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Aos Nossos Descendentes Revisão Editorial: Regina Helena de Paiva Ramos Digitação: Amélia Maria Magalhães e Silva Diagramação: Acervo Fotográfico: Ricardo H. Andrade Pesquisa Genealógica: Marcelo H. Andrade Ricardo H. Andrade Arte-Capa: Maria Beatriz Camargo Biografia GARCIA, Rubens Aos Nossos Descendentes São José dos Campos Gráfica: ISBN _ _ _ _ _ _ _ 1. Biografia I. Título Índices Para Catálogo Sistemático Gráfica: Impressão: Ano 2004 Direitos Desta Edição Reservados a Autor: Rubens Garcia AGRADECIMENTOS À nossa filha Maria Beatriz, autora da apresentação desta Biografia – Lembranças – e pela criação da arte da capa deste livro. Ao nosso filho Marcelo, pela pesquisa, desenvolvimento e composição informática da Árvore Genealógica de nossa família. Ao nosso neto Ciro pela redação do histórico do seu avô e das suas impressões de uma viagem ao Pantanal Matogrossense. Aos amigos Júnia Borges Botelho, José AntÕnio Justino, Fernando Alves e Nelson Suplicy, pelos seus depoimentos. À nossa amiga jornalista, escritora e teatróloga Regina Helena de Paiva Ramos pela revisão editorial desta obra e pela sua mensagem de encerramento da biografia. Finalmente, ao sempre amigo Rubens Garcia da Silva, idealizador e autor desta obra, deixando aqui registrado nosso reconhecimento por todo trabalho que teve e pelas inúmeras horas que dedicou na elaboração desta biografia. Ricardo Andrade São Paulo - Brasil Ano 2004 Carmen Lydia e Ricardo Ano 2004 AOS NOSSOS DESCENDENTES No dia 3 de Abril do ano de 1930, no bairro de Santa Cecília, cidade de São Paulo, nascia uma criança do sexo masculino que recebeu o nome de Ricardo. Seis meses mais tarde, no dia 16 de Outubro, nesta mesma cidade, no bairro da Bela Vista, nascia uma outra criança, do sexo feminino que se chamou Carmen Lydia. Ricardo e Carmen Lydia cresceram e desfrutaram de uma tranqüila infância e adolescência de bonança propiciada pela situação em que viviam seus pais. Quis o destino que no dia 18 de Janeiro de 1950, Ricardo e Carmen Lydia se encontrassem, no Parque Balneário Hotel, na cidade de Santos, São Paulo, para nunca mais se separarem. Desta nossa união, nasceram dois filhos e, posteriormente, oito netos. Esperamos ver o nosso elo com a eternidade com o nascimento de muitos descendentes destes nossos descendentes, pois assim estaremos cumprindo a determinação do Senhor: “Crescei e multiplicaivos”. Quando um nosso amigo, gentilmente, se propôs a escrever esta nossa biografia, vimos neste seu gesto uma oportunidade de deixarmos registrado para a posteridade um pouco da nossa vida para que os nossos descendentes venham a saber algo sobre seus ancestrais. Quis também o destino que parte dos nossos filhos e netos fossem viver definitivamente nos Estados Unidos onde irão nascer seus descendentes que não saberão a língua portuguesa, mas, com a devida tradução deste trabalho, poderão ter acesso a informações sobre seus ancestrais brasileiros. A todos nossos atuais e a todos nossos futuros descendentes, sejam eles brasileiros, americanos ou de outra nacionalidade, dedicamos esta biografia. Carmen Lydia e Ricardo São Paulo - Brasil Ano 2004 AOS NOSSOS DESCENDENTES BIOGRAFIA DE RICARDO HENRIQUE ANDRADE ÍNDICE • LEMBRANÇAS ........................................................................ 15 • WWW.BIOGRAFO.COM/AMIZADE ........................................ 17 • COMEMORAÇÕES ................................................................. 21 • O CASAL E SUAS CARACTERÍSTICAS ................................ 37 • O CLÃ ANDRADE.................................................................... 49 • ACONTECIMENTOS E RECORDAÇÕES .............................. 62 • VOLTA AO MUNDO ................................................................ 70 • RICARDO E SUA VIDA PROFISSIONAL ............................... 86 • ASCENDENTES E DESCENDENTES.................................. 100 • DEPOIMENTOS .................................................................... 118 Neguinha e Marcelo LEMBRANÇAS Uma porção de pontinhos brilhantes, salpicados no meio da escuridão me aliviavam da sensação de solidão que o escuro traz nas crianças bem pequenas. Ficava olhando aquelas luzinhas balançarem quando eu movimentava a pesada mão do meu pai, que já dormia com o relógio de mostrador fosforescente no pulso. As luzinhas dançavam, rodopiavam, formavam constelações orbitando na frente dos meus olhinhos insones. Assim ficava até que o sono, finalmente, vencia as minhas vocações em astronomia... Acho que esta é uma das imagens mais longínquas na minha memória. Acredito tê-las gravado, pois, naqueles momentos, sentia que as luzinhas representavam a segurança, transmitida pela presença dos meus pais, apesar de não vê-los, nem mesmo escutá-los. Passou a infância, veio a adolescência com todas as descobertas, deslumbramentos e incertezas, as festas atravessando as madrugadas, que muitos pais apenas proibiam, porém os meus sempre estavam lá, na saída e na chegada em casa, em geral meio de pijama e sonados, mas sem reclamar. E com esta certeza de contar com eles nos melhores e nos piores momentos desta jornada maravilhosa que é a vida, aprendi a recomeçar cada dia como um novo desafio, e ver nas outras pessoas parceiros e amigos. Quase sem perceber, constitui minha própria família, e agora cabia a mim acalmar o sono dos meus filhos... E foi com mais dúvidas do que certezas, que tentei compartilhar com eles o calor do amor incondicional que um dia recebi da mão amiga dos meus pais e o incentivo para que nunca deixemos de sonhar com estrelas... Maria Beatriz Ribeirão Preto - Brasil Ano 2004 15 Em 1949 Rubens e Ricardo, solucionando problemas sem saberem que viriam a ser... Em 2004 – Biografado (esquerda) e Biógrafo (direita) 16 WWW.BIOGRAFO.COM/AMIZADE Um só momento, um longo e emocionante momento em minha vida, escrever a biografia conjunta de Ricardo e Carmen. Um casal solidamente unido, extremamente estável, com as personalidades, identidades e objetivos respeitados e preservados. Nossa adolescência, amizade e iniciou-se cresceu com nos o bancos casamento escolares, na Ricardo-Carmen, sedimentou-se no período de convivência mais próxima, solidificou-se durante todos esses anos e eternizou-se na lembrança de cada um de nós três. Na maturidade convivemos em harmonia, intercambiamos experiências, descrevemos viagens, trocamos acontecimentos pessoais, bons e ruins, rimos muito, e, mais recentemente, bebemos pouco. Com a minha mudança de residência para a Serra da Mantiqueira inevitavelmente houve algum distanciamento em nosso relacionamento: Sempre que estiver em São Paulo, apareça, venha! Nós gostamos muito da sua companhia. Você sumiu outra vez... Até parece que não gosta do jantar feito pela Carmen... Só o vemos de vez em quando... você virou um cometa! Algumas vezes fui batizado pelo Ricardo. Este é o apelido mais recente. Na juventude, quando convivíamos nos Estados Unidos – na cidade de Flint – tínhamos objetivos extra-escolares a alcançar; aprender, absorver, exercitar a filosofia de vida americana “The American Way Of Life”. Aprendemos e incorporamos muitos novos 17 conceitos, pensamentos, práticas de vida, hábitos, atitudes, assim também reforçamos outros, como franqueza, honestidade e sempre falar a verdade. Entretanto, dois princípios dessa filosofia de vida foram sumariamente pulverizados, extirpados do universo da Carmen e do Ricardo: obtenha sempre um retorno em tudo o que fizer. O que importa são os resultados “bottom line”. – “There is no free lunch” (não existe almoço grátis). As pessoas que desenvolvem interesses em comum formam uma capa protetora, salvando da corrosão sentimentos como amor e amizade. No universo deles não há cobrança de retornos, muito menos necessidade de interesses em comum fundindo capas protetoras, contabilidade de favores, análise de resultados práticos das amizades para proteção de sentimentos... tudo é mais espontâneo, mais gratificante, vem lá de dentro. Essas “coisas” não se materializam. E alimentam a alma, não o bolso. Os amigos e familiares são como planetas, luas, cometas, astros gravitando em elipses continuamente se distanciando e se aproximando do centro de amizade irradiada. Seria como satisfazer a nossa necessidade de alimentar o sentimento de amizade e certificarmo-nos cada vez mais da sua existência. Neste universo há sim, muito jantar grátis, cortesias, amizade e afeto. Ricardo, eu faço absoluta questão, não abro mão, você e Carmen são meus convidados. Fomos jantar fora. Estivemos em muitos outros lugares, cheguei até a fazer – com a ajuda da Carmen – um almoço que demorou tanto para ficar pronto que o Ricardo quase tomou todo o “brodo” de camarão que seria para cozinhar o macarrão. Carmen continua, como sempre, propiciando os jantares. 18 A motivação para redigir esta biografia nasceu em minha mente, talvez, sem eu ter tido consciência. O pensamento começou a trabalhar lentamente até que em um determinado momento foi materializado através de palavras. Tudo começou quando estava conversando com Ricardo sobre computadores: Estou precisando colocar a documentação histórica fiscal da fazenda no computador e nem sei por onde começar. Se aplicarmos o programa adequado, desenvolveremos algumas planilhas que, digitadas, deverão satisfazer a sua necessidade de informação. Defina no papel quais são os objetivos a serem alcançados – o que você quer. Algumas semanas depois e a questão tinha sido equacionada pelo Ricardo. Para mim tudo era um grande mistério, não conseguia nem digitar e teria que fazê-lo. Desde o início Ricardo alertou da impossibilidade de digitar. Além do que a documentação teria que ser interpretada. Regina, amiga de ambos, emprestou um lap-top. Orientada pelo Ricardo ensinou-me os primeiros passos. Fantástico! As planilhas desenvolvidas pelo Ricardo parece que faziam tudo sozinhas. As dúvidas eram resolvidas por telefone pelo mestre que desataria qualquer nó. Em dois ou três meses, ajudado também pelos meus filhos, atingi o objetivo. Sensacional! O mistério ficou “planilhado”. Aproximadamente vinte e cinco anos e dezoito pastas com documentos, recibos, cartas, 19 faturas, romaneios, um arquivo, foram decodificados e condensados em um mínimo disquete. Este foi um de muitos desafios enfrentados em conjunto com Ricardo. Em nossas vidas, durante um tempo e um espaço profissional, fomos imbatíveis, para terror de nossos inimigos fantasmas. Em outro tempo, mais remoto, fomos arquitetos e executores de aventuras e façanhas rocambolescas. Espontaneamente senti vontade de retribuir com um presente. Tarefa difícil. Ricardo e Carmen têm muitas coisas e, além disso, eles nunca pedem ou insinuam um desejo de aquisição. Felizmente a intuição arrancou o que já estava lá dentro e então saquei: Ricardo, eu gostaria de lhe dar um presente, vou escrever a sua biografia. A resposta veio rápida, eu me sentiria honrado em ter minha biografia escrita por você. A biografia do Ricardo seria incompleta se não fosse redigida juntamente com os fatos mais marcantes da história da Carmen. 20 COMEMORAÇÕES Estava tudo organizado, planejado em detalhes e executado com precisão. Afinal, uma festa em comemoração às Bodas de Ouro de Carmen Lydia e Ricardo, merecia toda a dedicação e atenção dos familiares, principalmente da filha Maria Beatriz – a “Neguinha”. Às 19:16 do dia 18 de Junho de 2.002 todos os convidados chegaram à casa da Rua Tucunarés, no 350, da Quinta da Alvorada na cidade de Ribeirão Preto. A pontualidade dos convidados só foi possível após vários contatos e programações, que culminaram com o Ciro comboiando os convidados dos hotéis até o local da comemoração. Alguém comentou que teria havido um pequeno atraso! Pois é, um dos convidados não se sentiu à vontade em chegar de mãos vazias. O comboio teve que parar em uma floricultura e demorou uns dez minutos para encher o porta-malas de flores. Carmen com surpresa recebendo os convidados da festa 21 Garcia chegando com meia floricultura Havia uma razão muito forte para que os convidados chegassem juntos e em silêncio na casa da “Neguinha”: montaram uma alegre, bonita e emocionante surpresa para a Carmen Lydia. Ela não sabia que a festa seria em comemoração às suas Bodas de Ouro, até ajudou na preparação do que seria um jantar para convidados muito especiais de sua filha e genro, Ibiracy, o “Bira”. A casa é um encanto inesquecível de arquitetura-humana, está voltada para os fundos. Alguém dentro da casa não percebe facilmente quem está chegando, desta forma os convidados ficaram ocultos até o momento da passagem pela porta de entrada. O Ricardo e seu genro “Bira” esperaram os convidados no jardim frontal, conduzindo-os espaçadamente até a porta de entrada, onde Carmen e a filha permaneceram do lado de dentro da casa. Somente após receber os primeiros convidados Carmen percebeu o que estava acontecendo, cumprimentava um a um com sorrisos, expressões de alegria e surpresa. Algumas de suas palavras naquele momento foram: vocês 22 vieram de tão longe... mas isto é maravilhoso... todos esses amigos... O semblante, a figura, a expressão facial, o brilho nos olhos, o sorriso do Ricardo era da mais completa felicidade. Tudo foi muito bonito, elegante, fascinante, emocionante. As fotografias, em parte, gravaram estas cenas. Tem aquela fotografia da Carmen com a cara espantada, quando ela finalmente vê aquele monte de gente chegando. Carmen e Ricardo recebendo flores dos convidados. É. Foi interessante aquilo... Eu não sou muito emotiva, nestas ocasiões em geral eu sou bastante contida, não vou dizer que fiquei superlativamente emocionada, eu fiquei feliz, achei muito agradável, interessante, fiquei muito feliz da “Neguinha” ter assumido com tanta boa vontade e tanto interesse toda esta responsabilidade. 23 E assim a comemoração rolou, descontraída, alegre, gostosa em seus detalhes. Fizeram discursos, brindes e saudações. Gilberto Leite Braga discursou emocionado: Parabéns, comemorarmos 50 anos de aliança matrimonial é uma verdadeira jóia de ouro, que não pode ser escondida, mas devemos expô-la para admiração dos nossos entes queridos e de nossos amigos, exemplo vivo da dignidade humana do casal com suas inteligências, sendo iluminado transcendentalmente pela graça de Deus. Afirmamos com toda a sinceridade, amizade e também com emoção, que vocês, Dona Carmen e Sr. Ricardo são para nós, para seus familiares e para todas as pessoas que desfrutam do seu convívio um casal bem aventurado (casal feliz), casal que com sua luz ilumina outros casais, casal de boa vontade que ouve a palavra de Deus e a pratica. Dizemos isto, porque nós vemos, sentimos as suas capacidades de amar e servir para que a outra pessoa seja feliz. Caríssimos, Jesus disse claramente que a aliança matrimonial é instituição de vida. Confirma e acrescenta que o casal deve ser como uma só pessoa para a alegria do casal e principalmente dos filhos. Não é isto que acontece em suas vidas? Neste contato com vocês, com a Neguinha, Bira e netos vemos uma vida de amor, vocês chegam a esquecer de vocês mesmos para servirem às pessoas para que elas sejam felizes. Suas fisionomias refletem um coração puro, mais uma vez seguidores da verdade. Coração cheio de raiva e 24 ressentimento contamina as pessoas e o mundo. Quando o que deveria sair de nosso interior é o perdão. Meu querido casal: quanta amizade, quanto respeito, quanta unidade (onde está um também está o outro) quanta renúncia, quanto perdão... A Célia e eu nunca nos esquecemos do sábio conselho recebido deste querido casal: querem conquistar filhos(as), noras, genros e netos(as)? Boca fechada e bolso aberto, mas no fundo eles querem passar com esta mensagem; além da bolsa material, a bolsa do nosso coração para servi-los e a boca fechada é não falarmos muito e conquistarmos mais com o testemunho de vida, como a Dona Carmen e o Senhor Ricardo dão. Um beijo e um abraço, com muita admiração. Ricardo e Carmen saudaram a todos e na frente dos convidados, no maior silêncio, renovaram beijos e juras e a aliança de bodas selou no dedo da Carmen os 50 anos de união. 25 18 de Junho de 1952 – O Casamento 18 de Junho de 1977 – As Bodas de Prata 18 de Junho de 2002 – As Bodas de Ouro Ricardo precisou da ajuda de um dos netos para que aquela aliança estivesse calibrada perfeitamente no dedo da Carmen. A Diana, dias antes das bodas, a pretexto de experimentar os anéis da avó, escolheu um dedo seu em que a aliança original de 50 anos atrás lhe servia. Depois com um medidor de anéis descobriu o tamanho do dedo da avó. Este é apenas um exemplo, dentre muitos outros, atos, ações, idéias arquitetadas pelo Ricardo e executadas pelos familiares longe do 26 conhecimento da Carmen, ela não podia nem desconfiar do que estavam tramando, mas não foram apenas eles que tramaram. Os amigos mais próximos também participaram da trama, assim que captaram os sinais, emitidos pelo Ricardo, de que Carmen não queria nenhuma comemoração: Não quero comemorar os 50 anos de casada, sem a presença de parte da minha família,teria dito. O filho Marcelo, a nora Erika e os quatro filhos – Suzie, Ricardo, Lílian e Karin, que moram há 14 anos nos Estados Unidos, não poderiam estar presentes, seria muito problemático para eles se ausentarem, ao mesmo tempo, por pelo menos uma semana dos seus diversos compromissos estudantis e empregatícios, além do alto custo da viagem. Mas a filha Maria Beatriz, o genro Bira e os quatro netos – Ciro, Pedro, Caio, Diana, queriam que a homenagem fosse realizada e nisso foram fortemente apoiados pelos amigos mais próximos, inclusive com lances de alguns que estariam preparados para fazerem a festa. O destino armou o conflito e jogou a decisão no colo de quem jamais se recusou a tomar decisões extremamente difíceis – Ricardo Andrade. Assim foi: a comemoração seria realizada na casa da Neguinha que daí para a frente conduziu tudo. A angústia de esconder da Carmen esta trama foi amargada pelo estrategista Ricardo. Os amigos e familiares curtiram tudo, do começo ao fim. Amar, querer bem, ser amigo, tolerar, viver a dois, confiar, acreditar e respeitar o outro... tudo isto é tão sólido entre eles que Carmen sentiu-se traída. Talvez assim se sentiu por ser a trama conflitante com a profunda, pura e coesa união existente. Entretanto a 27 "traição" não foi uma “traição", foi um ato resultante da individualidade que está preservada, perfeita e solidamente. Assim é que ele é, assim é que ela é. Ambos respeitam suas individualidades. Ter mantido uma união por mais de 50 anos tem uma forte razão – nunca consideraram a hipótese de desmanchar esta união. É lógico que tivemos momentos, fases muito difíceis, talvez estivesse na hora de encerrarmos, eu nunca desejei encerrar, eu achei que a gente deveria superar e tentar ir em frente. O Ricardo endossa cem por cento estas palavras. Eu nunca quis desmanchar a união, não que eu e Ricardo tenhamos méritos nisto, é uma questão de pré disposição – eu casei-me e quero continuar como estou até que a morte nos separe. É o testemunho da Carmen. O dia 18 de Junho de 2002, como o fato em si, para o Ricardo é uma data histórica. Para a Carmen, uma data socialmente aceita e cultivada. Mas, na realidade, foi um ano a mais, não acho que tenha uma conotação especial, é que se estabeleceu que bodas de ouro é uma coisa comemorável – quando eu penso, conseguimos, mais um ano juntos, uma vitória. Elaborar a lista dos participantes e deixar que a notícia se espalhasse só para eles, não foi fácil. Sozinho, Ricardo pinçou as pessoas mais próximas, que conviveram conosco nos últimos 28 dez anos, parentes ou não, ou melhor, os amigos. Assim, o “aviso chegou" para as pessoas abaixo relacionadas por ordem alfabética: Ana Cândida Riso e seu marido Arlindo Riso, comerciante. Ana Cândida é uma amiga de infância da Carmen. Ana Maria Faiad e seu marido Luis Faiad, advogado e dois dos quatro filhos. Ana Maria é filha de José Antonio e Conceição e foi criada junto com Marcelo e Neguinha. Fernando Alves, engenheiro e sua esposa Cléa Silva. Fernando conheceu o Ricardo em 1973 quando, então, como Diretor de Recursos Humanos da Chrysler recrutou-o como Diretor de Manufatura. Fizeram várias viagens juntos. Ricardo e Carmen são padrinhos de casamento do casal no religioso e no civil. Gabriel Junqueira Leite, médico e sua esposa Silvia Lucia Gonçalves Leite e seus três filhos, amigos do casal Beatriz e Ibiracy desde 1976 quando eles se mudaram para Ribeirão Preto e tornaram-se também amigos dos comemorados. Dr. Gilberto Leite Braga, professor da USP e doutor em Ciências e sua esposa Célia Ubida Leite Braga, amigos do casal Beatriz e Ibiracy desde 1977. Dr. Gilberto foi quem discursou durante a festa. José Antonio Justino e sua esposa Conceição Justino. Ele, primo em primeiro grau do Ricardo por parte de mãe. Amigos desde 1940, a amizade com a esposa se iniciou em 1950 quando casaram e perdura até hoje. José Bráulio Borges, advogado e sua esposa Vera Alvim Borges. Ele, primo em primeiro grau da Carmen por parte de mãe. Têm sido amigos desde a década de 50. 