Jornal da Casa / Casa do Brasil

Transcrição

Jornal da Casa / Casa do Brasil
# 27 – setembro 2013
Boca no trombone
Caetano x Caetano
muito de „Coração Vagabundo‟. Foi uma
documentação do que eu já tinha feito e que
não correspondia ao que eu fazia na época.
Já estava com o germe do tropicalismo na
cabeça. Adoro quando começo cantar „Um
Dia‟. A voz estava linda.”
Caetano Veloso (1968)
“É o primeiro LP tropicalista. Pensei que só
tinha valor histórico, mas quando ouvi a Gal
cantar „Tropicália‟, achei que a canção é viva.
Tem muitas ideias, muitas sugestões. O uso
de conjunto de rock com guitarra elétrica, as
paródias, uma certa violência nas imagens
das letras. E a capa desse tamaninho ficou
muito mais bonita.”
O
músico, produtor, arranjador e escritor
baiano Caetano Veloso (Santo Amaro
da Purificação, 1942) é um dos
artistas
brasileiros
mais
produtivos,
influentes e respeitados no mundo, sendo
considerado internacionalmente um dos
melhores compositores do século XX pelo
conjunto da sua obra. Caetano -que já esteve
em Montevidéu com seus shows “Circuladô”
(1993), “Fina Estampa” (1995), “Prenda
Minha” (1998) e “Cê” (2008)- retorna para
apresentar seu mais novo trabalho. Uma
retrospectiva de sua discografia, comentada
por ele mesmo, é uma boa forma de
“caetanear”, enquanto esperamos seu
Abraçaço.
Domingo (1967)
“Foi o Dori Caymmi quem produziu. Tem
arranjos lindos. A gente botava a voz de
manhã. Tinha outros artistas mais famosos
que ocupavam os estúdios à noite. Gosto
Caetano Veloso (1969)
“Gravei só com Gilberto Gil ao violão, quando
estava confinado, sem poder sair de
Salvador. Até ir para o exílio em Londres era
impensável eu tocar violão num LP. Todo
mundo achava meu violão abaixo do nível
profissional. É um disco da minha situação na
prisão. Tem „Irene‟, que fiz na cadeia, sem
violão,
uma
coisa
portuguesa.
„Os
Argonautas‟ me foi sugerida por Bethânia.
„Atrás do Trio Elétrico‟ é histórica, é o
momento inaugural de toda a fase nova da
música baiana. Fez Dodô e Osmar voltarem
às ruas.”
Caetano Veloso (1971)
“Esse é deprimidérrimo. É o primeiro do exílio
em Londres. Eu estou horrível na foto da
capa. Tinha até barba e eu não suporto
barba. Nunca consegui gostar de „London
London‟. Não tenho facilidade de me
aproximar deste disco. Agora é histórico. É o
primeiro disco em que toco violão. Os
ingleses achavam lindo o meu jeito de tocar e
os brasileiros achavam horrível. Se eu não
tivesse sido preso e exiliado, talvez nunca
tocasse violão num disco.”
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# 27 – setembro 2013
Transa (1972)
“Chamei os amigos para gravar em Londres.
Era um trabalho orgânico, espontâneo, e meu
primeiro disco de grupo, gravado quase como
um show ao vivo. Me deu coragem de fazer
os trabalhos com A Outra Banda da Terra.
Tem „Nine out of Ten‟, a minha melhor música
em inglês. É a primeira vez que uma música
brasileira toca alguns compassos de reggae,
uma vinheta no começo e no fim. Como
gravação, a melhor é „Triste Bahia‟. Tem
„Mora na Filosofia‟, um grande samba de
Monsueto, que é um gênio.”
do qual eu não gostava. Qualquer coisa era o
vale tudo, bateria, confusão. O manifesto de
ambos, lidos juntos, tem um batimento
engraçado. O Jóia foi o único que reouvi em
CD. Soa tão bonito...”
