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Aos Nossos Descendentes
Revisão Editorial:
Regina Helena de Paiva Ramos
Digitação:
Amélia Maria Magalhães e Silva
Diagramação:
Acervo Fotográfico:
Ricardo H. Andrade
Pesquisa Genealógica:
Marcelo H. Andrade
Ricardo H. Andrade
Arte-Capa:
Maria Beatriz Camargo
Biografia
GARCIA, Rubens
Aos Nossos Descendentes
São José dos Campos
Gráfica:
ISBN _ _ _ _ _ _ _
1. Biografia I. Título
Índices Para Catálogo Sistemático
Gráfica:
Impressão:
Ano 2004
Direitos Desta Edição Reservados a
Autor: Rubens Garcia
AGRADECIMENTOS
 À nossa filha Maria Beatriz, autora da apresentação desta
Biografia – Lembranças – e pela criação da arte da capa
deste livro.
 Ao nosso filho Marcelo, pela pesquisa, desenvolvimento e
composição informática da Árvore Genealógica de nossa
família.
 Ao nosso neto Ciro pela redação do histórico do seu avô e
das suas impressões de uma viagem ao Pantanal Matogrossense.
 Aos amigos Júnia Borges Botelho, José AntÕnio Justino,
Fernando Alves e Nelson Suplicy, pelos seus
depoimentos.
 À nossa amiga jornalista, escritora e teatróloga Regina
Helena de Paiva Ramos pela revisão editorial desta obra e
pela sua mensagem de encerramento da biografia.
 Finalmente, ao sempre amigo Rubens Garcia da Silva,
idealizador e autor desta obra, deixando aqui registrado
nosso reconhecimento por todo trabalho que teve e pelas
inúmeras horas que dedicou na elaboração desta
biografia.
Ricardo Andrade
São Paulo - Brasil
Ano 2004
Carmen Lydia e Ricardo
Ano 2004
AOS NOSSOS DESCENDENTES
No dia 3 de Abril do ano de 1930, no bairro de Santa Cecília,
cidade de São Paulo, nascia uma criança do sexo masculino que
recebeu o nome de Ricardo. Seis meses mais tarde, no dia 16 de
Outubro, nesta mesma cidade, no bairro da Bela Vista, nascia uma outra
criança, do sexo feminino que se chamou Carmen Lydia.
Ricardo e Carmen Lydia cresceram e desfrutaram de uma
tranqüila infância e adolescência de bonança propiciada pela situação
em que viviam seus pais.
Quis o destino que no dia 18 de Janeiro de 1950, Ricardo e
Carmen Lydia se encontrassem, no Parque Balneário Hotel, na cidade
de Santos, São Paulo, para nunca mais se separarem.
Desta nossa união, nasceram dois filhos e, posteriormente, oito
netos. Esperamos ver o nosso elo com a eternidade com o nascimento
de muitos descendentes destes nossos descendentes, pois assim
estaremos cumprindo a determinação do Senhor: “Crescei e multiplicaivos”.
Quando um nosso amigo, gentilmente, se propôs a escrever esta
nossa biografia, vimos neste seu gesto uma oportunidade de deixarmos
registrado para a posteridade um pouco da nossa vida para que os
nossos descendentes venham a saber algo sobre seus ancestrais.
Quis também o destino que parte dos nossos filhos e netos
fossem viver definitivamente nos Estados Unidos onde irão nascer seus
descendentes que não saberão a língua portuguesa, mas, com a devida
tradução deste trabalho, poderão ter acesso a informações sobre seus
ancestrais brasileiros.
A todos nossos atuais e a todos nossos futuros descendentes,
sejam eles brasileiros, americanos ou de outra nacionalidade,
dedicamos esta biografia.
Carmen Lydia e Ricardo
São Paulo - Brasil
Ano 2004
AOS NOSSOS DESCENDENTES
BIOGRAFIA DE
RICARDO HENRIQUE ANDRADE
ÍNDICE
• LEMBRANÇAS ........................................................................ 15
• WWW.BIOGRAFO.COM/AMIZADE ........................................ 17
• COMEMORAÇÕES ................................................................. 21
• O CASAL E SUAS CARACTERÍSTICAS ................................ 37
• O CLÃ ANDRADE.................................................................... 49
• ACONTECIMENTOS E RECORDAÇÕES .............................. 62
• VOLTA AO MUNDO ................................................................ 70
• RICARDO E SUA VIDA PROFISSIONAL ............................... 86
• ASCENDENTES E DESCENDENTES.................................. 100
• DEPOIMENTOS .................................................................... 118
Neguinha e Marcelo
LEMBRANÇAS
Uma porção de pontinhos brilhantes, salpicados no meio da
escuridão me aliviavam da sensação de solidão que o escuro traz nas
crianças bem pequenas. Ficava olhando aquelas luzinhas balançarem
quando eu movimentava a pesada mão do meu pai, que já dormia com
o relógio de mostrador fosforescente no pulso.
As luzinhas dançavam, rodopiavam, formavam constelações
orbitando na frente dos meus olhinhos insones. Assim ficava até que o
sono, finalmente, vencia as minhas vocações em astronomia...
Acho que esta é uma das imagens mais longínquas na minha
memória. Acredito tê-las gravado, pois, naqueles momentos, sentia que
as luzinhas representavam a segurança, transmitida pela presença dos
meus pais, apesar de não vê-los, nem mesmo escutá-los.
Passou a infância, veio a adolescência com todas as
descobertas, deslumbramentos e incertezas, as festas atravessando as
madrugadas, que muitos pais apenas proibiam, porém os meus sempre
estavam lá, na saída e na chegada em casa, em geral meio de pijama e
sonados, mas sem reclamar.
E com esta certeza de contar com eles nos melhores e nos
piores momentos desta jornada maravilhosa que é a vida, aprendi a
recomeçar cada dia como um novo desafio, e ver nas outras pessoas
parceiros e amigos.
Quase sem perceber, constitui minha própria família, e agora
cabia a mim acalmar o sono dos meus filhos...
E foi com mais dúvidas do que certezas, que tentei compartilhar
com eles o calor do amor incondicional que um dia recebi da mão amiga
dos meus pais e o incentivo para que nunca deixemos de sonhar com
estrelas...
Maria Beatriz
Ribeirão Preto - Brasil
Ano 2004
15
Em 1949 Rubens e Ricardo, solucionando problemas
sem saberem que viriam a ser...
Em 2004 – Biografado (esquerda) e Biógrafo (direita)
16
WWW.BIOGRAFO.COM/AMIZADE
Um só momento, um longo e emocionante momento em minha
vida, escrever a biografia conjunta de Ricardo e Carmen. Um casal
solidamente unido, extremamente estável, com as personalidades,
identidades e objetivos respeitados e preservados.
Nossa
adolescência,
amizade
e
iniciou-se
cresceu
com
nos
o
bancos
casamento
escolares,
na
Ricardo-Carmen,
sedimentou-se no período de convivência mais próxima, solidificou-se
durante todos esses anos e eternizou-se na lembrança de cada um de
nós três.
Na maturidade convivemos em harmonia, intercambiamos
experiências, descrevemos viagens, trocamos acontecimentos pessoais,
bons e ruins, rimos muito, e, mais recentemente, bebemos pouco. Com
a minha mudança de residência para a Serra da Mantiqueira
inevitavelmente houve algum distanciamento em nosso relacionamento:
Sempre que estiver em São Paulo, apareça, venha!
Nós gostamos muito da sua companhia. Você sumiu outra
vez... Até parece que não gosta do jantar feito pela
Carmen... Só o vemos de vez em quando... você virou um
cometa! Algumas vezes fui batizado pelo Ricardo. Este é o apelido
mais recente.
Na juventude, quando convivíamos nos Estados Unidos – na
cidade de Flint – tínhamos objetivos extra-escolares a alcançar;
aprender, absorver, exercitar a filosofia de vida americana “The
American Way Of Life”. Aprendemos e incorporamos muitos novos
17
conceitos, pensamentos, práticas de vida, hábitos, atitudes, assim
também reforçamos outros, como franqueza, honestidade e sempre falar
a verdade.
Entretanto, dois princípios dessa filosofia de vida foram
sumariamente pulverizados, extirpados do universo da Carmen e do
Ricardo: obtenha sempre um retorno em tudo o que fizer. O que importa
são os resultados “bottom line”. – “There is no free lunch” (não existe
almoço grátis).
As pessoas que desenvolvem interesses em comum formam
uma capa protetora, salvando da corrosão sentimentos como amor e
amizade.
No universo deles não há cobrança de retornos, muito menos
necessidade de interesses em comum fundindo capas protetoras,
contabilidade de favores, análise de resultados práticos das amizades
para proteção de sentimentos... tudo é mais espontâneo, mais
gratificante, vem lá de dentro. Essas “coisas” não se materializam. E
alimentam a alma, não o bolso. Os amigos e familiares são como
planetas, luas, cometas, astros gravitando em elipses continuamente se
distanciando e se aproximando do centro de amizade irradiada. Seria
como satisfazer a nossa necessidade de alimentar o sentimento de
amizade e certificarmo-nos cada vez mais da sua existência. Neste
universo há sim, muito jantar grátis, cortesias, amizade e afeto.
Ricardo, eu faço absoluta questão, não abro mão, você e
Carmen são meus convidados. Fomos jantar fora. Estivemos em muitos
outros lugares, cheguei até a fazer – com a ajuda da Carmen – um
almoço que demorou tanto para ficar pronto que o Ricardo quase tomou
todo o “brodo” de camarão que seria para cozinhar o macarrão. Carmen
continua, como sempre, propiciando os jantares.
18
A motivação para redigir esta biografia nasceu em minha mente,
talvez, sem eu ter tido consciência. O pensamento começou a trabalhar
lentamente até que em um determinado momento foi materializado
através de palavras.
Tudo começou quando estava conversando com Ricardo sobre
computadores:

Estou precisando colocar a documentação histórica
fiscal da fazenda no computador e nem sei por onde começar.
 Se aplicarmos o programa adequado, desenvolveremos
algumas
planilhas
que,
digitadas,
deverão
satisfazer a sua necessidade de informação. Defina no
papel quais são os objetivos a serem alcançados – o que
você quer.
Algumas semanas depois e a questão tinha sido equacionada
pelo Ricardo. Para mim tudo era um grande mistério, não conseguia
nem digitar e teria que fazê-lo. Desde o início Ricardo alertou da
impossibilidade de digitar. Além do que a documentação teria que ser
interpretada.
Regina, amiga de ambos, emprestou um lap-top. Orientada pelo
Ricardo ensinou-me os primeiros passos. Fantástico! As planilhas
desenvolvidas pelo Ricardo parece que faziam tudo sozinhas. As
dúvidas eram resolvidas por telefone pelo mestre que desataria qualquer
nó. Em dois ou três meses, ajudado também pelos meus filhos, atingi o
objetivo. Sensacional! O mistério ficou “planilhado”. Aproximadamente
vinte e cinco anos e dezoito pastas com documentos, recibos, cartas,
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faturas, romaneios, um arquivo, foram decodificados e condensados em
um mínimo disquete.
Este foi um de muitos desafios enfrentados em conjunto com
Ricardo. Em nossas vidas, durante um tempo e um espaço profissional,
fomos imbatíveis, para terror de nossos inimigos fantasmas.
Em outro tempo, mais remoto, fomos arquitetos e executores de
aventuras e façanhas rocambolescas.
Espontaneamente senti vontade de retribuir com um presente.
Tarefa difícil. Ricardo e Carmen têm muitas coisas e, além disso, eles
nunca pedem ou insinuam um desejo de aquisição.
Felizmente a intuição arrancou o que já estava lá dentro e então
saquei: Ricardo, eu gostaria de lhe dar um presente, vou escrever a sua
biografia. A resposta veio rápida, eu me sentiria honrado em ter
minha biografia escrita por você.
A biografia do Ricardo seria incompleta se não fosse redigida
juntamente com os fatos mais marcantes da história da Carmen.
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COMEMORAÇÕES
Estava tudo organizado, planejado em detalhes e executado com
precisão. Afinal, uma festa em comemoração às Bodas de Ouro de
Carmen Lydia e Ricardo, merecia toda a dedicação e atenção dos
familiares, principalmente da filha Maria Beatriz – a “Neguinha”.
Às 19:16 do dia 18 de Junho de 2.002 todos os convidados
chegaram à casa da Rua Tucunarés, no 350, da Quinta da Alvorada na
cidade de Ribeirão Preto. A pontualidade dos convidados só foi possível
após vários contatos e programações, que culminaram com o Ciro
comboiando os convidados dos hotéis até o local da comemoração.
Alguém comentou que teria havido um pequeno atraso! Pois é, um dos
convidados não se sentiu à vontade em chegar de mãos vazias. O
comboio teve que parar em uma floricultura e demorou uns dez minutos
para encher o porta-malas de flores.
Carmen com surpresa recebendo os convidados da festa
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Garcia chegando com meia floricultura
Havia uma razão muito forte para que os convidados chegassem
juntos e em silêncio na casa da “Neguinha”: montaram uma alegre,
bonita e emocionante surpresa para a Carmen Lydia. Ela não sabia que
a festa seria em comemoração às suas Bodas de Ouro, até ajudou na
preparação do que seria um jantar para convidados muito especiais de
sua filha e genro, Ibiracy, o “Bira”.
A casa é um encanto inesquecível de arquitetura-humana, está
voltada para os fundos. Alguém dentro da casa não percebe facilmente
quem está chegando, desta forma os convidados ficaram ocultos até o
momento da passagem pela porta de entrada. O Ricardo e seu genro
“Bira” esperaram os convidados no jardim frontal, conduzindo-os
espaçadamente até a porta de entrada, onde Carmen e a filha
permaneceram do lado de dentro da casa. Somente após receber os
primeiros convidados Carmen percebeu o que estava acontecendo,
cumprimentava um a um com sorrisos, expressões de alegria e
surpresa. Algumas de suas palavras naquele momento foram: vocês
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vieram de tão longe... mas isto é maravilhoso... todos
esses amigos... O semblante, a figura, a expressão facial, o brilho
nos olhos, o sorriso do Ricardo era da mais completa felicidade.
Tudo foi muito bonito, elegante, fascinante, emocionante. As
fotografias, em parte, gravaram estas cenas.
Tem aquela fotografia da Carmen com a cara
espantada, quando ela finalmente vê aquele monte de
gente chegando.
Carmen e Ricardo recebendo flores dos convidados.
É. Foi interessante aquilo... Eu não sou muito
emotiva, nestas ocasiões em geral eu sou bastante
contida, não vou dizer que fiquei superlativamente
emocionada, eu fiquei feliz, achei muito agradável,
interessante, fiquei muito feliz da “Neguinha” ter assumido
com tanta boa vontade e tanto interesse toda esta
responsabilidade.
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E assim a comemoração rolou, descontraída, alegre, gostosa em
seus detalhes. Fizeram discursos, brindes e saudações. Gilberto Leite
Braga discursou emocionado:
Parabéns,
comemorarmos
50
anos
de
aliança
matrimonial é uma verdadeira jóia de ouro, que não pode ser
escondida, mas devemos expô-la para admiração dos nossos
entes queridos e de nossos amigos, exemplo vivo da dignidade
humana do casal com suas inteligências, sendo iluminado
transcendentalmente pela graça de Deus.
Afirmamos com toda a sinceridade, amizade e também
com emoção, que vocês, Dona Carmen e Sr. Ricardo são para
nós, para seus familiares e para todas as pessoas que
desfrutam do seu convívio um casal bem aventurado (casal
feliz), casal que com sua luz ilumina outros casais, casal de
boa vontade que ouve a palavra de Deus e a pratica. Dizemos
isto, porque nós vemos, sentimos as suas capacidades de
amar e servir para que a outra pessoa seja feliz.
Caríssimos, Jesus disse claramente que a aliança
matrimonial é instituição de vida. Confirma e acrescenta que o
casal deve ser como uma só pessoa para a alegria do casal e
principalmente dos filhos. Não é isto que acontece em suas
vidas?
Neste contato com vocês, com a Neguinha, Bira e netos
vemos uma vida de amor, vocês chegam a esquecer de vocês
mesmos para servirem às pessoas para que elas sejam felizes.
Suas fisionomias refletem um coração puro, mais uma
vez seguidores da verdade. Coração cheio de raiva e
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ressentimento contamina as pessoas e o mundo. Quando o
que deveria sair de nosso interior é o perdão.
Meu querido casal: quanta amizade, quanto respeito,
quanta unidade (onde está um também está o outro) quanta
renúncia, quanto perdão...
A Célia e eu nunca nos esquecemos do sábio conselho
recebido deste querido casal: querem conquistar filhos(as),
noras, genros e netos(as)? Boca fechada e bolso aberto, mas
no fundo eles querem passar com esta mensagem; além da
bolsa material, a bolsa do nosso coração para servi-los e a
boca fechada é não falarmos muito e conquistarmos mais com
o testemunho de vida, como a Dona Carmen e o Senhor
Ricardo dão. Um beijo e um abraço, com muita admiração.
Ricardo e Carmen saudaram a todos e na frente dos convidados,
no maior silêncio, renovaram beijos e juras e a aliança de bodas selou
no dedo da Carmen os 50 anos de união.
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18 de Junho de 1952 – O Casamento
18 de Junho de 1977 – As Bodas de Prata
18 de Junho de 2002 – As Bodas de Ouro
Ricardo precisou da ajuda de um dos netos para que aquela
aliança estivesse calibrada perfeitamente no dedo da Carmen. A Diana,
dias antes das bodas, a pretexto de experimentar os anéis da avó,
escolheu um dedo seu em que a aliança original de 50 anos atrás lhe
servia. Depois com um medidor de anéis descobriu o tamanho do dedo
da avó. Este é apenas um exemplo, dentre muitos outros, atos, ações,
idéias arquitetadas pelo Ricardo e executadas pelos familiares longe do
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conhecimento da Carmen, ela não podia nem desconfiar do que
estavam tramando, mas não foram apenas eles que tramaram. Os
amigos mais próximos também participaram da trama, assim que
captaram os sinais, emitidos pelo Ricardo, de que Carmen não queria
nenhuma comemoração:
Não quero comemorar os 50 anos de casada, sem a
presença de parte da minha família,teria dito.
O filho Marcelo, a nora Erika e os quatro filhos – Suzie, Ricardo,
Lílian e Karin, que moram há 14 anos nos Estados Unidos, não
poderiam estar presentes, seria muito problemático para eles se
ausentarem, ao mesmo tempo, por pelo menos uma semana dos seus
diversos compromissos estudantis e empregatícios, além do alto custo
da viagem. Mas a filha Maria Beatriz, o genro Bira e os quatro netos –
Ciro, Pedro, Caio, Diana, queriam que a homenagem fosse realizada e
nisso foram fortemente apoiados pelos amigos mais próximos, inclusive
com lances de alguns que estariam preparados para fazerem a festa.
O destino armou o conflito e jogou a decisão no colo de quem
jamais se recusou a tomar decisões extremamente difíceis – Ricardo
Andrade. Assim foi: a comemoração seria realizada na casa da
Neguinha que daí para a frente conduziu tudo.
A angústia de esconder da Carmen esta trama foi amargada pelo
estrategista Ricardo. Os amigos e familiares curtiram tudo, do começo
ao fim.
Amar, querer bem, ser amigo, tolerar, viver a dois, confiar,
acreditar e respeitar o outro... tudo isto é tão sólido entre eles que
Carmen sentiu-se traída. Talvez assim se sentiu por ser a trama
conflitante com a profunda, pura e coesa união existente. Entretanto a
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"traição" não foi uma “traição", foi um ato resultante da individualidade
que está preservada, perfeita e solidamente. Assim é que ele é, assim é
que ela é. Ambos respeitam suas individualidades.
Ter mantido uma união por mais de 50 anos tem uma forte razão
– nunca consideraram a hipótese de desmanchar esta união.
É
lógico
que
tivemos
momentos,
fases
muito
difíceis, talvez estivesse na hora de encerrarmos, eu
nunca desejei encerrar, eu achei que a gente deveria
superar e tentar ir em frente.
O Ricardo endossa cem por cento estas palavras.
Eu nunca quis desmanchar a união, não que eu e
Ricardo tenhamos méritos nisto, é uma questão de pré
disposição – eu casei-me e quero continuar como estou
até que a morte nos separe.
É o testemunho da Carmen.
O dia 18 de Junho de 2002, como o fato em si, para o Ricardo é
uma data histórica. Para a Carmen, uma data socialmente aceita e
cultivada. Mas, na realidade, foi um ano a mais, não acho que tenha
uma conotação especial, é que se estabeleceu que bodas
de ouro é uma coisa comemorável – quando eu penso,
conseguimos, mais um ano juntos, uma vitória.
Elaborar a lista dos participantes e deixar que a notícia se
espalhasse só para eles, não foi fácil. Sozinho, Ricardo pinçou as
pessoas mais próximas, que conviveram conosco nos últimos
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dez anos, parentes ou não, ou melhor, os amigos. Assim, o
“aviso chegou" para as pessoas abaixo relacionadas por ordem
alfabética:
Ana Cândida Riso e seu marido Arlindo Riso, comerciante. Ana
Cândida é uma amiga de infância da Carmen.
Ana Maria Faiad e seu marido Luis Faiad, advogado e dois dos
quatro filhos. Ana Maria é filha de José Antonio e Conceição e foi criada
junto com Marcelo e Neguinha.
Fernando Alves, engenheiro e sua esposa Cléa Silva. Fernando
conheceu o Ricardo em 1973 quando, então, como Diretor de Recursos
Humanos da Chrysler recrutou-o como Diretor de Manufatura. Fizeram
várias viagens juntos. Ricardo e Carmen são padrinhos de casamento
do casal no religioso e no civil.
Gabriel Junqueira Leite, médico e sua esposa Silvia Lucia
Gonçalves Leite e seus três filhos, amigos do casal Beatriz e Ibiracy
desde 1976 quando eles se mudaram para Ribeirão Preto e tornaram-se
também amigos dos comemorados.
Dr. Gilberto Leite Braga, professor da USP e doutor em Ciências
e sua esposa Célia Ubida Leite Braga, amigos do casal Beatriz e Ibiracy
desde 1977. Dr. Gilberto foi quem discursou durante a festa.
José Antonio Justino e sua esposa Conceição Justino. Ele, primo
em primeiro grau do Ricardo por parte de mãe. Amigos desde 1940, a
amizade com a esposa se iniciou em 1950 quando casaram e perdura
até hoje.
José Bráulio Borges, advogado e sua esposa Vera Alvim Borges.
Ele, primo em primeiro grau da Carmen por parte de mãe. Têm sido
amigos desde a década de 50.
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Dra. Júnia Borges Botellho, professora da USP e doutora em
Matemática. Prima em primeiro grau da Carmen por parte de mãe.
Carmen e Júnia sempre foram amigas desde a infância. Ela é madrinha
de casamento de Carmen e Ricardo.
Lélia Borges de Oliveira e seu marido Alberto de Oliveira,
jornalista. Ela, prima em primeiro grau da Carmen por parte de mãe.
Carmen e Lélia passavam uma temporada de férias no Parque
Balneário Hotel, em 1950, Santos, quando Ricardo e Carmen se
conheceram.
Dr. Nelson Suplicy, engenheiro, professor da USP e doutor em
Agronomia, e sua esposa Maria Helena Suplicy. Foram colegas no
Colégio São Luiz em 1946 e, desde então, continuam cultivando a
amizade.
Rubens Garcia da Silva, amigo desde 1946, colega no Colégio
São Luis, estudaram juntos no General Motors Institute, em Flint, nos
Estados
Unidos.
Posteriormente
foram
sócios
em
fazenda
de
reflorestamento e na construção de casas populares. Trabalharam
juntos na Indústria automobilística.
Vera Helena Pagano e seu marido Edson Pagano, administrador
de empresas. Ela é sobrinha do Ricardo, filha do seu irmão e foi criada
quase como filha.
