sustentabilidade econômica e social em face à ética e ao direito

Transcrição

sustentabilidade econômica e social em face à ética e ao direito
Coleção CONPEDI/UNICURITIBA
Vol. 36
Organizadores
Prof. Dr. Orides Mezzaroba
Prof. Dr. Raymundo Juliano Rego Feitosa
Prof. Dr. Vladmir Oliveira da Silveira
Profª. Drª. Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr
Coordenadores
Profª. Drª. Sandra Mara Maciel de Lima
Prof. Dr. Fernando Antonio de Carvalho Dantas
Profª. Drª. Lídia Maria Ribas
SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA E SOCIAL
EM FACE À ÉTICA E AO DIREITO
2014
2014
Curitiba
Curitiba
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
S964
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Sustentabilidade econômica e social
em face à ética e ao direito
Coleção Conpedi/Unicuritiba.
Organizadores : Orides Mezzaroba / Raymundo Juliano
Rego Feitosa / Vladmir Oliveira da Silveira
/ Viviane Coêlho Séllos-Knoerr.
Coordenadores : Sandra Mara Maciel de Lima
/Fernando Antonio de Carvalho Dantas/ Lídia Maria
Ribas.
Título independente - Curitiba - PR . : vol.36 - 1ª ed.
Clássica Editora, 2014.
250p. :
ISBN 978-85-8433-024-9
1. Responsabilidade civil - estado. 2. Desenvolvimento
sustentável. I. Título.
CDD 341
EDITORA CLÁSSICA
Conselho Editorial
Allessandra Neves Ferreira
Alexandre Walmott Borges
Daniel Ferreira
Elizabeth Accioly
Everton Gonçalves
Fernando Knoerr
Francisco Cardozo de Oliveira
Francisval Mendes
Ilton Garcia da Costa
Ivan Motta
Ivo Dantas
Jonathan Barros Vita
José Edmilson Lima
Juliana Cristina Busnardo de Araujo
Lafayete Pozzoli
Leonardo Rabelo
Lívia Gaigher Bósio Campello
Lucimeiry Galvão
Equipe Editorial
Editora Responsável: Verônica Gottgtroy
Capa: Editora Clássica
Luiz Eduardo Gunther
Luisa Moura
Mara Darcanchy
Massako Shirai
Mateus Eduardo Nunes Bertoncini
Nilson Araújo de Souza
Norma Padilha
Paulo Ricardo Opuszka
Roberto Genofre
Salim Reis
Valesca Raizer Borges Moschen
Vanessa Caporlingua
Viviane Coelho de Séllos-Knoerr
Vladmir Silveira
Wagner Ginotti
Wagner Menezes
Willians Franklin Lira dos Santos
XXII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI/ UNICURITIBA
Centro Universitário Curitiba / Curitiba – PR
MEMBROS DA DIRETORIA
Vladmir Oliveira da Silveira
Presidente
Cesar Augusto de Castro Fiuza
Vice-Presidente
Aires José Rover
Secretário Executivo
Gina Vidal Marcílio Pompeu
Secretário-Adjunto
Conselho Fiscal
Valesca Borges Raizer Moschen
Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa
João Marcelo Assafim
Antonio Carlos Diniz Murta (suplente)
Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente)
Representante Discente
Ilton Norberto Robl Filho (titular)
Pablo Malheiros da Cunha Frota (suplente)
Colaboradores
Elisangela Pruencio
Graduanda em Administração - Faculdade Decisão
Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira
Graduada em Administração - UFSC
Rafaela Goulart de Andrade
Graduanda em Ciências da Computação – UFSC
Diagramador
Marcus Souza Rodrigues
Sumário
APRESENTAÇÃO ........................................................................................................................................
11
A DESVIRTUAÇÃO DA POLÍTICA PELA RACIONALIDADE ECONÔMICA GLOBAL E SEUS REFLEXOS NA
(DES)HUMANIDADE (Mercia Miranda Vasconcellos e Guilherme Barbosa da Silva) ...............................
12
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ........................................................................................................................
12
FORMAÇÃO E EXPANSÃO DO ESTADO: GUERRA, IDENTIDADE NACIONAL, INTERESSES ECONÔMICOS, MITIGAÇÃO DE DIREITOS ...........................................................................................................
14
ESTADO E CAPITALISMO: IMBRICAÇÃO DOS SISTEMAS POLÍTICO E ECONÔMICO ...............................
15
SISTEMA ECONÔMICO, SOBERANIA, DEMOCRACIA E GLOBALIZAÇÃO ................................................
16
PERDA DO PODER POLÍTICO DO ESTADO, DECLÍNIO DA PARTICIPAÇÃO POLÍTICA ...............................
23
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
27
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
28
ECONOMIA E MEIO AMBIENTE: CONTRIBUIÇÕES DE AMARTYA SEN À ÉTICA DO DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE (Sérgio Rodrigo Martinez e Danielle de Ouro Mamed) ..........................
31
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
32
ECONOMIA E MEIO AMBIENTE: CONSTRUÇÕES E RECONSTRUÇÕES A PARTIR DOS DIREITOS
HUMANOS .................................................................................................................................................
33
DESENVOLVIMENTO, CONDIÇÃO HUMANA O EXERCÍCIO DA LIBERDADE PELA CONDIÇÃO DE
AGENTE: GOVERNANÇA AMBIENTAL PARA A EFETIVAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE ...............................
39
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
46
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
47
PLANEJAMENTO SUSTENTÁVEL DA ATIVIDADE ECONÔMICA: A PARTICIPAÇÃO SOCIAL COMO
CONDIÇÃO DE PROSSEGUIBILIDADE (Mariane Yuri Shiohara e Leandro Ferreira Bernardo) .....................
50
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
50
ATUAÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA ....................................................................................
54
PLANEJAMENTO E LEGITIMAÇÃO SOCIAL ..............................................................................................
55
SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO ............................................................................................
59
CONCLUSÕES ............................................................................................................................................
61
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
63
A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DA ATIVIDADE EMPRESARIAL (Josilene Hernandes Ortolan De
Pietro) .........................................................................................................................................................
66
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
67
O DIREITO EMPRESARIAL CONSTITUCIONAL .........................................................................................
67
A EMPRESA E A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL ......................................................................
68
FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONÔMICA .............................................................
72
A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA ..............................................................................................................
74
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
77
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
78
APRECIAÇÃO JURÍDICA SOBRE A MULTIDISCIPLINAR RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL
(Júlio Henrique Santos Kasper) ...................................................................................................................
81
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
82
A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL ........................................................................................
82
DESENVOLVIMENTO .................................................................................................................................
93
A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL, A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA E A ABORDAGEM
JURÍDICA ....................................................................................................................................................
95
CONCLUSÕES ............................................................................................................................................
99
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
99
O “PLANO INOVA EMPRESA” COMO ATUAÇÃO PRÓ-ATIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA
O DESENVOLVIMENTO (José Osório do Nascimento Neto) ......................................................................
102
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
103
O RECÉM-CRIADO “PLANO INOVA EMPRESA” DO GOVERNO FEDERAL ................................................
104
O “PLANO INOVA EMPRESA” NO SETOR DE ENERGIA COMO EXEMPLO DE SUSTENTABILIDADE
ECONÔMICA E SOCIAL ..............................................................................................................................
105
A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COMO ATORA SOCIAL PRÓ-ATIVA DO “PLANO INOVA EMPRESA” ........
106
A RESPONSABILIDADE SOCIAL ENERGÉTICA NA CONCRETIZAÇÃO DOS OBJETIVOS DA REPÚBLICA .
110
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
111
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
113
RESPONSABILIDADE JURÍDICA SOCIAL EMPRESARIAL (RJSE): ÉTICA EMPRESARIAL E DEONTOLOGIA, NO DIÁLOGO ENTRE AS NORMAS DE MERCADO E AS NORMAS JURÍDICAS (Ana Cecília
Parodi e Viviane Coêlho de Séllos Knoerr) .................................................................................................
117
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
118
DA ESTRUTURA À FUNÇÃO SOCIAL – O PERSONALISMO/SOLIDARISMO E SEU EFEITO
TRANSFORMADOR SOBRE AS RELAÇÕES JURÍDICAS CONTEMPORÂNEAS: APONTAMENTOS
CONSTITUCIONAIS DEONTOLÓGICOS .....................................................................................................
119
A CULTURA ÉTICA NAS RELAÇÕES NEGOCIAIS E A DEONTOLOGIA CONTEMPORÂNEA DO
DESENVOLVIMENTO E NO MERCADO .....................................................................................................
125
RESPONSABILIDADE JURÍDICA SOCIAL EMPRESARIAL (RJSE): EFETIVIDADE E DEONTOLOGIA NO
DIÁLOGO ENTRE AS NORMAS DE MERCADO E AS NORMAS JURÍDICAS ...............................................
135
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
144
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
145
A RENDIÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS (Mauricio Galeb e Paulo Ricardo Opuszka) ...................................
148
HISTÓRIA E A RELAÇÃO ENTRE ECONOMIA E ESTADO ...........................................................................
150
ESTADO E DIREITOS SOCIAIS ....................................................................................................................
156
A PRECARIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS DO TRABALHO NO BRASIL ..................................................
161
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
165
ÉTICA EMPRESARIAL GARANTIDORA DA SUSTENTABILIDADE: FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
RURAL E O PARADOXO TRABALHO ESCRAVO CONTEMPORÂNEO (Henrico César Tamiozzo e Marlene
Kempfer) .....................................................................................................................................................
167
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
168
O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NO ASPECTO SOCIAL E A PARTICIPAÇÃO DAS EMPRESAS .......
170
CONCEITO JURÍDICO CONTEMPORÂNEO DE TRABALHO ESCRAVO ......................................................
172
VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO E PARÂMETROS DO TRABALHO DECENTE ...............................
174
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL E A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO ......................
178
A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL, A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO E A PEC
Nº 438/01 ...................................................................................................................................................
179
O TRABALHO ESCRAVO E AS REFERÊNCIAS DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO .............................................
181
UMA REDE EMPRESARIAL ÉTICA E DE SOLIDARIEDADE PARA REDUZIR O TRABALHO ESCRAVO NO
BRASIL ........................................................................................................................................................
183
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
186
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
188
A AUDIÊNCIA PÚBLICA AMBIENTAL E A SUA (INTER) RELAÇÃO COM A ORDEM ECONÔMICA À LUZ
DE UM CAPITALISMO SUSTENTÁVEL (Karlla Maria Martini e Patrícia Dittrich Ferreira Diniz) .................
193
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
194
AUDIÊNCIA PÚBLICA AMBIENTAL E A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL ........
195
A DEFESA DO MEIO AMBIENTE COMO PRINCÍPIO DA ORDEM ECONÔMICA .......................................
198
A CONSTRUÇÃO DE UM CAPITALISMO SUSTENTÁVEL PARA A REALIZAÇÃO DOS OBJETIVOS
FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL .....................................................................
205
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
211
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
212
CONSIDERAÇÕES DE UM DEBATE CRÍTICO SOBRE O DIREITO DO TERCEIRO SETOR BRASILEIRO
(Isabella Cristina Lunelli) .............................................................................................................................
215
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
216
CONTEXTUALIZAÇÃO DO DEBATE SOBRE O DIREITO DO TERCEIRO SETOR BRASILEIRO ........................
217
A CRÍTICA DA CRÍTICA AO TERCEIRO SETOR: UM ESPAÇO PARA A SUPERAÇÃO DOS LIMITES DA
CULTURA JURÍDICA DOMINANTE ............................................................................................................
220
CONTRIBUIÇÕES PARA UMA CRÍTICA JURÍDICA EMANCIPADORA .......................................................
223
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
226
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
228
ATIVIDADE DE FOMENTO PARA AS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA
(Marco Antonio Lorga e Paulo Sérgio Nowacki) ..........................................................................................
231
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
232
A ATIVIDADE DE FOMENTO E SEU REGIME JURÍDICO ............................................................................
234
O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E O LIMITE À ATIVIDADE DE FOMENTO ..................................................
241
MARCOS INSTITUCIONAIS DA ATIVIDADE DE FOMENTO ÀS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS NO
BRASIL ........................................................................................................................................................
250
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
253
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
255
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Caríssimo(a) Associado(a),
Apresento o livro do Grupo de Trabalho Sustentabilidade Econômica e Social em
Face à Ética e ao Direito, do XXII Encontro Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e
Pós-graduação
em
Direito
(CONPEDI),
realizado
no
Centro
Universitário
Curitiba
(UNICURUTIBA/PR), entre os dias 29 de maio e 1º de junho de 2013.
O evento propôs uma análise da atual Constituição brasileira e ocorreu num ambiente
de balanço dos programas, dada a iminência da trienal CAPES-MEC. Passados quase 25 anos
da promulgação da Carta Magna de 1988, a chamada Constituição Cidadã necessita uma
reavaliação. Desde seus objetivos e desafios até novos mecanismos e concepções do direito,
nossa Constituição demanda reflexões. Se o acesso à Justiça foi conquistado por parcela
tradicionalmente excluída da cidadania, esses e outros brasileiros exigem hoje o ponto final do
processo. Para tanto, basta observar as recorrentes emendas e consequentes novos
parcelamentos das dívidas dos entes federativos, bem como o julgamento da chamada ADIN
do calote dos precatórios. Cito apenas um dentre inúmeros casos que expõem os limites da
Constituição de 1988. Sem dúvida, muitos debates e mesas realizados no XXII Encontro
Nacional já antecipavam demandas que semanas mais tarde levariam milhões às ruas.
Com relação ao CONPEDI, consolidamos a marca de mais de 1.500 artigos submetidos,
tanto nos encontros como em nossos congressos. Nesse sentido é evidente o aumento da
produção na área, comprovável inclusive por outros indicadores. Vale salientar que apenas no
âmbito desse encontro serão publicados 36 livros, num total de 784 artigos. Definimos a
mudança dos Anais do CONPEDI para os atuais livros dos GTs – o que tem contribuído não
apenas para o propósito de aumentar a pontuação dos programas, mas de reforçar as
especificidades de nossa área, conforme amplamente debatido nos eventos.
Por outro lado, com o crescimento do número de artigos, surgem novos desafios a
enfrentar, como o de (1) estudar novos modelos de apresentação dos trabalhos e o de (2)
aumentar o número de avaliadores, comprometidos e pontuais. Nesse passo, quero agradecer a
todos os 186 avaliadores que participaram deste processo e que, com competência, permitiramnos entregar no prazo a avaliação aos associados. Também gostaria de parabenizar os autores
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
selecionados para apresentar seus trabalhos nos 36 GTs, pois a cada evento a escolha tem sido
mais difícil.
Nosso PUBLICA DIREITO é uma ferramenta importante que vem sendo aperfeiçoada
em pleno funcionamento, haja vista os raros momentos de que dispomos, ao longo do ano, para
seu desenvolvimento. Não obstante, já está em fase de testes uma nova versão, melhorada, e
que possibilitará sua utilização por nossos associados institucionais, tanto para revistas quanto
para eventos.
O INDEXA é outra solução que será muito útil no futuro, na medida em que nosso
comitê de área na CAPES/MEC já sinaliza a relevância do impacto nos critérios da trienal de
2016, assim como do Qualis 2013/2015. Sendo assim, seus benefícios para os programas serão
sentidos já nesta avaliação, uma vez que implicará maior pontuação aos programas que
inserirem seus dados.
Futuramente,
o
INDEXA permitirá estudos próprios e comparativos entre os
programas, garantindo maior transparência e previsibilidade – em resumo, uma melhor
fotografia da área do Direito. Destarte, tenho certeza de que será compensador o amplo esforço
no preenchimento dos dados dos últimos três anos – principalmente dos grandes programas –,
mesmo porque as falhas já foram catalogadas e sua correção será fundamental na elaboração da
segunda versão, disponível em 2014.
Com relação ao segundo balanço, após inúmeras viagens e visitas a dezenas de
programas neste triênio, estou convicto de que o expressivo resultado alcançado trará
importantes conquistas. Dentre elas pode-se citar o aumento de programas com nota 04 e 05,
além da grande possibilidade dos primeiros programas com nota 07. Em que pese as
dificuldades, não é possível imaginar outro cenário que não o da valorização dos programas do
Direito. Nesse sentido, importa registrar a grande liderança do professor Martônio, que soube
conduzir a área com grande competência, diálogo, presença e honestidade. Com tal conjunto de
elementos, já podemos comparar nossos números e critérios aos das demais áreas, o que será
fundamental para a avaliação dos programas 06 e 07.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Com relação ao IPEA, cumpre ainda ressaltar que participamos, em Brasília, da III
Conferência do Desenvolvimento (CODE), na qual o CONPEDI promoveu uma Mesa sobre o
estado da arte do Direito e Desenvolvimento, além da apresentação de artigos de pesquisadores
do Direito, criteriosamente selecionados. Sendo assim, em São Paulo lançaremos um novo
livro com o resultado deste projeto, além de prosseguir o diálogo com o IPEA para futuras
parcerias e editais para a área do Direito.
Não poderia concluir sem destacar o grande esforço da professora Viviane Coêlho de
Séllos Knoerr e da equipe de organização do programa de Mestrado em Direito do
UNICURITIBA, que por mais de um ano planejaram e executaram um grandioso encontro.
Não foram poucos os desafios enfrentados e vencidos para a realização de um evento que
agregou tantas pessoas em um cenário de tão elevado padrão de qualidade e sofisticada
logística – e isso tudo sempre com enorme simpatia e procurando avançar ainda mais.
Curitiba, inverno de 2013.
Vladmir Oliveira da Silveira
Presidente do CONPEDI
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Apresentação
A discussão sobre a sustentabilidade ganhou importância incontestável nos ambientes
universitários, nos centros de pesquisa e também no discurso dos gestores e empreendedores,
públicos e privados. Discutir, portanto, a sustentabilidade implica em considerar uma
transformação econômica, social, cultural e ética, reconhecendo os limites impostos pelos
ecossistemas.
Neste sentido, a presente coletânea visa contribuir com estas discussões, apresentando
uma reflexão crítica sobre a construção e reconstrução da ideia de ética econômica, liberdade e
proteção do meio ambiente enquanto fatores fundamentais para o desenvolvimento sustentável.
As discussões suscitadas se apresentam como forma de renovação e reflexão do saber jurídico,
construído pela pesquisa acadêmica, demonstrando preocupação com temáticas de base,
filosóficas, de teoria geral do direito, dogmática jurídica, bem como de perspectivas e
projeções que se apresentam em programas de pós-graduação.
Os trabalhos apresentados enfatizam a importância de redefinição de conceitos, do
compartilhamento de responsabilidades entre sociedade civil e Estado e da participação
popular como condição para o desenvolvimento sustentável.
Esta contribuição é o resultado de artigos defendidos no âmbito do Conselho Nacional
de
Pesquisa
e
Pós-Graduação
em
Direito
-
CONPEDI
e
pode
interessar
a
professores/pesquisadores e discentes da graduação e pós-graduação.
Boa leitura!
Coordenadores do Grupo de Trabalho
Professora Doutora Sandra Mara Maciel de Lima – UNICURITIBA
Professor Doutor Fernando Antonio de Carvalho Dantas – UFG
Professora Doutora Lídia Maria Ribas – UFMS
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
A DESVIRTUAÇÃO DA POLÍTICA PELA RACIONALIDADE
ECONÔMICA GLOBAL E SEUS REFLEXOS NA (DES)HUMANIDADE
THE POLITICS DEFORMATION BY GLOBAL ECONOMIC
RACIONALITY AND THE CONSEQUENCES OF (IN)HUMANITY
Mercia Miranda Vasconcellos
Guilherme Barbosa da Silva
SUMÁRIO: Considerações iniciais. 1. Formação e expansão do Estado: guerra, identidade nacional,
interesses econômicos, mitigação de direitos; 2. Estado e capitalismo: imbricação dos sistemas político
e econômico; 3. Soberania, democracia, neoliberalismo e globalização; 4. Perda do poder político do
Estado, declínio da participação política; 4.1. A apatia política; 4.2. O silêncio dos políticos, a
despolitização do público, a política espetáculo. Considerações finais. Referências. Anexo I.
RESUMO: O presente trabalho propõe uma reflexão crítica sobre a racionalidade econômica
neoliberal e subjugadora que, por intermédio da globalização, desvirtua a Política, transformando-a em
política de mercado, produzindo desumanidade e marginalização, criando “cidadãos mercadoria” cujo
valor se pondera economicamente. A política contemporânea é fruto da racionalidade instrumental
econômica e essa vontade de poder econômico distorce a essência do campo político, oculta e inverte
a realidade, operando transformações injustas, produzindo condições subumanas e marginalidade
social, além de apatia política da população e políticos profissionais dependentes de uma estrutura na
qual vale mais quem “ganha” mais.
ABSTRACT: This research proposes a critical reflection of the neoliberal economic rationality that
subjugates through globalization and depreciates politics, transforming all the politics relations into a
political market and producing inhumanity and marginalization. Therefore creating "goods citizens"
whose value is weighted economically. The contemporary politics is the result of economic and
instrumental rationality of economic power that changes the political essence into a hidden reality and
unjust, inhumane conditions, producing social marginalization and population politically apathy
depending on “professionals politicians” into a structure that worths more who "wins" more
economically. All this context increases money, but gets death instead of life.
Palavras-chave: globalização; política; apatia; cidadania; democracia.
Key words: globalization; politics; politics; apathy; citizenship; democracy.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Política é um assunto recorrente em nossas vidas, embora refletir sobre ela tenha se
tornado prática estigmatizada em nossa sociedade. O ditado popular diz que política não se
discute. Não obstante, as relações de poder estão presentes nas inúmeras relações humanas.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Há relação de poder nas relações familiares, nas de trabalho, na escola, entre cônjuges, na
linguagem, na comunicação, enfim, o poder permeia a vida dos seres humanos em
comunidade.
O assunto é instigante, despertando, por isso, interesse em intelectuais, pesquisadores
e na própria sociedade. De fato, a política deve ser refletida por todos, para que amadureça e
liberte o atuar político e a própria comunidade política. Muitos intelectuais refletem sobre as
relações de poder: Foucault, Bobbio, Marx, dentre tantos outros. Não obstante, as reflexões
insertas neste trabalho pautam-se no horizonte crítico que tem como base o pensamento
político inovador, apresentado pelo filósofo Enrique Dussel, um dos principais articuladores
das reflexões sobre a Filosofia política na vertente da Filosofia da Libertação que, a partir do
fim da década de 60 e início da década de 70 constrói um pensamento libertário formulado
desde a realidade de exclusão, de marginalidade de grande parte da humanidade, de negação à
democracia, aos direitos humanos, de negação à vida em todas as suas manifestações.
Nessa esteia, as reflexões não partem de premissas sistêmicas, mas de um “mais
além”, ou seja, das fissuras internas e externas do próprio sistema, buscando um diálogo
crítico com as concepções tradicionais de política, globalização, neoliberalismo. O método
adotado, portanto, na orientação do pensamento do filósofo Enrique Dussel, acrescenta ao
método dialético, momentos anteriores ou exteriores ao sistema, ou seja, ao método dialético,
inclui-se o momento analético, consistente na afirmação da alteridade, da lógica do sistema
vigorante. A construção do raciocínio científico parte de questões não abordadas pela lógica
dos sistemas vigorantes, de negatividades consideradas normais na sistemática da
racionalidade econômica global.
A ação política é essencial para o desenvolvimento da vida em sociedade, não
obstante, o agir totalitário, fundamentado em uma racionalidade instrumental econômica
como essência do poder, acaba por fetichizar o poder, desnaturando-o, vinculando-o a poucas
pessoas distorce a essência do campo político e, por isso, passou a ser um problema de vida e
de morte para a maioria da humanidade. É a vontade de poder – econômico, para o presente
estudo - que distorce a pureza do campo político, oculta a realidade e a inverte, transformando
o povo de servido a servidor e produz condições subumanas em que sobrevive uma boa
parcela da humanidade.
A manifestação do poder – potestas – tem-se mostrado manifestação de dominação,
sem qualquer compromisso com a comunidade política. Os atores políticos usurpam o
exercício do poder, corrompendo-o e instalam um poder autoritário e excludente que se fecha
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
em si mesmo, bastando-se a si próprio. A vontade de poder é o imperativo categórico para a
dominação, para a alienação que as práticas políticas corrompidas culminam.
A política, embora tenha avançado com conquistas formais, ainda padece de
máculas, idolatria, fetichização do poder, ainda mantém os políticos como intocáveis, donos
do poder, que não precisam responder à comunidade, não precisam se preocupar com as reais
necessidades da comunidade. O Estado torna-se onipresente na figura do seu governante,
como se este fosse fonte da soberania, e usa o poder como dominação. Tal situação cria e
reproduz morte e não vida, além de impedir a construção e vivência de uma cultura política
impeditiva de exercer a cidadania plena.
O Século XXI é o século em que o homem terá de se superar, ser criativo e renovar
suas práticas na sociedade para continuar vivendo. Esse é o desafio do presente trabalho:
instigar a reflexão sob um novo olhar, a partir de fissuras sistêmicas, internas e externas, a fim
de possibilitar novas respostas para as velhas perguntas e problemas da humanidade.
1. Formação e expansão do Estado: guerra, identidade nacional, interesses
econômicos, mitigação de direitos
A consolidação do Estado moderno teve a guerra como importante mediação. Os Estados deveriam estar preparados para a guerra a fim de garantir a segurança e soberania. Então, armavam-se, militarizavam-se para aumentar a própria seguridade. Entretanto, ao fazer
isso aumentavam a insegurança dos outros Estados, que também recorriam a armamentos –
inseguridade. Assim, os Estados aptos a dispor recursos para financiar a guerra, bem como
para desenvolver tecnologias bélicas converteram-se em potências políticas, estabelecendo as
regras do jogo político de todo o planeta. Quanto maior os custos e as exigências da guerra,
maior a necessidade dos governantes de negociar com a população e obter o seu apoio.
À medida que a população era envolvida nos preparativos da guerra, começavam a
tomar consciência de pertencer a uma comunidade política e dos direitos e das obrigações que
esse pertencimento poderia implicar. A construção da identidade nacional nasceu do projeto
de aglomerar a gente no interior de um território delimitado, com o propósito de afirmar ou
aumentar o poder do Estado. A guerra, assim, acabou por impulsionar a democracia dentro de
certos países, os direitos, assim como foi um importante instrumento de coerção para negar
não só a democracia, como direitos e princípios democráticos aos países conquistados, colonizados e explorados pelos Estados poderosos.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
David Held (1997) afirma que os objetivos da guerra converteram-se gradualmente
em objetivos econômicos, as empresas e conquistas militares conectaram-se com a busca por
vantagens econômicas. A partir do século XVII, as conquistas militares estiveram diretamente
vinculadas ao êxito das empresas econômicas, visto que, para os Estados efetivarem a atuação
militar necessitavam de meios financeiros e quanto maiores fossem as atividades econômicas
desenvolvidas em seus territórios, maiores possibilidades teriam de obter recursos mediante
tarifas, impostos e outros. Assim, durante os séculos XVII e XVIII os Estados absolutistas e
constitucionais foram cimentando firmes ingerências nas atividades da sociedade civil, sendo
que esse impulso provinha, quase sempre, dos compromissos militares.
Subliminarmente a esse processo militar, operava-se a necessidade de regular a economia capitalista em desenvolvimento, para que a base econômica do Estado não fosse vulnerada. As novas classes sociais surgidas, com o seu poder econômico, aliaram-se aos grupos
políticos dominantes e impulsionaram mudanças no Estado. Assim, no século XIX buscaram
condensar a luta por uma esfera econômica independente e a luta por um governo representativo. Assim, a luta pelos direitos civis e políticos foi reconstituindo a natureza do Estado –
conduzido ao sistema político democrático liberal - e da economia – conduzido ao sistema de
mercado capitalista.
Os Estados modernos alcançaram a supremacia porque triunfaram na guerra, foram
exitosos economicamente e obtiveram um grau de legitimidade perante sua comunidade e os
demais Estados. Mobilizaram-se de forma efetiva para a guerra, para impulsionar a atividade
econômica – expansão capitalista – e para legitimarem-se.
2. Estado e capitalismo: imbricação dos sistemas político e econômico
O processo de consolidação do Estado e conquista da efetivação da soberania estatal
acabou por criar novos processos históricos a ele imbricados, propiciando novas situações
históricas, tais como o desenvolvimento do mercantilismo em capitalismo e este com suas
várias nuances, trazendo, com isso, novas situações complexas, com reflexos na sociedade e
na política. O capital passou a dominar as relações políticas, sociais e até humanas e a análise
e reflexão econômica passou a comandar a partir de então.
Adam Przeworsky (1995) afirma que o Estado é fundamental para a reprodução do
capitalismo, sistema que exige duas condições para o seu desenvolvimento: acumulação
continuada e legitimação – apoio popular, exigido pelas regras da democracia ou o
consentimento, necessário para evitar ameaças revolucionárias. Entretanto, tais condições/pré15
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requisitos não são mais geradas espontaneamente pelas economias capitalistas. Se não há
condições necessárias para a reprodução do capitalismo e mesmo assim ele se reproduz, é
porque algumas instituições externas ao sistema de produção e troca, portanto, nãoeconômicas, geraram as condições necessárias para a manutenção do sistema capitalista acumulação e legitimação. Por várias razões, diz Przeworsky, entende que tais instituições são
identificadas como o Estado, afirmando, ainda, que o capitalismo contemporâneo é, de uma
forma ou de outra, “capitalismo de Estado”.
O autor afirma que toda política pública constitui uma tentativa de implementar os
dois requisitos: acumulação e legitimação. O objetivo das instituições estatais é promover a
acumulação e legitimação, e o fazem mediante políticas públicas. As atividades do Estado
estabilizam o sistema capitalista como um todo. Assim, as políticas públicas constituem
“funções”. Quando algumas condições para a acumulação e legitimação estão ausentes e a
reprodução do capitalismo é ameaçada, o Estado desempenha funções pra fornecer as
condições necessárias. “Os capitalistas são dotados de poder público, poder que não pode ser
subjugado por nenhuma instituição formal.” (PRZEWORSKY, 1995, p 57). Assim, a
capacidade do governo estatal passou a circunscrição do capitalismo. Se o mercado gera
“hiatos funcionais”- incapacidade de o mercado garantir a acumulação -, o Estado precisa
intervir; ao intervir, o Estado politiza as relações econômicas: relações de poder substituem
relações de troca – para garantir a acumulação; a politização das relações econômicas leva a
novas crises – de racionalidade, legitimação e motivação.
Quando a estrutura de poder legalmente construída, fundada para a promoção e
realização dos direitos individuais, da dignidade do ser humano, passa a assumir tarefa de
gerenciamento da economia, fica permeada por interesses externos que acabam por conflitar
com os interesses baseados em valores universais fundamento da instituição, exerce funções
contraditórias, pois a necessidade de retirar recursos das relações de mercado conflita com a
de tomar decisões segundo critérios não mercantis, essencial ao Estado.
3. Sistema econômico, soberania, democracia e globalização
Para a continuidade da construção do raciocínio, mister apresentar reflexões sobre a
ingerência do sistema econômico na atualidade em que impera o sistema global no qual o fenômeno da globalização, movimento complexo de difusão, intercâmbio cultural, ampliação de
fronteiras políticas, econômicas, sociais, mudou as estruturas de toda a sociedade, projetandose por sobre os mais variados aspectos da vida. Não é um fenômeno exclusivamente econômi16
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co, embora seja clara e inconteste a hipertrofia da dimensão financeira, ou processo único,
mas um processo complexo, contraditório que se reflete na sociedade e até nas relações pessoais de experiência social, irradiando efeitos além do campo econômico, no campo político,
cultural, tecnológico, social, jurídico e até militar, dentre outros. Aliás, praticamente não há
aspecto da vida humana que não seja atingido, de uma forma ou de outra, por esse intercâmbio além-fronteiras, de idéias e de bens, causador de crescente interdependência entre os países. Favorece uma ruptura da tradição, dentro e fora das fronteiras dos países, cada vez mais
unidos por redes eletrônicas e de comunicação.
Sob o aspecto econômico, a humanidade assiste a uma revolução tecnológica com
aumento de produtividade, com demanda de menor trabalho vivo para um mesmo volume de
mercadoria. Além disso, o capital internacionalizou-se, forçando as economias dependentes a
uma inserção subordinada no mercado internacional. Conglomerados e empresas
transnacionais dominam a maioria da produção, do comércio, da tecnologia e das finanças
internacionais. O mundo dividiu-se em capitalismo avançado e capitalismo dependente,
gerando concentração de renda, pobreza e exclusão.
Para José Eduardo Faria (2002, p. 59) a globalização não é um conceito unívoco, mas
plurívoco e entre os processos mais importantes destacam-se, por exemplo, a crescente
autonomia adquirida pela economia em relação à política; a emergência de novas estruturas
decisórias atuando em tempo real e com alcance planetário; as alterações em andamento nas
condições de competitividade de empresas, setores, regiões, países e continentes; a
transformação do padrão de comércio internacional; a “desnacionalização” dos direitos; a
desterritorialização das formas institucionais e a descentralização das formas políticas do
capitalismo; a uniformização e a padronização das práticas comerciais no plano mundial; a
desregulamentação dos mercados de capitais, a interconexão dos sistemas financeiro e
securitário em escala global; a realocação geográfica dos investimentos produtivos e a
volatilidade dos investimentos especulativos; a unificação dos espaços de reprodução social,
as mudanças ocorridas na divisão internacional do trabalho.
As consequências ultimadas pela globalização são, dentre outras: incorporações de
empresas de capital nacional por empresas transnacionais, devido ao fato daquelas não
suportarem a concorrência destas; contratação de empresas de capital nacional de forma
terceirizada, como forma de estratégia das grandes empresas; pressão de déficits na balança
comercial de países periféricos; dependência de tecnologia de ponta, notadamente a tecnologia
de informação; dependência dos fluxos de capitais voláteis; acentuada penetração de capital
17
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internacional na economia nacional enfraquecendo o controle da economia nacional pelo
governo federal, desemprego em massa, resultado do processo de modernização dos setores
produtivos que ampliam os níveis de produtividade, com novas tecnologias e sistemas de
gerenciamento, necessitando, cada vez menos, de trabalho humano; economia informal e de
práticas econômicas consideradas crimes; aumento da violência e criminalidade, diante das
tensões sociais em decorrência da crescente exclusão econômica.
Na medida em que a interpenetração das estruturas empresariais, a interconexão dos
sistemas financeiros e a formação dos grandes blocos comerciais regionais convertem-se em
efetivos centros de poder, o sistema político deixa de ser organização da sociedade por ela
própria e, em vez de uma ordem soberanamente produzida, passa-se a ter ordens
crescentemente recebidas dos agentes econômicos. (FARIA, 2002, p. 35). Tais relações
hegemônicas globais são articuladas por um bloco histórico, uma constelação social e política
de forças materiais, institucionais e ideológicas. Esse bloco histórico articula-se em conjunto
de idéias hegemônicas que dão coerência estratégica a seus elementos constitutivos – suas
bases materiais, políticas e ideológicas de articulação. Segundo Alejandro Médici (2004, p.
184):
A globalização sobredetermina todas as áreas de produção e reprodução da
vida e, ao fazer isso hierarquiza autoritariamente as necessidades. Sob o véu
da ideologia neoliberal hegemônica estão as necessidades da acumulação
mundial de capital que subsumem os povos, grupos e classes oprimidas. Os
meios, formas e ambientes de vida e satisfação das necessidades, até agora
considerados comum, tais como água e a terra, os bens e espaços públicos,
como saúde, educação, locais públicos, o conhecimento ancestral das
populações indígenas e tradicionais estão submetidos a um processo
expansivo que os subsume cada vez mais como mercadorías.1
No entender de José Maria Seco Martinez (2004, p. 157), o sistema econômico
capitalista é um aparato de opressão e dominação:
Certamente o sistema econômico capitalista transforma-se assim em um
aparato desproporcional de opressão e de dominação, cujos meios de
transmissão são hoje os bancos, os mercados de renda e em geral quantos
mecanismos financeiros se estabelecem para asegurar efetivamente a
rendabilidade não produtiva. É um sistema opaco, pois, não é transparente, é
1
La globalización sobredetermina todos los espacios de producción y reproducción de la vida y al hacerlo, jerarquiza
autoritariamente las necesidades. Bajo el velo de la ideología neoliberal hegemónica se hallan las necesidades de la
acumulación mundial de capital a las que se subsumen las de los pueblos, grupos y clases oprimidas. Los medios, formas y
entornos de vida y satisfacción de necesidades, hasta ahora considerados comunes, como por ejemplo el agua y la tierra, los
bienes y espacios públicos, como la salud, la educación, los lugares públicos, los conocimientos ancestrales de los
poblaciones indígenas y tradicionales, están sometidos a um proceso expansivo que los subsume cada vez más como
mercancías. (tradução livre - texto original)
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fechado, porque não é livre, que se apropria do imaginário submetendo-o às
suas próprias regras, modos e princípios, isto é, o preço, à dívida, à
segurança, certeza psicológica, à falsa necessidade e às armadilhas
especulativas. E ao desvirtuar ostensivamente a finalidade natural da
economía submete a ação dos poderes públicos aos desígnios de uma gestão
nebulosa do bem-estar.2
No entender de Alejandro Médici (2004, p. 187-189), a competitividade no mercado
mundial é o critério último da política estatal que justifica o ataque às conquistas sociais. As
pautas de valoração do capital transnacional refletem nas políticas de governo, nas políticas
econômicas. As corporações multinacionais valorizam as liberdades jurídicas, os custos de
produção, a estabilidade política e também o crescimento potencial do mercado de um país.
No que tange às relações internacionais, as organizações internacionais, na medida em que
acertam o marco de pensamento que convém aos interesses do capital exercem influência,
pressão e coação econômica através da gestão do crédito internacional sobre os Estados
nacionais. Podem ser compreendidas, segundo o autor, como “aparatos de hegemonia”,
produto de uma ordem mundial estabelecida que produzem e reproduzem a mesma ordem,
agindo de forma a normatizar, legitimar ideologicamente, cooptar elites dos Estados
periféricos, absorver e funcionalizar as idéias contra-hegemônicas.
As novas forças que operam na ordem mundial são dominadas pela economia
capitalista de cunho neoliberal. As nações formam blocos geopolíticos e celebram acordos,
estabelecendo normas, sobre a organização internacional. A nova economia mundial
dominada pelo sistema financeiro e pelos investimentos à escala global mantém a dependência
econômica: a dependência comercial ocorrida nas importações de produtos de ponta e
exportações de produtos de base, ambas em direção ao capital central; a dependência
financeira materializada pela vinculação ao FMI – Fundo Monetário Internacional –; a
dependência tecnológica ou industrial ensejada na produção de bens não necessários para o
real desenvolvimento, mas que passam a ser necessários pela propaganda massiva vinda do
centro, em outras palavras, por pseudo-necessidades dos países periféricos criadas pelo
capitalismo central.
Na dimensão política da globalização, tem-se a mercantilização das relações sociais
que o mundo vivencia, o processo de modernização que mantém as clássicas estruturas
2
Ciertamente el sistema económico capitalista deviene así em um aparato desproporcionado de opresión y de dominación,
cuya correa de transmisión son hoy la banca, los mercados de renta y em general cuantos mecanismos financieros se
establecen para el aseguramiento efectivo de la rentabilidad no productiva. Es un sistema opaco,pues no es transparente, y
cerrado, porque no es libre, que se apropria del imaginario sometiéndolo a sus propias reglas, modos y principios, esto es, al
precio, a la deuda, a la seguridad, a la certidumbre psicológica, a la falsa necesidad y a la trampa especulativa. Y al desvirtuar
ostensiblemente la finalidad natural de la economia pliega la acción de los poderes públicos a los designios de una gestión
nefeloide del bienestar. (tradução libre – texto original)
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capitalistas da organização estatal, reproduzindo as desigualdades econômicas existentes. O
Neoliberalismo justifica reformas políticas e econômicas que aparentemente visam promover
a liberdade da sociedade civil, mas que, na realidade, ampliam a liberdade dos grandes
agentes internacionais, ao mesmo tempo em que restringem as liberdades públicas em sua
dimensão material, seja pela extrema dificuldade de o Estado conseguir realizar políticas
efetivas, seja pela grande parcela da sociedade, desempregada e marginalizada. (MANCE,
1999, p. 03)
A dinâmica histórica mostra que o Neoliberalismo, politicamente, enfraquece a
capacidade dos governos, principalmente nos países de economia dependente, promovendo
políticas públicas efetivas, enquanto prioriza e assegura a estabilidade das moedas nacionais,
adotando políticas de juro e câmbio que culminam por remunerar o capital financeiro. Agindo
assim, suportam a hegemonia política do Neoliberalismo, causadora de exclusão e vitimação.
Nesse sentido, José Eduardo Faria observa (2002, p. 23):
Nesse novo contexto sócio-econômico, embora em termos formais os
Estados continuem a exercer soberanamente sua autoridade nos limites de
seu território, em termos substantivos muitos deles já não mais conseguem
estabelecer e realizar seus objetivos exclusivamente por si e para si próprios.
Em outras palavras, descobrem-se materialmente limitados em sua
autonomia decisória. E, conforme o peso relativo de suas respectivas
economias nacionais na economia globalizada, a dimensão de seu mercado
consumidor, a capacidade de investimento dos capitais privados nacionais, o
controle da tecnologia produtiva, a especificidade de suas bases industriais, o
grau de modernidade de sua infra-estrutura básica e os níveis de escolaridade
e de informação de suas sociedades, já não mais dispõem de condições
efetivas para implementar políticas monetária, fiscal, cambial e
previdenciária de modo independente, nem para controlar todos os eventos
possíveis dentro de sua jurisdição territorial.
As interações mundiais corroem a capacidade do Estado-nação para conduzir com
centralidade a vida política, social e econômica da nação. A soberania dos Estados mais fracos
está ameaçada pelos Estados mais fortes e poderosos, mas, sobretudo, por agências financeiras
internacionais e outros transnacionais privados como empresas multinacionais, impingindo
uma pressão coesa e poderosa. No que diz respeito a países periféricos e semiperiféricos, tais
políticas provocam turbulências nos quadros legais e institucionais como a liberalização do
mercado, privatização de serviços, desregulação do mercado de trabalho, flexibilização
salarial, redução e privatização, ao menos parcial, dos serviços de bem-estar social, reformas
educacionais dirigidas para a formação profissional, mais do que para a construção da
cidadania.
20
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Todas essas mudanças de retraimento do Estado só podem ser obtidas mediante uma
forte intervenção estatal capaz de por fim à própria regulamentação estatal e criar as normas e
instituições que presidirão ao novo modelo de regulação social. “O Estado tem de intervir para
deixar de intervir, ou seja, tem de regular a sua própria desregulação”. (SANTOS, 2005, p.
38). Diante desse quadro, há uma clara redefinição do Estado, fragilização de sua autoridade,
submissão à pressão dos setores vinculados ao sistema capitalista transnacional para melhorar
e ampliar as condições de competitividade sistêmica no universo global. Há uma clara atuação
de forças impessoais do mercado atuando e afirmando-se sobre as jurisdições territoriais,
tornando, por sua vez, o direito social implausível.
Sob a perspectiva ética, a globalização propõe a iniciativa dos agentes privados em
função de seu interesse particular como conduta que contribui para o bem da coletividade,
diante do fato que o mercado contribui para o indivíduo realizar o seu bem privado e,
realizando esse bem privado, realiza o bem comum. Esse raciocínio permite constatar que,
para o Neoliberalismo, o bem comum é entendido tão somente como a soma de bens
individuais. Entretanto, o individualismo exacerbado, afirmado cada vez mais pela política
neoliberal, acaba por culminar massacre de subjetividades que vão ficando insensíveis ao
sofrimento alheio, por desobrigar os indivíduos de se preocupar com transformações sociais
que visem garantir a cada pessoa as mediações materiais, políticas, educativas que lhe
permitam exercer eticamente sua liberdade e viver com dignidade.
Diante desse quadro, novas formas de associações políticas administram áreas da atividade transnacional e problemas políticos coletivos, culminando uma clara penetração da política externa a realidade interna dos Estados. A globalização mudou as bases de poder, com
uma grande variedade de organizações não governamentais, grupos de pressão transnacionais,
e as características econômicas do sistema internacional, o que afetou a estrutura de elaboração de decisões internas. As questões políticas internas são afetadas pela condicionalidade do
FMI e do Banco mundial, por exemplo. As diretrizes políticas e econômicas impostas por essas organizações solapam a soberania dos Estados e, ainda, podem causar conflitos internos
sérios a ponto de contribuir para a queda de um governo.
Boaventura de Sousa Santos (2010, p.270) afirma a existência da democracia de mercado que tem como suporte o método competitivo e seleção de elites políticas - e as instituições necessárias para o funcionamento desse método. Álvaro de Vita (2004, p. 8/79) aduz que
líderes políticos auto-interessados vêem-se obrigados, em virtude da disputa competitiva do
voto popular, a levar em conta as preferências e interesses de não-líderes, sob pena de não se
21
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elegerem ou reelegerem. Na democracia competitiva, os interesses políticos dos cidadãos têm
por base o interesse próprio de cada um, assim, o eleitor “compra” ao votar um pacote político
oferecido pelos líderes e partidos políticos com base na “renda de utilidade” – cálculo de
“custo-benefício” - que isso lhe assegurará. Entretanto, tal conduta de escolha é apropriada a
consumidor e não a escolha política, uma vez que as consequências afetam a outros além daqueles que a fizeram.
A democracia de mercado fica muito longe de realizar a norma de igual proteção de
interesses e preferências individuais e não se justifica moralmente. Para a emancipação seria
necessária uma nova teoria democrática com o objetivo de alargar e aprofundar o campo político em todos os espaços estruturais da interação social, ou seja, maior participação política
dos cidadãos na vivência e construção do processo político.
Tomando por base a interessantíssima metáfora do cientista político Joseph Nye, citado por Luciano Martins (2008, p. 190), o cenário atual político seria como um jogo tridimensional de xadrez que consistiria de 03 tabuleiros superpostos, nos quais jogam atores dotados
de recursos de natureza diferente e que apresentam graus variados de concentração ou dispersão de poder. No tabuleiro de cima (top board) estaria o poder militar, monopolizado pelos
países que possuem armas nucleares e forças convencionais dotadas de armas cada vez mais
sofisticadas. No tabuleiro do meio (middle board) estariam os organismos internacionais, os
centros mundiais de poder – FMI, Banco Mundial, OMC, dentre outros. No tabuleiro de baixo
(botton board) estaria o poder econômico disperso, fora do controle de governos como empresas transnacionais, dentre outros. Nesse jogo tridimensional o jogador deve observar todos os
três tabuleiros, sem deixar de considerar nenhum. Nesse jogo a representação equitativa democrática não prevalece nas arenas decisórias mundiais, nem locais.
Nessa linha de raciocínio, medidas tomadas pelos governos nacionais não mais afetam
somente a seus cidadãos. As decisões, embora pertençam ao domínio legítimo da autoridade
de um Estado-nação soberano, deve levar em conta a interconexão global e questionar-se
acerca da coerência, da viabilidade e da accountability – responsabilidade – na tomada de decisões. Ainda, quando as decisões são tomadas por organizações como a Comunidade Europeia (CE) e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) ou Fundo Monetário Internacional (FMI) diminuem a presença de decisões ao alcance das maiorias nacionais.
A teoria e a prática democráticas enfrentam, na atualidade, um enorme desafio. A essência da democracia vem sendo desafiada por práticas importantes desenvolvidas ao longo
da história, dentre elas a dinâmica de uma economia mundial que provoca a instabilidade e di22
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ficuldade dentro dos Estados e entre eles e escapa do controle de qualquer comunidade política. A teoria democrática esboça-se um complexo quadro de contradições: a economia mundial e o tecido de relações e redes que atravessam as fronteiras nacionais x divergência existente
entre a totalidade daqueles que são afetados pelas decisões políticas e dos que participam para
a sua elaboração – ao menos indiretamente – dentro de um Estado democrático.
4. Perda do poder político do Estado, declínio da participação política
Todas as transformações e ingerências ocasionadas pela racionalidade econômica e
global delineada acima permite afirmar que, no sistema global contemporâneo, os sistemas de
autoridades manifestam-se no interior e além das fronteiras do Estado. O Estado converteu-se
numa arena fragmentada de elaboração de políticas, permeado pelos grupos internacionais –
governamentais e não governamentais - o que implica perda de poder do Estado de definir
suas políticas, de determinar o próprio destino.
Com o vetor do poder direcionado ao sentido econômico, os cidadãos estão perdendo
o espaço da participação política e para conquista e defesa dos direitos inerentes à cidadania.
O poder que, de fato, comanda não é legitimado pela comunidade política. O poder das
autoridades representativas não presta contas a seus representados e sim ao poder de fato ao
qual se submete. Agora sendo a “economia a lei do mundo”, há necessidade de uma
homogeneização das práticas e dos comportamentos. Não há lugar para dissensos, assim, a
divergência da minoria fica sufocada pelo “pensamento único”. A diversidade de opinião não
prevalece e nem é encorajada ante ao ordenamento e unicidade do comando econômico.
A influência decisiva do neoliberalismo na política tem por consequência uma
atuação totalmente antidemocrática em países de regimes democráticos; coloca em risco as
conquistas políticas e jurídicas, em prol do livre mercado. Na medida em que os governos
seguem as diretrizes econômicas da globalização econômica e das políticas neoliberais –
emanadas das empresas transnacionais e organismos internacionais – há o prejuízo para a
democracia, solapando a participação política dos cidadãos e configurando a perda das
conquistas de vários anos de lutas e conquistas sociais.
Em vez de os representantes agirem em nome do povo, com o consentimento dos
governados, agem sem o consentimento desses, ou melhor, agem com o consentimento sem
consentimento, em consequência da restrição à participação popular na esfera pública, face à
globalização e ao Neoliberalismo conforme ensina Noam Chomsky (2002). Democracia e
livre mercado não combinam. As grandes empresas apresentam-se como salvadoras dos
23
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lugares, como indispensáveis porque aportes da modernidade e do emprego e ameaçam ir
embora quando o poder público não atende aos seus reclamos. Há o esvaziamento do poder,
há a mitigação da democracia, eis que os cidadãos são tolhidos de sua participação no destino
da sociedade que se “afina” com os interesses privados e exigências dos grandes organismos
internacionais ou de empresas transnacionais.
Milton Santos (2001, p. 68/69), nessa mesma linha de pensamento, afirma:
“Assim, o poder público passa a ser subordinado, compelido, arrastado. À
medida que se impõe esse nexo das grandes empresas, instala-se a semente
da ingovernabilidade (...). À medida que os institutos encarregados de cuidar
do interesse geral são enfraquecidos, com o abandono da noção de prática de
solidariedade, estamos, pelo menos a médio prazo, produzindo precondições
da fragmentação e da desordem (...) ”.
O altíssimo custo social decorrente dessa prática nefasta não pode ser legitimado em
qualquer democracia. A participação, em vez de ser da comunidade política é da esfera
privada. A esfera pública sujeita-se à privada, esvaziando-se,sucumbindo aos interesses de
uma racionalidade econômica selvagem e perniciosa. As novas elites orgânicas formam
verdadeiros “governos privados”, ilegítimos e antidemocráticos.
Esse sistema de perversidade inclui a morte da Política, uma vez que a condução do
processo político passa a ser atributo das grandes empresas. Acrescido a isso, o processo de
conformação da opinião pelas mídias e a formação do pensamento único, em substituição do
debate político. O resultado é uma ação hegemônico perversa, irresponsável, com a produção
“natural” da desordem e a construção de uma democracia de mercado. “A vida normal de
todos os dias está sujeita a uma violência estrutural, mãe de todas as outras violências”
(Milton Santos, 2001, p. 60-61).
4.1. A apatia política
O declínio da Política imposto pelo sistema fundado na racionalidade econômica que
cria uma política conduzida por interesses econômicos acaba por solapar a cidadania e todos
os direitos políticos conquistados, regulamentados e exercidos pelos cidadãos de um
determinado espaço geográfico. Quando surge o cidadão? Basicamente, quando indivíduos
vinculados por múltiplos laços de interdependência supõem que suas prerrogativas políticas
estão incorporadas na normatividade estatal e as pratica segundo seu entendimento. Trata-se
de uma eficiência entre a vida civil e a maneira de projetá-la como vida política, como vida
compartilhada e gerida com outros (LINERA, 2010, p. 99).
24
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Entretanto, o princípio da cidadania, no contexto político atual, reside
exclusivamente no exercício do voto. Qualquer outra forma de participação política é excluída
ou desencorajada. A participação política do cidadão reduz-se ao exercício do direito do voto,
cuja realização restringe-se a escassos minutos. Durante o resto dos meses ou anos entre um
voto e outro o votante não tem faculdades políticas para gerir ou mudar a decisão tomada.
“Nesse caso, temos o que o tempo democrático da vida social se restringe a sua mínima
expressão, ao passo que o tempo da arbitrariedade estatal se amplia em termos absolutos
(LINERA, 2010, p. 110).
Boaventura de Sousa Santos (2010, p. 240-250) afirma que no capitalismo há uma
forma de associação “especial” segundo a qual a formação da vontade assenta-se na exclusão
da participação da esmagadora maioria dos da associação “participam”. Assim, a sociedade
civil converte-se em “domínio privado”. “A representação democrática perdeu o contato com
os anseios e necessidades da população representada e fez-se refém dos interesses
corporativos poderosos. Com isto, os cidadãos alhearam-se da representação sem, no entanto,
terem desenvolvidos novas formas de participação política, exercitáveis em áreas políticas
novas e mais amplas.
Nesse contexto, os cidadãos alijados de seu direito fundamental de cidadania e
vendo-se ultrajados em suas necessidades e aspirações, constatando a usurpação do poder
político pelos interesses privados do mercado, com um profundo sentimento de “impotência”
no plano político-participativo, conscientes das poderosas forças globais de poder tornam-se
apáticos politicamente. A cidadania fica essencialmente esquecida, sustentada por uma casca
formal do direito/obrigação ao voto e nada mais. Não há participação, não há
responsabilização das ações de seus representantes perante o povo soberano. As decisões
políticas são tomadas em função do apelo consumista do mundo globalizado.
Numa época de crise de confiança no Estado e no bem público, há duas
consequências: entre os dirigentes – corrupção e desrespeito a coisa pública e entre os
dominados – repulsão ao Estado que também acaba não pedindo nada, além de contribuições
materiais obrigatórias. Não há devotamento e tampouco entusiasmo. Essa apatia favorece a
visão de que os cidadãos são meros consumidores, a opinião pública pode se transformar em
consumo de programas e a defesa dos indivíduos pode se transformar em meros
particularismos, sem a mínima preocupação com o bem-estar social.
O resultado é uma sociedade fragmentada com indivíduos desengajados, que aceitam
o engajamento motivados por interesses escusos e particulares. Essa condição de consumidor,
25
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internalizada pelo cidadão, é uma subversão a muitas conquistas políticas obtidas no decorrer
do evoluir histórico. Perdem-se os sentimentos de solidariedade, de pertencimento a uma
nação, identidade dentro de um espaço territorial, solidificam-se comportamentos
individualistas, egoístas e de apatia política, o que acaba por permitir as “mazelas” como
“fenômeno natural” sem o devido debate político, isso porque a apatia permite a formação de
um pensamento único, dominante, porém definido pelo interesse de um conjunto de forças
econômicas, especialmente a do capital internacional e imposto a toda uma coletividade, sem
o devido consentimento e debate.
O isolamento do cidadão destrói a capacidade política e a faculdade de agir. A
ruptura da vida pública ocorrida pelo isolamento promove desolação e exacerba o
desenraizamento do homem e seus relacionamentos sociais, dificultando o pensamento e a
ação. Os cidadãos não adquirem a autonomia necessária para atuarem de forma consciente na
construção política da sociedade em que vivem. No entender de Alvaro Garcia Linera(2010,
p. 112):
A moderna cidadania é, descaradamente, uma cidadania irresponsável, na
medida em que o exercício dos direitos políticos é simplesmente uma
cerimônia de renúncia da vontade política, da vontade de governar, para
depositá-la nas mãos de uma nova casta de proprietários privados da política,
que se atribui o conhecimento das sofisticadas e impenetráveis técnicas do
mando e do governo (...) Assim, o que se tenta chamar de cidadão é uma
individualidade abstrata, uma consciência submissa guiada pelos preceitos
mercantis do regateio monetário de sua soberania.
As formas de participação são impulsionadas, basicamente, por dois recursos políticos:
intensidade de preferência e dinheiro. A minoria privilegiada, com preferências intensas com
respeito às decisões políticas, dispõem-se a pagar o custo da comunicação política que podem
ter êxito em convencer os eleitores insuficientemente informados de que as propostas - da
minoria - são aquelas que melhor correspondem às preferências desses eleitores. “Eleitores
desinformados podem adotar crenças que favorecem, não seus próprios interesses,e sim os
interesses de lobbies e minorias politicamente ativas” (de VITA, 2004, p. 83)
4.2. O silêncio dos políticos, a despolitização do público, a política espetáculo
A profissionalização da política e as condições exigidas daqueles que querem fazer
carreira nos partidos excluem personalidades inspiradas. Pierre Bordieu (2010) faz menção ao
“silêncio dos políticos” que carecem de ideais mobilizadores. Em acréscimo a isso, tem-se a
26
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
política entendida sob a racionalidade econômica, com uma visão de gestão e autogestão,
aprendida nas escolas de ciências políticas. Política economicamente legitimada é a que se
busca fazer.
Dentre vários resultados que se podem extrair da globalização e da racionalidade
econômica que permeia todo o substrato global, um dos mais notáveis e tristes é o
encerramento dos cidadãos na intimidade individual, enquanto a iniciativa política é
monopolizada por políticos profissionais. O público despolitiza-se até converter-se em um
imenso mercado que, dentre suas mercadorias, oferece “personalidades” políticas com as
quais as massas podem identificar-se e, por isso, votar, conservando o controle privado do
poder. Ao mesmo tempo, a profissionalização transforma a política em uma “políticaespetáculo” que se perfaz em uma sociedade domesticada pela propaganda do espectadormercado (DUSSEL, 2011, p.135/136).
“A política agora é feita no mercado” (SANTOS, 2010, p. 255) sendo que o mercado
não é ator, mas um símbolo, uma ideologia, é um ente quase metafísico. Os atores são as
grandes empresas, empresas globais que não têm preocupações éticas nem finalísticas. A
Política transforma-se em um mercado político, no qual os consumidores procuram os
produtos que lhes convêm.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a reflexão acima, resta claro que a racionalidade econômica está inserida em
todas as dimensões do poder e do viver da (des)humanidade global. A ignorância da população sobre a realidade atual, histórica e econômica enfraquece a luta contra esse imperialismo
global e econômico absolutamente desumano. O monopólio do dinheiro mediante a hegemonia do capital financeiro produz todos os outros monopólios, inclusive o político. Cidadãos
foram expropriados de seu poder político, ao passo que seus representantes tornaram-se “profissionais da democracia de mercado”. Ainda, os Estados sucumbem às pressões das instituições particulares produzindo políticas particulares, deixando a comunidade política em situações precárias.
Não se acredita mais na política, a desesperança reina nos corações e mentes dos cidadãos que se sentem impotentes diante de tanta desvirtuação e irresponsabilidade politiqueira. Os cidadãos já não se mobilizam mais e são tomados pela apatia, ao passo que os políticos,
agora profissionais, sem espaço para aqueles que realmente sejam comprometidos, fazem a
política do “quem dá mais” e quem ganha mais, sem comprometer-se com a comunidade polí27
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
tica, fonte real do poder político. O sistema de oferta e procura é dissimulado em demandas
sociais.
As ações no campo político subsumem-se a princípios econômicos e não éticos, a democracia é movida por uma racionalidade econômica instrumental, sustentada por um ordenamento político corrompido e por um ordenamento jurídico garantidor dos interesses de uma
minoria representada pelo poder econômico.A política “de mercado” massacra a cidadania,
convertida em mercadoria.
É preciso encontrar alternativas positivas a partir dessa situação de negatividade, a
partir da não-factibilidade3, da impossibilidade de realização positiva do sistema, é necessário
destruir o que limita a dignidade e intervir criativa e qualitativamente na história da
humanidade, negando o que exclui e anunciando a libertação – utopia possível a partir da
construção da consciência crítica e do exercício da racionalidade ético-crítica, em substituição
a racionalidade instrumental.
A mudança necessária não é somente o rompimento de cadeias, a readequação de
discursos pré-existentes, a exigência de abertura no sistema, a reestruturação de instituições
políticas consolidadas, mas ruptura com a desumanização e a esta se deve seguir o
desenvolvimento de possibilidades positivas da vida humana – transformação.
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3
Termo que indica o contrário da factibilidade, categoria ética utilizada por Enrique Dusse para indicar um dos
três momentos de fundamento da Ética da Libertação: material, formal, factível, e que sugere a escolha de
mediações adequadas e eficazes para a realização de determinados fins.
28
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30
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
ECONOMIA E MEIO AMBIENTE: CONTRIBUIÇÕES DE AMARTYA SEN À
ÉTICA DO DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE
ECONOMIA Y MEDIO AMBIENTE: CONTRIBUCIONES DE AMARTYA SEN A
LA ÉTICA DEL DESARROLLO Y SUSTENTABILIDAD
Sérgio Rodrigo Martinez1
Danielle de Ouro Mamed2
RESUMO: Amartya Sen, ao analisar assuntos relacionados à economia do bem-estar,
estabeleceu novos aportes interdisciplinares para a noção de desenvolvimento e
sustentabilidade. Tais aportes acabam por refletirem-se em diversos campos do saber,
interessando, para o presente trabalho, as influências de seu pensamento sobre os direitos
humanos, economia, desenvolvimento sustentável e liberdade. Trazer o conhecimento de
Amartya Sen (de forma amparada por outros autores que trabalham na mesma linha) para os
ambientes de pesquisa do Direito poderá permitir transcender as esferas de compreensão do
fenômeno do Estado Social e sua produção do bem-estar coletivo. O presente ensaio busca
destacar em quais pontos a contribuição de Amartya Sen colabora para tanto, associando-se
ao seu pensamento à construção e reconstrução da ideia da ética econômica, liberdade e
proteção do meio ambiente enquanto fatores fundamentais para o desenvolvimento e
sustentabilidade.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Humanos; Meio
desenvolvimento e sustentabilidade; Amartya Sen.
ambiente;
Economia;
Ética
do
RESUMEN: Amartya Sen, analizando a los temas relacionados a la economía del bienestar,
ha establecido nuevos paradigmas interdisciplinarios para la noción de desarrollo y
sustentabilidad. Dichos paradigmas terminan por reflejarse en diversos ámbitos del saber,
interesando para el presente trabajo las influencias de su pensamiento sobre los derechos
humanos, economía, desarrollo sostenible y libertad. Llevar el conocimiento de Amartya Sen
(de forma basada por otros autores que trabajan en la misma idea) para los ambientes de
investigación del Derecho podrá permitir trascender a las esferas de comprensión del
fenómeno del Estado Social y su producción del bienestar colectivo. El presente artículo
busca destacar en cuales puntos la contribución de Amartya Sen colabora, asociándose a su
pensamiento la construcción y reconstrucción de la idea ética economica, libertad y
protección del medioambiente como elementos fundamentales para el desarrollo y
sustentabilidad.
PALABRAS-CLAVE: Derechos humanos; Medio ambiente; Economía; Ética del desarrollo
y sustentabilidad; Amartya Sen.
1
Estágio Pós-doutoral pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Doutor em Direito das
Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professor Associado da Universidade Estadual
do Oeste do Paraná (UNIOESTE) e Professor Especial Stricto Sensu da UNOCHAPECÓ.
2
Doutoranda em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)
com bolsa pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM). Mestre em Direito
Ambiental e Graduada em Direito pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
31
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
INTRODUÇÃO
O indiano Amartya Sen, ao trabalhar as questões de desenvolvimento, relacionando-as
à economia do bem-estar, estabeleceu novos aportes interdisciplinares para as questões do
desenvolvimento social, com reflexos latentes em matéria de direitos humanos,
sustentabilidade e meio ambiente.
O marco teórico em estudo norteará, no presente artigo, a discussão que se pretende
problematizar a respeito da reformulação conceitual, contida em suas obras, referida ao ideal
em torno da ética do desenvolvimento, de forma a que seja possível trabalhar com a interface
entre direitos (sob uma perspectiva crítica), economia e desenvolvimento sustentável,
concomitantemente com seu diálogo com outros autores, que possuem bases ideológicas e
criticidade análogas às de Amartya Sen.
Como será possível observar, o pensamento de Amartya Sen pauta-se na ideia central
de que o desenvolvimento deva ser medido segundo o nível de liberdades qualificadas, das
quais as pessoas desfrutam, enriquecendo, por via de consequência, a discussão sobre o
conceito de sustentabilidade. Nesse sentido, buscar-se-á demonstrar os benefícios de
introduzir o pensamento de Amartya Sen ao Direito e, especialmente, em áreas tão ligadas às
questões desenvolvimentistas, transcendendo as esferas de compreensão tradicional do papel
econômico do Estado e inovando na busca pela produção do bem-estar coletivo, ao destacar
conceitos de ética e liberdade enquanto fatores fundamentais para o desenvolvimento. Assim,
será possível observar a relevância do papel da ética e da liberdade na construção da
sustentabilidade, a partir das necessidades das pessoas, permitindo que estas atinjam o que
Sen chama de “condição de agente”.
É, portanto, sob a ótica do autor, que pretende caminhar o presente artigo, de forma a
contribuir com a temática da economia e meio ambiente na construção do ideal do
desenvolvimento sustentável, em prol da construção de uma racionalidade que preze pela
consideração da complexidade das relações do ser humano para com a natureza.
O artigo é dividido em dois capítulos, sendo o primeiro voltado à construção da
evolução histórica do conceito de direitos humanos e sua relação com a ética e a economia; e
o segundo capítulo voltado ao enfrentamento das contribuições de Amartya Sen ao tema do
desenvolvimento e da sustentabilidade.
32
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
1 ECONOMIA E MEIO AMBIENTE: construções e reconstruções a partir dos direitos
humanos
Para tratar as questões relacionadas aos direitos humanos e à proteção ambiental,
primeiramente, importa explicitar como tais conquistas foram acontecendo nos âmbitos
sociais e jurídicos, a fim de que seja possível, posteriormente, relacionar tais direitos à
construção dos conceitos de desenvolvimento sustentável e governança ambiental pelo
exercício da condição de agente, na perspectiva de Amartya Sen.
A evolução dos sistemas jurídicos para o paulatino reconhecimento de direitos
acompanhou a racionalidade científica que norteou o desenvolvimento do Estado
Constitucional, garantidor de direitos e deveres em face do Estado. Especificamente, nesta
evolução, importa ao presente estudo, a construção paralela de duas categorias de direitos: os
direitos humanos e os direitos relacionados à proteção do meio ambiente, sendo que estes dois
eixos possuem a peculiaridade de disporem de um acentuado destaque nas discussões no
campo internacional (TRINDADE, 1993, p. 39), refletindo a gigante proporção que estas
questões tomaram.
Loureiro (2005, p. 136-139) explica que esse processo de reconhecimento dos direitos
humanos se deu juntamente com a evolução do Estado Constitucional Moderno, que pode ser
atribuída a três fases principais: Estado Liberal, Estado Social Liberal e Estado Neoliberal.
Em relação à primeira fase, há que se salientar que a mesma foi constituindo-se em
oposição ao Estado Absolutista, encabeçada pelos movimentos de independência norteamericanos e pelas revoluções burguesas, momento no qual se notou um severo combate à
ausência dos limites do poder estatal em face das pessoas. Este momento possui grande
relevância, uma vez que deflagrou o reconhecimento paulatino de direitos e garantias
individuais (LOUREIRO, 2005, p. 137). Inclusive, o foco neste tipo de direito, segundo
Carlos Frederico Marés de Souza Filho, propiciou com que o sistema jurídico brasileiro fosse
precipuamente embasado na tradição civilista que tem como objetivo o protecionismo da
propriedade privada, fundado no contrato e nos direitos individuais (SOUZA FILHO, 2009).
Por sua vez, durante a segunda fase de evolução do Estado Constitucional, nota-se que
o parâmetro de direitos puramente individuais defendidos na primeira fase (liberdade e
propriedade, precipuamente), passa a ser acompanhado pela ideia de igualdade jurídica,
combatendo-se os problemas de desigualdades sociais. Essa segunda fase, corresponde à
superação do modelo econômico liberal que, ao invés de trazer igualdade de oportunidades,
gerou a acumulação de capitais nas mãos de uma pequena minoria com a consolidação da
33
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Revolução Industrial, o que acabou culminando os movimentos sociais que se apoiaram nas
ideias marxistas, prenunciadas na segunda fase, para contrapor os males ocasionados pela
forma de produção econômica excludente do período (LOUREIRO, 2005, p. 137-138).
