Vampiro: A Máscara - PesquisaRPG.ufpa.br

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Vampiro: A Máscara - PesquisaRPG.ufpa.br
FABIANO DA SILVA SILVEIRA
QUEBRANDO A MÁSCARA:
O RPG VAMPIRO E A CONSTITUIÇÃO DE IDENTIDADES JUVENIS
Dissertação de Mestrado apresentado como requisito para obtenção de grau de Mestre no
Mestrado em Educação com Ênfase em Estudos
Culturais da Universidade Luterana do Brasil
Orientadora: Profª. Drª. Iara Tatiana Bonin
Co-orientadora: Profª. Drª. Cristianne Famer Rocha
Canoas
2009
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
S587q
.
Silveira, Fabiano da Silva
Quebrando a máscara: o RPG Vampiro e a constituição de identidades juvenis. /
Fabiano da Silva Silveira. – Canoas, 2009.
163 f. : il.
Dissertação (Mestrado em Educação: Estudos Culturais) – Universidade Luterana do
Brasil, 2009
Orientação: Profa. Iara Tatiana Bonin
Co-orientação: Profa. Cristianne Famer Rocha
1. Educação – pedagogias culturais. 2. RPG – Vampiro: A Máscara. 3. Orkut.
4. Identidades. I. Bonin, Iara Tatiana. II. Rocha, Cristianne Famer. III. Título.
CDU 37.013:316.72
37.013:159.9228
316.72:159.922.8
Bibliotecária Responsável: Ana Lígia Trindade CRB/10-1235
Dedico este trabalho, com especial carinho, à memória de meu avô João Soares da Silva, falecido no dia do
meu aniversário, em 13 de maio de 2008. Seu carinho e
apreço por mim sempre foram importantes em minhas conquistas. Compartilho essa vitória com ele, mesmo que estejamos momentaneamente separados fisicamente, tendo
a convicção de que ninguém morre enquanto permanece
vivo em nossos corações.
AGRADECIMENTOS
Agradeço às minhas orientadoras, Iara Bonin e Cristianne Rocha , por sua
paciência, dedicação e cumplicidade. Graças às suas visões e experiências, consegui encontrar os meios necessários para dar forma às minhas idéias de maneira
mais proveitosa. Suas contribuições foram imprescindíveis para a conclusão deste trabalho.
Aos meus companheiros de aventura, Sandro Sales Rodrigues, José Leandro, Eduardo Righes e Cleber Camargo, meu primeiro grupo de RPG, que lá
nos idos de 1993, aceitaram o desafio de entrar neste mundo mágico dos jogos de
interpretação.
Aos meus pais, Inara e José Luis e meu irmão André, cujo carinho, afeto,
atenção e amor estavam sempre voltados a mim. Nunca duvidaram da minha
capacidade e sempre confiaram em meu trabalho. Sua paciência frente às minhas
tensões, preocupações e ausências mostram o quanto é importante termos as
pessoas que amamos ao nosso lado. Amo-os mais do que tudo nesta vida.
Nada nem ninguém estaria em meu caminho se não fosse nosso Pai Maior,
que me deu condições de realizar a contento meu trabalho, por me dar serenidade
e por nunca me deixar esmorecer.
O Senhor, porém, lhe disse: “Portanto, quem matar a Caim, sete vezes sobre
ele cairá a vingança.” E pôs o Senhor um
sinal em Caim, para que não o ferisse
quem quer que o encontrasse.
A Bíblia, Gênesis 4:15
A CRÔNICA*
A presente dissertação tem o propósito de analisar o role-playing games (RPG) Vampiro:
A Máscara, segundo referenciais teóricos dos Estudos Culturais, e o modo como as práticas deste
jogo colaboram na constituição de identidades juvenis. Os RPG foram criados por volta da metade
dos anos 1970 nos Estados Unidos da América e, desde então, vêm atraindo a atenção de diversas
pessoas ao redor do mundo, formando grupos de jogadores aficionados pelo prazer de jogar e
interpretar. Similar ao teatro improvisado, este jogo distingue-se por não ser competitivo, sendo
largamente utilizado para os mais diferentes propósitos no campo da educação. A produtividade
desse jogo na constituição de identidades pouco ou quase nada tem sido questionada e discutida.
Focalizo, neste estudo, o RPG Vampiro: A Máscara, discutindo identidades e diferenças a partir dos
materiais do jogo e de suas regras, bem como em páginas virtuais do Orkut, utilizando teorizações de
Kathryn Woodward, Stuart Hall, Tomaz Tadeu da Silva. Analiso o livro de regras Vampiro: A Máscara,
que foi lançado no Brasil em 1994 pela editora Devir, de autoria do norte-americano Mark ReinHagen, sendo o terceiro sistema de role-playing game a ser traduzido e publicado no país. Com uma
temática diferenciada dos demais jogos de RPG, cujo cenário típico é o de fantasia medieval, Vampiro
inova nesse conceito ao constituir um ambiente punk-gótico, no qual os jogadores interpretam vampiros.
Os personagens desse jogo não são os vampiros usualmente vistos em filmes – sensuais, poderosos e
quase indestrutíveis. Algumas características atribuídas aos vampiros não se encontram presentes na
ambientação do jogo: aqui os personagens possuem reflexos em espelho, alho ou cruz não os afeta,
embora ainda sejam vulneráveis ao sol e possam também ser imobilizados quando uma estaca é
cravada em seu coração. Em geral os jogadores interpretam vampiros jovens, recém-criados, tentando
sobreviver aos seus primeiros anos como mortos-vivos, tendo muito que aprender sobre seus poderes,
sobre os segredos do mundo vampírico, ensinamentos que, de muitas maneiras, produzem significados
na constituição de identidades. Examinando as produções juvenis nas páginas virtuais do Orkut, observo
que tanto os personagens de Vampiro: A Máscara são recriados e investidos com diferentes atributos,
quanto os cenários e as regras do jogo vão sendo adaptadas, em distintos contextos. Realizo dois
movimentos de análise, sendo o primeiro relativo às publicações de Vampiro: A Máscara. Analiso
cinco dos mais de 30 livros publicados em nosso país, buscando realizar uma aproximação com
referenciais teóricos que orientam meu estudo. O segundo movimento analítico enfoca produções
disponíveis nas páginas do Orkut e, para tal, selecionei quatro comunidades entre as centenas existentes
sobre Vampiro, estabelecendo como critério de escolha a popularidade e a existência de fóruns de
discussão. Na pesquisa, considerei que os jogadores, ao produzirem identificações com seus
personagens, produzem também identidades e estabelecem vinculações e pertencimentos, ainda que
de maneira fluida e momentânea. Eles corporificam sensações de incerteza, dúvida e suspense
supostamente experimentadas pelos vampiros, dando significado aos processos narrativos que compõem
o jogo, e, dessa forma, constituindo-se como sujeitos-jogadores-vampiros e deslocando tais identidades
para além da tradicional mesa de jogo. As comunidades analisadas também podem ser consideradas
locais onde as identidades se constituem, transitam, são exibidas, onde milhares de jovens “navegam”,
e nos quais compõem identidades e pertencimentos a grupos, mesclando uma série de elementos e
símbolos representativos. As identidades juvenis vão sendo recriadas e reinventadas em distintas práticas
e representações. Assim, os jovens que se identificam com o RPG Vampiro: A Máscara produzem
estilos que vão ser expressos em linguagens e em condutas específicas: certo modo de vestir, de
tatuar-se, de portar-se, de exibir identidades virtuais em comunidades do Orkut.
Palavras-chave: RPG, Vampiro: A Máscara, identidades, pedagogias culturais, Orkut.
*
Crônica é a aventura de RPG do jogo Vampiro: A Máscara. Utilizei esse termo para referir-se ao resumo de meu
trabalho.
THE CHRONICLE*
The present dissertation has the purpose of analysing the role-playing game (RPG) Vampire:
The Masquerade, according to the theoretical references of the Cultural Studies, and the way the
practices of the game collaborate in the constitution of juvenile identities. The RPGs were created in
the middle 70’s in the United States of America and, since then, have been calling the attention of
several people around the world, forming groups of gamers affectionated by the pleasure of playing
and performing. Similar to improvised theater, this game differs from others for not being competitive
and being largely used for the most different purposes in the field of education. The productivity of
these game in the constitution of identities have been little or almost never questioned and argued. I
focused on this study the RPG Vampire: The Masquerade, discussing identities and differences from
the material of the game and its rules, as well as virtual pages of Orkut, by using the theories of Kathryn
Woodward, Stuart Hall, Tomaz Tadeu da Silva. I also analyse the book of rules Vampire: The
Masquerade, which was released in Brasil in 1994 published by Devir and written by the NorthAmerican Mark Rein-Hagen, being the third role-playing game system translated and published in our
country. With a thematic that differs from the other RPGs, whose most common setting is the medieval
fantasy, Vampire innovates in this concept by using a punk-gothic environment, in which players portray
vampires. The characters of this game are not the vampires usually seen in movies – sexy, powerful and
almost indestructible. Some characteristics attributed to vampires are not found in the setting of the
game: here the characters have reflex on a mirror, do not get affected by garlic or cross, although they
are still vulnerable to the Sun and can also be immobilized by a stake when it is driven through their
hearts. In general, players portray young vampires, recently transformed, trying to survive their first
years as living-deads, having to learn many things about their powers, the secrets of the vampire world,
knowledge that, in many ways, produce meanings in the constitution of identities. By examining the
juvenile productions in the virtual pages of Orkut, I observed that the characters of Vampire: The
Masquerade are recreated and invested with different attributes, and the settings and rules of the game
are also being adapted in distinct contexts. I accomplish two movements of analysis, the first is related
to the books of Vampire: The Masquerade. I analyse five out of the over 30 books published in our
country, trying to relate them to the theoretical references that guide my study. The second analytical
movement focus on the available productivities on the pages of Orkut and, for so, I selected four
communities out of the hundreds about Vampire, establishing as a criteria of choice popularity and the
existence of forums for discussion. In the research, I considered that the players, by producing
identifications with their characters, also produce identities and establish links and belongings even
though it is fluid and temporary. They embody sensations of uncertainty, doubt and suspense supposably
experienced by the vampires, giving meanings to the narrative processes which compose the game
and, this way, make themselves as subject-players-vampires and dislocating such identities beyond the
traditional table of game. The analysed communities can also be considered places where identities are
formed, exhibited and transit, where thousands of young people “navigate” and in which compose their
identities and belongins to groups, mingling a series of representative elements and symbols. The juvenile
identities are being recreated and reinvented in distinct practices and representations. Thus, young
people who get identified with the RPG Vampire: The Masquerade produce styles that are being
expressed in languages and in specific conducts: certain ways of dressing, of tattooing, behaving, and
exhibiting virtual identities in communities of Orkut.
Keywords: RPG, Vampire: The Masquerade, identities, cultural pedagogies, Orkut.
* Chronicle is how the adventure in the RPG Vampire: The Masquerade is called. I used this term to refer to the
abstract of my paper.
Lista de Figuras
Fig.1: Jogadores de RPG ..................................................................................................................................................... 27
Fig.2: Dados poliedrais .......................................................................................................................................................... 27
Fig.3: Vampiro do Clã Brujah ........................................................................................................................................... 44
Fig.4: Vampiro do Clã Gangrel ....................................................................................................................................... 44
Fig.5: Vampiro do Clã Malkavianos ............................................................................................................................ 45
Fig.6: Vampiro do Clã Nosferatu .................................................................................................................................. 45
Fig.7: Vampiro do Clã Toreador .................................................................................................................................. 45
Fig.8: Vampiro do Clã Tremere ..................................................................................................................................... 46
Fig.9: Vampiro do Clã Ventrue ....................................................................................................................................... 46
Fig.10: Vampiro Caitiff ......................................................................................................................................................... 46
Fig.11: Vampiro do Clã Lasombra................................................................................................................................. 47
Fig.12: Vampiro do Clã Tzimisce .................................................................................................................................. 47
Fig.13: Vampiro Pander ....................................................................................................................................................... 48
Fig.14: Vampiro do Clã Assamita .................................................................................................................................. 48
Fig.15: Vampiro do Clã Seguidores de Set ........................................................................................................... 49
Fig.16: Vampiro do Clã Giovanni.................................................................................................................................... 49
Fig.17: Vampiro do Clã Ravnos ....................................................................................................................................... 49
Fig.18: Atributos ....................................................................................................................................................................... 51
Fig.19: Habilidades .................................................................................................................................................................... 51
Fig.20: Vantagens ...................................................................................................................................................................... 52
Fig.21: Qualidades e Defeitos ......................................................................................................................................... 52
Fig.22: Humanidade, Trilha, Força de Vontade e Pontos de Sangue ................................................. 53
Fig.23: Vitalidade ....................................................................................................................................................................... 54
Fig.24: Natureza, Comportamento e Conceito .................................................................................................. 54
Fig.25: Ficha de Ben Martin ............................................................................................................................................ 55
Fig.26: Atributos de Ben Martin................................................................................................................................. 56
Fig.27: Talentos de Ben Martin .................................................................................................................................. 56
Fig.28: Perícias e Conhecimentos de Ben Martin ........................................................................................... 57
Fig.29: Vantagens de Ben Martin ................................................................................................................................ 57
Fig.30: Humanidade, Força de Vontade e Pontos de Sangue de Ben Martin ............................. 58
Fig.31: Disciplinas de Ben Martin................................................................................................................................ 58
Fig.32: Perícias, Virtudes, Humanidade e Força de Vontade de Ben Martin ............................. 58
Fig.33: Relação entre vampiros e os “outros” no Mundo das Trevas .............................................. 91
Fig.34: Relação da Camarilla com outras seitas ................................................................................................ 92
Fig.35: Circuito que apresenta as relações dentro da Camarilla .......................................................... 92
Fig.36: Perfil de usuário do Orkut ............................................................................................................................. 100
Fig.37: Perfil de usuário do Orkut ............................................................................................................................. 101
Fig.38: Perfil de usuário do Orkut ............................................................................................................................. 101
Fig.39: Perfil de usuário do Orkut ............................................................................................................................. 102
Fig.40: Perfil de usuário do Orkut ............................................................................................................................. 102
Fig.41:
Fig.42:
Fig.43:
Fig.44:
Fig.45:
Fig.46:
Fig.47:
Fig.48:
Fig.49:
Fig.50:
Fig.51:
Fig.52:
Fig.53:
Fig.54:
Fig.55:
Fig.56:
Fig.57:
Fig.58:
Fig.59:
Fig.60:
Fig.61:
Fig.62:
Fig.63:
Fig.64:
Fig.65:
Fig.66:
Fig.67:
Fig.68:
Fig.69:
Fig.70:
Perfil de usuário do Orkut .......................................................................................................................... 103
Perfil de usuário do Orkut .......................................................................................................................... 103
Álbum de fotos de usuário do Orkut ................................................................................................... 105
Álbum de fotos de usuário do Orkut ................................................................................................... 105
Álbum de fotos de usuário do Orkut ................................................................................................... 106
Álbum de fotos de usuário do Orkut ................................................................................................... 106
Álbum de fotos de usuário do Orkut ................................................................................................... 107
Álbum de fotos de usuário do Orkut ................................................................................................... 107
Foto de usuário do Orkut............................................................................................................................. 108
Foto de usuário do Orkut............................................................................................................................. 108
Foto de usuário do Orkut............................................................................................................................. 109
Foto de usuário do Orkut............................................................................................................................. 109
Foto de usuário do Orkut............................................................................................................................. 109
Foto de usuário do Orkut............................................................................................................................. 109
Foto de usuário do Orkut............................................................................................................................. 110
Foto de usuário do Orkut............................................................................................................................. 110
Participantes das comunidades sobre Vampiro do Orkut ..................................................... 113
Participantes das comunidades sobre Vampiro do Orkut ..................................................... 114
Participantes das comunidades sobre Vampiro do Orkut ..................................................... 114
Capa do livro e detalhe .................................................................................................................................... 118
Foto de usuário do Orkut............................................................................................................................. 121
Foto de usuário do Orkut............................................................................................................................. 121
Foto de usuário do Orkut............................................................................................................................. 121
Foto de usuário do Orkut............................................................................................................................. 121
Foto de usuário do Orkut............................................................................................................................. 130
Foto de usuário do Orkut............................................................................................................................. 130
Foto de usuário do Orkut............................................................................................................................. 130
Foto de usuário do Orkut............................................................................................................................. 130
Foto de usuário do Orkut............................................................................................................................. 131
Foto de usuário do Orkut............................................................................................................................. 131
A caminho do castelo de drácula
O ABRAÇO
10
A GÊNESE
11
Charadas no Escuro
14
Sobre os Estudos Culturais
15
Atefatos culturais, pedagogias culturais e mídia
MASMORRAS, ESPADAS E DRAGÕES
Um pouco de história
18
23
24
Três letras em poucas palavras...
25
Rolando os dados: Um exemplo de aventura 30
Mais charadas no escuro...
35
A MÁSCARA 39
Descrevendo Vampiro: A Máscara 40
AS TRADIÇÕES
60
Representação, Identidade e Diferença 61
Algumas formas de olhar para as Culturas Juvenis
65
OS AMALDIÇOADOS 70
Um breve panorama de produções sobre Vampiro
72
Um passeio por publicações relativas a Vampiro: A Máscara
82
Marcas identitárias e modos de identificação com os personagens
Quem somos “nós”, quem são “eles”
90
QUEBRANDO A MÁSCARA 97
Vampiros “virtuais” 118
FIM DA CRÔNICA
133
LIVRO DE NOD
144
ANEXOS
159
Anexo I
160
Anexo II
161
Anexo III
162
Anexo IV
163
84
O ABRAÇO...
No começo, eram os wargames, jogos de estratégia de guerra, com
miniaturas de chumbo organizados em pequenos exércitos sobre mesas
representando os mais variados terrenos, simulando as mais diversas batalhas.
Embora as miniaturas tenham sido utilizadas ao longo dos séculos como
recursos para estabelecer estratégias reais de combate, é aceito entre os
praticantes desse jogo que essa modalidade foi criada por H. G. Wells, em
seu livro Little Wars, publicado em 1913, que gerou uma série de novas
publicações e centenas de regras para serem usadas nos mais diferentes
cenários.
Depois, veio J. R. R. Tolkien, sul-africano, professor de Lingüística e
de Língua Inglesa, e seus livros de literatura fantástica, O Hobbit, de 1937, e
O Senhor dos Anéis, de 1954, onde nos apresenta sua Terra-Média, cenário
de grandes aventuras, local habitado por criaturas mágicas, como elfos,
hobbits, trolls, orcs e dragões, hoje, também eternizados pelos grandes
sucessos das telas de cinema.
O primeiro RPG do mundo, Dungeons & Dragons, criado pelos
americanos Gary Gygax e Dave Arneson, em 1974, foi baseado no universo
de fantasia medieval criado por Tolkien e nos jogos de guerra criados por H.
G. Wells. Em 1991, é publicado nos EUA Vampiro: A Máscara, adaptando o
mito vampírico para as mesas de jogo. Esse jogo acabou por atrair um grande
número de adeptos, encantados com a oportunidade de interpretar criaturas
sobrenaturais convivendo com seus temores e angústias.
Os títulos de minha Dissertação fazem referências a situações e
personagens dos universos dos jogos de RPG e de Vampiro: A Máscara,
universos esses, desconhecidos e misteriosos para muitas pessoas. Para
ajudar-lhe em sua jornada que inicia ao virar a presente página, explicarei,
antes de cada seção, a que o título se refere, para que tenha um melhor
entendimento de minhas intenções. Boa leitura/aventura. Que rolem os dados...
a GÊNESE
A Gênese é o momento em que um indivíduo torna-se vampiro – é a metamorfose de mortal para Membro. Como trata-se de meu
capítulo de introdução, achei pertinente o título por também tratar de minha trajetória acadêmica, de minhas motivações para
pesquisa, além de incluir um breve registro sobre os Estudos Culturais e outros conceitos recorrentes em meu trabalho.
12
A GÊNESE
Criados na metade dos anos 1970 nos Estados Unidos, os role-playing games (RPG), ou
jogos de interpretação, numa tradução livre, vêm atraindo a atenção de pessoas no mundo inteiro. O
RPG assemelha-se ao teatro improvisado e, por se tratar de um jogo colaborativo (Marcatto, 1996),
busca promover o desenvolvimento de situações de cooperação, interação, criatividade e imaginação.
Os role-playing game são vistos, também, como uma interessante atividade cultural para crianças,
adolescentes e adultos (Marcatto, 1996). Desde sua criação, livros foram publicados em várias partes
1
do mundo , além de terem personagens e sistemas transpostos para outras mídias, como cinema e
2
videogames . Por outro lado, o RPG é visto com reservas por alguns que o definem como um jogo
3
violento, capaz de influenciar os jovens de maneira prejudicial .
Na Educação, os jogos de interpretação vêm sendo utilizados com diferentes finalidades,
entre elas, a de diversificar e tornar as aulas mais dinâmicas e interessantes (Marcatto, 1996; Riyis,
2004; Lourenço, 2004; Ricon, 1999a, 1999b, 1999c, 1999d). No entanto, são poucos os estudos
que discutem as estratégias utilizadas nestes jogos para construir determinadas “verdades” e para
produzir pertencimentos e marcas identitárias comuns. O objetivo de minha de dissertação, é o de, a
partir dos Estudos Culturais, analisar como os jogos de RPG atuam na construção de identidades
juvenis. Para isso, examinei algumas práticas vinculadas ao jogo de RPG Vampiro: A Máscara e o
modo como os jogadores organizam, reinventam, ressignificam seus pertencimentos em diferentes
espaços tais como em comunidades do Orkut.
Antes de mais nada, acredito que seja interessante situar as razões que me levaram a escolher
esse assunto. O RPG faz parte de minha experiência pessoal desde que conheci o jogo em 1993.
Tenho acompanhado as novidades da modalidade desde então e praticado, também, como ferramenta
1
Cito alguns deles, como Cook, Tweet & Williams (2001), Gygax & Arneson (1978), Hagen (1994), Jackson (1991)
e Lourenço (2003).
2
Por exemplo, o filme Dungeons & Dragons, de 2000 e sua continuação, Dungeons & Dragons: O Poder Maior,
de 2005; o desenho animado Dungeons & Dragons, de 1983, conhecido no Brasil como Caverna do Dragão; e os
jogos para computadores Eye of the Beholder, lançado em 1990 e Dark Sun: Shaterred Lands, lançado em 1993.
3
Como por exemplo, cito: a reportagem “Terror – A Marca do Mal na Serra”, publicada no jornal O Dia, no dia 12
de novembro de 2000, de autoria de Rozane Monteiro; o texto “Apenas relatei o que vi”, no site Observatório da
Imprensa (http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/) no dia 26 de novembro de 2000, também de Rozane
Monteiro; e a reportagem “Jogo de RPG motivou assassinato de família no ES, diz polícia”, de Augusto Zaupa,
publicada no site da Folha Online (http://www.folha.com.br), no dia 14 de maio de 2005.
13
de ensino nas minhas aulas. Até entrar na faculdade e começar a trabalhar, jogava com meus amigos
pelo menos uma vez por semana. Hoje em dia, entretanto, não tenho a mesma disponibilidade.
Lembro-me que, por volta de 1996/1997, encontrei o livro sobre RPG e Educação “Saindo
do Quadro”, de Alfeu Marcatto, publicado em 1996, e pensei em fazer algo a respeito do assunto.
Não tinha certeza do quê e considerei a possibilidade de desenvolver um trabalho voluntário. Nessa
época, ainda não pensava em ser professor. Já na universidade, em 2003, cursando Letras – Habilitação
em Língua Inglesa, conversei com um colega e chegamos à conclusão que seria interessante usar RPG
na sala de aula de Língua Inglesa. Pesquisando sobre o assunto, encontrei algumas dissertações de
4
mestrado e teses de doutorado já defendidas, bem como monografias de graduação e pós-graduação
e alguns livros publicados, como Marcatto (1996), Zanini (2004), Pavão (2000), Rodrigues (2004),
Riyis (2004) e Marcondes (2004). Na internet é possível encontrar também referências a artigos
5
sobre esta temática, apresentados em congressos e seminários .
Como professor de Inglês, na tentativa de inovar minhas aulas, passei a utilizar o RPG
constantemente com resultados bem interessantes na aprendizagem dos alunos. Foi em decorrência desta
experiência didática vivida – a utilização do RPG como ferramenta para o ensino de Língua Inglesa, que
decidi ampliar as pesquisas e realizar a monografia de conclusão do Curso de Letras sobre esta temática. A
monografia desenvolvida – cujo título é “Desafiando e Aprendendo: O Uso do RPG no Ensino de Inglês” –
tinha como objetivo verificar a utilização dos role-playing games como técnica de ensino para o
desenvolvimento das quatro habilidades lingüísticas para se atingir a fluência na Língua Inglesa.
É difícil estabelecer uma data precisa para o início do uso do RPG como ferramenta didática
no Brasil. Ao que parece, ele começou a ser utilizado por volta da década de 1990, quando estes
jogos começaram a se proliferar no nosso país. De acordo com o site RPGEduc6 , nos últimos cinco
anos, já foram realizados quatro simpósios sobre RPG e Educação em São Paulo, dois em Curitiba e
dois no Rio de Janeiro. Da mesma forma, alguns projetos estão sendo realizados em escolas por
organizações cujo objetivo é o de difundir essa prática7.
4
Entre estes, estão Betocchi (2002), Oliveira (2003), Pavão (1999), Pereira (2003), Mota (1997) Coutinho (2003) e S.
Silveira (2005).
5
Por exemplo, Damasceno et al. (2005), Braga (2002), Sousa et al. (2006) e Pacca (2006).
6
Disponível em <http://www.rpgeduc.com/congressos.htm>.
7
Alguns desses projetos podem ser vistos no site da Ludus Culturalis, disponível em <http://
www.ludusculturalis.org.br>.
14
Além disso, o RPG vem sendo utilizado também com finalidades terapêuticas ou para
treinamento em empresas. Segundo Riyis (2004), o RPG é uma atividade de socialização que incentiva
a cooperação, a interatividade, a leitura e a imaginação. Talvez isso justifique a ampla utilização desses
jogos, não apenas por escolha pessoal, mas como ferramenta que possibilite atingir determinados fins
e desenvolver nos sujeitos um conjunto específico de habilidades.
Embora entenda os jogos, brincadeiras e brinquedos como elementos constituintes de cada
cultura e de cada momento histórico, Bujes (2004) comenta que o brinquedo configura-se como um
objeto cultural por ser parte de nossas conversas, de nossos desejos e das coisas que fazemos, por
relacionar-se a práticas sociais de nossa cultura, pode estar associado a grupos específicos, além de
ser representado e divulgado por diferentes linguagens e diferentes veículos. Com isso, damos significado,
sentido e importância para o brinquedo (neste caso, também o RPG), que se torna um elemento capaz
de influenciar na construção de identidades culturais.
Foucault (2007) diz que os signos, narrativas, ficções e fantasias – que fazem parte do
mundo social – constituem o sujeito. Assim sendo, podemos nos questionar que marcas de identidade
estão presentes nos brinquedos, nos jogos/brincadeiras, e, portanto, no RPG? Quando atribuímos
significados a esses artefatos, que valores e sentidos eles carregam? Se o brincar é considerado
importante para o desenvolvimento da criança e do adolescente, isso vale para todos, em todas as
suas fases de desenvolvimento, independentemente das questões de ordem cultural, étnica, de gênero,
entre outras? Essas perguntas começaram a me inquietar, fazendo-me questionar sobre a produtividade
destes jogos na conformação das identidades juvenis, o que serviu para realizar a presente pesquisa.
Charadas no Escuro
Ao Ingressar no Mestrado em Educação, resolvi dar continuidade às minhas pesquisas
acadêmicas sobre o RPG. Nas várias leituras propiciadas pelas disciplinas deste Curso percebi que
muitos poderiam ser os caminhos da pesquisa, a partir das “lentes” dos Estudos Culturais. Seguindo
algumas indicações feitas na qualificação de meu projeto de pesquisa, decidi explorar as possibilidades
do RPG analisando um único jogo, chamado Vampiro: A Máscara, com vistas a compreender algumas
das estratégias e tecnologias do jogo que colaboram na produção de identidades juvenis. Procurei
prestar atenção aos modos como os personagens do jogo são narrados e se distinguem em diferentes
sites relacionados ao RPG Vampiro: A Máscara e expressas em um conjunto de obras analisadas.
15
Considerei relevante analisar, ainda que não exaustivamente, materiais de suporte do RPG Vampiro:
A Máscara (manuais, suplementos e livros de aventuras) e neles investigar como se estruturam cenários,
enredos, personagens, e como se diferenciam e se ordenam tais personagens numa organização específica
que o jogo põe em funcionamento. Também busquei analisar as estratégias de identificação e a
constituição de diferenças em comunidades virtuais do Orkut, considerando as maneiras pelas quais o
jogo é (res)significado nestes espaços, e como adquirem visibilidade certas identidades a ele vinculadas.
Na continuidade desta seção, apresento o campo dos Estudos Culturais e dos estudos de
mídia, artefatos e pedagogias culturais, definições que permeiam meu trabalho e se tornam recorrentes
ao longo de minha pesquisa.
Sobre os Estudos Culturais
Segundo Silva (2000b), os Estudos Culturais, em geral, são associados à criação do Centre
for Contemporary Cultural Studies (CCCS), da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, em
1964. Schwarz (2001) afirma que existem dois elementos históricos que poderiam resultar no surgimento
e desenvolvimento dos Estudos Culturais: o primeiro deles refere-se ao impacto causado pelo
capitalismo, devido ao surgimento de novos elementos culturais, como televisão, publicidade, música,
rock, revistas de grande circulação, que teriam reorganizado todo o campo das relações culturais, que
leva à dissolução das forças do poder cultural das elites; o segundo seria o colapso do império britânico,
cujas dominações territoriais diminuíram após a guerra contra o Egito em 1956. Foi, portanto, neste
contexto histórico que surgiu o Centro, como uma reação às tendências elitistas de concepção da
cultura que distinguem, hierarquicamente, alta cultura e cultura de massa, cultura burguesa e cultura
operária, cultura erudita e cultura popular (Costa, Silveira & Sommer, 2003).
Sardar e Van Loon (1998) apontam pelo menos cinco características dos Estudos Culturais:
(1) o objetivo de mostrar como se relacionam poder e práticas culturais, e como aquele modela estas
práticas; (2) os estudos da cultura devem se desenvolver no sentido de compreender a complexidade
interna dos contextos sociais e políticos; (3) a visão de que a cultura tem sempre duas funções – como
objeto de estudo e local de ação e crítica política; (4) procurar expor e reconciliar a divisão do
conhecimento entre quem conhece e o que é conhecido; e (5) compromisso com uma análise moral da
sociedade moderna, seguindo uma linha de ação política.
16
Inicialmente, os Estudos Culturais se voltam para a análise das produções culturais como
agentes da reprodução social, que colaboram de maneira dinâmica e ativa na afirmação e construção
da hegemonia (Escosteguy, 2004). A hegemonia, segundo Mattelart e Neveu (2004, p.74), “é
fundamentalmente uma construção do poder pela aquiescência dos dominados aos valores da ordem
social, pela produção de uma vontade geral, consensual”. Sob esta ótica, estudam-se as estruturas e
processos pelos quais os meios de comunicação de massa reproduzem e reforçam a estabilidade
social e cultural. Porém, essas reproduções não ocorrem de maneira automática nem mecânica, pois
adaptam-se constantemente às situações de contradição e pressão que surgem da sociedade, reunindoas no próprio sistema cultural.
Conforme Barker e Beezer (1994), inicialmente os Estudos Culturais britânicos pretendiam
pensar as implicações do termo “cultura”, incluindo atividades e significados de pessoas comuns,
excluídos da participação cultural, quando a definição elitista de cultura prevalecia. Ao adotar uma
posição antropológica, os autores que trabalhavam no Centro, acima referido, passaram a definir
cultura como o conjunto de experiências vividas pelos grupos sociais, contrapondo-se, assim, às
concepções correntes de que a cultura seria expressa somente por obras artísticas e literárias. Começase, então, a problematizar a cultura, que passa a levar em consideração as práticas cotidianas e os
domínios daquilo que, até então, se convencionou chamar de popular. Assim, cultura deixa de ser um
conceito elitista e hierárquico para ter um espectro mais amplo, com sentidos mais versáteis e
cambiantes. Cultura passa a levar em conta os gostos populares, deixando de ser algo erudito, de
tradição literária e artística (Costa, Silveira e Sommer, 2003).
Para Williams (1965), cultura é uma rede de representações e relações de poder, constituída
por textos, imagens, conversas, códigos de conduta, que formam e caracterizam a vida de um grupo
social específico. Ainda conforme o autor, a forma como se define socialmente cultura – como descrição
de um modo de vida – orientou as análises dos Estudos Culturais. Essas pesquisas pensam a cultura
de três maneiras: uma visão antropológica, em que a cultura é a descrição de um modo de vida; uma
perspectiva na qual a cultura expressa significados e valores; e outra em que a análise cultural verifica
os significados e valores implícitos e explícitos em um certo modo de vida em uma certa cultural.
Os Estudos Culturais britânicos, assim, rompem com as visões passivas e indiferenciadas de
público, para elaborarem análises pormenorizadas das formas pelas quais as mensagens são
decodificadas pelos membros dos diferentes públicos, que dependem de suas orientações sociais e
17
políticas (Schulman, 2004). A idéia de que a cultura de massa era um fenômeno indiferenciado foi
abandonada pelo Centro, que, então, adota uma percepção que “concebe os meios de comunicação
de massa como envolvidos na circulação e consolidação das definições e representações ideológicas
dominantes” (HALL, 1984, p.118).
De acordo com Silva (2000b, p.56), os Estudos Culturais vêem a cultura como “campo de
luta em torno do significado e a teoria como campo de intervenção política”. Hall (1997b e 1997c)
afirma que as lutas pela significação ocorrem na esfera cultural, onde os grupos subordinados tentam
resistir aos significados predominantes na cultura, e que mantêm os interesses dos grupos dominantes.
Também Johnson (2004) alerta para o fato de que, embora as análises dos Estudos Culturais possam
ser consideradas políticas, elas não ocorrem no sentido pragmático direto, imediato, por não se
vincularem a questões ou tendências partidárias.
Ainda que os Estudos Culturais possam ser vistos como um movimento de correção política,
por identificarem-se com vários movimentos sociais da época de seu surgimento, suas críticas refletem o
descontentamento com as limitações de algumas disciplinas, e propõem, nesse caso, a interdisciplinaridade
das análises (Escosteguy, 2004). Da mesma forma, Nelson, Treichler e Grossberg (1995) afirmam que
os Estudos Culturais não podem ser considerados somente interdisciplinares, mas também antidisciplinares,
o que faz com que haja uma relação de desconforto com disciplinas acadêmicas.
Hall (1997c) diz que os Estudos Culturais podem ser classificados não só como uma disciplina,
mas como o ponto no qual diferentes disciplinas interagem, com o propósito de estudar aspectos
culturais da sociedade. Costa, Silveira e Sommer (2003) comentam, neste mesmo sentido, que os
Estudos Culturais não têm a intenção de serem considerados como uma disciplina tradicional, com
limites e atuações estabelecidas. A intenção seria abordar, problematizar e refletir sobre os campos e
áreas já estabelecidos e estudados e, com base em outras e diferentes teorizações e campos do saber,
não seguir lógicas e concepções ratificadas e cristalizadas. Assim,
a cultura precisa ser estudada e compreendida tendo-se em conta a enorme expansão
de tudo que está associada a ela, o papel constitutivo que assumiu em todos os
aspectos da vida social. Um noticiário de televisão, as imagens, gráficos, etc. de um
livro didático ou as músicas de um grupo de rock, por exemplo, não são apenas
manifestações culturais. Eles são artefatos produtivos, são práticas de representação,
inventam sentidos que circulam e operam nas arenas culturais onde o significado é
negociado e as hierarquias são estabelecidas. (Costa, Silveira e Sommer, 2003, p.38)
18
Para alguns autores, como Mattelart e Neveu (2004), o Center for Contemporary Cultural
Studies procurava fazer uso dos métodos da crítica textual e literária, porém, aplicando-os em produtos da
cultura de massa e nas práticas culturais populares. Sobre os métodos, Nelson, Treichler e Grossberg (1995)
destacam que não há recomendação de utilização de uma metodologia em especial. Isso porque, nos Estudos
Culturais, não há como garantir a priori quais metodologias seriam adequadas ou descartadas, nem quais
questões são importantes para as análises. Assim sendo, a análise textual, a semiótica, a desconstrução, a
etnografia, a análise fonêmica, a psicanálise, a rizomática, a análise de conteúdo, e o survey, podem, juntas ou
isoladamente, colaborar na compreensão dos dados e fatos que nos interpelam cotidianamente.