Mais uma vez nenhum erro, ninguém faltou. Eu tenho
certeza de que se tivesse convidado também outras
pessoas, várias não viriam, poderiam achar Ribeirão muito
longe... ir à festa custaria locomoção e hospedagem!
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Antes de casar a Carmen comemorava a data 18 de Janeiro de
1950, dia em que conheceu o Ricardo. A prima e amiga Júnia conta a
história deste encontro:
Carmen Lydia e Lélia (prima) a convite da tia Edite
estavam passando férias no Hotel Parque Balneário em Santos
quando conheceram Ricardo. Imediatamente “pintou o clima” e
a paquera teve prosseguimento com o convite da Carmen ao
Ricardo para se encontrarem na casa de seus pais na Vila
Guilhermina, na Praia Grande. Ricardo tinha uma casa lá, aliás
bem perto da nossa, assim tudo começou a rolar. Uma tarde, já
à noitinha, estávamos todos na varanda e o Flávio, meu irmão
mais velho, muito gozador, começou a falar que o Ricardo ia
aparecer a qualquer momento, afinal de contas já tinha
passado alguns dias que Carmen tinha chegado, vinda do
Parque Balneário e a expectativa era grande.
Era uma turma de moças e rapazes no terraço fazendo a
“maior farra” quando vimos no meio da escuridão uma luzinha
se aproximando (naquela época não existia instalação elétrica
na Vila Guilhermina), Flávio não hesitou – deve ser o Ricardo
chegando, olhem, está se aproximando cada vez mais e era o
Ricardo que chegava procurando pela Carmen Lydia. Esta
história, acrescida do namoro dos dois na varanda, sentados
na rede foi descrita pelo meu pai em versos. Um lindo soneto
escrito em versos “alexandrinos” e ao nome do Ricardo foi
adicionado o nome Camargo, para rimar mais perfeitamente.
Coincidentemente, Ricardo Camargo Andrade ficou nos
versos, com o mesmo nome dos seus dois irmãos Maria Lucia
Camargo Andrade e Carlos Henrique de Camargo Andrade.
31
Nunca fui de comemorar aniversário de casamento.
Comemorei o aniversário dos meus filhos enquanto eles
quiseram, gostei das comemorações de casamento deles
e fiz várias comemorações de aniversário do Ricardo. Não
acho graça em receber os parabéns, coisa que o Ricardo
adora.
Diferentemente o Ricardo faz que não prepara, mas prepara-se
para receber os amigos. Assim foi aos 40, 50, 60 e 70 anos de idade
com festas feitas pela Carmen, além das festinhas nos anos
intermediários, feitas por ele mesmo – só não emite convites, mas, em
2004 comemorando os 74 anos, Ricardo foi pego de surpresa. Como
sempre convidou, discretamente, amigos e parentes para um almoço,
assim a comemoração seria à tarde, sendo menos cansativo do que à
noite. Entre outras iguarias a Neguinha fez a macarronada, isto é,
confeccionou a massa com ovos de galinhas criadas por ela e o molho
de tomate (a receita é segredo). Além da magnífica refeição a Neguinha
e o Bira contrataram um grupo de seresteiros – os Trovadores Urbanos que alegraram e encheram de emoções os convidados levando o
Ricardo e Carmen às lágrimas. Todos ficaram surpresos e emocionados
e todos riram e choraram acompanhando as canções cantadas pelos
trovadores. Sendo a última “A Canção do Ricardo”:
CANÇÃO DO RICARDO
NÓS SOMOS OS SEUS TROVADORES
AQUI ESTAMOS PRA LHE VER SORRIR
AGRADECEMOS E SEREMOS SEUS CANTORES
TODAS ÀS VEZES QUE VOCÊ NOS PEDIR
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AGORA CHEGOU A HORA
PRECISAMOS NOS DESPEDIR
MAS ANTES VAMOS REVELAR
O QUE ACABAMOS DE DESCOBRIR
UM PASSARINHO NOS CONTOU
QUE VOCÊ GOSTA DE COMPUTADOR E CERVEJA
E DETESTA O CALOR DE RIBEIRÃO PRETO
NÃO SABE QUANDO VAI CHEGAR O PRIMEIRO BISNETO
TORCE PRO UÍSQUE SER DE BOA QUALIDADE
TEM MANIA DE COMPRAR COPOS
É FÃ DA TECNOLOGIA
NÃO COME BOLO
MAS DEVORA PRESUNTO PARMA
ADORA OUVIR TELEFONE NO VIVA VOZ
TEM MEDO DO COMPUTADOR PIFAR
SONHA COM VIAGENS E EM CONVIVER COM
OS FILHOS, NETOS E AMIGOS
E O BIRA E A NEGUINHA
É O PASSARINHO QUE CONTOU
MAIS UMA SERENATA QUE TERMINA
NESTA DATA MUITO MAIS QUE ESPECIAL
SE FOI BOM PRA VOCÊS NINGUÉM IMAGINA
QUE PRA NÓS FOI SENSACIONAL.
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Ricardo tem uma vida repleta de comemorações, resultado de
seus feitos, realizações e decisões. A sua Formatura “Commencement
Exercises” em 1954 foi uma comemoração marcante em sua vida. Nas
significativas e marcantes a Carmen estava presente, atuante, sendo o
casamento a mais importante de todas.
A fase pré-casamento e até a última cerimônia foi complicada
exigindo de ambos compreensão, aceitação e atitudes até então
inéditas.
A religião da Carmen, não sendo a católica, criou uma situação
de difícil aceitação deste fato por parte de alguns membros da família do
Ricardo. Porém, o casamento foi celebrado, exigindo tenacidade de
ambos, forte apoio do pai do Ricardo, de outros membros de ambas as
famílias e, finalmente, as barreiras religiosas foram vencidas.
A primeira cerimônia, o casamento civil, foi realizado na casa dos
pais da Carmen. Uma cerimônia formal atendida por todos os membros
das famílias. A segunda cerimônia foi realizada na Capela do Colégio
Batista Brasileiro. Esta cerimônia foi assistida somente pelos amigos e
familiares da Carmen que, muito feliz, de véu e grinalda e Ricardo,
comemoram a feliz união.
TRECHO DO DEPOIMENTO DE JUNIA,
MADRINHA DO CASAMENTO
Eu tenho muito orgulho de ter tido participação neste
enlace desde o namoro. Havia muitas restrições quanto ao fato
de Ricardo e Carmen não serem da mesma religião,
especialmente nos meios Batistas e Evangélicos quando,
naquela época, moças não saiam sozinhas com rapazes,
34
entrar em carro então nem pensar, se entrasse passaria a ser
muito falada – era “facilinha”.
Carmen Lydia naturalmente queria ficar com o Ricardo,
ter um namoro normal, sair, ir passear, para ficarem um pouco
sozinhos. A minha tia Carmen era rigorosa, rígida, mas ao
mesmo tempo muito minha amiga e eu intercedi achando que o
Ricardo era de confiança, não havendo necessidade de por
obstáculos maiores mesmo porque Ricardo sempre foi muito
bem recebido por todos, apesar de ser pessoa de um outro
ambiente, pois não pertencia às rodas do grupo evangélico.
Havia um julgamento em suspenso que foi se transformando
positivamente em favor das qualidades do Ricardo.
Essas restrições – religiosa e pessoal – foram finalmente
superadas. Assim, depois de muitas conversas, tia Carmen
cedeu, mais do que ela gostaria, eu com isto tudo ganhei o
convite para ser madrinha do casamento.
Morávamos, meus pais e meus irmãos, no bairro das
Perdizes. Era uma grande propriedade do Colégio Batista
Brasileiro que englobava prédio do colégio, residência do
diretor (meu pai) e capela. Todos os três edifícios estavam
separados por grande jardim. Carmen saiu da minha casa,
vestida de noiva, pra ir à cerimônia de casamento na Igreja.
Era Junho de 1952, fazia muito frio, até hoje me lembro
de ter mandado fazer um “manteaux” branco de lã inglesa.
Carmen Lydia vestia um lindo vestido de noiva com mangas
curtas, estava morrendo de frio e resolveu colocar um casaco
de peles. Mais uma vez fizemos uma troca, eu usei o casaco
de peles e ela usou o “manteaux” branco. Este mesmo
35
“manteaux” branco de lã inglesa ficou conservado por décadas
até transformá-lo numa bela saia.
A festa foi muito bonita, alegre, charmosa. Nem
tanto pela festa, mas pelo significado dela, eu me senti
liberto de várias coisas nas quais até casar eu estava
amarrado
socialmente,
religiosamente,
familiarmente.
Para mim foi a libertação desta sociedade na qual vivia.
Estava livre, não estava sozinho, estava feliz. Assim o
Ricardo fala sobre o seu casamento.
Ricardo não se emocionou no casamento. Para ele o casamento
foi uma conquista, uma etapa vencida, tendo um significado muito
profundo. O fato de ter tido a sorte de ganhar a bolsa de estudos nos
Estados Unidos, logo após o casamento (aproximadamente um mês e
meio) ajudou e muito a consolidação da união marido-mulher, uma vez
que a família ficou naturalmente distante.
Os recém-casados, inevitavelmente, sofrem os malefícios dos
palpites, interferências, torcidas de nariz, tendo que enfrentar os eternos
problemas de onde passar o Natal, Ano Bom, aniversários. Este
convívio familiar quase que forçado não é salutar, eles argumentam.
O conteúdo da nossa vida familiar foi talvez nunca
ter forçado o convívio familiar com nossos filhos e netos.
No nosso tempo Carmen tinha obrigações familiares como:
visitar vovó, ir à Igreja com o pai e outras. Assim, a ida
para
Flint
neutralizou
(cidade
essas
do
meio-oeste
interferências
36
e
norte-americano)
o
tempo
que
lá
passamos foi o aprendizado de nossa vida conjunta.
Sempre muito comemorado.
TRECHO DO DEPOIMENTO DE NELSON SUPLICY FILHO
SOBRE O CASAL BIOGRAFADO
Passados alguns anos, após a conclusão do Curso
Científico,
Ricardo
começou
a
trabalhar
na
Indústria
Automobilística e em especial na General Motors do Brasil. Já
neste tempo namorava a futura esposa, Carmen Lydia Meyer.
No começo do namoro de Ricardo e Carmen, certa noite,
de carro, passou em frente à casa da Carmen na Rua
Rodrigues Alves e nós aproveitamos para berrar o nome da
namorada, criando escândalo na vizinhança, para nossa
alegria.
Finalmente chegou o dia do casamento de Ricardo e
Carmen (santinha). Seus colegas mais chegados foram
convidados. Recordo-me bem da festa na casa do Dr. Juvenal,
D. Carmen e Juquinha (irmão da Carmen) apesar disso ter
acontecido há mais de cinqüenta anos. Maria Helena e eu
tivemos a satisfação de assistirmos e participarmos das suas
Bodas de Ouro na casa da filha e genro – Maria Beatriz e
Ibiracy.
37
O CASAL E SUAS CARACTERÍSTICAS
Carmen e Ricardo ou Ricardo e Carmen. A ordem dos fatores
não altera o produto, não importa, o que muito importa é que a ordem
das parcelas pode até alterar a soma. Eles conseguiram somar suas
qualidades e subtrair suas fraquezas. Não só manipularam com
maestria suas parcelas como conseguiram sabiamente priorizar as
mesmas. Atingiram pontos sólidos na estabilidade e no equilíbrio. É um
casal extremamente estável.
A base desta estabilidade está no casamento consagrado pela
união, na vida familiar transcorrida em duas únicas residências, na
maturidade profissional do Ricardo atravessando dois únicos empregos,
no permanente e constante suporte dado pela Carmen, inclusive
intervindo nas crises.
Esta estabilidade é mantida através de princípios e atitudes que
indicaram o norte correto e a manutenção salutar do ambiente familiar.
Ambos fundiram as mesmas âncoras, que, lançadas na fluidez
da vida, encontraram rochas para se cravarem na honestidade,
sinceridade de intenções, fé-crença do direito e firmeza de caráter.
Gravitando em torno dessas âncoras souberam desenvolver
atividades satélites: sociabilidade, ambos “recebem” com atenção e
afeto, possuem muitos, muitos, amigos nem todos em comum, convivem
com outras pessoas, não estão sozinhos. Têm “hobbies”, passatempo e
lazer que são seletivamente mantidos em separado. Cada um
desenvolveu os seus, a participação, entretanto, é bem-vinda, mas,
acima de tudo as preferências e gostos são respeitados, preservados.
38
Ninguém sabe que alguns tapetes do apartamento que o casal
mantém em Ribeirão Preto foram “tecidos” pela Carmen. Além desses,
existem outros confeccionados nos mais variados estilos – arraiolos,
“Casa Caiada”, ponto persa, em vários desenhos. E como será que
aprendeu, quantas horas gastou, quanto custou, ninguém sabe, ela não
conta. Não é do seu “estilo” contar suas habilidades, qualificações,
proezas, méritos e glórias. Porém, se perguntada com delicadeza, ela
conta sem grandes alardes, ou ainda, como aconteceu certa vez,
quando “apanhada” em flagrante, descreveu em detalhes o tapete que
estava tecendo.
Todo mundo sabe que o Ricardo tem uma verdadeira “central de
informática” com ramificações em Ribeirão, ligação direta, ou via
internet, com filhos, netos, amigos. E-mails enviados de Ribeirão são
diferenciados dos enviados de São Paulo entre outros detalhes. Quando
viaja de São Paulo para Ribeirão ou vice-versa carrega um invólucro
plástico do tamanho de uma caixa de fósforo que contém: agendas,
endereços, programações, assuntos atuais, lembretes, etc, etc, (deve ter
também a lista telefônica da OESP), assim eu não precisei fazer
uma conexão on line e mais ainda, fica bravo com as pessoas que
ignoram informática – Retrógrados, diz.
E todo mundo sabe também: ambos estarão sempre prontos
para ajudar amigos no que for preciso.
Os “hobbies” e passatempos do Ricardo vêm de longa data. A
fotografia, teve início provavelmente antes de ele aprender a escrever,
vem do pai, que tinha uma câmera Exackta que o Ricardo exibia com o
maior orgulho. Não era somente o ato de tirar fotos, incluía catalogação,
álbuns, ampliações, distribuição de fotos aos amigos e, muito mais, até
39
um quarto escuro para revelação de filmes, montado juntamente com o
pai quando ele tinha 12 anos. Seu acervo fotográfico é inimaginável.
Fotografou a vida toda e em grande parte do mundo. Atualmente, devido
a uma deficiência ocular, não tem fotografado mais. Não faltaram filhos
e netos para fotografarem por ele, além de um amigo muito próximo ter
dito a ele na comemoração das bodas de ouro: Eu sou a sua máquina
fotográfica!
Outros “hobbies” vão desde laboratório químico montado no
período escolar à organização de um acervo computadorizado com
informações,
incluindo,
ainda,
impressos,
encadernações,
fotos,
documentos sobre a Carmen, ele e a sua família e até rádio
amadorismo.
O laboratório de Química foi montado no porão do casarão onde
residia (Rua Jaguaribe). Estava muito bem montado, com bancadas,
prateleiras, frascos e materiais próprios de laboratório químico, inclusive
bico de Bunzen e equipamento de solda oxi-acetileno o qual Ricardo
usava para derreter peças que continham ouro e prata. Aplicava
também ácidos para dissolver peças que continham metais raros e
posteriormente fazendo eletrólise obtinha o metal puro. Um verdadeiro
moderno e jovem alquimista à procura de ouro e prata puros.
40
Radio Amadorismo – Hobby de longa duração.
Em setembro de 1960 foi
oficialmente habilitado a radioamador, atividade intensamente exercida durante
quase 10 anos. Tinha orgulho em utilizar equipamento
de comunicação projetado e
construído por ele mesmo e
com
o
qual
contatos
com
inteiro.
o
mundo
Durante
este
período,
uma
manteve
desenvolvi
grande
roda
de
amigos radioamadores,
a
maioria
leiga
em
eletrônica a quem eu
sempre ajudava com a
melhor
boa
vontade.
Fiz
muitas
demonstrações
públicas
em
acampamentos
escoteiros,
durante
fui
esta
membro
de
pois
década
do
41
conselho
diretor
do
grupo escoteiro “Guia
Lopes”,
sediado
no
Clube Ipê, ao qual o
Marcelo
pertencia.
Junto com o chefe do
grupo,
criamos
desenvolvemos
curso
de
e
um
telegrafia
para os escoteiros.
Leitura é um dos passatempos da Carmen. Atualmente ela está
lendo a biografia de Hyllary Clinton. Já leu várias biografias mesmo não
tendo preferência por este gênero de leitura. Lê tudo que desperta a sua
mente ou o seu coração. Possui inclusive uma coleção de receitas
culinárias brasileiras e americanas, entre outras. A cozinha do
apartamento da Carmen é um primor, organizadíssima e repleta de
detalhes, utensílios e eletros. Eu me entretenho na cozinha,
gosto da arrumação, de cozinhar. A Carmen é uma excelente
cozinheira – esta opinião do Ricardo tem amplo, total e irrestrito apoio
de vários amigos. O Garcia que o diga, se falar, vai ampliar ainda mais o
leque de elogios.
Eventualmente gosta de ir ao teatro. Ela tem prazer em se sentir
atualizada, não por esnobismo, mas por saber e ter consciência que
assistiu à maioria das peças que a atraíram. Atores, atrizes, autores,
peças famosas, peças baseadas em livros, são alguns dos itens que
poderiam atraí-la. Recentemente foi assistir à peça “Sérgio 80” com o
42
ator Sérgio Brito. Esta ida ao teatro foi decorrente de uma conversa com
uma amiga, a Regina, que prontificou-se em apresentá-la ao ator, após
a peça, levando-a até o camarim do mesmo. Um desejo da Carmen,
contido há muitos anos. De modo próprio jamais faria, não por falta de
iniciativa, mas por excesso de recato.
Carmen foi educada na Religião Protestante-Batista tanto na
casa dos pais, como na escola, quanto na própria Igreja. Foi exposta a
padrões restritivos de conduta e pensamento. Na sua juventude era
reprimida pelo pai e pela mãe, notadamente em questões sociais e de
conduta sendo proibida de dançar, usar batom e outras amenidades.
Precisava ser (ou estar) sempre contida.
Estudou no Ginásio Presidente Roosevelt, famoso naquela
época pela rigidez e excelência de ensino. Graduou-se na Escola
Normal do Colégio Batista Brasileiro. Após a formatura lecionou no
Educandário Brasil, como professora do terceiro ano primário.
Uma de suas lembranças como professora é de um aluno
mostrando uma música composta por ele. Esse menino, na época com
oito anos, chama-se João Carlos Martins que veio a ser o famoso
pianista e especialista na interpretação de peças de Bach.
Com o passar do tempo a Carmen desenvolveu um estilo
próprio. O seu intelecto é aberto, amplo, receptivo a idéias e concepções
apesar de seus atos demonstrarem sua predileção pela organização,
ordem, arrumação, tudo no lugar adequado. O seu âmago é contido,
fechado, de difícil penetração, as emoções estão reprimidas, Eu choro
muito pouco e quando choro é trancada no meu quarto.
Mas, esbanja afeto, ri com muita facilidade e tem humor saudável de
fazer piada com os outros sem agredi-los.
43
Com sua aguda sinceridade ela sabe relacionar-se
admiravelmente bem com quem ela seleciona. Algumas
amigas são do tempo da juventude, essas e outras são amigas
até morrer. Eu, para falar bem a verdade tive muitas
amigas e consegui ao longo da vida manter
algumas,
umas
sumiram,
foram
morar
longe,
poucas morreram e outras brigaram. Por estes
motivos perdi um número delas o que me deixa
triste. Atualmente não tenho feito novas amizades,
talvez por um pouco de preguiça, também me
tornei mais seletiva. Após muitos anos, a nova
amizade muito positiva foi desenvolvida com a
Regina, a minha nova amiga. A Regina foi a última
aquisição de amizade que eu tive que valeu muito,
eu acho a Regina uma pessoa ótima, formidável,
animada, enfrenta a vida como se tivesse vinte
anos e mesmo com a minha pouca vontade de
conhecer novas pessoas me aconteceu a Regina,
uma nova amiga que valeu. A Regina é uma pessoa
admirável, no bom sentido eu tenho até inveja, com
a
idade
dela
desvendando
novos
horizontes,
planejando coisas que deverão acontecer daqui
para frente. Ela é super simpática, agradável, me
44
procura, telefona e estamos sempre conversando,
temos muitos assuntos para tratar.
Carmen
Tocando Violão
Flint - 1953
A Carmen é uma pessoa, um ser muito sólido que consegue
dizer Eu acho que eu sou o que eu sou, aquilo mesmo que
deve ser. Não sinto ter sido influenciada por outras
pessoas. A minha mãe era uma pessoa que eu admirava
por ela ser o que era. Carismática, de personalidade
fortíssima, conseguia manter todo mundo em volta de si,
aonde quer que estivesse, todos gostavam dela. Eu
admirava tudo isto, nunca consegui ser igual, mas não
acho que tenha sido influenciada. Papai menos ainda, eu o
admirava muito como cientista, tinha uma capacidade
intelectual
acima
do
normal,
muito
conceituado
e
respeitado. No mundo todo escreviam e reproduziam
45
artigos sobre a sua obra. Recentemente, vi e li na internet
uma menção detalhada sobre seu trabalho.
Pode ser que tenha sido influenciada pelo conteúdo
de algum livro, ou matéria escrita ou ainda ouvida, mas
não tenho consciência disso. Para falar bem a verdade eu
não sou muito influenciável, com certeza tenho influências
genéticas e talvez inconscientemente fui vendo, observando, vivendo e assim me moldando não tendo sentido a
necessidade de ter um (ou mais) ídolos(a).
Atualmente o que influencia a Carmen é uma aspiração factível,
que acontecerá a qualquer momento: o elo com a eternidade – o seu
bisneto. A gente é eterno porque a gente se reproduz. Devo
ter lido esta frase ou ainda entendido dessa maneira e
adotei esta filosofia, sem grandes profundidades. Ficarei
muito feliz quando gerarem o meu elo com a eternidade
que será representado pelo bisneto(a).
Com a serenidade dos fortes, Ricardo aguarda este elo. Com
devido orgulho deixa-se influenciar pela mesma aspiração assim como
sabe o quanto influenciou seus descendentes.
CIRO CAMARGO DESCREVEU RICARDO
DESSA FORMA:
Algumas coisas que recebemos da vida são puros
caprichos da natureza, pois realmente não tivemos a menor
46
capacidade de escolher ou decidir. Fui presenteado com um
avô que nunca se comportou muito como um avô clássico,
daqueles que ficam na pracinha jogando damas e fazendo
coisas de gente velha. Aliás, pelo contrário, a começar pelo
nome: uma vez, um amigo meu chamado Lucas disse que
nunca tinha visto um avô com o nome tão moderno, “Ricardo”.
Meu avô foi uma das figuras que modernizou a indústria
automobilística brasileira. Trabalhou na General Motors,
Chrysler do Brasil e Volkswagen, como diretor. Alcançou
naquela época posição executiva elevada cedida somente a
selecionado grupo de executivos brasileiros.
Aposentou-se cedo, na tenra idade de 52 anos, depois de
recusar uma oferta de promoção para trabalhar na Alemanha.
Desde então, ele enfocou os interesses em desfrutar a família
e viajar para o exterior a lazer. Acumulou mais de dez
passaportes, após ter viajado por mais de 50 países em todos
os continentes.
Assim como seu pai, Ricardo é um homem que está além
da sua geração. É improvável conhecer uma pessoa com uma
cultura tão vasta e em tantos tópicos diferentes. Os netos se
referem freqüentemente a ele como uma pessoa de “mente
inquieta”, que julga ser impossível viver com qualquer dúvida
por menor que seja. Apenas tente conversar qualquer assunto
mais complicado e ele estudará a fundo todas as respostas
possíveis com algumas (se não várias) pesquisas para
responder a questão. Não se impressione se a resposta
também estiver na ponta da língua.