Esses movimentos e a crise econômica mundial de 1929 contribuíram para provocar
mudanças no modelo econômico e estatal, de forma que o modelo de Estado foi evoluindo até
o advento do chamado Estado Social, que se estruturou após a Primeira Guerra, quando foram
introduzidos dois novos grupos de direitos fundamentais: os sociais e os econômicos.
Nota-se então, que em meados do século XX, o Estado Liberal Clássico dá lugar ao
modelo do Estado de Bem-Estar Social, por meio da assunção estatal da garantia dos direitos
socioeconômicos, observando-se que tais direitos deveriam apresentar-se indissolúveis e
deveriam ser assegurados. Novos valores econômicos, sociais e culturais passariam a compor
as bases desse modelo de Estado e representariam o alargamento da noção de direitos
humanos no período.
Esse modelo sofre um viés na década de 80 do século XX, pela égide do Estado
Neoliberal, que repagina as forças ainda presentes do Estado Liberal Clássico e preconizava a
acumulação de riquezas para posterior distribuição, além de prever a diminuição da estrutura
estatal, por meio das privatizações e da redução da assistência social, em prol do capital
privado:
O que desejam e pretendem (os neoliberais), em face da crise contemporânea
da ordem do capital, é erradicar mecanismos reguladores que contenham
qualquer componente democrática de controle do movimento de capital. O
que desejam e pretendem não é reduzir a intervenção do Estado, mas
encontrar as condições ótimas (hoje só possíveis com o estreitamento das
instituições democráticas) para direcioná-la segundo seus interesses
particulares de classe (NETTO, 2001, p. 81).
O impacto social desse modelo se fez mais intenso nos países periféricos, haja vista a
redução das funções do Estado que ocorreu na contramão das necessidades sociais que
careciam de tutela estatal.
Nesse sentido, ao se observar a evolução do Estado ocorrida no século XX, há que se
ressaltar que a consolidação da noção de direitos humanos (em termos internacionais) esteve
nitidamente voltada à questão econômica do papel do Estado, com o predomínio da lógica do
social centrada no período posterior à Segunda Guerra Mundial (PIOVESAN, 2012, p. 183).
Essa construção histórica denota um movimento diametralmente oposto à manutenção
do modelo que propiciou os horrores verificados durante a guerra. O Estado Social, portanto,
acaba surgindo enquanto resposta aos tempos de guerra, em que o mesmo ente (cuja
34
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
construção se dava no sentido de tornar possível a convivência humana) aparecia como o
maior violador da condição do ser humano (PIOVESAN, 2012, p. 184).
Assim, na aura do pós-guerra que nasce a tentativa de uma nova racionalidade,
pautada no ideal social de reconstrução dos direitos humanos, agregando-se, juntamente, a
ideia de que tais direitos não estão adstritos a um só Estado, mas que possuem interesse
internacional (PIOVESAN, 2010, p. 185).
No entanto, com a nova inversão que iria ocorrer ao final do século XX, quando
começa a tomar forma a lógica neoliberal, os direitos humanos perdem destaque em face do
apelo econômico internacional. Nesse momento, ganha força o desenvolvimento da
globalização do capital, em busca de condições adequadas à maximização internacional de
lucros, o que se reflete diretamente na acentuação das violações dos direitos humanos e da
degradação ambiental mundial.
Sanchez Rubio (2011, p. 124-125), pelo viés da teoria crítica dos direitos humanos
comprova como “em nome da eficiência, da obtenção do máximo benefício ou de riqueza, do
respeito absoluto à propriedade privada e etc., se está destruindo sistematicamente aos seres
humanos e às bases da vida de todo o planeta, como a máxima frieza e, inclusive, com
consciência” (tradução livre). Um exemplo citado pelo autor, nesse sentido, remete ao
sistemático aniquilamento de povos e de muitas vidas humanas, utilizando-se como
justificativa a necessidade de sempre conseguir novos níveis de "desenvolvimento
econômico".
É a partir desses pressupostos, de estruturação econômica e social, construídos
historicamente que se situa inicialmente o pensamento crítico de Amartya Sen, quando trata
das contradições do Estado Neoliberal, como garantidor de direitos e ao mesmo tempo
incentivador da acumulação de capitais. Sobre o tema, Sen e Kliksberg (2010, p. 155) citam o
exemplo da América Latina, defendendo que a desigualdade na região é agravada pela má
distribuição de renda, o que explicaria, inclusive, estas contradições a que o autor se refere,
pois, se a pobreza fosse diminuída pela metade, o mercado duplicaria de tamanho. Para
subsidiar esta constatação, o autor cita estudos da CEPAL, IPEA e PNUD que demonstram o
impacto econômico positivo que ocorre quando a ação estatal é dirigida à diminuição da
desigualdade.
Nesse sentido, economia e direitos humanos e sociais seriam polos complementares,
não opostos, como acentua o Neoliberalismo. Ao serem observados na mesma linha de
possibilidades, permitiriam a substituição do ideal desenvolvimentista acumulativo.
35
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Surge então, uma nova racionalidade na busca pelo equilíbrio entre direitos humanos e
economia, Sen defende a dimensão ética como norteadora do estabelecimento de direitos. O
autor, em sua obra “Sobre ética e economia” (1999), diagnostica a crise havida em
decorrência da evidente separação da economia em face das questões éticas. Do conjunto da
obra de Amartya Sem depreende-se que a influência da ética na economia e a consideração
dos fatores econômicos nas discussões éticas são fundamentais para o desenvolvimento da
sociedade e dos indivíduos que a compõem.
Isso não quer dizer que nos embates entre direitos humanos, meio ambiente e
desenvolvimento, não haverá questões em que economia e ética entrarão em conflito, mas
uma nova racionalidade para as soluções é que demandarão dos profissionais um novo olhar
para questão da sustentabilidade humana.
Sen (1999, p. 32) critica, veementemente, a forma de pensamento unicamente
autointeressada, a nortear as atividades econômicas e constituir a chamada economia do bemestar voltada, ao hedonismo individualista somente. Trata-se de um grande erro da lógica
econômica neoliberal: ainda que não seja possível uma sociedade que somente preze pelos
interesses individuais, tampouco se aceitaria que os interesses individuais se sobrepusessem
às necessidades coletivas.
Deve-se reconhecer essas dicotomias entre ética e economia, que oscilam nos campos
do individualismo contra o coletivismo, evitando-se o sofisma da vitória hegemônica da
racionalidade autointeressada: “o egoísmo universal como uma realidade pode muito bem ser
falso, mas o egoísmo universal como um requisito da racionalidade é patentemente um
absurdo” (SEN, 1999, p. 32).
As saídas apontadas, contra o ideal individualista enaltecido, como se observará, terão
reflexos diretos nas questões humanas e ambientais. Uma delas é o fundamento na ética, que
deveria reger as escolhas humanas e as questões logísticas, ou seja, seria a dimensão ética
quem deveria determinar como as necessidades/utilidades humanas deveriam ser satisfeitas. A
outra saída apontada é a econômica, que deverá ser aquela pautada na logística sustentável das
coisas, considerando-se a ordem humanitária pela qual se deve valorizar as atividades
econômicas (SEN, 1999, p. 20).
Mostra-se patente na obra de Sen o destaque que assume essas saídas para a
sustentabilidade na teoria econômica. Não se pode deixar de lado os aspectos éticos, sob pena
de cair-se no reducionismo da noção utilitarista e autointeressada das relações humanas, que,
em nome do lucro máximo da racionalidade capitalista, acaba por desconsiderar a primazia
pela qualidade de vida, saúde humana e sua relação direta com a questão ambiental.
36
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Portanto,
analogamente
a
outros
pensamentos
críticos
dos
conceitos
de
desenvolvimento, economia, ética e sustentabilidade, Amartya Sen busca desenhar caminhos
alternativos para pensá-los, de forma mais coerente em relação às reais necessidades humanas
e sua consequente relação com o meio.
O que se nota nesta racionalidade é uma tentativa de resgate da importância da
condição humana na realidade econômica que a cerca, utilizando-se do paradigma da
complexidade para o tratamento das questões socioambientais. Essa mudança de paradigma e
reconstrução de conceitos sugeridas por Sen é bem explicitada por Sanchez Rubio:
Atualmente estamos experimentando processos sociopolíticos e
socioeconômicos de transformação e reestruturação do capitalismo dentro de
um contexto de globalidade do mundo estruturado por diferentes expressões
que lhes dão distintos conteúdos [...]. Esta realidade afeta radicalmente o
papel, a funcionalidade e o alcance do direito positivo tanto em seu âmbito
interno, quanto em sua relação externa com outras manifestações de
exercício do poder, de construir realidades e de criar normatividades
(fenômenos de pluralidade normativa). (RUBIO, 2011, p. 26) [tradução
livre].
A necessidade de reconstrução de conceitos, no que tange aos direitos humanos,
conforme destaca Rubio, advém de seus aspectos negativos no que se refere à construção
conceitual de forte dimensão e carga cultural “eurocêntrica”: a ideia de direitos humanos
oficialmente aceita, além de provocar certa passividade e indolência, consolida a separação
entre teoria e prática, parte de um imaginário circunscrito ao imaginário ocidental, que pode
mostrar-se individualista e excludente (RUBIO, 2011, p. 45).
Nesse sentido, a construção do conceito de sustentabilidade segue historicamente a
lógica da sociedade ocidental de construção da inviolabilidade individual do sujeito, num
contexto a posteriori dos nefastos efeitos das Guerras Mundiais. Não se pretende dizer que
esta construção individual dos direitos humanos é negativa, pelo contrário, ela representa um
grande avanço para a salvaguarda da vida. O que se pretende destacar é que essa noção
individual, muita afeita ao lema da autointeressado do viver não é suficiente para a
complexidade do alcance do conceito de sustentabilidade, já que quando se trata de qualidade
de vida e interesses difusos, requer-se uma racionalidade para além do mero alcance da
temática do indivíduo.
Para esse fim holístico do conceito de sustentabilidade, a racionalidade moderna e
“eurocêntrica” predominante é insuficiente. Daí a observável cultura do desrespeito às
peculiaridades ambientais que, em certos círculos jurídicos de pensamento individualista,
ainda considera como coisas de ninguém (res nullius) o ambiente.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Com observa Cançado Trindade (1993, p. 23), tradicionalmente, essas duas
problemáticas (direitos humanos e meio ambiente), foram estudadas de forma separada,
quando, na verdade, urge o seu tratamento conjunto, tendo em vista que esses dois eixos,
constituem o grande desafio do tempo presente, o que seria patentemente atestado pela grande
mobilização internacional que os envolve (TRINDADE, 1993, p. 23).
A preocupação generalizada com a questão da sustentabilidade é tamanha que é
possível observar, no que tange à globalização das relações humanas e seus direitos, a
tendência ao intenso debate sobre os efeitos econômicos futuros dos problemas
socioambientais mundiais, pois a crise do meio ambiente não está mais restrita a determinado
país ou região, ao contrário, “há que se pensar no alcance maior, no planeta Terra, nos danos e
soluções passíveis de atingir a tudo o que é vivo e que viverá futuramente, daí, a proposição
de Estado Ambiental Mundial” (MARTINEZ, 2009, p. 20).
Saliente-se que a globalização do debate e da preocupação econômica e ambiental não
deve significar a homogeneização ou redução da questão, de modo que se torna necessário
tratar com a devida complexidade os temas relacionados a direitos humanos, meio ambiente e
ética do desenvolvimento, uma vez que estão intrinsecamente relacionados:
Reduzir o conhecimento do complexo ao de um de seus elementos, considerado
como o mais significativo, tem consequências piores em ética do que em
conhecimento físico. Entretanto, tanto é o modo de pensar dominante, redutor e
simplificador, aliado aos mecanismos de incompreensão, que termina a redução da
personalidade, múltipla por natureza, a um único de seus traços. (MORIN, 2002, p.
98)
A complexidade demonstra que a contextualização sistêmica é o caminho mais
adequado à ética das coisas. Logo, a questão da sustentabilidade não pode ser pensada sobre
focos reducionistas, sob pena de que sejam cometidos verdadeiros genocídios socioculturais,
como aqueles citados por Diegues (1999), ao comentar os modelos reducionistas norteamericanos de espaços naturais sem seres humanos, para construir-se um “paraíso intocado”.
Desta forma, o pensamento de Sen parece ser o caminho adequado, ao reconhecer a
interdependência entre os temas da economia e da ética; a necessidade de observância das
peculiaridades do contexto analisado e o compromisso de respeitar as nuances diversas da
vida e da condição de ser humano. Observar tais aspectos não constitui uma tarefa fácil, mas
mostra-se necessária essa tentativa a fim de minimizar os malefícios desenvolvidos no tempo
presente por conta de uma ótica distorcida a respeito do desenvolvimento, das pessoas e da
sustentabilidade.
38
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
2 DESENVOLVIMENTO, CONDIÇÃO HUMANA O EXERCÍCIO DA LIBERDADE
PELA CONDIÇÃO DE AGENTE: governança ambiental para a efetivação da
sustentabilidade
A crise ambiental, a exemplo do que sustentam estudiosos do tema numa perspectiva
holística3, reflete além das degradações ao meio ambiente natural, a falência da forma de
conduta econômica em face dos recursos naturais. Enrique Leff, a esse respeito, sustenta que,
pela primeira vez, a crise ecológica não é resultado de uma transformação natural, pois
envolve transformações de natureza metafísica, filosófica, ética, científica e tecnológica. Para
o autor, a solução para referida crise passa pelo questionamento epistemológico do
pensamento pautado nos pilares da uniformidade e homogeneidade. Trata-se de um repensar
das transformações do meio ambiente numa perspectiva complexa, considerando os
conhecimentos e saberes arraigados também nas cosmologias, mitologias, ideologias e
saberes práticos que compõem a civilização contemporânea (LEFF, 2002, p. 194-196).
Seguindo a mesma linha, François Ost argumenta em torno da “crise de vínculo e a
crise do limite: uma crise de paradigma, sem dúvida. Por um lado, a crise do vínculo
consistiria em que o ser humano já não consegue discernir o que o liga ao animal, ao que tem
vida, à natureza. Por outro lado, a crise do limite prenunciaria que já não se consegue
discernir o ser humano da própria natureza, além da identificação da capacidade do planeta
para recompor-se da ação entrópica (OST, 1985, p. 8-9). A ideia do autor inspira a reflexão
sobre o tratamento do ser humano para com seu meio natural deva voltar-se à introspecção, no
sentido de discernir na racionalidade humana o seu lugar no planeta e sua função para a
possibilidade de uma existência saudável.
Em face das proporções dessa crise ambiental nota-se o surgimento de algumas
alternativas para combatê-la e para resgatar valores relacionados à defesa da vida. Dentre tais
alternativas, domina a via do chamado desenvolvimento sustentável.4 Essa via defende a
necessidade de se buscar formas de efetivar, compatibilizar as relações entre o ser humano
econômico e a manutenção de seu meio, de modo a combater o conjunto de negatividades
ocasionadas pelo modo de produção atualmente vigente. É justamente essa ideia trazida pelo
3
A esse respeito, conferir as contribuições de Leff (2002), Boff (2009), Ost (1995) e Sen (2010).
O conceito de desenvolvimento sustentável ganhou uma dimensão global através do Relatório Brundtland, de
1987 da Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Esse Relatório, conhecido como “Nosso
Futuro Comum” determinou que da expressão “desenvolvimento sustentável” depreende-se que a fruição dos
recursos naturais pela presente geração, não deve prejudicar o mesmo direito das gerações futuras. A ideia de
sustentabilidade a ser empregada remeterá à “noção de uma gestão ambiental não apenas no espaço, mas também
no tempo (SILVA, 2004, p. 81).
4
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desenvolvimento sustentável que pauta a atual instituição de políticas socioambientais. Nesse
sentido, o termo (socioambiental) aponta para a “inevitável necessidade de procurar
compatibilizar as atividades humanas em geral – e o crescimento econômico em particular –
com a manutenção de suas bases naturais, particularmente com a conservação ecossistêmica”
(VEIGA, 2007, p. 91). Com isso, a construção de políticas com viés socioambiental deverá
levar em conta as atividades humanas de forma que sejam incluídos os distintos modos de
vida existentes sob o mesmo ordenamento jurídico, incluindo as condutas econômicas
voltadas à construção do desenvolvimento.
Ao citar as diversas conotações que foram atribuídas ao termo “desenvolvimento”,
José Eli da Veiga as divide em três tipos básicos: a) o tratamento do desenvolvimento como
mero crescimento econômico; b) desenvolvimento como algo inalcançável, um mito que
nunca chegaria a concretizar-se; ou c) desenvolvimento que não seria quimérico, mas também
não seria amesquinhado como mero crescimento econômico, o que seria constituído pela via
de um “caminho do meio”, bem mais difícil de trilhar (VEIGA, 2010, p. 17-18).
Em senso comum, o termo desenvolvimento acabava sendo pensado no sentido do
mero crescimento econômico, sem que as condições humanas qualitativas tenham qualquer
tratamento. Esse modelo de pensamento é superado pela ideia do desenvolvimento enquanto
liberdade, conforme denota Amartya Sen, que, ao participar da formulação do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), agrega ao desenvolvimento dados para além da renda per
capita ou do Produto Interno Bruto (PIB), fugindo da medição da qualidade de vida, apenas
por meio de indicadores puramente econômicos (incluindo o fator expectativa de vida e
escolarização).
A contribuição de Ignacy Sachs (2004, p. 15-16), segue a mesma linha sistêmica, no
sentido de defender que desenvolvimento deve ser pautado num contexto e não em um fator
isolado, que para ele está observado em cinco pilares: a) social; b) ambiental; c) territorial; d)
econômico e c) político, fornecendo ao conceito de desenvolvimento uma maior
complexidade e possibilidade de observar as peculiaridades atinentes à realidade
socioambiental diversa. Segundo suas contribuições teóricas, a dimensão social deve servir a
evitar o desmoronamento social que ameaça os lugares mais problemáticos do planeta. Por
outro lado, a dimensão ambiental deveria ser levada em conta tendo em vista que o meio
ambiente representa muito mais do que provisão de recursos e disposição de resíduos.
Outrossim, a dimensão territorial se apresenta tendo em vista a problemática da distribuição
espacial dos recursos, relacionada diretamente à questão das terras. Já a dimensão econômica,
seria justificada simplesmente por ser condição básica para que as coisas aconteçam no
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sistema de trocas. Por fim, a dimensão política, que corresponderia à preocupação em que
seja estabelecida uma governança democrática da vida em sociedade.
Nesse sentido, em razão da complexidade inerente às relações econômicas, sociais,
políticas, culturais e econômicas, não é possível considerar a ideia de desenvolvimento
sustentável por uma concepção reducionista, pois os problemas atuais da humanidade,
mormente os problemas socioambientais, atingem um feixe extenso de valores humanos a
serem protegidos. Parece ser o caminho da complexidade e da aplicabilidade conjuntural, a
saída indicada por Boaventura de Souza Santos (2000, p.81) para essa problemática: um
conhecimento prudente para uma vida decente.
Quando se observa a breve análise das crises postas à humanidade, bem como as
respostas ofertadas a elas, é possível notar alguns pontos de convergência como a necessidade
da revisão do modo do produção e consumo vigentes, bem como das bases éticas que
sustentam as relações das sociedades entre si mesmas e com o entorno. Tendo em vista as
consequências insustentáveis dessas bases, que acabavam atendendo aos interesses voltados
para a simples subsistência do sistema através do trabalho/lucro/consumo, nota-se a premente
necessidade de retorno à consideração do bem-estar da sociedade por meio de um consenso de
limites, a que Leonardo Boff (2009) se refere, na obra “Ethos mundial: um consenso mínimo
entre os humanos”. Nesse sentido, cabe destacar a construção desse Ethos estaria na
racionalidade sobre o alcance máximo no modo de lidar com a natureza e com a utilização
dos recursos naturais (liberdade).
O desenvolvimento sustentável, hoje, tende a mostrar-se como seria possível essa
racionalidade sobre limites a ser adotada, muito além do que garantir às futuras gerações o
direito de disporem dos recursos de forma suficiente a atenderem suas necessidades. O centro
da discussão está na forma prudente de viver, combatendo-se a perda do sentido do ser
humano, em face do ambiente em que vive, uma redescoberta dos valores inerentes ao valor
do meio e de sua contribuição para a construção dos territórios sociais.
Assim, a cultura desenvolvimentista que se presencia primordialmente num ideal de
crescimento econômico infinito, é incompatível com a realidade fática das sociedades e dos
recursos que poderiam ser disponibilizados para tanto. Lutzenberger (2000, p. 10) bem
exemplifica a questão ao sustentar que “o simples dogma básico do pensamento
predominante, que diz que uma economia tem que crescer sempre, já é um absurdo. Nada
pode crescer sempre, muito menos num espaço limitado”. Guyton & Hall (2011, p. 20)
exemplificam bem isso comparativamente em Fisiologia Médica, ao demonstrar que a única
coisa que cresce sem limites são as neoplasias, dirigindo-se à destruição do ser humano.
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No Brasil, essa corrida incessante ao desenvolvimento enquanto crescimento sem
limites produziu e produz uma reprovável desconsideração das diversidades humanas e
ambientais, conforme corrobora o geógrafo Aziz Nacib Ab’Saber, ao citar o exemplo
amazônico:
Por dezenas de anos, a partir da década de 60, a Amazônia foi apresentada
ao mundo ocidental como uma região uniforme e desprovida de diversidade
fisiográfica e ecológica. Enfim, um espaço sem gente e sem história, passível
de qualquer manipulação por meio de planejamentos feitos à distância, ou
sujeito a propostas de obras faraônicas, vinculadas a um muito falso conceito
de desenvolvimento. (AB'SABER, 2004, p.131).
Na política brasileira, é observável diariamente na mídia o embate direto entre esse
ideal desenvolvimentista e a preservação de direitos humanos e ambientais. Tal ocorre
atualmente na emblemática questão da construção da Usina Hidroelétrica de Belo Monte5, em
que, apesar das pressões sociais pela manutenção das condições de existência dos povos do
Rio Xingu, a opção estatal foi pelo potencial hidroelétrico da região.
É justamente pela inaplicabilidade desse atual modelo de ética desenvolvimentista, em
face à condição humana, que Amartya Sen, em sua obra “Desenvolvimento como Liberdade”
propõe o estabelecimento de uma nova racionalidade do desenvolvimento, voltada ao
atendimento das necessidades humanas por uma nova via:
[...] atenta-se particularmente para a expansão das “capacidades” das pessoas
de levar o tipo de vida que elas valorizam – e com razão. Essas capacidades
podem ser aumentadas pela política pública, mas também, por outro lado, a
direção da política pública pode ser influenciada pelo uso efetivo das
capacidades participativas do povo. Essa relação de mão dupla é central na
análise aqui apresentada. [...]. O êxito de uma sociedade deve ser avaliado,
nesta visão, primordialmente, segundo as liberdades substantivas que os
membros dessa sociedade desfrutam [...]. Ter mais liberdade melhora o
potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o mundo,
questões centrais para o processo de desenvolvimento (SEN, 2010, p. 33).
Sen oferece uma alternativa coerente rumo a uma nova concepção de sustentabilidade
à humanidade. Mais do que pensar a questão do desenvolvimento como o aumento do
desempenho econômico, é preciso pensar, antes, no oferecimento de oportunidades e
qualidade de vida às pessoas, para desenvolverem adequadamente suas capacidades não só
sob o prisma econômico e de renda.
5
O Complexo Hidrelétrico de Belo Monte é uma obra de grande impacto socioambiental no município de
Altamira (Pará): “A polêmica em torno da construção da usina de Belo Monte na Bacia do Rio Xingu, em sua
parte paraense, já dura mais de 20 anos. Entre muitas idas e vindas, a hidrelétrica de Belo Monte, hoje
considerada a maior obra do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, vem sendo
alvo de intensos debates na região, desde 2009, quando foi apresentado o novo Estudo de Impacto Ambiental
(EIA) intensificando-se a partir de fevereiro de 2010, quando o MMA concedeu a licença ambiental prévia para
sua construção” (ISA, 2012).
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Especificamente, ao pensar no trato do ser humano para com o meio ambiente, deve-se
buscar a observância de primar pela oportunidade de oferecer qualidade de vida às pessoas.
Uma vez que seja recuperado o sentido do vinculo e do limite, o ambiente passa a ser visto
como algo inseparável da essência humana e, portanto, necessário à plena realização de suas
capacidades (SEN, 2010, p. 33).
Após tecer críticas a respeito da noção de desenvolvimento meramente enquanto
crescimento econômico, Sen critica, ainda, as concepções individualistas a respeito do
desenvolvimento sustentável que se têm criado. O autor defende que ser sustentável não
deveria somente remeter ao conceito do relatório Brundtland6 que alude à ideia de “atender as
necessidades atuais sem comprometer as mesmas necessidades das gerações futuras de
indivíduos. Segundo ele, esta visão é um tanto quanto “acanhada” a respeito da humanidade,
pois “não somos somente pacientes, cujas necessidades exigem atenção, mas também agentes,
cuja liberdade de decidir quais são seus valores e como buscá-los pode estender-se muito
além da satisfação de nossas necessidades” (SEN e KLINGSBERG, 2010, p. 65).
A exemplo do caso de Belo Monte, é possível inferir que, no embate entre a alegada
necessidade de desenvolvimento econômico e a manutenção das condições dos povos
indígenas e comunidades tradicionais, deveria ser considerado primordialmente as
necessidades reais de qualidade de vida daquelas pessoas em face do "desterramento" que
sofreram. Ou seja, não se trata apenas das gerações futuras e seu acesso aos recursos
preservados, mas das condições de qualidade de vida com as quais seus ascendentes
vivenciaram perante tais recursos.
Se há críticas contundentes à noção de desenvolvimento vigente e de sua relação com
os direitos humanos e à salubridade ambiental, há também quem as defenda, pensando no
conjunto maior de beneficiados pela futura produção de energia ou uso de qualquer outro
recurso natural necessário ao crescimento da economia.
Sempre haverá opções sobre o que se quer desenvolver e qual o custo para tanto, mas
há que se reconhecer que qualquer forma e alteração do meio também implica perdas,
conforme demonstra Viana:
[...] desenvolver significa tirar o invólucro, descobrir o que estava encoberto;
envolver significa meter-se num invólucro, comprometer-se. Desta forma,
poderíamos dizer que desenvolver uma pessoa ou comunidade significa
retirá-la do seu invólucro ou contexto ambiental; descomprometê-la com o
seu ambiente (VIANA, 2006, p. 43).
O conceito de desenvolvimento sustentável foi difundido a partir do Relatório Brundtland, de 1987 da
Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento.
6
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Viana, nesse sentido, demonstra, assim como Sen, que o desenvolvimento deve
equilibrar o meio e a própria inserção do indivíduo em sua realidade, implicando-se assim,
num tratamento adequado para com o ambiente que lhe circunda, não prejudicial as
sociedades em sua relação originária com o meio ambiente e sua qualidade de vida.
O essencial, no pensamento de Sen, está no fato de que o desenvolvimento, para gerar
qualidade de vida, requer do Estado a concessão de algo mais de liberdade às pessoas. Para
Sen, as oportunidades libertárias são condição fundamental ao desenvolvimento (2010). Na
visão do autor, liberdade é daqueles conceitos que no Direito exigem outra contextualização
para que sua aplicabilidade seja satisfatória.
Para isso, há que se superar o conceito de liberdade tradicional, contratual. Conforme
explica Canotilho (1995, p. 539), o conceito de liberdade tradicionalmente adota uma
“natureza defensiva”, de abstenção da ação do Estado perante as liberdades pessoais. No
entanto, de forma diversa, na análise econômica realizada por Sen, o componente diretivo a
ser analisado propõe uma vertente pró-ativa da liberdade (enquanto gênero), ao orientar a
ação do Estado na geração de espaços positivos para a realização humana, nos quais as
liberdades qualificadas sejam ampliadas. “Com oportunidades sociais adequadas, os
indivíduos podem efetivamente moldar seu próprio destino e ajudar uns aos outros. Não
precisam ser vistos sobretudo como beneficiários passivos de engenhosos programas de
desenvolvimento”. (SEN, 2010, p.26)
May (1993, p.11) entende que “liberdade é a maneira com que nos relacionamos com
nosso destino que só é significativo porque temos liberdade”. Liberdade, nesse sentido, é,
portanto, uma prerrogativa econômica existencial do desenvolvimento sustentável. Sua
presença é perceptível pela ação dirigida do Estado, em garantir oportunidades e escolhas
genuínas às pessoas, por meio da suficiência especialmente nas áreas da educação, saúde e
segurança pública. “Ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar de si
mesmas e para influenciar o mundo, questões cruciais para o desenvolvimento” (SEN, 2010,
p.33). É do exercício da condição do agente dos cidadãos, a participar das decisões relativas a
seus direitos e ao desenvolvimento, que se muda sua realidade.
Se o Estado puder assegurar a criação de oportunidades qualitativas estará, de forma
inequívoca, ampliando o rol de liberdades de escolha de que as pessoas desfrutam.
Igualmente, o mesmo cuidado deve ser observado quando se pense nos direitos que serão
estabelecidos, de forma que estes sejam pensados sempre no sentido da ampliação das
liberdades para que a proteção dos Direitos Humanos e Meio ambiente sejam elementos que
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efetivamente decorram das demandas sociais que tem orbitado nesses dois eixos, a exemplo
do que defende Cançado Trindade (1993, p. 23).
Logo, esse Estado pró-ativo, para Sen (2008, p.57), permite não somente o progresso
econômico, mas também essa “condição do agente”, em que “uma pessoa pode dar valor à
promoção ética de determinadas causas e à ocorrência de certos eventos mesmo que a
importância atribuída a esses fatos não se relacione com uma melhora em seu próprio bemestar.” No caso de Belo Monte, isso implicaria na oportunidade da população fazer suas
próprias escolhas, debatendo e determinando mitigações ambientais necessárias para que, em
seu ponto de vista, ocorresse a melhoria de sua qualidade de vida.
O valor maior para a liberdade é a possibilidade do exercício dessa “condição do
agente”, porque isso implica numa realidade em que a condição de vida das pessoas possa
lhes permitir a transcendência da esfera da busca pela sobrevivência, adentrando ao campo da
emancipação social e das decisões sobre sua existência:
Estou usando o termo agente não nesse sentido, mas em sua concepção mais
antiga – e “mais grandiosa” – de alguém que age e ocasiona mudança e cujas
realizações podem ser julgadas de acordo com seus próprios valores e
objetivos, independentemente de as avaliarmos ou não também segundo
algum critério externo. Este estudo ocupa-se particularmente do papel da
condição do agente do indivíduo como membro de público e como
participante das ações econômicas, sociais e políticas (interagindo no
mercado e até mesmo envolvendo-se, direta ou indiretamente, em atividades
individuais ou conjuntas na esfera política ou em outras esferas). (SEN,
2010, p.33)
Essa nuance da ideia de Sen a respeito da liberdade e da condição de agente, possui
importância fundamental para subsidiar o noção de governança ambiental e o conceito de
sustentabilidade.
A condição do agente permite a ocorrência da governança ambiental que, segundo
Paulo Afonso Leme Machado (2009, p. 109), parte do entendimento de que o Poder Público
deve adotar uma gestão compartilhada com a sociedade civil para o enfrentamento da
problemática ambiental.
A noção de governança ambiental traz em si mesma a discussão a respeito da
cidadania ambiental. Nesse sentido, defende o Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA) que o cidadão ambiental é aquele “cidadão crítico e consciente que
compreende, se interessa, reclama e exige seus direitos ambientais e que, por sua vez, está
disposto a exercer sua própria responsabilidade ambiental” (PNUMA, 2005). Essa nova
categoria de cidadãos pode ser observada a partir de novos comportamentos sociais, como a
preferência do consumidor por produtos ambientalmente corretos e a consequente adaptação
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das grandes corporações a tecnologias de produção mais limpas (oportunizadas também, pelo
crescente estabelecimento de leis ambientais que as incentivam).
Quando se observa a urgência que a crise ambiental tem representado, reconhecer a
pauta da governança ambiental, aumenta a importância do papel econômico do indivíduo e da
sociedade civil sobre a questão da sustentabilidade. Isso ocorre pois a sociedade civil tem a
liberdade qualificada de transcender ao papel do Estado no regulamento das relações entre
particulares. Sua maior efetividade decorre da capacidade de auto-regulamentação das
atividades econômicas privadas, que permitem a indivíduos atuar sobre as externalidades das
relações de consumo, para as quais o Direito Ambiental não pode e não tem o dever de atuar.
É este tipo de participação que, aos olhos de Amartya Sen, poderia corresponder à
efetivação da condição de agente, uma vez que seria dada a oportunidade aos indivíduos de
livremente participar dos processos de tomada de decisão pela governança ambiental, sendo
possível, portanto, a participação na discussão e deliberação do destino das pessoas e de seus
habitats.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As questões econômicas e ambientais caminham de forma indissociável. Qualquer
tentativa de separá-las estaria fadada ao insucesso. É certo que grandes avanços foram
conseguidos devido à construção teórica ocidental dos direitos humanos, no entanto, sua
reconstrução diária é necessária para que tais avanços não redundem na legitimação da
exclusão social ou no tratamento do meio ambiente como um elemento dissociado do ser
humano.
Pensar em sustentabilidade, seguindo-se o paradigma da complexidade, importa
pensá-la de forma a considerar a diversidade socioambiental que enriquece o mundo e suas
relações sociais. A racionalidade reducionista herdada da constituição tradicional do Estado e
de sua evolução até o Estado influenciado pelos valores neoliberais é posta em cheque. A
economia, por sua vez, mostra-se carente de um tratamento que se volte às questões do bemestar humano, como defende Amartya Sen, em detrimento de sua função meramente
desenvolvimentista.
É possível observar que a grande contribuição da obra de Sen para a reestruturação de
valores consiste nessa (re)valorização da economia para o bem-estar humano e na adoção da
definição de “Desenvolvimento como Liberdade”, numa perspectiva humanista, que permita o
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tratamento da questão da sustentabilidade humana pela ótica subjetiva, considerando os
valores que cada cultura preconiza como importantes para si e para sua coletividade, na
consolidação de sua “condição de agente”.
Da mesma forma, Sen infere a necessidade de que o conceito de desenvolvimento
sustentável não caminhe somente pela órbita das necessidades humanas, de forma egoísta,
mas instiga a pensar o meio ambiente como algo maior, intrínseco aos territórios essenciais à
realização da vida, remetendo-se à ideia de Ost de resgatar os sentidos do vínculo e do limite
nas relações entre humanidade e natureza.
Sen, juntamente com outros de mesma linha de criticidade, levam à constatação de que
o conceito de desenvolvimento deve voltar-se à humanidade, de forma a dotá-la da “condição
de agente”, a fim de que as pessoas possam interferir em prol da salvaguarda desses valores
perante o Estado, bem como para que lhes seja possível atuar de forma mais incisiva e efetiva
nas questões relativas à qualidade de vida, condição fundamental para uma vida digna.
Ao final, cumpre salientar que a adoção dos conceitos de governança ambiental, no
compartilhamento de responsabilidades entre sociedade civil e Estado podem fornecer uma
construção plural, não reducionista e que trabalhe com o poder auto-regulamentar da
sociedade em prol da sustentabilidade.
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PLANEJAMENTO SUSTENTÁVEL DA ATIVIDADE ECONÔMICA:
A PARTICIPAÇÃO SOCIAL COMO CONDIÇÃO DE PROSSEGUIBILIDADE
SUSTAINABLE PLANNING OF ECONOMIC ACTIVITY:
THE SOCIAL CONTROL AS A CONDITION OF CONTINUATION
Mariane Yuri Shiohara1
Leandro Ferreira Bernardo2
RESUMO
A Constituição Federal de 1988 deferiu ao Estado a função de planejamento da atividade
econômica, de caráter vinculatório ao setor público e indicativo para o setor privado. À luz do
Estado Democrático de Direito, atualmente o planejamento da atividade econômica não
dispensa a participação da população, seja por meio da realização de audiências públicas,
consultas e outros instrumentos que privilegiem o controle social da atividade estatal. Assim,
a participação social no planejamento estatal confere legitimidade a este e dá condições de
que os rumos do Estado e da economia possam ser discutidos e debatidos pela sociedade,
numa conjugação de esforços para o desenvolvimento de atividades econômicas sustentáveis.
Aumentando-se o controle social, aumenta-se a efetivação da democracia.
PALAVRAS-CHAVES
Planejamento; atividade econômica; participação social.
ABSTRACT
The 1988´s Constitution granted to the State the function of planning the economic activity,
compulsory to the public sector and indicative to the private sector. In the context of Rule of
Law, nowdays, the planning of the economic activity requires social participation in public
hearings, queries and other instruments that privilegies the social control of the state activity.
So, the social participation in state planning confers legitimacy and gives conditions to
discuss the direction of the State and the economy with the society, in a combination of
efforts for the development of sustainable economic activities. Increasing social control, is
possible to increase democratic sentiment.
KEY-WORDS
Planning; economic activity; social participation.
1. INTRODUÇÃO
A presente pesquisa acadêmica se propõe a analisar a questão do planejamento
1
Coordenadora dos cursos de especialização em Direito Eleitoral e Processo Eleitoral e MBA em Gestão
Pública no UNICURITIBA-PR; Mestra em Direito Socioambiental e Econômico pela PUCPR;
2
Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela PUC-PR (2012), especialista em Direito Ambiental pela
UNB (2010), especialista em Direito Constitucional pela PUC-PR (2008), graduado em DIREITO pela
Universidade Estadual de Maringá (2004). Atualmente é procurador federal em Maringá/PR, na Procuradoria
Seccional Federal em Maringá/PR e professor em cursos de graduação e pós graduação.
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estatal da atividade econômica no Brasil, sob a ótica da sustentabilidade e da participação
popular como verdadeira condição de prosseguibilidade na tomada das decisões que ditarão o
desenvolvimento nacional em longo prazo, inclusive, alcançando as futuras gerações.
É da tradição política do Brasil, que a cada quadriênio, quando da eleição dos novos
governantes municipais, estaduais ou do Presidente da República, os planos de governo sejam
positivados por meio do Plano Plurianual e executados no decorrer dos anos pela
especificação da lei de diretrizes orçamentárias e dos orçamentos anuais.
No entanto, a soma da execução dos planos de governo quadrienais,
necessariamente, não reflete que o Estado possua um plano de desenvolvimento. Isto porque,
segundo Cardoso Junior, “um plano, ou política de longo prazo diz respeito à evolução, no
decurso de extenso horizonte de tempo, de vários aspectos centrais da economia e da
sociedade”.
Na recente história brasileira, vários foram as experiências de planejamento no
Brasil, sintetizadas por Rezende3:
a) O Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional – Plano
Especial (1939): voltado para a implantação de indústrias, expansão da infraestrutura de
transportes e comunicações e provimento dos recursos materiais necessários à defesa nacional
e à ordem interna;
b) O Plano Salte (1946): atenção do Estado nas áreas de saúde, alimentação,
transportes e energia, por meio da intervenção direta do Estado na economia para estimular a
participação do setor privado no mercado;
c) O Plano de Reaparelhamento e Fomento da Economia Nacional (1951):
priorizava os investimentos em infraestrutura e a promoção das indústrias de base;
d) O Programa de Metas (1956): compreendia a consecução de 30 metas reunidas
em 5 setores: energia, transporte, agricultura e alimentação, indústrias de base e educação;
e) O Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social (1962): voltado à
buscar soluções para os problemas estruturais, inclusive reformas administrativas;
f) O Plano de Ação Econômica do Governo (PAEG - 1964): tinha como objetivo o
combate à inflação e a retomada do crescimento econômico;
g) O Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social – Plano Decenal
(1967): primeiro plano brasileiro de longo prazo e tinha como objetivo estabelecer diretrizes
3
REZENDE, Fernando. Planejamento no Brasil: auge, declínio e caminhos para a reconstrução. In: A
reinvenção do planejamento governamental no Brasil. José CARDOSO JR, Celso (Org). Brasília: Ipea, 2011,
Disponível em: www.ipea.gov.br. Acesso em 15.10.2012. p 217-228.
51
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
para o desenvolvimento nacional, demarcando as frentes de atuação do Estado para sua
implementação;
h) O Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED - 1968): pretendia-se alcançar
a aceleração do crescimento e a contenção da inflação;
i) O Plano de Metas e Bases para a Ação do Governo (1970): visava inserir o Brasil
no mundo desenvolvido durante as três décadas seguintes a sua apresentação, por meio de
estímulos para o crescimento do PIB e da renda per capita, a ser alcançada por meio da
atividade industrial e da substituição de importações;
j) O I Plano Nacional de Desenvolvimento – I PND (1971): primeiro de uma série de
planos qüinqüenais, tinha os mesmos objetivos do Plano de Metas, ou seja, elevar o Brasil à
condição de potência mundial;
l) O II Plano Nacional de Desenvolvimento – II PND (1975):ainda baseado na
política de substituição de importações, o plano buscava medidas adicionais para o
crescimento, como o estímulo às exportações e a ampliação do mercado interno; forte atuação
do Estado com suas empresas estatais;
m) O III Plano Nacional de Desenvolvimento – III PND (1980): o plano tinha como
estratégia aumentar a competitividade da indústria e da agricultura brasileira, com foco
especial na área de infraestrutura e energia;
n) O I Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República (1986): primeiro
plano realizado sob a ótica do Estado Democrático, com ênfase na necessidade de mudanças
sociais, associando o crescimento econômico à distribuição de renda, riqueza e erradicação da
pobreza.
Após as experiências históricas e jurídicas vividas no período ditatorial, a
Constituição Federal de 1988 trouxe, além do plano plurianual como instrumento de
planejamento dos entes federados de maneira isolada e de curto prazo, a previsão de
competência da União para “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do
território e de desenvolvimento econômico e social...” (CF, art. 21, IX).
E ainda, como agente normativo e regulador da atividade econômica, cabe ao Estado
a função do planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o
setor privado (CF, art. 174), afastando-se a possibilidade de dirigismo estatal na economia,
segundo as ponderações de Calixto Salomão Filho4.
4
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica: princípios e fundamentos jurídicos. São
Paulo: Malheiros, 2001. p. 132
52
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Em que pese o caráter meramente indicativo do planejamento ao setor privado, o
Estado encontra-se adstrito a planejar a atividade econômica voltada não só ao atendimento de
seus próprios fins (finalidade pública), devendo compatibilizá-los com as necessidades e
expectativas da iniciativa privada e da própria sociedade.
Assim, ao lado do planejamento realizado de maneira isolada por cada ente
federativo positivado nos planos plurianuais, o Estado deve implementar um planejamento
global da atividade econômica, ou seja, a elaboração de um plano (de longo prazo) que
necessariamente deve ter como premissas básicas as opções eleitas pelo legislador constituinte
de 1988 como fundantes ao pleno desenvolvimento da Nação.
Atualmente, as premissas para um bom planejamento sobejam o viés econômico:
novos ingredientes devem ser adicionados, tais como critérios de sustentabilidade para a
construção desenvolvimento nacional ou regional, bem como a possibilidade de participação
social no processo de planejar como condição de sua prosseguibilidade.
Aliás, sublinha Freitas5 que o desenvolvimento é valor constitucional supremo
insculpido no preâmbulo da Constituição, e só se esclarece se conjugado à sustentabilidade.
Logo, todos os planos somente poderão ser considerados legais (constitucionais) se
observados os critérios mínimos de sustentabilidade econômica, social e ambiental para a
consecução do desenvolvimento nacional e regional. E mais, tais planos só poderão ser
considerados legítimos se produzidos sob o crivo democrático.
Sob o aspecto da legitimidade, é necessário garantir o acesso e participação da
população ao planejamento estatal; e mais, como assegurar que as reflexões e conclusões
obtidas através nas instâncias de debate social realmente se efetivem, vinculando os rumos do
planejamento, de modo que a participação não seja meramente formal, mas sim, que traga
resultados materiais benéficos?
Tais perguntas se fazem necessárias na medida em que o ato de planejar foi
constitucionalmente deferido ao Estado que adota o modelo capitalista, porém também se
reveste de configuração solidária e tem como dos objetivos fundamentais a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária (CF, art. 3º, I), visando garantir o desenvolvimento nacional
(CF, art. 3º, II), a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades
sociais e regionais (CF, art. 3º, III) e a promoção do bem de todos.
Portanto, o planejamento da atividade econômica, no âmbito do Estado Solidário,
tem como objetivo o desenvolvimento sustentável nacional e regional e como condição de
5
FREITAS, Juarez de. Sustentabilidade, direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011, p. 113-118.
53
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prosseguibilidade a participação social.
2. ATUAÇÃO DO ESTADO NA ORDEM ECONÔMICA
A Constituição Federal de 1988 reserva espaço para tratar da ordem econômica
brasileira a partir do art. 170, disciplinando qual o papel do Estado na ordem econômica: em
que medida pode intervir, regular, sancionar, quais princípios a ordem econômica deve
obedecer, etc. Como ressalta Cristiani Derani6 “o Direito é a instituição e o instrumento por
meio do qual Estado e mercado servem-se mutuamente para a reprodução do sistema em que
estão inseridos”.
As relações entre o Estado, o mercado e os particulares estão intimamente ligadas e
devem ser tratadas pela Constituição. No sentir de Justen Filho7, com o advento do
neoliberalismo, as práticas empresariais passam a modelar a atividade estatal, tal como a
aplicação de parâmetros empresarias na administração pública direta e autárquica, obrigando
o Estado a recorrer à experiência empresarial para desenvolver sua própria gestão.
Mostra-se crescente assunção pela empresa privada de tarefas de interesse público. E
ainda, surge a necessidade de compatibilizar-se as competências estatais com a consecução
dos interesses privados, surgindo a importância da função regulatória do Estado.
Surge, então, o termo “constituição econômica” que compreende “o conjunto de
normas fundamentais, os princípios constituintes da ordem econômica, isto é: que a
estruturam num todo, num sistema8”. E, portanto, dela fazem parte: os institutos que definem
a propriedade dos meios de produção, a delimitação da esfera de competência do estado e dos
sujeitos econômicos privados, as formas de organização dos sujeitos econômicos entre si, etc.
É esta “constituição econômica” que irá ditar o regramento jurídico da atividade
econômica, delimitando qual será o papel do Estado e quais são seus limites de atuação na
atividade econômica, seja como empresário (atuação direta no modelo concorrencial e
monopolista); seja como agente normativo e regulador, executando as funções de fiscalização,
incentivo e planejamento (atuação disciplinadora das práticas de mercado e concorrência entre
os agentes privados, e, entre estes e o setor público); e como limitador dos excessos
decorrentes da atividade econômica, na função sancionatória.
6
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Sariava, 2008. p. 75).
JUSTEN FILHO, Marçal. Empresa, Ordem econômica e Constituição. Revista de Direito Administrativo,
Rio de Janeiro, n.212, p. 109-133, abr./jun. 1998. p. 120.
8
MOREIRA, Vital. A ordem jurídica no capitalismo. 3 ed., Coimbra: Centelho, 1975. p. 176.
7
54
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Seguindo a linha de raciocínio referente à atuação do Estado na atividade
econômica, Eros Grau9 apregoa que “atividade econômica” em sentido amplo é gênero, cujas
espécies são o serviço público (ligado ao interesse social da atividade econômica em sentido
amplo e de titularidade exclusiva do Estado) e a atividade econômica em sentido estrito (cuja
titularidade é do setor privado, podendo o Estado explorá-la de maneira direta, quando a
atividade se mostrar necessária aos imperativos da segurança nacional ou relevante interesse
coletivo ou nos casos elencados pela própria Constituição).
Grau10 ainda diferencia atuação e intervenção do Estado na atividade econômica.
Intervenção indica a atuação estatal em área de titularidade do setor privado; já a atuação
estatal ocorre quando há ação do Estado tanto na área de titularidade própria quanto em área
de titularidade do setor privado.
Seja qual for a forma de atuação/intervenção do Estado na atividade econômica, esta
sempre deverá ser precedida de planejamento, o qual, para ser legítimo, deve ter como
requisito de prosseguibilidade, a participação social.
3. PLANEJAMENTO E LEGITIMAÇÃO SOCIAL
Para imprimir racionalidade e eficiência da atuação do Estado na atividade
econômica, seja por meio da atividade interventiva, reguladora ou sancionatória, é preciso que
tal atuação seja previamente planejada.
Isto porque, muito embora a Constituição Federal tenha tratado o planejamento da
atividade econômica do Estado como meramente indicativo para o setor privado, não há como
se planejar a atividade econômica estatal sem que sejam colocados necessariamente neste
cenário os demais atores da ordem econômica: a sociedade e o setor privado.
Atualmente, o Estado brasileiro adota como objetivo fundamental da República o
princípio da solidariedade: através dela, a democracia se põe a serviço da sociedade e o
Estado encontra sua missão social. E esse ideal de solidariedade deve também estar voltado ao
9
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1998. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.
101.
10
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1998. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p.
92.
55
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
planejamento da ordem econômica, visando o desenvolvimento do Estado11.
Em acepção comum, planejamento significa a seleção de objetivos, fixação de metas
e os caminhos e meios para efetivá-las12. Para fins do presente estudo, o planejamento merece
ser visto de um ponto de vista mais profundo, envolvendo tanto as questões econômicas –
atividade econômica estatal – quanto às relações jurídicas dela decorrentes, a serem tuteladas
pelo
Estado,
avalizadas
pela
necessária
legitimação
social,
como
condição
de
prosseguibilidade do planejamento.
Sob a ótica jurídica, o planejamento da atividade econômica pelo Estado envolve a
normatização e positivação de objetivos e metas (elaboração de um plano) que aperfeiçoe a
atividade estatal na ordem econômica e social, de caráter vinculante e obrigatório ao setor
público, com vistas ao alcance do bem estar de todos.
Entretanto, como aponta Costa-Filho13, sem mecanismos políticos que permitam
assegurar legitimidade social do planejamento, seu valor intrínseco não será muito distante de
zero, posto que, em que pese caber ao Estado às decisões de longo prazo em nome de todos os
seus administrados, tais decisões não deve ser tomadas de maneira exclusiva pela burocracia
dominante da esfera pública (governo), mas também por meio da abertura de espaços
institucionais onde a população possa conviver, interagir, solidarizar-se com o planejamento
estatal.
A Constituição Federal de 1988 em várias passagens avaliza a construção de um
direito administrativo participativo. Na área da saúde, as ações e serviços de saúde devem ter
como diretriz a participação da comunidade (art. 197 e 198, III); as ações governamentais na
área de assistência social também deverão ter a participação da população, tanto na
formulação das políticas como no controle das ações (art. 204, II); a organização do sistema
nacional de seguridade social deve possuir caráter democrático e contemplar, dentro de sua
gestão, a participação dos trabalhadores, empregados, aposentados, além do Governo (art.
194, VII); o planejamento e execução da política agrícola devem contemplar a participação
efetiva de produtores e trabalhadores rurais (art. 187); a educação deverá ser promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade (art. 205); a comunidade é co-responsável pela
proteção do patrimônio cultural brasileiro (art. 216, § 1º); a tutela do meio ambiente também
11
CASTRO, José Fernando de. A origem do direito de solidariedade. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 210.
MARQUES NETO, Floriano de Azevedo e QUEIROZ, João Eduardo Lopes. Planejamento. In: Curso de
Direito Administrativo Econômico. v. II. Organizadores: José Eduardo Martins Cardozo, João Eduardo Lopes
Queiroz e Márcia Walquíria Batista dos Santos. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 46.
13
COSTA-FILHO, Alfredo. Estado -Nação e construção do futuro. In: A reinvenção do planejamento
governamental no Brasil. JCARDOSO JR, Celso (Org). Brasília: Ipea, 2011, Disponível em: www.ipea.gov.br.
Acesso em 15.10.2012. p. 296.
12
56
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foi conferida a coletividade, com o dever de defesa e proteção para as presentes e futuras
gerações (art. 225); admite-se a participação de entidades não governamentais em programas
de assistência à criança, adolescente e do jovem (art. 227, §1º); a iniciativa popular de leis
(art. 61, § 2º), e a previsão de realização de audiências públicas com entidades da sociedade
civil na apreciação de projetos de lei pelas comissões do Congresso Nacional (art. 58, § 2º,
II).
Entretanto, a simples previsão constitucional não garante efetividade ao direito
administrativo participativo. Para que a participação seja efetiva e não meramente formal, a
Administração deve primar pela consecução de dois princípios: a transparência, para que os
atos passíveis de participação ou controle social cheguem ao conhecimento dos interessados, e
o da consensualidade, a fim de que as decisões tomadas em conjunto se sobreponham a
decisões autoritárias e unilaterais da administração.
Ainda que de maneira tímida, a legislação vigente prevê mecanismos de legitimação
social para a questão do planejamento estatal. Por exemplo, no tema gestão democrática da
cidade, a Constituição Federal prevê no art. 29, X, a “cooperação das associações
representativas no planejamento municipal”, o que se reflete no Estatuto da Cidade – Lei
10.257/2001 -, que, em seu art. 44, prevê como condição obrigatória para aprovação na
Câmara Municipal das propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e do
orçamento anual, a realização de debates e audiências públicas. Ou seja, é condição de
prosseguibilidade do processo de planejamento orçamentário municipal, a realização de
consulta pública sobre o seu conteúdo.
Justamente porque a audiência pública é:
um instituto de participação administrativa aberta a indivíduos e a
grupos sociais determinados, visando à legitimidade da ação
administrativa, formalmente disciplinada em lei, pela qual se exerce o
direito de expor tendências, preferências e opções que possam
conduzir o Poder Público a uma decisão de maior aceitação
consensual14.
Como bem pondera Oliveira15, se determinada lei obriga a realização de consulta
pública sobre a tomada de determinada decisão administrativa, a não observância legal vicia o
processo e a decisão administrativa correspondente será inválida.
14
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito à participação política: legislativa, administrativa, judicial:
fundamentos e técnicas constitucionais da democracia. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 129.
15
OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. Direito Administrativo Democrático. Belo Horizonte: Fórum,
2010. p. 29.
57
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Entretanto, a lei não nos é clara quanto ao caráter de tais audiências: seriam elas
obrigatórias nas decisões em sede de planejamento estatal da atividade econômica, como
condição de legitimação das decisões administrativas em prol do interesse público? Ou,
simplesmente quando legalmente previstas no procedimento de tomada da decisão
administrativa sobre planejamento (condição de prosseguibilidade) constituem-se instâncias
meramente consultivas; ou, muito pelo contrário, possuem caráter deliberativo, vinculando as
decisões tomadas em sede popular à atuação do Poder Executivo e Legislativo?
A dúvida se mostra relevante na medida em que a legitimação social do
planejamento realizado pelo Estado não deve ser meramente formal, ou seja, a
audiência/consulta pública desprovida de qualquer caráter vinculatório das opiniões públicas à
conduta administrativa. Caso tal procedimento ocorra, a eficácia da consulta pública será
meramente informativa, mas não de legitimação social do planejamento.
Ao contrário, caso sejam previstos mecanismos legitimação material das decisões
obtidas em sede de controle social por meio de sua vinculação às decisões administrativas,
estar-se-á realmente se efetivando os postulados da democracia aplicados à gestão da
administração pública.
Oliveira entende que, de maneira geral, se a audiência/consulta pública é realizada
na fase instrutória do processo administrativo, o objetivo da Administração é meramente
informativo ou de consulta, não havendo vinculação das opiniões colhidas em sede de
audiência às decisões a serem tomadas pela Administração. Contudo, “se inserida na fase
processual de decisão, o resultado da audiência pública será vinculante para a
Administração”16.
Entretanto, estando o planejamento da atividade econômica intimamente ligada à
questão do desenvolvimento do Estado e, por conseqüência, da iniciativa privada e da
população, é necessário que se insiram mecanismos no processo administrativo do
planejamento que permitam a participação de todos os atores envolvidos neste cenário, e
mais, que a participação não seja meramente formal, mas efetiva, legitimando-se socialmente
as decisões administrativas.
A sustentação teórica para a inclusão da participação popular nas decisões de
planejamento estatal está fundada em Habermas, o qual afirma que pelo princípio da
democracia, as leis jurídicas só possuem validade legítima se capaz de encontrar assentimento
de todos dentro de um sistema de direitos que garanta a cada um “igual participação num
16
OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. Direito Administrativo Democrático. Belo Horizonte: Fórum,
2010. p. 28-29.
58
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
processo de normatização jurídica, já garantido em seus pressupostos comunicativos17”.
Por analogia, o princípio democrático também deve ser respeitado no âmbito do
processo administrativo do planejamento da atividade econômica, de modo a garantir igual
participação das partes envolvidas –Estado e sociedade – na tomada de decisões que
repercutem tanto na esfera estatal como na esfera individual de cada cidadão.
A necessidade de legitimação social da atividade estatal também pode ser
interpretada a partir da teoria do discurso, de Habermas18, que defende a validade das normas
poderiam encontrar o assentimento em todos os potencialmente atingidos, por participarem de
discursos racionais. Assim, como decorrência dos direitos políticos, deve-se garantir a
participação de todos nos processos de decisão e deliberação relevantes para a legislação,
exercitando a liberdade comunicativa de cada indivíduo.
Um dos desafios a ser enfrentado pelo Estado é dotar a função de planejamento de
forte componente participativo, posto que “qualquer iniciativa ou atividade de planejamento
governamental que se pretenda eficaz precisa contar com certo nível de engajamento público
dos atores diretamente envolvidos com a questão, sejam estes da burocracia estatal, políticos e
acadêmicos, sejam os próprios beneficiários da ação que se pretende realizar19” Aliás, já na
década de 60, Furtado20 (1968, p. 14-15) apregoava que, “quanto mais ampla a frente de ação,
mais importante se torna o apoio da opinião pública e mais necessária a participação efetiva
da população ali onde seus interesses estão em causa de uma forma direta”.
No contexto do Estado Democrático de Direito inaugurado com a Constituição
Federal de 1988, não se pode olvidar o forte papel da sociedade como
4. SUSTENTABILIDADE E DESENVOLVIMENTO
O planejamento estatal da atividade econômica, além da imperiosa participação
social, também deve ser realizado no contexto da sustentabilidade, visando à consecução do
17
HABERMAS, Jüngen. Direito e Democracia. Entre a facticidade e validade. v. I. Rio de Janeiro: Tempo
Basileiro, 2003. p. 146.
18
HABERMAS, Jüngen. Direito e Democracia. Entre a facticidade e validade. v. I. Rio de Janeiro: Tempo
Basileiro, 2003. p. 157.
19
MATOS, Franco de e CARDOSO JR, Celso e. Elementos para a organização de um sistema federal de
planejamento governamental e gestão pública no Brasil: Reflexões preliminares a partir de entrevistas com
dirigentes do alto escalão do Governo Federal em 2009. In: A reinvenção do planejamento governamental no
Brasil. José CARDOSO JR, Celso (Org). Brasília: Ipea, 2011, Disponível em: www.ipea.gov.br. Acesso em
15.10.2012.
20
FURTADO, C. Um projeto para Brasil. São Paulo: Saga, 1968. p. 14-15.
59
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
valor de dimensão constitucional: o desenvolvimento.
Não é diferente o entendimento de Freitas para quem, “o desenvolvimento, um dos
valores constitucionais supremos, apenas se esclarece se conjugado à sustentabilidade. Em
razão disso, a sustentabilidade, ela própria, passa a ser valor supremo e princípio
constitucional-síntese21”.
Nota-se que o desenvolvimento sustentável tem uma grande vertente relacionada à
proteção do meio ambiente versus o desenvolvimento econômico, almejando a proteção não
somente para presentes quanto para as futuras gerações, tendo-se como parâmetro a utilização
de recursos naturais não renováveis22.
Edis Milaré ressalta que, para compatibilizar o meio ambiente e desenvolvimento, há
que se inserir os problemas ambientais dentro de um processo contínuo de planejamento,
“atendendo-se adequadamente às exigências de ambos e observando-se as suas inter-relações
particulares a cada contexto sociocultural, político e econômico e ecológico, dentre de uma
dimensão tempo/espaço23”.
A sustentabilidade ora apregoada refere-se ao desenvolvimento da nação de maneira
global e não apenas nos aspectos ambientais. Desenvolvimento, segundo texto da
Organização das Nações Unidas, na Declaração sobre o direito ao desenvolvimento tem a
seguinte conotação:
O desenvolvimento é um processo econômico, social, cultural e
político abrangente, que visa ao constante incremento do bem-estar
de toda população e de todos os indivíduos com base em sua
participação ativa, livre e significativa no desenvolvimento e na
distribuição justa dos benefícios daí resultantes24.
Sem a pretensão de se consolidar um possível conceito de desenvolvimento na
Constituição Federal de 1988, é possível se extrair dos excertos citados que o Texto
Constitucional contempla e harmoniza os elementos e princípios necessários ao
desenvolvimento tal como visto pela ONU: o Estado Democrático de Direito, que garanta o
exercício da cidadania, do pluralismo político e da soberania popular; a existência e garantia
de efetivação de Direitos Sociais; de uma Ordem Econômica fundada na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, aliando-se, ainda, o dever constitucional de preservação
21
FREITAS, Juarez de. Sustentabilidade, direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 116.
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 35.
23
MILARÉ, Edis. Direito ao Ambiente. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p.51.
24
Resolução 41/128 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 04 de dezembro de 1986.
22
60
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do meio ambiente para as presentes e futuras gerações. A partir desses quatro elementos
interpretados harmonicamente (e não de maneira segmentada), baseiam-se os pilares do
desenvolvimento sustentável do Estado.
Outra importante distinção a ser realizada diz respeito às diferença entre os conceitos
de desenvolvimento e crescimento. A diferenciação realizada por Bercovici25 entre os dois
institutos reside no fato de que o desenvolvimento só ocorre quando há mudança nas
estruturas sociais, não bastando apenas a implementação de políticas visando o
desenvolvimento econômico, visto que esses dois aspectos são indissociáveis.
Quando não há qualquer política de desenvolvimento social, não podemos sustentar
que estamos diante do processo de desenvolvimento, mas sim pelo processo de modernização,
agravado, ainda, pela concentração de renda e aumento das desigualdades sociais que será
gerado pelo fomento segmentado ao desenvolvimento econômico, sem a preocupação com o
aspecto social.
Ao Estado, portanto, foi deferido o dever de contemplar eventuais problemas
ambientais, sociais e econômicos no contexto do processo contínuo de planejamento, a fim de
que sua atividade normativa e reguladora absorva regras e condutas tendentes a disciplinar os
limites e deveres do setor público e privado em relação ao exercício de atividade econômica
em sentido lato, sem produção de prejuízo do meio ambiente e à sociedade, conduzindo o
Estado Brasileiro ao desenvolvimento nacional almejado pela Constituição.
A partir do panorama apresentado, é imperioso se chegar a conclusão que todo o
planejamento estatal da atividade econômica deve incluir como premissa a sustentabilidade,
de modo a alcançar o cumprimentos de suas metas e objetivos, nunca desacompanhada da
efetiva participação e fiscalização social em todas as etapas deste processo, alcançando-se,
desta maneira, o valor constitucional do desenvolvimento.
5. CONCLUSÕES
Constata-se, contudo, que para além da representatividade do cidadão concentrada
nas mãos dos detentores de mandatos eletivos no nosso modelo de democracia representativa,
o cidadão também pode e deve participar – deveres de cidadania - das atividades de
25
BERCOVICI, Gilberto. Desenvolvimento, Estado e Administração Pública. In: CARDOZO, José Eduardo
Martins; QUEIROZ, João Eduardo Lopes e SANTOS, Márcia Walquiria Batista dos. Curso de Direito
Administrativo Econômico, v. II. São Paulo, Malheiros, 2006. p. 29.
61
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
planejamento e fiscalização da atividade econômica, no que se incluem, por exemplo, os
serviços públicos.
Aliás, mais forte do que o poder do cidadão participar de atividades de
planejamento, regulação e prestação de serviços públicos, é o dever da administração pública
em dar publicidade de seus atos de planejamento e regulação, dando ciência à população de
que é garantida a possibilidade de opinar, ser consultada, ser informada e até decidir questões
que lhe são postas sobre determinadas atividades estatais, compartilhando responsabilidades
com o Estado.
A participação efetiva do cidadão no dia a dia da administração pública,
principalmente nas de caráter de planejamento engrandece a democracia, não apenas num
discurso demagógico, mas em aspectos práticos e palpáveis: quanto maior for o conhecimento
do cidadão em relação aos atos praticados pela administração pública ou por quem lhe faça as
vezes, menor será o grau de discricionariedade e arbitrariedade administrativa de seu gestor.
O cidadão pode e deve exigir a motivação dos atos praticados, que, em última análise, deve
sempre visar à consecução do bem comum.
A legislação vigente é farta em garantir ao cidadão instrumentos hábeis ao controle
social da atividade pública. Tão nítida é a preocupação do legislador com esse aspecto que
leis recentes incluem conceitos operacionais de “controle social” no seu bojo, com a intenção
de se reafirmar o direito a um “conjunto de mecanismos e procedimentos que garantem à
sociedade informações, representações técnicas e participações nos processos de formulação
de políticas, de planejamento e de avaliação relacionados aos serviços públicos” (art. 3º, IV,
da Lei 11.445/2.007).
Mas a reflexão deve ir além, pois a simples previsão legal de mecanismos de
participação e controle social na atividade de planejamento não garante que seja efetiva a
participação do cidadão. Isto porque, por vezes, essa participação e controle será meramente
formal, resumindo-se a meia dúzia de assinaturas que comprovam a realização de uma
audiência pública que se constitui requisito para aprovação de determinado projeto de lei, por
exemplo. Ou ainda, a administração pode querer dificultar o direito de informação,
participação e controle da sociedade sobre sua própria atividade, por meio da utilização de
uma linguagem demasiadamente técnica, inacessível ao entendimento de pessoas não
especializadas em determinadas áreas de conhecimento.
Inicialmente, para que a participação efetivamente ocorra, a legislação deve prever
mecanismos que imponham ao Estado o dever de consultar a população em determinados
assuntos, como condição prévia de realização de determinado ato, como verdadeira etapa de
62
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um processo administrativo.
Ao depois, é preciso conferir ampla publicidade sobre as datas e assuntos das
consultas, debates e audiências públicas, para que haja efetiva convocação da população e não
apenas o preenchimento formal dos requisitos legais.
Por fim, mas não menos importante, é necessário que o Estado fomente a cultura
participativa como decorrência do exercício da democracia e da cidadania. Para tanto, o
Estado deve estabelecer um diálogo menos formal, mais próximo da realidade vivida pela
população, com a finalidade de que esta realmente compreenda os assuntos que estão postos a
discussão ou deliberação, para que haja uma participação qualitativa e não meramente
quantitativa nas decisões de planejamento da atividade estatal.
Destarte, o controle social, para ser eficaz, deve estar inserido no contexto dos
processos administrativos de planejamento como efetiva condição de sua prosseguibilidade. A
percepção da população sobre seus direitos e deveres deve caminhar para o sentido da efetiva
necessidade de participação da população na tomada de decisões futuras, fazendo com que o
controle não incida somente para eventual correção do ato administrativo, atuando de maneira
na fase anterior deste processo: o planejamento.
6. REFERÊNCIAS
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
A DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DA ATIVIDADE EMPRESARIAL
THE DIMENSION CONSTITUTIONAL OF CORPORATE ACTIVITY
Josilene Hernandes Ortolan De Pietro
RESUMO
O Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002) destacou a funcionalização do direito, tema
introduzido pela Constituição Federal de 1988, por meio do princípio da função social dos
institutos jurídicos. As relações privadas foram redefinidas sob a ótica constitucional, a fim de
se promover a dignidade da pessoa humana, superando os fundamentos do dogmatismo
tradicional. Nesse sentido, a empresa, inserida na ordem pública constitucional-econômica,
deve atender aos princípios constitucionais, e, dessa forma, cumprir sua função social. O
presente artigo analisa a atividade empresarial contemporânea, redelineada a partir da
interpretação jurídica da realidade empresarial, informada pelos valores constitucionais,
inspirando uma mudança de paradigma ao comportamento empresarial, pautado num agir
ético e socialmente responsável.
