três idéias para oxigenar o debate sobre dinheiro e política no brasil

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três idéias para oxigenar o debate sobre dinheiro e política no brasil
BRUNO SPECK
TRÊS IDÉIAS PARA OXIGENAR O DEBATE SOBRE DINHEIRO E POLÍTICA NO BRASIL
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TRÊS IDÉIAS PARA OXIGENAR O DEBATE
SOBRE DINHEIRO E POLÍTICA NO BRASIL
Three ideas for renewing the debate on politics and money in Brazil.
Bruno W. Speck
Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP
[email protected]
A reforma política, na receita que combina financiamento público de
campanhas com a introdução da legenda fechada, há anos nutre esperanças no
Brasil para a superação de problemas atribuídos ao sistema atual de representação
e do seu financiamento. Quando chega a data limite para a aprovação de novas
regras para as próximas eleições, este mesmo modelo, elogiado antes, acaba caindo
em desgosto entre a classe política que deveria aprová-lo. Foi assim em setembro
do ano passado quando este pacote de reformas, resultado de uma década de
discussões sobre a reforma política e endossada também pelo governo, mais uma
vez foi engavetado. Para os defensores da reforma, o financiamento público
exclusivo ajuda a refrear os dois riscos principais associados às doações do setor
privado para partidos e candidatos. Por um lado, as doações milionárias de
empresas desequilibram a campanha eleitoral, por outro lado comprometem a
integridade dos políticos eleitos, que tendem a responder mais aos seus
financiadores e menos aos eleitores. Os céticos apontam que não há garantia que o
financiamento público de fato substitua as fontes privadas, temendo uma fuga
para o financiamento não declarado.
Outra voz crítica a respeito do financiamento público alerta para o risco da
cartelização do sistema partidário. A tese da cartelização de Katz e Mair (1995),
levantada para descrever tendências contemporâneas nos sistemas partidários na
Europa, supõe que os partidos tradicionais representados no legislativo tendem a
erguer barreiras para dificultar o acesso de novos competidores ao Legislativo. O
acesso a recursos públicos pode ser uma destas barreiras, quando novos atores ou
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pequenos partidos são desfavorecidos. No Brasil, os recursos públicos são
distribuídos predominantemente segundo o critério do sucesso eleitoral no
passado, beneficiando nas próximas eleições os partidos que tiveram votos no
passado. O termo que mais adequadamente descreve este sistema de distribuição é
o da ossificação da representação, quer dizer, a tendência de manter a atual
proporção na representação dos partidos também para o futuro.
Finalmente, há o fator de incerteza pesando contra os projetos de reforma,
provavelmente um dos motivos mais fortes pelo qual os Legisladores não
aprovam esta mudança radical. Quais seriam as suas chances de competição num
modelo diferente de financiamento da competição? O resultado desta série de
dúvidas é invariavelmente o engavetamento da proposta de reforma.
Não desprezar os avanços alcançados
Uma das realidades deste debate é que ele valoriza muito pouco o sucesso
alcançado pelo sistema de financiamento político no Brasil. Quem prega a reforma
valoriza pouco que o sistema brasileiro deu uma guinada para um realismo maior
depois do escândalo Collor-PC, abandonando uma legislação de fachada que na
prática era ignorada. Antes do escândalo, a legislação não permitia a doação do
setor privado aos partidos políticos. Na realidade era justamente o setor privado
que financiava as primeiras eleições depois da abertura a partir de 1982. Ao
mesmo tempo em que as doações de empresas estavam proibidas, o Estado não
provisionava um sistema de fiscalização e sanções contra os transgressores, nem
proporcionava fontes alternativas de recursos para os partidos e candidatos. A
discrepância entre lei e prática não poderia ter sido maior.