29 Dra. Júnia Borges Botellho, professora da USP e doutora em Matemática. Prima em primeiro grau da Carmen por parte de mãe. Carmen e Júnia sempre foram amigas desde a infância. Ela é madrinha de casamento de Carmen e Ricardo. Lélia Borges de Oliveira e seu marido Alberto de Oliveira, jornalista. Ela, prima em primeiro grau da Carmen por parte de mãe. Carmen e Lélia passavam uma temporada de férias no Parque Balneário Hotel, em 1950, Santos, quando Ricardo e Carmen se conheceram. Dr. Nelson Suplicy, engenheiro, professor da USP e doutor em Agronomia, e sua esposa Maria Helena Suplicy. Foram colegas no Colégio São Luiz em 1946 e, desde então, continuam cultivando a amizade. Rubens Garcia da Silva, amigo desde 1946, colega no Colégio São Luis, estudaram juntos no General Motors Institute, em Flint, nos Estados Unidos. Posteriormente foram sócios em fazenda de reflorestamento e na construção de casas populares. Trabalharam juntos na Indústria automobilística. Vera Helena Pagano e seu marido Edson Pagano, administrador de empresas. Ela é sobrinha do Ricardo, filha do seu irmão e foi criada quase como filha. Mais uma vez nenhum erro, ninguém faltou. Eu tenho certeza de que se tivesse convidado também outras pessoas, várias não viriam, poderiam achar Ribeirão muito longe... ir à festa custaria locomoção e hospedagem! 30 Antes de casar a Carmen comemorava a data 18 de Janeiro de 1950, dia em que conheceu o Ricardo. A prima e amiga Júnia conta a história deste encontro: Carmen Lydia e Lélia (prima) a convite da tia Edite estavam passando férias no Hotel Parque Balneário em Santos quando conheceram Ricardo. Imediatamente “pintou o clima” e a paquera teve prosseguimento com o convite da Carmen ao Ricardo para se encontrarem na casa de seus pais na Vila Guilhermina, na Praia Grande. Ricardo tinha uma casa lá, aliás bem perto da nossa, assim tudo começou a rolar. Uma tarde, já à noitinha, estávamos todos na varanda e o Flávio, meu irmão mais velho, muito gozador, começou a falar que o Ricardo ia aparecer a qualquer momento, afinal de contas já tinha passado alguns dias que Carmen tinha chegado, vinda do Parque Balneário e a expectativa era grande. Era uma turma de moças e rapazes no terraço fazendo a “maior farra” quando vimos no meio da escuridão uma luzinha se aproximando (naquela época não existia instalação elétrica na Vila Guilhermina), Flávio não hesitou – deve ser o Ricardo chegando, olhem, está se aproximando cada vez mais e era o Ricardo que chegava procurando pela Carmen Lydia. Esta história, acrescida do namoro dos dois na varanda, sentados na rede foi descrita pelo meu pai em versos. Um lindo soneto escrito em versos “alexandrinos” e ao nome do Ricardo foi adicionado o nome Camargo, para rimar mais perfeitamente. Coincidentemente, Ricardo Camargo Andrade ficou nos versos, com o mesmo nome dos seus dois irmãos Maria Lucia Camargo Andrade e Carlos Henrique de Camargo Andrade. 31 Nunca fui de comemorar aniversário de casamento. Comemorei o aniversário dos meus filhos enquanto eles quiseram, gostei das comemorações de casamento deles e fiz várias comemorações de aniversário do Ricardo. Não acho graça em receber os parabéns, coisa que o Ricardo adora. Diferentemente o Ricardo faz que não prepara, mas prepara-se para receber os amigos. Assim foi aos 40, 50, 60 e 70 anos de idade com festas feitas pela Carmen, além das festinhas nos anos intermediários, feitas por ele mesmo – só não emite convites, mas, em 2004 comemorando os 74 anos, Ricardo foi pego de surpresa. Como sempre convidou, discretamente, amigos e parentes para um almoço, assim a comemoração seria à tarde, sendo menos cansativo do que à noite. Entre outras iguarias a Neguinha fez a macarronada, isto é, confeccionou a massa com ovos de galinhas criadas por ela e o molho de tomate (a receita é segredo). Além da magnífica refeição a Neguinha e o Bira contrataram um grupo de seresteiros – os Trovadores Urbanos que alegraram e encheram de emoções os convidados levando o Ricardo e Carmen às lágrimas. Todos ficaram surpresos e emocionados e todos riram e choraram acompanhando as canções cantadas pelos trovadores. Sendo a última “A Canção do Ricardo”: CANÇÃO DO RICARDO NÓS SOMOS OS SEUS TROVADORES AQUI ESTAMOS PRA LHE VER SORRIR AGRADECEMOS E SEREMOS SEUS CANTORES TODAS ÀS VEZES QUE VOCÊ NOS PEDIR 32 AGORA CHEGOU A HORA PRECISAMOS NOS DESPEDIR MAS ANTES VAMOS REVELAR O QUE ACABAMOS DE DESCOBRIR UM PASSARINHO NOS CONTOU QUE VOCÊ GOSTA DE COMPUTADOR E CERVEJA E DETESTA O CALOR DE RIBEIRÃO PRETO NÃO SABE QUANDO VAI CHEGAR O PRIMEIRO BISNETO TORCE PRO UÍSQUE SER DE BOA QUALIDADE TEM MANIA DE COMPRAR COPOS É FÃ DA TECNOLOGIA NÃO COME BOLO MAS DEVORA PRESUNTO PARMA ADORA OUVIR TELEFONE NO VIVA VOZ TEM MEDO DO COMPUTADOR PIFAR SONHA COM VIAGENS E EM CONVIVER COM OS FILHOS, NETOS E AMIGOS E O BIRA E A NEGUINHA É O PASSARINHO QUE CONTOU MAIS UMA SERENATA QUE TERMINA NESTA DATA MUITO MAIS QUE ESPECIAL SE FOI BOM PRA VOCÊS NINGUÉM IMAGINA QUE PRA NÓS FOI SENSACIONAL. 33 Ricardo tem uma vida repleta de comemorações, resultado de seus feitos, realizações e decisões. A sua Formatura “Commencement Exercises” em 1954 foi uma comemoração marcante em sua vida. Nas significativas e marcantes a Carmen estava presente, atuante, sendo o casamento a mais importante de todas. A fase pré-casamento e até a última cerimônia foi complicada exigindo de ambos compreensão, aceitação e atitudes até então inéditas. A religião da Carmen, não sendo a católica, criou uma situação de difícil aceitação deste fato por parte de alguns membros da família do Ricardo. Porém, o casamento foi celebrado, exigindo tenacidade de ambos, forte apoio do pai do Ricardo, de outros membros de ambas as famílias e, finalmente, as barreiras religiosas foram vencidas. A primeira cerimônia, o casamento civil, foi realizado na casa dos pais da Carmen. Uma cerimônia formal atendida por todos os membros das famílias. A segunda cerimônia foi realizada na Capela do Colégio Batista Brasileiro. Esta cerimônia foi assistida somente pelos amigos e familiares da Carmen que, muito feliz, de véu e grinalda e Ricardo, comemoram a feliz união. TRECHO DO DEPOIMENTO DE JUNIA, MADRINHA DO CASAMENTO Eu tenho muito orgulho de ter tido participação neste enlace desde o namoro. Havia muitas restrições quanto ao fato de Ricardo e Carmen não serem da mesma religião, especialmente nos meios Batistas e Evangélicos quando, naquela época, moças não saiam sozinhas com rapazes, 34 entrar em carro então nem pensar, se entrasse passaria a ser muito falada – era “facilinha”. Carmen Lydia naturalmente queria ficar com o Ricardo, ter um namoro normal, sair, ir passear, para ficarem um pouco sozinhos. A minha tia Carmen era rigorosa, rígida, mas ao mesmo tempo muito minha amiga e eu intercedi achando que o Ricardo era de confiança, não havendo necessidade de por obstáculos maiores mesmo porque Ricardo sempre foi muito bem recebido por todos, apesar de ser pessoa de um outro ambiente, pois não pertencia às rodas do grupo evangélico. Havia um julgamento em suspenso que foi se transformando positivamente em favor das qualidades do Ricardo. Essas restrições – religiosa e pessoal – foram finalmente superadas. Assim, depois de muitas conversas, tia Carmen cedeu, mais do que ela gostaria, eu com isto tudo ganhei o convite para ser madrinha do casamento. Morávamos, meus pais e meus irmãos, no bairro das Perdizes. Era uma grande propriedade do Colégio Batista Brasileiro que englobava prédio do colégio, residência do diretor (meu pai) e capela. Todos os três edifícios estavam separados por grande jardim. Carmen saiu da minha casa, vestida de noiva, pra ir à cerimônia de casamento na Igreja. Era Junho de 1952, fazia muito frio, até hoje me lembro de ter mandado fazer um “manteaux” branco de lã inglesa. Carmen Lydia vestia um lindo vestido de noiva com mangas curtas, estava morrendo de frio e resolveu colocar um casaco de peles. Mais uma vez fizemos uma troca, eu usei o casaco de peles e ela usou o “manteaux” branco. Este mesmo 35 “manteaux” branco de lã inglesa ficou conservado por décadas até transformá-lo numa bela saia. A festa foi muito bonita, alegre, charmosa. Nem tanto pela festa, mas pelo significado dela, eu me senti liberto de várias coisas nas quais até casar eu estava amarrado socialmente, religiosamente, familiarmente. Para mim foi a libertação desta sociedade na qual vivia. Estava livre, não estava sozinho, estava feliz. Assim o Ricardo fala sobre o seu casamento. Ricardo não se emocionou no casamento. Para ele o casamento foi uma conquista, uma etapa vencida, tendo um significado muito profundo. O fato de ter tido a sorte de ganhar a bolsa de estudos nos Estados Unidos, logo após o casamento (aproximadamente um mês e meio) ajudou e muito a consolidação da união marido-mulher, uma vez que a família ficou naturalmente distante. Os recém-casados, inevitavelmente, sofrem os malefícios dos palpites, interferências, torcidas de nariz, tendo que enfrentar os eternos problemas de onde passar o Natal, Ano Bom, aniversários. Este convívio familiar quase que forçado não é salutar, eles argumentam. O conteúdo da nossa vida familiar foi talvez nunca ter forçado o convívio familiar com nossos filhos e netos. No nosso tempo Carmen tinha obrigações familiares como: visitar vovó, ir à Igreja com o pai e outras. Assim, a ida para Flint neutralizou (cidade essas do meio-oeste interferências 36 e norte-americano) o tempo que lá passamos foi o aprendizado de nossa vida conjunta. Sempre muito comemorado. TRECHO DO DEPOIMENTO DE NELSON SUPLICY FILHO SOBRE O CASAL BIOGRAFADO Passados alguns anos, após a conclusão do Curso Científico, Ricardo começou a trabalhar na Indústria Automobilística e em especial na General Motors do Brasil. Já neste tempo namorava a futura esposa, Carmen Lydia Meyer. No começo do namoro de Ricardo e Carmen, certa noite, de carro, passou em frente à casa da Carmen na Rua Rodrigues Alves e nós aproveitamos para berrar o nome da namorada, criando escândalo na vizinhança, para nossa alegria. Finalmente chegou o dia do casamento de Ricardo e Carmen (santinha). Seus colegas mais chegados foram convidados. Recordo-me bem da festa na casa do Dr. Juvenal, D. Carmen e Juquinha (irmão da Carmen) apesar disso ter acontecido há mais de cinqüenta anos. Maria Helena e eu tivemos a satisfação de assistirmos e participarmos das suas Bodas de Ouro na casa da filha e genro – Maria Beatriz e Ibiracy. 37 O CASAL E SUAS CARACTERÍSTICAS Carmen e Ricardo ou Ricardo e Carmen. A ordem dos fatores não altera o produto, não importa, o que muito importa é que a ordem das parcelas pode até alterar a soma. Eles conseguiram somar suas qualidades e subtrair suas fraquezas. Não só manipularam com maestria suas parcelas como conseguiram sabiamente priorizar as mesmas. Atingiram pontos sólidos na estabilidade e no equilíbrio. É um casal extremamente estável. A base desta estabilidade está no casamento consagrado pela união, na vida familiar transcorrida em duas únicas residências, na maturidade profissional do Ricardo atravessando dois únicos empregos, no permanente e constante suporte dado pela Carmen, inclusive intervindo nas crises. Esta estabilidade é mantida através de princípios e atitudes que indicaram o norte correto e a manutenção salutar do ambiente familiar. Ambos fundiram as mesmas âncoras, que, lançadas na fluidez da vida, encontraram rochas para se cravarem na honestidade, sinceridade de intenções, fé-crença do direito e firmeza de caráter. Gravitando em torno dessas âncoras souberam desenvolver atividades satélites: sociabilidade, ambos “recebem” com atenção e afeto, possuem muitos, muitos, amigos nem todos em comum, convivem com outras pessoas, não estão sozinhos. Têm “hobbies”, passatempo e lazer que são seletivamente mantidos em separado. Cada um desenvolveu os seus, a participação, entretanto, é bem-vinda, mas, acima de tudo as preferências e gostos são respeitados, preservados. 38 Ninguém sabe que alguns tapetes do apartamento que o casal mantém em Ribeirão Preto foram “tecidos” pela Carmen. Além desses, existem outros confeccionados nos mais variados estilos – arraiolos, “Casa Caiada”, ponto persa, em vários desenhos. E como será que aprendeu, quantas horas gastou, quanto custou, ninguém sabe, ela não conta. Não é do seu “estilo” contar suas habilidades, qualificações, proezas, méritos e glórias. Porém, se perguntada com delicadeza, ela conta sem grandes alardes, ou ainda, como aconteceu certa vez, quando “apanhada” em flagrante, descreveu em detalhes o tapete que estava tecendo. Todo mundo sabe que o Ricardo tem uma verdadeira “central de informática” com ramificações em Ribeirão, ligação direta, ou via internet, com filhos, netos, amigos. E-mails enviados de Ribeirão são diferenciados dos enviados de São Paulo entre outros detalhes. Quando viaja de São Paulo para Ribeirão ou vice-versa carrega um invólucro plástico do tamanho de uma caixa de fósforo que contém: agendas, endereços, programações, assuntos atuais, lembretes, etc, etc, (deve ter também a lista telefônica da OESP), assim eu não precisei fazer uma conexão on line e mais ainda, fica bravo com as pessoas que ignoram informática – Retrógrados, diz. E todo mundo sabe também: ambos estarão sempre prontos para ajudar amigos no que for preciso. Os “hobbies” e passatempos do Ricardo vêm de longa data. A fotografia, teve início provavelmente antes de ele aprender a escrever, vem do pai, que tinha uma câmera Exackta que o Ricardo exibia com o maior orgulho. Não era somente o ato de tirar fotos, incluía catalogação, álbuns, ampliações, distribuição de fotos aos amigos e, muito mais, até 39 um quarto escuro para revelação de filmes, montado juntamente com o pai quando ele tinha 12 anos. Seu acervo fotográfico é inimaginável. Fotografou a vida toda e em grande parte do mundo. Atualmente, devido a uma deficiência ocular, não tem fotografado mais. Não faltaram filhos e netos para fotografarem por ele, além de um amigo muito próximo ter dito a ele na comemoração das bodas de ouro: Eu sou a sua máquina fotográfica! Outros “hobbies” vão desde laboratório químico montado no período escolar à organização de um acervo computadorizado com informações, incluindo, ainda, impressos, encadernações, fotos, documentos sobre a Carmen, ele e a sua família e até rádio amadorismo. O laboratório de Química foi montado no porão do casarão onde residia (Rua Jaguaribe). Estava muito bem montado, com bancadas, prateleiras, frascos e materiais próprios de laboratório químico, inclusive bico de Bunzen e equipamento de solda oxi-acetileno o qual Ricardo usava para derreter peças que continham ouro e prata. Aplicava também ácidos para dissolver peças que continham metais raros e posteriormente fazendo eletrólise obtinha o metal puro. Um verdadeiro moderno e jovem alquimista à procura de ouro e prata puros. 