BINARISMO COLONIAL EM CHINUA ACHEBE

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BINARISMO COLONIAL EM CHINUA ACHEBE
BINARISMO COLONIAL EM CHINUA ACHEBE
Silvio Ruiz Paradiso*
RESUMO
A análise se debruçará sobre o conto em língua lnglesa The Sacrificial Egg, (1962) de
Chinua Achebe. Autor de origem nigeriana que é reconhecido por suas narrativas
nacionalistas e de resistência. O enfoque de nossa leitura dar-se-á no desvelamento
de dicotomias como: sujeito/objeto, margem/centro, dominante/dominado, colônia/
metrópole, feio/belo, paganismo/cristianismo etc., comum em Achebe. E é justamente
esse binarismo que será analisado no conto, já que nele todo permeia a divisão do
protagonista Julius Obi entre suas crenças nativas e a sua educação colonial.
Palavras-chave: Binarismo. Literatura Inglesa. Pós-Colonialismo.
Introdução
Toda análise literária pós-colonial baseia-se em elementos ora de violência, ataque,
invasão, domínio e supremacia ocidental do “Outro”/dominante, ou seja, do colonizador e
ora de identidade, resistência, revide, contra-argumentação, subversão, oposição e mímica do “outro” nativo/colonizado, objetificado, alienado, oprimido e dominado.
O binarismo é frequente nas relações (pós) coloniais, representado pelo grupo
ocidental, cristão, branco, patriarcal, como por exemplo, o soldado, o missionário, o
governante, o explorador, o aventureiro, o viajante e o político europeu e o também
pelo grupo oriental, pelo feminista, plurireligioso, multirracial como os hindus, aborígines, índios sul-americanos, africanos etc. Todos esses conceitos das narrativas, não
só as de Achebe, mas de outros autores advindos de ex-colônias, são dicotômicas,
apresentando-se através do maniquísmo europeu: sujeito/objeto, margem/centro,
dominante/dominado, etc. E é justamente este jogo de relações binárias que será
analisado em The Sacrifical Egg (1962), afinal, um conto híbrido, com personagens
híbridos, que revelam toda condição colonial. Para nossa análise, todas as citações
diretas do conto de Achebe tiveram tradução livre.
Autor e fábula
Chinua Achebe
Chinua Achebe é considerado o pai da ficção africana moderna, pois protagonizou uma nova geração de autores que manifestaram brilhantemente, em suas obras,
* Doutorando em Estudos Literários da Universidade Estadual de Londrina. Professor de Literaturas em
Língua Inglesa do centro Universitário de Maringá. E-mail: [email protected]
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lembranças de sua ancestralidade, cruzando a tradição oral africana com as questões
pós-modernas ocidentais.
Albert Chinualumogu Achebe nasceu em uma aldeia de Ogidi, na Nigéria, em
novembro de 1930. Filho de uma professora e um missionário, ambos convertidos ao
protestantismo, cresceu em um ambiente de mistura cultural: africana e inglesa.
Suas obras-primas foram sendo escritas quando a Nigéria ainda era colônia
britânica. Seus romances Things Fall Apart e No Longer at Ease contam a história da
destruição da cultura nigeriana pela colonização inglesa. Achebe recebeu vários prêmios por seu trabalho, incluindo o prêmio Commonwealth de poesia; o New Statesman Jock Campbell Prize; o prêmio Margaret Wrong; o troféu Nacional Nigeriano
em 1961; e o Nigerian National Merit Award. Em 2002, recebeu o Peace Prize of the
German Book Trade. Atualmente, vive nos Estados Unidos.