Caetano e Chico Juntos e Ao Vivo (1972)
A ideia foi de um cara, dono de uma loja de
discos em Salvador onde a Gal Costa
trabalhava como vendedora. Aí eu disse para
o Chico que ele deveria cantar „Com Açúcar,
com Afeto‟, que era uma coisa de mulher. Ele
disse que tinha uma melhor, „Bárbara‟, uma
história homossexual de duas mulheres. Tem
„Você não Entende Nada‟ junto com
„Cotidiano‟, que ficou lindo. O disco fez o
maior sucesso.”
Bicho (1977)
“Ele levou muitas anedotas. Tinha „Odara‟,
criticada por gente de outras profissões,
humoristas, sociólogos, psicanalistas que
queriam ser de esquerda. „Odara‟ é uma
confissão de namoro com as discotecas. Eu
me sentia bem em me aproximar do
movimento Black Rio que surgia na época,
quando começaram os grandes bailes funk.
Tinha voltado de uma excursão à África com
Gil, onde tive contato com a juju music da
Nigéria.”
Araçá Azul (1973)
“Não acho que o trabalho tenha saído com
limpidez. Acho maravilhosa uma faixa como
„De Conversa‟, uma peça que não tem
propriamente música nem letra. Tem „Tu me
Acostumbrastes”, bacana, cantada em
falsete, um clima tão gay... „Julia Moreno‟
ganhou um solo de piano de Perna Fróes que
é um deslumbramento. E outro fato histórico:
o maior recorde de devolução de discos.”
Temporada de Verão (1974)
“É um disco coletivo de shows que a gente
fazia no Teatro Vilha Velha da Bahia. Das
minhas coisas, „De Noite na Cama‟ é uma
maravilha. Perinho Albuquerque era o
produtor, arranjador e orientador desta fase.
Alguma coisa a gente gravou na minha casa,
porque no Vila Velha não tinha ficado boa.”
Jóia e Qualquer Coisa (1975)
“Ia ser um álbum duplo, porque eu tinha
muito material. O Jóia era a minha relação
com o trabalho limpo, pequenas peças bem
acabadas, com a liberdade de Araçá Azul.
Não tem nem bateria no Jóia, um instrumento
Doces Bárbaros (1976)
“A sugestão foi de Bethânia, e partindo dela,
era uma convocação. Fizemos o repertório,
divino, em duas semanas, mas a gravação ao
vivo saiu suja. O show ficou muito bonito,
romântico,
baiano,
colorido,
sensual,
extrovertido. É preto. É baiano.”
Muito (1978)
“Foi o disco mais pichado pela crítica, o maior
fracasso de vendas. E tem „Terra‟ e „Sampa‟.
Se existe essa fama de que eu brigo muito
com a crítica, ela surgiu em Muito. Eu fiquei
irado. O „Terra‟ nunca tocou no rádio porque
diziam que a canção era longa.”
Maria Bethânia & Caetano Ao Vivo (1978)
“Outra ideia de Bethânia. Adoro eu cantando
„Número Um‟.”
Cinema Trascendental (1979)
“Já havia um culto ao próprio show. Tem
„Cajuína‟ que é linda. As pessoas gostam
muito desse disco. Houve uma virada nas
vendas. Aí eu comecei a vender grande.”
Outras Palavras (1981)
“Foi meu primeiro disco de ouro (100.000
cópias vendidas). Gosto dessa fase. Era um
tempo alegre. Tem „Beleza Pura‟. É como os
pretos na Bahia, tem tudo, dinheiro não. Hoje
está na moda. É anti-yuppie, chega a ser
óbvia.” (continuará)
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Ao pé da letra
Alegria, Alegria
A
s mais de 2 mil pessoas que enchiam o
Teatro Record Centro na noite de
sábado, 21 de outubro de 1967, não
estranharam o paletó marrom cobrindo a
camiseta laranja de gola rolê do jovem
franzino que subia ao palco. Aos 25 anos, o
rapaz entrou sorrindo e posicionou-se diante
do microfone, à espera das guitarras elétricas
que dariam os primeiros acordes de sua
canção. Uma semana antes, na última noite
das eliminatórias do 3º Festival de Música
Popular
Brasileira,
a
recepção
ao
instrumento-símbolo do rock havia sido
bastante diferente: os cinco integrantes
cabeludos e vestidos de cor-de-rosa do grupo
argentino radicado em São Paulo Beat Boys
foram vaiados assim que pisaram no palco.
