Arte e Matemática na escola - Base Integradora da TV Escola
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Arte e Matemática na escola - Base Integradora da TV Escola
ARTE E MATEMÁTICA ESCOLA NA EDITE RESENDE VIEIRA1 ELOÍSA SABÓIA RIBEIRO² APRESENTAÇÃO ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ “As Ciências começam a estabelecer novos diálogos com as artes, os mitos, as imagens, as espiritualidades e as formas de conhecimento produzidos pela espécie humana, em espaços e tempos também distantes uns dos outros; isto é, estão promovendo uma proliferação de pontos de vista sobre o conhecimento, indispensáveis para que o conhecimento possa evoluir.” Mauro Cerutti ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A Série Arte e Matemática na escola, que será apresentada pela TV ESCOLA, no Programa Salto para o Futuro, de 05 a 09 de agosto de 2002, é constituída por cinco programas que pretendem oferecer um espaço de reflexão, interação e discussão sobre as múltiplas relações matemáticas existentes nas diversas linguagens artísticas – Artes Visuais, Literatura, Música, Teatro e Dança –, assim como sobre as complexas relações artísticas presentes na linguagem matemática. O Salto para o Futuro pretende propiciar um diálogo com a premiada série Arte e Matemática, uma realização da TV Escola/MEC – TV Cultura (2000), composta de 13 programas que 1 2 Licenciada e Bacharel em Matemática. Especialista em Informática Educativa, em Metodologia do Ensino Superior, Mestranda em Educação e Professora do Colégio Pedro II -RJ. Consultora dessa série. Pedagoga, Licenciada em Educação Artística. Especialista em Didática do Ensino Superior, em Educação Artística, em Teoria da Arte e em Tecnologia da Imagem. Mestre em Educação. Professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do Colégio Pedro II - RJ, Diretora do Espaço Cultural do Colégio Pedro II, Coordenadora e Professora da PósGraduação em Ensino da Arte das Faculdades Bennett. Consultora dessa série. PROPOSTA PEDAGÓGICA 2 ARTE E MATEMÁTICA NA ESCOLA mostram as relações entre Matemática e Arte nos mais variados meios e expressões. Mas o que será que a Arte tem a ver com a Matemática? E o que isto pode ter a ver com a Educação? Estas são as questões centrais que norteiam a dinamização dos programas, objetivando também discutir possibilidades de projetos e atividades que abordem o ensino e a aprendizagem da Matemática e da Arte, numa perspectiva fora dos padrões dos livros didáticos, isto é, a possibilidade de encararmos tais conhecimentos de forma contextualizada e significativa, presentes num cotidiano escolar esteticamente valorizado, passível de interpretação, crítica e expressão pelo alunado. Desde os Primeiros Tempos, temos registros de manifestações artísticas e matemáticas no comportamento humano. O pensamento matemático expressava-se, com certeza, até na escolha da caverna, onde, intuitivamente, a proporcionalidade entre o espaço disponível e o número de habitantes do grupo era levado em consideração. Teria sido este o início da arquitetura? O pensamento artístico dominava magicamente os desafios da natureza. A arte era produzida pelo homem caçador, que desenhava bisões e mamutes, registrando suas marcas nas paredes das cavernas, como forma de domínio, poder e força. Havia também a construção de armas, instrumentos e utensílios em pedra, ossos e troncos, em que as relações entre as formas, suas dimensões, volumes e usos são evidentes para nós. São precisões, igualdades e variações que afloram ao nosso olhar, símbolos e padronagens que desafiam a harmonia e o ritmo plástico. Fica-nos a questão: Até onde Matemática? Até onde Arte? Faz sentido tal separação? Ao longo da história, acompanhando as transformações, o mito, a ciência e a arte surgem como formas de organização dos diferentes saberes e como modos de transformação da experiência humana. Em decorrência de grandes marcos da história da humanidade, como o apogeu das ciências, o processo de industrialização e, mais tarde, o surgimento da tecnologia, o conhecimento fragmentou-se cada vez mais, PROPOSTA PEDAGÓGICA 3 ARTE E MATEMÁTICA NA ESCOLA resultando numa intensa disciplinarização – com o surgimento de objetos de estudo, métodos e conteúdos específicos – o que produz seus efeitos até os nossos dias, em especial em nossa educação. Entender o surgimento da Arte e da Matemática nos diferentes contextos culturais da história da humanidade, como formas de o homem pensar-se e expressar-se em seu tempo histórico, respondendo às questões sociais, históricas, políticas e culturais que o mundo lhe impunha, configurase como o primeiro passo para sermos capazes de lançar um novo olhar à contemporaneidade. As múltiplas relações existentes entre os saberes de nosso tempo sensibilizam-nos para a complexidade do conhecimento humano, denunciando e fazendo-nos reconhecer o quanto são tênues as fronteiras existentes entre as descobertas científicas, as invenções matemáticas e tecnológicas e as produções das diferentes linguagens artísticas. E foi partindo do princípio de que o conhecimento humano não é só múltiplo como também complexo, reunindo fazeres e pensares de todos os tipos – religiosos, artísticos, científicos, míticos e cotidianos – que nos propusemos a nos aventurar pela história do homem e de suas produções, buscando pistas, indícios e evidências do quanto a Arte e a Matemática sempre caminharam e do quanto caminham juntas até os dias de hoje, ajudando-nos a produzir novas respostas ao mundo imagético, globalizado e cibernético em que vivemos. Mas onde poderemos identificar as relações entre a Arte e a Matemática? Isto seria possível de acontecer na escola ? À Escola, levamos o desafio de um ensino de Matemática provido de significado para o aluno, de forma a desempenhar um papel formativo – por desenvolver competências lógico-matemáticas, funcionais – por ajudar na resolução de problemas do dia-a-dia, e instrumental – por fazer conexões com outras áreas curriculares. Em Arte, trazemos à discussão a necessidade de pesquisarmos sobre as imagens, os sons, as palavras e os gestos, para aprender com eles, com os mundos que eles representam e com a vida das pessoas que se relacionaram e/ou que continuam a se relacionar com eles; é a importância e o direito de aprender a interpretar a cultura de seu tempo/espaço, com a PROPOSTA PEDAGÓGICA 4 ARTE E MATEMÁTICA NA ESCOLA amplitude de informações e conhecimentos sobre outros tempos/ espaços. Nossos alunos em geral têm acesso a produções artísticas dos mais diferentes tipos, através do computador, da TV, do rádio, do vídeo, dos games, do cinema, dos out-doors das ruas, dos artesanato das feiras populares, dos jornais, das revistas e de tantas outras fontes... Por que não nos apropriarmos desta riqueza na escola? Entendendo a arte enquanto linguagem, acreditando na aprendizagem de sua leitura e de sua produção, enquanto pensamento, expressão e comunicação, estaremos desenvolvendo eixos organizadores e estruturadores de subjetividades e de aquisição de novos saberes. Mais que isto, estaremos desenvolvendo uma política educacional capaz de reconhecer, valorizar e respeitar diferenças e singularidades – aspecto fundamental para a sociedade em que vivemos. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ “O que a arte na escola principalmente pretende é formar o conhecedor, fruidor, o decodificador da arte. Uma sociedade só é artisticamente desenvolvida quando ao lado de uma produção artística de alta qualidade há também uma alta capacidade de entendimento pelo público. Desenvolvimento cultural, que é a alta aspiração de uma sociedade, só existe com desenvolvimento artístico neste duplo sentido.” Ana Mae Barbosa ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Aos professores, fica o convite para este caminhar conjunto, repensando e trocando práticas educativas a cada passo, como forma de sugerir às novas gerações caminhos em constantes mudanças: a vida. E, neste sentido, por que não ARTE e MATEMÁTICA? ou MATEMÁTICA e ARTE? TEMAS QUE SERÃO DEBATIDOS NOS PROGRAMAS: PGM 1: UM CALEIDOSCÓPIO DE POSSIBILIDADES Neste programa, buscaremos trazer à discussão a complexidade do pensamento humano, na qual inteligência e sensibilidade atuam juntas na PROPOSTA PEDAGÓGICA 5 ARTE E MATEMÁTICA NA ESCOLA tessitura de múltiplos saberes. Destacamos o encontro entre o matemático e o artístico em inúmeras produções humanas até os nossos dias. A utilização de números, proporções, simetria, ilusão de óptica, geometria projetiva, perspectiva linear e razão áurea em expressões artísticas de diferentes linguagens são alguns exemplos que evidenciam o uso intuitivo ou intencional de conceitos matemáticos por artesãos e artistas, na busca do equilíbrio e da harmonia estética, ao produzirem suas obras. A visita a um Espaço Cultural ou a um Museu de Arte pode revelar-se uma ótima oportunidade para que crianças e jovens, de maneira lúdica, prazerosa e crítica, tenham acesso a produções artísticas, identificando concretamente o uso destas relações. PGM 2: ARTES VISUAIS E MATEMÁTICA Uma viagem pela história das imagens Este programa tem como objetivo abordar as linguagens visuais (desenho, pintura, gravura, escultura, colagem, fotografia, cinema, instalações e infografias, dentre outras), em suas relações com a linguagem matemática, pelo viés da estética. Temos a intenção de apresentar determinadas produções representantes de alguns movimentos artísticos, assim como algumas obras contemporâneas, que nos mostram a diversidade de suportes, de materiais, de linguagens e de técnicas, expressos no conceitual, na dinamicidade e no interativo das imagens, como forma de exemplificar o uso conjunto da Arte e da Matemática, desdobrando-se esteticamente nas possibilidades do tempo, do espaço, do movimento, e do acaso, inaugurando trajetórias que se abrem do ver ao sentir, do sentir ao abstrair. Atividades escolares nas quais crianças possam brincar com os elementos básicos da perspectiva, explorando-a enquanto recurso para a produção de uma ilusão de óptica, ou onde possam realizar múltiplas construções matemáticas e artísticas com o tangran, desenvolvendo o pensamento divergente e a criatividade, podem ser de grande produtividade para uma abordagem multidisciplinar. PGM 3: LITERATURA E MATEMÁTICA O prazeroso jogo de palavras que faz a leitura do mundo Este programa busca apresentar algumas interfaces entre o conhecimento literário e o matemático, analisando produções artísticas e experiências pedagógicas que possam enriquecer o cotidiano escolar. PROPOSTA PEDAGÓGICA 6 ARTE E MATEMÁTICA NA ESCOLA Segundo o Dicionário