40 Radio Amadorismo – Hobby de longa duração. Em setembro de 1960 foi oficialmente habilitado a radioamador, atividade intensamente exercida durante quase 10 anos. Tinha orgulho em utilizar equipamento de comunicação projetado e construído por ele mesmo e com o qual contatos com inteiro. o mundo Durante este período, uma manteve desenvolvi grande roda de amigos radioamadores, a maioria leiga em eletrônica a quem eu sempre ajudava com a melhor boa vontade. Fiz muitas demonstrações públicas em acampamentos escoteiros, durante fui esta membro de pois década do 41 conselho diretor do grupo escoteiro “Guia Lopes”, sediado no Clube Ipê, ao qual o Marcelo pertencia. Junto com o chefe do grupo, criamos desenvolvemos curso de e um telegrafia para os escoteiros. Leitura é um dos passatempos da Carmen. Atualmente ela está lendo a biografia de Hyllary Clinton. Já leu várias biografias mesmo não tendo preferência por este gênero de leitura. Lê tudo que desperta a sua mente ou o seu coração. Possui inclusive uma coleção de receitas culinárias brasileiras e americanas, entre outras. A cozinha do apartamento da Carmen é um primor, organizadíssima e repleta de detalhes, utensílios e eletros. Eu me entretenho na cozinha, gosto da arrumação, de cozinhar. A Carmen é uma excelente cozinheira – esta opinião do Ricardo tem amplo, total e irrestrito apoio de vários amigos. O Garcia que o diga, se falar, vai ampliar ainda mais o leque de elogios. Eventualmente gosta de ir ao teatro. Ela tem prazer em se sentir atualizada, não por esnobismo, mas por saber e ter consciência que assistiu à maioria das peças que a atraíram. Atores, atrizes, autores, peças famosas, peças baseadas em livros, são alguns dos itens que poderiam atraí-la. Recentemente foi assistir à peça “Sérgio 80” com o 42 ator Sérgio Brito. Esta ida ao teatro foi decorrente de uma conversa com uma amiga, a Regina, que prontificou-se em apresentá-la ao ator, após a peça, levando-a até o camarim do mesmo. Um desejo da Carmen, contido há muitos anos. De modo próprio jamais faria, não por falta de iniciativa, mas por excesso de recato. Carmen foi educada na Religião Protestante-Batista tanto na casa dos pais, como na escola, quanto na própria Igreja. Foi exposta a padrões restritivos de conduta e pensamento. Na sua juventude era reprimida pelo pai e pela mãe, notadamente em questões sociais e de conduta sendo proibida de dançar, usar batom e outras amenidades. Precisava ser (ou estar) sempre contida. Estudou no Ginásio Presidente Roosevelt, famoso naquela época pela rigidez e excelência de ensino. Graduou-se na Escola Normal do Colégio Batista Brasileiro. Após a formatura lecionou no Educandário Brasil, como professora do terceiro ano primário. Uma de suas lembranças como professora é de um aluno mostrando uma música composta por ele. Esse menino, na época com oito anos, chama-se João Carlos Martins que veio a ser o famoso pianista e especialista na interpretação de peças de Bach. Com o passar do tempo a Carmen desenvolveu um estilo próprio. O seu intelecto é aberto, amplo, receptivo a idéias e concepções apesar de seus atos demonstrarem sua predileção pela organização, ordem, arrumação, tudo no lugar adequado. O seu âmago é contido, fechado, de difícil penetração, as emoções estão reprimidas, Eu choro muito pouco e quando choro é trancada no meu quarto. Mas, esbanja afeto, ri com muita facilidade e tem humor saudável de fazer piada com os outros sem agredi-los. 43 Com sua aguda sinceridade ela sabe relacionar-se admiravelmente bem com quem ela seleciona. Algumas amigas são do tempo da juventude, essas e outras são amigas até morrer. Eu, para falar bem a verdade tive muitas amigas e consegui ao longo da vida manter algumas, umas sumiram, foram morar longe, poucas morreram e outras brigaram. Por estes motivos perdi um número delas o que me deixa triste. Atualmente não tenho feito novas amizades, talvez por um pouco de preguiça, também me tornei mais seletiva. Após muitos anos, a nova amizade muito positiva foi desenvolvida com a Regina, a minha nova amiga. A Regina foi a última aquisição de amizade que eu tive que valeu muito, eu acho a Regina uma pessoa ótima, formidável, animada, enfrenta a vida como se tivesse vinte anos e mesmo com a minha pouca vontade de conhecer novas pessoas me aconteceu a Regina, uma nova amiga que valeu. A Regina é uma pessoa admirável, no bom sentido eu tenho até inveja, com a idade dela desvendando novos horizontes, planejando coisas que deverão acontecer daqui para frente. Ela é super simpática, agradável, me 44 procura, telefona e estamos sempre conversando, temos muitos assuntos para tratar. Carmen Tocando Violão Flint - 1953 A Carmen é uma pessoa, um ser muito sólido que consegue dizer Eu acho que eu sou o que eu sou, aquilo mesmo que deve ser. Não sinto ter sido influenciada por outras pessoas. A minha mãe era uma pessoa que eu admirava por ela ser o que era. Carismática, de personalidade fortíssima, conseguia manter todo mundo em volta de si, aonde quer que estivesse, todos gostavam dela. Eu admirava tudo isto, nunca consegui ser igual, mas não acho que tenha sido influenciada. Papai menos ainda, eu o admirava muito como cientista, tinha uma capacidade intelectual acima do normal, muito conceituado e respeitado. No mundo todo escreviam e reproduziam 45 artigos sobre a sua obra. Recentemente, vi e li na internet uma menção detalhada sobre seu trabalho. Pode ser que tenha sido influenciada pelo conteúdo de algum livro, ou matéria escrita ou ainda ouvida, mas não tenho consciência disso. Para falar bem a verdade eu não sou muito influenciável, com certeza tenho influências genéticas e talvez inconscientemente fui vendo, observando, vivendo e assim me moldando não tendo sentido a necessidade de ter um (ou mais) ídolos(a). Atualmente o que influencia a Carmen é uma aspiração factível, que acontecerá a qualquer momento: o elo com a eternidade – o seu bisneto. A gente é eterno porque a gente se reproduz. Devo ter lido esta frase ou ainda entendido dessa maneira e adotei esta filosofia, sem grandes profundidades. Ficarei muito feliz quando gerarem o meu elo com a eternidade que será representado pelo bisneto(a). Com a serenidade dos fortes, Ricardo aguarda este elo. Com devido orgulho deixa-se influenciar pela mesma aspiração assim como sabe o quanto influenciou seus descendentes. CIRO CAMARGO DESCREVEU RICARDO DESSA FORMA: Algumas coisas que recebemos da vida são puros caprichos da natureza, pois realmente não tivemos a menor 46 capacidade de escolher ou decidir. Fui presenteado com um avô que nunca se comportou muito como um avô clássico, daqueles que ficam na pracinha jogando damas e fazendo coisas de gente velha. Aliás, pelo contrário, a começar pelo nome: uma vez, um amigo meu chamado Lucas disse que nunca tinha visto um avô com o nome tão moderno, “Ricardo”. Meu avô foi uma das figuras que modernizou a indústria automobilística brasileira. Trabalhou na General Motors, Chrysler do Brasil e Volkswagen, como diretor. Alcançou naquela época posição executiva elevada cedida somente a selecionado grupo de executivos brasileiros. Aposentou-se cedo, na tenra idade de 52 anos, depois de recusar uma oferta de promoção para trabalhar na Alemanha. Desde então, ele enfocou os interesses em desfrutar a família e viajar para o exterior a lazer. Acumulou mais de dez passaportes, após ter viajado por mais de 50 países em todos os continentes. Assim como seu pai, Ricardo é um homem que está além da sua geração. É improvável conhecer uma pessoa com uma cultura tão vasta e em tantos tópicos diferentes. Os netos se referem freqüentemente a ele como uma pessoa de “mente inquieta”, que julga ser impossível viver com qualquer dúvida por menor que seja. Apenas tente conversar qualquer assunto mais complicado e ele estudará a fundo todas as respostas possíveis com algumas (se não várias) pesquisas para responder a questão. Não se impressione se a resposta também estiver na ponta da língua. 47 Além de ser fluente em inglês, Ricardo tem hobbies interessantes, como estar sempre atualizado com a última tecnologia disponível. Pioneiro nas vanguardas tecnológicas, foi um dos primeiros brasileiros a comprar uma televisão colorida, vídeo-cassete, secretária-eletrônica, telefone celular e computador pessoal com Internet. Acima de tudo, ele é o “homem sábio da família”. Sua experiência e bom-senso freqüentemente tornam-se os alicerces de conhecimento para os seus filhos e netos, que constantemente inspiram-se no seu trabalho, conduta de vida e honestidade. Seu perfeccionismo e organização foram os ingredientes essenciais para completar uma pesquisa de família, após vários meses de dedicação. Características únicas, sempre realçadas em tudo o que ele fez e construiu nos 70 anos. Ribeirão Preto 2/11/2000. Ricardo admirou seu pai e continua admirando-o até hoje como pai, como pessoa e como executivo de sucesso. Era um homem com idéias avançadas, pra frente em tudo, inclusive na filosofia de vida. A sua participação e apoio na época imediatamente anterior ao casamento do Ricardo foi decisiva e gratificante. Como executivo, idealizou e executou vários projetos para a Companhia Light, como a iluminação do Prado da Cidade Jardim, na época considerado um grande avanço tecnológico. Na casa dele era comum encontrar várias novidades trazidas do exterior, principalmente dos U.S.A. e Canadá. 48 Eu me lembro em 1938 de ter comido “potato chips”, uma novidade aqui no Brasil, eram deliciosas. De outra vez trouxe um aparelho para fazer Waffles. Lembro-me dele lendo a receita e dizer: a primeira panqueca dê para o cachorro. Nunca mais me esqueci. Relógio de pilha, fogão elétrico, fotografia em cores, projetor de slides etc. Isto tudo acabou me influenciando genética ou psicologicamente. Sempre quis estar adiante no tempo. Infelizmente, meu pai não participou do advento da popularização da informática, faleceu antes dos computadores tornarem-se de uso individual. A imagem da mãe está mais acentuada pelo amor materno e pela compreensão em aceita-la como ela era. Órfã aos 5 anos de idade, foi internada em colégio de religião católica, tendo saído aproximadamente com 20 anos de idade, pouco antes de seu casamento. Sua educação foi exclusivamente orientada pelas freiras que dirigiam o colégio. Não podia ter uma mentalidade aberta para assuntos fora dos dogmas religiosos. Deve ter sofrido verdadeira lavagem cerebral. Com a imagem do pai mantida em nível tão alto, foi difícil para o Ricardo identificar outros ídolos ou líderes. Talvez John F. Kennedy, fui seu fã, um líder mundial, fruto de uma época! Mas, líderes nacionais acho que não os tenho ... não me lembro de alguém que tenha me influenciado, assim como 49 não tem lembrança de ter confidenciado assuntos de sua maior intimidade não me lembro de ter atravessado situações ou episódios nos quais sentisse a necessidade interior de um confidente. Cultivar amizades, propiciar aos amigos momentos de convívio salutar, reuniões após as viagens, favores oferecidos, telefonemas para manter contato, constantes trocas de e-mail, tudo isso faz parte do seu dia-a-dia. Não só esse cotidiano compõe o culto da amizade. Na concepção do Ricardo tem que se fazer merecer, só assim pode-se relevar os altos e baixos. Os amigos se conhecem nas situações difíceis, nestas é que surgem as grandes satisfações ou decepções. Amizade precisa, necessariamente, ser sincera e valiosa. Ricardo é um forte. Fisicamente, até hoje, mantém um porte atlético, soube se cuidar e gratificar-se com excelente saúde. Com sua herança genética, desenvolvimento de suas qualificações e espírito equilibrado e empreendedor, soube criar, desenvolver e manter pilares para o desenvolvimento de toda uma nova geração de Andrades e Meyers. 50 TRECHO DO DEPOIMENTO DE JÚNIA SOBRE AS PRIMEIRAS IMPRESSÕES A RESPEITO DO RICARDO Eu sou muito, realmente muito intuitiva, achei que você poderia ser legal, a descrição que chegou aos meus ouvidos é que você era da noite, saía com as meninas, teve aquele desastre de automóvel, fumava (vício abominado pelos Batistas), e que vinha de um ambiente muito diferente. Achei que tudo aquilo não era traço fundamental da sua personalidade, achei que valeria a pena conhecê-lo melhor por uma questão de empatia, você merecia uma oportunidade de relacionar-se com a minha prima Carmen. Assim fui contra a opinião da maioria e o tempo mostrou que o melhor aconteceu. Vocês formaram um lindo e sólido par. 51 51 O CLÃ ANDRADE Eles estavam no carro, aguardando mudança de sinal, no semáforo do cruzamento das avenidas Terceira e Chevrolet, na cidade de Flint – USA. Em frente, na esquina oposta, dominando todo o quarteirão, surgiam os prédios do General Motors Institute of Technology. Fundado em 1919, edificados entre árvores e jardins, eram prédios horizontais de três andares, sóbrios, com acabamento de tijolinhos aparentes avermelhados. Semelhante a muitos colégios o pórtico quebrava a aresta a noventa graus do prédio principal, após larga e curta escadaria. Ao lado do colégio, o famoso BJ, onde os alunos bebiam cerveja após as estafantes aulas. Como o tempo passa, faz 21 anos que fui graduado em ”Industrial Engineering” e você estava comigo na comemoração, lembra-se? Lembro-me muito bem da entrega dos diplomas do jantar e da festa. O sinal abriu, Carmen disse ao Ricardo para dobrar a esquina à direita, assim iriam pela “Chevrolet Ave” que era mais bonita, toda circundada por plátanos que se coloriam no outono, para encanto dos moradores e de quem não conhecia essa estação do ano, como Carmen, que se deslumbrava com o colorido das folhas. Saudosos, eles foram relembrando os trajetos feitos nos ônibus elétricos, os carros no estacionamento da escola, os pequenos parques e jardins das casas – a casa aonde o Gurgel morava, era logo ali, ele ia para a escola a pé, mesmo no inverno. Um pouco mais adiante, em uma rua paralela moravam o Lyses e o Waldir, na “Fraternity” (República de 52 Estudantes). Alguns quarteirões para frente entraram na “Flushing Road”, passaram em frente da casa dos Fagan aonde o Garcia morou. Era tudo perto, quase que ao redor da Escola. Dobraram à direita, contornaram a pracinha e avistaram a Wolcott St. 2518 – Residência dos Taylors – Eleanor e Kenneth. A casa, um sobrado construído com painéis de madeira, estava assentada em meio de um pequeno jardim frontal e quintal (back-yard) nos fundos. De um dos lados passagem para o carro, pavimentada até a garagem, do outro lado o gramado unia a frente com os fundos. Nenhum muro, alguns arbustos aqui e ali insinuavam marcações verdes das propriedades, um lar tipicamente americano, nos padrões do “middlewest”. As casas vizinhas eram semelhantes, com pequenas variações arquitetônicas, principalmente nas varandas frontais. A vizinhança, composta por moradores, que na maioria trabalhava para a General Motors, era homogênea, circundada por ruas amplas arborizadas, com passeios gramados e floridos. O ambiente, a atmosfera, era nitidamente de ordem, limpeza, arrumação e principalmente de liberdade. A vida familiar iniciou-se ali, no segundo andar daquela casa, em 1952. 53 2518 Walcott street – Flint Michigan. Casa dos Taylors que viviam com 3 crianças na parte inferior e alugavam a parte superior Ao estacionarem o carro, alguém apareceu na varanda, era o Ken acompanhado da Eleanor. E as crianças? Aquelas que eram crianças! Já se foram, a Denise mora no Oregon com o marido, Greg mora no Havaí. Maureen separou-se do marido, o Brian nasceu depois que vocês partiram... Na última viagem que fizemos para o Havaí, procuramos o Dr. Gregory (Gregg - médico) e juntamente com sua esposa, passamos algumas horas conversando sobre aquela casa e a vida naquela época. Ricardo relembrou, quando chegou em Flint, ter dormido a primeira noite na casa dos Fagans. Depois se instalou em um pequeno apartamento ao lado do “Durand Hotel”, lá na avenida Detroit. Carmen, porém sentiu-se muito sozinha. Ricardo saía pela manhã e só 54 voltava lá pelas cinco ou seis horas da tarde. No fim do outono já era noite naquele horário. Assim mudaram para a casa dos Taylors que haviam anunciado o segundo andar e que “children are welcome”. Gurgel “nosso guru” foi quem nos ajudou na procura tendo até feito a nossa mudança em seu carro Chevrolet preto-amarelo conversível. Depois descobrimos o porquê do anúncio: as crianças dos Taylors eram terríveis, todos riram! Na escada da varanda da 2518 Wolcott street. Ken, Eleonora, Maureen, Denise Greg, Carmen Lydia e Marcelo – Agosto de 1954 Carmen, conversando com Eleonora, relembrou a ajuda recebida. Eu tinha 22 anos e você com 30 anos era para mim uma pessoa muito experiente, uma conselheira que me fez sentir perfeitamente à vontade, tendo me ajudado muitíssimo nos assuntos de casa. Lembra-se do nosso acordo?! Você me levava ao supermercado para fazer compras e eu tomava conta das crianças, quando você saía para ir ao “square dance” (baile típico da região). 55 O acordo continuou após o nascimento do Marcelo, assim como a amizade, que perdurou por muitos anos. Foi um tempo agradável com lembranças positivas, gratificantes. Carmen Lydia e Marcelo em pleno inverno na frente da 2518 Wolcott Street em Flint Ken não deixou de lembrar os US$ 80.00 (oitenta dólares) que recebia, e o quanto aquele aluguel ajudou na “economia” da casa. Por exemplo, foi possível trocar o sistema de aquecimento central de carvão por aquecimento a gás automático: Assim evitava o calor exagerado no segundo andar, quando eu, sonado, de madrugada, punha carvão em excesso na fornalha. No segundo ano até comprei a torre para instalar a antena de televisão e assim podíamos ver as lutas que eram retransmitidas das estações em Detroit. No dia seguinte tinha assunto para conversar com os colegas de trabalho. A vida com essa família foi excepcionalmente gratificante. Os Taylors eram pessoas atenciosas, amigas, de muito bons sentimentos. 56 Eram tipicamente do interior: do meio-oeste americano. A convivência ampliou e muito as alternativas de vida familiar para Ricardo e Carmen. O regresso ao Brasil encerrou esta primeira fase de sua vida familiar. Carmen e Marcelo em uma rua de Flint em pleno outono Quando Neguinha tinha 6 meses e Marcelo 2 anos e meio, em Dezembro de 1955, Ricardo e Carmen instalaram-se na sua primeira residência própria – Rua Catuiçara, 109, Bairro de Moema, São Paulo. A vida corria normal, como de qualquer casal em início de vida. Ricardo trabalhando na G.M., tinha que sair muito cedo de Moema para chegar às 8 horas em São Caetano do Sul. Tanto a ida como a volta eram feitas no ônibus da Companhia, pois o carro, um Ford Prefect, ano 1951, ficava com a Carmen que “choferava” as crianças para a escola. O carro era também utilizado nos fins de semana para descerem a Serra do Mar com destino ao Jardim Guilhermina. Henrique Andrade (pai do Ricardo) comprou em 1948 um terreno no loteamento denominado “Jardim Guilhermina” que havia acabado de ser lançado juntamente com um outro, contíguo, denominado Jardim 57 Guinle, ambos de propriedade da família de mesmo nome e localizados no boqueirão da Praia Grande, na ocasião, semi deserto. Henrique na varanda de sua casa de veraneio, no Jardim Guilhermina Nesta mesma ocasião, um conhecido chamado Polidoro, que havia sido prefeito de São Vicente, estava iniciando o lançamento da construção de casas pré-fabricadas com placas de fibro-cimento. Henrique, que adorava novidades, não hesitou em contratar com Polidoro a construção de uma casa pré-fabricada no terreno que havia acabado de comprar. A casa foi terminada em prazo recorde, quatro semanas, com o que Henrique vibrou. A casa era extremamente confortável e sua construção usando placas duplas de fibro-cimento com um filme de ar entre elas, propiciava uma excelente isolação térmica contra o calor sempre presente nas regiões praianas. Era a casa do refúgio e 58 descanso de Henrique, que ele chamava de “Rancho”, onde, em companhia de Nair, constantemente ia refazer as energias da vida sempre ativa que teve, até quatro dias antes de vir a falecer. Filhos, netos, sobrinhos e “atachés”, desfrutaram de muitos bons momentos na casa que Henrique e Nair cediam com a maior boa vontade. Com o falecimento de Henrique, em 1963, Nair nunca mais foi à casa da praia que passou a ser usada pelos filhos do casal. Ali naquela casa, nos anos de 1955 a 1965, passaram muitos períodos de férias junto com o José Antônio, Conceição, Flávio, esposa e outros, formaram uma turma e mais o “bando” de filhos – uns dez faziam uma tremenda farra. Foram, também, muitos finais de semana juntos, foi a época do peixe assado no forno de barro, caipirinhas, as crianças que nunca saíam do mar para virem almoçar, etc. Tudo era muito divertido. Posteriormente mudaram o local de veraneio para Verde Mar, também na Praia Grande, uma área de Mata Atlântica, localizada entre o mar e a Rodovia Pedro Taques / Manoel da Nobrega. A história da área de Verde Mar remonta a 1917 quando uma tiaavó, que morava em São Paulo, Luiza Cremm Meyer casada com um paranaense, Domingos de Albuquerque, resolveu visitar os parentes em Curitiba. Na viagem de retorno de Paranaguá para Santos, à altura da Praia da Juréia, o navio Guasca foi abalroado por outra embarcação e afundou. Não houve socorro por parte desta última embarcação e muitos tripulantes e passageiros do Guasca morreram. Muitos corpos foram recolhidos nas praias próximas, mas muitos continuaram desaparecidos. 