1 O modernismo português em cena (19251955) 1. Apresentação

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1 O modernismo português em cena (19251955) 1. Apresentação
O
modernismo
português
em
cena
(1925­1955)
1. Apresentação do projecto
Entre 1925 e 1955, existe um número vasto de artistas visuais cuja produção para
o palco apresenta sólidas características modernistas e que trabalham recorrentemente a
vida urbana e diversos motivos de inspiração nacional. Esta imagética, presente no
palco ao longo da década de vinte, é manipulada por António Ferro quando assume a
direcção do Secretariado de Propaganda Nacional, em 1933. Sendo que os mesmos
artistas que contribuíram para a génese eufórica do modernismo no palco continuam a
trabalhar para produções teatrais na década de cinquenta, os mesmos códigos visuais
permanecem em cena, apesar da sua interpretação diferir ao longo do tempo.
Houve, com efeito, um conjunto de artistas cujo trabalho para o palco apresenta
uma obra visual com sólido valor estético na década de vinte, prolongando-se ainda
até ao final da década de cinquenta. Todos eles trabalham figurinos e cenários usando
uma linguagem plástica com um forte cunho individual, sendo possível, no entanto,
destacar duas características que os unem:
1) o louvor da vida moderna (e da vida urbana, em particular);
2) a presença do folclore e de motivos de inspiração nacional como elementos que
definem uma identidade colectiva.
Estes motivos, tratados pela geração de Orpheu de modo avant-garde, encontram
eco nas artes plásticas e ganham corpo nos palcos portugueses a partir de 1925 onde,
pela primeira vez, a revista Chic-Chic, com cenários de Almada Negreiros, introduziu
visualmente o modernismo nos palcos. A esta revista, seguem-se muitas outras, assim
como variadíssimas produções teatrais, que actualizam o modernismo nos palcos.
Os artistas responsáveis pela introdução de novos códigos visuais no palco não
serão estudados de modo exaustivo, como se pode depreender pelo que acima foi dito,
mas serão analisados através dos dois eixos que orientam a nossa leitura.
Seleccionámos, por isso, artistas visuais cuja produção para o palco nos permitiu
definir os dois vectores supra identificados:
Almada Negreiros (1893-1970), Mily Possoz (1888-1967), Maria Keil (19142012), Maria Adelaide de Lima Cruz (1908-1985), Tomás de Melo (1906-1990),
Armando Bruno (1907-1989), António Amorim (1898-1964), José Barbosa (19001977), Pinto Campos (1908-1975) Jorge Barradas (1894-1971) Stuart Carvalhais
(1887-1961) e Jorge Herold (1907-1990).
Estes criadores estão amplamente representados (e os seus trabalhos para o palco
reunidos em grande parte) nos arquivos do Museu Nacional do Teatro, que funcionará
como a sede da nossa pesquisa. Podemos dividir a sua produção visual entre teatro
declamado, teatro de revista e produções para o ballet (i.e., Verde Gaio). Deixámos de
lado as produções para teatro infantil, ópera, opereta e teatro de comédia porque
considerámos que não são representativas no tocante aos motivos seleccionados.
É ainda relevante fornecer uma justificação para a não inclusão de José Pacheco,
que colaborou para o teatro em parceria com António Ferro: com efeito, o Teatro
Novo manteve uma estética naturalista nas suas produções, pelo que este, e os seus
protagonistas, se apresentam fora do âmbito do presente escrutínio.
Este projecto, seleccionando o ano de 1925, e ao estender-se até 1955, permitirnos-á estudar não só a génese eufórica do modernismo nos palcos, mas também traçar
a sua domesticação, ao serviço dos ideais do Estado Novo. A escolha do critério que
baliza a nossa investigação é suficientemente abrangente para o exame da evolução
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dos dois vectores eleitos, dado que estes evidenciam um tratamento modernista ainda
na década de cinquenta. Em particular, e de modo recorrente, isto é visível nas
produções dos bailados Verde Gaio, onde colaboram variadíssimos artistas filiados no
modernismo. Consequentemente, mantêm-se em cena não só os mesmos códigos
visuais, como também os motivos do folclore regional – explorados visualmente entre
a década de vinte e a de cinquenta – e agora aproveitados ao serviço dos ideais do
Estado Novo. As balizas temporais seleccionadas foram, além disto, informadas por
um critério: o ano de 1955, coincidindo com a extinção programática do Teatro do
Povo (pelo decreto lei de 31 de Dezembro de 1955) apresenta-se como um limite
temporal, assinalando o início do fim de uma arte modernista, entretanto já em
degenerescência, dada a sua instrumentalização estatal.
