TERROR NA ÍNDIA
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TERROR NA ÍNDIA
CMYK A-20 CORREIO BRAZILIENSE 20 MUNDO BRASÍLIA, SEXTA-FEIRA, 28 DE NOVEMBRO DE 2008 Punit Paranjpe/Reuters Editor: João Cláudio Garcia [email protected] Subeditores: Silvio Queiroz e Rodrigo Craveiro fax: 3214-1155 [email protected] Tels. 3214-1195 • 3214-1197 PRÉDIO DO TAJ MAHAL PALACE É TOMADO PELA FUMAÇA, ENQUANTO TIROS E EXPLOSÕES ERAM ESCUTADOS DO LADO DE FORA: ATENTADOS FORAM PLANEJADOS HÁ MESES E INCLUÍAM MONTAGEM DE SALA DE CONTROLE EM HOTÉIS TERROR NA ÍNDIA Combates em Mumbai, cidade atacada por extremistas, invadem a madrugada e assombram o mundo. Premiê acusa “vizinhos” e especialista alimenta suspeita sobre grupo paquistanês, mas não isenta Al-Qaeda 32 horas de pesadelo s tiros de fuzis automáticos Kalashnikov AK47 eram disparados dentro de dois hotéis e uma sinagoga em Mumbai (capital financeira da Índia) quando o primeiro-ministro, Manmohan Singh, foi à TV, declarou guerra aos extremistas e indiretamente culpou o Paquistão por um dos piores atentados da história do país. Às 22h30 de ontem, passadas 32 horas desde o início dos 10 ataques em série, forças de segurança ainda travavam uma batalha ferrenha para salvar os reféns e matar os terroristas, responsáveis pelo banho de sangue que deixou 125 mortos, incluindo o chefe de polícia antiterror Hernant Karkare, outros 13 militares e 14 estrangeiros, e 327 feridos. Os primeiros detalhes do ataque surpreenderam e enfureceram as autoridades: segundo o ministro do Gabinete de União, Kapil Sibal, os criminosos passaram meses planejando a ação e montaram “salas de controle” no Taj Mahal Palace e no Oberoi, antes de invadirem os hotéis e tomarem dezenas de hóspedes como reféns. “Os terroristas partiram de um navio-mãe e viajaram em botes de borracha até Mumbai”, disse à agência de notícias Press Trust of India. A ousadia levou o premiê a ameaçar o Paquistão. “Nós comunicaremos fortemente aos nossos vizinhos que o uso de seu território para lançar ataques contra nós não será tolerado”, declarou Manmohan Singh. “Haverá um custo se medidas adequadas não forem tomadas”, acrescentou o líder, antes de revelar que os terroristas podem ter “ligações externas”. “É evidente que o grupo que realizou esses ataques, baseado fora do país, teve a única determinação de criar caos na capital comercial.” A resposta de Islamabad foi conciliadora. “Nossa experiência do passado nos ensina que devemos evitar tirar conclusões precipitadas”, avisou Shah Mehmood Qureshi, ministro paquistanês dos Assuntos Estrangeiros. “Devemos ficar calmos, serenos e nos apoiar mutuamente.” O Magnus Ranstorp, especialista em terrorismo pela Universidade de Defesa Nacional da Suécia, afirmou ao Correio que ficará surpreso se o Paquistão não tiver envolvimento com a carnificina de Mumbai. De acordo com ele, uma possibilidade é de que o grupo islâmico paquistanês Jaish-e-Mohammed — o mesmo que decapitou o jornalista norte-americano Daniel Pearl, em 2002 — tenha se unido a elementos locais para alvejar ocidentais. Outra possibilidade seria uma aliança entre a rede AlQaeda, de Osama bin Laden, e células terroristas da cidade. Por fim, Ranstorp não descarta uma ação coordenada da máfia Davood Ibrahim, que fugiu da Índia após os atentados de 1993, quando 250 pessoas morreram. “Seus militantes estão no Paquistão e o Exército indiano exige a extradição”, disse o especialista. Ex-reféns libertados dos hotéis na quarta-feira contaram que os extremistas perguntavam quem tinha