47
Além de ser fluente em inglês, Ricardo tem hobbies
interessantes, como estar sempre atualizado com a última
tecnologia disponível. Pioneiro nas vanguardas tecnológicas,
foi um dos primeiros brasileiros a comprar uma televisão
colorida, vídeo-cassete, secretária-eletrônica, telefone celular e
computador pessoal com Internet.
Acima de tudo, ele é o “homem sábio da família”. Sua
experiência
e
bom-senso
freqüentemente
tornam-se
os
alicerces de conhecimento para os seus filhos e netos, que
constantemente inspiram-se no seu trabalho, conduta de vida e
honestidade. Seu perfeccionismo e organização foram os
ingredientes essenciais para completar uma pesquisa de
família, após vários meses de dedicação.
Características únicas, sempre realçadas em tudo o que
ele fez e construiu nos 70 anos. Ribeirão Preto 2/11/2000.
Ricardo admirou seu pai e continua admirando-o até hoje como
pai, como pessoa e como executivo de sucesso. Era um homem com
idéias avançadas, pra frente em tudo, inclusive na filosofia de vida. A
sua participação e apoio na época imediatamente anterior ao casamento
do Ricardo foi decisiva e gratificante. Como executivo, idealizou e
executou vários projetos para a Companhia Light, como a iluminação do
Prado da Cidade Jardim, na época considerado um grande avanço
tecnológico. Na casa dele era comum encontrar várias novidades
trazidas do exterior, principalmente dos U.S.A. e Canadá.
48
Eu me lembro em 1938 de ter comido “potato chips”,
uma novidade aqui no Brasil, eram deliciosas. De outra vez
trouxe um aparelho para fazer Waffles. Lembro-me dele
lendo a receita e dizer: a primeira panqueca dê para o
cachorro. Nunca mais me esqueci. Relógio de pilha, fogão
elétrico, fotografia em cores, projetor de slides etc. Isto
tudo acabou me influenciando genética ou psicologicamente.
Sempre
quis
estar
adiante
no
tempo.
Infelizmente, meu pai não participou do advento da
popularização
da
informática,
faleceu
antes
dos
computadores tornarem-se de uso individual.
A imagem da mãe está mais acentuada pelo amor materno e
pela compreensão em aceita-la como ela era. Órfã aos 5 anos de idade,
foi
internada
em
colégio
de
religião
católica,
tendo
saído
aproximadamente com 20 anos de idade, pouco antes de seu
casamento. Sua educação foi exclusivamente orientada
pelas freiras que dirigiam o colégio. Não podia ter uma
mentalidade
aberta
para
assuntos
fora
dos
dogmas
religiosos. Deve ter sofrido verdadeira lavagem cerebral.
Com a imagem do pai mantida em nível tão alto, foi difícil para o
Ricardo identificar outros ídolos ou líderes. Talvez John
F.
Kennedy, fui seu fã, um líder mundial, fruto de uma época!
Mas, líderes nacionais acho que não os tenho ... não me
lembro de alguém que tenha me influenciado, assim como
49
não tem lembrança de ter confidenciado assuntos de sua maior
intimidade não me lembro de ter atravessado situações ou
episódios nos quais sentisse a necessidade interior de um
confidente.
Cultivar amizades, propiciar aos amigos momentos de convívio
salutar, reuniões após as viagens, favores oferecidos, telefonemas para
manter contato, constantes trocas de e-mail, tudo isso faz parte do seu
dia-a-dia. Não só esse cotidiano compõe o culto da amizade. Na
concepção do Ricardo tem que se fazer merecer, só assim pode-se
relevar os altos e baixos. Os amigos se conhecem nas situações
difíceis, nestas é que surgem as grandes satisfações ou decepções.
Amizade precisa, necessariamente, ser sincera e valiosa.
Ricardo é um forte. Fisicamente, até hoje, mantém um porte
atlético, soube se cuidar e gratificar-se com excelente saúde. Com sua
herança genética, desenvolvimento de suas qualificações e espírito
equilibrado e empreendedor, soube criar, desenvolver e manter pilares
para o desenvolvimento de toda uma nova geração de Andrades e
Meyers.
50
TRECHO DO DEPOIMENTO DE JÚNIA SOBRE AS
PRIMEIRAS IMPRESSÕES A RESPEITO DO RICARDO
Eu sou muito, realmente muito intuitiva, achei que você
poderia ser legal, a descrição que chegou aos meus ouvidos é
que você era da noite, saía com as meninas, teve aquele
desastre de automóvel, fumava (vício abominado pelos
Batistas), e que vinha de um ambiente muito diferente. Achei
que
tudo
aquilo
não
era
traço
fundamental
da
sua
personalidade, achei que valeria a pena conhecê-lo melhor por
uma questão de empatia, você merecia uma oportunidade de
relacionar-se com a minha prima Carmen. Assim fui contra a
opinião da maioria e o tempo mostrou que o melhor aconteceu.
Vocês formaram um lindo e sólido par.
51
51
O CLÃ ANDRADE
Eles estavam no carro, aguardando mudança de sinal, no
semáforo do cruzamento das avenidas Terceira e Chevrolet, na cidade
de Flint – USA. Em frente, na esquina oposta, dominando todo o
quarteirão, surgiam os prédios do General Motors Institute of
Technology. Fundado em 1919, edificados entre árvores e jardins, eram
prédios horizontais de três andares, sóbrios, com acabamento de
tijolinhos aparentes avermelhados. Semelhante a muitos colégios o
pórtico quebrava a aresta a noventa graus do prédio principal, após
larga e curta escadaria. Ao lado do colégio, o famoso BJ, onde os
alunos bebiam cerveja após as estafantes aulas.
Como o tempo passa, faz 21 anos que fui graduado
em ”Industrial Engineering” e você estava comigo na
comemoração,
lembra-se?
Lembro-me
muito
bem
da
entrega dos diplomas do jantar e da festa.
O sinal abriu, Carmen disse ao Ricardo para dobrar a esquina à
direita, assim iriam pela “Chevrolet Ave” que era mais bonita, toda
circundada por plátanos que se coloriam no outono, para encanto dos
moradores e de quem não conhecia essa estação do ano, como
Carmen, que se deslumbrava com o colorido das folhas.
Saudosos, eles foram relembrando os trajetos feitos nos ônibus
elétricos, os carros no estacionamento da escola, os pequenos parques
e jardins das casas – a casa aonde o Gurgel morava, era logo ali, ele ia
para a escola a pé, mesmo no inverno. Um pouco mais adiante, em uma
rua paralela moravam o Lyses e o Waldir, na “Fraternity” (República de
52
Estudantes). Alguns quarteirões para frente entraram na “Flushing
Road”, passaram em frente da casa dos Fagan aonde o Garcia morou.
Era tudo perto, quase que ao redor da Escola. Dobraram à
direita, contornaram a pracinha e avistaram a Wolcott St. 2518 –
Residência dos Taylors – Eleanor e Kenneth.
A casa, um sobrado construído com painéis de madeira, estava
assentada em meio de um pequeno jardim frontal e quintal (back-yard)
nos fundos. De um dos lados passagem para o carro, pavimentada até a
garagem, do outro lado o gramado unia a frente com os fundos. Nenhum
muro, alguns arbustos aqui e ali insinuavam marcações verdes das
propriedades, um lar tipicamente americano, nos padrões do “middlewest”. As casas vizinhas eram semelhantes, com pequenas variações
arquitetônicas, principalmente nas varandas frontais. A vizinhança,
composta por moradores, que na maioria trabalhava para a General
Motors, era homogênea, circundada por ruas amplas arborizadas, com
passeios gramados e floridos. O ambiente, a atmosfera, era nitidamente
de ordem, limpeza, arrumação e principalmente de liberdade.
A vida familiar iniciou-se ali, no segundo andar daquela casa, em
1952.
53
2518 Walcott street – Flint Michigan. Casa dos Taylors que viviam
com 3 crianças na parte inferior e alugavam a parte superior
Ao estacionarem o carro, alguém apareceu na varanda, era o
Ken acompanhado da Eleanor.
 E as crianças?
 Aquelas que eram crianças! Já se foram, a Denise mora no
Oregon com o marido, Greg mora no Havaí. Maureen separou-se do
marido, o Brian nasceu depois que vocês partiram...
 Na última viagem que fizemos para o Havaí,
procuramos o Dr. Gregory (Gregg - médico) e juntamente
com sua esposa, passamos algumas horas conversando
sobre aquela casa e a vida naquela época.
Ricardo relembrou, quando chegou em Flint, ter dormido a
primeira noite na casa dos Fagans. Depois se instalou em um pequeno
apartamento ao lado do “Durand Hotel”, lá na avenida Detroit. Carmen,
porém sentiu-se muito sozinha. Ricardo saía pela manhã e só
54
voltava lá pelas cinco ou seis horas da tarde. No fim do
outono já era noite naquele horário.
Assim mudaram para a casa dos Taylors que haviam anunciado
o segundo andar e que “children are welcome”. Gurgel “nosso guru”
foi quem nos ajudou na procura tendo até feito a nossa
mudança
em
seu
carro
Chevrolet
preto-amarelo
conversível. Depois descobrimos o porquê do anúncio: as
crianças dos Taylors eram terríveis, todos riram!
Na escada da varanda da
2518 Wolcott street. Ken,
Eleonora, Maureen, Denise
Greg, Carmen Lydia e
Marcelo – Agosto de 1954
Carmen, conversando com Eleonora, relembrou a ajuda
recebida. Eu tinha 22 anos e você com 30 anos era para mim
uma pessoa muito experiente, uma conselheira que me fez
sentir
perfeitamente
à
vontade,
tendo
me
ajudado
muitíssimo nos assuntos de casa. Lembra-se do nosso
acordo?! Você me levava ao supermercado para fazer
compras e eu tomava conta das crianças, quando você
saía para ir ao “square dance” (baile típico da região).
55
O acordo continuou após o nascimento do Marcelo, assim como
a amizade, que perdurou por muitos anos. Foi um tempo agradável com
lembranças positivas, gratificantes.
Carmen Lydia e Marcelo em pleno inverno
na frente da 2518 Wolcott Street em Flint
Ken não deixou de lembrar os US$ 80.00 (oitenta dólares) que
recebia, e o quanto aquele aluguel ajudou na “economia” da casa. Por
exemplo, foi possível trocar o sistema de aquecimento central de carvão
por aquecimento a gás automático:
Assim evitava o calor exagerado no segundo andar,
quando eu, sonado, de madrugada, punha carvão em excesso
na fornalha. No segundo ano até comprei a torre para instalar a
antena de televisão e assim podíamos ver as lutas que eram
retransmitidas das estações em Detroit. No dia seguinte tinha
assunto para conversar com os colegas de trabalho.
A vida com essa família foi excepcionalmente gratificante. Os
Taylors eram pessoas atenciosas, amigas, de muito bons sentimentos.
56
Eram tipicamente do interior: do meio-oeste americano. A convivência
ampliou e muito as alternativas de vida familiar para Ricardo e Carmen.
O regresso ao Brasil encerrou esta primeira fase de sua vida familiar.
Carmen e Marcelo em uma rua de Flint em pleno outono
Quando Neguinha tinha 6 meses e Marcelo 2 anos e meio, em
Dezembro de 1955, Ricardo e Carmen instalaram-se na sua primeira
residência própria – Rua Catuiçara, 109, Bairro de Moema, São Paulo.
A vida corria normal, como de qualquer casal em início de vida.
Ricardo trabalhando na G.M., tinha que sair muito cedo de Moema para
chegar às 8 horas em São Caetano do Sul. Tanto a ida como a volta
eram feitas no ônibus da Companhia, pois o carro, um Ford Prefect, ano
1951, ficava com a Carmen que “choferava” as crianças para a escola.
O carro era também utilizado nos fins de semana para descerem a Serra
do Mar com destino ao Jardim Guilhermina.
Henrique Andrade (pai do Ricardo) comprou em 1948 um terreno
no loteamento denominado “Jardim Guilhermina” que havia acabado de
ser lançado juntamente com um outro, contíguo, denominado Jardim
57
Guinle, ambos de propriedade da família de mesmo nome e localizados
no boqueirão da Praia Grande, na ocasião, semi deserto.
Henrique na varanda de sua casa de veraneio,
no Jardim Guilhermina
Nesta mesma ocasião, um conhecido chamado Polidoro, que
havia sido prefeito de São Vicente, estava iniciando o lançamento da
construção de casas pré-fabricadas com placas de fibro-cimento.
Henrique, que adorava novidades, não hesitou em contratar com
Polidoro a construção de uma casa pré-fabricada no terreno que havia
acabado de comprar.
A casa foi terminada em prazo recorde, quatro semanas, com o
que Henrique vibrou. A casa era extremamente confortável e sua
construção usando placas duplas de fibro-cimento com um filme de ar
entre elas, propiciava uma excelente isolação térmica contra o calor
sempre presente nas regiões praianas. Era a casa do refúgio e
58
descanso de Henrique, que ele chamava de “Rancho”, onde, em
companhia de Nair, constantemente ia refazer as energias da vida
sempre ativa que teve, até quatro dias antes de vir a falecer.
Filhos, netos, sobrinhos e “atachés”, desfrutaram de muitos bons
momentos na casa que Henrique e Nair cediam com a maior boa
vontade. Com o falecimento de Henrique, em 1963, Nair nunca mais foi
à casa da praia que passou a ser usada pelos filhos do casal.
Ali naquela casa, nos anos de 1955 a 1965, passaram muitos
períodos de férias junto com o José Antônio, Conceição, Flávio, esposa
e outros, formaram uma turma e mais o “bando” de filhos – uns dez faziam uma tremenda farra. Foram, também, muitos finais de semana
juntos, foi a época do peixe assado no forno de barro, caipirinhas, as
crianças que nunca saíam do mar para virem almoçar, etc. Tudo era
muito divertido.
Posteriormente mudaram o local de veraneio para Verde Mar,
também na Praia Grande, uma área de Mata Atlântica, localizada entre
o mar e a Rodovia Pedro Taques / Manoel da Nobrega.
A história da área de Verde Mar remonta a 1917 quando uma tiaavó, que morava em São Paulo, Luiza Cremm Meyer casada com um
paranaense, Domingos de Albuquerque, resolveu visitar os parentes em
Curitiba. Na viagem de retorno de Paranaguá para Santos, à altura da
Praia da Juréia, o navio Guasca foi abalroado por outra embarcação e
afundou. Não houve socorro por parte desta última embarcação e
muitos tripulantes e passageiros do Guasca morreram. Muitos corpos
foram recolhidos nas praias próximas, mas muitos continuaram
desaparecidos.
59
O irmão de Luiza, Jorge Cremm Meyer resolveu tentar localizar
os corpos ou eventualmente encontrá-los vivos em alguma praia
deserta. Esta viagem foi feita à pé, pelas praias, mas nada encontrou.
De volta, contou que ficou impressionado com a beleza daquelas
praias, então desertas, inclusive o trecho da Praia Grande, próximo à
Vila de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém.
A descrição das praias animou seus irmãos Ida Meyer, já viúva,
e seu irmão Bernardo a comprarem um terreno com 65 metros de frente
ao mar por 330 metros de fundo, encerrando uma área pouco maior que
2 hectares, a cerca de 8 qilômetros de Itanhaém. O vendedor, um
habitante do local, Antonio Ribeiro de Souza era vereador da Câmara
Municipal de Itanhaém.
Posteriormente, Bernardo vendeu sua parte para Juvenal
Ricardo Meyer (pai da Carmen) e Gaspar Ricardo Junior, filhos de Ida
Meyer (avó da Carmen).
Em 1922, ficou pronta a casa que Ida Meyer construiu e passou
a ser utilizada por ela e sua família. Posteriormente Gaspar Ricardo
Junior também construiu sua casa adjacente à casa de sua mãe. O
acesso ao local na década de 20 era difícil, pois a estrada de ferro
(Southern São Paulo Railway, depois a linha Santos-Juquiá da EFS) só
tinha uma viagem semanal e a estação mais próxima era Itanhaém,
obrigando a chegar ao local por carro-de-boi, pela praia. Isto mostra que
os pioneiros tinham coragem e disposição para tal aventura.
O local foi denominado pelo tio Bernardo de Verde Mar, nome
influenciado pela cor da água do mar, denominação que permanece até
hoje na parada Verde-Mar da estrada de Ferro Ex-FEPASA.
60
Dr. Juvenal Ricardo Meyer em frente à sua propriedade
em Verde Mar junto com seu neto Marcelo.
Em 1953, com a partilha dos bens deixados por Ida Meyer, esta
propriedade passou aos seus filhos e aos herdeiros de Gaspar Ricardo
que já era falecido nesta época.
Em 1955, um misterioso incêndio destruiu a casa construída por
Ida Meyer. Desgostoso com o ocorrido, Dr. Juvenal nunca mais foi ao
local que tanto amava. Faleceu em 1970.
No início do milênio, os herdeiros de Juvenal e Gaspar,
venderam toda a propriedade para a construção de uma colônia de
férias.
Carmen, quando criança, passou muitas temporadas nessa casa
em Verde Mar, junto com sua avó, seus pais e tias. Guarda boas
recordações daquela época de sua infância. Porém, o grandioso, o
emocionante, o belo não era somente a natureza, mas sim os
sentimentos e a recordação histórica que Carmen e Ricardo guardam
em seus corações. São inesquecíveis as lembranças do tempo em que
namoravam, ela passando temporada com os pais e ele com os seus
61
pais no Jardim Guilhermina. Para o namoro se concretizar, entretanto,
Ricardo tinha que exercer, espontaneamente, um verdadeiro rali tendo
que superar horários, etapas e vários meios de transporte, para vencer
alguns poucos quilômetros de distância entre as duas casas:

Acordava às 6 da manhã, com grande disposição.

Sob autorização prévia, ia com o carro do pai até Santos.

Comprava
4
pedras
grandes
de
gelo,
embalando
e
acomodando-as em uma sacola de lona grossa.

Voltava para a casa no Jardim Guilhermina para devolver o
carro, limpando-o, se necessário, antes de entregá-lo.

Ia a pé até a praia (mais ou menos 1 Km) carregando a sacola
com gelo – debaixo de chuva ou sol.

Aguardava o ônibus.

Trafegando pela praia o ônibus parava em frente à casa dos
pais da Carmen em Verde Mar (a rodovia Pedro Taques /
Manoel da Nóbrega não existia).

Sempre carregando a sacola de gelo, após 2 a 3 horas de atos
de bravura, o vitorioso príncipe encantado entregava as pedras
de gelo que eram recebidas pelos pais da Carmen, com muita
satisfação, pois não havia instalação elétrica na região.
62
Carmen o aguardava, para reiniciar o namoro, interrompido no
dia anterior. Sob o olhar dos pais, passeavam, conversavam, tomavam
banho de mar, ficavam na praia, tomavam sol, estavam fazendo o que
mais gostavam – namorando. Era julho de 1950, que férias
maravilhosas!
Mas nem tudo é doçura! E o que era muito, mas muito bom,
terminava à tarde:

Tomava a última condução – trem até São Vicente.

De ônibus ia até Praia Grande.

A pé chegava em casa, no Jardim Guilhermina.
Naquele ano Ricardo não passou as férias com os pais – metade
do tempo seu corpo estava dormindo na casa deles e todo o tempo seu
coração estava em Verde Mar.
Muitas vezes quando estávamos voltando do litoral,
lembrávamos na mesma viagem de volta, a bordo do FORD
PREFECT que suava, suava, mas não fervia, para subir a
serra de volta para a nossa casa na Rua Catuiçara.
63
A casa da Catuiçara foi um presente da mãe da Carmen –
muito pouca gente tem a felicidade de receber uma mulher
como a Carmen e uma casa, um brinde, quero dizer o
brinde de valor foi a Carmen. Leve a casa e ganhe a
Carmen! Eu gostava muito da minha sogra e também do
meu sogro.
Casa da Rua Catuiçara, 109 – Foto tirada em Julho de 1960
A casa era muito charmosa. Possuía dois dormitórios, sala,
cozinha e área de serviço no fundo. Com nossos filhos crescendo,
achamos que estava na hora de separá-los de quarto, o que exigiu uma
reforma. Demoliram metade da casa e adicionaram quarto, banheiro,
modernizaram cozinha e ampliaram a sala. A reforma demorou nove
meses, durante os quais continuaram vivendo na casa. Quando
terminou estavam com uma linda casa nova e com as finanças
arruinadas. Mais empréstimos para pagar. As crianças mudaram da
escola particular para escola pública. Foi um período de cinto
64
apertado. Mas não podemos nos queixar. Temos tido uma
vida invejável. Graças também a eu ser muito poupada.
Mas nem tudo era assim tão maravilhoso e sensacional:
Marcelo sempre achou que era uma casa pequena, e
quando queria ostentar para os amigos, levava-os para a
casa de meus pais na Rodrigues Alves e a Neguinha
também, depois eu descobri que o ideal dela não era a
casa do tipo da Catuiçara, tanto é que ambos construíram
verdadeiras mansões quando puderam. Entretanto, os filhos
gostaram daquela época, podiam brincar na rua, que era calma, sem
trânsito, tinham os amigos...
Em
uma
das
minhas
visitas
ao
Marcelo
em
Minneapolis, estávamos soldando um fio quando ele
comentou: Sabe pai, este cheiro de solda me lembra você
construindo
os
seus
equipamentos
de
radioamador
assobiando só com o som do ar saindo da boca, sem o
barulho do assovio – Lembranças da infância do Marcelo na Rua
Catuiçara.
Este período da vida ficou registrado e foi devorado pelo tempo.
Neguinha, após o casamento, mudou-se para Ribeirão Preto – o marido
foi
“fazer
residência”.
Marcelo
(como
americano)
mudou-se
definitivamente para os Estados Unidos.
Uma série de fatos, acontecimentos e motivações impulsionaram
Ricardo e Carmen a mudarem alguns hábitos ou estilo de vida. Na
década de 80, Ricardo dedicou-se totalmente à vida familiar,
65
praticamente encerrando sua vida profissional. Mudaram-se da Rua
Catuiçara para um espaçoso apartamento na Rua Marechal Deodoro
(Santo Amaro) assim poderiam, como fazem, acolher melhor seus
netos.
Posteriormente compraram um apartamento em Ribeirão Preto –
para ficarem mais tempo e mais vezes junto à filha, genro e netos;
viajaram também mais vezes para os Estados Unidos visitando Marcelo,
nora e netos.
Ricardo começou a se dedicar mais recentemente à informática
e Carmen à leitura, não abdicando jamais de suas delícias culinárias. Os
netos, também, de uma certa forma, bateram asas à procura de
expansão. Atualmente, Ciro mora na França, Pedro em São José dos
Campos, Caio em Florianópolis, Suzie em Saint Paul, Lílian no Peru,
Karin e Ricardo na Califórnia.
Como sempre continuam unidos, vivendo, porém, em um espaço
muito mais amplo. A separação física, naturalmente, aconteceu. Fruto
de experiência de vidas, educação, exemplos, talvez quem sabe até da
genética, atualmente a explicação para perguntas sem resposta.
Até parece que os membros da família foram hipnotizados pela
saga dos viajantes, saga essa que provavelmente nasceu com o menino
Ricardo, encantado com o seu pai, contando histórias sobre viagens,
emolduradas com as novidades trazidas de lugares tão distantes.
66
ACONTECIMENTOS E RECORDAÇÕES
CRONOLOGIA
DÉCADAS
1930
04/30
Nascimento do Ricardo.
10/30
Nascimento da Carmen.
67
03/37
Carmen brincando.
06/39
Pai e filho na bicicleta, no mesmo local, em frente à casa da
Rua Jaguaribe, Henrique em 1915 e Ricardo em 1939.
68
1940
02/42
Carmen matriculada no ginásio.
02/43
Ricardo matriculado no ginásio.
69
01/49
Carmen professora (3o Ano e Violão).
1950
01/50
11/50
06/51
06/52
09/52
Carmen e Ricardo se conhecem.
Ricardo admitido na GM.
Noivado.
Casamento.
