- Conheça os Nossos Autores

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- Conheça os Nossos Autores
Coleção CONPEDI/UNICURITIBA
Vol. 32
Organizadores
Prof. Dr. Orides Mezzaroba
Prof. Dr. Raymundo Juliano Rego Feitosa
Prof. Dr. Vladmir Oliveira da Silveira
Profª. Drª. Viviane Coêlho de Séllos-Knoerr
Coordenadores
Prof. Dr. Florisbal de Souza Del’Olmo
Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim
PROPRIEDADE INTELECTUAL
2014
2014
Curitiba
Curitiba
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
P962
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Propriedade intelectual
Coleção Conpedi/Unicuritiba.
Organizadores : Orides Mezzaroba / Raymundo Juliano
Rego Feitosa / Vladmir Oliveira da Silveira
/ Viviane Coêlho Séllos-Knoerr.
Coordenadores : Florisbal de Souza Del’Olmo
/ João Marcelo de Lima Assafim.
Título independente - Curitiba - PR . : vol.32 - 1ª ed.
Clássica Editora, 2014.
331p. :
ISBN 978-85-8433-020-1
1. Direitos autorais.
I. Título.
CDD 342.2
EDITORA CLÁSSICA
Conselho Editorial
Allessandra Neves Ferreira
Alexandre Walmott Borges
Daniel Ferreira
Elizabeth Accioly
Everton Gonçalves
Fernando Knoerr
Francisco Cardozo de Oliveira
Francisval Mendes
Ilton Garcia da Costa
Ivan Motta
Ivo Dantas
Jonathan Barros Vita
José Edmilson Lima
Juliana Cristina Busnardo de Araujo
Lafayete Pozzoli
Leonardo Rabelo
Lívia Gaigher Bósio Campello
Lucimeiry Galvão
Equipe Editorial
Editora Responsável: Verônica Gottgtroy
Capa: Editora Clássica
Luiz Eduardo Gunther
Luisa Moura
Mara Darcanchy
Massako Shirai
Mateus Eduardo Nunes Bertoncini
Nilson Araújo de Souza
Norma Padilha
Paulo Ricardo Opuszka
Roberto Genofre
Salim Reis
Valesca Raizer Borges Moschen
Vanessa Caporlingua
Viviane Coelho de Séllos-Knoerr
Vladmir Silveira
Wagner Ginotti
Wagner Menezes
Willians Franklin Lira dos Santos
XXII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI/ UNICURITIBA
Centro Universitário Curitiba / Curitiba – PR
MEMBROS DA DIRETORIA
Vladmir Oliveira da Silveira
Presidente
Cesar Augusto de Castro Fiuza
Vice-Presidente
Aires José Rover
Secretário Executivo
Gina Vidal Marcílio Pompeu
Secretário-Adjunto
Conselho Fiscal
Valesca Borges Raizer Moschen
Maria Luiza Pereira de Alencar Mayer Feitosa
João Marcelo Assafim
Antonio Carlos Diniz Murta (suplente)
Felipe Chiarello de Souza Pinto (suplente)
Representante Discente
Ilton Norberto Robl Filho (titular)
Pablo Malheiros da Cunha Frota (suplente)
Colaboradores
Elisangela Pruencio
Graduanda em Administração - Faculdade Decisão
Maria Eduarda Basilio de Araujo Oliveira
Graduada em Administração - UFSC
Rafaela Goulart de Andrade
Graduanda em Ciências da Computação – UFSC
Diagramador
Marcus Souza Rodrigues
Sumário
A COMPREENSÃO DA INDICAÇÃO GEOGRÁFICA COMO UM SIGNO DISTINTIVO DE ORIGEM (Kelly
Lissandra Bruch e Angela Kretschmann) .....................................................................................................
12
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
13
A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA COMO SIGNO DISTINTIVO DE ORIGEM ....................................................
14
A FUNDAMENTAÇÃO HISTÓRICA DAS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS COMO SIGNOS DISTINTIVOS DE
ORIGEM .....................................................................................................................................................
17
A INFLUÊNCIA CONCRETA DOS ACORDOS INTERNACIONAIS NA CONSTRUÇÃO E PROTEÇÃO DOS
SIGNOS DISTINTIVOS DE ORIGEM ...........................................................................................................
20
FUNDAMENTOS DE INTERPRETAÇÃO DE UMA INDICAÇÃO GEOGRÁFICA ...........................................
23
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
33
BIBLIOGRAFIA ...........................................................................................................................................
33
A INCONSTITUCIONALIDADE DAS PATENTES PIPELINE NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
(Victor Hugo Tejerina Velázquez e Michele Cristina Souza Colla de Oliveira) ...............................................
37
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
39
A PROPRIEDADE PATENTÁRIA NO DIREITO BRASILEIRO ........................................................................
42
AS PATENTES PIPELINE OU DE REVALIDAÇÃO .........................................................................................
47
A INCONSTITUCIONALIDADE DO SISTEMA PIPELINE DE CONCESSÃO DE PATENTES ...............................
52
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
56
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
58
A PROTEÇÃO PATENTÁRIA DE MEDICAMENTOS E A QUESTÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL DE
ACESSO À SAÚDE (Carla Liliane Waldow Esquivel e Elaine Cristina Francisco Volpato) ...............................
64
O DIREITO FUNDAMENTAL AOS MEDICAMENTOS .................................................................................
68
A PROTEÇÃO LEGAL AOS MEDICAMENTOS .............................................................................................
71
A PROTEÇÃO DOS MEDICAMENTOS NO ÂMBITO DO SISTEMA CORPORATIVO ...................................
76
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
81
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
82
A REFORMULAÇÃO DE UM CONCEITO A PARTIR DA RECONSTRUÇÃO DE SEU CONTEÚDO: DO
DIREITO DE PROPRIEDADE PROPOSTO POR LEON DUGUIT AO DIREITO INDUSTRIAL (Nathalie de
Paula Carvalho e Valter Moura do Carmo) .................................................................................................
86
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
87
UMA ANÁLISE HISTÓRICA DO DIREITO DE PROPRIEDADE .....................................................................
88
A PROPRIEDADE EM LEÓN DUGUIT (1859 – 1928) ..................................................................................
89
DO DIREITO DE PROPRIEDADE CLÁSSICO AO DIREITO INDUSTRIAL .....................................................
91
ASPECTOS NORMATIVOS DO DIREITO INDUSTRIAL ...............................................................................
93
OS TIPOS DE CONTRATOS RELACIONADOS COM A TRANSFERÊNCIA DE TECNOLOGIA ...........................
95
O DIREITO INDUSTRIAL COMO UM INSTRUMENTO DE GERAÇÃO DE RIQUEZAS NA ECONOMIA
INTERNACIONAL .......................................................................................................................................
97
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
99
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
100
A TUTELA DOS DIREITOS AUTORAIS RELATIVOS AOS SOFTWARES NA SOCIEDADE
CONTEMPORÂNEA (Carina da Cunha Alvez) ............................................................................................
102
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
103
A TUTELA DOS DIREITOS INTELECTUAIS NA SOCIEDADE ATUAL ...........................................................
104
O SOFTWARE E SUAS PECULIARIDADES ..................................................................................................
106
DA TUTELA INTELECTUAL AOS DIREITOS AUTORAIS – REFLEXÕES RELACIONADAS À BUSCA DO
EQUILÍBRIO NECESSÁRIO ENTRE OS INTERESSES INDIVIDUAIS DOS CRIADORES E AS NECESSIDADES
DA COLETIVIDADE .....................................................................................................................................
112
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
115
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
116
ATIVIDADE PROBATÓRIA NA ANÁLISE DE ATOS DE CONTRAFAÇÃO DE MARCA: O ESPAÇO
RESERVADO À PROVA PERICIAL (Alexandre Reis Siqueira Freire e Marcello Soares Castro) ........................
120
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
121
ALGUNS ASPECTOS RELEVANTES SOBRE A MARCA ................................................................................
122
A PROVA PERICIAL ....................................................................................................................................
128
EXIGIBILIDADE DA PROVA PERICIAL EM CASOS DE CONTRAFAÇÃO DE MARCA ..................................
130
ANÁLISE JURISPRUDENCIAL: O CASO “VANISH” E “VANTAGE” .............................................................
139
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
145
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
147
DIREITOS AUTORAIS E NOVOS INTERESSES COPYRIGHT AND NEW INTERESTS (Bruna Castanheira
de Freitas e Nivaldo dos Santos) .................................................................................................................
148
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
149
O DIREITO AUTORAL .................................................................................................................................
150
FORMAS COMO O DIREITO DE AUTOR TÊM SIDO EMPREGADO ...........................................................
152
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
160
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
161
MARCAS E NOME CIVIL: COMO CONSTRUIR O CONFLITO ENTRE DIREITOS DE PERSONALIDADE
E DO DIREITO A MARCA SOB UM VIÉS ÍNTEGRO?(TRESSE, Vitor Schettino e MÜLLER, Juliana Martins
de Sá) .........................................................................................................................................................
163
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
164
O DIREITO COMO INTEGRIDADE ..............................................................................................................
166
DIREITO AO NOME E DIREITO À MARCA NA VISÃO DO TRIBUNAL ........................................................
169
O CONFLITO DE INTERESSES SOB UM VIÉS ÍNTEGRO .............................................................................
172
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
176
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
177
O ACORDO TRIPS E A CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA (Roberto Luiz Silva e Ediney
Neto Chagas) ...........................................................................................................................................
180
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
181
A CONVENÇÃO SOBRE DIVERSIDADE BIOLÓGICA (CDB) ......................................................................
182
O ACORDO TRIPS .......................................................................................................................................
185
CONFLITOS ................................................................................................................................................
187
COMPATIBILIDADE ....................................................................................................................................
191
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
193
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
194
OS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL E AS PATENTES COMO MECANISMOS PARA A
DOMINAÇÃO DA NATUREZA (Natália Silveira Canêdo e Luá Cristine Siqueira Reis) .................................
197
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
198
O NASCIMENTO DA PROPRIEDADE PRIVADA .........................................................................................
199
DA PROPRIEDADE PRIVADA À PATENTE ..................................................................................................
202
ASCENSÃO DA BIOLOGIA REDUCIONISTA ...............................................................................................
208
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
210
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
212
PANORAMA INTERNACIONAL DAS PATENTES BIOTECNOLÓGICAS MEIO AMBIENTE E PROTEÇÃO
AO PATRIMÔNIO GENÉTICO (Bruno Torquato de Oliveira Naves e Elcio Nacur Rezende) ............................
214
INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS PATENTES ..............................................................................................
215
REQUISITOS PARA O PATENTEAMENTO ..................................................................................................
216
RESTRIÇÕES À PATENTEABILIDADE E O PROBLEMA DAS PATENTES BIOTECNOLÓGICAS .......................
217
EUROPA E ESTADOS UNIDOS ....................................................................................................................
221
OMC, TRIPS E PATENTES ...........................................................................................................................
223
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
224
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
226
PATENTE E CONTRATOS DE COOPERAÇÃO TECNOLÓGICA PATENT AND TECHNOLOGY
COOPERATION CONTRACTS (Marcos Vinicio Chein Feres e Ludmila Esteves Oliveira) ...............................
229
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
230
O DIREITO COMO INTEGRIDADE E IDENTIDADE: UMA ABORDAGEM METODOLÓGICA .........................
232
A COOPERAÇÃO TECNOLÓGICA ...............................................................................................................
236
A PATENTE E A MITIGAÇÃO DO CONFLITO DE INTERESSES NO CCT ......................................................
238
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
241
REFERÊNCIA ..............................................................................................................................................
242
POLÊMICAS NA GESTÃO COLETIVA DOS DIREITOS AUTORAIS DA MÚSICA NO BRASIL E A
NECESSIDADE DE FISCALIZAÇÃO DO ECAD POR UM ÓRGÃO ADMINISTRATIVO ESTATAL (Sidney
Soares Filho) ...............................................................................................................................................
245
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
246
A ATUAÇÃO DO ECAD NA GESTÃO COLETIVA DOS DIREITOS AUTORAIS DA MÚSICA NO BRASIL ........
248
POLÊMICAS NA GESTÃO COLETIVA DA MÚSICA: PRINCIPAIS COMISSÕES PARLAMENTARES DE
INQUÉRITO CONTRA O ECAD ...................................................................................................................
252
A NECESSIDADE DE FISCALIZAÇÃO DO ECAD POR UM ÓRGÃO ADMINISTRATIVO ESTATAL ..................
257
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
260
BIBLIOGRAFIA ...........................................................................................................................................
262
PROPRIEDADES NA SOCIEDADE ROMANA: A FORMA PROTETIVA BASEADA NO CASO CONCRETO
(Maria Cristina Cereser Pezzella e Janaína Reckziegel) ...............................................................................
266
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
267
DIREITO ROMANO E SUA CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA ..................................................................
268
VISÃO ROMANA DE PROPRIEDADE E SEUS REFLEXOS PARA OS DIREITOS FUNDAMENTAIS .................
272
PROPRIEDADES SOB A ÓTICA ROMANA ..................................................................................................
275
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
282
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
283
REVERSÃO PARCIAL DOS DIREITOS AUTORIAS: TENTATIVA DE RELEITURA DE TAIS DIREITOS À
LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DA
PERSONALIDADE (José Sebastião de Oliveira e Vitor Toffoli) ....................................................................
285
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
286
JUSTIFICATIVA INICIAL BREVES COMENTÁRIOS SOBRE A LEGISLAÇÃO CORRELATA AO TEMA ............
287
A TENDÊNCIA DE ENRIJECIMENTO LEGAL: AUSÊNCIA DE COMEÇO DE SOLUÇÃO DO PROBLEMA E
VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE .....................................................................................
291
REVISÃO EPISTEMOLÓGICA .....................................................................................................................
293
CONCLUSÃO ..............................................................................................................................................
311
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
312
UMA PERSPECTIVA INSTITUCIONAL DAS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS COMO VETOR PARA O
DESENVOLVIMENTO REGIONAL: O CASO DOS CRISTAIS ARTESANAIS DA REGIÃO DE BLUMENAU
(SC) (Suelen Carls) ......................................................................................................................................
315
INTRODUÇÃO ............................................................................................................................................
316
INSTITUIÇÕES PÚBLICAS COMO FATOR DECISIVO PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA NAÇÃO .....
317
A PROPRIEDADE INTELECTUAL E AS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS SOB A PERSPECTIVA INSTITUCIONAL DE VETOR PARA O DESENVOLVIMENTO .........................................................................................
321
INDICAÇÃO GEOGRÁFICA PARA OS CRISTAIS ARTESANAIS DA REGIÃO DE BLUMENAU: POSSÍVEIS
CONTRIBUIÇÕES PARA O DSENVOLVIMENTO REGIONAL ......................................................................
328
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..........................................................................................................................
332
REFERÊNCIAS ............................................................................................................................................
333
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Caríssimo(a) Associado(a),
Apresento o livro do Grupo de Trabalho Propriedade Intelectual, do XXII Encontro
Nacional do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Direito (CONPEDI),
realizado no Centro Universitário Curitiba (UNICURUTIBA/PR), entre os dias 29 de maio e 1º
de junho de 2013.
O evento propôs uma análise da atual Constituição brasileira e ocorreu num ambiente
de balanço dos programas, dada a iminência da trienal CAPES-MEC. Passados quase 25 anos
da promulgação da Carta Magna de 1988, a chamada Constituição Cidadã necessita uma
reavaliação. Desde seus objetivos e desafios até novos mecanismos e concepções do direito,
nossa Constituição demanda reflexões. Se o acesso à Justiça foi conquistado por parcela
tradicionalmente excluída da cidadania, esses e outros brasileiros exigem hoje o ponto final do
processo. Para tanto, basta observar as recorrentes emendas e consequentes novos
parcelamentos das dívidas dos entes federativos, bem como o julgamento da chamada ADIN
do calote dos precatórios. Cito apenas um dentre inúmeros casos que expõem os limites da
Constituição de 1988. Sem dúvida, muitos debates e mesas realizados no XXII Encontro
Nacional já antecipavam demandas que semanas mais tarde levariam milhões às ruas.
Com relação ao CONPEDI, consolidamos a marca de mais de 1.500 artigos submetidos,
tanto nos encontros como em nossos congressos. Nesse sentido é evidente o aumento da
produção na área, comprovável inclusive por outros indicadores. Vale salientar que apenas no
âmbito desse encontro serão publicados 36 livros, num total de 784 artigos. Definimos a
mudança dos Anais do CONPEDI para os atuais livros dos GTs – o que tem contribuído não
apenas para o propósito de aumentar a pontuação dos programas, mas de reforçar as
especificidades de nossa área, conforme amplamente debatido nos eventos.
Por outro lado, com o crescimento do número de artigos, surgem novos desafios a
enfrentar, como o de (1) estudar novos modelos de apresentação dos trabalhos e o de (2)
aumentar o número de avaliadores, comprometidos e pontuais. Nesse passo, quero agradecer a
todos os 186 avaliadores que participaram deste processo e que, com competência, permitiramnos entregar no prazo a avaliação aos associados. Também gostaria de parabenizar os autores
9
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
selecionados para apresentar seus trabalhos nos 36 GTs, pois a cada evento a escolha tem sido
mais difícil.
Nosso PUBLICA DIREITO é uma ferramenta importante que vem sendo aperfeiçoada
em pleno funcionamento, haja vista os raros momentos de que dispomos, ao longo do ano, para
seu desenvolvimento. Não obstante, já está em fase de testes uma nova versão, melhorada, e
que possibilitará sua utilização por nossos associados institucionais, tanto para revistas quanto
para eventos.
O INDEXA é outra solução que será muito útil no futuro, na medida em que nosso
comitê de área na CAPES/MEC já sinaliza a relevância do impacto nos critérios da trienal de
2016, assim como do Qualis 2013/2015. Sendo assim, seus benefícios para os programas serão
sentidos já nesta avaliação, uma vez que implicará maior pontuação aos programas que
inserirem seus dados.
Futuramente,
o
INDEXA permitirá estudos próprios e comparativos entre os
programas, garantindo maior transparência e previsibilidade – em resumo, uma melhor
fotografia da área do Direito. Destarte, tenho certeza de que será compensador o amplo esforço
no preenchimento dos dados dos últimos três anos – principalmente dos grandes programas –,
mesmo porque as falhas já foram catalogadas e sua correção será fundamental na elaboração da
segunda versão, disponível em 2014.
Com relação ao segundo balanço, após inúmeras viagens e visitas a dezenas de
programas neste triênio, estou convicto de que o expressivo resultado alcançado trará
importantes conquistas. Dentre elas pode-se citar o aumento de programas com nota 04 e 05,
além da grande possibilidade dos primeiros programas com nota 07. Em que pese as
dificuldades, não é possível imaginar outro cenário que não o da valorização dos programas do
Direito. Nesse sentido, importa registrar a grande liderança do professor Martônio, que soube
conduzir a área com grande competência, diálogo, presença e honestidade. Com tal conjunto de
elementos, já podemos comparar nossos números e critérios aos das demais áreas, o que será
fundamental para a avaliação dos programas 06 e 07.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Com relação ao IPEA, cumpre ainda ressaltar que participamos, em Brasília, da III
Conferência do Desenvolvimento (CODE), na qual o CONPEDI promoveu uma Mesa sobre o
estado da arte do Direito e Desenvolvimento, além da apresentação de artigos de pesquisadores
do Direito, criteriosamente selecionados. Sendo assim, em São Paulo lançaremos um novo
livro com o resultado deste projeto, além de prosseguir o diálogo com o IPEA para futuras
parcerias e editais para a área do Direito.
Não poderia concluir sem destacar o grande esforço da professora Viviane Coêlho de
Séllos Knoerr e da equipe de organização do programa de Mestrado em Direito do
UNICURITIBA, que por mais de um ano planejaram e executaram um grandioso encontro.
Não foram poucos os desafios enfrentados e vencidos para a realização de um evento que
agregou tantas pessoas em um cenário de tão elevado padrão de qualidade e sofisticada
logística – e isso tudo sempre com enorme simpatia e procurando avançar ainda mais.
Curitiba, inverno de 2013.
Vladmir Oliveira da Silveira
Presidente do CONPEDI
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
A COMPREENSÃO DA INDICAÇÃO GEOGRÁFICA COMO UM SIGNO
DISTINTIVO DE ORIGEM
Kelly Lissandra Bruch1
Angela Kretschmann2
Resumo:
A indicação geográfica (IG) assim como as marcas, os nomes empresarias, os nomes de
domínio, dentre outros, são signos distintivos que tem por objetivo diferenciar bens e
indicar a sua origem. O objetivo deste artigo é propor princípios e fundamentos que
visem auxiliar na compreensão e interpretação das indicações geográficas. O método
utilizado é exploratório, e utiliza-se da comparação com o direito marcário para
estabelecer as bases principiológicas passíveis de utilização no tocante à indicação
geográfica. Analisou-se mais detidamente como os princípios da disponibilidade,
anterioridade, territorialidade e especialidade poderiam aplicados para os signos
distintivos de origem. Como resultado, verifica-se que cada instituto jurídico depende
da uma compreensão histórica e do entendimento de sua realidade para que sua
verdadeira natureza se revele. Também sua adaptação ao tempo e ao espaço – e não sua
mera transposição de um ordenamento jurídico ao outro – são primordiais para que este
se expresse e possa propiciar à sociedade a qual serve todo o instrumental que se faça
necessário para que sua missão, digamos, se cumpra.
Palavra-chave: propriedade intelectual; indicação de procedência; denominação de
origem; marca; signo.
GEOGRAPHICAL INDICATION AS A DISTINCTIVE SIGN OF ORIGIN
Abstract:
The geographical indication (GI) as well as trademark, enterprise names, domain names,
among others, is distinctive signs that aim to differentiate goods and indicate their
source. The purpose of this article is proposing principles that assist in the
understanding and interpretation of geographical indications system. The method used
1
Pós-Doutoranda em Agronegócios – CEPAN/UFRGS. Doutora em Direito Université Rennes I/UFRGS.
Pós-doutora pelo Institut for Information, Telecommunication and Media Law (ITM), Münster,
Alemanha (Westfälische Wilhelms-Universität Münster). Professora da Faculdade Meridional /IMED.
2
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
is exploratory, and it uses the comparison with the trademark right system to establish
the principles basis structures. We analysed more closely how the principles of
availability, first to file, specialization and territoriality could apply for distinctive signs
of origin. As a result, it appears that each legal institution depends on a historical
understanding and the interpretation of their reality. Also adapting to time and space and not its mere transposition of a legal system to another - are paramount so that it can
express and provide to society which serves the entire instrumental that make it
necessary for his mission, say, be fulfilled.
Key-Word: intellectual property; indication of origin; denomination of origin; brand;
trademark, sign.
INTRODUÇÃO
A indicação geográfica (IG) assim como as marcas, os nomes empresarias, os
nomes de domínio, dentre outros, são signos distintivos que tem por objetivo diferenciar
bens e indicar a sua origem – normalmente sua origem comercial. Diferenciar um bem
(compreendido neste um produto ou serviço) significa demonstrar no mercado,
especialmente para o consumidor, que um bem é diferente de outro de mesma
quantidade e espécie em face de sua origem, de suas características ou de sua qualidade.
A indicação da origem comercial serve para que o consumidor saiba quem é o seu
fornecedor, garantindo a sua procedência em termos comerciais. No caso das IG, a isso
se acrescenta o objetivo de indicar a origem geográfica do bem, ou seja, onde este foi
elaborado e sob quais condições (CERDAN, BRUCH e SILVIA, 2010).
Quando um determinado signo passa a ser conhecido e o consumidor passa a
valorizar este signo, o mesmo adquire um valor diferenciado no mercado. Este valor
está associado à confiança que o consumidor deposita naquele que elaborou o bem. Ele
pode se traduzir em um preço mais elevado ou em uma demanda constante (e não
sazonal) pelo bem. Todavia, isso pode gerar o desejo, em fornecedores concorrentes, de
se apropriar desse valor. Isso pode se dar, por exemplo, mediante o uso daquele signo
em um bem que não é o original (CERDAN, BRUCH e SILVIA, 2010).
Para regular situações como esta, foram implementadas formas de proteção,
primeiramente nacionais e posteriormente internacionais, a estes signos distintivos.
Assim, busca-se garantir que apenas o seu titular possa utilizá-lo ou autorizar que outra
pessoa o use sobre determinado bem.
13
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
No Brasil há legislações desde o século XIX que regulamentam a proteção e o
uso de signos distintivos (BRUCH e COPETTI, 2010). Todavia, cada país possui
requisitos próprios para realizar esta proteção. Embora já houvesse a Convenção União
de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial (CUP) desde 1883, o Acordo de
Madri para a repressão às falsas indicações de procedência de 1891 e inclusive o
Acordo de Lisboa para a proteção das denominações de origem e seu registro
internacional de 1958, é apenas com o acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade
intelectual relacionados ao comércio (TRIPS ou ADPIC), de 1994, que alguns padrões
mínimos de proteção para os signos distintivos são universalizados, ou seja, estendidos
para todos os países que fazem parte da Organização Mundial do Comércio (OMC), a
qual abrange significativo número dos países: 155 (WTO, 2012).
Esta nova configuração, com padrões mínimos a serem respeitados, tornou
clara a compreensão da indicação geográfica como um signo distintivo de origem. Há
países que a enquadram como uma marca coletiva ou como uma marca de certificação.
Outros que englobam sua proteção na repressão à concorrência desleal. E poucos que
efetivamente possuem um sistema específico para sua proteção. Certamente todos os
países se enquadram e atendem ao escopo criado pelo TRIPS, mas nem todos a vêm
efetivamente como um signo distintivo de origem de forma positiva, ou seja, como um
bem a ser reconhecido ou protegido como bem intangível em face de um titular.
O presente trabalho tem como objetivo analisar a compreensão da indicação
geográfica como um destes signos distintivos e buscar aprofundar o entendimento sobre
sua especificidade, que a designa como um signo que distingue a origem geográfica de
bens.
Para tanto, o presente trabalho foi dividido em quatro partes. A primeira referese à compreensão do que é um signo distintivo e como a indicação geográfica se
caracteriza como tal. Na segunda parte aborda-se a fundação histórica do uso das
indicações geográficas como signos distintivos de origem. Na terceira parte se analisa a
influência dos acordos internacionais na construção e proteção destes signos. E, por fim,
a quarta parte propõe elementos para a fundamentar a interpretação de uma indicação
geográfica.
1. A Indicação geográfica como signo distintivo de origem
14
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
O uso de signos se perde na noite dos tempos(PROT, 1997. p. 128). Segundo
Carvalho (2010), já forma encontrados vestígios datados de 3.500 (três mil e
quinhentos) anos antes de Cristo que, na cidade de Saqquarah (Egito), faziam referência
aos vinhos de Letopoli e de Pelusa (ALMEIDA, 2010. P. 20).
Analisando a abundancia do uso deste instrumental, é possível verificar que é
por meio de signos e representações que se começa a estabelecer contatos inteligíveis
entre os homens e que esses começam a representar objetos e ideias por meio de signos
e, posteriormente, palavras convencionadas (CARVALHO, 2009. p. 465). O nome que
se dá a um objeto é uma convenção, é com o seu uso que ele adquire um significado e
se transforma no signo que representa o objeto.
Considerando esta qualidade de representação, pode-se afirmar que “o signo é
alguma coisa que representa algo para alguém”( SANTAELLA, 2004. p 11).
O signo representa um objeto (material ou imaterial), embora ele em si não seja
nem abarque o próprio objeto. E esta representação existe para o interpretante, para o
qual aquele signo representa o objeto, em uma relação tríade – objeto, signo,
interpretante –, como estabeleceu Peirce.3 Assim, o signo pode possuir potencialidade
sígnica de acordo com três modalidades: ícone, índice e símbolo.4 No presente estudo o
signo é compreendido como um símbolo, ou seja, o fundamento da relação do signo
com o objeto depende de um caráter imputado, convencional ou de lei.5
Entendendo-se o signo como uma convenção que intermedeia a representação
de um objeto, sem exauri-lo no próprio signo, pode-se verificar que é por meio de
signos que se tem podido representar e interpretar a realidade.
Neste trabalho foca-se um determinado tipo de signo – o signo distintivo de
origem –, que se comporta como um símbolo, o qual representa um objeto (uma origem
3
“Defino um Signo como qualquer coisa que, de um lado, é assim determinada por um Objeto e, de
outro, assim determinada por uma ideia na mente de uma pessoa, esta última determinação, que denomino
o Interpretante do signo, é, desse modo, mediatamente determinada por aquele Objeto. Um signo, assim,
tem uma relação tríade com seu Objeto e com seu Interpretante.” PEIRCE, 8.343, apud SANTAELLA,
2004. p. 12. Embora existam outras teorias sobre signos, esta pareceu ao autor a mais clara e precisa para
compreendê-los. Vide ECO, 2000. Para uma aprofundada análise sobre a semiologia aplicada a marcas,
vide BARBOSA, 2008; COPETTI, 2010.
4
Algo é significante de seu objeto, possuindo potencialidade sígnica ou qualidade, de acordo com três
modalidades: 1) Quando a relação com seu objeto está numa mera continuidade de alguma qualidade
(semelhança ou ícone); 2) Quando a relação com seu objeto consiste numa correspondência de fato ou
relação existencial (índice); 3) Quando o fundamento da relação com o objeto depende de um caráter
imputado, convencional ou de lei (símbolo) ; PEIRCE, 2.92, apud SANTAELLA, 2004. p. 21.
5
O fundamento do símbolo ou sua potencialidade sígnica não depende de qualquer similaridade ou
analogia com seu objeto (caso do ícone), nem de uma conexão de fato (índice), sendo signo unicamente
por ser interpretado como tal, graças, obviamente, a uma lei natural ou convencional. SANTAELLA,
2004. p. 22.
15
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
geográfica), para o interpretante (o produtor, o consumidor). Assim, o signo é a
percepção significativa que aquele objeto (origem) tem para o interpretante (consumidor
ou produtor).
O objeto é o local, o terroir, a cultura e a tradição, os fatores naturais e
humanos que compõem a origem geográfica. O signo, portanto, representa tudo o que
constitui essa origem geográfica. Quando o interpretante vê o signo é àquela
composição que ele é remetido, e o produto que é acompanhado do signo nada mais
representa que o resultado dos fatores naturais e humanos de uma determinada região,
combinados de maneira única. Por isso, trata-se de um signo de origem.
Além de representar o objeto, o signo também pode ter a função de distingui-lo
de outros objetos, semelhantes ou afins. Portanto, o signo de que trata o presente
trabalho é distintivo (PROT, 1997. p. 12), tendo-se em vista que há inúmeros lugares
que possuem determinadas culturas, tradições e terroir diferenciados. Em suma, são
territórios únicos nos quais é possível elaborar produtos também únicos em sua
representação.
O signo, assim, aposto ao produto, auxilia na representação da origem e na
distinção desta origem, dentre inúmeras outras. Portanto, esta é a compreensão que se
propõe para a definição de signo distintivo de origem no âmbito deste trabalho.
Figura 1 – Compreensão da função de um signo distintivo de origem.
Fonte: BRUCH, 2011.
16
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Todavia, para se chegar a este signo distintivo de origem, há um longo
percurso histórico que permeia sua construção e que o diferencia de outros signos
distintivos que não abarcam a origem geográfica de um produto (marcas de produtos e
serviços) ou que não servem, necessariamente, para a função distintiva de produtos
(marcas de certificação). Compreender este percurso histórico auxilia no entendimento
da diferenciação que ocorreu entre os signos distintivos de origem e os demais signos.
2. A fundamentação histórica das indicações geográficas como signos distintivos de
origem
Os signos distintivos nasceram de um objetivo em comum: distinguir a origem
(seja geográfica ou pessoal) de um produto. A indicação geográfica (IG) e as marcas se
confundiam na antiguidade.6
Da Odisséia de Homero7 às obras de Horácio8 encontram-se indicações de
signos distintivos de uma origem (AMEIDA, 2010. p. 16 a 40; ARGOD-DUTARD,
2007). O Antigo Testamento da Bíblia cristã é pródigo em referências como essas.9 Na
Grécia e em Roma, havia produtos diferenciados, justamente, pela sua origem, como o
bronze de Corinto, os tecidos da cidade de Mileto, as ostras de Brindisi e o até hoje
renomado mármore de Carrara (ALMEIDA, 2001; DI FRANCO, 1907; RAMELLA,
1913; VIVEZ, 1932, VIVEZ, 1943; DENIS, 1995; DENIS, 1989). No período áureo de
Roma, eram conhecidos os vinhos de Falernum que, antes de mencionarem o produtor,
indicavam a procedência do produto (PÉREZ ÁLVAREZ, 2009).
Durante a Idade Média, aparecem as marcas corporativas, utilizadas para
distinguir os produtos fabricados por um grêmio de uma cidade dos de outra cidade.
Esses grêmios, ou corporações de ofício, possuíam Estatutos e Ordenações que
detalhavam todos os aspectos e operações da produção, fixando as normas que seus
associados deviam cumprir para fabricar os produtos (ALMEIDA, 2010. p. 46;
6
Na cidade de Saqquarah, no Egito, foram encontrados vestígios arqueológicos dadatos de mais de 3500
anos antes de Cristo, e que faziam referências aos vinhos de Letopoli e de Pelusa. ALMEIDA, 2010. p.
18.
7
Que cita o bronze de Sídon. ALMEIDA, 2010. p. 22.
8
Que relata a mistura do mel do Monte Himeto com o vinho de Falermo; que meciona os vinhos de
Cécuba e Quios, que descredencia o vinho da Sabínia, dentre tantos outros exemplos. Vide uma coletânea
impressionante de citações em ALMEIDA, 2010. p. 25-27.
9
BÍBLIA, 1993: Reis I, V 13 a 20 e Crônicas II, II, 7: cedro do Líbano. Reis i, X, 11; Crônicas I, XXIX, 4
e Crônicas II, IX, 10: ouro de Ofir. Crônicas II, III, 6: ouro de Parvaim. Reis I, X, 28 e Crônicas II, I, 16:
cavalos de Egipto. Cânticos, I, V, 14: vinhas de En-Gedi. Cânticos, V, 14: pedras de Társis. Cânticos,
VIII, 11: vinha de Baal-Hamon. Ezequiel, XXVII, 5 a 18: linho do Edigo, cedro do Líbano, carvalhos de
Basan, trigo de Minit, vinho de Helbon, lã de Sacar. Levantamento realizado por ALMEIDA, 2010. p. 2728.
17
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CERQUEIRA, 1946. p. 340; LAGO GIL, 2006; CARVALHO, 2009; UZCÁTEGUI
ÂNGULO, 2004; UZCÁTEGUI ÂNGULO, 2006).
Para se diferenciar os produtos de um grêmio específico utilizava-se um selo,
marca local ou gremial que, muitas vezes, era o nome da própria cidade ou da
localidade. Nesse período, ainda não se utilizavam marcas individuais para identificar o
fabricante do produto. Contudo, havia associados que elaboravam produtos de melhor
qualidade, enquanto outros obtinham resultados piores. Para distingui-los entre si e para
poder responsabilizar os produtores nos casos em que os produtos eram contrários às
boas práticas, passou-se a utilizar uma marca para cada produtor. Assim, sobre os
produtos começaram a aparecer duas marcas: a do fabricante e a do grêmio ou
corporação a que ele pertencia (PÉREZ ÁLVAREZ, 2009; CARVALHO, 2009).
Dessa forma, de uma indicação de origem única à diferenciação entre os
fabricantes de um produto de uma mesma corporação, vislumbra-se a evolução dos
signos distintivos.
Uma das primeiras intervenções estatais na proteção de uma IG ocorreu em
1756, quando os produtores do Vinho do Porto, em Portugal, procuraram o então
Primeiro-Ministro do Reino, Marquês de Pombal, em virtude da queda nas exportações
do produto para a Inglaterra. O Vinho do Porto havia adquirido uma grande
notoriedade, o que fez com que outros vinhos passassem a se utilizar da denominação
“do Porto” para se fazer passar pelo mesmo, ocasionando redução no preço dos
negócios dos produtores portugueses e maculando a imagem daquele vinho. Em face
disso, o Marquês de Pombal realizou determinados atos visando à proteção do Vinho do
Porto. Primeiro, agrupou os produtores na Companhia dos Vinhos do Porto. Em
seguida, determinou a realização da delimitação da área de produção, pois não era
possível proteger a origem do produto sem conhecer sua exata área de produção
(ALMEIDA, 2010. p. 95-101. MOREIRA, 1998).
Como também não era possível proteger um produto sem descrevê-lo com
exatidão, foi ordenado o estudo deste para se definirem e fixarem as características do
Vinho do Porto e suas regras de produção. Por fim, o nome Porto para vinhos foi
protegido por decreto, criando-se um das primeiras Denominações de Origem
Protegidas (MOREIRA, 1998; FONSECA, 2005. ALMEIDA, 2010). Interessante
verificar que ainda hoje esses passos são seguidos para dar proteção estatal a uma
indicação geográfica (BRUCH, 2011.).
18
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Verifica-se, assim, que no início os signos distintivos não eram propriamente
protegidos, e, em consequência, havia muitas falsificações. Alguns países criaram
legislações nacionais gerais para coibir o uso indevido. Mas o problema persistia
quando se tratava do comércio internacional, muito crescente em meados do século
XIX. Primeiramente, países como a França buscaram fazer acordos bilaterais que
visavam desde a repressão às falsas indicações de procedência à proteção recíproca de
determinados nomes já consagrados à época, como Champagne e Bordeaux. Mas esses
acabaram por se mostrar muito frágeis. As constantes guerras, especialmente as que
ocorriam entre os Estados do continente europeu, não permitiam a manutenção desses
acordos, nem mesmo, por vezes, o seu cumprimento (BRUCH, 2011).
Com o desenvolvimento das trocas comerciais entre cidades de um mesmo
Estado, entre Estados e, por fim, entre continentes, mesmo os signos distintivos de
origem foram se adaptando às realidades locais. Os Estados onde a proteção dos signos
seguiu a tradição de relacioná-los com sua origem geográfica, compreendendo nessa os
fatores naturais e humanos, tenderam, de maneira geral, para um sistema que pode ser
denominado de “appellations d’origine contrôlée” (AOC). Este sistema está
predominantemente presente nos Estados Europeus continentais (BRUCH, 2011).
Já os Estados que buscaram a proteção dos signos de uma forma mais
pragmática, identificando-os, objetivamente, com a origem geográfica em si, sem
considerar as questões relacionadas com as qualidades específicas provenientes de
determinados terroir, e que estavam relacionados mais diretamente com o titular dos
bens que portavam esses signos, tenderam para um sistema que pode ser denominado de
“propriedade industrial”. Este sistema é predominante em Estados do continente
americano e da Oceania (BRUCH, 2011).
O desenvolvimento autônomo desses sistemas nos diversos Estados e
Continentes produtores, sem que houvesse uma harmonia na utilização e também na
proteção desses signos, acabou por gerar conflitos relacionados com as trocas
comerciais e com o respeito aos signos distintivos de origem estrangeiros especialmente os mais tradicionais.
Tais conflitos resultaram na necessidade de se firmarem acordos internacionais,
que foram construindo, paulatinamente, um conjunto de mecanismos internacionais de
proteção desses signos. Mas ainda há conflitos entre os mecanismos criados e toda a teia
de acordos firmados. Disparidades na forma de proteção, não compatibilização entre os
sistemas utilizados, dentre outros, ainda dificultam enormemente uma proteção
19
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
harmônica desses signos e de seus titulares (ALMEIDA, 2005). Esses percalços
acabam, por vezes, por dificultar o comércio internacional, criando mecanismos e
barreiras que precisam ser equalizados para que se construa, efetivamente, um sistema
internacional de respeito e proteção a esses signos distintivos de origem, mas sem que
isso venha a afetar o livre comércio internacional.
3. A influência concreta dos acordos internacionais na construção e proteção dos
signos distintivos de origem.
Em meados do século XIX a intensificação das trocas comerciais,
impulsionada pelo liberalismo econômico e pelo livre comércio, começaram a gerar
conflitos relacionados com a proteção de direitos relacionados a bens intangíveis, como
as marcas e as patentes de invenção – se internamente havia regulação, a “cópia
internacional” não era punida, sendo muitas vezes incentivada pelos Estados.
Visando coibir esta prática, os Estados produtores optaram por organizar um
tratado internacional, mas do qual os principais Estados consumidores também fizessem
parte e se obrigassem mutuamente. Não era apenas a IG, mas também outros direitos de
propriedade industrial que precisavam desta proteção internacional. E a troca de
concessões entre os diversos países permitiu que isso se concretizasse por meio da
celebração do tratado constitutivo da Convenção União de Paris para a proteção da
propriedade industrial (CUP), firmado em 1883 e contando com diversas revisões e
aprimoramentos. Ressalta-se que o Brasil foi um dos países que, originalmente, assinou
esse tratado.
No tocante à IG, o que se obteve inicialmente foi a coibição à referência de
uma falsa indicação de procedência. Mas a forma de sua regulação permitia, por
exemplo, o uso de “Champagne da Califórnia”, posto que, nesse caso, a verdadeira
procedência estaria ressalvada (BRUCH, 2011). Essa forma de proteção, contudo, não
se mostrou suficiente para países como a França, que buscaram, então, um tratado
adicional para obter uma proteção mais consistente contra o uso da falsa indicação de
procedência.
Celebra-se, então, o Acordo de Madri para a Repressão das Falsas Indicações
de Procedência (Acordo de Madri), firmado em 1891 e contando, também, com algumas
revisões. Também a esse tratado o Brasil aderiu originariamente e até o presente
momento não o denunciou. O objetivo do Acordo é garantir uma repressão mais efetiva
contra o uso das falsas indicações de procedência, especialmente, para produtos
20
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vinícolas. No caso do vinho, não se admitem exceções e, também, determina-se que o
produto não pode ser considerado genérico nem adaptado a essa especificidade, como
seria o caso de um vinho tipo “bordeaux”.10 Posteriormente, ocorre a Primeira Guerra
Mundial (1914-1918) e a Segunda (1939-1945), intercaladas pela quebra da bolsa de
valores de Nova York, também conhecida como a Grande Depressão (1929). Após esses
acontecimentos, as relações internacionais, a economia, as trocas comerciais, etc.
mudam de maneira significativa (BRUCH e COPETTI, 2010).
Somente em 1958, novo avanço se deu em termos de regulação das IG em
níveis internacionais. As alterações promovidas no âmbito da CUP e do Acordo de
Madri não avançaram suficientemente para uma proteção mais efetiva. Desta forma os
Estados Produtores optaram por firmar o Acordo de Lisboa relativo à proteção das
denominações de origem (Acordo de Lisboa). Esse prevê uma proteção positiva para as
IG, na forma de denominações de origem, bem como um reconhecimento recíproco das
IG já existentes pelos países signatários, mediante um registro internacional (BRUCH e
COPETTI, 2010). Mas a rigidez das regras não atraiu a muitos países, e hoje o número
de aderentes não passa de duas dezenas.
Se a repercussão prática é pequena, a teoria avançou a partir de Lisboa. Pela
primeira vez se define a denominação de origem como sendo uma denominação
geográfica de um país, uma região ou uma localidade, que serve para designar um
produto dele originário, cujas qualidades ou características são devidas exclusiva ou
essencialmente ao meio geográfico, incluindo os fatores naturais e os fatores humanos,
conforme está previsto em seu artigo 2°. Também se prevê a proibição do uso de
qualquer IG, mesmo que acompanhado da verdadeira origem, condena o emprego de
termos retificativos, como “tipo” ou “gênero”, e determina que uma IG não pode se
tornar genérica. O Brasil é um dos países que optaram por não aderir a este acordo
(BRUCH e COPETTI, 2010).
A partir da Reunião de Estocolmo de 1967, com a criação da Organização
Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI), todos esses acordos passaram a ser
administrados por esta organização internacional. Muitos países aderiram apenas à CUP
e à Convenção de Berna, pois não havia a obrigatoriedade de aceitar o pacote fechado
10
Neste sentido, é interessante a análise de KRETSCHMANN, 1996, com relação à decisão do Recurso
Extraordinário n. 78.835 do Supremo Tribunal Federal, de 1974, relatado pelo então Ministro Cordeiro
Guerra, acerca do uso da denominação “champagne” no Brasil, posto que esse julgado desconsiderou o
fato de que o Brasil era signatário do Acordo de Madrid e, portanto, o seu artigo 4° deveria ser observado.
Atualmente, o Brasil reconheceu Champagne como uma Denominação de Origem. Neste sentido vide:
BRUCH, 2012.
21
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de tratados, como há, hoje, para se participar da Organização Mundial do Comércio
(OMC). Mas, se essa era uma das vantagens, um dos problemas da OMPI é que ela não
possuía um sistema que permitisse que um Estado fosse obrigado a cumprir um tratado
ou pudesse ser punido pelo seu descumprimento (BRUCH, 2006).
Nesse mesmo período pós-guerra, precisamente em 1947, também é firmado
um tratado multilateral relacionado ao comércio. O Acordo Geral sobre Pautas
Aduaneiras e Comércio (GATT), evoluiu em um período de grande prosperidade
econômica, conhecida como anos de ouro, que seguiu até o final da década de 1970.
Ressalta-se que neste, desde o início, apresentavam-se algumas breves disposições
sobre proteção de marcas e repressão às falsas indicações de procedência, notadamente
no artigo IX do GATT. Mas os países desenvolvidos buscavam uma maior regulação
deste tema relacionado ao comércio (BRUCH, 2011).
Concomitantemente a esses avanços internacionais, alguns Estados criaram e
aprimoraram suas legislações internas. Alguns buscaram uma proteção positiva,
definindo as IG, estabelecendo regras para proteção, registro e reconhecimento, criando
objetivamente um direito “sobre o uso” e “ao uso” do signo.11 Trata-se de um direito
voltado ao produtor, para que ele possa impedir que outros utilizem indevidamente a IG.
Outros Estados optaram por uma proteção negativa, voltada à repressão às falsas
indicações de procedência e à proteção do consumidor, buscando evitar que esse fosse
induzido em erro, bem como coibindo a concorrência desleal (BRUCH, 2011).
Também, nesse período, outros acordos bilaterais foram firmados, especialmente, entre
países que defendiam a proteção positiva, tais como entre França e Espanha e entre
França e Portugal, mas também entre países com posições diversas, como França e
Alemanha (PLAISANT, 1949).
Concomitante a isso, firmaram-se diversos acordos regionais que, de maneira
direta ou indireta, abrangiam a proteção de IG. Primeiramente, houve a criação da
Comunidade Europeia (CE); depois, nasce a Comunidade Andina de Nações (CAN), o
Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), o Tratado de Livre Comércio de América do
Norte (NAFTA), etc. Nesses acordos, alguns de forma mais expressiva e proativa, como
a CE e a CAN, outros como resultados de outras negociações multilaterais, como o
NAFTA e o MERCOSUL, estabeleceram-se padrões que, juntamente com os acordos
11
Sobre a discussão do direito de uso e do direito ao uso, vide AUDIER, 2008; AUDIER, 2004;
AGOSTINI, 2009.
22
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
bilaterais, foram construindo um suporte para se chegar a consensos mais próximos no
âmbito multilateral, notadamente o TRIPS (BRUCH, 2011).
É nesse contexto que os países propõem a inclusão no GATT da discussão
sobre a proteção da propriedade intelectual, o que se concretiza, definitivamente, com a
criação da OMC, em 1994. No âmbito dessa organização, além de tratados relacionados
com tarifas e comércio, negocia-se e aprova-se o Acordo sobre aspectos relativos aos
direitos de propriedade intelectual concernentes ao comércio (TRIPS). Obrigatório para
todos os membros da OMC, este abarca o previsto pela CUP e estabelece, dentre outras
regras, a proteção obrigatória das IG. Deve ficar claro que o TRIPS é um Acordo que
prevê um de mininus, ou seja, o que os seus membros minimamente devem proteger ou
garantir, podendo cada um estabelecer formas diferenciadas de proteção (BRUCH,
2006).
Todavia, conforme já ressaltado, o efeito deste avanço no âmbito mundial não
resultou em uma proteção equânime, nem na compreensão da IG como um signo
distintivo de origem efetivamente passível de proteção em todos os países.
No Brasil, contudo, a promulgação do TRIPS promoveu a criação de um
arcabouço legal que permitiu uma proteção positiva às IG. Mas esta proteção ainda se
apresenta de forma bastante tímida tanto na lei12 que harmonizou o instituto da IG com
o TRIPS13, quanto nas resoluções e instruções normativas que a regulamentam.14 Isso se
reflete na jurisprudência, que é parca e esparsa, assim como na doutrina, que ainda vem
buscando desvendar o que é uma indicação geográfica. Em face disso, propõe-se uma
fundamentação para sustentar a interpretação do que pode ser considerada uma
indicação geográfica e que princípios devem ser observados para sua compreensão.
4 Fundamentos de interpretação de uma Indicação Geográfica
Todo o produto possui uma origem geográfica. Todavia, tal fato não é
suficiente para que isso se constitua em uma IG. Um produto elaborado no país Y pode
ser exatamente igual ao produto elaborado no país Z, posto que nestes as características
12
Lei 9.279/1996, arts. 176 a182.
Lei nº 376/1896 e Decreto. nº 2.380/1896 – Internalizaram o Acordo de Madri, Decreto nº 75.541/75 e
Decreto nº 1.263/1994 – Internalizaram a versão de 1967 da CUP de forma integral, Decreto nº
1.355/1994 – Internalizou o TRIPS.
14
No Brasil Resolução nº 075/2000, do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), Decreto nº
5.351/2005, no âmbito do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Decreto nº
5741/2006, especialmente seus artigos 62 e 63, no âmbito do MAPA, Portaria GM nº 300/2005, também
no âmbito do MAPA e Portaria GM nº 85/2006, notadamente art. 28, no MAPA.
13
23
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
são as mesmas, não havendo influência significativa dos fatores humanos e fatores
naturais, ou edafoclimáticos, sobre o resultado final do produto.15
A origem somente se transforma um signo distintivo quando passa a influir
sobre o produto ou serviço a ponto de distingui-lo dos demais produtos semelhantes ou
afins. É esta origem que poderá se tornar objeto de proteção por uma IG. Para
compreender melhor esta distinção faz-se necessário o esclarecimento de alguns
princípios que fundamentam os signos distintivos: disponibilidade, anterioridade,
territorialidade, especialidade, analisando a pertinência de sua aplicação às indicações
geográficas.
4.1 Princípio da disponibilidade
O princípio da disponibilidade determina que um signo deve estar disponível
para que possa ser apropriado. Esta apropriação só é possível se o mesmo não foi
apropriado por outrem anteriormente e, ainda, se não implicará na apropriação de uma
designação que se tornou genérica para um bem – o que impediria os demais de assim
denominá-lo. No caso da marca, a legislação brasileira é clara ao estabelecer que só está
disponível um signo que não foi apropriado por outrem. O mesmo vale para as
designações genéricas, comuns ou vulgares do bem.
No âmbito das designações genéricas, um exemplo foi o caso do cupuaçu: ao
se conceder a uma pessoa a exclusividade de excluir terceiros do uso do signo
“cupuaçu”, na forma de marca – o que de fato ocorreu – impossibilitou-se a todos os
outros produtores de dizer de que se constituía o seu doce, não podendo sequer se
informar ao consumidor que se trata de um doce desta fruta. Esta proteção foi revista e
revogada (AMAZONLINK, 2013).
Desta maneira, nomes da fauna e flora brasileira, assim como o nome comum
ou descritivo de um determinado produto (tapioca) ou serviço (extensão rural) são sinais
que não estão disponíveis, pois pertencem a toda a coletividade, por se tratarem da
designação genérica do referido bem.
Esta compreensão é válida quando se trata de signos que podem ser
apropriados individualmente, como é o caso de uma marca de produto em relação a
outro. O que se questiona, no entanto, no âmbito do princípio da disponibilidade, é se
esta apropriação anterior por meio do instituto da marca poderia impedir que se
15
Edafoclimáticos – É a relação existente entre a planta-solo-clima-relevo, ou seja, são fatores que estão
relacionados ao clima e à estrutura física e química do solo, bem como aos aspectos climáticos.
24
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
concedesse a proteção deste signo a uma coletividade em face do mesmo tratar-se de
uma indicação geográfica. A proteção marcaria proibiria a proteção de uma indicação
geográfica?
Esta situação se apresenta no caso do signo “salinas”, por exemplo. A
concessão deste signo para um produtor por meio da proteção marcária impossibilitaria
que todos os demais produtores de cachaça instalados na região conhecida por este
nome o utilizem como a indicação de sua origem? Neste caso, o signo já foi apropriado
por uma pessoa, e seu uso não se enquadra no escopo de uma falsa indicação de
procedência do referido produto – posto que o mesmo se encontra instalado na região. O
que se questiona, é se o direito individual poderia prevalecer sobre o direito coletivo de
uso deste signo. De um lado foi concedido o Registro n. IG200908 junto ao INPI, para
“Indicação de Procedência Região de Salinas” para o produto aguardente de cana do
tipo cachaça, e de outro, existe o Registro sob n. 816669589 de 23/04/1992, de
titularidade de Heleno Medrado Fernandes ME para a Classe 30, que abrange o produto
aguardente de cana do tipo cachaça (INPI, 2012.).
Esta questão foi discutida no caso Lindóia ou Lindóya. Na época em que se
buscou uma proteção individual sobre este signo, não se tratava de um nome geográfico
conhecido e poderia ser registrado como marca. Mas, o Tribunal de Justiça de São Paulo
(TJSP), na Apelação Cível no 215.846-1/1994, entendeu que este nome não poderia ser
apropriado por uma única pessoa, posto que pertenceria a todos àqueles que exploram a
lavra de água, estabelecidos nesta cidade denominada Águas de Lindóia (BRASIL,
2009). Este julgado apresenta indícios de que um direito de uma coletividade pode se
sobrepor sobre o direito de um único indivíduo ou empresa, embora no caso em tela não
se tratasse de um direito já adquirido. O caso de Salinas pode corroborar esta
interpretação, tendo em vista que a existência do registro da marca não impediu a
concessão da indicação geográfica.
Mas, analisando-se a concessão de marcas no Brasil, verifica-se que não há
uma clara tendência para a aplicação deste princípio. No caso do signo “cachaça”,
verifica-se que o Decreto Presidencial n. 4.062, de 26/12/2001, reconheceu como
indicação geográfica os signos “cachaça”, “Brasil” e “cachaça do Brasil”. Partindo-se
deste decreto, que possibilitou uma forma diferenciada de proteção com relação à Lei n.
9.279/1996, havia uma expectativa de que este signo não fosse mais passível de
apropriação, conforme dispõe no art. 124, IX, da Lei no 9.279/1996, no âmbito
marcário. Mas, ao contrário do esperado, verificou-se que, por exemplo, forma
25
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
concedidas as seguintes marcas contendo o referido signo: registro n. 824607406 para a
marca de serviço Cachaçaria da Costa, depositada em 11/04/2002 e concedida em
11/03/2008; registro n. 825552010, para a marca CTC Centro de Tecnologia em
Cachaça, depositada em 2003 e concedida em 2007 (INPI, 2009). Aliás, havia na data
desta pesquisa 1268 pedidos, entre extintos, concedidos, arquivados e em análise, que
contém “cachaça” na parte nominativa do pedido de registro de marca (INPI, 2009).
Contudo, pode-se verificar que alguns pedidos de registro de marca têm sido
indeferidos em face do Decreto vigente. É o caso, por exemplo, do pedido de registro n.
902011367, referente à “cachaça pirapitinga”; pedido de registro n. 902004956,
referente à “cachaça da hora” e o pedido de registro n 901947725, referente à “cachaça
da Bahia”, todos fundamentados com a seguinte base “tendo em vista ser a
denominação “cachaça” indicação geográfica nacional nos termos do decreto n.º 4.062,
de 21/12/01, e XIX do art. 124 da LPI” (INPI, 2012).
Mas, e no caso de produtos diferentes requererem o mesmo signo nominativo
representativo de uma indicação geográfica, poderia ser concedida uma segunda IG?
Hoje temos a Indicação de Procedência Pelotas, registrada sob n. IG200901, para doces
finos tradicionais e de confeitaria (INPI, 2012). Pelotas poderia ser objeto de nova
concessão de registro para pêssegos em conserva?
Estas situações ainda não se encontram nem claras nem reguladas na legislação
brasileira e um olhar sobre este tema com definições objetivas certamente evitará
problemas posteriores.
Todavia, ao analisar-se o disposto no TRIPS, pode-se vislumbrar critérios para
estas questões. Com relação ao regime geral de proteção de indicações geográficas,
previsto no art. 22 deste acordo, deve-se ressaltar que, no tocante às indicações
geográficas em si, muitas vezes – embora elas sejam, literalmente, verdadeiras – estas
podem dar ao público a falsa ideia de que os bens que identificam são originários de
outro território. O uso destas IG homônimas, todavia, não pode induzir o público em
erro nem pode se constituir em uma forma de concorrência desleal. E, se for requerido
ou registrado um signo contendo essa indicação e ela induzir o público em erro, deverá
ser recusada ou invalidada (GERVAIS, 1998, p. 128).
No caso de indicações geográficas para vinhos e destilados que sejam
homônimas, a forma de resolução de conflitos é diferente. Em regra, será concedida
proteção para cada indicação, podendo os Estados estipularem a forma como elas
deverão se diferenciar, salvo se houver indução do público em erro ou se o seu uso
26
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
constituir-se em uma forma de concorrência desleal.
Portanto, a grande diferença entre a proteção geral e a proteção especial
encontra-se no fato de que, para se garantir a primeira, é necessária a comprovação de
que o uso de uma indicação geográfica alheia não está induzindo o consumidor em erro
ou consistindo em concorrencial desleal, o que não é necessário na proteção especial.
Esta temática é relevante por que, se há dez anos não havia mais que duas
indicações geográficas brasileiras reconhecidas, esse número hoje já chega a vinte e
cinco, e tende a aumentar exponencialmente.
Fonte: Barbosa e Bruch, 2012.
4.2 Princípio da anterioridade
O princípio da anterioridade resguarda o direito do primeiro requerente de um
determinado signo distintivo a ter a sua exclusividade sobre o mesmo, se concedido o
referido registro e na forma de sua concessão. Significa que o signo deve ser diferente
dos demais em uso ou protegidos, com uma análise baseada na anterioridade.
É o princípio da anterioridade que irá nortear a solução dos casos de conflito,
pois “quando dois sinais distintivos não podem conviver pacificamente, deve sucumbir
aquele que for mais recente” (SCHMIDT, 2007. p.71).
Todavia, como aplicar-se este princípio para as indicações geográficas? Há
duas situações que devem ser ponderadas. Primeiramente a questão da anterioridade
entre as indicações geográficas e, em segundo lugar, entre estas e as marcas.
Com relação às indicações geográficas, não há qualquer disposição que
regulamente esta questão no Brasil.
27
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
No caso de marcas ainda não registradas e conflitantes com indicações
geográficas já reconhecidas, pode-se apresentar as seguintes situações: prevalência da
IG registrada ou convivência entre os dois signos desde que trabalhada a
distinguibilidade entre estes e que não haja perigo de erro ou confusão para o
consumidor.
No caso de marcas já registradas poderia haver três soluções: prevalência da
marca registrada; anulação da marca e proteção do signo como indicação geográfica;
convivência entre os dois signos desde que se trabalha a distinguibilidade entre estes e
que não haja perigo de erro ou confusão para o consumidor.
4.3 Princípio da territorialidade
O princípio da territorialidade estabelece que determinados direitos de
propriedade industrial têm sua proteção restrita ao país onde esta proteção foi requerida.
Para Barbosa este princípio “assegura um direito oponível contra toda e qualquer pessoa
que, no território nacional, pretenda fazer uso da mesma marca para assinalar produtos
ou serviços iguais, semelhantes ou afins” (BARBOSA, 2003).
Em regra, este princípio se aplica à IG, ou seja, estas têm sua proteção restrita
ao país onde foram reconhecidas e onde se pediu o seu reconhecimento. Não há um
reconhecimento mundial, embora existam acordos, como o de Lisboa, que estabeleçam
um reconhecimento recíproco entre os seus países signatários.
No Brasil, verifica-se que algumas indicações geográficas estrangeiras têm
requerido o seu reconhecimento. É o caso de Região dos Vinhos Verdes, que se constitui
em uma IG portuguesa, primeira IG protegida no Brasil sob no IG970002, pelo INPI.
O mesmo ocorre com: Franciacorta, para vinhos da Itália, reconhecida sob no
IG200001; Cognac, para aguardente de vinho da França, reconhecida sob no IG980001;
San Daniele, para coxas de suínos frescas e presunto defumado cru da Itália,
reconhecida sob n. IG980003; e Porto, para o vinho licoroso de Portugal, reconhecido
sob n. IG201013.
Isto também se dá com a indicação de procedência brasileira de vinho do Vale
dos Vinhedos, que além do reconhecimento brasileiro16, também foi reconhecido pela
16
Registro INPI n. IG200002 em 22/11/2002 como INDICAÇÃO DE PROCEDÊNCIA e agora também,
conforme Registro INPI n. IG201008 em 25/09/2012, como DENOMINAÇÃO DE ORIGEM. Esta
situação é inusitada: o mesmo nome tem uma IP e uma DO concedidas para o mesmo produto, requeridas
pela mesma associação, embora as características do produto, a delimintação, etc. apresentem diferenças.
28
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
União Europeia17, sendo protegido por consequência em todos 27 países europeus.
Assim, torna-se claro que IG estrangeira protegida em seu país de origem,
desde que não considerada genérica, e cumpridos os requisitos legais e administrativos,
para ser reconhecida no Brasil deve necessariamente requerer o seu registro perante o
INPI.
Sem este registro não há proteção, embora existam acordos internacionais
firmados pelo Brasil que abordem este tema. Isso por que o Brasil determinou, por meio
da Lei n. 9.279/1996, que o seu reconhecimento se daria de forma positiva, por meio do
pedido de registro. Isso também ocorre em outros países por força do acordo TRIPS,
que desta forma determinou.
4.4 Princípio da especialidade
Segundo o princípio da especialidade “a exclusividade de um signo se esgota
nas fronteiras do gênero de atividades que ele designa” (BARBOSA, 2003). Ou seja, se
uma fábrica de maquinários agrícolas possui uma marca que foi registrada para
distinção destes maquinários no mercado, nada impede que a mesma marca (desde que
não se trate de concorrência parasitária ou desleal) possa ser utilizada para distinguir um
grupo de música, pois o campo de abrangência é completamente diferente.
Como exemplo tem-se a marca Jacto, que está registrada para diversas classes
relacionadas com máquinas agrícolas e correlatos, como se pode verificar nos registros
nos 826107524, 821593455, 821593501, 826582796, etc. do INPI. De outro lado,
Alexandre Magalhães Barbosa requereu também o registro da marca Jacto, conforme
pedido no 822468280, para sua banda de música. Assim, fica claro que o âmbito de
concorrência é outro, o que é característico do sistema de marcas.
Segundo Almeida, para os signos distintivos não se procura a novidade
absoluta – como ocorre nas invenções industriais – mas apenas a novidade relativa.
Segundo o autor o signo pode não ser novo, mas a aplicação deve ser nova, sendo a
novidade relativa o pressuposto do cumprimento da função distintiva. É com base neste
que se pode recusar o registro de uma marca idêntica ou semelhante, do ponto de vista
visual, fonético ou conceitual, a uma marca anteriormente registrada e destinada a
identificar produtos ou serviços idênticos ou afins, que possam induzir o consumidor em
17
Geographical indication: Vale dos Vinhedos, Publication: JOCE 10.5.2007 2007/C/106 p. 1. Quality
type: Wine with a geographical indication. Disponível em: <
http://ec.europa.eu/agriculture/markets/wine/ebacchus/index.cfm?event=resultsPThirdgis&language=EN>. Acesso em: 26 abr 2009.
29
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
erro ou confusão, no que se inclui o risco de associação. Ressalta o autor, todavia, que
para as marcas coletivas e de certificação a aplicação do princípio da especialidade é
controverso, posto que a lógica para estas é diferenciada (ALMEIDA, 2010).
Todavia, para a indicação geográfica há um signo que é reservado no mercado
para identificar certos produtos e que poderá apenas ser usado por certas pessoas, que
são titulares deste direito. O problema é verificar o âmbito da exclusividade deste direito
e o conteúdo deste direito (ALMEIDA, 2010).
Na indicação geográfica, que no Brasil compreende a indicação de procedência
e a denominação de origem, existe uma forte conexão do signo com o produto, pelo fato
deste só se poder aplicar a certos e determinados produtos, com uma certa origem e
características qualitativas, mas fortes na DO que na IP. Isso difere muito da simples
indicação de origem ou proveniência do produto, que pode identificar qualquer produto
desde que proveniente do local indicado, pois neste caso não há esta conexão
geográfico-qualitativa. Esta questão deve restar clara para se compreender que não é
todo o produto proveniente de uma região que tem direito a ser reconhecido pelo nome
desta. Assim, se efetivamente mais de um produto possuir as características que
estabeleçam uma conexão geográfico-qualitativa com este, pode-se cogitar desta
aplicação (ALMEIDA, 2010).
Considerando-se esta observação, podem-se elencar dois critérios que
poderiam ser usados para analisar se uma nova indicação geográfica poderia ser
concedida para um signo distintivo de origem que já possui uma proteção anterior: risco
de engano e aproveitamento indevido da reputação (ALMEIDA, 2010). Este critério
tem como objetivo reprimir a concorrência desleal e o comportamento parasitário de um
lado, e a proteção do consumidor de outro.
Em alguns países a regra é a não submissão da indicação geográfica ao
princípio da especialidade, como é o caso da França. Nesta, como a notoriedade do
signo é um pressuposto para o seu reconhecimento, fica automaticamente
impossibilitado o uso da especialidade, posto que o signo notório – mesmo no caso de
marcas – se sobrepõe a aplicação deste princípio.
A notoriedade de um signo distintivo se refere à capacidade que um comprador
em potencial tem de reconhecer ou de se recordar de um signo como integrante de uma
certa categoria de produtos. É importante salientar que a ideia de notoriedade está ligada
não apenas ao conhecimento que se tem do signo, mas da associação signo-produto.
Uma distinção em relação à notoriedade e a reputação são pertinentes, pois
30
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
enquanto a notoriedade está relacionada ao conhecimento que um determinado número
de consumidores possui em relação ao signo distintivo, a reputação abarca além do
conhecimento do publico a noção de valores, geralmente advindos da qualidade do
produto que conferem a este signo distintivo uma determinada fama, celebridade,
renome, prestígio. Portanto, a notoriedade está para a dimensão quantitativa assim como
a dimensão qualitativa está para a reputação (MORO, 2003. p. 77).
A IG pressupõe um nome conhecido, notório, o que não ocorre “do dia para a
noite”, pois a definição de notoriedade está diretamente relacionada com a sua duração.
Um nome geográfico desconhecido não pode se constituir em uma indicação geográfica.
Porém, além da necessidade deste nome geográfico ser conhecido, também se
faz necessário que o mesmo esteja diretamente relacionado ao produto ou serviço que
ele representa. A ligação é intrínseca. Porquanto, se não existe o elo entre a notoriedade
do lugar e o produto ou serviço nele produzido, não há uma indicação geográfica a ser
reconhecida. Por isso, ao contrário das marcas comuns, as marcas notórias e as
indicações geográficas são construídas com o tempo.
Além disso, a notoriedade deve existir precisamente onde se pretende que seja
efetivada a sua proteção18, em que pese a questão da reciprocidade também pesar na
balança da concessão de uma IG estrangeira.
Certamente tem a IG uma finalidade diversa dos demais sinais distintivos,
posto que sua função é proteger o reconhecimento de uma determinada região pelos
produtos ou serviços provenientes desta. Assim, no entender de Gonçalves o âmbito de
proteção conferido ao signo da IG é alongado quando confrontado com a marca
(GONÇALVES, 2007).
Se uma IG fosse registrada em uma determinada “classe” de produtos ou
serviços, nada impediria registros posteriores do mesmo signo, porém para “classe”
diversa. O efeito disso é bastante distinto do que ocorre entre marcas homônimas, pois a
submissão da IG ao princípio da especialidade abre uma brecha para que outras
empresas se aproveitem da notoriedade de uma região, beneficiando-se com o registro
de uma marca, ainda que para identificar produtos diferentes. Esta questão pode ser bem
analisada no caso envolvendo a Bordeaux Buffet S.A., o Institut National des
Appellations d'Origine des Vins et Eaux-de-Vie - INAO e o INPI, o qual ainda aguarda
18
A notoriedade para as marcas também deve ser analisada no território onde se pretende a proteção a
marca, tida como notória. González-Bueno, afirma que a única notoriedade relevante é a que concorre no
território em que se pretende invocar a proteção. GONZÁLEZ-BUENO, 2005. p. 93.
31
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
decisão definitiva junto ao Superior Tribunal de Justiça por meio do REsp 1165655.
Este foi ajuizado junto à Justiça Federal do Rio de Janeiro, sob n. 9000019281.
No caso elencado, discute-se o pedido de anulação, por parte do INAO, da
marca requerida por Bordeaux Buffet S.A., que coincide com a conhecia denominação
de origem controlada francesa. Por um lado a empresa brasileira alega que existe desde
1954, em São Paulo, sendo a maior do Brasil no segmento de fornecimento de talheres,
loucas, móveis e serviços para festas, o que não teria nenhuma relação com o produto
vinho, protegido na França. Todavia, defende o INAO que o registro deste nome feria a
lei brasileira que impede o reconhecimento como marca de indicações geográficas,
caracterizando ainda como comportamento parasitário o uso desta. Embora já haja
decisões favoráveis ao INAO, a interpretação com relação a este caso, por parte do STJ,
será balizadora do entendimento da aplicação deste princípio no Brasil.
Outra questão é a possibilidade de se aplicar a teoria da diluição ou da
degeneração às IGs. Trata-se de nomes que se tornaram genéricos, embora designem
uma região, como é o caso do queijo prato ou do queijo parmesão. O INPI indeferiu três
pedidos que parecem refletir o uso da teoria da diluição. Trata se de Parma (no
IG970001) para presuntos e Asti (no IG200202) para vinhos.
Neste sentido deve ser analisada a sentença que refere-se ao uso do termo
Bordeaux (BRASIL, 2009a). Estaria este termo disponível para o uso em outro
segmento – no caso serviços. Ou o reconhecimento como uma indicação geográfica –
ainda que o tivesse sido no Brasil, o que não foi no caso concreto – dele poderia ser
considerando um impeditivo para o reconhecimento de uma outra indicação geográfica
em outra área ou mesmo para uma marca em outra área que não para vinhos, bebidas e
derivados?
Todavia, há uma lacuna na legislação brasileira19 que permite a utilização de
“tipo”, “espécie”, etc. para a identificação de um produto, desde que ressaltada a
verdadeira procedência. O problema é que esta permissão pode auxiliar na diluição ou
19
Lei n. 9279/1996 art. 193, o qual determina que constitui crime: “Usar, em produto, recipiente,
invólucro, cinta, rótulo, fatura, circular, cartaz ou em outro meio de divulgação ou propaganda, termos
retificativos, tais como "tipo", "espécie", "gênero", "sistema", "semelhante", "sucedâneo", "idêntico", ou
equivalente, não ressalvando a verdadeira procedência do produto.” E Lei n. 7.678/1988 art. 49: “É
vedada a comercialização de vinhos e derivados nacionais e importados que contenham no rótulo
designações geográficas ou indicações técnicas que não correspondam à verdadeira origem e significado
das expressões utilizadas. § 1º Ficam excluídos da proibição fixada neste artigo os produtos nacionais que
utilizem as denominações champanha, conhaque e Brandy, por serem de uso corrente em todo o
Território Nacional. § 2º Fica permitido o uso do termo “tipo”, que poderá ser empregado em vinhos ou
derivados da uva e do vinho cujas características correspondam a produtos clássicos, as quais serão
definidas no regulamento desta Lei.”
32
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
degeneração de uma IG, posto que em pouco tempo esta poderá estar designando um
tipo de produto e não mais uma origem geográfica. Um exemplo seria a utilização, para
bebidas da expressão “tipo champagne”, e para queijos as expressões “tipo parmesão” e
“tipo minas”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo objetivou, de maneira despretensiosa, organizar e propor princípios
e fundamentos que podem vir a auxiliar na compreensão do que são os signos
distintivos de origem, especialmente as indicações geográficas.
Cada instituto jurídico depende da compreensão histórica e do entendimento de
sua realidade para que sua verdadeira natureza se revele. Também a sua adaptação ao
tempo e ao espaço – e não sua mera transposição de um ordenamento jurídico ao outro –
são primordiais para que este se expresse e possa propiciar à sociedade a qual serve todo
o instrumental que se faça necessário para que sua missão, digamos, se cumpra.
Trata-se de um esboço inicial, uma proposição ou provocação, para que os
demais pensadores do direito que estão a estudar este tema se debrucem sobre os
princípios que devem balizar a compreensão deste instituto.
Espera-se que esta proposta tenha sido instigante o suficiente para que outras
venham a acompanhá-la, debate-la, contrapô-la, superá-la.
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A INCONSTITUCIONALIDADE DAS PATENTES PIPELINE NO ORDENAMENTO
JURÍDICO BRASILEIRO
THE UNCONSTITUTIONALITY PIPELINE PATENT LAW IN BRAZIL
Victor Hugo Tejerina Velázquez
Advogado. Mestre e Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Coordenador do NEDAEPI, Professor e exCoordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da UNIMEP.
Foi Editor Científico de Cadernos de Direito e Coordenador da Revista
Discente Interinstitucional (RDI). E-mail: [email protected]
Michele Cristina Souza Colla de Oliveira
Advogada. Mestranda em Direito na Universidade Metodista de
Piracicaba (UNIMEP). Pós-graduanda em Direito Empresarial com
ênfase em Processo Civil no Centro Universitário Salesiano de São
Paulo (Unisal), Unidade Campinas. Colaboradora do Serviço de
Assistência Judiciária do Unisal (SAJU). Bolsista de iniciação científica
do Unisal – Projetos BICSAL–nos anos 2010 e 2011. E-mail:
[email protected].
Resumo
A celeuma envolvendo o sistema de concessão de patentes pipeline fundamenta-se no caráter
excepcional dos pressupostos que o compõe, haja vista os artigos 230 e 231 da Lei de
Propriedade Industrial relegarem a segundo plano o princípio da novidade do objeto a ser
patenteado e ampliarem a gama de produtos, materiais e substâncias passíveis de apropriação
mediante solicitação da carta patente. Em face de tal regramento, bem como da afronta aos
princípios de cunho constitucional ligados aos direitos da coletividade e, também, aos que
regem o direito às patentes, tramita, perante o Supremo Tribunal Federal, a ação direita de
inconstitucionalidade n. 4234, a qual tem como objetivo central extirpar os referidos artigos
de nosso ordenamento jurídico e, em consequência, revogar a possibilidade de concessão das
patentes de revalidação pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI. E, ainda, o
presente trabalho busca delimitar os conflitos entre os direitos individuais oriundos da
propriedade patentária e a efetividade dos direitos fundamentais mínimos com foco no
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sistema pipeline, bem como suscitar reflexões acerca das maneiras de equilibrar as inovações
tecnológicas com o bem estar da população brasileira, destacando-se o licenciamento
compulsório de patente de medicamentos como um instrumento excepcional para mitigar os
efeitos das patentes concedidas pelo pipeline, cujo exercício ofenda a função social da
propriedade.
Palavras-chave: 1. PATENTES PIPELINE; 2. PATENTES DE REVALIDAÇÃO; 3.
INCONSTITUCIONALIDADE; 4. LICENCIAMENTO COMPULSÓRIO;
Abstract
The uproar that involves the system of patents granting's pipeline is based on the exceptional
character of the assumptions that compose it, in the point if view that consider the articles 230
and 231 of the Industrial Property Law, move back the principle of news of the object to be
patented and amplify the range of products, materials and substances passive of appropriation
in case of patent letter. In the face of such method as well as the affront, as well the affront of
constitutional principles linked to the rights of collective and also too the rights about patents,
that tramites in the Supreme Court, the right action of unconstitutionality n. 4234, which has
as central claim extirpate those articles of our legal system and consequently the possibility of
revoking the grant of patents of revalidation for the National Institute of Industrial Property INPI. And yet, this paper seeks to delineate the conflicts between individual rights from the
property and the effectiveness of patent rights with a focus on fundamental minimum pipeline
system, as well as raise reflections on the ways to balance technological innovations with the
welfare of the population of Brazil, highlighting the compulsory licensing of patent medicines
as an exceptional instrument to mitigate the effects of patents granted by the pipeline whose
practice offends the social function of property patent.
KEYWORDS: 1. Patents pipeline; 2. Patents of revalidation; 3. Unconstitutionality; 4.
Compulsory licensing.
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INTRODUÇÃO
De um modo geral, o presente trabalho questiona em última instância, qual o papel
do Direito no controle de novas formas de poder decorrentes do conhecimento científico e
biotecnológico, do poder de penetração da informação modificando comportamentos, vidas e
costumes, do crescente poder das redes de comunicação1 e dos novos atores internacionais, ou
das consequências negativas das poluições difusas, as provenientes de fontes variadas e
numerosas e pouco importantes se consideradas de maneira individual, mas cujos efeitos
cumulativos podem ser altamente perigosos (gases dos veículos automotores, pesticidas,
fertilizantes, entre outros)2.
E de um modo específico, questiona a constitucionalidade dos artigos 230 e 231 da
Lei de Propriedade Industrial, pois o mecanismo previsto na Lei n. 9.279/96 de
reconhecimento retroativo pelo prazo remanescente da proteção, denominado pipeline –
conhecido como patentes de revalidação – é o melhor exemplo da introdução, no Brasil, de
formas ilegítimas de apropriação do conhecimento quando se trata de concessão de patentes.
Com efeito, a introdução dos artigos 230 e 231 na Lei de Propriedade Industrial viola
a Constituição Federal de 1988, “pois se pretende tornar patentável, em detrimento do
princípio da novidade, aquilo que já se encontra em domínio público”. Daí afirme-se que a
modalidade, sui generis é medida estranha aos sistemas jurídicos continentais e ao próprio
acordo TRIP’S, em face disso, fez dizer ao Ministério Público em ação direta que “a
inconstitucionalidade das patentes pipeline está justamente na sua natureza jurídica3”.
Em termos de interesses econômicos e sociais, as inovações trazidas pela Lei de
Propriedade Industrial repercutem em diversos ramos da indústria, os quais passaram a
desenvolver produtos, substâncias ou matérias passíveis de serem patenteados, destacando-se
as áreas de biotecnologia, químico-farmacêutica e de alimentos.
Em face da importância que a propriedade industrial apresenta para o
desenvolvimento social, econômico e político do Brasil, em especial, nos relevantes impactos
nos setores de biotecnologia e da indústria químico-farmacêutica, a discussão acerca da
inconstitucionalidade ou não das patentes pipeline envolve diversos setores da sociedade, tais
1
ROCHA, Anderson de Rezende; CARVALHO, Adriano Arlei de; REZENDE, Antônio Galvão; ALVES, Júlio
César. Os impactos da informática: implicações sobre os indivíduos e a cultura
inhttp://www.ic.unicamp.br/~ra030014/grad/impactosInformaticaCulturaIndividuo.pdf
2
No II Seminário sobre O Direito Internacional Ambiental e a Globalização realizado na UNIMEP, Piracicaba
em 16 de maio de 2003, o autor indagou, ao conferencista Prof. Dr. Alexandre Charles KISS (Droit international
de l’environnement, Paris: Pédone, 1989, tradução de Maria Gabriela de Bragança), qual o papel do Direito.
3
STF vai julgar o mérito das patentes pipeline. In: http://www.fenafar.org.br/portal/patentes/71-patentes/251-stfvai-jugar-merito-das-patentes-pipeline.html (acesso em 11-03-13).
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como: associações, organizações não governamentais, advogados, juízes, empresários,
usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), acadêmicos, entre outros.
Aliás, tal preocupação não é nova, pois, na história recente,
em 16 de junho de 1961, o Brasil constituiu uma Comissão Parlamentar de Inquérito
para investigar abusos relacionados a patentes. Entre os supostos abusos, que seriam
cometidos principalmente pelas indústrias farmacêuticas, encontravam-se a falta da
exploração de patentes por estrangeiros, práticas restritivas em acordos de
licenciamento, pagamento de royalties altos e o elevado custo dos medicamentos4.
De outro ponto de vista, cabe perguntar, em primeiro lugar, se a apropriabilidade do
conhecimento por propriedade intelectual e, especificamente, o mecanismo do pipeline
equilibram de modo adequado os contraditórios interesses privados e humanos que envolvem
o debate em torno dos direitos de propriedade intelectual. Em segundo lugar, o mecanismo do
pipeline conspira contra os direitos humanos na medida em que contribui à exploração
monopolística internacional e viola direitos fundamentais, como aqueles que se relacionam
com o direito à saúde, à alimentação e à cultura.
Neste sentido, a violação como a denunciada pelo Ministério Público Federal reforça
aquela corrente que considera “necessário revisar as garantias advindas da concessão de
patentes.”5
Mutatis mutandi, as críticas de Ellen Gracie Northfleet escritas antes da decisão do
Supremo Tribunal Americano, no caso Bernard Bilski e Rand Warsaw que requereram o
registro de patente de um método, negado pelo Departamento de Patentes e Marcas
Registradas, aplicam-se com pertinência ao sistema pipeline:
No entanto, algo que, em sua origem, foi altamente positivo, estimulando
efetivamente a inovação, tem assumido em tempos recentes aspectos
abusivos, como é o caso de patentes novas requeridas tão somente para
prorrogar o monopólio de produtos farmacêuticos meramente "maquiados",
aos quais nada de efetivamente novo foi agregado6.
O mecanismo de pipeline, instaurado no Brasil, faz reiterar a pergunta de se os
regimes jurídicos da propriedade intelectual poderiam ser revistos para:
4
ARDISONE, Carlos Maurício (INPI). O regime Internacional de Propriedade Intelectual e a Inserção do
Brasil: da Rodada Uruguai à Agenda para o Desenvolvimento. Conferência proferida em outubro de 2011 na
UFSC.
5
PRONER, Carol. Propriedade Intelectual e Direitos Humanos. Sistema |Internacional de Patentes e Direito
ao Desenvolvimento. Porto Alegre, 2007, p. 348s.
6
NORTHFLEET, Ellen Gracie. Patentes de invenção e monopólio. Tendências e Debates. Patentes. Folha de
São Paulo 07-03-2010.
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adaptá-los aos interesses particularmente brasileiros? Haveria possibilidade de
uma participação democrática e de uma mobilização das câmaras e federações
de indústria, de comércio, de artesãos, de agricultores, de centros de pesquisa,
de inventores, autores, usuários e consumidores para redimensionar, abolir ou
socializar a propriedade intelectual?7
Em face das atuais circunstâncias, o contexto social, econômico e político, a decisão
que tome o Supremo Tribunal Federal (STF) já traz à baila a discussão acerca do alcance dos
deveres do Estado Democrático Brasileiro perante a coletividade em confronto com direitos
econômicos privados de determinados setores industriais, destacando-se no presente estudo os
interesses dos conglomerados farmacêuticos na utilização absolutista do direito de
propriedade sobre as patentes de fármacos, tal como aforado na Ação Direta De
Inconstitucionalidade n. 4234.
A ação em comento é de competência constitucionalmente atribuída ao Procurador
Geral da República que, em 2009, perante o Supremo Tribunal Federal (STF), apresentou o
questionamento acerca das afrontas dos artigos 230 e 231 da Lei de Propriedade Industrial à
Constituição Federal de 1988, os quais introduziram no ordenamento brasileiro as patentes
pipeline ou de revalidação.
Neste sentido, a referida ação indica, pormenorizadamente, os pontos fulcrais acerca
das normas programáticas dispostas na Constituição Federal referentes aos direitos humanos
mínimos, com destaque ao direito à saúde e ao acesso a medicamentos, os quais são deveres
do Estado perante os cidadãos brasileiros e devem ser efetivados por meio de políticas
públicas, tais como: a distribuição de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS)e a
instituição efetiva dos medicamentos genéricos a preços acessíveis à população brasileira.
O mecanismo pipeline, apenas serviu no Brasil para reforçar o monopólio
transnacional. Cerqueira afirma a respeito: “Não devemos esquecer o que foi verificado pela
‘Comissão Churchill’ do Senado americano, ou seja, que ‘95% dos registros de patentes no
México, Brasil e Argentina serviam para impedir a produção, não para incentivá-la’8.”
Detida atenção merece a temática da saúde pública no Brasil, que adota uma política
de licenciamento compulsório de patente de medicamentos de uso contínuo distribuídos pelo
Sistema Único de Saúde (SUS), com a chancela da Organização Mundial da Saúde (OMS),
em face dos preços abusivos praticados pelas empresas farmacêuticas detentoras do uso
exclusivo de exploração dos referidos medicamentos – em determinados casos, com patentes
7
Ibidem.
CERQUEIRA LEITE, Rogério Cezar de. Patentes, Pirataria e Servilismo. In: Folha de São Paulo. Caderno:
07-11-11. In: http://www.vermelho.org.br/df/noticia.php?id_noticia=168045&id_secao=10 Acesso em 24-1111.
8
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revalidadas pelo sistema pipeline – e que, em razão dos lucros aviltantes, afastam-se dos fins
sociais intrínsecos ao exercício social da propriedade patentária.
Assim, a natureza jurídica da lide que envolve a constitucionalidade ou não das
patentes pipeline, mesmo que se afirme, equivocadamente, que foram introduzidas com a
assinatura pelo Brasil do Acordo TRIPS, coloca em foco os direitos fundamentais sociais
salvaguardados pela Constituição Federal de 1988 e os efeitos jurídicos dos tratados e
convenções dos quais o país é signatário, uma vez que os ditames constitucionais não podem
ser rechaçados por referidos instrumentos de direito internacional, quando se colocam em
perspectiva a supremacia do interesse público e os direitos da coletividade, conforme
disciplina o art. 4º da Constituição Federal ao tratar da prevalência dos direitos humanos nas
relações internacionais.
Ademais, os argumentos dispostos na ação direta de inconstitucionalidade em
comento delimitam as afrontas a dois pontos nevrálgicos do sistema de concessão pipeline, a
saber: o requisito da novidade9 para a concessão de uma patente e o confronto com o princípio
do direito adquirido; haja vista as patentes de revalidação permitirem que produtos,
substâncias ou processos nas áreas alimentícia, químico-farmacêutica e de medicamentos que
estavam em domínio público possam ser objeto de patenteamento, o que é inconstitucional
perante uma interpretação sistêmica do ordenamento jurídico brasileiro, conforme será
demonstrado a seguir.
A PROPRIEDADE PATENTÁRIA NO DIREITO BRASILEIRO
A sistemática da proteção à propriedade patentária tutela o objeto oriundo da
criatividade humana, fruto de seu intelecto, isto é, o produto de um esforço mental eivado de
atividade inventiva e potencialidade para ser produzido em escala industrial, sendo assim, um
direito individual do criador do objeto patenteável.
Na lei de propriedade industrial brasileira a patente apresenta como requisitos
estanques10: o ineditismo, o desconhecimento do público e a potencialidade para produção em
escala industrial.
9
Basicamente considerado novo quando não revelado ao público, isto é, quando não divulgado de qualquer
forma, escrita ou falada, em qualquer meio de comunicação, apresentado em feiras ou mesmo comercializado em
qualquer parte do mundo.
10
Art. 8º da lei 9.279/1996. É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e
aplicação industrial.
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A patente em termos conceituais, nos dizeres de Scudeler 11 é: “(...) toda criação
intelectual humana, que resulte no desenvolvimento de um objeto novo para sociedade,
obtido através do esforço intelectual e que possa ser produzido em escala industrial“. Sendo
a referida atividade inventiva humana, isto é, o objeto patenteável tutelado em nosso
ordenamento pelo direito da propriedade.
Isto posto, o conceito de propriedade está disciplinado no art. 1.228 do Código Civil
Brasileiro, fundado nos institutos do jus utendi, fruendi e abutendi e na rei vindicatio romana,
in verbis: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de
reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha “.
Outrossim, o direito à propriedade vem protegido constitucionalmente, todavia, o seu
exercício não se encontra alicerçado no absolutismo, mas deve se coadunar com a função
social da propriedade, seja no caso de bens tangíveis ou intangíveis.
Os direitos de propriedade industrial no Brasil, destacando-se as patentes, em termos
de legislação infraconstitucional, são disciplinados pela lei n. 9.279/96, a qual em seu art. 5º
considera tais direitos como ativos intangíveis, além de possuírem natureza incorpórea e
caráter mobiliário, conforme entendimento de Victor Hugo Tejerina Velázquez12.
E não é só, o direito às patentes ou a proteção da propriedade patentária está
constitucionalmente assegurado, conforme dispõe o art. 5º, inciso XXIX, nos seguintes temos:
“A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua
utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes
de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o
desenvolvimento tecnológico e econômico do País”.
Neste diapasão, a moderna doutrina contempla o direito de propriedade patentária
sob a ótica dos direitos sociais, ou seja, o detentor ou um licenciado voluntário, em razão dos
interesses da coletividade, não pode exercer seus direitos de uso, gozo e fruição de forma
ampla e irrestrita, uma vez que se deve pautar nos princípios constitucionais, implícitos ou
explícitos, que são o corolário do Estado Democrático de Direito.
Outrossim, a Constituição Federal de 1988 em seu art. 5, inciso XXIII, institui a
função social da propriedade como uma cláusula pétrea 13, razão pela qual, a sua extensão
11
SCUDELER, Marcelo Augusto. Patentes e a função social da propriedade industrial. Disponível em <
http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/XIVCongresso/016.pdf>. Acesso em 15 jan. 2013.
12
TEJERINA VELAZQUEZ, Victor Hugo. Propriedade imobiliária e mobiliária Sistemas de Transmissão - A
tradição no Direito Brasileiro e no Direito Comparado. 1a.. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2012. p. 173.
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jurídica deve ser analisada e interpretada em conformidade com as nuances e vicissitudes do
caso concreto, respeitando os preceitos constitucionais implícitos e explícitos para a
consecução dos objetivos propostos pelo legislador.
Isto posto, o exercício da propriedade em sentido amplo está condicionado ao
regramento de sua função social, sendo que em casos de infringência a tal regramento
constitucional tem-se o procedimento para a desapropriação por necessidade ou utilidade
pública, ou interesse social.
Neste sentido, no caso específico da propriedade patentária, o instrumento hábil para
coibir abusos ou desvio cometidos pelo sujeito proprietário da patente denomina-se
licenciamento compulsório de patentes, conhecido popularmente como “quebra de patentes”,
disciplinado nos artigos 68 a 74 da lei de propriedade industrial.
Em tal contexto sócio-normativo, insta destacar que o direito à propriedade
patentária, no hodierno mundo globalizado, é um dos suportes do sistema capitalista de
produção e a garantia de desenvolvimento de inúmeras atividades econômicas, como a da
indústria farmacêutica, por exemplo.
Todavia, o exercício dos direitos inerentes à propriedade patentária deve respeitar os
limites socialmente aceitos e, simultaneamente, estimular o incremento em pesquisa e
desenvolvimento, haja vista que a ordem econômica capitalista moderna deve congregar os
interesses sociais com os interesses dos sujeitos detentores de patentes. Por oportuno,
colacionamos os dizeres de Scudeler 14 acerca da temática: “A propriedade imaterial das
criações intelectuais é um instituto eminentemente capitalista.”