Irritado com a reação da plateia, o autor e
intérprete da canção seguinte não esperou
que seu currículo fosse inteiramente
anunciado e seu nome revelado: Caetano
Veloso. O baiano pisou, furioso, no palco e
disparou os primeiros versos de “Alegria,
Alegria”. O que ele não podia imaginar era
que, na semana seguinte, o público da fase
final do festival não só receberia as guitarras
com naturalidade como também o
acompanharia em coro, de braços erguidos,
nos versos finais da canção. O nome da
música veio de um bordão que o cantor
Wilson Simonal utilizava em seu programa na
TV Record, “Show em Si... Monal”. A letra
possui uma estrutura cinematográfica.
Conforme definiu Décio Pignatari, trata-se de
uma "letra-câmera-na-mão", citando o mote
do Cinema Novo.
"O aspecto do grupo de rapazes de cabelos
muito longos portando guitarras maciças e
coloridas representava de modo gritante tudo
o que os nacionalistas da MPB mais odiavam
e temiam", explica Caetano no livro “Verdade
Tropical”. A ideia de Caetano -já pensando na
introdução do Tropicalismo, ao lado de
Gilberto Gil- era a de fazer uma espécie de
"marcha de carnaval transformada", cuja
letra expusesse as referências pop da época.
Ele resgatou uma composição dele, do meio
dos anos 60, "Clever Boy Samba", escrita
como sátira aos jovens alienados de
Salvador. "Rapidamente compreendi que se o
tom de mera sátira devia ser subvertido, o
esquema de retrato, na primeira pessoa, de
um jovem típico da época andando pelas
ruas da cidade (o Rio, agora), com fortes
sugestões visuais, criadas, se possível, pela
simples menção de nomes de produtos,
personalidades, lugares e funções -pois esse
era o esquema de “Clever Boy Samba”-, devia
ser mantido pois era o ideal para os novos
propósitos", escreve o cantor.
Apesar do sucesso de público, a música,
composta para o festival, não ganhou a
disputa: terminou em quarto lugar. Mas
firmou-se, nos anos e décadas seguintes,
como um dos maiores sucessos da prolífica
carreira de Caetano Veloso e como símbolo
da juventude dos anos 60 e 70. Não por
acaso, a novela “Sem Lenço, sem
Documento”, de 1977, e a minissérie “Anos
Rebeldes”, de 1992, ambas da TV Globo,
tiveram “Alegria, Alegria” como tema de
abertura.
A adoção da canção como hino de uma
geração pode ser explicada pelas referências
ao cotidiano da juventude urbana brasileira
que pontuam a letra. “Alegria, Alegria”
combina
guerrilhas
com
Coca-Cola,
espaçonaves com fotos coloridas das atrizes
Claudia Cardinale e Brigitte Bardot, além de
uma referência ao livro “As Palavras”, do
filósofo francês Jean-Paul Sartre (“nada nos
bolsos ou nas mãos”). A banca de revistas
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por onde o eu lírico da canção passa os olhos
abriga o periódico “O Sol”, criado no Rio de
Janeiro, em 1967, por intelectuais e artistas
como
Zuenir
Ventura,
Ziraldo
(ver
JornalDaCasa # 10), Chico Buarque e o
próprio Caetano.
Retrato do mundo fragmentado, da
urbanização acelerada, bombardeado pela
cultura de massas, em que milhões de jovens
buscavam seus caminhos entre os
crescentes apelos ao consumo, a revolução
sexual, a repressão da ditadura e a
doutrinação dos grupos “subversivos”, a
canção só não seduziu os estudantes
radicais de esquerda. Aqueles mesmos que
vaiaram as guitarras dos Beat Boys, tidas por
eles como um instrumento do “imperialismo
norte-americano”, do qual a genuína música
popular brasileira devia ser preservada. No
ano seguinte, os puristas voltaram à carga
quando Gilberto Gil apresentou, no Tuca,
“Questão de Ordem”, acompanhado pelos
mesmos Beat Boys. A desclassificação da
música pelo júri levou Caetano a outro
episódio de fúria, histórico, quando subiu ao
palco discursando contra o atraso do público
em meio à interpretação de “É Proibido
Proibir”, acompanhado pelos Mutantes.