Embarque para U.S.A.
Embarque em Cumbica com
destino aos Estados Unidos
com uma bolsa de estudos
concedida pela General
Motors do Brasil
70
05/53
09/54
Nascimento do Marcelo.
Formatura G.M.I. – Engenharia Industrial.
Jantar e baile de formatura
dos concluintes do 4o ano de
Engenharia Industrial no
General Motors Institute em
Flint, Michigan
10/54
06/55
12/57
Retorno para o Brasil.
Nascimento de Maria Beatriz.
Viagens pelo Brasil (de 57 a 69): Norte e Nordeste,
Inauguração de Brasília, Amazônia, Rio de Janeiro, Cidades
históricas de Minas Gerais.
1960
09/60
06/63
10/63
Ricardo habilitado como Rádio Amador.
Reforma da casa na Rua Catuiçara.
Falecimento do pai do Ricardo.
71
1970
04/70
Viagem (60 dias) a todos os países da Europa Ocidental.
06/70
Desligamento da G.M. e admissão na Chrysler do Brasil.
06/70
Falecimento do pai da Carmen.
06/73
Ricardo eleito diretor da Chrysler do Brasil.
01/75
Casamento da Maria Beatriz.
04/75
Viagem (17 dias) à Bolívia: Lago Titicaca, Peru: Machu Pichu,
Colômbia, Manaus e Pará, em companhia de Fernando e Zilá.
04/76
Viagem (35 dias) a Marrocos, Egito, Grécia, Israel e Turquia
em companhia de Fernando e Zilá.
04/76
Falecimento da mãe do Ricardo.
07/76
Casamento do Marcelo.
03/77
Viagem (17 dias) à Argentina e Chile: Patagônia e Lagos
Andinos, em companhia de Zé Antonio e Conceição.
04/77
Nascimento do Ciro.
06/77
Bodas de Prata.
08/77
Nascimento da Suzie.
11/77
Falecimento da mãe da Carmen.
04/78
Viagem (33 dias) a Manaus, México e Estados Unidos:
parques nacionais, em companhia de Zé Antônio e
Conceição.
12/78
Formatura do Marcelo na F.G.V.
03/79
Nascimento do Ricardo Neto.
05/79
Nascimento do Pedro.
09/79
Viagem (40 dias) ao Japão, China, Hong Kong, Tailândia,
Hawaí, San Francisco e New Orleans, em companhia de
Alberto e Lelia.
72
1980
10/80
01/81
05/82
06/82
07/82
01/83
Compra do apartamento em Santo Amaro.
Nascimento da Lilian.
Viagem (38 dias) à Alemanha, Rússia, Índia, Nepal e França,
em companhia de Fernando e Zilá.
Nascimento da Karin.
Desligamento da Chrysler – VW.
Nascimento do Caio.
1983/2004
Viagens pelo Brasil: Pantanal, Norte e Nordeste, Sul.
12/84
05/89
07/89
Nascimento da Diana.
Tour marítimo (24 dias) pelo Caribe e Estados Unidos e em
companhia de Conceição e Júnia.
Compra do apartamento em Ribeirão Preto.
1990
07/90
Mudança de Marcelo e família para U.S.A.
12/91
Viagem (32 dias) ao Oeste do Canadá e Estados Unidos:
parques nacionais, Minneapolis, Orlando e Key West em
companhia da filha, genro e netos.
Viagem (32 dias) ao Leste Europeu: Alemanha Unificada,
Áustria, Tchecoslováquia e Hungria, em companhia de Alberto
e Lelia.
Viagem (38 dias) ao Leste dos Estados Unidos e do Canadá,
em companhia da filha, genro, netos, Zé Antonio e Conceição.
Viagem (34 dias) ao Oeste dos Estados Unidos e Canadá,
Dakota e Minneapolis, em companhia de Júnia e Venedict.
Viagem (10 dias) a Cancun, em companhia do Zé Antônio,
Conceição, filha, genro e netos.
Viagem (40 dias) à Escócia, Noruega, Finlândia, Rússia,
Estônia, Letônia e Lituânia, em companhia da Júnia e
Benedict.
05/92
06/93
09/94
10/94
06/95
73
03/96
Viagem (40 dias) a Las Vegas, Austrália, Nova Zelândia,
Oeste do Canadá e Minneapolis, em companhia de Fernando
e Cléa.
06/96
Viagem (20 dias) à Itália, em companhia da filha, genro e
netos.
10/96
Viagem (20 dias) ao Canadá e Estados Unidos, em
companhia da filha, genro e netos.
03/97
Viagem (34 dias) à África do Sul e Sudeste Asiático
(Tailândia, Malásia, Indonésia, Cingapura e Hong Kong), em
companhia de Fernando e Cléa.
08/97
Viagem (25 dias) a Portugal, Ilha da Madeira e Açores, em
companhia de Fernando e Cléa, Zeca e Marisa.
01/98
Viagem (20 dias) à Espanha e Marrocos, em companhia da
filha, genro e netos.
06/98
Viagem (26 dias) ao Alaska, Vancouver e New York, na
companhia da Conceição e da Júnia.
06/99
Viagem (27 dias) à França: circuito dos vinhos e queijos, na
companhia de Fernando e Cléa.
2000
05/01
03/02
06/02
08/03
12/04
Formatura de Ricardo Neto (Stanford – U.S.A.).
Formatura Maria Beatriz (Arquitetura).
Bodas de Ouro.
Mestrado do Ciro – Toulouse – França.
Casamento de Ciro com Fabiana
2003/2004
Várias viagens ao Sul do Brasil em companhia do Fernando e
Cléa.
Nesta lista de acontecimentos e recordações não foram incluídas
as viagens “a serviço”, as viagens a Minneapolis (residência do
Marcelo), assim como não estão detalhadas as viagens turísticas no
território brasileiro.
74
TRECHO DO DEPOIMENTO DE NELSON SUPLICY FILHO
SOBRE VIAGENS
Ricardo, Rodrigo, Suplicy, Garcia, Strasburg,
J. Antonio (primo) Jaraguá 1947
Pelo fim do Curso Ginasial e começo do Curso Científico,
Ricardo inventava alguns passeios de fins de semana à
chácara de seu padrinho Agenor Couto de Magalhães no sopé
do Pico do Jaraguá e a ida era de trem, só que na cabeça dele
a bagagem deveria chegar antes da parada do trem na
respectiva estação e então nossa bagagem era jogada com o
trem em movimento ao lado da linha férrea para ser recolhida
posteriormente.
A bagagem era naturalmente constituída de roupas e
também carne crua para alimentação dos excursionistas, coisa
de gente pré-histórica herdada dos homens de Neanderthal e
Cromagnon. Na chácara o Ricardo gostava de escalar o Pico
do Jaraguá sob a luz da lua e das estrelas e vez por outra jogar
os companheiros dormindo dentro do lago que felizmente não
tinha nada mais a não ser tilápias.
75
VOLTA AO MUNDO
Sempre tive fascinação por viagens.
Quanto mais viajou, mais presente esteve esta fascinação em
sua mente. Provavelmente tudo começou na Infância da Rua Jaguaribe.
Na volta de suas viagens de trabalho, o pai do Ricardo era recebido com
grande
alegria,
sempre
trazia
novidades
e
contava
episódios
interessantes, alegres, instrutivos. Ricardo gravou na sua memória
muitas lembranças e as relata com satisfação e admiração por tudo que
via e ouvia. O seu inconsciente certamente deve ter gravado muitas
emoções destes momentos.
Ricardo sempre gostou de viajar e se ainda não conhece algum
lugar é porque aconteceu algum imprevisto com as operadoras que não
puderam levá-lo, para sua tristeza e para sossego da Carmen que já
nem se lembra dos detalhes de lugares por onde viajou, porém o
Ricardo ainda tem muita disposição para passear.
Ilha da Madeira – A esquerda, o pai Henrique em 1938
A direita, Carmen e Ricardo em 1997
76
Parte de sua vida foi dedicada a “viagens”, às vezes até
intensamente. Por exemplo, quando fazia o percurso São Paulo –
Wolfsburg (Alemanha) – Detroit – São Paulo. Nem sei quantas
vezes repeti este roteiro. Foi na época do “merger” Volkswagem x
Chrysler que envolvia a recolocação de executivos, americanos de volta
para os Estados Unidos e alemães transferidos para o Brasil. Este tipo
de viagem é muito cansativa, consome muito tempo de espera e
locomoção para aeroportos, hotéis e escritórios. Enfim, o tempo todo ou
você esta de pé – olhando para lugar nenhum ou sentado no ar – avião.
Um dado mais agravante ainda era o ajuste do relógio biológico,
principalmente quando a viagem era leste x oeste ou vice versa.
A maioria das viagens a serviço, eu fazia sozinho,
isto é sem a companhia de Carmen.
A
nossa
primeira
viagem
teve
inicio
após
a
cerimônia de casamento, rodamos 2.500 km em um “Ford
Prefect”. Saímos da festa, eu sabia que o pessoal estava
reunido no início da via Anchieta, eles sacaram que nós
íamos para Santos. Para evitá-los, nós fomos para a Boite
Lord
–
na
avenida
São
João.
Jantamos,
dançamos,
namoramos e, lá pelas 2 ou 3 horas da madrugada,
partimos para Santos, driblando o pessoal que já tinha
abandonado a “emboscada” da via Anchieta.
77
Carmen e Ricardo com o heróico Prefect 49 na divisa
dos estados de São Paulo e Minas Gerais, era 1952.
Fomos
passar
a
noite
de
núpcias
no
Parque
Balneário Hotel, onde nos conhecemos. Após alguns dias
em Santos, fomos para São José dos Campos, onde
dormimos, seguindo para o Rio de Janeiro e lá ficamos por
uma semana.
Em seguida voltamos e fizemos todo o circuito das
águas – São Lourenço, Lambari, etc. Depois fomos para o
litoral norte de São Paulo – Caraguatatuba, São Sebastião,
Ilha Bela, voltamos para São Paulo, Santos, enfim fizemos
uma Lua de Mel de 30 ou 40 dias.
78
Logo após essa viagem inesquecível, fomos para
Flint – Estados Unidos. Durante o período, aproximadamente dois anos, viajamos, na semana do Natal de
1952, para Miami, juntamente com o Garcia e o Waldir. A
ida foi “non-stop” aproximadamente 16 horas dentro de um “Buick”, que
foi bravamente pilotado pelos integrantes – menos pela Carmen que
estava grávida, mas também pelo “Expert Príncipe Bira”, figura do
imaginário que existiu durante um certo tempo.
A próxima viagem tinha que ser para a Califórnia. Entretanto não
pôde ser realizada, naquela ocasião, por falta de dinheiro. As
despesas com o parto e nascimento do Marcelo, deixaramnos sem dinheiro e tempo.
Naquela época, 1959, Ricardo conhecia o território americano
melhor do que o território brasileiro que conhecia pouco. Assim, tiveram
início as viagens pelo território brasileiro, lazer mantido até os dias de
hoje. Em 1961, foram assistir à inauguração de Brasília. Depois fizeram
79
várias viagens à Amazônia – somente Manaus – incluindo passeios de
canoa pelos igarapés e o famoso encontro das águas do Rio Negro com
as do Rio Amazonas.
Em julho de 1965 foram com os filhos, mais o filho do Zé
Antônio, conhecer o Rio de Janeiro, com duração de um mês e com
direito a um pernoite no hotel de luxo que a G.M. construiu dentro da
sua fábrica em São José dos Campos. Na volta incluíram uma
passagem de alguns dias em Caraguatatuba e Ubatuba no Litoral Norte
de São Paulo, naquele tempo o “point” em matéria de praias.
Uma viagem inesquecível, daquela época, foi ao Nordeste.
Juntamente com a Carmen e os dois filhos – Marcelo e Maria Beatriz.
Rodaram 13.000 Km durante trinta e um dias. Já havia muitos anos que
sonhavam empreender uma viagem de automóvel pelo Nordeste
brasileiro. Porém somente no final da década de 60 é que conseguiram
reunir as quatro condições básicas: 1o - Termos um veículo
adequado para tal viagem – Chevrolet Brasilera C-1416; 2o
- Dispormos de tempo suficiente para fazer a viagem sem
correrias; 3o - Que a família não mais tivesse crianças
muito
pequenas;
4o
-
Que
possuíssemos
algumas
economias.
O roteiro foi elaborado após muitas pesquisas e troca de
informações com outros viajantes. Saíram em direção ao Rio de Janeiro
– na época, era Guanabara.
Deve-se esclarecer que todos estavam em férias, e
levantar cedo não era programa para ninguém; desta
maneira, durante toda a viagem, com raras exceções, só
80
partíamos entre 9 e 10 horas da manhã. Saindo do Rio, via
Niterói – Cabo Frio, passando pelas Salinas do litoral
Fluminense, fomos pernoitar em Marataízes, uma das
praias turísticas do Espírito Santo, lugar de veraneio
preferido pelos mineiros. Passamos a manhã na praia,
assistindo à pesca por arrastão, e fomos almoçar em
Guarapari,
visitando
as
famosas
praias
de
areias
monazíticas; chegamos a Vitória ao entardecer, sem
qualquer
dificuldade.
Dois
dias
em
Vitória
foram
suficientes para, inclusive, visitarmos o porto do Tubarão,
com suas moderníssimas instalações de carga de minério
de ferro.
Saindo de Vitória, seguimos pelo interior do Espírito
Santo até Manhuaçu, na Rio-Bahia, e fomos dormir em
Teófilo Otoni, em um motel na beira da estrada. A estrada
que liga Vitória à rodovia Rio-Bahia estava em construção,
com muitos desvios e trechos em mau estado. No dia
seguinte, prosseguimos pela Rio-Bahia até Vitória da
Conquista, seguindo em asfalto não muito bom, para
Ilhéus, onde chegamos ao anoitecer. Passamos 5 dias
nesta cidade do Sul da Bahia, muito conhecida através dos
livros de Jorge Amado. Conhecemos os costumes e o povo
da “boa terra”, bem como a maior região cacaueira do
81
Brasil,
isto
sem
levar
em
conta
a
novidade
de
experimentar a cada dia os mais diversos pratos da
famosa cozinha baiana, incluindo o famoso pitu, camarão
de grande porte, abundante no Rio Itabuna. Uma nota
folclórica: as baianas, que vendem o delicioso acarajé, só
se instalam nas encruzilhadas, sendo isso resultado da
influência africana que ainda existe em muitos hábitos do
povo da região.
De Ilhéus, através do interior da Bahia, por estrada
de terra, às vezes boas, às vezes precárias, atingimos
Ipiaú, onde começa o asfalto até Jequié, na Rio-Bahia. De
lá seguimos direto para Salvador, chegando cerca das 19
horas, quando nos deparamos com o primeiro imprevisto:
começamos a procurar hotel e, à uma hora da madrugada,
após termos percorrido várias dezenas deles, verificamos
ser impossível encontrar vagas. Julho é mês de férias
escolares e o turismo em Salvador já era bastante intenso.
Solução: dormir na praia... Às 6 horas, recomeçamos
nossa “caça” aos hotéis. Só conseguimos acomodações às
10 horas.
A capital é um capítulo à parte e preferimos deixar
que cada leitor possa um dia descobrir as maravilhas de
Salvador. Passamos seis dias na cidade e um dos pontos
82
altos de nossa estada foi um jantar no “Solar do Unhão”,
um novo restaurante, de primeira categoria, instalado em
antiga senzala, a qual conserva toda autenticidade do que
foi, no passado, o alojamento dos escravos.
Outro passeio que recomendamos é uma visita à
região
petrolífera
do
Recôncavo,
onde
tivemos
a
oportunidade de ver o chamado “ouro negro” jorrar das
profundezas do nosso subsolo.
Saindo de Salvador fomos pernoitar em Aracaju,
viajando, parte em estrada asfaltada, e parte em estrada
de terra. No dia seguinte, saindo da capital de Sergipe,
esperávamos chegar a Maceió; devido, porém, ao péssimo
estado da estrada, só conseguimos atingir Penedo, às
margens do Rio São Francisco. Na verdade, este foi um
dos piores trechos das estradas por que passamos. A
travessia do rio é feita por balsa ligando Neópolis, em
Sergipe, a Penedo, em Alagoas, onde existe ótimo hotel.
Levamos mais meio dia de Penedo a Maceió, também em
estrada precária.
O trecho Maceió-Recife, quase todo asfaltado, foi
vencido sem dificuldades, o mesmo acontecendo até João
Pessoa, e daí até Natal, tudo sobre asfalto.
83
Recife, onde passamos dois dias, nos impressionou
pela quantidade de indústrias existentes, o que nos fez
sentir que a capital pernambucana é a São Paulo do
Nordeste. Olinda, como diz o nome, é realmente linda e
sua visita, obrigatória.
Pouco antes de atravessarmos a fronteira do Estado
da Paraíba, paramos para almoçar em Goiana, num
restaurante especializado em guaiamum, um caranguejo
azul, muito saboroso.
Achamos João Pessoa uma das cidades mais bem
dotadas de belezas naturais, que aliadas às suntuosas
residências existentes, nos impressionou bastante. No
final da praia do Tambaú, uma das mais bonitas que
visitamos, encontra-se o cabo Branco, extremo leste do
nosso país. A 25 quilômetros de João Pessoa chega-se por
estrada asfaltada, a Cabedelo, cujas praias, com centenas
de coqueiros, encantam qualquer visitante.
Cumpre ressaltar que entre Maceió, Recife, João
Pessoa e Natal, cada trecho pode ser cumprido em menos
de meio dia de viagem, o que tornou o percurso bastante
cômodo, pois os pernoites foram feitos nessas capitais. De
Natal a Fortaleza, porém, precisa-se de um dia inteiro de
viagem, com parada em Mossoró para almoço, pois o
84
trecho é de 600 Km, sendo apenas metade asfaltada,
passa-se por Aracati, famosa pelas rendas de labirinto.
A capital do Ceará, cativa a todos aqueles que lá
chegam; passamos 3 dias em Fortaleza, de onde seria
iniciada a viagem de volta, a ser feita pelo sertão. Uma
cena de rara beleza é ver-se o pôr do sol na Barra do
Ceará. Saímos de Fortaleza para pernoitar em Salgueiro,
no entroncamento das rodovias federais do nordeste. A
estrada tem 400 Km de asfalto, no trecho Fortaleza-Icó e
os 250 Km de terra são bastante satisfatórios, bem
superiores às estradas de terra do litoral. Saímos às 9
horas e chegamos a Salgueiro às 18 horas; não paramos
para almoço; levamos lanche e nos alimentamos no
próprio carro, procurando abastecê-lo em cada cidade por
onde passávamos; neste trecho vimos vários rios com o
leito totalmente seco. As obras de irrigação e construção
de açudes que o Governo Federal há vários anos está
executando no Nordeste Brasileiro, têm amenizado a
agressividade do local; atravessando-se esta região, podese imaginar o que foi esta parte do país há 60 anos atrás e
compreende-se porque Euclides da Cunha, no seu livro “Os
Sertões”, disse que: “O sertanejo é, antes de tudo, um
forte”.
85
Em
Salgueiro,
pernoitamos
num
motel
recém-
construído na beira da estrada, onde existem restaurante
e acomodações bastante razoáveis. Na manhã seguinte
saímos de Salgueiro, desviando da rodovia federal, para
alcançar
Paulo
Afonso
às
13
horas,
viajando
pela
agressiva região das caatingas, no sertão de Pernambuco,
por estradas bastante precárias e antigo reinado do
cangaço comandado por Lampião na década de 30. A
história deste bandido eliminado em Angicos, pelo cabo
João Bezerra, é entrelaçada de misticismo, violência e às
vezes de passagens pitorescas. Conta-se que Lampião,
para enganar as volantes, mandava que os cangaceiros
andassem
longos
trechos
pisando
no
mesmo
lugar,
simulando a passagem de um só viajante. Em outras
ocasiões mandava os próprios cangaceiros fabricarem
sandálias especiais colocando os calcanhares no lugar do
bico. A polícia, seguindo as pegadas, ia em sentido
contrário, acompanhando as pegadas invertidas. Após
conhecer a cachoeira de Paulo Afonso, de uma beleza
impressionante, visitamos a usina, que é uma obra prima
da Engenharia brasileira. A usina encontra-se a 80 metros
abaixo do nível do solo, cavada em rocha viva e é, sem
dúvida,
um
grande
fator
de
86
progresso
para
todo
o
Nordeste; lembramos que, ao passar por uma das cidades
do Rio Grande do Norte, vimos o seguinte aviso: “Esta
cidade está
sendo iluminada com energia de Paulo
Afonso”. Pernoitamos nas instalações da CHESF (Centrais
Hidroelétricas de São Francisco). No dia seguinte, saindo
de
Paulo
Afonso,
fomos
dormir
em
Salvador,
onde
passamos mais um dia. De Salvador, pela Rio-Bahia, via
Três Rios, estávamos de volta a São Paulo após três dias
de viagem.
Fazendo-se
um
retrospecto
geral
da
viagem
podemos dizer que tivemos umas férias maravilhosas, e
que o progresso do Nordeste é algo que realmente
impressiona e nos faz orgulhosos de sermos brasileiros.
Não há qualquer dificuldade com relação à acomodação
ou alimentação – com exceção de hotéis em Salvador, em
época de férias; também não existe qualquer dificuldade
para o abastecimento do veículo. Achamos muito cômodo
e seguro não levar dinheiro; usando cheques de Viagem do
Banco do Brasil não tivemos qualquer dificuldade em
descontá-los em qualquer das cidades por que passamos.
Com relação a assaltos e coisas semelhantes, chegamos à
conclusão de que estamos mais expostos a eles na própria
cidade de São Paulo do que no interior Nordestino.
87
Gostaríamos de aconselhar a todos os que gostam de
viajar, que pensem seriamente em fazer este maravilhoso
passeio.
Texto redigido pelo Ricardo e publicado na
Revista “Panorama da GMB” em Outubro de 1968.
Em maio de 1983, em companhia do Fernando e da Zilá,
viajaram para ver os últimos pontos de maior interesse turístico que não
conheciam no Brasil. Essa viagem incluiu: São Luis e Alcântara, no
Maranhão, o sítio histórico das famosas sete cidades no sertão do Piauí,
com suas inscrições rupestres e a fantástica Ilha de Fernando de
Noronha.
Foram duas viagens ao Pantanal Matogrossense. A primeira em
Maio de 1983, na companhia do Fernando e da Zilá. A segunda, em
agosto de 1987, foi do tipo “Clube do Bolinha” – somente homens:
Ricardo, Marcelo, Ciro, Pedro, Ricardo Neto, Zé Antonio e seu neto
Thiago. Todos os meninos tinham na ocasião entre oito e dez anos de
idade. Esta viagem foi muito marcante para todos eles.
O Ciro fez os seguintes comentários desta viagem:
Esse meu avô “moderno” tem idéias que são muito mais
joviais que as do neto (com certeza o meu corpão mole não é
herança dele) e uma dessas idéias, que se concretizou em um
dos momentos mais marcantes da minha vida, foi uma viagem
para o Pantanal Mato-grossense.
Três meses antes da partida, a viagem já causava frenesi
na família, com um grupo radical feminino que não admitia os
88
privilégios masculinos adquiridos de se viajar com o avô e logo
demandaram uma versão semelhante para o “Clube da
Luluzinha” a Fernando de Noronha, que naturalmente não
houve muito coro já que entre as mulheres não havia ninguém
com a disposição do meu avô para organizar tal empreitada. A
verdade é que naqueles noventa dias que se antecederiam, eu
já estava vibrando com a idéia por dois motivos: iria faltar cinco
dias de aula e conheceria o Boeing 737-200, da VASP, no qual
nunca tinha entrado antes.
A verdade é que a viagem foi marcante não só pela
ocasião e companhia, mas também pela beleza do lugar. Ao
passarmos por Corumbá, visitamos uma fazenda e pescamos
outros três dias.
A pescaria, realmente, foi o ponto alto do passeio...