E continua a dizer que:
Além de proteger bens corpóreos, o regime capitalista, que prima pela
propriedade privada, permite que o trabalhador que investe no exercício
criativo possa tutelar suas realizações e soluções, como uma espécie de
prêmio e incentivo de realização, sem a qual a ciência não estaria na condição
que hoje se encontra.
Em continuidade, o título jurídico expedido pelo Estado e denominado patente15 é
concebido como uma relação de domínio ou de propriedade, sendo o meio pelo qual se
protege uma invenção, bem como se outorga ao seu titular a propriedade e a exclusividade da
exploração do objeto patenteado, por prazo determinado, a iniciar sua contagem do depósito
14
SCUDELER, Marcelo Augusto. Do direito das marcas e da propriedade industrial. Campinas: Servanda,
2008. p. 38.
15
COSTA, Aléxia Maria de Aragão. ADIERS, Cláudia Marins. LINS, Bruna Rego. MONIZ, Pedro de
Paranaguá. Aspectos polêmicos da propriedade intelectual. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2004. p. 157.
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no Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, órgão estatal competente para as
funções descritas.
Assim, a propriedade patentária gera para seu inventor o direito de exploração
exclusiva – direito oponível erga omnes– no mercado pelo prazo máximo de 20 (vinte) anos,
sendo facultado pelo art. 44 da lei n. 9.279/96 o pleito indenizatório caso haja exploração
indevida de seu objeto.
Ademais, a proteção jurídica da propriedade industrial, em especial da patentária,
suplanta os limites do direito interno brasileiro, haja vista tratar-se de matéria de direito
internacional sendo disciplinada entre as nações por meio de tratados e acordos
internacionais, pois é fonte de discussões e salvaguarda de interesses econômicos
transnacionais que envolvem, v.g, a produção e a comercialização de medicamentos ao redor
do mundo, uma vez que diminui sensivelmente os riscos financeiros de um investimento e
garante ao explorador o retorno dos esforços intentados em pesquisa e desenvolvimento.
Por oportuno, colacionamos o entendimento de Matheus Ferreira Bezerra16:(...)
a propriedade industrial é assegurada a nível internacional, protegida por
tratados e acordos, dos quais o Brasil faz parte, sendo estes compromissos
bilaterais e multilaterais atentamente vigiados pelos países desenvolvidos, em
especial os Estados Unidos, que não evitam a adoção de retaliações e
barganhas econômicas a qualquer sinal de descumprimento.
Em termos de direito internacional incorporado ao arcabouço legislativo brasileiro,
há: a Convenção de Paris17 (CUP), o Tratado de Cooperação em matéria de patentes – PCT –
Paten CooperationTreaty – e o Acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual
relacionados ao comércio – Acordo TRIPS –, os quais contribuíram sobremaneira para a atual
conformação da legislação brasileira acerca da patenteabilidade dos fármacos, cultivares e dos
produtos alimentícios.
Nota-se que o Trade Related Aspects of Intelectual Property Rights – Acordo TRIPS
– foi incorporado no ordenamento pátrio pelo Decreto n. 1.355, de 30 de dezembro de 1994,
ao passo que a Convenção de Paris (CUP), pelo Decreto n. 1.263, de 10 de outubro de 1994.
Não é possível inferir no campo doutrinário e/ou no jurisprudencial que, nos termos
do Art. 27, I do TRIPS se tenha implementado, no Brasil, a noção de concessão patentária
pelo mecanismo do pipeline:
16
BEZERRA, Matheus Ferreira. Patente de Medicamentos - Quebra de Patente como Instrumento de Realização
de Direitos. Curitiba: Juruá Editora, 2010. p. 22.
17
. A Convenção de Paris sofreu revisões periódicas, a saber: Bruxelas (1900), Washington (1911), Haia (1925),
Londres (1934), Lisboa (1958) e Estocolmo (1967).
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Art. 27: 1. ...qualquer invenção, de produto ou processo, em todos os setores
tecnológicos, será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo
inventivo e seja passível de aplicação industrial (...) as patentes serão
disponíveis e os direitos patentários serão usufruíveis sem discriminação
quanto ao local da invenção, quanto ao seu setor tecnológico e quanto ao fato
de os bens serem importados ou produzidos localmente.
O que se discute nesse artigo, afirma Rodrigo Ratto da Costa Cavelheiro18, é que,
pelo Acordo TRIPs, não seria possível a exigência de fabricação local dos produtos
farmacêuticos, determinação que está em franca contradição com a Convenção de Paris que
acordou:
Art. 68. O titular ficará sujeito a ter patente licenciada compulsoriamente se
exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela
praticar abuso de poder econômico, comprovado nos termos da lei, por
decisão administrativa ou judicial.
§ 1º - Ensejam, igualmente, licença compulsória:
I – a não exploração do objeto da patente no território brasileiro, por falta de
fabricação incompleta do produto.
Juridicamente, há um conflito, diz Ratto Cavelheiro, pois estamos diante de uma
norma específica e especializada, a Convenção de Paris, versus uma norma genérica, o
Acordo TRIP’S/ADPIC. O que está em jogo, nos termos da Lei de Propriedade Industrial e da
Convenção de Paris é que se deve aplicar a licença compulsória “a não exploração do objeto
da patente no território brasileiro, por falta de fabricação incompleta do produto”. Daí que, a
noção da sistemática de concessão patentária pelo modelo pipeline é estranha, arbitrária e
inconstitucional.
Em face do exposto, a propriedade patentária no direito brasileiro apresenta-se
minuciosamente descrita na legislação constitucional e na infraconstitucional, sendo relegada
a regulamentação ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI 19 , que, por
18
CAVALHEIRO, Rodrigo da Costa Ratto. O Monopólio e as Multinacionais Farmacêuticas. Itú: Ottoni, 2006,
p. 182-188.
19
A título exemplificativo: Resolução INPI nº 291/2012 - Disciplina os procedimentos para a entrada na fase
nacional dos pedidos internacionais de patentes depositados nos termos do Tratado de Cooperação em Matéria
de Patentes (PCT), junto ao INPI, como Organismo Designado ou Eleito, de forma a adequar tais pedidos às
disposições da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996 (LPI). Resolução n°283 - Esta Resolução disciplina o
exame prioritário de pedidos de Patentes Verdes, os procedimentos relativos ao Programa Piloto relacionado ao
tema e dá outras providências. Resolução nº286 - Esta Resolução disciplina o procedimento facultativo
denominado Opinião Preliminar sobre a Patenteabilidade, os procedimentos relativos ao Programa Piloto
relacionado ao tema e dá outras providências. Resolução INPI 277/2011 de 28/12/2011, que dispõe sobre o
depósito dos pedidos de patente nacionais, dos certificados de adição de invenção, dos pedidos internacionais
depositados por meio do Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes PCT que optaram pela entrada na fase
nacional brasileira e sobre os procedimentos relativos ao exame formal e a numeração do pedido nacional de
patente. Resolução 207/09 - Normaliza os procedimentos relativos ao requerimento de pedidos de patentes de
invenção cujo objeto tenha sido obtido em decorrência de um acesso a amostra de componente do patrimônio
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intermédio de resoluções, esmiúça e disciplina os aspectos administrativo atinentes à
propriedade industrial, em especial, a concessão de patentes.
AS PATENTES PIPELINE OU DE REVALIDAÇÃO
As patentes pipeline ou de revalidação foram introduzidas no ordenamento jurídico
brasileiro com a edição da lei n. 9.279/96. A Lei de Propriedade Industrial em seus artigos
230 e 231 20, com o escopo de conceder proteção à propriedade patentária de substâncias,
matérias ou produtos obtidos por meio de processos químicos-farmacêuticos e medicamentos,
de qualquer espécie; ressaltando-se que o pedido de depósito perante o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI no sistema pipeline dependente de patentes originárias obtidas
em outros países.
genético nacional revoga a Resolução 134, de 13 de dezembro de 2006. Resolução 191 / 2008 - Esta Resolução
disciplina o exame prioritário de pedidos de patentes.
20
Art. 230. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por
meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou produtos alimentícios, químicofarmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os respectivos processos de obtenção ou
modificação, por quem tenha proteção garantida em tratado ou convenção em vigor no Brasil, ficando
assegurada a data do primeiro depósito no exterior, desde que seu objeto não tenha sido colocado em qualquer
mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento, nem tenham sido realizados, por
terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do pedido ou da patente. § 1º O
depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei, e deverá indicar a data
do primeiro depósito no exterior. § 2º O pedido de patente depositado com base neste artigo será
automaticamente publicado, sendo facultado a qualquer interessado manifestar-se, no prazo de 90 (noventa) dias,
quanto ao atendimento do disposto no caput deste artigo. 3º Respeitados os arts. 10 e 18 desta Lei, e uma vez
atendidas as condições estabelecidas neste artigo e comprovada a concessão da patente no país onde foi
depositado o primeiro pedido, será concedida a patente no Brasil, tal como concedida no país de origem. § 4º
Fica assegurado à patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção no país onde foi
depositado o primeiro pedido, contado da data do depósito no Brasil e limitado ao prazo previsto no art. 40, não
se aplicando o disposto no seu parágrafo único. § 5º O depositante que tiver pedido de patente em andamento,
relativo às substâncias, matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias,
misturas ou produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os
respectivos processos de obtenção ou modificação, poderá apresentar novo pedido, no prazo e condições
estabelecidos neste artigo, juntando prova de desistência do pedido em andamento. § 6º Aplicam-se as
disposições desta Lei, no que couber, ao pedido depositado e à patente concedida com base neste artigo.
Art. 231. Poderá ser depositado pedido de patente relativo às matérias de que trata o artigo anterior, por nacional
ou pessoa domiciliada no País, ficando assegurada a data de divulgação do invento, desde que seu objeto não
tenha sido colocado em qualquer mercado, por iniciativa direta do titular ou por terceiro com seu consentimento,
nem tenham sido realizados, por terceiros, no País, sérios e efetivos preparativos para a exploração do objeto do
pedido. § 1º O depósito deverá ser feito dentro do prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei. § 2º O
pedido de patente depositado com base neste artigo será processado nos termos desta Lei. § 3º Fica assegurado à
patente concedida com base neste artigo o prazo remanescente de proteção de 20 (vinte) anos contado da data da
divulgação do invento, a partir do depósito no Brasil. § 4º O depositante que tiver pedido de patente em
andamento, relativo às matérias de que trata o artigo anterior, poderá apresentar novo pedido, no prazo e
condições estabelecidos neste artigo, juntando prova de desistência do pedido em andamento.
47
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Neste sentido, o Tribunal da Comunidade Andina21 posicionou-se: “(...) o pipeline é
um mecanismo de transição para conceder protecção a produtos que não eram antes
patenteáveis, em países que estão modificando o seu normativo sobre patentes”.
A instituição das patentes pipeline, medida por natureza excepcional, foi uma medida
de caráter transitório adotada pelo legislador brasileiro, sendo que em uma tradução livre do
termo inglês pipeline tem-se: “o tubo”22, sendo que tal significação nos conduz a idéia dos
produtos ou processos que se encontram inacabados, ou seja, entre o caminho que separa os
centros de pesquisa e desenvolvimento da indústria e comercialização dos produtos, conforme
preceituam os artigos 230 e 231 da Lei de Propriedade Industrial, ou ainda, a noção de linha
ou canal de informações.
Nota-se que os referidos diplomas legais passaram a conceder a proteção patentária a
substâncias, materiais e produtos nas áreas química, farmacêutica e de alimentos, que não
eram objeto de patenteabilidade na legislação pátria antes da lei n. 9.279/96 e que, deste
modo, já estavam no domínio público no Brasil.
Neste diapasão, Oliveira 23 conceitua e delimita o instituto das patentes pipeline
como:
(…) um mecanismo de exceção que possibilita o reconhecimento, em nosso
País, de patentes que tenham sido requeridas e concedidas em outras nações
antes da entrada em vigor da nova Lei, e cujos produtos não tenham sido
comercializados. A proteção, na hipótese, será pelo prazo remanescente em
relação àquele do país onde foi depositado o primeiro pedido, e contando da
data do depósito no Brasil. O prazo de validação não poderá ultrapassar os
vinte (20) anos, que é o tempo de vigência de uma patente de invenção no
Brasil em consonância com o estabelecido no Acordo sobre TRIPS.
Assim, a inclusão do instituto das patentes pipeline, contrariando o requisito legal da
novidade das patentes dispostos no art. 8 da Lei de Propriedade Industrial, possibilitou a
revalidação de uma avalanche de patentes estrangeiras no país, principalmente, no setor de
medicamentos.
Por oportuno e relevante para o deslinde da temática, colacionamos trecho de um
posicionamento da Organização Médicos Sem Fronteiras 24 acerca do sistema pipeline de
concessão de patentes:
21
CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. A questão da constitucionalidade das patentes "pipeline" à luz da
constituição federal brasileira de 1988. J. J. Gomes Canotilho e Jónatas Machado; colaboração de Vera Lúcia
Raposo. Coimbra: Almedina, 2008.p. 22.
22
Idem.
23
OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. A proteção jurídica das invenções de medicamentos e de gêneros alimentícios.
Porto Alegre: Síntese: 2000.p. 168-169.
48
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Durante o período de maio de 1996 a maio de 1997, 1.182 pedidos de
patentes
foram
depositados
no
Brasil
através
do
mecanismo pipeline, centenas dos quais já foram concedidos, incluindo
medicamentos essenciais para pacientes com HIV/Aids. Essas patentes
foram concedidas baseadas exclusivamente no fato de outros países terem
concedido patentes aos mesmos medicamentos, sem serem submetidas à
análise técnica no país. Portanto, os requisitos de patenteabilidade de
novidade, atividade inventiva e aplicação industrial adotados pelo Brasil não
foram aplicados a esses casos.
A concessão de patentes sem o devido exame técnico levou à concessão de
patentes injustificáveis, especialmente porque elas não mais atendiam ao
requisito de novidade. Como resultado, a introdução das versões genéricas
destes produtos não é possível, levando a preços mais elevados do que
necessário. (grifo nosso)
Neste sentido, a proteção instituída pela patente pipeline no Brasil tem prazo de
validade determinado em consonância com a data do pedido de depósito realizado no país de
origem, com o respeito ao prazo limite de 20 (vinte) anos para o exercício dos direitos de
detentor da carta patente disposto no art. 40 do diploma legal em análise.
Assim, o sistema pipeline de concessão de patentes representa na legislação
brasileira uma exceção aos pressupostos gerais de concessão da patente, haja vista excluir do
exame do pedido de patentes o requisito da novidade, analisando, tão somente, a atividade
inventiva e a aplicabilidade industrial, relegando ao segundo plano os ditames constitucionais
que vinculam a proteção patentária ao desenvolvimento econômico-social e tecnológico do
Brasil, isto é, a função social da propriedade patentária.
Por oportuno, colacionamos um entendimento jurisprudencial exarado pelo Tribunal
Regional da 2ª Região acerca da análise dos requisitos do art. 8º da Lei de Propriedade
Industrial, ressaltando que a aferição do requisito novidade pode ser realizada após a
concessão da patente, via Poder Judiciário, e que a ausência de atividade inventiva é condição
suficiente para anular-se a patente pipeline, conforme:
PROPRIEDADE INDUSTRIAL. PATENTE PIPELINE. POSSIBILIDADE
DE VERIFICAÇÃO POSTERIORMENTE À CONCESSÃO, DA
PRESENÇA DOS REQUISITOS PREVISTOS NO ARTIGO 8º DA LPI.
INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JUDICIAL. COMPROVADA A
AUSÊNCIA DE ATIVIDADE INVENTIVA, ANULA-SE A PATENTE
PIPELINE A PARTIR DA DATA DO PARECER TÉCNICO DO INPI
EM TAL SENTIDO. I – O artigo 230, da Lei de Propriedade Industrial
dispensa a análise dos requisitos usuais de proteção previstos em seu artigo
8º, para fins de concessão da pipeline. No entanto, determina a observância
24
MSF
comenta
o
caso
das
patentes
pipeline
no
Brasil.
Disponível
em
<http://www.msf.org.br/noticias/1131/msf-comenta-o-caso-das-patentes-pipeline-no-brasil/>. Acesso em 25 jan.
2013.
49
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
dos artigos 10 e 18 da mesma lei, devendo o requerente comprovar a
concessão da patente no país estrangeiro de origem. Consigna, por fim, nos
termos do seu § 6º que as disposições da LPI são aplicáveis, no que
couber, ao sistema pipeline. Possibilita-se, desta forma, e, com base nos
princípios da isonomia e da inafastabilidade do controle judicial (art. 5o,
inciso XXXV, da CF/88), a verificação, posteriormente ao momento da
concessão, da existência dos requisitos de novidade, atividade inventiva
e aplicação industrial. Além disso, já que se trata de título não examinado
antes pelo INPI em seus requisitos essenciais, não opera a seu favor a
presunção da validade. (...) omissis. (TRF 2ª Região, Apelação Cível,
Processo nº. 2004.51.01.525105-9, Primeira Turma Especializada, Relatora:
Des. Márcia Helena Nunes, julgado em 9.9.2008, DJU 30.9.2008, p. 262).
(grifo nosso)
Em outro viés, perquerindo-se a intenção do legislador e o contexto políticoeconômico em que a Lei de Propriedade Industrial foi idealizada e aprovada, conclui-se que a
inclusão das patentes pipeline em nosso ordenamento jurídico reside no interesse de atrair
para o Brasil empresas multinacionais do setor químico-farmacêutico, bem como
proporcionar acesso a medicamentos de primeira linha, sem, contudo, mensurar os efeitos
para as indústrias brasileiras – e centros de pesquisa públicos – do ramo e para os cidadãos
que são compelidos a adquirir os fármacos na rede privadas, haja vista o Sistema Único de
Saúde(SUS) possuir a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais – RENAME, uma lista
estanque, para fornecimento gratuito dos medicamentos ali taxativamente previstos.
Destarte, o debate central acerca da constitucionalidade ou não do sistema de
patentes pipeline reside no conceito e extensão do princípio da novidade e na ofensa ao direito
adquirido. Os entendimentos favoráveis à constitucionalidade, em especial o de José Joaquim
Gomes Canotilho25, dos artigos n. 230 e 231 da lei n. 9.279/96 defendem que a legislação
acerca do tema não disciplina a novidade absoluta como requisito de patenteabilidade e
ressaltam que a proteção patentária se alinhar com os interesses dos países desenvolvidos e
dos conglomerados farmacêuticos, sendo fomentadora de pesquisa e desenvolvimento das
referidas organizações.
Todavia, na moderna sociedade cuja globalização e o capitalismo ditam o ritmo das
relações comerciais, nota-se que os a propriedade industrial avança sobre os limites protetivos
dos direitos humanos mínimos, principalmente, quando se discute a temática do fornecimento
de medicamentos pelo Estado visando à efetivação do direito à saúde, o qual se enquadra na
classificação de direito fundamental social.
25
CANOTILHO, Jose Joaquim Gomes. A questão da constitucionalidade das patentes "pipeline" à luz da
constituição federal brasileira de 1988. J. J. Gomes Canotilho e Jónatas Machado; colaboração de Vera Lúcia
Raposo. Coimbra: Almedina, 2008.
50
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
E não é só, a dinâmica das relações sociais, as quais permeadas pelas nuances
econômicas das sociedades, afastam-se paulatinamente dos preceitos mínimos dos direitos
humanos.
Por oportuno, o seguinte é o entendimento de Barros26acerca da temática dos direitos
humanos e sua interação com a sociedade:
Os direitos humanos são poderes que ao mesmo tempo são deveres de todos
os indivíduos entre si, para a sua mútua e própria preservação, ante as
necessidades que os acometem no processo de sua evolução, às quais eles
respondem ou correspondem elaborando valores, que enformam esses deveres
como poderes e esses poderes como deveres, de todos para com um e de cada
um para com todos, a fim de realizar a humanidade que lhes é comum e, em
assim sendo, conformam entre eles uma comunidade humana, ao mesmo
tempo cambiante e invariante, durante um certo tempo e lugar de sua
histórica.
Assim, não se pode estender aquém do necessário a proteção patentária ao inventor,
ou licenciado, como ocorre no momento da concessão de uma patente na modalidade
pipeline, haja vista que interesses privados, individuais e individualistas, em face da estrutura
principiológica do texto constitucional de 1988, não se sobrepõem aos interesses da
coletividade, da comunidade humana, quando com eles conflitar, seja no plano do direito
público interno ou externo.
Relacionam-se, dessa forma, o direito internacional com os direitos públicos e
privados de cada país, sendo intermediados pelas organizações transnacionais, as quais
balizam as relações entre as nações sob a égide da eficiência no incremento da balança
comercial e na defesa ferrenha da livre concorrência, por vezes em detrimento dos interesses
sociais.
Elevando, assim, as discussões acerca da propriedade patentária aos extremos das
sanções comerciais, v.g., a principal ameaça dos Estados Unidos da América quando o Brasil,
em 2011, foi autorizado pela Organização Comercial da Saúde (OMS), em consonância com
os ditames protetivos da saúde público em vigor no país, a realizar o licenciamento
compulsório do medicamento Nelfinavir, utilizado por um grande contingente populacional
brasileiro para o tratamento contra a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida -AIDS.
Ressalta-se que no Brasil, o direito ao acesso a medicamentos, como espécie do
direito à saúde, é disposto como um direito fundamental social, razão pela qual nasce para o
26
BARROS, Sergio Resende de. Direitos humanos: paradoxo da civilização. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
p. 447.
51
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Estado o dever jurídico ao fornecimento dos fármacos, em atenção as necessidade da
população.
Nesse diapasão, em situações excepcionais o governo brasileiro tem legitimidade
jurídica e social para utilizar o mecanismo dos licenciamentos compulsórios de patentes de
medicamentos, citando-se como exemplo, os realizados por intermédio dos decretos
presidenciais sob n. 3201/1999 – Fernando Henrique Cardoso – e o n. 6.108/2007 – Luiz
Inácio Lula Da Silva – e sua recente prorrogação, pelo prazo de 05 (cinco) anos, pelo decreto
n. 7.723/2012 – Dilma Rousseff.
Os referidos decretos presidenciais, em especial o de n. 6.108/2007, possuem como
objetivos a produção de fármacos com apoio governamental, bem como por intermédio de
convênios com a iniciativa privada, de um dos medicamentos integrantes do tratamento de
portadores do vírus HIV (AIDS) – Efavirenz –, cuja patente foi concedida no sistema
pipeline, garantindo o acesso universal da população ao tratamento ininterrupto, por
intermédio da política de saúde pública implementada pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Por todo o exposto, acerca da conceituação e da inclusão do instituto da patente
pipeline ou de revalidação em nosso ordenamento jurídico, inclusive com o destaque do
entendimento jurisprudencial que vem se consolidando em nossos Tribunais Superiores,
desde a edição da Lei de Propriedade Industrial em 1996, mostra-se imperiosa a demonstração
das razões jurídicas que delimitam a inconstitucionalidade do referido sistema de concessão
de patentes a despeito do manejo pelo Estado brasileiro da medida excepcional relativa ao
licenciamento compulsório de patentes pipeline de fármacos como o antirretroviral Efavirenz.
A INCONSTITUCIONALIDADE DO SISTEMA PIPELINE DE CONCESSÃO DE
PATENTES
A análise da inconstitucionalidade do sistema instituído pelas patentes pipeline reside
no questionamento acerca da ofensa ao princípio da novidade do objeto a ser patenteado,
disposto implicitamente na Constituição Federal de 1988, a afronta aos direitos humanos e
sociais mínimos, bem como na lesão ao direito adquirido pela coletividade, uma vez que ao
adotar tal sistemática tornou-se possível o patenteamento no Brasil de produtos, substâncias e
de processos que já estavam em domínio público em outros países.
De tal sorte que houve um precedente legal para que a iniciativa privada pudesse
apropria-se de um bem coletivo, já em domínio público em outro país, passando a
comercializá-lo no Brasil e praticando aqui preços incompatíveis com a nossa realidade
52
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
econômica, bem como patentemente díspares se comparados a precificação dos mesmos
fármacos em outros países.
Destaca-se que a possibilidade legal de concessão de patentes pipeline no setor
farmacêutico, resultou em uma avalanche de pedidos perante o Instituto Nacional de
Propriedade Industrial – INPI, verificando-se que, um ano após a edição da lei de propriedade
industrial, aproximadamente, 1.200 depósitos foram realizados na área de fármacos.
Portanto, alterou-se e em determinadas situações suplantou-se a produção pelos
institutos públicos de uma gama de medicamentos genéricos, os quais são em grande parte
distribuídos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o que por si só já ensejam expressivos
prejuízos de cunho social e econômico para o país. E não é só, em determinados casos, os
conglomerados químico-farmacêuticos, uma vez obtida a patente na modalidade pipeline
passaram a produzir os medicamentos genéricos e os colocaram no mercado a preços um
pouco mais convidativos, porém, ainda distantes da realidade da população brasileira.
Neste sentido, a instituição do sistema pipeline acabou por fomentar a utilização por
parte do Estado brasileiro do licenciamento compulsório de patentes de medicamentos,
principalmente
daqueles
utilizados
pelos
pacientes
portadores
da
Síndrome
da
Imunodeficiência Adquirida – AIDS, com supedâneo na supremacia do interesse público e no
dever do Estado em garantir o acesso aos medicamentos.
A título exemplificativo, neste cenário destaca-se a importância nacional do Instituto
da Fiocruz denominado Farmanguinhos, responsável pela produção dos antirretrovirais
licenciados compulsoriamente por intermédio de decretos presidenciais que foram balizados
pela supremacia do interesse público e dos direitos fundamentais sociais de acesso à
medicamentos e à saúde que foram rechaçados com a instituição do sistema de patentes
pipeline.
Conforme se depreende dos dizeres de Jorge Bermudez 27 , vice-presidente de
Produção e Inovação do referido órgão:
Alguns marcos históricos não seriam possíveis sem o esforço da equipe de
Farmanguinhos, como a produção pública de antirretrovirais, o licenciamento
compulsório do Efavirenz, o uso da engenharia reversa e os produtos inovadores
contra tuberculose (4 em 1) e malária (Artesunato+Mefloquina). Além disso, a
instituição participa ativamente da política nacional por meio dos programas
Farmácia Popular e Brasil Carinhoso”. Bermudez destacou ainda as Parcerias de
27
HIV/AIDS: TRATAMENTO INFANTIL. Disponível em <http://www2.far.fiocruz.br/farmanguinhos
/index.php? option=com_content&view=article&id=565&catid=53&Itemid=94 > Acesso em 01 mar. 2013.
53
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Desenvolvimento Produtivo, do governo federal (PDPs). “Das 55 parcerias do
Ministério da Saúde, 13 são lideradas por Farmanguinhos.
Ademais, a questão de saúde pública, direito de cunho constitucional, é dever do
Estado, o qual, nos últimos anos enfrenta uma avalanche de ações cominatórias e de
mandados de segurança que visam o fornecimento de medicamentos não constantes na lista
do Sistema Único de Saúde.
Em face de tal situação jurídica enfrentada pelo Poder Público, por intermédio da
ação direta de inconstitucionalidade n. 4234 aforada, em 2009, pelo Procurador Geral da
República, o Supremo Tribunal Federal foi instado a julgar a validade jurídica do conteúdo
dos artigos 230 e 231 da lei de propriedade industrial brasileira, a lei federal n. 9.279/96.
Os argumentos dispostos na referida ação direta de inconstitucionalidade, em breve
síntese, referem-se às chamadas patentes pipeline, ou patentes de revalidação, que tem como
escopo a concessão de proteção patentária a produtos que não eram patenteáveis antes da Lei
9.279/96 e que, por decorrência lógica, estavam no domínio público brasileiro.
E não e só, tal sistema de concessão de patentes possibilita, ainda, a revalidação de
patente estrangeira no Brasil, mesmo em detrimento do requisito da novidade do objeto a ser
patenteado e, também, haveria ofensa ao direito adquirido disposto no art. 5º, inciso XXXVI
da Constituição Federal, in verbis: “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada,” e uma vez sendo referido direito de cunho fundamental, este deve
ser interpretado de forma genérica e irrestrita quando em conflito com normas
infraconstitucionais.
Discorrendo acerca do instituto do ato jurídico, Alexandre de Moraes apud Celso de
Mello28 dispõe:
constitui-se num dos recursos de que se vale a Constituição para limitar a
retroatividade da lei. Com efeito, esta está em constante mutação; o Estado
cumpre o seu papel exatamente na medida em que atualiza as suas leis. No
entretanto, a utilização da lei em caráter retroativo, em muitos casos, repugna
porque fere situações jurídicas que já tinham por consolidadas no tempo, e esta é
uma das fontes principais da segurança do homem na terra.
Nos argumentos da exordial da referida ação, o Procurador Geral da República
entende que a manutenção da vigência dos artigos 230 e 231 da Lei de Propriedade Industrial
estaria promovendo “(...)uma espécie de expropriação de um bem comum do povo sem
qualquer amparo constitucional”.
28
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 75.
54
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
E neste sentido, são indicadas afrontas aos artigos 3º, incisos I a III; 5º, incisos XXII,
XXIII, XXIV, XXIX, XXXII e XXXVI; 6º; 170, incisos II, III e IV; 196 e 200, incisos I e V,
da Constituição Federal de 1988.
No decorrer da ação direta de inconstitucionalidade, pendente de julgamento,
inúmeras associações, principalmente as que representam os interesses de indústrias
farmacêuticas e as ligadas ao setor da biotecnologia29, solicitaram sua inclusão como amicus
curiae30sob os fundamentos genéricos do interesse social e complexidade e especialidade da
temática que maculam a causa.
Ante o exposto, o exercício dos direitos inerentes a propriedade patentária e sua
harmonização com os direitos sociais são de suma importância para a análise dos argumentos
acerca da inconstitucionalidade do sistema de concessão de patentes pipeline por parte dos
ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).
Conforme amplamente discutido, a saúde pública no Brasil é normatizada em
primeiro plano pela Constituição Federal, a qual a partir de seu núcleo de cláusulas pétreas
irradia os princípios e as normas programáticas que interferem diretamente nos ditames
infraconstitucionais que as disciplinam como é o caso da Lei de Propriedade Intelectual ao
tratar do direito às patentes, disciplinando suas formas de aquisição, extinção e os limites de
utilização da patente obtida.
Importante notar que a disciplina das patentes pipeline, a despeito do caráter
transitório de sua normatização, ao chocar-se com os princípios de cunho social e com o
instituto do direito adquirido, bem como dispensar o requisito da novidade – o qual é
imprescindível para a concessão de patentes no Brasil –, mostra-se eivado de
inconstitucionalidade, cabendo ao Supremo Tribunal Federal declarar tal situação e modular
as consequências políticas, econômicas e sociais de seu julgamento, em face da quantidade de
patentes já concedidas pelo referido sistema.
29
Por exemplo, a Associação Brasileira de Sementes e Mudas – ABRASEM – petição protocolizada em
30.04.2009, fundamentando seu interesse de intervir no feito nos seguintes termos: “(…) pode proporcionar ao
Tribunal informações detalhadas sobre as graves implicações e repercussões do julgamento da presente ação no
setor nacional de produção e exportação de sementes e no agronegócio em geral (…).
30
Conforme conceituação obtida no glossário jurídico do site do Supremo Tribunal Federal, o Amicus Curiae:
“Amigo da Corte". Intervenção assistencial em processos de controle de constitucionalidade por parte de
entidades que tenham representatividade adequada para se manifestar nos autos sobre questão de direito
pertinente à controvérsia constitucional. Não são partes dos processos; atuam apenas como interessados na
causa.
Plural:
Amicis
curiae
(amigos
da
Corte)“.
Disponível
em
<http://www.stf.jus.br/portal/glossario/ververbete.asp?letra=a&id=533> Acesso em 28 jan. 2013.
55
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Insta ressaltar que o questionamento acerca da constitucionalidade das patentes
pipeline ou de revalidação encontra-se no paradoxo de sua natureza jurídica, uma vez que
tornou patenteável, a despeito do princípio da novidade patentária, da supremacia do interesse
público e dos direitos fundamentais sociais, as substâncias, matérias ou produtos alimentícios,
químico-farmacêuticos e medicamentos que pertenciam ao domínio público, maculando,
ainda, o instituto do direito adquirido.
Neste diapasão, ao aprovar uma norma de cunho infraconstitucional, com base na
entrada em vigor do Acordo TRIPS, em 01 de janeiro de 1995, por intermédio do Decreto n.
1.355/1994, que inclui a possibilidade jurídica do pedido de patente de revalidação, o
legislador brasileiro acabou por colocar tal diploma em conflito com os princípios fundantes
do Estado Democrático de Direito, em especial da supremacia do interesse público, haja vista
transferir à exploração restrita e privada o que antes estava disponível para o uso de todos,
prejudicando, assim, a efetividade dos direitos sociais constitucionalmente assegurados, tais
como o direito à saúde e aos medicamentos essenciais a manutenção da vida ou de sua
qualidade.
Desta forma, estão em debate perante o Supremo Tribunal Federal (STF)os limites
das ingerências do direito internacional relacionado à propriedade industrial - a Convenção de
Paris, o Tratado de Cooperação em matéria de patentes e o Acordo TRIPS -em nossa
legislação infraconstitucional, a crescente onda internacional de restrição ou mitigação dos
direitos humanos e as consequências jurídicas para os ramos da biotecnologia, indústria
farmacêutica e de alimentos no Brasil.
Insta observar que os referidos ramos industriais constituem setores estratégicos para
o país e seus cidadãos em termos de desenvolvimento econômico e incremento em pesquisas,
em consonância com os dizeres de Vizzotto31 apud Luiz Otávio Pimentel: “Os direitos de
propriedade intelectual são instrumentos para o desenvolvimento econômico quando efetivos
em cinco planos: Legislativo, Executivo, Judiciário, aplicadores do Direito (operadores) e
agentes econômicos.”.
Todavia, o abuso do poder econômico no exercício dos direitos inerentes à
propriedade patentária afrontam e mitigam direitos fundamentais sociais da população
brasileira, bem como distanciam-nos da efetividade dos preceitos constitucionais mínimos.
31
VIZZOTTO, Alberto. A função social das patentes sobre medicamentos. São Paulo: LCTE Editora, 2010, p.
174.
56
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Deste modo, o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do sistema de
concessão de patentes pipeline representará um divisor de águas na temática da propriedade
industrial e deverá balizar os limites da propriedade individual quando em confronto com os
interesses da coletividade. Consequentemente, constitui medida de justiça social que as
patentes pipeline sejam declaradas inconstitucionais, evitando-se o manejo da medida
excepcional denominada licenciamento compulsório de patentes.
O julgamento do STF sobre o mecanismo do pipeline levanta as velhas questões:
1) Como proceder para compatibilizar os interesses de um lado, dos países e
iniciativa privada que investem bilhões em pesquisa e desenvolvimento e querem lucrar com
o produto destas e de outro, dos países que não têm condições e recursos para realizar
pesquisas científicas, mas que, na maioria das vezes, são os que mais necessitam das
inovações tecnológicas para melhorar a qualidade de vida de seus habitantes em todos os
níveis?
2) De que maneira compatibilizar o sistema capitalista de busca do lucro com o
princípio da mais valia, com um sistema comunitário internacional que valorize o ser humano
acima de tudo, utilizando-se da tecnologia em prol do bem estar da humanidade?
3) De que forma usar o desenvolvimento das inovações tecnológicas a serviço dos
seres humanos?
Ademais, o manejo do licenciamento compulsório, a despeito de ser um mecanismo
legal, encontra inúmeras resistências políticas que acabam por desgastar internacionalmente o
Estado brasileiro, bem como depende de uma gama de comprovações na esfera administrativa
com a posterior edição de um decreto presidencial, não é factível a longo prazo como um
meio efetivo para a política de fornecimento de medicamentos à população brasileira.
Neste sentido, a ordem jurídica infraconstitucional e as convenções internacionais
devem ser harmonizadas com os ditames da Constituição Federal de 1988, buscando-se, desta
maneira, fomentar e incrementar a pesquisa e o desenvolvimento em todas as áreas do
conhecimento, em especial à biotecnologia e aos fármacos, o que ocorrerá mediante a
instituição de um sistema coeso, seguro e eficiente de proteção da propriedade patentária,
balizando seu uso, gozo e fruição na função social, o qual não pode contemplar modalidades
excepcionais como as patentes pipeline e que se permita, deste modo, a busca do Estado pela
efetivação dos direitos fundamentais sociais, por intermédio de políticas públicas direcionadas
aos cidadãos brasileiros que dependem unicamente dos recursos, tratamentos e suprimentos
oriundos do Sistema Único de Saúde (SUS).
57
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
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A PROTEÇÃO PATENTÁRIA DE MEDICAMENTOS E A
QUESTÃO DO DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO À SAÚDE
PROTECCIÓN MEDIANTE PATENTE DE LOS MEDICAMENTOS
Y LA CUESTIÓN DEL DERECHO FUNDAMENTAL
DE ACCESO A LA SALUD
Carla Liliane Waldow Esquivel1
Elaine Cristina Francisco Volpato2
RESUMO
Os direitos fundamentais de acesso a medicamentos e à influência do sistema
corporativo, no bojo do fenômeno da globalização e do neoliberalismo mundial
contemporâneo, carece ser mais bem refletido. Mais que um o produto de comércio
rentável, os medicamentos e produtos afins são instrumentos de melhora de qualidade
de vida e/ou de manutenção da existência humana digna. O presente estudo trata do
acesso desigual de produtos farmacêuticos, questionando incidentalmente sua eficiência,
sua segurança e o custo, ainda elevado para boa parte da humanidade, em especial, nos
países periféricos, cujos tratamentos não são custeados pelo Estado, inclusive no Brasil
a saúde não é um direito amplo, inerente à cidadania, mas sim, um privilégio ou favor
dispensado a poucos. Além de aspectos gerais do Direito brasileiro, o texto se ocupa da
conjuntura internacional e neoliberal. Alinhavando aspectos característicos do
comprometimento da efetividade do direito fundamental a vida digna, da fragilização da
soberania do Estado Nacional e do sistema internacional de marcas e patentes, seus
acordos corporativos, que dificultam políticas públicas mais amplas de acesso à saúde e
aos medicamentos.
PALAVRAS-CHAVE: Direito fundamental; Acesso a medicamentos; Globalização.
RESUMEN
Los derechos fundamentales de acceso a los medicamentos y la influencia del sistema
corporativo, en el corazón del fenómeno de la globalización y el neoliberalismo mundo
contemporáneo, debe estar mejor reflejado. Más que un producto de comercio rentable,
los medicamentos y los productos relacionados son instrumentos de mejora de la
calidad de vida y / o el mantenimiento de la existencia humana digna. Este estudio
aborda la desigualdad en el acceso de los productos farmacéuticos, por cierto en duda su
eficacia, seguridad y costo, pero de alta durante gran parte de la humanidad,
1
Advogada e professora do Curso de Direito da Unioeste - Campus de Marechal Candido Rondon.
Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná.
2
Advogada e professora do Curso de Direito da Unioeste - Campus de Foz do Iguaçu. Doutoranda em
Direito pela Universidade Federal do Paraná, membro do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar em e-Justiça
da UFPR.
64
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
especialmente en los países más pobres, cuyos tratamientos no son financiadas por el
Estado. Incluso en la salud del suelo brasileño no es un archivo. Amplio derecho,
inherente a la ciudadanía, sino más bien un privilegio o favor concedido a unos pocos
Además de los aspectos generales de la legislación brasileña, el texto se refiere y la
internacional neoliberal. Hilvanado características del compromiso de la eficacia del
derecho fundamental a una vida digna, el debilitamiento de la soberanía del Estado
nacional y el sistema internacional de patentes y marcas, acuerdos corporativos, las
políticas públicas que impiden un mayor acceso a la atención médica y los
medicamentos.
PALABRAS CLAVE: derecho fundamental; el acceso a los medicamentos;
Globalización.
O presente estudo é uma abordagem introdutória ao tema dos direitos
fundamentais de acesso a medicamentos, contemplando a proteção legal à boa qualidade
de produtos medicinais, tendo como cerne de sua polêmica alguns apontamentos sobre a
influência do sistema corporativo, no bojo do fenômeno da globalização e do
neoliberalismo mundial contemporâneo.
Adota-se, para fins de análise, o conceito firmado pela Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (2011), que considera medicamento o produto obtido ou elaborado
com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico.
No plano fático motiva a presente pesquisa as dificuldades no acesso aos
medicamentos de qualidade pela população, especialmente as parcelas mais
desprotegidas (economicamente), ainda se podendo considerar em solo brasileiro o
direito à saúde um privilégio de poucos, porquanto grande número de brasileiros ainda
não tem acesso a esse direito fundamental inerente a sua cidadania.
O ponto de partida é a importância e a gravidade da realidade nacional, ainda
mais fragilizada, dada a conjuntura internacional neoliberal que tem exigido do Estado a
redução de gastos públicos, comprometendo a implantação e manutenção de políticas
públicas de amplo acesso à saúde e a medicamentos.
O tema é trabalhado a partir do atual sistema de proteção a propriedade
intelectual (marcas e patentes), regulado pelo Acordo Internacional General Agreement
on Tariffs and Trade (GATT, de 1994 realizado no Uruguai), o qual teve por meta fixar
entre os signatários um complexo sistema de proteção às invenções e aos demais setores
tecnológicos afins.
Segundo este ajuste internacional, é o mesmo tratamento dispensado aos
produtos essenciais à vida e à saúde (medicamentos e sementes) e aos cosméticos (não
essenciais), que pela abrangência e as implicações econômicas, especialmente no que se
65
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
refere aos medicamentos, geraram polêmica e descontentamento. Atualmente, os países
em desenvolvimento e os mais pobres têm se mobilizado para alterar a sistemática de
proteção adotada, que torna possível a fixação de preços acima de custos marginais,
encarecendo o produto final.
No Brasil, a complexidade do sistema de marcas e patentes se traduz num
Código complexo, que merece um estudo a parte; bem como, aliás, as implicações dos
acordos internacionais sobre o comércio, fabricação e distribuição de produtos
farmacêuticos e de medicamentos. Embora conexos ao problema, o sistema de proteção
de marcas e patentes e os acordos internacionais, serão abordados de modo elementar no
texto, por demandarem peculiaridades e extensão superior ao bojo do problema central
ora proposto.
Porém, não se pode deixar de reconhecer, como já mencionado acima, que o
cunho dos referidos Acordos assegura os lucros privados (corporativos), realmente e são
efetivamente capazes de gerar eventuais prejuízos à saúde e a vida das pessoas. Por isso,
a intervenção estatal faz-se necessária, seu atuar é chamado a estabelecer equilíbrio e
proteger efetivamente o direito fundamental à vida e à saúde da população, dados os
laços de cidadania.
Ao Estado cabe adotar medidas capazes de minimizar as muitas desigualdades
sociais reais vivenciadas por camada significativa da população mundial dando o acesso
a medicamentos de qualidade a todos. De modo que, a sustentabilidade de programas de
acesso universal a remédios é imperiosa quando se trata de doenças incuráveis e muito
mais graves em países pobres.
Segundo divulgado pelo jornal O Estado de São Paulo em 2008, as doenças
que atacam o sistema cardíaco e vascular são a principal causa de mortalidade mundial3,
enquanto, as respiratórias nos países pobres, são principal causa de morte.
Nestes países menos desenvolvidos e mais frágeis economicamente os males
que afetam ao sistema imunológico, especialmente a AIDS, avançam e ainda fazem
vítimas na casa de 5,7% da população. É importante lembrar, que em países mais
desenvolvidos não são significativas às cifras quanto a AIDS, por exemplo, dados os
cuidados crescentes com o tratamento do paciente infectado.
3
Disponível em:
<http://www.estadao.com.br/especiais/o-ranking-mundial-das-causas-de-morte,35046.htm>. Acesso em:
12 mar. 2013.
66
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
As estatísticas, portanto, demonstram a importância da ampliação da rede de
assistência farmacêutica e a necessária sustentabilidade de programas de saúde de
acesso universal. Exigindo do Estado uma ampla redefinição de funções de modo que
ter acesso à saúde não seja um luxo ou um privilégio, mas um direito de todos os
cidadãos.
Para tanto é preciso planejar estrategicamente sua atuação, de modo a tornar
mais efetivo o direito à vida e à saúde, até relativizando valores econômicos e de
mercado, utilizando-se de saídas diplomáticas, legislativas e comerciais, para gerar um
ganho de qualidade de vida a seu povo.
Trazer a discussão esta temática é preciso a fim de que o mundo do Direito
possa apropriar-se de maiores detalhes que caracterizam o problema, conscientizando-se
e questionando os conhecimentos legais acumulados, viabilizando uma postura crítica e
socialmente sustentável da legislação brasileira sobre medicamentos e do direito
fundamental à vida digna e à saúde.
Para dar conta satisfatória do problema levantado, adota-se uma abordagem em
três frentes diferentes. A primeira que prima por definir a importância do direito
fundamental à saúde. Enfatizando sua disciplina constitucional (brasileira atual) e a
condição essencial do acesso a medicamentos e a produtos farmacêuticos de qualidade
como instrumentos aptos a proporcionar melhores condições de existência dos mais
necessitados.
O segundo aspecto pontuado é a proteção legal aos medicamentos, ao retomar
as principais características da legislação pátria, do paradigma constitucional de
repressão aos comportamentos que violem o direito fundamental à saúde. Perpassando,
pela regulamentação de tais serviços no âmbito do Sistema Único de Saúde (Lei n.
8.080/1990), da Agência Nacional de Vigilância Sanitária que atua por meio da Câmara
de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Para afirmar a possibilidade de
aplicação do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990) e das disposições
relativas aos crimes contra a saúde pública (art. 273, do Código Penal), além do sistema
de responsabilização civil por danos por parte do Estado.
A terceira parte centra seu foco no comércio internacional de medicamentos,
apresentando indústria farmacêutica num panorama de atuação globalizado,
investigando hipótese de ganhos possíveis para todos os envolvidos: para população que
necessita de meios adequados para a prevenção e a cura de enfermidades, para o setor
econômico (corporações), desde que com a intervenção do Estado, de modo a
67
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
intermediar os valores sociais aos ganhos econômicos privados, com geração de
emprego (devidamente protegido e amparado) e de capital (socialmente sustentável).
Isto porque falar em direito à saúde ou a vida digna não implica de modo
simplista considerar ausência de doença como um patamar desejável. Deste modo, é
preciso considerar o conceito adequado de saúde, essencial para a reflexão do problema
posto e a dignidade da pessoa humana é axioma central para o Direito e para o Estado.
O DIREITO FUNDAMENTAL AOS MEDICAMENTOS
A saúde pode ser definida como “um estado de completo bem-estar físico,
mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”.4
Constitui um dos bens mais importantes na ordem de valores insculpida na Carta
Constitucional e é assim considerada em face de sua relação imediata com a própria
vida e a dignidade da pessoa humana.5
No tocante à tutela da saúde, no plano constitucional brasileiro, as constituições
que antecederam a Constituição Federal de 1988 não a mencionavam expressamente,
apesar da existência de significativos problemas nessa seara. Disciplinavam, tão somente,
as competências legislativas e administrativas no âmbito sanitário (CARVALHO, 2003,
p. 15; ROCHA, 1999, p. 38-39).6
A Constituição Federal de 1988 foi aquela que consagrou, pela primeira vez, no
rol dos direitos sociais, o direito à saúde e passou a dispor, em seu art. 6º que “São
direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição.”
De acordo com José Afonso da Silva, na Constituição Federal de 1988, a saúde
foi considerada direito social, e sendo assim, como direito às prestações positivas
proporcionadas pelo Estado, direta ou indiretamente, possibilitando “[...] melhores
condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de
situações sociais desiguais” (SILVA, 1990, p. 289).
4
Preâmbulo da Constituição da Organização Mundial da Saúde, de 22 jul. 1946, com vigência a partir de
07 abr. 1948.
5
Art. 196 e seguintes da Constituição Federal de 1988.
6
De acordo com Hélio Pereira Dias, as constituições brasileiras (da primeira à Carta de 1967) abordavam
a saúde de maneira superficial, confundindo-a com ações de assistência social (DIAS, 2004.). A saúde era
reconhecida, particularmente nas Cartas de 1934 e 1937, como “direito do trabalhador, inserido no
mercado formal de trabalho, determinando sua assistência médico-social” (COSTA, 2001, p. 20).
68
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
O dispositivo que elenca o direito à saúde no rol dos direitos social é
complementado pelo art. 196 que dispõe ser “[...] direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de
doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua
promoção, proteção e recuperação”.
À vista destas disposições, verifica-se que se trata de um direito fundamental
na medida em que condiciona a efetiva fruição dos demais direitos fundamentais,
sobretudo o direito à vida, ou melhor, vida com dignidade. De outra parte, cuida-se de
um direito social e, portanto, exigível ao Estado para a consecução do bem comum e um
direito subjetivo de todos contra o Estado, visando à prevenção e à cura de
enfermidades (COMPARATO, 2011).
Os artigos 197 a 200 da Carta Constitucional ainda trazem a enumeração,
embora não taxativa, das atividades do Estado relacionadas à saúde, e nestas ações estão
compreendidos, inclusive, o controle e a fiscalização de procedimentos, produtos e
substâncias de interesse para a saúde e a participação da produção de medicamentos,
equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos, além do incremento
em sua área de atuação do desenvolvimento científico e tecnológico.7
Desta forma, vislumbra-se a participação do Estado na regulamentação,
fiscalização, controle e execução das ações e serviços públicos de saúde e ao mesmo
tempo na ordem econômica, esta que tem como finalidade assegurar a existência digna,
consoante os ditames da justiça social (CARVALHO, 2007a, p. 96).
Não obstante a previsão constitucional do direito à saúde acima tracejada, para
a sua efetiva concretização, é preciso se proporcionar os meios à saúde, assim
considerados, entre outros, os alimentos, a assistência médica, hospitalar e de
diagnóstico e os produtos medicinais.
João Mauricio Brambati Sant'Ana et allii, refere-se ao direito e ao dever do
Estado em promover a assistência farmacêutica integral e ao dever constitucional estatal
de proteger a saúde de seus cidadãos concretizado através do acesso ao medicamento.8
(SANT'ANA et al., 2011)
No tocante aos produtos medicinais ou medicamentos, estes podem ser
definidos como qualquer “preparação farmacêutica contendo um ou mais fármacos,
7
Art. 200, I e IV, da CF.
Em sentido idêntico, Gillermo Escobar explica sobre o conteúdo prestacional do direito à saúde que
abarca dois eixos: assistência sanitária e acesso aos medicamentos (ESCOBAR, 2008, p. 17).
8
69
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
destinada ao diagnóstico, prevenção ou tratamento das doenças e seus sintomas ou à
correção ou modificação das funções orgânicas, quer no homem, quer nos outros seres
vivos” (PRISTA, 1995, p. 26).9
Para Damião J. M. Cunha, os medicamentos são “substâncias para fins
medicinais ou cirúrgicos – todas as substâncias que com propriedades, curativas, ou
não, se atribuam cientificamente virtudes diagnósticas, profiláticas, terapêuticas ou
anestésicas em relação à saúde humana” (CUNHA, 1999, p. 1000). E, de acordo com
Luciana Patrícia de Carvalho, os medicamentos voltam-se:
[...] à promoção da saúde física e/ou mental, na sua forma preventiva e
incidental; são imprescindíveis, diante do competente diagnóstico, à
manutenção da vida com dignidade, ou seja, aquela que satisfaça ao pleno
desenvolvimento individual e social; relacionam-se as pesquisas e
desenvolvimentos das ciências exatas, destacadamente da farmacologia,
biologia e genética [...]. (CARVALHO, 2010)
Verifica-se que a saúde é considerada um bem jurídico fundamental daí razão de
sua tutela no plano constitucional. Nessa proteção estão abarcados os meios à saúde, ou
seja, os mecanismos para que a saúde efetivamente possa ser gozada, entre os quais tem
importância salutar os medicamentos.
Ademais, estes medicamentos devem efetivamente ser disponibilizados a todos
aqueles que deles necessitarem, ainda que não tenham condições de adquiri-los nas
farmácias de dispensação. Mais do que isso, não basta que os medicamentos sejam
efetivamente disponibilizados ou que a população tenha acesso aos mesmos na medida
das suas necessidades.
Importa que os medicamentos fornecidos a população e/ou disponíveis no
mercado para compra sejam seguros. Significa dizer que, além de possuírem os
constituintes imprescindíveis para prevenção ou cura de enfermidades, devem estar
livres de elementos que possam causar prejuízos à saúde.
Para Eloisa Israel de Macedo, Luciane Cruz Lopes e Silvio Barberato Filho que
acrescentam a esse conceito de segurança nos medicamentos, o acesso aos mesmos com
custos reduzidos:
9
De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (2011), medicamento é o “[...] produto
farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para
fins de diagnóstico”. Importa observar que no domínio da ANVISA, encontram-se as suas diversas
formas: os medicamentos podem ser bioequivalentes, biológicos, biotecnológicos, de controle especial, de
dispensação em caráter excepcional, de uso contínuo, de venda livre, essenciais, de interesse em saúde
pública, de referência, fitoterápicos, fitoterápicos novos, fitoterápicos tradicionais, fitoterápicos similares,
genéricos, homeopáticos, homeopáticos industrializados isentos de registro, homeopáticos
industrializados passíveis de registro, inovadores, para atenção básica, não prescritos, órfãos, similares e
tarjados.
70
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Cabe ao Poder Público ofertar à população os medicamentos mais
seguros (que sabidamente não provocam danos), eficazes (fazem o
que se propõem a fazer), efetivos (fazem o que se propõem a fazer
quando utilizados pelas pessoas em condições reais) e custo-efetivos
(entre as alternativas disponíveis, fazem o que se propõem a fazer, em
condições reais, ao menor custo) (MACEDO; LOPES; BARBERATO
FILHO, 2011).
Contudo, por inúmeras razões são negadas aos cidadãos seus direitos
fundamentais básicos. Nesse sentido, além da falta de acesso aos medicamentos, o
acesso é problemático na medica em que são submetidos a medicamentos inseguros,
assim considerados inclusive os que são adulterados ou falsificados.
Por isso, é interessante se estudar a proteção legal devida, para garantir a boa
qualidade dos medicamentos disponibilizados à população, conforme a reflexão que
segue.
A PROTEÇÃO LEGAL AOS MEDICAMENTOS
A legislação brasileira, considerando o paradigma constitucional, estabeleceu
inúmeras normas para regular o atendimento medicamentoso e para reprimir
comportamentos que violem o direito fundamental à saúde. Nesse sentido, podem-se
citar todas as regulamentações relacionadas aos serviços de saúde, como ocorre no
âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) com a Lei Federal n. 8.080/1990.
O Estado, através do SUS, deve participar, junto à ordem econômica, na
produção de medicamentos e incremento, em sua área de atuação estatal, do
desenvolvimento científico e tecnológico. Compete-lhe, além de outras formas de
assistência, a distribuição de medicamentos através de dispensários e de farmácias
populares.
Violações ao direito fundamental à saúde, especialmente no tocante ao
fornecimento de produtos como medicamentos podem ser objeto de sanção penal, tal
como se verifica nos crimes relacionados na Lei n. 8.078/1990 e Lei n. 8.137/1990
(legislação consumerista), além das disposições relativas aos crimes contra a saúde
pública, particularmente prevista no artigo 273 do Código Penal.10
10
Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou
medicinais: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa. § 1º - Nas mesmas penas incorre
quem importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou
entrega a consumo o produto falsificado, corrompido, adulterado ou alterado. § 1º-A - Incluem-se entre os
produtos a que se refere este artigo os medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os
71
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)11 é o órgão público
responsável pelo registro de medicamentos, pela autorização de funcionamento dos
laboratórios farmacêuticos e demais empresas da cadeia farmacêutica, além da
regulação de ensaios clínicos e de preços, atuando por meio da Câmara de Regulação do
Mercado de Medicamentos (CMED).
Assim atua de modo especializado o Governo Federal que busca dividir com os
Estados e Municípios a responsabilidade pela inspeção de fabricantes e inclusive pelo
controle de qualidade dos medicamentos. Para tanto, mesmo realizado o registro existe
um sistema de vigilância pós-comercialização (são ações de farmacovigilância) e de
regulação da promoção de medicamentos12.
A ANVISA mantem, inclusive, um sistema de Revisão Periódica de Produto
(RPP), que se trata de uma ferramenta de qualidade e de utilidade para aferir a boa
qualidade de medicamentos. As diretrizes adotadas no Brasil seguem os mesmos
princípios adotados internacionalmente, quando se trata deste assunto.13
A iniciativa de Revisão Periódica de Produtos com o objetivo de orientar o
setor regulado, bem como de manter um controle estatal perene sobre as expectativas
relacionadas ao cumprimento de regras de boas práticas de fabricação, acabam dando
margem, se ocorrem falhas no sistema de gestão de qualidade, que a população busque a
devida reparação civil por danos causados.14
cosméticos, os saneantes e os de uso em diagnóstico. § 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem
pratica as ações previstas no § 1º em relação a produtos em qualquer das seguintes condições: I - sem
registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente; II - em desacordo com a fórmula
constante do registro previsto no inciso anterior; III - sem as características de identidade e qualidade
admitidas para a sua comercialização; IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; V de procedência ignorada; VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária
competente. Modalidade culposa § 2º - Se o crime é culposo: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e
multa.
11
Cabe a Anvisa, ainda, de analisar pedidos de patentes relacionados a produtos e processos
farmacêuticos, em atribuição conjunta com o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e com a
finalidade de incorporar aspectos da saúde pública ao processo.
12
Disponível em: <http://portal.anvisa.gov.br/wps/content/Anvisa+Portal/Anvisa/Inicio/Medicamentos>.
Acesso em: 13 mar. 2013.
13
A agência americana FDA (Food and Drug Administration), por exemplo, tem exigido a adoção de tal
instrumental desde 1979. Enquanto a agência européia EMA (European Medicines Agency) tornou efetiva
a necessidade de adoção de referidas normas de Revisão Periódica de Produtos a partir de 2006. No
Brasil, a Anvisa publicou em outubro de 2006, um Guia minucioso quanto à Garantia da Qualidade. Mas,
somente em abril de 2010, com a publicação Resolução – RDC 17/2010, a utilização desta tornou-se
compulsória no Brasil. Portanto, hoje a Revisão Periódica de Produto deve ser realizada para todos os
medicamentos registrados pela Anvisa. (Guia sobre Revisão Periódica de Produtos – Gerência de
Inspeção e Certificação de Medicamentos e Insumos Farmacêuticos, 2012, p. 3)
14
Importa fazer menção à significativa jurisprudência sobre o tema do fornecimento de medicamentos
como meio de acesso ao direito à saúde, a partir do compartilhamento de responsabilidade entre União,
Estados e Municípios, leia-se: TRF2 - APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO: APELREEX
200951010017794
RJ
2009.51.01.001779-4.
Proc.
APELREEX
200951010017794
RJ
72
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Não fosse o bastante, o Brasil adota o sistema de rastreabilidade de
medicamentos (Lei n. 11.903/2009) e para o especial desempenho desta função criou-se
um Sistema Nacional de Controle de Medicamentos, que envolve a produção,
comercialização, dispensação e a prescrição médica, odontológica e veterinária, dentre
outras providencias (art. 1º).
O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990) igualmente ampara o
direito fundamental à saúde e aos seus meios, na medida em que se fundamenta na Carta
Constitucional e estabelece, como premissa fundamental, a proteção da vida, a saúde e a
segurança contra os riscos provocados, aplicando-se aos medicamentos e produtos afins,
entre outras práticas, a informação adequada e clara sobre produtos e serviços, bem
como os riscos que porventura apresentem. Possibilita, ademais, a proteção contra a
publicidade enganosa e abusiva, auxiliando a colocação e manutenção de produtos e
serviços no mercado de consumo que não acarretem riscos à saúde e segurança dos
consumidores.15
Há que se fazer referência, também, à Lei n. 9.279/1996 (Código de
Propriedade Industrial) que em seu bojo regula as patentes, a qual se encontra em
harmonia com a ordem internacional, vinculando-se aos acordos da Organização
Mundial do Comércio. A propriedade industrial pode ser definida como um segmento
da propriedade intelectual que:
[...] trata das criações intelectuais voltadas para as atividades de
indústria, comércio e prestação de serviços e engloba a proteção das
invenções, desenhos industriais, marcas, indicações geográficas,
estendendo-se ainda à proteção das relações concorrenciais”. (IDC,
2005, p. 9)
2009.51.01.001779-4. Relator (a): Juiz Fed. FLAVIO DE OLIVEIRA LUCAS. Julg. 02/03/2011. Órgão
Julgador: 7ª T. ESPECIALIZADA. Publ.: E-DJF2R - 18/03/2011 – p. 372. Ementa: CONSTITUCIONAL
- ADMINISTRATIVO -FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS - DIREITO À SAÚDE -ART. 196,
CRFB/88 - RESPONSABILIDADE DA UNIÃO, ESTADOS E MUNICÍPIOS - LEI nº 8.080/90 LEGITIMIDADE PASSIVA. 1- Ação ajuizada em face da UNIÃO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO e
do MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO objetivando o fornecimento do medicamento ETARNECEPT 25
MG, necessário para o tratamento de psoríase. 2- A saúde, elemento integrante da Seguridade Social, é
direito social constitucionalmente tutelado, constituindo o seu zelo em obrigação estatal, estabelecida no
art. 196 da Carta Magna de 1988, que assim dispõe: "a saúde é direito de todos e dever do Estado". 3- A
responsabilidade pela garantia do fornecimento de medicamentos imprescindíveis à manutenção da saúde
é solidária entre os entes da Federação: "o Sistema Único de Saúde é financiado pela União, Estadosmembros, Distrito Federal e Municípios, sendo solidária a responsabilidade dos referidos entes no
cumprimento dos serviços públicos de saúde prestados à população" (REsp nº 439833/SP, Primeira
Turma, Rel. Min. DENISE ARRUDA, DJ de 24.04.2006). 4- O inciso I, do art. 198, da Constituição
Federal, prevê que cada esfera do Governo tem competência diretiva; inclusive, seu parágrafo único
determina que os Estados e os Municípios também contribuam financeiramente. 5 - São responsáveis,
solidariamente, a União, os Estados os Municípios, pelo fornecimento gratuito de medicamentos para o
tratamento de doentes, não havendo, portanto, que se falar em ilegitimidade passiva desses entes. 6Negado provimento aos Agravos Internos. (sem grifos no original).
15
O artigo 6º do CDC estabelece os direitos básicos do Consumidor.
73
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
E a proteção das invenções é conferida através do direito de obter patente, que
pode ser definida como um privilégio temporário, concedido pelo Estado a uma pessoa,
seja ela física ou jurídica, devido à criação de algo novo, produto ou processo,
pertencente a qualquer campo da tecnologia, e que seja suscetível de trazer benefícios à
sociedade (PIMENTEL, 1999, p. 209; CARVALHO, 2011, p. 17).
A proteção à propriedade intelectual estabelece uma poderosa prerrogativa que
confere ao seu titular “[...] o poder de excluir terceiros que pratiquem a invenção
patenteada, mesmo que a tenham desenvolvido de forma independente, sem fazer uso
dos ensinamentos contidos na patente.”16
Em relação aos objetos patenteáveis, encontram-se, entre tantos outros, aqueles
que procedem da indústria química, alimentícia e farmacêutica. Nessa sede, procede o
legislador de 1996 de forma diversa do legislador de 1971, posto que o primeiro
privilegiava estas áreas. Ressalva a atual legislação a patenteabilidade de invenções
contrárias à moral, aos bons costumes e à segurança, e à ordem, bem como à saúde
pública, é de tônica preponderante.
O texto legal atual está em consonância com o texto do Acordo Trade Related
Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS), como se pode observar pelo disposto
no art. 230 da Lei n. 9.270/1996.17 Já no art. 9º, da legislação anterior (Lei n.
5.772/1971) havia a proibição de se patentearem substâncias, matérias, misturas ou
produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos.
Segundo a doutrina, “essa proteção dos interesses do titular de patente existe
para incentivar a atividade inventiva, buscando compensar os gastos efetuados para a
realização da pesquisa e desenvolvimento do novo invento e estímulo para novas
invenções” (BARBOSA; SILVA; AVANCINE, 2009, p. 2584-2586). Ademais,
Tem-se este arcabouço protetivo para, primeiro, proteger os direitos dos
pesquisadores, desenvolvedores, produtores e comerciantes de medicamentos
ou cosméticos; segundo, para incentivar estes mesmos a permanecerem
nestas atividades, uma vez que são eles, predominantemente, e não o Estado,
16
A proteção está amparada na própria Lei de Propriedade Industrial (art. 8º e 42 da Lei nº 9.279/1996).
Difere dos direitos autorais sobre obra ou segredo de fábrica “[...] possui exclusividade no uso de sua obra
podendo mesmo excluir terceiros, porém não tem o direito de excluir terceiros de utilizarem a obra ou a
tecnologia (no caso dos segredos de fábrica) que tenha sido, respectivamente, criada ou obtida de forma
original e independente, após a sua criação ou, no caso dos segredos de fábrica, seu uso” (IDC, 2005, p.
82).
17
Lê-se em referido dispositivo de lei: “poderá ser depositado pedido de patente relativo às substâncias,
matérias ou produtos obtidos por meios ou processos químicos e as substâncias, matérias, misturas ou
produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos de qualquer espécie, bem como os
respectivos processos de obtenção ou modificação”.
74
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
que desenvolvem produtos fármacos à sociedade; e, terceiro, como forma de
se efetivar a acessibilidade de medicamentos através de novos medicamentos.
(CARVALHO, 2010)
Desse modo, no âmbito dos inventos e do depósito de patentes, produtos como
os medicamentos podem entrar “[...] em circulação sem as garantias de patente e
acabam sendo copiados, não raras vezes, sem a mínima técnica e qualidade, colocando
em risco a confiabilidade do produto original e sua rentabilidade” (CARVALHO, 2011,
p. 134). Enquanto a contrafação de medicamentos, especialmente dos patenteados, viola
a propriedade industrial, além de colocar em risco a saúde e a vida da população.18
A Lei n. 9.279/1996 também prevê em caso de violação à proteção patentária a
responsabilidade penal nos artigos 183 a 186. Desse modo, estará sujeito à detenção de
três meses a um ano, ou multa, aquele que fabrica produto que seja objeto de patente de
invenção ou de modelo de utilidade, sem autorização do titular, ou que usa meio ou
processo que seja objeto de patente ou invenção sem autorização do seu titular.19
Importa destacar que, ainda que não se reconheça o status de direito fundamental
da propriedade industrial, é preciso conjugar os dispositivos constitucionais relativos à
saúde, dignidade e vida e à ordem econômica, que devem fundar-se na valorização do
trabalho humano e na livre iniciativa, com o fim de assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social.20
No que se refere ao fornecimento de medicamentos, o Estado deve intervir
especialmente de forma preventiva, assim como na ordem econômica voltada ao
desenvolvimento (CARVALHO, 2007a).
E as violações à regulamentação relativa à saúde pública e à propriedade
industrial, que merecem atuação estatal planejada estrategicamente deve se dar de forma
a prevenir danos aos cidadãos. Por meio de políticas e de ações integradas como a
fiscalização e conscientização da população, bem como com a repressão criminal,
considerando os valores jurídicos afetados.
A pirataria literalmente faz lixo de toda a evolução e luta histórica da sociedade por décadas a fio para
estabelecer o consagrado direito do consumidor, especialmente quando assistimos, pasmos, os dados da
OECD (Organization for Economic Development and Cooperation) recém-divulgados no Terceiro
Congresso Mundial de Combate à Pirataria e à Falsificação em Genebra no dia 31 de Janeiro deste ano:
30% dos remédios transacionados em todo o mundo são falsificados (CRUZ, 2012). Além dessa, outra
notícia: O presidente da Comissão de Propriedade Intelectual e Direito Autoral da Ordem dos Advogados
do Brasil em Mato Grosso, Geraldo da Cunha Macedo, denunciou nesta quinta-feira a comercialização no
Estado até de medicamentos pirateados. Essa prática é considerada de alto risco para a saúde das pessoas.
“Há concorrência entre os próprios ambulantes. Nosso mercado está sendo inundado por produtos piratas
e isso afeta muito a economia do nosso país”- ele disse. (24 horas News, Cuiabá, 2011).
19
Art. 183 da Lei n. 9.274/1996.
20
Art. 170 da Constituição Federal.
18
75
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
A PROTEÇÃO DOS MEDICAMENTOS NO ÂMBITO DO SISTEMA
CORPORATIVO
Antes de iniciar a discussão a respeito da proteção patentária dos
medicamentos no âmbito nacional, impõe-se proceder a algumas discussões essenciais
que se ligam fundamentalmente ao assunto.
Nesse sentido, importa consignar que os produtos farmacêuticos, a princípio de
produção rudimentar, ganham contornos mais precisos com o advento da indústria e,
depois, com a globalização. Além da melhoria de suas propriedades e condições de
apresentação, com o investimento em pesquisa e tecnologia, a industrialização de
produtos farmacêuticos também permitiu o acesso desses produtos a diversas pessoas.
Agregue-se a isso que o comércio de medicamentos, hodiernamente, ultrapassa
os limites territoriais, deixando de existir o interesse preliminar de melhoria das
condições de vida ou cura de enfermidades, alcançando objetivos diversos, que
repercutem em ganhos não só dos entes privados, mas também na manutenção do
próprio Estado, com tributações e negócios comerciais internacionais.
É possível afirmar, portanto, que no âmbito da indústria farmacêutica existem,
em tese, ganhos para todos os envolvidos, da população que necessita dos meios para a
prevenção e a cura de enfermidades, para o setor econômico, com geração de emprego e
de capital.
O surgimento de inúmeras tecnologias no campo da indústria farmacêutica e a
disponibilização de seus produtos a pessoas indeterminadas espalhadas por diversas
partes do globo demonstram que a proteção à propriedade industrial é um evento
intimamente conectado ao fenômeno da globalização.
Nesse sentido, Gilson Sidney Amâncio de Souza explica que:
[...] na esteira das vultosas e aceleradas transformações na vida econômica do
mundo capitalista, determinadas pela acentuada e extraordinária expansão
dos meios de comunicação e transporte, aliada a um período razoavelmente
duradouro de ausência de grandes conflitos armados, que propiciam uma
imbricação nunca dantes vista nas relações sociais, políticas e econômicas
internacionais, na conformação do que se convencionou denominar
globalização, as marcas e desenhos industriais, itens relevantes do rol da
propriedade industrial, transbordam do âmbito privado, quer sob o prisma
pessoal, quer sob o prisma patrimonial, para ganhar contornos de coisa
pública, de símbolo social, aproximando-se mesmo da função de signos
oficiais, [...]. É patente que o interesse na autenticidade dos desenhos e
marcas industriais, e a repressão à falsificação, extrapolam, na maioria das
vezes, os singelos limites dos interesses patrimoniais das empresas titulares
desses bens e adquire contorno de ofensa aos interesses sociais em geral, e
76
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
dos consumidores, difusamente considerados, em especial. (SOUZA, 2005, p.
101)
Tocante a isso, é possível compreender que a globalização “implica uma
crescente interconexão em vários níveis da vida cotidiana a diversos lugares longínquos
do mundo” (LIMA, 2002, p. 127). Ensina Abili Lázaro Castro de Lima, a partir das
dimensões21 da globalização identificadas por Listz Vieira, que uma imbricada na outra,
no entanto, todas perpassadas pelo viés econômico. O mesmo autor explica que a
“globalização do mercado está fundada num conjunto de medidas e de políticas
presentes na teoria econômica denominada neoliberalismo.” (LIMA, 2002, p. 131 e ss.)
O neoliberalismo, como conjunto de medidas político-econômicas, tem, em sua
essência, o objetivo de proteção das capacidades empreendedoras e do livre mercado,
proteção esta que garantirá o crescimento econômico e o desenvolvimento social do
país. Para a consecução desse objetivo, entretanto, é mister a participação do Estado,
embora advogue-se a sua intervenção mínima.22
David Harvey, avaliando a intervenção do Estado neoliberal esclarece que ele é
absolutamente necessário. A intervenção mínima refere-se às prestações sociais do
Estado em relação aos seus consociados, tendo em vista seu propósito de, não empregar
recursos em ativos públicos, investir em atividades produtivas, visando, ainda que em
tese, a geração de emprego e renda.
A intervenção necessária, entretanto, refere-se a sua capacidade de regular
comportamentos que visem o bem-estar das corporações através da supressão ou
simplificação das regulações de mercado23, o estímulo à concorrência inclusive no plano
21
Abili Lázaro Castro de Lima dá destaque às formas de globalização, quais sejam: globalização política,
social, ambiental, cultural e econômica. (2002, p. 128)
22
Coincidem os autores a respeito das premissas fundamentais do neoliberalismo. Nesse sentido, conferir
HARVEY, 2011, p. 09); KLEIN, 2008, p. 18, 73; CHOMSKY, 2002, p. 22; LIMA, 2002, p. 254;
ANDERSON, 2007, p. 19.
23
David Harvey, ao relatar a implantação do programa neoliberal nos Estados Unidos a partir de 1980,
faz alusão aos inúmeros privilégios destinados às corporações, especialmente no tocante à
desregulamentação. Narra o autor que “Ordenou-se ao Office of Management and Budget [...] a
realização de uma completa análise de custo-benefício de todas as propostas de regulamentação (passadas
e presentes). Caso não se pudesse demonstrar que os benefícios da regulamentação excediam
inequivocamente os seus custos, as regulamentações deviam ser jogadas no lixo. Para completar,
elaboradas revisões do regulamento fiscal – referentes em particular à depreciação de investimentos –
permitiram que muitas corporações fugissem a toda taxação, ao mesmo tempo em que a redução da taxa
mais alta do imposto das pessoas físicas de 78% para 28% obviamente refletiu a intenção de restaurar o
poder de classe [...]. o pior de tudo foi a livre transferência de ativos públicos para mãos privadas. Muitos
dos principais avanços revolucionários na pesquisa farmacêutica, por exemplo, receberam recursos do
National Institutes of Health [...] em colaboração com as indústrias farmacêuticas. Mas em 1978 permitiuse que elas se apropriassem de todos os benefícios em termos de direitos de patente sem nada devolver ao
77
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
internacional. Sua intervenção é fundamental, ademais, para impor as leis de mercado,
uma vez que é o detentor do monopólio dos meios de violência e se necessário,
lançando mão de legislação coercitiva e táticas de policiamento para dispersar o
reprimir formas coletivas de oposição ao poder corporativo.24
Oportuna, nesse sentido, é a análise de Boaventura de Sousa Santos a respeito da
regulamentação estatal subjugada pelo programa neoliberal:
[...] Ao contrário do que aconteceu em tempos passados, a força diretriz por
trás da transformação do Estado e da sua legalidade é a intensificação das
práticas transnacionais e as interações globais; sob essas pressões, as funções
reguladoras do Estado-nação passariam a ser derivadas, é dizer, passam a
depender dos imperativos da globalização econômica tal como são
formulados pelas organizações internacionais (o Banco Mundial, a
Organização Mundial do Comércio, o Fundo Monetário Internacional, etc.)
ou pelas próprias empresas multinacionais dos estados hegemônicos, na
defesa dos interesses destes, sobretudo as norte-americanas. Um exemplo
desta situação encontra-se, na pressão dos Estados Unidos em favor da
adoção de novas leis sobre patentes a nível global. Nesta circunstância, a
regulação estatal, sobretudo na periferia e na semi-periferia do sistema
mundial se converte numa espécie de subcontratação ou franquia política.
(LIMA apud SANTOS, 2002, p. 198).
De observar-se que o Estado, influenciado pelo poder das corporações, tem
reformulado a legislação e as estruturas regulatórias (inclusive atendendo a interesses
específicos, v.g. produtos farmacêuticos), bem como seu aparato administrativo para
beneficiar os interesses econômicos e de mercado. As corporações, por sua vez,
influenciam fortemente a redação das leis, na determinação das políticas públicas e na
implantação de estruturas regulatórias, mais vantajosas para eles mesmos.25 Influenciam
o processo eleitoral quando não fazem parte do próprio governo, legislando, portanto,
em causa própria (HARVEY, 2011, p. 87).
Nesse sentido, é possível denominar esse Estado que adota medidas neoliberais
de Estado corporativo26 na medida em que privilegia a elite de negócios.
Os propósitos divulgados pelo programa neoliberal de dignidade humana e da
liberdade individual como valores supremos, especialmente diante das formas mais ou
Estado, garantindo-se assim à indústria a partir de então lucros altos e altamente subsidiados” (2011, p.
61).
24
Com a implementação das políticas neoliberais há, como consequência, a perda do monopólio do poder
do Estado (sobre seus meios de coerção) dentro de suas fronteiras. O Estado fica refém das decisões das
corporações internacionais, legislando e realizando o controle para execução de suas políticas, fazendo
com que se debilite a sua soberania (LIMA, op. cit., p. 155).
25
Harvey explica que uma das premissas fundamentais do neoliberalismo é a desregulação e, dentro
dessa lógica, os acordos internacionais entre os países para garantir o direito e liberdade de comércio são
fundamentais. Nesse sentido, lembra dos acordos firmados no âmbito da Organização Mundial do
Comércio (v.g. Acordo Geral de Tarifas e Comércio) (2011, p. 109).
26
A ideia de Estado corporativo ressai da análise de Naomi Klein, em sua obra A doutrina do choque
(2008, p. 25).
78
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
menos autoritárias de intervenção estatal, não passam de um discurso ideológico com o
objetivo precípuo de convencer através da persuasão, cooptação ou até mesmo através
da chantagem ou ameaça.27 Esses direitos individuais são substituídos por direitos
corporativos: direitos de propriedade privada e a taxa de lucro, igualdade de
oportunidades no mercado e perante a lei, liberdade e de escolha em termos de contrato
como de troca.
Entre outros direitos protegidos pelo Estado na sua versão neoliberal destaca-se
a proteção da propriedade intelectual que se dá por meio das patentes como forma de
estimular as mudanças tecnológicas e, de conseguinte, o aumento da produtividade e
dos padrões de vida mais elevados. Particularmente sob essa perspectiva, não há
igualdade entre os agentes que operam no mercado. No âmbito mercado, os agentes
melhor informados e mais fortes têm mais vantagem que pode ser mobilizada para
obtenção de mais informação e mais poder. David Harvey sobre isso esclarece, ademais
que:
Além disso, o estabelecimento de direitos de propriedade intelectual
(patentes) estimula a “busca de renda”. Quem detém os direitos de patente
usa seu poder de monopólio para estabelecer preços de monopólio e evitar
transferências de tecnologia exceto se se pagarem altos preços. Por
conseguinte, as relações assimétricas de poder tendem antes a aumentar do
que diminuir com o passar do tempo, a não ser que o Estado aja para se
contrapor a elas. O pressuposto neoliberal de perfeito acesso a informações e
de igualdade de condições na competição parece ser ou inocentemente
utópico ou um escamoteamento deliberado de processos que vão levar à
concentração de riqueza e, portanto, à restauração do poder de classe.
(HARVEY, 2011, p. 75)
Do ponto de vista histórico, segundo David Harvey, sempre foi possível
vislumbrar o ideal de acumulação de capital e restauração do poder econômico de uma
pequena elite (HARVEY, 2011, p. 26-27).
Naomi Klein manifestando-se a respeito das medidas keynesianas do laissez
faire, aduz que estavam custando bastante caro ao setor corporativo que buscava a
restauração do território perdido, a volta ao modelo de capitalismo ainda mais
desregulado do que aquele anterior à depressão (KLEIN, 2008, p. 72). A preocupação
na época, portanto, mais do que uma “saída” para o capitalismo, era a proteção das
elites contra a aniquilação política e econômica (HARVEY, 2011, p. 26).
27
Diversos autores, na análise do programa neoliberal, contestam o fato de que essa forma de capitalismo
nasceu da liberdade. Na verdade, evidenciam que o neoliberalismo surge no contexto da crise, sendo
implementado pela doutrina do choque econômico. Nesse sentido, conferir Naomi Klein (2008, p. 28);
Noam Chomsky (2002, p. 12); David Harvey (2011, p. 46).
79
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Com o neoliberalismo, o Estado passa a ser o principal agente de políticas
redistributivas, revertendo o fluxo que vai das classes baixas para as elites de negócios,
ou seja, para a manutenção de seus privilégios tanto políticos quanto econômicos. E
nesse sentido, as formas de acumulação de capital do programa neoliberal (acumulação
por espoliação), entre as quais podem ser citadas a privatização e mercadificação28,
favorecem as corporações e de um modo geral às classes altas.
Harvey explica que tudo, a princípio, pode ser transformado em mercadoria
(objeto de compra e de venda), inclusive, a originalidade, autenticidade e criatividade
intelectual, posto que, no âmbito do programa neoliberal há necessidade de construir
mercados para a terra, para o trabalho e para o dinheiro.
Nesse sentido, importa destacar que a proteção das marcas e patentes, e de uma
forma geral das grandes indústrias, ganha destaque com o advento do programa
neoliberal. Surge desse modo, outro conflito que se estabelece entre o direito à saúde e
aos meios de saúde, e o direito à exploração industrial e aos privilégios das empresas
farmacêuticas. Assim, entre o bem-estar individual e o corporativo, prevalece este
último.
No contexto neoliberal, portanto, tudo se transforma em mercadoria com o
propósito de aumentar o patrimônio privado de pequenas elites econômicas, ainda que
em detrimento da saúde e até vida das pessoas. Enquanto os Estados se esforçam por
garantir a livre economia de mercado, privilegiando interesses econômicos corporativos
multinacionais e internacionais, a batalha pelo acesso de medicamentos segue muito
fragilizada.
Segundo a organização internacional independente Médicos Sem Fronteiras
(MSF) não se pode ganhar o “jogo contra o mercado de capitais” com estratégias ‘país
por país’ ou ‘medicamento por medicamento’, daí a importância do trabalho de
conscientização, que desperte a necessidade de desenvolvimento e novas soluções em
longo prazo eficientes e sustentáveis. 29
Do governo brasileiro, enquanto um novo consenso mundial não se estabelece
em bases mais humanísticas, espera-se a demonstração de força e boa vontade política
para alterar a lei nacional no que for possível. Garantindo o acesso equânime a
28
Leia-se mercantilização.
Disponível em: <http://www.msf.org.br/conteudo/127/encontrando-solucoes-sustentaveis/>. Acesso
em: 12 mar. 2013.
29
80
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
medicamentos de qualidade, ainda que isso implique afrontar monopólios econômicos,
para beneficio da população.
CONCLUSÃO
A abordagem dos direitos fundamentais de acesso a medicamentos,
contemplando a proteção legal boa à qualidade de produtos medicinais, frente à
influência do sistema corporativo, no bojo do fenômeno da globalização e do
neoliberalismo mundial contemporâneo, é de fato um tema a ser mais bem refletido pelo
jurista.
O medicamento, mais que um o produto de comércio rentável, é fonte de
melhora de qualidade de vida ou mesmo de manutenção da existência humana, que resta
fragilizada frente às mazelas que marcam o acesso desigual de produtos farmacêuticos –
eficientes, seguros e baratos – para boa parte da humanidade. Especialmente os mais
desprotegidos (economicamente), inclusive em solo brasileiro, não têm direito a saúde,
que permanece como privilégio de poucos.
A conjuntura internacional e neoliberal, conforme demonstrado no texto, impõe
ao Estado Nacional a uma situação altamente comprometedora, no que diz respeito à
efetividade do direito fundamental à vida digna. O sistema de patentes, mantido por
acordos internacionais de cunho corporativos, acaba dificultando a implantação e
manutenção de políticas públicas de amplo acesso à saúde e a medicamentos.
Novas pesquisas precisam enfrentar mais de perto o atual sistema de proteção à
propriedade intelectual (marcas e patentes), regulado pelo Acordo Internacional General
Agreement on Tariffs and Trade. Já que a este trabalho, é suficientemente complexo
enfrentar o inadequado tratamento dispensado a produtos essenciais à vida e a saúde
(medicamentos), frente às suas implicações econômicas e políticas.
Muitas e justificadas são as polêmicas e crescente é o descontentamento de
segmentos sociais em vários países, desenvolvidos e em desenvolvimento, fenômeno
que mostra uma salutar preocupação com os mais pobres. Esta nova onda de
mobilização do Estado e de organismos internacionais independentes (movimentos
sociais), que desejam alterar a atual sistemática de proteção adotada, também pode ser
desdobrada num estudo particularizado.
81
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
No Brasil, dada à complexidade do sistema de marcas e patentes, bem como no
Código de proteção a marcas e patentes, pode justificadamente merecer um estudo em
apartado.
Não obstante, as múltiplas implicações, peculiaridades e abrangência dos
acordos internacionais sobre o comércio, fabricação e distribuição de produtos
farmacêuticos e de medicamentos, também, são condignas a um estudo específico e
aprofundado.
Por evidente, dada às limitações do presente artigo, estes temas conexos foram
enfrentados de modo não exaustivo, de modo a abrir um novo caminho de reflexão
intelectual à comunidade jurídica e científica. Certamente dotado de pretensões altivas,
mas, sobretudo, marcado pela coragem de endossar a denúncia de que os Acordos
internacionais vigentes asseguram os lucros privados (corporativos) e expõem parcela
considerável pessoas ao risco de morte.
A esperança maior, a grande utopia, é ser como uma voz de alerta para a devida
intervenção estatal necessária a estabelecer equilíbrio e proteger efetivamente o direito
fundamental a vida e a saúde da população, revitalizando os esgarçados laços de
cidadania.
Um novo Estado capaz de adotar medidas que minimizem as desigualdades
sociais reais, que seja apto a dar acesso a medicamentos de qualidade de modo
universal, como expressão de um direito inato e não como privilégio ou favor
dispensado a poucos.
O planejar estrategicamente, negociar internacionalmente e, no plano interno,
tornar mais efetivo o direito à vida e a saúde, efetuando a relativização de valores
econômicos e de mercado, são as novas funções a serem perseguidas pelo Estado
Nacional, de modo a proporcionar melhor qualidade de vida a seu povo. Sem esquecer
que saúde não é ausência de doença, mas sim, expressão concreta de vida digna em sua
plenitude.
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85
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
A REFORMULAÇÃO DE UM CONCEITO A PARTIR DA RECONSTRUÇÃO DE
SEU CONTEÚDO: DO DIREITO DE PROPRIEDADE PROPOSTO POR LEON
DUGUIT AO DIREITO INDUSTRIAL
A RECAST OF A CONCEPT FROM THE RECONSTRUCTION OF ITS CONTENTS: THE
RIGHT OF PROPERTY PROPOSED BY LEON DUGUIT TO INDUSTRIAL LAW
Nathalie de Paula Carvalho*
Valter Moura do Carmo**
RESUMO
Pretende-se nesta pesquisa apresentar uma visão do direito de propriedade à luz das orientações do
neoliberalismo e da globalização, dominantes do mundo e das economias de mercado, partindo da concepção
formulado por Leon Duguit e o embrião da ideia de função social. Buscar-se-á ir além dos tradicionais conceitos
de propriedade funcionalizada, muitas vezes sem o adequado aparato teórico e prático para se sustentar,
culminando na chegada aos postulados do não tão novo direito industrial, o qual proporcionou solavancos em
cima das repercussões jurídicas e sociais. Apresentar-se-á, primeiramente, um aparato histórico que se relaciona
com a feição atual do direito de propriedade, algumas considerações sobre o neoliberalismo e a globalização, um
escorço histórico sobre o instituto para, em seguida, ser iniciado um processo de reconstrução do direito de
propriedade baseado no novo cenário mundial, dominado e escravizado pelo fator tecnologia, sob o ponto de
vista econômico e, com estas premissas, localizá-lo no direito contemporâneo, elucidando a importância do
Direito Industrial e a propriedade imaterial.
PALAVRAS-CHAVES: Propriedade; Tecnologia; Direito Industrial.
ABSTRACT
The aim of this research was to present a view of property rights under the guidelines of neoliberalism and
globalization, and the world's dominant market economies, starting from the design formulated by Leon Duguit
and the idea of social function. Search will go beyond traditional concepts of property functionalized, often
without adequate practical and theoretical apparatus to sustain itself, culminating in the arrival of the postulates
not so new industrial law, which provided bumps on top of legal and social implications. Presenting will be, first,
an apparatus that history relates to current feature of ownership, some considerations about neoliberalism and
globalization, a foreshortened history of the institute to then be a process of reconstruction of the right property
based on the new global scenario, dominated and enslaved by technology factor, under the economic point of
view and with these assumptions, locate it in contemporary law, elucidating the importance of the Right
Industrial and immaterial property.
KEY-WORDS: Property; Industrial Law; Technology.
*
Doutoranda em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Mestra em Direito Constitucional pela
Universidade de Fortaleza – UNIFOR.
** Doutorando em Direito na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Mestra em Direito Constitucional pela
Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Bolsista do CNJ Acadêmico/CAPES.
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INTRODUÇÃO
Em que pese o fundamento controvertido do direito de propriedade, deve-se priorizar
a discussão segundo a qual a regulamentação da interação entre os homens não pode deixar de
envolver também uma disciplina das relações entre os indivíduos e as coisas. Este deveria ser
o primeiro pilar do direito real, ainda que exista o peso do cumprimento de deveres anexos.
O Neoliberalismo consiste em um conjunto de ideias políticas e econômicas
capitalistas que defende a mínima participação estatal nos rumos da economia de um país,
principalmente na livre iniciativa: “para manter os lucros, o capital precisa estar
constantemente explorando novos mercados”. (HELD; McGREW, 2001, p.16).
Para ilustrar, prega-se a minimização do Estado, tornando-o mais eficiente pela
abertura da economia para o capital internacional e a sua desburocratização, contraria-se a
tributação excessiva, a favor do aumento da produção, como objetivo básico de atingir o
desenvolvimento econômico etc.
Os críticos mais atentos ao sistema afirmam que a economia neoliberal beneficia,
principalmente, as grandes potências econômicas e as empresas multinacionais. Os países em
processo de desenvolvimento sofrem com os resultados de uma política neoliberal, marcados
por consequências devastadoras dessa ideologia: desemprego, baixos salários, aumento das
diferenças sociais, monopólios, dependência do capital internacional, afastando-se de
possíveis soluções para esses problemas, v.g. uma melhor distribuição de renda para diminuir
a pobreza, melhorias na educação, a responsabilidade do capital e do trabalho, diretrizes para
o bem-estar social etc.
Trata-se, portanto, de uma liberdade vigiada, na medida em que o caráter absoluto
dos direitos, sejam de quaisquer espécies, não se mostra como uma característica dominante.
Pelo contrário, excludente em sua essência. Nem mesmo o direito a vida o é, ainda que
considerado por muitas vozes como o sustentáculo de uma sociedade democrática.
Desta forma, no que tange ao direito de propriedade, afirma-se que não existe um
conteúdo inflexível, haja vista que se trata de um conceito que se modifica ao sabor da
história, das injunções econômicas, políticas, sociais e religiosas, o que é comum em todas as
instituições, principalmente no que se relaciona com as influências, diretas e indiretas, do
sistema econômico dominante.
87
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1 UMA ANÁLISE HISTÓRICA DO DIREITO DE PROPRIEDADE
O conceito constitucional de propriedade é associado a um complexo de direitos
patrimoniais traduzíveis economicamente. O Código Civil de 2002, em seu art. 1228, aliou os
elementos econômico, o qual, de regra, é o que leva o individuo a acumular propriedade, e o
social, respaldado por garantias constitucionais.