Aurélio, um dos significados dado à Literatura é que ela é “o conjunto dos conhecimentos das obras ou dos autores literários”. Existe hoje em dia uma quantidade de obras que usando “as palavras como arma” traduzem o pensamento matemático para a linguagem coloquial. Estas obras ensinam os leitores a poderem conversar sobre os números e a descobrirem a beleza de sua construção, desfazendo a velha idéia de que a Matemática é só para os “superdotados”. Muitas delas, de modo saboroso e muitas vezes pitoresco, contam a vida dos maiores matemáticos do mundo e descrevem as suas obras. Elas proporcionam um entretenimento indispensável tanto para os que gostam de Matemática como para os que precisam descobrir a sua beleza e a sua utilização na leitura do mundo. A Ciência Matemática é uma obra do espírito humano e nenhuma outra construção tem a unidade e a harmonia desta ciência; nenhuma a iguala na solidez e no equilíbrio perfeito e na delicadeza dos detalhes – diz Amoroso Costa. Sendo ela uma obra construída pelo espírito humano, pode ser compreendida através das palavras. Descobrir, desde a infância, as relações existentes entre a Literatura e a Matemática pode ser uma experiência inesquecível, capaz de possibilitar às crianças não só a vivência da interdisciplinaridade, como também o domínio paulatino da estrutura destas duas linguagens, no que elas trazem de melhor: a harmonia e o equilíbrio da Literatura, a beleza e a poética da Matemática. PGM 4: DANÇA, TEATRO E MATEMÁTICA O espaço que confere ao corpo as possibilidades do ser, do sentir e do expressar-se Este programa abordará a Dança e o Teatro, enquanto linguagens tradicionalmente reconhecidas por suas dimensões espaciais, temporais e cinéticas, em algumas das muitas relações existentes com a linguagem matemática. Enfatizando a dinamicidade e o cênico na história do movimento expressivo, buscaremos exemplificar, pelo uso dos elementos fundamentais destas linguagens, o quanto existe de espacialidade, de harmonia de formas, de simetria e de assimetria de movimentos, de utilização de proporções e de muitos outros conceitos matemáticos em suas produções, sejam estas coreográficas ou dramáticas. Em uma aula de dança ou de teatro, crianças e jovens podem, através de jogos simbólicos, da vivência de diversos personagens ou do uso do corpo PROPOSTA PEDAGÓGICA 7 ARTE E MATEMÁTICA NA ESCOLA como uma verdadeira orquestra de movimentos expressivos, que evolui em sons, tempos, ritmos e marcações no espaço, vivenciar de forma fluida e intensa, a presença da estética artística e matemática, capaz não só de proporcionar-lhes a autodescoberta, mas também de conferir-lhes a beleza da expressão e da comunicação pelos gestos, sons e movimentos. PGM 5: MÚSICA E MATEMÁTICA A alquimia dos sons na magia do tempo Este programa traz-nos a Música e a Matemática na história do homem, apresentando-nos um panorama intercultural, em que tais relações se apresentam em diferentes espaços e tempos. Na sua definição mais simples, Música é “ritmo e som”. Ou seja, é uma combinação de sons executados em determinada cadência. A importância da Matemática na Música se revela desde a concepção mais fundamental do que é “som musical” e do que é “ritmo”. Os sons com os quais podemos criar nossas músicas constituem o que chamamos de “escala musical”. Eles são definidos a partir de relações matemáticas muito precisas, e quando combinados de determinadas maneiras podem produzir resultados agradáveis aos nossos ouvidos. Essas relações matemáticas, junto com as características intrínsecas das vibrações sonoras, são a base para a “harmonia” na superposição dos sons musicais. Por outro lado, a maneira como encadeamos os sons em nossas músicas também segue regras com fundamentos matemáticos. Todos os tipos de “ritmos” que podemos conceber musicalmente obedecem a algum tipo de divisão fracionária, cuja característica sempre está vinculada a um determinado gênero artístico ou a um tipo de cultura. Conhecer essas influências matemáticas é, antes de tudo, conhecer a essência da própria Música. Numa aula de Música, pode-se criar oportunidades para tais descobertas, de forma lúdica e prazerosa, seja pela experimentação do som, pelo manuseio de instrumentos ou pelo uso da própria voz, em ritmos diversos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS : ALVES, Nilda. A Formação dos profissionais da Educação na ótica dos movimentos sociais organizados. In: Linhas de Rumo em Formação de Professores, Anais do I Congresso Internacional de Formações de Professores nos Países de Língua e Expressão Portuguesa. Aveiro (Portugal), 1993. 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PROPOSTA PEDAGÓGICA 10 ARTE E MATEMÁTICA NA ESCOLA PGM 1: UM CALEIDOSCÓPIO DE POSSIBILIDADES Manoel de Barros, poeta do pantanal mato-grossense, referindo-se às relações existentes entre arte e vida, afirma-nos: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ “Tudo, creio, já foi pensado e dito por tantos e tontos, ou quase tudo. Então, o que se pode fazer de melhor é dizer de outra forma. É “des-ter” o assunto. Se for para tirar gesto poético, vai bem perverter a linguagem... Temos que molecar o idioma para que ele não morra de clichês. O nosso paladar de ler anda com tédio. É preciso propor novos enlaces para as palavras. Há que se encontrar a primeira vez numa 1 2 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ EDITE RESENDE VIEIRA 1 ELOÍSA SABÓIA RIBEIRO² frase para ser-se poeta nela. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O poeta, como todo artista, é aquele alguém capaz de descobrir nas pequenas coisas da vida cotidiana, nas “ordinariedades da vida”, como diria Manoel de Barros, singularidades capazes de transformá-las em objetos repletos de significados, seja através das palavras, dos gestos, do movimento, das cores e das formas, dos sons ou de outros infinitos recursos. Ao realizar tal proeza, o artista cria um campo inesgotável de relações perceptivas, racionais, críticas, afetivas e imaginárias, que se desdobra em múltiplas leituras e em novas visibilidades para seus leitores, conferindo ao Licenciada e Bacharel em Matemática. Especialista em Informática Educativa, em Metodologia do Ensino Superior, Mestranda em Educação e Professora do Colégio Pedro II -RJ. Consultora dessa série. Pedagoga, Licenciada em Educação Artística, Especialista em Didática do Ensino Superior, em Educação Artística, em Teoria da Arte e em Tecnologia da Imagem, Mestre em Educação. Professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e do Colégio Pedro II - RJ, Diretora do Espaço Cultural do Colégio Pedro II, Coordenadora e Professora da Pós– Graduação em Ensino da Arte das Faculdades Bennett. Consultora dessa série. BOLETIM 11 ARTE E MATEMÁTICA antes “ordinário” o status de “extraordinário”. A obra de arte 3, independente da linguagem artística escolhida por seu autor, nunca se reduzirá a si mesma, enquanto produção, pois se torna capaz de sintetizar referências históricas, marcas culturais e questões político-sociais do espaço e do tempo de sua criação; traz o único e o universal engendrados de tal maneira que, ao fechar-se o processo de criação do artista, abre-se processo de fruição 4 dos leitores, num renascer estético intemporal, que se estende à própria existência humana. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ “A verdade é que a arte não envelhece porque o ser humano que a contempla é sempre novo, ou terá um olhar outro e estará realizando uma infinidade de leituras porque infinita é a capacidade do homem de perceber, sentir, pensar, imaginar, emocionar-se e construir significações diante das formas artísticas. Nesse sentido, a obra de arte, mesmo tendo data e procedência, transcende o tempo e transpõe fronteiras, por isso é patrimônio cultural da Humanidade. Pertence a quem dela fruir, seja um operário egípcio dos tempos dos faraós, seja o habitante de uma plataforma 3 4 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA espacial do ano de 2075.” (Mirian Celeste et alli) ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Os processos estéticos continuarão a atuar por meio daqueles que se relacionarão com a obra. Assim, o observável terá sempre a marca do conhecimento e da imaginação de quem observa. Chamamos esse processo de reflexão estética. A reflexão estética é o modo como funciona o pensamento estético que, ao contrário do que muitos pensam, não apresenta apenas uma dimensão cognitiva ou técnica. Ao contrário, o pensamento estético, por sua riqueza e complexidade, é capaz de ultrapassar a cognição e a técnica, abrindo-se ao imaginário e a outros saberes da inteligência humana, relacionando-os aos saberes do corpo, da memória, da percepção, dos desejos e dos afetos. Mas afinal, o que é estética? Existe alguma relação entre estética, arte e matemática? Segundo Pareyson, a estética, enquanto disciplina, poderia ser definida como o conjunto de conhecimentos especulativos e reflexivos sobre a experiência artística, entendendo-se como O conceito de obra de arte ao qual nos referimos inclui produções artísticas de diferentes linguagens e oriundas dos mais diferentes tempos, espaços e culturas. Fruição é aqui considerada como um processo dinâmico e individual, através do qual nos relacionamos com a obra de arte, atualizando-a, segundo nossas formas de interpretação, nossas sensibilidades e nosso contexto socio-histórico e cultural. BOLETIM – PGM 1 - UM CALEIDOSCÓPIO DE POSSIBILIDADES 12 ARTE E MATEMÁTICA tal toda e qualquer experiência que tenha a ver com o belo e com a arte: a experiência do artista, do leitor da obra, do crítico, do historiador, do técnico da arte e de todo aquele que desfrute do belo, em qualquer área do conhecimento humano. A estética aborda, em suma, a contemplação da beleza, quer seja esta artística, natural ou intelectual. Sabemos que a necessidade estética não se configura como um privilégio da contemporaneidade. Inúmeros exemplos de produção e do comportamento humano comprovam o quanto, desde os primeiro tempos, ela se confunde com a gênese do próprio homem. O pensamento estético é, sem dúvida, uma das muitas maneiras que o homem encontrou não só para responder às questões que o mundo lhe impunha, mas também para responder a si mesmo, saciando-se no desejo do equilíbrio, na busca da eqüidade e da simetria, na necessidade de produzir algo aprazível ao ver, ao tocar, ao sentir e ao pensar. Por isso, a estética estende-se a todos os conhecimentos humanos, configura-se como uma fonte ancestral que atravessa os conhecimentos artísticos, científicos e religiosos, hoje desdobrados em disci5 