Literatura e Imagem - Base Integradora da TV Escola

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Literatura e Imagem - Base Integradora da TV Escola
LITERATURA
E IMAGEM
FUNDAÇÃO NACIONAL
DO
ELIZABETH SERRA*
LIVRO INFANTIL E JUVENIL
LER PARA VER
A vida nos oferece, todos os dias, uma variedade de cores, formas,
movimentos e significados. O nosso olhar curioso observa os detalhes, as
diferenças, as mudanças, o permanente, o antigo, o novo dando-lhes
significado pessoal. O desenvolvimento dessa prática educa o olhar,
estimulando-o a ver para além da aparência e, assim, perceber a essência
das coisas e dos fatos. O viver se torna, ao mesmo tempo, atraente e
intrigante. Com o olhar atento, a busca sobre a compreensão da realidade
ganha mais elementos de análise, enriquecendo o processo de integração
social.
O olhar, quando está consciente de sua potencialidade crítica,
possibilita estabelecer a dimensão histórica entre o local e o global e viceversa, contribuindo para atribuir valores universais ao cotidiano.
As maneiras diferentes de ver e de perceber o mundo marcam a
diferença na vida de cada um e no coletivo.
A observação do cotidiano faz parte da história dos seres humanos
desde os primórdios. O primeiro desejo de registrar e partilhar essa
experiência com o outro, de se comunicar, está registrado nas paredes das
cavernas, com os desenhos rupestres. Assim que o homem conseguiu um
instrumento para registrar o seu olhar sobre a vida ao seu redor, ele o fez,
perpetuando-o.
* Secretária Geral da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Consultora desta série.
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Que fascinante pensar que esse desejo humano permanece até hoje!
Para contar a nossa história, foram criadas inúmeras formas de registro,
chegando-se, no final do milênio, a uma sofisticação técnica inimaginável
pelos nossos antepassados, que vai da fotografia à internet. O importante é
que as novas tecnologias não fizeram desaparecer aquele primeiro gesto de
desenhar do homem das cavernas. Ele continua vivo e forte.
A arte de escrever cria letra a letra, sílaba a sílaba, palavra a palavra,
frase a frase, textos diferentes para contar e eternizar os vários modos de
ver a vida, senti-la, percebê-la, interpretá-la. Esta arte vem ganhando cada
vez mais importância nas sociedades modernas. A escrita tem o poder de
reunir a humanidade em torno de sonhos e realizações.
Fala-se e, às vezes, o tom é cético, que a sociedade atual é a da imagem
por causa do sucesso da televisão. A televisão é uma importante conquista
da humanidade, que possibilita que milhões de pessoas tenham a
oportunidade de ver outros mundos, de conhecer outras realidades, bem
como de manter contato com os vários pontos do planeta, envolvendo cada
vez mais a população mundial na busca de soluções para os problemas
universais, como também divulgando os benefícios que outras pessoas
desfrutam, provocando o desejo e a consciência de que todos têm direitos.
A imagem, portanto, sempre esteve presente, com muita força, na
vida dos homens e mulheres. A televisão, o cinema, a fotografia e a internet
possibilitaram alargar e ampliar esse fascínio humano, que é poder ver,
olhar, observar, pensar, criar.
Nesta permanente busca de registrar a vida, se sobressaem aqueles
que o fazem de uma forma própria, original, diferente de outros: os artistas.
Essa contribuição criadora dos artistas é que possibilita aquela
experiência perturbadora, emocionante, que nos faz despertar para o que
não estava sendo percebido antes. Desde o início da história da humanidade,
o artista, em suas mais variadas maneiras de ser e de se expressar, tem sido
o catalizador e o incentivador de ações e atitudes. O artista nem sempre
chega a ter conhecimento do impacto que suas obras causam nas pessoas.
Mas, certamente, são milhares aqueles que depois de verem uma obra de
arte, ou depois de lerem um livro, repensam o rumo de suas vidas.
Apesar de o caráter do desejo e do gesto de registrar imagens poder
ser espontâneo, a expressão pictórica e a consciência estética podem ser e
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devem ser educadas. Não em sua forma autoritária, mas democrática, isto
é, proporcionando a todos as oportunidades de contato com a variedade e
a qualidade dos bens culturais e artísticos.
Nesta série do Salto para o Futuro, da TV Escola, que responde a uma
demanda dos professores que nas avaliações sobre os programas e em suas
questões levantam constantemente esse tema, vamos tratar do bem cultural
livro para crianças e jovens e seus conteúdos, texto e ilustração, pelo
importante e destacado papel que a escrita e as imagens representam para
a sua formação educacional e cultural e, ainda, da forma de apropriação
dessas expressões, a leitura. A série Literatura e Imagem será apresentada
de 26 a 30 de agosto.
Durante muito tempo, o trabalho com o texto escrito se restringiu aos
conteúdos formais e as imagens foram vistas apenas como complemento ou
adorno, mas hoje já sentimos uma mudança. Mesmo que isso não se reflita
ainda em todas escolas, nem em todos os livros de literatura, principalmente
nos livros didáticos.
Esta diferença valorativa entre imagem e texto escrito, no currículo da
escola fundamental, reflete a frágil formação cultural nos cursos de formação
de professores. A necessidade de uma educação artística, para além dos
trabalhos manuais e artesanais, reflete-se nos trabalhos (murais, cadernos
e organização especial e estética da sala de aula). As paredes da escola
oferecem, muitas vezes, um panorama linear e estereotipado para a educação
do olhar, do exercício da observação. Esta é uma lacuna grave entre nós,
principalmente por sermos um país sem tradição de visitar museus e
exposições. As imagens e os textos nas escolas, seja nos livros ou nas paredes,
precisam contribuir mais para desenvolver a observação das crianças.
O livro, como alimento fértil e essencial para a imaginação, para o
pensamento, para a criação, deve ser um objeto cultural de qualidade total,
seja no aspecto textual, literário ou informativo, seja no que se refere às
imagens, ilustrações e fotos.
Os cursos de formação de professores devem incluir, em seus
currículos, atividades e estudos na área cultural, com possibilidade de
experiências variadas no campo artístico, não como algo opcional ou sem
valor, mas como matérias importantes para dar sentido e qualidade ao
desempenho da educação formal.
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A realidade social brasileira vive um processo efervescente de mudanças
que ampliou, e vem ampliando, a participação de um grupo cada vez maior
de pessoas que estavam alijadas dos vários conhecimentos e saberes
conquistados pela humanidade.
Para fazer frente a esse novo contexto, os professores devem buscar
integrar a compreensão da história sobre a imagem na vida da humanidade
às atividades de leitura, escrita e de números.
Nossa intenção nesta série é levantar a discussão, apontar experiências,
levar contribuições sobre a imagem e a sua relação com a leitura, provocando
o olhar dos professores na direção das perguntas e não das respostas.
ESTES SÃO
OS TEMAS QUE SERÃO ABORDADOS NOS PROGRAMAS:
PGM 1 - NO INÍCIO ERA A IMAGEM
Retrospectiva sobre a importância da imagem na história da humanidade
Considerando que o caminho para o melhor entendimento de uma proposta de trabalho, sobre determinado tema, é mover o olhar para o passado e
buscar, na história, os pontos de ligação com o presente, este programa visa
apresentar uma breve e consistente retrospectiva da importância da imagem e da palavra artística na escalada humana.
Desta forma, queremos chamar a atenção dos professores para a importância das imagens em geral e, em particular, das ilustração nos livros usados
na escola, de tal forma que eles se sintam motivados a valorizá-las, buscando suas raízes artísticas.
O uso da palavra, como registro artístico do sentimento e da percepção humana,
será também abordado, mostrando a sua relação com a expressão pictórica.
PGM 2 - A ARTE OLHANDO O MUNDO
O olhar do artista
Se no programa anterior a perspectiva histórica apontou na direção de valorizar a ilustração de livros como arte, bem como a literatura, este segundo
programa visa valorizar o olhar do artista como observador privilegiado do
entorno físico, emocional e das idéias que nos circundam e a sua contribuição para a formação cultural e educacional das pessoas.
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O programa deve buscar desvelar sentimentos e idéias do leitor, pela observação de ilustrações e leitura de textos, como resultado da provocação causada pelas leituras de mundo dos artistas e, ainda, de que forma, ilustração e texto podem contribuir para o enriquecimento do olhar e do pensar
dos leitores. Não só na escola mas, também, em todos os lugares e durante
toda a vida, ampliando a necessidade e a importância de ler e ver arte.
PGM 3 - A IMAGEM INVADE OS LIVROS
As ilustrações nos livros de literatura para crianças e jovens
Neste programa, o foco principal é apresentar o panorama internacional e
nacional sobre a qualidade das ilustrações nos livros. O objetivo será o de
despertar o interesse dos professores para a variedade de trabalhos existente
no mercado, chamando a atenção para o cuidado e a responsabilidade que
devem ter na escolha dos livros a serem apresentados aos seus alunos.
A abordagem de aspectos diferentes da ilustração e as características de
cada artista serão destacadas, a fim de alimentar o olhar crítico dos professores. Serão apresentados livros só de imagens, com pouco texto e muitas
ilustrações, livros com vinhetas, ilustrações a cores e em preto e branco,
mostrando a diversidade.
A coleção “Literatura em minha casa” e o livros do PNBE 1999, que estão presentes na maioria das escolas brasileiras, serão uma importante referência.
PGM 4 - A IMAGEM NAS PAREDES DA ESCOLA
Formação do professor - Formação do aluno
O olhar que passeia pelos livros, na escola ou em casa, caminha muito
pelas paredes. Os professores sabem disto e as usam como espaço importante para desenvolver seus trabalhos. Os grafiteiros são um excelente exemplo do uso da parede como locus privilegiado de expressão artística.
Assim como o olhar sobre os livros deve e pode ser educado, no sentido da
aprendizagem do uso da liberdade, as paredes devem ser cuidadas, de tal
forma que elas sejam usadas, também, como suporte para imagens e textos
provocadores do olhar e do pensar.
Na escola cujos professores são criteriosos para escolher livros para a biblioteca, ou para o uso em sala de aula, certamente, haverá, afixados em suas
paredes, textos e imagens originais, sem estereótipos e modelos. Os livros
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são portadores também do aprendizado do olhar.
PGM 5 - LIVROS DE LITERATURA E TELEVISÃO
A televisão é, para os brasileiros, o mais importante instrumento de difusão
cultural. A literatura tem sido a base inspiradora de inúmeros programas que
atraem a atenção do telespectador. Quando essa relação é explicitada, o livro,
sobre o qual o programa foi baseado, bate recordes de vendas. Apesar disto, a
promoção direta de livros e da leitura, por meio de programas voltados para
este fim, na televisão aberta, é quase inexistente. Já nos canais a cabo, embora
poucos, esses programas já existem e merecem ser apresentados e citados
para conhecimento dos professores, que podem reivindicá-los para a TV aberta, caso se sintam motivados para isso, devido a sua importância.
O objetivo é também o de desmitificar a televisão como causadora de todos
os males contemporâneos e, em particular, como o algoz da falta de leitura,
apresentando-a como aliada deste fim. A diferença vai depender justamente do olhar crítico e construtivo do educador sobre a televisão.
O programa deve ressaltar a contribuição que os livros de qualidade textual,
pictórica e gráfica podem dar para esse olhar crítico sobre a televisão e,
conseqüentemente, sobre o cinema e os vídeos.
BIBLIOGRAFIA:
BREVES, Tereza. O livro-de-imagem: um (pré) texto para contar histórias. Imperatriz: Breves Palavras, 2000.
CAMARGO, Luís. Ilustração do livro infantil. Belo Horizonte: Ed. Lê, 1995.
GÓES, Lúcia Pimentel. Olhar de descoberta. São Paulo: Mercuryo, 1996.
MANGUEL, Alberto. Lendo imagens. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Introdução aos Parâmetros Curriculares
Nacionais. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF,
1997, v.1.
Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte / Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997, v.6.
SERRA, Elizabeth (org.). Ética, estética e afeto na literatura para crianças e jovens.
São Paulo: Global, 2001.
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——————————————— . 30 anos de literatura para crianças e jovens: algumas leituras. Campinas, São Paulo: Mercado das Letras: Associação de
Leitura do Brasil, 1998.
WALTY, Ivete Lara Camargos. Palavra e imagem: leituras cruzadas. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.
