Protozoários planctônicos

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Protozoários planctônicos
2007
Relatório Anual / PELD
A Planície Alagáveldo Alto Rio
Paraná - Sítio 6
Pesquisas Ecológicas
de Longa Duração
PELD
Capítulo 5
Protozoários planctônicos
Introdução
Na planície de inundação do alto rio Paraná, estudos sobre a biodiversidade e
diferentes aspectos da ecologia de diversas comunidades aquáticas, incluindo
as comunidades planctônicas, têm sido realizados ao longo de vários anos
(Thomaz et al., 2004). No entanto, assim como observado, em geral, para a
região neotropical, investigações sobre a biodiversidade e ecologia de
comunidades de protozoários planctônicos são ainda escassos.
Até a década de setenta, do século passaado, acreditava-se que o papel dos
microorganismos no metabolismo dos ecossistemas aquáticos se dava
predominantemente na decomposição da matéria orgânica e que a maior parte
do fluxo de matéria e energia nos ecossistemas aquáticos seguia através da
cadeia trófica de pastagem fitoplâncton-zooplâncton.
Entretanto, a partir do paradigma do elo microbiano, que propõe uma série de
níveis tróficos microbianos adicionais, incorporados à cadeia alimentar
pelágica, formando uma via alternativa de transferência de energia para os
níveis tróficos mais elevados (Pomeroy, 1974; Azam et al., 1983), uma série de
estudos, evidenciando o relevante papel de bactérias e protozoários no
metabolismo destes ecossistemas, bem como a importância do fluxo de energia
via cadeia microbiana planctônica, foram impulsionados.
A despeito da escassez de estudos sobre protozoários planctônicos, estes
organismos são fundamentais para a dinâmica dos ecossistemas aquáticos,
alcançando altas densidades populacionais, e desempenhando importante papel
no metabolismo aquático (Gomes, 2003). Os protozoários se destacam por
apresentar pequeno tamanho e elevadas taxas metabólicas (Fenchel, 1982),
conferindo-lhes uma importante participação na rápida ciclagem dos
nutrientes, na mineralização de compostos orgânicos e na produção e
transferência da matéria orgânica em ambientes aquáticos (Pomeroy, 1974;
Azam et al.,1983).
No presente relatório, são apresentados os resultados relativos às comunidades
de protozoários planctônicos, obtidos em amostras tomadas em diferentes
ambientes da planície de inundação do alto rio Paraná (Peld – Sítio 6).
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Considerando-se que as amostragens sobre os protozoários planctônicos (ciliados
e flagelados) no programa Peld, iniciaram-se apenas em 2007, os resultados aqui
apresentados são ainda preliminares.
Neste sentido, os objetivos dos estudos sobre os protozoários planctônicos na planície
de inundação do alto rio Paraná são: i) investigar os padrões de distribuição espacial e
temporal da abundância destes organismos; ii) investigar a contribuição relativa de
flagelados autotróficos e heterotróficos, em diferentes fases do ciclo sazonal ; iii)
investigar os padrões espaciais e temporais da riqueza de espécies, diversidade e
composição de protozoários ciliados; iv) contribuir para o conhecimento sobre a
ecologia de protozoários planctônicos em sistemas de planícies de inundação,
especificamente, e no Brasil, em geral; v) contribuir para o incremento no conhecimento
da biodiversidade e distribuição de protozoários em território brasileiro.
Material e métodos
Amostragem
As amostras de protozoários planctônicos foram tomadas com auxílio de garrafa de
Van Dorn, em tréplica, à sub-superfície de 12 ambientes: 3 rios (rio Paraná, rio Baía e
rio Ivinheima), 3 canais (canal Cortado, canal Curutuba e canal Ipoitâ), 3 lagoas abertas
(Lagoa das Garças, lagoa do Guaraná e Lagoa dos Patos) e em 3 lagoas fechadas (lagoa
do Osmar, lagoa Fechada e lagoa Ventura). Foram coletados 2 L de água, por amostra,
para a análise de ciliados e 500 mL de água para as análises de protozoários flagelados.
