os direitos humanos, a unesco e os arquivos

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os direitos humanos, a unesco e os arquivos
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
MESTRADO EM CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
INSTITUTO DE ARTE E COMUNICAÇÃO SOCIAL
CAROLINA MARTINS FERRO
OS DIREITOS HUMANOS, A UNESCO E OS ARQUIVOS
NITERÓI
2014
CAROLINA MARTINS FERRO
OS DIREITOS HUMANOS, A UNESCO E OS ARQUIVOS
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Ciência da
Informação da Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Ciência
da Informação.
Área de Concentração: Dimensões
Contemporâneas da Informação e do
Conhecimento.
Linha de Pesquisa:
Cultura e Sociedade.
Orientador: Prof. Dr. Eduardo Ismael Murguía Marañon
NITERÓI
2014
Informação,
F395
Ferro, Carolina Martins
Os direitos humanos, a Unesco e os arquivos /
Carolina Martins Ferro. Niterói : UFF, 2014.
184 f.
Orientador: Eduardo Ismael Murguía Marañon
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal
Fluminense. Instituto de Arte e Comunicação Social /
Programa de Pós-Graduação em Ciência da
Informação, 2014.
1. Arquivos. 2. Direitos humanos. 3. Unesco I.
Marañon, Eduardo Ismael Murguía. II. Universidade
Federal Fluminense. Instituto de Arte e Comunicação
Social. III. Título.
CDD - 027
CAROLINA MARTINS FERRO
OS DIREITOS HUMANOS, A UNESCO E OS ARQUIVOS
Dissertação apresentada ao Programa
de Pós-Graduação em Ciência da
Informação da Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em Ciência
da Informação.
Área de Concentração: Dimensões
Contemporâneas da Informação e do
Conhecimento.
Linha de Pesquisa: Informação, Cultura
e Sociedade.
Aprovada em:
BANCA EXAMINADORA
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Eduardo Ismael Murguía Marañon (Orientador)
PPGCI/UFF
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Lúcia Maria Velloso de Oliveira
PPGCI/UFF
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Patricia Sonia Silveira Rivero
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ
SUPLENTES:
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Rodrigo de Sales
PPGCI/UFF
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Celina Soares de Mello e Silva
Museu de Astronomia e Ciências Afins
Dedico este trabalho a Deus, meu Pai e
Criador amado, Aquele com o qual sempre
pude contar com a misericórdia infinita.
Dedico também a todos os professores, de
todas as instituições nas quais tive o
privilégio de estudar, que através da
partilha
de
seus
conhecimentos
contribuíram para minha formação.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por tudo; Aos meus pais pelos valores morais transmitidos que
contribuem a cada dia para formação de minha essência; Às minhas irmãs pelo apoio
incondicional em tudo; Ao meu marido Sérgio pela tranquilidade e equilíbrio emocional
que me trazem a paz necessária à vida; a Jefferson, meu filho de coração, por ter
tornado meus dias de licença dedicados à dissertação mais alegres; Ao professor
Eduardo, meu orientador e grande incentivador que me fez acreditar mais em mim
mesma; Aos meus colegas do mestrado com os quais tanto aprendi e compartilhei
experiências maravilhosas; Aos professores do PPGCI UFF, meus mentores intelectuais
a quem serei eternamente grata por tanto conhecimento transmitido; Aos dias de sol
maravilhosos que tornaram a travessia da Baía de Guanabara, seja pela ponte, seja de
barcas, tão saborosa e inspiradora; À UFRJ, que além de meu ganha pão me
proporciona o privilégio do estudo; Ao NEPP-DH, meu local de trabalho que muito
influenciou e contribui para o tema da pesquisa e a todos os meus amigos e colegas que
através da oportunidade da convivência me fazem uma pessoa mais feliz e mais
completa.
“A essência dos direitos humanos é o
direito a ter direitos.” Hannah Arendt
“Não concordo com o que dizes, mas
defendo até a morte o direito de o dizeres.”
Voltaire
RESUMO
A pesquisa examina a relação dos arquivos com os direitos humanos através das
resoluções das Conferências Gerais da UNESCO, realizadas a partir da década de 1990
e de 2000 e dos Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos da ONU. Identifica
através dessas recomendações oficiais da UNESCO as ações apontadas sobre a função
social dos arquivos, discutindo-as através de uma abordagem política dos direitos
humanos. Baseando-se no método do Direito Comparado de Rodolfo Sacco, através da
comparação, identifica de que forma as políticas da UNESCO para os arquivos vão ao
encontro do estabelecido como direitos humanos nos Instrumentos Internacionais da
ONU. Traz como referencial teórico as ideias defendidas por Norberto Bobbio (2004)
dentro da teoria juspositivista dos direitos humanos que apontam uma série de
características dos direitos humanos que são necessárias à sua compreensão, bem como
as análises de Fabio Konder Comparato (2013) sobre a internacionalização dos direitos
humanos. Os resultados apontam para uma estreita relação das políticas da UNESCO
para os arquivos com o estabelecido nos Instrumentos Internacionais da ONU.
Palavras-Chave: Direitos Humanos; UNESCO; Políticas de Informação; Arquivos.
ABSTRACT
The research examines the archives considering the human rights through the
resolutions of UNESCO General Conference held since the 1990s and 2000s and also
the UN International Human Rights Instruments. It identifies, through these official
recommendations of UNESCO, actions indicated on the social function of the archives,
discussing them through a political approach to the human rights. Based on The
Comparative Law from Rodolfo Saco method, by comparison, it identifies how the
policies of UNESCO for the archives are aligned with what is stated as the human rights
in the UN international instruments. It brings, as theoretical background, ideas espoused
by Norberto Bobbio (2004) regarding the legal positivism theory of the human rights
that establishes a number of characteristics of human rights that are necessary for its
understanding as well as Fabio Konder Comparato (2013) analysis on the human rights
internationalization. The results indicate a close relationship between UNESCO policies
for the archives and the provisions of the United Nations International Instruments.
Key words: Human Rights; UNESCO; Information Policies; Archives
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 11
CAPÍTULO I
A FUNDAMENTAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS............................ 18
Teoria Jusnaturalista x Teoria Juspositivista .....................................................................21
As gerações de direitos humanos e seus contextos históricos..............................................33
CAPÍTULO II
OS “ARQUIVOS DE DIREITOS HUMANOS” NO BRASIL: PRESSUPOSTOS E
HIPÓTESES............................................................................................................................47
CAPÍTULO III
UNESCO: DITOS E NÃO DITOS DE UMA ORGANIZAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO,
CIÊNCIA, CULTURA E... INFORMAÇÃO........................................................................66
UNESCO: Antecedentes e Precedentes ................................................................................66
Construindo bases: A UNESCO e seus pilares de sustentação ..........................................77
Informação: o propósito evidente e não explícito da UNESCO .........................................85
CAPÍTULO IV
OS ARQUIVOS E OS INSTRUMENTOS DE DIREITOS HUMANOS NOS
DISPOSITIVOS LEGAIS ...................................................................................................101
Trajetos percorridos para a obtenção dos dispositivos legais da UNESCO e da ONU e o
método utilizado para analisar os dados levantados..........................................................102
O Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos e seus Instrumentos Internacionais
de Direitos Humanos.............................................................................................................107
Estabelecendo relações: as políticas da UNESCO para os arquivos e os direitos humanos
no
Sistema
Global
de
Proteção
dos
Direitos
Humanos
da
ONU........................................................................................................................................112
As resoluções da UNESCO sobre o campo informacional e sobre os arquivos na
década de 1990...........................................................................................................115
Resoluções da UNESCO aprovando as diretrizes gerais do Programa
Geral de Informação (PGI)..........................................................................118
Resoluções da UNESCO aprovando questões específicas do Programa
Geral de Informação (PGI)...........................................................................125
Resoluções da UNESCO aprovadas dentro do programa Clearing-House
.........................................................................................................................132
Resoluções da UNESCO aprovadas dentro dos programas de Cultura..133
Resoluções da UNESCO aprovadas dentro dos programas de Educação
.........................................................................................................................134
Resoluções da UNESCO aprovadas dentro do Programa Projetos
Transdisciplinares ........................................................................................135
Resoluções da UNESCO aprovadas sob o título de Resoluções Gerais....136
Recomendação a Salvaguarda da Cultura Tradicional do Folclore.........136
Os direitos humanos e as políticas da UNESCO para o campo informacional e
para
os
arquivos
na
década
de
1990.............................................................................................................................137
As resoluções da UNESCO sobre o campo informacional e sobre os arquivos na
década de 2000...........................................................................................................140
Resoluções da UNESCO dentro do IFAP aprovando as orientações gerais
do programa...................................................................................................143
Resoluções da UNESCO dentro do IFAP aprovando questões específicas
sobre o campo informacional........................................................................150
Resoluções da UNESCO aprovadas dentro do programa Suporte aos
Programas de Execução................................................................................160
Resoluções da UNESCO aprovadas dentro do programa Cultura...........161
Os direitos humanos e as políticas da UNESCO para o campo informacional e
para
os
arquivos
na
década
de
2000.............................................................................................................................163
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................168
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................................................................170
11
___________________________________________________________________________
INTRODUÇÃO
Como arquivista do Núcleo de Políticas Públicas em Direitos Humanos Suely Souza
de Almeida – NEPP-DH, Órgão Suplementar do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da
UFRJ, que tem por finalidade desenvolver atividades acadêmicas de ensino, pesquisa e
extensão que contribuam para a compreensão da temática das Políticas Públicas em Direitos
Humanos, tínhamos o interesse em nos aprofundar sobre o tema no qual o Núcleo estruturava
suas atividades.
Desse modo, a temática dos arquivos, totalmente pertinente à nossa formação, e a
temática dos direitos humanos, campo que se constitui como o universo de trabalho dos
profissionais que fazem parte do Núcleo, inclusive nós mesmos, foi se mostrando como tema
de pesquisa cada vez mais pertinente e instigante.
Quando fizemos um levantamento bibliográfico na Base de Dados Referencial de
Artigos de Periódicos em Ciência da Informação (BRAPCI), na Biblioteca Digital Brasileira
de Teses e Dissertações (BDTD) e na Base de Teses e Dissertações da CAPES, com o intuito
de melhor entendermos o tema “arquivos e direitos humanos”, identificamos que a produção
científica da área da Ciência da Informação e da Arquivologia no país não vinha tratando
suficientemente desta questão, o que nos levou a acreditar que, do ponto de vista teórico, não
havia na literatura brasileira, uma reflexão sobre esta relação e tampouco a prática de
profissionais como nós, conseguiria encontrar respaldo teórico e científico para subsidiar
nossas tarefas.
No levantamento realizado, quando buscamos pela relação entre as expressões
“‘arquivo’ e ‘direitos humanos’” e “‘informação’ e ‘direitos humanos’”, encontramos
apenas um artigo na BRAPCI, intitulado “Informação e direitos humanos: acesso às
informações arquivísticas” de Maria Odila Kahl Fonseca, publicado em 1999 na revista
Ciência da Informação. Nele, trata-se da especificidade do direito à informação arquivística
no contexto da trajetória dos direitos humanos.
Também procuramos por artigos, dissertações e teses que se referiam a temas
recorrentes na área como “acesso à informação”, “direito de acesso à informação” e “direito à
informação”, porque acreditávamos que, dentro destas temáticas, seria possível encontrar
discussões pertinentes à busca realizada. No entanto, também não obtivemos sucesso, pois,
12
nos artigos encontrados com estas temáticas, não havia relação entre o direito à informação ou
direito de acesso à informação e os direitos humanos.
A partir da observação deste cenário, constatamos que a área carecia de literatura
científica sobre o assunto e que seria interessante propor um trabalho que trouxesse reflexões
sobre este tema tão escasso em nossa área. Começamos então a nos perguntar qual era a
relação dos arquivos com os direitos humanos e como seria possível conhecer esta relação.
Nesse sentido, percebemos que não seria possível conhecer a relação dos arquivos
com os direitos humanos se não identificássemos: a) o que são os direitos humanos; b) quais
são as políticas e práticas arquivísticas que estão voltadas para o atendimento destes direitos
e; c) onde levantar tanto o que são os direitos humanos como quais são as políticas e práticas
arquivísticas voltadas para o atendimento destes direitos.
Para identificar as políticas e práticas arquivísticas e reconhecermos nelas a relação
dos arquivos com os direitos humanos pensamos nas resoluções das Conferências Gerais da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, a UNESCO, porque
reconhecemos o importante papel dessa organização para as políticas do campo informacional
e, por conseguinte, para as políticas arquivísticas.
A UNESCO foi criada com o propósito de contribuir para a paz e para a segurança
através da cooperação entre as nações nos campos da educação, da ciência e da cultura. Para
alcance do seu propósito, sua Constituição lista três funções que a Organização deve
desempenhar: 1) colaborar no trabalho de fazer avançar o conhecimento e o entendimento
mútuo entre os povos; 2) oferecer impulso renovado à educação popular e disseminação da
cultura e; 3) manter, expandir e difundir o conhecimento.
Para esta última função, é listada na Constituição um conjunto de atividades que
devem ser desenvolvidas que estão estritamente ligadas a atividades do campo informacional:
a) conservação e a proteção do legado mundial de livros, obras de arte e monumentos de
história e de ciência; b) intercâmbio de publicações, objetos de interesse artístico e científico,
bem como outros materiais de informação e; c) acesso a material impresso e publicado
produzido pelos países membros.
Por esse motivo, a UNESCO, desde a sua criação, sempre investiu no saber e nas
atividades do campo informacional, e com isso acabou contribuindo de forma significativa
para o desenvolvimento das atividades de informação, ganhando posição de destaque no
cenário internacional no que diz respeito ao delineamento de políticas informacionais.
Acreditamos que estas políticas traçadas pela Organização, de um modo geral, são diretrizes
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que subsidiam as políticas nacionais de informação dos Estados Membros que compõem a
UNESCO sendo, portanto, normativos capazes de influenciar as políticas de informação de
muitos Estados. Assim, estas resoluções se mostravam como objeto de pesquisa relevante
para se conhecer as políticas e práticas arquivísticas.
Por outro lado, precisávamos ainda buscar respostas para o que são os direitos
humanos. Por isso, pensamos nos dispositivos legais criados no âmbito do Direito
Internacional dos Direitos Humanos, que são apontados no plano jurídico internacional, como
instrumentos capazes de definir, afirmar e proteger os direitos humanos.
Portanto, tendo definido onde seria possível encontrar as políticas do campo
informacional e arquivístico e a positivação dos direitos humanos, elaboramos uma pesquisa
que tivesse por objetivo conhecer a relação dos arquivos com os direitos humanos.
Desenvolvê-la no campo da Ciência da Informação (CI), em um Programa de PósGraduação em Ciência da Informação (PPGCI-UFF) que apresenta como área de
concentração as “Dimensões Contemporâneas da Informação e do Conhecimento” e como
uma das linhas de pesquisa “Informação, Cultura e Sociedade”, permitirá que seja
evidenciado para o campo e para o Programa, que o tema “arquivos e direitos humanos” é
mais um dos traços característicos das múltiplas dimensões contemporâneas da informação.
Ao ter esta pesquisa desenvolvida dentro do PPGCI-UFF, que volta seus interesses e questões
para as múltiplas dimensões contemporâneas da informação, podemos colaborar para que o
Programa amplie o seu leque de dimensões contemporâneas, englobando dentro dele o tema
“arquivo e direitos humanos”.
Desse modo, propomos uma pesquisa cujo objetivo geral será contribuir para a
discussão e a produção do conhecimento, no âmbito do campo político, da relação dos
arquivos com os direitos humanos, através dos lineamentos oficiais da UNESCO e dos
Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos do Sistema Global de Proteção dos Direitos
Humanos da ONU, visando a, especificamente:
a) identificar, através das resoluções das Conferências Gerais da UNESCO, realizadas a
partir da década de 1990 e de 2000, ações apontadas sobre a função social dos
arquivos;
b) apresentar as recomendações oficiais da UNESCO sobre os arquivos através de uma
abordagem política dos direitos humanos e;
c) identificar a relação entre os arquivos e os direitos humanos.
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Para se conhecer a relação dos arquivos com os direitos humanos e tentar compreender
a maneira com que campo arquivístico está direcionando suas políticas ao atendimento destes
direitos, o universo a ser analisado consistirá no levantamento e análise das Resoluções das
Conferências Gerais da UNESCO das décadas de 1990 e 2000. Estabelecemos este recorte
temporal porque acreditamos que a partir deste período os arquivos tenham ficado mais
evidentes nas políticas de informação da UNESCO e suas políticas de informação estavam
sendo alargadas para além das preocupações com informação em ciência e tecnologia.
Desse modo, pretendemos investigar o que a UNESCO vem propondo sobre o lugar e
o papel dos arquivos; sobre as ações, tarefas e práticas determinadas a seus atores e agentes;
sobre as demandas, deveres e prioridades listadas como sendo de sua competência e; sobre
outras questões relacionadas ao modus operandi dos arquivos. Acreditamos que, através
destas proposições da UNESCO, seja possível identificar a “função social” dos arquivos, visto
que nela estarão diluídas todas estas propostas e a partir dela, a relação com os direitos
humanos.
Para se reconhecer os direitos humanos positivados no âmbito internacional
procederemos a levantar e analisar os Instrumentos Internacionais de Proteção de Direitos
Humanos utilizados no Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos da ONU como
documentos norteadores dos princípios e práticas de direitos humanos que devem ser seguidos
pelos países para garantir e proteger estes direitos. Por meio destes instrumentos positivados
no âmbito internacional e de valor legal na defesa e sustentação dos direitos humanos,
pretende-se discutir através de uma abordagem política de tais direitos as recomendações
oficiais da UNESCO sobre os arquivos.
A orientação metodológica que sustentará esta pesquisa irá se enquadrar em uma
abordagem qualitativa, no âmbito do campo político, da relação dos arquivos com os direitos
humanos; e numa abordagem quantitativa, que indicará quais são as resoluções da UNESCO
que se referem ao campo informacional e aos arquivos.
Ainda nos basearemos no Método do Direito Comparado apresentado por Rodolfo
Sacco (2001) para comparar os lineamentos oficiais da UNESCO sobre os arquivos com os
Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos do Sistema Global de Proteção dos Direitos
Humanos da ONU e, dessa forma, contribuir para a discussão da relação dos arquivos com os
direitos humanos.
Como referencial teórico utilizado na pesquisa como parâmetro para se conhecer a
relação dos arquivos com os direitos humanos, traremos dois autores, Bobbio (2004), que traz
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reflexões sobre a definição e caracterização dos direitos humanos e Comparato (2013) que
traz reflexões sobre como aconteceu a internacionalização dos direitos humanos, antes
declarados em documentos voltados a atender às necessidades mais internas de cada Estado
Nacional.
Para Bobbio (2004) os direitos humanos:
a) são direitos mal definidos (quando não são definições tautológicas, são definições que
fazem uso de termos avaliativos conforme a ideologia assumida por quem define);
b) são direitos variáveis (com estatutos muito diversos que entram em concorrência entre
si);
c) são direitos antinômicos (direitos que individualmente são coerentes, mas se
colocados ao lado de outros se tornam incoerentes);
d) para serem concebidos como tal precisam estar positivados, ou seja, precisam constar
em leis e normas que tenham valor legal;
e) são um construto jurídico voltado para o aprimoramento político da convivência
coletiva e por isso são históricos, nascem de modo gradual, a partir de certas
circunstâncias que possibilitaram os seu nascimento e não nascem de uma vez por
todas, já que, as condições históricas mudam propiciando novas circunstâncias que
venham demonstrar que para a afirmação de novos direitos é preciso rever direitos já
historicamente consolidados.
Para Comparato (2013) a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, que
reconheceu a tutela universal dos direitos humanos, foi o instrumento definitivo de
internacionalização dos direitos humanos, já que a partir de sua aprovação, diversas
organizações, em âmbito global e regional tem atuado em prol da proteção dos direitos
humanos. Para o autor, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um dos marcos
inaugurais da nova fase histórica dos direitos humanos, que se encontra em pleno
desenvolvimento e é assinalada pelo aprofundamento e a definitiva internacionalização dos
direitos humanos.
Os dois autores vêm trazer à pesquisa grande contribuição. Já que partimos da
premissa que para se conhecer a relação dos arquivos com os direitos humanos ou o que são
os “arquivos de direitos humanos” é preciso antes saber o que são os direitos humanos, esses
autores permitiram que, através de diferentes perspectivas, pudéssemos conhecer o que são,
quais são e como são declarados estes direitos.
No que concerne à divisão do trabalho, esta pesquisa será apresentada em quatro
capítulos. O primeiro capítulo intitulado A fundamentação histórica dos direitos humanos
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irá apresentar a fundamentação histórica dos direitos humanos e as concepções políticoideológica nas quais esta fundamentação se apoia para defender, justificar e caracterizar os
direitos da pessoa humana; as duas grandes teorias que se contrapõem no campo dos direitos
humanos para justificar a existência destes direitos (teoria jusnaturalista x teoria
juspositivista) e as diferentes gerações ou dimensões de direitos nos quais os direitos humanos
estão elencados ou consolidados.
Iniciar a apresentação da pesquisa pelo capítulo que trata dos direitos humanos
significa apontar a forma com que a pesquisa foi conduzida: todo o levantamento realizado
(Resoluções e Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos) e as análises tecidas à partir
da comparação entre o material levantado foi feito sob a ótica dos direitos humanos, levando
em consideração os conceitos, definições e ideias apresentadas e defendidas pelos autores
citados no capítulo, em especial, aquelas defendidas e apresentadas por Bobbio (2004) e
Comparato (2013), adotadas neste trabalho como nosso referencial teórico.
O capítulo II intitulado Os arquivos de direitos humanos no Brasil: pressupostos e
hipóteses serão apresentados nossos pressupostos e hipóteses sobre o que tem sido apontado
no Brasil como “arquivos de direitos humanos”, fazendo uma reflexão sobre algumas
questões que acreditamos merecer serem pensadas pelos profissionais da informação à luz do
que apresenta os autores citados no capítulo anterior que trata dos direitos humanos,
especialmente Bobbio (2004), que aponta como os direitos humanos apresentam
características tão peculiares: São direitos mal definidos (quando não são definições
tautológicas, são definições que se utilizam de termos avaliativos conforme a ideologia
assumida por quem define); são direitos históricos (que não nascem ao mesmo tempo e nem
de uma vez por todas); são direitos heterogêneos (com estatutos muito diversos que entram
em concorrência entre si); são direitos antinômicos (direitos que individualmente são
coerentes, mas se colocados ao lado de outros se tornam incoerentes).
O capítulo III, intitulado UNESCO: Ditos e não Ditos de uma Organização para a
Educação, Ciência, Cultura e... Informação será apresentado o contexto histórico e político
em que a UNESCO foi criada apontando os fatos que antecederam (antecedentes) sua criação
(a criação da CMAE e a Conferência de Londres) e os fatos que serviram de pretexto
(precedentes) para justificar a sua criação (preocupação com os aspectos culturais,
educacionais e científicos dos países no mundo bi polarizado do pós-guerra, a Guerra Fria, o
medo iminente de uma terceira guerra mundial, etc.).
Através da análise da Constituição da UNESCO buscaremos compreender quais são
suas matrizes fundadoras e suas relações com o campo dos direitos humanos e com o campo
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informacional. Comentaremos, ainda, o fato da Organização, desde os seus primeiros anos de
funcionamento, elencar, dentro de seus programas de maior destaque, questões relativas ao
campo informacional, deixando isto evidente no seu texto constitucional, mas não
explicitando que a cooperação no campo informacional será uma de suas prioridades tal como
a cooperação nos campos da educação, da ciência e da cultura. Destacaremos também a
defesa dos direitos humanos feita pela UNESCO como meio de legitimar o seu papel
mediador na política internacional.
A vinculação da UNESCO com o campo dos direitos humanos e com o campo
informacional apresentada neste capítulo permitirá evidenciar a natureza política e intelectual
desta Organização que a justifique como elemento de coesão da pesquisa para entender a
relação dos arquivos com os direitos humanos.
O capítulo IV, intitulado “Os Arquivos e os Instrumentos de Direitos Humanos
nos Dispositivos Legais” será explicitada a metodologia empregada na obtenção dos dados
da pesquisa bem como o método utilizado para trabalhar os dados levantados e
apresentados os Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos (empregados pelo
Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos da ONU como Tratados Fundamentais
de Direitos Humanos para defender e assegurar os direitos humanos a nível global), que
foram utilizados na pesquisa como objeto de comparação com as resoluções da UNESCO.
Em seguida apresentaremos nossas análises tecidas a partir da comparação dos
dispositivos legais da UNESCO e da ONU. A apresentação das análises será feita dividida
em duas décadas, 1990 e 2000, e estará contida nelas o que foi encontrado nos dispositivos
legais da UNESCO referentes ao campo informacional e aos arquivos, permitindo que o
leitor tome conhecimento do conteúdo de cada resolução aprovada pela UNESCO, já que
elas serão citadas na pesquisa uma a uma, e também a relação das temáticas que aborda os
direitos humanos traçados nos Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos da ONU.
Nas considerações finais, traremos nossas conclusões a respeito da relação dos
arquivos com os direitos humanos.
18
CAPÍTULO I
___________________________________________________________________________
A FUNDAMENTAÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS HUMANOS
A fundamentação histórica e filosófica dos direitos humanos é variável de acordo com
a concepção político-ideológica que se tem. Dornelles (2007) aponta que existem três grandes
concepções das quais partem aqueles que buscam fundamentar os direitos da pessoa humana:
A concepção idealista, a concepção positivista e a concepção crítico-materialista.
Segundo aponta Dornelles (2007) a concepção idealista fundamenta os direitos
humanos a partir de uma visão metafísica e abstrata, identificando os direitos a valores
superiores informados por uma ordem transcendental supraestatal que pode se manifestar na
vontade divina ou na razão natural humana. É dessa concepção que vem a ideia de que os
direitos humanos são inerentes ao homem, ou nascem pela força da natureza humana. Os
direitos são um ideal. Os representantes desta concepção são chamados de jusnaturalistas e
neste trabalho apresentaremos as ideias defendidas por Fabio Konder Comparato (2013) para
representar os adeptos desta corrente.
Para o autor supracitado, a concepção positivista, por sua vez, apresenta os direitos
como sendo fundamentais e essenciais, desde que reconhecidos pelo Estado através de sua
ordem jurídica positiva. Os direitos seriam um produto que emana da força do Estado através
do seu processo de legitimação e reconhecimento legislativo, e não produto ideal de uma
força superior ao poder estatal, como Deus ou a razão humana. Sua existência e efetividade
dependem do reconhecimento do poder público. Os representantes desta concepção são os
juspositivista ou positivistas e neste trabalho é apontado como defensor desta corrente
Norberto Bobbio (2004).
Já a concepção crítico-materialista se desenvolveu durante o século XIX, partindo de
uma explicação de caráter histórico-cultural para fundamentar os direitos humanos. Surgiu
como crítica ao pensamento liberal, e entende que os direitos humanos, como estavam
enunciados nas declarações de direitos e nas constituições do século XIX e XX, não
passavam de expressão formal de um processo político social e ideológico realizado por lutas
sociais no momento da ascensão da burguesia ao poder político. A inspiração desta concepção
surge principalmente das obras filosóficas do pensador alemão Karl Marx. As discussões
levantadas por esta corrente serão apresentadas no trabalho através de autores que tentam
definir as gerações de direitos humanos e o que cada uma delas define como sendo do seu
19
escopo, como por exemplo, Dornelles (1993), Silva (2005), Guerra (2013), e o próprio
Bobbio (2004).
A busca por uma fundamentação histórica dos direitos humanos divide estudiosos do tema
tanto quanto à origem dos direitos humanos quanto aos temas incorporados por estes ditos
direitos que são tratados com diferentes perspectivas dependendo da corrente doutrinária e do
modo sócio-político-ideológico com a qual a questão é percebida e compreendida. Há aqueles
que acreditam ser possível apontar uma fundamentação única e absoluta dos direitos
humanos, como é o caso dos defensores da teoria jusnaturalista, que sustenta que os direitos
humanos se situam numa ordem suprema, universal, imutável, não se tratando de criação
humana, enquanto há aqueles que acreditam não ser possível encontrar um fundamento
absoluto para os direitos humanos, como é o caso da teoria juspositivista, que sustenta que os
direitos humanos são uma criação normativa a partir da legítima manifestação da soberania
do povo e se constituem como direitos somente quando positivados.
Os defensores da corrente do jusnaturalismo defendem que os direitos humanos
independem da vontade humana, direitos existem antes mesmo do homem e acima das leis do
homem. São direitos inerentes à pessoa humana e, por isso, são considerados direitos naturais,
ou seja, são universais, imutáveis e invioláveis. Por outro lado, os defensores da corrente
juspositivista defendem que os direitos humanos, e consequentemente o seu reconhecimento,
só podem existir através de normas positivadas, em outras palavras, normas criadas pelos
homens por intermédio do Estado e impostas à coletividade e que por isso apresentam poder
coercivo. Os estudiosos de direitos humanos que buscam bases para sua fundamentação
histórica e filosófica costumam se situar em uma destas duas correntes para fundamentar a
sustentação dos direitos humanos.
Conforme apontamos acima, como representante daqueles que defendem ser possível
falar em uma fundamentação única para os direitos humanos, trabalharemos com as ideias
defendidas por Fábio Konder Comparato (2013), que demonstra como todo processo da
afirmação histórica dos direitos humanos encontra seu fundamento em torno do conceito de
“dignidade humana” e do conceito de “pessoa”, cunhados pela religião, pela filosofia e pela
ciência.
Como representante daqueles que não acreditam ser possível um único fundamento
absoluto para os direitos humanos apresentaremos as ideias do juspositivista Norberto Bobbio
(2004), que demonstra que não existe um único fundamento para os direitos humanos e sim
vários fundamentos para casos e situações concretas, e que, por isso, a busca por um
fundamento absoluto são duas ilusões do jusnaturalismo. O autor aponta que a primeira ilusão
20
consiste no fato de se acreditar que de tanto se acumular e elaborar razões e argumentos por
um fundamento para os direitos humanos, torna-se possível encontrar uma razão e um
argumento irresistível ao qual ninguém possa recusar sua adesão. (BOBBIO, 2004)
Já a segunda ilusão, sustentada pelo dogma do racionalismo ético, consiste na crença
de que os argumentos que sustentam os direitos humanos como valores últimos podem ser
demonstrados como teoremas e que basta demonstrá-los para que seja assegurada a sua
realização. Dessa forma, ao lado do dogma da demonstrabilidade dos valores últimos, há o
dogma de que a racionalidade demonstrada de um valor é condição não só necessária, mas
também suficiente, de sua realização. (BOBBIO, 2004)
No entanto, as diversas controvérsias em relação aos direitos humanos, não se
encerram apenas na sua fundamentação. Podemos dizer que hoje, a principal preocupação em
relação às divergências existentes no campo dos direitos humanos, consiste não na sua
fundamentação e sim na sua aplicabilidade, dada a complexidade de fatores, valores morais e
interesses políticos e econômicos que envolvem estes direitos:
Os jovens tenentes franceses que, durante a guerra de libertação nacional da
Argélia, torturavam guerrilheiros presos para extrair-lhes informações eram
os mesmos que pouco antes haviam cantado as estrofes ‘contra a tirania’ de
A Marselhesa. Os Estados Unidos da América, país que ensina seus
estudantes a repetirem de memória passagens libertárias de sua Declaração
da Independência, não hesitaram em apoiar ou instalar ditaduras ao redor do
mundo durante a maior parte da segunda metade do século XX –
envolveram-se diretamente em golpes de Estados. Sua Escola das Américas
[que em janeiro de 2001 alterou sua denominação para Instituto do
Hemisfério Ocidental para Cooperação em Segurança], centro de formação
de militares estrangeiros (antes localizado no canal do Panamá, atualmente
em Fort Benning, Geórgia), utilizou até 1992, nas aulas para oficiais latino
americanos, manuais que ensinavam técnicas de tortura em interrogatórios
de prisioneiros políticos – e os direitos humanos já tinham sido
transformados havia décadas em estandarte da política externa desse país. O
Ato Institucional nº5, pelo qual, em 13 de dezembro de 1968, os militares
brasileiros radicalizaram sua ditadura, foi o documento jurídico mais infame
da historia do Brasil – entretanto, em suas primeiras linhas, reportava-se,
cinicamente, a uma ‘autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no
respeito à dignidade da pessoa humana’. O Estado de Israel, que faz questão
de apresentar-se como paladino dos direitos humanos – até em honra as
vitimas do holocausto –, ingressou no século XXI com este sombrio sinal
distintivo: talvez seja o único país do mundo onde práticas de tortura para
extrair informações de prisioneiros políticos contam com aval do Poder
Judiciário, desde que sejam torturas ‘módicas’. Por que tem sido tão fácil
falar em direitos humanos, por que essa expressão tornou-se assim maleável,
tão complacente e moldável, a ponto de a vermos, pronunciada sem rubor,
pelos mais inesperados personagens? O que significa ela exatamente? Ou
melhor, ela ainda conserva um significado? Ou seu uso indiferente por
21
canalhas e anjos estaria exatamente a indicar que teria perdido o sentido que
teve algum dia? (TRINDADE, 2002, p. 15 e 16)
Exporemos nos itens que se seguem os argumentos dos dois autores, Comparato
(2013) e Bobbio (2004), que divergem em relação à fundamentação dos direitos humanos, e
em seguida, apontaremos também, a divergência existente entre diversos autores quando o
assunto é as dimensões dos direitos humanos que foram surgindo com o decorrer da história e
o que cada uma delas compreende.
Ao expormos os argumentos de Comparato (2013) e Bobbio (2004) optamos por não
desenvolver simultaneamente as ideias de cada um dos autores, e sim apresentá-las de forma
sucessiva.
Primeiro apresentaremos as ideias de Comparato, defensor da corrente jusnaturalista,
que terá seus argumentos todos expostos de uma vez, de forma que o leitor possa perceber a
maneira que ele constrói e encadeia seu raciocínio para chegar à conclusão de como o
princípio da dignidade humana foi cunhado de forma sucessiva pela religião, filosofia e pela
ciência e por isso justifica sua defesa de fundamentação única para os direitos humanos.
Depois, assim como faremos com Comparato, exporemos de uma vez, todos os
argumentos de Bobbio, defensor da corrente juspositivista, de forma que o leitor possa
também perceber, a maneira que ele encadeia seu raciocínio apresentando as “quatro
dificuldades” encontradas para se sustentar a defesa de um fundamento absoluto dos direitos
humanos, chegando à conclusão de que não é possível haver uma única fundamentação para
os direitos humanos.
Teoria Jusnaturalista x Teoria Juspositivista
Ao fazer referência e apontar como questão central o atributo da dignidade humana à
pessoa humana como algo anterior ao Estado e à positivação de direitos por este, Comparato
(2013) coloca-se como um defensor da corrente jusnaturalista e aponta que inicialmente a
religião, lançando as primeiras sementes, e depois a filosofia e a ciência deram conta, através
do argumento da eminência do homem no mundo, de sustentar esta ideia:
22
Por derradeiro, não se pode deixar de observar que as reflexões da filosofia
contemporânea sobre a essência histórica da pessoa humana, conjugadas à
comprovação do fundamento científico da evolução biológica, deram sólido
fundamento à tese de caráter histórico (mas não meramente convencional)
dos direitos humanos, tornando, portanto, sem sentido a tradicional querela
entre partidários de um direito natural estático e imutável e os defensores do
positivismo jurídico, para os quais fora do Estado não há direito.
(COMPARATO, 2013, p. 44)
Diferentemente do que defende a teoria juspositivista, Comparato (2013) vai
demonstrando como a resposta ao que é “dignidade humana” e “pessoa” foi sendo
sucessivamente dada no campo da religião, da filosofia e da ciência e apresenta questões
fundamentais nestes campos que puderam colocar em evidência a eminência do ser humano
no mundo e, portanto, a necessidade de concebê-lo como ser dotado de dignidade, apontado
este fato como precursor de um fundamento para o surgimento dos direitos humanos.
Dessa forma, o autor argumenta que no campo da religião a superioridade do ser
humano no mundo em relação aos demais seres e coisas surgiu com a afirmação da fé
monoteísta. Antes da crença em um único Deus acreditava-se na existência de deuses que
faziam parte do mundo como super-homens, mas que apresentavam as mesmas paixões e
defeitos dos seres humanos. Ao contrário, a fé monoteísta, traz a ideia da criação do mundo
por um Deus único e transcendente, anterior e superior ao mundo e criador de tudo que existe.
Nessa perspectiva, a criatura humana ocupa uma posição abaixo de Deus, mas muito acima de
todas as outras criaturas, se destacando por sua qualidade e importância em relação a tudo
mais criado por Deus:
A criatura humana ocupa uma posição eminente na ordem da criação. Deus
lhe deu poder sobre ‘os peixes do mar, as aves do céu, os animais
domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra’
(Gênesis 1, 26). A cada um deles o homem deu um nome (2, 19), o que
significa, segundo velhíssima crença, submeter o nomeado ao poder do
nomeante. (COMPARATO, 2013, p. 14)
Em seguida, aponta a contribuição no campo da filosofia para justificar a posição de
importância do ser humano no mundo, que veio mais tarde com a afirmação da natureza
essencialmente racional do ser humano. A filosofia, ao trazer como indagação central “que é
o homem?”, demonstra sua singularidade, capaz de tomar a si mesma como objeto de
reflexão. No pensamento filosófico o homem deixa de ser a criatura abaixo de Deus e passa a
ser ele próprio o centro do universo, uma vez que a racionalidade é atributo exclusivamente
23
humano. Do mesmo modo como no pensamento religioso, no pensamento filosófico a posição
eminente do homem no mundo continua a fazer dele merecedor de dignidade humana.
A contribuição da ciência, que trouxe uma justificativa científica para a dignidade humana,
veio com a descoberta do processo de evolução dos seres vivos. Esta foi aos poucos abrindo
caminho no mundo científico à convicção de que não é por acaso que o ser humano
representa o ápice de toda a cadeia evolutiva das espécies vivas, sendo a própria dinâmica de
evolução vital organizada em função do homem:
Ora, a verdade – hoje indiscutível, de resto, no meio científico – é que o
curso do processo de evolução vital foi substancialmente influenciado pela
aparição da espécie humana. A partir de então, surge em cena um ser capaz
de agir sobre o mundo físico, sobre o conjunto das espécies vivas e sobre si
próprio, enquanto elemento integrante da biosfera. O homem passa a alterar
o meio ambiente e, ao interferir no processo generativo e de sobrevivência
de todas as espécies vivas, inclusive a sua própria. Na atual etapa da
evolução, como todos reconhecem, o componente cultural é mais acentuado
que o componente ‘natural’. Até o aparecimento da linguagem, a evolução
cultural foi praticamente imperceptível. A partir de então, no entanto, ou
seja, a contar deste marco histórico decisivo, há cerca de 40.000 anos, a
evolução cultural cresceu mais rapidamente do que nos milhões de anos que
a precederam. O homem perfaz indefinidamente a sua própria natureza – ao
mesmo tempo em que ‘hominiza’ a Terra, tornando-a sempre mais
dependente de si próprio. (COMPARATO, 2013, p. 18)
Essa posição de superioridade do homem sobre os seres da terra (religião), sobre o
divino e tudo que está na terra (filosofia) e sobre o processo de evolução das espécies
incluindo a sua própria (ciência), teoricamente comprovadas por estes campos, deveria
assegurar ao homem um conjunto de direitos e garantias indissociáveis a ele e o fim básico
destes direitos e garantias seria o respeito à sua dignidade. É esse princípio da dignidade
humana, considerado o fundamento absoluto e inquestionável dos direitos indissociáveis do
homem, ou seja, dos direitos humanos, que é defendido pela teoria jusnaturalista.
Comparato (2013) alega que o princípio da dignidade humana pode ser demonstrado
através da elaboração histórica de fundamentos intelectuais para compreensão da pessoa
humana e para afirmação da existência de direitos universais.
Com isso, aponta que a primeira fase na elaboração do conceito de “pessoa” ocorreu
dentro da Igreja, que postulava que no plano divino havia uma igualdade de todos os seres
humanos apesar de suas múltiplas diferenças individuais e grupais. Por este motivo, os
teólogos precisavam aprofundar a ideia de uma natureza comum a todos os homens que
justificasse essa igualdade no plano divino. No entanto, a primeira grande discussão a respeito
24
do conceito de “pessoa” acabou não acontecendo a respeito do ser humano e sim a respeito da
identidade de Jesus Cristo. Havia, dentro da Igreja, a discussão se Jesus era possuidor de uma
natureza divina ou se era possuidor de uma natureza humana, pelo fato de ter sido gerado pelo
Pai (natureza divina). A controvérsia foi resolvida chegando-se ao consenso de que Jesus
Cristo apresentava uma dupla natureza, humana e divina, em uma única pessoa. Dessa forma,
a ideia de natureza comum a todos os homens acabou não sendo feito pela Igreja e sim a
partir de conceitos desenvolvidos pela filosofia grega. Porém, dessa discussão sobre a
natureza de Jesus, surgiu, através da solução conciliadora, um conceito de “pessoa” dotada de
duas naturezas, humana e divina.
A segunda fase na história da elaboração do conceito de “pessoa” apresentada por
Comparato inaugurou-se com Boécio no início do século VI. Este definiu que “pessoa” era a
substância individual da natureza racional. Essa definição se tornou clássica e seus escritos
influenciaram profundamente todo o pensamento medieval:
Foi de qualquer forma, sobre a concepção medieval de pessoa que se iniciou
a elaboração do princípio da igualdade essencial de todo ser humano, não
obstante a ocorrência de todas as diferenças individuais ou grupais, de
ordem biológica, ou cultural. E é essa igualdade de essência da pessoa que
forma o núcleo do conceito universal dos direitos humanos. A expressão
não é pleonástica, pois que se trata de direitos comuns a toda espécie
humana, a todo homem enquanto homem, os quais, portanto, resultam da
própria natureza, não sendo meras criações políticas. Desse fundamento,
igual para todos os homens, os escolásticos e canonistas medievais
tiraram a conclusão lógica de que todas as leis contrárias ao direito
natural não teriam vigência ou força jurídica; ou seja, lançaram as
bases de um juízo de constitucionalidade avant la lettre. No Decretum
(Dist. 9, Cânon 1), Graciano, o pai do direito canônico, afirmou que ‘as
normas positivas, tanto eclesiásticas quanto seculares, uma vez demonstrada
a sua contrariedade ao direito natural, devem ser totalmente excluídas’.
(COMPARATO, 2013, p. 32, grifo nosso)
Conforme poderemos observar, nessa segunda fase da elaboração do conceito de
“pessoa” estão as bases para a defesa dos jusnaturalistas de que há um fundamento absoluto
para os direitos humanos, visto que eles são um valor moral, situando-se numa ordem
suprema, universal, imutável, não se tratando de criação humana. São direitos naturais do
homem e nenhuma força jurídica poderá destituir tais direitos dele e à medida que o conceito
foi se aperfeiçoando historicamente observou-se que a força jurídica, ao contrário, teve o
papel de defendê-los. As outras três fases apresentadas por Comparato (2013), que
consolidaram o conceito de “pessoa”, foram sendo aperfeiçoadas e complementadas, mas
25
mantiveram a ideia central da igualdade de essência da pessoa humana, dotada de direitos
naturais que garantam sua dignidade.
A terceira fase desta elaboração teórica adveio com a filosofia Kantiana que afirmava
que:
a dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente
das coisas, um ser considerado e tratado, em si mesmo, como um fim em si e
nunca como um meio para consecução de determinado resultado. Ela resulta
também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em
condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele
próprio edita. Daí decorre como assinalou o filósofo, que todo homem tem
dignidade e não um preço, como as coisas. A humanidade em espécie, e
cada ser humano em sua individualidade, é propriamente insubstituível: não
tem equivalente, não pode ser trocado por coisa alguma. (COMPARATO,
2013, p. 34)
A defesa de Kant do valor relativo das coisas em contraposição ao valor absoluto da
dignidade humana, em função do homem ser dotado de racionalidade e por isso livre para
guiar-se pelas próprias leis que edita, prenunciou a quarta etapa histórica na elaboração do
conceito de “pessoa” caracterizada pela descoberta do mundo dos valores. Assim, a quarta
etapa, conforme anuncia Comparato:
consistiu no reconhecimento de que o homem é o único ser vivo que dirige a
sua vida em função de preferências valorativas. Ou seja, a pessoa humana é,
ao e mesmo tempo, o legislador universal, em função dos valores éticos que
aprecia, e o sujeito que se submete voluntariamente a essas normas
valorativas. (...) Os direitos humanos foram identificados com os valores
mais importantes da convivência processo irreversível de desagregação.
(COMPARATO, 2013, p. 38)
A quinta etapa, na qual se ampliou a elaboração do conceito de “pessoa”, aconteceu no
século XX e teve seu embasamento na filosofia da vida e no pensamento existencialista. A
reflexão filosófica reconheceu que a essência da personalidade humana não se confunde com
a função ou papel que cada qual exerce na vida: “cada qual possui uma identidade singular,
inconfundível com a de outro qualquer. Por isso, ninguém pode experimentar,
existencialmente, a vida ou a morte de outrem: são realidades únicas e insubstituíveis.”
(COMPARATO, A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, 2013, p. 39). Ademais,
complementou que esta identidade singular não é imutável. O homem transforma-se
continuamente, possui essência evolutiva porque é incompleto, inacabado em seu cerne.
26
A ciência veio a confirmar essa visão filosófica. A descoberta da estrutura
do ADN (ácido desoxirribonucléico) por Watson e Crick, em 1953, revelou
que cada um de nós carrega um patrimônio genético próprio e, salvo em
caso de gêmeos homozigóticos, um patrimônio genético único. Sucede que
este primeiro molde da personalidade individual deve ainda ser acrescida,
como fator de diferenciação, a influência conjugada do meio orgânico, do
meio social e do próprio indivíduo sobre si próprio. (...) Por outro lado, no
quadro do evolucionismo, observou-se que diferentemente das outras
espécies vivas, a humanidade não evoluiu apenas no plano biológico, mas
também no plano cultural; e que, graças a esta dimensão cultural, já se abriu
ao ser humano a possibilidade de interferir sobre a evolução biológica de
todas as espécies vivas, inclusive a sua. (COMPARATO, 2013, p. 43)
Comparato aponta que a contribuição da filosofia nesta quinta e última etapa da
construção do conceito da pessoa humana, sendo suas afirmações confirmadas pela ciência,
foi de grande importância para a teoria jurídica e para o sistema de direitos humanos. Tal foi o
seu reconhecimento e importância que a própria Declaração Universal dos Direitos do
Homem incorporou este conceito:
A declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada unanimemente pela
Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948,
condensou toda a riqueza dessa longa elaboração teórica, ao proclamar, em
seu art. VI, que todo homem tem o direito de ser, em todos os lugares,
reconhecido como pessoa. (COMPARATO, 2013, p. 44)
Desse modo, o autor acredita que a partir da construção teórica dos conceitos de
dignidade e pessoa humana é possível se falar em uma única fundamentação teórica e
filosófica dos direitos humanos, sendo o uso deste conceito na declaração de direitos da ONU
a consagração do reconhecimento desta fundamentação absoluta. Para Comparato, a
titularidade dos direitos humanos é, pura e simplesmente, a existência do homem, sem
necessidade alguma de qualquer outra situação:
É que os direitos humanos são direitos próprios de todos os homens,
enquanto homens, à diferença dos demais direitos, que só existem e são
reconhecidos, em função de particularidades individuais ou sociais do
sujeito. Trata-se, em suma, pela sua própria natureza, de direitos universais e
não localizados, ou diferenciais. Assim como o Estado moderno, que é um
produto histórico, não criou o Direito em geral e muito menos os direitos
humanos em particular, da mesma forma a eventual supressão do Estadonação contemporâneo não impedirá o reconhecimento universal da
dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais dela decorrentes,
27
que representam o sentido axial de toda a História. (COMPARATO, 1997,
p. 28 2 29)
No entanto, defensor do juspositivismo, Bobbio não acredita ser possível encontrar um
fundamento absoluto para os direitos humanos. De acordo com este autor, da busca por um
fundamento para os direitos humanos, nasce a ilusão de que existe um fundamento absoluto
cuja adesão ninguém pode recusar: “Essa ilusão foi comum durante séculos aos
jusnaturalistas, que supunham ter colocados certos direitos (mas nem sempre os mesmos)
acima da possibilidade de qualquer refutação, derivando-os diretamente da natureza do
homem.” (BOBBIO, 2004, p. 16)
Para ele, esta ilusão não é possível, pois toda a busca de um fundamento absoluto é
infundada. Contra esta ilusão, aponta o que ele denomina de “quatro dificuldades” para se
sustentar a defesa de um fundamento absoluto dos direitos humanos. A primeira dificuldade
apontada por Bobbio é que a definição do que são os direitos do homem é mal definida
porque é impossível se ter uma noção precisa destes direitos:
A primeira dificuldade deriva da consideração de que ‘direitos do homem’ é
uma expressão muito vaga. (...) A maioria das definições são tautológicas:
‘Direitos do homem são os que cabem ao homem enquanto homem’. Ou nos
dizem algo apenas sobre o estatuto desejado ou proposto para estes direitos,
e não sobre o seu conteúdo: ‘Direitos do homem são aqueles que pertencem,
ou deveriam pertencer, a todos os homens, ou dos quais nenhum homem
deveria ser despojado’. Finalmente, quando se acrescenta alguma referência
ao conteúdo, não se pode deixar de introduzir termos avaliativos: ‘Direitos
do homem são aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para
aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da
civilização, etc., etc.’. Nasce desta questão uma nova dificuldade. Isto
porque os termos avaliativos são interpretados de modo diverso conforme a
ideologia assumida pelo intérprete. Com efeito, é objeto de muitas polêmicas
apaixonantes, mas insolúveis, saber o que se entende por aperfeiçoamento da
pessoa humana ou por desenvolvimento da civilização. O acordo é obtido,
em geral quando polemistas – depois de muitas concessões recíprocas –
consentem em aceitar uma fórmula genérica, que oculta e não resolve a
contradição: essa fórmula genérica conserva a definição no mesmo nível de
generalidade em que aparece nas duas definições precedentes. Mas as
contradições que são assim afastadas renascem quando se passa do momento
da enunciação puramente verbal para o da aplicação. O fundamento de
direitos – dos quais se sabe apenas que são condições para a realização de
valores últimos – é o apelo a esses valores últimos. Mas os valores últimos,
por sua vez, não se justificam; o que se faz é assumi-los. O que é último
precisamente por ser último não tem nenhum fundamento. De resto, os
valores últimos são antinômicos: não podem ser todos realizados
globalmente e ao mesmo tempo. Para realizá-los são necessárias concessões
de ambas as partes: nessa obra de conciliação, que requer renúncias
recíprocas, entram em jogo as preferências pessoais, as opções políticas, as
orientações ideológicas. Portanto, permanece o fato de que nenhum dos três
28
tipos de definição permite elaborar uma categoria de direitos do homem que
tenha contornos nítidos. Pergunta-se então, como é possível pôr o problema
do fundamento, absoluto ou não, de direitos dos quais é impossível dar uma
noção precisa. (BOBBIO, 2004, p. 17 e 18)
A segunda dificuldade apontada por Bobbio para se defender um fundamento absoluto
para os direitos do homem é que eles constituem uma classe variável. E essa “variabilidade”
ocorre em virtude de estes direitos serem históricos, ou seja, nascidos em certas
circunstâncias, no bojo de lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes,
nascidos e conquistados de forma gradual e não definitiva.