59 O irmão de Luiza, Jorge Cremm Meyer resolveu tentar localizar os corpos ou eventualmente encontrá-los vivos em alguma praia deserta. Esta viagem foi feita à pé, pelas praias, mas nada encontrou. De volta, contou que ficou impressionado com a beleza daquelas praias, então desertas, inclusive o trecho da Praia Grande, próximo à Vila de Nossa Senhora da Conceição de Itanhaém. A descrição das praias animou seus irmãos Ida Meyer, já viúva, e seu irmão Bernardo a comprarem um terreno com 65 metros de frente ao mar por 330 metros de fundo, encerrando uma área pouco maior que 2 hectares, a cerca de 8 qilômetros de Itanhaém. O vendedor, um habitante do local, Antonio Ribeiro de Souza era vereador da Câmara Municipal de Itanhaém. Posteriormente, Bernardo vendeu sua parte para Juvenal Ricardo Meyer (pai da Carmen) e Gaspar Ricardo Junior, filhos de Ida Meyer (avó da Carmen). Em 1922, ficou pronta a casa que Ida Meyer construiu e passou a ser utilizada por ela e sua família. Posteriormente Gaspar Ricardo Junior também construiu sua casa adjacente à casa de sua mãe. O acesso ao local na década de 20 era difícil, pois a estrada de ferro (Southern São Paulo Railway, depois a linha Santos-Juquiá da EFS) só tinha uma viagem semanal e a estação mais próxima era Itanhaém, obrigando a chegar ao local por carro-de-boi, pela praia. Isto mostra que os pioneiros tinham coragem e disposição para tal aventura. O local foi denominado pelo tio Bernardo de Verde Mar, nome influenciado pela cor da água do mar, denominação que permanece até hoje na parada Verde-Mar da estrada de Ferro Ex-FEPASA. 60 Dr. Juvenal Ricardo Meyer em frente à sua propriedade em Verde Mar junto com seu neto Marcelo. Em 1953, com a partilha dos bens deixados por Ida Meyer, esta propriedade passou aos seus filhos e aos herdeiros de Gaspar Ricardo que já era falecido nesta época. Em 1955, um misterioso incêndio destruiu a casa construída por Ida Meyer. Desgostoso com o ocorrido, Dr. Juvenal nunca mais foi ao local que tanto amava. Faleceu em 1970. No início do milênio, os herdeiros de Juvenal e Gaspar, venderam toda a propriedade para a construção de uma colônia de férias. Carmen, quando criança, passou muitas temporadas nessa casa em Verde Mar, junto com sua avó, seus pais e tias. Guarda boas recordações daquela época de sua infância. Porém, o grandioso, o emocionante, o belo não era somente a natureza, mas sim os sentimentos e a recordação histórica que Carmen e Ricardo guardam em seus corações. São inesquecíveis as lembranças do tempo em que namoravam, ela passando temporada com os pais e ele com os seus 61 pais no Jardim Guilhermina. Para o namoro se concretizar, entretanto, Ricardo tinha que exercer, espontaneamente, um verdadeiro rali tendo que superar horários, etapas e vários meios de transporte, para vencer alguns poucos quilômetros de distância entre as duas casas: Acordava às 6 da manhã, com grande disposição. Sob autorização prévia, ia com o carro do pai até Santos. Comprava 4 pedras grandes de gelo, embalando e acomodando-as em uma sacola de lona grossa. Voltava para a casa no Jardim Guilhermina para devolver o carro, limpando-o, se necessário, antes de entregá-lo. Ia a pé até a praia (mais ou menos 1 Km) carregando a sacola com gelo – debaixo de chuva ou sol. Aguardava o ônibus. Trafegando pela praia o ônibus parava em frente à casa dos pais da Carmen em Verde Mar (a rodovia Pedro Taques / Manoel da Nóbrega não existia). Sempre carregando a sacola de gelo, após 2 a 3 horas de atos de bravura, o vitorioso príncipe encantado entregava as pedras de gelo que eram recebidas pelos pais da Carmen, com muita satisfação, pois não havia instalação elétrica na região. 62 Carmen o aguardava, para reiniciar o namoro, interrompido no dia anterior. Sob o olhar dos pais, passeavam, conversavam, tomavam banho de mar, ficavam na praia, tomavam sol, estavam fazendo o que mais gostavam – namorando. Era julho de 1950, que férias maravilhosas! Mas nem tudo é doçura! E o que era muito, mas muito bom, terminava à tarde: Tomava a última condução – trem até São Vicente. De ônibus ia até Praia Grande. A pé chegava em casa, no Jardim Guilhermina. Naquele ano Ricardo não passou as férias com os pais – metade do tempo seu corpo estava dormindo na casa deles e todo o tempo seu coração estava em Verde Mar. Muitas vezes quando estávamos voltando do litoral, lembrávamos na mesma viagem de volta, a bordo do FORD PREFECT que suava, suava, mas não fervia, para subir a serra de volta para a nossa casa na Rua Catuiçara. 63 A casa da Catuiçara foi um presente da mãe da Carmen – muito pouca gente tem a felicidade de receber uma mulher como a Carmen e uma casa, um brinde, quero dizer o brinde de valor foi a Carmen. Leve a casa e ganhe a Carmen! Eu gostava muito da minha sogra e também do meu sogro. Casa da Rua Catuiçara, 109 – Foto tirada em Julho de 1960 A casa era muito charmosa. Possuía dois dormitórios, sala, cozinha e área de serviço no fundo. Com nossos filhos crescendo, achamos que estava na hora de separá-los de quarto, o que exigiu uma reforma. Demoliram metade da casa e adicionaram quarto, banheiro, modernizaram cozinha e ampliaram a sala. A reforma demorou nove meses, durante os quais continuaram vivendo na casa. Quando terminou estavam com uma linda casa nova e com as finanças arruinadas. Mais empréstimos para pagar. As crianças mudaram da escola particular para escola pública. Foi um período de cinto 64 apertado. Mas não podemos nos queixar. Temos tido uma vida invejável. Graças também a eu ser muito poupada. Mas nem tudo era assim tão maravilhoso e sensacional: Marcelo sempre achou que era uma casa pequena, e quando queria ostentar para os amigos, levava-os para a casa de meus pais na Rodrigues Alves e a Neguinha também, depois eu descobri que o ideal dela não era a casa do tipo da Catuiçara, tanto é que ambos construíram verdadeiras mansões quando puderam. Entretanto, os filhos gostaram daquela época, podiam brincar na rua, que era calma, sem trânsito, tinham os amigos... Em uma das minhas visitas ao Marcelo em Minneapolis, estávamos soldando um fio quando ele comentou: Sabe pai, este cheiro de solda me lembra você construindo os seus equipamentos de radioamador assobiando só com o som do ar saindo da boca, sem o barulho do assovio – Lembranças da infância do Marcelo na Rua Catuiçara. Este período da vida ficou registrado e foi devorado pelo tempo. Neguinha, após o casamento, mudou-se para Ribeirão Preto – o marido foi “fazer residência”. Marcelo (como americano) mudou-se definitivamente para os Estados Unidos. Uma série de fatos, acontecimentos e motivações impulsionaram Ricardo e Carmen a mudarem alguns hábitos ou estilo de vida. Na década de 80, Ricardo dedicou-se totalmente à vida familiar, 65 praticamente encerrando sua vida profissional. Mudaram-se da Rua Catuiçara para um espaçoso apartamento na Rua Marechal Deodoro (Santo Amaro) assim poderiam, como fazem, acolher melhor seus netos. Posteriormente compraram um apartamento em Ribeirão Preto – para ficarem mais tempo e mais vezes junto à filha, genro e netos; viajaram também mais vezes para os Estados Unidos visitando Marcelo, nora e netos. Ricardo começou a se dedicar mais recentemente à informática e Carmen à leitura, não abdicando jamais de suas delícias culinárias. Os netos, também, de uma certa forma, bateram asas à procura de expansão. Atualmente, Ciro mora na França, Pedro em São José dos Campos, Caio em Florianópolis, Suzie em Saint Paul, Lílian no Peru, Karin e Ricardo na Califórnia. Como sempre continuam unidos, vivendo, porém, em um espaço muito mais amplo. A separação física, naturalmente, aconteceu. Fruto de experiência de vidas, educação, exemplos, talvez quem sabe até da genética, atualmente a explicação para perguntas sem resposta. Até parece que os membros da família foram hipnotizados pela saga dos viajantes, saga essa que provavelmente nasceu com o menino Ricardo, encantado com o seu pai, contando histórias sobre viagens, emolduradas com as novidades trazidas de lugares tão distantes. 66 ACONTECIMENTOS E RECORDAÇÕES CRONOLOGIA DÉCADAS 1930 04/30 Nascimento do Ricardo. 10/30 Nascimento da Carmen. 67 03/37 Carmen brincando. 06/39 Pai e filho na bicicleta, no mesmo local, em frente à casa da Rua Jaguaribe, Henrique em 1915 e Ricardo em 1939. 68 1940 02/42 Carmen matriculada no ginásio. 02/43 Ricardo matriculado no ginásio. 69 01/49 Carmen professora (3o Ano e Violão). 1950 01/50 11/50 06/51 06/52 09/52 Carmen e Ricardo se conhecem. Ricardo admitido na GM. Noivado. Casamento. Embarque para U.S.A. Embarque em Cumbica com destino aos Estados Unidos com uma bolsa de estudos concedida pela General Motors do Brasil 70 05/53 09/54 Nascimento do Marcelo. Formatura G.M.I. – Engenharia Industrial. Jantar e baile de formatura dos concluintes do 4o ano de Engenharia Industrial no General Motors Institute em Flint, Michigan 10/54 06/55 12/57 Retorno para o Brasil. Nascimento de Maria Beatriz. Viagens pelo Brasil (de 57 a 69): Norte e Nordeste, Inauguração de Brasília, Amazônia, Rio de Janeiro, Cidades históricas de Minas Gerais. 1960 09/60 06/63 10/63 Ricardo habilitado como Rádio Amador. Reforma da casa na Rua Catuiçara. Falecimento do pai do Ricardo. 71 1970 04/70 Viagem (60 dias) a todos os países da Europa Ocidental. 06/70 Desligamento da G.M. e admissão na Chrysler do Brasil. 06/70 Falecimento do pai da Carmen. 06/73 Ricardo eleito diretor da Chrysler do Brasil. 01/75 Casamento da Maria Beatriz. 04/75 Viagem (17 dias) à Bolívia: Lago Titicaca, Peru: Machu Pichu, Colômbia, Manaus e Pará, em companhia de Fernando e Zilá. 04/76 Viagem (35 dias) a Marrocos, Egito, Grécia, Israel e Turquia em companhia de Fernando e Zilá. 04/76 Falecimento da mãe do Ricardo. 07/76 Casamento do Marcelo. 03/77 Viagem (17 dias) à Argentina e Chile: Patagônia e Lagos Andinos, em companhia de Zé Antonio e Conceição. 04/77 Nascimento do Ciro. 06/77 Bodas de Prata. 08/77 Nascimento da Suzie. 11/77 Falecimento da mãe da Carmen. 04/78 Viagem (33 dias) a Manaus, México e Estados Unidos: parques nacionais, em companhia de Zé Antônio e Conceição. 12/78 Formatura do Marcelo na F.G.V. 03/79 Nascimento do Ricardo Neto. 05/79 Nascimento do Pedro. 09/79 Viagem (40 dias) ao Japão, China, Hong Kong, Tailândia, Hawaí, San Francisco e New Orleans, em companhia de Alberto e Lelia. 72 1980 10/80 01/81 05/82 06/82 07/82 01/83 Compra do apartamento em Santo Amaro. Nascimento da Lilian. Viagem (38 dias) à Alemanha, Rússia, Índia, Nepal e França, em companhia de Fernando e Zilá. Nascimento da Karin. Desligamento da Chrysler – VW. Nascimento do Caio. 1983/2004 Viagens pelo Brasil: Pantanal, Norte e Nordeste, Sul. 12/84 05/89 07/89 Nascimento da Diana. Tour marítimo (24 dias) pelo Caribe e Estados Unidos e em companhia de Conceição e Júnia. Compra do apartamento em Ribeirão Preto. 1990 07/90 Mudança de Marcelo e família para U.S.A. 12/91 Viagem (32 dias) ao Oeste do Canadá e Estados Unidos: parques nacionais, Minneapolis, Orlando e Key West em companhia da filha, genro e netos. Viagem (32 dias) ao Leste Europeu: Alemanha Unificada, Áustria, Tchecoslováquia e Hungria, em companhia de Alberto e Lelia. Viagem (38 dias) ao Leste dos Estados Unidos e do Canadá, em companhia da filha, genro, netos, Zé Antonio e Conceição. Viagem (34 dias) ao Oeste dos Estados Unidos e Canadá, Dakota e Minneapolis, em companhia de Júnia e Venedict. Viagem (10 dias) a Cancun, em companhia do Zé Antônio, Conceição, filha, genro e netos. Viagem (40 dias) à Escócia, Noruega, Finlândia, Rússia, Estônia, Letônia e Lituânia, em companhia da Júnia e Benedict. 05/92 06/93 09/94 10/94 06/95 73 03/96 Viagem (40 dias) a Las Vegas, Austrália, Nova Zelândia, Oeste do Canadá e Minneapolis, em companhia de Fernando e Cléa. 06/96 Viagem (20 dias) à Itália, em companhia da filha, genro e netos. 10/96 Viagem (20 dias) ao Canadá e Estados Unidos, em companhia da filha, genro e netos. 03/97 Viagem (34 dias) à África do Sul e Sudeste Asiático (Tailândia, Malásia, Indonésia, Cingapura e Hong Kong), em companhia de Fernando e Cléa. 08/97 Viagem (25 dias) a Portugal, Ilha da Madeira e Açores, em companhia de Fernando e Cléa, Zeca e Marisa. 01/98 Viagem (20 dias) à Espanha e Marrocos, em companhia da filha, genro e netos. 06/98 Viagem (26 dias) ao Alaska, Vancouver e New York, na companhia da Conceição e da Júnia. 06/99 Viagem (27 dias) à França: circuito dos vinhos e queijos, na companhia de Fernando e Cléa. 2000 05/01 03/02 06/02 08/03 12/04 Formatura de Ricardo Neto (Stanford – U.S.A.). Formatura Maria Beatriz (Arquitetura). Bodas de Ouro. Mestrado do Ciro – Toulouse – França. Casamento de Ciro com Fabiana 2003/2004 Várias viagens ao Sul do Brasil em companhia do Fernando e Cléa. Nesta lista de acontecimentos e recordações não foram incluídas as viagens “a serviço”, as viagens a Minneapolis (residência do Marcelo), assim como não estão detalhadas as viagens turísticas no território brasileiro. 74 TRECHO DO DEPOIMENTO DE NELSON SUPLICY FILHO SOBRE VIAGENS Ricardo, Rodrigo, Suplicy, Garcia, Strasburg, J. Antonio (primo) Jaraguá 1947 Pelo fim do Curso Ginasial e começo do Curso Científico, Ricardo inventava alguns passeios de fins de semana à chácara de seu padrinho Agenor Couto de Magalhães no sopé do Pico do Jaraguá e a ida era de trem, só que na cabeça dele a bagagem deveria chegar antes da parada do trem na respectiva estação e então nossa bagagem era jogada com o trem em movimento ao lado da linha férrea para ser recolhida posteriormente. A bagagem era naturalmente constituída de roupas e também carne crua para alimentação dos excursionistas, coisa de gente pré-histórica herdada dos homens de Neanderthal e Cromagnon. Na chácara o Ricardo gostava de escalar o Pico do Jaraguá sob a luz da lua e das estrelas e vez por outra jogar os companheiros dormindo dentro do lago que felizmente não tinha nada mais a não ser tilápias. 75 VOLTA AO MUNDO Sempre tive fascinação por viagens. Quanto mais viajou, mais presente esteve esta fascinação em sua mente. Provavelmente tudo começou na Infância da Rua Jaguaribe. Na volta de suas viagens de trabalho, o pai do Ricardo era recebido com grande alegria, sempre trazia novidades e contava episódios interessantes, alegres, instrutivos. Ricardo gravou na sua memória muitas lembranças e as relata com satisfação e admiração por tudo que via e ouvia. O seu inconsciente certamente deve ter gravado muitas emoções destes momentos. Ricardo sempre gostou de viajar e se ainda não conhece algum lugar é porque aconteceu algum imprevisto com as operadoras que não puderam levá-lo, para sua tristeza e para sossego da Carmen que já nem se lembra dos detalhes de lugares por onde viajou, porém o Ricardo ainda tem muita disposição para passear. Ilha da Madeira – A esquerda, o pai Henrique em 1938 A direita, Carmen e Ricardo em 1997 76 Parte de sua vida foi dedicada a “viagens”, às vezes até intensamente. Por exemplo, quando fazia o percurso São Paulo – Wolfsburg (Alemanha) – Detroit – São Paulo. Nem sei quantas vezes repeti este roteiro. Foi na época do “merger” Volkswagem x Chrysler que envolvia a recolocação de executivos, americanos de volta para os Estados Unidos e alemães transferidos para o Brasil. Este tipo de viagem é muito cansativa, consome muito tempo de espera e locomoção para aeroportos, hotéis e escritórios. Enfim, o tempo todo ou você esta de pé – olhando para lugar nenhum ou sentado no ar – avião. Um dado mais agravante ainda era o ajuste do relógio biológico, principalmente quando a viagem era leste x oeste ou vice versa. A maioria das viagens a serviço, eu fazia sozinho, isto é sem a companhia de Carmen. A nossa primeira viagem teve inicio após a cerimônia de casamento, rodamos 2.500 km em um “Ford Prefect”. Saímos da festa, eu sabia que o pessoal estava reunido no início da via Anchieta, eles sacaram que nós íamos para Santos. Para evitá-los, nós fomos para a Boite Lord – na avenida São João. Jantamos, dançamos, namoramos e, lá pelas 2 ou 3 horas da madrugada, partimos para Santos, driblando o pessoal que já tinha abandonado a “emboscada” da via Anchieta. 77 Carmen e Ricardo com o heróico Prefect 49 na divisa dos estados de São Paulo e Minas Gerais, era 1952. Fomos passar a noite de núpcias no Parque Balneário Hotel, onde nos conhecemos. Após alguns dias em Santos, fomos para São José dos Campos, onde dormimos, seguindo para o Rio de Janeiro e lá ficamos por uma semana. Em seguida voltamos e fizemos todo o circuito das águas – São Lourenço, Lambari, etc. Depois fomos para o litoral norte de São Paulo – Caraguatatuba, São Sebastião, Ilha Bela, voltamos para São Paulo, Santos, enfim fizemos uma Lua de Mel de 30 ou 40 dias. 78 Logo após essa viagem inesquecível, fomos para Flint – Estados Unidos. Durante o período, aproximadamente dois anos, viajamos, na semana do Natal de 1952, para Miami, juntamente com o Garcia e o Waldir. A ida foi “non-stop” aproximadamente 16 horas dentro de um “Buick”, que foi bravamente pilotado pelos integrantes – menos pela Carmen que estava grávida, mas também pelo “Expert Príncipe Bira”, figura do imaginário que existiu durante um certo tempo. A próxima viagem tinha que ser para a Califórnia. Entretanto não pôde ser realizada, naquela ocasião, por falta de dinheiro. As despesas com o parto e nascimento do Marcelo, deixaramnos sem dinheiro e tempo. Naquela época, 1959, Ricardo conhecia o território americano melhor do que o território brasileiro que conhecia pouco. Assim, tiveram início as viagens pelo território brasileiro, lazer mantido até os dias de hoje. Em 1961, foram assistir à inauguração de Brasília. Depois fizeram 79 várias viagens à Amazônia – somente Manaus – incluindo passeios de canoa pelos igarapés e o famoso encontro das águas do Rio Negro com as do Rio Amazonas. Em julho de 1965 foram com os filhos, mais o filho do Zé Antônio, conhecer o Rio de Janeiro, com duração de um mês e com direito a um pernoite no hotel de luxo que a G.M. construiu dentro da sua fábrica em São José dos Campos. Na volta incluíram uma passagem de alguns dias em Caraguatatuba e Ubatuba no Litoral Norte de São Paulo, naquele tempo o “point” em matéria de praias. Uma viagem inesquecível, daquela época, foi ao Nordeste. Juntamente com a Carmen e os dois filhos – Marcelo e Maria Beatriz. Rodaram 13.000 Km durante trinta e um dias. Já havia muitos anos que sonhavam empreender uma viagem de automóvel pelo Nordeste brasileiro. Porém somente no final da década de 60 é que conseguiram reunir as quatro condições básicas: 1o - Termos um veículo adequado para tal viagem – Chevrolet Brasilera C-1416; 2o - Dispormos de tempo suficiente para fazer a viagem sem correrias; 3o - Que a família não mais tivesse crianças muito pequenas; 4o - Que possuíssemos algumas economias. O roteiro foi elaborado após muitas pesquisas e troca de informações com outros viajantes. Saíram em direção ao Rio de Janeiro – na época, era Guanabara. Deve-se esclarecer que todos estavam em férias, e levantar cedo não era programa para ninguém; desta maneira, durante toda a viagem, com raras