcionando o desenvolvimento de diversas habilidades intelectuais e assim se mostram mais motivados para aprender. Garção e Andrade (2009) afirmam que se o professor souber usar o computador para fins didáticos o mesmo torna-se um recurso colaborador para a aprendizagem. Os recursos menos citados foram: jogos, fotografias, rádio, retoprojetor e aula de campo. 4% dos professores afirmaram a utilização desses recursos durante suas aulas. Os jogos tornam-se bastante apropriado para que o aluno assimile melhor os conteúdos de forma lúdica. Como relata Pedroso (2009): Através da dinâmica dos momentos pedagógicos, os conhecimentos escolares deixam de ser abstrações, passando a constituírem-se como instrumentos que podem ser utilizados na busca de soluções para os desafios de uma nova forma de olhar o mundo (p. 3189). Por outro lado, esse recurso ainda precisa ser mais usado pelos professores de ciências, pois desse modo o processo de construção do conhecimento escolar se descaracteriza e deixa de contribuir para uma postura critica do conhecimento. 234 As fotografias ainda não são vistas como um recurso de grande potencial para as ciências, apesar da popularização dos aparelhos eletrônicos, seu uso como recurso didático ainda é bastante tímido, deixando de lado um importante recurso visual, onde o uso da imagem poderia ser compartilhada, apreciada e interpretada pelos alunos e professores. De acordo com Bento (2009), o uso de fotografias surge como mais uma possibilidade e oportunidade do professor facilitar e melhorar o processo ensinoaprendizagem, uma vez que o nosso universo está repleto de imagens. Já o rádio contribui bastante para torna uma aula mais atraente principalmente para os jovens de hoje que são movidos a música e o professor pode utilizar esse recurso para diversificar suas aulas e atrair os jovens para a sala de aula. Como aborda Catão (2010) a música pode tornar o ambiente escolar mais alegre e favorável á aprendizagem. E com um bom planejamento a música torna-se eficaz para ensino de Ciências, como observou SANTANA e ARROIO (2008) em seus estudos que a música é uma forma de diálogo da ação humana, neste sentido é um recurso que permite ao professor utilizá-la como mecanismo importante nos processos de mediação e negociação de significados ao abordar temas científicos. O uso de retroprojetor e transparências já está bastante difundido nas escolas, apesar do custo de aquisição e manutenção ainda alto e do custo das lâminas para transparências, esse recurso ainda a é bastante útil apesar da introdução de novos recursos tecnológicos (ROSA, 2008). A transparência é usada basicamente como apoio para exposição oral, fazendo uso de imagens e textos para facilitar a troca de conhecimentos, mas em virtude da crescente utilização de projetores multimídias onde a conexão é diretamente através do computador, esse recurso didático vai perdendo espaço no cenário escolar. Já as aulas de campo ou aulas práticas segundo Lakatos (2001) proporcionam grandes espaços para que o aluno seja atuante, tornando-se agente do seu próprio aprendizado. E analisando o trabalho de Carvalho et. al., (2010) observou-se que na vivência da escola as atividades práticas são pouco frequentes, embora permaneça a crença dos professores que por meio delas, pode se transformar o ensino de Ciências. Krasilchik (2004) argumenta que no ensino das Ciências, e mais especificamente de Biologia, as práticas de laboratório e campo ainda são muito escassas. E nesse contexto chama-se atenção para a necessidade de mudanças, às vezes bruscas, na atuação dos professores. 235 Esses recursos citados anteriormente são menos frequentes nas atividades pedagógicas desenvolvidas pelos professores de Ciências envolvidos na pesquisa, embora observe uma introdução tímida, é preciso ficar atento as novas mudanças no processo educacional e adequar às novas modalidades de ensino. Vianna e Carvalho (2001) enfatizam que: Há necessidade de uma mudança didática, onde as interferências das áreas de conhecimento pedagógico e do conteúdo a ser ensinado, no nosso caso ciências, precisam atuar. É preciso que o docente, numa atividade de atualização, possa refletir sobre a sua prática, os conteúdos que ensina, aprendendo o que acaba de ser produzido, colocando-o em xeque em como introduzir os novos conhecimentos em sala de aula (p.115). Em todas as escolas pesquisadas não existiam laboratório de ciências, apesar de 50 % das escolas possuírem microscópio, mas esse se encontrava muitas vezes danificado ou inutilizável pelos professores. É lamentável que nas escolas não tenham laboratórios de Ciências afinal o laboratório constitui um local bastante significativo para o ensino principalmente para que o aluno possa associar a prática à teoria. As aulas práticas são essenciais para que os alunos tenham um aprendizado eficiente e significativo, pois nesse tipo de aula os alunos manuseiam equipamentos, materiais, observam fenômenos que só podem ser visualizados através de um microscópio e, além disso, as aulas práticas ajudam a sair da rotina da sala de aula e a disciplina de Ciências se torna atrativa para o aluno. Em seus estudos Zimmerann (2005) defende que: É durante a atividade prática que o aluno consegue interagir muito mais com seu professor. É utilizando esse tipo de atividade que o aluno pode elaborar hipóteses, discutir com os colegas e com o professor e testar para comprovar ou não a idéia que teve. Isso tudo, sem dúvida, resulta numa melhor compreensão das Ciências (p. 25). De acordo com Dourado (2001), as atividades de laboratório começaram a surgir no inicio do século XIX quando a disciplina de Ciências começou a fazer parte dos currículos de muitos países. E o mesmo autor defende que as atividades experimentais são essenciais para o processo de ensino e aprendizagem e devem estar adequadas às capacidades e atitudes que se pretende desenvolver aos alunos. Considerações Finais Com este trabalho foi possível perceber que as aulas de Ciências no Ensino Fundamental II ainda estão em sua maioria enraizada em recursos didáticos tradicionais. 236 Os recursos mais usados ainda estão na direção daqueles que se identificam com as habituais aulas expositivas. Nesse contexto é importante ressaltar que os docentes devem mudar a forma de transmitir conhecimentos e quebrar com essa barreira ainda tradicionalista e partir para um método construtivista onde o professor deve ser o mediador e o aluno o construtor do próprio conhecimento. A maioria das escolas pesquisadas dispõe de recursos tanto convencionais (livros, quadro), quanto recursos audiovisuais (TV pendrive, aparelho DVD, Data Show) e recursos tecnológicos (Computador, internet) para facilitar o trabalho docente e nota-se que os recursos ditos como audiovisuais e tecnológicos devem ser mais explorados pelo professor, pois a educação de hoje está em processo contínuo de transformação, momento em que o acesso a informação torna-se indispensável tanto para o professor como para o aluno e o uso dessas tecnologias tem a possibilidade de enriquecer as aulas tornando-as mais dinâmicas e interessantes. Mediante este cenário, ressalta-se a importância da capacitação e aperfeiçoamento do docente no que se refere não só ao domínio da tecnologia, mas também no manuseio dos equipamentos, de forma que consolide uma aula mais voltada para o conteúdo e as necessidades do discente, visando uma melhor formação intelectual com qualidade de ensino. Percebe-se ainda que apesar dos professores valorizarem os recursos didáticos como meios para facilitar a aprendizagem e relatarem sua importância como um excelente apoio para o desenvolvimento do trabalho docente seu uso ainda precisa ser estimulado. Os docentes precisam inovar, criar, experimentar e não ter medo do novo, pois os recursos didáticos criam possibilidades para o professor, evitando que o cotidiano escolar não seja engolido pela mesmice do dia-a-dia. Nesse aspecto torna-se necessário refletir sobre a prática docente e o processo de ensino e aprendizagem procurando discutir a aprendizagem e a qualidade do ensino. Somente assim será possível contribuir para a formação de cidadãos ativos, conscientes, autônomos, participativos e críticos. Referências BENTO, L. C. M. O uso da fotografia: do campo para a sala de aula – uma reflexão a partir da visão dos discentes e docentes do curso de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia/MG. Revista Eletrônica de Educação. 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Consideramos os pressupostos da pedagogia da resistência cultural, a PA, pois esta pedagogia almeja um processo de ensino aprendizagem em espaços-tempos e territórios diferenciados e alternados, de tal forma que o espaçotempo da comunidade e o espaço-tempo escolar, presentes na proposta das EFAs, sejam respeitados através de uma ação transdisciplinar entre as Ciências e o conhecimento popular, asseverando o diálogo entre os saberes. Como metodologia de pesquisa, utilizamos aquela do tipo ação participante, através de questionário e observação in loco, em conjunção com a Etnofísica, que possibilita perceber a relação entre a Física e um determinado grupo ou comunidade social, nos pautando no diálogo teoria e prática, no universo constituído pela academia e Rede das EFAs. Para a implementação da pesquisa utilizamos viagens de campo, permanecendo em cada escola uma média de três dias para começar o processo de investigação. Notamos como um dos resultados, por exemplo, que as bases filosóficas da PA, no que tange à formação nas ciências físicas, não estão bem assentadas e que a transdiciplinaridade ainda não se processa adequadamente. Palavras chaves: Aspectos Filosóficos - Etnofísica - Pedagogia da Alternância. INTRODUÇÃO A luta por uma escola de qualidade no campo seguiu na mesma direção da luta pela reforma agrária no país, o que representou um ideal de muitas pessoas e grupos comunitários que, mesmo sem escolaridade, defendiam a importância da escola como ferramenta de transformação política e social da realidade injusta e arbitraria em que vivem (FIGUEIREDO, 2009). Portanto, tendo em vista um projeto de desenvolvimento educacional, tomando como base a formação das Escolas Famílias Agrícolas (EFAs), não se podem descartar os fatores culturais do meio a que se destina. Assim, é necessário ter em vista as influencias da cultura sobre o desenvolvimento em diversas dimensões do conhecimento: científico, socioambiental, filosófico, político, e social. 240 Uma educação para a formação do sujeito está vinculada por uma multiplicidade de ações com princípios fundamentais, p.ex.: a luta com urgência para a aplicação de uma metodologia especifica de realidade igualitária, respeitando as questões do cotidiano da terra; as experiências do meio rural; e a própria vivência (SILVA, 2010). Além disso, acrescentamos a essa discussão mais um princípio que se refere ao aspecto metodológico, quando nessa formação se insere o conhecimento das ciências físicas; uma metodologia atual denominada Etnofísica, que na cultura do cenário agrícola nos mostra como o conhecimento popular pode ser compreendido através de um enfoque da física capaz de dialogar com uma determinada cultura – o dito enfoque etnofísico, pois a historicidade de um povo, de uma cultura, também são bases para o crescimento científico de uma nação (ANACLETO, 2007; SANTOS, 2002). Sob essas considerações basilares, esse trabalho visa compreender, a partir de bases filosóficas (CRUZ, 1940), como os sujeitos das EFAs, ligadas à Rede de Escolas Famílias Agrícolas Integradas do Semi-Árido (REFAISA), vêem sentido no conhecimento da Física, e como esta pode colaborar no contexto deles, sabendo-se que o seu conhecimento e estudo contribuem para o domínio das técnicas agrícolas, bem como para o melhor aproveitamento destas no rural (ANACLETO, 2007). Consideramos os pressupostos da pedagogia da resistência cultural, a Pedagogia da Alternância (PA), garantindo um processo de ensino aprendizagem em espaços-tempos e territórios diferenciados e alternados, de tal forma que o espaço-tempo da comunidade e o espaço-tempo escolar, presentes na proposta das EFAs (CAVALCANTE, 2006b, 2007, 2010), sejam respeitados através de uma ação transdisciplinar entre as Ciências e o conhecimento popular, asseverando o diálogo entre os saberes. A importância do uso da Etnofísica se dá pelo fato de que ela nos possibilita perceber a relação entre a Física e a realidade das EFAs, pois, parafraseando D‟Ambrosio (1993), Etnofísica é entendida como a arte mágica, dentro de um contexto cultural próprio, de explicar, de entender, e de se desempenhar os fenômenos físicos, em suas respectivas existências espaços-temporais. A utilização do referencial da PA ocorre pelo fato de ser esta a pedagogia utilizada pelas EFAs (CAVALCANTE, 2006a); pedagogia que tem como base um método científico que consiste na observação, descrição, julgamento, experimentação e questionamento (por meio de instrumentos didáticos que possibilitem o contato com o entorno e a inserção do entorno no cotidiano escolar, como acontece com os Planos de Estudos) dos fenômenos envolvidos. Tal pedagogia considera que a vida nos ensina mais que a escola, estabelecendo, portanto, que o foco do processo de ensino-aprendizagem é o educando e sua realidade, acreditando que a teoria está em função de melhorar a qualidade de vida, para formar cidadãos inseridos na sociedade (TEIXEIRA et all, 2008). Ancoramo-nos em bases filosóficas pelo fato de que, subjacente às EFAs (CAVALCANTE, 2007), à PA (SOMMERMAN, 1999; TEIXEIRA et all, 2008), bem como ao conhecimento físico (FARIAS e MILTÃO, 2005; MILTÃO, 2010), existem pressupostos filosóficos que consideram questões ontológicas, epistemológicas, cosmológicas, sociais e políticas, dentre outras. Como metodologia de pesquisa, utilizamos a ação participante (DEMO, 2004; GIANOTTEN e WIT, 2000), pautada no diálogo teoria e prática, no universo constituído pela academia e EFAs. Para a implementação da pesquisa utilizamos viagens de campo, permanecendo em cada escola uma média de três dias para começar o processo de investigação, visando o fortalecimento do trabalho desenvolvido pelas EFAs em seus processos formativos nos contextos em que se inserem, e participamos do processo formativo de seus monitores/professores através de seminários (MILTÃO, 2010) realizados na universidade (CAVALCANTE e SANTOS, 2008). 241 DESENVOLVIMENTO Para melhor compreendermos o debate do ensino de Física nas EFAs consideraremos alguns pressupostos filosóficos, estabelecidos nas referências Área de Física (1998) e Farias e Miltão (2005), que embasam o conhecimento humano e levam em conta suas questões ontológica e epistemológica, e o conceito de Campo do Saber. Assumimos que o conhecimento é um produto do processo de produção da existência humana; é um produto do “(...) processo histórico, que tem sua existência manifesta num comportamento cosmológico do indivíduo como parte de um todo social” (ABRAMCZUK, 1981, p. 39); e que o campo do saber é um conjunto sistematizado de conhecimentos relativos a um grupo de fenômenos ou objetos (CRUZ, 1940; SANTOS FILHO, 1992), i.e., relativos a fenômenos ou objetos que manifestam propriedades em comum. Também, consideramos que os diversos conhecimentos, distribuídos entre os Campos do Saber, constituem o Patrimônio da Humanidade e que “são produtos de, e exprimem as, relações que o ser humano estabelece com a natureza na qual se insere” (ANDERY et all, 1988, p. 12). No que tange à Física, assumimos como definição que ela estabelece o estudo do comportamento e da constituição do Universo, com o objetivo de descrevê-lo; portanto, é o conjunto sistematizado de conhecimentos científicos que objetivam estabelecer a origem, evolução e estrutura da matéria e da radiação do Universo, e cujo método passa pelas dificuldades do teste, da verificação, da relação entre as teorias e a realidade empírica, e da validação das descrições, previsões e aplicações (FARIAS e MILTÃO, 2005, p. 80). Com isso, a Física se consubstancia como um dos legítimos campos do saber, contribuindo na construção da parede do conhecimento e na estruturação do conhecimento como Patrimônio da humanidade. O que justifica ser estudada e compreendida por todo e qualquer cidadão, seja ele do meio urbano ou do meio rural. Em termos de pressupostos filosóficos, a PA desenvolve-se apoiada nos pilares seguintes: os pilares fins – (i) a formação integral e personalizada (projeto de vida) e (ii) o desenvolvimento do meio (social, econômico, humano, político, ambiental) e os pilares meios – (iii) a alternância integral ou copulativa (uma epistemologia apropriada que possibilite uma formação socioprofissional e escolar baseada na reflexão sobre os dois espaços da escola e da comunidade e sobre seus contextos) e (iv) a Associação local (famílias, instituições profissionais) (GOWACKI et all, 2009, p. 5). A PA apresenta quatro lógicas que garantem o seu caráter articulador (CAVALCANTE, 2007): a lógica relacional (que busca a relação escola e comunidade); a lógica pedagógica (que busca a relação teoria e prática); a lógica produtiva (que busca a relação educação e trabalho); e a lógica socioambiental (que busca a relação ambiente e sociedade rural presente na escola família). As três primeiras lógicas “sobressaem-se na trajetória organizacional das escolas e podem trazer como subsídio de análise o perfil dessas instituições atuantes no campo” (CAVALCANTE, 2007, p. 149). A quarta lógica sobressai-se na trajetória organizacional da comunidade sendo “construída pelos e para os camponeses da região, traçando as suas trajetórias locais tendo em vista as visões pessoais” (CAVALCANTE, 2007, p. 149). 242 Assim, para que a PA efetivamente ocorra, considerando uma inter-relação entre os quatro pilares acima (GOWACKI et all, 2009, p. 5), pondo em prática as quatro lógicas citadas (CAVALCANTE, 2007, p. 149), e enfatizando “o respeito à cultura do sujeito do campo” (SOMMERMAN, 1999, p. 1), é essencial também introduzirmos o que denominaremos o „pilar conjuntivo‟ da transdisciplinaridade (para que envolva os „pilares fins‟ com os „pilares meios‟, em união com as quatro lógicas), pondo em relevo “a urgência de cultivar o campo do sujeito (...), pois não é possível cultivar o campo do sujeito sem respeitar as suas raízes, a cultura na qual ele está inscrito, [através de uma] ‘educação intercultural e transcultural’” (SOMMERMAN, 1999, p. 1). A transdisciplinaridade é aquela ação supradisciplinar (CETRANS, 2002; FARIAS e MILTÃO, 2005; HERRÁN-GASCÓN, 2004; NICOLESCU, 1997; SANTOS FILHO, 1992) que se dá “como uma unificação [entre as diversas formas de conhecimento, considerando o mais alto grau de interação] através da comunicação, com cooperação e coordenação para uma visão comum, total” (MILTÃO, 2010, p. 9). As ações supradisciplinares se configuram como movimentos intelectuais que buscam a interação entre os Campos do Saber, considerando o grau e a forma da interação entre eles, dirigindo-se para a totalidade do saber (COSTA, 2000; FARIAS e MILTÃO, 2005; HERRÁN-GASCÓN, 2004; NICOLESCU, 1997; SANTOS FILHO, 1992). A EFA é uma proposta de escola rural que objetiva buscar o fortalecimento da relação escola comunidade, considerando uma perspectiva integrativa de educação, onde as “dicotomias teoria e prática, conhecimento elaborado e conhecimento popular, mundo da vida e mundo da escola, estudo e trabalho se dissolvem em uma única proposta que pressupõe garantir uma melhor formação do jovem rural em sua comunidade” (CAVALCANTE, 2006a, p. 4). As EFAs se ancoram em quatro pilares, a saber: “a formação integral dos alunos, o desenvolvimento local dos contextos onde atuam, a gestão participativa da escola pelos pais agricultores e a sua orientação intrínseca, a própria pedagogia da alternância” (CAVALCANTE, 2006a, p. 4). Os pilares da PA e das EFAs se relacionam com questões filosóficas como segue: a interação sujeito-objeto (problema ontológico) está na base dos pilares da formação integral (sujeito) e do desenvolvimento do meio (objeto); o problema epistemológico está na base do pilar da alternância, enquanto uma pedagogia; e o problema político e social está na base do pilar da gestão participativa da associação. No que tange ao ensino de ciências algumas questões chaves precisam ser compreendidas. Muito freqüentemente os estudantes passam a ver Ciências como apenas mais uma disciplina no currículo escolar. No ensino médio, quando as Ciências Exatas se dividem em Química, Física e Biologia, são percebidas com ainda maior parcimônia por eles, que não raramente apresentam dificuldades de aprendizado e pouca motivação. Aprender não significa apenas ser capaz de reproduzir aquilo que foi visto na escola, mas, sim, saber aplicar o conhecimento construído, tendo ciência de que o conteúdo trabalhado gerou ou foi gerado a partir de uma situação real, ainda que tal conhecimento deva ser abstraído para ter validade mais geral. Fazer com que esse estudante interaja com o mundo, tornando-se um pensador crítico e capaz de transpor barreiras, essa é a função da escola, dos educadores e da sociedade, contudo as escolas tradicionais não têm cumprido esse papel, o que levou à proposta das EFAs (CAVALCANTE, 2006a, p. 3). Desde então, a relação escola família e ambiente rural, e as diversas dimensões de análise atreladas a esse “movimento sócio educativo” (GIMONET, 1999) têm sido o objeto de estudo atrelado a alguns grupos de pesquisa na área de educação do campo (ARROYO et all, 2004; CALDART, 2002; TEIXEIRA et all, 2008) e no entanto, pelo 243 menos no que tange à apreensão do processo pedagógico na sua totalidade, o problema aludido no parágrafo anterior persiste (SILVA, 2008, p.111). Problema que existe, inclusive, na apropriação dos conhecimentos de Física, Química, Biologia e Matemática por parte dos monitores/professores das EFAs, como nossa pesquisa tem identificado. Assim, nosso trabalho buscou compreender como os sujeitos das EFAs (seus estudantes, e seus professores/monitores) percebem as questões filosóficas subjacentes ao próprio conhecimento, em particular ao conhecimento físico, com o intuito de utilizar a Física na sua formação, considerando a PA através da ação transdisciplinar. Para isso, os ensinamentos da pesquisa em Etnofísica são fundamentais. Quatro EFAs foram visitadas, dentre essas, uma de Ensino Fundamental 2 e as outras 3 de Ensino Médio. As questões colocadas para a comunidade nos permitiram fazer as seguintes considerações: As respostas dos estudantes, no que tange ao conhecimento da Física, demonstraram inicialmente um desconhecimento relativo à essa disciplina, revelando que tal disciplina nunca tinha sido trabalhada no ensino fundamental, como demonstra e resposta: “a principal dificuldade encontrada ao entrar na EFA foi a adaptação com essa disciplina, pois foi a primeira vez que eu trabalhei com essa matéria”. No aspecto da ajuda que as EFAs dão para compreender a Física, as respostas demonstram que existe uma tentativa (“... a alternância que passava atividades e eu passei a me esforçar mais ...”), no entanto não fica claro se essa ajuda se efetiva pois algumas respostas falam de uma Física baseada “em muita formulas e muitos cálculos”. Em relação à importância das EFAs apresentarem aulas de Ciências, existe uma compreensão que qualifica de ótima essa ação. Isso demonstra que os estudantes têm consciência da importância da Física não só na sua vida, mas na sociedade. Quando consideramos a relação da PA com a Física, fica evidente o desconhecimento dos estudantes de como tal relação pode ocorrer. Uma resposta representativa coloca “gostaria de poder levar livros da disciplina para casa...”. Vemos assim que, em geral, os estudantes, nesse quesito, enxergam uma alternância justapositiva (CAVALCANTE, 2007), pois fica indicada uma relação temporal entre trabalho e estudo, sem vínculo entre ambos. Além disso, os estudantes acham importante que exista um livro texto sobre física levando em conta a PA. Quando se questiona os estudantes sobre o que mais gostam em relação às Ciências Física, as respostas indicam um sentimento ingênuo da disciplina: “a interação dos objetos no espaço”; “as experiências que são feitas e poder ver as estrelas de perto”. Em relação ao que mais chateia os estudantes, percebe-se um posicionamento muito semelhante ao dos estudantes das escolas tradicionais, como indicam as respostas: “pra mim é estudar uma coisa por obrigação”; “as vezes os cálculos”; “são as fórmulas que são difíceis de aprender”. Quando opinam sobre mudanças no ensino, as respostas indicam uma dificuldade de compreensão do que é a Física, posto que se circunscrevem meramente ao aspecto da forma como os conteúdos são ministrados: “a única coisa que eu queria mudar na Física é o tamanho das contas, porque são grandes”; “uma das três leis de Newton”; “facilitava mais em relação aos cálculos”. No aspecto da ação pedagógica dos monitores/professores das EFAs, percebe-se que existe um esforço de tais monitores, como indicam as respostas dos estudantes: “bem, pois os professores que tivemos realmente tentaram nos ensinar...”. As respostas dos monitores/professores das EFAs, no que tange ao conhecimento da Física, demonstram pouco conhecimento no que diz respeito à Física, indicando uma formação não apropriada para o seu ensino. Respostas representativas são: “Interpretação e compreensão dos termos abordados”; “Materiais de Matemática com a contextualização local e regional”; e “Interpretar problemas; fazer cálculos 244 envolvendo subtração e divisão”. Nota-se uma concepção conteudista, semelhante com aquela vivenciada nas escolas tradicionais. No aspecto da ação docente, as respostas indicam uma preocupação na questão didática e na alternância: “Atividades que facilitam a aprendizagem, fazendo a relação com problemas do dia-a-dia de cada aluno”; “Aulas dinâmicas e práticas, contextualizando com o dia-a-dia e a realidade de cada alternante”. Observamos que as respostas ficam conflitantes com as respostas dos estudantes, na medida em que os estudantes falam das dificuldades encontradas para a compreensão dessa disciplina. Além disso, considerando o parágrafo anterior, somos levados a concluir que a transposição didática não está sendo cumprida a contento. No que tange ao planejamento das ações pedagógicas, bem como à utilização dos instrumentos da alternância, as respostas dos indicam uma tentativa de cumprimento dos preceitos da didática e da alternância: “Atividades práticas; projeto político pedagógico com os conteúdos específicos para cada turma”; e “São feitos os planos de sessão de acordo com o plano de formação e discutido com a equipe de monitores os conteúdos a serem trabalhados de acordo com o Plano de Estudo”. Quando consideramos a relação da PA com a Física, as respostas indicam que eles conhecem a PA e afirmam que é possível a existência dessa relação: “Sim, pois os jovens repassam que aprendem durante o período de estadia na EFA para a família e a comunidade”; “Sim. É uma linha de pensamento que se consolida a todas as disciplinas”; e “Sim, pois os instrumentos pedagógicos proporcionam a interdisciplinaridade com os conteúdos da Matemática”. Apesar da consciência da importância da relação não nos parece que tal relação consegue ser implementada, ao considerarmos as respostas dos estudantes que indicam uma alternância justapositiva. Além disso, os monitores/professores acham importante que exista um livro texto sobre física levando em conta a PA. As observações feitas nas EFAs confirmam as considerações levantadas a partir das respostas ao questionário. CONCLUSÕES Nota-se um desconhecimento da natureza ou definição da Física por parte dos estudantes o que implica em um desconhecimento por parte dos monitores/professores, como se evidencia nas respostas dos monitores/professores. A Física é vista, em geral, como formulas sem sentido fenomenológico, histórico e conceitual. Emerge uma concepção, no que tange ao ensino da Física, de uma alternância justapositiva, significando que a ação transdisciplinar não se efetiva. Observamos que, em geral, o termo interdisciplinaridade se confunde com o termo transdisciplinaridade. Ainda assim, diríamos que filosoficamente, a teoria da PA está presente, quando observamos algumas falas dos estudantes e monitores/professores. Assim, no que se refere ao conhecimento científico, percebemos que as bases filosóficas da Pedagogia da Alternância não estão bem assentadas nas EFAs visto que conceitos como complexidade, lógica do terceiro incluído, e os níveis de realidade, pilares do pensamento transdisciplinar (CETRANS, 2002; SOMMERMAN, 1999, p. 4) e que têm uma forte ligação com a Física moderna e contemporânea (CETRANS, 2002), não são refletidos nas respostas aos questionários nem nas observações feitas. De forma positiva, vemos a certeza de que existe um sentimento marcante de que é possível uma relação da Física com a PA, tanto da parte dos estudantes como dos monitores/professores das EFAs. Do ponto de vista filosófico, esse sentimento é 245 importante, pois revela o compromisso dessa comunidade com os pressupostos da PA e das EFAs, condição sine qua non para tal relação ser buscada e concretizada. Dessas considerações, algumas questões desafiadoras surgem; são elas: • De que forma podemos modificar a maneira de trabalhar dos monitores/professores para garantir uma construção sólida do conhecimento em Física? • Como envolver os monitores/professores das outras disciplinas para conseguirmos efetivar a ação transdisciplinar? • Como poderemos apresentar a Física considerando a Pedagogia da Alternância, já que persiste de certa forma, uma visão mágica (na concepção freireana) de tal campo do saber não só nos monitores/professores, mas nos estudantes? REFERÊNCIAS ABRAMCZUK, A. A. “O mito da Ciência Moderna: Proposta de análise da Física como base de ideologia totalitária”. Cortez/Autores Associados, São Paulo - SP, 1981. 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A reflexão teórica foi apoiada na discussão dos conceitos de motivação, geografia escolar e ensino/aprendizagem, onde foi entendido que a motivação está diretamente relacionada à aprendizagem em sala de aula, considerada como uma possibilidade de estimular os estudantes para aprender, principalmente, disciplinas que os mesmos consideram “chatas”. A metodologia utilizada foi pautada na pesquisa qualitativa, onde foram aplicados questionários destinados a 10 alunos do 9° ano do ensino fundamental, numa escola de rede estadual de ensino, localizada na cidade de Feira de Santana e entrevista para 07 professores, sendo 04 de Geografia e 03 das demais disciplinas. Os resultados indicam que a motivação influencia significativamente o processo de ensino e aprendizagem tanto da Geografia, quanto das demais disciplinas, bem como é consenso, entre alunos e professores investigados, sobre a necessidade da inovação nas aulas desta disciplina para motivar os alunos em sala de aula. Palavras chave: Motivação. Ensino de Geografia. Ensino-Aprendizagem 1. Introdução O estágio supervisionado de regência é um momento crucial para a formação docente, pois, neste período o estudante de licenciatura direciona o seu olhar mais crítico e reflexivo para as questões educacionais, bem como coloca em prática o fazer docente. Considerando que atualmente existem debates e discussões acadêmicas a respeito de formar professores pesquisadores na área de educação, a regência de classe é 50 51 Graduando em Licenciatura em Geografia- UEFS; E-mail: [email protected] Orientadora: Profª. Drª. Departamento de Educação- UEFS; E-mail: [email protected] 249 tida como uma oportunidade propicia para o futuro educador desenvolver tal objetivo. Desta forma esta pesquisa foi desenvolvida a partir da experiência vivida no componente curricular Estágios Supervisionados em Geografia (I, II e III), disciplina obrigatória do curso de graduação em Geografia, aos quais as atividades de observação, co-participação e, principalmente, de regência de classe foram desenvolvidas numa escola da rede estadual de ensino, na cidade de Feira de Santana-BA. O fato observado foi que os alunos do 9° ano do ensino fundamental, do turno matutino, se mostravam desmotivados e/ou desinteressados para com o ensino de Geografia, principalmente quando estávamos no estágio II (fase de observação em sala de aula). A partir do pressuposto de que os estudantes estavam desmotivados devido ao “tradicionalismo” das aulas, que eram predominantemente expositivas e apoiadas no livro didático, planejamos e desenvolvemos, no estágio de regência, atividades que contemplassem o uso de recursos, tais como TV pen drive, músicas, mapas, globo terrestre, filmes entre outros, bem como procedimentos e dinâmicas que, nosso ponto de vista, poderiam tornar as aulas mais interessantes e atrativas para os alunos. Para além dos recursos citados, fizemos questionamentos, problematizamos situações, incentivamos a participação dos alunos, relacionamos os conteúdos com a realidade local. No entanto, constatamos que o efeito não foi tão significativo para motivar os estudantes, pois, durante as aulas houve momentos em que os alunos não ficavam quietos, não demonstravam interesse, atrapalhavam o desenvolvimento da aula. Essa nossa experiência nos levantou vários questionamentos, entre os quais: O que realmente motiva os alunos? O que na opinião deles, tornaria as aulas de Geografia mais interessantes? No intuito de aprofundar essa questão, o presente trabalho objetivou analisar a importância da motivação para o processo de ensino e de aprendizagem da geografia escolar, bem como pontuar as sugestões de professores e alunos para tornar as aulas de geografia mais interessantes. A metodologia utilizada foi de viés qualitativo, pois, em se tratando de pesquisa na área educacional, o pesquisador deve buscar sempre analisar as informações, os dados de uma maneira que vá além de levantamentos estatísticos, pois, a necessidade de encontrar alternativas para melhoria do ensino se faz presente e requer uma análise mais criteriosa e reflexiva dos resultados obtidos. A coleta de dados foi realizada numa turma de 9° ano do ensino fundamental, de uma escola pública da rede estadual de ensino, localizada na cidade de Feira de Santana-BA. Os sujeitos da pesquisa foram 10 alunos, aos quais foram aplicados questionários, e 07 professores, sendo 04 de Geografia, 03 das demais áreas de conhecimento, aos quais foram desenvolvidas entrevistas. Após a coleta, os dados foram tabulados e analisados á luz do arcabouço teórico discutido ao longo do trabalho. 2. Apoio Teórico 250 2.1. O que se entende por motivação Tapia e Fita (2001) argumentam que a motivação é um conjunto de variáveis que ativam a conduta e a orientam em determinado sentido para buscar objetivos, sendo entendida como uma maneira de analisar os fatores que levam as pessoas a empreender esforços para alcançar suas metas, concretizar desejos. É com esse entendimento que os autores ressaltam que a motivação está diretamente relacionada à aprendizagem em sala de aula, argumentando que toda mobilização cognitiva que a aprendizagem necessita, deve nascer de um interesse, de uma necessidade de saber, de um querer alcançar determinadas metas. Portanto a questão da motivação em sala de aula é trazida como uma possibilidade de estimular os estudantes para aprender, principalmente disciplinas que os mesmos consideram “chatas”. Despertar, motivar o aluno para a aprendizagem é uma missão fundamental quando se trata de questões relacionadas à educação. Entre professores, o fato de a motivação influenciar no processo de ensino e aprendizagem do aluno é uma preocupação que vem ganhando cada vez mais importância. Sobre isso, Moysés (1995, p77) salienta que: A preocupação em motivar os alunos para a aprendizagem é um ponto em comum entre as professoras. É um processo em que o despertar o interesse para aprender se reveste de forte conotação afetiva, expresso em um clima de cumplicidade. Desta maneira, o professor passa a ser o intermediário para o estímulo do aluno. Para isso necessita analisar as formas de aprender para promover métodos que estimulam os educandos para a aprendizagem. Raasch (1999) argumenta que os educandos devem sentir-se estimulados para a aprendizagem, uma vez que eles terão que refletir as suas percepções para adquirir novos conhecimentos de modo que avancem cognitivamente, e a figura do professor é um dos provedores da motivação em sala de aula. Certo da sua imensa influência para este processo, o docente tem a missão de tonar os conteúdos mais significativos para os alunos, objetivando proporcionar aulas mais dinâmicas que estimulem os alunos a querer aprender. No entanto, é válido ressaltar que, mesmo que possa contribuir para a motivação de seus alunos, ela (a motivação) não depende exclusivamente do professor, mas de todo um processo que envolve a construção do conhecimento. Sobre isso, Tapia e Fita (2001) destacam que a motivação depende de vários fatores, inclusive da própria vontade do aluno em querer aprender. 2.2 Motivação e ensino da Geografia escolar No âmbito da geografia escolar, historicamente, sempre houve o predomínio de uma prática de ensino, pautada na descrição e memorização dos conteúdos geográficos, 251 que tornava as aulas dessa disciplina desinteressantes e enfadonhas, resultando na total desmotivação dos alunos. Nunes (2008) corrobora essa hipótese, ressaltando que a falta de interesse e a desmotivação em estudar geografia por parte dos alunos, recai sobre as próprias aulas da disciplina, onde os professores apenas transmitem o conhecimento sem levar em consideração as experiências dos alunos, além de abordar os conteúdos sem relacionar com a realidade do educando. Felizmente, essa prática tradicional de ensino, que até então, predominava nesta disciplina, vem sendo diluída para dar aspectos à outra concepção da geografia. Conforme Cavalcanti (2002, p 11): Particularmente, a geografia escolar tem procurado pensar o seu papel nessa sociedade em mudança, indicando novos conteúdos, reafirmando outros, reatualizando alguns outros, questionando métodos convencionais, postulando novos métodos. Desta forma, o ensino dessa disciplina busca encontrar novas formas metodológicas para serem abordadas em sala de aula de maneira mais interessante e significativa para a vida do aluno, na perspectiva de motivá-los, despertá-los, incentiválos para o estudo dessa disciplina. Porém, esse ainda tem sido um grande desafio para os professores em sala de aula. Para Paludo e Martins (2007), o enfrentamento desse desafio requer que os professores de geografia tenham uma boa formação teórica e procurem colocar isso em prática através de ações concretas que possam envolver os alunos, dinamizando e tornando suas aulas mais interessantes. Assim a visão do aluno com relação ao ensino de geografia poderá ganhar novas nuanças. No nosso ponto de vista, o ensino da geografia pode ocorrer de maneira mais empolgante e significativa se o aluno entender a real importância do conhecimento geográfico na sociedade. Sobre isso corroboramos com Cavalcanti (2002) a ideia de que o trabalho da geografia escolar consiste em levar as pessoas, os alunos em geral, os cidadãos, a uma consciência da espacialidade das coisas, dos fenômenos que elas vivenciam, diretamente ou não, como parte da historia social. A partir disso, o ensino desta disciplina torna-se extremamente relevante para que os alunos compreendam e sintam-se capazes de intervir e transformar sua realidade social onde estão inseridos, objetivando almejar uma sociedade mais justa e igualitária. Diante disso, entendemos que a discussão sobre a importância do conhecimento geográfico para a sua formação, a percepção de que geografia é praticada no dia-a-dia, a noção de que os estudos geográficos podem contribuir para analisar a realidade espacial local podem estimular os estudantes para a aprendizagem dessa disciplina. Entretanto, mesmo buscando-se novas alternativas para que o ensino desta disciplina torne-se mais interessante, é válido ressaltar, como já colocado anteriormente, que a motivação dos alunos dependem de vários fatores, inclusive da própria vontade do aluno em querer aprender. 252 3. Apresentação e discussão dos resultados Como já ressaltado, a coleta de dados foi realizada numa turma de 9° ano do ensino fundamental, de uma escola pública da rede estadual de ensino, localizada na cidade de Feira de Santana-BA. Os sujeitos da pesquisa foram 10 alunos, aos quais foram aplicados questionários, e 07 professores, sendo 04 de Geografia, 03 das demais áreas de conhecimento, aos quais foram desenvolvidas entrevistas. Tanto nas entrevistas quanto nos questionários, as questões versavam sobre a opinião dos alunos e professores sobre quais atividades tornam as aulas de Geografia mais interessantes; e como o professor entende este processo para a aprendizagem em sala de aula. 3.1 O que os alunos entendem por motivação, sua influência no processo de ensino e de aprendizagem e as atividades que tornam as aulas mais interessantes Ao serem indagados sobre o que eles entendem por motivação para o ensino, podemos constatar que as respostas foram as mais variadas, no entanto, é possível notar que a explicação dada pelos alunos em termos gerais não foge ao conceito de motivação salientado por alguns autores já citados nesta pesquisa. Dos 10 alunos que responderam ao questionário, 80% responderam que a motivação está relacionada à busca de objetivos, estímulo, incentivo para estudar ou fazer outras coisas, o que pode ser confirmado nas respostas de alguns alunos: “ajudar o aluno a alcançar seu objetivo”; “é a vontade própria de fazer alguma coisa”; “Estar atento e inspirado para estudar ou fazer outras coisas”. Desta forma, as concepções dos alunos a respeito da motivação para o ensino estão diretamente relacionadas aos processos de ensino e aprendizagem destes, pois, o aluno motivado busca compreender, participar das aulas e consequentemente a apreensão dos conteúdos se faz de maneira mais fácil e prazerosa. As respostas dos alunos corroboram as ideias de Carretero (2002, p 56) ao salientar que: “sem motivação, o aluno não realizará nenhum trabalho adequadamente, não só o de aprender um determinado conceito, mas o de colocar em andamento as estratégias que lhe permitam resolver problemas similares aos aprendidos” Sobre isso, Marchesi (2006) argumenta que, quando os alunos estão motivados realizam suas atividades, estão incentivados para aprender, estudar, em função das metas, objetivos que pretendem alcançar. Isso pode ser constatado na seguinte resposta dada pelo aluno sobre motivação: “incentiva buscar um caminho melhor no futuro”. Com isso, a motivação aparece diante dos alunos entrevistados como um estímulo, incentivo para estudar, confirmando a relação direta existente entre o processo de ensino e aprendizagem. Neste caso, é importante ressaltar que a motivação também está ligada às características pessoais e ao ambiente ao qual o processo de ensino e 253 aprendizagem está se desenvolvendo, considerando o contexto escolar em que o aluno vivencia. Com relação à escola, quando questionados se o ambiente escolar os motivava, 70% dos alunos disseram que sim, justificando de maneiras diversas, entre as quais: “Eu gosto da escola porque tem o auxilio das professoras”, ou ainda” Estou na presença dos meus amigos e me sinto mais confortável”. No nosso ponto de vista, isso é algo positivo, pois, a escola tem que ser realmente um lugar prazeroso, instigante para o aluno se sentir bem e estimulado para buscar o conhecimento. Reforça esta afirmativa, o aluno ao dizer: “eu acho as aulas legais”. Ou como relata a estudante: “a escola é um lugar legal”. Por sua vez, 30% dos investigados consideram a escola como um local desinteressante ou que a influência negativa dos colegas de classe contribui para tal concepção. Essa perspectiva pode ser constatada na resposta do aluno: “a escola é chata”, E ainda. “minha amiga não deixa estudar”. Percebe-se que o aluno desmotivado passa a encarar a escola como algo sem importância e desagradável. Esse fato leva os educandos a incomodar o bom desenvolvimento da aula e consequentemente a influenciar negativamente na aprendizagem da classe. A discussão sobre se os estudantes sentem-se motivados ou não no ambiente escolar é importante, tendo em vista que o perfil do estudante brasileiro tem mudado e para atender essas mudanças, a instituição escolar deve acompanhar essa nova realidade e proporcionar ao aluno um ambiente escolar mais agradável, onde o estudante se sinta estimulado, interessado em aprender os conteúdos ensinados pelos professores, fazendo com que se sintam sujeitos ativos do processo de ensino e aprendizagem. 3.2 Opinião dos estudantes sobre as atividades que tornam as aulas de Geografia mais interessantes Como já salientado, as discussões voltadas para o ensino da geografia escolar ressaltam a relevância de o docente se atentar para os aspectos motivacionais dos alunos, promovendo metodologias que possam diversificar e relacionar os conteúdos com a realidade local, no sentido de atribuir significados dos conhecimentos geográficos para vida do estudante. Com esse entendimento, ao serem questionados sobre como o professor os estimula nas aulas de Geografia, a maioria respondeu que o mesmo promove brincadeiras, inovando em atividades, conversa com os alunos. Conforme fala o estudante: “inovando em atividades” ou ainda “Fazendo trabalhos legais e divertidos”... “Trabalhos, brincadeiras, conversas”. A tarefa de motivar o interesse do aluno em aprender depende, além de outros fatores, da maneira como o professor conduz as suas aulas, sendo assim a responsabilidade por este processo requer uma concepção bastante profunda do ato de 254 ensinar e motivar. No entanto, a utilização de equipamentos, recursos tecnológicos, mapas, dentre outros podem ajudar o docente a desenvolver tal objetivo, embora não signifique que a utilização desses instrumentos por si só tornarão as aulas de geografia mais interessante. Neste caso, o importante é perceber que as rotinas das aulas merecem ser quebradas para mostrar aos alunos o real significado dos conteúdos ensinados, apresentando como estes podem ser vivenciados na sua vida prática. Com relação às sugestões dos alunos para dinamizar as aulas de Geografia foi sugerido aos professores que: • Conversem com os alunos, sejam afetivos, amigos dos alunos • Utilizem músicas • Apresentem dinâmicas • Utilizem recursos tecnológicos (TV Pen Drive, laboratório de informática, globo terrestre. Lembrando que essas sugestões foram apontadas pelos próprios alunos. Portanto é importante considerarmos, pois, os mesmos são os protagonistas do fazer docente no dia a dia da sala de aula. No entanto, a utilização desses recursos foram colocados em prática, mas os resultados não foram tão significativos, uma vez que os alunos , ainda apresentavam-se desmotivados com o ensino da disciplina. Isso nos faz refletir sobre o que almejam os professores de geografia na escola e a escola qual sua função? Vale ressaltar que está claro que a nossa intenção não é ajustar o indivíduo ao modelo de sociedade vigente, mas sim, mostrar através da educação e dos conhecimentos geográficos abordados de forma critica, alternativas que levam os alunos a enfrentar os desafios e a refletir sobre a possibilidade de construção de uma sociedade melhor e mais justa. Por isso as tentativas de buscar metodologias que possam dinamizar as aulas foram postas em prática no dia a dia do fazer docente. 3.3 O que professores entendem por motivação, sua influência no processo de ensino e aprendizagem e as atividades que tornam as aulas mais interessantes Foram entrevistados 07 professores, sendo 04 de geografia. Para iniciar as nossas discussões segue alguns relatos de professores sobre o entendimento que os mesmos têm a respeito de motivação no ensino: para o professor de Língua Portuguesa “motivação é a condição de fazer o aluno se apaixonar pelo assunto trabalhado em sala de aula”. Já para os professores de Geografia motivar é “demonstrar para o aluno a importância da educação para transformação da sua vida e, por conseguinte, da sociedade”; “O desenvolvimento de estratégias para fugir da rotina e assim estimular os alunos. Essas respostas estão semelhantes às concepções dadas pelos autores Tapia e Fita (2001) que afirmam que a motivação é uma pré-condição para aprendizagem, ou ainda quando falam que o professor deve buscar estratégias para estimular os alunos em sala de aula. Também se comparado as resposta dos alunos, pode ser entendida de 255 maneira similar, pois, ambos relacionam este sentimento a busca de objetivos tanto para promover o ensino (professor) quanto para estudar (por parte do aluno). Podemos citar a fala da professora de Geografia, quando afirma que o professor deve “procurar metodologias para expor o conteúdo, contextualizando-o sempre, de forma que chame á atenção dos alunos” Quando indagados se costumam chegar motivados em sala de aula, as respostas dos professores de outras áreas do conhecimento quase sempre foram positivas, relacionando as respostas com a satisfação em ser professor. As falas das professoras de Língua Portuguesa e Matemática traduzem bem essa afirmação: “Sempre sou apaixonado pelo meu trabalho”; “somos educadores conscientes e temos o dever de desenvolver nosso trabalho com vontade, mesmo quando a situação não é adequada.”. As concepções desses professores a respeito da motivação no ensino perpassam inicialmente seu próprio sentimento pela profissão. Com isso o processo de ensino (professor) e aprendizagem (aluno) se faz com maior qualidade gerando resultados satisfatórios. Já os professores de Geografia foram mais incisivos e enfáticos nas respostas, quando dizem: “Sim, contudo há momentos que me sinto impotente a partir da realidade apresentada; Ou ainda, “Ás vezes entro em algumas turmas só para cumprir o meu papel, mas sem ânimo algum”. Assim, subentende-se que a desmotivação nas aulas de Geografia atinge todo o contexto escolar, pois por mais que os professores busquem motivar, estimular, inovar as aulas de Geografia, os resultados ficam aquém das expectativas. Essa falta de motivação atinge também as outras áreas de conhecimento, conforme pode ser observado no relato da professora de Matemática: “temos que ser sempre criativos e aproveitar as habilidades dos nossos alunos, motivando-os, orientando-os, etc. Hoje em dia, não devemos ser apenas conteudistas. O segredo na verdade é a pré-motivação”. Ou conforme a professora de Língua Portuguesa: “sempre levo textos de auto-ajuda, de humor, textos bons para serem lidos sem cobrança.”. Subentende-se, portanto, que os professores das outras disciplinas enfrentam problemas relacionados a falta de motivação dos alunos para a aprendizagem, porém no caso da geografia, o problema parece ser mais explícito, uma vez que historicamente esta disciplina teve no passado e ainda aparece em práticas pedagógicas de professores sua abordagem para o ensino tida como enfadonha e sem importância. Carretero (2002) argumenta que a motivação é um elemento essencial para o bom andamento da aprendizagem escolar. É algo que qualquer professor pode observar em sua atividade diária. Corroboram essa afirmação os relatos dos professores de Geografia, quando perguntados se a motivação favorece a aprendizagem: “Sim, quando o ensino é agradável e com metodologias que atrai o aluno, o conteúdo é fixado de uma maneira mais fácil”; “Sim quando ambas as partes acreditam que é possível a construção de uma sociedade melhor, a aula acaba sendo mais dinâmica e proveitosa”. 256 Essas afirmações vão ao encontro das respostas dos alunos, que responderam que quando motivados, aprendem com mais facilidade. Diante desse contexto, os professores, no nosso ponto de vista, apresentam um entendimento coerente a respeito da importância da motivação na aprendizagem. Tanto os professores de outras áreas de conhecimentos quanto os da Geografia compreendem que a motivação é primordial para a aprendizagem, assim como buscar alternativas para inovar as aulas no sentido de despertar o interesse dos alunos para o estudo. A utilização de recursos aparece com uma das alternativas para dinamizar as aulas de geografia. A exibição de filmes, vídeos, jogos geográfico, confeccionar algo referente ao tema estudado, promover dinâmicas foram fatores relatados pelos professores da disciplina, onde afirmam que buscar diversificar e enfocar os conteúdos levando em consideração a realidade dos alunos são algumas técnicas que os docentes devem realizar para despertar o interesse do aluno; bem como desmitificar a idéia da geografia como conhecimento enfadonho e descritivo. 4. Considerações finais A questão da motivação no ensino vem despertando interesse e preocupação por parte de professores e educadores. Entendida como algo inerente ao processo de ensino e aprendizagem, este sentimento tem muito a contribuir para o desenvolvimento cognitivo dos alunos nas instituições escolares. A falta de motivação para a aprendizagem não é exclusividade da disciplina geografia, mas atinge as diversas disciplinas, e este problema tem gerado preocupação dos educadores e professores na tentativa de buscar discutir esta temática existente no campo educacional para traçar alternativas que contornem essa situação. A motivação dos alunos nas aulas de geografia pressupõe desmitificar o ensino tradicional desta disciplina. Nesse contexto em que os estudantes são movidos pelas novidades do mundo contemporâneo, o professor tem que estar conectado para mostrar aos alunos o significado dos conteúdos geográficos nessa nova era tecnológica. Assim, a motivação influencia diretamente no processo de ensino e aprendizagem dos alunos, uma vez que os estudantes motivados apresentam maior facilidade para apreender os conteúdos em sala de aula. Desta forma, os conhecimentos geográficos abordados numa perspectiva de analise espacial e critica da realidade social na qual o individuo está inserido, também podem contribuir para os alunos sentirem-se motivados nas aulas de geografia, uma vez tal abordagem pode possibilitar que os alunos enxerguem possibilidades que viabilizem sua participação na sociedade de maneira responsável e reflexiva do ponto de vista das suas práticas sociais. Em suma, inovar as atividades, promover dinâmicas, e utilizar recursos tecnológicos associados às novas perspectivas de ensino desta disciplina, pode contribuir para aguçar o interesse do aluno em querer aprender os conteúdos geográficos. 257 5. Referências CARRETERO, Mario. Compreensão e motivação. In:CARRETERO, Construtivismo e Educação. Porto Alegre: Artmed, 2002. P. 47-61 Mario. CAVALCANTI, Lana de Souza. Geografia e práticas de ensino. Goiânia: Alternativa, 2002. MARCHESI, Álvaro. O que será de nós, os maus alunos. 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São Paulo: edições Loyola, 2001. 258 MÉTODO CINESTÉSICO COMO ESTRATÉGIA PARA ENSINO DE LIGAÇÕES QUÍMICAS NO NÍVEL MÉDIO: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA Marlinne da Costa Lins Fábio Adriano Santos da Silva RESUMO A utilização de métodos que permitam ao professor facilitar o aprendizado de alunos com características de aprendizado classificado como visuais, auditivos, cinestésicos e digitais, é de suma importância para o desenvolvimento dos alunos como cidadãos. Esse processo permite ainda a transformação de informação em conhecimento, podendo ser útil na solução de problemas do cotidiano do aluno. Métodos lúdicos demonstram melhores resultados quando se trabalha com adolescentes. As estratégias para o ensino da química no ensino médio devem ser escolhidas de acordo com o perfil do professor, além de, preferencialmente, utilizar-se de métodos cinestésicos (que envolvem utilização de movimentos do corpo e manipulação de objetos para o aprendizado), sendo, portanto, mais atrativos ao cérebro que apresenta seletividade ao que será armazenado. Neste trabalho pretende-se abordar, de forma descritiva, estratégias para o ensino de ligações químicas e geometria molecular baseadas em métodos lúdicos e cinestésicos, com uso de massa de modelar ou isopor, palitos e bolas de soprar, de maneira a contribuir no trabalho do professor para ajudar o aluno na aprendizagem. Na prática os resultados comparativos demonstram de forma qualitativa que utilizar de métodos que transcendem o aspecto bidimensional, comum no ensino da química, permite ao aluno compreender de forma clara o que se pretende que ele garanta como conhecimento adquirido. A consciência de que alunos aprendem de forma individual e coletiva, além de suas predileções definidas pela predominância de um dos hemisférios do cérebro, nos permite compreender a dificuldade que alguns possuem em relação ao aprendizado das disciplinas das ciências exatas, já que elas exigem uma inteligência matemática e espacial. Porém, o aprendizado não precisa ser exclusivamente mecânico, com repetições de resoluções de questões ou métodos, quando na verdade o aprendizado deve ser útil a quem aprende, devendo, portanto, ter nuanças críticas de todo o conteúdo abordado, o que transforma o aprendizado em algo apreciável por alunos e professores. Palavras – chave: cinestésico, geometria, modelagem. INTRODUÇÃO 259 O contato diário com alunos dentro da escola nos levou a observação de que durante o ensino fundamental eles costumam afirmar que sua disciplina preferida é Ciências, embora, ao iniciar o ensino médio, essa preferência se perca. Acreditamos que um dos fatores ligados a essa mudança se deve a forma de transmissão do conteúdo proposto pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’s), que é pouco atrativa para um adolescente que vivencia um mundo dinâmico, repleto de interações tecnológicas. Sob essa perspectiva, a batalha entre escola e as atividades “divertidas” é desigual. Nas ciências exatas há ainda a problemática de se utilizar mecanismos e tratar de assuntos que dificilmente o aluno encontra em sua casa, nas conversas com os amigos, nos shoppings, ou ainda em seus jogos de computadores. Dessa forma, a linguagem escolhida para transmissão dos conteúdos das ciências exatas não é absorvida pelo aluno. Especificamente em química ainda há a dificuldade de explanações teóricas de um mundo invisível e inalcançável demasiadamente abstrato aos alunos. O ensino de química, nesse quadro, padece da doença da narração. O professor fala desta Ciência como se esta fosse sem movimento, estática, separada em compartimentos e previsível. Ao invés de refletir e discutir os temas químicos, tornando comum numa consideração contextual, o professor dá comunicados que os discentes pacientemente devem aprender e reproduzir. É uma forma “cumulativa” de ensinoaprendizagem. Esta é a concepção bancária de educação, onde acontece uma comunicação unidirecional, a qual enche os depósitos vazios, que “suportam” tudo que for lançado, ou “calcado” dentro deles, de forma que não podem conter vazamento (FREIRE apud SILVA, 2006). Nessa concepção, a única ação que resta ao educando é captar e guardar, a todo custo, os conteúdos. Isso bloqueia no aluno a criatividade, o saber e a transformação, considerando que é na criação e recriação que existe o saber, e este é também fruto de uma busca inquieta e constante presente nas relações homem-homem e homem-mundo (FREIRE apud SILVA, 2006). Shön (1992), Carvalho e Gil-Pérez (1995), Maldaner (2000), Mizukami (2002), Rosa (2004) e Silva (2010) destacam em seus trabalhos que a ideia de simples transmissão de conteúdos na docência é fruto da formação dos professores, fortemente ligada apenas ao acúmulo de conhecimentos teóricos, tanto específicos quanto pedagógicos, desvinculados entre si e desvinculados das necessidades das escolas e sociedade atuais. Conforme os autores, a formação dos professores se baseia na Racionalidade Técnica, onde o que se busca é a imitação e acúmulo de conhecimentos. Sob essa perspectiva, a prática educativa prima pela reprodução. Acreditamos que é possível mudar esse quadro a partir da escolha de estratégias para ensino da química que estimulem a participação dos alunos, que considerem o perfil do professor, o tipo de aula que está sendo oferecida e o tipo de aula que o aluno necessita. 