Tínhamos um motorista de lancha que era um sujeito
chatíssimo,
chamado
Ranulfo.
O
roteiro
do
diário,
independente do programa que tinha sido feito, era nadar na
piscina do Hotel Nacional. Ficamos hospedados no Hotel Santa
Mônica, que tinha um ar-condicionado ótimo.
Algumas das memórias gastronômicas incluíram o
famoso Croquinhos do Ricardo, que não passava o café-damanhã sem ele. O nosso “Chef”, Tio Zé, também preparou
excelentes mistos-frios com manteiga e guaraná para os
passeios de barco e tinha também a inesquecível isca de
pintado, no Restaurante do Lulu, que, pelo que me lembro, fui
o único a não experimentar. Falando em pintado, o Pedro foi o
único a pescar um.
89
A primeira pescaria foi um fiasco para mim, então
descolamos uma certa figa da sorte para pescar no segundo
dia. Foram doze peixes capturados. Parece que funcionou! No
último dia, embalamos todos os peixes em enormes isopores.
Na divisão, ficou sobrando um, que o meu avô ganhou no parou-ímpar com o Tio Zé.
Aos 27 anos, após tantas viagens inclusive ao redor do
mundo, não me recordo de ter feito um programa tão legal
como aquele. Sem dúvidas, essa ocasião na infância só serviu
para realçar ainda mais a admiração pelo meu avô.
Hoje, todos adultos, ainda comentam os agradáveis momentos
durante esta aventura, quando crianças, pelo Pantanal. Guardam vivas
inesquecíveis passagens do passeio. As netas mulheres durante muito
tempo cobraram discriminação.
Mais recentemente o amigo Fernando e sua esposa Cléa
convidaram Carmen e Ricardo para um passeio turístico – de São Paulo
ao interior do Rio Grande do Sul. Foi uma viagem de carro, programada
pelo Fernando que é um excepcional programador em matéria de
turismo. Roteiro, duração, locais e hospedagens são detalhados, assim
tudo acontece quase que perfeitamente – se for perfeito estraga, é chato
quando não acontece alguma surpresinha inesperada.
Visitaram a cidade de São Miguel das Missiones, ouviram e
aprenderam através das palavras do Fernando muito sobre a história
gaúcha que se desenrolou naqueles campos. Parece que o Fernando
está escrevendo sobre atrações turísticas do sul do Brasil, incluindo
citações históricas. Quem vai para o Sul não pode deixar de visitar os
90
vinhedos, as cantinas e saborear, degustar o bom vinho e a comida da
serra gaúcha: café colonial e salsichões.
Foi agradável e passamos dias de prazeroso lazer. Carmen
comentou, provavelmente iremos repetir esta viagem – adoro
viajar com eles, Fernando é um excelente cicerone e a
Cléa é divertidíssima, eu rio o tempo todo, ela está sempre
de bom humor, que é transmitido através de palavras
apropriadas para o momento com variações de todo o
tamanho.
A primeira viagem ao exterior coincidiu com a saída da G.M. em
1970, tendo sido financiada pelo acordo que a G.M. fez com os
funcionários estáveis que viessem a optar pelo sistema do FGTS. Foi
uma viagem ao desconhecido, longa, sessenta dias, e típica de quem
vai pela primeira vez à Europa, dois a três dias em Lisboa, Londres,
Paris, Espanha, Dinamarca, etc. Na Suiça uma aventura, subiram o
Jungfrau pelo trenzinho, com tração tipo cremalheira. Na descida a
cremalheira quebrou e o trenzinho começou a descer a montanha a
4.000 metros de altura em queda livre. O responsável puxou o freio de
emergência com tanta força que o cabo de aço se rompeu e ficou na
mão dele com aqueles fios de aço parecendo espanador. Cômico se
não fosse trágico. Fomos em tremenda desabalada e o
trenzinho que deveria parar em uma estação, chegou com
tanta velocidade que os eficientes suíços perceberam que
havia algo errado e puxaram um desvio que tirou o trem da
rota da montanha abaixo e parou. Ufa! Que alívio!
91
Sinto ter gostado tanto desta viagem que nunca
mais
deixamos
de
viajar,
sempre
que
surge
uma
oportunidade, lá estamos nós no avião. Foram inúmeras,
viajaram pelo mundo todo China, África, Indonésia, Malásia, Egito,
Canadá, Austrália, Marrocos, Índia, várias para: Europa, U.S.A., América
do Sul, etc.
Viajar, para o Ricardo, tem início nos preparativos. Desenvolver
os roteiros, organizar a programação, datas, locais, hotéis, pontos a
serem visitados – tudo é estudado em detalhes, para isso Ricardo tem
até programas instalados no seu computador, que mapeiam as estradas
nos países europeus, traçando o melhor trajeto.
Sensacional! Um amigo comentava que Ricardo programou a
viagem para ele inclusive com reservas de hotel “o cara e seu
computador são mais eficientes que qualquer agência de turismo” e não
custa nada. Ricardo e Carmen fazem tudo isso pela amizade, com boa
vontade, fazendo você sentir que fariam ainda mais se preciso fosse.
Esses preparativos culminam com os momentos imediatamente
anteriores ao embarque. O “check-list” é impressionante. Vai da
arrumação
de
malas,
documentação,
providências
junto
às
administradoras, contas a pagar/receber, não esquecendo o táxi até o
aeroporto no horário adequado. Por mim nunca perdi um vôo diz o
Ricardo.
Ao entrar no avião a primeira etapa da maratona está vencida,
agora começa a maratona principal – a viagem.
Toda esta expectativa e movimentação levam Ricardo e Carmen
a sentirem a salutar quebra da irritante rotina diária. Talvez as
expectativas sejam confirmadas, certamente estão por vir novos
92
conhecimentos, experiências, valores, relacionamentos e tudo aquilo
que os sentimentos captarem quanto a diferentes conceitos de vida,
atitudes comportamentais, diferenças culturais, exposição a situações
inusitadas. Há muito tempo eles deixaram de viajar para tão somente
apreciarem novas e lindas paisagens.
Alguns de seus comentários transmitem sensações vividas! Até
parece
que
instalaram
ar
condicionado
dentro
das
pirâmides egípcias, o espírito do povo australiano é
fantástico, eficientíssimo, empreendedores, simpáticos.
Na Rússia as mulheres até parecem mais bonitas, nunca vi
tanta mulher bonita junto. Taj Mahal é lindo, assistir ao
pôr-do-sol é deslumbrante, mas o medo de ser assaltado é
horripilante. Ser tratado como bandido em Atenas, dentro
de
uma
Embaixada
de
Israel
foi
humilhante.
As
civilizações Incas, Aztecas e Maias nos impressionaram
muito pelo seu conteúdo.
Algumas vezes as viagens a serviço continuaram como lazer. Eu
acompanhei
o
Ricardo
em
pouquíssimas
viagens
de
negócios, uma das poucas foi à Alemanha, na qual a Zilá
também foi, fizemos compras e companhia uma à outra e
nos divertimos muito.
Carmen comenta ainda aquela viagem para o Peru, Colômbia,
Detroit, Toronto, Londres, Estocolmo, Volfsburg, Roma, Turim – Foi
ótima, divertidíssima, eu fui de xereta, minha mãe tinha
93
acabado de falecer ... estava muito chateada então resolvi
ir, mais para arejar. Vou me tornar invisível, imaginei que
seria uma chatice. Que surpresa! Acho que foi a melhor
viagem que fiz em minha vida, nunca dei tanta risada, me
diverti horrores.
Carmen está se referindo a uma viagem
profissional organizada pela ANFAVEA – Associação Nacional dos
Fabricantes de Veículos Automotores. Como membro da entidade o
Ricardo foi um dos mentores da viagem.
O grupo que viajou era composto por executivos da área
automobilística, todos homens e a Carmen, como esposa, juntou-se a
este grupo desde o início, sendo imediatamente coroada como rainhamadrinha do grupo. Posteriormente, outras esposas engrossaram o
grupo, que passou a ser turístico, após o encerramento da programação
oficial. A viagem foi um sucesso também profissionalmente.
Assim eles viajaram, a vida toda, e continuam viajando. Naturalmente, são muito mais seletivos. Tornaram-se “blasées”, um amigo mais
íntimo indagou: vocês voltariam para lugares onde já estiveram?
Somente para as cidades do Primeiro Mundo e, mesmo
assim, Nova Iorque está excluída. Depende muito de quem
for viajar conosco, informaram. Descubra você leitor quem disse o
quê.
94
RICARDO E SUA VIDA PROFISSIONAL
Na avaliação do Ricardo, a sua maior realização profissional, foi
ter sido eleito Diretor de Recursos Humanos da Chrysler do Brasil e ter
mantido esta posição por nove anos mesmo após drásticas mudanças
da Empresa no Brasil e a nível internacional. Seu histórico na Chrysler
impressiona favoravelmente pela solidez e maturidade profissional:
Em Junho de 1970 desligou-se da General Motors e transferiu-se
para a Chrysler na posição de Gerente de Recursos Humanos,
aceitando convite feito pelo Rubens Garcia, na época Diretor de
Recursos Humanos.
Em Abril de 1973 foi selecionado e convidado pelo Presidente da
Chrysler (Burke Hide) para ocupar o cargo de Diretor de Recursos
Humanos em substituição ao Rubens Garcia que transferiu-se para a
Ford Brasil.
Em Julho de 1973 foi eleito Diretor da Chrysler Brasil.
Em Janeiro de 1975 Anderson substitui Hide e confirma Ricardo
na função de Diretor.
Em Agosto de 1976 Donald Dancey assume a presidência da
Chrysler Brasil e também confirma Ricardo na função.
Em Outubro de 1979 a Volkswagen adquire a Chrysler Brasil e a
diretoria da Volkswagen em Wolfsborg confirma Ricardo na função de
Diretor de Recursos Humanos Volkswagen Caminhões, assim como
Fernando Alves Diretor de Manufatura Volkswagen Caminhões e Donald
Dancey Diretor Geral Volkswagen Caminhões.
95
Ricardo (Diretor RH Brasil), Beach (Diretor RH Argentina),
Cook (Diretor RH Chrysler International)
O breve histórico acima demonstra a alta volatilidade nas
posições seniores na diretoria da Chrysler Brasil. Várias eram as
motivações
e/ou
razões
que
provocavam
esta
volatilidade
organizacional – competência, “performance” individual, atualização
tecnológica ou administrativa, ações políticas entre outras.
Novos Presidentes quase sempre estabelecem novos padrões,
introduzem conceitos e tecnologias mais avançadas, muitas vezes
imprimem características pessoais e sempre precisam obter resultados
positivos, tornando as operações mais eficientes e conseqüentemente
com maiores índices de rentabilidade. Caso contrário, inevitavelmente,
serão substituídos por uma nova esperança.
Ficar imune a tanta turbulência administrativa é diploma de alta
competência atingida pelo Ricardo.
96
No final de 1973, Ricardo foi acionado para selecionar
candidatos à vaga de Diretor de Manufatura, com qualificações
superiores aos atuais ocupantes de cargos da alta Gerência da
Manufatura. Trabalho típico de um “head hunter” profissional. Através de
contatos e informações Fernando Alves foi convidado para um “drink” no
bar do Hotel Holliday Inn de São Bernardo do Campo. Contato
estabelecido, teve início a caça. Nos muitos drinks e encontros
subseqüentes descobriram que tinham um ponto em comum: o gosto
por viagens. Foi o candidato escolhido pelo Presidente e amplamente
aceito pela organização Chrysler. A amizade desenvolvida nessa ação
administrativa permaneceu por mais de trinta anos.
Lembro o dia em que Fernando “bateu o martelo”:
Ele me convidou para ir conhecer sua casa e sua esposa
Zilá,
pessoa
adorável,
ela
simplesmente
disse
ao
Fernando: “Você está receoso de um novo desafio?” foi a
gota d’água que faltava para ele sair da Ford e ir trabalhar
na Chrysler.
97
TRECHO DO DEPOIMENTO DE FERNANDO ALVES
Na Chrysler nós trabalhávamos em salas contíguas no
andar da Diretoria e os nossos problemas tanto na Manufatura
(meu cargo) como os de Recursos Humanos (o do Ricky) eram
por nós discutidos e analisados como uma equipe. O Ricky
sempre teve uma característica típica que era a análise
profunda dos problemas e, como um jogador de xadrez, avaliar
as decorrências de cada decisão tomada; entretanto, uma vez
tomada, nem Cristo o fazia mudar de idéia. Daí eu me lembrar
de uma situação complicada que tivemos quando enfrentamos
uma greve do nosso amigo Lula, quando os operários,
localizados fora da Fábrica e em paralisação total, ameaçavam
invadir a diretoria e pressionar os diretores diretamente. Nessa
ocasião fiquei apavorado quando vi o Ricky se armar com um
revólver na cintura para enfrentar os invasores. Como jamais
fui adepto de armas fiquei muito assustado, mas não consegui
demovê-lo do intuito de portar aquele mortal objeto. A situação
acabou por se resolver, felizmente, de outra maneira. Os
diretores, inclusive nós, é claro, fugimos pelos fundos da
Fábrica através de uma favela onde os motoristas da Chrysler
foram nos resgatar.
Como diretor de Recursos Humanos ele foi muito ativo e
participativo na reformulação das políticas de relacionamento sindical
trabalhista. As relações entre empresas e sindicatos, ou ainda, entre
sindicato patronal com sindicato dos trabalhadores no período 1975/78
careciam de políticas e práticas atualizadas.
98
Ricardo e Donald Dancey
A
Associação
Nacional
dos
Fabricantes
dos
Veículos
Automotores – ANFAVEA, estaria atrelada à FIESP nos assuntos de
negociação trabalhista. Esta amarração era mais política e acomodativa.
Cada sindicato patronal se escondia atrás de outro e todos se
escondiam na FIESP. O ritual, as normas, as tradições eram fortes e
implantadas pelos poderosos. Assim, ninguém estava motivado a
modificações. Os sindicatos dos empregados, porém, estavam ativos, e
muito à frente da FIESP em matéria de negociação trabalhista. Suas
práticas superavam em muito a legislação trabalhista em vigor e as
práticas adotadas pelos patronais.
Ricardo se empenhou ativa e pessoalmente na reformulação
dessas políticas de relações trabalhistas. Juntamente com outros
representantes da indústria automobilística foi dado início a uma
verdadeira batalha de palavras, idéias e conceitos. Houve luta para
implantar mudanças no regime de negociações vigente. Luta contra a
filosofia
retrógrada
da
FIESP,
naquela
99
época
excessivamente
conservadora. Luta contra o conceito enraizado de negociações
trabalhistas
serem
uma questão jurídica. E também contra
a
mentalidade envelhecida e ineficiente do setor para poderem implantar
mudanças no regime de negociações.
A vantagem de usufruir do poder de negociação da FIESP era
pequena, em troca do que a indústria automobilística perdia, por estar
negociando como parte de um conjunto altamente heterogêneo. A sua
voz se fazia ouvir nas reuniões de classe e de diretoria. A semente tinha
sido plantada.
Um dos sinais de ruptura com a FIESP na estratégia das
negociações trabalhistas, foi a idealização de um grupo de trabalho para
organizar visitas a organizações sindicais, que exerciam políticas e
práticas de negociações trabalhistas mais avançadas e eficazes do que
as realizadas no Brasil.
Assim, em 1978, um grupo de executivos da área de Relações
Sindicais Trabalhistas, representando a G.M., Ford, Chrysler, Volks,
Fiat, Fiat Allis, Massey Ferguson e Scania, empreenderam uma viagem
a países da América do Sul, Europa, U.S.A. e Canadá, visitando os
sindicatos mais ativos em negociação sindical-trabalhista. Uma viagem
de visitas, estudos, contatos, praticamente aprendizado em novas
técnicas negociadoras e comportamentais no complexo assunto de
negociações
trabalhistas.
Os
resultados
foram
imediatos,
os
componentes do grupo disseminaram os conhecimentos e observações
adquiridos, assim como divulgaram novos princípios e implantaram
novas práticas, o que acabou resultando em nova legislação.
Entretanto, o mais significativo e eminentemente prático
resultado desta viagem foi obtido na transição das relações trabalhistas
no ABC paulista, tendo pavimentado o caminho para negociações
100
trabalhistas que resultaram no primeiro grande acordo entre o Sindicato
dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo com a Indústria
Automobilística. Ricardo foi um dos signatários assim como Lula, que
depois viria a ser Presidente da República. Ricardo, como o seu pai,
estava à frente do seu tempo. Nessa época ele era considerado o
profissional
de
visão
nas
relações
trabalhistas
da
Indústria
automobilística.
As freqüentes trocas na presidência da Chrysler exigiam
participação pessoal do Diretor de Recursos Humanos, na atividade
referente à recolocação ou repatriação de americanos ou estrangeiros
ao seus países de origem ou a outros cargos na área internacional.
Trabalho que demandava habilidade, muitos contatos e mesmo
negociações para poder movimentar executivos e seus familiares. Este
pessoal depois de passar anos fora de seu país, não tinha mais lugar
nas operações domésticas e a maioria ficava encostada em uma função
sem a menor importância. Além de problemas de ordem familiar como
interrupção na vida escolar dos filhos, readaptação da esposa e até de
parentes.
Mas a maior intervenção na Chrysler do Brasil ainda estava para
vir. O Presidente da Chrysler mundial foi destituído e substituído pelo Sr.
Iaccoca que por sua vez havia sido despedido da presidência da Ford
Mundial pelo Henry Ford, naquele famoso diálogo quando Iaccoca disse
ao Ford que ele não podia fazer isso com ele, e Ford retrucou,
“Posso sim porque o nome que está na parede das fábricas é o meu e
não o seu”.
É incrível como as mudanças no topo acabam afetando toda
uma organização. Algum tempo depois de assumir a presidência da
Chrysler, Iaccoca tomou a drástica decisão de vender todas as
101
operações da Chrysler fora dos Estados Unidos, com exceção da
Chrysler do México. Na América do Sul a Chrysler possuía fábricas no
Brasil, Argentina, Peru, Colômbia e Venezuela.
O Presidente da Chrysler Brasil (Dancey) foi encarregado de
negociar a venda da fábrica do Brasil, no que foi muito ajudado pelo
Fernando. Iniciaram negociações com a Renault e a Mitsubishi (cujo
presidente era quem havia projetado o avião de caça zero, famoso
durante a segunda guerra mundial) mas as negociações com a
Volkswagen foram as coroadas de sucesso.
Concretizado
o
negócio,
começaram
de
novo
intensas
movimentações de dirigentes na nova Chrysler, agora dirigida por
Wolfsburg e não mais por Detroit. Nem é preciso dizer que todos os
americanos, com exceção do Dancey, foram substituídos por alemães e
voltaram para Detroit. Da antiga diretoria da Chrysler somente Ricardo,
Dancey e Fernando foram confirmados nos postos, até o final da Volks
Caminhões.
A fusão de companhias como Volks x Chrysler exigiram dos
membros das diretorias esforços colossais. De um momento para outro
surgiam necessidades urgentes de adaptações, inovações e aplicações
de medidas que poderiam vir a atender a implantação dos objetivos
traçados. Ao Ricardo coube a grande tarefa de implantar as metas
estabelecidas para todos os funcionários inclusive a nível executivo
superior.
Essas metas variaram desde a equalização de salários e
benefícios até a mobilização física de funcionários, passando por
problemas como utilização de espaços, demissões de funcionários,
reorganizações departamentais, etc.
102
A equalização de benefícios em nível de diretoria exigiu
elaborações de propostas consensuais que demandaram estudos,
análises e aprovações extra-rotineiras. Como, por exemplo, no benefício
“subsídio moradia dos diretores” Ricardo obteve aprovação para que os
diretores tanto da Volks como da Chrysler pudessem optar entre: morar
em casa alugada pela Empresa (prática adotada pela Volks) ou receber
financiamento de seis anos, a juros simbólicos, para compra de casa
própria (proposta pelo Ricardo) condicionando o uso exclusivamente
para moradia do diretor. Quatro diretores, sendo dois brasileiros, um
americano e um alemão, optaram pelo financiamento, os demais
mantiveram o plano original.
Foi uma época de viagens e negociações com as matrizes na
Alemanha e U.S.A., demandando continuamente soluções e
intervenções em situações emergentes. Nunca trabalhei tão
arduamente, mas foi gratificante, confidenciou o Ricardo.
Em 1950 o jovem Ricardo estava se preparando para prestar
exame vestibular na Escola Politécnica, quando sofreu um acidente
automobilístico, o que o tirou temporariamente dos estudos. Neste
período de recuperação, juntamente com um amigo, o Garcia (também
em recuperação) encontraram casualmente com um conhecido, que
estava de malas prontas para os U.S.A. Tinha conseguido uma bolsa de
estudos. Tudo pago e, além do que, emprego garantido na volta. Mais:
na General Motors do Brasil. Fenomenal! Sensacional! Ricardo e Garcia
correram atrás, e, depois de muito trabalho, esforço, dedicação e se
desdobrarem para adquirir fluência no idioma Inglês, conseguiram
também a bolsa de estudos. E foi assim que Ricardo com vinte anos de
idade foi admitido como estagiário na G. M. do Brasil, e em 1952
embarcava para Flint-USA, onde a G.M. havia instalado o G.M.I. –
Instituto de Tecnologia.
103
1956 – Planejamento e Expansão – General Motors Brasil
Voltando de Flint, foi trabalhar como Engenheiro Junior, no
Departamento de Planejamento e Expansão da General Motors, criado
para planejar e coordenar a expansão das atividades industriais da GM
no Brasil. Posteriormente, foi promovido a Engenheiro Sênior, porém
durante os seis anos que trabalhou neste departamento não chegou a
exercer funções gerenciais, somente técnicas.
Havia sido colega do João Augusto Conrado do Amaral Gurgel
(fundador da fábrica brasileira de automóveis GURGEL); trabalharam
juntos por algum tempo até ele se transferir para a Ford do Brasil.
Aprendi muito com o Gurgel, a quem sempre admirei, pela
sua grande capacidade técnica de apresentar soluções
aos problemas.
Com o fim da fase de expansão, este departamento foi extinto
(1960). Seus funcionários foram recolocados em diversas outras áreas
da organização. Entre as opções apresentadas, optou pela área de
administração de recursos humanos, onde teve oportunidade de iniciar
carreira gerencial.
104
1962 – Gerência de RH (GMB)
Em novembro de 1962, retornou aos Estados Unidos e ao
General Motors Institute, para atender ao curso de treinamento do
pessoal encarregado da segurança das fábricas da General Motors.
Nesta ocasião, viveu “in loco” e os familiares, no Brasil, os tensos dias
da chamada crise dos mísseis russos instalados em Cuba.
Ouvi pela televisão um pronunciamento do então
Presidente Kennedy que disse uma frase que jamais
esqueci: ‘Sometime the worse you can do is do nothing”,
preparando
o
espírito
do
povo
americano
eminente ataque nuclear contra a Rússia.
105
para
um
1964 – GMI Key Award
10 anos de formatura
Entretanto, Ricardo tem alguns ressentimentos do período que
trabalhou na G.M.
Logo no início de sua carreira, deixou de aceitar uma oferta de
trabalho da Ford para ocupar cargo a nível mais alto e com substancial
ganho salarial. Talvez estivesse errado, mas pensei comigo –
quanto
a
G.M.
investiu
em
mim,
não
consegui
simplesmente sair, ir embora para o concorrente. Em outra
ocasião, juntamente com colegas de trabalho, passaram 14 dias e 14
noites de plantão, “em guarda”, protegendo a empresa de possíveis
ataques de grevistas e/ou terroristas. Nunca recebi um
agradecimento sequer. Fui preterido, sem explicações, do
projeto Frigidaire, do qual fazia parte desde o início: fui
obviamente injustiçado.