Com as novas regras de doação e prestação de contas, introduzidas na Lei
de Partidos Políticos e na Lei Eleitoral em 1995 e 1997, respectivamente, o país
deu um passo decisivo para um sistema mais realista de regulação. Reconhecendo
a realidade do financiamento privado, os legisladores legalizaram tais aportes,
impondo como condição mínima a prestação de contas sobre estes recursos à
justiça eleitoral e a publicidade destas informações. É um sistema que talvez não
seja o ideal do ponto de vista de critérios de equidade do processo eleitoral, mas
que representava um sucesso em relação ao passado, onde a lei era uma ficção. A
justiça eleitoral teve um papel decisivo na implementação da prestação de contas e
na divulgação pública dos dados. Na esteira da informatização do processo de
votação o TSE introduziu, entre 1998 e 2002, o sistema de prestação de contas
por meio eletrônico, sobre o financiamento das campanhas eleitorais dos
candidatos. Adicionalmente, tornou acessíveis estes dados ao público através da
internet. A percepção nacional tende a prender-se a especulações sobre o tamanho
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do chamado caixa dois, as doações não declaradas. Por outro lado, é importante
reconhecer que as informações do caixa um, incluindo informações detalhadas
sobre doações num total de 1-2 bilhões de Reais a cada eleição, são consultadas
regularmente pela sociedade civil e pela mídia, que inclui estas informações nas
suas investigações sobre a relação entre política e negócios. Na América Latina,
não há outro país com um sistema de prestação de contas e divulgação das
informações com a mesma sofisticação.
No Brasil, tampouco se valoriza que o Horário Gratuito de Propaganda
Eleitoral (HGPE), em combinação com a proibição de propagada paga, que
conseguiu neutralizar um dos grandes catalizadores do custo eleitoral em outros
países. Onde os partidos e candidatos compram o espaço publicitário na mídia,
este custo tende a absorver uma parte considerável (em alguns casos a metade) dos
recursos de campanha. O HGPE ainda é caro, porque as peças veiculadas
precisam ser produzidas com recursos próprios, mas ele é inegavelmente superior
a outros sistemas, onde adicionalmente o espaço publicitário é pago. Fora do
Brasil, o HGPE exclusivo é visto como modelo a seguir. No continente americano
até alguns anos atrás, o modelo esteve presente somente no Chile. México o
introduziu há alguns anos e Argentina está seguindo o mesmo caminho a partir da
última reforma em 2009. Também se reconhece pouco no Brasil que a justiça
eleitoral é mais independente que em outros países onde esta instância é altamente
dependente do Legislativo ou do próprio governo. A organização do processo
eleitoral na Flórida, Estados Unidos, é uma boa vacina para elevar a auto-estima.
Quem organiza a eleição é um braço do executivo do governo local, que não
parece a melhor receita para garantir a independência do processo. Tanto para
evitar a autoflagelação desnecessária. O Brasil definitivamente não é lanterninha
no que diz respeito à organização de um sistema sólido de financiamento eleitoral.
Há muito que melhorar, mas também há muito que perder com reformas.
Por outro lado, o debate sobre os modelos de financiamento se tornou
estéril, as alternativas parecem limitar-se à aprovação da receita acima mencionada
ou a seguir o status quo. Já é tempo de oxigenar este debate, na busca de saídas
inteligentes.
Tetos para gastos em campanhas eleitorais
Uma das formas mais eficientes para tornar o processo eleitoral mais
equitativo é a limitação dos gastos de campanha. Em muitos países, os candidatos
competindo na mesma circunscrição pelo mesmo cargo têm um limite máximo
para gastar. Tetos para gastos não eliminam a influencia privada, nem fortalecem o
papel do cidadão. Porém tornam a disputa entre candidatos mais equilibrada. É
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interessante observar que a questão dos tetos máximos para os gastos em
campanhas é um dos elementos mais tradicionais da legislação eleitoral e partidária
no Brasil, presente já na Lei de Partidos Políticos de 1965.1 Mas até agora tetos
para gastos foram tratados como questão de auto-regulação. A legislação deixa
cada partido definir o teto para os seus candidatos. A estranha lógica poderia ser
comparada com uma regra de trânsito que sugerisse a cada motorista declarar,
com um adesivo no carro, a qual limite de velocidade quer se submeter. Pode se
concluir sem dúvida que nas últimas quatro décadas esta filosofia da autoregulação não conseguiu promover condições mais equitativas de campanha entre
os candidatos. Já está na hora do legislador (ou do Tribunal Superior Eleitoral)
corrigir este contra-senso da auto-regulação, definindo tetos iguais para todos os
partidos competindo pelo mesmo cargo na mesma circunscrição. Na questão da
definição do valor destes tetos, é importante manter uma visão realista, limitando
gastos em excesso, sem, no entanto, podar a liberdade de expressão dos
candidatos. O Brasil dispõe de dados suficientes das prestações de contas das
últimas eleições para definir limites sensatos de gastos para cada cargo.
