TERROR NA ÍNDIA

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TERROR NA ÍNDIA
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A-20
CORREIO BRAZILIENSE
20 MUNDO
BRASÍLIA, SEXTA-FEIRA, 28 DE NOVEMBRO DE 2008
Punit Paranjpe/Reuters
Editor: João Cláudio Garcia
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PRÉDIO DO TAJ MAHAL PALACE É TOMADO PELA FUMAÇA, ENQUANTO TIROS E EXPLOSÕES ERAM ESCUTADOS DO LADO DE FORA: ATENTADOS FORAM PLANEJADOS HÁ MESES E INCLUÍAM MONTAGEM DE SALA DE CONTROLE EM HOTÉIS
TERROR NA ÍNDIA
Combates em Mumbai, cidade atacada por extremistas, invadem a madrugada e assombram o mundo.
Premiê acusa “vizinhos” e especialista alimenta suspeita sobre grupo paquistanês, mas não isenta Al-Qaeda
32 horas de pesadelo
s tiros de fuzis automáticos Kalashnikov AK47 eram disparados
dentro de dois hotéis e
uma sinagoga em Mumbai (capital financeira da Índia) quando o primeiro-ministro, Manmohan Singh, foi à TV, declarou
guerra aos extremistas e indiretamente culpou o Paquistão por
um dos piores atentados da história do país. Às 22h30 de ontem, passadas 32 horas desde o
início dos 10 ataques em série,
forças de segurança ainda travavam uma batalha ferrenha
para salvar os reféns e matar os
terroristas, responsáveis pelo
banho de sangue que deixou
125 mortos, incluindo o chefe
de polícia antiterror Hernant
Karkare, outros 13 militares e 14
estrangeiros, e 327 feridos.
Os primeiros detalhes do ataque surpreenderam e enfureceram as autoridades: segundo o
ministro do Gabinete de União,
Kapil Sibal, os criminosos passaram meses planejando a ação
e montaram “salas de controle”
no Taj Mahal Palace e no Oberoi,
antes de invadirem os hotéis e
tomarem dezenas de hóspedes
como reféns. “Os terroristas partiram de um navio-mãe e viajaram em botes de borracha até
Mumbai”, disse à agência de
notícias Press Trust of India.
A ousadia levou o premiê a
ameaçar o Paquistão. “Nós comunicaremos fortemente aos
nossos vizinhos que o uso de seu
território para lançar ataques
contra nós não será tolerado”,
declarou Manmohan Singh. “Haverá um custo se medidas adequadas não forem tomadas”,
acrescentou o líder, antes de revelar que os terroristas podem
ter “ligações externas”. “É evidente que o grupo que realizou
esses ataques, baseado fora do
país, teve a única determinação
de criar caos na capital comercial.” A resposta de Islamabad foi
conciliadora. “Nossa experiência do passado nos ensina que
devemos evitar tirar conclusões
precipitadas”, avisou Shah Mehmood Qureshi, ministro paquistanês dos Assuntos Estrangeiros.
“Devemos ficar calmos, serenos
e nos apoiar mutuamente.”
O
Magnus Ranstorp, especialista
em terrorismo pela Universidade de Defesa Nacional da Suécia,
afirmou ao Correio que ficará
surpreso se o Paquistão não tiver
envolvimento com a carnificina
de Mumbai. De acordo com ele,
uma possibilidade é de que o
grupo islâmico paquistanês
Jaish-e-Mohammed — o mesmo
que decapitou o jornalista norte-americano Daniel Pearl, em
2002 — tenha se unido a elementos locais para alvejar ocidentais. Outra possibilidade seria uma aliança entre a rede AlQaeda, de Osama bin Laden, e
células terroristas da cidade.
Por fim, Ranstorp não descarta uma ação coordenada da
máfia Davood Ibrahim, que fugiu da Índia após os atentados
de 1993, quando 250 pessoas
morreram. “Seus militantes estão no Paquistão e o Exército indiano exige a extradição”, disse o
especialista. Ex-reféns libertados dos hotéis na quarta-feira
contaram que os extremistas
perguntavam quem tinha passaporte britânico ou norte-americano. Para o analista sueco, essa é uma indicação de envolvimento da Al-Qaeda.