exceções, só 80 partíamos entre 9 e 10 horas da manhã. Saindo do Rio, via Niterói – Cabo Frio, passando pelas Salinas do litoral Fluminense, fomos pernoitar em Marataízes, uma das praias turísticas do Espírito Santo, lugar de veraneio preferido pelos mineiros. Passamos a manhã na praia, assistindo à pesca por arrastão, e fomos almoçar em Guarapari, visitando as famosas praias de areias monazíticas; chegamos a Vitória ao entardecer, sem qualquer dificuldade. Dois dias em Vitória foram suficientes para, inclusive, visitarmos o porto do Tubarão, com suas moderníssimas instalações de carga de minério de ferro. Saindo de Vitória, seguimos pelo interior do Espírito Santo até Manhuaçu, na Rio-Bahia, e fomos dormir em Teófilo Otoni, em um motel na beira da estrada. A estrada que liga Vitória à rodovia Rio-Bahia estava em construção, com muitos desvios e trechos em mau estado. No dia seguinte, prosseguimos pela Rio-Bahia até Vitória da Conquista, seguindo em asfalto não muito bom, para Ilhéus, onde chegamos ao anoitecer. Passamos 5 dias nesta cidade do Sul da Bahia, muito conhecida através dos livros de Jorge Amado. Conhecemos os costumes e o povo da “boa terra”, bem como a maior região cacaueira do 81 Brasil, isto sem levar em conta a novidade de experimentar a cada dia os mais diversos pratos da famosa cozinha baiana, incluindo o famoso pitu, camarão de grande porte, abundante no Rio Itabuna. Uma nota folclórica: as baianas, que vendem o delicioso acarajé, só se instalam nas encruzilhadas, sendo isso resultado da influência africana que ainda existe em muitos hábitos do povo da região. De Ilhéus, através do interior da Bahia, por estrada de terra, às vezes boas, às vezes precárias, atingimos Ipiaú, onde começa o asfalto até Jequié, na Rio-Bahia. De lá seguimos direto para Salvador, chegando cerca das 19 horas, quando nos deparamos com o primeiro imprevisto: começamos a procurar hotel e, à uma hora da madrugada, após termos percorrido várias dezenas deles, verificamos ser impossível encontrar vagas. Julho é mês de férias escolares e o turismo em Salvador já era bastante intenso. Solução: dormir na praia... Às 6 horas, recomeçamos nossa “caça” aos hotéis. Só conseguimos acomodações às 10 horas. A capital é um capítulo à parte e preferimos deixar que cada leitor possa um dia descobrir as maravilhas de Salvador. Passamos seis dias na cidade e um dos pontos 82 altos de nossa estada foi um jantar no “Solar do Unhão”, um novo restaurante, de primeira categoria, instalado em antiga senzala, a qual conserva toda autenticidade do que foi, no passado, o alojamento dos escravos. Outro passeio que recomendamos é uma visita à região petrolífera do Recôncavo, onde tivemos a oportunidade de ver o chamado “ouro negro” jorrar das profundezas do nosso subsolo. Saindo de Salvador fomos pernoitar em Aracaju, viajando, parte em estrada asfaltada, e parte em estrada de terra. No dia seguinte, saindo da capital de Sergipe, esperávamos chegar a Maceió; devido, porém, ao péssimo estado da estrada, só conseguimos atingir Penedo, às margens do Rio São Francisco. Na verdade, este foi um dos piores trechos das estradas por que passamos. A travessia do rio é feita por balsa ligando Neópolis, em Sergipe, a Penedo, em Alagoas, onde existe ótimo hotel. Levamos mais meio dia de Penedo a Maceió, também em estrada precária. O trecho Maceió-Recife, quase todo asfaltado, foi vencido sem dificuldades, o mesmo acontecendo até João Pessoa, e daí até Natal, tudo sobre asfalto. 83 Recife, onde passamos dois dias, nos impressionou pela quantidade de indústrias existentes, o que nos fez sentir que a capital pernambucana é a São Paulo do Nordeste. Olinda, como diz o nome, é realmente linda e sua visita, obrigatória. Pouco antes de atravessarmos a fronteira do Estado da Paraíba, paramos para almoçar em Goiana, num restaurante especializado em guaiamum, um caranguejo azul, muito saboroso. Achamos João Pessoa uma das cidades mais bem dotadas de belezas naturais, que aliadas às suntuosas residências existentes, nos impressionou bastante. No final da praia do Tambaú, uma das mais bonitas que visitamos, encontra-se o cabo Branco, extremo leste do nosso país. A 25 quilômetros de João Pessoa chega-se por estrada asfaltada, a Cabedelo, cujas praias, com centenas de coqueiros, encantam qualquer visitante. Cumpre ressaltar que entre Maceió, Recife, João Pessoa e Natal, cada trecho pode ser cumprido em menos de meio dia de viagem, o que tornou o percurso bastante cômodo, pois os pernoites foram feitos nessas capitais. De Natal a Fortaleza, porém, precisa-se de um dia inteiro de viagem, com parada em Mossoró para almoço, pois o 84 trecho é de 600 Km, sendo apenas metade asfaltada, passa-se por Aracati, famosa pelas rendas de labirinto. A capital do Ceará, cativa a todos aqueles que lá chegam; passamos 3 dias em Fortaleza, de onde seria iniciada a viagem de volta, a ser feita pelo sertão. Uma cena de rara beleza é ver-se o pôr do sol na Barra do Ceará. Saímos de Fortaleza para pernoitar em Salgueiro, no entroncamento das rodovias federais do nordeste. A estrada tem 400 Km de asfalto, no trecho Fortaleza-Icó e os 250 Km de terra são bastante satisfatórios, bem superiores às estradas de terra do litoral. Saímos às 9 horas e chegamos a Salgueiro às 18 horas; não paramos para almoço; levamos lanche e nos alimentamos no próprio carro, procurando abastecê-lo em cada cidade por onde passávamos; neste trecho vimos vários rios com o leito totalmente seco. As obras de irrigação e construção de açudes que o Governo Federal há vários anos está executando no Nordeste Brasileiro, têm amenizado a agressividade do local; atravessando-se esta região, podese imaginar o que foi esta parte do país há 60 anos atrás e compreende-se porque Euclides da Cunha, no seu livro “Os Sertões”, disse que: “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. 85 Em Salgueiro, pernoitamos num motel recém- construído na beira da estrada, onde existem restaurante e acomodações bastante razoáveis. Na manhã seguinte saímos de Salgueiro, desviando da rodovia federal, para alcançar Paulo Afonso às 13 horas, viajando pela agressiva região das caatingas, no sertão de Pernambuco, por estradas bastante precárias e antigo reinado do cangaço comandado por Lampião na década de 30. A história deste bandido eliminado em Angicos, pelo cabo João Bezerra, é entrelaçada de misticismo, violência e às vezes de passagens pitorescas. Conta-se que Lampião, para enganar as volantes, mandava que os cangaceiros andassem longos trechos pisando no mesmo lugar, simulando a passagem de um só viajante. Em outras ocasiões mandava os próprios cangaceiros fabricarem sandálias especiais colocando os calcanhares no lugar do bico. A polícia, seguindo as pegadas, ia em sentido contrário, acompanhando as pegadas invertidas. Após conhecer a cachoeira de Paulo Afonso, de uma beleza impressionante, visitamos a usina, que é uma obra prima da Engenharia brasileira. A usina encontra-se a 80 metros abaixo do nível do solo, cavada em rocha viva e é, sem dúvida, um grande fator de 86 progresso para todo o Nordeste; lembramos que, ao passar por uma das cidades do Rio Grande do Norte, vimos o seguinte aviso: “Esta cidade está sendo iluminada com energia de Paulo Afonso”. Pernoitamos nas instalações da CHESF (Centrais Hidroelétricas de São Francisco). No dia seguinte, saindo de Paulo Afonso, fomos dormir em Salvador, onde passamos mais um dia. De Salvador, pela Rio-Bahia, via Três Rios, estávamos de volta a São Paulo após três dias de viagem. Fazendo-se um retrospecto geral da viagem podemos dizer que tivemos umas férias maravilhosas, e que o progresso do Nordeste é algo que realmente impressiona e nos faz orgulhosos de sermos brasileiros. Não há qualquer dificuldade com relação à acomodação ou alimentação – com exceção de hotéis em Salvador, em época de férias; também não existe qualquer dificuldade para o abastecimento do veículo. Achamos muito cômodo e seguro não levar dinheiro; usando cheques de Viagem do Banco do Brasil não tivemos qualquer dificuldade em descontá-los em qualquer das cidades por que passamos. Com relação a assaltos e coisas semelhantes, chegamos à conclusão de que estamos mais expostos a eles na própria cidade de São Paulo do que no interior Nordestino. 87 Gostaríamos de aconselhar a todos os que gostam de viajar, que pensem seriamente em fazer este maravilhoso passeio. Texto redigido pelo Ricardo e publicado na Revista “Panorama da GMB” em Outubro de 1968. Em maio de 1983, em companhia do Fernando e da Zilá, viajaram para ver os últimos pontos de maior interesse turístico que não conheciam no Brasil. Essa viagem incluiu: São Luis e Alcântara, no Maranhão, o sítio histórico das famosas sete cidades no sertão do Piauí, com suas inscrições rupestres e a fantástica Ilha de Fernando de Noronha. Foram duas viagens ao Pantanal Matogrossense. A primeira em Maio de 1983, na companhia do Fernando e da Zilá. A segunda, em agosto de 1987, foi do tipo “Clube do Bolinha” – somente homens: Ricardo, Marcelo, Ciro, Pedro, Ricardo Neto, Zé Antonio e seu neto Thiago. Todos os meninos tinham na ocasião entre oito e dez anos de idade. Esta viagem foi muito marcante para todos eles. O Ciro fez os seguintes comentários desta viagem: Esse meu avô “moderno” tem idéias que são muito mais joviais que as do neto (com certeza o meu corpão mole não é herança dele) e uma dessas idéias, que se concretizou em um dos momentos mais marcantes da minha vida, foi uma viagem para o Pantanal Mato-grossense. Três meses antes da partida, a viagem já causava frenesi na família, com um grupo radical feminino que não admitia os 88 privilégios masculinos adquiridos de se viajar com o avô e logo demandaram uma versão semelhante para o “Clube da Luluzinha” a Fernando de Noronha, que naturalmente não houve muito coro já que entre as mulheres não havia ninguém com a disposição do meu avô para organizar tal empreitada. A verdade é que naqueles noventa dias que se antecederiam, eu já estava vibrando com a idéia por dois motivos: iria faltar cinco dias de aula e conheceria o Boeing 737-200, da VASP, no qual nunca tinha entrado antes. A verdade é que a viagem foi marcante não só pela ocasião e companhia, mas também pela beleza do lugar. Ao passarmos por Corumbá, visitamos uma fazenda e pescamos outros três dias. A pescaria, realmente, foi o ponto alto do passeio... Tínhamos um motorista de lancha que era um sujeito chatíssimo, chamado Ranulfo. O roteiro do diário, independente do programa que tinha sido feito, era nadar na piscina do Hotel Nacional. Ficamos hospedados no Hotel Santa Mônica, que tinha um ar-condicionado ótimo. Algumas das memórias gastronômicas incluíram o famoso Croquinhos do Ricardo, que não passava o café-damanhã sem ele. O nosso “Chef”, Tio Zé, também preparou excelentes mistos-frios com manteiga e guaraná para os passeios de barco e tinha também a inesquecível isca de pintado, no Restaurante do Lulu, que, pelo que me lembro, fui o único a não experimentar. Falando em pintado, o Pedro foi o único a pescar um. 89 A primeira pescaria foi um fiasco para mim, então descolamos uma certa figa da sorte para pescar no segundo dia. Foram doze peixes capturados. Parece que funcionou! No último dia, embalamos todos os peixes em enormes isopores. Na divisão, ficou sobrando um, que o meu avô ganhou no parou-ímpar com o Tio Zé. Aos 27 anos, após tantas viagens inclusive ao redor do mundo, não me recordo de ter feito um programa tão legal como aquele. Sem dúvidas, essa ocasião na infância só serviu para realçar ainda mais a admiração pelo meu avô. Hoje, todos adultos, ainda comentam os agradáveis momentos durante esta aventura, quando crianças, pelo Pantanal. Guardam vivas inesquecíveis passagens do passeio. As netas mulheres durante muito tempo cobraram discriminação. Mais recentemente o amigo Fernando e sua esposa Cléa convidaram Carmen e Ricardo para um passeio turístico – de São Paulo ao interior do Rio Grande do Sul. Foi uma viagem de carro, programada pelo Fernando que é um excepcional programador em matéria de turismo. Roteiro, duração, locais e hospedagens são detalhados, assim tudo acontece quase que perfeitamente – se for perfeito estraga, é chato quando não acontece alguma surpresinha inesperada. Visitaram a cidade de São Miguel das Missiones, ouviram e aprenderam através das palavras do Fernando muito sobre a história gaúcha que se desenrolou naqueles campos. Parece que o Fernando está escrevendo sobre atrações turísticas do sul do Brasil, incluindo citações históricas. Quem vai para o Sul não pode deixar de visitar os 90 vinhedos, as cantinas e saborear, degustar o bom vinho e a comida da serra gaúcha: café colonial e salsichões. Foi agradável e passamos dias de prazeroso lazer. Carmen comentou, provavelmente iremos repetir esta viagem – adoro viajar com eles, Fernando é um excelente cicerone e a Cléa é divertidíssima, eu rio o tempo todo, ela está sempre de bom humor, que é transmitido através de palavras apropriadas para o momento com variações de todo o tamanho. A primeira viagem ao exterior coincidiu com a saída da G.M. em 1970, tendo sido financiada pelo acordo que a G.M. fez com os funcionários estáveis que viessem a optar pelo sistema do FGTS. Foi uma viagem ao desconhecido, longa, sessenta dias, e típica de quem vai pela primeira vez à Europa, dois a três dias em Lisboa, Londres, Paris, Espanha, Dinamarca, etc. Na Suiça uma aventura, subiram o Jungfrau pelo trenzinho, com tração tipo cremalheira. Na descida a cremalheira quebrou e o trenzinho começou a descer a montanha a 4.000 metros de altura em queda livre. O responsável puxou o freio de emergência com tanta força que o cabo de aço se rompeu e ficou na mão dele com aqueles fios de aço parecendo espanador. Cômico se não fosse trágico. Fomos em tremenda desabalada e o trenzinho que deveria parar em uma estação, chegou com tanta velocidade que os eficientes suíços perceberam que havia algo errado e puxaram um desvio que tirou o trem da rota da montanha abaixo e parou. Ufa! Que alívio! 91 Sinto ter gostado tanto desta viagem que nunca mais deixamos de viajar, sempre que surge uma oportunidade, lá estamos nós no avião. Foram inúmeras, viajaram pelo mundo todo China, África, Indonésia, Malásia, Egito, Canadá, Austrália, Marrocos, Índia, várias para: Europa, U.S.A., América do Sul, etc. Viajar, para o Ricardo, tem início nos preparativos. Desenvolver os roteiros, organizar a programação, datas, locais, hotéis, pontos a serem visitados – tudo é estudado em detalhes, para isso Ricardo tem até programas instalados no seu computador, que mapeiam as estradas nos países europeus, traçando o melhor trajeto. Sensacional! Um amigo comentava que Ricardo programou a viagem para ele inclusive com reservas de hotel “o cara e seu computador são mais eficientes que qualquer agência de turismo” e não custa nada. Ricardo e Carmen fazem tudo isso pela amizade, com boa vontade, fazendo você sentir que fariam ainda mais se preciso fosse. Esses preparativos culminam com os momentos imediatamente anteriores ao embarque. O “check-list” é impressionante. Vai da arrumação de malas, documentação, providências junto às administradoras, contas a pagar/receber, não esquecendo o táxi até o aeroporto no horário adequado. Por mim nunca perdi um vôo diz o Ricardo. Ao entrar no avião a primeira etapa da maratona está vencida, agora começa a maratona principal – a viagem. Toda esta expectativa e movimentação levam Ricardo e Carmen a sentirem a salutar quebra da irritante rotina diária. Talvez as expectativas sejam confirmadas, certamente estão por vir novos 92 conhecimentos, experiências, valores, relacionamentos e tudo aquilo que os sentimentos captarem quanto a diferentes conceitos de vida, atitudes comportamentais, diferenças culturais, exposição a situações inusitadas. Há muito tempo eles deixaram de viajar para tão somente apreciarem novas e lindas paisagens. Alguns de seus comentários transmitem sensações vividas! Até parece que instalaram ar condicionado dentro das pirâmides egípcias, o espírito do povo australiano é fantástico, eficientíssimo, empreendedores, simpáticos. Na Rússia as mulheres até parecem mais bonitas, nunca vi tanta mulher bonita junto. Taj Mahal é lindo, assistir ao pôr-do-sol é deslumbrante, mas o medo de ser assaltado é horripilante. Ser tratado como bandido em Atenas, dentro de uma Embaixada de Israel foi humilhante. As civilizações Incas, Aztecas e Maias nos impressionaram muito pelo seu conteúdo. Algumas vezes as viagens a serviço continuaram como lazer. Eu acompanhei o Ricardo em pouquíssimas viagens de negócios, uma das poucas foi à Alemanha, na qual a Zilá também foi, fizemos compras e companhia uma à outra e nos divertimos muito. Carmen comenta ainda aquela viagem para o Peru, Colômbia, Detroit, Toronto, Londres, Estocolmo, Volfsburg, Roma, Turim – Foi ótima, divertidíssima, eu fui de xereta, minha mãe tinha 93 acabado de falecer ... estava muito chateada então resolvi ir, mais para arejar. Vou me tornar invisível, imaginei que seria uma chatice. Que surpresa! Acho que foi a melhor viagem que fiz em minha vida, nunca dei tanta risada, me diverti horrores. Carmen está se referindo a uma viagem profissional organizada pela ANFAVEA – Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores. Como membro da entidade o Ricardo foi um dos mentores da viagem. O grupo que viajou era composto por executivos da área automobilística, todos homens e a Carmen, como esposa, juntou-se a este grupo desde o início, sendo imediatamente coroada como rainhamadrinha do grupo. Posteriormente, outras esposas engrossaram o grupo, que passou a ser turístico, após o encerramento da programação oficial. A viagem foi um sucesso também profissionalmente. Assim eles viajaram, a vida toda, e continuam viajando. Naturalmente, são muito mais seletivos. Tornaram-se “blasées”, um amigo mais íntimo indagou: vocês voltariam para lugares onde já estiveram? Somente para as cidades do Primeiro Mundo e, mesmo assim, Nova Iorque está excluída. Depende muito de quem for viajar conosco, informaram. Descubra você leitor quem disse o quê. 94 RICARDO E SUA VIDA PROFISSIONAL Na avaliação do Ricardo, a sua maior realização profissional, foi ter sido eleito Diretor de Recursos Humanos da Chrysler do Brasil e ter mantido esta posição por nove anos mesmo após drásticas mudanças da Empresa no Brasil e a nível internacional. Seu histórico na Chrysler impressiona favoravelmente pela solidez e maturidade profissional: Em Junho de 1970 desligou-se da General Motors e transferiu-se para a Chrysler na posição de Gerente de Recursos Humanos, aceitando convite feito pelo Rubens Garcia, na época Diretor de Recursos Humanos. Em Abril de 1973 foi selecionado e convidado pelo Presidente da Chrysler (Burke Hide) para ocupar o cargo de Diretor de Recursos Humanos em substituição ao Rubens Garcia que transferiu-se para a Ford Brasil. Em Julho de 1973 foi eleito Diretor da Chrysler Brasil. Em Janeiro de 1975 Anderson substitui Hide e confirma Ricardo na função de Diretor. Em Agosto de 1976 Donald Dancey assume a presidência da Chrysler Brasil e também confirma Ricardo na função. Em Outubro de 1979 a Volkswagen adquire a Chrysler Brasil e a diretoria da Volkswagen em Wolfsborg confirma Ricardo na função de Diretor de Recursos Humanos Volkswagen Caminhões, assim como Fernando Alves Diretor de Manufatura Volkswagen Caminhões e Donald Dancey Diretor Geral Volkswagen Caminhões. 