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PGM1- NO INÍCIO ERA A IMAGEM
RETROSPECTIVA SOBRE A IMPORTÂNCIA DA IMAGEM NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE
pressa!)
Os primeiros fabricantes de utensílios foram provavelmente os primatas que
O Homo Habilis (latim = homem habilidoso) apareceu também. E o Homo
Erectus surgiu há cerca de um milhão e
meio de anos. Nessa época, os utensílios eram mais eficientes, esse nosso
antepassado construiu abrigos.
Eles surgiram em vários lugares da
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Assim caminhou a humanidade (sem
viveram na África, entre um a cinco mi-
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LÚCIA PIMENTEL GÓES1
África. O Homo Habilis pode ter usado o
lhões de anos atrás. A ciência deu-lhes
o nome Australopithecus . Observem as
figuras:
fogo. Foi quem primeiro usou a pedra,
daí o nome de Idade da Pedra. Só pelos
40.000 anos a.C. é que o ser humano
começou a produzir formas que recriavam a realidade em que ele vivia e exprimiam, desse modo, suas angústias e
GÓES, Lúcia Pimentel. Escritora. Profª. Livre Docente e Profª. Titular da Faculdade Letras- USP.
Coordenadora da Área de Literatura Infantil – Linguagens do Imaginário (Graduação). Profª. Permanente da Área de
Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa (Pós- Graduação)
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seus pavores. São manifestações artísticas escultóricas. Olhem a impressão de
uma mão nas Grutas de Gargas, figuração do período paleolítico. É uma impressão plástico-pictórica obtida pelo ato de
comprimir as mãos abertas em cima de
paredes tenras (30.000 anos a.C). A mutilação, por vezes, de dedos levou à suposição de sua ligação a ritos sacrificiais, e a imagem pode ser sua evocação.
Observem a imagem2 .
Impressão de uma mão
(Gruta de Gargas).
Sem a arte, o homem desse período
cultivará a figuração da mão.
Na Gruta de Lascaux há pinturas,
espalhadas por três espaços, um deles
denominado Sala dos Touros, com a representação nas paredes, de seis touros
( auroques) de cinco metros cada um,
todos marcados por contornos pretos,
muito impressivos para quem os vê. Há
mais de cem cavalos, além de cabritosmonteses, e muitos veados. E um único
homem, com cabeça de passarinho.3
Alguns machados descobertos pelos
arqueólogos são tão perfeitos que – além
de servirem como ferramentas e armas –
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tinham certamente um significado ritual ou simbólico.
De 37.000 a 10.000 anos atrás apareceu na Europa o tipo moderno de
Homo Sapiens. É chamado pelos arqueólogos de Homem do Cro-Magnon, nome
de um lugar na França onde foi estudado pela primeira vez.
Algumas estatuetas foram encontradas por volta de 8 a 10.000 anos.
Já na Era Paleolítica encontramos,
além de ótimos caçadores, artistas maravilhosos. Nas cavernas desse tempo, há
pinturas que representam veados, elefantes e outros animais. Alguns dos melhores desenhos estão em Lascaux, no
sul da França, e em Altamira, no norte
da Espanha. Observem os desenhos: um
Mamute lanoso de Dordogne, França;
lampião a óleo, encontrado na caverna
de Lascaux; rena esculpida em osso.
Os afrescos sugerem que não existiram só para deleite ou para divertimento. Certamente, faziam parte de um ritual para o sucesso na caça. Os melhores
afrescos datam de 15.000 a 11.000 anos.
PISCHEL,G. História Universal da Arte. Milão, Arnoldo Mondadori Editore, 1966.
Girardet, S. e. il. de Salas, Nestor. A gruta de Lascaux. São Paulo, Companhia das Letrinhas, 2000.
BOLETIM – PGM 1 - NO INÍCIO ERA A IMAGEM
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Esses desenhos a cores nas paredes
de pedra são fascinantes: são obra de
arte. É obra excelente, que deve ter exigido grande habilidade.
A pintura, porém, não era a única
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arte desse tempo. As cavernas têm também esculturas de animais; ossos gravados. Destes, não se sabe para que serviam: calendário, enfeites, as fases da lua
com indicações para os rituais?
Os primeiros artistas em ‘Illo tempore’
E o homem foi se aprimorando: espelhos de obsidiana polidos com perfeição que até hoje não apresentam nenhum
defeito. Tecelagem de alto nível. Selos de
argila. Percebam os detalhes dessas preciosidades encontradas em Çatal Hüyük,
a primeira cidade no planalto de Konya,
no centro-sul da Turquia. Descobriram
doze níveis de construções. O mais antigo existiu ali em 6.150 a.C.
Tudo o que descrevemos até agora
revela o quê? Sensibilidade em ver e devolver, construção em que o todo se relaciona com as partes. Enfim, esses nossos antepassados demonstram que possuíam o OLHAR DE DESCOBERTA, que
procuro despertar em especial no pro-
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Lembro que a figura à esquerda é da Gruta de
Lascaux
BOLETIM – PGM 1 - NO INÍCIO ERA A IMAGEM
A da direita mostra a habilidade já existente na época
pois o artesão está preparando vários selos de cerâmica
fessor e que todos os educadores (dos
pais aos demais educadores, ressaltando bibliotecários e professores) deveriam ter como máxima. Olhar tátil, multisensível, capaz de ver, aprender e apreender, devolver. Aliás, costumo dizer: “a
educação da sensibilidade é tão vital
quanto o ar que respiramos”. A sensibilidade deveria estar presente em todas
as dimensões do viver. O professor deveria ser o PG – PROFESSOR GUIA desse
Olhar de Descoberta.
Penso que este também é o momento de colocar: “nenhum ato pedagógico
justifica-se a não ser levando o aluno a
pensar e criar”!
Dos anos 6.000 a.C. a 4.000 - 3.000
a.C. podemos ver objetos achados em
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comunidades agrícolas de culturas
balcânicas (Karanovo), do Danúbio, do
Mediterrâneo, de Tripoly e outras.
Pentes de ossos (Balcãs); argolas pingentes; colares de conchas; raspador de
peles, três modelos de Cestaria; redes
de pesca (Dinamarca, Suíça); bordado
(Suíça); Cerâmica danulsana decorada
com linhas gravadas; belo vaso pintado
da Romênia e muitos mais.
Na época da invasão dos bárbaros: citamos no Ocidente, séc. VII a.C, os
cimérios, o reino dos citas, por exemplo.
Na parte Oriental, entre o Casaquistão e a
Sibéria (mongólicos), séculos VIII-VII a.C.;
na época da Confederação dos hunos, entre certa variedade de armas e instrumentos de bronze, surge uma manifestação
artística unitária: a chamada arte animalista: os trabalhos de bronze. Pequenas estatuetas de animais, fivelas, rosetas, cabos de armas, frisos para elmos.
Técnica rara, perfeição e sentido plástico,
vívido, forte. Não aparece decoração vegetal, quase inexiste a figuração divina.
Ouvidos e olhos – órgãos cerebrais,
pois ligados ao cérebro
Parecem-me muito importantes as
palavras de Santaella4 :
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“(...)é curiosa a constatação de que só o
olho e o ouvido são órgãos
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dos sentidos diretamente ligados ao cérebro, ou melhor, são buracos
que se conectam diretamente com o cérebro, em oposição aos outros
sentidos, que são buracos ligados às
vísceras, sendo mais viscerais,
portanto.[...] Deve ser em razão de suas
posições em relação ao cérebro
que o olho e o ouvido se constituem em
aparelhos biológicos altamente
especializados. Em linguagem técnica da
comunicação, eles não se
constituem apenas em canais para a
transmissão de informação, mas
em verdadeiros órgãos codificadores e
decodificadores das informações
emitidas e recebidas... ”
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Tais órgãos foram os primeiros a merecerem, do ser humano, artefatos periféricos.
Por que vemos? A luz é o agente da
visão, e quando a luz de um objeto atinge nossos olhos, vemos. A luz é uma
energia super-veloz. Primeiro vemos o
relâmpago (luz), depois ouvimos o trovão, isto é, seu estrondo. A luz é mais
veloz que o som. Há muito tempo o homem criou periféricos para ampliar a visão e a audição, até por necessidade de
sobrevivência da espécie. Do pincenês,
lupa, binóculo, aos satélites de hoje. Atualmente, nosso Olhar de Descoberta cap-
SANTAELLA, Lúcia. A percepção- uma teoria semiótica. São Paulo, Experimento, 1993.
BOLETIM – PGM 1 - NO INÍCIO ERA A IMAGEM
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meio dos satélites, sondas, e as reproduz nos telões da NASA (entre outros),
com nitidez e precisão incríveis!
A luz deu-nos a medida! A luz percorre 300 mil quilômetros ou 300 milhões de metros (menos que a distância
da Terra à Lua) em 1 segundo.
As cores que nos cercam nos maravilham e são inspiradoras, a partir de
nossas sensações (euforia, alegria, melancolia, entusiasmo, paz) diante das
obras de grandes artistas: músicos, pintores, poetas, arquitetos, escultores, dançarinos, atores e, assim por diante.
O ouvir exigiu também do ser humano criatividade e tecnologia, da mais
rústica até as estimulações do cérebro,
que a ciência de hoje oferece.
A ESCRITA – GRAVAÇÃO, PINTURA
Os egípcios desenvolveram uma forma de escrever: os hieróglifos, pintados ou gravados, geralmente, nos monumentos. Mais simples quando essa
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ta imagens interestelares, galácticas, por
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BOLETIM – PGM 1 - NO INÍCIO ERA A IMAGEM
Como podemos ler a palavra verbal
quando conjugada com a palavra imagem, isoladamente? Como se a outra
não existisse apenas como a função
referencial, ou de simples suporte?
O professor não pode ficar apegado
somente ao verbal! É importante saber
ler os livros com ilustrações e os “Livros
Só Imagem”. Isaac Newton (1642-1727),
a partir de um prisma de vidro, constatou que a luz solar, ao atravessá-lo, abrese em um feixe colorido: vermelho, alaranjado, amarelo, verde, anil e violeta.
Observem o prisma e o disco de
Newton.
forma de escrita era feita com pena e
tinta no papel de papiro, uma espécie
de junco.
Em Creta, a escrita era feita de pequenas figuras e símbolos para expressar idéias (escrita hieroglífica). Em 1500
a.C., foi substituída pela escrita que a
Arqueologia denomina de “Linear A e
Linear B”. A “Linear A” continua indecifrável, pois não conseguiram lê-la,
decifrá-la, até hoje; portanto, permane-
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LITERATURA
ce guardando os mistérios escritos por
esse povo, cerca de 3.500 anos atrás.
Na China, a escrita surgiu no período Chang. Feita com ideogramas em
omoplatas de porco e de boi, ou nos cascos das tartarugas. Conhece-se cerca de
5.000 ideogramas. O alfabeto etrusco,
como aparece no séc. VI a.C., é forma
modificada do grego.
Poderíamos dizer, em síntese bastante densa, que, a partir do fogo, os seres
humanos usaram carvão, ossos carbonizados e com eles rabiscaram, desenharam, escreveram. Descobriram o metal,
e fabricaram os estiletes (em francês =
Stylet, da mesma raiz de Style, estilo,
escrever, esculpir). Naquela época, a escrita era esculpida com o estilete. Depois, criaram o pincel e a tinta. A escrita, portanto, antes foi desenho, imagens.
Depois, foram criados o pincel e a tinta.
O chinês inventou a Tinta da China, ou
Tinta Nanquim, há cerca de 2.500 a.C.
Do junco,surgiram as canetas (junco,
bambu são ocos, a tinta ficava retida).
Chegara a hora da utilização das penas
de aves e surgiu a escrita cursiva (ou escrita à mão).
A tinta era o principal material usado para as gravuras das paredes de pedra das grutas e cavernas. Como material para produzir tinta, usaram quase
tudo: argila, terra, misturada com areia;
sangue de animais, sumo de plantas, frutos, flores e carvão.
Particularidades: os egípcios só escreviam em duas cores: o vermelho e o
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E IMAGEM
BOLETIM – PGM 1 - NO INÍCIO ERA A IMAGEM
preto; os gregos e romanos produziram
tinta a partir da fuligem e, também, a
sépia, que extraíam de um molusco. Finalmente, a criatividade humana estendeu-se aos mais variados materiais: do
ouro, prata e outros, às pedras preciosas, ou menos preciosas, ou ainda supervaliosas como o rubi.