Um sistema híbrido de financiamento público e privado
Uma segunda sugestão diz respeito à superação das alternativas
supostamente irreconciliáveis entre o financiamento público ou privado de
campanhas eleitorais. Os defensores do financiamento público insistem que este
teria que ser exclusivo, porque de outra forma os recursos públicos somente
aumentariam o bolo dos custos de campanhas, sem eliminar os males do
financiamento privado. É um raciocínio razoável, que tende a ser confirmado por
pesquisas atuais. O que propomos aqui não é um sistema misto de financiamento
público e privado de financiamento das campanhas eleitoras, mas um sistema
híbrido. No sistema misto, todos os candidatos e partidos podem usar tanto
recursos públicos e privados para as campanhas. Este é o sistema que está em
vigor para o financiamento dos partidos fora do processo eleitoral. Eles recebem
recursos do fundo partidário, mas podem adicionalmente arrecadar recursos de
doadores privados.
No sistema híbrido, aqui proposto, cada candidato deve escolher entre o
financiamento privado e o financiamento público exclusivo de sua campanha. Se
ele quiser continuar financiando a sua campanha com recursos privados, poderá
fazê-lo, desde que obedeça aos tetos antes mencionados. Caso ele opte por
receber recursos públicos, ele terá que abrir mão de qualquer recurso privado.
1 Segundo Mauro Campos: Democracia, partidos e eleições: Os custos do sistema partidário-eleitoral no Brasil,
Tese de Doutoramento, UFMG, 2009, p. 28.
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Este é um dos poucos momentos em que o Brasil pode se aproveitar de
uma experiência dos Estados Unidos, onde o sistema de financiamento público de
campanhas foi introduzido como uma opção, à qual o candidato pode, mas não é
obrigado a aderir. O sistema é valido somente para as eleições gerais presidenciais
nos Estados Unidos. A sugestão aqui é introduzi-lo no Brasil para a eleição geral
de todos os cargos. Como descrito acima, o sistema se baseia na manutenção de
dois caminhos alternativos de financiamento de campanha, que estariam à
disposição de cada candidato. Ao início da campanha, o candidato terá que
declarar à justiça eleitoral a opção de financiamento, que será vinculante até o final
da campanha. Ao optar pelo financiamento privado, ele terá que tocar a campanha
nos moldes atuais. Terá que arcar com o ônus de ter que correr atrás de doadores
e de explicar aos seus eleitores porque optou por este caminho. Ele terá a
vantagem de poder turbinar a sua campanha, conforme a sua capacidade de
arrecadação. No entanto, terá que obedecer ao teto máximo de gastos.
Enquanto os candidatos que optarem pelo financiamento privado, poderão
alcançar o teto de gastos com recursos privados, aos candidatos financiados com
recursos públicos estaria garantido o financiamento público, num patamar inferior.
Proponho que eles tenham direito a uma soma que corresponde à metade do teto
de gastos que vale para todos os candidatos. O candidato que optar pelo caminho
do financiamento público exclusivo terá que arcar com o risco de ter que tocar
uma campanha com menos recursos. Em compensação, ele terá a vantagem de
poder concentrar os seus esforços na comunicação com os eleitores e não com
doadores. Adicionalmente, poderá capitalizar politicamente em cima do fato de
não receber recursos privados. Toda a comunicação dos candidatos terá que
identificar por quais dos dois caminhos de financiamento de campanhas optaram.