95 Ricardo (Diretor RH Brasil), Beach (Diretor RH Argentina), Cook (Diretor RH Chrysler International) O breve histórico acima demonstra a alta volatilidade nas posições seniores na diretoria da Chrysler Brasil. Várias eram as motivações e/ou razões que provocavam esta volatilidade organizacional – competência, “performance” individual, atualização tecnológica ou administrativa, ações políticas entre outras. Novos Presidentes quase sempre estabelecem novos padrões, introduzem conceitos e tecnologias mais avançadas, muitas vezes imprimem características pessoais e sempre precisam obter resultados positivos, tornando as operações mais eficientes e conseqüentemente com maiores índices de rentabilidade. Caso contrário, inevitavelmente, serão substituídos por uma nova esperança. Ficar imune a tanta turbulência administrativa é diploma de alta competência atingida pelo Ricardo. 96 No final de 1973, Ricardo foi acionado para selecionar candidatos à vaga de Diretor de Manufatura, com qualificações superiores aos atuais ocupantes de cargos da alta Gerência da Manufatura. Trabalho típico de um “head hunter” profissional. Através de contatos e informações Fernando Alves foi convidado para um “drink” no bar do Hotel Holliday Inn de São Bernardo do Campo. Contato estabelecido, teve início a caça. Nos muitos drinks e encontros subseqüentes descobriram que tinham um ponto em comum: o gosto por viagens. Foi o candidato escolhido pelo Presidente e amplamente aceito pela organização Chrysler. A amizade desenvolvida nessa ação administrativa permaneceu por mais de trinta anos. Lembro o dia em que Fernando “bateu o martelo”: Ele me convidou para ir conhecer sua casa e sua esposa Zilá, pessoa adorável, ela simplesmente disse ao Fernando: “Você está receoso de um novo desafio?” foi a gota d’água que faltava para ele sair da Ford e ir trabalhar na Chrysler. 97 TRECHO DO DEPOIMENTO DE FERNANDO ALVES Na Chrysler nós trabalhávamos em salas contíguas no andar da Diretoria e os nossos problemas tanto na Manufatura (meu cargo) como os de Recursos Humanos (o do Ricky) eram por nós discutidos e analisados como uma equipe. O Ricky sempre teve uma característica típica que era a análise profunda dos problemas e, como um jogador de xadrez, avaliar as decorrências de cada decisão tomada; entretanto, uma vez tomada, nem Cristo o fazia mudar de idéia. Daí eu me lembrar de uma situação complicada que tivemos quando enfrentamos uma greve do nosso amigo Lula, quando os operários, localizados fora da Fábrica e em paralisação total, ameaçavam invadir a diretoria e pressionar os diretores diretamente. Nessa ocasião fiquei apavorado quando vi o Ricky se armar com um revólver na cintura para enfrentar os invasores. Como jamais fui adepto de armas fiquei muito assustado, mas não consegui demovê-lo do intuito de portar aquele mortal objeto. A situação acabou por se resolver, felizmente, de outra maneira. Os diretores, inclusive nós, é claro, fugimos pelos fundos da Fábrica através de uma favela onde os motoristas da Chrysler foram nos resgatar. Como diretor de Recursos Humanos ele foi muito ativo e participativo na reformulação das políticas de relacionamento sindical trabalhista. As relações entre empresas e sindicatos, ou ainda, entre sindicato patronal com sindicato dos trabalhadores no período 1975/78 careciam de políticas e práticas atualizadas. 98 Ricardo e Donald Dancey A Associação Nacional dos Fabricantes dos Veículos Automotores – ANFAVEA, estaria atrelada à FIESP nos assuntos de negociação trabalhista. Esta amarração era mais política e acomodativa. Cada sindicato patronal se escondia atrás de outro e todos se escondiam na FIESP. O ritual, as normas, as tradições eram fortes e implantadas pelos poderosos. Assim, ninguém estava motivado a modificações. Os sindicatos dos empregados, porém, estavam ativos, e muito à frente da FIESP em matéria de negociação trabalhista. Suas práticas superavam em muito a legislação trabalhista em vigor e as práticas adotadas pelos patronais. Ricardo se empenhou ativa e pessoalmente na reformulação dessas políticas de relações trabalhistas. Juntamente com outros representantes da indústria automobilística foi dado início a uma verdadeira batalha de palavras, idéias e conceitos. Houve luta para implantar mudanças no regime de negociações vigente. Luta contra a filosofia retrógrada da FIESP, naquela 99 época excessivamente conservadora. Luta contra o conceito enraizado de negociações trabalhistas serem uma questão jurídica. E também contra a mentalidade envelhecida e ineficiente do setor para poderem implantar mudanças no regime de negociações. A vantagem de usufruir do poder de negociação da FIESP era pequena, em troca do que a indústria automobilística perdia, por estar negociando como parte de um conjunto altamente heterogêneo. A sua voz se fazia ouvir nas reuniões de classe e de diretoria. A semente tinha sido plantada. Um dos sinais de ruptura com a FIESP na estratégia das negociações trabalhistas, foi a idealização de um grupo de trabalho para organizar visitas a organizações sindicais, que exerciam políticas e práticas de negociações trabalhistas mais avançadas e eficazes do que as realizadas no Brasil. Assim, em 1978, um grupo de executivos da área de Relações Sindicais Trabalhistas, representando a G.M., Ford, Chrysler, Volks, Fiat, Fiat Allis, Massey Ferguson e Scania, empreenderam uma viagem a países da América do Sul, Europa, U.S.A. e Canadá, visitando os sindicatos mais ativos em negociação sindical-trabalhista. Uma viagem de visitas, estudos, contatos, praticamente aprendizado em novas técnicas negociadoras e comportamentais no complexo assunto de negociações trabalhistas. Os resultados foram imediatos, os componentes do grupo disseminaram os conhecimentos e observações adquiridos, assim como divulgaram novos princípios e implantaram novas práticas, o que acabou resultando em nova legislação. Entretanto, o mais significativo e eminentemente prático resultado desta viagem foi obtido na transição das relações trabalhistas no ABC paulista, tendo pavimentado o caminho para negociações 100 trabalhistas que resultaram no primeiro grande acordo entre o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo com a Indústria Automobilística. Ricardo foi um dos signatários assim como Lula, que depois viria a ser Presidente da República. Ricardo, como o seu pai, estava à frente do seu tempo. Nessa época ele era considerado o profissional de visão nas relações trabalhistas da Indústria automobilística. As freqüentes trocas na presidência da Chrysler exigiam participação pessoal do Diretor de Recursos Humanos, na atividade referente à recolocação ou repatriação de americanos ou estrangeiros ao seus países de origem ou a outros cargos na área internacional. Trabalho que demandava habilidade, muitos contatos e mesmo negociações para poder movimentar executivos e seus familiares. Este pessoal depois de passar anos fora de seu país, não tinha mais lugar nas operações domésticas e a maioria ficava encostada em uma função sem a menor importância. Além de problemas de ordem familiar como interrupção na vida escolar dos filhos, readaptação da esposa e até de parentes. Mas a maior intervenção na Chrysler do Brasil ainda estava para vir. O Presidente da Chrysler mundial foi destituído e substituído pelo Sr. Iaccoca que por sua vez havia sido despedido da presidência da Ford Mundial pelo Henry Ford, naquele famoso diálogo quando Iaccoca disse ao Ford que ele não podia fazer isso com ele, e Ford retrucou, “Posso sim porque o nome que está na parede das fábricas é o meu e não o seu”. É incrível como as mudanças no topo acabam afetando toda uma organização. Algum tempo depois de assumir a presidência da Chrysler, Iaccoca tomou a drástica decisão de vender todas as 101 operações da Chrysler fora dos Estados Unidos, com exceção da Chrysler do México. Na América do Sul a Chrysler possuía fábricas no Brasil, Argentina, Peru, Colômbia e Venezuela. O Presidente da Chrysler Brasil (Dancey) foi encarregado de negociar a venda da fábrica do Brasil, no que foi muito ajudado pelo Fernando. Iniciaram negociações com a Renault e a Mitsubishi (cujo presidente era quem havia projetado o avião de caça zero, famoso durante a segunda guerra mundial) mas as negociações com a Volkswagen foram as coroadas de sucesso. Concretizado o negócio, começaram de novo intensas movimentações de dirigentes na nova Chrysler, agora dirigida por Wolfsburg e não mais por Detroit. Nem é preciso dizer que todos os americanos, com exceção do Dancey, foram substituídos por alemães e voltaram para Detroit. Da antiga diretoria da Chrysler somente Ricardo, Dancey e Fernando foram confirmados nos postos, até o final da Volks Caminhões. A fusão de companhias como Volks x Chrysler exigiram dos membros das diretorias esforços colossais. De um momento para outro surgiam necessidades urgentes de adaptações, inovações e aplicações de medidas que poderiam vir a atender a implantação dos objetivos traçados. Ao Ricardo coube a grande tarefa de implantar as metas estabelecidas para todos os funcionários inclusive a nível executivo superior. Essas metas variaram desde a equalização de salários e benefícios até a mobilização física de funcionários, passando por problemas como utilização de espaços, demissões de funcionários, reorganizações departamentais, etc. 102 A equalização de benefícios em nível de diretoria exigiu elaborações de propostas consensuais que demandaram estudos, análises e aprovações extra-rotineiras. Como, por exemplo, no benefício “subsídio moradia dos diretores” Ricardo obteve aprovação para que os diretores tanto da Volks como da Chrysler pudessem optar entre: morar em casa alugada pela Empresa (prática adotada pela Volks) ou receber financiamento de seis anos, a juros simbólicos, para compra de casa própria (proposta pelo Ricardo) condicionando o uso exclusivamente para moradia do diretor. Quatro diretores, sendo dois brasileiros, um americano e um alemão, optaram pelo financiamento, os demais mantiveram o plano original. Foi uma época de viagens e negociações com as matrizes na Alemanha e U.S.A., demandando continuamente soluções e intervenções em situações emergentes. Nunca trabalhei tão arduamente, mas foi gratificante, confidenciou o Ricardo. Em 1950 o jovem Ricardo estava se preparando para prestar exame vestibular na Escola Politécnica, quando sofreu um acidente automobilístico, o que o tirou temporariamente dos estudos. Neste período de recuperação, juntamente com um amigo, o Garcia (também em recuperação) encontraram casualmente com um conhecido, que estava de malas prontas para os U.S.A. Tinha conseguido uma bolsa de estudos. Tudo pago e, além do que, emprego garantido na volta. Mais: na General Motors do Brasil. Fenomenal! Sensacional! Ricardo e Garcia correram atrás, e, depois de muito trabalho, esforço, dedicação e se desdobrarem para adquirir fluência no idioma Inglês, conseguiram também a bolsa de estudos. E foi assim que Ricardo com vinte anos de idade foi admitido como estagiário na G. M. do Brasil, e em 1952 embarcava para Flint-USA, onde a G.M. havia instalado o G.M.I. – Instituto de Tecnologia. 103 1956 – Planejamento e Expansão – General Motors Brasil Voltando de Flint, foi trabalhar como Engenheiro Junior, no Departamento de Planejamento e Expansão da General Motors, criado para planejar e coordenar a expansão das atividades industriais da GM no Brasil. Posteriormente, foi promovido a Engenheiro Sênior, porém durante os seis anos que trabalhou neste departamento não chegou a exercer funções gerenciais, somente técnicas. Havia sido colega do João Augusto Conrado do Amaral Gurgel (fundador da fábrica brasileira de automóveis GURGEL); trabalharam juntos por algum tempo até ele se transferir para a Ford do Brasil. Aprendi muito com o Gurgel, a quem sempre admirei, pela sua grande capacidade técnica de apresentar soluções aos problemas. Com o fim da fase de expansão, este departamento foi extinto (1960). Seus funcionários foram recolocados em diversas outras áreas da organização. Entre as opções apresentadas, optou pela área de administração de recursos humanos, onde teve oportunidade de iniciar carreira gerencial. 104 1962 – Gerência de RH (GMB) Em novembro de 1962, retornou aos Estados Unidos e ao General Motors Institute, para atender ao curso de treinamento do pessoal encarregado da segurança das fábricas da General Motors. Nesta ocasião, viveu “in loco” e os familiares, no Brasil, os tensos dias da chamada crise dos mísseis russos instalados em Cuba. Ouvi pela televisão um pronunciamento do então Presidente Kennedy que disse uma frase que jamais esqueci: ‘Sometime the worse you can do is do nothing”, preparando o espírito do povo americano eminente ataque nuclear contra a Rússia. 105 para um 1964 – GMI Key Award 10 anos de formatura Entretanto, Ricardo tem alguns ressentimentos do período que trabalhou na G.M. Logo no início de sua carreira, deixou de aceitar uma oferta de trabalho da Ford para ocupar cargo a nível mais alto e com substancial ganho salarial. Talvez estivesse errado, mas pensei comigo – quanto a G.M. investiu em mim, não consegui simplesmente sair, ir embora para o concorrente. Em outra ocasião, juntamente com colegas de trabalho, passaram 14 dias e 14 noites de plantão, “em guarda”, protegendo a empresa de possíveis ataques de grevistas e/ou terroristas. Nunca recebi um agradecimento sequer. Fui preterido, sem explicações, do projeto Frigidaire, do qual fazia parte desde o início: fui obviamente injustiçado. Nesta época, início da década de 1970, Ricardo não se sentia profissionalmente bem, não estava se realizando. Sofreu o dilema entre procurar novos desafios abandonando seus 20 anos de estabilidade (que representava uma indenização teórica de 40 salários). Nesta 106 ocasião o governo instituiu o FGTS e muitas empresas começaram a negociar com seus funcionários estáveis o tempo anterior à criação do FGTS. Como gerente do setor de Recursos Humanos propôs à diretoria da G.M., apresentando trabalhos, estatísticas, argumentos, para que fizesse o mesmo, mas durante muito tempo houve reação contrária pois o passivo trabalhista com os milhares de estáveis da G.M. era altíssimo. Finalmente a diretoria decidiu oferecer aos estáveis um acordo de 1,6 salário por ano de casa a serem pagos em dez parcelas mensais sem juros para aqueles que quisessem abrir mão da estabilidade e optar pelo FGTS. Foi o fim do fantasma da estabilidade tanto para as empresas como para os funcionários. 1972 – Na presidência da cooperativa Quase que simultaneamente um amigo, o Garcia, na época Diretor de Recursos Humanos, convidou-o para trabalhar na Chrysler. Foi sopa no mel disse Ricardo. Esta foi a grande oportunidade na minha vida profissional. Ricardo soube agarrá-la e fazer com que a oportunidade se tornasse realidade, conquistando a sua realização profissional. A General Motors pratica o capitalismo selvagem, o que interessa é o lucro. Diferentemente, as 107 práticas de relacionamento pessoal-profissional na Chrysler são mais quentes-generosas. Com a Volkswagen nenhuma se compara é uma verdadeira maternidade para seus funcionários de alto nível. Carmen não teve participação acentuada na vida profissional do Ricardo. Os problemas técnico-administrativos não chegavam aos meus ouvidos e era raro conversarmos sobre o que seria um grande problema no trabalho, a vida profissional do Ricardo não foi parte da minha vivência. Parece que os problemas, situações de conflito, decisões tomadas, eram habilidosamente depositadas na soleira da porta de entrada da residência do casal. Esta atitude, postura mesmo, resultou em duas vidas distintas, separadas. Uma a familiar; e a outra, a profissional. Por muitos anos essas vidas foram mantidas sem haver detrimento de uma ou de outra, sem haver enriquecimento de uma em detrimento da outra. Este salutar equilíbrio resultou no sucesso de ambas as vidas. Nem sempre com grande entusiasmo Carmen participava das reuniões sócio-profissionais, ou seja, jantares, festas, eventos patrocinados por empresas ou mesmo colegas de trabalho. Não achava muita graça em ir àqueles jantares. Tornaram-se mais agradáveis, quando passei a ter a companhia da Consuelo, esposa do Pupo, e da Zilá, esposa do Fernando. Ricardo teve uma vida profissional rica em realizações bem sucedidas. De simples estagiário foi sucessivamente promovido e finalmente eleito Diretor. A indústria automobilística, devido às suas características, é extremamente competitiva. Se a empresa não consegue competir no mercado, através da venda de produtos em grande escala, fatalmente será engolida por algum concorrente. Desta forma essas empresas necessitam constantemente de inovações, 108 renovações, adaptações ao mercado, enfim, manterem-se eficientes, gerando lucros. A Volkswagen, líder absoluta do mercado nos anos 80, por orientação de sua matriz em Wolfsburg decidiu pela reorganização de sua estrutura industrial aqui no Brasil. Esta medida abrangeu a reestruturação de cargos de Diretoria. Ao Ricardo foram oferecidas algumas alternativas como implantar renovação da política salarial a nível internacional o que implicaria em mudança de sua residência para Wolfsburg. Sabiamente, Ricardo optou por um desligamento negociado, um acordo que, somado ao patrimônio que criaram durante toda uma vida de equilíbrio financeiro sempre gastando menos do que dispunham e as heranças recebidas pelo falecimento dos pais da Carmen, vieram propiciar uma tranqüila aposentadoria, dedicando-se exclusivamente à sua vida familiar. 109 ASCENDENTES E DESCENDENTES Tudo o que estava sendo registrado, no gravador e nas nossas mentes, seria apagado, substituído por um texto que certamente será revisto duas ou mais vezes. Mas, ali, a conversa rolava solta, fácil, descontraída, sincera, sem compromissos, sem receios de falar isto ou aquilo. O assunto, daquele momento, eram as emoções. Eu não me emociono facilmente, sou muito contida, teria muita dificuldade em lembrar, falar, descrever as maiores, mais marcantes emoções vivenciadas, mesmo porque talvez elas estejam ainda por acontecer. Criei meus filhos, ajudei na criação dos meus oito netos, uns mais, outros menos, sinto ter gerado, junto com o Ricardo, uma árvore genealógica que está sólida, frondosa e enraizada em terreno fértil. A emoção maior virá com o nascimento do(s) bisneto(s). Esta árvore genealógica começou a ser pesquisada, na Alemanha e no Brasil, pelo filho Marcelo, que mora definitivamente nos Estados Unidos. Marcelo, casado com Erika, de origem alemã, foi quem idealizou e desenhou as árvores genealógicas da família. Considerando o futuro de seus filhos e eventuais netos, que irão nascer nos Estados Unidos, ou sabe Deus onde, pensou em deixar um registro das origens do casal Marcelo x Erika. 