260 É a partir dessa concepção se propôs a aula de ligações químicas, interações moleculares e geometria com foco cinestésico, isto é, envolvendo a utilização de movimentos do corpo e manipulação de objetos para o aprendizado, combinado com atividades lúdicas e música. Acreditamos que essa metodologia alternativa favorece a participação ativa dos alunos no processo de ensino-aprendizagem, tendo raízes na ação-reflexão-ação alicerçada na Racionalidade Prática, isto é, numa atuação docente que considere a reflexão sobre docência, questões sócio-históricas e a participação ativa do alunado no processo de ensino-aprendizagem, conforme defendem Shön (1992), Maldaner (2000), Mizukami (2002) e Silva (2010), PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM: DO ABSTRATO AO CONCRETO Segundo O’Connor e Seymour (apud SILVA, 2006), a aprendizagem ocorre em quatro estágios: Primeiro Estágio – “incompetência inconsciente”, acontece quando um indivíduo não sabe que não sabe, e, portanto, não tem dúvidas por não conhecer nada a respeito do objeto; Segundo Estágio – “incompetência consciente”, ocorre quando um indivíduo já sabe que não sabe, por exemplo, quando alguém tem consciência que não sabe dirigir um automóvel; Terceiro estágio – “competência consciente”, no qual conseguimos desenvolver uma atividade com certa perfeição, mas prestando atenção ao que se está fazendo. Por exemplo, a pessoa já sabe dirigir um carro, contudo faz isto atentando para cada comando; Quarto Estágio - “competência inconsciente”, este estágio é atingido quando um indivíduo desenvolve um determinado trabalho de forma automática. É esperado por pais, e até por alguns alunos, que o professor encontre um caminho, talvez até um atalho, para que esse quarto estágio seja alcançado. Porém, é necessário julgar as habilidades inerentes ao aluno. A análise da capacidade pertinente à turma deve ser moldada segundo os aspectos de competências individuais e de todo o grupo. Segundo Vygotsky (1984), quando alguém não consegue realizar sozinho alguma atividade, mas a realiza sob orientação de um parceiro, mais experiente, demonstra que já garante, em algum grau, os conceitos e noções relativas à tarefa exigida, revelando, portanto, o seu nível de desenvolvimento proximal. Dessa maneira, o aprendizado compartilhado pode ser a saída para turmas com grande déficit em algum conteúdo. A problemática enfrentada pelos professores da área de exatas talvez seja respondida, em alguns casos, pela neurociência. Nela encontramos uma hipótese de lateralidade do cérebro. Segundo Roger Sperry, prêmio Nobel de Medicina, no final dos 261 anos setenta, os dois hemisférios cerebrais que o compõem, e que dividem as principais funções intelectuais não possuem exatamente as mesmas funções. O hemisfério direito é preponderante nos seguintes aspectos do intelecto: percepção do espaço, o ritmo, a gestalt (estrutura total), a cor, a dimensão, a imaginação, entre outras. Por sua vez, o hemisfério esquerdo possui dominância em outra escala, já que o lado esquerdo é verbal, lógico, seqüencial, numérico, linear e analítico. Segundo Schütz (2005), o hemisfério direito seria, por assim dizer, a porta de entrada das experiências e a área de processamento dessas experiências para transformálas em conhecimento. Dessa maneira, a assimilação do conteúdo ministrado em aula ocorreria via hemisfério direito para ser sedimentada no hemisfério esquerdo como habilidade permanente, tornando-se, portanto uma competência inconsciente. Para que isso ocorra, é necessário que o aluno seja cativado pelo que se deseja que ele aprenda, já que a atenção humana baseia-se em experiências, caso sejam prazerosas e gratificantes, a experiência é repetida, caso contrário, ela é evitada sempre que possível. De forma geral, a ferramenta utilizada para o acesso da informação é a memória. Segundo Leão (2011), para que a memória funcione adequadamente no processo de informação, se faz necessária a busca da interação entre os dois hemisférios, equilibrando o uso de nossas potencialidades. Como se processam muitas informações diárias, o cérebro acaba seletivo, guardando apenas informações que impressionem, desenvolvendo a capacidade para a fixação dos fatos. Descobrir de que maneira pode-se cativar um aluno para que ele absorva as informações e as decodifique em conhecimento é uma arma importante para os profissionais da educação. A facilidade com que um aluno tem aptidões por certas disciplinas está relacionada à predominância de um dos hemisférios, dessa maneira, alunos com predominância do hemisfério esquerdo normalmente apresentam predileção pelas disciplinas da área de exatas. Isso não significa que um aluno com predominância do hemisfério direito jamais aprenderá física, química e matemática, basta apenas que o professor saiba alcançá-lo em suas limitações. Uma maneira não tão fácil é perceber de que maneira esse aluno pode aprender, já que o processo de aprendizagem não é universal. Segundo Carvalho (2011), os estilos de aprendizado classificam-se como: 1 - Visuais: aqueles em que seu aprendizado é baseado no visual, facilmente memorizam as imagens que vêem; 2 - Auditivos: o aprendizado é baseado na audição, ou seja, são auditivos, e se prendem muito mais à informação passada por meio da oratória que às anotações e registros; 3 - Cinestésicos: precisam realizar a tarefa para entender sua dinâmica, a mecânica de seu aprendizado é fundamentado na execução de uma tarefa, muitas vezes repetidamente; 4 - Digitais: que têm seu aprendizado fundamentado através de passos, procedimentos e seqüências 262 lógicas. Caso o professor reconheça a modalidade de aprendizado de seu aluno, poderá tornar mais fácil o aprendizado de seu aluno. Acreditamos que ao atingirmos os cinestésicos, atingimos todos os outros grupos. Porém a tarefa de desenhar uma aula cinestésica não é nada fácil, pois exige criatividade e tempo para elaboração de novas estratégias. O professor tem o papel explícito de interferir no processo, diferentemente de situações informais nas quais a aprendizagem ocorre por imersão em um ambiente cultural. Portanto, é papel do docente provocar avanços nos alunos e isso se torna possível com sua interferência na zona proximal, considerando, evidentemente, que o aluno não é tão somente o sujeito da aprendizagem, mas, aquele que aprende junto ao outro o que seu grupo social produz e como tal produz e possui valores, linguagem e o próprio conhecimento. ENSINO DE LIGAÇÕES, FORÇAS INTERMOLECULARES E GEOMETRIA: QUAIS ESTRATÉGIAS UTILIZAR? A ligação covalente é definida como a ligação que ocorre com compartilhamento de elétrons entre átomos que não apresentem tendência a perder elétrons, como é o caso dos ametais. O entendimento da ligação permite ainda a compreensão da forma como os átomos são organizados nessas ligações. Sendo fator preponderante para a justificativa de formação de sistemas heterogêneos a partir do conceito de interações intermoleculares definidas através da polaridade das moléculas. A transmissão desse conteúdo no 9º ano e no ensino médio normalmente é realizada de forma visual, mecânica (fundamentado em repetições) e pouco crítica, não sendo, portanto, muito atrativa ao aluno. A falta ou pouco desenvolvimento da visão espacial impede que a maioria dos alunos interprete a geometria molecular através de ilustrações desenhadas na lousa. O conceito de nuvens eletrônicas definido através da densidade eletrônica, ou seja, local mais provável de encontrar um elétron num determinado local, parece ser bastante complexa sem uma demonstração física, pois se utiliza da constante movimentação dos elétrons. Acreditamos que uma aplicação útil no ensino de ligações químicas é a utilização de abstrações perceptíveis em escalas macroscópicas. No que concerne a ligação covalente, poder-se-á utilizar da ideia de festas-casadas, aquelas em que um ingresso dá direito a duas pessoas participarem da festa, o contexto de compartilhamento é útil e aplicável principalmente no valor do ingresso. As dificuldades de trabalhar com geometria molecular podem ser subjugadas com a utilização de bolas de soprar que representariam as nuvens eletrônicas, podendo 263 ainda ser representativas de orbitais atômicos nas explanações de ligações sigma (σ) e pi (π). Para explanações sobre a geometria das moléculas utiliza-se do modelo madeira e bola, respeitando a geometria molecular. Têm-se como materiais para confeccionar o modelo, massa de modelar colorida ou bolas de isopor de tamanhos diferentes para denotar os respectivos raios atômicos e palitos de dente ou churrasco para as ligações. Essa metodologia nos permite ainda auxiliar no entendimento de isômeros geométricos (cis e trans) que são normalmente tratados no decorrer da 3ª série do ensino médio. METODOLOGIA Essa proposta trata-se de um relato de experiência de atividade lúdica desenvolvida em escolas de nível médio, das redes particular e pública, na cidade de Feira de Santana – BA. O assunto ligações químicas foi escolhido devido ao elevado grau de abstração que apresenta e a dificuldade por parte dos alunos na visualização de imagens em 3D a partir das representações espaciais em 2D no quadro negro, além da possibilidade de expressar a idéia microscópica das moléculas de forma macroscópica e manipulável pelos alunos a partir de materiais de baixo custo. Utilizamos, assim, massa de modelar, bolas de sopro e palitos. Para tornar a atividade ainda mais interessante aos alunos e reforçar os conhecimentos teóricos foi proposta e desenvolvida uma música utilizando os termos científicos/químicos a partir de uma música popular de melodia conhecida pelos alunos, cuja letra foi alterada conveniente ao tema e com as devidas licenças poéticas. RESULTADOS E DISCUSSÃO Num primeiro momento os alunos se mostraram surpresos com a proposta de trabalho com música, massa de modelar e bolas de soprar no ensino médio, ainda mais numa disciplina como química, tradicionalmente conduzida de forma mais sisuda. Embora tenha havido um estranhamento inicial, a receptividade ao modelo trabalhado foi satisfatória, sendo posteriormente solicitado, por parte dos alunos, que em outros conteúdos a mesma estratégia fosse repetida. A definição do conceito de nuvens eletrônicas por meio de bolas de soprar auxiliou na visão do espaço ocupado por pares de elétrons ligantes e pares não ligantes, além da representação das ligações sigma (σ) e pi (π) em diferentes hibridizações. 264 A utilização da massa de modelar e dos palitos para denotar a geometria de compostos moleculares foi de suma importância, pois transformu a informação bidimensional demonstrada em livros e no quadro em informação tridimensional, facilmente manipulável pelo aluno, conforme Figuras 1 e 2. Figura 1. Modelos confeccionados com massa de modelar e palitos. CCl4 , H2CO e NH3 (da esquerda para a direita) Figura 2. Modelo da molécula de Benzeno. C6H6, molécula plana devido à hibridização sp2 do carbono O aproveitamento do conteúdo pode ser comprovado por comparação de atividades antes e após a modelagem, utilizando de moléculas que apresentam mesma geometria, por exemplo, água e ácido sulfídrico, conforme Figura 3. Figura 3. Modelo da molécula de Ácido Sulfídrico. H2S, molécula angular, 105º 265 A estratégia de aula musical tem um efeito muito maior no subconsciente do alunado, pois junge a teoria com o lúdico, além da formação de vínculo afetivo entre educador e educando, fator preponderante para aceitação do conteúdo ministrado em aula. A utilização da música para aproveitamento teórico foi de fundamental importância, dada a interação cognitiva referente a todo o processo de aprendizagem por instrumentos lúdicos, que mantêm a teoria enraizada mesmo após o término do ano letivo. CONCLUSÕES A utilização de metodologias alternativas aliadas a métodos lúdicos para o ensino de química se mostra interessante tanto para os alunos quanto para os professores, pois quebra com a austeridade da química permitindo ao aluno permear este universo científico, transformando as informações absorvidas em ferramentas para que o ele ao defrontar-se com um problema possa compreendê-lo, avaliá-lo e tomar um posicionamento que lhe permita resolver tal problema. Dessa maneira, relata-se sobre aprendizado crítico e contínuo, a utilização de conhecimento como ferramenta e não como arquivos pouco úteis ao cotidiano, atento a reflexão docente conforme Shön (1992), Maldaner (2000) e Sacristán (2000) nos ensinam. A utilização de métodos que permitam transcender o bidimensional, demonstrando a possibilidade de manipulação de modelos geométricos é facilmente reconhecida como um método cinestésico. A modelagem é uma forma de instrumentação do conteúdo abordado. A estratégia de aula musical se mostra útil em quaisquer conteúdos a serem ministrados, proposta bastante difundida no âmbito das ciências humanas com excelentes resultados demonstrados no exercício da atividade lúdica. O impacto positivo da utilização dos métodos descritos é facilmente observável quando se solicita aos alunos que construam moléculas com atomicidade maior que cinco como as dos hidrocarbonetos: etano, propano, but-2-eno e etc. A absorção de que a orientação das ligações delineia a geometria da molécula pode se mostrar útil em conteúdos futuros. REFERÊNCIAS ALMEIDA, A.; ALMEIDA, M. Reeducação Psiconeurológica. Disponível em: http://books.google.com.br/books?hl=ptBR&lr=&id=aLSYlx8lcPsC&oi=fnd&pg=PA12&dq=neurociencia%3B+visual, +auditivo+e+sinest %C3%A9sico&ots=eLtRV6DpBA&sig=X18X38tGd0H2nBzHwIopZjWxqY#v=onepage&q&f=false. Acesso: 09 de Setembro de 2011. 266 BIDOT, N., MORAT B. Neurolinguística Prática para o Dia-a-Dia. 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VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993. 268 TRADIÇÃO E CONTRADIÇÃO DA PRÁTICA VIVISSECCIONISTA NA EDUCAÇÃO: POR UMA PLURALIDADE METODOLÓGICA NA SUPERAÇÃO DO ANTROPOCENTRISMO-ESPECISTA Thiago Leandro da Silva Dias1,2 & Ana Cerilza Santana Mélo1,3 1 – Departamento de Ciências Biológicas da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS). Av. Transnordestina, s/n, Novo Horizonte – CEP 44036-900 – Feira de Santana-Bahia; 2 – Licenciando em Ciências Biológicas. [email protected]; 3 – Professora Adjunta do Departamento de Ciências Biológicas. Resumo O uso de animais no ensino é baseado em intervenções como dissecações e vivissecções. Dissecação é a separação, com instrumento cirúrgico, de partes do corpo ou órgão de animais mortos para estudo de anatomia. O termo “vivissecção” literalmente significa “cortar (um animal) vivo”, mas é aplicado genericamente a qualquer forma de experimentação animal que implique em intervenção com vistas a observar um fenômeno, alteração fisiológica ou estudo anatômico. Tais práticas e intervenções estão imersas em um paradigma que há muito direciona a ciência ocidental, fruto da tradição moral em vigor, o antropocêntrico-especista, que considera os interesses e necessidades do ser humano como superiores a de todos os demais seres, por possuir sua condição biológica especial, na qual nascem a razão e a linguagem. Mesmo decorrendo milhares de anos, a consideração do animal como objeto autômato e destituído de sensibilidade ainda se perpetua como na lógica de René Descartes (15961650). Nesse sentido, o presente trabalho de natureza teórica busca analisar a prática tradicional da vivissecção na educação e seus aspectos contraditórios. Muitos dos processos didático-metodológicos no Ensino Básico e Superior para o Ensino de Ciências, Biologia e Áreas Médicas utilizam-se de animais em atividades práticas com amimais. Na educação básica a experimentação animal é proibida desde 1979, embora ainda se faça presente em muitas situações. No ensino superior predomina, via de regra, a mentalidade vivisseccionista. Tanto no campo didático quanto no científico, muitas experiências extremamente dolorosas são repetidas exaustivamente com animais. O uso de animais em sala de aula possibilita, inevitavelmente, circunstâncias traumáticas ou marcantes para os/as estudantes, e acaba por interferir nos processos cognitivos necessários para compreensão do conteúdo pretendido. É questionável uma ação educacional baseada num único estilo didático. Repensar, refletir e reformular determinados padrões metodológicos requer uma abordagem crítica do que seja o ambiente da sala de aula, os sujeitos em relação e as perspectivas epistemológicas em questão. Um amadurecimento dos debates em torno da inserção de questões éticas na estrutura curricular da formação de professores se faz necessário. 269 Palavras-chave: Vivissecção, paradigmas, práticas didático-científicas. Apresentação do tema Paradigmas são concebidos em bases de grande interesse com vistas ao exercício de poder. O paradigma antropocêntrico sustenta-se em duas características básicas, ou seja, visa ao bem-estar apenas do ser humano, e recomenda a exploração da natureza em seu benefício (PRADA, 2008). Um paradigma que há muito direciona a ciência ocidental, fruto da tradição moral em vigor, é o antropocêntrico-especista, que considera os interesses e necessidades do ser humano como superiores a de todos os demais seres, por possuir sua condição biológica especial, na qual nascem a razão e a linguagem (TRÉZ & NAKADA, 2008). De acordo com Felipe (2008), essa tradição moral conservadora tem a vida da espécie humana como referência absoluta, derivando dessa tese o fundamento do direito humano de dominar tiranicamente todas as demais formas de vida. Portanto, sob essa análise, é tirânica, exploradora e fascista essa concepção de mundo na qual os animais são meros objetos destituídos de interesses, e construída sob a ótica cientificista cartesiana, mecanicista, instrumental e especista. O uso de animais na pesquisa e ensino é baseado em intervenções como dissecações e vivissecções. Dissecação é a separação, com instrumento cirúrgico, de partes do corpo ou órgão de animais mortos para estudo de anatomia (GREIF, 2003). O termo “vivissecção” literalmente significa “cortar (um animal) vivo”, mas é aplicado genericamente a qualquer forma de experimentação animal que implique em intervenção com vistas a observar um fenômeno, alteração fisiológica ou estudo anatômico (GREIF & TRÉZ, 2000). O uso de animais para fins didáticos na educação básica e superior não foge à regra do paradigma hegemônico – antropocêntrico-especista, em que a ciência e educação estão inseridas. A vivissecção de animais gera conflitos e contradições éticas, morais, pedagógicas e psicológicas que devem ser discutidas de forma plural, sendo essa discussão fundamentada em uma séria reflexão e em conceitos teóricos pertinentes à esfera da Bioética (FEIJÓ et al, 2008), levando-se em consideração a pluralidade 270 sócio-cultural - que clama por uma pluralidade metodológica - presente nos espaços educativos e seus desdobramentos. Nesse sentido, o presente trabalho de natureza teórica busca analisar a prática tradicional da vivissecção na educação e seus aspectos contraditórios, ressaltando a necessidade da superação do paradigma antropocêntrico-especista nos debates e práticas educativas, sendo assim, perpassa por uma discussão ética, metodológica e sóciocultural. Tradição da vivissecção Mesmo decorrendo milhares de anos, a consideração do animal como objeto ainda se perpetua como na lógica de René Descartes (1596-1650). Para esse filósofo, os animais eram meros objetos, não possuíam qualquer sensibilidade e funcionavam como máquinas. De acordo com Levai (2006): Foi a partir do racionalismo de René Descartes (1596-1650) que o uso de animais para fins experimentais tornou-se método padrão na medicina. Tal filósofo justificava a exploração sistemática dos animais, equiparando-os a autômatos ou a máquinas destituídas de sentimentos, incapazes de experimentar sensações de dor e de prazer (LEVAI, 2006, p.02). Tal pensamento e prática em relação aos animais já eram desenvolvidos antes de Descartes por outros pensadores. Remonta à Antiguidade, e teria se iniciado na Grécia com Hipócrates (550 a.C.) que, tido como o pai da medicina, já relacionava o aspecto de órgãos humanos doentes com os de animais, e realizava dissecações com finalidade didática (FERRARI, 2004). Ainda nesse período, os fisiologistas Alcmaeon (550 a.C.), Erasistratus (350-240 a.C.) e Galeano (130-200 a.C.) praticavam a experimentação animal com a mesma finalidade de Hipócrates (LEVAI, 2001). Aristóteles (384-322 a.C.), ratificando esta prática, afirmava que os animais existiam para servir aos interesses dos seres humanos e os consideravam meros instrumentos vivos (SINGER, 2004). Nos antigos textos hebraicos como a bíblia, os animais e toda natureza eram considerados como subservientes ao homem/ser humano. Segundo esse pensamento, Deus deu ao homem/ser humano o domínio sobre todas as coisas viventes, como exposto no Antigo Testamento: 271 Deus os abençoou e disse: Crescei e multiplicai-vos e enchei a terra, sujeitai-a, e dominai sobre os peixes do mar, e sobre as aves do céu, e sobre todos os animais que se movem sobre a terra (Gênesis 1:28, p.5). A moral judaico-cristã, com base nos ensinamentos bíblicos, só reforçou a idéia de exploração dos animais ao afirmar a inferioridade destes na escala da criação e sua subserviência aos homens/seres humanos. Tal concepção foi revigorada pela filosofia escolástica, cujo principal vulto, Tomás de Aquino (1228-1274), costumava dizer que não tínhamos deveres para com essas criaturas (LEVAI & DARÓ, 2008). Em meados do século XIX, Claude Bernard (1813-1878), fisiologista francês, lançou as bases da moderna experimentação animal com sua obra Introdução à medicina experimental, publicada em 1865, considerada por muitos como a “bíblia dos vivissectores”, e que transformou a fisiologia em um dos intocáveis mitos da ciência médica (FERRARI, 2004). Sob influência da perspectiva do ser humano como superior e dominador de todas as coisas – configurando-se enquanto paradigma antropocêntrico, o contexto científico desenvolve diversas atividades que hoje nos fazem repensar e refletir sobre sua continuidade. A forma como os animais são tratados nos laboratórios e salas de aula demonstra, muitas vezes, uma desconsideração para com as faculdades sensitivas destes, acarretando numa prática cruel e insensível que merece questionamentos. Segundo Levai (2001) em seu livro Vítimas da Ciência, os animais destinados às experiências são martirizados, de formas inimagináveis, em prol de um suposto progresso científico. Para a autora, a morte desses animais, independente do sofrimento a que possam ser submetidos, é justificada pela ciência como mal necessário e está inserida numa visão antropocêntrica-especista de fazer ciência. Animais não-humanos na educação: usos e desacordos Muitos dos processos didático-metodológicos no Ensino Básico e Superior para o Ensino de Ciências, Biologia e Áreas Médicas utilizam-se de animais em atividades práticas para demonstrar estruturas morfofisiológicas, procedimentos, métodos e técnicas de pesquisa científica e de habilidades cirúrgicas manuais (LIMA & FREITAS, 2009). 272 Na educação básica, a experimentação animal é proibida desde 1979, quando a Lei n.º 6.638 determinou em seu Art 3º que a vivissecção não seria permitida “em estabelecimentos de ensino de primeiro e segundo graus e em quaisquer locais freqüentados por menores de idade”. Hoje, a Lei de Crimes Ambientais (1998) e a Lei Arouca (2008) determinam que experiências dolorosas em animais vivos, sejam com fins didáticos ou científicos, a coleta não autorizada, por órgão competente (IBAMA), de espécimes selvagens e a realização de vivissecção durante o ensino básico regular incorrem em infrações (MELGAÇO et al, 2010). No entanto, a prática com animais ainda se faz presente na educação básica, como salientam Lima et al (2008) em seus estudos e experiências, ressaltando que “ainda registramos professores utilizando animais ou partes deles para fundamentar e/ou comprovar conceitos em atividades práticas de ensino de Ciências e Biologia” (LIMA et al, 2008, p.354). Nas Instituições de Ensino Superior (IES) espalhadas pelo Brasil são facilmente percebidos os diversos métodos tradicionais com os quais os animais são utilizados. Greif & Tréz (2000) demonstram essa situação: São várias as finalidades dos experimentos realizados com animais nas universidades brasileiras: observação de fenômenos fisiológicos e comportamento a partir da administração de drogas; estudos comportamentais de animais em cativeiro; conhecimento da anatomia interna; e desenvolvimento de habilidades e técnicas cirúrgicas. Estes experimentos são comuns em cursos de medicina humana e veterinária, odontologia, psicologia, educação física, biologia, química, enfermagem, farmácia e bioquímica, e eventualmente em outras áreas das ciências biológicas (GREIF & TRÉZ, 2000, p. 12). No ensino superior, animais têm sido dissecados nas salas de aula de biologia desde cerca de 1900 e no currículo de biologia, a dissecção foi inserida há 60 anos (TRÉZ, 2000). Porém, predomina no meio acadêmico como um todo, via de regra, a mentalidade vivisseccionista. Tanto no campo didático quanto no científico, muitas experiências extremamente dolorosas são repetidas exaustivamente com animais diferentes a fim de demonstrar para públicos diversos, teses cujos resultados são notórios (LEVAI & DARÓ, 2008). Além dos maus-tratos infligidos aos animais envolvidos em aulas práticas e a sua total desconsideração de interesses, associados à falsa prerrogativa de “usar para conservar”, esse processo gera contradições éticas e morais nos(as) estudantes que possuem determinados princípios, deslegitimando a pluralidade sócio-cultural e de valores éticos e morais envolvidas. 273 Das contradições éticas aos métodos substitutivos O uso de animais em sala de aula possibilita, inevitavelmente, circunstâncias traumáticas ou marcantes para os estudantes (BARBUDO, 2006), e acaba por interferir nos processos cognitivos necessários para compreensão do conteúdo pretendido (PAIXÃO, 2008), contrariando o que muitos professores argumentam na defesa sobre as chamadas experiências práticas. Como salienta Paixão (2008), num debate sobre a visualização do coração de uma rã pulsando fora do corpo (aula comum de fisiologia): Espera-se que “cenas chocantes, desagradáveis ou marcantes” fiquem retidas na memória daqueles alunos que não gostam das aulas demonstrativas e também na daqueles que “tinham muita curiosidade” No entanto, não basta “ver o coração bater”, é preciso uma série de informações para que os alunos “entendam a fisiologia cardíaca” (PAIXÃO, 2008, p.117). De fato, sabemos por experiência própria, que essas cenas não são esquecidas facilmente, especialmente aquelas que foram, para alguns alunos, as mais chocantes, as mais desagradáveis e, por isso, marcantes durante o seu curso. Porém, há também uma literatura científica que demonstra que a indução de humor negativo piora a performance se o indivíduo tiver que realizar uma tarefa difícil. Isso significa que um estado emocional negativo pode dificultar mecanismos cognitivos mais complexos. A cena ficará na memória, mas os processos cognitivos necessários para um “entendimento significativo” serão de fato “atrapalhados” pelos estímulos emocionais negativos advindos da “cena chocante” (PAIXÃO, 2008). Os(as) estudantes, ao terem seu primeiro contato com experimentos envolvendo animais, ficam sujeitos a conflitos e contradições cujos valores previamente adquiridos são confrontados com a autoridade institucional, suficientemente forte para garantir a eficiências das aulas com animais e determinar o comportamento dos indivíduos envolvidos nela (LIMA, 2008). Em tal conjuntura é de se questionar o equívoco das práticas e processos pedagógicos que tais estudantes estão sujeitos. Equívoco este oriundo de uma prática não reflexiva e autoritária por parte dos educadores e instituições, submetendo também os educandos a essa não reflexidade. Pois como salienta Freire (1996), “a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação teoria/prática”, sem a qual é impossível avançar na prática educativo-crítica. 274 Embora muitos(as) estudantes sintam-se desconfortáveis e incomodados com tais práticas, a maioria não se posiciona contrariamente e depois de um tempo acabam reproduzindo o que foi transmitido pelo professor(a) (SINGER, 2004). Esse é um exemplo claro, segundo Singer (2004), da “cegueira ética condicionada” na qual o(a) estudante está sujeito(a) a adquirir durante sua formação acadêmica, evidenciando a universidades e a escolas como altares de reprodução de paradigmas. Nesse contexto, a decisão de continuidade de determinada prática subentende a vontade do pesquisador/a e/ou professor/a, sem referências ou considerações às necessidades estudantis (LEVAI, 2006). Toda e qualquer prática que utiliza animais para fins didáticos, decorre de um erro metodológico que a considera o único meio para se obter conhecimento científico, a partir de um único método e modelo (animal) para experimentação, e desconsiderando os pressupostos e considerações dos sujeitos envolvidos (animais humanos em formação acadêmica e animais não-humanos utilizados) (LEVAI, 2006; 2008). As recentes conclusões de workshops internacionais sobre o ensino da fisiologia já revelam que o uso de animais em sala de aula está em declínio e o uso de computadores é crescente, e cada vez mais importante para o processo de aprendizagem (SEFTON, 2001; SEFTON & HANSEN, 2002 apud PAIXÃO, 2008). Estudantes e professores podem escolher dentre uma grande variedade de alternativas e substitutos para serem utilizados na educação: modelos e simuladores mecânicos; filmes e vídeos interativos; simulações computacionais e de realidade virtual; acompanhamento clínico em pacientes reais; estudo anatômico em animais mortos por causas naturais ou circunstâncias não-experimentais; experimentos in vitro; estudos de campo e observacionais; dentre outros (GREIF, 2003). Diversos estudos já demonstram resultados que questionam a continuidade dos métodos tradicionais, por parte de diferentes amostras de estudantes, com relação ao uso de animais na educação (FOWLER & BROSIUS, 1968; HENMAN & LEACH, 1983; HUANG & ALOI, 1991; MCCOLLUM, 1987; MORE & RALPH, 1992; ERICKSON & CLEGG, 1993; JOHNSON & FARMER, 1989 apud GREIF, 2003), ao comprovar desempenhos equivalentes no aprendizado entre métodos alternativos/substitutivos e tradicionais. No Brasil, em estudo comparativo recente (DINIZ et al, 2006), os resultados demonstraram a possibilidade de um desempenho semelhante entre duas turmas (uma utilizou animais vivos como recurso e a outra não) em relação à 275 aprendizagem, demonstrando que a substituição de animais em aulas é possível, mantendo-se a mesma qualidade de ensino. Portanto, como confirmam Laburú et al (2003), “é questionável uma ação educacional baseada num único estilo didático, que só daria conta das necessidades de um tipo particular de aluno ou alunos e não de outros” (LABURÚ et al, 2003, p.5). Nesse sentido o professor, poderia ser assemelhado a um perscrutador, no sentido de um prático-reflexivo, um inovador, um testador de novas propostas, procurando não se afastar da auto-reflexão ética e crítica que leva a essas ações, pois há limites morais para o que pode ser reputado como ensino, logo, tendo muito maior responsabilidade na avaliação dos seus atos (LABURÚ et al, 2003). Considerações Finais A imersão em um paradigma específico dá acesso aos modelos de como se deve agir, não havendo levantamento de nenhum problema ou questão o que traria a inércia de atitudes e comportamento tradicional (LIMA. 2008). A autoridade do professor, representante da instituição escolar, assim como a metodologia reducionista por ele adotada, raramente é questionada pelo estudante. No entanto, diversos estudos demonstram o quanto essa prática tradicional é contraditória avaliando os aspectos e relações plurais estabelecidas nos processos de ensino-aprendizagem. Ensinar não é transferir conhecimento, conteúdos, nem formar é ação pela qual um sujeito criador dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado (FREIRE, 1996). Segundo Freire (1996), “não há docência sem discência”. Existe uma linha tênue no ínterim do processo de ensino-aprendizagem entre professor e estudante na qual deve-se agrupar dialogicidade e autonomia, nunca autoritarismo. Como reitera o autor, “o educador democrático não pode negar-se ao dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade, sua insubmissão”, portanto, os valores prévios dos estudantes, a capacidade crítica e os preceitos éticos devem ser considerados de forma equânime e respeitosa para garantir uma prática pedagógica crítico-reflexiva que favoreça o processo de ensino-aprendizagem. Repensar, refletir e reformular determinados padrões metodológicos requer uma abordagem crítica do que seja o ambiente da sala de aula, os sujeitos em relação e as perspectivas epistemológicas em questão. Nessa discussão, Laburú et al (2003), trazem à tona o debate de que os estudantes variam em suas motivações e preferências, no que 276 se refere ao estilo ou ao modo de aprender, e mesmo na sua relação com o conhecimento, entre outras facetas. Diante destes fatores que podem vir a ser colocados numa sala de aula, a decisão do emprego da estratégia metodológica deve ser crítica, participativa, mutável e em consonância com a realidade do educando, pois como nos ensina Freire (1996), “o respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros” (FREIRE, 1996, pag 59). A partir deste contexto de análise, abre-se precedente tanto para questionar e denunciar as práticas didático-científicas, de uso de animais, envolvidas em um único viés metodológico e positivista, como para propor um amadurecimento dos debates em torno da inserção de questões éticas na estrutura curricular da formação de professores. Como sustenta Lima et al (2008), “um dos principais desafios na formação do professor de Ciências consiste na integração de conteúdos científicos aprofundados e atualizados com uma concepção humanística que subsidie seu futuro papel na formação ética de seus alunos” (LIMA et al, 2008, p.353). Referências Bibliográficas BARBUDO, C. R. O uso prejudicial de animais como recurso didático. Monografia de licenciatura em Ciências Biológicas – Universidade Federal de Alfenas (UNIFALMG), 2006. BÍBLIA SAGRADA. Disponível em: <http://www.bibliaonline.com.br/acf/gn/1> Último acesso em: 04 jul. 2011. DINIZ, R.; DUARTE, A. L. A.; OLIVEIRA, C. A. S.; ROMITI, M. Animais em aulas práticas: podemos substituí-los com a mesma qualidade de ensino? Revista brasileira de educação médica, v. 30, n. 2, p.31-41, 2006. FELIPE, Sônia T. O estatuto dos animais usados em experimentos: da negação filosófica ao reconhecimento jurídico. In: TREZ, Thales (Org.). 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Trabalho de Conclusão de Curso Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2000. 279 MOVIMENTO ESTUDANTIL, CURRÍCULO E GÊNERO: O CASO DO GRÊMIO ESTUDANTIL D. HÉLDER, AMARGOSA-BA (1960-2006). Camila de Almeida Santana Josenaide Alves da Silva RESUMO: O trabalho decorre de uma pesquisa realizada no âmbito do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB/CFP, no Colégio Estadual Pedro Calmon, Amargosa-BA, entre abril e agosto de 2010, ocasião em que nos dedicamos a reconstituir o histórico desta instituição. Durante a pesquisa, chamou-nos a atenção a atuação destacada do Grêmio Estudantil D. Helder Câmara (GEDC). Criado em 1960, o GEDHC teve intensa ação política junto aos estudantes secundaristas da escola, e de outras instituições educacionais do município e mesmo da região durante aquela década. Em fins dos anos 1990 o Grêmio foi reativado, passando novamente a ter protagonismo político nos anos seguintes. Através de reuniões, cursos de formação, eventos, elaboração de ofícios e relatórios, publicação de jornais, passeatas, protestos, etc., o movimento se constitui em espaço de formação política de estudantes secundaristas, alguns dos quais depois vieram a ocupar espaços e cargos importantes no cenário político nacional, estadual e local. Os dados analisados dão conta que o grêmio teve um importante papel no desenvolvimento do colégio. No entanto através dos dados levantados acreditamos que existia certa hierarquização entre os papes ocupados por homens e mulheres neste movimento. Assim apoiado nos estudos sobre o Movimento Estudantil (Mesquita 2003,), Currículo (COSTA 1999) e Gênero (LOURO 2008, SILVA E CRUZ 2010), o trabalho apresenta dados de campo levantados a partir de fontes escritas (livros de atas, ofícios e jornais) existentes no Arquivo da Escola e encontrados com ex-dirigentes da instituição, bem como fontes orais, produzidas através de entrevistas semi-estruturadas realizadas com ex-professores e ex-dirigentes do GEDHC para, em seguida, problematizar as relações de gênero no âmbito deste movimento estudantil, procurando analisar a participação de homens e mulheres na composição da estrutura administrativa da entidade e no desenvolvimento de sua ação política no período entre 1960-2007. Palavras-chave: Movimento Estudantil; Currículo; Gênero 280 1. APRESENTAÇÃO: O trabalho aqui apresentado decorre de uma pesquisa realizada no âmbito do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência – PIBID da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB/CFP, no Colégio Estadual Pedro Calmon, Amargosa-BA, entre abril e agosto de 2010, ocasião em que nos dedicamos a reconstituir o histórico desta instituição. Durante a pesquisa, chamou-nos a atenção a atuação destacada do Grêmio Estudantil D. Helder Câmara (GEDC). Dessa forma nosso objetivo é analisar a participação de homens e mulheres na composição da estrutura administrativa da entidade e no desenvolvimento de sua ação política no período entre 1960-2010. Assim, analisar o papel desempenhado pelo Grêmio Estudantil D. Helder Câmara no colégio Estadual Pedro Calmon é ter um olhar voltado para a atuação de jovens na construção de uma sociedade justa e democrática, tendo em vista que as bandeiras de lutas levantadas pelos integrantes do movimento era em prol de melhorias no colégio ao qual estava inserido o movimento e também por direitos a liberdade. Dessa forma através de um estudo de um estudo de caso e utilizando abordagem qualitativa, através dos métodos da História Oral, buscamos analisar e conhecer a trajetória atuante do movimento estudantil e também a participação das mulheres neste processo. 2. OBJETIVO: O trabalho intitulado objetiva analisar a atuação do movimento e a participação de homens e mulheres na composição da estrutura administrativa da entidade e no desenvolvimento de sua ação política no período entre 1960-2007. 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: 281 Segundo Marcos Mesquita (2003) o movimento estudantil em geral foi bastante ativo no século passado, assim marcando sua presença no cenário político latinoamericano. Segundo o autor no Brasil sua trajetória de certa forma remonta grandes momentos históricos, bem como, os principais fóruns e debates acerca da educação e dos modelos de universidade, dessa forma os movimentos estudantis conseguiram, por algum tempo, ser o ator social de maior força e organização, atraindo outros grupos e movimentos sociais. Com relação aos movimentos sociais, cabe destacar que o currículo estar totalmente imbricado, assim afirma Tomaz da Silva (2007), nas discussões cotidianas, quando pensamos em currículo pensamos apenas em conhecimento, esquecendo-nos de que o conhecimento que constitui o currículo está inexoravelmente, centralmente, virtualmente, envolvido naquilo que somos, ou naquilo que nos tornamos. Desse modo possamos dizer que, além de uma questão de conhecimento, o currículo é também uma questão de identidade. Para Macêdo (2007), o currículo é um espaço vivo de construção de conhecimento, resultante dos pensamentos, das experiências dos sujeitos e das suas interações da natureza histórica, social e biológica. È conveniente salientar que os movimentos tiveram maior repreensão na época da ditadura militar. Esta fase marcada por embates, mortes, proibições etc. Segundo Paula e Duriguetto (2006 e 2007) o ano de 1968 representou um endurecimento ainda maior do Estado de Segurança Nacional frente a qualquer movimento social, assim foram proibidas passeatas e greves. Morais (2008) traz que após a ditadura militar um dos momentos mais importantes da nossa história protagonizado pelos estudantes secundaristas foi o “Fora Collor” (1992), onde os estudantes pintaram os rostos e saíram mais uma vez às ruas para pedir a saída do presidente eleito pelo voto direto, Fernando Collor de Melo acusado de corrupção, feito este que logrou sucesso, no Movimento que ficou conhecido como os “Caras-pintadas” Destarte, compreende-se que o movimento estudantil tem suas ações políticas articuladas a uma ação coletiva e que em suas práticas mobilizatórias tem um sentido significativo para determinadas inovações nos âmbitos institucionais. 282 4. METODOLOGIA: Para o desenvolvimento do trabalho realizamos entrevistas semi-estruturadas com alguns ex-participantes do referido Grêmio (GEDC), analisamos documentos como, por exemplo, o livro de atas, relatórios, jornais e ofícios. Ressaltamos que nestes documentos encontramos vestígios da ação política do Grêmio. 5. DISCUSSÕES E RESULTADOS: Ao analisar o papel desempenhado pelo Grêmio Estudantil D. Helder Câmara no colégio Estadual Pedro Calmon, percebemos que havia uma atuação ativa dos estudantes que participavam do movimento, suas ações políticas eram em prol a construção de uma sociedade justa e democrática. Ainda, por melhorias no Colégio ao qual estava inserido o movimento e também por direitos a liberdade. A leitura da ata deste período nos permite a compreender que mesmo estando distante do cenário dos grandes combates que acontecia no Rio de Janeiro, os estudantes que participavam do movimento estudantil em Amargosa também estavam plausível a possíveis investigações, perseguições ou repressões militares. Recebemos a visita inesperada do comandante da Polícia Militar destacado em nossa cidade, juntamente com o gerente do Banco do Brasil e a diretora do nosso colégio (Livro de Atas do G.E.D.H.C, p.7 – verso, 06 de maio de 1964) Notamos a partir de algumas falas que os participantes do movimento estavam engajados na realização de ações políticas bastante definidas como: encontros de formação; publicação de jornais; denúncias em rádios e TV; denúncias na SEC-Ba; realização de passeatas. Segundo alguns entrevistados, os maiores embates do movimento estudantil ocorreu com a direção da escola, pois se tratava de uma administração autoritária. 283 Os dados analisados nos permitiram compreender que a participação das mulheres no Grêmio Estudantil Dom Helder Câmara quase era em menor quantidade e em cargos inferiorizados. Tabela 01 – Distribuição das funções/cargos na estrutura administrativa do Grêmio Estudantil D. Hélder Câmara, por gênero – 1960-2006. MULHERES HOMENS FUNÇÃO/CARGO TOTAL Quantidade Percentual Quantidade Percentual Presidência 12 01 1% 11 99% Vice-Presidência 08 00 0% 08 100% Secretaria Geral 20 04 20% 16 80% de 08 00 0% 08 100% de 10 00 0% 10 100% de 13 05 19% 08 81% Secretario fiscal 51 23 19% 28 81% Biblioteca 10 03 15% 07 85% Secretaria Esportes Secretaria Intercâmbio Secretaria Finanças Ao analisar o papel desempenhado pelo Grêmio Estudantil D. Helder Câmara no colégio Estadual Pedro Calmon, percebemos que havia uma atuação ativa dos estudantes que participavam do movimento, suas ações políticas eram em prol a construção de uma sociedade justa e democrática. Ainda, por melhorias no Colégio ao qual estava inserido o movimento e também por direitos a liberdade. Nos anos de 1997-2006 foram marcados por embates com a direção da escola. As lideranças deste movimento estavam engajados na formação dos cidadãos, 284 promovendo encontros entre os estudantes para tratar de interesse de todos e assuntos que se faziam presentes na época. Os relatos a seguir dar conta que o grêmio tinha uma participação maior nesta época no colégio. REFERÊNCIAS: MESQUITA, Marcos Ribeiro. Movimento estudantil brasileiro: Práticas militantes na ótica dos Novos Movimentos Sociais. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, 66, p. 117-149, Outubro 2003. Disponível em http://www.ces.uc.pt/publicacoes/rccs/artigos/66/RCCS66-117-149-Marcos %20Mesquita.pdf. Acessado em 02/08/2011. MORAIS, Edima. Contribuições político-pedagógicas da experiência no Movimento Estudantil para formação de estudantes do Ensino Médio em Caruaru. In: III Encontro de Pesquisa Educacional em Pernambuco. Educação e Participação: Qualidade Social em Questão. Disponível www.epepe.com.br/...1/contribucoes_politico_pedagogicas.pdf. Acessado 05/08/2011 em: em PAULA, Luciana Gonçalves Pereira de, DURIGUETTO, Maria Lúcia. Um convite à rebeldia: Movimento Estudantil de Serviço Social no Diretório Acadêmico Padre Jaime Snoeck – Faculdade de Serviço Social/UFJF. In: Libertas, Juiz de Fora, v.6 e 7, n. 1 e 2, p.149 - 174, jan-dez / 2006, jan-dez / 2007– ISSN 1980-8518 175-200. Disponível em: www.ufjf.br/revistalibertas/files/2011/02/artigo_08_7.pdf. Acessado em 08/08/2011. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução as teorias do currículo. 2.ed., 10ª reimp. Belo Horizonte, Autêntica, 2007. 285 EIXO 2 A – FORMAÇÃO DE PROFESSORES REFLEXÕES SOBRE ESCOLA, FORMAÇÃO DOCENTE, SEXUALIDADE E DIVERSIDADE SEXUAL 286 Taisa de Sousa Ferreira52 Trata-se de um estudo que se propôs a refletir sobre a formação docente em relação às questões que envolvem a sexualidade e diversidade sexual, objetivou identificar através das falas docentes de que maneira o curso de formação de professor contribuiu positiva ou negativamente para sua prática pedagógica em relação à sexualidade e diversidade sexual. Para tanto, foi realizada uma pesquisa qualitativa, com utilização de entrevista semiestruturada, com quatro docentes (dois homens e duas mulheres), das áreas de exatas, biológicas e humanas de uma escola pública, em Feira de Santana. Pondera-se que, apesar da questão da sexualidade estar na "ordem do dia", enquanto pauta educacional, presente em diversos espaços escolares, de ultrapassar fronteiras disciplinares e configurar-se como um assunto a ser abordado por diferentes agentes educacionais, em geral, observa-se que os cursos de formação de professores, através de suas propostas curriculares, ainda mantêm uma postura tímida no desenvolver de reflexões profundas sobre sexualidade e diversidade sexual. Em função das posturas assumidas na formação desenvolvida, os cursos acabam não oferecendo o desenvolvimento de práticas pedagógicas que levem os (as) futuros (as) professores (as) compreenderem e refletirem sobre suas ações frente à cultura homofóbica na sua relação com a educação, assim como sobre as contribuições destes (as) para formação de indivíduos que concretamente exerçam sua autonomia e cidadania em relação às possíveis expressões sexuais. Em sua maioria, os (as) professores (as) entrevistados (as) avaliam como importante o debate acerca desta, porém não conseguem perceber o seu papel no enfrentamento as desigualdades que se fazem na escola no que diz respeito à diversidade e na sua fala elegem sujeitos exteriores a dinâmica escolar para trabalhar tais questões. Outro dado que chama atenção na pesquisa é que quando tal discussão ocorre na escola esta se restringe apenas a professores que atuam nas ciências biológicas, com recortes focados nas questões reprodutivas silenciando o contexto afetivo, social e cultural dos corpos. RESUMO: Palavras- Chaves: Formação docente. Diversidade Sexual. Prática Pedagógica. INTRODUÇÃO Segundo Martins (2001, p.01) apesar de expressões como diversidade, respeito às diferenças, liberdade e respeito ao outro, atualmente terem tornado-se objeto de olhar nas pautas da educação, a escola ainda está atrelada a concepções sobre corpo, sexualidade e gênero, que foram construídas no século XVI. Corroborando com Martins é ponderado por Louro (1999) que: 52 Mestranda em Educação, Bolsista FAPESB - Universidade Estadual de Feira de Santana 287 A escola é uma entre as múltiplas instâncias sociais que exercitam uma pedagogia da sexualidade e do gênero, colocando em ação várias tecnologias de governo. Esses processos prosseguem e se completam através de tecnologias de autodisciplinamento e autogoverno exercidas pelos sujeitos sobre si próprios, havendo um investimento continuado e produtivo desses sujeitos na determinação de suas formas de ser ou "jeitos de viver" sua sexualidade e seu gênero. De modo geral, a escola através de seus agentes e currículos, negligenciam questões que tratam de corpo, gênero e sexualidade. Sobre o papel da escola e do currículo nas questões de gênero e sexualidade nos alerta Freire (2011): O currículo vai ajudando a formar masculinidades e feminilidades de acordo padrões estabelecidos culturalmente, segundo relações de poder assimétricas que ancoram sua elaboração e vivência no interior da escola. (p.08) Ou seja, a escola afirma o que cada sujeito pode ou não fazer, delimita espaços, separa, institui os lugares dos corpos, tal postura contribui para constituição de subjetividades, representações e identidades dos sujeitos e a forma como tal socialização se desenvolve geralmente produz maneiras enrijecidas de enxergar o mundo, acarretando a cristalização das posições dos sujeitos, bem como a criação de estereótipos, constituindo-se em latente desigualdade social. Em casos em que a sexualidade é tratada em sala de aula, esta discussão ocorre através de aulas de ciências ou biologia, com priorização de questões referentes à reprodução humana, fazendo assim com que as questões ligadas à sexualidade se limitem à procriação, desvinculando e até ignorando as questões do desejo, e das múltiplas possibilidades de vivência da sexualidade. ou ainda como aponta Fraga (2000) citado por Lima (2006): Ao se tomar como ponto de análise a forma como os currículos escolares estão estruturados, é possível perceber que as questões relativas à sexualidade não aparecem de maneira explícita. Quando o tema precisa ser tratado, geralmente a instituição educativa recorre aos especialistas da área médica e/ou psicológica, organizando palestras ou oficinas. (p.64) Carvalho e Cabral (2011) sobre a formação docente apontam que se verifica a necessidade de revisão dos processos de formação de professores, com a constituição de novas práticas e novos instrumentos de formação, já que em geral os saberes têm sido tratados de forma estanque, privilegiando-se alternadamente os saberes disciplinares e os pedagógicos de caráter mais teórico, citando ALMEIDA E BIAJONE (2007, p.293) chamam atenção para a necessidade de garantir que as formações cultural, científica, pedagógica e disciplinar dos professores estejam vinculadas à formação prática. 288 Por sua vez, Azevedo (2011) nos leva a refletir sobre o descompasso entre o saber produzido na universidade e as situações que circunscrevem a vida social, chamando atenção para o papel desta universidade no cenário social que ora se apresenta, a autora pontua que: O saber teórico que se institui na universidade precisa dialogar com as concepções construídas no âmbito das relações sociais cotidianas. Analisar a complexidade das relações contemporâneas do ser humano numa sociedade com as características de uma sociedade que se transforma de forma muito mais dinâmica é assumir uma competência e um compromisso político na academia voltado para as questões reais da cotidianidade. (p.03) A necessidade de se pensar uma educação e, por conseguinte um currículo progressista esbarra na construção histórica das concepções e práticas educativas que em muitos momentos tem por base a homogeneização e a assimilação das culturas dominantes. Esse cenário alerta para o papel da Educação no combate à homofobia, por meio de ações que promovam a construção de uma sociedade justa e equânime e que garantam os direitos humanos, por intermédio da integração das Políticas Públicas citadas aos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) para a Orientação Sexual, isso porque a escola ainda reflete o panorama de desconhecimento dessas políticas no que diz respeito a ações práticas, o que dificulta o reconhecimento da homofobia presente no cotidiano e ressalta o despreparo de educadores para lidar com essa situação. Nesta perspectiva, esse estudo buscou a partir das falas de docentes construir um olhar sobre o currículo e a formação docente dos cursos de formação de professor em relação à sexualidade e diversidade sexual. Deste modo, através de uma pesquisa de abordagem qualitativa, em uma escola de ensino fundamental e médio em Feira de Santana, Bahia, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com quatro docentes, cujos resultados embasaram a presente discussão. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O contato com o colégio objeto de pesquisa iniciou-se através da vice-diretora do turno matutino do colégio escolhido, a qual intermediou o contato com professores da unidade escolar. Na perspectiva de conhecer possíveis ações pedagógicas e curriculares no decorrer da formação dos docentes, a proposta do estudo (a descrição do tema e do objetivo da pesquisa) foi apresentada individualmente e a seguir foram 289 marcadas entrevistas com os interessados. As entrevistas foram realizadas em Feira de Santana no período de novembro de 2007 a janeiro de 2008. Foram entrevistados quatro professores (dois homens e duas mulheres) com faixa etária entre 23 e 45 anos, dois ocupantes do cargo de vice-diretor, formados nas áreas de Matemática, Física, Geografia e Ciências Biológicas, docentes de uma escola pública de médio porte que atende ao ensino fundamental e médio, localizada no Conjunto Feira VI, em Feira de Santana. A decisão de escolher dois professores de cada gênero sustenta-se no objetivo de perceber a possível existência de diferentes olhares e práticas de acordo com o gênero do docente, no que diz respeito às áreas de formação, foi buscado transpor apenas a área de Ciências Biológicas, no sentido de pluralizar o conhecimento sobre as praticas formativas nos cursos de formação de professor. Os dados foram produzidos mediante o dialogo informal, a realização de entrevistas semiestruturada e o preenchimento de questionário. Foram realizadas três entrevistas registradas em áudio e o preenchimento de um questionário. 53 Os nomes de cada participante foram substituídos por pseudônimos com o intuito de manter o sigilo das informações prestadas. Foi elaborado inicialmente um quadro com todas as entrevistas realizadas. Tal quadro consistiu na realização de comentários sintéticos e, na transcrição das entrevistas, foram selecionados trechos considerados interessantes ou significativos das entrevistas. Buscou-se, na transcrição das entrevistas, integrar às verbalizações visando o enriquecimento da análise e possibilitando uma maior compreensão da dimensão metacomunicativa (relacional) presente no momento da entrevista. As análises foram orientadas a partir das seguintes categorias temáticas: (a) a formação do professor, (b) diversidade sexual, (c) o trabalho em sala de aula envolvendo a discussão acerca da diversidade, (d) o preconceito em relação às diversas expressões sexuais. RESULTADOS E DISCUSSÃO De acordo com Gomes (2008), a inserção da diversidade nas políticas educacionais, nos currículos, nas práticas pedagógicas e na formação docente implica 53 O questionário foi utilizado porque um dos professores, o qual inicialmente tinha se disposto a seguir a proposta de entrevista, no dia marcado, alegou não sentir-se a vontade para gravar à mesma. 290 compreender as causas políticas, econômicas e sociais de fenômenos como: desigualdade, discriminação, etnocentrismo, racismo, sexismo, homofobia e xenofobia. Nesse sentido, a autora afirma que falar sobre diversidade e diferença implica, também, posicionar-se contra processos de colonização e dominação. Implica compreender e lidar com relações de poder. Para tal, é importante perceber como, nos diferentes contextos históricos, políticos, sociais e culturais, algumas diferenças foram naturalizadas e inferiorizadas, tratadas de forma desigual e discriminatória. Trata-se, portanto, de um campo político por excelência. (GOMES, 2008) Dados da UNESCO, Abromovay (2004) comprovam que a intolerância e a falta de conhecimento sobre a diversidade de expressão sexual colocam a escola entre os órgãos que merecem atenção sobre a questão, notadamente quando o preconceito parte dos professores e professoras. A pesquisa “Perfil dos Professores Brasileiros”, realizada pela UNESCO, em todas as unidades da federação brasileira, revelou que para 59,7% dos professores (as) é inadmissível que uma pessoa tenha relações homossexuais e que 21,2% deles tampouco gostariam de ter vizinhos homossexuais. Outra pesquisa, realizada pelo mesmo organismo em 13 capitais brasileiras e no Distrito Federal, forneceu certo aprofundamento na compreensão do alcance da homofobia no ensino básico (fundamental e médio). Constatou-se, por exemplo, que o percentual de professores (as) que declara não saber como abordar os temas relativos à homossexualidade em sala de aula pode chegar a 48%. O percentual de mestres(as) que acreditam ser a homossexualidade uma doença ultrapassa os 20% em muitas capitais”. (ABRAMOVAY, 2004, p.) Diante disso, inferimos que tratar das diversas formas de viver as sexualidades na sociedade contemporânea, se caracteriza, sobretudo como um grande desafio, pois trata-se de atravessar conflitos com uma sociedade marcada historicamente por valores machistas e heteronormativos, estes que ainda nos dias de hoje, são proliferados, renegando a multiplicidade de culturas, raças, religiões e orientações sexuais que temos em na sociedade brasileira, fazendo germinar preconceitos e ações discriminatórias às diversidades. Os professores entrevistados neste estudo, a exceção da professora Gabriela, afirmaram que a formação acadêmica recebida não os habilitou para discussão em relação à sexualidade/ diversidade sexual, e ponderaram ainda que nem mesmo em ambientes universitários este é um assunto comum. Nádia, Juremar e Cláudio, pontuaram nunca terem participado ou ouvido falar de cursos de formação continuada de professor com o tema da diversidade sexual. 