As amostras de flagelados foram fixadas com solução fixadora composta de
formaldeído, lugol alcalino e tiosulfato (Sherr & Sherr, 1995). As amostras de
ciliados foram mantidas vivas até a contagem dos organismos.
Análise em laboratório
Flagelados autotróficos e heterotróficos
A estimativa da densidade e biomassa da comunidade de nanoflagelados foi
realizada a partir da filtragem de sub-amostras entre 5 e 10 mL de água em filtro
preto previamente coradas com Dapi, sendo as contagens relaizadas em
microscópio de epifluorescência .
Posteriormente às contagens, indivíduos foram medidos com auxílio de oculares
micrométricas, com o objetivo de determinar o volume celular, através das
dimensões celulares e formas geométricas aproximadas (Wetzel & Likens, 1991), e
o conteúdo de carbono (Fenchel,1982).
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Protozoários ciliados
Depois de transportado ao laboratório, o material amostrado foi concentrado,
seguindo o princípio de sedimentação e sifonamento, e contados, in vivo, sob
microscópio óptico em aumento de 100 X.
Todas as espécies encontradas tiveram suas imagens capturadas e,
posteriormente, foram realizadas medidas das dimensões celulares dos
organismos para estimativa do biovolume celular (Wetzel & Likens, 1991) e
biomassa da comunidade de ciliados (Weisse, 1991).
Os ciliados foram identificados utilizando-se como bibliografia especializada
Corliss, 1979; Dragesco & Dragesco-Kernéis, 1986; Foissner et al., 1991; Patterson,
1992; Foissner et al., 1992; Foissner et al., 1994; Foissner et al., 1995; Foissner &
Berger, 1996; Foissner et al., 1999.
Resultados e discussão
Protozoários flagelados
Densidade
Os valores de densidade da fração autotrófica da comunidade de protozoários
flagelados variaram entre 0, 03 x 102 e 10,2 x 102 cels.mL-1 nos rios, 0, 42 x 102 e
7,18 x 102 cels.mL-1 nas lagoas abertas, 0,28 x102 e 7,9 x 102 cels.mL-1 nas lagoas
fechadas e 0,15 x 102 e 2,15 x 102 cels.mL-1 nos canais. Considerando-se o padrão
espacial observado, maiores valores de densidade de protozoários flagelados
autotróficos foram registrados nos ambientes lênticos, ou seja, nas lagoas com e
sem comunicação com o rio principal.
Em relação à fração heterotrófica, os valores variaram entre 1,7 x 102 e 15,8 x 102
cels.mL-1 nos rios, 0,41 x 102 e 13 x 102 cels.mL-1 nas lagoas abertas, 3,1 x 102 e
8,62 x 102 cels.mL-1 na lagoas fechadas e 0,78 e 7,3 x 10-2 cels.mL-1 nos canais.
Tendo em vista a forte influência da hidrodinâmica sobre as comunidades
planctônicas, diferente do observado para a fração autotrófica, os resultados
obtidos para a fração heterotrófica de flagelados contrariam a expectativa de se
registrar um maior numero de indivíduos nos ambientes lênticos, sendo os
maiores valores de densidade registrados nos rios, seguidos pelas lagoas fechadas
(Figura 1). Por outro lado, menores valores de densidade foram também
observados em ambientes com características lóticos, os canais (Figura 1).
Considerando-se que maiores valores de abundância bacteriana foram também
observados para os rios, esses resultados preliminares sugerem que a fração
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autotrófica é fortemente influenciada pela hidrodinâmica do ambiente,
enquanto que a fração heterotrófica, principais consumidores de bactérias, é
fortemente influenciada pela abundância destes microorganismos. Apesar dos
padrões de distribuição espacial da densidade observados, os resultados de uma
ANOVA não evidenciaram, para ambas as frações, diferenças significativas entre
os diferentes ambientes estudados. De certa forma, esta ausência de diferenças
significativas de densidade de flagelados entre os diferentes tipos de ambiente
seria esperada, tendo em vista a hipótese do efeito homegeinizador do pulso
de inundação (Thomaz et al., 2007), claramente evidenciada pelos resultados
obtidos para protozoários ciliados (neste mesmo capítulo).