The Sacrificial Egg and Other Stories (1962)
Em The Sacrificial Egg (1962), Chinua Achebe apresenta o conflito entre a
tribo chamada Ibo e a ocidentalização da mesma, especificamente pela hegemonia
europeia. A narrativa foca a história de Julius Obi afetado indiretamente pela experiência com a ‘malévola’ entidade conhecida como Kitikpa, o deus da varíola, punindo a
população de Umuru e esvaziando o mercado popular conhecido como Nkwo. Este
jovem nativo africano, embora nascido na pequena vila se vê entre sua própria cultura,
as crenças nigerianas e a cultura colonizadora.
No conto, a pequena Vila de Umuru é “sitiada” pela cultura ocidental. Tal ocidentalização é mostrada no início do conto, quando percebemos a presença de objetos incoerentes para a população da vila: “Julius Obi sentado fitando a sua máquina de
escrever [...]. Havia um cesta vazia sobre uma gigantesca máquina de pesagem” (ACHEBE, 2004, p. 323, tradução nossa). O cesto vazio e a máquina inutilizada demostram a
incoerência de ‘civilizar’ a tribo de Umuru. São, metonímias do eurocentrismo que se
enraizou no local desde os primórdios da colonização.
O legado colonial britânico na Nigéria (1800-1960) focou a extensa subtração
de recursos naturais para a coroa inglesa. Cacau, óleo de palma, algodão, etc, foram
matérias primas cobiçadas. Todavia, o interesse na Nigéria cresceu quando se deu a
descoberta de petróleo em 1914. Deste ano até a independência em 1960, a ordem era
que todo tipo de óleo ou minério sob o território nigeriano, era propriedade legal do
império inglês (FALOLA; HEATON, 2008). Nestas cinco décadas, houve intenso tráfego de missionários, comerciantes e um deslocamento expressivo de nativos para estudos na metrópole, gerando intensos encontros entre ingleses e nativos.
O encontro cultural é uma característica muito comum nos textos de cunho póscolonial, e principalmente, nos de Chinua Achebe.
Binarismo cultural: hibridismo?
Todos os conceitos das narrativas pós-coloniais, não só as de Achebe são
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dicotômicas: sujeito/objeto, margem/centro, dominante/dominado, colônia/metrópole, feio/belo, etc. E é justamente esse binarismo que será analisado em “The Sacrifical
Egg” (1962), já que todo o conto permeia a divisão da personagem Julius Obi entre
suas crenças nativas e a educação colonial (África e Europa).
Quando falamos sobre binarismo logo, falamos também, de certa forma, sobre
hibridismo. Afinal, híbrido, é uma qualidade de tudo o que resulta de elementos de
natureza distinta. Se pensarmos em um sujeito vivendo num território binário, o resultado de sua personalidade, cultura e fé serão híbridas e sincréticas.
O binarismo dentro do texto reforça uma análise de construção da identidade
do indivíduo pós-colonial:
[...] binarismo vem orientando as aproximações do tema da
alteridade – evidenciado nas colocações sobre ‘o próprio’ e ‘o
estrangeiro’, ‘o eu’ e ‘o outro’, binarismo que serve precisamente para declarar a existência do originário em contraposição ao estrangeiro e que se repete a formulação que serviu para
construir o próprio conceito de identidade nacional (BORGES, 2003, p. 302).
Julius Obi é o protagonista do conto e seu nome nos revela o quão híbrido o
sujeito colonial pode ser. Julius é um nome derivado de Iulius, de origem latina, possivelmente derivada do grego éïõëïò (ioulos) “barba cerrada”, a próxima derivação do
nome ganhou um ‘J’ quando os romanos invadiram a saxônia (LEE, 2004). Assim, Julius
é um nome de origem europeia. Já Obi é um termo africano para ‘coração’ e nome dado
a uma das muitas formas religiosas africanas envolvendo ‘feitiçaria’, principalmente
na cultura igbo (AFIGBO, 1975).
Esse sujeito de nome híbrido vive em meio a um “mundo” no qual duas culturas opostas em ideologias, crenças e cultura lhe trazem questionamentos se é valido
ou não rejeitar seu passado étnico e vivenciar a nova vida colonizada.