PALAVRAS-CHAVE: Empresa; Função Social da Empresa; Direitos Fundamentais; Ordem
Econômica.
ABSTRACT
The 2002 Civil Code (Law nº 10.406/2002) emphasized the functionalization of duty theme
introduced by the 1988 Federal Constitution, through the principle of the social function of
legal institutions. The private relations have been redefined under the constitutional
perspective, in order to promote human dignity, overcoming the traditional foundations of
dogmatism. Accordingly, the company, part of the constitutional order and economic, must
meet the constitutional principles, and thus fulfill its social function. This article analyzes the
contemporary business activity, redefine from the legal interpretation of the business reality,
informed by constitutional values, inspiring a paradigm shift in corporate behavior, based on
ethical and socially responsible act.
KEYWORDS: Enterprise; Role of Social Enterprise; Fundamental Rights; Economic Order.
1
Doutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie –SP. Mestre em
Teoria do Direito e Teoria do Estado pelo Centro Universitário Eurípides de Marília-SP. Advogada e Professora
Universitária.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
INTRODUÇÃO
Com a funcionalização do direito privado, tema introduzido pela Constituição
Federal de 1988, por meio do princípio da função social, as relações privadas foram
redefinidas sob a ótica constitucional, a fim de se promover a dignidade da pessoa humana.
Nesta ótica, há predomínio e sobreposição dos valores sociais sobre os individuais.
Os institutos de Direito Privado, entre eles o Direito de Empresa, devem estar relacionados e
subordinados aos preceitos constitucionais. E esta inter-relação decorre do fato do direito
privado desenvolver as relações e âmbitos reservados e protegidos pelos direitos
fundamentais. Lança-se um novo olhar sobre os institutos que devem permear as relações
privadas.
1 O DIREITO EMPRESARIAL CONSTITUCIONAL
Hodiernamente, destaca-se a nova concepção da atividade empresarial, voltada à
elaboração, interpretação e aplicação do direito dentro do contexto social no qual se encontra
inserido, em atendimento às novas exigências econômicas, face à dinamização da produção
capitalista. A empresa deixa de ser puramente um instrumento à realização da autonomia
privada, para desempenhar uma função social.
Para Bessa (2006, p. 97),
A empresa – concebida de forma absoluta num mundo construído sobre o
pensamento filosófico individualista e liberal – persiste em sua estrutura até
os dias de hoje, numa sociedade marcada por duas guerras mundiais e por
perspectivas sociais, políticas e filosóficas absolutamente diversas daquelas
presentes quando de sua origem.
A atividade empresarial não pode estar dissociada da realidade social e deverá ser
exercida em consonância com os interesses sociais e informada pelos princípios
constitucionais, a partir de ajustes às distorções de uma vontade que não mais corresponde à
visão tradicional dos ideais de uma sociedade individualista e liberal. Eis o reflexo da
preocupação com a reconstrução do ordenamento jurídico, mais sensível aos problemas e
desafios da sociedade contemporânea. Trata-se da constitucionalização do direito privado, que
busca redelinear o direito na pós-modernidade, primando pela interpretação da legislação
infraconstitucional sob a ótica das disposições constitucionais. Não se resume em consagrar
normas públicas em regras de relações privadas. A essência da constitucionalização do
67
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
direito privado está na interpretação destas regras à luz dos dispositivos constitucionais.
Como sintetizado por Barroso (2004, p.39):
A ideia de constitucionalização do Direito aqui explorada está associada a
um efeito expansivo das normas constitucionais, cujo conteúdo material e
axiológico se irradia, com força normativa, por todo o sistema jurídico. Os
valores, os fins públicos e os comportamentos contemplados nos princípios e
regras da Constituição passam a condicionar a validade e o sentido de todas
as normas do direito infraconstitucional. Como intuitivo, a
constitucionalização repercute sobre a atuação dos três Poderes, inclusive e
notadamente nas suas relações com os particulares. Porém, mais original
ainda: repercute, também, nas relações entre particulares.
Assim, a constitucionalização do direito privado promove a “migração, para o âmbito
privado, de valores constitucionais, dente os quais, como verdadeiro primus inter paris, o
princípio da dignidade da pessoa humana” (FACCHINI NETO, 2003, p. 32).
A empresa necessita, portanto, ser funcionalizada a partir dos valores existenciais,
como o é a dignidade da pessoa humana, para que possa contemplar seus fins sociais. E
funcionalizar, “sobretudo em nosso contexto, é atribuir ao instituto jurídico uma utilidade ou
impor-lhe um papel social” (NALIN, 2001, p. 217).
Na sociedade cosmopolita já não há mais espaços para sistemas jurídicos
irredutíveis, razão pela qual a atividade empresarial necessita ser redelineada a partir da
interpretação jurídica da realidade empresarial informada pelos valores constitucionais. Como
se manifesta Requião (2003, p.76):
Hoje o conceito social de empresa, como o exercício de uma atividade
organizada, destinada à produção ou circulação de bens ou de serviços, na
qual se refletem expressivos interesses coletivos, faz com que o empresário
comercial não seja mais o empreendedor egoísta, divorciado daqueles
interesses gerais, mas um produtor impulsionado pela persecução de lucro, é
verdade, mas consciente de que constitui uma peça importante no
mecanismo da sociedade humana. Não é ele, enfim, um homem isolado,
divorciado dos anseios gerais da sociedade em que vive.
2 A EMPRESA E A ORDEM ECONÔMICA CONSTITUCIONAL
A Constituição Federal de 1988 é a base de todo o ordenamento jurídico brasileiro.
Como ensina Barroso (2005, p.39):
68
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
a Constituição figura hoje no centro do sistema jurídico, de onde irradia sua
força normativa, dotada de supremacia formal e material. Funciona, assim,
não apenas como parâmetro de validade para a ordem infraconstitucional,
mas também como vetor de interpretação de todas as normas do sistema.
Desse modo, a Constituição Federal de 1988 é o instrumento normativo que organiza
juridicamente o Estado Social Democrático de Direito. E nos dizeres de Mattietto (2000, p.
167):
As Constituições, por mais extensas que sejam, não encerram todo o
complexo de relações jurídicas da vida social, mas seus valores e princípios
hão de aplicar-se a todos os setores do ordenamento. Tal aplicação deve
ocorrer nas relações entre o Estado e os indivíduos, bem como nas relações
interindividuais, abrigadas no campo civilístico. Os valores e princípios
constitucionais devem ter a sua eficácia reconhecida, ademais, não somente
quando assimilados pelo legislador ordinário, que os tenha transposto para a
legislação infraconstitucional, mas também diretamente às relações entre os
indivíduos (a denominada eficácia direta), inclusive em virtude da
determinação segundo a qual “as normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata” (Constituição, art. 5º, §1º).
Apresentam-se no Título I da Carta Magna os princípios constitucionais
fundamentais, que são “normas-matriz, que explicitam as valorações políticas fundamentais
do legislador constituinte, normas que contém as decisões políticas” (SILVA, 1998, p. 99).
Dentre eles, destacam-se os incisos III e IV do art. 1º, que elencam como fundamentos da
República Federativa do Brasil, sob o regime político do Estado Social Democrático de
Direito a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa.
Esses postulados são também fundamentos da ordem constitucional econômica, que
se encontra prevista e regulamentada no art. 170: “A ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência
digna, conforme os ditames da justiça social”. Este novo tratamento conferido à ordem
econômica demonstrou a preocupação com o equilíbrio entre a exploração da atividade
econômica e a proteção dos direitos e garantias constitucionalmente assegurados. Apresentouse mais adequado à realização da justiça social.
O legislador constituinte, de maneira categórica, pretende evitar que a
iniciativa econômica privada possa ser desenvolvida de maneira prejudicial à
promoção da dignidade da pessoa humana e à justiça social. Rejeita,
igualmente, que os espaços privados, como a família, a empresa e a
propriedade, possam representar uma espécie de zona franca para a violação
do projeto constitucional (TEPEDINO, 2003, p.118).
69
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Para compreensão das normas constitucionais que regulamentam a ordem econômica,
necessário se faz a conexão com os demais dispositivos constitucionais, uma vez que se a
ordem constitucional econômica não se apresenta como ilha normativa destacada da Carta
Magna. Trata-se de fração constitucional, que se integra no conjunto das normas
constitucionais, razão pela qual a interpretação, aplicação e execução dos seus preceitos
requerem o constante ajustamento dessas regras às disposições constitucionais que se
encontram por toda Constituição (HORTA, 2003, p.265).
A Constituição Federal de 1988 contempla um sistema econômico capitalista, no
qual são detentores dos meios de produção os agentes econômicos privados, que podem se
utilizar destes para fins lucrativos, porém, sempre voltados à promoção da dignidade da
pessoa humana. Por meio da liberdade de iniciativa econômica – livre iniciativa – o Estado
atribuiu aos particulares a exploração dos meios de produção. Os agentes econômicos
usufruem de autonomia no exercício da atividade empresarial.
Ao Estado incumbe fazer-se presente em determinadas circunstâncias para
restabelecer o equilíbrio das relações, uma vez que “a Carta Magna não consagra o
liberalismo infenso à justiça social, mas sim o social-liberalismo, segundo o qual o Estado
também atua como agente normativo e regulador da atividade econômica” (REALE, 1999,
p.45).
A incidência dos princípios e valores constitucionais nas relações privadas, sobretudo
no tocante à atividade econômica privada, destina-se à construção de uma ordem jurídica
voltada aos problemas e desafios da sociedade hodierna, como aliar o desenvolvimento
econômico à promoção da dignidade da pessoa humana. Isto é, o desenvolvimento
econômico deve assentar-se na dignidade da pessoa humana, da mesma forma que o
desenvolvimento social deve contemplar a produção e o progresso. É o ensinamento de
Theodoro Júnior (2004, p.34)
A ordem constitucional de nossos tempos, por isso, evita o intervencionismo
gerencial público no processo econômico; deixa de atribuir ao Estado a
exploração direta dos empreendimentos de ordem econômica; mas também
não pode permitir que em nome da liberdade negocial a força econômica
privada seja desviada para empreendimentos abusivos, incompatíveis com o
bem estar social e com valores éticos cultivados pela comunidade.
A função social da empresa deriva da função social atribuída à propriedade privada,
com a promulgação da Constituição Federal de 1988, momento em que tal instituto foi
70
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
contemplado como direito e garantia fundamental, inserido no rol do artigo 5º da Carta
Magna2.
O Estado contemporâneo absorve as pautas axiológicas das Constituições,
igualmente contemporâneas, para constituir os tecidos sociais em camadas
espessas e alcançando também os direitos privados. O Estado Democrático
de Direito e Social recepciona os novos princípios constitucionais que, a um
só tempo, orientam e delimitam diversas estruturas jurídicas. A intervenção
na ordem econômica, funcionaliza institutos clássicos do direito privado. A
livre iniciativa permanece assegurada, mas com limitações à autonomia
privada. Por via de consequência, são limitadas as funções dos negócios
jurídicos, destacando-se o âmbito dos contratos e das empresas. Define-se a
função social da propriedade (FERREIRA, 2004, p.37 e 38).
Ao assegurar o direito de propriedade e a livre iniciativa, a Constituição Federal de
1988, ao mesmo, contemplou a função social desta propriedade, a dignidade da pessoa
humana, a busca do pleno emprego e a valorização do trabalho humano. Conquanto
conflitantes, estes postulados não se excluem, ao revés, se complementam.
À empresa é garantido o desenvolvimento com base na livre iniciativa desde que
atenda uma função social, uma vez que toda finalidade individual deve reverenciar uma
finalidade social. Como se encontra inserida no espaço social, necessita contribuir para
harmonização deste. Assim, a empresa pode exercer livremente suas atividades, porém
atendo-se aos princípios constitucionais limítrofes existentes. A instituição jurídica
empresarial contemporânea é, antes mesmo, instituição social. “A tendência constitucional é
pela função social dos institutos jurídicos, do que se precisa incluir a empresa como operadora
de um mercado socialmente socializado” (COMPARATO, 1986, p.76).
Verifica-se, por conseguinte, que a atividade econômica é impulsionada pela livre
iniciativa, que, todavia, deve atender aos princípios gerais da ordem constitucional
econômica, previstos nos incisos de I a IX do art. 170 e imprescindíveis à organização e
funcionamento da economia. Preleciona referido artigo:
Art.170 (...) observados os seguintes princípios: I - soberania nacional; I propriedade privada; III - função social da propriedade; IV - livre
concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio ambiente,
inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental
dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno
2
Dispões o art. 5º da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXII – é garantido o direito de propriedade;
XXIII- a propriedade atenderá a sua função social’.
71
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
emprego; IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte
constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no
País.
Por tal razão, o art. 170 da Constituição Federal, limita a atuação da atividade
econômica à realização dos interesses sociais. Trata-se da prevalência da pessoa humana
sobre os valores patrimoniais e individualistas. E a empresa encontra-se inserida nesta ordem
econômica constitucional, cujos princípios possibilitam ao proprietário usufruir de sua
propriedade e exercer a liberdade de iniciativa, aspectos característicos do Estado Social
Democrático de Direito que privilegia ideais capitalistas, ao mesmo tempo em que
determinada o cumprimento da função social como condição para tutela estatal, consagrando
a expressiva contemplação do social em detrimento das ações individualistas.
3 FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS DA ORDEM ECONÔMICA
A livre iniciativa representa estímulo à atividade econômica e é fator determinante
das relações de mercado, todavia a autonomia da empresa deve observar os princípios da
ordem econômica constitucional. Tal maneira que a Constituição Federal vigente, ao
enumerar aleatoriamente tais princípios no art. 170, instituiu a necessária relação de
complementação entre eles, já que a ordem econômica não pode ser considerada como fato,
mas somente como uma construção normativa (FARAH, 2002, p.674).
Destarte, princípios constitucionais informadores da ordem econômica vigente
apresentam-se como norte para a atividade empresarial e devem estar em harmonia com as
relevantes diretrizes constitucionais estabelecidas nos art. 1º e 3º. O primeiro elenca como
fundamentos do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, os valores
sociais do trabalho e da livre iniciativa. Por sua vez, o segundo, apresenta os objetivos
fundamentais
da
República
Federativa
do
Brasil,
destacando-se
a
garantia
do
desenvolvimento nacional, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, a
erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a promoção do bem coletivo, imune a
todas as formas de discriminação. A finalidade precípua é proporcionar a todos existência
digna, em conformidade com os ditames da justiça social. A dignidade da pessoa humana
deve ser privilegiada em todas as relações.
“Quando a Constituição prevê que na ordem econômica, um dos princípios básicos é
a função social, o legislador constituinte funcionaliza a ordem econômica. E quem
funcionaliza, limita, porque lhe dá uma direção” (FACHIN, 2000, p. 208 e 209). Eis o motivo
72
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
pelo qual a Carta Magna ao mesmo tempo assegurou a inviolabilidade, garantiu e restringiu o
direito à propriedade privada, impondo-lhe uma função social. E assim, a empresa, analisada
nos quadros da ordem econômica, fundamenta-se, por conseguinte, na valorização do trabalho
humano e na livre iniciativa.
Sustenta Farah (2002, p. 676):
Fundamentada no princípio da livre iniciativa, a Carta Magna brasileira
reconhece a propriedade privada e a reserva da atividade econômica aos
particulares, porém condiciona-as à dignidade da pessoa humana e à
valorização do trabalho, e as dirige à construção de uma sociedade livre,
justa e solidária. Isso deve ocorrer porque propriedade e livre iniciativa são
apenas princípios-meios, e desta forma devem estar balizados no
reconhecimento do valor da pessoa humana como fim.
A livre iniciativa é expressão do direito de liberdade, valor consagrado
constitucionalmente e que constitui fundamento da República Federativa do Brasil. Na ordem
econômica, compreende a liberdade de instalação e investimento, competição e
administração. Ressalta-se que a liberdade de iniciativa não é absoluta, sofrendo limitações
jurídicas e socioeconômicas.
Releva destacar que a liberdade de iniciativa desdobra-se em postulados
constitucionais que possibilitam a funcionalização do princípio. Assim, segundo Barroso
(2008, p.04),
O princípio da livre iniciativa, por sua vez, pode ser decomposto em alguns
elementos que lhe dão conteúdo, todos eles desdobrados no texto
constitucional. Pressupõe ele, em primeiro lugar, a existência da propriedade
privada, isto é, de apropriação particular dos bens e dos meios de produção
(CF, art 5º, XXII e 170, II). De parte isto, integra, igualmente, o núcleo da
idéia da livre iniciativa a liberdade de empresa, conceito materializado no
parágrafo único do art.170, que assegura a todos o livre exercício de
qualquer atividade econômica, independentemente de autorização, salvo nos
casos previstos em lei. Em terceiro lugar situa-se a livre concorrência, lastro
para a faculdade e o empreendedor estabelecer os seus preços, que hão de ser
determinados pelo mercado, em ambiente competitivo (CF, art. 170, IV). Por
fim, é da essência do regime da livre iniciativa a liberdade de contratar,
decorrência lógica do princípio da legalidade, fundamento das demais
liberdades, pelo qual ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei (CF, art. 5º, II).
Como todos os princípios, a livre iniciativa não deve ser aplicada de forma absoluta.
Sua efetividade apresenta-se vinculada à ponderação com os demais princípios e valores
constitucionalmente previstos. Incumbe ao Estado a intervenção na ordem econômica para
regular e normatizar a atividade econômica toda vez que excessos forem cometidos pela
73
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
iniciativa privada, pois a liberdade de iniciativa não é absoluta, uma vez que está
condicionada a prover justiça social. Assim, somente será legítima quando conciliar os meios
utilizados para buscar o lucro com a função social que deve desempenhar.
Por essa razão, para que o exercício da atividade privada, possibilitado pela livre
iniciativa, assegure os ditames da justiça social e promova a existência digna a todos, Moreira
Neto (1989, p.28), sintetizando as funções dos demais princípios da ordem econômica expõe
que,
O princípio da liberdade de iniciativa tempera-se pelo da iniciativa
suplementar do Estado; o princípio da liberdade de empresa corrige-se com o
da definição da função social da empresa; o princípio da liberdade de lucro,
bem como o da liberdade de competição, moderam-se com o da repressão e
do abuso de poder econômico; o princípio da liberdade de contratação
limita-se pela aplicação dos princípios de valorização do trabalho e da
harmonia da solidariedade entre as categorias sociais de produção; e
finalmente, o princípio da propriedade privada restringe-se como o princípio
da função social da propriedade.
4 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA
A empresa contemporânea prima pela convivência harmônica entre os interesses da
empresa e os interesses da sociedade. Não mais se volta somente ao interesse econômico e aos
fins puramente lucrativos. Apresenta uma função social a desempenhar. E esta função social
da empresa deriva da função social da propriedade, uma vez que o exercício da atividade
empresarial deriva do exercício do direito de propriedade do indivíduo. Como observa Bessa
(2006, p. 101),
A empresa é o núcleo de múltiplas manifestações do direito de propriedade:
produz bens, gera riqueza, estabelece – por meio dos negócios jurídicos –
relações de aquisição e alienação de propriedade tecendo um intrincado
conjunto de obrigações jurídicas e interagindo com o meio político, com os
consumidores, com os trabalhadores, com as populações vizinhas, com a
natureza.
A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988 concilia a livre iniciativa à
justiça social, por meio de dispositivos constitucionais referentes à propriedade e à livre
iniciativa, sem perder de vista a função social da empresa, que aparece como princípio
informador da Ordem Econômica na Constituição vigente. A partir dos fundamentos
constitucionais, verifica-se que há determinação na vinculação e na destinação de seus bens
de produção à realização dos fins objetivados na ordem econômica.
74
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Com surgimento do Estado Social Democrático de Direito, instituído pela
Constituição Federal de 19883, destinado a assegurar o exercício de valores supremos, obteve
destaque a questão da função social dos institutos jurídicos, ressaltando até mesmo a
finalidade social da própria Ciência do Direito. Derani (2001, p.58) explica que,
O direito é sempre fruto de uma determinada cultura. Ele é nível da própria
realidade, é elemento constitutivo do modo de produção social. Logo, no
modo de produção capitalista, tal qual em qualquer outro modo de produção,
o direito atua também como instrumento de mudança social, interagindo em
relação a todos os demais níveis – ou estruturas regionais – da sociedade
global.
Como sintetizado por Gomes (1986, p. 16),
ao longo do processo de consolidação dessas transformações do capitalismo,
legitimou-se a intervenção do Estado na vida econômica como forma de
limitar a propriedade privada e a liberdade de contratar, realizando-se, assim,
a nova ideia de uma função social do Direito.
À propriedade quase sempre foi atribuída proteção jurídica. Com a evolução
socioeconômica, ela continua resguardada, mas tal proteção foi redelineada e somente se faz
válida se voltada à realização do interesse coletivo, e não apenas, do interesse individual. De
fato, o proprietário é responsável em atribuir uma finalidade coletiva aos bens particulares. Ao
explorar a propriedade privada, o proprietário não pode fazê-la em prejuízo do bem coletivo.
Ao revés, deve pautar-se na consecução e promoção da dignidade da pessoa humana e
solidariedade social. Com as transformações advindas com a globalização econômica, além de
instrumento de exercício da liberdade individual, a propriedade passou adquiriu a função de
instrumento de realização da igualdade social e solidariedade social.
Desse modo, a relação existente entre o empresário e os meios de produção para
exploração da atividade empresarial deve cumprir uma função social, ou seja, atender aos fins
sociais da empresa.
A empresa se manifesta sob várias formas no direito de propriedade, seja na
produção de bens, circulação de riquezas, realização de negócios jurídicos, forma pela qual
interage com a política, com os consumidores, trabalhadores, com a natureza. Trabalhar a
função social da empresa é situá-la face à função social da propriedade, da livre-iniciativa
3
A nova ordem jurídica, instituída pela Constituição Federal de 1988, “concebe o Estado brasileiro não
simplesmente como um ‘Estado de Direito’, mas como um ‘Estado Democrático de Direito’, que pressupõe a
incorporação dos valores próprios do Estado Social (solidariedade, igualdade, liberdade positiva) aos valores do
Estado de Direito (igualdade e legalidade formal, liberdade negativa, proteção à propriedade)” (GRECO, 1998,
p. 126).
75
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
(empreendedorismo) e da proporcionalidade (harmonia dos interesses individuais e
necessidades sociais) (BESSA, 2006, p. 101-102).
Há previsão na legislação constitucional e infraconstitucional brasileira sobre a
função social (da propriedade, da empresa e do contrato). Destacam-se: art.5º, XXIII; art. 170,
III; art. 173, §1º, I; art 182, §2º, art, 184, caput; art. 185, parágrafo único, todos da
Constituição Federal de 1988; no Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002) apresenta-se no
art. 421 e igualmente está previsto no Direito Empresarial, nas legislações especiais: art. 116,
parágrafo único da Lei nº 6404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) e ainda, regras no Código
de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078/90) e no Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/01).
A Constituição Federal de 1988 prevê conjunto de princípios e regras destinados à
regulamentar as relações entre o Estado e os agentes econômicos, disciplinando a intervenção
estatal no mercado capitalista. Trata-se da ordem constitucional econômica, que regulamenta
os princípios gerais da atividade econômica. E a propriedade e a função social encontram-se
consagradas nesta ordem. Tal previsão decorre do fato do Estado Social Democrático de
Direito hodierno ter deixado de explorar diretamente as atividades econômicas de produção e
circulação de bens e ter concedido espaço à livre iniciativa, possibilitando o desenvolvimento
econômico.
Em consonância com os preceitos da ordem constitucional econômica, a empresa
apresenta-se voltada não apenas na busca de seus valores individuais, mas destinada
igualmente à realização dos interesses coletivos. É esta a concepção contemporânea da
finalidade da empresa: consolidar o exercício do direito de propriedade e a efetividade do fim
social da atividade econômica. Preleciona Comparato (1986, p.44):
a empresa atua para atender não somente os interesses dos sócios, mas
também os da coletividade: Função, em direito, é um poder de agir sobre a
esfera jurídica alheia, no interesse de outrem, jamais em proveito do próprio
titular. Algumas vezes, interessados no exercício da função são pessoas
indeterminadas e, portanto, não legitimadas a exercer pretensões pessoais e
exclusivas contra o titular do poder. É nessas hipóteses, precisamente, que se
deve falar em função social ou coletiva. (...) Em se tratando de bens de
produção, o poder-dever do proprietário de dar à coisa uma destinação
compatível com o interesse da coletividade transmuda-se, quando tais bens
são incorporados a uma exploração empresarial, em poder-dever do titular
do controle de dirigir a empresa para a realização dos interesses coletivos.
Os princípios informadores específicos da função social da empresa são
preconizados por Ferreira (2004, p. 45 e 46). Primeiramente, destaca o princípio da dignidade
empresarial, que se traduz no exercício equilibrado da atividade econômica, atingindo sua
76
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
finalidade social e econômica, adstrita aos princípios constitucionais. A autora ressalta que, se
na observância da relação custo versus benefício for incluída a dimensão do beneficio social,
estar-se-á observando a ética empresarial. Em seguida, enumera o princípio da moralidade
empresarial, que compreende a proteção ao nome da empresa, qualidade na produção,
serviços, atendimento e tratamento adequado ao consumidor, dentro das formalidades
impostas pela legislação. Em análise última, enfatiza o princípio da boa-fé empresarial, que
evidencia a boa-fé objetiva, traduzida como regra de conduta, um comportamento exigido
para que as partes atuem dentro de padrões sociais estabelecidos e reconhecidos, cooperando
para a realização dos interesses das partes.
Dessa forma, a qualidade e desempenho da atividade empresarial exercem papel de
fundamental importância para o desenvolvimento econômico, visto que para coadunar os
princípios da ordem pública econômica constitucional é fundamental à empresa cumprir sua
função social, já que no seu exercício, devem ser respeitados os interesses dos indivíduos que
integram a estrutura da empresa e se interligam a ela, direta ou indiretamente, e os interesses
da coletividade na qual se encontra inserida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A dimensão constitucional da atividade empresarial implica uma responsabilidade
social da empresa na exploração da atividade econômica, como forma de tutelar os interesses
coletivos, tutela esta que deriva da ordem econômica, que relativizou dogmas como a livre
iniciativa e a autonomia privada. Desse modo, a atividade empresarial lança-se além da
concepção privatista, cujo núcleo era o individualismo, para concretizar as necessidades e
interesses coletivos, socializando as relações privadas. Trata-se da inclusão dos interesses
individuais na realidade socioeconômica.
Uma empresa socialmente responsável é aquela cuja atitude ética permeia toda sua
atividade. Padrões éticos de condutas devem ser adotados pelas organizações, representados
pela prática efetiva de valores como respeito aos trabalhadores, preservação do meio
ambiente, qualidade de produção, eficiência na prestação de serviços, prestígio das relações
consumeristas, ponderação das decisões, demonstração de real consciência participativa e
compromisso social da empresa, tudo em busca do bem-estar coletivo.
Estes paradigmas direcionam a atividade empresarial à defesa dos direitos coletivos,
sem deixar de agir na busca e preservação dos valores puramente empresariais, como o é o
77
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
lucro. Refere-se a uma nova visão dos seus objetivos e da sua função na sociedade, que deve
ser ativo e dinamizador.
É no próprio mercado no qual se encontra inserida a empresa que insurge sua
responsabilidade social. A existência e permanência da empresa na sociedade demanda
ponderação na tomada de decisão, capacidade de avaliar as consequências e responsabilização
pelas ações praticadas. Em síntese, “liberdade (livre-iniciativa) que tem como pressuposto a
responsabilidade” (BESSA, 2006, p. 103). O comportamento empresarial ético e socialmente
responsável, no mundo globalizado e em constante transformação, apresenta-se como meio de
progresso e desenvolvimento econômico.
Os princípios constitucionais devem coordenar e orientar a atividade empresarial,
cuja atuação deve estar voltada à promoção do bem-estar da sociedade na qual está inserida.
A atividade não fica adstrita à obtenção pura e simples do lucro, mas sim ao exercício
socioeconômico, cuja finalidade é promover e valorizar a dignidade da pessoa humana,
atingindo os objetivos da ordem jurídica e econômica constitucional.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
APRECIAÇÃO JURÍDICA SOBRE A MULTIDISCIPLINAR RESPONSABILIDADE
SOCIAL EMPRESARIAL
LEGAL APPRECIATION UPON THE MULTIDISCIPLINARY CORPORATE SOCIAL
RESPONSIBILITY
Júlio Henrique Santos Kasper1
RESUMO
Com base em literatura técnica especializada nas áreas do Direito, da Administração e da
Economia, o presente artigo aborda inicialmente a definição de desenvolvimento
relacionando-o com a responsabilidade social empresarial, sem ignorar seu caráter includente,
sustentável e sustentado e a sua íntima conexão com a liberdade. Em seguida, assinala-se e
comenta-se a Responsabilidade Social Empresarial abordada por Milton Friedman,
consubstanciando suas críticas acerca da ilegitimidade da empresa em promover ações
socialmente responsáveis, bem como a sua inefetividade, diante da falta de preparo de quem
for exercer este papel, dentre outros argumentos mais. Contrapondo a posição de Friedman,
expõem-se as concepções de responsabilidade social empresarial trazidas por Archie B.
Carroll no período de 1979 a 2003. Por fim, sob parâmetros jurídicos, critica-se a abordagem
de desenvolvimento, responsabilidade social empresarial e função social da empresa com o
fim de melhor denotá-los, sem olvidar da essencialidade da discussão acerca do dever e
sanção jurídicos para tanto.
PALAVRAS-CHAVE:
Desenvolvimento Nacional Sustentável; Responsabilidade Social
Empresarial; Função Social da Empresa; Sustentabilidade.
ABSTRACT
Based on specialized technical literature in Law, Administration and Economy, the present
article initially approaches the definition of development relating it with corporate social
responsibility, without ignoring its inclusive, sustainable and sustained characteristics and its
intimate connection with freedom. Following, the Corporate Social Responsibility approached
by Milton Friedman are pointed out and commented, consubstantiating his critiques involving
the company’s illegitimacy in promoting socially responsible actions, as well as its
inefficiency, due to the lack of grounding of whoever is going to exercise this role, among
many others arguments. Against Friedman’s position, it’s exposed Archie B. Carroll’s
conceptions of corporate social responsibility brought between 1979 and 2003. Finally, under
the legal parameters, the approaches of development, corporate social responsibility and
corporate social function are criticized with the end to better acknowledge them, without
forgetting the essentiality of the discussion over law duty and sanction to perform it.
KEYWORDS:
Sustainable National Development; Corporate Social Responsibility;
Corporate Social Function; Sustainability.
1
Graduando em Direito pelo Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA, Bolsista do CNPq e integrante do
Grupo de Pesquisa “Atividade Empresarial e Administração Pública - Fomento ao desenvolvimento nacional
socialmente responsável pela via das licitações e dos contratos administrativos”.
81
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1 INTRODUÇÃO
Os últimos cento e cinquenta anos foram marcados por grandes transformações
sociais, ambientais e econômicas que nos trouxeram ao presente momento e causaram à
humanidade aflição com relação a certos assuntos.
Um deles concerne ao modo de vida humano e a sua possibilidade de bem estar no
mundo sem que se deixe de viabilizar as mesmas (ou mais) chances para as gerações futuras.
Tal aflição promove o discurso da sustentabilidade.
Diante disso, o papel dos cidadãos, do Estado e do Mercado se amplia, bem como
sua responsabilidade.
Outrossim, passam a ser criados institutos, leis e normas de âmbitos moral que, aos
poucos e visivelmente, vão se instalando na sociedade com o intuito de satisfazer os fins
propostos pelo Desenvolvimento.
Em razão disso, as empresas, agentes econômicos, imbuídas em grande parte pelo
papel de sustentação do modo de vida das pessoas, recebe ainda mais ricas atribuições:
produzir e gerar riquezas, atendendo aos anseios da sociedade.
2 A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL
A discussão acerca da Responsabilidade Social Empresarial pode ser mais recente,
no entanto, fazendo retrospectiva ao século XIX é possível perceber a existência de
preocupações e ações voltadas ao social no seio da atividade econômica, que hoje seriam
rotuladas como Responsabilidade Social.
Neste caminho, quem se destacou foi Robert Owen, industrial do século em
referência que, preocupado com o bem-estar social de seus empregados, principalmente
inspirado por ideais socialistas, praticou condutas tendentes a melhorar o bem-estar de seus
empregados.
Uma delas, talvez a de maior expressão para a época, foi a de reduzir a jornada de
seus trabalhadores de 14 a 16 horas diárias, como comumente se praticava na época, para 10
horas, além de oferecer-lhes educação escolar (DIAS, 2012, p. 25).
Ademais, Owen foi o precursor dos atuais sindicatos, na medida em que, à época,
pleiteou a criação de trade unions, associações estabelecidas com o propósito, segundo ele, de
enfraquecer o modo de produção capitalista.
82
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
No entanto, seus membros incorporaram ideais distintos, com o principal objetivo de
receber maiores salários de seus empregadores (BLOY, 2011).
Nesta esteira e no mesmo século, muitos outros “empresários destinaram parte de
seus lucros para investi-los em planos de moradia, saúde, educação e desenvolvimento
comunitário” (DIAS, 2012, p. 24-25).
Enfim, a partir do século XIX, algumas pessoas com poderio econômico avantajado,
ocupantes de posições sociais relevantes, passaram a contribuir com a sociedade sob a égide
empresarial muitas vezes.
Embora a constatação desta realidade, apenas na segunda metade do século passado,
pelo que majoritariamente é defendido, é que se passa a sistematizar o que nesta ocasião se
denomina Responsabilidade Social Empresarial (CARROLL, 1979, p. 497).
Para Davis e Backman ela significa ir além do auferimento de lucro; para Mcguire: ir
além dos requerimentos econômicos e legais; para Manne: atividades voluntárias; para
Steiner: atividades econômicas, legais e voluntárias; para CED, Davis e Blomstrom: círculos
concêntricos que só fazem expandir; para Eells e Walton: Preocupação com um sistema social
mais amplo (CARROLL, 1979, p. 499).
Em que pese a disparidade autoral na elaboração de teorias e verificações acerca do
tema, os autores que trataram do assunto neste período (1950-1970), exceto Friedman,
concordaram em um aspecto: a Responsabilidade Social abrange ações empresariais que
suplantam a obtenção de lucro tão somente, livre de reflexos voltados ao bem-estar da
sociedade.
2.1 A REAÇÃO DE MILTON FRIEDMAN
Na década de 60, após o início da proliferação dos ideais acerca da Responsabilidade
Social Empresarial, Milton Friedman, calcado nos princípios de uma sociedade livre e na livre
iniciativa, contrapôs-se ferozmente.
Pautado na reputação que lhe é conferida, posicionou-se de forma desfavorável a
aceitação da Responsabilidade Social Empresarial sob os parâmetros de um sistema liberal,
pois, segundo ele, incompatíveis.
Neste sentido, em 1962, fez publicar nos Estados Unidos livro intitulado
“Capitalismo e Liberdade”, ocasião em que disserta contra a proliferação da RSE entre
Empresários utilizando vários argumentos.
83
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Em primeiro lugar, contrapõe-se, em especial, a ideia de que “os altos funcionários
das grandes empresas e os líderes trabalhistas têm uma responsabilidade social para além dos
serviços que devem prestar aos interesses de seus acionistas ou de seus membros”
(FRIEDMAN, 1962, p. 69).
Os argumentos que utiliza contra isso, de modo geral, orbitam a noção de que tal
doutrina é fundamentalmente subversiva e vai contra as bases de uma sociedade livre
(FRIEDMAN, 1962, p. 69).
Isto posto, para ele há um defeito de legitimidade quanto ao exercício de funções
sociais em âmbito privado, na medida em que os administradores, responsáveis pelo
destinação social do capital investido pelos acionistas, e que, portanto, em determinada
análise, tratar-se-iam de nada mais que empregados destes últimos, são escolhidos na forma
de contratação privada.
Neste sentido, ele questiona:
Se homens de negócios têm outra responsabilidade social que não a de obter o
máximo de lucro para seus acionistas, como poderão eles saber qual seria ela?
Podem os indivíduos decidir o que constitui o interesse social? Podem eles decidir
que carga impor a si próprios e a seus acionistas para servir ao interesse social? É
tolerável que funções públicas, como imposição de impostos, despesas e controle,
sejam exercidas pelas pessoas que estão no momento dirigindo empresas
particulares, escolhidas para estes postos por grupos estritamente privados?
(FRIEDMAN, 1962, p.69).
Sob tais premissas, de forma talvez jocosa, prevê a possibilidade de no futuro haver
eleições públicas para a ocupação de tais cargos em empresas privadas (FRIEDMAN, 1962,
p. 69-70).
À época, a bandeira da RSE preconizava também o controle de preços com o intento
de “segurar” a inflação. Quanto a isso, argumenta da seguinte forma:
O controle de preços, quer legal ou voluntário, se posto efetivamente em prática,
provocará, afinal, a destruição do sistema de economia livre e sua substituição por
um sistema de controle central. E também não seria efetivo na prevenção da
inflação. A história oferece ampla evidência de que o determinante do nível médio
de preços e salários é o volume de dinheiro existente na economia, e não a
voracidade dos homens de negócios ou dos trabalhadores. O governo solicita o
autocontrole ao capital e ao trabalho devido à incapacidade do poder público de gerir
seus próprios negócios - o que inclui o controle do dinheiro - e à tendência humana
natural de passar a responsabilidade a outrem (FRIEDMAN, 1962, p. 70).
84
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Por fim, revela guiar seu pensamento com base no de Adam Smith, visto que,
intentando promover seu próprio interesse, fazer dinheiro com a venda de pães, é que o
padeiro promove o interesse da sociedade, saciar a fome.
Com isso, assume não saber de “grandes benefícios feitos por aqueles que pretendem
estar trabalhando para o bem público” (FRIEDMAN, 1962, p. 69).
Anos depois, em 1970, Friedman escreveu artigo para a New York Times Magazine,
ocasião em que reforçou e ampliou seu ponto de vista acerca da responsabilidade social.
O título “The social responsibility of business is to increase its profits” de imediato
remete (e relembra) ao tema. No entanto, salta aos olhos a presença da palavra business.
Isso é importante na medida em que as traduções para o português das obras em
inglês tratam com indiferença a utilização das expressões corporation e business. Nesse
sentido, Corporate Social Responsibility e Social Responsibility of Business são ambas
traduzidas como Responsabilidade Social Empresarial.
Com vistas a adequar o uso das expressões, tem-se que o vocábulo business significa
negócio; ocupação; comércio; empresa; atividade (MELLO, 2006, p. 562). Ao passo que
corporation é melhor relacionado aos conceitos de pessoa jurídica; pessoa artificial; sociedade
comercial de capital; sociedade anônima; entidade legal; corporação (MELLO, 2006, p. 614).
Seria irrelevante tal diferenciação, não fosse a própria abordagem de Friedman neste
sentido:
The discussions of the "social responsibilities of business" are notable for their
analytical looseness and lack of rigor. What does it mean to say that "business" has
responsibilities? Only people have responsibilities. A corporation is an artificial
person and in this sense may have artificial responsibilities, but "business" as a
whole cannot be said to have responsibilities, even in this vague sense
(FRIEDMAN, 1970, p. 1).
A utilidade destas asserções reside o fato de que aqueles que exercem a empresa
(business) são empregados dos donos da atividade (business) e, pela razão de estarem
subordinados tanto hierárquica como financeiramente aos acionistas, é que devem admitir os
desejos de seu empregadores, quais sejam, geralmente, “to make as much money as possible
while conforming to their basic rules of the society, both those embodied in law and those
embodied in ethical custom” (FRIEDMAN, 1970, p. 1).2
2
Quanto à análise de Friedman acerca do exercício da empresa e seus interesses, cumpre advertir que, embora
tenha feito referência ao Empresário Individual, desprezou-o em especial ao que toca a sua responsabilidade
social, devido ao fato de que “most of the discussion of social responsibility is directed at corporations, so in
85
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Igualmente, se, em vez de cumprir com os anseios dos acionistas, o administrador
utilizar do tempo, salário e energia que lhe foram dispostos para a prática de supostos deveres
imbuídos a ele pela chamada Responsabilidade Social Empresarial, dar-se-ia o que Friedman
considera como ilegitimidade (FRIEDMAN, 1970, p. 2).
Em contrapartida, caso o administrador, distante de suas tarefas profissionais,
munido de sentimentos quais forem, religiosos, morais ou pessoais, praticar atos de cunho
social, gastando seu próprio dinheiro, energia e tempo, nada haveria de ilegítimo
(FRIEDMAN, 1970, p. 2).
Ademais, como exemplifica o autor, exercer a responsabilidade social representaria
dentre outras coisas “segurar” o preço do produto com o intuito de refrear a inflação, emitir
poluentes a níveis abaixo do desejado pelos acionistas e exigido em lei, ou, intentando reduzir
a pobreza, contratar trabalhadores desqualificados (FRIEDMAN, 1970, p.2).
Nestes termos,
In each of these cases, the corporate executive would be spending someone else's
money for a general social interest. Insofar as his actions in accord with his "social
responsibility" reduce returns to stockholders, he is spending their money. Insofar
as his actions raise the price to customers, he is spending the customers' money.
Insofar as his actions lower the wages of some employees, he is spending their
money (FRIEDMAN, 1970, p. 2).
Para o autor, as consequências disso jazem a ideia de que tal realidade igualar-se-ia
às funções estatais de implementação de tributos e decisão de como estes serão gastos
(FRIEDMAN, 1970, p. 2.).
Neste contexto, o administrador, contratado pelas regras de Direito Privado,
usurparia as funções dos três poderes Estatais: Legislativo, Executivo e Judiciário, na medida
em que:
He is to decide whom to tax by how much and for what purpose, and he is to spend
the proceeds--all this guided only by general exhortations from on high to restrain
inflation, improve the environment, fight poverty and so on and on (FRIEDMAN,
1970, p. 3.)
Com isso, critica o autor, reconhecendo o que seria um revestimento de funcionário
público em torno do administrador e, que, portanto, para exercer o munus publico da
what follows I shall mostly neglect the individual proprietors and speak of corporate executives” (FRIEDMAN,
1970, p. 1).
86
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
responsabilidade social, deveria ter seu cargo alcançado pela via de eleições públicas
(FRIEDMAN, 1970, p. 3).
Além disso, sob tais circunstâncias revela a dúvida a respeito de quais ações a serem
tomadas ensejam o melhor resultado esperado pela doutrina da responsabilidade social, e,
mesmo que o administrador saiba quais decisões tomar, haveria incerteza quanto a sua aptidão
para o assunto.
Pois, no caso aludido em seu artigo: diante do controle da inflação como ação
empresarial socialmente responsável, o administrador “is presumably an expert in running his
company--in producing a product or selling it or financing it. But nothing about his selection
makes him an expert on inflation” (FRIEDMAN, 1970, p. 3).
Deste modo, o autor faz inferir a provável falta de efetividade no trato da matéria
social pelas empresas e, principalmente pelos administradores.
Em sequência, passa a aduzir que, mesmo na possibilidade de o administrador ser um
perito nestas questões, muito provavelmente não duraria muito tempo em seu posto, tanto por
desagradar seus empregadores, como os consumidores que abandonariam a marca em favor
de outra mais inescrupulosa. (FRIEDMAN, 1970, p. 3-4).3
Encerrando suas apreciações a respeito do administrador de Sociedades Anônimas no
contexto da responsabilidade social, considera inofensiva a investida do Empresário
Individual em decisões socialmente responsáveis, pois
The situation of the individual proprietor is somewhat different. If he acts to reduce
the returns of his enterprise in order to exercise his "social responsibility," he is
spending his own money, not someone else's. If he wishes to spend his money on
such purposes, that is his right and I cannot see that there is any objection to his
doing so. In the process, he, too, may impose costs on employees and customers.
However, because he is far less likely than a large corporation or union to have
monopolistic power, any such side effects will tend to be minor (FRIEDMAN, 1970,
p. 4-5).
Além do mais, a bandeira da Responsabilidade Social Empresarial pode, e
normalmente é, na opinião de Friedman, ser usada como máscara ou véu que encobre a
satisfação de outros fins (FRIEDMAN, 1970, p. 5).
2.2 AS CONCEPÇÕES DE CARROLL
3
A proliferação de ideais, ofertas publicitárias e “jogadas” de marketing no sentido da sustentabilidade fizeram
crer na existência de consumidores mais exigentes quanto ao processo de produção do produto que está
adquirindo, entretanto, tal asserção deve ser vista com cautela na medida em que facilmente se observa o
desprezo da maior parte dos consumidores quanto a isso.
87
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Em que pesem os argumentos propostos por Milton Friedman, a realidade mostra que
muitos doutrinadores ignoraram suas advertências e mantiveram ou iniciaram seu estudo
acerca da Responsabilidade Social Empresarial.
Não é pelo fato de se tratarem de argumentos contrários à doutrina em investigação
que devem se encontrar livre de referência, pois são as contraposições que enriquecem o
trabalho.
Neste sentido, fazem-se presentes as críticas assinaladas, para o sentido de completar
o pensamento acerca das implicações da expressão e a atividade empresarial.
Igualmente, quase duas décadas após a publicação do livro que deu origem aos
contrapontos evidenciados por Friedman, Archie B. Carroll elaborou sua primeira tentativa
em sistematizar a RSE.
Sem dúvida, a concepção de Carroll é a mais utilizada pela doutrina e, portanto,
merece a devida atenção. Quanto a isso,
A definição de Responsabilidade Social Empresarial que Carroll fez em um artigo
de 1979 continua sendo uma das mais citadas e o modelo conceitual que ele
desenvolveu tornou-se a base de muitos programas e modelos de gestão da
responsabilidade social (BARBIERI; CAJAZEIRA, 2009, p.53).
Inobstante, “talvez o modelo de responsabilidade social empresarial mais citado pela
literatura seja o desenvolvido por Archie Carroll na década de 1970” (OLIVEIRA, 2008, p.
71).
Embora tenha sido o autor de maior destaque neste cenário, não é necessariamente o
seu primeiro modelo o mais apurado, tanto isso é verdade, que o próprio autor o aperfeiçoou
em 1991 e o reformulou em 2003, sem que com isso deixasse de ser largamente utilizado.
Além disso, críticas são possivelmente a ele direcionadas na medida em que se situa
sob a perspectiva de um cientista da Administração, negligenciando características da mais
alta relevância para o Direito e para o instituto.
Sem mais delongas, passa-se às considerações acerca da Responsabilidade Social
Empresarial formuladas pelo próprio autor.
Partindo de definições pré-existentes ao tempo de elaboração de sua própria, Carroll
creu na necessidade de englobar quatro espécies do que ele denomina business performance:
Econômica, Legal, Ética e Discricionária (CARROLL, 1979, p. 499).
88
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Nesta etapa, Carroll utiliza a figura de uma coluna dividida em quatro seções de
tamanho decrescente da base ao cume; cada seção representa uma business performance, ou
Responsabilidade, partindo da Econômica, passando pela Legal e Ética e finalizando com a
Discricionária.
Com o pertinente destaque de que:
Any given responsibility or action of business could have economic, legal, ethical,
or discretionary motives embodied in it. The four classes are simply to remind us
that motives or actions can be categorized as primarily on or another of these four
kinds (CARROLL, 1979, p. 500).
A primeira delas, a econômica, diz respeito ao papel da empresa na sociedade e na
história, visto que, como unidade econômica, produz bens e fornece serviços com vistas a
auferir lucro. Ademais, é base para a observância das demais (CARROLL, 1979, p. 500).
Em segundo lugar, salta aos olhos a responsabilidade legal, consubstanciando as
regras básicas a que as empresas devem observar e a sociedade espera que as façam
(CARROLL, 1979, p. 500).
Em que pese a expectativa social do cumprimento destes deveres, Carroll deixou de
mencionar a característica sancionatória diante de sua inobservância, podendo ser
juridicamente exigido o seu cumprimento. Irrelevante, portanto, a expectativa social neste
quesito.
O penúltimo lugar da coluna é ocupado pela responsabilidade ética, englobando as
anteriores, mas ao mesmo tempo é mais ampla e deficientemente definida, portanto, mais
difícil de cumprir, até por não estarem positivadas em lei. É pautada no fato de que a
sociedade espera mais do que o mero cumprimento da lei (CARROLL, 1979, p. 500).
Por fim, há no topo da coluna a Responsabilidade Discricionária.
Com isso, quer o autor evidenciar as ações que, embora não seja considerada
antiética a sua ausência, são desejadas pela sociedade, portanto, dependem tão somente da
“vontade” da empresa. Ademais, não estão ligadas a sua atividade normal (CARROLL, 1979,
p. 500), conforme se aduz do trecho a seguir:
Examples of voluntary activities might be making philanthropic contributions,
conducting inhouse programs for drug abusers, training the hardcore unemployed,
or providing day-care centers for working mothers. The essence of these activities is
that if a business does not participate in them it is not considered unethical per se
(CARROLL, 1979, p. 500).
89
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
A apreciação deste modelo é encerrada pelo autor, por meio da declaração de que um
ato empresarial pode ao mesmo tempo englobar várias espécies das Responsabilidades
propostas, como exemplo utiliza o produtor de brinquedos que os faz mais seguros; ao mesmo
tempo é econômica, legal e eticamente responsável. (CARROLL, 1979, p. 500-501).
Em sequência, Carroll faz considerações acerca das questões que estariam imanentes
a cada Responsabilidade e que pudessem de forma precisa identificar quais seriam as decisões
empresariais que a elas concernem.
Pela impossibilidade, não elaborou um rol exaustivo que dispusesse cada questão, no
entanto, ponderou a variação de tais questões com relação à atividade da empresa
(CARROLL, 1979, p. 501), ao qual podemos incluir também o fator ambiental e do contexto
social em que se instala.
Em que pese tal fato,
Many factors come into play as a manager attempts to get a fix on what social issues
should be of most interest to the organization. A recent survey by Sandra Holmes
illustrates this point quite well. In her survey of managers of large firms, she asked
what factors are prominent in selecting areas of social involvement by their firms
(HOLMES apud CARROLL, 1979, p. 501). The top five factors were: 1. Matching
a social need to corporate need or ability to help; 2. Seriousness of social need; 3.
Interest of top executives; 4. Public relations value of social action; 5. Government
pressure (CARROLL, 1979, p. 501).
Deste modo é possível aferir claramente as prioridades das decisões empresariais no
contexto americano, mas que, no entanto, podem ser transportadas para a realidade brasileira,
principalmente no que toca o primeiro fator.
Parece plausível que as empresas intentem combinar as suas necessidades com as
sociais, pois assim satisfazem dois anseios com uma só ação. Talvez seja uma realidade
universal.
Anos depois da concepção deste modelo, Carroll reinventa-o na ilustração de uma
pirâmide que carrega as mesmas quatro seções ou camadas, mas que agora deixa de possuir a
Responsabilidade Discricionária no topo para dar lugar a Responsabilidade Filantrópica.
Não foram feitas considerações além do que já havia sido feito no trabalho de 1979
no que se refere às Responsabilidade Econômica e Legal.
Entretanto, quanto à Responsabilidade Ética, para começar, adicionou as seguintes
ponderações:
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[…] it must be constantly recognized that it is in dynamic interplay with the legal
responsibility category. That is, it is constantly pushing the legal responsibility
category to broaden or expand while at the same time placing ever higher
expectations on businesspersons to operate at levels above that required by law
(CARROLL, 1991, p. 6, sem grifos no original).
Essa talvez seja a afirmativa de maior importância, pois classifica com bastante
precisão aquilo que no Direito é comumente chamado de “Função Social da Empresa”, apesar
disso, considerações acerca do tema serão oportunamente elaboradas.
O que vale assinalar no momento é característica da chamada Responsabilidade Ética
em consubstanciar ações que vão além do mandamento legal.
Em sequência, o autor passa a trabalhar com a ora chamada Responsabilidade
Filantrópica, já intitulada Discricionária.
De fato, não há nada que justifique a mudança nos termos, visto que não há mudança
substancial em seu conteúdo de um artigo para outro. Para o autor tal Responsabilidade
continua sendo voluntária.
Além de englobar as ações que são socialmente desejadas, vale ressaltar o fato de
que, para diferenciar estas das ações eticamente responsáveis, é preciso entender que as
últimas causam algum tipo de gravame social quando inobservadas, ao passo que a
Responsabilidade Filantrópica vai além das ações socialmente exigidas, mas não positivadas
em lei, de modo a não causar nenhum tipo de gravame (podendo ser até imperceptíveis)
quando descumpridas.
Normalmente são relacionadas a ações não concernentes de forma direta à atividade
da empresa. Nas palavras do autor:
The distinguishing feature between philanthropy and ethical responsibilities is that
the former are not expected in an ethical or moral sense. Communities desire firms
to contribute their money, facilities, and employee time to humanitarian programs
or purposes, but they do not regard the firms as unethical if they do not provide the
desired level. Therefore, philanthropy is more discretionary or voluntary on the part
of businesses even though there is always the societal expectation that businesses
provide it (CARROLL, 1991, p. 7).
Irresignado, em 2003, Carroll retorna ao seu modelo com o intento de aperfeiçoá-lo,
já com a devida incorporação das críticas que recebera ao longo destes anos.
A primeira mudança e a de maior expressão diz respeito ao descarte do modelo de
pirâmide para a utilização de um diagrama de Venn.
O desuso da pirâmide se deu porque, “to some, the pyramid framework suggests a
hierarchy of CSR domains” (CARROLL; SCHWARZT, 2003, p. 505).
91
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Tal fato poderia induzir o leitor a acreditar que a Responsabilidade Filantrópica, por
sobrepor-se ao demais, seria a mais relevante. Do mesmo jeito, a Responsabilidade
Econômica poderia ser interpretada como a menos importante.
Em segundo lugar, o modelo da pirâmide não retrata com precisão o aspecto de
sobreposição das Responsabilidades (CARROLL; SCHWARZT, 2003, p. 505), o que quer
dizer que o modelo antigo faz crer que a empresa pratica uma Responsabilidade por decisão
ou ação, pois
Carroll’s use of dotted lines separating the domains does not fully capture the nonmutually exclusive nature of the domains, nor does it denote two of the critical
tension points among them, the tension between the economic and ethical and
economic and philanthropic domains (CARROLL apud CARROLL; SCHWARZT,
2003, p. 505).
Outro problema relacionado aos modelos de 79 e 91 diz respeito à última camada ou
seção das ilustrações: a Responsabilidade Discricionária/Filantrópica.
As críticas que vieram imediatamente estão relacionadas à escolha da palavra
responsabilidade, visto que, se discricionária, não há que se falar em responsabilidade ou
dever.
Esta crítica já fora prevista por Carroll, de qualquer maneira, seus novos
apontamentos são os seguintes:
The new model proposes that such a category, if it were believed to exist, would
better be subsumed under ethical and/or economic responsibilities. The central
reasons for this placement are that, first, it is sometimes difficult to distinguish
between “philanthropic” and “ethical” activities on both a theoretical and practical
level, and second, philanthropic activities might simply be based on economic
interests (CARROLL; SCHWARZT, 2003, p. 506).
No nível teórico, é possível que se infira que as ações supostamente insertas no que
se chamou de Responsabilidade Filantrópica seriam tão somente outros exemplos de ações da
Responsabilidade Ética (CARROLL; SCHWARZT, 2003, p. 506).
No âmbito prático, a utilização do termo parece ter gerado dúvida na aplicação entre
as empresas, além de, por vezes, terem causado confusão com relação à Responsabilidade
Econômica (CARROLL; SCHWARZT, 2003, p. 507).
As empresas passaram a maquiar as ações para fazerem as vezes de filantropia,
quando na verdade intentavam atingir maiores lucros, melhor percepção social da atividade,
92
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visibilidade ou incrementar o moral dos trabalhadores (CARROLL; SCHWARZT, 2003, p.
507).
Quando isso acontece, as empresas na verdade estão exercendo a sua
Responsabilidade Econômica, daí a confusão.
Por fim, a reinvenção do modelo se deu, como já mencionado, na formulação de um
diagrama de Venn em que são utilizados três círculos que representam cada Responsabilidade.
Estes círculos se justapõem de modo a nas extremidades encontrarem-se as
representação isolada de cada Responsabilidade, desta maneira, intentou-se ilustrar as ações
puramente econômicas, legais e éticas.
Inobstante, o encontro de dois círculos faz a representação das ações econômicas e
éticas, econômicas e legais e as legais e éticas.
Por último, no centro do diagrama, se encontram as ações sustentáveis, que são tanto
econômicas, como legais e éticas.
3 DESENVOLVIMENTO
Como sustenta Reinaldo Dias (p. 46, 2012), A Responsabilidade Social está
intimamente ligada ao Desenvolvimento.
A conexão entre os dois institutos se dá na medida em que se percebe haver
semelhanças quanto ao conteúdo das ações praticadas sob a égide de cada instituto.
De tal forma, cumpre tecer algumas considerações acerca do Desenvolvimento.4
Desenvolvimento pressupõe crescimento econômico, no entanto, dado o caráter
geralmente excludente e predatório deste, é que se reclama pelo acréscimo de medidas
adjacentes, tanto Estatais quanto Privadas, que visem suprir os mandamentos ou o conteúdo
do “Desenvolvimento”. Conforme acrescenta Daniel Ferreira:
4
A título de complementação da compreensão acerca da relação entre os dois institutos, impende dizer que em
2010 houve alteração na Lei de Licitações pela via da publicação da Lei 12.349/2010 que converteu em lei a
Medida Provisória 495/2010 e, além de outras inserções, incluiu como nova (e terceira) finalidade legal das
licitações a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. A partir de então, evidenciou-se a ideia de que a
Administração Pública deveria contratar empresas socialmente responsáveis para promover o desenvolvimento
nacional sustentável.
A esse respeito, entretanto, não há pioneirismo na experiência brasileira, o México há mais de dez
anos antes, percebeu a possibilidade de promover o desenvolvimento pela instrumentalização das
compras públicas, utilizando-as para satisfazer políticas públicas: 22. La discutida instrumentalización.
Partiendo de la postura intervencionista de la administración nacional, tendente al aprovechamiento de masas
ingentes de capital capaces de transformar horizontal y verticalmente resortes determinantes del mercado, de la
sociedad y de la economía de un país, de ha planteado y aún se discute la posibilidad de instrumentalización de
las compras del Estado. Así, destinando ingresos, por ejemplo, para la adquisición o promoción de empresas en
zonas deprimidas, para lucha contra la contaminación, para el fomento del pleno empleo de las mujeres en el
mercado de trabajo, (…) (CORTIÑAS-PELÁEZ, 1999, p. XXXIII-XXXIV).
93
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Hoje, parece de razoável consenso que o crescimento econômico esteja diretamente
ligado ao PIB (Produto Interno Bruto) ou ao PNB (Produto Nacional Bruto) – que
representa a soma de todos os bens e serviços finais produzidos em determinado
espaço geográfico e de tempo. Crescendo o PIB (e, pois, a disponibilidade objetiva
desses bens e serviços finais) há crescimento da economia.
Todavia, isso não revela, necessariamente, melhoria subjetiva, qualitativa, das
condições de vida da população em geral. Há que se considerar, para tanto e no
mínimo, a melhor ou a pior distribuição de riqueza decorrente e, ainda, os impactos
gerados ao meio ambiente (FERREIRA, 2012, p. 48).
E Amartya Sen (2000, p. 18), “a despeito de aumentos sem precedentes na opulência
global, o mundo atual nega liberdades elementares a um grande número de pessoas – talvez
até mesmo à maioria”.
Diante disso, preconiza Ignacy Sachs que falar em “Desenvolvimento” faz pressupor
a existência de três outros sentidos que o acompanham e que, em sua falta não há que se falar
em “Desenvolvimento”.
Deste modo, Desenvolvimento é includente, sustentável e sustentado.
O caráter includente é facilmente definido pelo seu antagônico, “excludente”. Pois
visa evitar a exclusão do mercado de trabalho e a concentração de renda e riquezas (SACHS,
2008, p. 38-39).
Quanto ao sustentável, implica em uma dupla solidariedade, ao passo que engloba a
solidariedade com a geração atual, permitindo e proporcionando vida digna à sociedade, sem
que se comprometa a mesma possibilidade para as gerações futuras (SACHS, 2008, p. 15-16).
Por fim, o caráter sustentado diz respeito ao controle das forças produtivas de modo a
gerar a possibilidade de manter-se constante e perene, sem que sofra pausas abruptas e
duradouras.
Pela complexidade, talvez seja o caso de exemplificar com o caso do agricultor que
pratica a rotação de culturas:
A rotação de culturas envolve o cultivo de diferentes espécies numa mesma safra e,
portanto, aumenta o número e a complexidade de tarefas na propriedade. Exige o
planejamento do uso do solo segundo princípios básicos, onde deve ser considerada
a aptidão agrícola de cada gleba.
A área destinada à implantação dos sistemas de rotação deve ser dividida em tantas
glebas, ou piquetes, quantos forem os anos de rotação. Após essa definição,
estabelecer o processo de implantação sucessivamente, ano após ano, nos diferentes
talhões, previamente, determinados. A execução do planejamento deve ser gradativa
para não causar transtornos organizacionais ou econômicos ao produtor, devendo ser
iniciada em uma parte da propriedade e ir anexando novas glebas até que toda a área
esteja incluída no esquema de rotação (EMBRAPA).
94
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Isso nada mais significa do que racionalizar o uso do solo, dividindo-o e utilizando-o
na medida em que recupera seus nutrientes para o ano seguinte, desta forma o agricultor se
priva de produzir em maiores montas de imediato, mas garante a perenização da produção.
Somado a isso,
O desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de
liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição
social sistemática, negligência dos serviços públicos e intolerância ou interferência
excessiva de Estados repressivos (SEN, 2000, p. 18).
Igualmente, a liberdade no acesso aos bens da vida é um meio de se buscar o
desenvolvimento e também eminente fim a ser almejado.
Ao lado disso, assinala-se que o desenvolvimento é caracterizado pela liberdade de
forma na sua implementação, ou seja, traz uma noção geral de atitudes e ações a serem
assumidas a fim de melhor estabelecer um trato com determinados setores: social, ambiental e
econômico, por exemplo, no entanto, amplia a sua incidência atingindo todas as pessoas e
todas as situações, independentemente de sua cogência jurídica.
Neste sentido, qualquer ação humana pode ser revista sob a perspectiva do
desenvolvimento, com a ressalva de que apenas algumas ações prescritas em lei ou pelo
Direito podem ser juridicamente exigidas, o que não ocorre com a Administração Pública em
sede de licitações, visto que a lei a comanda de modo geral à promoção do desenvolvimento
nacional sustentável, como bem encerram Fernando Paulo da Silva Maciel Filho e Daniel
Ferreira (2012, p. 22-23):
Pelo exposto, a promoção do desenvolvimento nacional sustentável como nova
finalidade das licitações deve ser considerada em todas as suas esferas (social,
ambiental e econômica, ao menos), não podendo tê-la como mera faculdade do
administrador. Nesse sentido, todas as medidas possíveis e necessárias à sua
promoção devem ser realizadas, sob pena de caracterização de infração disciplinar e
de ato de improbidade, no mínimo.
4 A RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL, A FUNÇÃO SOCIAL DA
EMPRESA E A ABORDAGEM JURÍDICA
Cumpre se diga são quase que cabalmente baseados em literatura estranha ao Direito,
oriundos de autores da Administração e da Economia.
95
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Para que se torne completa a pretensão proposta nesta ocasião, cumpre revelar as
fontes do Direito que dissertam sobre o tema, com a ressalva de que nesta área o conteúdo não
é tão vasto quanto nas demais apresentadas.
Embora com a denominação de Função Social da Empresa, autores como Fábio
Ulhoa Coelho apregoam conteúdo similar ao que se estabeleceu acima como
Responsabilidade Social da Empresa:
A empresa cumpre a função social ao gerar empregos, tributos e riqueza, ao
contribuir para o desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade em
que atua, de sua região ou do país, ao adotar práticas empresariais sustentáveis
visando à proteção do meio ambiente e ao respeitar os direitos dos consumidores,
desde que com estrita obediência às leis a que se encontra sujeita (COELHO, 2012,
p. 76)
A bem da verdade, o autor não dedica mais do que uma página para tratar do assunto,
portanto, dispensa mencionar a sua superficialidade e generalidade.
Talvez algo que deva ser mencionado é que o Princípio da Função Social da Empresa
é extraído do Princípio da Função Social da Propriedade plasmado na Constituição Federal.
Portanto, trata-se de Princípio implícito que visa promover a garantia dos interesses
da sociedade ou da parcela mais afetada pela atividade na utilização dos bens de produção
(COELHO, 2012, p. 75).
Isso tudo representa uma adequação ao Direito de Empresa e, não uma exceção a um
direito absoluto.
No entanto, e aí reside o problema, com apoio das palavras de Fábio Tokars
utilizadas em ocasião que critica justamente este Princípio, não basta a pronunciação de um
Princípio para que ele seja na realidade seguido ou cumprido:
Qual seria a finalidade de uma norma que declarasse, por exemplo, que todos os
cidadãos de nosso país são pessoas felizes e realizadas? Um intérprete menos atento
à realidade social provavelmente escreveria odes à modernidade de nosso direito e
de nossa sociedade. Mas ninguém sorriria em razão de tal norma, ou de todas as suas
interpretações doutrinárias (TOKARS, 2008, p. 12).
Este exemplo é facilmente transportado para a questão da Função Social, pois trata
de Princípio formalmente enunciado e doutrinariamente estudado que não possui caráter
cogente, ao menos, não é possível provocar o Poder Judiciário pleiteando a observância de
uma determinada empresa a este princípio e ter seu pedido julgado procedente, a não ser em
96
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casos especificamente tutelados pela lei, mas aí deixaria de ser função para se tornar
responsabilidade.
Isso quer dizer que, na prática, as empresas exercem sua Responsabilidade Social,
cumprindo a lei, visto que há inúmeras leis de conteúdo social, como a Lei 8.213/91:
Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher
de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários
reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I - até 200 empregados ......................................................................................... 2%;
II - de 201 a 500 ................................................................................................... 3%;
III - de 501 a 1.000 ............................................................................................... 4%;
IV - de 1.001 em diante ........................................................................................ 5%.
(BRASIL, 1991).
A diferença é que sob tais mandamentos legais a empresa que os descumpre pode
(deve) ser sancionada por meio de multas administrativas:
MULTA ADMINISTRATIVA. AUTO DE INFRAÇÃO. DESATENDIMENTO
AO DISPOSTO NO ART. 93 E § 1º DA LEI 8.213/91.938.213. Diante da nãocontratação de empregados substitutos a portadores de deficiência habilitados e de
reabilitados, bem como do não-preenchimento do percentual de vagas reservadas a
cotas, nos termos do art. 93 e § 1º da Lei 8.213/91, estão respaldados os autos de
infração lavrados pela autoridade administrativa competente. (...)938.21 (BRASIL,
2011).
O que na realidade acontece é que as expressões Função Social, Responsabilidade
Social e até mesmo Desenvolvimento preconizam, dentre outras coisas que lhes são
peculiares, um bônus a favor da sociedade, um agir metaindividual.
É neste sentido que os autores têm procedido seus estudos, visto que é perceptível a
similitude dos conteúdos de tais termos. As diferenças residem no contexto em que incidem
estes termos.
“Responsabilidade Social Empresarial” é utilizado pelos estudiosos da Ciência da
Administração, “Função Social da Empresa” já tem maior respaldo nos escritos de juristas e,
por fim, autores da Economia utilizam em maior escala o termo “Desenvolvimento”.
Em razão disso, por óbvio, as noções que lhes dizem respeito foram reunindo
peculiaridades.
Deste modo, ao falar em Responsabilidade Social Empresarial, adequando
oportunamente aos parâmetros jurídicos, sem que se percam as lições dos demais âmbitos, há
referência a deveres empresariais direcionados ao bem estar da sociedade, sendo seu conteúdo
extraído da Lei e do Direito (visto o caráter cogente de Negociações Coletivas e Contratos).
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Combinando isso com as considerações de Archie B. Carroll, a Responsabilidade
Social
Empresarial
estaria
consubstanciada
tão
somente
no
que
ele
denomina
Responsabilidade Legal no que tange, em especial, leis de espírito e escopo social.
Já no que concerne à Função Social da Empresa, englobam-se todas as ações
empresariais que vão além dos mandamentos legais, seja para maximizar suas diretrizes, ou
inovar, desde que fique demonstrada a finalidade de estirpe social lato sensu
(ecossocioambiental).