Saltando séculos, na pintura italiana do séc. XVI, três grandes matrizes:
Florença, Roma, Veneza.
Vejamos as mãos de “A Gioconda”
de Leonardo da Vinci (Paris, Louvre). Sutilmente cruzadas, tocadas pela luz, o
“esfumado” , “Sfumato”, de Leonardo, as
camadas de brilho “à maneira de fumaça, sem linhas ou fronteiras”, eternizado
em sua expressividade.
Em minha infância, junto com amigos e primos, criamos uma Sociedade
Secreta, cujo tesouro era guardado sob
o telhado de um depósito do quintal de
uma tia. O tesouro, vidros (de todos os
feitios), que recolhíamos. Depois, delícia! O preparar as tintas experimentando os mais estranhos e diversos materiais. Da areia, cinza de fazer sabão, su-
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LITERATURA
mo de amora, caldo de pamonha! Enchidos os frascos, nossos olhos maravilhavam-se com as cores produzidas. Erguíamos os vidros e os fazíamos reverberar
ao sol! Que maravilha! Que alegria! Repetíamos, sem saber, as primeiras tentativas humanas para desenvolver a escrita, as cores, a tinta!
Mais um salto
Século XX – Movimentos de Vanguarda. Época dos ismos: cubismo, futurismo, (1909 - Marinetti), expressionismo.
René Magritte com simbologias absurdas e o trompe l’oeil (engana olho) que
desconcerta o contemplador. Surrealismo, automatismo.
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E IMAGEM
Picasso e seu extraordinário Guernica. A partir de 1960, a pintura abstrata.
A África Tropical destaca-se pelos
seus produtos artísticos, que são as máscaras e esculturas em madeira. Objetos
com formas angulosas, assimétricas e
distorcidas. Para seus criadores eram
objetos sagrados que continham a força
vital de um espírito ancestral ou da natureza. Os exemplares que resistiram ao
clima úmido da floresta expressam a dimensão emocional intensa da sociedade onde foram criados.
Pablo Picasso, lá pelos anos de 1905,
conheceu a arte africana que inspirou o
movimento cubista. Picasso assim falou
sobre as máscaras:
“Senti que eram muito importantes... As máscaras não eram apenas
peças esculpidas... Eram magia. ” 5
5
STRICKLAND, Carol. Arte comentada- da pré - história ao pós- moderno. Trad. Angela Lobo Andrade. 4. ed, Rio de
Janeiro, Ediouro Publicações, 1999. p.22.
BOLETIM – PGM 1 - NO INÍCIO ERA A IMAGEM
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LITERATURA
Os especialistas evidenciam a marca
deixada em Picasso, nítida no quadro
“Les demoiselles d’Avignon”. Este era o
nome de uma rua na zona suspeita de
Barcelona e as mulheres representam
prostitutas.
Esse quadro foi o ponto de mudança
da fase de influência africana para o puro
cubismo de Picasso. O grande Mestre
Pintor, impregnado das distorções do entalhe africano, passou a pintar as figuras em planos irregulares. Surgia o Cubismo.
Eis um exemplo da força do Olhar,
que descobre, percebe, aprende, apreende, devolve. Assim, acontece, com a
Leitura da Imagem nos livros para a
juventude. Livro infantil/juvenil, que se
sabe Arte. Arte da Palavra, que moderna
e contemporaneamente foi passando por
modificações introduzidas por outras
tecnologias, indo da linguagem em qua-
6
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E IMAGEM
drinhos à dos meios eletrônicos. O texto
objeto real, com linguagem verbal, visual
e grafotipográfica, extrapola o invólucro
físico tradicional, seu suporte. Temos
brinquedos – livros, jogos – livros, livros
de pano e outros materiais somados a
novas linguagens. A carência faz-se tanto em termos da desatualização teóricoprática, quanto do desconhecimento da
instrumentalização didática que possibilite envolver alunos nessa atitude crítico - criativa, de leitura decifradora de
códigos, integradora de sentidos, gerada por uma “visão-leitura como espécie
de olhar tátil, multissensível, sinestésica”, segundo Lucrecia Ferrara.6
Há, portanto, que oferecer, em um
espaço de reflexão e aprofundamento,
condições a que o professor repense conceitos e abordagens, métodos e práticas
de leitura.
IMAGINAÇÃO = IMAGEM + AÇÃO
A imaginação estabelece com a realidade um diálogo constante. Ação de
imaginar que alimenta nossa imaginação criadora. Imaginar que re - conhece,
conhece de novo. Vê o texto como prática intertextual e intersemiótica, a linguagem em sua dialética de renovação.
Leitor-interlocutor do diálogo operador
de linguagens, espaço de leitura – defla-
FERRARA, Lucrecia de Alessio. Leitura sem palavras. São Paulo, Ática, 1986.
BOLETIM – PGM 1 - NO INÍCIO ERA A IMAGEM
16
LITERATURA
grador de outra ação, de outra revolução.
Aprender a lição bíblica de que “é bom
ver o mundo como se fosse a primeira
vez”. OLHAR de ato criador, distante anosluz do hábito, do estereótipo, do rótulo.
Uso inteligente de um olhar que percebe, assimila, devolve.
Proponho: Ler é relacionar cada texto lido aos demais anteriores (textos-vida
+ textos lidos) para reconhecê-los,
significá-los, assimilá-los; processo que
dota o Leitor da capacidade de “Ad-miraação” ( olhar que aprende e apreende ) e
o torna um Leitor-Sujeito de sua própria História. Ato de leitura que é revolucionário, pois transforma o leitor passivo em leitor ativo, um co-autor, doador
de sentidos.
LITERATURA INFANTIL / JUVENIL –
OBJETO NOVO
7
INTEGRANDO SENSAÇÕES E ASSOCIANDO PERCEPÇÕES,
Produzindo Significações – COMO?
Acionando a memória da VIVÊNCIA
PASSADA, produzindo a LEITURA na leitura desse OBJETO NOVO, que é uma
das vertentes da LITERATURA INFANTIL
/ JUVENIL DE VANGUARDA, exigindo
um OLHAR DE DESCOBERTA.
7
8
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E IMAGEM
LEITOR ➝ como CO - PRODUTOR
DO
PROFESSOR ➝ como GUIA DE DESCOBERTA /
PERCEPÇÃO
para serem capazes de DESCOBRIR /
PERCEBER / RE - CONHECER ao estenderem sobre o Livro de Literatura Infantil – OBJETO NOVO – seu PASSADO
–VIVÊNCIA GLOBAL.
(Arte do emissor que coloca no texto
as chaves - pistas de leitura). Objeto lido
que se oferecerá ao nosso olhar, propondo
caminhos. Para percorrê-los, precisamos ter
nosso equipamento humano alerta:
OLHO / OUVIDO / + NARIZ / BOCA
/ TATO / INTELECTO
Hoje, vemos surgir uma nova Ciência da Imagem, a Imagologia, com mais
de duzentos teóricos na atualidade. Imagem, não é só a que vemos, a imagem
visual ligada aos olhos.
Não, temos a Imagem Mental, a Imagem Auditiva, a Imagem Perceptiva. Vejamos; prosseguimos citando Santaella,8
em seu artigo:
“Existe um sentido muito vasto, que
vem da Antigüidade clássica, segundo o
qual a imagem não é simplesmente um
tipo de signo, mas um princípio fundamental que mantém a unidade do mun-
GÓES, Lúcia Pimentel. Olhar de Descoberta. São Paulo, Mercuryo,1996 (esgotado, a sair com revisão)
“ PALAVRA, IMAGEM & ENIGMAS”. In: Revista USP – Dossiê Palavra Imagem, nº 37, dez.jan.fev., -16; S. J. R.T.
(Iconology, Image, Text, Ideology-1986 apud Santaella)
BOLETIM – PGM 1 - NO INÍCIO ERA A IMAGEM
17
LITERATURA
do.” [...]. É tão grande a diversidade do
que podemos denominar imagem (de figuras, estátua a diagramas, sombras fotos, poemas e mesmo idéias, entre outras) que poderíamos concluir que não
se poderia compreender de modo siste-
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
E IMAGEM
mático a imagem. Assim Mitchell propõe,
que antes de uma definição universal do
termo, deve -se observar: “os lugares nos
quais as imagens se diferenciam umas
das outras com base nas fronteiras entre discursos institucionais diferentes.”
IMAGEM
Gráfica
Ótica
Perceptiva
Mental
Verbal
figuras
espelhos
dados dos sentidos
sonhos
metáforas
estátuas
projeções
aparências
memórias
descrição
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“Imagem é um tipo especial de representação (quase pictórica) que descreve a
informação e ocorre num meio espacial.
Até as imagens mentais e mesmo as verbais, que são talvez as formas de imagem mais plásticas e multi-sensórias, também se enquadram nessa definição”
[...].(S. M. Kosslyn 1982, apud Santaella).
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Deve-se entender o “meio espacial”
em que a imagem ocorre não apenas no
sentido visual, mas por ex. o som e tato
plasmam–se numa espacialidade não necessariamente visível, mas sensível.
A retrospectiva que apresentamos
vem evidenciar como o SER HUMANO, a
partir de olhar tudo que o rodeava, passou para a CRIAÇÃO. Se ele não visse,
não sentisse, não pensasse, não teria
criado, em descobrimentos contínuos,
cuja cadeia não se interrompe e prosse-
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
idéias
BOLETIM – PGM 1 - NO INÍCIO ERA A IMAGEM
gue até hoje: A IMAGEM.
A ARTE EXPRIMINDO VALORES
SEMPRE NOVOS, IMPRESSIVOS,
MÚLTIPLOS
Assim como a leitura da palavra (livros só texto verbal), a leitura da imagem, quer seja a dos livros (só imagem),
como aqueles que oferecem encontros
de linguagens múltiplas, quer seja a dos
livros como os conhecemos, vem se consolidando, ao longo dos anos, após a
descoberta da imprensa. Vimos que, desde a pré-história, o homem quando, ergueu-se nos pés e falou, esse fato pode
ser considerado, metaforicamente, o primeiro livro. O diálogo palavra – imagem
percorre percurso diferenciado, mas absolutamente integrado. O valor de uma
obra nasce da interação das partes com
18
LITERATURA
o todo; o Professor – Leitor, em nossa
proposta um PG, deve ser um Professor
Guia da aventura de Ler vivendo. Sabemos quantas disciplinas, quanto conhecimento é necessário para um guia. Um
Professor deve preencher muitas exigências, a partir da consciência dessa necessidade.
Assim, a rápida retrospectiva que
apresentamos, é apenas um aperitivo, de
tantos fios da História Humana e seu
Olhar de Descoberta. Para qualquer pessoa, ter um repertório básico, e se possível em contínua renovação, pode tornála uma Luz-Farol, para os que a cercam.
Quanto mais quando se trata de um Professor! Não é fácil, não... Mas a simples
consciência dessa necessidade, já é meio
caminho andado. Portanto, conhecer a
História do Pensamento Humano, em
seus múltiplos caminhos, é extremamente enriquecedor.
Qual seria, em síntese, esta minha
comunicação? Não só minha, mas de todos os responsáveis, em especial da Consultora deste Programa, a proposta é nos
conscientizarmos de que os livros que
unem Palavra Verbal e Palavra Imagem
(ou múltiplas Palavras), entendendo Palavra como Linguagem, Texto, não podem ser lidos ignorando a Ilustração, o
Espaço, a Moldura, a Linguagem grafotipográfica. E assim por diante.
O livro infantil-juvenil, contemporâneo ou não, permite uma redescoberta
sempre renovada a seu Fruidor-Receptor. Aquele que sabe não ser sempre o
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E IMAGEM
BOLETIM – PGM 1 - NO INÍCIO ERA A IMAGEM
mesmo, a cada novo minuto, hora, dia,
ano, como poetou Cecília Meireles em
Cânticos lembrando que:
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Não vês que és sempre outro
Não vês que és sempre o mesmo
Na alegria, na tristeza, na dor...
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Apresento, agora, uma retrospectiva lúdica da imagem na história de cada
ser humano, lembrando, que a citação
dos adultos-artistas não é excludente, é
uma fatia pequena da plêiade de Ilustradores, Pintores e demais Artistas da
Criação Imagética Brasileira.