O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua a se modificar,
com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos
interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos
meios, das transformações técnicas, etc. (...) O que prova que não existem
direitos fundamentais por natureza. O que parece fundamental numa época
histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras
épocas e em outras culturas. Não se concebe como seja possível atribuir um
fundamento absoluto a direitos historicamente relativos. (BOBBIO, 2004, p.
18)
No entanto, para o autor, o fato de os direitos humanos serem historicamente relativos
e, portanto, considerados direitos variáveis, não é um problema. Apenas demonstra que por
este motivo não é possível que os direitos humanos tenham um fundamento absoluto:
De resto, não há por que ter medo do relativismo. A constatada pluralidade
das concepções religiosas e morais é um fato histórico, também ele sujeito a
modificação. O relativismo que deriva desta pluralidade é também relativo.
E além do mais, é precisamente esse relativismo o mais forte argumento em
favor de alguns direitos do homem, dos mais celebrados como a liberdade de
religião e em geral a liberdade de pensamento. Se não tivéssemos
convencidos da irresistível pluralidade das concepções últimas, e se, ao
contrário, estivéssemos convencidos de que asserções religiosas, éticas e
políticas são demonstráveis como teoremas (e essa era, mais uma vez, a
ilusão dos jusnaturalistas, de um Hobbes, por exemplo, que chamava as leis
naturais de ‘teoremas’), então os direitos à liberdade religiosa ou à liberdade
de pensamento político perderiam sua razão de ser, ou pelo menos,
adquiririam outro significado: seria não o direito de ter a própria religião
pessoal ou de expressar o próprio pensamento político, mas sim o direito de
não ser dissuadido pela força de empreender a busca da única verdade
religiosa e do único bem político. (BOBBIO, 2004, p. 18 e19)
29
A terceira dificuldade apresentada por Bobbio que contribui para a impossibilidade de
encontrar um fundamento absoluto para os direitos humanos, além da dificuldade em definilos e do fato de serem variáveis, é a heterogeneidade presente nos direitos humanos, ou seja,
entre os direitos compreendidos nas declarações e nas leis, há pretensões muito diversas entre
si e até mesmo incompatíveis, o que significa que as razões que valem para sustentar umas
declarações e leis não valem para sustentar outras. Por este motivo, não se deve falar de um
fundamento, mas de diversos fundamentos dos direitos do homem:
Inicialmente, cabe dizer que, entre os direitos humanos, como já se observou
várias vezes, há direitos com estatutos muito diversos entre si. Há alguns que
valem em qualquer situação e para todos os homens indistintamente: são os
direitos acerca dos quais há a exigência de não serem limitados nem diante
de casos excepcionais, nem com relação a esta ou àquela categoria, mesmo
restrita, de membros do gênero humano (é o caso, por exemplo, do direito de
não ser escravizado e de não sofrer tortura). Esses direitos são privilegiados
porque não são postos em concorrência com outros direitos, ainda que
também fundamentais. Porém, até entre os chamados direitos fundamentais,
os que não são suspensos em nenhuma circunstância, nem negados para
determinada categoria de pessoas, são bem poucos: em outras palavras, são
bem poucos os direitos considerados fundamentais, e que, portanto não
imponham, em certas situações e em relação a determinadas categorias de
sujeitos, uma opção. Não se pode afirmar um novo direito em favor de uma
categoria de pessoas sem suprimir algum velho direito, do qual se
beneficiavam outras categorias de pessoas: o reconhecimento do direito de
não ser escravizado implica a eliminação do direito de possuir escravos; o
reconhecimento do direito de ser torturado implica a supressão do direito de
torturar. (...) Portanto, sobre este ponto, parece que temos que concluir que
direitos que têm eficácia tão diversa não podem ter o mesmo fundamento e,
sobretudo que os direitos do segundo tipo – fundamentais, sim, mas sujeitos
a restrições – não podem ter um fundamento absoluto, que não permitisse
dar uma justificação válida para sua restrição. (BOBBIO, 2004, p. 19 e 20)
A quarta dificuldade apontada por Bobbio e que, segundo ele, põe ainda mais
gravemente em perigo a busca de um fundamento absoluto para os direitos humanos é a
antinomia entre direitos invocados pelas pessoas, ou seja, a contradição entre leis e princípios
que, se colocados individualmente, são coerentes:
Todas as declarações recentes dos direitos do homem compreendem, além
dos direitos individuais tradicionais, que consistem em liberdades, também
os chamados direitos sociais, que consistem em poderes. Os primeiros
exigem da parte dos outros (incluídos aqui os órgãos públicos) obrigações
puramente negativas, que implicam a abstenção de determinados
comportamentos; os segundos só podem ser realizados se for imposto a
outros (incluídos aqui os órgãos públicos) certo número de obrigações
30
positivas. São antinômicos no sentido de que o desenvolvimento deles não
pode proceder paralelamente: a realização integral de uns impede a
realização integral de dos outros. Quanto mais aumentem os poderes dos
indivíduos, tanto mais diminuem as liberdades dos mesmos indivíduos.
Trata-se de duas situações jurídicas tão diversas que os argumentos
utilizados para defender a primeira não valem para defender a segunda. (...)
Pois bem, dois direitos fundamentais, mas antinômicos, não podem ter, um e
outro, um fundamento absoluto, ou seja, um fundamento que torne um
direito e seu oposto, ambos inquestionáveis e irresistíveis. (BOBBIO, 2004,
p. 21)
Para esta situação o autor ainda aponta que em alguns momentos históricos certos
direitos já estabelecidos foram empecilhos para a afirmação de novos direitos, seja de forma
total ou parcial, pois estes iam contra os direitos já historicamente consolidados. Como
exemplo, o autor aponta a dificuldade de a legislação social ganhar seu espaço na discussão
dos direitos humanos em decorrência da defesa do direito à propriedade como um
fundamento absoluto: “a oposição quase secular contra a introdução dos direitos sociais foi
feita em nome do fundamento absoluto dos direitos de liberdade”. (BOBBIO, 2004, p. 22)
Por este motivo, Bobbio indica que um fundamento absoluto que justifique certo
direito como sendo um direito fundamental do homem pode não ser apenas uma “ilusão”,
como nos três casos apontados anteriormente, mas em determinadas situações pode ser
também um pretexto para se defenderem posições conservadoras.
Para outra ilusão dos jusnaturalistas apontada por Bobbio, que se refere à ilusão sustentada
pelo dogma do racionalismo ético de que os direitos humanos são valores últimos que podem
ser demonstrados como teoremas e que basta demonstrá-los para que sejam assegurados a sua
realização, ele apresenta três argumentos que refutam esta ilusão.
O primeiro argumento é o fato de que quando se acreditou haver encontrado um fundamento
absoluto para os direitos humanos, que tais direitos derivavam da essência ou da natureza
humana, tornando-os irrefutáveis, nem por isso se pode dizer que os direitos humanos foram
mais respeitados.
O segundo argumento é que mesmo não havendo um consenso em relação aos
fundamentos dos direitos humanos, a maior parte dos governos do mundo proclamou a
Declaração Universal dos Direitos do Homem. Por isso, Bobbio conclui que o momento é de
colocar as condições para uma ampla viabilidade para a realização dos direitos proclamados e
não de ficar buscando a razão das razões para fundamentação dos direitos humanos, já que ao
proclamarem uma declaração comum de direitos dos homens os governos apontaram ter
encontrado boas razões para fazê-la.
31
O terceiro argumento diz respeito às condições para a realização dos direitos
proclamados, que não dependem nem da boa vontade dos governantes nem das boas razões
adotadas para demonstrar a bondade absoluta destes direitos. De acordo com o autor são
necessárias condições históricas que permitam a realização dos direitos:
a liberdade religiosa é um efeito das guerras de religião; as liberdades civis,
da luta dos parlamentos contra os soberanos absolutos; a liberdade política e
as liberdades sociais, do nascimento, crescimento e amadurecimento do
movimento dos trabalhadores assalariados, dos camponeses com pouca ou
nenhuma terra, dos pobres que exigem dos poderes públicos não só o
reconhecimento da liberdade pessoal e das liberdades negativas, mas
também a proteção do trabalho contra o desemprego, os primeiros
rudimentos de instrução contra o analfabetismo, depois a assistência para a
invalidez e a velhice, todas elas carecimentos que os ricos proprietários
podiam fazer por si mesmos. (BOBBIO, 2004, p. 5)
Em texto intitulado “Fundamento dos Direitos Humanos”, publicado no site do
Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo, Comparato (1997) rebate
diretamente os argumentos de Bobbio afirmando que a argumentação acima desenvolvida é
“muito fraca e não honra a celebrada argúcia lógica do seu autor” (Comparato, p. 9). Por este
motivo, desenvolve o seguinte raciocínio para contrapor a ideia defendida por Bobbio a
respeito da não possibilidade de uma fundamentação absoluta dos direitos humanos:
Sem dúvida, a ciência jurídica ainda não logrou encontrar uma definição
rigorosa do conceito de direito humano. Mas porventura já se chegou a
apresentar uma definição precisa e indisputável do que seja direito? Para
Bobbio, não se pode fundar os direitos humanos nos valores supremos da
convivência humana, porque tais valores não se justificam, assumem-se.
Ora, a razão justificativa última dos valores supremos encontra-se no ser que
constitui, em si mesmo, o fundamento de todos os valores: o próprio
homem. Dizer que não se pode dar um fundamento absoluto a direitos
historicamente relativos é laborar em sofisma. O próprio autor reconhece
que há direitos que valem ‘em qualquer situação e para todos os homens
indistintamente: são os direitos que se exige não sejam limitados nem na
ocorrência de casos excepcionais nem com relação a esta ou aquela
categoria, ainda que restrita, de pertencentes ao gênero humano, como, por
exemplo, o direito de não ser escravizado e de não ser torturado’. Estes são,
portanto, direitos absolutos. E de qualquer maneira, se a identificação dos
diferentes direitos humanos varia na História, a sua referibilidade em
conjunto ao homem todo e a todos os homens tem sido incontestavelmente
invariável. Na verdade, todos direitos, e não apenas os fundamentais, são
historicamente relativos porque a sua fonte primária - a pessoa humana - é
um ser essencialmente histórico, como se dirá mais abaixo. Por último,
nenhuma surpresa pode suscitar o fato de que a categoria geral dos direitos
humanos compreende direitos específicos de diversa natureza. Porventura a
32
categoria geral dos direitos subjetivos não é reconhecidamente heterogênea?
Por causa disso, haveremos de negar a existência de direitos subjetivos, ou
rejeitar como logicamente imprestável esse conceito? (COMPARATO,
1997, p. 9 e 10)
Dando continuidade às defesas feitas por Bobbio, este, reconhecendo que não há como
apontar uma única fundamentação para os direitos humanos que seja irrefutável em qualquer
tempo, lugar e momento histórico, aponta uma crise dos fundamentos que deve ser
reconhecida e superada, mas não buscando outro fundamento absoluto para substituir o que se
perdeu. O caminho apontado por ele é a busca por vários fundamentos possíveis em cada caso
concreto, já que, conforme sua defesa, os direitos são históricos, nascem de necessidades que
surgem a partir de transformações sociais:
Nossa tarefa, hoje, é muito mais modesta, embora muito mais difícil. Não se
trata de encontrar o fundamento absoluto – empreendimento sublime, porém
desesperado –, mas de buscar, em cada caso concreto, os vários fundamentos
possíveis. Mas também, essa busca dos fundamentos possíveis –
empreendimento legítimo e não destinado, como o outro, ao fracasso – não
terá nenhuma importância histórica se não for acompanhada pelo estudo das
condições, dos meios e das situações nas quais este ou aquele direito pode
ser realizado. (BOBBIO, 2004, p. 23 e 24)
Apesar de Bobbio apresentar argumentos que refutem as “ilusões” de um fundamento
absoluto para os direitos, apontando que o que está ao alcance de ser feito é a busca de vários
fundamentos possíveis em cada caso concreto, para ele “o problema fundamental em relação
aos direitos do homem, hoje, não é tanto de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um
problema não filosófico, mas político” (BOBBIO, 2004, p. 23).
Destas últimas citações do autor, duas questões deverão nortear as análises acerca do
trabalho dos profissionais da informação na garantia de direitos ditos humanos: a primeira é o
estudo das condições, dos meios e das situações – relacionadas ao campo informacional – que
permitam que os direitos humanos e quais direitos possam ser assegurados nas políticas
arquivísticas e a segunda é a identificação dos problemas políticos que impedem ou criam
obstáculos para que o campo informacional possa cumprir a parte que lhe é de competência
na proteção dos direitos humanos.
É importante ressaltar também que partiremos do pressuposto colocado pela
corrente juspositivista de que somente quando positivados, ou seja, colocados em documentos
como leis, constituições, tratados, acordos, cartas, entre outros, é que os direitos humanos são
33
constituídos como direitos e, portanto, só consideraremos como direitos humanos aqueles que
estiverem positivados em documentos internacionais do direito internacional dos direitos
humanos.
Passaremos agora, após expor os principais argumentos das duas grandes correntes
que buscam fundamentar os direitos humanos, analisar e estudar a sua afirmação histórica, à
exposição dos momentos históricos que permitiram que os direitos fossem sendo divididos
em gerações ou dimensões, como preferem alguns.
As gerações de direitos humanos e seus contextos históricos
Tanto a teoria jusnaturalista, que aponta ser possível encontrar no princípio da
dignidade humana a fundamentação dos direitos humanos, quanto a teoria juspositivista, que
não acredita ser possível haver um único fundamento para os direitos humanos, reconhecem
que os direitos humanos não nasceram todos de uma vez. Para os primeiros, o fato dos
direitos não terem sido todos nascidos no mesmo momento histórico parece não ser algo que
impeça uma única fundamentação para os direitos humanos, visto que, calcados todos no
princípio da dignidade humana, seria sempre esta a fundamentação única dos novos direitos
que iam sendo elencados ao rol dos direitos humanos.
No entanto, para os positivistas, estes fatos só comprovam não ser possível uma
fundamentação absoluta para os direitos humanos, que, frutos de necessidades distintas nos
mais variados momentos históricos, possuem sua fundamentação nestas necessidades.
Partindo do ponto que é comum às duas teorias, ou seja, que os direitos humanos foram
nascendo em diferentes momentos históricos marcados por diferentes características,
delinearemos abaixo os períodos da história e seus contextos que permitiram ser possível falar
em cada uma das cinco gerações ou dimensões de direitos até hoje reconhecidas, ainda que
não de forma consensual.
E é da escolha deste ponto de partida que começa o grande problema de quando
queremos falar em uma história dos direitos humanos. De onde partir, por onde começar uma
história dos direitos humanos? José Damião Trindade, em sua obra intitulada História Social
dos Direitos Humanos, ao se fazer esta mesma pergunta, procura apontar, dentre as várias
possibilidades concebíveis, aquela que lhe parece mais adequada e conveniente, mas
deixando claro que se trata apenas de um dos caminhos possíveis, não o único.
34
Por onde então começar uma história dos direitos humanos? Isso depende do
ponto de vista que se adote. Se for uma história filosófica, teremos que
recuar a algumas de suas remotas fontes na Antiguidade clássica, no mínimo
até o estoicismo grego, lá pelos séculos II ou III antes de Cristo, e a Cícero e
Diógenes, na antiga Roma. Se for uma história religiosa, é possível encetar a
caminhada, pelo no Ocidente, a partir do Sermão da Montanha – há até
indicações nesse rumo no Antigo Testamento. Se for uma história política, já
podemos iniciar com algumas das noções embutidas na Magna Charta
Libertatum, que o rei inglês João Sem Terra foi obrigado acatar em 1215.
Ou podemos optar por uma história social – melhor dizendo, por um método
de estudo que procure compreender como, e por quais motivos reais ou
dissimulados, as diversas forças sociais interferiram, em cada momento no
sentido de impulsionar, retardar ou, de algum modo, modificar o
desenvolvimento e a efetividade prática dos ‘direitos humanos’ na
sociedade. Este último modo de abordagem pode tornar-se muito rico e
interessante, pois, ao conduzir às conexões entre as leis e as condições
histórico-sociais concretas que induziram ao seu surgimento, termina
também por integrar, ao menos, aquelas referências mais indispensáveis –
econômicas, políticas, filosóficas, religiosas etc. – que estiverem na gênese
destas condições. Ademais, proporciona a vantagem adicional de já situar o
ponto de partida de nossa investigação no século XVIII ou, no máximo, em
certos antecedentes da Idade Média – o que convém à concisão e permite
transitar de modo menos árduo da noção moderna para a noção
contemporânea dos direitos humanos. (TRINDADE, 2002, p. 16 e 17)
Compartilharemos desta escolha metodológica de Trindade e aceitaremos que a
escolha pelo método da história social apresentou-se circunstancialmente como o mais rico,
interessante e com vantagem adicional para delimitar o período histórico com o qual iremos
trabalhar. Portanto, este método o levou a considerar a Revolução Francesa, em 1789, como
período no qual se deve partir a história dos direitos humanos. Como consequência da
proximidade de ideias com este autor, também partiremos da Revolução Francesa a fim de
apresentar os contextos históricos que permitiram discorrer sobre cada uma das gerações de
direitos. A escolha por este período, Trindade assim a explica:
Não basta a simples existência de ideias transformadoras para que o mundo
se transforme. É necessário, como se sabe que as ideias conquistem um
grande número de seguidores dispostos a colocá-las em prática, mesmo
correndo riscos, o que só acontecerá se eles se convencerem, mesmo de
modo algo intuitivo, de que estas ideias vão na mesma direção, tornam mais
clara ou organizam a luta que já travavam por seus interesses, necessidades
ou aspirações coletivas. Depois, será preciso ainda que favoreçam, ou não
impossibilitem, a mudança pretendida e que, além disso, os interessados,
consigam desenvolver os meios apropriados, para vencer a resistência
sempre feroz, dos que se opõem à transformação. É muito difícil
combinarem-se todas essas condições. E, no entanto, elas estavam reunidas,
35
de modo mais ou menos acentuado em alguns países europeus no final do
século XVIII, particularmente na França. (TRINDADE, 2002, p. 18)
Portanto, consideraremos a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da
França (1789), que declara que “os homens nascem e são livres e iguais em direitos”, como
um documento que servirá de marco para a constituição dos direitos humanos como um
direito inalienável a qualquer cidadão. Muitos autores que discorrem sobre o tema também
concordam com Trindade, que afirma:
Desde que os revolucionário franceses, a partir de 1789, passaram a
proclamar aos quatro ventos sua Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão, a ideia dos “direitos humanos”, malgrado contramarchas, só
ganhou responsabilidade, a ponto de hoje, desfrutar de quase unanimidade
mundial, o que, com certeza, nada nos informa ao modo como, em cada
canto deste vasto mundo, essa teoria faz seu salto para a prática, ou mesmo o
que significa, na prática, este salto. (TRINDADE, 2002, p. 15)
Da mesma maneira que Trindade, Comparato também reconhece a importância da
Declaração, criada a partir da Revolução Francesa, reconhecendo-a como a desencadeadora
da supressão das desigualdades entre indivíduos e grupos sociais de forma jamais
experimentada pela humanidade:
o caráter abstrato e geral das fórmulas empregadas, algumas delas lapidares,
tornou a Declaração de 1789, daí em diante, uma espécie de carta geográfica
fundamental para a navegação política nos mares do futuro, uma referência
indispensável a todo projeto de constitucionalização dos povos.
(COMPARATO, 2013, p. 163)
O próprio Bobbio, apontado aqui como o autor que se contrapõe a Comparato quanto
à fundamentação histórica e filosófica dos direitos humanos, dedicou toda a segunda parte de
seu livro, A Era dos Direitos, para analisar a Revolução Francesa como um evento inaugural
da era dos direitos, apontando-a como um sinal, um indício do possível progresso do gênero
humano para melhor, sublinhando a originalidade da Declaração de Direitos de 1789, já que
ela:
em contraposição aos conhecidos e tradicionais códigos jurídicos como os
Dez Mandamentos ou a Lei das Doze Tábuas, estabeleceu direitos e não
obrigações para os indivíduos. Diferencia-se, neste sentido, das cartas de
36
direitos que as precederam, desde a Magna Carta, nas quais os direitos ou as
liberdades não eram reconhecidos antes do poder do soberano, pois eram ou
por ele concedidos, ou concertados num pacto com os súditos. Ela é mais
radical do que as declarações norte-americanas que a antecedem, que
relacionam os direitos dos indivíduos ao bem comum do todo. (BOBBIO,
2004, p. XII)
A importância deste documento é reconhecida até mesmo por aqueles que não a
colocam como o marco fundador dos direitos humanos, mas levam também em consideração
a importância de outros documentos anteriores. Tal importância deve-se ao fato de
comungarem a ideia de que a Declaração traz tanto defesas inovadoras como princípios de
grande abrangência na defesa dos direitos humanos, se comparadas com as ideias defendidas
em alguns documentos apontados como precursores dos direitos humanos.
Nos acontecimentos da Revolução Francesa, que culminaram com a aprovação da
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, situa-se a primeira geração de direitos
humanos que Dornelles (1993) caracteriza como sendo os direitos civis e políticos:
Os direitos humanos, em seu primeiro momento moderno, ou como alguns
denominam em primeira geração, são a expressão das lutas da burguesia
revolucionária, com base na filosofia iluminista e na tradição doutrinária
liberal, contra os despotismos dos antigos Estados absolutistas.
Materializam-se, portanto, como direitos civis e políticos, ou direitos
individuais atribuídos a uma pretensa condição natural do indivíduo. São a
expressão formal de necessidades individuais que requerem a abstenção do
Estado para o seu pleno exercício. (DORNELLES, p. 21, 1993)
Silva (2005), denomina esta abstenção do Estado para assegurar a garantia de
liberdade de atuação dos indivíduos, de não ingerências estatais para garantia das liberdades
públicas. O autor compartilha das ideias de Isaiah Berlin em relação à existência de dois tipos
de liberdades: a liberdade negativa (também conhecida como liberdade dos liberais ou dos
modernos), que consiste na necessidade de garantia de uma esfera livre de ingerências
estatais, para que os indivíduos em suas relações entre si possam se regular; e a liberdade
positiva (também conhecida como liberdade dos antigos), que consiste na liberdade de
participar do debate político e de poder influenciar as decisões políticas e legislativas. O
conceito de liberdade negativa entrou para os manuais de direito constitucional como as
“liberdades públicas” ou “direitos fundamentais”.
Para o autor, exemplos mais importantes dessas liberdades são a liberdade de
expressão, de imprensa, de religião, de associação, de reunião e o direito de propriedade. No
37
entanto, aponta que esta primeira geração de direitos não inclui apenas as liberdades públicas,
compreendendo também o direito à segurança e o direito à participação política. Sobre o
direito à participação política, ou simplesmente direitos políticos, afirma:
É facilmente perceptível que os direitos políticos que foram lentamente
sendo conquistados nos séculos XIX e XX, a despeito de terem uma
configuração muito distinta das liberdades públicas, podem também ser
inseridas na idéia de direitos de liberdade. Com a idéia de direitos políticos,
ressurge a concepção positiva – ou republicana, ou dos ‘antigos’ – de
liberdade, defendida por Rousseau já referida acima. Liberdade, nesse
sentido, é sinônimo de participação na tomada de decisões, o que os direitos
políticos, ainda que indiretamente, propiciam. Além disso, segundo Manuel
Gonçalves Ferreira Filho foi justamente, com o exercício cada vez maior dos
direitos políticos que se inicia também a pressão por outros direitos que
superassem a idéia das meras liberdades negativas. (SILVA, 2005, p. 547)
Da pressão por outros direitos feita através de maior participação política dos cidadãos
surgem os direitos de segunda geração, conhecidos como os direitos sociais, econômicos e
políticos, como, por exemplo, o direito ao trabalho, à organização sindical, à previdência
social, à greve, à saúde, à educação gratuita, aos serviços públicos, ao lazer, etc.
Para dar conta da expansão do conteúdo conceitual dos direitos humanos
passou-se a utiliza a expressão ‘direitos sociais, econômicos e culturais’.
Não se trata mais de admitir a existência de direitos naturais, anteriores à
sociedade e inerentes à pessoa humana. (...) São direitos que exigem a ação
positiva do poder estatal, criando condições institucionais para seu efetivo
exercício. (...) Trata-se portanto não apenas de enunciar direitos nos textos
constitucionais, mas também de prever os mecanismos adequados para a
viabilização das suas condições de satisfação. Nesse campo o Estado passa a
ser um gente promotor das garantias e direitos sociais. (DORNELLES, p.
30-31, 1993)
No entanto, Silva (2005) aponta que não é somente em decorrência de uma maior
participação política dos cidadãos que surgem os direitos econômicos ou sociais. Para o autor,
foi fundamental para a constituição da segunda geração de direitos a pressão dos movimentos
sociais e socialistas, que sustentavam que as liberdades públicas não poderiam ser exercidas
por aqueles que não tivessem condições materiais para tanto. Para estes movimentos, as
liberdades públicas eram consideradas meramente formais e somente uma igualdade material
poderia fazer com que todos pudessem exercê-las.
Guerra (2013) também ressalta a importância dos movimentos sociais na afirmação
dos direitos de segunda geração:
38
Os direitos de segunda geração correspondem aos direitos sociais,
econômicos e culturais que resultam da superação do individualismo
possessivo decorrente das transformações econômicas e sociais ocorridas no
final do século XIX e início do século XX, especialmente pela crise das
relações sociais decorrentes dos modos liberais de produção, acelerada pelas
novas formas trazidas pela Revolução Industrial. Assim, os direitos sociais
seriam aqueles necessários á participação plena na vida da sociedade,
incluindo o direito á educação, a instruir e manter a família, à proteção à
maternidade e à infância, ao lazer e à saúde etc. Os direitos econômicos
destinam-se a garantir um padrão mínimo de vida e segurança material, de
modo que cada pessoa desenvolva suas potencialidades. Os direitos culturais
dizem respeito ao resgate, estímulo e preservação das formas de reprodução
cultural das comunidades, bem como à participação de todos nas riquezas
espirituais comunitárias. (GUERRA, 2013, p. 62)
Silva (2005) chama à reflexão também para a questão de que não é pelo fato dos
direitos econômicos e sociais exigirem a ingerência estatal, ou seja, a prestação dos seus
serviços para garantir e assegurar os direitos, que todas as exigências de ingerências por parte
do Estado são em decorrência dos direitos econômicos e sociais. Para justificar o destaque
que faz em relação à questão utiliza como exemplo a distinção feita por Robert Alexy entre as
prestações do Estado em sentido amplo e as prestações do Estado em sentido estrito,
concluindo que somente as prestações do Estado em sentido estrito podem ser consideradas
como decorrências de direitos sociais e econômicos:
Segundo ele [Robert Alexy], direitos sociais são direitos a algo, cujo titular,
se dispusesse de meios financeiros para tanto e se houvesse oferta suficiente,
poderia conseguir por seus próprios meios. (...) Aquele que, para usar os
termos de Alexy, ‘dispõe de meios para tanto’, não necessita de direitos
sociais. Mas há outros direitos a prestações estatais que não se enquadram
neste raciocínio. Alexy menciona, por exemplo, os direitos a uma prestação
normativa, especialmente aqueles destinados a garantir a segurança dos
indivíduos. O Estado tem o dever de agir, nesse sentido, para garantir a
segurança dos indivíduos por meio da elaboração de leis penais eficazes.
Esse seria apenas um dentre vários exemplos possíveis de direitos a
prestação estatal positiva que não são direitos sociais. (SILVA, 2005, p. 549)
Outra reflexão importante proposta por este autor em relação aos direitos
econômicos e sociais, também com base em Alexy, diz respeito ao fato de que normalmente,
quando se fala em direitos econômicos e sociais, costuma-se apontar para sua não efetividade
na prática, sendo este o grande problema acerca dos direitos de segunda geração. Apesar de o
autor concordar que esta visão não é totalmente equivocada, ele acredita que ela encobre um
39
problema importante, que se traduz na diferença estrutural entre direitos a abstenções
(liberdades públicas) e direitos a prestações estatais (liberdades positivas):
As liberdades públicas, ao exigirem sobretudo uma abstenção, vedam toda e
qualquer medida estatal que desobedeça essa exigência. Já os direitos a prestações,
em sentido amplo e estrito, exigem apenas as medidas que sejam eficazes para
realizá-los. Um exemplo pode ilustrar essas diferenças: a liberdade de imprensa
exige que o Estado se abstenha de tomar toda e qualquer medida que cerceie essa
liberdade. O controle da efetividade desse direito é simples e se resolve na
verificação da existência de alguma medida que desrespeite essa exigência. Já um
direito como o direito ao trabalho pode ser realizado de diversas formas, seja pela
abertura de frentes de trabalho, seja por meio de incentivos à atividade industrial,
seja por meio da redução dos ‘custos’ trabalhistas para incentivar um maior
número de contratações. O grande problema aqui é: não se exigem todas essa
medidas, mas apenas uma ou algumas que se mostrem eficazes para atingir ou
fomentar o objetivo buscado. Esse novo elemento, que não existe, em geral, na
ideia de liberdades públicas e faz parte da ideia de direitos a prestações positivas é
a fonte de diversos problemas. (SILVA, 2005, p. 550)
Neste sentido, o que o autor quer apontar em última instância é que ainda que
houvesse o interesse e a vontade política em se efetivar a garantia dos direitos econômicos e
sociais, visto as mais variadas possibilidades de ingerência do Estado para resolver os
problemas que se colocam como empecilhos à garantia destes direitos, qual das possibilidades
seria a mais eficaz? Como medir tal eficácia?
Se a consagração normativa dos direitos humanos coube à Revolução Francesa, sendo
a Declaração dos Direitos dos Homens e Cidadãos o documento base da primeira geração de
direitos, os acontecimentos do século XX, como as duas guerras mundiais, em especial a
Segunda Guerra Mundial e a criação da Organização das Nações Unidas, são o marco
referencial que inaugura os chamados direitos de terceira geração. Mais adiante apontaremos
que ao mesmo tempo em que a ONU, em seus documentos, contribui para afirmação de
direitos reconhecidos de terceira geração, ela contribui para retomar os direitos de primeira e
segunda geração, colocando-os no plano internacional no rol de direitos do Direito
Internacional dos Direitos Humanos. Sobre esta questão refletiremos após concluirmos como
se deu a consagração dos direitos nas demais gerações no plano interno dos Estados
Nacionais.
Quanto aos direitos de terceira geração consagrados no século XX, Dornelles (2007)
aponta como sendo aqueles que surgiram em decorrência dos processos de ampliação dos
direitos que passaram a encarnar reivindicações e lutas democráticas e populares específicas,
passando a expressar os anseios de toda a humanidade. Estão entre estes o direito à paz, o
40
direito ao desenvolvimento, à autodeterminação dos povos, o direito a um meio ambiente
saudável e ecologicamente equilibrado, bem como o direito à utilização do patrimônio
comum da humanidade:
a partir do pós-guerra desenvolvem-se os direito dos povos também
chamados de ‘direitos de solidariedade’, a partir de uma classificação que
distingue entre os ‘direitos de liberdade’ (os direitos individuais da primeira
geração), os ‘direitos de igualdade’ (os direito sociais, econômicos e
culturais da segunda geração), e os ‘direitos de solidariedade’ (novos
direitos, ou direitos da terceira geração). Assim, os direitos dos povos são ao
mesmo tempo, ‘direitos individuais’ e ‘direitos coletivos’, e interessam a
toda a humanidade. (DORNELLES, 1993, p. 33)
Guerra (2013) define os direitos de terceira geração como aqueles que surgem como
resposta à dominação cultural e à exploração das nações pelos países desenvolvidos:
Quanto aos direitos de terceira geração, também denominado de direitos dos
povos, direitos de solidariedade, ou direitos de fraternidade, surgem como
resposta à dominação cultural e como reação ao alarmante grau de
exploração não mais da classe trabalhadora dos países industrializados, mas
das nações em desenvolvimento e por aquelas já desenvolvidas, bem como
pelos quadros de injustiça e opressão no próprio ambiente interno dessas e
de outras nações revelados mais agudamente pelas revoluções de
descolonização ocorridas após a Segunda Guerra Mundial. Atuam
ainda como a afirmação contemporânea de interesses que desconhecem
a limitação de fronteiras, classe ou posição social e se definem como direitos
globais ou de toda a Humanidade. Fala-se também do direito à paz, a
autodeterminação dos povos e ao meio ambiente equilibrado. (GUERRA,
2013, p. 62)
Ainda sobre estes direitos, Paulo Bonavides caracteriza-os como direitos:
dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade e tendem a
cristalizar-se enquanto direitos que não se destinam especificamente à
proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado
Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num
momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta. (BONAVIDES, 2004 apud GUERRA, 2013, p.
62)
No entanto, Bobbio não vê com a mesma clareza que Guerra e Bonavides os direitos
compreendidos como direitos de terceira geração:
41
Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda
geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração, que
constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente
heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente
se trata. O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos sociais
ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído. Mas já se
apresentam novas exigências que só poderiam chamar-se de direitos de
quarta geração, referentes aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa
biológica, que permitirá manipulações do patrimônio genético de cada
indivíduo. (BOBBIO, 2004, p. 5)
Enquanto Dornelles, Guerra e Bonavides reconhecem o direito à paz, a autodeterminação dos
povos e um meio ambiente equilibrado como direitos de terceira geração, Bobbio só parece
reconhecer o direito a um meio ambiente equilibrado, não poluído, já que aponta os
movimentos sociais ecológicos como o que há de mais concreto na defesa destes direitos que
ele reconhece como “heterogêneos e vagos”. No entanto, parece ser consenso entre todos a
titularidade destes direitos: a humanidade e não mais o indivíduo. Também em relação aos
direitos de quarta geração, Bobbio não só parece vê-los como limitados em relação aos
demais autores supracitados, como entendê-los de forma diferente em relação a alguns
autores que os definem de forma diferente. Para ele, os direitos de quarta geração referem-se
“aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do
patrimônio genético de cada indivíduo” (BOBBIO, 2004, p. 5), no entanto, Guerra aponta
que:
Hodiernamente, alguns autores têm defendido a ideia relativa aos direitos
humanos de quarta e quinta geração. No que tange aos de quarta geração,
correspondem ao direito á democracia, à informação e ao pluralismo. A
democracia positivada enquanto direito de quarta geração há de ser direta,
materialmente possível graças aos avanços das tecnologias da informação, e
sustentável graças à informação correta e às aberturas pluralistas do sistema.
Não se pode conceber a participação da sociedade civil sem que esta esteja
devidamente informada dos problemas que acometem o local em que está
inserida. Como já tivemos a oportunidade de assentar, informação é
sinônimo de poder, tendo em vista que passou a ocupar papel de destaque na
sociedade, na medida em que seu alcance se torna infinitamente maior com
os meios de comunicação. (GUERRA, 2013, p. 63)
Sobre os direitos de quarta geração, Bonavides aparenta ter a mesma clareza que tem
em relação aos de terceira geração, por isso aponta:
42
Os direitos de quarta geração não somente culminam a objetividade dos
direitos das duas gerações antecedentes como absorvem – sem, todavia,
removê-la – a subjetividade dos direitos individuais, a saber, os direitos de
primeira geração. Tais direitos sobrevivem, e não apenas sobrevivem, senão
que ficam opulentados em sua dimensão principal, objetiva e axiológica,
podendo, doravante, irradiar-se com a mais subida eficácia normativa a
todos os direitos da sociedade e do ordenamento jurídico. (BONAVIDES,
2004 apud GUERRA, 2013, p. 63)
Em relação aos direitos de quinta geração, há uma discordância ainda maior entre os
autores, já que podemos identificar que os direitos apontados por Bobbio como sendo de
quarta geração são apontados por Sampaio como sendo os de quinta geração e por Bonavides
como direitos que não têm nada a ver com identidade individual e patrimônio genético. Para
Bonavides, os direitos de quinta geração são aqueles deslocados da terceira para a quinta
geração e dizem respeito ao direito à paz permanente, indispensável ao progresso e bem-estar
de todas as nações. O autor defende esta ideia no artigo “A quinta geração de direitos
fundamentais”, publicado na revista Direitos Fundamentais & Justiça, em 2008, na qual
afirma que “a paz é um direito fundamental de quinta geração que legitima o estabelecimento
da ordem, da liberdade, do bem comum na convivência dos povos”.(BONAVIDES, 2008,
p.82).
Bobbio aponta que a terceira geração de direitos é vaga e heterogênea, mas o consenso
realmente parece não existir quando se trata dos direitos de quarta e quinta geração, que
conforme foi exposto acima, são entendidos de forma diversa entre os autores que se
debruçam sobre o tema.
No entanto, a falta de consenso em relação às gerações de direitos humanos é também
notada quanto a outra questão: aqueles que não acreditam que os direitos possam ser
divididos em gerações ou dimensões. Sobre esta questão, Guerra cita a defesa de Antônio
Augusto Cançado Trindade:
Por outro lado, parte da doutrina rechaça veementemente a classificação ora
abordada, como faz Cançado Trindade: ‘Um exemplo de mal entendido que
gradualmente se vem dissipando, diz respeito à fantasia das chamadas
‘gerações de direitos’, a qual corresponde a uma visão atomizada ou
fragmentada destes últimos no tempo. As noções simplistas das chamadas
‘gerações de direitos’ histórica e juridicamente infundada, tem prestado um
desserviço ao pensamento mais lúcido a inspirar a evolução do Direito
Internacional dos Direitos Humanos. Distintamente do que a infeliz
invocação da imagem analógica da ‘sucessão geracional’ pareceria supor os
direitos humanos não se ‘sucedem’ ou ‘substituem’ uns aos outros, mas
antes se expandem, se acumulam e fortalecem, interagindo os direitos
43
individuais e sociais. O que testemunhamos é o fenômeno não de uma
sucessão, mas antes da expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos
humanos consagrados, a revelar a natureza complementar de todos os
direitos humanos. Contra as tentações dos poderosos de fragmentar os
direitos humanos em categorias, ou projetá-los em ‘gerações’, postergando
sob pretextos diversos a realização de alguns destes (os direitos econômicos,
sociais e culturais) para um amanhã indefinido, se insurge o Direito
Internacional dos Diretos Humanos, afirmando a unidade fundamental de
concepção e a indivisibilidade de todos os direitos humanos. (GUERRA,
2013, p. 58)
A este argumento de Cançado Trindade, Guerra (2013) justifica dizendo que a
classificação geracional:
serve para demonstrar como os direitos humanos foram conquistados,
identificando o correspondente marco histórico, sendo, por isso
mesmo, um ótimo modelo didático para efeito da compreensão do
estudo dos direitos humanos na órbita jurídica internacional e
doméstica. (GUERRA, 2013, p. 59)
A defesa dos direitos humanos nos diferentes documentos de declarações de direitos
pode ser percebida através de dois planos: o plano interno e o plano internacional. Por plano
interno consideramos todos aqueles documentos que lançaram as bases dos direitos humanos
ou aqueles que de forma mais abrangente declaram diretos humanos dentro das sociedades,
mas que não são firmados no plano internacional por diversos países, como é o caso da
Declaração de Direitos dos Homens e dos Cidadãos na França – marco significativo para os
direitos humanos no mundo, mas firmado somente pela França.
Por contribuição no plano internacional na defesa dos direitos humanos consideramos
os documentos de declarações de direitos celebrados por várias nações do mundo no âmbito
do direito internacional dos direitos humanos, um novo ramo do direito surgido após a
Segunda Guerra Mundial com a Declaração Universal dos Direitos Humanos aprovada pela
ONU em 1948, que busca, por meio de tratados, a universalização de direitos.
Com relação às gerações de direitos nos planos internos e internacionais, Silva (2005,
p. 544) faz três afirmações:
 As gerações de direitos que foram se firmando no plano interno, também foram se
firmando mais tarde no plano internacional;
 O recurso ao direito natural, aceito inicialmente no âmbito interno, foi reafirmado no
âmbito internacional com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas a partir
44
de determinado momento, assim como no plano interno, também passou a sofrer
sucessivos ataques;
 A falta de efetividade dos direitos sociais percebida na ordem interna é também
percebida na ordem internacional com maior extensão e mais força.
De acordo com o que defende o citado autor, as sucessivas gerações de direitos foram
ocorrendo, de forma simultânea e/ou sucessiva, no seio de cada sociedade, que seja de forma
autônoma ou influenciada por outros países, iam declarando e afirmando certos direitos como
sendo direitos humanos.
Por este motivo considera-se que a afirmação da dignidade humana se deu a partir de
muitos momentos no curso da história e, a afirmação dos direitos humanos, que está
diretamente ligada a este conceito, aconteceu no seio de cada sociedade de acordo com suas
necessidades específicas. Entretanto, os direitos humanos foram deixando de ser direitos
consagrados somente em determinadas sociedades para irem se tornando cada vez mais
universais.
Comparato (2013, p. 67 e 68) aponta como fazendo parte do momento histórico em
que estes direitos vão se universalizando, dois períodos, que compreendem o início da
segunda metade do século XIX até a 2ª Guerra Mundial, e o período que corresponde a ao fim
da 2ª Guerra Mundial e se encontra até os dias atuais em pleno desenvolvimento.
O primeiro período indicado pelo autor corresponde à primeira fase da
internacionalização dos direitos humanos, quando as manifestações relativas aos direitos
humanos se deram em três setores: o direito humanitário (que compreende o conjunto das leis
e costumes da guerra, visando minorar o sofrimento dos soldados prisioneiros, doentes e
feridos, bem como, das populações civis atingidas por conflitos bélicos); a luta contra a
escravidão (buscando estabelecer regras interestatais de repressão ao tráfico de escravos
africanos, como o Ato Geral da Conferência de Bruxelas, de 1980 e a Convenção de Genebra
sobre a Escravatura, de 1926) e a regulação dos direitos do trabalhador assalariado (que com a
criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, em 1919, passou a ser objeto de
uma regulação convencional entre os diferentes Estados).
O segundo período indicado por Comparato (2013) como a segunda fase da
internacionalização dos Direitos Humanos se deu início após a 2ª Guerra Mundial, que é
quando houve o que ao autor denomina de a evolução dos direitos humanos, quando a
humanidade compreendeu, mais do que em qualquer época da História, o valor supremo da
dignidade humana, apesar de antes desse período, a humanidade já vir tentando definir
direitos que são inalienáveis a qualquer ser humano:
45
Contudo, só com a terrível experiência da II Guerra Mundial – que
demonstrou até que ponto o desrespeito da dignidade e do valor da pessoa
humana — não só viola normas éticas fundamentais e ameaça a estabilidade
interna — mas coloca também seriamente em risco a
paz e a segurança internacionais – a comunidade internacional tomou
definitivamente consciência do imperativo de proteger juridicamente, a nível
internacional, os direitos e liberdades que constituem o património comum e
inalienável de todos os seres humanos. Por isso, os direitos humanos –
universais, inalienáveis e inerentes a todos os membros da família
humana – constituem um dos pilares fundamentais da nova ordem mundial
nascida no rescaldo de uma II Guerra Mundial causadora de indescritível
sofrimento. (p. 9, Direitos Humanos: Compilação de Instrumentos
Internacionais)
Marca este segundo período apontado por Comparato a criação da ONU, que
reconheceu a tutela universal dos direitos humanos, através da Declaração Universal dos
Direitos Humanos, aprovada por sua Assembleia Geral em 10 de dezembro de 1948, sendo
considerada como o instrumento definitivo de internacionalização dos direitos humanos, já
que pela primeira vez na história a comunidade internacional deu uma resposta jurídica à
necessidade de se começar a viabilizar a proteção universal e indivisível dos direitos
humanos, marcando o início de uma concepção contemporânea dos direitos humanos.
A ONU foi criada em 1945 na Conferência de São Francisco, onde os Estados
participantes adotaram a Carta das Nações Unidas e estabeleceram como um dos seus
objetivos:
Realizar a cooperação internacional, resolvendo os problemas internacionais
de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, promovendo e
estimulando o respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades
fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.
(Carta das Nações Unidas: 1945)
A partir da criação da ONU, nascida em decorrência das atrocidades cometidas por
ocasião da 2ª Guerra Mundial, surge um ramo do direito denominado Direito Internacional
dos Direitos Humanos, definido como um sistema de normas internacionais, procedimentos e
instituições desenvolvidas para implementar e promover os direitos humanos em todos os
países a nível mundial.
A partir daí, temos a formação do sistema internacional de proteção dos direitos
humanos, inicialmente composto apenas pela ONU e seus instrumentos, mas em seguida
46
passando a contemplar além da proteção internacional dos direitos fundamentais em nível
global (sob os auspícios da ONU) a proteção dos direitos fundamentais em nível regional (sob
os auspícios de diversas organizações internacionais as quais nos referiremos mais adiante no
capítulo III).
Todos os direitos humanos são universais, indivisíveis interdependentes e
inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos
humanos de forma global, justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a
mesma ênfase. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser
levadas em consideração, assim como diversos contextos históricos,
culturais e religiosos, é dever dos Estados promover e proteger todos os
direitos humanos e liberdades fundamentais, sejam quais forme seus
sistemas políticos, econômicos e culturais. (Declaração e Programa de Ação
II Conferência Mundial de Direitos Humanos, Viena, 1993). (Instrumentos
Internacionais de Direitos Humanos, Passo Fundo, 2006)
Consideramos para o levantamento dos instrumentos internacionais de direitos
humanos este segundo período de internacionalização dos direitos humanos, já que
estabelecemos como objeto de comparação os dispositivos legais surgidos a partir deste
período e que fazem parte do Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos da ONU.
Sobre os sistemas de proteção de direitos humanos e seus instrumentos trataremos mais
adiante no capítulo III.
47
CAPÍTULO II
___________________________________________________________________________
OS “ARQUIVOS DE DIREITOS HUMANOS” NO BRASIL: PRESSUPOSTOS E
HIPÓTESES
Nos últimos anos os profissionais da informação no Brasil – responsáveis pelo
tratamento arquivístico dos documentos produzidos e recebidos pelas entidades coletivas no
âmbito de suas atividades – têm demonstrado uma preocupação em preservar e garantir o
acesso aos arquivos que eles identificam como “arquivos de direitos humanos”.
Dois são os exemplos que podem ilustrar esse tipo de preocupação. O primeiro diz
respeito à iniciativa do Arquivo Nacional, de recolher os acervos dos extintos órgãos criados
para o aparelhamento do Estado em relação aos assuntos de segurança nacional no período da
ditadura militar e confiá-los ao Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil (19641985) – Memórias Reveladas. Outro exemplo está nas ações programáticas da Secretaria
Especial de Direitos Humanos da Presidência da República que, com o objetivo de incentivar
iniciativas de preservação da memória histórica e da construção pública da verdade sobre
períodos autoritários, disponibiliza, através do Programa Nacional de Direitos Humanos
(PNDH-3), linhas de financiamento para a criação e manutenção de centros de memória,
museus, memoriais e centros de documentação sobre repressão política e resistência à
ditadura e para a criação de observatórios do Direito à Memória e à Verdade nas
universidades e em organizações da sociedade civil.
Tais iniciativas têm como objetivos levantar, identificar, mapear, tratar e divulgar estes
acervos que vêm sendo denominados e entendidos como “arquivos de direitos humanos”, e
justificam-se por entender que estes arquivos, através destas tarefas, garantem e defendem os
direitos humanos.