Graças à produtividade do proposto por autores, como Nelson, Treichler e Grossberg (1995)
e Hall (1997a), as premissas teóricas e analíticas dos Estudos Culturais têm sido muito utilizadas na
área da Educação. Costa, Silveira e Sommer (2003) destacam que os Estudos Culturais em Educação
abordam uma série de questões sobre metodologias e políticas escolares, discutem as relações de
poder presentes nos currículos e nas atividades de sala de aula. Não obstante, incitam debates e
análises críticas sobre infância, cidadania, identidade nacional, pedagogias culturais na pós-modernidade,
a cultura do “outro”, raça, gênero e etnia no capitalismo neoliberal, efeitos da globalização e do
neoliberalismo na Educação, entre outros. No Brasil, segundo estes últimos autores, os Estudos Culturais
têm trazido contribuições à Educação ao ampliar a noção de pedagogia e de currículo, ao desnaturalizar
os discursos de teorias e disciplinas inseridas na estrutura escolar, e ao tornar mais complexas as
discussões acerca de identidade e diferença, bem como aquelas relativas a processos de subjetivação.
Por tais razões, os Estudos Culturais podem ser compreendidos como novas formas de
olhar as áreas das humanidades, da comunicação e da literatura, com “lentes” que possibilitam entender
de maneira diferente e mais ampla a Educação, trazendo novos significados para questões como
cultura, identidade, discurso e representação no cenário das práticas pedagógicas.
Artefatos Culturais, Pedagogias Culturais e Mídia
A proliferação de diferentes artefatos culturais, nos últimos anos, tem permitido a produção
de novos e amplos debates. Artefatos culturais são produções – tais como textos, imagens, revistas,
páginas da internet, música, filmes, etc. – imersas em culturas específicas, que atuam como significantes
e significadores de saberes e práticas de pertencimento que fazem com que signifiquem algo de uma
determinada forma (Garbin, 2006a). Os artefatos culturais são “o resultado de um processo de
19
construção social e constituem um campo de luta em torno da significação” (Silva, 1999, p.134).
Nesse sentido, não há produção de significados que não resulte de relações de poder.
Steinberg (1997) diz que todas as práticas, produtos e espaços culturais podem ser considerados
educativos. Neste sentido, Schmidt (2001, p.64) escreve que “os artefatos da cultura, como a televisão
ou os jornais, praticam pedagogias, nos ensinam coisas, nos contam histórias, nos dizem como as coisas
são, como as coisas não são, como as coisas devem ser”. Também para Sabat (2001), os artefatos
culturais adquirem sentidos na cultura e ensinam, colocando em prática um currículo cultural que produz
significados novos e/ou reafirma outros tantos, constituindo, assim, identidades culturais.
As bibliotecas, os canais de televisão, os filmes, etc., podem ser considerados pelo que foi
explicado acima como educativos, pois produzem significados, estabelecem regras, posições e
identidades no mundo social. Para Santos (2004, p.237)
práticas, produtos e espaços até então tidos como “inocentes”, como pura diversão,
fuga do trabalho e da vida urbana agitada passam a ser analisados como produtores
de representações que regulam nossas vidas. Tais práticas, produtos e espaços por
estarem ligados ao prazeroso, ao lúdico, etc., estiveram, até recentemente, no campo
da educação, isentas de uma análise que discutisse as relações de poder que aí se
dão. É também neste nível, o do entretenimento, que as pedagogias culturais, através
da produção de significados, nos constituem e nos regulam.
Neste mesmo sentido, incluo os jogos de RPG e suas práticas, pois as pedagogias, colocadas
em ação por esses artefatos, nos ensinam sobre maneiras de ser, maneiras de viver, colaborando para
forjar identidades através do consumo. Na interação com elas, aprendemos, somos posicionados e
nos posicionamos, segundo uma variedade de dinâmicas comerciais que se apresentam como não
educativas.
Segundo Steinberg e Kincheloe (2001), a pedagogia cultural é encontrada em locais em que
o poder é organizado e difundido. A análise dos artefatos culturais procura investigar seus “ensinamentos”
e o modo como se produzem e se distinguem binarismos como verdadeiro/falso, bem/mal, certo/
errado, normal/anormal. Há um espaço pedagógico em nossa cultura que é ocupado pela mídia, que
nos ensina, controla, governa e exerce o poder de subjetivação e objetivação dos sujeitos (Fabris,
2004). Os artefatos culturais permitem a produção de um currículo cultural que, segundo Costa,
Silveira e Sommer (2003), são as visões particulares das representações de mundo, de sociedade, de
identidade e de sujeito, que a mídia e outros artefatos produzem.
20
Para que os artefatos culturais possam funcionar pedagogicamente são necessários suportes
8
ou “meios”, nos quais adquirem visibilidade certos discursos, valores, atitudes e condutas. A mídia é
um complexo aparato cultural e econômico, que produz e faz circular significados e sentidos, que, por
sua vez, relacionam-se com os modos de ser, modos de pensar, modos de conhecer o mundo e de se
relacionar com a vida (Fischer, 2001). Conforme a autora, os meios de comunicação “vivem” das
emoções, dos sentimentos, dos desejos e das frustrações das pessoas, que são contempladas e têm
sua intimidade exposta, mudando o entendimento que se tem de espaço “privado”. É necessário,
então, problematizar a questão do que é educativo e do que é diversão, do que pode ser considerado
informação ou publicidade, perguntando de que maneira os produtos da mídia acabam constituindose como formadores de sujeitos e de posições de sujeito. Sobretudo porque, se as pessoas se
reconhecem nesses produtos é porque, de alguma forma, nesses espaços se fala a linguagem desse
público e, em alguma medida, essas mensagens constituem, ensinam, produzem os espectadores.
A mídia nos ensina a olhar o mundo de uma forma peculiar. Segundo Schmidt (2001), é
importante repensar a mídia e as imagens colocadas em circulação como uma forma de “aprendizagem”.
As revistas, jornais e outros meios criam e multiplicam representações, invadem nossas vidas, fazendo
com que passemos a fazer parte do cenário do mundo midiático não apenas como espectadores ou
observadores. Conforme a autora, ao falar na pedagogia da mídia, enquanto estamos assistindo a uma
novela, lendo um jornal, precisamos compreender que estamos aprendendo coisas, estamos sendo
interpelados por discursos que nos subjetivam e nos educam. Silva (1996) alerta que os meios de
comunicação não devem ser encarados simplesmente como meios de divulgação de representações,
mas também como meios de fabricação destas e de envolvimento afetivo do espectador e do
consumidor.
Na opinião de Costa (2002), o currículo da mídia não é imposto. Aproximamo-nos e aderimos
a ele por interesse, pois a mídia parece nos mostrar o que está “realmente” acontecendo, nos ensinando
sobre a vida, sobre o mundo, fabricando opiniões, moldando sentimentos, inventando situações,
produzindo histórias, nos abordando e praticando sua pedagogia. De acordo com a autora,
os textos culturais são tomados como discurso que não apenas descrevem ou falam
sobre as coisas, mas, ao fazer isso, instituem as próprias coisas. É nesse sentido que
a linguagem e a cultura podem ser consideradas constitutivas do que usualmente
8
Conforme Rocha (2005), “mídia” é uma palavra originada do latim e significa “meio”, utilizada e grafada no Brasil
a partir de sua versão e pronúncia em língua inglesa (media).
21
denominamos “realidade”. As histórias narradas, seja na forma de textos literários, de
filmes, de imagens pictóricas ou de análises científicas, entre outras tantas
manifestações culturais, acabam por constituir aquilo que é concebido como a
identidade de indivíduos, povos, culturas, grupos, objetos, sentimentos, etc. (p.74)
Kellner (2001) argumenta que o material fornecido pela mídia constrói as identidades dos
indivíduos ao os inserirem em sociedades tecnocapitalistas contemporâneas, produzindo, por
conseguinte, uma nova forma de cultura global.
Esse conjunto de reflexões relativas às pedagogias culturais – dentre estas, da pedagogia da
mídia, em particular – é central para o meu estudo, uma vez que concebo os RPG como artefatos
culturais. Ao fazer um comentário sobre esse tipo de jogo, Fannon (1999, p.18) afirma que “qualquer
coisa que mude a vida de uma pessoa – trazendo a ela confiança, fazendo amigos e aumentando sua
9
habilidade de atingir seus objetivos – é muito mais do que simplesmente um jogo” (grifo do autor).
Esta opinião reforça a importância de se olhar e analisar criticamente estes jogos, prestando atenção
aos modos como eles ensinam maneiras de ser e de agir, estabelecendo valores, normas e condutas,
e constituindo determinadas identidades de jogadores.
Após essas explanações, procedi com a pesquisa com o capítulo intitulado “Masmorras,
espadas e dragões”, no qual explico o que é RPG, ilustrando-o com a inclusão de um exemplo de uma
aventura hipotética criada por mim e discutindo algumas de suas características. No capítulo “A
Máscara”, esclareci sobre o RPG Vampiro: A Máscara, escolhido por mim para este trabalho. Nesse
capítulo, expliquei as regras do jogo, suas características, as produções referentes a esse sistema e
inclui um exemplo de criação de personagem para o jogo. Em “As Tradições”, discuti mais alguns
aspectos teóricos que se relacionam à minha pesquisa, como as noções de representação, identidade
e diferença e as culturas juvenis. No capítulo “Os Amaldiçoados”, fiz uma análise das diversas
interpretações de vampiro ao longo dos anos nas diversas mídias – cinema, literatura – além de
apresentar algumas discussões teóricas a respeito do assunto, que acreditei serem pertinentes ao meu
estudo. Em “Quebrando a Máscara”, primeiramente explanei sobre o Orkut e como as identidades se
constituem nesse espaço. Após, continuei minha pesquisa sobre as identidades juvenis nas páginas das
comunidades do Orkut sobre Vampiro: A Máscara, relacionando as informações selecionadas com
9
A partir de agora, todas as traduções são de minha autoria. No original: Anything that changes a person’s life –
giving them confidence, making them friends, and increasing their ability to achieve their goas – is much more
than “just a game”.
22
meu aporte teórico. Por fim, em “Fim da Crônica”, relacionei as discussões feitas nos dois últimos
capítulos, interligando-o as teorizações feitas, e apresentei minhas considerações finais, com as quais
encerro a presente Dissertação.
masmorras, espadas e dragões
Os primeiros jogos de RPG tinham como temática principal a fantasia medieval, diretamente inspirada das obras de Tolkien.
Logo, as aventuras ocorriam em cenários como masmorras, castelos, labirintos, e tinham como principais heróis guerreiros
portando espadas, enfrentando monstros como orcs, goblins e terríveis dragões. O título deste capítulo refere-se a isso. E a
imagem, por sua vez, mostra esses personagens típicos de uma aventura de RPG: magos, guerreiros, vampiros, dragões.
24
MASMORRAS, ESP
AD
AS E DRAGÕES
ESPAD
ADAS
Um pouco de história
Conforme Gygax (1987) e Fannon (1999), a criação do primeiro RPG se deu na primeira
metade da década de 1970 e tem como base os jogos de estratégia, ou wargames, comumente
chamados de jogos de miniaturas. Esses jogos utilizam pequenas miniaturas de soldados que, organizados
pelos jogadores em exércitos, são dispostos em um terreno ou mesa onde batalhas são simuladas,
seguindo certas regras. Os conflitos ocorrem nas mais diferentes ambientações e podem simular desde
combates medievais a lutas na Segunda Grande Guerra ou até no espaço sideral.
Embora as miniaturas venham sendo utilizadas há mais de dois séculos como recursos para
estabelecer estratégias reais de combate, é aceito entre os praticantes de wargame que essa modalidade
foi criada por H. G. Wells, em seu livro Little Wars, publicado em 1913, que gerou uma série de novas
publicações e centenas de regras para serem usados nos mais diferentes cenários (Fannon, 1999).
Em 1971, o norte-americano Gary Gygax, um aficionado pela obra de Tolkien10 (2001),
publicou juntamente com o também norte-americano Jeff Perren o livreto de regras para miniaturas
Chainmail, no qual as batalhas ocorriam em um cenário com elementos de fantasia medieval, como
elfos, dragões, magos, gigantes e trolls11, nitidamente baseado na obra tolkieniana. O que o diferenciou
dos demais jogos de estratégia foi que, ao contrário dos outros, Chainmail trazia regras para combate
mano-a-mano, pois, até então, cada miniatura podia representar de dez até cem homens no jogo
(Gygax, 1987).
Com o sucesso comercial do livro, Gary Gygax começou a se corresponder com outros
jogadores que estavam apreciando a idéia de usarem uma miniatura para representar somente um
homem. Um desses jogadores era o norte-americano Dave Arneson, que além de simular as batalhas
em campo aberto, começou a jogar em outros ambientes fechados com grupos menores de soldados
10
John Ronald Reuel Tolkien foi professor de lingüística e de língua inglesa, especialista em inglês antigo e
medieval. Professor da Universidade de Oxford, publicou uma série de livros cujas histórias se passavam na TerraMédia, repleta de criaturas fantásticas. Seu primeiro livro foi “O Hobbit”, publicado em 1937, mas o mais famoso foi
a série em três livros “O Senhor dos Anéis”, lançada em 1954, que foi adaptada recentemente para o cinema.
11
Trolls são gigantes antropomórficos horrendos, originários das lendas escandinavas. São criaturas muito comuns
nos cenários de RPG.
25
– como cavernas, calabouços e castelos – com outros elementos, como passagens secretas, armadilhas
e labirintos. Essa troca de correspondências entre os dois gerou um novo conjunto de regras para
esses novos tipos de situações. Assim, em janeiro de 1974, surgia o primeiro role-playing game, o
Dungeons & Dragons (Fannon, 1999).
No Brasil, no final dos anos 1970 e início dos 1980, o RPG era praticado em escolas e
universidades por pessoas que haviam feito intercâmbio nos Estados Unidos e traziam os livros de lá.
Esses eram fotocopiados, o que fez com que o período ficasse conhecido pelos jogadores de RPG
como “Geração Xerox” (Dragão Dourado, 1994).
Somente no início da década de 1990, títulos de RPG começaram a ser traduzidos para a
língua portuguesa, e outros começaram a ser produzidos no Brasil, como Tagmar12 e O Desafio dos
Bandeirantes13, este último com temática totalmente brasileira. Desde então, muitas editoras surgiram,
revistas especializadas vêm sendo publicadas, eventos e encontros de RPG são realizados por todo o
Brasil, comprovando a proliferação deste hobby em nosso país.
Três letras em poucas palavras...
O Role-playing game, ou RPG, significa, numa tradução livre, jogo de interpretação.
Praticamente, todos os jogos de RPG, trazem uma definição de como é o jogo. Por exemplo, Ricon
(1999d, p.6), diz que
RPG é um jogo de criar e contar histórias, no qual cada ouvinte faz o papel de um
personagem. (...) é uma brincadeira de contar histórias. Ele é como uma conversa na
qual os participantes imaginam o cenário onde a história se passa e definem o que
seus personagens fariam em cada situação descrita.
Nöthlich (2002, p.2) explica que
O RPG é um jogo diferente onde cada participante assume o papel de um personagem
e participa de incríveis aventuras. Um dos jogadores é chamado de mestre, ele é uma
espécie de contador de histórias. Cabe a ele criar as aventuras e descrever as situações
vivencidas pelos personagens enquanto os outros jogadores se concentram em
interpretar seus papéis da melhor forma possível.
12
RODRIGUES, Marcelo et al. Tagmar. Rio de Janeiro: GSA, 1991.
PEREIRA, Carlos Klimick; ANDRADE, Flávio; RICON, Luiz Eduardo. O Desafio dos Bandeirantes. Rio de
Janeiro: GSA, 1992.
13
26
Já Rodrigues (1991, p.1) diz que RPG “são encenações de situações fictícias em que
personagens individuais controlados por jogadores reagem a fatores criados por um Mestre do Jogo
no decorrer desta situação (aventura)” [grifo do autor].
Todas as definições citadas acima descrevem e caracterizam um RPG de maneira
complementar. Em minha análise, a que melhor consegue resumir esse tipo de jogo é de Fannon
(1999, p.87):
Role-playing game: uma atividade recreativa baseada na representação de papéis
pelos participantes, num cenário fictício, onde as regras são apresentadas para a
resolução de tarefas e conflitos (normalmente envolvendo um facilitador) e onde os
14
participantes não são colocados em competição direta para atingir seus objetivos.
O próprio autor salienta que esta talvez seja a definição que mais se aproxime do que seja
um RPG. No entanto, como a definição não é suficiente para esclarecer como esse é jogado, faz-se
necessária uma explicação mais detalhada. Assim, reforçando o que foi citado pelos autores acima,
RPG é um jogo que mistura elementos de duas outras atividades: as brincadeiras de faz-de-conta
(como “polícia e ladrão”, “mocinho e bandido”, “casinha”) e contar histórias.
Em primeiro lugar, há um jogador que se chama Mestre do Jogo, Game Master, Narrador
15
ou Juiz . Esse jogador contará uma história – adquirida ou criada por ele – aos jogadores, que
interpretarão os personagens principais da trama. Esses podem ter sido criados pelos jogadores ou
pelo Mestre do Jogo. Essa narrativa é um processo de criação dinâmico, ou seja, vai sendo construída
conforme o andamento do jogo.
Imaginemos um teatro improvisado ou um filme, onde a história vai sendo contada de acordo
com as interações em cena. É isso que acontece no RPG: há uma premissa básica, um argumento para
a história, porém ela não está definida, fechada ou acabada. Os jogadores, como atores principais, vão
descrevendo o que querem fazer e o Mestre do Jogo, como um diretor, diz o que acontece após cada
decisão dos jogadores. Embora o Mestre do Jogo tenha em mente alguns finais possíveis para a história,
isto dependerá única e exclusivamente das interações e decisões dos jogadores ao longo do jogo.
14
No original: Role-playing game: a recreational activity based on the assumption of roles in a fictional setting
by the participants, where rules are presented for the resolution of tasks and conflicts (normally involving a
facilitator), and where the participants are not placed in direct competition to achieve their goals.
15
Por uma questão de padronização, utilizarei, a partir de agora, o termo Mestre do Jogo, ou somente Mestre.
27
O jogo é realizado, geralmente, ao redor de uma mesa, e necessita somente de lápis, papel
16
e alguns dados comuns ou poliedrais , um grupo de quatro a sete jogadores e um outro que será o
Mestre. Uma vez que as cenas narradas são visualizadas mentalmente pelos jogadores, as ações não
precisam ser executadas fisicamente, elas são narradas ou descritas verbalmente. Por exemplo, se um
jogador diz que seu personagem caminha e abre uma porta, ele não precisa realmente fazer isso. A
história contada é chamada de aventura, e essa se desenvolve sempre num cenário, também adquirido
17
ou criado pelo Mestre do Jogo . Então, a aventura pode ter como ambientação a Idade Média, a
época atual, a pré-história, o futuro ou até mesmo o espaço sideral. Não há limites para a ambientação,
pois isso depende da imaginação daqueles que estão jogando.
Fig. 1 e 2: Jogadores de RPG e dados poliedrais
Os jogadores interpretam personagens de acordo com o tipo de cenário, com características
próprias, como força, destreza, inteligência, sabedoria, carisma, vantagens, desvantagens, etc., que
variam também de acordo com o tipo de aventura e sistema em que será jogada. O jogo Dungeons &
Dragons, por exemplo, possui como características principais Força, Destreza, Constituição, Carisma,
Sabedoria, Inteligência, Perícias, etc. O sistema GURPS, por sua vez, possui Força, Destreza, Inteligência,
Vitalidade, Vantagens, Desvantagens, Perícias, entre outras. Já Vampiro: A Máscara, possui as características
denominadas Físico, Sociais, Mentais, Talentos, Perícias, Conhecimentos, etc. Estas características são
16
Além dos dados comuns de seis faces, também são usados no RPG dados de 4, 8, 10, 12, 20, 30 e até 100 faces.
Hoje em dia, os livros de RPG podem ser facilmente encontrados em livrarias. Entretanto, também existem lojas
especializadas na venda de produtos de RPG além de livros e suplementos, como miniaturas, dados, etc. (http://
www.rpgeduc.com/link.htm). Porém, jogadores costumam reclamar dos preços praticados pelas editoras de livros
de RPG. Um livro completo de regras, por exemplo, pode chegar a custar até R$ 80,00. Há poucas editoras hoje
publicando RPG no Brasil. Entre elas, podemos citar a Jambô, Conclave, Daemon Editora e a Devir.
17
28
importantes porque informam sobre cada personagem e fornecem elementos para a interpretação dos
jogadores, que podem ser policiais, guerreiros, magos, piratas do espaço, caubóis, detetives, cientistas,
18
super-heróis, etc. Essas informações e muitas outras ficam registradas nas fichas de personagens .
O Mestre assume o papel de juiz, e cabe a ele conhecer todas as regras que serão usadas,
pois como todo jogo, o RPG também as possui. Como o RPG parece um jogo de faz-de-contas, as
regras existem para que não haja os problemas que havia nas brincadeiras infantis, já que aqueles que
brincavam de polícia e ladrão, por exemplo, nunca sabiam quando um tiro acertava o bandido ou não.
No RPG, o Mestre é responsável pelas regras, e é ele quem define o que acontece após cada decisão
dos jogadores. Além disso, o conjunto de regras funciona como as leis físicas do universo onde a
aventura está sendo jogada. Apesar de ficar a cargo do Mestre decidir qual o resultado das ações dos
jogadores, as regras servem para auxiliar o seu julgamento. Por exemplo, um jogador pode querer pular
um buraco de 300 metros de largura com seu personagem, mas as regras certamente impedirão que ele
obtenha êxito em sua tentativa, pois uma ação como esta seria impossível para qualquer ser humano.
Embora não seja um jogo de sorte ou azar, os dados no RPG servem para dar um caráter de
aleatoriedade, ou de acaso, para determinadas ações. Numa situação parecida com a das brincadeiras
de mocinho e bandido, por exemplo, a rolagem de dados determinaria se o tiro acertou o alvo ou não.
O Mestre pode, entretanto, ignorar tudo isso e usar somente seu senso de justiça e outros critérios que
considere relevantes no julgamento.
As regras também podem ser criadas pelo Mestre do Jogo ou adquiridas por ele, em diversos
conjuntos de regras disponíveis, chamados “sistemas”. Em geral, existe um conjunto de regras para cada
ambientação, salvo aqueles sistemas que são chamados de genéricos, cujas regras servem como base
19
para a criação de qualquer cenário . O Mestre precisa conhecer bem a história que será jogada de
antemão, e conhecer, também, os pormenores do universo em que está ambientada a aventura, bem
como ter em mãos mapas e descrições de lugares e saber o que pode acontecer em cada local que
será freqüentado pelos jogadores. Como se pode ver, o papel do Mestre do Jogo é, de longe, o mais
18
As fichas de personagens são, então, folhas em que os jogadores registram as informações de seus personagens
(ver Anexos I, II e III).
19
No Brasil, o sistema genérico mais comum é o GURPS, sigla de Generic Universal Role-Playing System (Jackson,
1991). Outro sistema genérico que foi lançado recentemente é o ÓperaRPG. Entretanto, o sistema mais jogado no
Brasil atualmente é o Dungeons & Dragons, terceira edição (Cook, Tweet & Williams, 2001), cujo sistema, que não
é genérico, é conhecido como sistema D20.
29
importante. Segundo Swan (1990), só há realmente duas regras que valem, de fato, no RPG, que ele
chama de Golden Rules (Regras de Ouro): (1) o Mestre pode inventar o que ele quiser; e (2) a
palavra do Mestre é lei. Não há regra ou “ritual de passagem” que indique quem deve ser o Mestre:
isso é determinado entre os jogadores, por interesse, por algum rodízio estabelecido por eles, ou,
geralmente, por quem compra os livros de regras. A escolha sempre é feita de comum acordo entre
todos os participantes do jogo.
O jogo ocorre da seguinte maneira: o Mestre inicia a aventura, conta aos jogadores o seu
objetivo – geralmente é uma missão heróica, como salvar uma princesa, invadir o covil de um dragão,
vencer um vilão interespacial, libertar uma cidade, etc. –, e começa a descrever as cenas. Conforme
as descrições, os jogadores interagem entre si e tomam decisões. Baseado nessas decisões, o Mestre
julga o que acontece e responde aos jogadores. Os passos são repetidos assim, sucessivamente.
20
Como destaquei anteriormente, o RPG não é um jogo competitivo . Em função disso, os
jogadores devem trabalhar juntos, como uma equipe, para cumprir o objetivo da aventura. O Mestre
não joga contra os jogadores, sua função é a de servir como juiz do jogo, narrador, e até mesmo como
os “sentidos físicos” dos jogadores, já que é o Mestre quem diz o que eles vêem, sentem e ouvem,
além de interpretar todos os outros personagens que os jogadores encontram na aventura, os chamados
non-player characters (NPCs, ou personagens não-jogadores).
Conforme Riyis (2004), a finalidade principal do RPG – que, no meu entender, pode ser
chamada de meta-objetivo – é a diversão. Mesmo que os participantes não consigam cumprir o objetivo
da aventura, mesmo que tenham falhado, o que realmente importa é a diversão. No RPG, além disto, não
há vencedores nem perdedores, pois o ganho está no tempo divertido que passarem juntos.
Com relação ao tempo, o RPG não tem duração exata. Uma sessão ou partida pode durar
algumas horas, mas uma aventura pode não ter fim, e ser jogada em diversas sessões, sempre com os
20
Segundo Ortiz (2005), há uma grande dificuldade em se definir um conceito para jogo, e qualquer tentativa não passaria
de uma aproximação parcial do que é este fenômeno lúdico. Embora o conceito possa parecer senso comum, costumase sinonimizar jogo, brinquedo e brincadeira. Entretanto, Kishimoto (2003) destaca que são fenômenos distintos, porém,
inter-relacionados. Fuentes (2005) classifica os jogos de acordo (1) com as estratégias cognitivas envolvidas no jogo; (2)
com o número de participantes e sua relação; e (3) com o vigor da atividade física. Os jogos cooperativos, nesse caso,
fazem parte do nível social, ou seja, com relação ao número de participantes. Jogo cooperativo, para a autora, é “o mais
complexo do ponto de vista social. A criança brinca com outras de modo altamente organizado, dividindo tarefas em
função dos objetivos a alcançar. Todos os esforços de todos os participantes se unem para atingir uma meta” (p.39).
30
mesmos personagens. Uma série de aventuras com os mesmos personagens se configura numa
campanha. Na campanha, os personagens se modificam com o passar do tempo, adquirindo mais
experiência, tornando-se mais fortes, mais inteligentes e incorporando qualidades especiais. A aventura
pode acabar quando os jogadores completam o objetivo proposto pelo Mestre ou falham na tentativa.
Entretanto, o jogo pode ser suspenso/interrompido quando os participantes decidirem parar por qualquer
razão, pois a partida pode sempre ser retomada numa próxima sessão.
Rolando os dados21: Um exemplo de aventura
Para que haja uma melhor compreensão do que é o RPG, exemplificarei uma partida hipotética,
de minha autoria. Nesse exemplo, o Mestre conta com um grupo de quatro jogadores, e a aventura se
passa num cenário de fantasia medieval. Os personagens possuem três características: (1) capacidade,
que indica a habilidade do aventureiro no combate com armas ou desarmado, força e capacidade
22
para solucionar problemas ; (2) vigor, que é a quantidade de energia, a resistência do aventureiro,
23
sua constituição geral ; e (3) êxito, que é a sorte do aventureiro, a capacidade de se sair bem em
24
determinadas situações . As características dos jogadores, após jogar os dados, são as seguintes:
Jogador
Jogador 1
Jogador 2
Jogador 3
Capacidade
7
9
8
Vigor
20
16
18
Êxito
4
3
5
Jogador 4
10
15
2
Além disso, os aventureiros levam para essa aventura: uma espada, uma sacola (para guardarem seus
pertences e objetos que encontrarem no decorrer do jogo), alimentos (para recuperar seu vigor) e uma lanterna.
Estão todos prontos, com suas fichas de personagens preenchidas, sentados ao redor de
uma mesa, o Mestre já tem preparado um mapa do local da aventura (ver Anexo IV) e começa a
25
descrever a história, lendo ou falando aos demais participantes :
21
Nos jogos de RPG, jogadores dizem rolar dados, rolamento de dados, ao invés de jogar dados. Provalmente,
influência dos jogos de RPG de língua inglesa, onde se diz roll the dice.
22
Calcula-se esse valor jogando três dados de seis faces e somando-se seus resultados.
23
Calcula-se esse valor jogando quatro dados de seis faces e somando-se seus resultados.
24
Calcula-se esse valor jogando um dado de seis faces e anota-se seu resultado.
25
A partir de agora, no texto, todas as passagens relativas aos jogos de RPG serão grafadas com outro tipo de letra
para diferenciar das citações diretas.
31
Mestre: Este reino era conhecido antigamente como o Reino da Luz, mas as
trevas o corromperam. Um mago vindo de terras distantes acabou com as
defesas do reino e dominou todas as suas formas de vida. Isso ocorreu há
poucos anos atrás. Guerreiros vindos de todas as partes do planeta tentam
livrar a região das sombras que o dominam. Porém, servem somente como
diversão para o mago. Vocês foram treinados nas mais eficazes técnicas de
combate pelo mentor de vocês, o mago e guerreiro Gyness. Uma doença
mortal o atingiu e, no seu leito de morte, ele os fez jurar que fariam de tudo
para livrar o reino do mal que há anos o assola. Após a morte de Gyness,
vocês nada mais fizeram do que arrumar seus equipamentos e partir ao
encalço do Mago Angten para cumprirem seu juramento. Após muitas
dificuldades, vocês descobriram a masmorra em que Angten se esconde.
Depois de trinta e três dias de caminhada, vocês finalmente chegam nas
proximidades da masmorra daquele que chama a si mesmo de Supremo Mortal
e que transformou o outrora Reino da Luz num mundo de trevas.
Essa descrição do Mestre estabelece, neste exemplo, o cenário da aventura e que tipo de
personagens os jogadores irão interpretar. Estas definições, no entanto, ocorrem em momentos anteriores
ao da aventura, numa fase de preparação do jogo, em que os jogadores definem os atributos e
características de seus personagens. A definição de atributos depende de cada sistema de regras. No
caso deste exemplo, tal definição se dá rolando os dados, conforme descrevi anteriormente. Outros
jogos também fazem uso deste artifício ou utilizam regras de pontuações, que são distribuídas entre
atributos, como GURPS, por exemplo26. Esta fase de preparação não tem um tempo definido, podendo
ocorrer alguns minutos ou horas antes do jogo, ou até mesmo dias ou semanas, dependendo da
disponibilidade dos jogadores.
Após a descrição feita pelo Mestre, inicia-se a interação entre os jogadores e o Mestre, através
de perguntas e respostas, com a intenção de obterem mais informações e, assim, tomarem suas decisões:
Jogador 1: Certo, e onde estamos, exatamente? Pode descrever o lugar?
26
Neste sistema, o jogador tem um número de pontos de criação de personagem que podem ser distribuídos entre
suas características. Por exemplo, para uma aventura de fantasia medieval, um jogador pode ter 200 pontos de
criação, e decide colocar 20 pontos em Força, 17 em Destreza, 15 em Vitalidade, e assim por diante.
32
Mestre: Vocês estão numa clareira, ao fim da chamada Floresta Negra. A
mata atrás de vocês é tão densa que vocês não enxergam mais o caminho pelo
qual vocês chegaram até aqui. Mais à frente de vocês, a cerca de uns dez
metros, há uma ponte que está sobre um precipício. Lá embaixo, corre um rio.
Jogador 2: A ponte é segura?
Mestre: [lendo as anotações e sabendo que há uma probabilidade de ela
cair]. A ponte está aí há muito tempo e as cordas parecem um pouco gastas.
Jogador 3: Qual é a altura da ponte até o rio?
Mestre: Você tem algum equipamento para medir? Bem, já que estão
preocupados com isso, numa olhada, vocês imaginam que deve estar a uma
altura de mais ou menos 30 metros.
Jogador 2: É uma baita queda, hein?
Jogador 3: É. Mas não tem outro caminho?
Mestre: Não há outro caminho. A menos que vocês queiram dar meia-volta e
esquecer a missão de vocês.
Jogador 1: Não, eu vou atravessar a ponte.
Jogador 4: Eu também vou.
Jogador 3: Não sei não...
Jogador 2: Vamos logo. Não tem outro caminho.
Jogador 3: Acho que vou esquecer a missão e dar a volta. Vou para casa!
Jogador 1: Que belo covarde você é. Vamos lá, ou vão todos ou não vai
nenhum.
Mestre: [em silêncio, rindo das discussões dos jogadores].
Jogador 3: OK, vamos todos juntos atravessar a ponte.
Chamo a atenção que, neste exemplo fictício (que se aproxima muito das experiências de
jogos em que participo/participei), mesmo com divergências de opinião, o grupo toma a decisão de
permanecer junto, o que ressalta o trabalho cooperativo:
Mestre: Perfeito. Vocês estão caminhando sobre a ponte. [O Mestre sabe
que há a probabilidade de 1 em 6 da ponte cair, conforme consta em suas
anotações. Pelas regras do jogo, para resolver isso, ele deve rolar um dado.
Os jogadores não cairão se o resultado nos dados for de 2 a 5. Ele joga um
33
dado, o resultado é 1 e a ponte, então, deve cair.] Como eu disse, vocês
estão sobre a ponte. Quando vocês estão chegando quase na metade da
ponte, as cordas se arrebentam por causa do peso de vocês. A ponte cai, e
vocês também. Na queda, vocês batem em algumas pedras que têm no rio e
perdem 5 pontos de vigor. Sugiro que vocês façam um regime para que isso
não ocorra na próxima vez que estiverem atravessando uma ponte.
Jogador 4: Engraçadinho.
O rolamento de dados mostra o caráter aleatório do jogo. O Mestre poderia decidir o que
aconteceria sem lançar os dados e/ou consultar as descrições da aventura, mas opta por rolar os
dados e deixar a “sorte” agir:
Jogador 3: E agora?
Jogador 2: Vamos escalar o penhasco.
Mestre: Muito difícil. O penhasco é muito íngreme e liso. E além do mais,
vocês não têm nenhum equipamento especial para escalada.
Jogador 1: E o que a gente faz?
Mestre: O rio segue dois caminhos, leste e oeste. Vocês estão com água
acima da cintura.
Jogador 2: Vamos por Oeste?
Jogador 4: Vamos todos por oeste.
Mestre: Certo. Vocês andam por bastante tempo. A água começa a ficar
rasa e estão com água pelas canelas. Existe um pequeno monte de terra no
meio do rio, que muda a direção e segue para o norte.
Jogador 4: Ué, o que será que tem nesse monte de terra?
Jogador 1: É mesmo. Vamos dar uma pesquisada no local.
Mestre: E como vocês esperam fazer isso?
Jogador 3: Sei lá, vou ficar cavando a espada na terra e ver se encontro
alguma coisa.
Mestre: Certo. [Lendo as anotações e observando que há um baú enterrado].
Jogue três dados.
Jogador 3: Tá, joguei. Saiu 7.
Mestre: Você cravou sua espada e sentiu alguma coisa enterrada.
34
Jogador 2: Vamos desenterrar!
Mestre: Você desenterra e achou um baú.
Jogador 3: Eu vou abri-lo.
Mestre: Há um pequeno cadeado.
Jogador 3: Então, vou dar uma espadada no cadeado.
Mestre: OK. Jogue três dados.
Jogador 3: Puxa, saiu 11.
Mestre: Você deu uma espadada e acertou o cadeado. Mas a força do seu
golpe não foi suficiente para abri-lo. Você apenas enfraqueceu o cadeado
e sua espada quebrou um pouco em um dos lados. Por favor, desconte um
ponto de sua capacidade por isso.
Jogador 3: Ah, não!
Mais uma vez, os rolamentos de dados servem para trazer um caráter de imprevisibilidade
para algumas situações. Os jogadores, na tentativa de encontrar algo, fazem um teste de capacidade,
indicado pelo Mestre. Em uma das tentativas, um dos jogadores falha e o Mestre decide o que
acontece com ele:
Jogador 1: Tenta de novo, agora você consegue.
Jogador 3: Eu não. Por que você não tenta?
Jogador 2: Eu vou abrir o baú. Joguei três dados e saiu... Nossa, saiu um
nove!
Mestre: Você apenas complementou o trabalho iniciado pelo Jogador 3,
então você conseguiu abrir o baú e encontrou vinte e sete moedas de ouro
dentro dele.
Jogador 2: Jogador 4, você fica encarregado de cuidar do nosso dinheiro.
Jogador 4: Ouro! Ouro!
Jogador 1, 2, 3 e Mestre: [Todos riem.]
Jogador 1: Bem, vamos continuar para o norte?
Jogador 2, 3 e 4: Todos para o norte!
A partir daqui, o jogo poderia se desenrolar de diversas formas. Eles poderiam seguir para o
norte, encontrar uma entrada para a masmorra e seguir adiante, enfrentando armadilhas e inimigos
35
previamente preparados pelo Mestre, até chegarem ao local onde se encontra o Mago Angten. Ao
encontrá-lo, os personagens travariam uma batalha até que um dos lados – os personagens ou o vilão
– seja derrotado. Mesmo assim, isso tudo depende das decisões tomadas pelos personagens em cada
uma das situações que forem surgindo.
Conforme mencionei anteriormente, o jogo pode acabar em uma sessão ou prolongar-se
por mais encontros, se houver necessidade (por uma questão de tempo) ou se essa for a intenção do
Mestre e dos jogadores (se estiverem jogando uma campanha, por exemplo). O que se pode observar
é que as decisões são tomadas em conjunto, apesar de certas lideranças surgirem durante o jogo, mas
isso não anula o fato que todos devam trabalhar juntos, unir suas habilidades, para vencer os obstáculos
propostos pelo Mestre do Jogo.