2. Objectivos
O modo como o primeiro modernismo influenciou a cultura e a sociedade
portuguesa não está completo sem uma averiguação do modo como esta mesma se
representou visualmente nos palcos. O objectivo deste trabalho consiste, pois, em
situar a produção modernista no seu enquadramento social e cultural, analisando os
elementos visuais no contexto onde são produzidos e recebidos. Pela análise de
cenários, figurinos e fotografias de cena, ilustrar-se-á como os motivos de inspiração
nacional e o louvor da vida urbana (e moderna) evoluíram visualmente nos palcos.
Dentro deste âmbito mais genérico inscrevem-se os seguintes intuitos mais
específicos:
1) Demonstrar como a disseminação dos ideais estéticos da geração Orpheu,
nomeadamente o seu entusiasmo pelos Ballets Russes, tiveram repercussão
(ainda que mediada) nos palcos, a partir de 1925, possibilitando o emergir
dos primeiros cenários e figurinos modernistas.
2) Comprovar como tanto o recurso ao folclore nacional, como também o louvor
da vida urbana, sobretudo (mas não exclusivamente) na década de vinte e
trinta, estão em diálogo com o modernismo plástico europeu.
3) Clarificar como os motivos nacionais estavam já presentes nos palcos antes da
sua apropriação por Ferro ao serviço da política do espírito. Neste sentido,
a análise da imagética da nação, nem sempre alinhada com o autoritarismo
estatal, emergente a partir de 1926, permitir-nos-á revelar como a
coexistência de diferentes escolhas estéticas nos palcos mapeiam as
dissensões internas de Portugal.
4) Realçar como o louvor da ruralidade do país, na década de cinquenta,
particularmente na produção visual para os bailados Verde Gaio, está
empenhada na construção de uma versão oficial da identidade colectiva.
Neste contexto, procuraremos sublinhar a ambiguidade de alguns códigos
visuais eleitos, sobretudo a nível de cenários.
Em termos teóricos, espera-se ainda que o projecto possa informar o debate sobre
a natureza da modernidade e a hodierna indagação sobre o carácter do modernismo.
3. Plano de trabalho
Este estudo estrutura-se do seguinte modo:
3.1. Disseminação da lição dos Ballets Russes
Esta secção analisará o modo como a divulgação dos códigos visuais dos
Ballets Russes pela geração de Orpheu, nomeadamente por Ferro e
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Almada, teve um impacto nas produções visuais para o palco nos anos
vinte, onde se encontram profusos figurinos que recriam elementos do
folclore russo, tendo os artistas, muito provavelmente, tido um acesso
mediado aos bailados, ao invés da experiência directa da performance
balética (anexo 1: Fotografia de cena exibindo figurinos de José Barbosa
para Água-Pé (1927)).
3.2. A ambivalência da imagética de inspiração nacional
Ilustrar-se-á como, ainda antes de António Ferro assumir o Secretariado de
Propaganda Nacional, os temas folclóricos e regionais povoavam já o
imaginário visual das artes performativas (anexo 2: Fotografia de cena
exibindo figurinos de Maria Adelaide Lima Cruz para A Bola (1930).
Explorar-se-á ainda como o uso de motivos nacionais nem sempre estava
alinhado com um nacionalismo autoritário.
3.3. O louvor da vida moderna (e urbana)
A tentativa de renovação de mentalidade urbana foi algo que animou não
só o grupo Orpheu, como também artistas visuais, empenhados em traduzir
e cantar a vida moderna. O carácter veloz e surpreendente da vida moderna
é retratado elogiosamente nos palcos, onde encontramos recriadas as novas
profissões do século (telefonistas), os novos transportes (carros, serviços
férreos do sud-express) e as novas ocupações de tempos livres (como o
golfe e a praia) (anexo 3: Fotografia de cena exibindo figurinos de Pinto de
Campos para Arre Burro! (1936); 4: Cenário de Maria Adelaide de Lima
Cruz para Feira da Luz (1929)).