Para fazermos reflexões sobre essas e outras iniciativas e práticas que vínhamos
observando, já que, conforme apontamos na introdução do trabalho, não encontramos na
literatura científica brasileira da área respaldo teórico para sustentá-las e analisá-las de forma
crítica, começamos a levantar algumas questões que considerávamos ser pertinentes ao
assunto. É sobre estas questões que trataremos neste capítulo.
Diante da falta de fundamentação teórica, as questões aqui apresentadas foram
baseadas na observação de práticas, situações e fatos que, apesar de isolados e não serem fruto
48
de uma observação sistemática e não referenciada teórica e cientificamente, de alguma forma,
merecem ser consideradas pelo campo informacional e arquivístico.
Estas questões foram, no primeiro momento, colocadas em forma de pressupostos – no
sentido de supor antecipadamente as respostas que buscávamos alcançar –, mas, muitas vezes,
tais pressupostos vinham imbricados em hipóteses – no sentido de propor provisoriamente
uma explicação para o que deveria ser verificado na pesquisa –, dada a maneira complexa
com que as questões observadas em relação às práticas, situações e fatos se relacionavam.
Dessa forma, traçamos a problemática a partir dos seguintes pressupostos que
supomos estar relacionados ao tema arquivo e direitos humanos:
1.
Falta, por parte dos profissionais da informação, tanto uma reflexão teórica
sobre os direitos humanos quanto o conhecimento dos dispositivos legais que
garantem e protegem estes direitos. Estas duas condições seriam um dos motivos para
a dificuldade encontrada pelo campo informacional em estabelecer o conceito
“arquivos de direitos humanos”;
2.
As atividades empreendidas pelo campo informacional têm sido no sentido de
identificar, levantar e mapear o que são arquivos de direitos humanos e onde estão
estes arquivos, de maneira que parece estar explícito no conteúdo dos documentos que
compõem estes arquivos o assunto direitos humanos. Na verdade, quando apontam o
que denominam como “arquivos de direitos humanos”, passam a impressão de que
estes arquivos foram assim denominados porque possuem em seus “assuntos” esse
tema. O que se pode observar é que, na verdade, os conjuntos documentais que
constituem estes arquivos refletem as mais variadas atividades realizadas pelo seu
produtor1, visto que neles podem ser identificados muitos “assuntos” que, na maioria
das vezes, não versam sobre os “direitos humanos”. Ou seja, os profissionais da
informação ainda não assumiram que o motivo pelo qual devem identificar, levantar e
mapear os arquivos denominados “arquivos de direitos humanos” é porque estes são
arquivos que apresentam valor secundário2, sendo capazes de garantir e assegurar os
direitos assim denominados e não porque apresentam esse tema em seu conteúdo.
1
De acordo com o Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística do Arquivo Nacional do Brasil (2005),
produtor ou entidade produtora é entidade coletiva, pessoa ou família identificada como geradora de conjunto de
documentos produzidos e acumulados por eles.
2
De acordo com o Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística do Arquivo Nacional do Brasil (2005),
valor secundário é o valor atribuído a um documento em função de um interesse que possa ter para a entidade
produtora e outros usuários, tendo em vista a sua utilidade para fins diferentes daqueles para os quais foi
originalmente produzido. Diferentemente do valor primário, que o mesmo dicionário define como valor atribuído
a documento em função do interesse que possa ter para a entidade produtora, levando-se em conta a sua utilidade
para fins administrativos, legais e fiscais.
49
Assim, direitos humanos devem ser identificados nestes arquivos enquanto um valor.
Da mesma maneira que, conforme afirma Belloto3, documentos não nascem para
serem históricos (histórico é um valor que assumem), muitos arquivos que podem se
referir ou garantir direitos humanos não nascem sendo de “direito humanos”. Ao
procederem desta forma, os profissionais acabam deixando implícito que seu papel na
defesa e garantia de direitos humanos restringe-se apenas em identificar, levantar e
mapear, nos conjuntos documentais, o “assunto” direitos humanos, enquanto na
verdade, o papel destes profissionais vai muito além pois, consiste ainda e
principalmente em garantir o acesso às informações contidas nos documentos dos
arquivos e assumir postura política diante de questões que levem ao reconhecimento
da dimensão democrática dos arquivos na garantia de direitos humanos.
3.
Os arquivos ditos de direitos humanos, quase que na totalidade das vezes, são
apontados como aqueles que possam comprovar a violação de direitos civis devido ao
excesso do poder do Estado. Pode-se citar, a título de exemplificação, o caso dos
períodos históricos em que estes Estados foram totalitários, autoritários e repressivos.
Ficam de fora desta definição, “arquivos de direitos humanos”, todos os outros
períodos históricos em que houve e há violação dos direitos civis, inclusive violações
cometidas dentro de períodos históricos caracterizados como democráticos; todos os
outros direitos humanos que não os direitos civis; e todas as “afirmações” – e não
somente violações – dos direitos humanos.
4.
Os profissionais da informação não estão assumindo e reconhecendo sua
colaboração para a defesa dos direitos humanos em reflexões, iniciativas e trabalhos
que foram ou vêm sendo desenvolvidos, mesmo que tais ações estejam diretamente
ligadas à sua garantia e defesa.
5.
A falta de percepção dos profissionais da informação no que concerne à
natureza política dos direitos humanos e ao seu papel na afirmação desses direitos não
possibilita a postura adequada desses especialistas nos processos e instâncias
decisórias. Isso faz com que a dimensão democrática dos arquivos na garantia de
direitos humanos seja pouco conhecida tanto pelo Estado quanto pelos cidadãos, e
com que assumam uma postura passiva e omissa frente ao estabelecimento de
demandas na defesa dos direitos humanos.
3
BELLOTO, Heloísa Liberalli. Arquivos Permanentes: Tratamento Documental. Rio de Janeiro: FGV, 2004
50
Para o primeiro pressuposto apresentado – de que para se definir o que são “arquivos
de direitos humanos”, é preciso tanto uma reflexão teórica sobre os direitos humanos quanto
conhecer os dispositivos legais que garantem e protegem estes direitos – acreditamos não ser
possível identificar os conjuntos documentais, serviços ou instituições de arquivo e, até
mesmo, instalações onde funcionem arquivos de direitos humanos sem que estes direitos
estejam bem definidos.
Na prática, o que parece estar acontecendo, ainda que não objetivada de forma
consciente, é que os trabalhos desenvolvidos e as reflexões teóricas sobre o tema têm sido
norteados por perguntas formuladas no sentido de procurar responder: O que são os arquivos
de direitos humanos? Onde estão esses arquivos? Como fazer para preservar e proporcionar o
acesso a tais arquivos?
Quando se pensa em identificá-los, ao menos nas situações observadas pela
pesquisadora, não se responde, provavelmente, uma questão anterior, que consiste em saber o
que são os direitos humanos. Respostas ao que são os arquivos de direitos humanos, ou a
arquivos que apresentem um valor secundário pelo fato de afirmarem e comprovarem direitos
humanos, só seriam possíveis se antes fosse identificado o que são os direitos humanos.
Através desse apontamento, o campo arquivístico poderia definir a questão 1 supracitada.
Para que os arquivos possam cumprir o seu papel na garantia desses direitos, eles precisam
saber que direitos devem garantir.
As perguntas formuladas para servirem de parâmetro aos profissionais da informação
podem ser: Afinal, o que são e quais são os direitos humanos que os arquivos precisam
garantir? Que direitos são estes de que estamos falando? De que forma estes direitos poderiam
se concretizar em documentos que compõem e/ou estão presentes nos arquivos? Que
documentos possuem estes conteúdos ou são capazes de garantir estes direitos?
É preciso ainda, além de buscar respostas para o que são os direitos humanos,
conhecer os dispositivos legais que os afirmem, de modo a utilizá-los como parâmetros na
definição desses direitos que devem ser preservados e assegurados pelos arquivos. Isto
porque, partimos da hipótese que é, inclusive, uma defesa feita pela corrente juspositivista dos
direitos humanos, conforme apresentamos no capítulo anterior, de que os direitos humanos,
para serem concebidos como tal, precisam estar positivados, ou seja, precisam constar em leis
e normas que tenham valor legal.
Nesse sentido, os dispositivos legais indicados pelo Direito Internacional dos Direitos
Humanos, área do direito responsável por fornecer dispositivos legais que definam direitos
51
humanos, precisam ser conhecidos pelos profissionais da informação para que possam
incorporar nas políticas arquivísticas por eles traçadas, o que está estabelecido como direitos
humanos nos instrumentos internacionais oficiais celebrados entre os países.
Em relação aos segundo pressuposto citado, de que os profissionais da informação
ainda não assumem os direitos humanos como um valor secundário, teceremos três
considerações que julgamos estar relacionadas a este pressuposto.
A primeira consideração é em relação às ações empreendidas pelo campo
informacional, no sentido de identificar, levantar e mapear o que são arquivos de direitos
humanos. Conforme já apontado anteriormente, parece estar explícito no conteúdo dos
documentos que compõem estes arquivos o assunto direitos humanos, da mesma forma que
está explícito que arquivos de hospitais e postos de saúde são “arquivos médicos”, ou que
escritórios e empresas de contabilidade são “arquivos contábeis”.
Quando profissionais da informação identificam arquivos desta maneira é porque os
arquivos gerados pelas instituições que os produziram possuem atividades desta natureza, ou
seja, médica e contábil. Isso aponta que, nos documentos contidos nestes arquivos, iremos
encontrar assuntos também desta natureza. Tais documentos foram produzidos com o fim de
atender as demandas médicas ou contábeis de determinada instituição e podem vir a
apresentar um valor secundário; porém, não são produzidos com este fim. Do ponto de vista
do conteúdo, trazem informações sobre questões médicas, de saúde, hospitalares e contábeis,
mas, do ponto de vista do valor que assumem, podem apresentar valores de prova e
informação que justifiquem a sua preservação para além das finalidades com que foram
produzidos inicialmente.
Se profissionais da informação identificam determinado acervo (como por exemplo, os
dos órgãos governamentais que tinham como atribuição levantar informações sobre cidadãos
que o Estado considerava como “persuasivos”), como “arquivos de direitos humanos” e que,
por isso, precisam ser recolhidos para tratamento, preservação e disseminação, por
comprovarem a violação de direitos humanos, que “conteúdo” ou “assunto” esperamos
encontrar nestes documentos que compõem estes acervos? Seriam os mesmos que
encontraríamos nos documentos dos arquivos do Movimento dos Sem Terra, ou de
movimentos feministas ou de grupos LGBT? Todos estes “assuntos” estão elencados no rol
dos direitos humanos hoje consagrados.
O que pretendemos apontar é que o que definem estes arquivos como “arquivos de
direitos humanos” são os valores que eles assumem para a garantia e defesa dos direitos
humanos à medida que estes direitos vão sendo entendidos como direitos humanos. No
52
entanto, do ponto de vista do conteúdo que apresentam, em razão das finalidades com que
foram produzidos, são arquivos que tratam de luta pela terra, luta pela defesa da mulher e luta
pela defesa de gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais. Do ponto de vista do
conteúdo, apenas arquivos de órgãos, organizações e instituições que têm por finalidade ou a
tarefa de defesa dos direitos humanos (como, por exemplo, da Secretaria Especial de Direitos
Humanos da Presidência da República) poderiam ser considerados arquivos de direitos
humanos, já que, na nossa área, aceitamos este tipo de adjetivação para determinarmos a
natureza dos documentos que compõem determinado acervo (arquivos médicos, arquivos
contábeis, arquivos científicos, etc). Do ponto de vista do valor que apresentam todos os
arquivos que contenham algum elemento capaz de garantir e assegurar quaisquer que sejam os
direitos humanos, podem ser considerados não arquivos de direitos humanos, mas arquivos
capazes de comprovar ou informar sobre direitos humanos e dessa forma assegurá-los e
garanti-los.
A segunda consideração é que, supondo que os profissionais da informação
decidissem preservar os arquivos de direitos humanos relacionados ao direito de todo ser
humano ser reconhecido como pessoa, ou então ao direito à propriedade ou à educação
gratuita – todos considerados direitos humanos, essa seria uma tarefa difícil e, talvez, quase
impossível de se empreender. Como mapear e identificar quais são os arquivos que contêm
documentos referentes a estes direitos? Que arquivos seriam estes? Os cartórios com os
registros civis, que contêm informações sobre o primeiro passo para a pessoa existir
legalmente enquanto ser humano? Os cartórios ou ofícios em que são registradas as
propriedades? As instituições escolares onde há educação formal gratuita?
Como podemos perceber, do ponto de vista da exequibilidade, esta tarefa é
praticamente impossível, não só porque estas instituições crescem a cada dia, como porque os
direitos humanos não foram e nem estão sendo nascidos de uma só vez e nem de uma vez por
todas. São direitos social e historicamente construídos, que vão sendo interpretados de acordo
com determinado contexto e estão sempre sendo transformados à realidade em que precisam
ser aplicados.
A terceira e última consideração em relação a este pressuposto é que mesmo que fosse
feito um mapeamento de onde estariam os documentos e acervos que se tratassem dos direitos
humanos ou os garantissem, não seria este mapa – revelando o que um determinado Estado
tem de arquivos de direitos humanos que podem ser acessados – que permitiria que o campo
arquivístico contribuísse para a defesa e garantia desses direitos. De acordo com o que
entendemos como garantir e defender direitos humanos – o que permite a contribuição do
53
campo para a defesa e garantia destes direitos, sejam eles quais forem (dos direitos de
primeira aos direitos de quinta geração) –, é a garantia do princípio de acesso às informações
contidas nos documentos dos arquivos e a postura política assumida pelos profissionais da
informação diante de questões que levem ao reconhecimento da dimensão democrática dos
arquivos na garantia de direitos humanos.
A garantia do princípio de acesso à informação de que tratamos é aquele permitido
pela realização de um conjunto de atividades arquivísticas desenvolvidas, visando a tornar os
documentos acessíveis, e conservando as características que lhe são próprias. Já a postura
política assumida pelos profissionais da informação refere-se à sua forma de agir diante de
questões que afetam direta e indiretamente o direito de acesso à informação.
Os arquivos podem assegurar direitos e oferecer caminhos para sua concretização,
através da execução de tarefas e implementação de ações que possam garantir o acesso e,
dessa forma, permitir que os direitos sejam afirmados. Não há como negar a
indissociabilidade entre os arquivos e sua dimensão democrática na capacidade de garantir
direitos humanos. No entanto, o papel dos profissionais da informação não deve consistir
apenas em identificar, levantar e mapear quais são e onde estão os arquivos de direitos
humanos, muito menos consistir em identificar em determinados documentos e acervos o que
já apontamos não ser possível: o “assunto” direitos humanos.
O terceiro pressuposto apresentado sobre o tema “arquivo e direitos humanos” é que
os arquivos apontados como sendo de direitos humanos, quase que na totalidade das vezes,
são apontados como sendo aqueles que possam comprovar a violação de direitos. Sobre esta
questão, é necessário apontar que não parece haver uma preocupação com a afirmação dos
direitos, mas sim com as violações, perdendo-se, desse modo, a oportunidade de se contribuir
no momento presente para a garantia dos direitos. A preocupação do campo arquivístico
apenas com a violação de direitos pode estar limitando o desenvolvimento de trabalhos que
garantam a afirmação dos direitos humanos.
O fato que aqui se coloca em questão é que quando o campo arquivístico identifica um
arquivo como sendo “arquivos de direitos humanos”, ou quando aponta como alguma tarefa
da área a “garantia dos direitos humanos”, as iniciativas são, muitas vezes, no sentido de tratar
e preservar acervos que comprovem a violação de direitos individuais – civis e políticos.
Até mesmo quando se fala em direito à memória, que, quase na totalidade das vezes,
está associada ao conceito de verdade (questão esta que discorreremos com mais detalhes no
parágrafo seguinte), normalmente identificamos uma preocupação com a abertura dos
arquivos e o acesso a eles para se identificar crimes cometidos pela violação destes direitos.
54
Entendemos que “arquivos de direitos humanos” e “direito à memória” tem que estar ligada
também à questão da violação de outras categorias de direitos. Além disso, temos que nos
preocupar com a violação de direitos que aconteceram e continuam a acontecer em períodos
considerados democráticos, e não somente direitos violados nos períodos ditatoriais, já que, o
Estado, mesmo em regimes democráticos, viola direitos humanos e não apenas os civis e
políticos, por isso, o campo arquivístico tem o dever de garantir a memória em relação a todos
os direitos consagrados como direitos humanos.
Sobre a questão da verdade a que nos referimos acima, em que se nota frequentemente
a relação entre arquivo e memória, assume-se aqui a postura de que esta seja uma visão
equivocada, já que não podemos garantir que o conteúdo dos documentos presentes no
arquivo seja verdadeiro. É dever da área garantir por exemplo, a autenticidade, organicidade,
o inter-relacionamento e unicidade dos documentos de arquivo, mas não a verdade. Também
acreditamos ser ingênuo acreditar que o acesso aos documentos de determinados acervos,
permita o acesso à verdade, como se verdade pudesse ser registrada de forma imparcial em
documentos produzidos por pessoas dotadas de valores subjetivos. A discussão do que seria
“verdade” é algo complexo que qualquer análise em nota de rodapé sobre a questão seria no
mínimo leviana e introduzi-la no trabalho, dada a profundidade com que tem que ser
analisada, nos faria fugir do foco da pesquisa. Por isso, não nos referiremos neste trabalho ao
termo usual “memória e verdade”. Ainda assim, não há como não deixar de apontar que
considerar o fato da visibilidade do papel dos arquivos estar relacionada ao conceito de
verdade é algo que nos chama atenção.
Retomando a discussão sobre a relação dos arquivos com a violação de direitos, é
importante ressaltar que não há a menor pretensão em se discutir a legitimidade desta
preocupação também necessária com estes arquivos. Apesar do posicionamento aqui
assumido, reconhecemos que o direito de acesso à informação proporcionado pela abertura
destes arquivos compreende tanto a garantia da participação política do cidadão na gestão da
vida pública e dos governos (tornando-os mais democráticos e transparentes, e acabando por
impedir que os Estados façam usos abusivos do poder e violem novamente os direitos dos
cidadãos) quanto o direito à memória (permitindo que este cidadão possa conhecer sua
história individual e coletiva, adquirindo conhecimento de caráter político, científico, cultural
ou histórico, e como consequência garantindo seus direitos civis, políticos, sociais,
econômicos e culturais, não permitindo que o Estado faça usos abusivos do poder).
No entanto, pretende-se apontar e reforçar, já que não temos observado iniciativas
neste sentido, que há também outros direitos elencados como direitos humanos que os
55
arquivos têm o dever garantir. Por essa razão, propõe-se a reflexão de se observar o que são e
quais os direitos humanos e assim identificar aqueles que estão sendo apagados, camuflados
ou ignorados pelos arquivos. Que demandas da sociedade civil e da vida dos homens em
sociedade, referentes aos direitos humanos, o campo arquivístico deixa de atender porque não
as entende como demandas relacionadas a garantias de direitos humanos? Propõe-se que esta
pergunta seja feita para os profissionais da informação, por eles próprios e também pela
própria sociedade civil, para que os arquivos possam, efetivamente, cumprir seu papel na
garantia e defesa dos direitos humanos.
Podemos citar como ilustração do que foi apontado neste pressuposto as iniciativas
que o Conselho Internacional de Arquivos – CIA e o Arquivo Nacional do Brasil vêm
desenvolvendo, com a perspectiva de levantar, identificar, mapear, tratar e divulgar arquivos
que eles apontam testemunhar violações de direitos humanos. Tais órgãos fazem referência
aos trabalhos desenvolvidos em relação a estes acervos como sendo trabalhos desenvolvidos
em “arquivos de direitos humanos”.
O trabalho do CIA consiste no levantamento e divulgação dos diretórios dos principais
arquivos e instituições que conservam testemunhos de violações de direitos humanos em 23
países do mundo. Dos arquivos e instituições brasileiras apontadas, a maioria corresponde a
arquivos públicos que contenha fundos documentais de órgãos do governo, como, por
exemplo, departamentos de ordem pública e serviços de inteligência, que foram utilizados
pelo Estado como aparelho de repressão política. Da mesma forma são os diretórios
apresentados dos outros vinte e dois países que foram mapeados pelo grupo de trabalho do
CIA que se ocupa da questão.
Trabalho semelhante é coordenado pelo Arquivo Nacional, que consiste em recolher,
tratar, divulgar e proporcionar acesso aos acervos dos extintos órgãos criados para o
aparelhamento do Estado com objetivo de coletar informações sobre pessoas e organizações
que iam contra o que era estabelecido como “assunto da segurança nacional” no período da
ditadura militar. Estes documentos, antes sob custódia da Agência Brasileira de Informações,
e agora, desde a sua criação, sob custódia do Centro de Referência das Lutas Políticas no
Brasil (1964-1985) – Memórias Reveladas, situado no Arquivo Nacional, foram recolhidos
para este centro de documentação para serem tratados, preservados e acessados, como forma
de garantir o direito à memória e à verdade.
Como podemos perceber, as duas iniciativas confirmam o demonstrado na segunda e
terceira premissa. Em relação à segunda premissa, estes arquivos estão sendo tratados como
se neles pudessem ser identificados o “assunto direitos humanos”, não se falando em direitos
56
humanos enquanto um valor. Em relação à terceira premissa, pelo fato de tratarem de acervos
que comprovem violação de direitos, eles são identificados como arquivos de direitos
humanos. Tanto no caso do CIA como do Arquivo Nacional, as iniciativas demandam um
conjunto de esforços (financeiros, materiais, intelectuais e de tempo), levando a crer que é
grande a importância dada pelos profissionais à questão da violação dos direitos humanos.
O quarto pressuposto citado refere-se ao fato dos profissionais da informação não
estarem assumindo e reconhecendo sua colaboração para a defesa dos direitos humanos. Em
relação a esta questão percebe-se que, muitas vezes, estas iniciativas são apenas relacionadas
à garantia de um direito específico e qualquer (como justiça, saúde, cultura) e não como a
garantia dos direitos humanos, que não são entendidos como quaisquer direitos. Ou seja, os
direitos humanos não são identificados como um valor nestes arquivos, sendo apenas
reconhecidos pelo tipo de informação que contêm: informações referentes à justiça, a saúde e
à cultura.
Por que não identificar como ações do campo informacional que vão ao encontro da
defesa dos direitos humanos o tratamento dos arquivos do poder judiciário com seus inúmeros
processos, por exemplo, referentes a direitos civis, de família, da criança, do idoso ou da
mulher? Dentro da perspectiva que hoje se tem do que são direitos humanos, todas estas
questões são direitos humanos e, portanto, deveriam estes arquivos ser identificados como
“arquivos de direitos humanos”. Por exemplo, a saúde pública é um direito humano
fundamental e quando o campo arquivístico discute questões relacionadas aos acervos de
instituições de saúde ou sobre questões que perpassam o direito de acesso a eles, o campo traz
para discussão o tema “direitos de pacientes” e não direitos humanos que devem ser
assegurados ao ser humano enquanto pessoas e também enquanto cidadãos. Nestas situações
percebemos que mais uma vez há uma prevalência dos direitos civis, não sendo muito
colocada a questão dos direitos sociais.
Na prática e no imaginário coletivo da área, arquivos que revelam os atos de opressão
e violação dos direitos humanos pelo Estado são tratados e identificados como sendo de
direitos humanos, mas os que se referem à saúde, à justiça e à educação dispensadas aos
cidadãos, são apenas arquivos que precisam ser tratados para garantia de direitos,
relacionados à saúde, à justiça e à educação, mas não como garantia de direitos humanos.
Em relação ao quinto e último pressuposto, de que não há por parte dos profissionais
da informação a percepção da natureza política dos direitos humanos e do seu papel político
na afirmação destes direitos, identificamos a necessidade dos profissionais da informação
atuarem politicamente na defesa dos direitos humanos. Eles precisam ter mais autonomia,
57
poder de decisão e intervenção nas questões que afetam, de forma direta ou indireta, o direito
de acesso à informação. Pretendemos nos referir, aqui, a tudo que impede que os arquivos
possam ser acessados: falta de legislação ou legislação que não dê conta da totalidade de
questões (que para serem resolvidas precisam de amparo legal), falta de recursos humanos e
financeiros para o tratamento dos arquivos, destituição dos profissionais da informação de
tarefas e decisões que são de sua competência, etc.
A construção e defesa dos direitos humanos têm um caráter político e todas as
decisões a este respeito são decisões antes políticas do que práticas. Entender e compreender
este caráter político permitirá que as políticas do campo informacional possam englobar em
sua totalidade a complexidade de questões que envolvem o delineamento e a garantia dos
direitos humanos, inclusive a atitude política de defender o recolhimento 4 e a preservação5 de
determinado acervo pelo fato dele assegurar os direitos humanos.
Ao invés de outros agentes definirem o que deve ou não ser recolhido aos arquivos
permanentes e ser preservado pelo fato de garantirem ou comprovarem direitos, os
profissionais da informação poderão trazer para si esta tarefa política e social de defesa dos
direitos humanos. Poderão, de forma ativa, esclarecida e política, incorporarem nas políticas
arquivísticas a defesa dos direitos humanos e, dessa forma, transformar de forma efetiva os
arquivos em instrumentos sociais em defesa dos direitos humanos.
Por exemplo, os profissionais da informação, através da atividade da avaliação 6 têm o
poder de decisão de determinar que documentos serão ou não recolhidos para a guarda
permanente. Neste sentido, cabe a eles a tarefa política de definir quais documentos deverão
ser preservados. Esta sua atividade, mais política do que prática ou intelectual, é um espaço
4
De acordo com o Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística do Arquivo Nacional do Brasil (2005)
existem duas definições para o conceito recolhimento: i) entrada de documentos públicos em arquivos
permanentes, com competência formalmente estabelecida e; ii) operação pela qual um conjunto de documentos
passa do arquivo intermediário para o arquivo permanente. Os dois conceitos ilustram a ideia apresentada e
sustentada pela pesquisadora, que aponta para a atitude política que o profissional da informação tem quando
defende o recolhimento ou a preservação de determinado acervo. Só a título de esclarecimento para aqueles que
possuem pouca familiaridade com a terminologia da área, apresentaremos também outros conceitos encontrados
no mesmo dicionário para definir termos que se encontram presentes na definição do conceito de recolhimento e
necessários ao seu entendimento. Por isso, seguem os conceitos de arquivo corrente, arquivo intermediário e
arquivo permanente, nas acepções presentes no conceito de recolhimento. Arquivo corrente é o conjunto de
documentos, em tramitação ou não, que, pelo seu valor primário, é objeto de consultas frequentes pela entidade
que o produziu, a quem compete sua administração. Arquivo intermediário é o conjunto de documentos
originários de arquivos correntes, com uso pouco frequente, que aguarda destinação. Arquivo permanente é o
conjunto de documentos preservados em caráter definitivo em função do seu valor.
5
Também de acordo com o Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística do Arquivo Nacional do Brasil
(2005), preservação quer dizer prevenção da deterioração e danos em documentos, por meio de adequado
controle ambiental e/ou tratamento físico e/ou químico.
6
Processo de análise de documentos de arquivo, que estabelece os prazos de guarda e a destinação, de acordo
com os valores que lhe são atribuídos. (Dicionário Brasileiro de Terminologia Arquivística, 2005).
58
privilegiado de contribuição para a constituição dos arquivos considerados de direitos
humanos. A escolha política do que preservar não está dissociada da escolha política do que
elencar como direitos humanos e quais deles serão priorizados, preservados e dessa forma
assegurados.
Por este motivo, voltamos à questão anteriormente colocada: que entendimento estes
profissionais tem do que são direitos humanos, para poderem atuar neste processo de seleção
e garantir estes direitos? Baseados em que critérios? Quem vem ditando o que tem que ser
preservado como arquivos de direitos humanos e qual deve ser a contribuição dos
profissionais da informação para esta reflexão? Estas perguntas devem ser objeto de reflexão
na busca de respostas e soluções que permitam que os arquivos possam cumprir o seu papel
democrático na defesa dos direitos humanos, por isso, foram colocadas na pesquisa como
elemento de baliza no processo de análise dos documentos pesquisados.
A contribuição dos profissionais da informação pode e deve ir muito além de uma
atividade inerente a sua esfera de atuação como a atividade de avaliação. É possível, através
da postura política assumida por estes profissionais diante de demandas e ações concernentes
aos arquivos, contribuir de forma significativa para a defesa dos direitos humanos. Perceber
os espaços em que podem atuar, as esferas de decisão que podem ocupar e o momento de
intervir nas deliberações que afetam e dizem respeito aos arquivos é fundamental para que os
profissionais assumam esta postura política, ainda tímida no caso da realidades brasileira, se
levarmos em consideração alguns exemplos que demonstram a falta de intervenção ou
intervenção pouco visível dos profissionais da informação.
Em 8 de janeiro de 1991, o Congresso Nacional aprovou a Lei 8.159, conhecida como
a lei de arquivos brasileira, que dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e
privados e determina que “é dever do Poder Público a gestão documental e a proteção especial
a documentos de arquivos, como instrumento de apoio à administração, à cultura, ao
desenvolvimento científico e como elementos de prova e informação”. A aprovação da
referida lei foi um avanço para as políticas arquivísticas, podendo inclusive ser considerada
como um marco regulatório para a política nacional de arquivos no Brasil. Todavia, no
próprio texto legal, podem ser apontadas algumas lacunas que impedem uma efetiva
consolidação da política de arquivos. O capítulo IV da Lei 8.159 que trata “da organização e
administração de instituições arquivísticas públicas”, determina no artigo 17 que:
São Arquivos Federais o Arquivo Nacional do Poder Executivo, e os
arquivos do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. São considerados,
59
também, do Poder Executivo os arquivos do Ministério da Marinha, do
Ministério das Relações Exteriores, do Ministério do Exército e do
Ministério da Aeronáutica. (Lei 8159, de 8 de janeiro de 1991)
No entanto, em seu artigo 18 determina que “compete ao Arquivo Nacional a gestão e
o recolhimento dos documentos produzidos e recebidos pelo Poder Executivo Federal, bem
como preservar e facultar o acesso aos documentos sob sua guarda.” Ou seja, para o Arquivo
Nacional, somente são recolhidos e ficam sob sua responsabilidade de preservar, os arquivos
do Poder Executivo Federal, sendo excluídos os arquivos das outras esferas federais como os
arquivos do Judiciário e do Legislativo, por exemplo.
Esta não ingerência nos arquivos das outras esferas federais, do ponto de vista do
tratamento documental, da preservação e da disponibilidade de acesso, fragmenta a
possibilidade de conhecimento do funcionamento da esfera federal que realiza suas atividades
através do exercício de três poderes: executivo, legislativo e judiciário. A lei ao privilegiar os
arquivos do executivo federal, determinando que o Arquivo Nacional recolha e trate somente
os arquivos desta esfera, de certa forma, deixa de atender a demandas dos cidadãos que
necessitam do acesso aos arquivos do judiciário e legislativo.
Sabe-se que cada uma destas esferas tem o dever de zelar pelos seus arquivos. No
entanto, não há a obrigatoriedade da existência de um arquivo permanente para onde esses
arquivos possam ser recolhidos, tratados, e abertos à consulta do público, com espaços e
necessidades próprias, como é o caso do Arquivo Nacional para os arquivos do Executivo. A
atenção que é dispensada aos documentos que são recolhidos a um arquivo público
responsável pela guarda da documentação permanente não é a mesma dispensada aos
documentos que não são recolhidos para estes espaços, por razões financeiras, técnicas,
operacionais e de recursos humanos e materiais. Da mesma forma, dificulta o acesso do
cidadão, uma vez que estes conjuntos documentais não estão armazenados em um só lugar e
não recebem um tratamento padrão que viabilize sua consulta.
A aprovação da Lei 8.159 com estas lacunas demonstra a frágil força e/ou atuação
política dos profissionais da informação que parecem não ter conseguido atuar neste espaço
decisório para intervir nesta deliberação que está diretamente relacionada aos arquivos.
Outra lei recentemente aprovada, a Lei 12.527, de 18 de novembro de 2012, que
dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e
Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações previsto na Constituição Federal,
serve de exemplo para demonstrar a atuação política tímida dos profissionais da informação.
60
Primeiro porque, na repercussão que houve desde o início dos trâmites legais até a sua
aprovação no congresso, não foi notória a participação dos profissionais da informação que
trabalhem com arquivos. Não foi verificada uma grande mobilização das associações
profissionais em promoção de eventos e debates acerca do tema, da mesma forma que não
tiveram um número significativo de publicações em periódicos científicos da área, conforme
se pode perceber fazendo uma consulta na BRAPCI.
Além disso, quando a lei foi aprovada, foi determinado um prazo de 180 dias para que
ela entrasse em vigor e para que as instituições se preparassem para seu pleno atendimento.
Sem dúvidas, uma lei que regulamente e garanta o acesso às informações produzidas e
recebidas pelos órgãos governamentais, era essencial para que o cidadão pudesse usufruir do
seu direito constitucional de acesso. Entretanto, para que os órgãos governamentais possam
garantir o acesso pleno, é preciso que os acervos estejam tratados, isto é, organizados,
arranjados, descritos, divulgados em instrumentos de pesquisa apropriados e preservados.
Para isso, é necessário, além de interesse político, recursos financeiros, humanos e materiais;
mão de obra especializada; conhecimento científico, intelectual e técnico dispensados ao
tratamento destas informações; tempo (não é possível tratar massa documental acumulada em
anos em um curto espaço de tempo); etc.
Todas estas questões apontadas interferem no tratamento técnico dos conjuntos
documentais que constituem os arquivos e foram (e ainda são) questões fundamentais que se
colocam como empecilhos à gestão documental dos arquivos no Brasil, que há anos vem
sendo negligente com a documentação que produz. A dimensão informacional do Estado
brasileiro é pouco percebida tanto por si próprio como por seus cidadãos e não é com a
criação de uma lei – embora de suma importância, que os problemas relacionados às questões
citadas serão resolvidos.
A postura dos profissionais da informação diante da aprovação da lei não revelou uma
preocupação em apontar e debater as questões acima citadas, aproveitando o momento
político em que a lei estava sendo discutida – e negociada. Os diversos setores da sociedade
civil não foram informados destas questões primordiais para que o acesso às informações
produzidas e recebidas pelos órgãos governamentais pudesse acontecer e, nesse sentido, os
profissionais da informação deixaram de contribuir de forma mais eficaz na intervenção deste
processo de criação e implementação da lei.
Situação parecida aconteceu também com a aprovação do terceiro Programa Nacional
de Direitos Humanos – PNDH-3, aprovado pelo Decreto 7.037, de 21 de dezembro de 2009,
que traça as políticas para os direitos humanos que devem ser implantadas pelo governo
61
federal. O PNDH-3 está estruturado em seis eixos orientadores, subdivididos em 25 diretrizes,
82 objetivos estratégicos e 521 ações programáticas. Cada uma destas ações programáticas
envolvem diversos ministérios e órgãos governamentais a ele ligados, bem como setores da
sociedade civil organizada. Os eixos orientadores são: a interação democrática e sociedade
civil; desenvolvimento e direitos humanos; universalização de direitos em um contexto de
desigualdades; segurança pública, acesso à justiça e combate à violência; educação e cultura
em direitos humanos e direito à memória e verdade.
O eixo seis, que se refere à memória e à verdade, é o único que envolve o Arquivo
Nacional e envolve os arquivos e os profissionais da informação através de duas diretrizes: a
diretriz 23, que trata do reconhecimento da memória e da verdade como direito humano da
cidadania e dever do Estado; e a diretriz 24, que trata da preservação da memória histórica e
construção pública da verdade.
Para atendimento da diretriz 23, o programa aponta que, com o objetivo de promover
maior intercâmbio de informações e a proteção mais eficiente dos direitos humanos, a
Comissão Nacional da Verdade estabelecerá coordenação com as atividades desenvolvidas
por alguns órgãos – dentre eles, o Arquivo Nacional. Nesse sentido, coube ao Arquivo
Nacional o papel de auxiliar os trabalhos da Comissão da Verdade, constituída para examinar
as violações de direitos humanos praticadas no contexto da repressão política no período da
ditadura militar no Brasil.
Já para o atendimento da diretriz 24, o programa aponta que, com o objetivo de
incentivar iniciativas de preservação da memória histórica e da construção pública da verdade
sobre períodos autoritários, serão: disponibilizados linhas de financiamento para a criação de
centros de memória sobre repressão política; criados e mantidos museus, memoriais e centros
de documentação sobre a resistência à ditadura e disponibilizados apoio técnico e financeiro
para a criação de observatórios do Direito à Memória e à Verdade nas universidades e em
organizações da sociedade civil.
O envolvimento do Arquivo Nacional, dos profissionais da informação e o
reconhecimento dos arquivos está presente em apenas 4 das 521 ações programáticas do
PNDH-3. No entanto, existem várias outras ações nas quais estes profissionais poderiam e/ou
deveriam estar envolvidos para contribuir com seu conhecimento e colaborar com a garantia
dos direitos humanos.
Esta situação nos leva a perguntar: Por que estes profissionais não estão ocupando
estas esferas de atuação e decisão? Por que não estão envolvidos nestas tarefas? Como
atuaram politicamente no sentido de terem maior participação e envolvimento neste
62
programa? De que maneira apontaram a dimensão democrática dos arquivos na garantia de
direitos, como os direitos humanos? Apesar de ainda não termos respostas absolutas para
estas perguntas, reconhecemos que é possível apontar algumas questões que podem ser
examinadas na busca de possíveis respostas.
Dentre elas podemos citar: 1) A não ocupação pelos profissionais da informação de
esferas de atuação (e/ou a falta de postura política quando da ocupação destas esferas), que os
garantam participar de forma ativa de discussões sobre todos os temas que envolvem as
políticas, programas e projetos concernentes aos arquivos; 2) O não reconhecimento dos
direitos humanos pelos profissionais da informação como sendo direitos de grande
importância para a sociedade contemporânea e, com isso acabam não sinalizando em seus
trabalhos de tratamento de acervos os direitos humanos que poderiam ser identificados neles e
nem a dimensão democrática dos arquivos na defesa destes direitos; 3) A falta de vontade
política tanto dos profissionais da informação como dos agentes do Estado em
verdadeiramente se preocuparem em defender os direitos humanos em todas as suas instâncias
ou ainda; 4) O receio do Estado de colocar o tema dos arquivos em discussões relacionadas
aos direitos humanos e sua negligência em relação aos arquivos do país ser colocada em
evidência, entre muitas outras possibilidades.
Além destas reflexões, percebemos ainda, conforme já levantado anteriormente, que o
envolvimento dos profissionais da informação com os arquivos de direitos humanos, de
acordo com o PNDH-3, está relacionado somente a arquivos que refletem e apontam a
violação de direitos no período da ditadura militar. Atualmente, muitos direitos humanos são
violados pela falta de acesso dos cidadãos a documentos produzidos pelos órgãos públicos no
exercício de suas atividades e o programa por sua vez, não propôs nenhuma ação no sentido
de promover a gestão documental nestes órgãos e nem os profissionais da informação que
acreditam atuar no sentido de assegurar os direitos humanos tiveram nenhuma iniciativa de
incluir esta proposta na agenda de discussões do programa.
A defesa dos direitos humanos pelos profissionais da informação, ressaltando a
dimensão democrática dos arquivos na garantia de direitos, deve começar pela postura política
que estes profissionais assumem na ocupação de espaços de decisão e na capacidade técnica,
intelectual e política de intervir em questões concernentes aos arquivos.
Estes cinco pressupostos apresentados foram os elementos norteadores para a
formulação do tema da pesquisa já que através das questões que apresentamos aqui,
identificamos que a relação dos arquivos com os direitos humanos no Brasil não vem se
configurando de forma clara e por isso, conhecer a relação dos arquivos com os direitos
63
humanos no plano internacional poderia oferecer elementos que servissem de subsídio para a
situação dos arquivos com os direitos humanos nesse país.
Assim, decidimos delinear como nosso objeto de estudo, as resoluções das
Conferências Gerais da UNESCO referentes ao campo informacional e aos arquivos e os
documentos do Direito Internacional dos Direitos Humanos que declaram e protegem estes
direitos.
Delimitar como objeto da pesquisa, além das resoluções, os documentos do Direito
Internacional dos Direitos Humanos que declaram e protegem estes direitos, significa que
acreditamos que, para se identificar nos arquivos o valor dos direitos humanos, é preciso saber
e conhecer o que são os direitos humanos e que os direitos humanos, para serem concebidos
como tal, precisam estar positivados, ou seja, precisam constar em leis e normas que tenham
valor legal, pensamento defendido por teóricos da corrente juspositivista, que encontra em
Bobbio (2004) um dos seus defensores:
Se a democracia requer a construção jurídica das ‘regras do jogo’, e o direito
é, assim, um meio indispensável para modelar e garantir o ‘como’ da
qualidade das instituições democráticas, a razão é um instrumento necessário
para elaborar e interpretar o Direito. (BOBBIO, 2004, p. VII)
Este autor defende que pode haver direito sem democracia, mas não há democracia
sem direito, uma vez que democracia exige normas definidoras dos modos de aquisição e
exercício do poder e que, democracia, direitos humanos e paz estão estritamente relacionados.
Para ele, a democracia e os direitos humanos no âmbito das sociedades nacionais criam
condições para a possibilidade de paz no plano mundial:
O reconhecimento e a proteção dos direitos do homem estão na base das
Constituições democráticas modernas. A paz, por usa vez, é o pressuposto
necessário para o reconhecimento e a efetiva proteção dos direitos do
homem em cada Estado e no sistema internacional. Ao mesmo tempo, o
processo de democratização do sistema internacional, que é o caminho
obrigatório para a busca da ‘paz perpétua’, no sentido Kantiano da
expressão, não pode avançar sem uma gradativa ampliação do
reconhecimento e da proteção dos direitos do homem em cada Estado.
Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do
mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e
protegidos não há democracia; sem democracia não existem condições
mínimas para solução pacífica de conflitos. Em outras palavras, a
democracia é a sociedade dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos
quando lhes são reconhecidos alguns direitos fundamentais; haverá paz
64
estável, uma paz que não tenha guerra como alternativa, somente quando
existirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele Estado, mas do mundo.
(BOBBIO, 2004, p. 1)
Esta defesa dos direitos humanos e das liberdades fundamentais por ele assegurados,
capazes de garantir a democracia, que cria as condições para a existência de uma paz
perpétua, é também feita pela Constituição que cria e regulamenta o funcionamento da
UNESCO. A Constituição da UNESCO declara que para a paz não falhar precisa ser
fundamentada na solidariedade moral e intelectual da humanidade e que são elas que
garantem seu propósito de criação de contribuir para a paz e a segurança através da educação,
da ciência e da cultura.
Por este motivo, acreditamos que da mesma forma que estas normas jurídicas
internacionais devem ser consideradas pelos Estados como instrumentos de garantia e
proteção dos direitos humanos, os profissionais da informação que tratam dos arquivos devem
considerá-las como instrumentos de apoio para identificar o valor dos direitos humanos nos
arquivos.
Além de reconhecer a importância da positivação dos direitos humanos para sua
efetiva garantia e proteção, Bobbio (2004) também defende que os direitos são um construto
jurídico voltado para o aprimoramento político da convivência coletiva e por isso os direitos
humanos são históricos: 1) nascem de modo gradual, a partir de certas circunstâncias que
possibilitaram os seu nascimento; 2) e também não nascem de uma vez por todas, já que, as
condições históricas mudam propiciando novas circunstâncias que venham demonstrar que
para a afirmação de novos direitos é preciso rever direitos já historicamente consolidados.
Ou seja, se os direitos humanos são históricos e não nascem todos de uma vez e nem
de uma vez por todas, devemos considerar no campo arquivístico, para identificação do valor
de direitos humanos nos arquivos, a historicidade dos direitos humanos. Essa característica
precisa ter reflexo na identificação do valor de direitos humanos nos arquivos. Por exemplo,
se o direito à terra reivindicado pelo Movimento dos Sem Terra não fosse entendido também
como um direito econômico e social, ao invés de somente um direito civil à propriedade, os
arquivos destes movimentos não poderiam ser identificados como possuindo o valor de
direitos humanos, pois, com essa qualidade teríamos apenas os arquivos dos órgãos e
instituições que garantissem o direito à propriedade privada.
A observância do caráter histórico dos direitos humanos apontado por Bobbio deve se
constituir também como parâmetro (além dos instrumentos internacionais de direitos
65
humanos) para os profissionais da informação que têm o papel intelectual e político de
identificar, nos arquivos, os valores de direitos humanos que justifiquem seu tratamento e
preservação.
A dificuldade na definição do que são “arquivos de direitos humanos” ou como
apresentamos ser mais pertinente, na identificação dos arquivos que apresentem direitos
humanos enquanto um valor que deva ser considerado como valor secundário para ser
preservado, pode ser em função destas características peculiares dos direitos humanos.
Por essa razão, há a necessidade de discuti-los e de encontrar parâmetros que possam
ser seguido para sua definição. Igualmente importante é a necessidade de levar a discussão
aos profissionais da informação, para que eles possam, através do conhecimento dos direitos
humanos e das instâncias que os definem e os declaram, atuar politicamente na defesa destes
direitos, reafirmando a dimensão democrática dos arquivos.
66
CAPÍTULO III
___________________________________________________________________________
UNESCO: DITOS E NÃO DITOS DE UMA ORGANIZAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO,
CIÊNCIA, CULTURA E... INFORMAÇÃO
Abordaremos
neste
capítulo,
através
dos
antecedentes
e
precedentes
da
institucionalização da UNESCO, o conturbado contexto histórico e político em que foi criada,
além de possíveis influências de tais contextos em suas políticas e práticas, e na construção de
suas matrizes fundadoras e seus pilares de sustentação.
UNESCO: Antecedentes e Precedentes
A Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) foi
criada em 16 de novembro de 1945 com a aprovação da ata final da Conferência Preparatória
de sua constituição, realizada no Instituto de Engenheiros Civis, na cidade de Londres. No
entanto, a primeira Conferência Geral realizada após a criação de sua Constituição só
aconteceu um ano depois, em novembro de 1946, em Paris, sede da Organização.
A UNESCO é uma das muitas agências especializadas da Organização das Nações
Unidas (ONU), ligada a ela através do Conselho Econômico e Social (ECOSOC), órgão
coordenador do trabalho econômico e social do Sistema das Nações Unidas. Os ideais e
objetivos que levaram à sua criação vieram de diversos interlocutores que vinham discutindo
questões relacionadas à educação através da Conferência de Ministros Aliados da Educação
(CMAE). Esta se ocupava inicialmente das discussões relativas aos sistemas nacionais de
ensino e posteriormente passou a se preocupar com a ideia de uma organização internacional
de cooperação intelectual.
Participaram da Conferência Preparatória, também conhecida como Conferência de
Londres, 42 países7 que discutiram a proposta de constituição de um novo organismo
internacional de cooperação no campo da educação e da cultura. Na ocasião foram discutidas
7
SILVA, Luiz Antônio Gonçalves. ESTUDIO HISTORICO COMPARATIVO DE LOS PROGRAMAS DE
INFORMACION DE LA UNESCO Y SU IMPACTO EM LOS PAISES DE AMERICA LATINA. [Tese]
Madrid, 1994, p. 63.
67
duas propostas, uma apresentada pelos Estados Unidos através da CMAE e a outra
apresentada pela França. Apesar de apenas dois projetos terem sido submetidos à aprovação
nesta Conferência, desde a criação da CMAE vários projetos relativos à cooperação no campo
educacional e cultural, dos mais variados órgãos e países, foram a ela submetidos, inclusive
vários deles elaborados por organizações privadas.
A partir de 1943, seja por representação oficial na qualidade de membros da CMAE,
seja como observadores da Conferência, os governos dos países começaram a participar de
forma efetiva das discussões acerca da cooperação internacional no campo da educação.
Mostravam-se, com isso, preocupados em contribuir de forma ativa para o tema, e por este
motivo preparavam documentos com suas considerações sobre um projeto de cooperação
internacional no campo da educação e submetiam à apreciação da CMAE. Dentre as ações
empreendidas por estes países com o intuito de apresentar uma proposta para criação de uma
organização internacional no campo educacional, daremos destaque às ações dos Estados
Unidos e da França, únicos países que tiveram seus projetos submetidos à Conferência de
Londres.
Archibaldi (1993 apud SANTOS, 1999, p. 19) afirma ser impossível enumerar todos
os projetos de criação de um organismo internacional para a área educacional surgidos nos
Estados Unidos entre os períodos de 1941 e 1945, dada a quantidade de projetos de
cooperação educacional que foram elaborados por órgãos governamentais e não
governamentais no país. Tal fato demonstra a preocupação dos Estados Unidos em participar e
contribuir de forma ativa na construção de uma proposta de cooperação para o campo da
educação através da criação de um organismo de cooperação intelectual.