Mais charadas no escuro...
Mesmo com as explicações e o exemplo dado acima, existem outras características do RPG
que, por vezes, podem suscitar dúvidas e incompreensões. Em função disto, julgo ser necessário
apresentar algumas delas, a seguir, a fim de contribuir para uma melhor e maior compreensão deste
jogo/sistema a partir do qual desenvolvi esta Dissertação.
Conforme relatei anteriormente, o jogo é comumente realizado ao redor de uma mesa, mas pode
ocorrer no chão, em cima da cama, num carro, em qualquer lugar onde pessoas possam se reunir. No início
do RPG, como era difícil reunir pessoas interessadas no jogo, muitos jogadores jogavam por correspondência,
criando o estilo que ficou conhecido como play-by-mail, ou jogar-por-carta (PBM). Atualmente, com o
advento da internet, o PBM se modernizou e virou play-by-email, ou jogar-por-email (PBEM), além dos
play-by-forum (PBF), jogados em fórums de sites na internet e funcionam da mesma forma que os RPG
27
“tradicionais” (também chamados de RPG de mesa ou tabletop ): há um mestre que narra as aventuras e
o restante dos jogadores define o que fazer a seguir, por carta ou por correio eletrônico.
28
Outra modalidade que foi criada no final dos anos 1970 e início dos anos de 1980 , é o
Live Action (também chamado de LARP – Live Action Role-Playing Game). Nessa modalidade,
27
Outro termo para se referir ao RPG “tradicional”, embora repudiado pelos jogadores mais puristas, é pen-andpaper ou pencil-and-paper RPG, respectivamente, em uma livre tradução, “RPG de caneta e papel” ou “RPG de
lápis e papel”.
28
Conforme informação disponível em http://en.wikipedia.org/wiki/Live_action_role-playing_game.
36
os jogadores não participam de uma aventura ao redor de uma mesa, eles realmente se vestem conforme
seus personagens e executam as ações, ao invés de descrevê-las. Assim, no lugar de dizer: “meu
personagem vai abrir a porta”, o jogador vai até a porta e abre realmente. O Live Action aproximase muito mais do teatro improvisado. As partidas costumam acontecer em casas, sítios, salões ou
outros lugares que possam acomodar muitas pessoas, já que, diferentemente do RPG de mesa, onde
um bom número de jogadores varia de 4 a 7 pessoas, no Live Action pode haver mais de 100
pessoas. A figura do Mestre permanece, porém, não mais contando a história. Depois de atribuir as
missões de cada personagem, o Mestre só verifica se há algum problema nas ações realizadas. As
interações são livres e a intervenção do Mestre só ocorre quando é preciso averiguar algo relacionado
às regras ou à história.
É muito comum, também, que se confunda RPG com jogos de videogame, como os famosos
Zelda, Final Fantasy, ou até mesmo Second Life29. Os dois primeiros são assim designados por se
tratarem de jogos mais estratégicos e com menos foco na ação, com uma série de diálogos entre os
personagens, que são importantes para vencer os obstáculos propostos no jogo. Já Second Life
assemelha-se mais a uma comunidade virtual, como um Orkut em 3D, em que as pessoas podem criar
“avatares”, seus “eus” no mundo virtual. Mas não é um jogo, porque não é preciso vencer algo,
sobrepujar inimigos, nem há uma história ou narrativa que guia os participantes.
Hoje em dia há os chamados Massively Multi-Player Online Role-Playing Games
(MMORPGs), jogos online pela internet com mais de um jogador, que se assemelhem ao RPG
“tradicional”, por assim, dizer, ao incorporarem uma ou mais características desses jogos. Porém, não
enfatizam a criação de uma história coletiva, mas sim o desenvolvimento de um personagem em um
cenário com representações e interações limitadas dos envolvidos, além de não contar com elementos
de narração oral.
29
The Legend of Zelda (Zelda) é uma série de videogame da Nintendo criada em 1986. O protagonista é o jovem
guerreiro Link, cuja missão, na maioria dos jogos,é salvar o reino de Hyrule, onde se passa o jogo, a Princesa Zelda
e proteger a Triforce, o símbolo deixado pelas deusas, que pode trazer ao mundo uma era de harmonia e prosperidade,
mas pode destruí-lo se cair em mãos erradas (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Zelda). Final Fantasy é
uma célebre série produzida pela Square Enix para diversos consoles de videogame. O primeiro jogo da série
estreou no Japão em 1987. Em termos gerais, os jogos da série são ambientados em mundos de fantasia, repletos
de magia e elementos medievais mesclados com tecnologia futurística (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/
Final_fantasy). O Second Life é um ambiente virtual e tridimensional que simula em alguns aspectos a vida real e
social do ser humano. Foi desenvolvido em 2003 pela empresa Linden Lab (Disponível em: http://pt.wikipedia.org/
wiki/Second_life).
37
Os livros-jogos, aventuras-solo ou livros-interativos não se configuram tão pouco em RPGs.
Exatamente como uma de suas denominações, são livros em que o leitor joga uma aventura sozinho,
e toma decisões a cada página. Por exemplo, o texto diz: “você encontrou uma bifurcação. Se quiser
ir pelo caminho da direita, vá para o parágrafo 23. Se quiser tomar o caminho da esquerda, vá para o
parágrafo 47”. O RPG é uma história coletiva, e não individual, na qual a aventura vai se desenrolando
conforme as decisões do grupo de jogadores.
Os card games, jogos de cartas ou cards, como Magic: The Gathering, Spellfire,
Pokémon, Yu-Gi-Oh entre outros, também são confundidos com RPG. O que os tornam semelhantes
a esse jogo é o fato de terem uma ambientação, ou história, que funciona como pano de fundo para o
universo do jogo. Entretanto, esses jogos de cartas são competitivos, pois um jogador precisa derrotar
o outro para se tornar vencedor. Conforme disse anteriormente, o RPG é um jogo cooperativo, no
qual não há vencedores ou perdedores. É através da combinação de esforços, aliada às habilidades
dos personagens, que os jogadores vencem os obstáculos propostos pelo Mestre do Jogo, que também
não compete contra os jogadores, e tem a função de conduzir a aventura, tendo em vista a diversão de
todos os envolvidos.
30
Apesar de o RPG ter se originado nos jogos de miniaturas, e alguns rpgistas as utilizarem
para melhor visualizar as batalhas, tais artifícios não são indispensáveis. Embora o jogo tenha como
“palco” a imaginação dos jogadores e nenhum recurso visual seja necessário, em algumas circunstâncias,
o Mestre pode vir a utilizar imagens, músicas e outros elementos para construir uma atmosfera
diferenciada para o andamento da partida.
Há, portanto, algumas características distintivas do RPG em relação aos jogos citados aqui
– e a outros aqui não citados –, conforme destaquei anteriormente. Na pesquisa que desenvolvi no
Mestrado, esta distinção foi tomada como produtora de diferentes identidades, ou seja, como
constituidora de distintas formas de participar do jogo, de relacionar-se com os outros jogadores, de
acolher (ou não) as regras estabelecidas em cada contexto, partida ou campanha. Movido pela indagação
“haveriam diferenças entre os jogadores de RPG?”, realizei algumas pesquisas em plataformas e sites
de circulação de trabalhos acadêmicos, buscando trabalhos que tivessem como foco os RPG.
30
Termo que designa quem joga RPG.
38
31
No site The Escapist , há uma pesquisa quantitativa conduzida pela Wizards of the Coast,
editora americana de RPG, publicada em 2000, que oferece um panorama dos jogadores americanos.
No resultado apresentado, aproximadamente 6% das pessoas entrevistadas (mais de 5 milhões de
pessoas) jogam ou jogaram RPG, sendo que destas, 3% jogavam mensalmente. Deste grupo,
aproximadamente 81% são do sexo masculino. Mais da metade desses jogadores têm idade acima de
19 anos. Entretanto, não encontrei pesquisas mais recentes, e nenhuma que enfocasse o perfil ou as
identidades dos jogadores brasileiros de RPG.
No presente estudo, analisei práticas que instituem certas identidade juvenis entre os praticantes
do RPG de mesa (embora eu não vá utilizar essa denominação). No capítulo seguinte, expliquei o jogo
Vampiro: A Máscara, suas principais características e suas regras, além de incluir um exemplo de
criação de personagem para o sistema.
31
Disponível em <http://www.theescapist.com/WotCsummary1.htm>
A MÁSCARA
A Máscara é a tradição no mundo dos vampiros que os esconde das sociedades do
mundo mortal. Neste capítulo, discuto o universo do jogo Vampiro: A Máscara,
sistema escolhido para minha análise.
40
A MÁSCARA
Joguei Vampiro: A Máscara quando era adolescente. Entretanto, não era meu jogo favorito,
embora tenha me encantado com as possibilidades narrativas que o jogo permitia por fazer com que
seus jogadores interpretassem personagens que despertam um fascínio tão grande quanto os vampiros.
Porém, não me sentia muito à vontade, na época, com a atmosfera criada pelo meu grupo de jogadores
em algumas sessões: usavam-se velas, jogávamos em quartos escuros, com músicas instrumentais
melancólicas e depressivas. Quando jogávamos live action, sempre o fazíamos de noite, com o jogo
prosseguindo durante a madrugada (“vampiros são criaturas noturnas”, justificavam meus amigos),
além de utilizar os elementos que citei acima. Isso fez com que, aos poucos, eu me distanciasse do
Mundo das Trevas32.
Quando tive de escolher um jogo para utilizar como objeto de análise nesta pesquisa, optei
por Vampiro por diversas razões: pela sua temática, de horror pessoal, que prioriza a interpretação
dos jogadores; por ter sido um dos sistemas mais jogados no Brasil, na época de seu lançamento na
33
década de 1990 ; pelo estigma de jogo violento que carrega e de ser capaz de influenciar jovens
praticantes; mas, principalmente, porque tendo sido jogador, pude formular algumas hipóteses sobre
as condutas dos jogadores no contexto do jogo e analisar as páginas virtuais do Orkut, relativas ao
jogo, com certa familiaridade. Uma vez que a perspectiva teórica dos Estudos Culturais propõe
problematizar, tensionar, desconstruir, fui provocado a escolher um jogo que me causasse inquietação,
e certamente jogo que mais me inquieta, como jogador e como pesquisador, é Vampiro: A Máscara.
Descrevendo Vampiro: A Máscara
O livro Vampiro: A Máscara foi lançado no Brasil em 1994, de autoria do americano Mark
34
Rein Hagen, sendo o terceiro sistema a ser traduzido e publicado no Brasil . Com uma temática
diferenciada dos demais jogos de RPG, cujo cenário mais comum era o de fantasia medieval, Vampiro
inova nesse conceito.
32
Ambiente em que o jogo se desenvolve, que descrevo a seguir.
O primeiro foi Aventuras Fantásticas, da Marques Saraiva, em 1990 e o segundo foi GURPS, de 1991, já citado,
publicado pela Devir Livraria.
34
Segundo a pesquisa mais recente que se tem disponível, realizada em 2004 pelo site RedeRPG (disponível em:
http://www.rederpg.com.br/portal/modules/xoopspoll/pollresults.php?poll_id=2), o sistema Storyteller, da qual
faz parte Vampiro: A Máscara, entre outros, é o terceiro sistema mais jogado do Brasil atualmente.
33
41
Esse jogo faz parte de um conjunto de regras mais abrangente conhecido como sistema
Storyteller, que compreende outros títulos publicados no Brasil, como Lobisomem: O Apocalipse
(1994), Mago: A Ascensão (2001), Múmia: A Ressurreição (2001), Changeling: O Sonhar (2005)
e Demônio: A Queda (2007), além de seus suplementos. Todos esses jogos interligam-se pelas regras
comuns e são jogados no mesmo universo ou ambientação, conhecido como Mundo das Trevas.
Como se pode perceber, o universo de jogos ambientados no Mundo das Trevas é muito
extenso, vasto, e cheio de possibilidades, logo, recortes precisam ser feitos. Embora um primeiro
recorte seja a escolha de somente um jogo – Vampiro: A Máscara –, essa definição também carece
de mais alguns direcionamentos. Vampiro: A Máscara é composto do livro de regras (no Brasil, foi
publicada a segunda edição americana, em 1994); o livro de regras revisado (que corrige e acrescenta
elementos ao universo do jogo, publicado no Brasil em 1999); o Guia dos Jogadores (1995), com
informações adicionais para construção de personagens e dicas de interpretação; o Guia dos Jogadores
35
para o Sabá (1998), livro com regras para criar personagens desta seita ; o Guia do Sabá (2001),
que corrige o livro anterior e é destinado ao livro de regras revisado; o Guia da Camarilla (1999),
que adiciona informações ao livro de regras revisado; Os Caçadores Caçados (1997), para criar
aventuras e personagens que atuam como seres humanos caçadores de vampiros; Tempo do Sangue
Fraco (2001), que possui regras para criar personagens vampiros de gerações mais novas e, portanto,
mais fracos; Leis da Noite (2001), com regras para se jogar live action; os livros dos clãs Ventrue
(1995), Malkavianos (1995, com uma segunda edição revisada em 2001), Brujah (1995, com uma
segunda edição revisada em 2003), Toreador (1995), Tremere (1995), Lasombra (2001), Gangrel
(1995), Nosferatu (2001), Assamita (2003) e Capadócio (2001), com mais informações específicas
para cada um dos clãs; os romances dos clãs Toreador (2001), Tzimisce (2003), Gangrel (2003),
Setita (2004), Ventrue (2006) e Lasombra (2006), com histórias que se passam no universo do
jogo; Vampiro: A Idade das Trevas (1998), com regras para se criar jogos com ambientação na
Idade Média; Vampiros do Oriente (2001), com regras para se criar vampiros orientais; o Livro de
Nod (1999), um guia de ambientação, contando os mitos do surgimento dos vampiros; e, por fim, A
Arte de Vampiro: A Máscara (2000), contendo imagens retiradas dos livros ou feitas exclusivamente
sobre o universo do jogo. Ainda, recentemente foram lançados O Mundo das Trevas (2006), Vampiro:
Réquiem (2007) e Os Ritos do Dragão (2008), com novas regras e estabelecendo novos conceitos
para o cenário de Vampiro.
35
Explico melhor do que se tratam as seitas Sabá e Camarilla a seguir.
42
Esse conjunto de publicações – 32 livros em língua portuguesa – mostra a grande abrangência
e difusão do jogo entre praticantes de RPG. Os livros necessários para se começar a jogar são os de
regras, os demais são considerados suplementos e, conforme citei no capítulo anterior, trazem mais
elementos e expandem algumas regras existentes nos jogos de RPG. Sendo assim, podem ser
considerados desnecessários, pois qualquer jogador poderia criar seus cenários, seus personagens,
modificar ou criar novas regras. Os jogos de RPG possibilitam uma fluidez criativa, sem a necessidade
de se manter fixo a conceitos e regras. Porém, para as empresas que produzem jogos, a possibilidade
de oferta de diferentes obras significa uma ampliação de mercadorias colocadas à disposição para um
público específico. O lançamento de novos livros é um convite lançado aos jogadores para aprimorar
suas crônicas/campanhas e jogos. Os livros são, assim, amparados numa lógica comercial mais ampla
– afinal, são empresas que visam lucros – , e a compra dos mesmos pode ser justificada pelo prazer
do jogador em inserir novos elementos no jogo, em acompanhar as últimas novidades, os últimos
desafios, dentre outras razões. Tal como referido no início desta Dissertação, o RPG é um artefato
cultural bastante dinâmico e variável e, em função disto, mensalmente são lançados vários livros no
Brasil e no resto do mundo.
Mas estes livros não são produzidos para qualquer um, são destinados a jovens e adultos,
com um poder aquisitivo razoável – pois, em geral, eles têm um custo elevado – , e são endereçados
a jogadores – que, em geral, são consumidores que não se satisfazem com suas histórias/cenários
propostos nos livros de regras, que não têm tempo para criarem seus próprios elementos ou não tem
a intenção de assim proceder. Compram, portanto, os livros como os acima referidos a fim de facilitarem
o seu divertimento.
Nesse amplo conjunto de obras relacionadas ao jogo, optei por centrar meu estudo nos dois
livros de regras, intitulados Vampiro: A Máscara, e com os guias dos Jogadores, dos Jogadores
para o Sabá, do Sabá e da Camarilla. Passo a descrever o RPG Vampiro: A Máscara, seus
cenários, personagens e tramas principais, tomando por referência o conjunto de obras acima referidos.
Um elemento constituinte da ambientação deste jogo é a premissa de que, quando Caim
matou Abel, Deus o amaldiçoou, e fez com que se tornasse o primeiro vampiro. Os jogadores, então,
personificam vampiros descendentes de Caim e vivem num mundo punk-gótico, caótico, sombrio e
escuro, escondidos dos mortais, sob uma “máscara” que lhes assegura a existência e o anonimato.
43
Os personagens de Vampiro não são os vampiros que comumente são vistos em filmes:
sensuais, poderosos e quase indestrutíveis. Algumas características, tidas como comuns em relação
aos vampiros, não se encontram presentes nessa ambientação: eles possuem reflexos em espelho,
alho ou cruz não os afeta, embora ainda sejam vulneráveis ao sol e podem ser imobilizados por uma
estaca no coração. Em geral, os jogadores interpretam vampiros jovens, recém-criados, tentando
sobreviver aos seus primeiros anos como mortos-vivos, tendo muito que aprender sobre seus poderes
e sobre os segredos do mundo vampírico.
A meu ver, os vampiros deste jogo parecem ser criaturas atormentadas, andando no limiar
da loucura, por terem sido privados do seu descanso eterno ao terem se tornado seres vis. As narrativas
do jogo são marcadas, em muitas passagens, por uma luta constante por controlar impulsos selvagens
mais violentos e para manter a humanidade dos personagens. Da mesma forma, todos precisam se
alimentar de sangue, pois este ainda é o elemento que assegura sua imortalidade.
Os vampiros se dividem em gerações, que marcam o quão distante de Caim alguém está.
Caim foi o vampiro da primeira geração e os vampiros criados por ele, da segunda. Aqueles que
foram mordidos e transformados em vampiros pelos de segunda geração fazem parte da terceira, e
assim, sucessivamente, até os dias de hoje, quando se produzem os vampiros da décima terceira
geração. A cada geração, o sangue de Caim se torna mais fraco e, conseqüentemente, temos vampiros
mais fracos. O ato de transformar alguém em vampiro é chamado, no jogo, de O Abraço. Quando
isto acontece, é estabelecido um Laço de Sangue entre o criador e a criatura, caracterizado por uma
relação de dependência e de servidão. Para isso, o vampiro suga todo o sangue da vítima e derrama
em sua boca algumas gotas do seu próprio sangue. Na narrativa mítica das primeiras páginas do livro
Vampiro: A Máscara (1999), esse ato é assim descrito:
[O Abraço] tem duas fases distintas e dolorosas. A primeira é simples: o vampiro que
deseja criar progênie bebe até a última gota de sangue que conseguir, daquele que
pretende transformar em seu “filho”. Esta fase não é diferente de uma refeição normal,
exceto que não é preciso se preocupar em apagar a memória da presa, nem em se livrar
do cadáver mais tarde e, além disso, esta é uma refeição bastante farta. A diferença
vem mais tarde. Assim que a última gota de sangue tiver sido extraída, o vampiro “pai”
(o termo certo é “senhor”, não que faça alguma diferença [...] por enquanto) devolve
uma parte do que “roubou”. Ele corta os lábios, pulsos ou o que quer que seja, e
derrama algumas gotas de seu próprio sangue sobre os lábios da vítima. Admitindose que o mortal não consiga oferecer uma resistência ativa ao processo – poucos
conseguem, acredite em mim – e, levando-se em conta que o senhor não demore muito
em conceder seu presente, o sangue desce pela garganta da vítima e a ressuscita,
ainda que seja como um vampiro. (p.6-7)
44
O processo de transformação descrito acima gera um novo vampiro, do mesmo clã que seu
senhor. Quando um ser humano torna-se vampiro, este pertence ao mesmo clã daquele que o
transformou e terá os poderes especiais inerentes ao seu grupo. Porém, um vampiro pode morder um
mortal e alimentar-se de seu sangue sem transformá-lo em vampiro, o que é chamado de O Beijo.
Segundo as lendas dos vampiros deste jogo, Caim teria criado três novos vampiros, chamados
de “Segunda Geração” que, por sua vez, originaram outros treze, chamados de “Terceira Geração”,
conhecidos como Antediluvianos, que resolveram se organizar em clãs. Estes clãs, que funcionam
como grupos familiares, têm poderes, maldições e condutas específicas, que descrevo mais adiante. A
maioria dos clãs se reúne em espécies de conclaves, como a Camarilla – que possui o maior número
de clãs e de vampiros – e o Sabá. A principal função da Camarilla é a de preservar as “Seis Tradições”,
que são as regras essenciais para a sobrevivência dos vampiros no mundo dos mortais. A “Primeira
Tradição”, uma das mais importantes, é a Máscara, que significa que os vampiros devem permanecer
sempre anônimos, para evitar que os humanos os descubram e tentem destruí-los.
Os clãs de vampiros existentes no jogo e que pertencem a Camarilla são:
Brujah: vampiros rebeldes, punks, metaleiros, motoqueiros,
anarquistas, lutam contra o sistema e ideologias humanas e vampíricas.
Tendem a usar jaquetas de couro, correntes e botas. Clã mal organizado
e poucas vezes se encontra formalmente;
Fig. 3: Vampiro do Clã Brujah
Fonte: (Hagen, 1994, p.126)
Gangrel: nômades, repudiam a civilização e a sociedade
humana e vampírica. Em geral, possuem feições animalescas e
costumam ser encontrados em parques e zoológicos, ou outras
áreas verdes da cidade;
Fig. 4: Vampiro do Clã Gangrel
Fonte: (Hagen, 1994, p.128)
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Malkavianos: ensandecidos devido à experiência da
transformação, são caóticos e insanos. Costumam vestir-se
diferentemente uns dos outros, sem um estilo definido. Vivem em
qualquer lugar, desde que se sintam confortáveis;
Fig. 5: Vampiro do Clã Malkavianos
Fonte: (Hagen, 1994, p.130)
Nosferatu: vampiros de aparência horrenda e monstruosa, vivem
solitários, evitando contato com humanos e vampiros. Possuem dentes
enormes, pele pálida e enrugada. Costumam viver no subsolo, em porões
úmidos ou no sistema de esgotos;
Fig. 6: Vampiro do Clã Nosferatu
Fonte: (Hagen, 1994, p.132)
Toreador: adoradores da arte, do prazer, da beleza e da boa
vida. Costumam ter boa aparência e procuram seguir a última
moda. Geralmente, vivem em condomínios de luxo ou em
apartamentos nas zonas nobres das cidades;
Fig. 7: Vampiro do Clã Toreador
Fonte: (Hagen, 1994, p.134)
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Tremere: vampiros-magos, bem organizados e extremamente fiéis e
dedicados ao próprio clã. Vestem casacas negras ou mesmo mantos com
colarinhos, com símbolos arcanos costurados no tecido;
Fig. 8: Vampiro do Clã Tremere
Fonte: (Hagen, 1994, p.136)
Ventrue: aristocratas vampiros, conservadores e sofisticados,
representam a elite da sociedade, procuram estar nos mais altos
níveis sociais. Possuem um estilo mais antiquado de vestimenta,
como laços e franjas. Vivem em mansões, geralmente suas
habitações anteriores à transformação.
Fig. 9: Vampiro do Clã Ventrue
Fonte: (Hagen, 1994, p.138)
Os chamados de Caitiff, embora não formem um clã, são vinculados
também à Camarilla. Eles são vampiros desgarrados, banidos e/ou
desprezados por membros de seus clãs originais. Podem ser identificados
como Caitiff aqueles que desconhecem a identidade de seu criador ou
que são de uma geração tão fraca que não é possível identificar traços
de nenhum dos clãs.
Fig. 10: Vampiro Caitiff
Fonte: (Dansky et al., 1999, p.54)
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O Sabá é uma organização como a Camarilla, porém, menor em número de participantes.
Seu principal objetivo é lutar contra a Camarilla e os Antediluvianos – membros de “Terceira
Geração”, extremamente poderosos –, evitar a Gehenna – evento apocalíptico para os vampiros, no
qual supostamente os Antediluvianos acordarão de seu estado de torpor e devorarão a raça de
vampiros e acabarão com o mundo – e manter o poder sobre os mortais e outras criaturas. Os clãs
que participam do Sabá são:
Lasombra: clã governante do Sabá, geralmente descentendes
de espanhóis e italianos, são atraentes, vaidosos e com traços
aristocráticos. Vivem em lares comunitários, embora alguns ainda
prefiram mansões e outros refúgios pomposos. Não possuem reflexo,
possivelmente como resultado de uma maldição por sua vaidade.
Fig. 11: Vampiro do clã Lasombra
Fonte: (Achilli, 1999, p.84)
Tzimisce: considerados a alma do Sabá, são seres reservados e
perspicazes, incrivelmente inteligentes, possuidores de inclinação inquisitiva
e científica. Podem ser notavelmente lindos ou terrivelmente grotescos.
Seus refúgios geralmente são mansões, não necessariamente confortáveis
ou bem preservadas.
Fig. 12: Vampiro do clã Tzimisce
Fonte: (Achilli, 1999, p.86)
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Assim como os Caitiff são associados à Camarilla, alguns
vampiros desgarrados reuniram-se em uma espécie de clã sob a
alcunha de Panders, e associam-se ao Sabá. São vistos como
buchas de canhão, como os rebeldes dos rebeldes.
Fig. 13: Vampiro Pander
Fonte: (Achilli, 2001, p.68)
Alguns clãs de vampiro não fazem parte de nenhum desses grupos e são chamados de
Independentes. Observadores das lutas entre a Camarilla e o Sabá, estes vampiros procuram não
assumir uma posição em relação a estas organizações e cuidar de seus próprios interesses. Entre esses
clãs encontram-se:
Assamita: conhecidos como um clã de assassinos sanguinários,
trabalham para quem pagar melhor por seus serviços. Vestem-se de
maneira prática, possuem narizes aquilinos, cabelos negros e corpos
graciosos e esbeltos. Vivem em locais remotos e inacessíveis para
não serem surpreendidos.
Fig. 14: Vampiro do clã Assamita
Fonte: (Hagen, 1995, p.120)
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Seguidores de Set: também conhecidos como Setitas, estes
são provavelmente os vampiros do clã menos confiável de todos.
Acreditam que sua origem está atrelada a Set, o deus negro do
Egito antigo, caçador das noites. Possuidores de grande poder,
vivem em refúgios decorados com temas do antigo Egito.
Fig. 15: Vampiro do clã Seguidores de Set
Fonte: (Hagen, 1995, p.122)
Giovanni: são respeitosos, gentis e bem-educados e muito ricos.
Possuem um ar respeitável e apresentável, e como são de origem européia,
principalmente italiana, possuem aparência morena, cabelos negros e estatura
sólida. Vivem em mansões e casas palacianas e apartamentos bem
imobiliados. Lidam com os mortos, portanto, são conhecidos como
Necromantes.
Fig. 16: Vampiro do clã Giovanni
Fonte: (Hagen, 1995, p.124)
Ravnos: possuidores de um malicioso senso de humor, são
enganadores de primeira, tramando ilusões e mentiras em esquemas
elaborados para afastar aqueles que estejam atrapalhando seus planos.
Trapaceiros, geralmente são descendentes de ciganos, de compleições
escuras, com cabelos e olhos ainda mais escuros. São nômades, viajam
em furgões ou jipes, abrigando-se onde podem.
Fig. 17: Vampiro do clã Ravnos
Fonte: (Hagen, 1995, p.126)
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Existem algumas linhagens, que são derivações dos clãs originais. Isso acontece quando um
vampiro desenvolve uma habilidade diferente da de seu clã. As linhagens associadas à Camarilla são:
Salubri, assassinos perigosos, possuem um terceiro olho físico no centro da testa; Filhas da Cacofonia,
mestras da canção, suas músicas causam dano à mente que as escuta; Samedi, sua carne putrefata
costuma cair de seu corpo, são assassinos e comumente contratados como guarda-costas pela
Camarilla ou pelos clãs independentes. Já as linhagens vinculadas ao Sabá são as seguintes: Irmãos
de Sangue, são servis e uma espécie de tropa de choque; Precursores do Ódio, necromantes, de
forma cadavérica; Kiasyd, observadores estudiosos e guardiões de segredos do mundo vampírico.
Alguns clãs possuem suas contra-versões, os chamados anti-tribo ou antitribu. São
derivações dos clãs que se opõem às suas origens. Entre esses, o Lasombra antritribu faz parte da
Camarilla, e as versões antitribu dos clãs Assamitas, Brujah, Gangrel, Malkavianos, Nosferatu,
Ravnos, Toreador, Tremere, Ventrue e Salubri e os Serpentes da Luz (dissidentes dos Seguidores
de Set) fazem parte do Sabá.
Além desses, alguns vampiros anciãos – experientes e poderosos, com idades entre 200 e
1000 anos – que se afastaram dos outros de sua espécie, não participando de nenhuma seita são
chamados de Inconnu. Embora não sejam organizados como um clã, e nem constituam uma seita,
comunicam-se bem entre si, mas preferem viver sozinhos e não participam das maquinações da
Camarilla ou do Sabá.
É importante frisar que, para que um jogo se desenvolva, não é necessário que existam
jogadores de todos esses clãs ou linhagens descritas. Em geral, os grupos de jogadores são compostos
por 4 a 7 personagens de clãs variados. Por vezes, alguns clãs não são escolhidos, mas também pode
ocorrer de haver um grupo de jogadores do mesmo clã. Não há regra que limite as opções de escolha
pois depende dos jogadores e da crônica/aventura que estão jogando. Definido o clã do personagem,
o jogador deve também definir qual será o seu perfil.
Em relação às regras do jogo propriamente ditas, os personagens vampiros possuem elementos
36
quantitativos que servem como guias para a sua atuação. Os Atributos , que representam o potencial
básico de cada pessoa no mundo do jogo, podem ser Físicos, dividindo-se em Força, Destreza e
36
Optei por grifar em itálico e negrito, nesta parte do texto, os atributos principais que um jogador escolhe ao
compor seu personagem vampiro.
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Vigor, e indicam quão forte, ágil e resistente o personagem pode ser; Sociais, divididos em Carisma,
Manipulação e Aparência, que descrevem o visual, o charme e a habilidade de um personagem ao
interagir com a sociedade; e Mentais, que são Percepção, Inteligência e Raciocínio, e definem as
capacidades cerebrais de um personagem, incluindo aspectos como a memória, inteligência, consciência
do que o cerca e a habilidade de pensar, aprender e reagir. Todos estes itens recebem pontuações que
variam de um (fraco) a cinco (bom).
Fig. 18: Atributos
Fonte: (Achilli, 1999, p.312)
Os personagens também possuem Habilidades, que são as características usadas para
descrever o que esses sabem e o que podem fazer. Dividem-se em Talentos, que descrevem o que
um personagem sabe intuitivamente, o que consegue fazer sem treinadores ou instruções, e podem ser
Prontidão, Briga, Esquiva, Empatia, Expressão, Intimidação, Liderança, Manha e Lábia; Perícias,
que são aprendidas através da prática, aprendizado ou outras formas de instrução, podendo ser
Empatia com Animais, Ofícios, Condução, Etiqueta, Armas de Fogo, Armas Brancas, Performance,
Segurança, Sobrevivênvia e Furtividade; e Conhecimentos, que que envolvem a aplicação da mente
e não do corpo, podendo ser Acadêmicos, Computador, Finanças, Investigação, Direito, Lingüística,
Medicina, Ocultismo, Política e Ciência. As Habilidades também variam de acordo com a pontuação
de um (fraco) a cinco (bom).
Fig. 19: Habilidades
Fonte: (Achilli, 1999, p.312)
52
Os jogadores também podem escolher algumas Vantagens para seus personagens, que se
dividem em Antecedentes, que descrevem vantagens de nascença, circunstâncias e oportunidades,
como Aliados, Contatos, Fama, Geração, Rebanho, Influência, Mentor, Recursos, Lacaios e Status;
Virtudes, que definem as perspectivas de não-vida de um personagem, moldando seu código de ética
e o compromisso com a moralidade escolhida, e podem ser Consciência/Convicção, Autocontrole/
Instintos e Coragem; e Disciplinas, que são poderes sobrenaturais concedidos pelo Abraço, e
dependem do clã de origem de seu vampiro-mestre. Algumas dessas são Sussurros Selvagens, Acalmar
a Besta, Sentidos Aguçados, Telepatia, Projeção Psíquica, entre outros. As Vantagens também varia
de um (fraco) a cinco (bom) pontos.
Fig. 20: Vantagens
Fonte: (Achilli, 1999, p.312)
Os vampiros do jogo podem possuir Qualidades e Defeitos, que servem para individualizar
seus personagens. As Qualidades são habilidades ou vantagens especiais, raras ou exclusivas à
população vampírica, enquanto os Defeitos são compromissos ou desvantagens que representam
desafios à existência noturna de um personagem. Entre as Qualidades, encontram-se Sentido Aguçado,
Ambidestro, Voz Encantadora, entre outros, e entre os Defeitos, Cheiro de Túmulo, Deficiência
Auditiva, Deformidade, etc.
Fig. 21: Qualidades e Defeitos
Fonte: (Achilli, 1999, p.312)
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A característica Humanidade é o código moral que permite aos Membros manterem certa
sensibilidade mortal face à sua transformação em monstros parasitas, ou seja, é o que não permite que um
vampiro se torne um animal irracional, guiado apenas por sua sede de sangue. Ao contrário das outras
características, mede-se de um a dez, e vai diminuindo com o passar do tempo do jogo. Isso porque, de
acordo com as narrativas míticas de Vampiro: A Máscara, na medida em que um vampiro luta pela
sobrevivência, a morte de humanos passa a ser trivial e esse os considera como partes de um rebanho.
Quanto mais velho o vampiro, mais habituado a matar e, portanto, menor será seu sentimento de humanidade.
Os jogadores que optarem por não seguir os princípios morais da Humanidade podem
escolher seguir uma Trilha, que são códigos morais mais exigentes, inumanos e opostos às moralidades
convencionais. As principais Trilhas são: Trilha do Sangue, praticada por assassinos do Clã Assamita
que dão pouco valor à existência humana e vampírica; Trilha dos Ossos, cujos seguidores buscam
conhecimento sobre o que é a morte; Trilha da Noite, praticada largamente pelos membros do Clã
Lasombra cujas atrocidades servem para trazer danação ao mundo; Trilha da Metamorfose,
principalmente seguida pelos participantes do clã Tzmisce, acreditam que o mundo é composto por
uma cadeia evolutiva; Trilha do Paradoxo, praticada exclusivamente pelo clã Ravnos, preocupa-se
com o carma dos vampiros, utilizando alguns princípios do Hinduísmo; e Trilha de Typhon, que
estabelece a importância da infuência e do controle.
A Força de Vontade mede a força interior e a competência de um personagem para superar
situações desfavoráveis. Variam de um a dez, e são mensuradas em relação a um estado Atual e
Permanente, pois oscilam constantemente durante o jogo. Os Pontos de Sangue de um personagem
medem a quantidade de vitae (energia) que um vampiro possui e variam de um a vinte. Os personagens
perdem Pontos de Sangue constantemente, e só podem recuperá-los após ingerir sangue de humanos.
Fig. 22: Humanidade, Trilha, Força de Vontade e Pontos de Sangue
Fonte: (Achilli, 1999, p.312)
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A Vitalidade mede as condições físicas de um personagem, desde saúde perfeita até a
morte. Quando os personagens são feridos ou atingidos de alguma forma, eles perdem pontos de
Vitalidade, e então os recuperarão à medida que se curam. Esta característica varia de um a sete.
Fig. 23: Vitalidade
Fonte: (Achilli, 1999, p.312)
Os personagens também possuem Natureza e Comportamento, que são características de
conduta conhecidas como Arquétipos, e ajudam os jogadores a entenderem que tipo de vampiros
eles são. O Comportamento é a maneira como o personagem se mostra ao mundo, é a “máscara”
que ele usa para proteger sua identidade vampírica. A Natureza é o “eu verdadeiro” do personagem,
a pessoa que ele “realmente” é. Entre esses Arquétipos encontram-se Arquiteto, Autocrata, Bon
Vivant, Filantropo, Valentão, Competidor, etc.
Outras informações podem ser adicionadas ao personagem, como o Conceito, que está
ligado a quem ele era antes de se tornar um vampiro, suas imagens, ocupações, como vivia, o que era
único sobre eles e Refúgio, onde o personagem mora ou se esconde.
Fig. 24: Natureza, Comportamento e Conceito
Fonte: (Achilli, 1999, p.312)
Mapeadas as regras principais do jogo Vampiro: A Máscara, considero relevante trazer um
exemplo concreto. Para isso, demostro como criei meu próprio personagem para uma aventura de
RPG, jogada há alguns anos... Inicio o processo de criação definindo, primeiramente, o Conceito do
personagem. Como sempre gostei de histórias de policiais e de detetives, decido que meu personagem
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será um ex-detetive investigador do Departamento de Homicídios. Uma vez que a crônica narrada
pelo Mestre se passa nos EUA, crio o nome Ben Martin para meu personagem.