Maximizar, na medida em que amplia objetivamente o mínimo exigido para se
enquadrar na lei, se a lei “pede” 5% de empregados deficientes para empresas que possuem
mais de mil empregados, a empresa cumpre sua função social ao contratar 10%.
Inovar, ao passo que a empresa começa a praticar ações que não estão previstas sob
nenhuma forma na lei. Como exemplo, poder-se-ia conjecturar uma empresa que não
utilizasse amianto na sua produção anos antes de se ter iniciado qualquer discussão legal
sobre seu caráter nocivo.
Transportando a noção de Função Social da Empresa para os ensinamentos de
Carroll, considerar-se-ia sua inserção nos conceitos de Responsabilidade Ética e no de uma
categoria da Responsabilidade Legal: anticipation of the Law (CARROLL; SCHWARZT,
2003, p. 511).5
Por fim, “Desenvolvimento” possui o conceito mais amplo de todos. Em primeiro
lugar, não tem apenas as empresas como destinatárias, ou agentes de suas prescrições, e, sim,
todas as pessoas.
O direito ao desenvolvimento é um direito fundamental, portanto, dever de todos:
Dentre as definições do direito ao desenvolvimento é um processo no pelos (sic)
qual os direitos fundamentais e liberdades fundamentais possam ser plenamente
realizados e que todas as pessoas humanas e todos os povos devem participar
deste processo, uma vez que participação é um dos pontos centrais do direito ao
desenvolvimento. (PEIXINHO; FERRARO, 2007, p. 6971).
Desta forma, é capaz de englobar todos os atos da vida humana, mesmo que na sua
maior parte não possua caráter cogente.
5
Quanto à categoria anticipation of the Law não houve sequer uma menção no presente artigo, portanto: the
third legal category consists of the antecipation of changes to legislation. The legal process is often slow in
nature, and corporations may wish to engage in activities that will result in immediate compliance upon the
legislation’s eventual enactment. Changes to legislation in other jurisdictions often serve as an indication of
forthcoming similar legislation in one’s own jurisdiction. If laws are anticipates, companies may engage in
voluntary activities to help prevent, modify, or slow down the pace of new legislation being enacted, and are thus
acting based on a consideration of the legal system (CARROLL; SCHWARZT, 2003, p. 511).
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Além do mais, como visto, o seu conteúdo abrange a sustentabilidade nos setores
econômico, social e ambiental.
5 CONCLUSÕES
A pretensão de estabelecer com precisão um rol exaustivo que contenha todas as
ações e decisões empresariais que se adéquam aos ideais do Desenvolvimento pode ser um
trabalho de uma vida inteira, mas, a bem da verdade, é impossível.
Impossível, na medida em que nunca se alcançará o Desenvolvimento, pois
pressupõe um eterno buscar sem nunca descansar.
As necessidades sociais e coletivas, o contexto empresarial, estarão sempre em
mutação. O aspecto dinâmico é uma característica da vida, quem dirá com relação à vida
coletiva.
Neste sentido, os esforços serão sempre direcionados a uma conceituação genérica
que dê conta de abranger as ações e decisões num processo dialético, vendo e revendo,
acertando e errando, cumprindo e tentando, preocupando-se precipuamente no auferimento de
resultados em que as pessoas são um fim em si mesmas.
Além do mais, e de ordem mais prática, a distinção entre Responsabilidade Social
Empresarial e Função Social da Empresa tem importância para o correto proceder da
sociedade e do Estado em sua promoção.
As ações e decisões que se amoldam no conteúdo da Responsabilidade devem
pressupor sanção que impinja o cumprimento do dever.
Já no que tange as ações e decisões insertas no conteúdo da Função Social, nada mais
“obrigatória” do que a atividade de fomento, estimulando a sua boa e frequente prática.
Em verdade, a utilização da classificação dos institutos abordados nesta ocasião
exerce peculiar importância na aplicação da Lei de Licitações, em especial no que tange a
efetividade da promoção do desenvolvimento nacional sustentável.
Diz-se isso, haja vista que a Administração Pública promove melhor o
Desenvolvimento se contrata com empresas que vão além da Responsabilidade Social,
cumprindo a lei, e exercem a sua Função Social.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BARBIERI, José Carlos; CAJAZEIRA, Jorge Emanuel Reis. Responsabilidade social
empresarial e empresa sustentável: da teoria à prática. São Paulo: Saraiva, 2009.
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BRASIL, 18ª Vara do Trabalho de Porto Alegre. Multa administrativa. Auto de infração.
Desatendimento ao disposto no art. 93 e § 1º da lei 8.213/91. Agravo de Instrumento em
Recurso de Revista n° TST-AIRR-126700-44.2005.5.17.0132. Agravante: União (PGFN).
Agravados: Viação Itapemirim S.A. e Ministério Público do Trabalho da 17ª Região. Relator:
Juiz João Pedro Silvestrin. Porto Alegre, 10 de novembro de 2011. Disponivel em:
<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20730240/recurso-ordinario-trabalhista-ro542720105040018-rs-0000054-2720105040018-trt-4>. Acesso em: 23 nov. 2012.
CARROLL, Archie B. A three-dimensional conceptual model of corporate performance.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
O “PLANO INOVA EMPRESA” COMO ATUAÇÃO PRÓ-ATIVA
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PARA O DESENVOLVIMENTO
“INNOVATION COMPANY PLAN” AS PRO-ACTIVE PRACTICE OF
PUBLIC ADMINISTRATION FOR DEVELOPMENT
José Osório do Nascimento Neto∗
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O recém-criado “Plano Inova
Empresa” do Governo Federal; 3. O “Plano Inova Empresa”
no setor de energia como exemplo de sustentabilidade
econômica e social; 4. Administração Pública como atora
social pró-ativa do “Plano Inova Empresa”; 5. A
responsabilidade social energética na concretização dos
objetivos da República; 6. Considerações finais; Referências.
RESUMO
Sob a ótica da Sustentabilidade Econômica e Social em face ao Direito, a presente pesquisa
acadêmica tem por objetivo apresentar criticamente os principais pontos do recém-criado
“Plano Inova Empresa” como instrumento de atuação pró-ativa da Administração Pública
para o desenvolvimento, objetivo da República Federativa do Brasil. O “Inova Empresa” é
um plano de investimento em inovação do Governo Federal, lançado em março de 2013, que
prevê a articulação de diferentes atores sociais e a disponibilização de apoio financeiro por
meio de crédito, subvenção econômica, investimento e financiamento a instituições de
pesquisas. Os recursos são destinados a empresas brasileiras de todos os portes que tenham
projetos inovadores. O plano apoia setores como saúde, petróleo e gás, tecnologia e energia,
que, por sinal, servirá de exemplo-base de sustentabilidade econômica e social para esta
pesquisa, cuja justificativa se insere na identificação da Administração Pública como atora
social pró-ativa e da responsabilidade social como parte da concretização sustentável dos
objetivos da República.
PALAVRAS-CHAVE: INOVAÇÃO NAS EMPRESAS; ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
PRÓ-ATIVA; ENERGIA, SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA E SOCIAL;
DESENVOLVIMENTO.
∗
Professor das Faculdades Integradas do Brasil (UniBrasil) e da Faculdade Cenecista de Campo Largo.
Doutorando e Mestre em Direito Econômico e Socioambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
Especialista em Direito Contemporâneo com ênfase em Direito Público pela Universidade Candido Mendes.
Graduado em Direito também pela PUCPR. Realizou aperfeiçoamento de EaD Docência: Metodologia do
Ensino Superior e Metodologia de Pesquisa Científica, pela Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro.
Membro da Comissão de Direito da Infraestrutura e Estudo das concessões públicas – OAB/PR. Membro da
Associação Paranaense de Direito e Economia – ADEPAR. Advogado.
102
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
ABSTRACT
From the viewpoint of Economic and Social Sustainability in the face to law, this academic
research aims to present the main points of critically newly created "Innovation Company
Plan" as an instrument of action proactive public administration for development, the goal
Federative Republic of Brazil. The "Enterprise Innovation" is a plan for investment in
innovation by the Federal Government, released in March 2013, which provides for the
articulation of different social actors and the availability of financial assistance through loans,
grants economic, investment and funding to research institutions. The funds are intended to
Brazilian companies of all sizes that have innovative designs. The plan supports industries
such as healthcare, oil and gas, technology and energy, which, incidentally, will provide a
model-based economic and social sustainability for this research, which is part of justification
in identifying Public Administration as social actor proactive and social responsibility as part
of the sustainable achievement of the goals of the Republic.
KEY WORDS: INNOVATION IN BUSINESS, GOVERNMENT PRO-ACTIVE;
ENERGY, ECONOMIC AND SOCIAL SUSTAINABILITY, DEVELOPMENT.
1.
INTRODUÇÃO
Sob a ótica da Sustentabilidade Econômica e Social em face ao Direito, a
presente pesquisa acadêmica tem por objetivo apresentar criticamente os principais pontos do
recém-criado “Plano Inova Empresa” como instrumento de atuação pró-ativa da
Administração Pública para o desenvolvimento, objetivo da República Federativa do Brasil. O
“Inova Empresa” é um plano de investimento, lançado em março de 2013, que prevê a
articulação de diferentes atores sociais e a disponibilização de apoio financeiro por meio de
crédito, subvenção econômica, investimento e financiamento a instituições de pesquisas.
Os recursos são destinados a empresas brasileiras de todos os portes que
tenham projetos inovadores. O plano apoia, entre outros setores, a temática das energias
alternativas, que servirá de exemplo-base de sustentabilidade econômica e social do estudo,
cuja justificativa se insere na identificação da Administração Pública como atora social próativa e da responsabilidade social como parte da concretização sustentável dos objetivos da
República.
Assim, alcançando a qualidade de orientações teórico-empíricas necessárias,
este estudo poderá se tornar não apenas uma contribuição para o avanço do conhecimento
científico no campo da Sustentabilidade Econômica e Social, como, também, uma crítica
construtiva necessária ao debate Responsabilidade Social da Empresa, a partir de
instrumentos de fomento por parte de uma Administração Pública pró-ativa.
103
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
2.
O RECÉM-CRIADO “PLANO INOVA EMPRESA” DO GOVERNO FEDERAL
O Plano, lançado pelo Governo Federal, contém quatro linhas de
financiamento a atividades de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (P,D&I): (i) subvenção
econômica a empresas; fomento para projetos em parceria entre instituições de pesquisa e
empresas; participação acionária em empresas de base tecnológica e crédito para empresas.
Os agentes executores são a FINEP, vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e
Inovação (MCTI) e o Banco Nacional Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
O Plano Inova Empresa terá um comitê gestor formado pela Casa Civil da
Presidência da República, pelos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Indústria,
Desenvolvimento e Comércio Exterior, e da Fazenda, além da recém-criada Secretaria da
Micro e Pequena Empresa e tem, ainda, a participação ainda de outros oito ministérios: Saúde,
Defesa, Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Educação, Trabalho e Emprego,
Comunicações, Minas e Energia e Meio Ambiente.
Entre as ações a serem incentivadas nos sete eixos estratégicos estão:
(i) Agropecuária e Agroindústria: insumos; mecanização e agricultura de
precisão; genética; rastreabilidade, planejamento e controle de produção agropecuária;
sanidade agropecuária e bem-estar animal; equipamentos, tecnologia de alimentos e
embalagens com novas funcionalidades;
(ii) Energia: redes elétricas inteligentes; veículos híbridos e eficiência
energética veicular; tecnologias para gaseificação da biomassa;
(iii) Petróleo e gás: tecnologias para a cadeia do pré-sal e para a exploração
do gás não convencional;
(iv) Saúde: investimentos em oncologia e biotecnologia; equipamentos e
dispositivos médicos;
(v) Defesa: propulsão espacial, satélites e plataformas especiais; sensores
de comando e controle;
(vi) Tecnologia da Informação e Comunicação: computação em nuvem,
mobilidade e internet; semicondutores e displays; softwares; banda larga e conteúdos digitais;
e,
(vii) Sustentabilidade socioambiental: combate aos efeitos de mudanças
climáticas, efeito estufa e poluentes; tratamento de resíduos, águas e solos contaminados;
redução do desmatamento da Amazônia; mobilidade e transportes sustentáveis; saneamento
ambiental.
104
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
3.
O “PLANO INOVA EMPRESA” NO SETOR DE ENERGIA COMO EXEMPLO
DE SUSTENTABILIDADE ECONÔMICA E SOCIAL
O Plano de Ação Conjunta Inova Energia é uma das espécies do gênero
“Inova Empresa”, iniciativa destinada à coordenação das ações de fomento à inovação e ao
aprimoramento da integração dos instrumentos de apoio disponibilizados pelo BNDES, pela
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), e pela Financiadora de Estudos e Projetos
(FINEP) com as seguintes finalidades:
(i) apoiar o desenvolvimento e a difusão de dispositivos eletrônicos,
microeletrônicos, sistemas, soluções integradas e padrões para implementação de redes
elétricas inteligentes (smart grids) no Brasil; (ii) apoiar as empresas brasileiras no
desenvolvimento e domínio tecnológico das cadeias produtivas das seguintes energias
renováveis alternativas: solar fotovoltaica, termossolar e eólica para geração de energia
elétrica; (iii) apoiar iniciativas que promovam o desenvolvimento de integradores e
adensamento da cadeia de componentes na produção de veículos híbridos/elétricos,
preferencialmente a etanol, e melhoria de eficiência energética de veículos automotores no
País; e, (iv) aumentar a coordenação das ações de fomento e aprimorar a integração dos
instrumentos de apoio financeiro disponíveis.
O fomento, como modalidade de intervenção incentivadora do Estado na
Ordem Econômica, aliado à seleção de Planos de Negócio no âmbito do “Inova Energia” se
destinará a cadeias produtivas ligadas às três linhas temáticas a seguir: (a) Redes Elétricas
Inteligentes (Smart Grids); (b) Veículos Híbridos e Eficiência Energética Veicular; e, (c)
Geração de Energia através de Fontes Alternativas.
As fontes “alternativas”, referencia deste trabalho, referem-se, em geral,
àquelas formas de energia fora do padrão dominante, distintas das ligadas aos combustíveis
fósseis (petróleo, carvão, gás natural e urânio), sem indicar, necessariamente, que serão
renováveis; afinal, há combustíveis fósseis alternativos, como o xisto, o gás de carvão, a turfa
e as areias oleosas. Além disso, uma energia alternativa, quando não renovável, pode ter
tantos problemas quanto as tradicionais. São os casos do xisto betuminoso, das areias oleosas
e dos combustíveis sintéticos a partir de carvão e do gás natural, que são combustíveis fósseis,
porém, pouco utilizados. (SIMIONI, 2006, p. 92).
Assim, a partir deste contexto das fontes “alternativas”, pode-se notar a
sustentabilidade como um princípio–instrumento da ordem econômica, que busca alternativas
e meios à guisa da redução da degradação ambiental. A imposição legal impõe a busca de
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
soluções alternativas aos empreendedores que minimizem os impactos negativos ao meio
ambiente. Em outros termos, a sustentabilidade é um princípio válido para todos os recursos
renováveis, não se aplicando a recursos não renováveis ou a atividades capazes de produzir
danos irreversíveis (RISTER, 2007, p. 297).
4.
A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COMO ATORA SOCIAL PRÓ-ATIVA DO
“PLANO INOVA EMPRESA”
A busca racional de um modelo de gestão de Ciência & Tecnologia (C&T)
para o setor energético exige a investigação de uma arquitetura especial, cujo domínio de
conhecimento é essencialmente acadêmico. A questão da complementaridade é complexa,
fortemente interdisciplinar e, por conseguinte, deverá exigir a articulação das instituições de
pesquisa nacionais. A existência dos fundos setoriais por si somente, configura apenas a
condição inicial necessária, todavia mais que insuficiente para equacionar racionalmente o
papel das energias renováveis no desenvolvimento sustentável do país.
Relacionada à temática das energias renováveis, o Ministério de Minas e
Energia (MME), criado pela Lei de nº 3.782, de 22 de julho de 1960, possui, em sua estrutura:
a Secretaria de Energia Elétrica (SEE), a Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento
Energético (SPE) e o Departamento de Planejamento Energético (DPE), responsável, entre
outras funções, pela elaboração do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE),1 do Plano
Nacional de Energia (PNE)2 e da Matriz Energética Brasileira,3 atividades desenvolvidas com
suporte da Empresa de Pesquisa Energética (EPE).4
1
O Plano Decenal de Expansão de energia 2019 apresenta o panorama da expansão da oferta de energia
no Brasil e os investimentos previstos para os próximos dez anos (iniciando em 2009). Cf.: BRASIL. Ministério
de Minas e Energia. Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético. Plano decenal de expansão de
energia 2019. Rio de Janeiro: Empresa de Pesquisa Energética, 2010. Disponível em:
<http://epe.gov.br/PDEE/20101129_1.pdf>. Acesso em: 5 dez. 2010.
2
O Plano Nacional de Energia (PNE 2030) tem como objetivo o planejamento de longo prazo do setor
energético do país, orientando tendências e balizando as alternativas de expansão desse segmento nas próximas
décadas. Ele é composto por uma série de estudos que buscam fornecer insumos para a formulação de políticas
energéticas segundo uma perspectiva integrada dos recursos disponíveis. Estes estudos estão divididos em
volumes, cujo conjunto forma o PNE 2030. Cf.: BRASIL. Ministério de Minas e Energia. Secretaria de
Planejamento e Desenvolvimento Energético. Plano nacional de energia 2030: geração hidrelétrica. Brasília:
MME
e
Empresa
de
Pesquisa
Energética,
v.
3,
2007.
Disponível
em:
<http://www.mme.gov.br/mme/galerias/arquivos/publicacoes/pne_2030/3_GeracaoHidreletrica.pdf>.
Acesso
em: 5 dez. 2011.
3
A Matriz Energética Brasileira 2030 compõe, com o Plano Nacional de Energia 2030 (PNE 2030), o par
de relatórios principais que consolidam os estudos desenvolvidos sobre a expansão da oferta e da demanda de
energia no Brasil nos próximos 25 anos (iniciando em 2005). Cf.: BRASIL. Ministério de Minas e Energia.
Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento Energético. Matriz energética nacional 2030. Brasília: MME e
Empresa
de
Pesquisa
Energética,
2007.
Disponível
em:
106
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), autarquia em regime
especial, vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), foi criada pela Lei nº 9.427, 26
de dezembro de 1996. O artigo 2º desta Lei diz que a Agência tem por finalidade regular e
fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em
conformidade com as políticas e diretrizes do Governo Federal. Assim, considerando-se a
política energética nacional, pode-se afirmar que é de sua competência, por exemplo:
incentivar o combate ao desperdício de energia no que diz respeito a todas as formas de
produção, transmissão, distribuição, comercialização e uso da energia elétrica; estimular e
participar das atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, necessárias ao setor de
energia elétrica; estimular e participar de ações ambientais voltadas para o benefício da
sociedade, bem como interagir com o Sistema Nacional de Meio Ambiente, em conformidade
com a legislação vigente, atuando de forma harmônica com a Política Nacional de Meio
Ambiente.
A ANEEL é a responsável pela análise, aprovação, acompanhamento e
fiscalização dos programas de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) das empresas do setor,
podendo inclusive delegar estas tarefas para consultores ad hoc, empresas pré-qualificadas,
órgão de fomento à pesquisa e agências estaduais de regulação, por meio de contratos ou
convênios de cooperação. As empresas proponentes dos projetos de P&D podem desenvolver
as pesquisas sozinhas ou em conjunto com organizações de pesquisa, universidades, empresas
de consultoria ou fabricantes de equipamentos ou materiais do setor elétrico. Além do envio
dos projetos principais, as empresas proponentes podem enviar projetos-reserva, contanto que
não exceda a 20% do limite mínimo de recursos estabelecido para seus respectivos programas
de P&D.
O Fundo Setorial de Energia (CT-Energ), administrado pela Financiadora de
Estudos e Projetos (FINEP)5 e alocado no Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e
<http://www.mme.gov.br/spe/galerias/arquivos/Publicacoes/matriz_energetica_nacional_2030/MatrizEnergetica
Nacional2030.pdf>. Acesso em: 27 nov. 2011.
4
A Empresa de Pesquisa Energética (EPE), empresa pública federal, vinculada ao Ministério de Minas e
Energia, criada pelo Decreto nº 5.184, de 16 de agosto de 2004, tem por finalidade prestar serviços na área de
estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético, tais como energia elétrica,
petróleo e gás natural e seus derivados, carvão mineral, fontes energéticas renováveis e eficiência energética,
dentre outras. Cf.: artigo 2º da Lei nº 10.847, de 15 de março de 2004.
5
A Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), empresa pública, vinculada ao Ministério de Ciência e
Tecnologia (MCT), nos termos do Decreto nº 1.361, de 1º de janeiro de 1995, foi criada em 24 de julho de 1967,
para institucionalizar o Fundo de Financiamento de Estudos de Projetos e Programas, criado em 1965. Tem
como missão promover e financiar a inovação e a pesquisa científica e tecnológica em empresas, universidades,
institutos tecnológicos, centros de pesquisa e outras instituições públicas ou privadas, mobilizando recursos
financeiros e integrando instrumentos para o desenvolvimento econômico e social do país. Disponível em: <
http://www.finep.gov.br/estatuto/estatuto.asp>. Acesso em: 29 dez. 2011.
107
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Tecnológico (FNDCT),6 é destinado a estimular a pesquisa e inovação voltadas à busca de
novas alternativas de geração de energia, com menores custos e melhor qualidade; ao
desenvolvimento e aumento da competitividade da tecnologia industrial nacional, com
aumento do intercâmbio internacional no setor de pesquisa e desenvolvimento; ao fomento à
capacitação tecnológica nacional, que tenham projetos na área de energia, especialmente na
área de eficiência energética. A ênfase é dada na definição de programas de fontes de energia,
capazes de enfrentar desafios de longo prazo, com redução do desperdício.
7
Tem como
principal fonte de financiamento o montante mínimo de 0,50% (cinqüenta centésimos por
cento) sobre a receita operacional líquida (ROL) das concessionárias e permissionárias de
serviços públicos de distribuição de energia elétrica.8
A atuação da FINEP tem mobilizado instrumentos financeiros de distintas
naturezas: aporte de recursos financeiros não reembolsáveis para instituições de pesquisa e
organizações públicas e privadas sem fins lucrativos;9 financiamento, em condições mais
favoráveis que as de mercado, para empresas emergentes de base tecnológica; e, aporte de
capital de risco, no qual a agência participa do risco do empreendimento. Legislação recente
veio acrescentar a esses mecanismos a possibilidade de subvenção econômica a empresas
brasileiras (GUIMARÃES, 2006, p. 46).
No que diz respeito à integração de instrumentos e de descentralização, por meio
dos programas e editais com participação da FINEP, já é possível se candidatar a uma parcela
dos R$ 30 bilhões anunciados pelo Governo Federal. Para facilitar o alcance dos recursos e
desenvolver potencialidades locais, a FINEP redesenhou sua política de financiamento e está
6
Instituído em 31 de julho de 1969, o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
(FNDCT) é destinado a financiar a expansão do sistema de Ciência & Tecnologia (C&T), tendo a FINEP como
sua
secretaria
executiva
desde
1971.
Disponível
em:
<http://www.finep.gov.br/o_que_e_a_finep/a_empresa.asp?codSessaoOqueeFINEP=2>. Acesso em: 29 dez.
2011.
7
Para informações detalhadas sobre o CT-Energ, ver diretrizes estratégicas, disponíveis em:
<http://www.mct.gov.br/upd_blob/0006/6292.pdf>. Acesso em: 28 dez. 2010.
8
Conforme inciso I do artigo 1º da Lei nº 12.212, de 20 de janeiro de 2010, que dispõe sobre a Tarifa
Social de Energia Elétrica; altera as Leis nº 9.991, de 24 de julho de 2000; 10.925, de 23 de julho de 2004;
10.438, de 26 de abril de 2002; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, seção 1, 21 jan.
2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12212.htm#art11>. Acesso
em: 24 nov. 2010.
9
A Lei nº 10.973, de 02 de dezembro de 2004, que dispõe sobre incentivos à inovação e à pesquisa
científica e tecnológica no ambiente produtivo, também regulou a categoria jurídica de subvenção econômica
para projetos de inovação em empresas, que consiste na concessão de recursos financeiros não reembolsáveis
diretamente às empresas para financiamento de despesas de custeio de projetos de Pesquisa, Desenvolvimento e
Inovação (P&D&I). Cf.: MATTOS, Paulo Todescan Lessa. O sistema jurídico-institucional de investimentos
público-privados em inovação no Brasil. Biblioteca Digital Revista de Direito Público da Economia (RDPE),
Belo
Horizonte,
ano
7,
nº
28,
out./dez.
2009.
Disponível
em:
<http://www.editoraforum.com.br/bid/bidConteudoShow.aspx?idConteudo=64266>.
Acesso em: 21 nov. 2010.
108
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
apostando na integração de instrumentos (próprios e com outras instituições) e na
descentralização da aplicação financeira.
Uma das novas ações é o Inova Energia – iniciativa conjunta da FINEP, BNDES
e ANEEL com R$ 3 bilhões em recursos totais. O objetivo é selecionar planos de negócios de
empresas brasileiras que contemplem projetos de inovação ligados ao setor energético.
(ANEEL, Plano de Ação Conjunta Inova Energia, 2013, p. 6).
Já a política de descentralização empreendida pela Financiadora ganhou
mais um componente com o lançamento do INOVACRED. Por meio desse programa, a
FINEP está selecionando agentes financeiros (Bancos de Desenvolvimento, Agências
Estaduais de Fomento e Bancos Estaduais Comerciais com carteira de desenvolvimento),
descentralizando a atividade de crédito. Cada agente terá recursos disponibilizados no valor
de até R$ 30 milhões para o financiamento de empresas com receita operacional bruta de até
R$ 90 milhões. A meta é, em cinco anos, financiar quase duas mil empresas inovadoras
(FINEP, 2013, p. 2).
Uma ação de integração de instrumentos e instituições já acontece no Inova
Petro, programa que envolve recursos da FINEP (nas modalidades de crédito, subvenção
econômica e cooperativo ICT-Empresa) e do BNDES, e conta com apoio técnico da
Petrobras. Já o TECNOVA, também lançado em setembro de 2012, conta com R$ 190
milhões (recursos da subvenção econômica) para aplicação em micro e pequenas empresas.
Ele irá possibilitar o desenvolvimento de novos produtos, serviços e processos que agreguem
valor aos negócios e ampliem seus diferenciais competitivos. O programa será operado por
parceiros descentralizados em cada estado da Federação a partir de uma carta convite da
FINEP (2013, p. 4).
109
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
5.
A RESPONSABILIDADE SOCIAL ENERGÉTICA NA CONCRETIZAÇÃO DOS
OBJETIVOS DA REPÚBLICA
Resultados negativos das relações, que se estabelecem entre a exploração da
atividade econômica irresponsável e os processos de expansão dos mercados, contribuem
decisivamente para a exposição da capacidade de regulação à uma particular qualidade de
conflito, tipicamente associado a contextos de insegurança e incompreensão. A capacidade e a
eficácia regulatória do Estado convivem cotidianamente com a difícil tarefa de modificar,
adequar e compatibilizar as próprias condições de governabilidade, perante a necessidade de
conciliar e garantir a proteção do desenvolvimento econômico e da capacidade de inovação
tecnológica, com a proteção do ambiente (AYALA, 2010, p. p. 323-324).
Assim, embora seja costumeira a alusão à “regulação econômica”, isso não
significa que a regulação seja dotada de uma única dimensão. Isso significa que a regulação
(notadamente por indução – como modalidade de intervenção indireta do Estado) não só pode
como deve corresponder, também, à promoção de valores socioais.
Nesse sentido, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
exposto no artigo 225 da CF/88, se faz presente como princípio a ser respeitado pela atividade
econômica, no inciso VI do artigo 170, também da CF/88.10 A positivação deste princípio
ilumina o desenvolver da ordem econômica, impondo sua sustentabilidade (DERANI, 2008, p.
277).
Neste ponto, Fabiane Lopes Bueno Netto BESSA observa que se a regulação é
importante, as estratégias de regulação não são menos fundamentais, pois elas dependem dos
resultados pretendidos com a atividade reguladora. E a própria definição de estratégias deve
levar em conta a capacidade financeira e institucional dos Estados e a capacidade de
congregar esforços da sociedade civil e do próprio mercado para conciliar e otimizar técnicas,
recursos e o empenho coletivo, necessário à implementação. Tais estratégias, segundo a
mesma autora, “variam conforme o tipo de estímulo, desestímulo ou repressão utilizados na
tentativa de orientar o comportamento dos mercados” (2006, p. 189-190).
Na mesma direção sobre a responsabilidade social da empresa, Antônio Augusto
Cançado TRINDADE (1993, p. 172) refere-se à dimensão temporal da sustentabilidade. Com
10
Artigo 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem
por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios: VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto
ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 42, de 19.12.2003). Cf.: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.
Promulgada em 05 de outubro de 1988.
110
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
efeito, um de seus elementos essenciais é a obrigação geral básica de se voltar para o futuro.
No reconhecimento e na asserção das exigências da sobrevivência e dos princípios e valores
comuns superiores e das responsabilidades comuns, poder-se-ia testemunhar a noção em
evolução no direito internacional contemporâneo, segundo a qual as obrigações e as
capacitações não são mais atributos únicos dos Estados, mas são atinentes em primeiro lugar e
sobretudo aos seres humanos e aos povo (RISTER, 2007, p. 297).
Consequentemente, pode-se dizer, também, trata-se de uma norma que deve ser
observada tanto pelo Poder Público, quanto pela coletividade, instituindo o constituinte um
sistema de responsabilidades compartilhadas que pode ser visualizado tanto sob a ótica do
dever fundamental de proteção ambiental (dever dos cidadãos) como sob a perspectiva do agir
integrativo da administração (dever dos cidadãos e tarefa estatal). Com a previsão
constitucional de participação pública, destacam José Rubens Morato LEITE e Heline Sivini
FERREIRA (2010, p. 24) que se desenvolve, por meio deste canal da sustentabilidade
econômica e social em face do Direito, uma nova concepção de cidadania, pautada na
responsabilidade e distinta daquela que se exercia passivamente por uma sociedade
condicionada a processos centralizadores.
6.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em resposta à problemática apresentada, podem ser extraídas algumas
conclusões articuladas, com as quais se pretende contribuir para o debate desse importante
tema da atualidade:
- o caráter diferencial do direito ao desenvolvimento, entre outros aspectos,
se concentra na singularidade do fenômeno da constitucionalização dos ordenamentos
jurídicos contemporâneos, promovido ante uma Constituição Cidadã que, nestes 25 anos,
reforça seu caráter principiológico, pautado pela defesa da dignidade da pessoa humana, da
busca da igualdade social, da livre iniciativa, da função social da empresa e, também, da
sustentabilidade econômica e social;
- suporte do princípio do desenvolvimento com sustentabilidade, decorre do
caput do art. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, segundo o qual
“todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
111
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever
de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”;
- identifica-se o fomento público como um grande canal entre a
Administração Pública pró-ativa e empresas responsáveis, levando-se em conta a
concretização de metas econômicas e sociais;
- a busca de um modelo de investimento para o setor energético exige a
investigação de uma arquitetura especial, cujo domínio de conhecimento perpassa pela crítica
acadêmica; e, também, pelos pontos de formação dos planos, objetos de execução tanto de
empresas responsáveis quanto da chamada Administração Pública pró-ativa;
- a existência de investimento em inovação para elevar a produtividade e a
competitividade da economia brasileira, por meio da ampliação do patamar de investimentos,
como maior apoio para projetos de risco tecnológico e, principalmente, com o fortalecimento
das relações entre empresas, ICTs e Administração Pública;
- como concepção e definição de áreas estratégicas para o desenvolvimento,
objetivo da República Federativa do Brasil, destacam-se: fomento a planos de inovação
empresariais; descentralização do crédito e da subvenção econômica para médias e pequenas
empresas; e, novo modelo de fomento à inovação com a articulação de programas de diversas
instituições públicas, uso coordenado dos instrumentos: crédito, subvenção, renda variável e
não-reembolsável, bem como gestão integrada para todas as modalidades de participação no
programa;
- a título de exemplo empírico, pode-se observar o Plano Inova Energia,
para o desenvolvimento de redes elétricas inteligentes, transmissão de energia em ultra alta
tensão, energias alternativas (fotovoltaica e heliotérmica), destaque desta pesquisa e veículos
híbridos e eficiência energética veicular, todos relacionados ao contexto da sustentabilidade
econômica e social para o desenvolvimento.
Por fim, vale notar que o mesmo contexto do “Plano Inova Empresa” pode
promover estratégias de inovação, decorrentes das demandas empresariais, fortalecendo a
produtividade e a competitividade da indústria, estimulando instituições de PD&I a realizar
112
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
prospecção de projetos empresariais e arranjos cooperativos para inovação, estabelecendo,
também um ambiente favorável à formação e capacitação de recursos humanos por meio da
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116
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
RESPONSABILIDADE JURÍDICA SOCIAL EMPRESARIAL (RJSE): ÉTICA
EMPRESARIAL E DEONTOLOGIA, NO DIÁLOGO ENTRE AS NORMAS DE
MERCADO E AS NORMAS JURÍDICAS
CORPORATE SOCIAL RESPONSIBILITY LEGAL (CSRE): BUSINESS ETHICS AND
DEONTOLOGY ON THE DIALOGUE BETWEEN THE RULES MARKET AND
LEGAL STANDARDS
“Ele [HILEL] costumava dizer: Se eu não for por mim, quem será por mim?
Mas se eu for apenas por mim mesmo, o que eu sou? E se não agora, quando?” Pirkei Avot, 2:17
Ana Cecília Parodi1
Viviane Coêlho de Séllos Knoerr2
RESUMO
Responsabilidade jurídica social empresarial designa uma metodologia de estudos que coliga as normas de mercado e as
normas jurídicas, estabelecendo diálogos pró-efetividade cogente da deontologia de condutas administrativas e
consensuais. Consiste em um campo de estudos que congrega a métrica da responsabilidade social empresarial e do
desenvolvimento sustentável com o marco jurídico regulatório, na busca por conferir maior efetividade para as normas
consensuais, que por natureza não possuem cunho legislativo e, portanto, não podem ser reclamadas judicialmente. O
princípio constitucional da dignidade da pessoa humana e o solidarismo ético são a base para esse cotejo; contudo, maior
utilidade é prospectada quando a regra de mercado encontra consonância com um dispositivo de lei regulamentar, para
que a generalidade de um preceito não o torne impraticável e desprovido de efetividade no cotidiano das relações jurídicas.
Essas novas demandas deontológicas são próprias da Contemporaneidade, opondo-se a uma visão individualista e
instrumentalista da Modernidade. Empresas são formadas por pessoas; agir de modo responsável é um dever de cada
cidadão.
PALAVRAS-CHAVE: Responsabilidade jurídica social empresarial. Deontologia. Dignidade da Pessoa Humana.
ABSTRACT
Corporate social legal responsibility designates a methodology of studies that connects the rules of market and legal
norms, establishing dialogues pro-effectiveness of the cogency of ethics conduct administrative and consensual. It
consists in a field of studies that brings the metric of corporate social responsibility and sustainable development
with the regulatory legal framework, seeking to confer greater effectiveness for consensual norms, which by nature
have no stamp legislature and therefore not may be claimed in court. The constitutional principle of human dignity
and ethical solidarism are the basis for this collation, however, there is greater utility when the market rule is
consistent with a legal standard in order that the generality of a legal precept not make him become impractical and
lacking in daily effectiveness of legal relations. These new demands are peculiar conduct of contemporary times, as
1
Doutoranda em Direito Civil (USP). Membro externo do Grupo de Pesquisa “Direito Empresarial e Cidadania no Século XXI”, liderado pela Professora Dra.
Viviane Coêlho de Séllos Knoerr, no UNICURITIBA, onde cursa disciplina na qualidade de aluna especial. Mestre em Direito Econômico e Social (PUCPR).
Especialista em Direito Civil e Empresarial (PUCPR) e em Direito Aplicado (EMAP-PR). Advogada. E-mail: [email protected]
2
Doutora em Direito do Estado / Direito Constitucional (PUC/SP). Líder do Grupo de Pesquisa “Direito Empresarial e Cidadania no Século XXI”, registrado no
CNPQ. Mestre em Direito das Relações Sociais/Direito das Relações de Consumo (PUC/SP). Especialista em Direito Processual Civil (PUCCAMP). Advogada.
Professora e atual Coordenadora do Programa de Mestrado em Direito Empresarial e Cidadania do UNICURITIBA. E-mail: [email protected]
117
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
opposed to an individualistic and instrumentalist of Modernity. Enterprises are made up of people; act responsibly is
a duty of every citizen.
KEYWORDS: Corporate social legal responsibility. Deontology. Human dignity.
1 INTRODUÇÃO
Responsabilidade jurídica social empresarial é uma terminologia cunhada na dissertação
intitulada “A função profilática da responsabilização civil consumerista e desenvolvimento
sustentável”, tendo ganhado relevo acadêmico através das pesquisas desenvolvidas a partir de 2008,
no Projeto CAPES “Livre Iniciativa e Dignidade Humana”, do Programa de Mestrado em Direito do
Centro Universitário de Curitiba – UniCuritiba.
Designa uma metodologia de estudos que coliga as normas de mercado e as normas jurídicas,
estabelecendo
diálogos
pró-efetividade
cogente
da
deontologia
de
condutas
administrativas/consensuais.
A Constituição Federal de 1988, denominada Constituição Cidadã, pelo deputado
constituinte Ulysses Guimarães (como é de notório conhecimento), foi elaborada com base em
sólidos fundamentos éticos, resumíveis, em última instância, na proteção da dignidade da pessoa
humana. O personalismo ético positivado constitucionalmente determina o rumo social prospectado,
os caminhos que devem ser trilhados para o atingimento e manutenção de uma sociedade livre, justa
e solidária.
Esse paradigma ético jurídico afeta, direta e hermeneuticamente, a todas as relações jurídicas,
impondo o seu exercício de maneira socialmente funcionalizada, na esteira de Norberto Bobbio.
Além das delimitações impostas pelo artigo 170 da Constituição Federal, a ideologia do
personalismo ético, posto que positivada, obriga a um exercício funcionalizado (pela promoção da
dignidade da pessoa humana) do direito à livre iniciativa.
Responsabilidade social empresarial não é uma tendência de marketing ou simplesmente a
“nova onda mercadológica”; assim como o desenvolvimento sustentável, consolida modos éticos e
eficientes de gestão e de condutas, que são medidos em vários tipos de normas estabelecidas pelos
setores econômicos, com a intenção de pacificar os processos de produção e transação. Contudo, por
não se tratarem de produtos legiferados, por mais virtude que contenham, a violação dessas normas
118
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
não são, em regra, passíveis de questionamento judicial. Contudo, é fato que o Direito tem
acompanhado, ainda que com sua própria dicção, o anseio social por uma correção de parâmetros,
como proposta de solucionamento para as contemporâneas demandas das caóticas urgências da
sócio-ambientalidade. É neste ponto que emerge a intersecção entre os marcos regulatórios, alçando
ao plano da efetividade jurídica a norma consensual, ainda que tal união se dê pelo conteúdo
regulado (redução das desigualdades no meio ambiente laboral, a proteção do funcionário em fase de
aposentadoria, por exemplo). O fundamental é a consciência ética que impulsiona a criação dessas
normas, contudo não se contentando com o delineamento ético, mas efetivamente regulando a praxis
dos problemas pontuais.
São os objetivos deste artigo registrar o marco teórico das contemporâneas demandas éticas
que afetam ao exercício do direito à livre iniciativa, tanto no aspecto do personalismo constitucional,
quanto nas exigências sociais e de mercado, bem como registrar da racionalidade metodológica
proposta, nomeada “Responsabilidade Jurídica Social Empresarial”, adotando como metodologia a
revisão bibliográfica.
2 DA ESTRUTURA À FUNÇÃO SOCIAL – O PERSONALISMO/SOLIDARISMO E SEU
EFEITO TRANSFORMADOR SOBRE AS RELAÇÕES JURÍDICAS
CONTEMPORÂNEAS: APONTAMENTOS CONSTITUCIONAIS DEONTOLÓGICOS
Os documentos mais remotos testificam que a sociedade antiga valorizava, na essência, o
mesmo conteúdo ético que hoje remanesce valorizado, guardadas, por certas, as necessárias ressalvas
evolutivas, tanto de interesses, quanto de métodos. Afinal, se o Homem sempre almejou as mesmas
garantias, é certo que grandes foram as lutas pela igualdade entre os sujeitos de direito, a fim de que
todos pudessem ter acesso ao mesmo “mínimo jurídico” (ROSANVALLON, 1997) – ainda que
formalmente –, derrubando ao máximo as categorizações que, injustamente, distinguissem as
pessoas. Batalhou-se pelo firmar dos valores, na Revolução Gloriosa; pela abolição da escravatura e
do comércio de seres humanos; pelo sufrágio universal; pela proteção dos trabalhadores; pela
autonomia feminina; pela defesa da propriedade privada; pela efetividade das garantias
fundamentais.
E ainda que muitas investidas sociais mereçam destaque, de toda sorte é mister que se
estabeleça um marco histórico, divisor de águas não apenas temporal, mas notadamente social e
jurídico, a saber, a Revolução Francesa, donde emerge o tripé assecuratório – Liberdade, Igualdade e
119
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Fraternidade – constituto da Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão. Tríade esta que é o
fundamento teórico de outras relevantes declarações internacionais, vindo a embasar tratados e cartas
políticas em geral.
Norberto Bobbio (1992, p. 6), na Era dos Direitos, afirma que os direitos fundamentais são
históricos, nascidos das circunstâncias sociais, associando-os, ab initio, a denominadas três gerações,
correlacionadas ao referido tripé francês3.
Assim, tem-se a primeira geração – liberté – associada aos direitos garantidores da liberdade
individual dos sujeitos de direito e um não agir do Estado; a segunda geração – égalité – direitos
sociais, contemplados nas cartas políticas democráticas, portanto, correspondendo a uma ação
positiva estatal; e, por fim, quanto à terceira geração – fraternité – diz o autor ainda ser uma categoria
heterogênea, em pleno desenvolvimento conceitual, sendo composta por garantias diferenciadas, de
natureza difusa ou coletiva, denominadas também de “direitos solidários”4, havendo a necessidade da
gestão jurídica da comunidade, em prol do estabelecimento de boas condições gerais de vida, mas
igualmente repartindo, entre todos, a responsabilidade por tal atingimento5.
As lutas sociais também se enquadram nestas mesmas três categorias, pois, evolutivamente,
muitas dessas batalhas se repetem, ainda que com tônica diversa: da conquistada liberdade para
formação e dissolução de família, busca-se a igualdade do exercício de símile direito a casais
homoafetivos; da garantia de aquisição de propriedade privada, passa-se ao debate tanto de seu
exercício regular desprovido de ofensa às comunidades excluídas, quanto à legitimidade de
apropriação e do uso dos recursos naturais. Dantes se conquistou a plena liberdade de contratar; hoje,
o Estado opera em intervenção legítima sobre a vontade dos particulares, delimitando-a em função
do interesse coletivo. Ou seja, na dicção de Bobbio (2007, p.53/113), caminha-se da estrutura para a
função.
As necessidades éticas se adéquam às demandas impostas pelas características da
sociedade no tempo, impulsionando o revisionismo legislativo, assim como o surgimento de
3
O autor também menciona a quarta geração de direitos e já existem estudos doutrinários ligando uma quinta
geração aos direitos digitais. Lorenzetti, por seu turno, aduz a existência dos direitos de 5ª geração, associando-os ao
direito digital e contratos eletrônicos. A esse respeito: LORENZETTI, Ricardo Luis. Comércio Eletrônico. Ed.
Revista dos Tribunais. 2004.
4
A doutrina tem reconhecido que o princípio da solidariedade nada mais é do que uma versão atualizada da ideia
francesa de fraternidade. A respeito do assunto v., por todos, Michel BORGETTO, La notion de fraternité em droit
public français. LGDJ, Paris, 1993.
5
A exemplo do direito de se habitar em um mundo não poluído, com o correlato dever de não poluir, extensível, ambos,
aos particulares e pessoas públicas, indivíduos e coletividades.
120
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
novas doutrinas jurídicas e a inovação nos demais campos do Conhecimento1. Ademais,
fenomenologicamente, presencia-se o fim das dicotomias extremadas no Direito, fazendo cair no
obsoleto as distinções solidificadas em “Direito Público e Privado”.
Nos antecedentes fáticos, tem-se que a autonomia da vontade6 se tornou a vedete das
figuras jurídicas a partir de Napoleão, consagrando-se sobre a ingerência do Estado. Mas a
Revolução Francesa deu lugar à Revolução Industrial, e uma brusca alteração nos regimes de
trabalho afetou, perenemente, até a estrutura da célula familiar, desvirtuando a ideologia da
igualdade formal entre os indivíduos, por ter sido posta a serviço do lucro exorbitante,
avassalando a necessária liberdade real entre os partícipes da relação negocial e requerendo do
Estado uma “flexibilização” da ideia de abstencionismo estatal, ou seja, a percepção de Estado
Liberal. Como é notório, dizia Lacordaire (1802-1861), “entre o forte e o fraco, é a lei que liberta
e a liberdade que escraviza”. Inicia-se, a partir destas circunstâncias históricas – inauguradas por
ocasião da Revolução Industrial e consolidadas a partir da 1ª Grande Guerra – o agonizar do
papel do Estado assistente, no sentido de mero expectador.
O Século XX seria construído sobre a carcaça do modelo humanista, guardando as
sombras do Iluminismo. Do lucro vil às guerras, vê-se que o exercício irrefreado das liberdades
individuais havia levado a sociedade mundial a graves desequilíbrios, notadamente porque
prevalecera a Liberdade sobre a Igualdade – o conferimento de privilégios e oportunidades mais
benéficos aos mais poderosos, regando a semente da injustiça social, que, no fim do dia, é ainda
mais prejudicial para a própria classe dominante, em um ciclo vicioso.
O retrocesso do desenvolvimento humano precisou ser bruscamente freado por corajosos
movimentos sociais, inconformistas do status quo, no enfrentamento dos poderosos gigantes
estatais e privados, com destaque para as feministas, os trabalhistas, os pacifistas e defensores
dos direitos humanos, dentre outros; além do nascimento de importantes entidades, como a Cruz
Vermelha Internacional. A coroação das vitórias se dá em 1948, pela aprovação das já
mencionadas Declarações que, na porção em que cominam preceitos idênticos aos napoleônicos,
na verdade reafirmam as garantias básicas, dantes conquistadas a preço de sangue, mas abafadas
pelo suor dos trabalhadores nas fábricas e pelo totalitarismo dos Estados.
6
Atualmente a melhor expressão para explicar tal instituto é a de ‘autonomia privada’, visto que aquela expressão
designava um valor excessivo à vontade, como se fosse, o que a história demonstrou que não era, verdadeira fonte
do direito. A expressão ‘’autonomia da vontade’’ contudo, é a que melhor expressa a visão de mundo existente por
ocasião do estado liberal.
121
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
A queda das dicotomias extremadas entre o Direito Público e o Privado foram, de certa
forma, uma resposta aos efeitos jurídicos decorrentes da Revolução Industrial, gerando focos de
intervencionismo estatal – a fim de equilibrar as desigualdades –, fruto de reclames sociais, de
forma a limitar o poder coercitivo dos fortes, impedindo, como diria João Calvão da Silva (2006,
p. 50) “que os mais fracos sejam obrigados a querer o que os mais fortes são livres de lhes
impor”. Por outro lado, a esta socialização do Direito Privado7 mais à frente, já no final do
Século XX, contrapõe-se uma privatização do Direito Público.
De quem é a necessidade da ética? De acordo com a Constituição Federal, de toda a
Sociedade. Para que a ética é necessária? Para a realização do desenvolvimento em sentido
amplo (ONU, 1986). Eis alguns objetivos constitucionais específicos.
PREÂMBULO: Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia
Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o
desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na
ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos,
sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL. TÍTULO I - Dos Princípios Fundamentais - Art. 1º A
República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem
como fundamentos: [...] II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; [...] Art. 3º
Constituem OBJETIVOS FUNDAMENTAIS da República Federativa do Brasil: I construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento
nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais
e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor,
idade e quaisquer outras formas de discriminação. (g.n.)
Esse compêndio ético afeta diretamente ao exercício do direito à livre iniciativa:
TÍTULO VII - Da Ordem Econômica e Financeira - CAPÍTULO I - DOS PRINCÍPIOS
GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA - Art. 170. A ordem econômica, fundada na
valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos
existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes
princípios: I - soberania nacional; II - propriedade privada; III - função social da
propriedade; IV - livre concorrência; V - defesa do consumidor; VI - defesa do meio
ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental
dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; VII - redução das
desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego; IX - tratamento
favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que
tenham sua sede e administração no País. Parágrafo único. É assegurado a todos o livre
exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de
órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.
7
Expressão criticada por João Calvão da Silva (2006, p. 46).
122
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
E afeta todas as relações jurídicas, por meio da funcionalização hermenêutica das figuras
jurídicas, na busca por sua adequação ao pilar da Fraternidade jurídica, também conhecida como
solidarismo ético, valor fundante de toda a Constituição Federal e que se espraia por todo o
“sistema” jurídico, de modo a afetar e conduzir a interpretação prática de todas as leis
positivadas, de todas as figuras jurídicas reguladas, visando à consecução da efetividade do
princípio da dignidade da pessoa humana.
É louvável que a Constituição de 1988 tenha materializado, ao menos no alcance parcial
legislativo, o contrato de uma sociedade preocupada mais com o ser do que com o ter, onde seja
reconhecida efetivamente a dignidade humana. Em suma, nas palavras de Delpérée (1999, p. 162)
“[...] o respeito que merece o homem. A dignidade não se reclama, nem tampouco se negocia. Ela se
impõe, [...] absoluta, para que a vida seja digna de ser vivida”. Mas continua a enfrentar desafios,
notadamente representados pela busca da efetividade de suas garantias fundamentais e pela
concretização de uma técnica hermenêutica constitucionalizada, que alcance a operação do Direito
como um todo, unificando-o em torno do ideal do solidarismo ético.
2.2 DA ESTRUTURA À FUNÇÃO SOCIAL.
A nomeação deste item faz menção ao título da obra de Norberto Bobbio, o magister
italiano que marcou época com sua produção sobre a função social das figuras jurídicas. A
função social é tema coligado à operacionalização da hermenêutica constitucionalizada, devendo
ser prospectada em cada relação jurídica praticada concretamente.
Fixando marco teórico, Bobbio (2007, p. 85-137) ensina que, por função se entende a
prestação continuada que um determinado órgão dá à conservação e ao desenvolvimento,
conforme um ritmo de nascimento, crescimento e morte, do organismo inteiro, isto é, do
organismo considerado como um todo. E entende que o escasso interesse pela função social, na
(então) prevalente teoria geral do Direito resta(va) vinculada ao destaque que os grandes juristas
deram às Ciências Jurídicas como um instrumento “cuja especificidade não deriva dos fins a que
serve, mas do modo pelo qual os fins, quaisquer que sejam, são perseguidos e alcançados”.
A razão positivista implica no estudo e aplicação do Direito a partir de sua estrutura,
visando a uma compreensão de sua formação, a desprezo da serventia de seu conteúdo; ou,
privilegiando a estrutura sobre a função. E para muitos autores, a exemplo de Kelsen, a análise
funcional estaria restrita à produção científica de sociólogos e filósofos, cuja visão do Direito é
123
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
exteriorizada; o jurista por sua vez, analisaria o Direito como meio e não como fim,
compreendendo-o como mecanismo de consecução da paz social, ou da segurança coletiva.
Bobbio desafia a visão kelseniana de um ordenamento coativo, passando ao entendimento
do Direito promocional, que não elide a concepção da juridicidade como um meio coativo, mas o
expande para um meio de estímulo e promoção das boas condutas, direcionando os
comportamentos para determinados objetivos preestabelecidos, cuja obtenção pode ser
prospectada de técnica legiferante que coaduna com as sanções positivas e os incentivos.
E afirma que a função do Direito – em relação à sociedade como totalidade ou em relação
aos indivíduos que dela fazem parte – não teria sentido revolucionário, se o termo “Direito” for
entendido como meio de coação, adquirindo sentido apenas se pretende falar das mudanças
sociais, que, na conformidade do mecanismo podem ser produzidas, e, portanto, dos conteúdos
políticos, econômicos e sociais que, um a um, possam vir a ser reduzidos àquela forma. Eis aí a
função social em sentido amplo, podendo se revestir de seu aspecto – ou fim – social estrito,
econômico, político, dentre outras expressões8. E assevera, ainda, o autor que as modificações
funcionais e estruturais devem ser, igualmente, alimentadas, de maneira proporcional.
A função social é um mecanismo interpretativo pré e/ou pós-efetividade, em sentido
revisional, modificando seu conteúdo classicamente conhecido ou limitando seu campo de
atuação. Busca uma nova paradigmática hermenêutica, promovendo uma travessia dos
significados modernos para os significantes contemporâneos, ancorando no solidarismo ético.
Ensina Paulo Nalin (2001, p. 125-200) que o solidarismo é um espírito, um princípio de justiça, e
não um simples regramento. Generalismo consistente, que permite, inclusive, o tutelamento das
questões genéticas; a dignidade da pessoa humana é um princípio fonte, que influencia, de modo
irrevogável, todas as relações9. Inclusive, do personalismo ético emanam novos princípios
orientadores das relações privadas, de acordo com o Código Civil Brasileiro de 2002, a saber, a
Boa-Fé (objetiva) Negocial, o Equilíbrio das Prestações, a Transparência, entre outros. Tudo se
resumindo na solidariedade, fruto do espírito ético, apregoado nesta era. Novos princípios? Nem
tanto. Mais valorizados e explicitados no ordenamento? Sem dúvida.
8
E assim, elide qualquer argumento que vise a desmerecer a existência de uma função social da empresa, como se a
mesma existisse unicamente com a missão de dar lucro para o empreendedor, visto que a concepção da função social
parte do gênero, que em si abarca a espécie social estrita e a econômica.
9
A este respeito POPP, Carlyle. O Direito em Movimento. Curitiba : Juruá, 2007. p. 62.
124
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
A salutar intervenção estatal interessa à sociedade, para que sejam regulados os limites
básicos das relações, em prol de que o equilíbrio material e moral entre as pessoas seja
preservado, visando ao atingimento do ideário ético humanista: a construção de uma sociedade
livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos. Estimula-se o comportamento solidário,
ajustado o conteúdo dos institutos à sua finalidade constitucional. O contrato deixa de ser um
mecanismo de troca, para significar um instrumento de consolidação socialmente responsável de
direitos materiais, o que equivale a dizer que a transação é efetuada sem lesão financeira ou
moral para ambas as partes, desequilíbrio que refletiria, inevitavelmente, em toda a comunidade,
a qual é natural e mecanicamente interdependente.
Solidarismo não é perfumaria, servindo a Carta Constitucional como patamar teórico
inclusive das relações privadas, donde se extraem os valores que embalam o sistema jurídico.
Para a dignificação contratual do Homem, é eleito o valor da solidariedade, como fio condutor
que refunda um contrato. A nova paradigmática atinge a todos os conceitos jurídicos, inclusive os
clássicos, impondo-lhes nova leitura.
A função social leva ao tratamento, por exemplo, do Consumo de acordo com sua
contribuição para o desenvolvimento – econômico e social, considerando a relevância vital das
transações comerciais, para o ciclo produtivo; individual e social, dada a realização pessoal que
vem associada à aquisição de utilidades ou recebimento da prestação de serviço e o valor
comunitário da socialização includente, que é inerente ao ter; e cientifico, haja vista que estimula
às novas descobertas e aperfeiçoamento tecnológico. Também se relaciona, ilustrativamente, com
a Responsabilidade Civil – porque impõe à sua essência o caráter antecedente preventivo, além do
posterior reparatório – e com a responsabilidade social e ambiental.
3 A CULTURA ÉTICA NAS RELAÇÕES NEGOCIAIS E A DEONTOLOGIA
CONTEMPORÂNEA DO DESENVOLVIMENTO E NO MERCADO
De acordo com a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento (Organização das
Nações Unidas, 1986), desenvolvimento é um direito humano inalienável, realizado, assim,
como garantia coletiva, mas também como direito próprio individual:
Reconhecendo que o desenvolvimento é um processo econômico, social, cultural e
político abrangente, que visa ao constante incremento do bem-estar de toda a população
e de todos os indivíduos com base em sua participação ativa, livre e significativa no
desenvolvimento e na distribuição justa dos benefícios daí resultantes; [...] 1. O direito
125
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual toda pessoa
humana e todos os povos estão habilitados a participar do desenvolvimento econômico,
social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar, no qual todos os direitos
humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados. 2. O direito
humano ao desenvolvimento também implica a plena realização do direito dos povos de
autodeterminação, que inclui, sujeito às disposições relevantes de ambos os Pactos
Internacionais sobre Direitos Humanos, o exercício de seu direito inalienável de
soberania plena sobre todas as suas riquezas e recursos naturais.
Bernardo Kliksberg (2010, p. 7-8) informa: “os problemas de saneamento básico do
mundo inteiro seriam reduzidos à metade com a quantia equivalente a 5 dias do orçamento
militar anual”, conforme A ética do desenvolvimento e os problemas do mundo globalizado.
Na desproporção dos valores sociais evidenciada nas práticas governamentais e de
governança empresarial se percebe que a cultura ética pessoal ou de uma comunidade não é
suficiente para dar atendimento aos problemas caóticos mundiais. Mais uma vez se retorna à
necessidade de um conteúdo ético mínimo comum. Mas como mensurá-lo, delimitá-lo ou até
mesmo impô-lo e exigi-lo, na sociedade contemporânea?
O Século XIX registrou um importante fenômeno conhecido como o retorno à laicização
social e do Estado. Se até então era possível balizar o comportamento mínimo do cidadão pelos
princípios cristãos fraternos, a partir dessa emancipação, Estado e cidadãos estão “liberados”
para agir de acordo com a sua própria consciência e autodeterminação, ainda que o elemento
volitivo levasse ao distanciamento do ideário mínimo cristão, realizando o sonho liberalista.
3.1 LIBERDADE E IGUALDADE: A LACUNA ÉTICA E O DÉBITO ESTATAL
No universo jurídico, a laicização no Estado Liberal é melhor caracterizada pelo
abstencionismo estatal da regulação dos chamados “grandes temas da vida” (aborto,
desarmamento, etc), delegando tais decisões aos instrumentos democráticos diretos, a exemplo
do referendum popular.
Neste sentido, Pierre Rosanvallon (1995) comenta a importância que a laicização operou
sobre as políticas públicas nos Estados Modernos e a relação destes com seus cidadãos, que
agora deveriam deixar de esperar a providência divina, para esperar a providência estatal. Como
anota Sacks (2008), também se operou um rompimento social com o padrão ético mínimo do
“bom samaritano” e “fazer ao próximo o que deseja para si”, deixando-se os cidadãos à vontade
para construírem seu próprio norteamento ético individuado, o que acaba por afetar a sociedade
com maior individualismo, egoísmo e consciências cauterizadas.
126
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Sobre os efeitos da crise ética sobre o caos social e ambiental, Altvater (1992, p. 142):
Há sempre questões éticas básicas em causa (Gutwirth, 1993), nas quais uma
compreensão (discursiva) ainda tem que ser gerada. As respostas para as questões éticas
básicas vão da abordagem da ‘ecologia radical’, segundo a qual ‘mesmo as pedras têm
direitos’ (Nash, 1977; Gutwirth, 1995; Martinez-Alier e Guha, 1997), à premissa
neoclássica de que cada geração tem sua própria capacidade de resolver os problemas
ambientais e de recursos que herdou.
De Rosanvallon (1995, p. 22) lê-se:
É preciso, finalmente, voltar a situar essa questão no grande movimento de laicização
política moderna. A própria expressão Estado-Providência [...] começa a aparecer por
volta de meados do século XIX, com sentido de reprovação [...] da ‘economia política
cristã’. [...] finaliza sua secularização [...] ele se dá por tarefa resgatar hic et nunc as
desigualdades de ‘natureza’ ou os infortúnios da sorte. O Estado-Providência é a última
palavra do estado leigo [...].
Jonathan Sacks (2008, p. 159-161) pontua sob a ótica do mínimo ético exigível dos
indivíduos e seus reflexos sobre a sociedade:
Os primeiros teóricos do contrato social dispunham de uma premissa segura para
articular seu raciocínio: uma cultura comum – o cristianismo – que habilitava as pessoas
a compreenderem suas obrigações morais. No século 17, a batalha se restringia apenas à
forma de cristianismo que deveria prevalecer. A política podia servir de arena a
interesses pessoais, mas tinha por contrapeso uma tradição ética que se expressava num
idioma totalmente diferente, o idioma do altruísmo e do auxílio ao próximo. A premissa
não existe mais. As sociedades pós-modernas são marcadas pela falta de consenso
moral. Contêm em si pessoas de religiões radicalmente distintas. A cultura secular, por
sua vez, praticamente abandonou o projeto de moralidade como um empreendimento da
sociedade ampla. Em vez disso, ele se tornou o exercício da autonomia – a moralidade
como escolha íntima e pessoal.
Sacks continua seu discurso, demonstrando que há diferença entre contrato e pacto social,
sendo que no primeiro, se forma um Estado e, no segundo, uma Sociedade.
Uma rápida síntese das ideias apresentadas por Mark Rowlands (2008, p. 15-19), filósofo
essencial para os estudos de diálogos entre “Direito e Artes”, traduz fundamentos do
individualismo imposto como dever, e não mais como opção, pela chamada Modernidade:
A primeira grande ideia sobre a qual se sustenta a modernidade é o que normalmente se
conhece por individualismo [...] basicamente uma ideia moral: uma ideia a respeito do
melhor tipo de vida para viver [...] aquele que compreende o autodesenvolvimento, a
auto-realização, a auto-satisfação. Por ser considerado o melhor tipo de vida, você tem
o dever ou a obrigação moral: uma obrigação para com você mesmo de viver essa vida.
[...] Em Hamlet, por exemplo, Shakespeare faz com que Polonius, depois de passar por
todas as preliminares do tipo “não empreste nem tome emprestado”, ofereça este
conselho ao filho que parte: isto acima de tudo, que teu próprio eu seja verdadeiro. [...]
As pessoas colocam seu próprio desenvolvimento, realização e satisfação em primeiro
lugar desde tempos imemoriais. O que diferencia a idade moderna, entretanto, é que as
pessoas não se sentem mais culpadas por isso. Pelo contrário [...] a auto-satisfação
127
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
deixou de ser a descrição de como as pessoas realmente vivem suas vidas para tornar-se
uma prescrição sobre como deveriam vivê-las.
Lado-a-lado com o individualismo anda o relativismo, segundo o qual “outras pessoas
têm a obrigação de não interferir” (ROWLANDS, 2008, p. 17), para que o indivíduo possa
cumprir com a sua “obrigação” de autorrealização. Atinge-se, então, o aparente ponto de
equilíbrio: a tolerância.
Você faz o que tem que fazer, e deixa que todo mundo faça o que tem que fazer. E a
única razão para que haja interferência na vida dos outros é se o que eles tiverem que
fazer para se satisfazerem impedir que você faça o que tem que fazer para se satisfazer.
Aí, é claro, você tem um problema. Mas, tirando isso, a ideia é basicamente, viver e
deixar viver. (ROWLANDS, 2008, p. 17)
É provável que a principal demanda ética trazida pela Modernidade, esteja contida em
seu quarto componente, denominado oportunamente de instrumentalismo.
A racionalidade instrumental é a argumentação que leva em conta os meios e os fins.
Você quer alguma coisa. Qual é a melhor forma de consegui-la? A racionalidade
instrumental é o que vai lhe dizer como conseguir o que você quer. Os meios são
instrumentos – ferramentas – para alcançar os fins. A redução de todas as decisões da
vida ao cálculo dos meios e dos fins é também um traço característico da modernidade.
As outras pessoas da sua vida são avaliadas de acordo com o que trazem para a sua vida
em relação ao que você tem que colocar na vida delas para mantê-las em sua vida. Elas
são reservas – financeiras, sexuais, emocionais ou de entretenimento [...] os
relacionamentos se reduzem ao que você tem em relação ao que você dá – um tipo
clássico de cálculo dos meios e dos fins. E isso não apenas em relação às pessoas. Uma
característica da idade da modernidade é fazer da própria natureza uma reserva. O
mundo se transforma num acúmulo de reservas naturais, e o que fazemos pelo mundo
se transforma numa questão do que o mundo pode fazer por nós. (ROWLANDS, 2005,
p. 17-18)
Em esteira concludente, o mundo moderno e o contemporâneo romperam formalmente
com o mínimo ético-moral do passado, fator que também gera novas demandas sociais de
padronização de condutas, implicando em debates que afetam tanto os limites da
responsabilidade social, quanto das funções sociais das figuras jurídicas, porque atingem a
construção do pacto social, pela distribuição de obrigações – a entes de toda natureza – dentro do
discurso do contrato social.
3.2 FRATERNIDADE: AS DEMANDAS DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DA
RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL (RSE)
128
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Visto que o individualismo e o instrumentalismo são marcos da modernidade fulcrada na
Liberdade e na Igualdade, por seu turno a Contemporaneidade traz a urgência pela
implementação da sociedade fraterna.
Os modelos econômicos moderno e contemporâneo afetaram não apenas os modos de
produção e de circulação de produtos, assim como de prestação de serviços, mas também
modificaram as urgências e o caos reflexos da insustentabilidade inerente a esses modelos.
Logicamente,
à
internacionalização
do
caos
segue-se
a
necessidade
da
internacionalização da abordagem e de soluções, panorama constatado por lideranças e
organismos internacionais há mais de 05 décadas. Uma das diversas formas de se verificar esse
fato são as cooperações para o estabelecimento de conceitos e de metas atinentes ao
desenvolvimento sustentável e à responsabilidade social empresarial.
Desde a década de 1960, iniciam-se estudos científicos implementados ao redor do
mundo, inclusive sob patrocínio e/ou cooperação da ONU, com o objetivo de investigar e debater
as principais causas do problema ecológico e a questão do desenvolvimento em si, surgindo uma
visão critica do modelo instaurado desde a Revolução Industrial.
Como principais resultados de produção intelectual, destacam-se o relatório “Os Limites
do Crescimento” – elaborado pelo MIT10, para o tradicional Clube de Roma11, abordando
problemas cruciais para o desenvolvimento da humanidade – e a adoção, em 1973, do termo
“ecodesenvolvimento”12, por Maurice Strong, Secretário-Geral da Estocolmo-72, sede da
Primeira Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, registrando
ácida crítica às imposições capitalistas e demandas requisitadas pelo modelo produtivo das
nações industrializadas e “em desenvolvimento”, haja vista que frontalmente contrários aos
interesses da natureza, por escassos que são os seus recursos. Dessa conferência originou-se o
PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente. Maurice Strong utiliza tal
10
Massachusetts Institute of Technology, instalado no estado que nomeia ao centro, na cidade de Cambridge, EUA.
Página oficial do Clube de Roma: http://www.clubofrome.org. Fundado por Aurélio Peccei – industrial e
acadêmico italiano – e Alexander King – cientista escocês –, tem por meta reunir pessoas e mentes ilustres, de
âmbito internacional, a fim de promover debates acerca de questões ligadas à política, economia, meio ambiente e
desenvolvimento sustentável. Informações institucionais, produções e metas podem ser encontradas em seu site
oficial.
12
O ecodesenvolvimento se define como “o desenvolvimento socialmente desejável, economicamente viável e
ecologicamente prudente” (SACHS, 1986).
11
129
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
expressão13, pela primeira vez, caracterizando uma concepção alternativa de política do
desenvolvimento. Contudo, Ignacy Sachs14 é quem formula os princípios básicos deste novo
paradigma desenvolvimentista (BRÜSEKE, 1998).
Em 1987, como consequência de mais uma série de estudos produzidos durante toda a
década de 1980 acerca do desenvolvimento, é editado o Relatório Brundtland, também
conhecido como o documento Nosso Futuro Comum, elaborado pela CMMAD – Comissão
Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento –, o qual é responsável por assim
conceituar o desenvolvimento sustentável: “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades
presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias
necessidades” (NOSSO FUTURO COMUM, 1987).