6 7 8 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA plinas, pelas inúmeras transformações histórico-sociais e tecnológicas que ocorreram ao longo dos séculos. E é justamente sob o viés da estética que teremos a oportunidade de descortinar grandes encontros entre a arte e a matemática, pois ambas fazem parte do mesmo gesto com que o homem buscou o mundo, o outro e a si próprio. O cristal encontrado na natureza apresenta delicada simetria 5 das faces. A pirita ou sulfureto de ferro, geralmente denominado “ouro dos tolos”, ocorre na natureza como cubos entrelaçados. Algumas plantas e árvores crescem de acordo com a seqüência de Fibonacci 6. A seção de um favo de mel de abelhas consiste de hexágonos que favorecem a máxima armazenagem. O Nautilus 7 constrói a sua casa e, à medida que cresce, vai construindo um novo compartimento. Cada compartimento é maior que o anterior, na proporção da seqüência de Fibonacci. No espiral da concha do Nautilus observase uma propriedade bastante interessante: o animal cresce numa mesma proporção, a proporção áurea 8. Correspondência em grandeza, forma e posição relativa de partes que estão em lados opostos de uma linha ou plano médio, ou que ainda estão distribuídos em torno de um centro ou eixo; harmonia resultante de certas combinações e proporções regulares. A série de Fibonacci é produzida começando pelo número 1 e somando os dois números anteriores, encontra-se 1, 1, 2, 3, 5, 8, 13, 21, 34... Molusco cefalópode que tem a concha dividida em muitos compartimentos. É a mais agradável proporção entre dois segmentos ou duas medidas. Essa proporção é representada pelo número de ouro (Phi) ??= 16180... BOLETIM – PGM 1 - UM CALEIDOSCÓPIO DE POSSIBILIDADES 13 ARTE E MATEMÁTICA Na música, Pitágoras descobriu que os intervalos musicais são determinados por meio de relações entre números inteiros. O som, dividido de diversas maneiras, diferencia os padrões musicais de diferentes culturas. A presença da matemática torna-se ainda mais flagrante nas relações entre som/cadência/ritmo, na gramática das escalas musicais e na maneira como os sons encadeiam-se na música, o que nos ajuda a identificar influências matemáticas e artísticas na essência do que podemos considerar como música. A produção artística indígena, africana e de diversas outras culturas mostra claramente que mesmo as pessoas que não possuem conhecimento matemático acadêmico podem ter um sentido inato das formas geométricas. Não com a consciência geométrica da Grécia, mas com uma visão intuitiva da Geometria em suas produções artesanais. Na pintura, os artistas constataram que a geometria era de vital importância na obtenção da perspectiva ótica, que lhe conferia o efeito tridimensional. Pintores, escultores e arquitetos fizeram obras incríveis, usando a propor- 9 10 11 12 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA ção áurea. Usavam-na não por acaso, mas porque sabiam intuitivamente que os objetos com esta proporção eram os mais agradáveis esteticamente. Pesquisadores e historiadores descobriram, também, que o retângulo de ouro 9, por ser a forma mais agradável à visão, já era utilizado pelos gregos em seus projetos arquitetônicos, construções monumentais e obras de arte diversas. A utilização de números, proporções, simetria, ilusão de óptica, geometria projetiva, perspectiva linear e razão áurea em expressões artísticas de diferentes linguagens das artes visuais – das linguagens tradicionais como a pintura, a gravura, a escultura e a arquitetura às linguagens contemporâneas, digitais e de síntese, como as instalações, as infografias 10, a holografia 11 ou os simuladores 12 – são alguns exemplos que evidenciam o uso intuitivo ou intencional de conceitos matemáticos por artesãos e artistas na busca do equilíbrio e da harmonia estética. Em literatura, observamos na estrutura da própria linguagem interseções entre a arte e a matemática, que se fazem presentes no uso da métrica ou no Retângulo em que a razão entre o lado maior e o lado menor é igual ao número de ouro. É considerado a mais estética das formas retangulares. Técnica de produção de imagens, elaboradas a partir de programas digitais, combinando ou intervindo em desenhos, fotos, gráficos, etc. Holografia é um processo fotográfico para obtenção de imagens tridimensionais, mediante utilização de laser. Aparelhos cibernéticos que reproduzem ou imitam aspectos de uma determinada situação de modo controlado, provocando sensações. BOLETIM – PGM 1 - UM CALEIDOSCÓPIO DE POSSIBILIDADES 14 ARTE E MATEMÁTICA uso do ritmo existente nos poemas, cujas estrofes traduzem uma idéia de harmonia, beleza e sentimento. Esta procura de harmonia é na verdade uma busca de simetria que não é vista mas é sentida. Novos encontros entre arte e matemática também podem ser observados na criação de poemas concretos, que brincam com a ambigüidade plástica e significativa das palavras ou na montagem de poemóbiles – figuras tridimensionais que se encaixam e desencaixam, dando origem a novos significados. A dança e o teatro tradicionalmente nos oferecem, na própria estrutura de suas linguagens, um destaque às dimensões temporais, espaciais e cinéticas, pertinentes aos conhecimentos artístico e matemático. O uso da espacialidade do palco, em diferentes planos e marcações pelo ator ou bailarino, a harmonia de formas que exploram o espaço, o corpo que evolui em voz, tempo e movimento, a simetria e a assimetria, que dão dinamicidade à coreografia ou à representação dramática, redimensionando a expressão corpórea, em sua relação com o público, são alguns exemplos que marcam a presença das estética artística e matemática nestas linguagens. 13 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA Ao termos a oportunidade de analisar as diferentes linguagens artísticas – artes visuais, literatura, teatro, dança e música – poderemos vislumbrar uma infinidade de encontros, proporcionados por estas duas áreas do conhecimento. Isto lembrou-nos sugestivamente a beleza e a multiplicidade do caleidoscópio 13, brinquedo capaz de reinventar imagens a cada encontro de seus fragmentos, oferecendo-nos o novo em diferentes modos de ver e em diferentes possibilidades de pensar. Seria provavelmente impossível esgotar todas as relações existentes entre a arte e a matemática contudo, o que nos interessa, em especial, é a possibilidade de sermos capazes de lançar um novo olhar sobre o nosso tempo e sobre as nossas práticas, descobrindo e sendo capazes de proporcionar novos encontros entre a arte e a matemática em nossas próprias vidas. As múltiplas relações existentes entre os saberes de nosso tempo, sensibilizam-nos para a complexidade que o conhecimento humano nos denuncia hoje, fazendo-nos reconhecer o quanto são tênues as fronteiras existentes entre as descobertas científicas, as invenções matemáticas e tecnológicas e as produções artísticas de nosso tempo. Caleidoscópio é um brinquedo montado a partir de um tubo espelhado em seu interior. Este tubo contém fragmentos de vidros coloridos que, a cada movimento, se encontram, realizando combinações variadas numa sucessão rápida de impressões BOLETIM – PGM 1 - UM CALEIDOSCÓPIO DE POSSIBILIDADES 15 ARTE E MATEMÁTICA Arte & Matemática Um encontro possível na escola? ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ “A aprendizagem em Matemática está ligada à compreensão do significado: apreender significado de um objeto ou acontecimento pressupõe vê-lo em suas relações com outros objetos e acontecimentos.” (Parâmetros Curriculares Nacionais, Matemática, MEC, p.19) ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Grandes mudanças começam a solicitar a reestruturação de todo o sistema de aprendizagem, exigindo novas performances não só do aluno, mas também do professor. Segundo Candau: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ “Os professores são os principais agentes de inovação educacional. Sem eles, nenhuma mudança persiste, nenhuma transformação é possível.” ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O cotidiano escolar se coloca cada vez mais comprometido com a formação de um indivíduo em sintonia com seu tempo. Neste sentido, cabe à escola oferecer oportunidades para que os alunos vivenciem atividades contextualizadas e significativas, objetivando o alcance das múltiplas relações existentes entre a vida dos alunos, em suas necessidades, potencialidades, vivências e desejos e as práticas educativas desenvolvidas na escola. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA A educação ganha, aqui, responsabilidade fundamental, trazendo à tona a complexidade do pensamento humano, ao oferecer práticas interdisciplinares que abordem diferentes linguagens e áreas de conhecimento, de forma integrada, dinâmica e interativa. Promover situações em que os alunos possam, de maneira lúdica, prazerosa, crítica e criativa, ter acesso à arte, sendo capazes de identificar o uso das relações matemáticas em diferentes produções artísticas, pode constituir-se como mais uma possibilidade de encontro aos novos paradigmas que se impõem na contemporaneidade, congregando forças para um ampliar de referências, dentro e fora da escola, que venha a ressignificar a vida, de forma coletiva e dialógica. Referências bibliográficas ALDER, I. Iniciação à matemática de hoje. Trad. Augusto César de Oliveira Morgado. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1972. BARBOSA, A.M. A imagem no ensino da Arte. São Paulo: Perspectivas S. A., 1996 _______. A Compreensão e o prazer da Arte – Além da tecnologia: SESC, São Paulo, 1999. BARBOSA, R. M. Descobrindo Padrões Pitagóricos. São Paulo: Atual, 1993. BARROS, M. Gramática Expositiva do Chão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990. BOLETIM – PGM 1 - UM CALEIDOSCÓPIO DE POSSIBILIDADES 16 ARTE E MATEMÁTICA BERGAMINI, D. e al. As Matemáticas. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1969 CANDAU, V. M.(Org.). Magistério: Construção Cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1997. CATUNDA, O. et al. As transformações geométricas e o ensino da Geometria. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA, 1990. CERTEAU, M. de. A cultura no plural. São Paulo: Papirus, 1986. CHOMSKY, N. Reflexões sobre a linguagem. Trad. Carlos Vogt (et al.). São Paulo: Cultrix, 1980. DIENES, Z.P.;GOLDING, E.W. Exploração do espaço e prática da medição. Editora Herder, São Paulo, 1969. FAINGUELERNT, E.K. Educação Matemática: Representação e Construção em Geometria. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. ________.e outros. Trabalhando com Geometria. São Paulo: Ática, 1989. KAMII, C e DECLARK, G. Reinventando a Aritmética: implicações da teoria de Piaget. Campinas: Papirus, 1992. LÉVY, P. O que é o virtual? Trad. Paulo Neves. São Paulo: Editora 34, Coleção TRANS, 1996. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA MARTINS, M.C.et alii. Didática do Ensino de Arte. A língua do Mundo. São Paulo: FTD, 1998. MOREIRA, A. F. B. Currículo: Políticas e Práticas. São Paulo: Papirus, Coleção Magistério: Formação e Trabalho Pedagógico, 1999. MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1996. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS. Brasília, MEC, 1997. PILLAR, A. D. (Org.). A educação do Olhar no Ensino das Artes. Porto Alegre: Mediação, 1999. SAMAIN, E. Questões Eurísticas em torno do uso das imagens nas Ciências Sociais. In: Anais do Seminário Pedagogia da Imagem, Imagem da pedagogia, UFF, 1995. SANTOS, B. de S. Pela mão de Alice – o social e o político na pós-modernidade. São Paulo: Cortez, 1999. TINOCO. L. A. (Coord.) et al. Razões e Proporções. 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Neste procedimento, sua trajetória se desenvolveu da mimese para a abstração, ou seja, primeiramente ele contemplou a natureza, reproduziu-a e, depois, separou dela as 1 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ suas formas, chegando à abstração. Na Pré-História, os seres humanos criavam partindo da reprodução de formas que eram vitais para a sobrevivência, como os bisões que eram pintados no interior da caverna e as esculturas representando Vênus, com um grande ventre, esculpidas, preferencialmente, em pedra. Formas que registram o apelo mágico destes artistas, desejosos de materializar o objeto de suas necessida- Professora de História da Arte e de História, Teoria e Crítica de Arte dos cursos de Graduação e Pós-Graduação da Escola de Belas Artes; Diretora da Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro; Mestrado em Filosofia, na área de Estética/IFCS/UFRJ e Doutorado em História Social, na área de Cultura/IFCS/UFRJ; autora dos livros Anna Letycia. São Paulo, Edusp, 1999; A Fabulação Trágica de Portinari na Fase dos Retirantes. Rio de Janeiro, IFCS/UFRJ, 1985. Artigos em revistas especializadas e catálogos de exposições. BOLETIM 18 ARTE E MATEMÁTICA des. Mas é no Neolítico que os seres humanos conseguirão gravar, no osso ou na pedra, os símbolos abstratos de suas próprias indagações. Tais símbolos são “apresentados” intuitivamente, ou matematicamente. No início do século XX, este desejo de abstração será consciente, como podemos perceber na afirmação de Kandinsky: “Logo uma coisa se tornou clara para mim: a representação dos objetos não precisava ter lugar na minha pintura, e na verdade, era-lhe prejudicial”. Em 1951, Max Bill foi premiado na 1ª Bienal de São Paulo com uma obra intitulada “Unidade Tripartida”, na qual podemos observar seu racionalismo formalista através da lógica matemática com que ele estrutura o espaço, ao utilizar superfícies que se desenvolvem continuamente. No Brasil, o impacto da obra de Max Bill alavancou o movimento concretista. É evidente que, a esta época, já encontrávamos no Rio de Janeiro artistas como Almir Mavignier e Ivan Serpa, que estavam buscando este caminho. Nesta mesma Bienal, Serpa foi o pintor brasileiro que recebeu o prêmio de “Jovem artistas”. A pintura que apresentou, intitulada “Formas”, compunha-se de círculos que aparecem como figura e fundo, embasada na Teoria da Percepção. O desejo de criar uma arte que não mais representasse, mas que pudesse tornar visível concretamente a linha de raciocínio de um artista, sinaliza o abandono da figuração. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA Do século XV ao final do século XIX, o homem construiu um espaço, que hoje conhecemos como “o espaço cúbico da perspectiva renascentista”. A partir dos movimentos pós-Cézanne, este espaço começará a ser desconstruído. No século XV, o rigor matemático da cúpula de Brunelleschi, na catedral de Florença, é a certeza de uma procura na qual a regra é matemática: equilíbrio, ritmo, simetria. A sucessão de janelas marca, nas arquiteturas, o ritmo; a horizontalidade, que enquadra o edifício no campo visual do homem que passa, assegura a possibilidade de equilíbrio que se completa na exigência da simetria. Na pintura, a horizontalidade e a forma piramidal passam a nortear a composição do artista. A regra e a norma – há uma lógica matemática que faz o artista procurar a “justa medida”. As figuras serão representadas dentro de um espaço que se apresenta aos nossos olhos como “visto” através de uma janela. Alguns artistas chegavam a montar pequenas esculturas, dentro de caixas e, por um ou mais orifícios, abertos em algum lugar da caixa, passavam a observar como se comportavam aqueles elementos em relação ao espaço, que relações estabeleciam entre si e com o espaço. O ser humano chegava à construção do espaço matemático nas artes. Até aquele momento, ele havia reproduzido a natureza usando a perspectiva aérea, em que a cor mais forte e definida aparece em primeiro plano e as mais BOLETIM – PGM 2 - ARTES VISUAIS E MATEMÁTICA 19 ARTE E MATEMÁTICA tonalizadas vão preenchendo os planos subseqüentes, com efeitos semelhantes ao filtro atmosférico, que torna o horizonte azulado ou acinzentado. Um outro artifício para resolver o problema perspectivo do quadro era o uso da observação, conforme se comprova na pintura de Giotto e Masaccio. Finalmente, artistas como Piero della Francesca, Paolo Ucello e Andréa Mantegna vão procurar a solução exata da representação do espaço através das linhas de fuga, do ponto principal e da linha do horizonte. Isto se dará no século das grandes descobertas, quando o ser humano velejará em direção à linha do horizonte que, no entanto, permanecerá fixa, fazendo convergir para ela todas as demais linhas. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ “De todas as linguagens, a dos matemáticos é a mais exata, quer se trate de equações, figuras geométricas planas, ou sólidos. Na sua procura de regras fundamentais, baseadas em princípios primários e independentes da vida diária, o homem tentou exprimir o mundo em termos matemáticos, olhando o Criador como o perfeito matemático-filósofo.” Bernard Myers ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O desejo de obter a forma pura sempre estimulou o artista a pesquisar, procurando soluções. O que seria o puro? Onde encontrá-lo? A maior parte dos artistas, em todos os tempos, buscou suas respostas na matemática. Também ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA no campo filosófico, as reflexões que investigam a pureza estão na matemática. Para Platão, as formas puras se encontravam nos cubos, cilindros, cones, esferas e outros sólidos regulares, geométricos, resistentes à adulteração do mundo sensível. Aristóteles defendia o círculo e a esfera como formas perfeitas e divinas e, também, os pitagóricos se rendiam à perfeição do círculo. Na arte, muitos foram os que buscaram as soluções geométricas para equacionarem seus questionamentos e criarem. Mais uma vez eles reencontram a simetria e retornam ao cânone, para, mais uma vez, ainda, romperem com o modelo em busca de uma arte que abandonasse o ilusionismo da perspectiva e reafirmasse a bidimensionalidade do quadro. A busca de uma arte que não apenas represente, oferecendo-nos a possibilidade de apenas um significado, que é aquilo que vemos, dá lugar a uma arte que permite abrir a possibilidade de significados, transformando-se em enigma ou equação que precisa ser desenvolvida mentalmente. Muitas vezes ela se apresenta com mais de uma incógnita e a solução não está no mundo visível. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ “A modernidade é o transitório, o fugitivo, o contingente, a metade da arte, cuja outra metade é o eterno e o imutável.” Baudelaire ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O transitório e o fugitivo, o que passa BOLETIM – PGM 2 - ARTES VISUAIS E MATEMÁTICA 20 ARTE E MATEMÁTICA e o que se eterniza. O homem percebe a dimensão temporal da arte. Cada vez mais ele sente que precisa da idéia para ser incomum e permanecer no eterno. Até o final do século XIX, o artista sabia que não poderia prescindir da técnica. Ele tinha que conhecer, profundamente, os segredos da matéria e do suporte onde pintava; porém, naquele momento ele começa a se preocupar com os conceitos. A questão do tempo e do espaço vai ser discutida em outros moldes. O filósofo Bergson (1859-1941) elabora as suas teorias. Para ele, o tempo é “duração”. Com isto, ele introduz o psíquico e se afasta do tempo “matemático”. Para o filósofo, a duração é a própria realidade, é o que se vive, intuitivamente, e não somente o que se compreende através do intelecto. Na arte, um dos exemplos mais expressivos da vontade de apreensão do tempo acontece com os futuristas. Eles exaltam o aeroplano, o carro rugidor, a máquina que conduz o homem ao futuro. Eles defendem uma estética do dinamismo. Este tempo futurizado se opõe ao passado, ilustrado pelos museus, que são considerados pelos futuristas como cemitérios, pois guardam “corpos” que não se conhecem. Cada vez mais, o homem procura fazer uma arte que não possa ser adquirida, colecionada, exibida fora de seu próprio acontecimento. A concepção do espaço também será abalada pelas novas experiências e pelas teorias no campo da física e da matemática. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA Na experiência do vivido, o homem começa a subir em balões, no final do século XIX. Mais tarde voará nos “aeroplanos” que alimentaram o sonho futurista. Ao se elevar, o homem corta a sua relação espacial com a Terra e elimina a linha do horizonte. Ele não se desloca mais, sucessivamente, na direção do horizonte e nem apreende uma linha imutável em sua retina. A arte se torna atectônica, descola-se da Terra. O atectonismo representa uma nova concepção espacial. O homem se divorcia da linha do horizonte e parte em direção ao espaço, num novo vôo de núpcias. A desconstrução do espaço, que se mantinha desde o século XV, seria inevitável. Contudo, novas aproximações com a matemática seriam experimentadas, pois ela vai também se reformular. A matemática moderna dialoga com a arte moderna e contemporânea. Malevicht, cujas teorias da arte começam a ser conhecidas a partir de 1914, liberta as suas formas de todas as dependências da lei da gravidade. Ele solta suas formas geométricas e as deixa “navegar” num espaço cósmico. “Minha nova pintura não pertence à Terra exclusivamente”, afirmaria Malevicht, ao defender que, em sua consciência, ele sentia a tensão do homem em direção ao espaço, uma espécie de atração por se descolar da Terra. Assim, o branco de suas telas exprime o espaço cósmico, onde as formas geométricas “brincam” BOLETIM – PGM 2 - ARTES VISUAIS E MATEMÁTICA 21 ARTE E MATEMÁTICA como elementos flutuantes. Para ele, o quadrado é a criança real, a forma suprema, símbolo da revolução da sensação pura. Além disso, o homem percebe que a ampliação do espaço não está fora dele, mas dentro, em suas estruturas mais interiores. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ “A descoberta fundamental, a que determina a verdadeira ruptura, chegou no momento em que, como no Quatrocento, os artistas descobriram que a ampliação do universo não podia continuar a ser procurada na renovação do cenário pitoresco, mas pelo contrário, em um aprofundamento de suas estruturas íntimas.” Pierre Francastel ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A ampliação do universo se dá, na medida em que, por um lado, o homem descobre o espaço e destrói, paulatinamente, o espaço plástico do renascimento e, por outro, ele percebe que o incomensurável, o infinito, está dentro dele. O abstracionismo testifica o confronto do artista com uma outra realidade. Apenas a tela, ou o muro, enfim, o suporte pode apreender o real, ou seja, o pensamento do artista. Por meio de seus raciocínios ou de suas emoções, ele os registra com cores no espaço plano. O homem rompe com o ilusionismo, desfaz a janela e percebe, como afirmaria Francastel, que o mais misterioso está perto dele e não pode haver espaço mais ex- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA tenso que o espírito humano e suas relações corpo e espírito. O tempo, na verdade, sou eu. Eu passo, mas digo que o tempo passa. É a duração bergsoniana que vai imprimindo novas relações. No campo da Física, a teoria da Relatividade, de Einstein, vai nos confrontar com um novo conhecimento. O homem pode estabelecer a relação em cadeia que ocorre depois que o primeiro átomo se desintegra, mas não pode antecipar qual deles será o primeiro. Einstein se indaga: “Deus não joga dados!”, mas o enigma do acaso desafia sua compreensão. Contudo, as questões pesquisadas por físicos e matemáticos estarão, também, na discussão de artistas como Piet Mondrian, por exemplo. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ “A plástica precisa do universal é inconcebível sem a plástica do puro equilíbrio, e o equilíbrio é inconcebível sem a dualidade. É a dualidade que expressa a relação. Se apenas se representa o ‘uno’, de qualquer maneira que se faça, ele aparecerá individualmente. A plástica precisa do universal não é a representação de um ou de outro: é a representação da relação equilibrada de um e de outro, por sua vez.” Piet Mondrian ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Em Piet Mondrian, o “preciso” é perseguido com uma preocupação asséptica. Em sua plástica do puro equilíbrio ele toma uma árvore na natureza e, através de uma BOLETIM – PGM 2 - ARTES VISUAIS E MATEMÁTICA 22 ARTE E MATEMÁTICA equação, em que as relações sensíveis entre o que ele vê e o que pensa vão sendo estabelecidas até se resolverem numa tela plana, em que retas se encontram em ângulo reto. Aparecem em suas pinturas, no máximo, as três cores básicas: vermelho, azul e amarelo, além de, no máximo, três “não cores”: preto, cinza e branco. É o primado do equilíbrio obtido na dualidade, vertical e horizontal. Neste caso, “a criança real” é o ângulo reto. Por outro lado, se o enigma do acaso desafia físicos e matemáticos, impedindoos de reconhecer, a priori, o átomo que iniciará o processo de desintegração, na arte, também vamos encontrar os que procuram o acaso, como detonador de seus movimentos em cadeia mais interiorizados, conforme se observa nos dadaístas, cujo desejo plástico resultava na excitação do riso, na curiosidade e na cólera, conforme ensinava Tristan Tzara. Aliás, é dele a receita para se fazer um poema dada. Tzara recomenda que se recorte de um jornal um artigo qualquer (do tamanho que você quiser dar ao poema), a seguir, se recortem as palavras e que sejam colocadas num saco. Após serem agitadas, suavemente, o poeta deverá retirá-las, uma após outra, escrevendo-as na seqüência em que saírem, para comporem um poema dada, embora incompreendido do público. O acaso como detonador de um processo criador; de uma reação em cadeia, que poderá levar ao riso ou a cólera o leitor e fruidor da obra. Finalmente, no campo da física, a ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA teoria do caos vem neutralizar o discurso das verdades absolutas, procurando explicar a realidade dentro de uma dimensão espaço-temporal limitada. Na arte, pintores, como Pollock, procuram a dimensão espaço-temporal da tela, estendida no chão, onde o pintor a invade, deixando a tinta escorrer em drippings imprevisíveis. Tintas automotivas, colheres e bastões nos lugares dos pincéis e um novo tempo, que se estende apenas durante a ação do artista. O resultado se eterniza no plano da tela, quando a mesma procura um outro espaço, o da contemplação do espectador. Assim, arte & matemática se aproximam, não só em propostas, raciocínios e lógicas; não apenas no rompimento das cadeias, na procura e investigação de conceitos, na busca da interioridade em que o fim e o princípio se encontram, mas, sobretudo, numa comum estrutura estética. Referências bibliográficas BERNADAC, Marie-Laure et alli. Suprematisme et Constructivisme. Paris: Centre National de Documentation Pédagogique, 1979. DE FUSCO, Renato. História da Arte Contemporânea. Lisboa: Editorial Presença, 1988. FALABELA, Maria Luiza. História da arte e estética: da mimesis à abstração. Rio de Janeiro: Elo Editora e Distribuidora Ltda, 1987. FRANCASTEL, Pierre. Pintura e Sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 1990. BOLETIM – PGM 2 - ARTES VISUAIS E MATEMÁTICA 23 ARTE E MATEMÁTICA GASSET, José Ortega y. A desumanização da arte. São Paulo: Cortez Editora, 1991. GEIGER, Anna Bella. COCCHIARALE, Fernando. Abstracionismo geométrico e Informal . Rio de Janeiro: FUNARTE, 1987. KLEE, Paul. 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Aubry, 1952) ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A Matemática, como ciência em constante evolução, pode ser encarada como um corpo de conhecimento constituído por teorias bem determinadas, ou como um conjunto de processos característicos que devem ser desenvolvidos. O que está em foco não é como a Matemática deveria ser, mas sim como ela deve ser na prática diária dos aprendizes que serão, ou não serão, matemáticos. Segundo o Aurélio, um dos significados dado à Literatura é que ela é "conjunto dos conhecimentos das obras ou dos autores literários", contos, romances, poesia, entre outras. Existe hoje em dia uma quantidade de obras que descrevem uma aventura li- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ terária relatando a procura de solução de alguns mistérios matemáticos, usando "as palavras como arma", traduzindo o pensamento matemático para a linguagem coloquial. Estas obras ensinam aos leitores como se pode conversar sobre os números e descobrir a beleza de sua construção, destruindo a velha idéia de que a Matemática só é para os superdotados. Muitas delas, de modo saboroso e muitas vezes pitoresco, contam a vida dos maiores matemáticos do mundo e descrevem as suas obras. Elas proporcionam um entretenimento indispensável tanto para os que gostam de Matemática como para os que precisam descobrir a sua beleza e a sua utilização na leitura do mundo. * Diretora da SBEM-RJ, Sociedade Brasileira de Educação Matemática e professora do Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estácio de Sá. BOLETIM 25 ARTE E MATEMÁTICA Já Fenelon, o grande pedagogo francês do século XVIII, dizia: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ "Felizes aqueles que se divertem com problemas que educam a alma e elevam o espírito." ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ A Ciência Matemática é uma obra do espírito humano, e nenhuma outra construção tem a unidade e a harmonia desta ciência; nenhuma a iguala na solidez e no equilíbrio perfeito e na delicadeza dos detalhes, diz Amoroso Costa. Sendo ela uma obra construída pelo espírito humano, ela pode ser compreendida através das palavras. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ "A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apóia sobre mim numa extremidade, na outra apóia-se sobre o meu interlocutor. A palavra é o relatório comum do locutor e do interlocutor." ( Bakhtin, 1986, p. 195) ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Parafraseando Bakhtin, a palavra é a ponte entre o aprendiz e a Matemática. Em uma extremidade ela se apóia no conhecimento do aprendiz, e na outra se apóia sobre o que ele precisa aprender de Matemática. Ao se introduzir um conceito matemático, podemos iniciar contando uma história, propondo enigmas para despertar a curiosidade, dando a possibilidade ao aprendiz de ler, compre- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA ender, interpretar, desenvolver o seu raciocínio e fazer descobertas. Existe hoje em dia uma grande variedade de livros cujos temas envolvem curiosidades matemáticas de maior ou menor profundidade, de fácil leitura, podendo servir de subsídios para desmistificar o medo que a maioria das pessoas tem de Matemática e, por esta razão, apresentam dificuldade no seu aprendizado. Por que não usar a Literatura para ensinar Matemática? Hans Magnus Enzensberger (1997) estudou literatura, línguas e filosofia, e escreveu o livro, cujo título é muito significativo: O diabo dos números - Um livro de cabeceira para todos aqueles que têm medo de Matemática. BOLETIM – PGM 3 - LITERATURA E MATEMÁTICA ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ "Matemática? Aquela montanha de números sem sentido? Aqueles cálculos que não servem para calcular nada? Não, nem pensar. Robert, o menino de pijama azul, fazia parte dessa maioria que acha os números não só monstruosos, mas também absurdos e inúteis. Um dia, entretanto, ele começa a sonhar com um certo Teplotaxl, um diabo que pinta e borda com a Matemática. No total são doze sonhos e cada sonho o tal Teplotaxl faz malabarismos tão interessantes que os números simplesmente deixam de ser malditos. Ficam claros e diabolicamente divertidos." (Enzensberger, 1997) ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ O herói deste livro é um menino de 26 ARTE E MATEMÁTICA onze anos chamado Robert, que vive assombrado por pesadelos que muito o atormentam. Um dia, os pesadelos se modificam, tornando-se uma seqüência de sonhos nos quais Robert convive com um certo Teplotaxl, um demônio que anda sempre de bengala, usando-a para fazer todo tipo de bruxaria com os números. No primeiro sonho, ele aparece como um senhor muito velho e baixinho, do tamanho de um gafanhoto, sentado em uma folha, balançando-se e observando o menino com olhos brilhantes, estabelecendo com ele o seguinte diálogo: ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ – Quem é você? – perguntou Robert. O homenzinho respondeu: Sou o dia- bo dos números! Robert retrucou: - Em primeiro lugar, não existe nenhum diabo dos números. - Ah, é ? E por que você está falando comigo, se eu não existo? Robert continuou: - Em segundo lugar, odeio tudo o que tenha a ver com a Matemática. O diabo dos números não se intimidou com esta afirmação de Robert e perguntou: - Por que você odeia tanto a Matemática? Robert respondeu enunciando o tipo de problema que o seu jovem professor Bockel na escola sempre mandava resolver: "Se 2 padeiros fazem 444 rosquinhas em 6 horas, de quanto tempo precisarão 5 padeiros para fazer 88 rosquinhas?" ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA - Coisa mais idiota - resmungou Robert é um jeito estúpido de matar o tempo! Este problema não despertava o interesse da turma. Robert relata que, outras vezes, o professor mandava os alunos fazerem um grande número de contas totalmente fora de um contexto ou de uma situação interessante. O diabo então comentou que isto não tem nada a ver com a Matemática. O que é diabólico nos números é que eles são simples. Para começar, você só precisa do 1 com o 1 para poder fazer quase todos os números, vejamos: 1 1+1 1+1+1 1+1+1+1 1+1+1+1+1 ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ E assim por diante: toda vez que somarmos 1 ao número anterior, obteremos o seu sucessor. A partir desse ponto, conversando com o Robert sobre os números, de sonho em sonho, o diabo dos números consegue mostrar a beleza das construções numéricas, muitas vezes partindo das formas geométricas, relacionando as diferentes vertentes da Matemática e conseguindo vencer a resistência de Robert e desmistificar o seu pavor da Matemática. Podemos perceber que o diabo dos números não é o vilão da historia, mas BOLETIM – PGM 3 - LITERATURA E MATEMÁTICA 27 ARTE E MATEMÁTICA sim o medo que a Matemática provoca nas pessoas assim que elas entram pela primeira vez na escola. É interessante observar que este livro foi escrito por um grande poeta alemão que combate esse medo da Matemática, usando as letras como arma, isto é, traduzindo e relacionando o pensamento matemático para "linguagem de gente". Julio Cesar de Mello e Souza, engenheiro, professor de Matemática, usando o pseudônimo de Malba Tahan, escreveu O Homem que Calculava. Em um dos seus contos neste livro, narra uma singular aventura da divisão de uma herança recebida por três irmãos, que deveria ser repartida segundo um determinado critério. Beremiz, personagem central deste conto, percebendo a discussão entre os três irmãos, procurou informar-se do que se tratava. - Somos três irmãos - esclareceu o mais velho - e recebemos como herança, esses 35 camelos. Segundo a vontade expressa do meu pai, devo receber a metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça parte e ao Harim, o mais moço, deve tocar apenas a nona parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma 35 camelos e a cada partilha proposta por um dos irmãos segue-se a recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio. Como fazer a partilha se a terça parte e a nona parte de 35 também não são exatas? - É muito simples - respondeu Bere- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA miz. Posso fazer com justiça essa divisão se permitirem que junte aos 35 camelos da herança este belo animal que, em boa hora, aqui nos trouxe... Beremiz, dirigindo-se aos três ir- mãos disse: - Vamos fazer a divisão justa e exata dos camelos, que são agora 36, como vocês podem ver. E dirigindose ao irmão mais velho, falou: - A você, de acordo com a vontade de seu pai, caberia a metade de 35, isto é, 17 e meio. Vai receber a metade de 36, que é 18. Não pode reclamar, pois percebe que saiu lucrando com esta divisão. Dirigindo-se ao segundo herdeiro, continuou: - Você deveria receber a terça parte de 35, que dá 11 e um pouco. Vai receber a terça parte de 36, que é 12; também não tem reclamação a fazer, pois sai lucrando com esta divisão. Disse, por fim ao mais moço: - Segundo a vontade de seu pai, a você caberia uma nona parte de 35, que seria três e tanto. Vai receber um nono de 36, que é 4. Você também lucrou com esta divisão e, portanto, vocês três só têm a agradecer Concluiu, assim, com a maior segurança e serenidade, a partilha na qual todos os três irmãos saíram lucrando. Couberam 18 camelos ao herdeiro mais velho, 12 ao do meio e 4 ao mais jovem, o que dá um resultado: 18 + 12 + 4 = 34 camelos. Dos 36 sobram dois camelos, um do amigo Beremiz e outro lhe coube por direito, por ter resolvido, a contento de BOLETIM – PGM 3 - LITERATURA E MATEMÁTICA 28 ARTE E MATEMÁTICA todos, este complicado problema da herança... Nesta história, estão implícitos os conceitos de divisão, de divisor de um número, de fração. Comentando o conto e fazendo algumas observações de contexto matemático, tudo resultou do seguinte: a metade de um todo mais a terça parte de um todo mais um nono de um todo não dá um inteiro, isto é, não é igual ao todo. 1 1 1 9 + 6 + 2 17 + + = = 2 3 9 18 18 Podemos observar que para completar o todo falta 1/18 deste todo ou seja 2/36 do todo. Beremiz, sabendo que 2; 3 e 9 eram divisores de 36, e 36 é o dobro de 18, usou o artifício que possibilitou as divisões exatas. Podemos observar nestas duas histórias como a palavra foi a mediadora para, no primeiro, desmistificar o medo de aprender Matemática e, no segundo, um enigma para introduzir o conceito de divisor de um número, a partir de uma situação do cotidiano, e que pode ocorrer muitas vezes no dia-a-dia das pessoas. Para concluirmos a nossa reflexão, só faz sentido alguém freqüentar a escola e aprender Matemática, se nessa escola se adquirem os meios para agir sobre o mundo e no mundo. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ "A Matemática constitui um patrimônio cultural da humanidade e um modo de pen- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA sar. A sua apropriação é um direito de todos. Nesse sentido, seria impensável que não se proporcionasse a todos a oportunidade de aprender matemática de um modo realmente significativo, do mesmo modo seria inconcebível eliminar da escola básica a educação literária, científica, ou artística. Isso implica que todas as crianças e jovens devam ter a possibilidade de contatar, a um nível apropriado, as idéias e os métodos fundamentais da matemática e de aprender o seu valor e a sua natureza." (Abrantes, 1999, p 17) ○ ○ ○ ○ ○ ○ Referências ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ Bibliográficas ABRANTES P. e outros. A Matemática na Educação Básica. Lisboa, Portugal, Ministério de Educação/Departamento de Educação Básica, 1999. BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem. Trad. Michel Lahud e Yara F . Vieira. 3ª edição. São Paulo, Hucitec Editora, 1986. COLL, C . Aprendizagem Escolar e Construção do Conhecimento - Trad. de Emilia de Oliveira Dihel. Porto Alegre, ARTMED, 1994. D'AMBRÓSIO, U. Da Realidade à Ação: reflexões sobre Educação e Matemática. Campinas, Editora da Universidade Estadual de São Paulo, 1986. DEWDNEY A. K. 20.000 Léguas Matemáticas: Um passeio pelo misterioso mundo dos números. Trad. Vera Ribeiro. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1999. ENZENSBERGER H. M. O diabo dos núme- BOLETIM – PGM 3 - LITERATURA E MATEMÁTICA 29 ARTE E MATEMÁTICA ros: Um livro de cabeceira para todos aqueles que têm medo de Matemática. Trad. de Sérgio Tellaroli. São Paulo, Cia. Das Letras, 1997. FAINGUALERNT, E. K. Educação Matemática: Representação e Construção em Geometria. Porto Alegre, ARTMED Editora, 1999. GUEDJ, D. O Teorema do Papagaio. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo, Editora Schwarcz Ltda., 2001. MALBA TAHAN. Matemática Recreativa: Fatos e Fantasias. 2ª edição. São Paulo, Editora Saraiva. MALBA TAHAN. O Homem que Calculava. 48ª edição. Rio de Janeiro, Editora Record, 1999. MALBA TAHAN. Didática da Matemática - ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA dois volumes. 2ª edição. São Paulo, Editora Saraiva, 1965. PERRENOUD, P. A Prática Reflexiva no Ofício de Professor: Profissionalização e Razão Pedagógica. Trad. Claudia Schilling. Porto Alegre, ARTMED Editora, 2002. SINGH, S. O Último Teorema de Fermat. Trad. Jorge Luiz Calife. 3ª edição. Rio de Janeiro, Editora Record, 1998. SMULLYAN, R. O Enigma de Sherazade. Trad. Sérgio Flaksman. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1997. BRASIL. Ministério de Educação. Secretária de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais PCN. Brasília, MEC/SEF, 1997. BOLETIM – PGM 3 - LITERATURA E MATEMÁTICA 30 ARTE E MATEMÁTICA NA ESCOLA PGM 4: DANÇA, TEATRO E MATEMÁTICA AS ARTES DO CORPO E A CIÊNCIA: UMA NOVA ALIANÇA Perturbou-me, certa vez, o nome de uma companhia de dança contemporânea: Ur=Hor (lê-se ‘U’ de ‘r’ é igual à ‘H’ ‘zero’ de ‘r’). Até então, os nomes de companhias de teatro ou dança que conhecia soavam com naturalidade, investidos de significados que casavam com o que se espera de um nome para dar identidade a um grupo que trabalha no campo artístico. Entretanto, não é supérfluo levar a sério o nome que recebe um projeto de trabalho. Ao decodificar Ur=Hor, descubro que é uma fórmula matemática que significa a constante expansão das galáxias no universo. Uma surpresa, não é? Qual seria a razão para usar essa fórmula para nomear um projeto de dança? O que a dança teria em relação com fórmulas de matemática, ou vice-versa? A companhia de dança Ur=Hor foi ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ GISA PICOSQUE* fundada em 1997 e estabelecida em Belo Horizonte. Sua fundadora é a mineira Adriana Banana, bailarina, coreógrafa e compositora das trilhas sonoras de diversos espetáculos. Não à toa, o nome da companhia traduz as preocupações de Adriana, que vem pesquisando nos estudos científicos a explicação para a supremacia do corpo em relação ao intelecto. Ou seja, a ciência está mostrando que a inteligência não está limitada ao cérebro, mas depende do corpo todo. A pesquisa de dança desenvolvida pela Ur=Hor exemplifica as bases em que se apóia a produção contemporânea das formas artísticas que chamamos de teatro, dança e performance ou, sintetizando, as artes do