Analisando a lista de clãs de vampiros, decido pelo clã Gangrel, o que me leva a refletir
sobre a Natureza e o Comportamento de Martin, que são as características que, determinam a
personalidade de meu personagem. Decido que a Natureza de Martin será de Sobrevivente: ele lutará
a todo custo para viver, não importa quais sejam os obstáculos a serem transpostos. O Comportamento
é como o mundo vê o personagem, ou como ele atua para o mundo, portanto, opto por ser Visionário,
que determina que a busca pela sabedoria e pelo auto-conhecimento são suas metas. Nesse ponto,
estabeleço uma peculiaridade a Martin: ele só se alimenta de assassinos ou outros criminosos. O que
o motiva a isso será respondido mais tarde.
Fig. 25: Ficha de Ben Martin
É preciso escolher os Atributos de Martin, e resolvo priorizar suas categorias da seguinte
forma: a categoria primária de Martin é a Mental, visto que o trabalho de investigação requer Raciocínio
e Percepção aguçados para enfrentar criminosos. A categoria secundária é a Física: embora investigador,
é preciso ter um certo grau de condicionamento físico para trabalhar na polícia. Sua categoria terciária
é a Social, pois não gosta muito de se envolver com as pessoas.
Dividindo os sete pontos de Características Mentais que posso conferir a Martin, atribuo
a Percepção 3 (dois pontos + um ponto de bônus que pode ser usado em cada atributo), Inteligência
3 e Raciocínio 4. Três dos cinco pontos de Características Físicas de Martin são gastos em Destreza,
ficando com um nível 4, enquando os dois pontos que sobram são divididos entre Força e Vigor,
ficando com 2 em cada. Por último, dos três pontos de Características Sociais, dois são gastos em
Manipulação, ficando com 3 (que pode ser útil na hora de andar nas ruas colhendo pistas e testemunhos)
e o outro ponto é gasto em Carisma, o que lhe concede o nível médio de 2. A Aparência permanece
no nível 1, pois beleza não é importante para o personagem que estou criando.
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Fig. 26: Atributos de Ben Martin
Em seguida, é necessário escolher as Habilidades de Martin e determinar a prioridade
delas. Decido que Martin depende de seus Talentos para sobreviver nas ruas, o que os torna a
categria básica. As Perícias também são importantes para oficiais de polícia, portanto, sua categoria
secundária, e por último os Conhecimentos tornam-se a terciária. Tenho 13 pontos para gastar em
Talentos, e uso os primeiros seis pontos para dar a Martin níveis 3 em Manha e Briga (Talentos que
considero importantes para sobrever à violência das ruas). Após, uso dois pontos em Prontidão, pois
é preciso estar sempre atento; Lábia, para fazer interrogatórios e obter pistas; e Esportes, pois
precisa estar em boa forma; e um último número à Esquiva, para evitar golpes fatais em lutas.
Fig. 27: Talentos de Ben Martin
Dos nove pontos que possuo para gastar em Perícias, disponho 3 em Armas de Fogo,
essencial para um policial; e gasto os quatro pontos restantes colocando 2 em Condução e Furtividade,
também importantes para seu trabalho; e então, estabeleço níveis 1 para Armas Brancas e
Sobrevivência. Por último, coloco três dos cinco pontos de Conhecimentos em Investigação, linha
principal de Martin; um ponto em Direito, pois conhece as leis básicas para um policial; e um ponto
em Lingüística, pois também fala espanhol, língua principal dos traficantes, segundo informações
concedidas pelo Mestre da crônica.
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Fig. 28: Perícias e Conhecimento de Ben Martin
Quanto ao aspecto vampírico, é preciso definir as vantagens de Martin, começando com as
Disciplinas. Tenho três pontos para gastar em Disciplinas e é preciso escolher entre Animalismo,
Fortitude ou Metamorfose, características que marcam um personagem Gangrel. Decido colocar
todos os três pontos em Fortitude. Opto por gastar a maior parte dos pontos de Antecedentes de
Martin em fatos relacionados ao seu passado antes de se tonar um vampiro. Gasto dois pontos para
Influência e mais dois para Contatos, que serão o departamento de polícia e informantes do mundo
do crime. Os demais pontos são utilizados em Recursos, que são os acessórios e equipamentos
obtidos em sua vida antes de se tornar um vampiro.
Agora, é preciso atribuir pontos às Virtudes de Martin. Possuo sete pontos para gastar, e
como Martin deve ser audacioso e inabalável sob pressão e sob as circunstâncias que venha a enfrentar,
gasto três pontos em Coragem e mais três em Autocontrole, fechando nível 4 em ambos. O ponto
que resta gasto em Consciência, o que lhe assegura um nível 2.
Fig. 29: Vantagens de Ben Martin
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A seguir, os toques finais do personagem: primeiro, é preciso calcular a Força de Vontade
inicial de Martin, sua Humanidade e seus Pontos de Sangue. A Força de Vontade de Martin é a
mesma que seu nível de Coragem, portanto, 4. Tenho que distribuir esses pontos na planilha. A
Humanidade é a soma da Consciência e Autocontrole: ou seja, 4 + 2 (ou 6). A quantidade inicial de
Pontos de Sangue de Martin é determinada por um lance de dados, que no meu caso, resulta em seis,
de modo que preciso marcar seis quadrinhos na planilha.
Fig. 30: Humanidade, Força de Vontade e Pontos de Sangue de Ben Martin
Por último, posso utilizar 15 pontos de bônus. Como quero que Martin seja realmente ágil,
gasto oito dos pontos para conferir-lhe um ponto de Rapidez, já que essa é uma disciplina que Martin
não poderia herdar por ser Gangrel.
Fig. 31: Disciplinas de Ben Martin
Decido aumentar a perícia de Martin em Armas Brancas e gasto dois pontos para elevá-la
para 3; utilizo mais um ponto para elevar Autocontrole para 5, o que acrescenta um ponto de
Humanidade no processo, e coloco os quatro pontos restantes em Força de Vontade.
Fig. 32: Perícias, Virtudes, Humanidade e Força de Vontade de Ben Martin
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Neste ponto se encerra o processo de criação de personagem, com informações que constam
de sua planilha e que são de conhecimento dos demais jogadores, mas acredito ser necessário
acrescentar alguns detalhes para dar mais profundidade ao personagem. Para começar, Martin possui
dois Contatos Importantes – o Sgto. Watson da Divisão de Homicídios e “Quickhand”, seu informante
nas ruas. Em princípio, o Conhecimento de Martin em Investigação será concentrado em homicídios.
Martin aluga um apartamento no centro da cidade, no qual morava enquanto era humano, usando-o
como refúgio e financiando o lugar com dinheiro roubado dos criminosos que mata. Conforme
mencionado anteriormente, as presas favoritas de Martin são assassinos e criminosos, portanto conta
com um bom suprimento de alimento à sua disposição.
Ele carrega consigo seu revólver e seu distintivo, embora tenha sido dispensado de seu
serviço devido ao não comparecimento ao trabalho. Tem um carro velho e enferrujado. Sua aparência
é suja, tem cabelo curto e barba por fazer.
Sua motivação básica é continuar sua “vida”, pois está satisfeito com seus poderes recémdescobertos para fazer justiça, mas não aceita que sua vida como humano tenha terminado, por isso
ainda porta seu revólver e distintivo. Sobre seu criador, é do clã Gangrel, mas as circunstâncias de
sua criação, ou seja, o momento do Abraço, deixarei para o Mestre determinar. Assim, o personagem
está pronto para ser usado na crônica criada pelo Mestre do Jogo.
Como se pode ver, o jogador tem uma ampla margem de escolha ao definir o perfil de seu
personagem, e tudo isso confere-lhe contornos específicos. Desse modo, o processo de criação do
personagem já é, em si, parte do divertimento que o jogo proporciona.
Embora os livros de regras e os demais citados anteriormente tragam muito mais detalhes e
informações sobre a criação de um personagem, sobre as regras de combate, dicas narrativas e de
interpretação, acredito que as explicações acima serviram para dar uma visão geral do jogo e de seus
principais elementos constituintes. Nos capítulos de análise, detenho-me nas identidades e diferenças
produzidas no jogo, e como estas são representadas pelos jogadores nas comunidades virtuais do Orkut.
No capítulo a seguir, discuto brevemente a produção de identidades e diferenças no contexto
cultural e as formas pelas quais as identidades juvenis tem sido representadas. De certo modo, esses processos
se assemelham à montagem de personagens, em jogos implicados em relações de poder e de saber.
AS TRADIÇÕES
As Tradições são códigos ou leis conhecidas por todos os vampiros e devem ser respeitadas para garantir suas sobrevivências.
Nesta parte do trabalho, faço uma referência ao aporte teórico utilizado por mim para a realização de minha pesquisa.
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AS TRADIÇÕES
Representação, Identidade e Diferença
Algumas noções teóricas são centrais para a análise cultural empreendida no campo dos
Estudos Culturais. Entre elas, destaco o entendimento de linguagem e, decorrente dele, um modo de
pensar as representações. Com a virada lingüística, a linguagem deixa de ser vista como mediação
entre o sujeito e o mundo, ou como algo que apenas refletiria uma realidade exterior. A linguagem
passa a ser entendida como constitutiva da realidade, de tudo aquilo que, através de signos, pode ser
nomeado, caracterizado, descrito, posicionado – ela constitui sistemas de signos que não apenas
expressam e comunicam, mas que também constroem, posicionam, hierarquizam as coisas de que
falam, conforme argumenta Hall (2000).
Assumindo este entendimento de linguagem, a pesquisa não deve buscar a verdade última, o
sentido final das coisas pois estes sentidos se constituem em lutas e
não há, entretanto, ao final de qualquer luta, um patamar em que possamos atingir a
linguagem transparente, o vocabulário “puro”, a libertação discursiva, a nomeação
angelical, já que – enfim – nenhuma linguagem é neutra, nenhuma linguagem “brota
da natureza”... Ela é marcada pelas contingências pragmáticas, pelas práticas dos
sujeitos que a criam e recriam continuamente, pelos poderes móveis dos grupos que
nela imprimem suas visões (Silveira, 2002, p. 20).
Na perspectiva construcionista, que orienta as análises aqui desenvolvidas, a representação
passa a ser entendida como uma prática, uma produção de significados sociais através da linguagem. O
estudo da representação se torna importante, então, por ser concebida como cultural, por ser vista como
construção e, ao mesmo tempo como construtora de significados. Nas palavras de Hall (2000, p. 61)
representação é o processo pelo qual membros de uma cultura usam a língua
(amplamente definida como qualquer sistema que empregue signos, qualquer sistema
significante) para produzirem significados. Esta definição já carrega a importante
premissa de que as coisas - objetos, pessoas, eventos do mundo - não têm em si
qualquer significado estabelecido, final ou verdadeiro. Somos nós – na sociedade,
nas culturas humanas – que fazemos as coisas significarem, que significamos. Os
significados, conseqüentemente, mudam sempre de uma cultura ou época para outra.
Para os Estudos Culturais, a análise da representação envolve estudos de textos, pinturas,
filmes, fotografias, entre outros artefatos, e suas relações com a formação de identidades culturais. A
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representação, conforme Silva (2000a), relaciona-se com as formas textuais e verbais de descrição
de grupos sociais e suas características e, neste sentido, ela é central nas políticas de identidade,
definindo de que modo diferentes grupos são apresentados nos discursos e nas imagens que circulam
e se poduzem no cotidiano. Na mesma direção, Woodward (2000) explica que a representação diz
respeito às práticas de significação e aos sistemas simbólicos pelos quais os significados são produzidos
e articulados aos sujeitos. Assim, é nas representações que se constrói e se atribui sentido às experiências
e àquilo que se é. Sob o ponto de vista cultural, a representação estabelece identidades individuais e
coletivas, construindo lugares de onde os indivíduos podem se posicionar e falar.
Em estudos de abordagem pós-estruturalista, há um distanciamento das noções de identidade
unificada, coesa, coerente, instituídas na modernidade. As identidades são vistas como posicionamentos
que assumimos e que somos levados a assumir, o que significa dizer que elas são históricas, construindose em um conjunto de circunstâncias e de experiências vividas. Hall (1997) afirma que elas são uma
celebração móvel, definida historicamente e não biologicamente, e que se constroem e se deslocam na
medida em que somos interpelados e assumimos diferentes lugares sociais. Vamos constituindo nossas
identidades em diversos grupos dos quais fazemos parte, por meio de discursos, práticas e posições
interligadas ou antagônicas. Sabat (2001, p.65) argumenta que as identidades se constituem na linguagem
“em torno de diferentes categorias como classe, raça, gênero, etnia, geração”. Nesse sentido, toda
representação carrega significados, valores e visões de mundo construídos a partir de aspectos culturais
e de pontos de vista de quem está falando.
Na análise de Hall (2005), as mudanças ocorridas nas sociedades modernas desde o final do
século XX, os conceitos culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que
anteriormente eram tidos como concepções sólidas de indivíduos sociais, começam a ficar fragmentados.
Não obstante, essas transformações têm influenciado e modificado as concepções de identidades pessoais,
debilitando a percepção de que somos sujeitos integrados, o que nos leva a sentir que estamos vivendo,
na atualidade, uma constante “crise de identidade”. Para o autor, o que costumamos denominar de
“nossas identidades” seria melhor compreendido como sedimentações temporais ou posições que
assumimos com o passar do tempo, e tendemos a “viver”, como se surgissem de dentro, mas que,
certamente, ocorrem devido a circunstâncias, sentimentos, histórias e experiências pessoais, únicas.
Trago ainda uma argumentação de Silva (2000a, p.96), para quem
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a identidade tampouco é homogênea, definitiva, acabada, idêntica, transcendental.
[...] a identidade é uma construção, um efeito, um processo de produção, uma relação,
um ato performativo. A identidade é instável, contraditória, fragmentada, inconsistente,
inacabada. A identidade está ligada a estruturas discursivas e narrativas. A identidade
está ligada a sistemas de representação. A identidade tem estreitas conexões com
relações de poder.
Na contemporaneidade somos confrontados pelas inúmeras possibilidades de pertencimento,
com as quais podemos nos identificar, pelo menos, temporariamente. Na argumentação de Bauman
(2005, p.21), a “identidade nos é revelada como algo a ser inventado, e não descoberto, como alvo
de um esforço, um ‘objetivo’; como uma coisa que ainda se precisa construir a partir do zero ou
escolher entre as alternativas existentes”.
Esta argumentação articula-se ao que diz Hall (2000) quando explica que as identidades
emergem em jogos específicos de poder e são resultantes da marcação da diferença e da exclusão.
Este processo baseia-se fundamentalmente numa dicotomia entre “nós e eles”, ou seja, a identificação
e caracterização da diferença é crucial para estabelecer um posicionamento de sujeito. Nas palavras
de Woodward (2000, p.39), “ a identidade, pois, não é o oposto da diferença, a identidade depende
da diferença” (grifo da autora).
Tal como afirma a autora, os conceitos de identidade e diferença estão intimamente ligados
– as “fronteiras” estabelecidas para a identidade marcam também a diferença – o que somos adquire
sentido pelo que não somos. Silva (2000b) exemplifica a interdependência entre os dois conceitos
refletindo que “ser brasileiro” não tem sentido em termos absolutos, e depende de um processo de
diferenciação lingüística que distingue o significado de “ser brasileiro” do significado de “ser italiano”,
de “ser mexicano”, etc. A afirmação de identidades e a marcação de diferenças, portanto, configurase num processo de inclusão/exclusão e de distinção daquilo que pertence e do que não pertence, o
que está dentro e o que está fora. O autor mostra que estas oposições fabricam classificações, nas
quais um termo – de onde parte o olhar – é sempre o primeiro, funciona como padrão e referência.
Para Gilroy (1997), a construção social de identidade define quem somos “nós”, ou quem
fica “dentro”, e quem são “eles”, ou quem fica “de fora”. Assim, torna-se importante compreender os
processos de inclusão e exclusão e os mecanismos de poder que operam nesta distinção entre
semelhantes e diferentes. Portanto, identidade e diferença devem ser entendidas a partir das lógicas
discursivas estabelecidas, dos valores e significados que são atribuídos a cada uma dessas polaridades,
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em tempos e contextos determinados. A diferença não deve ser vista como uma essência ou como
algo inerente aos sujeitos, mas como resultado de um processo de diferenciação que demarca lugares
e que atribui características aos que são, posicionados na polaridade oposta à identidade (Silva,
2000a). Para o autor, identidade e diferença são resultado de atos de criação lingüística, e são
produzidas de forma ativa, social e cultural.
É importante salientar, no entanto, que o conceito de diferença foi historicamente entendido
como diversidade, variação, e, desse modo, constituído como algo do campo da natureza e não da
cultura. A afirmação da diferença como positividade, neste contexto, é tida como uma forma de
reconhecimento de que somos todos “naturalmente” distintos. O autor argumenta que este entendimento
impede de ver as relações de poder nas quais identidade e diferença são constituídas. A diferença, que
é posicionada no pólo “fraco” da oposição binária, seria relacionada a falta de algo, ao desvio ou à
deficiência. Segundo Skliar (2001), os discursos sobre o outro funcionam também como dispositivos
pedagógicos, ensinando cada um a ser o que deve ser. Ao mencionarmos que somos todos diferentes,
naturalizamos os lugares de identidade e de diferença, e as relações de poder que aí se instituem.
Tal como teorizou Veiga-Neto (2001), entendo que as práticas de identificação e classificação
estão implicadas em relações de poder, em assimetria, sendo que “as marcas da anormalidade vem
sendo procuradas, ao longo da Modernidade, em cada corpo para que, depois, a cada corpo se
atribua um lugar nas intrincadas grades das classificações dos desvios, das patologias, das deficiências,
das qualidades, das virtudes, dos vícios” (p.107). Talvez esta seja uma característica importante a
considerar, ao analisar as produções sobre vampiros e, em especial, os diferentes posicionamentos
produzidos no RPG Vampiro: A Máscara.
Aproprio-me das teorizações sobre identidade e diferença também para pensar nos diferentes
marcadores identitários que distinguem os jogadores de RPG e, em especial, de Vampiro: A Máscara.
Marcadores identitários são entendidos, aqui, como aqueles símbolos culturais que funcionam para
diferenciar, agrupar, classificar, ordenar, e que se inscrevem de modo especial no corpo, conforme
argumenta Veiga-Neto (2000). Para ele é fundamentalmente no corpo que se tornam manifestas as
marcas que nos distinguem e posicionam – ser (ou não ser) pertencente a um grupo, ter (ou não)
tatuagens, vestir (ou não) certos estilos, partilhar (ou não) tal costume ou tal gosto. Estas marcas,
cujos significados não são estáveis e nem possuem a mesma importância, combinam-se e recombinamse, definindo o que somos e o que nos cabe ser e fazer.
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Algumas formas de olhar para as Culturas Juvenis
Nos diferentes cenários que fui definindo para minha pesquisa, o entendimento de identidades
e de culturas juvenis se tornou importante, uma vez que passei a considerar as produções em páginas do
Orkut, relativas ao RPG que analiso neste estudo. Minha experiência de jogador de RPG e as diferentes
incursões que fiz neste “mundo virtual” das comunidades do Orkut possibilitou ver que a maioria dos
participantes são jovens e/ou identificam-se a partir de certos marcadores de culturas jovens.
Para entender melhor o que se pode chamar de identidades juvenis, passei ao estudo de
diferentes autores, seguindo algumas indicações da banca em minha defesa de projeto. Tais autores
distanciam-se de entendimentos estritamente biológicos ou psicológicos, e analisam a juventude a
partir de noções culturalistas e/ou sociais. Apresento a seguir uma breve revisão de estudos que
colaboram com minhas argumentações nesta pesquisa.
Os pesquisadores Portinari e Coutinho (2006) problematizam entendimentos do que é “ser
jovem” e dizem que, segundo pesquisa da revista “Veja”, o termo corresponde aos 28 milhões de
indivíduos brasileiros cuja faixa etária está entre 15 e 22 anos. Segundo os autores, “ser jovem”, em
nossa cultura ocidental contemporânea, implica mais do que simplesmente fazer parte de uma faixa
etária, refere-se a uma forma de identificação e de afiliação a um estilo de vida.
Ao discutir o assunto, Brandão (2006) afirma que muitas perspectivas teóricas consideram
a juventude como uma transição na trajetória biográfica, na qual os sujeitos se constroem e subjetivam
socialmente. Mas, para a autora, juventude não pode ser vista somente a partir de limites etários, nem
apenas por categorizações que se fazem considerando certas atitudes e representações. É preciso
pensar a juventude como um processo, considerando as interdependências e as redes de relações
estabelecidas entre diferentes sujeitos, relações estas que não são simétricas, nem estáveis, nem únicas.
A identidade juvenil é um processo e não uma essência, e está em contínua transformação,
tanto individual quanto coletiva (Carrano, 2000). Os jovens constituem suas identidades a partir dos
relacionamentos com seus pares e o meio em que vivem, com a cultura na qual estão inseridos.
Moreira (2005, p.126) diz que a identidade “é vista como parte fundamental da dinâmica pela qual os
indivíduos e os grupos compreendem os elos, mesmo imaginários, que os mantêm unidos”. Assim,
para o autor, compartilhar uma identidade é participar com outros de esferas sociais.
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Knauth e Gonçalves (2006) argumentam que, de maneira geral, juventude e adolescência
são estudadas como etapas “naturais” e estilos de ser, expressos por excessos e enfrentamentos
(familiares, pessoais, escolares, amorosos, etc.). Os autores afirmam que juventude vai além da simples
definição biológica ou de uma perspectiva universalista e atemporal – como algo comum a todos os
jovens. Eles também problematizam as caracterizações psicológicas que afirmam a juventude como
um período de inseguranças – uma fase complexa e problemática, em que surgem conflitos e impulsos
sexuais a serem controlados. Segundo os autores, juventude pode ser melhor entendida como uma
categoria sociológica ou como um processo sócio-cultural. Embora se deva tensionar a definição de
juventude simplesmente como um tempo na vida ou uma faixa etária, eles lembram que tal elemento
não pode ser simplesmente descartado, tendo em vista a importância da idade como marcador cultural
nas sociedades ocidentais contemporâneas.
Veiga-Neto (2000) também avalia que idade é quase sempre tratada como questão biológica,
a partir de divisões cronológicas classificadas e ordenadas, que distinguiriam atributos e características
dos sujeitos em diferentes faixas etárias. Ele argumenta que reconhecer a dimensão biológica não
exclui a necessidade de pensarmos nos sentidos produzidos para as diferentes idades. “O que importa
é saber como estas coisas são construídas e entendidas por nós, bem como os efeitos que elas
produzem sobre nós, sobre nossas vidas, sobre como as vivemos” (p. 224). Os marcadores etários,
tal como a juventude, servem para nos informar como devemos ser, como devemos nos sentir e
proceder e para que cada um de nós aja de acordo com o que se espera dos membros dessa ou
daquela “faixa-etária”.
Fazendo uma revisão de estudos sobre juventude, Knauth e Gonçalves (2006) afirmam que,
na década de 1960, a escola culturalista privilegiou os conceitos em torno das culturas jovens,
compreendendo as “subculturas” e generalizando a idéia de juventude. Na década de 1970, com o
rompante de violência urbana, os estudos sobre gangues e tribos cresce, configurando a juventude como
rebelde, transgressora e perigosa. Os estudos da década de 1980 mostram como os jovens, inseridos
em práticas consumistas, reconstróem e se apropriam da mídia e da moda, criando novos estilos, ousando
no uso do corpo e de marcas corporais. Há ainda, de acordo com os mesmos autores, muitos dos
trabalhos teórico-analíticos que inserem a juventude na linha dos problemas sociais, analisando seus
comportamentos e ideologia específicos. A juventude é considerada, em muitos estudos, como parte de
um mecanismo de continuidade de valores e de reprodução social e também é vista como a causadora
do rompimento desses mesmos mecanismos e das regras atribuídas socialmente aos jovens.
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Garbin (2006b) comenta que da impossibilidade de se utilizar uma definição única e válida
para juventude, pois a condição de “ser jovem” na contemporaneidade não pode ser vista
separadamente de um contexto histórico, social e cultural, com comunidades sendo atravessadas por
pertencimentos, com sujeitos culturais que modificam, transformam e constitui diferentes maneiras de
ser e estar no mundo, e ser “ser jovem”, atualmente, significa pertencer a uma identidade juvenil,
“assumir” uma prática cultural e social.
Pode-se afirmar que não existe uma juventude única, mas sim “juventudes”, que variam
conforme as diferentes classes, os lugares onde as pessoas vivem e a quais gerações pertencem.
Ainda segundo estes autores, as inúmeras maneiras de ser “jovem” estão relacionadas às múltiplas
possibilidades de vida que temos nos planos econômico, social, político e cultural. A forma com que
os jovens utilizam e recriam os objetos culturais que são encontrados na sociedade de mercado e na
mídia expressa como se organizam e criam suas identidades e subculturas juvenis (Garbin, 2003).
É comum os jovens, na constituição de suas identidades, se reunirem em “tribos”. Conforme
Maffesoli (apud Bauman, 1999), tribos são grupos que se formam pela multiplicidade de atos individuais
de auto-identificação. Para se pertencer a um grupo como esses, bastam decisões individuais em
utilizar as marcas ou elementos simbólicos de fidelidade tribal.
A palavra tribo, originada do grego tribé, figura a idéia de atrito e resistência entre corpos
que, ao confrontarem-se, se opõem, e isto também pode ser verificado no fenômeno chamado de
tribos urbanas (Pais, 2004). O autor explica com isso o porquê de grupos de jovens receberem tal
alcunha, pois suas condutas são vistas como desordenadas, confrontativas, extravagantes,
desestruturadas, contestatórias e subversivas. Tais culturas parecem ter como objetivo romper limites,
construindo outras formas de pertencimento e reconhecimento.
Utilizando palavras de Nietzche, o mesmo autor afirma que há uma sensação de liberdade
quando se transgride e se rompem limites. Porém, essa subversão também pode ser vista como uma
espécie de conversão entre as “tribos urbanas”, pois essas produzem um sentimento de pertencimento
e estabelecem vínculos através da convivência, da sociabilidade e da integração social. Com isso, as
manifestações de resistência e de adversidade produzem afirmações de marcas identitárias. É na
busca de encontrarem pessoas/grupos que partilhem de seus ideais que jovens procuram fazer parte
de tribos urbanas e não simplesmente para se afastarem ou isolarem de determinados padrões sociais.
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Tendo em vista a dificuldade de terem suas diferenças aceitas na sociedade dita convencional, arremetemse nessas redes de relação, criando novos cenários urbanos e de dependência social.
As sociedades contemporâneas estão se tornando tribais devido à visível busca de uma
sensação de pertença, de auto-afirmação individual e da afeição comunitária, argumenta Maffessoli
(1987). Para o autor, o processo de globalização determinou transformações nas relações sociais,
desacomodando antigas formas de identidade e cultura, o que gerou uma ruptura dos laços sociais e
a perda da capacidade de ligação. Ainda conforme o autor, o mundo contemporâneo pode ser
considerado um mundo tribal, devido ao desenvolvimento de microgrupos – ou tribos – expressivos e
auto-afirmativos, originados a partir do agravamento do individualismo e da massificação.
Costa et. al. (apud Araujo, 2004) descrevem o processo de tribalização juvenil como “uma
reação ao isolamento hiperindividualista imposto pelas sociedades urbanas contemporâneas” (p.104).
Para os autores, esses grupos enfatizam e fortalecem as tendências associativas dos jovens, o que
possibilita o estabelecimento de fortes vínculos afetivos e o surgimento de identidades vinculadas a
condutas e valores culturais específicos.
As tribos urbanas são mostradas pela mídia jornalística, principalmente pela televisão, como
algo primitivo, cujos comportamentos opõem-se àquilo que se considera normal. Ressalta-se, em
especial, a utilização de tatuagens e piercings, cortes e cores diferente de cabelos, etc. para marcar as
diferenças desses sujeitos (Magnani, 1992). Da mesma forma, segundo o autor, o termo tribo pode
ser associada à imagem de “selvageria”, denotando certos comportamentos agressivos de alguns
grupos juvenis, como pichações, brigas entre agrupamentos riviais, etc.
Esses e outros termos utilizados para referir às identidades juvenis participam na produção
de sentidos e os descrevem, de certa forma, como diferentes porque inconseqüentes, ou selvagens, ou
imaturos, ou desordeiros ou estravagantes. Nem é preciso dizer que, neste contexto, a identidade de
referência é a adulta, e a juventude está posicionada no pólo fraco da oposição binária. Jovens são
diferentes em relação a uma conduta imaginada como “natural” ou “normal”, e descrita a partir de uma
referência que está fora e que tem a autoridade de narrar e de caracterizar a juventude. E isso não
significa que tais identidades juvenis simplesmente acatem ou desprezem certas prescrições sobre
seus comportamentos. Significa, sim, que elas criam, conformam-se, reinventam, estabelecem
pertencimentos, exercendo poder e também sofrendo seus efeitos.
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Para Pais (2006, p.7),
pode-se olhar para as culturas juvenis de duas formas: através das socializações que as
prescrevem ou das suas expressividades (performances) cotidianas. Entre muitos jovens,
as transições encontram-se atualmente sujeitas às culturas performativas que emergem
das ilhas de dissidência em que se têm constituído os cotidianos juvenis. Ou seja, as
culturas juvenis são vincadamente performativas porque, na realidade, os jovens nem
sempre se enquadram nas culturas prescritivas que a sociedade lhes impõe.
As identidades, embora sejam resultados de experiências individuais, surgem de práticas
coletivas, muitas vezes vinculadas à busca de reconhecimento ante os demais membros de uma coletividade
social. Mas não se pode reduzir sua performatividade a este desejo de reconhecimento. É necessário
pensar nas múltiplas experiências juvenis, analisando-as como circunstanciais, fluidas, variáveis.
Partindo de algumas noções delineadas acima, entendo os praticantes de RPG, sobretudo
de Vampiro: A Máscara, como pertencentes a uma “tribo juvenil”, urbana, ou como uma cultura
juvenil, por se tratarem de grupos de indivíduos que se reúnem em função de interesses comuns e
compartilham certas marcas identitárias que os constituem, subjetivam e os representam. No capítulo
a seguir trago outras teorizações que colaboram para a análise das diferentes produções juvenis em
páginas virtuais e retomo algumas das teorizações apresentadas neste capítulo.
OS AMALDIÇOADOS
“Amaldiçoado” é o termo que vulgarmente se refere a qualquer vampiro no universo de Vampiro: A Máscara
e utilizo nesta seção como uma referência às interpretações do mito ao longo dos tempos em diversas mídias.
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OS AMALDIÇOADOS
À simples menção da palavra vampiro, muito provavelmente venha à nossa cabeça o
estereótipo largamente difundido pelo cinema e pela literatura com o passar dos anos: um sugador de
sangue que ataca suas vítimas à noite, causando-lhes suas mortes. Teme o alho e a cruz, a luz do dia,
permanece em seu caixão ou em uma caixa com terra de sua sepultura, no qual dorme de olhos
abertos. Morto-vivo, tem a pele pálida, dentes afiados, unhas compridas. Pode mudar de forma e
assumir a aparência de morcego, rato ou mosca (Lecouteux, 2005). O vampiro é uma criação mítica
que vem assolando o nosso imaginário com o passar das décadas. Sua “invenção” – e reinvenção –
data de muitos séculos atrás, como apontam Idriceanu e Bartlett (2007) e Lecouteux (2005). As
origens do mito perdem-se com o passar dos anos, tornando difícil a tarefa de demarcar o surgimento
desta figura que, por razões que abrem espaço para muitos debates, nos encanta e fascina. Da mesma
forma, o fenômeno tem provocado cientistas, que não cessam a busca de respostas convincentes para
explicar o mito vampírico.
Meu argumento principal, neste capítulo, é que as histórias de vampiro podem ser pensadas
como pedagógicas e que seus ensinamentos se produzem e se exprimem em diferentes artefatos
culturais – em obras literárias, em filmes, em programas televisivos, como também no jogo de RPG
Vampiro: a Máscara. Trata-se de um tipo de pedagogia que não se vincula diretamente a nenhuma
instância educativa específica, tal como a escola, mas que circula e constitui, de variadas maneiras,
nossas formas de pensar o que somos, quem somos e o que podemos ser. O que, afinal, podemos
aprender com histórias de monstros e, em especial, de vampiros? Para discutir esta questão, trago
num primeiro momento, algumas representações de vampiros presentes em diversas mídias e o modo
como estes personagens foram interpretados e reinterpretados ao longo do tempo. Tenho em vista
que o foco de meu estudo, o jogo de RPG Vampiro: A Máscara, pode ser considerado como mais
uma reinvenção do mito vampírico e, neste sentido, também ensina sobre identidades e sobre diferenças.
Também nesta parte do texto, procuro analisar algumas marcas identitárias presentes no jogo, e o
modo como os personagens se diferenciam uns dos outros, destacando um conjunto de atributos e
características que foram importantes para a análise posterior dos usuários/jogadores nas comunidades
do Orkut.
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Um breve panorama de produções sobre vampiro
A figura mais conhecida de vampiro é o Conde Drácula, imortal, que sai à noite, mordendo
vítimas em busca de sangue para se alimentar. Uma criatura sensual, elegante, perniciosa, o vampiro é
um ser cuja “origem” parece misturar-se e confundir-se com as histórias de outros seres sobrenaturais,
conforme apontam diferentes autores. Seu “surgimento” não se dá a partir de um ponto único no
passado, mas a partir de distintos relatos e matrizes explicativas, em diferentes tempos e regiões do
mundo. Não obstante, as características atribuídas ao vampiro também variam de acordo com aspectos
culturais e com o tipo de narrativa, assumindo funções literárias, exemplares, religiosas, entre outras.
Embora os principais relatos da existência dos vampiros pareçam apontar para a Europa,
outros locais do globo também possuem suas versões para o mito. A África possui o adze, encontrado
em Gana e Togo, que se alimenta de sangue, preferencialmente de crianças, azeite de dendê e água de
coco. Também em Gana há o obayifo, que também tem predileção por crianças, além de prejudicar
as colheitas. De Madagascar, vem o ramanga, que também se alimenta de sangue. Na Índia, há o
bhuta, o brahmaparush – que bebe o sangue de suas vítimas e depois consome seus cérebros – e o
gayal, que surge quando ritos fúnebres não são realizados da maneira correta, tema também encontrado
em narrativas européias. Além desses, há os vampiros chineses (kuang-shi), japoneses (kasha) e das
Filipinas (aswang e danag). No Brasil, o lobisomem, que não mata sua vítima, mas consome pequenas
porções de sangue; no México, existem as tlaciques (bruxas-vampiras), reforçando a relação entre
magia e sensualidade; e na Austrália, o talamaur, vampiro vivo que extrai a força vital residual ainda
existente em um cadáver recente (Idriceanu, 2007).
Em narrativas de diferentes culturas, destaca-se a crença de que a humanidade partilha o
mundo com espíritos bons e maus, com seres e criaturas fantásticas e estranhas. Em sociedades
ocidentais, por séculos, as causas dos sofrimentos e doenças da humanidade eram relacionadas a
espíritos malfazejos e a poderes sobrenaturais que incidiam sobre o corpo, exigindo que os processos
37
de cura articulassem práticas religiosas e médicas . Nesse sentido, o receio de que a alma ficasse
presa na terra após a morte originou os ritos fúnebres e, uma vez desrespeitados esses rituais, o morto,
37
Mesmo na atualidade, embora a ciência médica ocidental afirme categoricamente a materialidade do processo de
adoecimento, e suas causas quase sempre previsíveis e explicáveis, é importante ressaltar que, para muitas pessoas,
a doença tem causas naturais e sobrenaturais, sendo ao mesmo tempo efeito de um enfraquecimento do organismo
e da uma ação maléfica de feitiçaria, bruxaria, resultado de energias negativas captadas pelo doente, efeito de mau
agouro, entre outras causas.
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ao não encontrar a paz, voltava para punir os vivos. Assim, a linha que separava as fronteiras do
mundo dos vivos e do além eram tênues, e facilmente transpostas, em determinadas circunstâncias
(Idriceanu, 2007). O fenômeno vampírico também é associado a epidemias de peste, em épocas em
que se ignorava a causa e a forma de propagação de certas infecções e as mortes, inexplicáveis e sem
causa aparente, eram associadas à influência de mortos malignos que voltavam para se vingar, ou a
outras pessoas com conhecimentos e poderes fora do comum, como as já citadas bruxas e magos
(Lecouteux, 2005).