É através deste tipo de iniciativa que o governo americano consegue, no primeiro
momento, a adoção de seu projeto pela CMAE:
(...) a delegação desse país garante a adoção pela CMAE de projeto por ela
elaborado num final de semana. O projeto, prevendo a criação de uma
Organização das Nações Unidas para a Reconstrução Educativa e Cultural
(Onurec) é enviado oficiosamente às autoridades governamentais, visando à
sua reformulação, depois de recebidas as sugestões de no mínimo, vinte
governos, para em seguida, encaminhá-lo oficialmente aos governos
nacionais. (SANTOS, 1999, p. 21)
A CMAE aceita as propostas deste projeto, mas leva em conta as observações que o
Bureau Internationale du Travail (BIT) fez a ele, e propõe que seja alterado o nome sugerido
no projeto original, de Organização das Nações Unidas para a Reconstrução Educativa e
68
Cultural (ONUREC) para Organização das Nações Unidas para a Cooperação Educativa e
Cultural (ONUCEC). Todavia, um segundo projeto, também apresentado pelo governo dos
EUA, propondo uma Organização Internacional para a Educação e Cooperação Cultural
(OIECC) obtém preeminência em relação aos demais projetos apresentados. Ele é submetido
à Conferência Preparatória para criação da Organização, só que com o título alterado pela
CMAE para Organização das Nações Unidas para a Educação e a Cultura (UNECO). (Silva,
1999, p. 22 e 23)
Entretanto, na 19ª reunião da CMAE, a última realizada antes da Conferência de
Londres que aprovou a criação da Organização, o governo francês solicita, com êxito, que
outros projetos, além do projeto UNECO, sejam aceitos. Diante desta vitória, o governo
francês encaminha seu projeto de uma Organização de Cooperação Intelectual das Nações
Unidas (UNIC) para ser submetido à apreciação do comitê encarregado de examinar o projeto
UNECO e preparar a Conferência de Londres.
Dessa maneira, na Conferência de Londres, apenas os projetos UNECO (CMAE/EUA)
e UNIC (França) foram apreciados. Sobre a relação destes dois projetos com o campo
informacional, Silva (1994, p. 63) aponta que ambos fazem referência à informação e à
documentação entre os objetivos da futura organização. Citando o documento preparado pela
CMAE (EUA), Silva ratifica sua observação sobre esta questão em relação à organização que
se pretendia criar:
El proyeto de la CMAE consideraba el intercambio libre y sin restricciones,
entre los pueblos, de ideas y de conocimientos como base esencial para el
progreso del bienestar humano y para el mantenimiento de la seguridad y de
la paz. Por lo tanto la nueva organización debería asegurar y facilitar el
acceso a todos los pueblos al conjunto de los conocimientos y la cultura
mundial. Entre sus funciones estaría la ayuda a la libre difusión de las ideas
y de lãs informaciones a través de diversos médios e instituciones como
bibliotecas y publicaciones, dando atención especial al progreso realizado
em el campo del conocimiento científico. (SILVA, 1994, p. 63 e 64)
Do mesmo modo, o autor aponta no texto do projeto do governo francês o lugar de
destaque que o mesmo colocava às questões concernentes ao campo informacional:
El proyeto del gobierno francés consideraba que la creciente especialización
em todos los domínios del conocimiento, demandaba uma organización
internacional de la documentación y de los intercâmbios y uma coordenación
estrecha entre los investigadores de todos los países. La organización a ser
creada debería preparar acuerdos diplomáticos necesarios para el libre
69
intercambio de conocimientos e informaciones para que cada nación pudiera
aprovecharse de los recursos existentes en las otras em la campo de la
técnica, de la educacíon y de la documentación. (SILVA, 1994, p. 64)
Podemos verificar que dos dois projetos, as ideias presentes no da CMAE/EUA são as
que mais se aproximam do texto constitucional aprovado da UNESCO. O projeto já descrevia
e apontava o livre fluxo de ideias e conhecimento a serviço do bem-estar humano e dos povos,
e da manutenção da segurança e da paz, tal como consta na Constituição aprovada na
Conferência de Londres que cria e institui a UNESCO.
Alguns fatos relacionados à discussão dos projetos UNECO e UNIC merecem
destaque, pois além de representarem o contexto histórico em que a UNESCO foi criada,
apontam para o conjunto de interesses que estavam em evidência e as disputas existentes entre
os países no momento em que pretendiam criar uma organização com a tarefa de manter a paz
através da cooperação intelectual no campo da educação e da cultura. Entre estes fatos estão a
inclusão da palavra “ciência” no nome da UNESCO e as divergências apresentadas entre o
projeto francês e o que foi realmente aprovado na Conferência de Londres quanto à
composição de delegados dos Estados Membros na Conferência Geral 8 e na composição do
segundo elemento da estrutura da Organização, o Conselho Executivo, denominado no projeto
francês de Comitê Diretor.
Em relação à inclusão da sigla “s” de science no nome da Organização, Santos (1999,
p.24 e 25) aponta que esta era uma solicitação antiga do bioquímico britânico Joseph
Needham. O cientista, ao acompanhar o andamento das discussões que vinham ocorrendo
desde antes da Conferência dos Ministros Aliados da Educação e a envergadura que a CMAE
vinha apresentando ao projeto UNECO, pleiteou a inclusão da sigla “s” no nome do projeto.
Inicialmente seu pedido foi recusado sob a justificativa de que a ciência já está incluída na
cultura. Entretanto, a autora aponta como decisiva para mudança de entendimento sobre a
questão e posterior incorporação do tema “science” no nome da organização, a explosão das
bombas atômicas realizada pelos EUA nas cidades japonesas Hiroshima e Nagasaki:
Esse episódio evidencia a impossibilidade da manutenção da ciência como
um tesouro guardado pelas nações detentoras do poder de devolvê-la, e de
fazer uso dos seus resultados, e contribui para a explicação da ciência como
campo de atuação da nova organização, resultando na adoção da sigla
8 A Conferência Geral é o órgão máximo da UNESCO, responsável por determinar as políticas e as principais
linhas de trabalho da Organização. Composta por delegados representantes dos Estados Membros, toma decisões
sobre os programas apresentados a ela pela Diretoria Executiva.
70
UNESCO, nova denominação do projeto finalmente aprovado pela
conferência ocorrida em Londres em 16 de dezembro de 1945. (Santos,
1999, p. 25)
A outra divergência entre os dois projetos apresentados em relação à composição da
estrutura da organização se referia à representação dos Estados Membros na Conferência
Geral e no Conselho Executivo. De acordo com o projeto francês, a Conferência Geral
deveria ser constituída por no máximo três delegados governamentais para cada Estado
Membro, ao lado de, no máximo, cinco delegados de Comissões Nacionais e por um
representante de cada associação intelectual de caráter internacional nos campos de atuação
da organização. Este tipo de composição sugeria que os representantes nas Conferências
Gerais fossem, em sua maioria, constituídos por intelectuais e não por delegados
governamentais.
Porém, foi aprovado na Conferência de Londres, e entrou em vigor como parte do
texto constitucional da UNESCO, que sua Conferência Geral seria constituída pelos
delegados indicados pelos governos dos Estados Membros, em número máximo de cinco para
cada Estado. Tal medida incidiria consequentemente na composição do segundo elemento da
estrutura da UNESCO, seu Conselho Executivo, cujos membros seriam eleitos pela
Conferência Geral entre aqueles que a constituem. A França desejava garantir que a
Conferência Geral tivesse uma composição mista, incluindo delegados dos governos e
intelectuais, sendo que para estes últimos não deveria haver um limite pré-estabelecido, uma
vez que estariam condicionados ao número de associações intelectuais internacionais
existentes nos campos em que a Organização fosse atuar.
Esse aspecto é objeto de muita discussão na Conferência de Londres, em
1945, quando outras soluções foram apresentadas para garantir uma maior
participação de intelectuais e estabelecer, numa organização de cooperação
nas áreas da educação, da ciência e da cultura, um equilíbrio entre a
dimensão ético-moral que esses campos supõem e o poder governamental, o
interesse dos indivíduos e o poder do Estado. (SANTOS, 1999, p. 26)
Para tentar dirimir o impasse em torno do tema, o máximo que se conseguiu da
discussão neste aspecto foi estabelecer que os 18 membros do Conselho Executivo a serem
eleitos entre os delegados governamentais para fazer parte da Conferência Geral possuíssem o
seguinte perfil:
71
“se esforçasse por garantir” a escolha de personalidades atuantes nos
domínios das artes, das letras, das ciências, e da educação, com experiência e
competência necessárias ao cumprimento das funções de que se incumbiriam
no conselho. A isto se acrescentam a exigência de que a composição do
conselho fosse representativa da diversidade das culturas e das regiões
geográficas, assim como a salvaguarda da “natureza exclusivamente
internacional” seja das atividades do diretor-geral e do pessoal do
Secretariado, seja dos membros do Conselho Executivo, que “respondem à
Conferência Geral, e não aos governos de origem” acerca do exercício de
poderes a eles por ela delegados. (Ato Constitutivo) (SANTOS, 1999, p. 26)
Contudo, apesar dos ajustes feitos com objetivo de tentar contemplar o que estava
pleiteado na proposta francesa, o projeto francês foi vencido. Por esta razão, como forma de
diminuir suas “perdas”, Santos (1999, p. 24) menciona que a França foi contemplada com a
sede da nova organização em sua capital. A autora sinaliza também que a França, ao conseguir
que a CMAE aceitasse outros projetos para apreciação na Conferência de Londres (o que
possibilitou ao país incluir seu projeto para apreciação), conseguiu também, se tornar o país
sede da Organização e incluir o idioma francês, junto do inglês, como idioma oficial do
evento.
Ademais, em virtude da sede da UNESCO ser em seu território consequentemente o
francês passaria a ser também o idioma oficial da Organização. De acordo com nosso
entendimento, apesar das “derrotas” obtidas na apresentação de seu projeto, podemos dizer
que a língua francesa ter se tornado um dos idiomas oficiais da Organização foi um ganho de
grande significado político, já que a questão da língua sempre foi um tema caro à Organização
e, por isso, desde o primeiro momento mostrou-se preocupada com o intercâmbio de
publicações científicas. É impossível pensar em intercâmbio de publicações sem levar em
conta o papel fundamental que a língua representa para a possibilidade deste tipo de troca
entre os países.
Estas vitórias não são apenas significativas do ponto de vista do monopólio político
que a França tenta obter frente à Organização, como também demonstram que cada detalhe a
respeito da criação da UNESCO foi fruto de muitos embates e conciliações.
Entretanto, apesar das conquistas francesas, Santos (1999, p. 29) destaca – apesar de
registrar o cuidado que se deve ter para não reduzir a UNESCO a uma instituição criada e
guardada pelo imperialismo econômico, político e cultural dos EUA – que não há como negar
a posição de supremacia dos EUA frente aos demais países que faziam parte da Organização,
72
já que ocupa lugar privilegiado perante os aliados europeus e asiáticos, tanto do ponto de vista
econômico quanto da integridade de seus territórios:
Essa influência se expressava de forma clara no jogo das forças presentes
nas negociações para a paz. Nestas, os EUA apresentavam um maior
potencial decisório, evidenciado também na aprovação, com poucas
modificações, do seu projeto como texto de regulamentação da UNESCO.
Este, entretanto, não foi o único, nem o primeiro projeto apresentado. Além
disso, ele não contemplava a reconstrução educacional europeia, elemento
original da discussão mediante a qual se inventou a UNESCO, também
constante dos projetos enviados à CMAE pelas organizações privadas.
(SANTOS, 1999, p. 29)
Apesar desta grande influência dos EUA e das vitórias obtidas pela França na disputa
pela criação de uma organização internacional de cooperação nos campos da educação, da
ciência e da cultura, as disputas existentes na UNESCO envolviam todos os países que dela
participavam e prosseguiram após sua criação. Já na segunda Conferência Geral da
Organização, os Estados Membros buscam firmar acordos em relação a emendas propostas à
regulamentação da UNESCO no que se refere à natureza da representação dos membros do
Conselho. Tal questão já havia sido debatida, mas ainda não satisfazia os Estados Membros,
que, por sua vez, colocavam em xeque a decisão tomada na Conferência Preparatória da
Constituição da UNESCO. (SANTOS, 1999, p. 37)
Todavia, o ponto central da discussão em relação ao tema era diferente da primeira
ocasião. Antes apontava para a dúvida da constituição de um conselho com mais
representantes do governo ou de intelectuais. Agora, com a UNESCO já tendo sido criada e
em pleno funcionamento, o ponto central da discussão é se os membros do conselho deveriam
ser eleitos a título pessoal e, como representantes da Conferência Geral, a ela responderem
por sua atuação, ou se deveriam representar os governos dos seus países de origem.
Em razão dos debates sobre o tema, a delegação dos EUA apresenta na 2ª Conferência
Geral em 1947, um projeto de mudança na Constituição da UNESCO:
A lógica da proposta confirma, após apenas um ano de funcionamento da
UNESCO, a necessidade de contrapor, a uma Conferência Geral e a um
Secretariado que escapam ao controle dos governos, os quais veem na
73
UNESCO um instrumento de realização de seus próprios projetos
econômico-político-culturais, um Conselho Executivo transformado em
instância do poder dos Estados. A mudança defendida não representa,
porém, a única medida dos Estados-membros em busca do exercício do
controle sobre a UNESCO, que, desde o início de suas atividades, relacionase também com as empresas privadas e as ONGs ligadas às mais diversas
temáticas e às necessidades de diferentes grupos e setores de uma sociedade
mundial a ser reconstruída material, educacional e culturalmente. (SANTOS,
1999, p. 37 e 38)
O debate em torno da proposta apresentada neste ano prosseguiu nas reuniões das
Conferências Gerais dos anos seguintes, até que em 1954, na 8ª Conferência Geral, foi
aprovado que os membros do Conselho Executivo seriam representantes dos seus respectivos
Estados, mas seriam mantidas suas eleições e o exercício de seus poderes na Conferência
Geral a título pessoal. Santos (1999, p. 39) aponta que esta situação pode ser incluída no que
Gian Franco Pompei9 chama de “soluções engenhosas próprias à UNESCO”, quando este
autor se refere às soluções inventadas pela Conferência Geral para resolver os impasses com
os quais a UNESCO se deparava. No entanto, também considera a possibilidade de uma
análise diferente:
Esta solução pode ser interpretada, também, como o exercício político de
uma instituição que atua na linha de tensão de duas forças contraditórias
dinamizadores de uma realidade social em cuja construção suas áreas de
atuação incidem de maneira fundamental. (SANTOS, 1999, p. 39)
Este intervalo de tempo, os sete anos que separam a apresentação da proposta de
mudança do Conselho Executivo até sua aprovação, é compreendido como o período marcado
por acontecimentos que encorajaram a URSS a incluir-se em 1954 como Estado Membro da
UNESCO e esse fato provoca muitas mudanças dentro da organização.(SANTOS, 1999, p.
40)
Após ter alcançado os EUA no poder nuclear, a URSS ingressa na UNESCO e traz
consigo novos membros do Leste Europeu, Ucrânia e Belarus. O país também obtém o
9
POMPEI, Gian Franco. Historique de l.organisation. In: UNESCO. Dans l.esprit des hommes. Vingt-cinquième
anniversaire de l.UNESCO 1946-1951. Paris: UNESCO, 1972, p. 17- 43
74
retorno à Organização da Hungria, Polônia e Tchecoslováquia, que se retiraram quando o
Conselho Executivo da UNESCO aprovou resolução condenando a invasão norte coreana à
parte sul do país e a UNESCO, através da ONU, apoiou a intervenção dos Estados Unidos na
Coréia. Dois anos depois destes ingressos, Romênia e Bulgária também se tornaram membros
da UNESCO, sinalizando as mudanças que estavam por vir dentro da Organização. Contudo,
tais mudanças não estavam restritas apenas a sua composição. Poderíamos dizer que
justamente em razão da nova composição, outras mudanças foram possíveis:
Este constitui apenas um aspecto da mudança da composição política e
sociocultural da UNESCO – uma instituição que, buscando a universalidade,
vai, daí em diante, tornando-se cada vez mais multicultural e multiétnica e
cada vez menos bipolarizada, com a entrada maciça dos países constituídos
pelo processo de descolonização. (SANTOS, 1999, p. 43)
Em relação às mudanças na composição da UNESCO, de 1954 a 1965, 31 novos
Estados membros do continente africano e cinco países da Ásia e do Oriente Médio ingressam
na UNESCO e nos dez anos seguintes outros cinco países africanos e seis asiáticos vieram a
fazer parte da Organização. Tais adições alteraram sua realidade interna, que se via
influenciada também pelos reordenamentos econômico-políticos e os avanços tecnológicos
que vinham ocorrendo desde a segunda metade dos anos 50. As transformações ocorridas a
partir deste período estavam relacionadas inclusive às questões orçamentárias, tema que
suscitou por várias vezes situações de impasse enfrentadas ao longo dos anos dentro da
Organização. (SANTOS, 1999, p. 43 e 44)
Os EUA restringiam o orçamento da UNESCO em razão de não conseguir fazer valer
os objetivos de sua política externa. No entanto, não era o único país que defendia um
orçamento modesto para a Organização. Estas restrições orçamentárias levaram Jaime Torres
de Bodet, diretor geral da UNESCO, a apresentar pedido de demissão em 1950 e o
reapresentar dois anos depois, desta vez em caráter irrevogável, motivado por aprovação pela
Conferência Geral de um orçamento menor em relação ao que foi defendido e previsto por ele
naqueles anos. O então diretor também chegou a ser “advertido” pelo Departamento de
Estado da UNESCO por priorizar os pequenos países em detrimento dos ocidentais, os que
mais contribuíam financeiramente para a Organização. (ARCHIBALDI apud SANTOS, 1999,
p. 38 e 39)
75
Diferentemente das restrições orçamentárias supracitadas, na 11ª Conferência Geral da
UNESCO, em 1960, foi aprovado um orçamento superior ao valor estimado pelo diretor
geral. Foi previsto nele grande quantidade de recursos extra orçamentários provenientes de
outras fontes, inclusive organismos privados, que seriam disponibilizados para serviços de
consultoria a serem prestados à América Latina e para serviços de assessoria na definição de
prioridades em outros continentes. Neste ano e nos seguintes, compreendidos como os anos
Kennedy nos EUA (1960-1963), registra-se a retomada de interesse dos EUA pela UNESCO.
(SANTOS, 1999, p. 44 e 45)
A questão orçamentária não era a única que sofreria alterações em decorrência das
mudanças na composição da UNESCO e da nova realidade interna provocada por essa
mudança. Existiam muitas críticas entre os integrantes da UNESCO em relação à amplitude
de seus objetivos e à dispersão dos seus programas. A delegação dos EUA criticava
reiteradamente os programas da Organização, apontando a necessidade de racionalizá-los a
fim de torná-los eficazes. (SANTOS, 1999, p. 38 e 39).
Entretanto, apesar das inúmeras cobranças para que houvesse um planejamento dos
seus programas de mandato a médio e a longo prazo, somente em 1972 é apresentado o
primeiro esboço para elaboração de um Plano de Médio Prazo da UNESCO, efetivamente
aprovado no ano de 1976, na 19ª Conferência Geral. Assim, o primeiro Plano de Médio Prazo
(que previa os programas e atividades da UNESCO para o período de 1977 a 1982) foi uma
forma da UNESCO responder às críticas de que seus programas eram fragmentados e, por
isto, ineficazes. O planejamento a médio prazo
possibilitaria garantir a coerência e
continuidade de seus programas, uma vez que detalharia suas atividades para os três
exercícios bianuais subsequentes à sua aprovação.
A nova composição da Organização levou também, pela terceira vez, à discussão
quanto à composição do Conselho Executivo. Em 1966 foi levantada a necessidade de se
mudar sua composição e redistribuir seus assentos. Em razão da entrada de novos Estados
Membros na Organização, reivindicava-se o atendimento ao critério geográfico e de
representação da diversidade cultural no Conselho. As discussões sobre o tema prolongam-se
até 1991, quando na 26ª Conferência Geral, depois de sucessivos debates e desacordos entre
os países, é aprovada a nova composição do Conselho Executivo, que será composto por
representantes indicados pelos 51 Estados Membros eleitos pela Conferência Geral:
Os questionamentos sobre a composição do Conselho Executivo, único
órgão da estrutura básica da UNESCO passível de ser modificado e cuja
76
posição entre a Conferência Geral e o Secretariado é de fundamental
importância, assim como as mudanças nele processadas, desde a década de
1950 até a de 1990, têm sido justificados pela necessária ampliação e pelo
atendimento dos critérios de distribuição geográfica e de representação da
diversidade cultural dos assentos para incluir os novos Estados-membros.
Essa ampliação se justificava ainda pela necessidade de racionalizar as
relações entre esse órgão e o diretor-geral e seu secretariado. Não se pode
descartar, entretanto, o objetivo de possibilitar um controle sobre a
instituição como um todo. Além disso, as mudanças procedidas no Conselho
Executivo, desde a década de 1950, revelam, no seu conjunto, momentos
diversos da realidade, em seus aspectos econômico-político, e, portanto
socioculturais, e sua repercussão na UNESCO, instituição que, desde os seus
primeiros passos, tem sido mantida sob rígido controle dos Estados membros
entre os quais, não sem razão, pairava o receio de utilização, por alguns
deles, do potencial da organização, cujos campos de atuação incidem de
modo substantivo na dinâmica da sociedade mundial. (SANTOS, 1999, p. 57
e 58)
Os fatos e discussões ora apresentados apontam para as disputas existentes em
proposições e projetos feitos por diversos países interessados em atuar de forma expressiva –
e quando não, de forma impositiva – em questões relacionadas à criação e manutenção de um
organismo supranacional de cooperação intelectual. Eles desenham o cenário em que a
UNESCO veio a surgir e teve de atuar desde que institucionalizada e sustentam a premissa da
qual se partiu esta pesquisa: de que havia e há dentro da UNESCO uma grande correlação de
forças entre os seus Estados Membros e que as disputas e divergências em função delas
influenciam as políticas traçadas pela UNESCO em suas áreas de mandato.
Por este motivo, conhecer e compreender os acontecimentos mundiais e a correlação
de forças estabelecidas dentro da Organização em função destes acontecimentos é de
fundamental importância para compreender o funcionamento dos alicerces que a sustentam e
sustentam suas políticas e programas. Buscaremos entender os pilares de sustentação da
UNESCO e sua intrínseca relação com o campo informacional e com os direitos humanos a
partir da identificação de contextos e disputas de forças que de alguma forma poderiam
justificar este ou aquele fato constatado.
77
Construindo bases: A UNESCO e seus pilares de sustentação
Conforme verificamos, a intenção norteadora que levou à origem da UNESCO em
1945 foi a criação de uma organização intergovernamental, universal e supranacional que
tivesse por propósito a tarefa política de contribuir para a paz e para a segurança através da
cooperação entre as nações nos campos da educação, da ciência e da cultura. A constituição
que cria e regulamenta o funcionamento da UNESCO declara que:
paz baseada exclusivamente em arranjos políticos e econômicos dos
governos não seria uma paz que pudesse garantir o apoio unânime,
duradouro e sincero dos povos do mundo, e que, portanto, a paz, para não
falhar, precisa ser fundamentada na solidariedade intelectual e moral da
humanidade. (Constituição da Organização das Nações Unidas para a
Educação, Ciência e Cultura, 2002, grifo nosso)
Esta afirmação presente na Constituição da UNESCO acaba por estabelecer que além
de suas “matrizes fundadoras”, uma vez que a Organização só surge com o objetivo de fazer
valer estas solidariedades (intelectual e moral) entre os Estados Membros, são também suas
“formas de atuar e intervir” meios para garantir a paz e a segurança no mundo. Estas duas
formas de intervenção da Organização são entendidas aqui como seus dois pilares de
sustentação capazes de garantir tanto a legitimidade de suas ações como o alcance dos seus
propósitos de criação.
No entanto, apesar do pilar intelectual da UNESCO oficialmente sustentar as
atividades de cooperação intelectual nos campos da educação, da ciência e da cultura,
ressaltamos que a Organização teve também, desde o primeiro momento, importante papel de
solidariedade e cooperação intelectual no campo informacional, ainda que a cooperação neste
campo não tenha sido explicitamente delimitada por ela como campo de atuação e
intervenção. Sua cooperação intelectual no campo informacional é de notório conhecimento
pelas áreas da arquivologia, biblioteconomia e documentação e se deu desde o primeiro
momento de sua institucionalização, conforme discutiremos mais adiante, quando trataremos
especificamente deste ponto.
Desse modo, sublinhamos que da intervenção intelectual da Organização o que nos
interessa não são propriamente suas ações no campo da educação, da ciência e da cultura, mas
78
suas ações no campo informacional10, ainda que, para podermos compreender em que consiste
o seu pilar intelectual, lancemos nosso olhar para a cooperação intelectual em todos os
campos.
Consideramos que a intervenção da UNESCO através da solidariedade intelectual e da
solidariedade moral acontece quando os Estados Membros que a constituem implementam as
políticas e programas de suas áreas de mandato11, aprovados em suas Conferências Gerais
através de votos dos representantes dos Estados Membros. Do mesmo modo, apesar das
divergências e disputas que claramente existem dentro da Organização, o fato dos Estados
participarem por livre e espontânea vontade das Conferências Gerais e aceitarem deliberar e
chegar a um comum acordo sobre tudo o que foi discutido e colocado em votação indica que
esta intervenção acontece com o consentimento deles.
Se para contribuir para a paz e a segurança a UNESCO precisa intervir intelectual e
moralmente nos Estados Membros e esta intervenção é permitida por estes países, é preciso
admitir que isso só é possível porque há entre os Estados certo nível de consenso quanto a
seus objetivos e fins, ou se não há este consenso, acreditam ser necessário buscá-lo ao
máximo para garantir que os propósitos da Organização sejam preservados:
O propósito da Organização é contribuir para a paz e para a segurança,
promovendo colaboração entre as nações através da educação, da ciência e
da cultura para fortalecer o respeito universal pela justiça, pelo estado de
direito, e pelos direitos humanos e liberdades fundamentais, que são
afirmados para os povos do mundo pela Carta das Nações Unidas, sem
distinção de raça, sexo, idioma ou religião. (Artigo I da Constituição da
Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura)
Desse modo, acreditamos que o consenso surge da coesão de ideias e ideais que de
fato se baseiam na crença de que somente a cooperação intelectual através da educação, da
ciência e da cultura e o compartilhamento de valores que protejam a dignidade humana sejam
capazes de possibilitar paz mundial. Assim, foi essa coesão permitiu a criação da UNESCO
no contexto do pós-guerra e continua a permitir até os dias de hoje o reconhecimento e
10
Apesar do campo informacional não ser elencado como um campo de cooperação da UNESCO, desde sua
institucionalização, ele sempre esteve presente nos seus temas de mandato, sendo sublinhado nas Atas das
Conferências Gerais como um mandato específico, além de também estar contido dentro dos outros mandatos,
principalmente da ciência e da cultura. Por este motivo apontamos que só traremos para discussão dentro do pilar
intelectual os temas da educação, ciência e cultura quando estes tiverem relação com o campo informacional.
11
Por extensão, nos referimos a áreas de mandato da UNESCO como todos os temas sobre os quais a
Organização delibera e inclui em programas de ação das Conferências Gerais.
79
aceitação de suas intervenções apesar das muitas divergências existentes entre os países em
relação aos temas tratados em sua Conferência Geral.
No contexto do pós-guerra, a associação entre os países em prol de um objetivo
comum, isto é, assegurar a paz mundial após longos anos de conflitos que colocaram em risco
a segurança mundial, só seria possível se todos eles de alguma forma fossem beneficiados.
Por isso, podemos dizer que o conhecimento colocado a serviço de campos tão importantes
para a hegemonia de uma nação como a educação, a ciência e a cultura, e o fortalecimento de
princípios e valores que garantam a dignidade do homem foram mais do que ideias e ideais
compartilhados pelos países que se associaram para criar a UNESCO. Foram além das suas
matrizes fundadoras as colunas de sustentação da Organização, aqui entendidas como os seus
dois pilares de sustentação.
O pilar intelectual é aquele que sustenta as intervenções nos campos da educação,
ciência e cultura, permitindo, através da cooperação intelectual, que os Estados Membros
possam partilhar dos conhecimentos nestas áreas e colocá-los a serviço da paz e segurança
mundial. O pilar moral, no entanto, é aquele que sustenta as intervenções no campo dos
direitos humanos, permitindo que através do fortalecimento do respeito à justiça, ao estado de
direito, aos direitos humanos e às liberdades fundamentais, os Estados Membros possam ter
estes valores como elementos de solidariedade entre eles, apesar dos seus diferentes interesses
sociais, políticos e econômicos.
Esses pilares, ao mesmo tempo em que são autônomos, no sentido de que cada um
deles é responsável por sustentar a paz e segurança mundial através de diferentes formas de
intervir, são também interdependentes. Isso ocorre em virtude de o “pilar intelectual”, que
sustenta as ações de intervenção intelectual colocando o conhecimento a serviço da garantia
de paz, só é capaz de se efetivar na prática porque a Organização sustenta, através do seu
“pilar moral”, a defesa dos direitos humanos como valores colocados a serviço da garantia da
dignidade do homem, entendida na sua Constituição como “um dever sagrado, que todas as
nações devem observar, em espírito de assistência e preocupação mútuas.”12
Assim, as referidas solidariedades intelectuais e morais, apontadas no preâmbulo da
Constituição como a única forma de garantir paz com apoio “unânime, duradouro e sincero”
dos povos do mundo, devem caminhar lado a lado se presumirmos que nenhum Estado
Membro aceitaria intervir ou participar de intervenção “intelectual” em outro Estado Membro
da UNESCO se não compartilhasse da premissa de que tal intervenção tem por objetivo uma
12
Constituição da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura.UNESCO: 2003.
80
“solidariedade moral”, calcada em princípios e valores de direitos humanos que defendam e
sejam capazes de garantir o propósito de todos eles: paz e segurança mundial. A “cooperação
intelectual” só se faz possível porque há o pressuposto de uma “cooperação moral” e esta
também só é possível porque os países membros possuem certo grau de consenso dos valores
“morais” dos quais partilham: o princípio da dignidade humana.
Por isso, é importante frisar que se quisermos entender a institucionalização da
UNESCO a partir destes dois pilares de sustentação e a forma como eles garantiram e
forneceram os meios necessários a sua existência, é necessário antes compreender o cenário
de sua criação, do contrário, qualquer entendimento das razões que levaram à sua criação e
continuam a permitir sua existência estaria limitado.
O cenário político do período de sua criação é denominado de período da Guerra Fria,
momento compreendido entre 1945 e 1990, em que os povos do mundo inteiro temiam a
iminência de uma batalha nuclear global que pudesse acontecer a qualquer momento e
devastar toda a humanidade. Hobsbawm (1995, p. 223) aponta que os quarenta e cinco anos
que compreendem este período não formam um homogêneo único na história do mundo, mas
podem ser reunidos sob esta denominação pela situação internacional peculiar que
caracterizaram: o constante confronto das duas superpotências que emergiram da Segunda
Guerra Mundial, EUA, liderando o bloco capitalista, e URSS, liderando o bloco socialista.
Essa divisão do mundo em dois blocos, com interesses políticos, econômicos e sociais
opostos, causava grande instabilidade na relação entre os países que não confiavam uns nos
outros. O medo de uma catástrofe acontecer era real e predominava em todas as circunstâncias
que envolviam qualquer tipo de relação entre os países, pois sabiam dos estragos que uma
guerra podia causar e que a existência de uma terceira guerra mundial poderia devastar a raça
humana do globo terrestre, haja vista os efeitos das bombas lançadas nas cidades de
Hiroshima e Nagasaki.
Por este motivo, os países viram a necessidade de criar um organismo internacional
que mediasse a relação entre eles e conseguisse desta forma impedir uma nova guerra
mundial. Foi com este objetivo, fundamentado na crença de que paz e segurança mundial são
condições necessárias para garantia da dignidade humana e ciente da necessidade das
solidariedades moral e intelectual entre os países do mundo a fim de assegurar sua missão,
que a Organização das Nações Unidas (ONU) foi criada e empreendeu diversas ações que
pretendiam assegurar a manutenção da paz no mundo.
Uma dessas ações foi a criação da UNESCO dentro de seu sistema, assumindo que a
solidariedade entre as nações nos campos intelectual e moral era a única forma da paz se
81
perpetuar com apoio “unânime, duradouro e sincero dos povos do mundo”, sendo mais
garantida assim do que por acordos políticos e econômicos entre os governos. Foi esta crença
que permitiu a criação da UNESCO e a consolidação de seus pilares de sustentação, que
resistiram mesmo nos delicados momentos históricos pelos quais a Organização passou para
assegurar o cumprimento de seus propósitos.
Os fatos supracitados sobre os antecedentes da criação da UNESCO demonstram as
divergências existentes entre os Estados Membros e as situações de impasse em que foi posta
em razão destas diferenças. Ademais, indicam que ainda que os Estados Membros se
esforçassem para se manter coesos em relação aos objetivos de solidariedade na cooperação
intelectual e moral, essa coesão em muitos momentos foi difícil de ser alcançada.
Acreditamos ainda que os primeiros anos de sua existência, particularmente aqueles
compreendidos entre o período da Guerra Fria, foram anos em que as ações de intervenção da
UNESCO foram mais difíceis de serem sustentadas, já que o mundo ainda estava dividido em
dois blocos com ideias e ideais bem diferentes entre si. Importante lembrar que até 1945, ano
que marca o fim da Segunda Guerra Mundial, estas diferenças eram resolvidas por meio da
guerra. Apesar da resolução dos conflitos entre os países vir acontecendo em um clima
totalmente hostil e controverso às negociações, a paz se sobrepunha pelo fato de nenhum
deles querer ter sua população dizimada por bombas atômicas disparadas por países inimigos.
Este era então o único desejo comum entre eles e só poderia ser atendido se houvesse um
acordo de paz respeitado por todas as partes.
Em 1945, o acordo de paz estabelecido entre os países do mundo, ainda que se
encontrassem divididos em blocos, era a Carta das Nações Unidas. Este documento marca o
surgimento da ONU, que, com a criação da UNESCO, ganha uma nova organização,
comprometida em defendê-la uma vez que afirmando em sua constituição que seus propósitos
estão direcionados a garantir os princípios de direitos humanos estabelecidos nesta Carta da
ONU.
Entretanto, julgamos provável que com o fim da Guerra Fria e consequentemente da
nova correlação de forças entre os Estados Membros, a UNESCO tenha dado novos contornos
às suas formas de intervenção e estabelecido novas demandas em relação às suas áreas de
mandato. Após o fim da Guerra Fria, no início da década de 90, os países do mundo se veem
colocados em uma nova configuração mundial, sem a iminência de guerra constante, embora
nem por isso, sem problemas sérios de mesma natureza a ter de enfrentar:
82
O breve século XX acabou em problemas para os quais ninguém tinha, nem
dizia ter, soluções. Enquanto tateavam o caminho para o terceiro milênio em
meio ao nevoeiro global que os cercava, os cidadãos do fin-de-siècle só
sabiam ao certo que acabara uma era de história. E muito pouco mais. Assim
pela primeira vez em dois séculos, faltava inteiramente ao mundo da década
de 1990 qualquer sistema ou estrutura internacional. O fato mesmo de terem
surgido, depois de 1989, dezenas de estados territoriais sem qualquer
mecanismo independente para determinar suas fronteiras – sem sequer
terceiras artes aceitas como suficientemente imparciais para servir de
mediadoras gerais – já falava por si. Onde estavam o consórcio de grandes
potências, que antes estabelecia, ou pelo menos ratificava, fronteiras
contestadas? Onde estavam os vencedores da Primeira Guerra Mundial que
supervisionavam o novo desenho do mapa da Europa e do Mundo, fixando
uma linha de fronteira aqui, insistindo num plebiscito ali? [...] Quem eram,
na verdade, as potências internacionais, velhas ou novas, no fim do milênio?
(HOBSBAWM, p.537-538, 2012)
Esta nova configuração dos países no mundo evidentemente mudava a correlação de
forças entre os Estados Membros da UNESCO e sem dúvida abria novos caminhos para o
discurso dos direitos humanos nesta organização. Desta forma, supomos que o pilar moral no
qual se apoiava a UNESCO ganhava novos contornos e isto implicaria em transformações de
suas linhas de ação, interferindo em suas políticas de cooperação intelectual, inclusive nas
políticas para o campo informacional.
Uma das premissas das quais partiu esta pesquisa é que o novo contorno do discurso
dos direitos humanos, em virtude das transformações políticas, econômicas e sociais ocorridas
no cenário mundial, tenha levado a UNESCO a dar também novos contornos às suas políticas
para o campo informacional. Foram estes novos contornos que fizeram emergir do campo
informacional os arquivos. Por este motivo, determinamos que a pesquisa deveria partir da
década de noventa em diante, quando um cenário mundial distinto do período da Guerra Fria
apontaria para novas e outras possibilidades de intervenção da Organização. O objetivo era
conhecer quais foram os contornos estabelecidos pela UNESCO para o campo informacional
a partir da década de 90 e a função social e o papel que os arquivos passaram a desempenhar
neste novo contexto mundial que ia se consolidando.
Pressupomos que a situação de disputas, insegurança e desconfiança que havia no
período da Guerra Fria acabava influenciando as decisões dos delegados das Conferências
Gerais no momento de se traçar e “votar” as políticas a serem adotadas pelos países membros,
inclusive as políticas arquivísticas que deveriam definir a função social dos arquivos.
83
No entanto, não queremos dizer que ao término deste período a situação entre os
países, marcada por disputas, inseguranças e desconfianças, tenha se transformado em uma
situação amistosa e de igualdades sociais, econômicas e políticas. Não temos uma visão
ingênua da nova realidade que estava sendo desenhada e compreendemos que as diferenças e
divergências entre os Estados Membros continuaram e continuam a existir. Contudo,
acreditamos que com o fim da divisão do mundo em dois blocos, a correlação de forças havia
se alterado e as incertezas que rondavam o início do terceiro milênio levaram ao
estabelecimento de novas relações, e que, da mesma forma que no período anterior, estas
relações estariam refletidas nas políticas arquivísticas traçadas por aquele momento histórico.
Como exemplo desta instabilidade que imperava no período da Guerra Fria e gerava
disputas entre os países dos dois blocos, até mesmo dentro da Organização das Nações
Unidas, podemos citar a disputa na definição e delimitação dos próprios direitos humanos. Os
países que faziam parte do bloco capitalista davam mais ênfase à defesa dos direitos civis e
políticos, já os países do bloco socialista davam mais ênfase à afirmação e defesa dos direitos
sociais e econômicos.
A situação era tal que em 1966, por não haver consenso entre eles na formulação de
um pacto internacional em defesa dos direitos humanos, a ONU, se viu obrigada a formular
dois pactos distintos, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, como uma saída diplomática
para contemplar os desejos dos distintos blocos. No entanto, tal iniciativa feria a Declaração
Universal de 1948, que não versa sobre a distinção entre os direitos humanos, considerandoos indivisíveis e complementares.
Se a falta de consenso impedia uma “internacionalização” na delimitação de direitos, a
falta de consolidação destes direitos poderia levar a uma falta de definição (ou definição não
muito clara) da função social que estes arquivos deveriam ter dentro de cada nação.
Se não era fácil um consenso na demarcação e afirmação dos direitos humanos,
podemos supor que, da mesma forma, não era fácil um consenso na delimitação e definição
das políticas para os arquivos, visto o caráter estratégico que estas instituições e serviços têm
no tocante à garantia de direitos. A falta de consenso e a busca por ele, situação sempre
recorrente nas organizações para que possam alcançar seus propósitos, estariam refletidas nas
políticas traçadas pela UNESCO. Conhecê-las, por isso o levantamento realizado na pesquisa,
seria uma possibilidade de verificarmos nos consensos estabelecidos, ou mais precisamente
“negociados”, suas relações com os direitos.
84
A intenção da pesquisa é conhecer as políticas informacionais da UNESCO e como as
políticas arquivísticas e os arquivos estariam colocados dentro delas. Identificaremos, através
dos resultados encontrados, a proximidade ou a discrepância destas políticas com o que é
delimitado como direitos humanos nos instrumentos internacionais e, assim, verificarmos se o
campo arquivístico consegue ou não assegurar os direitos humanos firmados. Cabe ressaltar
que temos a consciência de que a pesquisa poderá contribuir para o campo dos direitos
humanos, proporcionando-lhe reflexões no sentido de procurar conhecer o papel dos arquivos
na construção e defesa destes direitos. Apesar disso, o nosso olhar está mais voltado para
como o campo arquivístico pode e deve pautar, no campo dos direitos humanos, o
desenvolvimento de suas políticas e práticas. No entanto, os resultados apresentados e as
relações estabelecidas nos capítulos seguintes poderão ser objeto de reflexão para as duas
áreas do conhecimento.
A partir desta nova situação política, em que o universo de direitos e deveres é
demarcado por outras questões históricas, políticas, econômicas e sociais, novas perguntas
também precisam começar a surgir para o atendimento das demandas relacionadas a elas. No
cenário que apontamos, o campo arquivístico deve se perguntar: Quais são os direitos que os
arquivos devem assegurar? Quem são os destinatários destes direitos? Que deveres os Estados
precisam ter com seus arquivos para garantir estes direitos? Com a identificação da quarta
geração de direitos que traz à tona o conceito de cidadãos mundiais, qual o papel dos arquivos
para esta nova categoria de cidadãos?
Se à luz do que defende Bobbio (2004), os direitos humanos são direitos históricos,
nascidos a partir de necessidades geradas pelas transformações pelas quais passa a sociedade,
é plausível acreditarmos que as mudanças que o mundo sofria no final do antigo e início do
novo século levariam à necessidade de, se não a criação de novos direitos, ao menos uma
reformulação de sua aplicabilidade. Assim sendo, as características do novo momento
histórico estariam consolidadas nos direitos traçados para aquele momento. As transformações
ocorridas no mundo a partir da década de noventa (queda do Muro de Berlim, o fim da União
Soviética e a derrocada do bloco soviético) deveriam levar ao delineamento de outros direitos
ou aplicação de antigos antes não possíveis, que correspondessem às novas necessidades.
A partir das resoluções da UNESCO levantadas na pesquisa e apresentadas no capítulo
seguinte, será possível verificar como estas transformações ocorridas no mundo a partir da
década de noventa foram se consolidando através dos dispositivos da UNESCO. Elas serão
percebidas dentro do campo informacional através de um cenário em que os arquivos vão
ficando cada vez mais evidentes. Antes, por outro lado, prevalecia, dentro do campo
85
informacional, somente a preocupação com a informação. A questão central da pesquisa (os
arquivos dentro das políticas da UNESCO – e não a informação) está, sem dúvida,
relacionada a este novo momento em que as políticas arquivísticas e os arquivos ganham
visibilidade dentro do campo informacional para a UNESCO.
Apesar disso, acreditamos ser necessário apontar também o momento anterior, em que
a relação da UNESCO com o campo informacional era estabelecida através de
desenvolvimento de políticas voltadas exclusivamente para a informação, em especial a
informação científica e tecnológica. Este apontamento deverá ser feito com o objetivo de
evidenciar a ponte estabelecida entre o desenvolvimento das preocupações da UNESCO e os
arquivos. Vale frisar, entretanto, que este não é o objeto de nosso trabalho; assim sendo; este
capítulo limita-se a fazer uma breve apresentação, e não uma análise, deste período que
antecedeu à década de noventa.
Informação: o propósito evidente e não explícito da UNESCO
O campo informacional, desde a criação da UNESCO, sempre ocupou grande espaço
dentre os assuntos que constam em seus debates, inclusive fazendo parte do seu escopo de
atuação desde a sua primeira Conferência Geral, ao lado dos temas da educação, da ciência e
da cultura – áreas temáticas apontadas como estratégicas e essenciais para manutenção da paz
e da segurança –, que justificaram a criação da organização.
Mesmo antes da realização de sua primeira conferência, encontramos já na
Constituição da UNESCO os indícios que apontam que o campo informacional também terá
caráter estratégico e essencial nos seus programas e políticas. Sua Constituição lista três
funções concernentes a ela, a fim de que seus propósitos sejam alcançados; entre elas está
manter, expandir e difundir o conhecimento.
Como atividades a serem desenvolvidas para manutenção, expansão e difusão do
conhecimento, a Constituição descreve tarefas que estão estritamente ligadas a atividades do
campo informacional: a conservação e a proteção do legado mundial de livros, obras de arte e
monumentos de história e de ciência e; o intercâmbio de publicações, objetos de interesse
artístico e científico, bem como outros materiais de informação e acesso à material impresso e
publicado produzido pelos países membros.
86
Desde a sua criação a UNESCO, através de diferentes programas, contribuiu,
de forma substancial, na formação do referencial teórico que sustenta as
atividades de informação. Não se pode estudar a evolução da área sem levar
em conta esse conjunto de princípios que se encontra depositado em vasta
documentação como documentos e recomendações de conferências e
seminários, manuais, guias e metodologias, relatórios e pareceres de
consultores, entre outros. (SILVA, p. 68, 1994)
A estreita relação da UNESCO com o campo informacional demonstra a importância
que essa Organização deposita neste campo para exercer suas funções e alcançar seus
propósitos. A informação acaba tendo uma dupla função para a Organização, pois tanto
contribui para o desenvolvimento dos campos educacional, científico e cultural como também
para assegurar a paz para a segurança mundial. Por este motivo, a UNESCO investe na
produção de conhecimento do campo informacional, colocando-o como um campo estratégico
para atingir seus resultados.
No entanto, quando as questões relacionadas à cultura e à ciência começaram a
permear as discussões sobre a criação de uma organização internacional de cooperação
intelectual para educação, o campo informacional não foi colocado em destaque como uma
das áreas sobre a qual a UNESCO deveria atuar. Os temas “avanço do conhecimento”, “livre
fluxo de ideias” e “manter, expandir e difundir o conhecimento”, citados na Constituição
(mais especificamente no artigo que trata dos propósitos e funções da Organização), parecem
estar relacionados a discussões que se referem à produção do conhecimento nas áreas da
educação, da ciência e da cultura, mas não à área informacional como um campo autônomo
destes.
Por essa razão, afirmamos que a informação sempre foi um propósito evidente da
UNESCO, apesar de não explícito. Inicialmente, quando ainda se discutia sua criação, não
havia o entendimento de que a ciência era um tema que deveria ser tratado de forma
autônoma, acreditando-se que o tema estaria incluído dentro das questões concernentes ao
campo cultural. Mais tarde, chegou-se ao consenso de que ciência deveria ser tratada como
um campo autônomo dentro das funções da UNESCO. Por outro lado, não se pode observar o
mesmo tratamento em relação ao campo informacional, que continua não sendo citado como
campo de conhecimento autônomo.
87
As estreitas relações entre a ciência e o campo informacional poderiam nos levar a
acreditar que talvez, por esse motivo, o campo informacional não foi tratado de forma
explícita como um campo do qual a UNESCO se ocuparia para alcance de seus propósitos.
No entanto, as ações empreendidas pela UNESCO relacionadas ao campo informacional, até
1976, quando se criou o Programa Geral de Informação (PGI), estavam diluídas no Setor de
Ciências da UNESCO (que se ocupava das atividades relacionadas à informação e
documentação científica) e no Setor Cultural da UNESCO (que se ocupava das atividades
relacionadas à bibliografia e biblioteca). Silva, (1994, p. 66) aponta que estas atividades, antes
do PGI reuni-las num único setor, eram desenvolvidas de forma isolada, resultando até, em
alguns momentos, em superposição de competências dos programas.
Desse modo, não poderíamos afirmar que o fato do campo informacional não ter sido
colocado de forma explícita se deve ao fato dele integrar o campo científico. Informação
científica, bibliografia e biblioteca sempre foram temas ligados ao campo informacional; no
entanto, inicialmente a UNESCO os tratou como temas distintos relacionados a outros dois
campos também distintos: ciência e cultura. Sabemos das relações interdisciplinares que o
campo informacional mantém com o campo científico e cultural, mas eles são campos
autônomos, cujos objetos são diferentes e o conhecimento gerado a partir deles também se
diferenciam.
De qualquer forma, não nos preocupamos em tentar entender por que a UNESCO,
apesar de evidentemente delimitar o campo informacional como sendo um dos seus campos
de atuação não deixa explícito que ele possui caráter estratégico para alcance de seus
objetivos tanto quanto a educação, ciência e cultura. Nossa intenção foi, ao contrário, procurar
entender por que a Organização se ocupa do campo informacional em seus programas e
políticas.
A pergunta que fizemos para compreender a relação do campo informacional com a
UNESCO foi a seguinte: Por que a intervenção nas políticas informacionais dos países é tão
importante para a UNESCO? O objetivo da pergunta é apenas nos levar a reflexões que
possam nos aproximar de um entendimento da relação “UNESCO e Informação”, mas não se
pretende através dela encerrar todas as possibilidades e encontrar respostas absolutas, já que
este não foi o objetivo da pesquisa. Dessa maneira, tentaremos apontar algumas questões que
podem levar ao entendimento desta relação.
Se partirmos do pressuposto de que o poder é exercido através de relações sociais
mediadas pela informação, este é o primeiro motivo para que a UNESCO delimite como seu
escopo de atuação o campo informacional. Afinal, quando falamos de uma organização que
88
tem o papel de agrupar os mais diferentes países, das mais variadas culturas e dos mais
variados interesses políticos e econômicos, estamos falando de um universo de disputas de
poder e pelo poder, no qual a informação tem papel fundamental.
Em segundo lugar, a intervenção na educação, na ciência e na cultura, com o intuito de
garantir para todas as nações a igualdade de oportunidades educacionais, científicas e
culturais – que por consequência levam a igualdade de oportunidades econômicas e sociais –,
tudo isso para fazer valer a paz entre eles, só é possível se houver entre estes países o
compartilhamento e o livre fluxo de ideias, de informações e de conhecimento. Nesse sentido,
o domínio das possibilidades desenhadas pelas atividades do campo informacional e do
conhecimento gerado por esse campo permite que os Estados que fazem parte da UNESCO se
apropriem dessas possibilidades e conhecimentos para intervir de forma eficiente e eficaz na
educação, na ciência e na cultura dos países.