Para dar
Saliva
nos
olhos,
Estalo
na
língua
Doçura
nos
ouvidos
Escuta
no
nariz
Sons
na
pele
PERCEBER A CRIATIVIDADE DOS
Bebês
Crianças
Borrões, riscos,
– Quanta
manchas
Produtividade!
Traços, pontos,
– Que Beleza!
círculos
Adolescentes
Colagem, grafite,
Criatividade a
montagem e...
mil ...
E A ARTE DOS ADULTOS (Ilustradores):
JUAREZ MACHADO
– Ida e Volta
ZIRALDO
– Flicts
CIÇA FITTIPALDI
– História de Gente e Bichos
EVA FURNARI
– Bruxinha // Anjinho
19
LITERATURA
ÂNGELA LAGO
– Outra vez
ROGER MELLO
– Gente bem diferente
PAULO BERNARDO VAZ
– Cavaleiro das sete luas
MARILDA CASTANHA
– Pulga, Gato!
ELIARDO FRANÇA
– Garranchos
MARY E ELIARDO
– Dia e Noite
GIAN CALVI
– Um avião e uma viola
RICARDO AZEVEDO
– A casa do meu Avô
HELOISA PENTEADO
– Ou isto ou aquilo
LUIZ CAMARGO
– O cata-vento e o ventilador
HELENA ALEXANDRINO
– Galinha com dentes
CLÁUDIA SCCATAMACHIA – Diversos hebraicos
ROBERTO WEIGAND
– Os dez sacizinhos
RUI DE OLIVEIRA
– A Bela e a Fera
GERSON CONFORTI
– A Tatuagem
HELENA ARMOND
– Cá dentro
MICHELE IACOCCA
– Farra no formigueiro
LÚCIA HIRATSUKA
– A princesa da Lua
TATO
– A velhota cambalhota
GUTO LINS
– É o bicho
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E IMAGEM
HELIANA BRANDÃO
– Quadrilha
ISABEL CRISTINA PASSOS – Tapete Verde
FRUTA NO PONTO
– Sara Ávila
RUBENS MARTUCK
– A sumaumeira
GLAIR ALONSO ARRUDA – Poranduba
DAISY STARTARI
– Posso ir também?
WALTER ONO
– A menina bonita do laço
de fita
LUIZ MAIA
– Poemas para brincar
ALCY
– História de fantasma
MARCELO XAVIER
– Asa de papel
ANA RAQUEL
– Vira, vira, lobisomem
ALICE GÓES
– Poetando bicho
MARIO VAL
– Passarolindo
DENISE ROCHAEL
– Maré amarelinha
CLAUDIO ZIROTTI
– A casa da Joaninha
GRAÇA LIMA
– O jogo dos olhos
BORDADOS DE ANTONIA DINIZ – Exercícios de ser criança
ÂNGELA,MARILU, S.DUMONT, DESENHOS DE
DEMÓSTENES
CINCO PALAVRAS-CHAVE:
imagem, percepção, sensibilidade, leitura integradora de linguagens,
arte.
SINOPSE:
O texto resulta de forte síntese retrospectiva sobre a presença da Imagem na História da Humanidade e procura demonstrar que, a partir da
sensibilidade, do perceber, compreender, devolver, o ser humano iniciou
suas marcas do que via, sentia. Assim, foi adquirindo habilidade para
esculpir, gravar, desenhar. Sua escrita nasceu esculpida; foi antes
desenho, imagens, depois escritura. Desse modo, o educador deve estar
consciente de que saber ler não é somente decifrar o código escrito,
mas estar atento aos sons, para a entonação que o texto exige, para a
emoção que ele deflagra. Jamais deixar de ler um texto como trama,
como tessitura integrada de múltiplas imagens, que mesmo um texto
só verbal contém.
BOLETIM – PGM 1 - NO INÍCIO ERA A IMAGEM
20
LITERATURA
E IMAGEM
PGM 2 - A ARTE OLHANDO O MUNDO
O OLHAR DO ARTISTA
– A forma definitiva!
Foi mais ou menos isso que o artista
plástico Marcel Duchamp disse, ao olhar
uma hélice de avião.
Essa não foi a primeira hélice na vida
de Duchamp. Mas ele a olhou, como pela
primeira vez, como uma criança perplexa, porque percebeu naquela hélice, pendurada em uma sala de exposições, a
forma “pura”. A Arte iguala artista e criança através da perplexidade. O que
mudou não foi a forma da hélice, funcional e simples, a hélice como metáfora
do infinito, a hélice como peça propulsora do vôo. Quem mudou foi o artista, o
seu modo de olhar a mesma hélice. Há
tempos, Duchamp insistia que a Arte
está em perceber o potencial artístico de
um objeto, e não necessariamente em
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
ROGER MELLO*
confeccioná–lo. O conceito seria mais
importante do que a realização.
O artista recorta fragmentos, delimita, transforma, subverte, experimenta a
maleabilidade das coisas, a estabilidade
do preestabelecido. O artista é um experimentador porque lê a forma do objeto
antes de ler sua função, lê os significados sem deixar de ler as possibilidades.
Antes de mais nada, o artista é um artista porque lê.
Mas voltemos à hélice, dessa vez
como uma metáfora de um movimento
incessante de causas e conseqüências:
o artista lê a obra de arte que atinge o
observador que lê a obra de arte que influencia o artista, e o movimento não
pára mais, por mais que o objeto de arte
esteja imóvel. A leitura do olhar é dinâ-
* Escritor e ilustrador de livros de literatura para crianças e jovens.
BOLETIM
21
LITERATURA
mica. Ao direcionar o olhar, cada artista
fabrica a sua própria verdade, e muitas
vezes acredita nessa verdade como única. O auge da verdade de Duchamp caberia no enigmático desenho da hélice,
ainda que todas as verdades sejam possíveis. Não é à toa que a verdade individual recebe o nome sugestivo de “ponto
de vista”. Ao inaugurar pontos de vista,
o artista percorre a complexidade do
humano, já que a Arte é um instrumento de experimentação, de reflexão. A Arte
iguala a criança, o artista, o filósofo e o
cientista.
Em cada etapa do processo interminável de maturação do artista, haverá
sempre um livro.
O livro é certamente um dos objetos
artísticos mais plenos. Porque desde sua
origem, o livro é anteparo da imagem e
da palavra.
Porque pode ser lido da maneira que
o leitor quiser.
Porque nunca será lido da mesma
maneira.
Porque é um objeto e pode ser modificado pelo leitor.
Porque sempre modifica o leitor.
Porque apesar de ser um objeto, seu
conteúdo pemanece mesmo a distância.
Porque é tão simples quanto é complexo.
O livro une a narrativa verbal e a visual e muitas vezes, nem se pretende
narrativo. O livro é abstrato e amplo. É
também um objeto de arte, tanto que
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E IMAGEM
Picasso, Poty, Calazans Neto, Matisse,
Dührer, Gustave Doré, Santa Rosa,
Carybé, Niemeyer, García Lorca,
Monteiro Lobato, Milton Dacosta, Angela
Lago, Mariana Massarani, Graça Lima,
Eliardo França, J. Borges, Jules Feiffer,
Steinberg, Portinari usaram sem a menor cerimônia, páginas de livro, capas,
ex-libris como anteparo para sua expressão imagística, muitas vezes subvertendo os limites entre imagem e palavra.
O ato de descrever pressupõe reinterpretação, tanto para quem descreve
como para quem ouve. Sei que as imagens que advêm da descrição verbal são
diferentes do objeto descrito, ainda assim, não resisto a este prazer. Vou descrever um desenho que eu fiz a bordo
de um ônibus, para um caderno de viagens, em Marrocos. O resultado foi muito simples: uma linha horizontal na metade baixa do papel, à esquerda da linha se apoiava um quadrado e sobre o
quadrado, um traço em forma de ogiva.
Os limites da imagem eram os próprios
limites do caderno aberto, então decidi
que o desenho estava pronto. O balanço
do ônibus atenuava a rigidez geométrica das linhas. A paisagem semidesértica,
uma dose de ansiedade e o sentimento
de culpa por nunca ter feito um caderno
de viagens forjaram este primeiro desenho: uma tumba no deserto. As formas
pareciam tranqüilas e corretas.
A princípio era só isso, uma tumba
no deserto. A paisagem na janela do ônibus mudava constantemente: monta-
BOLETIM – PGM 2 - A ARTE OLHANDO O MUNDO
22
LITERATURA
nhas, ovelhas, postos, refinarias, letreiros, palmeiras, sacos plásticos, aquedutos, mulheres esperando ônibus, mulheres com sacolas, campos de futebol
e a repetição de todas essas coisas.
Meus olhos não desgrudavam do caderno. Uma tumba no deserto. Não a que
se via da janela, mas aquela no papel.
Apesar da aparente desolação, percebiase que aquele pedaço de deserto sofrera intervenção humana. A arquitetura
da tumba dava indícios da origem e orientação religiosa de quem a construiu.
A ausência de sombras poderia sugerir
um sol ao meio-dia ou então que a sombra estivesse projetada por trás da tumba, oferecendo abrigo do calor intenso.
Qualquer pessoa que não estivesse dentro da tumba, provavelmente, se abrigaria na sombra e não seria vista. No
entanto, a ausência de sombras talvez
fosse proposital, tratando-se de um desenho estritamente linear. Mas por que
a sugestão de uma paisagem diurna?
Por causa do predomínio do fundo branco do papel? E se a cor do papel fosse
outra? E se a tumba estivesse à direita,
ou ao centro, ou solta no espaço gráfico? Na verdade, podemos até definir
essa sucessão de perguntas ou sugestões, associadas à percepção estrutural
da imagem, como leitura visual. Não
cabe ao artista reclamar para sua obra
uma interpretação única, ainda que o
receptor seja o próprio artista. O autor
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E IMAGEM
da imagem era eu, mas meu ponto de
vista não parava de se transformar. Antes de fechar o caderno, o desenho me
pareceu ainda recusar qualquer apreciação figurativa. Vi uma linha reta, um
quadrado, uma ogiva. Ou melhor, vi uma
composição abstrata, a forma pela forma, sem vínculos imediatos com a narrativa, uma vez que as definições de linha, quadrado e ogiva são arbitrariedades da Geometria.
A leitura visual não se restringe a
decodificar os elementos narrativos, simbólicos, e o contexto em que se insere o
objeto artístico. A imagem possui ritmo,
contraste, dinâmica, direção e, ainda,
uma série de outras características que
não suportam ser traduzidas em palavras. A imagem tem lá os seus silêncios.
É de se espantar, portanto, que ainda hoje se desencorajem crianças alfabetizadas a se expressarem de maneira
não–verbal. A palavra não substitui o ato
de desenhar. Através do desenho organizamos elementos insubstituíveis da
observação e do raciocínio gráfico.
A Arte iguala artistas, crianças, filósofos e cientistas através da inquietude.
Dessa forma, o “olhar do artista” pode
ser entendido de maneira mais ampla
como “um certo olhar de artista” inerente à natureza inquieta de todas as pessoas. Um olhar inaugural, amplo, original, inquieto, contestador, permissivo,
crítico, múltiplo.
BOLETIM – PGM 2 - A ARTE OLHANDO O MUNDO
23
LITERATURA
E IMAGEM
SINOPSE
DO TEXTO:
O artista é um experimentador porque lê significados sem deixar de
ler as possibilidades. Antes de mais nada, um artista é um artista porque lê. A leitura visual não se restringe a decodificar os elementos
narrativos, simbólicos, e o contexto em que se insere o objeto artístico.
A imagem possui uma série de características que não suportam ser
traduzidas em palavras, a imagem tem lá os seus silêncios.
PALAVRAS-CHAVE:
Bibliografia:
Georges Jean. A Escrita - Memória dos Homens. Objetiva, 2002.
Jean Lacoste. A Filosofia da Arte. Jorge
Zahar Editor,1986.
Marcel Duchamp. Coleção Encanto Radi-
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
Perplexidade; Experimentação; Reflexão; Ponto de vista;Inquietude.
cal. Tradução Paulo Venâncio. Editora Brasiliense, l986.
Israel Pedrosa. Da Cor à Cor Inexistente.
Leo Christiano Editorial, 1977.
Jorge Luís Borges. Esse Ofício do Verso.
Companhia das Letras, 2000.