Em relação às diferentes frações, auto e heterotrófica, os resultados obtidos
para o período de águas altas (o único analisado até o momento) evidenciaram
um predomínio da fração heterotrófica em todos os tipos de ambientes
estudados (Figura 1). Embora pesquisas realizadas em ambientes dulcícolas
tenham evidenciado o predomínio das frações autotróficas independentemente
do estado trófico dos ambientes (Samuelson, 2002; Samuelson, 2006), os
resultados aqui obtidos parecem corroborar, a princípio, o proposto por Thomaz
et al. (1991), que propõem o predomínio da fase heterotrófica na maior parte
do período de cheia, enquanto que uma fase autotrófica prevalece durante o
período de seca.
8,0
7,5
Autotrófica
He te rotrófica
7,0
cels.ml-1 (log)
6,5
6,0
5,5
5,0
4,5
4,0
3,5
3,0
Rio
L. Aberta
L. Fechada
Canal
Ambie nte
Figura 1: Variação da densidade de nanoflagelados pigmentados e heterotróficos em diferentes
ambientes da Planície de Inundação do alto rio Paraná no período de cheias. Os
dados mostrados são a media ± erro padrão.
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Biomassa
Os valores registrados para a fração autotrófica variaram entre 0,2 e 83 ì g C.L1
nos rios, 0,2 e 9,2 ì gC.L-1 nas lagoas abertas, 0,4 e 15 ì gC.L-1 nas lagoas
fechadas e 0,1 e 8,4 ì gC.L-1 nos canais. Em geral, maiores valores de biomassa
de flagelados autotróficos foram também observados para os rios e para as
lagoas, enquanto que os menores valores foram observados nos canais.
Entretanto, para esta fração, diferenças significativas não foram observadas
entre os diferentes tipos de ambientes (Figura 2).
2,6
2,4
Autotrófica
Heterotrófica
ugCarb.L -1 (log)
2,2
2,0
1,8
1,6
1,4
1,2
1,0
0,8
0,6
Rio
L. Aberta
L. Fechada
Canal
Ambiente
Figura 2: Variação da biomassa de nanoflagelados pigmentados e heterotróficos em diferentes
ambientes da Planície de Inundação do alto rio Paraná no período de cheias. Os
dados mostrados são a media ± erro padrão.
Em relação à fração heterotrófica, os valores registrados entre os diferentes
ambientes variaram entre 0,5 e 15 ì gC.L-1 nos rios, entre 0,2 e 4 ì gC.L-1 nas
lagoas abertas, entre 3 e 66 ì gC.L-1 nas lagoas fechadas e entre 0,2 e 6 ì gC.L-1
nos canais. Como o observado para a densidade da fração heterotrófica, bem
como para a biomassa da fração autotrófica, maiores valores de biomassa de
flagelados heterotróficos foram registrados nas lagoas fechadas e no rios, e os
menores valores, nos canais. Entretanto, para a biomassa de flagelados
heterotróficos, as diferenças observadas entre os diferentes ambientes foram
significativas de acordo com os resultados de uma Anova.
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Protozoários ciliados
Composição de espécies
Foram registradas 61 espécies de ciliados nos dois períodos amostrados (tabela
1), com um maior número registrado no período de cheia. Neste sentido, 18
espécies ocorreram apenas no período de cheia e 11 estiveram presentes somente
no período seco. A grande maioria das espécies exclusivas de um ou outro período
não são euplanctônicas, ou seja, não são comumente encontradas na coluna de
água, a menos que haja material orgânico alóctone ou proveniente da região
litorânea disponível na região pelágica do ambiente. Dessa forma, parece plausível
a ocorrência de um maior número destas espécies de ciliados não
verdadeiramente planctônicos no período de cheia.