De acordo com Idriceanu (2007), o vampiro é uma “presença universal” e os relatos sobre
ele datam do início dos registros históricos. Podemos enxergar o vampiro como uma espécie de
cruzamento ou amálgama entre diversas criaturas e fenômenos sobrenaturais, de diversas regiões
geográficas em diferentes partes do globo sem qualquer vínculo aparente, onde assume(iu) diversas
formas, refletindo costumes, crenças e medos das diferentes culturas nas quais está inserido. O autor
faz referência ao Penguin English Dictionary, no qual vampiro é definido como “uma pessoa morta,
que supostamente sai de sua tumba à noite e suga o sangue de pessoas vivas”. Esta definição engloba
elementos que podem ser considerados clássicos do estereótipo do vampiro: a aparição física do
morto, seu retorno à existência e sua necessidade de alimentar-se de sangue. Mas o sentido da palavra
vampiro é polissêmica, e o mesmo dicionário apresenta outra definição: “uma pessoa que vive de
ataques predatórios e exploração de outras”; esta é uma alusão que se faz, ainda hoje, para referir-se
38
a alguém cujo propósito é o de explorar outras pessoas .
Na análise deste autor, o vampiro é, então, um morto-vivo, alguém que volta do túmulo para
dar continuidade à sua existência profana e antinatural destruindo a vida de outros. Possui vínculos
com a natureza e atributos ligados à sexualidade e a habilidades mágicas, típicas de magos. Entretanto,
há uma distinção a ser feita entre vampiro e fantasma, pois esse retorna em forma espiritual e imaterial,
enquanto que o vampiro possui um corpo e nutre-se do sangue de outros. Além desses elementos,
existem outros que constituem lugar-comum na crença em vampiros, que servem como bases para os
estereótipos construídos com o passar do tempo, como o retorno de um indivíduo aparentemente
morto, a dependência por sangue e a sedução de incautos, geralmente de jovens virgens.
38
Exemplo disso é utilização do termo “vampiros do INSS” para nomear integrantes de um grupo acusado pelo
Ministério Público de fraudar licitações para a compra de medicamentos no Ministério da Saúde, em 2004.
74
Embora os relatos acerca de criaturas semelhantes aos vampiros sejam bastante antigos –
com referências encontradas em textos assírios, babilônicos e gregos –, as narrativas sobre a atividade
vampírica têm um impulso maior nos séculos XVII e XVIII, possivelmente em decorrência de pestes
e outros fenômenos naturais que causaram um grande número de mortes. O medo da população e os
rumores acerca da existência dessas criaturas vinculadas a outros seres sobrenaturais estabeleciam a
mentalidade da época, mesmo pensamento responsável pelas lendas assustadoras disseminadas e
pela queima de mulheres acusadas de bruxaria. Conforme já mencionado anteriormente, o vampiro é
uma mistura de diversos elementos, temas e símbolos diferentes. O simples fato de associar o vampirismo
à condição de morto-vivo e “sugador” de sangue – suas principais características – faz com que sejam
ignorados outros elementos que contribuíram para a construção do mito, pela mescla dos registros
históricos, das lendas e da literatura. (Idriceanu, 2007).
De acordo com Lecouteux (2005), é pertinente analisar a emergência de relatos sobre vampiros
no século XVIII, o século da Razão, no qual as concepções de vida e morte da religião são postas em
xeque. A ciência, tomada como novo paradigma capaz de explicar todos os fenômenos à luz da razão,
tem também como objetivo livrar o mundo de grande número de “superstições” existentes. Entretanto,
essas noções não desaparecem, elas estruturam o pensamento a partir de outras racionalidades, além
de transmitirem mensagens de esperança, justiça e consolação, cumprindo assim uma função importante
no desenvolvimento das sociedades.
39
O fim da caça às bruxas na Europa parece ter dado margens para a emergência do mito
vampírico, como se as sociedades da época tivessem a necessidade de exorcizar seus medos, de
encontrar uma explicação para suas mazelas e para as epidemias de peste e de cólera que as assolavam
(Lecouteux, 2005). O autor explica que, para os teólogos, o vampiro seria um pecador morto sem
remissão, um excomungado, que retorna à vida animado por demônios que se apossam de seu corpo.
O diabo só pode possuir os corpos e dar-lhes vida se estes não forem enterrados segundo os ritos
cristãos, ou se, quando vivos, foram excomungados da igreja, ou condenados como criminosos ou
suicidas, ou ainda se foram filhos incestuosos ou ilegítimos, entre outros, todas estas são condições
que tornavam os sujeitos amaldiçoados pela Igreja. Os atos dos vampiros podem ser considerados
39
A “caça às bruxas”, estabelecida pela Igreja Católica, é uma prática da Idade Média que se sobressai com a
ascensão do antropocentrismo. Mulheres, principalmente das classes baixas e de zonas rurais, eram acusadas de
bruxaria e de pacto com o demônio. Uma vez “comprovada” as acusações, eram comumente queimadas em fogueiras.
(Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ca%C3%A7a_as_bruxas)
75
como vingança por serem rejeitados pela terra que não os consome, por terem sido banidos da
sociedade dos mortos e dos vivos, o que os condena a sofrerem pela eternidade. A teoria mais
utilizada pela Igreja Católica para explicar o vampirismo é a da possessão demoníaca, donde se
justifica o uso da cruz, da hóstia e da água benta para expulsar Satã – instrumentos esses recorrentes
na luta contra os vampiros, largamente encontrados na literatura e no cinema.
Para os cientistas, médicos e fisiologistas, o vampiro seria um cadáver com uma espécie de
vida vegetativa, que pode se comprovar pelo crescimento das unhas, dos pêlos e da pele. O fato de
alguns corpos não se decomporem teria a ver com a natureza do local em que foram enterrados
(Lecouteux, 2005). A medicina muito se ocupou de analisar o fenômeno para evitar o sepultamento de
pessoas vivas em estado de catalepsia, o que justificaria, por exemplo, a existência dos chamados
40
vampiros mastigadores , que seriam pessoas enterradas vivas e que devoraram suas mãos e roupas.
O autor destaca alguns estudos acadêmicos, entre eles o de Wayne Tikkane, professor de
química da Universidade de Los Angeles, para quem o vampiro seria portador de porfiria, uma doença
sanguínea hereditária, freqüentemente encontrada na Transilvânia, que provoca retração labial e
malformação dentária, desenvolvimento anormal de pêlos, necrose dos dedos e do nariz, escurecimento
da pele e sensibilidade aos raios ultravioleta. Tikkane explica que certos doentes escondiam-se em
caixões de defuntos para fugir da luz do sol. Já o neurologista espanhol Juan Gómez-Alonso compara
os vampiros às pessoas com raiva, cujos sintomas seriam insônia – daí perambularem à noite –,
agitação e sensibilidade à água, aos odores e à luz; contração da face, da laringe e da faringe; espuma
sanguinolenta devido à impossibilidade de engolir a saliva. Os espasmos seriam desencadeados pela
água, luz ou espelhos; uma vez enraivecidos, tentam morder quem está próximo; o desejo sexual
aumenta consideravelmente; quando morrem, muitas vezes expelem sangue pela boca.
Outros pesquisadores afirmam que o vampiro não passaria de uma espécie de canibal, um
hematófito, especializado na sucção de sangue, que por muito tempo foi considerado a essência da
vida. Na inovação do mito moderno, a vida do vampiro ficou subordinada à sua alimentação sangüínea,
e morre se for privado do fluido. Desta forma, o vampirismo colocaria em xeque o dualismo corpo/
alma, pois na sua caça por sangue fresco estaria, de certa forma, uma tentativa de conseguir uma
“alma”, uma vida (Lecouteux, 2005).
40
Os vampiros mastigadores seriam aqueles que, não podendo deixar suas sepulturas, provocam as mortes de
seus parentes à distância, simplesmente comendo partes de seu corpo ou de sua mortalha (Lecouteux, 2005).
76
O vampiro, portanto, possui uma série de interpretações dos mais diversos campos do
saber, constituindo-se, desse modo, variadas formas de explicar o fenômeno. E estas representações
de vampiro reinventam não somente nas tradições e lendas populares ou em estudos científicos, como
também, através de outros artefatos culturais, como o cinema e a literatura, cujas narrativas possuem
largo alcance e possibilitam uma recorrente produção de significados, e a atualização de determinados
estereótipos.
No campo da literatura, o vampirismo lança mão de informações produzidas em diferentes
discursos e procura convertê-las numa narrativa fantástica, estabelecendo o horror, ou seja, uma
perturbação da ordem ou do sistema vigente (Lecouteux, 2005). Três escritores podem ser considerados
centrais para o estabelecimento do mito moderno: John William Polidori, J. Sheridan Le Fanu e Bram
Stoker, e todos eles utilizam elementos da literatura gótica, tais como castelos, capelas em ruínas e
cemitérios abandonados.
Polidori cria, em The vampyre, a tale, publicado em 1819, Lorde Ruthven, um fidalgo de
olhos cinzentos e de pele branca. Com força sobre-humana, ao ser capturado, pede que levem seu
corpo ao topo de uma montanha para que seja exposto aos raios da lua. Lorde Ruthven não morre, o
que o permite continuar sugando o sangue de suas vítimas (Lecouteux, 2005).
John Seridan Le Fanu apresenta, em 1872, no romance Carmilla, um vampiro feminino que
é atraído por mulheres – o que reforça um caráter homoerótico do romance. Camilla chega a um
castelo isolado de Styria, e revela ser a condessa Mircalla de Karnstein, morta há mais de um século.
Jovens mulheres são mortas na região e, uma vez pega, Mircalla recusa-se a revelar sua procedência
e o nome de sua família. Além disso, não se alimenta, não faz orações e os cantos religiosos a perturbam,
tem dentes caninos pontiagudos e assume a forma de um gato monstruoso. É morta com uma estaca
cravada em seu coração e, após, é decapitada, tendo seu corpo e cabeça queimados e as cinzas
jogadas ao vento (Lecouteux, 2005).
Bram Stoker publica Drácula em 1897, em que apresenta o vampiro sendo combatido por
Abraham Van Helsing. Neste romance, o vampiro não morre com o tempo, e rejuvenesce conforme
se alimenta de sangue; não projeta sombra nem possui reflexo em espelhos; extremamente forte, pode
transformar-se em lobo ou em névoa, o que lhe permite sair e entrar de qualquer lugar, mas seguindo
uma regra: só pode penetrar em lugares em que seja convidado; perde seus poderes no nascer do sol,
77
com o alho, com a cruz ou outro símbolo religioso; se uma roseira for colocada em seu caixão, não
pode sair; pode ser morto por uma bala benta, por uma estaca em seu coração ou se for decapitado
(Lecouteux, 2005).
Esse último romance foi o objeto de uma série de análises, que discutem as relações entre
corpo e alma, fé e razão. Destaco a seguir alguns desses estudos, a partir da leitura de Alexander
(2000), para colocar em relevo um conjunto de representações sobre vampiro, produzidas em diferentes
abordagens. Concordo com Cohen (2000) quando diz que os monstros, e inclua-se aí os vampiros,
devem ser analisados com base nas relações sociais, culturais e lítero-históricas que os geram.
Em análises da obra de Drácula, de Bram Stoker, de um ponto de vista freudiano, por
exemplo, o foco é a sexualidade reprimida, o fetiche e a externalização dos estados internos. Em sua
obra O Estranho, Freud (1969) estuda o que provoca espanto e medo, e afirma que o fator que
amedronta é algo reprimido que retorna, e que “muitas pessoas experimentam a sensação [de medo],
em seu mais alto grau em relação à morte e aos cadáveres, ao retorno dos mortos e a espíritos e
fantasmas” (p.301). Esta análise explicaria a masculinidade reprimida, incorporada no vampiro,
destacando o ataque, a mordida, que também vinculam-se à uma fixação na fase oral. Em relação às
personagens femininas, destaca-se o contraste entre Mina e Lucy e as três vampiras que vivem no
castelo do Conde Drácula – as primeiras são jovens belas, nobres, românticas e recatadas, enquanto
que as vampiras são também belas, aparentemente jovens, mas desviantes em relação às práticas
sexuais tidas como normais. A obra explora a ambigüidade das relações e das formas de repressão
sexual na Inglaterra no século XIX (Alexander, 2000).
A crítica pós-colonialista sobre a obra de Bram Stoker aponta para os marcadores de
nacionalidade, etnia, identidade e território como estratégias representacionais importantes, presentes
no livro. Alexander (2000) destaca o fato de Drácula ser retratado como descendente do personagem
histórico Vlad, o empalador e de ser a Transilvânia o território dos vampiros, compartilhado com
outras etnias – como os turcos, eslavos e polonoses – o que estabeleceria o oriente como uma região
de trevas, em oposição ao ocidente representado como espaço da racionalidade. Vale ressaltar que,
entre os autores pós-colonialistas destaca-se Edward Said (1990) e seus estudos sobre os discursos
que constituem o oriente em oposição ao ocidente. Ele argumenta que o orientalismo é um discurso
que se funda em representações sobre a vida, as crenças, os hábitos orientais que servem para legitimar
a autoridade ocidental, ou seja, o ocidente como lugar de referência, a partir do qual se produzem tais
78
representações. Estes discursos possuem um caráter totalitário e essencialista, descrevendo o oriente
como misterioso, distante, exótico, subdesenvolvido, primitivo. Ao posicionar deste modo o oriente
se institui, em contrapartida, um modo de pensar o ocidente. Nesta perspectiva, também a produção
literária, incluída aí a obra de Bram Stoker, colaboraria para fixar tais relações de poder e saber.
Sob a ótica marxista, o que cerca o romance são as análises marcadas por questões de propriedade,
da posse de terras, das economias, da produção e reprodução e da ideologia (Alexander, 2000). O Conde
Drácula deseja comprar uma casa nos subúrbios de Londres e solicita a presença de Jonathan Harker na
Transilvânia para auxiliá-lo na compra. Segundo Alexander (2000), isso demonstra a fácil mobilidade do
Conde com a mobilidade do capital na Europa moderna. Não obstante, o vampiro já foi utilizado por Marx
como forma de metáfora para o capitalismo em A Jornada de trabalho, em que diz que “o capital é
trabalho morto que como um vampiro se reanima sugando o trabalho vivo e, quanto mais o suga, mais forte
se torna” (Marx apud Alexander, 2000, p.63).
As análises de cunho feminista, conforme argumenta o autor, apontam as contradições das
personagens femininas no romance. Mina, por exemplo, é elogiada por Van Helsing como portadora de
um grande intelecto, de um cérebro de homem, mas com o coração de uma mulher. Quando são
contrastadas com as três vampiras encontradas por Harker no castelo de Drácula, as virtudes e docilidades
de Mina e Lucy são comparadas às da Virgem Maria. As vampiras, no entanto, são descritas com
riqueza de detalhes e com termos que reforçam a sensualidade e seu charme sedutor. Além do mais, o
casamento, a sexualidade normativa, os papéis de gênero e a inferior inteligência das mulheres são
argumentos encontrados no romance sob uma perspectiva analítica de gênero (Alexander, 2000).
Já a crítica homoerótica e a teoria queer têm produzido análises sobre Drácula que salientam o
corpo como local de desejo e de inscrições e marcas de poder. De acordo com Alexandre (2000), nesta
pespectiva de análise, a Inglaterra vitoriana é vista como um sistema de dominação masculina, no qual a
homossocialidade não deve ser reconhecida. Em Drácula, o homoerotismo é básico, pois, sem sua existência,
os três pretendentes de Lucy não se uniriam para salvá-la e derrotar o vampiro, o que desafia uma possível
leitura homofóbica tradicional do texto. Em análises mais radicais da crítica homoerótica, as relações
apresentadas no livro podem ser consideradas constitutivas de uma identidade gay, assim como a caça ao
vampiro pode ser relacionada ao ódio homofóbico, argumenta a mesma autora. No vampiro de Bram
Stoker, por exemplo, a sexualidade transgressiva e irresistível do conde, sutilmente atraente para Jonathan
Harker, teria a ver com a atração de Stoker para com seu mentor, Henry Irving.
79
Embora as análises sobre vampiro, anteriormente destacadas, utilizem referenciais teóricos bastante
diversificados, e em alguns casos, distantes daqueles que orientam minha pesquisa, considerei relevante
destacá-los aqui, pois eles mostram a recorrência deste tema e as amplas possibilidades que ele oferece.
Colocando em relevo essa potencialidades, Donald (2000) destaca que muitos estudos sobre
monstros “flertam com um certo funcionalismo e um certo reducionismo” (p.110). Alguns deles afirmam
que os monstros são continuamente reinventados para nos lembrar do horror da irracionalidade e,
desse modo, o medo daquilo que é monstruoso serviria para manter a validade das regras e da ordem
social. Outros posicionam o monstro como metáfora de tudo aquilo que, no interior de uma sociedade,
a ameaça. O monstro materializaria a força insidiosa capaz de ocultar, mascarar, vampirizar e, portanto,
ao analisar estas narrativas deveríamos nos esforçar para descobrir e dar relevo às relações de força
das quais, realmente, elas estariam falando. Para o autor, ao invés de pensar o monstro como um
“Outro”, radicalmente diferente da identidade, numa relação binária, deveríamos levar em conta que
“as imagens do monstruoso ajudam a definir as fronteiras da comunidade” (Idem, p. 111-112). Em
outras palavras, ao apresentar o outro, o diferente, o monstruoso como uma ameaça à identidade,
ignoramos a necessidade da existência da diferença na definição dos termos e dos limites desta mesma
identidade. E, no entanto, diferentemente disso, a representação do monstro recoloca as fronteiras
daquilo que se considera normal e confere, ao mesmo tempo, certa autoridade e certa urgência na
definição do que seja normal e no estabelecimento de fronteiras que o diferenciem do que é desviante.
Seguindo esta argumentação, diria que o vampiro ensina a reconhecer as fronteiras do possível, daquilo
que poderíamos fazer, pensar e viver, sem sermos considerados monstruosos. Ensina também a
reconhecer quem está “dentro” e quem está “fora” daquilo que instituímos como normalidade.
Voltando aos artefatos que produzem representações de vampiro, gostaria de destacar que as
características dos romances anteriormente comentados e de tantos outros que vêm sendo publicados ao
longo dos séculos, ultrapassam os limites da literatura e foram largamente utilizadas e difundidas pelo cinema.
Segundo Júnior (2008), há mais de 132 filmes com vampiros como personagens principais, produzidos em
diversos lugares do mundo – Estados Unidos, Inglaterra, México, Áustria, França, Itália, entre outros.
Ainda segundo o autor, um levantamento do canal de TV a cabo Discovery Channel estima que os
vampiros são temas em mais de 500 produções, entre filmes, séries de TV e desenhos animados.
As produções cinematográficas têm início em 1896 com O Castelo Mal-Assombrado, um
filme de dois minutos de duração, no qual um vampiro é afastado por um crucifixo. Produzido em 1922
80
41
na Alemanha e distribuído em 1929 nos Estados Unidos, Nosferatu , o mais famoso filme sobre vampiro,
é claramente baseado na obra de Bram Stoker. Entretanto, a cena final é diferente do romance, no qual
o conde é morto pelos raios do sol ao ser impedido de retornar ao seu ataúde antes do amanhecer
(Idriceanu, 2007). Este filme foi considerado audacioso por tratar de temas como a sexualidade, uma
vez que o desejo do vampiro por sangue teria uma conotação erótica, o que volta a ser explorado nos
filmes nos anos seguintes. Não obstante, o vampiro deste filme possuía características andróginas, e
também sugava o sangue de pescoços masculinos (Júnior, 2008).
Os atores Bela Lugosi e Cristopher Lee foram os principais responsáveis pela atualização e
fabricação de certos estereótipos do vampiro, ao criarem uma imagem de conde sedutor e hipnótico,
em uma Transilvânia com florestas escuras e castelos góticos (Idriceanu, 2007). Esta mesma imagem
42
da Transilvânia é usada em Drácula de Bram Stoker , produzido por Francis Ford Coppola em
1992. Embora procure ser fiel ao livro homônimo, há alguns elementos não presentes no livro, como
o vínculo do Conde Drácula com Vlad Tepes, o empalador, e o fato de Mina, personagem perseguida
pelo conde, ser a reencarnação de Elisabeta, esposa suicida de Drácula. Outras mudanças foram
produzidas no filme, como a postura quase ninfomaníaca de Lucy e de Mina, ao não resistirem aos
encantos de Drácula (Idriceanu, 2007).
43
Em Entrevista com o Vampiro , filme dirigido por Neil Jordan em 1994 e baseado no
romance homônimo de Anne Rice, publicado em 1976, certa representação recorrente de vampiros é
apresentada, tal como sua morte pela luz solar. Entretanto, os crucifixos e imagens religiosas não
funcionam contra esses seres, o que poderia ser interpretado como um possível comentário sobre a
secularização da sociedade e o declínio da religião (Idriceanu, 2007).
41
Título Original: Nosferatu, Eine Symphonie des Grauens, filme dirigido por F.W. Murnau, em 1922. Sinopse:
Hutter (Gustav von Wangenheim), agente imobiliário, viaja até os Montes Cárpatos para vender um castelo no Mar
Báltico cujo proprietário é o excêntrico conde Graf Orlock (Max Schreck), que na verdade é um milenar vampiro que,
buscando poder, se muda para Bremen, Alemanha, espalhando o terror na região. Curiosamente quem pode
reverter esta situação é Ellen (Greta Schröder), a esposa de Hutter, pois Orlock está atraído por ela. (Fonte: http:/
/www.cinemenu.com.br/filmes/nosferatu-1922/sobre-o-filme)
42
Título original: Bram Stoker’s Dracula, dirigido por Francis Ford Coppola em 1992. Sinopse: No século XV, um
líder e guerreiro dos Cárpatos renega a Igreja quando esta se recusa a enterrar em solo sagrado a mulher que amava,
pois ela se matou acreditando que ele estava morto. Assim, perambula através dos séculos como um morto-vivo e,
ao contratar um advogado, descobre que a noiva deste é a reencarnação da sua amada. Deste modo, o deixa preso
com suas “noivas” e vai para a Londres da Inglaterra vitoriana, no intuito de encontrar a mulher que sempre amou
através dos séculos. (Fonte: http://www.cinemenu.com.br/filmes/dracula-de-bram-stoker-1992/sobre-o-filme)
43
Título original: Interview with the Vampire: The Vampire Chronicles, dirigido por Neil Jordan em 1994. Sinopse:
Em pleno século XX, um vampiro concede uma entrevista a um jovem repórter, contando como foi transformado em
uma criatura das trevas pelo vampiro Lestat, na Nova Orleans do século XVIII. (Fonte: http://www.cinemenu.com.br/
filmes/entrevista-com-o-vampiro-1994)
81
No início das produções cinematográficas, o vampiro era representado como uma figura
aterradora, esgueirando-se nas sombras, agindo sorrateiramente durante o sono de outros e atacando
suas vítimas. Caçados como animais selvagens, eram mortos com estacas e decapitação. Porém, em
mais de 75 anos de história cinematográfica, as narrativas sbre vampiros sofreram alterações, na
tentativa de atrair mais públicos, o que fez com o que o mito fosse reinventado constantemente,
mesclando elementos culturais diferentes. Por exemplo, o produtor Jess Franco, em 1972, radicaliza
as insinuações sexuais do filme Nosferatu ao criar vampiras homossexuais no filme Vampyros Lesbos
(Júnior, 2008).
Da década de 1980 em diante, as diversificações foram ainda maiores, como por exemplo,
o vampiro pintor bissexual de A Hora do Espanto; o vampiro motorista de táxi de Noites macabras
em Nova York; o motorista do furgão vedado à prova de luz solar de Quando chega a escuridão;
chegam a ocupar cargos públicos em Vampire cop; trabalham em bares para solteiros em Procura-se
rapaz virgem ou em danceterias em Fome de viver; e transformam-se em experiência genética e
evolução da humanidade em Criatura Perfeita (Júnior, 2008).
Nos anos 2000, os vampiros têm destaque em algumas séries pra o cinema e TV, como por
exemplo, Blade, um vampiro que caça outros vampiros, uma adaptação dos quadrinhos da editora
americana Marvel; e Anjos da Noite – Underworld, uma produção que apresenta a guerra secular
entre vampiros e lobisomens. Buffy – A Caça-vampiros, série de TV, traz a protagonista como a
última geração de uma família caçadora das criaturas demoníacas que assolam a Terra; e Angel, uma
série derivada da anterior, em que o protagonista é um vampiro que, devido a uma maldição cigana, é
impedido de matar humanos (Idriceanu, 2007).
As histórias de vampiro vão sendo atualizadas, produzidas, interpretadas, através de obras de literatura,
cinema, histórias em quadrinhos, videogames e outras mídias, e também é reinventado no jogo Vampiro: A
Máscara, foco de minha análise. Os elementos presentes no jogo, que descrevem os vampiros e suas
características, são uma ressignificação do mito e, assim como todas as versões comentadas anteriormente,
possuem elementos adaptados revistos, acrescentados, alterados e negados, fazendo com que o hibridismo na
construção do mito do vampiro, conforme comentado por Cohen (2000), se faça presente no jogo.
82
Um passeio por publicações relativas a Vampiro: A Máscara
Nesta parte do texto destaco algumas características das histórias de vampiros reinventadas
no jogo Vampiro: A Máscara, buscando realizar uma aproximação com referenciais teóricos que
sustentam minhas análises, em especial as discussões relativas a identidades e diferenças. Tomo como
base para essa discusssão algumas das obras relativas ao jogo, já mencionadas anteriormente. Nesta
seção analiso as seguintes publicações: Vampiro: A Máscara (Hagen, 1994), Vampiro: A Máscara
(Achilli, 1999), Guia do Sabá (Achilli, 2001), o Guia dos Jogadores para o Sabá (Brown, 1998) e
Vampiro: Guia dos Jogadores (Hagen, 1995).
Inicialmente, ressalto uma característica já referida sobre vampiros, que tem vínculos religiosos
ao explicar que alguém pode se tornar um vampiro ao quebrar algum ritual religioso, se não for
enterrado conforme os ritos católicos ou se tiver sido um pecador em vida. No jogo Vampiro: A
Máscara, a relação religiosa se faz presente ao afirmar que o primeiro vampiro teria sido Caim, figura
bíblica do Antigo Testamento, amaldiçoado por Deus por ter matado seu irmão Abel. Nesse sentido,
“a marca que Deus pôs em Caim era, na realidade, a maldição do vampirismo. Caim descobriu que
poderia passar sua maldição através do ‘Abraço’ e então criou crianças da noite para aliviar sua
solidão” (Achilli, 1999, p. 12). A maldição divina se reinventa ao estabelecer um pecador original,
marcado pelo derramamento do sangue de Abel. Ainda numa analogia com textos bíblicos, a expulsão
de Caim não é do paraíso, mas da vida mortal, pois a maldição faz com que ele ande sobre a Terra
eternamente, porém sob o signo da diferença, da transgressão, da anormalidade.
Nas obras literárias e cinematográficas destacadas anteriormente, em geral, quando uma
pessoa é mordida e seu sangue é sugado até a morte, ela se torna um vampiro. No jogo, somente
quem for atacado por um vampiro e beber do sangue de seu agressor pode vir a tornar-se um. O
sangue, tido como o símbolo da vida, da força e do poder – segundo várias culturas antigas – e do
sacrifício (o sangue de Cristo derramado por nós, segundo a Igreja Católica), torna-se no jogo muito
mais do que uma alusão sexual e violenta, constitui-se em um símbolo da maldição que todos devem
carregar devido ao crime de Caim.
Na obra de Achilli (1999, p. 21), destacam-se algumas das expressões utilizadas para fazer
referência aos vampiros e que se aproximam das descrições literárias e cinematográficas: “cadáveres
sanguessugas erguidos dos túmulos para beber o sangue dos vivos”; “monstros condenados ao inferno”;
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“predadores eróticos”, “mortos-vivos”, “espíritos demoníacos incorporados em carne humana”;
predadores noturnos que causam “terror e deleite”. No jogo, caracterizado como uma “narrativa de
horror pessoal”, os jogadores são convidados a assumir uma identidade vampírica, vinculada a grupos
ou clãs, na forma de improvisações teatrais nas quais cada um segue “dizendo o que o vampiro diria e
descrevendo o que o vampiro faria” (p.21). Nesse sentido, o jogador não é um expectador que acompanha
o desenrolar das ações, mas assume uma identidade vampírica, construindo o seu próprio personagem a
partir das regras do jogo, conforme expliquei numa seção anterior. Os vampiros são conduzidos por
histórias de um mundo virtualmente idêntico ao nosso, nas quais se narra “o triunfo dos personagens, os
seus fracassos, as suas façanhas secretas e os seus vislumbres de bondade” (Idem).
Com relação ao cenário, na maior parte dos romances sobre vampiro, as histórias se passam na
Transilvânia ou em alguma parte da Europa medieval ou do século XVIII e XIX, e, seguindo as características
da literatura gótica, as cenas principais se desenvolvem em castelos, catedrais escuras e em ruínas, embora
alguns deslocamentos sejam encontrados. Outros cenários comuns são pequenas cidades, no campo, ou
vilarejos. Em Vampiro: A Máscara o cenário é urbano, contemporâneo, e os vampiros moram em casas,
apartamentos ou em outros esconderijos menos “elegantes” que castelos góticos.
Os vampiros são criaturas próprias das cidades, embora alguns digam que isso é mais
uma questão de opção do que de natureza intrínseca. A paisagem urbana oferece tudo
o que um Membro precisa: estoques de sangue praticamente inesgotáveis, contatos
suficientes para satisfazer o vampiro mais sociável (e lugares reclusos para satisfazer
os mais individualistas) (Achilli, 1999, p. 29).
O mundo do jogo é caracterizado como sendo punk-gótico, uma versão sombria do mundo
em que vivemos ou daquilo que poderemos vir a ser um dia. Assim, este é um lugar onde a maldade é
mais palpável, mas os mesmos artistas fazem sucesso, os mesmos governos existem, embora mais
corruptos e depravados, os mesmos monumentos e localidades co-existem nos dois mundos. Todas
as calamidades são idênticas, embora sejam mais pronunciadas e suas razões mais explicitadas no
Mundo das Trevas. Os vampiros ancestrais brincam com a humanidade, como um gato faz com um
rato, manipulam a sociedade dos mortais, como marionetes, para afastar o tédio, para dar movimento
a existências que, do ponto de vista de quem já viveu muitas eras, parece estagnada.
A característica punk-gótica refere-se menos a uma arquitetura e mais a um estilo de vida
adotado pelos habitantes desse mundo de vampiros, e a descrição deste estilo, na obra de Hagen
(1994) e Achilli (1999) parece ser uma contundente crítica ao modo de viver contemporâneo, tão
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vastamente analisado nos escritos de Stuart Hall e Zygmunt Bauman. Destaca-se, no Mundo das
Trevas, a formação de gangues, o crime organizado, a afirmação da inutilidade das leis e da ética, a
linguagem grosseira, a música repetitiva e frenética, apreciada por multidões, a moda ousada, a arte
mais chocante, a tecnologia possibilitando acesso a qualquer coisa, escândalos e corrupção, a falência
de objetivos comuns que unificam as lutas e aproximam as pessoas, espiritualidades praticadas como
formas de consumo. Neste cenário se desenrolam as narrativas e nele também se redefinem nossas
incertezas e temores cotidianos. “O mundo de Vampiro: a Máscara não é o nosso, embora esteja
próximo o suficiente para causar um espantoso desconforto. Na verdade, o mundo habitado pelos
vampiros é semelhante ao nosso, porém visto através de uma lente escura” (Achilli, 1999, p. 28).
Os vampiros do jogo vivem em residências “convencionais”, isso porque, de acordo com o
autor, eles precisam aproximar-se da “normalidade”, ou seja, trata-se de uma tentativa de cercar seu
“mundo imortal” com objetos e situações “mortais” para evitar que enlouqueçam e sucumbam à “besta
interior”. A busca pela “normalidade” seria uma condição para a própria sobrevivência dos vampiros
e, habitando o mundo contemporâneo, teriam que mascarar sua diferença para não serem identificados
e eliminados.
Nas produções literárias e cinematográficas os vampiros são tratados como criaturas imortais,
mas que podem ser mortos, embora a ação do tempo não os afete. O mesmo acontece com os
vampiros do jogo, porém, alguns dos símbolos e instrumentos utilizados para deter os vampiros sejam
inúteis, como o alho e os artefatos religiosos; outros causam efeito e são letais, tais como a luz do sol,
a decapitação e incineração. Uma forma de detê-los, difundida nas lendas e nas outras representações
de vampiro, é a estaca em seu coração, que no jogo Vampiro: A Máscara não é fatal, mas,
inexplicavelmente, causa um efeito psicológico paralisante (Hagen, 1994).
Marcas identitárias e modos de identificação com os personagens
Para discutir alguns possíveis modos de identificação dos jogadores com os personagens,
parto de uma observação inicial: se os role-playing games são jogos de aventura, nos quais os
jogadores devem interpretar heróis, como um jogador, interpretando um vampiro, pode ser herói se
este sempre é visto como uma figura malévola, que rompe a ordem, que é perseguido para ser
exterminado, e, no jogo, vive num drama psicológico?
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Considerando as expressões que servem para marcar a identidade vampírica no jogo –
mortos-vivos, monstros, sanguessugas que precisam alimentar-se de sangue humano, animalescos,
dissimulados – como se poderia pensar as identificações dos jogadores com seus personagens?
Em relação a estas indagações, Hagen (1994), afirma que os jogadores devem tentar tornar
seus personagens heróicos, agindo bravamente na busca pela justiça e pela redenção, numa tentativa de
aplacar a “besta” interior que tende a dominá-los. Eles devem sobreviver assumindo a condição vampírica
mas, ao mesmo tempo, dominando seu lado animal, para não perder completamente as características
que os tornavam humanos. Nesse sentido, o tema central do jogo parece ser “como manter a humanidade
em condições absolutamente desumanas”. Os vampiros, sendo maus, devem ser “bons”, e não devem
revelar sua verdadeira face para a sociedade sob pena de quebrar a Primeira Tradição, a Máscara, que
garante sua segurança através do anonimato. Mesmo que seus atos sejam bons, isto não impede que
sejam caçados por humanos que visam seu extermínio, pois suas existências afetam a ordem supostamente
natural. Talvez uma primeira consideração importante, nesta análise, seja a ruptura do par binário bom/
mau, considerando-se que os vampiros do jogo poderiam ser as duas coisas.
É relevante ao examinar as estratégias representacionais dos materiais do jogo, pois os
vampiros não apenas são narrados como monstros, eles também são posicionados a partir de vantagens
e privilégios em relação à condição humana. Em primeiro lugar, eles referem a si mesmos pelo eufemismo
“membros” em oposição a “rebanho”, que seriam os humanos, mortais, potenciais fontes de sangue
fresco. O rebanho seria, então, um aglomerado de habitantes de cidades, potencialmente manipuláveis.
Muitos humanos, nas histórias do jogo, são facilmente seduzidos e colocados a serviço das lutas
vampíricas. Os vampiros são caçadores (embora também sejam caçados tanto por humanos quanto
por outros membros do Mundo das Trevas). Além disto eles são imortais, condição que lhes confere
superioridade em relação aos mortais. Sua maldição – vagar pelo mundo alimentando-se de sangue –
lhes confere, ao mesmo tempo, talentos como vigor, força, velocidade, sagacidade, juventude eterna,
habilidades para a magia, sensualidade irresistível, beleza fatal, imensa paixão, sentidos ampliados,
visão noturna, entre outros.
Tendo em vista esse conjunto de atributos, jogar como um vampiro, dizendo o que este
personagem diria e narrando o que ele faria, parece bem mais envolvente do que considerá-lo
simplesmente um monstro solitário e condenado por uma terrível maldição. Talvez por essa razão o
jogo seja tão difundido, e as obras a ele relacionadas tenham tamanha repercussão. A produtividade
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do jogo pode ser observada em uma ampla rede de artefatos produzidos para jogadores, na expressiva
quantidade de comunidades que se articulam em torno deste jogo, e num incontável número de pessoas
que se “reúnem” virtualmente nas páginas do Orkut, identificando-se com personagens de vampiro.
Uma interessante análise desenvolvida por Cohen (2000) sobre a cultura dos monstros,
possibilita pensar a “paixão” pelo RPG Vampiro: a Máscara a partir de outras perspectivas. Na
análise deste autor, o vampiro, como outros monstros, incorpora de modo bastante literal, medo,
desejo, ansiedade e fantasia, conferindo-lhes uma estranha independência. O vampiro pode ser
considerado uma produção cultural que revela e adverte, que significa algo diferente, que atrai nossa
atenção por estar ligado ao proibido, por despertar ódio e inveja de sua liberdade e de seu desespero.
O mesmo autor diz que os monstros são híbridos que perturbam, e seus corpos, externamente
incoerentes, não são capazes de serem incluídos em qualquer tipo de classificação sistemática. O monstro
é perigoso por ser capaz de abalar distinções que organizam e hierarquizam o mundo – tais como os
binarismos entre vida/morte; cultura/natureza, bom/mau, certo/errado.Ao contrário dessa lógica binária,
os monstros só podem ser entendidos na articulação entre estes atributos (mortos-vivos, bons-maus) e
na indagação sobre determinadas certezas que construímos para ordenar nossa relação com as coisas e
com as pessoas. Não por acaso, monstros como o vampiro, surgem em épocas de crise para servir
como agente questionador do pensamento binário. O monstro é a representação da diferença, “é a
direrença feita carne... uma incorporação do Fora, do Além, de todos aqueles que são colocados como
distantes e distintos, mas que se originam no Dentro” (Cohen, 2000, p.32).