Nesta época, início da década de 1970, Ricardo não se sentia
profissionalmente bem, não estava se realizando. Sofreu o dilema entre
procurar novos desafios abandonando seus 20 anos de estabilidade
(que representava uma indenização teórica de 40 salários). Nesta
106
ocasião o governo instituiu o FGTS e muitas empresas começaram a
negociar com seus funcionários estáveis o tempo anterior à criação do
FGTS. Como gerente do setor de Recursos Humanos propôs à diretoria
da G.M., apresentando trabalhos, estatísticas, argumentos, para que
fizesse o mesmo, mas durante muito tempo houve reação contrária pois
o passivo trabalhista com os milhares de estáveis da G.M. era altíssimo.
Finalmente a diretoria decidiu oferecer aos estáveis um acordo de 1,6
salário por ano de casa a serem pagos em dez parcelas mensais sem
juros para aqueles que quisessem abrir mão da estabilidade e optar pelo
FGTS. Foi o fim do fantasma da estabilidade tanto para as empresas
como para os funcionários.
1972 – Na presidência da cooperativa
Quase que simultaneamente um amigo, o Garcia, na época
Diretor de Recursos Humanos, convidou-o para trabalhar na Chrysler.
Foi sopa no mel disse Ricardo. Esta foi a grande oportunidade
na minha vida profissional. Ricardo soube agarrá-la e fazer com
que a oportunidade se tornasse realidade, conquistando a sua
realização profissional. A General Motors pratica o capitalismo
selvagem, o que interessa é o lucro. Diferentemente, as
107
práticas
de
relacionamento
pessoal-profissional
na
Chrysler são mais quentes-generosas. Com a Volkswagen
nenhuma se compara é uma verdadeira maternidade para
seus funcionários de alto nível.
Carmen não teve participação acentuada na vida profissional do
Ricardo.
Os
problemas
técnico-administrativos
não
chegavam aos meus ouvidos e era raro conversarmos
sobre o que seria um grande problema no trabalho, a vida
profissional do Ricardo não foi parte da minha vivência.
Parece que os problemas, situações de conflito, decisões
tomadas, eram habilidosamente depositadas na soleira da porta de
entrada da residência do casal. Esta atitude, postura mesmo, resultou
em duas vidas distintas, separadas. Uma a familiar; e a outra,
a
profissional. Por muitos anos essas vidas foram mantidas sem haver
detrimento de uma ou de outra, sem haver enriquecimento de uma em
detrimento da outra. Este salutar equilíbrio resultou no sucesso de
ambas as vidas.
Nem sempre com grande entusiasmo Carmen participava das
reuniões sócio-profissionais, ou seja, jantares, festas, eventos
patrocinados por empresas ou mesmo colegas de trabalho. Não
achava muita graça em ir àqueles jantares. Tornaram-se
mais agradáveis, quando passei a ter a companhia da
Consuelo, esposa do Pupo, e da Zilá, esposa do Fernando.
Ricardo teve uma vida profissional rica em realizações bem
sucedidas. De simples estagiário foi sucessivamente promovido e
finalmente eleito Diretor. A indústria automobilística, devido às suas
características, é extremamente competitiva. Se a empresa não
consegue competir no mercado, através da venda de produtos em
grande escala, fatalmente será engolida por algum concorrente. Desta
forma essas empresas necessitam constantemente de inovações,
108
renovações, adaptações ao mercado, enfim, manterem-se eficientes,
gerando lucros. A Volkswagen, líder absoluta do mercado nos anos 80,
por orientação de sua matriz em Wolfsburg decidiu pela reorganização
de sua estrutura industrial aqui no Brasil. Esta medida abrangeu a
reestruturação de cargos de Diretoria. Ao Ricardo foram oferecidas
algumas alternativas como implantar renovação da política salarial a
nível internacional o que implicaria em mudança de sua residência para
Wolfsburg. Sabiamente, Ricardo optou por um desligamento negociado,
um acordo que, somado ao patrimônio que criaram durante toda uma
vida de equilíbrio financeiro sempre gastando menos do que dispunham
e as heranças recebidas pelo falecimento dos pais da Carmen, vieram
propiciar uma tranqüila aposentadoria, dedicando-se exclusivamente à
sua vida familiar.
109
ASCENDENTES E DESCENDENTES
Tudo o que estava sendo registrado, no gravador e nas nossas
mentes, seria apagado, substituído por um texto que certamente será
revisto duas ou mais vezes. Mas, ali, a conversa rolava solta, fácil,
descontraída, sincera, sem compromissos, sem receios de falar isto ou
aquilo. O assunto, daquele momento, eram as emoções.
Eu não me emociono facilmente, sou muito contida,
teria muita dificuldade em lembrar, falar, descrever as
maiores, mais marcantes emoções vivenciadas, mesmo
porque talvez elas estejam ainda por acontecer. Criei
meus filhos, ajudei na criação dos meus oito netos, uns
mais, outros menos, sinto ter gerado, junto com o Ricardo,
uma árvore genealógica que está sólida, frondosa e
enraizada em terreno fértil. A emoção maior virá com o
nascimento do(s) bisneto(s).
Esta árvore genealógica começou a ser pesquisada, na
Alemanha e no Brasil, pelo filho Marcelo, que mora definitivamente nos
Estados Unidos.
Marcelo, casado com Erika, de origem alemã, foi quem idealizou
e desenhou as árvores genealógicas da família. Considerando o futuro
de seus filhos e eventuais netos, que irão nascer nos Estados Unidos,
ou sabe Deus onde, pensou em deixar um registro das origens do casal
Marcelo x Erika.
110
Posteriormente, Ricardo enriqueceu e ampliou as informações
genealógicas com fotos, documentação e históricos individuais, indo até
avós e bisavós.
Carmen e eu não vamos dilapidar um patrimônio que
recebemos, que herdamos, podemos até usufruir, gastar,
consumir aquilo que construímos, mas o que recebemos,
queremos e vamos passar para nossos filhos, somado ao
mais
que
deixarmos
–
um
legado
moral,
filosófico,
financeiro e material, quanto melhor e maior, sorte dos
herdeiros.
Até esta data o acervo de informações da família está sendo
perfeitamente mantido e constantemente atualizado com fotografias,
encadernações, documentos, banco de dados e outras parafernálias
que o Ricardo domina com maestria. Ambos gostariam que fosse dada
continuidade a tudo isso e que muitas outras árvores genealógicas
brotassem.
Os históricos e as genealogias apresentadas a seguir foram
idealizadas e elaboradas pelo Marcelo. A redação dos textos foi feita por
Ricardo, com base em documentos, pesquisas, informações e
lembranças que afloraram à sua mente. Marcelo preparou as seguintes
árvores genealógicas, que se encontram também na Internet, no site:
http://www.andranet.com/tree/.
•
Família Andrade – ancestrais paternos do Ricardo
•
Família Bittencourt – ancestrais maternos do Ricardo
•
Família Meyer – ancestrais paternos da Carmen
111
•
Família Borges – ancestrais maternos da Carmen
•
Família Ostermoor – Ancestrais paternos da Érika
•
Família Schoenweger – Ancestrais maternos da Érika
112
DESCENDENTES DE RICARDO E CARMEN
113
DESCENDENTES DE RICARDO E CARMEN
114
HISTÓRIA DOS ANDRADE
O mais antigo ancestral da família, identificado através de
documentação, foi o Dr. Antônio Januário Lopes Andrade, que era
casado com Francisca de Paula Ramos Andrade. Entre outros, teve um
filho de nome Henrique Andrade.
Henrique Andrade nasceu no dia 23 de Março de 1856 na cidade
de Silveiras no Estado de São Paulo. Foi batizado no dia 28 de Maio de
1856 na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, em Silveiras.
Henrique Andrade era funcionário público exercendo a função de
solicitador, ou seja, auxiliar de advogado.
Casou-se em primeiras núpcias no dia 26 de Maio de 1883 na
Paróquia de Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, com Amélia
Belém Rebouças, viúva de Braz Rebouças Lemes. Amélia veio a falecer
em data desconhecida. Deste primeiro casamento não houve filhos.
Henrique Andrade casou-se em segundas núpcias no dia 25 de
Julho de 1891, na capital de São Paulo, com Dona Maria da Conceição
Maia, que passou a assinar Maria Maia de Andrade.
Henrique Andrade faleceu em São Paulo aos 63 anos de idade,
no dia 3 de Junho de1919.
Maria Maia de Andrade nasceu no dia 13 de Julho de 1873 na
cidade de Bragança Paulista no Estado de São Paulo. Seu apelido era
“Dona Mariquinhas”, era filha de Inocêncio Augusto da Silveira Maia e
de Dona Thereza Fernandina Maia. Maria Maia era uma eximia
cozinheira e tricoteira, tendo, inclusive, publicado um livro sob o título:
“O Meu Livro de Tricot”.
115
Maria Maia faleceu em São Paulo aos 78 anos de idade, no dia 9
de Fevereiro de 1952.
Henrique Andrade e Maria Maia Andrade tiveram dois filhos:
Henrique Andrade Filho e Paulo Andrade.
Henrique e Paulo vieram a ter quatro filhos, nove netos e vinte e
dois bisnetos.
Henrique Andrade Filho, nasceu em São Paulo no dia 18 de
Fevereiro de 1893. Como tinha o mesmo nome que o pai foi apelidado
de “Pinda”. Formou-se em Engenharia em 1918 pela Escola Politécnica
da Universidade de São Paulo, na especialidade de Engenharia Elétrica.
Neste mesmo ano foi convidado pelo então presidente da Light, Dr.
Edgar de Souza, que havia sido seu professor na escola Politécnica,
para ir trabalhar na Light, onde permaneceu por mais de 40 anos, até se
aposentar. Na Light chegou a um dos mais altos postos da organização
onde tinha jurisdição sobre todo o sistema de geração e distribuição de
energia elétrica. De 1938 a 1952 fez diversas viagens de trabalho e
estudos aos Estados Unidos, Canadá e Europa. Durante sua vida
publicou vários trabalhos técnicos. Falava inglês e francês e tinha bons
conhecimentos de grego e latim. Possuía uma grande cultura geral e
sempre tinha uma resposta para as perguntas que surgissem.
Mesmo depois de aposentado, continuou a trabalhar como
consultor técnico da Uselpa, outra companhia de geração e distribuição
de energia elétrica. Foi o autor e executor do primeiro projeto de
iluminação da raia de corridas do Jockey Clube de São Paulo. Foi, por
várias vezes, nomeado perito técnico em processos judiciais. Era um
incansável trabalhador, faleceu num domingo e na quarta feira que
antecedeu seu óbito ainda terminou um trabalho para a Uselpa.
116
Henrique Andrade Filho casou-se no dia 27 de Setembro de
1921 com Nair Bittencourt Camargo que passou a assinar-se Nair de
Camargo Andrade. Henrique Andrade Filho faleceu em São Paulo, aos
70 anos de idade no dia 13 de Outubro de 1963.
Nair de Camargo Andrade nasceu em São Paulo no dia 27 de
Setembro de 1900. Ficou órfã de mãe quando tinha cinco anos de idade
e de pai um ano depois. Cresceu aos cuidados da sua avó materna,
Maria Athayde Bittencourt, que dela cuidou até se casar. Foi educada
em um colégio interno de freiras na cidade de Itu onde permaneceu até
terminar seus estudos.
Aos 21 anos de idade, casou-se com Henrique. Era, na
juventude, considerada um tipo raro de beleza (pele muito clara, cabelos
negros e olhos verdes). Nair faleceu aos 75 anos de idade, no dia 3 de
Abril de 1976.
Henrique e Nair tiveram três filhos: Carlos Henrique, Maria Lúcia
e Ricardo Henrique.
Paulo Andrade, nasceu em 10 de Novembro de1895. Formou-se
Químico e durante muitos anos foi o responsável técnico pelos produtos
fabricados pelo Laboratório Andrômaco. Foi membro efetivo da
comissão do Ministério da Saúde responsável pela aprovação e registro
dos medicamentos usados no Brasil. Era um aficionado da pesca.
Casou-se em 1922 com Ângela Tomezine (Angelina) que passou a se
chamar Ângela Tomezine Andrade, de quem separou-se alguns anos
depois. Angelina nasceu no dia 14 de Abril de 1902 e era filha de Ângelo
Tomezine e Gracia Tomezine. Faleceu aos 72 anos de idade no dia 22
de Novembro de 1974.
Paulo faleceu aos 65 anos no dia 22 de Janeiro de 1961.
Paulo e Angelina tiveram um filho de nome Paulo Alcides
117
Notas
Solicitador - Auxiliar de advogado, habilitado por lei para
requerer em juízo ou promover o andamento das ações, com diversas
restrições legais.
Light - Abreviação de “The San Paulo Tramway Light and Power
Company Limited”, companhia canadense que durante muitos anos foi a
concessionária, em São Paulo, dos serviços públicos de geração e
distribuição de energia elétrica e do transporte coletivo da população em
“bondes”, ou seja, veículos de tração elétrica que se moviam sobre
trilhos.
118
ANCESTRAIS PATERNOS DO RICARDO
119
ANCESTRAIS MATERNOS DE RICARDO
Todas as formas diferentes de grafia de “Bettencourt", ou seja,
Bitancor, Bittencourt, Batencur, etc. têm o mesmo tronco original
"Bettencourt".
As mudanças de grafia devem-se a erros ortográficos ocorridos
através dos tempos por aqueles que registravam os nascimentos.
(Nota1)
Os Bettancourts são de origem nobre normanda e o nome é
oriundo do Castelo Bettancourt localizado na Normandia (Nota2).
O Lorde de Buttecourt, Buthencourt, ou Bethencourt é, em geral,
considerado como o mais antigo dos Bettencourts. Ele acompanhou
William “O Conquistador”, Duque da Normandia, na invasão da
Inglaterra em 1066.
Em 1404 o Cavaleiro Normando Jean de Bethencourt recebeu do
rei de Castela, Henrique III, o direito de conquistar as ilhas Canárias.
Os Bettancourts que emigraram da Normandia se estabeleceram
inicialmente nas Ilhas Canárias, na Ilha da Madeira e nos Açores e só
posteriormente na península Ibérica. (Nota3)
Maria de Athayde Bittencourt é a mais antiga ancestral
Bittencourt da família de que se tem informações, pelo fato dela ter
deixado um detalhado testamento, que possibilitou ter acesso a várias
informações da origem da família. (Nota 4)
Maria de Athayde nasceu em 1859 na Ilha Graciosa no
arquipélago dos Açores. Era de ascendência Bittencourt por parte do pai
Francisco Bitencourt Torres casado com Anna Cândida Victoriana.
120
Faleceu em São Paulo, aos 67 anos de idade, no dia 19 de Março de
1926.
Foi casada em primeiras núpcias com Manoel Vieira Bittencourt,
também de ascendência Bittencourt, e em segundas núpcias com o
Comendador Tenente Coronel Norberto João Antunes Jorge com quem
não teve filhos. Do primeiro matrimônio teve vários filhos (Nota5) e entre
eles:
Anna Izabel Bittencourt de Camargo casada com José Antônio
Camargo. Ambos vieram a falecer muito cedo, ela aos 27 anos e ele, um
ano depois, com 32, deixando órfãs duas meninas: Anna Cacilda com 9
e Nair com 5 anos de idade. Maria de Athayde assumiu as duas netas e
as educou em um colégio interno de freiras em Itu, no interior do Estado
de São Paulo, onde elas ficaram até terminarem os estudos. Saindo da
escola, foram viver em São Paulo com a avó e as tias, até casarem.
Anna Cacilda Bittencourt de Camargo, carinhosamente chamada
por todos de “Baby”, nasceu em São Paulo no dia 21 de Julho de 1897.
Aos 26 anos de idade, no dia 25 de Janeiro de 1924, casou com José
Justino e passou a assinar-se Anna Cacilda de Camargo Justino. Anna
Cacilda faleceu dia 13 de Julho de 1989, dias antes de completar 92
anos de idade.
Anna Cacilda e José Justino tiveram os seguintes sete filhos:
Anna Thereza, José Antônio, Pedro Alcântara, Brasilina, Maria Izabel,
Joaquim e Gema.
Nair Bittencourt de Camargo nasceu em São Paulo no dia 27 de
Setembro de 1900. Ao completar 21 anos de idade, no dia 27 de
Setembro de 1921, casou-se com Henrique Andrade Filho e passou a
assinar-se Nair de Camargo Andrade. Era na juventude considerada um
121
tipo raro de beleza (pele muito clara, cabelos negros e olhos verdes).
Nair faleceu aos 75 anos de idade, no dia três de Abril de 1976.
Nair e Henrique Andrade tiveram os seguintes três filhos: Carlos
Henrique, Maria Lúcia e Ricardo Henrique.
Nota 1 - O Dr. Jorge Forjaz, genealogista e historiador açoriano,
explica que todas as formas diferentes de grafia de "Bettencourt" que
constam dos registros paroquiais das Igrejas Católicas nos Açores, têm
o mesmo tronco original "Bettencourt", ou seja, Bitancor, Bittencourt,
Batencur, etc., são de fato "Bettencourt" esclarecendo, ainda, que as
mudanças de grafia do original “Bettencourt” foram resultado de erros
ortográficos cometidos pelos sacerdotes na ocasião de registrarem os
nascimentos.
Nota 2 - A Normandia, atualmente parte do território francês, é
uma das regiões históricas da Europa. Seu nome vem de tribos
invasoras, Celtas e Vikings, também chamados Nordmanni. No ano 912
passou a fazer parte do reino da Nêustria. Em 1431 foi palco da
imolação de Joana D’Arc, queimada viva em praça pública. Em 1944
desempenhou papel fundamental no desembarque aliado realizado nas
suas praias, iniciando a libertação da França da ocupação alemã e o
começo do fim da II Guerra Mundial. Com um tradicional tempo
acinzentado, diz-se que o único azul que se vê na região é o dos olhos
dos normandos.
Nota 3 - O arquipélago dos Açores, território português
autônomo, está situado no Oceano Atlântico, a quase 2 mil quilômetros
a oeste de Portugal. Foi descoberto em 1427 por portugueses, porém só
começou a receber os primeiros habitantes efetivos em 1486. Durante o
século XVI sofreu ataques e pilhagens de corsários e piratas. De origem
vulcânica, com muita beleza natural, é constituído por nove Ilhas: Santa
122
Maria, São Miguel, Terceira, Graciosa, São Jorge, Pico, Faial, Flores e
Corvo.
Nota 4 - O testamento se inicia no seguinte teor: “Em nome da
Santíssima Trindade, Padre, Filho e Espírito Santo, em que eu, Maria de
Athayde Bittencourt, firmemente creio e em cuja fé protesto viver e
morrer, este é o meu testamento e última vontade” e antes de terminar
faz um pedido: “Quero que se celebrem cinqüenta missas por minha
alma”. O testamento é datado de 2 de Abril de 1913.
Nota 5 - Maria de Athayde Bittencourt e Manoel Vieira
Bittencourt, ambos de ascendência Bittencourt, tiveram os seguintes
sete filhos, todos com dupla ascendência Bittencourt: Anna Izabel
Bittencourt de Camargo casada com José Aniônio Camargo, Zulmira
Vieira Martins casada com Manoel Vieira Martins, Maria da Glória
Bittencourt Magalhães casada com José Vieira Couto de Magalhães,
Altina do Carmo Bittencourt, solteira, Manoel Vieira Bittencourt Júnior,
solteiro, Antônio Vieira Bittencourt casado com Zica Siqueira Bittencourt
e Aristotelina Bittencourt Sanches (Nenê) casada com Arthur Sanches.
123
ASCENDENTES MATERNOS DO RICARDO
124
ANCESTRAIS DA CARMEN
O avô materno da Carmen, Fernando Borges, nasceu em 1870 e
faleceu em 1906. Casou-se com Ana Francisca Borges, nascida em São
José dos Campos, em 1874 e falecida em 1942. Fernando e Ana
Francisca tiveram quatro filhos, a última deles foi Carmen Borges Meyer,
mãe de Carmen, nascida em São Paulo em 1905 e falecida em 1977.
O avô paterno da Carmen, Gaspar Ricardo, nasceu em Portugal
na cidade de Soltelo, perto do Porto. Quanto tinha 12 anos de idade, seu
pai faleceu, os parentes o colocaram em um navio para o Brasil com
uma carta de apresentação a um amigo, Conde de São Joaquim, dono
da casa de ferragens “Lebre”, em São Paulo.
Consta que o nome dele era Gaspar Ricardo Machado e que
desgostoso com o fato de o terem mandado para o Brasil nos seus 12
anos, retirou o Machado do seu nome. Naquele tempo isto era possível.
Desta forma Gaspar Ricardo, desde a pré-adolescência passou a
trabalhar e aprender a viver por conta própria.
Aos 20 anos de idade, desentendeu-se com o Conde de São
Joaquim e fundou sua própria loja de ferragens que denominou de
“Caçador”. Consta que ele tinha na loja uma gravura de um caçador
matando uma lebre.
Casou-se com Ida Meyer, que passou a assinar-se Ida Meyer
Ricardo. Ida nasceu no Brasil, mas seu pai, Bernard Lionz Meyer,
nasceu na cidade de Aarau, na Suíça Germânica, chegando ao Brasil
em 1850. Sua mãe, Carolina Cremmer Meyer era filha de Jacob Grimm
que veio da Alemanha em 1827, na primeira leva de imigrantes
alemães.
125
Ida e Gaspar tiveram cinco filhos, quatro deles tinham o
sobrenome Meyer Ricardo, porém o Dr. Juvenal, pai da Carmen, o
último dos cinco filhos, recebeu o sobrenome de Ricardo Meyer. Nunca
ficou esclarecida a razão desta inversão no sobrenome dele. Coisas do
escrivão do cartório?
Dr. Juvenal e D. Carmen casaram-se em 1926 e tiveram dois
filhos, Carmen Lydia e Juvenal Ricardo, falecido em 1989.
126
ANCESTRAIS PATERNOS DA CARMEN
127
ASCENDENTES MATERNOS DA CARMEN
128
Depoimentos
129
TRECHO EXTRAÍDO DO DEPOIMENTO
DE NELSON SUPLICY FILHO
SOBRE O PAI DA CARMEN LYDIA – DR. JUVENAL
Tive a oportunidade de assistir algumas palestras do Dr.
Juvenal Ricardo Meyer (médico e funcionário do Instituto
Biológico de São Paulo – Secretaria da Agricultura) que além
de serem muito interessantes, eram enriquecidas pela sua
habilidade de prender a atenção dos ouvintes, não deixando
ninguém distraído apesar do silêncio do Auditório. Lembro-me
de um dia ele ter dito que a explicação não era uma ejaculação
estratosférica. Por essa e outras os freqüentadores do
Auditório gostavam de suas palestras.
130
JUVENAL RICARDO MEYER
APRESENTADO POR ADOLFO MARTINS PENHA
Juvenal Ricardo Meyer nasceu no Largo da Liberdade, em São
Paulo aos 16 de maio de 1898, filho de Gaspar Ricardo e Ida Meyer
Ricardo. Cursou o Ginásio do Estado, único existente daquela época no
bairro da Luz e fez o curso superior na Escola de Medicina e Cirurgia de
São Paulo, à Rua Brigadeiro Tobias, onde se formou em 18 de janeiro
de 1922.
Em 1923, com bolsa de estudos da Fundação Rockefeller, nos
Estados Unidos da América, fez cursos de aperfeiçoamento em
Anatomia Patológica na Universidade de Columbia, em Nova York e na
Universidade John Hopkins, em Baltimore, lá permanecendo até 1925.
Voltando ao Brasil nesse ano, foi nomeado Chefe de Laboratório
de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina, e assistente da
mesma cadeira, regida então pelo Professor Cunha Mota, cargo que
exerceu durante dois anos.
Convidado pelo Professor Rocha Lima, foi trabalhar no Instituto
Biológico, no cargo de Assistente Chefe da Seção de Anatomia
Patológica, cargo este que exerceu até 1938.
Defendeu tese, aprovada com distinção, em 4 de novembro de
1931 e participou do movimento constitucionalista em 1932.