Eu vou
Por que não, por que não...
Ela pensa em casamento
E eu nunca mais fui à escola
Sem lenço e sem documento,
Eu vou...
Eu tomo uma coca-cola
Ela pensa em casamento
E uma canção me consola
Eu vou...
Por entre fotos e nomes
Sem livros e sem fuzil
Sem fome, sem telefone
No coração do Brasil...
Ela nem sabe até pensei
Em cantar na televisão
O sol é tão bonito
Eu vou...
Sem lenço, sem documento
Nada no bolso ou nas mãos
Eu quero seguir vivendo, amor
Eu vou...
Por que não, por que não...
Caminhando contra o vento
Sem lenço e sem documento
No sol de quase dezembro
Eu vou...
O sol se reparte em crimes
Espaçonaves, guerrilhas
Em cardinales bonitas
Eu vou...
Em caras de presidentes
Em grandes beijos de amor
Em dentes, pernas, bandeiras
Bomba e Brigitte Bardot...
O sol nas bancas de revista
Me enche de alegria e preguiça
Quem lê tanta notícia
Eu vou...
Por entre fotos e nomes
Os olhos cheios de cores
O peito cheio de amores vãos
Discos onde ouvir...
Caetano Veloso – Caetano Veloso (1968)
Milton Banana – Milton Banana Trio (1968)
Garganta Profunda – Canta Tropicália (1995)
... e documentário onde ver
Uma noite no 67 – Direção: Renato Terra e
Ricardo Calil (2010)
# 27 – setembro 2013
Mão na roda
Wally e a Contracultura
rendeu também o registro de uma
interpretação
emocionante
de “Vapor
Barato”, a bela canção composta com Jards
Macalé, na qual Waly versa sobre as dores do
exílio (a música foi composta durante a
expulsão de Caetano Veloso e Gilberto Gil –
que partiram para Londres– e foi regravada
nos anos 1990 pelo grupo O Rappa). Ainda
nos anos 1970, Waly repetiu a parceria com
Gal, nos shows Índia (1973) e Mel (1979). Na
década seguinte, assumindo a coordenação
artística, voltou a trabalhar com a baiana, nos
álbuns Bem Bom (1985) e Gal Plural (1989).
G
rande poeta, letrista e ensaísta, Waly
Salomão teria completado, no último
dia 3 de setembro, 70 anos. Morto há
10, em decorrência de um câncer, foi um dos
principais artífices da Contracultura brasileira
e do Tropicalismo.
Filho de um sírio e de uma baiana, Wally Dias
Salomão nasceu no interior da Bahia, em
Jequié, mudou-se para Salvador na
adolescência, e lá concluiu o 2° grau. Depois
cursou e se formou em Direito pela
Universidade Federal da Bahia, mas jamais
exerceu a profissão.
Depois de se aventurar pelo teatro,
alternando estadias entre Rio de Janeiro e
São Paulo, sob o codinome Waly Sailormoon,
colaborou, na transição dos anos 1960 para
os 70, como jornalista e poeta, para vários
veículos da imprensa udigrudi (corruptela do
inglês underground, “subterrâneo”), entre os
quais a célebre revista Navilouca, um marco
da Contracultura brasileira, que fazia
oposição ao regime militar e pregava
liberdades individuais e comportamentais,
em pleno governo assombroso do general
Médici, que cerceou direitos civis de milhares
de brasileiros.
Em 1971, Waly assinou a direção-geral do
show Fa-Tal, da amiga Gal Costa, que resultou
no disco “Fa-Tal– Gal a todo vapor”. O convite
Também em 1971, a partir de relatos que fez
no cárcere do extinto presídio do Carandiru
(Waly foi parar lá por ter sido detido portando
maconha), escreveu seu primeiro livro Me
Segura Que eu Vou dar Um Troço. Em 1974,
retomando as parcerias com Macalé, dividiu
com ele a direção de produção de seu
segundo disco, Aprender a Nadar, que
registra outras pérolas compostas por ele e
Macalé, como “Anjo Exterminado”, “Dona do
Castelo” e “Senhor dos Sábados”.