BOLETIM – PGM 2 - A ARTE OLHANDO O MUNDO
24
LITERATURA
E IMAGEM
PGM 3 – A IMAGEM INVADE OS LIVROS
DIFERENTES TIPOS DE IMAGENS PARA DIFERENTES TIPOS DE TEXTO
São complexas as relações entre texto
e imagem e, para estudá-las, certamente
é possível adotar múltiplas abordagens.
A idéia deste pequeno artigo é tratar
do tema a partir da identificação de alguns tipos de textos e imagens. Evidentemente, não se pretende aqui esgotar o
assunto, que é amplo, mas sim apontar
alguns caminhos de discussão.
Como sabemos, a invenção da imprensa tipográfica, ocorrida por volta de
1450, constituiu-se numa das principais
alavancas do desenvolvimento científico
e técnico que marcou o início da Idade
Moderna e acabou, mais tarde, gerando
ambiente e condições para que a Revolução Industrial pudesse acontecer. As
repercussões da invenção da imprensa
chegam, na verdade, até os dias de hoje.
Fazemos parte, sem dúvida, de uma cultura profundamente impregnada por
palavras e imagens impressas.
1
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
RICARDO AZEVEDO1
Antes de Gutemberg, porém, a reprodução de textos e imagens era feita
por intermédio de cópias manuais. Isto
significava 1) tiragens insignificantes, o
que tornava o conhecimento inacessível
à grande maioria de pessoas e 2) grande
imprecisão do material reproduzido que,
por ser copiado manualmente por diferentes pessoas, costumava apresentar
erros, distorções e diferenças importantes de uma cópia para outra.
Com a invenção dos caracteres móveis e da tipografia foi finalmente possível reproduzir, de forma ilimitada, textos e imagens idênticos. Em vários pontos do mundo, diferentes pessoas puderam comparar e discutir informações
exatamente iguais, agora fixadas pelos
processos de impressão. Desde então,
além de obras religiosas e de ficção, estas, em geral, pouco ilustradas, proliferaram livros descrevendo experiências e
Escritor e ilustrador, doutorando em Teoria Literária pela Universidade de São Paulo.
BOLETIM
25
LITERATURA
teorias científicas, manuais técnicos de
todo o tipo, pesquisas em diferentes ramos do conhecimento, relatos de viagens,
modelos e programas de tecnologia para
indústria, arquitetura, engenharia, medicina, transporte etc.
Nestas obras, as ilustrações apresentavam como principais características: a
objetividade, a univocidade e o caráter
descritivo e documental. Cabia a elas
mostrar, visualmente e com a maior precisão e clareza possíveis, o que o texto
descrevia por meio de palavras.
O surgimento, no século XVII, dos
primeiros jornais periódicos, só fez ampliar tal processo. Os desenhos estampados nos noticiários buscavam também,
fundamentalmente, descrever e documentar: mostravam como havia sido a
chegada de tal rei a tal país; o incêndio
ocorrido em determinada cidade; os últimos inventos; guerras e batalhas; a assinatura de algum tratado; retratos de
figuras públicas etc.
De meados do século XV até o fim
do século XIX (época da invenção da fotografia), portanto durante cerca de quatro séculos, foi, pouco a pouco, sendo
construída a sólida, embora nem sempre reconhecida, tradição de tratar desenhos impressos como sendo sempre,
invariavelmente, objetivos, unívocos, informativos, descritivos e documentais.
Tal tradição vigora até os dias de hoje.
É muito comum encontrar pessoas que
associam, automaticamente, imagens
impressas a informações, ou que imagi-
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
E IMAGEM
nam que a função das imagens, quando
apresentadas ao lado de um texto, é sempre esclarecer, informar, documentar,
corroborar, dizer através de imagens exatamente o que o texto diz através de palavras.
Em certos casos, isso pode ser verdade. Em outros, definitivamente, não.
Veja-se, por exemplo, o texto abaixo:
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“Os quatro tenentes e dois sargentos envolvidos na morte de 19 sem-terra em
Eldorado do Carajás (PA) afirmaram ontem, durante a 4ª sessão do julgamento
do caso, que atiraram para cima durante
o confronto e não sabem quem seriam
os responsáveis pelos homicídios.”
(“Tenentes e sargentos dizem ter atirado para cima em conflito com sem-terra”
in Folha de S.Paulo, 5 de junho de 2002,
pág. A15).
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Trata-se de um típico texto jornalístico. Refere-se a um lamentável episódio, de interesse público, ocorrido realmente. Se fosse apresentado ao lado de
imagens, no caso não foi, demandaria
que estas fossem, em princípio, descritivas e documentais. As alternativas para
ilustrar
a matéria poderiam ser, por
exemplo, fotos tiradas durante o massacre ocorrido em Eldorado; fotos de pessoas envolvidas; fotos da sessão de julgamento e coisas assim, ligadas sempre
diretamente ao evento real noticiado.
BOLETIM – PGM 3 - A IMAGEM INVADE OS LIVROS
26
LITERATURA
A mesma situação ocorre com o seguinte texto:
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“A grande marca deixada pelos paulistas
na vida colonial do século XVII foram
as bandeiras. Expedições que reuniam
às vezes milhares de índios lançaramse pelo sertão, aí passando meses e às
vezes anos, em busca de indígenas a
serem escravizados e metais preciosos.
(…) A grande bandeira de Manuel Preto
e Raposo Tavares que atacou a região
de Guaíra em 1629, por exemplo, era
composta de 69 brancos, 900 mamelucos
e 2.000 indígenas.”
(FAUSTO, Boris. História do Brasil.
Edusp, p.94):
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É um texto didático e informativo
sobre a história do Brasil. No livro, o trecho vem acompanhado de um mapa mostrando trajetos de várias expedições bandeirantes. Para ilustrá-lo poderiam também, eventualmente, ter sido utilizadas
imagens com figuras de bandeirantes;
uma vila colonial; índios e mamelucos;
armas e apetrechos usados na época etc.
Trata-se, da mesma forma, de imagens
informativas, unívocas, descritivas e documentais.
Livros didáticos, em princípio, caracterizam-se por apresentar textos impessoais e objetivos, abordando fatos e eventos pretensamente acontecidos, assim
como informações científicas ou técnicas consideradas verdadeiras, tudo isso
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E IMAGEM
vinculado a programas educacionais.
Textos didáticos são utilitários, criados
com o intuito de transmitir conhecimento e, note-se, de maneira a que todos os
leitores, ao final da leitura, cheguem a
uma mesma, específica e única interpretação.
As imagens de uma laranja, o Pão
de Açucar, uma girafa ou um pulmão,
quando presentes em livros didáticos,
devem apresentar certas características
invariáveis e convencionais para que possam ser identificadas imediatamente. A
linguagem e o estilo pessoal do artista,
neste caso, precisam ser reprimidos para
que o objeto que se pretende mostrar
seja retratado da forma mais objetiva e
paradigmática possível. Trata-se da chamada imagem “realista” ou “fotográfica”.
Em tese, nesta situação, desenhos feitos por artistas do mesmo nível técnico,
utilizando recursos similares, ficarão
muito parecidos. Afinal, uma laranja de
tal tipo é sempre uma laranja de tal tipo;
o Pão de Açúcar é sempre o Pão de Açúcar e uma girafa de tal espécie é sempre
uma girafa de tal espécie. O mesmo podese dizer do pulmão humano.
Qualquer um dos elementos citados,
se for visto por um ângulo inesperado e
inusitado, corre o risco de ficar descaracterizado.
Imagine-se uma girafa vista de cima,
perpendicularmente, ou o Pão de Açúcar retratado por um ângulo lateral, não
convencional. Ambas as imagens poderiam até ficar interessantes mas não se-
BOLETIM – PGM 3 - A IMAGEM INVADE OS LIVROS
27
LITERATURA
riam apropriadas para um livro de Ciências ou Geografia.
Em livros destinados a pessoas ainda
em fase de alfabetização, crianças ou adultos, as imagens costumam ter função semelhante. Tendem e precisam ser objetivas, descritivas e documentais de forma a
ajudarem o leitor a compreender e decifrar, a iluminar, o texto que tem em mãos.
Lendo um pouco e olhando um pouco, o
leitor aprendiz acaba por compreender os
assuntos tratados pelo texto.
Que função, porém, teriam as imagens,
quando o leitor, seja qual for sua idade, já
domina completamente a leitura?
Se fosse um texto didático, sua função, como vimos, continuaria sendo a
mesma: descrever e documentar o que
foi dito através de palavras.
Mas, e se o texto for poético?
Sem a pretensão de definir o que seja
a literatura, é preciso dizer duas palavras
sobre algumas características do discurso
literário. Em primeiro lugar, o texto literário é sempre e sempre fictício. Mesmo tratando de fatos que eventualmente tenham
ocorrido, caso, por exemplo, de um romance histórico, o faz através da ficção, inventando cenas, personagens, diálogos, monólogos interiores etc. Outro ponto importante: a literatura prima pela preocupação com a linguagem em si mesma. Tratase do que se convencionou rotular de “função poética da linguagem”. Enquanto nos
textos informativos e didáticos o discurso
precisa ser claro, objetivo, impessoal,
referencial e unívoco, no texto literário, ao
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E IMAGEM
contrário, ele pode inventar palavras; pode
criar ritmos inesperados e explorar as sonoridades entre palavras; pode brincar
com trocadilhos e duplos sentidos; pode
recorrer a metáforas, metonímias,
sinédoques e ironias; pode ser simbólico;
pode ser propositalmente ambíguo e até
mesmo obscuro. Se todo o texto informativo pretende que muitos leitores cheguem
a uma mesma e única interpretação, o texto literário tende à plurissignificação, à
conotação, almeja que diferentes leitores
possam chegar a diferentes interpretações.
Pode-se dizer que quanto mais amplas forem as possibilidades de leitura oferecidas por um texto literário, maior será sua
qualidade.
Vejamos alguns exemplos, bastante
variados
BOLETIM – PGM 3 - A IMAGEM INVADE OS LIVROS
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“E por causa de uma discussão sobre
coisas de zepelim e assentador de moça,
o anão Azevedinho Codó levou, de um
certo Chico Pereira, pescoção de tal modo peçonhento que atravessou de foguete
toda a cidade de Guarus e sumiu para o
lado do Piauí numa poerinha de não ser
mais visto. No meio da semana, o delegado Xexé Barroso, encarregado de desvendar o paradeiro de Azevedinho, recebeu do seu colega do Palmeiral do Livramento o seguinte telegrama: “Passou
pela rua do Comércio um nanico voando
de passarinho, que só pode ser o procurado Azevedinho Codó. No meu fraco
pensar, o pescoção ministrado ainda tem
carvão para mais dois dias, pelo que te-
28
LITERATURA
legrafei para Lagoinhas de modo que a
autoridade competente espere o
indigitado anão no campo de pouso, onde
deve chegar no vento das quatro horas
da tarde se não sofrer atraso no
pescoção. Só quero saber se a gente
devolve Azevedinho Codó via manual ou
pela estrada de rodagem.”
(CARVALHO, José Cândido de. “Anão
no vento das quatro horas da tarde” in
Porque Lulu Bergantim não atravessou o Rubicon. 3ª ed. Rio de Janeiro,
Editora José Olympio, 1974)
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Ou este:
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“Guta entrou em casa exausta. Despencou na poltrona. Tirou os sapatos e as
meias. Olhou os pés desapertados e
respirantes. Maior alívio. Brincou com os
dedos por um tempão. Depois, pulou num
pé só, até cansar. Aí sentou e ligou a TV.
Ficou vendo fissurada um super-desenho. Acabou e começou outro chatésimo.
Botou o olho rapidinho e logo se encheu.
Deu uma zipada pelos outros canais.
Nada de interessante. Bufou e desligou
a televisão. Foi pro seu quarto. Entrou,
deu uma geral e num minuto sacou que
tinham mexido em seus brinquedos. Conferiu um por um. Faltava justo o que mais
gostava: a cozinha. Presente da madrinha, no Natal. Ficou furiosa. Bateu a porta
e saiu gritando como louca pela casa.
Berrou com a mãe, que mandou que ela
tratasse sozinha de seus negócios. Quase estourou de raiva.”
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E IMAGEM
BOLETIM – PGM 3 - A IMAGEM INVADE OS LIVROS
(ABRAMOVICH, Fanny. Baita irritação.