Outro motivo que explica a intervenção da UNESCO no campo informacional é a
delimitação da ciência como uma das suas áreas de atuação, ainda que isso não justifique por
si só o fato de o campo informacional integrar outro campo de atuação, conforme apontamos
acima. Investir em ciência significa investir na busca de novos conhecimentos que levem ao
progresso nos diversos âmbitos da vida social. A importância do conhecimento produzido
pela ciência para os avanços científicos, técnicos, tecnológicos, sociais, políticos, econômicos
e culturais é consensual na sociedade em que vivemos hoje.
Gonzáles de Gómez13 (2002, p. 28) afirma que a ciência, papel central e expressão
maximizada do conhecimento, é um princípio de credenciamento e habilitação dos novos
empreendimentos civilizatórios. Desse modo, se desejarmos que os conhecimentos
produzidos a partir do desenvolvimento da ciência possam levar ao credenciamento e
habilitação dos novos empreendimentos civilizatórios, estes conhecimentos precisam ser
compartilhados, socializados e verificados pela comunidade científica, para que ela possa lhe
dar o status de verdadeiro. Sem disseminação, não há como a comunidade científica aferir o
conhecimento e concedê-lo o status de verdadeiro; assim, o conhecimento obrigatoriamente
precisa ser disseminado para ser compartilhado, socializado e verificado.
Por esse motivo, ao inserir o campo científico no seu escopo de atuação, a UNESCO
se preocupou em investir de forma categórica em estudos, pesquisas, ações, programas,
projetos e políticas relacionadas à disseminação do conhecimento científico, seja para
aplicação nos seus campos de atuação como o educacional, o científico ou o cultural, seja para
13
GONZÁLES DE GÓMEZ, Maria Nélida. Novos cenários políticos para a Informação. Ciência da Informação,
Brasília, v. 31, n 1, p. 27-40, jan./abr. 2002
89
aplicação em diversos outros campos. Ressalta-se que a atuação da UNESCO no campo
científico não se restringiu apenas à disseminação do conhecimento, mas sua atuação neste
sentido sempre foi marcante, além de motivar que o campo informacional ganhasse a
dimensão que ganhou na sua agenda de discussão.
Os problemas da informação e documentação científica foram discutidos já
na primeira Conferência Geral da UNESCO, em 1946, corno parte das ações
que deveriam ser tomadas para a normalização da circulação de informações
que fora interrompida durante a guerra, como o caso do reinício de
publicação de revistas científicas. (SILVA, p. 73, 1994)
Inicialmente a Organização defendia que o compartilhamento e o livre fluxo de ideias,
de informações e de conhecimento eram indispensáveis para a dignidade do homem e que
“acreditando em oportunidades plenas e iguais de educação para todos, na busca irrestrita da
verdade objetiva, e no livre intercâmbio de idéias e conhecimento”
14
, buscaria o
entendimento mútuo entre os povos. Assim, o intercâmbio de ideias e de conhecimento – ou
seja, a produção do conhecimento gerada pelo desenvolvimento científico e do campo
informacional – seria colocada a serviço da dignidade do homem, dos objetivos da paz
internacional, do bem estar comum da humanidade e do respeito aos povos.
Eram esses os ideais que os Estados pretendiam alcançar criando a UNESCO, por isso,
a ideia de “livre intercâmbio de conhecimento” tinha por finalidade a cooperação moral e
intelectual, calcada no princípio da dignidade e bem estar dos povos do mundo para assim
alcançar a paz e segurança mundial. Então, a solidariedade moral e intelectual, matrizes
fundadoras e pilares de sustentação da UNESCO, em meados dos anos quarenta são
caracterizados pela defesa de paz e segurança internacional intrínsecos à defesa da dignidade
humana.
A partir da década de setenta, houve por parte das organizações internacionais,
incluindo neste roll a UNESCO, uma preocupação com o desenvolvimento econômico e
social dos países. Existiu o receio de que a desigualdade de oportunidades entre os eles
pudesse prejudicar a paz mundial, até então mantida sob controle, ainda que de forma tênue,
uma vez que os países continuavam divididos em dois blocos políticos e econômicos. Nesse
momento, sob os auspícios da Teoria da Dependência, sustentava-se que os países do mundo
estavam divididos em países desenvolvidos (possuidores de tecnologia) e países
subdesenvolvidos (de tecnologia).
14
Constituição da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura: 2002.
90
Os primeiros teriam uma grande expansão das atividades geradoras de conhecimento
em razão da concentração de recursos da investigação científica e usariam as técnicas de base
científica no seu sistema produtivo. Os outros, por sua vez, não possuíam capacidade própria
de gerar conhecimento científico e transformá-lo em técnicas de produção. Por isso, um dos
fatores identificados como causa da dependência econômica era o atraso da ciência e da
tecnologia gerada pela distribuição desigual de informação científica e tecnológica, das
patentes e redes de comunicação entre os países.
Neste novo cenário, solidariedade moral e intelectual, matrizes fundadoras e ainda os
pilares de sustentação da UNESCO, ganham novas dimensões. A preocupação mundial agora
é assegurar a paz e a segurança, de modo que compartilhamento e o livre fluxo de ideias, de
informações e de conhecimento pudessem diminuir as desigualdades entre países
desenvolvidos e subdesenvolvidos. Assim, neste segundo momento, a concepção de “livre
intercâmbio de conhecimento” tinha por finalidade uma nova dimensão: a cooperação moral e
intelectual, calcado no princípio da dignidade e bem estar dos povos do mundo, com vistas a
diminuir as desigualdades científicas e tecnológicas entre os países para, assim,
alcançarem a paz e segurança mundial. Solidariedade moral e intelectual, matrizes fundadoras
e pilares de sustentação da UNESCO, com a nova dimensão que passam a assumir a partir dos
anos setenta são caracterizados agora pela defesa de paz e segurança internacional, calcados
no princípio da igualdade científica e tecnológica entre os países para garantir a dignidade
humana.
Com o objetivo de diminuir as desigualdades sociais e econômicas que afetavam os
países, colocando-os em diferentes níveis de desenvolvimento, muitas ações foram
empreendidas pela Organização nos diversos campos de sua atuação. No caso das ações
empreendidas no campo informacional, a UNESCO indiscutivelmente investiu na
disseminação do conhecimento científico, defendendo que o intuito desse investimento era
garantir a todas as nações a igualdade de oportunidades educacionais, científicas e culturais,
que, em última instância, levariam à igualdade de oportunidades econômicas e sociais.
Investir em ciência significaria, nesse sentido, investir na busca de novos conhecimentos que
levariam ao progresso nos diversos âmbitos da vida social. No entanto, para que estes
conhecimentos produzidos a partir do conhecimento científico pudessem levar os países rumo
ao progresso e ao desenvolvimento de forma mais igualitária, seria necessário compartilhá-lo,
colocando-os no mesmo patamar.
Percebemos que a informação, em especial a informação científica e tecnológica,
passou a ser reconhecida como papel estratégico dentro da UNESCO, sendo apontada como
91
capaz de transformar os países em desenvolvimento ou de terceiro mundo em países
desenvolvidos. Nesse sentido, o domínio das possibilidades desenhadas pelas atividades do
campo informacional para a disseminação do conhecimento permitiria que os países se
apropriassem do conhecimento científico e tecnológico para intervir de forma eficiente nos
seus níveis de desenvolvimento.
No entanto, mesmo percebendo que desde a década de quarenta até a década de
setenta, os pilares de sustentação da UNESCO tenham ganhado novos contornos com a
apropriação de um novo discurso, não podemos afirmar que estes pilares foram
transformados. As bases de sustentação da UNESCO continuaram sendo a cooperação moral
e intelectual nos campos da educação, da ciência, da cultura e da informação. O papel que o
campo informacional passou a assumir dentro da Organização a partir da década de setenta
deu novos contornos a estes pilares, mas as preocupações do campo informacional
continuaram sendo voltadas para a informação científica e tecnológica, com a diferença de
que, a partir daquele momento, a informação científica e tecnológica seria fundamental para
garantir o desenvolvimento dos países.
O cenário mundial, marcado pelos acontecimentos antes descritos que evidenciavam o
cenário no qual a UNESCO se originava e teve que atuar no decorrer dos anos seguintes
(mundo polarizado em dois blocos, desconfiança mútua entre os países, redesenho da
geografia mundial devido ao processo de descolonização dos países, disputas por poder
através do enriquecimento armamentista e nuclear), estava estritamente relacionado ao que
acontecia internamente dentro da UNESCO. Até esta nova dimensão que o campo
informacional passa a assumir nos anos setenta é em razão, inclusive, das transformações dos
contextos mundiais.
Dessa forma, se observarmos que o contexto mundial a partir da década de noventa
sofre inúmeras transformações de ordem política, social e econômica, perguntaríamos quais
foram os novos contornos que as políticas e programas de informação da UNESCO passaram
a ter em razão da influência dessas mudanças. Se nas cinco primeiras décadas as políticas e
programas de informação da UNESCO estavam voltadas para a informação científica e
tecnológica, qual foi o papel da informação a partir da década de noventa?
Sabíamos que a preocupação com os arquivos enquanto instituições ou serviços que
tem por finalidade a custódia, o processamento técnico, a conservação e o acesso a
documentos havia sido pouco sinalizada nestas primeiras cinco décadas. Os trabalhos
desenvolvidos dentro da área da ciência da informação que citam ou fazem menção aos
programas e ações da UNESCO relativos ao campo informacional sempre se referem à
92
preocupação do campo com a informação científica e tecnológica, não dando enfoque à
informação arquivística, por exemplo.
Tal fato nos leva a acreditar que, de fato, essa preocupação pouco foi sinalizada no
primeiro momento. Somente a partir de meados da década de setenta a literatura científica da
área aponta que os arquivos começaram, ainda de forma tímida, a aparecer no escopo de
reflexão da UNESCO, período em que também foi criado o Programa Geral de Informação da
UNESCO, coordenando todas as atividades concernentes ao campo informacional
(bibliotecas, museus, arquivos e documentação). Acredita-se que tais apontamentos da
literatura científica devam-se, possivelmente, à criação do conceito NATIS (Sistema Nacional
de Informação), quando se começou a discutir a integração dos programas nacionais de
documentação, bibliotecas e arquivos aos planos de educação, ciência, cultura, economia,
comunicação e administração pública dos países.
Quando fizemos o levantamento bibliográfico dentro da área da ciência da informação
para buscarmos literaturas que se referissem à atuação da UNESCO no campo informacional,
encontramos uma quantidade considerável de material que a citasse de alguma forma.
Todavia, encontrávamos nas bibliografias, com exceção de apenas uma, a menção da atuação
da UNESCO frente a um ou outro trabalho específico, mas não um trabalho que compilasse as
suas políticas para o campo informacional. Até então, todas as informações obtidas a esse
respeito encontravam-se dispersas nesses trabalhos, não sendo possível, através deles, fazer
um recorte cronológico ou temático de sua atuação, por exemplo.
O único trabalho neste sentido foi a tese de doutorado de Luiz Antonio Gonçalves da
Silva, defendida na Universidad Complutense de Madrid, intitulada “ESTUDIO
HISTORICO COMPARATIVO DE LOS PROGRAMAS DE INFORMACION Y
DOCUMENTACION DE LA UNESCO Y SU IMPACTO EM LOS PAISES DE
AMERICA LATINA”. Este trabalho, encontrado na biblioteca do IBICT, tinha exatamente
o que procurávamos: um levantamento cronológico das políticas da UNESCO para o campo
informacional.
A tese foi de fundamental importância para a pesquisa, visto que foi através dela que
pudemos demonstrar que o pressuposto do qual partíamos era plausível – de que até antes da
década de noventa as preocupações da UNESCO estavam praticamente voltadas para a
informação. Antes mesmo da leitura da tese, já havíamos nos pautado por este pressuposto,
visto que, através de leituras prévias e do levantamento bibliográfico realizado para a
pesquisa, tudo o que líamos sobre a atuação da UNESCO frente ao campo informacional ou
tratava de bibliotecas, ou tratava de informação (especialmente dos tipos científico e
93
tecnológico). Entretanto, tendo encontrado este trabalho, ficaria mais evidente comprovar que
o pressuposto do qual partíamos era totalmente pertinente.
A pesquisa realizada por Silva (1994) tinha por hipótese que a criação de sistemas e
serviços nacionais de informação e documentação na América Latina estava vinculada a ação
de organismos internacionais, em especial a UNESCO. Como objetivo geral, buscava-se
verificar o impacto da ação destes organismos internacionais e da UNESCO no
desenvolvimento de sistemas e serviço de informação e documentação na América Latina.
Para o alcance deste objetivo, o autor utilizou, dentre outras fontes primárias produzidas pela
própria UNESCO, as resoluções de suas Conferências Gerais de 1946 a 1980 (recorte
temporal estabelecido pelo autor que compreende desde o período de criação da UNESCO
até o final da Conferência UNISIST II, evento considerado o último que aprovou
recomendações sobre o desenvolvimento de atividades nacionais de informação).
No capítulo três do citado trabalho, o autor aponta o desenvolvimento histórico dos
programas de informação e documentação da UNESCO, especialmente no campo da ciência e
da tecnologia. No capítulo quatro, porém, revisam-se as resoluções e as guias e diretrizes que
foram publicadas sobre o tema e aprovadas nas conferências internacionais promovidas pela
UNESCO sobre os centros, sistemas e políticas nacionais de informação. Apesar da riqueza
das informações apresentadas nos outros capítulos, são as informações apresentadas nestes
dois capítulos que vão corroborar o pressuposto do qual partimos. Por isso, nos ocuparemos
nos parágrafos seguintes de apresentará os dados encontrados por Silva (1994) nos
documentos da UNESCO, inclusive nas resoluções de suas Conferências Gerais.
De acordo com o levantamento da pesquisa realizada por Silva (1994), os documentos
produzidos pela UNESCO apontaram que suas ações no campo informacional eram
desenvolvidas, até antes da criação do Programa Geral de Informação (1976), pelo setor de
ciências da UNESCO, que cuidava mais de questões relacionadas à informação e
documentação científica; e pelo setor de cultura da UNESCO, que cuidava mais de questões
relacionadas à bibliografia e bibliotecas. No entanto, de uma maneira geral, as atividades
eram desenvolvidas de maneira isolada, provocando, em algumas vezes, a superposição de
competências pelos programas.
Ainda de acordo com o autor, a atuação da UNESCO estava voltada para: a) atuação
no campo dos serviços bibliográficos; b) atuação no campo das bibliotecas (estas duas
aconteciam no âmbito do Setor de Cultura) e; c) atuação no campo da informação e
documentação científica (acontecia no âmbito do Setor de Ciências).
94
A atuação no campo dos serviços bibliográficos acontecia no sentido de promover
eventos para discutir a questão dos serviços bibliográficos, a fim de melhorar aqueles que já
existiam e de favorecer e estimular a criação de novos. Além disso, pretendia-se o
desenvolvimento de programas e atividades bibliográficas a nível mundial.
A atuação no campo das bibliotecas priorizava programas no sentido de promover as
bibliotecas públicas nos países do mundo; incentivar a criação de serviços nacionais de
bibliotecas; criar sistemas nacionais de bibliotecas abarcando diferentes níveis de serviços,
como bibliotecas nacionais, universitárias, especializadas, públicas e escolares; apontar a
responsabilidade de melhoramento dos serviços bibliotecários para os governos; sugerir a
coordenação nacional do sistema nacional de bibliotecas por um órgão oficial; promover
seminários regionais para discutir temas contemplados em seus programas; promover a ideia
da necessidade de incorporação dos serviços bibliotecários nos planos nacionais de
desenvolvimento; desenvolver o conceito planejamento integrado de sistemas nacionais de
biblioteca compreendendo todos os tipos de serviços.
Foi nesse âmbito que se realizou a Conferência Intergovernamental sobre o
Planejamento das Infraestruturas Nacionais de Documentação, Bibliotecas e Arquivos
conhecida como Conferência NATIS, que aconteceu de 23 a 27 de setembro de 1974, em
Paris, França. O conceito NATIS (Sistema Nacional de Informação) surge a partir de um
desdobramento do UNISIST15, cujo objetivo foi formular recomendações sobre a integração
de programas nacionais de documentação, bibliotecas e arquivos aos planos para a educação,
a ciência, a cultura, a economia, a comunicação e a administração pública dos Estados. A
partir disso, o programa poderia contribuir para o progresso social e desenvolvimento
econômico dos países.
A Conferência NATIS aprovou um total de 24 recomendações e tem sua importância
caracterizada por contribuir para a formação do conceito NATIS como planejamento global
das infraestruturas nacionais de informação, englobando os serviços de documentação,
bibliotecas e arquivos. O evento contou com a cooperação da Federação Internacional de
Documentação (FID), a Federação Internacional de Associações de Bibliotecários (FIAB) e o
Conselho Internacional de Arquivos (CIA). Os principais temas da Conferência foram:
 planejamento integrado das infraestruturas nacionais de documentação, bibliotecas e
arquivos;
15
Programa da UNESCO desenvolvido pelo setor de ciências da UNESCO que se ocupava de questões
referentes à informação e documentação científica, do qual trataremos mais adiante.
95
 planejamento da aplicação de tecnologia nos serviços de documentação, bibliotecas e
arquivos;
 planejamento dos recursos humanos dos serviços de documentação, bibliotecas e
arquivos.
As recomendações da conferência foram aprovadas na 18ª Conferência Geral da
UNESCO, em 1974. Nela ficou aprovado que as ações do NATIS, para conquistar os seus
objetivos, deveriam ser planejadas em um contexto internacional. Mesmo se sabendo que não
seria possível apresentar um modelo de NATIS capaz de atender as necessidades dos distintos
países em diferentes regiões, elas deveriam inspirar-se nos seguintes princípios de
compatibilidade e de normalizações:
 ao conceber sua estrutura, deve-se prever uma flexibilidade máxima;
 deve-se promover uma cooperação eficaz entre todos os tipos de serviços do sistema;
 buscar a utilização máxima dos recursos;
 buscar compatibilidade e normalização;
 facilitar o intercâmbio internacional de informação e materiais;
 não considerar os centros de documentação, bibliotecas e arquivos como unidades
isoladas.
Os objetivos do NATIS que foram aprovados na 18ª Conferência Geral da UNESCO
consistiam em:
 formular uma política nacional de informação que refletisse as necessidades de todos
os setores da comunidade nacional para orientar o estabelecimento de um plano
nacional de informação, cujos elementos deveriam incorporar-se nos planos nacionais
de desenvolvimento;
 criar ou melhorar os sistemas nacionais de informação ou das infraestruturas
necessárias para o funcionamento dos serviços de informação;
 definir legislação e meios financeiros apropriados e de pessoal qualificado para apoiar
o desenvolvimento dos serviços;
 assistir, através da UNESCO, os países em desenvolvimento;
 criar mecanismos, através da UNESCO, para a coordenação dos sistemas de
informação;
 elaborar, através da UNESCO, guias e metodologias para o estabelecimento de
sistemas nacionais de informação;
 criar, nos Estados-Membros, Organismos nacionais de informação;
 desenvolver normalização internacional e nacional no campo da informação;
96
 integrar as ciências sociais nos planos de desenvolvimento das infraestruturas de
informação.
 suscitar o interesse dos usuários das universidades e de outras instituições de educação
em incluir em seus programas a instrução sistemática sobre a maneira de utilizar os
recursos da informação disponível em todos os elementos do NATIS;
 desenvolvimento de programas destinados a fomentar o hábito da leitura;
 realização de análises detalhadas sobre as necessidades de informação das diversas
categorias de usuários para garantir que o NATIS seja planificado de modo a
responder a tais necessidades;
 elaboração de enquetes gerais sobre os recursos nacionais existentes em matéria de
documentação, bibliotecas e arquivos;
 elaboração de enquetes gerais sobre os recursos nacionais em matéria de pessoal.
 criar nos Estados Membros um ou mais órgãos centrais de coordenação (integrados
por representantes de todos os departamentos oficiais, entidades estatais e instituições
semi oficiais competentes, assim como por especialistas representantes do setor de
informação) para garantir a utilização ótima dos recursos disponíveis, determinando as
atribuições e prioridades em todos os níveis, formulando e executando os programas
nacionais de informação.
Já a atuação no campo da informação e documentação científica (de competência do
setor de ciências da UNESCO) ocorria no sentido de eliminar os obstáculos em relação à
circulação de livros e periódicos científicos; preparar um congresso mundial para examinar o
problema da racionalização de publicações no campo científico e de resumos bibliográficos;
reproduzir coleções de periódicos científicos importantes, fomentar serviços de microfilmes e
outros meios de reprodução de documentos científicos e estabelecer terminologias científicas.
Silva, (1994, p. 77 e 78), aponta que, nos primeiros anos, a UNESCO atuava no campo
da informação e documentação científica como um centro mundial de união científica para
atender as demandas que recebia do campo das ciências exatas e naturais, nas quais constava
a publicação de novas revistas científicas, normalização de terminologia científica e de
publicações, elaboração de dicionários e de documentos científicos. Os resultados de sua
pesquisa demonstraram que as atividades da UNESCO no campo da informação e
documentação científica eram realizadas através de três grandes tópicos: fomento, assistência
aos Estados Membros e coordenação.
As atividades de fomento eram destinadas a solucionar problemas da documentação
científica, através da organização de eventos e reuniões de estudo e favorecimento de
97
organizações científicas e profissionais que tratavam de temas pertinentes. Dentre os temas
que se destacaram nestas ações estão os serviços de resumos analíticos e terminologia,
dicionários e tradução científica. As atividades de assistência aos Estados Membros estão
relacionadas às ajudas destinadas a criação e funcionamento de centros de documentação
científica. O resultado da pesquisa de Silva (1994) aponta que esta assistência prestada pela
UNESCO foi de fundamental importância para os países da América Latina criarem seus
centros de documentação científica. Já as atividades de coordenação desenvolvidas pela
UNESCO consistiram na coordenação de programas científicos. A partir da 12ª Conferência
Geral as resoluções que tratavam da questão da informação e documentação científica
passaram a ser tratadas sob o título de “coordenação da documentação e da informação
científicas”, fato que, para Silva (1994, p. 92), é um importante indicador da política da
UNESCO para a informação e documentação científica, que vai deixando de exercer atividade
de fomento para exercer atividades de coordenação.
Foi no âmbito da atuação da UNESCO no campo da informação e documentação
científica, quando já atuava exercendo atividades de coordenação, que a 14ª Conferência
Geral da UNESCO autorizou a Organização a desenvolver ações em matéria de informação
científica em cooperação com o CIUC, ficando aprovada a realização de uma conferência
internacional sobre a comunicação da informação científica com a finalidade de se realizar um
estudo sobre a possibilidade de estabelecer um sistema mundial de informação científica.
Com este objetivo, foi criado um grupo de trabalho UNESCO/CIUC que conclui a
apresentação de um informe sobre a possibilidade de estabelecer um sistema mundial de
informação científica conhecido como UNISIST. O informe apresentava dez princípios gerais
considerados fundamentais para o melhoramento da circulação da informação científica no
mundo. O informe sobre o UNISIST foi apreciado na 16ª Conferência Geral da UNESCO
(1970), que aceitou as recomendações finais contidas no informe e aprovou uma resolução
autorizando diretor geral a organizar e invocar com a colaboração do CIUC uma conferência
intergovernamental, a fim de estabelecer e colocar em funcionamento um Sistema Mundial de
Informação Científica e Técnica.
Assim, em 1971, foi realizada a primeira Conferência Intergovernamental para
Estabelecimento de um Sistema Mundial de Informação Científica, conhecida como
Conferência UNISIST. Os resultados e as propostas desta Conferência foram apresentadas na
17ª Conferência Geral da UNESCO que decidiu criar o Programa UNISIST, denominado
como um programa de largo prazo sobre a transferência da informação científica e técnica.
98
As primeiras medidas para o funcionamento do UNISIST foram apoiadas nos
seguintes aspectos:
 a importância da cooperação voluntária internacional para a melhoria do acesso e uso
da informação, de forma a contribuir para a superação do desequilíbrio entre países
desenvolvidos e em desenvolvimento;
 os países membros deveriam criar organismos nacionais de coordenação que
abordassem os problemas de formulação, planejamento e coordenação da política
nacional de informação;
 os comitês nacionais do UNISIST atuariam como elo de ligação entre os diversos
países e o programa.
Desse modo, o UNISIST deveria ser orientado para a melhoria da transferência da
informação em três direções:
 na disponibilidade e acessibilidade da informação científica, considerando as
dificuldades ligadas aos diferentes objetivos, aos níveis de desenvolvimento em
diversos países, assim como outros fatores institucionais;
 na conectabilidade e a compatibilidade dos sistemas de informação para um emprego
crescente de normas comuns e técnicas modernas de comunicação;
 na seletividade e flexibilidade crescente no tratamento e na distribuição da informação
científica e técnica, graças a novos mecanismos institucionais confiados a diligência
das organizações científicas.
Os objetivos de se criar um Sistema Mundial de Informação Científica e Técnica
consistiam basicamente em:
 compartilhar informação científica a nível mundial;
 promover as transformações necessárias no campo da informação científica e técnica;
 facilitar o acesso à informação;
 estabelecer uma rede mundial de sistemas e serviços de informação.
Mais tarde, a 20ª Conferência Geral da UNESCO (1978) aprovou a convocação da
Conferência UNISIST II com o objetivo de preparar a participação da UNESCO na
Conferência das Nações Unidas sobre a aplicação da Ciência e Tecnologia ao
Desenvolvimento (UNCSTD) que aconteceria em agosto de 1979 em Viena. Os objetivos da
Conferência foram definidos por membros do conselho do Programa Geral da Informação
(PGI), que havia sido criado em 1976 com o objetivo de racionalizar e harmonizar os
programas de informação e documentação da UNESCO. A criação do PGI resultou da fusão
da Divisão da Informação de Informação Científica e Tecnológica e do Departamento de
99
Documentação Biblioteca e Arquivos, ligados respectivamente ao setor de ciências e ao setor
cultural da UNESCO.
A Conferência UNISIST II foi celebrada em Paris de 28 de maio a 1º de junho de 1979
e aprovou três grupos de recomendações que foram dirigidas a UNCSTD, aos Estados e
recomendações da Conferência UNISIST II. Dentre as recomendações aprovadas, assinalouse a importância da informação socioeconômica, do entretenimento de usuários, do emprego
de tecnologias para os serviços de informação e do fortalecimento do UNISIST em todos os
campos, inclusive as ciências sócias. (Silva, 1994, p. 148)
Silva (1994) aponta que a 21ª Conferência Geral da UNESCO (1980) foi a última que
tratou do tema UNISIST, fato pelo qual sua pesquisa analisou somente as resoluções até a 21ª
Conferência.
Conforme pudemos verificar entre o que constava nos objetivos do UNISIST I e II,
havia diferenças significativas entre um e outro, fato que analisamos já significar o início de
transformações sofridas pelo programa da UNESCO, já voltado para questões concernentes
ao campo informacional.
Silva (1994) revisa, no capítulo quatro (páginas 149 a 160), as resoluções que foram
aprovadas pela UNESCO sobre os centros, sistemas e políticas nacionais de informação. A
revisão recompila as principais recomendações nelas aprovadas, listadas a seguir.
 Criação de Centros Nacionais de Informação (Incentivando os Estados Membros a
organizar centros nacionais de bibliografias e informações científicas, que em sua
maioria foram criados na área científica);
 Criação de Órgãos Nacionais responsáveis pelas atividades de informação
(Incentivando que cada país criasse um organismo oficial com a função de
desenvolver serviços bibliográficos e de informação e de coordenar a execução de
projetos nesta área. Priorizam-se nestas resoluções organismos centrais de informação
científica e técnica e as resoluções relacionadas a este tema estão ligadas ao
desenvolvimento do UNISIST);
 Criação de Sistemas Nacionais de Informação (recomendando a organização de uma
coordenação central de todos os recursos de informação existentes em um país,
abarcando os serviços de bibliotecas, documentação e arquivos de todos os níveis e
tipos. Essas recomendações estão mais relacionadas à resoluções que tratam da criação
do NATIS);
 Aprovação de Legislação dos Sistemas Nacionais de Informação (Apontando para a
necessidade de criação de um marco jurídico adequado para apoiar o desenvolvimento
100
de sistemas e serviços nacionais de informação que haviam sido objeto de discussão
na Conferência NATIS);
 Estabelecimento de Políticas Nacionais de Informação (Tema recorrente desde a
criação da UNESCO, mas que ficaram mais evidentes principalmente a partir da
Conferência UNISIT de 1971. As recomendações se referiam à cooperação regional
para estabelecimento de políticas de informação e sua incorporação às políticas e
planos nacionais de informação, aos aspectos metodológicos e organizacionais do
desenvolvimento destas políticas e planos nacionais).
Nesse sentido, a pesquisa de Silva (1994), apresenta a atuação da UNESCO frente ao
campo informacional permitindo que, de uma forma cronológica (1946 a 1980), estas ações
sejam conhecidas. Ao serem apresentados os conteúdos das resoluções e documentos
produzidos pela UNESCO, descrevendo e recompilando o que neles constam, o autor permite
também que as ações da UNESCO possam ser conhecidas do ponto de vista do conteúdo de
seus documentos.
A nossa pesquisa também permitirá, assim como a do pesquisador supracitado, que as
ações da UNESCO para o campo informacional (de 1989 a 2011) possam ser conhecidas de
forma cronológica e temática. No entanto, o objetivo de Silva (1994) ao levantar as resoluções
aprovadas pela UNESCO era verificar o impacto da ação destes organismos internacionais,
em especial da UNESCO, no desenvolvimento de sistemas e serviço de informação e
documentação na América Latina. O objetivo da nossa pesquisa ao levantar as resoluções da
UNESCO para o campo informacional é não só identificar as resoluções que tratam da
questão da informação, mas especialmente aquelas relacionadas aos arquivos. Dessa forma,
pode-se verificar de que forma as políticas da UNESCO para os arquivos vão ao encontro do
estabelecido como direitos humanos nos instrumentos internacionais de direitos humanos da
ONU. Essa foi a forma por nós apontada como uma maneira de contribuir para a discussão e a
produção do conhecimento, no âmbito do campo político, da relação dos arquivos com os
direitos humanos.
101
CAPÍTULO IV
___________________________________________________________________________
OS ARQUIVOS E OS INSTRUMENTOS DE DIREITOS HUMANOS NOS
DISPOSITIVOS LEGAIS
Para que pudéssemos alcançar o propósito da pesquisa, realizada com o objetivo de
contribuir no âmbito do campo político para a discussão e a produção do conhecimento da
relação dos arquivos com os direitos humanos, elegemos como objeto de estudo os
dispositivos legais da UNESCO das décadas de 1990 e 2000 e os dispositivos legais da ONU.
Como dispositivos legais da UNESCO, entendemos as resoluções aprovadas em suas
Conferências Gerais, uma vez que consideramos que, por essa via, será possível conhecer as
políticas e programas da UNESCO direcionadas para o campo informacional e,
consequentemente, para os arquivos. Como dispositivos legais da ONU, indicamos os
Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos adotados pelo seu Sistema Global de
Proteção dos Direitos Humanos da ONU como tratados fundamentais de direitos humanos, já
que esses instrumentos são considerados, pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos,
como aqueles que declaram quais são os direitos humanos que devem ser respeitados pelos
países do mundo.
Desse modo, dedicamo-nos a apresentar neste capítulo: a) os trajetos percorridos para
a obtenção dos dispositivos legais da ONU e da UNESCO e o método do Direito Comparado
no qual nos baseamos para compararmos as resoluções da UNESCO com os Instrumentos de
Direitos Humanos da ONU; b) o Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos da ONU
e seus respectivos Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos considerados como
Tratados Fundamentais de Direitos Humanos utilizados como objeto de comparação e; c) as
resoluções aprovadas nas Conferências Gerais da UNESCO consideradas como as políticas da
UNESCO para os arquivos nas décadas de 1990 e 2000 analisadas a partir da comparação
com os Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos da ONU.
102
Trajetos percorridos para a obtenção dos dispositivos legais da UNESCO e da ONU e o
método utilizado para análise dos dados
No Banco de Dados de Documentos da UNESCO, o UNESDOC, disponível em seu
site para consulta on-line, encontram-se, organizados por Conferências, os documentos
oficiais originados das reuniões das Conferências Gerais da UNESCO. De cada Conferência
Geral é produzida uma ata constituída do registro dos fatos ocorridos na Conferência, dos
documentos submetidos à sua apreciação e daqueles gerados a partir das discussões e
deliberações em suas reuniões, como é o caso de documentos como:
 Resolutions (É o documento que constitui a Ata de uma Conferência Geral, em que
são registradas todas as resoluções referentes àquela Conferência)
 Relatório da Diretoria Executiva (Relatório apresentado pela Diretoria Executiva à
Conferência Geral. Nele, é possível constar dentre outras atividades e tarefas: aquelas
desenvolvidas pela diretoria nos anos anteriores, previsão de atividades para os anos
seguintes e prestação de contas de atividades que atendem a demandas da Conferência.
 Programa de Orçamento Apresentado (Orçamento previsto pela Diretoria
Executiva para execução dos programas da UNESCO para os dois anos seguintes e
para as suas estratégias de médio prazo aprovadas de seis em seis anos).
 Programa de Orçamento Aprovado (Orçamento aprovado pela Conferência Geral,
baseado nas previsões da Diretoria Executiva para execução dos programas da
UNESCO para os dois anos seguintes e para suas as estratégias de médio prazo
aprovadas de seis em seis anos).
 Relatório das Comissões Nacionais (Relatórios apresentados pelas Comissões
Nacionais criadas para discutir temas específicos das áreas de mandato da UNESCO).
Dentre estes diversos documentos que constituem as atas e poderiam ser utilizados
como objeto de análise, optou-se por aquele denominado “Resolutions”, já que este é um dos
documentos que constituem a ata de uma Conferência Geral em que são registradas todas as
decisões a respeito de todos os assuntos que foram deliberados e aprovados pela Conferência
Geral. Eles incluem também aquelas decisões que pretendíamos levantar para conhecermos as
políticas da UNESCO para os arquivos.
As decisões aprovadas pela Conferência Geral recebem o nome de resolução. Uma
resolução é, portanto, uma decisão aprovada em assembleia pela Conferência Geral e
103
registrada em suas atas no documento denominado Resolutions. Cada resolução registrada
neste documento recebe um código de numeração formado pelo número da conferência em
que foi aprovada, seguidas da letra C de Conference, de uma barra oblíqua colocada após a
letra, da palavra resolution e por fim de um número ordinal sequencial que corresponde à
estrutura hierárquica no qual aquele assunto foi aprovado dentro da Conferência. Por
exemplo, uma resolução aprovada na 25ª Conferência Geral que estava colocada na pauta
para discussão sob o número 15.11, após a aprovação daquele assunto pela conferência,
recebe o código de 25 C / Resolution 15.11 e fica assim denominada.
Dessa maneira, visando atender aos objetivos da pesquisa, o primeiro passo foi
levantarmos no UNESDOC os documentos Resolutions gerados pelas Conferências Gerais
ocorridas a partir da década de noventa em diante16.
Como as reuniões das Conferências Gerais ocorrem a cada dois anos, e considerando
que o levantamento se iniciou a partir da Conferência Geral realizada em 1989, estendendo-se
até a Conferência Geral realizada em 2011, compreendidas entre 25ª e a 36ª Conferência
Geral, foram encontradas, na base de dados citada, o total de 12 Resolutions que
correspondiam às doze conferências realizadas.
De posse das doze Resolutions, o passo seguinte foi identificar e extrair destes
documentos as resoluções que se referiam ao campo informacional e aos arquivos. Como as
resoluções da UNESCO são organizadas e distribuídas por assuntos dentro de seus programas
de área, buscamos identificar nos dados qual era o programa da UNESCO que, naquela
Conferência, estava destinado a discutir questões relacionadas ao campo informacional.
A título de esclarecimento, cabe apontar que os programas de área citados no trabalho
são programas criados pela UNESCO para agrupar hierarquicamente seja os assuntos seja os
programas sobre determinados temas aos quais ela se dispõe a discutir e defender.
Por exemplo, todos os assuntos ou programas de maior destaque e importância estão
colocados dentro dos Programas de Área Maior. Aqueles relacionados a algum tema do
Programa, mas que merecem uma atenção ou ação específica podem vir relacionados dentro
de um Programa, Tema ou Atividade Transversal, dependendo da Conferência em que aquele
assunto foi colocado, isto porque os nomes dados aos programas de área da UNESCO nem
16
A escolha por este recorte temporal se deu pelo fato de acreditarmos que a partir deste período, em que um
cenário mundial distinto do período da Guerra Fria apontaria para novas e outras possibilidades de intervenção, a
Organização teria dado novos contornos às suas políticas direcionadas aos direitos humanos. Em virtude disso,
teria dado também novos contornos às suas políticas para o campo informacional, fazendo emergir dele os
arquivos, que foram passando a ocupar progressivamente dentro das políticas da UNESCO para o campo
informacional um lugar de destaque.
104
sempre foram os mesmos. Alguns existem desde que a UNESCO foi criada, como por
exemplo, os Programas de Área Maior, outros deixaram de existir enquanto novos foram
sendo criados. Existem também aqueles que aparecem em determinadas conferências,
desaparecem na seguinte e voltam a aparecer posteriormente.
Além desta situação, observa-se também que alguns programas de área ora aparecem
com um nome em determinada conferência, na seguinte aparecem com um nome parecido e
logo na imediatamente posterior voltam a aparecer com o nome anterior. Por este motivo,
levantamos em todas as doze Resolutions pesquisadas todos os programas de área que já
haviam sido registrados nelas. Os programas de área encontrados foram: Programas de Área
Maior (subdivididos em vários programas considerados os principais e mais importantes da
UNESCO; atualmente esta subdivisão é assim determinada: Educação, Cultura, Ciências
Sociais, Ciências Naturais e Comunicação e Informação), Programas Transversais, Temas
Transversais, Atividades Transversais, Programas e Serviços Relacionados, Serviços de
Informação
e
Disseminação,
Projetos
Transdisciplinares,
Gestão
de
Programas
Descentralizados, Atividades Transversais, Plataformas Intersetoriais, Programas de
Participação e Instituto UNESCO de Estatística e Resoluções Gerais.
A partir de leitura minuciosa dos índices das Resolutions, foi possível entender a
UNESCO em sua estrutura e também observar como os assuntos tratados pelas Conferências
estavam distribuídos dentro delas.
Identificados os programas de área onde deveríamos encontrar o que buscávamos,
extraímos de cada Resolutions todas as resoluções encontradas referentes ao campo
informacional. Dessa forma, tínhamos em mãos, um conjunto de resoluções onde seria
possível identificar as políticas da UNESCO para o campo informacional.
No entanto, ao invés de buscarmos dentro destas resoluções referentes ao campo
informacional aquelas que se referiam especificamente às políticas da UNESCO para os
arquivos, optamos por realizar outro tipo de mapeamento nas Resolutions, para isso,
buscamos nelas o radical “archiv” (já que trabalhamos com os documentos editados em língua
inglesa), procurando identificar em quais delas este radical estava presente.
O mapeamento do radical “archiv” iria permitir que encontrássemos nas Resolutions
de cada Conferência Geral as resoluções da UNESCO, cujo conteúdo tivesse qualquer relação
com o tema arquivos e seus correlatos, como, por exemplo, arquivistas, arquivologia,
arquivar, arquivístico(a), etc.
105
Procedendo desta forma e mapeando nas Resolutions o radical “archiv”, constatamos o
que esperávamos encontrar: apesar de haver um programa de área específico para questões
concernentes ao campo informacional, algumas resoluções que continham o radical “archiv”
foram aprovadas dentro de outros programas de área.
Por esse motivo, decidimos considerar como objeto de nossa pesquisa não somente
todas as resoluções constantes nos programas de área voltado para discussões concernentes ao
campo informacional, como também todas aquelas que continham o radical “archiv”,
independente do programa de área onde elas constassem.
Trabalhar com os dados desta forma iria permitir identificar: a) quais eram as políticas
informacionais aprovadas pela UNESCO; b) em quais dos seus vários programas de área,
além daquele destinado especificamente a questões relacionadas ao campo informacional, a
UNESCO vinha desenvolvendo suas políticas e questões relacionadas aos arquivos.
Para que obtivéssemos os dispositivos legais da ONU e, assim, identificássemos e
mapeássemos os instrumentos de direitos humanos necessários à pesquisa, foi necessário,
assim como para obter os dispositivos legais da UNESCO, realizar um levantamento de quais
eram os instrumentos internacionais de proteção de direitos humanos que são empregados no
Direito Internacional dos Direitos Humanos como documentos norteadores dos princípios e
práticas destes direitos. Para realizá-lo recorremos à literatura da área de direitos humanos,
portanto, foi através de um levantamento bibliográfico que os dados foram obtidos.
Neste levantamento, identificou-se que os inúmeros Instrumentos Internacionais de
Direitos Humanos estavam dispostos no Direito Internacional dos Direitos Humanos dentro
de dois sistemas: o Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos e o Sistema Regional
de Proteção dos Direitos Humanos. Optou-se por utilizar na pesquisa para fins de comparação
com as resoluções da UNESCO apenas os Instrumentos de Direitos Humanos adotados pelo
Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos da ONU.
Tal escolha se deu porque os instrumentos de direitos aprovados e utilizados pela
ONU têm maior poder de alcance, já que maioria dos países do mundo faz parte do Sistema
Global da ONU, enquanto que dos Sistemas Regionais, como o próprio nome já diz, são mais
regionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), que abrange os países das
Américas, a União Africana, que abrange os países africanos, etc. Sobre estes sistemas e seus
instrumentos trataremos mais especificamente no subtítulo seguinte.
Depois de realizado o levantamento dos dispositivos legais da UNESCO e da ONU,
que consistiam no nosso objeto de pesquisa, partimos para a etapa seguinte que consistia na
106
análise dos dados levantados. Para realizarmos nossas análises, nos baseamos no Método do
Direito Comparado apresentado por Rodolfo Sacco (2001), de modo que fossem comparados
os dispositivos legais da UNESCO e da ONU, e assim extraídas da comparação a relação
entre os arquivos e os direitos humanos.
O Método do Direito Comparado consiste em comparar as estruturas e as funções de
termos pertencentes a ordens jurídicas diferentes, através da identificação, extração e
comparação das relações existentes entre estas estruturas e funções. A utilização do método
permite que o jurista constate e perceba, mediante processo ordenado, metódico e progressivo
de confrontação e comparação entre sistemas jurídicos diferentes, as semelhanças e as
diferenças neles existentes.
No caso da utilização deste método na nossa pesquisa, em que comparamos o disposto
nas resoluções da UNESCO sobre os arquivos com o disposto nos Instrumentos
Internacionais de Direitos Humanos da ONU, o método da comparação apresentou-se como
pertinente, já que, estávamos comparando instrumentos de organizações com diferentes
propósitos e por isso diferentes formas de atuar, mas buscando extrair e identificar dos
dispositivos legais que cada uma delas se utilizava para atender seus objetivos, as
semelhanças no que cada um destes dispositivos afirmava como direitos humanos. O emprego
do método foi feito da seguinte forma:
a) Extraímos de cada resolução identificada, sejam elas relacionadas ao campo
informacional, sejam elas relacionadas aos arquivos17, seu elemento central, ou seja, o
que aquela resolução estava aprovando e por quais motivos ela estava sendo aprovada.
b) Sistematizamos através da elaboração de resumos informativos o elemento central de
cada resolução. Constou também nesta sistematização a informação de qual estrutura
hierárquica da UNESCO (seus programas de área) ela estava sendo aprovada;
c) Confrontamos o conteúdo dos resumos informativos de cada resolução com os
Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos selecionados;
d) Sinalizamos no resumo informativo de cada resolução qual a relação daquela
resolução com o conjunto de princípios estabelecidos nos Instrumentos Internacionais
de Direitos Humanos.
17
Cabe ressaltar, entretanto, que não foram contemplados em nossos resumos informações sobre o campo da
comunicação. Fazemos esta ressalva porque o campo informacional está colocado, desde a 27ª Conferência
Geral, dentro de programas de área da UNESCO junto com o campo da comunicação.
107
A partir daí pudemos fazer nossas análises considerando a relação das temáticas que as
resoluções abordam com os direitos humanos traçados nos Instrumentos Internacionais de
Direitos Humanos da ONU.
O Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos da ONU e seus Instrumentos
Internacionais de Direitos Humanos
A proteção dos direitos humanos é feita através não só da criação de organizações
internacionais, como pelos instrumentos por elas criados para defender estes direitos,
conhecidos como Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos.
Em relação às organizações internacionais que compõem o Sistema Internacional de
Proteção dos Direitos Humanos, elas são classificadas como sendo de nível global, como é o
caso da ONU, e de nível regional, como é o caso de organizações que atuam na defesa dos
direitos humanos a nível regional, ou seja, organizações criadas para priorizar a proteção e
defesa de direitos humanos que estão relacionados às particularidades nacionais e regionais
dos países e regiões que a constituem.
A ONU, junto com as diversas agências especializadas que a compõem é a
organização internacional que agrega maior número de países em sua estrutura, fazendo parte
dela, países de todos os continentes e regiões do planeta. Por isso, se comparada com as outras
organizações internacionais que fazem parte dos Sistemas Regionais de Proteção dos Direitos
Humanos, a ONU pode ser entendida como uma organização mais abrangente, tanto pela
quantidade de países que a compõem como pela sua diversidade.
Assim, por Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos considera-se a presente
estrutura da Organização das Nações Unidas, tendo como principal órgão a Comissão de
Direitos Humanos (CDH), seguidos de seus Comitês de Monitoramento e Agências
Especializadas como a UNESCO e Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Por Sistema Regional de Proteção dos Direitos Humanos, consideram-se as atuais
organizações internacionais que asseguram e reforçam a proteção dos direitos da pessoa
humana em nível regional. Os órgãos que são considerados como partes do Sistema Regional
são aqueles que afirmam e protegem os direitos humanos em nível regional, tais como: o
Conselho da Europa, a União Africana, a Organização de Estados Americanos (OEA) e a
Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE).
108
Cabe enfatizarmos que os Sistemas de Proteção de Direitos Humanos (global e
regionais) são autônomos, ou seja, nem o sistema global se sujeita a deliberações dos sistemas
regionais, nem os sistemas regionais se sujeitam às deliberações do sistema global.
Atualmente, há o entendimento que os sistemas são cumulativos, ou seja, atuam
simultaneamente na afirmação e defesa dos direitos humanos, assim como atuam sobre o
controle internacional de violação destes direitos.
O Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos é composto tanto de
instrumentos de alcance geral, como a Declaração Universal de Direitos Humanos e os Pactos
sobre os Direitos Civis e Políticos e sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, como
de instrumentos de alcance específico. No que diz respeito ao último, podem ser identificadas
as diversas convenções que tratam de violações específicas de direitos em que o sujeito tornase objeto de proteção pela sua especificidade e concretude (como é o caso de proteção das
crianças, mulheres e minorias), e não são concebidos de forma abstrata e geral.
Para que pudesse cumprir seus objetivos de defesa e proteção dos direitos humanos
em nível global, a ONU criou, através do seu Conselho Econômico e Social, em 1946, a
Comissão de Direitos Humanos – CDH (principal órgão no âmbito da ONU responsável pelo
controle internacional de violação dos direitos humanos), que começou imediatamente a
trabalhar com vista à elaboração de uma Carta Internacional dos Direitos Humanos. O
primeiro dos instrumentos que viriam a integrar a Carta – a Declaração Universal dos Direitos
do Homem – foi adotado em 10 de Dezembro de 1948 pela Assembleia Geral das Nações
Unidas na sua resolução 217 A (III). Os princípios consagrados na Declaração Universal dos
Direitos do Homem são considerados como vinculativos para os Estados por via do direito
internacional costumeiro, dos princípios gerais de direito ou dos princípios fundamentais de
humanidade; por isso, ela é considerada uma importante influência nos sistemas jurídicos e
constitucionais de muitos países do mundo.
Somente dezoito anos mais tarde é que os outros dois documentos que integram a
Carta Internacional dos Direitos Humanos foram aprovados: o Pacto Internacional sobre os
Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais (PIDESC), tratados internacionais que conferem força jurídica vinculativa
a muitas das disposições consagradas na Declaração Universal. Ambos foram adotados pela
Assembleia Geral das Nações Unidas na sua resolução 2200 A (XXI), de 16 de Dezembro de
1966, juntamente com o Protocolo Facultativo referente ao Pacto Internacional sobre os
Direitos Civis e Políticos, que prevê a possibilidade de apresentação de queixas individuais
em caso de violação das disposições do PIDCP.