Também não é por acaso que estes personagens sejam marcados por certos estigmas,
assemelhados aos que identificam os “outros” em uma dada cultura e em certo tempo. As diferenças
culturais, políticas, raciais, econômicas e sexuais foram e são descritas como monstruosas, numa
tentativa de validar alinhamentos e valores específicos, como branquidade, heretossexualidade,
masculinidade. As relações de poder que transformam a diferença em mostruosidade também autorizam
o seu extermínio ou exílio, fazendo com que esse ato seja visto como heróico. Um exemplo são as
histórias que relatam conquistas de terras e de continentes, e nelas este artifício é recorrente: os
colonizadores são apresentados como corajosos e heróicos, frente a culturas e povos monstruosos –
a colonização hebraica sobre os povos “bárbaros” de Cannã; a colonização francesa sobre o mundo
muçulmano, marcado por atributos de anormalidade; a colonização européia sobre os povos americanos
e africanos, descritos como bestiais e selvagens irredimíveis. É na cultura que se produzem, portanto,
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as monstruosidades como representações convenientes daquilo que subverte, transgride, desliza e que,
tratadas como aberrações, devem ser vigiadas ou banidas para evitar a contaminação, a impureza, o risco.
Segundo Bauman (2001), a pureza é vista como ideal, como uma condição que precisa ser
criada ou protegida contra diferenças, é uma visão da ordem, é como algo que se acha em seu devido
lugar e não em outro. Os modelos de pureza mudam de tempos em tempos, variando também conforme
a cultura e assim se criam outros “estranhos”, que surgem para abalar a ordem, interromper, questionar.
Aquilo que é visto como “sujeira”, como elemento que desafia uma dada ordem quase sempre e
identificado como anormal ou, no limite, como monstruoso. As sociedades e culturas sempre produzem
estranhos, os outros, que não se adequam à moral e estética do mundo “ordeiro”, borrando as linhas
fronteiriças do que se deve ser e do modo como se deve viver. Para “derrotar” os estranhos, algumas
estratégias são pensadas para tornar a diferença semelhante, ocultando as diferenças culturais e lingüísticas
e proibindo a execução de determinadas tradições. Outra estratégia seria expulsar esses estranhos
dos limites do mundo ordeiro e impedi-los de se inserirem nele, excluindo-os para outros lugares. No
caso das narrativas sobre vampiro, trata-se sempre de bani-los e de aniquilá-los, uma vez que
representam perigo constante. No caso do jogo Vampiro: A Máscara, as estratégias são diferentes,
uma vez que os jogadores são, eles mesmos, os vampiros.
O monstro é um transgressivo, um fora-da-lei e, por isso mesmo, um elemento que permite
a formação de identidades pessoais, nacionais, culturais, econômicas, sexuais, psicológicas, juvenis.
Atualizado em muitas formas contemporâneas de narrativa, o monstro nos leva a indagar sobre o
modo como percebemos o mundo, interpelando-nos com outras representações de etnia, raça, gênero,
sexualidade. A atualidade dos monstros liga-se ao modo como percebemos as diferenças e nos
consideramos autorizados a tolerar (ou não) suas expressões. Ao mesmo tempo em que o vampiro
movimenta-se entre o mundo dos vivos e dos mortos “há a perturbadora sugestão de que esse corpo
incoerente, desnaturalizado e sempre sob o risco de desagregação, pode muito bem ser o nosso
próprio corpo” (Cohen, 2000, p. 35).
Apropriando-me de algumas argumentações teóricas desse autor, penso que o jogo Vampiro:
a Máscara liga-se a uma produção transgressiva, que ao mesmo tempo reafirma um conjunto de
normas socialmente válidas. “Os vampiros têm simplesmente... apetites e metas que divergem daquilo
que se considera normal”, salienta Hagen (1994, p.9). O corpo do vampiro é um corpo cultural e,
nesta direção, penso que a produção dos personagens e dos cenários do jogo, embora regulada por
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regras específicas, vincula-se às questões culturais contemporâneas, bem como a situações cotidianas nas
quais os jogadores identificam características, incorporadas às histórias, como marcas do Mundo das Trevas.
Também considero relevante articular estas problematizações sobre monstros, sobre vampiros
e os significados que para eles se produzem com o campo dos Estudos Culturais. Para isso, discuto
um pouco mais alguns marcadores identitários que servem para caracterizar, distinguir e posicionar os
corpos diferentes, neste caso, o dos vampiros. De acordo com Silva (2000a) identidades são marcas,
traços, e os marcadores identitários seriam aqueles símbolos culturais que funcionam para diferenciar,
agrupar, classificar, ordenar. Estes marcadores se inscrevem fundamentalmente no corpo e é sobre
tudo nele que se tornam manifestas as marcas que posicionam as pessoas – ser ou não ser bonito/feio,
magro/gordo, alto/baixo, ter ou não ter tal idade, tal sexo, tal preferência, tal costume, tal classe. Estas
marcas, cujos significados não tem a mesma importância relativa, se recombinam continuamente,
constituindo o que somos. A maioria destas marcas faz sentido em uma lógica binária – ser ou não ser/
ter ou não ter certa característica.
Nas leituras que fiz sobre vampiro, e nas análises que realizei sobre o RPG, pude observar
que as características atribuídas a estes personagens tumultuam e deslocam a lógica binária. Eles são,
ao mesmo tempo, mortos-vivos, horrendos e fascinantes, temidos e desejados. As narrativas de
Vampiro: a Máscara carregam essa desconfortável sensação de estarmos em um mundo distante e
próximo, desconhecido e aterradoramente familiar. Nesta direção, Donald (2000) adverte que as
coisas que estão em jogo nos filmes de vampiro – e no RPG por mim analisado, eu diria – é “a
instabilidade das fronteiras entre o humano e o autômato ou entre o vivo e o morto, bem como a
fragilidade dos limites da identidade” (p.118). Citando Cixous, o autor destaca ainda que o vampiro
recoloca um pouco mais de morte na vida e um pouco mais de vida na morte: “não há como recorrer
a um dentro/fora. Está-se lá permanentemente. Não há como passar de um termo o outro. Portanto,
o horror: você pode estar morto enquanto vive, você pode estar num estado duvidoso” (p.119).
Apresento a seguir alguns deslocamentos da lógica binária, marcados no corpo dos vampiros
deste RPG. Em primeiro lugar, parece-me que o corpo do vampiro é um corpo entre categorias, nem
vivo, nem morto, um morto-vivo... O corpo do vampiro é, ao mesmo tempo velho e jovem –
cronologicamente velho, mas que, com o uso da “tecnologia” e do sangue ele se mantém eternamente
jovem (não se trata apenas sugar o sangue, mas aprender a extrair dele a força vital...). O vampiro
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desfruta de uma condição privilegiada que se confronta com nossa vulnerabilidade à mortalidade e a
fragilidade de nossa juventude, como podemos concluir na leitura de Idriceanu (2007).
Também o binômio feminino/masculino é colocado em questão. Em Hagen (2004),
encontramos indicativos de que os vampiros podem ser símbolos hetero e homo/bisssexuais. Nesta
parte, o autor narra o processo do Abraço, ao criar uma pequena situação em que a vítima descreve
a sensação de ser mordido:
Aqueles olhos. Como os abismos do Inferno. Como esferas de metal negro. Eu os fito
e ali me perco. [...] A sensação de seu toque permanece no meu rosto por um segundo.
Os olhos dele, tão ternos... não me oferem piedade. [...] Suas presas perfuram meu
pescoço e rasgam minha pele. Uma onda de calor percorre meu corpo: êxtase. Prova de
minha essência quando ela jorra do meu pescoço, e em seguida começa a sugar.
Agarro-o como se eu fosse um marinheiro se afogando, ou um amante. Minha rocha.
Meu desejo. (p.19)
Nesta passagem, nota-se que a relação entre a vítima e o agressor é de repulsa e desejo. A
sensação da vítima é de fascínio, pois “perde-se” nos olhos do agressor. Mesmo terno, o agressor não
oferece piedade. O texto fala de dor e êxtase, perdição e salvação, ódio e amor. O Abraço, aqui,
pode ser visto como um ato homosexual, pois tratam-se de dois indivíduos masculinos.
O ruído de saltos batendo na calçada me acorda. [...] Um cheiro de perfume barato. O
odor da tensão nervosa. A fragrância do sangue pulsante. Quase posso sentir o doce
néctar. [...] Cabelos longos roçam suavemente seu rosto, rosado pelo esforço; uma
beleza que apenas eu posso apreciar. [...] Ela passa por mim, olhando rapidamente para
o beco. [...] Deslizo na direção da mulher. Sinto o odor de seu vitae, e ele me excita.
Poucos centímetros a separam da minha carícia. Minha mente urra de desejo. (p.73)
Mais adiante, no livro de Vampiro: A Máscara, o mesmo indivíduo, agora sedento por
sangue, busca uma vítima, e é uma mulher, bela, pela qual ele tem desejo, um desejo que também pode
ser visto como sexual, demonstrando que o prazer sentido pelos vampiros pode ser ora hetero, ora
homo, ora bissexual.
O corpo do vampiro é também ambíguo, escapa aos binarismos, e pode ser visto como belo
e horrendo, forte e vulnerável. A pele é pálida, devido à aversão à luz solar e por terem sido despertados
– transformados em vampiros - no momento de sua morte. O vampiro é incapaz de fazer a ingestão de
alimentos, portanto, não precisa se alimentar, sua fome é somente por sangue, assim como os pulmões
não respiram mais e o coração pára de bater. Os cabelos e unhas crescem normalmente, como a um
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cadáver. Embora essas características sejam comuns aos vampiros do jogo, eles não são,
necessariamente, todos iguais, sendo uns mais belos que outros, que podem ser considerados horrendos.
No caso dos Nosferatu, são aqueles de aparência mais monstruosa, com cheiro revoltante, orelhas
longas, rugas e verrugas no corpo. Os Toreador, por outro lado, são considerados belos, vestem-se
na última moda e têm boa aparência. Esse corpo vampírico é, ao mesmo tempo, familiar e estranho:
familiar, porque assemelha-se ao corpo dos humanos “normais”, não-vampiros; e estranho, por possuir
características que o diferenciam dos vivos.
Da mesma forma, existem vampiros que podem ser considerados fortes, como os Brujah,
que são altamente agressivos e rudes, “bons de briga”; e aqueles que podem ser considerados fracos,
com os Ventrue, considerados mais cautelosos, elegantes e praticamente avessos à violência física (a
menos que lhes sirvam de algum propósito).
O corpo do vampiro é, ao mesmo tempo, repulsivo e desejável... Nas narrativas de Vampiro:
A Máscara, estes personagens são temidos e fascinantes. Suas práticas estão ligadas ao proibido –
beber sangue, matar se for necessário, seduzir, manipular, transgredir a sexualidade normativa. Neste
sentido, a condição vampírica repele e atrai e “o medo do monstro é realmente uma espécie de
desejo” (Cohen, 2000, p. 48). Nos livros sobre o jogo ressalta-se que o Abraço – ato que transfoma
pessoa em vampiro –, embora involuntário, resulta quase sempre “de esforço consciente e
freqüentemente, de permissão”, pois a vítima terá que beber o sangue de seu agressor e, por um breve
instante, poderá escolher entre a morte ou a imortalidade condenada.
Quem somos “nós”, quem são “eles”
Na última parte da presente seção, minha intenção é destacar algumas características importantes
da constituição de distintas identidades de vampiro nos livros e materiais que fornecem regras, cenários
e elementos para os jogadores construírem suas próprias narrativas. Isso porque estes materiais instituem
identidades particulares, vinculando-as por processos de inclusão e de exclusão a grupos, famílias e clãs
de vampiro. Estas características servem como “chaves de leitura” para analisar, no capítulo seguinte,
algumas produções juvenis articuladas ao jogo, e veiculadas em páginas do Orkut.
Nos filmes e na literatura o vampiro costuma ser caracterizado como uma criatura solitária,
reclusa, isolada, que só sai de seu esconderijo quando precisa se alimentar, estando cercado apenas
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por aqueles a quem transformou. Porém, no jogo Vampiro: A Máscara, embora haja os chamados
“desgarrados”, que vivem isolados da maioria, os vampiros organizam-se em uma complexa sociedade,
que atua nos “bastidores” do “mundo real”, com hierarquia e leis que são respeitadas pela maioria dos
seus membros participantes. Essa sociedade se divide em seitas, e estas em grupos ou clãs, que
compartilham características e funções. Cada clã descende de um único progenitor - chamado de
Antediluviano por ser mais antigo que o dilúvio - de quem os descendentes herdaram dons e defeitos,
conforme descrevi em outro capítulo. Por vezes, as seitas e clãs interferem na vida dos mortais,
inserem-se na sociedade humana, com objetivos escusos ou que sirvam a seus propósitos de proteção
contra o extermínio provocado pelos humanos.
Se pensássemos na constituição das identidades pela relação “nós” / “eles” para discutir os
vampiros e a humanidade, os homens certamente seriam os “outros”, aqueles que se opõem aos
vampiros e que, sendo tomados como rebanho, dão forma a uma identidade comum e genérica de
vampiro.
Entretanto, o Mundo das Trevas, onde se passa o jogo, é muito mais amplo e permite
muitas distinções entre seus participantes. Assim, como é literalmente apontado em Achilli (1999), os
“outros” para os vampiros são os lupinos (lobisomens), os magos (humanos), os fantasmas, as fadas,
os carniçais, cataianos (vampiros do Oriente), os zumbis, as múmias e os demônios, além de outras
criaturas sobrenaturais. Esses “outros”, segundo os vampiros, lutam pela supremacia do mundo, e
devem ser considerados inimigos diretos. Graficamente, teríamos:
Mundo das Trevas
Nós (vampiros)
Eles (humanos, lobisomens, fantasmas, múmias, fadas, etc.)
Fig. 33: Relação entre vampiros e os “outros” no Mundo das Trevas
Ainda há outras possibilidades de pensar a constituição de identidades no jogo, que seriam
decorrentes da própria organização da sociedade vampírica. As duas principais seitas são a Camarilla
e o Sabá, que se opõem diretamente, mas ainda existem os Anarquistas, os Independentes e o Inconnu.
Os jogadores são incentivados a participar da Camarilla, embora possam jogar como membro das
outras seitas. Portanto, pode-se definir assim:
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Vampiros
Nós (Camarilla)
Eles (Sabá, Anarquistas, Independentes, Inconnu)
Fig. 34: Relação da Camarilla com outras seitas
E pode-se prosseguir, fazendo mais um recorte. A Camarilla, bem como os outros grupos,
é composta de clãs, que podem ser colocados numa espécie de “circuito”, conforme apresento na
figura a seguir:
Camarilla
Fig. 35: Circuito que apresenta as relações dentro da Camarilla
Então, dentro da Camarilla o clã Brujah opõe-se aos clãs Gangrel, Ventrue, Toreador,
Nosferatu, Tremere, Malkavianos que se opõem aos “outros” do Sabá, que são o Lasombra e Tzimisce,
aos “outros” Anarquistas e aos “outros” Inconnu. E esses, por sua vez, opõem-se aos demais. Nos livros
de regras há marcadores identitários, que distinguem e definem o que é ser Brujah, o que é ser Nosferatu,
e assim por diante. As diferenças são marcadas por características de cada clã, por descrições dos
personagens e também por estereótipos (modos de narrar o clã sob a perspectiva de outros clãs).
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Tais descrições da organização social vampírica, bem como das distintas características dos
clãs, colaboram para minhas análises no próximo capítulo, sobre as identidades juvenis no Orkut. Nas
páginas do livro Vampiro: A Máscara, bem como nos livros específicos, dedicados a cada clã, há
informações abundantes sobre cada um dos membros e sobre como criar os personagens. Anteriormente
descrevi os clãs do jogo, e nesta parte do trabalho retomo estes mesmos clãs para descrever certos
marcadores identitários que os diferenciam e que, possivelmente, oferecem perfis de personagens que
são atualizados nas páginas do Orkut.
O clã Brujah é composto por rebeldes de todos os tipos, procurando expressar suas
individualidades e aliando-se a lutas que lhes agradem. São os punks, carecas, motoqueiros, deathrockers, freaks, socialistas e anarquistas. Os membros deste clã são descritos como teimosos, altamente
agressivos, rudes, extremamente vingativos e são considerados os vampiros mais incontroláveis de todos.
O apelido dos Brujah, que indica como são vistos pelos demais vampiros, é “ralé”. Tais
características e muitas outras, encontradas nas páginas dos livros sobre Vampiro: A Máscara, são
responsáveis por estabelecer as condutas e comportamentos dos personagens ao longo das aventuras.
Em relação ao jogo, para uma boa interpretação, as características dos personagens devem ser levadas
em conta tanto quanto as relações deste com clãs e, neste sentido, os livros também informam sobre
o modo como os jogadores devem se posicionar frente aos outros.
Ainda nas páginas destinadas ao clã Brujah, há um conjunto de esterótipos, que marcam o
modo como estes personagens vêem os “outros” vampiros. Os Brujah dizem que só eles respeitam
os Nosferatu, apesar de sua horrenda aparência; consideram os Tremere manipuladores e seus arquiinimigos; os Ventrue hipócritas; os Gangrel bons lutadores; os Toreador bastardos afetados, com
vícios humanos; e os Malkavianos “esquisitos”.
As características principas do clã Grangrel são as seguintes: são os vampiros metamorfos,
podem virar desde lobos a morcegos, são nômades e selvagens, muito quietos e pouco sociáveis. Eles
são apelidados de “forasteiros”, considerados peregrinos, nunca permanecem no mesmo lugar por
muito tempo. Possuem feições animalescas e costumam vestir-se rusticamente. Vêem os Nosferatu
como possuidores de espíritos fortes; os Tremere como inimigos, os Ventrue como líderes; os Toreador
como desprezíveis, os Brujah como virtuosos mas com visão turva, e os Malkavianos como poderosos
mas que não sabem explorar seus poderes.
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Os Malkavianos são caracterizados como insanos, caóticos, apelidados de “loucos”, são
temidos pelo seu comportamento demente. Os membros desse clã vêem os Nosferatu como os mais
divertidos e os mais honestos de todos os vampiros; os Tremere como confusos; os Ventrue como
sérios; os Gangrel como diferentes e solitários; os Toreador como bobo-alegres e hedonistas; e os
Brujah como cegos fanáticos.
Os Nosferatu possuem aparência revoltante, gostam da sujeira, são rabugentos e lúbricos.
Em geral são calmos. Apelidados de “ratos de esgotos”, consideram os Tremere como sombrios; os
Ventrue como “certinhos demais”; os Gangrel como bons aliados; os Toreador como “filhotinhos de
cabeça vazia”; os Brujah como boas pessoas, embora digam besteiras; e os Malkavianos como nãoconfiáveis.
Os Toreador, hedonistas, artistas incompreendidos, sofisticados em seus gostos, altamente
sociáveis e belos. São apelidados de “degenerados”, e consideram os Nosferatu como “asquerosos”;
os Tremere como desonestos; os Ventrue como refinados; os Gangrel como incompreensíveis; os
Brujah como entendedores da mudança; e os Malkavianos como portadores de uma beleza caótica.
Os Tremere são personagens agressivos, altamente intelectuais e manipuladores, são
apelidados de “feiticeiros” pois aprenderam a fazer magias com sangue. Eles consideram os Nosferatu
como servos úteis, porém nocivos; Ventrue com separatistas e rivais; os Gangrel como nobres ao seu
modo; os Toreador como hedonistas fúteis; Brujah como revolucionários ignorantes; e os Malkavianos
como portadores de uma estranha maldição, mas úteis.
Os Ventrue são caracterizados como gentis e sofisticados, freqüentemente líderes da
Camarilla, cautelosos, honrados, sociáveis e elegantes. São apelidados de “sangue azul”, e consideram
os Nosferatu como criaturas assustadoras; os Tremere como bons camaradas, mas de motivações
incertas; os Gangrel como pouco cultos, mas confiáveis; os Toreador como possuidores de bom
gosto e criativos; os Brujah como arruaceiros e rebeldes, incontroláveis e indomáveis; e os Malkavianos
como fingidos e não loucos de verdade.
Os Lasombra, do Sabá, são graciosos e predatórios, e possuem talento nato para a liderança.
São apelidados de “guardiões”, e vêem os Brujah como rebeldes apaixonados, facilmente manipuláveis;
os Gangrel como facilmente excitáveis, inimigos terríveis e monstruosos; os Malkavianos como
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loucos; os Nosferatu como úteis; os Toreador como sofridos; os Tremere como deselegantes; e os
Ventrue como fracos. Vêem os Tzimisce como aliados valiosos e rivais venenosos; os Assamitas são
vistos como úteis, os Seguidores de Set deveriam ser mantidos a distância; os Giovanni como podres;
os Ravnos como deveriam ser afastados.
Os Tzimisce são reservados e perspicazes, apelidados de “demônios”, vêem os Brujah
injustiçados; os Gangrel como “cães de guarda”, os Malkavianos como lunáticos; os Nosferatu
com fascinação; os Tremere como pretensiosos; os Ventrue como inimigos a serem mortos com
honra. Vêem os Lasombra como ameaçadores mas efêmeros; os Assamitas são vistos como inimigos
a serem derrotas em breve; os Seguidores de Set como inimigos invencíveis; os Ravnos como
merecedores de punição.
Essa breve caracterização mostra a complexidade das relações entre os personagens. Cada
página dedicada aos clãs, no livro Vampiro: A Máscara, traz informações, marcações identitárias,
que dizem o que é ser Gangrel, o que é ser Malkaviano, em oposição ao que é ser Brujah, ser
Ventrue, etc. Essas características estabelecem então, as condutas dos personagens no jogo, e dos
jogadores fora dele. Saliento que cada uma dessas “roupagens” diferentes utilizadas pelos jogadores
de vampiro podem ser vistas como posições de identidade, produzidas e encenadas nas práticas
deste jogo que ocorrem em diferentes ambientes, incluindo-se as páginas virtuais.
Constituindo-se de um fenômeno transcultural, transtemporal, cada leitura do mito dos
vampiros é feita segundo um ato de construção e reconstituição (Cohen, 2000). Os vampiros são,
afinal de contas, produções culturais que unem mito, história, literatura. O medo e o fascínio que esses
inspiram tem sido uma constante desde o início dos registros históricos. O reverendo Montague
Summers escreveu em 1928 que “por todo o vasto e sombrio mundo de fantasmas e demônios, não
haverá figura mais terrível, apavorante e abominável que a do vampiro, mesmo revestida de um terrível
fascínio, pois, embora não seja fantasma nem demônio, compartilha suas naturezas sombrias, além de
possuir as qualidades misteriosas e terríveis de ambos” (Idriceanu, 2007).
Embora sejam muitas as transformações na cultura contemporânea, o mito nos acompanha,
e continua, sob diferentes aspectos, tão presente quanto outrora, fazendo-nos questionar dualidades
como bem e mal, corpo e alma, vida e morte, pois o medo e a fascinação pelo desconhecido e
sobrenatural continuam a permear nossas mentes. O horror sempre fascinou os seres humanos, haja
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vista o grande número de obras literárias e filmes sendo produzidos sobre o gênero de suspense e
terror até os dias de hoje, sobre vampiros ou não. Além do medo, a questão da sexualidade, tão
presente no mito do vampiro, é outro aspecto que vem sendo discutido ao longo dos anos. O
envelhecimento e a morte, fenômenos ainda que amedrontam por não sabermos como evitá-los,
apesar de todos os avanços tecnológicos. Os vampiros fascinam porque são um símbolo da intrusão
da morte e do além-vida, de uma forma brutal, num universo que os exclui. São a inquietação que
surge do rompimento da ordem, de um deslocamento, de uma fissura que nos permite,
momentaneamente, sorrateiramente, vislumbrar outras ordens possíveis.
A partir desses discussões, iniciei a seção seguinte explicando o Orkut relacionando-o aos
enunciados discursivos presentes nas páginas pessoais de jogadores de Vampiro e de comunidades
acerca desse sistema de RPG.
QUEBRANDO A MÁSCARA
A quebra da Máscara, considerada a pior traição de um vampiro, é quando um membro revela a um mortal sua condição vampírica.
Neste capítulo, a partir das teorizações do capítulo anterior e de discussões acerca das identidades virtuais no Okrkut, procedo com a
“quebra da Máscara” dos jogadores de Vampiro ao analisar como constróem identidades na internet.
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QUEBRANDO A MÁSCARA
Ao fim do século XX, o computador, e principalmente a Internet, passou a fazer parte das
atividades cotidianas de uma grande gama de pessoas ao redor do mundo, estabelecendo novos
espaços a serem desbravados e explorados. Segundo Castells (2000), esse espaço virtual que surge,
flexível, organizado em rede, com infinitos pontos de comunicação, serve como suporte para práticas
sociais contemporâneas, nas quais podemos nos reinventar e criar novas formas de nos relacionarmos.
Nicolaci-da-Costa (2006) argumenta que a instantaneidade e a personalização das comunicações via
computador demonstram a fluidez de uma rede social na qual os participantes se sentem mais a
vontade, seguros, com a sensação de estarem sempre acompanhados, ou sintonizados uns aos outros,
o tempo todo. Sobre isso, Tapscott (1997), Turkle (1995) e Rushkoff (1997) avaliam que, nas
interações através do espaço virtual, os jovens aumentam suas intimidades com outras pessoas,
partilhando suas experiências e idéias, podendo experimentar diferentes “versões” de si mesmos, num
espaço seguro onde papéis podem ser assumidos, experimentados e descartados facilmente.
Essa fluidez de posições identitárias também é referida por Gonçalves (2006) quando afirma que
O virtual faz da identidade o objeto de uma invenção e de uma criação. A identidade é
algo que se inventa nas malhas do virtual. Disso decorre que cada um pode ter, adotar
ou construir, para seus relacionamentos virtuais, diferentes identidades fabricadas ao
bel-prazer da vontade, da brincadeira, etc. Em vez de se tornar uma prisão, ou uma
máscara colada ao rosto, a identidade é uma máscara-efêmera colhida em um estoque
infinito de máscaras possíveis, máscaras-identidades que se podem trocar a qualquer
momento, sendo-se homem em um dia, mulher no outro, heterossexual, homossesxual,
branco, preto, burro, bonito, intelectual, esportista, e assim por diante. A identidade é
[...] um processo de deriva. [...] Não há sentido em se perguntar pela verdadeira
identidade em um relacionamento virtual. [...] Não é o virtual que instabiliza as
identidades em um mundo de identidades até então estáveis. Pelo contrário, o tema da
identidade fraca, mutante, é um tema de nossa época que já estava presente com
clareza antes que se começasse a falar da internet. [...] Uma identidade imóvel seria
uma prisão ou um delírio paranóico. [...] As identidades virtuais potencializam ou
exacerbam características que são também as das identidades reais. (p.97)
Existem diferentes formas de nos relacionarmos – e, consequentemente, estabelecermos
novas identidades nas páginas virtuais sendo o Orkut uma delas. O Orkut é uma rede social virtual que
utiliza a internet com o objetivo de auxiliar seus usuários a criar novas amizades e estabelecer
relacionamentos, conforme Bergmann (2007). Criado pelo engenheiro Orkut Buyukkokten, funcionário
da empresa Google, o site funciona da seguinte forma: cada usuário cria um perfil, que é como uma
página pessoal, com informações como cidade onde mora, aparência, gostos musicais, cinematográficos
99
e literários, dados profissionais, preferências amorosas e sexuais, além de poder incluir uma foto sua ou figura
que o identifique, e ainda acrescentar fotos a um álbum que pode ser acessado através de sua página. “Amigos
virtuais” são adicionados como numa grande rede ou teia, e comunicam-se através de mensagens postadas,
chamadas scraps. Esses amigos não precisam realmente ser amigos, ou seja, fora da rede, não é necessário
que haja qualquer tipo de interação social. Basta fazer o pedido para ser “adicionado” à “coleção de amigos”
e ser aceito. Também é possível qualificar esses amigos em confiável, cool e sexy. Os usuários podem ligar-se
a milhares de pessoas, aos amigos dos amigos, e assim por diante formando uma grande cadeia de relacinamentos.
O usuário também pode participar de “comunidades”, que são agrupamentos de pessoas que partilham certos
gostos, opiniões ou interesses. Essas comunidades passam a figurar nas páginas de perfil, exibindo os locais
por onde os usuários transitam, e geralmente referem-se a um tópico específico, como uma personalidade de
TV, um filme, bandas de música, time de futebol, etc. Em tais comunidades, participantes podem postar suas
opiniões em fóruns, estabelecendo discussões e trocas de informações.
Quando um usuário está acessando o perfil de outro, o sistema do Orkut mostra a “distância”
que os separa, ou seja, quantos outros participantes existem entre eles. Por exemplo, João acessa o
perfil de Júlia, mas não a conhece. Mas o sistema do Orkut mostra que Júlia é amiga de Pedro, que é
amigo de João, ou seja, o site exibe uma conexão, uma rede que possui um nó conhecido que une os
dois. A existência de usuários que “são amigos de todo mundo”, ou seja, possuem um grande número
de relações/conexões (até mil “amigos”), os chamados hubs, diminuem as “distâncias” entre usuários,
fazendo com que muitos estejam “pouco distantes” um dos outros, mas sem realmente se conhecerem.
Segundo Assumpção (2008), no Orkut, 72,91% dos usuários cadastrados são brasileiros.
Do total de usuários gerais, 52,57% são pessoas na faixa etária dos 18 aos 25 anos. Sendo o Orkut
um site de relacionamentos, justifica-se uma análise das identidades virtuais (ou não) que perfilam os
espaços virtuais dessas comunidades. Silveira (2006), por exemplo, diz que o perfil corresponde “ao
que os criadores do site julgaram interessante, atual e digno de figurar numa vitrine de identidades”
(p.139). Assim, as informações ali contidas nos dizem algo sobre os sujeitos que ali estão transitando.
Para exemplificar esse aspecto, apresento alguns perfis de usuários do Orkut, vinculados ao
jogo Vampiro: A Máscara44. Dentre as dezenas de comunidades do Orkut relacionadas a este RPG,
44
A partir de agora, não apresento a fonte das figuras utilizadas neste capítulo. Optei por assim proceder tendo em vista a
temporariedade dos perfis e das comunidades do Orkut. Embora eu especifique os endereços virtuais das comunidades no
capítulo sobre referências bibliográficas, os mesmos podem não estar mais disponíveis quando da leitura deste trabalho.
100
escolhi para analisar: Vampiro: A Máscara Brasil, com 33.688 participantes (a maior), Vampiro A
Máscara Sabá, com 3.529 membros, Vampiro: A Máscara, com 2.638 participantes, Vampiro A
Máscara – Sabbat, com 944 membros, Vampiro, a máscara, com 512 participantes e Eu jogo
45
Vampiro: A Máscara!!! com 1.195 participantes .
Fig. 36: Perfl de usuário do Orkut
45
A escolha dessas comunidades deve-se ao número de participantes. Procurei comunidades que tivessem, ao
meu ver, um número relevante de participantes. Para mim, pelo menos 500 participantes.
101
Fig. 37: Perfl de usuário do Orkut
Fig. 38: Perfl de usuário do Orkut
102
Fig. 39: Perfl de usuário do Orkut
Fig. 40: Perfl de usuário do Orkut
103
Fig. 41: Perfl de usuário do Orkut
Fig. 42: Perfl de usuário do Orkut
104
Nos perfis expostos anteriormente, observam-se algumas formas pelas quais os usuários
constróem suas identidades vampíricas: as imagens que os identificam seguem temas vampíricos ou de
morte, com imagens góticas; os nomes escolhidos (“Vampira”, “Vampire”, “Malkavian”) remetem ao
jogo; as características que os descrevem, como local de onde vem (“nas profundezas de um cemitério
bem próximo”); textos introdutórios aos seus perfis, que fazem alusão à morte, ao vampirismo, etc.
Destaco dois exemplos que me parecem expressivos:
Sabe aquela vontade de viver? Não terás mais.Irei te seduzir e drenar toda a
felicidade que tem ou melhor, tinha, e também sua força vital e suas vontades, até
você não ser nada mais do que um mero instrumento da minha vontade!
As paredes refletem meu sofrimento... Gotas de sangue pingam no chão... A dor é mais
forte a cada momento... Sinto rasgar o meu coração... Não consigo entender a minha
existência neste mundo sombrio dos insanos... Tento elevar a minha resistência e
matar este meu interior profano... As feridas corroem a minha alma e o vento gélido me
endurece... Tento ficar calmo, mas a insalubridade permanece... Só irei descansar
quando meu âmago acordar... Voar por entre as nuvens e as feridas cicatrizar...
Pinheiro (2008) diz que, ao buscar contatar-se pelas redes, os participantes do jogo
personalizam seus perfis compartilhando gostos, vídeos, programas de TV, música, etc. O consumo
desses bens não configura como um princípio de identidade ou de estilização de vida ou de status, mas
multiplica e intensifica os perfis na própria rede ao tornar mais complexo o usuário-comsumidor. A
autora prossegue afirmando que a construção de perfis envolve a prática de cultivar e renovar gostos,
e isso demonstraria a possibilidade e a liberdade de auto-elaboração de vários estilos de existência.
Para ela, a prática de consumo e de construção dos perfis caracteriza-se como uma forma efetiva de
atenção a si mesmo e permite estabelecer-se certas escolhas para a própria conduta. Pensando na
fragmentação e na multiplicidade das identidades juvenis, é interessante observar os perfis daqueles
que se associam a comunidades sobre vampiros ou sobre outros jogos de RPG. Num rápido olhar,
identificam-se diversas comunidades das quais eles também fazem parte, identificadas com literatura,
grupos contrários ao aborto, ou comunidades que discutem relacionamentos amorosos, conforme se
pode ver nas imagens anteriores. Isso implica pensar que os usuários constituem suas identidades na
mescla entre diferentes grupos, com interesses muitas vezes contraditórios, subvertendo ou
desestabilizando a noção de um “eu” coerente e unificado.
Podemos entender o Orkut, sob a visão de Canevacci (2005), como um espaço de consumo
transfigurado em espetáculo no qual “consciências” e/ou comportamentos podem ser capturados. Isso pode
ser observado nas escolhas das imagens que compõem os álbuns de fotos dos usuários, pois elas têm algo a
105
nos dizer sobre suas identidades.As imagens ali expostas, “penduradas” em uma vitrine, compõem tais identidades,
articulando-as à imagens mórbidas, de vampiros, sangue, morte, bruxaria conforme se pode observar a seguir:
Fig. 43: Álbum de fotos de usuário do Orkut
Fig. 44: Álbum de fotos de usuário do Orkut
106
Fig. 45: Álbum de fotos de usuário do Orkut
Fig. 46: Álbum de fotos de usuário do Orkut
107
Fig. 47: Álbum de fotos de usuário do Orkut
Fig. 48: Álbum de fotos de usuário do Orkut
108
Se enterdermos que a mídia constrói e coloca em circulação significados, podemos pensar
45
os scraps usados no Orkut como um local onde se constituem também significados e cujo objetivo
é atingir um número grande de pessoas (Bergmann, 2007). A autora salienta que os textos produzidos
no Orkut e as informações dos perfis devem ser analisados como o resultado de um conjunto de
práticas de sujeitos de diferentes idades, e com múltiplos pertencimentos. Em minha análise, a pluralidade
de comunidades – difusas, às vezes contraditórias, versáteis, instáveis – a que um mesmo perfil se
vincula assemelha-se ao modo como compomos cotidianamente nossas próprias identidades. Bauman
(2005, p.54) diz que “é preciso compor a sua identidade pessoal (ou as suas identidades pessoais?)
da forma como se compõe uma figura com as peças de um quebra-cabeça.” Uma menina que conheci,
jogadora assídua, identificada com o clã Toreador, também conhecido como clã da Rosa, acabou por
tatuar uma rosa no seu ombro direito, o que a identificaria “para sempre” como um membro do clã
Toreador46. Estratégias como essa parecem responder a anseios de permanência e fixidez em tempos
de transitoriedade. Também nas fotografias exibidas nos perfis do Orkut essa característica pode ser
vislumbrada:
Fig. 49: Foto de usuário do Orkut
45
Fig. 50: Foto de usuário do Orkut
Scraps são as mensagens escritas pelos usuários no Orkut.
Recentemente, em notícia veiculada no jornal online Último Segundo (disponível em http://
ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2007/11/07/vampiro_de_presidente_prudente_em_sp_nega_culpa_1073855.html),
Valdeir Máximo da Silva foi preso em Presidente Prudente, São Paulo, acusado de atacar 16 jovens integrantes de
um grupo chamado Anjos Rebeldes da qual ele é o líder. Apelidado de “Vampiro de Prudente” pela mídia, é acusado
de ter mordido e bebido o sangue dos menores. Valdeir teria usado próteses dentárias semelhantes aos caninos de
um vampiro, e disse ser jogador de RPG, onde interpreta o vampiro Dimitri.
46
109
Fig. 51: Foto de usuário do Orkut
Fig. 53: Foto de usuário do Orkut
Fig. 52: Foto de usuário do Orkut
Fig. 54: Foto de usuário do Orkut
110
Fig. 55: Foto de usuário do Orkut
Fig. 56: Foto de usuário do Orkut
Nessas imagens, vemos como alguns usuários compõem suas identidades, através de
tatuagens, piercings, roupas pretas, colares, etc. As duas últimas fotografias, por exemplo, são de
usuários que se dizem pertencentes aos clãs Toreador e Ravnos do jogo Vampiro: A Máscara,
respectivamente, por isso as tatuagens em homenagem aos seus grupos, mostrando que tal pertencimento
não se encena apenas nos espaços virtuais, mas constitui sujeitos, marca seus corpos e suas condutas.