Rio de Janeiro, Ediouro, 1998)
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Ou esta parlenda infantil:
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Mis clof tara tara
Tiro liro clem clem
Clof tara tara tiro
Lofum fum o sungue
Is sungue is sungue
Tiro liro liro
Cata parium be
(HEYLEN, Jacqueline. Parlenda, riqueza
folclórica. 2ª ed. São Paulo, Hucitec, 1991)
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Ou este poema:
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a onda anda
aonde anda
a onda?
a onda ainda
ainda onda
ainda anda
aonde?
aonde?
a onda a onda
(BANDEIRA, Manuel. “A onda” in Estrêla da vida inteira. Rio de Janeiro, José
Olympio, 1966)
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Ou um trecho deste poema:
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Minha mão está suja.
Preciso cortá-la.
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LITERATURA
Não adianta lavar.
A água está podre.
Nem ensaboar.
O sabão é ruim.
A mão está suja,
suja há muitos anos.
A princípio oculta
no bolso da calça,
quem o saberia?
Gente me chamava
na ponta do gesto.
Eu seguia, duro.
A mão escondida
no corpo espalhava
seu escuro rastro.
(…)
Inútil reter
a ignóbil mão suja
posta sobre a mesa.
Depressa, cortá-la,
fazê-la em pedaços
e jogá-la ao mar!
Com o tempo, a esperança
e seus maquinismos,
outra mão virá
pura – transparente–
colar-se a meu braço.
(ANDRADE, Carlos Drummond de. “A
mão suja” in Antologia Poética. 5ª ed.
Rio de Janeiro, Sabiá, 1962.)
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Ou ainda:
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“Fada Sempre-Viva mora numa casa que
também é fada: é um casa-fada com ja-
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E IMAGEM
BOLETIM – PGM 3 - A IMAGEM INVADE OS LIVROS
nelas encantadas. As janelas abrem-se
sobre paisagens que imaginamos. A janela daqui mostra um lugar cheio de
borboletas. A janela dali mostra um céu
estrelado, com lua, dragão e astronauta.
A janela do meio mostra o pensamento.
E como o pensamento é coisa de repente, a janela abre para o branco. Quem
olhar por ela pensa o que quer.”
(ORTHOF, Sylvia. A Fada Sempre-Viva
e a Galinha-Fada. São Paulo, FTD, 1994)
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E, para terminar:
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Era uma casa
Muito engraçada
Não tinha teto
Não tinha nada
Ninguém podia
Entrar nela não
Porque na casa
Não tinha chão
Ninguém podia
Dormir na rede
Porque na casa
Não tinha parede
Ninguém podia
Fazer pipi
Porque penico
Não tinha ali
Mas era feita
Com muito esmero
Na rua dos Bobos
Número Zero.
(MORAES, Vinicius. “A casa” in A arca
de Noé. 7ª ed. Rio de Janeiro, José
Olympio, 1981)
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30
LITERATURA
Em que pese as diferenças entre os
textos acima citados, uma coisa é certa:
nenhum deles é didático ou pretende
passar lições e informações. Todos referem-se a fatos inventados ou tratam os
fatos da realidade de forma imaginosa e
arbitrária. Todos são, portanto, ficção.
Todos são marcados por uma voz subjetiva e singular, logo não podem ser considerados nem pretendem ser discursos
“claros”, “unívocos” e “objetivos”. Todos
apresentam grande liberdade com o uso
da linguagem. Todos, uns mais outros
menos, são, num certo sentido, ambíguos e plurissignificativos, ou seja, possibilitam diversas leituras, sensações e
interpretações. Muitos, além de tudo
isso, são claramente simbólicos.
Caso qualquer um destes textos fosse ilustrado, seria inadequado recorrer
a imagens documentais. Documentar o
quê? Não restaria outra saída ao ilustrador do que apelar a imagens de um outro tipo: subjetivas, metafóricas, poéticas, arbitrárias, fantasiosas, simbólicas,
analógicas e ambíguas. Imagens compatíveis, diga-se de passagem, com os textos que pretendem ilustrar (e com o qual
pretendem dialogar!).
Diante de um texto poético, portanto plussignificativo, não há uma convenção em que o ilustrador possa se apoiar.
Resta a ele apenas um caminho: inventar arbitrariamente uma possibilidade de
interpretação visual. Outro artista, fatalmente daria ao mesmo texto outro recorte, talvez completamente diferente.
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E IMAGEM
De qualquer forma, é preciso dizer, dois
trabalhos opostos, criados a partir de um
mesmo texto de ficção, podem representar soluções absolutamente pertinentes
e interessantes.
O assunto das relações texto e imagem foi tratado aqui de forma bastante
esquemática e genérica. Há textos literários, por exemplo uma novela realista ou
histórica, que, em tese, exigiriam o uso
de imagens descritivas e documentais.
Uma notícia de jornal pode também ser
ilustrada por uma imagem analógica e relativamente arbitrária como, por exemplo,
uma caricatura ou uma charge. Por outro
lado, fique claro, as fronteiras entre os vários tipos de textos e imagens são quase
sempre pouco nítidas e imprecisas.
Concluindo, enquanto as imagens
que pretendem ilustrar textos didáticos
e informativos reafirmam, descrevem e
corroboram o que o texto já disse, imagens que se dispõem a ilustrar textos de
ficção e linguagem poética – a literatura
– são obrigadas a criar uma espécie de
ficção visual, totalmente subjetiva e cheia
de elementos arbitrários, ampliando assim, conseqüentemente, o universo significativo do texto.
Este talvez seja o grande desafio e o
encanto do trabalho do ilustrador quando desenvolve seu trabalho a partir de
um texto de ficção.
Tirando as exceções de praxe, pior
idéia do que tratar de forma subjetiva,
analógica, ambígua, poética, fantasiosa
e arbitrária textos didáticos ou documen-
BOLETIM – PGM 3 - A IMAGEM INVADE OS LIVROS
31
LITERATURA
tais, só mesmo a de tratar de forma objetiva, lógica, unívoca, descritiva, literal
e documental textos poéticos e ficcionais.
Bibliografia
ABRAMOVICH, Fanny. Baita irritação. Rio
de Janeiro, Ediouro, 1998.
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia Poética. 5ª ed. Rio de Janeiro,
Sabiá, 1962.
AZEVEDO, Ricardo. “Texto e imagem: diálogos e linguagens dentro do livro”.
In SERRA, Elizabeth D. 30 anos de
literatura para crianças e jovens. Campinas, Mercado de Letras, 1998.
––––––––––––––––– “Pensando em ilustrações de livros”. In: ALVES, Maria Leila
(Org.) Idéias – Linguagens e linguagens.
São Paulo, Fundação Para o Desenvolvimento da Educação, 1993.
BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira.
Rio de Janeiro, José Olympio, 1966.
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
E IMAGEM
CAMARGO, Luís. Ilustração do livro infantil.
Belo Horizonte, Editora Lê, 1995.
CARVALHO, José Cândido de. “Anão no
vento das quatro horas da tarde” . In
Porque Lulu Bergantim não atravessou
o Rubicon. 3ª ed. Rio de Janeiro, Editora José Olympio, 1974.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. Edusp,
p.94.
HEYLEN, Jacqueline. Parlenda, riqueza folclórica. 2ª ed. São Paulo, Hucitec,
1991.
IVINS JR., W.M. Análisis de la imagen prefotográfica Trad. Justo G. Beramendi.
Barcelona, Editorial Gustavo Gilli,
1975.
MORAES, Vinicius de. A arca de Noé. 7ª
ed. Rio de Janeiro, José Olympio,
1981.
ORTHOF, Sylvia. A Fada Sempre-Viva e a
Galinha-Fada. São Paulo, FTD, 1994.
SINOPSE:
Este artigo pretende lembrar as relações entre o invento da imprensa
tipográfica e noções como objetividade, univocidade, informação e documentação. Ao mesmo tempo, procura apontar certas diferenças significativas entre alguns tipos de textos – didáticos e informativos de
um lado e poéticos e ficcionais, de outro. Como conclusão, o artigo
tenta demonstrar que cada tipo de texto demanda um diferente e
específico tipo de imagem.
BOLETIM – PGM 3 - A IMAGEM INVADE OS LIVROS
32
LITERATURA
E IMAGEM
PGM 4 – A IMAGEM NAS PAREDES DA ESCOLA
ARTE E LIVROS NA EDUCAÇÃO ESCOLAR
Leitura de texto e leitura de imagem
Costumamos usar a palavra leitura
significando leitura de texto. Uma leitura que requer decifrar signos, letras, sinais convencionados, que nos remetem
ao universo da linguagem oral. Ler um
texto é ler o registro de nossa comunicação verbal, no qual as palavras contam os significados.
Essa é uma maneira de ler o mundo. Uma maneira importante, que traz
informação, troca, que alarga horizontes
e permite a constante ampliação dos níveis de conciência humana.
Podemos, também, usar a palavra
leitura em um sentido menos comum,
significando leitura visual. Essa é uma
outra maneira de ler o mundo, não decifrando letras, mas decifrando imagens.
Imagens que preenchem nossos
olhos do momento em que acordamos
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EVA FURNARI*
até a hora de dormir. São paisagens da
cidade, do campo, das ruas, das casas,
por dentro, por fora, dos outdoors, dos
livros, revistas, TVs. Paisagens cheias de
objetos e sujeitos.
Com o olhar, a gente pode, por exemplo, ler um objeto que esteja na paisagem, digamos, um carro. Ao vê-lo, sabemos se é antigo, moderno, esporte ou
clássico, se nos agrada ou não e assim
por diante.
A gente também pode ler e decifrar
um sujeito passando na rua. Digamos
que, só de olhar, a gente vê se é jovem,
velho, pobre, rico e pode até perceber
seu estado de humor; deprimido, emburrado, bem disposto, de bem com a vida.
Lemos sujeitos o dia todo, a todo momento. Quem é que, ao se relacionar com
uma pessoa, não envia e recebe mensagens para serem entendidas pelos olhos?
São caras e bocas sem legenda, que vão
* Escritora e ilustradora de livros para crianças e jovens.
BOLETIM
33
LITERATURA
fazendo pedidos, convites, dando comandos, fazendo intimações e outras coisas
assim. Isso é ler imagem. Essa leitura
visual do mundo nos é tão íntima e familiar, que muitas vezes não nos damos
conta do quanto ela é presente em nossa vida.
Captamos uma quantidade enorme
de informações por essa via, muito maior do que costumamos supor. É todo um
sistema de comunicação que se processa pela imagem, e que é, em parte, inconsciente e, é interessante notar que,
mesmo sendo inconsciente, somos capazes de usá-lo com perícia.
É como se houvesse uma leitura silenciosa, às vezes vaga, outras vezes precisa, feita não por nosso lado racional,
mas por nossas sensações e emoções.
Parece algo natural, espontâneo, universal, independente da cultura e da linguagem verbal de cada povo.
Vale observar que, mesmo ocorrendo com baixos níveis de consciência, essa
relação visual com o mundo é extremamente atuante e determinante nas nossas escolhas, em nossas relações, em
estados de felicidade ou de tristeza estética, enfim, em muitos aspectos da
nossa vida.
O espaço interno da escola
Tanto a leitura visual do sujeito e do
objeto, quanto a leitura da paisagem,
também são extremamente presentes em
nosso cotidiano. É uma presença forte,
que interfere e atua através de informa-
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E IMAGEM
ções, significados, conteúdos simbólicos,
que educam ou deseducam, agridem ou
acolhem.
É comum que tenhamos sensações
e impressões nos lugares onde estamos.
Chamamos aqui de paisagem a qualquer
entorno; tanto ambientes internos, quanto externos. Quantas vezes, por exemplo, nos sentimos confortáveis num lugar bem arranjado com plantas, bem iluminado, agradável. Ou também, numa
cidade grande, quantas vezes amortecemos o olhar e nos insensibilizamos, focalizando apenas o que interessa, na intenção de proteger a alma da feiura da
paisagem.
O entorno parece penetrar em nossos corações e nos contaminar, interferindo até em nossos ânimos, otimistas
ou pessimistas, dando sensações leves
ou pesadas, aconchegantes ou frias, caóticas ou ordenadas, feias ou belas.
Alguém já disse que os olhos são a
janela da alma. E através de uma janela,
tanto se olha de dentro para fora, quanto de fora para dentro. O tom do ambiente chega em nosso inconsciente, levando todo tipo de informação e de sensação, levando um alimento, que pode
ser bom ou ruim.
Essa questão, tão importante para
nossa qualidade de vida, muitas vezes nos
passa despercebida, mas merece, sem dúvida nenhuma, toda nossa atenção.