3.4. A domesticação do modernismo
A criação dos bailados Verde Gaio, em 1940, por Ferro, contribuiu para o
estabilizar de um discurso visual que, pela acção terpsicórica, definiu um
conjunto de valores estético-ideológicos que viriam a dar uma nova faceta
ao modernismo. Os bailados, alusivos a danças populares, encenavam
pares trigueiros que representavam regiões do país, personificando
camponeses, trabalhadores rurais ou, ainda, motivos da história e lendas
pátrias. O elogio da vida popular entende-se, neste contexto, por oposição
à devassidão das cidades – anteriormente cantadas pelos mesmos artistas
que agora exaltam a ruralidade e o mítico povo português, como José
Barbosa (anexo 5: Fotografia de cena exibindo figurinos de José Barbosa
para o bailado Nazaré (1948)).
4. Metodologia
Este trabalho será informado pelos Estudos de Cultura e pelos Estudos de Cultura
Visual, recorrendo para isto à hermenêutica visual assim como à localização das
imagens no seu contexto social, estético, histórico e cultural. Em particular, o exame
dos cenários, figurinos e fotografias de cena seleccionadas procurará responder às
seguintes questões:
4.1. Qual o público alvo de determinada produção teatral?
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4.2. Qual o seu impacto social? (em que espaço foi levada à cena?, teve ou não
sucesso de bilheteiras e porquê?, qual a sua relação com a censura – que
elementos visuais foram descartados e porquê?)
4.3. Qual o contexto político e histórico com o qual a produção teatral, assim
como determinada imagem desta colhida, se relacionam de modo imediato (ou
mediado)?
Em paralelo, proceder-se-á ao seguinte:
4.4. levantamento dos elementos visuais e da sua articulação com o conjunto
da produção teatral;
4.5. exame das contaminações com movimentos estéticos europeus e/ou
nacionais;
4.6. reflexão sobre o que revela ou oculta a imagem;
4.7. clarificação sobre o modo como a urbanidade ou o louvor do campo se
articulam com uma estética modernista ao serviço da criação de uma
identidade colectiva ou, ao invés, se pretendem inscrever dentro de uma
estética visualmente modernista e despreocupada com a construção de uma
narrativa histórica comum. Respectivas conclusões.
5. Calendarização
O presente projecto foi pensado no âmbito de um pós-doutoramento de quatro
anos, motivo pelo qual o espaço de um ano (tal como estipulado no concurso) permite
a seguinte calendarização:
Janeiro-Março 2013: Catalogação e selecção do material presente no MNT entre
os anos de 1925-1935 segundo os eixos orientadores supra identificados.
Abril-Junho 2013: Análise do material visual onde a actualização estética
passou pelo recurso ao louvor da vida moderna e da urbanidade, em sintonia com
correntes e movimentos estéticos nacionais e/ou estrangeiros.
Julho-Setembro 2013: Análise do material visual onde a actualização estética
está patente no modo como os elementos do foro nacional são reciclados e recriados,
existindo ou não a preocupação de construir uma identidade colectiva ao serviço de
uma narrativa totalizadora da nação.
Outubro-Dezembro 2013: Preparação da exposição “O Modernismo em Cena”,
a decorrer no Museu Nacional do Teatro em Dezembro de 2013.
6. Disseminação
Junto do meio académico, o presente projecto será exposto, em 2013, em
colóquios internacionais, nomeadamente na III Summer School do Lisbon
Consortium, no III Congresso Internacional em Estudos Culturais e no Congresso
Internacional 100/Orpheu.
Junto do grande público, o projecto será divulgado através de uma exposição
dedicada ao modernismo em cena (onde se exporão trajos de cena, cenários, figurinos,
telões e fotografias de cena) que decorrerá no Museu Nacional do Teatro, em
Dezembro de 2013.
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