O Direito brasileiro sofreu grandes influências do sistema das sesmarias, herança da
colonização portuguesa, conforme relembra Laura Beck Varela (2005, p. 121-129). A
propriedade privada no Brasil nasceu do direito público, pois todas as terras, no início,
pertenciam a Portugal. Com as mudanças no contexto histórico, surgiram os direitos
reguladores da transferência da propriedade do poder público para os particulares, que se deu
por meios de doações, permutas, compras e vendas. O que havia de comum era (e ainda é) a
considerável influência do cenário econômico.
Através das concessões de sesmarias, teria surgido a propriedade privada e, dentre as
condições da sua ocupação, estavam o cultivo da terra e seu povoamento com a consequente
da perda do direito sobre a área concedida. Eram os deveres diretos anexos do proprietário,
um germe da função social da propriedade já preconizada Direito Francês por Leon Duguit
(2006).
A Constituição brasileira imperial de 1824 – art. 179, XXII – tratou o direito de
propriedade de modo absoluto, como um direito sagrado e inviolável, tomando por base as
constituições francesa e portuguesa. Não se vislumbrava nenhum interesse social no domínio.
Em 1891, no art. 72, § 17 do texto constitucional, repetiu-se a orientação constitucional já
mencionada, com alguns toques liberais oriundos da sistemática americana, valendo
mencionar ainda a previsão da desapropriação por necessidade ou utilidade pública. Por meio
das concessões de sesmarias, teria surgido a propriedade privada e já foi visto que, dentre as
suas condições, estavam o cultivo da terra e seu povoamento com a consequência da perda do
direito sobre a área concedida.
Apenas a titulo de curiosidade, menciona-se o Ager Publicus, quando Portugal
aplicou as orientações romanas para a distribuição das terras. Avançando na historia do direito
de propriedade, a Declaração da Virginia de 1776 e a Declaração dos Direito do Homem e do
Cidadão em 1789 afirmavam que uma terra abandonada era passível de retorno ao reino que
distribuirá a quem queira torná-la produtiva, seguindo sempre as ordenações do reino.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Dentre os principais deveres do proprietário, já nesse período, encontra-se a
controvertida função social da propriedade, partindo-se da previsão de um procedimento para
averiguar o cumprimento da mensagem instalada, ainda que tacitamente, nos ordenamentos
jurídicos, embrionários (v.g. no Brasil) ou já desenvolvidos (v.g. Franca, Estados Unidos). Em
que pese seus ideais, a partir da Revolução Francesa, passou-se a prever a necessidade ou
utilidade pública como motivos ensejadores da desapropriação.
Associava-se a ideia de moradia ao cultivo do terreno, requisito este que, atualmente,
se mostra relativizado. Parece prudente relacionar o direito de propriedade com obrigações
recíprocas que tenham valor patrimonial, regidos, naturalmente, por uma legislação
legitimada e, portanto, apta a produzir seus efeitos no plano fático. Apesar disso, considera
Luiz Edson Fachin (2012, p. 54) que ”repetem-se hoje os fatos de ontem, é o medievo
contemporâneo que bate às portas do terceiro milênio”.
2 A PROPRIEDADE EM LEÓN DUGUIT (1859 – 1928)
Pierre Marie Nicolas Léon Duguit (Libourne, 4 de fevereiro de 1859 — Bordeux, 18
de dezembro de 1928) foi um jurista francês especializado em direito público. Estudou Direito
na Universidade de Bordeaux e depois assumiu o cargo de professor na mesma instituição,
onde chegou a diretor e permaneceu neste cargo até o seu falecimento.
Primordialmente, em seu pensamento, Duguit encara os seres humanos como
animais sociais dotados de um senso universal ou instinto de solidariedade e
interdependência, surgindo o reconhecimento de respeito a certas regras de conduta essenciais
para uma vida em sociedade. Desta forma, as regras jurídicas são constituídas por normas que
se impõem - pelo menos em tese - igualmente a todos. Sobreleva-se a governantes e
governados o dever de se absterem de qualquer ato incompatível com a solidariedade social.
Na sua visão, o Estado não é um poder soberano, mas apenas uma instituição que cresce da
necessidade de organização social da humanidade.
Os conceitos de soberania e direitos subjetivos são substituídos pelos de serviço
público e função social. O direito encontraria seu verdadeiro fundamento no substrato social,
representado pela solidariedade e interdependência entre pessoas, ou seja, pela consciência
inerente a todo indivíduo das relações que o ligam a seus semelhantes, sendo esta a função
social do direito.
89
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Atribui-se a Duguit a postulação da função social da propriedade - embora seja
também registrada a participação de Augusto Comte (2011), nessas primeiras considerações que veio a ganhar especial relevância no Brasil, ainda que tardiamente, entre os juristas, após
ter sido insculpida em sua Constituição Federal de 1988 com o status de princípio
constitucional fundamental em seu artigo 5º, inciso XXIII, e como princípio ordenador da
economia brasileira em seu artigo 170, inciso III.
A propriedade individual deixou de ser um direito do indivíduo para se converter em
um direito de caráter primordialmente voltado para a solidariedade social. (MARTINS, 2011).
Duguit utiliza o vocábulo “socialista” para designar subordinação dos direitos individuais aos
interesses sociais.
Ainda concebe, nesse contexto, a ideia socialista de propriedade
capitalista: afetação de bens de produção a uma finalidade produtiva. Considera que os
estímulos do mercado conduzem para esta orientação.
Diante do exposto, apresenta-se a contextualizada definição deste direito para Duguit
como sendo a propriedade, para todo possuidor de uma riqueza, o dever de ordem objetiva
que consiste em empregar a riqueza que possui, manter e aumentar a interdependência social.
Existem várias formas de propriedade, todas, direta ou indiretamente, marcadas pelo
intervencionismo econômico, sempre sob a condição de cumprimento de uma obrigação
socializada. Cada categoria de bens comporta uma forma de apropriação privativa, particular,
peculiar: por isso afirmam que existem propriedades (no plural) e não, propriedade (no
singular). A plasticidade do conceito é infinita, sem comprometer a unidade conceitual do
instituto.
A propriedade seria ainda, para poucas vozes, um direito subjetivo calcado em três
pilares: poderes, limites e deveres. Seria uma obrigação que serve de complemento para um
dever (propter rem), ou seja, um reflexo, sempre mantendo uma relação bidirecional de
comunicação entre poderes e deveres. (JOSSERAND, 2006).
O direito de propriedade se manifesta, de uma maneira ampla (mas não ilimitada)
como tudo aquilo que a lei consente pertencer ao individuo. Pode ser material, imaterial, real,
pessoal ou mista; pode ser corpórea ou incorpórea; conter privilégios, concessões, títulos
contratuais, envolver dinheiro em espécie, qualquer crédito pecuniário demandável mediante
ação firmada em convenções ou na lesão de um direito, tudo que for, em suma, suscetível de
apropriação útil, em geral com um valor econômico agregado.
90
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
3 DO DIREITO DE PROPRIEDADE CLÁSSICO AO DIREITO INDUSTRIAL
Por meio de um resgate histórico, nas idades antiga e média, não havia proteção da
denominada propriedade imaterial, aquela destinada aos bens que são passiveis de verificação
física (v.g. um carro, um livro), mas possuem os mesmo atributos conferidos aos bens
materiais, como a repercussão econômica na esfera individual. São exemplos de bens
imateriais as marcas, as patentes (PIMENTEL, 1999), os nomes empresariais, os
estabelecimentos empresariais etc.
As corporações de ofício, no entanto, já conferiam o resguardo aos inventores e
autores. Os primeiros ordenamentos a darem importância para a propriedade intelectual foram
EUA (1787), França (1623) e Inglaterra. No Brasil, a lei 9.279/96 regula a proteção da
propriedade imaterial. O Direito autoral (Lei 9.610/98) se trata de uma manifestação da
personalidade do autor de natureza real e econômica.
As páginas eletrônicas, por exemplo, também possuem proteção legal, admitindo-se
ainda o ajuizamento da ação de contrafacção para a reparação de danos morais e materiais.
Representa uma prerrogativa de produzir e explorar economicamente suas obras,
transmitindo-se aos seus herdeiros.
A propriedade industrial, nesta seara, representa uma proteção jurídica concedida ao
titular após o registro no órgão competente (no Brasil, o Instituto Nacional de Propriedade
Industrial - INPI). Defere ao mesmo direito exclusivo ao seu uso, caracterizando um
privilégio que pode ser considerado monopolístico, temporário e condicional, na medida em
que o titular tem o dever de explorar devidamente este privilégio, sob pena de extinção da
concessão, gerando a possibilidade de auferir lucros com a exploração durante certo tempo, e
proporcionando benefícios em prol de toda a sociedade.
Seu fundamento jurídico reside prioritariamente no interesse público que o Estado
tem de salvaguardar, como os direitos humanos de acesso à cultura, ao desenvolvimento, a
livre iniciativa, assim como na proteção dos indivíduos nas relações negociais que
estabelecem na sua vivência em sociedade, do que na proteção singular de direitos
individuais. Entretanto, o direito industrial se constitui num ramo do direito privado, segundo
a corrente doutrinaria majoritária.
Ainda no que concerne à necessidade de uma normatização de caráter global,
relativamente aos direitos emanados da propriedade industrial, temos, por exemplo, que a
91
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
normatização da regulamentação de um imóvel pode ser exercida no âmbito nacional, não
podendo ser fixado em um outro território. Já as normas que regulam a propriedade industrial,
devem ser operacionalizadas a nível internacional, pois facilmente encontram incidência em
vários países simultaneamente, muito embora não cause maiores prejuízos no que se relaciona
com a observância de normatizações específicas, atendidas as peculiaridades de cada nação.
Basicamente, os objetos de proteção do direito industrial são as invenções (criação de
coisa nova), os modelos de utilidade (melhoria de utilização de algo já existente), as marcas
(sinal distintivo, nominativo ou simbólico, visualmente perceptível que distingue produtos ou
serviços de outros análogos, assim como a possibilidade da marca de certificação e da marca
coletiva), o desenho industrial (toda forma ornamental de um objeto ou conjunto de linhas e
cores, suscetível de aplicação industrial, pois do contrário será enquadrado como direito
autoral, a exemplo da pintura).
No Brasil, para ocorrer o registro, em lugar nenhum do mundo pode ter algo
semelhante. No modelo de utilidade pode haver um aperfeiçoamento do que já existe. No
celular, por exemplo, são trazidas tecnologias que já existem em outros aparelhos. A
vantagem do registro é o direito ao uso exclusivo, ou seja, um privilégio, do qual usufrui o
titular ou terceiro a quem o titular concedeu. O registro é temporário, tem um prazo (10,7,15
ou 20 anos), após qualquer pessoa pode explorar a criação sem ter que pagar nada ao inventor,
o qual serve para que o inventor ter retorno econômico. Também se trata de um direito
condicional, pois não está voltado a atender interesses particulares, mas sim da coletividade.
O inventor deve produzir em quantidade suficiente. Para isso é preciso que possa a
sociedade usufruir da invenção. Somente para ilustrar, as marcas (BARBOSA, 2007) servem
para diferenciar os produtos e servir como referencial de qualidade para o consumidor, razão
pela qual não se pode, por exemplo, abrir uma loja de bijuterias com a marca Mc’Donalds.
A marca reporta a ideia de segurança, uma garantia para o empresário, para o Estado
e principalmente para a sociedade. A regulamentação dos direitos inerentes à titularidade das
marcas por parte do direito industrial sofre críticas de alguns doutrinadores, posto que
diferentemente dos demais meios de exercício da propriedade industrial, pode acontecer de
determinada marca não ter qualquer correlação com o segmento da indústria.
Nesse contexto, surge a repressão à concorrência desleal, que disciplina os meios e
os recursos que viabilizam a repressão ou a defesa dos atos de concorrência contrários aos
usos éticos em matéria de indústria, comércio e serviços. Ainda vale mencionar os segredos
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
de negócios (trade secret), que são dados e conhecimentos privilegiados de uma determinada
empresa, que são classificados como confidenciais, v.g. a fórmula da coca-cola.
Vale destacar que as descobertas, por sua vez, não são passíveis de proteção, na
medida em que o seu autor não faz jus à sua propriedade e, quando muito, é agraciado pelas
academias de ciência. Isto se dá em razão da descoberta não caracterizar criação de algo novo.
Os direitos sobre a propriedade industrial são considerados bens móveis, o que
significa que: para serem alienados não precisam de outorga uxória (permissão do cônjuge);
serão objeto de penhor e não de hipoteca; se transmitem por mera tradição, não necessitando
de registro para a eficácia da transmissão, o que não deve ser confundido com ausência da
necessidade de formalização da negociação perante o INPI.
4 ASPECTOS NORMATIVOS DO DIREITO INDUSTRIAL
A economia representa um movimento cíclico e continuo entre bens materiais e
imateriais, riquezas que são provenientes de determinados atos humanos coordenados com as
instituições. Neste cenário, a tecnologia se caracteriza como os conhecimentos técnicos e
científicos que viabilizam a criação e que farão parte da construção das patentes. (BARBOSA,
2011).
Sem adentrar nas normas orientadoras e características dos procedimentos de
transferência de tecnologia (ASSAFIM, 2005), mister se faz apresentar uma delimitação
conceitual sobre o assunto, afirmando que se trata de uma troca, uma remessa de
conhecimentos, normalmente de cunho tecnológico - cientifico que se unem aos denominados
fatores de produção, técnicas especializadas na produção de determinados resultados, com
objetivos de desenvolvimento de resultados com repercussão econômica. (BULGARELLI,
2001).
No direito brasileiro, os diplomas normativos atinentes a temática são esparsos, sem
contar com uma codificação organizada. Na forma do art. 211 da lei 9.279, de 1996, a
transferência de tecnologia e da franquia se da mediante registro dos contratos desta natureza,
com o intuito de regular os efeitos em relação aos terceiros. (DOMINGUES, 2009). Eis a
legislação organizada na forma de espécies normativas, a saber.
a) As Leis nº 3.470/58, Lei nº 4.131/62 , Lei nº 4.506/64, Lei nº 8.383/91, Lei nº
8.661/93, Lei nº 8.884/94 e a Lei nº 8.955/94 ;
93
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
b) As Resoluções INPI nº 094/2003, Resolução BACEN nº 3.844/2010 e Regulamento
Anexo III, Resolução INPI nº 267/2011
c) Os Atos Normativos do INPI nº 135/97 , o qual tem por objeto normatizar a averbação
e
o
registro
de
contratos
de
transferência
de
tecnologia
e
franquia.
o Ato Normativo INPI nº 155/00, que dispõe sobre a instituição de formulários, para
apresentação
de
requerimento
na
área
de
Transferência
de
Tecnologia.
o Ato Normativo INPI nº 158/00, versando sobre a alteração do formulário para
apresentação de requerimento de averbação de contratos e faturas, instituídos pela
alínea "a", do ATO NORMATIVO n° 155, de 07 de janeiro de 2000.
d) Os Decretos nº 55.762/65 , Decreto-Lei nº 1.730/79, Decreto Legislativo nº 30/94,
Decreto nº 3.000/99, Decreto nº 3.201/99 .
e) As Portarias /MF nº 436/58 e nº 60/94.
Como se apresentou, cumpre ressaltar que a legislação atinente a propriedade
intelectual de uma maneira geral se mescla com as normas de direito comum, como por
exemplo as disposições contratuais do Código Civil, residualmente. Também encontra
relações estreitas com o direito tributário, principalmente no que concerne ao Imposto de
Renda e da Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (CIDE) e ao direito da
concorrência, haja vista que o CADE dispõe de determinadas atribuições que podem ter
efeitos na transferência de tecnologia. Especificamente, apresenta-se a lei 4.131/62, que tem
por função regular os aspectos da remissibilidade das importâncias relativas aos contratos de
tecnologia, alem de outros dispositivos importantes, v.g. o Código de Defesa do Consumidor.
Nesta esteira de raciocínio, pode-se afirmar que alem das menções acima, devem os
interessados atentarem para a legislação cambial e, como já se inferiu anteriormente, as
normas e práticas dos órgãos governamentais de controle e intervenção no domínio
econômico, no caso presente, o INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) e o
CADE.
Vale salientar que, por se tratar de uma matéria técnica, a qual escapa do
entendimento e compreensão do senso comum, o INPI oferece uma prestação de serviços para
os interessados, em sua maior parte empresas, com uma orientação para a obtenção do
respectivo licenciamento. (GONÇALVES, 2009).
Esta atividade se divide em dois momentos; a parte tecnológica, com a produção de
94
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
estudos e relatórios sobre os contratos relativos a tecnologia e suas repercussões contratuais e
econômicas, a realização de pesquisas cientificas sobre as mais diversas temáticas
relacionadas com o direito industrial. A assessoria contratual se consubstancia em
disponibilizar os dados e indicações de técnicos habilitados nesses tipos de contrato e
negociação setorial, alem da coleta de dados que são importantes para a analise do
comportamento mercadológico e, consequentemente, a alocação de recursos nessa área de
investimento. (CERQUEIRA, 2010).
Este suporte técnico se mostra fundamental para os interessados, haja vista que
fornece uma segurança jurídica maior e, principalmente, um respaldo técnico que representa
uma ferramenta de suma importância para os investidores. Por se tratar de um assunto que não
tem uma incidência corriqueira – muitas vezes nem sequer abordado nos bancos acadêmicos –
requer uma assessoria especializada, pelas especificidades materiais e formais inerentes.
5 OS TIPOS DE CONTRATOS RELACIONADOS COM A TRANSFERÊNCIA DE
TECNOLOGIA
Para regulamentar a transferência de tecnologia, existem 6 (seis) tipos de contrato
previstos e disciplinados pelo INPI: Contrato de Exploração de Patente, Contrato de
Exploração de Desenho Industrial, Contrato de Uso de Marca, Contrato de Fornecimento de
Tecnologia, Contrato de Prestação de Serviços de Assistência Técnica e Científica e o
Contrato de Franquia. No entanto, existem acordos que fogem desse padrão, por se tratarem
de transferência de tecnologia protegida na forma de um segredo industrial.
a) CONTRATO DE EXPLORAÇÃO DE PATENTE (EP) - Estas espécies contratuais
tem por principal objeto e função reconhecer apenas o licenciamento de uma patente já
concedida ou pelo menos depositada, seja este vinculado ao valor fixo por unidade
vendida ou pelo percentual incidente sobre o preço de venda. A averbação deste tipo
de contrato refere-se ao tempo de vigência da patente regularmente concedida.
b) CONTRATO DE USO DA MARCA (UM) - Por meios destes contratos, a
remuneração pelo uso da marca, principalmente as repercussões econômicas advindas,
somente são possíveis com o seu registro, sendo esta uma condição indispensável para
a incidência deste reconhecimento. O certificado de averbação deverá ser modificado
de acordo com o avanço das fases do procedimento no INPI. (SILVA, 2010).
95
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
c) CONTRATO DE EXPLORAÇÃO DE DESENHO INDUSTRIAL (EDI) - O objeto
destes contratos é a proteção conferida pelo licenciamento dos desenhos industriais e
devem conter os dados referentes ao pedido a que se refere o procedimento no INPI,
tais como o numero do pedido, o titulo, as condições relacionadas a exclusividade da
licença ou da permissão, também sendo necessária a atualização do certificado de
averbação, retroativamente. (MELO, 2011).
d) CONTRATO PARA O FORNECIMENTO DE TECNOLOGIA (FT) - São contratos
que tem por precípua função assegurar a aquisição dos conhecimentos e técnicas
conferidas por direitos referentes a propriedade industrial, bens ou serviços. Faz-se
necessário que os dados referentes ao pedido amparado por este tipo de contrato
estejam corretos e as remunerações relativas são estabelecidas em função da
negociação contratual devem ter por parâmetro os níveis de preços praticados no
mercado nacional e internacional em contratos similares. O prazo de vigência geral é
de 5 (cinco) anos, podendo ser renovado por igual período.
e) CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA TÉCNICA E
CIENTIFICA (SAT) - A destinação principal desta espécie contratual é a estipulação
de condições de obtenção de técnicas, métodos de planejamento, pesquisas cientificas,
projetos que tem como objeto a prestação de serviços especializados, v.g. os serviços
relacionados a atividade fim da empresa, assim como os serviços prestados em
equipamentos e/ou máquinas no exterior. A duração corresponde ao prazo previsto
para a realização do serviço ou a comprovação de realização.
f) CONTRATO DE FRANQUIA (FRA) - A franquia (LEITE, 2011) é uma espécie de
contrato que inclui a exploração econômica de uma marca, a prestação de serviços de
assistência técnica em alguma modalidade de transferência de tecnologia. Tem um
conteúdo abrangente e, nesse sentido, mostra-se eficiente pela praticidade e pelo
retorno econômico em prazo razoável. Na forma explanada pelo INPI, a remuneração
dos contratos estipulam usualmente uma taxa de franquia (valor fixo pago no início da
negociação); uma taxa de royalties (percentual sobre o preço líquido de vendas) e uma
taxa de publicidade (percentual sobre vendas).
Não obstante a legislação comum relativa aos contratos, de um modo geral, a
presente abordagem requer conhecimentos de um arcabouço normativo especifico para a
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
regulamentação e compreensão dos contratos apresentados e analisados. Apenas em caso de
lacuna, aplica-se subsidiariamente o tratamento normativo conferido pela teoria geral dos
contratos vigente no direito brasileiro e tratados internacionais que versem sobre o assunto.
6 O DIREITO INDUSTRIAL COMO UM INSTRUMENTO DE GERAÇÃO DE
RIQUEZAS NA ECONOMIA INTERNACIONAL
Ao seguir a orientação neoliberal, a globalização pode ser concebida como um
fenômeno que possui tanto um lado positivo, o desenvolvimento geral das populações, como
negativo, os males sociais, políticos, econômicos, exclusão social. Enquanto as distâncias
físicas e virtuais encolhem, aumenta-se a velocidade da interação social, de modo que os
acontecimentos mundiais possuem uma reverberação quase imediata a nível global. Fabio
Wanderley Reis destaca os malefícios, ao apontar que:
Essa estrutura [globalizada] revela mesmo traços que podem ser descritos como
próprios de uma sociedade de castas, em que se superpõem mundos sociais
radicalmente distintos, separados por profundo fosso quanto a condições de vida e
unidos somente por formas de intercâmbio antes precárias e restritas a determinadas
esferas de atividade. A dinâmica tecnológica e econômica que se afirma como parte
das tendências novas da globalização não autorizam qualquer otimismo no que se
refere à sua eventual contribuição para melhorar esse quadro de desigualdade. Ao
contrário, o que temos com ela, mesmo nos países economicamente mais avançados,
são o aumento da desigualdade social, níveis inéditos de desemprego, a ‘nova
pobreza’, o aumento da violência urbana. (REIS, 1997, p.49).
O cenário mundial é em grande parte desenhado pela globalização dos mercados e
das informações, bem como pela reestruturação do setor produtivo. Exige-se que um
empreendimento seja considerado bem-sucedido quando alcança a satisfação de todas as
partes envolvidas no processo de produção, de aquisição e de reconhecimento estatal e social.
Assim, empresários, operários, consumidores, instituições sociais, instituições estatais, sob
diversas óticas, mantém contínuas relações que, ao final, apontam pela aprovação ou rejeição
do produto no mercado.
De uma maneira ou de outra, qualquer indivíduo se insere num processo econômico
(quando compra, vende, troca, empresta, aluga, doa, recebe, enfim, quando realiza qualquer
negociação sobre algum objeto). A propósito disso, os processos econômicos do mundo
contemporâneo não se restringem a limites territoriais e, portanto, qualquer indivíduo de hoje
é um ator econômico integrado à economia de todo o planeta. Assim, a repercussão de um ato
negocial, por mais simples que pareça, já não se exaure num encadeamento de eventos
simples.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
O sistema capitalista, por quaisquer das formas que já assumiu ao longo da história,
foi e é marcado por duelos, que tanto podem ser examinados isoladamente, quanto podem ser
analisados uns a partir dos outros, transparecendo, assim, seu caráter de nascedouro infinito
de contradições e, ao mesmo tempo, de solucionador incansável dessas mesmas contradições.
Com a adoção espontânea das práticas neoliberais ou com a imposição delas, por
intermédio das economias centrais do capitalismo, todas as estruturas econômicas do mundo
se imbricaram de uma tal forma, a não existir mais empresas de um país apenas, a não existir
mais bolsas de valores de uma comunidade econômica apenas e, enfim, a não existir mais
cidadãos que não sofram o influxo da macroeconomia mundial em seu cotidiano.
Em meados dos séculos XVIII, o liberalismo clássico contava com um suporte
ideológico de que a economia conseguiria, através da liberdade de se auto-regular, o
enriquecimento de todas as nações. Contudo, hoje, o novo liberalismo não precisa de
promessas: trabalha adequando-se a metas e possibilidades. É o interesse de crescimento de
cada concorrente do sistema que fica, constantemente, em ação.
O desafio que se lançou, neste caso, foi às novas formas de organização econômica
(e social), para encontrar falhas num capitalismo que se fluidifica de acordo com as
necessidades de cada momento e utiliza todos os instrumentos possíveis para continuar
prevalecendo.
O contexto da crise em 2008 que assolou primeiro o setor imobiliário e creditício dos
Estados Unidos, depois, continua, até então, assolando todos os setores de todas as economias
planetárias, demonstra, a despeito de ser um momento complicado para o capitalismo, a
dificuldade em se derrubar as práticas neoliberais.
Esta temática ganha relevo nos dias atuais, tendo em vista a ascensão do grupo
emergente denominado BRICs (SOLA; LOUREIRO, 2011), composto por Brasil, Rússia,
Índia e China, um conjunto de economias potencialmente em crescimento e desenvolvimento
econômico que despontam no cenário mundial como verdadeiras válvulas de investimentos,
desde a crise que assolou o sistema creditício nos EUA em 2008, como já mencionado, e
agora prejudica a economia européia, pondo em questão vários aspectos da unificação.
Quando os autores começam a teorizar um suposto declínio do modelo, surge
repentina recuperação, solidariedade entre as economias, ações coordenadas, táticas
inovadoras, disposição e colaboração barganhada politicamente e, em poucos anos, começa-se
a assistir a novo recrudescimento econômico.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
O que se pode afirmar é que a tecnologia, peculiarmente, foi a responsável pela
derrubada de certas barreiras de entrada no mercado. A revolução digital permitiu que
empresas pequenas competissem com grandes. Os custos baixos de produção ficaram ao
alcance de muitos rivais, ao mesmo tempo.
O novo tipo de empreendedor/investidor/consumidor pode contratar em qualquer
parte do mundo. Mas o que se prega é a necessidade de avanços respaldados por um
arcabouço normativo coerente com os ditames do direito industrial e direito econômico. Dizer
que o mercado é temperamental, é receoso, é apreensivo, é seguro ou está adormecido, ou,
ainda, que a corporação é agressiva, é corruptível, é responsável, é engajada politicamente, é
atribuir existência humana a empreendimentos.
CONCLUSÃO
As diversas formas de exploração no setor do Direito Industrial se mostram como
alternativas viáveis e seguras para angariar recursos de uma forma mais imediata e conferir
proteção aos responsáveis pelo seu desenvolvimento. O desemprego, os cortes com gastos
públicos, a insatisfação da população e do empresariado na Europa são molas propulsoras
para o surgimento de outras fontes de injeção de capital, fundamental para a manutenção de
qualquer economia.
Não de repente, o neoliberalismo, um conjunto de práticas econômicas que preza a
desregulamentação estatal, espalhou-se pelo mundo inteiro (fenômeno da globalização), como
novo discurso hegemônico do capitalismo. Depois, a tecnologia, a todo instante mais
avançada, dispôs-se a serviço dessa mudança.
Está em curso um nítido movimento tendente à marginalização dos países em
desenvolvimento, haja vista que o discurso ideológico da globalização, o qual procura mostrar
que a abertura econômica é a solução para a crise econômica - atualmente em grande
evidência - não conseguiu cumprir seus objetivos, acentuando cada vez mais as desigualdades
socioeconômicas.
Cumpre ressaltar que a democracia na era da globalização deve ser compreendida
como necessária para a internacionalização da produção. A insuficiência dos ditames
democráticos na imposição perante os avanços da globalização não retiram sua validade como
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
regime. Trata-se de um conceito histórico, que ainda se traduz no “governo do povo, pelo
povo e para o povo”, firmando-se pela luta incessante, muitas vezes se utilizando da via
revolucionária, na busca dos seus ideais.
Há milhares de pessoas sem acesso ao atendimento das necessidades básicas, tais
como alimentação, segurança, saúde pública, educação e trabalho digno. Neste ponto, não se
encontram as expectativas de crescimento econômico prometido pela globalização. Ao
contrário, as consequências continuam danosas: o desemprego aumentou, os salários foram
drasticamente reduzidos e a riqueza se concentrou ainda mais. O Estado, agora minimizado,
tornou-se frágil e subordinou-se ao mercado, distanciando-se dos compromissos sociais.
Apesar dos avanços, prudente considerar que o movimento de internacionalização do capital é
excludente, conforme restou comprovado.
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VARELA, Laura Beck. Das sesmarias à propriedade moderna: um estudo de História do
Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
101
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
A TUTELA DOS DIREITOS AUTORAIS RELATIVOS AOS SOFTWARES NA
SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
Carina da Cunha Alvez1
Resumo:
O software é um dos representantes de uma recente revolução tecnológica. A
ascensão no uso de tecnologia é considerada um fator de desenvolvimento das nações. O
presente artigo refere-se aos aspectos do direito autoral aplicado ao desenvolvimento e uso de
software pela sociedade. Tenta fornecer uma visão da importância do respeito à propriedade
intelectual como um dos mecanismos para o desenvolvimento do país, bem como a
necessidade de vincular a proteção à propriedade intelectual ao crescimento econômico do
mundo em desenvolvimento. Dada a conexão entre a tecnologia e o crescimento econômico,
verifica-se a necessidade da existência de uma visão parcial da tendência presente ou futura
relacionadas à utilização de software pelas políticas vigentes. Tal estudo foi feito através de
uma perspectiva crítica e legal, que se propõe a analisar as peculiaridades e diferenças entre
os posicionamentos relacionados ao desenvolvimento e uso dos softwares, bem como os
benefícios que o registro destes pode oferecer aos criadores, na perspectiva da busca da
compatibilização entre a tutela dos criadores e o interesse da coletividade na sociedade
contemporânea.
Palavras Chave: DESENVOLVIMENTO; DIREITO AUTORAL; INFORMAÇÃO;
PROPRIEDADE INTELECTUAL; SOCIEDADE; SOFTWARE; TECNOLOGIA.
SOFTWARE COPYRIGHT PROTECTION IN THE CONTEMPORARY
SOCIETY
Abstract:
The software is one of the actors in a recent technological revolution. The increase in
the use of technology represents a nation’s development level. This paper is related to the
copyright aspects involved in software creation and use by society. It tries to give an insight
on the importance of the respect to intellectual property as a mechanism to the country
development, as well as on the need to relate the intellectual property protection to the
economical growth of the developing world. Given the connection between technology and
economical growth, an insight on the political regulation on the present or future tendency to
use software, is needed. This work is done based on a review from the legal perspective, and
proposes to analyse the several different interpretations of the law used in the development
and use of software, as well as the benefits that the copyright protection can offer to the
authors.
Keywords: DEVELOPMENT; COPYRIGHT; INFORMATION;
PROPERTY; SOCIETY; SOFTWARE; TECHNOLOGY.
INTELLECTUAL
1
Mestre em Direito/UNISC. Professora do Centro Universitário Franciscano – UNIFRA. Pesquisadora do
Grupo de Pesquisa Teoria Jurídica no Novo Milênio – UNIFRA. Advogada no escritório Umpierre Assessoria na
cidade de Santa Maria/RS. E-mail: [email protected]
102
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
1. INTRODUÇÃO
A finalidade deste trabalho engloba a análise da proteção dos criadores de softwares,
relacionada ao desenvolvimento tecnológico contemporâneo da sociedade de informação, na
perspectiva dos direitos fundamentais, uma vez que a proteção jurídica dos softwares decorre
de previsões expressas na Constituição Federal.
A temática envolve indagação relativa à situação da proteção da criação dos
programas de computador no Brasil, decorrente dos avanços tecnológicos, os quais
intensificaram o mercado existente neste setor.
A sociedade constitui um todo dinâmico em constante movimento e evolução.
Atualmente pode-se notar uma nova realidade de desenvolvimento, que pode ser denominada
de revolução tecnológica, a qual ensejou alterações na economia mundial, colocando em foco
o domínio do conhecimento como fonte principal de poder.
A tecnologia tem evoluído rapidamente, principalmente nas últimas décadas, nas
quais a invenção dos computadores e os necessários programas para operacionalização
geraram um novo ramo industrial, altamente inovador e competitivo. Os programas de
computadores denominados de softwares constituem fator determinante na integração dos
mercados mundiais.
A popularização do computador determinou o surgimento de grandes polêmicas,
sendo que muitas vezes faz-se necessário o uso do direito para dirimir os conflitos daí
decorrentes.
Na atualidade não existe espaço para reflexões acerca da importância da informática
na vida cotidiana, pois é inquestionável o fato do uso deste aparato tecnológico na vida dos
homens. Devem ser considerados também os reflexos econômicos decorrentes do atual
contexto, no qual a informática ocupa papel de destaque, o que fez surgir a necessidade de
uma regulamentação legal específica e eficaz, principalmente pelo fato das facilidades
existentes em relação à reprodução e utilização dos programas de computador.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Não se pode restringir o uso da informática apenas aos contextos econômicos, pois
sua utilização atual envolve toda uma rede de relacionamentos, que abrangem aspectos
culturais e sociais em grande escala. Outro fator relativo ao contexto atual que merece
referência diz respeito ao aceleramento de todo o meio social em razão da inserção da
informática na vida cotidiana.
Não restam dúvidas que se faz mister a existência e efetividade de um ordenamento
jurídico que assegure que as relações estabelecidas em razão da informática ou que se sirvam
deste aparato tecnológico, sejam seguras e vislumbrem de forma eficaz a justiça e a liberdade.
Os meios eletrônicos operam uma verdadeira revolução na história da comunicação,
ensejando alterações na acepção da informação que passou a ocupar um novo espaço no setor
econômico. Ocorre que este novo contexto determina a necessidade de atualização e evolução
da sociedade, de forma a encontrar meios eficazes para a resolução das questões advindas de
cada nova situação emergente.
Resta importante realizar uma análise relacionada à proteção concedida aos criadores
de programas de computador e sua efetividade na tutela deste direito intelectual que se faz
indispensável para a participação ativa no mercado globalizado.
2. A TUTELA DOS DIREITOS INTELECTUAIS NA SOCIEDADE ATUAL
Todo o processo de evolução social que se tem conhecimento exige uma adaptação e
evolução dos mecanismos de regulação existentes. Obviamente a ciência não pode estar
limitada, pois o desenvolvimento social e tecnológico é inerente ao convívio social e, somente
através do aprimoramento das técnicas existentes é que será possível o progresso efetivo, com
atendimento das necessidades, ampliação da qualidade de vida e a observância da dignidade
da pessoa humana.
Nesta acepção afirma Aires J. Rover (2006, p. 35), no artigo intitulado o Direito
Intelectual e seus paradoxos, que “a propriedade intelectual, como todo produto do trabalho
humano, se modifica no tempo e na história.”
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A evolução social possui várias dimensões, entretanto todos os caminhos conduzem
à busca do aprimoramento do desenvolvimento, atualmente limitado pelo necessário
atendimento dos interesses públicos.
Ocorre que urge compatibilizar a proteção dos direitos autorais dos criadores de
software, com vistas à continuidade do processo de desenvolvimento tecnológico na
sociedade informacional, atendendo os interesses da coletividade, uma vez que os programas
de computador já demonstraram a possibilidade de eficiência em diversas áreas de interesse.
A conciliação das esferas de saber com a participação efetiva e valorada de todos os
grupamentos sociais no processo de aprimoramento e/ou construção legal pode viabilizar a
melhoria da produção e proporcionar uma escala produtiva que somente tem a somar para as
pessoas que sobrevivem com a execução das referidas práticas.
Existe uma linha muito tênue separando o que é informação e o que deve ser
protegido em razão da criação, neste sentido estatui Marcos Wachowicz (2006, p.74):
Na esfera jurídica, a TI não se restringe ao direito de propriedade intelectual, é
preciso observar que nem sempre resta clara e linear a distinção entre o que é
informação e o que é conhecimento passível de tutela como obra intelectual.
A proteção de criações intelectuais significa ao homem, não só o respeito à sua
personalidade, mas também a possibilidade de fruição dos proventos advindos da exploração
econômica dessa expressão. Este fato representa o reconhecimento dos valores culturais e
estimula o nascimento de novas manifestações criativas e o aperfeiçoamento daquelas já
existentes, fazendo parte do processo de desenvolvimento social e econômico.
Resta evidente que como consequência deste fato a comunidade será beneficiada
pelo conhecimento e pela utilização dessas criações. Dar proteção jurídica a essas inovações
significa atribuir maior segurança às relações com base nelas estabelecidas como modo de
estimular a criatividade no setor, propiciar a realização de novos estudos e de novas
pesquisas, com o implemento de novas tecnologias.
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Por esta razão é importante o reconhecimento do papel da proteção intelectual sobre
o desenvolvimento em termos de formação do capital humano, difusão do conhecimento e
introdução de produtos com base no conhecimento.
A proteção à atividade intelectual é considerada um grande instrumento para o
desenvolvimento econômico dos países, este desenvolvimento proporcionará uma proteção
cada vez mais efetiva a este tipo de criação e o aprimoramento do setor comercial.
Pode-se afirmar que é pelo interesse social que o Estado tem motivos para conferir
ao autor da obra a proteção exclusiva aos direitos autorais, inclusive constitucionalmente.
Diante disto, faz-se necessário um ajustamento objetivando a adequação das leis de proteção à
propriedade intelectual ao novo fenômeno tecnológico, observando-se dois interesses: o
interesse da sociedade e o interesse do autor que está subordinado ao primeiro.
Ao autor é conferido o direito exclusivo de utilizar, publicar e reproduzir suas obras
literárias, artísticas, científicas e de comunicação. As normas constitucionais reconhecem o
direito de propriedade intelectual, compreendendo direitos morais e patrimoniais, sendo de
suma importância estabelecer a análise relativa às peculiaridades dos programas de
computador, como objetos de criação intelectual.
3. O SOFTWARE E SUAS PECULIARIDADES
O software constitui um componente permanente que integra a evolução tecnológica
e sua existência está adstrita à criação intelectual realizada por pessoas que despendem
esforço, estudo e dedicação para elaboração de criações inovadoras que permitem as mais
diversas formas de comunicação e operacionalização de atividades dentro da sociedade atual.
A sociedade atual tem sido denominada de sociedade da informação, nesta acepção a
informação “torna-se um elemento estratégico decisivo da evolução social e fator
determinante no comportamento dos povos”(ASCENSÃO, 2002, p.19).
O software constitui instrumento eficaz na circulação das informações, razão pela
qual seus criadores merecem amparo legal em relação à proteção da referida obra.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
André Lipp Pinto Basto Lupi (1998, p.25) estatui que
O sofware é um bem produzido pelo esforço criativo de alguém, que elabora a
programação. Desta feita, o criador da obra intelectual de informática tem um direito
à sua criação, direito este que recebe a tutela do ordenamento jurídico.
A elaboração de software exige do criador o estudo aprofundado, questionamentos,
pesquisa e, por fim, a tomada de decisões, as quais não são meros resultados matemáticos.
Consoante De Maio (1985, p.07), “cada passo (na elaboração de um software) pode ser
interpretado, por sua vez, como um processo de tomada de decisão”. A tomada de decisão por
parte do criador determina a existência de um vínculo pessoal entre o autor e sua obra, do que
resulta a caracterização de um direito relativo à criação intelectual, ou seja, existe um elo
relacionado à criação, decorrente das manifestações do intelecto.
O software caracteriza-se como obra intelectual, ou seja, constitui criação decorrente
da atuação direta do homem, desta forma é algo único e individual – o que é causa
justificadora da posse do objeto criado, tido como bem móvel. Pode-se afirmar que existem
dois momentos: vida exterior e a sensibilidade interior do criador. O objeto de proteção não é
a ideia, mas a ideia que tomou forma concreta.
Desta feita, uma importante peculiaridade relacionada ao software envolve o registro,
que visa proteger a criação intelectual do programa operável em computadores, a reprodução
de cópias não autorizadas, a venda e/ou uso indevido de todo e qualquer programa de
computador ou apenas parte destes.
A proteção autoral tem início a partir do momento em que ocorre a divulgação
exterior da criação do intelecto. Uma vez divulgada a obra, concretizada a ideia, tem início a
tutela jurídica, independentemente de qualquer registro.
A inexigibilidade do registro constitui uma das principais características do Direito
Autoral, característica esta que encontra previsão constante na Lei de Direitos Autorais – Lei
nº 9.610/98, art. 18, e se coaduna com os princípios adotados na Convenção de Berna – art. 5o
e Convenção Universal – art. 3o(LUPI, 1998, p.45).
107
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Ocorre que para que se possa garantir a exclusividade na produção, uso e
comercialização de um programa de computador, o interessado poderá apresentar seu pedido
de registro junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI, em formulário
próprio.
Neste caso, o título do programa é protegido juntamente com o programa, isto quer
dizer que existe a prerrogativa de utilizar um único procedimento ou registro para proteger
tanto o produto criado, quanto o nome empresarial respectivo.
Por estar no âmbito do Direito Autoral, diferentemente dos casos de marcas e
patentes – que são abrangidos pela Lei de Propriedade Industrial, o registro dos programas de
computador feitos no Brasil tem reconhecimento internacional, desta forma, os programas
estrangeiros não precisam ser registrados no Brasil - salvo, para garantia das partes
envolvidas, nos casos de cessão de direitos. Da mesma forma, os nacionais não precisam ser
registrados nos demais países, desde que haja o registro no INPI, para receberem a devida
proteção.
A proteção ao nome empresarial do programa de computador pode ser obtida
concomitantemente com a providência relativa ao registro, conforme dispõe a Lei nº.
9.610/98, bastando para tanto que seja informado o titulo do programa no ato da apresentação
do pedido de registro.
Resta evidente que, muito embora exista a desnecessidade de registro conforme os
ditames legais, tem-se que para o autor de um programa de computador para possuir uma
amplitude mais abrangente de proteção, deve proceder ao respectivo registro, uma vez que
não existe exigência legal, mas existe a permissão para efetivação do mesmo.
O software é composto por um programa de computador, bem como a descrição do
referido programa e o material de apoio respectivo. Conforme já mencionado, o programa de
computador decorre da atuação intelectual do homem, que em razão do seu esforço e das
horas envolvidas na criação, faz jus à proteção jurídica.
A proteção de criações intelectuais significa ao homem, não só o respeito à sua
personalidade, mas também a possibilidade de fruição dos proventos advindos da exploração
108
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
econômica dessa expressão. Este fato representa o reconhecimento dos valores culturais e
estimula o nascimento de novas manifestações criativas e o aperfeiçoamento daquelas já
existentes, fazendo parte do processo de desenvolvimento social e econômico.
Resta evidente que como consequência deste fato a comunidade será beneficiada
pelo conhecimento e pela utilização dessas criações. Dar proteção jurídica a esses sistemas
significa atribuir maior segurança às relações com base neles estabelecidas como modo de
estimular a criatividade no setor, propiciar a realização de novos estudos e de novas
pesquisas, com o implemento de novas tecnologias.
Nesta acepção, afirmam Denis Alcides Rezende e Marcos Wachowicz (2002, p.278)
que,
Não se pode mais dissociar o software das auto-estradas da informação, enquanto
infra-estrutura do ciberespaço, que permite a existência de uma imensa rede,
chamada internet, que interliga elevado número de computadores em todo o planeta,
disponibilizando uma base de informação colossal, que a cada dia se amplia numa
velocidade surpreendente.
Por esta razão é importante o reconhecimento do papel da proteção intelectual sobre
o desenvolvimento em termos de formação do capital humano, difusão do conhecimento e
introdução de produtos com base no conhecimento.
A proteção à atividade intelectual é considerada um grande instrumento para o
desenvolvimento econômico dos países, este desenvolvimento proporcionará uma proteção
cada vez mais efetiva a este tipo de criação e o aprimoramento do setor comercial.
Neste sentido afirma Lupi (1998, p. 27) que “atualmente existem formas de proteção
de software no sentido de dificultar sua cópia, mas raramente as medidas são eficientes”, o
que acaba por ocasionar prejuízos enormes aos criadores e um atraso no avanço do
desenvolvimento do país.
É correto afirmar que existem meios de recurso antipirataria, mas sendo eles
ineficientes, cabe ao ordenamento legal dar amparo ao detentor do direito, sem, contudo,
ultrapassar os limites existentes em razão das liberdades de acesso às informações e a
liberdade de expressão.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Afirma Carlos Alberto Bittar (1989, p.67):
Nesse contexto, devem estar sempre presentes os princípios e normas de Direito, que
informam e regem a atuação do homem na sociedade, a fim de evitar-se o
aniquilamento do próprio homem e de seus valores fundamentais, a que um rígido
tecnicismo fatalmente conduziria.
Ocorre que as modificações sociais exigem um avanço e aprimoramento das
regulamentações legais, de forma a estabelecer uma ordem e parâmetros a serem observados,
com o intuito de possibilitar a fruição de todos os benefícios decorrentes da evolução
científica e tecnológica, sem a exposição a eventuais prejuízos advindos do novo caminho a
ser percorrido.
O Direito de Informática, ao qual a proteção do software está vinculada, envolve
simultaneamente diversos campos do direito. De acordo com o país ele pode ser estudado sob
diversos aspectos, como por exemplo, sob o aspecto do Direito Público Geral, Direito Privado
ou Direito internacional Privado que cuida dos contratos internacionais.
Ademais, trata-se de um novo ramo do direito, este o entendimento demonstrado por
Marcos Wachowicz (2006, p. 71) ao afirmar,
O Direito da Informática é, sem dúvida, uma nova esfera jurídica que estpa
despertando o interesse não apenas de juristas, mas também de sociólogos,
antropólogos, psicólogos e acadêmicos, uma vez que a ciência do Direito não
concebe, por si só, respostas satisfatórias para a solução de conflitos da Era Digital
em especial por sua vinculação aos primados conservadores do Direito.
Como ensina Antônio Chaves (1985, p.06), a “importância dos microcomputadores
não se calcula apenas em termos econômicos: sobreleva, em muito, o plano cultural, técnico e
estratégico”. No dizer do mesmo autor, “a informática não é apenas uma inovação técnica,
mas um fator que acelera todos os outros fatores, modificando assim o sistema nervoso da
sociedade inteira”.
A proteção jurídica do software possui importância relacionada ao nível científico e
também econômico. Razão pela qual urge a adoção jurídica da proteção a nível de direito
autoral para a organização de sua tutela legal, sempre visando sobretudo a tutela no contexto
da sociedade de informação.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
É corrente o fato da evolução social possuir um ritmo de desenvolvimento mais
avantajado do que a evolução da regulamentação legal. Entretanto, na atual conjuntura, os
avanços tecnológicos têm ocorrido de forma tão rápida, que passaram a surgir indagações
quanto à existência ou não de limites para a própria ciência, o que pode ensejar a futura
existência de limites ao poder de criação do intelecto.
Todo o processo de evolução social que se tem conhecimento exige uma adaptação e
evolução dos mecanismos de regulação existentes. Obviamente a ciência não pode estar
limitada, pois o desenvolvimento social e tecnológico é inerente ao convívio social e, somente
através do aprimoramento das técnicas existentes é que será possível o progresso efetivo, com
atendimento das necessidades, ampliação da qualidade de vida e a observância da dignidade
da pessoa humana.
A concessão da proteção jurídica ao software, vista pelo lado do direito autoral, é o
que assegura a percepção de uma remuneração ao seu criador, além de permitir em algumas
legislações a fruição dos direitos morais decorrentes.
Neste viés afirma Cláudio Roberto Barbosa que, “atribui-se aos programas de
computador o regime de proteção conferido às obras literárias pela legislação de direitos
autorais e conexos vigentes no país, com algumas limitações e modificações” (BARBOSA,
2009, p. 164).
É importante lembrar que no Brasil, a Lei n° 9.609, no seu Art. 2°, § 1°, exclui da
abrangência da proteção do software os direitos morais, exceto no que for referente à
reivindicação do direito de paternidade e ao direito de oposição a alterações não autorizadas.
Esta lei de proteção aos programas de computador faz com que o Brasil seja o único país na
América Latina a ter uma lei específica para a indústria de software e o único do mundo a
fazer uma correlação entre pirataria e sonegação fiscal – o que é inevitável.
Pode-se afirmar que é pelo interesse social que o Estado tem motivos para conferir
ao autor da obra a proteção exclusiva aos direitos autorais, inclusive constitucionalmente.
Diante disto, faz-se necessário um ajustamento objetivando a adequação das leis de proteção à
propriedade intelectual ao novo fenômeno tecnológico, observando-se dois interesses: o
interesse da sociedade e o interesse do autor que está subordinado ao primeiro.
111
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Ao autor é conferido o direito exclusivo de utilizar, publicar e reproduzir suas obras
literárias, artísticas, científicas e de comunicação. As normas constitucionais reconhecem o
direito de propriedade intelectual, compreendendo direitos morais e patrimoniais.
A Constituição Federal de 1988 (CF/88) inclui entre os direitos suscetíveis de
proteção, os programas de computador, de uma maneira uniforme com os outros objetos de
direito de propriedade intelectual do mesmo tipo. A base constitucional da proteção hoje
assegurada pela Lei. 9.609/98 aos programas de computador não seriam os dispositivos
pertinentes aos direitos autorais, aos quais não acedem quaisquer limites ou compromissos
com a ordem econômica, mas a mesma cláusula que ampara as marcas, patentes e demais
direitos intelectuais de fundo econômico.
No tocante à propriedade resultante da proteção aos programas de computador, das
patentes e dos demais direitos intelectuais de funções essencialmente econômicas, a
Constituição Federal de 1988, aceita, sem dúvida, a restrição à concorrência, mas evitando
que os poderes dela resultantes tenham o caráter absoluto - o monopólio só existe em atenção
ao seu interesse social e para propiciar o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.
Um paradigma interessante a ser considerado envolve a ideia de Manuel Castells
(1999, p. 78), relacionada a ter a informação a posição de matéria prima, pois constitui o
elemento e a base do funcionamento do programa de computador e do próprio computador. O
autor estabelece que “são tecnologias para agir sobre a informação, não apenas informação
para agir sobre tecnologia, como no caso das revoluções tecnológicas anteriores”.
Neste viés pode-se afirmar que, ao menos no nível legislativo, a intervenção do
Estado é, não só facultada, mas possivelmente obrigatória, tendo em vista os interesses sociais
envolvidos.
4. DA TUTELA INTELECTUAL AOS DIREITOS AUTORAIS – REFLEXÕES
RELACIONADAS À BUSCA DO EQUILÍBRIO NECESSÁRIO ENTRE OS
INTERESSES INDIVIDUAIS DOS CRIADORES E AS NECESSIDADES DA
COLETIVIDADE
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
O direito autoral é inerente ao criador de obras literárias, científicas ou artísticas,
determinando a prerrogativa de vincular o seu nome às produções do seu espírito e reproduzilas. Assim o direito autoral representa uma relação jurídica de natureza pessoal e patrimonial.
Afirmam Aires J. Rover e Djônata Winter (2002, p.75) que,
Numa sociedade em que a informação assume papel de destaque tanto para o
desenvolvimento econômico como para o social e cultural, a Propriedade Intelectual,
particularmente o chamado direito autoral, ganha importância nunca antes vista.
Atualmente a facilidade operacional possibilitada pelas evoluções tecnológicas gera,
por vezes, nos usuários uma sensação de liberdade e impunidade, pois a realização de cópias
de produtos tem ocorrido sem qualquer fiscalização.
Neste sentido, o direito autoral possui ampla importância, pois envolve o aspecto
moral, garantindo ao criador o respeito à integridade de sua obra, assegurando o direito de
modificar a mesma ou impedir sua circulação, bem como a veiculação do seu nome na
divulgação. Ademais, existem também regras relacionadas ao aspecto patrimonial, o qual é
regulador das relações jurídicas no que se refere à utilização econômica das obras intelectuais.
No Brasil a Propriedade Intelectual se subdivide em dois grandes ramos: a
Propriedade Industrial, protegendo direito dos inventores, ou seja, as patentes das invenções,
modelos de utilidade, as marcas e expressões de propaganda, dentre outras - matéria regrada
no Brasil pela Lei de Propriedade Intelectual – LPI (lei nº. 9.279/96); e o Direito Autoral,
também denominado de Direito do Escritor, Direito da Cópia ou Direito do Autor, este com
regramento encontrado principalmente na Lei dos Direitos Autorais – LDA (lei nº. 9.610/98)
e Lei do Software (lei nº. 9609/98), esta última relacionada apenas aos criadores de programas
de computador.
O direito brasileiro possui legislações que visam proteger juridicamente as diversas
formas de manifestação intelectual. Dentre as obras destinadas à sensibilização ou à
transmissão de conhecimentos a proteção legal encontra previsão na Lei nº 9.610/1998 –
englobando direitos morais e patrimoniais ao autor. Já as manifestações do intelecto que
possuem aplicação industrial, estão regulamentadas na Lei nº 9.279/1996 – a qual possui
cunho econômico mais destacado.
113
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
O ramo da Propriedade Intelectual enquanto Direito Autoral está regulamentado na
Lei nº. 9.610/98, que em seu artigo 7º, aduz que são obras intelectuais as criações do espírito,
expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível,
conhecido ou que se invente no futuro, citando em seus incisos as obras protegidas pela
referida lei.
De acordo com Antonio Chaves (1995, p. 26),
O direito autoral é um conjunto de prerrogativas de ordem não patrimonial e de
ordem pecuniária que a lei reconhece a todo criador de obras literárias, artísticas e
científicas de alguma originalidade, no que diz respeito à sua paternidade e ao seu
ulterior aproveitamento, por qualquer meio durante toda a sua vida e aos sucessores,
ou pelo prazo que ela fixar.
Afirma-se que o direito autoral como é conhecido na atualidade surgiu com a
dinamicidade da informação ocorrida no século XIX e não com a invenção dos tipos móveis
(BARBOSA, 2009, p. 162).
Imperioso destacar dois fatores importantes: o viés moral e o viés patrimonial,
esferas diversas abarcadas pela mesma proteção intelectual, não obstante suas fundamentais
diferenças jurídicas que envolvem o objeto de proteção, assim como a forma de reparação de
eventuais danos.
Neste contexto, pode-se visualizar o direito autoral sob acepção do viés moral, em
razão do aspecto subjetivo do autor em relação à sua criação, que engloba o direito do autor
defender a sua obra intelectual, seu pensamento. Este direito é personalíssimo, irrenunciável,
imprescritível, impenhorável e inalienável, podendo ser reclamado ao judiciário a qualquer
tempo, não sendo passível de quantificação pecuniária.
Analisando o viés patrimonial do direito autoral, trabalha-se com o direito do autor
receber vantagens pecuniárias na utilização comercial de sua obra, podendo esta exploração
ser realizada pelo próprio autor ou por pessoa expressamente autorizada no tempo e lugar
convencionados. Estes direitos patrimoniais, diferentemente dos pessoais, são alienáveis,
penhoráveis, temporários, e destarte tornam-se decadenciais pela inércia aliada ao decurso do
tempo.
114
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
É correto afirmar que o objeto do direito autoral é a obra intelectual que pode ser
artística, científica ou literária. A utilização dos direitos autorais proteção da criação dos
softwares é plenamente justificável, pois constitui a exteriorização da criatividade humana,
distribuída em meios eletrônicos e postos em circulação mundialmente. O grande problema
que se tem neste âmbito jurídico é quanto à aplicação e efetividade da legislação existente.
Interessante considerar que “o que não se deve esquecer é que a consciência popular
é uma forte aliada no combate à pirataria e ao desrespeito aos direitos autorais”(ROVER;
WINTER, 2002, p. 87).
Neste diapasão, tem-se que conscientizar a população em relação à importância da
efetiva tutela dos direitos autorais, em especial aos criadores de softwares. E, em
contrapartida, o direito precisa ser reformulado, com vistas a efetivar o equilíbrio entre os
interesses particulares dos criadores com os anseios da coletividade.
5. CONCLUSÃO
A partir das considerações elucidadas, pode-se inferir que deve existir proteção
jurídica para os criadores de software baseado em primeiro lugar nos fatores investimento e
tempo, exigidos para o desenvolvimento do mesmo. Esta necessidade de proteção jurídica
atinge desde a grande empresa até o autor individual do software, encorajando assim, os
titulares dos programas a torná-los públicos, auxiliando, muitas vezes no desenvolvimento
social e econômico.
Analisando o sistema pelo viés econômico e jurídico, pode ser considerado um bem
com interesses sociais e intelectuais. Talvez não exista hoje um único setor da economia que
não tenha envolvido em alguma de suas áreas algum processo automatizado. O programa,
quando finalizado e pronto para ser utilizado torna-se um produto negociável, merecendo
proteção jurídica alcançada pelo direito autoral.
A proteção intelectual dos programas de computador em quase todo o mundo é
determinada pelos direitos autorais, pois ao assumir este status de mercadoria, o programa
torna-se alvo da competição que pode tender facilmente para o lado da pirataria.
115
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Porém, mesmo com todo o ordenamento jurídico de proteção, os programas de
computador ainda são objetos da pirataria, que feita por ignorância ou não às leis que
regulamentam os direitos sobre a criação, violam a propriedade intelectual, burlando a
vigilância e os mecanismos de proteção, fator este relacionado à falta de conscientização
popular.
Em relação à violação dos direitos intelectuais do criador do programa de
computador, pode-se afirmar que a lei trouxe diversos avanços, ao menos teoricamente. A
legislação brasileira é considerada uma das mais avançadas mundialmente em relação ao
assunto, o que falta é a sua efetiva aplicação, com ampla divulgação dos prejuízos advindos
para a sociedade em geral, uma vez que as mudanças existentes são inerentes aos avanços
científicos e tecnológicos atuais, sendo imprescindível encontrar um ponto de equilíbrio entre
os interesses sociais e públicos para com os interesses individuais dos criadores de softwares.
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119
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Atividade Probatória na Análise de Atos de Contrafação de Marca:
o espaço reservado à prova pericial
Evidential Activity in the Analysis of Acts of Trademark Counterfeiting:
the space reserved for expert evidence
Alexandre Reis Siqueira Freire1
Marcello Soares Castro2
RESUMO
O presente estudo apresenta uma reflexão crítica sobre aspectos referentes à atividade
probatória em litígios que envolvam atos de contrafação de marca. Dentre as espécies de
provas judiciais existentes no âmbito do processo civil, elegeu-se a prova pericial como objeto
principal a ser examinado. Neste intuito, buscou-se aferir a utilidade da prova pericial na
formação do juízo, quanto à concessão de tutela inibitória e tutela de remoção de ilícito, tendo
em vista as vicissitudes de um ambiente decisional que envolve direitos de propriedade
imaterial, no qual os debates giram em torno de inúmeras variáveis fáticas. Aliado a esta
análise, busco-se verificar como alguns tribunais brasileiros têm compreendido o problema
acerca da perícia nestes casos, por meio de uma apreciação jurisprudencial. Os métodos
adotados para a concepção deste estudo foi o revisional doutrinário e o documental
jurisprudencial, aliado à reflexão crítica sobre do objeto da pesquisa, a saber: o espaço que é
reservado à prova pericial nos debates acerca de contrafação de marca.
PALAVRAS-CHAVE: marca; distintividade; contrafação; atividade probatória; prova
pericial; tutela jurisdicional.
ABSTRACT
This study presents a critical reflection on aspects concerning the evidential activity in
disputes involving acts of counterfeit trademark. Among the species of evidence in judicial
proceedings in civil, elected to expert evidence as main object being examined. To this end,
we sought to assess the usefulness of expert evidence in the formation of judgment regarding
the granting of inhibitory judicial protection and removal unlawful judicial protection, given
the vicissitudes of a decisional environment that involves property rights immaterial, in which
debates revolve around numerous factual variables. Allied to this analysis, I try to check as
some Brazilian courts have understood the problem of expertise about these cases through a
judicial appraisal. The methods adopted for the design of this study was the revision of
doctrine and jurisprudential documentary, combined with critical reflection on the object of
the research, namely the space that is reserved for expert evidence in debates about counterfeit
trademark.
KEYWORDS: trademark; distinctive sign; counterfeit; evidential activity; expert evidence;
judicial protection.
1
Doutorando em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor da Especialização em Direito Processual Civil
da PUC-RJ. Professor da Escola Paulista de Direito- EPD. Pesquisador do Núcleo de Direito Processual Civil da
PUC-SP. Professor da UNICEUMA e UFMA.
2
Mestrando em Direito pela PUC-SP. Professor Assistente na graduação do Curso de Direito da PUC-SP.
Pesquisador do Núcleo de Direito Processual Civil da PUC-SP. Membro do Conselho Nacional de Pesquisa e
Pós-Graduação em Direito – CONPEDI e da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual – ABPI. Bolsista
do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
120
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
1 Introdução
Os processos judiciais envolvendo os direitos de propriedade industrial exigem
uma especial e diferenciada atenção à atividade probatória, tendo em vista que os debates
empreendidos giram em torno, sobretudo, de intricadas questões de fato.
Trata-se de um ambiente decisional3 no qual a prova é utilizada como base
argumentativa para demonstrar tanto os limites e possibilidade da proteção patrimonial
atribuída pelo direito de exclusiva, como a prática do ato ilícito contra determinado direito,
o que ocorre nos casos que envolvem atos de contrafação.
Aferir se existe contrafação de marca é atividade que, em uma análise horizontal,
não exige a produção de prova pericial e a colaboração de um expert auxiliando a atividade do
advogado ou do juiz.
Contudo, existem casos de contrafação de marca que não se resolvem com a
simplória comparação, lado a lado, entre os signos distintivos utilizados em produtos ou
serviço, exigindo-se conhecimentos especializados de outras áreas do conhecimento, como
design, marketing, economia, administração, contabilidade etc.
Nem sempre, para a concessão adequada da tutela jurisdicional, será aceitável
uma análise horizontal acerca do suposto ato de contrafação de marca, pois existem
complexidades fáticas que exigirão uma reflexão vertical sobre problema, e nestes casos a
prova pericial torna-se extremamente útil.
Portanto, tal reflexão crítica será realizada a partir da verificação da utilidade da
prova pericial, para o esclarecimento de específicas questões de fato, assim como pautada na
ideia de concretização do contraditório e da ampla defesa, e consequentemente do devido
processo legal.
Os métodos de pesquisa adotados para a realização deste trabalho foi o revisional
doutrinário e o documental jurisprudencial, aliado à reflexão crítica sobre do objeto do estudo.
Destarte, abordaremos alguns elementos referentes à marca registrada, de acordo
com a Lei 9.279/1996 (LPI), como conceito, importância, função e o procedimento de
concessão; isto nos servirá como base para identificar o limite da proteção patrimonial do
3
Podemos afirmar, com base nos estudos desenvolvidos por Teresa Arruda Alvim Wambier (2012), que
ambiente decisional são às áreas do direito e a todo o contexto objeto de debate em uma decisão sobre o qual se
busca resolver um conflito.3 Observando o posicionamento de Norman Marsh, sobre o estabelecimento de
critérios identificadores de contextos ou ambientes decisionais que exigem flexibilidade ou estabilidade
interpretativa, Teresa Arruda Alvim Wambier afirma que “há campos em que é desejável abrir-se mão da
flexibilidade, a favor da segurança, da previsibilidade; e outros, em que delicadas questões sociais estão
envolvidas, em que é conveniente dar-se ao juiz certa margem de flexibilidade para decidir, em detrimento dos
valores segurança e previsibilidade.” (2012, p. 53)
121
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
direito de exclusiva. Em seguida, verificaremos os possíveis casos de contrafação de marca,
expediente este que será útil na identificação dos atos ilícitos praticados contra a marca.
Verificaremos, ainda, alguns aspectos atinentes à prova pericial, para
posteriormente tratarmos da sua importância para a concessão da tutela jurisdicional, seja esta
inibitória ou remoção do ilícito.
Por fim, examinaremos como o Superior Tribunal de Justiça enfrenta tal
problemática, com o intuito de compreender se existe pauta de conduta apresentada quanto a o
espaço reservado à prova pericial nos casos de contrafação de marcas.
2. Alguns Aspectos Relevantes sobre a Marca
2.1 A importância da distintividade
A partir dos contornos constitucionais e infraconstitucionais do ordenamento
jurídico brasileiro, a marca é pensada tanto em uma perspectiva individual, na qual se
considera o fluxo das relações entre particulares, como também em uma perspectiva coletiva,
na qual este sinal distintivo deve pautar-se na noção de função social da propriedade.
Como sinal distintivo que é, serve como elemento identificador e diferenciador de
produtos e serviços, sendo útil ao particular detentor do registro, pois exerce os direitos de
exclusividade sobre determinada marca. Esta configura-se, ainda, fundamental à coletividade,
pois permite que o consumidor a identifique entre várias outras, diferencie o objeto de
consumo partir da sua marca, e consuma o produto ou serviço sem qualquer confusão.
Portanto, a marca pode ser compreendida em três perspectivas: (i) como
propriedade; (ii) como elemento de exclusividade nas relações concorrenciais; e (iii) como
instrumento de proteção de interesses sociais. Notadamente, como explica Barbosa, nestas
circunstancias “existe uma tensão entre liberdade de concorrência e a exclusividade, com
vistas a servir determinados interesses socialmente relevantes” (2007, p. 8).
Quanto aos fins sociais, podemos afirmar que a marca é importante para “proteger
o investimento em imagem empresarial, mas sem abandonar, e antes prestigiar, o interesse
reverso, que é o da proteção do consumidor” (BARBOSA, 2007, p. 21). E neste raciocínio
também reside a ideia do interesse do particular em “proteger” determinado público
consumidor frente a outros produtos ou serviço, para que consuma o seu produto ou serviço,
valendo-se da distinção conferida pela marca.
Na esfera de interesses entre particulares, a marca detém natureza dúplice, pautada
no direito de propriedade e no direito concorrencial. Isto permite que o titular do registro da
122
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
marca ingresse por via judicial e exija uma tutela inibitória, de remoção do ilícito, ou mesmo
ressarcitória de danos, tendo em vista a prática de atos de contrafação de marca.
Como leciona Fróes, a proteção conferida a determinada marca tem por objetivo
“garantir, de um lado, o interesse de seu titular e, do outro, o do consumidor, que não pode ser
enganado quanto ao produto que compra ou o serviço que lhe é prestado.”(2007, p. 85).
Este raciocínio pode ser extraído de acórdão do STJ, no julgamento do REsp
3.230/DF, pela Quarta Turma, sob a relatoria do Ministro Sávio de Figueiredo Teixeira, no
qual dispõe-se que “no estagio atual da evolução social, a proteção da marca não se limita
apenas a assegurar direitos e interesses meramente individuais, mas a própria comunidade,
por proteger o grande publico”, e segue indicando os segmentos da sociedade beneficiados
por esta concepção constitucional de marca, como “o consumidor, o tomador de serviços, o
usuário, o povo em geral, que melhores elementos terá na aferição da origem do produto e do
serviço prestado.” Destaca-se, ainda, a importância da repressão da concorrência desleal, da
possibilidade de confusão ou dúvida, e do locupletamento com o esforço e o labor alheios.
É neste sentido que as questões referentes à contrafação de marca não devem ser
menosprezadas do ponto de vista probatório e quanto à formação do juízo, pois se a decisão
atinge os interesses entre particulares, tendo em vista o direito de propriedade e o direito
concorrencial, também atingem o interesse coletivo do consumidor e da sociedade em geral.
Simplificar o direito de marca no âmbito do processo civil, a partir da
simplificação da atividade probatória que visa aferir supostos atos de contrafação, pode
acarretar efeitos nefastos não só ao particular, mas a toda à sociedade ou a determinado
segmento social. Isto já demonstra que os litígios envolvendo contrafação de marca detêm
uma complexidade que vai além da simples comparação de elementos estéticos de signos
distintivos.
A ideia de distintividade é de evidente relevância neste estudo, pois é a partir da
comparação entre as marcas, e da distinção ou não distinção existente entre essas, que se
identifica a prática de atos de contrafação. E é aqui que surge a questão: qual o espaço ou
importância da prova pericial para a identificação da prática de atos ilícitos contra as marcas,
quanto ao ato de aferir a distintividade.
Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu ser a distintividade o
elemento essencial da marca, apresentando relevância para o exercício do direito de
propriedade e do direito concorrencial, quanto aos interesses particulares, assim como a
importância social a marca em face de uma coletividade. Assim dispôs-se no informativo nº.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
0411/STJ, referente ao julgamento do REsp 605.738-RJ, sob a relatoria do Ministro Luis
Felipe Salomão, julgado em 15.10.2009:
Na espécie, a empresa requereu ao INPI o registro da sua marca, sendo indeferido
administrativamente tal registro pelo fato de que a expressão traduzida significa
“marca inigualável”, constituindo, embora em outra língua, menção genérica
pertencente ao patrimônio comum. Isso posto, a Turma conheceu do recurso e lhe
deu provimento ao entendimento de que a vedação legal ao registro de marca cujo
nome é genérico ou comum visa emprestar a ela singularidade suficiente para
destacá-la do domínio comum, do uso corriqueiro. Isso porque a razão imediata da
existência do direito sobre marca é a distintividade, de sorte que não se pode
conceder direito de registro quando outra pessoa, natural ou jurídica, já possui sobre
o nome direito de uso, ou mesmo quando a coletividade possui direito de uso sobre o
mesmo objeto, o qual, por sua vulgaridade ou desvalor jurídico, já se encontra no
domínio público. Porém, o caráter genérico ou vulgar da marca deve ser aferido
segundo os usos e costumes nacionais, ou seja, deve-se analisar se, muito embora
em outra língua, o nome cujo registro se pretende é de uso comum, tal como
grafado. Assim, conquanto traduzido o nome, revele ele expressão genérica, não há
óbice no registro da marca se, analisada a expressão em sua literalidade, nada disser
ao homem médio brasileiro. (grifos nossos).
Vale expor, ainda, a narrativa de Fróes referente a um vídeo institucional exibido
pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial, a um grupo de advogados e agentes da
propriedade industrial, o qual “mostrava pessoas andando na rua, todas elas com uma máscara
branca ocultando seus rostos, para mostras que um produto sem marca é como uma pessoa
sem rosto.” (2007, p. 84).
Nesta conjectura, uma pessoa com uma máscara idêntica à de outra pessoa poderia
causar confusão quando da identificação de uma, ou de outra. A pergunta que se faz é: em que
circunstâncias é útil uma perícia para apontar se existe semelhanças entre aquelas
distintividades, e se tais semelhanças podem, ou não, ocasionar confusão ser considerada ato
de contrafação?
2.2 A proteção à marca de produtos e serviços
Podemos afirmar que a marca é uma modalidade de propriedade – imaterial – de
caráter temporário, conferida a sinais perceptíveis e diferenciadores de produtos e serviços,
outorgada pelo Estado ao originador ou outras pessoas físicas ou jurídicas que detenham
direito sobre o respectivo signo, possibilitando àquele explorá-lo economicamente, e proteger
seus direitos em face de terceiros.
Na concepção de Fróes, “a marca pode ser definida, em poucas palavras, como
sinal distintivo ou identificador de produto ou serviço.” (2007, p. 84).
124
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Silveira (2011) afirma que estes sinais não são diretamente obras do espírito,
como ocorre com as invenções ou outras modalidades de propriedade industrial, mas, por
sustentarem a relação entre o produto ou serviço e a percepção identificadora e diferenciada
àqueles, faz-se necessário sua proteção por meio do registro.
Neste sentido, aduz o autor supracitado que tais sinais não são bens imateriais
propriamente ditos, mas acessórios, e que, observando-se a necessidade de proteção desses
signos, o ordenamento jurídico os conferiu status de bens imateriais. Conclui que a lei
perfilha a existência de bens imateriais – invenções, modelo de utilidade e desenhos
industriais – e de novos bens imateriais – marcas –, posto que esses últimos são necessários
para repressão de atos ilícitos, reunindo, conseqüentemente, todos esses como bens imateriais
– as invenções, modelos de utilidade, desenhos e os signos que os identificam e diferenciam.
O art. 122 da Lei de Propriedade Industrial, informa que são registráveis como
marcas “[...] os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições
legais”, sendo a marca de produto ou serviço, “aquela usada para distinguir produto ou
serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa”. Em seguida, a Lei nº.
9.279/1996, no art. 124, apresenta um rol de sinais não registráveis como marca.
A proteção de exclusividade concorrencial é exercida de forma negativa,
impossibilitando que terceiros façam uso da marca de produto ou serviço lesando o direito do
titular do registro.
A proteção conferida ao titular da marca ou ao depositante, como dispõe o art. 130
da LPI, assegura o direito de ceder seu registro ou pedido de registro, licenciar seu uso e zelar
pela sua integridade material ou reputação.
Além dessa proteção, de acordo com o art. 129 da LPI, é assegurado ao titular do
registro de marca o exercício de seu direito de exclusividade quanto à utilização da marca,
agindo contra terceiros que objetivem praticar atos ilícitos contra o seu direito, inclusive na
esfera judicial civil.
2.3 Atos de contrafação de marca
A expressão “atos de contrafação” indica um conjunto de atos ilícitos praticados
contra determinados direitos de propriedade industrial. Neste estudo implica identificarmos
alguns desses atos ilícitos, quando praticados contra os direitos relativos à marca.
Adotamos a acepção mais abrangente quanto à “contrafação” ou “atos de
contrafação de marca”, referindo-nos a toda prática que consista no desrespeito ao direito
de exclusividade por meio da utilização ilícita da distintividade de determinada marca.
125
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Sendo assim, podemos apontar como práticas de “atos de contrafação”, (i) a
reprodução de marca, (ii) a imitação de marca, assim como (iii) a utilização da marca na
composição de determinadas denominações.
A reprodução consiste na cópia, total ou parcial, da marca. Neste sentido, induzse o consumidor do produto ou serviço ao erro de assimilar um objeto de consumo marcado
ilicitamente, como o objeto de consumo marcado licitamente.
Nos casos de reprodução, identificando o símbolo distintivo, ou mesmo partes
desse símbolo distintivo, em um produto ou serviço ilicitamente marcado, o consumidor
adquire um objeto de consumo equivocadamente, na certeza de ser aquele produto ou serviço
legítimo.
Quanto à imitação, a finalidade da prática do ilícito é a mesma, confundir o
consumidor e fazê-lo adquirir um produto ou serviço ilicitamente marcado. Entretanto, neste
caso, não se copia elementos de determinada marca, e sim se reproduz camufladamente.
Com a prática da imitação, o terceiro utiliza ilicitamente todo o empreendimento
na constituição daquela marca frente ao mercado consumidor, em favor do seu produto ou
serviço, em detrimento do produto ou do serviço do titular do registro de marca. A imitação,
certamente, é uma das práticas mais convenientemente utilizadas, pois a ilicitude é disfarçada,
sem a necessária reprodução de elementos da marca legítima.
Machado, pautando-se nos estudos de Gama Cerqueira, define que “a reprodução
ocorre com a cópia da marca, seja total ou parcial, ao passo que a imitação caracteriza-se pela
reprodução disfarçada com algumas diferenças inseridas pelo contrafator.” (2007. p. 108 e
109).
A reprodução e a imitação são praticadas, sobretudo, quando o produto ou o
serviço que se pretende marcar ilicitamente integram um contexto de atividades
empreendedoras ou atividades de consumo específicas, tais atividades idênticas ou afins, com
o objetivo de maximizar a confusão. No mesmo sentido, conclui que:
A prática de contrafação, seja mediante reprodução, seja por imitação, normalmente
só ocorrerá se os produtos ou serviços distinguidos pela marcas confrontadas
pertencerem a ramos de atividade idênticos ou afins, sendo possível que o
consumidor seja induzido à confusão. (MACHADO, 2007. p. 109)
Identificamos, ainda, a utilização de uma marca na composição de determinadas
denominações, como nome comercial e nome de domínio, como outra prática de contrafação.
Sobre esta possibilidade, afirma-se que:
126
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
A prática de contrafação de marca também ocorre quando há a sua reprodução, por
terceiro, como parte integrante de nome empresarial. Essa utilização é passível de
causar confusão ao público, notadamente quando há identidade ou afinidade entre os
ramos de atividade (...). Além disso, marcas registradas também não podem ser
utilizadas, sem autorização, como nomes de domínio, os quais são utilizados para
localizar páginas (ou sites) na internet. (2007. p. 113)
A análise da prática de contrafação exige a identificação da distintividade, alvo da
contrafação, no intuito de perceber as similitudes entre a marca legítima e a marca contrafeita.
Insta destacar que os atos de contrafação de marca podem acarretar, e comumente
acarretam, a prática de concorrência desleal. Dispõe o art. 195 da LPI um rol exemplificativo
de condutas consideradas como crime de concorrência desleal, destacando-se a previsão do
inciso III, informando que: comete crime de concorrência desleal quem emprega meio
fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem.
A correlação entre a contrafação de marca e a concorrência desleal contribui para
a identificação de atos de contrafação, possibilitando a concessão de tutela inibitória ou de
remoção do ilícito. Além disso, o vinculo entre estes dois atos ilícitos, contrafação e
concorrência desleal, permite a investigação dos prejuízos causados pela prática daquele
ilícito, evidenciando o direito à tutela ressarcitória referente à utilização fraudulenta de
determinada marca em ambientes como o empresarial e consumidor.
Machado, analisando o referido dispositivo da LPI, afirma que a previsão é
genérica, ao apontar que “o crime é praticado por todo aquele que se utiliza de um meio
fraudulento para desviar a clientela alheia em seu proveito ou de outrem”, definindo como
meios fraudulentos, “todos e quaisquer meios ilegais, dentre os quais certamente se inclui a
contrafação de bens imateriais”; sustenta, nesta linha de raciocínio, que “tal utilização tem
como finalidade lógica fazer com que o consumidor deixe de adquirir o produto original para
adquiri o contrafeito, isto é, tem como finalidade desviar a clientela do titular do direito de
propriedade industrial.”( 2007. p. 115 e 116.)
Neste contexto, é indiscutível que a prática de atos de contrafação de marca, e
consequentemente de concorrência desleal, acarretam inúmeros danos ao direito do titular do
registro e à marca em si, muitas das vezes ocasionando prejuízos que vão além da diminuição
do consumo do produto ou serviço legítimo, pelo mercado consumidor. Essas práticas podem
acarretar prejuízos como a desvalorização da marca, frente ao meio empresarial e
consumidor, ou mesmo a degenerescência com a perda da distintividade.
Esses aspectos merecem atenção diferenciada quando aferidos, pois a
identificação da prática do ato de contrafação tem como objeto o ato ilícito, ao passo que
127
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
identificar e mensurar os efeitos da prática do ilícito tem como objeto o dano, sendo
importante a colaboração técnica de especialistas.
A questão da exigibilidade de prova pericial em casos que envolvam contrafação
de marca, portanto, não se resume à identificação do ato ilícito, mas também na verificação
dos possíveis danos ocasionados. Por isso sustentarmos ser a utilidade da prova pericial uma
exigência variável, detectada caso a caso, e pretendermos enfrentar tal questão a partir da
tutela jurisdicional desejada.
3 A prova pericial
A prova serve ao exercício do direito de ação e defesa, e à construção do
contraditório no processo, podendo ser utilizada como instrumento argumentativo quanto a
fatos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito; estes meios devem ser lícitos e
moralmente legítimos.
Isto porque, no processo, tão importante quanto as tutelas jurisdicionais adequadas
à proteção dos direitos, como a tutela inibitória, a tutela de remoção do ilícito, a tutela
ressarcitórias, e mesmo as tutelas de urgência, é fundamental que existam instrumentos que
possibilitem atestar a existência do direito à tutela jurisdicional.
O direito, muitas das vezes, e como comumente ocorre no ambiente decisional
envolvendo bens imateriais, não é perceptível somente a partir da análise e compressão do
sistema jurídico, mas a partir do exame do contexto fático. Esta compreensão do plano fático,
certamente, torna-se possível com a atividade probatória.4
Dentre os mais variáveis meios de prova existente no processo civil brasileiro,
neste estudo destaca-se a prova pericial.
Fazendo um breve recorte, em litígios envolvendo supostos atos de contrafação de
marcas, identificar o direito de exclusiva e o ato ilícito (ou o dano) não é tarefa tão simples.
Aferir o contexto fático que envolve o suposto ato de contrafação é atividade que não se
limita às impressões do julgador sobre as semelhanças entre os signos distintivos, na tentativa
de detectar aspectos existentes entre uma marca e a outra. Existem aspectos (ou elementos
4
Como afirmam Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina, “à realização do direito liga-se à
necessidade de que haja apuração de fatos. Se é certo que se deve assegurar, no plano do processo, a existência
de mecanismos tendentes a realizar eficazmente os direitos subjetivos, não menos certo é dizer que devem
existir, também no processo, instrumentos que permitam atestar, com segurança, a existência de direitos, o que
se dá não apenas com a correta compreensão do sistema jurídico, mas, também, com o entendimento preciso de
como surgiu o direito da parte, no plano dos fatos. A apuração destes fatos se dá, no processo, através da prova.
(MEDINA e WAMBIER, 2009. p. 197).
128
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
distintivos) relevantes que o juiz não compreende, e que somente especialistas podem
detectar.
Nisto consiste a utilidade da prova pericial, em colaborar com a formação do juízo
e apresentar ao mesmo a possibilidade de certeza (segurança), quando o juiz afirmar “está
provado” ou “não está provado” o ato de contrafação.
Nas palavras de Teresa Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina,
“diz-se que um fato ‘está provado’ quando o juiz consegue atestar, objetiva e racionalmente, a
sua existência, à luz dos elementos obtidos com a atividade probatória.” (2009, p. 199)
A prova pericial é fundamental quando a complexidade dos fatos e especificidade
da análise exigir a colaboração técnica ou científica de um expert, auxiliando na compreensão
das questões de fato existentes no litígio.
Arruda Alvim (2011) escreve que a perícia existe pela necessidade circunstancial
do juiz ser auxiliado por um perito, quanto a determinada informações técnicas ou científicas,
assim como quanto a elementos para a interpretação dessas informações.5
Também destacando a necessidade de auxílio do perito, Marinoni e Arenhart
(2009) sustentam que as informações oferecidas ao juiz contribuem para a boa compreensão
dos fatos envolvidos no litígio, definindo-se este auxílio como uma forma de colaboração
técnica para a formação do juízo.6
Vale destacar que a colaboração técnica prestada à formação do juízo, interessa
tanto ao juiz, quanto às partes. Portanto, a utilidade da prova pericial não deve ser mensurada
somente a partir da ideia de que o juiz, detentor de um conhecimento médio, em alguns casos
não se considera apto a analisar determinados fatos, mas também se deve considerar que a boa
compreensão dos fatos é de interesse das partes, pois as mesmas poderão utilizar a elucidação
dos fatos para demonstrar adequadamente o seu direito. 7
5
Nestes termos, afirma que “A perícia existe, no processo, pela circunstância de o juiz necessitar, especialmente,
do auxílio do perito, no que respeite às informações técnicas ou científicas, bem como, normalmente, dos
elementos para a interpretação, de tais informações, que também lhe possam ser oferecidos.” (ARRUDA
ALVIM, 2011. p. 432)
6
De acordo com Marinoni e Arenhart, “A prova pericial advém da necessidade de se demonstrar no processo
fato que depende de conhecimento especial que esteja além dos conhecimentos que podem ser exigidos do
homem e do juiz de cultura média. Não importa que o magistrado que está tratando da causa, em virtude de
capacitação técnica individual e específica (porque é, por exemplo, formado em engenharia civil), tenha
qualificação para analisar a situação concreta. Se a capacitação requerida por essa situação não estiver dento dos
parâmetros daquilo que se pode esperar de um juiz, não há como dispensar a prova pericial, ou seja, a elucidação
do fato por prova em que se participe um perito – nomeado pelo juiz – em que possa atuar assistentes técnicos
indicados pelas partes, a qual deve resultar em laudo técnico co-pericial, que por essas poderá ser discutido.”
(MARINONI e ARENHART, 2009. p. 770).
7
No entendimento de Marinoni e Arenhart, “o fato que requer conhecimento técnico não interessa apenas ao
juiz, mas fundamentalmente às partes, que têm o direito de discuti-lo de forma adequada, mediante, se for o caso,
a indicação de assistentes técnicos. Em poucas palavras: a legitimidade do resultado da prova pericial requer que
129
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
O trabalho do perito se direciona ao contraditório fático presente no processo,
limitando-se aos fatos que exigem perícia, ou seja, o auxílio técnico ou científico, objetivando
esclarecer e possibilitar uma adequada compreensão desses fatos ao juiz e às partes, para a
construção do juízo.8
Como destacamos, a perícia apresenta esclarecimentos e compreensões das quais
o juiz necessita para a formação do juízo, sendo que tais elementos servem, ainda, às partes,
na construção do contraditório. Todavia, esta colaboração, a partir do momento em que consta
nos autos, mostra-se útil também nos demais graus de jurisdição, que por impugnação e
consequente revisão passam a ter acesso ao processo e às provas referentes a determinados
fatos, concretizando o que alguns processualistas designam como objetivação da prova.9
É interessante esclarecermos, antes de adentrar à análise da exigibilidade da
perícia em casos que envolvam contrafação de marca que o perito, quando colabora na
formação do juízo, utilizando-se de sua especialidade técnica ou científica, presta, tão
somente, auxílio àquele juízo.10
Não é possível sustentar que o juiz, com a prova pericial, esta vinculado ao
resultado do trabalho do perito. O trabalho feito pelo perito auxilia na compreensão dos
elementos fáticos no processo, tendo em vista que as questões jurídicas são analisadas pelo
juiz. Portanto, se o perito é o expert em determinada área técnica ou científica, e por isso
colabora no processo, o juiz é o expert na área jurídica, além de ser o juiz natural da causa,
restando a ele, e somente ele, dizer o direito.
4 Exigibilidade da prova pericial em casos de contrafação de marca
A Lei de Propriedade Industrial (LPI) possibilita, nos casos de contrafação de
marca, tanto a propositura de ação penal, como a de ação cível, em face daquele que
supostamente praticará, está praticando ou já praticou o respectivo ato ilícito.
as partes tenham tido a devida possibilidade de participar em contraditório da sua formação.” MARINONI, Luiz
Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. p. 770.
8
Quanto à colaboração prestada pelo perito, Arruda Alvim afirma que este “há de trabalhar sobre os fatos
alegados no processo (do contraditório fático), ou seja, sua atividade se circunscreve ao thema probandum e,
dentro deste, tendo em vista os fatos exigentes de perícia, que, necessariamente, devam ser dilucidados através
da prova pericial.” (ARRUDA ALVIM, 2011. p. 436).
9
Arruda Alvim leciona que “a perícia objetiva oferecer ao juiz os elementos de que, normalmente, ele carece.
Mesmo que de tais elementos de fato não careça o magistrado, na medida em que a cultura média dos juízes,
deles seja carecedora, deverá nomear perito, de tal forma que a colheita dos dados, bem como o próprio
raciocínio complexo, a ser desenvolvido pelo perito fique constando nos autos. Com isto ter-se-á no processo, a
necessária objetividade da prova, permitindo-se, então, a revisão, por outros graus de jurisdição, de parte ou de
toda a premissa menor, isto é, dos fatos.” (2011, p. 446 e 447).
10
Neste sentido, esclarece Arruda Alvim que “claro está, pois, que o perito é um auxiliar do juízo e, justamente
porque auxiliar do juízo, não ficará o juiz vinculado ao resultado do seu trabalho.” ( 2011. p. 447.)
130
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De acordo com o art. 207 da LPI, “Independentemente da ação criminal, o
prejudicado poderá intentar as ações cíveis que considerar cabíveis na forma do Código de
Processo Civil.”
No que nos interessa, na esfera cível, quando da suposição da prática de
contrafação de marca, o titular poderá pleitear tutela inibitória, tutela de remoção do ilícito, ou
tutela ressarcitória, devendo demonstrar o seu direito de exclusividade e o ato ilícito e/ou o
dano.
Esta demonstração, em processo, do direito de exclusividade e dos supostos atos
ilícitos e danos, é constituída a partir da atividade probatória realizada em juízo, na qual todos
os meios de prova lícitos e moralmente legítimos poderão se utilizado.
No intuito de analisar adequadamente se a prova pericial é exigível nos casos que
envolvam atos de contrafação de marcas, verificaremos alguns aspectos referentes à tutela
jurisdicional almejada.
Quanto à tutela jurisdicional, neste estudo analisaremos somente a (i) tutela
inibitória do ilícito, (ii) tutela de remoção do ilícito.
Entretanto, desde logo afirmamos que nossas considerações não serão no sentido
de afirmar se a prova pericial é ou não indispensável, ou dispensável, quando discutidos os
direitos de marca e suposta contrafação. Isto porque não podemos deixar de considerar que os
litígios envolvendo direitos de propriedade industrial giram em torno, principalmente, de
questões de fato, e esta questões de fato variam entre cada caso.
O que pretendemos é identificar a utilidade da prova pericial, caso seja pleiteada
uma tutela inibitória ou uma tutela de remoção do ilícito, sempre observando as circunstancias
fáticas em que se encontra o direito a ser protegido.
4.1 Tutela inibitória do ilícito
A tutela inibitória detém um caráter eminentemente preventivo, sendo um dos
meios judiciais vocacionados para a proteção dos direitos atinentes à propriedade industrial,
como a marca.11
Os direitos referentes à marca, que concedem a utilização exclusiva de
determinado signo distintivo para singularizar um produto ou serviço, necessitam de meios
processuais capazes de apresentar uma proteção efetiva.
11
Neste sentido, conferir o posicionamento de Pereira (2006), tópico “o aspecto vocacional da tutela inibitória à
tutela do Direito Industrial”, na obra Tutela Jurisdicional da Propriedade Industrial: aspectos processuais da Lei
9.279/1996.
131
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Muitas das vezes, se o ato de contrafação já ocorreu, e este acarretou danos ao
direito de exclusiva e à singularidade de determinado objeto de consumo, as consequências
disso vão além da perda da oportunidade de vender um produto, ou prestar um serviço,
acarretando efeitos de desvalorização da marca legítima frente ao ambiente de consumo e ao
ambiente empreendedor.
Nestes casos, uma tutela ressarcitória, e nem mesmo uma tutela de remoção do
ilícito, poderiam ser tutelas jurisdicionais suficientes a proteger esses direitos. Na existência
da contrafação e ocorrência de danos, remover o ilícito e buscar ressarcimento é o expediente
que resta ao titular dos direitos de marca, mas certamente seria preferível que o ato de
contrafação sequer existisse: para isso serve a tutela inibitória, impedir a prática do ato
ilícito.
Para a concessão da tutela inibitória não se exige a identificação ou ocorrência do
ato ilícito, assim como não se exige a identificação de dano ou mesmo a probabilidade de
ocorrência de dano. À tutela inibitória, basta que exista o direito e a possibilidade da
ocorrência do ato ilícito.
Portanto, se o titular de registro de marca identificar a possibilidade do seu direito
de utilização exclusiva do signo seja violado, por meio de ato de contrafação, o mesmo poderá
pleitear tutela jurisdicional inibitória, para agir contra tal possibilidade e impedir a prática do
ato ilícito; por isso se afirma que a tutela inibitória é voltada para o futuro.