Se estamos em nossa casa, temos,
em geral, a liberdade de interferir no
lugar conforme nos aprouver. Porém,
BOLETIM – PGM 4 - A IMAGEM NAS PAREDES DA ESCOLA
34
LITERATURA
quando se trata de um espaço coletivo,
como no caso da escola, da empresa, da
cidade, a sua apropriação implica questões mais complexas, que requerem conhecimentos e cuidados especiais.
O ambiente interno da escola – com
suas salas, corredores, pátios, paredes –
é um espaço essencialmente coletivo e
sua peculiaridade é que pode ser usado
como recurso educacional. Sendo que a
vocação da escola é educar, parece óbvio
que seu espaço e suas paredes também
sirvam de “lição”, mas nem sempre é o
que ocorre, nem sempre o óbvio é tão
evidente. É comum que as escolas ainda
tenham uma idéia antiga, uma crença
que até passa despercebida, que se educa somente com lousa, com livros, aulas
e palavras.
Observamos, também, que há uma
outra crença permeando essa questão:
o hábito de achar que o indivíduo pouco
pode fazer quando se trata de espaços
coletivos. Esses espaços, com frequência,
parecem ser terra de ninguém, parecem
ser resultado de um amontoado de ações
independentes entre si, formando um todo confuso, desprovido de cuidados estéticos e de informações visuais de qualidade. Inúmeras vezes, não há sequer a
preocupação e o cuidado com a manutenção física desses locais, fato que dá
uma sensação deseducadora de abandono e depressão.
É evidente que essa é toda uma problemática complexa; faltam recursos nas
escolas públicas. É necessário, porém,
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E IMAGEM
que se perceba que muitas vezes o cuidar não está somente nos recursos materiais, mas também nas atitudes e que,
nesse caso, o desafio é ainda maior. A
proposição de usar as paredes da escola
com intuitos educativos requer, sim, dedicação, planejamento, conciliação de
interesses, vontade e disposição. E, sem
dúvida nenhuma, o conhecimento e a
consciência do potencial desse trabalho
para aqueles que estão de fato preocupados em educar é que vai dar a energia
e o entusiasmo para realizá-lo.
Podemos dizer que já existe, hoje,
uma atuação importante e consistente
da educação no sentido de ampliar os
espaços de aprendizado. Não temos aqui
a pretensão de estar colocando um novo
conceito educacional.
Nossa intenção é a de colaborar com
conscientização desses caminhos tão novos que os educadores vêm percorrendo, diante da importância crescente da
imagem no mundo todo.
E, por sua vocação, cabe à escola a
responsabilidade, de certa maneira nova
em nosso país, pela difícil tarefa da educação do olhar.
A Educação do Olhar
Sem dúvida alguma, um dos lugares
privilegiados para a educação do olhar é
a escola.
E o que vem a ser exatamente a educação do olhar?
Essa pergunta pode ter muitas respostas, entre elas, uma bastante sim-
BOLETIM – PGM 4 - A IMAGEM NAS PAREDES DA ESCOLA
35
LITERATURA
ples; basta oferecer aos olhos qualidade
estética, arte. Muita, em quantidade e
variedade.
Isso será processado numa alquimia
interior e veremos que, depois, a alma
da criança e do jovem, que foi assim alimentada, passará a buscar, automaticamente, a qualidade estética como alimento necessário.
Porém, não podemos nos iludir com
soluções simplistas, achando que prover
uma criança de arte seja tão fácil e óbvio. Pode parecer simples, à primeira vista, para o artista, que já convive com essa
dimensão estética do olhar. Mas não é
tão simples para o professor, que muitas vezes não tem em seu cotidiano essa
preocupação ou não teve a oportunidade de ter essa dimensão estética na sua
própria formação.
É provável, também, que o professor
esteja distanciado disso. Pendurar a reprodução de uma obra de arte e ocupar
os murais com coisas belas, novas e ricas para os olhos, pode parecer supérfluo quando ele está envolvido com questões urgentes; problemas de disciplina,
falta de recursos, dificuldades educacionais e até políticas internas da escola.
Situações e problemas concretos, que o
senso comum manda eternamente
priorizar.
Se formos observar essa realidade de
outro ponto de vista, veremos, porém,
que o feitiço pode virar contra o feiticeiro, isto, é, a escola pode mergulhar nos
aspectos práticos de seu ofício, de tal for-
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E IMAGEM
ma que perde de vista o olhar profundo
e enriquecedor da natureza humana, oferecido pela reflexão interiorizada e
incomum da arte.
Por que Arte na escola?
A arte é a linguagem que possibilita
a expressão e a produção de saberes de
uma comunidade.
Pela arte, pela pintura, fotografia,
música, teatro, cinema, o homem se reconhece como em um espelho, vê sua
própria cultura por diferentes prismas,
investiga para além da ciência e do pensar meramente lógico, mergulha em aspectos éticos, mitológicos, mágicos, religiosos e busca compreender os sentidos
do seu próprio viver.
A arte é, para um indivíduo, a possibilidade de expressão, de elaboração de
conteúdos inconscientes e até de integração para alguns excluídos e marginalizados. Em nosso cruel contexto social, crianças e jovens abandonados, que
nunca receberam um olhar atento para
si mesmos, podem ter por sua produção
artística (um grafite que é admirado,
uma poesia que é lida) o reconhecimento de seu valor, o validamento de sua própria dignidade, portanto, o fazer da arte
é também uma possibilidade de cura.
É sabido que jovens delinqüentes,
com talento para a liderança, quando são
chamados a participar em um contexto
comunitário e são reconhecidos por sua
criatividade, passam a contribuir com o
seu lado melhor, e muitos deles se rege-
BOLETIM – PGM 4 - A IMAGEM NAS PAREDES DA ESCOLA
36
LITERATURA
neram e se integram de maneira comovente.
As manifestações culturais e a arte
têm uma importância cada vez maior na
sociedade de hoje, tornando-se via possível para transformar a violência da exclusão em integração comunitária.
A escola como lugar de Ética e Estética
A consciência e o reconhecimento do
valor do ensino de arte na escola é de
fundamental importância. A amplitude
desse ensinamento tem alcance tanto no
sentido do desenvolvimento individual
quanto no sentido social.
O uso das paredes da escola, seja
para mostrar arte produzida por alunos
ou reproduções de obras de outros artistas, vai para além da sala de aula, pois
é uma interessante oportunidade para
o exercício da cidadania.
A ocupação do espaço escolar é uma
experiência do indívíduo perante o coletivo e pode ser determinante de futuras
atitudes diante de estruturas maiores
como a cidade, o país, o planeta. Os futuros cidadãos podem ter aí, nesse espaço organizado, a prática da consciência de direitos e deveres, o hábito de se
apropriar da paisagem, o cultivo de modificar e cuidar do espaço de convivência de maneira democrática, a compreensão que o bem coletivo reverte para o
bem do próprio indivíduo.
Ao educador é que cabe coordenar o
uso desse espaço com certa competência, considerando questões de organiza-
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ção e de estética tais como equilíbrio, harmonia, cor. Uma ocupação criativa, não
poluída, com reproduções de obras de
arte, com desenhos de alunos organizados de maneira a saber como valorizá-los,
com cartazes e avisos que contenham a
reflexão da linguagem e da comunicação.
Para que tal trabalho tenha bons frutos, e não fique no mero decorativo e na
cópia mecânica sem conteúdo, é necessário capacitar e instrumentalizar aqueles professores que não se sentem capazes de realizá-lo. O ensino de arte é um
ensino que requer especialização, conhecimento de técnicas específicas e estratégias de desbloqueio da criatividade do
aluno.
Cabe, porém, não só ao professor de
arte, mas ao educador de uma maneira
geral, cuidar não só das palavras, mas
também das imagens e paisagens que
se oferecem ao olhar da criança, a janela de sua alma.
O livro infantil também é espaço para
conviver com a Arte
O professor que tem a preocupação
da educação do olhar tem um parceiro
generoso: o livro infantil.
O livro infantil tornou-se, nas últimas
décadas, um dos espaços mais importantes e constantes que a criança tem para
conviver com o universo da arte. Não que
museus, esculturas em praça pública e
livros de arte não sejam uma fonte importante, mas o fato é que, em nosso país,
não temos o hábito e a tradição de fre-
BOLETIM – PGM 4 - A IMAGEM NAS PAREDES DA ESCOLA
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LITERATURA
quentá-los, e mais, nossas atribulações
do dia-a-dia não nos permitem a calma
necessária para sua contemplação.
Nos livros infantis, a arte vem de maneira natural pela ilustração, pelo projeto gráfico, vem contando suas histórias;
é a linguagem visual fluindo com a linguagem verbal. São imagens que trazem
consigo maneiras próprias de olhar o
mundo. Uma maneira distinta do olhar
e da intenção puramente mercadológica
de um sistema econômico dominante.
As ilustrações, quando são de qualidade, têm, potencialmente, a possibilidade de fazer frente ao massacre da indústria de consumo, que invade nossas vidas
por todos os lados, com padrões pobres,
vazios, camisas de força impostas aos nossos olhos. Os personagens da mídia, da
propaganda e dos desenhos animados, em
sua maior parte feitos com meras intenções comerciais, invadem tudo, das mochilas aos desenhos dos alunos.
Imagens estereotipadas da TV, da internet, de outdoors pela cidade, das embalagens de produtos consumidos, que
vêm servindo de modelo para as crianças, podem ter nos livros infantis um
contraponto saudável.
O termo estereotipia, segundo a definição do dicionário quer dizer padrão
formado de idéias preconcebidas e alimentado por uma falta real de conhecimento, falsa generalização, falta de originalidade, lugar comum. E isso, imagino que seja o que um bom educador quer
evitar para seu aluno.
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O sentido da verdadeira arte é justamente caminhar escapando da estereotipia que invade nossos olhos.
O livro infantil, não só com suas imagens, mas também com suas histórias,
contém freqüentemente o olhar genuíno sobre nós mesmos, que busca a reflexão criativa fora dos padrões alienantes
que nos cercam. A tradição das histórias
no percurso do homem é, em essência,
transmitir sabedoria e não apenas informação e diversão, como pode se supor à
primeira vista.
A literatura para crianças vem se tornando, cada vez mais, um espaço interessante e saboroso, apreciado inclusive
por adultos. Histórias realistas ou simbólicas, que aparentemente falam de um
mundo imaginário, na verdade, falam, de
um jeito bem-humorado e poético, de
questões, conflitos, problemas para os
quais todos nós buscamos solução.
Sair do cotidiano, aproximar-se da
arte e de suas reflexões incomuns, fora
de um sistema consumista aprisionador,
nos leva a pensar em nossa própria condição humana em seus aspectos físicos,
psíquicos, anímicos e espirituais.
Acredito que a iniciativa de buscar
soluções para melhorar a qualidade de
vida, apropriar-se de nossos espaços, ao
invés de apenas esperar passivamente
que as iniciativas governamentais resolvam a totalidade de nossos problemas, é
sinal de amadurecimento. É um sinal
saudável de superação de um sentimento social de orfandade.
BOLETIM – PGM 4 - A IMAGEM NAS PAREDES DA ESCOLA
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SINOPSE
No mundo de hoje, onde a imagem é cada vez mais importante, nos
deparamos com uma nova necessidade; a educação do olhar.
A escola, o ambiente escolar, com suas paredes repletas de imagens, a
arte dos livros infantis são, por excelência, espaços próprios para essa
educação. É necessário, entretanto que haja reflexão e conciência sobre essa questão.
BOLETIM – PGM 4 - A IMAGEM NAS PAREDES DA ESCOLA
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LITERATURA
E IMAGEM
PGM 5 – LIVROS DE LITERATURA E TELEVISÃO
Televisão afasta as crianças da leitura e da literatura.
Esta é uma afirmação que a maioria
dos adultos tem o hábito de repetir sem
refletir sobre o que ela representa.
A televisão, mais uma vez, aparece
como causa/desculpa para os problemas
de nossos alunos. Assim, nós, adultos,
comodamente, nos eximimos da nossa
responsabilidade como educadores, como se a máquina fosse capaz de determinar escolhas humanas.