corpo. Como as palavras mantêm uma sintonia com aquilo que elas designam, não à toa, nomear de Artes do Corpo o * Professora de Teatro. Atua em Projetos de Ação Educativa em Instituições Culturais e Consultoria no ensino de arte, especialmente, na formação de educadores em instituições culturais e educacionais. BOLETIM 31 ARTE E MATEMÁTICA teatro, a dança e a performance faz uma proximidade entre as três linguagens e coloca o Corpo como centro gerador dessas linguagens. Nesse sentido, no contemporâneo, a pesquisa estética dessas artes focaliza-se no corpo, abrindo uma perspectiva para compreender e operar com o corpo que pensa através de suas ações. Mas, o corpo pensa? Não é a mente que pensa? É muito comum, ouvir, por exemplo, que para dançar não precisa pensar. Na cultura escolar, pensar está diretamente ligado à mente e ligadas à mente estão aquelas disciplinas que, numa visão clássica, usam o raciocínio lógico, como a Matemática. O que está por trás dessa concepção é a crença na dualidade mente e corpo, razão e sentimento, presente na tradição do pensamento ocidental e que encorajou um desprezo pelo corpo. Hoje, porém, o corpo é visto como o lugar em que são desencadeados os processos cognitivos. Sabemos que o cérebro pensa porque o corpo lhe jorra conteúdos essenciais, alianças cognitivas com o que nos envolve no meio circundante. Pela mediação do corpo, as emoções participam da racionalidade. Cérebro e corpo se imbricam, não havendo controle de um sobre o outro, como afirma o teórico António Damásio. É nas recentes teorias das ciências cognitivas que se encontram os fundamentos que podem ampliar a compreensão dos processos que determinam ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA como o homem conhece e representa o mundo à sua volta, bem como o papel do corpo e da mente nestes processos. Para as artes do corpo, essas teorias interessam para melhor iluminar novos entendimentos dos processos de como o ator, o bailarino, ou melhor dizendo, o performer, conhece e representa. Hoje, dança e teatro convergem num mesmo ponto – a performance –, em que o ator ou bailarino não “emprestam o corpo a um personagem”, mas estão implicados na questão que o personagem traz. “Performance no sentido de transformar o corpo num manifesto existencial”, como observa Christine Greiner, coordenadora do curso de Comunicação e Artes do Corpo da PUC/SP. Para Greiner, “ao investigar seus processos, o artista contemporâneo se conduz como um pesquisador que trata o corpo como um laboratório. E nesse corpo-laboratório, o modelo não vem antes. O que vem antes é a questão”. Desse modo, sob o impulso de encontrar respostas estéticas “a questão”, é o corpo-laboratório do ator/bailarino, que vai falar no processo através de uma atitude de experienciar, colocar-se em ação por meio de uma vivência instantânea e direta do corpo em “si mesmo”, a cada experiência. É em ação que o ator/ bailarino abre seu repertório de movimentação, tenta novos percursos para o corpo, amplia seus limites e busca execução precisa e inventiva. O contrário se dá quando o processo BOLETIM – PGM 4- DANÇA, TEATRO E MATEMÁTICA 32 ARTE E MATEMÁTICA é através de um modelo, o que significa dizer que os movimentos são antes imaginados mentalmente, para depois serem acionados, “fisicalizados” no espaço/tempo da ação. Assim, pensar-em-ação – ou pensarem-movimento – significa buscar um modo de pensamento mais perto possível de uma organicidade proveniente do corpo em ação. Nesse sentido, o conceito de pensamento se amplia enquanto ação experienciada, e não somente como um processo que requisita a mente e a razão. As artes do corpo são dominantemente cinéticas, por isso mesmo, é a ação que condiciona a sua existência. Porque ocorrem num corpo vivo que porta aptidão para produzir formas, o teatro/ dança só existem quando e, apenas quando, estão sendo feitos. Nesse processo tão complexo de fazer artístico, o corpo pensa em fusão com a espacialidade, a temporalidade, a sensibilidade e a emoção. O corpo, produto e produtor da ação, confere vida e doa a forma para aqueles que vêem o ator/bailarino em estado de criação. Mas, voltemos à fórmula matemática Ur=Hor, que deu origem a uma companhia de dança. Talvez, o seu significado – a constante expansão das galáxias no universo –, possa simbolizar que questões como aquelas que envolvem movimento, espaço e tempo, colocadas pelas modernas idéias científicas da complexidade, vêm sendo investigadas e elabo- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA radas de um modo sofisticado nos processos de criação gerados e processados nas artes do corpo. Seja dentro do ambiente da dança, tornando uma questão para a criação, a investigação do corpo no campo gravitacional, os vetores de força que atuam no sentido de manter o corpo no chão, no plano baixo; ou, no sentido de manter o corpo suspenso no ar, na horizontalidade. Seja no ambiente teatral, no treinamento corporal do ator, provocando um estado de entropia (conceito chave da nova física) através de exercícios de desequilíbrio físico/emocional que colocam o corpo experimentando situações de instabilidade para buscar romper com os condicionamentos pessoais e os do próprio ofício teatral, abrindo possibilidades ou probabilidades de o ator alçar maiores vôos criativos. Esse novo caminho, focalizando o corpo no processo de criação, aponta a constante expansão das artes do corpo no sentido de busca de mapeamento de pensamentos do corpo, geradores de equações corporais. Mostra-se, assim, que estão o teatro e dança num eterno movimento contínuo, numa trama de construções e novas desconstruções, um continuum sem fim, processando conhecimento com o corpo. Levando-se isso em conta e se a arte é o lugar privilegiado de reinvenção e de injeção de vida na vida, qual seria o saber e a reflexão que as imagens poéticas-corporais manifestadas no teatro e BOLETIM – PGM 4- DANÇA, TEATRO E MATEMÁTICA 33 ARTE E MATEMÁTICA na dança poderiam provocar nos jovens sobre o corpo, o seu próprio corpo, o corpo do outro e sobre o corpo como inscrição cultural? Num trabalho de leitura de espetáculos de teatro/dança, focalizando o olhar sobre o corpo, a probabilidade de capturar e reevocar o corpo sob formas inaugurais pode trazer aos jovens configurações de imagens corporais inusitadas, formando gestalts novas para o seu olhar sobre o corpo contemporâneo. Se hoje, arte e ciência formam uma nova aliança na produção contemporânea das artes do corpo, nutrir e impulsionar os jovens à leitura e análise dessa produção é inseri-los numa nova fase de alfabetização. Uma alfabetização que inclua e trabalhe no seu processo de fazer e apreciar elementos como a aleatoriedade, o abstracionismo, o corpo em movimento ou que são movimento ou o corpo estático, em novos centros de gravidade, outros pontos de equilíbrio, em contaminação entendida como livre fluxo de informação entre arte e ciência no fazer artístico. Isso seria particularmente subversivo e importante para desmontar a definição escolar clássica do corpo – cabeça, tronco e membros – e a dualidade entre ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA corpo e mente, sentimento e razão. Desmanchando, assim, a idéia do Penso, logo existo, recriando-a – existo e sinto, logo penso. Nesse novo paradigma, o modo de pensar o mundo é o modo de realizálo na carne. Bibliografia DAMÁSIO, António. O mistério da consciência: do corpo e das emoções ao conhecimento de si. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. ____________. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. DAWKINS, Richard. O gene egoísta. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 2001. KATZ, Helena. Dança como evolução. In: De sons e signos: música, mídia e contemporaneidade. São Paulo: EDUC, 1998. MATURANA, R. Humberto. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte, UFMG, 1998. PRIGOGINE, Ilya. A nova aliança: metamorfose da ciência. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1997. SERRES. Michel. Os cinco sentidos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. BOLETIM – PGM 4- DANÇA, TEATRO E MATEMÁTICA 34 ARTE E MATEMÁTICA NA ESCOLA PGM 5: MÚSICA E MATEMÁTICA A RELAÇÃO HARMONIOSA ENTRE SONS E NÚMEROS Na sua definição mais simples, Música é “ritmo e som”. Ou seja, é uma combinação de sons executados em determinada cadência. A importância da Matemática na Música está presente desde a concepção mais fundamental do que é “som musical” e do que é “ritmo”. Os sons com os quais podemos criar nossas músicas constituem o que chamamos de “escala musical”. Eles são definidos a partir de relações matemáticas muito precisas e, quando combinados de determinadas maneiras, podem produzir resultados agradáveis aos nossos ouvidos. Essas relações matemáticas, junto com as características intrínsecas das vibrações sonoras, são a base para a “harmonia” na superposição dos sons musicais. Por outro lado, a maneira como en- ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ POR MIGUEL RATTON* cadeamos os sons em nossas músicas também segue regras com fundamentos matemáticos. Todos os tipos de “ritmos” que podemos conceber musicalmente obedecem a algum tipo de divisão fracionária, cuja característica sempre está vinculada a um determinado gênero artístico ou a um tipo de cultura. Conhecer essas influências matemáticas é, antes de tudo, conhecer a essência da própria Música. A percepção do som As oscilações produzidas pela vibração de um corpo (ex.: corda de violão) propagam-se pelo ar, sob a forma de ondas, e atingem nosso ouvido. O ouvido humano só pode perceber como “sons” as ondas que tenham de 20 oscilações por segundo até 20.000 oscilações por * Engenheiro eletrônico formado pela UFRJ. Estudou piano e teoria musical na Escola Villa-Lobos (RJ). Especializou-se em tecnologia musical e, desde 1985, atua profissionalmente como consultor, tendo lecionado cursos na UNI-Rio e em outras escolas de música. É autor de vários livros e publicações especializadas, e colabora regularmente com artigos para a revista Música & Tecnologia. BOLETIM 35 ARTE E MATEMÁTICA segundo. As oscilações abaixo dessa faixa são chamadas de “sub-sônicas”, enquanto que as acima da faixa são chamadas de “ultra-som”. Por outro lado, dentro da faixa dos sons audíveis, aqueles que têm oscilações mais baixas (de 20 a 200 oscilações por segundo) são chamados de “graves”, enquanto que os que têm oscilações mais altas (de 5.000 a 20.000) são chamados de “agudos”; os sons na faixa intermediária são chamados de “médios”. Para poder detectar os sons, o ouvido possui um mecanismo bastante complexo, que envolve ossículos, cavidades e milhares de nervos. O elemento principal na detecção das oscilações dos sons é a “cóclea”, uma pequena estrutura em espiral que atua seletivamente. Ao longo dela, existem milhares de fibras nervosas que agem como sensores, e transferem ao cérebro a percepção das oscilações e intensidade dos sons. Assim, um som com determinada oscilação excita sempre apenas uma determinada região de fibras nervosas da cóclea. É essa característica exata da percepção do som pelo ouvido que faz com que a Música seja uma arte mais baseada em condições fisiológicas do que em psicológicas, isto é, a percepção musical é mais uma questão de sensação (orgânica) do que de razão (ação intelectual). Ou seja, mesmo que quiséssemos recriar a concepção de sons musicais, isso seria impossível, por causa da forma fisiológica como percebemos os sons. ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA BOLETIM – PGM 5 - MÚSICA E MATEMÁTICA Escalas Musicais e Harmônicos Os sons utilizados para produção de música (excetuando-se os sons de alguns instrumentos de percussão) possuem determinadas características físicas, no que se refere às suas oscilações. Todos conhecem as sete notas musicais “naturais”, que são Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá e Si. A determinação dessas notas tem uma história muito longa, e uma enorme influência da Matemática. Uma corda esticada, como num violão, pode vibrar livremente com determinado valor de oscilações por segundo. Se a nota musical que a corda produz ao vibrar livremente for um Dó, quando reduzimos seu comprimento à metade (mantendo sobre ela a mesma tensão), ela passará a vibrar com o dobro das oscilações, o que corresponderá à nota Dó seguinte (em termos musicais: esta nota estará uma “oitava” acima da original). Se reduzirmos o comprimento para 2/3 do original, teremos então a nota Sol. E se reduzirmos o comprimento para 3/4 do original, teremos a nota Fá. Como podemos perceber, usando determinadas frações do tamanho original de uma corda, podemos obter as notas naturais da escala musical. A razão para que determinadas frações (1/2, 2/3, 3/4, 4/5, etc.) do tamanho original da corda soem melhor do que outras tem a ver com outra característica importante das oscilações, que é a presença de “harmônicos”. Quando uma corda ou outro corpo 36 ARTE E MATEMÁTICA Assim, uma corda ao vibrar oscila n ciclos por segundo em seu modo fundamental, mas também oscila 2n ciclos por segundo no modo de segundo harmônico, 3n ciclos por segundo no modo de terceiro harmônico, e assim por diante. Dependendo do corpo vibrante (corda de violão, palheta de sax, etc.), e também de como ele é posto a vibrar, esses modos harmônicos podem ser mais influentes ou não no som resultante. Se observarmos bem, veremos que as oscilações dos modos harmônicos (2x, 3x, 4x, etc.) do comprimento original da corda têm pontos coincidentes com as oscilações dos modos fundamentais daqueles comprimentos fracionários (1/2, 2/3, 3/4, etc.). Por causa dessas coincidências, os sons que mantêm entre si determinadas relações de frações (2/1, 3/2, 4/3, etc.) produzem sensações mais fortes no ouvido (pois excitam as mesmas regiões nervosas da cóclea), e por isso soam melhor juntos do que sons que ○ ○ ○ ○ além de vibrar na oscilação “fundamen- ○ sui vários “modos” de vibração, isto é, ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ vibra repetidamente, na verdade ele pos- ○ NA ESCOLA BOLETIM – PGM 5 - MÚSICA E MATEMÁTICA tal”, ele também vibra com oscilações múltiplas inteiras da fundamental: 2x, 3x, 4x, etc. (veja figura). tenham relações matemáticas, digamos, menos “perfeitas”. Essa é a base de toda a escala musical ocidental. O sábio grego Pitágoras (séc. VI a.C.) foi quem primeiro estabeleceu uma escala de sons adequados ao uso musical, formando uma série a partir da fração de 2/3 (que corresponde ao intervalo musical chamado de “quinta”). Usando uma sucessão de “quintas”, que não cabe aqui entrar em detalhes, ele conseguiu definir doze notas musicais, sendo sete “naturais” (Dó, Ré, Mi, Fá, Sol, Lá e Si) e mais cinco “acidentes”: Dó#, Ré#, Fá#, Sol#, e Lá# (o símbolo # é chamado de “sustenido”). A escala com intervalos acusticamente perfeitos definida por Pitágoras foi usada durante séculos, até pouco depois da Idade Média, quando a Música ainda era restrita a regras rígidas de composição e execução. Com o Renascimento, uma série de novas idéias surgiram nas Artes em geral, e na Música em particular, e os 37 ARTE E MATEMÁTICA compositores começaram a tentar ultrapassar os limites musicais impostos até aquela época. Foi quando surgiu, então, a necessidade de se transpor as melodias para outras tonalidades. Com a escala musical em vigor isso era impraticável, pois os intervalos “perfeitos” só podiam ser usados numa única tonalidade. Em outras palavras, uma melodia feita para a tonalidade de Dó não podia ser executada na tonalidade de Fá, por exemplo, pois os intervalos entre as notas passariam a soar desafinados. Dentre as várias soluções apresentadas, a que vingou e é usada até os dias de hoje, foi a “escala de temperamento igual”, de Andreas Werkmeister, proposta em 1691. Essa escala, hoje em dia chamada apenas de “escala temperada”, possui também doze notas (sete “naturais” e cinco “acidentes”), mas em vez de preservar os intervalos “perfeitos” (frações de 2/3, 3/4, etc.), as notas foram levemente ajustadas, pois Werkmeister tomou o comprimento inteiro e dividiu-o exponencialmente em doze partes, baseado na raiz duodécima de 2. Isso fez com que a relação entre qualquer nota e sua vizinha anterior fosse sempre igual à raiz duodécima de 2 (aproximadamente 1,0594), o que permitiu, então, a execução de qualquer música em qualquer tonalidade, uma vez que as relações entre intervalos iguais são sempre as mesmas, não importa qual a referência (tonalidade) que se use. Apesar de a escala temperada não ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA BOLETIM – PGM 5 - MÚSICA E MATEMÁTICA possuir mais os intervalos acusticamente perfeitos de 3/2, 4/3, etc., os novos intervalos correspondentes têm erros muito pequenos, praticamente imperceptíveis para o ouvido. A nova escala temperada contou com o apoio do famoso compositor Johann Sebastian Bach (séc. XVIII), que escreveu O Cravo Bem-Temperado, uma obra contendo 24 prelúdios e fugas, que cobrem as 24 tonalidades maiores e menores, e provando que a proposta de Werkmeister não só era viável como não comprometia de forma alguma a qualidade e a beleza da Música. Portanto, toda a música ocidental que ouvimos atualmente utiliza uma escala de doze notas, criadas a partir de intervalos (frações) acusticamente perfeitos, mas posteriormente ajustadas matematicamente, de tal forma que permitiu ampliar o alcance da Música a horizontes que antes eram verdadeiramente impossíveis. Ritmo Conforme observou Mário de Andrade, o homem possui o ritmo por si mesmo, pois a pulsação do coração, o ato de respirar e os passos já são elementos rítmicos (a maioria das crianças, por exemplo, já têm percepção instintiva da periodicidade de ritmo). Isso certamente influenciou o encadeamento das notas musicais em cadências de tempo, da mesma forma que as sílabas numa poesia. Sendo a contagem do tempo por si só uma concepção essencialmente ma- 38 ARTE E MATEMÁTICA o ritmo está intimamente associado à Matemática. Na Música, entretanto, o ritmo não se limita apenas à contagem de tempo, ou a uma batida constante de pulsos de igual intensidade. Na verdade, os ritmos musicais possuem batidas com intensidades diferentes (acentuações), que se repetem dentro de algum padrão, e é isso que permite classificar as diversas variedades de ritmos existentes na música. Os exemplos abaixo mostram alguns dos tipos de “medidas” de marcação do tem- po de uma música (os tempos “fortes” estão em negrito), que são chamados de “compassos”: compasso binário: 1 2 1 2 1 2 1 2 compasso ternário: 1 2 3 1 2 3 1 2 3 compasso quaternário: 1 2 3 4 1 2 3 4 1 2 3 4 No que se refere ao ritmo, a Música é organizada em “pedaços” contendo o mesmo número de tempos do compasso de referência. Por exemplo, numa música que utilize compasso quaternário, os pedaços (que também são chamados de “compassos”) contêm sempre 4 tempos. tempo”, que mantêm relações fracioná- ○ das, foram então definidas as “figuras de rias entre si. São elas: ○ ○ dia de uma música dentro dessas medi- ○ ○ Para que se possa escrever a melo- ○ temática, não é difícil imaginar o quanto ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA BOLETIM – PGM 5 - MÚSICA E MATEMÁTICA 39 ARTE E MATEMÁTICA Com essas figuras, podemos então posicionar e dar a duração que quisermos para as notas musicais dentro dos tempos do ritmo. E é exatamente como as notas são posicionadas dentro da música que podemos criar gêneros musicais com características distintas de ritmos. Bibliografia: Andrade, Mário de. Pequena História da Música. Livraria Martins Editora, 1953. Backus, John. The Acoustical Foundations Of Music. W.W. Norton & Co., 1968. Cunha, Cássio. Independência Polirrítmica ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ NA ESCOLA BOLETIM – PGM 5 - MÚSICA E MATEMÁTICA Coordenada. Lumiar, 1999. Helmholtz, Hermann. On The Sensations of Tone. Dover Publications, 1954. Jeans, J. H. Science And Music. 1937. Kipnis, Igor. Bach’s Well-Tempered Clavier. Keyboard Magazine, March 1985. Matras, Jean-Jacques. O Som. Livraria Martins Fontes, 1991. Olson, Harry. Music,Physics & Engineering. Dover Publications, 1964. Scholz, Carter. The MIDI Tuning Standard. Keyboard Magazine, August 1992. Wilkinson, Scott. Tuning In - Microtonality in Electronic Music. Hal Leonard Books, 1989. 40 ARTE E MATEMÁTICA NA ESCOLA Presidente da República Fernando Henrique Cardoso Ministro da Educação Paulo Renato Souza Secretário de Educação a Distância Pedro Paulo Poppovic MEC Secretaria de Educação a Distância Programa TV Escola – Salto para o Futuro Diretora do Departamento de Política de Educação a Distância Carmen Moreira de Castro Neves Coordenadora-Geral de Material Didático-Pedagógico Vera Maria Arantes Coordenadora-Geral de Planejamento e Desenvolvimento de Educação a Distância Tânia Maria Magalhães Castro Supervisora Pedagógica Rosa Helena Mendonça Diretor de Produção e Divulgação de Programas Educativos Antonio Augusto Silva Coordenadoras de Utilização e Avaliação Mônica Mufarrej e Leila Atta Abrahão Copidesque e Revisão Magda Frediani Martins Programadora Visual Norma Massa Consultoria Pedagógica Edite Resende Vieira Eloísa Sabóia Ribeiro e.mail: [email protected] Agosto de 2002 Home page: www.tvebrasil.com.br/salto BOLETIM 41