A propósito da interdependência social, Luciana Ribeiro comenta a lição de Luis Renato
Ferreira da Silva, acerca da função social do contrato no novo Código Civil e sua conexão com a
solidariedade social, (2007, p. 434), quem propõe aprofundar o conceito de solidariedade
constitucional pela análise da teoria de Durkheim:
Remetendo às sociedades mais simples, nas quais a noção de solidariedade é quase
natural, dada a inter-relação entre as partes, evidencia-se o que se poderia denominar
uma ‘solidariedade mecânica’. Nas sociedades complexas, há uma especialização em
razão da função e esta noção de solidariedade é abandonada. Não há uma consciência da
dependência recíproca. Mas a dependência em verdade permanece, desta vez entre os
órgãos com funções autônomas. Há uma ‘solidariedade orgânica’.
Conclui Altvater (1999, p. 147):
A globalização e a crise ecológica são desafios paradigmáticos para as abordagens
dominantes do final do século. Para enfrentar seriamente essa crise de paradigmas é
necessário desenvolver novos conceitos, estimular novos discursos sobre espaços e
tempos de regulamentação política em condições de globalização econômica e
fronteiras ambientais. Os velhos paradigmas, especialmente os neoliberais, não são
capazes de trazer as respostas satisfatórias para os desafios do século que se aproxima.
(...) no contexto dos velhos paradigmas, torna-se quase impossível fazer as perguntas
certas.
13
Ensina Gisela Maria Bester (2008): “Porém, a idéia contida no vocábulo ecodesenvolvimento foi mal-aceita pelas
potências industrializadas, maiores poluidoras do planeta, lideradas pelos dirigentes dos EUA, e também por outros
países com altos índices de emissão de gases poluentes; por isso teve seus dias contados, em face do uso alternativo
da expressão ‘desenvolvimento sustentável’, a partir de 1979, nos mais importantes simpósios internacionais. O
termo ‘desenvolvimento sustentável’ (DS) entrou definitivamente na agenda internacional a partir de 1987, com a
publicação, pelas Nações Unidas, do Relatório denominado ‘Nosso Futuro Comum’, elaborado pela Comissão
Brundtland, criada em 1983 como decorrência da Conferência de Estocolmo, para pesquisar o estado ecológico da
Terra”.
14
São eles: a) satisfação das necessidades básicas; b) solidariedade com as gerações futuras; c) participação das
populações envolvidas; d) preservação dos recursos naturais e do meio ambiente; e) elaboração de um sistema social
que garanta emprego, segurança social e respeito a outras culturas; e f) programas de educação.
130
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
A
globalização
impõe
novos
paradigmas
de
produção,
comercialização
e
competitividade, e é dessa realidade de mercado que emerge a necessidade de afastar os
ineficientes e os antiéticos, pelo estabelecimento de mecanismos de padronização das relações
empresariais, in casu, conforme José Eduardo Faria (1999, p. 36), pela “uniformização e
padronização das práticas comerciais no plano mundial”. Normas e indicadores que vêm a
compor sistemas de gestão da qualidade, da conformidade ambiental e, atualmente, até mesmo
da responsabilidade social (ISSO 16:000), denotando que o mercado já se apercebe da
necessidade de afastar os empresários social e ambientalmente irresponsáveis, pois sua conduta
perniciosa prejudica ao equilíbrio da sustentabilidade do sistema.
Tais exigências consensuais, que emergem do próprio mercado, em critério
autorregulatório, são uma resposta às demandas levantadas pela questão social e ambiental,
especialmente causando uma obrigatoriedade não coercitiva, desde os tempos em que os Estados
nacionais agiam deveras timidamente, para legislar no mesmo sentido. Segundo o Instituto Ethos
(2010, p. 78), Responsabilidade Social Empresarial é:
A forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos
os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais
compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos
ambientais e culturais para as gerações futuras, respeitando a diversidade e promovendo
a redução das desigualdades sociais.
Vale também destacar que stakeholder, ou público de interesse, é o termo inglês que
designa cada indivíduo ou grupo que possa afetar a empresa, seja por meio de suas ações ou
opiniões, variando entre governos, corpo funcional, fornecedores, consumidores, mapeando os
pontos de atuação do marco regulatório/dentológico.
Conceitualmente, Responsabilidade Social Empresarial supera o mero interesse
filantrópico ou mesmo do marketing verde. Sobre a dimensão ética da Responsabilidade Social
nas Organizações, Maria de Fátima Araújo Frazão (2011)15:
A sociedade contemporânea tem exigido das organizações um comportamento ético não
somente nos aspectos do cumprimento de suas obrigações legais, do respeito aos
consumidores e aos concorrentes, ao não uso de suas influências para benefício próprio,
entre outros. Ao gerir seus negócios pautados em padrões éticos que agreguem valor
para a sociedade e que contribuam para o desenvolvimento e o bem-estar social, ela
assume um papel mais amplo, transcende sua vocação que é gerar lucros e indica ser
socialmente responsável. [...] Abordar o tema Responsabilidade Social nas organizações
remete à definição de Ética, pois ambas estão intrinsecamente ligadas. A Ética ilumina o
15
Disponível em http://www.fbb.br/downloads/maieutica_v1_n23_a4.pdf. Acesso em: 21 dez 2011
131
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ser humano, norteia a conduta individual e social e pode-se dizer que é a base da
Responsabilidade Social, expressa através dos princípios e valores adotados pela
organização, na condução dos seus negócios. A Ética e a Responsabilidade Social têm
despertado o interesse das organizações passando a ser uma variável importante na
relação destas com os seus diversos públicos, funcionários, fornecedores, clientes,
sociedade, governo, dentre outros, que participam direta ou indiretamente do ambiente
de negócios e de suas atividades. Ao longo dos tempos, vem-se percebendo uma
mudança significativa nas práticas empresariais, pois, proprietários e dirigentes têm
ampliado a visão a respeito da atuação, tanto com a sociedade quanto com seus
empregados. Os cuidados com a comunidade local e o ambiente onde estão inseridas,
deixam de ser apenas manifestações de consciência social e passa pelo envolvimento
nas questões sociais. Por outro lado, tem-se cada vez mais uma sociedade consciente,
articulada e engajada na fiscalização de práticas empresariais pautadas pela Ética. As
organizações que administram suas relações, sem ética com os públicos internos e
externos e sem os devidos cuidados com as necessidades da sociedade e do ambiente,
podem cometer erros, significando riscos de sobrevivência no mercado e pouca atenção
aos problemas sociais. A Responsabilidade Social está diretamente relacionada à
consciência social e a ética, ao respeito com as partes integrantes da sociedade, com seu
desenvolvimento e consequentemente a capacidade de sobrevivência das futuras
gerações. A Ética é uma ciência prática, com caráter filosófico, que norteia os atos do
homem na sociedade e diz respeito à conduta moral nas relações pessoais, comerciais,
ou qualquer outra. No mundo empresarial, surgem questionamentos, decorrentes da
adoção e das práticas dos conceitos de Responsabilidade Social e Ética, levando à
indagação: como as organizações podem contribuir para a solução dos problemas da
sociedade, gerar lucros e desenvolver produtos ecologicamente corretos conduzindo
seus negócios com Ética?
O atendimento dessas indagações éticas pode ser dado pela deontologia que emerge das
autorregulação do mercado. E novamente trazendo à tona a ideia do “mínimo exigível”, as
sociedade setorialmente organizadas cuidam da consolidação de normas de qualidade e de
parâmetros de conduta, a fim de pacificar as relações de mercado em um patamar mínimo
desejado. Como ensina Carla Haesbaert (2008, p. 31), “o mercado agora é todo o planeta e, por
isso, a força e poder dos Estados se enfraquecem, abrindo espaço para uma nova ordem ditada
pelos agentes econômicos que cada vez mais passam a regular as relações empresariais”. José
Eduardo Faria analisa (1999, p. 36):
Por operar sob a forma de redes formais e informais de interesses, envolvendo um
número variado de atores empresariais com distintos graus de influência e poder, e
preocupados apenas em negociar acordos específicos sobre matérias determinadas, esta
ordem tende a transcender os limites e controles impostos pelo Estado, a substituir a
política pelo mercado como instância máxima de regulação social, a adotar regras
flexíveis da lex mercatoria no lugar das normas de direito positivo, a condicionar cada
vez mais o princípio do pacta sunt servanda à cláusula rebus sic stantibus.
As ferramentas de gestão empresarial social e ambientalmente responsável são de várias
espécies, tantas vezes estabelecidas por um organismo internacional de normalização para
aplicação em âmbito mundial, em campos específicos. Mesmo desprovidas de cunho legislativo,
132
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
favorecem a competitividade, desconhecendo fronteiras, a exemplo das normas IEC (área
elétrica e eletrônica), ITU (telecomunicações), ISO e recomendações da Organização
Internacional do Trabalho, que é apoiada, tecnicamente, pela SA 8000.
No Brasil, os trabalhos da ISO – assim como os da IEC e ITU – se dão através da ABNT
– Associação Brasileira de Normas Técnicas, entidade não-governamental, sem fins lucrativos e
de utilidade pública, que atua para além da representação da ISO/IEC/ITU, como agente privado
de políticas públicas, tendo como missão e premissas, também:
Prover a sociedade brasileira de conhecimento sistematizado, por meio de documentos
normativos, que permita a produção, a comercialização e uso de bens e serviços de
forma competitiva e sustentável nos mercados interno e externo, contribuindo para o
desenvolvimento científico e tecnológico, proteção do meio ambiente e defesa do
consumidor. [...] [responder] com eficiência às demandas do mercado e da sociedade,
comprometida com o desenvolvimento brasileiro, de forma sustentável, nas dimensões
econômica, social e ambiental.
Dos sistemas empresariais de gestão social e ambiental merecem destaque a ABNT NBR
9000 e 9001 – sistemas de gestão da qualidade; 14000 e 14001 – sistemas de gestão ambiental; e,
notadamente, 16001 – sistema de gestão da responsabilidade social, apta a demonstrar “ao
mercado que a organização não existe apenas para explorar os recursos econômicos e humanos”,
mas também “para contribuir com o desenvolvimento social, por meio da realização profissional
de seus colaboradores e da promoção de benefícios ao meio ambiente e às partes interessadas”
(SIEVETER; TUBINO, 200716). O Instituto Ethos (2010, p. 3) explica porque o mercado
requisita a existência dessas ferramentas:
Com relação às ferramentas de gestão empresarial, uma demanda recorrente das
empresas tem sido pelo estabelecimento da comparabilidade entre o que elas vêm
diagnosticando, implementando e relatando de um período para o outro. Com o
aprimoramento dos investimentos e das execuções das ações com critérios
socioambientais, cada vez mais é necessário acompanhar os resultados para medir até
que ponto os esforços da empresa estão atendendo seu objetivo de contribuir com o
desenvolvimento sustentável.
Diz-se que as ferramentas são relevantes instrumentos de competitividade no mercado,
porque trazem produtos e serviços ao mesmo patamar e desde este ponto de partida avaliando-os,
conforme padrões e requisitos internacionais de qualidade, redução de impacto socioambiental e
promoção do bem social, certificando, por fim, positivamente, a sua conformidade e,
16
TUBINO, Flavio Ribeiro; SIEVETER, Marilde. Marketing Social: um diferencial competitivo para as empresas
socialmente responsáveis. Via6. Disponível em: http://www.via6.com/artigo.php?aid=6539. Acesso em: 07 mar.
2013.
133
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
negativamente, a inadequação presumida dos produtos e serviços que não gozem das mesmas
garantias auditadas.
A importância das normalizações para as transações internacionais já foi tratada pela
OMC – Organização Mundial do Comércio17 –, que excluiu dessas autorregulações caráter de
barreira técnica18. O Acordo Sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (2008)19 reconhece a
“importante contribuição que as normas internacionais e os sistemas de avaliação de
conformidade” conferem, “por meio do aumento da eficiência da produção e por facilitar o curso
do comércio internacional”, e visa a “encorajar o desenvolvimento de normas internacionais e
sistemas de avaliação de conformidade”, porém, assegurando que os regulamentos técnicos e as
normas “e procedimentos para avaliação de conformidade com regulamentos técnicos e normas
não criem obstáculos desnecessários ao comércio internacional”. Reconhece, ainda:
Que não se deve impedir nenhum país de tomar medidas necessárias a assegurar a
qualidade de suas exportações, ou para a proteção da vida ou saúde humana, animal ou
vegetal, do meio ambiente ou para a prevenção de práticas enganosas, nos níveis que
considere apropriados, à condição de que não sejam aplicadas de maneira que constitua
discriminação arbitrária ou injustificável entre países onde prevaleçam as mesmas
condições ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional, e que estejam no mais
de acordo com as disposições deste Acordo; [...] não se deve impedir nenhum país de
tomar medidas necessárias para a proteção de seus interesses essenciais em matéria de
segurança; [...] a contribuição que a normalização internacional pode dar à transferência
de tecnologia dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento; [...] os países
em desenvolvimento podem encontrar dificuldades especiais na formulação e aplicação
de regulamentos técnicos, normas e procedimentos para avaliação de conformidade com
regulamentos técnicos e normas, e desejando auxiliá-los em seus esforços neste campo;
Especificamente no que diz com a Responsabilidade Social Empresarial, a partir de
1960 começam a ser esboçados os balanços e relatórios sociais. Conceitualmente:
Balanço social é um instrumento de gestão e de informações que visa a evidenciar, de
forma mais transparente possível, informações financeiras, econômicas, ambientais e
sociais, do desempenho das entidades, aos mais diferenciados usuários, seus parceiros
sociais. (TINOCO E KRAMER, 2004, p. 32).
Sobre estas ferramentas se falará mais amiúde, no terceiro capítulo.
17
Ou WTO – World Trade Organization, no original. Maiores informações constam no site oficial:
http://www.wto.org/indexsp.htm.
18
Embora a questão seja discutível, mas não será objeto de análise.
19
RODADA URUGUAI DE NEGOCIAÇÕES COMERCIAIS MULTILATERAIS. Acordo sobre Barreiras
Técnicas
ao
Comércio.
Ministério
das
Relações
Exteriores.
Disponível
em:
http://www2.mre.gov.br/dai/omc_ata012.htm. Acesso em: 07 mar. 2013. A Rodada do Uruguai ocorreu de 1986 a
1994.
134
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
4 RESPONSABILIDADE JURÍDICA SOCIAL EMPRESARIAL (RJSE): EFETIVIDADE
E DEONTOLOGIA NO DIÁLOGO ENTRE AS NORMAS DE MERCADO E AS
NORMAS JURÍDICAS
Carlos Roberto Menosso, (2007, p. 73), a respeito do empresário e da ética do mercado,
afirma que “os códigos de ética, normalmente, são transformados em normas jurídicas e refletem
princípios morais e usos e costumes de um determinado povo ou de uma determinada categoria
profissional em determinado lapso de tempo e espaço territorial”. Mas essa não é uma regra de
mercado absoluta. O descumprimento de algumas normas de cunho administrativo se torna
passível de reclamação judicial, quando a “norma de mercado” ou também chamada
“consensual”, se converte em lei (federal, estadual, ou municipal), por meio do devido processo
legiferante.
Dito que as normas de mercado são desprovidas, via de regra, de cunho legislativo,
portanto são exigíveis apenas na esfera extrajudicial. Para que se alcance a máxima efetividade, é
de mister importância que as regras consensuais encontrem, se não regulação direta, ao menos
um paralelo correlato em uma norma legiferada, para que o seu escopo, seu conteúdo normativo
geral, possa ser exigido na via judiciária.
É então que nasce o campo de estudos da Responsabilidade Jurídica Social Empresarial,
expressão cunhada na dissertação intitulada “A função profilática da responsabilização
civil consumerista e desenvolvimento sustentável”, tendo ganhado relevo acadêmico através das
pesquisas desenvolvidas a partir de 2008, no Projeto CAPES “Livre Iniciativa e Dignidade
Humana”, do Programa de Mestrado em Direito do Centro Universitário de Curitiba – UniCuritiba,
visando a identificar os elos comuns já existentes e, proativamente, formular proposições de
revisão ou de criação de normas.
4.1 O DISCURSO JURÍDICO DA RESPONSABILIDADE SOCIAL OU
“RESPONSABILIDADE JURÍDICA SOCIAL” E O DIREITO NA PROMOÇÃO DO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Conforme Daniele Kretski Bordignon (2009, p. 33), “prestar serviços de qualidade,
promover a proteção ao meio ambiente, valorizar o trabalho humano, são ações da empresa [...]
de eminente interesse social”.
135
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Quando se trata de direito à livre iniciativa20, a empresa não detém o monopólio
exclusivo de seu exercício, mas, certamente é quem exerce o papel de maior relevância no
mercado e, assim, há de desenvolver suas atividades baseada nos ditames da ordem
constitucional. A esse respeito, Justen Filho (1999, p. 122-129):
Esse é o novo contexto em que se insere o instituto da empresa. As modificações
políticas vivenciadas no final do século XX e as mudanças constitucionais ocorridas na
Constituição brasileira de 1988 exigem considerações mais profundas sobre o novo
modelo estatal consagrado. O tema da empresa adquire maior relevo do que no passado,
em face da ampliação dos limites de sua atuação e da transferência para o setor privado
de encargos até então assumidos pelo Estado. Em síntese, a reforma constitucional
alterou o panorama original e propõe novos temas à consideração jurídica. [...] A vitória
das concepções neoliberais [...] não autoriza negar que os objetivos consagrados no art.
3º sejam um dever assumido pela Nação brasileira. É indubitável que o Estado está
constrangido a adotar todas as providências para realização daqueles objetivos. Mas se
afirma que a implementação de tais ideais não se fará através da atuação exclusiva do
Estado. Dependerá da tomada de posição de cada brasileiro, no âmbito de sua vida
pessoal e social. É um compromisso nacional, sob esse ângulo. Mas o instrumento mais
relevante para a implementação de tais ideais é a atividade empresarial. O sucesso no
desempenho da atividade economicamente organizada propiciará o desenvolvimento
nacional, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a erradicação da
pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais.
Logo, cidadãos, empresa e Estado possuem sua função social e parcela de direitos e
responsabilidades. Garante o artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, que “ninguém será
obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Emerge dessa tutela
fundamental a necessidade de um discurso jurídico, formando uma obrigação legal de zelo pela
sustentabilidade, uma responsabilidade jurídica social e ambiental, para que o Estado não seja
conivente com as condutas prejudiciais, dotando-as, desta forma, de caráter de ilicitude frente à
lei e, portanto, passíveis de questionamento e condenação judicial e não apenas expostas a
penalidades administrativas ou à consensualidade da autorregulação do mercado.
Conquanto não se questionem os bons resultados produzidos na esfera administrativa, é
vital que o Estado-Lei assuma sua função legislativa e a sua própria parcela de responsabilidade
social, consistente em criar caminhos para a realização da nova paradigmática social e ambiental,
também por fornecer mecanismos legítimos de coerção de condutas, mas, especialmente, porque
revela o compromisso do Estado com a realização de um mundo sustentável, enviando uma sadia
mensagem a todos os cidadãos brasileiros e, com isso, estimulando condutas espontâneas de
mesma índole. Afinal, não basta falar em sustentabilidade no Direito, é preciso agir.
20
De acordo com Carlyle Popp (2001, p. 60-71), o direito à livre iniciativa é o gênero, do qual são espécies as
garantias de liberdade de empresa e liberdade negocial.
136
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
4.1.1 Direito e sustentabilidade
Direito e sustentabilidade se encontram, em duas interfaces principais. Primeiramente, o
dever do Estado e dos agentes autorreguladores, de editarem leis coerentes com a promoção do
desenvolvimento, considerado este como processo abrangente. Então, se está perante uma
norma sustentável.
Contudo, por via reversa, se pode dizer que uma norma é insustentável quando eivada
de mortificação da sua efetividade, seja por não condizer com um discurso concatenado com o
bem comum – a exemplo da ABNT NBR 14724-2005, que previa o uso exclusivo de anversos
de papel branco, na produção acadêmica, abdicando da prescrição do inciso VI, do artigo 170,
CF –, seja por não receber do Poder Público a viabilização de sua realização plena.
A expressão do compromisso do Direito com a sustentabilidade resta expressado no
contrato e no pacto social21, passando pelas normas cogentes e sociais, notadamente, no diálogo
entre a regulação geral da Ordem Econômica e da Teoria do Abuso de Direito, onde
Sustentabilidade e Responsabilidade Social se encontram, em interação funcionalizada, com o
peso técnico da lei maior e da cláusula geral.
O âmbito constitucional recebeu dedicada atenção nos tópicos anteriores, ao se tratar do
solidarismo ético e da constitucionalização hermenêutica, que vêm a fornecer bases para a
funcionalização de toda norma no sentido da sustentabilidade e responsabilidade social e
ambiental, merecendo destaque, ainda, o compromisso preambular e os valores reafirmados pelo
Título I e Capítulos I e II do Título II, nos quais se acham preceitos de realização pontuada dos
princípios basilares da Dignidade da Pessoa Humana e da Promoção do Bem Comum. Tudo bem
consolidado pelo artigo 170 e incisos, que, em outras palavras, finalizam a obtenção do lucro e o
desenvolvimento econômico em razão do asseguramento a todos de uma existência digna,
conforme os ditames da justiça social, notadamente salientando os seus incisos V e VI, haja vista
que afetam a função social e ambiental do exercício da livre iniciativa em razão da defesa do
consumidor e do meio ambiente, “inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o
impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação”. Por
21
Relembrando a distinção operada por Jonathan Sacks.
137
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
fim, o artigo 225 que trata da proteção ao meio ambiente, destacando em seu caput o
compromisso com as gerações futuras.
Delimitando, agora, o exemplo nas esferas cível e consumerista, tem-se do Código Civil
de 2002, especialmente: a função social das figuras jurídicas; as cláusulas gerais, que permitem a
realização do compromisso com a sustentabilidade; a limitação da propriedade e da liberdade de
contratar ao atendimento de sua função social; a obrigação indenizatória, em si considerada,
como mecanismo de apaziguamento social e freio inibitório das condutas ilícitas; as novas
trajetórias da responsabilidade civil dos administradores e das empresas limitadas, que implicam
em maiores e mais claras obrigações para estes agentes. Especialmente, a “novíssima22” Teoria
do Abuso de Direito, a qual consiste em uma verdadeira expressão normatizada da
responsabilidade jurídica social, estabelecendo parâmetros de conduta lícita – manifesto excesso
da finalidade social e econômica, boa-fé e bons costumes – para o exercício de um direito
regular, estabelecendo não limites, antes um “delimite”, um espaço sadio para que os cidadãos,
dentro dessa esfera de permissibilidade e não ferimento de interesses de ordem geral, escrevam
sua própria história de vida, no livre exercício da autonomia privada.
Do Código de Defesa do Consumidor, além das tutelas de responsabilidade, vale salientar
que sua proteção decorre de previsão constitucional, na ADCT 48. A própria Política Nacional
de Consumo – artigos 4º e 50, CDC – é expressão do compromisso jurídico com a
responsabilidade social e a sustentabilidade, em caráter expressamente preventivo e efetivo, dado
que contempla até mesmo a criação de órgãos judiciários apropriados; assim como andam na
mesma faina, os direitos básicos do consumidor – artigos 6º e 7º, CDC – e todas as disposições
do referido microssistema, que por todas as suas linhas demonstra que o Direito escrito está
absolutamente ligado com a prevenção de riscos à sociedade e que deve, sim, enfrentar as
hipóteses de lesão, antecipando-se à sua ocorrência e regulando a conduta lícita não abusiva
pertinente à matéria.
Existem outros casos, cada vez mais frequentes, em que a legislação vem ao encontro das
determinações autorregulatórias. A Lei 11.638/2007 prova o diálogo entre a normalização
consensual do mercado e a legislação coercitiva, ao tornar obrigatória a declaração do patrimônio
intangível ativo, nos relatórios de resultados anuais das corporações estabelecidas em regime
jurídico S/A, o que acaba por se caracterizar em um indicador do balanço social.
22
Nova, no sentido da inovação legislativa civil codificada.
138
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Porém, há pontos de intersecção, em que imposições de mercado se encontram com a
esfera jurídica. Destacando dois exemplos pontuados, primeiramente, o artigo 39, inciso VII, do
Código de Defesa do Consumidor, que regula as práticas abusivas, enumerando, dentre elas, a
colocação:
no mercado de consumo, [de] qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas
expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou, se normas específicas não existirem,
pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo
Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro);
Perceba-se a importância de que órgãos como a ABNT mantenham e promovam – em
todas as suas normas – o compromisso com a visão constitucional de sustentabilidade e
responsabilidade social e ambiental, dado que recebe do legislador uma função subsidiária de
promover a normalização cogente, esta sim exigível, por força de lei, de todo produtor do bem
específico, sob pena de repressão judicante e judicial, da violação da conformidade.
Por sua vez, a Lei 4.728/1965, que regula o mercado de capitais, a Lei 6.404/1976, que
regula as Sociedades Anônimas e a Lei 11.638/2007, que altera a Lei das S/As, são também
exemplos de legislação que, sem prejuízo de sua data de edição, contemplam discursos jurídicos
coadunantes com as exigências da transparência na demonstração dos dados e resultados
patrimoniais exatos, visando a conferir segurança negocial, especialmente para os shareholders
e, por via indireta, para toda a sociedade, que se ressente das fraudes cometidas para artificializar
os resultados financeiros, não apenas pelas perdas suportadas pelos investidores, mas pela
consequente interrupção das atividades da empresa, demissões, dentre outros impactos sócioeconômicos. Além de reconhecer a própria função social da empresa e seu compromisso com
diferentes públicos, segundo o parágrafo único do artigo 116, valendo a leitura:
O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu
objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os
demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que
atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.
4.2 BALANÇOS SOCIAIS E RELATÓRIOS DE SUSTENTABILIDADE.
Duas importantes ferramentas de promoção da segurança e transparência negocial e do
diálogo da empresa com os públicos de interesse são os balanços sociais e o relatórios de
sustentabilidade, os quais surgem no contexto internacional por volta da década de 1960, com os
movimentos sociais de repúdio às corporações que davam suporte à Guerra do Vietnã, passando
139
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
a cobrar uma postura ética empresarial; demandas estas que foram atendidas por uma prestação
de contas informativa, das metas e condutas sociais das organizações, que, a partir dos anos
1980, derivaram no que hoje se conhece por balanço social. No Brasil, a maior visibilidade
temática vem desde junho de 1997, quando o emblemático sociólogo Herbert de Souza – o
Betinho – conseguiu emplacar um importante movimento pela divulgação voluntária dos
balanços sociais corporativos, tornando-se co-fundador do IBASE23, em 1981.
Em 1977, na França, foi decretada uma lei determinando que empresas com mais de 750
funcionários publicassem um balanço anual relatando suas práticas trabalhistas. Em
1978, o Brasil entrou no debate, por iniciativa do Instituto de Desenvolvimento
Empresarial, hoje chamado Fundação Instituto de Desenvolvimento Empresarial e
Social (Fides). Após uma série de discussões sobre o papel das empresas no
desenvolvimento da sociedade, a entidade iniciou a promoção desse tipo de relatório,
realizando dois anos depois um seminário internacional pioneiro nesse tema. (Ethos,
2010, p. 9)
Os principais modelos de balanços sociais mais preenchidos no cenário mundial e
brasileiro são o GRI (Global Report Initiative), Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e
Econômicas) e o modelo Ethos.
Todas essas plataformas consolidam padrões de conduta para as diversas relações
jurídicas mantidas entre a empresa e seus variados públicos de interesse, abrangendo Governo e
Meio Ambiente, inclusão as ditas minorias e públicos vulneráveis, atendimento ao consumidor e
aos fornecedores, e verticalizando temas como o suporte à aposentadoria do colaborador.
Com esta estruturação abrangente e símile tempo verticalizada, os indicadores oferecem
métrica pacificada das condutas empresariais socialmente responsáveis em praticamente todos os
campos de atuação e de afetação da empresa (ainda que o efeito seja reflexo). E assim também
oferece cobertura para muitas das relações definidas constitucionalmente como garantias
fundamentais ou sociais. Contudo, é uma cobertura mais especializada, pontuando, sem cunho
legislativo, por certo, mas com “aparência” de regulamentar, os aspectos mais detalhados da
aplicação prática hodierna da inclusão social do portador de necessidade especial, por exemplo.
Nessa esteira, o relatório é um parâmetro de conduta, de efetividade prática regulamentar,
dos direitos fundamentais, justamente pelo seu viés prático e delimitado. Porém, enfrenta-se a
problemática da sua inexigibilidade específica, por não se tratar de um produto legiferado.
23
Maiores informações podem ser obtidas na homepage do IBASE: http://www.ibase.br/index.php. Acesso em: 07
mar. 2013.
140
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Afinal, no caso concreto, a empresa poderia alegar regularidade LEGAL, ainda que incorra em
inconformidade com as plataformas. Urge a necessidade de um diálogo permanente entre ambas
as esferas, notadamente para que o Direito passe a acompanhar mais a par e passo as virtuosas
exigências de mercado, regulamentando-as conforme o devido processo legislativo e,
contribuindo, assim, para a maior efetividade das normas, notadamente as constitucionais.
O balanço social é elaborado pelas próprias empresas, preferencialmente com a
participação de alguns de seus stakeholders fundamentais, razão pela qual favorece o diálogo
interno e o processo de autoconhecimento, colaborando para a identificação dos focos de
problemas a serem corrigidos e das metas alcançadas, para fins de planejamento e correção de
rumos. Concretamente, consiste em uma espécie de relatório de informações referentes à atuação
da empresa, no curso do ano-base, acerca de seu relacionamento com os públicos de interesse –
fornecedores, empregados e consumidores –, de acordo, especialmente, com três modelos
principais: GRI, ETHOS e IBASE. No capítulo a seguir, serão analisados alguns dos principais
indicadores que dialogam com a esfera das obrigações legais, colaborando para a realização da
responsabilidade jurídica social.
Algumas legislações já contemplam a exigência dos balanços sociais, a exemplo, da Lei
Estadual nº 2.843/2003, a qual criou o Certificado de Responsabilidade Social para empresas
estabelecidas no âmbito do Estado do Amazonas; Lei nº 7.687/2002, que lançou o Certificado de
Responsabilidade Social no Estado de Mato Grosso e a Lei nº 11.440/2000, que instituiu o
Balanço Social para empresas estabelecidas no Estado do Rio Grande do Sul, a ser assinado por
Contador ou Técnico em Contabilidade devidamente habilitado perante o CRC-RS ao exercício
profissional.
4.3 DIGNIDADE HUMANA E O PODER DE MUDAR TUDO: A REVOLUÇÃO
TRANSFORMADORA AO ALCANCE DO PRÓPRIO INDIVÍDUO.
A quem pertence a responsabilidade pela concretização de valores éticos? Eis aí uma
indagação intrincada de meios de terceirização de titularidade. Com uma pequena dose de
sofisma, é possível respondê-la, de maneira a sobrecarregar os ombros de toda uma coletividade
pública ou privada, sem que restem encargos para os ombros dos supostos observadores
externos. A verdade é que, em plena Contemporaneidade, no que diz com o desenvolvimento e
com o solidarismo ético, já não importa averiguar apenas de quem é a culpa; importa saber que
141
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
somos todos responsáveis pelo solucionamento emergente dos danos e pela implementação de
uma nova consciência, por meio da transformação pessoal e coletiva.
Desenvolvimento e responsabilidade social só se concretizam quando os indivíduos
assumem a sua parcela de responsabilidade social, pessoalmente. Imperioso, neste sentido,
registrar algumas ideias extraídas da obra O Poder de Mudar Tudo, de Yehuda Berg (2011, p.
119). O autor extrai do notório relato bíblico de Moisés e a Revelação da Torah (as Tábuas dos
10 Pronunciamentos e as demais leis judaicas) no Monte Sinai, o compromisso que Moisés
solicitou ao povo israelita que fosse ali firmado: tratar a todos com dignidade humana; e salienta
que, por “povo israelita”, deve-se compreender simbolicamente a todas as almas humanas. Sem o
cumprimento dessa valiosa promessa, as tão profundas revelações divinas não poderiam ser
experimentadas pelo Homem. “Eles se comprometeram a satisfazer as necessidades uns dos
outros como se fossem as próprias. Nesse momento, todos se tornaram responsáveis uns pelos
outros para sempre” (BERG, 2011, p. 119).
E comenta sobre os ensinamentos de Rav Yehuda Ashlag24, sobre os sistemas sociais em
relação às massas: “A consciência das massas cria mudança. Em outras palavras, temos dentro de
nós um poder transformador quando trabalhamos juntos como um todo”. Mas adverte: “Isso
pode servir a nosso favor ou contra nós” (BERG, 2011, p. 120). Salienta o autor que todos fazem
parte de diversas comunidades, ainda que de maneira aparentemente involuntária, e que o
pensamento coletivo do grupo tende a influenciar as condutas do indivíduo, razão pela qual se
deve ter uma atitude criteriosa antes de se ingressar em qualquer grupo. Da mesma maneira, a
participação e o engajamento em um grupo que compartilhe uma ideologia “favorável”,
beneficiará o integrante na conquista de resultados positivos, não apenas para a sua vida, mas em
ainda maior escala. Como assevera o autor, a inserção em um grupo adequado é determinante
para a própria transformação pessoal, destacando que mesmo as pessoas mais comprometidas
com sua evolução individual, experimentarão maiores dificuldades para alcançar seus objetivos
24
Rav Yehuda Ashlag (1885-1954) foi um dos mais respeitados Rabinos do Século XX. Reputado por toda a
comunidade judaica mundial como um dos 3 maiores kabbalistas da Era Moderna, foi sem dúvida alguma, o maior
comentarista do Sefer HaZohar (Livro do Esplendor, obra máxima do “misticismo” judaico), um livro de alto rigor
teórico e científico, mas de intrincada simbologia. Além da inerente formação religiosa e de sua sabedoria
talmúdica, Yehuda Ashlag recebeu da comunidade o destacado título de “Rav” (professor, em hebraico/aramaico),
por ser um profícuo estudioso e conhecedor dos mais diversos campos do Conhecimento e das Ciências, mantendo
diálogos com as mais notórias personalidades do meio científico do começo e de meados do Século XX.
142
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
se estiverem cercadas por uma coletividade comprometida com os comportamentos deletérios.
(BERG, 2011, p. 120)
Eis aí se vê a importância do aprimoramento pessoal, mas também da busca pelo
engajamento, ou mesmo pela formação e manutenção de grupos compostos por “semelhantes”,
de acordo com as teorias de integração social de Durkheim.
Por via reversa, relembre-se que o grupo é reflexo da coletividade de seus membros. Daí
a necessidade de se trabalhar também e principalmente na transformação da própria consciência,
para influenciar positivamente todo o planeta. Por isso, convocando à responsabilidade pessoal,
afirma o autor, categoricamente:
O que acontece ao nosso redor é causado por nossas próprias ações – e por quem nós
somos. [...] quando vivenciamos catástrofes, quando vemos os recursos do nosso mundo
se esgotando, temos que olhar para nós mesmos. Nossa sina é resultado direto de não
amarmos ao próximo como amamos a nós mesmos. Temos retirado bem mais do que
temos dado. Não precisamos olhar além de nós mesmos para consertamos o mundo ao
nosso redor. As respostas se revelarão no momento em que começarmos a nos consertar
por dentro. Quando alinhamos nossa vida com soluções ao invés de problemas,
podemos trazer essa força a uma comunidade com pensamento semelhante ao nosso e
que nos ofereça apoio. Nesse momento [...] a resposta nunca parecerá tão pesada quanto
o problema; a solução parecerá simples! É assim que o Universo funciona. A escuridão
é complicada; a Luz é simples. (BERG, 2011, p. 120)
E mais uma vez se retorna aos básicos princípios éticos da Humanidade, bem resumidos
por Ulpiano: "Tais são os preceitos do direito: viver honestamente (honeste vivere), não ofender
ninguém (neminem laedere), dar a cada um o que lhe pertence (suum cuique tribuere)". Em
outras palavras, tudo se resume na DIGNIDADE HUMANA.
Todos somos responsáveis. Mas seriam uns mais responsáveis por reverter o caos do que
os outros? Sem dúvida alguma, na proporção do caos gerado por seus atos e na exata medida de
suas forças (independente da culpa ou de responsabilidade direta para com a geração do caos).
Desta forma, (para o caos ou para a cura) um Estado possui maiores e melhores condições do que
um único cidadão. Mas isto não isenta ao cidadão de assumir sua própria parcela de deveres, em
favor da “cura de um mundo fraturado”, parafraseando o título da citada obra de Jonathan Sacks.
O novo paradigma proposto pela sustentabilidade e em prol do crescimento socialmente
responsável, compartilhando, entre todos, direitos e deveres atinentes, é justamente uma das
premissas fundantes da Constituição Federal de 1988. Portanto, tratar desses temas, que
aparentemente competem ao campo das normas de mercado e da autorregulação, consiste em
trabalhar com um compromisso do próprio contrato social, veia de realização da dignidade da
143
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
pessoa humana e da promoção do bem comum. E dado que o compromisso pelo estabelecimento
de uma sociedade livre, justa e solidária é dever de todos, também a regulação da ordem
econômica é diretamente atingida pelo novo paradigma, conforme o artigo 170, CF, o qual
preceitua que a ordem econômica é fundada justamente, em principiologia afinada com a
sustentabilidade e responsabilidade social.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A dignidade da pessoa humana é o valor e a meta fundantes de uma sociedade fraterna,
livre, justa e solidária. E para tal consecução, é imperioso delimitar o exercício responsável do
direito à livre iniciativa.
A Responsabilidade Social aplicada às relações negociais é uma diretriz de gestão
empresarial. Percebe-se clara a sua função social, de prevenção e redução dos impactos
socioambientais, demandas estas provocadas pelo exercício da livre iniciativa, considerando que
os agentes econômicos não apenas se relacionam meramente com o meio ambiente e com a
sociedade, mas além de interagir, esgarçam o tecido social e efetivamente o modificam e
depredam, sendo mister que respondam pelos impactos da atividade e, preferencialmente, os
evitem ou minimizem.
Conquanto o dever de promoção do bem comum seja, via de regra, associado às pessoas
coletivas públicas ou privadas, em verdade, toda pluralidade é composta de indivíduos
igualmente responsáveis, do ponto de vista ético, se não absolutamente jurídico.
Afinal, que pessoa jurídica ou letra composta há que possam ser responsabilizadas
exclusivamente, sem que se pense nos indivíduos representantes da coletividade ou compositores
da norma? Seres humanos são responsáveis. E, ao identificar os focos caóticos, de pouca valia
será o debate se esvaziado de uma investida pró-ativa.
Resta evidenciado que o ordenamento jurídico, a partir do contrato social e a atingir o
próprio pacto social, confere discurso legal para a responsabilidade social – ainda que não se
repute por completada a obra legislativa neste sentido –, seja por normas regulamentadoras, ou
por incentivos fiscais, dentre outras espécies. Contudo, o Direito e também o Mercado não
confunde responsabilidade social com “caridade” ou subterfúgios demagógicos paternalistas,
tendentes a mascarar a efetiva obrigação – jurídica e consensual – empresarial social, a qual
certamente não consiste em meramente prolongar a miséria, por meio de “práticas de placebo”,
inócuas em efeito de longo prazo, ou seja, sustentáveis, como se o empresário pudesse mitigar os
144
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
impactos negativos de sua atividade com a prestação de “bolsas-comunidade”. Responsabilidade
social é um modo de gestão para as empresas, modo de vida para os cidadãos. Ajudar ao
próximo é dever religioso, moral, humano. Mas não é Responsabilidade Social Empresarial.
Conquanto pareça lógico que a gestão responsável seja o eixo fundamental deste
planejamento, tendo em vista o referido acúmulo de poder, o enfrentamento, pela estrutura
jurídico-acadêmica, da persecução da efetividade do cumprimento da função social das
empresas, se concretiza, igualmente, em virtuoso fator para que se proporcionem caminhos e
efetivamente se alcance a prática constante de condutas sustentáveis, em práticas inclusivas,
promotoras da dignidade da pessoa humana, ainda que ao sacrifício do valor econômico.
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A RENDIÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS
THE SURRENDER OF SOCIAL RIGHTS
Mauricio Galeb
Paulo Ricardo Opuszka
RESUMO
Ao longo da chamada Modernidade foi criada uma intrincada relação entre o sistema
econômico e o poder político. Em outros termos, é possível afirmar sem hesitação que
as alterações produzidas na esfera econômica se refletiram de maneira marcante no
modelo conformado pelo Estado. Essa relação simbiótica oscilou em diversos
momentos do processo histórico, propiciando relações divergentes, quiçá, antagônicas
entre o poder político organizado e as suas funções em relação ao conjunto da
sociedade. Por outro lado, é neste contexto que marca a modernidade, que o Estado
capturou o Direito na sua essência, moldando-o, fixando-lhe rígidos limites a partir de
premissas que lhe são externas. Ou seja, a inadvertida união entre o poder político e o
Direito levou a um esgotamento das fontes jurídicas criativas, criando um Direito que
avançou em termos de conteúdo social muito a duras penas.O neoliberalismo, como
uma espécie de retorno de velhas fórmulas testadas e executadas no século XIX, a
globalização e a crise econômica dele decorrente parece ter imobilizado o denominado
“estado social de direito”. Este, batido e combalido,demonstra ser incapaz em
resguardar as conquistas históricas dos hipossuficientes.
Palavras-chave: Modo de Produção, formas de Estado, poder político, dimensão
jurídica, ordem econômica, direitos sociais.
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ABSTRACT
Throughout the era called Modernity was created an intricate relationship between the
economic system and political power. In other words, we can say without hesitation that
the changes produced in the economic sphere were reflected markedly in model shaped
by the state. This symbiotic relationship has fluctuated at various times of the historical
process, providing divergent relations, perhaps, between antagonistic political power
organized and its functions in relation to the whole of society. On the other hand, is in
this context that marks modernity, which captured the state law in essence, shaping it,
setting strict limits him from premises that are external. That is, the inadvertent union
between political power and the law led to a depletion of creative legal sources, creating
a law that advanced in terms of social content punishments.The neoliberalism, as a kind
of return to old formulas was tested and implemented in the nineteenth century,
globalization and the economic crisis it caused seems to have fixed the so-called "social
state of law." This, beaten and battered, proves unable to protect the historic
achievements of inapt.
Keywords: Ways of Production, state forms, political, legal dimension, economic,
social rights.
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1. HISTÓRIA E A RELAÇÃO ENTRE ECONOMIA E ESTADO
O surgimento do Estado Moderno não pode ser desvinculado do nascimento do
próprio sistema econômico capitalista.
Neste sentido, já no prefácio à Contribuição à crítica da Economia Política,
Marx havia consolidado sua fórmula clássica e, de maneira categórica, afirmado que:
“O Modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e
intelectual.”
Ou seja, o Estado é a expressão, de forma reflexa, das relações de produção
travadas na infraestrutura da sociedade – que foram gradualmente hegemonizadas pela
burguesia – portanto encontra-se na superestrutura, fazendo parte das instâncias
imateriais.
O contexto histórico em que tal processo se forjou na Europa Ocidental é aquele
que nos remete à segunda metade do século XV e XVI em diante, de maneira bastante
irregular.
É
neste
momento
que
inúmeros
eventos
históricos
ocorrem
concomitantemente, a saber: um lento, prolongado, mas inexorável “êxodo urbano”,
com a “retomada” gradual do espaço urbano (“proletarização do campesinato”); o
nascimento da ciência moderna (invenção da imprensa, heliocentrismo); as conquistas
ultramarinas (as riquezas retiradas das Américas); a reforma protestante; o clima
personalista do renascimento.
O professor Antônio Avelãs Nunes, na sua obra clássica intitulada “Os sistemas
econômicos” detecta ainda o surgimento de uma nova classe urbana, comerciante,
especuladora e financeira inicia os primeiros passos do sistema capitalista sob a forma
mercantil (burguesia comercial).
O prof. português afirmou que a colonização das “novas terras” tornou-se a
primeira grande empresa capitalista organizada com tentáculos para além dos limites da
Europa. Sobretudo a partir da exploração da mão-de-obra escrava. Nesta fase da
150
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acumulação do capital, percebe-se o gradual declínio econômico da nobreza, vez que a
terra, enquanto valor econômico deixa de ser a força matriz do sistema produtivo.
A indústria artesanal estava representada nas pequenas oficinas dentro do espaço
urbano. Ali, os meios de produção eram compartilhados com a família, companheiros e
aprendizes, em uma unidade produtiva. Eram pequenos produtores autônomos que
viviam de suas manufaturas, sem intermediários.
Rapidamente, o artesão perdeu o controle sobre o mercado e sobre o produto que
produz, já que os meios de produção e a matéria prima lhe serão fornecidos pelo
comerciante capitalista (de produtor autônomo a produtor assalariado).
As “manufaturas” representam a antessala da indústria capitalista, pois ali, já se
reuniam dezenas de operários organizados por um comando, sob o mesmo teto, e
realizando tarefas distintas, o que levou a um aumento da produtividade (subdivisão do
processo produtivo).
É com muita argúcia que o professor Avelãs Nunes aponta para um fato que não
pode ser desprezado: o estado teve papel importante como agente facilitador na
acumulação do capital, e na gênese do próprio sistema capitalista. O protecionismo, o
monopólio, a garantia de produtos e mercados, a conquista de novas colônias - o que
inclui a matéria prima - tudo isto em prol de uma indústria nascente, e da classe
emergente, a burguesia.
As claríssimas considerações históricas do professor português Avelãs nos
ajudam a entender a premissa maior formulada no início deste texto, segundo a qual, há
uma conexão umbilical entre o sistema econômico capitalista e o poder político
moderno.
O contexto histórico da revolução industrial se dá a partir da segunda metade do
século XVIII (1780) e o fenômeno propriamente dito foi meticulosamente observado e
estudado por Marx e Engels. O historiador Francisco Iglésias, em seu livro chamado “A
Revolução Industrial” observou que ao que tudo indica teria sido Friedrich Engels o
primeiro a utilizar a expressão “Revolução Industrial” em sua obra intitulada “Situação
da Classe Trabalhadora na Inglaterra”, sendo que Marx captou seu exato sentido,
tratando-se de uma análise completa e profunda.
O impacto da Revolução Industrial sobre as relações sociais, sobretudo, as
relações de produção foi assombroso. A divisão técnica do trabalho, ou de funções, se
impôs e a partir daí um objeto qualquer simples ou complexo pode implicar em dezenas
ou centenas de tarefas. É a racionalização do trabalho, efeito inevitável deste processo.
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Na obra “Sistemas Econômicos”, de maneira perspicaz, o prof. Antônio Avelãs
lembra, assim como Marx e Engels já haviam definido, que talvez o traço mais
marcante desta fase do capitalismo tenha sido o surgimento das fábricas, como unidade
de produção, que resultou na separação total e definitiva entre o produtor e os meios da
produção. Esta revolução aconteceu geograficamente nas cidades, em torno das
fábricas, para onde afluíram hordas de pobres, miseráveis, marginalizados, muitos
expulsos das atividades agrícolas. É este contingente imenso de pessoas, é essa massa
incontável de indivíduos deserdados que vai constituir uma nova classe social, no seio
da Revolução Industrial, o Proletariado.
Outro estudioso do mesmo fenômeno, o historiador inglês Eric Hobsbawm, em
sua obra intitulada “A Era das Revoluções”, afirma que a Revolução Industrial, dada a
sua magnitude, não pode ser enquadrada em termos rígidos, com marcos de início de
maneira inflexível. Neste sentido, a Inglaterra foi o terreno fértil para o
desenvolvimento original do capitalismo industrial (economia feudal desarticulada,
manufatura, disseminada, mão-de-obra abundante e “homens de negócio”).
Ainda segundo o historiador inglês, nas primeiras décadas o que se percebe é um
capitalismo monopolista que se utiliza do aparelho de estado para conquistar mercados
para seus produtos industrializados.
Uma vez consolidado o modo de produção capitalista do tipo industrial, emerge
com toda a força a chamada “ordem burguesa”. Esta só foi possível se legitimar
ideológica e juridicamente através do Estado Liberal. Novamente, é o professor Avelãs
Nunes, em sua obra de fôlego, intitulada “Os sistemas Econômicos” que vai chamar
atenção para o pensamento de Adam Smith. O economista escocês – contemporâneo
dos primeiros passos da Revolução Industrial e um dos mentores da nova ordem
burguesa – asseverava, de maneira muito lúcida, que o novo contrato estabelecido entre
capitalistas e trabalhadores era altamente desvantajoso para os segundos, dado o
desequilíbrio entre as partes. Não é só, reconhece textualmente que o Estado, e,
portanto, a lei, favorece amplamente a classe patronal.
Mais do que isso, o liberalismo burguês, a partir de ideias também de David
Ricardo e Stuart Mill, constitui um conjunto de valores que forjou o século XIX, quais
sejam: liberdade de empresa, liberdade de concorrência, liberdade individual, a não
intervenção estatal nos negócios, iniciativa privada e o lucro como valor supremo.
Em suma, tivemos um período de longa hegemonia da ideologia do liberalismo
burguês, aqui entendido como o reino das liberdades econômicas, públicas, políticas, da
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igualdade jurídica e da liberdade contratual, tudo sob um prisma estritamente subjetivo,
abstrato e individual.
A questão é que o capitalismo demonstrou-se, desde muito cedo, ser um sistema
econômico altamente volátil, e, por consequência, fortemente suscetível às crises
cíclicas e estruturais.
É nesta perspectiva que o professor Vital Moreira, na profunda análise de sua
obra “A Ordem Jurídica do Capitalismo”, revela que a incapacidade do sistema para
responder por si as perturbações do aparelho econômico provocadas por crises cada vez
mais agudas, obrigou o estado a procurar disciplinar e economia no seu conjunto.
Vital Moreira passa a tratar a expressão “intervenção econômica do Estado”.
Desde há muito tempo que o espaço da economia não é independente da atuação estatal.
Há na realidade uma interdependência entre as esferas mencionadas. A vetusta
separação estado-sociedade pertence ao já definhado Estado liberal. De outro lado, é da
essência do sistema capitalista, ver o Estado como algo intruso, indevido quando esta
opera na ordem econômica. Entretanto, há uma mediação correta que afirma que “o
estado e a ordem jurídica são pressupostos inerentes à economia”. O Estado Gendarme
foi sepultado no século XIX, período no qual se assinala o ponto zero da intervenção
econômica.
O autor sustenta a ideia de que o sistema capitalista e o estado sempre
mantiveram algum tipo de relação, nos mais variados períodos históricos. Portanto, a
suposta fronteira que separaria as duas esferas (público/privada) jamais existiu. Tanto
no Estado liberal, quanto no Estado social, o político e o econômico são inseparáveis. O
Estado liberal é a expressão da supremacia da infraestrutura (economia), já o estado
social, é a supremacia da política (superestrutura).
E qual seria o contexto histórico deste período de transição?
O professor português afirma que é a guerra de 1914 que melhor representa o
marco de passagem para uma nova forma econômica. A primeira guerra mundial quebra
a tradição do liberalismo econômico, evidenciando a necessidade do controle integral e
coativo da vida econômica, constituindo uma experiência concreta de total disciplina
pública da economia.
No entendimento de Vital Moreira, a separação de princípio entre o estado e a
economia deu lugar à interpretação recíproca, num processo de politização do
econômico ou de economização do político, em uma relação dialética. Do Estado de
guarda noturno, abstencionista e negativo, passa-se ao estado afirmativo ou positivo.
153
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Enfim noutra perspectiva que inclui ambos os aspectos da questão, ao capitalismo de
concorrência liberal e privado, substitui-se o capitalismo monopolista de estado.
O professor Emerson Gabardo completa a descrição deste modelo de estado que
deu lugar ao estado “providência” com suas marcantes características, senão vejamos:
redistribuição de renda; fixação de preços e controle do mercado.
O ordenamento jurídico deste período (pós 2ª guerra) teve que adequar-se, o que
seria a “ordem pública econômica”. É o que o referido jurista chama de “Constituição
Econômica”. A constituição mexicana (1.917) e a de Weimar (1.919) são predecessoras
deste paradigma.
O “Estado Social” seria uma espécie de terceira via, nem liberal, nem “estado
forte” – que conjuga a intervenção a partir normas democráticas que não violem os
valores da cidadania, nem suprima direitos individuais. De outro lado, esta
metamorfoseestatal define a supremacia do interesse coletivo sobre o individual.É a
troca da “mão invisível” do mercado, como um dado natural, pelo controle estatal na
correção das falhas do modelo liberal.
Na esteira deste raciocínio, o professor Antônio Avelãs Nunes, em sua obra “Do
capitalismo e do Socialismo”, em tom crítico, ao citar o prêmio Nobel de Economia de
1969, o economista Jan Tinbergen, afirma o equívoco deste de considerar uma tentativa
de “convergência dos sistemas”. Para o economista holandês, o Estado Social seria um
“sistema híbrido”, intermediário entre o capitalismo e o socialismo. Na visão de
Tinbergen, o modelo de que ressurgiu no pós-II guerra mundial – de forte intervenção e
controle estatal – seria uma forma de “capitalismo social” ou “economia social de
mercado”.
É no quadro dos anos 70 que o discurso liberal – que hibernou ao longo de três
décadas – encontrou solo fértil para se reapresentar como projeto de oposição ao
“WellfareState”. Dos dois lados do atlântico, governos ultraconservadores (do ponto de
vista político) e neoliberais (do ponto de vista econômico) – M.Thatcher e R.Reagan –
foram os arautos da nova/velha ordem, imbuídos do ideário do século XIX. O consenso
de Washington (1989) é o ápice deste retorno aos cânones liberais. A “indisciplina
fiscal” é a grande vilã do estado gastador, perdulário e ineficiente. Em outros termos, a
ideologia neoliberal advogou o desmonte do estado de bem-estar social, já que, este
seria um empecilho ao crescimento e desenvolvimento econômicos.
O capitalismo, como sistema econômico, é composto por períodos históricos e
segue uma sucessão de “crises”. A globalização, dentro da História do Capitalismo, é,
154
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ao mesmo tempo, um período e uma crise. Como período, o sistema capitalista é global,
pois funciona em todas as partes e tudo influencia. Como crise é uma crise persistente
com efeitos duradouros, aquilo que se pode chamar de “crise estrutural”. A globalização
gera a tirania do dinheiro e da informação (controle dos “espíritos”). A crise financeira
gera outras crises: econômica, social, moral, política.
Todos estes problemas foram agravados pela diminuição do Estado. Esta
perversidade sistêmica gera ainda a corrupção e a morte da política, já que esta passa a
ter como protagonista os interesses das grandes corporações que passaram a ser
parceiras do Estado, conforme percuciente avaliação do pensador e geógrafo brasileiro
Milton Santos.
Já para o sociólogo português Boaventura de Souza Santos, a Globalização é um
fenômeno multifacetado, pois afeta mais visivelmente a Economia, mas atinge a
Política, as relações sociais e o próprio Direito. O fenômeno da Globalização
aprofundou-se a partir do chamado “consenso neoliberal” que afirma o fim dos
paradigmas
tradicionais
(Revolução
ou
Reforma),
a
morte
das
Ideologias
(fascismo/comunismo), a hegemonia absoluta da Democracia Liberal e da Economia de
Mercado
(regulação
estatal
mínima),
programas
de
ajustamento
estrutural,
protagonismo das agências financeiras de “rating” e das grandes corporações.
Por outro lado,o declínio do Estado-nação – que significa uma crise de soberania
– como consequência mais visível do avanço da globalização e do neoliberalismo
implicaram efeitos nefastos na esfera política e na dimensão jurídica, como bem
assinalou o prof. Abili Castro de Lima. A assumir, ainda que parcialmente, o espaço
deixado pelo Estado, há o protagonismo das grandes corporações multinacionais.
Segundo Abili, a transnacionalização da economia seria o motor para esta inversão de
papéis, numa reconfiguração das fronteiras políticas e econômicas. Os efeitos sociais
deste movimento em escala global serão negativamente incalculáveis, atingindo a todos
os países. Todavia, a sua incidência será mais contundente sobre as nações mais pobres,
em desenvolvimento, àquelas que têm que se posicionar segundo a nova/velha divisão
social do trabalho.
Por fim, o professor português José Manuel Pureza,em um artigo intitulado
“Para um Internacionalismo Pós-Westfaliano”, inserido na obra “A Globalização e as
Ciências Sociais” (organizada por Boaventura de Souza Santos), reforça a ideia
apresentada pelo professor brasileiro naquilo que chamou de redirecionamento do
Estado, o que admite uma evidente fragilização do ente estatal, sobretudo na garantia do
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chamado “contrato social” quanto à preservação de políticas de inclusão. Ainda,
segundo Manuel Pureza, a globalização assim conduzida atribui toda a prioridade à
complementaridade entre autonomia dos mercados e “Estados facilitadores”, orientada
para a liberalização, a privatização, a desregulamentação da economia, a retratação dos
gastos com bens públicos e dos encargos com o bem-estar social, a plena mobilidade
dos capitais e a sujeição do mercado de trabalho em simultâneo com um estrito controlo
internacional e uma total flexibilidade nacional.
2. ESTADO E DIREITOS SOCIAIS.
É indene de dúvida de que, ao lado da Revolução Industrial, a Revolução
Francesa marca de maneira indelével a modernidade política e jurídica, bem como as
relações em um novo espaço social. Na realidade, a Revolução Francesa é a
consolidação do poder e da ideologia burgueses por toda a Europa Ocidental.
A Revolução Francesa (1.789) distingue-se das demais revoluções por duas
características que lhe são essenciais: a) a sua universalidade, pois seus valores
transcendem as fronteiras europeias; b) a importância dos movimentos populares, seja
na cidade (sansculottes), seja no meio rural (camponeses), fato que a tornará
inigualável, pois tais segmentos foram a vanguarda num processe de demanda e
alargamento de direitos.
A despeito destas características, a Revolução Francesa acentuou o aspecto da
conquista do poder político por uma classe que já era detentora do poder econômico. A
Revolução Francesa se constitui na destruição do “Antigo Regime”, sobretudo dos elos
e dos privilégios medievais da nobreza e do clero. O chamado 3º Estado (burguesia e
classes populares, no campo/cidade) é a vanguarda do processo revolucionário,
evidentemente que o setor dirigente deste movimento foi a culta burguesia francesa.
Some-se a tudo isso, o ideário iluminista que solidificou os princípios
ideológicos da Revolução: as potencialidades da razão contra o obscurantismo do
absolutismo e sua defesa inconteste do direito natural (vida, liberdade, propriedade).Por
outro lado, o processo francês é revolucionário porque do confronto direto entre as
classes, emergiu um grupo social vencedor e o outro derrotado.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
No plano econômico, todos os privilégios feudais e corporativos foram abolidos.
No plano jurídico, foi proclamada a igualdade civil e jurídica.Nada obstante a retórica
da igualdade cidadã, há que se esclarecer que a nova ordem burguesa, ao mesmo tempo
em que assegurava serem os homens “livres e iguais”, assegurava também o direito de
propriedade como “inviolável e sagrado” (Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão).
A mesma ordem burguesa, no plano político, adotou o sufrágio censitário que
dividiu os homens em duas categorias, a saber: cidadãos ativos e passivos. Com base na
renda econômica, os últimos estavam excluídos do direito de votar e de ser eleito. Já os
cidadãos ativos, em função do critério da renda, eram cidadãos completos, com todos os
direitos.
No plano das relações sociais de produção (trabalho), a nova ordem burguesa foi
igualmente conservadora e excludente, pois a assembleia constituinte formulou a Lei de
Chapelier (1.791), (Le Chapelier, advogado constituinte), que vedava o direito de
associação/sindicalização (organização) dos trabalhadores e proibia o direito de greve.
Os limites e as contradições do projeto burguês revolucionário são flagrantes,
máxime, se confrontados o discurso (pró-direitos) e a prática (excludente de direitos).
Concretamente, o que prevaleceu foi o individualismo, marca do liberalismo burguês e
as tesesdo contratualismo que formarão a ideologia hegemônica no século XIX.
Poderíamos sintetizar que, além do direito inalienável e sagrado da propriedade,
estariam asseguradas a Igualdade Jurídica (Civil) e a liberdade contratual, como
pressuposto teórico, segundo o qual todos os indivíduos (racionais) são livres para
estabelecer contratos, para firmar contratos, fundados na autonomia da vontade
individual. Tudo sob um prisma profundamente individualista.
Como o próprio historiador inglês Eric Hobsbawm observou o movimento
revolucionário francês nada tinha de democrático ou igualitário. Como bem destacou
Hobsbawm, o burguês revolucionário do período é um devoto do constitucionalismo, a
favor de um Estado secular e de garantias para a livre empresa e os proprietários.
Por outro lado, o fenômeno da industrialização acirrou sobremaneira a luta de
classes, como assinalou Marx no Manifesto Comunista: “a História de toda a sociedade
até os nossos dias é a História da luta de classes”. Um fenômeno histórico antigo
157
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
atingiu seu paroxismo já que a indústria aumentou sensivelmente a distância entre ricos
e pobres. Aliás, a ascensão burguesa foi fulminante.
A crítica marxista ao conceito de “igualdade jurídica”, sobretudo se considerada
a relação entre “burgueses e proletários”, não tardou a emergir, conforme bem observou
Luciano Gruppi, na obra intitulada “Tudo começou com Maquiavel” (“As concepções
de Estado em Marx, Engels, Lênin e Gramsci) que à revolução jurídica (igualdade
formal) deveria desencadear-se Uma revolução econômica e social a caminho de uma
igualdade material, fato que os limites da revolução burguesa não possibilitaram
Na ótica de Marx a Igualdade Jurídica teria a função de ocultar as
desigualdades sociais. O caráter generalizante e abstracionista (generalidade e
abstração) da LEI oculta que, na realidade concreta, os indivíduos são radicalmente
desiguais e convivem em um meio social fortemente hierarquizado (econômica e
politicamente).
No prefácio à Contribuição à crítica da Economia Política, Marx já havia
asseverado categoricamente que“ omodo de produção da vida material condiciona o
processo de vida social, política e intelectual.” Ou seja, o Estado e a Lei são expressões
(reflexos) das relações de produção travadas na infraestrutura da sociedade –
hegemonizadas pela burguesia – portanto encontram-se na superestrutura, representando
as instâncias imateriais.
Esta perspectiva da filosofia materialista permite a Marx também questionar qual
o significado da categoria “trabalhadores não proprietários” na sociedade burguesa. Qual
o papel do Estado e do Direito Privado nas relações sociais de produção.
De qualquer sorte, há um legado das duas revoluções sob comento
(industrial/econômica e francesa/política) a ser defendido, qual seja: ideias morais que
sustentaram serem os indivíduos os responsáveis pela riqueza coletiva das nações por
intermédio de um Estado democrático e social, isto, já no século XX.
Os direitos sociais nasceram no contexto histórico do período entreguerras, e não
tinha antecedentes nem no jusnaturalismo, nem no positivismo jurídico. Decorrem do
novo Estado social, e passam a ser a coluna cervical das modernas constituições do
século XX. O Direito ao trabalho e ao salário justo seriam dois bons exemplos deste
modelo. Aparentemente o direito ao trabalho é incompatível com o caráter volátil e
transitório da economia capitalista. O “pleno emprego” seria uma utopia. O direito ao
trabalho exigiria uma intervenção do Estado sobre o mercado de trabalho, subsidiando-o,
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estimulando-o fiscalmente, paraefetivação de tal direito. É, na realidade, uma diretiva
constitucional. Já o direito ao salário justo, trata de início, de estabelecer seu significado.
Ou o salário justo tem esta qualidade porque responde a todos os requisitos de
um bom padrão de vida, ou é justo porque ele é uma contribuição adequada ao trabalho
realizado. Nas duas situações, há graves dificuldades quanto a sua definição. Os limites
da economia capitalista acabam por frustrar a implementação desses dois direitos. Aqui
temos outra “diretiva constitucional”. Em outros termos, há “um débil alcance
normativo dos direitos sociais”. O sistema econômico tem sido o limite implacável
destes direitos.
Por outro lado, contemporaneamente os direitos fundamentais da propriedade e
da liberdade de empresa já não se restringem a esfera individual, mas estariam
subordinadas ao bem comum. É a partir daí, que se pode falar em “função social” destes
institutos previstos na constituição, ou seja, o interesse geral e o bem comum
prevaleceriam sobre o individual na ordem econômica.
O “sujeito econômico” seria a grande corporação, na realidade uma portentosa
instituição, fundamentos econômicos fixados na constituição, daí a propalada
“responsabilidade social”. Diante dos seus trabalhadores, consumidores e a própria
sociedade. Todavia, argumentos de ordem mais pragmática – “a intocabilidade do
direito econômico” – acabam por soterrar muitos dos direitos sociais. Vital Moreira
questiona qual é o real significado da expressão “estado social”, previsto em tantas
constituições europeias. O Prof.º português chega a conclusão que a adversidade
conceitual já é uma amostra das limitações deste modelo no que tocaà efetividade dos
direitos sociais.
O “sujeito econômico” seria a grande corporação, na realidade uma portentosa
instituição, fundamentos econômicos fixados na constituição, daí a propalada
“responsabilidade social”. Diante dos seus trabalhadores, consumidores e a própria
sociedade. Todavia, argumentos de ordem mais pragmática – “a intocabilidade do
direito econômico” – acabam por soterrar muitos dos direitos sociais. Vital Moreira
questiona qual é o real significado da expressão “estado social”, previsto em tantas
constituições europeias. O Prof.º português chega a conclusão que a adversidade
conceitual já é uma amostra das limitações deste modelo no que tocaà efetividade dos
direitos sociais.
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A estes óbices de ordem econômico/jurídico, acresça-se a brutal investida da
globalização na desconstrução de inúmeros direitos sociais, sobretudo, os direitos
trabalhistas.
Nesta seara, o professor Abili Castro com muita propriedade fala de “dissipação
dos direitos sociais” através da flexibilização e desregulamentação dos direitos
trabalhistas. É bom que se afirme que tais conceitos se transformaram em verdadeiras
palavras de ordem ao longo da década de noventa, adentrando este século.
Resta claro que na sua origem os direitos sociais surgiram a partir de uma
concepção cidadã nos textos constitucionais dos assim chamados Estados de Bem-Estar
social. Portanto, tais direitos, o que inclui o direito ao trabalho, estão umbilicalmente
ligados à própria ideia de cidadania e “padrões dignos de existência na persecução de um
equilíbrio social”, nas sábias palavras do professor brasileiro.
AbiliCastro não tem qualquer dúvida quanto a ameaça que o processo de
globalização representa no campo jurídico ao emascular os direitos sociais, abrindo as
portas para um deletério retrocesso em termos histórico e civilizatório. Neste sentido, o
Estado não teria mais a missão primordial de minorar as abissais diferenças sociais
inscritas na comunidade. Antes ao contrário, o papel do Estado seria garantir a liberdade
da ordem econômica, inclusive, a partir dos textos constitucionais. O resultado disso é a
“dissipação dos direitos sociais”, em um momento em que a economia se sobrepõe à
política e ao próprio direito, incluindo-se aqueles de índole trabalhista.
Por óbvio que a relações de trabalho contemporâneas devem ser pensadas no
marco do modo de produção capitalista e, mais precisamente, em sua fase atual
(neoliberalismo e globalização).
A globalização modificou profundamente a relação entre capital e trabalho. Para
o sociólogo Boaventura de Souza Santos as consequências sociais decorrentes da
globalização são conhecidas e independem em que continente ou país em que são
produzidas. Mesmo no país que pode ser considerado o carro-chefe deste sistema
dominante, os E.U.A., passa por um processo de degradação social nunca antes visto, já
que 1% das famílias americanas detinha 40% da riqueza do país e as 20% mais ricas
detinham 80% desta mesma riqueza (dados do FED, para o final da década de 80).
No plano das relações de trabalho, a visão de Boaventura Santos não é menos
realista quanto aos efeitos nefastos da globalização:
160
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
“No domínio da globalização social, o consenso neoliberal é o de que o crescimento e a
estabilidade econômicos assentam na redução dos custos salariais, para o que é necessário
liberalizar o mercado de trabalho, reduzindo os direitos laborais, proibindo a indexação dos
salários aos ganhos de produtividade e os ajustamentos em relação ao custo de vida e
eliminando a prazo a legislação sobre salário mínimo. O objetivo é impedir “o impacto
inflacionário dos aumentos salariais.”
Na linguagem da tecnocracia econômica dominante é o chamado “custo país”,
na visão fundamentalista do discurso globalizante trata-se de um sério entrave ao
crescimento econômico.