Waly também dirigiu shows e gravações de
João Bosco, Maria Bethânia, Gilberto Gil, A
Cor do Som e Cássia Eller –dela, dirigiu a
turnê Veneno Anti-Monotonia e foi laureado
com o prêmio Shell de Melhor Show de 1997.
Neste mesmo ano, venceu o Prêmio Jabuti de
melhor livro de poesia com a obra Algaravias.
Co-autor de mais de 50 músicas, Wally
também teve letras gravadas por diversos
artistas, como Moraes Moreira, Lulu Santos,
Cazuza, Itamar Assumpção e os Paralamas
do Sucesso (a simbólica “Assaltaram a
Gramática”), entre muitos outros intérpretes.
A convite do amigo Gilberto Gil, ele assumiu
em 2003 a Secretária de Livros e Cultura, do
Ministério da Cultura (então conduzido por
Gil). Em 2008, o cineasta Carlos Nader
lançou
o
documentário
Pan-Cinema
Permanente, que reconstitui a trajetória de
Wally.
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O mundo é uma bola
Leônidas da Silva, o inventor da “bicicleta”
consolidou a primeira ação
marketing do futebol brasileiro.
L
eônidas da Silva, que completaria no dia
6 de setembro 100 anos de vida, foi o
primeiro gênio da bola a disputar uma
Copa do Mundo pelo Brasil. Isso porque, em
1930, as divergências entre a carioca
Confederação Brasileira de Desportos (CBD)
e a Associação Paulista de Esportes Atléticos
(Apea) deixaram de fora da Copa do Uruguai
grandes nomes da época, como Friedenreich
e Feitiço. Quatro anos depois, na Copa do
Mundo da Itália, em 1934, começava a
brilhar o filho da cozinheira Maria e do
marinheiro português Manuel.
Em 1933 foi jogar no Peñarol do Uruguai,
onde ajudou o clube a conquistar o vicecampeonato. Cinco anos depois, já no
Flamengo, Leônidas era o grande líder que
levou a seleção ao 3º lugar na França. Foi o
artilheiro do Mundial (7 gols) e muitos juram
que o Brasil seria campeão se o jogador não
tivesse ficado de fora da semifinal contra a
Itália (derrota por 2 a 1). Naquela Copa, um
episódio fantástico. Na vitória da estreia por
6 a 5 contra a Polônia, Leônidas perdeu a
chuteira no campo encharcado, o que não
impediu de marcar um gol descalço, sem que
o juiz percebesse.
Logo após a Copa da Itália, Leônidas foi
procurado pela Lacta, que acertou o
lançamento do chocolate Diamante Negro,
atrelado à imagem do jogador. Por 2 contos
de réis (equivalente hoje a menos de R$ 2 mil
reais), Leônidas vendeu o apelido à marca e
oficial
de
O sucesso de Leônidas perdurou durante a
década de 40, assim como as grandes
polêmicas. Foi ídolo do Flamengo, mas se
despediu do clube de forma traumática.
Acusado pelo rubro-negro de corpo mole em
excursões internacionais, chegou a ficar
preso, incriminado pelo próprio clube por
fraude no certificado de reservista. Em 1942,
enfim conseguiu rescindir o contrato e foi
para o São Paulo, que bancou a maior
transferência do futebol brasileiro até então:
200 contos de réis. Na sua chegada, foi
carregado por 10 mil pessoas que invadiram
a Estação da Luz. Virou um dos maiores
ídolos da história do tricolor paulista,
provando que a idolatria extrapolava as
rivalidades estaduais.
Enquanto isso, continuou a participar de
campanhas publicitárias, mesmo que em
troca de pequenas quantias ou mercadorias.
Virou até marca de relógio e cigarro.