Canevacci (2005) lembra que o corpo sempre foi atravessado por objetos e imagens carregadas de
importantes significados simbólicos. O que pode parecer um conjunto de itens sem sentido, torna-se,
na realidade, um conjunto de coisas significativas para o portador e para seus pares. Seu “eu”, ou sua
identidade, se prolonga ou se exibe através desses códigos fixos e móveis, permanentes ou temporários,
espalhados pelo seu corpo. E esses marcadores produzem sentidos diversos para quem os porta,
partilhando uma identidade, e para aqueles que os observa e os identifica com a diferença.
Pais (2006) afirma que
Os investimentos na imagem corporal contribuem para a construção da identidade
dos jovens, conferem-lhe uma experssão simbólica de poder, uma vez que diferenciam
entre si através de atributos distintivos. Os jovens não são só possuidores de um
111
corpo como eles próprios são um corpo, e por isso o simbolizam quando o vestem. [...]
Os jovens não são consumidores passivos do que a moda dita à medida que a podem
influenciar. (p.19)
As marcas corporais referem-se às práticas ornamentais do corpo, que nele se incorporam
e que se inscrevem em sua superfície, utilizando-se diversos materiais e técnicas de aplicação, sendo
recorrentes, atualmente, a tatuagem, o piercing, cortes, incisões, queimaduras e inserção de implantes
subcutâneos (Ferreira, 2004). Tais marcas parecem ser utilizadas por aqueles que se sentem compelidos
a fixar certas identidades (sociais e individuais) e colocar em evidência certos valores e crenças.
Segundo Ortega (2006),
A modificação corporal responde a um déficit identitário, constitui uma suplência
identitária, um tipo de assinatura de si pela qual o indivíduo se afirma na identidade
escolhida que difere daquelas que são atribuídas pelo olhar do outro. A marca corporal
representa a procura de autenticidade, de uma localização real de nossa essência na
sociedade da aparência. (p.53)
Embora a autora utilize uma noção essencialista de identidade da qual eu não compartilho,
penso que o entendimento das marcas corporais como assinaturas é produtivo neste contexto. Entendo
que tais marcas são produzidas para serem “lidas” e, desse modo, para estabelecer diferenciações – e,
talvez, traços que remetam à autenticidade, conforme afirma o autor. No entanto, considero aqui não
uma “autenticidade” vinculada a uma identidade essencial – mas a marcação de um autêntico gosto, ou
de uma forte vinculação ao jogo Vampiro: A Máscara no caso dos perfis que examinei. Assim, as
marcas corporais, permanentes ou semipermanentes, podem ser vistas como uma resposta à cultura da
aparência ao tentar reafirmar a realidade e autenticidade dos indivíduos, e ao estabelecer uma localização
específica e corporal para a identidade subjetiva (Ortega, 2006). A autora afirma que no corpo também
se busca uma confirmação de quem somos, algo que a sociedade não é capaz de nos oferecer, e são
essas marcas que denotam o que é certo e errado, contruindo uma idéia de liberdade de escolha e
autonomia pessoal, estabelecendo o direito de usufruir do corpo da forma que quisermos.
A tatuagem e o piercing são considerados, em muitos casos, signos de “rebeldia juvenil”,
capazes de suscitar uma espécie de “pânico moral” nos pais (especialmente de classe média) não por
serem considerados conservadores, mas por verem essas marcas corporais como símbolos de
comportamentos sociais desviantes, psico-patológicos e até mesmo criminosos (Ferreira, 2004). As
marcas corporais têm um crescente após a II Guerra Mundial, sendo utilizadas por pequenos grupos
étnicos, políticos, sexuais, artísticos, etc. Para a autora, elas são signos identitários flutuantes, ambíguos,
112
calcados em biografias baseadas em decisões e opções pessoais que demonstram estéticas e éticas
de vidas que se exibem como “diferentes” e “alternativas”, contrapondo-se ao padrão social dominante.
Seu uso articula-se a ritos de exclusão, voluntários ou não, pois resultam muitas vezes em controvérsias
e posturas discriminatórias aos seus utilizadores. Nesta perspectiva, pode-se dizer que a escolha de
certas marcas estabelece o vínculo com certos pertencimentos tidos como desviantes ou diferentes.
Neste caso, cabe salientar que o “desvio” é definido em certas relações de poder, a partir das quais a
diferença é marcada desde fora – desde uma identidade referencial. Por razões diversas esses jovens
estabelecem vinculações com identidades tidas como desviantes, sendo, nestes casos, tomadas pela
sua positividade.
Conforme salienta Almeida (2006), embora certas marcas corpóreas, como tatuagens e
piercings, não sejam bem vistas por alguns no espaço compartilhado pelos usuários do Orkut, elas são
ressignificadas e, ao que parece, valorizadas. A identificação, neste caso, se dá a partir de uma série
de motivações que são agregadas e vividas como um processo, ocasionando um pluralismo de
possibilidades. Para o autor, a utilização de adornos e adereços, tatuagens, roupas, etc., é uma maneira
de situar no corpo uma expressão estética comunicacional. Seguindo a mesma linha de pensamento,
Pinheiro (2008) diz que o consumo não caracteriza-se somente pela posse de bens materiais, mas
também se refere aos gostos, preferências culturais, afinidades, hábitos, atividades de lazer,
temperamento, humor, interesses, particularidades, ou seja, performances e escolhas transitórias,
flutuantes, cujos resultados podem proporcionar mudanças sociais e coletivas.
Silveira (2006) não vê o Orkut como um reduto de degenerados ou como um lugar desviante
ou caótico, mas sim, como algo atravessado por discursos, imagens, gostos e vontades de sujeitos
pertencentes às comunidades urbanas contemporâneas. Para ela, não se pode ver o Orkut como um
mundo à parte, repleto de identidades fictícias, mas como um local onde as identidades se exibem, se
expõem, se “colocam na vitrine”, se reinventam, se enquadram, conforme regras dadas. A autora
prossegue afirmando que as identidades ali exibidas estão calcadas em valores comuns às sociedades
contemporâneas, como o consumo, a efemeridade, a liquidez e o culto ao corpo.
Outro aspecto que considero relevante é o que se poderia chamar de culto à popularidade.
As identidades virtuais são compostas também por depoimentos – mensagens deixadas pelos amigos,
cuja quantidade e qualidade compara-se, no entender de Silveira (2006), a condecorações de guerra
ou aos prêmios de campeonatos ou concursos de misses. Outro fato relevante é o número de amigos,
113
que reforça ainda mais a questão da popularidade. A autora diz que esses amigos, cujas imagens
perfilam nas galerias de fotos, podem ser considerados como itens de consumo para serem exibidos.
Essa coleção de amigos/objetos de consumo elimina, de certa forma, o receio da exclusão, de não
pertencimento, e comprova a popularidade do usuário. Tais relacionamentos podem ter ou não um
significado mais importante na “vida real”, mas conformam imagens identitárias e de popularidade no
mundo virtual.
Fig. 57: Participantes das comunidades sobre Vampiro do Orkut
114
Fig. 58: Participantes das comunidades sobre Vampiro do Orkut
Fig. 59: Participantes das comunidades sobre Vampiro do Orkut
115
Nas páginas das comunidades de Vampiro que destaquei anteriormente, podem-se ver alguns
dos usuários participantes, bem como o número de amigos que possuem em suas redes ao lado de
seus nomes, em parênteses.
Verificando estas e outras páginas, pude perceber que o número de “amigos” em média
passa dos 200, o que parece caracterizar aquilo que já foi mencionado antes: os participantes dessas
comunidades têm interesse em “colecionar” amigos, agregando pessoas às suas redes, indicando o
quanto são populares. No perfil das comunidades, esta também parece ser uma questão importante
uma vez que quanto maior o número de membros, mais expressiva ela é considerada. Diversas são as
estratégias para popularizar e divulgar tais comunidades, como, por exemplo, anúncios postados em
fóruns de outras comunidades, como os seguintes:
Eu, vampiro - comunidade voltada para histórias de vampiros. Deixe a história de
seu vampiro aqui. Para quem escreve verdadeiros romances sobre seus vampiros e
merece seu espaço.
Venho a todos anuciar uma nova comunidade - Comunidade Ravnos. Uma
comunidade de imdependentes
WoD - Sistema e Cenários - comunidade criada com o objetivo de discutir as regras
e a cenários OFICIAIS do antigo Mundo das Trevas e Sistema Storyteller, bem como
criação e adaptação coerente, a partir do material oficial. O único pré-requisito
para participar é ter maturidade, respeito e boa vontade.
O Orkut tem uma imensa popularidade nos dias de hoje, nesses tempos líquidos e velozes,
instáveis e fragmentados por ser um exemplo de instantaneidade. Para ingressar nesta rede não são requeridos
processos demorados, e ao usuário é franqueada a possibilidade de participar e sair de comunidades,
trocar mensagens e fotos, elaborar e reelaborar perfis. O acesso ao Orkut é facilitado, uma vez que se trata
de uma ferramente gratuita, bastando ter um computador com conexão com a internet. Outra razão para o
interesse pelo Orkut é a ânsia de bisbilhotar, de “futricar” a vida alheia, um voyeurismo, mas não no sentido
sexual, e sim com a conotação de conhecer e saber mais da vida alheia, que se exibe com mais freqüência
e desenvoltura no mundo virtual que na assim chamada “vida real” (Silveira, 2006).
Participar do Orkut parece ser hoje uma marca, simbolizando que “somos modernos,
conectados, cosmopolitas, avançados ou qualquer outro adjetivo equivalente...” (Silveira, 2006, p.142).
Além disso, Bergmann (2007) também aponta para o fato de os jovens hoje utilizarem o Orkut como
116
uma forma de não se exporem à violência urbana, uma vez que grande parte desses relacionamentos
não nos comprometem com uma relação face a face. Pertencer a uma comunidade do Orkut significa
estabelecer vinculações, ainda que provisórias, o que remete a uma sensação de acolhimento em um
grupo identitário cujas marcas são escolhidas por nós.
No caso das comunidades que investigo, a primeira aproximação dos participantes certamente
se deve ao fato de conhecerem, e de serem consumidores do jogo. Tal como no livro, ao interagirem
nessas comunidades, os integrantes distinguem-se a partir dos clãs de Vampiro e nesse espaço virtual
encenam rivalidades e alianças características do jogo. Assim, ao participar de fóruns cujo tópico é, por
exemplo, “Qual clã você mais odeia?”, os integrantes da comunidade são convidados a manifestarem sua
opinião, mas esta se alicerça nas regras do jogo Vampiro: A Máscara, e nas rivalidades e alianças entre
clãs, relembradas, recriadas no espaço virtual.
De certa forma, podemos pensar as comunidades do Orkut aproximando-nos de discussões
propostas por Bauman (2003). Ao falar sobre comunidades, diz que essas produzem uma sensação
positiva tendo em vista os significados atrelados a ela, aos prazeres e às sensações que gostaríamos de
experimentar. O autor analisa que o pertencimento a uma comunidade produziria a sensação de algo
confortável, aconchegante, um “espaço” sob o qual nos abrigaríamos frente às intempéries, que nos
tornaria seguros e confiantes, e que nos lembraria do que nos falta e do que precisamos para viver.
Bauman (2005) afirma que as comunidades são de dois tipos: as comunidades de vida e de destino,
cujos membros estão absolutamente ligados, e outras que são calcadas em idéias ou princípios. O
autor diz que, constantemente, tendo em vista a existência de uma variedade de idéias e princípios, é
preciso fazer comparações, escolhas, reconsiderações, conciliações, pois o pertencimento e a identidade
não são sólidos e não são “eternos”, ao contrário, são negociáveis, revogáveis, dependendo das
decisões tomadas pelos indivíduos. O autor comenta que as comunidades virtuais criam simples ilusões
de intimidade, simulacros de comunidade, não podendo ser comparadas a outras relações pessoais
reais e de aproximação física.
Silveira (2006) indaga: não seria essa a mesma sensação experimentada pelos usuários ao
participar das comunidades virtuais do Orkut? As comunidades não são os rótulos aos quais os
usuários escolhem pertencer, que dizem quem são? O que as comunidades dizem sobre os usuários
àqueles que visitam seus perfis? Não há como mapear as identidades virtuais através das comunidades
a que se pertence?
117
As comunidades no espaço virtual do Orkut têm como tópicos assuntos íntimos, manias, hábitos
culinários, sexuais, etc., rótulos aos quais as pessoas aderem. Os rótulos a serem utilizados pelos usuários
do Orkut são os mais variados, passando de marcas identitárias já conhecidas – como regiões, cidades,
escola, nomes – até características do mundo contemporâneo, como a mídia, formas de consumo,
modos de entender fatos sociais, etc., se estão disponíveis para constituir suas identidades. No caso das
comunidades vinculadas ao jogo Vampiro: A Máscara, os tópicos referem-se a preferências e repulsas
por clãs, dúvidas sobre as regras do jogo, sobre o mito do vampiro, dicas de interpretação, entre outros.
Pensando o Orkut como um ambiente do qual as pessoas se aproximam para “vestir”
identidades, com diversas opções de “vestuário” à disposição para se exibirem nesse espaço virtual,
pode-se dizer que neste espaço elas se reinventam constantemente com a velocidade do mundo
contemporâneo, num local fascinante e misterioso de invenção e reinvenção das subjetividades e
identidades. Neste mesmo sentido, o Orkut pode configurar-se como um espaço onde as identidades
juvenis de jogadores de RPG, especialmente de Vampiro: A Máscara, também se constróem, se
reiventam, em práticas que colaboram para produzir identidades, sempre de modo provisório.
No Orkut encontramos comunidades e perfis de jogadores dos mais diversos jogos de
RPG, como as comunidades Dungeons and Dragons Brasil, GURPS Brasil, 3D&T – Defensores
de Tóquio, Trevas RPG, entre outros. Essas comunidades são muito semelhantes entre si, compostas
por fóruns que discutem regras, dicas de aventura, personagens, etc. Porém, penso que as que se
relacionam a Vampiro: A Máscara acabam por distinguir-se das demais, principalmente porque a
temática é adulta e considerada pelos seus praticantes como mais intelectualizada. Participar dessas
comunidades requer conhecer o jogo e saber distinguir os personagens.
A prática do RPG vem sendo negativamente avaliada pela mídia jornalística, em diferentes
circunstâncias, mas é o jogo Vampiro que tem sido o principal alvo dessas críticas ao longo dos
últimos anos, pois possui uma ambientação sombria e carrega o estigma de violento, psicótico e
47
satânico . Estas características marcam também os cenários virtuais das comundiades do Orkut.
Trata-se de um jogo de ficção, que certamente influencia na construção de identidades juvenis, ao
afirmar determinados valores, sugerir condutas, prescrever – ainda que indiretamente – formas de ver
e pensar o mundo. Tais identidades podem ser vistas circulando nos espaços virtuais do Orkut.
47
Conforme já citado no capítulo “A Gênese”.
118
Feitas estas considerações mais gerais sobre Orkut, aproximando-as de meu estudo, passo
agora à análise propriamente dita das comunidades referentes a Vampiro: A Máscara.
Vampiros “virtuais”
Tendo em vista que algumas comunidades, como Vampiro,a máscara e Eu jogo Vampiro:
a mascara!!!, utilizam imagens do livro na página principal de abertura, faço minha primeira aproximação
a este RPG pela sua capa:
Fig. 60: Capa do livro e detalhe
Fonte: (Hagen, 1994)
Nela, pelo menos um aspecto indica o público a que se destina (ver detalhe acima, fig.58) e
pode-se supor qual o conteúdo proposto. Retomo, então, alguns aspectos contidos no livro, certamente
bem conhecidos pelos usuários do Orkut que se identificam com este jogo – e meu intuito é mostrar
algumas regularidades que se estabelecem entre jogadores, leitores e integrantes de comunidades do
Orkut. Ao abrir o livro, mais um aviso, dentro de uma caixa de texto:
Atenção: Aconselhamos cautela ao leitor. Os temas e situações descritos neste jogo
podem ser inquietantes para alguns e repulsivos para outros. Embora o propósito não
tenha sido ofender, o uso que fizemos do mito do vampiro (como metáfora e canal para
a narrativa) pode ser mal interpretado. Para ser claro, vampiros não são reais. Existem
apenas como arquétipos que nos ensinam sobre a condição humana e a fragilidade e
o esplendor daquilo a que chamamos vida. (Hagen, 1994, s/p).
119
Logo adiante, numa folha de rosto, há uma citação, abaixo do título e subtítulo do livro
48
49
original , em inglês: “By becoming a monster, one learns what it is to be human” . Parece
evidente o que o leitor irá enfrentar: um jogo denso em que possivelmente entrará em contato com
seus temores mais íntimos e que, ao se tornar um monstro, um vampiro, os jogadores aprenderão
sobre a fragilidade de seus seres e o que significa ser humano.
Após uma preleção, com um texto narrativo de um suposto V. T.
50
contando sobre os
segredos do universo dos vampiros, as informações sobre o jogo realmente começam. O livro alternase em textos narrativos que complementam a visão do jogo, com as descrições das regras propriamente
ditas, conforme destaquei no capítulo anterior.
Desde o começo, Mark Rein Hagen, o autor, é bem claro ao dizer que o jogo é um faz-deconta, mas que, ao praticá-lo, os jogadores terão a oportunidade de enfrentar um “horror de natureza
por demais imediata” (Hagen, 1994, p.21). Também afirma que, embora os vampiros sejam fictícios,
podem incorporar alguns aspectos da realidade e pede aos jogadores que convivam com seus horrores
pessoais o máximo possível.
Hagen descreve os clãs, seus arquétipos e uma série de características dos personagens.
Insiste em informar que não é um jogo fácil e que os jogadores devem personificar seus personagens
da melhor maneira possível, tornando os personagens “o mais completos, vitais e interessantes que
[51]
puder durante o curso da crônica ” (Hagen, 1994, p.96). A seção sobre criação de personagens é
bem rica e descritiva, e aí residem alguns pontos interessantes para a análise que me propus a
desenvolver.
A identidade dos jogadores se cria ou se transforma, nesse caso, após haver uma identificação
com os personagens sugeridos no livro. O jogo é sobre vampiros, lutando constantemente contra seus
instintos mais selvagens, para manter sua humanidade. Embora poderosos, são párias, vivem às margens
da humanidade, tendo pouco ou nenhum contato com os mortais.
48
Vampire: The Masquerade – A storytelling game of personal horror (Vampiro: A Máscara – Um Role-Playing
Game de Horror Pessoal, tradução de Sylvio Gonçalves).
49
Embora seja um livro traduzido, parece que o tradutor da versão nacional preferiu manter o original. Logo, esta
tradução é de minha autoria: “Ao se tornar um monstro, aprende-se o que é ser humano”.
50
Creio que seja Vlad Tepes (1431-1476), príncipe romeno que serviu de inspiração para a criação do mito de
vampiro na literatura.
51
Crônica é o termo utilizado para se referir às aventuras no jogo Vampiro.
120
não sabemos quem ou o que somos. Sabemos somente que contemos várias facetas –
que somos ao mesmo tempo humanos e animais, anjos e demônios. Usamos muitas
máscaras. É desta diversidade essencial do eu que se origina nosso desejo e capacidade
de fingir ser alguma outra coisa. Precisamos recriar a nós mesmos todas as manhãs e
compor nossas identidades a partir de uma variedade de fontes diferentes – desde o
que os nossos amigos pensam de nós, o que nossos pais ou filhos esperam de nós, e
como pensamos que nossas experiências devem nos afetar – tudo associado aos hábitos
desenvolvidos durante toda uma vida. Cada dia equilibramos todos nossos eus
contraditórios e os unificamos num todo, apto a funcionar, falar e pensar. Fingimos ser
um todo, e no ato do faz de conta, forjamos a realidade (Hagen, 1994, p.23, grifos meus).
É interessante observar que muitos perfis de usuários do Orkut identificados com o jogo
fazem alusão à “condição vampírica” anunciada por Hagen, que podem ser verificadas em algumas
descrições presentes em perfis dos usuários do Orkut, na parte About Me, ou Sobre Mim:
sou um brujah,vampiro e tenha sorte ao cruzar o meu caminho e de meus amigos.
Ninguém sabe muito sobre mim. Muitos tentam desvendar alguns de meus mistérios,
e poucos são os que conseguem. Sou um Vampiro vindo da França, Paris. Desde
minhas primeiras noites depois de ganhar o presente da trevas começei á estudar
mais á fundo os Vampios, agora minha própria raça. Depois de alguns estudos
cheguei á conclusão de que o Clã ideal para mim seria o Clã Ventrue. Logo que me
iniciei neste Clã, já estava em destaque social e político dentro e fora do Clã. Hoje
em dia ocupo um invejado cargo na hierarquia dos Ventrue, sendo participante de
muitas reuniões importantes dã Seita Camarilla e do Clã Ventrue... Este sou eu.
Sou um Ventrue envelhecendo, cheio de manias e paranóias... já sinto os primeiros
sinais do tempo me fazerem cada noite mais letárgico... estou colecionando
propriedades em países distantes e em cidades ermas... com a única intensão de ter
um lugar seguro para passar meses dormindo! Acho que nada de tão interessante....
Ah... e é claro o de sempre... as negociações e joguetes de poder... que têm me levado
a uma espiral decendente... onde quanto mais subo em status, afundo em paranóia
sobre os que me cercam... “Caminho, como tú, investigando a estrela sem fim...”
Jovens parecem se encantar e se identificar com os vampiros desse jogo, fato que também
pode ser verficado nas respostas à pergunta “O q + facina vcs no jogo?”, da comunidade Vampiro: A
Máscara Brasil, escrito em 20 de novembro de 2005:
Alem de poder jogar com os seres que me davam medo na infância e que me facinaram
durante minha adolecência, é me desafiar a criar um personagem melhor do que o
outro t reabalhar o pscologico dos mesmos fazendo com que minha imaginação voe
o mais alto possivel isso pra mim é ótimo.
tudo! ...poder me transmutar em uma criatura dita mítica e andar pelas ruas de um
universo paralelo...
Esquecer meus problemas mundanos e entrar em um mundo místico, cheio de mistérios
e desafios bem diferentes dos dessa vida monótona que eu vivo. Um “abraço” a
todos.
121
Nas postagens destacadas, observam-se as relações estabelecidas não apenas com o jogo,
mas com situações cotidianas das pessoas que encerram os personagens. Navegando por entre
comunidades de Vampiro no Orkut, observo que se estabelecem variadas estratégias de identificação
com os cenários do jogo, como por exemplo, tópicos de comunidades em que os usuários discutem
sobre os clãs que pertencem, ou sobre os clãs que repudiam, numa clara alusão às regras do livro
Vampiro: Máscara. Os clãs de vampiro, por sua vez, lembram os grupos de punk, hippies, etc., e de
certa forma, possibilitam estabelecer enlaces entre essas diferentes identidades. Podemos ver nos
52
exemplos abaixo, jogadores de Vampiro que também parecem lembrar os grupos de emos e punks
ou darks, caracterizados pelo estilo de corte de cabelo e vestuário.
52
Fig. 61: Foto de usuário do Orkut
Fig. 62: Foto de usuário do Orkut
Fig. 63: Foto de usuário do Orkut
Fig. 64: Foto de usuário do Orkut
Emo é a abreviação de emotional (emocional), um gênero de música derivada do rock ’n ’roll hardcore, com
músicas mais líricas e emotivas. O gênero acabou por influenciar a moda adolescente, não somente na música, mas
comportamentalmente mais emotiva e tolerante, com visual de roupas pretas e/ou trajes listrados, cabelos coloridos
e franjas caídas sobre os olhos. Disponível em (http://pt.wikipedia.org/wiki/Emo).
122
Sendo um RPG, Vampiro estimula a organização de pessoas em pequenos grupos que, de
certa forma, se mantenham fiéis aos seus princípios. Este é um jogo cooperativo, e Hagen (1994)
aconselha ao Mestre que encontre meios de fazer com que os jogadores cooperem entre si e trabalhem
como um grupo, usando um sistema de recompensas e punições para atingir um objetivo estabelecido.
Ele escreve: “cabe a você [Mestre] fazer com que os personagens ajam em conjunto” (p.105). Se agir
em conjunto é primordial para o jogo, não seria essa necessária convivênvia um mecanismo, uma
estratégia para a construção das identidades dos jogadores? E a convivência entre jogadores não
poderia se dar, também, em espaços virtuais como o Orkut? Cito, por exemplo, a comunidade Vampiro:
A Máscara Brasil, na qual essas estratégias colaborativas são vistas em tópicos dos fóruns como
“Vamos jogar aqui no Orkut!!”, em que os usuários jogam uma partida de RPG e “Escrevendo uma
cronica” em que os participantes produzem, coletivamente, uma história dentro do cenário do jogo
através de postagens neste tópico. Também se poderia pensar nos mediadores dessas comunidades
como uma espécie de Mestre – eles estimulam a participação, criam fóruns, organizam tópicos, entre
outras funções.
Conforme alguns tópicos de discussão em comunidades do Orkut sobre Vampiro, pode-se
perceber esse encantamento pelo jogo. Num desses fóruns, da comunidade Vampiro: A Máscara
Brasil, postado em 27 de junho de 2005, a pergunta era “q vampiro vc gostaria de ser???”, que teve
como respostas de alguns usuários, por exemplo:
Talves um brujah, adoro a ideia de guerreiro filosofo q eles tinham. Um pena q
avabou... Pode ser tb um lasombra, para um ser q vive as trevas da noite,nada
melhor q controlar as sombras neh!?.
Eu me identifico + com os Gangrel pois sao livres , tem “controle” sobre a besta e
nao ligam muito para coisas insiginifikantes.
Se eu fosse um vampiro eu seria um toreador com certeza, eu sou extremo nas minhas
paixões, não só as que envolvem namoradas, mas tudo... tudo mesmo que eu gosto e
levo com paixão, além de sofrer do mesmo defeito do clã toreador hehehehehe.
Concerteza um Ravnos.. ter tudo o que quisesse ao alcance das mãos.. se divertir
com tudo e com todos.. ia ser demais.
Vários outros usuários participaram de tal fórum, e muitos deles comentam o porquê de suas
escolhas, como os usuários citados acima. Os usuários usam os mais diversos adjetivos para justificar
123
suas escolhas, como “perfeitos” (referentes ao clã de sua escolha), “fortes”, “inteligentes”, “sagazes”,
etc., ou até mesmo outras condições como liberdade, a capacidade de manipular os demais. Tais
formas de identificação colocam em relevo aquilo que os usuários admiram nos personagens e, talvez,
aquilo que, ao vincularem-se ao clã, de algum modo, também os constitui.
Nephew (2006) afirma que, ao interpretar e interagir com situações que são consideradas
tabus culturais, os jogadores sentem um poder e controle sobre suas vidas que lhes falta em suas vidas
reais. Citando Wilson, o autor afirma que os RPG reinventam suas realidades, mesclando-as aos
sonhos, e de algum modo esse processo colabora para reestruturar seus poderes pessoais. Neste
mesmo sentido, Schut (2006) afirma que os RPG permitem aos jogadores experimentarem o
extraordinário. Nas respostas destacadas anteriormente, apresentam-se como desejáveis atributos
como ser guerreiro e filósofo, controlar o ambiente em que se vive, ser livre, divertir-se com os outros,
não abatar-se com coisas pequenas. Destaco, ainda, como estratégia de identificação com o
personagem, a narrativa de si que faz um dos membros da comunidade: “sou extremo nas minhas
paixões...”. Ele reconhece, no clã, aquilo que julga ser suas qualidades e, também, seus defeitos.
Em um outro tópico da mesma comunidade, postado em 07 de julho de 2005, a pergunta
era “vc axa q vampiros existem????”, que obteve de alguns usuários, por exemplo, as respostas
naum existem mais u queria vira um.
Até hoje eu nunca vi um vampiro, mas já ouvi muitos casos estranhos ligados ao
vampirismo. Se eles realmente existirem, eu gostaria de ser um deles. Nunca mais
sentir calor ou frio, dor de barriga, gripe...
Mas eles realmente existem... Basta procurar dentro de cada um.... Buque-os!!!!!
Neste mesmo sentido, o tópico “Vc sonha com vampiros ou que é um vampiro?”, da mesma
comunidade, publicado em 18 de junho de 2005 teve como respostas:
Eu sonhei uma vez que era o Tremere queu tava fazendo, só que muito mais forte. Eu
levitava carros, criava incendios e dominava todo mundo. Pena que foi só sonho, eu
adoraria ser um vampiro de verdade.
Nada melhor que Vampiro
Sonhar que vc tem o dom de viajar de sombra em sombra, Tenebrosidade em nivel
altissimo, foi um do meu melhores sonhos, atacar pela sombra mas antes deixar a
pessoa desesperada vendo aquela sombra quase que solida tocando sua face e
paralisando sua respiração antes do ataque final e a satisfação de ter abatido a
Vitima o gosto do Vitae em seus labios e a pulsação da arteria em sua boca e o olhar
de incapacidade, e lindo demais.
124
eu sonho DIRETO com vampiros....dizem q vou conhecer um grd segredo...(????)qual,
nao tenho a minima ideia
Acreditar em vampiros ou sonhar com eles, parece não ser o mais relevante, e sim a
possibilidade de partilhar certas identidades juvenis construídas a partir do jogo – neste contexto, os
usuários são atraídos pela figura vampírica, a ponto de desejar ser um deles ou de identificar sua
existência dentro de nós. Talvez Vampiro seja aqui utilizado com metáfora de ambivalência, e de tudo
aquilo que nos constitui como pessoas. Penso nisso baseando-me nas argumentações de Bauman
(1999), para quem a ambivalência seria uma condição da linguagem e de tudo o que nela se produz.
Ao ordenarmos o mundo em categorias que pensamos ser estáveis, deparamo-nos continuamente
com a impossibilidade de categorizar certas coisas ou certos sujeitos pois eles não caberiam nesta
ordem ou, ainda, eles se encaixariam em mais de uma das categorias que criamos. Isso configura sua
ambivalância e impõe uma contínua readaptação da ordem definida. A ambivalência tensiona a oposiçãochave, pela qual situamos algo no interior ou no exterior (dentro ou fora) de uma dada categoria - bem
ou mal, belo ou feio, próprio ou impróprio, certo ou errado. Enquanto o interior é criado pela
cooperação, o exterior é criado pela pragmática da luta. A ambivalência desmascara e desestabiliza
essa oposição, porque impossibilita situar dentro ou fora, ou possibilita situar dentro e, ao mesmo
tempo, fora. O estranho, indefinível, ambivalente, não é nem uma coisa nem outra, e por não ser nada,
pode ser tudo. Ele pode ser também uma coisa e outra, e outra ainda. Nestes termos, não seria o
Vampiro um estranho, um indefinível, um ambivalente? Nas páginas virtuais, os jogadores e usuários
do Orkut reinventam o mito vampírico, aproximando-o de seu cotidiano, desejando as promessas de
juventude, imortalidade, ansiando pela ausência dos desconfortos humanos. Ao reinventar virtualmente
os atributos de cada clã, eles reinventam a si mesmos, seus próprios desconfortos, limites, desejos de
superação.
Isso também se manifesta na utilização de expressões em primeira pessoa. Na comunidade
Eu jogo Vampiro: A máscara!!!, postado em 07 de maio de 2006, a pergunta era “com qual clã vc
costuma jogar”, que obteve, entre algumas de suas respostas:
Sou tremere, naum existe caras mais espertos do q os q tem no meu clã....
muito prazer eu sou setita!
ventrue, estamos sempre no poder nao importa o que façam ou digam nascemos pra
liderar
tremere, somos os melhores!!!!!!!!!
125
BlueBlood!! Sou Ventrue por natureza, nem preciso interpretar é só agir e falar
normalmente...
É importante também demonstrar que nessas comunidades se discute não somente os
personagens/clãs com os quais cada usuário se identifica, como também aqueles que repudiam.
Woodward (2000), por exemplo, diz que constantemente a identidade relaciona-se a reivindicações
essencialistas, ou seja, sobre quem pertence e quem não pertence a um determinado grupo identitário.
Nesses grupos, a questão do pertencimento reforça a identidade como algo fixo e imutável. Porém,
identidades e diferenças são relacionais e se estabelecem através de marcações simbólicas, que as
distinguem de outras identidades. Quando um grupo é simbolicamente marcado como adversário ou
inimigo ele passa a ser descrito a partir das referências daquele que o descreve – será marcado com
o uso de estereótipos, será considerado pela sua negatividade. Através dessas marcações simbólicas
as práticas e relações sociais, adquirem sentido, e se define quem é excluído e quem é incluído, e o que
significa pertencer ou não pertencer. Isso pode ser percebido no tópico “qual clã vcs menos curtem”,
da comunidade Eu jogo Vampiro: A Máscara!!!, de 21 de abril de 2005:
Sei q naum existe pior clã,mas naum curto tremere(mto donos da verdade) toreador
nem ventrue
naum gosto de tremeres, e nosferatus me dao medo + sao caras legais.
Os tremres naum se acham os donos da verdade eles SAo os donos, afinal os magos
sabem de tudo!!! O q eu menos curto sao os toreador,akeles frutinhas malditos!!!
os tremere naum saum donos da verdade,definitivamente...aí,ateh quem joga com
tremere se acha dono da verdade!rsrsrsrs
Eh duro ser Vampiro...
todos os clãs são bons, mas prefiro não jogar com os mais alternativos como Nagaraja,
True Brujah e Baali... Quanto à Débora, infelizmente ela está certa: os jogadores de
Tremere tendem a achar que são donos da verdade.
NOSFERATU
essas coisas que infelizmente sao vampiros sao a coisa mais fraca e repugnante que
eu já vi!
Pode-se observar que os usuários assumem para si a rejeição a certos clãs, com frases
como “odeio tal clã”, “não gosto de”, além de afirmarem a dificuldade que é “ser vampiro” e de que
alguns que jogam como determinado clã, passam a agir como seus personagens. Sobre isso, Waskul
(2006) e Hendricks (2006) afirmam que existem três elementos num jogo de RPG: o sujeito/pessoa,
o jogador e o personagem, cujos limites às vezes parecem tão tênues, que se mesclam, confundem ou
126
se sobrepõem, formando, assim, uma nova identidade – da mesma forma que os limites rígidos entre
fantasia, imaginação e realidade também se confundem. Waskul (2006) salienta, no entanto, que a
identidade do personagem é separada da identidade do jogador, pois o que o jogador sabe não
necessariamente implica em conhecimento do personagem. Para o autor, conceitualmente, seria fácil
fazer sua distinção mas, na prática, não é isso que ocorre, principalmente quando se nota uma confusão
ou proliferação no uso de pronomes pessoais de primeira pessoa, como “nós” e “eu” (Waskul, 2006).
Hendricks (2006, p.46) diz, nesse sentido, que o jogador cria/ou o personagem, suas emoções, suas
informações básicas, relações sociais e outros atributos, o que levaria a dizer que é o jogador quem
define o que será dito, uma vez que é quem está no “controle”. Entretanto, jogador e personagem
atuariam como uma “entidade unida ou misturada”, que não passaria de um conglomerado de significados
e relações e estados que representam o jogador e o personagem. A utilização da primeira pessoa
serve como uma estratégia para incorporar o jogador ao jogo. Em sua pesquisa, Waskul (2006) diz
que muitos jogadores afirmam que um jogo mais efetivo ocorre quando um jogador identifica-se como
o personagem e o torna extensão de si mesmo. Na perspectiva que orienta minha pesquisa, essa
marcação de uma identidade “verdadeira” do jogador, em oposição ao personagem não faz sentido,
visto que nossas identidades se constituem nos espaços, grupos e práticas das quais fazemos parte. O
que interessa discutir aqui é o modo como estes jovens tomam para si certas características,
estabelecendo pertencimentos.
Não seria isso, de certa forma, o que se observa nesses textos extraídos do Orkut? Os
jovens assumem a identidades vampíricas ao utilizar pronomes e conjugações verbais em primeira
pessoa, tornando o Orkut o espaço em que podem extender suas identidades, exibi-las, vesti-las, tal
como se estivessem em um amplo cenário do jogo. Ao invés de dizerem, por exemplo, “jogo como tal
personagem” ou “costumo jogar como tal clã”, apresentam-se como “sou desse clã”, “somos os
melhores”, etc. Um dos usuários diz, inclusive, que não precisa nem interpretar, logo, ele se posiciona/
identifica assim, como um Ventrue. O Ventrue é parecido com ele ou ele é parecido com um Ventrue?
Ao borrar os limites que separam jogador e personagem, o usuário desta comunidade “exibe” uma
identidade que parece colada ao seu próprio corpo – Ventrue por natureza.