Quais as vantagens deste sistema híbrido de financiamento, onde
candidatos de ambos os tipos de financiamento concorrem? Primeiro, ele envolve
tanto candidatos como eleitores na escolha entre os dois modelos de
financiamento, sobre os quais aparentemente não existe consenso entre os todos
os Legisladores. Os candidatos terão que justificar a sua escolha perante os
eleitores e estes últimos terão que dar o veredicto final sobre as alternativas
apresentadas, através do seu voto.
A segunda vantagem é que este sistema híbrido promete uma saída do atual
empate entre os que advogam pelo financiamento público exclusivo e os
defensores do status quo. Isto poderia quebrar o impasse atual, melhorando as
chances de aprovação da reforma reformulada, permitindo aos atores se
adaptarem à nova sistemática.
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A terceira vantagem é que este sistema de reforma se presta a ajustes
posteriores, graduais. Caso os legisladores queiram futuramente aumentar o
financiamento público, poderão fazê-lo ou através da redução do teto para o
financiamento privado, ou através do incremento dos recursos públicos alocados
aos candidatos que optarem por este caminho. Neste sentido, o modelo híbrido
poderá servir como mecanismo de transição, para a introdução do financiamento
público exclusivo. A sua superioridade em comparação à proposta que está na
mesa (ou neste momento: na gaveta) dos legisladores consiste justamente no fato
que o sistema híbrido permite reavaliações e ajustes no meio do caminho. Por
outro lado, o sistema híbrido também poderá se revelar como uma solução
permanente, caso o atual impasse entre as duas filosofias de financiamento
permaneça. Diferentemente do sistema atual, os defensores do financiamento
público exclusivo teriam uma chance de testar as suas propostas no mercado dos
votos.
Uma versão brasileira do financiamento cidadão
Há um último ponto a tratar. Um dos grandes desafios no fortalecimento
do financiamento público de partidos e campanhas é como resolver a questão da
distribuição dos recursos. As duas formas mais conhecidas de distribuição de
fundos públicos são a alocação equitativa, que incentiva os pequenos partidos e os
novatos, e a alocação proporcional dos recursos segundo um critério de
desempenho, como os votos ou cadeiras no Legislativo, que honra a estabilização
e privilegiam os partidos que tem história e conseguiram ganhar eleições.
Freqüentemente encontramos combinações destes dois sistemas de alocação,
garantindo determinado recurso inicial igual a todos os competidores e a alocação
de outra parte dos recursos de forma proporcional ao sucesso no passado.
Como mencionado acima, a distribuição dos recursos do fundo partidário
no Brasil segue a lógica da alocação proporcional dos recursos. O dinheiro do
fundo (como também o tempo do HGPE) é distribuído entre os partidos políticos
honrando predominantemente o sucesso eleitoral no passado. O partido que
venceu as eleições passadas terá mais recursos na próxima eleição e, portanto,
mais chance de novamente convencer os eleitores e conseguir eleger os seus
candidatos – eis a acusação da petrificação do sistema partidário. Seria interessante
que a fórmula de distribuição de recursos públicos incluísse algum tipo de
mercado, abandonando os modelos atuais de distribuição de recursos segundo um
modelo preestabelecido de alocação de recursos.
Um modelo para introduzir um pouco de mercado político na forma como
os recursos do fundo partidário são distribuídos é dar voz ao cidadão. Neste
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modelo, no lugar de alocar todos os recursos estaticamente segundo critérios
equitativos ou proporcionais, quem decide sobre a forma de distribuição dos
recursos é o cidadão. Cada eleitor recebe uma espécie de voucher de recursos
públicos, que ele poderá a cada ano alocar ao partido de sua escolha. O processo
de alocação poderia ser implementado pela justiça eleitoral através do sistema de
urnas eletrônicas. No início de cada ano, os cidadãos seriam chamados às urnas
para alocar recursos aos partidos de sua preferência. Sendo assim, o cidadão não
terá acesso a este dinheiro em espécie, mas ele será o soberano para definir o seu
destino.