A probabilidade a ser demonstrada é a da possível ocorrência do ato ilícito, ou
seja, demonstração da probabilidade de ocorrência do ato de contrafação em detrimento dos
direitos referentes à marca. Neste raciocínio, o elemento objetivo que deve ser indicado é o
ato ilícito, independentemente da demonstração de que este cause dano ou não. Ainda, não há
a exigência da demonstração de culpa, eliminando a obrigatoriedade deste elemento subjetivo
para a concessão da tutela inibitória.
A simplificação na constatação desses elementos viabiliza a aplicação mais célere
desta tutela jurisdicional, tornando-a ainda mais relevante no panorama dos direitos de
propriedade industrial.
4.2 Tutela de remoção do ilícito
A tutela de remoção do ilícito, assim como a tutela inibitória, são voltadas contra
o ato ilícito, e não contra o dano. Mesmo não detendo caráter preventivo contra a prática de
atos ilícitos, a tutela de remoção é útil pois, ocorrido a prática do ato de contrafação de marca
possibilita a retirada deste ilícito, e consequentemente obsta a ocorrência de possíveis danos.
132
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Certo que para a concessão da tutela de remoção do ilícito não se faz necessário
demonstrar o dano ou a probabilidade de dano, pois a existência de um ato ilícito já é
suficiente. Contudo, observando uma cadeia de fatos, a ocorrência do dano sucede da prática
do ilícito, mesmo que em algumas situações esta separação entre ilícito e dano seja quase
imperceptível. Por isso a importância da tutela de remoção do ilícito, que além de cumprir
efetivamente sua finalidade de retirada do ato ilícito, e isto já seria suficiente para essa,
também age impedindo a ocorrência do dano.
O que podemos afirmar, e é interessante a este estudo, é que a tutela de remoção
do ilícito é uma voltada para o presente, pois remove o ato de contrafação de marca, por
exemplo, quando se concede a ordem de retirada, das prateleiras de um supermercado, de
produtos que façam uso de marca contrafeita, ou quando se concede a ordem de retirada de
placa da fachada, de estabelecimento, que imitou determinada marca, causando confusão ao
consumidor quando da escolha do serviço.
A tutela de remoção do ilícito, seguindo esta linha de raciocínio, tem por
finalidade remover os meios para a prática do ilícito ou desfazer o ato transgressor que
direciona à prática do ato ilícito contra o direito de propriedade industrial.12
A concessão da tutela de remoção do ilícito requer somente a ocorrência e
identificação do ato ilícito, mas não se exige a identificação de dano ou da probabilidade de
ocorrência de dano. Nos casos envolvendo direito de marca, à tutela remoção do ilícito, basta
que exista o direito e o ato de contrafação.
Neste entendimento, se o titular de registro de marca identificar ato ilícito em que
o seu direito de utilização exclusiva do signo foi violado, por meio da contrafação, o mesmo
poderá pleitear tutela jurisdicional de remoção, para agir contra a prática do ato ilícito; por
isso se afirma que a tutela de remoção do ilícito é voltada para o presente.
A probabilidade a ser demonstrada é simplesmente da ocorrência do ato ilícito,
ou seja, demonstração da ocorrência do ato de contrafação em detrimento dos direitos
referentes à marca. O elemento objetivo que deve ser indicado é o ato ilícito,
independentemente da demonstração de que este cause dano ou não. Também, não há a
exigência da demonstração de culpa, eliminando a obrigatoriedade deste elemento subjetivo
para a concessão da tutela jurisdicional.
12
Conferir o entendimento de Pereira (2006), tópico “Tutela reintegratória. Tutela de remoção do ilícito no
Direito Industrial”, da obra Tutela Jurisdicional da Propriedade Industrial: aspectos processuais da Lei
9.279/1996.
133
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Na mesma acepção, assim como na tutela inibitória, esta simplificação na
constatação desses elementos viabiliza uma aplicação célere da tutela de remoção do ilícito,
constituindo-a como instrumento essencial na proteção dos direitos de marcas.
4.3 Atividade probatória na tutela contra o ilícito: utilidade da prova pericial e atos de
contrafação de marca
Restará àquele que pleiteia a tutela inibitória ou tutela de remoção do ilícito
contra suposto ato de contrafação de marca, a demonstração do seu direito de uso exclusivo
do signo distintivo, a possibilidade da prática do ilícito (em sede de tutela inibitória), ou a
prática existente do ilícito (sem sede de tutela de remoção do ilícito).
Quanto à demonstração do direito, é interessante que o autor junte documentos,
como: (i) cópia do certificado do registro da marca; (ii) apostila demonstrando os limites
característicos do sinal distintivo; (iii) documentos comprobatórios do requerimento,
etiquetas, e o comprovante do pagamento da retribuição relativa ao depósito e à concessão do
registro.
Para demonstrar a possibilidade da prática do ato de contrafação, ou a já
existência do ato de contrafação, o autor deverá juntar provas que demonstrem a utilização
não autorizada dos direitos do titular do registro por parte do réu, arrolando: (i) documentos;
(ii) fotografias; (iii) impressos publicitários; (iv) impressos com nome empresarial ou nome
de domínio na internet; (v) laudo pericial extrajudicial que comprove a contrafação, etc.
Além das provas documentais citadas acima, o depoimento de testemunha
também é importante, na medida em que demonstra como pessoas envolvidas nas atividades
empreendedoras e atividades de consumo identificaram a prática de contrafação, ou mesmo
foram confundidas por estas práticas.
A dúvida surge quanto à utilidade da prova pericial nestes casos, pois se supõe ser
o juiz capacitado a detectar esta modalidade de ato de contrafação. Como sustentamos ao
longo deste estudo, a questão da prova pericial não deve se resumir em afirmações absolutas,
no sentido dessa ser exigível ou não para identificar o ato de contrafação de marca.
Entendemos que o importante é saber qual a utilidade da prova pericial à atividade probatória
e à identificação do ato ilícito, para a formação adequada do juízo.
Em uma análise apressada, identificar um ato de contrafação de marca sugere a
simples comparação entre signos distintivos, atividade esta que supostamente pode ser
realizada por todo juiz. Assim, sustenta-se que comparar marcas e detectar possível
contrafação, tendo em vista as semelhanças entre as mesmas e a confusão gerada ao
134
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
consumidor do produto ou serviço, em regra, é atividade que não requer o auxílio de um
perito. Neste sentido, afirmam Carvalho e Fabris que:
O juiz, com os conhecimentos gerais adquiridos ao longo da vida, possui plenas
condições de avaliar se a marca do requerente está sendo violada pelo uso que faz o
requerido da ação judicial, em especial pela jurisdicidade do conceito das formas de
violação. (2009, p. 206)
Carvalho e Fabris (2009) sustentam que os casos de reprodução não exprimem
qualquer complexidade, e que nos caos de imitação se requer um pouco mais de cuidado, mas
nada que exija a produção de prova pericial.13 Os autores citados afirmam que “mostra-se
evidente, portanto, que apreciação da imitação constitui questão de fato, que somente ao juiz,
e a mais ninguém, compete decidir.” (2009, p. 207)
Em certa medida e em casos simples, é verdade que comparar determinadas
marcas, colocando uma do lado da outra, no intuito de identificar semelhanças entre essas, é
tarefa que pode ser realizada por um juiz. Contudo, (i) verificar se a semelhança existente
entre determinadas marcas é capaz de causar confusão, (ii) analisar se esta confusão atinge o
mercado consumidor daquela modalidade de produto ou serviço, (iii) constatar se a utilização
de marcas semelhantes em determinado ramo de atividade ou localidade acarreta confusão,
(iv) examinar se esta semelhança entre marcas acarreta concorrência parasitária, (v) ou
simplesmente aferir se o público (consumidores e empresários) confundem a marca X, com a
marca Y, e tudo isso para identificar a prática do ato ilícito de contrafação de marcas, trata-se
de tarefa que um juiz não é capaz de realizar sem a colaboração de um expert.
A identificação de atos de contrafação de marca, reprodução, imitação, e em
alguns casos a utilização de marca em denominação empresariais e domínio de internet, por
mais simples que se apresente, muitas das vezes não se limita à mera comparação entre signos
distintivos, abrangendo variabilidades e inúmeros aspectos fáticos que somente podem ser
identificados por pessoas que detenham conhecimento técnico ou científico especializado.
13
Carvalho e Fabris afirma que “a questão reprodução não mostra qualquer complexidade. Reproduzir é copiar e
tal verificação é tão simples que dispensa maiores argumentos. Basta a comparação visual e tal reconhecimento é
feito diretamente pelo julgador, usando de seus conhecimentos gerais, na condição de homem médio, sem a
necessidade de intervenção de um especialista em propriedade industrial. Se a marca registrada está sendo
reproduzida, ainda que parcialmente ou com algum acréscimo, constatada está a violação. De forma não muito
diferente, procede-se à análise da prática de imitação a registro marcário. Contudo, para tal apuração, mostra-se
necessário um maior cuidado, sendo prudente seguir as regras listadas por João Gama Cerqueira para este mister.
(...) Devem, pois, ser considerados conjuntamente todos os elementos suscetíveis de impressionar os sentidos.
Mostra-se evidente, portanto, que a apreciação da imitação constitui questão de fato, que somente o juiz, e mais
ninguém, compete decidir.” (2009. p. 206 e 207)
135
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Portanto, é exatamente para esclarecer estes aspectos importantes à distintividade
das marcas, e colaborar para a elucidação dos fatos e formação do juízo, que a prova pericial
se constitui técnica probatória útil nos processos que envolvam a suposta prática de
contrafação de marca.
Verificar se determinada marca detém a distinvidade suficiente para não acarretar
confusão, tendo em vista uma identidade diferenciada que confere a determinado produto ou
serviço, é algo que pode ser realizado adequadamente por profissionais especializados na área
de designer. Isto porque, em alguns casos, o juiz não será capaz de averiguar todos os
aspectos distintivos de uma marca, pois não detém conhecimento técnico, ou mesmo
científico, para tanto.
Atualmente, observando a elevada quantidade de signos distintivos existentes no
mercado, aquele que pretende conferir uma distintividade ao seu produto ou serviço, busca
especialistas na concepção destes signos. Estes designers, no processo de elaboração do signo
distintivo, atentam-se tanto para aspectos estéticos, como aspectos ideológicos, com o
objetivo de transmitir uma mensagem suficiente a convencer o consumidor a adquirir aquele
produto ou serviço.
No âmbito do design, podemos descrever marca como o nome ou identidade dados a
um produto ou serviço, nome este que estará incumbido não apenas de identificá-los,
mas também de passar uma ideia de identidade do produto, relacioná-lo a um
determinado grupo ou segmento, comunicar-se com o consumidor, seduzi-lo através
desta vasta gama de associações possíveis através da marca. (RODRIGUES, 2012,
p. 44)
Além de tais elementos, a elaboração de uma marca envolve ainda as suas
diversas formas de apresentação, como marcas nominativas, marcas figurativas, marcas mista
e até marcas tridimensionais.14 Todos estes elementos, além de outros que nós juristas não
conhecemos, pois fazem parte do conhecimento técnico ou científico de especialistas em
design, somente poderiam ser identificados a partir da produção de prova pericial. A partir da
apresentação do laudo pericial, estes subsídios elucidativos auxiliariam na compreensão dos
fatos e na identificação do suposto ato de contrafação de marca.
14
De acordo com Rodrigues, “uma marca pode se apresentar sob diferentes formas, como na de junção de letras
e/ou números (marca nominativa), de uma figura ou desenho (marca figurativa), de um conjunto de letras e/ou
números estilizados ou acompanhados de uma figura ou desenho (marca mista) e, por fim, com aquela
constituída pela forma plástica do produto ou de sua embalagem, desde que dotada de distintividade própria,
dissociada de qualquer efeito técnico (marca tridimensional).” (2012, p. 43).
136
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Também podemos apontar como útil, para verificar o risco de confusão do
público consumidor ou do setor empresário, acarretado pela utilização de marcas semelhantes,
a prova pericial de pesquisa de mercado.
Em termos gerais, a pesquisa de mercado tem por objetivo obter informações
acerca de marcas de produtos ou serviços, assim como o comportamento dos consumidores,
ou mesmo do segmento empresarial envolvido. É realizada por profissionais especializados,
muitas das vezes detentores de conhecimento técnico na área de marketing, podendo ser,
ainda, orientada por profissionais com conhecimento científico, como economistas,
administradores ou contadores.
Goyanes aponta que a pesquisa de mercado é comumente utilizada para
“identificar problemas e oportunidades; conhecer melhor o público; estudar a concorrência;
obter informações estratégicas que possam orientar a formulação de um plano de marketing e,
a partir de então, de publicidade.”( 2009. p. 212.) Neste sentido, existem três objetivos na
pesquisa de mercado:
(i) na pesquisa exploratória, busca-se reunir informações preliminares que ajudem a
definir o problema e a sugerir hipóteses; (ii) na pesquisa descritiva, visa-se a
descrever fenômenos ou objetos, tais como o potencial de mercado para um certo
produto ou dados demográficos e atitudes dos consumidores que o compram; e,
ainda, (iii) na pesquisa casual, procura-se testar hipóteses sobre relações de causaefeito.” (GOYANES, 2009, p. 212 e 213).
Este método, se aplicado adequadamente como prova pericial em litígios que
envolvam a colisão entre marcas e a prática de concorrência desleal, pode oferecer ao juízo
elementos importantes para a identificação do suposto ato de contrafação.
Falamos que a pesquisa de mercado é importante quando produzida em por
perícia judicial porque, nesses casos, é possibilitado o amplo contraditório às partes, ao
contrário dos casos em que a pesquisa de mercado é prova documental produzida
unilateralmente por uma das partes. Certamente, quando realizada como prova pericial, a
pesquisa de mercado adquire relevante valor probatório15, o que permite ser utilizada como
elemento fundamental na formação do juízo.
Como sugere Marcelo Goyanes, “pode-se provar, com as pesquisas de mercado,
uma infinidade de fatos relevantes para questões marcarias, como a impressão do consumidor
15
Com o mesmo entendimento, comparando a pesquisa de mercado apresentada como prova documental e a
pesquisa de mercado como prova pericial, Goyanes explica que “a possibilidade da pesquisa de mercado ser
produzida como prova pericial nesses casos imprimiria a ela notável valor probante, jamais alcançável através da
oferta de documentos unilaterais em juízo.” (2009, p. 224).
137
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
sobre marcas em certos ramos de atividade ou localidade”, e ainda, examinar “que o
consumidor associa uma marca a um produto ou segmento; que uma marca é líder; que o
público não confunde a marca A com a B.” (2009, p. 212).
Verificamos que os casos que envolvem propriedade industrial e atos de
contrafação se resolvem sobre questões de fato, ou seja, mesmo comparando a complexidade
existentes entre as modalidade de direitos de propriedade industrial e os atos ilícitos contra
esses praticados, será somente a partir da análise do panorama fático-jurídico que poder-se-á
afirmar a existência de um ato de contrafação, e verificar, consequentemente, se aquele caso é
ou não de complexidade elevada.
Portanto, a experiência e o conhecimento médio do juiz pode, em casos mais
singelos, permitir a adequada constatação do ato de contrafação de marca. Contudo, noutras
situações, os elementos trazidos por provas documentais ou testemunhais poderão não ser
suficientes, possibilitando que o juiz requeria a colaboração de um especialista na formação
do juízo, ou que defira o pedido de produção de prova pericial requerido por uma das partes.
Ainda, não há como se sustentar, como fazem Carvalho e Fabris, que nos casos de
contrafação de marca, “admitir uma perícia para tal fim, acabaria por atribuir ao perito a
função de juiz” (2009, p. 208). Analisar esta questão sobre o ponto de vista da utilidade da
prova pericial, como fazemos, ou mesmo no viés da necessidade ou desnecessidade da prova,
como os autores supracitados fazem, é razoável. Contudo, sustentar que o perito torna-se juiz
quando em um processo é utilizada prova pericial, é argumento deveras equivocado.
Quando a prova pericial torna-se útil para o esclarecimento do ambiente fático, o
juiz admite existir a necessidade de conhecimentos técnicos ou científicos para a formação
adequada do juízo. Portanto, o juiz, ao analisar o laudo apresentado, deve respeitar os limites
referentes a área técnica ou científica que exigiu a colaboração de um expert. Esta limitação
não implica na afirmação de que o juiz não deva analisar o laudo, ou simplesmente acatar o
que foi apresentando. O juiz detém o direito-dever de analisar a prova pericial apresentada e
com tais esclarecimentos entende estar habilitado a decidir.16
Por isso, é equivocado sustentar que o juiz, nos casos de contrafação de marca,
está vinculado ao laudo pericial, ou que, existindo perícia, quem passa a decidir é o perito, e
16
Arruda Alvim explica que, “na medida em que o juiz nomeia o perito, segue-se, necessariamente que admitiu
carecer de conhecimentos técnicos ou científicos. Assim sendo, por implicação, e, em regra, deverá se abster de
ingressar na área exclusivamente técnica, com o objetivo e no sentido de refazer o laudo, porquanto, se o fizesse,
estaria ingressando numa esfera de conhecimentos de que, pela própria ratio da nomeação, do perito, é carente.
Sem embargo disto, tendo em vista que a regra de que o juiz é o peritus peritorum tem o indeclinável direitodever de ser um analista da perícia. Por outras palavras, a circunstância do juiz não dever ingressar na área
propriamente técnica, não o inibe de avaliar o laudo, repudiando-o inclusive, porque o laudo deve habilitar ao
juiz (aos juízes) a que, entendendo-o, venha a decidir. (ARRUDA ALVIM, 2011, p. 462 e 463).
138
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
não o juiz. O perito presta somente esclarecimentos quanto determinadas questões de fato, que
exigem conhecimento técnico ou científico especializado, sendo reservado ao juiz identificar
as implicações jurídicas a partir de tais esclarecimentos e decidir.
É neste sentido que Arruda Alvim, ao identificar os limites da atividade do juiz e
da atividade pericial, e tratar do comportamento do juiz, sua crítica ao laudo pericial, assim
como do livre convencimento motivado na formação do juízo, afirma que “tendo em vista que
a regra de que o juiz é o peritus peritorum tem o indeclinável direito-dever de ser um analista
da perícia.” (2011, p. 463).
Mesmo nos litígios envolvendo possíveis práticas de atos ilícitos contra marcas,
existindo prova pericial, o perito esclarece os fatos, restando somente ao juiz decidir se
ocorreu, ou não, os atos de contrafação.
Portanto, a constatação da prática de ato de contrafação contra marca, para que
seja aplicada tutela inibitória ou tutela de remoção do ilícito, exigirá ou não a produção de
prova pericial, tendo em vista a complexidade do ambiente fático.
Ressalta-se que o juiz deve ser razoável e compreender que os atos de
contrafação, muitas das vezes, para serem aferidos, não se limitam à comparação entre a
marca X e Y, como se colocá-las lado a lado fosse atitude suficiente para identificar
semelhanças e apontar a prática ou não do ilícito. Observando-se a complexidade fática, e não
identificando nas demais provas elementos suficientes para a formação adequada do juízo,
deve-se permitir a produção de prova pericial.
Conclui-se, portanto, que a pesquisa de mercado, orientada por profissionais da
área de marketing, economia, administração, contabilidade, a prova pericial desenvolvida por
um profissional da área de design, assim como outras modalidades de prova pericial que se
constituam úteis, apresentam relevante esclarecimento sobre inúmeros aspectos fáticos que
envolvem os direitos de marca. Isto confere maior valor probante aos elementos analisados no
juízo, e permite uma melhor análise dos supostos atos de contrafação, para a adequada
aplicação da tutela inibitória ou da tutela de remoção do ilícito.
5 Análise jurisprudencial: o caso “VANISH” e “VANTAGE”
O litígio envolvendo Reckitt Benckiser N. V. e Reckitt Benckiser do Brasil LTDA
“vs.” Bombril Mercosul S.A. e Bombril S.A., foi apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça
por impugnação via REsp nº. 1.284.971/SP, em 20.11.2012, e apresenta um excelente debate
acerca da utilidade da prova pericial nos casos de contrafação de marca.
139
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Em síntese, Reckitt Benckiser N. V. e Reckitt Benckiser do Brasil LTDA
(recorrente) ajuizou ação pleiteando tutela inibitória, em face de Bombril Mercosul S.A. e
Bombril S.A. (recorrida), reivindicando a titularidade na utilização dos direitos de marca e
comercialização de alvejantes “VANISH”, tendo em vista a possibilidade de fabricação,
comercialização e divulgação do produto “VANTAGE”, o que implicaria na violação da
marca “VANISH”, assim como concorrência desleal, por existirem semelhanças gráficas,
fonéticas e de forma das embalagens, o que ocasionaria confusão ao público consumidor.
No primeiro grau de jurisdição, o Juiz deferiu o pedido liminar no sentido de
impedir o lançamento do produto das recorridas, concedendo em sede de antecipação de tutela
(tutela de urgência satisfativa) os efeitos da tutela inibitória do ilícito. Contudo, na sentença, o
Juiz julgou os pedidos os pedidos improcedentes. Esta decisão foi impugnada via apelação,
sendo que a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, mesmo julgando improcedente a
apelação e não reformando a sentença, o fez de forma não unânime, o que nos permite afirmar
que a questão não restou bem esclarecida nem mesmo no tribunal a quo. Desta decisão, a
apelante opôs embargos de declaração, sendo os mesmos rejeitados pelo TJ/SP.
O recurso especial interposto por Reckitt Benckiser N. V. e Reckitt Benckiser do
Brasil LTDA, contra a decisão do TJ/SP, em face da recorrida Bombril Mercosul S.A. e
Bombril S.A., dentre várias causas de pedir, cerceamento de defesa, pois o Juiz não
possibilitou a produção de prova pericial, decisão esta reafirmada pelo TJ/SP. Este é o ponto
que interessa a esse estudo: identificar, no julgamento do STJ, a compreensão da Corte sobre
a utilidade da prova pericial nos casos de contrafação de marcas.
Podemos afirmar que o STJ não detém posicionamento estável no sentido de
afirmar pela necessidade ou pela desnecessidade de prova pericial nestes casos de
contrafação, isto porque as variáveis fáticas que integram este ambiente decisional muitas das
vezes não permitem uma afirmação absoluta em sentido positivo ou negativo. Percebe-se que
o STJ, na análise caso a caso, trata a questão sobre o prisma da utilidade que o juiz identifica
na prova pericial na formação do juízo, deixando ao julgador o espaço para eleger ou não a
produção de prova pericial.
Todavia, é extremamente intricada esta questão da prova pericial e o pleno
exercício do direito de defesa, tanto que o STJ, no caso envolvendo as marcas “VANISH” e
“VANTAGE”, proporcionou um debate jurídico acirrado, como demonstraremos a frente.
O acórdão que decidiu o mérito do REsp nº. 1.284.971/SP não foi unânime,
ocorrendo, inclusive, voto-vista, da Ministra Nancy Andrighi, por reconhecer a complexidade
da questão processual referente à prova pericial e o cerceamento de defesa. E se a questão
140
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
processual no âmbito da atividade probatória já se configura complexa e controvertida,
podemos refletir o quão complexa deveriam ser as questões atinentes ao direito material e aos
fatos.
Neste acórdão não unânime, após o voto-vista da Ministra Nancy Andrighi, que
inaugurou a divergência na Terceira Turma do STJ, a mesma foi acompanhada pelo Ministro
Paulo de Tarso Sanseverino; entretanto negou-se provimento ao recurso especial, por maioria
de votos, seguindo o voto do Ministro Relator Massami Uyeda, os Ministros Sidnei Beneti e
Ricardo Villas Bôas Cueva. Analisaremos os entendimentos divergentes sobre o problema
investigado.
5.1 Inexistência de cerceamento de defesa
O Relator Ministro Massami Uyeda, apresentou voto no sentido de não
provimento do recurso especial, sendo este entendimento seguido pelo Ministro Sidnei Beneti
e pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. De acordo com o voto do relator:
Sem respaldo jurídico, igualmente, a alegação de cerceamento de defesa, em razão
do julgamento antecipado da lide, obstando-se, por conseqüência, a produção de
prova pericial requerida. Bem de ver, na espécie, que o Tribunal de origem, ao
respaldar o proceder do r. Juízo a quo, considerou que os elementos probatórios
reunidos nos autos, em cotejo com os fatos aduzidos, inclusive, pelos próprios
recorrentes, são suficientes para o deslinde da controvérsia, o que torna
possível, de fato, o julgamento antecipado da lide. Tem-se, assim, não
consubstanciar cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide,
isoladamente considerado, na hipótese de o magistrado, destinatário das provas,
considerar despicienda a produção de outras provas. (grifos nossos).
Quanto à questão da prova pericial, a sua produção deve ser analisada em dois
momentos: (i) quando se concedeu liminarmente a antecipação dos efeitos da tutela inibitória,
pois o Juiz entendeu existir uma situação de urgência suficiente para a concessão a tutela de
urgência satisfativa, sem a necessária produção da prova pericial; e (ii) quando, em momento
posterior, o Juiz, na sentença, revoga os efeitos da tutela de urgência em favor das autoras, e
sentencia no sentido de não haver possibilidade de confusão entre as marcas “VANISH” e
“VANTAGE”, julgando improcedente o pedido de tutela inibitória.
No primeiro momento, no qual o Juiz analisa o pedido de tutela de urgência, a não
produção de prova pericial beneficia aquele que afirma que o seu direito de marcar corre o
risco de dano irreparável ou de difícil reparação, caso os produtos da marca “VANTAGE”
fossem fabricados e comercializados, pois isto ocasionaria confusão como o produto de marca
“VANISH”, já existente no mercado, ocasionado confusão ao no público consumidor, e
141
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
consequentemente coerência desleal. Portanto, o Juiz entendeu que, se a produção da prova
pericial ocorresse neste momento, o lapso temporal existente entre o pedido de tutela de
urgência e o resultado final da perícia poderia ocasionar efeitos negativos ao titular da marca
“VANISH”.
Em um segundo momento, solucionada esta situação de urgência, não se justifica
o fato do Juiz não permitir a produção de prova pericial, e julgar antecipadamente a lide. De
acordo com o entendimento do Ministro Massami Uyeda, os elementos probatórios reunidos
nos autos, relacionados com os fatos apresentados, seriam suficientes para o deslinde da
controvérsia, o que tornaria possível o julgamento antecipado da lide.
Contudo, parece que para o Juiz, a identificação de possível ato de contrafação de
marca, suposta confusão e risco de prática de concorrência desleal, é algo que pode ser aferido
simplesmente com a comparação entre uma marca e o conjunto imagem adotados por dois
produtos, com base em impressões sobre alguns elementos estéticos, como letras, figuras,
cores. E assim também entendeu o Ministro Ministro Massami Uyeda, ao afirmar que
“efetivamente, seja no que diz respeito à grafia, seja no que se refere à fonética dos vocábulos
em confronto, não se constata qualquer similaridade, apta a induzir a erro o consumidor.”
Segue sustentando que:
No ponto, as ora recorrentes, Reckitt Benckiser N. V. e Reckit Benckiser do Brasil
LTDA., apegam-se ao fato de que os vocábulos em cotejo possuem as três
primeiras letras iguais, o que, em sua compreensão, gráfica e foneticamente em
muito os aproximaria. Esta tênue identidade, entretanto, não tem a abrangência
perseguida pelas recorrentes. Primeiro, é certo que a propriedade da marca 'vanish',
não confere ao seu titular o domínio de qualquer outra palavra que, igualmente,
inicie-se com as três letras 'van', notadamente se forem nitidamente distintas, como é
o caso dos autos. Além disso, os vocábulos em cotejo, ambos de origem inglesa,
possuem significados incontroversamente diversos ('vantage' = benefício, ganho,
vantagem; 'vanish' = sumir, desaparecer), com a grafia (remanescente), bem
distinta, não se podendo, por conseguinte, antever, por parte das recorridas, Bombril
Mercosul S. A. e Bombril S. A., intenção de relacionar os produtos entre si. (grifos
nossos).
Importa destacar que as recorrentes abordam somente aspectos estético, referentes
à grafia, fonética, coloração, disposição do conjunto imagem, tendo em vista que,
documentalmente, estes são os únicos elementos possíveis de serem apresentados ao debate.
A perícia, se produzida, certamente apresentaria outros elementos para a
compreensão dos fatos e a formação do juízo, tendo em vista a explicação acerca de outros
elementos estéticos e ideológicos que integram a marca, o que poderia ser apresentado por um
especialista na área de design, assim como questões referentes ao mercado consumidor e ao
142
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segmento empresarial, a partir de uma perícia de pesquisa de mercado orientada por
especialista na área de marketing, economia ou administração.
Todavia, não pretendemos tecer graves criticas este posicionamento, pois a
fundamentação no sentido de que o juiz deve identificar a necessidade ou não da produção de
prova pericial foi algo sustentado no TJ/SP, assim como no STJ por aqueles que seguiram o
voto do Ministro Massami Uyeda. A análise deste voto serve para verificar o posicionamento
do STJ e de seus Ministro, assim como alerta acerca da importância da prova pericial em
determinados casos envolvendo suposta contrafação de marcas.
5.1 Existência de cerceamento de defesa
A Ministra Nancy Andrighi, que inaugurou a divergência na Terceira Turma do
STJ, sendo seguida pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, apresenta interessantes
argumentos no sentido da utilidade da prova pericial no caso “VANISH” e “VANTAGE”,
sustentando ainda a tese de cerceamento de defesa.
Quanto à análise da suposta violação dos direitos de marca da recorrente, a
Ministra Nancy Andrighi identifica duas linhas de raciocínio:
Pode-se argumentar que a identidade entre os produtos “VANTAGE” e “VANISH”
visa a facilitar no consumidor a percepção de que são produtos destinados a um
mesmo fim, porém não a ponto de induzi-lo a erro, levando um pelo outro. Em
outras palavras, essas semelhanças permitem que o consumidor, ao ver o
“VANTAGE” na gôndola do mercado, suponha tratar-se de um produto equivalente
ao “VANISH”, abrindo-lhe a possibilidade de escolha entre os dois, conforme sua
conveniência. Situação análoga ocorre com diversos produtos, inclusive de limpeza
e higiene pessoal, como detergentes, sabões em pó e em barra, amaciantes, pastas de
dente, shampoos etc. O objetivo, então, seria possibilitar a identificação do
segmento ao qual o produto pertence, e não de confundir os diversos produtos de um
mesmo segmento. Por outro lado, haverá quem enxergue a colidência de marcas,
afirmando que a similitude entre os produtos na verdade objetiva confundir o
consumidor, sobretudo aquele mais desatento, desinformado ou apressado, que
acabará levando um produto pelo outro. (grifos nossos).
Conclui-se que, “os limites entre uma concorrência saudável ou desleal são
extremamente tênues, de sorte que fica difícil, apenas do ponto de vista empírico, concluir
pela existência ou não de violação do direito marcário.” Noutras palavras, colocar um produto
do lado do outro na tentativa simplória de identificar semelhanças entre a marca e o conjunto
imagem, para apontar o risco de confusão e a prática de concorrência parasitária, não é uma
forma adequada de se identificar o ilícito de contrafação de marca.
A dúvida quanto a compreensão do contexto fático no caso “VANISH” e
“VANTAGE” é tão evidente que a Ministra Nancy Andrighi dispõe que, “no primeiro grau de
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jurisdição, o Juiz inicialmente deferiu o pedido liminar no sentido de impedir o lançamento do
produto das recorridas, para depois, na sentença, julgar os pedidos improcedentes”,
destacando ainda a complexidade do contexto fático, ao afirmar que a decisão do TJ⁄SP “não
foi unânime, tendo o voto vencido ressaltado que “a cor preponderante (rosa), o nome do
produto e as disposições das embalagens (...) podem causar confusão entre os consumidores e
desvio de clientela”.
A complexidade, neste caso, gira em torno de questões de fato, e não de questões
de direito, pois o debate travado não alcança os conceitos jurídicos de marca, concorrência
desleal, contrafação etc.
O exame atento da decisão do Juiz de base, do TJ/SP, e do STJ, nos permite
afirmar que o debate teve por objeto a possibilidade de confusão entre as marcas “VANISH” e
“VANTAGE”, assim como impacto que tal concorrência (saudável ou parasitária) acarretaria
ao mercado consumidor, questões eminentemente de fato.
Isto é ainda mais perceptível se observados que o debate de questões jurídicas se
limitaram à questões referentes ao direito de prova e o cerceamento de defesa, que
consequentemente afeta o modo de aferir as questões de fato no caso concreto.
A Ministra Nancy Andrighi critica a análise fática nas instâncias ordinárias,
afirmando que, “em todas essas decisões, contudo, na tentativa de resolver o impasse, o que
cada julgador fez foi consultar o seu íntimo para, baseado quase que exclusivamente em
máximas de experiência, dizer se houve ou não colidência entre marcas”, sustentando que:
A constatação de que as decisões proferidas neste processo se basearam,
fundamentalmente, em máximas de experiência dos julgadores quanto ao fato de a
semelhança entre as embalagens ser capaz de confundir o consumidor, faz com que
a afirmativa de cerceamento de defesa ganhe relevância. (...) No particular,
contudo, a similitude das embalagens – fato evidente – não constitui o cerne da
controvérsia material posta a desate. O desafio, como visto, está em estabelecer se
essa identidade é suficiente para confundir o consumidor. Nesse contexto, salvo
melhor juízo, não estamos diante de uma questão puramente de direito. Ainda que
existam aspectos legais a serem considerados e aplicados, a definição do potencial
ofensivo da embalagem das recorridas exige, antes de mais nada, uma análise
técnica de propaganda e marketing tendente a estabelecer se o produto gera ou
não confusão para o consumidor. Não se ignora que o Juiz deve decidir com base
em seu livre convencimento, mas sua manifestação deve ser racional e motivada,
nos termos do art. 131 do CPC, o que somente será possível se ele dispuser de
elementos suficientes para tanto, o que, em se tratando de questão eminentemente
técnica, via de regra demanda subsídios derivados de prova pericial. Na realidade, o
critério central para se averiguar a necessidade de produção da prova pericial
deriva da interpretação conjugada dos arts. 145 e 335 do CPC, os quais
estabelecem, respectivamente, que o Juiz: (i) deve ser assistido por perito
quando a prova depender de conhecimento técnico ou científico; e (ii) pode
valer-se de regras de experiência comum e também de eventual experiência
técnica acessível a quem não é especializado em assuntos alheios ao direito,
ressalvando os casos em que é de rigor a prova pericial. (grifos nossos).
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O que podemos perceber é que as instâncias ordinárias afastam a prova pericial,
utilizando somente impressões pessoas de cada julgador. Notadamente, esta impressões
devem ser consideradas, pois os julgadores também são consumidores, mas tais impressões
não apresentam elementos ou critérios suficientes para uma adequada análise de mercado,
tampouco o contexto no qual o consumidor, ou o empresário, estão inseridos. Estes
elementos, com base em critérios técnicos ou científicos, somente poderiam ser corretamente
apresentados por um especialista na área.
A Ministra Nancy Andrighi segue afirmando que:
Diante disso, do ponto de vista de propaganda e marketing, o que cada julgador
decidiu não passou, na prática, de um palpite, apoiado em sua experiência
pessoal, mas que pode se revelar totalmente equivocado se confrontado com
estudos especializados, realizados por profissionais da área, capazes de revelar se a
conduta das recorridas é admissível no meio publicitário, bem como se há bases
concretas para se presumir a confusão dos produtos, aí considerada a totalidade dos
consumidores (ou pelo menos uma amostragem confiável e segura, apta a revelar o
comportamento médio dos consumidores) e não só a experiência individual de cada
julgador enquanto consumidor. (grifos nossos).
O voto-vista apresentado pela Ministra Nancy Andrighi, foi seguido pelo Ministro
Paulo de Tarso Sanseverino, que observando a importância da atividade probatória no caso
discutido, afirma que “a questão, realmente, é de fato, mas é de prova. Sem a produção de
uma prova técnica a respeito da possibilidade da ocorrência do trade dress, realmente não
haveria como julgar, que foi exatamente a conclusão do voto-vencido na origem.”
Certamente, apresentou-se argumentação sólida no sentido de que, no caso VANISH” e
“VANTAGE”, a formação do juízo sem a produção de prova pericial acarreta cerceamento do
direito de defesa.
6 Conclusão
O ambiente decisional que compreende os direitos de propriedade industrial
detém evidente complexidade, tanto pelos aspectos jurídicos atinentes a estes direitos, como
pelas variáveis fáticas do seu tráfego jurídico-patrimonial e os atos ilícitos aos quais estes
direitos estão vulneráveis.
Equalizar estas variáveis depende da compreensão de alguns importantes
aspectos, como: a complexidade de determinados direitos de propriedade imaterial; a
identificação dos elementos de distintividade dos signos; e, tão importante quanto, da
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captação das especificidades fáticas do ambiente no qual se encontram o direito de marca e os
supostos atos de contrafação e concorrência desleal.
Nos casos que envolvem contrafação de marca, a atividade probatória será
direcionada a demonstrar a existência ou a inexistência do direito de propriedade industrial,
assim como a existência ou a inexistência da prática de ato ilícito.
Alguns elementos probatórios podem ser satisfatórios para convencer o juiz da
ocorrência de ato de contrafação, enquanto outros meios de prova, mesmo que importantes,
não serão suficientes para deixar evidenciado que existiu o ato ilícito.
A prova pericial, em muitos casos, constitui-se útil para a formação do juízo, pois
é a partir dessa que se apresentam esclarecimentos acerca da complexidade dos signos
distintivos, servido ainda para elucidas questões de fato, que somente com o auxílio de um
expert podem ser compreendidas.
Destaca-se, ainda, que o julgador deve ter uma atenção diferenciada na análise dos
litígios envolvendo marcas, pois não somente os interesses dos particulares (empresários ou
conglomerado de empresas), mas também os interesses do público consumidor estarão na
pauta da decisão, mesmo que de modo reflexo.
Por fim, evidenciou-se a importância que a atividade probatória desempenha
nesses ambientes decisionais, assim como o cuidado que o juiz deve ter quanto ao
desenvolvimento do contraditório e ampla defesa, concretizados pelo direito a prova.
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DIREITOS AUTORAIS E NOVOS INTERESSES
COPYRIGHT AND NEW INTERESTS
Bruna Castanheira de Freitas 1
http://lattes.cnpq.br/1916378764084635
Nivaldo dos Santos 2
http://lattes.cnpq.br/3359203015249134
RESUMO
O presente estudo intenta expor como o instituto do direito de autor tem sido vislumbrado nos
dias atuais. O advento de novas tecnologias trouxe ambiguidades à lei autoral (lei nº
9.610/1998), e ainda não foram acrescentadas à norma formas de como lidar com estes novos
aparatos de maneira que os direitos do autor não sejam desrespeitados. Assim, devido a esta
brecha normativa, a lei autoral pode ser utilizada da maneira que melhor convir variados
agentes econômicos, sociais e culturais. Ao entender como estes agentes têm usado e
enxergado o instituto do direito de autor, torna-se menos árdua a tarefa de inserir na lei
algumas normatizações capazes de equilibrar tantos interesses, tais como os do próprio autor,
público, intermediários e mercado.
PALAVRAS-CHAVES: Autor; Tecnologia; Interesses; Mercado.
ABSTRACT
1
Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO) e pesquisadora bolsista
CNPq. E-mail: [email protected].
2
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo-PUC-SP. Professor da UFG/PUC-GO.
Coordenador Rede Estadual de pesquisa em Propriedade Intelectual e Transferência de TecnologiaREPPITTEC-FAPEG-GO. E-mail: [email protected].
Fomento: CNPq, FAPEG, CAPES, FUNAPE.
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This study aims to reveal how the institution of author’s rights has been observed in recent
times. The advent of new technologies has brought ambiguities to copyright (law nº
9.610/1998), and new ways of dealing with these new apparatus in a manner that keeps
author’s rights from being violated have not yet been added to the norm. Therefore, due to
this normative breech, copyright can be used in whatever way various economic, social and
cultural agents would prefer. By understanding how these agents have used and perceived the
institution of author’s rights, the task of adding to the Law some normalizations capable of
balancing so many interests - such as the author’s, the public, intermediates and the market become less ardous.
KEYWORDS: Author; Technology; Interests; Market.
1. INTRODUÇÃO
Um dos conflitos que aflige o cenário jurídico brasileiro nos dias de hoje é aquele
existente entre o direito de propriedade do autor perante a sua obra, em detrimento do direito
de acesso à cultura por parte da sociedade, ambos resguardados pela Constituição Federal
brasileira de 1988, no art. 5º, XXII, e art. 215, respectivamente.
O direito de autor começou a ser apreciado no país a partir da Constituição de 1891,
promulgada cinco anos após a Convenção de Berna, de 1886, responsável por reconhecer essa
matéria entre as nações. Nessa Convenção, decidiu-se acerca de algumas defesas mínimas que
deveriam ser garantidas aos autores ao redor do mundo.
Atualmente, a lei que regula os direitos autorais no Brasil é a lei nº 9.610, de 19 de
fevereiro de 1998, que aguarda pela elaboração de um anteprojeto a ser feito pela Ministra da
Cultura, Marta Suplicy. Nos incisos do artigo 7º, da lei, são apresentadas as obras protegidas
desde produções literárias até obras fotográficas, perpassando por programas de computador,
obras audiovisuais, composições musicais, etc.
Essas espécies de produções intelectuais, assim como várias outras, são
disponibilizadas no meio eletrônico diariamente para que seu download gratuito seja feito,
sem qualquer tipo de autorização, reconhecimento ou remuneração ao autor. Ainda, as novas
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vivências mundiais incitaram a criação de profissões e práticas, como a de Disckjockey (DJ).
Esse profissional recombina obras de diferentes autores, através da prática do sampler,
criando assim algo singular e, consequentemente, de autoria própria.
É incabível transportar para as obras digitais os entendimentos da lei nº 9.610,
elaborada em 1998, tendo em vista as inúmeras inovações e situações trazidas pela internet.
Deve-se assim refletir sobre como equilibrar a difusão cultural proporcionada pelo meio
digital - assim como as novas formas de produção artística - de maneira que o direito do autor
sobre a obra seja respeitado, observando se há a possibilidade de haver meio-termo entre o
acesso e a proteção, ao invés da infração epidêmica da lei de direitos autorais ou a proteção
ultra-restritiva aos direitos do autor.
Para tanto, é que se faz necessário reavaliar os vários usos que se tem dado ao
instituto que oferece proteção ao autor. Usos esses que várias vezes são egoístas, pois
deturpam o direito autoral com o mero intuito de conquistar vantagens pessoais. Assim, serão
expostas duas das visões mais populares: direito de autor como bem econômico e direito de
autor como bem cultural.
Dessa maneira, pretende-se que seja facilitada a árdua tarefa do legislador de alterar
a lei nº 9.610, pensando não em formas de suprimir o sistema de direito autoral, mas
reconsiderar sobre a existência de maneiras de incentivar o autor a criar, sem que esse
estímulo gere um afastamento da obra com relação às pessoas que gostariam de utilizá-la.
Afinal, ao enxergar como o direito de autor tem sido usado, se torna possível visualizar como
ele de fato deveria ser empregado.
2. O DIREITO AUTORAL
O direito autoral, espécie do gênero “propriedade intelectual”, divide-se em direito
de autor e direitos conexos, segundo o artigo 1º, da lei nº 9.610/1998 que: “regula os direitos
autorais, entendendo-se sob esta denominação os direitos de autor e os que lhes são conexos”.
A primeira espécie, do direito de autor, trata de textos de obras literárias, científicas ou
artísticas, ou seja, das produções intelectuais como um todo.
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O conjunto de prerrogativas que a lei reconhece a todo criador intelectual sobre suas
produções literárias, artísticas ou científicas, de alguma originalidade: de ordem
extrapecuniária, em princípio, sem limitação de tempo; e de ordem patrimonial, ao
autor, durante toda a sua vida, com o acréscimo, para os sucessores indicados na lei,
do prazo por ela fixado (CHAVES, 1987, p. 17).
Assim, tem-se que ao autor podem ser conferidas prerrogativas morais e
patrimoniais, pois a ele é atribuído o reconhecimento por aquilo que é criado e, ainda, crédito
pecuniário sobre a obra, podendo dispor dela da maneira que entender ser mais benéfica,
tendo seus herdeiros o direito de sucessão sobre a criação. Diz o artigo 22, da lei nº
9.610/1998: “Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou”.
A segunda espécie, dos direitos conexos, visa proteger os artistas, executantes,
intérpretes, organismos de radiodifusão e os produtores de fonogramas, entre outros, matéria
esta trazida pelo artigo 89, da lei nº 9.610/1998: “As normas relativas aos direitos de autor
aplicam-se, no que couber, aos direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores
fonográficos e das empresas de radiodifusão”.
Dessa maneira, à medida que recebe reconhecimento por aquilo que cria, o autor não
só ganha uma satisfação moral, mas como também patrimonial, já que é concedido a ele o
direito exclusivo sobre a sua obra, podendo dispor e concedê-la da maneira que julgar mais
propícia às suas intenções. Com este retorno, o autor, logicamente, se sente estimulado a
persistir em suas criações, ao fazer deste ato um ofício.
Logo, é impossível negar que o direito autoral exerce grande função no estímulo à
economia do entretenimento, por contribuir em muito com a difusão do conhecimento, já que
ao garantir ao autor o prestígio por aquilo que foi criado, estimula o surgimento de criações
intelectuais influentes no mercado.
Esta maneira de pensamento funcionava de maneira harmônica com a realidade do
ano de 1996, no qual a lei nº 9.610 foi criada. Ocorre, porém, que com as evoluções
tecnológicas advindas desde então, inúmeros aspectos cotidianos mudaram, aferindo à vida
social diferentes efeitos. A realidade atual claramente não é a mesma de 17 anos atrás e
também é óbvio que a lei autoral está impossibilitada de abarcar todas as possibilidades que as
novas tecnologias trouxeram – e ainda trazem – para as criações intelectuais.
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Faz-se necessário, portanto, reavaliar a presente lei, afim de que seja possível
normatizar, maneiras de resolução de lides nascidas pelo desentendimento dos agentes a
respeito dos usos que podem ser dados às obras alheias no meio da internet, por exemplo.
Assim, vários agentes mercadológicos se aproveitam das brechas normativas e atribuem ao
instituto do direito de autor diferentes interpretações e práticas. Claramente, com o intuito de
seu próprio favorecimento econômico.
É mais do que necessário, portanto, avaliar as formas como o direito autoral tem sido
usado hoje, afim de que dessa maneira seja possível aferir as deturpações criadas a respeito de
quem exatamente o direito de autor está protegendo e quem, na verdade, ele deveria de fato
proteger. Lembrando que foi para estimular a criação intelectual, entre outros motivos, que
este instituto nasceu. Intenta-se assim, que ao reencontrar a essência do direito de autor, talvez
a forma de como harmonizá-lo com a difusão do conhecimento seja mais facilmente
descoberta.
3. FORMAS COMO O DIREITO DE AUTOR TÊM SIDO EMPREGADO
3.1 O direito de autor como bem econômico
Com o advento da internet, muitos pensadores começaram a enxergar no instituto da
propriedade intelectual e na proteção ao autor, um grande óbice para o desenvolvimento
cultural e para a difusão da informação, presumindo assim que essa proteção estaria em crise.
Entretanto, essa presunção se mostra leviana, já que é perfeitamente possível que tanto a
proteção quanto a difusão se desenvolvam juntas.
Os pessimistas estão concluindo precipitadamente que a propriedade intelectual
estaria em crise. Alguns até falam em sua decadência. Outros, ainda, anunciam o seu
fim próximo. Esta visão dos fatos é, com certeza, excessivamente negativa. Hoje em
dia, como ontem, a necessidade de estimular a criação intelectual justifica a
manutenção do direito autoral. Mas o que é certo é que a propriedade intelectual está
em evolução (FRANÇON, apud SANTOS, 2009, p. 11).
Independente daquilo que o futuro reserva para a conservação desse instituto, é
difícil imaginar uma sociedade na qual uma proteção como essa não seja necessária. Não se
deve vislumbrar na atribuição de crédito ao autor uma maneira de intervir na possibilidade de
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maior alcance da informação. Mas sim uma forma de reconhecer o esforço humano na
elaboração de algo que, de uma maneira ou outra, contribuirá para o crescimento da
sociedade.
De acordo com as mudanças históricas da humanidade, a forma de existir da própria
sociedade se transforma. O direito tem o dever de acompanhar essas mudanças e a elas se
adaptar, de maneira que as novas exigências sociais se tornem satisfeitas. É com esse olhar
que se nota a mudança que ocorreu na função do direito de autor, tendo em vista o advento
das novas tecnologias.
De mecanismo de estímulo à produção intelectual, ele [o direito de autor] passou a
representar uma poderosa ferramenta da indústria dos bens intelectuais para a
apropriação da informação enquanto mercadoria, ocasionando uma redução da esfera
da liberdade de expressão, do acesso ao conhecimento, à informação e à cultura e se
transformando em um obstáculo a formas mais dinâmicas de criação e circulação de
obras intelectuais (CARBONI, 2009, p. 20).
Assim, nota-se que não mais o direito de autor figura como um simples incentivo ao
autor, para que este continue a criar e seja capaz de subsistir através de renda proveniente da
atividade criativa. Devido o advento das novas tecnologias - algo que gera inúmeras
mudanças sociais - os grandes empresários começaram a se sentir ameaçados, pois com elas,
começou a ocorrer um déficit na venda das suas mercadorias.
Ora, a internet dispensa a plataforma de venda de músicas através do CD, sendo hoje
comum o consumidor fazer o download da música em arquivo mp3 para ouvir em seu
computador, som do carro ou iPod. Ainda, tendo como exemplo o contexto musical, observase que quando o autor enxerga na internet a oportunidade de ele mesmo elaborar sua obra com
qualidade e distribuí-la através da rede, deixa de existir a necessidade de se ter contrato com
uma grande gravadora para que esta faça a edição do CD e a distribuição do mesmo. Afinal, a
própria internet permite que o artista exerça essas funções.
Os avanços tecnológicos recentes, por permitirem o fácil acesso, pela população em
geral, a instrumentos de manipulação e distribuição de bens informacionais, têm
violentamente desestabilizado os modelos de negócios tradicionais das empresas da
indústria do conteúdo, que não têm conseguido reagir às mudanças. Ao invés de
aproveitar a oportunidade para reestruturar seus modelos de negócios, a estratégia da
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indústria é a oposta: reestruturar tecnologia, direito e o comportamento da população
em prol da manutenção de modelos de negócio que não têm mais chance de subsistir
diante da atual conjuntura tecnológica e cultural. O objetivo da indústria [...] é a
sustentação de uma economia de informação estritamente industrial em uma época em
que formas alternativas de produção e aproveitamento de informação têm despontado
(MIZUKAMI, 2007, p. 182).
Perante as novas tecnologias, os grandes empresários tomam atitudes conservadoras,
pois resistem e temem enxergar que dentro da internet se faz necessário o uso de algum outro
modelo de negócio, que não o CD, por exemplo, não buscando qualquer tipo de adaptação à
nova realidade.
Na tentativa de evitar perdas nos lucros é que as empresas insistem no direito de
autor na sua forma mais radical e conservadora, gerando o abuso do instituto da propriedade
intelectual. Tentam industrializar a informação, transformando-a em mais uma mercadoria.
Em contrapartida, a internet traz o fenômeno inédito da democratização informacional, algo
mais interessante para o interesse público e a própria difusão cultural.
Hoje, o interesse da indústria dos bens intelectuais move todo um processo de
alargamento do objeto de proteção do direito de autor e de prolongamento do seu
prazo de proteção. É por essa razão que o direito de autor, hoje, mascara o fato de
funcionar como uma poderosa ferramenta da indústria do entretenimento e da
informação e não do sujeito-autor, que se vê na condição de ter que abrir mão de seus
direitos em prol dessa indústria, para que possa auferir lucro com a comercialização da
sua obra (CARBONI, 2009, p.20).
O direito de autor começa então a ser usado pelos grandes empresários com
interesses pecuniários, como um instrumento de política mercadológica. Ao se exigir que os
direitos morais e patrimoniais do autor sejam respeitados, a indústria cultural e do
entretenimento apenas está tutelando interesses de lucro próprio. O autor tem o seu direito
observado, porém, os benefícios que ele recebe ficam aquém daquilo que ele teria o real
direito, já que boa parte dos lucros é captada pelas empresas intermediárias do processo de
criação e distribuição do bem cultural.
Ou seja, o montante advindo da satisfação patrimonial pelo lucro obtido com o
exercício do direito de autor, é atribuído a agentes que não exercem o ato de criar, mas que se
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responsabilizam por atos pragmáticos, como da edição do suporte físico de música, CD, ou
pela sua mera distribuição. Assim, o direito patrimonial do autor beneficia em sua maior parte
as ações mecânicas, e não a atividade criativa em si, que é a razão da existência da
propriedade intelectual e, no caso, do direito de autor.
Nota-se então, uma deturpação no propósito que é dado a esse direito, que não
cumpre com o propósito que o deu origem. No caso a seguir - da cantora country Dolly Parton
– a artista e sua empresária fundaram um selo próprio que originou uma empresa de música
digital, dispensando a figura da gravadora como intermediária da distribuição de suas
músicas. Através dessa atitude inovadora – adotando um novo modelo de negócio – Parton
conquistou mais lucro do que quando dependente de um contrato com uma grande empresa.
O primeiro single de Parton, "Better Get to Livin'", ficou no número 48 da Hot
Country Songs (uma das paradas da Billboard) - sua maior posição em 15 anos. E
Parton consegue uma porcentagem bem maior dos lucros do que em um contrato de
gravadora. "Não vai levar mais do que algumas semanas para recuperarmos o que
investimos”. (EVAN SERPICK, 2008, p. 1).
Como anteriormente exposto, à medida que a sociedade muda a lei se transforma,
com a intenção de se habituar ao cenário e solucionar problemas oriundos de novos fatores
sociais. Uma lei como a de direitos autorais deveria então conciliar os vários interesses de
agentes do cenário cultural, desde o público até o artista, perpassando pela figura dos
intermediários, que no caso são as indústrias culturais.
Ocorre que nem sempre a legislação é capaz de intermediar todos os interesses, que
possuem igual grau de importância. Um exemplo é a lei de direitos autorais da Alemanha,
reformada em 1985: havia uma exceção à regra de liberdade de reprodução para fins privados,
na qual a cópia de partitura musical poderia ser feita pelo interessado, mesmo sem a
autorização do autor, desde que feita à mão.
Com o desenvolvimento e expansão dos serviços de fotocópia nos anos 70 do século
passado, tornou-se usual a reprodução de partituras que, por sua vez, eram distribuídas
aos membros de coros ou orquestras. As editoras de partituras, que naquela época não
contavam com as facilidades gráficas que hoje faz parte do nosso cotidiano, chocadas
com a possibilidade de cópia e risco de perda da chance de amortização do
investimento realizado na produção da edição musical, reclamaram por uma proteção
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
especial, ao que o legislador alemão respondeu excepcionando na reforma da lei
autoral de 1985 a regra de liberdade de cópia. (WÜRTENBERGER; GRAU-KUNTZ,
2011, p. 246).
Devido à tecnologia da fotocópia, surgiram novas situações e problemas que ainda
não eram contemplados pela lei alemã. Temendo a possibilidade de um déficit considerável
nas vendas, as editoras de partituras exigiram perante a justiça alguma modificação na lei, de
maneira que fosse dada a elas proteção jurídica perante as possibilidades advindas da nova
tecnologia na época.
Dessa forma, o legislador alemão reformou a lei de direitos autorais em 1985, de
maneira a contemplar os interesses oriundos da classe editorial. Porém, dessa situação saíram
prejudicadas as orquestras sinfônicas, que começaram a arcar com altos custos para
adquirirem as partituras por intermédio das editoras, dificultando a execução de espetáculos, e
inevitavelmente, a vivência cultural da comunidade. Esta situação ilustra como um poderoso
agente econômico em um país pode influenciar na atividade legislativa. Os pesquisadores
Würtenberger e Grau-Kuntz afirmam:
Se nos dias de hoje o legislador alemão decidisse excepcionar da regra de liberdade de
reprodução
privada
todos
os
interesses
individuais
“prejudicados”
pelo
desenvolvimento dos aparelhos de reprodução, ou dos suportes de armazenamento de
obras intelectuais, então veríamos no direito alemão uma inversão de valores: a
exceção acabaria por ser a cópia privada livre. Além disso, veríamos um forte
protecionismo do Estado em relação à indústria de direito de autor, que estaria
protegendo modelos de negócios contra os efeitos do desenvolvimento tecnológico e,
concomitantemente, apresentando a conta dessa medida ao usuário (2011, p. 246).
A concepção alemã já entende que não mais é racional contemplar as novas
tecnologias como algo negativo à sociedade. Pelo contrário, compreendem que o interesse
individual não deve ser alvo do protecionismo estatal no exercício da lei. Reformar a lei de
direitos autorais de maneira a privilegiar apenas modelos de negócios que não se adequam às
situações da atualidade é o mesmo que optar pelo interesse individual em detrimento do
interesse público.
Dessa maneira, ao pensar de maneira analógica com o cenário brasileiro, nota-se que
também o Brasil sofre pressões nacionais e internacionais para manter sua lei autoral da
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
maneira conservadora em que se encontra, tendo em vista interesses econômicos oriundos das
indústrias culturais. Porém, como já afirmado, deve a lei de direitos autorais se orientar pela
busca do equilíbrio desses interesses.
Com o que aqui foi exposto, é possível observar como a essência do direito autoral é
facilmente corrompida. No caso, os direitos morais e patrimoniais do autor se tornaram meros
instrumentos para a consecução de lucros por parte das indústrias culturais. Cabe indagar a
quem o direito autoral - da forma como é hoje empregada - está servindo.
Inexistem dúvidas de que se o legislador, ao elaborar o próximo anteprojeto da lei de
direitos autorais, se pautar essencialmente pelo escopo social do direito de autor, então o tão
buscado equilíbrio entre os vários interesses dos agentes culturais seria mais facilmente
alcançado.
Percebe-se que a teoria da função social do direito autoral busca um melhor equilíbrio
entre a proteção dos direitos do autor e a possibilidade de redução de obstáculos às
novas formas de criação e circulação de bens intelectuais, visando manifestações
sociais mais abertas à criatividade e com maior amplitude democrática, além da
garantia de livre acesso às obras protegidas em determinadas circunstâncias.
(BERTOGLIO; MIOTTO; MELLO; MELLO; HEINRICH, 2011, p. 113).
Não se fala aqui em priorizar o interesse público em detrimento ao direito do autor,
já que a própria existência do direito autoral justifica o aspecto social na consideração do
interesse público. Carboni afirma que a sociedade possui interesse em conhecer quem é o
autor daquilo que é criado:
Função de identificação do autor, entendida como o interesse da sociedade em saber o
verdadeiro autor de uma obra intelectual, com fundamento no princípio da
transparência e da veracidade das informações como norteadores de um espaço
público democrático (CARBONI, 2009, p. 61).
Segundo o exposto, percebe-se que no cerne do direito de autor já existe uma
finalidade social, que é cumprida pelo direito moral pertencente àquele que cria. Como já
aduzido, é direito do autor ter seu nome vinculado conjuntamente à sua obra. Além de
satisfazer interesses do criador, o direito moral também satisfaz o interesse público, por
157
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
transmitir o censo de que as informações ali vinculadas possuem caráter verídico, se
comparadas com dados oriundos de fontes anônimas.
Destarte, ilustra-se uma das várias maneiras pela qual tanto público quanto privado
se satisfazem, na tentativa de exemplificar como o tão citado “equilíbrio” pode sim ser
alcançado, apesar do negativismo com o qual a indústria cultural enxerga o advento das novas
tecnologias. O fato é que estas já estão inseridas no contexto social, e não mais podem ser
expurgadas dele, felizmente. O que resta a todos aqueles que ainda insistem em ser antiquados
é a tarefa de se adaptarem.
3.2 O direito de autor como direito de cultura
O direito autoral e o direito cultural, especialmente após a Convenção da Diversidade
Cultural da Unesco, de 2005, começaram a ser vislumbrados como elementos que deveriam
ser tutelados conjuntamente, por um cenário jurídico sistêmico, desprovido de visões lineares
e simplistas.
A partir do fato insofismável de que todos os bens intelectuais tutelados pelo direito
autoral são igualmente bens culturais, visto que todos os bens intelectuais possuem a
potencialidade de virem a ser integrados ao patrimônio cultural de um povo, de uma
nação ou de um Estado como obras de arte que simbolizam e expressam a cultura de
uma determinada sociedade, em seu devido tempo e lugar, há que se redimensionar a
tutela atribuída ao bem intelectual (WACHOWICZ, 2010, p. 80).
Os direitos autorais são compatíveis com os culturais, tendo em vista que estes
envolvem o senso de propriedade sobre o bem intelectual, que é tutelado pelo direito de autor.
Tem-se claro que a obra, além de ser um produto da criatividade humana, é também
determinada pelo ambiente, tradição e influências culturais que o agente criativo recebe,
refletindo-as em sua obra. A isto se dá o nome de “diálogo coletivo”: “[...] posto que a obra de
arte emerge do contexto cultural onde ela é forjada” (WACHOWICZ, 2010, p. 80).
Logo, da criação são exalados os efeitos privado e o público: privado, pois o autor
perceberá alguma recompensa por aquilo que cria, tendo a titularidade dos direitos autorais;
público, pois a criação intelectual, de certa forma, não traduz apenas o sentimento de um
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
único ser, mas também de toda uma comunidade, sendo a expressão do próprio imaginário
coletivo.
Através dessa concepção é que se deve pensar na tutela jurídica dada ao objeto de
proteção do direito autoral: o bem intelectual, que também é bem cultural. É assim que se
deve buscar o equilíbrio entre os interesses públicos e privados. Afinal de contas, a obra nasce
para ser conhecida pelo coletivo, e não apenas pelo seu criador, que voluntariamente expõe
aquilo que cria.
Não se fala aqui em priorizar a visão de direito de autor pelo vértice cultural em
detrimento do econômico, haja vista que ao enxergar o produto da criação como um bem, é
inevitável que este fomente a indústria informacional, e que esta sirva como geradora de
empregos e rendas para o Estado. Porém, é um erro conceber o bem intelectual apenas em seu
aspecto mercadológico.
A Convenção da Diversidade Cultural de 2005 auxiliou os Estados a visualizarem
aspectos tão importantes para a propriedade intelectual como o econômico – muito bem
exaltado pelo acordo TRIPS. Wachowicz afirma que tipo de visão seria mais adequada para
enxergar os bens intelectuais: “[...] vislumbrando-os como bens culturais [...] portadores de
identidades e valores culturais que merecem tratamento diferenciado no contexto das regras
de comércio da OMC” (WACHOWICZ, 2010, p. 58).
Incorre em erro aquele que crê ser possível encarar o direito de autor como simples
commodity, haja vista que, além de simplista, esta visão ignora toda a parcela de contribuição
cultural contida na criação, se considerado o meio em que se cria. Bens culturais não são
simples produtos comerciais, pois: “[...] são portadores de valores, ideias e sentidos, e formam
a expressão da identidade cultural de povos e comunidades” (WACHOWICZ, 2010, p. 63).
Ainda, tendo em vista a seguinte afirmação: “Se o Direito de Autor fosse um direito
da criação intelectual, a preocupação principal seria criar uma situação de equilíbrio de todos
os interesses em presença, que permitissem o desenvolvimento harmonioso da cultura”
(ASCENÇÃO, 1994, p. 1.504). Percebe-se que ao adotar o direito de autor como direito de
cultura, então grande gama dos interesses seriam atendidos, vez que: “[...] a finalidade
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
cultural seja o vetor de orientação e unificação do direito de autor” (PINHEIRO, 2012, p.
278).
Como afirmado diversas vezes no presente capítulo, o espírito do futuro anteprojeto
da lei de direitos autorais deve ser o de equilíbrio. Esta orientação - em decorrência de
acontecimentos históricos e interesses de diversos segmentos sociais - deturpou-se no decorrer
do tempo. Assim, originaram-se ordenamentos parciais e socialmente vazios.
A partir do que foi analisado, confirma-se que não há uma orientação certa ou errada
quando da percepção do que é direito de autor. Porém, existe aquela que é mais ponderada,
pois satisfaz – mesmo que não totalmente – anseios de uma sociedade que, em meio a tantas
transformações provenientes da tecnologia, recorre à lei para ser resguardada.
4. CONCLUSÃO
Através do presente trabalho, objetivou-se analisar as diferentes formas como o
instituto do direito de autor pode ser – e tem sido – enxergado atualmente. Através das
ponderações feitas, intentou-se resgatar qual o objetivo que o legislador deve visualizar no
momento da modificação da lei nº 9.610, modificação essa que se faz mais que necessária,
tendo em vista as situações criadas pelo advento das novas tecnologias, em especial da
internet, que em muito favorece o acesso à cultura e informação por parte da sociedade.
É fato que boa parte da população percebe a internet como “uma terra sem leis”,
ainda mais que várias nações ainda não possuem legislação sobre a matéria. Porém, esse
fenômeno não é verdadeiro, tendo em vista que o direito patrimonial e moral do autor são
devidos a ele, desde que haja uso da sua obra, de qualquer forma e em qualquer plataforma. É
claro que se o Brasil aprovasse desde logo o Marco Civil da Internet então várias dessas
questões poderiam ser mais facilmente regulamentadas através do anteprojeto da lei nº
9.610/1998.
Deve-se pensar em como definir um caminho de equilíbrio entre os preceitos de
proteção e acessibilidade, já que ambos são direitos constitucionais. O homem está passando
por um momento importantíssimo e propício para a criação de normas legais, de maneira que
essas entrem em consenso com as novas vivências de difusão cultural.
160
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Muitos pensadores enxergam no advento da internet a grande crise dos direitos
autorais. Porém, é fato que a oportunidade reside na crise, e este é o momento para que o
legislador e todos os juristas brasileiros, bem como a sociedade, repensem sobre a maneira
que o autor deve se manter protegido dentro da era digital, de forma que o acesso à cultura
não seja cerceado.
REFERÊNCIAS
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mundo do direito de autor? II Congresso Ibero-Americano do Direito de Autor e Direitos
Conexos. Lisboa, 15-18 de novembro de 1994. Comunicações. Tomo II. Lisboa: Edições
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BERTOGLIO, Ana Claudia Dal Magro, e MIOTTO, Anderson, e MELLO, Cristiana
Figueiredo de Oliveira, e MELLO, Márcio Gládio Gomes Cavalcanti, e HEINRICH, Wagner
Johan. A função social do direito autoral. Unoesc & Ciência – ACSA. v. 2, n. 2. Joaçaba:
2011.
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CARBONI, Guilherme. Os desafios do direito de autor na tecnologia digital e a busca do
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FAAP. p. 20. São Paulo: 2009.
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FRANÇON, André. Revue Internationale Du Droit D’Auteur. 1. ed. Paris: Daloz, 1996. In:
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MIZUKAMI,
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social
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compartilhamento de arquivos e direitos autorais na CF/88. Dissertação de Mestrado.
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. Brasil, 2007.
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autor brasileiro e alemão, tendo em consideração a perspectiva de reforma das
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(Org.). Por que mudar a lei de direito autoral (estudos e pareceres). 1. ed. Florianópolis:
FUNJAB, 2011.
162
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
MARCAS E NOME CIVIL: COMO CONSTRUIR O CONFLITO ENTRE DIREITOS
DE PERSONALIDADE E DO DIREITO A MARCA SOB UM VIÉS ÍNTEGRO?
THE CIVIL NAME AND THE TRADEMARKS: HOW TO BUILD THE CONFLICT
BETWEEN RIGHS OF PERSONALITY AND TRADEMARK`S RIGHTS IN A
CONSTRUCTIVELY WAY?
TRESSE, Vitor Schettino1
MÜLLER, Juliana Martins de Sá2
RESUMO
O presente trabalho procura analisar de forma crítica o eventual conflito entre registro de
marca derivada de nome e os direitos de personalidade daquele que tem seu nome registrado.
Nesse sentido, realiza-se um estudo de caso, através da análise de uma decisão jurisprudencial
do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Busca-se, aqui, pensar o direito de maneira
construtiva, por meio de uma interpretação íntegra apta a realizá-lo sob sua melhor luz, o que
permite discutir tal conflito e solucionar esse “hard case”, nos termos dworkinianos. Em
relação à metodologia, propõe-se uma pesquisa qualitativa, utilizando-se do método de análise
de conteúdo. Ao final, pretende-se comprovar que é necessário um trabalho reflexivo de
construção interpretativa dos elementos normativos ao invés de se aplicar acriticamente a lei,
principalmente no que tange ao processo de solução do conflito entre os direitos de
personalidade daquele que autoriza a utilização de seu nome em marca, bem como os daquele
que adquire todo o conjunto de direitos em um trespasse.
Palavras-chave: Integridade. Direitos de personalidade. Marcas.
ABSTRACT
This paper aims at making a critical exam of the possible conflict between trademark
registration and name derived from the rights of personality of the one who has his name
1
Mestrando em direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro na linha de Empresa, Trabalho e
Propriedade Intelectual (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil). Email: [email protected]
2
Mestranda em direito pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro na linha de Empresa, Trabalho e
Propriedade Intelectual (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil). Email: [email protected]
163
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
registered. Accordingly, there will be a case study, through the analysis of a judicial decision
of the Court of Rio Grande do Sul. It intends to think the law in a constructively way, through
an interpretation that is able to perform it in its best light, which allows us to discuss and
solve this conflict. Regarding to the methodological strategy, it proposes a qualitative
research, using the method of content analysis. At the end, we intend to prove the need of a
reflective, and interpretative construction work of normative elements instead of uncritically
applying the law, especially regarding to the process of solving the conflict between the rights
of personality that authorizes the use of their brand name, as well as the one who buys the
whole set of rights in a trespass.
Keywords: Integrity. Rights of personality. Trademarks.
1 INTRODUÇÃO
O atual cenário de avanço econômico da pós-modernidade coloca os atores da
atividade financeira em intenso processo de competição. Nesse contexto, manter seus
consumidores fiéis é essencial para a sobrevida desses atores. Para tanto, utiliza-se do direito,
através de institutos jurídicos como a marca, a fim de se promover o desenvolvimento
econômico, embora sem perder de vista o interesse social, como determina a Constituição
Federal3.
O direito à marca de produtos ou serviço, portanto, protegido constitucionalmente, é
aquele que garante a identificação de produtos e serviços de maneira a permitir ao consumidor
traçar modelos de qualidade tendo em vista determinado grupo de produtos e serviços,
idênticos ou semelhantes, com origem distinta, conforme Arnoldi e Adourian (2004).
O artigo 124 da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9279 de 1996) determina o que
não pode ser registrado como marca, trazendo, em seu inciso XV, essa proibição, com
ressalvas, no que tange ao nome civil ou de família, salvo autorização expressa do titular, seus
herdeiros ou sucessores.
Entretanto, cria-se um impasse jurídico em torno de como deve se dar a interpretação
do instituto da marca de nome e, consequentemente, dessa autorização, quando o titular do
3
Artigo 5º, inciso XXIX - a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua
utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a
outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.
(BRASIL, 1988)
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
nome já não possuir nenhuma relação de direito com a sociedade empresária. Faz-se
necessário, então, discutir se há sempre uma abstração do nome e da marca no momento do
registro.
Diante disso, o presente trabalho analisa uma decisão judicial, prolatada pelo
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), na qual o titular de um nome registrado
como marca perde toda sua relação com a atividade empresarial a qual seu nome estava
vinculado, após a dissolução do casamento com sua esposa que era uma das sócias na
empresa. Ele busca no judiciário a proibição da utilização do nome empresarial, fantasia e da
marca registrada, inclusive com a cominação de danos morais, a fim de desvincular seu nome
de uma atividade que ele já não mais realizava.
Nesse cenário, propõe-se, aqui, um estudo do instituto da marca a partir do
referencial moral substancial encontrado na teoria do direito de Ronald Dworkin. Analisa-se o
conflito entre direitos da personalidade e o direito à titularidade da marca, sob o enfoque de
ser esse um caso difícil, como nomeia Dworkin (2007). Assim, há que se realizar uma
interpretação construtiva do direito, a partir dos valores da comunidade personificada,
perfazendo o que o autor chama de direito como integridade.
A escolha de Ronald Dworkin deve-se a sua característica de ser ferramenta útil na
resolução de problemas jurídicos e políticos de uma comunidade. Tendo essa teoria como
base, a relevância desse trabalho consiste na necessidade de se constituir uma análise crítica
do direito, a partir da decisão judicial em questão. Essa conformação teórica visa analisar de
forma íntegra o processo interpretativo de solução do conflito entre os direitos de
personalidade daquele que autoriza a utilização de seu nome em marcas e em atividades
empresarias, bem como da pessoa que adquire todo o conjunto de direitos em um trespasse.
Além disso, pretende-se analisar criticamente a solução encontrada pelos juízes no caso em
questão, buscando assim uma evolução no processo decisório.
A fim de nortear a presente pesquisa faz-se a seguinte indagação: a partir do
momento em que houve autorização e o registro de um nome como marca, ocorre uma
completa dissociação e mercantilização deste nome de modo que seu titular não poderá mais
impedir a utilização da expressão registrada, ainda que haja fundado motivo para tal?
O trabalho busca sua conclusão de acordo com a seguinte hipótese: tendo como
premissa metodológica a integridade dworkiniana, vê-se que a análise do conflito entre
direitos de personalidade e uso de marca registrada requer, além do estudo de um caso
concreto, um esforço discursivo de construção interpretativa dos elementos legais e
constitucionais que servem de balizas para o direito à marca e o direito ao nome.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Em relação à estratégia metodológica, realiza-se uma pesquisa qualitativa, tendo em
vista que é com base nos objetivos traçados que se propõe o estudo de textos científicos e
legislativos sobre os direitos de personalidade e o direito à marca, realizando-se a pesquisa
por meio do método de análise de conteúdo. Dessa forma, quanto às técnicas de pesquisa, a
opção foi, primordialmente, pela documentação indireta, a bibliográfica e a documental, uma
vez que a base metodológica consiste na análise de conteúdo. Trata-se, enfim, do que Pedro
Demo (1995) chama de pesquisa teórica, uma vez que se destaca o seu caráter conceitual, no
que toca a revisão dos tradicionais conceitos de propriedade industrial, imprimindo a estes
uma reformulação a partir de uma referência moral teórico-doutrinária. Assim, constrói-se, a
partir dos estudos do referencial teórico, um sistema analítico de conceitos a ser aplicado na
interpretação de artigos científicos sobre direitos de personalidade e direito à marca, bem
como na análise da legislação referente à propriedade intelectual.
Com o propósito de buscar uma melhor estruturação didática da temática abordada
no estudo, o trabalho foi dividido em quatro partes. Primeiramente, será feita uma análise
acerca do referencial teórico, uma vez que, sendo ele premissa básica da pesquisa, norteará
todo o trabalho. Em um segundo momento, será exposto o caso concreto a ser estudado e seus
axiomas. Posteriormente, será abordada a análise crítica desse caso a partir do sistema
analítico de conceitos formulado. Por fim, retoma-se a proposta inicial da presente pesquisa,
sendo tecidos alguns comentários conclusivos com o propósito de sistematizar um raciocínio
jurídico íntegro acerca do embate entre o direito à marca e o direito ao nome.
2 O DIREITO COMO INTEGRIDADE
O direito é um fenômeno social de prática argumentativa, que tem por objetivo a
solução de conflitos. Para tanto, conforme ensina Dworkin (2007), ele deve ser visto a sua
melhor luz, por meio de uma interpretação construtiva, a qual proporciona um equilíbrio entre
a jurisdição tal como é encontrada e a melhor justificativa para sua prática. Essa interpretação,
ainda, é aquela que impõe um propósito à questão a qual analisa a fim de torná-la o melhor
exemplo possível do gênero ao qual pertence (DWORKIN, 2007), proporcionando uma
justificação moral para a aplicação do direito.
O raciocínio jurídico, portanto, é esse exercício de interpretação, que permite que o
direito constitua a melhor justificativa para as práticas jurídicas, sendo ele a narrativa que faz
166
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
dessas práticas as melhores possíveis. Assim, ao decidir um caso, é fundamental que o juiz
construa o direito e não apenas revele-o; o que torna a interpretação construtiva essencial à
solução dos casos difíceis.
Esses casos, chamados hard cases, são aqueles que têm sua resposta envolvida em
alguma controvérsia moral ou, mais ainda, são aqueles que apresentam conflitos sobre o que é
de fato direito, sobre quais são seus fundamentos. Objetivando superar essas dúvidas,
Dworkin se vale de uma análise interna, a partir da perspectiva do aplicador do direito, e
demonstra como devem atuar os juristas para que esses casos sejam superados, tendo por base
o ideal do direito como integridade.
O direito como integridade, construído em narrativa por meio da interpretação, tem
como premissa uma moralidade institucional que dota de sentindo as decisões dos intérpretes
da lei. Essa moralidade, tendo por base a ideia de que se deve tratar a todos com igual
consideração e respeito, é delineada pela comunidade em que se insere, a qual Dworkin
(2007) nomeia comunidade personificada.
A comunidade personificada ou ainda comunidade política ou fraterna é o ente moral
ao qual o direito deve ser referenciado. Ela possui princípios e responsabilidade moral
próprios, que não se confundem com as concepções particulares dos sujeitos que a compõem,
sendo reflexo de uma necessária personificação do Estado4 e uma espécie de ente distinto de
seus cidadãos. Tal personificação política permite tratar o Estado como uma pessoa
autônoma, moralmente comprometida com os princípios que a informam, uma vez que é
instruída pelos valores compartilhados pela sociedade. Ela deve se manifestar por meio de
argumentos de princípio, quais sejam aqueles voltados para o que Dworkin (2011) denomina
de questões de princípio, sendo estas, por sua vez, aquelas que seguem um padrão a ser
observado por comprometimento com determinada dimensão moral.
Tendo em vista que é essa comunidade fraterna quem determinará quais princípios
devem ser atendidos na justificação das decisões, torna-se um pressuposto que ela esteja
fundada em três pilares, quais sejam princípios basilares para a conformação da integridade: a
justiça, a equidade e do devido processo legal adjetivo, observando que são eles que vão
tornar as proposições jurídicas substancialmente válidas e justificadas.
A essas três virtudes atrela-se a integridade, como um ideal que a comunidade deve
sempre buscar, dada a importância de se firmar um compromisso com a coerência de
princípios, que consiste no denominador comum entre legislação e aplicação jurisdicional e
4
Vê-se o Estado “como resultado da própria comunidade personificada que lhe confia a responsabilidade de
gerir a construção valorativa do justo de forma íntegra” (FERES; MENDES, 2011).
167
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faz parte da estrutura basilar do direito, como uma fonte deste, e a importância da comunidade
fraterna para a legitimidade das decisões. Assim, a concepção íntegra de justiça impõe que os
princípios morais necessários para justificar a substância das decisões do legislativo sejam
reconhecidos pelo resto do direito. Quanto à integridade da concepção de equidade, ela exige
que os princípios morais necessários à justificativa da autoridade da legislatura sejam
plenamente aplicados ao se decidir o que significa uma lei por ela sancionada. Por fim, a ideia
de devido processo legal adjetivo em meio à integridade determina que os procedimentos
previstos sejam obedecidos nos julgamentos, objetivando-se alcançar o equilíbrio entre
exatidão e eficiência na aplicação de algum aspecto do direito (DWORKIN, 2007). Isso é de
grande relevância, pois somente uma comunidade regida por princípios pode manter alguma
coerência nas decisões.
Além dessas três exigências, a integridade ainda traz outras duas, que podem ser
divididas nos princípios da integridade na legislação e da integridade no julgamento. Isso
porque a integridade é, ao mesmo tempo, um ideal de construção e um método de
interpretação do direito, buscando, essencialmente, a coerência de princípios, que devem estar
presentes tanto na criação quanto na aplicação do direito. Isto significa que a integridade
como fonte do direito permite a criação de direitos a partir dos princípios que emanam da
comunidade. Na mesma direção segue a lógica da integridade como método de aplicação das
leis observando-se que uma decisão íntegra é aquela pautada pelos princípios que tem
procedência na comunidade. A integridade no julgamento vincula-se à integridade legislativa,
uma vez que, havendo uma legislação íntegra, é mais palpável que se realize a integridade da
concepção de direito em âmbito jurisdicional.
Há que ser respeitada a noção de fidelidade ao sistema de princípios, gerando, em
consequência, a mentalidade de que cada cidadão tem responsabilidades para com a
comunidade a qual pertence e que deve respeitá-las. Tamanha é a importância da moral
institucional e desse reconhecimento de pertença à comunidade que o juiz, ao analisar um
caso, deve aplicar a moralidade política mesmo que ela vá de encontro a suas convicções
pessoais. Observa-se que não se trata de ausentar as decisões da análise subjetiva do julgador,
mas sim limitar essa subjetividade através dos princípios da justiça, da equidade e do devido
processo legal adjetivo.
Assim, tendo em vista que a integridade não descobre nem inventa o direito,
propondo a interpretação do direito presente, cabe aos juízes atuarem, principalmente no
tocante aos casos difíceis, essencialmente através da interpretação, com base nos princípios
adotados pela comunidade personificada; daí a importância de entendê-la. Nesses casos, em
168
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que há dois princípios divergentes a serem interpretados, o aplicador do direito, a fim de se
estabelecer a coerência, deve realizar uma adequação de princípios, aplicando o princípio
mais adequado ao caso, tendo por base os valores da comunidade personificada.
Neste ponto demonstra-se a importância da escolha de Dworkin na presente proposta
de análise, pois, o que se discute é exatamente como deve ser realizada a interpretação do
direito pelo juiz em um caso em que direitos de personalidade e direitos à propriedade
industrial aparentemente estão em conflito.
Enfim, por meio da teoria do direito como integridade, a adequação do fato à
norma (aí considerados as regras e os princípios) passa a ser valorada, o que introduz a
necessidade de uma argumentação moral, que se fundamentada por argumentos de princípios.
E é essa relação do direito e da moral que permite que o primeiro seja conceituado como uma
atitude interpretativa, construtiva e fraterna; nesse sentido, a ciência jurídica almeja atingir
aquilo que vale a pena na sua prática argumentativa, isto é, afinal, “aquilo que o direito
representa para nós: para as pessoas que queremos ser e para a comunidade que pretendemos
ter” (DWORKIN, 2007, p. 492).
É a partir dessa análise conceitual que se perquirirá de forma crítica que tipo de
direito o judiciário brasileiro está construindo, discutindo-se se a hermenêutica
infraconstitucional vem se dando com base em um direito íntegro. Analisa-se, então, à luz dos
princípios extraídos da comunidade política, o objetivo por trás da lei de propriedade
intelectual, no que tange à proteção das marcas quando em conflito com os direitos de
personalidade, a partir da decisão que segue.
3 DIREITO AO NOME E DIREITO À MARCA NA VISÃO DO TRIBUNAL
Inicialmente cabe destacar que, por uma melhor estruturação do presente trabalho,
preferiu-se expor a decisão objeto de estudo de forma completa para, em seguida, analisá-la
de maneira pormenorizada.
Nesse sentido, trata-se de recurso de Embargos Infringentes, processado sob o
número 70051635282 e julgado no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. O
autor da inicial (embargante) é Marcos Ramon Dvoskind e a ré (embargada) é D. Kulkes
Joalherias LTDA. Atuaram como desembargadores do caso os senhores Luis Augusto Coelho
Braga, Artur Arnildo Ludwing, Jorge Luiz Lopes do Canto e Ney Wiedemann Neto.
169
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
O embargante pretendia a abstenção de uso de marca comercial, denominação
social5 e nome fantasia pela embargada, uma vez que tais institutos remetem ao seu
sobrenome. Defendeu ele que seu direito ao nome, dentro da lógica de seus direitos de
personalidade, deveria prevalecer sobre o registro da marca, requerendo, dessa maneira, a
condenação da sociedade empresária em danos morais por tal uso supostamente indevido.
Narra o juiz-presidente (BRASIL, 2012) que o embargante foi casado por 26 anos
com Sônia Sirotsky Dvoskin, sendo que, por ocasião do divórcio, homologado em 1999, esta
optou por permanecer com o nome de casada. Posteriormente, a sua ex-cônjuge ingressou no
quadro societário da embargada, que atua no ramo de joalheria, alienando, no ano de 2007, a
totalidade de suas cotas aos demais sócios da sociedade demandada.
Frente a esta situação, o embargante notificou a embargada quanto aos seus
interesses, ela, entretanto, permaneceu usando o referido sobrenome. Logo, ingressou com a
ação judicial objetivando a abstenção de uso e a indenização, sob a afirmação de que havia
autorizado apenas sua ex-cônjuge a utilizar seu nome, não prevalecendo tal autorização
quanto à embargada.
Diante do exposto, passa-se à análise dos argumentos dos magistrados, que podem
ser divididos em duas linhas divergentes. A primeira, vencedora, contrária à pretensão do
embargante e a segunda, que lhe foi favorável.
Quanto à primeira, asseveraram os magistrados (BRASIL, 2012) que, a ex-cônjuge
foi sócia da sociedade empresária demandada desde sua constituição e ficou expresso no
contrato que o negócio abrangeria todos os direitos e obrigações relativas as suas quotas,
englobando o fundo de comércio, estoque, pontos, propriedades imateriais, ou seja, todos os
ativos e passivos das sociedades. Dessa maneira, concluem os magistrados (BRASIL, 2012,
p.7) “que houve autorização expressa para o uso do patronímico DVOSKIN, eis que a venda
das cotas por parte da sócia Sônia abrangeu as marcas e nome empresarial”.
Além disso, afirmaram os desembargadores que:
o patronímico integra o direito à personalidade de cada ser humano, enquanto se
trata de relação jurídica personalíssima adstrita a esta seara, mas não se confunde
com o nome empresarial que é de natureza intelectual e integra o patrimônio da
empresa, pois se trata de propriedade industrial desta, a qual foi objeto de transação
entre as partes. Logo, não pode a parte autora pretender se reapropriar de bem que
foi negociado previamente e com a qual anuiu expressamente, sob pena de ser
atingida a segurança do ato jurídico perfeito realizado naquela ocasião, o que não é
admissível em nosso sistema jurídico, salvo melhor juízo (BRASIL, 2012, p. 10).
5
Apesar da possibilidade de aplicação, nas denominações sociais, do conflito em análise nesse trabalho, no caso
particularmente estudado ele perde a importância, pois a ré alterou sua denominação social ao longo do processo,
(BRASIL, 2012).
170
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Já em relação à segunda corrente, o principal argumento é o de que a autorização
concedida pelo embargante dirigiu-se apenas a sua ex- cônjuge, que, além de já não ser sua
esposa, não figurava mais no quadro societário.
Neste sentido, o magistrado divergente (BRASIL, 2012) busca fundamentar sua
decisão na proteção do nome como direito de personalidade, afirmando que, no caso em
análise, faz-se necessária uma ponderação entre a garantia fundamental da propriedade da
marca e os direitos de personalidade. E, dessa forma, ele assegura que “em casos como o que
ora se apresenta, deve prevalecer o direito subjetivo existencial do autor, de proteger a sua
dignidade humana, já que não foi devidamente autorizada a utilização de seu sobrenome”
(BRASIL, 2012, p. 15).
O desembargador divergente (BRASIL, 2012) vale-se, ainda, de outro argumento em
favor do autor – o qual se traz apenas a título de exposição, uma vez que trata da proteção aos
direitos do consumidor, extrapolando os limites desse trabalho – afirmando que o autor é
conhecido nacionalmente por estar vinculado a um grande conglomerado de empresas de
comunicação e permitir que a embargada se utilizasse do sobrenome do embargante como
marca poderia levar à confusão do consumidor, induzindo-lhe a pensar que a demandada faria
parte deste conglomerado.
E, finalmente, conclui o referido magistrado no sentido de reconhecer a procedência
da marca, mas impedir que ela continue sendo utilizada pela sociedade empresária. Ele ainda
admite a particularidade do caso e a repercussão dos danos causados, fixando indenização a
fim de tanto compensar a vítima quanto punir o agente (BRASIL, 2012).
Percebe-se, com essa decisão, que não há uma posição unificada do judiciário quanto
a essa questão. Esse é um cenário, então, controverso, denotando divergências quanto ao que
é efetivamente o direito existente no conflito entre nome civil e marca. Há, portanto, a
caracterização de um caso difícil.
Isto posto, remanesce o problema: a partir do momento em que há uma primeira
autorização e o registro de um nome como marca, ocorre uma completa dissociação e
mercantilização desse nome de modo que seu titular não poderá mais impedir a utilização da
expressão registrada, ainda que haja fundado motivo para tal? E mais, a utilização de uma
marca referente a um nome deve ser sempre considerada legítima ou viola os direitos de
personalidade do autor que possui o nome registrado?
Passa-se à análise do presente caso sob o enfoque do referencial teórico construído
como sistema de conceitos que permite um processo interpretativo a partir dos fundamentos
do direito, de modo a se buscar uma interpretação íntegra do ordenamento jurídico, analisar o
171
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
instituto de marcas sob esse viés e solucionar o caso difícil que se apresenta nesse referido
conflito de direitos e interesses.
4 O CONFLITO DE INTERESSES SOB UM VIÉS ÍNTEGRO
Conforme ensina Caio Mário (1995), no processo histórico, considerou-se que os
direitos de personalidade tiveram sua origem no direito natural. Assim, tais direitos estariam
além das relações jurídicas patrimoniais apreciáveis economicamente, não se reduzindo a
valores pecuniários. Nesse sentido, o autor insere dentro dos direitos de personalidade o
direito à vida, ao próprio corpo, à integridade física, ao bom conceito no ambiente onde se
vive, e, o mais importante para o presente trabalho, o direito ao nome.
Ainda segundo Mário (1995) esses direitos têm origem nos movimentos da Idade
Moderna, sendo esboçados na Convenção da Filadélfia, na Declaração Universal dos Direitos
do Homem e do Cidadão. Assim, pode-se afirmar, conforme faz Fernandes (apud MARIO,
1995), que tais direitos são conquistas modernas.
Conquista esta de tamanha importância que se funda em respaldo constitucional. Ou
seja, esses direitos vem expressamente consagrados na Constituição Federal de 1988, como se
vê: o direito à vida, o direito à inviolabilidade do domicilio, à correspondência e aos vários
tipos de comunicação, dentre outros.
Finalmente, no que se refere à caracterização da natureza jurídica dos direitos de
personalidade pode-se dizer que para tal
é preciso desprender-se da ideia de patrimonialidade. O que está na sua base é a
circunstância de que se trata de direitos ligados à pessoa do sujeito. A repercussão
no patrimônio pode existir ou deixar de existir. [...] Integrados na pessoa do titular, e
como projeção da pessoa, alguns são direitos existentes em si mesmos e em relação
ao próprio sujeito. Outros se apresentam em função de outras pessoas. E muitos são
oponíveis ao Estado (MARIO, 1995, p. 10).
Tal descrição é basilar para o estudo dos direitos de personalidade, entretanto não se
pode parar por aí. Assim, vale-se do estudo de Feres (2011), o qual constrói uma ideia mais
moderna sobre o processo de institucionalização dos diversos tipos de direitos, entre eles os
fundamentais e os direitos de personalidade.
Ao ressaltar a importância dessas categorias de direito, o autor ensina que a
instituição desses direitos ocorre quando são dadas determinadas liberdades básicas aos
cidadãos. Tais liberdades, após um processo de institucionalização pelo Estado de Direito,
172
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
buscam sua justificação em uma marcha social intensa de luta por reconhecimento, onde se
busca o autorrespeito – o qual consiste no sujeito considerando-se como digno de respeito e
consideração – a autoconfiança – qual seja a construção de identidade do sujeito referenciado
a um espaço e atitude moral (TAYLOR apud FERES, 2013, não publicado) – e estima social
– que se dá no domínio da esfera publica.