109
Durante a sessão de 16 de fevereiro de 1946 do Conselho Econômico e
Social das Nações Unidas, ficou assentado que a Comissão de Direitos
Humanos, a ser criada, deveria desenvolver seus trabalhos em três etapas. Na
primeira incumbir-lhe-ia elaborar uma declaração de direitos humanos de
acordo com o disposto no artigo 55 da Carta das Nações Unidas. Em seguida
dever-se-ia no dizer de um dos delegados presentes àquela reunião, “um
documento juridicamente mais vinculante do que mera declaração”,
documento esse que haveria de ser, obviamente, um tratado ou convenção
internacional. Finalmente, ainda nas palavras do mesmo delegado, seria
preciso criar “uma maquinaria adequada para assegurar o respeito aos
direitos humanos e tratar dos casos de violação. (COMPARATO,
2013, p. 237)
Assim, de acordo com o que aponta o citado autor, a primeira e a segunda etapa foram
concluídas, no entanto, a terceira etapa que consistia na criação de mecanismos capazes de
assegurar a universal observância destes direitos, ainda não foi totalmente contemplada, já
que o máximo que se conseguiu até o momento foi instituir um processo de reclamação junto
à Comissão de Direitos Humanos das Nações Unidas, objeto de Protocolo Facultativo, anexo
ao Pacto sobre direitos civis e políticos.
Antes disso, porém, a Assembleia das Nações Unidas aprovou diversas convenções
sobre direitos humanos. Em 1965, ainda antes da adoção dos dois pactos internacionais sobre
direitos humanos, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou um tratado especificamente
dedicado ao combate à discriminação racial: a Convenção Internacional sobre a Eliminação
de Todas as Formas de Discriminação Racial.
Desde aí, vários outros tratados internacionais foram aprovados e entraram em vigor
sob a égide das Nações Unidas, tais como a Convenção sobre a Eliminação de Todas as
Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), a Convenção contra a Tortura e Outras
Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1984), a Convenção sobre os
Direitos da Criança (1989) e a Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de
Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias (1990).
Apesar de todas estas Convenções e de muitos outros instrumentos serem instrumentos
de defesa e proteção dos direitos humanos utilizados pela ONU, utilizaremos como objeto de
comparação apenas a Declaração Universal dos Direitos do Homem e os dois Pactos
Internacionais sobre Direitos Humanos, com seus respectivos protocolos facultativos, já que
estes instrumentos designam-se, no seu conjunto (Carta Internacional de Direitos Humanos)
por Tratados Fundamentais de Direitos Humanos da ONU.
110
Para controlar o cumprimento, pelos respectivos Estados Partes, das disposições de
cada um deles, foram instituídos comitês internacionais de peritos que examinam relatórios
apresentados por cada um dos Estados Partes, formulam comentários gerais interpretativos
das normas consagradas no instrumento em causa e, em certos casos, examinam
comunicações apresentadas por particulares.
Para além destes, muitos outros tratados com impacto ao nível da proteção
internacional dos direitos humanos têm sido adotados pelas Nações Unidas ou por sua
iniciativa, como por exemplo: a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de
Genocídio, (1948), e o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, em 1998, bem
como diversos outros instrumentos relativos, por exemplo, à proteção contra a escravatura e o
tráfico de escravos, aos refugiados e à nacionalidade.
Também as agências especializadas do sistema das Nações Unidas desenvolvem um
importante trabalho nesta área, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT), na área
da proteção dos trabalhadores, e a UNESCO, na área da educação, ciência e cultura.
Como exemplos de tratados internacionais dessas agências especializadas da ONU,
podemos citar pela OIT a Convenção OIT (n° 111), relativa à Discriminação no Trabalho e
Ocupação (1958) e a Convenção OIT (n° 169) sobre Povos Indígenas e Tribais em Nações
Independentes (1989). Pela UNESCO, também podemos citar a Convenção da UNESCO
relativa à Luta contra a Discriminação no Campo do Ensino (1960), a Declaração da
UNESCO sobre os Princípios da Cooperação Cultural Internacional (1966), a Declaração das
Nações Unidas sobre os Direitos dos Portadores de Retardamento Mental (1971), Convenção
sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção e Estocagem de Armas Bacteriológicas
(Biológicas) e Toxínicas e sua Destruição (1972), a Recomendação da UNESCO sobre o
Status de Pesquisadores Científicos (20 de novembro de 1974), a Declaração das Nações
Unidas sobre os Direitos dos Portadores de Deficiências (1975), a Declaração das Nações
Unidas sobre Princípios Básicos de Justiça para Vítimas de Crimes e Abuso de Poder (1985),
Normas Padrão das Nações Unidas sobre a Igualdade de Oportunidade para Indivíduos
Portadores de Deficiências (1993), e a Declaração da UNESCO sobre Racismo e Preconceito
Racial (1978).
O trabalho normativo das Nações Unidas na área dos direitos humanos não se esgota.
No entanto, com a adoção de tratados internacionais, tanto a Assembleia Geral das Nações
Unidas quanto as diversas conferências e congressos organizados sob a égide da ONU tem
vindo a adotar um grande número de declarações, recomendações e conjuntos de princípios de
enorme relevância. Muito embora não sejam documentos nos quais os países sejam obrigados
111
a incorporarem aos seus sistemas jurídicos, podem oferecer importantes indícios de normas
costumeiras de direito internacional, bem como ajudar a afirmar as obrigações dos Estados em
virtude do costume internacional ou dos tratados de direitos humanos.
Em relação aos Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos (Declarações,
Pactos, Convenções e outros), podemos dizer que eles expressam o reconhecimento dos
direitos humanos e constituem um conjunto de recursos para a atuação neste campo sendo
considerados a base do sistema internacional de garantias que geram condições de
monitoramento e exigibilidade.
Sob a coordenação das Nações Unidas – em nível global, e das várias organizações
internacionais nos continentes europeu, asiático, africano e americano, em nível regional – os
Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos se constituem como o marco referencial
normativo para regular os acordos construídos em cada momento histórico pelos Estados.
Estes instrumentos ganham força jurídica em âmbito nacional através de sua
ratificação, que significa sua incorporação ao ordenamento jurídico do país. Um país, quando
incorpora algum destes instrumentos internacionais, se compromete, com isso, a responder à
comunidade internacional e a seu próprio país sobre seu cumprimento.
Ao ratificar um instrumento internacional, o Estado fica obrigado a respeitar,
promover, proteger e, acima de tudo, realizar os direitos humanos nele contidos. Os cidadãos
passam a ter a possibilidade de cobrar do Estado sua responsabilidade, de monitorar o
cumprimento dos direitos e de denunciar o país caso não atue nesta direção. Por isso,
conhecer os instrumentos de direitos humanos é acumular subsídios para fortalecer a
capacidade da cidadania de se organizar e exigir a realização dos direitos humanos.
Neste sentido, se os Estados são obrigados a respeitar, promover, proteger e realizar os
direitos humanos contemplados nos instrumentos internacionais que ratificam, estes são
então, instrumentos legais que os profissionais da informação devem levar em consideração
para tratar os arquivos considerados como “arquivos de direitos humanos”. Por isso, na
pesquisa, partimos do pressuposto de que, para se definir o que são arquivos de direitos
humanos, é preciso conhecer os dispositivos que definem e declaram estes direitos.
É importante ressaltar que consideraremos como objeto de referência para a pesquisa,
apenas os instrumentos que fazem parte do Sistema Global de Proteção dos Direitos Humanos
considerados pela ONU como os Tratados Fundamentais de Direitos Humanos. Todavia,
temos conhecimento e reconhecemos a importância de diversos outros instrumentos de
agências especializadas, como a própria UNESCO (organização de referência para os
112
arquivos em nossa pesquisa), e de instrumentos de organizações dos sistemas regionais, como
a OEA, por exemplo, da qual o Brasil faz parte.
Os Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos trazidos para pesquisa como
objeto de referência para definir e declarar direitos são:
a) Declaração Universal de Direitos Humanos (1948);
b) Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (1968);
c) Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1968).
Estabelecendo relações: os direitos humanos no Sistema Global de Proteção dos Direitos
Humanos da ONU e as políticas da UNESCO para os arquivos
Apresentamos nesta parte do trabalho as resoluções da UNESCO sobre o campo
informacional e sobre os arquivos, aprovadas nas Conferências Gerais das décadas de 1990 e
2000 (apontando o assunto a que se referem e o motivo de sua aprovação), e a nossa análise a
respeito da comparação entre as resoluções da UNESCO e os Instrumentos de Direitos
Humanos da ONU.
Sobre a apresentação das resoluções da UNESCO apontamos:
a) O assunto ao qual as resoluções se referiam foram descritos levando em consideração
o tema central, as principais diretrizes relacionadas ao campo informacional e aos
arquivos e o motivo da aprovação da resolução.
b) A apresentação das resoluções da UNESCO será feita através de uma divisão em duas
décadas: a década de 1990, que engloba seis Conferências Gerais (25ª a 30ª
Conferência Geral), e a década de 2000, que engloba também seis Conferências (31ª a
36ª Conferência Geral). O objetivo desta divisão é evidenciar o tema central ou
principal que emerge em cada uma destas épocas, demonstrando que as preocupações
que aparecem nelas não se excluem, pelo contrário, são acumulativas, ou seja, cada
década se estrutura ou se articula num tema, porém, elas vão acrescentando com o
passar dos anos no seu escopo de reflexão e atuação as preocupações emergentes nos
novos contextos históricos.
c) A apresentação das resoluções também levará em conta a estrutura hierárquica dentro
da qual a resolução foi aprovada. A UNESCO estrutura dentro de grandes Programas
de Área, seus programas voltados para questões mais específicas. Há entre estes
113
grandes programas uma hierarquia no qual os Programas de Área Maior, ou
Programas de Grande Área são considerados os mais importantes, portanto, os temas
prioritários da UNESCO são tratados dentro dos Programas de Área Maior e aqueles
não diretamente ligados aos propósitos de mandato da Organização são colocados
dentro de programas com outras denominações, como Programas Transversais,
Programas Transdisciplinares, Resoluções Gerais, Mobilização de Projetos, etc. Por
isso, consideramos importante fazer nossa apresentação apontando a forma como as
resoluções estão dispostas dentro da estrutura hierárquica visto que ela elucida a
importância dada a determinados temas e questões pela Organização.
Sobre análise a respeito da comparação entre as resoluções da UNESCO e os
Instrumentos de Direitos Humanos da ONU apontamos:
a) A análise será feita imediatamente em seguida à apresentação de cada década em que
as resoluções foram aprovadas;
b) A análise das temáticas abordadas nas resoluções com os direitos humanos traçados
nos Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos da ONU não foi feita resolução
por resolução, da mesma forma que os direitos estabelecidos nos instrumentos
também não foram considerados um a um, ou seja, a análise considerou as resoluções
e os direitos humanos em seus conjuntos. Identificamos que não seria possível
relacionar cada direito elencado em um dos instrumentos individualmente com uma
resolução, já que constatamos, que a afirmação dos direitos humanos em documentos
que tem por objetivo garanti-los também acaba refletindo a característica destes
direitos: sua indivisibilidade, indissociabilidade e complementaridade. À medida que
fomos tentando comparar cada resolução com os direitos elencados nos instrumentos
fomos percebendo, por exemplo, que uma resolução que se referia à preservação de
acervos educacionais, não só afirmava o direito á educação, mas o direito à memória,
o direito à cultura, o direito à informação, enfim, muitos outros direitos. Assim, uma
resolução que aprova a preservação de acervos de instituições educacionais,
reconhece tanto a importância de se preservar os arquivos educacionais de instituições
formais de educação, como a importância e o potencial dos arquivos para formação
dos seres humanos, por isso a necessidade de torná-los acessíveis e facilitar sua
consulta. Se consideramos a relação desta resolução como o estabelecido no Pacto
Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1968, em que
os Estados Partes deste Pacto afirmam que:
114
Concordam que a educação deverá visar o pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do sentido de sua dignidade e fortalecer o respeito
pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda em que
a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de
uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre
todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e
promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.
(Artigo 13 do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos,
Sociais e Culturais da ONU)
Podemos então dizer que a importância dada no Pacto à educação como forma de
fortalecer os direitos humanos e as liberdades fundamentais e capacitar as pessoas,
tem levado a UNESCO a se preocupar com a preservação dos acervos das instituições
de educação bem como reconhecer o potencial dos arquivos públicos, das bibliotecas,
dos institutos de pesquisa e similares na capacitação das pessoas. Nesse caso, o direito
à educação previsto no Pacto procura ser assegurado na sua forma mais ampla, não
apenas através da formação em instituições educacionais mas também através de uma
formação continuada, possibilitando que as pessoas tenham livre acesso a tudo que
possa colaborar em sua formação, inclusive aos arquivos, vistos como elementos
fundamentais neste processo de formação. Percebendo este fato, optamos por fazer
uma análise que considerasse o conjunto das resoluções e dos direitos estabelecidos
nesses instrumentos.
Desse modo, apresentaremos abaixo, nessa ordem, as resoluções da UNESCO sobre o
campo informacional e sobre os arquivos na década de 1990, seguida da análise que fizemos
sobre a relação dos direitos humanos e com as políticas da UNESCO para o campo
informacional e para os arquivos na respectiva década; e as resoluções da UNESCO sobre o
campo informacional e sobre os arquivos na década de 2000, seguida da análise que fizemos
sobre a relação dos direitos humanos e com as políticas da UNESCO para o campo
informacional e para os arquivos na década de 2000.
115
As resoluções da UNESCO sobre o campo informacional e sobre os arquivos na década
de 1990
Na década de 90 foram realizadas 6 Conferências Gerais: 25ª (1989)18, 26ª (1991), 27ª
(1993), 28ª (1995), 29ª (1997) e 30ª (1999). Identificamos que nestas Conferências Gerais as
políticas da UNESCO referentes ao campo informacional e consequentemente aos arquivos
eram tratadas dentro do Programa Geral de Informação (PGI)19.
Já o PGI constou ao longo destas conferências dentro de três diferentes Programas de
Área da UNESCO: Na 25ª e 26ª Conferência Geral, o PGI estava colocado dentro do
Programa de Área Temas e Programas Transversais; Na 27ª, 28ª e 29ª, estava dentro do
Programa de Área Comunicação, Informação e Informática, sendo que este programa era
um dos Programas de Área Maior da Conferência, o que significa na estrutura da UNESCO
que ele estava colocado dentro de suas áreas prioritárias; e na 30ª Conferência, o PGI foi
colocado dentro de outro Programa de Área Maior denominado Rumo a uma Sociedade da
Comunicação e da Informação para Todos, já que havia sido extinto nesta conferência o
programa “Comunicação, Informação e Informática”.
As Conferências Gerais realizadas na década de 1990 aprovaram o total de 39
resoluções referente ao campo informacional e/ou aos arquivos. Destas, 24 resoluções foram
aprovadas dentro do PGI e as outras 15 resoluções foram aprovadas dentro de outros
programas de área da UNESCO.
Das 24 resoluções aprovadas dentro do PGI 7 resoluções foram resoluções que
aprovavam as orientações gerais da UNESCO para o próprio Programa Geral de Informação,
ou seja, as políticas que deveriam ser adotadas e desenvolvidas pelo PGI nos dois anos
seguintes ou nos seis anos seguintes (no caso em que a resolução aprovava as políticas para o
programa que faziam parte do seu Programa de Médio Prazo). As outras 17 resoluções foram
resoluções sobre questões específicas relacionadas campo informacional, ou seja, sobre
questões que ou não foram mencionadas dentro das resoluções que aprovavam orientações
18
Optamos por incorporar à década de 90 a 25ª Conferência Geral, realizada em 1989, porque nesta conferência
foi aprovado o programa de médio prazo da UNESCO que estabelece os eixos gerais para as políticas da
UNESCO para os próximos 6 anos. Os outros programas de médio prazo foram aprovados na 28ª Conferência
(1995), na 31ª Conferência (2001) e 34ª Conferência (2007).
19
Conforme apontamos no capítulo anterior, este programa foi criado em 1976, com o objetivo de concentrar
todas as ações da UNESCO voltadas para o campo informacional, antes dispersas nos sesus setores de Cultura e
Ciências.
116
gerais da UNESCO para o PGI ou que mereciam destaque, e por isso era feita uma resolução
específica para aquela questão.
Entretanto, como já apontamos acima na parte que trata dos trajetos percorridos para a
obtenção das resoluções, quando buscamos pelo radical “archiv” nas Resolutions de cada
Conferência Geral encontramos algumas resoluções relacionadas aos arquivos dentro de
outros programas de áreas da UNESCO, e por isso, levantamos também as resoluções
aprovadas fora do PGI.
Os Programas de Área da UNESCO onde encontramos as outras 15 resoluções
aprovadas que se referiam aos arquivos foram:
I.
Clearing-House20, que constou até a 27ª Conferência Geral dentro do Programa de
Área “Temas e Programas Transversais” e a partir da 28ª Conferência passou a constar
dentro do Programa de Área “Informação e Disseminação de Serviços”), onde
encontramos o total de 6 resoluções;
II.
Cultura: passado, presente e futuro, um Programa de Área Maior, que a partir da
29ª Conferência Geral teve o nome do Programa de Área alterado para
Desenvolvimento cultural: patrimônio e criatividade, e continuou sendo um
Programa de Área Maior, onde encontramos total de 3 resoluções;
III.
Educação para todos ao longo da vida, um Programa de Área Maior, onde
encontramos o total de 2 resoluções;
IV.
V.
Resoluções Gerais21, onde encontramos o total de 2 resoluções;
Recomendações22, que não é nenhum programa de área, mas sempre que uma
recomendação é aprovada em uma Conferência Geral ela consta nas Resolutions sob o
20
Este é um programa da UNESCO relacionado a questões da própria Organização, como por exemplo, sua
estrutura administrativa e de funcionamento.
21
Resoluções Gerais é onde são aprovadas resoluções sobre medidas que a UNESCO tem que tomar em relação
a temas que não se enquadram especificamente em nenhum dos seus programas de área, geralmente por serem
medidas que demandam esforço de um conjunto de áreas, mas que por não fazerem parte de nenhum programa
específico que tenha relação com outros programas da UNESCO, também não são colocados dentro do programa
“Temas Transversais”, que tem no seu escopo programas relacionados a outros programas e áreas de mandato da
UNESCO.
22
A aprovação de uma Recomendação está prevista no Artigo IV da Constituição da UNESCO. Recomendações
são instrumentos em que a Conferência Geral formula princípios e normas para a regulamentação internacional
de qualquer questão particular e convida os Estados-Membros a tomarem medidas legislativas ou de qualquer
outra natureza sobre a questão em análise e a aplicar os princípios e normas nelas constantes, nos seus
respectivos territórios. O procedimento para a elaboração de recomendações é idêntico ao seguido para a
preparação de convenções adotadas pela Conferência Geral. No entanto, as recomendações são adotadas por
maioria simples, enquanto uma maioria de dois terços é necessária para a adoção de convenções. As
Recomendações são, portanto, normas, que diferente das Convenções, não estão sujeitas a ratificação, mas que
os Estados-Membros são convidados a aplicar. Elas têm a intenção de influenciar o desenvolvimento de
legislações e práticas nacionais já que emana do corpo do governante supremo da UNESCO e, portanto, possui
grande autoridade.
117
título de “Recomendações”. Encontramos 1 recomendação referente aos arquivos nas
seis Conferências Gerais pesquisadas;
VI.
Projetos Transdisciplinares, onde encontramos 1 resolução aprovada.
Apresentaremos a seguir as resoluções sobre o campo informacional e sobre os
arquivos aprovadas nas Conferências Gerais da década de 1990 considerando esta divisão
hierárquica, por isso, iremos apresentar as resoluções indicando em qual Programa de Área da
UNESCO ela foi aprovada. Desse modo, as resoluções serão apresentadas nesta ordem: as
resoluções do PGI aprovando as orientações gerais do programa, as resoluções do PGI
aprovando questões específicas sobre o campo informacional, as resoluções aprovadas dentro
do programa Clearing-House, as resoluções aprovadas dentro do programa Cultura, as
resoluções aprovadas dentro do programa Educação, as resoluções aprovadas sob o título de
Resoluções Gerais e por último a única Recomendação aprovada dentro do período analisado.
A tabela na página seguinte representa a forma como as resoluções levantadas nas
Resolutions das Conferências Gerais da década 1990 estão dispostas dentro dos Programas de
Área da UNESCO.
118
Tabela I – Resoluções aprovadas nas Conferências Gerais da UNESCO de 1989 a 1999
por Programas de Área
Total de
Quantidade de resoluções aprovadas por Conferências Gerais da UNESCO e por Resoluções
Programas de Área
aprovadas
por
25ª
26ª
27ª
28ª
29ª
30ª
Programas
Conferência Conferência Conferência Conferência Conferência Conferência de Área
Programas de
Área da
UNESCO
PGI (Resoluções
aprovando as
orientações
gerais do
programa)
2
1
1
1
1
1
7
PGI (Resoluções
aprovando
questões
específicas sobre
o campo
informacional)
1
3
1
3
4
5
17
Clering-House
Cultura
Educação
2
0
0
1
1
0
1
1
0
1
0
0
0
0
2
1
1
0
6
3
2
Projetos
Transdiciplinares
0
0
0
0
1
0
1
0
0
1
0
1
0
2
1
0
0
0
0
0
1
6
6
5
5
9
8
39
Resoluções
Gerais
Recomendações
Total de
Resoluções
aprovadas por
Conferência
Resoluções da UNESCO aprovando as diretrizes gerais do Programa Geral de
Informação (PGI)
A 25 C/Resolution 111, aprovada na 25ª Conferência Geral (1989), aprova dentro do
Programa de Médio Prazo da UNESCO, as orientações do Programa Geral de Informação
(PGI) para os próximos seis anos (1990-1995). Dentre as principais orientações concernentes
ao campo informacional estão: a) o desenvolvimento e adaptação de um quadro conceitual e
metodológico para a criação e gestão de sistemas e serviços de informação especializados em
campos de competência da UNESCO, especialmente em ciência e tecnologia, bibliotecas,
centros de documentação, arquivos e sistemas de gerenciamento de registros; b) a formulação
e implementação de políticas e planos para o desenvolvimento coordenado e
119
compartilhamento de recursos de informação; c) a consolidação de redes regionais, subregionais e internacionais de informação existentes, reforçando as capacidades dos Estados
Membros em estabelecer e utilizar bases de dados especializadas em ciência e tecnologia; d) a
melhoria da capacidade de gerenciamento de bibliotecas e o fortalecimento dos mecanismos
de cooperação entre elas; e) a modernização e consolidação do gerenciamento de arquivos,
reforçando o programa de microfilmagem para a reconstituição do patrimônio arquivístico; f)
a melhoria na distribuição de documentos e publicações do PGI, tornado-os acessíveis a todos
os Estados Membros.
A 25 C/Resolution 15.11, também aprovada na 25ª Conferência Geral (1989) da
UNESCO, aprova as orientações gerais do Programa Transversal “Programa Geral de
Informação (PGI)” para os dois anos seguintes (1990-1991). Dentre as principais orientações
concernentes ao campo informacional o programa aprovado aponta: a) que com o objetivo de
ajudar os Estados Membros na implementação de políticas nacionais, regionais e setoriais de
informação será dado apoio na realização de seminários sobre implantação de políticas e
planos de informação nacionais; b) que será organizado um congresso inter-regional árabeeuropeu sobre sistemas de informação relacionados aos interesses específicos destas regiões;
c) que com o objetivo de promover a interligação dos sistemas de informação será atualizado
o “Common Communication Format (CCF)”23, incentivando o desenvolvimento de normas
internacionais para a descrição de arquivos e investindo na aplicação sistemática de normas
sobre a interligação de sistemas de informação que deverão ser divulgadas através de
materiais de ensino e organização de oficinas de capacitação patrocinadas pela UNESCO; d)
que será elaborado e implementado um Plano de Estudos coerente com diretrizes a serem
seguidas pelas bibliotecas, pelos serviços de informação e pelos arquivos; e) que será dado
apoio para que as instituições de ensino organizem cursos de pós-graduação e seminários
especializados direcionados aos profissionais da informação a fim de que haja formação de
especialistas em informação; f) que serão organizados seminários sobre manipulação de dados
científicos e tecnológicos; g) que será criado um serviço-piloto de informação para a tomada
de decisão e planejamento relacionado à questão do desenvolvimento; h) que será dado
reforço na capacidade de gestão dos sistemas
nacionais de biblioteca pública através da
organização de seminários de formação sobre a preservação de manuscritos e a prevenção de
catástrofes; i) será dado apoio a criação de sistemas de informação comunitários na África e
na América Latina; j) que será dado apoio às ações que tem o objetivo de angariar fundos para
23
Um formato de intercâmbio desenvolvido pela UNESCO - PGI para ser usado por instituições que pretendem
intercambiar registros bibliográficos.
120
a reconstrução da Biblioteca de Alexandria; k) que será dado apoio na criação e/ou reforço de
sistemas de partilha e troca de documentos a fim de promover a cooperação entre bibliotecas e
intensificar o fluxo de literatura científica nos países em desenvolvimento; l) que deverá ser
criada uma base de dados sobre os programas de doação de livros; m) deverá ser dado apoio e
incentivo ao Centro de Documentação para as Mulheres; n) que deverá ser dado apoio aos
países em desenvolvimento em matéria de infraestrutura de arquivo, a fim de criar e
modernizar os arquivos e serviços de gestão documental; o) que será dado apoio à
organização
de
projetos-piloto
relacionados
à
informatização
de
arquivo
e
ao
desenvolvimento de serviços arquivísticos inovadores; p) que deverá ser realizado e
implementado um programa de microfilmagem internacional com a finalidade de reconstituir
o patrimônio arquivístico; q) que será dada ajuda a alguns projetos de microfilmagem de
Estados Membros previamente selecionados; r) que com o objetivo de consolidar e
modernizar os arquivos audiovisuais, será feita uma avaliação de relatórios técnicos sobre o
desenvolvimento de arquivos audiovisuais, elaborado um documento contendo normas
técnicas para os fabricantes de equipamentos, preparado um programa de educação sobre
arquivo audiovisual, e organizado um workshop sobre catalogação de arquivo audiovisual; s)
que será intensificada a formulação e distribuição de orientações técnicas do PGI para os
usuários em todo o mundo.
A 26 C/Resolution 11.31, aprovada na 26ª Conferência Geral (1991), aprova as
diretrizes gerais do Programa Transversal “Programa de Informação Geral”. Dentre elas
estão: a) ajudar os Estados Membros na implementação das políticas de informação através de
serviços de consultoria, promoção de oficinas, seminários e acordos regionais e interregionais para a partilha de recursos de informações; b) promover o uso de software e a
aplicação de normas para sistemas de informação através: da propagação do Formato Comum
de Comunicação (CCF), do apoio a programas de conversão de dados, de elaboração de
normas internacionais para descrições arquivísticas e da preparação de materiais de formação
sobre estas questões; c) fortalecer a formação de especialistas em informação, através da
organização de seminários internacionais, de uma reunião de peritos para a formação de
educadores e do desenvolvimento e avaliação de material de instrução; d) estabelecer um
programa de treinamento de arquivo na América Latina; e) promover a implementação de
estratégias de informação regional para a América Latina e Caribe, para a Ásia, para o
Pacífico e para África, através da prestação de serviços de consultoria e treinamento nas áreas
prioritárias de acordo com as especificidades regionais; f) organizar seminários nacionais e
sub-regionais sobre o uso da informação e da comercialização de produtos e serviços de
121
informação; g) prestar apoio à Rede de Informações do Pacífico Asiático para Plantas
Medicinais e Aromáticas; h) prestar apoio a projetos-piloto sobre os serviços de informação
em comunidades dando apoio a programas de educação básica; i) promover o uso de sistemas
e serviços de informação para tomada de decisão na gestão ambiental e em algumas áreas das
ciências sociais através da adoção de procedimentos padronizados para o tratamento de dados
ambientais e treinamento para o uso de sistemas de informação; j) prestar apoio ao Serviço
Internacional de Informação sobre Juventude, ao desenvolvimento de um centro de
documentação sobre as mulheres e ao estudo sobre a viabilidade de criação de uma rede
africana sub-regional para a troca de informações em ciências sociais; k) reforçar o papel das
bibliotecas para o trabalho de alfabetização, educação e desenvolvimento de comunidades,
através de serviços de consultoria, da criação de escolas e bibliotecas públicas e de uma
pesquisa em todo o mundo sobre as bibliotecas escolares; l) prestar orientações e serviços de
consultoria sobre a preservação do patrimônio mundial impresso; m) melhorar o acesso de
cientistas de países em desenvolvimento à literatura científica através do reforço de serviços
de fornecimento de documentos para as universidades e instituições de pesquisa; n) promover
a salvaguarda e o acesso ao patrimônio arquivístico através de serviços de consultoria, de
criação de laboratórios audiovisuais, de elaboração de planos de desenvolvimento de arquivo
audiovisual e da reconstituição do patrimônio arquivístico através de microfilmagem; o)
prestar de serviços de consultoria, treinamento e transferência de know-how para a
modernização das infraestruturas de arquivos; p) realizar uma avaliação sobre o impacto do
Programa de Gestão de Documentos e Arquivos da UNESCO (RAMP).
A 27 C/Resolution 4.1, aprovada na 27ª Conferência Geral (1993), aprova as
diretrizes gerais do Programa de Área Maior “Comunicação, Informação e Informática”. O
Programa está dividido em quatro subprogramas: “O livre fluxo de ideias através da palavra e
da imagem”, “Desenvolvimento da comunicação”, “Programa de Informação Geral” e
“Informática”. Os dois primeiros subprogramas estão voltados para o campo da comunicação
e o último para o campo da informática. Apenas o Programa Geral da Informação está voltado
para o campo informacional. No âmbito do “Programa Geral de Informação” estão traçadas as
seguintes diretrizes: a) incentivar os Estados-Membros a adotarem políticas de informação,
tendo em conta os aspectos éticos e legais do acesso à informação computadorizada; b)
promover a normalização do Programa de Gestão de Documentos e Arquivos da UNESCO
(RAMP); c) promover o uso em larga escala de softwares da UNESCO para os sistemas e
redes de informação; d) melhorar a educação e formação dos profissionais da informação,
arquivistas, bibliotecários e especialistas da informação; e) promover a cooperação regional
122
no desenvolvimento e acesso a serviços de informação especializados nas áreas de educação,
desenvolvimento socioeconômico e proteção do meio ambiente, f) promover a criação de
bases de dados nestes domínios; g) promover a gestão adequada da informação dentro dos
governos; h) promover e salvaguardar coleções e acervos únicos de bibliotecas e arquivos, em
particular daqueles que estejam ameaçados, a fim de preservar a “Memória do Mundo” e de
facilitar e democratizar o acesso a eles; i) melhorar os serviços e ferramentas para atender às
necessidades de informação e educação do público em geral; j) aumentar o acesso dos países
em desenvolvimento à literatura científica, bibliotecas e aos sistemas de informação voltados
para a resolução de problemas; k) reforçar o papel das instituições arquivísticas na promoção
do desenvolvimento socioeconômico; l) prosseguir os esforços no sentido de reconstruir a
Biblioteca da Alexandria; m) intensificar a cooperação em todo o campo de informações,
bibliotecas e arquivos; n) incentivar os Estados Membros a modernizarem suas políticas
nacionais de informação, suas bibliotecas e seus arquivos.
A 28 C/Resolution 4.1, aprovada na 28ª Conferência Geral (1995), aprova as
orientações gerais dos programas e subprogramas do Programa de Área Maior “Comunicação,
informação e informática”.
O programa está subdivido em dois subprogramas: “Livre
circulação da informação” e “Capacitação em comunicação, informação e informática”. O
primeiro volta todas as suas diretrizes para o campo da comunicação e o segundo volta suas
diretrizes para os três campos: comunicação, informação e informática. As diretrizes gerais do
programa voltadas para o campo informacional visavam: a) expandir o papel do Programa
Geral de Informação (PGI) no monitoramento de novos domínios da informação e ajudar os
Estados Membros na formulação de políticas e estratégias voltadas para estes novos domínios
da informação; b) promover a salvaguarda de bibliotecas e arquivos únicos, ameaçados de
extinção e facilitar o acesso a eles, ajudando assim a preservar a “Memória do Mundo”; c)
incentivar a modernização da biblioteca e serviços de arquivo e atualizar o seu papel como
parceiros ativos na disseminação do conhecimento e no desenvolvimento socioeconômico; d)
promover as bibliotecas públicas como portas de entrada para as redes de informação; e)
apoiar a criação de uma rede internacional de escolas de estudos da informação; f) contribuir
para a melhoria da educação e formação de bibliotecários, arquivistas e especialistas em
informação; g) ajudar a desenvolver abordagens comuns para a formação de especialistas de
comunicação, informação e informática no uso de modernas tecnologias.
A 29 C/Resolution 28, aprovada na 29ª Conferência Geral (1997), aprovou as
principais orientações dos programas e subprogramas do Programa de Área “Comunicação,
Informação e Informática”. O Programa estava subdivido em 3 subprogramas: “Livre
123
circulação da informação”, “Desafios éticos e socioculturais da nova sociedade da
informação” e “Capacitação em comunicação, informação e informática”. Dentro do
subprograma “Livre circulação da informação” encontramos as seguintes diretrizes para o
campo da informação: a) implementar o programa “Memória do Mundo”, incentivando a
formulação de estratégias nacionais e regionais para o desenvolvimento do programa, através
da promoção de uma política de digitalização e acesso online aos produtos que já estão
disponíveis e estimulando e facilitando o desenvolvimento de projetos-piloto inter-regionais
para a restauração, conservação e digitalização de acervos; b) facilitar o acesso à informação
de domínio público com o objetivo de construir um repositório eletrônico de todas as
informações de natureza pública relevante para domínios de competência da UNESCO; c)
ajudar os Estados Membros na formulação de políticas nacionais e regionais para o
desenvolvimento das tecnologias de informação, bem como promover o acesso à Internet
como um serviço público e fornecer suporte para programas regionais de informação
especializada; d) prestar apoio às iniciativas dos Estados Membros que pretendam fazer uso
das novas tecnologias para melhorar a eficiência da administração pública e serviços públicos
e promover o uso da informática como instrumento de decisão e diálogo entre os cidadãos e
as autoridades públicas. Dentro do subprograma “Desafios Éticos e Socioculturais da Nova
Sociedade da Informação” encontramos as seguintes diretrizes para o campo da informação:
a) estimular a reflexão interdisciplinar sobre os impactos socioculturais das novas tecnologias
e sobre as questões jurídicas, econômicas e éticas relacionadas ao ciberespaço; b) organizar o
recolhimento de informação relevante sobre os princípios legais e códigos de conduta
compilados sobre o ciberespaço de modo que estas informações possam ser levadas em conta
nos trabalhos da UNESCO; c) recolher e divulgar dados, análises e experiências inovadoras
sobre os aspectos culturais e educacionais da sociedade da informação, com especial
referência ao pluralismo cultural e à diversidade linguística e aos impactos sobre os processos
cognitivos e formas de aprendizagem. Dentro do subprograma “Capacitação em
Comunicação, Informação e Informática”, encontramos as seguintes diretrizes para o campo
da informação: a) apoiar o desenvolvimento de serviços bibliotecários e de informação; b)
contribuir para a formação de bibliotecários e profissionais da informação adaptando-os às
atividades no campo da informática; c) apoiar a assimilação pelos países da tecnologia da
informação e da criação e aprimoramento de material multicultural e multilíngue nas redes,
com vista a intercâmbios internacionais; d) ajudar a implementar projetos emblemáticos para
a restauração e modernização das principais bibliotecas do mundo; e) incentivar a
modernização dos serviços de arquivo; f) apoiar os esforços para assegurar a conservação dos
124
arquivos e melhorar a formação dos arquivistas; g) estimular a cooperação profissional interregional.
A 30 C/Resolution 34, aprovada na 30ª Conferência Geral (1999), aprovou as
principais orientações do Programa de Área Maior “Rumo a uma Sociedade da Comunicação
e da Informação para Todos” e de seus subprogramas. O Programa estava subdivido em 5
subprogramas: “A Liberdade de Expressão, Democracia e Paz”, “Mídia, Informação e
Sociedade”, “Desafios Éticos, Legais e Socioculturais da Sociedade da Informação”,
“Desenvolvimento da Comunicação” e “Desenvolvimento de Infraestrutura”. Dentro do
subprograma “Mídia, Informação e Sociedade” encontramos as seguintes diretrizes para o
campo da informação: a) destacar a contribuição dos meios de comunicação e informação
para capacitar mulheres e jovens a desenvolver modelos viáveis para a utilização de
ferramentas de comunicação e informação para a redução da pobreza e integração social, uma
maior participação social e para a democratização dos serviços públicos; b) construir um forte
domínio público de informações acessíveis a todos, como um meio eficaz de apoio ao
desenvolvimento, prestando especial atenção à preservação e promoção do patrimônio
documental da humanidade, através do programa “Memória do Mundo” e reforçar a
coordenação desse programa com atividades relacionadas com o patrimônio cultural. Dentro
do subprograma “Desafios Éticos, Legais e Socioculturais da Sociedade da Informação”
encontramos as seguintes diretrizes para o campo da informação: a) estimular a reflexão e o
debate internacional sobre os aspectos éticos, legais e sociais da sociedade da informação; b)
recolher e divulgar informações e dados relevantes à construção de um consenso sobre os
princípios
éticos
e
legais
aplicáveis
no
ciberespaço.
Dentro
do
subprograma
“Desenvolvimento de Infraestrutura”, encontramos as seguintes diretrizes para o campo da
informação: a) promover o desenvolvimento de estratégias integradas de informação e
informática de forma a garantir o acesso universal à informação; b) reforçar o papel das
bibliotecas e arquivos, como portas de entrada para a informação e os elementos chave de
“infraestrutura”, com ênfase especial em bibliotecas públicas e escolares como um meio
eficaz de ampliar o acesso à educação e ao conhecimento.
125
Resoluções da UNESCO aprovando questões específicas do Programa Geral de
Informação (PGI)
Na 25ª Conferência Geral (1989) foi aprovada a 25 C/Resolution 15.111, que alterou
o artigo 4.1 do Estatuto do Conselho Intergovernamental do Programa Geral de Informação
(PGI), adicionando a ele o parágrafo “f” que prevê como responsabilidades do Conselho
Intergovernamental do Programa Geral de Informação (PGI) rever as outras atividades de
informação da UNESCO e fazer recomendações ao Diretor Geral da Conferência Geral para
uma melhor coordenação das referidas atividades.
Na 26ª Conferência Geral (1991) foram aprovadas 3 resoluções sobre questões
específicas do campo informação. Elas se referiam ao estabelecimento de mecanismo de
coordenação para as atividades de geminação de bibliotecas da UNESCO, à cooperações em
questões terminológicas e à criação de centro de pesquisa e informações budistas.
A 26 C/Resolution 11.33, aprovada na 26ª Conferência Geral (1991), aprova que
UNESCO explore a possibilidade de estabelecer um mecanismo de coordenação para suas
atividades que tenham por objetivo a geminação de bibliotecas através do estabelecimento de
parcerias com outras organizações governamentais e não governamentais, como a Agência de
Cooperação Técnica Cultural (ACCT)24, a Federação Internacional de Associações e
Instituições Bibliotecárias (IFLA) e Bibliotecas Comunitárias. O objetivo da ação é atender à
Recomendação aprovada no Seminário Internacional sobre o Desenvolvimento de Modelos de
Geminação para Bibliotecas no Sul e no Norte, realizada em Ottawa, em 20 e 21 de junho de
1991, patrocinado pela UNESCO e às necessidades de melhoria do acesso dos países em
desenvolvimento à literatura científica.
A 26 C/Resolution 11.34, aprovada na 26ª Conferência Geral (1991), solicita que os
Estados Membros intensifiquem entre si e com as organizações internacionais que se ocupem
do trabalho terminológico, em particular com o Centro Internacional de Informação de
Terminologia (INFOTERM), a cooperação em questões terminológicas a nível nacional,
regional e internacional. Solicita ainda, que os Estados Membros operem em colaboração com
o Programa Geral de Informação da UNESCO e promovam e apoiem moral e se possível
financeiramente todos os vários tipos de atividades terminológicas desenvolvidas por
universidades, autoridades públicas, empresas e outras instituições. A resolução aponta que
24
Atualmente é a Organização Internacional da Francofonia (OIF)
126
tais solicitações são em virtude do entendimento de que princípios e métodos de trabalho de
terminologia são indispensáveis para: a transferência de conhecimento, o livre acesso à
informação e ao conhecimento, ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia, ao controle de
qualidade em indústrias de produção e de serviços e à proteção da propriedade intelectual. A
resolução chama a atenção ainda para o aumento exponencial de terminologias emergentes no
curso do desenvolvimento técnico-científico e econômico-industrial, criando assim, barreiras
de comunicação.
A 26 C/Resolution 11.35, aprovada na 26ª Conferência Geral (1991), parabeniza a
iniciativa do Governo do Sri Lanka de criar, com a assistência técnica inicial da UNESCO,
um centro de informações de pesquisa budista para atender as necessidades da comunidade
internacional envolvida em estudos e pesquisas budistas; manifesta apoio aos especialistas em
estudos budistas que são prejudicados pela falta de centros de informações de pesquisa
budista e determina que o Diretor Geral da UNESCO solicite aos Estados Membros, à mídia,
ao setor privado, às organizações intergovernamentais e não governamentais e às
comunidades acadêmicas e culturais, contribuições financeiras voluntárias que são
indispensáveis para o sucesso do projeto iniciado pelo Sri Lanka. A resolução aprovada
aponta as dificuldades da investigação científica sobre os estudos budistas; reconhece a
existência de um grande volume de material relevante e que está ameaçado de degradação
(inclusive textos originais ainda em forma de manuscritos) nos templos budistas e por isso
apresentam necessidade urgente de processamento adequado para ser preservado e
conservado para uso por pesquisadores; e reconhece que a filosofia budista também é
considerado um importante componente do seu Projeto Intersetorial “Estudo Integral das
Rotas da Seda – Rotas do Diálogo ”.
Na 27ª Conferência Geral (1993) foi aprovada apenas uma resolução em relação à
questões específicas do campo informacional. A resolução se refere à situação do patrimônio
cultural, arquitetônico, educacional e cultural da Bósnia e Herzegovina e à recuperação da sua
Biblioteca Nacional e da Universidade de Sarajevo.
A 27 C/Resolution 4.8, aprovada na 27ª Conferência Geral (1993), trata dos
seguintes aspectos: a) manifesta profunda preocupação com a destruição do patrimônio
cultural, histórico e religioso da República da Bósnia e Herzegovina (incluindo mesquitas,
igrejas, sinagogas, escolas, bibliotecas, arquivos e edifícios culturais e educacionais); b)
condena os autores desses atos hediondos; c) autoriza, assim que a situação permitir, que seja
enviada uma missão para a Bósnia e Herzegovina para determinar os danos às propriedades
educacionais, históricas, arqueológica e culturais da região e para explorar a viabilidade do
127
envio de ajuda de emergência para reconstrução deste patrimônio; d) convida os Estados
Membros, as organizações internacionais intergovernamentais e não governamentais e as
instituições públicas e privadas a fazerem contribuições voluntárias em dinheiro, equipamento
ou serviços para reconstruir, equipar e preservar a Biblioteca Nacional e a Universidade de
Sarajevo, que se constituem como parte deste patrimônio; e) solicita que o Diretor Geral apele
a todos os intelectuais, artistas, escritores, historiadores, sociólogos e todos cujo trabalho é
informar (jornalistas, colunistas, profissionais da imprensa de rádio, televisão e cinema) a
ajudarem a desenvolver uma consciência por parte do público de todos os países do problema
da destruição dos patrimônios na Bósnia e a incentivá-los a contribuir para sua Biblioteca
Nacional. A resolução cita que as iniciativas são em função da necessidade de denunciar todas
as formas de intolerância baseados na religião, crença ou cultura e da necessidade de
encorajar a tolerância recíproca e respeito mútuo entre as religiões e culturas.
Na 28ª Conferência Geral (1995) foram aprovadas 3 resoluções em relação a
questões específicas do campo informacional. As resoluções se referem à recuperação da
Biblioteca da Alexandria, à utilização do design da informação para facilitar o acesso à
informação e ao fortalecimento do Programa de Informática.
A 28 C/Resolution 4.8, aprovada na 28ª Conferência Geral (1995), solicita aos
Estados Membros e à comunidade internacional a continuar a fornecer ajuda à conclusão de
grandes projetos culturais, em especial ao projeto para a revitalização da Antiga Biblioteca de
Alexandria, que tem sido desde outubro de 1987 um apelo mundial da UNESCO. A resolução
recorda, ainda, que tal iniciativa se relaciona: a) aos objetivos da Década Mundial para o
Desenvolvimento Cultural (1988-1997), que é o reconhecimento da fundamental importância
da dimensão cultural do desenvolvimento na vida dos seres humanos e sociedades e das
interações entre as diferentes culturas do mundo; b) à Convenção para a Proteção do
Patrimônio Mundial Cultural e Natural, que considera o patrimônio no sentido mais amplo,
incluindo o patrimônio cultural material e intangível em todas as suas formas; c) com as
estratégias propostas para a UNESCO na sua Estratégia de Médio Prazo (1996-2001) que
propõe o enfrentamento de problemas e desafios do século XXI para chegar a uma
compreensão mais clara do papel desempenhado por fatores culturais na determinação do
sucesso ou fracasso das estratégias de desenvolvimento.
A 28 C/Resolution 4.9, aprovada na 28ª Conferência Geral (1995), convida os
Estados Membros a: a) intensificar a cooperação em questões de design de informação a nível
nacional entre si em níveis regionais e internacionais com as organizações internacionais que
trabalhem com design de informação, em particular com o Instituto Internacional de Design
128
da Informação (IID), localizada na Áustria e trabalhando em colaboração com a UNESCO; b)
promover o apoio moral e se possível financeiro a todos os vários tipos de atividades de
design de informação realizados por universidades, laboratórios de pesquisa, órgãos públicos,
empresas privadas e outras instituições. A resolução aponta que tal medida é em razão de
observar a urgente demanda de acesso fácil à informação, que cresce consideravelmente em
função do crescimento das novas mídias emergentes e do enorme potencial de transmissão de
dados das TICs e de acreditar que a comunicação visual com base nos princípios e métodos de
design da informação pode contribuir para a superação das barreiras sociais e linguísticas
possibilitando uma melhor compreensão em todos os setores da vida social e atividade
econômica e científica.
A 28 C/Resolution 4.10, aprovada na 28ª Conferência Geral (1995), convida os
Estados Membros a participarem plenamente das atividades do Programa Intergovernamental
de Informática (IIP) através do fornecimento de voluntários em informática e de contribuições
financeiras ao IIP e convida também o Diretor Geral da UNESCO a fortalecer os recursos do
Programa bem como os recursos disponíveis a financiamento de projetos específicos de
Estados Membros que aconteçam no âmbito do IIP. Tais iniciativas visam fortalecer o
Programa Intergovernamental de Informática uma vez que foi observado que: a) os países em
desenvolvimento precisam desenvolver sua competência em aplicações de informática e na
computação, e que, sem uma boa compreensão da computação, eles só serão espectadores da
tecnologia da informação; b) a falta de experiência em computação dos países em
desenvolvimento fez com que a implementação de projetos da UNESCO que tinham
componentes de tecnologia da informação, acabassem saindo muito caros, uma vez que se
verificou a necessidade de usar consultores de outras regiões para desenvolver e instalar
software; e que, ainda assim, os resultados são insatisfatórios por causa de uma má
compreensão do contexto social e cultural das regiões onde estes projetos estavam sendo
desenvolvidos por parte dos consultores.
Na 29ª Conferência Geral (1997) foram aprovadas 4 resoluções em relação a
questões específicas do campo informacional. As resoluções aprovadas se referem à
revitalização da antiga Biblioteca de Alexandria, à assistência à Biblioteca Nacional e
Universitária da Bósnia e Herzegovina, ao uso do papel permanente para preservação de
documentos e à viabilidade de aprovação de um Instrumento Internacional sobre a criação de
um quadro jurídico relativo ao ciberespaço e de uma recomendação sobre a preservação do
uso equilibrado das línguas no ciberespaço.
129
A 29 C/Resolution 31, aprovada na 29ª Conferência Geral (1997) incentiva os
Estados Membros e a comunidade internacional a continuar fornecendo ajuda para a
conclusão do projeto de revitalização da antiga Biblioteca da Alexandria.
A 29 C/Resolution 32, aprovada na 29ª Conferência Geral (1997), solicita à
comunidade internacional e aos Estados Membros a continuar cooperando com todas as
iniciativas que visem a reconstrução e reabilitação completa da Biblioteca Nacional e da
Universidade de Saravejo da Bósnia e Herzegovina, e propõe que sua Biblioteca Nacional
seja declarada um “Monumento à Paz Inter-Étnica do Mundo” ou um “Monumento à Paz
Mundial Inter-Étnica”. A resolução aponta que considera uma biblioteca como um símbolo da
cultura, liberdade, convivência e cooperação entre pessoas com diferentes tradições e
religiões.
A 29 C/Resolution 33, aprovada na 29ª Conferência Geral (1997), tem por objetivo
promover o uso do papel permanente em publicações e documentos oficiais visando a sua
preservação. A resolução: a) elogia a Federação Internacional de Associações e Instituições
Bibliotecárias (IFLA), o Conselho Internacional de Arquivos (ICA), a Associação
Internacional de Editores (IPA) e a Organização Internacional de Normalização (ISO) por
seus esforços em promover o uso de papel permanente; b) recomenda que os Estados
Membros da UNESCO, através de legislação e regulamentação, incentive e promova a
utilização e de papel permanente em seus respectivos territórios para as publicações e
documentos que devem ser retidos para fins históricos ou de informação; c) convida o Diretor
Geral da UNESCO a garantir que seus documentos e publicações sejam impressos em papel
permanente; crie um logotipo informando que aquele documento está sendo impresso em
papel permanente e faça um levantamento através de dados estatísticos sobre como o papel
permanente está sendo usado em todo o mundo.