Por evidente que o enfraquecimento do fator “trabalho” tem relação direta com a
desarticulação do Estado, seu esvaziamento, a anemia funcional a que foi submetido a
partir dos anos oitenta. É o consenso do “Estado fraco”. Ainda segundo o prof.
Boaventura sugere-se que o “Estado é o oposto da sociedade civil e potencialmente seu
inimigo. Daí que o Estado fraco seja também tendencialmente o Estado mínimo. O
consenso do Estado fraco visa repor a ideia do estado liberal original.”
No quadro da globalização e suas consequências, o sociólogo português não
deixa de assinalar o papel do Direito:
“Muito diferente deste processo é o que, na mesma área da justiça e do direito, tem
vindo a ser protagonizado pelos países centrais, através de suas agências de cooperação e
assistência internacional, e pelo Banco Mundial, FMI e Banco Interamericano para o
Desenvolvimento, no sentido de promover nos países semiperiféricos e periféricos profundas
reformas jurídicas e judiciais que tornem possível a criação de uma institucionalidade jurídica e
judicial eficiente e adaptada ao novo modelo de desenvolvimento, assente na prioridade do
mercado e das relações mercantis entre cidadãos e agentes econômicos”.
3. A PRECARIZAÇÃO DOSDIREITOS SOCIAIS DO TRABALHO NO
BRASIL
Para delimitarmos temporalmente este trabalho, faremos uma abordagem da
relação entre o Estado Brasileiro e os Direitos sociais, sobretudo os de natureza
trabalhista, enfocando exclusivamente o período republicano.
161
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Na chamada República Velha ou República Oligárquica (1889/1930), a
Constituição de 1891 assegurava exclusivamente direitos de natureza individual, tais
como as liberdades individuais, a propriedade, a segurança. O primeiro texto
constitucional da república é absolutamente silente quanto aos direitos denominados
sociais. Prevaleceu ao longo do período a IDEOLOGIA LIBERAL, adotando-se no
Brasil o princípio do “laissez-faire”, em uma versão extremada do LIBERALISMO
INDIVIDUALISTA.Ou seja: O ESTADO não deve interferir nas atividades
produtivas, nas relações sociais, nas relações de propriedade.
Ainda no campo do direito, há uma forte influência do modelo norte-americano
na cultura jurídica do Brasil, especialmente no campo constitucional.
O que isto significa? O Estado, logo, a lei não deve interferir em questões
privadas. Não dever regular a “Autonomia das vontades individuais”, nem a “liberdade
dos particulares”. Em outros termos, ointeresse individual se sobrepõe ao interesse
coletivo. O Ordenamento Jurídico privilegia direitos individuais. É a prevalência da tão
propalada LIBERDADE CONTRATUAL, o que vale, inclusive, para as relações de
trabalho.
A crise do capitalismo liberal de 1929 vai transformar este quadro de forma
dramática, não só nos países do capitalismo central, mas também nos países periféricos,
inclua-se aí o Brasil.
A chamada “Era Vargas” uma profunda alteração da estrutura estatal, que passa
a cumprir um modelo progressivamente intervencionista, senão vejamos: a)
MEDIADOR (Árbitro) dos conflitos entre as classes; b) REGULADOR de setores da
Economia, inclusive das atividades patronais e da organização da mão-de-obra.
Controlador dos “contratos”; c) INTERVENTOR no campo do Direito e na edição de
LEIS.
No campo constitucional, o texto de 1934, de maneira progressista, instituiu:
voto Secreto/Voto Feminino;a Justiça do Trabalho (ainda na esfera
administrativa);algunsDireitos Sociais, pela primeira vez; direitos trabalhistas (salário
mínimo, jornada de 8 horas, assistência médica, legislação sobre acidente de trabalho;
direito à educação (Ensino Básico, como uma obrigação do ESTADO).
Tais direitos sociais se mantiveram nos textos constitucionais subsequentes,
mesmo durante a ditadura militar (1964/1985).
O fato novo com efeitos colossais sobre os direitos sociais que se verificou a
partir de meados dos anos 80 no Brasil foi o processo de globalização, de escala
mundial e a ideologia neoliberal.
O professor Abili Castro assevera textualmente que, dentre os diversos direitos
sociais historicamente construídos, são os direitos decorrentes da relação de trabalho
que mais sofreram com este processo de erosão e tentativa de supressão. E a explicação
para este descomunal esforço em retirar ou tornar precários os direitos trabalhistas
decorre do fato de que, desde o surgimento do modo de produção capitalista industrial,
162
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
é histórica a super-exploração do trabalho humano, bem como a busca desenfreada pelo
lucro fácil (mais-valia).
Ainda, segudoAbili Castro, este duplo movimento (superexploração e maisvalia) é facilitado pela “transnacionalização da produção”, vez que o Estado associado
aos interesses das grandes corporações, terá seu poder de intervenção bastante mitigado
e facilitará a desregulamentação de direitos fundamentais. Na visão do professor acima
citado, a desregulamentação e a flexibilização significam a supressão das garantias
sociais dos trabalhadores.
Ainda, é de se questionar se não estaríamos diante de uma insegurança jurídica
dos direitos trabalhistas. Aliás, é o próprio artigo 7º., da C.F. de 1988 – consagrado
aos direitos dos trabalhadores – que em vários dos seus incisos garante direitos não
efetivos, pois dependem dos “termos de lei complementar”. Aliás, é o próprio artigo
ora mencionado que permite as partes contratantes livremente disporem de direitos, em
tese, indisponíveis, como os exemplos dos incisos VI, VXIII e VIX (irredutibilidade
salarial e jornada de trabalho, respectivamente).
Não raras vezes nos defrontamos com a ideia segundo a qual a legislação
trabalhista e as normas do Direito do Trabalho são o sempre indesejável “custo Brasil”.
No caso específico do Brasil, a lição deixada pelo prof. Boaventura nos ajuda a
desvelar o que está dissolvido na tão propalada “reforma trabalhista” que os extratos
dominantes, com o auxílio inestimável da grande mídia, chamam de “urgente”. Não
paira dúvida que, mesmo antes da sobredita reforma legal, existem os espaços que
possibilitam a flexibilização de alguns direitos dos trabalhadores, bem como, a própria
precarização das relações laborais. O sistema de terceirização da mão-de-obra é o mais
eloquente exemplo desta empreitada.
No que podemos denominar, segundo o prof. Antônio Casimiro Ferreira, de
“capitalismo desorganizado”, a situação acima descrita muda radicalmente e num
sentido claramente negativo se considerados os interesses da classe trabalhadora:
Ao contribuírem (normas laborais) para a precarização dos
vínculos contratuais e para a segmentação e dualização dos
mercados de trabalho este tipo de normas laborais aprofundam os
desequilíbrios estruturais associados às relações de trabalho,
provocam maior insegurança ontológica e jurídica e põem em
causa o modo como o trabalho se constitui em vínculo de
integração social. Para além dos exemplos associados à
precariedade e atipicidade legais geradoras de insegurança sóciojurídica é igualmente de referir o “uso perverso” das normas
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laborais, como sucede nas situações de falsos despedimentos
coletivos, de constrangimentos nos processos de reformas
antecipadas e rescisões de contratos por mútuo acordo, de
falências fraudulentas, de salários em atraso, de eficácia real das
sentenças judiciais, de violação da privacidade no local de
trabalho, de discriminação em razão do sexo, raça, etnia ou
deficiência, de violação das normas respeitantes à duração do
trabalho, etc.
É da lavra do mesmo autor a análise jurídica que bem demonstra este ponto de
inflexão das normas trabalhistas decorrentes da mudança do cenário econômico:
Em suma, a especificidade do direito do trabalho, que sempre
reconheceu na sua estrutura nomológica a proteção à parte mais
desprotegida, cauciona agora padrões de emprego flexíveis e
desregulados. A desregulamentação e flexibilização, como resposta
à juridificação das relações laborais, traduz-se na redução dos
padrões de proteção legal dos trabalhadores, tendendo os seus
defensores, apoiados em políticas econômicas neoclássicas e
liberais, a criticar as normas de proteção do emprego, os direitos de
consulta, participação e negociação dos trabalhadores e seus
representantes, e a intervenção da administração, dos tribunais de
trabalho e das organizações internacionais como a OIT.
Em outros termos, considerando o enfoque da relação entre capital e trabalho,
pode-se
dizer
que
certos
aspectos
supostamente
sepultados
historicamente,
reapareceram no quadro da chamada globalização, da era dos “consensos” e do
“discurso único”, tais como: a fragilização do papel do Estado e, em certa medida, a sua
retirada de cena para determinados fins; a flexibilização das normas que regem as
relações de trabalho, e isto inclui, sobretudo, o sistema de terceirização da produção; em
face disso, a suposição de que as partes (patrões e empregados) estão em igualdade de
condições para “negociar direitos” – a volta da autonomia das vontades; enfim, a
propalada precarização que significa tornar inseguras as condições de trabalho as quais
o obreiro está submetido.
Na prática, os defensores dos hipossuficientes estariam impotentes, diante da
supremacia da ordem econômica (mercado) sobre o Direito, máxime sobre a ordem
sócia e as garantias dos direitos dos trabalhadores, numa leitura às avessas do espírito da
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Constituição de 1988. Seria a rendição do Direito social frente ao irresistível poder
econômico e a pusilânime instância política.
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166
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
ÉTICA EMPRESARIAL GARANTIDORA DA SUSTENTABILIDADE: FUNÇÃO
SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL E O PARADOXO TRABALHO ESCRAVO
CONTEMPORÂNEO.
SUSTAINABILITY ENSURE BY THE ETHICAL BUSINESS: SOCIAL FUNCTION
OF RURAL PROPERTY AND THE PARADOX SLAVE LABOR TODAY.
Henrico César Tamiozzo*
Marlene Kempfer**
Resumo: Na atualidade a temática da sustentabilidade avança para estudos nos campos da
economia, do ambiente e social. Este tripé reúne a participação do Estado, dos agentes
econômicos e da Sociedade Civil, que devem atuar em conjunto para que seja alcançada a
efetividade dos direitos que este conceito traz. Nesta pesquisa, o enfoque será para a
sustentabilidade nas relações sociais do trabalho, em face do importante Projeto de Emenda à
Constituição nº 438/2001, que pretende alterar o Art. 243 da CF/88 para incluir a modalidade
de expropriação de glebas rurais onde for flagrada mão de obra escrava destinando-as à
reforma agrária ou ao uso social. Após mais de 120 anos da abolição da escravatura no Brasil,
segundo o Ministério do Trabalho e Emprego e a jurisprudência nacional, ainda não está
extirpada a conduta de tratar as pessoas à condição de escravo. Embora tenha previsão do
crime no Art. 149 do atual Código Penal Brasileiro, as estatísticas comprovam que a punição
penal não é suficiente para inibir esta conduta imoral e antijurídica que persiste há milênios. A
PEC acima referida está em trâmite por 12 anos, demonstrando a dificuldade em obter apoio
parlamentar. No entanto, mesmo sem a aprovação da emenda constitucional, a atual ordem
jurídica possibilita construir um conceito de função social da propriedade rural e de trabalho
escravo a partir da CF/88 em seu Art. 186, da Lei nº 8.629/93 (reforma agrária), das
Convenções da OIT das quais o Brasil é signatário e do Código Penal referido. Além deste
aspecto jurídico é possível às empresas, que têm a cultura da sustentabilidade, participar de
movimento em rede por meio dos seus stakeholders, internalizando o respeito ao trabalho
humano como estratégia dos negócios e do seu código de conduta. Ou seja, buscar em
cadastros públicos (jurisprudências e cadastro de Empregadores que tenham submetido
trabalhadores a condições análogas à de escravo) e de organizações não-governamentais
(terceiro setor), informações sobre proprietários rurais que tenham tal condenação para excluir
da condição de fornecedor. Esta atitude terá repercussão econômica imediata e, à luz da
relação de consumo, o reconhecimento de empresa socialmente responsável, partícipe de uma
corrente cívica que contribui para demonstrar que a ética empresarial é suporte da
sustentabilidade.
Palavras-chave: Sustentabilidade social; Escravidão contemporânea; Função social
propriedade rural; Ética Empresarial.
* Mestrando em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina – UEL/PR, na linha de pesquisa
Relações Internacionais e Empresariais, bolsista CAPES/DS. Especialista em Ministério Público, Estado
Democrático de Direito pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná – FEMPAR.
Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Instituto de Direito Constitucional e Cidadania –
IDCC. Professor da Universidade Norte do Paraná – UNOPAR/Londrina. Advogado. Email:
[email protected]
** Mestre e Doutora em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, área
de concentração de Direito Tributário, Coordenadora do Programa de Mestrado em Direito Negocial da
Universidade Estadual de Londrina – UEL/PR, Professora de Graduação e Mestrado da Universidade Estadual
de Londrina – UEL/PR, e da Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, campus Londrina –
PUC/Londrina. Email: [email protected]
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Abstract: At present, the theme of sustainability advances to studies in the fields of economy,
environment and social. This tripod brings together the state's participation, economic agents
and civil society, who must work together in order to reach the realization of the rights in this
concept. In this research, the focus will be for sustainability in social work, given the
important Amendment to the Constitution Project No. 438/2001, which seeks to amend
Article 243 of CF/88 to include a mode where expropriating rural properties caught for slave
labor, allocating them land reform or social use. After more than 120 years of the abolition of
slavery in Brazil, according to the Ministry of Labor and jurisprudence, is not yet eradicated
the conduct of treating people to slave status. Although predicting the crime in Article 149 of
the Brazilian Penal Code today, statistics show that criminal punishment is not sufficient to
inhibit this immoral and anti-juridical that persists for million years. The PEC above is being
processed for 12 years, demonstrating the difficulty in obtaining parliamentary
support. However, even without the approval of the constitutional amendment, the current law
allows constructing a concept of the social function of rural property and slave labor from
CF/88 in its Article 186 of Law No. 8.629/93 (agrarian reform ), of the OIT Conventions of
which Brazil is a signatory and the Penal Code. Beyond this legal aspect is possible for
companies that have a culture of sustainability, participate in movement network through its
stakeholders, internalizing respect for human labor as business strategy and its code of
conduct. That is, in seeking public records (case law and registration of Employers who have
subjected workers to conditions analogous to slavery) and nongovernmental organizations
(third sector), information about landowners who have such condemnation to delete the
condition supplier. This attitude will have immediate economic impact and, in light of the
consumer relationship, the recognition of a socially responsible company, a current participant
of contributing to civic demonstrate that business ethics is supported sustainability.
Key-words: Social sustainability; Contemporary Slavery; Social function rural property;
Ethical Business.
INTRODUÇÃO
Considera-se que o desenvolvimento sustentável denota especial importância nos
dias de hoje e está pautado em diversas áreas do conhecimento, portanto, é multi e
interdisciplinar.
Poder-se-á ver adiante que tal desenvolvimento é objeto de discussão em diversas
reuniões e conferências de âmbito mundiais, como por exemplo, Conferência Mundial de
Meio Ambiente de Estocolmo e Conferência Nacional das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92). O envolvimento nacional, regional e internacional, ou
seja, a união dos povos, é condição para alcançar a sustentabilidade.
Deve-se compreender que este conceito não mais está limitado ao aspecto ambiental
e, sim, envolve a economia e o bem-estar social. Nesta pesquisa os destaques serão para a
sustentabilidade econômica e social a partir da diretriz constitucional do Art. 170 que
determina à ordem econômica considerar, a valorização do trabalho humano para viver o
valor da dignidade e justiça social.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
O estímulo para este estudo está em face da constatação de que ainda há focos de
escravidão humana em várias partes do mundo, incluindo o Brasil. Apesar de fugir um pouco
do modelo da Antiguidade, continua o núcleo de desrespeito às condições mínimas para o
trabalho humano. Dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE),1 reunidos no cadastro
de empregadores de mão de obra semiescrava, indicam que no ano de 2012, havia em torno
de 346 empregadores e dentre eles constam políticos, multinacionais e famílias de expressivo
poder econômico.
No Brasil, desde o século XVI há registro de tráfico de escravos, ocasião em que esta
mão de obra foi utilizada na produção de açúcar. A abolição formal da escravidão ocorreu no
século XIX, em 13 de maio de 1888 com a promulgação da Lei Áurea. Mas, desde então a
luta continua, tendo sido necessário criminalizar a conduta que submete outro ser humano à
condição análoga de escravo, conforme está no Art. 149 do Código Penal, Decreto-Lei n.
2.848 de 1940 (BRASIL, Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), introduzido por
meio da Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003.
Esta intervenção estatal punindo com a privação de liberdade, não foi suficiente para
abolir a escravidão. Seguiu-se para incluir no conceito de função social da propriedade rural
(Art. 186 CF/88), além do dever de aproveitamento racional e adequado (aspecto econômico),
respeitar as normas que tutelam as relações do trabalho e promover exploração que favoreça o
bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores (aspecto social).
Defende-se que estas referências constitucionais permitem delimitar o que seja
trabalho decente e, em contraposição, o que seja trabalho escravo. Este posicionamento
constitucional coloca o Brasil em consonância com as normatizações da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), da Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Pacto
de San Jose da Costa Rica, entre outros tratados internacionais, que buscam consolidar um
pacto universal pela tutela do trabalho humano.
No Brasil, a punição para o desrespeito à função social da propriedade rural é a
desapropriação e destinação da área para a reforma agrária. No entanto, nem mesmo mediante
esta forte intervenção estatal as condutas de exploração do homem em seu trabalho acabaram.
A tentativa atual é aprovar da PEC Nº 438/01, em tramitação no Senado Federal, que se
aprovada, a propriedade privada poderá sofrer outra limitação importante: haverá pena de
perdimento da gleba, onde for constatada a exploração de trabalho escravo, uma vez que
considera-se ser impossível o cumprimento da função social se a propriedade estiver acoplada
à condições degradantes de trabalho. Outra expectativa de atuação estatal está novo Código
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Penal (Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012), que amplia a lista dos chamados crimes
hediondos e inclui o trabalho escravo como tal.
Ressalte-se, por fim, que a atuação privada, em concomitância a do Estado e da
sociedade civil, é fundamental. É preciso que as empresas formem uma corrente ética e
selecionem seus parceiros em negócios dentre aqueles que ainda não constem no cadastro de
empregadores autuados pela fiscalização por explorarem trabalhadores em condições análogas
às de escravo (Portaria n° 540/2004 - MTE), ou mesmo condenados judicialmente por tal
conduta.
O
DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL
NO
ASPECTO
SOCIAL
E
A
PARTICIPAÇÃO DAS EMPRESAS
A terminologia desenvolvimento sustentável, empregada pela primeira vez na
Conferência Mundial do Meio Ambiente em Estocolmo, no ano de 1972, tomou conta do
cenário mundial nas últimas décadas. O conceito de sustentabilidade, nesta concepção, não foi
esquecido pelo legislador constituinte, que o almejou a princípio fundamental, esculpindo-o
no caput do Art. 225 da Constituição Federal (BRASIL, 1988), quando menciona que é dever
de todos defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e
futuras gerações.
A ideia de um mundo melhor para todas as gerações sem prejudicar o meio ambiente
foi notoriamente defendida na Conferência Nacional das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, popularmente conhecida como Rio-92. Entretanto, sobreveio
um novo conceito de desenvolvimento sustentável, ampliando-o à missão de desenvolver a
economia e reduzir a dívida social de modo simultâneo, sempre com vistas à preservação e
proteção do meio ambiente (ESTIGARA; PEREIRA; LEWIS, 2009, p. 19-20).
Os elementos constitutivos do desenvolvimento sustentável no ensinamento de
Ignacy Sachs compõem cinco pilares: social, econômico, ecológico, espacial e cultural
(BARBIERI; CAJAZEIRA, 2009, p. 66-67). Essa ampliação de ações, no entanto, não alterou
a proposta básica da necessidade de atuação concorrente do Estado, dos agentes econômicos e
da Sociedade Civil.
Ao ser analisada a participação empresarial neste esforço coletivo, doutrinadores da
Ciência da Administração, destacam que as empresas cumprem papel central, pois, será a
oportunidade para resgatar os prejuízos socioambientais foram produzidos ou estimulados por
suas atividades.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
No entanto, nem todos cientistas desta área de conhecimento assim tratam o papel da
empresa nas questões da sustentabilidade ou da ética empresarial.
De toda sorte, na citação de Carroll (apud GARCÍA-MARZÁ, 2008, p. 167 e 172),
“a maioria desses trabalhos têm referente comum com a concepção de M. Friedman”.
O texto de Friedman apresentará três importantes críticas que, uma vez resolvidas,
proporcionarão o marco ético que define a responsabilidade social empresarial. A primeira
delas é que há uma clara confusão entre privado e público. A segunda delas se trata do
problema da falta de critérios intersubjetivos no momento de se definir em que consiste esta
responsabilidade. E a terceira se refere a uma fraude da responsabilidade social, ou seja, que a
responsabilidade social é utilizada como meio de maquiar o verdadeiro motivo de alcançar
maiores benefícios econômicos. Talvez quem mais designou esforços para enfrentar tais
questões, na opinião de Domingo García-Marzá (2008, p. 173-182), tenha ido o professor
Archie B. Carroll.
À segunda crítica de Friedman – mais interessante do ponto de vista da presente
pesquisa – se traduz na seguinte pergunta: o que é de responsabilidade da empresa?
No modelo proposto por Carroll identifica-se quatro categorias distintas que juntas
compõe aquilo que a sociedade espera da empresa, ou seja, a responsabilidade social
corporativa. São elas, responsabilidade: econômica, legal, ética e filantrópica. Outros
estudiosos também buscaram responder essa indagação, contudo, sem muita evolução prática
ou aplicabilidade (GARCÍA-MARZÁ, 2008, p. 181-185).
Até que chegou-se à afirmação atual, onde, segundo José Carlos Barbieri e Jorge
Emanuel Reis Cajazeira (2009, p. 69), “no âmbito das organizações em geral, o núcleo duro
de sua contribuição para com o desenvolvimento sustentável passou a consistir em três
dimensões: a econômica, a social e a ambiental.” E completam:
Uma organização sustentável seria, portanto, a que orienta suas atividades
segundo as dimensões da sustentabilidade que lhe são específicas. Em outras
palavras, é uma organização que busca alcançar seus objetivos atendendo
simultaneamente os seguintes critérios: equidade social, prudência ecológica
e eficiência econômica. Desse modo, os movimentos da responsabilidade
social e do desenvolvimento sustentável, cada qual com suas características
próprias e campos de estudos específicos, convergem para o conceito de
empresa sustentável.
Nesse sentido, empresa sustentável é aquela que gera lucro para os acionistas, ao
mesmo tempo em que protege o meio ambiente e melhora a vida das pessoas com quem
mantém interações.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Este sentido também deve ser estendido ao uso de todas as formas do capital para
que sejam socialmente legitimados. Ou seja, o uso da propriedade urbana ou rural enquanto
bem de produção do bem-estar material e acumulação de patrimônio, será lícito e legítimo se
for utilizado na acepção ora em análise.
A atuação sustentável do bem propriedade (com fins econômicos), que será foco
desta pesquisa, será a dimensão social. Esta compreende o respeito à diversidade de pessoas, a
eliminação das discriminações em todas as suas formas (gênero, opção sexual, etnia, raça, cor,
idade, religião), a inclusão de grupos minoritários, incentivo à resolução pacífica de conflitos,
condições dignas de trabalho, boa relação e tratamento justo de seus superiores, ambiente
laboral adequado, remuneração condizente, enfim, uma vida que proporcione ambiente para a
dignidade humana.
Vivenciar todo este ambiente na relação do capital com o trabalho é ainda um difícil
desafio. Milênios se passaram e a luta por condições que valorizem o trabalhador ainda não
são efetivas. Ainda há constantes denúncias de indivíduos submetidos a trabalhos forçados,
em condições extremamente precárias e em situações análogas à de escravo.
CONCEITO JURÍDICO CONTEMPORÂNEO DE TRABALHO ESCRAVO
A origem da escravidão, prática que se perde nos tempos, aproximando-se das
origens da própria civilização humana, constantemente empregada nos povos da Antiguidade,
desde os assírios, os egípcios, os judeus negros e romanos, submetendo o ser humano à
condição de mercadoria e a sofrimentos inenarráveis.
No Brasil a questão iniciou-se com o mercantilismo da era colonial, quando grandes
embarcações aportavam na então colônia de Portugal trazendo negros africanos que seriam
utilizados como mão-de-obra escrava. A escravidão perdurou oficialmente por quase três
séculos, sendo abolida pela Lei Áurea no dia 13 de maio de 1888.
No em tanto, esta Lei não foi suficiente para extirpar esta prática que persiste na
atualidade no meio rural e urbano. Ela ainda se manifesta na clandestinidade e é marcada pelo
autoritarismo, corrupção, segregação social, racismo, clientelismo, e desrespeito aos direitos
humanos.
Principalmente no final da década de 60 tornou-se mais visível a chamada escravidão
contemporânea, momento em que o país vivia o início do seu milagre econômico e a região
amazônica tornava-se alvo de vultuosos projetos de infraestrutura visando a implantação de
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
empreendimentos econômicos assentados na utilização predatória dos recursos naturais e da
força de trabalho.
Para Neide Esterci (1994, p. 22) a construção do conceito do trabalho escravo
contemporâneo se dá a partir da publicização do problema, com denúncias à Delegacia da
Polícia Federal, entre meados de 1960 e a década de 70. As condutas apresentadas eram de
superexploração do trabalho em condições degradante, submissão da mão de obra ao
pagamento de dívidas, a coerção e a violência de agenciadores, fazendeiros e chamados
jagunços.
Com o advento da Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003, foi alterado o Código
Penal (BRASIL, Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), para incluir o Art. 149
que prevê a pena de reclusão de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à
violência, aplicada aos indivíduos que reduzirem alguém a condição análoga à de escravo: i),
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva; ii), sujeitando-o a condições
degradantes de trabalho; iii) restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de
dívida contraída com o empregador ou preposto.
Apesar desta lei e da punição de privação de liberdade, segundo bem jurídico mais
valioso do sistema normativo brasileiro, casos de escravidão contemporânea ainda persistem,
sendo que é na área rural onde se concentram tais condutas. Nesse sentido, a afirmação de
Flávia de Almeida Moura (2009, p. 23), “a escravidão contemporânea se apresenta
principalmente em regiões de fronteira agrícola, envolvendo trabalhadores que migram em
busca de promessas de ocupação para outros estados brasileiros”. De igual forma assevera a
escritora inglesa Binka Le Breton (2002):
Existem no Brasil de hoje, milhares de Josés, peões do trecho, migrantes,
trabalhadores escravos. Escravizados pela pobreza, pela falta de alternativa,
pela dívida. Pelo medo. Pela própria honra – que dita que quem deve tem
que pagar. A maior parte deles trabalha na ‘nova fronteira’ agrícola, no Sul
do Pará, norte do Mato Grosso e no Maranhão. Trabalham na derrubada –
quase sempre ilegal – no roço de pasto, no aceiro, na limpeza de cercas.
Trabalham também na colheita da pimenta do reino, nos canaviais e nos
cafezais. Nas carvoarias. Saem do interior, dos estados mais pobres – Piauí,
Bahia, norte de Minas, Pernambuco, Tocantins, Alagoas e Ceará. Saem, mas
não voltam.
Apontar o número exato de trabalhadores escravos no Brasil é tarefa muito difícil,
em face de vários fatores, entre eles a dimensão continental e a mudança das culturas
agrícolas de região para região. Flávia Piovesan (2006, p. 151) assinala que há, no mínimo,
25.000 pessoas vítimas de trabalho escravo no Brasil atualmente.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
No sítio da internet da Organização Internacional do Trabalho no Brasil encontra-se
um trabalho feito pela própria OIT, pela Secretaria Especial de Direitos Humanos, e em
parceria com a agência LOWE, chamado “Campanha Nacional para Erradicação do Trabalho
Escravo” (2003). Nele é possível aferir diversos dados relativos ao trabalho escravo, a
exemplo das atividades econômicas com maior incidência dessa modalidade de trabalho, em
primeiro a pecuária com 43%, seguida do desmatamento com 28%, e da Agricultura com 24%
do total.
Esta realidade exige tomada de posição mais interventora do Estado conforme
autoriza o caput Art. 170 da CF/88, a participação das empresas e das organizações da
sociedade civil, uma vez que o trabalho humano decente é um processo que possibilita a
emancipação em seu sentido mais amplo, incluindo a liberdade e a satisfação das
necessidades materiais.
VALORIZAÇÃO DO TRABALHO HUMANO E PARÂMETROS DO TRABALHO
DECENTE
A Constituição Federal inseriu no inciso IV, do Art. 1°, 2 como um dos fundamentos
do Estado Democrático de Direito, a tutela aos valores sociais do trabalho, como expressão
básica da proteção à personalidade humana e como forma de buscar o equilíbrio social e
econômico, haja vista a inegável inferioridade do trabalhador frente ao modelo de produção
instaurado dentro de uma economia globalizada.
Ao passo que pela dicção do Art. 170,3 da CF/88, fixa-se que a ordem econômica
tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social e é
fundada na valorização do trabalho humano e da livre iniciativa. No mais, o Art. 193 4 do
mesmo Códex é firme ao trazer que a ordem social tem por base o primado do trabalho,
objetivando o bem-estar e a justiça sociais.
Apenas com as referências acima já é possível afirmar que a ordem jurídica brasileira
reúne os princípios para defesa do trabalho humano em condições dignas. Sendo assim, para
as empresas ou empregadores em geral, não há outra alternativa ética e moralmente aceitável.
Têm responsabilidade de criar um ambiente de respeito à lei e que os trabalhadores possam
desenvolver suas potencialidades, virtudes e conhecimentos.
Além das previsões na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
acima referidas e demais normas infraconstitucionais, o Estado brasileiro é signatário de
inúmeros Tratados e Acordos Internacionais que são verdadeiras conquistas e que exigem dos
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Estados atuação para promover ambiente público ou privado para um trabalho decente. Tais
regramentos internacionais não reconhecem a sobreposição de interesses econômicos em
detrimento dos direitos sociais e da dignidade humana.
A Organização Internacional do Trabalho (OIT), entidade vinculada à ONU, realiza
papel fundamental na criação das normas internacionais do trabalho e está diretamente ligada
às conquistas emanadas no século XX. Foi criada em 1919, e é responsável pela formulação e
aplicação das normas internacionais do trabalho, convenções e recomendações. Tem como
missão promover oportunidades para que homens e mulheres possam ter acesso a um trabalho
decente e produtivo, em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade.
Tais vitórias consagram direitos que compõem a Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948), que proclama o direito de acesso ao trabalho, à livre escolha de emprego, às
condições justas e favoráveis de trabalho (Art. XXIII),5 bem como, direito ao repouso, ao
lazer (Art. XXIV),6 e a um satisfatório padrão de vida (Art. XXV).7 Esta Declaração reflete as
bases éticas e morais para a construção de uma sociedade fundamentada na liberdade, na paz
e na justiça.
No encalço deste trabalho destaca-se o Art. 4º da mesma Declaração, que rege no
seguinte sentido: “Ninguém será mantido em escravidão ou servidão, a escravidão e o tráfico
de escravos serão proibidos em todas as suas formas”.
Outro documento que marcou fortemente o desenvolvimento das normas trabalhistas
foi o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) adotado
pela Assembleia Geral da ONU no dia 16 de dezembro de 1966, que entrou em vigor na
ordem internacional no dia 03 de janeiro de 1976, e foi internalizado no Brasil por meio do
Decreto n° 591, de 6 de julho de 1992.
Destaque-se, também, no contexto latino-americano a Convenção Americana de
Direitos Humanos de 1969 – Pacto de San José da Costa Rica – e do Protocolo Adicional à
Convenção Americana Sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais
e Culturais – Protocolo de San Salvador – firmado pelo Brasil em 17 de novembro de 1988,
mas que entrou em vigor no território nacional pelo Decreto 3.321, de 30 de dezembro de
1999.
O Pacto de San José da Costa Rica tem o propósito de consolidar no continente
Americano um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito aos
direitos humanos, entre eles, a valorização do trabalho humano e o combate à escravidão,
vistos no Art. 6° do documento. Este princípio amplia sua força para países onde existem
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penas privativas de liberdade acompanhada de trabalhos forçados ou obrigatório de modo
que não poderão afetar a dignidade, nem a capacidade física e intelectual do recluso.
Em se tratando do Protocolo de San Salvador, ficam elencados no Arts. 6° a 8°, 8 os
direitos ao trabalho, condições justas, equitativas e satisfatórias de trabalho e direitos
sindicais. Tal rol normativo é bem completo e desde 1999 trouxe efeitos positivos ao
ordenamento jurídico pátrio.
Com vistas a este compendio de disposições mencionadas verifica-se não ser mais
admissível que a propriedade (inclusive a empresarial) busque a maximização do lucro alheio
aos princípios basilares trabalhistas. Agir em contrariamente a estas referências nacionais e
internacionais estar-se-á em rota de colisão com o ordenamento jurídico.
Para a Organização Internacional do Trabalho (O QUE É..., 2013), trabalho decente é
aquele que converge em quatro objetivos estratégicos, que primam pelo respeito aos direitos
do trabalho, segundo a Declaração Relativa aos Direitos e Princípios Fundamentais no
Trabalho. São eles: a) liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação
coletiva; b) eliminação de todas as formas de trabalho forçado; c) abolição efetiva do trabalho
infantil, e; d) eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e
ocupação, a promoção do emprego produtivo e de qualidade, a extensão da prestação social e
o fortalecimento do diálogo social.
Avaliando a ordem jurídica brasileira é possível afirmar que a proteção em vigor está
de acordo com os parâmetros da OIT. Com a assinatura do Governo brasileiro com a OIT do
Memorando de Entendimento, estabeleceu-se a Agenda Nacional de Trabalho Decente com a
criação de um Comitê Executivo, composto pelos diversos Ministérios e Secretarias de Estado
envolvidos com os temas aludidos pela OIT e coordenado pelo Ministério do Trabalho e
Emprego (AGENDA..., 2013).
Com este acordo, deu-se o surgimento do Plano Nacional de Emprego e Trabalho
Decente, com o objetivo de fortalecimento da capacidade do Estado brasileiro para avançar no
enfrentamento dos principais problemas estruturais da sociedade e do mercado de trabalho,
entre os quais: o desemprego e a informalidade, a liberdade sindical, o combate ao trabalho
infantil, as desigualdades de gênero e raça/etnia e a extinção dos trabalhos compulsórios
(AGENDA..., 2013).
O trabalho infantil no Brasil esta em declínio. É o que indica estudos do IBGE que
entre 2004 e 2009, o número de trabalhadores de 5 a 17 anos de idade caiu de 5,3 milhões
para 4,3 milhões. Contudo, este último dado ainda representa 9,8% da população de crianças e
adolescentes do país, o que indica a necessidade de continuação das políticas de combate ao
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
trabalho infantil à cargo do Ministério do Desenvolvimento e Combate à Fome (MDS),
responsável pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) (DIREITOS DO
CIDADÃO..., 2013).
Em alusão à vedação do trabalho infantil, foi sancionado pelo Presidente da
República o Decreto nº 6.481/08 (BRASIL. Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008) que
regulamenta os artigos 3º, alínea “d”, e 4º da Convenção 182 da OIT, trazendo a Lista das
Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP). A lista relaciona quase uma centena de
atividades em que torna-se proibido o trabalho dos menores de dezoito anos de idade.
Entre os dias 8 a 11 de agosto de 2012 foi realizada em Brasília a I Conferência
Nacional de Emprego e Trabalho Decente, com apoio de atores da sociedade civil, inclusive
da OIT que segundo o correspondente do Diretor-geral desta última “é uma experiência única
de diálogo tripartite, baseada no reconhecimento do papel fundamental do trabalho decente
para a justiça social e o desenvolvimento sustentável e uma evidência mais do compromisso
que o Brasil vem assumindo com o trabalho decente desde 2003” (CONFERÊNCIA..., 2012).
São com feitos deste porte, de diálogo entre governo, as organizações de
empregadores e de trabalhadores e da sociedade civil é que se fortalecem os vínculos e
enraíza-se o acesso ao trabalho decente, sendo este um dos principais vínculos entre o
desenvolvimento econômico e social.
Um trabalho exemplar foi desenvolvido pelo Departamento de Qualificação da
Secretaria de Políticas Públicas de Emprego do Ministério do Trabalho e Emprego
(DEQ/SPPE/MTE) com a publicação de artigos que versam sobre as políticas públicas de
qualificação dos trabalhadores, como inclusão social, combate à pobreza e desigualdades
regionais, promoção do diálogo com ênfase na participação e no controle social (LIMA, 2005,
p. 7-8).
Um dos assuntos versa sobre o Programa Inter Empregados (negociação bipartite
entre sindicatos e empresas), o PSQ/PNQ (negociação tripartite desde o âmbito local até o
âmbito nacional) e as discussões tripartites no âmbito do MERCOSUL, embora iniciais, são
auspiciosas para superar as diferenças dos modelos que excluem a participação dos
trabalhadores, demonstrando inerente valor às negociações coletivas (LIMA, 2005, p. 33).
O Estado da Bahia se encontra em estágio avançado quando o assunto é trabalho
decente atinente à responsabilidade social. Isto se mostra pela aprovação pela Assembléia
Legislativa da Lei nº 11.479/09, que institui restrições à concessão e à manutenção de
financiamentos e incentivos fiscais estaduais a empregadores que não adotem práticas de
trabalho decente não atendam à legislação que trata de cotas para pessoas portadoras de
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
deficiência e jovens aprendizes (BRASIL, Lei do Estado da Bahia nº 11.479, de 01 de julho
de 2009).
São iniciativas deste porte, vindas do Poder Público, da iniciativa privada e das
entidades civis, que darão projeção e concretização ao ideal de trabalho decente perseguido
pela OIT e tomado por compromisso do Estado brasileiro nos últimos anos.
FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL E A VALORIZAÇÃO DO
TRABALHO HUMANO
O Art. 170, II, do texto constitucional brasileiro tem-se a tutela constitucional da
propriedade privada conceituado, nos termos do Direito Civil, como o direito de usar, gozar e
dispor de uma determinada bem de conteúdo econômico ou patrimonial agregando, nos
termos do inciso III, a exigência para seu exercício pleno, a função social. É neste sentido a
exigência prevista nos arts. 5º, XXIII e 186 da Constituição Federal.
A função social comporta um dever negativo (não prejudicar ninguém), mas também
impõe um dever positivo, um agir para beneficiar outras pessoas. Assim também pensa
Eduardo Novoa Monreal (1988, p. 134) quando dita que a função social da propriedade
objetiva que:
[...] seu exercício respeite às exigências dos interesses gerais do Estado, à
utilidade pública e às necessidades coletivas, por considerar-se que o
proprietário tem a coisa em nome da sociedade, e pode servir-se e dela
dispor, enquanto seu direito seja exercido em forma concordante com os
interesses gerais, o proprietário, enquanto tal, tem a obrigação de exercitar
seu direito de modo a contribuir para o bem coletivo [...].
Reforça a interpretação de que o Estado continua com atribuição de tutelar a
propriedade privadas, mas, se atende aos parâmetros constitucionais. Ao individualismo se
sobrepôs a estruturação de uma ordem social e econômica intensamente preocupada com a
justiça social e dignidade da pessoa humana (DA SILVA, 2007, p. 813).
A Lei Maior procurou assegurar a inviolabilidade do direito do proprietário, mas, ao
mesmo tempo firmou limites ao seu exercício, limites esses perpetrados pelo princípio da
função social da propriedade, conexo à Ordem Econômica (MARQUESI, 2006, p. 96).
As condições atuais para o cumprimento da função social dos imóveis rurais foram
positivadas no § 1º, do art. 2º, do Estatuto da Terra (BRASIL. Lei nº 4.504, de 30 de
novembro de 1964), quais sejam: favorecimento do bem-estar do proprietário, dos
trabalhadores e de sua família; observância de níveis satisfatórios de produtividade;
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conservação dos recursos naturais e observância das relações jurídicas de trabalho entre
proprietário e exploradores da terra. É a reunião da sustentabilidade, traduzida por Marquesi
(2006, p. 99) como: o fator econômico, o fator econômico-ambiental, o fator social e o fator
humano-social.
No campo deste estudo, e a partir das referências de Marquesi (2006, p. 105-108)
interessa o fator social e o fator humano-social. O primeiro regula as relações de trabalho,
lembrando que a força braçal é de extrema relevância na política agrícola, na medida em que a
exploração direta da terra geralmente se dá via terceiros e não pelo próprio dono. O segundo
atende as necessidades básicas dos que trabalham com a terra, bem como, se refere à
segurança do trabalho e se há ou não exploração.
No âmbito infraconstitucional, ainda outro regramento faz menção à função social da
propriedade rural, qual seja, a Lei da Reforma Agrária (BRASIL. Lei nº 8.629, de 25 de
fevereiro de 1993), que nos quatro incisos do artigo 9º, reitera os requisitos informados no
Estatuto da Terra a serem cumpridos simultaneamente. Indica que a sanção pelo
descumprimento da função social será a desapropriação, com finalidade de destinar a
propriedade para a reforma agrária.
Muitas são as possibilidades de uso adequado da propriedade, mas, em qualquer uma
delas é indispensável o respeito ao trabalho humano. Em cada uma das fases que podem ser
demarcadas no uso da propriedade rural a mão de obra se faz presente, tais como a rudimentar
de baixa subsistência e produtividade, a pós-revolução industrial e a da atualidade que se
caracteriza pela alta tecnologia, mecanização, produtividade. Constata-se que as inovações
científicas têm contribuído para que o trabalhador tenha melhores condições de trabalho. No
entanto, nem todos os Estado têm este grau de desenvolvimento ou não intervêm em prol da
proteção daqueles excluídos deste conhecimento e, assim, são presas fáceis da cultura da
exploração.
A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE RURAL, A VALORIZAÇÃO DO
TRABALHO HUMANO E A PEC Nº 438/01
No Brasil afronta aos paradigmas jurídicos da função social da propriedade já
referidos, em especial no caso de desvalorização do trabalho humano submetendo à condição
de escravo, tem punição prevista na Constituição Federal regulamentada pela Lei da Reforma
Agrária que é a desapropriação, além a de caráter penal, nos termos do Art. 149 do Código
Penal.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
No entanto, não obstante todas essas previsões inseridas não raro é flagrada a
exploração do trabalho escravo. Na Fazenda Castanhal, por exemplo, propriedade de 9,9 mil
hectares no estado do Pará, o grupo móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)
flagrou a exploração de trabalho escravo por três vezes: 22 pessoas foram libertadas em
agosto de 2002, 47 foram encontradas em situação semelhante em setembro de 2003 e outras
13 ganharam a liberdade em fevereiro de 2004 (AVANÇA..., 2008).
Os proprietários de terra acusados de manterem trabalhadores escravizados
defendem-se argumentando que não tinham conhecimento da situação. Conforme Ricardo
Rezende (2002, p. 16), “há indícios de que boa parte dos proprietários sabe do que se passa
em seus imóveis, mesmo quando não participam diretamente do aliciamento dos funcionários
temporários”. E continua:
Por exemplo, diversas das 24 fazendas denunciadas no sul do Pará, em 2001,
são reincidentes (Documentos CPT/Mará, 2002). As fazendas Cinco Irmãos
e Rio Vermelho, são quatro vezes reincidentes; a Forkilha, de Jairo Andrade,
nove vezes; a Primavera e a Alvorada, cinco vezes, sendo que o proprietário
desta última foi condenado pelo crime em 1999. Isso demonstra que
penalidades leves não impedem que se incorra no mesmo crime.
Em matéria veiculada pela equipe do Repórter Brasil (GRUPO..., 2008) lê-se que
fiscais flagram pessoas submetidas à escravidão sob responsabilidade de reincidentes em três
áreas no Maranhão. Na Fazenda Eldorado, no Município de Açailândia, 14 trabalhadores
eram explorados em situação análoga à de escravos, sendo que dentre eles 4 eram
adolescentes.
Tais constatações demonstram a inefetividade da atuação do Estado tanto em sentido
regulatório quanto de fiscalização justificando a proposta de Emenda Constitucional nº 438,
do Senador Ademir Andrade, popularmente conhecida como “PEC do trabalho escravo”. A
proposta pretende alterar o Art. 243, caput e parágrafo único da Constituição Federal de 1988,
estabelecendo a pena de perdimento da gleba onde for constatada a exploração de trabalho
escravo (expropriação de terras), revertendo a área ao assentamento de colonos que já
trabalhavam na respectiva gleba (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2001):
Art. 243. As glebas de qualquer região do País onde forem localizadas
culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo
serão imediatamente expropriadas e especificamente destinadas à reforma
agrária, com o assentamento prioritário aos colonos que já trabalhavam na
respectiva gleba, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de
outras sanções previstas em lei.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em
decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração
de trabalho escravo será confiscado e se reverterá, conforme o caso, em
benefício de instituições e pessoal especializado no tratamento e recuperação
de viciados, nos assentamento dos colonos que foram escravizados, no
aparelhamento e custeio de atividades de fiscalização, controle, prevenção e
repressão ao crime de tráfico ou do trabalho escravo.
A expropriação de bens é a retirada definitiva de bens particulares da posse de seus
proprietários, executada pelo Poder Público, sem indenização. Neste caso fala-se em Confisco
da gleba autorizada em nível constitucional. Diferencia-se da desapropriação que poderá ser
feita mediante indenização justa e razoável.
A Proposta de Emenda Constitucional 438/2011 foi aprovada em 22 de maio de 2012
por 360 votos em segundo turno na Câmara dos Deputados, sendo que o texto voltou para o
Senado por ter sofrido uma alteração para inclusão de propriedades urbanas na votação em
primeiro turno na Câmara, realizada em 2004. A bancada dos ruralistas tentou por diversas
vezes derrubar tal proposta, chegando à tentativa de esvaziar o plenário para evitar o quórum
necessário para aprovação da medida, mas sem obter sucesso (PROPOSTA DE..., 2012).
Vitória histórica dos que lutam em defesa dos direitos humanos, a aprovação na
Câmara dos Deputados já foi um grande passo dado no combate ao trabalho escravo
contemporâneo. Vários embates levam à demora na aprovação deste projeto de emenda à
constituição, o principal deles é a exigência de vincular a aprovação da PEC a legislação
infraconstitucional a fim de definir claramente o que é trabalho escravo e o que é jornada de
trabalho excessivo. Em oposição a este discurso, se encontram parlamentares a favor da
aprovação imediata da proposta, ao lado do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do
Trabalho, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), bem como a Comissão Nacional para
a Erradicação do Trabalho Escravo, entre outras ONGs (BANCADA..., 2013).
O TRABALHO ESCRAVO E AS REFERÊNCIAS DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO
Avaliando jurisprudências produzidas pelos tribunais superiores é possível ter-se
uma ideia de como vem sendo tratada a questão do trabalho escravo na prática brasileira
contemporânea.
Na decisão da Reclamação Trabalhista nº 00322-2004.661.05.00-2 da Vara do
Trabalho de Barreiras – BA,9 foi julgado procedente o pedido de indenização por danos
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
morais decorrentes da sujeição de cerca de 800 (oitocentos) trabalhadores submetidos
condições desumanas e degradantes, análogo a escravo.
Neste julgamento ficou esclarecido pelo depoimento das testemunhas, a
caracterização do trabalho degradante, pois os trabalhadores dormiam em barracos de lona
com cobertura de palha, com instalações sanitárias inadequadas já que nem banheiro havia,
bebiam água de carro pipa ou de reservatórios e não se utilizam de equipamentos de proteção
individual (EPIs), condicionante à indenização pelos danos morais causados a cada um dos
trabalhadores, mesmo sem prova do cerceamento de liberdade, conforme trecho a seguir
transcrito:
Em nosso entendimento, é o que basta para a caracterização do trabalho
degradante. Sem razão os Reclamados, que procuram afastar a
caracterização do trabalho análogo a escravo pela ausência de privação da
liberdade dos Reclamantes. Esta de fato não se comprovou, demonstrando a
instrução processual que não houve cerceio do direito de ir e vir dos Autores.
[...] A norma legal não diferencia como gêneros distintos o trabalho escravo
e o trabalho degradante, considerando este uma espécie daquele. E o trabalho
degradante restou sobejamente provado no caso em tela. [...] Ante a tudo
exposto, defere-se o pedido de indenização por dano moral, na razão de
R$9.275,00 (nove mil, duzentos e setenta e cinco reais), para cada
Reclamante.
Noutro exemplo, no julgamento do Recurso Ordinário 4453/2003 da 1ª Turma do
Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região10 os desembargadores, por unanimidade,
entenderam pela manutenção de decisão do Juiz a quo e condenaram o réu ao pagamento de
indenização por danos morais coletivos no valor de cinquenta mil reais a ser revertido em
favor do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).
Tal decisão teve embasamento nas condições subumanas a que os trabalhadores eram
submetidos, como mantê-los em prisão por dívida, trabalhadores invalidados forçados a
trabalhar, falta de higiene, banheiros e sanitários, ausência de EPIs e até de água potável,
concluindo que o réu recorrente não só descumpriu as disposições da CLT, como também das
Normas Regulamentares Rurais de Saúde, Higiene e Segurança, restando incólume o Art. 5º,
inciso II, da CF/88.
Em um terceiro caso, julgado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, negou-se
provimento ao HC 5110 PA11, nos autos nº 005110-92.2012.4.01.0000 por entender que não
se exige para configuração do tipo penal do Art. 149 do CP estarem presentes,
concomitantemente, a segregação da liberdade de locomoção e a utilização da violência ou
grave ameaça para impedir a saída do trabalhador. Para criminalização da conduta, basta
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
sujeitar o trabalhador (ele permitir-se ser tratado assim, conformar-se com a situação) a
condições degradantes, infamantes, aviltantes de trabalho.
No julgamento do Recurso de Revista nº 2437-21.2010.5.08.0000,12 em 15 de agosto
de 2012, o Relator Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos da 2ª Turma do TST, manteve
a decisão de primeiro grau que condenou a empresa reclamada a pagamento de vinte e cinco
mil reais a título de indenização por dano moral. O magistrado consignou que o empregado,
no desempenho das atividades de colheita de frutos de dendê, laborou em condições
degradantes, análogas à de escravo, no período de 01.03.2005 a 11.12.2007. Neste caso a
denúncia indicava que não disponibilizava abrigos suficientes em campo, instalações
sanitárias e EPI's adequados, sendo que tais condições de trabalho causaram sofrimento,
angústia e males à saúde do obreiro, com desrespeito à dignidade humana.
Por último, no julgamento do Recurso Ordinário nos autos nº 01353-2004-001-1600-8 MA13, em que discutia-se a indenização por danos morais causados a um grupo de 41
trabalhadores encontrados pelo Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho em
situações degradantes, submetidos às piores condições de vida e trabalho, além de elementos
que revelavam a existência de trabalho análogo à escravidão como dependência econômica,
agravada pelo não pagamento de salários e pelo laborem troca apenas de cada e comida.
Ficou-se entendido que restaram violados os direitos humanos desses trabalhadores, ficando
evidenciado o aliciamento de trabalhadores e a dependência econômica, pelo que o Réu foi
condenado a vultoso pagamento indenizatório a cada uma das vítimas.
No direito dos tribunais, portanto, considera-se para efeitos de caracterização da
escravização contemporânea o constrangimento do trabalhador a condições degradantes,
infamantes e aviltantes de trabalho, mesmo que não haja cerceamento da liberdade. A título
de exemplo cite-se a dependência econômica impossibilitando a demissão do trabalhador
conhecida como escravidão por dívida, a ausência severa de higiene no ambiente de trabalho
como falta de banheiros e água potável, a omissão no pagamento dos salários e demais verbas
trabalhistas ou seu pagamento exclusivamente in natura, a completa ausência de
equipamentos de proteção individual (EPIs), e ainda, a submissão de pessoas totalmente
inválidas ao trabalho.
UMA REDE EMPRESARIAL ÉTICA E DE SOLIDARIEDADE PARA REDUZIR O
TRABALHO ESCRAVO NO BRASIL
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
O ingresso da empresa em um ambiente sustentável exige dela a adoção de
estratégias que a coloquem em posição paradigmática de ética empresarial. Para tanto, além
de cumprir os deveres jurídicos, deve participar de uma rede em favor da sustentabilidade em
sentido econômico, ambiental e social.
Tal postura é possível na medida em que poderá tomar atitudes com seus
stakeholders, inclusive formando a rede para a eliminação do trabalho escravo no Brasil.
Faz sentido recordar que o termo stakeholder, ou detentor de interesses, foi cunhado
pelo professor R. Edward Freeman, na obra Strategic management: a stakeholder approach
de 1984, que o definiu como qualquer pessoa que seja afetada, ou possa ser afetada, pelo
desempenho de uma organização. (2007, p. 65). É de bom tom explicar que stakeholder é
termo mais amplo que shareholder, que faz alusão somente aos sócios e acionistas da
empresa.
Atualmente o judiciário brasileiro possui uma ferramenta eficaz para o combate ao
trabalho escravo. Trata-se do cadastro de empregadores que mantiveram trabalhadores em
condições análogas às de escravo. Cumulam casos da aplicação desse cadastro no campo
prático, a exemplo cita-se o RO n° 38000-59.2007.5.16.0000,14 publicado em 25/02/2011 pelo
Relator Ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, e o RR n° 87200-64.2005.5.16.0013,15
publicado em 26/11/2010 pelo Relator Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires.
Assim, a Portaria n° 540/2004 do Ministério do Trabalho e Emprego, determinou a
criação e divulgação do cadastro com o nome dos empregadores autuados pela fiscalização
daquele órgão, por explorarem trabalhadores em condições análogas às de escravo.
Na última atualização do cadastro, realizada em 28 de dezembro de 2012, constavam
410 nomes, tanto de pessoas físicas como de pessoas jurídicas, indicando 56 inclusões e 31
exclusões. Os procedimentos de inclusão e exclusão são determinados pela Portaria
Interministerial nº 2/2011, a qual impõe a inclusão do nome do infrator no cadastro após
decisão administrativa final relativa ao auto de infração. Por sua vez, as exclusões derivam do
monitoramento, direito ou indireto, pelo período de 2 (dois) anos da data da inclusão do nome
do infrator no cadastro, a fim de verificar ou não a reincidência na prática de “trabalho
escravo” e do pagamento de multas resultantes da ação fiscal (PORTARIA..., 2013).
Um relatório publicado no mês de julho de 2012, pelo Escritório da OIT no Brasil
(ORGANIZAÇÃO INTERNAC..., 2012), nomeado “Perfil do Trabalho Decente no Brasil”,
registrou avanços significativos em diversas áreas do trabalho decente nos anos recentes, mas
ressalta que ainda persistem inúmeros desafios, como o caso da conduta de tratar as pessoas à
condição de escravo.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Neste relatório verificam-se dados concretos entre os anos de 2008 e 2011, em que
13.841 trabalhadores foram resgatados de situações de trabalho análogo ao de escravo pelo
Grupo Especial Móvel de Fiscalização. A região Centro-Oeste respondia pelo maior número
de pessoas libertadas (3.592) nesse período (26% do total nacional). Quatro estados
concentravam quase a metade (6.454 ou 46,6%) do total de pessoas libertadas: Pará (1.929 ou
13,9%), Goiás (1.848, ou 13,4%), Minas Gerais (1.578, ou 11,4%) e Mato Grosso (1.099, ou
7,9%).
Diante dos julgados dos tribunais, de dados do relatório da OIT, da legislação acerca
da matéria e dos demais dados e informações acima colacionados, não há justificativa para
que as empresas não se posicionem diante de tal cenário. Devem elas, além de tratar seu
público interno com dignidade e no percalço da legislação trabalhista, expurgar a conduta de
submissão de pessoas ao trabalho escravo, agindo da melhor maneira que estiver ao seu
alcance, utilizando-se do poder econômico, de compra e venda e negociação.
Nesse diapasão, as empresas unificar-se-iam ao movimento em rede por meio dos
stakeholders, ou seja, as pessoas que se interagem com ela, para fomentar a cultura da
sustentabilidade, internalizando o respeito e a valorização do trabalho humano. Ademais, se
abster-se-iam de realizar transações econômicas e negociações com aqueles que estiverem no
cadastro do MTE ou que de qualquer forma tenham submetido trabalhadores a condições
análogas à de escravo.
As empresas que assim agem contribuem para consolidar uma nova postura
empresarial, comandada pela Responsabilidade Social, conceituada por Estigara, Pereira e
Lewis (2009, p. 10), como:
A postura da empresa, norteada por ações que contribuem para a melhoria da
qualidade de vida da sociedade, realizadas em decorrência da atenção
proporcionada aos interesses das partes com as quais interage (stakeholders),
como acionistas, funcionários, prestadores de serviços, fornecedores,
consumidores, comunidade, governo, a fim de, por meio de sua atividade,
satisfazê-los.
O World Business Council for Sustainable Development (WBCSD),16 em português,
Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, é uma associação global
liderada por dirigentes de cerca de 200 empresas, que atua exclusivamente na relação entre
empresas e desenvolvimento sustentável. O Conselho oferece uma plataforma para que as
empresas explorem o desenvolvimento sustentável, compartilhem conhecimento, experiências
e as melhores práticas, e advoga posições empresariais sobre essas questões em uma
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variedade de fóruns, trabalhando junto a governos e a organizações não-governamentais e
intergovernamentais.
De modo conceitual, para Patrícia Almeida Ashley (2005, p. 6-7):
[...] a responsabilidade social pode ser definida como o compromisso que
uma organização deve ter com a sociedade, expresso por meio de atos e
atitudes que a afetem positivamente, de modo amplo, ou a alguma
comunidade, de modo específico, agindo proativamente e coerentemente no
quer tange a seu papel específico na sociedade e a sua prestação de contas
para com ela. A organização, nesse sentido, assume obrigações de caráter
moral, além das estabelecidas em lei, mesmo que não diretamente vinculadas
a suas atividades, mas que possam contribuir para o desenvolvimento
sustentável dos povos. Assim, numa visão expandida, a responsabilidade
social é toda e qualquer ação que possa contribuir para a melhoria da
qualidade de vida da sociedade.
Na visão de Fábio Risério Moura de Oliveira (2002, p. 204):
É a inserção da empresa na sociedade como agente social e não somente
econômico. Ter responsabilidade social é ser uma empresa que cumpre seus
deveres, busca seus direitos e divide com o Estado a função de promover o
desenvolvimento da comunidade; enfim, é ser uma empresa cidadã que se
preocupa com a qualidade de vida do homem em sua totalidade.
Além da geração de riquezas, insta salientar que as empresas devem voluntariamente
aceitar suas responsabilidades para com a sociedade, conforme preleciona Domingo GarcíaMarzá (GARCÍA-MARZÁ, 2004). Para ele a empresa deve reconhecer que não é um
instrumento neutro, ditada somente a atuar em conformidade com a lei em benefícios
especificamente privados, mas uma realidade social que responde à consecução de
determinadas tarefas e objetivos sociais, devendo assumir a responsabilidade pelo
cumprimento de tais fins.
CONCLUSÃO
O desenvolvimento sustentável hoje deve ser considerado em três três dimensões, a
econômica, a ambiental e a social. Nesta pesquisa o enfoque foi para enaltecer a importância
da sustentabilidade social nas relações de trabalho. Ou seja, garantir aos trabalhadores
condições dignas de trabalho que compreende, entre outros aspectos, ambiente laboral
adequado, respeito à Constituição, aos Tratados Internacionais e às leis do trabalho.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
A ordem normativa brasileira, adequando-se aos paradigmas internacionais, filia-se à
defesa do trabalho decente conceituado pela OIT, que condena o trabalho escravo. Neste
sentido as sanções são de ordem constitucional com a desapropriação de propriedade (Art.
184 e seguintes, da CF/88), além da punição de natureza penal (Art. 149, do CP), para quem
recorrer a imposição de conduta análoga à condição de escravo.
Infelizmente, tais sanções não são suficientes para intimar as pessoas que
insistentemente, são atores da milenar conduta de escravizar o próximo. São inúmeras as
denúncias e constatações, no Brasil, conforme julgamentos judiciais que indicam apenas
formas diferente de escravizar, entre elas a escravidão por dívida, a ausência severa de higiene
no ambiente de trabalho com falta de banheiros e água potável, a omissão no pagamento dos
salários e demais verbas trabalhistas ou seu pagamento exclusivamente in natura, a completa
ausência de equipamentos de proteção individual (EPIs), e ainda, a submissão de pessoas
totalmente inválidas ao trabalho e a agressividade dos agenciadores.
Na função fiscalizadora, o Ministério do Trabalho e do Emprego, apontam que o
trabalho escravo é recorrente nas propriedades rurais. Nos termos da atuação do Ministério do
Trabalho e do Emprego (MTE), no período de 2008-2011, Centro-Oeste respondia pelo maior
número de pessoas libertadas 3.592 trabalhadores, 26% do total nacional. Outros quatro
Estados concentravam quase a metade (6.454 ou 46,6%) do total de pessoas libertadas: Pará
(1.929 ou 13,9%), Goiás (1.848, ou 13,4%), Minas Gerais (1.578, ou 11,4%) e Mato Grosso
(1.099, ou 7,9%). No entanto, a imprensa nacional noticia este tipo de mão de obra, também,
nas atividades econômicas urbanas, demonstrando a importância desta temática.
Além da atual atuação estatal intervindo no domínio econômico, inclusive na
propriedade rural, por meio da legislação, da fiscalização e da atuação jurisidicional, uma
proposta de Emenda Constitucional (PEC 248/01) que propõe a punição de expropriação da
propriedade no local onde for constatada a exploração de trabalho escravo (expropriação de
terras), revertendo a área ao assentamento dos colonos que já trabalhavam na respectiva gleba.
A esta forte intervenção estatal defende-se que as empresas sejam atores sociais na
luta pela erradicação da mão de obra escrava. Elas podem contribuir formando redes de
contatos (stakeholders), para organização de um movimento cívico no objetivo não mais
negociar ou eliminar da condição de fornecedores os proprietários de terras rurais que já
sofreram condenação ou mesmo que se encontrem no cadastro de pessoas físicas ou jurídicas
autuadas por exploração do trabalho escravo.
Uma das fontes de informação sobre escravidão é cadastro com o nome dos
empregadores autuados pela fiscalização do MTE, por explorarem trabalhadores em
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
condições análogas às de escravo. Em 28 de dezembro de 2012, constavam 410 nomes, tanto
de pessoas físicas como de pessoas jurídicas, indicando 56 inclusões e 31 exclusões. Os
procedimentos de inclusão e exclusão são determinados pela Portaria Interministerial nº
2/2011.
Em convergência com a questão debatida neste trabalho, a empresa será garantidora
da sustentabilidade se: i) internalizar conceitos éticos por meio da promoção de trabalho
decente ao seu próprio público interno (trabalhadores); e, sobretudo se: ii) dialogar com as
demais partes interessadas (stakeholders), criando-se uma verdadeira rede de contato
conforme exposto fazendo parte desta união imprescindível para alcançar a efetividade
jurídica e moral de respeito humano.
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190
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
1
A notícia traz, entre outras informações, que o MTE resgatou 2.271 pessoas submetidas a trabalho escravo até o
dia 29 de dezembro, em 158 operações em 2011. Foram pagos mais de R$ 5,4 milhões em indenizações
trabalhistas, e inspecionados 320 estabelecimentos. Desde 1995 a 2011, já foram resgatados 41.451
trabalhadores em todo o país num total de 1.240 operações. Os setores que mais utilizam mão de obra escrava
são o de produção de commodities, desmatamento, usinas de cana de açúcar, no setor têxtil e mineração. O
estado do Pará e o do Mato grosso são os campeões em trabalho escravo e semiescravo, que é muito utilizado
no desmatamento dessas regiões. Disponível em <http://www.portogente.com.br/texto.php?cod=60928>.
Acesso em 16.mar.2013.
2
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a
cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o
pluralismo político.
3
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
4
Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais.
5
Artigo XXIII - 1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e
favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a
igual remuneração por igual trabalho. 3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e
satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e
a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Toda pessoa tem direito a organizar
sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.
6
Artigo XXIV - Toda pessoa tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e
férias periódicas remuneradas.
7
Artigo XXV - 1. Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e
bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e
direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos
meios de subsistência fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência
especiais. Todas as crianças nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.
8
ARTIGO 6 - Direito ao Trabalho. 1. Toda pessoa tem direito ao trabalho, o que inclui a oportunidade de obter
os meios para levar uma vida digna e decorosa através do desempenho de atividade lícita, livremente escolhida
ou aceita. 2. Os Estados-Partes comprometem-se a adotar medidas que garantam plena efetividade do direito ao
trabalho, especialmente as referentes à consecução do pleno emprego, à orientação vocacional e ao
desenvolvimento de projetos de treinamento técnico-profissional, particularmente os destinados aos
deficientes. Os Estados-Partes comprometem-se também a executar e a fortalecer programas que coadjuvem o
adequado atendimento da família, a fim de que a mulher tenha real possibilidade de exercer o direito ao
trabalho. ARTIGO 7 - Condições Justas, Eqüitativas e Satisfatórias de Trabalho. Os Estados-Partes neste
Protocolo reconhecem que o direito ao trabalho, a que se refere o artigo anterior, pressupõe que toda pessoa
goze desse direito em condições justas, eqüitativas e satisfatórias, para que esses Estados garantirão em suas
legislações internas, de maneira particular: a) remuneração que assegure, no mínimo, a todos os trabalhadores
condições de subsistência digna e decorosa para eles e para suas famílias e salário eqüitativo e igual por
trabalho igual, sem nenhuma distinção; b) o direito de todo o trabalhador de seguir sua vocação e de dedicar-se
à atividade que melhor atenda a suas expectativas, e a trocar de emprego, de acordo com regulamentação
nacional pertinente; c) o direito do trabalhador a promoção ou avanço no trabalho, para o qual serão levados
em conta suas qualificações, competência, probidade e tempo de serviço; d) estabilidade dos trabalhadores em
seus empregos, de acordo com as características das industrias e profissões e com as causas de justa dispensa.
Nos casos de demissão injustificada, o trabalhador terá direito a indenização ou a readmissão no emprego, ou a
quaisquer outros benefícios previstos pela legislação nacional; e) segurança e higiene no trabalho; f) proibição
de trabalho noturno ou em atividades insalubres ou perigosas para os menores de 18 anos e, em geral, de todo o
trabalho que possa pôr em perigo sua saúde, segurança ou moral. No caso dos menores de 16 anos, a jornada
de trabalho deverá subordinar-se às disposições sobre ensino obrigatório e, em nenhum caso, poderá constituir
impedimento à assistência escolar ou limitação para beneficiar-se da instrução recebida; g) limitação razoável
das horas de trabalho, tanto diárias quanto semanais. As jornadas serão de menor duração quando se tratar de
trabalhos perigosos, insalubres ou noturnos; h) repouso, gozo do tempo livre, férias remuneradas, bem como
pagamento de salários nos dias feriados nacionais. ARTIGO 8 Direitos Sindicais 1. Os Estados-Partes
garantirão: a) o direito dos trabalhadores de organizar sindicatos e de filiar-se ao de sua escolha, para proteger
e promover seus interesses. Como projeção deste direito, os Estados-Partes permitirão aos sindicatos formar
federações e confederações nacionais e associar-se às já existentes, bem como formar organizações sindicais
internacionais e associar-se à de sua escolha. Os Estados-Partes também permitirão que os sindicatos,
federações e confederações funcionem livremente; b) o direito de greve. 2. O exercício dos direitos enunciados
191
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
acima só pode estar sujeito às limitações e restrições previstas pela lei, que sejam próprias de uma sociedade
democráticas e necessárias para salvaguardar a ordem pública e proteger a saúde ou a moral públicas, e os
direitos ou liberdades dos demais. Os membros das forças armadas e da polícia, bem como de outros serviços
públicos essenciais, estarão sujeitos às limitações e restrições impostas pela lei. 3. Ninguém poderá ser
obrigado a pertencer a sindicato.
9
Íntegra do Acórdão disponível em: <
http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/brasil/documentos/sentenca_trabalho_escravo.pdf>. Acesso em
16.mar.2013.
10
Íntegra do Acórdão disponível em <
http://www.oit.org.br/sites/all/forced_labour/brasil/documentos/proc_ro_4453_2003.pdf>. Acesso em
16.mar.2013.
11
Íntegra do Acórdão disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21591274/habeas-corpus-hc5110-pa-0005110-9220124010000-trf1>. Acesso em: 16.mar.2013.
12
Disponível em: <
https://aplicacao5.tst.jus.br/consultaProcessual/resumoForm.do?consulta=1&numeroInt=214487&anoInt=2010
>. Acesso em 16.mar.2013.