A partir dessa constatação, pode-se entender, como mostra o autor, que com o
estabelecimento de limites para a atuação do Estado e na própria relação entre sujeitos
particulares, todo o arcabouço principiológico e legal cria um ambiente institucional que vai
ser propício ao reconhecimento do autorrespeito. Além disso, em relação à autoconfiança, é
necessário que o sujeito possa se reconhecer, individualmente e nas relações com a sociedade,
como ser digno de respeito e consideração, o que irá ocorrer quando o indivíduo “passa a ter a
exata dimensão da sua identidade, da sua individualidade e da sua dignidade” (FERES, 2013,
não publicado, p.3). Finalmente em relação à estima social, deve o sujeito ser considerado na
sua interlocução com os outros sujeitos, de modo que haja um reconhecimento e “luta, com
autoconfiança, por um tipo de vida que vale a pena ter” (FERES, 2013, não publicado, p.3).
É sob esse viés, portanto, que os direitos de personalidade devem ser avaliados:
sendo apartados das questões patrimoniais e voltados a ideais principiológicos morais de
construção de vida e identidade.
Já em relação às marcas, de acordo com Arnoldi e Adourian (2004), elas são
utilizadas atualmente para distinguir produtos industriais, artigos comerciais e serviços
prestados profissionalmente de outros que possuam o mesmo gênero, atividade e de origem
diversa.
Desta maneira, ainda segundo os autores, as marcas constituem um meio bastante
eficaz para a constituição da clientela, e, por outro lado, para o consumidor, caracterizam-se
por ser um hábil instrumento de orientação na aquisição de um artigo, tendo em vista fatores
tais como proveniência ou condições de qualidade. Nesse sentido:
Esse elemento simbólico é capaz de formar nas pessoas o hábito de consumir um
determinado bem, induzindo a preferências. E poderíamos dizer, o agente
individualizador dos produtos que, além de proporcionar sua identificação, garante a
honestidade no comércio, tutelando a fé pública e assegurando a lealdade na
concorrência (ARNOLDI; ADOURIAN, 2004, p. 225).
Afirmam os autores que foi a Convenção da União de Paris, em 1883, o início de um
direito internacional comum sobre propriedade intelectual. Nesse sentido, foi a partir dessa
Convenção que se passou a identificar o termo “propriedade industrial”, englobada no gênero
“propriedade intelectual”. A espécie da qual se trata passou, então, a compreender as patentes,
173
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
os modelos de utilidade, os desenhos industriais, as marcas, o nome comercial, as indicações
de procedência e origem e finalmente, a repressão à concorrência desleal.
Os ativos intangíveis atualmente são fatores de extrema relevância para o destaque
da atividade empresarial, dessa forma, há que se observar a proteção jurídica advinda da
propriedade industrial. A proteção jurídica às marcas, portanto, se dá no sentido do que
acontece com os direitos reais, de caráter patrimonial, pois, muito embora não se trate de
coisas tangíveis, mas sim da atividade humana, por seu caráter de propriedade esse acaba por
ser seu paradigma (BARBOSA, 2005).
Vê-se, então, que tanto o direito ao nome quanto o direito à marca tem fundada tutela
jurídica, não podendo ser estabelecida a priori a supremacia de um sobre o outro. Há que se
analisar o conflito no caso concreto a fim de poder determinar qual direito é o aplicável à
situação. Para tanto, analisa-se tal conflito entre direitos de personalidade e as marcas a partir
do ideal construído de direito como integridade, considerando-o uma ferramenta hábil na
solução de tal conflito.
Em relação ao quadro jurídico, a Constituição Federal de 1988 constitui como seu
fundamento, em seu primeiro artigo, inciso III, a dignidade humana. Da mesma maneira, no
seu artigo 5º, inciso XXIX, assegura a proteção às marcas, aos nomes de empresas e outros
signos distintivos, desde que observados o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e
econômico do país.
Quanto à proteção ao nome, o artigo 17 do Código Civil de 2002 assevera que é
necessária autorização para a utilização de nome alheio em propagandas comerciais. Nesse
mesmo sentido, o inciso XV do artigo 124 da lei 9279/96 afirma que não são registráveis
como marca “nome civil ou sua assinatura, nome de família ou patronímico e imagem de
terceiros, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores” (BRASIL, 1996).
Na decisão em comento, resta claro que o embargante, possuidor do sobrenome
registrado como marca, concedeu expressamente a autorização para que fosse realizado o
registro. Além disso, no contrato posterior de trespasse firmado por sua ex-esposa, ficou
atestado que tal contrato englobaria inclusive a transferência dos bens imateriais. Logo, tendo
isso por base, nesse caso concreto é de se entender o posicionamento majoritário que acabou
por não prover a pretensão do autor, pois parece ser a visão melhor alinhada com as previsões
legais relacionadas.
Entretanto, não se pode desconsiderar que a decisão coloca a discussão do conflito
entre direitos de personalidade e direito a proteção à marca em um nível substancial mais
elevado, provocado pelo questionamento que se segue: com a autorização e o registro de um
174
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
nome como marca, deve ocorrer uma completa dissociação e mercantilização desse nome de
modo que seu titular não poderá mais impedir a utilização da expressão registrada, ainda que
haja fundado motivo para tal?
A doutrina tradicional procura solucionar esse conflito entendendo, conforme
Cerqueira, Silveira, Barbosa (2010, p. 135-136 apud BRASIL, 2012, p. 8) que
o princípio da transmissibilidade da marca é de caráter geral. Indaga-se, porém, se as
marcas constituídas pelo próprio nome do comerciante ou industrial também podem
ser transferidas, sendo o nome da empresa inacessível por sua natureza. Mas o nome
da pessoa, registrado como marca, perde essa qualidade e, como tal, deixa de indicar
a pessoa que o traz, passando a ser simples sinal distintivo dos produtos a que se
aplica, como uma marca qualquer. A doutrina, sem discrepância, admite a
transmissibilidade dessas marcas e também das constituídas pelas firmas ou
denominação das sociedades.
Todavia, o presente artigo busca propor uma hermenêutica moral substancial que
acaba por ser contrária a esse entendimento esposado na decisão, analisando essa dissociação
marca-nome através do viés da integridade dworkiniana.
É certo que o registro de marcas, nomes de estabelecimentos e nomes fantasias que
se referem aos nomes civis demandam uma análise pormenorizada e muito mais crítica em
cada caso especifico, não podendo dizer-se que há perda da qualidade de nome no momento
do registro como pretende a doutrina tradicional. Pois, deve-se ter em vista que tal instituto
tem relação estreita com os direitos de personalidade e com a própria dignidade humana,
fundamento último da Constituição de 1988.
Tanto o direito à marca quanto o direito ao nome devem ser considerados dentro da
lógica da integridade, havendo aí um caso difícil a ser solucionado. Dessa forma, determinar
qual desses direitos será aplicado no caso concreto depende de uma necessária adequação, a
partir dos princípios aos quais esses direitos são referenciados, baseada nos valores mais caros
para a comunidade na qual o conflito entre eles se constituiu. Assim, é preciso extrair da
comunidade fraterna se é mais valorosa a proteção ao nome ou o resguardo da marca.
Percebe-se que o direito de propriedade intelectual é de grande vulto para o
desenvolvimento da atividade comercial, entretanto, o direito ao nome é visto como meio do
indivíduo buscar seu autorrespeito, autoconfiança e estima social. Nesse sentido, há que se
considerar que o Estado, como comunidade personificada, deve conceder maior atenção às
marcas que se referem aos nomes civis, seja no momento administrativo de concessão, no
qual a autarquia responsável por tal registro – o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual
(INPI) – deve avaliar, tendo em vista o modelo de coerência de princípios, se há realmente um
motivo íntegro que justifique a não concessão do registro marcário, ou no momento judicial
de solução do conflito, que deverá impor a abstenção deste tipo de marca com base na
175
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
construção de um direito íntegro, haja vista que é essa interpretação estatal que
analisa/soluciona o conflito de direitos sob sua melhor luz.
Ora, o que se pretende aqui é justamente inverter a lógica do pensamento tradicional
sobre o registro desse tipo de marcas, pois o antigo nome só poderá ser considerado sinal
meramente distintivo de produtos ou serviços, quando não houver fundado motivo para sua
proteção. Isso porque, um modelo de direito baseado na justiça, na equidade e no devido
processo legal adjetivo não pode deixar de considerar a todos, em qualquer situação, como
sujeitos merecedores de igual consideração e respeito.
Tendo em vista o papel de comunidade personificada do estado, este deve considerar
a autorização concedida pelo titular do nome civil para o registro de uma marca, nome de
estabelecimento e nome fantasia de maneira íntegra, ou seja, conforme os fundamentos do
ordenamento jurídico. Neste sentido, a completa dissociação e mercantilização desse nome
não poderão prevalecer quando houver justo motivo reconduzível a um argumento de
princípio, analisado em cada caso concreto, que impeça a utilização da expressão registrada.
Finalmente, a partir da decisão judicial em análise, cabe ressaltar que, a fim de
edificar um direito íntegro, os magistrados desembargadores deveriam realizar um esforço
discursivo no sentido de construir um direito voltado para a dissociação do nome em relação à
marca, para que a sua mercantilização não seja vista como absoluta. Pois, apesar da
peculiaridade do caso, de existir autorização expressa para a realização do registro, as
autoridades que se encontram diante deste problema não podem considerar essa autorização
irreversível. Havendo motivo suficiente para que uma pessoa impeça a utilização de tal marca
objetivando a proteção ao seu direito ao nome, isto deve ser analisado como uma questão de
princípio. De certo, este deve ser o entendimento, pois, conforme Dworkin (2007), o Estado
atuando em uma comunidade fraterna poderá fazer com que “cada um seja tratado com igual
interesse” (DWORKIN, 2007, p. 257).
5 CONCLUSAO
Apesar da imperiosa ciência dogmática do direito, a atuação do jurista e do operador
são fundamentais no processo de reinterpretação do sentido das expressões normativas. Desta
forma, o direito deve ser considerado como prática interpretativa, pois assim o é. E nesse
176
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
ponto, é grande a importância dos trabalhos correspondentes à pesquisa denominada jurídicocientífica, conforme Fonseca (2009).
Neste sentido, frente à análise do recurso de Embargos Infringentes, processado sob
o número 70051635282 e julgado pelo TJRS, que traz Marcos Ramon Dvoskind pleiteando
em face de D. Kulkes Joalherias LTDA, buscou-se ao longo do trabalho investigar de maneira
crítica o entendimento tradicional sobre as marcas, denominações sociais e nomes fantasias
referentes aos nomes civis frente aos direitos de personalidade daquele que manifestou
autorização para o registro.
Percebe-se que os direitos de personalidade são aqueles que a comunidade fraterna
tende a considerar profundamente entrelaçados com seus fundamentos e valores, pois tem
total relação com a dignidade da pessoa humana, nesse sentido considerada a busca do
indivíduo por autorrespeito, autoconfiança e estima social (FERES, 2013).
Logo, quando presente o conflito entre marcas, denominações sociais e nomes
fantasias referentes aos nomes civis e os direitos de personalidade daquele que concedeu a
autorização para tal registro, será necessário ter em mente que não há, como regra, completa
dissociação e mercantilização de tal expressão. Há casos em que há justificação para a
proibição ou abstenção do uso da marca que podem se revelar como um fundamento de
princípio, como a dignidade humana, sendo essa a conclusão possível, tendo o caso analisado
como base.
Conclui-se, finalmente, que tal tipo de registro merece uma análise mais cuidadosa
por parte do Estado, seja no momento da concessão do registro marcário por parte do INPI,
seja no momento do conflito judicial. Tendo em vista que o Estado, como comunidade
personificada deverá analisar caso a caso, qual é o posicionamento mais íntegro a ser adotado.
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179
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
O ACORDO TRIPS E A CONVENÇAO SOBRE DIVERSIDADE BIOLOGICA
TRIPS AGREEMENT AND THE CONVENTION ON BIOLOGICAL DIVERSITY
ROBERTO LUIZ SILVA1
EDINEY NETO CHAGAS2
RESUMO
Este trabalho apresenta a discussão da compatibilidade e conflitos entre a
Convenção sobre Diversidade Biológica e o Acordo Relativo aos Aspectos do Direito
da Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (TRIPS) e a implementação
dos direitos de proteção à propriedade intelectual. Enquanto alguns autores alertam a
incompatibilidade de implementação dos dois tratados internacionais referentes a
Propriedade Intelectual, inclusive com relação à precedência de um tratado em relação
ao outro, outros autores afirmam a compatibilidade destes tratados apesar de sugerirem
a regulação de alguns artigos para sanar qualquer discussão. Neste sentido, apresentarse-á a argumentação dos dois grupos, a implementação dos dois tratados e seus artigos
relacionados à propriedade intelectual, concluindo-se pela disposição que melhor se
adéqua ao tema.
ABSTRACT
This paper presents a discussion of compatibility and conflict between the
Convention on Biological Diversity and the Agreement on Trade-Related Aspects of
Intellectual Property Rights (TRIPS) and the implementation of the rights of intellectual
property protection. While some authors stress the incompatibility of implementation of
two international treaties relating to Intellectual Property, including with respect to
treaty precedence over the other, other authors state the compatibility of these treaties
despite suggesting the regulation of some articles to remedy any discussion. In this
sense, it will present the arguments of the two groups, the implementation of two
1
Pós Doutor em América Latina (The University of Texas – EUA). Doutor em Direito (UFMG). LL.M em EG-Recht (Universität
zu Köln – Alemanha). Especialista em Direito Internacional (UNITAR – ONU). Professor Associado na Graduação, Mestrado e
Doutorado em Direito da UFMG e no Mestrado Profissional em Inovação Biofarmacêutica do ICB/UFMG. Membro da Sociedade
Brasileira de Direito Internacional - SBDI. Coordenador dos Projetos de Extensão: Centro Brasileiro de Estudos sobre a
Organização Mundial do Comércio – CEB-OMC/UFMG; e, Grupo de Estudos em Direito Internacional – GEDI/UFMG.
Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq. Autor de diversas obras jurídicas.
2
Graduado em Direito pela Universidade Federal de Viçosa – UFV. Mestre em Economia Aplicada pela Universidade Federal de
Viçosa – UFV. Doutorando em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Ex-Assessor Jurídico da Comissão de
Propriedade Intelectual da Universidade Federal de Viçosa. Ex-Chefe do Escritório de Gestão Tecnológica da FAPEMIG e Gerente
de Propriedade Intelectual da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais - FAPEMIG
180
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
treaties and their articles related to intellectual property, concluding the arrangement
that best fits the theme.
KEYWORDS: Intellectual Property; Convention on Biological Diversity; Agreement
on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights.
PALAVRAS-CHAVE: Propriedade Intelectual; Convenção sobre Diversidade
Biológica; Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual
Relacionados ao Comércio.
SUMÁRIO
1. Introdução 2. A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) 3. O Acordo
TRIPS 4. Conflitos 5. Compatibilidade 6.Conclusão 7.Referências Bibliográficas
1.
Introdução
Desde o início da década de 90, é comum afirmar na comunidade internacional
que há conflito direto e instransponível entre a Convenção sobre Diversidade Biológica
(CDB) e o Acordo Relativo aos Direitos da Propriedade Intelectual (TRIPS). Estas
afirmações muitas vezes não são jurídicos ou técnicos, mas de natureza política. A
proteção do meio ambiente seria mais importante do que o da propriedade intelectual,
do que a promoção do comércio internacional de bens e serviços? A regulação sobre
propriedade intelectual não deveria se impor sobre uma norma especifica sobre o meio
ambiente ou a diversidade biológica. Interessante ressaltar que estes instrumentos
internacionais foram constituídos na mesma época e por praticamente os mesmos países
que lhes são signatários.
Pretende-se demonstrar, primeiramente, neste trabalho o contexto da
constituição de cada tratado, os seus conceitos elaborados e o escopo de sua aplicação.
Ressaltar-se-á que os conceitos não são dispares ou mesmos contraditórios, mas sim
conceitos elaborados e adotados mundialmente pelos países signatários e por outros
países não signatários dos tratados, tanto no que diz respeito à diversidade biológica
quanto à propriedade intelectual.
Posteriormente, é mister esclarecer os pontos de vistas abordados tanto pelos
defensores da incompatibilidade e conflitos entre a CDB e o TRIPS e, os defensores da
181
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
compatibilidade que afirmam não haver divergências na aplicação conjunta destes
tratados, e muito pelo contrário são tratados complementares.
Após as exposições das duas frentes de entendimento demonstradas, a conclusão
poderá esclarecer os pontos de entendimento e convergência entre as correntes de
pensamento apresentadas.
2. A Convenção sobre Diversidade Biológica3 (CDB)
A Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) é um tratado da Organização
das Nações Unidas e um dos mais importantes instrumentos internacionais relacionados
ao meio ambiente. A Convenção foi estabelecida durante a notória ECO-92 – a
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD),
realizada no Rio de Janeiro em junho de 1992 – e hoje é o principal fórum mundial para
questões relacionadas ao tema.
A Convenção sobre Diversidade Biológica4 entrou em vigor em 29 de dezembro
de 1993, após a ratificação de 30 países, atualmente conta com mais 160 países
signatários.
Segundo o art. 2º da CDB:
Diversidade Biológica significa a variabilidade de organismos vivos de
todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres,
marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que
fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro de espécies, entre
espécies e de ecossistemas.
O termo “diversidade biológica” foi usado inicialmente por Elliot R. Norse
(significando não apenas as espécies, mas também os níveis genético e ecossistêmico) e
por Thomas E. Lovejoy (significando a riqueza de espécies), ambos no início dos anos
1980. A expressão “biodiversidade” foi cunhada em 1985 para a realização do National
Forum of BioDiversity (Washington D.C., em 1986) 5.
A Convenção está estruturada sobre três bases: a conservação da diversidade
biológica, o uso sustentável da biodiversidade e a repartição justa e equitativa dos
3
DECRETO Nº 2.519, DE 16 DE MARÇO DE 1998. Promulga a Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no Rio de
Janeiro, em 05 de junho de 1992, texto disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2519.htm.
4
Vide
Decreto
Legislativo
nº
2,
de
5
de
junho
de
1992,
disponível
em
http://www.mma.gov.br/estruturas/sbf_dpg/_arquivos/cdbport.pdf, acesso em 28.01.2013.
5
Biodiversity, ROLSTON III, Holmes, in A Companion to Environmental Philosophy, JAMIESON, Dale (org.), Malden, Oxford,
Melbourne, Berlin: Blackwell Publishing Ltd., 2003
182
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
benefícios provenientes da utilização dos recursos genéticos. Ela se refere à
biodiversidade em três níveis: ecossistemas, espécies e recursos genéticos.
Os objetivos gerais da Convenção de Diversidade Biológica denotam uma
extrema preocupação com a conservação da diversidade biológica mundial, com a
promoção do uso sustentável de seus componentes, e com a distribuição justa e
equitativa dos benefícios derivados do uso dos recursos genéticos.
Destes objetivos descritos no artigo 2 da Convenção de Diversidade Biológica,
alguns deles mantêm estreita relação, direta ou indiretamente, com os direitos de
propriedade intelectual.
O artigo 15 da Convenção sobre Diversidade Biológica autoriza os Estados a
limitar ou impor condições de acesso aos recursos genéticos. Como os Estados vão
implementar esta disposição não é clara, mas a linguagem vaga do artigo 15 da CDB
poderia servir de base para uma série de ações, de uma proibição de exportação a preços
de mercado.
Embora o artigo 15 autorize os estados a impor condições para exportação, os
membros da OMC devem observar as normas do GATT de 1994 e do Acordo TRIPS na
sua implementação. Mas notadamente, as proibições para a exportação ou as condições
estabelecidas devem estar de acordo com artigo XX (g) do GATT, o que exige que as
restrições à exportação devem estar relacionadas com a conservação dos recursos e
devem ser aplicadas em conjunto com restrições à produção ou ao consumo dos
nacionais.
Artigo 15
Acesso a Recursos Genéticos
1.
Em reconhecimento dos direitos soberanos dos Estados sobre seus
recursos naturais, a autoridade para determinar o acesso a recursos
genéticos pertence aos governos nacionais e está sujeita à legislação
nacional.
2.
Cada Parte Contratante deve procurar criar condições para
permitir o acesso a recursos genéticos para utilização ambientalmente
saudável por outras Partes Contratantes e não impor restrições contrárias
aos objetivos desta Convenção.
3.
Para os propósitos desta Convenção, os recursos genéticos
providos por uma Parte Contratante, a que se referem este artigo e os
183
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
artigos 16 e 19, são apenas aqueles providos por Partes Contratantes que
sejam países de origem desses recursos ou por Partes que os tenham
adquirido em conformidade com esta Convenção.
4.
O acesso, quando concedido, deverá sê-lo de comum acordo e
sujeito ao disposto no presente artigo.
5.
O acesso aos recursos genéticos deve estar sujeito ao
consentimento prévio fundamentado da Parte Contratante provedora desses
recursos, a menos que de outra forma determinado por essa Parte.
6.
Cada Parte Contratante deve procurar conceber e realizar
pesquisas científicas baseadas em recursos genéticos providos por outras
Partes Contratantes com sua plena participação e, na medica do possível,
no território dessas Partes Contratantes.
7.
Cada Parte Contratante deve adotar medidas legislativas,
administrativas ou políticas, conforme o caso e em conformidade com os
arts. 16 e 19 e, quando necessário, mediante o mecanismo financeiro
estabelecido pelos arts. 20 e 21, para compartilhar de forma justa e
equitativas os resultados da pesquisa e do desenvolvimento de recursos
genéticos e os benefícios derivados de sua utilização comercial e de outra
natureza com a Parte Contratante provedora desses recursos. Essa partilha
deve dar-se de comum acordo.
Segundo NASCIMENTO6 as bases da Convenção sobre Diversidade Biológica
são primeiramente, pautadas em um principio fundamental, no qual, os Estados
signatários têm direitos soberanos sobre a diversidade biológica de seu território9.
Ademais, a Convenção de Diversidade Biológica também reconhece aos governos
nacionais, a total autonomia para determinar o acesso aos recursos de acordo com a sua
legislação interna10. Isto faz com que o acesso aos recursos genéticos de um país, seja
precedido do consentimento prévio do Estado Parte signatário da Convenção que detém
a tutela do componente biológico.
Assim a Convenção sobre Diversidade Biológica prevê o uso de meios legais, os
quais viabilizam explorá-los por meio dos direitos de propriedade intelectual, de acordo
com o disposto no artigo 15.7, já anteriormente mencionado.
6
NASCIMENTO, Carlos Renato Garcez do, Romero Gonçalves. Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.4, n.4,
jul./dez.2006.
184
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
3. O Acordo TRIPS7
O reconhecimento da importância da proteção internacional traz consigo a
necessidade de celebração de acordos internacionais capazes de coordenar as leis
internas dos Estados, conferindo maior proteção aos direitos de propriedade intelectual.
O estudo de direito comparado, neste campo do Direito, tem sido fundamental à
harmonização legislativa dentre os diversos países, trabalho este iniciado pelas Uniões
de Paris e de Berna, 1883 e 1886, revigorado pela Organização Mundial da Propriedade
Intelectual – OMPI, em 1967, e consolidado em parte pelo Acordo TRIPS, em 1994.
Segundo Salgues8, os fatores que levam à globalização do mercado conduzem,
quase que necessariamente, a uma uniformidade de proteção jurídica. A racionalidade
do sistema exige, pelo menos, que não haja condições de desigualdade entre
inventores/autores nacionais e estrangeiros, a exemplo da legislação de proteção ao
direito intelectual. Neste sentido, as Convenções de Paris e Berna representaram um
primeiro passo rumo à formação de um direito internacional privado comum,
diferentemente de outros campos do direito internacional privado, que não obtiveram os
resultados almejados, tais como no campo das obrigações, falência e letras de cambio
(Maristela Basso, 2000). Outro passo para o estabelecimento de regras de direito
internacional comum, no que tange a proteção à propriedade intelectual, foi a criação da
Organização Mundial da Propriedade Intelectual – OMPI, que representou a união dos
Escritórios da União de Paris e Berna, em um único organismo, além de conjugar dois
direitos estanques à época dos autores e dos inventores.
Um dos problemas iniciais é que, posteriormente ao advento da OMPI, houve a
necessidade de revisão de tratados internacionais que regulavam a matéria, para isso foi
necessária sua discussão em outros fóruns internacionais como no GATT 9 (General
Agrement on Tariffs and Trade – Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio). Desta
Reunião, e durante a Rodada Uruguai, introduziram na pauta das regulações os
denominados novos temas, dentre os quais: serviços, investimentos e a propriedade
7
OMC. Acordo Relativo aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio, 1994. Disponível em
http://www.itamaraty.gov.br, acesso em 23.01.2013.
8
Bruno Salgues, Evaluation Économique des droits de la Proprieté Intellectuelle, in Le Droit du Génie Genétique Vegetal, Lib.
1987,
9
OMC. Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, 1994. Disponível em http://www2.mre.gov.br/dai/m_313_1948.htm , acesso em
20.01.2013,
185
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
intelectual. Ainda nesta Rodada, foi proposta a inclusão de um acordo sobre propriedade
intelectual que, objeto de intensa controvérsia, configurou-se no Acordo TRIPS
(Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights - Acordo Relativo
aos Aspectos do Direito da Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio).
O texto final do TRIPS, aprovado 1994, foi dividido em três partes principais: 1)
regras-padrão relativas à existência, abrangência e exercício de direitos de propriedade
intelectual; 2) aplicação de normas (procedimentos administrativos e judiciais),
extensiva a todos os países membros; 3) prevenção e solução de controvérsias. Pode-se
dizer que duas são as razões fundamentais da inclusão do TRIPS no GATT: o interesse
de completar as deficiências do sistema de proteção da propriedade intelectual da
OMPI; e a necessidade de vincular, definitivamente, o tema ao comércio internacional.
Portanto, apresentava-se neste momento a possibilidade de resolução de outro
problema, qual seja a deficiência do sistema de propriedade intelectual em executar
regras propostas pelos países signatários dos tratados anteriores.
No que tange a proteção da diversidade biológica, a referência do TRIPS está
prevista no seu art. 27:
Artigo 27
Matéria Patenteável
1 - Sem prejuízo do disposto nos parágrafos 2º e 3º abaixo, qualquer
invenção, de produto ou de processo, em todos os setores tecnológicos,
será patenteável, desde que seja nova, envolva um passo inventivo e seja
passível de aplicação industrial. (5) Sem prejuízo do disposto no
parágrafo 4º do art.65, no parágrafo 8º do art.70 e no parágrafo 3º deste
Artigo, as patentes serão disponíveis e os direitos patentários serão
usufruíveis sem discriminação quanto ao local de invenção, quanto a seu
setor tecnológico e quanto ao fato de os bens serem importados ou
produzidos localmente.
(5) Para os fins deste Artigo, os termos "passo inventivo" "passível de
aplicação industrial" podem ser considerados por um Membro como
sinônimos aos termos "não óbvio" e "utilizável".
2 - Os Membros podem considerar como não patenteáveis invenções
cuja exploração em seu território seja necessário evitar para proteger a
ordem pública ou a moralidade, inclusive para proteger a vida ou a
186
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
saúde humana, animal ou vegetal ou para evitar sérios prejuízos ao meio
ambiente, desde que esta determinação não seja feita apenas por que a
exploração é proibida por sua legislação.
3 - Os Membros também podem considerar como não patenteáveis:
a) métodos diagnósticos, terapêuticos e cirúrgicos para o tratamento de
seres humanos ou de animais;
b)
plantas
e
animais,
exceto
micro-organismos
e
processos
essencialmente biológicos para a produção de plantas ou animais,
excetuando-se os processos não biológicos e microbiológicos. Não
obstante, os Membros concederão proteção a variedades vegetais, seja
por meio de patentes, seja por meio de um sistema "sui generis" eficaz,
seja por uma combinação de ambos. O disposto neste subparágrafo será
revisto quatro anos após a entrada em vigor do Acordo Constitutivo da
OMC.
De acordo com MATUSCHITA10, o Artigo 27.2 permite que os membros da
OMC excluam do patenteamento as invenções que coloquem em risco a saúde humana,
animal ou vegetal ou ao meio ambiente, mas a exclusão deve ser "necessária", e não
"meramente porque a exploração é proibida pela legislação". As plantas, animais e
processos biológicos essenciais também podem ser excluídos da patenteabilidade, mas
micro-organismos, os processos microbiológicos e processos não-biológicos são
patenteáveis.
4. Conflitos
Alguns autores afirmam que a CDB e o TRIPS contêm princípios que podem
resultar em possíveis conflitos com implicações, não só para o meio ambiente, mas
também para a biotecnologia, a indústria farmacêutica e agrícola, entre eles
MATUSCHITA e VIEIRA.
Antes de adentrar na concepção dos autores citados, a intervenção de
ALBUQUERQUE 11 é primordial para se ter uma ideia mais precisa a respeito deste
10 MATSUSHITA, Mitsuo. SCHOENBAUM, Thomas J.MAVROIDS, Petros C. The World Trade Organization: Law, Practice, and
Policy. Oxford: oxford University Press, 2004.
11 MATSUSHITA, Mitsuo. SCHOENBAUM, Thomas J.MAVROIDS, Petros C. The World Trade Organization: Law, Practice, and
Policy. Oxford: oxford University Press, 2004.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
possível conflito. Segundo ALBUQUERQUE o entendimento na comunidade
internacional e principalmente dos países em desenvolvimento é que o Acordo TRIPS
teria como grande demérito estabelecer uma agenda diferente da CDB. E, não ofereceria
nenhuma contribuição para assegurar a conservação e a utilização sustentável da
diversidade biológica, o modo de vida das comunidades locais e populares indígenas e
os sistemas de conhecimento tradicional. A CDB por sua vez, reconhece os direitos de
tais comunidades locais e populações indígenas sobre a diversidade biológica, que
seriam minados pela tentativa das grandes empresas de ter direitos exclusivos por meio
da propriedade intelectual destes recursos biológicos. Diz o eminente jurista que este
seria o cerne do confronto entre a CDB e o TRIPS, apesar de a própria CDB afirmar que
os direitos de propriedade intelectual não devem estar em conflito com a conservação e
utilização sustentável da biodiversidade.
De acordo com VIEIRA12, os dois regimes internacionais se interferem: um
direcionado a regular aspectos comerciais relacionados à propriedade intelectual, no
âmbito da Organização Mundial do Comércio; outro, a Convenção sobre Diversidade
Biológica, elaborado na Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e
desenvolvimento, no Rio de Janeiro em 1992, com objetivos centrais de conservação da
diversidade biológica, a utilização sustentável de seus componentes e a repartição justa
e equitativa dos benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos. Embora,
inicialmente, possam parecer regimes jurídicos distintos, a sua interferência mútua
resulta da aquisição de direitos de propriedade intelectual a partir de produtos ou
processos que envolvam recursos naturais ou conhecimentos dos povos tradicionais.
Para MATUSCHITA, talvez o conflito mais difícil de ser resolvido entre o Acordo
TRIPS e a Convenção sobre Diversidade Biológica diz respeito à transferência de
tecnologia. Pois, o Acordo TRIPS estabelece um sistema privado de livre mercado para
a transferência dos direitos de propriedade intelectual, ou seja, os proprietários de
patentes têm o direito exclusivo de ceder, transferir ou licenciar suas patentes. Já a
Convenção sobre Diversidade Biológica, em contrapartida, exige que as partes
detentoras dos direitos da propriedade intelectual prevejam:
(1) o acesso prioritário ou concessionais para os países em desenvolvimento;
(2) dê condições preferenciais para tais países, e;
12 Artigo publicado no “1º Simpósio de Pós-Graduação em Relações Internacionais do Programa San Tiago Dantas”, 2007.
referências adicionais: Brasil/Português. Meio de divulgação: Meio digital, Home page: http://www.unesp.br/santiagodantassp/.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
(3) realizem pesquisas conjuntas e desenvolvam esforços para desenvolvimento
destes países.
Todos esses requisitos de potenciais conflitos previstos na CDB com o regime
TRIPS deixam estas questões para o setor privado decidir sem interferência do
governo. Segundo o autor parece haver duas maneiras de lidar com este conflito em
potencial. Primeiro, os artigos 20 e 21 da Convenção sobre a Diversidade Biológica
preveem um "mecanismo financeiro" para facilitar a transferência de tecnologia para
países em desenvolvimento em condições favoráveis. E no Acordo TRIPS não há
nenhuma proibição do o uso de um mecanismo financeiro internacional para garantir o
acesso e a transferência de tecnologia. E, os Artigos 15, 16 e 19 da Convenção podem
ser interpretados no sentido de que a transferência de tecnologia deve ser deixada para
negociações entre as partes, suplementada sempre que necessário pelo mecanismo
financeiro.
Já MAIA FILHO13 descreve que o ponto principal de probabilidade de
existência de conflito entre estes dois documentos internacionais está na obrigatoriedade
estabelecida pela CDB de os países signatários, respeitando os direitos soberanos dos
Estados sobre seus recursos naturais, terem a permissão dos países detentores de
riquezas em diversidade biológica para que estas sejam exploradas e os benefícios
advindos de tal exploração sejam repartidos de modo equitativo entre as partes
envolvidas, confrontado com a ausência de determinações do acordo TRIPS que
contemplem estas mesmas obrigações.
Neste sentido, no caso de uma disputa entre os dois acordos, a Convenção sobre
Diversidade Biológica adota a seguinte regra de prioridade:
Artigo 22
Relação com Outras Convenções Internacionais
1. As disposições da presente Convenção não devem afetar os direitos e
obrigações de qualquer Parte Contratante decorrentes de qualquer acordo
internacional existente, salvo se o exercício desses direitos e obrigações
possa causar dano grave ou ameaça à diversidade biológica.
13
MAIA FILHO, Romero Gonçalves. Conflito entre as determinações da Convenção sobre Diversidade Biológica e as regras do
Acordo TRIPS —Brasília : FUNAG, 2010.
189
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
2. Partes Contratantes devem implementar esta Convenção com respeito ao
meio ambiente marinho, de acordo com os direitos e obrigações dos Estados
decorrentes do direito do mar.
Em oposição a esse quadro, porém, é possível notar movimentos que indicam
resistências ao cenário que se encaminha para a mercantilização da vida, alerta. A
demonstração disso descreve VIEIRA que são os debates em torno da mudança do art.
27.3 b do TRIPS, que estão sendo travados no Conselho do TRIPS, na OMC, onde
países do “Sul”, entre os quais o Brasil, a Índia e o Equador têm determinado suas
vontades políticas no sentido de provocar a mudança do referido artigo, como se pode
notar nos Comunicados enviados, em virtude do mandado do Programa de Doha para o
desenvolvimento. Em 2001, na denominada Rodada do Milênio, o parágrafo 19 da
Declaração de Doha de 2001 ampliou o alcance do debate por ter encomendado ao
Conselho do TRIPS um exame da relação entre o TRIPS e a CDB, a proteção dos
conhecimentos tradicionais e o folclore, sinalizando o que parece ser uma tomada de
consciência, representando os efeitos da soft law em política internacional.
A garantia do cumprimento do TRIPS por medidas constantes nessa norma
internacional (enforcement) associada à possibilidade de recurso ao Órgão de Solução
de Controvérsias, em prática quase-jurisdicional, justifica VIEIRA, juridicamente, a
prevalência dos direitos de propriedade intelectual sobre os objetivos estipulados pela
Convenção sobre Diversidade Biológica. Porém, não pode ser ignorado o potencial
transformador da CDB, enquanto soft law14, sobre as relações políticas internacionais,
dado seu caráter moralmente relevante, de forma a provocar a atenção dos membros da
OMC para necessidades humanas outras, distintas dos interesses meramente
econômicos.
Em confronto a esta questão MAIA FILHO dispõe que o conflito entre estes dois
tipos de normas requer que o sistema jurídico evite a instabilidade e a insegurança
jurídica que dele podem nascer através de certos mecanismos de solução de conflitos
entre normas. Um desses mecanismos, a chamada lei especial, privilegia a lei que trata
especificamente de um assunto em detrimento de outra que trata apenas genericamente
do mesmo tema. Neste sentido, a CDB, por ser uma norma específica em relação à
propriedade intelectual sobre diversidade biológica (o texto da CDB fala diretamente
14
A respeito do soft law e sua importância para a Sociedade Internacional vide: SILVA, Roberto Luiz. Direito internacional público.
4ª Ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
190
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
em propriedade intelectual, enquanto que o texto do acordo TRIPS não menciona o
ponto específico da diversidade biológica), prevalece sobre as determinações do acordo
TRIPS.
Alerta MAIA FILHO, entretanto, que isto não significa que a norma do acordo
TRIPS deva ser desconsiderada para privilegiar a incidência da norma da CDB. Para
garantir que o sistema do DIP seja coeso, é importante adequar os mecanismos já
existentes dentro do sistema para que as normas em vigor sejam corretamente
cumpridas, isto explica a proposta de alteração do texto do acordo TRIPS, e a exclusão
de exigências da CDB são importantes para o aperfeiçoamento do sistema jurídico
internacional.
5. Compatibilidade
Conforme disciplina o art. 27 do TRIPS, o direito de patente pode ser atribuído
quando a aplicação de tecnologia obtenha uma invenção de produto ou processo,
qualificado por três requisitos: novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. Na
sequência, o art. 27.3 b permite que os membros excluam plantas, animais e processos
essencialmente biológicos para a produção de plantas e animais, da possibilidade de
patenteamento. Porém, cria o dever aos membros da OMC de assegurar patentes sobre
micro-organismos, processos não biológicos e microbiológicos, além da obrigação de
estabelecer um sistema de direitos de propriedade intelectual sobre variedades de
plantas, através de patentes ou um sistema especial, que poderá ser combinado com a
concessão de patentes.
Desta forma, NASCIMENTO 15 afirma que o Acordo TRIPS inclui diversas
vertentes de direitos de propriedade intelectual que implicam diretamente na
conservação da diversidade biológica, quer por meio de patentes, quer por meio de um
sistema “sui generis”, sendo que ambos são de extrema relevância para a integração da
Convenção sobre Diversidade Biológica com os direitos de propriedade intelectual.
Nestes casos, os direitos de propriedade intelectual definem quem participará das
divisões dos frutos colhidos com as pesquisas desenvolvidas sobre os recursos genéticos
dos bens tutelados, bem como o tipo de tecnologia desenvolvida com os recursos
genéticos e a sustentabilidade da diversidade biológica.
15
NASCIMENTO, Carlos Renato Garcez do, Romero Gonçalves. Revista Brasileira de Direito Internacional, Curitiba, v.4, n.4,
jul./dez.2006.
191
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
O resultado desta relação tem aumentado consideravelmente o interesse
comercial sobre os recursos genéticos dos bens da biodiversidade, bem como vem
aumentando os casos em que tais bens são protegidos via direitos de propriedade
intelectual. Outro ponto a ser destacado é a crescente pressão aos legisladores, para que
se criem mecanismos jurídicos que permitam compatibilizar a proteção destes recursos.
A Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica sempre que
necessário, atua em cooperação com a Organização Mundial do Comércio, com o
intuito de apreciar questões relacionadas às duas regulamentações. Ademais, a
Conferencia das Partes, por reiteradas vezes, vem convidando a Organização Mundial
do Comércio para opinar acerca de questões relevantes da CDB; suas inter-relações com
as previsões do Acordo TRIPS; e, além disso, com o objetivo de aprofundar esta interrelação e alcançar uma interpretação convergente de ambos os acordos internacionais.
A elaboração dos instrumentos jurídicos específicos, segundo a estrutura geral
do quadro normativo formado pela CDB, ficou sob a responsabilidade da Conferência
das Partes. Estabelecida pelo art.23 da CDB, a Conferência das Partes (COP) é o seu
órgão máximo, onde são elaborados os documentos que detalham a CDB. Participam da
COP as delegações de todos os Estados-membros, além de poderem participar como
observadores Estados que não sejam membros ou organismos, governamentais ou não
governamentais, que tenham relação com o tema da diversidade biológica, segundo
MAIA FILHO.
A reunião da COP5 decidiu convidar a OMC a reconhecer a importância das
determinações da CDB, assim como a reconhecer que acordo TRIPS e a CDB são interrelacionados e a explorar mais detalhadamente esta relação. Tal decisão foi considerada
insuficiente por muitos delegados presentes na COP5, em razão de não considerar os
sérios efeitos do acordo TRIPS sobre a conservação e o uso sustentável dos recursos
biológicos, assim como sobre a repartição equitativa dos benefícios. Com relação ao
acesso e à repartição de benefícios, a COP5 limitou-se a mencionar a existência de uma
necessidade específica de melhor esclarecimento das definições dos termos “acesso e
repartição de benefícios” proposta dos países em desenvolvimento, fortemente
defendida pelo Brasil, de alteração do art.27.3(b) do acordo TRIPS, não apenas visa
garantir que o acordo TRIPS e a CDB sejam compatíveis, como também objetiva
aumentar a segurança jurídica e a estabilidade do ordenamento jurídico internacional.
Muitos países tem defendido a alteração do art.27.3(b) do acordo TRIPS para
que passe a dispor de uma norma do tipo obrigação, e não mais uma permissão
192
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
negativa, é capaz de harmonizar as regras deste instrumento com as determinações da
CDB e trazer ao ordenamento jurídico internacional um maior grau de eficácia. Os
efeitos gerados por tal alteração no acordo TRIPS não se limitam ao âmbito jurídico.
Juridicamente, é evidente o aumento do grau de certeza e de estabilidade do
ordenamento jurídico internacional, com consequente aumento da sua capacidade de
decisão de conflitos. Os ganhos políticos de tal alteração seriam não apenas a
concretização de um dos objetivos da Rodada Doha como também uma melhoria no
grau de consenso internacional e, principalmente, de equidade nas relações entre os
membros da comunidade internacional, de acordo com NASCIMENTO. Mas alguns
países têm se adiantado a esta discussão como é o caso da União Européia que em 14 de
janeiro de 2013 aprovou o Relatório de Catherine Grèze (A7-0423/2012) 16 sobre
aspetos relativos ao desenvolvimento dos direitos de propriedade intelectual em matéria
de recursos genéticos: o impacto na redução da pobreza nos países em desenvolvimento
[2012/2135(INI)], que prevê a ajuda aos países em desenvolvimento quando se os
países da UE se utilizarem dos recursos genéticos e da diversidade biológica destes
países.
6. Conclusão
O trabalho apresentado pode explorar as questões pertinentes a implementação
de dois tratados internacionais relativamente novos na esfera internacional quais sejam a
Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) e o Acordo Relativo aos Direitos de
Propriedade Intelectual (Acordo TRIPS). Especificamente se atem ao tema da proteção
da propriedade intelectual e suas interações com a proteção da diversidade biológica,
dos conhecimentos tradicionais e locais.
Tanto na esfera internacional quanto na esfera nacional (brasileira) existem
questionamentos jurídicos de prevalência entre um tratado e outro, porém, o debate não
se imiscui em determinar que há a possibilidade de regulamentação por partes dos
países signatários dos dois tratados para adequação precisa de seus objetivos. Se por um
lado a proteção a diversidade biológica é imprescindível a proteção à propriedade
intelectual é importante para proteger os países em desenvolvimento e suas
comunidades locais.
16
http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?pubRef, acessado em 20de janeiro de 2013.
193
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
A eventual possibilidade de conflitos de implementação dos tratados ou a
superposição de um tratado sobre o outro fica prejudicada na medida em que as regras
internacionais, inclusive s.m.j, as regras estabelecidas pela OMC não são incompatíveis
com a Convenção da Diversidade, haja vista o dispositivo do GATT em seu art. XX.
Além do mais a discussão realizada atualmente pelos países a respeito da
regulamentação do Acordo TRIPS de seu art. 27, vem ao encontro do estabelecimento
de proteção aos recursos genéticos e naturais, dos conhecimentos tradicionais e da
diversidade biológica.
Assim, nosso entendimento é o de que o aperfeiçoamento dos instrumentos
jurídicos internacionais desmistifica a incompatibilidade entre os tratados CDB e
TRIPS, ou seja, os conflitos ditos existentes são de interpretação e não de
implementação e regulação dos tratados.
7 - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Biodiversidade (CDB) e o Acordo Relativo aos Direitos de Propriedade Intelectual
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196
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
OS DIREITOS DE PROPRIEDADE INTELECTUAL E AS PATENTES COMO
MECANISMOS PARA A DOMINAÇÃO DA NATUREZA
INTELLECTUAL PROPERTY RIGHTS AND PATENTS AS A MECHANISM FOR
DOMINATION OF NATURE
Natália Silveira Canêdo
Luá Cristine Siqueira Reis
RESUMO
As patentes e os Direitos de Propriedade Intelectual (DPI), são atualmente as novas formas de
apropriação da biodiversidade dos países em desenvolvimento, estas através de suas
transnacionais de biotecnologia, dominam a natureza e a transformam em matéria-prima de
fármacos e alimentos. Essa prática logicamente remete grande margem de lucro para essas
empresas que reivindicam o direito de patente e os DPI para garantir seu monopólio e seu
lucro sobre a “invenção”. O presente artigo tem, portanto, o objetivo de delinear a ascensão da
patente através dos DPI, fazendo primeiramente uma abordagem histórica, explicando a
influência do pensamento Iluminista, principalmente de Descartes, que reduziu a natureza em
simples objeto de apropriação pelo homem, narrando como surgiu a propriedade privada e
como esta evoluiu até a propriedade intelectual, passando pelas patentes e pela ciência
reducionista que foi a principal propulsora da biotecnologia e da redução da biodiversidade
em objeto de pesquisa de laboratório. Toda a abordagem conceitual e as propostas defendidas
no artigo serão baseada principalmente nas obras de Fraçois Ost e Vandana Shiva.
PALAVRAS-CHAVES: BIOTECNOLOGIA; MÉTODO CARTESIANO; NATUREZA;
PATENTE; PROPRIEDADE INTELECTUAL; REDUCIONISMO.
ABSTRACT
Patents and Intellectual Property Rights (IPR), are currently the new forms of appropriation of
biodiversity in developing countries, these through their transnational biotechnology,
dominate nature and transform it into raw material for pharmaceuticals and foods. This
practice leads logically great profit margin for those companies that claim the right to patent
and IPR to ensure its monopoly and its profit on the "invention". This article is therefore the
aim of delineating the rise of the patent through IPR, making first a historical approach,
explaining the influence of Enlightenment thinking, especially Descartes, which reduced
nature in simple object of appropriation by man, narrating how came private property and
how this has evolved to intellectual property, patents and passing through the reductionist
science that was the main propelling biotechnology and biodiversity loss in laboratory
197
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
research object. The whole conceptual approach and the proposals will be defended in the
article based primarily on the works of Fraçois Ost and Vandana Shiva.
KEYWORDS: BIOTECHNOLOGY; CARTESIAN METHOD; NATURE; PATENT;
INTELLECTUAL PROPERTY; REDUCTIONISM.
1. INTRODUÇÃO
O método cartesiano trouxe inúmeras influências para o pensamento moderno e uma
das maiores foi o modo de ver a natureza. Descartes, filósofo do século XVII, estabelece uma
equivalência entre máquinas e natureza e exibe assim um mundo nunca visto desde então,
estamos falando do fim da Idade Média, nascimento do Iluminismo, racionalista,
antropocêntrico, longe das amarras do mundo antigo. A partir do século XVI uma verdadeira
revolução científica transforma a Europa e o século XVII, é o que se encarrega
definitivamente da apropriação da natureza pelo homem.
À medida que a ciência evoluía nos séculos passados, o homem se tornava mais
curioso, buscando resposta sobre os fenômenos da natureza e os mistérios que nos cercavam.
Pensadores escreviam sobre suas teorias cientificas: Francis Bacon defendia que o Estado
moderno deveria ser uma republica científica, Descartes escreve a Fábula Mundi, um novo
mundo reproduzindo as leis racionais da Criação.
Ou seja, o objetivo é bem evidente, conhecimento e dominação do Universo.
Utilizando para tanto, a ajuda da ciência, que evoluíra a passos largos, chegando à
biotecnologia e a engenharia genética, estas sob os ideais reducionistas pregados por
Descartes, irá apropriar-se do meio natural e para tanto utilizará a concessão de patentes e os
Direitos de Propriedade Intelectual, que nada mais são do que uma declaração de que o
criador de algo é verdadeiramente quem o criou por meio de sua criatividade, sua propriedade
intelectual.
Analisando obras de diversos estudiosos no assunto, como Vandana Shiva e François
Ost, podemos chegar a conclusão que o movimento conhecido como Iluminismo foi o
responsável por transformar a natureza em objeto suscetível de apropriação. Como o próprio
filósofo Jonh Locke definiu, natureza nada mais é que res nullius, ou seja, coisa de ninguém
a espera de seu proprietário, apropriável por qualquer um.
198
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Atualmente, a biodiversidade se tornou um dos mais valiosos recursos econômicos e
sua exploração um grande atrativo para as empresas transnacionais de biotecnologia, pois o
mundo encontra-se cada vez mais uniforme e monocultural, o que faz da diversidade
biológica dos países megadiversos, que são em sua maioria, preconceituosamente
classificados como “países de terceiro mundo”, alvo cobiçado pelos “países de primeiro
mundo”, que utilizam os recursos naturais para a produção de medicamentos e alimentos.
O problema em questão é quando essa possessão ultrapassa os limites éticos e passa
a dominar e manipular geneticamente organismos vivos até chegar a células humanas. O
homem evoluiu não só culturalmente, politicamente e economicamente; seu anseio de ser
senhor do Mundo e de tudo que nele há evoluiu juntamente com a humanidade. Evoluímos da
propriedade privada, para as patentes e depois para a “criação” de seres vivos reduzindo-nos a
células e genes nada mais que isso.
A propriedade privada agora é exercida sobre informações genéticas de plantas,
animais e seres humanos, tornando cada vez mais bizarra a evolução da biogenética, que serve
a diversos fins, mas principalmente ao domínio sobre a natureza que Bacon e Descartes tanto
defenderam.
2. O NASCIMENTO DA PROPRIEDADE PRIVADA
O direito de propriedade é inerente as sociedades mais antigas do mundo, entretanto
com referenciais e princípios bem diferentes dos nossos. A religião e a propriedade eram
intrínsecos do homem na antiguidade e não andavam separadas, a própria religião ratificava a
propriedade, principalmente dos povos da Grécia e da Itália.
Há três coisas que, já nas épocas mais antigas, encontramos fundadas e
solidariamente estabelecidas nessas sociedades gregas e italianas: a religião
doméstica, a família e o direito de propriedade; três coisas que tiveram entre si, na
origem, uma relação manifesta e que parecem ter sido inseparáveis.
A idéia de propriedade privada estava na própria religião. Cada família tinha a sua
lareira e os seus antepassados. Esses deuses só podiam ser adorados por ela, só
protegiam a ela; eles eram sua propriedade. (COULANGES, 2004, p.73)
É fácil perceber que não foram as leis que decidiam e ditavam os direitos a
propriedade da antiguidade e sim os deuses e a religião domestica; foi esta que doutrinou o
homem a apoderar-se da terra e assim defender seu direito sobre ela. A terra era inalienável,
199
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
haja vista que pertencia a mesma família durante varias gerações, porque os deuses
domésticos habitavam nela e eram esses deuses que a família cultuava.
Somente depois de séculos que este costume mudou, principalmente com o
surgimento do cristianismo. Agora era apenas um Deus, o politeísmo dava lugar ao
monoteísmo e as praticas e costumes da sociedade antiga sofreram uma grande
transformação; do direito à noção de propriedade, que agora passou a ser alienável.
Na Idade Média há uma nova mudança no direito de propriedade. Devido ao ataque
dos bárbaros no século V, a Europa Ocidental enfrentou uma grave crise no comércio,
ocasionando desta forma uma nova organização na vida da sociedade que passou a ser
baseada novamente na terra e não mais no comércio. A população passou a viver em feudos,
que eram grandes glebas de terras que os camponeses cultivavam em troca de proteção do
proprietário da terra que era conhecido como senhor feudal.
O direito predial da Idade Média conhece duas formas principais de propriedade
simultâneas. As primeiras, que se inscrevem no quadro do sistema feudo-senhorial,
são os feudos ou concessões nobres e as terras de um feudo ou concessões plebéias,
que associam a partilha dos rendimentos do solo a laços de dependência pessoal. (...)
existia simultaneamente, à margem deste primeiro sistema, um conjunto de direitos
partilhados, quanto a eles fundamentados em verdadeiras solidariedades familiares e
vilãs: propriedades simultâneas sem dependência pessoal, inspiradas pela necessária
cooperação comunitária e pelo desejo de valorização das terras incultas. (OST, 1995,
p.56).
A partir do século XVI, a Europa vive uma nova transformação em sua sociedade: o
sistema feudal é posto por fim, os filósofos do iluminismo emergem neste período em
contraposição ao pensamento medieval; o homem passa agora a ser o centro do universo e a
medida de todas as coisas.
Os novos filósofos entre eles, John Locke, Jean-Jacques Rousseau, Hobbes, Voltaire,
Immanuel Kant, Descartes e Bacon defendiam cada qual suas idéias sobre propriedade, mas
podemos dizer que duas eram as principais correntes adotadas por eles. A primeira que
defende que a propriedade é um direito natural e a segunda que vai totalmente ao oposto da
primeira, negando assim o direito natural a propriedade e afirmando que este só é possível
através da constituição do estado civil.
Como defensor da primeira corrente temos Locke, segundo ele a sobrevivência é um
direito e para poder sobreviver é necessário ter acesso a terra para cultivá-la e assim manter
seu sustento, logo o homem tem direito a propriedade.
200
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Pelo seu trabalho, ele subtrai para seu proveito uma parte dos recursos comuns; põena na parte, enriquece-a, e, por esse fato, gera o seu direito à propriedade. Senhor da
sua própria pessoa, tem igualmente o direito de dispor do produto das suas mãos.
Assim, é o trabalho que gera o título de propriedade. Um título tanto mais
justificado, porque se baseia na necessidade, que é um dado natural, e remete para a
liberdade, que é constitutiva da natureza humana. Pelo seu trabalho, que é a
liberdade em ato, o homem subtrai determinados recursos no estado natural,
confere-lhes uma especificação e um valor acrescentado, e pode, assim,
legitimamente reservá-los para si. (OST, 1995, p.59).
Já para Rousseau e Hobbes a propriedade é um direito positivo. Regido pelo Estado e
pela legislação local.
Nas palavras de Rousseau em uma das suas principais obras “O Contrato Social”:
(...) o que o homem perde, pelo contrato social é sua liberdade natural e um direito
ilimitado a tudo que lhe diz respeito e pode alcançar. O que ele ganha é a sua
liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. Para compreender bem estas
compensações, é necessário distinguir a liberdade natural, que não têm outros
limites a não ser as forças individuais, da liberdade civil, limitada esta pela vontade
geral, e a posse, conseqüência unicamente da força ou direito do primeiro ocupante,
da propriedade que só pode fundamentar-se num título positivo. (ROUSSEAU,
1996, p. 39).
Hobbes por sua vez, sustentou em sua obra “O Leviatã” que somente com a
instauração do Estado que poderá ser definida a propriedade privada, pois sem o Estado o
homem não tinha um governo que lhe assegura-se proteção e lhe ditasse quais as regras a
seguir como proprietário de algo, afastando assim o estado de natureza.
(...) compete ao soberano o poder de prescrever as regras para um homem saber
quais os bens de que pode gozar, e quais as ações que pode praticar, sem ser
molestado por qualquer de seus concidadãos. A isto os homens chamam
propriedade. Antes da constituição do poder soberano (...) todos os homens tinham
direito a todas as coisas. (HOBBES, 2003, p.13)
É assim que, ao longo dos anos a propriedade vai sendo legitimada. No século XVIII,
mais precisamente em 1789, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em seu
artigo 17 declara o direito de propriedade com sendo inviolável e sagrado, e que ninguém dele
pode ser privado.
Não convencido, portanto, de se tornar dono da terra, o homem passou a se apoderar
da natureza, da sua fauna e flora, ou seja, sua biodiversidade (da própria vida da natureza) e a
considerar justo a apropriação desta, mas só apropriar-se não era necessário, era preciso mais,
a ânsia maior o desejo intrínseco não era só possuir a natureza era criá-la, manipulá-la, reduzila a partículas. Para tanto, criou-se os Direitos de Propriedade Intelectual e o sistema de
201
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
patentes, que redefiniu a biodiversidade “como invenções biotecnológicas, para tornar o
patenteamento de formas de vida aparentemente menos controvertido”. (SHIVA, 2001, p.42)
3. DA PROPRIEDADE PRIVADA À PATENTE
Em 17 de abril de 1942, os monarcas católicos Isabel de Castilha e Fernando de
Aragão concederam a Cristóvão Colombo os privilégios de “descoberta e conquista”. Um ano
depois, em 04 de maio de 1493, o Papa Alexandre VI, por meio de sua “Bula de Doação”,
concedeu à rainha Isabel e ao rei Fernando todas as ilhas e territórios firmes descobertos e por
descobrir, cem léguas a oeste e ao sul dos Açores, em direção a Índia e ainda não ocupadas ou
controladas por qualquer rei ou príncipe cristão até o Natal de 1942. (SHIVA, 2001, p. 23)
Podemos classificar essas condutas dos soberanos e do Papa como as primeiras formas
de patentes.
De Colombo até o século XXI, várias foram as transformações no que diz respeito às
patentes e como ela vem sendo inserida dentro da natureza. O que não mudou foi sua forma
de dominação diante das populações subjugadas. Na atualidade as empreses multinacionais
recorrem à proteção dos Direitos de Propriedade Intelectual para continuar a mesma
colonização que Colombo fez nas “terras descobertas”; o DPI e as patentes são hoje, as novas
formas de colonização utilizada pelos países capitalistas e com grande nível de
desenvolvimento econômico, como os Estados Unidos e os países europeus.
Finalmente, para proteger a indústria da biotecnologia, foi que os países do Norte,
criaram os Direitos de Propriedade Intelectual e o Sistema de Patentes, dois mecanismos de
apropriação da biodiversidade, que transformaram a mesma em propriedade particular
suscetível à lógica do mercado capitalista e as políticas neoliberais, que sempre visaram o
lucro em detrimento das populações dos trópicos.
Como são as maiores economias mundiais que regem as leis de DPI da Organização
Mundial do Comércio, elas a fazem para proteger suas economias locais, os DPI somente são
reconhecidos quando a invenção gera rentabilidade econômica e pode ser aplicado na
indústria, ou seja, visa lucro não incentivo a criatividade e inovação. Como explica Vandana
Shiva:
202
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Quinhentos anos depois de Colombo, uma versão secular de mesmo projeto de
colonização está em andamento por meio das patentes e dos direitos de propriedade
intelectual (DPI). A Bula Papal foi substituída pelo Acordo Geral sobre Tarifas e
Comercio (GATT). O principio da ocupação efetiva pelos princípios cristãos foi
substituído pela ocupação efetiva por empresas transnacionais, apoiadas pelos
governos contemporâneos. A vacância das terras foi substituída pela vacância das
formas de vida e espécies, modificadas pelas novas biotecnologias. O dever de
incorporar selvagens ao cristianismo foi substituído pelo dever de incorporar
economias locais e nacionais ao mercado global, e incorporar os sistemas nãoocidentais de conhecimento ao reducionismo da ciência e da tecnologia
mercantilizada do mundo ocidental. (SHIVA, 2001, p. 24).
Na interpretação da escritora Vandana Shiva, Locke em seu livro sobre a
propriedade legitima essa mesma prática de roubo e apropriação durante o período de
cercamento das terras comunitárias feudais na Europa. Segundo a autora, Locke elaborou a
liberdade de construir o capitalismo como liberdade de roubar. A propriedade é concebida
com os recursos da natureza e juntando-os ao trabalho. Entretanto somente quem possui o
capital tem a possibilidade de adquirir recursos, e este suprime os direitos comuns de outras
pessoas.
É assim, que o capital, definido como uma fonte de liberdade, que ao mesmo tempo
nega a liberdade à terra, às florestas, aos rios e à biodiversidade que o capital
reivindica como seus, e a outros seres humanos cujos direitos se baseiam no seu
trabalho. A devolução da propriedade privada ao povo é vista como exploração da
liberdade dos detentores do capital. Assim, os camponeses e povos tribais que
exigem de volta o seu direito e acesso a recursos são considerados ladrões. (SHIVA,
2001, p.25).
É necessário entender que a partir do século XVI e XVII, com as novas descobertas
cientificas, o mundo passou a ser visto de outra forma, sob um novo prisma. Agora era o
homem quem ditava as regras, o pensamento antropocêntrico prevalecia sob o pensamento
aristotélico e a teologia cristã.
Conforme nos elucida Fritjof Capra:
Galileu expulsou a qualidade da ciência, restringindo-a ao estudo dos fenômenos
que podiam ser medidos e quantificados; Descartes criou o método analítico, que
consiste em quebrar os fenômenos complexos em pedaços a fim de compreender o
comportamento do todo a partir das propriedades de suas partes. Para ele o universo
material, incluindo os seres vivos, era uma máquina que poderia ser entendida
completamente, analisando-a em termos de suas menores partes. Tal arcabouço
conceitual criado por Galileu e Descartes – o mundo como uma máquina perfeita
203
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
governada por leis matemáticas exatas – foi completado de maneira triunfal por
Isaac Newton, cuja grande síntese, a mecânica newtoniana, coroou a ciência no
século XVII. (CAPRA, 1996, p.34).
Podemos definir mais precisamente que é a partir do maniqueísmo e do
individualismo que nasce o desejo de se tornar soberano da natureza. Eis o maior alvitre do
homem moderno, moldar e utilizar a natureza a seu bel prazer, com o objetivo claro de lucro e
monopólio financeiro de descobertas cientificas com recursos da fauna e flora de
comunidades locais ricas em saberes tradicionais e que sabem manipular a biodiversidade
local. Nesta diretriz, nos ensina Jeremy Rifikin:
Foi Francis Bacon, fundador da ciência moderna que instigou as futuras gerações a
ajustar, moldar e configurar a natureza, de modo a ampliar as fronteiras do império
humano para a realização de tudo o que é possível. Munido de seu método
científico, Bacon estava convencido de que tínhamos finalmente, uma metodologia
que nos permitiria conquistar e subjugar a natureza e abalar até suas fundações.
Bacon estabeleceu os fundamentos para o Iluminismo que se seguiu, fornecendo
uma visão sistemática de ascendência final da humanidade sobre a natureza .
(RIFIKIN, 1999, p.179)
A técnica assim tomou o lugar da terra, e a interrogação que fazemos é: como
chegamos aqui? A resposta bem simples foi pontificada acima, pela aplicação rigorosa e
sistemática do cartesianismo. De acordo com o escritor não podemos esquecer a famosa
passagem onde Descartes nos incita a agir como se fôssemos senhores e donos da natureza, é
imediatamente seguida de uma evocação da medicina; justificando esta prática em prol da
saúde humana. Estas práticas baseiam-se numa aplicação constante do principio de divisão,
que está, na base do método analítico. “Aqui como ali, trata-se de decompor o dado em partes
mensuráveis e de reduzir o desconhecimento global ao conhecimento local”. (OST, 1995,
p.94).
Assim esclarece François Ost:
A modernidade ocidental transformou a natureza em ambiente: simples cenário no
centro do qual reina o homem, que se auto-proclama dono e senhor. Este ambiente
cedo perderá toda a consistência ontológica, sendo desde logo reduzido a um
simples reservatório de recursos, antes de se tornar em depósito de resíduos - em
suma, o pátio das traseiras da nossa tecnosfera. O que é certo é que o projeto
moderno pretende construir uma supra- natureza, à medida da nossa vontade e do
nosso desejo de poder. Em comparação com esta supranatureza, a natureza ainda
natural faz figura de entrave incômodo. Galileu, o primeiro, liberta-se dela,
recusando a linguagem dos sentidos e reescrevendo o mundo numa linguagem
matemática; Bacon refugia-se na utopia (a Nova Atlântida) para descrever o projeto
moderno da tecnociência; Descartes segue-lhes os passos e recria o mundo com um
pouco de matéria e movimento. É o reinado do artifício, da máquina e da
automatização, que assim se inaugura e triunfa hoje na união entre o biológico e o
tecnológico. A engenharia genética produz matéria viva de forma controlada em
204
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
laboratório, enquanto a indústria da comunicação integra o homem e o computador
[...]
Dois séculos mais tarde, o direito encerrará o círculo ao aceitar a patenteação da
matéria viva, incluindo as células humanas. (OST, 1995, p.10-11)
Esse protótipo de separação homem x natureza, refletindo o pensamento
individualista e antropocêntrico é que rege o pensamento moderno até os dias atuais. As
ligações foram rompidas e tudo é separado, ocorreu o fenômeno da disjunção, desta forma, o
conhecimento que vem através da cultura foi separado do conhecimento cientifico, ou seja, o
conhecimento tornou-se cada vez mais especializado.
E é assim que o homem se julga dono do Universo e de tudo que nele há. No entanto,
é sempre o capital que vai definir quem dita e quem obedece ordens. As inovações advindas
na ciência, desenvolveu a biotecnologia, que ajudou e muito a monopolizar a natureza,
entretanto este conhecimento foi desenvolvido pelas grandes potencias mundiais, entre elas os
países mais ricos da Europa e os Estados Unidos da America, que em prol do seu comercio e
desenvolvimento locais submeteram os países menos desenvolvidos a suas práticas de
comercio internacional.
Primeiramente é preciso definir o que podia e o que não podia ser patenteável, o que
era descoberta e o que era invenção. “O que é dado descobre-se e não é patenteável; o que é
produzido inventa-se e pode constituir objeto de um monopólio temporário” (OST, 1995,
p.81). As leis da natureza, as propriedades físicas e as idéias abstratas não podiam ser
patenteáveis enquanto as produções literárias, invenções e tudo que nasce da criatividade
humana poderiam ser patenteados.
Na mesma ordem de idéias, o artigo 53b da Convenção de Munique de 1973 sobre a
concessão de patentes européias (CBE), exclui as variedades vegetais ou as raças
animais, bem como os processos essencialmente biológicos de obtenção de vegetais
ou de animais, não se aplicando esta disposição aos processos microbiológicos e aos
produtos obtidos por estes processos. (OST, 1995, p. 82).
Com estas restrições poderia assim pensar que as patentes nunca iriam prevalecer
sobre a matéria viva, contudo não foi bem isso que aconteceu. À medida que a ciência evoluía
e as grande multinacionais expandiam seu domínio mundo afora, a história mudou de rumo.
Neste contexto, a distinção entre descobertas patenteáveis (enquanto decalques,
reflexos de fenômenos observáveis) e invenções patenteáveis (enquanto criações
artificiais, construídas e não dadas) perde muita da sua pertinência epistemológica:
de certa forma, é toda a ciência que é preciso colocar na ordem do construído. (OST,
1995, p. 82).
205
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Agora a ciência re(constitui) a natureza. É fato que durante séculos os mistérios do
Universo, principalmente os fenômenos da natureza eram desconhecidos e atribuíamos tudo
aos deuses de cada crença ou mesmo ao acaso. Com a evolução da ciência essas respostas não
bastam, é preciso saber a origem das coisas e desvendar os mistérios da natureza: como
plantas e animais se reproduzem? Como é o DNA humano? Quais os antídotos para diversas
doenças que assolam a humanidade?
Assim, a natureza natural considerada, no seu principio, a reprodução de si própria,
escapava à ciência e à apropriação, ultimo refugio, em suma, de um obscuro sentimento do
sagrado.
Contudo, hoje em dia triunfam a biotecnologia e a sua técnica de ponta, o gênio
genético, que procede a transformação-fabricação do vivo pela modificação ou pela
supressão da informação genética do organismo manipulado, quer se trate de um
microorganismo, de uma planta, de um animal ou de um homem. (OST, 1995, p.83).
Ora, o homem não apenas quer criar vida, através da genética e da biotecnologia,
quer também possuí-la. Shiva narra em sua obra “Biopirataria: a pilhagem da natureza e do
conhecimento”, um dos casos mais famosos de concessão de patente pela interferência
humana em uma bactéria. O caso ocorreu em 1971, nos Estados Unidos, a empresa General
Eletric juntamente com um de seus funcionários, Anand Mohan Chakravarty, entraram com
um pedido de patentes, para bactérias do tipo pseudômonas geneticamente modificadas.
Entretanto esta modificação genética consistia apenas em extrair plasmídeos de três bactérias
e os introduzir em um quarto tipo. Nas palavras do próprio Chakravarty ele simplesmente
embaralhou genes de bactérias que já existiam modificando-as, ou seja, ele “brincou” de criar
um organismo vivo.
O que mais assusta neste caso, é que o Tribunal concedeu a patente, com a alegação de
que os microorganismos em questão, não foram criados pela natureza e sim sofreram
intervenção humana, podendo ser patenteáveis. Ost também retrata o caso em sua obra “A
natureza à margem da lei”:
No caso Chakrabarty, já citado, o Supremo Tribunal dos Estados Unidos considerará
que uma tal bactéria entra no campo de aplicação do artigo 101°da lei americana
sobre as patentes, a título de composição e matéria nova e útil. Após ter lembrado
que a lei americana protegia tudo o que, sob o Sol, era feito pela mão do homem, o
Tribunal decide tratar-se, no caso, de uma bactéria nova, cujas características são
distintas de todas as que se encontram na natureza e cuja utilidade potencial é
evidente. A sua descoberta não é obra da natureza mas sim dos seus conceptores,
que, a este titulo, merecem a proteção legal. (OST, 1995, p. 84)
206
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
E foi assim, que a primeira patente sobre um ser vivo foi registrada, apesar da lei
norte-americana não autorizar que plantas e animais podem ser patenteados, os Estados
Unidos tem desde então ignorado esta imposição legislativa e autorizado patente a todas as
formas de vida, que tiveram qualquer interferência humana, ainda que mínima, ainda que seja
um “embaralhar” de genes.
As conseqüências desta primeira decisão do Tribunal norte-americano, gerou uma
verdadeira revolução na atuação da biotecnologia dentro da biodiversidade, uma vez que
agora, os cientistas mais do que nunca realizam modificações genéticas em animais e plantas,
intervindo no processo natural de evolução genética dos próprios seres vivos. Agora, o sonho
máximo foi atingido, tornar-se Deus, o criador do organismo vivo.
A biodiversidade foi redefinida como “invenções biotecnológicas”, para tornar o
patenteamento de formas de vida aparentemente menos controvertido. Essas patentes são
válidas por vinte anos e, portanto, cobrem gerações de plantas e animais. No entanto, mesmo
quando cientistas em universidades embaralham genes, eles não “criam” o organismo que a
seguir patenteiam.
O homem agora não se sente mais como parte da natureza, a partir do momento que é
autorizado ao homem “criar” a vida, a natureza nada mais é que objeto de estudo,
manipulação, especulação e por incrível que pareça jogo de manobra entre potências
mundiais. A natureza imediatamente passa a ser possuída por cientistas e grandes indústrias
de diversos ramos do mercado internacional, fornecendo uma grande diversidade de matéria
prima, de pesticidas à cosméticos, de bactérias à animais geneticamente modificados.
“O paradigma da construção na biotecnologia baseia-se no pressuposto de que a vida pode
ser construída. As patentes de seres vivos baseiam-se no pressuposto de que a vida pode ser
objeto de posse porque foi construída”. (SHIVA, 2001, p.46). De acordo com Ost o homem
passa a ser então:
Um homem que se situa, de agora em diante, à margem da natureza – à
margem do seu jogo, de alguma forma -, numa posição de domínio que o
autoriza a modificar as regras do jogo natural. Tanto que, sob a égide da vida,
propriedade comum às bactérias, às plantas, aos animais e aos homens,
reinava uma certa solidariedade entre os seres vivos, e impunham-se limites
evidentes à patenteação; uma ultima cumplicidade era mantida entre o
homem e o natural, comungantes, um e outro, da intangibilidade da própria
idéia da vida, que culmina na figura humana. Mas, a partir do momento em
que o homem se coloca à parte do jogo, esta solidariedade é rompida, e a
vida, propriedade simbólica que apela à atribuição é rompida, e a vida,
propriedade simbólica que apela à atribuição humana de sentido, objetiva-se
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
sob forma material – falar-se-à de modo substantivo do vivo -, e presta-se, de
agora em diante, às mais diversas manipulações. (OST, 1995, p. 85).
4. ASCENSÃO DA BIOLOGIA REDUCIONISTA
Descartes e outros filósofos do seu século defenderam veementemente o
desmembramento do homem com a natureza. “Um mundo novo abre-se assim, ao Ocidente
racionalista, o mundo do artifício, o qual logo se imaginará ser, em muitos aspectos, superior
ao mundo natural”. (OST, 1995, p.27).
É lógico que não se pode dizer que foi a partir do século XVI que o homem passou a
subjugar a natureza; desde o princípio do ser humano na Terra este modifica o seu habitat,
para garantir sua sobrevivência, aperfeiçoando-o e moldando-o à sua maneira. Entretanto, há
uma grande diferença entre o homem moderno e o primitivo:
[...] ao contrário do homem moderno, que, liberto de todas as amarras cosmológicas
transforma descomedidamente o mundo natural com a sua tecnologia, o homem
primitivo não se arrisca a perturbar a ordem do mundo senão mediante infinitas
precauções, consciente da sua pertença a um universo cósmico, no seio do qual
natureza e sociedade, grupo e indivíduo, coisa e pessoa, praticamente não se
distingue. (OST, 1995, p. 31).
A aplicação do método cartesiano na natureza somente favoreceu o domínio do
homem sob a mesma, utilizando sistematicamente o sistema analítico, reduzindo o meio
natural em partículas menores e restringindo o desconhecimento geral em conhecimento
regional, desenvolvendo assim, o reducionismo científico, que nada mais é do que reduzir
todos os eventos naturais a uma explicação cientifica, por meio de uma técnica de um método.
Assim afirma Ost:
Salientamos inúmeros exemplos desta estratégia: de cada vez, tratava-se de
distinguir uma entidade global, rebelde à analise, de alguma forma irredutível
– a vida, a natureza, a raça animal, a espécie vegetal, o homem-, dados quase
metafóricos, remetidos sempre mais longe, para uma espécie de reserva, cujo
território se reduz como uma pele de lixa, à medida que cresce o domínio do
outro elemento da distinção: as células, os genes, os plasmódios, as enzimas,
os tecidos, os fluidos, entidades sempre mais pequenas, mais divididas, mais
operatórias. A biotecnologia produz este efeito de atomizar o ser vivo em
partículas químicas; ela despedaça-o em micro-entidades funcionais
assemelhadas a objetos técnicos. O ser vivo é desfigurado, despedaçado,
desmontado, ao ponto de o tornar absolutamente irreconhecível - em suma:
insignificante. Porque se o global faz sentido que não o programa funcional
(e, acrescentamos, a operação financeira) no qual se inscreve. Ou ainda: o ser
vivo é um fim, o átomo um meio. (OST, 1995, p. 94 e 95).
208
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Vandana Shiva, é uma das principais críticas a biologia reducionista e como esta lida
com a vida dos organismos, segundo ela:
[...] uma das características da biologia reducionista é declarar inúteis os organismos
e suas funções baseando-se na ignorância de sua estrutura e função. Dessa maneira,
muitas plantas cultiváveis e arvores são consideradas ‘dispensáveis’. E o DNA cuja
função se desconhece é chamado DNA - lixo. Dar por perdida a maior parte das
moléculas como sendo lixo devido à nossa ignorância significa não conseguir
entender processos biológicos. (SHIVA, 2001, p. 44).
Um dos maiores precursores do reducionismo científico foi, sem dúvida, o biólogo
alemão August Weisman, nascido em 1834, Weisman foi grande defensor da Teoria da
Seleção Natural de autoria do naturalista britânico Charles Darwin. Para corroborar os estudos
de Darwin o biólogo desenvolveu a “barreira de Weisman”; esta barreira bloqueava a
passagem de informação das células somáticas (células somáticas são quaisquer células dos
organismos multicelulares que não estejam envolvidas na reprodução, seus núcleos somente
se dividem por mitose) para as células germinativas (Células germinativas são células que
podem dar origem aos gametas através do processo de meiose) reforçando a seleção natural,
porque provou a não hereditariedade das características adquiridas.
Mais de cem anos após ter sido efetivamente colocada em prática, a ciência
reducionista trabalha a favor dos interesses financeiros que as patentes fornecem quando um
novo ser é “criado” ou “desenvolvido” como resultado das inovações da engenharia genética;
hoje o que acontece é uma verdadeira “mercantilização da ciência e da natureza”. (SHIVA,
2001, p.46).
De acordo com a análise de Carolyn Merchant em The Death of Nature (A morte da
natureza), “[...] a ascensão da ciência reducionista permitiu que a natureza fosse declarada
morta, inerte e sem valor. Em conseqüência permitiu a exploração e dominação da natureza,
com total menosprezo pelas conseqüências sociais e ecológicas desta postura”.
(MERCHANT, 1980, p. 182).
O reducionismo científico ou mesmo dentro da biologia pode ser classificado em
reducionismo de primeira e de segunda ordem. O reducionismo de primeira ordem diz
respeito às espécies, neste a única que é respeitada é a espécie humana, em conseqüência,
todas as outras que possam ser julgadas inferiores são ignoradas e levadas a supressão pelo
homem. “A monocultura de espécies e a erosão da biodiversidade são a consequência
inevitável do pensamento reducionista na biologia, especialmente quando aplicado à
silvicultura, à agricultura e à piscicultura”. (SHIVA, 2001, p.48).
209
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Contudo, é o reducionismo de segunda ordem que caracteriza ainda mais a biologia
reducionista. Este nada mais é que o reducionismo genético:
[...] a redução de todo comportamento ou organismo biológico, incluindo o homem,
aos genes. O reducionismo de segunda ordem amplifica os riscos ecológicos do
reducionismo de primeira ordem, ao introduzir novas questões, como o
patenteamento de formas vivas. (SHIVA, 2001, p.48).
Esses riscos existem porque a partir do momento que se modifica geneticamente um
organismo vivo ele pode vir a ser uma ameaça para o habitat em que vive, gerando uma crise
em todo um ecossistema. O raciocínio é simples, por exemplo, alterando a estrutura genética,
de um animal endêmico de uma região específica da Índia, que se alimenta de uma espécie de
inseto e depois de alterá-lo, colocá-lo neste mesmo habitat seria catastrófico, pois, alteraria
toda uma cadeia alimentar.
Estas são, pois, algumas das inferências do reducionismo na ciência. Que beneficia
apenas um pequeno conjunto de companhias de biotecnologia e seus países de origem. É
simples, portanto, percebermos porque o reducionismo “foi escolhido como paradigma
preferido para o controle econômico e político da diversidade na natureza e na sociedade.”
(SHIVA, 2001, p.52).
5. CONCLUSÃO
Olhando para o passado não nos damos conte de como chegamos até aqui, mas a
resposta é simples: reduzindo, “desmontando”, transformando a vida em partículas,
equiparando a natureza a engrenagens de um relógio, a máquinas, a objetos inanimados, a
natureza que na antiguidade era cultuada como deusa, agora é transformada em coisa.
As inúmeras alterações que a sociedade passou com o fim da Idade Média e ascensão
do Iluminismo e suas filosofias racionalistas do século XVI e XVII, legitimaram tais atitudes
que levaram ao reducionismo da biologia, aplicando o método cartesiano as formas de vida
sobre a Terra. O homem que antes era um sacerdote da natureza agora passa a ser seu
superior, mais evoluído que o é domestica o meio natural e o pior a própria genética humana.
É necessário, pois, estudar a vida, compreender seus “milagres” e ir mais além, criá-la, assim
como fomos criados, por um “ser superior”.
Essa apropriação tem inicio no desenvolvimento das ciências naturais que num
primeiro momento aprofunda seus conhecimentos nos mistérios do planeta: evolução da
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
espécie humana e animal, física, astronomia, matemática e medicina foram áreas do
conhecimento que evoluíram juntamente com o comercio, as grandes navegações, as novas
colonizações e o novo mundo que emergia da dominação durante séculos do teocentrismo.
Contudo, o interesse econômico sobreveio à ciência, infelizmente porque esta é da
natureza do saber, enquanto aquela do poder. A biotecnologia e a engenharia genética são
agora utilizadas para colocar em pratica os planos de apropriação da natureza e da vida
humana. Possuir, apropriar, subjugar, todos esses sinônimos expressam o que o homem fez e
faz com o seu meio natural, defendendo suas pesquisas como trunfos do desenvolvimento da
ciência em prol da humanidade.
Neste contexto, o protótipo da biotecnologia é defender a criação da vida, enquanto o
das patentes de organismos vivos é assegurar que tendo sido construída a vida esta pode ser
objeto de posse, e posse e/ou propriedade no atual sistema capitalista liberal é sinônimo de
poder econômico. Portanto um ciclo é formado: o cientista através da biotecnologia ou
engenharia genética, manipula um determinado organismo vivo, utilizando alguma micro partícula de seu corpo (exemplo: uma célula qualquer) e altera seu funcionamento natural,
“criando” uma nova espécie que possa ter algum valor econômico, buscando o
reconhecimento de seu trabalho ele entra com o pedido de patente que se for concedido lhe
garante durante 20 anos o domínio econômico e a propriedade intelectual sobre sua “criação”.
Foram mais de 200 anos de dominação, diversos estudos com o objetivo fim de
reduzir todos os organismos vivos em matérias inanimadas, pequenas partículas trabalhadas
dentro de laboratórios como matéria – prima de diversos estudos científicos, o resultado: a
ciência passou então a ser a ciência da ganância, da vantagem, do interesse. O domínio, a que
se referiu Bacon em sua obra ‘Nova Atlântida’ atingi seu auge, que pode ser tanto político
como econômico – este utilizado com freqüência por laboratórios para dominar um mercado,
lucrando vantagens inimagináveis através das patentes.
Nada escapa às patentes, os genes humanos também são patenteáveis, não há mais a
moral, a ética e os bons costumes, se até o corpo humano é objeto de estudo, não voltado para
a medicina e sim para a engenharia genética especulativa, que recria a vida em laboratório,
exercendo propriedade privada sobre genes animais e humanos - é o poder que transforma e
apropria a ciência e sinal de que fomos reduzidos a negócios de laboratórios, sendo
comercializados a partir de nossas células.
A pergunta que muitos podem fazer é: qual o objetivo de tantas pesquisas para alterar
células e genes humanos e de outras espécies da natureza? A resposta por parte dos cientistas
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
é sempre no sentido de proteção e desenvolvimento de novas curas para doenças que assolam
a sociedade, como o câncer; e é assim que podemos ser matéria-prima para pesquisas que
muitas vezes nada tem haver com descoberta de doenças.
Podemos sim imaginar que talvez cientistas estejam em seus laboratórios tentando
criar um novo ser, com sentidos bem mais aguçados que de um ser humano normal, talvez
modificando geneticamente seu organismo e unindo suas células a de outro animal, criando
um super-humano (historia essa parecida com a do homem-aranha), mas especulação e ficção
cinematográfica à parte, criar a vida tornou-se o desejo supremo dos homens do nosso século,
a ovelha Dolly foi só o primeiro passo da aplicação do método cartesiano na ciência
reducionista.
Conforme a teologia cristã, Deus ordenou ao homem que este sujeitasse a terra,
dominando sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que se arrastam sobre a
terra, e todos os frutos que há semente e ervas, era para o sustento do homem. Ressaltado,
portanto, que estes eram para seu mantimento. O homem, contudo, não se contentou e os
papeis foram invertidos, agora quem cria a vida somos nós, ou o melhor os cientistas. Fomos,
dessa forma, reduzidos a matéria, fragmentados, criados em laboratórios.
Nosso corpo cada vez mais desintegrado do sujeito agora pertence a laboratórios e
empresas comerciais. O homem soube muito bem utilizar o método cartesiano, dominar a
natureza e subjugá-la, provando que pode sim manipular a vida e possuí-la mesmo que de
maneira tão desastrosa, afinal não é fácil querer o lugar de Deus e a Fábula Mundi foi escrita
com este objetivo, mostrar que não há limite no mundo do artifício, que se vende ao mercado
monetário e ao poder das patentes.
6. REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES, Política. Tradução de Mário da Gama Kury. – 3º ed. – Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 1997. 321 p.
CAPRA, Fritjof. A teia da vida. Tradução de Newton Roberval Eichemberg. São Paulo:
Cultrix, 1996.
COULANGES, Fustel de. A Cidade Antiga. Tradução de Jean Melville. São Paulo: Martin
Claret, 2004. 418p.
212
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
HOBBES. Leviatã. Tradução Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2003. 516p.
KIMBRELL, Andrew. The Human Body Shop (New York: Harper-Collins Publishers, 1993).
Apud: VANDANA, Shiva. Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento.
Tradução de Laura Cardelline Barbosa de Oliveira; prefácio de Hugh Lacey e Marcos
Barbosa de Oliveira. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2001, p. 41.
MERCHANT, Carolyn. The Death of Nature: Women, Ecology and the Scientific Revolution
(New York: Harper & Row, 1980), p. 182.
OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa:
Instituto Piaget, 1995. 339p.
RIFIKIN, Jeremy. O século da biotecnologia: a valorização dos genes e a reconstrução do
mundo. Tradução e revisão técnica de Arão Sampaio. São Paulo: Makron Books, 1999.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social. Título Original: Du Contrat Social: príncipes
du droit politique. Tradução Antonio de Pádua Danesi. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes,
1996.
VANDANA, Shiva. Biopirataria: a pilhagem da natureza e do conhecimento. Tradução
de Laura Cardelline Barbosa de Oliveira; prefácio de Hugh Lacey e Marcos Barbosa de
Oliveira. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
PANORAMA INTERNACIONAL DAS PATENTES BIOTECNOLÓGICAS
Meio Ambiente e Proteção ao Patrimônio Genético
INTERNATIONAL OVERVIEW PATENT BIOTECH
Environmental and Genetic Resources
Bruno Torquato de Oliveira Naves
Doutor e Mestre em Direito pela PUC Minas; Professor do Mestrado em “Direito Ambiental e
Desenvolvimento Sustentável” da Escola Superior Dom Helder Câmara; Professor de Direito
na PUC Minas; Pesquisador do CEBID – Centro de Estudos em Biodireito
Elcio Nacur Rezende
Doutor e Mestre em Direito pela PUC Minas; Professor e Coordenador do Mestrado em
“Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável” da Escola Superior Dom Helder Câmara;
Professor no Centro Universitário UNA; Procurador da Fazenda Nacional
Resumo: A Biotecnologia movimenta bilhões de dólares anualmente e encontra especial
proteção no direito das patentes. A patente, como título concedido ao inventor, tem na lei uma
série de requisitos, bem como de vedações. Analisa-se o patenteamento de organismos vivos,
no todo ou em parte, em especial a possibilidade de patentear material genético. Para tanto,
avalia-se o assunto na legislação e em alguns posicionamentos de escritórios de patentes nos
Estados Unidos, Europa e Brasil, destacando a importância das patentes na própria
constituição da OMC. Por fim, conclui-se pela necessidade de se abordar o tema não apenas
pelo viés comercial, mas também pelo enfoque da repartição de benefícios.
Palavras chave: Patentes; Biotecnologia; Patrimônio genético; OMC.
Abstract: The Biotechnology move billions of dollars each year and is specially protected by
patenting. The law establishes the requirements for granting patents, as well as lists the
prohibitions. The situation of patents on living organisms, in whole or in part, in particular the
214
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
patentability of genetic material, is here examined. Therefore, we evaluate it in legislation and
in some placements patent offices in the United States, Europe and Brazil. It also highlighted
the importance of patents in the constitution of the WTO. Lastly, we conclude by the need to
address the issue not only for commercial bias, but also the focus of benefit sharing.
Keywords: Patent; Biotech; Genetic resources; WTO.
1. INTRODUÇÃO AO DIREITO DAS PATENTES
A patente constitui um título outorgado pelo poder público àquele que desenvolveu
uma invenção, preenchendo os requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação
industrial.
A temática não é nova quando se atenta à sua aplicação às invenções
biotecnológicas, embora o tema ainda pareça obscuro pela diversidade de posicionamentos
nos diversos países. Cláudia Inês Chamas especula que “As primeiras patentes
biotecnológicas no mundo devem ter sido as de Louis Pasteur, relativas ao melhoramento de
processos fermentativos, ainda no século XIX.” (CHAMAS, 2007, p. 72)
No Brasil, a Lei de Propriedade Industrial foi promulgada em 14 de maio de 1996
sob o número de Lei n. 9.279. Dita legislação é clara em afirmar que apenas a invenção será
patenteável.
E diante das pesquisas que vêm sendo desenvolvidas, os impactos são inevitáveis e
as indagações ganham proporções relevantes: é possível patentear organismos vivos ou partes
deles, limitando o acesso à informação?
Esse assunto esbarra em um tema importante do Direito Ambiental, a repartição dos
benefícios na utilização dos recursos naturais, em especial do patrimônio genético.
Objetiva-se, pois, lançar luzes sobre um tema que é desconhecido do grande público,
mas que tem enorme impacto econômico e ambiental.
Analisar-se-ão os recentes rumos que o direito das patentes tem tomado no panorama
internacional, especialmente no que se refere a patentes de organismos vivos, no todo ou em
parte, analisando o assunto à luz do Direito brasileiro e comparando com a situação de
Estados Unidos e Europa, detendo-se em alguns casos e posicionamentos dos respectivos
escritórios de patentes.
215
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
2. REQUISITOS PARA O PATENTEAMENTO
Segundo os ordenamentos jurídicos ocidentais, inclusive o brasileiro, apenas a
invenção é objeto de patente. A mera descoberta não pode ser patenteada.
As invenções podem ser classificadas nas seguintes modalidades:
• Privilégio de invenção, que deve atender aos requisitos de novidade, atividade
inventiva e aplicação industrial.
• Modelo de utilidade, que é uma nova forma, disposição ou configuração de um
objeto, ou de parte dele, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria
funcional no seu uso ou fabricação. Tem como requisitos a novidade, o ato
inventivo e a utilização industrial.
A proteção do modelo de utilidade só pode ser concedida a um objeto de uso prático,
que acarretem ato inventivo, resultando em melhoria funcional no seu uso ou fabricação.
Procedimentos e sistemas devem ser patenteados como invenção e não como modelo
de utilidade, já que estes exigem “objeto de uso prático”.
Passa-se à análise dos requisitos à patenteabilidade: novidade, atividade inventiva e
aplicação industrial.
A novidade implica em originalidade, isto é, não pode ser acessível ao público antes
da data do pedido da patente. A novidade pode ser parcial ou total.
O conhecimento acessível ao público por qualquer meio é denominado estado da
técnica ou arte prévia. Logo, a novidade implica no distanciamento do estado da técnica.
A atividade inventiva, embora guarde semelhanças com a novidade, com ela não se
confunde. Nova é a invenção considerada inédita, já a atividade inventiva é a operação
criativa que modifica o estado da técnica conhecido.
Por fim, para ser patenteável a invenção deve possuir aplicação industrial, podendo
ser utilizada ou produzida em indústria, entendendo-se essa como qualquer atividade física de
caráter técnico, distinto do campo artístico.
Percebe-se, pois, que se exige criação intelectual de aplicação prática ou industrial.
Não se aceita a patente de algo preexistente, ainda que ignorado. A invenção implica em
trabalho modificador e não em simples descoberta.
216
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
3. RESTRIÇÕES À PATENTEABILIDADE E O PROBLEMA DAS PATENTES
BIOTECNOLÓGICAS
Além dos três requisitos já citados, essenciais à configuração da invenção, é
necessário avaliar a idoneidade do objeto para sua patenteabilidade. O ordenamento jurídico
impõe impedimentos à patenteabilidade, visto que, mesmo reunindo os requisitos para
invenção, a legislação julga não ser conveniente o registro de determinadas invenções.