291 Foi verbalizada pelos docentes a necessidade de formação especifica para o trabalho com as questões identitárias relativas à diversidade, formação que os dê condições de atuar pedagogicamente com seus alunos no tocante a questão da diversidade cultural, a diversidade sexual, e sexualidade. Estudos recentes voltados à relação diversidade e formação docente apontam a necessidade de se compreender a diversidade como base da estrutura social e entender que toda a intervenção curricular tem como finalidade preparar cidadãos capazes de exercitar socialmente, criticamente e solidariamente as suas ações, assim a discussão sobre diversidade sexual nos currículos dos cursos de formação de professores representam uma possibilidade de romper com o processo de homogeneização da humanidade, onde a idéia de evolução e o acúmulo de conhecimentos seria um processo universal e natural das coisas. No que diz respeito ao currículo do seu curso de graduação, apenas a professora Gabriela, formada em Ciências Biológicas, afirmou ter tido disciplinas voltadas à diversidade: Por estar na área da biologia, tive disciplinas que discutiam sexualidade, tanto obrigatórias quanto optativas, embora muitas delas tivessem foco mais no biológico do que na educação, em virtude de minha pesquisa consegui dar uma direcionada durante as mesmas para o lado da educação. Tive matérias, como sexualidade e educação, pluralidade cultural e educação, que me ajudaram bastante em estar atuando hoje com mais facilidade dentro dessa temática. (Profª Gabriela) Para Tanno (2007), especificamente na formação de professores, o debate em torno das questões de sexualidade requer uma postura de comprometimento, haja vista que o papel do educador é o de promover a construção de uma ética fundada no respeito e na cidadania, condição básica para a convivência em grupo. Afirma ainda que “os docentes devem ser preparados para intervir em todas as situações de preconceitos homofóbicos, de raça, credo e qualquer outro tipo de intolerância, reforçando sempre a dignidade humana e os direitos dos cidadãos”. (2007, p.07) Portanto, a formação inicial de docentes, inclusive das séries iniciais, deve se pautar em práticas pedagógicas que levem futuros os professores e professoras a repensarem suas ações frente à cultura homofóbica, devendo-se assim: “promover uma educação pautada em um programa que vise à formação de profissionais capacitados para a elevação de uma educação afetivo-sexual, que seja capaz de preservar os direitos de cidadania. (Tanno, 2007, p. 07) A existência de lacunas na formação docente em relação a discussões 292 aprofundadas voltadas a diversidade sexual e a sexualidade têm contribuído, para que a escola produza/ reproduza a exclusão daqueles grupos cujos padrões étnico-culturais, de gênero, de sexualidade, não correspondem aos dominantes.Martins (2001) afirma que os educadores tendem a defender condutas que condizem com os comportamentos considerados aceitáveis pela sociedade, muito embora a maioria dos professores concorde com a introdução de temas contemporâneos no currículo, tais como prevenção às drogas, saúde reprodutiva, muitos continuam a tratar a homossexualidade54 como doença, perversão ou deformação moral. Dizem lidar com a questão da homossexualidade de maneira natural, dizendo encarar a expressão sexual dos estudantes como um fator natural, mas na realidade buscam disfarçar o preconceito. Esta reflexão proposta por Martins (2001) nos remete a pensar sobre o papel ideológico que a escola e professores desempenham no sentido de garantir a manutenção de determinados valores sociais. Tomamos a concepção de Althusser (1998) ao retratar a escola enquanto aparelho ideológico do Estado e sustentador de determinada norma, de que raros são os professores que se posicionam contra a ideologia, contra o sistema e contra as práticas que os aprisionam. A maioria nem sequer suspeita do trabalho que o sistema os obriga a fazer ou, o que é ainda pior, põem todo o seu empenho e engenhosidade em fazê-lo de acordo com a última orientação (os métodos novos). Eles questionam tão pouco que pelo próprio devotamento contribuem para manter e alimentar essa representação ideológica da escola, que hoje faz da Escola algo tão natural e indispensável quanto era a Igreja no passado. A existência do preconceito disfarçado pode ser observado, por exemplo, na fala do professor Juremar quando questionado sobre sua compreensão acerca da existência da discriminação a homossexualidade: “Uma serie de coisas não se muda em dez anos ou cinco anos, você tem que levar sei lá toda uma geração e mais gerações, fazer um trabalho lento, muito lento, para mudar toda uma estrutura de vida, ta sendo alterado graças a deus, mas ainda falta muito, a mesma coisa com o preconceito com homossexualismo, hoje você já consegue ver digamos assim...um homossexual na rua e não se espantar, né... antigamente você via e se espantava, hoje você vê que o numero de homossexuais está crescendo muito...não é porque eles não existiam, hoje eles já se dão ao direito de se expressar seus sentimentos”. [grifos meus] Apesar de julgar importante a perspectiva de mudança da postura na sociedade 54 Ao fazer no texto, a expressão homossexualidade ou homossexual, serão utilizadas de modo geral, tanto para pessoas do gênero masculino quanto feminino, abrangendo o universo de sujeitos de expressão sexual não- heteronormativa. Para os casos de bissexuais e transexuais usar-se-ão as referidas expressões. 293 em relação aos homossexuais, o professor coloca a homossexualidade como algo fora do normal, o que em sua prática pedagógica pode refletir em manutenção da heteronormatividade. Quando falamos em orientação sexual na escola as opiniões se divergem quanto a se tratar do tema apenas nos conteúdos programáticos (nas aulas de Ciências e Biologia) ou como um tema transversal permeando todas as disciplinas do currículo escolar. Nos PCN, a educação sexual está incorporada como tema transversal além de indicada à pertinência do espaço específico para a temática da sexualidade, comporta uma sistematização e um espaço específico, mas não deve ser colocada em uma matéria obrigatória, nem a preocupação de que estas aulas possam gerar uma nota ou uma avaliação. O professor de qualquer disciplina pode realizar um trabalho de educação sexual, podendo abordar o assunto a qualquer momento em qualquer disciplina, pois é um tema transversal que atravessa fronteiras disciplinares. Quando perguntados se discutem ou já discutiram temas associados à sexualidade ou a homossexualidade nas suas aulas, os professores deram o seguinte depoimento: “Não, pois não faz parte dos conteúdos da minha disciplina” (Juremar – professor de física). “Muito pouco, e de forma informal com um pequeno grupo, porque não é de minha formação, da minha disciplina” (Clemente – professor de matemática). Dois aspectos podem ser destacados no depoimento dos entrevistados: o entendimento dos mesmos de que por atuarem com disciplinas da área de exatas a discussão acerca da homossexualidade não pode ser abordada nas suas aulas; e a utilização da conversa informal como medida pedagógica para evitar a discriminação. Observa-se na reflexão dos entrevistados, que tanto o professor Juremar quanto o professor Clemente alegando não serem formados para tal atuação acabam por assumir no exercer de sua prática educativa a posição de silenciamento perante a temática. Refletindo sobre a importância da discussão sobre sexualidade e diversidade sexual na prática educativa no ambiente escolar, os entrevistados ponderam ainda que: “É importante, principalmente em disciplinas como filosofia, sociologia, língua portuguesa, biologia, buscando discutir o direito de escolha que cada cidadão tem em relação a sua opção sexual” (Juremar). “A escola que tem que ir atrás de solucionar esse problema, não tem mais como ficar esperando. É uma questão que tem que rever, realmente e já. Agora volto a afirmar, tem que ter profissionais capacitados, para não fazer a base do eu acho, eu quero, entendeu? Não ficar na coisa empírica, 294 simplesmente, eu que acho que é melhor assim. Para isso precisa haver uma capacitação de profissionais voltados a isso, tem que ter alguém, eu como professor de matemática, não me sinto preparado para discutir isso na sala” (Clemente). Está colocado no depoimento dos professores Juremar e Clemente o entendimento de que a homossexualidade deve ser restrita a determinadas disciplinas escolares e, por conseguinte, a ideia de que o tema deve ser trabalhado por profissionais específicos, posição que os fazem implicitamente legitimar a não focalização institucional da temática de modo transversal, algo que está garantido nas leis educacionais. Tais práticas docentes, sob o véu da neutralidade técnica, legitimam o silenciar das diferentes “vozes” que chegam a nossas escolas. Por sua vez, contrapondo à compreensão dos professores Juremar e Clemente, as professoras Gabriela e Nádia alertam para o papel do professor na tarefa de desconstruir o preconceito e responsabilidade dos mesmos enquanto agentes de transformação social, ressaltando ainda a importância de tal discussão no âmbito da escola: “Deve ser inserida para que o preconceito possa ser desconstruido, quanto mais for debatido, melhor será para as pessoas. Os professores têm que se responsabilizar em disponibilizar espaços para a discussão” (Gabriela). Acho que o papel do educador é discutir sobre todos os temas que vão favorecer o crescimento do educando, que vai contribuir para o desenvolvimento de um individuo critico, capaz de intervir na sua sociedade, capaz de respeitar todos, inclusive a si mesmo. Assim falar sobre homossexualidade, combater o preconceito religioso, étnico, sexual, deve ser um projeto de toda a escola a meu ver, nós professores devemos unir forças para que o papel que nos foi dado seja cumprido e em todos os momentos trazer o debate para nossas aulas. (Nádia). Refletindo sobre os elementos que motivam o preconceito em relação a sujeitos com expressão sexual não-heteronormativa. Os entrevistados afirmam que o preconceito se dá em função de questões culturais em especial pelo não estimulo e não ensino do respeito ao outro na educação. Observemos as falas: “Na nossa sociedade, o menino foi criado desde bebê para ser o homem ser macho e mulher para ser fêmea, você nunca dá para sua filha de um ou dois anos, uma bola, você não dá boneca ao seu filho. Você não enche seu filho de bichinho de pelúcia. Para a menina, você compra o quartinho rosa e você arruma em azul o do menino, e o da menina rosa, você é criado para ser sexos separados. Homem é homem, mulher é mulher, quando ele se depara, onde homem faz o papel de mulher, há um choque e ai todo esse motivo desse preconceito, e outro detalhe importante, enquanto seres humanos, nós não somos educados, principalmente na fase da infância a respeitar as escolhas dos outros, nós somos criados para ser egoístas”. (Clemente) 295 Observamos na fala do professor Clemente sua compreensão acerca da existência do preconceito. Para ele, principalmente a forma como é construída a identidade de gênero na nossa sociedade, com as expectativas sociais em relação aos sujeitos, a demarcação do dimorfismo sexual como elemento que instaura na nossa sociedade os papeis destes sujeitos, onde homens e mulheres têm seus papeis separados a partir de suas diferenças biológicas, bem como a ausência do respeito ao outro como principio norteador da educação em sociedade, são elementos determinantes para que o preconceito faça parte do cotidiano dos seres humanos. Vemos ainda na fala do professor de maneira sutil a sua própria compreensão de que a partir do contexto social pautado no dimorfismo, o sujeito fora da norma se institui como motivador do preconceito, ao exercer um papel social que não fora legitimado como seu. A professora Nádia diz: Eu acho que isso passa por uma questão ainda de formação, em geral o jovem não é educado para ser sensível, então quando ele descobre que um colega dele é homossexual, para ele é um choque, porque ele não foi criado para isso. Precisamos de uma cultura de educação voltada para o respeito mutuo de todos. Esse preconceito que vemos é cultural, contra o branco, o negro, o homem, a mulher, isso foi largamente desenvolvido, há alguns anos vem sendo melhorado né, mas ainda tem muita coisa a ser feita. Os professores demonstraram discordar de práticas preconceituosas, destacando a importância do respeito ao outro, do respeito à diferença, mas em alguns momentos foram percebidas algumas concepções que evidenciam o preconceito disfarçado. De modo geral, através da pesquisa realizada se pôde constatar que sexualidade e mais especificamente, a homossexualidade são entendidas como temas necessários a serem discutidos na escola, visto o potencial que a escola tem para construção de conhecimento, contudo para os professores entrevistados faltam atores e instrumento didático-pedagógicos que cumpram tal função, assim como ficou evidenciada a carência de discussão acerca de sexualidade e diversidade sexual nos cursos de formação de professores e o prejuízo implícito as práticas pedagógicas em torno da temática na escola. REFLEXÕES FINAIS Os dados analisados apontaram para a necessidade de serem destinados mais momentos para as discussões sobre sexualidade, diversidade sexual e gênero dentro da 296 universidade. Existe uma visível dificuldade na discussão desses temas dentro do ambiente escolar, uma vez que os/as educadores/educadoras são vulneráveis, sentem-se inseguros/inseguras e sem qualquer preparo para discutir os temas gênero, sexualidade e diversidade sexual, ou para conviver com alunas/alunos de diferentes identidades sexuais. Compreende-se, pois que, certamente sentem-se assim em função de um processo histórico de negação às diversidades sexuais e de gênero, principalmente quando o que está em pauta é um espaço escolar embasado por perspectivas essencialistas e normatizantes acerca das identidades. A pesquisa aponta inicialmente para uma melhor aceitação das diversidades sexuais, porém uma análise mais detalhada aponta para uma assimilação do discurso politicamente correto, mas sem uma mudança significativa das concepções binaristas e excludentes sobre a produção das identidades sexuais no mundo contemporâneo. Todavia, apesar da consciência da urgência da discussão, a mesma não é feita, e quando surge no ambiente escolar é relegada ao professor da área de Ciências Biológicas ou a um pretenso especialista. Depreende-se assim que as práticas educativas dos docentes pesquisados, em sua maioria, em diversas instâncias, muito mais contribuem para perpetuação do preconceito do que para a promoção do respeito às diferenças. A importância de se tratar do assunto no âmbito da sala de aula, especialmente nos cursos de formação de professores, requer uma proposta de mudança de postura, haja vista a relevância do tema. É preciso que a questão passe a ser entendida e tratada a partir da cultura dos direitos humanos, procurando assim, esclarecer professores e professoras sobre a superação ao preconceito, possibilitando o reconhecimento da sexualidade como algo inerente à vida do ser humano. Destaca-se, por fim, a necessidade de maior espaço no currículo de formação professor para discussão dos temas sexualidade e gênero. Neste contexto, a universidade é chamada a sua responsabilidade mediante essas discussões, em especial quando se refere a cursos de formação de professores/professoras, uma vez que na Educação há, de maneira geral, uma ausência desses estudos e ainda há uma demanda no espaço da escola acerca da discussão dessas questões, é fundamental que as/os profissionais da educação tenham um preparo, durante a graduação, para que possam trabalhar esses temas. A realização de novas pesquisas sobre esta temática é, portanto, de suma importância. Afinal, os conhecimentos produzidos podem colaborar na transformação social, na construção de uma cultura democrática de valorização da diversidade em 297 todos os níveis. REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, M. Juventudes e sexualidade./ Miriam Abramovay, Mary Garcia Castro e Lorena Bernadete da Silva. Brasília: UNESCO Brasil, 2004. 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Proponho neste trabalho um estudo teórico sobre três questões, que considero serem as primeiras que vem à mente quando se toca no assunto, principalmente para as pessoas leigas. Por que ensinar música nas escolas? Quem deve ensinar música nas escolas? O que deve ser ensinado? Partindo de textos de referência legais (PCNs, Diretrizes curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Música, LDBEN/96) e estudos acadêmicos na área, apresento a música como parte da infra estrutura humana sendo o fazer musical uma ação social, capaz de interferir em outras categorias de ações sociais. Mostro que no decorrer da história do Brasil, as intenções com o ensino de música mudaram, sendo essas mudanças verificadas na legislação geral da Educação Básica. Hoje, segundo as orientações dos PCNs, a ênfase parece estar nas questões estéticas e criativas de crianças e jovens, com intuito de compor um bom cidadão ao final do processo educativo. Quanto a quem deve ensinar música, apesar de muitos autores demonstrarem certa ausência de preocupação nos documentos oficiais, a LDBEN/96 e as Diretrizes (2004) enfatizam a necessidade da formação superior em curso de licenciatura para tal profissional. Apresento a opinião de alguns autores, destacando a necessidade da formação de qualidade. Quanto ao que ensinar, sinto ser a questão mais vulnerável e sujeita a ideologias, pois da mesma maneira que há uma legitimação do conhecimento musical pelo conhecimento da notação musical a partir da tradição europeia, há um desejo dos autores em se valorizar a oralidade, as diversas culturas e “fazeres musicais”. Um impasse entre uma formação erudita, formal e excludente, e uma formação generalista, diversificada culturalmente e que respeita as manifestações culturais também de povos oprimidos e esquecidos historicamente. Finalizo destacando a complexidade do tema ensino de música na educação básica brasileira e reforço a necessidade de mais estudos e reflexões na área. Palavras-chave: Educação musical. Lei 11769/08. Ensino de música Introdução A Lei no 11769/08 alterou a LDBEN/96 em seu artigo 26 e institui a obrigatoriedade do ensino de música na Educação Básica. Seu texto diz que “a música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo, do componente curricular” e ressalta que a partir de três anos letivos a contar da data de sua publicação, os sistemas de ensino teriam que se adaptar às exigências estabelecidas pela lei (BRASIL, 2008). 55 Mestre em Educação para a Ciência, graduanda do curso de Licenciatura em Música (UEFS) 300 Esses três anos foram completados no dia 18 de agosto passado. Como está o ensino de música nas escolas de Educação Básica no Brasil? Este trabalho tem como objetivo discutir, em termos teóricos, os aspectos dessa questão, apresentados no título: Por que ensinar música nas escolas? Quem deve ensinar música nas escolas? O que deve ser ensinado nas escolas? Com a criação do Curso de Licenciatura em Música na Universidade Estadual de Feira de Santana e o presente Seminário, acredito ser este o espaço e o momento adequados para essa reflexão. O trabalho não tem a pretensão de apresentar uma resposta definitiva às questões, visto que a educação é um processo em constante recriação, mas pretendo proporcionar a reflexão sobre as “missões” de estudantes de licenciatura em música, dos formadores de professores de música para a escola básica, e de profissionais responsáveis pela construção de conhecimento e formação de massa crítica na área em questão. Como já mencionado trata-se de uma pesquisa de caráter teórico, de natureza qualitativa, buscando as respostas às questões propostas na produção acadêmica brasileira e em textos de referência para a Educação Musical. Por que ensinar música nas escolas de Educação Básica do Brasil? Para iniciar a discussão julgo necessário me posicionar sobre qual a ideia de música que quero trabalhar. Para tanto recorrerei às ideias de Jonh Blacking um dos mais importantes etnomusicólogos do século XX. A música, segundo Blacking (2007), é uma parte da infraestrutura da vida humana sendo o fazer musical uma categoria de ação social que apresenta consequências para outros tipos de ações sociais. Como ação social a música em si só se torna arte por meio de atitudes e sentimentos atribuídos pelos seres humanos. Para o autor a arte vive nos seres humanos e é manifestada publicamente por processos de interação. Os signos, portanto, só apresentam significado quando são socialmente compartilhados. Ainda segundo Blacking (2007) a música é “um produto observável da ação humana intencional”, ou seja, o meio ambiente extra-humano não produz música. Pode produzir sons agradáveis (ou não), que interferem no humor das pessoas e que podem inspirar criações musicais, mas música é produzida por seres humanos, com intenções 301 expressas ou não. O autor apresenta também a música como “um modo básico de pensamento pela qual toda ação pode ser constituída” (p. 202). Historicamente o ensino de música no Brasil iniciou-se com uma intenção, um “por que”, bem determinados. Ele remonta ao tempo dos jesuítas que catequizavam as crianças indígenas com a ampla utilização de músicas e autos teatrais, objetivando a construção de um país católico. Durante o período colonial toda a educação, inclusive a musical, manteve-se ligada à igreja católica; o ensino de música resumia-se em práticas musicais e canto coral. Em 1854 instituiu-se oficialmente o ensino de música nas escolas públicas brasileiras. Em 1890 o decreto federal (no 981, 28 de novembro) exigia “formação especializada do professor de música”. No decorrer da história ocorreram várias iniciativas da incorporação do ensino de música para a escola básica: a Escola Nova, com a ideia de ampliar a prática para todos, não se restringindo aos “talentosos”, o Canto Orfeônico, conduzido por Villa Lobos durante o governo de Getúlio Vargas e as iniciativas de Koellreutter, que trouxe para o Brasil importantes ideias europeias (FONTERRADA, 2008). Assim como os diferentes momentos da educação nacional, o ensino de música apresentava objetivos distintos, tais como a intensificação de uma identidade (com Villa-Lobos), ou a super valorização da expressão artística dos estudantes onde a “arte adulta deveria ser mantida fora dos muros da escola, pelo perigo da influência que poderia macular a “genuína e espontânea expressão infantil” (BRASIL, 1998, p. 21). Na história recente sabemos que, com a Lei no 5692/71, a música perdeu o status de disciplina e passa a ser uma atividade do conteúdo de Educação Artística. Nesse período, segundo Pires (2003), pregava-se o apogeu da pró-criatividade e para a disciplina Educação Artística foram criadas as licenciaturas polivalentes (formação dos professores em diversas áreas artísticas) sendo a educação artística vista principalmente como lazer. Atualmente o ensino de música nas escolas brasileiras está amparado pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), que apresentam a música no conteúdo Arte (BRASIL, 1998) e principalmente pela Lei no 11769/08, que altera a LDBEN/96, instituindo a obrigatoriedade do ensino de música nas escolas (BRASIL, 2008). Os PCNs reconhecem que, além de “destacar os aspectos essenciais da criação e percepção estética dos alunos e o modo de tratar a apropriação de conteúdos imprescindíveis para a cultura do cidadão contemporâneo” a aprendizagem de arte, tanto dentro quanto fora da escola, pode mobilizar a expressão e a comunicação pessoal 302 e ampliar a formação do estudante como cidadão, principalmente por intensificar as relações dos indivíduos tanto com seu mundo interior como com o exterior (BRASIL 1998, p. 19). O documento discute ainda a importância de se conhecer a diversidade artística entre as culturas para valorizar a diversidade e buscar compreensão dos modos de pensar e agir da sociedade. Apesar de reconhecer a importância do conteúdo na formação do jovem e sua integração social, a ênfase do ensino de artes apresentada é na formação artística e estética. Blacking (2007) amplia essa compreensão do conteúdo “Arte”, especificamente música, ao afirmar que se soubéssemos mais sobre a música como capacidade humana, como potencial força intelectual e afetiva nas esferas da comunicação, relações sociais e na cultura, a música poderia ser usada amplamente para “melhorar a educação geral, construir sociedades pacíficas e igualitárias e prosperas no século XXI” (p. 216). O autor considera também que o “fazer musical pode ser uma ferramenta indispensável para a intensificação e a transformação da consciência como um primeiro passo para transformar as formas sociais” (p. 208). Não estaria aí uma boa justificativa para o ensino de música nas escolas brasileiras? Quem deve ensinar música nas escolas de Educação Básica no Brasil? Como já mencionado anteriormente o Decreto Federal no 981 de 28 de novembro de 1890 exigia “formação especializada do professor de música”. (FONTERRADA, 2008). Apesar desse reconhecimento, na história recente do Brasil a formação desse professor não acompanhou a formação dos professores de outros componentes curriculares. Até a década de 60, existiam poucos cursos de formação de professores de música, sendo que professores de outras matérias, artistas e pessoas que passaram por cursos de belas artes, escolas de artes dramáticas, e conservatórios poderiam assumir as disciplinas de Desenho, Desenho Geométrico, Artes Plásticas, Música e Arte Dramática (BRASIL, 1998). Na década de 70 a Lei 5692/71 reduziu o ensino de artes à Educação Artística, reconhecida como “atividade educativa” e não disciplina. Para tanto eram formados professores polivalentes, com o intuito de abranger as áreas artísticas (música, artes 303 plásticas, artes cênicas). Essas determinações empobreceram consideravelmente o ensino-aprendizado na área (BRASIL, 1998). Nas décadas seguintes, 80 e 90, iniciativas de cursos de pós-graduação e de estudos mais sérios nas diversas expressões artísticas proporcionaram o desenvolvimento de novas metodologias para o ensino de Artes, sendo esse reconhecido como obrigatório na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDBEN/96). Com a alteração desse decorrente da lei 11769/08, a formação de professores ganhou espaço nas discussões em universidades, eventos e dentro das escolas (BRASIL, 1998). A discussão estende-se à questão de qual profissional deverá participar da música nas escolas. Há dois grupos principais que defendem posições opostas. O primeiro exige que esse profissional tenha curso superior de Licenciatura em Música. Podemos citar o caso da ABEM, Associação Brasileira de Educação Musical, que recomenda que o professor de música na escola seja licenciado em Música. Já a segunda vertente reclama que muitas pessoas competentes, especialistas em métodos de educação musical e que já atuam com sucesso nas escolas, estariam sendo desprestigiadas com a exigência da Licenciatura. A lei 11769/08 não define o profissional necessário para o ensino de música nas escolas, porém Figueiredo e Pereira (2009) afirmam que “o artigo 62 da mesma LDB continua em vigor, o que implica que para ser professor da educação básica é necessário ter diploma de licenciatura. Seguindo essa orientação, para ensinar música na escola é preciso ser licenciado em música” (p.2). Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Música (BRASIL, 2004) a formação do professor deve ser de caráter específico e o documento ainda sugere a transformação das licenciaturas plenas de Educação Artística com habilitação em música em Licenciaturas em Música. Penna (2007) defende essa ideia afirmando que “a licenciatura em música é a formação que nossa área tem defendido e construído, em um árduo processo, configurando a formação ideal para o educador musical” (p. 51) Entendido então que a formação do professor de música para atuação nas escolas básicas do país está amparada legalmente e deve se dar em nível superior nos cursos de Licenciatura em Música, cabe-nos agora discutir sobre a qualidade de formação desse profissional. 304 Pires (2003) ressalta que para compreender a formação desse professor há que se entender os valores, concepções e crenças que orientam as ações educativas. Del Ben (2003) também destaca que a opção por ser professor para a escola básica deve ser vista como escolha e não como falta de espaço para musicistas e bacharéis. A autora destaca ainda três aspectos que merecem atenção sobre a formação do professor de música: 1) a necessidade de relacionar a formação inicial do professor à sua atuação profissional, ou seja, os cursos de licenciatura precisam preparar adequadamente os professores de música para atuarem nas diferentes realidades de ensino-aprendizagem nos contextos escolares; 2) deve-se reconhecer a prática como local de produção e crítica dos saberes; 3) selecionar um corpo de conhecimentos profissionais necessários à docência de música, tais como: conhecimentos musicais e pedagógicos, formação cultural (saber ser e saber tornar-se), o ensino com pesquisa e os saberes da experiência. Penna (2007) discute o senso comum de que bastaria tocar para ensinar e defende veementemente a ideia de que uma licenciatura é muito mais, pois almeja formar um profissional capaz responder produtivamente ao • Compromisso social, humano e cultural de atuar em diferentes contextos educativos. • Compromisso de constantemente buscar compreender as necessidades e potencialidades de seu aluno. • Compromisso de acolher diferentes músicas, distintas culturas e as múltiplas funções que a música pode ter na vida social. (p. 53) Com esse empenho dos profissionais envolvidos com o ensino de música nas escolas básicas, tanto para o reconhecimento da música como área de conhecimento, quanto para a preocupação de formação de um profissional de qualidade, caberiam tais profissionais nas escolas de educação básica do Brasil? O que deve ser ensinado nas aulas de música nas escolas de educação básica no Brasil? Blacking (2007) considera que se todo ser humano tem a capacidade de produzir sentido da música; ouvintes, compositores e performers são parte do processo do fazer musical. O autor ainda ressalta que dentre as fontes de informações sobre a música devem ser consideradas as “visões leigas”, ou seja, a participação dos ouvintes na 305 produção de sentido da música. O autor é enfático ao afirmar que sem o reconhecimento e valoração dessa fonte de informação na compreensão e análise das músicas, não haverá progresso em direção à compreensão da “música como capacidade humana” (p.205). Analisando a evolução humana, Blacking (2007) ressalta que, o desenvolvimento da linguagem verbal não excluiu a música e a dança como adaptação cultural. A linguagem é considerada como mais eficiente nessa adaptação, porém a sobrevivência da música e dança “sugere que este valor evolutivo reside na sua eficácia como linguagem não-verbal” (p. 212). Sobre essa questão ainda, o autor afirma que “as pessoas não distinguem as músicas umas das outras com a mesma certeza que reconhecem outras línguas naturais, como a fala” (p. 213). Com relação à definição dos conteúdos de música a serem desenvolvidos nas escolas, a discussão ainda divide aqueles que pensam na inclusão do ensino obrigatório de instrumento, nos que defendem uma formação rigorosa em teoria musical e aqueles que ainda vêm o componente curricular em questão como o momento de descontração e recreação. Penna (2007) quando discute se para ensinar só precisa tocar, destaca que essa ideia é frequentemente tomada como verdade dentro de um modelo tradicional de ensino de música. Esse modelo é caracterizado pela ênfase no domínio da leitura e escritas musicais, tem foco na técnica instrumental cuja meta é o virtuosismo, onde se reproduz um modelo de música e de fazer música, Esse modelo apoia-se na música erudita europeia e na notação correspondente e seria resistente às transformações. Para a autora esse modelo é restrito quando comparado à larga e multifacetada presença da música na vida cotidiana, ou seja, manifestações musicais diferentes tem forte presença no cotidiano do mundo contemporâneo e cumprem funções diferentes, formando um grande e diversificado “patrimônio de manifestações musicais”. Luedy (2009) discute as ideias de analfabetismo musical e música como linguagem. O autor considera a expressão “música como linguagem” é uma metáfora, visto que é uma ideia decorrente da necessidade de se conhecer a sintaxe da notação musical ocidental para se legitimar o conhecimento em música. Assim como o analfabeto que não tem o domínio do sistema alfabético fundamental nas sociedades letradas, o analfabeto musical é aquele que não reconhece a sintaxe da notação musical que é legitimada pela academia. Assim, ao desconsiderar a oralidade e privilegiar apenas as notações simbólicas, a ideia de “ler música” é reduzida a conhecer o sistema 306 notacional da “música erudita de tradição europeia” (p. 51). Considerando que esse discurso apresenta limites pedagógicos e culturais, ao ser adotado em concursos para ingresso em cursos superiores de música, já na seleção para a formação do professor de música verifica-se uma ausência com relação ao “reconhecimento do caráter híbrido e plural das sociedades contemporâneas” e a “importância de se considerar, desde uma perspectiva institucional acadêmica, culturas e saberes musicais diversos” (LUEDY, p. 52). Os PCNs das séries finais do Ensino Fundamental apresentam os conteúdos de música em três categorias, cada uma delas com desdobramentos em 12 itens, a saber: 1) Expressão e comunicação em Música: improvisação, composição e interpretação; 2) Apreciação significativa em Música: escuta, envolvimento e compreensão da linguagem musical; 3) Compreensão da música como produto cultural e histórico (BRASIL, 1998). As exigências neste caso comtemplam os saberes diversos apresentados pelos autores aqui discutidos, porém deve se ter o cuidado em não tratar esses assuntos como exóticos ou menos importantes. Ainda com relação aos PCNs, desde a sua publicação até os dias de hoje (13 anos) não temos visto uma aplicação séria nas escolas. Com apenas uma ou duas aulas de música por semana, ou restrita à eventos e comemorações, notamos que não é possível trabalhar com muito dos objetivos propostos. Dentre os 36 desdobramentos (12 de cada categoria de objetivos apresentadas), podemos citar alguns que requerem uma formação prévia sólida e habilidades específicas na área musical: Improvisação, composição, interpretação com instrumentos musicais, tais como, flauta doce, percussão, etc., e/ou vozes (...) fazendo uso de técnicas instrumental e vocal básicas, participando de conjuntos instrumentais e/ou vocais, desenvolvendo autoconfiança, senso crítico e atitude de cooperação. Arranjos, acompanhamentos interpretações de músicas das culturas populares brasileiras, utilizando padrões rítmicos, melódicos, formas harmônicas e demais elementos que a caracterizam. (p. 83) E finalmente, concordando com a posição de Pires (2003) que afirma “os lugares que a música tem ocupado nos currículos escolares, lugares esses estabelecidos pela legislação educacional, não lhe tem oferecido seu status de objeto de conhecimento” questiono-me: como definir conteúdos sem se discutir a natureza do conhecimento 307 musical e se ter claro onde se quer chegar com o ensino de música nas escolas básicas do país? Considerações finais As ideias e questões levantadas por este estudo deixam clara a complexidade do ensino de música na Educação Básica brasileira. Assuntos não abordados, como por exemplo, a delimitação da educação musical como área de conhecimento, as dimensões e funções do conhecimento pedagógico-musical, as expectativas da sociedade com relação ao ensino-aprendizado em música, e tantos outros, demonstram que, assim como os demais componentes curriculares para a Educação Básica, a Educação Musical requer estudos teóricos e práticos, investimento em pesquisa e em ações e fóruns de discussões para uma efetiva condução do ensino de música nas escolas. Entendo que se deva ensinar música nas escolas porque esta é parte constitutiva do ser humano, manifesta e recebe significados pela interação social e tem uma história socialmente construída sendo indissociável da história humana. A música deve ser ensinada por profissionais formados para essa intenção, ou seja, professores formados em licenciaturas, com conteúdos pedagógicos e musicais, capazes de construir criticamente seu espaço dentro na instituição escolar. O que deve ser ensinado é uma questão que será sempre polêmica, pois acredito que a distinção entre a informação e formação em música ainda necessita de muita reflexão e ação para se chegar a uma definição. Este é um ponto frágil, sujeito a ações externas e ideologias dominantes. Há estudos e pesquisas em andamento e acredito que com essa nova condição da música nas escolas da Educação Básica esse movimento deverá ser ampliado. Uma coisa é certa: as respostas que esperamos só serão produzidas através da interação dos diversos “sub-temas” da Educação Musical e o compartilhar das pessoas envolvidas com esse processo. Referências BLACKIN, J. Música, cultura e experiência. Cadernos de Campo. São Paulo, n. 16, p. 201-218, 2007. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte. Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC /SEF, 1998. 116 p. 308 BRASIL, Conselho Nacional de Educação Resolução CNE/CES 2/2004 Aprova das Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Música e dá outras providências. Diário Oficial [da] Republica Federativa do Brasil, DF, 12 mar. 2004, Seção 1, p.10. 309 O ENSINO DE GENÉTICA E A ABORDAGEM DO ALBINISMO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE BIOLOGIA: O QUE DIZER SOBRE O PRECONCEITO?56 BRUNO HENRIQUE AFONSO PEREIRA57 RESUMO O albinismo é uma doença genética em que ocorre a falha na produção do pigmento melanina, afetando homens, mulheres e outros animais. Os albinos possuem pouca ou nenhuma pigmentação em seus olhos, pele e cabelo, deixando-os com uma aparência clara ou com um amarelo pálido, também os tornam mais suscetíveis, a problemas na visão, sensíveis a fricção, câncer e queimaduras de pele causadas pelo sol. Nesse sentido, os portadores de albinismo por possuírem uma aparência diferenciada se destacam em meio à sociedade e são passíveis de atos preconceituosos. Desta forma, o presente estudo teve por objetivo Analisar se o Ensino de Ciências e Biologia podem contribuir no entendimento das relações entre a sociedade e os albinos evidenciando as possíveis formas de preconceito sofrido por eles. A pesquisa foi qualitativa, sendo sua modalidade um estudo de caso. A investigação ocorreu na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, campus de Vitória da Conquista, tendo como sujeitos da pesquisa vinte e quatro alunos do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas. A coleta de dados constou da aplicação de um questionário aberto contendo oito questões relativas ao tema albinismo e a relação dos seus aspectos envolvendo questões de ordem social e o preconceito articulando-se ao processo de formação do licenciando. A análise dos dados constou do agrupamento das categorias para fundamentar os aspectos obtidos nas respostas dos sujeitos para discussão dos resultados. Estes apontaram que os alunos de biologia associaram o albinismo sempre num caráter biológico, não como um ser social, na qual sofre de preconceito por possuir uma característica diferenciada. No entanto a maioria dos alunos aceita que temas sociais poderiam integrar o ensino de genética como forma de entender as relações conflitantes entre o albino e a sociedade. Nesse sentido, conclui-se que o estudo foi de fundamental importância uma vez que evidenciou a necessidade de uma mudança nas aulas de genética onde uma explanação mais abrangente sobre o tema poderia contribuir de forma significante no entendimento das relações sociais que incluem os portadores de albinismo, além de promover nos alunos um entendimento mais amplo relacionando temas biológicos aos sociais contribuindo para sua formação profissional. Palavras-chave: Albinismo. Preconceito. Formação de Professores. 56 Trabalho monográfico de conclusão de curso apresentado em 2011, ao Colegiado de Ciências Biológicas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia campus Vitória da Conquista como requisito necessário para obtenção do título de graduação no curso de Licenciatura em Ciências Biológicas. Sendo orientado pelo Prof. Msc. Francisco Antonio Rodrigues Setúval. 57 Primeiro Autor é o graduando Bruno Henrique Afonso Pereira, estudante do curso de Licenciatura em Ciências Biológicas, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitória da Conquista BA, CEP: 45.015-000. Email: [email protected] 310 INTRODUÇÃO Os albinos são caracterizados pela pouca ou nenhuma pigmentação na pele, olhos e cabelos claros, dando aos portadores da doença um aspecto pálido e amarelado, deixando-os mais expostos a agressão solar causando entre outras, queimaduras e cânceres de pele ocasionadas por essa falha na produção de melanina. Tais características afetam de tal forma a vida dos albinos que acabam prejudicando seu convívio social, apenas por serem “diferentes” dos padrões ditados pela sociedade. Sobre esta égide, é notória a discriminação e o preconceito presente, inclusive, em locais acadêmicos, uma característica contraditória ao se tratar de um ambiente o qual informações e conhecimentos são compartilhados a todo o momento. A este respeito, é frequente encontrar estudos sobre o albinismo abordando apenas o caráter estritamente biológico, dando ênfase à genética e aos mecanismos bioquímicos que causam tal doença. Contudo, este trabalho objetiva fazer uma ponte entre o caráter biológico e o social, uma vez que este geralmente é deixado à parte, não analisando o sujeito albino inserido na sociedade, desconsiderado a relação entre as características da doença e o convívio social, sendo papel do professor formar profissionais críticos da sociedade. No âmbito educacional, é perceptível que não se discute sobre problemas sociais referentes a aspectos físicos diferenciados como o do albino, sendo que em sala de aula esse fato é desconsiderado, bem como tais características refletem na vida dos indivíduos perante a sociedade, sendo necessário mais estudo nessa área. Assim, para a realização deste trabalho foram utilizados referencias teóricos como Griffiths & Miller (2002), Junqueira & Carneiro (2006), Gardner & Snustad (1987) e Alberts (1997), além de outros estudiosos que tratam sobre as características biológicas do albinismo, como também Salles e Silva (2008), Trovão (2008), Guimarães (2004) e Neves (1996), autores que abordam a questão do preconceito de modo geral. Em relação à questão social essa despigmentação acaba tornando-os diferentes dos ditos “normais”, tal diferença desencadeia o preconceito e, consequentemente, a discriminação, deixando os albinos à margem da sociedade. Nota-se, com isso, que o “diferente” é visto como um processo de produção social, processo este onde está envolvido relações de poder, as quais ditam regras que permitem incluir ou excluir 311 pessoas, demarcando fronteiras. Sabe-se que a escola é um lugar privilegiado de produção de conhecimentos e valores sociais, onde pessoas interagem, instituindo modos de pensar, sentir e agir, na qual produz atitudes e preconceitos (SILVA & COIMBRA, 2005). É perceptível que o estudo nas escolas se faz produtivo, podendo tornar nas aulas de ciências e biologia o tema Albinismo comum e criar uma geração que não considere o albino incomum. Desta forma, o Ensino de Ciências e Biologia, por muitos motivos, é indispensável para a vida dos indivíduos, pois facilita na compreensão dos diversos eventos que nos cercam, seja relacionado há um simples hábito como escovar os dentes ou , até mesmo, sobre as interações no meio ambiente (CASAGRANDE, 2006). No ensino de ciências e biologia é relativamente fácil fazer uma ponte entre a escola e o cotidiano, visto que o nosso cotidiano é um evento biológico, e explicar cientificamente estes eventos não deve ser uma tarefa impossível. Com isso, tornar os estudantes cada vez mais familiarizados com esses eventos tornam as aulas de ciências e biologia uma importante ferramenta na formação social. Assim, a metodologia deste estudo será embasada em pesquisas bibliográficas sobre o referido tema, para que em seguida, possa ser realizado um estudo de caso uma pesquisa do tipo qualitativa na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, no Campus de Vitória da Conquista, tendo como informantes alunos do curso de licenciatura em Ciências Biológicas, sendo 50% que fizeram a disciplina Genética Geral e 50% que não a fizeram. De forma que, acredita-se que seja nessa disciplina que esses alunos tiveram e/ou teriam a primeira explicação aprofundada de como se forma o albinismo, a base genética da doença e suas características, ensinando o tema como forma de aprendizado sobre as bases da genética humana. Nesse sentido, pretende-se saber se existe alguma relação entre esse conhecimento e o comportamento preconceituoso, se a disciplina relaciona o social com o científico, como esses alunos relacionam esse conhecimento com seu cotidiano ou como essas experiências em sala de aula podem melhorar sua vida social. Em essência, acredita-se que este trabalho poderá servir como reflexão acerca do tema, procurando, com isso, ressaltar a influência e a importância deste para a formação de informações e opiniões, não apenas do caráter biológico, como também social do albinismo. 312 A pesquisa teve como resultado, 24 questionários amostrados, com 192 respostas, formando um total de 22 categorias, somadas a partir das 8 perguntas. Algumas categorias se repetiram em perguntas diferentes como as categorias Sem Resposta e Expressão Fenotípica. A quantidade de alunos é significativa tendo ¼ de alunos a mais, se compararmos aos estudos de Borges (2010), sobre a percepção imagética do albino com 18 informantes. Diante do estudo efetuado, ao analisar e discutir os dados dos informantes, foi possível notar que os resultados apresentados explicitam um mesmo comportamento, uma vez que todos os alunos elucidaram de forma sintetizada o seu entendimento a respeito do albinismo, não variando muito as opiniões entre os informantes. Não obstante, as respostas dos informantes ressaltaram a sua visão diante da temática abordada. Assim, foi possível observar que a imagem dos acadêmicos está restrita, ou seja, estão sempre relacionadas às aulas de genética num contexto puramente biológico, apenas um arquétipo de “um erro nato do organismo”. Através das respostas dos informantes, pode-se observar que a minoria destes acredita que não há necessidade de intercalar outros temas nas aulas de genética, pois tratar-se de um curso de biologia e o que deve ser trabalhado são as características genéticas de determinados eventos biológicos. Prevalecendo, assim, a visão biológica sobre o assunto abordado, parecendo ser dispensável o caráter social. Tais observações permitem especular que a maioria dos graduandos pesquisados ira seguir a mesma linha de raciocínio quando se tornarem professores, pois não aprendera durante sua formação intercalar temas sociais e biológicos, pois durante sua formação foi adquirido apenas uma visão restrita aos aspectos biológicos. Fica claro que, o professor no ensino de genética é capaz de fazer a ponte com o social em temas que tratam da diversidade humana, principalmente em aulas que exemplifiquem doenças como o albinismo, Assim, conclui-se que os professores de biologia em aulas de genética quando tratam de temas referentes ao albinismo não consideram os aspectos sociais, de modo que os alunos se formaram podendo seguir a mesma linha de ensino. Porém, os alunos demonstram acreditar que é possível integrar temas sociais e biológicos, sendo necessária uma mudança nas aulas de genética onde uma explanação mais abrangente sobre o tema poderia contribuir de forma significante em diminuir formas de preconceito sofrido pelos portadores de albinismo, além de promover nos alunos um 313 entendimento mais amplo relacionando temas biológicos e sociais contribuindo para sua formação profissional. REFERÊNCIAS -ALBERTS, Bruce; et all.; Biologia Molecular da Célula. 3 ed. Porto Alegre: Artes Médicas. Porto Alegre – RS, 1997. -ARANHA, Maria Salete; Fábio; Educação inclusiva: v. 1: A Fundamentação Filosófica. coordenação geral SEESP/MEC, Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2004. 28 p. -ASSIS, M. D. P.; CANEN, A.; Identidade Negra e espaço Educacional: vozes, histórias e contribuições do multiculturalismo. 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O quadro teórico centrou-se nos conceitos de qualidade da educação, particularmente do ensino superior, formação de professores, numa perspectiva de indissociabilidade entre teoria e prática e a teoria das representações sociais na perspectiva moscoviciana. Concluímos que as representações sociais dos estudantes estão ancoradas em elementos característicos da profissionalização docente (planejamento, compromisso, formação profissional, pesquisa, relação entre teoria e prática). Entretanto, os resultados indicam, também, a existência de representações de ensino de qualidade vinculadas ao mercado de trabalho que visa a preparação de mão de obra para o mercado capitalista. Palavras-chave: Qualidade do ensino superior. Representações sociais. Formação docente. Introdução Diante das novas exigências da sociedade em termos de produção e inovação, a busca da qualidade se tornou preponderante nas várias instituições responsáveis pela informação e formação de sujeitos. Demo (2007) considera que a qualidade é uma ação própria dos seres humanos, pois somente os seres capazes de se construírem historicamente, o fazem num sentido qualitativo, isto é, adaptam a realidade às necessidades humanas favorecendo, além disso, a interação social. Atualmente, a qualidade é assumida com o sentido de “qualidade total”, expressão que surgiu numa perspectiva empresarial e busca a competitividade no atendimento ao mercado. Esse tipo de qualidade é requerido em várias instituições sociais, dentre elas a universidade. Nessa lógica, a educação passou, então, a ser espaço de formação de mão de obra qualificada para o mercado de trabalho. Em contraposição a essa ideia, Demo (2007) propõe uma qualidade total que visa a formação de sujeitos críticos, criativos e participativos. O professor, nesse sentido, teria uma formação de qualidade formal e política não resumida a 316 “treinamentos domesticadores”, em que o sujeito à mercê da exploração deixa de se pronunciar criticamente. Pensando numa sociedade inovadora, as novas exigências para o profissional da educação são de ordem de formação qualitativa. O professor, anteriormente visto como um detentor exclusivo do conhecimento, cuja função básica era ministrar aulas numa perspectiva de reprodução de saberes para alunos receptores de conhecimentos, necessitava apenas dominar os conhecimentos específicos da disciplina ministrada. Hoje, na busca da inovação, exige-se do profissional o desenvolvimento de uma prática educativa que atenda a complexidade do ensino, o que demanda, além dos conhecimentos específicos, conhecimentos da ciência pedagógica, como propõe Veiga (2008): Outra característica da docência está ligada à inovação quando rompe com a forma conservadora de ensinar, aprender, pesquisar e avaliar; reconfigura saberes, procurando superar as dicotomias entre conhecimento científico e senso comum, ciência e cultura, educação e trabalho, teoria e prática etc.; explora novas alternativas teóricometodologicas em busca de outras possibilidades de escolha; procura renovação da sensibilidade ao alicerçar-se na dimensão estética, no novo, no criativo, na inventividade; ganha significado quando é exercida com ética (VEIGA, 2008, p. 14). Um dos pontos que Veiga (2008) destaca está ligado à questão da inovação visando uma prática docente não conservadora. Essa prática tem a pesquisa como um elemento primordial na forma de ensinar. Demo (2007) reforça um novo modelo de profissional quando destaca o “processo inovativo” como o aprender a aprender, no qual o professor deve avaliar a complexidade do processo de ensino e aprendizagem. O autor considera ainda importante uma formação permanente e de qualidade para este profissional. Nesse contexto, indagamos: o ensino superior é de qualidade? O ensino praticado pelos docentes universitários influencia na prática dos futuros professores? O objetivo desse estudo é compreender as representações dos estudantes das licenciaturas de uma universidade pública da Bahia sobre a qualidade da prática dos docentes universitários. Para responder a essas questões, construímos um referencial teórico com os conceitos de qualidade e de formação de professores. Em seguida, apresentamos o percurso metodológico, a análise dos dados e os resultados do estudo. Ensino de qualidade para a atualidade 317 O termo qualidade tem sido muito discutido na sociedade atual. A preocupação em torno de seu conceito se deu pelo fato desse ser cobrado nas várias instâncias sociais. Tal preocupação surge, mais precisamente na era da globalização, momento no qual a sociedade depara-se com a questão da “qualidade total”. A busca pela eficiência no final do século XX e início do século XXI obrigou as instituições sociais a qualificarem-se cada vez mais para atender às demandas do tão concorrido mercado. Com a escola não foi diferente. A educação passou a seguir padrões qualitativos que atendessem uma lógica competitiva no que diz respeito a oferecer o melhor “produto” para o mercado. Demo (2007) afirma que a qualidade total vem se constituindo como um conceito que está na moda nos vários setores da sociedade, numa perspectiva de organização empresarial, na qual é tomado por base o aliciamento dos sujeitos. A escola como espaço de construção de um sujeito crítico, passa a ignorar sua função reproduzindo nesse novo modelo de sociedade uma competição excessiva, na qual existe uma dominação de poucos sobre muitos. Um ensino de qualidade deve promover a reflexão do sujeito em formação, e não apenas atender a um mercado que visa apenas o lucro e a exploração. Segundo Coêlho (2006) “o que move o mercado é a permanente busca da eficiência, da produtividade, do lucro rápido e seguro, numa palavra, a lógica da acumulação do capital” (p.47). Se a qualidade da educação for cobrada sobre tal aspecto, o ensino se resumirá em instrução, repasse de habilidades mínimas para sobrevivência na sociedade. O verdadeiro ensino de qualidade capacita o sujeito para pensar, refletir e construir formas de mudanças e inovações sociais. Demo (2007) define qualidade a partir de dois desafios que corroboram o entendimento de educação de qualidade antes proposto: construtivo e participativo. No desafio construtivo exige-se a capacidade de iniciativa, autogestão e proposta, ligada ao sujeito histórico que consegue uma gestão colegiada. O desafio participativo, por sua vez, implica a capacidade de inovação para o “bem comum, tendo por objetivo uma sociedade marcada por paz, democracia, equidade e riqueza” (p.20). Tendo por base essas perspectivas um ensino de qualidade para a atualidade deve estar pautado numa prática que busque a autonomia do sujeito em formação, o qual pode colaborar com a sociedade em termos de inovação e mudança. Formação de professores: entre a teoria e a prática 318 Atualmente, há muitas expectativas em torno da escola, pois, acredita-se que o progresso das sociedades está diretamente vinculado à qualidade da educação, portanto, à formação inicial e continuada de professores, uma vez que eles são concebidos como elementos imprescindíveis no processo de educação formal. Para que ocorra a tão propalada inovação do ensino, faz-se necessário a busca pela profissionalização docente, que passa pela formação inicial e continuada dos professores. Hoje, observam-se vários modelos formativos: o modelo hegemônico, ou da tradição e o modelo emergente da formação. O modelo hegemônico, de acordo com Ramalho, Nuñhez, Gauthier (2004) traz aspectos do racionalismo técnico e da formação acadêmica tradicional. Nessa concepção de formação, o professor seria mero receptor e consumidor de saberes produzidos por especialistas. Haveria o treino de habilidades, conteúdos fragmentados que não atendem à realidade do educador. Além disso, o ensino estaria distante do trabalho na escola básica, o que demonstra a separação da teoria com a prática. É importante destacar que esse modelo formativo vai de encontro à proposição feita no Decreto Nacional de Formação de Profissionais do Magistério e da Educação Básica que no seu Art. 2°, inciso V, ressalta a necessidade da articulação entre a teoria e a prática no processo de formação docente contemplando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (BRASIL, 1999). Esse modelo de formação acaba desvalorizando o educador, uma vez que este é tido como alguém que não é capaz de refletir e produzir conhecimento. Sobre esse aspecto, Pimenta (1999) coloca que há uma desvalorização do profissional docente visto que existem concepções que o considera técnico reprodutor de conhecimentos e/ou monitor de programas pré-elaborados. É importante colocar que hoje, alguns cursos de formação de professores estão buscando essa relação entre a teoria e prática. Na Universidade Federal da Bahia, UFBA, por exemplo, com a Política de Reestruturação dos Currículos dos Cursos de graduação, o curso de Pedagogia, aprovado em 1999, trouxe a articulação dos eixos teórico-práticos, objetivando construir conhecimento, competências, habilidades e integrar os conteúdos que irão ser trabalhados com os alunos, durante seu processo de formação. Nesse projeto pedagógico, a ênfase foi dada a três eixos: no primeiro, apoiado em diferentes áreas do conhecimento, os conteúdos devem possibilitar o 319 entendimento sobre o processo educativo; o segundo eixo deve voltar-se para conteúdos que dizem respeito à prática docente; e no terceiro eixo o trabalho deve ser feito com conteúdos que embasam as ações no campo da pesquisa. A partir desse contexto, Nóvoa (1999) destaca a necessidade de se pensar e construir um novo modelo teórico de formação docente que abarque o desenvolvimento pessoal e profissional dos professores. A formação iria valorizar a experiência do educador como aluno, como aluno-mestre, como estagiário, como professor iniciante, titular e reformado. Sobre essa questão da valorização docente, o Decreto Nacional de Formação de Profissionais do Magistério e da Educação Básica coloca em seu Art. 3°, inciso V, que na formação inicial e continuada deve haver a valorização do educador estimulando-o para o ingresso, a permanência e a progressão na carreira (BRASIL, 1999). Para Ramalho, Nuñuz, Gauthier (2004), esse seria o “modelo emergente da formação” que considera o professor como um profissional que mobiliza saberes, valores, resolve situações problemas e tem a capacidade de argumentar e refletir. Nesse sentido, a formação estimularia no educador a prática do pensar critico-reflexivo, promovendo, assim, a construção da identidade profissional. Sobre esse mesmo aspecto Pimenta (2009) ressalta que: Uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da significação social da profissão; da revisão das tradições. Mas também da reafirmação de práticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas. [...] Constrói-se, também, pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor, confere à atividade docente no seu cotidiano (PIMENTA, 2009, p. 19). Nessa perspectiva, a identidade é um processo de construção do sujeito. Assim, a formação deve contribuir para que o profissional docente reflita e se perceba como produtor de sua identidade. Além disso, esse modelo de formação docente reflexivo, de acordo com Pimenta (2009), implica na valorização do trabalho crítico-reflexivo do professor sobre sua prática. É importante salientar que essa reflexão do professor sobre sua ação só será significativa se o educador avançar no sentido de uma nova prática, na qual a teoria, a reflexão e a crítica estejam articuladas. Portanto, é nesse sentido, principalmente, que está a necessidade de refletir sobre um modelo de formação docente que promova o desenvolvimento do educador para que este possa contribuir para a transformação da sociedade. 