Analisando-se separadamente as lagoas (abertas e fechadas) de rios e canais,
observou-se que um grande número de espécies ocorreu somente nos ambientes
lênticos, 14 no total, enquanto que seis espécies foram exclusivas dos ambientes
lóticos. Isto parece estar relacionado com a maior estabilidade dos ambientes
lênticos em relação ao fluxo de água, além da maior influência da procta de
ciliados associados à região litorânea no compartimento planctônico de ambiente
lênticos, tendo em vista a maior abundância de macrófitas aquáticas nas lagoas
quando comparada com a dos rios.
Um total de sete espécies foi registrado em todos os tipos de ambiente, em ambos
os períodos, sendo que, com exceção de Cyclidium heptatricum, todas são
euplanctônicas, o que pode explicar o fato de estarem presentes tanto em
ambientes lênticos quanto lóticos, além de não serem afetadas de forma
significativa pelo regime pluvial a ponto de desaparecerem completamente do
ambiente.
Tabela 1: Ocorrência das espécies de ciliados planctônicos nos diferentes tipos de ambientes
e períodos estudados, na planície de inundação do alto rio Paraná (R = rios, C =
canais; La = lagoas abertas; Lf = lagoas fechadas).
Cheia
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Ordens
Espécies
COLPODIDA
Colpoda steinii
Cyrtolophosis mucicola
GYMNOSTOMATIDA
Actinobolina sp.
Askenasia volvox
Lacrymaria olor
Lagynophrya acuminata
Mesodinium pulex
Paradileptus ellephantinus
Spathidium sp.
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/ Tipo de ambiente
Seca
R
C
La
Lf
R
C
La
Lf
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
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Tabela 1: (conclusão)
Cheia
Ordens
Espécies
/ Tipo de ambiente
HETEROTRICHIDA
Spirostomum minus
Stentor muelleri
Stentor niger
Stentor roeselii
HYMENOSTOMATIDA
Dexiotricha granulosa
Disematostoma buetschilii
Frontonia acuminata
Frontonia atra
Lembadion lucens
Paramecium bursaria
Pleuronema cf. smalli
Stokesia vernalis
Tetrahymena pyriformis
R
C
Seca
La
Lf
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
Loxodes magnus
x
x
OLIGOTRICHIDA
Codonella cratera
Halteria grandinella
Limnostrombidium sp.
Rimostrombidium humile
Rimostrombidium lacustris
Tintinnidium fluviatile
Tintinnidium sp.
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
PLEUROSTOMATIDA
PROSTOMATIDA
SCUTICOCILIATIDA
Lf
x
x
KARIORELICTIDA
PERITRICHIDA
La
x
x
x
Campanella umbellaria
Epicarchesium pectinatum
Epistylis coronata
Epistylis pygmauem
Opercularia nutans
Pseudovorticella chlamydophora
Vorticella aquadulcis
Vorticella campanula
C
x
Aspidisca cicada
Aspidisca lynceus
Holosticha monilata
Oxytricha sp.
Stichotricha aculeata
HYPOTRICHIDA
R
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
Litonotus lamella
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
Balanion planctonicum
Bursellopsis sp.
Bursellopsis spumosa
Coleps elongatus
Coleps hirtus
Coleps sp.
Enchelys sp.
Holophrya discolor
Holophrya ovum
Holophrya teres
Urotricha farcta
Urotricha sp.
x
x
x
x
x
x
x
Calyptotricha lanuginosa
Cinetochilum margaritaceum
Ctedoctema acanthocryptum
Cyclidium glaucoma
Cyclidium heptatricum
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
x
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As espécies de ciliados registradas na planície de inundação do alto rio Paraná
pertencem a 11 ordens, sendo Prostomatida a mais especiosa (12 espécies), seguida
por Hymenostomatida (9 espécies) e Peritrichida (8 espécies), além de Oligotrichida
e Gymnostomatida com sete espécies cada (Figura 3). Segundo Fenchel (1982), os
Oligotrichida frequentemente constituem o grupo mais diverso entre os ciliados
de ambientes lacustres. O predomínio de Prostomatida e Hymenostomatida
registrado para a planície de inundação do alto rio Paraná sugere uma forte
influência da região litorânea sobre a composição de espécies no compartimento
pelágico desses ambientes.