110 Posteriormente, Ricardo enriqueceu e ampliou as informações genealógicas com fotos, documentação e históricos individuais, indo até avós e bisavós. Carmen e eu não vamos dilapidar um patrimônio que recebemos, que herdamos, podemos até usufruir, gastar, consumir aquilo que construímos, mas o que recebemos, queremos e vamos passar para nossos filhos, somado ao mais que deixarmos – um legado moral, filosófico, financeiro e material, quanto melhor e maior, sorte dos herdeiros. Até esta data o acervo de informações da família está sendo perfeitamente mantido e constantemente atualizado com fotografias, encadernações, documentos, banco de dados e outras parafernálias que o Ricardo domina com maestria. Ambos gostariam que fosse dada continuidade a tudo isso e que muitas outras árvores genealógicas brotassem. Os históricos e as genealogias apresentadas a seguir foram idealizadas e elaboradas pelo Marcelo. A redação dos textos foi feita por Ricardo, com base em documentos, pesquisas, informações e lembranças que afloraram à sua mente. Marcelo preparou as seguintes árvores genealógicas, que se encontram também na Internet, no site: http://www.andranet.com/tree/. • Família Andrade – ancestrais paternos do Ricardo • Família Bittencourt – ancestrais maternos do Ricardo • Família Meyer – ancestrais paternos da Carmen 111 • Família Borges – ancestrais maternos da Carmen • Família Ostermoor – Ancestrais paternos da Érika • Família Schoenweger – Ancestrais maternos da Érika 112 DESCENDENTES DE RICARDO E CARMEN 113 DESCENDENTES DE RICARDO E CARMEN 114 HISTÓRIA DOS ANDRADE O mais antigo ancestral da família, identificado através de documentação, foi o Dr. Antônio Januário Lopes Andrade, que era casado com Francisca de Paula Ramos Andrade. Entre outros, teve um filho de nome Henrique Andrade. Henrique Andrade nasceu no dia 23 de Março de 1856 na cidade de Silveiras no Estado de São Paulo. Foi batizado no dia 28 de Maio de 1856 na Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, em Silveiras. Henrique Andrade era funcionário público exercendo a função de solicitador, ou seja, auxiliar de advogado. Casou-se em primeiras núpcias no dia 26 de Maio de 1883 na Paróquia de Nossa Senhora da Assunção, em São Paulo, com Amélia Belém Rebouças, viúva de Braz Rebouças Lemes. Amélia veio a falecer em data desconhecida. Deste primeiro casamento não houve filhos. Henrique Andrade casou-se em segundas núpcias no dia 25 de Julho de 1891, na capital de São Paulo, com Dona Maria da Conceição Maia, que passou a assinar Maria Maia de Andrade. Henrique Andrade faleceu em São Paulo aos 63 anos de idade, no dia 3 de Junho de1919. Maria Maia de Andrade nasceu no dia 13 de Julho de 1873 na cidade de Bragança Paulista no Estado de São Paulo. Seu apelido era “Dona Mariquinhas”, era filha de Inocêncio Augusto da Silveira Maia e de Dona Thereza Fernandina Maia. Maria Maia era uma eximia cozinheira e tricoteira, tendo, inclusive, publicado um livro sob o título: “O Meu Livro de Tricot”. 115 Maria Maia faleceu em São Paulo aos 78 anos de idade, no dia 9 de Fevereiro de 1952. Henrique Andrade e Maria Maia Andrade tiveram dois filhos: Henrique Andrade Filho e Paulo Andrade. Henrique e Paulo vieram a ter quatro filhos, nove netos e vinte e dois bisnetos. Henrique Andrade Filho, nasceu em São Paulo no dia 18 de Fevereiro de 1893. Como tinha o mesmo nome que o pai foi apelidado de “Pinda”. Formou-se em Engenharia em 1918 pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, na especialidade de Engenharia Elétrica. Neste mesmo ano foi convidado pelo então presidente da Light, Dr. Edgar de Souza, que havia sido seu professor na escola Politécnica, para ir trabalhar na Light, onde permaneceu por mais de 40 anos, até se aposentar. Na Light chegou a um dos mais altos postos da organização onde tinha jurisdição sobre todo o sistema de geração e distribuição de energia elétrica. De 1938 a 1952 fez diversas viagens de trabalho e estudos aos Estados Unidos, Canadá e Europa. Durante sua vida publicou vários trabalhos técnicos. Falava inglês e francês e tinha bons conhecimentos de grego e latim. Possuía uma grande cultura geral e sempre tinha uma resposta para as perguntas que surgissem. Mesmo depois de aposentado, continuou a trabalhar como consultor técnico da Uselpa, outra companhia de geração e distribuição de energia elétrica. Foi o autor e executor do primeiro projeto de iluminação da raia de corridas do Jockey Clube de São Paulo. Foi, por várias vezes, nomeado perito técnico em processos judiciais. Era um incansável trabalhador, faleceu num domingo e na quarta feira que antecedeu seu óbito ainda terminou um trabalho para a Uselpa. 116 Henrique Andrade Filho casou-se no dia 27 de Setembro de 1921 com Nair Bittencourt Camargo que passou a assinar-se Nair de Camargo Andrade. Henrique Andrade Filho faleceu em São Paulo, aos 70 anos de idade no dia 13 de Outubro de 1963. Nair de Camargo Andrade nasceu em São Paulo no dia 27 de Setembro de 1900. Ficou órfã de mãe quando tinha cinco anos de idade e de pai um ano depois. Cresceu aos cuidados da sua avó materna, Maria Athayde Bittencourt, que dela cuidou até se casar. Foi educada em um colégio interno de freiras na cidade de Itu onde permaneceu até terminar seus estudos. Aos 21 anos de idade, casou-se com Henrique. Era, na juventude, considerada um tipo raro de beleza (pele muito clara, cabelos negros e olhos verdes). Nair faleceu aos 75 anos de idade, no dia 3 de Abril de 1976. Henrique e Nair tiveram três filhos: Carlos Henrique, Maria Lúcia e Ricardo Henrique. Paulo Andrade, nasceu em 10 de Novembro de1895. Formou-se Químico e durante muitos anos foi o responsável técnico pelos produtos fabricados pelo Laboratório Andrômaco. Foi membro efetivo da comissão do Ministério da Saúde responsável pela aprovação e registro dos medicamentos usados no Brasil. Era um aficionado da pesca. Casou-se em 1922 com Ângela Tomezine (Angelina) que passou a se chamar Ângela Tomezine Andrade, de quem separou-se alguns anos depois. Angelina nasceu no dia 14 de Abril de 1902 e era filha de Ângelo Tomezine e Gracia Tomezine. Faleceu aos 72 anos de idade no dia 22 de Novembro de 1974. Paulo faleceu aos 65 anos no dia 22 de Janeiro de 1961. Paulo e Angelina tiveram um filho de nome Paulo Alcides 117 Notas Solicitador - Auxiliar de advogado, habilitado por lei para requerer em juízo ou promover o andamento das ações, com diversas restrições legais. Light - Abreviação de “The San Paulo Tramway Light and Power Company Limited”, companhia canadense que durante muitos anos foi a concessionária, em São Paulo, dos serviços públicos de geração e distribuição de energia elétrica e do transporte coletivo da população em “bondes”, ou seja, veículos de tração elétrica que se moviam sobre trilhos. 118 ANCESTRAIS PATERNOS DO RICARDO 119 ANCESTRAIS MATERNOS DE RICARDO Todas as formas diferentes de grafia de “Bettencourt", ou seja, Bitancor, Bittencourt, Batencur, etc. têm o mesmo tronco original "Bettencourt". As mudanças de grafia devem-se a erros ortográficos ocorridos através dos tempos por aqueles que registravam os nascimentos. (Nota1) Os Bettancourts são de origem nobre normanda e o nome é oriundo do Castelo Bettancourt localizado na Normandia (Nota2). O Lorde de Buttecourt, Buthencourt, ou Bethencourt é, em geral, considerado como o mais antigo dos Bettencourts. Ele acompanhou William “O Conquistador”, Duque da Normandia, na invasão da Inglaterra em 1066. Em 1404 o Cavaleiro Normando Jean de Bethencourt recebeu do rei de Castela, Henrique III, o direito de conquistar as ilhas Canárias. Os Bettancourts que emigraram da Normandia se estabeleceram inicialmente nas Ilhas Canárias, na Ilha da Madeira e nos Açores e só posteriormente na península Ibérica. (Nota3) Maria de Athayde Bittencourt é a mais antiga ancestral Bittencourt da família de que se tem informações, pelo fato dela ter deixado um detalhado testamento, que possibilitou ter acesso a várias informações da origem da família. (Nota 4) Maria de Athayde nasceu em 1859 na Ilha Graciosa no arquipélago dos Açores. Era de ascendência Bittencourt por parte do pai Francisco Bitencourt Torres casado com Anna Cândida Victoriana. 120 Faleceu em São Paulo, aos 67 anos de idade, no dia 19 de Março de 1926. Foi casada em primeiras núpcias com Manoel Vieira Bittencourt, também de ascendência Bittencourt, e em segundas núpcias com o Comendador Tenente Coronel Norberto João Antunes Jorge com quem não teve filhos. Do primeiro matrimônio teve vários filhos (Nota5) e entre eles: Anna Izabel Bittencourt de Camargo casada com José Antônio Camargo. Ambos vieram a falecer muito cedo, ela aos 27 anos e ele, um ano depois, com 32, deixando órfãs duas meninas: Anna Cacilda com 9 e Nair com 5 anos de idade. Maria de Athayde assumiu as duas netas e as educou em um colégio interno de freiras em Itu, no interior do Estado de São Paulo, onde elas ficaram até terminarem os estudos. Saindo da escola, foram viver em São Paulo com a avó e as tias, até casarem. Anna Cacilda Bittencourt de Camargo, carinhosamente chamada por todos de “Baby”, nasceu em São Paulo no dia 21 de Julho de 1897. Aos 26 anos de idade, no dia 25 de Janeiro de 1924, casou com José Justino e passou a assinar-se Anna Cacilda de Camargo Justino. Anna Cacilda faleceu dia 13 de Julho de 1989, dias antes de completar 92 anos de idade. Anna Cacilda e José Justino tiveram os seguintes sete filhos: Anna Thereza, José Antônio, Pedro Alcântara, Brasilina, Maria Izabel, Joaquim e Gema. Nair Bittencourt de Camargo nasceu em São Paulo no dia 27 de Setembro de 1900. Ao completar 21 anos de idade, no dia 27 de Setembro de 1921, casou-se com Henrique Andrade Filho e passou a assinar-se Nair de Camargo Andrade. Era na juventude considerada um 121 tipo raro de beleza (pele muito clara, cabelos negros e olhos verdes). Nair faleceu aos 75 anos de idade, no dia três de Abril de 1976. Nair e Henrique Andrade tiveram os seguintes três filhos: Carlos Henrique, Maria Lúcia e Ricardo Henrique. Nota 1 - O Dr. Jorge Forjaz, genealogista e historiador açoriano, explica que todas as formas diferentes de grafia de "Bettencourt" que constam dos registros paroquiais das Igrejas Católicas nos Açores, têm o mesmo tronco original "Bettencourt", ou seja, Bitancor, Bittencourt, Batencur, etc., são de fato "Bettencourt" esclarecendo, ainda, que as mudanças de grafia do original “Bettencourt” foram resultado de erros ortográficos cometidos pelos sacerdotes na ocasião de registrarem os nascimentos. Nota 2 - A Normandia, atualmente parte do território francês, é uma das regiões históricas da Europa. Seu nome vem de tribos invasoras, Celtas e Vikings, também chamados Nordmanni. No ano 912 passou a fazer parte do reino da Nêustria. Em 1431 foi palco da imolação de Joana D’Arc, queimada viva em praça pública. Em 1944 desempenhou papel fundamental no desembarque aliado realizado nas suas praias, iniciando a libertação da França da ocupação alemã e o começo do fim da II Guerra Mundial. Com um tradicional tempo acinzentado, diz-se que o único azul que se vê na região é o dos olhos dos normandos. Nota 3 - O arquipélago dos Açores, território português autônomo, está situado no Oceano Atlântico, a quase 2 mil quilômetros a oeste de Portugal. Foi descoberto em 1427 por portugueses, porém só começou a receber os primeiros habitantes efetivos em 1486. Durante o século XVI sofreu ataques e pilhagens de corsários e piratas. De origem vulcânica, com muita beleza natural, é constituído por nove Ilhas: Santa 122 Maria, São Miguel, Terceira, Graciosa, São Jorge, Pico, Faial, Flores e Corvo. Nota 4 - O testamento se inicia no seguinte teor: “Em nome da Santíssima Trindade, Padre, Filho e Espírito Santo, em que eu, Maria de Athayde Bittencourt, firmemente creio e em cuja fé protesto viver e morrer, este é o meu testamento e última vontade” e antes de terminar faz um pedido: “Quero que se celebrem cinqüenta missas por minha alma”. O testamento é datado de 2 de Abril de 1913. Nota 5 - Maria de Athayde Bittencourt e Manoel Vieira Bittencourt, ambos de ascendência Bittencourt, tiveram os seguintes sete filhos, todos com dupla ascendência Bittencourt: Anna Izabel Bittencourt de Camargo casada com José Aniônio Camargo, Zulmira Vieira Martins casada com Manoel Vieira Martins, Maria da Glória Bittencourt Magalhães casada com José Vieira Couto de Magalhães, Altina do Carmo Bittencourt, solteira, Manoel Vieira Bittencourt Júnior, solteiro, Antônio Vieira Bittencourt casado com Zica Siqueira Bittencourt e Aristotelina Bittencourt Sanches (Nenê) casada com Arthur Sanches. 123 ASCENDENTES MATERNOS DO RICARDO 124 ANCESTRAIS DA CARMEN O avô materno da Carmen, Fernando Borges, nasceu em 1870 e faleceu em 1906. Casou-se com Ana Francisca Borges, nascida em São José dos Campos, em 1874 e falecida em 1942. Fernando e Ana Francisca tiveram quatro filhos, a última deles foi Carmen Borges Meyer, mãe de Carmen, nascida em São Paulo em 1905 e falecida em 1977. O avô paterno da Carmen, Gaspar Ricardo, nasceu em Portugal na cidade de Soltelo, perto do Porto. Quanto tinha 12 anos de idade, seu pai faleceu, os parentes o colocaram em um navio para o Brasil com uma carta de apresentação a um amigo, Conde de São Joaquim, dono da casa de ferragens “Lebre”, em São Paulo. Consta que o nome dele era Gaspar Ricardo Machado e que desgostoso com o fato de o terem mandado para o Brasil nos seus 12 anos, retirou o Machado do seu nome. Naquele tempo isto era possível. Desta forma Gaspar Ricardo, desde a pré-adolescência passou a trabalhar e aprender a viver por conta própria. Aos 20 anos de idade, desentendeu-se com o Conde de São Joaquim e fundou sua própria loja de ferragens que denominou de “Caçador”. Consta que ele tinha na loja uma gravura de um caçador matando uma lebre. Casou-se com Ida Meyer, que passou a assinar-se Ida Meyer Ricardo. Ida nasceu no Brasil, mas seu pai, Bernard Lionz Meyer, nasceu na cidade de Aarau, na Suíça Germânica, chegando ao Brasil em 1850. Sua mãe, Carolina Cremmer Meyer era filha de Jacob Grimm que veio da Alemanha em 1827, na primeira leva de imigrantes alemães. 125 Ida e Gaspar tiveram cinco filhos, quatro deles tinham o sobrenome Meyer Ricardo, porém o Dr. Juvenal, pai da Carmen, o último dos cinco filhos, recebeu o sobrenome de Ricardo Meyer. Nunca ficou esclarecida a razão desta inversão no sobrenome dele. Coisas do escrivão do cartório? Dr. Juvenal e D. Carmen casaram-se em 1926 e tiveram dois filhos, Carmen Lydia e Juvenal Ricardo, falecido em 1989. 126 ANCESTRAIS PATERNOS DA CARMEN 127 ASCENDENTES MATERNOS DA CARMEN 128 Depoimentos 129 TRECHO EXTRAÍDO DO DEPOIMENTO DE NELSON SUPLICY FILHO SOBRE O PAI DA CARMEN LYDIA – DR. JUVENAL Tive a oportunidade de assistir algumas palestras do Dr. Juvenal Ricardo Meyer (médico e funcionário do Instituto Biológico de São Paulo – Secretaria da Agricultura) que além de serem muito interessantes, eram enriquecidas pela sua habilidade de prender a atenção dos ouvintes, não deixando ninguém distraído apesar do silêncio do Auditório. Lembro-me de um dia ele ter dito que a explicação não era uma ejaculação estratosférica. Por essa e outras os freqüentadores do Auditório gostavam de suas palestras. 130 JUVENAL RICARDO MEYER APRESENTADO POR ADOLFO MARTINS PENHA Juvenal Ricardo Meyer nasceu no Largo da Liberdade, em São Paulo aos 16 de maio de 1898, filho de Gaspar Ricardo e Ida Meyer Ricardo. Cursou o Ginásio do Estado, único existente daquela época no bairro da Luz e fez o curso superior na Escola de Medicina e Cirurgia de São Paulo, à Rua Brigadeiro Tobias, onde se formou em 18 de janeiro de 1922. Em 1923, com bolsa de estudos da Fundação Rockefeller, nos Estados Unidos da América, fez cursos de aperfeiçoamento em Anatomia Patológica na Universidade de Columbia, em Nova York e na Universidade John Hopkins, em Baltimore, lá permanecendo até 1925. Voltando ao Brasil nesse ano, foi nomeado Chefe de Laboratório de Anatomia Patológica da Faculdade de Medicina, e assistente da mesma cadeira, regida então pelo Professor Cunha Mota, cargo que exerceu durante dois anos. Convidado pelo Professor Rocha Lima, foi trabalhar no Instituto Biológico, no cargo de Assistente Chefe da Seção de Anatomia Patológica, cargo este que exerceu até 1938. Defendeu tese, aprovada com distinção, em 4 de novembro de 1931 e participou do movimento constitucionalista em 1932. Em 1946, foi nomeado Diretor de Divisão do Departamento de Defesa Sanitária da Secretaria de Agricultura, do Estado de São Paulo, efetivado em 1949. Por diversas vezes substituiu o Diretor Geral do Departamento em seus impedimentos regulamentares ou viagens ao exterior. Permaneceu nesse cargo até 1965, quando se aposentou. 131 Por indicação de Rocha Lima, em março de 1936, Juvenal Ricardo Meyer assumiu a regência da Cadeira de Anatomia Patológica da Escola Paulista de Medicina. Colaborou ainda com a Escola, em 1949, substituindo o Prof. Marcos Lindenberg, licenciado na ministração do ensino de Patologia Geral. Juvenal Ricardo Meyer tinha espírito de verdadeiro cientista e apaixonado pesquisador; nunca desanimava, mesmo quando, após meses de trabalho, chegava apenas a uma conclusão negativa. Pacientemente, procurava então orientar seus trabalhos para novo rumo, com o mesmo entusiasmo. Como cientista, desinteressava-se completamente pela parte financeira, à qual não dava maior importância. Um dos principais objetivos de sua vida científica foi estudar o problema do câncer, sua origem, seus efeitos e, principalmente, descobrir algo que pudesse, senão curar, pelo menos aliviar o sofrimento do canceroso. Quarenta anos de sua existência ele consagrou a esse ideal, conseguindo, finalmente, obter um quimioterápico preparado com micélios de Aspergilus flavus, Pestalozzi sp. e Penicillium notatum, ao qual foi dado primeiramente o nome de Micelina e depois o de Cariocilim. Esse foi o grande prêmio que recebeu por tantos anos de trabalho, estudo e luta, além de palavras elogiosas de muitos colegas, aqui no Brasil e no estrangeiro. Alguns deputados apresentaram o seu nome à Assembléia Legislativa, em 1952, com apreciação sobre seus trabalhos a respeito do câncer, solicitando verba para auxiliar suas pesquisas. Fez numerosas conferências sobre câncer em centros médicos, sociedades e na televisão. Colaborou, ora sobre assuntos científicos, ora sobre assuntos literários, em diversos jornais de São Paulo e 132 publicou numerosos trabalhos em revistas nacionais e estrangeiras, a maioria deles registrada nos Arquivos do Instituto Biológico. Além do câncer, seu assunto predileto, estudou de maneira aprofundada, como era seu hábito, diversos problemas de Anatomia Patológica. Teve também um laboratório de Anatomia Patológica em sua própria residência, onde atendia aos pedidos dos colegas. Sempre procurou honrar a profissão, quer como anátomo-patologista, quer como cancerologista, clínico ou funcionário público. Juvenal Ricardo Meyer era profundamente religioso. Como bom Evangélico vivia a sua religião com fervorosa fidelidade. Em 1945, foi escolhido como Pastor da Igreja Evangélica Batista Paulistana, cargo que exerceu por vinte anos, com geral agrado. Além desse, exerceu outros cargos denominacionais, como Presidente de Juntas Administrativas da Capital ou do Estado e como orientador no campo religioso. Grande parte de seus momentos de lazer era dedicado à pintura e a leitura e nos últimos anos de sua vida ao cultivo de orquídeas. Aqui o seu espírito científico logo interveio e ele procurou estudar a possibilidade de sua reprodução por meio de sementes, assunto desconhecido, a não ser por alguns especialistas que faziam questão de não divulgar os métodos empregados. Assim que conseguiu o que pretendia, apressou-se logo a divulgar o que aprendera, contribuindo, assim, para promover melhor produção de orquídeas, inclusive de híbridos. Por esses trabalhos sobre cultivo de orquídeas a partir de sementes, ele foi distinguido com o título de Membro Honorário da American Orchid Society, em dezembro de 1959. Sempre gozou de excelente saúde, vindo a necessitar dos préstimos de seus colegas, somente quando sofreu espasmo cerebral 133 que o vitimaria mais tarde. Era um homem sóbrio: não fumava e não bebia; sua única extravagância era a de deitar-se muito tarde, quando empolgado pela primeira ou pelo preparo de suas conferências ou sermões. Comunicativo, tinha grande facilidade em expor suas idéias com clareza, razão pela qual suas palestras e pregações eram muito apreciadas e suas lições bem compreendidas por seus alunos. Era bondoso e paciente com seus clientes, tanto os de doenças físicas, como aqueles espiritualmente enfermos. Seus conselhos eram bem recebidos, tanto como médico, como na qualidade de pastor, sendo por isso muito procurado. O Professor Juvenal Ricardo Meyer faleceu em São Paulo, em conseqüência de enfarto, aos 22 de julho de 1970. Deixou dois filhos de seu casamento com Dona Carmen Borges Meyer. 