Todo texto literário pós-colonial é híbrido por natureza, porque se constitui de
encontros culturais entre etnias diversas e, geralmente, opostas economicamente,
ideologicamente e tantos outros mentes; é um resultado da cultura do Outro (branca e
invasora) querendo sobrepor-se sobre a cultura do outro (não branca e invadida).
Também porque, na maioria das vezes, o autor pós-colonial é um também sujeito híbrido, miscigenado, traduzido, diaspórico, ´hifenado´, culturalmente modificado e que faz
questão de revelar isto em seus textos ou que simplesmente revela marcas de transculturação por ser fruto dela, mesmo que sem querer.
Esse choque de “duas ou mais culturas” opostas acaba gerando os binarismos
que são, na verdade, resultados inevitáveis deste clash cultural na zona de contato
que é a colônia ou ex-colônia e o império.
Mercado de Umuru versus a Companhia Européia de Exportação
Prezando pela tradição de ser “montado” todos os dias Nkwo, o mercado, é
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caracterizado por ser grandioso e populoso; maior do que os outros três Eke, Oye e
Afo. O mercado é baseado no escambo e comercializa produtos nativos: dendê, nozes
de cola, erva mate, cestarias, peixes defumados, mandioca, grãos e roupas. Percebemos então, uma marca do nacionalismo do autor, que elencou uma série de produtos
próprios da região. Todos os usuários do mercado, já sabem o que fazer, desde o
momento em que atracam suas canoas até a aquisição de iguarias como mai-mai. Por
outro lado, a companhia nigeriana trading é uma visão oposta do mercado local, pois
sua visão é totalmente capitalista e imperialista, visando o lucro em detrimento da
exploração de matéria prima local.
Enquanto todos os nativos já conhecem o esquema do mercado de Umuru, os
empregados da “European Trading Company” (ACHEBE, 2004, p. 324) dormem e se
perdem em meio da inutilidade de suas funções. Há uma crítica forte a suposta função
da companhia para a realidade e local, quando observamos o trecho:
Julius Obi sentado, observando sua máquina de escrever. O
gordo chefe Clerk, seu patrão, estava cochilando na mesa. Lá
fora, o porteiro, em seu uniforme verde, estava dormindo em
seu posto. […] havia um cesto vazio sobre uma grande máquina
de pesagem (ACHEBE, 2004, p. 323, tradução nossa, grifos
nossos).
Gazing (observando), sleeping (dormindo) e snoring (cochilando) são verbos que demonstram a passividade da situação dos empregados da companhia. O
gerúndio é uma marca que evidencia a prolongação que tais situações acontecem e
comprovada pelo trecho “no customer had passed through the gate for nearly a week”
(ACHEBE, 2004, p. 323).
Mas tanto a cesta vazia e quanto a inutilidade da máquina na tribo é o ápice da
crítica nesse primeiro parágrafo do texto de Achebe. Afinal, por que a população de
Umuru, os ibos, e outros nativos considerariam melhor a comercialização pela trading
europeia, ao invés do já tradicional escambo no mercado Nkwo? O resultado é uma
ausência de notas fiscais, consultas, burocracias e consequentemente, uma tentativa
de repressão à aculturação inglesa e revalorização do comércio local.
Exchange of goods versus trade for money
Escambo ou troca direta consiste na troca de bens por outros bens consoantes
a necessidade dos proprietários, especialmente quando não existia a moeda corrente
local. Inicialmente, o homem produzia tudo de que necessitasse em sua terra, o que
excedia trocava com aqueles que produziam o que ele não tinha, entendido como o
início de um comércio.