KARYORELICTIDA
PLEUROSTOMATIDA
COLPODIDA
Ordens
HETEROTRICHIDA
HYPOTRICHIDA
SCUTICOCILIATIDA
GYMNOSTOMATIDA
OLIGOTRICHIDA
PERITRICHIDA
HYMENOSTOMATIDA
PROSTOMATIDA
0
2
4
6
8
10
12
14
Número de espécies
Figura 3: Número de espécies registrado por ordem de ciliados nos diferentes tipos de ambiente
e períodos estudados na planície de inundação do alto rio Paraná.
Analisando a alteração na composição das espécies entre os períodos amostrados
e entre os ambientes lóticos e lênticos, observa-se que a ordem com menor variação
na presença de espécies foi Oligotrichida. Além disso, quatro das sete espécies que
ocorreram em todos os tipos de ambiente, em ambos os períodos
(Limnostrombidium sp., Rimostrombidium humile, R. lacustris e Tintinnidium
sp.), pertencem a esta ordem. A presença freqüente de organismos desta ordem
deve-se ao fato de eles serem filtradores, altamente adaptados a viver na coluna de
água, não necessitando de qualquer substrato ou outros organismos para aderirse sendo, portanto, euplanctônicos.
Por outro lado, Hymenostomatida foi a ordem com maior variação em relação à
presença de espécies entre os ambientes (8 espécies nos lênticos e 4 espécies nos
lóticos) e entre os períodos (8 espécies na cheia e apenas 2 espécies na seca).
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Estes ciliados são onívoros ou mesmo detritívoros, sendo algumas espécies
comumente associadas à matéria em decomposição. Desta forma, a presença de
representantes desta ordem parece ser favorecida em ambientes com maior
disponibilidade de material orgânico originário da região litorânea, além daquele
proveniente da vegetação marginal que permanece submersa no período de cheia.
Considerando, ainda, a composição de espécies, uma análise de agrupamento,
realizada com o objetivo de verificar a similaridade entre os tipos de ambientes e
períodos estudados, evidenciou uma maior dissimilaridade da composição de
ciliados entre os períodos hidrológicos (cheia e seca) do que entre os diferentes
tipos de ambientes (Figura 4). Neste sentido, os resultados sugerem que o regime
hidrológico parece ter uma maior influência sobre a composição de ciliados, tendo
em vista o grande “input” de espécies proveniente da região litorânea durante o
período de águas altas do que as diferenças espaciais observadas entre os diferentes
tipos de ambientes.
Tipo de ambiente/período
R-Cheia
LF-Cheia
LA-Cheia
C-Cheia
R-Seca
C-Seca
LA-Seca
LF-Seca
0,20
0,22
0,24
0,26
0,28
0,30
0,32
0,34
0,36
0,38
0,40
Distância de ligação
Figura 4: Dendrograma baseado na ocorrência das espécies de ciliados planctônicos nos
diferentes tipos de ambientes e períodos estudados, na planície de inundação do alto
rio Paraná (medida = percentagem de discordância; método de ligação = UPGA) (R =
rios, C = canais; La = lagoas abertas; Lf = lagoas fechadas).
Riqueza de espécies
Nas amostras obtidas nos 12 ambientes e dois períodos hidrológicos distintos
estudados, os valores de riqueza de espécies (número de espécies por unidade
amostral) variaram entre 1 e 13 espécies, no período de águas altas, com média de
7 espécies para este período, e entre 2 e 21 espécies, com valores médios de
aproximadamente 10 espécies para o período de águas baixas, evidenciando, em
geral, um incremento da riqueza de espécies no período de seca. Ressalta-se que,
quando analisada a riqueza total de espécies, para toda a planície, um maior número
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de espécies foi observado no período de chuva. Essas diferenças foram,
provavelmente, determinadas pela grande ocorrência de espécies de reduzida
freqüência (especialmente não euplanctônicas) no período de chuvas.