A 29 C/Resolution 36, aprovada na 29ª Conferência Geral (1997), convida o Diretor
Geral da UNESCO a: a) continuar a consulta junto aos Estados Membros, órgãos interessados
e organizações internacionais competentes dentro e fora do sistema das Nações Unidas,
inclusive ao setor privado sobre a viabilidade de aprovação de um instrumento internacional
sobre o estabelecimento de um quadro jurídico referente ao ciberespaço e de uma
recomendação sobre a preservação do uso equilibrado de línguas no ciberespaço; b) preparar e
organizar encontros regionais e internacionais de peritos para esclarecer a política de
prioridades sobre esta questão de acordo com as necessidades de cada Estado Membro c)
preparar um projeto de recomendação sobre a oferta de acesso universal ao patrimônio
130
multicultural da humanidade através da promoção e utilização do multilinguismo no
ciberespaço.
Na 30ª Conferência Geral (1999) foram aprovadas 5 resoluções em relação a
questões específicas sobre o campo informacional. As resoluções aprovadas se referem: à
fusão dos programas Programa Geral de Informação (PGI) e Programa Intergovernamental de
Informática (IIP); ao projeto de recomendação sobre a promoção e utilização do
multilinguismo e o acesso universal ao ciberespaço; à assistência à Biblioteca Nacional de
Latvia; ao Manifesto da Biblioteca Escolar; à promoção do acesso universal e gratuito à
informação de domínio público para fins de educação, ciência e cultura.
A 30 C/Resolution 35, aprovada na 30ª Conferência Geral (1999), autoriza a
Diretoria a substituir o Programa de Informação Geral (PGI) e o Programa
Intergovernamental de Informática (IIP) por um novo programa, de acordo com o
recomendado pelo Conselho do PGI e pelo Comitê do IIP e estabelece um comitê interino,
composto pelos membros do Conselho do PGI e da Comissão do IIP, enquanto se aguarda o
estabelecimento do novo programa.
A 30 C/ Resolution 37, aprovada na 30ª Conferência Geral (1999), reconhecendo a
importância do multilinguismo para a promoção da multiculturalidade em redes globais de
informação: a) convida os Estados Membros, organizações não governamentais, a
comunidade intelectual mundial e as instituições científicas interessadas a apoiar e participar
ativamente do desenvolvimento do multilinguismo e da diversidade cultural nas redes globais
de informação, facilitando o acesso universal e gratuito à informação de domínio público; b)
convida os Estados membros a aprovar, nesta perspectiva, a nova estratégia proposta
“Iniciativa B@bel”; c) convida o Diretor Geral, após consulta ao Comitê Consultivo para o
Pluralismo Linguístico e Educação Multilíngues, a submeter à aprovação do Conselho
Executivo a lista dos primeiros projetos a serem realizadas neste quadro; d) convida o Diretor
Geral a realizar as seguintes ações concretas para promover o multilinguismo e a diversidade
cultural nas redes globais de informação: i) fortalecer as atividades para tornar o patrimônio
cultural de domínio público, que é preservada em museus, bibliotecas e arquivos de livre
acesso nas redes de informação mundiais; ii) apoiar a formulação de políticas e princípios
nacionais e internacionais incentivando todos os Estados Membros a promoverem o
desenvolvimento e a utilização de ferramentas de tradução e terminologia para melhor
interoperabilidade; iii) incentivar a oferta de recursos para o pluralismo linguístico através de
redes globais, em particular reforçando o Observatório Internacional da UNESCO sobre a
Sociedade da Informação; iv) perseguir outras consultas com os Estados-Membros e
131
organizações internacionais governamentais e não governamentais competentes, para uma
cooperação mais estreita em matéria de direitos linguísticos, respeito pela diversidade
linguística e à expansão de recursos eletrônicos multilíngues nas redes de informação
mundiais; e) convida ainda o Diretor Geral a apresentar ao Conselho, na próxima Conferência
um relatório sobre a implementação das ações descritas acima e um projeto de recomendação
sobre a promoção e utilização do multilinguismo e o acesso universal ao ciberespaço.
A 30 C/Resolution 38, aprovada na 30ª Conferência Geral (1999), convida os
Estados Membros e a comunidade internacional a prestar todo o apoio possível à
implementação do projeto de revitalização da Biblioteca Nacional de Latvia. A resolução
aponta que o projeto de apoio à biblioteca é em função dela ser um centro multifuncional
contribuindo para a salvaguarda e a promoção do patrimônio cultural, o acesso à informação
educacional, científica e cultural, o incentivo cultural da diversidade e do conhecimento
interétnico.
A 30 C/Resolution 39, aprovada na 30ª Conferência Geral (1999), felicita a
Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (IFLA) por seus esforços
em desenvolver o Manifesto da Biblioteca Escolar, e também pela organização da
Conferência Internacional sobre Serviços Nacionais Bibliográficos e recomenda que os
Estados-membros da UNESCO, através do desenvolvimento de legislações, políticas e
planos, a adotem e implementem a nível nacional, tanto o Manifesto da Biblioteca Escolar
como as Recomendações da Conferência Internacional sobre Serviços Nacionais
Bibliográficos. A Conferência Geral aponta que a resolução foi aprovada em função: a) da
educação, das crianças e da promoção da leitura serem preocupações da UNESCO; b) da
Declaração Universal dos Direitos Humanos afirmar que a educação deve ser livre; c) da
Declaração sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas prever o direito à educação
gratuita e obrigatória; d) de se considerar que são necessários sistemas bibliográficos
nacionais plenamente desenvolvidos para garantir a equidade da disseminação de informações
bibliográficas em todo o mundo.
A 30 C/Resolution 41, aprovada na 30ª Conferência Geral (1999): a) convida todos
os Estados Membros a: i) promover o acesso universal e gratuito à informação de domínio
público para fins de educação, ciência e cultura; ii) estabelecer estratégias e políticas
nacionais de informação voltadas para o acesso universal e gratuito à informação de domínio
público; iii) apoiar o papel de bibliotecas, arquivos e museus, colecionadores e
disseminadores de informação nos ambientes tradicionais e digitais; b) convida o Diretor
Geral a: i) garantir que seja dada prioridade alta para a promoção mundial do acesso gratuito e
132
universal à informação de domínio público nas atividades da UNESCO; ii) promover
estratégias e normas comuns a nível internacional na área das novas tecnologias de
informação e comunicação para garantir o acesso universal e gratuito à informação de
domínio público; iii) apoiar, em articulação com a Organização Mundial da Propriedade
Intelectual (OMPI) e outras instituições competentes das Nações Unidas: campanhas de
digitalização para tornar o patrimônio cultural público preservado em bibliotecas, arquivos e
museus, livremente e universalmente acessíveis; projetos de acervo virtual de obras
representativas da literatura mundial pertencente ao domínio público; criação de uma coleção
de dicionários e léxicos multilíngues de domínio público; iv) incentivar o desenvolvimento e
difusão de software de código aberto. A resolução indica que essas iniciativas visam a
promoção do acesso universal e gratuito à informação de domínio público para fins de
educação, ciência e cultura. A Conferência Geral aponta que a aprovação da resolução é em
função: a) da Declaração Universal dos Direitos Humanos que define o livre acesso à
informação como um dos direitos humanos básicos, b) da Constituição da UNESCO, que
sublinha que um dos principais objetivos da organização é “manter, aumentar e difundir o
conhecimento”; c) da UNESCO estar consciente da importância fundamental do bem comum
mundial da humanidade, e que um dos aspectos do bem comum é o acesso gratuito e universal
à informação, bem como a liberdade na criação, tratamento e disseminação do conhecimento;
d) da UNESCO reconhecer que o acesso a informações pertencentes ao domínio público
(como obras disponíveis gratuitamente da literatura e das ciências, a informação produzida
pelo setor público e software de código aberto) é crucial para a educação, ciência e cultura e
para a promoção da democracia na sociedade da informação; e) da UNESCO reconhecer as
possibilidades oferecidas pelas novas tecnologias de informação e comunicação para garantir
o acesso universal e gratuito à informação e à redução das desigualdades no interesse da
justiça social e do bem estar econômico.
Resoluções da UNESCO aprovadas dentro do programa Clearing-House
No programa Clearing-House o tema arquivos constou em quase todas as
conferências realizadas no período, à exceção da 29ª Conferência Geral que não aprovou
nenhuma resolução dentro do programa naquela Conferência. Nas 6 Conferências levantadas,
133
as políticas para o campo informacional e para os arquivos fizeram presente dentro do
programa tendo em todas as resoluções aprovadas praticamente mesma abordagem.
Desse modo, podemos apontar que as resoluções 25 C/Resolution 112 e 25
C/Resolution 15.12 aprovadas na 25ª Conferência Geral (1989), a 26 C/Resolution 11.4
aprovada na 26ª Conferência Geral (1991), a 27 C/Resolution 11.5 aprovada na 27ª
Conferência Geral (1993), a 28 C/Resolution 11.1 aprovada na 28ª Conferência Geral
(1995) e a 30 C/Resolution 51 aprovada na 30ª Conferência Geral (1999) tiveram como
linhas gerais a abordagem dos seguintes aspectos: a) fortalecimento, melhoria e modernização
dos serviços de arquivo e micrográficos da UNESCO; b) melhoria e atualização das bases de
dados e do Thesaurus da UNESCO; c) reforçar a rede de documentação integrada da
UNESCO; d) harmonização das bases de dados e dos serviços de informação para assegurar a
compatibilidade e interconexão de sistemas de informação existentes na UNESCO com outros
sistemas e bases de dados que vêm surgindo em matéria de informação; e) distribuição de
forma ampla das principais bases de dados da UNESCO; f) divulgação a nível internacional
da informação disponível na UNESCO; g) melhorar a preservação e gestão dos arquivos e o
serviço de microfilmagem com vista à introdução de novas tecnologias neste campo; h)
facilitação do acesso aos arquivos da UNESCO, através de sistemas de gestão de documentos
eletrônicos modernos, da melhoraria das condições de preservação e gestão de arquivos e; i)
investir na microfilmagem de segurança, através da divulgação de documentos e publicações
em microfichas.
Resoluções da UNESCO aprovadas dentro dos programas de Cultura
No Programa de Área Maior Cultura: passado, presente e futuro, que a partir da 29ª
Conferência Geral teve o nome do Programa de Área alterado para Desenvolvimento
cultural: patrimônio e criatividade, a temática dos arquivos apareceu em 3 das seis
Conferências Gerais realizadas na década de 1990. Na 26ª Conferência Geral (1991) em
resolução que trata do patrimônio cultural e histórico da cidade de Jerusalém; Na 27ª
Conferência Geral (1993) em resolução que trata da salvaguarda do patrimônio
cinematográfico e na 30ª Conferência Geral (1999) que trata do comércio transatlântico de
escravos e da escravidão.
134
A resolução 26 C/Resolution 3.12, aprovada na 26ª Conferência Geral (1991),
sanciona que a fim de que sejam preservados o patrimônio cultural e histórico da cidade de
Jerusalém, estando incluindo neste patrimônio os arquivos, seja realizada uma expedição
interdisciplinar para levantar o estado desse patrimônio.
A resolução 27 C/Resolution 3.16, aprovada na 27ª Conferência Geral (1993),
aponta que, por reconhecer a importância do cinema no século XX e seu papel no
desenvolvimento do patrimônio artístico, histórico, científico, educacional e jornalístico, é
preciso salvaguardar e preservar o patrimônio cinematográfico. Nesse sentido, determina um
conjunto de atividades a serem desenvolvidas que se relacionam aos arquivos como: a)
intensificar a cooperação com as organizações multilaterais, como a Federação Internacional
de Arquivos de Filmes (FIAF); b) organizar colóquios internacionais e regionais para estudar
em detalhes e publicar os resultados da conservação das imagens em movimento e sua
recuperação;
c)
realizar
inventário,
armazenamento
e
preservação
de
materiais
cinematográficos; d) levantar e estudar os aspectos legais da proteção de obras
cinematográficas e de seus criadores; e) formar especialistas competentes capazes de lidar
com a herança audiovisual e; f) formar redes internacionais para o intercâmbio de
experiências e informações que promovam a cooperação em escala global.
A 30 C/Resolution 34, aprovada na 30ª Conferência Geral (1999), convida todos os
Estados Membros a participarem ativamente das atividades do Projeto Rota do Escravo25,
apontando que uma das formas desta participação é através da mobilização de instituições
científicas e pesquisadores interessados na temática e da promoção do acesso a arquivos e
fontes documentais sobre o comércio de escravos e a escravidão.
Resoluções da UNESCO aprovadas dentro dos programas de Educação
No Programa de Área Maior dominado Educação para todos ao longo da vida a
temática dos arquivos apareceu na 29ª Conferência Geral (1997), em 2 resoluções. Na
25
Na Resolução, a Conferência cita que apoia os objetivos fundamentais do projeto Rota do Escravo: estabelecer
a verdade histórica sobre a tragédia constituída pelo comércio de escravos e a escravidão por toda a raça humana,
para lançar luz sobre o diálogo intercultural resultante e chamar a atenção para a necessidade de ampliar e
examinar em mais estudos o seu impacto na Europa, na África, nas Américas e no resto do mundo.
135
resolução que aprova o “Estatuto do Instituto Internacional de Educação” e na resolução que
aprova a “Recomendação relativa à condição do Pessoal Docente de Educação Superior”.
A 29 C/Resolution 3, aprovada na 29ª Conferência Geral (1997), aprova o estatuto
do Instituto Internacional de Educação e aponta que dentre as funções do Instituto está
conservar seus arquivos e acervos históricos e torná-los acessíveis ao público.
A 29 C/Resolution 11, aprovada na 29ª Conferência Geral (1997), aprova a
“Recomendação Relativa à Condição do Pessoal Docente de Educação Superior”, e aponta
que dentro dos objetivos e políticas educacionais da Recomendação, a fim de haver o
estreitamento das comunicações e contatos diretos entre as universidades, instituições de
pesquisa e associações, bem como entre os cientistas e investigadores, devem ser facilitados
ao pessoal docente de educação superior em outros Estados Membros o acesso a material de
informação que constem em arquivos públicos, bibliotecas, institutos de pesquisa e similares.
Resoluções da UNESCO aprovadas dentro do Programa Projetos
Transdisciplinares
No Programa de Área Projetos Transdisciplinares a temáticas dos arquivos apareceu
na 29ª Conferência Geral (1997) onde foi aprovada a resolução sobre o projeto da UNESCO
denominado “A Rota do Escravo”.
A 29 C/Resolution 39, aprovada na 29ª Conferência Geral (1997), aprova a
implantação a nível regional e sub-regional do projeto “A Rota do Escravo”, através da
seleção de áreas prioritárias na África, nas Américas e no Caribe, com vista à identificação,
restauração e promoção de sítios, monumentos e lugares de memória associada com o
comércio de escravos nestas regiões. Sublinha que os três principais objetivos do projeto são:
o estudo histórico das causas e do funcionamento do comércio transatlântico de escravos;
deixar claro quais foram as consequências do comércio de escravos; e contribuir para a
criação de uma cultura de tolerância e convivência pacífica entre as raças e os povos.
136
Resoluções da UNESCO aprovadas sob o título de Resoluções Gerais
Foram aprovadas sob o título Resoluções Gerais duas resoluções. Na 27ª
Conferência Geral (1993), em resolução que trata das instituições educacionais e culturais
nos territórios árabes ocupados e na 29ª Conferência Gera (l997) que trata do projeto “Foco
no Pacífico”.
A 27 C/Resolution 18 aprovada 27ª Conferência Geral (1993), prevê que sejam
tomadas medidas imediatas em relação aos problemas enfrentados pelas instituições
educacionais e culturais nos territórios árabes ocupados e que tais medidas devem priorizar as
questões estabelecidas no “Estudo sobre as necessidades do povo palestino nas áreas de
competência da UNESCO”. Dentre as necessidades presentes no estudo consta a formação de
especialistas em restauração de bens culturais, manuscritos, arquivos, monumentos e sítios
históricos físicos.
A 29 C/Resolution 54, aprovada na 29ª Conferência Gera (l997), reconhece que há
áreas no Pacífico que necessitam de atenção urgente em relação a vários aspectos, dentre eles
estão o acesso às tecnologias de comunicação e informação adequadas que tenham o
potencial, através de capacitação, para reduzir o isolamento, facilitar a transferência de
conhecimentos e promover cooperação regional e em todas as áreas de mandato da UNESCO;
e o desenvolvimento de bibliotecas e arquivos através de tecnologias de comunicação e
informação. A resolução indica que o projeto “Foco no Pacífico” visa atender a estas
necessidades e vai ao encontro das ideias da Organização de reconhecer as necessidades
especiais dos Estados Membros, voltando suas preocupações para aqueles que mais precisam,
como pequenos Estados insulares (projeto “Foco no Pacífico”), Caribe (Foco no Caribe) e
África (Audiência África), entre outros.
Recomendação a Salvaguarda da Cultura Tradicional do Folclore
Na Recomendação sobre a Salvaguarda da Cultura Tradicional do Folclore
aprovada na 25ª Conferência Geral (1989), que trata da preservação da cultura tradicional do
folclore, os arquivos aparecem com o papel de salvaguardar a cultura tradicional do folclore
através de sua conservação, preservação, divulgação e proteção. Por estes motivos a 25ª
137
Conferência Geral aponta através da Recomendação aprovada que seus Estados Membros
devem: a) estabelecer/criar arquivos nacionais para onde os arquivos do folclore possam ser
recolhidos e devidamente armazenados e disponibilizados; b) estabelecer nestes arquivos
nacionais atividades e serviços de catalogação, disseminação de informações, de materiais e
normas de trabalho sobre folclore, incluindo o aspecto de salvaguarda; c) harmonizar os
métodos de coleta e arquivamento; d) conservar fisicamente para realização de trabalho
analítico por arquivistas, documentalistas e outros especialistas o patrimônio do folclore; e)
garantir o direito de acesso das diversas comunidades culturais, através do apoio nas áreas de
documentação, arquivamento e pesquisa na prática de tradições; f) garantir o arquivamento
adequado e a difusão dos acervos de folclore; g) assegurar a disponibilidade de informações
adequadas sobre o folclore através dos arquivos; h) garantir que o direito ao folclore seja
protegido em centros de documentação e arquivos de folclore; i) proteger o interesse de
colecionadores, garantindo que os materiais recolhidos aos arquivos e centros de
documentação, sejam conservados em boas condições e de maneira metódica; e j) reconhecer
a responsabilidade dos arquivos no monitoramento e na utilização dos materiais recolhidos.
Os direitos humanos e as políticas da UNESCO para o campo informacional e para os
arquivos na década de 1990
A julgar pelo que, porque e como os arquivos, os profissionais da informação, os
Estados Membros e a UNESCO são chamados nas resoluções a “intervir”, “atuar” e
“colaborar”, podemos apontar em linhas gerais quais foram as políticas da UNESCO para os
arquivos na década de 90. Foi possível perceber através das resoluções, que as políticas
traçadas estavam voltadas para o atendimento de preocupações que a Organização tinha em
relação a algumas questões e que estas questões iam ao encontro da afirmação dos direitos
humanos elencados nos Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos do Sistema Global
de Proteção de Direitos Humanos da ONU que elegemos como nossos referenciais neste
trabalho.
Quando observamos as resoluções que aprovam as diretrizes gerais do Programa de
Área onde está colocado o campo informacional, percebemos que estão colocadas nestas
resoluções, as “competências” que a UNESCO, os Estados Membros e o profissionais
138
envolvidos no campo devem ter para que os objetivos do programa e as “tarefas” que sejam
necessárias para o seu atendimento possam acontecer.
É nesse sentido que as resoluções se referem: a) à criação, gestão, implementação e
modernização dos arquivos, bibliotecas, sistemas de informação e centros de documentação;
b) aplicação das tecnologias a estes serviços (tecnologias de informação e comunicação,
microfilmagem, softwares, internet, etc.); c) formação e capacitação dos profissionais
envolvidos nas questões levantadas dentro do campo através da produção, compilação e
disseminação de materiais úteis à formação dos profissionais, da promoção de eventos
(seminários, congresso, encontros) e da prestação de serviços de assistência visando à
cooperação (técnica, financeira, de recursos humanos, etc.); d) à implantação de políticas
internacionais, nacionais e regionais em relação a questões pertinentes ao campo, como as
políticas de informação nacionais dos Estados Membros, por exemplo.
No entanto, apesar desta “tendência” das resoluções que aprovam as diretrizes gerais
do Programa de Área dar ênfase às “competências” e “tarefas”, é possível perceber nelas
também, quais são as preocupações que estão sinalizadas a partir destas “competências” e
“tarefas”. Identificamos que estas mesmas “preocupações” estão nas resoluções sobre
questões específicas do Programa Geral de Informação e daquelas aprovadas nos outros
programas de área como os da Cultura, Resoluções Gerais, Projetos Transdisciplinares e
Clearing-House.
As preocupações sinalizadas nas resoluções aprovadas nestas áreas são com: a)
preservação do patrimônio histórico e cultural; b) a identidade, a memória, a cultura e a
diversidade cultural dos povos; c) equidade na distribuição da informação entre as diferentes
regiões e os diferentes povos (sistemas de informação, arquivos, bibliotecas, centros de
documentação); d) interação com as tecnologias, entendidas como ferramentas que podem
proporcionar o acesso à informação e ao patrimônio histórico e cultural; e) o uso das
tecnologias, dos arquivos, bibliotecas e centros de documentação e informação como meios
de promover a educação e a cultura.
Quando observamos as resoluções em seu conjunto, identificamos que em relação
específica a demandas que os arquivos podem e devem atender, podemos dizer que a
UNESCO veio demonstrando como objeto de preocupação e interesse, a:
1. Identificação dos arquivos como necessários para preservação da identidade, da
cultura e da memória dos povos. Por isso nas resoluções que tratavam da salvaguarda
ou identificação, preservação e proteção do patrimônio histórico e cultural os arquivos
constavam como parte deste patrimônio.
139
2. Preservação do patrimônio histórico e cultural (identificando os arquivos como parte
deste patrimônio) como forma de preservar a identidade, a cultura e a memória dos
povos. Por isso, encontramos resoluções voltadas a povos e culturas específicas, como
aquelas que se referiam ao patrimônio documental: de Jerusalém, dos povos do
Pacífico, dos templos budistas, do folclore, do cinema, audiovisual, das bibliotecas (de
Latvia, da Alexandria, de Sarajevo), da “Rota da Seda”, da “Rota dos Escravos”, etc.
3. Preservação do patrimônio documental como forma de preservar a diversidade
cultural. Por isso, resoluções que chamavam a atenção dos Estados Membros e da
Diretoria Executiva para que fossem preservados os acervos de diferentes povos e
culturas, como as resoluções já citadas no item anterior.
4. Preocupação com a “memória do mundo”, por isso, resoluções que apontam para o
desenvolvimento de atividades e medidas que fortaleçam o Programa Memória do
Mundo da UNESCO, criado com o objetivo de promover e salvaguardar coleções e
arquivos únicos de bibliotecas e arquivos particularmente ameaçados, sendo possível
através da salvaguarda, facilitar a democratização de acesso a eles;
5. Preparação dos profissionais da informação e dos arquivos para atenderem às
demandas dos povos em acessar o patrimônio documental (e assim os arquivos
poderem garantir a preservação da identidade, da cultura, da memória e da diversidade
dos povos). Por isso, as resoluções chamam a atenção para: a) a capacitação dos
profissionais através de realização de seminários internacionais e regionais; b) o
compartilhamento de informações através das redes; c) do desenvolvimento de
terminologias para que possa ser facilitado o intercâmbio de informações; d) o
domínio público da informação (acesso gratuito e universal); e) a reconstrução e o
compartilhamento do patrimônio público através da microfilmagem, dos bancos de
dados e das redes; f) foco na descrição arquivística para disseminação de acervos; g) a
preservação de patrimônios para a identidade, a cultura, a memória e a diversidade dos
povos que tem-se procurado buscar cada vez na sociedade contemporânea.
6. Preparação dos arquivos e de seus profissionais em atenderem as demandas
institucionais e organizacionais relacionadas à gestão documental, sem a qual é
impossível proporcionar o acesso aos arquivos. Por isso, resoluções referentes à
promoção de programas de gestão de documentos, de modernização das
infraestruturas de arquivo, de atividades terminológicas, investimento em formação e
capacitação de profissionais da área etc.
140
7. Preparação dos arquivos e seus profissionais para atender as necessidades de
informação do público em geral. Por isso, resoluções que apontam para a atualização
do papel das instituições arquivísticas no desenvolvimento de políticas voltadas para
atender e solucionar problemas de seus usuários e socioeconômicos e de
desenvolvimento dos países.
8. Preparação dos arquivos para serem instrumentos de educação, cultura e participação
na vida pública e política, já que as resoluções apontam que a preservação dos
patrimônios, inclusive o documental, garantiriam a identidade, cultura, memória dos
povos, e esses são entendidos como elementos que contribuem para a formação
(educacional, cultural e cidadã) dos povos.
9. Preocupação com grupos minoritários que necessitam de atenção especial, como
mulheres e jovens, por exemplo, com as diferentes necessidades regionais em relação
à informação, a utilização das tecnologias para prover igualdades de acesso à
informação, seja o acesso através dos meios de comunicação, ou de bibliotecas e
arquivos.
10. Preocupação com os arquivos acompanharem o desenvolvimento tecnológico, já que
as tecnologias fazem parte cada vez mais parte das necessidades e interesses das
pessoas e os arquivos tem o dever de garantir essas necessidades e interesses.
11. É importante salientar que poucas vezes as resoluções se referiam às políticas
arquivísticas, ou mesmo de informação, voltadas para atendimento das necessidades
de ciência e tecnologia. Apesar das resoluções citarem a necessidade de atender
problemas relacionados à literatura científica e fortalecimento das redes de tecnologia
para este fim, essa não foi uma questão predominante.
As resoluções da UNESCO sobre o campo informacional e sobre os arquivos na década
de 2000
Na década de 2000 foram realizadas 6 Conferências Gerais: 31ª (2001), 32ª (2003), 33ª
(2005), 34ª (2007), 35ª (2009) e 36ª (2001). Identificamos que nestas Conferências Gerais as
políticas da UNESCO referentes ao campo informacional e consequentemente aos arquivos
foram todas tratadas dentro do Programa de Área Maior “Comunicação e Informação”.
141
Na 30ª Conferência Geral (1999) havia sido aprovada a fusão dos programas
“Programa Geral de Informação (PGI)” e do “Programa Intergovernamental de Informática
(IIP)”, que antes de constarem nessa conferência dentro do Programa de Área Maior “Rumo a
uma sociedade da comunicação e da informação para todos”, constavam dentro do extinto
Programa de Área Maior “Comunicação, Informação e Informática”. Portanto, na Conferência
seguinte, a 31ª Conferência Geral, não encontraríamos mais o PGI.
Conforme pudemos observar, a fusão destes dois programas deu origem a um único
Programa de Área, denominado “Programa Informação para Todos (IFAP)”. O “IFAP” foi
colocado dentro Programa de Área Maior agora denominado apenas de “Comunicação e
Informação”, (sendo retirado do seu nome a palavra informática), junto com um novo
programa criado “Programa para Desenvolvimento da Comunicação (IPDC)”. Desse modo,
dentro do Programa de Área Maior “Comunicação e Informação” passaram a existir dois
programas: O “Programa para Desenvolvimento da Comunicação (IPDC)” e o “Programa
Informação para Todos (IFAP)”.
A UNESCO aprovou ao longo das seis Conferências Gerais realizadas na década de
2000, o total de 29 resoluções referentes ao campo informacional e/ou aos arquivos. Dentro
do IFAP foram aprovadas 25 resoluções. Destas, 6 resoluções foram resoluções que
aprovavam as orientações gerais da UNESCO para o Programa de Área Maior “Comunicação
e Informação”, ou seja, as políticas que deveriam ser adotadas e desenvolvidas pelo Programa
nos dois anos seguintes. As outras 19 resoluções foram resoluções sobre questões específicas
relacionadas campo informacional, ou seja, sobre questões que ou não foram mencionadas
dentro das resoluções que aprovavam orientações gerais da UNESCO para o PGI ou que
mereciam destaque, e por isso era feita uma resolução específica para aquela questão.
Os outros Programas de Área da UNESCO onde encontramos resoluções aprovadas
que se referiam aos arquivos foram:
I.
Suporte aos Programas de Execução e Administração, onde encontramos o total de
2 resoluções;
II.
Cultura, onde encontramos total de 2 resoluções.
A tabela seguinte representa a forma como as resoluções levantadas nas Resolutions
das Conferências Gerais da década 1990 estão dispostas dentro dos Programas de Área da
UNESCO.
142
Tabela II – Resoluções aprovadas nas Conferências Gerais da UNESCO de 2001 a 2011
por Programas de Área
Programas
de Área da
UNESCO
PGI
(Resoluções
contendo as
orientações
gerais do
programa)
PGI
(Resoluções
contendo
questões
específicas
sobre o campo
informacional
Suporte aos
Programas de
Execução e
Administração
Cultura
Total de
Resoluções
aprovadas
por
Conferência
Total de
Quantidade de resoluções aprovadas por Conferências Gerais da UNESCO e por
Resoluções
Programas de Área
aprovadas
por
31ª
32ª
33ª
34ª
35ª
36ª
Programas
Conferência Conferência Conferência Conferência Conferência Conferência
de Área
1
1
1
1
1
1
6
2
2
1
2
3
9
19
0
0
0
1
1
0
2
1
1
0
0
0
0
2
4
4
2
4
5
10
29
Apresentaremos a seguir as resoluções sobre o campo informacional e sobre os
arquivos aprovadas nas Conferências Gerais da década de 2000 considerando a estrutura
hierárquica em que foram aprovadas. Desse modo, as resoluções serão apresentadas nesta
ordem: as resoluções do IFAP aprovando as orientações gerais do programa, as resoluções do
IFAP aprovando questões específicas sobre o campo informacional, as resoluções aprovadas
dentro do Programa Suporte aos Programas de Execução e Administração e as resoluções
aprovadas dentro do programa Cultura.
143
Resoluções da UNESCO dentro do IFAP aprovando as orientações gerais do
programa
A 31 C Resolution 32, aprovada na 31ª Conferência Geral (2001), aprova o
Programa “Comunicação e Informação” que está estruturado em duas partes. Na primeira
parte denominada “Promover o acesso equitativo à informação e ao conhecimento,
especialmente no domínio público”, estão colocados dois subprogramas referentes ao campo
informacional: “Formulação de princípios, políticas e estratégias para ampliar o acesso à
informação e ao conhecimento” e “Desenvolvimento de infraestrutura e construção de
capacidades para uma maior participação na sociedade do conhecimento”. Na segunda parte
do programa, denominada “Promover a liberdade de expressão e de fortalecimento
capacidades de comunicação”, estão colocados dois subprogramas referentes ao campo da
comunicação: “A liberdade de expressão, democracia e paz” e “Reforço das capacidades de
comunicação”. Sob a denominação de “Projetos relativos a temas transversais” a Conferência
aprova o desenvolvimento de políticas que estão relacionadas às duas partes do programa. Em
relação ao subprograma “Formulação de princípios, políticas e estratégias para ampliar o
acesso à informação e ao conhecimento”, da primeira parte do programa, a Conferência Geral
aprova o Diretor Geral da UNESCO a implementar o programa aprovado a fim de: a) avançar
com o “Programa Informação para Todos” como uma plataforma intergovernamental de
discussão de políticas, diretrizes e ações internacionais e de estabelecer um quadro de
cooperação e parcerias internacionais e regionais, com vista a diminuir as diferenças digitais e
promover o desenvolvimento sustentável; b) estimular a reflexão internacional sobre os
desafios éticos do progresso no domínio das TICs; c) participar, em estreita colaboração com
a União Internacional de Telecomunicações, da preparação da Cúpula Mundial sobre a
Sociedade da Informação, a ser realizada em 2003, através da organização de consultas à
sociedade civil em nível regional, com especial atenção para a África e, assim, contribuir para
a formulação do plano de ação da Cúpula; d) preparar uma contribuição significativa da
UNESCO para a Cúpula e buscar apoio extraorçamentário para este fim; e) desenvolver um
portal do conhecimento da UNESCO, em estreita cooperação com outros parceiros, incluindo
o Banco Mundial, dando prosseguimento aos programas de software CDS/ISIS26 e IDAMS27
26
CDS / ISIS era um armazenamento de informações não numéricas avançado e software de recuperação
desenvolvido pela UNESCO para satisfazer a necessidade expressa por muitas instituições, especialmente em
países em desenvolvimento, para ser capaz de agilizar suas informações de atividades de processamento,
144
e a Iniciativa B@bel28. Em relação ao subprograma “Desenvolvimento de infraestrutura e
construção de capacidades para o aumento da participação na sociedade do conhecimento”,
também da primeira parte do programa, a Conferência Geral autoriza o Diretor Geral: a)
promover o conceito de “domínio público” como um elemento essencial para facilitar o
acesso à informação e implementação de atividades para tornar a informação acessível através
de coleções digitalizadas e sites, inclusive através do apoio ao “Programa Memória do
Mundo” e sua estratégia na preservação patrimônio documental do mundo, incluindo o
patrimônio digital e o audiovisual e em garantir e assegurar a sua acessibilidade e ampla
divulgação; b) tomar as medidas necessárias para se certificar de que os repositórios digitais
são configurados para publicações, arquivos e documentos da UNESCO e outras agências das
Nações Unidas; c) reforçar o papel das bibliotecas, arquivos, serviços e redes de informação e
centros multimídia como portas de entrada para a sociedade do conhecimento; d) contribuir
para a educação e formação de bibliotecários e arquivistas, para que eles possam fazer pleno
uso das tecnologias de informação e comunicação, bem como de todos aqueles preocupados
com o impacto da mídia em grupos específicos (jovens, mulheres, minorias). Em relação aos
“Projetos relativos a temas transversais”, no que compete ao campo informacional, a
Conferência Geral autoriza o Diretor Geral: a promover a expressão da diversidade cultural e
linguística na Internet incentivando o multilinguismo, a preservação do patrimônio digital e o
reforço das capacidades de aprendizagem virtual e da partilha de informação, através da
criação de um portal do conhecimento digital da UNESCO.
A 32 C Resolution 40, aprovada na 32ª Conferência Geral (2003), aprova o
Programa “Comunicação e Informação” que está estruturado em duas partes. Na primeira
parte denominada “Promover o acesso equitativo à informação e ao conhecimento, para o
desenvolvimento”, estão colocados três subprogramas referentes ao campo informacional:
“Promover ações para reduzir exclusão digital e promover a inclusão social”,
“Aproveitamento das TICs para a educação” e “Promover a expressão da diversidade cultural
utilizando tecnologias modernas e relativamente baratas. O software foi originalmente baseado na versão
Mainframe do CDS / ISIS, começou no final dos anos 60, aproveitando assim vários anos de experiência
adquirida na gestão de desenvolvimento de software de banco de dados. Vários parceiros contribuíram para o seu
desenvolvimento ao longo dos anos.
27
IDAMS (Análise de Dados internacionalmente desenvolvido e Software de Gestão) é um pacote de software
para a validação, manipulação, e análise estatística de dados, desenvolvido pelo Secretariado da UNESCO em
cooperação com especialista de vários países. É distribuído gratuitamente através de encargos mediante
solicitação.
28
Iniciativa B@bel é a iniciativa da UNESCO que utiliza as Tecnologias de Informação e Comunicação para
apoiar a diversidade linguística e cultural na Internet, e para proteger e preservar as línguas em perigo de
desaparecimento, visando promover o multilinguismo na Internet, a fim de tornar o acesso aos seus conteúdos e
serviços mais justas para os usuários em todo o mundo.
145
e linguística através comunicação e informação”. Na segunda parte do programa, que recebe
apenas a denominação geral de parte II estão colocados dois subprogramas referentes ao
campo da comunicação: “Promover a liberdade de expressão, a independência e o pluralismo
dos meios de comunicação” e “Apoiar o desenvolvimento dos meios de comunicação”. Sob a
denominação de “Projetos relativos a temas transversais” a Conferência aprova o
desenvolvimento de políticas que estão relacionadas às duas partes do programa. Em relação
ao primeiro subprograma da parte I, “Promover ações para reduzir exclusão digital e
promover a inclusão social” a Conferência Geral autoriza o Diretor Geral: a) a promover
ações de acolhimento para reduzir a exclusão digital, especialmente nos países em
desenvolvimento; b) a promover a inclusão social através do reforço do “Programa
Informação para Todos”, bem como iniciativas estratégicas internacionais, como a Cúpula
Mundial sobre a Sociedade da Informação, apoiando a formulação de políticas nacionais e
regionais de informação e comunicação e estratégias com vista à criação de sociedades do
conhecimento abertas e não exclusivas, baseados em direitos humanos e liberdades
fundamentais; c) a reforçar as capacidades de comunicação e informação de profissionais e
instituições, através de novos métodos de formação de redes, especialmente nos países em
desenvolvimento e em países em transição, e da promoção de intercâmbios profissionais e
acadêmicos mais amplos; d) a promover estratégias e projetos para melhorar o acesso à
informação, especialmente de domínio público, para os jovens e grupos desfavorecidos, em
particular atendendo portadores de deficiência física, visual e auditiva, por meio de
multimídia/telecentros, bibliotecas, arquivos e serviços de informação semelhantes,
especialmente em países em desenvolvimento. Em relação ao segundo subprograma da parte
I, “Aproveitamento das TICs para a educação”, a Conferência Geral autoriza o Diretor Geral:
a) a promover os objetivos da “Educação para Todos” por meio da mídia e canais de
informação; b) incentivar a aprendizagem assistida pelas TICs, apoiando a exploração,
desenvolvimento e teste de métodos de aprendizagem multimídia que visem as necessidades
das instituições de ensino nos países em desenvolvimento; c) promover o desenvolvimento de
meios de comunicação e alfabetização em TICs em todos os níveis do processo educativo,
formal e não formal, com ênfase especial na juventude, especialmente nos países em
desenvolvimento. Em relação ao terceiro subprograma da parte I, “Promover a expressão da
diversidade cultural e linguística através comunicação e informação”, a Conferência Geral
autoriza o Diretor Geral: a) a promover a expressão do pluralismo e da diversidade cultural
nos meios de comunicação e redes de informação mundial através de programas de conteúdos
criativos concebidos para incentivar a produção e difusão de diversas culturas e
146
multilinguagens; b) a apoiar a preservação de documentários e do patrimônio audiovisual em
todos os meios de comunicação, através do Programa Memória do Mundo e de outros
programas; c) a incentivar a aplicação das disposições da Carta sobre a Preservação do
Patrimônio Digital. Em relação aos “Projetos relativos a temas transversais”, onde constam o
desenvolvimento de políticas que estão relacionadas às duas partes do programa, a
Conferência Geral autoriza o Diretor Geral a: a) implementar um plano de ação para concluir
projetos relativos aos dois temas transversais “a erradicação da pobreza, especialmente a
pobreza extrema” e “a contribuição das tecnologias da informação e comunicação para o
desenvolvimento da educação, da ciência e da cultura e para a construção de uma sociedade
do conhecimento”, tendo em conta as necessidades dos países em desenvolvimento; b) avaliar
e monitorar a implementação, bem como a avaliação dos impactos, dos vários projetos
relacionados às TICs; c) assegurar a cooperação intersetorial no âmbito da UNESCO e de
outras agências e fundos das Nações Unidas, a fim de melhorar a execução de outros projetos
aprovados neste sentido.
A 33 C / Resolution 51, aprovada na 33ª Conferência Geral (2005), aprova as
diretrizes gerais do Programa “Comunicação e Informação” que está estruturado em duas
partes. Na primeira parte denominada “Capacitar as pessoas através do acesso à informação e
ao conhecimento com especial ênfase na liberdade de expressão” estão colocados dois
subprogramas referentes ao campo informacional, “Criar um ambiente favorável para a
promoção da liberdade de expressão e ao acesso universal” e “Promover o acesso e a
diversidade de conteúdo às comunidades”. Na segunda parte do programa, “Promover o
desenvolvimento da comunicação e das TICs para a educação, ciência e cultura” estão
colocados dois subprogramas: “Fomento ao Desenvolvimento dos Meios de Comunicação” e
“Promover a utilização das TIC na educação, ciência e cultura”. Sob a denominação de
“Projetos relativos aos dois temas transversais” a Conferência aprova o desenvolvimento de
políticas que estão relacionadas às duas partes do programa. No âmbito do subprograma
“Criar um ambiente favorável para a promoção da liberdade de expressão e de acesso
universal”, a Conferência Geral autoriza o Diretor Geral; a) realizar ações de acolhimento
para promover a liberdade de expressão e o acesso universal à informação e ao conhecimento
como objetivos interdependentes de importância estratégica para a construção de sociedades
do conhecimento, tendo em conta os problemas e as necessidades específicas que enfrentam
os países em desenvolvimento; b) promover a liberdade de expressão e a liberdade de
imprensa como direitos humanos fundamentais e como um pré-requisito para a governança
democrática e para participação da sociedade civil; c) prestar serviços de assessoria na
147
adaptação da legislação de mídia para lidar com a liberdade de expressão, a liberdade de
imprensa , bem como a liberdade de informação, reforçando o diálogo entre os profissionais
da comunicação social, especialmente nos países em desenvolvimento, sobre a ética, padrões
profissionais e suas condições de trabalho; d) promover ações de acolhimento para construir
sociedades do conhecimento, promovendo o acesso universal à informação e ao conhecimento
e apoiando a formulação de políticas e estruturas nacionais e regionais integrados com base
em princípios acordados internacionalmente; e) incentivar o desenvolvimento do domínio
público da informação e monitorar as tendências e desenvolvimentos nesta área; f) assegurar
que a UNESCO tenha um papel pró-ativo junto à Organização Mundial da Propriedade
Intelectual (OMPI) nas discussões para a proteção dos direitos dos organismos de
radiodifusão garantindo que os objetivos da promoção da liberdade de expressão e do acesso
universal à informação e ao conhecimento não sejam prejudicados pelas disposições do
projeto que está sendo discutido pela OMPI. No âmbito do subprograma “Promover o acesso
e a diversidade de conteúdo nas comunidades” a Conferência Geral autoriza o Diretor Geral:
a) favorecer o acesso das comunidades através do apoio ao desenvolvimento institucional de
capacidades humanas em matéria de comunicação e informação; b) reforçar as capacidades
dos profissionais da informação, comunicação social e instituições de formação relacionada;
c) promover nas comunidades, através do desenvolvimento de estratégias e projetos para
melhorar o acesso à informação e comunicação, contribuindo assim para o empoderamento e
redução da pobreza; d) apoiar a preservação do patrimônio documental audiovisual em todos
os meios de comunicação, inclusive através do Programa Memória do Mundo, dando
reconhecimento específico para o papel das bibliotecas e arquivos no apoio a programas de
capacitação destinados a conservação, preservação e restauração deste patrimônio, e
incentivando a aplicação das disposições da Carta sobre a Preservação do Patrimônio Digital.
A 34/C Resolution 48, aprovada na 34ª Conferência Geral (2007), aprova as
orientações gerais do Programa Comunicação e Informação. O programa está estruturado em
torno de duas prioridades setoriais bienais e quatro linhas de ação. As principais diretrizes do
programa em relação ao campo informacional e aos arquivos foram aprovadas dentro: I)
Prioridade Setorial Bienal 1 “Promover, a comunicação independente e pluralista e livre e o
acesso universal à informação”: a) sensibilizar os governos e instituições públicas sobre a
liberdade de informação e acesso à informação pública como componentes da boa
governança; b) promover o acesso universal à informação; c) ajudar na formulação de
políticas de informação nacionais, em especial no âmbito da Programa Informação para Todos
(IFAP); d) apoiar a preservação da informação documental analógica e digital através do
148
Programa Memória do Mundo; e) acompanhar a evolução e promover o intercâmbio das
melhores práticas no que diz respeito às dimensões éticas da sociedade da informação, com
base nas prioridades do IFAP; f) promover parcerias internacionais para melhorar o acesso
universal à informação; g) incentivar o desenvolvimento de sociedades do conhecimento. II)
Prioridade Setorial Bienal 2 “Promoção de aplicações inovadoras de TICs para o
desenvolvimento sustentável”: a) promover o desenvolvimento de infraestruturas; b) apoiar a
formulação de estratégias, políticas e melhores práticas para a gestão da informação; c)
desenvolver novas abordagens para a divulgação e utilização do conhecimento, inclusive por
meio de software de código livre e aberto. III) Linha de ação principal 2 “Promover o acesso
universal à informação e ao desenvolvimento de infraestruturas”: a) estabelecer um quadro
político na UNESCO para o acesso universal à informação; b) parcerias internacionais com
várias partes interessadas para melhorar o acesso universal à informação. IV) Linha de ação
principal 4 “Reforçar o papel da comunicação e da informação na promoção da compreensão
mútua, da paz e da reconciliação, particularmente em áreas de conflito e pós-conflito”: a)
fomentar a diversidade cultural e salvaguardar a memória intangível.
A 35 C/Resolution 61, aprovada na 35ª Conferência Geral (2009), aprova as
diretrizes gerais do Programa Comunicação e Informação estruturado em torno de duas
prioridades setoriais e três principais linhas de ação. Em relação à prioridade setorial 1
“Promover a liberdade de expressão e informação”, estrutura as ações do Diretor Geral
voltadas para atividades relacionadas ao campo da comunicação. Em relação à prioridade
setorial 2 “Desenvolver competências para o acesso universal à informação e ao
conhecimento”, estrutura as ações do Diretor Geral voltadas para atividades relacionadas ao
campo da comunicação e da informação. Em relação às ações voltadas para o campo da
informação na prioridade setorial 2 “Desenvolver competências para o acesso universal à
informação e ao conhecimento”, as ações do Diretor Geral devem ser no sentido de: a)
contribuir para a promoção do acesso equitativo à informação para todos, ajudando os Estados
membros no estabelecimento e implementação de políticas e de estruturas e estratégias
eficazes na promoção da alfabetização relacionada aos recursos informacionais, da
preservação da informação, da ética na informação, da informação para o desenvolvimento e
acessibilidade da informação universal, nomeadamente através do Programa Informação para
Todos (IFAP); b) melhorar a divulgação nacional e internacional do IFAP; c) melhorar a
acessibilidade de informações para os mais desfavorecidos, incluindo as comunidades locais,
povos indígenas, grupos minoritários e pessoas com deficiência; d) promover a
disponibilidade de conteúdo diversificado e multilíngue; e) reforçar infraestruturas através do
149
reforço do papel das bibliotecas e arquivos como instituições-chave na divulgação e
preservação da informação e do conhecimento; f) desenvolver as capacidades dos
profissionais de informação para torna-los melhor capacitados a enfrentarem os desafios nas
áreas de bibliotecas e arquivos; g) promover a preservação do patrimônio documental,
mediante a salvaguarda material original e de sensibilização da importância do patrimônio e
da memória como contribuintes para o conhecimento; h) contribuir para a ampliação da
Biblioteca Digital Mundial para servir como um marco para o desenvolvimento da política
nacional e internacional; i) propor estratégias para fomentar o aumento do uso de tecnologias
de informação e comunicação (TICs) na aquisição e partilha de conhecimento; j) promover o
acesso à informação científica através da utilização das TICs; k) criar políticas e estratégias de
acesso aberto para aumentar o uso de ferramentas de código aberto. Na prioridade setorial 3
“Promover o acesso universal à informação, ao conhecimento e ao desenvolvimento de
infraestruturas” (única linha de ação que diz respeito ao campo informacional) a resolução
prevê: a) a preservação do patrimônio documental nos Estados-Membros; b) promoção de
infraestruturas para o desenvolvimento sustentável da boa governança nos Estados Membros;
c) apoio aos Estados Membros no desenvolvimento de estratégias para o uso de TICs, em
particular, para o acesso ao conhecimento científico.