O artigo 18 da Lei de Propriedade Industrial brasileira é expresso em estabelecer o
que não configura matéria patenteável:
I – o que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à ordem e à saúde
públicas;
II – as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie,
bem como a modificação de suas propriedades físico-químicas e os respectivos
processos de obtenção ou modificação, quando resultantes de transformação do
núcleo atômico; e
III – o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que
atendam aos três requisitos de patenteabilidade – novidade, atividade inventiva e
aplicação industrial – previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta.
Parágrafo único – Para os fins desta lei, microorganismos transgênicos são
organismos, exceto o todo ou parte de plantas ou de animais, que expressem,
mediante intervenção humana direta em sua composição genética, uma característica
normalmente não alcançável pela espécie em condições naturais. (BRASIL, 1996)
Nítida é a diferença entre a invenção, que pressupõe criação do novo, e a descoberta,
que apenas reconhece fenômenos ou características existentes, mas ainda não revelados. Por
essa razão, admite-se a patente de microorganismos transgênicos, por esses agruparem os
requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.
Aquí, la noción de descubrimiento ha sido utilizada para excluir del patentamiento a
los productos y sustancias obtenidas por el hombre sin su activa intervención. Este
argumento fue especialmente utilizado para excluir a la materia viviente natural
preexistente. No obstante que el principio de la no patentabilidad de las sustancias
naturales se encuentra en casi todos los sistemas de patentes, su justificación y su
exacta extensión son muy variables. En realidad, no cumplen con las condiciones de
patentabilidad por la ausencia de novedad o de actividad inventiva. Tampoco los
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
fenómenos y fuerzas naturales no son invenciones como tales; pero sirven
evidentemente como fundamento a las invenciones que las aplican y que sí pueden
patentarse. (SAGLIO, 2004)
Com a Lei de Propriedade Industrial, microorganismos modificados geneticamente e
processos biotecnológicos não naturais são patenteáveis (BRASIL, 1996, art. 8º), desde que
reúnam os requisitos da novidade, inventividade e aplicação industrial.
Dentre os processos biotecnológicos patenteáveis, químicos ou físicos, encontram-se
até mesmo aqueles que fazem uso de organismos encontrados na natureza, como é o caso de
processos de fermentação.
Entretanto, organismos encontrados na natureza – como plantas, animais, bactérias
ou fungos –, ou mesmo organelas, genes ou outras partes desses organismos, não podem ser
objeto de patente. Na mesma linha, não se admite a patente de partes do corpo humano, sejam
elas modificados ou não.
Pela Lei brasileira, é impossível, juridicamente, que elementos da biodiversidade, no
todo ou em parte, ainda que isolados de seu entorno natural, venham a ser patenteados
(BRASIL, 1996, art.10, IX).
Em sede de Biotecnologia, as patentes são questionáveis levando em consideração,
principalmente, ao que tange a padronização da patenteabilidade em escritórios de patente no
mundo. É impossível monitorar as atividades de pesquisa e o avanço tecnológico em todas as
instâncias que as desenvolvem. E a divulgação seria a ferramenta para transformar a pesquisa
em objeto de inovação, concedendo segurança ao pesquisador que detém os resultados.
No Brasil, não existe uma cultura ligada à propriedade intelectual. Assim, nem
sempre o patenteamento é o foco das empresas e laboratórios.
Um sistema de patentes articulado a outras ações de incentivo e uma cultura de
propriedade intelectual estimula o crescimento econômico. Por outro lado, as discussões
éticas não devem se afastar das decisões políticas. Em 2010, os negócios biotecnológicos
movimentaram US$84,6 bilhões de dólares (ERNST & YOUNG, 2011, p. 37), o que, sem
dúvida, pressiona países a adotarem políticas liberais quanto a pesquisas e experimentações
biotecnológicas.
A dogmática considera não ser patenteável, por exemplo, a sequência de DNA
isolado em nosso país, o que subsidia uma discussão acerca da viabilidade econômica da
pesquisa que atinge esse resultado. Atualmente, com intuito de reverter tal situação, está em
debate um Projeto de Lei que modifica o inciso III do dito artigo 18 da Lei de Propriedade
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Industrial, o que pode conduzir a um avanço tecnológico na área, afinal conferindo
visibilidade às pesquisas, inevitavelmente atraem-se investimentos que tornariam o país
competitivo em questões concernentes ao avanço tecnocientífico.
Este entendimento é corroborado por Diniz:
O ser vivo, o corpo humano, o genoma, o material genético humano e os processos
biológicos naturais não são invenções (art. 10, I e IX, da Lei n. 9.279/96); logo, a
concessão de patentes sobre eles seria inaceitável juridicamente. O corpo humano, as
seqüências de material genético humano, de função ou de ADN não são
patenteáveis, por não haver atividade inventiva no ato de isolar ou de seqüenciar um
gene. [...] Os organismos vivos não são invenções humana, mas produtos da
natureza, e a biotecnologia somente copia e efetua a recombinação das “peças”
soltas desse instrumento que é a vida. (2001, p. 444-445)
Sob a égide de um sistema capitalista, em que países com tecnologia de ponta em
pesquisas avançam economicamente, uma análise econômica da legislação se faz necessária.
A divisão de opiniões no que se refere ao patenteamento da vida, ou seja, as duas
correntes que se formam, a saber: contra ou a favor, acabam por afastar da discussão
o crítico desequilíbrio entre a expectativa de ganhos financeiros para os países
industrializados e para as grandes corporações transnacionais, de um lado, e o
empobrecimento crescente dos países de Terceiro Mundo e a própria sobrevivência
física de suas populações, do outro. (IACOMINI, 2007, p. 25)
É, no mínimo, duvidoso que o legislador seja o ente capaz de realizar as escolhas do
que seja ético, moral e seguro para todos em matéria de Biotecnologia. A Bioética
deve buscar a instauração de um diálogo baseado em argumentos racionais, que
vinculem a todos os segmentos interessados não apenas nos círculos de comissões
bioéticas e da comunidade científica, mas também de todas as instâncias sociais por
ela representadas. (IACOMINI, 2007, p. 27)
Sobreleva-se em importância o princípio da participação, que deve nortear as ações
relativas ao meio ambiente.
3.1. Genômica
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No interior da discussão das patentes biotecnológicas é importante ainda salientar a
particularidade da Genômica, ciência das tecnologias genéticas.
Muito se evoluiu da teoria celular à genética clássica. Mendel (1822-1884) bem
representa essa passagem à genética científica, descrevendo que as características do
indivíduo são-lhe transmitidas hereditariamente, com fatores do pai e da mãe, combinados
pelas células sexuais (GUÉRIN-MARCHAND, 1999, p. 20).
A descoberta dos cromossomos por Wilhem Waldeyer, em 1888, e a descrição do
funcionamento e estrutura do DNA, em 1953, por James D. Watson e Francis H. C. Crick
foram eventos determinantes no desenvolvimento da genética.
Atualmente, os projetos genoma, de variados organismos vivos, ainda demonstram a
insuficiência do conhecimento humano nesta área, expondo arestas e exigindo a revisão de
conceitos.
Didaticamente, pode-se dividir tais projetos em três fases, buscando compreender o
patrimônio genético de um organismo: a) mapeamento; b) sequenciamento e c) descrição de
seu genoma.
Realizar
o
mapeamento
genético
significa
representar
graficamente
o
posicionamento dos genes no genoma. Este processo de mapeamento implica em fragmentar o
DNA ou RNA do organismo, catalogar as de bases que o compõem e reconstituir sua
sequência original.
Após a determinação da posição e do espaçamento dos genes, tem início o
sequenciamento, isto é, desfaz-se a estrutura de DNA ou RNA, colocando as bases químicas
em sequência para que possa ser lida a informação contida.
Por fim, decifram-se e interpretam-se as informações obtidas, relacionando-as ao
fenótipo, definido como as características visíveis e não visíveis do organismo. Esta última
fase ainda causa perplexidade em virtude da dificuldade de compreensão mais global do
funcionamento genético de um organismo.
É importante compreender as funções desempenhadas pelos vários segmentos
genéticos não só para evolução do próprio conhecimento científico, mas também porque
apenas com a clara descrição destas funções será possível discutir a patenteabilidade dessa
amostra, tendo por parâmetro os requisitos às patentes.
Sabe-se que boa parte do financiamento da genômica deve-se, hoje, à expectativa de
novas patentes, que garantiria a exploração comercial dos resultados de pesquisas.
220
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
4. EUROPA E ESTADOS UNIDOS
O patenteamento de fragmentos de DNA (Expressed Sequence Tag - EST) foi objeto
de controvérsias desde o início do Projeto Genoma Humano, quando, em 1991, Craig Venter
requereu a patente de mais de três centenas de sequências de genes. Iáñez Pareja (2007) relata
que a primeira patente de EST foi concedida em 6 de outubro de 1998, pelo United States
Patent and Trademark Office (USPTO), à Incyte Pharmaceuticals.
Já nas patentes biotecnológicas, envolvendo material genético, destaca-se, nos
Estados Unidos, o julgamento Diamond v. Chakrabarty (447 US 303 (1980)).
O geneticista Ananda Mohan Chakrabarty, trabalhando pela General Electric,
modificou geneticamente a bactéria Pseudomonas genus, para decompor os componentes do
petróleo, o que é bastante útil em acidentes com derramamento do mesmo.
O USPTO negou a patente requerida sob o argumento de que organismos vivos não
são patenteáveis.
Sidney A. Diamond, comissário do USPTO, em 17 de maço de 1980, apelou à
Suprema Corte.
A questão controvertida residia em saber se microrganismos modificados pelo
homem poderiam ser objeto de patente.
A decisão da Suprema Corte, de 16 de junho de 1980, entendeu que a vida
manipulada de um microrganismo é patenteável. Trata-se de uma manufatura de ocorrência
não-natural, produto da engenhosidade humana.
A votação apertada, de 5 a 4, é o leading case em patentes de organismos vivos nos
Estados Unidos.
Em 1998 e 1999, a USPTO emitiu diretrizes sobre a patente de EST, fixando que é
necessária a comprovação da utilidade industrial, com a descrição da função do fragmento de
DNA, e essa utilidade deve ser expressiva e substancial.
Na Europa, há quem levante uma aparente contradição entre a Diretiva européia
98/44 e Convenção Européia de Bioética, que estabelece que “o corpo humano e suas partes
não deverão ser objeto de lucro” (artigo 21). Iáñez Pareja (2007) posiciona-se contra a
existência de tal contradição, argumentando que a Diretiva não aceita a patente sobre as
estruturas humanas em seu estado natural, mas aceita sobre os componentes isolados do ser
humano, como seu material genético.
221
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
O artigo 5º da Diretiva 98/44/CE expressamente permite o patenteamento de uma
sequência total ou parcial de um gene isolado. Assim, desde que isolado e com função
definida de tal forma que haja utilidade industrial, é o material considerado novo e a patente é
permitida.
Carlos María Romeo Casabona levanta dúvidas acerca dessa novidade:
Sin embargo la crítica que se hace es que en realidad lo que interesa de un gen, o de
la secuencia parcial de un gen no es el continente, su propia estructura en cuanto tal,
sino su contenido: la información y esta información, aunque se aísle en el
laboratorio o se pueda reproducir por un procedimiento técnico, no es nueva, es una
información que ya existía en el gen, o en la secuencia parcial de un gen que ya
existía en la naturaleza. (ROMEO CASABONA, 2000).
Impasse semelhante ocorre com o patenteamento de animais e vegetais, que mantém
o embate e demonstra a instabilidade de posições tomadas pelo Escritório Europeu de
Patentes.
As duas primeiras resoluções produzidas na Câmara de Recursos do Escritório
Europeu de Patentes permitiram o patenteamento de vegetais, sob o argumento de que a
antiga Convenção Européia de Patentes, de 1963 e vigente à época, proibia a patente de uma
variedade ou espécie de planta, ou seu material de propagação, mas não de “plantas em
geral”.
De forma similar ocorreu com animais, quando se obteve a patente na Europa do rato
de Harvard ou oncorrato (oncomouse). Assim como os vegetais, decidiu-se não ser possível a
patente de uma raça animal, mas o seria na forma de um animal específico, modificado
geneticamente.
Em meados da década de 1990, a posição da Câmara de Recursos foi modificada
(Resolução T 0356/93, publicada em BO OEP 1995, 545). É o que nos explica Christian
Gugerell:
Nesse caso, as plantas e sementes estavam caracterizadas por um traço
geneticamente determinado, a saber, a resistência a um determinado herbicida
conferida pela presença, obtida através da engenharia genética, de um gene
bacteriano no genoma de plantas e sementes. Essa característica foi transferida de
maneira estável às plantas e sementes em gerações posteriores. Além disso, os
exemplos da patente objeto de litígio pressupunham a produção de vegetais
transgênicos a partir de variedades conhecidas. Em outras palavras, a introdução de
222
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
uma característica distintiva hereditária nas variedades. A Câmara sustentou não
poder permitir-se aprovar uma reivindicação se a concessão de uma patente em
relação à invenção definida na reivindicação contradissesse a disposição da
convenção [Convenção Européia de Patentes, de 7 de outubro de 1977] que
estabelece uma exceção à patenteabilidade. Portanto, não era admissível uma
reivindicação que abrangesse variedades vegetais, ainda que não se referisse a
nenhuma variedade concreta.
Conseqüentemente, hoje o escritório não concede nenhuma patente às reivindicações
de plantas e animais transgênicos enquanto tais e esse critério só será modificado
quando houver uma nova jurisprudência da Câmara de Recursos. (2002, p. 268-269)
Estados europeus, tradicionalmente mais cautelosos nos temas bioéticos que os
Estados Unidos, incluíram proibições de ordem moral nas legislações sobre patentes.
A similar approach is observed in the practice of German, French, and Dutch patent
offices. In these countries, traditional practice acted against two classes of patent
applications: those in which the patent specification itself could be seen to be plainly
indecent, and those in which the exercise of the instructions in the specification
would be likely to breach the peace or induce immoral or criminal activity.
(WITEK, 2005, p. 106)
5. OMC, TRIPS e PATENTES
A importância da temática da regulação jurídica das patentes no âmbito internacional
fica clara quando se avalia a história da Organização Mundial do Comércio – OMC.
A OMC é um organismo novo, oficialmente criado em 1995, para regular e mediar
relações comerciais entre os Estados membros. Sua criação foi resultado da Rodada Uruguai,
finalizada em 1994, a qual também estabeleceu o marco regulatório para a propriedade
intelectual e a comercialização de invenções e modelos de utilidade, a TRIPS – Agreement on
Trade-Related Aspects of Intelectual Property Rights.
A TRIPS estabeleceu normas de proteção intelectual no âmbito dos Estados membros
da OMC e criou um mecanismo de solução de controvérsias (art. 64). Possibilitou, ainda, a
extensão a toda criação tecnológica, vendando qualquer tratamento discriminatório a produtos
223
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
importados (art. 27.1) e prescrevendo um período mínimo de vinte anos de proteção
patentária, a contar da data de depósito (art. 33).
A elaboração da TRIPS foi fruto de um acirrado debate, já que países em
desenvolvimento, como Brasil e Coreia do Sul, tinham muitas restrições à proposta de
proteção à propriedade intelectual. Pressões de Estados Unidos, Japão e Estados europeus
permitiram a aprovação do Acordo. Por outro lado, a adesão ao documento garantiria o acesso
ao mercado internacional.
Nos anos 1980, iniciou-se um movimento pela mudança de fórum do regime da
propriedade intelectual. Diante de impasses obtidos no seio da OMPI [Organização
Mundial da Propriedade Intelectual] durante discussões visando ao encrudecimento
do regime, assim como da ausência de um mecanismo capaz de efetivamente obrigar
o respeito aos direitos de propriedade intelectual, os Estados Unidos, seguidos dos
países europeus e do Japão, passaram a imputar sanções bilaterais no comércio com
países considerados infratores. Atendendo ao forte lobby das indústrias química,
farmacêutica e de informática, esses países mobilizaram-se em prol da inclusão do
tema de propriedade intelectual na agenda da Rodada Uruguai (1986-1994) de
discussão do Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas (GATT). Utilizando como
moeda de troca concessões tarifárias nos setores têxtil e agrícola, de particular
interesse dos países em desenvolvimento, o grupo de países desenvolvidos colocou
em marcha a negociação de um novo tratado multilateral em matéria de propriedade
intelectual, logrando impor regras mais rígidas consoante ao padrão que já vigorava
em suas leis internas. (MEINERS, 2008, p. 1469)
A filiação à OMC implica na aceitação dos acordos que a fundamentam, sendo que a
maior parte deles é fruto da Rodada Uruguai, incluindo a TRIPS. Há, pois, uma forte ligação
entre a regulação da propriedade intelectual e a regulação do próprio comércio internacional.
6. CONCLUSÃO
Em uma análise puramente jurídica, poder-se-ia afirmar que não há atividade
inventiva no mapeamento, sequenciamento e descrição do genoma de qualquer organismo
vivo, o que vedaria, portanto, seu patenteamento. A mesma vedação não abrange, a nosso ver,
as técnicas de mapeamento e sequenciamento do genoma.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
É bom entender que patentear não implica em apropriação, mas em um direito de
excluir que outros explorem comercialmente a aplicação de determinada invenção. A patente
divulga o conhecimento, tornando-o público. Assim, várias novas técnicas podem ser
desenvolvidas a partir dessa divulgação.
A idéia de que substâncias naturais não podem ser patenteadas é, no mínimo,
simplista e, sem dúvida, longe da realidade. Há substâncias que, embora existentes na
natureza, não se encontram isoladas, mas em um conjunto complexo de moléculas ou
matérias.
La clave está en que la patente se concede no al producto en su estado natural (en el
que suele estar mezclado con cientos o miles de otras sustancias), sino al producto
aislado y purificado, en tanto para ello hay que aplicar actividad inventiva. Este é el
caso de muchos medicamentos, empezando por la centenaria aspirina (1910), la
adrenalina (1911) y siguiendo con los antibióticos (desde años 40-50) y muchos más
(prostaglandinas, digitalina, etc)”. (IÁÑEZ PAREJA, 2000)
Dessa forma, argumentam alguns, o isolamento da substância é considerado
atividade inventiva e sua novidade diz respeito à inexistência da mesma naquele estado que
permite sua utilização.
O simples sequenciamento do material genético, por si só, não caracteriza atividade
inventiva, pois apenas expõe um conhecimento, sem efetiva alteração da matéria natural
preexistente. Ao contrário, se o material genético codifica nova proteína, presentes estarão os
elementos essenciais à caracterização da invenção.
Entretanto, no Brasil já existem vários pedidos de patentes de DNA isolados, embora
a resistência em patenteá-los seja latente. Isso porque a interpretação que se dá à TRIPS e ao
ordenamento pátrio apresentam discordâncias.
O objetivo do TRIPS é estabelecer normas de proteção intelectual no âmbito da
OMC e minimizar a disparidade entre seus membros, podendo os países a recepcionar o
acordo da maneira que melhor os aprouver. Ocorre que, não se sabe ao certo, se o
patenteamento de sequências de DNA isolados estão abrangidas na parte comum aplicada aos
membros da OMC, ficando a questão a mercê da oportunidade e conveniência considerada
pelo legislador pátrio.
A questão ambiental deve ser suscitada ao enfrentar o tema em razão da proteção ao
patrimônio genético e da repartição de benefícios das pesquisas.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
O acesso ao patrimônio genético foi conceituado pela Orientação Técnica n° 1, do
Conselho de Gestão do Patrimônio Genético brasileiro, como “a atividade realizada sobre o
patrimônio genético com o objetivo de isolar, identificar ou utilizar informação de origem
genética ou moléculas e substâncias provenientes do metabolismo dos seres vivos e de
extratos obtidos destes organismos, para fins de pesquisa científica, desenvolvimento
tecnológico ou bioprospecção, visando a sua aplicação industrial ou de outra natureza”.
Este patrimônio, de interesse também das futuras gerações, deve receber a atenção
não apenas de entidades de cunho econômico, como a OMC, mas de preocupações mais
amplas, capazes de abarcar a questão da repartição de benefícios com o Estado do qual se
extraiu o recurso natural.
A concessão da patente limita a repartição de benefícios com base no fato de que a
invenção, nova como é, não está vinculada ao ser vivo primitivo ou a seu habitat. Diz-se que a
relativa exclusividade advinda da patente é fruto de uma atividade inventiva que produziu o
novo. Logo, somente o inventor tem direito a reivindicar a participação no registro
patenteário.
O assunto, porém, não é tão simples, até mesmo porque o mero isolamento genético
está um pouco distante de uma invenção no sentido estrito. E, ainda que haja mesmo
modificações no sequenciamento genético, um organismo vivo natural foi utilizado como
“matéria-prima”.
Certo é que o tema está longe de ser estritamente jurídico. Com a confluência de
forças econômicas, o problema das patentes biotecnológicas, em qualquer lugar do mundo, é
hoje uma questão de política internacional e não apenas uma questão jurídica.
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228
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
PATENTE E CONTRATOS DE COOPERAÇÃO TECNOLÓGICA1
PATENT AND TECHNOLOGY COOPERATION CONTRACTS
Marcos Vinicio Chein Feres2
Ludmila Esteves Oliveira3
Resumo
Este trabalho se propõe, à luz da relação entre integridade no Direito e identidade na teoria
moral, a analisar como a patente pode mitigar o conflito entre o interesse de exploração
econômica do agente privado, os direitos do inventor e o papel das Instituições Científicas e
Tecnológicas, dentro dos contratos de cooperação tecnológica (CCT), aperfeiçoando o
sistema da inovação. A compreensão da patente como um instrumento jurídico apto a
aperfeiçoar a relação entre os três agentes dentro do CCT e do sistema de inovação e a
promover uma reconstrução crítica da patente e do contrato de cooperação tecnológica em si
com base nos ideais de integridade e identidade é o que se almeja ao longo da análise de
conteúdo desenvolvida. Com uma matriz argumentativa fundamentada no método da
interpretação construtiva, por meio dos princípios de equidade, justiça e devido processo legal
adjetivo, basilares do direito como integridade, devidamente complementados pela identidade
tayloriana, almeja-se, através da patente, atenuar a tensão entre os três agentes dentro do
contrato de cooperação tecnológica, tornando-o um instrumento para melhor articulação do
sistema de inovação e consecução dos desígnios da comunidade personificada.
Palavras-Chave
Patentes; contratos de cooperação tecnológica; inovação; direito como integridade; direito
como identidade.
Abstract
This paper intends to analyse how the patent can conciliate the colliding interests of economic
exploration of the private agent, the inventor rights and the role of the Technology and
Scientific Institutions inside the technology cooperation contracts in order to improve the
innovation system. This research aims to understand the patent as a legal tool capable of
improving the disturbed relationship among the three agents inside the technology
cooperation contract, taking into account a critical reconstruction of both patent and
cooperation technology contracts based on integrity and identity ideals. In order to promote
such interpretive reconstruction, the application of the theory of law as integrity,
complemented by Taylor’s social theory of identity, is highly necessary. As a result, the
tension between the three agents should be mitigated inside the cooperation technology
1
Esse trabalho tem apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG)
e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
2
Doutor e Mestre em Direito Econômico pela UFMG, Professor Associado da Faculdade de Direito da UFJF,
Bolsista de Produtividade PQ 2 do CNPq. 3
Bolsista de Iniciação Científica – PROBIC/FAPEMIG.
229
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
contracts, which reveals itself as a means to articulate a better innovation system and also to
achieve what the community itself aims.
Key Words
Patent law; technology cooperation contracts; innovation; law as integrity; law as identity.
1. Introdução
A inovação, exercício de acréscimo de conhecimento novo a dado produto, tornandoo mais competitivo no mercado, tem sido cada vez mais considerada como um verdadeiro
fenômeno, “sistêmico e interativo” (CASSIOLATO; LASTRES, 2005, p. 37). Com a
compreensão da inovação como sistema inovador, instrumentos de estímulo à produção de
inovação, como as patentes e o contrato de cooperação tecnológica (CCT), tornam-se cada
vez mais complexos, sendo demandado deles não só sua função precípua, mas também a
conciliação dos interesses dos agentes inseridos no sistema de inovação.
Neste contexto, busca-se responder como a patente pode atenuar o conflito de
interesses dos entes, quais sejam, o interesse de exploração econômica do agente privado, os
direitos do inventor e o papel das Instituições Científicas e Tecnológicas (ICT), dentro do
contrato de cooperação tecnológica. O objetivo inicial é o de entender a patente como um
instrumento apto a otimizar o contrato de cooperação tecnológica, aperfeiçoando a relação
entre os três agentes dentro do sistema de inovação. Para tal, objetiva-se também reconstruir
criticamente os institutos do contrato de cooperação tecnológica e da patente com base nos
ideais de integridade e identidade.
O referencial teórico utilizado consiste no direito como identidade, uma fusão entre o
direito como integridade, de Ronald Dworkin (2007), aliado a proposta de construção moral
da identidade do self, de Charles Taylor (2011). Esse ponto de partida teórico busca uma
reconstrução crítica do sentido e significado de uma estrutura jurídica e político institucional
que figura como pano de fundo para o exercício de relações econômicas, sociais, culturais,
afetivas e cívicas.
Dworkin (2007) define o Direito como uma práxis argumentativa, expressa na
comunidade personificada, como rede de interlocução. Para se adequar aos desígnios e
valores da referida comunidade, o direito deve ser íntegro tanto na criação como na aplicação
das leis. Assim, os princípios que devem pautar uma comunidade fraterna, qual sejam, a
equidade, a justiça e o devido processo legal adjetivo compõem a integridade, como fonte de
Direito. Cabe ressaltar que, para a concretização desses princípios, exige-se um elevado nível
de comprometimento moral, demandando, portanto, para sua consubstanciação, um
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
referencial moral institucional. Assim, para conceber o referencial teórico, a integridade
dworkiniana deve ser complementada por conceitos taylorianos. Pautando-se, principalmente,
nas noções de respeito atitudinal e avaliações fortes, a identidade tayloriana é compreendida
através dos selves, seu agir voltado para o bem, e sua interação nas redes de interlocução. Em
sua trajetória para definir a identidade moderna, Taylor busca traçar a construção moral da
identidade no ocidente, lançando mão de uma forte crítica aos naturalistas e utilitaristas.
Assim, torna-se evidente a necessidade de se utilizar o direito como integridade e
identidade, pois, somente com base nessa definição, é possível se constituir o sistema
analítico de conceitos a partir do qual se discutirá o importante papel da patente na relação
conflituosa entre o agente privado e seu interesse de exploração econômica, os direitos do
inventor e o papel das ICT. Além disso, é sob tal ótica que serão reconstruídos criticamente o
instituto da patente e do contrato de cooperação tecnológica em que tais agentes se inserem.
Metodologicamente, opta-se por uma pesquisa qualitativa baseada em traços de
significação (unobstrusive research), segundo Babbie (2000). Para tanto, é utilizado o método
de análise de conteúdo e, a partir dos objetivos inicialmente traçados, procura-se constituir um
sistema analítico de conceitos os quais servem de moldura para analisar, com precisão, textos
teóricos, o ordenamento jurídico brasileiro, a patente em si e o instituto dos contratos de
cooperação tecnológica. É nesse sentido que se procura discutir como a patente pode mitigar o
conflito de interesses dos agentes inseridos no CCT.
A tensão entre o interesse de exploração econômica do agente privado, o direito
fundamental do inventor de ser reconhecido como titular da patente e o papel das Instituições
Científicas e Tecnológicas, muitas vezes, impede que o CCT atinja todos esses interesses e
objetivos. Nesse sentido, para melhor articulação do sistema de inovação em que esses
agentes estão inseridos e a concretização dos propósitos supracitados, faz-se necessário
reconstruir criticamente a patente e os contratos de cooperação tecnológica com vistas ao
direito como integridade voltado para uma moral substantiva. Somente por esse prisma poderse-á atenuar a tensão na relação em destaque, tensão essa que impede um desempenho
inovador ótimo, visto que a inovação é diretamente dependente da cooperação entre os
agentes envolvidos, podendo ser mais bem desenvolvida com uma divisão patentária expressa
e que tutele os interesses em conflito.
Esse trabalho comprova sua relevância pela importância do assunto abordado para o
desenvolvimento inovador no Brasil e também por se utilizar de uma ótica que congrega
elementos zetéticos a uma questão dogmática, tendo em vista o emprego de uma teoria moral
substancial como base para a análise da patente e dos CCT.
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Na busca de se fundamentar a importância da patente para a mitigação do conflito de
interesses exposto e reconstruir criticamente a própria patente e o contrato de cooperação
tecnológica propõe-se o seguinte percurso: primeiramente, será procedido o delineamento do
referencial teórico e da metodologia utilizada, que servirão de norte a todas as análises feitas;
em segundo lugar, partindo do sistema de inovação como um todo, serão empreendidos
esforços em torno da compreensão do instituto do contrato de cooperação tecnológica,
observando suas finalidades, os agentes inovadores inseridos no mesmo e seus interesses; e
por fim, tratar-se-á da patente, compreendendo seu fundamento e suas finalidades, para
analisar a relação entre a patente e os CCT, otimizando o sistema de inovação e preenchendo
os objetivos da comunidade personificada.
2. O direito como integridade e identidade: uma abordagem metodológica
A metodologia aplicada neste trabalho consiste em uma pesquisa qualitativa baseada
em traços de significação (unobstrusive research), conforme Babbie (2000). Tais traços são
extraídos da ideia de direito como identidade, resultado da teoria do direito como integridade
de Dworkin aliada à teoria tayloriana da formação da identidade do self. Realiza-se, portanto,
uma pesquisa de análise de conteúdo, a qual se estrutura por meio da técnica de
documentação indireta, ou seja, o objeto de pesquisa consiste em dados indiretos, extraídos a
partir de artigos científicos analisados e da legislação vigente.
A partir da interação necessária entre direito como integridade e uma teoria moral
substantiva, constitui-se um sistema analítico de conceitos basilar para a análise do
ordenamento jurídico brasileiro e de textos teóricos relacionados à propriedade intelectual e à
inovação, obtendo-se, assim, conceitos passíveis de serem aplicados a uma interpretação
construtiva e reflexiva da patente e do contrato de cooperação tecnológica.
O primeiro passo antes de se proceder à análise do sistema de inovação, do CCT e
seus agentes, e da patente como mecanismo articulador deve ser o de conceituar a teoria do
direito como identidade. O marco teórico desse trabalho, qual seja, o direito como identidade,
parte do direito como integridade, ideal desenvolvido por Ronald Dworkin (2007),
complementado pela noção de identidade tayloriana. Para que se compreenda então esse
referencial teórico que forma o sistema analítico de conceitos que respaldará todo o estudo,
partir-se-á do conteúdo teórico do direito como integridade.
Partindo da perspectiva do aplicador do direito, de uma análise interna, Dworkin
(2007) se baseia na ideia de construção do direito, concebendo o direito como integridade.
Para tal, alguns conceitos essenciais são apresentados, entre eles o conceito de interpretação.
232
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A interpretação é, por natureza, o relato de um propósito, ou seja, a proposta de uma forma de
ver aquilo que é interpretado (DWOKIN, 2007, p.71). Essa ideia é essencial para o
desenvolvimento do trabalho, porque o direito como integridade busca, argumentativamente,
a partir de uma interpretação construtiva, aplicar as normas do direito positivo às situações
fáticas, norteando-se não só por regras, mas também por princípios, almejando dar a melhor
solução aos problemas.
Assim, acaba por definir o direito como uma prática, uma atitude interpretativa
argumentativa, a qual se deve pautar pelos princípios definidos pela comunidade
personificada. Essa comunidade, ente moralmente autônomo, tem identidade própria diferente
dos sujeitos que a compõe, se consagrando antes do próprio indivíduo. É, portanto, um ente
formador de princípios e valores. Nesse sentido, deve, o Estado,4 refletir e respeitar tais
princípios.
Para atender seu objetivo de coerência de princípios, a integridade se faz necessária
na criação e na aplicação das leis. Imprescindível na criação, pois, tendo a integridade como
fonte de direito, criar um direito íntegro é criar um direito de acordo com os princípios que
emanam da comunidade personificada. A lógica da integridade como método de aplicação das
leis segue na mesma direção, uma vez que uma decisão íntegra é aquela pautada pelos
princípios que são derivados da comunidade personificada.
Entende-se que a concretização dos valores e princípios emanados da comunidade
personificada demanda uma postura ativa do Estado, tornando necessária a distinção entre
questões de política e questões de princípio. As questões de política, mesmo devendo guardar
consonância com os princípios jurídicos que lhe conferem fundamento, são questões que se
caracterizam por um tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado em algum
aspecto da sociedade, enquanto as questões de princípio são aquelas que seguem um padrão
que deve ser observado por exigência de alguma dimensão moral (DWORKIN, 2002). Nesse
sentido, os princípios demandam decisões a serem tomadas de acordo com a comunidade
personificada, que é o ente moral ao qual se deve referenciar, visto que é a partir da assunção
de seus valores que as decisão tomadas tornam-se mais justas e equânimes.
Ainda no que concerne à integridade, ela é uma fonte de direito que demanda três
requisitos para sua constituição, a saber, a equidade, a justiça e o devido processo legal
4
Para uma noção mais profunda do Estado nesse prisma, ver Feres e Mendes (2011). Por ora, tem-se o Estado
“como resultado da própria comunidade personificada que lhe confia a responsabilidade de gerir a construção
valorativa do justo de forma íntegra” (FERES; MENDES, 2011).
233
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
adjetivo5. A equidade envolve as escolhas políticas, enquanto a justiça trata das consequências
dessas escolhas e o devido processo legal adjetivo apresenta o viés procedimental por trás das
mesmas. Para a concretização desses princípios atinentes ao ideal de integridade,
principalmente a equidade e a justiça, é necessário um elevado nível de comprometimento
moral, visto que todos eles decorrem de um processo valorativo de escolhas realizadas dentro
de um contexto comunitário passível de ser universalizado. Demandam, portanto, um
referencial moral institucional, razão pela qual é essencial a utilização da teoria da identidade
do self de Charles Taylor (2011) a fim de que se atribua uma coerência às diversas escolhas
realizadas pelos agentes públicos no exercício das atividades administrativa, legislativa e
jurisdicional.
Assim, a devida complementação da teoria do direito como integridade de Dworkin
pelos conceitos taylorianos que trarão a referência moral requerida se faz necessária. Taylor,
em sua obra “As Fontes do Self”, busca traçar a construção moral da identidade moderna no
ocidente. Para tal, perfaz a trajetória dessa construção, descrevendo a verdadeira gênese da
identidade moderna. Na busca de afirmar sua teoria, Taylor critica a racionalidade
instrumental e a moral convencional, fazendo também forte crítica aos naturalistas e
utilitaristas. Quanto àqueles, a crítica se motiva pelos naturalistas negarem as configurações,
quais sejam, as distinções qualitativas que visam atribuir o sentido da vida; já quanto aos
utilitaristas, ela se deve ao fato de que, apesar de admitirem as configurações, os utilitaristas
vivem em um horizonte moral que não conseguem explicar ou definir.
As configurações influem diretamente na ideia de identidade tayloriana, pois esta se
define como horizonte dentro do qual os selves são capazes de tomar decisões, fazer
distinções qualitativas de valor, e se desenvolver de acordo com a natureza do bem que deve
orientar o agir do self. Dessa forma, a identidade tayloriana somente se faz entender por meio
dos selves, seu agir voltado para o bem e sua interação articulada dentro das redes de
interlocução em que se inserem, uma vez que, nas palavras de Taylor (2011), “descobrimos o
sentido da vida articulando-o”.
5
Dworkin (2007, p. 200) os define, respectivamente, como “os ideais de uma estrutura política imparcial, uma
justa distribuição de recursos e oportunidades e um processo equitativo de fazer vigorar as regras e os
regulamentos que os estabelecem”.
234
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Essa noção de identidade, que se volta para o bem a partir de distinções qualitativas
de valor, pauta-se, principalmente, nas ideias de respeito atitudinal e avaliações fortes6. Isso
porque estas exigem um grande comprometimento moral; enquanto esse respeito, que Taylor
(2011) chama de respeito ativo, definindo-se por pensar bem de alguém ou, até mesmo
admirá-lo, relaciona-se a um eixo do pensamento moral, qual seja, a concepção moderna de
importância da vida cotidiana, a qual se entrelaça à noção de dignidade – ou respeito
atitudinal.
A identidade é o que permite ao self realizar avaliações fortes sempre dentro de um
horizonte voltado para o bem. Tem-se a ideia, ainda, de que a individualidade está voltada
para a identidade assim como a moralidade está voltada para o bem. Extrai-se, por
conseguinte, que o self parte do bem e para o bem. Há que se observar, então, que, nesse
cenário, a vida é uma narrativa que se volta para o bem.
Segundo Taylor (2011, p. 47) "as nossas vidas também existem no espaço de
perguntas, o que só uma narrativa coerente pode responder. Para se ter uma noção de quem
somos, temos que ter uma noção de como nós nos tornamos ". Esta narrativa, que é concebida
na relação com os outros, em um processo dialógico, é condição essencial para a compreensão
da formação da identidade humana, visto que a identidade de um ser deriva de uma "teia de
interlocução", que cresce em profundidade apenas se houver espaço para a elaboração de uma
avaliação moral forte.
Partindo dessa construção, constata-se que a ideia de vida em narrativa desenvolvida
por Taylor é análoga à ideia do direito sendo construído como num romance em cadeia, como
define Dwokin (2007). A noção do romance em cadeia se deve ao fato de que o direito está
sempre sendo construído e reconstruído em diversos momentos. Cada intérprete, sem deixar
de lado a coerência, analisa o direito preexistente, acrescenta algo derivado de sua
interpretação e permite que ele siga adiante. Assim, o direito é uma narrativa voltada para a
integridade da mesma forma que a vida é uma narrativa voltada para o bem.
Há outro importante ponto de intercessão entre as duas teorias, o qual passa pelo
conceito de redes de interlocução. A rede de interlocução é o locus em que os selves se
inserem, onde há a interação entre eles. É o espaço moral que permite que se desenvolva a
articulação e, por isso, ao qual os selves devem se referenciar. Assim, tem-se a comunidade
personificada dworkiniana como rede de interlocução por excelência. O direito como
6
Taylor (2011, p. 10), acerca das avaliações fortes: “envolvem discriminações acerca do certo ou errado, melhor
ou pior, mais elevado ou menos elevado, que são validadas por nossos desejos, inclinações ou escolhas, mas
existem independentemente destes e oferecem padrões pelos quais podem ser julgados”. 235
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
identidade se insere como práxis interpretativa, expressa na comunidade personificada, como
rede de interlocução voltada para o bem, tanto como ente autônomo com suas próprias
articulações quanto como orientação para o bem de cada self que a compõe.
Destaca-se ainda a complementaridade das duas teorias, no sentido de que, ao passo
que Dworkin se centra no aplicador no Direito, Taylor indica a moralidade à qual esse
aplicador deve se voltar. A interpretação do direito, nesse sentido, deve estar direcionada para
o bem, obedecendo-se aos desígnios da comunidade personificada, podendo-se dizer que tais
desígnios são frutos de avaliações fortes e que essa comunidade é a rede de interlocução em
que o intérprete está inserido. Na verdade, é a partir das distinções qualitativas dos selves que
se determinam os princípios da comunidade personificada, os quais serão fontes de direito.
Como já ressalvado, a teoria de Dworkin, devidamente complementada pelos
conceitos taylorianos de respeito atitudinal, avaliações fortes e construção moral da
identidade, possibilita o desenvolvimento de um sistema analítico de conceitos, a partir do
qual será possível discutir a interação dos três entes no CCT, tendo como base a reconstrução
crítica do instituto da patente, sempre em busca de um desempenho inovador ótimo. Dessa
forma, esses três agentes, a saber, a ICT, o pesquisador e a empresa, dentro do sistema de
inovação e, mais especificamente, dentro do contrato de cooperação tecnológica, valendo-se
do mecanismo da patente, devem se pautar pelos ideais do direito como identidade de modo a
se respeitarem mutuamente, observando os desígnios da comunidade personificada, expressos
por meio dos valores por ela emanados.
O direito como identidade pode ser definido, em largos traços, como uma teoria
interpretativa, que busca argumentativamente aplicar as normas do direito positivo às
situações fáticas, norteando-se por regras e princípios, almejando dar a melhor solução aos
problemas. Essa necessária interação teórica entre integridade e identidade valida, portanto,
um diferencial teórico que serve de fundamento à prática construtiva e interpretativa do
direito, assim como, mais especificamente, a uma interpretação construtiva e reconstrução
crítica da patente e do instituto do contrato de cooperação tecnológica.
3. A Cooperação Tecnológica
Partindo do conceito de inovação como “fenômeno sistêmico e interativo”
(CASSIOLATO; LASTRES, 2005, p. 37), torna-se essencial analisá-la como sistema. O
sistema de inovação une um conjunto de instituições distintas com vistas ao conhecimento, ao
aprendizado e à interatividade, contribuindo e afetando diretamente a capacidade inovadora
de um determinado país, região ou setor. Assim, o desempenho de inovação depende da
236
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
interação entre empresas, instituições e outros atores inseridos nesse sistema, e não mais de
cada um desses agentes de forma isolada. Para a efetividade dessa interação, base geradora de
inovação, foram desenvolvidas várias ferramentas de cooperação visando a uma maior
aproximação entre os atores inovadores, especificamente as empresas e as ICT.
Uma dessas ferramentas é a transferência de tecnologia, compreendida, segundo Ato
Normativo do INPI (1997), como interação que se processa a partir de licenciamento de
direitos (exploração de patentes ou uso de marcas) ou de aquisição de conhecimentos
tecnológicos (fornecimento de tecnologia e prestação de serviços de assistência técnica e
científica). A cooperação tecnológica é uma das espécies de transferência de tecnologia,
figurando como ferramenta de integração dos agentes no sistema de inovação.
A essência do contrato de cooperação tecnológica é a contribuição conjunta dos
contratantes que, mesmo atuando em diferentes frentes, deverão empreender esforços para a
obtenção de um fim comum, qual seja, a inovação. Cabe destacar que, dentro do CCT,
inserem-se, em sua maioria, três agentes, notadamente, ICT, inventor com sua equipe e
empresa. Modelo jurídico contratual que, face a incipiente regulação, se torna o principal e
verdadeiro marco normativo que deve ser apto a conciliar os papéis e interesses distintos de
cada uma de suas partes, a saber, a empresa com seus interesses privados, a ICT e seu papel
público, e o pesquisador em busca de seus direitos de inventor. Em meio a esse conflito,
emerge uma parceria para a realização de atividades conjuntas de pesquisa científica e
tecnológica, que unirão os parceiros em torno de um interesse comum, a produção de
ambiente propício à criação de produtos e processos inovadores. O CCT assume, nesse
contexto, o importante papel de elemento normativo que guiará essa relação.
Cada um dos agentes inseridos nessa cooperação cumpre com uma prestação
diferente, assumindo, além de papéis distintos, diferentes riscos. Empresa, ICT e pesquisador
esperam retornos diferentes dessa cooperação, tendo, portanto, motivações diferentes para
cooperar. Para que se analise o CCT em si e suas peculiaridades, faz-se necessário conhecer
as motivações e as expectativas existentes em uma relação de pesquisa cooperativa, seja por
parte das empresas e das ICTs seja dos pesquisadores (SEGATTO-MENDES e ROCHA,
2005, p.175).
Conforme ressaltam Bonnacorsi e Piccaluga (1994, apud. SEGATTO-MENDES E
ROCHA, 2005, p. 175), alguns fatores que motivam a empresa a cooperar são: a carência de
recursos (humanos e financeiros) para desenvolver as próprias pesquisas; a licença para
explorar tecnologia estrangeira pode consistir numa despesa muito maior que contratar
pesquisa universitária; a existência de pesquisas anteriores por meio da cooperação
237
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
universidade-empresa que obtiveram resultados satisfatórios; a permissão ao acesso às
fronteiras científicas do conhecimento; o contato com o meio universitário permite estimular a
criatividade científica dos funcionários de P&D; a divisão do risco; o acesso aos recursos
universitários (laboratórios, bibliotecas, instrumentos etc.); a melhoria da imagem pública da
empresa por meio de relações com universidades e a redução do prazo necessário para o
desenvolvimento de tecnologia. Em relação às motivações das universidades para ingressar na
parceria, os autores destacam:
“a falta de fontes financiadoras de pesquisa; a carência de equipamento e/ou
materiais para laboratórios; o meio de realização da função social da universidade,
fornecendo tecnologia para gerar o bem-estar da sociedade; a possibilidade de
geração de renda adicional para o pesquisador universitário e para o centro de
pesquisa; o aumento do prestígio institucional; a difusão do conhecimento; o meio
para manter grupos de pesquisa; a permissão de que pesquisadores universitários
tenham contato com o ambiente industrial; o aumento do prestígio do pesquisador
individual e a expansão de suas perspectivas profissionais.” (BONNACORSI e
PICCALUGA, 1994, apud. SEGATTO-MENDES E ROCHA, 2005, p. 175).
Em relações às motivações para os pesquisadores, infere-se: a possibilidade de
geração de renda adicional para o pesquisador universitário e para o centro de pesquisa; o
meio para manter grupos de pesquisa; a permissão de que pesquisadores universitários tenham
contato com o ambiente industrial; o aumento do prestígio do pesquisador individual e a
expansão de suas perspectivas profissionais.
Analisando as motivações de cada agente, percebe-se como a patente relaciona-se a
grande parte delas, conciliando, de certa forma, interesses conflitantes. Vê-se que os CCT são
verdadeiros instrumentos de renovação da propriedade intelectual, meios de evolução desse
sistema, uma vez que se caracterizam como fonte de produção e circulação de inovação, de
modo a lidar com os limites dos mecanismos de proteção aos bens imateriais e a estagnação
dos processos de novas pesquisas.
4. A patente e a mitigação do conflito de interesses no CCT
A patente é uma concessão conferida pelo Estado ao particular para explorar com
exclusividade sua criação por um prazo determinado, a depender do tipo de patente e da
legislação em vigor naquele país. A Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/96) é que regula
tal mecanismo e o órgão responsável pela concessão de patentes no Brasil é o INPI. A referida
lei permite o patenteamento de invenções que atendam aos requisitos de novidade, atividade
inventiva e aplicação industrial7.
7
A Lei 9.279/96 dispõe: “Art. 8º É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade
inventiva e aplicação industrial”.
238
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Em contrapartida a esse privilégio temporário de exploração (uso da exclusiva), o
titular da patente tem a obrigação de explorar o seu objeto de forma efetiva, de maneira a
satisfazer as necessidades da sociedade. Caso os interesses da comunidade personificada não
estejam sendo considerados, cabe ao Estado intervir para garantir o uso regular e adequado
desse privilégio, seja através do licenciamento compulsório seja de outros mecanismos legais
que se façam necessários. A patente é, portanto, um direito imaterial e um mecanismo criado
com a finalidade de estimular a produção científico-tecnológica e de preservar os direitos dos
inventores.
Além da exclusividade temporária, também é inerente à patente a restrição à livre
concorrência. A patente é um instrumento utilizado pelo Estado “para restringir a
concorrência em relação ao uso e gozo do invento e permitir ao seu criador o controle
exclusivo e temporário sobre ele” (BARBOSA, 2002). A patente, como privilégio temporário,
de fato, restringe a concorrência por questões de princípio. O titular da patente também deve
ter seu direito de retorno dos investimentos assegurado tendo em conta o contexto
comunitário no qual ele se insere. Afinal, seu trabalho é fruto de investimentos não somente
financeiros mas também morais em estudos e pesquisas e empiricamente poderá contribuir
para o desenvolvimento da comunidade.
A partir de uma análise qualitativa do instituto da patente por meio de traços de
significação, construída a partir da teoria do direito como identidade, tem-se que as patentes
devem estar condicionadas a teoria do direito como integridade voltada para uma moral
substantiva. O uso e a limitação desse direito de propriedade intelectual devem considerar os
princípios morais e políticos da comunidade da qual fazem parte e alinhar-se a eles. O titular
da patente deve cumprir com seu dever de conduzir sua propriedade em consonância com os
princípios fundamentais referentes ao uso regular e adequado de sua propriedade imaterial.
Tendo em vista a interseção dos interesses conflitantes já abordados dentro do CCT,
tal parceria para a realização de atividades conjuntas de pesquisa científica e tecnológica une
os agentes envolvidos em torno de ao menos um interesse comum: a produção de ambiente
propício à criação de produtos e processos inovadores, sobre os quais se buscará a
exclusividade garantida pelo instrumento da patente.
Conforme prescrito no próprio Ato Normativo do INPI (1997)8, é importante que o
instrumento contratual contenha, especificamente, as estratégias de ação esperadas de cada
8
Ato Normativo INPI nº 135 / 1997: “3. Os contratos deverão indicar claramente seu objeto, a remuneração ou
os "royalties", os prazos de vigência e de execução do contrato, quando for o caso, e as demais cláusulas e
condições da contratação”. 239
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
contratante, na medida em que aquele deve funcionar como um elemento que organize a
complementaridade estrutural e funcional dos parceiros, permitindo-lhes obter, em
contrapartida à sua adequada contribuição, os frutos decorrentes da inovação produzida, quais
sejam, os rendimentos do produto patenteado, por exemplo. Dessa forma, somando-se a
previsão normativa aos interesses conflitantes, e gravitando todos eles ao redor da patente que
se almeja, faz-se mister nos CCT uma cláusula patentária expressa, em que a divisão dos
lucros da comercialização do produto a ser patenteado seja compatível com as atribuições de
cada agente no CCT e com o retorno esperado por cada um.
O fato de a patente ser a estrutura mais adequada de política industrial para a
proteção do conhecimento não significa que ela seja apenas uma questão política. Mais do que
isso, trata-se de uma questão de princípio.
Uma questão de adequação dos princípios
individuais a valores constitucionais, virtudes imanentes a uma comunidade, como interesse
social, desenvolvimento tecnológico e econômico, e a própria conciliação das divergências
dos agentes inovadores. Dessa maneira, os interesses conflitantes inseridos no CCT devem se
voltar à patente, produto de uma cooperação construtiva e reflexiva, adequando-se às virtudes
da integridade, equidade, justiça e devido processo legal adjetivo. Deve-se ter em mira sempre
um substrato teórico-moral que fundamente uma divisão patentária íntegra em relação ao
investimento de cada agente num contexto contratual que atenda às suas finalidades. Decerto,
a patente é um mecanismo que visa estimular a produção, a divulgação e a circulação do
conhecimento tecnológico novo. Além disso, objetiva assegurar o direito de retorno do
investimento feito, tenha sido esse investimento em forma de estrutura física (comum no caso
das ICT), investimento financeiro usualmente inerente ao agente privado e a atividade
inventiva e autoral desenvolvida pelo pesquisador.
A patente deve estar em conformidade com suas finalidades, tais como estímulo ao
desenvolvimento econômico, fomento à transferência de tecnologia e retorno do investimento
feito. O uso da exclusiva em desacordo com tais finalidades rompe com a interpretação
íntegra do direito. Da mesma forma, uma cooperação tecnológica conflituosa com uma
cláusula patentária aberta e em desconformidade com o investimento destinado gera
contradição no prática interpretativa do direito. Assim, a patente, interpretada a partir do
direito como identidade no contexto dos contratos de cooperação tecnológica, funciona como
catalisador dos princípios escolhidos pela comunidade personificada.
Por meio desse arcabouço moral institucional, o CCT passa a ser visto não como
mero instrumento regulatório para seus atores, mas como verdadeiro marco normativo, uma
vez que ele reflete o direito na sua melhor luz para esses entes que têm o dever moral de
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
observá-lo. Apenas dessa forma, o CCT será capaz de atender aos interesses dos seus agentes
e melhorar a relação entre eles dentro do sistema de inovação, permitindo que se alcance um
desempenho inovador ótimo a partir de um contrato íntegro articulado para o bem.
Encarando cada ente envolvido no CCT como um self autônomo inserido no sistema
inovador, necessita-se reforçar essa rede de interlocução articulada entre eles. A inserção da
cláusula patentária expressa e reinterpretada criticamente por meio do direito como identidade
no CCT torna este instituto capaz de gerar novos produtos e processos mais inovadores.
Como o bem está para o self, a integridade está para cada um desses entes, sendo, pois, a
patente e o CCT formas de se promover e formalizar a busca pelo bem como inovação, por
meio da integridade e identidade, o que acaba necessariamente por reforçar o sistema de
inovação e seus objetivos. Apenas através dessa interpretação do instituto da patente, que
concilia de forma íntegra os interesses de cada um dos agentes aos desígnios da comunidade
personificada, o CCT é capaz de fortalecer a interação dos agentes dentro do sistema de
inovação e promover o bem e a integridade.
Diante de todo o exposto, entende-se que a integridade voltada para uma moral social
substantiva impõe a previsão do direito de patente e a elaboração do CCT como um todo de
forma coerente e sistemática com os princípios escolhidos pelo legislador, a saber, a busca
pelo desenvolvimento científico e tecnológico.
5. Conclusão
O objetivo inicial desse trabalho consistiu em entender a patente como um
mecanismo apto a aperfeiçoar a relação entre empresa, ICT e inventor dentro do contrato de
cooperação tecnológica. A fim de se atingir tal objetivo, partiu-se do Direito como Identidade
e do ideal da Integridade como parâmetro valorativo, conforme interface entre as teorias de
Taylor (2011) e Dworkin (2006). A partir do sistema analítico de conceitos formado pela
fusão entre as duas teorias, buscou-se responder a indagação de como a patente poderia
conciliar o interesse de exploração econômica do agente privado, os direitos do inventor e o
papel das Instituições Científicas e Tecnológicas dentro do contrato de cooperação
tecnológica, auxiliando no desenvolvimento do sistema de inovação. Dessa forma, objetivouse também reconstruir criticamente o instituto da patente e do CCT com base nos ideais de
integridade e identidade.
A partir dos objetivos traçados e do método de análise qualitativa de conteúdo a
partir dos traços de significação definidos, vislumbrou-se a patente como um instrumento
jurídico complexo que, interpretada conforme os ideais de integridade e identidade, é capaz de
241
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conciliar os interesses de agentes diversos que figuram dentro do CCT. O referido
instrumento contratual deve também ser reinterpretado e, como marco normativo que rege a
cooperação, deverá ser desenvolvido de forma que seja conciliado com os desígnios da
comunidade personificada, percorrendo os interesses dos contratantes e o desenvolvimento
científico e tecnológico próprio do sistema de inovação. Assim, buscou-se, de forma nãoexaustiva, tratar de conceitos importantes para a solução do problema em questão, como
sistema de inovação, transferência de tecnologia, o CCT em si e em conjunto com seus
agentes e os interesses respectivos de cada um, para, assim, conceituar o instituto da patente.
A partir desse ponto, explorou-se a relação entre a patente, o contrato de cooperação
tecnológica e o sistema de inovação em si, partindo da ótica do direito como identidade aliado
a uma teoria moral substantiva. Dessa forma, visando à promoção de um contrato íntegro,
coerente e consoante com o ideal de identidade, perseguindo também os desígnios da referida
comunidade, reforçou-se a importância da cláusula patentária expressa e consonante com o
interesse e investimento de cada um dos contratantes.
Entendeu-se que, para o alcance de tais interesses, prima facie conflitantes, e para
melhor configuração e interação dentro do sistema inovador, é essencial a reconstrução e a
interpretação crítica tanto da patente quanto do CCT, à luz do direito como identidade.
Enfim, ainda há muito a se analisar em relação à patente, ao sistema de inovação, ao
CCT e aos interesses conflitantes de seus agentes. Percebeu-se que, apenas a partir dessa
reconstrução crítica e dessa identidade no direito, é que o CCT realmente cumprirá seus
objetivos. Ao se reconstruir e interpretar criticamente a patente e o CCT, é fundamental que
os interesses dos seus agentes sejam integralmente preservados e atingidos, buscando-se levar
a sério os direitos de cada um dos agentes envolvidos.
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
POLÊMICAS NA GESTÃO COLETIVA DOS DIREITOS AUTORAIS DA MÚSICA
NO BRASIL E A NECESSIDADE DE FISCALIZAÇÃO DO ECAD POR UM ÓRGÃO
ADMINISTRATIVO ESTATAL
CONTROVERSY IN COLLECTIVE MANAGEMENT OF COPYRIGHT THE MUSIC IN
BRAZIL AND THE NEED TO INSPECT THE ADMINISTRATIVE BOARD ECAD BY STATE
Sidney Soares Filho*
RESUMO
Os direitos autorais fazem parte da propriedade intelectual e são, atualmente,
regulamentados pela Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998, intitulada Lei do Direito Autoral
(LDA), a qual garante tanto a questão patrimonial e moral de uma criação literária, científica e
artística. A utilização pública de uma obra artística exige o pagamento da contraprestação
autoral, sob pena de infringir a legislação brasileira, devendo ser aplicadas ao inadimplente
diversas sanções legais. Para auxiliar os titulares de tais direitos na cobrança de sua
retribuição autoral, a LDA, no que diz respeito à música, manteve instituído o Escritório
Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), entidade sem fins lucrativos, para a
arrecadação e distribuição dos direitos relativos à execução pública das obras musicais e
lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por
qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais. Tal instituição é, atualmente,
administrada por nove associações de gestão coletiva dos direitos autorais da música.
Diversos escândalos têm sido levantados, desde 1995, contra essa entidade filantrópica,
culminando, inclusive, com a instauração de diversas Comissões Parlamentares de Inquéritos
(CPI’s). Portanto, por meio de consulta a livros, dissertações/teses, legislação, artigos e
revistas especializadas, matérias jornalísticas e consulta em sítios eletrônicos, o que constitui
material essencial para análise do tema ora abordado, o presente artigo busca identificar, entre
outros aspectos, as justificativas das principais CPI’s instauradas contra essa entidade e a
necessidade de fiscalização por um órgão estatal da gestão coletiva dos direitos autorais.
Palavras-chave: Gestão coletiva; Direitos autorais; Escritório Central de Arrecadação e
Distribuição (ECAD).
ABSTRACT
The copyrights are part of the copyright statute, currently, regulated by 9.610 Law, in
February 19th of 1998, entitled by the Copyright Law (LDA), which guarantees the
patrimonial matter, as the moral rights of the literary, scientific and artistic creation. The
public use of an artistic work demands the payment of the authorial consideration, duly
warned to infringe the Brazilian legislation, having to be applied to the defaulter many legal
*
Doutorando e Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor), especialista em
Direito Público com área de concentração em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar (UnP) e em
Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul); Professor da graduação e pós-graduação
da Universidade de Fortaleza (Unifor); do curso de pós-graduação da Faculdade Leão Sampaio e de alguns
cursos preparatórios para concurso público, tais como o EuVouPassar (www.euvoupassar.com.br) e o Master
Concursos. Analista Judiciário - Execução de Mandados (TJ/Ce)
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sanctions. To assist owners of such rights in the collection of their authorial repayment, the
LDA, in respect to music, it kept the Collection and Distribution Central Office (ECAD),
entity without lucrative ends, for the collection and distribution of the rights related to the
public execution of the musical composition and phonograms, by the broadcasting and
transmission of any modality, and by the exhibition of audiovisual work. Such institution is,
currently, managed by nine associations of collective management of the music copyrights.
Several scandals have been raised, since 1995, against this philanthropic entity, culminating
with the instauration of various Parliamentary Inquiry Commissions (CPI's). Therefore, by
research in books, written essays/ thesis, legislation, articles and specialized magazines,
journalistic substances and periodicals published in the databases available, what it constitutes
essential material for analysis of the board, subjected however to the present work to identify,
among others aspects, as well as the justifications of main restored CPI' s against this entity
and the need the need to inspect the administrative board ECAD by State.
Key-words: Music collective management; Copyrights; Collection and Distribution Central
Office (ECAD).
1. Introdução
Os direitos autorais abrangem a proteção dos autores sobre as suas criações literárias,
científicas e artísticas. Isso porque o Art. 5º, XXVII, da Constituição Federal de 1988, garante
aos artistas o direito exclusivo da utilização, publicação ou reprodução de suas obras; sendo,
portanto, tais direitos os responsáveis por garantir o usufruto dos criadores dessas
manifestações artísticas.
Na atualidade, os direitos autorais são regidos pela Lei 9.610, de 19 de fevereiro de
1998, intitulada Lei do Direito Autoral (LDA). Eles abrangem tanto a questão patrimonial,
como a moral de uma criação literária, científica ou artística, uma vez que pode o seu criador
cobrar pelo uso, em geral, de sua obra. E, caso seja a criação utilizada indevidamente, surge o
direito de se exigir reparação, representando, assim, a contraprestação patrimonial e moral,
respectivamente.
É bom salientar que os direitos autorais são espécies da propriedade intelectual. Este
termo abrange todas as obras advindas do intelecto humano, sendo gênero dos direitos
autorais e do direito industrial. Essas duas espécies se diferenciam, porque naquele se protege
as manifestações mais abstratas de ideias e sentimentos humanos, e neste percebe-se um
cunho prático de se transformar obra prima em tecnologia.
Ademais, enquanto os direitos autorais protegem o criador da obra, há também os
direitos conexos a eles, os quais tutelam os artistas, intérpretes e executantes ligados à criação
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literária, científica ou artística do autor. Por exemplo, o compositor é o autor da música, sendo
ele protegido pelos direitos autorais, entretanto o cantor e as pessoas responsáveis pelo arranjo
musical são também tutelados, porém, dessa vez, pelos chamados direitos conexos ao do
autor.
Especificamente em relação à música, tema central deste trabalho, quando ela é
divulgada publicamente, deve o responsável pagar a contraprestação autoral correspondente
ao número de vezes que a obra musical for tocada. Para existir a obrigação de pagar, não é
necessário que haja lucro direto com a execução dessa espécie de obra, bastando à música ser
tocada em ambiente destinado ao público, tendo o estabelecimento ou o responsável
benefícios financeiros, ainda que indireto.
Dessa forma, todos os usuários musicais são obrigados a pagar a contraprestação autoral
pela execução pública da música. Aliás, de acordo com o Art. 41 da Lei dos Direitos Autorais
(Lei 9.610/98), os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos, contados de 1° de
janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil.
No Brasil, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) é o responsável
pela gestão coletiva dos direitos autorais. Essa entidade é uma sociedade civil, pessoa jurídica
de direito privado, portanto, instituída pela Lei Federal nº 5.988/73, e mantida pela atual Lei
de Direitos Autorais brasileira – 9.610/98.
O ECAD foi criado, com fundamento legal no Art. 99 da Lei dos Direitos Autorais, para
a arrecadação e distribuição dos direitos relativos à execução pública das obras musicais e
lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e transmissão por
qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais, sendo, atualmente, administrado
por nove associações de gestão coletiva dos direitos autorais da música.
É o Escritório, por meio de sua Assembléia Geral, que determina o preço cobrado pela
utilização de músicas e estabelece as regras de cobrança da contraprestação autoral. Portanto,
arrecadado o numerário devido do usuário de música, é feita a distribuição aos titulares dos
direitos autorais e conexos, após o desconto de 17% (dezessete por cento) destinado ao
ECAD, e mais 7,5% (sete e meio por cento) para as associações, no intuito de suprir os custos
com a administração das despesas operacionais.
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A arrecadação do Escritório é elevada. Apenas para se ter uma noção do volume
monetário recebido, convém salientar que, enquanto à Confederação Brasileira de Futebol
arrecadou, em 2011, o montante de R$ 300,6 milhões, o ECAD teve uma arrecadação de
aproximadamente R$ 540,5 milhões.
Ocorre que muitos escândalos envolvendo o Escritório têm sido levantados, pois alguns
músicos dizem não receber a contraprestação autoral de suas criações ou que estão recebendo
bem menos do que deveriam. Por conta disso, Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI’s)
foram instauradas contra o ECAD, como a CPI de Brasília, conhecida como CPI do ECAD
instaurada em 1995; a de 2005, de autoria da Câmara dos Deputados; a da Assembléia
Legislativa de Mato Grosso do Sul, instaurada em 24 de março de 2005; e a de 2007 que
tramitou na Assembléia Legislativa de São Paulo e, em 2011, houve a CPI do Senado Federal
e, também, da Câmara dos Deputados.
O objetivo geral desse trabalho é, então, analisar como é feita a gestão coletiva dos
direitos autorais da música, no Brasil. Já os específicos são investigar os fundamentos das
principais CPI’s instauradas contra esse Escritório e a necessidade de fiscalização Estatal por
um órgão administrativo.
A metodologia de abordagem foi o método hipotético-dedutivo, tendo em vista que o
trabalho se desenvolverá a partir dos questionamentos acima levantados, analisando-os com
os fatos e dados descobertos. Para tanto, a técnica de pesquisa utilizada foi a bibliográfica,
com consulta a livros, dissertações/teses, legislação, artigos e revistas especializadas, matérias
jornalísticas e consulta em sítios eletrônicos, o que constitui numeroso material, essencial para
análise do tema ora abordado.
A pesquisa aqui realizada se faz importante, para o esclarecimento dos direitos autorais
e conexos, em especial, as formas e os critérios de cobrança e distribuição por parte do
ECAD. Ademais, o tema versado é da mais alta relevância, visto que há CPI’s instauradas
contra esta instituição, e está tramitando no Congresso Nacional um projeto de lei para a
modernização da Lei 9.610/98, a Lei dos Direitos Autorias.
2. A Atuação do ECAD na Gestão Coletiva dos Direitos Autorais da Música no
Brasil
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A gestão coletiva dos direitos autorais é o ato dos titulares de tais direitos, através de
uma pessoa jurídica, sem fins lucrativos, cobrarem a contraprestação pecuniária pela
utilização pública de suas obras. Isso porque, como foi visto no capítulo anterior, os criadores
de obras artísticas e intelectuais são os titulares dos direitos morais e patrimoniais, decorrentes
de sua criação, conforme o Art. 28 da Lei 9.610/98. Este direito (patrimonial) garante a
contraprestação pecuniária em relação à utilização pública de sua obra.
Com a música, uma das principais e mais valorizadas formas de expressão artística e
cultural, não poderia ser diferente: os criadores de musicalidades possuem direito a um aporte
financeiro pela reprodução pública de sua obra musical. Entretanto, tal direito se mostraria
ineficaz caso tão somente o titular do direito patrimonial pudesse cobrar pela utilização
pública de sua criação. Isso porque ele não teria como estar em todos os locais do mundo,
promovendo essa cobrança, nem tão pouco tomar conhecimento de todas as vezes em que
alguém utilize a sua criação de forma pública.
Muito embora o Art. 30 da Lei 9.610/98 preceitue que “no exercício do direito de
reprodução, o titular dos direitos autorais poderá colocar à disposição do público a obra, na
forma, local e pelo tempo que desejar, a título oneroso ou gratuito” (grifo nosso), no intuito
de tornar eficaz o direito patrimonial decorrentes da utilização das obras artísticas e culturais.
Jean-Marie Pontier (s/a, p.1), sobre o direito de reprodução autoral, dispõe o seguinte:
D’autre part, l’auteur dispose du droit de reproduction. Ce droit implique le droit de
déterminer les conditions de reproduction et le droit de contrôler les conditions de
circulation de la reproduction. A la différence du droit de représentation, il se
caractérise par l’idée de fixation matérielle de l’œuvre sur un support.
O Art. 97 do mesmo diploma legislativo prega da seguinte forma: “para o exercício e
defesa de seus direitos, podem os autores e os titulares de direitos conexos associar-se sem
intuito de lucro”. Percebe-se, portanto, que os titulares dos direitos autorais podem se associar
para exercer e defender tais direitos, bem como os conexos a estes. É isso o que se chama de
gestão coletiva dos direitos autorais: a possibilidade de uma associação, constituída por uma
pluralidade de pessoas, como sua própria natureza jurídica já ordena, cobrar a contraprestação
pecuniária pela fruição ou utilização pública da obra artística ou cultural. Vanisa Santiago
(2007, online) define, então, a gestão coletiva da seguinte forma:
A expressão ‘organização de gestão coletiva’ se aplica aos vários tipos de
coletividades de autores, de natureza diversa, reunidas para o exercício comum de
seus direitos. Elas aparecem sob a forma de sociedades de autores, de associações,
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de agências, de burôs e se estruturam como entidades privadas ou públicas, como
monopólios ‘de direito ou de fato’, ou superpostas, em poucos países.
Segundo, ainda, a mesma autora, há muitos modelos de gestão coletiva, podendo se
“[...] tratar de uma única expressão artística (ex: música) em uma determinada forma de
exploração (ex: só comunicação); de todos ou de vários aspectos da exploração de uma
mesma expressão artística; ou ser multidisciplinares (música, teatro, dança, cinema)”. Neste
caso, são chamadas sociedades gerais. Portanto, com a finalidade de haver uma maior
fiscalização e, consequentemente, uma real e efetiva arrecadação pela utilização pública das
criações artísticas, os criadores de obras culturais podem se reunir em associação de gestão
coletiva dos direitos autorais. José de Oliveira Ascensão (1999, p.620) comenta sobre o
assunto com as seguintes palavras:
[...] Em vastos setores o titular é forçado a recorrer a um ente de gestão coletiva,
porque não tem outro modo de gerir os seus direitos. Aí, temos a gestão coletiva
necessária; seja por razões de direito, seja por razões de fato. [...] Esse direito do
autor [...] é na prática um direito de representação obrigatória. O autor é a pessoa de
quem se fala; mas não é a pessoa que fala.
Assim, a associação de autores, concretizando a chamada gestão coletiva dos direitos
autorais traz inúmeros benefícios na efetivação de tais direitos, como a facilitação da
contraprestação financeira pela utilização ou fruição das obras artísticas ou culturais de forma
pública, bem como a maior possibilidade de licenciamento dos usos das obras e,
consequentemente, a regularização da divulgação destas. Outros benefícios que podem ser
citados são a distribuição dos valores recebidos, a representação judicial e extrajudicial dos
criadores pela entidade de gestão coletiva e – em tese – a transparência na prestação de
contas.
Além desses benefícios, pode-se citar também que a gestão coletiva colabora com o
acesso à cultura, sendo, portanto, uma forma de política cultural, a despeito desta expressão
ser de difícil definição. Sobre este assunto, Jean-Marie Pontier (s/a, p.1) dispõe da forma
abaixo transcrita: L’expression « politique culturelle » soulève de nombreuses difficultés. La première
de ces difficultés tient à l’objet même de cette politique, la « culture ». Mais, s’il est
relativement facile de se mettre d’accord sur une définition de ce que sont, par
exemple, l’enseignement, le sport, la défense, la justice, la santé publique, etc.,
autant la culture est source de divisions lorsqu’il s’agit de la définir. On a
l’impression qu’il n’y a pas d’accord sur ce qu’est la culture, chacun a sa définition
et, ce qui aggrave le problème, ces définitions ne coïncident pas entre elles.
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Faz-se necessário o comentário de que, muito embora existam vários benefícios para a
associação do autor na questão da arrecadação de seus direitos patrimoniais decorrentes das
obras por eles criadas, a liberdade de associação é um direito constitucionalmente assegurado,
no Art. 5º, XX, da Constituição Federal nos termos seguintes: “ninguém será compelido a
associar-se ou a permanecer associado”. Sendo assim, o autor não é obrigado a fazer parte de
qualquer entidade de gestão coletiva, podendo, pelos meios que dispuser, efetivar a cobrança
dos direitos autorais.
É importante salientar que, nos termos do Art. 97 (caput) essa associação de titulares de
direitos de autor e dos que lhe são conexos não deve ter intuito lucrativo pela cobrança dos
direitos autorais, como não poderia deixar de ser, já que o próprio Art. 53 do Código Civil
brasileiro define as associações como entidade sem fins econômicos nos seguintes termos:
“Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não
econômicos”.
Ademais, ordena o §1º do Art. 97 da Lei dos Direitos Autorais, a vedação para o titular
dos direitos autorais em pertencer a mais de uma associação para a gestão coletiva de direitos
da mesma natureza, podendo ele, de acordo com o §2º do mesmo dispositivo, em respeito ao
citado Art. 5º, XX, da Constituição Federal “transferir-se, a qualquer momento, para outra
associação, devendo comunicar o fato, por escrito, à associação de origem”.
Dessa forma, em regra, pode haver várias entidades de gestão coletiva, mas cada autor
deve estar filiado a apenas uma, que promova a cobrança dos direitos autorais da mesma
natureza. Pode, então, o artista filiar-se a uma associação de cobrança dessa contraprestação
pecuniária pela utilização pública da música e outro do teatro, mas não pode ele, caso exista,
associar-se a mais de uma entidade que cobre direitos autorais pela utilização daquela
manifestação artística, por exemplo.
Escolhida, então, qual entidade de gestão coletiva, pela natureza do gênero artístico
cultural, a associação do criador da obra a torna mandatária “[...] para a prática de todos os
atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para sua
cobrança”, nos termos do caput do Art. 98, da Lei 9.610/98.
Entretanto, ainda em respeito ao direito de liberdade de associação trazido no Art. 5º,
XX, da Constituição Federal, o parágrafo único deste dispositivo assegura que os titulares de
direitos autorais possam praticar atos de cobrança destes direitos, judicial ou
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extrajudicialmente, mas com a comunicação prévia à entidade de gestão coletiva a que esteja
filiado. No que diz respeito à execução pública das músicas e das obras lítero-musicais, o Art.
99 da mencionada Lei dos Direitos Autorais traz uma normatização específica, nos termos
abaixo transcritos:
Art. 99. As associações manterão um único escritório central para a arrecadação e
distribuição, em comum, dos direitos relativos à execução pública das obras
musicais e lítero-musicais e de fonogramas, inclusive por meio da radiodifusão e
transmissão por qualquer modalidade, e da exibição de obras audiovisuais.
§ 1º O escritório central organizado na forma prevista neste artigo não terá
finalidade de lucro e será dirigido e administrado pelas associações que o integrem.
§ 2º O escritório central e as associações a que se refere este Título atuarão em juízo
e fora dele em seus próprios nomes como substitutos processuais dos titulares a eles
vinculados.
§ 3º O recolhimento de quaisquer valores pelo escritório central somente se fará por
depósito bancário.
§ 4º O escritório central poderá manter fiscais, aos quais é vedado receber do
empresário numerário a qualquer título.
§ 5º A inobservância da norma do parágrafo anterior tornará o faltoso inabilitado à
função de fiscal, sem prejuízo das sanções civis e penais cabíveis.
Nota-se que este Art. 99 é o que fundamenta a existência do Escritório Central de
Arrecadação e Distribuição (ECAD) no Brasil, tema este a ser desenvolvido nos sub-tópicos
seguintes, ocasião em que tal dispositivo legal será mais adequadamente detalhado. É
importante, entretanto, que o leitor perceba o monopólio exercido pelo ECAD como órgão de
gestão pública dos direitos autorais. Esta entidade é, atualmente, constituída por nove
associações, não tem fim lucrativo, mas possui capacidade de auto-gestão e autoregulamentação, ou seja, pode ele cobrar o valor que achar justo pela utilização pública da
música, havendo ausência de previsão legal sobre qual a competência ou as atribuições do
Estado em relação a esse monopólio exercido pelo ECAD.
3. Polêmicas na Gestão Coletiva da Música: Principais Comissões Parlamentares de
Inquérito contra o ECAD
Por conta de atitudes abusivas, comportamentos suspeitos e outras condutas irregulares,
já existiu – e na atualidade existem – CPI’s instauradas contra o ECAD. Essas comissões têm
fundamento constitucional no Art. 58, §3º, o qual dispõe da seguinte forma:
Art. 58, § 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de
investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos
regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo
Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço
de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas
conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a
responsabilidade civil ou criminal dos infratores.
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Nota-se que elas são privativas do Poder Legislativo e servem para apurar fatos
determinados, com poderes de investigação próprios de autoridades judiciais. Sua criação
depende de proposição e aprovação por esse órgão, devendo suas conclusões serem enviadas
ao Ministério Público, para, se for o caso, promover ações no intuito de responsabilizar civil
e/ou criminalmente os infratores. Dessa forma, nos sub-tópicos a seguir, será discorrido
acerca das CPI’s de 2011 instauradas contra o ECAD. Uma criada pelo Senado Federal e
outra pela Assembléia Legislativa do Estado Rio de Janeiro.
Saliente-se, que existiram outras CPI’s em face do ECAD, como a de 2005, de autoria
da Câmara dos Deputados, por meio da aprovação do Requerimento de Instauração de CPI nº
53/2005 de autoria do Deputado Federal TAKAYAMA do PMDB/PR, a da Assembléia
Legislativa de Mato Grosso do Sul, instaurada em 24 de março de 2005, após denúncias de
irregularidades no sistema de arrecadação, distribuição e tabelas de taxas utilizadas pelo
órgão, relativas aos direitos autorais e a CPI de Brasília, conhecida como CPI do ECAD
instaurada em 1995. Por fim, houve outra CPI em 2007, a qual tramitou na Assembléia
Legislativa de São Paulo. Preferiu-se, todavia, abordar tão somente as duas mencionadas
acima, por serem mais recentes.
É bom ressaltar que, de acordo com o compositor Tim Rescala, “o Ecad [...] já foi alvo
de três CPIs, nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, além de Brasília, e, em todas
elas, foram comprovadas irregularidades, mas ninguém foi punido” (LAZARONI, online,
2012). Percebe-se, assim, que, muito embora tenha havido algumas CPI’s em face do
Escritório, ainda hoje, não se observou qualquer punição aos possíveis infratores.
3.1 Ano 2011 - CPI instaurada pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro
No dia sete de junho de 2001, foi instalada, por meio da Resolução nº 88 de 2011 da
Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, a CPI para investigar e apurar fraudes no
repasse de direitos autorais para os artistas no Escritório Central de Arrecadação e
Distribuição (ECAD). O prazo de duração da CPI é de 90 dias de funcionamento, podendo
este período ser prorrogado.
A referida Comissão tem como presidente o deputado ANDRÉ LAZARONI – PMDB,
autor do mencionado ato normativo e vice-presidente o deputado LUIZ MARTINS para a
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Vice-Presidência. A CPI (2011, online), em ata do dia 07 de junho de 2011, deixou
consignado que, preliminarmente, fariam, entre outros, os seguintes trabalhos:
[...] requerer ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro a cessão de quatro
técnicos em contabilidade; requerer à Chefia da Policia Civil a cessão do Inspetor de
Polícia Sérgio Barata; oficiar os meios de comunicação, TV’s e rádios, as redes de
Supermercados e dos Shoppings Center além de Clubes Recreativos, para
informarem os valores pagos ao ECAD e os critérios de cobrança impostos; enviar
ofício ao Exmo. Presidente do Senado da República, informando da instalação da
presente CPI e estabelecer mecanismos de cooperação entre ambas as Casas
Legislativas; enviar ofício ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e ao
Ministério Público Federal para informarem da existência de procedimento de
investigação civis ou criminais nos seus âmbitos; criar uma subcomissão de artistas,
composta por cinco membros entre eles o Senhor Rômulo Costa, para auxiliarem os
trabalhos desta Comissão; solicitar copia das atas do ECAD nos últimos dez anos;
oficiar as empresas de auditoria Directa e Martinelli, para remeterem a esta
Comissão cópia das auditorias realizadas no ECAD; requerer ao Presidente da
Assembléia do Estado do Rio de Janeiro a criação de um Disque-Denuncia ECAD e
um espaço livre no site da ALERJ para receberem sugestões, reclamações e
denúncias sobre o ECAD; [...]
O que mais se destaca dessa CPI é a criação de Disque-Denuncia ECAD e um espaço
livre no sítio eletrônico da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, para receber sugestões,
reclamações e denúncias sobre o ECAD.
Nos trabalhos, a Comissão requereu ao Poder Judiciário Estadual do Rio de Janeiro a
quebra do sigilo bancário e de correspondências eletrônicas da União Brasileira de
Compositores (UBC).
Essa decisão se deu em decorrência do depoimento da estudante de Direito Bárbara
Moreira, que é acusada de receptar a quantia de R$130 mil (cento e trinta mil reais),
numerário este que seria devido, em tese, a título de direitos autorais ao compositor e artista
Milton Coitinho.
De acordo com André Lazorini (2012, online) “Necessitamos dessas informações, pois
nelas teremos direções que indicarão o envolvimento na fraude, tanto da jovem como da
UBC.” Isso se deu porque a estudante declarou não ter culpa alguma na receptação, dizendo
ter sido vítima de um golpe. Em seu depoimento, ela diz que o ex-funcionário da UBC, de
nome Rafael, indicou-a para ser a intermediadora no recebimento dos valores referentes a
direitos autorais do mencionado compositor.
De acordo com a discente, ela só manteve contato com o Sr. Milton Coitinho por email, não vendo problemas em receber o numerário e repassar ao artista, aceitou a indicação
de Rafael. Disse Bárbara, ainda, que todo o processo de transferência tinha sido realizado pela
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UBC, razão pela qual a CPI resolveu requer a mencionada quebra do sigilo bancário e de
correspondências eletrônicas da União Brasileira de Compositores (UBC).
Na reunião ocorrida em 30 de junho de 2011, foi ouvido o presidente da Associação dos
Proprietários de Academias de Ginástica do Rio de Janeiro, Ricardo Abreu. Sobre o tema, o
Presidente da CPI (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, online, 2012) falou assim:
Na qualidade de sujeito passivo da relação com o Ecad, o presidente desta
associação poderá expor os problemas da arrecadação do ponto de vista de quem é
cobrado. A tabela de cobrança vigente determina que as academias devem pagar 1
Uda (Unidade de Direito Autoral) para cada 10m² de área sonorizada. ‘Hoje uma
Uda deve estar valendo aproximadamente R$ 40,00’, afirmou o deputado estadual
André Lazaroni.
A CPI foi concluída em 2012, com a apuração de diversas irregularidades, inclusive,
com a consignação da suspeita de culpa das pessoas envolvidas no caso do Sr. Milton
Coitinho acima transcrito. Além disso, o relatório da CPI foi encaminhado ao Ministério
Público do Rio de Janeiro para a adoção das providências legais que este órgão entender
cabível.
3.2 Ano 2011 - CPI instaurada pelo Senado Federal
No dia 28 de junho de 2011, pela aprovação do Requerimento nº. 547 de 2011, de
autoria do Senador RANDOLFE RODRIGUES (PSOL/AP), foi instalada, no Senado Federal,
outra CPI do ECAD. A comissão foi requerida com base no mencionado § 3º do art. 58 da
Constituição Federal e do art. 145 do Regimento Interno do Senado Federal, a criação de
comissão parlamentar de inquérito, sendo composta por onze Senadores titulares e seis
suplentes, com prazo de duração de cento e oitenta dias. O objetivo da CPI (BRASIL, online,
2012) é o que se segue:
[...] investigar supostas irregularidades praticadas pelo ECAD na arrecadação e
distribuição dos recursos oriundos do direito autoral, abuso da ordem econômica e
prática de cartel no arbitramento de valores de direito autoral e conexos, o modelo
de gestão coletiva centralizada de direitos autorais de execução pública no Brasil e a
necessidade de aprimoramento da Lei nº 9.610/98 .
Atualmente, a referida comissão investigativa tem como Presidente o Senador
RANDOLFE RODRIGUES (PSOL/AP), Vice-Presidente o Senador CIRO NOGUEIRA
(PP/PI) e Relator o Senador LINDBERGH FARIAS (PT/RJ), estando as despesas dos
trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito orçadas em R$ 100.000,00 (cem mil reais)
(BRASIL, online, 2012).
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Como motivo para a instauração da CPI, consta no item JUSTIFICAÇÃO do
Requerimento nº. 547 de 2011 as diversas reportagens, em especial, a dos jornais Folha.com e
Globo, relatando as irregularidades ocorridas no ECAD. Ademais, comenta o documento que
denúncias em relação a comportamentos suspeitos desse Escritório não são recentes, nos
termos abaixo transcrito (BRASIL, online, 2012):
Denúncias envolvendo irregularidades no ECAD não são recentes. Constam de
documentos arquivados na Câmara dos Deputados que ‘em novembro de 1995,
foram concluídas as investigações da Comissão Parlamentar de Inquérito que ficou
conhecida como a CPI do ECAD. Foram encaminhadas à Polícia Federal e aos
Ministérios Públicos federal e estaduais cópias do relatório final onde existem
veementes indícios de ilícitos penais como: falsidade ideológica, sonegação fiscal,
apropriação indébita, enriquecimento ilícito, formação de quadrilha, formação de
cartel e abuso do poder econômico, entre outros’, com indigitamento dos seus
autores e farta documentação.
Ocorre que, de acordo com o Requerimento, quase dezesseis anos depois daquela CPI,
os mesmos comportamentos irregulares por parte do ECAD continuam sendo alvos de
denúncias. Diz ainda o documento que os usuários de música pagam altos valores, sem
qualquer critério, mas os autores, intérpretes e demais artistas recebem ínfimo numerário, sem
que tenham a possibilidade de fiscalização e comprovação dos valores que lhes são
efetivamente devidos.
Pelos motivos expostos, por meio do Requerimento nº. 547 de 2011, como dito, foi
instalada a CPI, para a apuração de possíveis comportamentos irregulares por parte do ECAD,
no dia 28 de junho de 2011. Dessa forma, os trabalhos da CPI “[...] terão como referência a
atuação do ECAD na última década. Vale dizer: o marco temporal da CPI será o período
compreendido entre janeiro de 2001 e a presente data.” (2011, online).
De acordo com o Plano de Trabalho da CPI (2012, online), elaborado pelo Senador
Lindbergh Farias (PT/RJ), no decorrer dos trabalhos, foram ouvidas as seguintes pessoas: autores
e entidades interessados no objeto desta CPI; representantes do ECAD; autoridades públicas,
representantes da sociedade civil e especialistas em direitos autorais. Além disso, foram
requeridos documentos e informações ao Banco Central do Brasil, TCU (Tribunal de Contas
da União) e CGU (Corregedoria Geral da União), entre outras entidades.
Os trabalhos foram concluídos no primeiro semestre de 2012, e houve apuração de
diversas irregularidades, sendo o relatório, no intuito de este órgão indiciar, pela prática de
crime contra a ordem econômica (Lei nº 8.137/1990, art. 4º, II – “formar acordo, convênio,
ajuste ou aliança entre ofertantes, visando: a) à fixação artificial de preços ou quantidades
256
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
vendidas ou produzidas; Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa”), alguma das
pessoas que foram lá investigadas.
4. A Necessidade de Fiscalização do ECAD por um Órgão Administrativo Estatal
No primeiro tópico, foi abordada a atuação do ECAD na gestão coletiva dos direitos
autorais da música no Brasil, onde ficou consignado o monopólio daquela entidade nesta
atividade. Ocorre que outras pessoas jurídicas destinadas à defesa dos direitos autorais
existiram, inicialmente, no século XX, sob a forma de associações civis.
A Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), por exemplo, foi fundada em 1917;
a Sociedade Brasileira de Autores, Compositores e Editores (SBACEM), em 1946; a
Sociedade Arrecadadora de Direitos de Execuções Musicais no Brasil (SADEMBRA), no
ano1956; a Sociedade Independente de Compositores e Autores Musicais – SICAM, em
1960; e, por fim, a Sociedade Brasileira de Administração e Proteção de Direitos Intelectuais
(SOCINPRO), em 1962 (2012, online).
Todavia, atuando de forma simultânea, vários problemas ocorriam, como o recebimento
de direitos autorais em duplicidade por alguns autores, a dificuldade de arrecadação dessa
contraprestação financeira, entre outros. Foi, por esse motivo, que a Lei dos Direitos Autorais
anterior - Lei nº 5.988, de 14 de dezembro de 1973 -, no intuito de resolver esses impasses
criou o ECAD, pessoa jurídica destinada à centralização da arrecadação e da distribuição dos
direitos autorais pela execução pública musical.
Portanto, pode-se perceber que nem sempre existiu o monopólio de arrecadação e
distribuição da contraprestação autoral por parte do ECAD. Antes do Escritório, diversas
pessoas jurídicas eram encarregadas dessa função, que, atualmente, é centralizada nessa
pessoa jurídica. Todavia, não se tem notícias de CPI`s ou qualquer outro tipo de investigações
de supostas irregularidades ocorridas nesta época.
Aliás, a antiga lei dos direitos autorais trouxe uma outra inovação: diferentemente do
que ocorre atualmente, o ECAD já teve uma entidade estatal que o fiscalizasse. Isso porque a
revogada Lei nº. 5.988/73, em seu Art. 116, ordenou a criação do Conselho Nacional de
Direito Autoral – CNDA, nos seguintes termos: “O Conselho Nacional de Direito Autoral é o
órgão de fiscalização, consulta e assistência, no que diz respeito a direitos do autor e direitos
que lhes são conexos”, entidade esta que foi organizada pelo Decreto nº 76.275/75.
257
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Assim, o CNDA era um órgão vinculado ao Poder Executivo Federal, mais
especificadamente ao Ministério da Educação e Cultura – e após, ao Ministério da Cultura -,
cuja competência era a de promover a assistência, consulta e fiscalização em relação aos
direitos autorais, e os que lhe são conexos.
Carlos Alberto Bittar, diz que “o CNDA exercia sobre o ECAD “uma função normativa,
geral e específica; uma função fiscalizadora de seus negócios e de sua administração; e uma
função orientadora.” Pode-se dizer, então, que, por meio do CNDA, o Estado fiscalizava o
ECAD, através, por exemplo, da fixação e unificação da forma de cobrança dos direitos
autorais, fazendo com que este direito fundamental fosse concretizado.
Plínio Cabral (2012, online) preceitua que a anterior Lei dos Direitos Autorais estatuiu a
gestão coletiva dos direitos autorais com base no regime militar, dotando-a de intervenção
estatal, a qual era possível através da atuação do CNDA. Entretanto, a própria Constituição
Federal, no art. 5º, inciso XXVIII, letra b, da Constituição Federal, pôs o término da
interferência do Estado nas organizações associativas, dotando-as do direito de apenas
representar seus filiados, judicial e extrajudicialmente
Ocorre que, em 1990, o órgão foi desativado, perdendo, então, o Estado o poder de
fiscalização e controle sobre o ECAD. Inclusive, a Lei 9.610/98 foi silente em relação às
competências do Estado, no que diz respeito ao direito fundamental do criador acerca da
contraprestação financeira da utilização de sua criação.
Extinto o CNDA, o ECAD, segundo Ascensão (1999, p.633), “deixou de ser uma
entidade sujeita à supervisão dum órgão administrativo imparcial. Caiu-se na situação de
vazio legal”. Em outras palavras, surgiu o já mencionado monopólio dessa entidade de gestão
coletiva dos direitos autorais e, consequentemente, as inúmeras problemáticas citadas
relacionadas ao ECAD.
Comece-se pelos dizeres do Sr. Marcos de Souza, então, Coordenador Geral de Direito
Autoral do Ministério da Cultura, durante o Fórum Nacional de Direito Autoral, realizado em
5 de dezembro de 2007, no Rio de Janeiro:
Desde a desativação e posterior extinção do CNDA – Conselho Nacional do Direito
Autoral, o Estado Brasileiro se isentou de assumir maiores responsabilidades nessa
área. É hora de reverter esse quadro. E nosso diagnóstico revela uma legislação que,
ainda que assegure razoavelmente esses direitos, possui desequilíbrios que pedem
uma correção imediata.
258
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Foi nessa arena que o antigo CNDA mais se destacou, e cujo retorno muitas vozes hoje
clamam. A ausência dessa instância só favorece aqueles que detêm um maior poder
econômico. A parte mais fraca, geralmente os autores, frequentemente sai perdendo.