Como professores, sabemos que ler e
escrever são ações culturais que devem
ser ensinadas, dia-a-dia, no espaço da
escola, além do apoio dos familiares; que
ninguém se torna leitor fora de um contexto cultural no qual o livro e a leitura
tenham uma importante presença; que
não basta ensinar a reconhecer as letras
para formar um leitor, mas que é necessário oferecer textos diferentes, para que
o aprendiz caminhe na direção da interpretação pessoal que é muito mais do que
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ELIZABETH D’ANGELO SERRA*
decodificar; que, para ler um texto, com
um mínimo de fluência, são necessárias
práticas permanentes de leitura de textos de qualidade; que é um desrespeito
oferecer textos sem qualidade àquele que
está aprendendo a ler; que esse conceito
de textos de qualidade compreende os aspectos visuais, ilustrações e projeto gráfico, como partes importantes da unidade
livro-objeto; que ler – palavras e imagens
– constitui-se um processo único, inesgotável e interminável, como ato da recriação humana.
Como educadores, sabemos também
que atenção e afeto são determinantes
para a qualidade da relação entre o adulto e a criança refletindo, diretamente,
na aprendizagem das crianças. E que
educação é interferência consciente de
alguém sobre alguém.
Felizmente, já vai longe o tempo em
que confundíamos autoritarismo com
autoridade. Hoje, temos clareza de que
a função educativa tem uma autoridade
* Secretária Geral da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Consultora desta série.
BOLETIM
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LITERATURA
e que, para exercê-la, é necessário ser
estudioso, um leitor ávido sobre vários
assuntos para o uso competente dessa
autoridade.
Como estudiosos e pesquisadores,
nós, professores e educadores, devemos
rejeitar a afirmação com que iniciamos este
texto, que só tem contribuído para camuflar e encobrir a análise da falta de interesse dos alunos pela leitura e, em particular, pela leitura literária. Antes de emitir conclusões apressadas sobre porque as
nossas crianças não se interessam por literatura, vamos nos perguntar se nós mesmos somos leitores de literatura.
A criança, desde que nasce, busca
imitar o adulto. Assim, ela emite sons e
aprende a falar. Assim, ela começa a andar e a brincar. Da mesma forma, se os
adultos à sua volta só vêem televisão e
não lêem habitualmente, a tendência da
criança é a de imitá-los: vê só televisão e
não se interessa pela leitura. Se os adultos responsáveis pelas crianças não as
orientam a selecionar os programas, e
se não conversam com elas sobre a programação da TV, preferindo deixá-las sozinhas à frente da telinha, não é a televisão que merece a culpa pelo uso exagerado ou indiscriminado que as crianças fazem dela, mas os adultos responsáveis por elas.
Quanto a gostar ou não de ler dá-se
o mesmo. Como esperar que as crianças
e jovens sejam leitores quando, além dos
pais, nós, professores também não lemos com a freqüência que deveríamos,
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exigindo deles algo que não praticamos?
A atenção e o afeto que o adulto tem
obrigação de dedicar às crianças também
deve se expressar nos momentos de lazer
inteligente partilhado com elas. Lobato
nos ensinou esse diálogo. Basta ler os
seus livros para descobrir os caminhos
originais e ao gosto das crianças, e para
aprendermos, assim, como conversar
com elas.
A criança valoriza o convite de um
adulto para escutar uma história lida
porque a linguagem do carinho e do amor
não tem idade. Ler junto é dar atenção
e afeto também. Ler junto é um carinho
que fica para toda a vida. A voz humana
narrando fantasias e emoções entra no
coração e fica na imaginação de cada filho-aluno acarinhado, amado, de maneira única, transformando-a na herança
mais preciosa que podemos deixar para
as gerações novas.
Quando o adulto escolhe ver junto
um programa de TV e conversa sobre o
que ambos estão assistindo, a criança
terá muito mais chances de ser uma
telespectadora crítica e não passiva da
televisão e de outros espetáculos pois, a
atenção dedicada a ela tem um significado importante e ela é capaz de perceber e sentir isto.
Não há como ignorar a importância
da televisão na vida cultural brasileira e
das nossas crianças. Como educadores
devemos, cada vez mais, procurar
conhecê-la e integrá-la, de maneira inteligente e produtiva, na vida coletiva da
BOLETIM – PGM 5 - LIVROS DE LITERATURA E TELEVISÃO
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LITERATURA
escola, contribuindo para que as crianças e jovens se tornem telespectadores
críticos e orientando seus familiares.
A literatura e a TV
Quando temos clara a importância da
relação da TV na vida da família brasileira e não tememos enfrentá-la, as coisas
ficam muito mais fáceis. Olhar de frente
um problema é buscar conhecê-lo. Esta
é a melhor maneira de resolvê-lo.
Mas conhecer um problema não é
só olhar para o que aparece, e sim compreender o que não se vê. Ou seja, devemos buscar a essência do problema. No
caso da televisão, ver a essência significa buscar o que está por trás das imagens e das palavras. Por exemplo, o texto escrito que está por trás da imagem
não aparece na TV. A quantidade de leitura de livros de literatura necessários
para fazer a TV, também não aparece.
Mas a literatura está lá. Nos anos e anos
de leitura dos roteiristas de novela e dos
diretores que tanto encantam e emocionam a população brasileira. Nos anos e
anos de leitura literária dos grandes repórteres e articulistas da televisão. Nos
anos e anos de leitura literária de nossos melhores atores de novelas, cinema
e teatro e dos nossos melhores compositores, cantores e músicos.
Mas isto não está dito. Simplesmente, acontece, está lá. Todos que lêem para
fazer televisão não lembram de contar
esta parte tão importante de suas vidas
profissionais e ajudar, assim, a derru-
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bar a afirmação irresponsável de muitos adultos de que a TV é a responsável
pela falta de interesse pela leitura.
Se a televisão não conta esse pedaço
tão importante sobre a sua história é necessário que nós, educadores, revelemos
esses bastidores às nossas crianças para
que elas tenham mais instrumentos para
usarem melhor a sua curiosidade e imaginação, a fim de interpretarem criticamente o modo cultural e social em que
vivem e poderem contribuir para sua melhoria. E, assim, talvez, o exemplo da televisão passe a ter uma outra dimensão,
um outro sentido para elas.
É verdade também que há programas de televisão que estão longe do mundo inteligente, da literatura, das artes
em geral e que são um desrespeito à inteligência e à boa vontade das pessoas.
Desnecessário citar os nomes desses programas, pois todo professor sabe bem
quais são os que fazem pensar e aqueles
que estimulam a alienação.
É esta diversidade que o professor deve
apresentar às crianças sobre a TV, resistindo à tentação de buscar o caminho mais
fácil, ao generalizá-la e demonizá-la, colocando todos os programas no rótulo de que
televisão não presta e que atrapalha a formação leitora das crianças.
Esta é uma boa oportunidade de lembrar os bons programas de TV sobre literatura, que já se foram, infelizmente,
como também lembrar os novos e que
estão aí para serem vistos e prestigiados.
Nos anos 80, o Globinho, apresentado por
BOLETIM – PGM 5 - LIVROS DE LITERATURA E TELEVISÃO
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LITERATURA
Paula Saldanha e o Canta Conto, na TVE,
apresentado por Bia Bedran. Na década
de 90, pelo Canal Futura, o Tirando de
Letra, programa de literatura para jovens
que, infelizmente, terminou. E o premiado Livros Animados, do Canal Futura, que
já está em sua terceira versão.
É importante destacar a programação
da TV Escola que, a partir de 1995, apresenta diversas séries sobre literatura.
Entre os destaques da programação,
estão as entrevistas com escritores brasileiros contemporâneos, na série "Revista
Literária", a série de documentários "Mestres da Literatura", e ainda as séries "Livros e etc. ..." e "Viagens da Leitura".
O programa Salto para o Futuro, da
TV Escola, tem feito diversas séries
temáticas voltadas para a leitura e a literatura para crianças e jovens, muitas delas em parceria com a FNLIJ. É importante que o professor consulte o Guia
da TV Escola, podendo contar também
com o apoio da Revista e dos Cadernos
da TV Escola.
Devemos ainda observar a importância das minisséries, apoiadas em livros
de literatura, que tiveram a versão comentada e nas quais a relação livro e adaptação para a TV era apresentada .
Hoje, temos os Livros Animados, que
falam de livros de literatura para crianças. Na TV Senac e na Globo News, ambos também a cabo, há programas que
tratam da literatura para adultos.
Em nosso país, diferentes emissoras
de TV educativas/culturais têm tido uma
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E IMAGEM
preocupação constante com o tema, o
que infelizmente não se reflete nas emissoras comerciais.
O perfil do leitor que permeia o nosso texto é daquela pessoa que tem necessidade do texto escrito para se situar
no mundo e compreender melhor a si
mesmo e aos outros, que convive diariamente com materiais escritos variados e
desfruta, em geral, de um universo cultural de expressões variadas dentre elas
a televisão, o vídeo, o cinema, o computador e a internet. O uso dessas maravilhosas máquinas criadas pela humanidade, que usam e abusam da palavra e
das imagens, não impede que sejamos
leitores. Ao contrário, enriquece o nosso
olhar e a nossa imaginação.
Além da relação entre literatura, cinema e televisão, queremos chamar a
atenção para outra importante relação
entre o escrito e a imagem. Trata-se da
relação entre a ilustração de livros e os
filmes animados. Em Brastislava, que fica
na República Eslovaca e que antes ficava
na Tchecoeslováquia, existe a mais antiga exposição de ilustrações de livros para
crianças e jovens, na qual o cinema de
animação também tem a marca da qualidade. Ambas expressões de arte dialogam
entre si com eventos simultâneos e há
artistas que atuam nos dois segmentos.
Rui de Oliveira, que no início de sua
carreira estudou próximo a essa região
da Europa, é o artista brasileiro que trabalha com as duas artes: a de ilustrar e a
do cinema animado. Seu mais recente
BOLETIM – PGM 5 - LIVROS DE LITERATURA E TELEVISÃO
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LITERATURA
trabalho, a série América Morena, nos
apresenta o filme, o vídeo e o livro sobre
uma lenda indígena, mostrando a identidade e as diferenças entre as duas maneiras de narrar, usando palavras e imagens, a tridimensional, a do movimento,
do cinema e a bidimensional, a do livro.
Para este último programa da série
“Literatura e Imagem”, gostaríamos de
ratificar e ampliar a mensagem que percorreu todos os outros textos dos programas e os programas em si. Freqüentem com seus alunos e filhos todos os
caminhos da arte como a melhor fonte
de conhecimento sobre as pessoas e a
vida, com um destaque para a arte literária, considerando a televisão como uma
aliada e não inimiga.
Lembre-se de que a literatura faz parte dessa mesma televisão que abre as por-
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E IMAGEM
tas do mundo para a imensa maioria das
famílias brasileiras que encontram nela
a sua principal atividade cultural.
Boas leituras e bons programas juntos com as crianças!
Bibliografia:
CAVALCANTI, Zélia. Livros etc... Brasília,
Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de Educação a Distância, 1996 (Cadernos da TV Escola).
FISCHER, Rosa Maria Bueno. Televisão &
Educação: fruir e pensar a TV. Belo
Horizonte: Autêntica, 2001.
ROCCO, Maria Thereza Fraga. Viagens de
leitura. Brasília, Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de
Educação a Distância, 1996 (Cadernos da TV Escola).
BOLETIM – PGM 5 - LIVROS DE LITERATURA E TELEVISÃO
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LITERATURA
E IMAGEM
Presidente da República
Fernando Henrique Cardoso
Ministro da Educação
Paulo Renato Souza
Secretário de Educação a Distância
Pedro Paulo Poppovic
MEC
Secretaria de Educação a Distância
Programa TV Escola – Salto para o Futuro
Diretora do Departamento de
Política de Educação a Distância
Carmen Moreira de Castro Neves
Coordenadora-Geral de Material
Didático-Pedagógico
Vera Maria Arantes
Coordenadora-Geral de
Planejamento e
Desenvolvimento de Educação a
Distância
Tânia Maria Magalhães Castro
Supervisora Pedagógica
Rosa Helena Mendonça
Diretor de Produção e
Divulgação
de Programas Educativos
Antonio Augusto Silva
Coordenadoras de Utilização e
Avaliação
Mônica Mufarrej e Leila Atta
Abrahão
Copidesque e Revisão
Magda Frediani Martins
Programadora Visual
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Consultoria Pedagógica
Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil
Elizabeth Serra
e.mail: [email protected]
Agosto de 2002
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