Esse meio era comum na África que já comercializava muito antes da colonização portuguesa, francesa e britânica. Com a chegada dos colonizadores e sua ideologia capitalista, a troca de mercadorias passa ao comércio de lucro. Afinal, como cita
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Boaventura de Souza Santos, o capitalismo dentro do colonialismo inglês foi uma
dupla que deu muito certo, diferente de outros povos colonizadores:
Assim, enquanto o Império Britânico entrou num equilíbrio dinâmico entre Colonialismo e Capitalismo, o Português assentou
num desequilíbrio, igualmente dinâmico, entre um excesso de colonialismo e um déficit de capitalismo (SANTOS, 2004, p. 20).
Com a colonização, a venda e a compra se disseminaram no mercado de Umuru,
trazendo uma incoerente cultura para aquele momento e local, pois com os ingleses o
mercado tornou-se diferente de outrora, impondo valores de venda e compra aos
produtos da região: “[...] all powerful European trading company which bought palm
kernels at its own price and sold cloth and metalware, also its own price” (ACHEBE,
2004, p. 324). Além de trazer sujeira, super população, miséria, doença e medo:
Mas o progresso havia se transformado em um movimentado,
lotado e sujo porto fluvial, uma terra de ninguém, onde estranhos ultrapassaram de longe os filhos da terra [...]. A barriga não
enche apenas com alimentos e bebidas, mas também por uma
doença abominável, que acabaria por retirar o doente para fora
de sua casa, antes mesmo que estivesse completamente morto
(ACHEBE, 2004, p.325, tradução nossa).
Educação da Metrópole (Julius) versus Educação da Colônia (Ma)
O conflito entre o crer e o não crer no folclore local esta presente em Julius por
causa de sua educação tipicamente colonial. Diferente da educação que tivera Ma,
Julius possui o “Standard Six”, isto é, um certificado que atesta a conclusão da educação primária.
Contudo, quando nos referimos que Julius é “educado” e Ma não é, estamos
referindo sobre a educação colonial que ele tivera. “Forçado” a assimilar as tradições
e cultura dos colonizadores, Julius sobrepôs à sua ideologia outros elementos e sistemas do conhecimento; é como se Julius tivesse um conhecimento científico baseado
nas ideologias europeias e Ma o senso comum do dia-a-dia de ambientes afastados,
como é o caso de Umuru. O objetivo de levar colonizados para estudar na metrópole é
clara: desculturar e aculturar.
Com a colonização muitos africanos, como o caso de Julius, em posse do certificado “Standard Six”, veem uma oportunidade de trabalho como funcionários nas
empresas britânicas. No caso de Julius, sua “educação” britânica também abriu ‘portas britânicas’ na companhia de exportação de óleo de palma: “ Às vezes, quando o
chefe Clerk estava fora, ele [Julius Obi] andava até à janela e olhava para baixo , sobre
o vasto formigueiro humano” (ACHEBE, 2004, p. 323, tradução nossa).
Julius cria por alguns momentos a mimicry (BHABHA, 1998), onde assume o
papel do opressor, uma inversão momentânea com finalidade subversiva. Bhabha
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observa que “é sempre em relação ao lugar do Outro que o desejo colonial é articulado” e que determinados espaços permitem “o sonho da inversão dos papéis” (BHABHA, 1998, p. 76).
Tomando conta do escritório, e observando os nativos lá de cima, oprimindoos inconscientemente com a visão panoptica – o panopticismo em contos pós-coloniais, reforçam as estratégias do imperialismo em objetificar a população local, inferiorizando-os com apenas o olhar (PARADISO; BARZOTTO, 2007).
O indivíduo muitas vezes, adere à educação colonial de próprio consentimento,
mas este não sabe que o cunho ideológico da educação colonial é muito mais político
do que pedagógico. A escola europeia quando ensina o estrangeiro, visa formar um
cidadão alienado que deve esquecer sua cultura subjetiva, mergulhada em crendices e
lendas, para adentrar a cultura “lógica” do velho mundo. O formar cidadão torna-se o
formar um cidadão obediente aos ideais ingleses e submissos a hegemonia europeia.