Em 1946, foi nomeado Diretor de Divisão do Departamento de
Defesa Sanitária da Secretaria de Agricultura, do Estado de São Paulo,
efetivado em 1949. Por diversas vezes substituiu o Diretor Geral do
Departamento em seus impedimentos regulamentares ou viagens ao
exterior. Permaneceu nesse cargo até 1965, quando se aposentou.
131
Por indicação de Rocha Lima, em março de 1936, Juvenal
Ricardo Meyer assumiu a regência da Cadeira de Anatomia Patológica
da Escola Paulista de Medicina. Colaborou ainda com a Escola, em
1949, substituindo o Prof. Marcos Lindenberg, licenciado na ministração
do ensino de Patologia Geral.
Juvenal Ricardo Meyer tinha espírito de verdadeiro cientista e
apaixonado pesquisador; nunca desanimava, mesmo quando, após
meses de trabalho, chegava apenas a uma conclusão negativa.
Pacientemente, procurava então orientar seus trabalhos para novo
rumo, com o mesmo entusiasmo. Como cientista, desinteressava-se
completamente pela parte financeira, à qual não dava maior importância.
Um dos principais objetivos de sua vida científica foi estudar o
problema do câncer, sua origem, seus efeitos e, principalmente,
descobrir algo que pudesse, senão curar, pelo menos aliviar o
sofrimento do canceroso. Quarenta anos de sua existência ele
consagrou
a
esse
ideal,
conseguindo,
finalmente,
obter
um
quimioterápico preparado com micélios de Aspergilus flavus, Pestalozzi
sp. e Penicillium notatum, ao qual foi dado primeiramente o nome de
Micelina e depois o de Cariocilim.
Esse foi o grande prêmio que recebeu por tantos anos de
trabalho, estudo e luta, além de palavras elogiosas de muitos colegas,
aqui no Brasil e no estrangeiro.
Alguns deputados apresentaram o seu nome à Assembléia
Legislativa, em 1952, com apreciação sobre seus trabalhos a respeito
do câncer, solicitando verba para auxiliar suas pesquisas.
Fez numerosas conferências sobre câncer em centros médicos,
sociedades e na televisão. Colaborou, ora sobre assuntos científicos,
ora sobre assuntos literários, em diversos jornais de São Paulo e
132
publicou numerosos trabalhos em revistas nacionais e estrangeiras, a
maioria deles registrada nos Arquivos do Instituto Biológico.
Além do câncer, seu assunto predileto, estudou de maneira
aprofundada, como era seu hábito, diversos problemas de Anatomia
Patológica. Teve também um laboratório de Anatomia Patológica em
sua própria residência, onde atendia aos pedidos dos colegas. Sempre
procurou honrar a profissão, quer como anátomo-patologista, quer como
cancerologista, clínico ou funcionário público.
Juvenal Ricardo Meyer era profundamente religioso. Como bom
Evangélico vivia a sua religião com fervorosa fidelidade. Em 1945, foi
escolhido como Pastor da Igreja Evangélica Batista Paulistana, cargo
que exerceu por vinte anos, com geral agrado. Além desse, exerceu
outros
cargos
denominacionais,
como
Presidente
de
Juntas
Administrativas da Capital ou do Estado e como orientador no campo
religioso.
Grande parte de seus momentos de lazer era dedicado à pintura
e a leitura e nos últimos anos de sua vida ao cultivo de orquídeas. Aqui
o seu espírito científico logo interveio e ele procurou estudar a
possibilidade de sua reprodução por meio de sementes, assunto
desconhecido, a não ser por alguns especialistas que faziam questão de
não divulgar os métodos empregados. Assim que conseguiu o que
pretendia, apressou-se logo a divulgar o que aprendera, contribuindo,
assim, para promover melhor produção de orquídeas, inclusive de
híbridos. Por esses trabalhos sobre cultivo de orquídeas a partir de
sementes, ele foi distinguido com o título de Membro Honorário da
American Orchid Society, em dezembro de 1959.
Sempre gozou de excelente saúde, vindo a necessitar dos
préstimos de seus colegas, somente quando sofreu espasmo cerebral
133
que o vitimaria mais tarde. Era um homem sóbrio: não fumava e não
bebia; sua única extravagância era a de deitar-se muito tarde, quando
empolgado pela primeira ou pelo preparo de suas conferências ou
sermões. Comunicativo, tinha grande facilidade em expor suas idéias
com clareza, razão pela qual suas palestras e pregações eram muito
apreciadas e suas lições bem compreendidas por seus alunos.
Era bondoso e paciente com seus clientes, tanto os de doenças
físicas, como aqueles espiritualmente enfermos. Seus conselhos eram
bem recebidos, tanto como médico, como na qualidade de pastor, sendo
por isso muito procurado.
O Professor Juvenal Ricardo Meyer faleceu em São Paulo, em
conseqüência de enfarto, aos 22 de julho de 1970. Deixou dois filhos de
seu casamento com Dona Carmen Borges Meyer.
134
ALGUNS DADOS SOBRE O AMIGO RICARDO HENRIQUE
ANDRADE LEMBRADOS POR NELSON SUPLICY FILHO
SÃO PAULO – JUNHO 2004
De compleição forte herdada de seus antepassados europeus,
com certeza também trouxe a inteligência de seu pai Dr. Henrique,
engenheiro formado pela Escola Politécnica USP que trabalhara muitos
anos na Cia. Light & Power, até sua aposentadoria.
Pelos idos de 1942 Ricardo foi matriculado no tradicional Colégio
São Luís, talvez por influência de D. Nair, sua mãe, que era muito
religiosa e queria que o filho tivesse uma instrução ligada aos preceitos
religiosos. Foi no São Luis que nós nos conhecemos.
Já no Colégio São Luis os padres, e em especial o Pe. Mariaux
perceberam que Ricardo deveria fazer parte da Fanfarra e seria ideal
para tocar o instrumento mais barulhento e pesado da bateria, ou seja, o
bumbo que requer batidas fortes.
Vez por outra, o Dr. Henrique viajava com a família e Ricardo
levava as cadeiras e sofás da sala de visitas para o porão e nós
(Ricardo, Rubens, Strasburg, Rodrigo e eu) ficávamos conversando
horas a fio, sendo que o Ricardo “emprestava” as bebidas do Dr.
Henrique. Ficaram as lembranças daqueles momentos que já foram há
mais de cinco décadas. Nesse porão havia duas coisas das quais
Ricardo sempre gostou: um pequeno laboratório de fotografias e os seus
rádios galena.
Algumas vezes costumávamos pedir o carro do Dr. Henrique e
íamos até Santos. Éramos Ricardo, Rubens, eu e Rodrigo que tem um
caroço na nuca e eu achava isso muito parecido com um berne maduro
135
e o chamava de bernento e lhe dava alguns tapas na cabeça, já que eu
sentava no banco traseiro do carro e Rodrigo tinha que guiar à noite e
algumas vezes com neblina. Só estamos vivos porque Deus assim o
quis.
Nos anos de 1950 a G.M. enviou Ricardo a Flint nos E.U.A.,
juntamente com Carmen para fazer um curso de engenharia. Lá nasceu
o Marcelo Henrique. De volta ao Brasil, Ricardo permaneceu muitos
anos na G.M., indo depois trabalhar na Chrysler-Volks, onde aposentouse.
Pude observar que durante a adolescência do Marcelo, Ricardo
e Carmen só ficavam sossegados quando o filho chegava de seus
passeios com sua moto. O Marcelo certa ocasião teve vontade de cursar
Agronomia, porém acabou cursando a Escola de Administração Getúlio
Vargas e seguindo seu destino. Quando a filha Neguinha ia a alguma
festa e o Ricardo estava reunido com os amigos e as respectivas
esposas, em determinada hora ele largava a reunião, ia buscar a filha na
festa, levava - a para casa e voltava para a reunião.
Dos irmãos do Ricardo, a Maria Lúcia deixou-me uma lembrança
muito agradável: nos poucos contatos que tivemos ela sempre passou a
idéia de muito delicada. O Carlinhos era bem mais velho do que nós e
tivemos nos tempos do São Luís poucos encontros. Muitos anos mais
tarde nos encontramos na casa do Ricardo e Carmen e tive a satisfação
de vê-lo e trocarmos idéias. Infelizmente os dois partiram e nos
deixaram para trás.
No casamento da Maria Beatriz (Neguinha) com Ibiracy assisti
um culto muito bonito, do qual tenho uma grata recordação.
136
Do casamento de Marcelo e Erika, Ricardo e Carmen ganharam
quatro netos, Suzie, Ricardo, Lílian e Karin e do casamento da Neguinha
e Ibiracy vieram o Ciro, Pedro, Caio e Diana. Esses netos deram grande
alegria ao Ricardo e Carmen.
Pelo que pude observar do Ricardo nesses sessenta anos de
convivência ele nasceu com uma característica de moral e caráter que
marca a sua personalidade, herdada dos gens bons de seus
antepassados e isso não o faz desviar-se de sua conduta em qualquer
circunstância, servindo de orientação para sua família. A gente pode têlo como amigo confiável.
No ano passado (2003) fomos visitar o colégio São Luís,
Ricardo, Carmen, Maria Helena e eu, ficamos surpresos em encontrar
todas as antigas áreas construídas: onde eram os campos de futebol,
quadras de vôlei e onde havia um bambuzal do lado da rua Hadock
Lobo onde o Garcia pulava o muro quando chegava atrasado apesar de
morar a uma quadra do Colégio. Do nosso tempo de escola restou a
Capela, o Cristo que ficava em frente ao portão onde os alunos
entravam e alguns vitrais. Lembramos perfeitamente de tudo como era,
inclusive dos professores: Pe. Archotgue, Pe. Godim, Profs. Giosso,
Stanley, Carramenha, Mecozzi, Gianella, Máximo, Azevedinho, Pe.
Greve e outros, em especial o Prof. Lenz de saudosa lembrança do
Ricardo.
Dos padres do Colégio São Luís, Ricardo mantém contato com
Padre Faria e de vez em quando o convida para vir à sua casa para
recordarem um tempo muito agradável de nossas vidas.
137
SOBRE MEU AMIGO RICKY
ESCRITO POR FERNANDO ALVES
SÃO PAULO – AGOSTO 2004
Tenho participado de uma parte da vida do Ricky como
companheiro de trabalho e de viagens. Pessoalmente nos conhecemos
em 1973, isto é, há mais de trinta anos e, indiretamente, o Ricky já
trabalhava na General Motors com minha irmã Ziza e meu cunhado
Dick, um engenheiro norte-americano lá empregado como “foreign
service”. Nesse tempo todo juntos, Ricky e eu passamos por várias
situações inusitadas tanto no trabalho como viajando. Vou narrar aqui
algumas dessas situações. É evidente que em muitos dos casos nós
atravessamos situações juntos e vivenciamos as mesmas emoções, daí
as narrações serem referentes aos dois.
Os fatos que passamos juntos em viagens dariam realmente
para escrever um livro. Viajamos por países misteriosos, além de outros
perigosos e remotos, destinos que de alguns anos para esta parte
desistimos definitivamente, tanto por segurança como por comodidade.
Dos misteriosos me lembro da Índia. Lá fazia, na época, um calor
de quase 45 graus e o ar condicionado era utilizado em poucos lugares.
Alugamos uma Kombi e viajamos de Delhi para o interior nesse veículo
sem abrir as janelas porque o vento quente parecia um secador de
cabelo em ação. Logo começamos a nos preocupar com o fato de não
conseguirmos urinar, uma vez que estávamos expelindo grande
quantidade de suor. Procuramos então, durante a viagem, qualquer
placa ou anúncio que indicasse um local com ar condicionado, quando,
então, parávamos a fim de tomar bastante cerveja. Ficávamos lá até
138
conseguir urinar e então prosseguíamos a viagem. Ainda na Índia,
alugamos um elefante em Jaipur para subir uma montanha e visitar um
templo que ficava no seu topo. Estávamos acomodados em cestas, um
casal de cada lado no dorso do animal e com o domador do animal em
sua cabeça, quando o elefante resolveu parar e urinar no meio da rua. O
jato de urina parecia uma mangueira de bombeiro pelo volume e ruído, o
que atraiu turistas vindos de não sei onde para nos fotografar como
participantes da cena.
Numa viagem à África do Sul aconteceu um fato engraçado com
o Ricky. Nós fomos jantar em um restaurante afastado do hotel em
Durban e para tal tomamos um táxi. Na volta pedimos ao maitre que
solicitasse um outro taxi para a volta, o que ele fez. Quando o táxi
chegou, o motorista, todo solícito, correu para abrir a porta do carro para
o Ricky, o qual o compensou regiamente com uma bela gorjeta. O
motorista, surpreso, reagiu com um sorriso e disse que era a primeira
vez que recebia uma gorjeta antes do serviço prestado. O Ricky só
então percebeu que o rapaz não era o porteiro do restaurante.
Em Moscou a curiosidade aconteceu no aeroporto. Estávamos
fazendo o “check-in” para um vôo Moscou-Nova Delhi pela Aeroflot
quando a atendente ficou preocupada com os nossos bilhetes; nós
viajávamos de primeira classe e ela ficou indignada com o fato, dizendo
que na Rússia não existiam classes. Daí em diante foi um tal de chamar
encarregados, chefes, gerentes, etc e todos nos advertindo sobre os
males do capitalismo, e que nós seríamos otários se não pedíssemos
reembolso do custo da primeira classe. O avião ficou atrasado por nossa
causa e, finalmente, eles nos propuseram um final muito curioso; com
pena da nossa ingenuidade por pagar a passagem mais cara, e injusta,
eles nos ofereceriam durante o vôo duas refeições em vez de uma, de
139
rotina; nós aceitamos depressinha e embarcamos ante os olhares
bravos dos outros passageiros que nos aguardavam. Para completar, a
tal da refeição era tão ruim que nem a primeira fomos capazes de
comer.
Em Helsinki tem outra do aeroporto. Nós devíamos fazer um vôo
de Helsinki para Leningrado (hoje São Petersburgo). Estávamos
excitados com o fato de estarmos indo para a Rússia comunista de
Bréjnev e, ainda por cima, num Tupolev da Aeroflot. Com receio da
aglomeração no embarque, e sabendo que nos aviões russos não havia
marcação antecipada de lugares, fomos bem cedo para o Aeroporto e
nos pusemos como primeiros da fila no balcão de “check-in” da Aeroflot.
Depois de mais ou menos duas horas o serviço de atendimento foi
aberto e descobrimos que nós éramos os únicos passageiros desse vôo:
ninguém estava se arriscando a ir para a Rússia naquele tempo.
O Nepal foi o local de outro fato pitoresco. Estávamos em
Katmandu e ficamos com vontade de ir até as cercanias do Himalaia.
Para tanto alugamos um carro com um motorista nativo e pegamos a
estrada para Lhasa (Capital do Tibet).
Quando chegamos na fronteira Nepal/China (Tibet) na cidade de
Kodari fomos interceptados por uma patrulha de militares chineses que
ameaçadoramente nos obrigaram a voltar. Deu para assustar. Aliás, no
caminho, vimos um tipo de vegetação margeando a estrada e então
perguntamos ao motorista o que era aquilo. Ele parou, desceu, apanhou
um ramo da dita cuja planta e então fomos formalmente apresentados à
Canabis Sativa, a maconha.
Na Nova Zelândia o Ricky pode atestar que estatísticas dão
sempre resultados duvidosos; pois não é que no país considerado como
140
tendo o povo mais honesto do mundo a Carminha teve um dos seus
caros perfumes franceses roubados por algum empregado do hotel de
luxo que os hospedava? Quando foi reclamar ainda teve a sua queixa
considerada de má fé e que o que ela estava procurando era ganhar um
perfume novo como recompensa. Pois é: a mentira contada duzentas
vezes passa por verdade. De tanto falar até eles acreditam na sua
honestidade.
As melhores passagens talvez sejam as que o Ricky enfrentou
em Israel. Os intensos serviços de segurança deram muito trabalho
desde o momento em que chegamos até ao que saímos do país. Para
iniciar, já na chegada ao Aeroporto, por volta de uma hora da manhã, os
passageiros foram avisados a permanecer na aeronave para que a
polícia desse uma checada em um por um dos passageiros, só olhando,
sem pedir nada; quando da liberação para desembarque a polícia tinha
posicionado alguns caminhões tipo baú na beira da escada e, à medida
que os passageiros desembarcavam eram selecionados e separados;
uns iam para os ônibus que os levariam para a estação do Aeroporto e
outros eram colocados nos caminhões-baú para sofrerem interrogatório;
eu e o Ricky caímos na rede; a investigação era conduzida por oficiais,
provavelmente da Mossad, e as perguntas eram repetitivas e insistentes
para ver se caíamos em alguma contradição. As perguntas eram do tipo,
nome do pai, nome da mãe, local de nascimento deles, local de
nascimento nosso, residência, o que vieram fazer em Israel, etc; e as
questões eram misturadas e voltavam a argüir sobre coisas já
respondidas e tudo isso muito rápido. Foi uma experiência assustadora,
pois nós, que imaginávamos umas boas férias, de repente nos sentimos
marginais. Para completar, seis meses depois desses fatos, o mesmo
vôo em que chegamos foi seqüestrado e levado parra Entebe, num caso
muito conhecido pela eficiência da tropa anti-resgate de Israel que
141
liberou os passageiros numa operação muito rápida. No nosso caso a
coisa toda só acabou por volta das três horas da manhã e os próprios
interrogadores se apressaram a nos colocar num hotel reservado por
eles, certamente para manter controle sobre nossas ações.
Em Telaviv, no hotel, ainda na chegada, pedimos um carro com
motorista para fazermos o nosso turismo durante alguns dias; pois não é
que eles nos mandaram um Mercedes-Benz com um motorista argentino
e que, durante quase dois dias de passeios, repetiu incansavelmente as
mesmas perguntas do caminhão-baú até o ponto em que não
agüentando mais nós protestamos; então o Yeuda, que era seu nome,
nos pediu desculpas e disse que estava convencido que não éramos
terroristas e do dia seguinte em diante iria mandar outro motorista, desta
vez guia turístico. Até hoje, quando queremos fazer alguma piada entre
nós mencionamos “Olha que eu vou chamar o Yeuda”.
Ainda com a direção do Yeuda, estávamos visitando Belém num
dia que era comemorado em Israel a vitória na Guerra dos Seis Dias.
Estava previsto que o país todo pararia ao meio dia e todas as sirenes
do país tocariam durante um minuto para lembrar os mortos naquela
guerra. Como se sabe Belém é uma cidade árabe-cristã e a presença de
judeus na área é muito pequena. Daí o Yeuda, sabendo que sirenes não
tocariam na cidade, atravessou o Mercedes na principal via de Belém
atrapalhando o trânsito, abriu as quatro portas e ligou o rádio bem alto
numa estação que tocava uma sirene; ficou em pé ao lado do carro com
a mão no peito e nós quatro, sentados lá dentro, passamos a ser
xingados pelos cidadãos de Belém; saímos então do carro e fugimos
tentando nos abrigar em alguma loja onde éramos naturalmente
repelidos como se fôssemos judeus. Foram momentos difíceis
provocados pelo Yeuda.
142
O Yeuda que, viemos a descobrir, era um tenente do Mossad, o
que nos envaideceu porque para Israel pôr uma patente dessas na
nossa cola era porque nos achavam
importantes, finalmente nos
mandou o tal guia, mas sem o Mercedes: agora era uma Kombi. Esse
novo personagem era um corpulento israelita que adorava mostrar as
marcas de bala no seu corpo provenientes de batalhas com os árabes;
esse rapaz passava o tempo a menosprezar os árabes e dizia que numa
boa briga era necessário ter dez árabes para cada judeu. Durante os
passeios com ele eram freqüentes pequenos incidentes como receber
algumas pedradas de crianças quando da passagem do nosso carro e
ele nunca deixou de graça, sempre parava e corria atrás dos moleques
e nós ficávamos no carro à espera de alguma outra coisa. Uma vez ele
parou, deu marcha-a-ré até um ponto da praia do Mar Morto, abandonou
o veículo e foi atrás de uma senhora suíça que fazia necessidades na
praia; deu uma bronca violenta na assustada turista e depois nos contou
que aquela praia estava cheia de minas terrestres; só que não havia
nenhum aviso para turistas. Imagine o Ricky andando nessa praia; a
gente se mete em cada uma...
O nosso novo guia era bastante papudo. Num determinado ponto
da viagem ele se vangloriava de Israel ter plantado vinte mil árvores
naquela região; imediatamente retrucamos que isso não tinha nenhum
significado para nós, uma vez que o Ricky com o Garcia e o Silvio
tinham muitas mais árvores que isso; lembramos até do Rubens Rehder,
nosso companheiro da Chrysler, que sozinho tinha plantado mais de um
milhão em sua fazenda; aí o cara arriou o papo. Também, quando
chegamos no Rio Jordão, de propósito, começamos a fazer chacotas
dizendo que aquilo não era rio e sim um pobre córrego; fazíamos isso
para nos vingar do Yeuda e da sua Mossad; desta vez o nosso guia
ficou bravo e disse que nem todos podem ter um Rio Amazonas.
143
Conseguimos, na realidade, durante aqueles dias, judiar do nosso
valente guia e isso foi muito divertido embora soubéssemos dos
milagres que Israel tinha feito naquele árido território. As gozações
chegaram a um ponto que o Ricky começou a ficar preocupado com
receio de represálias por parte de alguma autoridade de Israel.
Numa das maluquices que o Ricky e eu fazíamos pedimos ao
guia que queríamos visitar as colinas de Golan uma vez que as batalhas
com a Síria naquele território tinham acabado de acontecer. Foi muito
interessante a visita, embora tenha sido difícil obter autorização.
Pudemos ver restos de tanques, caminhões e armas, espalhados pelos
campos e, à beira da estrada, alguns desses itens ainda fumegantes e,
pela primeira vez, pudemos estar bem perto de campos de batalha reais
e palpáveis.
Houve
muitos
outros
pequenos
incidentes
do
tipo
dos
mencionados e, à noite, quando saíamos para jantar em Telaviv era
apavorante circular nas ruas do centro com todos aqueles soldados
armados até os dentes e muitas vezes passeando com namoradas,
algumas delas também de uniformes e armadas; além disso, a cada três
ou quatro esquinas havia ambulâncias, com suas portas abertas e
atendentes de plantão prontos para acudir a algum evento de surpresa.
Esse cenário causava grande temor e a gente comia e voltava logo para
o hotel. Nos passeios às cidades árabes ou a Jerusalém era notório o
fato de quando aparecia alguma patrulha israelense com soldados
meninos, realmente muito jovens, os árabes sumiam para dentro das
tendas e as ruas ficavam vazias. A inspeção no aeroporto no momento
da partida foi terrível; ficamos quase nus; nossas esposas foram
checadas até em suas partes íntimas. O Ricky sempre diz que graças a
144
Deus já visitamos Israel, uma visita obrigatória no nosso mundo
moderno, mas nunca mais quer passar nem perto de lá.
No Egito houve alguns casos curiosíssimos. Na cidade do Cairo
não
conseguíamos
arranjar
hotel;
todos
cheios
segundo
suas
recepções; desesperados, procuramos a Embaixada do Brasil e
pedimos auxilio; o cavalheiro que lá nos atendeu perguntou quanto
tínhamos oferecido de “tip” no balcão da recepção. Como não tínhamos
oferecido nada, voltamos ao hotel que mais gostamos, pedimos outra
vez por quartos e oferecemos o nosso passaporte com algumas piastras
dentro e o mesmo sujeito que disse meia hora antes que não havia
quartos disponíveis, prontamente nos alojou à beira do Rio Nilo num
hotel muito bacana. Para encontrar a Embaixada foi muito gozado;
fomos a um ponto de táxis e solicitamos que algum motorista nos
levasse lá. Ninguém sabia onde ficava nossa embaixada e, pior, estava
difícil estabelecer qualquer tipo de comunicação porque os motoristas só
falavam árabe. Finalmente chegou um motorista, sujo e com os cabelos
cheios de palha como se estivesse dormido numa cama desse tipo,
dizendo que sabia onde era mas que cobraria um valor fixo e não pelo
taxímetro. Não tivemos outra alternativa, uma vez que estávamos sem
hotel e cansados, e pagamos um valor alto para que ele nos atendesse.