Entre os grandes feitos dentro de campo, o
título de inventor da “bicicleta”, que lhe
rendeu também o apelido de HomemBorracha, devido a sua elasticidade. Foram
37 partidas pela Seleção Brasileira e o
mesmo número de gols. Tetracampeão
carioca pelo Botafogo, em 1935, primeiro
campeonato oficial, no regime profissional, e
pentacampeão paulista pelo São Paulo, com
mais de 500 gols na carreira.
Depois de abandonar os gramados, em 1951,
ainda continuou ligado ao esporte. Foi
dirigente do São Paulo, logo depois virou
comentarista esportivo, sendo considerado
por muitos um comentarista direto, duro e
polêmico, chegando a ganhar sete Troféus
Roquette Pinto. Sua carreira de radialista teve
que ser interrompida em 1974 devido ao Mal
de Alzheimer. Durante trinta anos ele viveu
em uma casa para tratamento de idosos em
São Paulo até falecer em 2004.
# 27 – setembro 2013
Conversafiada com a professora Claudia Montenegro
“A paixão por um lugar é pelas pessoas que conheço”
devido às pessoas que conhece ali... O Ser
Humano é o “bicho” mais interessante deste
planeta. E relacionar-se com o outro é uma
arte.
A
professora Claudia da Luz Montenegro
(Curitiba, PR, 1971) é formada em
Comunicação Social – Jornalismo e
trabalha há 15 anos dando aulas de inglês e
português para estrangeiros. Mas também foi
Campeã Brasileira de Xadrez, representando
o país em campeonatos internacionais, e
trabalhou como cantora e compositora,
morando no Rio de Janeiro por causa da
música e em alguns países por causa do
xadrez. “Tive uma vida nada convencional”,
desabafa quem hoje se reconhece “morando
em Pocitos de Montevidéu” e “feliz da vida”.
- Antes de chegar ao Uruguai, você conheceu
vários países, certo? Que experiência resgata
de cada um deles?
- Sim. Viajei muuuito nesta minha vida. Morei
na França, na Espanha e em Cuba. Mas
posso dizer que conheço quase toda a
Europa, um pouco da América do Norte e do
Sul e algumas ilhas da América Central. Falta
muito para conhecer ainda. Quanto às
experiências, posso sintetizar assim: Todo
lugar tem seus costumes, peculiaridades e é
exatamente isso que os torna interessantes!
Ah, você também se apaixona por um lugar
- Quais são os problemas mais comuns dos
brasileiros que vivem no exterior, tomando
em conta os que você conhece?
- Antes era um preconceito grande, por
sermos latinos e “subdesenvolvidos”.
Lembro-me que na minha entrada na
Bulgária em 1990 eles me revistaram inteira
só porque viram que meu passaporte era
brasileiro. Outra experiência negativa foi uma
vez indo a Miami com meus 18 anos, tinha
uma placa no interior de uma loja dizendo:
“Cuidado com seus pertences, brasileiros na
loja.” Juro por Deus! Agora as coisas
mudaram, nossa economia cresceu, nossa
fama também. O Obama até fez uma
propaganda em frente ao Parque da Disney
convidando os brasileiros para irem passar as
férias por lá. Os tempos mudam, né? Ah,
também posso falar que na Europa, por todos
os lugares que andei, os homens me
tratavam bem, com educação, mas quando
eu dizia que era brasileira eles já mudavam
para um olhar malicioso, bem como o
comportamento
e
começavam
a
descaradamente
falar de sexo ou me
convidar para alguma coisa do tipo. Era
humilhante e horrível, mas é real.
- Que é o que mais te satisfaz e te desagrada
de morar no exterior?
- Conhecer novas culturas. Amo! De fato eu
preciso disso. Fazer novas amizades. Adoro.
De ruim fica só a saudade da família que
ficou lá, mas com toda essa tecnologia atual
isso já não é tanto problema... Ah, de ruim
também é a saudade dos temperos da
cozinha brasileira.
- Quando e por que razão você veio para
Montevidéu? Nesse momento, já tinha a ideia
de morar aqui?
- Não. Nunca sequer imaginei tal mudança.