320 Caminhos Metodológicos Para analisar as representações dos estudantes sobre a qualidade do ensino superior, desenvolvemos uma pesquisa, pautada na abordagem qualitativa que permite a captura da perspectiva dos participantes, ou seja, a forma como estes encaram as questões que são postas de modo a possibilitar o dinamismo interno das situações e considerar os diferentes pontos de vista desses sujeitos (LÜDKE, ANDRÉ, 1986). Este trabalho está integrado a uma pesquisa realizada em rede, envolvendo pesquisadores de sete universidades, cujo objetivo é compreender as representações de estudantes da graduação e da pós-graduação sobre a relação entre ensino, pesquisa e desenvolvimento profissional docente na perspectiva da qualidade de ensino de graduação e pós-graduação. A pesquisa contou com uma amostra composta por 33 estudantes, sendo 24 destes do último semestre dos cursos de licenciatura (graduação) e os demais, matriculados nos programas de pós-graduação stricto sensu (Mestrado). Para a coleta de dados, utilizamos a entrevista semiestruturada que, segundo Lüdke e André (1986) tem vantagens sobre outras técnicas por possibilitar a capitação imediata e corrente da informação desejada e ainda permite esclarecimentos, correções e adaptações que a torna método eficaz na coleta de dados. Escolhemos este instrumento de pesquisa devido a sua flexibilidade e a possibilidade de novos questionamentos durante o processo. Assim, buscamos extrair dos depoimentos, sua subjetividade e complexidade aparentes. O tratamento dos dados foi realizado mediante análise de conteúdo do tipo temática que possibilita compreender mais profundamente as representações sociais dos estudantes sobre o objeto estudado. Esta pode ser conceituada ainda como uma “operação de classificação de elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupação segundo o gênero (analogia), com os critérios previamente definidos” (BARDIN, 1977, p. 117). Os resultados do estudo O estudo apontou para um ensino de qualidade sobre diversos focos e perspectivas. Na busca de articular os diversos sentidos retirados das falas dos 321 estudantes, organizamos duas categorias de análise: a) profissionalização da docência; b) formação para o mercado, que serão analisadas a seguir. Profissionalização docente é aqui entendida com três sentidos, como propõe Bourdoncle (1991): primeiro, se refere a um processo de desenvolvimento de capacidades e de aquisição de saberes relativos ao exercício de uma profissão, isto é a formação inicial; segundo, designa mudança de natureza da atividade de oficio para profissão; terceiro trata da adesão ao discurso e às normas estabelecidas coletivamente, quer dizer, trata-se da construção de um código de ética. Tal processo, na perspectiva dos estudantes participantes deste estudo, envolve os seguintes aspectos: planejamento, compromisso, formação profissional, relação teoria e prática e pesquisa. Nas várias colocações dos estudantes, percebemos que o planejamento é um ponto relevante para que o ensino seja considerado de qualidade. Para os depoentes, um professor que planeja, melhora a qualidade de sua prática em sala de aula. Tal afirmação pode ser comprovada na seguinte fala: [...] posso fazer uma comparação com professores A e professores B. Professores A, que eu penso que trabalham para melhorar a educação e se preocupam em pelo menos fazer um planejamento de aula, um plano de aula para levar para o aluno o essencial que ele precisa. Já os professores B levam qualquer coisa, às vezes nem se preparam adequadamente para ministrar aulas [...] (RA2). O estudante em questão faz uma comparação entre professores que planejam e professores que improvisam suas aulas. Para o depoente, fazer um planejamento da aula é o mínimo que um professor pode fazer em busca da qualidade do ensino superior. Quando o professor planeja, consegue definir seus objetivos e expressar a visão de educação que permeia sua prática de sala de aula. Para Masetto (2003) planejar consiste numa organização de ações daquilo que vai ser realizado. O autor considera ainda que “o planejamento da disciplina se faz em função de objetivos educacionais a serem alcançados, e não unicamente em razão apenas dos conteúdos a serem transmitidos” (MASETTO, 2003, p. 176). Outro ponto levantado pelos estudantes foi a questão do compromisso profissional docente, como aspecto relevante à profissionalização docente: [...] qualidade pra mim no ensino da universidade é o comprometimento do professor [...] os professores que tiveram... Que puderam me fornecer um ensino de melhor qualidade eram aqueles professores vividamente comprometidos, e aí quando eu digo comprometimento eu digo 322 que trabalhava com pesquisa, que participava de reuniões diárias de departamento, de colegiado, que buscava se inserir em todos os momentos de decisões, de organização do curso, da universidade. Pra mim é essencial pra qualidade do ensino (RL1). Essa ideia vai ao encontro de Pimenta (2009) quando refere à questão da identidade do professor. Segundo a autora, a identidade profissional é construída a partir da significação social da profissão, ou seja, como esta profissão é vista pela sociedade e em qual patamar esta se enquadra. Muitos são os profissionais docentes que não se identificam como professores, pelo fato de essa profissão ainda ser vista como um ofício menor. Sugere-se que haja processos de formação continuada, para que esses docentes entendam os objetivos da profissão e tenham compromisso com as funções que ela exige na atualidade. Outro depoente sinaliza a questão da formação profissional do professor universitário como fator preponderante do ensino de qualidade. Eu não consigo entender, um ensino de qualidade, uma qualidade no ensino sem que não haja uma formação, uma excelente formação (ML10). Imbernón (2010) considera que a formação inicial docente deve promover conhecimentos válidos e atitudes que conduzam o educador a compreender a necessidade de uma atualização permanente em razão das mudanças que ocorrem na sociedade, a criar mecanismos de intervenção, análise, reflexão e cooperação. Dessa forma, a formação docente se faz necessária para o processo de profissionalização que vai redundar no ensino superior de qualidade, pautado na inovação que visa a transformação dos sujeitos e da realidade. Outro aspecto levantado pelos estudantes é a questão da articulação entre teoria e prática moldando a metodologia do professor: [...] segurança assim do professor [...] a questão da teoria [...] de como ele olha a prática, a metodologia dele para que ele tenha uma boa fala, que tenha uma boa postura (MQ11). Fica claro que para o estudante em questão o professor que associa a teoria com a prática poderá ter segurança na sala de aula e, além disso, uma metodologia que favoreça a aprendizagem. Assim, foi possível notar que a relação da teoria com a prática docente é um aspecto relevante para um ensino superior de qualidade, pois o educador pode utilizar a teoria para subsidiar sua prática visando uma aprendizagem significativa. Nesse sentido, Imbernón (2010) considera que as instituições de formação de educadores devem possibilitar aos estudantes perceberem a relação de 323 indissociabilidade entre teoria e prática. “As práticas nas instituições educativas [...] devem levar necessariamente a analisar a estreita relação dialética entre teoria e prática educativa [...]” (IMBERNÓN, 2010, p.66). Outros estudantes destacam a pesquisa como aspecto relacionado à profissionalização da docência, portanto à qualidade do ensino. Notamos que os depoentes consideram que uma boa aula, um ensino de qualidade é feito quando o professor pesquisa e influencia seus alunos a pesquisarem. Essa afirmação fica clara na seguinte fala: “fazer com que o aluno ele possa buscar o que ele tá naquele momento vendo em seu dia a dia né... buscar... então a busca é a necessidade de uma boa aula, então quando o professor ele incentiva para que ele busque, ele vá né... pesquisar, ele vá observar lá fora, fora da sala de aula aquilo que tá se aprendendo ali (RD3). Essa representação é confirmada por Moreira e Caleffe (2008), ao considerar que o professor pesquisador pode conduzir, no contexto de sua prática profissional, a pesquisa, a qual pode ajudar a melhorar sua prática pedagógica, possibilitando o desenvolvimento de novas estratégias de ensino. Além disso, o professor que pesquisa busca soluções para os problemas que afetam a aprendizagem do aluno. É possível perceber, então, que os docentes engajados na pesquisa podem utilizá-la nas suas ações diárias, podendo obter a partir disso, reflexões que o levem a melhoria da qualidade do ensino. Outro estudante considera que a qualidade do ensino pode ser percebida na pesquisa por meio do seu processo de desenvolvimento e seus resultados. Ele coloca: eu acho que uma evidência de qualidade está exatamente na pesquisa, de como ela é gerida, de como ela é feita e principalmente para onde esse trabalho deve ir. (RG4). Para Moreira e Caleffe (2008), a pesquisa realizada pelos professores não levará a respostas prontas e absolutas para a melhoria no contexto escolar. Entretanto, o educador pesquisador poderá compreender melhor os fenômenos educativos, podendo entender que suas ações têm implicações diversas. Além disso, o conhecimento “revelado” na pesquisa é incompleto, mas pode conduzir à qualidade do ensino. Fica claro assim, que a pesquisa pode contribuir de forma significativa para a prática docente e, dessa forma, para a melhoria da qualidade do ensino. No que tange à categoria “formação para o mercado”, esta tem o sentido de busca da eficiência, da produtividade e do lucro na lógica capitalista, como visto anteriormente no quadro teórico deste trabalho. 324 Nas diversas colocações dos entrevistados, notamos que a formação para o mercado é considerada um ponto importante para que haja um ensino de qualidade. Essa afirmação pode ser evidenciada na seguinte fala: “em se tratando de ensino, eu compreendo qualidade como sendo um produto, é com objetivos específicos, capacitar o indivíduo, tornar ele apto a disputar mercado de trabalho, isso é um produto de qualidade.” (MM4). É possível perceber que o estudante utiliza palavras e expressões próprias do mercado capitalista. Além disso, o depoente em questão considera a qualidade como um produto do ensino, o qual deve estar voltado para formação do indivíduo para atuar no mercado de trabalho. Essa ideia é corroborada por Coêlho (2006) ao criticar que o papel do ensino superior seria atender às metas dos organismos internacionais que estão diretamente relacionados aos objetivos do mercado capitalista. Em outras palavras, seria utilizar à lógica da competitividade, privilegiado o mundo do trabalho, o “aprender a fazer”, as questões imediatistas e úteis com ênfase na operacionalização da natureza e da sociedade. No que diz respeito à formação para o mercado, foi possível perceber, também, nos depoimentos, que a qualidade do ensino é considerada uma mercadoria, produto a ser entregue ao cliente. Nesse sentido, o estudante afirma: Qualidade ela serve também como parâmetro de respeito ao seu cliente, aquele que vai receber aquele produto [...] é uma vitória você conseguir a satisfação daquele que você ofertou o produto (MM4). Essa forma de conceber o ensino de qualidade está diretamente relacionada com o modo de produção capitalista, em que se busca eficiência e a produtividade. No ensino, essa lógica fica clara quando há uma preocupação com a transmissão de informações, na qual o indivíduo não tem autonomia e criatividade para solucionar os problemas emergentes na prática. Nesse contexto, Coêlho (2006) considera que a formação do aluno como mão de obra para o mercado de trabalho empobrece a educação. Ele afirma: “É ainda limitar, banalizar... a escola, a universidade e a formação de estudantes, circunscrevendo-as ao mundo da prática, da operação, do funcionamento ágil, eficiente e seguro” (COÊLHO, 2006, p.45). Considerações finais Diante dos resultados apresentados, podemos concluir que as representações sociais dos estudantes de licenciatura sobre a qualidade do ensino superior estão relacionadas à profissionalização docente, na medida em que consideram: a) o ato de 325 planejar como forma de organizar sua prática, visando um ensino reflexivo, no qual nada está pronto e acabado; b) o compromisso, que reflete na identidade docente construída ao longo de sua formação e das representações oriundas da sociedade; c) a formação profissional de excelência; d) a indissociabilidade entre teoria e prática como forma de embasamento de uma aprendizagem significativa; e) a pesquisa como forma de promover um ensino inovador, destacando a influência do professor pesquisador em sala de aula. Tais representações caracterizam um ensino emergente, o qual busca a autonomia dos sujeitos em formação. Em contraposição ao ensino emergente, identificamos em algumas falas representações de ensino de qualidade vinculadas ao mercado de trabalho, pautadas num modelo de formação preparatória para o emprego bem sucedido, para a lógica do capital, que pode desaguar na mecanização da formação, na busca desenfreada pelo atendimento “cego” às necessidades do mercado. Esta pesquisa nos levou a perceber que a qualidade do ensino superior depende do paradigma que orienta os currículos dos cursos de formação das universidades e as práticas dos docentes do ensino superior, uma vez que se essa formação estiver direcionada ao atendimento do mercado capitalista, provavelmente o futuro professor terá em sua atuação profissional uma postura acrítica, obediente às regras de um mercado que visa apenas ao lucro. Referências: BARDIN, L. L’analyse de contenu. Paris : Presses Universitaires de la France, 1977. BOURDONCLE, Raymond. Revue Française de Pédagogie, No. 94, janvier-févriermars, 1991, 73-92. BRASIL. 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Este trabalho, realizado através de estudos teóricos/bibliográficos e pesquisa de campo, por meio da observação de um projeto de “inclusão” em uma escola municipal da cidade de Feira de Santana – FSA/BA (Centro Integrado de Educação Municipal Prof. Joselito Falcão de Amorim - CIEMJFA), despertou reflexões frente às temáticas que abordam a educação de surdos, para que se pudessem desmitificar formas de preconceitos existentes na sociedade, referentes aos processos educacionais “inclusivos”, sendo referenciado teoricamente pelos ideários de Letramento, em contexto escolar, Inclusão e Formação de Professores, sendo, este último, o objeto a ser pesquisado e mais importante nesse trabalho. Os objetivos principais da pesquisa foram: discutir a formação dos profissionais ligados ao sistema educacional inclusivo; os métodos da “inclusão” de alunos surdos em escolas regulares, além de verificar como se constituem os processos de letramento escolar dos surdos na escola regular, dita “inclusiva”, para verificarmos como se dão as práticas desse letramento na educação dos alunos surdos, a partir da conjectura multidisciplinar do Programa de Pós-Graduação em Crítica Cultural, ao qual está vinculada esta pesquisa. Em linhas gerais vê-se que nas análises feitas pelo corpus das entrevistas feitas aos professores do CIEMJFA, existe uma linha difusa sobre que seria a “inclusão” nos discursos, do que realmente é na prática. Palavras-chave: Formação de Professores; Práticas inclusivas de Letramento; Educação de Surdos. Ao pensar em trabalhar com a temática em questão “A fomação de professores e o trabalho com a inclusão de alunos surdos na escola regular”, inserido em um programa de Mestrado em Crítica Cultural, dentro da Linha de Pesquisa II “Letramento, Identidades e Formação de Professores”, interessou-me descobrir como os professores (de diversas áreas), com suas formações, trabalham conteúdos, conceitos e modos de vida nas suas salas de aula com alunos surdos em escolas regulares, a ponto de inserilos em práticas de letramento no contexto escolar. Pretendo nessa artigo, tratar a formação dos professores para o trabalho com a diversidade/pluralidade/ 329 multiculturalidade; como os docentes possibilitam aos surdos tais práticas de letramento e a seguridade do respeito à diferença nas relações interpessoais entre a cultura ouvinte e a cultura surda, no mesmo contexto. Para além das questões disciplinares, preocupou-me saber se o indivíduo surdo tem a sua identidade58 respeitada, e não é tratado apenas como um educando que possui a obrigação, tão somente, de aprender técnicas de leitura e escrita. É preciso pensar se a educação desse aluno “diferente” possibilitará a ele a capacidade de se posicionar e fazer inferências críticas sobre as leituras que pode fazer ao longo dos seus estudos e da sua vida. A preocupação com as práticas de letramento para os alunos ouvintes também existiu, mas não foi o foco do trabalho no momento. Algumas das informações aqui registradas foram fornecidas pela Secretaria de Educação – Setor Divisão Especial – do município de Feira de Santana, cidade do Estado da Bahia, onde se realizou a investigação; outras foram fornecidas pelo Centro Integrado de Educação Municipal Professor Joselito Falcão de Amorim (CIEMJFA), principal colégio da cidade, no âmbito municipal, com esta modalidade educativa na perspectiva da surdez. O CIEMJFA é um colégio de grande porte e teve, em seus três turnos de funcionamento em 2011, 1289 alunos matriculados, dos quais 153 são surdos ou têm deficiência auditiva, ou seja, mais de 10% do total, sem contar os alunos com outros tipos de deficiências. Nesse panorama, 26 professores trabalham nesse espaço inclusivo e foi um de nossos objetivos verificar como se davam as representações desses professores acerca de sua prática docente para o letramento escolar dos alunos surdos, no contexto inclusivo. A inclusão trata-se de ampliar a participação do ser como agente transformador, capaz, pensante e autônomo do saber e do fazer, ao mesmo tempo inserido dentro de uma cultura excludente, seletiva, sem crenças, que não permite o desenvolvimento intelectual e até mesmo a inserção social das pessoas que possuem privações de sentidos. A sustentação de um projeto escolar inclusivo implica necessariamente mudanças em propostas educacionais da maioria das escolas e em organização curricular idealizada e executada pelos seus professores, diretores, pais, alunos, e todos 58 Uso o termo do ponto de vista do campo cultural, o qual sugere que as identidades são constituídas dentro das culturas e não fora delas, em linhas gerais a cultura na qual estamos inseridos vai determinar a forma como compreendemos, vemos ou explicamos o mundo. 330 os interessados em educação, na comunidade em que a escola se insere. Por isso, a prerrogativa de que existam profissionais qualificados para o trabalho com a inclusão é de extrema importância para fazer o projeto funcionar na prática, como se idealiza em teoria. Se os alunos precisam desenvolver-se em práticas letradas, de aprendizagem de leitura e escrita, então os professores devem ter consciência que suas representações sobre o projeto de inclusão, em si, precisam ser repensadas, para que possa ser oferecido ao surdo um ensino de qualidade. Quando questionados, aos professores do CIEMJFA, como as suas práticas de letramento na escola contribuem para a transformação do sujeito surdo como pessoa, os professores disseram: (P1)59 – Se a prática fosse realmente acessível, mas o surdo apenas está inserido, sem recurso, sem profissionais e capacitação. Sua transformação fica a desejar até porque muitos não sabem e não querem lidar com eles. (P2)60 – As práticas de letramento auxiliam o aluno surdo a se aproximar do mundo ao seu redor, compreendendo melhor o que está a sua volta, possibilitando oportunidades de opinar, discutir, aprender. (P3)61 – Acredito que essa transformação ocorre mais no campo da socialização e integração grupal, levando o sujeito a dividir e participar do mundo que o cerca. (P4)62 – Sinceramente, acho que não há este tipo de contribuição, visto que temos turmas com muitos surdos para apenas um intérprete e sem falar na falta de material especializado. (P5)63 – Acredito que inserindo este na 2ª língua. (P6)64 – Ajudando a superar. 59 Professora formada em Letras pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), 2008. Atua na escola como professora de Inglês. 60 Professora formada em Letras com Espanhol pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), 2005. 61 Professora formada em Geografia pela UEFS - 2001, especialista em Educação pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB) 2005. Atua na escola como professora de Geografia. 62 Professora formada em Letras Vernáculas pela UEFS, especialista em Psicopedagogia pela FACEBA. Trabalha com as disciplinas Língua Portuguesa, Redação, Artes, Religião e Inglês. 63 Professora formada em Matemática pela UNIASSELVI. 64 Professor formado em Matemática pela UEFS – 2006, especialista em Projetos pela UNEB - 2006. Trabalha com as disciplinas Matemática e Geometria. 331 (P7)65 – Caso o aluno passe por ela e tenha êxito, ele se sentirá sujeito de sua aprendizagem. (P8)66 – Creio que eles se sentem inseridos no contexto escolar e se sentem bem com isso. Enquanto (P2 e P3) se posicionam favoravelmente à questão, dizendo que as práticas de letramento auxiliam os surdos a se posicionarem e compreenderem melhor o mundo à sua volta quando dizem (P2) “As práticas de letramento auxiliam o aluno surdo a se aproximar do mundo ao seu redor, compreendendo melhor o que está a sua volta, possibilitando oportunidades de opinar, discutir, aprender” e (P3) “Acredito que essa transformação ocorre mais no campo da socialização e integração grupal, levando o sujeito a dividir e participar do mundo que o cerca”, (P1 e P4) nem consideram que tais práticas existam, posto que não há recursos materiais e humanos para que esse trabalho possa ser desenvolvido de modo que possibilite ao surdo sua transformação social, ao dizerem (P1) “Se a prática fosse realmente acessível, mas o surdo apenas está inserido, sem recurso, sem profissionais e capacitação” e (P4) “Sinceramente, acho que não há este tipo de contribuição, visto que temos turmas com muitos surdos para apenas um intérprete e sem falar na falta de material especializado”. Sobre essas questões, a representação dos professores incide para uma ideologia de inclusão social, pois fica evidenciada nas respostas acima que a questão da aprendizagem da leitura e da escrita, da transformação ‘intelectual’, ainda fica a desejar, como coloca (P1) quando diz “Sua transformação fica a desejar até porque muitos não sabem e não querem lidar com eles”. A formação de professores para o trabalho inclusivo deve ser encarada como uma unidade sistêmica de um sistema de ensino mais global deveria ser um meio de mudança e de renovação (FONSECA, 1995, p. 227). Vê-se que os professores do CIEMJFA buscam essa formação da maneira que podem, inclusive na própria prática, mas é dever da prefeitura, enquanto instância máxima municipal assegurar a esses profissionais a oportunidade de poderem realizar um trabalho mais digno com seus alunos, através de cursos gratuitos de formação continuada para o trabalho com a 65 Professora formada em Letras com Espanhol, especialista em Metodologia. Atua com a disciplina de Língua Portuguesa. 66 Professora formada em Ciências pela UEFS – 1990, especialista em Métodos e Técnicas do Ensino Superior, pela Salgado Oliveira – 2002. Trabalha com a disciplina de Matemática. 332 diversidade. Poucos professores do CIEMJFA tiveram essa capacitação e ao serem perguntados sobre o seu preparo para este trabalho, disseram: (P1) – Fazendo cursos extra classe, sendo intérprete voluntária. (P2) – Na prática com alunos de uma escola particular, discutindo com especialista da área, através de leituras, cursos e da especialização. Vale ressaltar que essa preparação é constante e que, todos os dias, nos deparamos com novos desafios e vamos em busca de novos conhecimentos. (P3) – Não tive nenhum conhecimento prévio de que trabalharia com pessoas com deficiência o que não oportunizou uma preparação, atualmente faço leituras do tema (P4) – Não me preparei. Os casos vão surgindo, tento adaptar as atividades e peço auxílio as prós (que são poucas) na sala de recursos. (P5) – Não me preparei inicialmente, ainda não tinha tido nenhuma disciplina, nem preparação prévia, mas procuro adequar meu conteúdo, o que sei, buscando interagir sempre com meus alunos surdos, na medida do possível, com a ajuda deles e dos intérpretes. (P6) – Curso no colégio, leitura e o aluno. (P7) – Fui aprendendo com a prática. A escola oferece pequenos cursos para que o professor ao menos perceba as “deficiências”. (P8) – Assistir algumas palestras e fiz algumas leituras a respeito de inclusão. Com exceção das respostas de (P1, P3 e P8) acima, que dizem que seus preparos para o trabalho com a inclusão seu deu através de leituras que fizeram sobre o tema e de eventos extraclasse, os demais professores disseram que seu aprendizado sobre como trabalhar essa diversidade, se deu, segundo (P2) “Na prática com alunos de uma escola particular [...] Vale ressaltar que essa preparação é constante e que, todos os dias, nos deparamos com novos desafios e vamos em busca de novos conhecimentos”. O que diz (P2) reafirma o nosso posicionamento sobre a qualificação processual e contínua que devem ter os professores que trabalham com alunos com deficiência; (P4) “Os casos vão surgindo, tento adaptar as atividades e peço auxílio às prós (que são poucas) na sala de recursos”, a Sala de Recursos do CIEMJFA é uma sala de apoio 333 pedagógico aos alunos com deficiência, mas também, é a válvula de escape para os professores que buscam a qualidade do ensino ao aluno surdo, mesmo sem ter sido preparado para oferecer isso; “(P5) [...] procuro adequar meu conteúdo, o que sei, buscando interagir sempre com meus alunos surdos, na medida do possível, com a ajuda deles e dos intérpretes”, esse olhar de (P5) sugere uma sensibilidade para a questão da diferença e é um ponto positivo no processo, o querer, segundo o que acreditamos, já é um passo para se fazer a diferença; (P7) “Fui aprendendo com a prática. A escola oferece pequenos cursos para que o professor ao menos perceba as “deficiências””, mais uma vez, a prática do professor o forma para a sua prática didática na sala de aula. Conforme as respostas acima, o preparo da maioria dos profissionais se deu a partir de suas buscas pessoais, o próprio letramento do professor para a educação inclusiva, se deu, acima de tudo, em sua própria prática. O CIEMJFA, na tentativa de minimizar os danos causados por essa problemática, promove reuniões quinzenais, conforme informações da vice-diretora Dayane, para que as práticas educativas sejam pensadas a partir da proposta a que se propõe a escola, mas não podemos deixar de frisar que é função dos poderes públicos (federais, estaduais, municipais) oferecer mais cursos profissionalizantes, de extensão, de capacitação, para que os docentes tenham condições de realizar um trabalho mais perto do desejável pelo que regulamentam as leis da educação inclusiva. As políticas públicas de inclusão ainda estão fortemente marcadas e atravancadas no papel. Assim, pelo apoio que é oferecido aos professores pela coordenação pedagógica do CIEMJFA, através das reuniões quinzenais, a postura pedagógica do professores tem sido modificada na sala de aula, mas ainda há muito a se fazer. Tendo em vista o papel de formador de opinião que deve ser exercido pelo professor no seu diálogo com o aluno, até porque “a educação não é outra coisa que uma forma de relação” como argumenta Larrosa (2001, p. 284), nada impede que na sua atuação docente, de reciprocidade, ele contribua para o auto-reconhecimento do alunado surdo, auxiliando-o na construção da sua identidade, se ao longo de sua prática, do seu fazer didático-pedagógico ele perceber e entender (ainda que de maneira sucinta) que as diferenças impostas pelas deficiências, precisam ser respeitadas. 334 Os próprios professores do CIEMJFA dizem como veem suas práticas pedagógicas e de letramento, na prática: (P1) – Na prática? Sem prática. O surdo está só. É algo doloroso. Os profissionais não tem capacitação. Não há intérprete suficiente. (P2) – Compreendem perfeitamente essa necessidade e sempre se dispõem a auxiliar no que for possível, inclusive estimulando essa prática. (P3) – Como professora, vejo que ainda são muito falhas, distante da real necessidade desses sujeitos. Um ponto crucial é a falta de preparação dos profissionais para executá-las. (P4) – Com bastante dificuldade, pois não dispomos de suporte básico: o profissional qualificado para atendê-los. (P5) – Como algo a melhorar. (P6) – Como aceitação. (P7) – Na prática nós não temos suporte para a inclusão (profissionais, materiais e preparação. (P8) – Ainda nos sentimos despreparados para ajudá-los em alguns aspectos. Como pode observar nas respostas acima, não há prática (P1) que seja eficaz; não há material (P7) disponível; não há preparação / capacitação (P1, P3, P4, P7 e P8) e ainda assim se fala em “inclusão”. Mesmo sendo precária a situação da formação dos professores do CIEMJFA para o trabalho inclusivo, muito se pode fazer se os profissionais tiverem abertos e dispostos a buscarem essa preparação na prática e fora dela (como já vimos na questão anterior a essa). Quando paramos para analisar o prisma da proposta da inclusão (que, em linhas gerais, é garantir ao aluno com deficiência sociabilidade e desenvolvimento pessoal e cognitivo), percebemos que nem todas as esferas da proposta são contempladas, pois falta muito a se fazer; falta qualificação profissional para o trabalho com as particularidades que as deficiências apresentam; falta muito para que as coisas deem certo, pois o fracasso não é só do profissional, mas também e sobretudo do surdo, o maior prejudicado. Se é assim, o que prega a Declaração de Salamanca não está sendo garantido pelo trabalho docente do CIEMJFA. Vê-se, nas respostas (acima) dos 335 professores, que por conta da falta de preparo, capacitação/ formação, pouco se pode fazer ou se faz, para que o aluno surdo tenha acesso à sua transformação intelectual e para que essa tal sociedade inclusiva seja uma realidade. Para se desenvolver uma ação docente inclusiva o professor precisa vencer o desafio da dificuldade de lidar com as diferenças. Segundo Campos (2006/2007) o professor precisa desempenhar sua função a partir de uma visão renovada e integral. Mobilizar suas capacidades profissionais, sua disposição pessoal e sua responsabilidade social para desenvolver relações significativas entre o conhecimento já produzido e a realidade, procurando dar sentido à aprendizagem dos alunos. Esse foco assinala a necessidade de transformação de práticas tradicionais onde se privilegiava, simplesmente, a memorização de conteúdos prontos, pois nessa nova proposta a diversidade e a identidade cultural dos indivíduos com deficiência envolvidos nesse processo, devem ser valorizadas. Assim, a formação de professores torna-se imprescindível, pois é impossível pensar em práticas de letramento escolar inclusivas se os profissionais envolvidos no processo não estiverem abertos a outra formação, que (re)signifique suas propostas teórico-prático-metodológicas para este novo paradigma educacional de inclusão, para que as falsas impressões sobre a comunidade surda possam ser desmitificadas. É preciso rever todo o processo educacional enquanto ciência e relações sociais. Em cada sala os alunos representam uma fonte rica de experiências, de inspiração, de desafio e de apoio que, se for utilizada, pode contribuir com uma imensa energia adicional as tarefas e atividades em curso. No entanto, tudo isto depende da capacidade do professor de aproveitar essa energia. Os alunos têm a capacidade de contribuir para a própria aprendizagem. A aprendizagem é, em grande medida, um processo social (CARVALHO, 1999, p. 62). Um ponto positivo na nossa investigação foi saber que mesmo não tendo preparo para o trabalho inclusivo, os professores do CIEMJFA têm sensibilidade para a questão da experiência visual do indivíduo surdo e procuram, aproveitando essa potencialidade, sempre que possível, trazer/planejar atividades adaptadas (conforme respostas dadas abaixo por P1, P2, P3, P4, P5, P6 e P7), com recursos visuais, para tentarem fazer o surdo se inserir com mais propriedade nas práticas de letramento na sala de aula. Os professores manifestam essa sensibilidade quando revelam: 336 (P1) – O diálogo com o outro. A busca de imagens. (P2) – Através da Língua de Sinais e fazendo uso de recursos visuais, dramatizações, trabalhos em grupo. (P3) – Faço uso de recursos visuais (lousa digital, imagens, maquetes, símbolos geográficos, jornais, revistas, avaliações orais etc). (P4) – Procuro adaptar as atividades, procuro trabalhar com bastante imagens... (P5) – Aulas com alguns materiais, com material dourado, uso da lousa eletrônica, etc. (P6) – Desenhos, imagens, livro didático. (P7) – Utilizar gravuras é bom, mas nem sempre é possível. Eu procuro conversar com eles durante toda a aula. Com isso, a comunicação acontece. (P8) – Eles acompanham a aula observando os intérpretes de libras. Falar de processos educativos, de ensino-aprendizagem, metodologias e práticas pedagógicas que se remetem à situação da educação inclusiva no Brasil não é tarefa fácil, visto que, muitos desses processos ainda estão em fase de experimentação, embora as discussões a respeito da inclusão não sejam tão novas como se pensa. Muitas escolas, no equívoco, acabam julgando-se que não estão a caminho dos ideais e metas para uma educação inclusiva, acham que estão despreparadas para iniciar este projeto de inclusão, no entanto, o que não sabem ou fingem não saber é que, o início do processo de implantação da escola inclusiva não exige muito mais que um pouco de criatividade, disponibilidade, amorosidade, respeito e compromisso dos educadores e de toda a comunidade escolar, para a questão da diversidade. É claro que toda a equipe precisa rever seu processo de formação e revisitar a sua preparação, não há como negar que é necessário essa preparação, mas ela só ocorrerá se acontecer simultaneamente a inclusão, já que nota-se, pela nossa amostra, que a maioria dos professores do CIEMJFA não tiveram preparação para trabalharem com a educação inclusiva. É necessário que se trabalhe estes dois conceitos juntos, conhecer e incluir simultaneamente. É preciso cumprir o dever de incluir “todas” as crianças no espaço escolar sem qualquer vestígio de discriminação, além de ser um dever do estado e da 337 escola, é um direito da criança de ter justiça, alegria, convivência, interação e acesso ao saber, como preveem, entre outras leis, a Declaração de Salamanca e a LDB 9.394/96, discutidas nesse trabalho. A inclusão é possível e abre várias possibilidades de aperfeiçoar e melhorar a educação na escola e beneficiar todos os alunos que têm ou não deficiências. Porém, tudo depende da disposição da escola, do corpo docente, da família, dos próprios alunos deficientes, dos gestores municipais, enfim, de toda comunidade para enfrentar e aceitar o novo, o diferente, as inovações. É necessário que se mude as atitudes frente ao outro. Esse encontro com o outro pode ser uma abertura para que todos se coloquem no lugar do outro e também descubra suas limitações e ao mesmo tempo descubra que pode ir além da própria capacidade. O que deve ser repensado são as posturas assumidas pelos professores (que devem continuar buscando continuadamente formação), pelos alunos (sobretudo os surdos - que devem impor suas vontades e “brigarem” por seus direitos constitucionais -, mas também os ouvintes), pela direção (que deve cobrar do município cursos de formação/capacitação para os profissionais, condições de trabalho, recursos materiais etc), pela coordenação (que deve promover planejamentos adaptados para a realidade na qual se inserem), pelos intérpretes (que devem promover a LIBRAS dentro do contexto inclusivo como um instrumentos de força nas comunicações), pelas famílias dos surdos (que devem cobrar medidas mais eficazes na educação de seus filhos) e acima destes, do município de FSA enquanto instância superior da cidade, que deve oferecer mecanismos e condições de trabalho aos profissionais, para que a inclusão aconteça na prática e não apenas exista no papel. O trabalho, nesse sentido, precisa ser coletivo, pois para que os objetivos finais do projeto inclusivo (que é o desenvolvimento social e cognitivo das pessoas com deficiência) possam ser alcançados, forças precisam se unir em prol de uma ideologia que pode funcionar, desde que aja condições para que ele funcione. REFERÊNCIAS 338 BOTELHO, Paula. Linguagem e Letramento na Educação dos Surdos. Ideologias e práticas pedagógicas. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. BRASIL. LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9.394/96. São Paulo: Saraiva, 1996. BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação Especial. Diretrizes gerais para o atendimento educacional dos alunos portadores de altas habilidades/superdotação e talentos. Brasília, MEC/SEESP, 1995. ______. Parâmetros Curriculares Nacionais – Adaptações curriculares – Estratégias Área a Educação de Alunos com Necessidades Educacionais Especiais. Brasília: Ministério da Educação, 1998. CARVALHO, R. E. 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A pesquisa da literatura sobre identidade docente de professores de línguas, em bancos de teses e dissertações, revelou que a questão da formação continuada tem merecido um maior destaque e uma maior preocupação. Isto sinaliza, por outro lado, uma espécie de lacuna no tocante à realização de pesquisas que tomem como objeto de investigação a identidade docente do estudante de letras, futuro professor, no contexto da formação inicial. Com o levantamento realizado foi possível identificar, ainda, que as investigações sobre a referida temática estão centradas no estudo do currículo do referido curso. Porém, há uma lacuna em investigações sobre a construção da identidade docente que tomem como foco as representações e sentidos que emergem nos discursos dos estudantes de letras e que concorrem para assunção identitária desse sujeito. Sendo assim, percebemos a necessidade de pesquisas que permitam a tomada da palavra por estes sujeitos, no sentido de pensar a identidade do professor de língua portuguesa a partir de sua própria voz, suas representações, discursos e pontos de vista. Longe de ser exaustivo ou de se definir como um estudo sobre o estado da arte no campo da identidade docente do estudante de letras, o presente trabalho intenciona apontar caminhos possíveis na construção do conhecimento nesta área, sinalizando, inclusive, ‘outra’ perspectiva de investigação. Pressupomos que esta pesquisa poderá desvelar questões sobre o processo de construção de identidades docentes polifônicas, apontando que as posições identitárias se constituem nos conflitos provenientes das representações sociais construídas ao longo da história sobre o ‘ser’ professor e pelos dizeres acadêmicos que vão sendo apropriados, reelaborados e ressignificados pelos estudantes de letras ao longo de sua formação. Palavras-chave: Estudante de letras. Identidade docente. Pesquisas. 67 Aluno do Programa de Pós-Graduação Mestrado em Educação/UEFS, Bolsista CAPES. Membro do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Pedagogia Universitária - NEPPU. Especialista em Educação Especial UEFS; Especialista em Psicopedagogia Clínica e Institucional - Realiza-Pós; Graduado em Letras – UNEB; e-mail: [email protected]. 68 Doutor em Educação. Professor Adjunto da Universidade Estadual de Feira de Santana. Departamento de Educação. Membro do Núcleo de Estudo e Pesquisa em Pedagogia Universitária - NEPPU email: [email protected]. 341 1 APROXIMAÇÕES INICIAIS: DO TEMA ÀS IMPLICAÇÕES Este trabalho toma como centralidade as discussões voltadas à temática da identidade docente. Investigar processos identitários, no âmbito da formação de professores, pressupõe caminhar em dois sentidos diferenciados e complementares: um que diz respeito ao estudante, futuro professor, o outro ao professor como docente. Em termos de objeto de estudo, isto significa dizer que a discussão pode endereçar-se para os processos formativos iniciais ou para as trajetórias da formação continuada. Estes dois sentidos não se configuram como antagônicos e excludentes, apenas delimitam o campo de estudo. Desse modo, foi preciso fazer uma escolha. Por acreditarmos que a construção da identidade do professor seja um processo que, necessariamente, transite pela formação acadêmica (LANDEIRA, 2006), e que a formação inicial deve se constituir como desencadeadora da identidade docente (NETO, 2007; ARROYO, 1996; PERRENOUD, 2001) optamos por investigar os processos identitários de estudantes de letras69 no contexto da formação inicial. Neste processo de escolha, algumas perguntas surgiram: Que razões nos motivaram na escolha do objeto de estudo? Por que estudar a identidade docente de estudantes de letras no contexto da formação inicial? O que as dissertações e teses revelam sobre a temática? Que implicações pessoais, profissionais e acadêmicas atravessam este estudo? Qual a relevância acadêmica e social da discussão? E foi assim, entre idas e vindas, no desejo de buscar algumas respostas, que surgiu e está se constituindo esta investigação. Para além das questões de natureza epistemológica, a pesquisa ora apresentada partiu do princípio de que a escolha de um tema, ou seja, de um objeto de pesquisa, está relacionada também às questões intersubjetivas que permeiam a experiência e a trajetória pessoal, profissional e acadêmica do pesquisador. Esse entendimento é fruto de um paradigma científico emergente, o qual vem incorporando novos elementos no fazer ciência, dentre eles a questão da subjetividade, indo, nesse sentido, para além da idéia de neutralidade e de objetividade presente no paradigma científico moderno (SANTOS, 2004). Pensando dessa maneira, decidi realizar um processo de investigação no qual estou implicado. Sendo assim, posso dizer que o meu interesse em investigar a questão da construção da identidade docente do estudante de Licenciatura em Letras nasceu, a 69 Estudante do Curso de Letras Vernáculas, futuro professor de língua portuguesa. 342 priori, de minhas inquietações: seja como docente, seja como coordenador pedagógico, ora na escola, ora nos espaços de formação continuada, sempre estive em contato com outros professores e, junto com eles, vivenciei encantos e desencantos, as contradições, os desafios, os dilemas que permeiam a profissão e a constituição da identidade docente. Do ponto vista acadêmico e profissional, o que justifica é a questão de minha formação inicial em Letras Vernáculas e, também, o fato de me constituir professor de língua portuguesa, parte significativa da minha identidade docente. Apropriando-me das palavras de Brito (2009), posso dizer que talvez tenha sido essa a razão, a despeito da justificativa ‘acadêmico-científica’, que motivou a elaboração deste trabalho: entender meu próprio percurso de formação - visto que jamais será ‘finalizado’- “como sujeito que já esteve na posição de nossos sujeitos de pesquisa. Trata-se simplesmente de nos contemplar no olhar do outro para tentar também contemplá-lo... de uma outra forma, por um novo gesto” (BRITO, 2009, p.1). Nessa perspectiva, em diálogo com Souza (2004), é que podemos dizer que todo conhecimento se configura em auto-conhecimento. O presente texto, objetiva, portanto, apontar resultados parciais da pesquisa em andamento no sentido de caracterizar os enfoques sobre a identidade docente do estudante de letras na produção das dissertações e teses apresentadas e defendidas, respectivamente, em Programas de Pós-Graduação, no período de 2003 a 2009. Não há intenção, neste artigo, de se realizar um estudo exaustivo ou de se definir como uma investigação sobre o estado da arte no campo da identidade docente do estudante de letras. A intenção é apontar caminhos possíveis na construção do conhecimento, nessa área, demarcando, inclusive, ‘outra’ perspectiva de investigação. 2 A IDENTIDADE DOCENTE DO ESTUDANTE DE LETRAS COMO OBJETO DE PESQUISA: O QUE DIZEM AS DISSERTAÇÕES E TESES? O estudo sobre a identidade docente e sobre as questões ligadas à formação de professores, não somente na formação do docente de língua portuguesa vem ganhando espaços nas pesquisas acadêmicas. Ao fazer um levantamento no Banco de teses/dissertações da CAPES, utilizando a expressão “identidade docente”, foi possível identificar que existem 120 teses/dissertações, o que revela o interesse de vários pesquisadores pela temática. É importante salientar que os estudos abordam a construção da identidade docente nas mais variadas perspectivas. Emergem, nesse 343 contexto, como temáticas privilegiadas, as discussões e investigações endereçadas à construção da identidade docente no âmbito da educação, priorizando o sujeitoprofessor no cotidiano da escola, no desenvolvimento de práticas pedagógicas, nos contextos da formação continuada. Entretanto, no que se refere à identidade docente na formação inicial, percebemos que existe um número reduzido de pesquisas, sendo prioridade, nesse contexto, o estudo com licenciandos do Curso de Pedagogia. É importante destacar, ainda, que esta pesquisa da literatura sobre identidade docente de professores de línguas em bancos de teses e dissertações revelou que a questão da formação continuada tem merecido um maior destaque e uma maior preocupação. Isto sinaliza, por outro lado, uma espécie de lacuna no tocante à realização de pesquisas que tomem como objeto de investigação a construção da identidade docente de estudantes do Curso de Letras, futuros professores, no contexto da formação inicial, no sentido de entender como esses sujeitos expressam em seus discursos elementos constitutivos dessa identidade. Para uma compreensão mais precisa da questão, foi necessário continuar fazendo um levantamento “mais afunilado” com foco nos estudos sobre o sujeito-professor de língua (materna e estrangeira), e, sobretudo, com um olhar atento aos estudos referentes ao sujeito-aluno, futuro professor de língua portuguesa, estudante do Curso de Licenciatura em Letras. Apresentamos a seguir, um panorama sobre os enfoques presentes nas dissertações e teses, defendidas no período de 2003 a 2009, identificadas no portal da CAPES, no que diz respeito aos processos identitários de estudantes de letras. A dissertação de Mestrado70, na área Estudos Linguísticos e Literários em Inglês, intitulada de Análise discursiva de um Currículo de Letras: noções de conhecimento e formação de identidade, de Inês Confuorto Gomes Macedo, defendida em 2003, teve como foco a análise do discurso do currículo de Letras – Habilitação em Português/ Inglês e Português/ Espanhol - de uma Instituição de Ensino Superior privada da cidade de São Paulo. A hipótese construída foi a de que havia, no discurso do currículo, conflitos que necessitariam ser silenciados, criando a ilusão de um currículo coerente e eficiente, gerando resultados pedagógicos complexos. A referida pesquisa objetivou a) problematizar conflitos relativos às noções de conhecimento e identidades representadas no discurso desse currículo; b) verificar em quais formações discursivas esse discurso está inserido; c) verificar como essas 70 As informações foram retiradas dos resumos próprias dissertações e teses pesquisadas. 344 representações agem na constituição das identidades dos sujeitos, a partir do contato com várias regiões do interdiscurso. O resultado da análise da materialidade lingüística do currículo demonstrou que este aparenta ser crítico-dialógico, porém, o conhecimento legitimado como válido se ancora numa formação tradicional de educação. Esse conflito é silenciado para que o currículo se apresente como coerente. A análise constituída na dissertação também revelou o autoritarismo do discurso do currículo, uma vez que ele cria idealmente posições-sujeito homogêneas e naturalizadas que, provavelmente, concorrerão para a reprodução de práticas pedagógicas tradicionais. Finalmente, a análise demonstrou que o discurso do currículo investigado está fortemente perpassado pelo discurso neoliberal. A dissertação de Mestrado, na área de Educação, intitulada de Linguagem, Metodologia e Novo Paradigma no Campo de Estágio: um Perfil dos Docentes de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira Formados sob a Proposta do Novo Projeto Pedagógico da PUCPR, de Marcus Vinicius Santos Kucharski, defendida em 2004, buscou investigar o novo Projeto pedagógico da PUC-PR, reformulado à luz do novo paradigma da ciência, que encontrou abrigo no pensamento educacional, trazendo à tona a importância de conceitos como contextualização, holismo e conhecimento significativo para o trabalho de sala de aula. O desafio da pesquisa foi investigar, em 2004, a seguinte questão: qual a identidade metodológica predominante entre os quarto-anistas licenciandos em Letras em sua prática de ensino? Buscou-se entender se essa identidade se configura mais dentro dos princípios inovadores, posto que as turmas investigadas foram formadas integralmente sob este novo Projeto Pedagógico, ou se ainda se apresenta mais tradicional. Os dados coletados apontaram a tensão entre o discurso inovador assumido pelos licenciandos em Letras e sua prática, que demonstra forte aliança a princípios metodológicos tradicionalistas – e consequentemente práticas pedagógicas que estiveram sempre muito aquém do que se imagina como neoparadigmática. A tese de doutorado, na área de Estudos da Linguagem, intitulada de Saberes e identidade profissional em um curso de formação de professores de Língua Portuguesa, de Aparecida de Fátima Peres, defendida em 2007, construída a partir de um estudo de caso, cujo propósito foi investigar que saberes e que identidade profissional subjazem a um curso de formação de professores de Língua Portuguesa (LP) – um curso de Letras de uma Instituição de Ensino Superior do Noroeste do 345 Paraná. Considerando a influência do currículo na constituição da identidade do sujeito (SILVA, 2001, 2003), esta tese investigou: 1) como o currículo de formação de professores de LP é proposto nas diretrizes curriculares oficiais (Diretrizes de Letras e Diretrizes das Licenciaturas) e em um curso específico; 2) como o currículo desse curso é concebido pelos sujeitos envolvidos no processo de formação por ele oferecido. Como instrumentos de coleta de dados foram adotadas análises de documentos e duas entrevistas de grupo focal – uma com sete professores-formadores e outra com dez alunos-professores. No tocante ao discurso oficial, as análises dos dados revelaram que as Diretrizes de Letras são marcadas pelo caráter da racionalidade técnica (SCHÖN, 2000), pois priorizam os saberes teóricos no processo formativo, fator que pode contribuir para a constituição de uma identidade profissional em que os saberes teóricos são mais valorizados em relação aos práticos. Já as Diretrizes das Licenciaturas são caracterizadas pela epistemologia da prática (SCHÖN, 2000), pois destacam ser necessária a articulação entre teoria e prática nos cursos de formação e propõem a aprendizagem para o magistério com base no paradigma ação-reflexão-ação. Ainda segundo os resultados da pesquisa, as Diretrizes de Letras, o currículo proposto pelo Projeto Pedagógico do curso investigado também se mostrou pautado na racionalidade técnica, porque, além de por a formação docente em segundo plano, demonstra conceber que apenas as disciplinas teóricas sejam suficientes no processo formativo e não promove articulação efetiva entre teoria e prática, o que estaria prejudicando a formação inicial de professores de língua portuguesa. Por essa razão, tanto os professores-formadores quanto os estudantes de letras consideram ser preciso oferecer mais prática pedagógica na formação inicial, por entenderem que a base de conhecimentos necessária ao professor de língua portuguesa deva envolver saberes teóricos, práticos, pedagógicos e contextuais. A dissertação de Mestrado, na área de Educação, intitulada de Representações de professores de língua portuguesa em formação acerca da profissão docente: mediações entre teoria e a prática, de Maisa de Alcântara Zakir, defendida em 2008, trata de reflexões acerca da formação de alunos de Letras de uma universidade pública paulista e de seu primeiro ano de exercício profissional como professora de língua portuguesa em uma escola estadual. O objetivo foi investigar como as dificuldades que a autora teve ao ingressar no magistério eram também sentidas entre os alunos do quarto ano do Curso de Letras que participaram da pesquisa. 346 Por meio da análise do material produzido pelos alunos (portfólios elaborados na disciplina Prática de Ensino de Língua Portuguesa e Estágio Supervisionado) seria, então, possível, segundo a pesquisadora, ter uma percepção mais ampla do seu próprio processo de formação, uma vez que a mesma investigaria as questões que lhe afetavam como professora recém-formada. No desenvolvimento da pesquisa, fazendo uma interlocução entre as narrativas dos professores em formação e sua própria trajetória profissional, a pesquisadora chegou a algumas considerações relevantes para pensar o processo de formação e o desenvolvimento profissional de professores de língua portuguesa. O estudo revelou que o curso de Letras em questão parece não proporcionar as mediações necessárias para que os futuros professores estabeleçam relações entre teoria e prática docente. Para superação, desse contexto, o trabalho constitui alguns indicativos: a) é necessário repensar a importância da licenciatura na formação dos professores e estabelecer um diálogo mais efetivo entre as disciplinas específicas e as pedagógicas do curso; b) quando há um diálogo entre teoria e prática docente, o estágio de observação torna-se um momento importante no qual o futuro professor parece ter mais consciência acerca da profissão que escolheu; c) é possível questionar e pensar na transformação de práticas escolares reproduzidas historicamente. A tese de doutorado, na área de Estudos da Linguagem, intitulada de Vozes em embate no discurso do sujeito-professor-de-língua(s)- em-formação, de Cristiane Carvalho de Paula Brito, defendida em 2009, objetivou investigar o embate de vozes na construção das imagens dos sujeitos-professores-de-língua(s)-em formação, no caso alunos de um curso de Letras, em relação a si mesmos e ao seu objeto de estudo, entrevendo, assim, seus movimentos de identificação com diferentes formações discursivas. O estudo partiu da hipótese de que os discursos dos sujeitos da pesquisa eram constituídos por vozes conflitantes, oriundas de diferentes regiões discursivas e de que apesar de serem (ou terem sido) expostos a diferentes discursos sobre a língua/linguagem, sobre o processo de ensino/aprendizagem, sobre o sujeito etc, os sujeitos da pesquisa consolidam, independentemente do ano em que estão no curso, concepções homogeneizantes e totalizadoras sobre si mesmos ou sobre seu objeto de estudo. Partindo dizeres dos estudantes, foram analisadas as imagens em relação ao “ser professor” e ao saber sobre a língua materna, construídos pelos sujeitos da pesquisa. 347 Em se tratando da questão do “ser professor”, o estudo revelou um embate do dizer de teorias pedagógicas tradicionais e atuais, de teorias lingüísticas, e do discurso neoliberal. Em relação ao saber sobre a língua, verificou-se que a posição sujeitoprofessor-de-língua(s)-em-formação se confronta com a posição sujeito-usuário-dalíngua por meio do jogo de aceitação-resistência da gramática normativa. A partir deste levantamento, foi possível identificar que os estudos da identidade docente do estudante de Letras, futuro professor de língua portuguesa, estão centrados no estudo do currículo dos referidos cursos. Porém, há uma lacuna em investigações sobre a construção da identidade docente que tomem como foco as representações e sentidos que emergem nos discursos dos estudantes de letras e que concorrem para a constituição identitária desse sujeito. Sendo assim, percebemos a necessidade de pesquisas que levem em consideração as falas destes sujeitos, no sentido de pensar a identidade do professor de língua portuguesa a partir da voz dos estudantes, suas representações - discursos e pontos de vista. 3 PARA ALÉM DO QUE DIZEM AS TESES E DISSERTAÇÕES: O PROBLEMA E OS OBJETIVOS DE PESQUISA Em aproximação a tese de doutorado Vozes em embate no discurso do sujeitoprofessor-de-língua(s)- em-formação, de Cristiane Carvalho de Paula Brito, mas indo para além, algumas curiosidades epistêmicas surgiram. Quando os estudantes de letras tomam a palavra para discorrer sobre aspectos relativos à sua identidade docente em (trans)formação, que representações sobre o ‘ser’ professor vêm à tona? Seus dizeres revelam uma identificação ou não com a profissão? Suas posições identitárias são interpeladas por quais vozes? Que pontos de vista constroem sobre a relevância do curso para a constituição da identidade docente? Deste modo, foram sistematizadas as seguintes questões de pesquisa: 1. Que sentidos o estudante de letras constrói sobre o ser, o modo de ser, de tornar-se e vir a ser professor? 2. De que modo cada estudante foi, durante a sua formação, identificando-se ou não com a profissão docente? 3. Do ponto de vista do estudante, qual a relevância da formação inicial na sua constituição identitária? 4. Que vozes/discursos acadêmicos interpelam as posições identitárias desses sujeitos? 5. Como o Curso de Letras se constituiu como desencadeador de identidades docentes polifônicas de professores em (trans)formação? 348 Sendo assim, tendo em vista a questão norteadora, a presente pesquisa objetiva investigar as representações sobre ser/tornar-se professor que emergem no discurso do estudante de Licenciatura em Letras e concorrem para a construção de identidades docentes polifônicas. Como desdobramento, será necessário, a) identificar os sentidos de estudantes de letras sobre o que é ser, o modo de ser, de tornar-se e vir a ser professor de língua materna. b) verificar como cada estudante de Licenciatura em Letras foi, durante a formação, identificando-se ou não com a profissão. c) identificar o ponto de vista de estudantes de letras sobre a relevância da formação inicial na construção da identidade docente. d) identificar as vozes filiadas aos discursos acadêmicos que concorrem para construção de sua identidade profissional. e) analisar as representações e os sentidos constitutivos da identidade docente que emergem no discurso de estudantes de Licenciatura em Letras f) constituir indicativos sobre o curso de Letras como desencadeador de identidades docentes polifônicas de sujeitos em (trans) formação. 4 PRESSUPOSTOS DA PESQUISA Pressupomos que este estudo poderá desvelar questões sobre o processo de construção de identidades docentes polifônicas, apontando que as posições identitárias se constituem a partir dos conflitos provenientes das representações sociais construídas ao longo da história sobre o ‘ser’ professor e pelos dizeres acadêmicos que vão sendo apropriados, reelaborados e ressignificados pelos estudantes de letras ao longo de sua formação. É importante dizer, ainda, que o estudo da construção da identidade docente do estudante de Licenciatura em Letras, a partir de suas representações/discursos, faz-se necessário e configura-se como relevante, na medida em que retoma a centralidade do professor nos debates educativos e nas problemáticas de pesquisas nesta área (NÓVOA, 1992), pensando a construção da identidade docente numa perspectiva polifônica, demarcando, assim, as vozes (acadêmicas) e os dizeres que concorrem para a posição identitária de um sujeito em (trans) formação: discussão ainda ausente/pouco explorada nas pesquisas acadêmicas. Ademais, pensar essas questões, no âmbito da formação inicial, permite dar visibilidade a esta experiência formativa que se configura na primeira etapa da constituição identitária (NETO, 2007), ao fornecer um arcabouço ideológico e 349 pedagógico sobre o qual o professor constrói sua identidade (ARROYO, 1996), sendo, portanto, desencadeadora do perfil profissional (PERRENOUD, 2001). A pesquisa aqui desenhada poderá contribuir, com igual intensidade, para a valorização do trabalho docente, sinalizando elementos que ajudem a “rever e modificar a precariedade da carreira docente nas diferentes instituições de ensino superior” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p.89), sobretudo nos Cursos de Licenciatura em Letras. REFERÊNCIAS ARROYO, Miguel. Múltiplos olhares sobre educação e cultura. Belo Horizonte: UFMG, 1996. BRITO, Cristiane Carvalho de Paula. Vozes em embate no discurso do sujeito-professor-de-língua(s)- em-formação. Tese de doutorado, Campinas, SP, 2009. LIBÂNEO, J.C; PIMENTA, S.G. Formação de profissionais da educação: uma visão crítica e perspectivas de mudança. In: Pimenta, S.G. (org.). Pedagogia e pedagogos: caminhos e perspectivas. São Paulo, Cortez, 2002. KUCHARSKI, Marcus Vinicius Santos. Linguagem, Metodologia e Novo Paradigma no Campo de Estágio: um Perfil dos Docentes de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira Formados sob a Proposta do Novo Projeto Pedagógico da PUCPR. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 2004. MACEDO, Inês Confuorto Gomes. Análise discursiva de um Currículo de Letras: noções de conhecimento e formação de identidade. Dissertação de Mestrado. USP, São Paulo, 2003. NETO, João Batista. Formação do professor, profissionalização e cultura docente: concepções alternativas ao profissional. In: Mercado, Luís Paulo Leopoldo; Cavalcante, Maria Auxiliadora da Silva (orgs). Formação do pesquisador em educação: profissionalização docente, políticas públicas, trabalho e pesquisa. Maceió: EDUFAL, 2007. PERRENOUD, Philippe. O trabalho sobre o habitus na formação de professores: análise das práticas e tomada de consciência In: Formando professores profissionais: quais estratégias? Quais competências? Porto Alegre: Artmed, 2001. PERES, Aparecida de Fátima. Saberes e identidade profissional em um curso de formação de professores de Língua Portuguesa. Tese de doutorado. Universidade Estadual de Londrina, 2007. PIMENTA, Selma Garrido e ANASTASIOU, Lea das Graças Camargo. Docência no ensino superior: problematização. In: PIMENTA, Selma Garrido. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2002. SANTOS, Boaventura de Sousa. A Crítica da Razão Indolente: Contra o Desperdício da Experiência. Porto: Afrontamento, 2004. 350 Zakir, Maisa de Alcântara . Representações de professores de língua portuguesa em formação acerca da profissão docente: mediações entre teoria e prática. Dissertação de Mestrado, Marília, 2008. 351 POLÍTICA DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES: O PROJETO DE CERTIFICAÇÃO OCUPACIONAL DO ESTADO DA BAHIA Sara Betania de Souza Silva Profª Educação Básica Licenciada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Feira de Santana/UEFS. e-mail: [email protected] RESUMO: A década de 1990 marca um período de reformas educacionais que visavam uma educação com qualidade para todos. Nesse sentido, a construção e implementação de várias políticas públicas voltadas para a obtenção de um ensino eficaz, a partir deste período, passou a ser uma constante entre os Estados brasileiros. A Bahia, neste contexto, por meio da Secretaria de Educação e Cultura, desenvolveu o Programa Educar para Vencer e, este por sua vez, outros Projetos, entre eles o Projeto de Certificação Ocupacional dos Profissionais da Educação, foco da presente investigação, implementado na Bahia visando promover uma melhor formação profissional do quadro docente, na tentativa de atender as demandas apresentadas na educação pública. Essa pesquisa vislumbrou analisar as ações do Governo voltadas para a formação docente, num contexto em que o estado da Bahia, similar aos demais estados do Brasil, apresentava índices elevados de analfabetismo, repetência e evasão escolar. O interesse em desenvolver esse trabalho articulava-se ao objetivo de apreender em que sentido o Projeto de Certificação Ocupacional para Professores pode contribuir para formação dos professores e, por conseguinte, a melhoria da qualidade do ensino. Para a realização desse estudo, utilizou-se a pesquisa qualitativa e como instrumento de coleta de dados a entrevista individual, semi estruturada. As informações coletadas permitem verificar que no bojo das ações adotadas, em âmbito nacional e estadual, existiam muitas intencionalidades voltadas para a reversão dos elevados índices de evasão escolar, repetência e analfabetismo, mas que não deram conta de reparar os problemas educacionais do Estado. Observou-se, ainda que a qualidade desejada para o ensino atrelava-se, principalmente, à prática docente. Entretanto, o referido Projeto não ofereceu aos profissionais condições suficientes para atualizarem seus conhecimentos, àqueles que buscavam, por conta própria, a sua formação continuada. Espera-se que a presente investigação possa colaborar de forma significativa para as discussões acerca de certificação. Palavras-chave: Certificação Ocupacional. Formação de Professores. Políticas Educacionais. INTRODUÇÃO: O destaque dado às políticas educacionais, tanto em âmbito nacional como internacional, vem se alargando gradativamente em função da crença existente, entre países desenvolvidos e alguns em desenvolvimento, de ser a educação a melhor estratégia para o crescimento econômico-social de sua população e, por conseguinte o sucesso no cenário da competitividade internacional. 352 Essa estratégia também vem sendo utilizada pelo Brasil, especialmente, desde as últimas décadas do século passado. A implementação de políticas públicas voltadas para a educação tem sido uma das formas encontradas para se alcançar índices positivos no panorama educacional. Nesse sentido, especialistas na área educacional se dedicam a investigar o fracasso do sistema escolar brasileiro. A Bahia, nesse cenário, tem adotado políticas públicas na intenção de propiciar um ensino básico com qualidade, necessário para a inserção do aluno ao mundo letrado. Tal afirmação pode ser exemplificada por intermédio do Projeto de Certificação Ocupacional dos Profissionais da Educação, idealizado pela Secretaria da Educação (SEC/BA, 2005), com o intuito de "promover um salto qualitativo no processo ensino aprendizagem em toda sua rede", além de buscar aprimorar a profissionalização e a qualificação do quadro dos profissionais de educação. A Certificação dos Profissionais da Educação é parte do Programa estratégico "Educar para Vencer". O referido Programa é composto por outros Projetos, tais como: Avaliação Externa, Gestão Educacional, Regularização do Fluxo Escolar e Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI). Embasado nessas referências, esse trabalho tem como objetivo apreender como o Projeto de Certificação Ocupacional dos Professores, no Estado da Bahia, pode contribuir para a formação docente. No decorrer do estudo, ficou claro que a pesquisa qualitativa é a que melhor se adapta ao caminho percorrido nessa investigação, pois possibilita confrontar os dados obtidos nos parâmetros mais amplos da sociedade e analisá-los à luz dos fatores sociais, econômicos, psicológicos e pedagógicos (TRIVIÑOS, 2008). Nesse sentido, a coleta de dados ocorreu tendo como fonte os documentos oficiais da SEC-BA e da FLEM, instituições que, respectivamente, desenvolveram o papel de execução e coordenação do Projeto de Certificação. Como instrumento de coleta de dados utilizou-se a entrevista individual, semi estruturada, tendo como sujeitos os membros da FLEM, e o levantamento documental. Acredita-se que a utilização desses instrumentos permitiu a obtenção de dados significativos para o resultado desta pesquisa. REFERENCIAL TEÓRICO: 353 A década de 1990 representou um período de iniciativas políticas voltadas para a formação de professores, na tentativa de alcançar uma educação eficaz. Nesse período de reformas educacionais, agregou-se uma linguagem nos discursos de estudiosos e políticos, refletindo uma nova concepção de formação docente. A esse respeito Menezes (2003) analisa e considera que alguns dos termos mais destacados apareciam frequentemente nas ocorrências concernentes ao sistema educacional, são eles: reciclagem, treinamento, aperfeiçoamento e capacitação. Esses termos citados foram utilizados com maior ênfase a partir da influência da iniciativa privada na administração dos órgãos públicos, ostentando a perspectiva de mercado no campo educacional. Tais termos passaram a caracterizar o novo perfil profissional, exigindo maior nível de educação formal, flexibilidade, dotado de habilidades e competências (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSHI, 2006). Nesse sentido, ainda utilizando os estudos dos autores acima citados, é possível aferir que na ótica economicista e mercadológica, presente na atual reestrutura produtiva do capitalismo, o desafio essencial da educação consiste na capacitação da mão-de-obra e na requalificação dos trabalhadores, para satisfazer as exigências do sistema produtivo e formar consumidor exigente e sofisticado para um mercado diversificado, sofisticado e competitivo (p.111). Dessa forma, a perspectiva presente na educação voltava-se para formar profissionais com vistas a atender a lógica capitalista e isto incluía os próprios professores, envolvidos numa corrida desenfreada por títulos, condição necessária para a obtenção de melhor salário. No âmbito dessa discussão a autora trata do termo “capacitação" como um indicativo que se associa com a idéia de continuidade do processo educativo profissional, pois parte da noção de que, para exercer a função o profissional deve sempre buscar atualizar-se. Nessa vertente, o termo capacitação indica ações para obter patamares mais elevados de profissionalização. Seguindo o ponto de vista de Menezes (2003, p.316) compreende-se que “a adoção dessa concepção desencadeou inúmeras ações de “capacitação” visando à “venda” de pacotes educacionais ou propostas fechadas, aceitas acriticamente em nome da inovação e da suposta melhoria”. Nesse sentido, vale ressaltar que no bojo desses acontecimentos, no Brasil, foram criadas políticas educacionais, voltadas para a formação docente, visando à capacitação dos profissionais e uma prática pedagógica mais eficaz. 354 Essa capacitação de professores passa a ser requerida como meio de valorização profissional, de forma mais veemente, após a instauração da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9394/96), que estabelece no Art. 67, aos sistemas de ensino, a promoção da "valorização dos profissionais de educação, assegurando-lhes: [...] aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento periódico para esse fim; [...] período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga de trabalho" (BRASIL, 1999c, p.131). Diante do que apresenta a LDB, a valorização do educador deve ser assegurada por meio da formação continuada, termo que também ganha um peso maior nesse contexto em que o educador recebe a maior carga de responsabilidade pelos problemas do sistema público de ensino, da mesma forma que ocorreu em outras ocasiões. Nos estudos de Scheibe (2002, p. 52) fica evidente que tais políticas educacionais têm a intencionalidade de inserir um novo entendimento sobre o perfil do professor e sua formação, quando se toma a reforma institucional que estabelece como base “o curso normal superior e os institutos superiores de educação, e o desenvolvimento de competências como conteúdo”. A afirmação revela as questões que se configuraram polêmicas no que se refere à formação dos professores, no final do século passado. A primeira destaca o modelo das instituições superiores da educação, que passa a ser desvinculada do ensino universitário se constituindo em preparação técnico-profissionalizante com nível superior (SCHEIBE, 2002). A segunda questão remete a inserção do termo competência de maneira mais evidente, principalmente, a partir da década de 1990 nas políticas educacionais. Sobre esse aspecto Dias e Lopes (2003, p.157) afirmam que "o currículo por competências, a avaliação do desempenho, a promoção dos professores por mérito, os conceitos de produtividade, eficiência e eficácia, entre outros, disseminam-se nas reformas educacionais em curso no mundo globalizado". Verifica-se, a partir desses argumentos, que as políticas educacionais passaram a estabelecer para o professor um conjunto de competências, enfatizando a qualidade do trabalho pela sua produtividade, ou seja, o saber fazer. Nessa perspectiva, a formação docente assume um caráter profissionalizante, por ser definida a partir de uma lista de competências que comprovam a profissionalização e não valorizavam dos conhecimentos construídos ao longo de sua vida pessoal e profissional. 355 Nesse entendimento, a concepção de formação de professores presente nas políticas educacionais da década de 1990, perpassa pelos significados que se fizeram presentes nas décadas anteriores. Ficou claro que existe ainda muito forte o aligeiramento da formação (num contexto de competitividade em que os títulos são exigidos como simbolismo de produtividade), uma educação profissional de natureza técnica (partindo do entendimento que o educador tem de saber fazer o que está estabelecido), uma formação individualizada e fragilizada (pois o acesso ao ensino superior público é escasso, cabendo ao educador a responsabilidade pela aquisição das competências requeridas). Sobre esses aspectos, o Projeto de Certificação Ocupacional para professores, exemplifica e retrata bem o modelo e a concepção de formação que se constituiu no país no final do século XX. O referido Projeto, lançado em 1999, coordenado e desenvolvido pela FLEM, foi instituído visando contemplar, no âmbito do sistema escolar, o processo de formação do educador com vistas ao alcance de uma educação com qualidade, para o Estado baiano (BAHIA, 2008). Após várias leituras e reflexões sobre as especificidades desse Projeto, foi possível apreender alguns aspectos relevantes sobre a possibilidade de se obter a melhoria no sistema de ensino, partindo do desenvolvimento dessa política pública. Trata-se de um projeto destinado a estimular a formação continuada dos profissionais da educação, que aponta como critério padrões de competências para o exercício de sua função, que são: Referenciais Pedagógicos, Norteadores do Trabalho do Professor, Planejamento do Curso, Prática Docente, Conteúdos Específicos da Disciplina e Língua Portuguesa (FLEM, 2008). Essas competências estão discriminadas no documento intitulado Padrões de Competências do Professor de 5ª à 8ª série do Ensino Fundamental e Médio e revelam um conjunto de habilidades que devem estar inerentes à prática do educador, embora este documento cite que ele não pretende prescrever métodos pedagógicos particulares. Sobre esse aspecto, o relatório das atividades do Governo deixa claro que a base do exame de certificação é o padrão de competências estipulado pela função, construído a partir das informações dos ocupantes do cargo (BAHIA, 2006). Nesse sentido, é possível aferir que a escolha das competências elencadas como padrão foi baseada a partir de experiências vividas por um grupo de profissionais de um 356 determinado contexto escolar. Contudo, é preciso levar em conta as peculiaridades, complexidades e culturas dos indivíduos que convivem no ambiente escolar. Não se pode perder de vista que tanto professores, quanto alunos são sujeitos de suas histórias de vida diferentes. Por conta disto, a sala de aula torna-se um ambiente rico em diversidades. Além do mais, haverá situação em que as competências estipuladas pela FLEM não terão sentido para um determinado contexto, e outras, não estabelecidas, poderão ser necessárias no tratamento das várias situações que ocorrem no cotidiano escolar. É oportuno destacar que as competências que são requeridas para cada profissional, foram elaboradas de acordo com o que foi estabelecido pela Secretaria da Educação do Estado, pois segundo dados da SEC/BA (2008), o padrão de competências não está dissociado do que a Secretaria pensa para os profissionais, porque é ela quem chancela o padrão. Para a Secretaria da Educação da Bahia, a qualificação profissional do educador se efetiva quando este apresenta um perfil de um profissional que maneje bem as competências que lhe são requeridas. Essa perspectiva demonstra o cunho conservador e reprodutor de uma ideologia que faz da educação o mais forte instrumento para manutenção da estrutura social (CANDAU, 2003). Os documentos ainda revelam a concepção de qualidade implícita no Projeto de Certificação. Tal concepção está atrelada a forma como se dá o desdobramento da referida ação do Governo, ou seja, teoricamente o professor busca caminhos para a renovação da sua prática pedagógica e, como resultado, eficácia na forma de ensino. Sobre esse ponto de vista, nota-se que a concepção de qualidade presente no Projeto de Certificação, na Bahia, centra-se para a mensuração da eficiência do educador, por meio, sobretudo, da mediação nos processos de ensino e aprendizagem. Diante do que foi exposto, pode-se aferir que as intervenções do Governo do Estado da Bahia, inclinadas para a formação docente e a qualidade do ensino, revelam intenções que poderiam ter contribuído no processo de reversão de empobrecimento do ensino. Contudo, o tratamento destinado ao processo de formação de educadores assemelha-se ao quadro das profissões de caráter técnico empresarial quando estes são submetidos a um processo que certifica competências e habilidades a fim de justificar sua prática escolar. É preciso considerar que a função desempenhada pelo técnico diferencia-se do educador, pois o exercício técnico enfatiza a operacionalização repetitiva das tarefas, 357 em contrapartida, o trabalho docente envolve uma complexidade maior por tratar-se também de uma relação com as diversidades, demandas sociais e históricas que se refletem em sala de aula. DISCUSSÃO: De acordo com Tardif (2008), um dos aspectos a ser analisados nos referenciais é que apresentam as competências como catálogos ou listas de competências que os professores devem seguir e ignoram as singularidades da prática de cada profissional, da escola e as diferentes culturas que estão inseridas na sala de aula. Vale destacar que embora o projeto seja coordenado e desenvolvido pela FLEM, as competências exigidas para cada profissional passaram pelo aval da Secretaria da Educação do Estado. Conforme cita uma das coordenadoras da FLEM: “Então o padrão, ele não está dissociado do que a Secretaria pensa para os profissionais, porque é até ela quem chancela o padrão, é ela quem diz: eu quero que inclua isso...”. Percebe-se que, segundo a concepção da FLEM e da SEC, a qualificação profissional do educador se efetiva quando este apresenta um perfil tecnicista de um profissional que maneje bem as competências requeridas a ele. Nesse sentido, desconsidera-se que para cada instituição uma comunidade, cada aluno uma família e para cada educador demanda diferentes realidades na sala de aula. Essa perspectiva, segundo Candau (2003), demonstra-se de cunho conservador e reprodutor, que revela uma ideologia que faz da educação o mais forte instrumento para manutenção da estrutura social. Nesse sentido, Arroyo (1996, p. 48), ao analisar as propostas concernentes a formação docente, declara: As propostas se concentram em como requalificar os cursos de formação, como dotá-los de maior densidade teórica e prática [...]. A lógica linear continua predominante: qualifiquemos e requalifiquemos os mestres e teremos sistemas escolares de qualidade, pois, se não temos uma escola de qualidade é porque nos falta qualidade profissional. Essa concepção, também, pode ser observada na proposta do governo baiano que buscou, através do Projeto de Certificação, a maneira de "dotar os educadores de maior densidade teórica e prática". Para tanto, os profissionais da educação do Estado da Bahia deveriam provar, por intermédio dos exames, que possuíam as competências necessárias para exercerem sua função. 358 A coordenadora, em sua fala, contempla a afirmação anterior: “toda literatura moderna, não trabalha mais com aquilo que você sabe, mais com aquilo que você sabe e sabe aplicar. Não adianta saber e não saber aplicar. Então, o conceito de competência envolve o saber, o saber fazer e o querer fazer. A certificação não pode avaliar o querer fazer, aliás, o querer fazer é algo que só se pode avaliar a partir da avaliação processual”. Essa forma de se certificar competências, de acordo com a coordenadora, avalia a habilidade do educador no cotidiano escolar. Ao contrário de outros métodos de formação continuada, o Projeto de Certificação não depende da inserção do profissional num curso de formação, mas o educador é induzido a buscar a refletir sobre sua prática em sala de aula. A respeito desse sistema de formação, Candau (2003) sugere que o locus da formação continuada dos professores deveria ser a própria escola e não o espaço de uma universidade ou empresa destinada a formação docente. Tardif (2008) comungando com o que foi comentado afirma que “o centro de gravidade dos programas deve ser a ação profissional em si, simultaneamente como objeto de conhecimentos, como espaço de ação e de formação, como mecanismo de reflexão teórica, cultural e crítica”. (p.08) Com base esse pressuposto, é possível afirmar que o Projeto de Certificação pode ser considerado um significante sistema de formação docente, já que possibilita ao educador utilizar-se de seu campo de atuação para refletir sobre a sua prática pedagógica. Diante dessa afirmação surge uma inquietação: Porque, então, esse sistema de formação não se consolidou na Bahia? A coordenadora ao ser questionada a esse respeito deixa claro qual foi o sentido da certificação no âmbito do estado baiano: “na realidade, era um conjunto de ações que visava melhorar os indicadores sociais”. O processo de certificação poderia ter contribuído no processo que visa um sistema educacional de qualidade, na perspectiva de tornar possível ao aluno o acesso a uma educação que lhe prepare para o viver e não simplesmente para o trabalhar. Percebe-se que o Projeto de Certificação embora apresente uma proposta relevante para a carreira dos profissionais da educação, ele destaca-se mais como um projeto estratégico de governo, servindo como instrumento de coletar dados, sem nenhum propósito de intervenção no diagnóstico revelado. Assim, diante do que foi exposto, percebe-se que o Projeto de Certificação na Bahia teve sua participação na formação do educador baiano, no sentido de aproximá-lo 359 as novas tendências concernentes a competências e habilidades do exercício de sua função, ou seja, sua capacitação técnica e além de incentivá-lo a buscar ascensão para a sua carreira profissional. RESULTADOS: O Projeto de Certificação Ocupacional foi instituído visando contemplar, no âmbito do sistema escolar, o processo de formação do educador com vistas ao alcance de uma educação com qualidade, para o Estado baiano (SEC/BA, 2008). Após várias leituras e reflexões sobre as especificidades desse Projeto, foi possível apreender alguns aspectos relevantes sobre a possibilidade de se obter a melhoria no sistema de ensino, por intermédio da formação de professores, partindo do desenvolvimento dessa política pública. Trata-se de um projeto destinado a estimular a formação continuada dos profissionais da educação, que aponta como critério padrões de competências para o exercício de sua função, que são: Referenciais Pedagógicos, Norteadores do Trabalho do Professor, Planejamento do Curso, Prática Docente, Conteúdos Específicos da Disciplina e Língua Portuguesa (FLEM, 2008). As competências discriminadas no documento revelam um conjunto de habilidades que devem estar inerentes a prática do educador, embora este documento cite que ele não pretende prescrever métodos pedagógicos particulares. Ao entrevistar uma das coordenadoras do Projeto, ela explica: “[...] o que dá base ao exame de certificação é uma coisa chamada padrão de competências do cargo, ele é construído a partir das informações dos ocupantes do cargo (...)”. Nesse sentido, é possível aferir que a escolha das competências elencadas como padrões foram baseados a partir de experiências vividas por um grupo de profissionais de um determinado contexto escolar. Contudo, é preciso levar em conta as peculiaridades, complexidades e culturas dos indivíduos que convivem no ambiente escolar. Não se pode perder de vistas que tanto professores, quanto alunos são sujeitos de suas histórias de vida diferentes. Por conta disto, a sala de aula torna-se um ambiente rico em diversidades. Além do mais, poderá haver situação em que as competências estipuladas pela FLEM não terão sentido para um determinado contexto, e outras, não estabelecidas, poderão ser necessárias no tratamento das várias situações que ocorrem no cotidiano escolar. 360 É oportuno destacar que as competências que são requeridas para cada profissional, foram elaboradas de acordo com o que foi estabelecido pela Secretaria da Educação do Estado, conforme cita a coordenadora “[...] o padrão, ele não está dissociado do que a Secretaria pensa para os profissionais, porque é ela quem chancela o padrão, é ela quem diz: eu quero que inclua isso”. Para a Secretaria da Educação da Bahia, a qualificação profissional do educador se efetiva quando este apresenta um perfil de um profissional que maneje bem as competências que lhe são requeridas. Essa perspectiva demonstra o cunho conservador e reprodutor de uma ideologia que faz da educação o mais forte instrumento para manutenção da estrutura social (CANDAU, 2003). Os documentos ainda revelam a concepção de qualidade implícita no Projeto de Certificação. Tal concepção está atrelada a forma como se dá o desdobramento da referida ação do Governo, ou seja, teoricamente o professor busca caminhos para a renovação da sua prática pedagógica e, como resultado, eficácia na forma de ensino. Sobre esse ponto de vista, nota-se que a concepção de qualidade presente no Projeto de Certificação, na Bahia, centra-se para a mensuração da eficiência do educador, por meio, sobretudo, da mediação nos processos de ensino e aprendizagem. Um outro aspecto observado, a partir da análise documental, é a forma como a FLEM (2008, p.15) descreve a função do professor, atribuindo ao cargo as obrigações a serem exercidas na prática: “Compete ao Professor garantir o sucesso escolar do aluno, ajudando-o a gerir os seus processos de aprendizagem (...)”. O documento da FLEM evidencia que a função exercida pelo educador é essencial para um ensino de qualidade, mas é importante reconhecer que o professor não pode ser considerado o único responsável em efetivar esse sucesso, mas depende de questões políticas, econômicas e sociais. Ao buscar analisar o conteúdo dos documentos oficiais, pode-se constatar a interpretação do que é ser professor, segundo a FLEM, levando em conta a posição de protagonista desse profissional no contexto de busca pela qualidade do ensino. Os Padrões estipulados pela referida instituição, esboça como se espera que o profissional desenvolva sua função. No conjunto de várias leituras, foi possível inferir que a presença constante do verbo deve indica um sentimento de coerção a prática pedagógica. Sabe-se que toda coerção é desenvolvida por um dominador e reflete a um problema de ordem histórica, tem a ver com a relação de poder existente entre educação e Estado. 361 O conceito de professor definido pela instituição remete à idéia de um simples executor de tarefas, como um especialista neutro, que desempenha seu trabalho via gerenciamento de técnicas de ensino, de organização escolar e de avaliação. Contudo, a função do professor não se limita ao cumprimento das tarefas padronizadas, mas de um ofício complexo, pois envolve relação e troca de experiências. Diante do que foi exposto, pode-se aferir que as intervenções do Governo do Estado da Bahia, inclinadas para a formação docente e a qualidade do ensino, revelam intenções que poderiam ter contribuído no processo de reversão de empobrecimento do ensino. Contudo, o tratamento destinado ao processo de formação de educadores assemelha-se ao quadro das profissões de caráter técnico empresarial quando estes são submetidos a um processo que certifica competências e habilidades a fim de justificar sua prática escolar. É preciso considerar que a função desempenhada pelo técnico diferencia-se do educador, pois o exercício técnico enfatiza a operacionalização repetitiva das tarefas, em contrapartida, o trabalho docente envolve uma complexidade maior por, tratar-se também relação com as diversidades, demandas sociais e históricas que se refletem em sala de aula. REFERÊNCIAS: ARROYO, Miguel G. Reinventar e formar o profissional da educação básica. In: BICUDO, Maria Aparecida Viggiani; SILVA JÚNIOR, Celestino Alves da (orgs). Formação do educador: dever do Estado, tarefa da universidade. São Paulo, SP: Ed. da Universidade Estadual Paulista, 1996. BAHIA. SECRETARIA DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Disponível em: <http:// www.sec.ba.gov.br>. Acesso em: 28 de ago. 2008. BAHIA. SEPLAN - SECRETARIA DE ESTADO DO PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO. Relatório de atividades: período 2005. Salvador: SEPLAN, 2006. BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. SECRETARIA DO ENSINO FUNDAMENTAL. Referenciais para Formação de Professores. Brasília, 1999. CANDAU, Vera Maria. Didática e multiculturalismo: uma aproximação. In: LISITA, V. M. & SOUSA, L. F. Políticas educacionais, práticas escolares e alternativas de inclusão escolar. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. 362 DIAS, Rosanne Evangelista; LOPES, Alice Casimiro. Competência na Formação de Professores no Brasil: O que (não) há de novo. Educação & Sociedade, Campinas, v. 24, n. 85, dez. 2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo>. Acesso em: 15 de mar. 2008 FLEM. FUNDAÇÃO LUÍS EDUARDO MAGALHÃES: uma instituição a serviço da transformação do Estado e da sociedade, trajetória 1999-2006. Disponível em: <http://www.flem.org.br>. Acesso em 23 de ago. 2008 LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, José Ferreira de; TOSCHI, Seabra Mirza. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2006. MENEZES, Cecília Maria de Alencar de. Educação Continuada de Educadores: superando ambigüidades conceituais. Revista da FAEEBA/ Universidade Estadual da Bahia, Faculdade de Educação do Estado da Bahia, v. 12, n. 20, p. 239-520, jul./dez., 2003. SCHEIBE, Leda. Formação dos Profissionais da Educação Pós-LDB: vicissitudes e perspectivas. In: VEIGA, Ilma Passos Alencastro; AMARAL, Ana Lúcia (orgs). Formação de Professores: políticas e debates. Campinas, SP: Papirus, 2002 (Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico). SEC (Secretaria da Educação e Cultura) on line <http:// www.sec.ba.gov.br>. Acesso em: 28/08/2008. TARDIF, Maurice. Princípios para guiar a aplicação dos programas de formação inicial para o ensino. In: Trajetórias e processos de ensinar e aprender: didática e formação de professores. Porto Alegre: XIV ENDIPE, 2008. TRIVIÑOS, Augusto N.S. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 2008. 363 QUALIDADE DE ENSINO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UM OLHAR SOBRE O CURSO DE PEDAGOGIA – EDUCAÇÃO INFANTIL E SÉRIES INICIAIS DA UEFS Amali de Angelis Mussi Ana Verena de Araújo Vidal RESUMO Este trabalho é fruto de um estudo monográfico que se propôs a compreender e analisar os componentes da qualidade do curso de Pedagogia - Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental – da Universidade Estadual de feira de Santana – UEFS, por estudantes do curso. O problema da investigação se constituiu em responder a seguinte questão: Quais componentes de qualidade estão presentes nas representações sociais de estudantes do curso de Pedagogia da UEFS? Para tanto, realizou-se uma pesquisa bibliográfica para destacar os referenciais de estudo, dentre eles, Demo (1985, 1995), Bourdoncle (1991), Gimeno Sacristán (1995), Moscovici (2003), Cunha (2006), Ribeiro (2008), Gadotti (2009), e a realização de uma pesquisa de campo, de caráter exploratório. A investigação que inspirou este trabalho teve por base os princípios da pesquisa qualitativa. Com efeito, para a análise dos dados adotouse as Representações Sociais (RS), na perspectiva moscoviciana, por entender que elas se materializam através de práticas sociais, onde poderíamos conhecer o que os professores/estudantes representam acerca da qualidade do ensino. Para a coleta de dados, optou-se pela elaboração de um questionário estruturado com questões abertas e fechadas sobre a temática em relevo, para ser aplicado aos estudantes do 8º semestre da graduação em Pedagogia, em curso no 1º semestre de 2011. Da aplicação do questionário aos 36 estudantes selecionados para o estudo, obteve-se o retorno de 09 estudantes, que constituíram a amostra de sujeitos desta investigação. Com a análise realizada, os resultados indicam que as representações sociais das participantes sobre os componentes da qualidade do curso de Pedagogia – Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental da UEFS estão centradas na relação teoria e prática, no diálogo entre o ensino e /com pesquisa e na qualidade do corpo docente. Palavras-chave: Qualidade de Ensino; Formação de Professores; Representações Sociais. APRESENTAÇÃO Nas últimas décadas, os processos de formação inicial de professores ocupam lugar de destaque nas pesquisas educacionais, tanto no sentido de críticas à formação oferecida quanto ao valor dessa formação na profissionalização docente. Tem-se reclamado por uma transformação substancial nos cursos de licenciatura. Trata-se de um período muito importante porque é quando o estudante pode adquirir uma imagem cristalizada e assistencial do magistério, ou, ao contrário, construir uma 364 bagagem de conhecimentos, de práticas e de atitudes que lhe permita exercer a profissão com a responsabilidade social e política que todo ato educativo implica. Compreender a formação inicial nessa perspectiva torna relevante investigar a qualidade da formação oferecida pelos Cursos de Pedagogia. Como o tema é amplo e complexo, há a necessidade de estabelecer um recorte para esta investigação e, para tanto, algumas questões podem ser levantadas: O que entendemos por qualidade no ensino para a formação de professores? E o que os estudantes de cursos de Pedagogia entendem por qualidade na sua formação profissional? Ou seja, quais as compreensões de qualidade no ensino possuem os estudantes de Curso de Pedagogia? Este trabalho pretende trazer contribuições para essa discussão ao investigar os componentes de qualidade que estão presentes nas representações sociais produzidas por uma amostra de estudantes do curso de Pedagogia – Educação Infantil e Séries Iniciais, da Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS. REFERENCIAL TEÓRICO Para investigar sobre a qualidade presente nos cursos de Pedagogia, faz-se necessário promover a discussão acerca de alguns elementos que subsidiam a ideia de qualidade, oportunizando a compreensão deste conceito e seus reflexos no cenário do ensino superior, especificamente na formação de professores. Portanto, na sequência, discutimos a definição de qualidade da educação e os entrelaces deste conceito na formação de professores. Qualidade, numa concepção dicionarizada, é definida como o conjunto de propriedades, atributos e condições inerentes a um objeto e que são capazes de distingui-lo de outros similares, classificando-o como igual, melhor ou pior, ou ainda, como um atributo que permite aprovar ou desaprovar um objeto com base em um padrão de referência. Nessa direção, qualidade está atrelada a ideia de comparação: pode-se dizer que um objeto tem qualidade, quando suas características permitem afirmar que ele é melhor que outros objetos que não as possuem ou que não há um padrão de igualdade. Demo (1995) entende que qualidade converge com a ideia de algo bem feito e completo, em especial quando o termo está articulado à ação humana, sendo que nesse caso, qualidade é o toque humano na quantidade. Demo (1995) traz o conceito de 365 qualidade mais ligado às questões ontológicas, isto é, do ser humano, e não somente às questões ligadas ao ter. Em estudo sobre a qualidade da educação superior, Demo (1985) apresenta os conceitos de qualidade acadêmica, qualidade social e qualidade educativa. A qualidade acadêmica é entendida como “[...] a capacidade de produção original de conhecimento, da qual depende intrinsecamente a docência” (DEMO, 1985, p.35). Nesse sentido, ao ensino superior requer cultivar a experiência criativa que há através da pesquisa científica e oportunizar na formação acadêmica a capacidade de, por meio do conhecimento científico, pesquisar e apresentar soluções práticas aos problemas específicos da sociedade. A qualidade social é definida por Demo (1985) como “[...] a capacidade de identificação comunitária, local e regional, bem como com relação ao problema do desenvolvimento [...] Trata-se de colocar à universidade a necessidade de ser consciência teórica e prática do desenvolvimento” (p.38). E a qualidade educativa se refere à “[...] formação da elite, no sentido educativo. A universidade também educa” (DEMO, 1985, p.39). A qualidade educativa é revelada pela capacidade das universidades dedicarem seus esforços na formação plena dos indivíduos, o que também implica na formação de professores nas diversas áreas, de profissionais do setor econômico, dos líderes políticos, dos que constroem uma ideologia, enfim, de cidadãos que cuidam para que a sociedade seja democraticamente organizada e se desenvolva em seus diferentes segmentos: político, institucional, econômico e cultural. De acordo com Dourado (2007, apud Ribeiro, 2008), o conceito de qualidade da educação é um conceito “polissêmico”: a educação é de qualidade quando contribui para a eqüidade; do ponto de vista econômico, a qualidade refere-se à eficiência no uso dos recursos destinados a educação. Há, portanto, a necessidade de se estabelecer padrões de qualidade, a partir de um conjunto de indicadores de qualidade que devem ser levados em conta para a sua compreensão. Nesse sentido, Dourado (2007, apud Ribeiro, 2008), aponta que a qualidade tem fatores extra-escolares (dimensão socioeconômica e cultural do contexto envolvido e a dimensão dos direitos, das obrigações, das políticas no nível do Estado) e intra-escolares (condições de oferta do ensino, a gestão e organização do trabalho escolar, a profissionalização do professor, o acesso, a permanência e o desempenho escolar). Gadotti (2009) nos lembra que qualidade implica em melhorar a vida das pessoas, de todas as pessoas. Na educação a qualidade está diretamente articulada ao bem viver de todas as comunidades, a partir da comunidade escolar. É fundamental, 366 portanto, não perder de vista que qualidade é um conceito histórico, que se altera no tempo e no espaço, vinculando-se às demandas e exigências sociais de um dado contexto (BRASIL, 2009, p.30). Gadotti (2009) destaca que a educação é de boa qualidade quando ela forma pessoas para pensar e agir com autonomia e que uma universidade “precisa pouco para ser de qualidade, mas nelas não podem faltar idéias”(p.08). Precisa basicamente de três condições: professores bem formados, condições de trabalho e um projeto: Para se formar bem, o professor precisa ter paixão de ensinar, ter compromisso, sentir-se feliz aprendendo sempre; precisa ter domínio técnico pedagógico, isto é, saber contar históricas, isto é, construir narrativas sedutoras, gerenciar a sala de aula, significar a aprendizagem, mediar conflitos, saber pesquisar. Precisa ainda ser ético, dar exemplo. A ética faz parte da natureza mesma do agir pedagógico. Não é competente o professor que não é ético. Ser humilde, ouvir os alunos, trabalhar em equipe, ser solidário. A qualidade do ensino depende muito da qualidade do professor. Além de qualidade na formação de professores, Gadotti (2009, p.08) continua a destacar e contribuir ao nosso entendimento: Quanto á escola ou universidade: elas devem oferecer as condições materiais, físicas e pedagógicas para criar um ambiente propício à aprendizagem. No ambiente oferecido a alunos e professores de hoje, em muitas escolas, eu me pergunto como eles podem aprender alguma coisa. Os professores são competentes; faltam-lhes as condições de ensinar. A escola deve oferecer ao professor formação continuada da sua equipe, principalmente para refletir sobre a sua prática. E precisa ter um projeto ecopolítico-pedagógico. No que diz respeito aos cursos de formação de professores, Schön (1992) destaca que a fragmentação das disciplinas, a desarticulação entre a teoria e a prática, a separação entre as pesquisas desenvolvidas na universidade e o trabalho conduzido nas escolas resultam do modelo de racionalidade técnica que configura os currículos universitários de formação de professor. Acerca disso, Mizukami (1986) e Behrens (2003) afirmam que essa visão se expressa num modelo conservador da prática educativa que se caracteriza pela reprodução do conhecimento e o ensino dar-se-á por aulas expositivas, demonstrações e sistematização da matéria numa seqüência lógica, ordenada e desvinculada das outras disciplinas dos cursos e da realidade dos estudantes. Dessa forma, a relação teoria e prática não assume um sentido dialógico, o que contribui para o desprestígio da profissão de professor e que pode marcar o seu processo de formação por uma postura de ser um mero executor de propostas desenvolvidas por especialistas, mero consumidor de pesquisas e de políticas definidas de cima para baixo. 367 Consideramos que o processo de formação inicial para a docência necessita fornecer subsídios teóricos e práticos para viabilizar a reflexão consistente sobre a educação e o processo de ensino e aprendizagem, constituindo-se como prática cultural intencional de produção e internalização de significados. Esse entendimento gera a necessidade de associar, no processo formativo, o exercício da autonomia do professor pela atitude investigativa sobre o contexto da formação e da prática profissional. Sobre o processo de ensinar e aprender nos cursos de licenciatura, Mussi (2008) destaca a necessidade da articulação teoria e prática constituírem-se em atitude profissional, tanto dos alunos em formação, como dos seus professores formadores, compartilhando assim, uma proposta de formação. Por isso, faz-se necessário, aos cursos de licenciatura, ensinar a pensar – estimular a capacidade de raciocínio e julgamento, melhorar a capacidade reflexiva do professor em formação, de forma que, no exercício da docência, ele se comprometa com a qualidade cognitiva das aprendizagens de seus alunos. Ou seja, o futuro professor precisa ser capaz de investigar como se pode ajudar os alunos a se constituírem como sujeitos pensantes, capazes de lidar com conceitos, a selecionar o que é relevante, argumentar, relativizar, confrontar e respeitar diferentes pontos de vista, resolver problemas, para se defrontarem com dilemas e problemas da vida prática, assumindo responsabilidades. Mas essa concepção só adquire sentido se estiver imbuída pela essência do desenvolvimento da formação humana [...] (MUSSI, 2008, P.51). Nesse pressuposto, ensinar e aprender em curso de formação de professores requer o domínio de saberes que articulem o ensino com a pesquisa, ou melhor, que entende que ensino também é pesquisa, o que remete a uma aprendizagem e formação profissional de qualidade por oportunizar o diálogo entre o que se sabe e o que se precisa aprender, o que construir e o que desconstruir, o que aprender e o que desaprender. Desta forma, num curso de formação de professores, deve-se ou dever-se-ia romper com a racionalidade técnica e caminhar para a construção de uma fenomenologia da prática, isto é, “refletir a partir da reflexão da própria prática” nas situações de aprendizagem, exercida em conjunto com o professor que também é parceiro nesse processo (SCHÖN, 1992). Portanto, fica evidente que um curso de formação de professores os estudantes precisam ter a oportunidade de desconstruir as representações que trazem da profissão docente, vivenciadas a partir da figura de seus professores quando estudantes da escola básica. E por trazerem essa construção, sem o 368 exercício da reflexão, podem vir a assumirem a função de transmissores de conhecimento ao se relacionarem com a prática da profissão. Partindo dessa concepção, Gimeno Sacristán (1983) evidencia que o estudante aprende a considerar a sua sala de aula universitária e conseqüentemente a da sua vivência de professor, como um objeto de estudo, aprende a problematizá-la e a propor hipóteses para a superação das deficiências detectadas, reelaborando, assim, continuamente suas representações e sua prática, tornando-se sujeito do processo de construção do “ser professor”, e caracterizando-se como um “pesquisador em potencial”, como um profissional capaz de produzir conhecimentos sobre o ensino através da pesquisa, que nesse processo o tornará um “pesquisador competente”. Portanto, compreender os entrelaces da qualidade na formação de professores implica em dialogar entre o ensino e a aprendizagem, oportunizar o contato direto com ensino e pesquisa, favorecer a (des)construção de concepções e práticas alinhadas aos saberes científicos para que possam ter uma formação acadêmica de qualidade, bem como, contribuir para um educação de qualidade. CAMINHO METODOLÓGICO O presente trabalho teve por base os princípios da pesquisa qualitativa. Por conseguinte, trabalhou com o universo de significados, aspirações, crenças e valores dos sujeitos sociais (MINAYO, 2007) de modo a realizar uma análise, ainda que exploratória, sobre os componentes da qualidade do ensino no curso de Pedagogia da Universidade estadual de Feira de Santana – UEFS. A Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS, localizada em Feira de Santana – BA, mantém 02 turmas de Pedagogia, 01 turma de Curso de Pedagogia regular e 01 turma do Programa de Formação para Professores, Curso de Pedagogia – Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Considerando que os estudantes do Programa Especial já são docentes inseridos em escolas públicas e particulares, com vivência profissional que pode contribuir para uma perspectiva de qualidade mais aguçada, consideramos pertinente elegê-los como sujeitos desta pesquisa. Ao escolhermos estudantes do 8º semestre, utilizamos como interesse, a trajetória acadêmica, já que estão finalizando a graduação. Os sujeitos da pesquisa foram 09 estudantes do curso de Pedagogia – Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental da UEFS, que cursavam o 8º semestre 369 do curso no final do 1º semestre de 2011. A amostra foi assim definida uma vez que foram aplicados questionários a 36 estudantes do curso, mas por motivos diversos somente 09 retornaram. Todas elas são do sexo feminino. Para preservar a identidade dos sujeitos entrevistados, elas foram aqui tratadas de S1, S2, S3 ... S9. Para a coleta de dados, optou-se pela elaboração de um questionário estruturado com questões abertas e fechadas sobre a temática em relevo. O tratamento dos dados proveniente dos questionários foi realizado mediante análise de conteúdo do tipo temática (BARDIN, 1977), a qual nos possibilita compreender mais profundamente as representações dos professoes/estudantes sobre o objeto estudado. Tomamos como base conceitual e metodológica para a realização da análise dos dados desse estudo as representações sociais (RS), na perspectiva moscoviciana, por entender que elas se materializam através de práticas sociais, se veiculam através da comunicação e que, em função delas, poderíamos conhecer o que os professores/estudantes representam acerca da qualidade do ensino. Portanto, ao investigarmos as representações sociais dos professores/estudantes, buscamos reunir conceitos construídos no senso comum e experiências da trajetória de formação desses sujeitos, na tentativa de compreender quais os elementos que estão presentes em suas representações acerca da qualidade do ensino no curso e do processo de profissionalização docente. Na análise dos dados, dois aspectos foram relevantes aos objetivos da investigação: o conceito e os componentes da qualidade do curso de Pedagogia – Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental da UEFS. QUALIDADE NA FORMAÇÃO PROFISSIONAL Os relatos das estudantes nos mostram que a qualidade na formação profissional, no curso de Pedagogia – Educação Infantil e Séries Iniciais, é aquela que: “Investe na intensificação do aluno em alcance de pesquisa, de produções, de possibilidades para rede de discussões que realmente favoreçam a aprendizagem do futuro profissional e não usar o tempo para realizar ações que estamos aptas a lidar” (S1) “Ressignificar os saberes através da reflexão contribuindo assim para novas descobertas que influencie para termos profissionais bem mais qualificados.” (S2) A estudante, S4 aponta que um curso de graduação de qualidade “Valoriza o magistério, proporciona pesquisas que confirmem ou não os estudos teóricos e dê condições aos alunos para realizar tais pesquisas” (S4). Outra, nos diz que “Oferece 370 suporte teórico e faz relação da teoria com a prática” (S3) e ainda, que “Seja comprometida em relacionar o currículo à realidade do educando e considere-o em sua singularidade e diversidade” (S7). Mediante as respostas dos sujeitos coletadas pelo questionário, analisamos que as estudantes compreendem o conceito de qualidade também quando apontam lacunas na universidade, isto é, aquilo que compromete a sua qualidade: “Durante esses quase quatro anos pude observar que muitas coisas poderiam ser melhor estabelecidas; desde a grade curricular que têm pontos que precisam se ajustar, aos docentes que mesmo sendo especializados em uma determinada área, tem que dar aulas em outras disciplinas”(S2). Infelizmente não são em todos os professores que encontramos compromisso, e lembrando da falta de professor para cumprir algumas disciplinas” (S9). Vemos a partir desses dados, que dois atributos indissociáveis, responderiam tal questão: a relação ensino e/com pesquisa que aponta para todos esses dados mencionados pelos sujeitos da pesquisa. Estamos falando aqui da atitude investigativa que caracteriza o estudante como pesquisador, como produtor do saber, neste caso, do saber docente. Essa demanda (ensino e/com pesquisa) suscita para a responsabilidade da universidade, dos docentes e dos estudantes/professores em formação para a mudança das suas ações e necessidade de adaptação às novas exigências da sociedade, ou seja, se faz necessário formar o estudante/professor para saber enfrentar os desafios da pósmodernidade. No tocante a qualidade do curso, os estudantes revelam os seguintes pontos: • Satisfação em fazer parte da instituição e no curso; • A grande contribuição que a instituição e o curso trouxeram a formação; • A credibilidade social que a instituição tem no currículo dos estudantes deste curso de Pedagogia. No tocante as lacunas da formação, os mesmos apontam para: • Ausência de professores, descaso e disciplinas que são trabalhadas sem responsabilidade pelos professores que prejudicam o aprendizado; • Adequação do curso as demandas das Séries Iniciais; • Melhor organização e trabalho das disciplinas e sua respectiva carga horária. Deste modo, queremos ressaltar aqui que qualquer curso de Pedagogia, seja este de Formação em Serviço ou o de futuros professores, traz em sua base a formação do professor, profissional que necessita de uma formação específica e o domínio de 371 diversos saberes no que diz respeito ao ensino e a aprendizagem. Não estamos nos referindo a um curso que forma professores técnicos e que constituem - se na profissão reproduzindo modelos ou incorporando teorias hierarquizadas. Ao contrário, estamos falando de um curso que deve ou deveria formar professores políticos e pesquisadores, com competências que viabilizem a atuação docente mediante o mundo globalizado e saibam atender as demandas e exigências da sociedade. Portanto, a qualidade é atributo do humano e a formação adequada dos professores é componente de qualidade no processo de formação profissional em um Curso de Pedagogia. COMPONENTES DA QUALIDADE Ao solicitar dos estudantes que escrevessem até cinco componentes que considerassem qualidade, várias dimensões foram expostas. Desse modo, agrupamos os componentes em 03 unidades de sentido: professor universitário, da relação ensino e/com pesquisa, no processo de ensino e aprendizagem e no Curso de Pedagogia em estudo e organizamos 03 gráficos para demonstrar o que compõe qualidade na visão dos estudantes com relação ao curso de Pedagogia em tese. GI – Componentes da Qualidade – Professor Universitário Os dados acima estruturados demonstram que os estudantes representam como componentes da qualidade a responsabilidade do professor universitário e o compromisso deste com a formação dos professores/estudantes. Com relação ao item compromisso, vemos cinco indicadores o que mais uma vez chama a atenção para a responsabilidade dos docentes universitários com este curso e com a sua demanda especial, que é a formação em serviço. 372 O segundo gráfico apresenta dados da relação ensino e/com pesquisa: G2 – Componentes da Qualidade – Relação Ensino e/com Pesquisa Esses dados demonstram as evidências da relação teoria e prática nas experiências com pesquisa e de que maneira esta tece contribuições na formação dos professores em exercício. Há valorização da prática da pesquisa como componente da qualidade e como um caminho de articulação com os referenciais estudados. O terceiro gráfico reflete: G3 – Componentes da Qualidade – Processo de Ensino e Aprendizagem Os dados obtidos nesse gráfico refletem que os professores/estudantes clamam por um curso pedagogicamente organizado, com ações definidas e articuladas, ementas com propostas significativas, articulação entre as disciplinas e professores que contribuem para o andamento do trabalho pedagógico mais consistente e eficaz. Assim, é preciso entender que esse curso é um espaço de formação em lócus, no qual a práxis é o foco da formação e os estudantes podem constituir-se melhores profissionais através deste. Não queremos fazer “campanha” para a continuidade do curso, mas deixar a reflexão para a universidade do quanto ele foi e tem sido importante na vida de vários professores que perpassam as escolas do município de Feira de Santana e circunvizinhos. 373 CONSIDERAÇÕES FINAIS Sendo o foco desse trabalho, a qualidade da formação do professor, fizemos a tentativa de unir o conceito de qualidade ao conceito de profissão docente e dos entrelaces que perpassam a formação desse docente, que nesta pesquisa, já exercem a profissão, buscando compreender o que compõe essa formação que une a prática e a teoria de maneira indissociável. Assim, ao propor aos professores/estudantes o questionário e analisar as unidades de sentido presentes em suas representações sociais, pode-se observar que os sujeitos traziam a representação cristalizada do conceito de qualidade no que tange ao conhecimento do senso comum, ficando claro que suas representações estão estruturadas fortemente na face simbólica, o que provém de crenças e conceitos préestabelecidos e, expuseram lacunas que verdadeiramente comprometem a qualidade do ensino, como: falta de compromisso dos docentes, ausência de um quadro completo de professores, falta de salas disponíveis para o trabalho, ausência de pesquisa, entre outros. Deste modo, os dados mostram que os sujeitos dessa pesquisa necessitam reconstruir o que vem a ser os diferentes conceitos de qualidade, em especial do foco dessa pesquisa, e os seus impactos no contexto educacional do qual fazem parte. Outro dado importante que a pesquisa revelou, é que os professores/estudantes apontam que um ensino com e de qualidade no curso de Pedagogia deve ou deveria partir do diálogo entre o ensino e/com pesquisa. No que diz respeito ao curso de Pedagogia – Educação Infantil e Séries Iniciais do Ensino Fundamental da UEFS, as representações sociais dos estudantes parecem estar ancoradas em elementos reveladores como componentes de qualidade, quase que unanimemente, no diálogo entre a teoria e prática, considerando o curso como uma aprendizagem em prática (S9), uma das premissas desse curso. REFERÊNCIAS BARDIN, L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977. BOURDONCLE, Raymond. Revue Française de Pédagogie, No. 94, janvier-févriermars, 1991, 73-92. 374 BRASIL. MEC. Documento Referência: Conferência Nacional de Educação. Brasília: MEC, 2009. CANDAU, V. (coord.) Novos rumos da licenciatura. Brasília. INEP, PUC/RJ, 1987. CUNHA, Maria Isabel da. Relação ensino e pesquisa. In: VEIGA, Ilma P. A. 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O reflexo da formação escolar, resultante de outros fatores sociais, é dimensionado nos exames avaliadores da educação, os quais têm em seus resultados marcas do cenário socioeconômico da população brasileira e da infraestrutura (precária) de muitas unidades públicas de ensino. A formação de leitores no âmbito da educação escolar remete-me à necessidade de discutir o processo de ensino-aprendizagem de estudantes dos cursos universitários, especificamente aqueles cuja habilitação é a licenciatura em Letras. A esses profissionais são atribuídos a responsabilidade de dar condições para que os educandos aprendam, desenvolvam e utilizem competentemente as habilidades linguísticas básicas: falar, escutar, ler e escrever. Por isso, considerar a sua história nos diferentes ambientes sociais, sobretudo, no que se refere à educação escolar, é indispensável para compreender questões concernentes à atividade docente, a qual reflete no processo de ensino-aprendizagem de aprendentes da educação básica. Diante do exposto, o presente artigo objetiva discutir aspectos relacionados à formação de professores de Língua Portuguesa, tomando como elementos para essa discussão dados coletados, via questionário, com a professora participante da pesquisa de mestrado Herdando uma biblioteca: práticas de ensino-aprendizagem de leitura, em fase de conclusão. Para a realização desse estudo, cujo foco é o trabalho pedagógico com a leitura em língua materna, propus a discussão adotando uma perspectiva pentagonal, que se configura assim: o aluno – a língua – o ensino – a biblioteca escolar – o professor, e apresento algumas considerações parciais dessa produção acadêmica. Entende-se que o processo formativo do profissional de línguas repercute na formação dos educandos, estando, assim, ambos imbricados. E, a relação deste último grupo com a leitura é proveniente das experiências vividas no ambiente escolar. Palavras-chave: Formação de professores. Formação de leitores. Leitura – ensinoaprendizagem. Licenciada em Letras Vernáculas e Mestranda em Língua e Cultura, pela Universidade Federal da Bahia; integrante do Grupo de Pesquisa Lince – Núcleo de Estudos em Língua, Cultura e Ensino/UFBA e bolsista da CAPES. 71 376 INTRODUÇÃO Os Parâmetros Nacionais de Língua Portuguesa (2001), doravante PCNLP, apontam para a empreendedora discussão sobre a formação de leitores. Esta tem sido foco de muitos estudos acadêmicos sob diferentes perspectivas e/ou projetos de intervenção em espaços sociais os mais diversos. Tais ações se fazem necessárias diante da realidade, inclusive de insucesso do processo de escolarização, sobretudo, aquele viabilizado pelo sistema público de ensino. Os documentos oficiais preconizam que ao concluir cada uma das etapas da educação básica o estudante tenha adquirido e desenvolvido diversas habilidades e competências relacionadas aos vários componentes curriculares. Essas devem lhe proporcionar a inserção no mercado de trabalho e o exercício pleno da cidadania. A formação de leitores não está restrita a idade das pessoas nem ao seu contexto socioeconômico, ou seja, um indivíduo imerso numa sociedade letrada, mesmo que esta seja constituída pela má distribuição de renda e outras desigualdades sociais, poderá desenvolver capacidades leitoras, tornando-se, assim, um leitor competente, assíduo e crítico. Isso porque, como afirma Santaella (2010), a leitura está “fora e além do livro”. Essa autora, a partir da concepção de leitura de mundo, cunhada por Freire, discorre sobre os tipos ou modelos de leitor, os quais são: 1) leitor contemplativo, meditativo; 2) leitor fragmentado, movente; e 3) leitor virtual. Trata-se de uma tipologia que não se baseia na diferenciação dos processos de leitura em função das distinções entre classes de signos ou espécies de suporte desses signos, mas toma por base os tipos de habilidades sensoriais, perceptivas e cognitivas que estão envolvidas nos processos de ler, de modo a configurar modelos de leitor [...]. (SANTAELLA, 2010) O reflexo da formação escolar, resultante de outros fatores sociais, é dimensionado nos exames avaliadores da educação. Os principais deles atrelados diretamente ao ensino fundamental II são a Prova Brasil e o PISA, os quais têm em seus resultados marcas do cenário socioeconômico da população brasileira e da infraestrutura (precária) de muitas unidades públicas de ensino. Tal situação impacta o percurso de alunos e professores. 377 Esse estado é agravado pela configuração das práticas educativas; estas, segundo Rojo (2009, p. 8) são ineficazes, devido ao “[...] desinteresse, desânimo e resistência dos alunos das camadas populares diante das propostas de ensino e letramento oferecidas pelas práticas escolares [...]”