Os resultados de uma Anova (2-way) evidenciaram diferenças significativas de
riqueza de espécies entre os tipos de ambientes (F = 13,26; p=0,000), no entanto,
o resultado significativo da interação (F=4,22; p=0,009) evidenciou que estas
diferenças dependeram do período estudado. Neste sentido, no período de seca,
maiores valores de riqueza de espécies foram observados para as lagoas (tanto
abertas como fechadas), enquanto que os valores deste atributo foram
significativamente menores nos ambientes lóticos (rios e canais). No período de
cheia, no entanto, não são observadas diferenças significativas entre os diferentes
tipos de ambientes (Figura 5), sendo os valores de riqueza semelhantes àqueles
observados para os ambientes lóticos, no período de seca (Figura 5). Em síntese,
os resultados de riqueza de espécies de protozoários ciliados evidenciam uma
homogeneização da riqueza durante o período de cheia, enquanto que um
incremento significativo no período de seca é observado apenas para os ambientes
lênticos (Figura 5).
20
18
16
14
12
10
S
8
6
4
Cheia
Rio
Canal
L.aberta
L.fechada
Rio
Canal
L.aberta
0
L.fechada
2
Seca
Tipo de ambiente/Período
Figura 5: Distribuição da riqueza de espécie de protozoários ciliados nos diferentes períodos
(cheia e seca) e tipos de ambientes (lagoas fechadas, lagoas abertas, canais e rios)
estudados. Os pontos representam os valores médios; as caixas, ± o desvio padrão;
e as barras verticais, ± o erro padrão da média.
Densidade
Em relação à densidade de ciliados, os resultados foram, em geral, muito semelhantes
àqueles obtidos para a riqueza de espécies. Neste sentido, os valores de densidade
variaram entre 10 e 1920 cels.L-1, com média de 843 cels.L-1, no período de cheia, e
entre 75 e 6925 cels.L-1, com média de 2168 cels.L-1, no período de águas baixas,
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sendo evidenciados, portanto, maiores valores de densidade no período de seca.
Assim como para a riqueza, os valores de densidade foram significativamente
maiores nas lagoas, apenas durante o período de seca (Figura 3). No entanto,
estas diferenças não foram observadas no período de cheia (interação significativa
- F=21,61; p=0,000), sugerindo, mais uma vez, um forte efeito de homogeneização
do pulso de inundação (Figura 6).
Este efeito homogeinizador do pulso de inundação tem sido sugerido em vários
estudos sobre diferentes comunidades em sistemas de planície de inundação,
sendo esta hipótese estabelecida em Thomaz et. al. (2007). Neste sentido, os
resultados aqui obtidos, tanto para densidade de ciliados como para a riqueza de
espécies destes organismos, vêm corroborar essa hipótese, com resultados
evidentes deste efeito homogeinizador (Figura 6).
6000
4000
3000
2000
Cheia
Rio
Canal
L.aberta
L.fechada
Rio
Canal
0
L.aberta
1000
L.fechada
Densidade (cels.L-1)
5000
Seca
Tipo de ambiente/Período
Figura 6: Distribuição da densidade de protozoários ciliados nos diferentes períodos (cheia e
seca) e tipos de ambientes (lagoas fechadas, lagoas abertas, canais e rios) estudados.
Os pontos representam os valores médios; as caixas, ± o desvio padrão; e as barras
verticais, ± o erro padrão da média.
Além disso, os resultados de densidade e riqueza de espécies de ciliados
evidenciam o efeito da hidrodinâmica nos padrões de distribuição da densidade
e riqueza de ciliados, com maiores valores destes atributos nos ambientes lênticos
e os menores nos ambientes lóticos. No entanto, ressalta-se que isto é
especialmente verdadeiro para o período de seca, quando os ambientes estão
isolados. No período de cheia, após a inundação, estas diferenças não são
observadas.