Assim, o sistema educacional que Julius obtivera, serviu de fundo para o controle dos ingleses não só das terras de Umuru, mas do pensar, crer, criticar e assimilar:
“Na prática, todos colonizadores acreditavam que a educação era importante para
facilitar o processo de assimilação. A implantação do sistema educacional deixava os
colonizados sem identidade e sem passado”. O autor ainda comenta:
Já Ma é vista como um indivíduo ‘sem educação’, repleta de
crendices que de certa forma, atrapalham o comércio britânico
na região. Apesar de Má ser uma convertida cristã, isto é, ter
sido também educada num ideal teológico acerca da superioridade europeia, suas fortes raízes não anulam as crenças tribais, ao
contrário, reforçam-nas utilizando para isso uma espécie de
sincretismo (BONICCI, 2005, p. 25).
Academicismo inglês versus Superstição africana
Ma, uma devota cristã convertida, é sincrética, dando-nos a percepção que a
religião no contexto colonial é híbrida por natureza, não existindo o “estado puro” de
uma crença, pois mesmo sendo agora, uma cristã, Ma admite a existência e o perigo dos
deuses nativos.
A sincrética devota cristã convertida, nos dá a percepção que a religião no
contexto colonial é hibrida por natureza, não existindo o “estado puro” de nenhuma
crença, a partir do encontro colonial. Ma mesmo sendo agora cristianizada, admite a
existência e o perigo dos deuses nativos – ela possui o que Boff avalia como uma alma
naturaliter syncretist (1994, p. 158).
Também chamado de hibridismo religioso, o sincretismo é a tentativa de conciliar crenças díspares ou mesmo opostas. Do grego sygkretismós, originalmente “coalização dos cretenses”, o sincretismo é a reunião de ideias ou de teses de origens
disparatadas; amálgama de doutrinas ou concepções heterogêneas (LUFT, 1995, p.
608). Na história das religiões, o sincretismo é uma fusão de concepções religiosas
diferentes ou a influência exercida por uma religião nas práticas de uma outra.
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Esse fenômeno é tradicionalmente observado nas (ex) colônias africanas, onde
há influência de crenças tradicionais (tribais), mesclando-se com a religião dos colonizadores, no caso, a cristã (Católica ou Protestante). Na Nigéria observamos varias
nuances de crenças oriundas do contato entre o tribalismo local, o islã, o judaísmo
negro, as crenças nagôs, o cristianismo, entre outras.
A crítica presente nesse jogo de crer ou não crer, reforça os ideais tradicionais
e étnicos a qual Achebe acredita. Afinal, mesmo convertida - “Ma era uma devota
cristã convertida […]”( ACHEBE, 2004, 326, tradução nossa), recebendo uma cultura
teológica diferente, aprendendo que ‘agora’, existe apenas um Deus branco, eurocêntrico, monocultural e patriarcal, Ma ainda resiste em negar suas divindades negras:
“’Vocês devem ficar em seus quartos’ disse ela em tom baixo, pois Kitkpa proibiu
severamente qualquer barulho ou ruído. ‘Você nunca sabe o que se pode encontrar
nas’” (ACHEBE, 2004, p. 326, tradução nossa ).
Negar a religião local é renegar a cultura local, tanto que a situação de Julius em
querer andar nas ruas do mercado, como se nada de sobrenatural ali teria é uma maneira inconsciente do sujeito colonial alienado, por em prática o plano psíquico do império, isto é, rebaixar a cultura dominada. Nas palavras de Fernandes (1958, p. 39) o crer
é manter: “A herança cultural religiosa constitui o principal núcleo de defesa e de
preservação das culturas originais [...]”. Para os igbos há uma forte crença no poder e
culto aos antepassados, colaborando á ideia de nacionalismo e resgate da identidade
– suas superstições são suas raízes.