Não conhecia nada sobre o Uruguai; isto é, só
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conhecia “meu” uruguaio. Ele era campeão
de xadrez uruguaio e eu era a campeã
brasileira da época. Nos conhecemos com
meus 16 aninhos e todos os anos nos
encontrávamos
em
competições
internacionais. Ficamos amigos, trocamos
cartas (de papel, sabe?) e depois dos 21
anos cada um foi viver sua vida. E agora
depois de todo esse tempo nos
reencontramos no Facebook... e aqui estou
eu! Que vida mais cheia de surpresas, não é
mesmo?
- Com que cidade você esperava encontrar e
com que você se encontrou realmente?
- Esperava uma capital qualquer e encontrei
Montevidéu. Linda e majestosa, banhada por
esse rio/mar lindo. Adoro!
- De que costumes ou situações você tem
saudade do Brasil?
- Um bom prato de arroz com feijão preto,
bife, salada e farofa. E as reuniões da minha
família.
- Como se vinculou a Casa do Brasil?
- Fiz uma pesquisa dos lugares que
ensinavam português aqui em Montevidéu.
Marquei entrevistas. Escolhi ir primeiro à
Casa do Brasil e foi amor à primeira vista. Fui
contratada e fiquei.
- O uruguaio tem facilidade para aprender a
língua portuguesa? Quais são as principais
dificuldades para seu aprendizado?
- A pronúncia. Creio que é a maior
dificuldade. Também a confusão que fazem
com a semântica das palavras, já que ambas
as línguas se parecem. Então às vezes
acabam criando uma terceira língua: o
“portunhol”.
- Sabemos que você gosta muito da obra de
Vinícius de Moraes. Qual acha que é o
principal legado que deixou o poetinha?
- Ele era um erudito, com formação na
Inglaterra. Um diplomata concursado. E com
toda sua bagagem culta escreveu e
descreveu a mulher brasileira, os amores, as
belezas do país, de uma maneira bela e
acessível, democratizando a poesia elitista.
Sei lá, minha humilde opinião. Com suas
músicas, celebrou o samba e a cultura
brasileira. Penso que Vinícius foi uma benção
para o nosso país.
- Você também adora cantar, não é? Contenos sobre suas preferências musicais...
- Eu era cantora profissional de Bossa Nova,
Jazz e MPB. Mas sou bem eclética. Gosto de
escutar de tudo e conhecer o que se tem feito
de novo.
- Como foi que nasceu a paixão por jogar
xadrez?
- Comecei a jogar na escola, com 9 anos.
Participei de um torneio e não parei mais. Fui
Campeã Paranaense em todas as categorias
por faixa etária. Depois me semi
profissionalizei. Paguei toda a minha
educação com o xadrez. Tinha bolsa de
estudos completa no Colégio Marista Santa
Maria. Depois entrei na faculdade e com o
dinheiro do meu patrocinador, custeei todo o
meu curso.
- Como se vê o Brasil à distância?
- Com carinho de filha: “ó pátria mãe gentil.
Pátria amada Brasil”.
- Curitiba e Montevidéu: uma semelhança e
uma grande diferença...
- Semelhança: o povo é mais fechado como o
montevideano. Muito parecidos mesmo. Acho
que é por causa do clima frio. Diferença: esse
mar/rio maravilhoso que banha a cidade de
Montevidéu. Curitiba é muito linda, limpa,
mas não tem mar. E eu preciso ficar perto do
mar. Antes de vir pra cá, estava morando em
Florianópolis e antes ainda no Rio de Janeiro,
sempre ao lado do mar.
- O que você gostaria que o Uruguai tivesse
do Brasil e vice-versa?
- Sempre achei que o Brasil é muito
burocrático, mas foi fazendo meus trâmites
legais aqui que eu vi o significado real de
burocracia. Isto está muito mal aqui. É
irritante, ineficaz e um gasto absurdo aos
cofres públicos sustentar tanta gente para
carimbar um papel aqui e outro lá. Por sua
vez, o Brasil poderia aprender a ser mais
culto, como tenho visto que é o povo
uruguaio.