A questão da interpretação de cada jogador também remete à constituição dessas identidades,
uma vez que os limites entre personagens e jogadores ficam muito tênues, como podemos ver em “O
que somos em vida, e o que nos tornamos em jogo”, da comunidade Vampiro: A Máscara Brasil, em
19 de janeiro de 2005:
127
Bom, eu sou um cara bem tranquilo no meu dia-a-dia, mas gosto muito de fikar
vendo sites de pessoas mortas, ou acidentes, catástrofes, suicídios, flagelos,
mutilações, esfolamentos, e etc...E baixar vídeos de terroristas testando bombas em
animais, ou decapitando jornalistas americanos, e outros. Mas isso td na verdade ,
me serve como referÊncia para jogar RPG, acreditem ou naum. Eu costumo interpretar
personagens sádicos, mas com um toqu de refinamente. Mas isso depende da crônica
e do clã escolhido tb. Mas na maioria das vezes eu procuro jogar com personas de
Comportamento e Natureza bem diferentes, quase opostas até, justamente para
poder jogar com o lance da negligência, e da intriga. Naum é à toa que costumo
jogar com Malkavian, Giovanni e Setitas.(Falla pacarai...)
eu em off sou calmo e paciente, ja em on gosto de jogar de brujah, ventrue e coisas do
tipo impaciente, não q eu não interprete personagens pacientes mas é legal dar uns
gritos em on e intimidar e talz ^^
Tipo ,meus personagens costumam a ter familia , tipo , pessoas amadas por perto ,e
eu off sou meio que sozinho , alias , essa “familia” q eu costumo ter é o furo do meu
barco nas missões, vou começar a interpretar um “lobo solitário” , um cara de
poucas palavras ... e muitas ações!
o tipo off e on se misturam nos meus personagens favoritos (Ventrue com um toque
Toreador). Gosto d jogar com personagens com Amor Verdadeiro, um personagem q
sofra por Laços d Sangue, enfim, um vampiro com o maldito sentimento humano d
amor misturado ao ódio... ^^’’’ sadomasoqismo? só um pokinho...
Na verdade eu jogo com o personagem que eu inventei, um papel de um artista, um
teatro...Eu “incorporo”, no bom sentindo sabendo o que eh on e o que off, meus
personagens....fazendo uma pessoa completamente diferente de mim
Bom, eu...Eu costumo como todos vocês variar, mais como eu uso muito Gangrel, eu
vivo em conflito com minha besta anterior...mais eu acho que isso é cliche, gosto de
Segredos Sombrios e coisas que deixem o personagem obscuro, eles quase se tornam
uma versão obscura ou macabra de mim mesmo...
Embora salientem, em alguns casos, que seus personagens diferem do que são “na vida
real”, lembro as divisões de Hagen (1994, p.23) ao dizer que “enquanto joga, é impossível deixar o
seu próprio eu de lado. Com certeza parte do seu personagem será diferente de você mesmo [...] mas
sempre, de algum modo, o personagem refletirá algum aspecto de você mesmo”. Para Hendricks
(2006), no RPG, há uma entidade misturada, e assim podemos pensar que elas transbordam o cenário
do jogo, já que os usuários dessas comunidades não estão jogando, estão circulando por um outro
espaço, e interagindo com outras “identidades vampíricas”. Segundo Nephew (2006), é comum os
jogadores, enquanto participam de uma sessão de RPG, usarem “eu” para falarem de seus personagens,
pois a performatividade faz mais sentido e os engaja mais do que a mera descrição dos fatos, fazendo
com que se sintam parte do mundo em que vivem suas aventuras. Em Waskul (2006), um jogador
disse que os jogos de RPG são uma projeção fantasiosa dele mesmo, tendo aventuras que normalmente
128
não teria. Talvez o Orkut amplie o cenário de aventuras a serem vividas para além da tradicional
sessão de jogo. É possível que as comunidades configurem locais de projeção dessas identidades nas
quais os jogadores podem praticar suas indentidades, interagindo com tantas outras identidades,
estabelecendo vinculações (pertencimentos) e distinções de maneira cotidiana. Se as sessões de jogo
ocorriam com freqüência restrita, neste novo cenário é possível encenar (e viver) identidades vampíricas
de modo contínuo (enquanto durar o interesse do jogador).
Nas comunidades analisadas, há uma atividade muito comum, uma espécie de jogo entre os
membros participantes, assim enunciada: “com quem o jogador acima se parece”. Em diferentes
comunidades, os nomes dessa brincadeira variam, mas o princípio é o mesmo. Uma vez postada uma
mensagem, o próximo usuário deve dizer a que clã, baseado na figura ou fotografia exibida pelo usuário,
o anterior parece pertencer. Por exemplo, da comunidade Vampiro: A Máscara, do tópico “D q clã vc
acha q é a pessoa acima?”, postado inicialmente em 04 de fevereiro de 2006, cito alguns desses trechos:
Bruno
D q clã vc acha q é a pessoa acima?
vamos fazer um jogo. Vc entra e pela foto da última pessoa a postar tenta descobrir
qual é o clã dela. Vamos fazer só uma regrinha, pra não ficar chato: não poste
coisas do tipo “vc errou, não sou assamita, sou malkavian, dãããã”. Afinal é a
opinião dos outros, certo? agora tentem adivinhar meu clã, pra começar.
Exodus †Cruz†
Samedi
Mauricio
Nosferatu. Um simples Nosferatu. sem mais
Felipe
Pelo jeito q saiu a foto,parece um Ravnos!!
Vinicius
Esse aí tem cara de..... Malkaviano (nada contra).
Jeff
Um Toreador!!!
129
Exodus †Cruz†
Kataiano safado
Certamente, essa brincadeira faz sentido para os jogadores por já estarem inseridos numa
lógica identitária, e por conhecerem as descrições de cada clã através dos livros e do jogo, que faz
com que percebam, ou relacionem, as imagens dos perfis do Orkut com os perfis dos clãs presentes
no jogo Vampiro: A Máscara. São essas descrições que passam a fazer sentido nesse jogo reiventado
e praticado no Orkut. Seguindo este pensamento, cito Fischer (2001) que diz que, atualmente, não
basta “ser”, mas é preciso “parecer ser”, e que é preciso que nos esforcemos para tal, pois o cultivo
da imagem é considerado pela sociedade como algo positivo. Ao consumirmos algo ou repetirmos
uma informação ou opinião, significa que fomos convencidos de alguma maneira pelos discursos
relacionados a esse “algo” ou pelos recursos de linguagem utilizados, já que tais discursos/recursos
nos fizeram sentido, tocaram nossos sonhos, desejos e convicções, o que faz com que nos reconheçamos
ou nos sintamos representados neste/por este “algo”. O pressuposto desse jogo é que as imagens dos
perfis do Orkut trazem informações suficientes para que os usuários se mostrem como pertencentes a
este ou aquele clã, da mesma forma que os “outros” são capazes de fazer as mesmas identificações.
Interessante observar, nos recortes trazidos anteriormente, a regra que diz que o jogador não deve
corrigir o “palpite” dado sobre sua suposta identidade. Em outros fóruns, os participantes interagem
corrigindo e buscando “fixar” tal pertencimento, comos no exemplos abaixo:
asamita
PS:a Dina não é nosferato e eu não sou toreador!!! la sombra!!!
toreador eita, pegou pesado. me comparar com esse indiotas.. ae tu ta parecndo um
assamita.
rsrsrs...fazer o que, né? Sou malk até alguem dizer ao contrário. Acertei no seu
clã?Ah...sera q o danilo tb é Malk?
Por que todo mundo encana q sou lasombra???
Erraram feio...
naum sou toreador e nem brujah
Salubri
130
Bauman (2005, p.96) escreve que “as identidades são para usar e exibir, não para armazenar
e manter”. Desse modo, as comunidades do Orkut parecem possibilitar o uso expandido, a exibição
não apenas das identidades consumidas, como também dos conhecimentos acerca do jogo e suas
regras. As postagens anteriores mostram alguns desses “usos” e “consumos” de identidades. Mas, em
geral, tais marcas se expressam também em estilos que extrapolam o jogo ou a página virtual. Destaco,
a exemplo disso, o vestuário exibido nas fotos dos usuários.
Em geral, os jogadores mais assíduos de Vampiro, tendem a vestir preto, longos casacos,
sobretudos, botas, calças, camisas e camisetas pretas. Nas tribos e/ou grupos, os jovens se criam e
recriam através do vestuário, dos acessórios corporais, da música que ouvem, das atividades que
praticam e de suas manifestações de crenças e valores (Feixa, 1999).
Fig. 65: Foto de usuário do Orkut
Fig. 67: Foto de usuário do Orkut
Fig. 66: Foto de usuário do Orkut
Fig. 68: Foto de usuário do Orkut
131
Fig. 69: Foto de usuário do Orkut
Fig. 70: Foto de usuário do Orkut
A moda não é simplesmente reprodução, ela enfatiza, fixa, detemina a lógica do usuário a
partir do vestuário, ou seja, é uma linguagem cuidadosamente definida e construída, conforme
argumentam Portinari e Coutinho (2006). Para os autores, a moda abrange o corpo todo, como
gestos, voz, postura, cabelos, pêlos, etc., tudo que pode vir a compor a imagem pessoal. Ainda
segundo eles, os jovens, ao freqüentar determinados ambientes, impressionam seus observadores
pelos seus acessórios, roupas, penteados e gestos. Uma vez andando em grupos, não podem ser
considerados “clones” um dos outros, porque há diferenças e variações entre esses usuários. A moda, nesse
sentido, pode ser entendida como um laboratório a serviço do jovem, para que possa experimentar suas
relações com regras, códigos, identificações e a forma como se inserem em determinados grupos sociais.
A identificação a partir de vestuários e adornos específicos potencializa os preconceitos e
discriminações que os jovens possam a vir sofrer, pois, assim como vampiros, podem vir a se sentir
como páreas da sociedade, perseguidos, incompreendidos. Em um outro tópico da comunidade
Vampiro: A Máscara Brasil, postado em 16 de abril de 2005, o assunto era sobre o preconceito aos
jogadores de RPG, alguns usuários escreveram:
Bom, que nós não somos muito certos da telha é verdade. Sabem porquê? Porquê
nos dias de hoje, ser normal é sentar na frente da tv das seis ás dez, trabalhar por
obrigação, acreditar na mídia, ter novelas como guia de comportamento, ser quieto
diante das injustiças do mundo, ver os erros e não fazer nada, não pensar! E nós,
que jogamos RPG, não temos o costume de sermos assim... Sabem a minha opiniáo?
Eu nunca liguei quando dizem para mim que eu sou louco, ou meio estranho... existe
algo pior que ser diferente: Ser “comum”...
132
entao galera, é muito bom ser lunático!!! Se isso é ter imaginação, criatividade, coragem
pra soltar os pés do chão sem perder a cabeça nas nuvens, entao daqui pra frente, na
hora em que eu vir aquela expressão de sarcasmo brotando, eu vou sentir orgulho de ser
lunatica... Lunatic!!!! Como na faixa de Dark side of the moon do Pink Floyd...
De acordo com Carrano (2000), quando se está no interior de um conflito e se sente a
solidariedade dos outros, essa sensação de pertencimento a um grupo reforça a nossa identidade e dá
segurança. Para os jovens inseridos em um grupo ou tribo, isso faz com que se sintam importantes e
reforcem suas posições de identidade. No mundo do jogo, embora os personagens lutem para conservar
sua humanidade, eles sabem que jamais voltarão a ser seres humanos, pois essa é a “saga” da maldição
dos vampiros. Talvez esses jogadores acabem relacionando as lutas e conflitos de Vampiro com os
seus: lidar com drogas, sexo, comportamento e outras questões da adolescência, ou seja, a luta por
conquistar um espaço seu no mundo e a compreensão de si mesmos podem significar o mesmo que a
luta por manter sua humanidade.
Para Pais (2006), as imersões dos jovens no mundo virtual configuram-se como estratégias
de fuga da realidade, pois são nesses cenários virtuais, como as comunidades do Orkut, que eles se
vêem como protagonistas de “realidades virtuais”. No entanto, por mais que sejam “virtuais”, essas
experiências de aprendizagem, de sociabilidade, não deixam de ser sociais, e penso que devem ser
entendidas como novas vivências de realidade em um ambiente em que se pode realizar ações e
aspirações dificilmente concretizáveis no mundo “real”. Nesses espaços, diferentemente da “vida
verdadeira”, cheia de angústias e incertezas, os jovens possuem um poder performativo, por sentiremse como seus personagens: nas comunidades do Orkut, os usuários podem sentir-se como vampiros,
poderosos, fortes, senhores das trevas e da escuridão, ou como os vampiros perseguidos, cheios de
traumas e conflitos. As identidades vampíricas, então, se reforçam nesses espaços em que os jovens
transitam, trocam experiências, informações e exibem-se como membros do jogo Vampiro: A Máscara.
Relembrando a citação de Fannon que fiz no capítulo introdutório, de que o RPG deve ser
considerado mais que um jogo por influenciar a vida das pessoas, acredito que Vampiro: A Máscara
configure-se como um artefato no qual as culturas juvenis se configuram em formas em que os jogadores
produzem performativamente suas identidades, e estabelecerem suas condutas e valores na
contemporaneidade.
FIM DA CRÔNICA
As aventuras de RPG no universo de Vampiro: A Máscara são chamadas de “crônicas”. Como considero a elaboração desta
Dissertação uma grande aventura, nesta seção fiz minhas considerações finais e encerro minha crônica.
134
FIM DA CRÔNICA
Ao chegar ao término desta Dissertação, considero importante retomar algumas análises
que pude desenvolver, considerando os propósitos que tracei para minha dissertação, as trilhas que
escolhi, as informações que fui reunindo e tudo aquilo que pude aprender com outros pesquisadores
- jogadores mais experientes do que eu nas artes da pesquisa.
Sou jogador de RPG há mais de 15 anos e venho estudando sua utilização em sala de aula,
como uma técnica de ensino, há pelo menos seis. Neste tempo de Mestrado aprendi muito sobre pesquisa,
do modo como é entendida no campo dos Estudos Culturais, e nesta perspectiva tracei os contornos de
minha investigação, considerando especialmente a argüição dos membros da banca de defesa de projeto.
Naquela ocasião, apresentei algumas possibilidades que me pareciam instigantes, tais como a utilização
do RPG como ferramenta pedagógica, as distintas práticas vinculadas ao jogo e as formas como os
jogadores aprendem nos muitos desafios que o jogo proporciona. Aos poucos pude perceber que minha
pesquisa teria que ser pensada com contornos mais específicos – definir um foco, um cenário, algumas
estratégias e seguir com elas seria decisivo para cumprir a “missão” definida nesta etapa. Desse modo,
escolhi focar meu estudo, em particular, no jogo Vampiro: A Máscara, e nas práticas a ele associadas,
analisando alguns aspectos relevantes da produção de identidades juvenis.
Confesso que senti um desconforto inicial ao tentar estabelecer uma visão crítica, culturalista,
na análise das práticas de RPG. Lembro-me que minha orientadora havia perguntado se estava pronto
para “desconstruir” minha visão de RPG. Disse que sim, mas não pensei que seria tão complexo me
apropriar de novas teorizações e utilizar as tão famigeradas “novas lentes” para, então, empreender as
análises. Desconstruir é diferente de destruir, e acredito que isso me confundiu um pouco no início.
Aos poucos fui entendendo que teria que alterar as rotas, mudar as perguntas, ou seja, a maneira de
olhar para os RPG, pensando naquilo que eles proporcionam, no modo como as práticas do jogo
colaboram para produzir os sujeitos que dele participam, e também os modos como tais práticas vão
adquirindo diferentes contornos na ação dos jogadores, em contextos culturais específicos.
Em relação ao caminho a ser trilhado, outras questões me perturbavam: como me distanciar
o suficiente para a produção das análises, já que o RPG faz parte de minha vida há mais de quinze
anos? As incertezas, os descaminhos, ou as “charadas no escuro”, como diria Gandalf (personagem
de O Hobbit e O Senhor dos Anéis, livros obrigatórios para qualquer jogador de RPG) permaneceram
135
comigo e aprendi que cada estudo se constrói no movimento e na ação de pesquisar, e se define a
cada escolha, a cada jogada. Isso nos torna conhecedores de algumas estratégias, e nos possibilita
afirmar “verdades”contextuais e sempre provisórias.
Assim como no RPG, jogo em que as regras vão sendo aprendidas, alteradas, modificadas,
compartilhadas nas experiências dos jogadores, tive que dedicar um longo tempo ao estudo e traçar
alguns contornos para minha própria pesquisa. Apresento aqui alguns destaques do que fui aprendendo
ao fazer este estudo, e que talvez possa ser útil a quem desejar seguir comigo, nesta aventura instigante
e surpreendente que é discutir algumas práticas de jogadores de RPG e modo como eles organizam,
reinventam e ressignificam seus pertencimentos nas redes virtuais de que fazem parte.
Um primeiro aspecto que gostaria de dar relevo diz respeito à temática do jogo escolhido
para a análise. Durante as minhas pesquisas pude perceber que existem diversas obras, em diferentes
mídias que tratam do mito do vampiro. Deste leque de produções, o RPG Vampiro: A Máscara
parece gerar uma gama de artefatos que o constituem e o reinventam: existem diversos livros publicados,
já mencionados anteriormente, bem como cardgames, videogames, jogos de tabuleiro, entre outros.
Na pesquisa, considerei necessário colocar em destaque algumas das inúmeras representações
de vampiro existentes em diferentes artefatos. O vampiro, conforme menciono nas análises, foi e é
reinventado constantemente na literatura, no cinema, na televisão, em quadrinhos e videogames, por
exemplo, e parece exercer especial fascínio nos consumidores destes diferentes produtos culturais.
Trazendo algumas produções para este estudo, desejei mostrar que o mito vampírico se constrói com
base em diversas influências, históricas, sociais e culturais. O personagem – do jogo ou das diferentes
produções midiáticas – não possui uma “essência” ou algo que o defina de maneira definitiva. Em cada
crônica, em cada história contada, em cada filme ou em cada livro sobre vampiro, há pontos em
comum e elementos que se distinguem, há aspectos que vão sendo agregados, atualizados, subvertidos,
ao reinventar os personagens e cenários vampíricos.
A exemplo disso, no jogo de RPG analisado, há alguns aspectos que se baseiam em obras
consagradas sobre vampiros, mas há outros que são distintos e que tomam forma nas regras do
próprio do jogo, tais como certas formas de organização, os clãs e seitas, as disputas de poder com
lobisomens, magos, e outras criaturas fantásticas que habitam o vasto Mundo das Trevas. As alterações
servem para que a história possa comportar estratégias, disputas, missões típicas do jogo. Elas
136
possibilitam também que se produzam variações infinitas no jogo, uma vez que os acontecimentos
resultam de escolhas e de ações dos personagens.
Uma questão que desejava entender, ao ler diferentes estudos sobre vampiros, era o modo
como estas histórias eram reinventadas no jogo e, nesse processo, quais marcas da cultura juvenil
contemporânea iam sendo incorporadas. Do mesmo modo, instigava-me pensar em quais aspectos
das histórias vampíricas, reinventados no jogo, eram escolhidos pelos jovens para marcar suas
identidades, seus personagens, seus perfis no Orkut, suas comunidades. Minha hipótese inicial era de
que o jogo influenciava os jovens que o praticavam. Olhando para minha própria experiência, como
jogador, agora com as lentes culturalistas, posso dizer que o jogo, assim como a participação em
comunidades virtuais e em outras formas de manifestações relacionadas ao RPG, não simplesmente
influencia, mas colabora na constituição de identidades, marcando de muitas maneiras os diferentes
pertencimentos de cada jogador.
Lembro de meus amigos, encapuzados, vestidos de preto, botas, alguns maquiados, outros
tatuados, jogando RPG Vampiro: a Máscara. Uma vez, jogava um live action53 de Vampiro e
percebi que uma amiga estava num canto, afastada da cena do jogo, olhando fixamente para uma tela
de pintura, chorando copiosamente. Cheguei perto dela e perguntei o que estava acontecendo e
obtive como resposta, sussurrada entre dentes, que deveria me afastar pois ela estava interpretando
seu personagem. O fato me impressionou muito pela capacidade de imersão em tal personagem,
naquele jogo, e possivelmente minha surpresa tenha sido maior pois Vampiro nunca foi meu jogo
preferido, eu sempre gostei de jogos de fantasia medieval (embora jamais tenha saído pelas ruas
vestido de bárbaro carregando espada e escudo...).
Os jogadores, ao identificarem-se com seus personagens, mesclam-se a eles, corporificam
as sensações de incerteza, dúvida e suspense supostamente experimentadas pelos vampiros, dando
significado aos processos narrativos que compõem tais personagens, e, dessa forma, constituindo
suas identidades, constituindo-se como sujeitos-jogadores-vampiros ao mesmo tempo, e deslocando
essa identidade para outros espaços que não apenas a mesa de jogo.
53
Conforme mencionado no capítulo “Masmorras, espadas e dragões”, um live action é uma modalidade de RPG em
que os jogadores executam as ações de seus personagens ao invés de simplesmente verbalizá-las.
137
Pensando nas cenas de jogos que vivenciei e no modo como meus amigos produziam em
seus corpos marcas de um mundo vampírico, penso que de muitas formas o jogo vai constituindo e
também posicionando os jogadores. Considero que o visual, as tatuagens, as vestimentas sejam as
marca mais aparentes, o que não significa que sejamos constituídos apenas pelo que escolhemos para
exibir, em termos de nossas identidades. Quero dizer, com isso, que de diferentes maneiras, mais ou
menos visíveis, somos produzidos em diferentes grupos e práticas das quais fazemos parte, incluindo
aqui as práticas de RPG.
As identidades vão sendo recriadas e reinventadas, apropriando-se de certos bens e imagens
da cultura, através de práticas de consumo de distintos artefatos, tais como certas peças de vestuário,
acessórios corporais, livros, DVDs, videogames, etc. Os jovens que participam de grupos de RPG
produzem estilos que vão ser expressos em linguagens e práticas específicas. Não se trata apenas de
um visual característico, mas ao modo como esses jovens dão significado a este visual, bem como aos
lugares, às ações que desenvolvem de modo coletivo ou individualmente. Garbin (2006b, p.207)
define estilo como sendo as “manifestações simbólicas das culturas juvenis provenientes da moda, da
música, da linguagem, das práticas culturais” e a autora considera, no conjunto dessas práticas, também
as regras a que os jovens se submetem e aquelas que eles criam e que consideram representativas de
suas identidades.
Se os estilos juvenis têm a intenção de marcar as diferenças, talvez certo modo de vestir, de
tatuar-se, de portar-se, de exibir identidades virtuais em comunidades do Orkut tenham como intenção
marcar as diferenças entre jogadores de Vampiro: A Máscara e outros jogos de RPG. Possivelmente
visem, também, marcar distinções entre os membros do grupo, através de vinculações específicas a
clãs. Diferir parece, então, ser um modo de evitar a fixação em uma identidade, explorando as
possibilidades de trilhar outros caminhos, transitar entre fronteiras, “atuar” ora como mortal, ora como
imortal, ora como normal, ora como anormal. Pertencer a um clã e opor-se aos demais não é uma
marca fixa mas uma escolha que faz sentido num ambiente virtual cada vez mais alargado, num cenário
agora com limites cada vez mais tênues, no qual interagem jovens-jogadores-vampiros de muitos
“mundos”diferentes.
Certas regras parecem marcar o pertencimento ao grupo de jogadores, tais como conhecer
o jogo, saber compor um personagem e distingui-lo dos demais do mesmo clã e de outros clãs,
respeitar as regras específicas deste tipo de jogo. Ao que parece, estas regras pressupõem, também,
que se assumam algumas condições – assiduidade, capacidade de leitura e interpretação, imaginação,
138
capacidades de negociar opiniões e interesses, disposição para ler um amplo conjunto de textos, e de
estar continuamente atualizado. Para jogar também é necessário abrir-se para os outros, negociar
condutas, já que se trata de um jogo de estratégia coletiva e não individual. Estas condições, assumidas
por quem integra as comunidades de jogadores e de fãs desse RPG, constituem as identidades desses
jovens-jogadores-vampiros.
De acordo com Costa (2005) a condição pós-moderna é marcada pela visibilidade, e nesta
direção é possível pensar que as identidades juvenis são colocadas à mostra através de diferentes
estratégias, tais como as páginas virtuais, os grupos, os jogos de RPG, e nestas práticas vão sendo
construídas, matizando as noções de juventude que pareciam estáveis e uniformes. É interessante
registrar que as práticas juvenis associadas ao jogo Vampiro:A Máscara são também marcadas
como desviantes, como algo que escapa àquilo que se considera normal em relação à conduta juvenil.
Comumente eles tatuam seus corpos, desfilam figurinos que remontam cenários do Mundo das Trevas,
narram a si e aos demais a partir de signos do jogo, delimitam seus espaços com imagens vampíricas.
Acabam por ser, muitas vezes, definidos como discrepantes, uma vez que assumem comportamentos
que parecem fugir a um certo padrão que, mesmo sendo hoje mais maleável, ainda mantém sob
suspeita algumas atitudes que parecem significar perigo. Não seriam aí revigorados certos discursos
que descrevem os jovens como vulneráveis, sem força de vontade, sem caráter, sem capacidade de
discernir o “certo” e o errado”, o real e o fantasioso?
Outro aspecto que gostaria de ressaltar, das análises que realizei nesta dissertação, diz respeito
às identidades juvenis nas redes virtuais, em especial no Orkut. Depois de vivenciar por longo tempo
os jogos de tabuleiro, ter empreendido parte de meu estudo em um ambiente virtual foi para mim uma
grata surpresa. Pude perceber o quanto se potencializam certas práticas, agora sem limitações de
tempo, de espaço ou dos custosos deslocamentos. As aprendizagens entre jogadores, as “dicas”, as
trocas de cenários, de regras, de histórias, de experiências, tão comum entre jogadores que se conhecem
e compartilham o tabuleiro, se tornaram muito mais freqüentes e expandidas com a utilização da
internet. Embora a internet não seja o (principal) local onde se joga RPG e nem constituia o meio mais
comum pelo qual se aprende sobre o jogo e se conhece as regras, ela é hoje um importante espaço de
atualização, de troca de informações e de discussões sobre cenários e possibilidades destes jogos.
Se os livros impressos são ainda preferidos, especialmente por narradores, as comunidades
e fóruns virtuais ampliam as possibilidades de acesso a um conjunto de informações sobre o jogo e
139
seus personagens que antes eram mais restritas. A participação em comunidades do Orkut permite,
por exemplo, que o jogador discuta tópicos específicos, produza e compartilhe informações, esclareça
dúvidas, refine seu personagem, informe-se sobre as novidades do jogo, conheça outros jogadores,
obtenha exemplares de livros que deseja, através de compra, permuta, etc., disponibilize e copie
arquivos virtuais de RPG. Neste sentido, pode-se dizer que a internet é também um espaço em que
jogos e jogadores se reinventam e são reinventados identitariamente, uma vez que a mudança do
suporte – de tabuleiro para tela – produz alterações nas práticas relacionadas ao jogo e, desse modo,
também nos sujeitos que delas participam.
De acordo com Chartier (1999), as narrativas de jovens em textos eletrônicos propicia uma
importante mudança na forma de leitura pois na interface com a tela de computador os jovens consomem
e produzem cultura, em práticas fluidas, ágeis, difusas mas, ao mesmo tempo, intensas e contínuas. O
autor argumenta que a internet realça certas características de leitura, tal como a descontinuidade, a
organização por tópicos de interesse, a dispersão, o que, trazendo para o contexto desta pesquisa,
altera as formas de constituição do jogador de RPG. A internet amplia ainda as possibilidades de
comunicação, uma característica importante quando se trata do jogo. Centenas de pessoas agregadas
em comunidades, conectadas com outras provenientes de diferentes grupos, lugares, contextos sociais,
em interações virtuais diversas – ora instantâneas, ora registradas em fóruns e mantidas por um tempo
relativamente maior à disposição do internauta.
Nesta pesquisa pude perceber que existem diversas comunidades do Orkut, provavelmente
mais de 1000, que fazem alusão ao jogo, utilizando o nome Vampiro: a Máscara, ou os nomes dos
diferentes clãs e seitas. Tais comunidades também podem ser consideradas locais onde as identidades
se constituem, transitam, são exibidas, onde milhares de jovens “navegam”, e nos quais compõem
identidades e pertencimentos a grupos, mesclando uma série de elementos e símbolos representativos.
Muitas páginas e perfis analisados utilizam elementos do jogo, as imagens retiradas dos
livros de Vampiro: a Máscara, as escolhas das fotos em “poses sugestivas” que lembram atitudes dos
personagens, os textos que descrevem suas personalidades e que fazem referência ao jogo ou ao mito
de vampiro... A análise destas páginas virtuais mostrou que se trata de uma imensa e multifacetada
rede de pessoas/jogadores que partilham símbolos e linguagens específicas do RPG Vampiro:a Máscara
aprendidas em diferentes práticas, em especial na leitura dos livros de regras e nos tabuleiros de jogo.
140
Os jovens jogadores deste RPG têm em comum o interesse pelo mundo vampírico e o
conhecimento – embora bastante variável – das regras, cenários, personagens e tramas deste jogo.
Utilizam-se de elementos reconhecidos coletivamente como símbolos de certos pertencimentos
vampíricos – ser de um determinado clã implica utilizar certas marcas e não outras, demonstrar certa
atitude e não outra. Nas comunidades essas identidades se reforçam e se estabelecem de forma um
pouco menos instável. Conforme aprendi com os autores que discutem Orkut, não basta somente ter
uma identidade, é preciso exibi-la. Nos fóruns das comunidades que analisei nesta dissertação as
pessoas se apresentam como membros de clãs de vampiro, e assim movimentam seus personagens,
colocando-os em cena, em evidência, como se estivessem em um amplo e ilimitado cenário de jogo.
E neste movimento borram-se os limites entre personagem e jogador, e o personagem criado para
jogar RPG também constitui e insere seu criador em um novo jogo, agora o jogo das identidades.
Gostaria de destacar um acontecimento interessante, que se relaciona com o tema de minha
pesquisa... Fui a um evento sobre histórias em quadrinhos em uma livraria em Porto Alegre e, entre os
participantes, estava André Vianco, autor de vários livros sobre vampiros (embora nenhum relacionado
ao RPG de meu estudo). Estava aguardando na fila para conseguir um autógrafo quando ouvi de uma
jovem ao abraçá-lo: “sou sua amiga no Orkut!”. Ele respondeu: “É mesmo?”. A moça na minha frente
na fila comentou comigo: “Também sou amiga dele no Orkut!” Fiquei pensando no quanto o Orkut é
hoje referência para muitos jovens em suas alargadas relações de “amizade”. O fato das jovens se
dizerem “amigas do Orkut” do autor e talvez ele nem fazer idéia de quem sejam elas, me fez pensar
que todos estão inseridos nas grandes redes nas quais se colecionam amigos virtuais. Para o escritor
em questão, quanto mais “amigos” tiver, mais popular parece ser sua obra, o que pode também servir
54
para divulgar seu trabalho e conquistar novos leitores ; para as jovens, ter como amigo um escritor de
sucesso torna seus perfis mais “populares”.
A grande fila de autógrafos, na qual eu também estava incluído, me mostrou que o mito do
vampiro continua sendo produtivo para movimentar uma vasta rede de produções. Somente o referido
autor, André Vianco, publicou nos últimos 10 anos pelo menos 7 romances sobre o assunto, além de
algumas histórias em quadrinhos baseadas nas suas obras. Na Feira do Livro de Porto Alegre, de
2008, pude perceber uma série de lançamentos e reedições de livros sobre Vampiro, tais como “A
54
Por curiosidade, visitei o perfil do escritor no Orkut, e o mesmo possui por volta de 930 “amigos”.
141
Enciclopédia dos Vampiros”, “Vampyro – O Diário do Dr. Van Helsing” e “Um vampiro apaixonado
na corte de Dom João”.
Ainda sobre as produções contemporâneas que tematizam vampiros, é importante registrar o
recente sucesso da série criada por Stephenie Meyer, destinada ao público juvenil. Os dois primeiros livros
da série Crepúsculo e Lua Nova alçaram ao topo das listagens de obras mais vendidas, cada um deles com
mais de 15 milhões de exemplares espalhados em todo o mundo. No dia 19 de dezembro de 2008 estreou
o filme Crepúsculo, baseado no primeiro livro da autora. Na sala de cinema, aplausos, gritos de euforia ao
entrar em cena protagonistas da história, que foram reconhecidos de imediato, mostrando que o livro já
havia sido lido e que a expectativa era grande em relação ao filme. Destaco estes acontecimentos apenas
para registrar o vigor destas produções, potencializadas nas redes de relacionamento da internet, locais em
que se compartilham preferências e se constituem desejos de consumo.
Um dos meus achados com esse trabalho é que existe uma relação entre as práticas concernentes
ao RPG Vampiro: A Máscara e as identidades constituídas nas páginas virtuais do Orkut. As histórias
de vampiro se reinventam nos mais diferentes espaços – comunidades, fóruns, perfis individuais – permitindo
que sujeitos se identifiquem com essas representações e passem, então, a utilizar símbolos e outras
características para constituirem suas identidades, tal como destaquei anteriormente.
Tomo de empréstimo uma pergunta lançada em algumas das comunidades por mim analisadas
“vc acredita que vampiros existem?” Em minha pesquisa não importava saber se os jovens acreditam
ou não em vampiro, e sim saber como eles constituem suas identidades baseadas no RPG. No momento
em que assumem os papéis dos personagens, e passam a agir como esses, exibindo-se no Orkut
como Brujah, Gangrel e Toreador, entre outros, não são esses jovens, nesse momento, um pouco
vampiros, circulando pelo Orkut? Alguns poderiam questionar tal afirmação dizendo que não são
vampiros de verdade. E o que são “vampiros de verdade” senão invenções literárias, cinematográficas,
cotidianas, que continuam a ser produzidas? O mito do vampiro, e os diferentes clãs de Vampiro: A
Máscara são reinventados e ressurgem vigorosos nas páginas do Orkut, constituindo e marcando as
culturas juvenis que se identificam com eles.
Antes de encerrar, gostaria de tecer alguns comentários sobre a capa de meu trabalho.
Como nada é por acaso, lembremos que o título de meu trabalho é “Quebrando a Máscara: O RPG
Vampiro e a Constituição de Identidades Juvenis”. A Quebra da Máscara é a pior traição que pode
142
ser cometida por um vampiro, e significa que este se deixou conhecer por um mortal. Essa é a razão para
que meu capítulo de análise seja chamado “Quebrando a Máscara”. Ao trazer esses “vampiros” jogadores
virtuais para o meu texto, de certa forma também expus suas identidades vampíricas, colocando-os num
campo de visibilidade diferente daquele que eles mesmos inventam em suas páginas virtuais. E, de certa
forma, compartilhei com meus leitores um pouco de minha própria identidade vampírica, constituída nas
muitas práticas de jogo, de leitura, de estudo e de análise dos materiais desta pesquisa. Minha dissertação
é, de certa forma, um convite, um “Abraço”, gesto pelo qual um leitor mortal desavisado passa a carregar
também, mesmo que momentaneamente, um pouco desta marca de Caim.
Outros elementos da capa de minha dissertação são: a rosa vermelha, que representa a
sensualidade, beleza e fascínio que os vampiros causam em nós. E o “ankh”, o símbolo egípcio da vida
eterna, usada por esses para indicar a continuidade da vida, após a morte. A imortalidade é a benção e a
maldição concedida aos vampiros. É o que nos proporciona desejo e repulsa. É talvez uma das razões para
a reinvenção contínua e tão misteriosamente fascinante das narrativas de vampiro na contemporaneidade.
Finalizando este texto, é importante frisar que uma série de outros aspectos poderiam ter sido
discutidos no trabalho, mas deixo abertas algumas arestas que conduzem a outros caminhos. Penso que
este estudo não se encerra e, de certa forma, ele abre possibilidades para pesquisas futuras. Como bom
jogador de RPG aprendi que há sempre novos desafios a enfrentar. A aventura parece terminada, mas a
campanha ainda não. Nos outros cenários a serem trilhados, novas articulações poderão ser feitas na
busca da realização das missões que virão. Aprendi também, nesta aventura da pesquisa no campo dos
Estudos Culturais, que é necessário mesclar técnicas, olhar muitas vezes para aquilo que se deseja
analisar, buscando, nos caminhos incertos da pesquisa, não os reflexos no espelho, mas os sentidos que
se produzem nas palavras, nas histórias contadas, nas tecnologias colocadas em ação para fazer de nós
aquilo que somos. Tratando-se de vampiros, é preciso precaução, é desejável acrescentar à mochila um
crucifixo, água-benta, alho e estaca. Afinal, nunca se sabe o que iremos enfrentar... Que rolem os dados.
143
“E tem gente que não acredita em vampiros...”
LIVRO DE NOD
O Livro de Nod é o livro sagrado dos vampiros, que narra seu surgimento e relembra sua história Como analogia, escolhi este nome
para minhas referências bibliográficas por serem a base de minha pesquisa, de minha “história” na produção desta Dissertação.
145
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ZANINI, Maria do Carmo (org.). Anais do I Simpósio RPG & Educação. São Paulo: Devir, 2004.
ANEXOS
160
Anexo I – Ficha de Vampiro: A Máscara
161
Anexo II – Ficha de GURPS
162
Anexo III – Ficha de Dungeons & Dragons
163
Anexo IV – Mapa para a aventura

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