Brasileiras
assustadas
Telefone
Outro sinal suspeito foi antecipado à reportagem pelo corretor
de imóveis Viswajit Srinivasan,
de 30 anos. Morador de Mumbai, ele contou que a polícia indiana confiscou um telefone
por satélite de um dos terroristas. “Todas as ligações arquivadas no aparelho haviam sido feitas para números do Paquistão”,
admitiu. Pelo menos um dos
atacantes presos no Taj Mahal
Palace Hotel é de nacionalidade
paquistanesa, segundo autoridades indianas. Enquanto se
discutia sobre a autoria dos
atentados, a cidade tentava conter a fúria dos extremistas.
Na madrugada de hoje (hora
local), uma explosão atingiu o
centro judaico Chabad House,
matando pelo menos duas pessoas. Ainda não estava claro se o
total de mortos incluía essas baixas. As autoridades chegaram a
anunciar que o Taj Mahal Hotel
estava “limpo”, mas depois admitiram que um terrorista estava no
local. O FBI — a polícia federal
norte-americana —, a Scotland
Yard e a polícia de Israel enviariam representantes a Mumbai
para ajudar nas investigações. Algumas personalidades ficaram
no centro do furacão: o milionário grego Andres Liveras, dono de
luxuosos iates, foi assassinado; o
cientista nuclear francês George
Vendryas estava em poder dos
terroristas no Taj Mahal Hotel e a
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DA EQUIPE DO CORREIO
ex-mulher do cantor Prince Manuela Testolini conseguiu fugir.
A influente jornalista indiana
Manjeet Kripalani, diretora da
revista especializada em economia Business Week, participou
na noite de ontem de um debate
diante do mesmo hotel. Em entrevista ao Correio, ela previu impactos devastadores à economia
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RODRIGO CRAVEIRO
de Mumbai, que concentra um
Produto Interno Bruto (PIB) de
US$ 148 bilhões — 5% do índice
do país. “O turismo vai sofrer e
levará vários anos para que o Taj
Mahal Hotel e o Oberoi ressurjam”, disse. “Em termos de investimentos, a Índia não será mais
um porto seguro frente à crise financeira global.”
Para duas modelos brasileiras, a experiência de trabalhar em um país distante
e conhecer uma nova cultura se transformou em horas
intermináveis de tensão. Em
entrevista ao Correio, por
telefone, elas contaram que
Mumbai — cidade pulsante,
com 13 milhões de habitantes — mergulhou no silêncio absoluto. Na noite de
quarta-feira, a paulista Gabriela dos Santos Silva, de 25
anos, tinha acabado de chegar em casa quando uma
amiga telefonou e disse a ela
que ligasse a TV. “Eu fiquei
aliviada e assustada”, admitiu. “Planejava encontrar
com amigos na discoteca
Dragon Fly, que fica em frente ao Oberoi Hotel.”
A balada foi cancelada e
ela passou a quinta-feira em
casa. Parentes ligavam o
tempo todo do Brasil, em
busca de notícias. “Quando
fui ao comércio, me senti insegura. As ruas estavam desertas e as pessoas me olhavam assustadas e desconfiadas”, relatou. Gabriela vive
desde abril em Mumbai e
tem passagem marcada para
viajar no domingo de volta
ao Brasil. “Não sei como ficará a situação do aeroporto.
Hoje, estão fechados.”
A rondoniana Moara
Monteiro, 19, “procura” ficar
calma. “A gente está triste,
pois a qualquer momento
pode ocorrer algo”, afirmou.
“Todo mundo está com medo de sair de casa”, disse. Ela
contou que indianos expressam revolta pelo fato de estrangeiros se mudarem para
Mumbai. “Eles são bem tradicionais e acham que estamos vindo roubar o trabalho deles”, comentou. (RC)
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depoimentos de três modelos
brasileiras que vivem em Mumbai