Quais seriam as vantagens de tal modelo, sobre a distribuição atual dos
recursos do fundo partidário, segundo critérios do sucesso eleitoral no passado?
Primeiro, o financiamento público deixará de afastar os partidos dos cidadãos,
como temem alguns. Ao contrário, os partidos terão um forte incentivo para
estabelecer uma comunicação mais regular com os seus simpatizantes, eleitores e,
neste caso, financiadores. Partidos envolvidos em escândalos estarão confrontados
de forma mais imediata com o impacto das suas ações ou omissões sobre os
cidadãos. Vice versa, os cidadãos poderão acompanhar o comportamento dos
partidos políticos de forma mais permanente. O eleitor, ao decidir anualmente
sobre a alocação de recursos ao partido, terá que fazer um balanço sobre a atuação
do partido.
A segunda vantagem é que novos partidos, que tem origem em divisões
partidárias ou em novas iniciativas, teriam uma chance mais realista de se
posicionar na competição eleitoral. Na medida em que a sua mensagem tem apelo
popular, poderá ganhar acesso aos recursos públicos do fundo partidário. O
modelo é superior ao sistema de distribuição atual dos fundos, no que fortalece a
competição política, sem engessá-la em fórmulas rígidas. Ele estreita as relações
entre partidos e cidadãos, colocando um contrapeso contra o personalismo na
política brasileira, que é a marca do processo eleitoral.
Este modelo não foi implantado em nenhum país ainda, mas ele está sendo
debatido entre os acadêmicos com certo entusiasmo.2 Ele promete uma saída
justamente para aqueles países onde não podemos esperar uma revolução das
campanhas políticas à Obama, quer dizer a uma multiplicação das pequenas
doações e uma diminuição da influência dos grandes doadores. Em muitos
contextos os cidadãos têm outras necessidades a satisfazer antes de pensar em
apoiar um partido financeiramente. Em outros casos, falta o enraizamento social
dos partidos políticos e conseqüentemente a disposição a aportes financeiros. O
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A obra chave para entrar no debate é Voting with dollars, de Bruce Ackermann e Ian Ayres, de 2002.
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sistema de voucher pode ser um incentivo na direção oposta, capacitando o cidadão
financeiramente para apoiar partidos políticos e criando um incentivo para o
partido buscar reiteradamente o apoio dos cidadãos.
Outra vez, o modelo não requer exclusividade. Seria perfeitamente possível
introduzi-lo de forma gradual, em combinação com os outros modelos
tradicionais de distribuição do fundo partidário. A combinação entre
financiamento público, segundo critérios estáticos, e o financiamento público, por
meio do cidadão, faz do fundo partidário um modelo mais adequado para carregar
a responsabilidade de alocar recursos públicos de forma responsável, promovendo
a consolidação e o enraizamento dos partidos políticos no Brasil.
Estão aí as três idéias para oxigenar o debate sobre a reforma do
financiamento da competição política no Brasil, seguindo uma filosofia de
mudanças graduais, deixando margem para futuros ajustes. O teto para gastos de
campanha torna realidade uma velha aspiração do legislador brasileiro, injetando
mais equidade na competição entre candidatos nas eleições. O modelo híbrido de
financiamento público ou privado das campanhas tem potencial de quebrar o
impasse atual da reforma que promete tudo, mas nunca anda. O sistema de
financiamento público cidadão dos partidos políticos devolveria ao cidadão a
capacidade de influir sobre a dinâmica do processo representativo e os partidos
políticos, papel que há muito perdeu para o setor privado.
Referências Bibliográficas
KATZ, R.; Peter, M. “Changing Models of Party Organization and Party
Democracy The Emergence of the Cartel Party”, Party Politics, v.1, n.1, 1995, p.528.
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