passaporte britânico ou norte-americano. Para o analista sueco, essa é uma indicação de envolvimento da Al-Qaeda. Brasileiras assustadas Telefone Outro sinal suspeito foi antecipado à reportagem pelo corretor de imóveis Viswajit Srinivasan, de 30 anos. Morador de Mumbai, ele contou que a polícia indiana confiscou um telefone por satélite de um dos terroristas. “Todas as ligações arquivadas no aparelho haviam sido feitas para números do Paquistão”, admitiu. Pelo menos um dos atacantes presos no Taj Mahal Palace Hotel é de nacionalidade paquistanesa, segundo autoridades indianas. Enquanto se discutia sobre a autoria dos atentados, a cidade tentava conter a fúria dos extremistas. Na madrugada de hoje (hora local), uma explosão atingiu o centro judaico Chabad House, matando pelo menos duas pessoas. Ainda não estava claro se o total de mortos incluía essas baixas. As autoridades chegaram a anunciar que o Taj Mahal Hotel estava “limpo”, mas depois admitiram que um terrorista estava no local. O FBI — a polícia federal norte-americana —, a Scotland Yard e a polícia de Israel enviariam representantes a Mumbai para ajudar nas investigações. Algumas personalidades ficaram no centro do furacão: o milionário grego Andres Liveras, dono de luxuosos iates, foi assassinado; o cientista nuclear francês George Vendryas estava em poder dos terroristas no Taj Mahal Hotel e a CMYK DA EQUIPE DO CORREIO ex-mulher do cantor Prince Manuela Testolini conseguiu fugir. A influente jornalista indiana Manjeet Kripalani, diretora da revista especializada em economia Business Week, participou na noite de ontem de um debate diante do mesmo hotel. Em entrevista ao Correio, ela previu impactos devastadores à economia A-20 RODRIGO CRAVEIRO de Mumbai, que concentra um Produto Interno Bruto (PIB) de US$ 148 bilhões — 5% do índice do país. “O turismo vai sofrer e levará vários anos para que o Taj Mahal Hotel e o Oberoi ressurjam”, disse. “Em termos de investimentos, a Índia não será mais um porto seguro frente à crise financeira global.” Para duas modelos brasileiras, a experiência de trabalhar em um país distante e conhecer uma nova cultura se transformou em horas intermináveis de tensão. Em entrevista ao Correio, por telefone, elas contaram que Mumbai — cidade pulsante, com 13 milhões de habitantes — mergulhou no silêncio absoluto. Na noite de quarta-feira, a paulista Gabriela dos Santos Silva, de 25 anos, tinha acabado de chegar em casa quando uma amiga telefonou e disse a ela que ligasse a TV. “Eu fiquei aliviada e assustada”, admitiu. “Planejava encontrar com amigos na discoteca Dragon Fly, que fica em frente ao Oberoi Hotel.” A balada foi cancelada e ela passou a quinta-feira em casa. Parentes ligavam o tempo todo do Brasil, em busca de notícias. “Quando fui ao comércio, me senti insegura. As ruas estavam desertas e as pessoas me olhavam assustadas e desconfiadas”, relatou. Gabriela vive desde abril em Mumbai e tem passagem marcada para viajar no domingo de volta ao Brasil. “Não sei como ficará a situação do aeroporto. Hoje, estão fechados.” A rondoniana Moara Monteiro, 19, “procura” ficar calma. “A gente está triste, pois a qualquer momento pode ocorrer algo”, afirmou. “Todo mundo está com medo de sair de casa”, disse. Ela contou que indianos expressam revolta pelo fato de estrangeiros se mudarem para Mumbai. “Eles são bem tradicionais e acham que estamos vindo roubar o trabalho deles”, comentou. (RC) correiobraziliense.com.br Ouça na internet: depoimentos de três modelos brasileiras que vivem em Mumbai