13
Disponível em: < http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/7441249/1353200400116008-ma-01353-2004001-16-00-8-trt-16/inteiro-teor>. Acesso em 16.mar.2013.
14
Disponível em: <
https://aplicacao5.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&num
eroTst=38000&digitoTst=59&anoTst=2007&orgaoTst=5&tribunalTst=16&varaTst=0000>. Acesso em
16.mar.2013.
15
Disponível em: <
https://aplicacao5.tst.jus.br/consultaProcessual/consultaTstNumUnica.do?consulta=Consultar&conscsjt=&num
eroTst=87200&digitoTst=64&anoTst=2005&orgaoTst=5&tribunalTst=16&varaTst=0013>. Acesso em:
16.mar.2013.
16
Informações colhidas do sítio eletrônico. Disponível em: < http://www.wbcsd.org/home.aspx>. Acesso em
16.mar.2013.
192
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
A AUDIÊNCIA PÚBLICA AMBIENTAL E A SUA (INTER) RELAÇÃO COM A
ORDEM ECONÔMICA À LUZ DE UM CAPITALISMO SUSTENTÁVEL
THE PUBLIC HEARINGS CONCERNING ENVIRONMENTAL ISSUES
AND ITS (INTER) RELATIONSHIP WITH THE ECONOMIC ORDER THROUGH
THE SUSTAINABLE CAPITALISM PRISM
Karlla Maria Martini1
Patrícia Dittrich Ferreira Diniz2
RESUMO
O presente artigo analisa o conceito, o desenvolvimento e as implicações da audiência pública, bem
como, a sua (inter) relação com a ordem econômica à luz de um capitalismo sustentável. O capitalismo
por si só já é extremamente degradante desde o seu surgimento, mas contextualizado na modernidade,
coloca a sociedade em alerta máximo, pois na sua atual formação é insustentável e teria de ser
reestruturado desde as suas bases para compatibilizar os direitos econômicos e socioambientais. Dessa
forma, faz-se necessário e é possível, a construção de um capitalismo sustentável, através da releitura
do princípio da ordem econômica, encontrando um ponto de equilíbrio na tensão dialética entre a
proteção ambiental e o desenvolvimento econômico, e, a utilização da audiência pública com a
participação concreta da sociedade civil organizada. A reestruturação do capitalismo no contexto do
desenvolvimento sustentável será o fundamento da realização dos objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, previstos no artigo 3ºda Carta Magna.
Palavras-chave: Audiência pública; ordem econômica; Capitalismo sustentável.
ABSTRACT
This article analyzes the concept, development and implication of public hearing and its (inter)
relationship with the economic order through the sustainable capitalism prism. Capitalism in itself is
extremely degrading since its inception, but contextualized in modernity, the society puts on high
alert, because in its current formation it is unsustainable and would have to be restructured since their
bases to reconcile economic and environmental rights. It’s necessary and it’s possible to build a
sustainable capitalism through the reinterpretation of the principle of economic order, finding a
balance in dialectical tension between environmental protection and economic development, and the
use of public hearing with the participation the civil society organizations. The restructuring of
capitalism in the context of sustainable development will be foundation for achieving the fundamental
objectives of the Federal Republic of Brazil, under article 3 of the Constitution.
Keywords: Public hearings; economic order; sustainable Capitalism.
1
Advogada, Especialista em Direito Processual Civil, Mestranda em Direito Empresarial e Cidadania no
UNICURITIBA. E-mail: [email protected]
2
Advogada, Membro da Comissão de Assédio Moral e Conselho de Orientação e Ética, todos na Companhia
Paranaense de Energia - Copel, Especialista em Direito Tributário e Direito do Trabalho, Mestranda em Direito
Econômico e Socioambiental na PUC/PR. E-mail: [email protected].
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
INTRODUÇÃO
O artigo 225 caput da Carta Magna dispõe que é obrigação tanto do Poder Público
como dos cidadãos a preservação do meio ambiente, para as presentes e futuras gerações,
sendo a audiência pública um instrumento viabilizador da participação da sociedade civil
organizada nas discussões sobre o meio ambiente.
A audiência pública é realizada no processo administrativo de licenciamento
ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental e retrata a consagração do
princípio da participação popular ou princípio democrático delineado no artigo 1º, § 1º único
da Constituição da República Federativa do Brasil, além de ir ao encontro direto do objetivo
perseguido pelo artigo 225 da referida Constituição.
Para que o dito instrumento participativo seja efetivo, resta necessária a aplicação do
princípio da publicidade, ou seja, seja anunciado em editais e pela imprensa, e seja realizado
em local de fácil acesso, possibilitando uma participação expressiva.
Entretanto, a publicidade por si só, não é suficiente para alcançar o resultado
esperado pelo artigo 225 da Carta Magna, é preciso ainda que todas as contribuições recebidas
na audiência pública sejam analisadas, e se possível atendidas, apesar da sua natureza apenas
consultiva e não deliberativa.
Tal contribuição popular é essencial e colabora para a defesa do meio ambiente como
princípio da ordem econômica, eis que a Carta Política confere atributos econômicos, mas de
igual forma ecológicos e sociais como princípios gerais que deverão nortear toda e qualquer
atividade econômica.
O inter-relacionamento entre o contido no artigo 225 e 170 da Constituição Federal,
embora pareça óbvio, dada a necessidade de compreensão do sistema constitucional em seu
conjunto e não por meio de normas isoladas, é preciso ir além da intranormatividade,
enxergando-se uma relação entre os elementos do “mundo da vida” que compõem cada uma
destas normas.
E é exatamente sob este prisma que há a necessidade da construção de um
Capitalismo sustentável para a realização dos objetivos fundamentais da República Federativa
do Brasil, previstos no artigo 3º da Carta Magna.
Diante desta explanação, o presente artigo tem por finalidade apresentar o conceito, o
desenvolvimento e as implicações da audiência pública, bem como, a sua (inter) relação com
a ordem econômica à luz de um capitalismo sustentável, e, para tanto, far-se-á uma análise
bibliográfica, através do estudo de livros, legislações, normas e tratados internacionais,
194
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
doutrinas, artigos, teses, e, após, a coleta de todos os dados, exibir-se-á os posicionamentos
diversos, tanto de autores nacionais e internacionais, como de legislações brasileiras e normas
internacionais, verificando a possibilidade da construção de um capitalismo sustentável e a
utilização da audiência pública e de uma releitura do princípio da ordem econômica neste
contexto, para a concreta defesa do meio ambiente.
1 AUDIÊNCIA PÚBLICA AMBIENTAL E A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL
O artigo 225 caput da Carta Magna dispõe que é obrigação tanto do Poder Público
como dos cidadãos a preservação do meio ambiente, para as presentes e futuras gerações.
O direito constitucional a um ambiente ecologicamente equilibrado constitui-se como
um direito típico de terceira dimensão, portanto, um direito difuso e metaindividual.
É irrefutável, pois, que o meio ambiente sadio tem natureza de direito fundamental, a
despeito de não estar contemplado no rol dos direitos fundamentais previstos no Título II da
Constituição da República.
Como bem observado por TESSLER:
Como pressuposto para a sadia qualidade de vida humana, ganha outra importância:
passa a ser reconhecido como direito fundamental, condição para que o indivíduo se
realize como “ser humano”. Busca-se um resgate de valores. A dignidade da pessoa
humana transforma-se na razão de existência de todos os demais valores. Anuncia-se
um novo senso moral a nortear a sociedade. (...) A configuração do direito ao meio
ambiente como direito fundamental tem como justificativa viabilizar sua utilização
como instrumento de consagração do direito à vida. (2004, p. 76)
Assim, a possibilidade de sua concretização, na qualidade de um direito difuso, exige
uma nova forma de cooperação e integração dos responsáveis pela sua implementação. Nesse
sentido, a participação da sociedade civil organizada deve ser vista como um complemento à
necessária atuação dos órgãos públicos em relação ao meio ambiente. (PADILHA, 2012, p.
54).
Como exemplo de instrumentos que buscam viabilizar esta participação da sociedade
civil organizada nas discussões sobre o meio ambiente está a audiência pública, realizada no
processo administrativo de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo
impacto ambiental.
Não é outro o entendimento de DERANI:
O ordenamento jurídico tem se aprimorado, estabelecendo instâncias específicas
para maior comunicação da base administrativa (Estado) com seus administrados.
Não tem outra aspiração o preceito do art. 225, ao impor ao Poder Público e à
coletividade o dever de preservar e defender o meio ambiente para as presentes e
195
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
futuras gerações. O desdobramento deste dever comum de preenchimento do
mandamento explicitado no art. 225 pode ser vivenciado, por exemplo, nos
conselhos nacionais e estaduais do meio ambiente, também com a previsão de
audiência pública para tratar de decisões da administração, ou através do exercício
do direito de representação e do direito à informação dos procedimentos
administrativos. (2008, p. 213).
Além disso, tal dispositivo indica expressamente a existência de um dever do Poder
Público adotar medidas administrativas com vistas à proteção do meio ambiente.
Isso é reforçado pelo contido no artigo 23 da Magna Carta, o qual disciplina a
competência comum da União, dos Estados e do Distrito Federal e dos Municípios para
proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, consoante
disposto em seu inciso V, assim como preservar as florestas, faunas e a flora nos exatos
termos do inciso VII.
Ao promover a análise do artigo 225 da Constituição FIORILLO (2011, p. 58-65)
aponta a existência de quatro aspectos fundamentais no que se refere ao conteúdo de tal
preceito constitucional. Dentre eles destaca a defesa e a preservação do direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações. Quanto a tal
aspecto assim manifesta-se o autor:
A Carta de 1988, ao garantir pela primeira vez na história constitucional brasileira
um direito direcionado às presentes e às futuras gerações, apontou para a
necessidade de se assegurar a tutela jurídica do meio ambiente, não só em
decorrência da extensão de tempo médio entre o nascimento de uma pessoa humana
e o nascimento de seu descendente (dentro de sua estrutura jurídica, fundamentada
na dignidade da pessoa humana), mas também em razão da concepção de geração
como grupo de organismos que têm os mesmos pais ou, ainda, como grau ou nível
simples numa linha de descendência direta, ocupada por indivíduos de uma espécie,
que têm um ancestral em comum e que estão afastados pelo mesmo número de crias
de seu ancestral. (2011, p. 64).
Contudo, o artigo 225, caput da Constituição além de consagrar o direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado a todos os cidadãos, impõe também à coletividade o
dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.
Isto nada mais é do que a consagração do princípio da participação popular ou
princípio democrático, o qual encontra salvaguarda no artigo 1°, § único da Carta de 1988.
ANTUNES muito bem discorre acerca do princípio democrático e sua escorreita
relação com as causas ambientais:
O princípio democrático assegura aos cidadãos o direito de, na forma da lei ou
regulamento, participar das discussões para a elaboração das políticas públicas
ambientais e de obter informações dos órgãos públicos sobre matéria referente à
defesa do meio ambiente e de empreendimentos utilizadores de recursos ambientais
e que tenham significativas repercussões sobre o ambiente, resguardado o sigilo
196
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
industrial. No sistema constitucional brasileiro, tal participação faz-se por várias
maneiras diferentes, das quais merecem destaque:
(i)
o dever jurídico de proteger e preservar o meio ambiente;
(ii)
o direito de opinar sobre as políticas públicas, através de:
a)
participação em audiências públicas, integrando os colegiados etc;
b)
participação mediante a utilização de mecanismos judiciais e administrativos
de controle dos diferentes atos praticados pelo Executivo, tais como as ações
populares, as representações e outros.
c)
as iniciativas legislativas que podem ser patrocinadas pelos cidadãos. A
materialização do princípio democrático faz-se através de diversos instrumentos
processuais e procedimentais. (2012, p. 27)
A audiência pública constitui-se como um dos principais instrumentos de
participação popular. Ela vem, portanto, ao encontro direto ao objetivo perseguido pelo
Constituinte no artigo 225 da Constituição da República, pois como parte integrante do
processo de licenciamento ambiental é o momento no qual se fará os esclarecimentos à
população sobre uma atividade potencialmente poluidora e será oportunizado à sociedade
discutir, questionar e encaminhar sugestões e dúvidas acerca do projeto ali apresentado.
No que se refere à participação popular na proteção ao meio foi editada a Resolução
CONAMA 001 de 23.01.1986, sendo que em seu artigo 11, § 2° dispôs:
Art. 11 (...)
§ 2° - Ao determinar a execução do estudo de impacto ambiental e apresentação do
RIMA, o órgão estadual competente ou o IBAMA ou, quando couber, o Município,
determinará o prazo para recebimento dos comentários a serem feitos pelos órgãos
públicos e demais interessados e, sempre que julgar necessário, promoverá a
realização de audiência pública para informação sobre o projeto e seus impactos
ambientais e discussão do RIMA.
Ademais, a realização da audiência pública é disciplinada pela Resolução CONAMA
009 de 03.12. 1987. Segundo tal normativa embora a audiência pública não seja obrigatória
em todos os casos de licenciamento ambiental, ela poderá ser requerida pelos órgãos
ambientais sempre que julgue necessária, por entidades civis, pelo Ministério Público ou por
cinquenta ou mais cidadãos.
Outro princípio norteador de toda e qualquer audiência pública ambiental é o da
publicidade, previsto no artigo 225, § 1°, IV da Constituição da República, assim como nos
artigos 3° e 10 e da Resolução Conama 237/97.
Art. 3°. A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva
ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente
dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto
sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a
realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação.
Art. 10. O procedimento de licenciamento ambiental obedecerá às seguintes etapas:
(...)
V – Audiência Pública, quando couber, de acordo com a regulamentação pertinente.
197
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
O fundamento está na tentativa de promover a participação do maior número de
pessoas, razão pela qual a realização da audiência pública deverá ser anunciada em editais e
pela imprensa, além do que o local escolhido para tanto deverá ser de fácil acesso.
Imperioso, ainda, que a mesma seja gravada em áudio e vídeo, bem como todas as
contribuições da população que sejam recebidas passem a integrar o processo de
licenciamento ambiental do projeto para posterior análise e, se possível, atendimento, mesmo
sendo a sua natureza consultiva e não deliberativa. Dependendo da localização geográfica ou
da complexidade do projeto, poderá ser realizada mais de uma audiência pública.
Para MOREIRA NETO (2001, p. 211) as vantagens da audiência pública são:
evidencia a intenção da Administração Pública de produzir a melhor decisão, galvaniza o
consenso em reforço da decisão que vier a ser tomada, manifesta o cuidado com a
transparência dos processos administrativos, renova permanentemente o diálogo entre agentes
eleitos e seus eleitores, presença de um forte conteúdo pedagógico, como técnica social de
acesso ao poder e ao exercício do poder.
Portanto, a tutela do meio ambiente pelo Poder Público erigida à preceito
constitucional fundamental, é irrenunciável. Constitui-se, à luz da Constituição da República,
um verdadeiro poder-dever atribuído não somente ao Estado, mas a cada um de nós.
Daí a importância da participação popular nas audiências públicas ambientais, pois, é
o momento em que a população contribuirá para a proteção e defesa do meio ambiente e para
a construção de políticas públicas sustentáveis e eficazes, exercendo a cidadania em sua
plenitude.
2 A DEFESA DO MEIO AMBIENTE COMO PRINCÍPIO DA ORDEM ECONÔMICA
Para que se possa trazer à baila o tema proposto, faz-se necessário compreender o
novo significado dado pela Constituição da República de 1988 à ordem econômica em
detrimento da clássica noção de Constituição Econômica, pois atribui a ela outros objetivos,
além daqueles meramente econômicos.
Para Vital Moreira a Constituição Econômica é:
Conjunto de preceitos e instituições jurídicas que, garantindo os elementos
definidores de um determinado sistema econômico, instituem uma determinada
forma de organização de funcionamento da economia e constituem, por isso mesmo,
uma determinada ordem econômica, ou, de outro modo, aquelas normas ou
instituições jurídicas, que, dentro de um determinado sistema e forma econômicos,
garantem e (ou) instauram, realizam, uma determinada ordem econômica concreta.
(1978, p. 41)
198
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Além disso, é preciso que se entenda o significado da expressão “ordem econômica”
empregada na Constituição de 1988.
DERANI (2008) ressalta que da análise do texto constitucional é possível depreender
duas abordagens para tal expressão: a primeira é de que a ordem econômica refere-se ao
conjunto de prescrições normativas que moldam e conforma as relações econômicas (mundo
do dever ser) e outra como um conjunto de práticas realizadas (mundo do ser).
Tal compreensão nada mais é do que aquela trazida por Eros Grau:
A expressão “ordem econômica” é incorporada à linguagem dos juristas, sobretudo
– mas também do Direito – a partir da primeira metade deste século. Sob esse uso,
de expressão nova, repousa, indiscutida – e como se fora indiscutível – a afirmação
de que a ordem econômica (mundo do ser) do capitalismo foi rompida. Para tanto
contribui, com enorme eficácia, a Constituição de Weimar, de 1919.
Entre nós a referência a uma “ordem econômica e social”, nas Constituições de 1934
até a de 1967, com a Emenda n. 01, de 1969 – salvo a de 1937, que apenas menciona
a “ordem econômica” – e a duas ordens, uma “econômica” e outra “social”, na
Constituição de 1988, reflete de modo bastante nítido a afetação ideológica da
expressão. O que se extrai da leitura despedida de senso crítico, dos textos
constitucionais, é a indicação de que o capitalismo se transforma na medida em que
assume um novo caráter, social. (2012, p. 64).
Este novo significado conferido à ordem econômica pela Constituição têm inúmeros
rebatimentos, inclusive no que respeita às formas de apropriação dos recursos naturais.
Segundo AYALA:
Esse novo significado proposto pela Constituição à ordem econômica define-a nos
termos de uma economia social e ecológica de mercado. Nesta, o sentido das
relações de produção e de apropriação sobre os recursos naturais passa a ser
orientado por um conjunto de regras que complementam um sistema que vigia, até
então, baseado na proteção da propriedade privada sobre os bens. (2008, p. 269)
Constata-se, portanto, que a Carta Política confere atributos econômicos, mas de
igual forma ecológicos e sociais como princípios gerais que deverão nortear toda e qualquer
atividade econômica, os quais são de indiscutível relevância para a finalidade de se atribuir
valor a determinado bem.
Neste sentido, o artigo 170 da Constituição ao definir a livre iniciativa como
fundamento da Ordem Econômica, impõe limites à mesma ao determinar a obrigação da
defesa do meio ambiente e a função social da propriedade como condicionantes à forma de
valoração dos bens que serão apropriados.
Estes princípios são os que definem uma modalidade diversa de apropriação dos bens
ao exigir que, ao tradicional sentido econômico, sejam incorporadas as dimensão ecológica e
social . Isso ocorre de maneira especial, com os bens ambientais.
199
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Apesar disso, é incontroversa a existência de uma tensão dialética permanente entre a
proteção ambiental e o desenvolvimento econômico, ou seja, na relação travada entre o meio
ambiente e a economia. Senão vejamos:
(...) a opção por uma perspectiva integrada – socioambiental – implica ainda maior
(e mais complexa e tensionada) articulação com uma concepção de Constituição
Econômica, que, portanto, não pode ser concebida como um núcleo isolado no
contexto mais amplo da ordem constitucional. Em razão do forte conteúdo
econômico inerente à utilização dos recursos naturais e, consequentemente, das
pressões de natureza político-econômicas que permeiam, na grande maioria das
vezes, as medidas protetivas do ambiente, Bessa Antunes pontua que não se pode
entender a natureza econômica da proteção jurídica do ambiente como um tipo de
relação jurídica que privilegie a atividade produtiva em detrimento de um padrão de
vida mínimo que deve ser assegurado aos seres humanos, mas que a preservação e a
utilização sustentável e racional dos recursos ambientais devem ser encaradas de
modo a assegurar um padrão constante de elevação da qualidade de vida, sendo,
portanto, o fator econômico encarado como desenvolvimento, e não como
crescimento. (SARLET e FENTERSEIFER, 2011, p. 103).
A afirmação de que o fator econômico deverá ser visto como desenvolvimento e não
crescimento significa que o primeiro vai muito além do segundo.
Quanto a isso, valemo-nos das palavras de VEIGA:
Diz-se que uma geração inteira nunca viu o Brasil se desenvolver, pois já lá se vão
mais de 25 anos, desde que a renda nacional por habitante parou de progredir. Essa é
uma avaliação que desfruta de quase unanimidade entre analistas. E que foi até
escolhida para abrir o manifesto “Por que Heloísa”, lançado na campanha eleitoral
de 2006 por uma dúzia de personalidades, entre as quais vários dos melhores
economistas inconformados. Mas é crucial que seja contestada, pois se apoia em
ingenuidade sobre a relação que o desenvolvimento mantém com o crescimento
econômico. (2007, p. 19).
Aliás, o direito ao desenvolvimento foi consagrado em 1986 pela ONU, através da
Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, que em seu artigo 1° dispõe:
O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável em virtude do qual
toda pessoa humana e todos os povos estão habilitados a participar do
desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele
desfrutar, no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser
plenamente realizados.
Isto posto, verifica-se que o crescimento econômico por si só é insuficiente. Trata-se
tão somente de um dos elementos do desenvolvimento.
Tal entendimento também está presente no pensamento de Amartya Sen, citado por
Sarlet e Fenterseifer (2011, p. 104) ao identificar o desenvolvimento como expressão da
própria liberdade do indivíduo, de tal sorte que o mesmo deve necessariamente resultar na
eliminação da privação de liberdades substantivas (leia-se: bens sociais básicos, como, por
200
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
exemplo, alimentação, tratamento médico, educação, água tratada ou saneamento básico), rol
que deve ser acrescido da qualidade do ambiente.
A maioria dos problemas socioambientais estão relacionados diretamente com o
crescimento da atividade econômica, de maneira indiscriminada, em escala mundial. Isso vem
sendo apontado por inúmeros estudiosos, em especial a partir de meados do século XX.
Portanto, pode-se afirmar que as ligações entre a economia e o meio ambiente são inúmeras,
além de bastante complexas e importantes.
FIORILLO, ao analisar criticamente os sistemas de avaliação ambiental
preconizados pela legislação pátria o faz sob a perspectiva da economia, concluindo que:
Na sua expressão mais simples, o meio ambiente e a produção estão relacionados
porque a atividade econômica é dependente dos ativos ambientais, que é a fonte dos
insumos de produção, tais como metais, minerais, solo, floresta e pesca e de energia,
que processo todos os insumos. É o meio ambiente também que recebe todos os
resíduos da atividade econômica que, por sua vez, deve dar-lhes destinação
adequada e compatível com a capacidade de suporte do meio. (2011, p. 176).
Cabe aqui considerar que o modo de produção definido pela Carta da República de
1988 é o capitalista, baseado em relações de mercado. Por outro lado, o desenvolvimento
deste mercado está condicionado à garantia de um mínimo de serviços sociais e respeito ao
meio ambiente.
Trata-se, nas palavras de Derani (2008, p. 229) de uma “economia social de
mercado”. Ou, para Sarlet e Fensterseifer (2011, p. 105) um “capitalismo socioambiental” ou
“economia socioambiental de mercado”, expressão esta que nos filiamos no presente estudo,
considerando ser aquela que melhor representa a busca pela compatibilização da livre
iniciativa, autonomia e propriedade privada com proteção ambiental e a justiça social.
Para Derani (2008) a realização desta “economia social de mercado” responde pela
consecução dos princípios que norteiam a sociedade moderna e que estão previstos na
Constituição de 1988. Procura-se, assim, não privilegiar a liberdade em detrimento da
igualdade e fraternidade, respeitando-se a liberdade da iniciativa econômica privada mas sem
abdicar da busca pela diminuição das desigualdades sociais, valorização da dignidade
humana, justiça social e uso racional dos recursos naturais.
Já para SARLET e FENSTERSEIFER:
Com relação à pedra estruturante do sistema capitalista, ou seja, a propriedade
privada, os interesses do seu titular devem ajustar-se aos interesses da sociedade e
do Estado, na esteira das funções social e ecológica que lhe são inerentes. A ordem
econômica constitucionalizada a partir (e essencialmente, no que diz com seus
princípios diretivos) do art.170 da CF88, com base também nos demais fundamentos
e objetivos constitucionais que a informam (por exemplo, os objetivos fundamentais
201
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
da República elencados no artigo 3° da CF88), expressa uma opção pelo que se
poderia designar de um capitalismo socioambiental (ou economia socioambiental de
mercado) capaz de compatibilizar a livre iniciativa, a autonomia e a propriedade
privada com a proteção ambiental e a justiça social (ou socioambiental!), tendo
como norte normativo, “nada menos” do que a proteção e promoção de uma vida
humana digna e saudável (e, portanto, com qualidade ambiental) para todos os
membros da comunidade estatal. (2011, p. 104-105)
É importante observar que, como resposta às pressões ocorridas a partir de meados
do século passado, a expressão “economia social de mercado” passou a ser substituída por
“economia ecológica social de mercado” e é aplicada por respeitáveis autores alemães. Esta
última expressão nada mais é do que a economia socioambiental de mercado, pela qual buscase a integração de componentes ambientais à ordem econômica social a fim de diminuir a
oposição que muitos insistem em fazer entre economia, ecologia e direitos sociais.
STOBER citado por DERANI aponta algumas orientações para uma economia de
mercado que seja compatível com a proteção dos recursos naturais.
- precaução contra danos ecológicos: orientar uma prática econômica que tenha
como pressuposto uma atitude de precaução concentrada numa prática de avaliação
e planejamento, de modo a garantir a integridade do ambiente onde necessariamente
terá de influir;
- efetividade ecológica: a avaliação e o planejamento devem ser de tal forma
realizados, de modo a trazer um verdadeiro efeito positivo ao equilíbrio dos
ambientes naturais e uma melhora efetiva da qualidade de vida da sociedade (...);
- reversibilidade e flexibilidade: os danos que eventualmente ocorram ou os prejuízo
advindos ao ambiente pela prática econômica, devem ser reversíveis, ou seja,
passíveis de reparação;
- praticabilidade: é indispensável ao início de determinadas atividades econômicas
uma avaliação de custo-benefício social, onde se relaciona o grau de impacto
ambiental de uma atividade com os seus benefícios sociais, trazendo à discussão a
própria necessidade e utilidade social de uma determinada prática econômica;
- eficiência econômica: os custos das atitudes preventivas e minimizadoras de
impactos ambientais não devem retirar da atividade a sua lucratividade;
- conformidade ao sistema: todas as medidas a serem adotadas não devem levar a
uma modificação estrutural do sistema de produção capitalista;
- justiça distributiva (para as presentes e futuras gerações): a proteção dos recursos
naturais é indissociável e, mesmo, é parte do objetivo de bem-estar dos integrantes
de uma sociedade. As vantagens advindas com a modificação do modo de agir das
atividades econômicas devem aproveitar a todos; Os benefícios sociais devem ser
justamente distribuídos. (2008, p. 230-232)
É necessária uma abordagem e implementação destes tópicos, pois constituem a base
para o atendimento dos princípios constitucionais contidos no capítulo da Ordem Econômica
e no capítulo do Meio Ambiente, além dos objetivos da República Federativa do Brasil, nos
termos do artigo 3° da Constituição. Estes princípios deverão obrigatoriamente vincular as
condutas públicas e privadas quando na atuação econômica.
202
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Por isso, na linha defendida por DERANI (2008) não é possível enxergar o modo de
produção expresso na Constituição da República como simplesmente o modo de produção
capitalista adotado pelos demais Estados. O capitalismo nacional é reelaborado com
contornos próprios, constituindo-se como um “capitalismo social” ou para além disso, um
verdadeiro “capitalismo socioambiental”, pois inserto em um Estado de Direito
Socioambiental, no qual o desenvolvimento econômico encontra limites no interesse coletivo.
Diante do exposto, faz-se possível afirmar que o Estado de Direito Socioambiental
delineado pela Carta da República trouxe consigo, para além de um capitalismo social, um
capitalismo socioambiental orientado por uma economia de mercado voltada igualmente aos
preceitos socioambientais.
Não é outro o entendimento de SARLET e FENSTERSEIFER (2011) para quem a
proteção constitucional do meio ambiente deverá ser tomada a partir dos eixos econômico,
social e ambiental, os quais necessitam de aplicação isonômica e equilibrada.
Isto posto, pelo contido no artigo 170, VI a Constituição da República declara o
caráter integrativo entre a ordem econômica e o meio ambiente e reconhece a escorreita
relação entre direito econômico e direito ambiental.
Segundo DERANI (2008), os dois princípios – da livre iniciativa e do meio ambiente
ecologicamente equilibrado – são igualmente importantes para o atingimento da finalidade
essencial buscada pelo Constituinte: a da realização de uma existência digna.
Como muito bem apontado pela Autora:
Mesmo que intencionalmente o agente econômico não tenha em vista a consecução
dos objetivos constitucionais, a manutenção da sua atividade econômica só se
concebe à medida que garanta uma base natural de apropriação de seu investimento,
bem como, mais extensivamente, reconheça a necessária satisfação do mercado
consumidor decorrente de uma qualidade de vida mais elevada. Os princípios
fundados na liberdade de agir econômico e na liberdade de dispor de um meio
ambiente ecologicamente equilibrado exprimem a mesma força imperativa na
Constituição Federal. Estes princípios se revelam, na realidade, não em contradição,
como o simplismo imperante sugere, mas constituem inseparáveis aspectos de uma
realidade que perece sem a manutenção do tensionamento entre tais valores. A
liberdade não conhece limites. Estes são a sua negação. Entretanto, a atividade
humana não se desenvolve num único interesse. Esta multiplicidade de tendências
provoca um relacionamento tensionado entre as paixões. Disto decorre que as
paixões só se transformam em ato, pela atividade de incorporação dos antagonismos,
resolvendo-se em equilíbrio. Do contrário, o exercício de uma liberdade sem a
necessária consideração do leque de faculdades aberto pela vida faz dessa paixão
(pathos) uma patologia, e por isso destrói. (2008, p. 221-222).
Neste sentido, CARVALHO afirma que:
O Direito Ambiental propõe uma abordagem sistêmica na qual economia é vista não
apenas como geradora de riqueza e a ecológica como mera proteção da natureza. Ao
contrário, ambas, de igual modo, passam a ser essenciais para uma nova perspectiva
203
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
da humanidade: a qualidade de vida (vida como saúde, física, mental e espiritual)
como um dos direitos humanos fundamentais. (2000, p. 132)
É indubitável que o meio ambiente não pode ser entendido à parte das relações
sociais e humanas, além do que não se caracteriza como escopo das normas ambientais
impedir as transformações feitas pelo homem, sob a premissa da intocabilidade dos recursos
naturais. O que se pretende é disciplinar a forma e o grau de utilização dos bens ambientais,
regulando a tesão existente entre a livre iniciativa e a conservação do meio ambiente.
A Constituição Federal – não por outro motivo – define como princípio da Ordem
Econômica a defesa do meio ambiente, pois a sua implementação caracteriza-se como
condição indispensável para a própria continuidade das atividades econômicas e processos
produtivos delas decorrentes, mas, de maneira sustentável.
Ao lado dela, está a consagração constitucional do direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, o que, em uma análise hermenêutica significa o reconhecimento
da existência de limites às atividades e intervenções humanas no meio ambiente, atuando, as
normas ambientais, como reguladoras a fim de atenuar e disciplinar a relação entre utilização
dos recursos naturais e proteção dos direitos socioambientais.
DERANI, ao tratar da ordem econômica, da defesa do meio ambiente e do
desenvolvimento econômico bem pontua que:
Não se pode pensar em desenvolvimento da atividade econômica sem o uso
adequado dos recursos naturais, posto que esta atividade é dependente do uso da
natureza, para sintetizar de maneira mais elementar. Destarte, a elaboração de
políticas visando ao desenvolvimento econômico sustentável, razoavelmente
garantido das crises cíclicas, esta diretamente relacionada à manutenção do fator
natureza da produção (defesa do meio ambiente) , na mesma razão da proteção do
fator capital (ordem econômica fundada na livre iniciativa) e da manutenção do fator
trabalho (ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano). A
consideração conjunta destes três fatores garante a possibilidade de atingir os fins
colimados pela ordem econômica constitucional: assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social. É o que dispõe textualmente o caput do art.
170 (2008, p. 228-229).
Conclui a autora que o inter-relacionamento entre o contido no artigo 225 e 170 da
Constituição Federal, embora pareça óbvio dada a necessidade de compreensão do sistema
constitucional em seu conjunto e não por meio de normas isoladas, é preciso ir além da
intranormatividade, enxergando-se uma relação entre os elementos do “mundo da vida” que
compõem cada uma destas normas.
204
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
3
A
CONSTRUÇÃO
REALIZAÇÃO
DOS
DE
UM
CAPITALISMO
OBJETIVOS
SUSTENTÁVEL
FUNDAMENTAIS
DA
PARA
A
REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL.
A revolução científica nos séculos XVI e XVII intensificou a separação entre homem
e natureza, afirmando a racionalidade absoluta e a exclusão das impressões subjetivas nas
análises de qualquer estudo e pensamento, fator que ajudou a adormecer o anima mundi na
consciência dos indivíduos, mas o mesmo jamais poderia ser erradicado, pois faz parte da
nossa psique, e aos poucos, através da evolução da ciência holística e da involução do
reducionismo e do pensamento sistêmico, o sentimento do indivíduo como integrador de Gaia
será restaurado e haverá uma verdadeira concretização da transformação social e ambiental
que já começou a ocorrer. (HARDING, 2008, p. 33-41 e 66)
E é exatamente em razão desta separação entre homem e natureza, por não haver este
entendimento de que também fazíamos parte dela, é que por muito tempo a sociedade deixou
de se preocupar com os impactos do sistema capitalista na natureza, pois a visão era de que
esta nos servia e que a sua utilização, independente do modo, nos levaria ao pleno progresso
econômico.
Tal evolução deste pensamento deve-se à mudança de paradigma da sociedade,
principalmente quanto à concepção da física, ou seja, altera-se a visão mecanicista defendida
por Descartes e Newton, a qual modelou a sociedade moderna ocidental, passando para uma
visão holística ou ecológica. (CAPRA, 2004, p. 15-16)
Através desta nova visão de mundo não há mais como separar o homem da natureza,
muito menos mantê-lo num patamar mais elevado, pois a palavra de ordem agora é a
integração de ambos, conforme dita a filosofia moderna através do conceito de ecologia
profunda fundada por Arne Naess, sendo, portanto, o ser humano mais um “fio particular na
teia da vida”, nem mais, nem menos. (CAPRA, 2004, p. 16-17)
Destaca-se que a transformação social é perene, sendo tanto consciente quanto
inconsciente, e, quanto mais consciência a sociedade tiver da práxis, maior será a autonomia e
o controle crítico para impulsionar tais alterações, principalmente na sua relação integradora
com a natureza (MARTINI e DINIZ, 2012):
Nos termos de nosso modelo, podemos tomá-lo como indicadores de que um novo
modo de transformação social está surgindo lentamente, dotando a sociedade de
maior autonomia e controle autoconsciente, crítico e realista sobre o seu próprio
destino. Parece ser a próxima mutação no eterno caminho que vai da existência cega,
inteiramente objetivada dos povos primitivos, passando pela ingênua megalomania
205
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
do poder e da razão humana, até a existência totalmente criativa e desperta da
sociedade futura esperada, que viva em harmonia com a natureza, reconciliada com
os limites do pensamento. Este é o caminho da emancipação história da agência
humana. (SZTOMPKA, 1998, p. 390-391)
Enrique Leff sustenta que as transformações sociais não são decorrentes do acaso, e
no momento em que a coletividade tiver consciência que as suas próprias decisões podem
gerar mudanças significativas na história do planeta, haverá a verdadeira mutação social
(MARTINI e DINIZ, 2012):
A temporalidade é o ser dos processos e está na essência das coisas. A mudança de
época é uma mutação histórica: a mudança, a transformação, já não são acidentes,
mas a essência da determinação – mutações genéticas, emergência sistêmica,
mudança social. A constante é a mudança. Hoje, estar no tempo não se define pela
constância do objeto e o fim da história, mas pela mobilização do ser no tempo. O
real estoura no limite das inércias de um mundo insustentável, reabrindo os
potenciais da história. (LEFF, 2001, p. 415)
Por certo que “a expansão ilimitada num planeta finito só pode levar a
catástrofe”. Dessa forma o capitalismo causou uma enorme degradação ambiental, “não só
pelo aumento do impacto de suas operações sobre os ecossistemas do mundo, mas também
pela eliminação das leis de proteção ao meio ambiente e países e mais países. Em outras
palavras, a destruição ambiental não é somente um efeito colateral, mas um elemento
essencial da concepção do capitalismo global.” (CAPRA, 2006, p. 141-167)
E nesse contexto de modernidade a cidadania ambiental efetivamente exercida pelos
cidadãos, através da escolha de governantes atuantes e preocupados com a concretização do
Estado Socioambiental é que pode alterar e minimizar os impactos do sistema capitalista
sobre a natureza:
A cidadania só poderá ser exercida com a participação efetiva de cada indivíduo se o
mesmo conhecer seus direitos, se tiver a conscientização da importância de sua
participação, se tiver as informações necessárias para seu juízo de valor. A
ignorância, o desconhecimento, leva à alienação e como conseqüência a inexistência
de cidadania e isto, empobrece a democracia de uma nação. (BACELLAR, 2006, p.
389)
A educação ambiental exercida de maneira ampla e realista, divulgando exatamente
os riscos da manutenção das práticas atuais pela sociedade também possuem papel relevante,
principalmente como formador de opinião e transformadores de atitudes.
O Estado deve desempenhar uma verdadeira política ambiental avaliando os limites
econômicos e ecológicos de forma a preservar a vida na Terra. Não se pode esquecer que “a
escassez de recursos naturais é uma escassez social, fruto de uma específica forma de
206
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
relação com a natureza. A sociedade, ou mais especificamente, o modo de produção social,
impõe seus próprios limites.” (DERANI, 2008, p. 144)
A opção entre manter o sistema de produção que temos atualmente, mesmo que
ultrapassando os limites ecológicos e sociais, e a aquisição de qualidade de vida, com a
diminuição de consumo e desperdício, cabe somente a cada indivíduo, e com o incentivo
constante do Estado, sendo esta a única forma de minimizar os impactos sobre a natureza
causados pelo capitalismo.
Dessa forma, para resguardar a vida no planeta terra é preciso extinguir ou
reestruturar o capitalismo? Para responder a tal questionamento devemos analisar a nossa
história nos seguintes moldes:
Devemos ser cuidadosos com o modo de entender a historicidade. Ela pode ser
definida como o uso do passado para ajudar a moldar o presente, mas não depende
de um respeito pelo passado. Pelo contrário, historicidade significa o conhecimento
sobre o passado como um meio de romper com ele – ou, ao menos, manter apenas o
que pode ser justificado de uma maneira proba. (GIDDENS, 1991, p. 49)
O fato é que o trabalho industrial em larga escala, fruto do capitalismo devorador,
gerou consequências desastrosas para a sociedade, tanto no aspecto social quanto no
ambiental, só que inicialmente houve uma grande preocupação com os trabalhadores, sendo
inexistente a apreensão com a questão ambiental, que foi surgir somente quando a degradação
já estava bastante acentuada.
Na verdade a destruição social e ambiental causada pelo capitalismo sempre andaram
juntas, mas por uma visão meramente progressista a maior parte da sociedade não observou as
consequências dos seus atos, ou então preferiu fechar os olhos para privilegiar o progresso,
sem se dar conta que estava causando a sua própria destruição.
Muitos autores como Serge Latouche e Pior Sztompka afirmam que poderíamos
viver fora do sistema capitalista, mas seria inimaginável, pois possuímos uma racionalidade
capitalista e não conseguimos nos imaginar vivendo fora deste sistema. (LATOUCHE, 2009 e
SZTOMPKA, 1998)
Para que tal hipótese fosse factível tal mudança deveria se dar de forma gradual e
espontânea, sob pena de criar um colapso. Na verdade a mudança deve ocorrer de dentro para
fora, e jamais ser imposta, as pessoas devem compreender e buscar o real motivo da saída do
sistema capitalista e querer arcar com a nova realidade, como uma verdadeira transformação.
David Harvey afirma que o mundo não consegue lidar com uma economia estática,
porque o homem não consegue viver num mundo sem transformação, ele está sempre
buscando a novidade, mas pode viver com uma economia de crescimento zero, pois o
207
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
importante é o desenvolvimento e não o crescimento. Crescimento zero não significa ausência
de mudança, mas apenas alteração de foco para outros objetivos que não somente a economia,
e foi exatamente a ausência dessa liberdade de buscar a transformação que impediu o
crescimento e a manutenção do comunismo. (HARVEY – ENTREVISTA ACESSADA EM
2012)
Serge Latouche defende o decrescimento que em resumo é uma crítica a lógica do
crescimento pelo crescimento, da acumulação pela acumulação, ao consumo exacerbado que
nos é imposto através da publicidade e que nos faz trabalhar cada vez mais, correndo contra o
tempo, muitas vezes degradando a natureza, enquanto deveríamos trabalhar, consumir e
acumular menos, e contemplar mais a natureza, as artes, aproveitar melhor o nosso tempo
para adquirir e trocar conhecimento, conviver mais com a família e com os amigos, sempre
respeitando a diversidade. (LATOUCHE, 2009)
De qualquer forma, o capitalismo na sua atual formação é insustentável e teria de ser
reestruturado desde as suas bases para compatibilizar os direitos econômicos e
socioambientais. (CAPRA, 2006, p. 141-167)
O passo inicial para uma transformação concreta é o efetivo exercício da democracia,
através da eleição apropriada de governantes, pois eles podem operar como um arquiteto de
escolhas, que “tem a responsabilidade de organizar o contexto no qual as pessoas tomam
decisões”, é o denominado empurrão para a escolha certa. (THALER, 2009, p. 3 e 4)
Tal pensamento decorre do paternalismo libertário3, espécie de paternalismo brando
e não-instrusivo, consistente em orientação e jamais em ordem, pois tal tende a alterar “o
comportamento das pessoas de maneira previsível sem proibir nenhuma opção nem mudar
significativamente seus incentivos econômicos. (...) Ao utilizar adequadamente tanto
incentivos quanto cutucadas, podemos aprimorar nossa capacidade de melhorar a vida das
pessoas, e ajudar a resolver muitos dos principais problemas da sociedade. E podemos fazer
isso insistindo, ao mesmo tempo, na liberdade de escolha de todos.” (THALER, 2009, p. 6 e
9)
Essa orientação correta é essencial, pois pode inclusive trazer uma mudança cultural
e/ou política:
3
“Em suma o paternalismo libertário não é nem de direita nem de esquerda, nem democrata nem republicano.
Em muitas áreas, os democratas mais criteriosos estão superando seu entusiasmo por programas que eliminam
opções. Em muitas áreas, os republicanos mais criteriosos estão abandonando sua oposição automática a
iniciativas governamentais construtivas. Apesar de todas as suas diferenças, esperamos que os dois lados estejam
dispostos a convergir no apoio a algumas leves cutucadas.” In THALER, Richard H. NUDGE: o empurrão
para a escolha certa. Aprimore suas decisões sobre saúde, riqueza e felicidade. Tradução de Marcello Lino.
Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 15.
208
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
O quadro que emerge é o de pessoas estão ocupadas tentando dar conta de um
mundo complexo, em que não podem se dar ao luxo de pensar profundamente sobre
todas as escolhas que têm de fazer (...) elas aceitam as perguntas da maneira como
são feitas, em vez de tentar determinar se suas respostas seriam diferentes com
formulações alternativas. (THALER, 2009, p. 40)
É importante mencionar que as pessoas tendem a copiar o comportamento de outras
pessoas, sem muitos questionamentos, e, se um determinado comportamento gerar degradação
ambiental e social, ele não será um, mas em pouco tempo, vários, por isso é necessário fazer
as perguntas corretas e informar o que os outros estão fazendo com o intuito de obter um
resultado satisfatório, podemos ver este exemplo bem claro em Curitiba - Paraná, conhecida
como uma das cidades mais limpas do Brasil, e, o motivo de tal prêmio foram escolhas
realizadas no passado que incutiu no curitibano o orgulho de viverem numa cidade limpa,
verde, planejada e que separa o lixo que não é lixo, sentimento perene até hoje.4
O segundo passo para realizar uma verdadeira reestruturação no sistema capitalista é
focar no conceito de “desenvolvimento como liberdade” proposto por Amartya Sen, no qual
4
“Coleta
do
Lixo
que
não
é
Lixo
aumenta
192%
em
5
anos
Publicado em: 17/11/2010 14:29:00
De 7.662 toneladas em 2005, os caminhões do Lixo que não é Lixo fecharão 2010 com 22.419 toneladas de
lixo reciclável recolhidas.
A coleta de lixo reciclável em Curitiba aumentou 192% nos últimos cinco anos. De 7.662 toneladas em 2005, os
caminhões do programa Lixo que não é Lixo, da Prefeitura, coletaram 22.419 toneladas em 2009, número que
vem se mantendo em 2010.
A coleta seletiva voltou a aumentar em Curitiba depois do lançamento da campanha SE-PA-RE, na primeira
metade de 2006, e que permanece até hoje nos ônibus e mobiliário urbano da cidade.
"A campanha motiva os curitibanos a separar mais o lixo, e faz com que as pessoas se lembrem que também tem
responsabilidades com o meio ambiente e com a cidade”, destaca o secretário municipal do Meio Ambiente,
José Antonio Andreguetto.
O Lixo que não é Lixo faz a coleta seletiva porta a porta em 100% do território da cidade, numa frequência que
varia de uma a três vezes por semana, dependendo da região. A Prefeitura tem ainda outros programas de
incentivo à separação de lixo, como o Câmbio Verde, que faz a troca de lixo reciclável por hortifrutigranjeiros
nas áreas mais periféricas da cidade.
O Câmbio Verde também aumentou a coleta depois que a Prefeitura acrescentou 36 novos pontos, somando
atualmente 90 locais com a participação média de 7.259 pessoas, e coleta de aproximadamente 310 toneladas
de
resíduos
recicláveis
por
mês,
e
entrega
de
77.500
quilos
de
alimentos.
“A cidade cresceu e os programas já consolidados devem se expandir para atender a demanda”, explica
Andreguetto.
Outro saldo positivo foi a coleta de óleo de cozinha usado, serviço de coleta seletiva lançado em fevereiro de
2007 pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente. O serviço é oferecido nos 24 terminais de ônibus, junto com
a coleta de resíduos especiais, e também no Câmbio Verde. Nos terminais, a Prefeitura recolhe 4.500 litros por
ano, e no Câmbio Verde, cerca de 14 mil litros.
Além de evitar que o óleo usado seja descartado de forma inadequada e contamine o meio ambiente, o novo
serviço da Prefeitura beneficia famílias cadastradas no Câmbio Verde, programa de recolhimento de lixo
reciclável.
Todo material é encaminhado à Usina de Valorização de Rejeitos, administrada e mantida pelo Instituto PróCidadania de Curitiba. Depois de separado por tipo, os materiais são vendidos para indústrias que
transformam o lixo em matéria prima e novos produtos. A renda é revertida para ações sociais.
O papel é campeão de separação, 37% de todo o lixo reciclável que segue para a Usina. Depois, 23% de
plástico, 20% de vidro, 14% metais e 4% de embalagens longa vida (tetra pack), entre outros.” Matéria extraída
do site: http://www.curitiba.pr.gov.br/noticias/coleta-do-lixo-que-nao-e-lixo-aumenta-192-em-5-anos/21104.
Acessada em 18/11/2012.
209
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
especifica cinco liberdades instrumentais essenciais, são elas: “(1) liberdade políticas; (2)
facilidades econômicas; (3) oportunidades sociais; (4) garantias de transparência e (5)
segurança protetora.” (SEN, 2000, p. 25)
Através da garantia destas liberdades pretende-se que as pessoas tenham melhor
qualidade de vida, com saúde e educação adequadas, para que possam buscar melhores
condições de trabalho, e, principalmente saibam apreciar e utilizar a liberdade política através
do debate e escolha de valores essenciais à sociedade, inclusive quanto ao rumo da própria
sociedade capitalista.
É importante ainda que as pessoas saibam distinguir os políticos corretos, com boas
intenções, dos políticos que apenas discursam, mas não atuam conforme seus dizeres, e esta é
uma dificuldade encontrada nas redes do capitalismo global:
Com a crescente confusão entre os noticiários e os programas de entretenimento,
entre a informação e a publicidade, a política começa a parecer-se cada vez mais
com um teatro. Os políticos mais bem-sucedidos já não são os que têm as
plataformas mais populares, mas sim os que "ficam bem" na televisão e sabem
manipular os símbolos e códigos culturais. A associação dos candidatos com uma
"marca" - ou seja, o ato de tornar o nome e a imagem deles atraentes para o público
mediante uma associação firme de nome e imagem com símbolos sedutores para os
telespectadores - tornou-se tão importante na política quanto é na publicidade
empresarial. Num nível muito básico, o poder político esta ligado à capacidade de
usar eficientemente os símbolos e códigos culturais para estruturar um discurso nos
meios de comunicação. (CAPRA, 2006, p. 141-167)
Deve-se ainda acrescentar a estas liberdades, à qualidade de vida analisada sob o
aspecto econômico e ambiental, sempre ressaltando que os dois conceitos devem caminhar
lado a lado, “acatando o fato de que um mínimo material é sempre necessário para o deleite
espiritual, bem como, para afastar o espectro de que a luta pela preservação dos direitos
ambientais vedaria o processo econômico, bem como, de que este processo de crescimento
seria inviável com o respeito a tais direitos. Esse é o entendimento de Cristiane Derani:
A aceitação de que qualidade de vida corresponde tanto a um objetivo do processo
econômico como uma preocupação da política ambiental afasta a visão parcial de
que as normas de proteção do meio ambiente seriam servas da obstrução de
processos econômicos e tecnológicos. A partir deste enfoque, tais normas buscam
uma compatibilidade desses processos com as novas e sempre crescentes exigências
do meio ambiente. (DERANI, 1997, p. 78)
Como diz James Lovelock somos inteligentes o bastante para começar a expandir
nossas mentes e tomar uma atitude que preserve o planeta Terra, pois sem ele todo o resto
perde o sentido de discussão:
Nada que li em minha longa vida explica melhor nosso estado agonizante – temos a
inteligência para começar a expandir nossas mentes para entender a vida, o universo
210
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
e a nós mesmos; podemos nos comunicar e trocar nossos pensamentos profundos e
mantê-los fora das nossas mentes como um registro permanente. Temos tudo isso,
mas somos inteiramente incapazes de viver uns com os outros ou com o nosso
planeta vivo. Nosso impulso hereditário de sermos férteis e nos multiplicarmos e de
garantir que nossa própria tribo domine a Terra frustra nossas melhores intenções.
(LOVELOCK, 2010, p. 228)
A realização de audiências públicas efetivas, ou seja, com preocupações, discussões
e tomadas de decisões concretas, podem servir de ambiente propício para que cada cidadão,
de forma consciente, haja em prol da coletividade, exercendo a cidadania e democracia que
lhe são inerentes.
Entendo que ainda é possível equilibrar os direitos econômicos, ambientais e sociais,
mas somente através de uma reestruturação profunda do sistema capitalista e da
conscientização e mudança de atitude de toda a sociedade, sob pena de chegarmos a um
estágio irreversível ou a própria extinção forçada do capitalismo.
Portanto, somente a existência de um capitalismo sustentável pode servir de base
para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento
nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais, e, por
fim, promover o bem de todos, conforme preceitua o artigo 3º da Constituição das República
Federativa do Brasil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
É fato que os impactos do capitalismo sobre a Natureza são visíveis e preocupantes e,
portanto, precisam ser urgentemente minimizados para que haja a preservação da vida no
Planeta Terra.
O capitalismo por si só já é extremamente degradante desde o seu surgimento, mas
contextualizado na modernidade, coloca a sociedade em alerta máximo, pois na sua atual
formação é insustentável e teria de ser reestruturado desde as suas bases para compatibilizar
os direitos econômicos e socioambientais, ou seja, se faz necessário e é possível a construção
de um capitalismo sustentável.
É preciso que a cidadania ambiental seja efetivamente exercida, através da escolha de
governantes atuantes e preocupados com a concretização do Estado Socioambiental, além do
exercício da educação ambiental ampla e realista com formadores de opinião e
transformadores de atitudes, para que se possa alterar e minimizar os impactos do sistema
211
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
capitalista sobre a natureza, ressaltando sempre que o modo de produção social impõe seus
próprios limites.
Destaca-se que a própria sociedade, através da conscientização de que o sistema
capitalista gera desigualdades sociais e prejuízos advindos da degradação da natureza, poderia
colocar um limite no sistema capitalista, tornando-o mais sustentável, seja através de um
empurrão decorrente do paternalismo libertário, seja através da concretização do conceito do
“desenvolvimento como liberdade”.
Esse limite pode ser trabalhado com a releitura do princípio da ordem econômica
através do encontro de equilíbrio na tensão dialética entre a proteção ambiental e o
desenvolvimento econômico, pois o Estado de Direito Socioambiental delineado pela Carta da
República trouxe consigo, para além de um capitalismo social, um capitalismo socioambiental
orientado para uma economia de mercado voltada igualmente aos preceitos ambientais.
E, ainda, o dito equilíbrio pode ser visualizado na utilização da audiência pública
aqui explanada, com a participação concreta da sociedade civil organizada, ou seja, a
contribuição da população deve ser recebida, analisada e se possível atendida, apesar da sua
natureza deliberativa, pois apenas com decisões conscientes de cada cidadão em prol da
coletividade é que se poderá construir um capitalismo sustentável.
De qualquer forma, somos inteligentes o bastante para começar a expandir nossas
mentes e tomar uma atitude que preserve o planeta Terra, pois sem ele todo o resto perde o
sentido de discussão.
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214
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
CONSIDERAÇÕES DE UM DEBATE CRÍTICO SOBRE O DIREITO DO
TERCEIRO SETOR BRASILEIRO
(CONSIDERACIONES DE UN DEBATE CRÍTICO SOBRE EL DERECHO DEL
TERCER SECTOR BRASILEÑO)
Isabella Cristina Lunelli1
RESUMO – RESÚMEN – INTRODUÇÃO – 1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO DEBATE
SOBRE O DIREITO DO TERCEIRO SETOR BRASILEIRO – 2 A CRÍTICA DA CRÍTICA
AO DIREITO DO TERCEIRO SETOR: UM ESPAÇO PARA A SUPERAÇÃO DOS
LIMITES DA CULTURA JURÍDICA DOMINANTE – 3 CONTRIBUIÇÕES PARA UMA
CRÍTICA JURÍDICA EMANCIPADORA – CONSIDERAÇÕES FINAIS – REFERÊNCIAS
RESUMO
Em meios às críticas neoliberais tecidas acerca do Terceiro Setor, o número de
entidades representativas deste é cada vez maior. Concomitantemente, o Direito do Terceiro
Setor expressa-se em um único sentido: a normatividade.
A crítica desconstrói um espaço antes de luta. Aponta a expansão do Terceiro Setor
como fenômeno derivado de intenções políticas-econômicas capitalistas: tentativas de
desresponsabilização estatal ante os direitos sociais e ante a prestação dos serviços públicos.
Estigmatizam toda e qualquer ação plural como colonizada e mantenedora da ordem
hegemônica e dominante.
Trazida ao pensamento jurídico crítico, atribuindo um viés plural e emancipadora à
crítica é possível adquirir outra feição, outros contornos. É sobre as possibilidades de romper
com os limites impostos pelo discurso jurídico dominante e o papel a ser delineado ao Direito
do terceiro Setor que o presente artigo encontra-se.
Palavras-chaves: Direito, Terceiro Setor, Crítica Jurídica, Emancipação.
1
Advogada, graduada pela Universidade Positivo (UP), especialista em Direito Administrativo pelo Centro
Universitário Curitiba (UniCuritiba), mestranda em Teoria, Filosofia e História do Direito na Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC) – [email protected]
215
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
RESÚMEN
En medios a la crítica neoliberal hecha al Tercer Sector, el número de entidades que
representan ha aumentado. Al mismo tiempo, el “Derecho del Tercer Sector” se expresa en
una sola dirección: la normatividad.
La crítica deconstruye un espacio previamente de luchas e logros. Señala la
expansión del Tercer Sector como un fenómeno derivado de intenciones políticas económicas
capitalistas: la los intentos de negación de la responsabilidad estatal ante los derechos sociales
y la prestación de los servicios públicos. Imponen toda y qualquiera ación plural como
colonizada y mantenedora del orden dominante y hegemónica.
Puesta la realidad del discurso jurídico sobre el pensamiento jurídico crítico, bajo um
sesgo plural y emancipador a la crítica, es possible que el discurso adquiere otra característica,
otros contornos. Se trata de las posibilidades de romper los límites impuestos por el discurso
jurídico dominante y el papel que se resumirá al Derecho del Tercero Sector que este artículo
se sitúa.
Palabras-claves: Derecho, Tercero Sector, Critica Jurídica, emancipación.
INTRODUÇÃO
O discurso jurídico sobre o Terceiro Setor no Brasil ainda caminha a passos lentos,
sendo recente a denominação “Direito do Terceiro Setor” e raro o ensino deste nas escolas de
direito. Dado as informações sobre o Direito do Terceiro Setor, a denominação tem início a
partir da instauração de uma comissão na Ordem dos Advogados do Brasil-Paraná em maio
de 2006, seguido de palestras, congressos, obras doutrinária, cursos de aperfeiçoamento e
especialização.
Em meios às críticas neoliberais tecidas acerca do Terceiro Setor, o número de
entidades representativas deste é cada vez maior. Concomitantemente, o Direito do Terceiro
Setor expressa-se em um único sentido: a normatividade. A contextualização do debate atual
sobre o Terceiro Setor e o discurso jurídico permeia a legalidade: legislações aplicáveis,
termos de parcerias, relações Estado-ONGs.
A materialização histórica do Terceiro Setor aponta como conseqüência da adoção de
políticas neoliberais, desconstruindo, pela crítica, um espaço antes de luta. Aponta a expansão
216
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
do Terceiro Setor como fenômeno derivado de intenções políticas-econômicas capitalistas:
tentativas de desresponsabilização estatal ante os direitos sociais e ante a prestação dos
serviços públicos. Estigmatizam toda e qualquer ação plural como colonizada e mantenedora
da ordem hegemônica e dominante.
Trazida ao pensamento jurídico crítico, atribuindo um viés plural e emancipador à
crítica é possível adquirir outra feição, outros contornos. É sobre as possibilidades de romper
com os limites impostos pelo discurso jurídico dominante e o papel a ser delineado ao Direito
do Terceiro Setor que o presente artigo encontra-se. Ao final, tecem-se algumas perspectivas a
serem exploradas por um Direito crítico do Terceiro Setor.
1 CONTEXTUALIZAÇÃO DO DEBATE SOBRE O DIREITO DO TERCEIRO
SETOR BRASILEIRO
Organizando-se de tal forma e institucionalizando-se sob tais condições, a sociedade
civil passa a constituir-se como ente coletivo, reconhecida legalmente como apta a receber
recursos públicos e a desempenhar serviços de natureza pública dentro de um espaço nãoestatal.
Compondo um ‘Terceiro Setor’ – em referencia à terminologia norte-americana,
Third Sector –, tem-se caracterizado por entidades de direito privado sem fins lucrativos que,
não se encerrada exclusivamente no regime jurídico de direito público, tampouco no direito
privado, apresenta particularidades que inovam em sua natureza jurídica e no regime jurídico
ao qual são submetidas, principalmente, quando prestadoras de serviço de relevância publica.
Na definição de OLIVEIRA (TALAMINI, 2005, p. 86), “o Terceiro Setor pode ser
concebido como o conjunto de atividades voluntárias, desenvolvidas por organizações
privadas não-governamentais e sem ânimo de lucro (associações ou fundações), realizadas em
prol da sociedade, independentemente dos demais setores (Estado e mercado), embora com
eles possa receber investimentos (públicos e privados)”.
CASTRO (OLIVEIRA, 2008, p. 167), expressa que “a definição de Terceiro Setor
pode ser melhor compreendida na lição de Ruben César Fernandes, quando o define como a
combinação resultante de agentes privados orientando sua ação para o atingimento de
finalidades publicas, portanto, “um conjunto de organizações e iniciativas privadas que visam
a produção de bens e serviços púbicos”, concebidos como não geradores de lucro e que
respondam a necessidades coletivas”.
217
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
De fato, são as associações e as fundações possuidoras de qualificações (de OSCIP
/Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público ou OS/Organizações Sociais),
titulações
(UPM/Utilidade
Pública
Municipal,
UPE/Utilidade
Pública
Estadual
e
UPF/Utilidade Pública Federal) e/ou certificações (CEBAS/Certificado de Entidade
Beneficente de Assistência Social), que ao receber recursos públicos e tê-los de administrar,
submetem-se, dentre muitos os deveres, aos princípios jurídicos administrativos
constitucionais e ao contrato de gestão e termo de parceria. 2
As formulações do saber jurídico atinentes ao Terceiro Setor – correlacionados,
quase que exclusivamente, ao Direito Administrativo – produzem pesquisas sobre a aplicação
de preceitos e legislação sobre a relação “Estado-Sociedade”, sendo expressivas as produções
quanto às parcerias público-privada e as implicações financeiras, tributárias, civis e penais
advindas desta relação.
No tocante à ordem normativa atinente ao Terceiro Setor, que no final do século XX
passou a se denominar “Direito do Terceiro Setor”, inequívoco é o discurso de que a prática
anda à frente da produção legislativa. Adequações legislativas para fiscalizações, discussões
há mais de uma década sobre o denominado Marco Regulatório do Terceiro Setor (ou
Estatuto Jurídico do Terceiro Setor) e ausência, ainda, de consenso no uso do termo Terceiro
Setor, demonstram que a discussão legislativa está longe de consentimentos pacificados.
Conclusões como estas são constantemente embasadas por declarações tal como “No Brasil,
as normas atinentes ao Terceiro Setor carecem de sistematização; a legislação é esparsa e, em
alguns aspectos, conflitante” (RAMPOSO, 2010, p. 25).
Em meio às discussões e pesquisas jurídicas produzidas, tendem a retratar
inconscientemente um cenário característico no processo de historicidade na América Latina:
cingem-se, em sua maioria, ora em contextualizar o surgimento das ONGs e do Terceiro Setor
(remetendo em sua grande maioria às origens institucionais norteamericanas e européias no
contínuo processo de dominação interna), ora em tecer críticas à submissão externa de
políticas neoliberais intrínsecas à emergência do próprio Terceiro Setor. Na opinião de
SOARES (MONTAÑO, 2010):
[...], ao invés de evoluirmos para um conceito e uma estratégia no sentido de
constituir uma rede universal de proteção social que explicite o dever do
Estado na garantia de direitos sociais, retrocedemos a uma concepção de que
o bem-estar pertence ao âmbito privado, ou seja, as famílias, as
2
E referência ao art. 4º, I, da Lei 9790/99.
218
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
comunidades,
as
instituições
religiosas
e
filantrópicas,
devem
responsabilizar-se por ele, numa rede de “solidariedade” que possa proteger
os mais pobres.
A versão mais “sofisticada dessa concepção é o chamado “Terceiro Setor”,
dominado por organizações não-governamentais (as famosas ONGs),
devidamente bancadas por recursos públicos, na medida em que a maioria
dessas organizações é financiada por governos. [...]. É justamente esse
caráter “substitutivo”e não complementar que desmascara as supostas
“parcerias” entre o “Estado e a Sociedade.
Ainda,
encontram-se
estudos
sobre
o
reconhecimento
pelos
organismos
internacionais (ONU, Fundos internacionais) como cooperadoras na promoção e defesa de
direitos humanos, a institucionalização dos movimentos sociais, a receptividade e
normatização constitucional e as ideologias políticas que norteiam as “intenções” estatais.
Sobre estas “intenções”, normalmente é posto em pauta a responsabilidade estatal sobre os
serviços públicos prestados por entidades representativas do Terceiro Setor, ou melhor, as
tentativas neoliberais de desresponsabilização estatal. MONTAÑO (2008, p. 48) ressalta que:
[...], “o projeto político da grande burguesia brasileira [...] não exclui a
vigência de políticas sociais. O que ele exclui é uma articulação de política
social, publica e imperativa, cujo formato tenha como suposto um Estado
que ponha limites políticos democráticos à lógica do capital [...] que tenha
por eixo uma função democrática-reguladora em face do mercado”. É neste
terreno que se inserem as “organizações sociais”, o “voluntariado”, enfim, o
“terceiro setor”, como fenômeno promovido pelos (e/ou funcional aos planos
dos) governos neoliberais, orientados para América Latina no Consenso de
Washington.
Neste sentido, também, expressa-se COUTINHO (2011, p. 13), ao afirmar que “o
“terceiro setor” integra a lógica da atual reestruturação do capitalismo, atendendo às
exigências gerais e complementares do capitalismo neoliberal: privatizar empresas estatais e
serviços públicos; “desregulamentar” ou criar novas regulamentações para um novo quadro
legal que diminua a interferência dos poderes públicos sobre empreendimentos privados’.
Contudo, conquanto as normas constitucionais e infraconstitucionais brasileiras
existentes e aplicáveis ao Terceiro Setor são amplamente criticadas – em referência a
219
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
legislação esparsa, como também a discussão sobre a dificuldade conceitual, excessiva
burocratização e necessidade de mão-de-obra especializada –, crescente é o número de
associações e fundações privadas na realidade brasileira e cada vez mais freqüente são as
relações destas com o Estado na implementação, consecução, execução e gestão de políticas
públicas voltadas ao acesso de direitos de saúde, educação, cultura, entre outras áreas
legitimadas para transferência de recursos públicos.3
Atrelado à proliferação das entidades representativas do Terceiro Setor a nível não
apenas brasileiro, mas global e à contra-senso das críticas tecidas; constata-se, principalmente,
um coro crescente sobre a retórica do processo de empawerment das organizações da
sociedade civil como promotor do direito fundamental ao desenvolvimento nacional através
do fomento e ampliação do exercício da liberdade de associação. Para COELHO
(COUTINHO, 2011), “o terceiro setor é o caminho encontrado pelos analistas que investiam e
avaliam novas possibilidades para o desenvolvimento social, propondo a realocação e a
transformação de funções dos diferentes atores”.
Para uma efetiva participação política através do aumento do protagonismo social e a
promoção dos cidadãos, a defesa das organizações da sociedade civil como agente autônomo,
capaz de mudar uma realidade de constante aprofundamento das desigualdades e
marginalidades – ao qual o fenômeno da globalização tem elevado –, conduz o Direito do
Terceiro Setor como um instrumento de proteção e defesa destas entidades, na busca de
garantias para sua afirmação, amadurecimento e desenvolvimento.
É esta dualidade que permeia o debate atual sobre o Terceiro Setor que tem
influenciado a produção do saber jurídico brasileiro.
2 A CRÍTICA DA CRÍTICA AO TERCEIRO SETOR: UM ESPAÇO PARA A
SUPERAÇÃO DOS LIMITES DA CULTURA JURÍDICA DOMINANTE
Ao considerar as críticas neoliberais ao Terceiro Setor, opiniões que elevem as
possibilidades da ação e emancipação do Terceiro Setor tendem a soar retrógradas ou
alienadas.
Na doutrina jurídica até há pouco, é possível encontrar textos que exaltem as
associações, como sujeitos plurais capazes de mudar uma realidade apolítica e social-
3
A exemplo disto, toma-se como base de dados estatísticos a pesquisa GIFE.
220
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opressora. ANDRADE (1993, p. 73) ao discursar sobre uma resignificação jurídica da
cidadania, afirmar que:
[...], os protagonistas da luta através da qual o conteúdo da cidadania
vem historicamente se ampliando não são apenas os agentes
tradicionais da política, ou seja, os partidos e, a seguir, as
organizações sindicais. Paralelamente a estes, movimentos sociais ou
comunitários de base, organizações profissionais, comitês de bairro,
associações de moradores e de defesa dos direitos humanos,
comunidades eclesiais de base, organizações de auxilio mútuo,
organizações não-governamentais (e sua articulação em redes, em
nível, local ou planetário) fazem parte de uma longa lista de
organizações que tem encontrado, na micropolítica, uma nova forma
de politizar o tratamento das questões sociais.
Contudo, a confirmação das intenções neoliberais de mundialização da economia e
de alastro incombatível do capitalismo, catalogaram qualquer opinião otimista como alienada.
Àqueles que outrora a expressaram estão desacreditados.