Em relação à contribuição das diferentes espécies para a densidade de ciliados
planctônicos, destacam-se as elevadas densidades de Tintinnidium sp. e
Urotricha farcta, ambas euplanctônicas, nos diferentes ambientes e períodos
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hidrológicos. Além destas, destacaram-se, em termos de densidade, Balanion
planctonicum, Codonella cratera, Urotricha sp. e Vorticella aquadulcis, porém,
apenas em determinados tipos de ambientes ou período.
Biomassa
Em relação à biomassa, maiores valores deste atributo foram também
observados, em geral, durante o período de seca. Neste sentido, os valores de
biomassa variaram entre 0,93 e 29048 ì g C L-1, com valor médio de 3188 ì g
C.L-1 no período de cheia, e entre 76,35 e 40337 ì g C L-1 no período de seca,
com média de 6959 ì g C L-1 para o período.
Espacialmente, os valores de biomassa de ciliados são mais homogêneos no
período de cheia, com uma tendência de se observar menores valores médios
nos canais. No período de seca, observa-se um incremento marcante na
biomassa de ciliados especialmente nas lagoas fechadas, com maiores valores
médios também nos rios e lagoas abertas (Figura 7). No entanto, deve-se
enfatizar os valores extremamente variáveis de biomassa de ciliados registrados
para os rios, especialmente no período de seca (Figura 7).
25000
15000
10000
5000
0
Cheia
Rio
Canal
L.aberta
L.fechada
Rio
Canal
-10000
L.aberta
-5000
L.fechada
Biomassa (ug C.L-1)
20000
Seca
Tipo de ambiente/Período
Figura 7: Distribuição da biomassa de protozoários ciliados nos diferentes períodos (cheia e
seca) e tipos de ambientes (lagoas fechadas, lagoas abertas, canais e rios) estudados.
Os pontos representam os valores médios; as caixas, ± o desvio padrão; e as barras
verticais, ± o erro padrão da média.
Embora os padrões espaciais e temporais da distribuição da biomassa de ciliados
planctônicos não sejam tão evidentes quanto aqueles observados para a riqueza de
espécies e densidade, os resultados de uma Anova (2-way), realizada com os dados de
biomassa evidenciaram diferenças significativas entre os períodos (F=4,24; p=0,043)
e tipos de ambientes (F=27,70; p=0,000) estudados.
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Capítulo 5
Protozoários planctônicos
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Considerando-se a contribuição das diferentes espécies para a biomassa total de
ciliados, destacaram-se, em geral, em todos os tipos de ambientes e períodos
Rimostrombidium lacustris e especialmente Paradileptus ellephantinus, uma
predador de grande porte que se alimenta inclusive de metazoários. Além destas,
Campanella umbellaria, Epicarchesium pectinatum, Stokesia vernalis, Holophrya
spp. e Stentor spp., também foram importantes para a biomassa em alguns ambientes
e/ou período hidrológico.
Diverisdade de Shannon
2,6
2,4
2,2
2,0
1,8
1,6
1,4
1,2
1,0
0,8
Cheia
Rio
Canal
L.aberta
L.fechada
Rio
Canal
0,4
L.aberta
0,6
L.fechada
Diversidade de Shannon (Bits.ind-1)
Os resultados de índice de diversidade, seguindo os resultados obtidos para a
riqueza de espécies, também evidenciaram, em geral, maiores valores deste atributo
nos ambientes lênticos (lagoas abertas e fechadas), enquanto que menores valores
foram registrados nos canais e rios. No entanto, mais uma vez, diferenças mais
marcantes entre os ambientes lênticos e lóticos foram observadas no período de
seca (Figura 8). De qualquer forma, os resultados de uma Anova evidenciaram
diferenças significativas de índice de diversidade apenas entre os tipos de ambientes
estudados (F=5,592; p=0,002).
Seca
Tipo de ambiente/Período
Figura 8. Distribuição do índice de diversidade (Shannon) da comunidade de protozoários
ciliados nos diferentes períodos (cheia e seca) e tipos de ambientes (lagoas fechadas,
lagoas abertas, canais e rios) estudados. Os pontos representam os valores médios;
as caixas, ± o desvio padrão; e as barras verticais, ± o erro padrão da média.
Capítulo 5
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Capítulo 5
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