. A formação de leitores no âmbito da educação escolar remete-me à necessidade de discutir o processo de ensino-aprendizagem de estudantes dos cursos universitários, especificamente aqueles cuja habilitação é a licenciatura em Letras. A esses profissionais são atribuídos a responsabilidade de dar condições para que crianças, adolescentes e jovens, já que se deve considerar a defasagem idade-série, aprendam, desenvolvam e utilizem competentemente as habilidades linguísticas básicas: falar, escutar, ler e escrever. Diante do exposto, o presente artigo objetiva discutir aspectos relacionados à formação de professores de Língua Portuguesa (LP), tomando como elementos para essa discussão dados coletados, via questionário, com a professora participante da pesquisa de mestrado Herdando uma biblioteca: práticas de ensino-aprendizagem de leitura, em fase de conclusão. Para a realização desse estudo, cujo foco é o trabalho pedagógico com a leitura em língua materna, propus a discussão adotando uma perspectiva pentagonal, que se configura assim: o aluno – a língua – o ensino – a biblioteca escolar – o professor. Apresento algumas considerações parciais dessa produção acadêmica. Entende-se que o processo formativo desse profissional repercute na formação dos educandos, estando, assim, ambos imbricados. E, a relação deste último grupo com a leitura é proveniente das experiências vividas no ambiente escolar. FORMAÇÃO DE PROFESSORES: O PAPEL DOS CURSOS DE LETRAS Tornar-se um profissional legalmente habilitado em licenciatura, ou seja, professor, significa que o indivíduo percorreu uma escolaridade de longa duração72. De modo geral, a discussão sobre o processo formativo de docentes não pode ser limitado aos anos em que ele fez seu curso universitário. Considerar a sua história nos diversos espaços sociais, sobretudo, no que se refere à educação escolar, é indispensável para Esta expressão já é empregada quando a pessoa conclui o ensino médio – etapa final da educação básica. Rojo (2009) utiliza bastante esse termo e o discute ao abordar aspectos da exclusão social e insucesso escolar. 72 378 compreender questões concernentes à atividade docente, a qual reflete no processo de ensino-aprendizagem de aprendentes da educação básica. Não adianta ignorar a trajetória escolar, assim como a familiar, dos educadores valorizando apenas o momento em que eles estiveram na universidade, como se esta fosse apagar seu percurso repleto de “altos e baixos”, enquanto estudantes secundaristas, na relação com as disciplinas curriculares e os lecionadores destas. Ou, como muitos ainda esperam, que as Instituições de Ensino Superior (IES) sanem as dificuldades provenientes do sistema básico de ensino. Ao ingressarem em cursos de graduação, muitos dos possíveis futuros professores se deparam com a realidade de que após aproximadamente 18 anos de estudos não dominam, como exige a sociedade acadêmica, a variante padrão da sua língua materna, e não desenvolveram adequadamente as quatro habilidades linguísticas e as competências ligadas a elas. (MENDES, 2006) Mendes (2006, p. 10-11), ao tratar dessa questão, enfatiza que seus colegas de profissão, de diferentes áreas, fazem comentários e se queixam da situação, apresentando justificativas para o problema encontrado. Dentre os motivos, a autora cita “[...] a má qualidade do ensino fundamental e médio, a falta de hábito da leitura e o pouco acesso aos bens de consumo culturais, como cinema, teatro, artes e literatura.” Costa (2008, p. 28), ao se referi à relação entre norma linguística e ensino de língua, afirma que os professores do ensino fundamental e médio têm ansiado por mudanças temáticas e metodológicas e para produzi-las inserem “[...] nas suas aulas novas teorias lingüísticas ou materiais nelas inspirados, sem terem tido a oportunidade de maior aprofundamento e reflexão [...]”. Essa autora ressalta que é fundamental diferenciar as teorias científicas daquelas que podem ser aplicadas pedagogicamente. O posicionamento de Costa (2008) evidencia o quanto a universidade precisa valorizar a formação docente. Considerar os contextos reais das nossas salas de aula e as mais recentes orientações para o ensino de LP, as quais visam à preparação do aluno para o uso da língua em situações diversificadas a ponto de ele saber adequar as variedades linguísticas (vernacular e escolar) de acordo com o lhe é exigido no momento, são passos indispensáveis para que isso ocorra. (MENDES, 2008) Um número significativo de professores da academia, da mesma forma que os de unidades de ensino básico e a sociedade civil em geral, reforça uma ideia equivocada: a de responsabilizarem os docentes de LP pelo cenário desolador. Embora esse discurso ainda seja dominante, há educadores, numa perspectiva humanista e de reflexividade, 379 que reconhecem o papel social da categoria e assumem que o desenho atual da educação brasileira é resultado da ação comprometida (ou não) de todos, inclusive de indivíduos atuantes em outros setores. As instituições de ensino superior têm uma parcela de participação na formação de professores, por isso lhes cabem “[...] desencadear ações que contribuam para melhorar o desempenho social e acadêmico dos alunos, assim como as relações sociais que estabelecem dentro e fora da universidade.” (MENDES, 2006, p. 12) Portanto, é importante para se pensar na formação do leitor considerar o histórico intra/extraescolar dos meus colegas de Língua Portuguesa. Conhecer como eles experimentaram as práticas de leitura na escola e também no contexto familiar, e as razões que os motivaram a escolher a profissão são aspectos relevantes ao tratar do ensino de leitura na escola, pois, indubitavelmente, eles influenciam, em alguma medida, no agir pedagógico em sala de aula. A qualidade do trabalho escolar a que Silva (2008) faz referência depende, dentre muitos elementos, da demanda de atividades atribuídas aos professores. Estes, como bem discute Guedes (2006), possuem uma jornada de trabalho sobrecarregada, pois lhes cabem planejamento de aulas, elaboração de atividades avaliativas e sua correção, registro de conteúdos, frequência e do desempenho quantitativo de alunos em diários. Além disso, eles são responsáveis por ensinar a várias turmas, as quais, dificilmente, têm menos de 30 aprendentes (já tive uma classe com 50 frequentes). A situação se agrava quando tais turmas são de diferentes ciclos escolares e/ou quando para completar a carga horária, os professores assumem mais de uma disciplina. Participam também desse processo a heterogeneidade sociocultural e de identidade de cada educando entrelaçada à sua trajetória escolar, a do próprio docente e os demais papéis e interesses, desenvolvidos e cultivados por esse profissional. O problema maior tem sido sempre a busca pela coerência e equilíbrio das nossas ações, no sentido de estabelecer uma ponte, um vínculo entre o que desejamos idealmente e teoricamente e aquilo que praticamos, ou pensamos praticar, quando ensinamos e aprendemos. Na maioria das vezes, temos a consciência clara do que não queremos fazer, mas não sabemos como fazer diferente. (MENDES, 2008, p. 58) Sem dúvida, atuar como educador envolve um conflito de interesses marcado pela constante negociação do indivíduo com seus princípios norteadores, crenças e perspectivas de mudança. Agir diferentemente das práticas escolares consideradas 380 tradicionais é um desafio, mesmo quando ciente do panorama da educação escolar fazse, conscientemente, a escolha de ser professor. O PERCURSO FORMATIVO DE UMA PROFESSORA DE LÍNGUA PORTUGUESA O ensino-aprendizagem de leitura na escola está, então, diretamente relacionado à formação docente (nas fases inicial e continuada), ao exercício da profissão, aos investimentos governamentais e à manutenção de condições humanas e pedagógicas no ambiente educativo. A escola, como instituição social globalmente reconhecida, tem o papel social de formar cidadãos, possibilitando-lhes a inserção formal no “[...] universo da escrita (manuscrita, impressa e virtual) por meio da alfabetização e do letramento [...]” (SILVA, 2008, p. 9). Segundo esse teórico, o ato de ler se constitui um prérequisito para o desenvolvimento do estudante em outras atividades curriculares, sendo, por isso possível considerar que a formação como leitor interfere no desempenho escolar73 do aprendente. Nesse sentido, é importante conhecer a história intra/extraescolar de professores e suas experiências com as práticas leitoras, inclusive aquelas propiciadas durante o curso universitário, pois essa escuta fornece informações que quando discutidas devida e coerentemente podem contribuir com o processo de ensino-aprendizagem de educadores e educandos. A docente participante do estudo supracitado, 34 anos, é licenciada em Letras Vernáculas e há 12 anos ensina Língua Portuguesa, tendo ingressado no funcionalismo público em 2000. Atua em duas unidades de ensino da rede estadual, somando cerca de 40h de trabalho docente; declara nunca ter participado de cursos de formação continuada e está em fase de andamento num curso de pós-graduação lato sensu. Sua escolha profissional se deu por dois fatores: “o gosto pela leitura” e “o conviver com outras pessoas”. Quanto ao primeiro, já se considerava uma leitora antes de seu ingresso na universidade, pois a relação com diferentes textos fazia parte do seu dia-a-dia. Numa fase atual, ela lê frequentemente com a finalidade de aprender coisas novas e ampliar Os PCNLP (2001) também defendem que a capacidade dos alunos lidarem com textos é fundamental para o bom aprendizado dos diferentes conteúdos disciplinares e é ela que possibilita isso. 73 381 seus conhecimentos e para tal manuseia “biografias, romances, revistas, qualquer texto que [...] considere interessante [...] por obrigação ou diversão.” Conheçam um pouco de seu contexto familiar e escolar, além de sua relação com as práticas leitoras em algumas fases. Minha colega de Língua Portuguesa cursou a maior parte da educação básica em instituições de ensino público e não foi conservada em nenhuma série, tendo concluído esse processo de nível básico aos 18 anos. Seu primeiro contato com a leitura ocorreu ainda na infância por iniciativa própria e de seus pais; estes lhe contavam histórias. O cultivo do hábito de ler nessa fase se deu porque a leitura a fazia sonhar e imaginar lugares onde nunca esteve, por isso lia com frequência. Ideias como essa constitui o imaginário de muitos leitores. Os gêneros textuais, direcionados para o público infantil, que mais subsidiaram esse exercício foram: mito/lenda, romance, conto, fábula, letra de música, revista em quadrinhos, crônica, enciclopédia e receita culinária. Na adolescência, a colega manteve seu gosto pela leitura e a sua relação com essa prática continuou, a ponto de ler no ônibus, ao voltar para casa, o que era feito também em casa e na escola durante os intervalos de aula. Ela justifica que agia assim pelo seguinte motivo: “[...] eu queria conhecer mais do mundo através dos livros e aprender a falar e escrever corretamente.” O seu acesso a materiais de leitura comumente se dava através de diferentes meios: empréstimo em bibliotecas públicas e compra de revistas, romances, gibis e palavras cruzadas, além de outros, como livros didáticos e paradidáticos, presentes em sua casa. A leitura desse acervo era compartilhada com amigos e colegas da escola que tivessem os mesmos gostos e preferências. Essa ação é muito importante para o desenvolvimento de práticas leitoras e o fomento desse hábito. Sendo assim, é imprescindível que pais e professores promovam atividades, cuja finalidade seja o estreitamento das relações pessoais e pedagógicas dos filhos/educandos com os diversos letramentos. Além da diversidade de textos utilizados por iniciativa própria pela agente da pesquisa durante a infância e a adolescência, busquei conhecer quais gêneros textuais a escola promoveu a leitura em sua trajetória. Para esse registro, foi apresentada uma questão de múltipla escolha com 30 opções, dentre as quais 10 foram marcadas: jornal, reportagem, romance, conto, dicionário, letra de música, propaganda, revista em quadrinhos, crônica e livro didático74. 74 O livro didático, material de apoio às atividades pedagógicas, quando não se constitui o único adotado em sala de aula, é utilizado, muitas vezes, de forma inadequada. 382 O referido estudo acadêmico discute os fatores que fomentam a formação de leitores no contexto da educação escolar brasileira, focalizando a utilização da biblioteca escolar, doravante BE, como espaço de construção da identidade na cultura letrada. Isso porque muito se diz que os alunos não leem, mas as escolas, sobretudo, públicas são deficitárias na oferta de materiais de leitura, inclusive, aquelas que recebem, sob apoio do PNBE, publicações para a composição de acervo de suas bibliotecas. Nesse sentido, ao questionar se seus professores utilizavam de algum modo a BE, a resposta foi não e as razões desconhecidas, mesmo que em duas das unidades de ensino onde estudou havia esse ambiente pedagógico. Quando perguntado se como profissional a colega usa a BE do colégio onde a pesquisa foi realizada, ela informou que sim, mas ao justificar fugiu parcialmente de sua real prática pedagógica, o que ficou evidenciado também na resposta seguinte, ao lhe ser questionado como ela fazia uso desse espaço. Há bons livros paradidáticos com diferentes tipos de textos. Os alunos sempre buscam material para pesquisas ou leitura em sala de aula. A biblioteca escolar é, além da sala de aula, um ambiente de ensinoaprendizagem de leitura e enfrenta dificuldades para cumprir suas funções por motivos semelhantes aos encontrados pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola. No caso da BE da unidade de ensino pesquisada, pouquíssimos professores a subutilizam, indo ao espaço, geralmente, para procurar algum livro didático. Todos, no entanto, indicam que atitudes poderiam modificar as condições constituintes do cenário escolar. A respeito disso, a docente colaboradora do estudo afirma: Os prof.os sugeririam títulos de livros a serem emprestados ao aluno; consultas a trechos de obras para fazerem trabalhos; algum encarregado observaria e ajudaria o alunado a escolher um bom texto a ser lido nas aulas vagas, etc. Essa proposta de uso da BE pode contribuir para que os educandos desenvolvam práticas leitoras além daquelas que já fazem parte de seu universo, mas o acompanhamento de seus professores e como esses profissionais trabalham nas atividades cotidianas na sala de aula são elementos favorecedores para a promoção de 383 um processo de ensino-aprendizagem significativo. Este implicará na formação de leitores competentes, assíduos, críticos etc. Outros indivíduos que podem colaborar com as atividades escolares são os familiares, tendo como objetivo comum o desenvolvimento socioeducacional de seus atores. Essa inter-relação entre escola e família influencia na formação cidadã dos filhos/educandos e fazem com que eles se tornem leitores. É o que declara a docente da pesquisa, ao lhe ser perguntado A sua família e a escola contribuíram para que você se tornasse uma leitora? Sim. Sempre tive acesso a livros em minha casa, pois meus irmãos mais velhos também gostam de ler e as atividades escolares me ajudaram a manter o hábito de ler. Apesar dessa opinião, outras quanto ao hábito de leitura dos aprendentes não corroboram que a escola pode promover mudanças no percurso de relação dos alunos, inclusive dos seus, com a leitura. Muitas pesquisas concluem que os estudantes brasileiros leem pouco. Você concorda com esse resultado? Por quê? Sim. Vivenciando o dia-a-dia dos alunos nota-se que eles não gostam de ler por não terem desenvolvido esse hábito em casa. As aulas de Língua Portuguesa influenciam no hábito de leitura dos alunos? Justifique sua resposta. Não. A maior parte do alunado só lê aquilo que lhe conceda pontuação. Você acredita que sua história como leitora poderá influenciar seus alunos a lerem mais? Por quê? O tempo que eles passam no ambiente familiar é maior do que o tempo passado na escola. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os dados coletados e apresentados dão pistas do quanto o processo formativo na educação básica está imbricado com a formação para a docência e ambos têm implicações no trabalho pedagógico. A universidade tem um papel socialmente 384 relevante na qualificação de professores, assim como a escola na construção e desenvolvimento de habilidades e competências a serem exercitadas durante toda a vida. Não é possível afirmar que a postura adotada pela colega enquanto professora de Língua Portuguesa é estritamente reflexo de sua formação enquanto estudante do nível básico e universitário, sendo estes determinantes e, por isso, o trabalho docente realizado é imutável. Isso porque o processo de reflexividade a que todos, de algum modo, são capazes de desencadear a partir das múltiplas relações estabelecidas com o mundo, as pessoas a sua volta e outros elementos, é responsável por colaborar com o desejo de que mudanças ocorram. Acredito, como Matos Oliveira (2010), na possibilidade de se promover “uma reflexão crítica sobre as relações de aprendizagem” a partir de uma formação docente pautada no conhecimento das suas memórias de estudante. Portanto, não se pode ignorar as histórias de leitores e de leitura, pois a escuta delas é imprescindível para uma discussão com vistas à construção de medidas profícuas para um exercício docente em que toda a comunidade escolar seja beneficiada. REFERÊNCIAS BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa. 3. ed. Brasília: Secretaria da Educação Fundamental, 2001. COSTA, Sônia. Norma lingüística e ensino de língua. In: ______. 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A experiência aqui relatada problematiza o campo do estágio supervisionado como possibilidade de compreender e partilhar as impressões e apreensões dos estudantes sobre o campo do estágio enquanto ritual de formação/passagem e aproximação da docência em educação infantil, haja vista ser para muitos deles o primeiro contato com o lócus escolar. No decorrer dos encontros, as atividades propostas foram mediadas por discussões/debates no contexto da sala de aula; observações, exposições dialogadas; estudo de textos, análise de vídeos; construção de um projeto de intervenção para ser desenvolvido no decorrer do estágio (compartilhado e aprovado pela professora regente da classe de educação infantil na qual os estudantes passam a conviver no período de estágio); elaboração de registros baseados nas experiências vividas no estágio, que articulassem questões teóricas e práticas/experiências vivenciadas pelos estudantes, visando à construção de um parecer sobre a experiência. Busca-se dar visibilidade aos dilemas iniciais ao ingressar no rito de estágio; as ações, desafios e perspectivas sinalizados pelos estudantes, baseados no percurso de estágio nas instituições que os acolhem. O referido texto assevera o estágio curricular como espaço de aprendizagem e de conhecimento e apropriação, ainda que inicial, do cotidiano infantil, das culturas infantis, das conceitualizações e representações sobre a infância e criança que povoam as instituições escolares, assim como enfatiza que o estágio é um campo formativo, lócus de investigação e reflexão sobre a docência. Os resultados obtidos anunciam a premência de discussões sobre o estágio em educação infantil, objetivando um olhar e escuta sensíveis para as demandas, subjetividades que tal processo, bem como indicam a importância de fomentarmos pesquisas acadêmicas nessa área, assim como sugerem repensar e tomar o estágio como de investigação e pesquisa para as professoras iniciantes. Palavras-chave: Estágio Supervisionado, Educação Infantil, Formação Inicial. Introdução [...] O estágio não nos habilita para nos tornarmos professoras, porque o tempo é muito escasso e também porque a docência só se aprende exercendo, ou seja, conhecendo e aprendendo sobre o cotidiano infantil e suas singularidades [...] sinto que Falta muito a aprender, muito a experimentar e viver em sala de aula. (Estudante A.) O presente texto busca apreender, nas relações entre o dito e o não dito, “nas entrelinhas”, entre o narrado e o vivido, entre o registrado e o experimentado, o lugar que ocupa o Estágio Supervisionado, em especial de educação infantil, nos cursos de 387 formação inicial de professores, convidando os leitores e interessados pela temática à seguinte reflexão: Formar pedagogos constitui, portanto, um grande desafio. Trata-se da formação de intelectuais, cuja função é o trabalho sistemático de interferir intencionalmente sobre o processo de humanização que acontece, principalmente - na reflexão que fazemos neste texto - na infância. Tal formação exige o profundo conhecimento sobre as especificidades do desenvolvimento e da educação neste momento da vida. Exige, assim, bases teóricas sem as quais a prática pedagógica torna-se inócua, um fazer desprovido de sentido. Demanda um trabalho que seja capaz de superar a dicotomia teórico-prática, desde o início da profissionalização docente. E isso traz implicações diretas para a forma como o curso de Pedagogia deve ser organizado e atuar. (BISSOLI, 2009). Diante do exposto alguns questionamentos emergem como norteadores da experiência, ainda que não tivéssemos/tenhamos a intenção de respondê-los linearmente, mas, tomá-los como reflexões constantes: como articular uma relação entre comunidade externa, universidade e instituições escolares visando uma parceria que prime pela qualidade de vida da infância que vive nos espaços destinados aos cuidados e educação de crianças de tão tenra idade, através do estágio curricular? Como respeitar as diferentes representações que são feitas acerca da criança e infância que habitam o cotidiano das escolas de educação infantil, tentando dialogar com as mesmas, mas trazendo a tona a importância de repensarmos as práticas pedagogias e o viés burocratizante que circula nesses espaços? Como fomentar nos estudantes, o desejo e o sentido de desenvolverem um trabalho significativo com as crianças, sem tomar uma visão idílica da docência no campo da educação infantil, considerando o estágio como esse campo eminentemente formativo, de pesquisa? Vale ressaltar que tais questões emergem da experiência da autora enquanto professora de estágio, que vivenciou - e vivencia - as inquietações primeiras dos estudantes que se descobrem diante de a questão: serei professor (a), e agora? Além disso, vivem o medo de adentrar as salas de crianças tão pequenas; o receio de não saber como lidar com as mesmas e não saber planejar/executar situações didáticas significativas; apresentam as mais variadas conceitualizações e representações sobre infância e criança - “não sabem fazer nada direito; não obedecem; não seguem uma rotina; não entendem o que falamos; não obedecem regras; basta que gostemos delas e saibamos cuidar, etc.” - que constroem ao longo de sua (auto) formação e que vão 388 interferir na sua ação e intervenção pedagógica no decorrer da experiência em estágio, caso esse componente curricular não seja o fórum para reflexão desses conceitos. A partir do exposto, pretende-se com o relato dessa experiência publicizar os desafios que os estudantes vivem ao ingressarem em estágio supervisionado, principalmente por esse ser um ritual de passagem, ou “de ingresso” no exercício inicial da docência (PIMENTA, 1995, 2004 e 2002), que muitas vezes, quando não é vivenciado de maneira crítica, reflexiva, fomentadora de uma discussão que englobe a relação teoria e prática, sem dicotomizá-la, pode se tornar um momento de rejeição, de hesitação a iniciação da docência, pois a depender da experiência, do acolhimento e acompanhamento desse ritual, pode-se perder o desejo de “ao menos tentar” exercer a docência. O referido texto assevera o estágio curricular, especialmente em educação infantil, como espaço de aprendizagem e de conhecimento e apropriação, ainda que inicial, do cotidiano infantil, das culturas infantis, das conceitualizações e representações obre a infância e criança que povoam as instituições escolares, assim como enfatiza que o estágio é um campo formativo, lócus de investigação e reflexão sobre a docência. Intenções, percurso e reflexões: relato da experiência: [...] o estágio nos permite conhecer, aprender e refletir sobre os espaços, as crianças, suas subjetividades e por isso acredito que essa é uma atividade importante para os estudantes do curso de pedagogia. E, é vivendo esse espaço e compartilhando dessas experiências que crescemos como pessoas e como profissionais. (Estudante B) Podemos verificar que todos nós em algum momento da nossa história de vida, nos aproximamos e/ou nos relacionamos com crianças. Tais relações surgem por inúmeros fatores e orientam-se, na maioria das vezes em concepções, sentidos que são atribuídos a infância construídos ao longo dessa história. A idéia/sentido que ronda o imaginário social sobre a infância e que até hoje é propagada é a de um ser desprotegido, necessitado de atenções e de cuidados especiais, ou um tempo de aprendizagem para ser adulto; pois nela - na infância - reside uma “esperança de futuro para um país”. 389 Contribuições acerca das especificidades da infância estão presentes em vários aportes teóricos (SARMENTO, 2008, 2003 e 2001; KRAMER, 2006, 2005 e 2003; ARIÈS, 1981; REDIN E REDIN, 2007; KUHLMANN JR. 2000 e 2006), que refletem sobre o desenvolvimento histórico do conceito e sentimento de infância e, desta forma, chamam atenção para suas “singularidades e especificidades”. Outro aspecto relevante no tocante a infância diz respeito às condições de vida (qualidade) das crianças que fazem parte de diferentes realidades sociais, culturais e econômicas. Segundo Müller e Redin (2007), “o que se discute atualmente é se a infância, como categoria social, pode ou não ser considerada como um grupo específico, com características comuns, embora vivendo em espaços diferenciados, com culturas diversificadas”. (p.13) Dessa forma, é imprescindível que reflitamos sobre a importância da infância e das crianças como protagonistas de uma dada sociedade, como também sobre um repensar o sentido que é atribuído as crianças e a sua educação, bem como as práticas pedagógicas, as dimensões que envolvem cotidiano e as instituições que lidam com essa infância. Ao realçar a singularidade e a especificidade da educação infantil, o presente texto traz a acepção de que é imprescindível que pensemos acerca dessa etapa na vida do ser humano, sem deixar de considerar o contexto social, político, econômico na sua amplitude, assim como acerca da formação dos profissionais - inicial ou continuada que de alguma maneira vivenciaram ou vivenciam o cotidiano com tais crianças. De acordo com Müller e Redin (2007), Ao mesmo tempo em que a infância se apresenta como única, como um período de vida que não volta mais, a não ser nas memórias dos poetas, também se mostra múltipla, marcada pelas diferenças de direitos e deveres, de acesso a privilégios, de faltas, de restrições. Então, não pode ser vista como uma infância do passado e nem mesmo uma infância do futuro. Só pode ser vista a partir de outro lugar, de outro olhar. (p14). Em presença do contexto citado pergunta-se: a que será que se destina a educação infantil na contemporaneidade? Esse questionamento permeou o percurso do estágio curricular aqui em questão, pois antes mesmo de discutirmos que “prática adotar”, que “planejamento elaborar e executar”, “que estratégias adotar para lidar com as crianças”, precisávamos entender e discutir que infância e que crianças são essas que 390 povoam as instituições escolares que seriam visitadas e habitadas no percurso de estágio. Inicialmente certo estranhamento tomou conta dos estudantes, uma vez que estavam ansiosos para adentrar no campo de estágio, no espaço escolar. Essa ansiedade foi “abrandada” quando compreenderam que a variedade de concepções, de entendimento sobre a infância também repercute diretamente no lidar com a mesma. Entender, por exemplo, a que se destina, como tem sido pensada e praticada a educação e o cuidado das crianças, que concepções sobre infância e criança circulam entre as profissionais e instituições escolares é indispensável, pois é o olhar do adulto, com vistas a preparação e ingresso dessa infância cada vez mais rápido no contexto de escolarização que povoa nossas escolas e direciona as ações no contexto escolar. A intenção nesse processo inicial foi possibilitar aos estagiários a reflexão sobre a importância de termos um olhar apurado, atento, crítico, pedagógico para compreendermos o que vimos, vemos e veremos nos espaços de estágio, e não considerarmos comum, não banalizarmos o cotidiano que muitas vezes já está impregnado de “uma mesmice e descaso para com as crianças” (depoimentos dos estudantes no percurso da disciplina). Antes de qualquer coisa, um olhar atento e respeitoso para os profissionais que labutam e vivenciam o dia-a-dia com as crianças também foi requisitado, pelo fato de estarem em condições variadas, propicias ou não, para o atendimento e o desenvolvimento de suas ações pedagógicas, e por muitas vezes, a depender do contrato didático e ético que se estabeleça entre estudantes-estagiários, docente que ministra o componente curricular as mesmas se sentem “vigiadas, avaliadas e julgadas” no processo de estágio. Durante a operacionalização do estágio, por exemplo, pensamos nos limites, dilemas e desafios que serão vivenciados pelos estudantes de maneira conjunta. Nossa sala de aula tornou-se fórum de discussões, de partilha, de elaborações conjuntas no que tange a resolução e proposição de situações que colaborem com os estudantes a viver esse ritual de passagem de maneira “mais suave”, fortalecida pela cumplicidade do grupo, sem uma visão idílica desse processo. O que não quer dizer que se preconizou a harmonia de conceitos, representações e opções profissionais, nem se tentou colonizar pensamentos e ações dos referidos estudantes no tocante a inserção no campo da docência em educação infantil, por exemplo. Até por que muitos estudantes saíram com uma visão inicial “de que não era essa opção que queriam para sua vida profissional: ser 391 professora de educação infantil”. (Depoimentos dos estudantes no decorrer dos encontros) Desta forma, o componente curricular estágio em educação infantil foi desenvolvido com base nos propósitos citados anteriormente, a partir das reflexões e proposições tanto do docente do componente curricular, quanto dos estudantes (no texto apresentados como estudante A, B, C etc.), a fim de que pudéssemos coletivamente analisar implicações sobre o significado/importância do estágio na formação inicial dos estudantes e os desdobramentos deste no espaço escolar, na comunidade, no convívio com as crianças. No decorrer dos encontros, as atividades propostas foram mediadas por discussões/debates no contexto da sala de aula; observações, exposições dialogadas; estudo de textos, análise de vídeos; construção de um projeto de intervenção para ser desenvolvido no decorrer do estágio (compartilhado e aprovado pela professora regente da classe de educação infantil na qual os estudantes passam a conviver no período de estágio); elaboração de registros baseados nas experiências vividas no estágio, que articulassem questões teóricas e práticas/experiências vivenciadas pelos estudantes, visando à construção de um parecer sobre a experiência. Além disso, buscou-se também proporcionar aos estudantes o contato com a realidade escolar, procurando envolvê-los nas dimensões do cotidiano escolar, destacando as relações interpessoais nas instituições; conhecimento do espaço físico escolar, acolhimento, rotina de Educação Infantil etc.; assim como oferecer a estes a oportunidade para vivenciar a docência na área da educação infantil, tornando o campo de estágio como lócus de observação e pesquisa do cotidiano infantil, da prática e formação inicial docente. Tais intenções levaram-nos a pensar sobre os cursos de formação considerando as dimensões objetivas e subjetivas do trabalho docente; bem como no campo teórico e prático que o estágio supervisionado ocupa, levaram-nos também a refletir a profissão professor de educação infantil - no contexto da sociedade contemporânea, o que implica em alguns desdobramentos vitais na construção de conhecimentos e saberes sobre docência por parte dos estudantes, sobre o papel social da escola, da universidade perante a comunidade, e das políticas públicas direcionada à educação infantil, entre outros aspectos importantes. Vale enfatizar que os estudantes quando adentram o campo de estágio, muitas vezes já vão com idéias pré-concebidas, representações do que vão encontrar nas 392 instituições, mesmo discutindo-as anteriormente: “escolas em condições precárias no que tange ao espaço físico e atendimento das crianças; professores desestimulados e cansados da profissão”, ou o inverso paradoxalmente, ou seja, “profissionais e instituições que mesmo diante de uma precariedade e condições impraticáveis de desenvolvimento da ação docente, são extremamente comprometidos e lutam pela qualidade esse atendimento” (depoimentos dos estudantes no decorrer dos encontros). É comum ouvirmos nos bastidores do estágio supervisionado: será que darei conta de agir na educação infantil? Será que conseguirei ‘levar uma aula’ com as crianças? Será que conseguirei ser professor em tão pouco tempo? Será que nos estágio damos conta de nos tornarmos professores? É bem provável que os docentes que vivenciam a experiência com o componente curricular estágio, independente da modalidade de ensino, entrem em uma seara que é impraticável não adentrar, ou, ao menos se questionem no decorrer do processo: É possível “ensinar” ser professor, haja vista ser uma atividade complexa e laboriosa? Que espaço ocupam as disciplinas que lidam “com a prática” na formação para a docência? Que exemplo de estágio podem ser compartilhados e apreendidos pelos estudantes, em especial no nível de educação infantil? Até mesmo por ser um campo relativamente recente e termos parcas produções acerca da temática, ou seja, docência na educação infantil. (CERISARA, 2002 e 1996; KRAMER, 2003; ARCE, 2007) Em verdade, tais questionamentos emergem, também, pelo fato do estágio curricular agregar um combinado de sentimentos que circulam “a cerimônia” de ingresso/passagem pela docência e cotidiano escolar, muitas vezes desconhecidos pelos estudantes, ou representados de maneira equivocada - estágio é momento de aplicar teoria - ao longo da sua permanência e vivência na licenciatura. É importante destacar que ao compartilhar com os estudantes o ofício de ser professor, experimentado de maneira pontual e inicial (o tempo de estágio geralmente é breve nas instituições), estamos também convivendo com as suas idiossincrasias, com suas histórias de vida experiências individuais e coletivas. (SOUZA, 2006). Comumente, é perceptível que os dilemas, desafios, sentimentos, problemas que abarcam a organização e execução dos estágios (rotatividade de professores para ministrar a disciplina; concepções equivocadas sobre estágio e sua operacionalização; falta de um projeto curricular específico pensado e elaborado em parceria universidade X comunidade; condições precárias de acompanhamento do estágio; várias concepções e representações de criança e infância que não dialogam entre si, etc.), por vezes não são 393 considerados com o devido respeito e seriedade pela comunidade acadêmica, o que repercute nas instituições que recebem os estagiários, haja vista muitas delas não “abrirem harmoniosamente” seus espaços para que os estágios aconteçam. Nesse sentido, existe uma necessidade de se construir projetos de estágio que articulem o “universo acadêmico” e a comunidade externa, aqui entendida como as instituições escolares e profissionais de educação infantil, objetivando reflexões, ponderações e uma operacionalização para o desenvolvimento do estágio, de maneira a contemplar e primar pela colaboração entre os pares envolvidos nesse processo, visando também promover a formação contínua dos professores da escola, dos estagiários e dos professores que orientam a disciplina estágio supervisionado. (PIMENTA, 2004 E 1995) O estágio pode, ou melhor, deveria ser pensado também, para além da percepção do cotidiano pelos estagiários e da constituição da sua identidade docente, como uma via de contribuição retorno a comunidade escolar e extra-escolar, pelo meio de diagnósticos e ações elaboradas através das experiências vividas pelos estudantes, das necessidades formativas, demandas, desafios e desejos daqueles que abrem seu cotidiano, seu espaço/tempo profissional e pessoal. Algumas considerações, ou: o que nos contam os estudantes sobre suas experiências... O estágio em educação infantil foi o momento em que pude vivenciar na prática a realidade que até então era conhecida apenas através das teorias e estudos de caso abordados e discutidos na sala de aula. Foi uma proposta que soou como um desafio receoso, porque ao contrário do que se imagina, atuar na sala de aula nessa modalidade de ensino requer uma formação especifica e adequada para contribuir com o crescimento integral das crianças, na qual eu não me sentia preparada. (Estudante G) O estágio como campo de reflexão da ação docente (PIMENTA E LIMA, 2004), como espaço de apreensão dos sentidos que são atribuídos ao cotidiano escolar, as representações e conceitualizações sobre infância e criança possibilita aos estudantes que ainda não exercem a docência aprender, sentir e viver com aqueles que já possuem experiência na atividade docente. Compreender que tais reflexões, que uma relação 394 entre professores da universidade e escola, estudantes-estagiários quando vislumbram e criam proposições positivas, baseadas na discussão dessas experiências, de seus limites e possibilidades, configura um passo importante no campo da formação inicial. Procurar estabelecer uma relação de parceria entre comunidade externa e universidade primando pela qualidade do trabalho a ser desenvolvido com a infância que habita as instituições de educação infantil, através do estágio curricular, deve ser premissa básica ao lidar com o estágio supervisionado. Nesse contexto é indispensável que saibamos compreender as subjetividades que envolvem a infância, as ações das crianças, seus sentimentos, bem como dos professores/professoras que lidam com as mesmas. Outro aspecto importante diz respeito a necessidade de considerar as diferentes representações que são feitas acerca da criança e infância por parte dos profissionais, gestores, funcionários que trabalham nas instituições de educação infantil, no sentido de tentar dialogar com as mesmas, entendê-las e observá-las como elementos que implicarão na ação que os mesmos elaboram e executam com as crianças, uma vez que a forma como os adultos vem as crianças terão desdobramentos na maneira de agir com estas. Provocar nos estudantes-estagiários, o desejo e o sentido de desenvolverem um trabalho significativo com as crianças, sem tomar uma visão idílica da docência no campo da educação infantil, considerando o estágio como esse campo eminentemente formativo é uma tarefa complexa para os docentes que ministram o componente curricular, uma vez que não passa pela questão de cooptar novos profissionais para uma determinada área de atuação, nível de ensino, mas fazer do estágio esse lugar de discussão constante sobre a iniciação a docência, que potencialize a construção de novos conhecimentos e saberes docentes (TARDIFF, 1991) nas esferas individuais e coletivas. Alguns dos registros sinalizam para essa complexidade: Como proposta da disciplina Estágio Supervisionado em Educação Infantil pôde-se vivenciar a experiência, em curto período, porém intenso, de uma turma de educação infantil. [...] Posso afirmar que esta experiência foi marcante, nunca vou perdê-la da lembrança, pois foi a primeira vez que fiquei tanto tempo e com tanta freqüência em uma sala de aula. Sei que daquelas crianças não irei esquecer, algumas vou lembrar mais. (Registro - Estudante C) Entendo o estágio como uma aproximação da prática, no intuito de conhecê-la e refletir sobre ela, principalmente para quem não teve esse contato durante o curso [...], porém, o contato direto com a 395 educação infantil, abriu para mim um leque de questionamentos e reflexões sobre a prática pedagogia, me causando um certo receio por conta das dificuldades e, principalmente da grande responsabilidade que precisa ter o professor para lidar e trabalhar com esta infância. (Registro - Estudante D) O estágio foi um momento de experiência que me levou a realidade, como sempre foi discutido em textos, no que se refere ao cotidiano das nossas salas de aula. [...] além de tudo, o estágio teve uma contribuição importante, sendo importante para observar a dinâmica interna de uma instituição educacional. (Registro - E) O estágio em educação infantil foi uma experiência riquíssima para minha vida acadêmica. Poder vivenciar, mesmo que por poucos dias, a rotina de uma classe de educação Infantil, me fez pensar em toda a teoria estudada no curso de pedagogia. (Registro - Estudante F) [...] Essa experiência veio reforçar que para lidar com educação infantil não basta ser mulher, gostar de crianças e ter habilidades para lidar com as mesmas. Necessita-se, sobretudo, de uma concepção filosófica que faça compreender o desenvolvimento cognitivo, e sócio-afetivo das crianças; compreender suas etapas de desenvolvimento e maneira como a construção do conhecimento ocorre em cada fase que acriança percorre. (Registro - Estudante G) Não banalizar a ação docente, pelo fato de terem que “cumprir com um componente curricular” e não naturalizar o que viram nas instituições para não nos apropriarmos de determinadas práticas que não concordamos - burocratização da infância, escolarização das crianças antecipadamente, descaso do poder público para com as instituições que lidam com educação infantil, falta de respeito as peculiaridades das crianças e as sua singularidades, etc. - eram considerações que permeavam as discussões no decorrer dos encontros destinados a discutir estágio supervisionado em educação infantil. Nesse sentido, pensar o estágio supervisionado de maneira crítica é pensar na formação dos nossos futuros pedagogos (as), professores (as). A questão central que se destaca no presente texto é tornar o campo de estágio, não como um campo de batalha entre teoria e prática, nem dicotomizar essa relação, mas autorizar aos estudantes um confronto e reflexão sobre o que eles poderão viver, ver, sentir e consequentemente transformar quando enveredarem pela docência (se essa for opção!), tirando dessa experiência elementos imprescindíveis para sua (auto) formação. REFERÊNCIAS 396 ARCE, Alessandra. Documentação oficial e o mito da educadora nata na educação infantil. Caderno de pesquisa. n. 113, p. 167-184, julho/2001. Disponível em: http:// www.boletimef.org . Acessado em 24 ago. 2007 ARIÈS, Philippe. A história social da criança e da família. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981. BISSOLI, Michelle de Freitas. Educação infantil e formação de pedagogos: elementos para o debate. In. Anais do XIX EPENN. João Pessoa - PB, julho de 2009. CERISARA, Ana Beatriz. Em debate a formação de professoras de educação infantil. In: II Encontro Nacional de Unidades Universitárias Federais de Educação Infantil. Florianópolis, UFSC, junho de 2002. Disponível em http://www. boletimef.org. ___________________. A construção da identidade das profissionais da educação infantil: entre o feminino e o profissional. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação/USP, São Paulo, 1996. KRAMER, Sônia. As políticas de educação infantil e as práticas cotidianas com as crianças: desafios para a conquista da qualidade. In: Anais do XIII ENDIPE. Recife: ENDIPE, 2006a; 499p. __________. Profissionais de educação infantil: gestão e formação. São Paulo: Ática, 2005. ___________. De que professor precisamos para educação infantil? Uma pergunta, várias respostas. In: Revista Pátio de Educação Infantil. Ano I, n. 2, ago./nov., 2003 KUHLMANN JR. Histórias de Educação Infantil brasileira. In: Revista Brasileira de Educação, n.14, Mai/ago, 2000 ___________. Trajetórias das Concepções de Educação Infantil. In: Anais do 14º Congresso Brasileiro de Educação Infantil. OMEP/Brasil. 2002. Disponível em http://www.omep.org.br/artigos/palestras/05.pdf . Acessado em 09 de junho de 2006 PIMENTA, Selma Garrido; LIMA, Maria Socorro Lucena. Estágio e docência. São Paulo: Cortez, 2004. ___________. GHEDIN, Evandro (orgs). Professor reflexivo no Brasil: gênese e crítica de um conceito. 2ªed.São Paulo: Cortez, 2002. ____________. O estágio na formação do professor: unidade, teoria e prática? 2.ed., São Paulo : Cortez, 1995. SARMENTO, MANUEL JACINTO. A cultura da infância nas encruzilhadas da segunda modernidade. Instituto de estudos das crianças _ Univesidade do Minho. Disponível em:http://cedic.iec.uminho.pt/Textos_de_Trabalho/textos/encruzilhadas.pdf. Acessado em 20 de dezembro de 2008. _____________. Infância, Exclusão Social e Educação como utopia realizável. In. Revista Educação e Sociedade. V. 23, n. 78, Campinas, abr., 2002. Disponível em http:// www.scielo.br , acessado em 10/12/2003. 397 _____________. A globalização e a infância na condição social e na escolaridade. In: Garcia, Regina Leite e LEITE Filho, Aristeo. Em defesa da Educação Infantil. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p.13-28 SOUZA, Elizeu Clementino de. O conhecimento de si: estágio e narrativas de formação de professores. Rio de janeiro: DP&A; Salvador, Ba: UNEb, 2006 REDIN, M. M. e MÜLLER, F. Sobre as crianças, a infância e as práticas escolares. In. REDIN, M. M. e MÜLLER, F. Infâncias: cidades e escolas amigas das crianças. Porto Alegre: mediação, 2007. p.11-23 TARDIF, M.; LESSARD, C.; LAHAYE, C. Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber docente. Teoria e Educação, n. 4, p. 215-233, 1991. 398 FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A LITERATURA INFANTIL: REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO NA PRÁTICA DOCENTE Jerferson de Jesus Bonfim Vania Ribeiro dos Santos Resumo: Esta pesquisa se refere á um recorte dado à monografia, apresentado ao curso de Licenciatura em Pedagogia, e teve como objetivo geral analisar qual o lugar que ocupa a literatura infantil na sala de aula do 3°ano do ensino fundamental de uma escola pública de Feira de Santana, abrangendo ainda, os seguintes objetivos específicos: Averiguar qual a concepção do professor sobre a importância do trabalho com a literatura infantil no ensino fundamental; bem como, identificar como o professor utiliza a literatura infantil em sala de aula. Para esse recorte, elegemos, especificamente, uma categoria de análise, que se trata de refletir sobre o trabalho docente, tentando perceber que postura esses professores adotam em suas salas de aula no momento prático da utilização da literatura infantil, o que minimamente, requer uma formação especifica ou mais articulada no que concerne à utilização das narrativas para criança, nessa perspectiva, se pretendeu com esse estudo, analisar qual a formação do professor em relação à literatura infantil. Para desenvolvimento do trabalho, a metodologia foi direcionada a partir dos princípios da pesquisa de natureza qualitativa, a apreensão dos dados foi realizada mediante o uso da técnica da observação, os dados foram colhidos também, através de entrevista semi-estruturada. A metodologia de trabalho para a coleta dos dados foi pautada em três momentos: observações e entrevistas com professores, registro e análises críticas da realidade vivenciada. Com os resultados da pesquisa, foi possível detectar que as professoras não possuem uma formação específica para o uso da literatura infantil em sala de aula, apesar de considera - lá como um instrumento relevante, com isso, a análise dos dados, permitiu concluir que há uma necessidade de melhoria na prática dos professores, enquanto mediadores da leitura junto às crianças, no intuito de garantir a qualidade da mesma e evitar que a literatura infantil seja utilizada de maneira desarticulada da sua real função e importância. Palavras Chave: Formação de professor, prática pedagógica, literatura infantil INTRODUÇÃO No âmbito da atual escola, não se sabe se a literatura infantil está sendo utilizada com caráter meramente didático, e não é vista como arte. Isso, muitas vezes, pode ocasionar uma utilização inadequada e insuficiente transformando o uso da literatura infantil de maneira meramente mecânica, e desassociada da possibilidade de despertar o gosto pela leitura. Por outro lado, tem-se notado discussões e preocupações mais freqüentes acerca da narrativa para crianças nos livros, sites, etc., bem como, da sua representação enquanto formadora de mentalidades, a partir da consciência-de-mundo, de modo que, 399 se tem a literatura infantil, como um leque extenso de possibilidades no universo infantil, atuando principalmente na formação do pequeno leitor com estímulos para o desenvolvimento de um leitor crítico e reflexivo em relação às questões sócio-culturais que o cerca. Nesse sentido, pretendemos refletir sobre a formação do professor em relação à literatura infantil. Sabemos que a literatura infantil, sem sombra de dúvida, ocupa um lugar na prática docente, mas como ela tem sido desenvolvida? LITERATURA INFANTIL: CONCEITO E SIGNIFICAÇÃO Apesar de, hoje a literatura para crianças está sendo bastante discuta, há ainda, uma dicotomia ao que de fato ela representa. Para uns ela se refere inteiramente a arte, para outros, tem um caráter didático. Nesse sentido, Zilberman, (2003, p.46), nós apresenta que essa dicotomia se modifica de acordo com o a direção que lhe é atribuída. [...] explicita-se a duplicidade própria da natureza da literatura infantil: de um lado, percebida da óptica do adulto, desvela-se sua participação no processo de dominação do jovem, assumindo um caráter pedagógico, por transmitir normas e envolver-se com sua formação moral; de outro, quando se compromete com o interesse da criança, transforma-se num meio de acesso ao real, na medida em que facilita a ordenação de experiências existenciais, pelo conhecimento de histórias, e a expansão de seu domínio lingüístico. Notadamente, a direção que é dada a literatura infantil em sala de aula depende expressivamente do professor, de modo que, ele é o responsável por promover e possibilitar para a criança no início da vida escolar, um contexto de aprendizagens que desperte o desejo de aprender e continuar aprendendo. “Assim os adultos têm um papel decisivo na iniciação que poderá transforma-se em prazer ou desprazer quase que definitivos”. (YUNES & PONDÉ, 1989, p.56). Por isso, Zilberman (1994), ressalta que a literatura infantil tem uma função formadora, voltada para o “conhecimento do mundo e do ser”, ou seja, a literatura infantil possibilita ao sujeito, o ponto de partida para refletir os interesses do leitor, percebendo a leitura nesse contexto, como um elemento, desencadeador dessa postura reflexiva diante da realidade. [...] é a linguagem narrativa que acaba por organizar a percepção infantil do mundo, às vezes negado à criança pela escola ou pela família. Por isso, o texto precisa ser coerente e verossímil, sem o que não coincidirá com as 400 expectativas do leitor. Cabendo-lhe, pois, ser literatura, e não mais pedagogia. (ZILBERMAN, 2003, p. 57). Dessa maneira, é possível perceber que a literatura infantil tem um papel relevante, no que se refere à formação do leitor crítico, tornando-se, algo indispensável na formação do leitor. Zilberman (2003), destaca ainda, a necessidade dos professores da escola fundamental trabalhar diariamente com a literatura, por considerar que a narrativa para crianças, representa um elemento imprescindível, para aguçar a criatividade infantil e despertar a arte da criança. Desse modo, é necessário que antes de qualquer coisa, aceitemos a literatura infantil, como um elemento que contribui plenamente no processo de aprendizagem dos sujeitos, pois; Se não aceitamos presunçosamente a literatura infantil como, antes de tudo, um artifício seguro, saudável e anti-séptico para a preservação da puerilidade, é porque seus apelos mais fundamentais são os apelos de toda a efetiva literatura – ela explora nosso anseio de novidade, assim como nossa insistência da realidade humana. (ROSENHEIM, 1968, apud ZILBERMAN & MAGALHÃES, 1987, p.3). A não utilização da literatura em sala de aula como um suporte seguro de aprendizagem acontece muitas vezes pelo desconhecimento do docente quanto à variedade literária que existe, cujas crianças poderiam se envolver, bem como, por não saber como utiliza - lá. Logo, os docentes começam a utilizar a leitura e a literatura de uma maneira mecânica, e punitiva. Ao longo do tempo, nota-se que, houve progressos em relação à construção do livro literário voltado para criança, principalmente porque já não se imprime mais a visão da criança como um ser sem importância e sem necessidades específicas, mas como um ser em desenvolvimento, que constrói saberes através das experiências vividas, com necessidades específicas e com direitos de ser criança. Por isso, o uso da leitura por meio da narrativa para crianças, necessita veementemente, ser repensada no contexto da sala de aula, principalmente do ensino fundamental, pensando em melhorar e aprimorar o gosto da criança pela leitura. PENSANDO NA FORMAÇAO DO PEQUENO LEITOR A Literatura Infantil surgiu segundo muitos autores com o intuito de transmitir valores, comportamentos e ações que melhor adequassem à criança na sociedade, logo 401 todas as histórias tinham uma moral, um sentido, uma finalidade de apresentar modelos de comportamentos para integrar a criança no contexto social burguês. Atualmente autores como: Abramovich (1997), Zilberman (2003), Coelho (1991), entre vários outros, defendem a literatura para crianças, como um elemento relevante para estimular a leitura na criança, desde muito cedo, pois ela é arte e passou a representar a direção para um mundo infinito de descobertas, que envolva a fantasia, sentimentos, emoções e compreensão do mundo. Nessa perspectiva se percebe a importância da leitura como auxílio na/para a formação de leitores, conscientes e capazes de dar sentido e criar o seu próprio significado para as coisas, através da autonomia de criação e recriação do pensamento, e principalmente através da interação e compreensão de textos. Brockmeier e Harré (2003) destacam que a literatura sempre foi percebida como um meio, pelo qual as possíveis realidades humanas podem ser imaginadas e examinadas, ou seja, o mundo fictício conhecido através das histórias nos permite estabelecer parâmetros com a realidade da vida. Ou seja, pode-se articular então, que, a literatura infantil enquanto arte pode proporcionar aos sujeitos, o estabelecimento de relações da realidade em que vive com questões da ficção, além disso, evidencia que a literatura infantil hoje tem uma representação expressiva na vida das pessoas, ou melhor, dos pequenos leitores, tendo em vista, o seu papel como formadora de leitores e mentalidades, que instiga o anseio pela leitura e promove o amadurecimento das idéias, conseqüentemente, um melhor entendimento do contexto social no qual os sujeitos estão inseridos. PAPEL DO PROFESSOR Muitas pesquisas sobre literatura infantil apontam a ausência de profissionais competentes para orientar o público infantil a obter um contato agradável e favorável com os livros, por isso, existe a necessidade do professor se preparar para trazer o quanto antes a literatura infantil para a sala de aula, a partir de um ambiente estimulante, com várias situações de contação de histórias ou de leitura, aonde a criança tenha a possibilidade de participar e demonstrar com liberdade seus questionamentos e colocações acerca dos textos literários. Nessa direção, o professor tem um papel muito importante, principalmente no momento de promover e incentivar a leitura. Nessa medida, através da literatura o 402 professor pode proporcionar ao seu aluno uma aproximação mais eficaz da linguagem, permitir que a criança mergulhe e atente para o mundo extraordinário da literatura infantil, participe mais da aula dialogicamente faça perguntas, comentários, interprete fatos, demonstre identificação com a história, entre outras coisas. Logo o docente deve possibilitar um contato da criança com a leitura de maneira constante para que ela desperte o gosto por essa ação, que, como sugere Zilberman, (1994, p. 23), “[...], seu emprego em aula ou em qualquer outro cenário desencadeia o alargamento dos horizontes cognitivos do leitor, o que justifica e demanda seu consumo escolar”. Para isso, é necessário que o docente conheça bem o seu ambiente de trabalho, de modo a favorecer uma escolha apropriada da história a ser contada, um objetivo ao contar a história e, sobretudo, é necessário que ele conheça bem a narrativa com a qual pretende trabalhar, para contá-la com segurança e ao final que saiba como proceder para não se tratar de algo meramente mecânico, para a criança, mas, que favoreça o estabelecimento de significações. Permitir interação da criança com a obra literária possibilita uma formação de maneira lúdica e peculiar. A literatura infantil hoje se mostra relevante no contexto educacional para crianças, pois é na infância que se desperta o gosto pela leitura, por isso, a relação da narrativa para crianças, deve ser, algo totalmente associado somente ao prazer e desprovido de caráter didático. Para Abramovich, (1997), o caráter didático é algo que distância a criança da leitura. Nessa acepção, é sabido que o gosto pela leitura muitas vezes é prejudicado no ambiente da sala de aula, quando a leitura é associada a questões inteiramente pedagógicas, nesse sentido, ouvir narrativas na concepção dessa autora é, [...] ficar sabendo história, geografia, filosofia, política, sociologia, sem precisar saber o nome disso tudo e muito menos achar que tem cara de aula [...] Porque se tiver deixa de ser literatura, deixa de ser prazer e passa a ser didática, que é outro departamento [...] (ABRAMOVICH, 1997, p. 17). Para isso, evidentemente, se faz necessário leituras adequadas que possibilitem a libertação do sujeito do processo sistêmico e massificado o qual é contido pela informação restrita e dirigida, logo, esconde as contradições os problemas e não proporciona a dimensão crítica. 403 Diante disso, acredita-se que a literatura infantil atualmente representa a arte, e que essa modalidade contribui significativamente para a emancipação do sujeito, quando lhe é dado à possibilidade de refletir e pensar criticamente sobre o mundo. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A metodologia desse trabalho foi direcionada a partir dos princípios da pesquisa de natureza qualitativa, que segundo Lüdke e André (1986), presume um contato intenso do pesquisador para com o objeto da pesquisa, possibilitando um envolvimento significativo no processo de desenvolvimento dos objetivos buscados. Nessa perspectiva, Minayo (1994, 2000), afirma que a pesquisa qualitativa responde a questões peculiares, focalizando num nível de realidade que não se pode mensurar, bem como, trabalha com um mundo de diversos significados, aspirações, valores, atitudes, crenças, entre outros. No que se refere ao trabalho de campo, esse, sugere a inserção do pesquisador no ambiente de convívio dos sujeitos. Dando destaque no papel do pesquisador no campo, Lüdke e André (1986, p. 05), enfatiza que “o papel do pesquisador é justamente o de servir como veículo inteligente e ativo entre esse conhecimento acumulado na área e as novas evidências que são estabelecidas a partir da pesquisa”. A abordagem qualitativa, nessa medida, possibilita a compreensão da realidade pesquisada de uma maneira mais objetiva e contextualizada, por meio do trabalho de campo. A apreensão dos dados foi realizada mediante o uso da técnica da observação, que de acordo Lüdke e André, (1986) deve ser esquematizada cuidadosamente e o pesquisador deve estar apto a conduzi - lá, pois de acordo com Patton (1980), apud Lüdke e André, (1986, p. 26), para realizar as observações é preciso preparo material, físico, intelectual e psicológico. O observador, [...], precisa aprender a fazer registros descritivos, saber separar os detalhes relevantes dos triviais, aprender a fazer anotações organizadas e utilizar métodos rigorosos para validar suas observações. Além das observações, os dados foram colhidos também, através de entrevista semi-estruturada, que para Lüdke e André (1986), se constitui a técnica de entrevista que mais se adéqua aos estudos na pesquisa em educação, por se tratar de um instrumento mais maleável e livre, desse modo, o contato com os participantes, se torna mais conveniente por ser mais flexível. 