A crítica é utilizada perfazendo uma constante deteriorização do Terceiro Setor;
pouco se constrói acerca de possibilidades de insurgência contra ao sistema a qual integra.
Interdisciplinarmente, estigmatizam as entidades que compõe o Terceiro Setor ao atribuir à
elas a manutenção da ordem capitalista neoliberal.
O cenário demonstrado pela evolução de um capitalismo comercial e liberal para um
capitalismo globalizado e neoliberal, no qual o mercado é absoluto nas relações sociais,
econômicas, políticas e jurídicas, apontou que a concentração maciça da riqueza mundial e a
centralização do capital nas mãos da elite burguesa e financeira apenas aumento do abismo
divisor entre exploradores e dominados. Sendo um instrumento de manutenção da ordem, as
ONGs passam a ser rechaçadas como qualquer meio de perpetuação da política-economica
neoliberal.
Paralelamente, ao considerar o aumento significativo das entidades que venham a
compor o terceiro setor, o que se demanda juridicamente são as competências legislativas do
poder estatal; responsáveis em disciplinar a organização e funcionamento das organizações da
sociedade civil. Traçam, assim, ao Direito do Terceiro Setor Brasileiro uma via de insaciável
221
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
segurança jurídica e de anseio legislativo calcado no excessivo conhecimento dogmático e
monista. Esta é a cultura jurídica dominante aqui.
O Direito do Terceiro Setor deve ser mais do que análises normativas; pois ao
declarar-se em sua normatividade, tão somente, revela sua epistemologia positivista.
ANDRADE (1993, p. 39), ao analisar a cultura jurídica dominante, afirma que:
[...], enquanto discurso auto-suficiente, que pretende extrair sua significação
a partir do marco do ordenamento jurídico, sem nenhum apelo a elementos
extranormativos, revela subsídios para se afirmar com segurança sua
vinculação aos pressupostos epistemológicos do positivismo em sua versão
normativista.
A autora, expressando o viés epistemológico positivista que fundamenta a dogmática
jurídica, delineia esta o como pensamento jurídico e uma cultura jurídica de legalismo
liberal.4 A cultura jurídica dominante, calcada numa matriz ideológica liberal e uma
epistemologia positivista, traduz a produção do conhecimento jurídico e, consequentemente, o
pensamento jurídico como fator legitimador da atual dominação social e política exercida
pelas classes hegemônicas.
Compreendendo o debate atual sobre o Terceiro Setor e o discurso jurídico atinente,
à de se concluir que a atribuição de ‘vilão neoliberal” ao Terceiro Setor (principalmente, as
entidades que compõe o Terceiro Setor) não pode encerrar o papel da crítica. Qual seria a
contribuição de uma crítica emancipadora ao discurso jurídico dominante?
O ato crítico, então, passa a ser verificado nas tentativas de superação dos limites
impostos pela cultura jurídica dominante; encontrando dentro de um discurso contrahegemônico a resignificação do Terceiro Setor enquanto matriz emancipadora.
Sobre o papel da crítica na reformulação do pensamento jurídico e, por consequente,
na cultura jurídica, WARAT (ANDRADE, 1993) afirmou:
As tarefas de pesquisa, no fundo, não são outra coisa senão práticas de abalo,
um sismelogia que desnuda faltas, que se reconhece o direito de dizer não ao
instituído, à claridade enganosa de um efeito totalitário de legalidade; que se
reconhece o direito de dizer não ao misoneísmo estabelecido.
4
ANDRADE, 1993, p. 38.
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Numa compreensão mais abrangente do direito, que distancia-se do reducionismo
estatal ao criticar o formalismo positivista e o centralismo, projeta-se a crítica pluralista e
emancipadora.
O discurso jurídico liberal-individualista – calcado numa cultura monolítica,
racionalizada e universalista – percebe o esgotamento de seu modelo de cientificidade do
direito e de suas formas de legitimação dogmática. No plano do conhecimento, do discurso e
do comportamento, o exercício reflexivo de questionar o que está normatizado e oficialmente
consagrado, as práticas alienantes e excludentes, passou-se a se expressar como crítica
jurídica, pensamento crítico e/ou teoria crítica jurídica. No desenvolvimento de um
pensamento jurídico critico, pode ser encontrada na obra de TORRE RANGEL (2002) que
venha a refletir a necessidade de transformação deste paradigma monista. Como resposta à
crise do paradigma monista, o jusfilósofo WOLKMER (2002), ao descrever a crise da
racionalidade da cultura liberal buguesa e a importância do desenvolvimento de uma teoria
crítica do direito, propõe como alternativa à superação do paradigma monista estatal um novo
paradigma social de produção normativa: um paradigma normativo capaz de conceber
determinadas condições básicas para o desenvolvimento de uma nova cultura jurídica no
direito, plural e participativa.
Dentro de um sistema normativo comumente excludente e totalizante constata-se um
atropelo às bases jusfilosóficas plurais e emancipadoras passíveis de fazer-se incluir neste
debate. Uma ampliação do debate jusfilosófico plural, crítico e emancipador ao Direito do
Terceiro Setor, cuja situação atual encontra-se dentro dos limites da cultura jurídica
dominante que o molda, reconhecendo-o como realidade fática e expressiva, pode contribuir
para a reconstrução de sua significação enquanto espaço de emancipação e de uma outra
relação da Sociedade Civil, agora plural, com o Estado e o Mercado.
Como outrora afirmou ANDRADE (1993, p.11), é preciso “romper com a herança da
cultura jurídica tradicional, discutindo as dimensões político-ideológicas dos discursos
jurídicos e abrindo novos caminhos para sua superação, [...].”
3 CONTRIBUIÇÕES PARA UMA CRÍTICA JURÍDICA EMANCIPADORA
No desenvolvimento de um discurso plural e emancipador, a crítica jurídica contribui
para a formulação de um pensamento interdisciplinar no Direito, fomentando uma discussão
social-jurídica no Direito do Terceiro Setor.
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Refletindo sobre as contribuições que um pensamento jurídico crítico pode dar às
reflexões atinentes às entidades que compõe o Terceiro Setor e ao próprio Terceiro Setor,
insere-se a necessidade de reavaliar a constituição histórica-política-jurídica da formação das
primeiras entidades do terceiro setor que, obviamente, refletem uma realidade distinta,
apresentada em contraposição à realidade dos países periféricos e, neste caso, a realidade
brasileira.
Numa perspectiva histórico-crítico combatente, WOLKMER (2012, p. 34) convida à
uma “compreensão de cultura como instrumental de significações capaz de reconhecer a
historicidade das contradições entre ausências/ colonialidade/ resistências/ liberação, quer no
que se refere à ação insurgente de sujeitos, quer no que se refere aos processos que envolvam
as instituições sociais”.
Ainda, nas contribuições acerca da crítica jurídica, alguns debates são passíveis de
serem postulados, tal como a ampliação do conceito de liberdade - aqui tratada como a
liberdade de associação –, a práxis e os fatos atrelados à produção normativa e a inclusão dos
“usuários” dos serviços prestados pelas entidades do Terceiro Setor no discurso atinente ao
Direito do Terceiro Setor.
É preciso, para a consecução da sublevação social e a inserção de um discurso em
defesa da identidade do Terceiro Setor, que a liberdade não se restrinja ao simples exercício
de liberdade de associação.
As normas jurídicas aplicáveis mostram-se “recortadas” da realidade social a qual se
inserem, constituindo uma “realidade’ autônoma e altamente abstrata. A intenção da alta
carga de normatividade prevista pode atribuir a uma perda da funcionalidade da instituição
que, incapaz de responder às demandas legislativas e de fiscalizações executadas pelos
Tribunais de Contas, acabam sendo taxadas de “pilatrópicas”. Considerar “pilantropia” toda e
qualquer organização que se apresente como representativa do Terceiro Setor é fechar-se para
a exterioridade, não conseguindo enxergar além de uma universalidade massificadora.
No atual contexto em que direitos e liberdades estão incluídas pelo Estado Brasileiro
em seu discurso acerca de um sistema normativo do Terceiro Setor, são as organizações da
sociedade civil e as entidades através das quais são representadas que despontam como sujeito
de direitos nesta discussão. Há que se levar em conta que o que se mostrou ineficiente não foi
o modelo social, mas o Estado calcado em idealizações iluministas, universal, totalizantes e,
por conseqüente, excludente.
Aquém da discussão pela responsabilidade, eficiência dos serviços prestados e
governabilidade no Terceiro Setor, este discurso tem-se olvidado de integralizar outros
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sujeitos igualmente prioritários e complementares para a realidade ao qual se insere, sem fazer
muita alusão: àqueles a que se destina os serviços públicos prestados pelas entidades do
Terceiro Setor:
Dos “esquecidos” na retórica, quase que insignificantes são as discussões acerca
daqueles que justificam a promoção, a defesa e as garantias necessárias para a sua própria
consecução: as vítimas do próprio sistema, os chamados “excluídos” que pouco ou quase nulo
foram os acessos aos direitos fundamentais e políticas públicas que conduziram à própria crise
do Estado Providência – que elucidou uma reforma neoliberal em meados na década de 90 e
admitiu no sistema normativo brasileiro o debate sobre a regulação do próprio Terceiro Setor.
A necessidade de aproximação do debate sobre o Direito do Terceiro Setor para com
o excluído, que sem acesso aos direitos e garantias constitucionais tornam-se sem voz perante
as injustiças sociais praticadas pelo próprio sistema, é indiscutível num projeto de
sustentabilidade social. Entretanto, poucos são lembrados em meio às discussões e
construções abstratas e universais que circundam tal discussão.
Na construção de um pensamento crítico ao Direito do Terceiro Setor, o objetivo
destas entidades não seria a busca pela prestação dos serviços e atividades desenvolvidas com
maior agilidade e eficácia, mas sim um alcance social-jurídico maior. Um alcance não
atingido pelo Estado preso em sua burocratização; um alcance não atingido pelas políticas
públicas presa a conceitos excludentes de cidadania.
WOLKMER (2001) aponta que o cenário atual neoliberal reflete um processo de
mundialização do espaço não nacional, intensificando os processos de dominação e exclusão.
Na América Latina, a economia dependente às grandes forças capitalistas, predominou e
reproduziu o modelo legal de Estado positivista, tendo como conseqüência grande parcela da
população sistematicamente ignorada e marginalizada. Integrar o excluídos neste debate,
tornando-o efetivamente plural, parece ser a primeira atitude crítica e emancipadora a ser
adotado na construção do saber jurídico atinente ao Terceiro Setor.
A questão é de que, além da motivação e vontade do “fazer acontecer” no espaço
público não-estatal é preciso construir bases ideológicas sólidas, retóricas adequadas acerca
da violação e a dissimulação dos direitos (aqui incluindo os sociais, da saúde, etc.) e, acima de
tudo, construir um imperativo de ‘olhar para o outro”.
Uma vez considerado que “o Terceiro Setor corresponde a uma esfera de entidades e
de atividades que tem sua origem e destino na própria sociedade civil” (OLIVEIRA, 2001, p.
25); o Direito do Terceiro Setor deve expressar a sua origem. Ou seja, deve destinar a práxis
transformadora, de sobremaneira, aos próprios cidadãos e não, unicamente, ao sistema
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jurídico ao qual passa a se inserir. É imperioso o acolhimento dos excluídos na construção do
conceito de sociedade civil plural.
Na luta pelo desenvolvimento da pessoa humana, para elevar a condição do homem
na sociedade não basta trazer o indivíduo marginalizado e excluído para o seio da discussão
social e jurídica enquanto fim do trabalho desenvolvido pelas entidades do Terceiro Setor. O
fim destas entidades não pode ser visto como um ato de caridade.
É necessário dar aos ‘esquecidos” um sentimento de pertença na atividade
desenvolvida no Terceiro Setor enquanto sujeito de direitos, pois se não se sente pertencente
ao Setor que está emergido, continuará sentido-se excluído. É o sentimento de pertença que
dotará o então excluído de emancipação, reconhecendo-o como cidadão dotado de direitos e
deveres.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A universalidade determinante da cultura liberal-individualista na sociedade moderna
europeia fora disseminada ao mundo colonial, que acabou imprimindo uma possessão de sua
cultura aos colonizados. Estes, destituídos de sua cultura originária, condenados como
incivilizados, não tiveram outra opção senão civilizar-se ao modelo moderno europeu. Ao
civilizar-se, adotam a visão de mundo burguesa como sua, consagram como seus os valores
liberais-individualistas e, contam como sendo sua a historiografia tradicional. Sem perceber,
fomentam uma ficção ideológica que regula a hegemonia do capitalismo e afirmam-se
constantemente colonizado, dominado e alienado. É tempo de descolonizar.
A universalidade da cultura eurocêntrica produziu uma forma específica de
racionalização do mundo moderno, que alienou e coisificou o homem colonizado. A
descolonização, consequentemente, vem significar não somente a desmistificação desta
cultura imposta, como também vem expressar a insatisfação sobre esta inadequação do
modelo cultural tradicional e da historiografia convencional.
Descolonizar, por conseqüência, não significar negar toda e qualquer prática incutida
pelos colonizadores. O tempo não volta. A atitude emancipadora e descolonizadora – contra
uma herança calcada no dogmatismo e no legalismo-liberal – começa a partir do momento
que se volta para a práxis.
O rompimento com os formalismos técnicos e abstrações metafísicas possibilitará
uma expressão jurídica autêntica dos valores culturais e das condições históricas e materiais
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relevantes à superação de um saber jurídico que deterioriza pluralidades e quaisquer
superações de limites impostos pela ordem dominante.
A desmistificação da cultura moderna, como algo pretensamente direcionado à
regulação do capitalismo e da elite burguesa na hegemonia política e ideológica é essencial na
construção de uma identidade cultura juridica; mas não deve encerrar-se aí.
O rompimento com a trajetória característica do processo de historicidade na
América Latina significa a libertação de velhas práticas de saber e de poder, de amarras para o
desenvolvimento de um novo conhecimento. A crítica jurídica ao ajudar a compreender a
realidade de dominação e colonialidade, possibilita a busca da originalidade histórica e,
consequentemente, a transformação da realidade concreta. Só a partir desta reconstrução será
possível visualizar uma efetiva sustentabilidade social correlacionada ao Direito e à uma ética
da alteridade.
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230
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
ATIVIDADE DE FOMENTO PARA AS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS
E O PRINCÍPIO DA ISONOMIA
DEVELOPMENT ACTIVITY FOR MICRO AND SMALL ENTERPRISES
AND PRINCIPLE OF EQUALITY
Marco Antonio Lorga1
Co-autoria Paulo Sérgio Nowacki2
RESUMO
Este artigo tem por objetivo apresentar a importante papel do Estado na atividade de
fomento para as micro e pequenas empresas e os suas dimensões de sujeição quanto ao
princípio da isonomia a luz da obra do Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello. Buscamos
analisar a importância econômica do instituto do “fomento” como instrumento de política
pública do Estado com vista à igualdade entre os portes das empresas e de estímulo ao
micro e pequeno empreendedorismo no Brasil. Com o objetivo do presente estudo
estabelecido, foi necessário mantermos o foco de nossa preocupação na atividade estatal de
fomento dando ênfase a necessária observância do regime jurídico administrativo e a sua
dimensão de sujeição ao princípio da isonomia. Esperamos com esse artigo contribuir ao
debate sobre a necessária aplicação do instituto na atividade de fomento às micro e
pequenas empresas nas esferas Federal, Estadual e Municipal por todo nosso Brasil.
PALAVRAS-CHAVE: Micro e pequenas empresas, Fomento, Igualdade, Políticas
Públicas.
ABSTRACT
This article aims to present the important role of the state in promoting activity for micro
and small enterprises and dimensions of subjection to the principle of equality to light the
works of Professor Celso Antonio Bandeira de Mello. We seek to analyze the economic
importance of the institute's "promotion" as an instrument of public politic of the State to
ensure equal between the sizes of the companies and to stimulate micro and small
entrepreneurship in Brazil. With the objective of this study established, it was necessary to
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2
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keep the focus of our concern in the development of state activity emphasizing proper
compliance with the legal and administrative dimension of their subjection to the principle
of equality. Hopefully with this article contribute to the debate about the necessary
application of the institute in the activity of promoting micro and small businesses in
Federal, State and Municipal throughout our Brazil.
KEYWORDS: Micro and small enterprises, Development, Equality, Public Politic.
INTRODUÇÃO
A evolução do Estado Moderno a partir do século XVIII revela que a atuação do
Estado no domínio econômico se fez de diferentes graus de intensidade. O primeiro
momento caracteriza-se pelo afastamento do Estado da área econômica, limitando-se a
realizar tarefas básicas como a preservação da liberdade e da segurança dos cidadãos, o
Estado Liberal. Em um segundo período, observa-se o oposto, um Estado com grande
presença e intervenção no que diz respeito à exploração direita de atividades econômicas
quanto à prestação de serviços aos cidadãos, o Estado Social. Em um terceiro momento, o
Estado das últimas décadas do século XX, verificasse um retraimento da sua atuação direta
na economia, enfraquecendo o modelo de Estado empresário e o fortalecimento da
atividade reguladora com o objetivo de execução de políticas públicas. Por óbvio, que essa
é uma visão simplificada, já que esses fatos não ocorreram de forma linear e nem
exatamente nessa sequência na formação de diversos Estados.
O Surgimento do Estado Regulador sobre o Estado Provedor indica
comportamentos em destaque como a desestatização da economia e a implementação dos
programas de privatização no sentido da transferência para o setor privado de empresas
estatais por meio de venda de seus ativos em bolsa. Isso ocorre por uma série de fatores,
primordialmente econômicos, o Estado deixa a atividade empresarial que desempenhava
em vários setores produtivos e passa a agir de forma indireta, contando com a participação
da iniciativa privada na busca do bem comum, não alterando a sua marca intervencionista
de Estado Social.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, mostra-se receptível a essas
tendências, abrindo para iniciativa privada e limitando a atuação do Estado na economia,
porém, permanece uma forte presença do Estado, como agente normativo, regulador e
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fomentador da atividade econômica. Nas palavras extraídas da lição de Luís Cabral de
Moncada: “... a intervenção do Estado na economia foi a via através da qual a noção de
Estado de Direito se foi modificando”. (MONCADA, 2003, p. 28)
Dentre as maneiras de intervenção estatal na ordem econômica, a atividade de
fomento é o que percebemos haver menor destaque pela doutrina nacional em comparação
os outros modos de intervenção estatal. Talvez, porque a marca da atividade de fomento
pelo seu caráter positivo não atente a maiores preocupações, pois é fonte de incentivos,
estímulos e benefícios, não de sanções negativas.
Contudo, não se deve compreender dessa forma, pois a atividade de fomento não
pode afastar as preocupações acerca dos seus limites jurídicos de sua utilização, ou não,
pela Administração Pública em detrimento da sociedade ou de particulares não
contemplados por tal medida. Para Luís Jordana de Pozas:
“[...] a atividade administrativa de fomento pode ser definida como a ação da
Administração com vista a proteger ou promover as atividades, estabelecimentos
ou riquezas dos particulares que satisfaçam necessidades públicas ou
consideradas de utilidade coletiva, sem o uso da coação e sem a prestação de
serviços públicos, ou, mais concretamente, a atividade administrativa que se
destina a satisfazer indiretamente certas necessidades consideradas de caráter
público, protegendo ou promovendo as atividades dos participantes, sem
empregar a coação.” (POZAS, 1949, p. 44)
Sobre o estudo sistematizado da atividade de fomento como forma de intervenção
estatal, Célia Cunha Mello destaca em sua obra que isso somente ocorreu a partir do estudo
do Professor Espanhol Luís Jordana de Pozas em 1949, que define como:
“[...] la acción de la Administración encaminhada a proteger o promover aquellas
atividades, estabelecimentos o riquezas debidos a los particulares y que
satisfazem necessidades públicas o se estiman de utilidade geral, sin usar de la
coacción ni crear servicios públicos”. (MELLO C. C., 2003, p. 20)
A proposta desse estudo vem analisar a importância econômica do instituto do
“fomento” como instrumento de política pública do Estado com vista à igualdade entre os
portes das empresas e de estímulo ao micro e pequeno empreendedorismo no Brasil.
Com o objetivo do presente estudo estabelecido, foi necessário mantermos o foco
de nossa preocupação na atividade estatal de fomento às micro e pequenas empresas dando
ênfase a necessária observância do regime jurídico administrativo e a sua dimensão de
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sujeição ao princípio da isonomia, à luz das obras tão respeitadas e estudadas pela doutrina
nacional do Professor Doutor Celso Antônio Bandeira de Mello, com a nossa sincera
homenagem pelos seus ensinamentos.
2. A ATIVIDADE DE FOMENTO E SEU REGIME JURÍDICO
2.1. INTERVENÇÃO ESTATAL NA ORDEM ECONÔMICA
Há três formas distintas para a intervenção estatal na ordem econômica, a saber: i)
por meio da atuação direta do Estado na prestação de serviços ou produção de serviços; ii)
por meio da edição de normas jurídicas que disciplinem e limitem a atuação econômica dos
particulares, sejam elas gerais e abstratas, sejam individuais e concretas; iii) por meio da
atividade de fomento, através da qual o ente estatal procura incentivar o comportamento
dos particulares, oferecendo a esses estímulos ou benefícios.
Professor Celso Antônio Bandeira de Mello, quando trata da intervenção estatal
na ordem econômica, faz menção ao poder de polícia como “a atividade reguladora da
ordem econômica”, aos incentivos à iniciativa privada como “os estímulos com favores
fiscais ou financiamentos, até mesmo a fundo perdido” e a quanto à atuação empresarial
do Estado, a ação do “Poder Público que propõe-se a agir como protagonista da
exploração econômica”, em suma, a intervenção do Estado na atividade econômica pode
ocorrer “disciplinando, fomentando e assumindo”
a atividade empresarial. (MELLO,
2011, p. 810)
Mesma concepção possui Eros Roberto Grau quando identifica três maneiras de
intervenção do Estado no domínio econômico, a intervenção por absorção (em regime de
monopólio) ou participação (em regime de competição) quando o Estado age diretamente
na produção de bens e serviços, a intervenção por direção quando o estado age na edição
de normas de observação obrigatória por todos os agentes que exerçam certa atividade
econômica e a intervenção por indução quando o Estado age através de incentivos aos
particulares, a atividade de fomento propriamente dita. (GRAU, A Ordem Econômica na
Constituição de 1988, 2010, pp. 146-147)
Em nossa Constituição Federal essa concepção de intervenção do Estado no
domínio econômico é semelhante, bastando analisarmos o artigo 173 que autoriza a
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atuação direta do Estado como empresário em casos excepcionais e no artigo 174 que
autoriza a atuação indireta do Estado quando age como agente normativo e regulador,
exercendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento como o objetivo de
influenciar o comportamento da iniciativa privada e dos particulares. Na dicção de Eros
Roberto Grau a “intervenção indireta se dá sobre o domínio econômico, enquanto a direta
se dá no domínio econômico”. (grifo nosso) (GRAU, A Ordem Econômica na Constituição
de 1988, 2010, p. 147)
Nesse último dispositivo constitucional, objeto de nosso estudo, a atuação
intervencionista do estado no domínio econômico é indireta, através da sua atividade
reguladora ou da atividade fomentadora, caracterizado pelo comportamento do Estado que
“limita-se a condicionar, a partir de fora, a atividade económica privada, sem que assuma
a posição de sujeito económico activo”. (MONCADA, 2003, p. 43)
2.2. CONCEITO DE ATIVIDADE DE FOMENTO E A SUBMISSÃO AO REGIME
JURÍDICO ADMINISTRATIVO
O Estado tem na atividade de fomento uma importante ferramenta de desempenho
e efetivação das suas políticas públicas e por esse motivo a atividade de fomento é uma
atividade administrativa. Essa atividade administrativa busca direcionar comportamentos
da iniciativa privada por meio da oferta de estímulos, incentivos e benefícios não os
impondo, mas induzindo ao desempenho de atividades que o Estado tem como necessárias
ao interesse público.
O professor Celso Antônio Bandeira de Mello em uma brevíssima menção sobre a
atividade de fomento na sua obra nos explica que: “o poder Público pode, com fulcro no
art. 149 da Constituição Federal, instituir “contribuições de intervenção no domínio
econômico” e que “esta se exerce ora por meio de incentivos fiscais, ora por meio de
financiamentos.” (MELLO C. B., 2011, p. 827)
A atividade administrativa do fomento tem como característica não o desempenho
direto pelo Estado do que se pretende a realizar e sim pela iniciativa privada que são
estimulados a realiza-la, daí tratar-se de uma forma de intervenção indireta do Estado na
ordem econômica. Nas palavras de Cassagne:
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“[...] La utilización de la técnica de fomento, enunciada como tal a partir del
siglo XVIII, implica la aplicación adecuada del princípio de la subsidiariedade,
en cuanto el Estado, frente a una situación de insulficiencia, estimula la
realización de las actividades faltantes, em lugar de realizarlas por su própria
cuenta [...]”. (CASSAGNE, 1987, p. 158)
Ao particular é livre para aderir ou não a tarefa proposta e desejada pelo Estado,
isso porque, através do fomento o Estado não impõe o dever de observar certa conduta,
mas apenas estimula sua adoção. Se não aceita, não cria qualquer vinculação jurídica com
o Estado e muito menos qualquer sanção negativa, porém, quando aceita, cria o vínculo
jurídico, uma obrigação fazer, ou melhor, de desempenhá-la nos ditames estabelecidos no
planejamento Estatal para que possa atingir a fruição dos benefícios na medida de fomento.
Nos ensinamentos de Diogo Moreira Neto, “não é imposto à sociedade, o Estado não
obriga ninguém, indivíduo ou empresa, valer-se dos instrumentos jurídicos de incentivo:
relaciona-se com o Estado, nesse campo, quem o desejar.” (MOREIRA NETO, 1990, p.
467)
Na Lei Complementar 123/2006 que institui o “Estatuto Nacional da
Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte” podemos observar claramente essa
condição sobre a adesão voluntária ao regime diferenciado tributário:
Art. 16. A opção pelo Simples Nacional da pessoa jurídica enquadrada na
condição de microempresa e empresa de pequeno porte dar-se-á na forma a ser
estabelecida em ato do Comitê Gestor, sendo irretratável para todo o anocalendário.
§ 1º Para efeito de enquadramento no Simples Nacional, considerar-se-á
microempresa ou empresa de pequeno porte aquela cuja receita bruta no anocalendário anterior ao da opção esteja compreendida dentro dos limites previstos
no art. 3º desta Lei Complementar.
Quando a iniciativa privada “aceita” o fomento proposto pelo Estado cria uma
vinculação jurídica com a administração, obrigando-se a realizar o comportamento
desejado. Contudo, se aceitou e não o realizou, rompendo o contrato, sujeitará as sanções
negativas cabíveis. Como averba Eros Roberto Grau:
“[...] Ao destinatário da norma resta aberta a alternativa de não se deixar por ela
seduzir, deixando de aderir à prescrição nela veiculada. Se adesão a ela
manifestar, no entanto, resultará juridicamente vinculado por prescrições que
correspondem aos benefícios usufruídos em decorrência dessa adesão.” (GRAU,
A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 2010, pp. 148-149)
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O fomento é um instrumento de grande importância às políticas públicas do
Estado tendo como destinatário a satisfação do interesse público. Este é o seu caráter
instrumental como atividade administrativa em espécie, e sendo como tal, deve ser prevista
em lei e visar à satisfação do interesse público. A Administração Pública se submete a um
regime jurídico administrativo quando utiliza a atividade estatal de fomento. Por esse
motivo, devem ser respeitadas as normas jurídicas que encontram suas bases em dois
princípios importantes à atividade estatal, segundo o professor Celso Antônio Bandeira de
Mello: o princípio da indisponibilidade do interesse público e o princípio da supremacia do
interesse público.
Assim, a atividade de fomento submete-se a todos os princípios da administração
pública como da: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência,
motivação, da isonomia, da finalidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, do devido
processo legal e da ampla defesa, da moralidade administrativa, do controle judicial dos
atos administrativos, da responsabilidade estatal por atos administrativos, da boa
administração e da segurança jurídica. (MELLO C. B., 2011, pp. 98-126)
Desta feita, as medidas administrativas tomadas obrigatoriamente devem haver a
chancela legal e a concessão de benefícios para atender a finalidade que a lei instituiu, na
melhor lição de Gaspar Arino Ortiz:
“[...] Como toda actividad de la Administración, la acción de fomento se halla
sometida al princípio da legalidade. Sin embargo, historicamente se consideraba
uma actividad benéfica de los poderes públicos, por lo que no regía el princípio
de reserva de ley em esta matéria. Por el contrario hoy se considera que el
otorgamiento de medidas económicas de fomento debe someterse al principio de
legalidade (aunque sea difícil em la prática), com varias peculiaridades”.
(ORTIZ, 2004, p. 349)
Por óbvio, que um benefício apresentado à iniciativa privada que não tenha por
finalidade única o atendimento a uma necessidade coletiva nada justificaria a atuação da
administração pública. Nas palavras do professor Sílvio Luís Ferreira da Rocha:
“O fomento legítimo e justificado é aquele que visa a promover ou a estimular
atividades que tendem a favorecer o bem estar geral. Se o interesse geral não é
detectável com clareza, a atividade de fomento apresenta-se como ilegítima,
injustificável e discriminatória” (ROCHA, 2003, p. 31)
237
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
A atividade de fomento não pode ser exercida com o propósito de beneficiar os
amigos e prejudicar os inimigos de quem detém o poder de exercê-lo. A este deve a
observância da impessoalidade e da igualdade que se espera dos atos da administração
pública.
O Estado recebe poderes para cumprir a sua finalidade ínsita, sendo que esses
poderes têm limites quanto a sua estruturação funcional dos deveres-poderes
administrativos promocionais, melhor dizendo, “poderes-deveres” na lição de Celso
Antônio Bandeira de Mello. Daí a razão que a atividade de fomento deve ser determinada
em lei, como se preconiza o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno
Porte na Lei Complementar 123/2006, não se admitindo a estipulação por regulamento ou
ato administrativo, a esse respeito Hely Lopes Meirelles:
“A administração pública só pode ser exercida na conformidade da lei; é
atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos
complementares à lei. A função da atividade administrativa só poderá ser a de
agregar à lei nível de concreção; nunca lhe assistirá instaurar originariamente
qualquer cerceio a direitos de terceiros. É a tradução jurídica de um propósito
político: o de submeter os exercentes do poder em concreto – o administrativo –
a um quadro normativo que embarque favoritismos, perseguições ou
desmandos.” (MEIRELLES, p. 87)
Além dos princípios já citados, outro princípio que se coaduna à atividade de
fomento é o princípio da repartição de riscos. Na interpretação desse princípio, dada pelo
professor Sílvio Luís Ferreira da Rocha:
“[...] o que impede considerar a atividade de fomento como mero ato de
liberalidade administrativa, que exonere o beneficiário de todo risco ou da
obrigatoriedade de aportar recursos próprios para a atividade fomentada. Logo a
atividade promocional empreendida pela Administração Pública não pode
prescindir do investimento de recursos pelos particulares em favor da atividade
que se quer incentivar ou promover”. (ROCHA, 2003, p. 33)
No momento que o Estado sinaliza a pretensão de deixar de ser Estado Provedor
para ser Estado Regulador, existe a redescoberta natural da atividade de fomento, porém
não é porque esta atividade administrativa estatal durante anos foi relegada à segundo
plano que os princípios não devem ser obedecidos. Na indignação de Sílvio Luís Ferreira
da Rocha: “... há natural redescoberta da atividade de fomento, sem que se dê a devida
238
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
conta que esta também deve obedecer aos princípios que regem toda a atividade
administrativa”. (ROCHA, 2003, p. 34)
Como poderemos observar adiante, que dentre tantas violações pelos agentes
públicos aos princípios ensejadores do regime jurídico administrativo, uma se destaca: o
princípio da isonomia.
2.3. MEIOS DE FOMENTO UTILIZADOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
A Administração Pública ao exercer a atividade de fomento utiliza diversos meios
e formas que variam de ordenamento jurídico para outro. Esses diversos meios e formas
têm sido objeto de estudo e classificações pela Doutrina. Os critérios utilizados levam em
conta a atuação do Estado sobre a vontade da iniciativa privada e tipos de vantagens que se
outorgam para a promoção ou proteção das atividades.
O fomento quanto ao critério forma de atuação do Estado sobre a vontade da
iniciativa privada pode ser: fomento negativo e fomento positivo. O primeiro, objetiva a
obstaculizar ou desalentar o desenvolvimento pela iniciativa privada, onerando por meio da
tributação excessiva por considera-las contrárias ao interesse público, possuindo como
exemplo clássico, as bebidas e os cigarros. A segunda, foco de nosso estudo, objetiva o
estímulo ou a promoção ao desenvolvimento pela inciativa privada de determinada
atividade, subsidiando, incentivando, oferecendo vantagens, prestações ou até bens pela
Administração Pública.
Na Lei Complementar 123/2006 na Seção II – Das Vedações ao Ingresso no
Simples Nacional temos um claro exemplo de fomento negativo ao excluir seguimentos de
atividades empresarial independente do porte da empresa:
Art. 17. Não poderão recolher os impostos e contribuições na forma do Simples Nacional
a microempresa ou a empresa de pequeno porte:
I - que explore atividade de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria
creditícia, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber,
gerenciamento de ativos (asset management), compras de direitos creditórios resultantes
de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring);
II - que tenha sócio domiciliado no exterior;
III - de cujo capital participe entidade da administração pública, direta ou indireta, federal,
estadual ou municipal;
IV - (REVOGADO);
V - que possua débito com o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, ou com as
Fazendas Públicas Federal, Estadual ou Municipal, cuja exigibilidade não esteja suspensa;
VI - que preste serviço de transporte intermunicipal e interestadual de passageiros;
239
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
VII - que seja geradora, transmissora, distribuidora ou comercializadora de energia
elétrica;
VIII - que exerça atividade de importação ou fabricação de automóveis e motocicletas;
IX - que exerça atividade de importação de combustíveis;
X - que exerça atividade de produção ou venda no atacado de:
a) cigarros, cigarrilhas, charutos, filtros para cigarros, armas de fogo, munições e
pólvoras, explosivos e detonantes;
b) bebidas a seguir descritas:
1 - alcoólicas;
2 - refrigerantes, inclusive águas saborizadas gaseificadas;
3 - preparações compostas, não alcoólicas (extratos concentrados ou sabores
concentrados), para elaboração de bebida refrigerante, com capacidade de diluição de até
10 (dez) partes da bebida para cada parte do concentrado;
4 - cervejas sem álcool;
XI - que tenha por finalidade a prestação de serviços decorrentes do exercício de atividade
intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural, que constitua
profissão regulamentada ou não, bem como a que preste serviços de instrutor, de corretor,
de despachante ou de qualquer tipo de intermediação de negócios;
XII - que realize cessão ou locação de mão-de-obra;
XIII - que realize atividade de consultoria;
XIV - que se dedique ao loteamento e à incorporação de imóveis.
XV - que realize atividade de locação de imóveis próprios, exceto quando se referir a
prestação de serviços tributados pelo ISS;
XVI - com ausência de inscrição ou com irregularidade em cadastro fiscal federal,
municipal ou estadual, quando exigível.
§ 1º As vedações relativas a exercício de atividades previstas no caput deste artigo não se
aplicam às pessoas jurídicas que se dediquem exclusivamente às atividades referidas nos
§§ 5º-B a 5º-E do art. 18 desta Lei Complementar, ou as exerçam em conjunto com outras
atividades que não tenham sido objeto de vedação no caput deste artigo.
O professor Celso Antônio Bandeira de Mello utiliza no seu critério de
classificação, os tipos de vantagens que se outorgam para a promoção ou proteção das
atividades, são eles: i) honoríficos, ii) jurídicos e iii) econômicos. O professor Sílvio Luís
Ferreira da Rocha critica essa classificação quando entende que “a atribuição das
vantagens honoríficas e econômicas está prevista em normas, essa espécie de fomento não
deixa de ser jurídica.”, porém não as deixa de utilizar na sua obra. (ROCHA, 2003, p. 35)
Por meios honoríficos compreende-se a atividade administrativa que busca
fomentar atividades que a sociedade reconhece como relevante, por meio de concessão de
títulos, prêmios, condecorações, estimulando a atuação da iniciativa privada, como destaca
a professora Célia Cunha de Mello ao citar as palavras da lição de Garrido Falla: “(...)
aquellos médios de fomento que tienen su base fundamental en el sentimiento del honor y
la natural tendência humana hacia la diferenciación y distinción” (MELLO C. C., 2003)
Os meios jurídicos compreende-se a atividade administrativa que objetiva
fomentar certos indivíduos ou categorias de particulares lhes concedendo um status
jurídico excepcional e favorecido. Esses indivíduos ou categorias de particulares sujeitamse a um regime jurídico especial que a Administração Pública lhes outorga algum tipo de
privilégio. É o caso das Micro e Pequenas Empresas nos termos da Lei Complementar
240
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
123/2006, o Estatuto Nacional das Microempresas e Empresas de Pequeno Porte, onde
possuem um regime jurídico privilegiado e favorecido quanto ao seu tratamento em
comparação as empresas de porte superior. Na lição de Sílvio Luís Ferreira da Rocha:
“Os meios jurídicos de fomento atuam sobre a condição jurídica dos particulares
fomentados e consistem em situações de vantagens ou privilégios desse caráter,
que dão lugar a que o particular chegue a beneficiar-se pela utilização ou
emprego de meios jurídicos excepcionais”. (ROCHA, 2003, p. 37)
Por derradeiro, os meios econômicos, consistem no objetivo da administração
pública conceder vantagens de natureza patrimonial a inciativa privada que exerça
atividade que se deseja fomentar. Essas vantagens podem ser reais, fiscais, creditícios e
econômicos no sentido estrito. A primeira quando a Administração Pública cede o uso de
bens públicos aos particulares, na segunda, quando conferem isenções, imunidades
tributárias, redução de alíquotas, remissão, anistia, diferimentos e fixação de prazos
excepcionais para o recolhimento de tributos, na terceira, se conferem aos particulares
linhas de crédito ou financiamentos privilegiados ou subsidiados, e por último, quando se
conferem ajuda aos particulares por meio de subvenções ou auxílios.
3. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E O LIMITE À ATIVIDADE DE FOMENTO
3.1. A OBRA DO PROFESSOR CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO
A precisão com que o Professor Celso Antônio Bandeira de Mello trata em sua
obra, “O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade”, tem motivado inúmeros autores a
momentos de reflexão e análise correlacionados com diferentes áreas e temas jurídicos do
nosso ordenamento jurídico. Essa “grande obra” de conteúdo inigualável com quarenta e
oito páginas demonstra que a genialidade de um homem está na simplicidade com que
enxerga o mundo e sua habilidade em saber responder os questionamentos por ele
propostos.
O autor desvenda com precisão cirúrgica o princípio constitucional da isonomia,
ultrapassando os limites da técnica Aristotélica nos seus questionamentos: Se a igualdade
consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais,
241
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
“[...] quem são os iguais e quem são os desiguais?”; “[...] qual o critério
legitimamente manipulável – sem agravos à isonomia – que autoriza distinguir
pessoas e situações em grupos apartados para fins de tratamentos jurídicos
diversos?”; “[...] que espécie de igualdade veda e que tipo de desigualdade
faculta a discriminação de situações de pessoas, sem quebra e agressão aos
objetivos transfundidos no princípio da isonomia?” (MELLO C. A., 2011, p. 11)
Na busca pela resposta de tais questionamentos, o Professor Celso Antônio,
consegue estabelecer um delineamento lógico para a adequada interpretação ao princípio
da igualdade, consagrando a sua genialidade jurídica. Em resumidíssima síntese, sem
pretender distorcer a profundidade do tema estudado pelo Professor, a ideia de
compatibilidade do princípio da igualdade com o tratamento desigual deve ser fundado em
critério diferencial que não particularize de modo absoluto o indivíduo que será tratado de
forma peculiar, pois caso contrário, “corresponderia ou à imposição de um gravame
incidente sobre um só indivíduo ou atribuição de um benefício a uma única pessoa, sem
ensanchar sujeição ou oportunidade aos demais”. (MELLO C. A., 2011, p. 24)
O Professor na sua análise nos ensina que o critério diferencial dever ser inerente
à pessoa, à coisa ou à situação a que se pretende dar um tratamento diferenciado, ou seja,
“o que autoriza discriminar é a diferença que as coisas possuam em si e a correlação
entre o tratamento desequiparador e os dados diferenciais radicados nas coisas.”
(MELLO C. A., 2011, p. 34).
Sobre essa orientação, o aprendiz poderia chegar a uma conclusão precipitada de
que qualquer traço diferencial poderia ser invocado com motivo de ser de um tratamento
jurídico desigual. Isso não legitima que tal tratamento desigual seja válido à luz do
princípio da isonomia.
Para que o tratamento jurídico desigual seja compatível com o princípio da
isonomia, é necessária que seja proveniente uma decorrência lógica do fator de
diferenciação escolhido e exista a promoção de valores protegidos pelo texto
constitucional. Nas palavras do Professor Celso Antonio:
“As discriminações são recebidas como compatíveis com cláusula igualitária
apenas e tão somente quando existe um vínculo de correção lógica entre a
peculiaridade diferencial acolhida por residente no objeto e a desigualdade de
tratamento em função dela conferida, desde que tal correlação não seja
incompatível com interesses prestigiados na Constituição.” (MELLO C. A.,
2011, p. 17)
242
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Por isso, que entre o elemento eleito como fator de diferenciação e tratamento
jurídico administrativo deve haver uma correlação lógica, não sendo possível com o
princípio da igualdade que a discriminação se realize de forma fortuita ou arbitrária, pelo
contrário, deve se fundar na relação da relação de pertinência lógica com a diferenciação
que dele resulta. (MELLO C. A., 2011, pp. 38-39)
O Legislador inquinado pelos novos rumos trazidos por nossa Constituição
Federal achou por bem garantir às Micro e Pequenas Empresas, em razão da relevância
socioeconômica que apresentam um tratamento jurídico diferenciado, consignado sob duas
formas: a) norma-princípio (artigo 170, inciso IX), e b) norma constitucional programática
(artigo 179).
As Micro e Pequenas Empresas dependem desses discrímens legais que lhe são
concedidos para terem condições de concorrer com as médias e grandes empresas, tendo o
Estado, ciente de sua função administrativa de fomento ao desenvolvimento e tendo em
vista os ditames da Justiça Social e os princípios norteadores da Ordem Econômica, a
obrigação de lhes assegurarem tal tratamento.
Seguindo os ensinamentos do Professor Celso Antônio na sua obra, esse
tratamento jurídico discriminatório concedido às Micro e Pequenas Empresas guarda uma
lógica com o fator de diferenciação eleito, já que, a compatibilidade com o princípio da
isonomia, nesse caso, promove valores tutelados pela Constituição que servem de
parâmetro para aferir a legitimidade do regime jurídico diferenciado. No dizer do
Professor, aqui o que:
“[...] importa, consoante salientado, que haja correlação lógica entre o critério
desigualador e a desigualdade de tratamento” [...] “Sobre existir nexo lógico, é
mister que este retrate concretamente um bem – e não um desvalor – absorvido
no sistema normativo constitucional.” (MELLO C. A., 2011, p. 42)
Desta feita, não há que falar em desigualdade entre as Micro e Pequenas
Empresas em relação às empresas dos demais portes, pois o legislador constitucional
sabiamente vislumbrou que somente seria possível uma igualdade entre as empresas
quanto o tratamento às primeiras fossem de forma diferenciada e favorecida.
243
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
3.2. OS LIMITES À (DES)IGUALDADE NA ATIVIDADE DE FOMENTO
A Administração Pública quando na prática da atividade de fomento caminha
sobre uma linha divisória tênue entre atuar ou não atuar contra o princípio constitucional
da isonomia, entre praticar ou não a Justiça Social, ou mesmo, entre ultrapassar ou não os
limites dos princípios norteadores da Ordem Econômica.
A Atividade de Fomento oferece um campo vasto e fértil à produção de
desigualdades, marcada pela concessão de benefícios e vantagens aos particulares que
tenham um comportamento dentro do desejado pelo Estado, pois do contrário, por conta da
sua escolha em não desejar o tratamento especial, pode eventualmente ser prejudicial ao
desempenho da sua atividade empresarial.
Está aí o perigo de o Estado saber utilizar esse importante instrumento de forma
consciente, pois da mesma forma que pode privilegiar a Justiça Social diminuindo as
desigualdades, pode produzi-las e potencializá-las concentrando as vantagens e os
benefícios desproporcionais nas mãos de poucos ou para os “amigos do rei”. Eros Roberto
Grau sobre o comportamento do Estado alerta:
“A sedução à adesão ao comportamento sugerido é, todavia, extremamente
vigorosa, dado que os agentes econômicos por ela não tangidos passam a ocupar
posição desprivilegiada nos mercados. Seus concorrentes gozam, porque
aderiram a esse comportamento, de uma situação de donatário de determinado
bem (redução ou isenção de tributo, preferência à obtenção de crédito, subsídio,
v.g.), o que lhes confere melhores condições de participação naqueles
mercados.” (GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 2010, p.
149)
A atividade de fomento é essencialmente discriminatória, já que propõe dar
vantagens e benefícios a alguns particulares e não a todos, restando o questionamento: o
tratamento discriminatório ofende ao princípio da igualdade? Haveria desigualdade entre
tratamentos diferenciados considerando o porte das empresas?
Nos ensinamentos do Professor Celso Antônio, a Atividade de Fomento para
compatibilizar-se com o princípio da igualdade deve ser exercida de forma que as
vantagens e benefícios sejam disponibilizados apenas ao particular que efetivamente se
destacar, sendo possível a todos os que se destacarem pela prática da atividade tida como
necessária ao interesse do Estado e na satisfação do interesse público, e, além disso, a
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
concessão das vantagens e tratamento diferenciado voltado à promoção de valores
compatíveis com o texto constitucional.
Por isso, podemos dizer que o tratamento diferenciado e favorecido às Micro e
Pequenas Empresas enquanto norma constitucional prevista no artigo 170, inciso IX, não
ofende o princípio da igualdade quanto ao porte das empresas.
O grande risco ao princípio da igualdade são as vantagens e benefícios quando
distribuídos sem qualquer critério de razoabilidade e proporcionalidade que justifique o
tratamento diferenciado, ou mesmo, exclua não sendo possível a todos os que se
destacarem pela prática da atividade tenham o acesso.
Na primeira situação, os particulares beneficiados são escolhidos não porque se
distinguem dos demais pela sua atuação numa atividade cuja promoção é de interesse
coletivo como definido em lei, mas sim porque possui meios de exercer pressão política ou
mesmo pelo simples apadrinhamento político.
No Estado de Mato Grosso os incentivos fiscais quando originalmente criados na
gestão do então Governador Dante de Oliveira, particularizava-se a atividade produtiva que
o Estado desejava fomentar como os Programas de PRÓARROZ, PRÓCAFÉ,
PROALMAT, PRÓMINERAÇÃO e outros mais. A esse conjunto de programas
fomentadores deu-se o nome “Mato Grosso é Hora de Investir”. Esses programas partiam
da premissa que identificada uma cadeia produtiva que o Estado pretendia estimular a sua
verticalização, desde a produção primária até a produção acabada, renunciava parte
significativa da receita tributária (ICMS) na condição de o empresário na sua contrapartida,
ou melhor retribuição, demonstrasse o investimento realizado na atividade proporcional à
renuncia concedida.
Norberto Bobbio também identifica essa situação de retribuição empresarial na
sua obra “Dalla Struttura ala funzione” no trecho que faz referência:
“[...] às medidas indiretas, ao contrário, o comportamento não desejado ou
desejado continua sendo possível, mas se torna mais difícil ou mais fácil, ou,
então, uma vez praticado, é seguido por medidas que pretendem sua retribuição
ou reparação. (BOBBIO, 2007, p. 31)
Já quando na gestão seguinte à Governador, o empresário, Blairo Maggi,
estabeleceu não mais particularizar as atividades produtivas e estendeu indistintamente a
245
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todas as atividades produtivas, inclusive ao comércio dando o nome a esse Programa de
PRODEIC – Programa de Desenvolvimento Industrial e Comercial do Estado de Mato
Grosso tendo como critério subjetivo o percentual de renúncia fiscal e a aprovação pelo
Conselho de Desenvolvimento do Estado de Mato Grosso, composto por políticos e
representantes das Federações de Classes. Verdadeiras fortunas se formaram à custa da
evasão fiscal legalizada e da desigualdade social, a exemplo, do próprio Governador que
recebeu merecidamente o prêmio “Motosserra de Ouro” de um programa nacional de
humor e do atual prefeito de Cuiabá, o empresário, Mauro Mendes que em pouco mais de
cinco anos partiu de uma atividade microempresária de serralheria de fundo de quintal para
um patrimônio de milhões de reais. Registra-se Mauro Mendes foi presidente da FIEMT –
Federação das Indústrias no Estado de Mato Grosso e apadrinhado político do atual
Senador da República Blairo Maggi.
Por óbvio, que o princípio da igualdade na segunda gestão passa longe da sua
função constitucional da Justiça Social comparativamente a primeira gestão. Enquanto a
primeira
particulariza
para
estimular
somente
aqueles
setores
necessários
ao
desenvolvimento regional e cria critérios objetivos para a adesão ao incentivo, a segunda
generaliza e cria critérios subjetivos proporcionando desigualdades distributivas de renda,
social e regional contribuindo para um Estado endividado tanto no aspecto econômico
como no social.
Não se ignoram que muitas das subvenções são concedidas às organizações nãogovernamentais pela única razão de serem ligadas a grupos políticos que se encontram no
exercício do poder estatal, ou como vimos no exemplo apresentado, benefícios fiscais
outorgados a setores empresariais não porque sejam os mais necessitados ou que gerem
empregos e renda, mas infelizmente, porque são dotados de maior poderio de influência
política.
Essa configuração não é apresentada somente como um problema do Estado de
Mato Grosso, ou Nacional e sim é um fenômeno de preocupação Global, nas palavras de
Ariño Ortiz analisando a Espanha: “[...] las subvenciones generan um nuevo caciquismo,
practicado com dinero público.” (ORTIZ, 2004, pp. 370-371). O perigo do não controle da
atividade de fomento é a instituição do “Estado de Amiguismo”, onde somente os amigos
do rei tem acesso ao banquete.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
Na segunda situação de risco ao princípio da igualdade é a exclusão de alguns em
detrimento de outros da mesma particularização setorial, não sendo possível o acesso ao
fomento para todos os que se destacam pela prática ou atividade.
Isso pode ser identificado na Lei Complementar 123/2006, o Estatuto Geral da
Micro e Pequena Empresa, no seu artigo 17, em alguns incisos, quando proíbe o acesso ao
“Simples Nacional” de certas atividades que exerçam o transporte intermunicipal e
interestadual de passageiros; importadora ou fábrica de automóveis e motocicletas;
atividade de produção ou venda no atacado de cigarros, cigarrilhas, charutos, filtros para
cigarros, armas de fogo, munições e pólvoras, explosivos e detonantes; bebidas alcoólicas,
refrigerantes, inclusive águas saborizadas gaseificadas, preparações compostas, cervejas
sem álcool, prestadores de serviços de cessão ou locação de mão-de-obra, atividade de
consultoria, como destaque para nossa análise.
Não desejando aqui discutir quanto ao critério imposto pelo Estado Brasileiro para
criar o fator de discriminação dentro da própria lei discriminadora das Micro e Pequenas
Empresas, nos surpreende outra questão quanto ao acesso aos Juizados Especiais dessas
empresas descriminadas prevista no artigo 74. Alguns magistrados impõem a apresentação
de Certidão de Regularidade Fiscal da Receita Federal para acesso a essa Justiça
Especializada. Com todo respeito ao entendimento, me parece que existe um equívoco na
interpretação da norma. A condição de estar ou não no regime especial tributário ou no rol
de atividades empresárias discriminadas, ou mesmo, a inadimplência junto a Receita não
excluem a condição de Micro e Pequena Empresa prevista no artigo 3º, e por
consequência, o seu direito de acesso a essa Justiça Especializada.
Também podem ocorrer outros tratamentos discriminatórios em que se consiste na
medida do fomento outorgado em critérios lógicos, com base no traço diferenciado dos
beneficiados, mas com ofensa ao princípio da igualdade, em razão de valores
incompatíveis com o texto constitucional. Nas situações de, a concessão de benefícios
fiscais para determinado grupo de empresas que acabem por fim prejudicando a livre
concorrência prevista no artigo 170, IV da Constituição Federal, ou mesmo, a concessão de
financiamentos públicos subsidiados para fomentar operações societárias que produzam
como resultado a concentração de mercado, prejudicando os consumidores confrontando o
dispositivo constitucional do Artigo 170, V. Nas palavras conclusivas do Professor Celso
Antonio:
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
“[...] fica sublinhado que não basta a exigência de pressupostos fáticos diversos
para que a lei distinga situação sem ofensa à isonomia. Também não é suficiente
o poder-se arguir fundamento racional, pois não é qualquer fundamento lógico
que autoriza desequilibrar, mas tão-só aquele que se orienta na linha de
interesses prestigiados na ordenação jurídica máxima. Fora daí ocorrerá
incompatibilidade com o preceito igualitário.” (MELLO C. A., 2011, p. 43)
Isso significa que não basta existir a prática da atividade destacada tida como
necessária ao interesse do Estado e na satisfação do interesse público, bem como, previsão
constitucional ao favorecimento, mas também, a consonância da sua viabilidade com toda
a estrutura do ordenamento constitucional.
3.3. A DIMENSÃO DE SUJEIÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA
ATIVIDADE DE FOMENTO
A Administração Pública na margem da sua discricionariedade possui o poder de
utilizar ou não a Atividade de Fomento como forma de planejamento e realização dos seus
objetivos propostos pela sua gestão. O Professor Celso Antonio conceitua a
discricionariedade como:
“[...] a margem de “liberdade” que remanesça ao administrador para eleger,
segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois
comportamentos, cabíveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever
de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por
força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento,
dela não se possa extrair objetivamente uma solução unívoca para a situação
vertente.” (MELLO C. B., 2011, pp. 988-989)
Não é fácil determinar na discricionariedade do administrador público quando há
ou não a observância ao princípio da isonomia, porém é possível estabelecer limites e
alguns critérios para sua sujeição estabelecendo comportamentos que, caso observado,
poderá reduzir bastante os riscos apontados anteriormente.
Eros Roberto Grau sobre o planejamento não o considera como forma de
intervenção estatal, pois verdadeiramente não o é, mas necessário na identificação do fim
que se pretende. Nas palavras dele:
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“[...] note-se que tanto intervenção no quanto intervenção sobre o domínio
econômico podem ser praticadas ad hoc ou, alternativamente, de modo planejado
– mas, simplesmente, um método a qualificá-la, por torna-la sistematicamente
racional.” (GRAU, A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 2010, p. 150)
Mesmo havendo ou não o planejamento pela Administração Pública a realização
da intervenção estatal através das medidas de fomento primordialmente deve ocorrer no
privilégio do princípio da razoabilidade e da transparência. A definição de critérios
objetivos e claros a serem cumpridos pelos interessados a se candidatar ao fomento
apresentado pela Administração Pública é o primeiro passo para a obediência ao princípio
da isonomia. A ideia de fomentar o particular no exercício de qualquer que seja a
atividade, parte do cumprimento de uma finalidade de interesse geral, específica e
determinada. Nos ensinamentos do Professor Celso Antonio:
“[...] se fez menção aos elementos básicos que permitem localizar os confins da
discricionariedade. São os próprios pressupostos legais justificadores do ato, a
finalidade normativa – ainda que expressos mediante conceitos algo imprecisos –
e a causa do ato que determinam os limites da discrição.” (MELLO C. B., 2011,
p. 989)
A atividade fomentada possui antes de tudo uma finalidade que se deseja alcançar,
não pode estar perdida no tempo e no espaço sem qualquer objetivo ou causa a ser
alcançada. O fim que se destina o fomento também deve estar vinculado ao interesse geral,
pois se for interesse individual fere não só o princípio da isonomia como os próprios da
Administração Pública fixados no artigo 37 da Carta Magna. Silvio Luís Ferreira Rocha
nos explica que: “A atividade de fomento deve sempre buscar a incentivar ou preservar
uma atividade privada que satisfaça necessariamente um interesse geral. A atividade de
fomento que não persiga um fim de interesse geral, não é lícita.” (ROCHA, 2003, p. 31)
O interesse individual da média e grande empresa quanto ao auferir os lucros de
sua atividade é legítimo, porém esse não deve prejudicar os interesses da coletividade
sucumbidos pela concorrência de mercado. Por este motivo, o Legislador garantiu as Micro
e Pequenas Empresas tratamento diferenciado como forma de a sobrevivência dessas no
livre mercado e garantia a dignidade das gerações futuras, a estabilidade econômica e
social.
Os critérios para participação da atividade fomentada pela Administração Pública
devem ser objetivos e serão utilizados para escolha dos beneficiários. Pelo princípio da
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isonomia todos aqueles que atingirem as condições estabelecidas pela Administração
Pública devem ser beneficiados pela medida fomentadora. Caso isso não seja possível,
numa situação de escassez de recurso, a escolha deverá ser também na objetividade, mas
por um processo competitivo a luz da Lei 8.666/1993.
A licitação pública também pode ser um forte instrumento de fomento nas
políticas públicas, como o citado pela Mestra Aline Cristina Koladicz na sua dissertação de
conclusão de curso pela UNICURITIBA, ao relatar o Guia de Compras Públicas
Sustentáveis, promovido pela FGV – Fundação Getúlio Vargas, para “o atendimento das
necessidades por meio de uma compra que ofereça um maior número de benefícios ao
ambiente e à sociedade”:
“A licitação sustentável é uma solução para integrar considerações ambientais e
sociais em todos os estágios do processo da compra e contratação dos agentes
públicos (de governo) com o objetivo de reduzir impactos à saúde humana, ao
meio ambiente e aos direitos humanos. A licitação sustentável permite o
atendimento das necessidades específicas dos consumidores finais por meio da
compra do produto que oferece o maior número de benefícios para o ambiente e
a sociedade. A licitação sustentável é também conhecida como “compras
sustentáveis”, “eco aquisição”, “compras verdes”, “compra ambientalmente
amigável”, e “licitação positiva”. (KOLADICZ, 2009, pp. 107-108)
Além de tudo já falado, não podemos esquecer de que todos os atos
administrativos, há a exigência da observância ao princípio da isonomia para viabilizar a
atividade administrativa fomentadora. Essa obriga o administrador público a explicitar suas
razões motivadoras de fato e de direito que levaram a conceder tal vantagem ou benefício a
esse ou aquele particular. A motivação dificulta a concessão de vantagens arbitrárias sem a
razoabilidade e proporcionalidade.
4. MARCOS INSTITUCIONAIS DA ATIVIDADE DE FOMENTO ÀS MICRO E
PEQUENAS EMPRESAS NO BRASIL
A formulação e implementação de políticas para desenvolver a Atividade de
Fomento às Micro e Pequenas Empresas no Brasil é uma experiência recente. Durante o
século XX, a industrialização esteve fortemente baseada no Fomento do Estado ao
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desenvolvimento da estrutura produtiva das grandes empresas. As iniciativas de fomento
ao universo das empresas de menor porte constituíam um tema de menor agenda no
Governo Brasileiro.
Podemos destacar dois importantes marcos institucionais e legais que provocaram
o início de um processo de construção à atividade de fomento das Micro e Pequenas
Empresas. O primeiro foi a criação na década de setenta, de um Centro de Negócios para
as Micro e Pequenas Empresas que resultou depois no Serviço de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas –SEBRAE. O segundo foi a criação na década de noventa da primeira
legislação específica para o setor a Lei 9.317/1996 – Lei das Micro e Pequenas Empresas e
a Lei 9.841/1999 - Estatuto das Micro e Pequenas Empresas.
Estas legislações possuíam no seu cerne a Atividade Fomentadora do Estado
Brasileiro às Micro e Pequenas Empresas em cumprimento à determinação no texto
constitucional de 1988 dos artigos 149, 170, IX e 179.
Porém, o reconhecimento dos mecanismos de políticas e instrumentos ocorreu de
forma muito lenta causados por um período marcado por uma forte orientação de políticas
macroeconômicas, em detrimento de políticas industriais e tecnológicas, que dificultou a
implementação de políticas de fomento das Micro e Pequenas Empresas.
As Ausências dessas políticas são resultado de uma grande dificuldade para
incluir questões de fomento destinado a essa classe empresarial de menor porte na
planificação do Governo e também no âmbito de prioridades governamentais. Isso ocorria
a tal ponto que as Micro e Pequenas Empresas não eram um tema relevante da agenda
governamental e as políticas de apoio ocorriam fora do governo federal, com as atividades
do SEBRAE e das administrações estaduais e municipais.
Apesar das políticas de fomento não serem consideradas na agenda
governamental, na esfera executiva do governo federal, haviam visíveis ações e esforços de
alguns ministérios. Porém, não havia efetividade na aplicação das políticas, porque as
iniciativas colidiam com os objetivos das políticas macroeconômicas desenvolvidas nos
anos noventa.
Nesse cenário, os micro e pequenos empresários tinham enormes dificuldades
para financiar seus negócios e muitos optavam por fechar seus estabelecimentos e trabalhar
na informalidade. As restrições de ordem macroeconômica contribuíram para neutralizar
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 36 - Sustentabilidade Econômica e Social em Face à Ética e ao Direito
os esforços de uma implementação de políticas industriais e tecnológicas, bem como, a
reformulação de linhas de financiamento voltadas para às Micro e Pequenas Empresas.
Esse período caracteriza-se por uma relativa ausência de consenso na formulação
de políticas públicas com vistas à prioridade do fomento que deveria ser dada para estas
questões. O governo federal, sobretudo, priorizava as políticas de estabilização monetária,
desestatização, a privatização, a desregulamentação da economia, seguindo os preceitos
neoliberais dos anos noventa.
Ao final dessa década, as reformas geraram impactos negativos sobre diversos
segmentos econômicos e em especial nas Micro e Pequenas Empresas. Muitas ações
buscaram mitigar esses efeitos danosos como ações para aumentar o nível de produção e
emprego, eliminar o déficit da balança comercial e intensificação do ritmo das inovações
tecnológicas. Estas iniciativas foram de curta duração, pois as restrições macroeconômicas
tinham uma fraca articulação entre os distintos programas e os organismos responsáveis
pela sua execução.
A partir do primeiro Governo Lula (2003-2006) o cenário modifica-se e se
introduz importantes inciativas de fomento as Micro e Pequenas Empresas. Observa-se que
pela primeira vez, a política de fomento às Micro e Pequenas Empresas passa a ser parte da
estratégia mais ampla do Estado brasileiro, buscando ampliar o fomento da
competitividade da estrutura produtiva e o desenvolvimento regional do país.
A Lei Complementar 123/2006 que instituiu o Estatuto Nacional da
Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte e muitas outras inciativas foram
consolidadas e ampliadas ao longo do segundo Governo Lula (2007-2010), período que se
apresentou propício para impulsionar o plano de políticas industriais e de inovação com
uma perspectiva de desenvolvimento à longo prazo.
As perspectivas do governo Dilma que se apresenta na atual gestão, em grande
parte apresenta-se como uma extensão das diretrizes gerais que já vinham guiando a gestão
do Governo Lula. Enfatiza-se cada vez mais a relevância das Micro e Pequenas Empresas,
não só como geradoras de empregos e renda, mas também como elementos dinâmicos de
desenvolvimento do sistema produtivo, seja nas atividades tradicionais como em áreas
intensivas no conhecimento e alto conteúdo tecnológico.
Nesse último tempo não se têm indicado rumos muito diferentes na política de
fomento para as Micro e Pequenas Empresas. A opção tem sido a consolidação e
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ampliação das atividades fomentadoras com êxito recentes. Desta forma, se observa uma
contínuo esforço para estender a participação das Micro e Pequenas Empresas como
beneficiárias de linhas de financiamento, incentivos a inovação, programas de capacitação
e de fomento as exportações.
Um critério central do atual programa de governo é dar continuidade ao projeto de
desenvolvimento que assegure um grande e sustentável desenvolvimento na transformação
produtiva do Brasil. Nesse contexto, as Micro e Pequenas empresas sobressaem como
elemento impulsionador da economia. Tanto assim, que as diretrizes gerais destacam a
importância de conciliar desenvolvimento das grandes e médias empresas com das micro e
pequenas empresas e de fomentar o espírito empresarial.
A referência atribuída as Micro e Pequenas Empresas trazem consigo a discussão
a respeito da necessidade de promover mudanças no marco institucional de apoio. Disso se
desprende ao debate da pertinência da proposta de criação de um Ministério ou Secretaria
de Estado exclusivamente dedicada as Micro e Pequenas Empresas para a Atividade de
Fomento Estatal no cumprimento das políticas públicas.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enfim, após esse momento de estudo e análise da importância econômica do
instituto do “fomento” como instrumento de política pública do Estado com vista à
igualdade entre os portes das empresas e de estímulo ao micro e pequeno
empreendedorismo no Brasil, à luz da obra, “O Conteúdo Jurídico do Princípio da
Igualdade”, do Professor Doutor Celso Antônio Bandeira de Mello, apresentamos nossas
considerações.
1. O Estado Moderno a partir do século XVIII busca atuar no domínio econômico
com diferentes graus de intensidade. Na atualidade o Estado Social age de forma indireta,
demandando a participação da iniciativa privada na busca do bem comum. Isso é um
campo fértil para a promoção positiva e a prática da atividade de fomento pelo Estado. No
Brasil a nossa Constituição de 1988 mostra-se receptível a essa tendência.
2. A atividade de fomento não pode afastar as preocupações acerca dos limites
jurídicos de sua utilização, pois da mesma forma que pode ser considerada um importante
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instrumento para o desenvolvimento de políticas públicas, também pode produzir
desigualdades quando não observados pelo administrador público os princípios norteadores
da administração pública.
3. A atividade de fomento enseja a livre inciativa do particular em participar,
porém no momento que adere às vantagens fomentadas pelo Estado, cria uma
contraprestação que lhe impõe a observar certa conduta estabelecida.
4. As políticas públicas de fomento tem como destinatário o interesse público
devendo ser prevista em lei, pois do contrário é ilegítima, injustificável e discriminatória.
5. As Micro e Pequenas Empresa dependem da discriminação legal que lhe são
concedidas para terem condições de concorrer com as médias e grandes empresas, pois
dessa forma, o Estado cumpre mediante a atividade de fomento com o desenvolvimento
nos ditames da Justiça Social.
6. Na salva guarda dos ensinamentos do Professor Celso Antônio Bandeira de
Mello o tratamento jurídico discriminatório concedido às Micro e Pequenas Empresas
possui lógica como fator de diferenciação quanto ao porte e compatibilidade com o
princípio da igualdade.
7. A atividade de fomento é discriminatória na sua essência, porém não ofende o
princípio da isonomia quando oferecidas ao particular que se destacar, sendo possível a
todos os que se destacarem pela prática da atividade tida como interesse público, bem
como, as vantagens e tratamento à promoção de valores que sejam compatíveis com o
texto constitucional.
8. O interesse individual da média e grande empresa quanto ao auferir lucros de
sua atividade é legítimo, mas esse não deve prejudicar os interesses da coletividade pela
concorrência desproporcional com as Micro e Pequenas Empresas. Por esse motivo,
justifica o tratamento favorecido e diferenciado a sobrevivência dessas no livre mercado, a
dignidade das gerações futuras e a estabilidade econômica e social.
9. A administração pública na margem da sua discricionariedade não pode perder
de vista a observância do princípio da igualdade para viabilizar a atividade fomentadora
por meio de critérios objetivos, razoáveis e proporcionais aos motivos ensejadores.
10. O Estado brasileiro demorou em reagir e efetivar os mandamentos
constitucionais previstos nos artigos 170, IX e 179 da Carta Magna. A história da política
de fomento às Micro e Pequenas Empresas tem pouco mais de vinte anos de aplicação. No
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atual Governo as políticas públicas para as Micro e Pequenas Empresas tem concentrado
esforços na manutenção e na ampliação das atividades de fomento implementas pelo
Governo Lula. Isso nos traz a esperança pela continuidade do cumprimento da ordem
constitucional de fomentar a atividade empresarial nas Micro e Pequenas Empresas com o
objetivo da construção de uma sociedade livre, justa e solidária, que garante o
desenvolvimento nacional para erradicar a pobreza e a marginalização na busca da redução
das desigualdades sociais e regionais.
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