Entramos no carro, rodamos um quarteirão e a Embaixada lá estava.
Tínhamos sido vítimas do “conto da embaixada”. Lá estava ela com sua
bandeira, a duzentos metros de onde estávamos. A partir daí passamos
a abrir os olhos onde quer que fôssemos com a esperteza dos árabes.
Do Cairo, resolvemos ir a Luxor. Outra epopéia. Disseram que
havia um trem noturno com cabines confortáveis e com ar condicionado,
uma vez que fazia um calor infernal na ocasião. Prontamente topamos e
lá fomos nós para a gare à procura do nosso trem. Quando o achamos
145
quase caímos sentados. A estação abrigava uma multidão de egípcios
com todo tipo de volumes, comidas e até animais como cabras.
Entretanto o nosso vagão de primeira classe parecia estar a salvo desse
pandemônio. Ledo engano. A cabine era de um tamanho ridículo e de
péssima aparência. Pedimos ao atendente do vagão uísque – e eureka!
- ele disse que tinha. Quando tentamos bebê-lo quase vomitamos. Podia
ser tudo menos uísque. Chegou a hora de deitar. Havia uma cama e em
cima um beliche. Só que o beliche ficava a mais ou menos cinqüenta
centímetros do teto onde estava o ar condicionado diretamente sobre
ele. Quando ligamos o ar condicionado descobrimos que trazia para
cima da gente um volume enorme de poeira a ponto de o lençol ficar
marrom em alguns minutos. Resultado, passamos a noite toda brigando
com o ar condicionado tentando achar a melhor solução para chegar
vivo a Luxor.
Em Istambul, na Turquia, houve um caso pitoresco. Havíamos
contratado um tour de ônibus para uma excursão fora da área urbana da
cidade. Quando o ônibus estava já saindo da cidade a guia, com a maior
cara de pau, pediu aos passageiros para ter às mãos o passaporte com
o visto para entrar na Rússia validado. A Rússia na época, era uma
caixa preta no auge do comunismo e meio assustadora. Os viajantes
então, assustados, pois ninguém avisou que íamos entrar na Rússia,
começaram a ficar nervosos e um pequeno tumulto ocorreu no ônibus.
Finalmente a guia abriu a brincadeira e disse a nós todos, infelizes
ignorantes, que estávamos a léguas de distância da fronteira. Como é
que fomos cair nessa? E caímos mesmo!
No Marrocos o Ricky passou por uma experiência excitante.
Estávamos viajando com um carro alugado, outra das nossas loucuras,
uma vez que as placas e sinalizações eram todas escritas em árabe,
146
indo de Marrakesh para Fez. A estrada faz a volta nos Montes Atlas e
segue um pedaço pela borda do deserto do Saara. Quando, distraídos,
estávamos tentando acertar a rota e tentando ler placas que não davam
para ler, subitamente somos rodeados por uma tropa de tuaregs que
nos escoltaram por uns cinco ou dez minutos. Ficamos assustados pois
são inúmeras as histórias de raptos e seqüestros patrocinados por
marroquinos com turistas.
Em Marrakesh fomos jantar num restaurante típico árabe,
daqueles que você senta em almofadas, ultra-desconfortáveis, pelo
chão e com menu complicado. Pedimos torta de peito de pombo e um
vinho para acompanhar. Como turistas ignorantes deveríamos saber
que álcool é proibido nos países árabes. Entretanto o maitre sugeriu que
podíamos comprar vinho numa loja vizinha ao restaurante e ele não faria
nenhuma objeção que nós o tomássemos no restaurante. Ele então
mandou comprar o vinho e nós o degustamos, agradavelmente, durante
o jantar. Ao final o garçom nos disse que a loja é propriedade do dono
do restaurante. Turista é mesmo um otário...
Em Joinville, Santa Catarina, numa determinada tarde o Ricky
cismou que havia uma veia dilatada na testa da Carminha. Foi um
alvoroço. Chamou-se o serviço de emergência patrocinado pelo hotel,
muito bom por sinal, e apareceu uma ambulância com um médico, um
para-médico e uma enfermeira. Atenderam a Carminha e concluíram
que havia problemas na cabeça, mas do Ricky... A Carminha vive
pegando no pé do Ricky dizendo que ela quase morreu, mas de
vergonha.
147
LEMBRANÇAS DA MINHA QUERIDA PRIMA CARMEN LYDIA
JÚNIA BORGES BOTELHO – SETEMBRO 2004
As lembranças da minha afilhada de casamento remontam à
época em que ela utilizava cadeirinha alta para se alimentar. Lembro-me
perfeitamente da casa de nossa avó na rua Rafael de Barros, aonde
Carmen morava com os pais. Havia uma cozinha que era passagem dos
quartos, lá nos fundos, para as salas e embaixo era um porão
maravilhoso, local de muitas brincadeiras. Tia Carmen colocava Carmen
Lydia naquela cadeira, de madeira envernizada, muito alta e alimentava
aquela gracinha de menina. Esta imagem está perfeitamente gravada e
guardada em minha memória. Ela era a única filha da única irmã de
minha mãe. Essas duas irmãs eram muito amigas sendo minha mãe
nove anos mais velha que tia Carmen e eu quatro anos mais velha que
Carmen Lydia, isso resultou em tratamento um pouco maternal de nossa
parte nos primeiros anos de vida, depois se transformou em grande
amizade baseada nas condições e relacionamento familiares existentes
e também por ela ter vindo estudar no Colégio Batista, quando meu pai
era diretor e nós residíamos na propriedade.
Éramos muito próximas, saíamos muito, fazíamos “pic-nic” com
outras amigas e primas, íamos à Igreja, muitas vezes ela ia passar férias
e feriados na nossa casa da Vila Guilhermina na Praia Grande.
A casa da Vila Guilhermina, uma das primeiras do loteamento, foi
construída pelo meu pai em 1923, não havia eletricidade no bairro e
muito menos água encanada, durante algum tempo era mencionada
como casa de demonstração do loteamento. Era bastante grande com
ampla varanda na frente e circundada por jardins, quadra de tênis, vôlei
148
e outras modalidades de esporte. Coincidentemente (sem conhecermos)
o pai do Ricardo adquiriu um lote e também construiu uma casa no
mesmo loteamento.
A casa era freqüentada por muitos amigos de meus irmãos,
primos e primas. Foi um período muito alegre e divertido. Ricardo e
Carmen sem se conhecerem, passeavam, em grupos separados, pelo
mesmo bairro na Vila Guilhermina.
Foi provavelmente nesta casa, após ele se conhecerem lá no
Parque Balneário, que a “paquera” foi se tornando em namoro
amarrado.
Logo após o casamento, em setembro de 1952, eles foram morar
nos U.S.A. – Flint. Em fevereiro de 1953 eu fui visitá-la em Flint e como
viajei de navio levei uma grande mala cheia de presentinhos (de toda a
família) para o bebê que ia nascer. Mais uma vez com grande satisfação
e alegria reencontrei-me com eles na época do nascimento do primeiro
filho. Em junho do mesmo ano mamãe também foi para Flint e então nos
reunimos mamãe, eu, tia Carmen, Ricardo, Carmen Lydia e o recémnascido Marcelo.
A minha mãe foi muito corajosa por ter viajado sozinha, sem falar
inglês exceto pela frase “Want go Flint”.
Passamos alguns dias juntos, inclusive fizemos pequenas
viagens de carro – as duas irmãs, as duas primas e o bebê. Na primeira
parada a Carmen Lydia notou que tinha esquecido em casa a sacola do
nenê. Providenciamos a compra de um “enxovalzinho” e pela primeira
vez tomei conhecimento da fralda descartável. Assim como foi a
primeira vez na minha vida que tomei “Nescafé” com leite, uma delícia e
como era fácil de fazer.
149
Nossa convivência sempre foi próxima e até intensa. A Carmen
Lydia é a mais próxima de todas as primas e inegavelmente a grande
amiga de toda a minha vida e à medida que nós avançamos em idade
fomos ficando mais amigas e desenvolvemos mais interesses e
assuntos em comum. Após a minha aposentadoria tive mais tempo de
permanência em São Paulo, após de ter morado na França, Estados
Unidos, interior de São Paulo e no Rio de Janeiro, mas este
distanciamento não chegou a abalar nossa amizade.
Quando me casei, sem mais as obrigações profissionais, torneime “dona-de-casa” e foi Carmen que ensinou-me a cozinhar, foi a minha
orientadora culinária e surgiram mais afinidades, assuntos e motivações
semelhantes em nossas vidas. Curioso que
gostamos e implicamos
com as mesmas pessoas. E as nossas conversas por telefone geram
grandes lucros para as companhias telefônicas.
Ficamos
ainda
mais
próximas
através
do
excelente
relacionamento do Venedict com o Ricardo, talvez as viagens que nós
quatro fizemos juntos contribuíram muito para maior aproximação. Em
1994 passeamos pelo Canadá e Estados Unidos incluindo South
Dakota, Minneapolis e New York entre outros lugares. Lembro-me de
fazer compras no setor de lingerie no MACY’s junto com a Carmen Lydia
deixando os dois “senhores” sentados à espera das “madames”
gastando dinheiro. Nós quatro nos demos muito bem, não havendo
ocorrido momentos de desentendimento, sempre tivemos tolerância e
paciência uns com os outros, mesmo naquele dia que o Ricardo
reclamou “– Não é possível vocês ficarem duas horas na loja para
comprarem soutiens”.
Ficamos aproximadamente uma semana passeando de carro
pelo Oregon com saída e volta para Seattle, depois de avião até
150
Vancouver onde deveríamos embarcar em navio até o Alaska.
Entretanto o navio sofreu um acidente, a viagem foi cancelada. Ricardo
que é uma pessoa muito positiva propôs e assim fizemos uma viagem
de carro pelo Norte do Canadá. Foi um passeio lindo, tendo vivenciado o
altíssimo nível de vida dos canadenses além de ter atravessado
paisagens deslumbrantes de lojas cristalinas, picos nevados, tudo
rodando por excelentes estradas.
Enquanto Ricardo e Carmen foram passar uns dias com o
Marcelo e os outros netos em Mineapolis, eu e Venedict fomos para
Chicago.
No ano seguinte, em 1995, nos organizamos para ir conhecer
Escócia e Noruega, entretanto, como Venedict era russo e queria visitar
São Petersburgo e Moscou que ele não conhecia, aproveitamos a
oportunidade e estendemos o roteiro incluindo Finlândia, Estônia,
Letônia e Lituânia.
O interessante foi que não precisamos de interprete pois
Venedict estava em sua terra natal, nunca o vi tão feliz, foram, sem
dúvida, as férias mais felizes que ele teve. Fico até contente de tê-lo
levado para a Rússia, nunca vi ou ouvi ele reclamando de alguma coisa,
inclusive aquela noite no restaurante que fomos servidos com um prato
de batatas fritas frio e sem mais nada, Venedict se expressando no
idioma russo fez o garçom entender que não eram turistas, não demorou
nada e vieram deliciosas e quentes batatas fritas.
Três anos mais tarde fomos, finalmente, ao Alaska. Infelizmente
Venedict
não
nos
acompanhou,
já
estava
muito
enfermo
e
impossibilitado de viajar. A esposa do José Antônio, Conceição,
embarcou conosco e foi uma companhia fantástica. Ricardo teve que
151
tomar conta das três mulheres. Nós quatro já tínhamos viajado juntos,
antes de ter casado com Venedict fizemos um tour marítimo pelo Caribe.
Realmente eu acho que Carmen Lydia e Ricardo têm grande
valor por terem construído uma família unida. O Ricardo e a Carmen
Lydia sabem se aproximar dos mais jovens, sabem ouvir, saber estar
presentes, sem exigir nada em troca, saem daqui para assistirem a
formatura dos netos nos Estados Unidos. Fazem com empenho, é uma
construção, como minha mãe dizia “o casamento é o cultivo de uma
plantinha que tem que ser tratada diariamente”. Eu acho que é isto que
eles fizeram, construíram uma família com todas as alegrias, tristezas,
problemas e dificuldades que eles foram transpondo, souberam
aproveitar os bons momentos e superar as armadilhas. Juntos,
atravessaram momentos difíceis como por exemplo a doença da tia
Carmen, foram três meses que ela passou junto com a filha e o genro.
Digo ainda que a tia Carmen passou a ser grande admiradora de
Ricardo, ela realmente soube compreender e valorizar as qualidades
que ele tem. O Ricardo sabe viver bem o momento presente, quando
jovem aproveitou bastante, quanto teve que trabalhar, trabalhou
bastante, ele vive bem e isto é muito importante.
Sinceramente eu acho que o casamento que Carmen Lydia e
Ricardo construíram através desses 50 anos foi o mais bem sucedido de
todos os casamentos de nossa geração em nossas famílias. Eu fui muito
feliz no meu casamento, mas foi de curta duração por ter me casado
muito mais tarde e meu marido ter falecido.
Eles souberam respeitar suas divergências de opiniões e
personalidades mantendo-as intactas assim como souberam manter em
alto nível o relacionamento pessoal, foi admirável a construção da
152
família. Consigo citar apenas alguns outros poucos casamentos tão bem
sucedidos.
Este meu relacionamento com o casal permaneceu sólido por
algumas razões, em parte pela minha admiração pelas personalidades
distintas do casal, pelo caráter de ambos, pela dignidade e pelo sincero
desejo deles e de mim de querermos manter esta união preservada,
também por uma série de afinidades e não só pelo fato de sermos
parentes. No Ricardo, por exemplo, eu sempre admiro a alegria de viver
que ele demonstra superando as dificuldades normais da vida, ele
mantém o prazer de viver, o prazer da alegria dos pequenos e grandes
acontecimentos. A Carmen Lydia também, mas sua maior característica
talvez seja o senso de responsabilidade perante a sua família, este
senso de responsabilidade sempre esteve presente desde criança, foi
uma excelente aluna durante todo o período escolar, detentora das
melhores notas. A seriedade com a qual ela conduz os seus atos. Acho
que nós somos amigas porque temos nossas admirações, afinidades, o
nosso contato é agradável, temos confiança mútua. Tudo isto nos traz
prazer, segurança e bem estar na companhia uma da outra, prazer de
vida, apesar de divergimos um tanto em nossos gostos.
A Carmen dá grande valor à amizade na qual os parceiros têm
ampla liberdade de expressão, assim como eu que tenho muitas
amigas, mas pouquíssimas que me dão esta liberdade de expressão
sentida com o casal.
Por tudo isso nossa amizade resistiu e resiste, cada vez mais
sólida, pela vida toda.
153
RECORDAÇÕES E COMENTÁRIOS DE
JOSÉ ANTONIO JUSTINO E CONCEIÇÃO JUSTINO
SETEMBRO 2004
Conheci o Ricardo quando tinha uns treze anos, portanto faz
aproximadamente 65 anos que somos amigos. Essa amizade cresceu
após meu casamento com Conceição e o casamento de Ricardo com
Carmen. Assim, nós quatro nos tornamos amigos. Depois, nossos filhos
também se tornaram amigos, três meus e dois do Ricardo, passamos a
ser nove amigos.
Quando os filhos eram pequenos, viajamos muitas vezes,
empilhados, empacotados em um Ford Prefect 1949 - Cristina, Ana
Maria e José Antônio (Totonho) e mais Marcelo e Neguinha.
Passamos muitas férias juntos, íamos à Praia Grande – Jardim
Guilhermina e depois, com as crianças (já adolescentes), íamos
acampar em Verde Mar. Passeávamos muito, havia um entrosamento
muito grande que permanece até hoje.
O crescimento dos filhos trouxe um certo distanciamento, por
parte deles, mas a amizade perdurou, até mesmo porque os nossos
netos se relacionam bastante.
Éramos e somos como irmãos, Conceição e Carmen são amigas
muito próximas, confidentes. Com Ricardo sempre fomos tolerantes.
Lembro-me uma vez, estávamos lá no sítio do padrinho do Ricardo, o
Agenor, no sopé do Jaraguá, na casa não havia cobertor ou mesmo
agasalhos, tinha levado um capote de lã bem grosso, parte da
vestimenta do tiro de guerra, passei frio, Ricardo roncava aquecido pelo
meu capote. Em outra ocasião fomos fazer uma pescaria, em Cotia,
154
prevenido como sempre levei “embornal” com um baita lanche mas
Ricardo tinha levado um embrulhinho com “canapés”, estava fazendo
regime, mas não passou fome, tive que dividir o meu lanche, apesar de
te-lo escondido muito bem, mas ele descobriu e daí a divisão foi
compulsória.
Ricardo também sempre cedeu, foi tolerante com as minhas
chatices, mas, recentemente não temos feito nada em conjunto a não
ser nos visitarmos e nos encontrarmos quando vou para São Paulo ou
nos aniversários que não são poucos.
Quando ainda éramos solteiros cheguei até a ser “sócio” do
Ricardo. Montamos no porão da rua Jaguaribe uma “oficina de concerto
de máquinas de escrever”. Eu tomava conta da parte comercial –
procurava as máquinas para serem concertadas e Ricardo era da parte
técnica. Posteriormente tentamos vender revelações de filmes e cópias
de fotografias. Apesar dos negócios não terem sido bem sucedidos, a
amizade continuou a mesma.
A nossa amizade não foi alimentada por interesses ou objetivos
em comum, foi mais espontânea, desprendida, desenvolveu-se através
dos laços familiares.
Eu morava na Rua Fortunato pertinho da casa dos pais do
Ricardo, na rua Jaguaribe. Morávamos nas casas dos pais. A minha
mãe era irmã da mãe do Ricardo, nossos pais também eram amigos.
Eles eram religiosos e meu pai ajudava na organização das quermesses
da Igreja Vicentina, mantinha uma barraca de salgadinhos e bebidas.
Eu e Ricardo ajudávamos transportando materiais da minha casa
para a barraca. Certa vez a tentação foi maior e cada leva foi precedida
por vários goles de vinho, aquele vinho de garrafa envolta em palha.
155
Foram tantos goles e tantas idas e vindas que, bêbados, fomos dormir
no galinheiro instalado no fundo do terreno da quermesse. Em outra
ocasião fomos comemorar o aniversário do “Strasburgo”, na casa dele,
serviram brigadeiro e meia de seda. Todos ficaram tontos –prébêbados– decidimos que deveríamos ir embora evitando vexame, mas,
já na rua decidimos amarrar um porre.
Éramos eu, Ricardo, Junqueira, Garcia e Nelson. Ricardo confiou
uma garrafa de gim, tomou um gole, passou a garrafa para mim, tomei
um gole e passei a garrafa para o próximo que assoprou em vez de
beber, os três sacanas mancomunados assopraram em vez de
beberem, eu e Ricardo ficamos tão bêbados que dormimos no portão do
Cemitério da Consolação.
A Conceição, quando éramos recém-casados, não gostava do
Ricardo, detestava, apesar de achá-lo lindo de morrer. “O Ricardo era
muito mentiroso, ele aparecia lá em casa com uma porção de caixas de
remédios vazias dizendo que uma tia estava doente, passando muito
mal, e que precisava do Zé Antonio para ajudá-lo a levar novos
remédios para a tal tia, era tudo mentira, ele queria é tirar o Zé Antônio
de perto de mim. Depois conheceu a Carmen Lydia, ficou mais
acomodado e também parou de mentir para mim. Era ele que levava
meu marido para a gandaia, foi a Carmen que pôs ele nos eixos. Depois
que nos casamos e fomos morar no sítio ele, às vezes, aparecia por lá,
levava até amigos, como o Garcia e aprontavam, montavam em
bezerros, desciam nos poços d’água, comiam frango guardado em lata
de banha (vizinhos) e coisas assim”.
A Carmen, eu só vim a conhecê-la depois de casada. Carmen foi
mantida em segredo por muito tempo, estava escondida pelo Ricardo.
Finalmente um dia eles apareceram lá na casa dos pais do Zé Antônio.
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Ficamos todos muito bem impressionados, ela era simpática, meiga e
ficamos amigas desde aquele momento, amizade eterna, 52 anos.
Quantas recordações boas, felizes, nós estávamos sempre juntas,
inclusive os filhos que só se separavam de nós à noite, quando dormiam
e nós jogávamos baralho.
Eramos eu e o Flávio que era o melhor jogador, contra Ricardo e
José Antônio que sempre ganhavam porque roubavam durante o jogo
inteiro.
Em nossas vidas não existiu uma amizade maior, mais bonita,
mais profunda do que a nossa. Esta amizade se estendeu para filhos e
netos.
Recentemente, Thiago (neto de José e Conceição) foi o cicerone
da Karin (reside nos U.S.A., neta de Carmen e Ricardo) que estava em
férias passeando com amigas aqui no Brasil. Karin e Thiago foram muito
amigos quando menores até estudaram no mesmo colégio. Às vezes
Karin dormia na casa do “Totonho” (José Antônio Filho e pai do Thiago)
e assim desenvolveram uma amizade – o Totonho atualmente é o Dr.
Justino, Presidente da Johnson & Johnson do Brasil.
Por convite e motivação do Ricardo viajamos algumas vezes
para o exterior. Tenho boas recordações daquela viagem para Manaus,
Cidade do México, Parques Nacionais Americanos, Yosemite e Sequoia,
Detroit e Flint. Em outra ocasião fomos para o Canadá, Chicago e
depois Mineapolis visitando os sobrinhos.
Foram e são várias vidas repletas de amizade que estão sendo
perpetuadas pelos nossos descendentes.
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Nota do Autor. As citações, depoimentos e recordações acima
foram feitos na varanda, à beira de um lago do Restaurante Lagoa da
Peixada, localizado na estrada que liga Pedreira com Montes Claros,
cidade moradia de José Antônio e Conceição. A gravação ocorreu com
a participação das cinco pessoas presentes, que vivenciaram juntas,
muitos
dos
momentos
lembrados.
Foi
uma
conversa
amiga,
descontraída, alegre, saudosa, transcorrida no correr de várias horas
antes, parcialmente, durante e após o almoço. Deixei de transcrever
alguns outros tópicos como: a estória do tamanco da Conceição que em
vez de um par tinha comprado duas peças do mesmo pé, o encontro do
José Antônio Filho, da Baby com a tia Nenê, a caçada da onça no
Jaraguá, as aulas de hidroginástica, as frescuras do Ricardo com
comidas, a leitoa assada que o Ricardo queria, Ricardo fazendo e
assando pão no forno do sítio e fazendo feijão com toucinho e ainda o
papo sobre velhice e a partida final. Tivemos a satisfação de vivenciar
momentos de amizade sem interesses, pretensões ou mesmo objetivos.
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FOI DADA A PARTIDA PARA A ETERNIDADE
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Aquele elo procurado durante toda uma vida finalmente
apareceu: Ciro, neto de Ricardo e Carmen, casou-se no dia 17 de
dezembro de 2004. Com Fabiana. O primeiro neto que se casa. Isto
quer dizer que o elo com a eternidade pode estar a caminho e que o
sangue, a pele, a alma, o DNA – para falar com maior modernidade – de
Carmen e Ricardo, poderão estar prestes a ser reproduzidos em
pedacinhos esparsos em alguma entidadezinha que qualquer dia destes
aparece neste mundo, berrando. E quem não berra ao nascer? O
bisneto amado poderá chegar a qualquer momento. Foi dada a partida.
E bem no momento em que esta biografia ficou pronta. Coincidência?
Há quem afirme que elas não existem: tudo está escrito em algum lugar,
num livro, nas nuvens, nas estrelas. Não importa onde.
Uma vida de mais de cinqüenta anos de união – uma vida reta,
sem mentiras, sem recuos, sem falsidades, uma vida cheia de clareza,
de retidão de caráter e de harmonia vai, finalmente, criar seus elos com
a eternidade.
Parabéns, Ricardo e Carmen, pelo casamento do Ciro. Parabéns
pelo futuro. Parabéns pela eternidade.
Regina Helena de Paiva Ramos
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