404 A metodologia de trabalho para a coleta dos dados foi pautada em três momentos: observações e entrevistas com professores, registro e análises críticas da realidade vivenciada. O primeiro momento aconteceu através de visita à escola para estabelecimento vínculo com a professora e alunos, apresentação da proposta; o segundo com o objetivo de realizar as observações do trabalho das docentes em sala de aula, a fim de identificar os dados necessários à pesquisa e o terceiro e último momento visava à realização de uma entrevista semi-estrutura com as professoras, com o objetivo de sistematizar as informações dos resultados da pesquisa. A Pesquisa foi realizada numa Escola Estadual, situada no bairro da Queimadinha, zona urbana de Feira de Santana. A Pesquisa foi realizada com duas turmas do 3° ano do ensino fundamental e os sujeitos que participaram foram duas professoras e seus respectivos alunos. A FORMAÇAO DO PROFESSOR EM RELAÇAO A LITERATURA INFANTIL A partir das observações e das entrevistas, foi possível identificar qual a formação das professoras em relação à literatura infantil, analisando as suas ações. Para tanto, iniciei um dos blocos da entrevista, perguntando às professoras se elas já leram algum livro que trate da importância da literatura infantil, que aponte como se conta, bem como, que sugere quais histórias contar, indicando o assunto apropriado para cada idade e como se dá o processo de desenvolvimento da criança, etc. Elas por sua vez, responderam: P(A) Tem muito tempo que eu li esses livros quando eu trabalhava com a pré-escola, mas já faz uns 15 anos. P(B) Pra ser sincera eu tenho assim uma pequena noção, já li, mas não foi com profundeza. De fato, as declarações das professoras, apontam que elas precisam urgentemente, ter um aprofundamento sobre a literatura infantil, na busca da construção de conhecimentos sólidos acerca da temática, que contribuam com o processo de leitura em sala de aula. Pois, como sugere Cunha (1997), gostar ou não de literatura, ou de 405 qualquer outra ação, depende da construção histórica de cada indivíduo. Logo, cabe ao educador tentar contribuir para ajudar o máximo que for possível nesse ato da leitura. Nesse sentido, Cunha (1997), salienta que do ponto de vista da filosofia da educação, é papel do professor revelar a literatura, assim como outras artes, nas relações diárias dos sujeitos, estabelecendo um contato entre o indivíduo e a obra, como também, mostrar as possibilidades e deixar o sujeito livre para escolher o que quer. Do ponto de vista estratégico, Cunha (1997), menciona que é obrigação do professor buscar sempre ter uma ação eficiente, que promova direção e estímulos possibilitando um maior contato da criança com a literatura de maneira natural. Como alude Zilberman (2003), a história na vida da criança é muito importante, de modo que: Para contar uma história – seja qual for – é bom saber como se faz. Afinal, nela se descobrem palavras novas, se entra em contado com a música e com a sonoridade das frases, dos nomes... Se capta o ritmo, a cadência do conto, fluindo como uma canção... Ou se brinca com a melodia dos versos, com o acerto das rimas, com o jogo das palavras... Contar histórias é uma arte... e tão linda!!! (ABRAMOVICH, 1997, p.15). Sendo assim, o professor deve considerar a literatura infantil como um elemento plenamente significativo para a formação do sujeito, bem como, deve se envolver de tal modo com as histórias que consigam perceber as possibilidades de crescimento e desenvolvimento que assolam a partir delas, dessa maneira, é necessário que ele reconheça que: En definitiva, es casi impossible oferecer uma receta para crar lectores. Quizá com un poco de entusiasmo, um poco de cercania y, sobre todo, com uma extrema confianza en el poder sugeridor, em la magia de la palabra, podríamos aproximarmos a la receta exacta. Sin embargo, como em la buena cocina, al final, el secreto se encuentra en el punto justo. Y solo seremos capaces de crear lectores si creemos en la verdad de lo que postulamos y trasmitimos com entusiasmo, que solo contagiaremos aquello que de verdad sentimos. (TABERNERO SALA, 2005, p.53). É necessário que o professor não tenha dúvida que a ação de ouvir e compartilhar histórias colabora para que o indivíduo se aproprie da linguagem, bem como, contribui para a formação de uma personalidade mais segura e independente, pois sem essa crença ele estará fadado a não utilizar esse instrumento, ou, se utilizar dele inadequadamente, sem um mínimo de coerência em seu uso. 406 As professoras não possuem nenhum curso de formação com relação à literatura infantil, nem mesmo, demonstram a prática de se qualificar e se atualizar no exercício da profissão. A partir dos seus depoimentos e das observações, elas deixaram claro que acham importante a narrativa para crianças, mas, tem uma restrição quanto á sua utilização. Todavia, acreditam que as histórias contribuem para as crianças se desenvolverem associando ou estabelecendo parâmetros do mundo das narrativas com a realidade vivida. Isso se ratifica em seus depoimentos a seguir: P(A) Sim, porque tem histórias quem eles vivem a realidade deles né? A depender do tipo de história, às vezes eles lembram alguma coisa da realidade deles. P(B) Sim, cada criança tem mundo de criatividade e tem seu mundo dentro de si, então eu acho que vale a pena. Um detalhe importante que não pode deixar de ser refletido em relação à formação do educador, é que, não basta reconhecer a literatura como algo importante, e utilizá-la mesmo que de maneira muitas vezes incoerente, é preciso principalmente, que esse professor seja também um leitor. No desenvolvimento dessa pesquisa, foi possível notar que em relação à formação das professoras, elas não se compreendem como leitoras, tampouco leitoras assíduas, e isso é demonstrado nos depoimentos abaixo: P (A): Devido ao corre-corre eu leio romance, histórias que tem que trabalhar com eles, mas não como antigamente. P(B): É, depende de tempo né, pra gente ter uma leitura boa, depende de tempo, ler por ler não adianta né, então ai eu pego leio quando eu venho pro trabalho, que eu to esperando o transporte, então eu pego e leio, eu do uma lidinha, só pra passar o tempo mesmo. Enquanto professoras, representam e disseminam exemplos primordiais de formação e incentivo da leitura. Logo, se o aluno não percebe isso partindo do professor, no ambiente escolar, ficará mais difícil o seu contato com o livro de maneira natural. Cunha, (1997), diz que o adulto fala em fazer a criança ser uma leitora, mas tem pouca relação com o livro e com a importância do hábito de ler e especifica dizendo que o adulto sempre consegue encontrar desculpas para não realizar essa ação, sendo que 407 algumas das mais comuns são: “[...] que lê pouco (ou não lê) por absoluta falta de tempo, ou que só lê aquilo que tem ligação direta com sua profissão” e ainda “que o cansaço impede qualquer leitura”, etc. (CUNHA, 1997, p. 48). Nessa medida, a relação do educador com a leitura literária e a sua prática leitora é de importância fundamental para a disseminação e formação leitora de seus alunos, no que tange ao papel do professor na formação do gosto pela leitura, Magnani afirma que “... o professor é, concomitantemente, alguém que participa ativamente desse processo, alguém que estuda que lê e expõe sua leitura e seu gosto, tendo para com o texto a mesma sensibilidade e atitude crítica que espera de seus alunos” (MAGNANI, 1989, p.94). Sendo assim, é relevante que o professor também demonstre o gosto pela leitura e pela literatura, com o intuito de estimular os seus alunos a ler. Nessa perspectiva, para Machado, (2001), os professores que “não lêem, não vivem com os livros uma relação boa, útil, importante. [...] não dão exemplo e não conseguem verdadeiramente passar uma paixão pelos livros __ e sem paixão, ninguém lê de verdade” (Machado, 2001, p. 118). O professor, nessa medida, mais do que um simples mediador, serve de exemplo e modelo a ser seguido pelos seus alunos, diante disso, ele deve apresentar uma postura de um educador competente, entusiasmado e capaz de contribuir para modificar a realidade dos seus alunos, alcançando e sanando as dificuldades que eles apresentarem de maneira construtiva e multidisciplinar e a única forma de fazer isso, bem feito é através do conhecimento articulado e pensado, para ser realizado por meio de uma ação significativa de aprendizagem. Portanto, se o docente pretende utilizar a literatura infantil em sua sala de aula, ele precisa se apropriar desse conhecimento no intuito de realizar para as crianças o melhor. Sabemos, entretanto, que essa pesquisa representa meramente uma pequena parcela das várias discussões e acepções acerca da literatura infantil e que ainda há muito a se buscar, se questionar, se compreender, pensando principalmente no desenvolvimento da criança enquanto sujeito social e no seu engajamento mais efetivo no contexto em que vive a partir do discernimento e entendimento dos fatos ao seu redor. CONSIDERAÇÕES FINAIS 408 A partir das análises dos dados, notadamente as professoras demonstraram através dos seus discursos, que não possuem formação específica para uso da literatura infantil e ainda de uma maneira mais grave, há muito tempo não se atualizam, por isso consideramos que elas, necessitam passar por um processo de reciclagem, não só para a utilização desse conhecimento, mas para melhor direcionar os seus trabalhos em sala de aula. Nessa perspectiva, é preciso que as docentes além de se reconhecerem como elementos fundamentais no processo de desenvolvimento do sujeito, estejam aptas a buscar o conhecimento e estratégias eficazes que contribuam com o seu trabalho em sala de aula. As possibilidades da leitura literária vão exigir que o trabalho escolar seja repensado através de um processo de formação, que seja menos repetidor de conhecimento, ou seja, um conhecimento mais integrado à vida dos sujeitos. Pois, sabemos que o trabalho docente deve ser um trabalho continuado, que deve ser ressignificado constantemente, visando sobretudo, contribuir para a aprendizagem e formação dos educandos. Assim sendo, é de extrema importância que a escola e o professor, possam possibilitar um ambiente que melhor atendam as necessidades dos sujeitos, através de um redirecionamento do processo de ensino aprendizagem, tentando garantir um espaço onde as ações desenvolvidas sejam mais articuladas, contextualizadas e dotadas de significação à formação social, intelectual e humana do sujeito. REFERÊNCIAS ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil – Gostosuras e bobices, São Paulo: Scipione, 1997. BROKMEIER, J & HANÉ. Ron. Narrativa: problemas e processos de um paradigma alternativo. Psicologia Reflexão e Crítica, 2003. COELHO, Betty. Contar histórias uma arte sem idade. São Paulo: Ática, 1991. CUNHA. Maria Antonieta A. Literatura Infantil: teoria e prática. São Paulo: Ática,1997. LÜDKE, Menga & ANDRÉ, Marli E. D. A Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. 409 MACHADO. Ana Maria. Texturas: sobre leitura e escritos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001. MAGNANI, Maria do Rosário M. Leitura, Literatura e Escola – Sobre a Formação do Gosto. São Paulo: Martins Fontes. 1989. MINAYO, Maria Cecília. S. Ciência, técnica e arte: o desafio da pesquisa social. In: __. Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 1994. ______. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 7. ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 2000. TABERNERO, Rosa Sala. Nuevas y viejas formas de contar: el discurso narrativo infantil em los umbrales del siglo XXI. Zaragoza: Prensas Universitarias de Zaragoza, 2005. ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 1994. ______. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 2003. ZILBERMAN, Regina e MAGALHÃES, Ligia C. Literatura infantil autoritarismo e emancipação. 3 ed. São Paulo: Ática, 1987. YUNES, Eliana e PONDÉ, Glória. Leitura e leituras da literatura infantil. São Paulo: FTD, 1989. 410 EIXO 3 – POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EDUCAÇÃO 411 PARTICIPAÇÃO POLÍTICA, AÇÃO COMUNITÁRIA E COLEGIADO ESCOLAR: ESPAÇO DE AÇÃO DEMOCRÁTICA? SILVA. Nadja da Cruz – UFBA/FACED [email protected] SANTOS. Marcos César Guimarães dos – UFBA/FACED [email protected] Agência financiadora: FAPESB RESUMO O presente artigo colabora e amplia a discussão sobre a importância da participação popular nos diversos espaços sociais, da construção de um clima democrático dentro ou fora do ambiente escolar. Seja no nível local das representações comunitárias e das associações de moradores ou das representações do colegiado escolar através do conselho escolar e grêmio estudantil. A discussão é desenvolvida à luz de autores como: Bartinik (2004); Bordenave (1994); Gohn (2004); Demo (1996); Peruzzo (1998); Werle (2003); Paro (2008) entre outro que abordam sobre a temática da participação e as relações de poder que permeiam o contexto escolar e comunitário. A metodologia utilizada para a realização do trabalho é de cunho qualitativo utilizando-se para isso levantamento, seleção, analise bibliográfica e pesquisa documental através de livros, artigos e documentos legais que possibilitam um embasamento teórico para construção dos conceitos sobre participação e as ações democráticas na escola. A introdução tratase de realizar um resgate histórico do conceito de participação no Brasil, bem como as formas e tipos de participação, além da analise das relações de poder no contexto social e político da sociedade. No decorrer do texto é ressaltada a participação da comunidade local e escolar para a construção de uma gestão escolar mais democrática, participativa e com relações de poder menos autoritárias. São abordadas questões convergentes e divergentes sobre a construção de espaços de representações democráticas no âmbito escolar. É evidenciado no texto a relevância de introduzir no ambiente escolar conceitos de participação no processo de ensino e aprendizagem através da construção de uma gestão democrática e da criação de canais de participação efetivos por meio de representações comunitárias e conselho escolar. Além da importância de se reformular um currículo voltado para a participação da comunidade escolar e local nas questões da escola; e na possibilidade de se formar sujeitos conscientes e atuantes na sociedade. Palavras- chave: Participação comunitária; Gestão escolar democrática; Relações de poder. INTRODUÇÃO O processo de participação ao longo da história do Brasil se deu de forma tolhida e fragmentada. Isto é, devido a uma herança clientelista, pautada em privilégios 412 de classe, econômicos e políticos. Assim, os processos de participação e decisões estavam concentrados nas mãos de uma minoria dominante e as tentativas de participação popular em vários momentos foram sucumbidas e/ou abafadas por uma atitude de tutela por parte do Estado. Em parte é possível se afirmar que a elaboração da constituição de 1988 configurou-se como uma transição entre a saída de um período ditatorial e o inicio de uma participação mais aberta às camadas populares. Mas esse processo de abertura democrática do país, foi complexo, não foi algo tranqüilo e harmônico foram necessárias diversas formas de manifestações populares tais como: passeatas, protestos e assembléias, até se colocar tais ações no âmbito legal para os direitos e deveres do cidadão, principalmente a conquista do direito de participar e opinar, ou pelo menos, expressar as insatisfações da população. É preciso também compreender que a consciência de que participar é importante para o processo democrático do país é algo que deve ser construído e discutido nos diversos espaços, a saber: escolas e associações comunitárias. No âmbito social brasileiro é marcante a presença de um contexto históricosocial caracterizado pelo exercício do poder de forma autoritária e pouco participativa é cada vez mais difícil fomentar práticas democráticas e posicionar-se de forma participativa no exercício do poder. Assim, é imprescindível que possamos inserir noções de descentralização e participação cidadã nos diversos espaços. Isto, porque a sociedade organizada ou não clamam por uma democracia não apenas representativa, em que as decisões são tomadas por poucos sobre o destino do coletivo, mas que o processo democrático possa ser autônomo e de fato participativo. Como afirma Peruzzo (1998, p.77)”A participação da população nas decisões, a menos usada no Brasil contemporâneo, implica o exercício do poder em conjunto, de forma solidária e compartilhada, como partricipação-poder”. É importante destacar que os diferentes interesses sociais nem sempre são convergentes com os interesses da coletividade, esse conflito de interesses pode resultar no enfraquecimento do processo de participação social. Para Bordenave (1994) “a participação não pode ser igualitária e democrática quando a estrutura de poder concentra as decisões numa elite minoritária” (p.41). Assim, é evidente que quando as estruturas de poder das classes dirigentes e seus privilégios estão ameaçados as questões que dizem respeito à coletividade são colocadas em segundo plano ou 413 descartadas, a exemplo do período do golpe político de 64, em que os militares tomaram o poder. Para Peruzzo (1998, p.78-79) a participação coloca-se em três modalidades de ação coletiva que são: participação passiva, participação controlada e participaçãopoder. O primeiro tipo de participação ocorre quando o individuo delega a outra pessoa o poder de decisão ou escolha, o que de acordo com a autora favorece que as decisões sejam verticalização de cima para baixo. Em seguida a participação controlada é concedida de cima para baixo e controlada com base em algumas restrições, é caracterizada pela limitação ao realizar determinada ação, ou seja, só é possível quando as instâncias detentoras do poder permitem; já na participação controlada manipulável a legitimação do poder ocorre de forma velada a fim de adequar aos interesses de quem detém o poder. No terceiro tipo, participação- poder é constituído de elementos que favorecem a participação democrática, ativa e autônoma em que o exercício do poder é compartilhado e tem como expressões a co-gestão e a autogestão. No interior das práticas participativas estão implícitas e explicita diversas manifestações de poder, que vária de uma participação tutelada e fragmentada a efetivas práticas de participação. Para Ammann (2009, p.12) a classe dominante exerce seu poder no seio das classes subordinadas, sob duas formas, através do consenso e hegemonia no nível da sociedade civil e sob a forma de ditadura na sociedade política, decorrente da manifestação dos diversos tipos de poder que ocorre no meio social. Contudo, o exercício do poder e da dominação do sujeito, nem sempre ocorre através da coerção, mas sim através do consenso e da legitimação das ações do outro. É preciso analisar os mecanismos do poder nas suas formas mais especificas minuciosa, nas suas micro relações, para assim, compreender a dinâmica das macro relações do poder e os seus efeitos no cotidiano da vida social. Foucault (1979) destaca que podemos compreender o poder como uma rede que atravessa todo o tecido social. O poder se exerce em níveis variados e em pontos distintos da dinâmica social. E para se analisar é preciso compreender que fazemos parte da dinâmica social que envolve essa teia, desta forma não é possível desloca-se para um plano exterior para analisar essas relações, mesmo quando estamos inseridos num processo de resistência. Foucault (1979) também explicita as relações que existem entre saber e poder, e principalmente a utilização deste saber para exercício do poder e para favorecer os interesses particulares de determinados grupos sociais. 414 Assim, as relações de poder configuram-se de maneira assimétrica, desiguais, determinando o comportamento do outro e impondo a sua própria vontade, hierarquizando as relações no ambiente escolar. No confronto das relações de poder haverá sempre um desequilíbrio entre quem detém menor ou maior porcentagem deste poder, que pode está determinado através de bens sociais, econômicos ou culturais. Essas relações de poder se instalam na medida em que existem a submissão, obediência e conformismo do outro. Paro (2008) conceitua poder destacando que o mesmo possui diferenciados usos. Dentre esses o autor vai ater-se aquele que supõe o ser humano como sujeito. E a esse respeito o poder pode ser visto sob duas perspectivas: “o poder como capacidade de agir sobre as coisas e o poder como capacidade de determinar o comportamento do outro” (Paro, 2008, p.32). O exercício do poder depende da aceitação do individuo ou grupo para se concretizar. No que se refere ao estado do poder existe o poder atual (poder de fato exercido) e o potencial (possibilidade de ser exercida). Ainda segundo o autor a manifestação do poder através da coerção – Podemos perceber claramente um conflito de interesses entre quem detém o poder e quem é objeto dele. Poder de A sobre B se exerce contra a vontade deste, que obedece em virtude de um constrangimento por parte de A sob a forma de coação ou ameaça de punição. Através da manipulação – O individuo que exerce o poder provoca o comportamento do outro, ocultando ou camuflando seu verdadeiro interesse. Os meios utilizados se referem especialmente ao controle e uso enganoso da informação. E da persuasão – deve supor o dialogo e a ausência de conflito na relação de poder. Neste caso B realiza determinado interesse de A porque este o convenceu. No que tange a participação popular inserida no contexto dos movimentos sociais Gohn (2004) afirma que com o fim do regime militar, a partir de 1985, passa existir uma maior abertura dos canais de participação, abertura política e um redirecionamento do significado de sociedade civil, assim como o destaque dos movimentos sociais populares urbanos e os novos atores sociais na luta pelos direitos sociais e culturais modernos. No que diz respeito ao processo de participação no Brasil é importante destacar que a década de 90 foi marcada por vários debates e mobilizações em torno da conquista da cidadania o que deu espaço a um novo desenho dos movimentos sociais. Já os movimentos populares de bairro retraem-se, ganham destaque as organizações comprometidas com questões mais amplas. E as questões 415 básicas defendidas pelos movimentos de bairro ficam em áreas delimitadas e restritas a vida cotidiana. OS CANAIS DE PARTICIPAÇÃO E O FORTALECIMENTO DA COMUNIDADE Historicamente as associações de moradores representam o ponto de aproximação entre os interesses da comunidade e a negligência do Estado. No âmbito comunitário a participação e a organização têm um efeito local, ocorrem geralmente quando questões básicas não são supridas pelo Estado. A comunidade na tentativa de ter suas demandas atendidas mobiliza-se para resolver questões que atingem o coletivo. Nesse contexto a associação de moradores configura-se como um importante elemento de participação da comunidade, pois se transforma no elo entre os problemas da comunidade e o Estado. Desta forma, a participação precisa transformar-se em ações que mobilizem os sujeitos e os façam entrar numa sinergia em busca de um ideal comum. É importante destacar a necessidade de formação de espaços de participação da comunidade escolar e do seu entorno. A criação de aparelhos de participação nas escolas é o primeiro passo para o desenvolvimento de uma efetiva participação. Os conselhos escolares constituem-se a configuração de um desses espaços de representações dos sujeitos, que dependem de vários fatores, entre eles as relações de poder que se desenrolam nestes espaços, para que de fato cumpram seu real objetivo de representação coletiva e democrática, assim: Os conselhos escolares são um espaço de relação de poder, que depende predominantemente do capital cultural dos representantes eleitos pela comunidade escolar e de como eles se relacionam entre si, com os problemas da escola e onde ocorrem aprendizagens vivenciais de democracia e participação. (WERLE, 2003, p.12 Ainda segundo Werle (2003) é necessário estabelecer espaços de aprendizagem participativa, democrática e de empowerment de seus componentes, além de maior engajamento e efetiva participação nas questões de interesse do coletivo. O que se traduziria em uma das funções do conselho escolar que é justamente a viabilidade da participação de forma consciente e democrática pelos sujeitos. 416 No tocante as formas de empowermente dos sujeitos ou empoderamento como tem sido traduzida na língua portuguesa, entende-se pela capacidade dos indivíduos serem atuantes na sua história de vida, possuir poder de decisão sob questões sociais. Para Gohn (2004, p.3) empoderar-se pode “referir-se ao processo de mobilização e práticas destinadas a promover e impulsionar grupos e comunidade, no sentido de crescimento e autonomia” como poderá referir-se a ações assistencialistas de integração dos excluídos. O enfoque dado ao significado de empoderamento irá depender do sentido do projeto social e da instituição que articula as intervenções sociais. É preciso compreender que os instrumentos e canais de participação como os conselhos escolares, os grêmios estudantis, associações comunitárias e os órgãos colegiados como um todo são formas de representação e organização popular legitimadas no âmbito legal, que precisam ser efetivamente introduzidas nas práticas escolares. Pois além de formalizadas nos currículos escolares, é necessário incentivar a construção dos espaços de participação de forma prática e efetiva. Para Werle (2003, p.23) a escola é um dos espaços de formação dos “sujeitos-políticos” indispensável para se discutir os processos de participação, assim a autora afirma que: [...] para discutir processos de participação, é preciso atentar para a necessidade de uma formação política que desenvolva valores e conhecimentos que favoreçam a participação. A escola deve propor objetivos relacionados à formação de indivíduos sujeitos-politicos capazes e dispostos a participar do processo político democrático. (WERLE, 2003,p.23) A escola é considera um importante espaço para promover uma cultura de participação no âmbito local. O intercambio da escola com a comunidade é a extensão de uma aprendizagem participativa pautada no diálogo e na co-responsabilidade da comunidade escolar. É significativo destacar que os profissionais da educação são elementos essenciais para introduzir a cultura da participação nos processos educativos. Que são inseridos através da prática ativa das instituições estudantis, dos conselhos escolares e em praticas docentes democráticas. É relevante destacar que no âmbito escolar os espaços e as formas de participação são desiguais, os sujeitos que fazem parte deste contexto em muitos momentos não tomam consciência desta desigualdade, acabam ocultando-se ou acomodando-se frente aos problemas do cotidiano escolar. Um exemplo disso, é o grau de participação que os pais, professores e funcionários tem nas ocasiões de reuniões ou eleições para representantes do conselho escolar. A falta de informação, aliada a uma 417 cultura de comodismo são um dos fatores que contribuem para a falta de participação dos sujeitos. Uma vez que participar não é apenas está presente, mas sim interagir, cooperar e questionar. No que tange ao ponto de vista legal sobre a participação no espaço escolar a LDB ( Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) de 1996 reafirma no seu artigo 14º a importância de consolidar uma proposta pedagógica pautada no principio da participação de todos os sujeitos envolvidos no contexto da comunidade escolar. Art. 14º. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios: I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola; II - participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes. A partir deste momento passa-se a exigir e a contar de forma legal a implementação de uma gestão democrática nas unidades escolares, favorecendo a participação da comunidade escolar e local nos conselhos escolares e na administração do espaço da escola. Para a concretização desse ideal de participação a escola precisa estabelecer uma forte articulação com a comunidade que está em torno do ambiente da escola, para isto, é essencial a conscientização dos professores, pais e funcionários. A participação e o envolvimento de toda a equipe escolar e da comunidade constituem-se enquanto elemento fundamental para minimizar o exercício do poder de forma autoritária e repressiva. Participar, portanto assume uma conotação de questionamento e inquietação frente às ações do poder no ambiente escolar. A construção de uma escola que adote uma gestão democrática e práticas pedagógicas baseada no envolvimento de todos os sujeitos da escola é resultado da participação consciente da comunidade escolar, assim: A inserção de todos os sujeitos envolvidos, nos problemas cotidianos, provoca um efeito pedagógico sobre todos os integrantes, pois, à medida em que pensam os problemas, propõem soluções e participam das decisões, assumem o papel de co-responsáveis no projeto educacional da escola e por extensão da comunidade. Para que a escola possa se organizar democraticamente e atingir seu objetivo maior é de fundamental importância o trabalho da equipe pedagógica e diretiva da escola. (BARTNIK, 2004, p.35). A participação da comunidade na escola é decorrência de uma gestão democrática pautada no envolvimento dos sujeitos nos processos educativos que 418 ocorrem dentro e fora do espaço escolar. O que envolve a participação dos sujeitos do cenário educativo para elaboração de propostas que venham a contemplar os interesses coletivos. Desta forma Bartnik (2004) afirma que os sujeitos incluídos neste processo se tornam “co-responsáveis do processo educacional da escola e por extensão da comunidade” (p.35). E assim, pensar numa gestão participativa significa refletir e adotar ações e idéias pautadas na coletividade e em atitudes democráticas para caminharmos na construção de um projeto político pedagógico em que as pessoas sejam protagonistas e colaboradores deste documento. Para Demo (1996) a participação é considerada uma conquista e configura-se como uma constante busca, é processo, portanto não pode ser entendida como concessão, nem ter seu espaço delimitado, mas é resultado de uma tomada de consciência e de suas condições enquanto sujeito do tecido social. A participação por sua vez revela outras formas de poder que podem ser partilhados, ou seja, com características democráticas, participativa e de autonomia ou pode revelar-se com características autoritárias e controladoras. O autor chama a atenção para as supostas aberturas dos canais de participação oferecidos pelo governo, e afirma que na realidade é mais um elemento para camuflar as ideologias dominantes e suas formas de exercício do poder, assim: [...] quem acredita em participação, estabelece uma disputa com o poder. Trata-se de reduzir a repressão e não de montar a quimera de um mundo naturalmente participativo. Assim, para realizar participação, é preciso encarar o poder de frente, partir dele, e, então, abrir os espaços de participação, numa construção arduamente levantada, centímetro por centímetro, para que não se recue nenhum centímetro. Participação, por conseguinte, não é ausência, superação, eliminação do poder, mas outra forma do poder (grifo do autor). (DEMO, 1996, p.20). Ghanem (2004) em suas pesquisas revelou que uma das importantes formas de compreender as questões em torno da participação, integração da escola com a comunidade é analisando os seus canais de participação que se revelam através dos conselhos escolares, associações de pais e professores e dos grêmios estudantis. Isto é, quando estes canais de participação funcionam com o propósito de viabilizar o envolvimento dos indivíduos, permitem alinhar os discursos com a prática. Pois em muitos casos fazemos excelentes discursos que não condizem em nada com a nossa prática, que está travada em tarefas burocráticas e particulares. A participação deve ser entendida como um mecanismo que pode transformar as práticas pedagógicas, promover a organização, autogestão e superar as formas mais autoritárias do poder. 419 AS RELAÇÕES DE PODER NO COTIDIANO ESCOLAR As relações de poder no espaço escolar se dão de múltiplas formas e se desenrolam no cotidiano da escola, tendo como agentes os sujeitos e/ou objetos que fazem parte do contexto escolar e da comunidade em torno à escola. Essas relações se estendem nas instâncias e circulo do poder e se desenrolam nas suas esferas macro e micro. De acordo com Resende (1995, p.35) o poder se coloca como elemento de um mecanismo social mais amplo, e em formas de dominação mais gerais, mas para compreendê-lo é necessário desencadear seus elementos mais particulares. Paro (2008) destaca a possibilidade da constituição de sujeito livres e uma educação com vista a evidenciar práticas democráticas. A orientação pedagógica tradicional que costuma nortear as escolas brasileiras resiste ou desconhece à idéia dos alunos serem detentores do poder. Ignora-se o processo de interação dos sujeitos e visualizam o processo pedagógico como uma mão única que vai do professor que ensina para o aluno que aprende passivamente. Por outro lado o professor manifesta o seu poder no sentido de mudar comportamentos e no exercício de sua função. A escola exerce seu poder na transmissão de conhecimentos impostos aos educandos, sem nenhum debate ou questionamento. No processo avaliativo quando se tem a aprovação ou reprovação como motivação para o aluno estudar o professor também exerce seu poder. Um ponto destacado na relação entre educação e poder que o autor faz e que com a aprovação automática adotada pela escola pública para diminuir os índices de reprovação o professor sente-se em muitos momentos derrotado, pois não dispõe mais do argumento de punir o aluno reprovando, enfraquecendo assim, o seu poder em sala de aula. A instituição escolar que não prevalece à formação de sujeitos autônomos e independentes contribui para o fortalecimento de uma cultura da acomodação e passividade, em que aluno ‘obediente’ é o que aceita as determinações do professor sem questionar e encara a dominação dos indivíduos como algo natural. O trabalho individualizado cuja finalidade é preparar os indivíduos para o mercado de trabalho reforça o egocentrismo e favorece um clima de disputa. O que contribui para acirrar as relações de poder no ambiente escolar entre a comunidade escolar. A permissividade do individuo e a falta de questionamento nas decisões tomadas possibilita a instalação de diversas formas de poder. Para Castro (1998) as relações de poder nas escolas situadas nas periferias dos centros urbanos desenrolam-se de forma 420 inconsciente e subliminar, sob a forma do poder simbólico de Bourdieu; e em outros momentos de forma explicita identificada como o poder formal, impessoal e legal, muitas vezes com o uso da força ou sob influência social, política e ideológica como aborda o teórico weber. O acesso aos bens econômicos e culturais nesses contextos escolares são restritos, dando espaço para imperar diversas formas de poder, inclusive as explicitas e impositivas. As relações de poder que ocorrem nas suas instancias e círculos repercutem no espaço escolar, local onde se processa as varias configurações do poder, inclusive as disputas e conflitos. A analise dos documentos da escola aliada a sua prática pedagógica é reveladora dos níveis de relação de poder que perpassam pelo espaço escolar. E por tanto o currículo não é neutro, mas sim um dos instrumentos das relações de poder que desencadeia no ambiente escolar. Silva (2002) afirma que existe uma relação significativa entre currículo e poder, entre a organização do conhecimento e a distribuição do poder. O currículo carrega intencionalidades e ideologias, e está a serviço de interesses de determinados grupos. CONSIDERAÇÕES FINAIS É importante compreender que os espaços democráticos são constituídos socialmente a partir do momento que os indivíduos viabilizam os canais de participação. Esses espaços democráticos precisam ser ocupados por pessoas imbuídas de um sentimento de igualdade, ética e justiça social, afastando as práticas clientelistas e paternalistas presentes na sociedade brasileira nas diferentes esferas do poder público. O processo de participação da comunidade no espaço escolar é um forte indicio do fortalecimento de elementos que compõe a democracia no âmbito escolar, isto também demonstra que uma vez que os pais que na sua maioria fazem parte do contexto comunitário estão mais próximos da realidade da escolar ocorre uma abertura maior da comunidade escolar o que traz impactos positivos para o desenvolvimento do fazer pedagógico. Assim, os pais não são apenas chamados para serem informados do comportamento dos filhos ou em momentos pontuais de festas e comemorações, mas significa uma presença maior na vida escolar, na fiscalização e envolvimento do direcionamento dos recursos e nas decisões do conselho escolar. 421 Para Andrews (1999, apud GHANEM 2004, p.7) em seus estudos verificou a existência de sete fatores promotores da participação da comunidade na escola que são: informação, trabalho em equipe, foco na família, conhecimento da comunidade, criatividade, respeito, disciplina e responsabilidade e liderança. Com a articulação desses fatores pretende-se desenvolver de forma efetiva práticas de participação da comunidade na escola, principalmente se partirmos dos conhecimentos que temos sobre a comunidade que está em torno à escola e realizarmos um trabalho que tenha como foco a família. Quando se trata em participação da escola com a comunidade os indivíduos envolvidos devem tomar consciência da importância dos canais de participação e mobilização, das conquistas e legitimidade desses espaços, bem como das reivindicações das demandas e interesse da escola e da comunidade. Para que não se crie uma cultura da acomodação e desmobilização, um hábito que se encontra em resquícios históricos de autoritarismo e repressão. E assim, os indivíduos ficam sempre a espera das formas assistencialistas, que nada mais é do que uma das mais perversas formas de controle do poder pela classe dominante. Os processos participativos geram conflitos, o que requer habilidade no seu enfrentamento. Pois nem sempre as pessoas que exercem papel de liderança conseguem conduzir com maturidade os conflitos gerados no grupo e preferem manter uma situação de comodismo, evitando a discussão e o debate de idéias. Essa tentativa de promover o consenso é mais uma maneira de ocultar relações de poder autoritárias e formas de participação passiva. Portanto, faz-se necessário descentralizar o poder e promover o compartilhamento das tomadas de decisões para que se possa almejar uma participação ativa e autônoma. As ações participativas no âmbito comunitárias constituem-se como o ponto de partida para o desenvolvimento democrático no nível macro da sociedade brasileira, pois é a partir do trabalho de participação no nível micro comunitário, nas atividades escolares que estimulem o processo participativo que podemos viabilizar a construção de espaços sociais e políticos mais democráticos. O fortalecimento do poder local no nível comunitário é um aspecto fundamental para a construção de uma democracia participativa e no empoderamento das classes populares, ou seja com possibilidades efetivas de participação. Com decisões sendo tomadas com um formato horizontal, gerando relações de poder mais simétricas e igualitárias. 422 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: AMMANN, Safira Bezerra. Ideologia do desenvolvimento de comunidade no Brasil. 11ª edição, São Paulo: Cortez, 2009. BARTINIK, Helena Leomir de Souza. As relações de poder e a organização do trabalho pedagógico. Ciência & Opinião Curitiba, v. 1, n. 2/4, jul. 2003/dez. 2004. BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/ldb.pdf acessado em 20 de Maio de 2011. BORDENAVE, Juan E.Díaz. O que é participação. São Paulo: Brasiliense, 8º edição,1994. CASTRO. Magali de. Um estudo das relações de poder na escola pública de ensino fundamental à luz de Weber e Bourdieu: do poder formal, impessoal e simbólico ao poder explícito. Revista da Faculdade de Educação.v.24,n.1.São Paulo. Jan/jun.1998. DEMO, Pedro. Participação é conquista: noções de política social participativa. 3ª edição, São Paulo: Cortez, 1996. FOUCAULT, Michel. Microfisica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. GHANEM, Elie. Educação e participação no Brasil: um retrato aproximativo de trabalhos entre 1995 e 2003. Educação e Pesquisa, vol.30 n. 1, São Paulo Janeiro/Abril, 2004 GOHN. Maria da Glória. Empoderamento e participação da comunidade em políticas sociais. Saúde soc. vol.13 no. 2 São Paulo Maio/Agosto. 2004. PARO. Vitor Henrique, Educação como exercício de poder: critica ao senso comum em educação. São Paulo: Cortez, 2008. PERUZZO. Cecília Maria Krohling. Comunicação nos movimentos sociais populares: a participação na construção da cidadania. Rio de Janeiro: Vozes,1998. RESENDE, Lúcia Maria Gonçalves de. Relações de poder no cotidiano escolar. São Paulo: Papirus, 1995. SILVA, Tomaz Tadeu da. Documento de identidade: uma introdução as teorias do currículo. Belo Horizonte: autêntica, 2002. WERLE, Flávia Obino Corrêa. Conselhos escolares: implicações na gestão da escola básica. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. 423 A NOVA PEDAGOGIA DA HEGEMONIA NO BRASIL: impactos na escola pública Edson do Espírito Santo Filho75 O presente artigo tem como intencionalidade realizar uma aproximação acerca dos principais pressupostos da Nova Pedagogia da Hegemonia no Brasil, através da recondução das teses neoliberais por meio da chamada Terceira Via. Neste sentido, buscou-se neste artigo apontar em forma preliminar os elementos que contribuam para elucidar à seguinte indagação: Quais os impactos da intervenção da hegemonia do capital, na educação brasileira, através da conformação dos trabalhadores a um novo padrão de sociabilidade, a responsabilidade social empresarial? Neste sentido, através do estudo de duas principais obras que estabelecem a crítica sobre o assunto no Brasil, “A Nova Pedagogia da hegemonia no Brasil: estratégias do capital para a educação do consenso” e “Direita para o Social e Esquerda para o Capital: intelectuais da nova hegemonia no Brasil” identificou-se como o discurso da responsabilidade social empresarial, vem se tornando o principal fio condutor da recomposição da intervenção do empresariado no Brasil. A educação pública vem se tornando área prioritária de intervenção desses setores, através de fundações ligadas a empresas que, para além de projetos sociais, buscam o controle das políticas educacionais nos municípios, a partir da implantação de uma gestão empresarial da escola. Através dessas constatações chegamos a conclusões provisórias de que no plano mediato e histórico, esse tipo de intervenção possa permitir que ocorra o próprio desmonte da escola pública. Na contracorrente desse processo, a defesa da escola pública e que defenda os interesses da classe trabalhadora perpassa pela luta pela ampliação dos seus investimentos e da superação do modelo vigente de enfoque empresarial da supervalorização do sistema nacional de avaliação com prerrogativas para a produtividade, para um sistema nacional de educação, que contemple a urgente formação de um novo homem para o enfrentamento da barbárie que se avizinha e que coloca para a humanidade o caminho da sua própria destruição. PALAVRAS-CHAVE: Hegemonia, responsabilidade empresarial, educação. Introdução O final da chamada “Guerra Fria”, simbolicamente representada pela Queda do Muro de Berlim no final da década de 1980, apresentou-se enquanto consolidação do capitalismo enquanto opção para a humanidade. Uma vez que a experiência socialista desencadeada no Leste Europeu não conseguiu se sustentar em um conjunto de países do planeta, e assim, de superar a hegemonia do imperialismo, liderado pelos Estados 75 Mestrando em Educação no Programa de Pós-Graduação da Faced/UFBA, professor da Universidade Estadual de Feira de Santana e membro do Grupo LEPEL/UEFS (Linha de Estudos em Educação Física, Esporte e Lazer, da Universidade Estadual de Feira de Santana). 424 Unidos. Intelectuais da pós-modernidade insistiram no anúncio de um suposto “fim das ideologias” no plano mundial. A década seguinte ficou caracterizada como um período histórico em que houve um momento de crise e a necessária recomposição de hegemonia da burguesia nos países da América Latina. Ao mesmo tempo em que se anunciava a supremacia do capitalismo como modelo societal, devido a uma desarticulação e desmoronamento dos regimes socialistas nos países do leste europeu, um movimento contraditório colocava em xeque a perspectiva neoliberal como a saída necessária para a crise do capital global. Contudo, esta crise apontava um elemento mais agravante que, conforme afirma Mészáros (2004), já ultrapassa os limites conjunturais, definindo-se no que o autor destaca enquanto a crise estrutural do capital76. Percebe-se aqui que, ao contrário do que era propagado pelos seus principais formuladores sobre a necessidade do Estado Mínimo, o que ocorreu foi uma necessária atividade da sociedade política (com enfoque na aparelhagem estatal) para regular o conflito estabelecido entre o capital e o trabalho. Ao contrário da perspectiva de nãointervenção do Estado na economia, diversas frações da burguesia se apóiam em ações governamentais para a reprodução exorbitante das altas taxas de lucros, através de benefícios concedidos pela implementação de pacotes econômicos e de uma política mais agressiva de austeridade fiscal, cortes nos gastos públicos ligados a geração de políticas setoriais e contenção dos avanços salariais dos trabalhadores. Ainda assim, nos países em que o Estado possui uma ampla participação dos diversos setores da sociedade civil percebemos um duplo movimento: a) de criação e consolidação dos aparelhos privados de hegemonia como braços de intervenção do Estado Capitalista, através do apelo à colaboração cidadã em substituição à intensificação da luta de classes; 2) do papel da educação escolar como estratégico para a conformação dos futuros trabalhadores a um padrão de sociabilidade, através de uma cidadania perpassada pela cultura do voluntariado. Neste sentido, buscou-se neste artigo apontar, em forma ainda preliminar, os elementos que contribuam para elucidar à seguinte indagação: Quais os desdobramentos da hegemonia do capital na educação brasileira, através da 76 A respeito da intensificação de uma crise estrutural do sistema do capital podemos buscar neste autor a seguinte afirmação: “(...)A falência histórica do reformismo social-democrata fornece um testemunho eloqüente da irreformabilidade do sistema; e a crise estrutural profunda, com seus perigos para a sobrevivência da humanidade, destaca de maneira aguda sua incontrolabilidade”. MÉSZÁROS, 2004, p. 11) 425 conformação dos trabalhadores a um novo padrão de sociabilidade, a responsabilidade social empresarial? A partir da seguinte pergunta, buscou-se identificar os aspectos principais do desenvolvimento da Agenda Política da Terceira Via na década de 1990 até aos dias atuais, como um processo mundial de reformulação das teses neoliberais sobre o Estado. Também buscou compreender como essa lógica opera na organização das políticas educacionais e na organização do trabalho pedagógico da escola, através das Fundações e os impactos futuros para a escola pública. Ao final, fizemos um balanço da interferência do empresariado na educação pública e os possíveis efeitos nefastos da nova pedagogia da hegemonia ao propor um novo padrão de sociabilidade. 1. A nova pedagogia da hegemonia do capital no Brasil Os estudos organizados por Neves (2005; 2010)77 apontam elementos importantes para compreender como os dominantes dominam no Brasil. A partir do que aponta a autora e colaboradores, destaca-se como a hegemonia do capital apresenta uma renovada expressão fenomênica que revela e esconde uma nova reconfiguração do Estado capitalista, caracterizando no plano da apreensão filosófica da relação fenômeno-essência como mais uma expressão da práxis fetichizada do capital. A configuração apresentada é caracterizada como Terceira Via. A perspectiva ora desenvolvida nos primeiros anos do século XXI foi sedimentada por meio de uma agenda política e econômica denominada de Cúpula da Governança Progressiva78. Remetendo aos principais pressupostos apontados por este fórum da governança mundial, Lima e Martins (2005) estabelecem a seguinte crítica: (...) a Terceira Via considera que algumas políticas de cunho neoliberal que orientaram a modernização do Estado foram “atos necessários de modernização” (GIDDENS, 2001b, p. 1379), identificando como problema o fato de que, ao lado dessas medidas, o social foi desconsiderado, o que 77 Buscamos nos respectivos artigos escritos pelos colaboradores dessas obras (“A Nova Pedagogia da Hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso”, publicado em 2005 e “Direita para o Social e a Esquerda para o Capital: intelectuais da nova hegemonia no Brasil”, publicado em 2010), os elementos para reconhecer os principais pressupostos da Nova Pedagogia da Hegemonia. 78 A Governança Progressiva reúne governantes de diversos países e tem se transformando em espaço de consenso para a legitimação da lógica do capital, uma vez que ganha adesão de representantes dos países em desenvolvimento. Essa cúpula já teve a presença dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula da Silva. Esse grupo reivindica um caráter político da perspectiva neoliberal na consolidação de um capital mais humanizado. 79 GIDDENS, Anthony. A terceira via e seus críticos. Tradução de Rita Vinagre. Rio de Janeiro: Record, 2001. 426 “ameaçou seriamente a coesão social” (GIDDENS, 2001b, p. 14). Destaca-se aqui a concordância com o conteúdo e com a direção das reformas neoliberais, o que por si só já é revelador. Contudo, indo mais além, é possível notar um problema de ordem ético-política de grande magnitude. Para esse projeto, os problemas sociais gerados pelo neoliberalismo foram negativos por terem causado revoltas sociais que abalaram a “coesão social”. Identifica-se que o centro das preocupações da Terceira Via não se relaciona aos efeitos nefastos que se abateram de forma radical sobre os trabalhadores, mas sim ao grau de estabilidade político-social vivida pelos países (LIMA e MARTINS, 2005, p. 45) Neste sentido, os autores a Terceira Via mesmo estabelecendo uma ao neoliberalismo, parte das questões centrais desta perspectiva para refiná-lo e o tornar mais compatível, mais humano (LIMA e MARTINS, 2005, p. 48). Com isso, diferente apenas na aparência em relação ao neoliberalismo, a perspectiva da Terceira Via, agora autodenominando-se na esfera política enquanto “esquerda modernizante”, entende como necessária a reformulação de sua intervenção no plano social e político. No Brasil, assim como nos países da América latina em quase sua totalidade, a chamada “repolitização da política” pode ser entendida como um mecanismo de recomposição da burguesia nacional e internacional, pois, se ancora tanto no que apontam os Organismos Multilaterais (ONU, FMI, Banco Mundial) como na construção elaborada nos aparelhos privados de hegemonia, principalmente daqueles criados como uma expansão do setor empresarial (Sistema S80, Instituto Liberal, Fundação Abrinq, Institutos de Pesquisas e ONGs, dentre outros). Enquanto as primeiras são as responsáveis pela fundamentação teórica do projeto de nova Governança Mundial e da implantação dos receituários de ajustes fiscais e um novo padrão de sociabilidade aos países que estão atrelados a uma perversa política de dependência econômica, os últimos são aqueles que irão operar por meio de programas e projetos, no sentido de conformar os trabalhadores a uma dada concepção de mundo. Sua necessidade de reformulação pode ser identificada desde a década de 1980, quando Martins (2005) destaca a importância dos novos organismos cuja intervenção ocorre na sociedade civil, dentre elas o IEDI e o IL81 como responsáveis pela difusão em toda a sociedade de uma nova concepção de mundo. O fracasso do milagre econômico no período da Ditadura Militar teve uma forte repercussão nos setores empresariais, colocando assim, novos desafios para a hegemonia burguesa. Entre os principais pressupostos pelos quais esses organismos formularam e buscaram implementar suas 80 Serviço Social do Comércio – SESC; Serviço Social da Indústria – SESI; Serviço Social dos Transportes – SEST. 81 Instituto Liberal 427 concepções na década de 1980, podemos apontar desde a divulgação de cursos sobre a necessidade de “modernização capitalista”, perpassando pela proposição de novos projetos de lei e políticas públicas. Na educação, percebe-se a sua ação direta na educação especificamente no Estado de São Paulo através de sua participação em cursos de formação de professores e da produção de material didático. No plano do sindicalismo patronal, a CNI – Confederação Nacional da Indústria - divulga no ano de 1888 o documento Competitividade industrial: uma estratégia para o Brasil82. Esse documento torna-se um marco para o reordenamento da política industrial, ampliando a sua intervenção na área educacional, científica e da integração do país na economia internacional. Em paralelo ao documento estratégico do CNI, destaca-se também a intervenção do PNBE83. Seu surgimento se deu na década de 1980, contudo também na década de 1990 identifica-se sua contribuição em difundir as bases de uma renovada intervenção do modelo industrial no país. Esse organismo será o responsável por uma reformulada concepção de mundo. Ao fazer a crítica a economicismo propagado na concepção do CNI, principal portadora do neoliberalismo da época, o PNBE reivindica a necessidade de uma maior participação política dos setores do empresariado na construção de um novo projeto burguês de sociabilidade, apontando a “crise de desenvolvimento” e a “ausência de democracia” como alvos a serem atacados por todo o conjunto da população. A consolidação deste organismo na década de 1990 foi importante para que se realizasse uma série de coalizões políticas entre empresários e partidos políticos (dentre eles, o Partido dos Trabalhadores). Esses elementos se constituem como imprescindíveis para o desenvolvimento de um processo de recomposição da hegemonia do capital. Nesta direção, podemos reconhecer no plano político-econômico que, O fato da hegemonia pressupõe indubitavelmente que se deve levar em conta os interesses e as tendências dos grupos sobre os quais a hegemonia será exercida; que se forme certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o grupo dirigente faça sacrifícios de ordem econômico-corporativa. Mas também é indubitável que os sacrifícios e o compromisso não se relacionam com o essencial, pois se a hegemonia ético-política também é econômica; não pode deixar de se fundamentar na função decisiva que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da atividade econômica. (GRAMSCI, 1989, p. 33) 82 Documento produzido no ano de 1998 e que se tornaria uma referência do empresariado para a sua intervenção nas empresas e universidades, submetendo-as aos interesses do setor produtivo. 83 Pensamento Nacional das Bases Empresariais. 428 Assim, apelando para uma maior participação dos setores da burguesia na sociedade, constata-se que por meio deste organismo as ações contingentes do empresariado na criação de projetos sociais (filantropia empresarial) ganha um novo significado através da chamada responsabilidade social empresarial. Esse novo projeto de sociabilidade se propõe a uma possibilidade de ação educativa da classe burguesa, visando sua consolidação enquanto dirigente de toda sociedade. Com isso, também ocorrerá uma intensa articulação desse setor nas políticas públicas sociais no Brasil, sedimentando os elementos para as inúmeras privatizações ocorridas neste período em torno do setor público. Nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso (1995-1998 e 1999-2002) houve uma organização empresarial de duas frentes. A primeira estava responsabilizada pela sistematização da nova pedagogia da hegemonia, através de: convencimento e mobilização dos empresários para a adoção da ideologia da “responsabilidade social”; representação política junto à aparelhagem estatal; difusão de um ideário de que as empresas estão sensíveis às causas sociais; forte apelo para uma grande ação da sociedade civil em prol do “voluntariado social”. A segunda forma de intervenção, perpassa pela intervenção de Fundações e Institutos ligados ao mundo dos negócios, adotando em seus projetos educativos os preceitos dessa nova ideologia (MARTINS, 2005, p. 150-152). O marco da reorganização do aparelho estatal na condução dos pressupostos da Terceira Via no Brasil teve como grande expressão a criação do Programa Comunidade Solidária, conforme relata trecho abaixo: A nova relação Estado-sociedade civil pautada na filosofia da colaboração foi catalisada pelo Programa Comunidade Solidária coordenado pela então primeira-dama do país Ruth Cardoso, fomentador de empresas cidadãs voltadas ao desenvolvimento social sustentável. Nessa perspectiva, começaram a despontar as empresas de responsabilidade social, que se organizaram no Grupo dos Institutos, Fundações e Empresas (Gife), criado em 1995, e no Instituto Ethos de Responsabilidade Social, criado em 1998. A noção de “capitalismo ético” vem guiando as ações das empresas associadas ao Instituto Ethos, que se tornou uma organização empresarial “cidadã” internacional com no Conselho Internacional do Pacto Global criado em 2000 pela ONU para tornar o mercado mais humano (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 200084). (FALEIROS; PRONKO; OLIVEIRA, 2010, p. 87-88) 84 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. O pacto global: liderança das empresas na economia mundial. Lisboa, 2000. 429 Nesta perspectiva, o intenso ataque a organização do sistema educacional brasileiro vem acompanhada do seu suposto antídoto: a participação de empresas e fundações na condução de um novo padrão educacional. Ao mesmo tempo, a perspectiva de modernização, flexibilidade, competitividade, desempenho e eficiência, é a justificativa para a necessária descentralização, autonomia e equidade desses sistemas. Com isso, percebemos a articulação de um novo padrão de sociabilidade, a Terceira Via, que através da sua expressão fenomênica - a responsabilidade social empresarial -, busca um redirecionamento da formação da classe trabalhadora. O debate que autores colocam na pauta do dia seriam; a) o resgate da função social da escola capitalista, conforme já destacado por Mészáros (1981, p. 273)85 e reafirmado na crítica elaborada por Freitas (1995) quando aponta que o seus objetivos principais seriam: “(...) a produção das qualificações necessárias ao funcionamento da economia, e 2) a formação de quadros e a elaboração dos métodos para um controle político” (FREITAS, 1995, p. 95); b) da necessidade da inserção de “parceiros” que possam através de um pacto entre governo e sociedade civil reestruturar o sistema de ensino brasileiro, tendo em vista uma gestão democrática e participativa da escola e (MARTINS, 2005); c) a mudança no padrão de gerenciamento da escola, a partir do acúmulo realizado no campo da administração empresarial (OLIVEIRA, 2003). A busca pelo modelo de dominação da hegemonia da burguesia industrial no Brasil implicou a necessária difusão do consenso de que seria preciso um processo de reestruturação do sistema educacional brasileiro. O primeiro argumento destacado pelos setores do empresariado, através da expressão máxima do sindicalismo patronal - CNI -, é a do aspecto da desoneração custo/benefício na educação. Para isso, a valorização da educação perpassa pela inversão da lógica de que esses setores precisam obter melhores resultados, contudo, as alternativas requerem a sua viabilidade financeira, ou seja, menores investimentos. O foco das políticas educacionais brasileiras deve está muito menos preocupada com os investimentos, e mais antenadas com as experiências que atestam uma melhora significativa da qualidade da educação (OLIVEIRA, 2003). 85 MÉSZÁROS, Istvan. Marx: A teoria da alienação. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. 