O que é preciso lembrar é que nenhum Estado moderno concede monopólios sem
prever instâncias administrativas de supervisão e regulação. É uma prevenção contra
possíveis abusos no exercício do direito. Por isso a exigência mínima que encontramos
na maioria dos países é que os regulamentos de cobrança e tabelas de preços devam
ser submetidas a uma instância pública, que muitas vezes é o órgão responsável pela
regulação da concorrência. E isso é completamente distinto de intromissão ou
intervenção em negócios privados. É tão somente uma tutela administrativa.
Uma tutela que, longe de cercear, contribui para dar maior credibilidade, legitimidade
e eficiência a essa atividade. Raro é o Estado que abre mão dessa prerrogativa
Percebe-se, portanto, que deve haver sim a fiscalização estatal por parte do Estado, até
mesmo para garantir o acesso à cultura estabelecido no Art. 215 da Constituição Federal. Isso
porque a problemática do monopólio do ECAD é bastante séria e interessa a sociedade como
um todo, pois, como se viu no capítulo 1, é assegurado constitucionalmente o direito de
acesso à cultura. Como não há, em regra, intervenção do Estado brasileiro nessa questão, pode
essa entidade de gestão pública de direitos autorais tolhê-lo.
De acordo com dados do The Collective Management of Rights in Europe (2006,
online), entre os vinte maiores mercados de música do mundo, o Brasil é o único país que não
possui algum tipo de intervenção na entidade de gestão pública da contraprestação pecuniária
pela utilização deste gênero cultural (música).
O modelo de gestão coletiva até então discorrido, com base na Lei 9.610/98, entretanto,
traz inúmeras problemáticas, principalmente, no que diz respeito à fiscalização da atuação de
tais instituições. Sobre este assunto, o Art. 100 deste ato normativo preceitua da forma abaixo
transcrita:
Art. 100. O sindicato ou associação profissional que congregue não menos de um
terço dos filiados de uma associação autoral poderá, uma vez por ano, após
notificação, com oito dias de antecedência, fiscalizar, por intermédio de auditor, a
exatidão das contas prestadas a seus representados.
Ora, a fiscalização é garantida legalmente apenas quando o sindicato ou a associação
profissional congregar não menos de um terço dos filiados de uma associação autoral.
Entretanto, e as demais? Além disso, deve o Estado promover algum tipo de atividade
fiscalizadora perante tais instituições, ou tão somente os associados acompanhados por um
auditor, como diz o mencionado Art. 100?
É, portanto, percebível que deve as demais associações autorais que não tenham um
terço dos filiados a fiscalização do ECAD, como também deve sim o Estado atuar, através de
259
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
órgãos administrativos, na supervisão da gestão coletiva dos direitos autorais da música no
Brasil. Saliente-se ainda que o Estado deve sim intervir nos mais diversos setores, até mesmo
para a promoção dos indivíduos. Aliás, a intervenção econômica é necessária, sendo a
fiscalização sobre uma pessoa como ECAD um segmento desta atuação. Acerca desse assunto
discorre Jean-Marie Pontier (s/a, p.2):
Il existe donc effectivement une politique de la culture parce que l’intervention des
pouvoirs publics repose sur une tradition ancienne et continue, parce que les
dirigeants, dans tous les partis politiques, sont convaincus de la nécessité d’une
politique culturelle, parce que cette politique culturelle est acceptée, exigée même,
des citoyens.
Verifica-se que a intervenção no ECAD é uma política cultural, contribuindo a
fiscalização no impacto econômico social, já que fiscalizará uma entidade de arrecadação dos
administrados. Corrobora também com o pensamento exposto acima Fabien Bottini (s/a, p.6),
nos dizeres abaixo transcritos.
Noting the economic impact of consumption of the working classes, they believe the
State can consolidate growth by promoting the maintenance of high consumption.
However, in their view, the achievement of this goal requires two things. On the one
hand, creating new consumer needs by stimulating investment in research /
development. On the other hand, conducting an incomes policy to ensure the
purchasing power of the masses (the multiplier principle). It justifies well the
intervention of the welfare State, since this means that, by investing in social
policies, the State would only revive the economy.
Dessa forma, percebe-se a necessidade de intervenção estatal na gestão coletiva dos
direitos autorais da música no Brasil, por meio de um órgão administrativo, até mesmo como
uma forma de acesso à cultura e de política cultural, podendo essa atuação, inclusive, causar
impactos nas relações de consumo.
5. Conclusão
Pelos aspectos apresentados, verificou-se que os direitos autorais representam a
proteção dos autores sobre as suas criações literárias, científicas e artísticas. Eles existem em
respeito ao mandamento constitucional insculpido no Art. 5º, XXVII, da Constituição Federal
de 1988, o qual garante aos artistas o direito exclusivo da utilização, publicação ou
reprodução de suas obras, sendo, portanto, tais direitos os responsáveis por garantir o usufruto
dos criadores dessas manifestações artísticas.
260
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Esses direitos são espécies da propriedade intelectual, sendo esta um gênero que alberga
todas as obras advindas do intelecto humano. Ela é um gênero que tem como espécies os
direitos autorais e do direito industrial, os quais se diferenciam porque aqueles tutelam
criações mais abstratas dos seres humanos, que representam o belo ou mesmo o sentimento do
artista naquele momento. Já os direitos industriais protegem as manifestações humanas mais
práticas, as quais transformam matéria prima em tecnologia.
Há também direitos patrimoniais do criador, que representa a contraprestação financeira
do autor pela utilização, publicação ou reprodução de sua obra por parte de terceiros, em
respeito à garantia constitucional da exclusividade do autor em relação à suas criações. Em
contrapartida, caso seja o direito patrimonial violado, há também os direitos morais autoral,
garantindo uma reparação dos danos causados.
Assim, para que o criador de uma obra musical possa ver satisfeito o pagamento pela
utilização do usuário de música dos direitos autorais, existe o fenômeno da gestão coletiva dos
direitos autorais. No Brasil, o Escritório de Arrecadação e Distribuição, pessoa jurídica sem
fins lucrativos, é o responsável pela fixação de critérios de cobranças, pagamentos e
distribuição do numerário relativo aos direitos do autor da música.
Isso porque, no intuito de tornar eficaz o direito patrimonial decorrentes da utilização
das obras artísticas e culturais, o Art. 97 da Lei 9.610/98 preceitua que para o exercício e
defesa de seus direitos, podem os autores e os titulares de direitos conexos associar-se sem
intuito de lucro, sendo este então o fundamento de legitimidade do ECAD, na arrecadação e
distribuição da contraprestação autoral. Assim, a possibilidade de uma associação, no caso o
referido Escritório, constituída por uma pluralidade de pessoas, como sua própria natureza
jurídica já ordena, cobrar a contraprestação pecuniária pela fruição ou utilização pública da
obra artística ou cultural é o que se denomina gestão coletiva dos direitos autorais.
Entretanto, parece abusivo que, na ótica do ECAD, toda e qualquer manifestação
musical deve haver o pagamento da retribuição autoral. Para se ter uma ideia de como é alta a
arrecadação do Escritório, basta dizer que, enquanto à Confederação Brasileira de Futebol,
arrecadou, em 2011, o montante de R$ 300,6 milhões, o ECAD teve uma arrecadação de
aproximadamente R$ 540,5 milhões.
Além do problema de ser bastante alta a arrecadação por parte do Escritório, há também
problemática em relação à distribuição. Para o devido recebimento do numerário
261
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
correspondente à contraprestação autoral, é indispensável que o legitimado a receber tal
direito esteja associado a uma das associações que compõem o ECAD, pois o Art. 2º do
Regulamento da Distribuição dos direitos autorais ordena que o ECAD tenha um cadastro
atualizado com todas as obras musicais e congêneres protegidos, indicando, inclusive, seu(s)
respectivo(s) titular(es), para que seja feita a distribuição dos direitos autorais arrecadados.
Desse modo, por conta de atitudes abusivas, comportamentos suspeitos e outras
condutas irregulares narrados no corpo desta dissertação, já existiram – e na atualidade
existem – Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) instauradas contra o ECAD. Como
exemplo disso, cite-se a CPI’s de 2007 e de 2011, sendo aquela criada pela Assembléia
Legislativa de São Paulo, e a deste ano pelo Senado Federal e pela Assembléia Legislativa do
Estado Rio de Janeiro. Saliente-se, inclusive, que existiram outras CPI’s em face do ECAD,
como a de 2005, de autoria da Câmara dos Deputados, a da Assembléia Legislativa de Mato
Grosso do Sul, instaurada em 24 de março de 2005 e a CPI de Brasília, conhecida como CPI
do ECAD instaurada em 1995.
Sabe-se, entretanto, que muito embora o ECAD tenha sido alvo de várias CPI’s, e, em
todas elas, foram ou estão sendo comprovadas irregularidades, ninguém foi punido. Tal fato
demonstra, assim, a necessidade de uma mudança na forma da gestão coletiva dos direitos
autorais que ocorrem no Brasil.
Dessa forma, parece notória a necessidade de fiscalização estatal, que não é sinônimo de
intervenção, do Estado na gestão coletiva dos direitos autorais da música no Brasil, como
ocorria antes, na época da existência, do CNDA (Conselho Nacional de Direitos Autorais)
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265
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PROPRIEDADES NA SOCIEDADE ROMANA: A FORMA PROTETIVA BASEADA
NO CASO CONCRETO*
ROMAN PROPERTIES IN SOCIETY: A CASE BASED ON FORM PROTECTIVE
CONCRETE
Maria Cristina Cereser Pezzella**
Janaína Reckziegel***
RESUMO
As formas atuais de proteção ao direito fundamental das propriedades exige uma observação
atenta das transformações e das formas que os romanos examinavam os casos concretos.
Assim o direito de propriedade reconhecido hoje como direito fundamental ao longo da
história sofreu mudanças significativas e para compreender o presente e projetar o futuro, o
estudo do olhar dos romanos pode auxiliar na resolução dos conflitos contemporâneos. Cada
período da vida cotidiana abraça novos conflitos, mas os casos concretos já vividos podem
servir de chave para buscar desbravar melhor os novos horizontes. O presente estudo busca
descrever a forma de produção do ordenamento jurídico num período reconhecido como
Direito Romano, compreendendo nos seus aspectos políticos de organização romana,
permitindo uma melhor compreensão da sua projeção na vida cotidiana. Num mergulho no
passado do Direito Romano e na sua visão de propriedade, verifica-se que em cada uma das
diferentes formas de apropriar-se de bens e serviços, assim como nas mais diversas formas de
propriedades elas podem exteriorizar-se e serem mensuradas de acordo com sua importância e
o valor que cada momento histórico se reporta. Constata-se neste estudo que os valores postos
em jogo são capazes de refletir e ponderar os conflitos ancorados em cada momento histórico,
necessitando fazer uma análise de casos concretos atinentes as suas sigularidades, portanto,
um único caso concreto não pode ser referencial para todo um sistema abstrato de direitos,
nem para o romano, nem para os dias atuais. Verifica-se que a Sociedade Romana busca
solucionar conflitos concretos e não em desenvolver uma teoria que atenda as formas de
propriedade.
Palavras-chaves: Direito de Propriedade; Casos Concretos; Direitos fundamentais.
*
O presente trabalho é resultado do Grupo de Pesquisa Direitos Fundamentais Civis/Sociais do Programa de
Mestrado em Direito da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC.
** Doutora em Direito pela Universidade Federal do Paraná – UFPR (2002). Mestre em Direito pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS (1998). Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS (1988). Professora do Pós-Graduação em Direito da Universidade do
Oeste de Santa Catarina – UNOESC. Coordenadora/Líder do Grupo de Pesquisas (CNPq) intitulado “Direitos
Fundamentais Civis: A Ampliação dos Direitos Subjetivos” – UNOESC. Avaliadora do INEP/MEC e
Supervisora do SESU/MEC. E-mail: [email protected]. Endereço de acesso ao banco de currículos do
sistema lattes/URL: http://lattes.cnpq.br/7386742048598458. Advogada.
*** Professora e Pesquisadora da Universidade do Oeste de Santa Catarina. Doutoranda em Direitos
Fundamentais e Novos Direitos pela Universidade Estácio de Sá – RJ. Mestre em Direito Público. Especialista
em “Mercado de trabalho e exercício do magistério em preparação para a Magistratura” e em “Educação e
docência no ensino superior”. Graduada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade do Oeste de Santa
Catarina. Advogada e Professora Universitária. E-mail: [email protected]. Endereço de acesso ao banco
de currículos do sistema lattes: http://lattes.cnpq.br/7597547217990217.
266
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
ABSTRACT
The current forms of protection of the fundamental right of property requires a careful
observation of the transformations and the ways that the Romans were examining the cases.
Thus the right to property as a fundamental right recognized today throughout history has
undergone significant changes and to understand the present and the future, the study of the
look of the Romans may aid in the resolution of contemporary conflicts. Each period of
everyday life embraces new conflicts, but actual cases already experienced may serve as a key
to get the best brave new horizons. The present study attempts to describe the form of
production within the legal system recognized as Roman law, including in its political
organization of Roman, enabling a better understanding of its projection in everyday life. A
dip in the past of Roman law and its vision of ownership, it appears that in each of the
different forms of ownership of goods and services as well as in various forms of properties
they can externalize up and be measured in according to their importance and value that each
historical moment is being made. It appears from this study that the values put into play are
able to reflect and ponder the conflicts anchored at each historical moment, needing to make
an analysis of actual cases relating their sigularidades therefore, a single case can not be a
benchmark for an entire abstract system of rights, nor Roman, nor to the present day. It
appears that the Company seeks to resolve conflicts Roman concrete and not to develop a
theory that fits the forms of ownership.
Keywords: Property Rights; Concrete Cases; Fundamental Rights.
Introdução
A civilização contemporânea ainda se ancora num dos pilares que envolve as
questões atinentes as propriedades abraçadas nos ordenamentos jurídicos contemporâneos. A
propriedade, entendida como uma criação humana, tem acompanhado as transformações da
civilização, assumindo contínuas mudanças de suas características em diferentes estágios da
evolução do homem em função de uma adaptação às necessidades da sociedade. Estas
mudanças contínuas não são cumulativas, senão deixam marcas no instituto da propriedade
que, para ser entendido na sua manifestação contemporânea, exige um estudo com o olhar
histórico. Justifica-se assim o estudo proposto neste artigo, qual seja, a investigação das
propriedades na visão do Direito Romano.
O passado ainda é matéria-prima para melhor enfrentar os conflitos atuais, assim o
estudo do Direito Romano tem continuado com renovado vigor sob o enfoque de buscar o
sentido das instituições e as soluções jurídicas romanas, diferindo das escolas anteriores que
partiam do estudo do Corpus Iuris Civilis. Atualmente se prefere conhecer o desenvolvimento
histórico das instituições, com um sentido absolutamente integral, vinculadas ao momento
histórico respectivo, para o qual as fontes literárias, históricas, epigráficas e arqueológicas
contribuem em uma forma decisiva.
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As obras romanas a título de exemplo, já foram traduzidas ou ingressaram na cultura
de países sem a tradição romanística, como o Japão, a China, os países socialistas e os países
vinculados a commom law. Há um interesse crescente no estudo histórico do Direito, que tem
muito do seu conteúdo programático voltado para o Direito romano e suas instituições. As
obras brasileiras publicadas são ainda restritas, porém parece despertar o interesse dos
pesquisadores em buscar mais elementos na história, especialmente na história romana, para
melhor compreender e buscar novos horizontes para os problemas atuais, tendo como base a
cultura da humanidade, guardadas as diferenças do mundo contemporâneo e do mundo
romano.
Instigar-se-á no presente texto a compreensão romana do direito de propriedade, a
fim de estabelecer as bases para um estudo mais amplo do direito de propriedade na história
da civilização ocidental. Também se pretende trazer elementos para dar à propriedade atual
uma função coerente com as diversas necessidades sociais já identificadas em Roma em uma
série de exemplos, que podem servir de referência para uma compreensão e circunscrição
apropriada de dispositivos constitucionais como, por exemplo, o da função social da
propriedade.
Revisando a bibliografia existente, o método de trabalho utilizado foi o comparativo,
confrontando a opinião de diversos autores na propriedade Romana, procurando analisar a
evolução do direito de propriedade ao longo da história romana.
Primeiro passo consiste em apresentar uma síntese da história política e social de
Roma, procurando identificar as principais transformações na sua organização social, o
segundo passo consiste em visualizar o ordenamento jurídico romano, identificando e
comentando suas transformações ao longo do tempo. E, por fim, como o Direito Romano
compreendeu o que hoje conhecemos como direitos reais.
1 Direito romano e sua contextualização histórica
Segundo Orestano (1963), inicialmente o estudo do Direito romano restringia-se à
1
compilação realizada pelo imperador Justiniano, que é conhecida como Corpus Iuris Civilis ,
1
A história do Direito romano tem sua principal referência na compilação de Justiniano, imperador do Oriente,
que foi publicada entre os anos 524 e 534 d.C. e na posterior legislação deste imperador, morto em 565 d.C., que
recebeu a denominação global de Corpus Iuris Civilis. Esta compilação, com todos os seus defeitos e
falsificações, representa nossa melhor e mais rica fonte de informações, inclusive para épocas anteriores a
Justiniano (ARANGIO-RUIZ, 1986, p. 1 e ss). Segundo Riccobono (1975, p. 6), “ante todo, para comprender
las ulteriores vicisitudes de la obra conviene destacar que ésta, si bien tiene gran prestigio como una coleción
jurídica, era absolutamente defectuosa e inapta para la función de un código”. Clavero (1992, p. 27 e ss) revela
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porém a pesquisa ampliou-se e, hoje, entende-se por Direito romano a experiência jurídica
romana em seu curso inteiro, da fundação de Roma até a morte de Justiniano em 565 d.C.
Escreve assim o autor:
Non meno vaste e importanti sono le conseguenze che da questa nuova visuale si
debbono trarre rispetto a quelli che potremmo dire i quadri cronologici e prospettici
del diritto romano. Ancora una volta i modi di concepire sia il diritto romano, sia la
natura e la funzione del suo studio influiscono su queste determinazioni. Fino a che
il diritto romano s’identificava com il Corpus Iuris, o comunque fino a che
l'interesse si polarizzava sul diritto privato giustinianeo, anche la visione storica
risentiva di questa prospettiva. Lo svolgimento anteriore, dalla fondazione di Roma
alla compilazione giustinianea, appariva – come abbiamo già detto – una lunga
preparazione per arrivare a quella mèta finale, che costituiva l’oggetto principale
dello studio (ORESTANO, 1963, p. 630-631).2
A respeito destes limites cronológicos escreveu o autor que eles são arbitrários,
justificando que, no que diz respeito à data inicial, separa-se o Direito romano de toda uma
complexa rede de tradições anteriores e evita-se os problemas da distinção entre história e
pré-história de Roma e da Itália, da qual o nosso conhecimento e exploração são impossíveis,
embora sejam estas tradições que forneceram o substrato das primeiras formações da tradição
jurídica da nova cidade; no que diz respeito à data final, em tal modo se é levado a considerar
a obra de Justiniano como a conclusão de um processo histórico (ORESTANO, 1963, p. 631).
O estudo histórico do Direito romano é apresentado em períodos, onde as
repartições, as fases, os segmentos são utilizadas por comodidade e por razões didáticas. Às
vezes, o desdobrar dos fatos parece indicar uma pausa, suspensão ou ruptura que passam a
serem pontos de referência, porém muitas transformações ocorrem de modo gradual
(ORESTANO, 1963, p. 633). Além da periodização, não se deve negligenciar o elemento
territorial, pois também são notáveis as diferenças que existem entre os desenvolvimentos da
histórica jurídica em Roma e nos outros territórios ou entre as duas partes do Império depois
que o conjunto de textos compilados por ordem de Justiniano não se constituiu em seu surgimento num corpo
unitário, e que a denominação de Corpus Iuris Civilis (Corpo de Direito Civil) vai acontecer apenas com o
decurso dos séculos, para diferenciar-se do Corpus Iuris Canonici. Em outra obra sua, Riccobono (1949, p. 209)
identifica Dionisio Gotofredo, em 1583, como o primeiro a adotar para a compilação de Justiniano o título
“Corpus Iuris Civilis”. No mesmo sentido, ver e Di Pietro (1996, p. 29).
2 Não menos vastas e importantes são as consequências que desta nova visão deve-se considerar a respeito
daqueles que podemos dizer os quadros cronológicos e prospectivos do direito romano. Mais uma vez os modos
de conceber, seja o direito romano, seja a natureza e função do seu estudo, influem sobre estas determinações.
Enquanto o direito romano identificava-se com o Corpus Iuris, ou de outro modo, enquanto o interesse
concentrava-se no direito privado justinianeo, igualmente a visão histórica refletia esta prospectiva. O
desenvolvimento anterior, da fundação de Roma à compilação justinianea, parecia – como já tínhamos dito –
uma longa preparação para chegar àquela meta final, que constituía o objeto principal do estudo.
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de Diocleciano (ORESTANO, 1963, p. 634).3 Verifica-se a existência de uma gama bem
diversificada de periodizações desta longa história de cerca de quatorze séculos, segundo
critérios que são variados no tempo e que são susceptíveis de discussão. A título apenas de
exemplificação, cabe ilustrar como alguns dos pensadores influenciaram os demais com as
subdivisões por eles propostas.
Recorde-se inicialmente a periodização que foi elaborada por Hugo ao fim do século
XVIII, dominando grande parte da historiografia romanista do século passado. Segundo esta
divisão, dever-se-ia distinguir quatro períodos: da fundação de Roma às XII Tábuas, das XII
Tábuas a Cícero, de Cícero a Alexandre Severo e enfim deste a Justiniano. Estes períodos,
talvez com reminiscência a antigas fontes, eram chamados por Hugo, espectivamente, de
idade da infância, da adolescência, da virilidade, e da velhice do Direito romano.4
Bonfante, no início deste século, propôs uma tripartição, em que o critério para
separação dos períodos fundava-se no conceito da “crise”, aplicado a dois momentos
históricos que marcaram uma profunda revolução na sociedade romana: a primeira foi uma
crise de expansão que sucedeu a guerra de Aníbal em torno de 200 a.C., quando uma
população rústica de agricultores do Lazio tornou-se, num espaço de sessenta anos, senhora
do mundo antigo e da mais florescente civilização; a segunda foi uma crise da involução
sucessiva à morte de Alexandre Severo, em 235 d.C., quando a força crescente dos bárbaros e
o renascimento das forças persas, desloca o centro do Império de Roma e da Itália, para o
Oriente. Conforme o autor, estas duas grandes crises separam três diversos sistemas de
direito, que denomina de: direito quiritário – ius quiritium, direito romano-universal – ius
gentium, e direito helênico-romano – ius Romeo (ORESTANO, 1963, p. 636; RICCOBONO,
1949, p. 14 e ss).
Riccobono (1975, p. 1) conclui que se poderia dizer, inclusive, ter Roma criado duas
vezes o direito: na primeira, um direito “agreste, rudimentar e rigoroso” contido nas linhas das
XII Tábuas, e na segunda vez, a partir do século VI d.C., com características universais
propondo, assim, uma bipartição. Posteriormente, o autor subdivide a história do
3
Weber (1994, p. 25 e ss, 49 e 160) exemplifica a questão da diferença de tratamento territorial, assim: “Durante
a era imperial, a Itália era isenta de impostos e logo também o foi do serviço militar, pelo que o fato de pertencer
a uma gleba ou a uma determinada comunidade em vez de outra tinha uma importância muito menor que nas
províncias onde, como se sabe, os municípios tinham a responsabilidade tanto do contingente de tributos, como
do de recrutas, e onde, portanto, tinha-se interesse em manter a vinculação de uma gleba a determinado
município”. Sublinha o autor que, ao se investigar a propriedade em Roma, deve-se perquirir em que momento e
que local ela era exercida.
4 Uma análise “biológica” da história de Roma encontra-se já em Sêneca pai, que fala de uma primeira infância,
puberdade, adolescência e velhice (ORESTANO, 1963, p. 635). Nota-se que concomitantemente à formação do
Direito romano os estudiosos daquela época já se preocupavam em estruturar o estudo do seu ordenamento
jurídico com vistas a facilitar o aprendizado por parte dos iniciantes e comparar as diferenças existentes.
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desenvolvimento do Direito romano em três períodos: I. da formação de Roma ao período do
Direito nacional romano; II. do Direito nacional romano ao período de 305 d.C., período do
Direito universal, no sentido que o ius civile e ius gentium e todas as outras ordenações
romanas vinham já se avizinhando, para se fundir, depois, em uma ordem jurídica universal
em todo o Império; e III. de Constantino a Justiniano, que pode ser indicado como o período
do direito romano cristão.
Guarino (1996, p. 36 e ss) adverte que historiógrafos do Direito romano parecem
orientados no sentido que não seja razoavelmente possível traçar uma periodização unitária
entre o direito público e o direito romano. Todavia, o autor recentemente reafirmou a
necessidade de se atender a critérios uniformes, e conclui, subdividindo a história jurídica
romana em quatro períodos: direito arcaico, direito pré-clássico, direito clássico e direito pósclássico.
Schulz (1953, p. 4; 1990, p. 128-129) conclui que a ausência de períodos
determinados na história do Direito romano, em geral, está correlacionada com a dificuldade
de se referir a juristas concretos, como individualidades da ciência jurídica distinguindo
nitidamente uns dos outros. Savigny (apud SCHULZ, 1990, p. 129) visualizou a
jurisprudência romana demonstrando esta circunstância com precisão:
Este método (romano) no es, en absoluto, propriedad exclusiva de un escritor más o
menos grande, sino que es un bien común a todos; y aunque entre los escritores la
fortuna en su aplicación esté muy desigualmente repartida, el método es siempre el
mismo. Incluso si tuviéramos íntegramente sus escritos ante nosotros, nos
encontraríamos con un número mucho menor de individualidades descollantes que
en cualqiuer otra literatura. En cierto sentido, todos trabajaram en una sola y única
gran obra, y, por ello, la idea que está en la base de la compilación de las
Pandectas no es del todo digna de reproche. Toda su literatura jurídica era un todo
orgánico, de manera que se podría decir, con un término técnico de la doctrina
moderna, que los juristas concretos eran personalidades fungibles.
O Direito romano para fins deste trabalho também poderia ser dividido em critérios
diferenciados. Entretanto, neste estudo o critério utilizado foi o quadripartido de Schulz
(1953)5, uma vez que responde à necessidade da lógica jurídica e facilita a compreensão do
5
No mesmo sentido Riccobono (1975, p. 12-14) descreve que a história jurídica de Roma imagina-se distinguir
em quatro períodos: o legendário, o republicano, e o imperial, que se divide em duas fases: antes e depois de
Diocleciano. O primeiro período de Roma, de 754 a.C. ao princípio do século VI a.C., no qual se encaminha o
direito dos Quiritis com a lex XII tabularum. O segundo período, das guerras púnicas a Otávio Augusto,
caracterizado pela atividade do praetor na administração da justiça, a qual foi decisiva para o posterior
desenvolvimento do direito romano. O terceiro período, de Augusto a Diocleciano, em que o direito romano
recebe, pela obra dos grandes jurisconsultos, a elaboração científica com a análise e o desenvolvimento dos seus
vários elementos resultantes do ius civile, gentium, honorarium. O quarto período, de Constantino a Justiniano,
não mais possui juristas renomados que tratam o direito cientificamente, sendo qualificado de período da
decadência, marcado pela compilação da produção do período precedente.
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tema que importa para este artigo, qual seja, o consubstanciado na apreensão jurídica romana.
Esta divisão é particularmente valiosa, além de situar a evolução do Direito romano em
relação aos acontecimentos da história de Roma, descreve a forma de produção do
ordenamento jurídico, permitindo que se entenda o papel de cada agente e a sua projeção na
vida romana. Schulz (1953) subdivide o Direito romano em quatro partes: a mais remota
chama período arcaico, seguindo-se o período helenístico, o período clássico e, por fim, o
período burocrático.
2 Visão romana de propriedade e seus reflexos para os direitos fundamentais
Ao se procurar entender a forma como os romanos visualizavam o direito de
propriedade, é indispensável ter em mente que o Direito romano sequer possuía um conceito
abstrato ou mesmo uma definição de propriedade (SCIALOJA, 1933, p. 263; BONFANTE,
1944, p. 195; SCHULZ, 1990, p. 174).6
Miquel (1992) afirma que, se nas fontes romanas não se encontra uma definição de
propriedade, existem várias definições cuja origem o direito contemporâneo atribui ao Direito
romano. Escreveu o autor, nestas palavras:
[...] en realidad, cada época fue capaz de destilar de las fuentes romanas el
concepto de propriedad que más le convenía, que resultaba más adecuado a sus
concepciones económico-sociales. Partiendo de frases sueltas, auténticos retazos de
fuentes romanas, cada época confeccionó sus definiciones de propriedad para
cubrirlas con el manto de la autoridad del Derecho romano. De este modo, el
concepto de propriedad se ve reflejado en el espejo de las fuentes romanas. Los
textos romanos se limitaban a devolver la imagen de la propriedad que cada época
situaba ante ellos (MIQUEL, 1992, p. 165).
6
Os estudiosos do Direito romano referem ter se formado com relativo atraso o conceito de propriedade na
língua latina. O mesmo ocorreu com o pensamento jurídico germânico e alemão medieval pois, à semelhança do
Direito romano, faltava-lhe o grau de abstração para assim obter condições para elaborar um conceito universal
de propriedade. Inexistia um conceito para identificar a aquisição de direitos sobre coisas, mas havia numerosos
conceitos, como “próprio”, “herança”, “bem”, “bem móvel”, além de outros conceitos jurídicos análogos. O
conceito abstrato de propriedade na linguagem jurídica alemã era conhecido desde o século XIII e o seu objeto
não se limitava apenas aos bens móveis e imóveis do direito privado, mas inclusive “privilégios”, como
excelência de julgamento (Gerichtsherrlichkeit) e outras regalias. “Im Mitttelpunkt aber stand der Begriff der
‘gewere’, der ursprünglich kein Recht, sondern nur ein tatsächliches Verhältnis zur Sache bezeichnete und
daher im modernen Schrifttum mit dem Ausdruck ‘Besitz’ umsschrieben wird. Der Rechtsbegriff ‘Besitz’
bürgerte sich im Zuge der Rezeption als Übersetzung der römisch-rechtsbeziehung zu Sachen (und unfreien
Personen) setzte sich allmählich ‘eigen’ – Begriff als eine Art Oberbegriff durch. Neben dem Voll-E. (Allod)
fielen darunter auch Nutzungs und Leiherechte, die ihren Ausdruck in der gewere fanden” [Porém, no centro
encontrava-se o conceito da “gewere”, que originalmente não designava nenhum direito, mas apenas uma
relação de fato com a coisa, e, por isso, é descrito na literatura moderna com a expressão “posse” (Besitz). O
conceito jurídico “posse” (Besitz) afirmou-se, no decurso da recepção, como tradução da “possessio” do Direito
romano. Para designar a relação jurídica com coisas (e pessoas não-livres), foi se impondo, lentamenre, o
conceito “próprio”, como uma espécie de conceito superior. Ao lado da propriedade plena (Allod), eram por ele
abrangidos, também direitos de uso e mútuo, que encontravam sua expressão na “gewere”].
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O autor ilustra sua afirmação com uma série de exemplos, dois dos quais são a seguir
comentados. A definição do humanista holandês Noodt é característica: “Est dominium ius
pro arbitratu de re disponendi, praeter si quid vi aut iure prohibeatur”7 (MIQUEL, 1992, p.
166). A referência à força (vi) é o mais estranho, e, em outros autores inexiste; tampouco,
resulta apropriado igualar os planos do fático e do normativo (vi aut iure). Existe outra
célebre definição de propriedade: “Ius utendi et abutendi, quatenus iuris ratio patitur”8
(MIQUEL, 1992, p. 167). É comum a citação desta definição para grifar as faculdades
ilimitadas que possuía o proprietário em Roma, chegando-se a permitir, inclusive, que o
proprietário pudesse destruir a coisa. Todavia, esta conclusão funda-se numa intolerável
confusão, por que em Roma uti e abuti são palavras utilizadas para a classificação das coisas.
As res quae in abusu consistunt são as coisas consumíveis e para ser feito o seu uso adequado
elas devem ser consumidas (GATTI, 1996).9 Especificamente sobre esta confusão Betti
(1947, p. 370) é conclusivo:
Infine la definizione che caratterizza la proprietà come un “ius utendi et abutendi re
sua” è desunta da un testo – D. 5, 3, 25, 11 - dove si esonerano da responsabilità i
possessori di buona fede “si quid dilapiverunt, perdiderunt, dum re sua abuti
putant”: nella quale formula “abuti” non ha il significato di abusare, ma di
consumare.10
Em comparação com isso é oportuno, para se entender a propriedade ao longo da
história, dirigir a vista para a síntese conceitual proposta por Biondi (1956, p. 220-221) para a
evolução do direito de propriedade:
[...] la storia della proprietà si può descrivere sinteticamente come una continua
attenuazione dell’elemento individualistico in correpondenza ad una maggiore
penetrazione dell’elemento sociale, la quale viene attuata da una continua
legislazione, che arriva fino ai nostri giorni, ed incide profondamente soprattutto in
momenti di crisi e nuovi orientamenti sociali.11
7
“El dominio es el derecho de disponer sobre la cosa a menos que lo impida la fuerza o el derecho”.
“El derecho de usar y abusar de la cosa hasta donde lo permita la razón del derecho”.
9 Conforme Gatti (1996), Ihering aponta as restrições à propriedade no Direito romano originadas do interesse
social para os bens móveis e imóveis. Destaca o autor o exemplo da destinação das terras incultas e abandonadas
para outros nela produzirem, visando o interesse social na ampliação da produção de alimentos e tributos para o
Estado romano. Mais interessante é o exemplo referente aos bens móveis, onde o autor comenta que o abuso da
propriedade não representa um risco para a sociedade, mas mesmo assim sua destruição injustificada não pode
ser aceita, citando Ulpiano (D. 11, 7, 14, 5): “Non autem oportet ornamenta cum corporibus condi, nec quid
aliud huiusmodi, quod homines simpliciores faciunt” (Mas no se deben enterrar con los cadáveres los
ornamentos, ni alguna otra cosa semejante, como hacen los hombres más cándidos) (GATTI, 1996, p. 95).
10 Por fim a definição que caracteriza a propriedade como um “ius utendi et abutendi re sua” é deduzida de um
texto – D. 5, 3, 25, 11 – onde são exonerados da responsabilidade os possuidores de boa fé “si quid
dilapidaverunt, perdiderunt, dum re sua abuti putant”: fórmula em que “abuti” não tem o significado de abusar,
mas de consumir.
11 [...] a história da propriedade se pode descrever sinteticamente como uma contínua atenuação do elemento
individualista em favor de uma maior penetração do elemento social, a qual vem expressa em uma contínua
8
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Para o autor, no âmbito do Direito romano, são profundas as transformações desde a
antiga concepção da propriedade como um poder quase soberano, até a concepção justiniana,
permeada de um novo espírito social.
Rabel (1955) afirma que embora não se tenha definido a propriedade no Direito
romano, indiretamente, pode-se associá-la ao domínio amplo sobre a coisa. Nas palavras do
autor:
Er behandelt unter dem Keineswegs alten Namen, rei dominium bewegliches und
unbewegliches Gut, originären und abgeleiteten Erwerb gleich und stellt den
Eigentümer gegen Staat und Private unabhängig als einen unmittelbaren Herrn der
Sache. Dieser einfache juristische Begriff war ein ebenso gewaltiger Fortscritt nach
den primitiven Besitzrechten der Antike, als nachmals nach vielen Jahrhunderten ein
Ansporn und Hebel zur Wegräumung der feudalen Bindungen des Bodens, bis heute
ein unentbehrliches technisches Hilfsmittel der Rechtswissenschaft – wie gegen
manche vermeintlich nationalökonomische oder logische Anfechtungen betont
werden muβ. Eine Definition geben die Römer gar nich die in ihrem Sinn gebildete
herkömmliche Umschreibung genügt aber durchaus: das Eigentum ist die
grundsätzlich unbeschränkte Herrschaft über eine (körperliche) Sache (RABEL,
1955, p. 53).12
O conteúdo da propriedade romana foi limitado juridicamente, podendo-se citar os
exemplos dos poderes dos proprietários de escravos que foram limitados na época imperial
(JÖRS; KUNKEL, 1965, p. 94 e ss; SCIALOJA, 1933, p. 307 e ss), e a propriedade
imobiliária que foi multiplamente limitada por relações de vizinhança e também de direito
público. Comenta assim Betti (1947, p. 371):
Anche le definizioni moderni, inspirate, consapevolmente o meno, a certo assurdo
individualismo delle vedute liberali, perdono di vista la socialità nella funzione
normativa dell diritto, e traggono illazioni ingiustificate da talune caratteri
ch’erano peculiari della sola proprietà fondiaria romana nell’epoca più antica.13
A visão de propriedade do Direito romano, com certeza, reflete muitos dos conflitos
legislação, que chega até nossos dias, e incide profundamente, sobretudo, em momentos de crise e de novas
orientações sociais.
12 Sob o nome, nada antigo, de “rei dominium”, este conceito trata igualmente bens móveis e imóveis, aquisições
originárias e derivadas, e coloca o proprietário independentemente contra o Estado e pessoas privadas, como um
imediato senhor da coisa. Este simples conceito jurídico foi um avanço tão violento, após os primitivos direitos
de propriedade da antiguidade, como posteriormente, após muitos séculos, um estímulo e uma alavanca para o
afastamento dos vínculos feudais do solo, até hoje um indispensável recurso técnico de auxílio – como deve ser
acentuado contra diversas impugnações pretensamente econômico-nacionais ou lógicas. Uma definição os
romanos realmente não dão, porém, a descrição que em seu sentido se formou pela tradição, é, de fato,
suficiente; a propriedade é o domínio fundamentalmente ilimitado sobre uma coisa (corpórea).
13 Também as definições modernas, inspiradas, conscientemente ou não, em certo absurdo individualismo da
visão liberal, perdem de vista a sociabilidade na função normativa do direito, e induzem inferências
injustificadas a algumas características que eram peculiares apenas da propriedade fundiária romana na época
mais antiga.
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e analisa o caso concreto, pouco desenvolvendo o conceito abstrato dos institutos jurídicos.
Isto evidencia que tomar um caso concreto como referencial único para todo o Direito romano
é um equívoco, pois um outro caso concreto, pode levar a soluções diferentes, além do fato de
se dever ter em consideração as pessoas envolvidas e o local onde o caso concreto se
desenrola.
3 Propriedades sob a ótica romana
No Direito romano clássico, a expressão ius in re não coincide com o conceito
jurídico hoje denominado direito real. Os romanos não elaboraram um conceito de direitos
reais e não tiveram um nome para representar estes direitos. Esta noção só veio se formar
muito mais tarde, a partir do século XVIII, com Pothier, passando aos romanistas do século
XIX e, também, a uma parcela de autores modernos (VILLEY, 1976, p. 100 e ss, p. 187 e
ss).14
Miquel (1992) adverte que não se pode transferir modelos conceituais aplicáveis ao
direito contemporâneo para se compreender os instrumentos do Direito romano. O autor lança
a pergunta que os modernos romanistas têm-se feito:
¿Hasta qué punto conocieron los romanos la distinción entre ambas clases de
Derechos? Este problema está íntimamente enlazado con otro que ha sido discutido
vivamente por la moderna romanística: ¿Hasta qué punto es lícito utilizar
categorías conceptuales, procedentes de la moderna dogmática jurídica, para
aplicarlas a las fuentes romanas?¿No quedará de esta manera deformada la visión
jurídica genuinamente romana? (MIQUEL, 1992, p. 157).
14
Pugliese (1988, p. 755-776), com uma interpretação totalmente divergente, considera a expressão ius in re
equivalente a concepção contemporânea dos direitos reais, assim dizendo: “È facile ammettere che il concetto di
ius in re risultante da questa elaborazione di Glossatori non abbia rispecchiato esattamente né gli istituti
positivi romano-classici, né quelli del diritto giustinianeo, e che, d'altro canto, esso appaia semplicistico o
insufficiente rispetto alle teorie della dottrina moderna. Ma ciò non significa che il ius in re dei Glossatori sia
qualcosa di diverso dal diritto reale”. (É facil admitir que o conceito de ius in re resultante desta elaboração dos
Glosadores não tinha respeitado exatamente nem os institutos positivos romano-clássicos, nem aqueles do direito
justinianeo, e que, por outro lado, isso parecia simplista ou insuficiente em relação à teoria da doutrina moderna.
Mas isto não significa que o ius in re dos Glosadores seja qualquer coisa diferente do direito real). Ver, também,
Miquel (1992, p. 159 e ss). Grossi (1992, p. 385-437) refere: “Pothier è l’ultimo dei giuristi vecchi, non il primo
dei giuristi nuovi. Un solido filo conduttore, che corre senza discontinuità e cesure, lo lega alla cospicua
consolidazione dottrinale del diritto nazionale francese, ai Dumoulin. ai Le Caron, ai Loisel, agli Choppin, così
come alle legione dei commentatori del droit coutumier e allo stulo dei feudisti. Pothier è certamente uno di
loro”. (Pothier é o último dos juristas antigos, não o primeiro dos juristas novos. Um sólido fio condutor, que
corre sem descontinuidade e cortes, o liga à grande consolidação doutrinal do direito nacional francês, a
Dumoulin, a Le Caron, a Loisel, a Choppin, assim como à legião dos comentadores do droit cutumier e a
multidão dos feudalistas. Pothier é certamente um deles). Neste estudo, independente de se situar ao final ou ao
início de um período, o que merece destaque é o fato de Pothier ser um jurista importante que contribuiu para
moderna compreensão da propriedade. Ver, ainda, Graziani (1979, p. 14 e ss), sobre o reconhecimento dos
direitos reais e no que toca à polêmica contribuição da obra de Pothier.
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E, responde, afirmando que não se deve tomar de empréstimo polêmicas que são
próprias de nossa moderna civilística (MIQUEL, 1992, p. 157 e ss).15 Por isso a terminologia
utilizada pelo Direito romano é diferente, uma vez que eles, inicialmente, para a representação
das coisas referiam: a res (coisa) e a bona (bens). Estes termos têm uma pluralidade de
significados (MIQUEL, 1992, p. 83).
Segundo Miquel (1992, p. 83), res teve três acepções fundamentais: I. patrimônio; II.
objeto de direito; e III. coisa corporal sobre as quais recaem os direitos reais. A palavra res
escreve-se da mesma forma tanto no singular quanto no plural e serve para designar os entes
materiais (um livro, uma mesa), como também naturais, sejam animados (um escravo, um
boi) ou inanimados (ouro, cobre). Esta expressão latina serve para designar tudo que de
alguma forma concerne ao homem (DI PIETRO, 1996, p. 103 e ss). Res em sentido próprio é
todo o objeto do mundo exterior sobre o qual podem recair direitos. Gaio buscou dos filósofos
(IGLESIAS, 1952, p. 206) a distinção entre res corporis e res incorporis e a incorporou no
âmbito jurídico. As primeiras são as coisas que podem ser tocadas, como a terra, um escravo,
uma roupa, uma massa de ouro ou de prata (quae tangi possunt); e as últimas são as que não
se pode tocar (quae tangi non possunt), como a herança, um usufruto, as obrigações, as
servidões rústicas e urbanas (IGLESIAS, 1994, p. 206). Conforme descreve Iglesias (1994, p.
207):
[...] Gayo no enumera entre os derechos – res incorporales – la propriedad, por
considerar materializado el derecho en su objeto; la propriedad queda absorbida
en las res corporales. Con esta distinción no se destruye ni se amplía el concepto
proprio de res, que se refiere siempre a la cosa material, al corpus. No se trata, en
realidade, de una distinción técnica entre las res sino de una clasificación de
elementos del patrimonio, en la cual la propriedad se unimisma con la cosa. Res se
entiende aquí en el sentido de elemento patrimonial. El patrimonio está constituido
por cosa – se nombran las cosas en lugar del derecho de propriedad – y por
derechos: derechos sobre cosa ajena, créditos, titularidad de una herencia, etc. Por
derechos patrimoniales distintos del derecho de propriedad, que se confunde con la
cosa sobre que recae; que es, en todo caso, res incorporalis.
Esta distinção não é técnica, mas uma classificação onde se entende res no sentido de
elementos do patrimônio (DI PIETRO, 1996, p.104 e ss).16
15
Gadamer (1996, p. 373) comenta assim: “Es también interesante hablar de horizonte en el marco de la
comprensión histórica, sobre todo cuando nos referimos a la pretensión de la conciencia histórica de ver el
pasado en su propio ser, no desde nuestros patrones y prejuicios contemporáneos sino desde su propio horizonte
histórico. La tarea de la comprensión histórica incluye la exigencia de ganar en cada caso el horizonte
histórico, y representarse así lo que uno quiere comprender en sus verdaderas medidas”. A respeito do ponto de
vista de Savigny, expoente da escola histórica, ver, supra, nota 1, Primeira Parte.
16 Patrimônio é o conjunto de coisas que pertencem a uma pessoa, fazem parte as res corporales e as res
incorporales. Em Roma, a idéia de patrimônio não era concebida como um “atributo da personalidade”. As
mulheres, por exemplo, poderiam ter patrimônio, mas não possuíam o alieni iuris. Os filhos e os escravos
276
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Ulpiano17 (CUERPO DEL DERECHO CIVIL ROMANO, 1988a, p. 917) explica
como o termo bona aplica-se a uma concepção natural ou civil: natural no sentido de coisas
que são suscetíveis de produzir uma utilidade, e civil no sentido de patrimônio, ou seja,
conjunto de bens e direitos.
Para os romanos, as classificações das coisas sempre tiveram um sentido prático
porque não houve a preocupação de desenvolver uma teoria dos direitos reais, mas a solução
dos problemas cotidianos enfrentados.
Gaio18 (apud GROSSO, 1974, p. 2 e ss) propôs uma classificação das coisas para
permitir uma distinção entre res in patrimonio e res extra patrimonium, ou seja, para que
assim se possa definir o limite do patrimônio de alguém. Muitos autores definem como uma
classificação ampla isto que nada mais é que o enunciado do objeto deste capítulo das
Institutas de Gaio (CORREIA; SCIASCIA; CORREIA, 1955, p. 74-75).
Gaio dividiu as coisas em dois grupos: as coisas de direito divino (res divini iuris) e
as coisas de direito humano (res humani iuris). As coisas de direito divino não podiam
pertencer a ninguém; por outro lado, ordinariamente as coisas de direito humano estavam
entre os bens de alguém (res privatae), a exceção do caso em que eram consideradas
pertencentes à própria comunidade (res publicae). As res privatae eram as que se considerava
ser objeto de negócio jurídico patrimonial, inclusive as res nullius e as res derelicta, que
podiam em um momento não ter dono, mas podiam vir a tê-lo (CORREIA; SCIASCIA;
CORREIA, 1955, p. 74-75). Esta divisão formulada por Gaio consta nas Institutas de
Justiniano.
As res divini iuris incluíam as coisas consagradas aos deuses superiores, como
templos, terrenos, edifícios, altares e monumentos dedicados às divindades, mediante uma
cerimônia sagrada (dedicatio ou consecratio), denominadas res sacrae; também comportavam
as coisas relacionadas com os ritos religiosos mais comuns, as res religiosae, cujo exemplo
careciam de patrimônio, mas tinham um pecúlio, que era algo diferente. Patrimônio em Roma tem um
significado por vezes jurídico, incluindo o ativo e o passivo, e por vezes econômico.
17 Ulpiano (D. 50, 16, 49): “Bonorum appellatio aut naturali,s aut civilis est; naturaliter bona ex eo dicuntur,
quod beant, hoc est, beatos faciunt: beare est prodesse. In bonis autem nostris computari sciendum est, non
solum quae dominii nostri sunt, sed et si bona fide a nobis possideantur vel superficiaria sint. Aeque bonis
adnumerabitur, etiam si quid est in actionibus, petitionibus, persecutionibus; nam haec omnia in bonis esse
videntur”. (La palabra bienes tiene una significación o natural, o civil; en la natural se llaman bienes porque
bonifican, esto es, hacen feliz; bonificar es hacer provecho. Pero se ha de saber, que se computan en nuestros
bienes no solamente las cosas que están en nuestro dominio, sino también si de buena fe fueran poseídas por
nosotros, o si tuvieran superficie. Igualmente se contará en los bienes también lo que importen las acciones, las
peticiones, y las acciones persecutorias; porque se considera que todo esto está en los bienes.)
18 Gaio foi essencialmente um mestre de escola e seu manual atendia exigências didáticas, não se sabendo ao
certo qual o período em que ele viveu, mas os seus escritos nos chegaram ao conhecimento quase que na sua
íntegra e fazem parte de uma das fontes importantes para o conhecimento do direito romano.
277
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
mais evidente são as tumbas e os sepulcros; neste grupo estavam também as res sanctae,
assim denominadas porque a sua violação tinha como consequência uma sanção (sanctio), tais
como os muros e portas da cidade e os limites dos terrenos (DI PIETRO, 1996, p. 105-106;
IGLESIAS, 1994, p. 208-210). Esta ideia segue presente nos dias de hoje e justifica o fato dos
templos religiosos não pagar tributos o que tem sido objeto de critica, mas que neste artigo
não será objeto de ponderação, apenas de registro.
Dentre as coisas comuns pertencentes à comunidade, podem ser identificadas as res
communes, que eram as coisas comuns a todos os homens, como o ar, a água corrente, o mar e
suas costas, e as res publicae referidas especificamente às coisas que eram do Populus
Romanus. Di Pietro (1996, p. 106-107), refere o Corpus Iuris Civilis para identificar as res
communes como originadas do direito natural:
Iustiniani Institutione (2.1.1): “Et quidem naturali iure communia sunt omnium
haec: aër et aqua profluens et mare et per hoc litora maris. Nemo igitur ad litus
maris accedere prohibetur, dum tamen villis et monumentis et aedificiis abstineat,
quia non sunt iuris gentium, sicut et mare”.19
As coisas do Populus Romanus foram àquelas coisas destinadas ao uso comum pelo
ato formal da Publicatio, como as ruas e logradouros, teatros e estádios, existindo neles,
contudo, concessões de direitos particulares que, como o uso comum acessível a qualquer
cidadão, eram regulamentados e protegidos por muitos interditos (RABEL, 1955, p. 49). Gaio
descreve assim as coisas comuns: Gaio (2,11): “Quae publicae sunt, nullius videntur in bonis
esse ipsius enim universitatis esse creduntur. Privatae sunt quae singulorum hominum sunt”
(CORREIA; SCIASCIA; CORREIA, 1955, p. 74-75).20
Segundo o costume, as estradas, rios e portos eram tratados de forma semelhante,
servindo também ao uso comum, assim como o porto fluvial. De acordo com Gaio:
Gaio (D. 1, 8, 5): “Riparum usus publicus est iure gentium, sicut ipsius fluminis.
Itaque navem ad eas appellere, funes ex arboribus ibi natis religare, retia siccare et
ex mari reducere, onus aliquid in his reponere cuilibet liberum est, sicut per ipsum
flumem navegare. Sede proprietas illorum est, quorum praediis haerent; qua de
causa arbores quoque in his natae eorundem sunt” (CUERPO DEL DERECHO
CIVIL ROMANO, 1988b, p. 226).21
19
(Por direito natural são comuns tôdas as coisas seguintes: o ar, a água corrente, o mar e o seu litoral; pois a
ninguém se pode impedir o acesso ao litoral, contanto que se abstenha de tocar nas quintas, nos monumentos e
edifícios, coisas que não são de direito das gentes, como o mar.) Ver também Correia, Sciascia e Correia (1955,
p. 358-359).
20 (As coisas públicas reputam-se como não estando entre os bens de ninguém; pois são consideradas da própria
comunidade. Privadas são as coisas dos particulares.). Ver também, para mais informações, Rabel (1955, p. 49).
21 (Es público por el derecho de gentes el uso de las riberas, asi como el del mismo rio. Y asi, cualquiera tiene
liberta para acercar a ellas su nave, atar curdes de los árboles alli nacidos, tender a secar y sacar del mar las
278
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O mar e o litoral marítimo foram considerados por Marciano como coisas livre por
natureza: Marciano (D. 1, 8, 2, 1): “Et quidem naturali iure omnium communia sunt illa: aër,
aqua profluens, et mare, et per hoc litora maris”22 (CUERPO DEL DERECHO CIVIL
ROMANO, 1988b, p. 225).
Neratio considerava o mar e a costa marítima como coisas livres para serem
ocupáveis, sendo possível pescar e construir apenas conforme o costume e, em relação à
construção, a aquisição da propriedade existia enquanto esta subsistisse:
Neratio (D. 41, 1, 14): “Quod in litore quis aedificaverit, eius erit; nam litora
publica non ita sunt, ut ea, quae in patrimonio sunt populi, sed ut ea, quae primium
a natura prodita sunt, et in nullius adhuc dominium pervenerunt; nec dissimilis
condictio eorum est, atque piscium et ferarum, quae simul atque apprehensae sunt,
sine dubio eius, in cuius potestatem pervenerunt, dominii fiunt” (CUERPO DEL
DERECHO CIVIL ROMANO, 1988b, p. 305).23
Em sentido oposto, Celso compreendia o litoral como o direito de soberania estatal,
imperium (RABEL, 1955, p. 49):
Celso (D. 43, 8, 3, 1): “Litora, in quae populus Romanus inperium habet populi
Romani esse arbitror. Maris communem usum omnibus hominibus, ut aëris,
iactasque in id pilas eius esse, qui iecerit; sed id concedendum non esse, si deterior
litoris marisve usus eo modo futurus sit” (CUERPO DEL DERECHO CIVIL
ROMANO, 1988b, p. 418).24
As coisas também foram classificadas no Corpus Iuris Civilis segundo um critério
muito semelhante: a res in commercium e a res extra commercium. A primeira inclui as coisas
que são objeto de atos ou negócios jurídicos, e a segunda compreende as coisas excluídas do
comércio (IGLESIAS, 1994, p. 207).
Os romanos também distinguiram as coisas em consumíveis e não consumíveis,
estabelecendo para cada uma das categorias determinadas peculiaridades que as limitavam na
forma de dispor dos direitos a elas concernentes. A título de exemplo, pode-se observar
redes, y acomodar en ellas alguna carga, asi como navegar por el mismo rio. Pero la propieda es de aquellos
con cuyos predios colindan; por cuya causa son también dellos mismos los árboles en ellas nacidos.) Ver, para
mais informações Rabel (1955, p. 49).
22 (Y ciertamente son comunes a todos por derecho natural estas cosas: el aire, el agua corriente, y el mar, y
consiguientemente las costas del mar.)
23 (Lo que alguno hubiere edificado en un litoral será suyo; porque los litorales públicos no son como las coas
que están en el patrimonio del pueblo, sino como las que en un principio fueron producidas por la naturaleza, y
no llegaron todavía al dominio de nadie; y no es diferente la condición de otras cosas, como los peces y los
animales silvestres, los cuales tan pronto como fueron cogidos se hacen sin duda del dominio de aquél á cuyo
poder fueron.)
24 (Estimo que son del pueblo romano los litorales sobre los que tiene imperio el pueblo romano. El uso del mar
es común a todos los hombres, como el del aire, y los pilares echados en el son del quelos hubiere echado; pero
esto no se ha de permitir, si de este modo se hubiera de dificultar el uso del litoral o del mar.)
279
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algumas regras que constam do Corpus Iuris Civilis: Ulpiano (D. 13, 6, 3, 6): “Non potest
commodari id, quod usu consumitur, nisi forte ad pompam vel ostentationem quis accipiat” 25
(CUERPO DEL DERECHO CIVIL ROMANO, 1988b, p. 788).
Ulpiano (D. 7, 5, 1): “Senatus censuit, ut omnium rerum, quas in cuisuque
patrimonio esse constaret, ususfructus legari possit; quo Senatusconsulto inductum videtur, ut
earum rerum, quae usu tolluntur vel minuuntur, possit ususfructus legari”26 (CUERPO DEL
DERECHO CIVIL ROMANO, 1988b, p. 518).
Conforme Betti (1947), esta classificação está fundada em um critério econômicosocial do uso normal que se dá às coisas. Qualificava-se como consumível a coisa cujo uso
importa necessariamente a destruição, isto é, aquele que segundo a sua normal destinação não
são suscetíveis de um uso repetido (res quae ipso usu tolluntur; quae in absumptione
consistunt). Não consumível qualificava-se aquela cujo destinação normal comporta um uso
repetido. Entre o consumível estava compreendido o dinheiro, já que o seu uso normal
consiste em perdê-lo, não o destruindo materialmente, mas fazendo-o sair do patrimônio de
quem faz parte e transformando-o em sentido econômico (BETTI, 1947, p. 362).27
Uma outra classificação baseada em critério muito semelhante era aquela que
distinguia as coisas em fungíveis e não fungíveis. Fungíveis eram as coisas substituíveis por
outras do mesmo gênero, porque eram igualmente adequadas para adimplir a mesma função
econômico-social. Não-fungíveis eram as coisas com individualidade própria, de maneira que
não se consideravam indiferentemente substituíveis por outras (BETTI, 1947, p. 361-362).
São divisíveis as coisas que se podia fracionar, mantendo cada fração seu valor ou utilidade
econômico-social. Indivisíveis eram as coisas que, ao serem fracionadas, perdiam seu valor ou
utilidade econômico-social. Destaca, todavia, Iglesias (1994, p. 213-214), a possibilidade da
divisão jurídica de coisas fisicamente indivisíveis em frações ideais ou intelectuais, como, por
exemplo, a co-propriedade.28
As coisas também eram classificadas, segundo sua constituição em simples,
compostas e complexas. Qualificavam-se como simples aquelas coisas unitárias percebidas
25
(No pude darse en comodato lo que se consume per el uso, á no ser acaso que alguno lo reciba para pompa ú
ostentación.)
26 (Determinó el Senado, que pueda legarse el usufructo de todas las cosas que constase que existen en el
patrimonio de cualquiera; por cuyo Senado-consulto parece que se introdujo, que pueda legarse el usufructo de
aquellas cosas que se consumen ó se disminuyen por el uso.)
27 Sublinha-se que esta classificação é pertinente para que se evite atribuir o conteúdo destinado as coisas
consumíveis, para aquelas não consumíveis.
28 Marchi (1995, p. 90) conclui: “Pode-se reconhecer, finalmente, com apoio nas fontes papirológicas bizantinas
e orientais [...], a tendência do direito justinianeo para admitir de modo amplo e sem as restrições que se
impunham em época clássica a figura da proprieade horizontal”.
280
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singularmente. As coisas compostas eram formadas pela união coerente de coisas simples da
mesma natureza ou não. As coisas complexas eram um conjunto de coisas simples que não
estavam unidas entre si por algum laço material, mas que se podia consider como uma
unidade. As implicações desta classificação eram relevantes do ponto de vista jurídico, como
se pode ver, por exemplo, no comentário de Pomponio sobre a possibilidade da usucapião de
coisas simples, compostas e complexas:
Pomponio (D. 41, 3, 30): “Rerum mixtura facta an usucapionem cuiusque
praecedentem interrumpit, quaeritur. Tria autem genera sunt corporum: unum,
quod continetur uno spiritu, et graece ηνϖµενον [unitum] vocatur, ut homo,
tignum, lapis, et similia; alterum, quod ex contingentibus, hoc est pluribus inter se
cohaerentibus constat, quod συνηµµενον [connexum] vocatur, ut aedificium,
navis, armarium; tertium, quod ex distantibus constat, ut corpora plura non soluta,
sed uni nomini subiecta, veluti populus, legio, grex. Primum genus usucapione
quaestionem non habet, secundum et tertium habet”29 (CUERPO DEL DERECHO
CIVIL ROMANO, 1988b, p. 343).
Existiu ainda entre os romanos a classificação das coisas como acessórias, partes e
frutos. Acessórias eram as coisas que, unidas a outras para cumprir uma finalidade, assumiam
um papel de apenas facilitar e não determinar por elas próprias o cumprimento de uma
função, como, por exemplo, os instrumentos utilizados para a conservação de uma casa.
Partes eram as coisas que contribuíam de um modo necessário e não acidental ao perfeito
consumo ou funcionamento de um conjunto de coisas, considerado uma unidade maior, como
uma vela em relação a um barco ou um telhado em relação a uma casa. Frutos eram os
produtos que periodicamente podiam ser subtraídos das coisas sem alterar a sua essência,
como o leite das vacas, a lenha dos bosques, o rendimento do dinheiro, etc. (IGLESIAS, 1994,
p. 215-216).
Finalmente, é preciso destacar a classificação utilizada desde os tempos mais
remotos, que distinguia as coisas em res mancipi e res nec mancipi, seguindo um critério do
interesse social ou interesse individual sobre as coisas.30 No período burocrático, quando a
classificação das coisas em res mancipi e res nec mancipi não era mais utilizada, ela foi de
29
(Si pregunta, si la mezcla que se hizo de algunas cosas interrumpe la anterior usucapión de cada una. Mas
hai tres géneros de cuerpos: uno que está contenido por un solo espíritu, y que en grieco se llama ηνϖµενον
[unido], como el hombre, el madero, la piedra, y otras cosas semejantes; otro, que consta de componentes, esto
es, de varias cosas unidas entre sí, que se llama συνηµµενον [conexo], como un edificio, una nave, o un
armario; y el tercero que consta de partes distantes, como muchos cuerpos no unidos, sino subordinados á un
solo nombre, como un pueblo, una legión, o un rebaño. El primer género no admite cuestión respecto á la
usucapión, el segundo y el tercero la admiten.)
30 Ver principalmente Bonfante (1918, p. 1-326) e Bonfante (1966, p. 201-216). Importante também é a
publicação comentando os 100 anos da obra de Pietro Bonfante sobre a res mancipi. Ver Colognesi (1988, p.
111-154).
281
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certa forma substituída por outra com uma finalidade bastante próxima: coisas imóveis e
coisas móveis. Esta nova classificação, estranha ao direito clássico, teve influências orientais,
privilegiando um sistema de formas públicas e solenes para a alienação das coisas imóveis,
que eram econômica e socialmente mais importantes (IGLESIAS, 1994, p. 212).
Delinear, mesmo que de forma breve, a maneira como os romanos visualizavam os
direitos hoje nominados como direitos reais permite uma ampliada aferição do pensamento
jurídico e possibilita definir o contexto das várias discussões referentes às origens das
propriedades.
Conclusão
Entendida como uma criação humana, a propriedade tem acompanhado as
transformações da civilização, assumindo mudanças de suas características em diferentes
estágios da evolução do homem em função de adaptações às necessidades cotidianas.
O estudo do Direito Romano, na atualidade, busca o sentido das instituições e as
soluções jurídicas romanas dos casos concretos a partir do estudo do Corpus Iuris Civilis, que
faz nascer novo interesse dos atuais pesquisadores em busca de mais elementos históricos
para os problemas atuais, com base na cultura da humanidade, guardadas as diferenças do
mundo contemporâneo bem como para o mundo romano.
A expressão iuris in re não coincide com o conceito jurídico hoje denominado de
direito real, dentro do Direito Romano Clássico. Os romanos não elaboraram um conceito de
direitos reais e não tiveram um nome para representar estes direitos. Para os romanos, as
classificações das coisas sempre tiveram um sentido prático porque não houve a preocupação
de desenvolver uma teoria dos direitos reais, mas uma solução dos problemas cotidianos
enfrentados.
Certamente a visão de propriedade do Direito Romano, reflete muito dos conflitos e
analisa os casos concretos, pouco desenvolvendo o conceito abstrato dos institutos jurídicos
hoje conhecidos. Isto evidencia que tomar um caso concreto como referencial único para todo
o Direito Romano é um equívoco, pois se trazido à baila outro caso concreto, pode levar a
soluções diferentes, além do fato de se dever ter em consideração as pessoas envolvidas e o
local onde o caso concreto se desenrola, porque a sociedade romana é fundada sob outros
pilares.
282
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
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REVERSÃO PARCIAL DOS DIREITOS AUTORIAS:
TENTATIVA DE RELEITURA DE TAIS DIREITOS À LUZ DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988, COMO FORMA DE
EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
PARTIAL REVERSAL OF THE COPYRIGHT: REREADING OF
SUCH RIGHTS UNDER THE BRAZILIAN FEDERAL CONSTITUTION
(1988), AS A WAY TO CARRY OUT THE PERSONALITY RIGHTS
José Sebastião de Oliveira*
http://lattes.cnpq.br/7878157645842709
Vitor Toffoli**
http://lattes.cnpq.br/2386893662249877
RESUMO
Este artigo aborda o direito autoral num viés epistemológico, propondo o sistema de reversão
parcial do direito autoral, como exigência da relativização da autonomia privada à luz da
Constituição Federal de 1988, cujo resultado é a realização dos direitos da personalidade. Para
tanto examina a atual sistematização legal do direito autoral, com a breve exposição dos
principais dispositivos. Na sequência relaciona um dos principais problemas do direito
autoral, decorrentes, evidenciados pela era digital, mas resultantes do tradicional – e
ultrapassado – foco de tutela do direito autoral no editor, e não nos autores e leitores. Expõe e
analisa diversos dados estatísticos a respeito do tema. Apresenta uma releitura a partir da
mudança do foco da tutela desses direitos, propondo uma possível nova solução, denominada
reversão parcial de direito autoral, de nítido propósito epistemológico, e passível de aplicação,
para tanto encerra o estudo com a apresentação de uma proposta de lege ferenda para a
implementação de tal sistema.
PALAVRAS-CHAVES: Direito autoral. Reversão parcial de direito autoral. Direito da
personalidade.
ABSTRACT
This article reports the copyright from an epistemological point of view, proposing the system
of partial reversal of the Copyright Law as requirement of relativization of private autonomy
as given by the Brazil’s Federal Constitution (1988), which result is the realization of rights of
personality. To do so, it examines the current systematization's of the Brazilian copyright
system, with a brief exposition of the main legal dispositions. Afterwards, it relates this
system to one of the main problems of Copyright law, which comes to light in the digital era,
but resulting from traditional - and exceeded - focus of tutelage of copyright on the editor, and
not authors and readers. It also exposes and analyzes several statistical data regarding the
*
Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Mestre em Direito pela
Universidade Estadual de Londrina (UEL-PR); Consultor científico ad hoc da Universidade Estadual de
Londrina (UEL-PR); Docente aposentado de Direito Civil da Universidade Estadual de Maringá (UEM-PR);
Docente de Direito Civil do Centro Universitário de Maringá (Cesumar-PR); Docente e Coordenador do Curso
de Mestrado em Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá (Cesumar-PR); Advogado na Comarca
de Maringá (PR). E-mail: [email protected]
**
Mestrando do Programa de Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá (Cesumar-PR). Bacharel
em Direito pela Universidade Estadual de Maringá-PR. Assessor de Magistrado. Docente. E-mail:
[email protected]
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
theme. Yet, it presents a rereading from the change of the focus tutelage these rights’ tutelage,
proposing a possible new solution, known as partial reversal of copyright, of clear
epistemological purpose, and prospective to application, concluding with the proposal of lege
ferenda of such a system.
KEY-WORDS: Copyright. Copyright Partial Reversal. Personality rights.
INTRODUÇÃO
O direito autoral, gênero da propriedade intelectual, é direito da personalidade. Sua
efetiva tutela há tempos tem sido objeto de estudo, sendo que as modernas formas de difusão
da criação humana propiciadas pela era digital, tais como a distribuição e disponibilização on
line de obras, a facilitação de cópias “piratas”, entre outros, evidenciaram a dificuldade de
tutela de tais direitos, e, de certa forma, um fracasso na tentativa de controle das violações por
meio do endurecimento das leis.
Partindo disso, a investigação acadêmica procurou localizar as razões dos problemas
envolvendo a tutela de tais direitos, buscando não reduzir o estudo às tradicionais lições,
visando uma análise sistemática desse direito, juntamente com a relativização da autonomia
privada, no Brasil, com força, a partir da Constituição Federal de 1988, e da teoria dos direitos
da personalidade.
Justifica-se a intervenção acadêmica, como meio de estudo da efetivação do direito
autoral, à luz da Constituição Federal e dos garantidos direitos da personalidade, entre eles o
próprio direito autoral, buscando elementos que possam prestar à evolução em tal direito no
que diz respeito à realização da pessoa, com foco especial ao autor e editor, evitando a
compilação das usuais soluções modais, consistentes no endurecimento da legislação, quase
sempre às cegas e dilacerador na constante revisão epistemológica necessária à evolução do
direito, da ciência, enfim, do ser humano.
Delimitou-se o objeto de estudo à violação de direito autoral pela não remuneração
da distribuição de cópias de obras escritas pela internet, ou seja, o download sem o
recolhimento de direito autoral, bem como seus reflexos, para evitar discussões
demasiadamente superficiais e pouco científicas.
Para tal fim, por meio do método teórico, começou-se pela justificação teórica do
estudo, elaborando breve levantamento da legislação correlata ao tema e apresentando as
críticas adequadas, depois se iniciou a revisão epistemológica do assunto, tecendo
comentários pertinentes, questionando a atual titularidade dos direitos autorais, a tradicional
forma de proteção legal, bem como identificando uma das possíveis fontes do problema do
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direito autoral na contemporaneidade, a partir disso, foram expostos diversos dados
investigativos, criando-se projeções bem como análises e plausíveis conclusões parciais em
razão de tais dados, com emprego do método survey investigatório, para, por fim, propor uma
inédita teoria, denominada “reversão parcial dos direitos autorais” (com proposta de lege
ferenda), como sendo, junto com as necessárias adaptações dos sistemas alternativos na seara
do direito autoral, em especial o creative commons, um começo de solução para a efetivação
de tal direito da personalidade.
1
JUSTIFICATIVA
INICIAL
BREVES
COMENTÁRIOS
SOBRE
A
LEGISLAÇÃO CORRELATA AO TEMA
Parece ter sido esquecido, há algum tempo, no estudo do direito autoral a revisão
epistemológica, questionadora do que está posto, e, até mesmo, das “soluções” que, quase
sempre, caminham sobre um mesmo viés, em outras palavras, o simples endurecimento legal
e a criação de sistemas paralelos, como é o creative commons e o fair use, não parece, na
realidade da civil law na qual se insere o ordenamento brasileiro, suficiente para melhorar
substancialmente a questão do direito autoral, no enfoque dos direitos da personalidade, em
especial, dos autores e dos leitores.
O problema sobre o direito autoral, à que se refere o parágrafo acima, evidencia-se
na era digital, isso porque, como escreveu o saudoso Imre Simon:
Toda a tecnologia da rede é baseada em intercâmbios de pequenos pedaços de
informação enviados de um computador para outro. Tais pedaços passam por muitos
computadores intermediários através de caminhos intrinsicamente imprevisíveis.
Inúmeras cópias dos pedaços de informação são feitas neste processo. 1
Partindo desse pressuposto tecnológico que permite a feitura de cópias
absolutamente fiéis de quaisquer dados, documentos, imagens, sons, filmes ou quaisquer
combinações destas formas de informação, e a um custo bastante reduzido 2, despontou no
direito autoral uma espécie de crise, que nos bastidores parece levar ao risco da extinção de tal
direito.
E, como resposta a essa crise ocorreu endurecimento e ampliação, tanto da tutela
civil como penal, esta última, em especial, por meio da lei nº 10.695, de 1º de julho de 2003,
1
SIMON, Imre. A Propriedade Intelectual na Era da Internet. 29 fev. 2000. Disponível em: <
http://www.ime.usp.br/~is/>. 19 set. 2012.
2
SIMON, Imre, loc. cit.
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que completará, logo mais, 10 anos, e cujos resultados, a experiência comum demonstra
serem altamente questionáveis.
Em relação às violações civis a Lei nº 9.610/1998 prevê as sanções nos arts. 102 a
110, se aplicando, ainda, no que couber, o regime geral dos atos ilícitos, sobretudo o disposto
nos artigos 186 e 187 do Código Civil (Lei nº 10.406/2002).
Das referidas sanções, destacam-se o art. 102, 104 – 106, 107, IV, in verbis:
Art. 102. O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de
qualquer forma utilizada, poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos
ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível. [...]
Art. 104. Quem vender, expuser a venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em
depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade
de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para
outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos
precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso
de reprodução no exterior.
Art. 105. A transmissão e a retransmissão, por qualquer meio ou processo, e a
comunicação ao público de obras artísticas, literárias e científicas, de interpretações
e de fonogramas, realizadas mediante violação aos direitos de seus titulares, deverão
ser imediatamente suspensas ou interrompidas pela autoridade judicial competente,
sem prejuízo da multa diária pelo descumprimento e das demais indenizações
cabíveis, independentemente das sanções penais aplicáveis; caso se comprove que o
infrator é reincidente na violação aos direitos dos titulares de direitos de autor e
conexos, o valor da multa poderá ser aumentado até o dobro.
Art. 106. A sentença condenatória poderá determinar a destruição de todos os
exemplares ilícitos, bem como as matrizes, moldes, negativos e demais elementos
utilizados para praticar o ilícito civil, assim como a perda de máquinas,
equipamentos e insumos destinados a tal fim ou, servindo eles unicamente para o
fim ilícito, sua destruição.
Art. 107. Independentemente da perda dos equipamentos utilizados, responderá por
perdas e danos, nunca inferiores ao valor que resultaria da aplicação [...]
IV - distribuir, importar para distribuição, emitir, comunicar ou puser à disposição
do público, sem autorização, obras, interpretações ou execuções, exemplares de
interpretações fixadas em fonogramas e emissões, sabendo que a informação sobre a
gestão de direitos, sinais codificados e dispositivos técnicos foram suprimidos ou
alterados sem autorização.3
Especial destaque se dê o art. 107, que ao prever a proteção de forma geral, abarca as
violações das mais diversas formas, incluindo aí, as cujo suporte seja exclusivamente digital,
ou que a violação ocorra por esse meio.4
No mais, os dispositivos legais são autoexplicativos, mesmo em obras como de Jaury
Nepomuceno de Oliveira e João Willington que tecem comentários artigo por artigo da lei 5,
3
BRASIL.
Lei
nº
9.610,
de
19
de
fevereiro
de
1998.
Disponível
em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9610.htm>. Acesso em: 26 dez. 2012.
4
OLIVEIRA, Jaury Nepomuceno de; WILLINGTON, João. Anotações à Lei do Direito Autoral: lei nº
9.610/98. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 148.
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como na consagrada obra de Carlos Alberto Bittar6, a literatura se restringe a tecer anotações
gerais e praticamente cópias do próprio texto.
Na esfera penal interessante anotar, antes, que a tutela penal só foi inserida no
sistema jurídico pátrio com o Código Criminal do Império de 1830, que dispunha sobre o
direito autoral, como modalidade de furto (art. 261). Mais tarde, em 1890, a tutela passou a
dar-se em Capítulo próprio (capítulo V do título XII), nos arts. 345 a 350. A Consolidação das
Leis Penais de 1932 repetiu fórmula semelhante ao Código de 1890. Em 1940 o atual Código
Penal (Decreto-Lei nº 2.848 de 7.12.1940), passou a tutelar o direito autoral. 7
Os tipos penais estão previstos na Parte Especial do Código Penal, Título III – Dos
Crimes contra a Propriedade Imaterial, Capítulo I – Dos Crimes Contra a Propriedade
Intelectual, arts. 184-186.
A redação do referido dispositivo sofreu três grandes alterações legislativas, nesse
sentido:
Com o advento da Lei 6.895, em 17 de dezembro de 1980, a redação do caput do
art. 184 se tornou mais ainda simplificada. Com efeito, foram retirados os termos
‘obra literária, científica ou artística’, restando apenas a expressão ‘violar direito
autoral’. Entretanto, essa não foi a única alteração introduzida; também substituiu-se
o parágrafo único por dois parágrafos, com o acréscimo de novas figuras delitivas.
Em 1993, a Lei 8.635, de 16 de março, conferiu nova redação ao dispositivo. No
§1.º, houve a substituição da expressão ‘para fins de comércio’ por ‘com o intuito de
lucro’, conferindo maior amplitude ao dispositivo. No §2.º, além da introdução dos
núcleos ‘aluga’, ‘empresta’, e ‘troca’ à descrição de conduta típica, também se
substituiu o termo ‘para o fim de venda’ por ‘com o intuito de lucro’.
A Lei 10.695, de 1.º de julho de 2003, introduziu significativas alterações na redação
do art. 184 e nos §§ 1.º a 3.º [...]8
Para esse estudo, duas são as principais formas de violação relevantes: a) cópia não
autorizada de livros, periódicos, escritos, artigos científicos; e b) distribuição não autorizada
das criações citadas no item anterior, deliberadamente se excluí da análise o plágio e a
usurpação de nome ou de pseudônimo, para fins de delimitação teórica.
Dispõe o art. 184 do Código Penal:
Violação de direito autoral
Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: (Redação dada pela Lei
nº 10.695, de 1º.7.2003)
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. (Redação dada pela Lei
nº 10.695, de 1º.7.2003)
5
OLIVEIRA, Jaury Nepomuceno de; WILLINGTON, João. Anotações à Lei do Direito Autoral: lei nº
9.610/98. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 145-149.
6
BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006. p.
139-140.
7
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro, volume 2: parte especial, arts. 121 a 249. 10. ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 665-668.
8
Ibid., p. 668.
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§ 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro
direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação,
execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou
executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente: (Redação dada
pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº
10.695, de 1º.7.2003)
§ 2o Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto,
distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em
depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com
violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do
direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra
intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de
quem os represente. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)
§ 3o Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica,
satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da
obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados
por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem
autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante,
do produtor de fonograma, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº
10.695, de 1º.7.2003)
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 10.695,
de 1º.7.2003)
§ 4o O disposto nos §§ 1o, 2o e 3o não se aplica quando se tratar de exceção ou
limitação ao direito de autor ou os que lhe são conexos, em conformidade com o
previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, nem a cópia de obra intelectual
ou fonograma, em um só exemplar, para uso privado do copista, sem intuito de lucro
direto ou indireto. (Incluído pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003).9
O tipo pode ser enquadrado como uma norma penal em branco, isto é, que reclama
complementação com as normas que protegem o direito autoral. 10 O núcleo do tipo é a
conduta violar cujo significado é ofender ou transgredir, tendo como objeto o direito de autor
à sua produção intelectual.
A transgressão ao direito autoral, segundo Guilherme de Souza Nucci, “pode dar-se
de variadas formas, desde a simples reprodução não autorizada de um livro por fotocópias até
a comercialização de obras originais, sem a permissão do autor”.11
Destaque-se que o disposto no §4º do dispositivo em comento, não afasta a ilicitude
prevista no caput do artigo, apenas o isenta da aplicação do disposto nos §§ 1º a 3º.12
Por outro lado, adverte a literatura mais moderna, que aquele que reproduz um livro
esgotado, para seu uso próprio, não pratica o ilícito, pois o exemplar não está no comércio,
9
BRASIL. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>. Acesso em: 26 dez. 2012.
10
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. v. 2. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 364.
11
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
p.898.
12
NUCCI, Guilherme de Souza, loc. cit.
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caracterizando fato atípico, havendo hipóteses também de aplicação do princípio da
insignificância ou bagatela. Calha transcrever o seguinte excerto literário:
No mais, também podem ser resolvidas algumas situações peculiares por outros
mecanismos, como ocorre, v. g., no caso de produção de um livro esgotado pelo
copista, até porque o direito autoral estaria preservado, pois o exemplar está fora do
comércio, o que caracterizaria fato atípico. Em outras hipóteses, pode-se levantar a
tese do crime de bagatela, quando alguém copia um CD musical de um amigo para
uso doméstico e exclusivo seu, sem qualquer ânimo de lucro. 13
Na figura qualificada, prevista no §1º do dispositivo em análise, além do dolo, exigese o elemento subjetivo do tipo específico, que consiste em objetivo de lucro (direto ou
indireto).14, a contrario sensu, na figura do caput, não se exige o elemento lucro.
Repita-se que, a distribuição de livros, ou melhor, a disponibilização de livros para
download na internet, sem intuito de lucro, não caracteriza a forma qualificada prevista no
§3º, mas o crime simples previsto no caput15, sendo que essa tutela geral, prevista no caput do
art. 184, deriva da natureza em branco da norma penal, que não vincula ao suporte (papel, por
exemplo) a violação.
2
A TENDÊNCIA DE ENRIJECIMENTO LEGAL: AUSÊNCIA DE COMEÇO
DE SOLUÇÃO DO PROBLEMA E VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA
PERSONALIDADE
Antes de iniciar, contudo, a abordagem mais verticalizada, convém recordar dois
importantes conceitos, o de direitos da personalidade e o da legislação símbolo.
Os direitos da personalidade podem ser definidos como:
[...] ‘as faculdades jurídicas cujo objeto são os diversos aspectos da própria pessoa
ou do sujeito, bem assim, as suas emanações e prolongamentos’; ou ainda,
consoante Orlando Gomes: ‘sob a denominação de direitos da personalidade,
compreende-se os direitos personalíssimos e os direitos essenciais ao
desenvolvimento da pessoa humana que a doutrina moderna preconiza e disciplina
no corpo do Código Civil como direitos absolutos, desprovidos, porém, da faculdade
de disposição. Destinam-se a resguardar a eminente dignidade da pessoa humana,
preservando-a dos atentados que pode sofrer por parte dos outros indivíduos’.16
13
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
p.898-899.
14
Ibid., p. 902.
15
Ibid., p. 907.
16
SZANIAWSKI, Elimar. Fundamentos dos direitos da personalidade. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2005. p. 71.
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Ou, noutras palavras, como aqueles direitos que são atributos e faculdades que, se do
ser humano retirados, o desfiguram enquanto ser em si, e, de modo reverso, se colocados a
sua disposição e desenvolvidos, o promovem.
Isso posto, recorde-se, agora o alerta dado por Marcelo Neves 17, sobre o destrutivo
fenômeno da legislação simbólica, que em linhas gerais consiste na edição de leis para
suposta solução de problemas reais, que acaba por apenas ser um símbolo, quase sempre sem
efetividade, primoroso estudo que parece estar ainda escondido nas prateleiras de muitos
escritores jurídicos e legisladores. Leis estas, em geral, ligadas ao endurecimento e ampliação
da tutela penal.
Feito esse breve regresso, cumpre afirmar que a atual concepção de direitos da
personalidade, a todos garantido pelo Acesso à Justiça, enquanto acesso à uma ordem jurídica
justa, não mais permitem tão simples interpretação do fenômeno do ilícito na seara do direito
autoral.
Leonardo Macedo Poli, acertadamente explica:
[...] as instituições de Direito Autoral passam por um processo de
despatrimonialização e de funcionalização: a obra intelectual deixa de ser o centro
gravitacional do Direito Autoral e seu lugar é ocupado pelo princípio da dignidade
da pessoa humana, com direito à promoção espiritual, cultural, social e econômica.
Trata-se de uma correção do individualismo jurídico que naturalmente é excludente.
Daí a necessidade de se interpretar o Direito Autoral na medida de sua
funcionalidade, enquanto instrumento de promoção dessa dignidade. Não se propõe
uma antítese à concepção liberal clássica, haja visto ter sido esta a proposta do
estado social, mas uma síntese.18
A partir de tais lições, já é possível imprimir uma conclusão parcial: o sistema de
direito autoral no Brasil possui poucas exceções que permitem o uso não autorizado de obras
(excluem a tipicidade somente as hipóteses do arts. 46-48 da Lei nº 9.610/199819, ou seja, a
Lei do Direito Autoral20), e a tendência é de enrijecimento da legislação, não apenas nesse
campo.
De um modo geral, existe um consenso midiático no enrijecimento da
legislação, como, aliás, foi feito pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003, que alterou o art. 184 do
Código Penal, solução a qual é usualmente tomada em relação a outras infrações penais, e
17
Cf. NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
POLI, Leonardo Macedo. Direito autoral: parte geral. Belo Horizonte: Del Rei, 2008. p. 146.
19
DELMANTO, Celso et al.. Código Penal comentado: acompanhado de comentários, jurisprudência, súmulas
em matéria penal e legislação complementar. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 667.
20
PRADO, Luiz Régis. Comentários ao Código Penal: jurisprudência; conexões lógicas com os vários ramos
do direito. 7. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 628.
18
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cujas estatísticas demonstram ser ineficaz, e, em especial no campo das novas tecnologias,
extremamente perigosa.
Plínio Martins Filho, afirma que:
A internet está criando um verdadeiro caos à medida que rompe qualquer barreira,
pois torna a proteção dos direitos autorais – que atualmente é territorial – obsoleta. É
preciso, portanto, que se crie um código universal plenamente funcional. Do
contrário, vamos continuar nos perguntando ‘de quem é a responsabilidade sobre os
direitos autorais na Internet?’, e não dando nenhuma solução satisfatória.21
O pequeno excerto acima, infelizmente, representa boa parte da doutrina envolvendo
os direitos autorais, sempre – com poucas exceções, não se generalize – ligada essencialmente
a reparação de danos, e a tentativa de controle da produção intelectual.
Aliás, a primeira reação quando surgiu a “pirataria” diante do monopólio dos
impressores na Europa foi a tentativa de endurecimento do próprio monopólio e da censura, o
que não foi eficaz e ocasionou a remodelagem parcial do sistema, passando a proteger
primordial e formalmente o autor e não o impressor/ livreiro, o que talvez tenha sido uma das
origens mais remotas da divisão entre sistema inglês e sistema francês.
Há quem defenda também, não propriamente o enrijecimento legal, mas a criação de
um microssistema específico para a proteção do direito autoral na internet, sob o argumento
de que “[...] a legislação não avançou de modo satisfatório, a fim de abarcar novos conceitos,
a natureza jurídica de certos institutos que nascem diariamente, a partir do mundo virtual”. 22
E o escopo aqui é, justamente, apresentar uma revisão epistemológica, partindo, no
próximo item, de dados estatísticos que demonstram a falência de parte do atual sistema, bem
como, tendo como referencial teórico a teoria dos direitos da personalidade e suas
consequências, demonstrar a incompatibilidade teórica do sistema.
3
REVISÃO EPISTEMOLÓGICA
3.1 QUEM SÃO OS REAIS TITULARES DO DIREITO AUTORAL?
Jean Michel chama a atenção da comunidade jurídica acerca do enfoque que é dado
nos estudos do direito autoral. Para o referido autor – e, este estudo concorda, com essa
posição –, tradicionalmente o arsenal jurídico que gravita ao redor do direito autoral volta-se
21
MARTINS FILHO, Plínio. Direitos autorais na internet In: Ciência da Informação. Instituto Brasileiro de
Informação em Ciência e Tecnologia, Brasília. v. 27, n. 2, p.183-188, maio/ago. 1998. p. 187.
22
DIAS, Thales Lordão. A proteção dos direitos autorais na internet. In: O direito na era digital. MARQUES,
Jader; SILVA, Maurício Faria (Org.). Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 173.
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à proteção do autor e do investidor, ficando ao consumidor ou usuário apenas o dever de
respeitar o direito e, pagá-lo, como consequência23, acrescentando, apenas, que a proteção do
autor está num plano intermediário, portanto, entre a proteção do investidor (em primeiro
plano) e a do consumidor (em terceiro plano).
Não há dúvida que quase toda controvérsia envolvendo a distribuição, ou mesmo
disponibilização, não autorizada de obras, periódicos, textos, etc, está relacionada ao aspecto
financeiro, por muitas vezes, uma preocupação muito maior da editora/ distribuidora, do que
autor, criador da obra. Veja que os principais grandes casos envolvendo o tema foram
iniciados por associações de editores e afins.
A seguinte questão é bastante oportuna: Por qual motivo é difícil se observar autores
(sozinhos ou em associação apenas de autores) litigarem contra consumidores ou usuários que
violam direitos autorais? E, uma das possíveis respostas a esta indagação, será respondida no
decorrer deste artigo.
São os autores e os leitores, sujeitos ativos da relação autoral, numa espécie de
simbiose, relação mutualmente vantajosa, e imprescindível a produção autora e a realização
da pessoa.
Mas, a previsão legal existente no Brasil, e em diversos outros países, proíbe a
divulgação e/ ou distribuição não autorizada de cópias de obras lato sensu, qualquer que seja
o suporte – físico ou digital –, e sujeita o infrator, mesmo que este não tenha nenhum escopo
lucrativo e queria a obra apenas para sua recreação, ou mesmo, tão somente, para fins da
própria instrução educacional, é ilícito civil e penal.
3.2
UMA DAS POSSÍVEIS FONTES DO PROBLEMA DO DIREITO AUTORAL NA
CONTEMPORANEIDADE
Não é a pirataria, não são as cópias ilegais obtidas na internet, ou mesmo o avanço da
informática o problema, longe disso, a sistematização do direito autoral, e a crise de
legitimidade dele, cuja característica principal é a exclusão, principalmente dos usuários/
consumidores de direito autoral, e veladamente dos próprios autores, é que causa a maior de
boa parte dos problemas.
23
MICHEL, Jean. Direito de autor, direito de cópia e direito à informação: o ponto de vista e a ação dos
profissionais da informação e da documentação. In: Ciência da Informação. Instituto Brasileiro de Informação
em Ciência e Tecnologia, Brasília. v. 26, n. 2, p.140-145, maio/ago. 1997. p. 143.
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Há uma incompatibilidade flagrante entre a própria essência da sistematização atual
do direito autoral, com o novo viés do direito civil, principalmente após a Constituição
Federal de 1988.
As pressões exercidas pelo mercado editorial, aos consagrados e quase anônimos
autores são conhecidas, esse estudo tentou obter informações sobre os números de venda de
exemplares físicos e virtuais de livros, a repercussão da pirataria nos negócios editoriais, das
principais editoras e sites de venda online, além de associações, mas não obteve sucesso,
algumas editoras pesquisadas não retornaram ao contato, outras se recusaram expressamente
em fornecê-los, e outras forneceram dados não relevantes para a pesquisa, e outras,
afirmaram, simplesmente não dispor dos dados solicitados.
Na realidade, no mercado, entre os autores, há grande desconfiança que as próprias
empresas, editoriais ou fonográficas, lancem as obras em duplicatas e por isso não tem
interesse em opor as cautelares que comprovam a pirataria. Por tal motivo, alguns autores de
livros chegam a exigir sua rubrica em todos os volumes colocados à venda com o objetivo de
evitar pirataria.
Das entidades consultadas que não dispõem da informação publicamente, apenas o
IVC – Instituto Veiculador de Circulação, que é uma IVC é uma entidade sem fins lucrativos
cujo objetivo é certificar as métricas de desempenho de veículos impressos e digitais 24, em
especial revistas e jornais, que atendeu ao contato e forneceu os dados disponíveis,
oportunamente apresentados.
Esse embaraço na busca de informações estatísticas, também decorre de um outro
problema: a questão da imparcialidade científica, isso porque não é raro que pesquisas de
campo e até mesmo livros sobre o tema tenham duvidosas vertentes teóricas, quase sempre
tendentes a examinar apenas uma das vertentes do problema do direito autoral: aquele que se
volta ao interesses dos livreiros e editores.
Nesse passo, sistematicamente, pode-se afirmar que surgem no horizonte dois grupos
de pessoas cuja proteção efetiva de direitos não parece ter sido prioritária: os consumidores,
tal como Jean Michel já alertou, e os próprios autores, na medida em que um estudo mais
aprofundado da regulamentação do direito autoral demonstra que o pleno exercício do direito
autoral no seu estágio mais avançado sempre teve consigo um momento jurídico-temporal
final: o contrato de cessão de direitos.