A 36 C/Resolution 53, aprovada na 36ª Conferência Geral (2011), aprova as
diretrizes gerais do programa Comunicação e Informação. O Programa está estruturado em
torno de duas prioridades setoriais e bienais e três principais linhas de ação. A Prioridade
setorial bienal 1 “Promover a liberdade de expressão e informação” está totalmente voltada
para o campo da comunicação. A Prioridade setorial bienal 2 “Promover as capacidades de
informação e comunicação para o acesso universal ao conhecimento a fim de diminuir o fosso
digital” aponta que a UNESCO deverá: a) apoiar ações que ajudem a reduzir o fosso digital e
promover oportunidades de acesso a tecnologias de informação e comunicação (TICs) e da
utilização da Internet para o desenvolvimento; b) desenvolver e fomentar parcerias com os
setores públicos e privados para resolver e diminuir a exclusão digital e as diferenças entre
homens e mulheres, famílias, e áreas geográficas em diferentes níveis socioeconômicos,
incluindo as necessidades das pessoas com deficiência; c) coordenar o papel da Organização
na Comissão de Banda Larga para o Desenvolvimento Digital, reconhecendo a importância da
banda larga para o desenvolvimento; d) promover a aplicação das TICs para melhorar a
qualidade e o acesso à educação; e) construir o conhecimento científico através da promoção
do acesso aberto aos resultados da investigação científica; f) promover o multilinguismo no
ciberespaço; g) contribuir para aumentar o acesso dos países em desenvolvimento a software
150
livre e de código aberto; h) proteger, digitalizar e promover o acesso a todos ao patrimônio
documental por meio do Programa Memória do Mundo; i) promover a conscientização,
preservação e salvaguarda do material original; j) fortalecer a preservação digital e
desenvolver princípios que devem orientar a digitalização; k)
promover e fortalecer as
bibliotecas e arquivos como contribuintes para sociedades do conhecimento e desenvolver as
capacidades dos profissionais da informação; l) continuar a reforçar a Biblioteca Digital
Mundial como meio de disponibilizar online e gratuitamente documentos raros e únicos de
bibliotecas e instituições culturais de todo o mundo; m) reforçar a divulgação nacional e
internacional do Programa Informação para Todos (IFAP); n) ajudar os Estados Membros na
elaboração e implementação de estruturas de políticas de informação nacionais para o acesso
universal à informação. Nas principais linhas de ação 1 e 2, denominadas respectivamente de
“Promover um ambiente propício à liberdade de expressão, a fim de promover o
desenvolvimento, a democracia e o diálogo para uma cultura de paz e não violência” e
“Fortalecimento da mídia livre, independente e pluralista” só foram aprovadas medidas
relacionadas ao campo da comunicação. Na Principal linha de ação 3 “Apoiar os Estados
Membros na formação de cidadãos através do acesso universal ao conhecimento e à
preservação da informação, incluindo o patrimônio documental” foram aprovadas: a) proteção
do patrimônio documental do mundo; b) reforçar a capacidade dos Estados Membros na
preservação e digitalização de acervos de bibliotecas e arquivos, entendidos como centros de
educação, ensino e informação.
Resoluções da UNESCO dentro do IFAP aprovando questões específicas sobre o
campo informacional
Na 31ª Conferência Geral (2001) foram aprovadas 2 resoluções específicas do
Programa Informação para Todos (IFAP). Elas se referiam à promoção e utilização do
multilinguismo e acesso universal ao ciberespaço e à preservação do patrimônio digital.
A 31 C Resolution 33, aprovada na 31ª Conferência Geral (2001), toma nota do
relatório apresentado pelo Diretor Geral sobre a execução das atividades relativas à promoção
e utilização do multilinguismo e acesso universal ao ciberespaço e afirma reconhecer a
importância do multilinguismo para a promoção do acesso universal à informação,
particularmente a informação que cai em domínio público. Reitera a convicção da
151
Conferência Geral de que a UNESCO deve ter um papel de liderança internacional na
promoção acesso a informações de domínio público e em incentivar o multilinguismo e a
expressão da diversidade cultural em redes de informação mundiais. Convida o Diretor Geral
a: a) prosseguir o processo de consulta sobre o projeto de promoção e utilização do
multilinguismo e acesso universal ao ciberespaço através da organização de reuniões com
peritos na área; b) incluir o recém-criado Conselho Intergovernamental do Programa
Informação para Todos, nas discussões sobre o tema, bem como o setor privado; c) apresentar
um projeto de recomendação sobre o tema na 32ª Conferência Geral.
A 31 C Resolution 34, aprovada na 31ª Conferência Geral (2001), faz as seguintes
considerações em relação à preservação do patrimônio digital: a) considera que as
informações culturais, educacionais, científicas, administrativas, técnicas e médicas, são cada
vez mais produzidas, distribuídas e acessadas apenas em formato digital (material nascido
digital); b) que a informação digital é altamente suscetível à obsolescência técnica e física; c)
que a manutenção do acesso contínuo aos recursos digitais requer um compromisso de longo
prazo; d) que de acordo com o estabelecido na Conferência de Diretores de Bibliotecas
Nacionais (CDNL), considera as bibliotecas como um lugar de papel ativo na gestão dos
recursos digitais produzidos em seus países; e) que se solidariza com o Conselho
Internacional de Arquivos (ICA) no que concerne à necessidade de garantir o acesso contínuo
ao conteúdo e à funcionalidade de autênticos registros eletrônicos; f) que a elaboração de
instrumentos de normalização no domínio da cultura e informação é uma tarefa importante e
universalmente valorizado pela UNESCO; g) que a preservação do patrimônio digital
constitui um aspecto importante do Projeto de Estratégia de Médio Prazo da UNESCO para
2002-2007; h) parabeniza as atividades propostas no projeto transversal “Preservar a nossa
herança digital” que prevê, através da adoção de uma carta internacional para a preservação
do patrimônio digital, a identificação, proteção, conservação e transmissão às gerações futuras
do patrimônio digital. Convida o Diretor Geral a: 1) preparar um documento de reflexão que
contenha elementos de um projeto de carta sobre a preservação do patrimônio digital devendo
ser submetido à aprovação da Conferência Geral em sua 32ª Conferência Geral; 2) elaborar os
princípios para a preservação e continuidade da acessibilidade cada vez maior da herança
digital no mundo, em estreita colaboração com todos os intervenientes, incluindo bibliotecas,
arquivos e museus; 3) promover o uso de padrões abertos na criação e desenvolvimento de
materiais; 4) sensibilizar os governos e outros produtores e detentores de informação da
necessidade de salvaguardar a memória digital do mundo, tanto quanto possível na sua forma
autêntica; 5) incentivar os Estados Membros da UNESCO, organizações governamentais e
152
não governamentais e instituições internacionais, nacionais e privadas a assegurar que a
preservação de seu patrimônio digital tenha prioridade alta no nível da política nacional; 6)
incentivar os Estados Membros da UNESCO a adaptar sua legislação nacional e regulamentos
prevendo o depósito nacional destes materiais, de modo a assegurar a preservação e o acesso
permanente aos materiais produzidos digitalmente; 7) fornecer ferramentas para os Estados
Membros estabelecerem sistemas para monitorar o estado de preservação de acervos digitais;
8) tomar medidas para garantir que os repositórios digitais para documentos, publicações e
arquivos sejam configurados em consonância com os da UNESCO e de outras agências das
Nações Unidas.
Na 32ª Conferência Geral (2003) foram aprovadas 2 resoluções específicas do
Programa Informação para Todos (IFAP). Elas se referiam à Recomendação sobre a
Promoção e Uso do Multilinguismo e Acesso Universal ao Ciberespaço e Carta sobre a
Preservação do Patrimônio Digital.
A 32/C Resolution 41, aprovada na 32ª Conferência Geral (2003), adota a
Recomendação sobre a Promoção e Uso do Multilinguismo e Acesso Universal ao
Ciberespaço, reconhecendo a importância de promover o multilinguismo e o acesso equitativo
à informação e ao conhecimento, especialmente no domínio público e convida o Diretor Geral
a realizar todas as ações necessárias, em cooperação com os Estados Membros, organizações
governamentais e não governamentais internacionais e do setor privado, para a
implementação da Recomendação. A Conferência Geral ao aprovar a Recomendação afirma
dentre outras coisas, que a sua aprovação se deu pelo fato da Conferência estar comprometida
com a plena realização dos direitos humanos e liberdades fundamentais proclamados na
Declaração Universal dos Direitos Humanos e outros instrumentos jurídicos universalmente
reconhecidos e de estar consciente dos dois Pactos Internacionais de 1966 relativos
respectivamente, aos direitos civis e políticos e aos direitos econômicos, sociais e culturais. A
Recomendação prevê o “Desenvolvimento de conteúdos e sistemas multilíngues”,
“Facilitação do acesso às redes e serviços”, “Desenvolvimento de conteúdos de domínio
público” e “O justo equilíbrio entre os interesses dos detentores de direitos e o interesse do
público”. Traz como propostas: a) o acesso universal à Internet como um instrumento para
promover a realização dos direitos humanos, a fim de melhorar o processo de empoderamento
da cidadania e da sociedade civil e incentivar a implementação e o apoio adequado aos países
em desenvolvimento, dando a devida consideração às necessidades das comunidades rurais;
b) facilitar o acesso universal à Internet através de telecomunicações acessíveis e a custos
baixos, com atenção especial às necessidades do serviço público, instituições de ensino, e de
153
grupos populacionais desfavorecidos e com deficiência; c) incentivar os fornecedores de
serviços de Internet a considerar a prestação de tarifas especiais para acesso à Internet nas
instituições de serviço público, como escolas, instituições acadêmicas, museus, arquivos e
bibliotecas públicas, como forma de favorecer o acesso universal ao ciberespaço; d) incentivar
o desenvolvimento de estratégias de informação e modelos que facilitem o acesso a todos os
níveis da sociedade, incluindo a criação de projetos comunitários e promovendo o surgimento
de líderes e mentores locais de tecnologia de comunicação e informação; e) promover a
partilha de informações e experiências sobre a utilização das redes e serviços das TICs,
baseadas no desenvolvimento socioeconômico, incluindo as tecnologias de código aberto,
bem como a formulação de políticas e capacitação para o desenvolvimento de países; f) que
os Estados Membros reconheçam e aprovem o direito de acesso online, universal e seguro,
aos registros públicos governamentais, incluindo informações relevantes para os cidadãos em
uma sociedade democrática moderna, dando a devida consideração a preocupações como a
confidencialidade, privacidade e segurança nacional, bem como aos direitos de propriedade
intelectual na medida em que elas se aplicam ao uso de tais informações; g) que as
organizações internacionais reconheçam e promulguem o direito de cada Estado ter acesso a
dados essenciais relativos à sua situação social ou econômica; h) que os Estados Membros e
as organizações internacionais identifiquem e promovam os repositórios de informação e
conhecimento de domínio público, tornando-os acessíveis a todos, formando assim, ambientes
de aprendizagem propício à criatividade e ao desenvolvimento público; i) que haja
financiamento adequado para a preservação e digitalização da informação de domínio
público; j) que sejam encorajados acordos de cooperação que respeitem tanto interesses
públicos e privados, a fim de garantir o acesso universal à informação de domínio público,
sem discriminação geográfica, econômica, social ou cultural; k) que sejam incentivadas
soluções de acesso aberto, incluindo a formulação de normas técnicas e metodológicas para a
troca de informações, portabilidade e interoperabilidade, bem como a acessibilidade em linha
de informações de domínio público sobre redes globais de informação; l) que seja promovida
e facilitada a educação em TICs, incluindo a popularização na implementação e utilização das
TICs e que esta promoção não seja limitada à competência técnica, mas também que inclua a
conscientização de princípios e valores éticos; m) que a UNESCO, em estreita cooperação
com outras organizações intergovernamentais interessadas, realize a compilação de um
inventário internacional de legislação, regulamentos e políticas sobre a geração e difusão online de informações de domínio público; n) a realização, em estreita cooperação com todas as
partes interessadas, de atualização de legislação nacional de direitos de autor e de sua
154
adaptação ao ciberespaço, tendo em conta o justo equilíbrio entre os interesses dos autores, e
titulares de direitos conexos, e entre o público.
A 32 C / Resolution 42, aprovada na 32ª Conferência Geral (2003), reconhece que a
preservação do patrimônio digital de todas as regiões e culturas é uma questão urgente de
preocupação mundial e por isso aprova a Carta sobre a Preservação do Patrimônio Digital
convidando o Diretor Geral a realizar todas as ações necessárias, em cooperação com os
Estados Membros, organizações governamentais e não governamentais internacionais e com o
setor privado para implementar o estabelecido na Carta. A Carta sobre a Preservação do
Patrimônio Digital sinaliza que o desaparecimento do patrimônio sob qualquer forma
constitui um empobrecimento do patrimônio de todas as nações; que os recursos de
informação e de expressão criativa são cada vez mais produzidos, distribuídos, acessados e
mantidos em formato digital, surgindo dessa forma um novo legado - o patrimônio digital;
que o acesso a este patrimônio vai oferecer oportunidades ampliadas para a criação, a
comunicação e a partilha de conhecimentos entre todos os povos; que o patrimônio digital
corre risco de ser perdido e que a sua preservação para o benefício das gerações presentes e
futuras é uma questão urgente de preocupação mundial; e que por estes motivos faz-se
necessário proclamar e adotar os princípios da Carta. A Carta prevê: “A herança digital como
uma herança comum”, “O acesso ao patrimônio digital”, “Proteção contra perda de
patrimônio”, “Necessidade de ação para evitar a perda do patrimônio digital”, “Continuidade
do patrimônio digital”, ”Desenvolvimento de estratégias e políticas de preservação do
patrimônio digital”, “A seleção do que deve ser mantido”, “A proteção do patrimônio digital”,
“As funções e responsabilidades para preservação do patrimônio digital”, “As parcerias e
cooperações que devem ser estabelecidas para preservação do patrimônio digital” e o “Papel
da UNESCO em relação à Carta”. A Carta sobre a Preservação do Patrimônio Digital traz
como propostas: a) que a herança digital consiste de recursos exclusivos do conhecimento e
da expressão humana e que esta herança abarca recursos científicos, administrativos,
educacionais, culturais, bem como outros tipos de informações, como as legais, médicas e
outras de informações criadas digitalmente ou convertida em formato digital a partir de
recursos analógicos existentes; b) que materiais digitais incluem textos, bases de dados,
imagens fixas e em movimento, áudio, gráficos, software e páginas web, bem como uma
ampla e crescente gama de formatos. Eles são frequentemente efêmeros e exigem produção,
manutenção e gestão planejados; c) que muitos desses materiais digitais tem valor duradouro
e significativo, e , portanto, constituem um patrimônio que deve ser protegido e preservado
para as gerações atuais e futuras. Esta herança sempre crescente deve existir em qualquer
155
idioma, em qualquer parte do mundo, e em qualquer área do conhecimento ou expressão
humana; d) o objetivo de preservar o patrimônio digital é garantir que ele permaneça acessível
ao público e deve estar livre de restrições excessivas; e) que deve haver o justo equilíbrio
entre os legítimos direitos dos criadores e detentores de direitos e os interesses do público; f)
que o patrimônio digital do mundo corre o risco de ser perdido para a posteridade e que por
isso devem ser desenvolvidas estratégias de preservação oportunas e informadas; g) que a
continuidade do patrimônio digital é fundamental e que sua preservação requer medidas que
deverão ser tomadas ao longo do ciclo de vida da informação digital, desde a criação até o
acesso. A preservação do patrimônio digital começa com a concepção de sistemas e
procedimentos confiáveis que irão produzir objetos digitais autênticos e estáveis. Para
preservá-los é necessário o desenvolvimento de estratégias e políticas de preservação tendo
em conta o nível de urgência, as circunstâncias locais, os meios disponíveis e projeções
futuras; h) que tal como acontece com todos os elementos do patrimônio documental,
princípios de seleção do que preservar podem variar entre os países, embora os principais
critérios para decidir quais os materiais digitais devem ser mantidos seria o seu valor cultural,
científico, probatório ou outro neste sentido. No entanto, deve ser dada prioridade àqueles
materiais já nascidos digitalmente. Decisões de seleção e as eventuais revisões posteriores
devem ser realizados de forma responsável, baseando-se em políticas e princípios e
procedimentos padrões; i) que um elemento-chave da política de preservação nacional em
relação ao seu patrimônio digital está na legislação de arquivos e no estabelecimento de
depósito legal ou voluntário deste patrimônio em bibliotecas, arquivos, museus e outros
repositórios públicos; j) o patrimônio digital de todas as regiões, países e comunidades devem
ser preservados e tornados acessíveis, de modo a assegurar a representação sobre o tempo de
todos os povos, nações , culturas e línguas; k) a preservação do patrimônio digital exige
esforços sustentados por parte dos governos, criadores, editores, indústrias relacionadas e
instituições de patrimônio. Em face da exclusão digital atual, é necessário reforçar a
cooperação e a solidariedade internacional para permitir que todos os países possam garantir a
criação, difusão, preservação e continuidade do acesso de seu patrimônio digital; l) é papel da
UNESCO tomar os princípios enunciados nesta Carta no funcionamento dos seus programas,
promover a sua implementação, servir como um ponto de referência e um fórum onde se
possa elaborar objetivos, políticas e projetos em favor da preservação do patrimônio digital,
promover a cooperação, sensibilização e capacitação, bem como propor diretrizes éticas,
legais e técnicas para apoiar a preservação do patrimônio digital e determinar se há uma
156
necessidade de mais instrumentos normativos para a promoção e preservação do patrimônio
digital.
Na 33ª Conferência Geral (2003) foi aprovada 1 resolução específica do Programa
Informação para Todos (IFAP). Ela se referia ao Dia Mundial do Patrimônio Audiovisual.
A 33 C/Resolution 53, aprovada na 33ª Conferência Geral (2005), proclama o dia 27
de outubro como o Dia Mundial do Patrimônio Audiovisual em razão de considerar que uma
ação global para a promoção do patrimônio audiovisual pode fornecer novos reconhecimentos
e importantes estímulos para os esforços nacionais, regionais e internacionais em prol da
preservação deste patrimônio para as gerações futuras e que a proclamação de um Dia
Mundial do Patrimônio Audiovisual é uma das maneiras mais eficazes de realizar esta ação
global. Convida os Estados-Membros da UNESCO, Comissões Nacionais, organizações não
governamentais, instituições públicas e privadas (escolas, arquivos, museus, associações
culturais, e outras instituições capazes de aumentar a consciência pública e o reconhecimento
da a importância deste patrimônio) a promover celebrações neste dia a fim de contribuir, cada
um de acordo com suas possibilidades, para a preservação do patrimônio audiovisual. Solicita
ao Diretor Geral a incentivar iniciativas nos planos nacional, regional e internacional para a
celebração deste dia.
Na 34ª Conferência Geral (2007) foram aprovadas 2 resoluções específicas do
Programa Informação para Todos (IFAP). Elas se referiam à Recomendação sobre a
Promoção e Uso Multilinguismo e de Acesso universal a Ciberespaço e à criação do Centro
Regional de Tecnologia da Informação e Comunicação em Bahrein (Golfo Pérsico).
A 34 C/Resolution 49, aprovada na 34ª Conferência Geral (2007), toma nota do
primeiro relatório consolidado apresentado pelo Diretor Geral sobre as medidas tomadas pelos
Estados Membros para a implementação da Recomendação sobre a Promoção e Uso
Multilinguismo e de Acesso universal a Ciberespaço. A resolução aponta que 32 Estados
Membros apresentaram relatórios na primeira consulta realizada pela Diretoria Geral da
UNESCO; convida os Estados Membros que ainda não fizeram seus relatórios a tomar
medidas para implementar esta Recomendação; solicita ao Diretor Geral que intensifique as
ações para a execução da Recomendação.
A 34/C Resolution 50, aprovada na 34ª Conferência Geral (2007), aprova a criação
do Centro Regional de Tecnologia da Informação e Comunicação (CICT), em Manama,
Bahrein, como um centro regional sob os auspícios da UNESCO.
Na 35ª Conferência Geral (2009) foram aprovadas 3 resoluções específicas do
Programa Informação para Todos (IFAP). Elas se referiam à Cúpula Mundial sobre da
157
Sociedade da Informação, ao acesso universal à informação e ao conhecimento e ao
Manifesto da Biblioteca Multicultural.
A 35 C/Resolution 62, aprovada na 35ª Conferência Geral (2009), convida: a) os
Estados Membros e Membros Associados a participar ativamente e fornecer recursos
extraorçamentários para a implementação do Plano de Ação da UNESCO para a Cúpula
Mundial sobre da Sociedade da Informação; b) as organizações das Nações Unidas envolvidas
na implementação dos resultados da Cúpula Mundial sobre da Sociedade da Informação a
trabalhar em estreita parceria com governos, outras partes interessadas e a UNESCO na
implementação do Plano de Ação da Cúpula; c) o Diretor Geral a desenvolver o conceito de
“sociedade do conhecimento” nos níveis regional e nacional;
assegurar que a UNESCO continue a desempenhar o seu papel como uma das principais
agências de coordenação, facilitação e implementação de forma intersetorial e interdisciplinar
do Plano de Ação da Cúpula; reforçar a participação da UNESCO no debate internacional
sobre o governo e Internet.
A 35 C/Resolution 63, aprovada na 35ª Conferência Geral (2009), recomenda que o
Diretor Geral: a) realize um mapeamento das iniciativas de acesso aberto existentes em níveis
regionais e globais com o objetivo de uma melhor definição e reforço do papel da UNESCO
na promoção do acesso aberto, tendo em conta o papel da UNESCO como um ator global; b)
desenvolva um projeto de estratégia sobre como a UNESCO poderá reforçar a sua
contribuição para a promoção do acesso aberto à informação científica e à pesquisa; c)
busque recursos extraorçamentários para garantir a implementação do acesso universal à
informação e ao conhecimento e convide os Estados-Membros e outros organismos de
financiamento a fazer contribuições extraorçamentários para esse fim.
A 35 C/Resolution 64, aprovada na 35ª Conferência Geral (2009): a) felicita a
Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (IFLA) por seus esforços
no desenvolvimento do Manifesto da Biblioteca Multicultural; b) convida os Estados
Membros a apoiar o Manifesto da Biblioteca Multicultural e tomar o Manifesto em
consideração durante o planejamento de estratégias e programas a serem desenvolvidas a
nível nacional. A resolução aponta que o apoio ao Manifesto é em razão do documento da
IFLA ir ao encontro da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural da UNESCO
(2001); de acreditar que as bibliotecas de todos os tipos deve refletir, apoiar e promover a
diversidade cultural e linguística nos níveis internacional, nacional e local e de reconhecer que
o Manifesto elaborado pela IFLA é uma importante ferramenta para trabalhar essas questões.
158
Na 36ª Conferência Geral (2011) foram aprovadas 9 resoluções específicas do
Programa Informação para Todos (IFAP). Elas se referiam a: criação do Centro Regional de
Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação no Brasil, transformação do
Instituto de Ciência da Informação (Eslovênia) no Centro Regional de Sistemas de
Informação, Biblioteca e Pesquisa, Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação,
promoção do uso da Internet, fortalecimento do Programa Memória do Mundo, Manifesto
para Bibliotecas Digitais, Código de Ética para a Sociedade da Informação, Declaração
Universal sobre Arquivos e ao projeto da UNESCO de estratégia para a promoção do acesso
aberto à informação científica e de pesquisa.
A 36 C/Resolution 54, aprovada na 36ª Conferência Geral (2011), aprova a criação,
em São Paulo, no Brasil, sob os auspícios da UNESCO, do Centro Regional de Estudos para o
Desenvolvimento da Sociedade da Informação.
A 36 C/Resolution 55, aprovada na 36ª Conferência Geral (2011), aprova a
transformação do Instituto de Ciência da Informação, em Maribor, na Eslovênia, no Centro
Regional de Sistemas de Informação, Biblioteca e Pesquisa, em funcionamento sob os
auspícios da UNESCO.
A 36 C/Resolution 56, aprovada na 36ª Conferência Geral (2011): a) toma nota do
relatório apresentado pelo Diretor Geral sobre os progressos realizados na implementação dos
resultados da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação; b) solicita um novo reforço
da implementação das atividades de acompanhamento da Cúpula; c) solicita ao Diretor Geral
a reforçar ainda mais o papel de liderança da UNESCO no processo da Cúpula, organizando
um evento de alto nível antes da revisão global dos resultados da Cúpula em 2015, e de
procurar recursos extraorçamentários para esse fim; d) convida os Estados Membros e outros
possíveis parceiros e patrocinadores a fazer contribuições extraorçamentários para o processo
de implementação da Cúpula; e) solicita que o Diretor Geral apresente um relatório à
Conferência Geral, em sua 37ª Conferência, sobre os progressos realizados na implementação
dos resultados da Cúpula.
A 36 C/Resolution 57, aprovada na 36ª Conferência Geral (2011), solicita ao Diretor
Geral a: a) utilizar o potencial da Internet para oferecer oportunidades de desenvolvimento
humano nas áreas de educação, ciências, cultura, comunicação e informação; b) promover o
uso da Internet através da criação de conteúdo multilíngue e desenvolvimento de capacidades,
assumindo uma maior cooperação intersetorial e parcerias com governos e outras partes
interessadas; c) a defender a liberdade de expressão no ciberespaço; d) a participar ativamente
e contribuir substancialmente para o debate global sobre governo e Internet; e) tratar de
159
questões de preservação digital e ajudar os Estados Membros na formulação de políticas e
estratégias nacionais de digitalização; f) relatar periodicamente aos órgãos de governo sobre
as atividades da UNESCO, tendo em conta os pontos acima mencionados; g) apoiar a
governança na Internet de acordo com os princípios de abertura, criação de conteúdo local, o
multilinguismo, os aspectos éticos da Internet e o respeito pela privacidade. A resolução
aponta que a aprovação das medidas é em função de acreditar que: a) o desenvolvimento da
Internet tem se mostrado um enorme potencial para promover o acesso e a difusão de
informações, a geração de conhecimentos e para promover os valores fundamentais que estão
no cerne do mandato da UNESCO; b) a Internet proporciona na era digital um grande
potencial para a cidadania, a inclusão social e para alcançar os marginalizados.
A 36 C/Resolution 59, aprovada na 36ª Conferência Geral (2011), solicita ao Diretor
Geral que inicie, dentro do orçamento regular, uma reflexão aprofundada sobre o
fortalecimento do Programa Memória do Mundo e sua perspectiva de desenvolvimento por
meio de uma avaliação global do Programa, incluindo pesquisas entre os Estados Membros,
tendo em conta: a) a capacidade do Programa Memória do Mundo em enfrentar os desafios
atuais à luz dos constantes avanços tecnológicos e suas consequências para o patrimônio
documental, digital e tradicional; b) os desafios e soluções relacionados com a preservação e
acessibilidade do patrimônio documental; c) as perspectivas para o desenvolvimento e
fortalecimento do Programa Memória do Mundo; d) os recursos financeiros e humanos
atribuídos ao programa. Convida o Diretor Geral a celebrar o 20º aniversário do Programa
Memória do Mundo, com a cobertura da mídia para destacar a importância do programa, dar
visibilidade generalizada ao público e a apoiar plenamente a conferência sobre a preservação
digital prevista para Setembro de 2012. A resolução aponta que o patrimônio documental, é
uma herança preciosa, mas vulnerável da humanidade e, portanto, requer uma atenção
especial, por isso, o crescente interesse da maioria dos países em preservar seu patrimônio
documental, interesse este refletido no aumento do número de inscrições no Registro de
Memória do Mundo, e participação nas conferências internacionais do Programa Memória do
Mundo.
A 36 C/Resolution 60, aprovada na 36ª Conferência Geral (2011), apoia o Manifesto
para Bibliotecas Digitais da Federação Internacional de Associações e Instituições
Bibliotecárias (IFLA) e convida os Estados Membros e todas as partes interessadas a levar em
consideração e aplicar o Manifesto da IFLA para Bibliotecas Digitais no processo de
construção de sociedades do conhecimento equitativas e inclusivas.
160
A 36 C/Resolution 61, aprovada na 36ª Conferência Geral (2011), reconhece os
esforços do Conselho Intergovernamental do Programa Informação para Todos (IFAP) no
desenvolvimento de um Código de Ética para a Sociedade da Informação, toma nota do
Código de Ética para a Sociedade da Informação e convida o Diretor Geral a sugerir possíveis
maneiras que a Organização poderia abordar as dimensões éticas da sociedade da informação.
A 36 C/Resolution 62, aprovada na 36ª Conferência Geral (2011), reconhece: a) que
a Declaração Universal sobre Arquivos, elaborada pelo Conselho Internacional de Arquivos
(ICA), é um instrumento importante para a sensibilização mundial de diversos problemas
relacionados à informação; b) que os princípios e objetivos da Declaração Universal sobre
arquivos são compatíveis com o estabelecido nos manifestos de bibliotecas adotadas pela
Federação Internacional de Associações e Instituições Bibliotecárias (IFLA); c) o papel
importante dos arquivos para os direitos democráticos dos cidadãos. A resolução também
felicita o Conselho Internacional de Arquivos sobre o seu trabalho na elaboração da
Declaração Universal sobre os Arquivos; aprova a Declaração Universal sobre Arquivos
desenvolvida e adotado pelo Conselho Internacional de Arquivos e incentiva os Estados
Membros a se guiarem pelos princípios estabelecidos na Declaração Universal sobre os
Arquivos no planejamento e implementação de estratégias e programas a nível nacional.
A 36 C/Resolution 64, aprovada na 36ª Conferência Geral (2011), adota o projeto de
estratégia para a promoção do acesso aberto à informação científica e de pesquisa da
UNESCO e convida os Estados Membros e outros organismos de financiamento para fazer
contribuições extraorçamentárias para a execução do projeto.
Resoluções da UNESCO aprovadas dentro do programa Suporte aos Programas
de Execução
A 34/C Resolution 67, aprovada na 34ª Conferência Geral (2007), solicita ao Diretor
Geral que informe nos relatórios oficiais sobre o acesso online à Internet a todos os
documentos oficiais da UNESCO desde 1946; a ferramenta eletrônica de descrição
arquivística para gerenciamento do ciclo de vida dos registros em papel da Organização e o
novo sistema de gestão de documentos (workflow eletrônico) da UNESCO.
A 35 C/Resolution 81, aprovada na 35ª Conferência Geral (2009), solicita que o
Diretor Geral informe periodicamente através de relatórios sobre execução dos programas da
161
UNESCO relacionados: a) à melhoria dos sistemas de gestão da informação da Organização;
b) o acesso online a todos os documentos oficiais; c) o acesso online às ferramentas de
descrição arquivística eletrônica para gerenciamento do ciclo de vida dos registros em papel
da UNESCO; d) a ferramenta de descrição de arquivo ICA-AtoM29; e) ao sistema de gestão
documental da UNESCO.
Resoluções da UNESCO aprovadas dentro do programa Cultura
No Programa de Área Maior Cultura, a temática dos arquivos apareceu em 2 das seis
Conferências Gerais realizadas na década de 2000. Na 31ª Conferência Geral (2001) em
resolução que trata da adoção da Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Cultural
Subaquático e na 32ª Conferência Geral (2003), em resolução que trata do patrimônio
cultural e histórico da cidade de Jerusalém.
A 31 C Resolution 24 – aprovada da 31ª Conferência Geral (2001), adota a
Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Cultural Subaquático que codifica e desenvolve
regras relativas à proteção e preservação do patrimônio cultural subaquático. A Convenção
define como “patrimônio cultural subaquático” todos os vestígios da existência humana de
natureza cultural, histórica ou arqueológica que tenham sido total ou parcialmente cobertos
pela água, periódica ou continuamente, por pelo menos 100 anos, tais como: locais, estruturas,
edifícios, artefatos e restos humanos, juntamente com a seu contexto arqueológico natural
além de embarcações, aeronaves, outros veículos ou qualquer parte dele, sua carga ou outro
conteúdo, em conjunto com o seu contexto arqueológico e natural e também objetos de caráter
pré-histórico. A Convenção estabelece 36 regras relativas a intervenções no patrimônio
cultural subaquático. Dentre elas, aquelas que estão relacionadas à questão informacional e
aos arquivos são: A Regra 7 que estabelece que o acesso ao patrimônio cultural subaquático
deve ser promovido, salvo se tal acesso for incompatível com sua proteção e gestão; A Regra
19 que estabelece que num projeto (cuja a elaboração é necessária sempre que houver
interesse de intervenção no patrimônio cultural subaquático, devendo ele ser apresentado às
autoridades competentes para a autorização) deve sempre haver um plano de contingência que
garanta tanto a conservação do patrimônio cultural subaquático como de sua documentação;
29
ICA-AtoM é aplicativo de código-fonte aberto baseado em padrões para a descrição arquivística num contexto
multilíngue.
162
As Regras 26 e 27 que estabelecem a criação de um programa de documentação que deve ser
criado para documentar as atividades do projeto de intervenção no patrimônio cultural
subaquático; as Regra 30 e 31 que determinam que os relatórios intercalares e finais das
atividades do projeto de intervenção no patrimônio cultural subaquático deverão ser
depositados em arquivos públicos apropriados; As Regra 32, 33 e 34 referentes à conservação
dos arquivos do projeto de intervenção no patrimônio cultural subaquático que estabelecem
que arranjos para conservação dos arquivos do projeto devem ser acordadas antes que
qualquer atividade se inicie e que este arranjo deve constar na concepção do projeto; que os
arquivos do projeto, devem, tanto quanto possível, serem mantidos juntos e intactos de
maneira que seja possível disponibilizá-las para acesso ao público em geral e a profissionais,
bem como para os arquivos, e que isto deve ser feito o mais rapidamente possível, sendo
estabelecido como prazo final, o prazo de dez anos a partir da conclusão do projeto; a Regra
36 referente à conclusão de um projeto de intervenção no patrimônio cultural subaquático que
prevê que assim que um projeto se encerre, ele se torne público o mais rápido possível, e seja
depositado em arquivos públicos apropriados.
A 32 C Resolution 39, aprovada na 32ª Conferência Geral (2003), aponta que apesar
dos esforços contínuos e louváveis do Diretor Geral da UNESCO em implementar as
resoluções da Conferência Geral e as decisões do Conselho Executivo sobre a salvaguarda do
patrimônio cultural de Jerusalém, pouco ou nenhum progresso foi observado neste sentido, no
entanto, convida o Diretor Geral a continuar tentando prosseguir com seus esforços e solicita
que ele, assim que possível, em colaboração com partes interessadas, prepare uma missão
altamente qualificada e puramente técnica para conservar o patrimônio cultural da Cidade
Jerusalém. Solicita também que o Diretor Geral estabeleça, dentro de um ano, uma comissão
composta por especialistas encarregados de propor, em caráter exclusivamente técnico e
científico, diretrizes para um plano de ação e propostas para a sua implementação, que vise
salvaguardar o patrimônio cultural de Jerusalém. Convida também as autoridades israelenses
a tomarem as medidas necessárias a este respeito. Apela aos Estados, organizações,
instituições, pessoas jurídicas e pessoas físicas a contribuir financeiramente para a conta
especial para a salvaguarda do patrimônio cultural da Cidade de Jerusalém, em particular para
as atividades em favor da preservação de todos os monumentos religiosos e históricos que
necessitam de restauração, em todas as partes da cidade de Jerusalém, bem como apela para a
formação e capacitação na área da restauração e preservação de monumentos e sítios, museus,
arquivos e manuscritos. Solicita que organizações e instituições governamentais e não
163
governamentais observem as resoluções da Conferência Geral da UNESCO e as decisões da
Diretoria Executiva relativas à Jerusalém.
Os direitos humanos e as políticas da UNESCO para o campo informacional e para os
arquivos na década de 2000
Na década de 2000, tivemos 29 resoluções aprovadas sobre o campo informacional
e/ou sobre os arquivos, um total de dez resoluções a menos em relação à década de 1990.
No entanto, percebemos que em 2000, a maior parte das resoluções referentes ao
campo informacional e aos arquivos, foram aprovadas dentro do Programa Informação para
Todos (IFAP), ou seja, dentro do próprio programa voltado especificamente para as questões
concernentes ao campo informacional. O que significa que do total de 29 resoluções, 25
foram resoluções aprovadas dentro do IFAP, ou seja, 86% do total.
Situação diferente aconteceu na década de 1990, onde das 39 resoluções aprovadas,
apenas 25 foram resoluções aprovadas dentro do Programa Geral de Informação (à época, este
era o programa onde constavam as questões concernentes ao campo informacional e aos
arquivos), ou seja, apenas 64% do total de resoluções aprovadas sobre o campo informacional
e/ou sobre os arquivos constavam dentro do
programa voltado para este fim.
Se levarmos em consideração que todas as resoluções aprovadas fora dos programas
destinados a questões do campo informacional eram sobre “arquivos”, já que foi buscando
pelo radical “archiv” que encontramos estas resoluções, podemos dizer que a temática dos
arquivos foi ficando cada vez mais incorporada ao campo informacional. Esta foi uma
característica significativa que observamos dentro das resoluções desta década. Na década de
1990, as resoluções que se referiam aos arquivos foram aprovadas dentro de várias áreas de
mandato da UNESCO e se constituíram como o total de 38% das resoluções aprovadas fora
do campo informacional.
Outra característica significativa que observamos dentro das resoluções da década de
2000 é que os temas aprovados dentro do IFAP foram ficando cada vez mais específicos, se
consideramos que das 25 resoluções aprovadas dentro do IFAP, 19 resoluções eram sobre
temas específicos.
164
Na década de 1990 foi possível perceber que a maior parte das resoluções aprovadas
pela UNESCO referentes ao campo informacional eram resoluções que aprovavam as
políticas de UNESCO para aquela área de mandato, sendo uma quantidade bem inferior em
relação às resoluções aprovando questões específicas dentro da área voltada para questões
concernentes ao campo informacional.
A diferença para o que percebemos na década de 2000 foi considerável. Nesta década,
as resoluções que aprovavam as diretrizes gerais da UNESCO para a área de mandato
informação foram poucas (apenas 6 resoluções), se consideradas as várias resoluções
aprovadas (19 resoluções) sobre temáticas específicas dentro da área de mandato.
A observação deste fato, tanto permitiu que considerássemos que as políticas da
UNESCO estavam cada vez mais focadas nas mais variadas especificidades do campo, por
isso, elas não estavam sendo tratadas de forma genérica em resoluções que aprovavam as
diretrizes gerais para aquela área de mandato, quanto permitiu evidenciar com mais clareza
quais eram os temas, ou como apontamos, as “preocupações” que estavam ficando mais
evidentes nestas políticas.
Desde a primeira conferência realizada na década de 2000 (31ª Conferência Geral –
2001) o IFAP passou a ser o programa onde seriam traçadas as políticas para a informação e
para a informática, já que, na conferência anterior (30ª Conferência Geral – 1999) os dois
programas – informação e informática, haviam se fundido.
Isso significa que informação e informática, a partir da década de 2000, estavam
estritamente relacionadas ao objetivo de proporcionar “informação para todos”, já que este foi
o nome que o programa passou a ter depois da fusão dos outros dois (informação e
informática).
A fusão dos dois antigos programas no “Programa Informação para Todos”, deixou
evidente que a UNESCO acreditava que a “informação para todos” só é possível se houver o
uso de novas tecnologias, neste caso as novas Tecnologias da Informação e da Comunicação
(TICs).
Identificamos que a ideia de sociedade da informação e do conhecimento foi
crescendo dentro das resoluções aprovadas neste período na mesma proporção que crescia nas
resoluções, a ideia de que são necessários investimentos de todos os âmbitos e natureza dentro
do programa nas novas Tecnologias da Informação e da Comunicação.
Ficou evidente que a reformulação da estrutura de seus programas veio atender às
novas propostas da UNESCO para o campo informacional. O conceito “informação para
todos” veio definir qual o papel do campo para o novo entendimento dado para informação e
165
consequentemente para os arquivos. A partir das resoluções que aprovavam questões a
respeito de temas específicos dentro do IFAP observamos que na década de 2000, se
destacaram:
1. O alargamento do conceito de patrimônio (conforme se percebe na aprovação da
Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Subaquático, da Carta de Preservação do
Patrimônio Digital, e do Manifesto para Bibliotecas Digitais), que cada vez mais vai
se preocupando com tudo que é ligado à atividade humana, e por isso, as novas
tecnologias precisam ser consideradas já que são preponderantes na sociedade da
informação;
2. A ativa participação da UNESCO na definição do conceito de “sociedade da
informação” que em várias resoluções aprovadas traz a necessidade de sua
participação na Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação e sua preocupação
não apenas com as questões tecnológicas, mas também com as questões éticas e de
inclusão, por isso, a aprovação de um Código de Ética para a Sociedade da
Informação;
3. A promoção e utilização do multilinguismo e acesso universal ao ciberespaço como
forma de promover o acesso universal à informação, derrubando todas as barreiras que
o impeçam. Esta foi uma questão muito recorrente chegando a constar em
praticamente todas as Conferências Gerais. A aprovação da Recomendação sobre a
Promoção e Uso do Multilinguismo e Acesso Universal ao Ciberespaço aponta a
preocupação da UNESCO com a necessidade de se garantir o acesso universal à
informação através do acesso ao ciberespaço;
4. O foco na informação de domínio público necessária à garantia de muitos direitos,
como o direito à educação, informação, conhecimento e participação na gestão da vida
pública e social;
5. O foco no patrimônio audiovisual e digital, já que há o reconhecimento das novas
formas de produção de informação através destas mídias, e que preserva-las é de
fundamental importância para preservação do patrimônio documental. Esta questão
fica bem evidente nas resoluções que aprovam a Carta de Preservação do Patrimônio
Digital, a Recomendação sobre a Promoção e Uso do Multilinguismo e Acesso
Universal ao Ciberespaço, a proclamação do dia mundial do audiovisual e o apoio ao
Manifesto para Bibliotecas Digitais.
6. O uso da informação pelas pessoas como forma de empoderamento, capacitação,
resolver problemas e melhorar diversos aspectos da vida em sociedade. Estas questões
166
ficam bem evidentes nas resoluções que aprovam as diretrizes gerais que aprovam o
Programa Comunicação e Informação.
7. O acesso universal á informação e ao conhecimento tanto a níveis regionais quanto
globais, visando a maior igualdade de direitos entre os povos e grupos minoritários;
8. Grande defesa do patrimônio documental, das bibliotecas e dos arquivos como
grandes promotores do acesso às informações e considerados como portas de acesso
dos cidadãos à educação, à participação, à cultura e à diversidade.
Observamos que o conceito de sociedade da informação e do conhecimento, cada vez
mais tratado nas resoluções da UNESCO, não exclui as preocupações da Organização em
relação à preservação do patrimônio histórico, cultural, documental a fim de garantir a
identidade, a cultura, a memória, e a diversidade.
Muito ao contrário, o conceito de sociedade da informação e do conhecimento no qual
a UNESCO se preocupa em construir, está diretamente ligado a estas questões, no entanto,
enfatiza que para o campo informacional e os arquivos possam continuar proporcionando
estas garantias, ou melhor, alargá-las, é necessário que exista estreita conexão das políticas
traçadas para este fim com as novas tecnologias da informação e comunicação.
Sobre a relação direta das políticas para o campo informacional e para os arquivos
com o que está estabelecido nos Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos do Sistema
Global de Proteção dos Direitos Humanos da ONU, observamos que assim como as
resoluções aprovadas na década de 1990, as resoluções aprovadas na década de 2000, também
vão ao encontro com os direitos humanos afirmados nos Instrumentos da ONU.
Os direitos à educação, à participação, à diversidade, à liberdade de expressão,
comunicação e informação, à cultura, à identidade, previstos nestes instrumentos, continuam
sendo objeto de preocupação da UNESCO, que aponta através de suas resoluções que centros
de documentação e informação, arquivos e bibliotecas são imprescindíveis para assegurar
estes direitos.
A grande diferença observada em relação à década de 1990, é que nas ditas “sociedade
da informação” e “sociedade do conhecimento” o papel assumido por estes centros de
documentação e informação, arquivos e bibliotecas e seus profissionais, ganha força como o
uso das novas tecnologias da comunicação e informação, mais do que ganhar força, são
fundamentais para que possam ser evidenciados como instrumentos de direitos.
A preocupação percebida através das resoluções e do próprio nome do programa em
englobar “todos” também visa atender às características dos direitos humanos: sua
universalidade, complementaridade, indissociabilidade e indivisibilidade. O que quer dizer
167
que, tanto não adianta afirmar e proteger certos direitos se outros também não forem
afirmados e garantidos, quanto não adianta afirmar e garantir o direito de uns se não se
afirmar e proteger o direito de todos os seres humanos.
Também podemos apontar que incorporar as novas tecnologias da informação e
comunicação e tudo que advém delas (como por exemplo, o uso de novas mídias para
produção e disseminação da informação) no escopo de preocupações da UNESCO, significa
que a garantia dos direitos humanos em sua plenitude requer a observância de tudo que é
emergente na vida dos homens em sociedade.
No caso da “sociedade da informação e do conhecimento”, as novas tecnologias da
informação e comunicação que fazem parte dela, podem tanto contribuir para o acesso aos
inúmeros direitos elencados no roll dos direitos humanos, como também, aumentar as
desigualdades entre os seres humanos e impedir a diversidade de valores culturais, étnicos,
históricos, dos diferentes povos, ou seja, “privar” os seres humanos de determinados direitos.
Nesse sentido, cuidar para que estas tecnologias não “apaguem” certos direitos, é
também uma necessidade que precisa ser levada em consideração para a afirmação e defesa
dos direitos humanos.
Assim, comparadas as políticas da UNESCO para o campo informacional e para os
arquivos, traçadas em suas resoluções, com os direitos humanos traçados nos Instrumentos
Internacionais de Direitos Humanos, podemos dizer que as políticas da UNESCO vão ao
encontro destes direitos.
168
___________________________________________________________________________
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Através do levantamento do conteúdo e dos assuntos das resoluções das Conferências
Gerais da UNESCO pudemos identificar nesses documentos quais eram as políticas da
UNESCO para os arquivos ao longo das duas últimas décadas, bem como perceber como os
arquivos foram ficando cada vez mais evidentes nas políticas da UNESCO para o campo
informacional.
Através da comparação das resoluções com os instrumentos de direitos humanos da
ONU, também foi possível identificar que as políticas da UNESCO para os arquivos,
elaboradas a partir de suas resoluções, vão ao encontro da defesa dos direitos humanos
estabelecidos nos Instrumentos Internacionais de Direitos Humanos da ONU. Dizemos isto
porque de acordo com o que os instrumentos de direitos humanos declaram como princípios
da dignidade do homem, percebemos que se os arquivos adotarem as políticas da UNESCO,
eles serão capazes de assegurar um conjunto de direitos estabelecidos nestes instrumentos.
A valorização dos arquivos pela UNESCO, apontando-os como necessários a todos as
questões acima expostas, evidencia um direito humano fundamental que sem ele não seria
possível garantir muitos outros direitos: o direito de acesso à informação. A consagração deste
direito torna-se evidentemente necessária quando a UNESCO em suas políticas, identifica e
estabelece a importância dos arquivos em questões tão imprescindíveis à garantia de direitos
humanos básicos estabelecidos nos instrumentos internacionais.
Assim, podemos concluir que: 1) a UNESCO quando identifica e estabelece nas
políticas que traça para os arquivos um conjunto “relações” que eles tem com muitas questões
de interesse para a humanidade (preservação dos patrimônios, por exemplo) acaba por
evidenciar o direito de acesso à informação; 2) o direito de acesso à informação é um direito
ao qual os arquivos, através das políticas que adota e das tarefas que desenvolve, pode
assegurar; 3) se o direito de acesso à informação for assegurado ele é capaz e imprescindível
para assegurar muitos outros direitos, inclusive e principalmente, os direitos humanos
considerados como básicos nos instrumentos internacionais de direitos humanos.
Tomando como referencial teórico para analisar políticas da UNESCO para o campo
informacional e para os arquivos as ideias defendidas por Bobbio (2004), de que os direitos
humanos para serem concebidos como tal precisam estar positivados, sendo direitos mal
definidos, heterogêneos, antinômicos e principalmente, históricos, nascendo de modo gradual
e não de uma vez por todas, a partir de certas circunstâncias que possibilitaram o seu
169
nascimento, e também comparando tais políticas com os Instrumentos Internacionais de
Direitos Humanos, podemos percebemos que as políticas de informação da UNESCO levam
em conta o que são e quais são os direitos humanos que estas precisam assegurar e preservar.
Nesse sentido, confirmamos nosso pressuposto de que sem saber o que são direitos humanos e
sem ter parâmetros de onde buscar a positivação destes direitos não é possível identificar
arquivos que apresentem os direitos humanos como um valor que justifique sua preservação.
Desse modo, também podemos concluir que os trabalhos desenvolvidos pelo
Memórias Reveladas do Arquivo Nacional do Brasil e do grupo de trabalho de direitos
humanos do CIA, ao identificarem e tomarem medidas que visem a preservação de acervos de
órgãos governamentais que tinham por atividades perseguição política de cidadãos para lhes
privar de direitos civis e políticos, são iniciativas que só são possíveis porque há o
reconhecimento desta categoria de direitos como sendo direitos humanos e de que nos acervos
destes órgãos seria possível encontrar conjuntos documentais que comprovassem que estes
direitos foram em algum momento violado. Ou seja, identificar em documentos
constitucionais que os direitos civis e políticos são direitos humanos que precisam ser
resguardados pelo Estado e que em algum momento ele deixou de fazê-lo foi o que permitiu
que estes acervos fossem identificados como direitos humanos.
Por fim, é preciso considerar, de acordo com o nosso referencial teórico, que aponta
para o fato dos direitos serem históricos, heterogêneos e antinômicos, que as políticas da
UNESCO confirmam estas características dos direitos humanos, por isso, é preciso ficar
atento a elas para que os direitos humanos sejam preservados através do patrimônio
documental e dos arquivos em sua plenitude.
Quando encontramos nas resoluções da UNESCO uma preocupação grande com o
advento de novas tecnologias que terão grande impacto na vida do ser humano e por isso o
campo informacional precisa incorporá-las em suas reflexões e políticas, identificamos por
exemplo, a historicidade dos direitos humanos, já que, novas necessidades dos homens vão
sendo incorporadas aos direitos à medida em que vão surgindo. Quando encontramos
resoluções que tratam do livre acesso e acesso universal à informação e do intercâmbio de
informações, mas tendo o cuidado de se preservar o direito à propriedade intelectual e o
direito autoral, percebemos as características heterogêneas e antinômicas dos direitos
humanos e como elas estão presentes nas políticas informacionais que em última instância
visam a proteção dos direitos humanos através de instrumentos em potencial que são os
arquivos.
170
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