430 2. A nova pedagogia da hegemonia e o empresariado em ação A partir dos elementos destacados anteriormente, é notável uma participação mais robusta do empresariado na disputa pelo gerenciamento da escola pública. Historicamente a sua luta se dava pela posse da educação profissional no país. No plano do controle dos investimentos na educação e da sua destinação, a descentralização dos recursos do FUNDEB86 e da participação da sociedade civil no controle social, não almejou um caráter popular. A respeito dessa polêmica, Oliveira (2003), faz o seguinte comentário: Se no âmbito desse documento houve um reducionismo da educação aos interesses imediatos do processo produtivo, em outros momentos, o empresariado procurou afirmar a importância da educação como elemento fundador de uma nova cidadania, para que os indivíduos tenham intervenção mais crítica no interior da sociedade. Entretanto, quando isso ocorreu, o empresariado elegeu a educação como meta fundamental para alavancar a modernização, responsabilizando-a pela mudança na problemática social. (OLIVEIRA, 2003, p. 51) Ao escolher a educação como setor prioritário, sua intencionalidade é o de apontar que é possível o direito à educação é perfeitamente compatível à sua exploração empresarial, quer seja através de projetos de Fundações “bem intencionadas” ligadas a estes setores, como também explorando um potencial mercado que surge pela ausência da sua oferta (no caso específico da proliferação das Instituições de Ensino Privado, no grau superior). Outro ponto que o CNI através dos seus solicita seria a da necessidade de um controle dos resultados da educação por meio da implantação de um sistema nacional e permanente, além de maior participação de instituições criadas pelo conjunto dos diversos setores do empresariado interessados na qualificação da mão-de-obra do mercado - a exemplo do SENAI e SENAC – na colaboração deste sistema de avaliação. Para estes setores, é necessário esse caminho para se conseguir uma sociedade industrialmente moderna e competitiva. Destaca-se a interlocução que esses projetos operam sobre a escola pública. Dentre as inúmeras instituições criadas pelos setores do empresariado para intervenção e formação do consenso do capital nas diversas instâncias da sociedade civil, citaremos 86 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica. 431 a experiência da Fundação Belgo-Mineira na cidade de Vespasiano, em Minas Gerais, tendo o seu início no ano de 2003. O estudo realizado por Thomaz (2005) discorre a evolução desta instituição criada no ano de 1988 e que passou a integrar o Gife, de uma ação pontuada de filantropia empresarial, para o marco da responsabilidade social empresarial. A proposta desta fundação, no seu início era prioritariamente na criação de projetos que pudessem disseminar a cultura do voluntariado entre os seus empregados. A educação para a cidadania pautava-se na estimulação no protagonismo de ações desenvolvidas pelos seus empregados e familiares nas comunidades em seu entorno, como forma de promover melhorias na suas respectivas formas de organização da vida coletiva. Neste sentido, para a Fundação, todos teriam retorno: a comunidade que receberia as ações; os seus empregados, pois teriam o prazer de ajudar ao próximo e à sua comunidade; e a empresa que teria uma equipe mais estimulada e consciente de seu papel no mundo. A partir da construção deste projeto, a autora vai destacar que em 1999 a Fundação Belgo-Mineira concentra suas ações na área educacional. O motivo: na área educacional, ao contrário da área social, é um campo estratégico cujos resultados já são reconhecidos pela empresa em curto prazo, além de ser um investimento que não se torna oneroso para a empresa. Dessa forma que a autora destaca esta ação enquanto um projeto maior de refuncionalização da atuação empresarial na sociedade, anunciando uma suposta melhoria nas condições da escola atuar com autonomia e promover a democratização da educação (THOMAZ, 2005, p. 238). O projeto inicial de grande impacto é o Programa Ensino de Qualidade (PEQ), como o próprio nome aponta, tem como objetivo a melhoria da qualidade do ensino. Para isso, atua diretamente com a formação continuada de profissionais da educação, para que se possa promover a construção de um projeto educativo que favoreça o sucesso escolar dos alunos. Neste sentido, a fundação firma uma política de convênios e cooperação técnica, buscando em suas ações parcerias com outras fundações que assegure a utilização do material didático, a exemplo da Fundação Pitágoras. Como desdobramento desse projeto inicial surge um segundo denominado SGI (Sistema de Gestão Integrada). Este destaca a necessidade de sua intervenção enquanto modelo de uma política municipal de educação. Esse programa buscou promover uma mudança desde o padrão de normatização da Secretaria Municipal de Educação até o monitoramento da forma como cada professor deveria trabalhar com a sua respectiva disciplina. 432 O campo de atuação do Programa Educação de Qualidade (PEQ) se delineia no que eles chamam de Escola Formal e um segundo, denominado de Atividades Suplementares. No campo de atuação “Escola Formal” o foco é a modificação do Projeto Político-Pedagógico, currículo, avaliação e o modelo de gerenciamento organizacional de empresas na escola. No campo “Atividades Suplementares”, as principais ações são: PEAS (Programa de Educação Afetivo-Sexual), Ver e Viver, Sempre Sorrindo, Ouvir para Melhor Aprender, ações ligadas ao meio ambiente e cultura. O que se anuncia é que para o projeto existe uma preocupação na “formação” dos futuros de uma concepção ético-moral da cidadania e do voluntariado. No aspecto operacional, essa experiência teve inúmeros problemas, pois, as escolas escolhidas para a atividade piloto deveriam possuir infra-estruutura básica e equipe técnica completa, além de um bom desempenho escolar. Outro problema deflagrado decorre da forma mecânica que este Programa tenta transpor para o espaço escolar a lógica empresarial. Quando apontado que o aluno é entendido como cliente, a educação escolar como produto, a família como fornecedores e do prefeito como “patrocinador”, percebe-se a tentativa de internalização de uma lógica que substitui a escola do seu papel de instituição para uma agência de mercantilização de conhecimentos. Como uma última consideração a ser apontada sobre a pesquisa é que evidencia que a base teórica que balizaram as estratégias educativas do Programa Educação de Qualidade baseiam-se majorirariamente nos postulados da pedagogia da competência, ao dar pouca ênfase à formação cognitiva do aluno, restringindo-a no conhecimentos rudimentares da leitura, escrita e cálculos. Com isso, mesmo apontando no projeto a necessidade de formação de cidadãos críticos e de um novo cidadão, os conhecimentos envolvendo a relação homem-natureza e homem-sociedade foram relegadas a segundo plano. 3. Considerações finais A crise estrutural exige de setores do capital a formação de trabalhadores mais flexíveis, adaptáveis às novas mudanças que estão ocorrendo no processo. Como nova expressão da burguesia do capital, a Terceira Via vem se consolidando como um caminho necessário para a educação do consenso dos trabalhadores. Esta forma de 433 sociabilidade é a justificativa encontrada para a contenção dos conflitos gerados no mundo da produção, sob a chancela do aparelho estatal. Na educação pública indicamos os sinais dos impactos da intervenção do empresariado através da perspectiva de Fundações ligadas aos setores empresariais assumirem o comando das políticas educacionais, no gerenciamento destas respectivas ações nos estados e municípios. Ao mesmo tempo, essa lógica afeta o trabalho pedagógico dos professores, ao limitar a sua capacidade de participar da proposta pedagógica da escola e, assim questioná-la tendo em vista assegurar os interesses da classe trabalhadora. No sentido de conter a denúncia à falaciosa tendência neoliberal, a perspectiva da Terceira Via, através da ideologia da responsabilidade social empresarial vem promovendo a recomposição não somente de setores da burguesia na condução éticopolítico do Estado brasileiro, mas ampliando a reprodução dos lucros. O controle ideológico da classe trabalhadora, a preparação menos custosa da sua força-de-trabalho industrial, além da difusão da propaganda de que as empresas estão preocupadas com as problemáticas que afligem a educação brasileira – sendo uma propaganda social do seu produto – são prerrogativas imprescindíveis para a recomposição da hegemonia do capital no Brasil. Para além do imediato, percebe-se que todo esse processo poderá flexibilizar futuramente o desmonte da educação básica, assim como já vem ocorrendo com o ensino superior, através da valorização de supostas boas experiências – que aqui já identificamos estas como de qualidade duvidosa - geradas pelos parceiros. Como fundo dessa discussão, percebe-se que dentro de um projeto maior de “parceria” com o aparelho estatal, essas fundações podem se tornar os novos protagonistas da condução do sistema educacional no país. Com isso, a luta pela defesa da escola pública perpassa pela sua ampliação no investimento e de que cada vez mais seja assegurada esta enquanto direito constitucional. Perpassa também pela luta dos seus trabalhadores contra a ofensiva dos setores dominantes de, ao estabelecer a crítica a educação brasileira, aponta como saída a defesa da eficiência e competitividade da escola pública, colocando a tarefa de substituição de um sistema nacional de educação por um sistema de avaliação por competências e habilidades. Para além das suas relações internas, a educação não pode ser entendida fora das relações sociais capitalísticas. Sendo assim, reafirmamos o posicionamento de Mészáros 434 (2004) de que as mudanças na sociedade não podem ser por meio de reforma de um capitalismo mais humanizado (tal qual defende os interlocutores da Terceira Via), mas que elas precisam ser estruturais. Eis que a defesa de superação do mundo do capital para além de uma perspectiva filosófica e política, se torna uma condição necessária frente à barbárie humana que se avizinha. Referências Bibliográficas FALEIROS, Ialê; PRONKO, Marcela Alejandra; OLIVEIRA, Maria Teresa Cavalcanti. Fundamentos históricos da formação/atuação dos intelectuais da nova pedagogia da hegemonia, p. 39-104, In: NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Org.). Direita para o social e a esquerda para o capital: intelectuais da nova hegemonia no Brasil. São Paulo: Xamã, 2010. FREITAS, Luís Carlos de. Crítica da organização do trabalho pedagógica e da didática. Campinas-SP: Papirus, 1995 (Coleção magistério: Formação e Trabalho Pedagógico) GRAMSCI, Antônio. 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OLIVEIRA, Ramon de. O empresariado industrial e a educação brasileira, p.47-60, In: Revista Brasileira de Educação, jan/fev/mar/abr de 2003, n. 22. 435 THOMAZ, Adriane Silva. Fundação Belgo-Mineira: o empresariado em ação, p. 237254, In: NEVES, Lúcia Maria Wanderley (Org.). A nova pedagogia da hegemonia: estratégias do capital para educar o consenso. São Paulo: Xamã, 2005. 436 PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA: UMA ANÁLISE DE RESULTADOS EDUCACIONAIS DE BOLSISTAS DO DISTRITO DE MARIA QUITÉRIA, FEIRA DE SANTANA-BA (2001-2007) Luis Carlos Santos Oliveira Antonia Almeida Silva Resumo O presente estudo, “Programa Bolsa Família: uma análise de resultados educacionais de bolsistas do Distrito de Maria Quitéria, Feira de Santana-Ba (2001-2007)”, teve por objetivo analisar se e em que medida o Programa Bolsa Família, vem cumprindo seu objetivo de manter o estudante na escola, bem como se esta “permanência” tem implicado em sucesso escolar. Partimos então do pressuposto de que a cidadania tutelar não leva os indivíduos a outro lugar senão ao assistencialismo que enclausura e limita os sujeitos no processo de conquista de seus direitos. Para o desenvolvimento da pesquisa adotou-se como metodologia o estudo documental, os quais abrangeram o Programa Bolsa Escola e o Programa Bolsa Família do Governo Federal, além dos registros de acompanhamento do programa e atas de uma escola pública do Distrito pesquisado. Como suporte à análise documental, foi elaborado e aplicado um questionário a 30 estudantes bolsistas, previamente selecionados a partir de critérios definidos. A análise dos dados vislumbrou uma percepção crítica e interrogou a concepção de cidadania que norteia o programa. Após a coleta e análise dos dados verificou-se que, no município de Feira de Santana, o acompanhamento dos resultados educacionais dos beneficiários encontra-se ainda imaturo e confuso, tendendo a corroborar com a crítica de outras pesquisas que apontam para o tímido resultado do Programa, inclusive em relação aos seus desdobramentos para a redução da evasão e do insucesso escolar. Pudemos concluir que a análise dos dados dos alunos do Colégio em questão apontou para dois caminhos. O primeiro indicando um avanço em termos de permanência dos estudantes na escola durante o ano letivo, considerando-se que estamos nos referindo a uma unidade escolar localizada em um distrito, locais que historicamente concentraram os índices mais elevados de evasão e repetência. Outro, não tão animador, revela que os resultados dos estudantes indicam fragilidades em termos do aprendizado necessário, ao menos, para o acesso às séries seguintes. Palavras-chave: Programa Bolsa Família; educação; cidadania, políticas públicas. O presente trabalho é fruto de monografia apresentada em um programa de pósgraduação, tendo como objetivo analisar se e em que medida o Programa Bolsa Família vem cumprindo seu objetivo de manter o estudante na escola, bem como se esta “permanência” tem implicado em sucesso escolar. O Programa Bolsa Família do Governo Federal tem origem em âmbito nacional no ano de 2001, a partir da implantação do Programa Nacional de Bolsa Escola, na 437 segunda gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso. De Programa Bolsa Escola, com a junção aos Programas Bolsa Alimentação e Auxílio Gás, já na gestão do presidente Luís Inácio Lula da Silva, passou a compor o então conhecido Programa Bolsa Família, em 2003. De sua origem, em 2001, aos dias atuais o Programa vem sendo considerado por alguns intelectuais, órgãos e instituições como um dos mais importantes programas sociais da atualidade em nosso país. Dentre os discursos de aprovação ao programa situa-se o de que ele constitui um importante instrumento no combate à pobreza, além de promotor da cidadania. O Programa integra atualmente os chamados Programas de Renda Mínima, os quais segundo Machado(2007), têm por principal característica o fornecimento de um benefício na forma monetária sem a necessidade de uma contribuição anterior. Se o Programa Bolsa Família tem encantado a muitos, principalmente aos que dele se beneficiam (percebido nos altos índices de aprovação do governo Lula e por que não dizer da eleição de sua sucessora) não podemos esquecer que também tem recebido críticas acerca de alguns outros aspectos. Verifica-se nesse cenário, portanto, de um lado aqueles que aprovam e apóiam a iniciativa, justificando a capacidade de melhoria nas condições de vida das famílias beneficiárias, muitas das quais tem nessa fonte a única renda familiar; outros pela capacidade de movimentação dos comércios e serviços locais, contribuindo para a geração do que chamam de ‘novos postos de trabalho’; há também aqueles que defendem a capacidade de manter estudantes na escola e o cartão de vacinação dos filhos em dia. Por outro lado, os que trazem argumentos mais críticos apontam deficiências na estrutura do programa a partir do que se propõe em seus próprios objetivos. Dentre as críticas pode-se destacar a incapacidade de sozinho, conseguir acabar com a pobreza e com a fome; insuficiência dos recursos para a manutenção básica da família; inadequação dos serviços de saúde e educação para recebimento das novas demandas provenientes da obrigatoriedade de cumprimento das chamadas condicionalidades (condições exigidas para permanência no Programa); alcance limitado dos objetivos das condicionalidades; propensão ao comodismo; e, principalmente, fragilidade na promoção à cidadania. 438 Da questão norteadora à metodologia da pesquisa: o caminho trilhado e os conceitos Nesta caracterização do PBF, enquanto parte de um programa maior, o Fome Zero, que visa contribuir para a conquista da cidadania pela parcela da população mais vulnerável à fome, nos voltamos para o questionamento da noção de cidadania referida no programa, bem como os seus efeitos para os beneficiários ‘conquistarem’ o sucesso escolar. Desta forma coloca-se a seguinte questão: o Programa Bolsa Família vem cumprindo seu objetivo de manter os alunos beneficiários na escola? Em que medida esta permanência vem se configurando em sucesso nos estudos dos integrantes do Programa, com vista à conquista da cidadania? Partimos então do pressuposto de que a cidadania tutelar não leva os indivíduos a outro lugar senão ao assistencialismo que enclausura e limita os sujeitos no processo de conquista de seus direitos. Assumimos aqui que o processo de construção e conformação da cidadania não se dá de forma tutelar ou pelo assistencialismo, mas sim pela participação do indivíduo na vida social, política e econômica, interagindo com os diversos movimentos de contestação das estruturas de dominação capitalista que alienam e contribuem para a reprodução de diferentes formas de exclusão, massificação e exploração dos dominantes pelos dominados, como defende Saes(2000). Quanto à compreensão de educação, referenciados por Silva (2007), compreendemos que “em sua unidade dialética com a totalidade é um processo que conjuga apropriação e reelaboração de saberes, cujas marcas são as aspirações e necessidades dos seres humanos no contexto de sua situação histórico social” (p. 32). Desta forma, ela faz sentido a partir do momento em que se dá a construção de novos saberes, redesenhados e reelaborados visando a formação intelectual, a informação que fundamenta a reflexão e mobiliza a práxis, como também a definiu Patto (2007). Assim sendo, de que forma a permanência na escola pode vislumbrar as competências acima a partir da concepção de cidadania que o programa propõe promover a partir dos seus objetivos e das condicionalidades exigidas? Lembramos que exigem como contrapartida de seus beneficiários a simples matrícula e permanência dos estudantes na escola sem, por outro lado, garantir meios de que sua permanência nos 439 espaços escolares seja acompanhada de um aprendizado que o faça não só progredir nos estudos, mas se situar como sujeito histórico, isto é, agente social de mudança. Para dar conta das questões acima levantas a pesquisa foi realizada essencialmente com fontes escritas. Desta forma, o procedimento metodológico mais adequado à apreensão dos dados necessários à compreensão do objeto de estudo foi a pesquisa documental. Ao decidirmos por tal caminho, nos referenciamos por Demo (1992), o qual chama a atenção para que, ao analisar dados, em particular dados que referenciam apenas indiretamente o fenômeno pesquisado, é essencial colocar o que não dizem, revelam e o que encobrem, pois (...) “o mesmo dado pode permitir ilações contraditórias, dependendo de seu encaixe teórico” (p. 14). Assim sendo, a análise de documentos requereu atenção redobrada àquilo que se tentou apreender. Dentre as fontes documentais foram utilizados os Decretos Federais onde foram coletadas informações relativas à criação e regulamentação do Programa Bolsa Escola e sua posterior inclusão no Programa Bolsa Família; os critérios de inclusão/exclusão no Programa; as condicionalidades; resultados; beneficiários; valores da bolsa; bem como relatórios anuais do Governo Federal acerca do Programa. Compõe ainda as fontes documentais o Censo Escolar da Secretaria Municipal da Educação de Feira de Santana referente ao ano de 2006, de onde foram apreendidas informações acerca do rendimento escolar dos estudantes do município no referido ano. Além da Secretaria Municipal foram também utilizados os censos escolares da Secretaria Estadual da Educação referentes aos anos 1996 à 2005, disponíveis no site da SEC/BA. Na unidade de ensino pesquisada foram coletados dados relativos aos rendimentos dos alunos, contidos nas atas de final de ano do período compreendido entre 2001 a 2007, além de diários de classe e documentos referentes aos alunos bolsistas do colégio. Estes documentos embora tenham se constituído em fontes importantes não foram suficientes para dar conta da questão empreendida, razão pela qual foi elaborado e aplicado um questionário com 30 estudantes beneficiários do Programa. Inicialmente foi necessário identificar os estudantes bolsistas do Colégio. O questionário foi então aplicado aos estudantes da 5ª à 8ª série, no turno matutino e vespertino. A aplicação do questionário a este segmento deve-se ao fato de que o colégio funciona com estas séries no diurno. Além da identificação dos estudantes bolsistas fez-se necessário localizar dentre os bolsistas aqueles que estavam no programa há mais tempo e estudando na mesma unidade de ensino. 440 O processo de tratamento dos dados passou por etapas que possibilitaram o seu melhor aproveitamento, quais sejam: sua localização, catalogação, descrição, para posterior interpretação à luz das discussões teóricas sobre o tema. Os documentos foram analisados sob uma perspectiva crítica e contextualizada e, por assim dizer, qualitativa, tendo em vista que nenhum documento seja ele escrito, visual ou auditivo, está isento das subjetividades, interesses e visões de mundo daqueles que os produzem, bem como do meio em que foi gestado. A unidade escolar na qual foram feitas as coletas de dados, localiza-se no distrito de Maria Quitéria, município de Feira de Santana. Sua escolha foi impulsionada pelo fato de que historicamente as escolas localizadas no campo apresentaram (e de alguma forma ainda apresentam) índices sociais mais preocupantes que os centros urbanos em nosso país, principalmente se tratando de desempenho escolar. Tendo em vista que, de 700 alunos matriculados, aproximadamente 60%87 possuíam a bolsa, foi necessário proceder à seleção de um grupo representativo. O critério de seleção utilizado foi então o de analisar os dados de estudantes que tivessem a bolsa por mais de dois anos e no mesmo colégio. Assim, obteve-se um total de 30 alunos. Resultados educacionais de bolsistas: controvérsias do Programa Bolsa Família Iniciamos a análise do desempenho dos estudantes da unidade escolar pesquisada a partir de uma provocação feita por Patto (2007), no artigo “Escolas cheias, cadeias vazias: nota sobre as raízes ideológicas do pensamento educacional brasileiro”. Neste trabalho, refletindo sobre os resultados das escolas públicas brasileiras, Patto questiona: O panorama atual da sociedade brasileira, embora não mais pautado pelo modo de produção escravista, nos põe, no entanto, diante da seguinte questão: até que ponto o Estado, num país que faz parte da lógica da globalização, que dispensa cada vez mais o trabalho de grandes contingentes de trabalhadores, e que está entre os campeões mundiais de desrespeito bárbaro aos direitos humanos, vê-se de fato diante da premência de investir num sistema de instrução pública que garanta a todos a posse de habilidades e conhecimentos a que têm direito como participantes de uma sociedade em 87 Visto que a escola não possui dados exatos de quantos possuem a bolsa pois alguns alunos, embora conste do Cadastro Único como pertencente à unidade escolar, não são localizados na escola, devido a ocorrência de transferências e a não atualização dos dados pela Secretaria de Ação Social do Município. 441 que predominam o letramento e a informação técnico-científica e que os domestique por meio de uma visão ideológica de mundo? (p. 262) O questionamento formulado pela autora nos provocou a pensar os dados educacionais dos estudantes participantes do Programa Bolsa Família tentando, em diálogo com Patto (2007), transpor a simplificação das análises de dados que não contemplam o contexto e conjuntura nos quais o fracasso escolar se impõe. Os dados referentes à aprovação, reprovação e abandono da unidade de ensino em questão entre os anos de 2001 e 2007 (período de implantação do Programa Bolsa Escola em nível nacional e três antes da implantação do Programa Bolsa Família) de acordo com informações retiradas das atas de final de ano, nos apresentam o seguinte quadro: Ano Total de Alunos 2001 549 2002 472 2003 636 2004 665 2005 652 2006 633 2007 578 Aprovação 70,86 68,85 56,45 46,01 58,59 51,18 58,82 Reprovação 10,93 15,68 22,8 36,09 22,85 37,6 30,45 Abandono 17,12 15,04 16,04 15,34 4,91 9,16 8,8 Fonte: Atas de resultados finais referentes aos anos de 2001- 2007 Como podemos visualizar no quadro acima, o volume de matrículas no colégio apresentou no intervalo oscilações, revelando um volume maior de ingresso de estudantes no ano de 2004 (um ano após a implantação do PBF) apresentando tendência à queda nos anos seguintes. Quanto aos dados referentes à aprovação verificamos que se no ano de 2004 o colégio recebeu um volume maior de matrículas, é também neste ano em que se percebe a menor taxa de aprovação do período, 46,01%, ou seja, menos da metade dos estudantes matriculados conseguiram aprovação. Conseqüentemente a taxa de reprovação é elevada em relação aos anos anteriores. Se compararmos as taxas de 2006 e 2007 com as de 2001 e 2002 o número de alunos que foram reprovados apresentam um salto considerável. Da série de dados apenas as taxas de abandono acenam para uma crescente queda, embora se levarmos em consideração o ano de 2005, os anos de 2006 e 2007 já apresentam um aumento de quase 100% em relação àquele 442 ano. Por outro lado, ainda encontra-se bem abaixo dos índices de 2001 bem como do histórico de abandono escolar registrado nas áreas rurais do Brasil. Como podemos perceber, os dados referentes ao desempenho dos alunos nos anos de 2001 e 2007 não são muito animadores. Embora verifiquemos uma tendência à queda na evasão escolar no período acima, por outro lado, os problemas se acentuam na reprovação escolar. A queda considerável na taxa de abandono registrada no ano de 2005, 4,91%, pode ser um dos reflexos dos programas sociais do governo federal que começou a partir de então a incluir um numero maior de beneficiários, como já indicam algumas pesquisas a exemplo do que encontramos em Medeiros et al (2007). Para estes autores as crianças atendidas têm menor probabilidade de faltar a um dia de aula por mês em comparação com crianças em domicílios similares que não recebem o benefício, além de ser menor a probabilidade de as crianças beneficiárias abandonarem a escola. Enquanto as taxas de aprovação no Estado da Bahia se mantêm estável, variando entre 64 e 66%, os dados referentes ao colégio apresentam uma variação mais irregular, apontando para índices inferiores àqueles a partir de 2003. Entretanto, vale ressaltar que os dados da SEC dizem respeito às unidades de ensino urbanas e rurais, públicas e privadas do estado, o que limita nossa comparação com estabelecimentos de ensino da mesma situação administrativa. Apesar de representar um avanço, não podemos olhar para a progressiva redução das taxas de abandono como sendo a tábua de salvação das escolas brasileiras, pois, como bem lembra Patto (2007, p. 244), “o ensino público está aquém até mesmo da ‘pseudoformação’ criticada por Adorno (1995), ou seja, até mesmo do ensino limitado à racionalidade instrumental”. Assim sendo, pelos dados apresentados os próprios objetivos de escolarização dos indivíduos ainda encontra-se longe de ser alcançado pelas nossas instituições públicas de ensino. Os dados referentes à série 2001-2007 não apontam melhoras nos resultados no universo dos estudantes do colégio, à exceção da redução das taxas de abandono, como já pontuei. Diante disso, poderíamos então nos perguntar: como anda o desempenho dos estudantes integrantes do Programa Bolsa Família? Acompanham o mesmo processo dos dados universais ou seu desempenho, influenciado pela exigência da freqüência à escola, sofreu alguma mudança? 443 Considerando que os dados coletados nos diários escolares não nos davam uma noção mais completa sobre a permanência e o desempenho dos beneficiários do Programa na escola, elaboramos e aplicamos um questionário. Dos cinqüenta alunos (bolsistas) inicialmente selecionados, apenas trinta e seis estavam no colégio há mais de dois anos. Destes trinta e seis apenas trinta possuíam as informações completas quanto à freqüência, e desempenho nas disciplinas. Os resultados referentes ao ano de 2005, apontaram taxa de aprovação de 50% indicando uma séria fragilidade no aprendizado destes alunos visto que, dos quinze aprovados (que correspondem aos 50%) seis obtiveram média final 5,0, o que nos leva a deduzir que provavelmente tenham sido aprovados por Conselho de Classe. A taxa de reprovação mostrou-se muito elevada, ainda mais se a compararmos com a taxa registrada na Bahia no mesmo período, que era de 19%. Assim como nos dados gerais do Colégio, a taxa de abandono entre os bolsistas aponta para queda acentuada, pois enquanto no estado foi registrada uma taxa de 14,9%, entre os bolsistas verifica-se um percentual de 6,67%. No ano de 2006, de acordo com a ata de resultados e dos diários de nota, a taxa de aprovação apresentou queda acentuada, de 50% no ano anterior, para 40%, em 2006, ou seja, menos da metade dos bolsistas analisados conseguiram aprovação naquele ano. Em equivalência, mais da metade destes são reprovados, sendo que a taxa de abandono permaneceu a mesma. O desempenho geral da escola no ano de 2006, entretanto, alcançou 51%, percentual superior ao alcançado pelos estudantes beneficiários do Programa Bolsa Família, que atingiu o patamar de apenas 40% de aprovação. Apresentando uma gangorra, no ano de 2007 as taxas são invertidas, apontando para um desempenho melhor que os anos anteriores, indicando uma taxa de aprovação maior e reprovação menor. A comparação dos resultados de 2007 dos bolsistas com o resultado geral da escola mostra que os resultados são muito próximos com 60% e 58,82%, respectivamente. Observando os resultados mais de perto podemos verificar que as taxas de reprovação estão concentradas, em sua maior parte, entre os estudantes da 5ª série. Dentre os dez alunos da quinta série nove são repetentes e um tem histórico de 444 abandono nos últimos anos. A partir das séries seguintes as taxas de reprovação tendem a cair. Quanto às freqüências dos alunos, a análise dos diários aponta para uma maior presença destes alunos no colégio, com as faltas anuais oscilando entre 10% e 20% do total de dias letivos. Um avanço se pensarmos nos históricos números de alunos que evadiam as unidades escolares, situação ainda mais agravada no campo, quando muitos estudantes, pela necessidade trabalhar deixavam os bancos escolares, ou até mesmo pela falta de transporte e recursos para compra de fardamento e material escolar. Diante dos dados, a afirmação feita por Patto (2007) faz cada vez mais sentido, tendo em vista que a escola, que deveria no mínimo promover o letramento de seu público não o tem feito. De que forma então o Programa Bolsa Família pretende contribuir para o desenvolvimento desses sujeitos, posto que exige de seus beneficiários apenas o comparecimento à escola para a garantia dos recursos mensais? Acreditamos que o papel da escola deveria ser o de promover uma educação que dê conta de uma formação intelectual, entendida como acesso à informação que fundamenta a reflexão e mobiliza a práxis. A implementação de um sistema educacional que assim procedesse contribuiria para a formação de sujeitos conscientes da situação de exploração e desigualdade a que é submetida a grande maioria de nossa população bem como para a luta e garantia de seus direitos por meio da mobilização social. Lembrando também que a própria formação escolar destes contribuiria sobremaneira para sua profissionalização e, assim, ao pleno emprego (pensando em políticas públicas de longo prazo, não imediatistas). Por certo o imediatismo de nossas políticas públicas tem causado a formação de uma massa de homens e mulheres cada vez mais dependentes e clientes de serviços que em longo prazo não trazem nenhum benefício em termos de autonomia, para que possam ‘caminhar’ com suas próprias pernas. Considerações finais A análise dos dados dos alunos do Colégio pesquisador apontou para dois caminhos. O primeiro indicando um avanço em termos de permanência dos estudantes na escola durante o ano letivo, considerando-se que estamos nos referindo a uma unidade escolar localizada em um distrito, local que historicamente concentra índices 445 mais elevados de evasão e repetência. Outro, não tão animador assim, revela que os resultados dos estudantes indicam fragilidades em termos de aprendizado necessário, ao menos, para o acesso às séries seguintes. Desta forma, aquilo que Moura (2007) chama de aparente confusão e esquizofrenia dos referenciais ‘filosóficos’ das políticas sociais pode e deve ser levado em consideração se houver pretensão no redirecionamento efetivo das ações governamentais na busca de soluções de nossos problemas sociais. O primeiro passo a ser dado diz respeito ao próprio entendimento de cidadania do Programa, pois, ao que parece, mostra incompatibilidade com seus objetivos, visto que, criança na escola não implica, necessariamente, saída da escola (após o cumprimento de todas as etapas). A não adequação das políticas públicas às reais necessidades dos grupos historicamente excluídos continuaremos, como bem afirmam Brandão e Craveiro (1999), a ver multiplicar entre nós, os estudantes sem estudo, os trabalhadores sem trabalho, os cidadãos sem cidadania. E por sinal, esta imagem dos ‘sem’ nos é diariamente mostrada nos diversos jornais em circulação, ratificando o acima exposto. Dessa forma, o desafio que se coloca para a sociedade brasileira, é a superação da não cidadania, como cidadania de segunda classe, também conhecida por cidadania pela metade ou pseudo-cidadania. A superação dessa realidade passa pela cidadania ampliada, coletiva, concreta, histórica, que pressupõe a realização dos direitos, associada à possibilidade de realização dos deveres do homem no mundo. A ‘cidadania ampliada’ requer desta forma, a participação ativa dos indivíduos no cumprimento de seus deveres no mundo, pois, caso se pretenda a conquista dos direitos estes devem ser direcionados a todos e só será possível mediante uma atuação consciente e coletiva. Por fim, para que a escola contribua para a construção da cidadania, é preciso que se redirecione e se articule com a sociedade organizada, com a comunidade que a financia, e que o Estado, em seus projetos sociais e políticas públicas, assuma a implantação de várias medidas administrativas e, principalmente, pedagógicas. Enfim, estes continuam sendo os desafios para a prática cotidiana da escola que deve ter como pressuposto a compreensão de que cidadania e democracia andam juntas e buscam a libertação política real de homens e mulheres. 446 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABRAMOVAY, Miriam et al (coord.). Bolsa Escola: melhoria Educacional e Redução da Pobreza. Brasília: UNESCO, 1998. AGUIAR, Marcelo. Educação e Oportunidades: o exemplo mexicano. Brasília: Editora Missão Criança, 2006. AMARAL, Luís Henrique. Isso é uma revolução: o ministro Paulo Renato coleciona alguns dos melhores números do governo FHC. Revista Veja. Ano 34, n. 36 (set. 2001), p. 106-109. ANDRÉ, Marli Eliza D. A. Etnografia da Prática Escolar. Campinas, SP: Papirus, 1995. ARANHA, Maria Lucia de Arruda. História da Educação. Editora Moderna. 1996. São Paulo. p. 197. ÁVILA, Antonio Sandoval. Trabalho infantil e inassistência escolar. Revista Brasileira de Educação. v.12, nº34: Rio de Janeiro, jan./abr. 2007. BETTO, Frei. 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Autores com Bauman (1998), Gomes (2007), Merton (1949), Minayo (1994) Espinheira (2007), entre outros, serviram de referência para o processo de construção deste artigo. Os jovens são as principais vítimas de um ambiente social adverso, expostos a situações de vulnerabilidade social e violência. A matéria vinculada no jornal A Tarde aponta para um aumento de 263% nos últimos dez anos no número de jovens recolhidos a casas de custodia (BANDEIRA; SANTANA; CIRINO, 2007). Em Salvador, 4.500 jovens infratores foram encaminhados a tutela do Estado. O perfil destes jovens, que se transformaram em vitimizadores, é caracterizado pelo sexo masculino, a raça/cor negra e por relatar casos de agressões familiares, físicas e psicológicas. Têm em média 14 a 26 anos de idade, são moradores de comunidades carentes, em 90% dos casos não possuem o ensino fundamental completo e 86% são usuários de drogas. O aumento dessa população “carcerária” juvenil representa o fracasso do Estado em prover oportunidades e acesso à educação e à economia, que garanta uma inserção produtiva e dialógica com o processo de exercício de cidadina. Há uma migração das periferias, das favelas, em direção as cadeias onde, por falta de assistência adequada, aprofundou-se o envolvimento com o crime, retroalimentando esse sistema excludente. É preciso tratar da criminalidade como conseqüência do fracasso dos programas econômico-sociais que ao longo da nossa história resultou na exclusão de grande parte da população. Para o desenvolvimento desta pesquisa utilizamos o método qualitativo, apoiado no estudo de caso, metodologia esta amparada na obra de Yin. Palavras-chave: Políticas Públicas. Violência. Educação. Juventude. Introdução “Aprendemos a voar como pássaros, a nadar como peixes, mas não aprendemos a viver como irmãos” Martim Luter King A história da formação da sociedade brasileira é marcada ao longo do tempo pelo regime da escravidão no qual o indivíduo era desqualificado na característica fundamental de pessoa humana e tratado como "mercadoria" de manipulação dos seus 450 "donos" estabelecendo a servidão de índios e negros, posteriormente instumentalizou comportamentos de “mando”, por parte de uma pequena elite branca e de “submissão” para o restante da população marginalizada em relação ao poder. Chauí 2007, aponta que a verticalização, o autoritarismo, a hierarquização, o clientelismo, a violência estrutural e simbólica, são as principais características do Brasil contemporâneo, que mitificou uma imagem de país democrático, não violento, onde a existência de conflitos sociais e éticos foram negligenciados. Mas não simplesmente ignorados, as nossas contradições são vistas como perigo a “ordem”, exemplo claro o golpe militar de 1964, onde a luta social recebeu a resposta das “elites”: a força da repressão militar e policial. A cidadania é vista como uma concessão do Estado e dos detentores do poder, um beneficio as camadas populares, as classes perigosas (a pobreza), que pode ser retirado a qualquer momento em nome da segurança nacional e da democracia (ou seja, para a proteção das elites) todas as vezes que se sentirem ameaçados, em todos os momentos que seus privilégios estejam em risco. Como afirma Adorno (1994) no período Imperial à sociedade brasileira resolvia os seus conflitos relacionados à propriedade, ao monopólio do poder e à raça utilizando de modo geral o emprego da violência física e simbólica. Este era considerado um comportamento normal, legítimo e por ser rotineiro passava a ser institucionalizado. Ao longo da história do nosso país, o que se tem observado é que mesmo com a implantação do regime republicano88, cujo fundamento básico era o bem comum e o bem público a todos os cidadãos, esse quadro de violência alterou-se adaptando-se a nova realidade, desenvolvendo novos mecanismos de opressão e exclusão, até porque, no campo político, temos convivido com várias alternâncias de regimes autoritários e ditatoriais que implodiram o direito das minorias. Estes foram períodos que trouxeram elevados custos à convivência democrática do nosso povo, com violações do direito à vida e inúmeras mutilações físicas ou psíquicas, mas infinitamente pequenas em relação à mutilação do processo político, de sua evolução, redundando em prejuízos sociais de difícil mensuração, mas com reflexos sentidos por toda a sociedade. Assim foi a apropriação das forças policiais e das forças armadas para a garantia de uma “ordem” apesar desta “ordem” ser contestada, gerando a sua deformação em 88 Para melhor compreensão da formação do regime republicano no Brasil ver José Murilo de Carvalho, A Formação das Almas – O Imaginário da República no Brasil, Companhia das Letras. 451 relação a sua finalidade de proteção do cidadão para predador da cidadania que até hoje sentimos, ao largo de qualquer controle social, autista em seus processos e técnicas. O mesmo ocorreu com a justiça, defasada e anacrônica, anti-social e elitista, atenta a condenação dos desvalidos e relapsa em relação aos poderosos. Durante muito tempo, a discussão sobre a segurança pública ficou a cargo do Estado e de suas instituições, tratada como caso de polícia. Hoje, o alto indicie de criminalidade que aflige a sociedade, principalmente nas comunidades carentes, trazem aos holofotes da mídia o debate do enfrentamento da violência. Estamos em um mundo de múltiplas verdades, onde na academia através de uma mediação crítica busca a construção de políticas públicas governamentais e não governamentais (sociedade civil, Ongs) de combate a violência. O medo generalizado da violência coloca-a como questão de ordem. Questionase em todas as esferas da sociedade a presença e o papel do Estado no combate a violência (BAUMAN, 1998). Hoje é possível afirma a existência de um consenso a respeito da incapacidade do Estado em promover a segurança e controlar a violência. Diante dessa nova realidade percebe-se a necessidade de se abandonar a postura de um Estado penal centrado no controle do delito e na punição (Wacquant, 2001), passando para uma nova forma de participação popular onde irá favorecer um sentimento de pertencimento comunitário na busca da construção de um novo modelo de prevenção e controle da violência. A partir dessa perspectiva é possível se construir um campo, ou seja, um espaço social onde os atores sociais sejam capazes de interagirem, influenciarem-se e discutirem propostas e práticas, reconhecendo as ambivalências e contradições na construção de política públicas de prevenção e redução dos danos sociais. Valorizando, consolidando e ampliando o exercício da participação cidadã. A Multidimensionalidade da Violência Não existe um conceito fechado de violência, ele varia de acordo com cada sociedade, acontecendo sob as mais variadas formas (podemos falar da violência estrutural, psicológica, física, simbólica). Envolvendo diferentes atores, em diferentes dimensões. Porém, nas sociedades ocidentais há uma singularidade em conceituar a 452 violência enquanto perda dos direitos e/ou quando o cidadão tem sua integridade moral e física ameaçada (Schilling, 2004). A violência pode tanto ser um mecanismo de defesa, quanto pode ser intencional. Para Hannah Arendt (1994), a violência é um instrumento, não o fim, com isso a autora busca colocá-la dentro das manifestações das relações sociais. Segundo Foucault (1998), a violência pode ser vista enquanto dispositivo de controle, tanto por parte do aparato oficial do Estado, quanto de pequenos grupos por meios ilícitos. A violência se constitui uma forma de poder sobre as pessoas pelo medo que gera, estagnando-os, fazendo com que vivam medos individuais de forma solitária, alimentados por um sentimento de impotência frente à realidade, frente ao desconhecido, gerador de uma vulnerabilidade frente ao outro. O medo enquanto sentimento é vivenciado solitariamente, reforçando assim o poder da violência. Silva (2005) cita a filósofa Marilena Chauí para afirma que: (...) a violência tem uma expressão multifacetada: seria tudo o que se vale da força para ir contra a natureza de um agente social; todo ato de força contra a espontaneidade, à vontade e a liberdade de alguém (é coagir, constranger, torturar, brutalizar); todo ato de transgressão contra o que uma sociedade define como justo e como um direito. Conseqüentemente, violência é um ato de brutalidade, sevícia e abuso e/ou psíquico contra alguém e caracteriza relações intersubjetivas e sociais definidas pela opressão e intimidação, pelo medo e o terror. (Chauí apud Sallas, 1999:25) Minayo (1994) enquadra as múltiplas formas de violência em três grandes categorias, a estrutural, a da resistência e a da delinqüência. A primeira corresponderia a expressões da desigualdade social construídas historicamente, onde as pessoas são impedidas de ter acesso a seus direitos sociais básicos e fundamentais. A segunda refere-se à construção de uma cultura de dominação e de inferioridade do diferente, fundamentados em preconceitos de classe e raça, a partir de representações simbólicas da realidade social. Por fim a da delinqüência produto da reação ou não do individuo sujeito a violência estrutural e da resistência, para fins pessoais, obter: o que lhe é negado, sem observar quaisquer princípios ou normas sociais. Para Durkheim (1898), a violência representa um estado de fratura nas relações sociais, das normas, uma das formas de regulação da vida humana, é o conjunto de normas sociais que pode ser visto de diferentes formas pelos indivíduos, influenciados por um olhar de classe. A violência funda-se sobre as desigualdades e as agressões são suas expressões mais externas e evidenciadoras. Admite varias origens, tanto do 453 aprendizado social, quando de fatores externos ao indivíduo, já que o homem é influenciado também por suas condições de existência. A violência não deve ser considerada apenas em seus atos, suas linguagens, devem levar em consideração também os sentimentos subjetivos de violência, que reforçam o medo e instalam um ambiente de insegurança. É necessário buscar perceber os elementos emocionais e relacionais colocados sobre o fenômeno da violência. A Sociedade da (In)segurança: Formas Estruturantes e a Dinâmica do Estado Hoje a violência está representada no nosso imaginário, materializada em nossas ações, no aparato de segurança (grades, seguranças particulares, câmeras e outros) que montamos para nos “isolarmos”. A medida que aumentamos nossos aparatos de segurança, proporcionalmente aumentam nossos medos. Somos todos parte desse cotidiano inseguro que atinge de maneira diferenciada as pessoas, institucionalizado pelas hierarquias sociais que se manifestam do nascimento do indivíduo até o cumprimento de todas as etapas de sua vida, presente na desigualdade de acesso a uma educação de qualidade, a um sistema de saúde digno e eficaz, ao trabalho, a moradia. No abandono, por parte do Estado, das garantias do bemestar social a toda a população, sem distinção de classe, raça e gênero, portanto, se concretiza nas práticas das desigualdades89. A contemporaneidade move-se sob o signo das incertezas, da violação das garantias sociais duramente conquistadas ao longo do fim século XIX e inicio do XX, e do sentimento de insegurança (Bauman, 2000; Wacquant, 2001) opondo-se ao que Bauman (2000) coloca como necessário para que o individuo viva e produza em coletividade: a segurança, as certezas e as garantias. Schiling (2004, p.15) mostra que “como cidadão vivendo na sociedade atual, sentimo-nos como equilibristas na corda bamba.” Na era das incertezas não existem garantias. Na concepção da professora Alba Ramos, vivemos em um Estado de separação, de diferença, a sociedade é o coração do Estado90, mas esse Estado separou-se dessa 89 Como afirma Francisco de Oliveira há um flagrante desmantelamento do Estado brasileiro. O Estado, é produto da sociedade, fruto das suas contradições internas, que se utiliza da força legitimada e de outros mecanismos em prol do controle social. Para uma maior compreensão da Relação entre Estado e sociedade civil ver, Bobbio, Norberto. Estado, Governo, Sociedade – para uma teoria geral da sociedade. São Paulo, 1997. 90 454 sociedade, tornou-se anacrônico. Hoje, podemos ver claramente um divórcio entre o que a sociedade deseja e o que o Estado desenvolve em ações. As sociedades e os indivíduos abriram e abrem mão de sua autonomia em prol da normatização do Estado, da garantia do bem comum, mas o Estado deixou de ser representativo, respeitado91. A globalização vem exigindo a diminuição do papel do Estado. A discussão sobre o novo liberalismo e as privatizações da rede social (saúde, educação) refere-se, sobretudo, às obrigações e deveres que o Estado tem com a sociedade e com a família, com a criança e o adolescente, com os idosos e a responsabilidade com os diferentes grupos étnicos e que quase sempre não são cumpridas. A desarticulação do Estado do bem-estar-social, influenciado pelo modelo econômico neoliberal, vem estimulando o surgimento de uma sociedade individualizada, baseada na concentração e na exclusão. O Processo Sócio-espacial A exclusão social no Brasil coloca-se enquanto forma de maior expressividade no processo de desenvolvimento econômico brasileiro (Caio Prado, 2004; Celso Furtado, 2004). Ao longo da nossa história recente há uma profunda e estrutural persistência das desigualdades sociais. A exclusão e a inclusão social enquanto fenômenos manifestam-se espacialmente, territorialmente, na dificuldade de acesso as infra-estruturas urbanas, na favelização do território, na precariedade dos serviços públicos. Os anos 1970 e 80 registraram uma forte expansão urbana nas regiões metropolitanas, em especial a cidade de Salvador, que em pouco mais de 30 anos teve uma explosão demográfica saltando de uma população de 1.007,195 para 2.457,000 em 2000, segundo dados do IBGE, esse crescimento vertiginoso é marcado por uma desigualdade social no uso e ocupação do solo urbano, a favelização do território, local propício para a fusão entre desigualdade e a segregação, evidenciando uma relação dialética entre as questões sociais e espaciais. Há uma concentração dos pobres nas periferias dos centros urbanos92. 91 No caso do Brasil em especial, a nossa formação histórica é marcada por uma cultura de exclusão e marginalização social, onde predomina relações de clientelismo, corrupção, de cooptação do público e do privado. 92 O forte processo de migração das populações rurais e das pequenas cidades do interior em direção as regiões metropolitanas resultou em um amplo e acelerado processo de crescimento urbano, ligado a imposição de deslocamento dos pobres em direção a áreas periféricas das cidades, sem infra-estrutura urbana. 455 O conceito de periferia em nossa sociedade nos remete a pensá-lo não apenas no sentido estrito de caráter espacial, é preciso ir além, é necessário vê-lo na suas dimensões socioeconômicas, como forma de conceituar e estigmatizar bairros carentes em todos os sentidos, onde os serviços públicos são deficitários e negligentes, onde a população é majoritariamente negra e pobre. O crescimento urbano desordenado, a favelização do território, o agravamento das constantes crises econômicas, a forte desigualdade de distribuição de renda são, em parte, fatores explicativos da violência disseminada na sociedade segundo Gomes (2007 a). Para a “elite” brasileira, hoje “aterrozida” com os índices de violência que batem as suas portas, os pobres trazem consigo os estigmas da violência, da suspeição, da predisposição ao crime, já que a sua pobreza material, por conseqüência cultural e simbólica potencializam suas chances de ingressar em condutas criminosas. Nas palavras de Espinheira (2007), “a pobreza contribui para a violência, não que o pobre seja mau, mas é embrutecido pelo não ter, por estar longe de uma educação de qualidade, de bens de consumo, forçados a adaptar-se à lógica perversa do “mercado”, do “ter”, ou seja, colocam-se em evidência as aspirações culturalmente construídas e as possibilidades reais estruturadas socialmente para a realização dessas aspirações, a busca pela satisfação, por ser reconhecido. Merton (1949) afirma que a pobreza sozinha não é capaz de expelir o individuo a um comportamento criminoso. “A pobreza não é uma variável isolada que opere precisamente da mesma forma, onde quer que seja encontrada; é apenas uma dentro de um complexo de variáveis sociais e culturais, identificáveis e interdependentes. O consumo se tornou uma maneira de se pensar às relações. No mundo do consumismo, da estética, as relações sociais se baseiam na aparência. As necessidades são socialmente construídas, cria-se o desejo social, as permanentes frustrações são o oposto do desejo, em alguns casos uma mola para a violência, para a criminalidade. De fato a sociedade brasileira encontra-se em uma fase da sua história em que ha uma bipolarização marcante, de um lado temos uma pequena “elite” que domina mais da metade dos recursos disponíveis no país, que tem acesso ilimitado aos bens de consumo e as garantias de acesso ao Estado democrático de direito, do outro temos a imensa maioria da população que luta cotidianamente pela sobrevivência, marcada por 456 uma carência absoluta/relativa, além de um acesso restrito ou desigual as garantias do Estado93. A violência não é sinônimo de pobreza, não devemos, portanto, criminalizá-la. Isso corresponderia à desumanização do pobre, o que direcionaria o indivíduo aos espaços da rua, onde a mendicância e/ou o crime tornam-se formas de vida. A pobreza não tem como conseqüência direta a violência. A construção da desumanização da pessoa coloca como diferente o outro (diferente dos parâmetros da sociedade) deve ser execrado, cria-se um estado de separação social. Estigmatiza-se a pessoa, ela deixa ter direito à proteção do estado. Fragmentação, Anomia e Violência A incidência do crime e da criminalidade está associada a três grandes hipóteses, que não possuem nenhuma relação hierárquica ou de causa e efeito: 1. A opção do individuo pelo crime; 2. Fatores estruturais (econômicos, sociais, políticos e culturais); 3. Falência das instituições sociais e das normas. Para Gomes (2007), o Estado se omite em relação à sociedade, permite que pequenos crimes deixem de ser reprimidos, chega-se a um nível em que a sociedade acostuma-se, banaliza a violência, colocando na questão econômica a responsabilidade por estes desvios, desencadeando um processo de aceitação do crime e, progressivamente, um estado de entorpecimento, quando o crime ou várias espécies de crime já são aceitos como normais. Posteriormente entra-se em uma nova fase, a da admiração pelos jovens, da glorificação do comportamento criminosos, da sua adoção como “moda” e como forma de ascensão social em uma sociedade que nega outras formas de reconhecimento , como o esporte, a arte, a educação, o trabalho, etc. Grupos “marginais” têm seus direitos individuais violados, apoiado pela legitimação da sociedade que os vêem como diferentes, como os “de fora”. As garantias 93 Em capitulo exibido na novela Duas Caras, da Rede Globo de Televisão, em 21/01/08, coloca em evidência as veias abertas da segregação social e racial do Brasil. O personagem Evilasio (Lazaro Ramos), negro, morador de uma favela carioca (a Portelinha), é desqualificado por não possuir as condições “necessárias” para prosseguir com um relacionamento amoroso com uma “típica” representante das “elites” (brancas e educadas) brasileiras que tanto valoriza seu pseudo altruísmo, condicionado a uma auto segregação social, espacial e racial. Os negros, pobres não devem buscar esse nível de inter-relação, devem continuar isolados nas cozinhas, portarias, garagens, permanecendo na sua invisibilidade social. A nossa estrutura social vai retro-alimentando esse sistema social excludente, dando contornos de naturalidade à situação de miséria e desigualdade. E como povo assistimos bestializados sentados em nossa poltrona o filme da vida cotidiana. 457 dos direitos são vistas enquanto bens escassos, condicionais, baseado na impotência do Estado em universalizar os direitos. O mau funcionamento do aparato estatal gera um capital social negativo, facilitando a influência dos criminosos. Castel (1997) propõe que se pense na “marginalização”, ou seja, na exclusão social, enquanto processo, resultado de uma permanente relação de conflitos econômicos, sociais e culturais, que têm na exclusão, na desumanização, o “fim de um processo”. Segundo o autor, o indivíduo encontra-se em um duplo processo de desligamento em relação ao mundo do trabalho e da sua rede social. A exclusão tem como resultado a vulnerabilidade social94. O processo de vulnerabilidade de grupos sociais, refere-se possibilidade de gerenciar os dispositivos que afetam seu bem-estar, ou seja, a posse ou controle de mecanismos que constituem os recursos necessários para o aproveitamento das oportunidades propiciadas pelo Estado, mercado e sociedade. Assim a vulnerabilidade à pobreza não se limita em considerar a falta de recursos financeiros, comprometendo o acesso a serviços, trabalho, educação e as próprias redes sociais. A família forma os primeiros laços sociais que têm importância significativa para a integração dos indivíduos no sistema social moderno. Redes sociais com laços fortes têm maior poder de articulação, desenvolvendo espaços de sociabilidade positiva. Há uma valorização do capital social95 intergrupal. Porém famílias de baixa renda estão expostas a um processo de vulnerabilidade sócio-espacial. O capital social contextualiza as ações individuais e coletivas. O capital positivo auxilia na redução da violência através da construção de comunidades com laços fortes, ou seja, melhores equipadas para a resolução de conflitos. Uma análise das redes sociais permite a compreensão da estrutura social e da ação individual. Estas se constituem pontes que ligam os indivíduos as instituições sociais e a inserções sociais que garantem sua identidade. A densidade, a centralidade e a proximidade são pontos que identificam e caracterizam a rede em que se esta inserido. Vizinhança, amigos, parentes, correspondem aos laços fortes. Já colegas de trabalho, sindicatos, entre outros, formam os laços fracos. Em comunidade de baixa 94 O conceito de vulnerabilidade social, permite perceber como grupos sociais heterogêneos podem estar submetidos a um processo de precariedade das suas redes sociais, que comprometem sua subsistência. Está associado também a disponibilidade negativa de recursos e o acesso a bens sociais produzidos pelo Estado, sociedade e mercado. 95 Capital social corresponde aos recursos disponíveis a indivíduos e grupos sociais, baseado nas relações sociais estabelecidas entre os atores envolvidos, baseado na sua capacidade de buscar novas relações, participações em redes, envolvimento em organizações sociais, só sendo acessível por meio dessas relações. Podendo o capital social ser individual, grupal, comunitário, externo ou de conexão (ponte). 458 renda os laços fortes são extremamente importantes, os laços de solidariedade ajudam na sobrevivência, porém não se deve negar o conflito. Em situações comunitárias que predominam os laços fracos há maiores possibilidades de influência da criminalidade. Comunidades que possuem baixos índices de desenvolvimento geralmente têm pouca capacidade de mobilização social, participação em assembléias e associações, a maior parte da população não se interessa pela atuação direta na resolução dos problemas que afetam o bairro, nessas áreas o capital social é pouco desenvolvido. O capital social é um elemento endógeno aos grupos sociais, representando elementos como o acesso a cidadania, a cooperação, ao empoderamento de suas potencialidades locais, a luta pela conquista de espaços de equidade, ajuda recíproca e confiança. Pode ser visto também da forma tradicional baseada nas relações familiares. A partir da análise de suas potencialidades, os grupos ou redes têm a possibilidade de ter suas características principais valorizadas de forma positiva em prol do individuo e da comunidade a partir de projetos de desenvolvimento local. Os indivíduos encontram-se inseridos nas mais variadas redes sociais, onde figuram sentimentos de pertencimentos e representações das práticas sociais, que estruturam a vida em sociedade. A exclusão social no Brasil tem raízes profundas, Gomes (2007b) cita Rodrigues (1965), para afirmar que: A divisão entre o poder e a sociedade manifesta-se especialmente pela estabilidade da estrutura e a instabilidade governamental, pelo desequilíbrio entre a população representada no poder e a mantida na periferia, pela não integração à sociedade de vasta camada da população. Hoje esta exclusão permanece e se manifesta no exercício da cidadania, onde o cidadão da polis é substituído pelo cidadão de consumo. Espinheira aponta que as “diferenças são historicamente construí