24
IVC – INSTITUTO VERIFICADOR DE CIRCULAÇÃO. Disponível em: <http://www.ivcbrasil.org.br>.
Acesso em: 2 fev. 2013.
295
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Argumenta-se que o autor cede apenas parte da fração patrimonial de seu direito,
permanecendo com toda parte moral. Mas essa ficção jurídica, que até tem razão de existir, é
utilizada como tábua de salvação pelas editoras e revendedoras, para impedir que o autor faça
qualquer outra utilização do texto, ou até mesmo de qualquer criação. É um verdadeiro
contrato de adesão, no qual o autor, dificilmente, tem outra opção senão aderir à vontade
parcial do editor.
O exemplo do que foi escrito no parágrafo acima aconteceu no Brasil, com o cantor e
compositor Zé Ramalho, que foi impedido de regravar algumas músicas de sua própria
autoria, por tê-las cedido à gravadora EMI no passado, para editá-las e publicá-las.
Eis a notícia extraída do site do Consultor Jurídico:
A 13ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro revogou, nesta quartafeira (31/5), a tutela antecipada concedida em favor da editora musical EMI Songs
do Brasil, face ao lançamento do CD e do DVD Zé Ramalho ao Vivo, comemorativo
dos 30 anos de carreira do artista. O pedido da EMI se fundamentou na pretensão de,
como editor, poder negar o uso de qualquer obra sob o seu controle, mesmo quando
o compositor seja o próprio intérprete.
Ao negar para a BMG a gravação das obras, sem qualquer justificativa, a EMI não
considerou os prejuízos que teria, nem os do próprio autor e intérprete Zé Ramalho,
além dos de outros autores que constavam dos produtos e da gravadora BMG —
com quem mantém outras disputas judiciais alheias ao caso em questão. Com isso,
se perderam vários meses de venda dos produtos, inclusive as vendas de Natal,
acrescendo-se ao sofrimento moral do autor em ver a sua obra impedida de ser
utilizada por ele próprio, um grande prejuízo material.
Finalmente, nesta quarta, no AI 2005.002.24136, os desembargadores entenderam
pela revogação da medida e, em breve, os produtos voltarão a ser comercializados,
enquanto a questão se decide, no mérito.25
Parece ser pouco útil defender a existência de uma vertente moral do direito autoral,
que seria a mais importante, porque inexoravelmente conexa aos direitos da personalidade do
autor, e também do consumidor, se, de outra banda, o poder da vertente patrimonial seja capaz
de, com a bandeira da autonomia privada, sobrepor-se ao aspecto moral. Em outras palavras,
se o autor ao realizar o contrato de cessão de direitos autorais, o faz com definitividade e
exclusividade26, por via transversa acaba por ceder também os direitos morais. 27
No campo do mercado editorial dos livros, é bastante comum para se aceitar uma
publicação, que haja cessão total do direito de publicação da obra, em muitos casos com
cessão total inclusive dos direitos patrimoniais (para os autores pouco conhecidos,
25
CONJUR. Editor deve zelar pela publicação da obra, e não impedi-la. Disponível em:
<http://www.conjur.com.br/2006-jun-01/editor_zelar_publicacao_obra_nao_impedi-la>. Acesso em 21 dez.
2012.
26
FRAGOSO, João Henrique da Rocha. Direito autoral: Da Antiguidade à Internet. São Paulo: Quartier Latin,
2009. p. 350. (Sem destaque no original).
27
Sobre a diferenciação direitos morais de autoria e direitos patrimoniais de autor, cf. SOUSA, Rabindranath
Valentino Aleixo Capelo de. O direito geral de personalidade. Coimbra: Coimbra, 1995. p. 576-578.
296
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
principalmente), sendo, muitas vezes, necessário pacto de exclusividade. Quando se está
diante de publicações científicas em periódicos, a cessão total do direito patrimonial é ainda
mais frequente.
E, diante de tais cessões, é praticamente impossível que a editora autorize, por
contrato, que o autor disponibilize, ainda que gratuitamente, na internet ou em qualquer outro
meio o conteúdo de suas obras, ou parte delas.
Por outro lado obras obtidas por meios atualmente ilícitos estão em franca expansão
na rede mundial de computadores, já que algo que parece ser próprio da cultura é sua
capacidade de expansão, além de outros problemas, como o custo do livro, a dificuldade de
localização, o preço do frete.
3.2.1 Dados estatísticos: futuro em projeção
Entre as pesquisas encontradas sobre o tema livros digitais e pirataria, a realizada
pelo Instituto Pró-livro pareceu ser a menos parcial de todas, e retratar, ainda que de forma
inacabada, a questão em comento.
A mencionada pesquisa, realizada pelo Instituto Pró-Livro, executada pelo Ibope
Inteligência, com apoio técnico do CERLALC e da UNESCO, publicada em 2012, com coleta
de dados no ano de 2011, consistiu em pesquisa quantitativa de opinião. 28
Esta foi a metodologia da pesquisa:
Metodologia - informações relevantes:
Padrão internacional: A metodologia foi desenvolvida pelo Cerlalc/Unesco, a partir
de uma solicitação do Brasil (os dois pilotos foram realizados, entre 2004 e 2006,
em Ribeirão Preto (SP) e no Rio Grande do Sul), com a finalidade de ter parâmetros
internacionais de comparação entre os países da América Latina. E, de possibilitar
construir séries históricas sobre o comportamento leitor .
Metodologia/amostra: Pesquisa quantitativa de opinião com aplicação de
questionário e entrevistas presenciais “face a face” (com duração média de 60
minutos), realizadas nos domicílios.
Universo da pesquisa: População brasileira residente, com cinco anos ou mais,
alfabetizadas ou não.
Abrangência (Amostra): 5.012 entrevistas domiciliares em 315 municípios de todos
os estados e o Distrito Federal.
Intervalo de confiança estimado de 95% (ou seja, se a mesma pesquisa for realizada
100 vezes, em 95 delas terá resultados semelhantes).
Margem de erro: a margem de erro máxima estimada é de 1,4 para mais ou para
menos sobre os resultados encontrados no total da amostra.29
28
Os percentuais a seguir apresentados referem-se a seguinte chamada: INSTITUTO PRÓ-LIVRO (Coord.).
Retratos da Leitura no Brasil. 3. ed. São Paulo: Instituto Pró-Livro, 2012.
29
Ibid., p. 20.
297
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Tal pesquisa observou que ao ser formulada a seguinte pergunta: “Você já ouviu
falar de livros digitais, os chamados e-books?”, 45%30 dos entrevistados afirmaram que nunca
ouviu falar; 25% que já ouviu falar, mas gostaria de conhecer, e 30% que já ouviu falar. Desse
último grupo, que já ouviu falar, 17% 31 afirmou que já leu no computador, 1% no celular e
82% que nunca leu.
Dos leitores de livros digitais 32, a pesquisa constatou que 7% tem escolaridade até a
4ª série do ensino fundamental, 13% tem escolaridade de 5ª a 8ª série do ensino fundamental,
37% tem o ensino médio completo, e o restante, 43% tem o ensino superior completo.
Quanto a faixa etária, 22% dos leitores tem entre 5 e 17 anos, 29% entre 18 e 24
anos, 13% 25-29 anos, 21% entre 30 a 39 anos, 9% entre 40 e 49 anos, e 6% entre 50 e 69
anos.
Quanto a classe social, 53% dos leitores pertencem as classes A e B, 53% a classe C
e 5% as classes D e E.
No que se refere a região do país, o sudeste tem o maior número de leitores de livros
digitais, 47%, seguido o nordeste com 22%, norte e centro oeste, ambos com 19% e, na
lanterna, está o sul, com 12% dos leitores.
Esses dados iniciais demonstram a expansão do livro digital, e a inexistência de
fronteiras e classes sociais, tanto que, apesar da concentração maior de leitores ser no sudeste,
estados do norte e nordeste tem, proporcionalmente mais leitores que os do sul, e não obstante
o número de leitores nas classes A e B seja maior que nas demais, o livro digital é também
acessível a estas pessoas.
E mais, da base das pessoas que nunca leram livros digitais (aproximadamente 168,5
milhões), ao lhe ser formulada a seguinte questão: “Você acredita que pode vir a usar essa
nova tecnologia de livros digitais, ou acredita que nunca fará uso dessa tecnologia?”, 48%
respondeu que pode vir a usar o livro digital, 19% que não sabe se usará, e 33% que acredita
que nunca fará uso dessa tecnologia.
Como se vê dos percentuais expostos no parágrafo anterior, há grande potencial de
crescimento dos e-books.
Do universo de leitores digitais (9,5 milhões), 87% dos leitores afirmou que baixou o
livro gratuitamente pela internet, ou seja apenas 13% pagou pelo download. Entre os que
30
Os percentuais tem por base a população brasileira com cinco anos ou mais em 2011 (178 milhões)
Os percentuais tem por base a população brasileira com cinco anos ou mais em 2011 (178 milhões) que já
ouviu falar, portanto 53 milhões.
32
A base, neste caso, é de 9,5 milhões.
31
298
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
baixaram gratuitamente pela internet (aproximadamente 8,3 milhões), 62% afirmou que o
material era “pirata” e 38% declarou que não.
Reforçando que se trata de pesquisa de opinião, na qual o usuário responde a uma
questão, sem que o examinador prove a veracidade da resposta, o número de pessoas que
baixaram livros piratas pode ser muito maior.
O IVC dispõe somente dos dados das edições de jornais digitais a partir de Janeiro de
2012, são, portanto, dados ainda preliminares, mas que indicam também grande circulação de
edições digitais de jornais de circulação paga. A média de circulação de Janeiro a Setembro
de 2012 foi de 138.690 edições33. Para o mesmo período do ano 2012 o número de edições
físicas foi de 4.589.351, o que significa que, das edições pagas que circularam,
aproximadamente 3% são digitais. Apesar do tipo da pesquisa desenvolvendo periodicamente
pelo IVC ser bastante diferente, o só fato do tradicional instituto passar a auditar também a
circulação de jornais na internet, já é indicador da importância que esse meio está ganhando.
Portanto, o problema do direito autoral na era digital, e, em específico o caso dos
livros digitais (o que se aplica, mutatis mutandis, também para outras mídias antes escritas e
agora digitais), parece estar apenas no início, e tende a “piorar” com a democratização da
internet e dos próprios livros digitais, o que pode se apresentar como potencial violador
também do Acesso à Justiça, já que uma onda de ações pode surgir nos próximos anos.
Basta fazer uma projeção 34: se hoje 62% dos leitores de livros piratas afirmam que as
obras foram obtidas sem o recolhimento dos direitos autorais, significa dizer que 5,8 milhões
de usuários são criminosos; agora, se todos que responderam positivamente a questão se
utilizariam o livro digital no futuro, isto é, aproximadamente 112,8 milhões de leitores,
utilizarem do livro digital da mesma forma que os atuais leitores, significará dizer que, ao
menos, 69,9 milhões de usuários futuros de e-books, serão criminosos.
Já se demonstrou que do ponto de vista técnico a repressão é extremamente
complicada, sobretudo nas redes p2p, e que, até agora o agravamento da tutela penal e civil
não repercutiu efeito, nem aqui, nem fora do Brasil 35, onde, supostamente, a lei é mais exigida
da população.
Por outro lado, os tribunais pátrios, já sinalizaram que a simples reiteração,
aceitação, e por vezes, condescendência, até mesmo estatal, com a conduta criminosa, que,
33
IVC. Posição Participação e Evolução das Publicações [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por
<[email protected]> em 20 nov. 2012.
34
A projeção realizada no parágrafo referenciado toma por base os dados da pesquisa da seguinte chamada:
INSTITUTO PRÓ-LIVRO (Coord.). Retratos da Leitura no Brasil. 3. ed. São Paulo: Instituto Pró-Livro, 2012.
35
Tomando por base o exemplo Norte-Americano.
299
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
nos casos analisados, tinha vertente social (princípio da adequação social), não lhe retira a
ilicitude, e não afasta a sanção penal. 36
Todavia, a conjuntura desta pesquisa é outra: a violação do direito autoral, por meio
do download e a disponibilização de livros protegidos por tal direito, sem a finalidade
lucrativa, atende ao direito à educação, como direito da personalidade, e reflexamente
possibilita o Acesso à Justiça, pois evita diversas demandas em potencial, e leva a realização
do ser, tudo isso, fundamentado e se coadunando com a nova visão do direito civil, à luz da
dignidade da pessoa humana, que faz crescer todos os demais direitos da personalidade, e a
qual não está a consagrada autonomia privada incidente sobre o direito autoral e sua cessão.
É claro, como já restou evidente, que ainda assim, se está diante de um ato ilícito, já
que, o Brasil, baseado no sistema da civil law (sistema de direito romano-germânico), prevê,
como se demonstrou, a ilicitude penal e civil dessas condutas, e até que se encontra um
fundamento, que é a suposta proteção do autor, de seu direito da personalidade.
Ocorre que esse fundamento é parcialmente válido, porque, a proteção, como traçada
hoje, além de privilegiar o aspecto econômico do direito autoral em relação ao editor, não
permite que o autor exerça livremente a sua vontade, vale dizer, depois de cedidos os direitos
de publicação de sua obra (e repita-se, muitas vezes gratuitamente, e quando onerosamente,
principalmente num verdadeiro pacto de adesão à vontade preestabelecida de uma das partes),
disponibilize, por vias alternativas, e sem fins lucrativos, a mesma obra, se o fizer é ele quem
(também) estará cometendo o ilícito.
O autor fica sem saída. Se não cede o direito de publicação seus escritos não serão
conhecidos, se reserva uma divulgação alternativa, não tem seu texto aceito para publicação,
no campo editorial, se cede o direito de publicação da obra não pode mais divulgá-la, se o
editor cobra demasiadamente pela obra, e isso é comum no Brasil, suas ideias podem não ter a
repercussão que em potencial poderiam ter, etc. E, do ponto de vista do usuário, se não quiser
cometer o ato ilícito, deverá pagar pela obra, ou se sujeitar ao risco da persecução penal, caso
opte por não comprar a obra, ou caso não tenha recursos para comprá-la, e efetue a cópia
virtual.
36
Cf. BRASIL. STF. Informativo nº 583. “Pirataria” e Princípio da Adequação Social. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/arquivo/informativo/documento/informativo583.htm>. Acesso em 18 dez. 2012 e STJ. HC
214.978/SP, Rel. Ministra Assusete Magalhães, Sexta Turma, julgado em 06/09/2012, DJe 26/09/2012.
Disponível
em:
<
http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre=conduta+socialmente+adequad
a+184&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO#DOC2>. Acesso em 18 dez. 2012.
300
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
E, por outro lado, aqueles que não podem pagar por uma obra – ou dependendo da
pesquisa, por várias obras, sem prejudicar outras áreas de sua vida – pratica o ilícito e corre o
risco de sofrer não apenas a persecução civil, mas também a penal.
Aliás, sobre o preço do livro no Brasil, há um exemplo emblemático “Na França, um
dos volumes com as aventuras de Asterix (vendidos em livrarias, não em bancas) sai pelo
equivalente a R$ 8,95. Aqui, custa R$ 17,00”37, ou seja, quase o dobro do valor.
Quanto a distribuição do preço do livro, Marco Chiaretti, aponta os seguintes
percentuais:
Papel
Menos de 5%
Às vezes é transformado no vilão da história. O custo subiu — depois do Real, o
preço da tonelada de papel branco passou de cerca de 600 para 1 100 reais —, mas
não significa nem 5% do preço de um livro.
Editor
Cerca de 25%
O editor fica com algo em torno de 25% do preço de capa. Esse valor paga os custos
de funcionamento da editora, a tradução, revisão, paginação e o lucro.
Autor
De 7% a 12%
Recebe em média 10% do preço de capa de um livro, mas essa porcentagem varia. O
valor inclui todos os custos de seu trabalho. Na maioria dos casos, o autor não
recebe adiantamentos.
Gráfica
Cerca de 8%
O custo de impressão de um livro comum, sem ilustrações impressas em papel
especial, é da ordem de 8% do preço de capa, sem incluir o preço do papel.
Distribuidor
Cerca de 15%
A maior parte do preço de capa do livro fica na distribuição e venda. O distribuidor
atacadista fica com 15%.
Livraria
40%
A livraria fica com 40% do preço de capa do livro, em média.38
Outra pesquisa mais recente (dezembro de 2010), desenvolvida por Cláudia Neves
Nardon, Consultora Legislativa da Área XV - Educação, Cultura, Desporto, Ciência e
Tecnologia, da Câmara dos Deputados, apontou que em 2005 o preço médio do livro
brasileiro era de R$ 26,00, o triplo do preço de um livro no Japão e na França, in verbis:
O trabalho dos dois pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro
revelou ainda que, no País, o preço do livro era muito alto para as condições
econômicas da nossa população, ou seja, “não cabia no bolso do brasileiro”. O livro
publicado no Brasil – cujo preço médio de mercado, à época, era de
37
CHIARETTI, Marco. Porque o livro é caro no Brasil: Como é distribuído, em porcentagem, cada parcela do
preço de capa de cada livro no Brasil. In: Superinteressante, n. 90, março 1995. São Paulo: Abril. Disponível
em: <http://super.abril.com.br/cultura/livro-caro-brasil-441088.shtml>. Acesso em: 21 dez. 2012.
38
CHIARETTI, Marco, loc. cit.
301
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
aproximadamente R$ 26,00 – custava três vezes mais que um livro publicado na
França ou no Japão.
O mesmo estudo também demostrou que o mercado editorial vivia um processo de
desnacionalização em duas áreas estratégicas: livros didáticos e gráficas. Os
pesquisadores concluíram que esses setores caminhavam para uma concentração de
empresas que não contribuía para o desenvolvimento da produção de livros no país.
Outro problema identificado foi o fato de que as editoras nacionais eram
subcapitalizadas e a maioria trabalhava de forma amadora, o que tornava a
competição com os grandes conglomerados extremamente desigual.39
Note-se que uma das várias causas do alto preço do livro no Brasil é a falta do hábito
de leitura40, além disso, no caso dos livros comercializados diretamente pela internet, os
chamados e-books, o preço das obras é praticamente o mesmo do livro físico, as vezes é até
mais caro.
Por exemplo, em consulta ao site, a Livraria Saraiva, na data de 21 de dezembro de
2012, a obra Direito Constitucional - Col. Esquematizado - 16ª Ed. 2012, do autor Pedro
Lenza, editado pela editora Saraiva, custava R$ 103,20 à vista 41, a mesma obra, mas no
formato digital (e-book do tipo ePub), saia por R$ 115,00 à vista42, resultando numa diferença
de R$ 11,80, ou quase 12% a mais; uma outra obra, não didática, como o livro Steve Jobs - A
Biografia da Editora Cia. das Letras, de autoria de Walter Isaacson, no mesmo site, em
pesquisa na mesma data, no formato tradicional sai por R$ 32,8043, no formato e-book (ePub)
custa R$ 32,50, uma diferença de R$ 0,30 44, ou seja, o livro digital é aproximadamente 1%
menos caro que o livro físico.
Mas, as editoras afirmam que os livros digitais custam, em média, 30% menos que os
livros impressos, o que, entretanto, não parece corresponder a realidade. Nesse sentido é a
reportagem do Jornal O Globo:
Depois do alvoroço, a decepção. Na semana passada, o mercado nacional de e-books
ficou em evidência com a entrada de dois grandes players internacionais, Google e
Amazon – a Apple, outra gigante no setor, já vende livros digitais no país desde
outubro. Mas o consumidor, que esperava promoções arrebatadoras com o
acirramento da concorrência, ficou decepcionado. Os preços cobrados pelas novas
lojas virtuais são quase os mesmos que já eram praticados por outras livrarias na
rede, como Cultura e Saraiva. O best-seller 50 tons de cinza, por exemplo, custa os
39
NARDON, Cláudia Neves. O preço do livro no Brasil. Brasília: Câmara dos Deputados, 2010. Disponível
em: <http://bd.camara.gov.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/6824/preco_livro_nardon.pdf?sequence=1>. Acesso
em: 21 dez. 2012. p.11.
40
Cf. NARDON, Cláudia Neves, loc. cit.
41
LIVRARIA SARAIVA. Disponível em: <http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/3979405/direitoconstitucional-col-esquematizado-16-ed-2012/>. Acesso em: 21 dez. 2012.
42
Id.,
disponível
em:
<http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/4053610/direito-constitucionalesquematizado-16-edicao/>. Acesso em: 21 dez. 2012.
43
Id., disponível em: <http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/3672260/steve-jobs-a-biografia/>. Acesso em
21 dez. 2012.
44
Id., disponível em: <http://www.livrariasaraiva.com.br/produto/3681891>. Acesso em 21 dez. 2012.
302
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mesmos R$ 22,41 na Amazon, Google Play e nas livrarias Cultura e Saraiva. Só na
loja da Apple o preço é diferente: só que mais caro. Em média, segundo as editoras,
os livros digitais são 30% mais baratos que as versões impressas.
Para o professor da UFRJ e coordenador do laboratório da Economia do Livro,
Fabio Sá Earp, o modelo é cartel. Segundo ele, os e-books poderiam custar entre um
terço e metade do preço dos livros de papel. “O livro digital não paga impressão,
papel, armazenamento, não se desgasta. Esse acordo de preços é um exemplo
clássico de cartel. Os preços deveriam ser determinados pela livre concorrência.”
A presidente da Câmara Brasileira do Livro, Karine Pansa, rebate as críticas.
Segundo ela, o tratamento isonômico dado aos revendedores é um ganho do
mercado editorial brasileiro, pois impede que as lojas virtuais fixem os preços,
diminuindo o lucro das editoras. “Essa foi a grande briga das editoras brasileiras. Lá
fora, a política de preços da Amazon acabou com o mercado editorial”, afirma
Karine. 45
Não parece, pois, existir mais espaço para justificar a tutela penal e civil do direito
autoral, quando a violação (aqui compreendida apenas o download não autorizado de livros)
não é para fins comerciais.
Acrescente-se ainda, o alerta dado por Andreas Wiese, em artigo intitulado
Information als Naturekraft publicado na prestigiada revista alemã GRUR em abril de 1994,
acerca do perigoso movimento de crescente monopolização e privatização da informação e do
saber.46
O preço, contudo, não deslumbra os lucros dos autores, recente artigo jornalístico
publicado no jornal O Estado de São Paulo, pela colunista Lúcia Guimarães narra o problema
enfrentado pelos músicos, e também pelas gravadoras – em parte –, que tem seus conteúdos
legalmente executados a partir de saites de streaming. O saite iRadio da Apple, que ainda será
lançado, pagará às gravadoras 6 centavos de dólar por cada 100 execuções, enquanto o
Pandora e o Spotify, serviços já existentes e populares, pagam 12 centavos e 35 centavos de
dólar, respectivamente. A tendência, segundo a colunista, é que tal descapitalização das
gravadoras – e, imagine leitor, dos músicos –, passe ao mercado editorial.47 Se isso acontecer,
a tese logo mais defendida, só será reforçada, porque se criará, em verdade, uma cadeia de
dependência e sujeição, hoje dos autores às editoras, e amanhã, desses dois últimos às
empresas de mídia digital, enquanto, sob bandeiras da legalidade, os direitos da
personalidade, em especial dos autores e dos leitores, ficam restritos a belas declarações.
Atentamente José de Oliveira Ascenção escreve:
45
MATSUURA, Sérgio. Preço de e-books decepciona consumidores brasileiros. O GLOBO, São Paulo, ed.
724, 11 dez. 2012. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/tecnologia/preco-de-books-decepcionaconsumidores-brasileiros-6990902#ixzz2Fi17Zyqc>. Acesso em: 21 dez. 2012.
46
WISE, Andreas. Information als Naturkraft. In: GRUR, n. 4, abr. 1994, 233-246, p.245 apud ASCENÇÃO,
José de Oliveira. Estudos sobre o direito da internet na sociedade da informação. Lisboa: Almedina, 2001. p.
86.
47
GUIMARÃES, Lúcia. Um bolo sem fatias. O Estado de São Paulo, São Paulo, p. D8, 11 mar. 2013.
303
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Os interesses instalados forçam constantemente as fronteiras da liberdade, criando
novas zonas de exclusivo. Por exemplo, nas bases de dados, a criação do direito sui
generis traz uma ameaça latente de um domínio sobre o próprio dado informativo –
quando o princípio até hoje incontestado era o da liberdade de informação.48
É flagrante que há tempos o objeto jurídico da tutela, que era o direito de autoral,
deixou de sê-lo, para proteção voltar-se a um aspecto quase que unicamente econômico, vale
dizer, em prol da proteção hipertrofiada da indústria editorial, se está restringindo ambos os
direitos da personalidade, tanto do autor, como, como do leitor, em especial, o direito à
educação.
Em outro estudo, José de Oliveira Ascenção com maestria afirma que “[...]
definitivamente: não parece ter sido a criação dos direitos autorais que resolveu a
problemática da subsistência econômica e consequente autonomia dos autores”49, citando,
como contexto, na sequência, que recentemente os Estados Unidos prolongaram por 20 anos
os prazos dos direitos autorais, ampliando a proteção para 95 anos, sendo que,
coincidentemente, os bonecos da Disney, cuja criação data do início do século XX, estavam
para cair no domínio público. Pela nova legislação, pelo jeito, não caíram.
Ana Manuella Reis Rampazzo, com razão, defende:
[...] a disponibilização de obras no meio digital, cujo alcance é indiscutivelmente
maior que no meio físico, deve ser vista e regulamentada não como óbice ao acesso
ao conhecimento, nem tampouco como desrespeito aos direito autorais, mas sim,
como tentativa de obtenção de informação, seja ela atual ou antiga.50
Para um país que se propôs a erigir a pessoa humana ao centro do sistema jurídico, e
garantir isso por meio do Acesso à Justiça, manter ilícita a conduta em questão, em prol do
interesse privado, mormente diante da ausência de liberdade no exercício da autonomia
privada não mais subsiste.
Mas não se pode negar que, existe, dentro dessa parcela patrimonial envolvendo a
vertente patrimonial do direito autoral cedido uma parcela, ainda que pequena, de direito
autoral, que, por agora, deve ser respeitada. A seguir será exposta a nossa proposta.
48
ASCENÇÃO, José de Oliveira. Estudos sobre o direito da internet na sociedade da informação. Lisboa:
Almedina, 2001. p.86.
49
Id., Direito de autor e liberdade de criação. In: Propriedade Intelectual & Internet, v. II. p.17-40. Juruá,
2011. p. 21.
50
RAMPAZZO, Ana Manuela dos Reis. O direito à educação e o acesso ao conhecimento na sociedade
informacional: um estudo sobre a biblioteca digital e os alcances e limites do direito autoral. 2010. 207 f.
Dissertação (Mestrado em Ciências Jurídicas)–Centro Universitário de Maringá, Maringá, 2010. p. 94.
304
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
3.2.2 Nossa contribuição
O primeiro passo, pois, parece ser retirar do âmbito da tutela penal a violação do
direito autoral consistente na realização de qualquer um dos núcleos do tipo no que se refere a
livros e demais escritos, mantendo-se a tutela penal apenas para as violações que envolvam o
intuito de lucro.
Para isso, basta acrescentar ao núcleo do tipo, no caput, o elemento subjetivo
especial: “com o fim de lucro”.
O segundo passo, é reconhecer a vulnerabilidade e a hipossuficiência do autor na
relação com o editor, e possibilitar à ele um controle parcial de sua produção intelectual
depois de cedidos os direitos autorais.
Novamente, apenas para recordar que: “[...] os direitos exclusivos são, na sua
justificação e apresentação legal, direitos dos autores; na sua realidade prática, direitos das
empresas”51, e isso, partindo da análise da situação em Portugal e da regulamentação NorteAmericana, e, entendemos, também brasileira.
Nesse sentido, abandonando a visão idealizada e disfarçada da lei, deve ser
possibilitado ao autor algum controle depois de cedida a obra à editora, o qual poderá, caso
queira, disponibilizar o conteúdo da obra, na internet, desde que sem nenhuma finalidade
lucrativa e não utilizada a formatação da editora, tudo isso sem nenhuma sanção, a esse
fenômeno, denominamos de reversão.
No entanto, para não tolher o direito do editor, já que há importância do aspecto
patrimonial, as publicações devem ser divididas em duas classes de acordo com a importância
da novidade: as quais a novidade é requisito essencial para venda e as quais a novidade é
muito relevante.
Para a primeira classe, nas quais se enquadram os artigos publicados em periódicos,
os livros didáticos que se destinam a concursos, etc. a reversão parcial do direito autoral
cedido pelo autor, só ocorreria após decurso de determinado lapso temporal; para a segunda
classe, nas quais se enquadram as demais publicações, cuja novidade pouco importa, a
reversão parcial, ocorreria no próprio momento de da cessão, podendo ser exercida tão logo a
edição seja lançada pelo editor, observando-se o prazo previsto para publicação. Não
ocorrendo a publicação no prazo determinado seria lícito ao autor exercer seu direito.
51
ASCENÇÃO, José de Oliveira. Estudos sobre o direito da internet na sociedade da informação. Lisboa:
Almedina, 2001. p. 87.
305
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Ainda, observando o direito dos editores, em qualquer hipótese, o autor não poderá:
a) utilizar, salvo disposição contratual em contrário, a diagramação e as revisões do texto, e
demais melhoramentos, realizadas pela editora; b) disponibilizar a obra em página que não lhe
seja própria; c) promover, por qualquer meio publicitário, a obra por ele disponibilizada,
exceto mediante link no verso da contracapa; d) restringir, por qualquer meio, ainda que
meramente cadastrais, o download da obra; e) receber quaisquer quantias ou valores, ainda
que doações, em razão da obra por ele disponibilizada. E deverá, indicar, com destaque, que
aquela obra também está disponível em meio físico pela editora que com ele contratou. A
obra disponibilizada em meio digital deverá sê-lo pela licença
Para que essa sistemática seja garantida, reafirmando-se a vulnerabilidade do autor
em face do editor, e protegendo-o de qualquer represália, é necessário que, à semelhança da
disposição do art. 51 do CDC, que a lei declare nula, de pleno direito, as cláusulas contratuais
relativas aos contratos de cessão de direitos autorais que limitam o direito do autor, de
publicar, em site próprio, nas condições acima delineadas, as obras que foram cedidas ao
editor.
Para as obras já editadas é preciso estabelecer uma regra de transição que seja capaz
de não gerar grande insegurança jurídica, e, ao mesmo tempo, evitar burla à lei. Para tanto, em
alusão ao prazo prescrição para reclamar direitos patrimoniais de autor, propõe-se para tais
obras, o prazo de três anos52 a partir da publicação da modificação legal estabelecendo a
reversão parcial para os contratos celebrados até a entrada em vigor da lei, e de metade de tal
prazo para os contratos prorrogados até a vigência da lei, para se poder exercer o direito de
reversão parcial dos direitos autorais (cedidos). Além disso, previu-se, também, período de
vacatio legis.
Um esclarecimento necessário: parece imperioso, para garantir todos os direitos que
estão em análise essa alteração legislativa, cujo anteprojeto será anexado a este estudo, isso
porque, tal alteração legal, deve ser o estopim para o desencadeamento de políticas públicas
voltadas à promoção do direito autoral.
Como já mencionado acima, uma das causas do alto custo do livro no Brasil é o
pouco número de leitores, por outro lado, num ciclo vicioso, o alto custo do livro é também
um desestímulo à leitura, e, se esse ciclo não for rompido, dificilmente haverá progresso.
52
Aplica-se o prazo prescricional geral de três anos, previsto no art. 206, §3º, V do CC, conforme assentado pelo
STJ no julgamento do REsp 1168336 (BRASIL. STJ. Decisão: Prescrição em ação por plágio conta da data em
que
se
deu
a
violação,
não
do
conhecimento
da
infração.
Disponível
em:
<http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=101617>. Acesso em: 17
mar. 2013.
306
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
A autonomia privada tem sido relativizada em tantos institutos do direito civil, em
relações dos consumidores com os prestadores de serviços, nas relações entre particulares
quando não atendem a função social do contrato, e em inúmeras outras situações, não
relativizá-la, também, e principalmente, no direito autoral, do qual vários outros direitos, por
via transversa, são alimentados, como o direito à educação, e tantos outros direitos da
personalidade, vai de encontro a toda estrutura do sistema.
A proposta aqui, original, pode, em primeira leitura, parecer extremista e colocar
toda a culpa do problema nas editoras. Mas esse não é o objetivo, e, como se demonstrou não
existe um culpado a ser apontado. Se a criatividade humana foi capaz de materializar o
conhecimento por meio dos livros, e por séculos conduzir a humanidade a evolução, isso, ao
menos até a internet, foi possível também porque as editoras possibilitaram a distribuição do
conhecimento. No momento atual, no qual a sociedade está em constante aceleração, a própria
democratização, redistribuição e disseminação do conhecimento, reclama transformação não
apenas no meio no qual as ideias são veiculadas (e isso já aconteceu na prática, basta se
observar os dados estatísticos), é imprescindível ao Estado e à própria sociedade privada,
realocar seus papéis, numa constante transformação, e é isso que tem ocorrido, e a isso,
acredita-se que a proposta vem acrescentar.
Apesar de Jonathan Zittrain, não formular tal proposta, em sua obra The Future of
the Internet – And How to Stop It, impressa, publicada pelas editoras Yale University Press e
New Haven & London, está licenciada pelo tradicional sistema Copyright, sendo que no verso
da folha de rosto, a própria editora e o autor informam que no site dele, o mesmo texto está
disponível (inclusive com a mesma formação do livro físico 53) com licença Creative
Commons by-nc-sa54, o que é mais amplo que o proposto, já que, quem obter o conteúdo no
site, poderá redistribuí-lo legalmente, desde que mantido o conteúdo, sob a mesma licença e
sem a finalidade comercial.
O exemplo norte-americano a partir do caso Sony Betamax55 é muito esclarecedor, a
possibilidade dos usuários gravarem os programas e filmes, aumentou a lucratividade das
empresas de mídia, porque novas formas de exploração comercial surgiram.
A situação, mutatis mutandis, é a mesma, essa nova possibilidade de reversão do
direito autoral, acrescida da retirada da tutela penal na forma acima especificada (somente
53
Cf. jz.org. Disponível em: <http://futureoftheinternet.org/static/ZittrainTheFutureoftheInternet.pdf>. Acesso
em: 23 dez. 2012.
54
ZITTRAIN, Jonathan. The Future of the Internet – And How to Stop It. Yale University Press e New
Haven & London, 2008.
55
TRIDENTE, Alessandra. Direito autoral: paradoxos e contribuições para a revisão da tecnologia jurídica no
século XXI. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. p. 50-51.
307
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
para downloads e disponibilização de livros, sem fins comercial), em médio prazo tem
potencial de promover o direito à educação e o direito autoral, e criar novos mercados a serem
explorados, além de, com a promoção da educação, ser possível elevar o nível
conscientização e reduzir a própria criminalidade, não apenas em relação ao direito autoral,
mas quanto a vários outros crimes.
Sobre a relação entre as causas sociais, o progresso econômico e a educação, Alberto
Marques dos Santos escreve:
[...] as causas sociais estão entre as mais relevantes na geração de crimes. Justiça
social é o remédio mais eficiente para vencer a maior parte da criminalidade violenta
e contra o patrimônio. A redução das desigualdades sociais e econômicas bastaria
para reduzir sensivelmente os índices de furtos, de uso e tráfico de drogas, de roubos
e homicídios. A propósito deste item, e do que vem a seguir, é desagradável
constatar que a redução da criminalidade pressupõe avanços na solução de outros
problemas maiores, crônicos, estruturais, cinco vezes centenários, e ainda mais
difíceis de resolver, acerca dos quais esperança de vitória escasseiam. Mas negar
essa constatação seria incorrer na mesma hipocrisia que desorienta os malsucedidos
esforços do Estado no combate ao crime.
[...] Progresso econômico: uma redução sensível na taxa de desemprego e um
incremento significativo na renda das classes mais baixas seriam suficientes para
minimizar duas das causas mais importantes do crime.
[...] Investir em educação. O crime causa um prejuízo equivalente a 10% do PIB
nacional, e todos os gastos do Brasil em educação não chegam a 5,3% do PIB. Essa
equação precisa ser invertida. 56
Em suma, a proposta aqui feita não é milagrosa, antes de tudo, visa desencadear uma
série de políticas públicas, que atendam a promoção uma, reverter parcialmente o direito
autoral cedido, e afastar a tutela penal na forma preconizada, é um instrumento idôneo para
concreção dos direitos da personalidade.
A utilização do aqui proposto, reclama a utilização em conjunto, e com a
modificações dos sistemas alternativos já existentes, como o copyleft, fair use e, em especial,
o creative commons, sobre os quais, contudo, o formato desse estudo não permite
aprofundamento.57
Quanto as demais formas de violação, sobretudo as relacionadas ao lucro, as
disposições existentes permanecem plenamente válidas. O criminoso que disponibiliza a obra
protegida pelo direito autoral com fim lucrativo, em geral o faz por meio de sites que
56
SANTOS, Alberto Marques dos. Criminalidade: causas e soluções. Curitiba: Juruá, 2006. p. 105.
Sobre o tema, conferir: 1. OLIVEIRA, José Sebastião. TOFFOLI, Vitor. O Acesso à Justiça e o Direito
Autoral: desafios para efetiva tutela deste direito da personalidade na era digital e possíveis soluções
conciliatórias. In: Propriedade intelectual [Recurso eletrônico on-line]. Organização CONPEDI/UFF;
coordenadores: Nilton César da Silva Flores, Leonardo Macedo Poli, João Marcelo de Lima Assafim.
Florianópolis:
FUNJAB,2012.
p.88-117.
Disponível
em:
<http://www.publicadireito.com.br/publicacao/uff.php>. Acesso em 14 mar. 2013; 2. SANTOS, Manuella.
Direito autoral na era digital: impactos, controvérsias e possíveis soluções. São Paulo: Saraiva, 2009.
57
308
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
redirecionam para grandes servidores, e é sobre esses servidores que a tutela deve recair, e
pode sê-lo, com efetividade, por meio, por exemplo, de uma simples ação de obrigação de não
fazer.
3.2.2.1
Proposta de Lege Ferenda
Suprimiram-se os elementos textuais necessários ao formato de projeto de lei, para
adequar a formatação exigida:
Art. 1º. Esta Lei acrescenta o art. 52-A à Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de
1998:
“Art. 52-A. Independentemente da modalidade de cessão de direitos autorais, o autor
poderá, nos termos deste artigo, exercer o direito de reversão parcial dos direitos
cedidos.
§1º. Reversão parcial é a retomada parcial, pelo autor, de parcela do direito autoral
cedido, permitindo-lhe distribuir sua obra em meio digital, independentemente de
autorização e remuneração do cessionário.
§2º. A reversão é admitida apenas para livros e periódicos.
I – Livro é toda publicação em meio físico ou digital, sem ser periódica, que reúna
em um só volume, 48 ou mais páginas, excluindo as capas;
II – Periódico é toda publicação em meio físico ou digital, realizada em intervalos de
tempo regulares, podendo tratar de um assunto específico ou de assuntos vários.
§3º. A reversão parcial poderá ser exercida nos seguintes termos:
I – No caso de livros, cuja novidade da publicação seja relevante para a
comercialização pelo cessionário, a reversão parcial poderá ser exercida pelo autor,
decorrido seis meses da publicação da edição;
II – No caso de periódicos a reversão parcial poderá ser exercida no dia subsequente
ao da publicação da edição imediatamente posterior a qual foi veiculada a criação do
autor, ou decorridos seis meses desta, o que ocorrer primeiro.
III – Nos demais casos a reversão poderá se dar concomitantemente a publicação.
IV – Em qualquer hipótese, se decorrido o prazo de publicação previsto no contrato,
o autor poderá exercer imediatamente o direito de reversão.
§4º. Para o exercício do direito de reversão no autor deverá indicar, com destaque,
no saite em que disponibilizar o conteúdo, que aquela obra também está disponível
em meio físico pela cessionária.
§5º. Fica vedado ao autor
I - utilizar, salvo disposição contratual em contrário, a diagramação e as revisões do
texto, e demais melhoramentos, realizados pela cessionária;
II - disponibilizar a obra em página que não lhe seja própria;
III - promover, por qualquer meio publicitário, a obra por ele disponibilizada na
internet;
IV - restringir, por qualquer meio, ainda que meramente cadastral, o download da
obra;
V - receber quaisquer quantias ou valores, ainda que doações, em razão da obra por
ele disponibilizada.
§ 6º. A obra disponibilizada em meio virtual pelo autor, resultante do exercício deste
direito, seguirá obrigatoriamente e integralmente a licença creative commons 3.0
‘Atribuição – Uso Não Comercial – Não a Obras Derivadas - by-nc-nd.’
§ 7º. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao
contrato de cessão, contratos com mesma finalidade, contratos anexos e acessórios,
que impossibilitem, restrinjam ou onerem o exercício do direito de reversão parcial
estabelecido neste artigo.”
309
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Art. 2º. O art. 184 do Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa
a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos, total ou parcialmente,
com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra
intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do
autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem
os represente:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º Na mesma pena incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto,
distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em
depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com
violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do
direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga original ou cópia de obra
intelectual ou fonograma, sem a expressa autorização dos titulares dos direitos ou de
quem os represente.
§ 2º Na mesma pena incorre quem, oferece ao público, mediante cabo, fibra ótica,
satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da
obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados
por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem
autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante,
do produtor de fonograma, ou de quem os represente:
§ 3º O disposto neste artigo não se aplica quando se tratar de exceção ou limitação
ao direito de autor ou os que lhe são conexos, bem como reversão parcial, em
conformidade com o previsto na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998.”
Art. 3º. O art. 186 do Decreto-lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, passa
a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 186. Nos crimes previstos no art. 184, se procede mediante ação penal pública
condicionada à representação.”
Art. 4º. O disposto no art. 1º desta Lei (art. 52-A da Lei nº 9.610, de 19 de
fevereiro de 1998) aplica-se a todos os novos contratos de cessão e similares,
bem como prorrogação de contratos já vigentes.
§1º. Para os contratos celebrados até o dia imediatamente anterior a entrada
em vigor desta lei, o direito a que se refere o dispositivo mencionado no
caput, poderá ser exercido pelo autor ou seus sucessores, após três anos da
data da entrada em vigor desta lei.
§2º. Para os contratos resultantes de prorrogação, celebrados até o dia
imediatamente anterior a entrada em vigor desta lei, o direito a que se refere
o dispositivo mencionado no caput, poderá ser exercido pelo autor ou seus
sucessores, após o decurso de metade do prazo previsto no parágrafo
anterior.
Art. 5º. Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a sua publicação,
revogando-se as disposições em contrário.
As disposições acima modificadas, por evidente, devem ser acompanhadas da
respectiva justificativa do projeto de lei, que eventualmente, com o aperfeiçoamento da ideia
venha a ser proposto, e pode ser extraída do contexto do texto acima.
310
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
CONCLUSÃO
Inicialmente verificou-se que no direito autoral, já há algum tempo, dada as diversas
modificações legais operadas na seara de tal direito, sofre da ausência da revisão das origens e
da própria validade das atuais (e muito tradicionais) soluções postas a serviço do direito
autoral. Tal conclusão parcial teve como ponto de início e base de discussão as diversas
“violações” aos direitos autorais a partir de meios digitais, em especial, na distribuição não
autorizada e/ou obtenção de conteúdos protegidos.
Estudou-se que a regulamentação do direito autoral segue a tendência de
enrijecimento legal, que na maioria das vezes, feita às cegas, não soluciona efetivamente o
problema. Os dados colacionados no estudo demonstraram que, apesar da criminalização da
disponibilização de livros para download na internet, sem intuito de lucro, caracterizar o
crime previsto no caput do art. 184, do Código Penal, não se coíbe que vários façam
downloads de tais livros na rede mundial de computadores, e que, por outro lado, essa tutela
formal legal não garante aos autores que boa parte do preço de venda dos livros lhe seja pago.
Examinaram-se diversos dados estatísticos, e se constatou que existe real potencial
para ampliação da base de leitores de livros digitais, bem como, que não há, ao menos em
princípio, considerável vantagem pecuniária para se adquirir um livro digital à um livro físico,
e que, nesse sentido, a era digital, ao menos na estrita legalidade, não proporciona a
democratização e difusão do direito autoral.
Analisou-se, na seguida, que, em verdade, a tutela do direito autoral sempre se voltou
à proteção do editor, pouco vigiando ao autor, e ao leitor, verdadeiros protagonistas de tal
direito da personalidade. Com esse pressuposto, demonstrou-se que o autor ao ceder seu
direito autoral, quase que inevitavelmente, o faz com exclusividade, o que, formalmente se
oculta sob o suposto manto de se constituir cessão de aspectos patrimoniais, com o que, não
se avaliza, o que acaba por levar a anulação do direito do autor sobre sua obra, impedindo =,
caso queira, a difusão do conhecimento.
E, diante desse quadro, questionou-se o estranho fato da autonomia privada,
relativizada, sobretudo no Brasil pós-Constituição Cidadã, não ser relativizada no que diz
respeito aos contratos envolvendo o direito autoral, o que contraria, não só a Constituição,
mas também impede a efetivação de vários direitos da personalidade, dentre eles o próprio
direito autoral, que, salvos poucas exceções, acaba por ser verdadeiro direito potestativo do
editor.
311
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Propôs-se, como tentativa a solução de tal disparidade, sempre num ensaio
epistemológico, a criação de um novo sistema, voltado à realização do direito autoral, pelos
autores – e, necessariamente, dos direitos da personalidade, incluindo aqui, em especial, os
leitores – reconhecendo a vulnerabilidade e a hipossuficiência do autor na relação com o
editor, bem como a incidência, também, neste sub-ramo do direito, a relativização da
autonomia privada.
Por esse sistema depois de cedida a obra à editora, o autor poderá, caso queira,
disponibilizar o conteúdo da obra, na internet, desde que sem nenhuma finalidade lucrativa e
não utilizando a formatação da editora, tudo isso sem nenhuma sanção, e legalmente
garantido, invalidando previamente qualquer pacto que restrinja ou anule tal direito,
permitindo, tão somente, pequenos lapsos temporais de exclusividade, a esse sistema
denominou-se reversão parcial de direitos autorais.
Na sequência, foi apresentada proposta de lege ferenda, demonstrando a viabilidade
prática do sistema, ainda teórico, pela inclusão de dispositivo na Lei de Direitos Autorais,
bem como alteração de dispositivos do Código Penal, com o fito, também de fomentar a
discussão do tema, tudo para evitar o depauperamento desse direito, e efetivar direitos da
personalidade, sendo que tal fim, não se alcança pelos meios tradicionais, tendo em vista que
o direito positivo, não permite ou veda esse tipo de sugestão.
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UMA PERSPECTIVA INSTITUCIONAL DAS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS
COMO VETOR PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL: O CASO DOS
CRISTAIS ARTESANAIS DA REGIÃO DE BLUMENAU (SC)
AN INSTITUTIONAL PERSPECTIVE OF GEOGRAPHICAL INDICATIONS AS A
VECTOR FOR REGIONAL DEVELOPMENT: THE CASE OF HANDCRAFTED
CRYSTALS IN THE REGION OF BLUMENAU (SC)
Suelen Carls*
RESUMO
Este artigo trata da perspectiva institucional da Indicação Geográfica como vetor para o
desenvolvimento regional, com ênfase no caso dos cristais artesanais da região de Blumenau
(SC). A problemática central que norteou o estudo foi a busca por um ponto de convergência
entre a instituição jurídica da Indicação Geográfica e suas possibilidades de promoção do
desenvolvimento regional. Diante disso, o objetivo primordial consistiu em avaliar a forma
com que a Indicação Geográfica, no ângulo institucional, pode ser um fator propulsor de
desenvolvimento regional, considerando, ainda, a formação do Estado e as relações
estabelecidas com a sociedade, contexto em que a Indicação Geográfica é um exemplo de tais
relações. Foram analisados campos jurídico, socioeconômico e sociocultural. Como resultado
da pesquisa empreendida, expressa-se nas considerações finais, que, a partir de uma
abordagem da questão da Indicação Geográfica sob o prisma do desenvolvimento, a
instituição revela o elevado potencial que possui para estimular de forma positiva a economia,
possibilitando, ainda, que regiões periféricas possam contrabalançar a onda de massificação e
homogeneização de produtos, ao valorizar o saber fazer construído histórica e culturalmente
por seus cidadãos.
PALAVRAS-CHAVE:
Indicação
Geográfica;
Propriedade
Intelectual;
Instituições;
Desenvolvimento Regional.
*
Doutoranda em Direito (PPGD/UFSC), Mestre em Desenvolvimento Regional (PPGDR/FURB), Especialista
em Gestão Tributária, Advogada, Bacharel em Direito (FURB). E-mail: [email protected].
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ABSTRACT
This article deals with the institutional perspective of Geographical Indication as a vector for
the regional development, with emphasis on the case of handcrafted crystal in the region of
Blumenau (SC). The central problem that guided the study was the search for a point of
convergence between the legal institution of the Geographical Indication and its possibilities
for promotion of regional development. Given this,the overriding objective was to evaluate
the way in which the Geographical Indication, in the institutional angle, may be a factor
propelling regional development, also considering the formation of the state and the
established relationships with society, where the scope of the Geographical Indication is an
example of such relations. Were analyzed the legal, socioeconomic and sociocultural fields.
As a result of research undertaken, is expressed in the final considerations, that, from an
approach to the issue of Geographical Indication under the prism of development, the
institution reveals the considerable potential that has to stimulate the economy in a positive
way, making possible, also, that peripheral regions may counterbalance the wave of
massification and homogenisation of products, by valuing the know-how historically and
culturally constructed by its citizens.
KEYWORDS: Geographical Indication; Intellectual Property; Institutions; Regional
Development.
1 INTRODUÇÃO
A abrangência de estudo deste artigo foi demarcada com o propósito estabelecer um
ponto de convergência entre as instituições e o desenvolvimento, em especial a instituição
jurídica da Indicação Geográfica e suas possibilidades de geração de impactos positivos para
o desenvolvimento regional, uma vez que é instituição jurídica compreendida em uma
perspectiva da propriedade intelectual como vetor para o desenvolvimento, contexto no qual
se explorou a Indicação Geográfica para os cristais artesanais da região de Blumenau no
estado de Santa Catarina.
Diante disso, o objetivo primordial consistiu em demonstrar a forma com que a
Indicação Geográfica, no ângulo institucional pode ser um fator propulsor de
desenvolvimento regional, considerando, ainda, a formação do Estado e as relações
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estabelecidas com a sociedade, contexto no qual são concebidas as mais diversas instituições,
e onde a Indicação Geográfica é um exemplo de tais relações.
A fim de suprir o objetivo central concebeu-se um conjunto de referências teóricas
interdisciplinares (jurídicas, políticas, socioeconômicas e socioculturais), a partir das quais foi
possível contextualizar o tema, de modo que o texto foi estruturado em três grandes partes: a)
contextualização do tema propriamente dita, onde se trabalhou as instituições e sua qualidade
como fator decisivo para o desenvolvimento de uma nação; b) a Indicação Geográfica em sua
perspectiva institucional; e, c) Indicação Geográfica para os Cristais Artesanais da região de
Blumenau e suas possíveis contribuições para o desenvolvimento regional.
Nesse cenário, o estudo foi desenvolvido com base em pesquisa e análise de dados
documental e bibliográfica, neste incluída, também, pesquisa na legislação.
2
INSTITUIÇÕES
PÚBLICAS
COMO
FATOR
DECISIVO
PARA
O
DESENVOLVIMENTO DE UMA NAÇÃO
Tem-se percebido, nos últimos tempos, uma preocupação acentuada no que diz
respeito à relação entre desenvolvimento1 e qualidade das instituições de determinada nação.
Isso porque, atividade pública, atividade empresarial (privada) ou simples exercício regular de
direitos pela pessoa física, tudo está condicionado ao Estado e suas regras, ao desempenho de
suas instituições.
Nesse sentido, conforme Santos (2009), no Brasil, as mudanças republicanas e suas
várias transformações ocorridas no século XX repercutem nos graus de liberdade dos
governos contemporâneos. A implantação da república em 15 de novembro de 1889 aboliu as
instituições monárquicas, entre elas o Poder Moderador; ratificou a mobilidade relativa do
fator trabalho, instituída pela Abolição da Escravatura do ano anterior; extinguiu
completamente o requisito de renda para a participação eleitoral, mas manteve os vetos à
participação das mulheres, só superado na década de 1930, e dos analfabetos.
1
Ainda que o desenvolvimento seja uma questão complexa e envolva os mais distintos aspectos, é importante
mencionar que o desenvolvimento econômico, conforme assumiu a Comissão para o Meio Ambiente e
Desenvolvimento reunida no ano de 1991, é pressuposto para qualquer outro desenvolvimento. Nesse sentido,
conforme Bresser-Pereira, o desenvolvimento é alcançado apenas com o aumento dos padrões de vida, que tem
por pressuposto o desenvolvimento econômico, conforme Bresser-Pereira, 2006; Comissão Mundial sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, 1991.
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De 1930 a meados dos anos 1950 a diferenciação organizacional do Estado e o
desenvolvimento de sua ação regulatória adquiriram elevada velocidade, chegando ao fim do
período com maior envolvimento estatal em atividades diretamente produtivas e com intensa
intervenção regulatória. A atividade governamental passou a ser enorme e se desempenhada
em várias frentes. Criaram-se ministérios, iniciou-se a interferência do governo nas relações
sociais. A criação dos Correios e Telégrafos e o enquadramento jurídico da radiocomunicação
em todo o território nacional são exemplos da edificação material do Estado, em 1931. A
legislação regulatória sobre os recursos naturais e atividades econômicas tornou-se visível
com a criação do Conselho Nacional do Café em 1931 e, o Instituto do Açúcar e do Álcool, e
os Códigos de Águas, de Minas, mais o Plano de Viação Nacional, em 1934, e o Colégio
Brasileiro do Ar, o Instituto Nacional do Mate e o Conselho Nacional do Petróleo, em 1938,
dentro outros mais (SANTOS, 2009).
A partir de 1932 sucedem-se as leis sociais, com o aparecimento, nesse ano, da
carteira de trabalho, com a qual o empregado tinha assegurado todos os direitos trabalhistas,
ainda por vir. No mesmo ano foi regulado o trabalho feminino e de menores, fixada em oito
horas a jornada de trabalho, e atenção era dada à higiene do trabalho (SANTOS, 2009).
De 1940 até 1945, cresce ainda mais a participação estatal na atividade produtiva,
com a contínua emissão de leis regulatórias e o crescimento e a diferenciação organizacional
do Estado. Exemplos desse crescimento são a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a
Companhia do Vale do Rio Doce (CVRD), e a Companhia Nacional dos Álcalis e Companhia
Ferro e Aço de Vitória. Paralelamente estruturou-se o setor bancário com a Carteira de
Exportação e importação do Banco do Brasil. Diversas outras empresas e bancos estatais
surgiram até 1945 (SANTOS, 2009).
O somatório de todas essas motivações moldou o Estado brasileiro, que regulou ou
tentou fazê-lo, produtos, recursos, setores econômicos, estados e regiões; a produção e o
consumo; o preço das matérias-primas, do capital e do trabalho, tornando a construção social
brasileira delicada e complexa.
A expansão da atividade estatal, movida fundamentalmente por razões de conjuntura,
terminou por suscitar a cobrança de eficiência e de produtividade. A diferenciação, a
expansão e a eficiência do estado brasileiro, amadurecido e sob o leque de demandas de uma
sociedade urbanizada e plural, estão subordinadas a uma dupla lógica: a dos imperativos de
racionalidade endógena e a derivada do mercado político. Por conseguinte, surgem os
processos típicos das administrações desses Estados: o ciclo político-eleitoral, a tentativa de
captura dos conselhos regulatórios por parte de grupos de interesses, a fragmentação das
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demandas públicas com a correspondente demanda por fragmentação dos círculos decisórios,
e as pressões por autonomia da burocracia setorial do Estado.
Além dos desvios de ação governamental, embora pontuais e sintomáticos, o país
padece de grave deterioração da capacidade operacional do governo em decorrência de
sensível decadência ou desajuste de seus instrumentos de ação. Um dos principais obstáculos
à ação eficiente do estado consiste em seu subdesenvolvimento, e, ao mesmo tempo, seu
gigantismo.
Nesse contexto, porém, é crucial aumentar a eficiência do Estado brasileiro, e isso
deve resultar de complexa engenharia em sua capacidade operacional. Os indicadores de
ineficiência não são homogêneos em todas as áreas de ação estatal. Nesse contexto, o valor
fundamental na análise de políticas públicas é o de eficácia, o qual pode ser heuristicamente
operacionalizado como o percentual de sucesso dos programas sobre o total pretendido.
Sucesso, porém, significa não apenas a execução efetiva dos programas, mas a verificação das
consequências esperadas de sua implantação (SANTOS, 2009).
Em resumo, o risco de iniciar uma política de aumento de eficiência estatal consiste
na reduzida taxa de accountability que a elite decisória possui, de forma a impedir que
eventuais consequências prejudiciais sejam identificadas. É recomendado que o grau de
eficácia dos programas seja incorporado como integrante das medidas das políticas de
eficiência estatal, pela inspeção do grau de adequação dos instrumentos da ação
governamental aos objetivos pretendidos pela política. Essa avaliação permitirá o
aparecimento de sugestões bem mais racionais e concretas de reforma do Estado. O
restabelecimento da operacionalidade do estado brasileiro depende do ajustamento das
estruturas públicas à complexidade especial do país, a qualquer outra fórmula (SANTOS,
2009).
Ainda assim, há que se fazer reformas, pois são necessárias. E, além disso fazer com
que boa substituições já criadas, porém latentes, passem a exercer a função para a qual foram
concebidas.
Já Pinheiro (2003, p. 01), assinala que, com o advento e a tomada das relações
econômicas e sociais pela globalização, a qualidade das instituições jurídicas de um país
importa em consequências para o desempenho econômico da nação.
Portanto, em seu entender, num país como o Brasil, esta afirmativa faz todo sentido,
ainda mais se refletindo acerca das relevantes mudanças pelas quais o país passou
recentemente: a) privatizações; b) fim de monopólios; c) controle de preços; d) total abertura
comercial; e) Constituição de 1988. Com tudo isso, uma gama de transações que antes
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ocorriam dentro do aparelho estatal desloca-se à órbita privada. E por isso mesmo o Judiciário
passa a ter um papel muito mais relevante para com a economia, pois é, literalmente, o juízo
final em importantíssimos casos envolvendo questões econômicas, surgidos, muitas das
vezes, pela ineficiência de outras instituições.
Nesse contexto de política econômica seguida pelo Brasil a partir das últimas
décadas do Século XX, quando adotou valores do conhecido Consenso de Washington,
regentes do modelo neoliberal da economia globalizada, repercussões se fazem sentir em
todos os espaços e setores da vida pública e privada. Em relação ao Judiciário, o trabalho de
Pinheiro avalia diferentes canais nos quais o Judiciário tem influência em relação ao
desenvolvimento econômico, deixando clara e evidente a relação a cada dia mais estreita entre
direito e economia, como no caso dos temas de antidumping e antitruste.
Ainda, Pinheiro (2003) aponta e trabalha o fato do Judiciário enquanto instituição
econômica. Nessa esteira, passa a enumerar alguns critérios de avaliação da qualidade do
Poder Judiciário como instituição econômica. Entre os maiores problemas, já de notório
conhecimento, está a morosidade, que dificulta, sem sombra de dúvidas, o normal e
proveitoso desempenho da atividade empresarial no país, o que, por sua vez, influencia
negativamente todo o desenvolvimento da nação.
Com amparo no texto, verificam-se quatro pontos centrais onde o judiciário tem
ampla influência no desempenho econômico (PINHEIRO, 2003, p. 09-10):
a) progresso tecnológico: partindo do pressuposto de que o Judiciário detém a
garantia não só à propriedade material, mas também à intelectual, quando ele falha nesta
proteção, que é mais suscetível à sofrer expropriação do que ativos tangíveis, prejudica
investimento em P&D e também a atração, para o país, de tecnologias estrangeiras avançadas;
b) eficiência das firmas: prejudicada em função da imprevisibilidade no
cumprimento dos contratos, que podem ser reinterpretados pelo Judiciário;
c) investimento: assim como a eficiência, os investimentos dependem do grau de
segurança dos investidores, que está diretamente ligada à previsibilidade das decisões
relacionadas aos contratos e seu cumprimento, de modo a terem, ou não, direitos
resguardados, uma vez que, corretamente implementados, os contratos devem ter seu espírito
respeitado quando sujeitos à interpretação judicial, sob pena de o país figurar como lugar
menos interessante para investidores.
d) qualidade da política econômica: ligada ao mau funcionamento do judiciário e das
execuções fiscais, leva o Poder Público à implementação de políticas equivocadas para atingir
objetivos que não consegue pelas vias tradicionais (arrecadação).
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
De todo modo, tendo o Judiciário, entre suas funções, proteger o indivíduo e o
investidor privado, deve contribuir para o cumprimento dos compromissos legislativos e
constitucionais, além de limitar o arbítrio estatal, garantindo, dessa forma, a redução da
instabilidade das políticas econômicas e, conseqüentemente, seu bom desempenho.
Diante do exposto, especialmente por Santos (2009) e Pinheiro (2003), fica clara a
necessidade de instituições de qualidade, e que, dessas instituições brotem ações
eficientemente aplicadas no mundo real, para que seja promovido dsenvolvimento nos mais
diversos níveis e setores de qualquer nação.
Nesse contexto, também a Constituição Federal de 1988 ocupa posição de destque na
formação e aprimoramento institucional do país, por sua grande importância no
estalecimaneto de standards nos mais variados temas, como no caso direitos fundamentais e
também na definição dos obejtivos da República, especiamente aqueles que dizem respeito ao
desenvolvimento do país. Nesse sentido, a mesma Constituição apresenta uma Propriedade
Intelectual como instrumento o desenvolvimento, contemplando sua função social. É, pois,
nesse sentido, que as Indicações Geográficas, uma das inúmeras possibilidades da propriedade
intelectual, figuram como instituição cujo aproveitamento para a geração de desenvolvimento
regional é aparente e expressivo.
3 A PROPRIEDADE INTELECTUAL E AS INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS SOB A
PERSPECTIVA INSTITUCIONAL DE VETOR PARA O DESENVOLVIMENTO
Sempre que se trabalha com a ideia de instituições, cunham-se concepções sobre um
termo muito amplo, podendo referir-se às mais distintas, porém não necessariamente
desconectadas. São instituições como as políticas, cujo aparato democrático, a estrutura de
decisão e o sistema judiciário figuram como o cerne de suas atuações. Podem se referir
também às instituições econômicas como a estrutura de mercado ou o acesso aos recursos
internacionais. Ou então, fatores socioeconômicos traduzidos em normas informais, costumes
e religião.
Considerando as inter-relações que tangenciam quaisquer ações do Estado e a
dinâmica da engrenagem pública e privada, tem-se que a criação de leis exerce um importante
papel, sobretudo quando inova ou aprimora regulamentação ultrapassada, estabelecendo
novos parâmetros institucionais. É o caso da Constituição de 1988, que representou, e
321
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
representa uma valiosa resposta constitucional aos anseios de reestruturação, aprimoramento,
criação ou definição de diversos direitos, objetivos ou instituições no cenário nacional.
No Brasil, a promulgação da Lei n. 9.279 de 1996 ou simplesmente Lei de
Propriedade Industrial (LPI), em 1996, resultou de um processo evolutivo diretamente ligado
à necessidade de uma regulamentação mais eficiente em relação às novas aspirações
socioeconômicas advindas de um quadro já bastante acentuado de globalização. 2 Quadro esse
que, invariavelmente, exigiu do Estado brasileiro novos parâmetros normativos para
avaliação, tratamento e proteção de criações intelectuais com impacto direto no
desenvolvimento da nação, não apenas local ou nacional, mas que transcende aos limites
geográficos, e por isso mesmo eleva a notoriedade da nação em âmbito internacional.
Considerando, também, um conjunto constitucional no qual a propriedade intelectual
ganha ímpar destaque, como direito fundamental, a LPI teve como meta fundamental superar
as dificuldades existentes até então3, propiciando, ao Brasil, a possibilidade de ser
reconhecido como um país que preza pelo desenvolvimento intelectual, e o preserva e
protege, “[...] tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico
do País” (BRASIL, 1988).
Em adição, deve ser registrado que a mesma Constituição Federal de 1988 ainda
prevê que: “O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a
capacitação tecnológicas”, no artigo 218, e que: “O mercado interno integra o patrimônio
nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e
socioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, nos termos de
lei federal”, no artigo 219, além de prever, no artigo 170, a função social da propriedade
(BRASIL, 1988).
Para que a intenção contida nesses dispositivos seja verificada na prática, é preciso
que haja um quadro institucional estruturado, bem delineado, que valoriza a riqueza cultural
que o país detém. A regulamentação jurídica da propriedade intelectual e suas instituições é
uma dessas formas.
Em outros termos: “[...] um sistema jurídico de propriedade intelectual oferece uma
proteção eficaz dos frutos da inteligência humana, o que favorece sua comercialização,
acarretando distintos benefícios” (LOCATELLI, 2007, p. 59). “Além disso, a proteção
2
E também, por influência direta, da aprovação do Acordo TRIPS no âmbito da OMC, que obrigou todos os
países membro a edição de normas mínimas na área da propriedade intelectual.
3
Antes da LPI vigia em território nacional o Código da Propriedade Industrial, Lei n. 5.772 de 1971, texto
normativo altamente revestido de caráter ideológico, inviabilizando, inclusive, a adaptação do Brasil aos novos
paradigmas supranacionais de propriedade intelectual.
322
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jurídica dos responsáveis pelo ativo intelectual, a aferição de lucros por estes, o êxito
comercial, todos são fatores capazes de gerar impactos positivos à economia nacional”
(CARLS, 2013, p. 48).
Nesse cenário, conjecturando-se que: “[...] a competitividade de determinado setor
industrial, especialmente nos setores manufatureiros de utilização intensiva de mão de obra,
decorre não mais (exclusivamente) do preço, mas da qualidade do produto final”, é
condizente conceber a propriedade intelectual como indispensável fator para o aumento da
competitividade, e “[...] em especial se comparada aos setores clássicos de investimento
industrial [...] A Propriedade Intelectual é, portanto, um fator determinante para o
desenvolvimento econômico de determinado país ou região” (KEGEL; AMAL; CARLS,
2011, p. 8).
No mesmo ambiente, é evidente que investimentos em propriedade intelectual e a
existência de regras jurídicas para proteção efetiva, “[...] têm sido responsáveis por um
significativo impacto econômico em alguns países, instrumentalizando o desenvolvimento
nestes” (LOCATELLI, 2007, p. 55).
Verifica-se, nesse sentido, e que, indubitavelmente contribui para esse almejado
desenvolvimento regional, que:
Em países desenvolvidos, a indústria relacionada com a propriedade intelectual,
caracterizada hoje como bem de alto valor agregado, vem crescendo continuamente
em ritmo mais acelerado do que qualquer outro segmento da economia, gerando
aumento na oferta de empregos no setor, valorizando mão-de-obra empregada, que
recebe remuneração muito superior às das demais indústrias (IDRIS, 2003, p. 0102).
No entanto, ainda que se conte com a regulamentação legal, é ainda bastante
exaustiva e relativamente pouco exitosa a conscientização de pessoas, empresas e poder
público acerca do valor da propriedade intelectual e suas instituições, quando muitos deles
parecem apenas enxergar a propriedade material. Nesse sentido, instituições públicas eficazes
e atualizadas têm inegável e inestimável valor para o desenvolvimento de uma ação,
principalmente para a atividade industrial. Isso porque:
A propriedade industrial tem seu foco de interesse mais voltado para a atividade
empresarial. Tem por objeto patentes de invenção e de modelos industriais, marcas,
desenhos industriais, indicações geográficas¸ segredo industrial e repressão a
concorrência desleal, sendo regulamentada pela Lei n/ 9.2179/96 (JUNGMANN;
BONETTI, 2010, p. 22, grifo nosso).
“Além disso, dentro do contexto da era da economia do conhecimento, a
propriedade intelectual legalmente protegida transformou-se em um importante ativo para a
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competitividade das empresas que desejam otimizar o valor desses bens” (JUNGMANN;
BONETTI, 2010, p. 22).
A utilização valorizada da propriedade intelectual é capaz de gerar inúmeros
benefícios, das mais diversas ordens. Assim, pessoas físicas e organizações públicas e
privadas bem orientadas e conhecedoras das possibilidade da propriedade intelectual podem
perceber que “Este processo é de grande valia para o desenvolvimento das nações”, pois tem
entre suas finalidades (JUNGMANN; BONETTI, 2010, p. 22):
Favorecer o comércio internacional;
Estimular novos métodos de produção;
Aumentar a produtividade;
Gerar riquezas;
Melhorar a qualidade de vida;
Fomentar a faculdade criadora;
Aumentar as possibilidades da ciência e da tecnologia; [...]
Isso, porém, apenas é possível em um Estado com instituições de qualidade.
Instituições normatizadas como as de propriedade intelectual revestem-se de sentido apenas
quando as instituições primárias têm ao menos um grau razoável de eficiência. Assim, tanto
aqueles que fazem as leis quanto aqueles que as aplicam ou executam políticas públicas, todos
devem estar conscientes do trabalho para o bem comum da nação, isto é, o desenvolvimento.
Na mesma linha de argumentação, percebe-se, ainda, “[...] que mesmo nos países em
desenvolvimento, que dispõem de menos recursos humanos e financeiros, a propriedade
intelectual como ativo para o desenvolvimento tem sido difundida”. Constata-se, também,
claramente, que: “a existência dos direitos da propriedade intelectual, isto é, a regulamentação
jurídica, é questão preponderante para o aumento de sua importância e utilização [...]”, em
especial, como dito, como instrumento promotor de desenvolvimento (CARLS, 2013, p. 50).
É por isso que, num cenário como esse:
[...] não existem dúvidas de que a propriedade industrial, como marcas, patentes e
indicações geográficas, é considerada um dos ativos mais valorizados das empresas,
tendo grande influência no ambiente geral da organização, principalmente por afetar
todos os segmentos da sociedade (THAINES, 2009, p. 169).
Hoje, portanto, é bastante verdadeira a assertiva que indica que: “[...] criatividade
humana é o grande recurso natural de qualquer país. Como o outro nas montanhas,
permanecerá enterrado sem estímulo à extração. A proteção à propriedade intelectual é a
ferramenta que traz a tona aquele recurso” (SHERWOOD, 1992, p. 192).
E como a criatividade e aquilo que ela cria também precisam de proteção, é evidente
concluir que onde existe a confiança na proteção da propriedade intelectual forma-se
um ciclo de aprendizado e desenvolvimento, os vínculos se fortalecem, as
oportunidades existem em maior número, há estímulo á pesquisa. Nesse sentido, a
existência de normas nacionais coerentes em matéria de propriedade intelectual é de
elevada importância para o fomento do desenvolvimento a partir da proteção jurídica
324
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
dos resultados obtidos por meio da intervenção humana criativa (CARLS, 2013, p.
51).
Dessa forma, na LPI, conforme orienta o dispositivo constitucional e o pede a
sociedade estão normatizadas diversas figuras do direito de propriedade industrial4, um ramo
específico que deriva do direito do direito de propriedade intelectual. A partir de então, uma
instituição muito especial passa a ser tratada por lei no Brasil: a Indicação Geográfica.
Enquanto figura jurídica, pois, a Indicação Geográfica é uma instituição que pertence ao
grupo dos direitos de ordem intelectual.
Portanto, finalmente no que diz respeito à Indicação Geográfica, a importância
normatização, que a consagrou como instituição pertencente ao universo jurídico nacional,
como um dos direitos da propriedade intelectual, reside no fato de que as instituições
primárias devem estar atentas às demandas da sociedade, propiciando condições de
desenvolvimento, integração e mobilidade.
Essa postura, essencialmente dependente da atuação estatal, dá-se por meio do
comércio internacional, da liberalização dos fluxos de capitais, os quais, em diversos casos,
têm surgido como resposta para a superação da pobreza. Além disso, em conjunto como as
instituições, e sua necessária qualidade, mais um determinante é chave para a promoção do
desenvolvimento: a questão geográfica, da delimitação territorial a partir da valorização das
semelhanças tão presentes em um país cuja riqueza cultural é tão expressiva como no Brasil.
Nesse contexto, enquanto instituição, uma Indicação Geográfica:
É o nome dado ao tipo de proteção, no âmbito da propriedade industrial, que se
refere a produtos que são originários de uma determinada área geográfica (país,
cidade, região ou localidade de seu território) que se tenham tornado conhecidos por
possuírem qualidades ou reputação relacionadas à sua forma de extração,
produção ou fabricação (JUNGMANN; BONETTI, 2010, p. 47, grifo nosso).
Assim, a Indicação Geográfica é uma chancela, o reconhecimento do diferencial de
origem para produtos com valor histórico e cultural fortemente vinculados à região de
produção, à comunidade local. E, apesar da juventude da lei brasileira, também aqui, assim
como em outros países onde a instituição é muito mais madura, está baseada em alguns
fatores-chave que reforçam a sua aptidão para geração de desenvolvimento, como (DUPIN,
2011)5:
4
Com destaque aos direitos da propriedade industrial, sendo os direitos autorais e a proteção sui generis, direitos
também compreendidos no âmbito da propriedade intelectual, tratados em outros diplomas legais.
5
Embora concebida inicialmente para evitar falsificações, em especial, é inequívoco que, atualmente a Indicação
Geográfica serve de fator precipitante de desenvolvimento regional. Nesse sentido está, por exemplo, a literatura
de Giesbrecht, 2011, Pimentel, 2010, Locatelli, 2007 e Pecqueur, 2006.
325
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a) afiançar a aquisição e ampliar a credibilidade dos consumidores em relação ao
produto;
b) reforçar a cultura local e conduzir à reorganização do território;
c) permitir a criação de novas rendas indiretamente ligadas ao produto, como o
turismo e a promoção de outros produtos com características regionais;
d) possibilitar o uso de um selo de origem vinculado ao território.
Nesse contexto, a Indicação Geográfica pode ser entendida como um instrumento que
consente “[...] a agregação de valor e promoção diferenciada do produto, além de conferir
visibilidade ao território de origem desse produto e oferecer condições para que outros
produtos e serviços desse território ganhem visibilidade e proporcionem renda” (CARLS,
2013, p. 58).
Verifica-se, no cenário dado, que a geografia exerce grande influencia sobre a
produção de bens e a qualidade humana da região na medida em que nela estão aspectos
fundamentais ao desenvolvimento de uma região. Tais aspectos podem ser descritos por
elementos como o clima, os recursos naturais, a presença de doenças endêmicas, distancias e
barreiras físicas, entre outros (SEABRA; FORMAGGI; FLACH, 2006, p. 82). E são esses
aspectos que devem ser considerados na definição de estratégias de desenvolvimento,
sobretudo aquelas baseadas no fortalecimento e difusão da tradição e cultura.
Dessa forma é que, se as instituições, em sentido amplo, têm como papel fundamental
a garantia dos direitos e do cumprimento dos contratos, como coloca Santos (2009), a
geografia apesar de poder remeter a disparidades econômicas, valoriza as características de
cada região e seus próprios diferenciais. Fatores como localização, clima, disponibilidade de
recursos ou mesmo tradição da população local são fatores decisivos para o sucesso de
determinado bem concebido de maneira única (SEABRA; FORMAGGI; FLACH, 2006, p.
72).
De modo sadio, aproveitando-se das peculiaridades únicas de cada região, e da
existência de produtos de destaque, cuja reputação e outros atributos são devidos
essencialmente às características ali presentes, promove-se, através da Indicação Geográfica,
desenvolvimento regional, elevando, preservando e promovendo fatores histórico-culturais e
de tradição daquela sociedade.
O reconhecimento de uma IG, em uma região, pode induzir a abertura e o
fortalecimento de atividades e de serviços complementares, relacionadas à
valorização do patrimônio, à diversificação da oferta, às atividades turísticas
(acolhida de turistas, rota turística, organização de eventos culturais e
gastronômicos), ampliando o número de beneficiários (PIMENTEL, 2010, p. 45).
326
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Nesse sentido, o quadro abaixo enumera as principais vantagens positivas observadas
na Europa e em países como México, Peru, Chile, África do Sul e Bolívia, a partir da
implantação de Indicações Geográficas, e que, da mesma forma podem ser verificadas nas
Indicações Geográficas brasileiras.
Quadro 1 – Principais vantagens da Indicação Geográfica
continua
• Gera satisfação ao produtor, que vê seus produtos comercializados no mercado com a IG, valorizando o
território e o conhecimento local;
• Facilita a presença de produtos típicos no mercado, que sentirão menos a concorrência com outros
produtores de preço e qualidade inferiores;
• Contribui para preservar a diversificação da produção agrícola6, as particularidades e a personalidade dos
produtos, que se constituem num patrimônio de cada região e país;
• Aumenta o valor agregado dos produtos, sendo que o ciclo de transformação se dá na própria zona de
produção;
• Estimula a melhoria qualitativa dos produtos, já que são submetidos a controles de produção e elaboração;
• Aumenta a participação no ciclo de comercialização dos produtos e estimula a elevação do seu nível técnico;
• Permite ao consumidor identificar perfeitamente o produto nos métodos de produção, fabricação e
elaboração do produto, em termos de identidade e de tipicidade da região “terroir”;
• Melhora e torna mais estável a demanda do produto, pois cria uma confiança do consumidor que, sob a
etiqueta da IG, espera encontrar um produto de qualidade e com características determinadas;
• Melhora a comercialização dos produtos, facilitando o acesso ao mercado através de uma identificação
especial (Indicação Geográfica ou Denominação de Origem - DO); isso se constata, especialmente, junto às
cooperativas ou associações de pequenos produtores que, via de regra, possuem menor experiência e renome
junto ao mercado;
• Gera ganhos de confiança junto ao consumidor quanto à autenticidade dos produtos, pela ação dos conselhos
reguladores que seriam criados e da autodisciplina que exigem;
6
Em que pese a informação do quadro referir-se apenas a produção agrícola, o mesmo pode ser observado no
que se refere à produção artesanal (o artesanato propriamente dito ou um modo de fazer que seja manual) e à
produção industrial, desde que presentes os requisitos que justifiquem a Indicação Geográfica.
327
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
continuação
• Facilita o marketing, através da IG, que é uma propriedade intelectual coletiva, com vantagens em relação
à promoção baseada em marcas comerciais;
• Promove produtos típicos;
• Facilita o combate à fraude, o contrabando, contrafação e as usurpações;
• Favorece as exportações e protege os produtos contra a concorrência desleal externa.
Fonte: SILVA, 2009 apud PIMENTEL, 2010, p. 41-42.
Além disso, afirma Pecqueur (2006, p. 143) que: “[...] a ideia de uma articulação dos
modos de valorização de diversos produtos em torno de uma mesma construção cognitiva na
escala de um território pode existir; trata-se da hipótese da cesta de bens e serviços”. Essa
cesta permite que outros produtos e serviços regionais tornem-se conhecidos pelos
consumidores a partir do produto líder, ou seja, aquele com Indicação Geográfica.7
Importante registrar que inexiste um efeito automático na promoção de
desenvolvimento regional em virtude do reconhecimento de uma Indicação Geográfica. Essa
é uma possibilidade, mas que depende de uma estratégia de mercado sólida e da sinergia de
esforços dos atores sociais envolvidos ou relacionados de alguma maneira à questão, seja o
Poder Público, empresários ou universidades.
Atualmente, percebe-se, pois, que a Indicação Geográfica assume contornos
desenvolvimentistas. E uma vez conduzido o processo e a gestão de maneira bem estruturada
pelos atores sociais envolvidos, possibilitam valorizar os produtos e serviços de uma região,
bem como seu patrimônio histórico e cultural. Desenvolvimento, portanto, que vai além do
produto e reconhece o tecido social que o produz.
4 INDICAÇÃO GEOGRÁFICA PARA OS CRISTAIS ARTESANAIS DA REGIÃO DE
BLUMENAU: POSSÍVEIS CONTRIBUIÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO
REGIONAL
7
Nesse contexto, recomenda-se o aprofundamento no sistema da Indicação Geográfica do Vale dos Vinhedos,
no Rio Grande do Sul, onde se pode dizer que a cesta de bens e serviços territorializados encontra-se em
desenvolvimento.
328
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
A história dos cristais artesanais na região de Blumenau, no Vale do Itajaí em Santa
Catarina, é ímpar. O saber fazer trazido da Alemanha permitiu a criação, a partir da década de
1950, de uma aglomeração produtiva que em seu auge exportou peças de cristal para diversos
países e empregou mais de 3 mil artesãos. Além disso, colocou a região em posição de
destaque, por sua referência à produção de cristais com design e qualidade únicos. No entanto,
mudanças macroeconômicas culminaram na ocorrência de sucessivas crises que resultaram no
fechamento de várias empresas e na perda de postos de trabalho e de mercado do produto.
Alice Hering importou a tecnologia da lapidação da Alemanha e, em 26 de setembro
de 1951, abriu a primeira fábrica, a Cristais Oertel, que viria a ser a Cristais Hering.
Durante os primeiros anos, a cristaleria apenas lapidava as peças trazidas de lá. Foi
em 1953 que a empresa passou a produzir as próprias peças, com a construção do
forno a cadinho, uma panela refratária para fundição das matérias-primas.
A partir dessa fábrica, outras indústrias do ramo cristaleiro surgiram no Município,
como a Cristais Blumenau, fundada em 1967, a Strauss (1983), o Casarão dos
Cristais (1988), a Multi Cristal (1993), a Troféu de Cristal (1994), a Glass Park
(1998) e a Vidro House Cristallerie (2003), constituindo-se em verdadeiras escolas
para artesãos que, através delas, adquiriram conhecimento para mexer com as peças
em cristal que são verdadeiras obras de arte (FOLHA DE BLUMENAU, 2007).
A partir da década de 1990, entretanto, o setor passa a ser assombrado por inúmeras
dificuldades, o que ocasionou, inclusive, o fechamento de várias empresas. Os maiores vilões
dessa crise merecem destaque: frutos de uma nova onde de globalização8, tem-se a abertura
do mercado nacional aos produtos asiáticos e europeus e além da perda de mercado externo;
já no cenário interno, o aumento da alíquota de IPI de 10% para 15%9. Esse conjunto, somado
a outros fatores, como o crescente endividamento na forma do passivo tributário e trabalhista
ocasionou vertiginosa queda de vendas (SCHIOCHET, 2003, p. 113-114).
[...] torna-se evidente que as políticas macroeconômicas de corte neoliberal
surtiram efeitos drásticos a essas empresas, que não conseguiam mais repetir os
anos de glória que advinham das décadas de 1950 a 1980. Todavia, após a década
de 1990, com o processo de liberalização e desregulamentação da economia, este
setor, assim como outros, fica exposto ao jogo perverso do mercado, regido pela lei
do mais forte e veloz (JACOMOSSI, 2009, p. 100).
8
A globalização pode ser assim definida como a intensificação das relações sociais em escala mundial, que
ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a
muitas milhas de distância e vice-versa. Este é um processo dialético porque tais acontecimentos locais podem se
deslocar numa direção anversa às relações muito distanciadas que os modelam. A transformação local é tanto
uma parte da globalização quanto a extensão lateral das conexões sociais através do tempo e do espaço. Assim,
quem quer que estude as cidades hoje em dia, em qualquer parte do mundo, está ciente de que o que ocorre numa
vizinhança local tende a ser influenciado por fatores – tais como dinheiro mundial e mercado de bens – operando
a uma distância indefinida da região em questão (GIDDENS, 1991, p. 69-70).
9
O aumento da alíquota do INPI em 50% que ocorre no Plano Color, fundamentado em lei que não faz qualquer
distinção entre vidro e cristal, mesmo existindo diferenças nas composições, além de desconsiderar a existência
de empresas cuja produção é essencialmente artesanal e que não se adéqua de forma harmoniosa a um imposto
sobre produtos industrializados
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COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Diante da nova conjuntura econômica que se instalara, as poucas empresas que
continuaram a produzir passaram a buscar soluções e adotar novas estratégias para
permanecerem em funcionamento. Mo entanto, mesmo com grande esforço, o setor não foi
capaz de restabelecer os postos de trabalho e a lucratividade de outrora. Convivem ainda na
atualidade, com um cenário pouco favorável, em que pese o produto guardar a mesma, ou até
maior, respeitabilidade de outrora. É um cenário que, sem dúvidas, anseia por novas reflexões
e ações.
Isso porque, mesmo com toda a crise, a região de Blumenau é o maior polo de
produção de cristal artesanal das Américas, e o único nos moldes na América do Sul, e um
dos poucos no mundo que mantém uma produção 100% artesanal (STRAUSS, 2010),
contexto em que é evidentemente nítido perceber seu diferencial, seu valor, a cultura
indissociável de sua produção, que se utiliza essencialmente da mão de obra artesanal.
Independentemente dessa posição, o setor ainda enfrenta graves problemas. Dentre
os problemas enfrentados na atualidade, alguns são destacados por Carls (2013, p. 125), que
os compilou a partir de questionários aplicados com representantes das empresas produtoras:
a)
b)
c)
d)
e)
f)
tributação elevada e que não corresponde ao produto (IPI – 15%);
escassez de mão de obra qualificada10;
aumentos sucessivos no preço do gás natural;
importações de produtos similares de qualidade inferior;
queda nas vendas;
falta de normatização que estabeleça e diferencie o que é cristal.
A crise ainda hoje vivida não repele o cenário histórico e cultural onde o setor
encontra-se inserido. O cristal artesanal da região de Blumenau possui todas as características
que o tornam um produto com elevado potencial para o reconhecimento da Indicação
Geográfica, bastando que, para isso, unam-se forças e trabalhe-se em conjunto, a fim de
recuperar o prestígio e a importância econômico-cultural do cristal artesanal de Blumenau e
região.
A Indicação Geográfica é forte candidata a impor mudanças nesse cenário de crise. E
justamente nessa tensão entre formada entre globalização e regionalização, “[...]
desenvolvimento é um processo de disputa do excedente gerado pelo sistema produtivo, em
favor (i) ou da satisfação das necessidades fundamentais da coletividade (ii) ou dos ganhos
dos proprietários dos meios de produção” (SOUZA; THEIS, 2009, p. 13).
10
A escassez de mão de obra se dá por algumas questões, como por exemplo, a condição de insalubre do
ambiente de trabalho, que só pode aceitar maiores de 18 anos. Com essa idade, apontam os empresários que
muitos jovens não têm mais a paciência para iniciar em uma profissão artesanal, esta entendida como uma
produção feita de forma manual, sem recurso a meios sofisticados ou a técnicas elaboradas ou industriais. Além
disso, os trabalhadores que perderam seus postos de trabalho com a crise da década de 1990 estão, na maioria,
aposentados.
330
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Nesse cenário globalizado, de necessidade de atribuir-se efetividade e eficiência às
instituições, e, nesse aspecto o potencial da Indicação Geográfica enquanto instituição-vetor
de desenvolvimento, denota-se que a região de Blumenau, a partir da produção de seus
cristais artesanais (e outros atrativos) está apta a vivenciar o fenômeno descrito por Arocena
(2004), de inscrição global da esfera local.
Ou seja, ainda que a ideia do local em relação ao global seja sempre relativa, é
urgente utilizar-se de mecanismos que valorizem o local e promovam sua inserção no global.
É uma forma de analisar o local, como uma inscrição global, mas a partir de suas
particularidades, singularidades. É a Indicação Geográfica dos cristais artesanais da região de
Blumenau com forças para gerar desenvolvimento regional.
Em busca desse desenvolvimento é que, desde o ano de 2011, os produtores de
cristal da região constituíram uma Associação com o objetivo de buscar o reconhecimento de
Indicação Geográfica para seus produtos. O trabalho coletivo, em especial dos produtores s do
setor, é essencial para essa finalidade. Estão os produtores unidos, cooperando
horizontalmente com a intenção de reestruturar o setor, por meio de um processo cooperativo
e integrativo também da comunidade regional.
Com o reconhecimento da Indicação Geográfica para os cristais artesanais da região
de Blumenau será possível, desde que com apoio em uma gestão eficiente, reverter as nefastas
consequências advindas da crise instalada na década de 1990; reestabelecer postos de
trabalho; estimular a (re)abertura de novas empresas; retomar a exportação do produto em
patamares históricos; melhorar o nível organizacional dos produtores; aumentar autoestima e
e a valorização da identidade territorial existente; permitir a criação e desenvolvimento de
uma rede de instituições com atuação sinérgica, colaborativa e que permite a redução dos
custos para posicionar o produto no mercado; dar sustentabilidade da produção; gerar maior
valor agregado do produto; além de inúmeros outros benefícios, principalmente se observada
a já mencionada hipótese de desenvolvimento de uma cesta de bens e serviços
territorializados, conforme ensina Pecqueur (2006).
Ante o exposto, tecidas considerações acerca do perfil institucional da propriedade
intelectual e da Indicação Geográfica como propulsores de desenvolvimento, percebe-se esta
última como um instrumento capaz de promover a reestruturação e alavancagem do setor de
cristais artesanais da região de Blumenau. Além disso, o processo de busca pelo
reconhecimento da Indicação Geográfica permitirá o fortalecimento de uma rede de
coopereção horizontal, junto à valorização dos trabalhadores e toda a comunidade envolvida,
em virtude da identificação histórica e cultural com o setor.
331
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
Percebe-se que a Indicação Geográfica pode representar para os cristais uma
alternativa para superação da crise. Um instrumento que, se corretamente manejado, poderá
proporcionar maior sustentabilidade econômica para o setor. Na mesma esteira, se
acompanhada de uma estratégia de marketing sólida e bem estruturada, pode ainda trazer
benefícios para outros produtos e serviços, além de valorizar os aspectos históricos e culturais
da região de Blumenau.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme almejado desde início, este estudo teve por objetivo central estabelecer um
ponto de convergência entre as instituições e a questão do desenvolvimento da nação, em
especial a instituição jurídica da Indicação Geográfica e suas possibilidades de promoção de
desenvolvimento regional, por estar ela compreendida, como destacado, em uma perspectiva
da propriedade intelectual como vetor para o desenvolvimento, cenário no qual a Indicação
Geográfica para os cristais artesanais da região de Blumenau foi objeto central de exploração.
Do estudo empreendido foi possíveis estabelecer algumas constatações, entre as
quais julga-se indispensável mencionar: a) de fato, instituições de qualidade são de
fundamental importância e totalmente indispensáveis para o desenvolvimento de uma nação;
b) a Indicação Geográfica, da forma e no contexto concebido é uma instituição capaz de gerar
desenvolvimento regional, desde que solidamente concebida e gerida; e, c) nítidas também
são as possibilidades de revitalização econômica e social, com a consequente geração de
desenvolvimento regional a partir da Indicação Geográfica para os Cristais Artesanais da
região de Blumenau.
Atendendo à questão central do trabalho, verificou-se que, a partir do estudo da
perspectiva institucional da Indicação Geográfica, que existe grande aptidão para promoção
de desenvolvimento regional. Ao se pensar especialmente no caso dos cristais artesanais da
região de Blumenau, constata-se que o reconhecimento da Indicação Geográfica para o
referido setor produtivo é um projeto viável e promissor. De suma importância para a
manutenção do setor, é uma alternativa ficaz para diferenciar o produto em um mercado de
concorrência acirrada e, por vezes, desequilibrado. Além de promover todo o entorno e
possibilitar o desenvolvimento da chamada cesta de bens e serviços territorializados.
332
COLEÇÃO CONPEDI/UNICURITIBA - Vol. 32 - Propriedade Intelectual
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