A partir disso, percebe-se que o racionalismo de Julius é uma atitude antinacionalista, muito além dos conhecimentos científico adquiridos na Europa. É antes de
tudo, uma estratégia de imposição cultural, pois a crença Ibo, baseia-se no culto aos
antepassados, logo, aos pais da terra, aos verdadeiros donos de Umuru. Enquanto
Julius resiste a perpetuação do folclore a fim de favorecer “inconscientemente” a cultura
Inglesa, Ma “aceita” o Deus judaico-cristão, mas não renega os deuses locais, pondo em
xeque o que é mais importante no discurso colonial - aceitar o ideal do dominador a fim de
sobreviver em um ambiente hostil ou criar suas próprias regras de fé a fim de confundir
o mesmo dominador, sobrevivendo e sem renegar suas raízes?. “[...] os jovens filhos e
filhas das terras de Umuru […] Eles negligenciaram todas as antigas tarefas e mantêm
apenas os seus folguedos”. (ACHBE, 2004, p. 326, tradução nossa)
Se a razão europeia é uma força contrária a superstição local, o autor nos
trechos finais do conto dá ao protagonista uma experiência sobrenatural, desfazendo
alguma resistência pela religiosidade de Umuru:
Ele se estremeceu todo. Os sons vieram por de baixo dele, quase
pressionando sua cara no solo úmido. E agora ele poderia ouvir
os passos. Era como se vinte maléficos homens estivessem juntos. O suor do pânico se dissipou sobre ele e o impedia de se
levantar. Felizmente manteve se firme... Logo, toda a comoção
no ar e na terra o trovão e a chuva torrencial, o terremoto e
inundação – passaram e desapareceram na distância no outro
lado da estrada (ACHEBE, 2004, p. 327, tradução nossa).
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Enfim, Julius recebeu o ultimato – aquela terra úmida, no qual seu rosto tocou tem
dono, crença, e um poder além das baionetas inglesas, um poder binário e sobrenatural.
Considerações finais
Concluímos que na narrativa, The Sacrificial Egg, há uma forte presença da
descolonização, permeando o texto em forma de binarismos.
Os binarismos são as ambivalências que deflagram os dois lados de uma mesma moeda. Assim, vimos alguns binarismos, antíteses e paradoxos que comprovam
esse mundo dividido em dois, no texto de Achebe, mundo este representando Inglaterra (colonizadora) e a Nigéria (colonizada). Essas relações dicotômicas nos revelaram o hibridismo do texto pós-colonial, refletindo no setting e nas personagens; não
há frase mais ambígua, ambivalente, paradoxal do que a de Ma, quando diz que somente pelo poder de Jeová tudo aquilo iria acabar,aquilo no caso, seria a ação de Kitkpa, o
deus da varíola. Através dos binarismos Achebe mostra a constante visão de inferioridade a qual o Império britânico reconhece nos povos colonizados, seja através da
superioridade de língua (Inglês/Ibo), sistema corporativo (escambo/compra e venda)
ou teológico (Jeová/ Kitikpa).
Concluímos que Achebe é, sem dúvida, um dos grandes autores pós-coloniais que
se utiliza dos elementos dicotomicos (binarismos) para fazer de seu conto um elemento
de contra-ataque a hegemonia europeia, tão próprios das narrativas de resistência.
ABSTRACT
COLONIAL BINARISM IN CHINUAACHEBE
The analysis is on the short story The Sacrificial Egg in English Language, (1962) by
Chinua Achebe. This Nigerian author is renowned by his nationalistic and resistance
narratives. The focus of our reading will be on the unveiling of dichotomies such as:
subject/object, margin/center, dominant/dominated, colony/metropolis, ugly/beautiful,
Pagan/Christian etc., common in Achebe’s. Thus, these binaries will be analyzed on
the short story, which permeates the entire division of the protagonist Julius Obi
between his native beliefs and his colonial education.
Keywords: Binarism. English Literature. Post colonialism.
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