134 ALGUNS DADOS SOBRE O AMIGO RICARDO HENRIQUE ANDRADE LEMBRADOS POR NELSON SUPLICY FILHO SÃO PAULO – JUNHO 2004 De compleição forte herdada de seus antepassados europeus, com certeza também trouxe a inteligência de seu pai Dr. Henrique, engenheiro formado pela Escola Politécnica USP que trabalhara muitos anos na Cia. Light & Power, até sua aposentadoria. Pelos idos de 1942 Ricardo foi matriculado no tradicional Colégio São Luís, talvez por influência de D. Nair, sua mãe, que era muito religiosa e queria que o filho tivesse uma instrução ligada aos preceitos religiosos. Foi no São Luis que nós nos conhecemos. Já no Colégio São Luis os padres, e em especial o Pe. Mariaux perceberam que Ricardo deveria fazer parte da Fanfarra e seria ideal para tocar o instrumento mais barulhento e pesado da bateria, ou seja, o bumbo que requer batidas fortes. Vez por outra, o Dr. Henrique viajava com a família e Ricardo levava as cadeiras e sofás da sala de visitas para o porão e nós (Ricardo, Rubens, Strasburg, Rodrigo e eu) ficávamos conversando horas a fio, sendo que o Ricardo “emprestava” as bebidas do Dr. Henrique. Ficaram as lembranças daqueles momentos que já foram há mais de cinco décadas. Nesse porão havia duas coisas das quais Ricardo sempre gostou: um pequeno laboratório de fotografias e os seus rádios galena. Algumas vezes costumávamos pedir o carro do Dr. Henrique e íamos até Santos. Éramos Ricardo, Rubens, eu e Rodrigo que tem um caroço na nuca e eu achava isso muito parecido com um berne maduro 135 e o chamava de bernento e lhe dava alguns tapas na cabeça, já que eu sentava no banco traseiro do carro e Rodrigo tinha que guiar à noite e algumas vezes com neblina. Só estamos vivos porque Deus assim o quis. Nos anos de 1950 a G.M. enviou Ricardo a Flint nos E.U.A., juntamente com Carmen para fazer um curso de engenharia. Lá nasceu o Marcelo Henrique. De volta ao Brasil, Ricardo permaneceu muitos anos na G.M., indo depois trabalhar na Chrysler-Volks, onde aposentouse. Pude observar que durante a adolescência do Marcelo, Ricardo e Carmen só ficavam sossegados quando o filho chegava de seus passeios com sua moto. O Marcelo certa ocasião teve vontade de cursar Agronomia, porém acabou cursando a Escola de Administração Getúlio Vargas e seguindo seu destino. Quando a filha Neguinha ia a alguma festa e o Ricardo estava reunido com os amigos e as respectivas esposas, em determinada hora ele largava a reunião, ia buscar a filha na festa, levava - a para casa e voltava para a reunião. Dos irmãos do Ricardo, a Maria Lúcia deixou-me uma lembrança muito agradável: nos poucos contatos que tivemos ela sempre passou a idéia de muito delicada. O Carlinhos era bem mais velho do que nós e tivemos nos tempos do São Luís poucos encontros. Muitos anos mais tarde nos encontramos na casa do Ricardo e Carmen e tive a satisfação de vê-lo e trocarmos idéias. Infelizmente os dois partiram e nos deixaram para trás. No casamento da Maria Beatriz (Neguinha) com Ibiracy assisti um culto muito bonito, do qual tenho uma grata recordação. 136 Do casamento de Marcelo e Erika, Ricardo e Carmen ganharam quatro netos, Suzie, Ricardo, Lílian e Karin e do casamento da Neguinha e Ibiracy vieram o Ciro, Pedro, Caio e Diana. Esses netos deram grande alegria ao Ricardo e Carmen. Pelo que pude observar do Ricardo nesses sessenta anos de convivência ele nasceu com uma característica de moral e caráter que marca a sua personalidade, herdada dos gens bons de seus antepassados e isso não o faz desviar-se de sua conduta em qualquer circunstância, servindo de orientação para sua família. A gente pode têlo como amigo confiável. No ano passado (2003) fomos visitar o colégio São Luís, Ricardo, Carmen, Maria Helena e eu, ficamos surpresos em encontrar todas as antigas áreas construídas: onde eram os campos de futebol, quadras de vôlei e onde havia um bambuzal do lado da rua Hadock Lobo onde o Garcia pulava o muro quando chegava atrasado apesar de morar a uma quadra do Colégio. Do nosso tempo de escola restou a Capela, o Cristo que ficava em frente ao portão onde os alunos entravam e alguns vitrais. Lembramos perfeitamente de tudo como era, inclusive dos professores: Pe. Archotgue, Pe. Godim, Profs. Giosso, Stanley, Carramenha, Mecozzi, Gianella, Máximo, Azevedinho, Pe. Greve e outros, em especial o Prof. Lenz de saudosa lembrança do Ricardo. Dos padres do Colégio São Luís, Ricardo mantém contato com Padre Faria e de vez em quando o convida para vir à sua casa para recordarem um tempo muito agradável de nossas vidas. 137 SOBRE MEU AMIGO RICKY ESCRITO POR FERNANDO ALVES SÃO PAULO – AGOSTO 2004 Tenho participado de uma parte da vida do Ricky como companheiro de trabalho e de viagens. Pessoalmente nos conhecemos em 1973, isto é, há mais de trinta anos e, indiretamente, o Ricky já trabalhava na General Motors com minha irmã Ziza e meu cunhado Dick, um engenheiro norte-americano lá empregado como “foreign service”. Nesse tempo todo juntos, Ricky e eu passamos por várias situações inusitadas tanto no trabalho como viajando. Vou narrar aqui algumas dessas situações. É evidente que em muitos dos casos nós atravessamos situações juntos e vivenciamos as mesmas emoções, daí as narrações serem referentes aos dois. Os fatos que passamos juntos em viagens dariam realmente para escrever um livro. Viajamos por países misteriosos, além de outros perigosos e remotos, destinos que de alguns anos para esta parte desistimos definitivamente, tanto por segurança como por comodidade. Dos misteriosos me lembro da Índia. Lá fazia, na época, um calor de quase 45 graus e o ar condicionado era utilizado em poucos lugares. Alugamos uma Kombi e viajamos de Delhi para o interior nesse veículo sem abrir as janelas porque o vento quente parecia um secador de cabelo em ação. Logo começamos a nos preocupar com o fato de não conseguirmos urinar, uma vez que estávamos expelindo grande quantidade de suor. Procuramos então, durante a viagem, qualquer placa ou anúncio que indicasse um local com ar condicionado, quando, então, parávamos a fim de tomar bastante cerveja. Ficávamos lá até 138 conseguir urinar e então prosseguíamos a viagem. Ainda na Índia, alugamos um elefante em Jaipur para subir uma montanha e visitar um templo que ficava no seu topo. Estávamos acomodados em cestas, um casal de cada lado no dorso do animal e com o domador do animal em sua cabeça, quando o elefante resolveu parar e urinar no meio da rua. O jato de urina parecia uma mangueira de bombeiro pelo volume e ruído, o que atraiu turistas vindos de não sei onde para nos fotografar como participantes da cena. Numa viagem à África do Sul aconteceu um fato engraçado com o Ricky. Nós fomos jantar em um restaurante afastado do hotel em Durban e para tal tomamos um táxi. Na volta pedimos ao maitre que solicitasse um outro taxi para a volta, o que ele fez. Quando o táxi chegou, o motorista, todo solícito, correu para abrir a porta do carro para o Ricky, o qual o compensou regiamente com uma bela gorjeta. O motorista, surpreso, reagiu com um sorriso e disse que era a primeira vez que recebia uma gorjeta antes do serviço prestado. O Ricky só então percebeu que o rapaz não era o porteiro do restaurante. Em Moscou a curiosidade aconteceu no aeroporto. Estávamos fazendo o “check-in” para um vôo Moscou-Nova Delhi pela Aeroflot quando a atendente ficou preocupada com os nossos bilhetes; nós viajávamos de primeira classe e ela ficou indignada com o fato, dizendo que na Rússia não existiam classes. Daí em diante foi um tal de chamar encarregados, chefes, gerentes, etc e todos nos advertindo sobre os males do capitalismo, e que nós seríamos otários se não pedíssemos reembolso do custo da primeira classe. O avião ficou atrasado por nossa causa e, finalmente, eles nos propuseram um final muito curioso; com pena da nossa ingenuidade por pagar a passagem mais cara, e injusta, eles nos ofereceriam durante o vôo duas refeições em vez de uma, de 139 rotina; nós aceitamos depressinha e embarcamos ante os olhares bravos dos outros passageiros que nos aguardavam. Para completar, a tal da refeição era tão ruim que nem a primeira fomos capazes de comer. Em Helsinki tem outra do aeroporto. Nós devíamos fazer um vôo de Helsinki para Leningrado (hoje São Petersburgo). Estávamos excitados com o fato de estarmos indo para a Rússia comunista de Bréjnev e, ainda por cima, num Tupolev da Aeroflot. Com receio da aglomeração no embarque, e sabendo que nos aviões russos não havia marcação antecipada de lugares, fomos bem cedo para o Aeroporto e nos pusemos como primeiros da fila no balcão de “check-in” da Aeroflot. Depois de mais ou menos duas horas o serviço de atendimento foi aberto e descobrimos que nós éramos os únicos passageiros desse vôo: ninguém estava se arriscando a ir para a Rússia naquele tempo. O Nepal foi o local de outro fato pitoresco. Estávamos em Katmandu e ficamos com vontade de ir até as cercanias do Himalaia. Para tanto alugamos um carro com um motorista nativo e pegamos a estrada para Lhasa (Capital do Tibet). Quando chegamos na fronteira Nepal/China (Tibet) na cidade de Kodari fomos interceptados por uma patrulha de militares chineses que ameaçadoramente nos obrigaram a voltar. Deu para assustar. Aliás, no caminho, vimos um tipo de vegetação margeando a estrada e então perguntamos ao motorista o que era aquilo. Ele parou, desceu, apanhou um ramo da dita cuja planta e então fomos formalmente apresentados à Canabis Sativa, a maconha. Na Nova Zelândia o Ricky pode atestar que estatísticas dão sempre resultados duvidosos; pois não é que no país considerado como 140 tendo o povo mais honesto do mundo a Carminha teve um dos seus caros perfumes franceses roubados por algum empregado do hotel de luxo que os hospedava? Quando foi reclamar ainda teve a sua queixa considerada de má fé e que o que ela estava procurando era ganhar um perfume novo como recompensa. Pois é: a mentira contada duzentas vezes passa por verdade. De tanto falar até eles acreditam na sua honestidade. As melhores passagens talvez sejam as que o Ricky enfrentou em Israel. Os intensos serviços de segurança deram muito trabalho desde o momento em que chegamos até ao que saímos do país. Para iniciar, já na chegada ao Aeroporto, por volta de uma hora da manhã, os passageiros foram avisados a permanecer na aeronave para que a polícia desse uma checada em um por um dos passageiros, só olhando, sem pedir nada; quando da liberação para desembarque a polícia tinha posicionado alguns caminhões tipo baú na beira da escada e, à medida que os passageiros desembarcavam eram selecionados e separados; uns iam para os ônibus que os levariam para a estação do Aeroporto e outros eram colocados nos caminhões-baú para sofrerem interrogatório; eu e o Ricky caímos na rede; a investigação era conduzida por oficiais, provavelmente da Mossad, e as perguntas eram repetitivas e insistentes para ver se caíamos em alguma contradição. As perguntas eram do tipo, nome do pai, nome da mãe, local de nascimento deles, local de nascimento nosso, residência, o que vieram fazer em Israel, etc; e as questões eram misturadas e voltavam a argüir sobre coisas já respondidas e tudo isso muito rápido. Foi uma experiência assustadora, pois nós, que imaginávamos umas boas férias, de repente nos sentimos marginais. Para completar, seis meses depois desses fatos, o mesmo vôo em que chegamos foi seqüestrado e levado parra Entebe, num caso muito conhecido pela eficiência da tropa anti-resgate de Israel que 141 liberou os passageiros numa operação muito rápida. No nosso caso a coisa toda só acabou por volta das três horas da manhã e os próprios interrogadores se apressaram a nos colocar num hotel reservado por eles, certamente para manter controle sobre nossas ações. Em Telaviv, no hotel, ainda na chegada, pedimos um carro com motorista para fazermos o nosso turismo durante alguns dias; pois não é que eles nos mandaram um Mercedes-Benz com um motorista argentino e que, durante quase dois dias de passeios, repetiu incansavelmente as mesmas perguntas do caminhão-baú até o ponto em que não agüentando mais nós protestamos; então o Yeuda, que era seu nome, nos pediu desculpas e disse que estava convencido que não éramos terroristas e do dia seguinte em diante iria mandar outro motorista, desta vez guia turístico. Até hoje, quando queremos fazer alguma piada entre nós mencionamos “Olha que eu vou chamar o Yeuda”. Ainda com a direção do Yeuda, estávamos visitando Belém num dia que era comemorado em Israel a vitória na Guerra dos Seis Dias. Estava previsto que o país todo pararia ao meio dia e todas as sirenes do país tocariam durante um minuto para lembrar os mortos naquela guerra. Como se sabe Belém é uma cidade árabe-cristã e a presença de judeus na área é muito pequena. Daí o Yeuda, sabendo que sirenes não tocariam na cidade, atravessou o Mercedes na principal via de Belém atrapalhando o trânsito, abriu as quatro portas e ligou o rádio bem alto numa estação que tocava uma sirene; ficou em pé ao lado do carro com a mão no peito e nós quatro, sentados lá dentro, passamos a ser xingados pelos cidadãos de Belém; saímos então do carro e fugimos tentando nos abrigar em alguma loja onde éramos naturalmente repelidos como se fôssemos judeus. Foram momentos difíceis provocados pelo Yeuda. 142 O Yeuda que, viemos a descobrir, era um tenente do Mossad, o que nos envaideceu porque para Israel pôr uma patente dessas na nossa cola era porque nos achavam importantes, finalmente nos mandou o tal guia, mas sem o Mercedes: agora era uma Kombi. Esse novo personagem era um corpulento israelita que adorava mostrar as marcas de bala no seu corpo provenientes de batalhas com os árabes; esse rapaz passava o tempo a menosprezar os árabes e dizia que numa boa briga era necessário ter dez árabes para cada judeu. Durante os passeios com ele eram freqüentes pequenos incidentes como receber algumas pedradas de crianças quando da passagem do nosso carro e ele nunca deixou de graça, sempre parava e corria atrás dos moleques e nós ficávamos no carro à espera de alguma outra coisa. Uma vez ele parou, deu marcha-a-ré até um ponto da praia do Mar Morto, abandonou o veículo e foi atrás de uma senhora suíça que fazia necessidades na praia; deu uma bronca violenta na assustada turista e depois nos contou que aquela praia estava cheia de minas terrestres; só que não havia nenhum aviso para turistas. Imagine o Ricky andando nessa praia; a gente se mete em cada uma... O nosso novo guia era bastante papudo. Num determinado ponto da viagem ele se vangloriava de Israel ter plantado vinte mil árvores naquela região; imediatamente retrucamos que isso não tinha nenhum significado para nós, uma vez que o Ricky com o Garcia e o Silvio tinham muitas mais árvores que isso; lembramos até do Rubens Rehder, nosso companheiro da Chrysler, que sozinho tinha plantado mais de um milhão em sua fazenda; aí o cara arriou o papo. Também, quando chegamos no Rio Jordão, de propósito, começamos a fazer chacotas dizendo que aquilo não era rio e sim um pobre córrego; fazíamos isso para nos vingar do Yeuda e da sua Mossad; desta vez o nosso guia ficou bravo e disse que nem todos podem ter um Rio Amazonas. 143 Conseguimos, na realidade, durante aqueles dias, judiar do nosso valente guia e isso foi muito divertido embora soubéssemos dos milagres que Israel tinha feito naquele árido território. As gozações chegaram a um ponto que o Ricky começou a ficar preocupado com receio de represálias por parte de alguma autoridade de Israel. Numa das maluquices que o Ricky e eu fazíamos pedimos ao guia que queríamos visitar as colinas de Golan uma vez que as batalhas com a Síria naquele território tinham acabado de acontecer. Foi muito interessante a visita, embora tenha sido difícil obter autorização. Pudemos ver restos de tanques, caminhões e armas, espalhados pelos campos e, à beira da estrada, alguns desses itens ainda fumegantes e, pela primeira vez, pudemos estar bem perto de campos de batalha reais e palpáveis. Houve muitos outros pequenos incidentes do tipo dos mencionados e, à noite, quando saíamos para jantar em Telaviv era apavorante circular nas ruas do centro com todos aqueles soldados armados até os dentes e muitas vezes passeando com namoradas, algumas delas também de uniformes e armadas; além disso, a cada três ou quatro esquinas havia ambulâncias, com suas portas abertas e atendentes de plantão prontos para acudir a algum evento de surpresa. Esse cenário causava grande temor e a gente comia e voltava logo para o hotel. Nos passeios às cidades árabes ou a Jerusalém era notório o fato de quando aparecia alguma patrulha israelense com soldados meninos, realmente muito jovens, os árabes sumiam para dentro das tendas e as ruas ficavam vazias. A inspeção no aeroporto no momento da partida foi terrível; ficamos quase nus; nossas esposas foram checadas até em suas partes íntimas. O Ricky sempre diz que graças a 144 Deus já visitamos Israel, uma visita obrigatória no nosso mundo moderno, mas nunca mais quer passar nem perto de lá. No Egito houve alguns casos curiosíssimos. Na cidade do Cairo não conseguíamos arranjar hotel; todos cheios segundo suas recepções; desesperados, procuramos a Embaixada do Brasil e pedimos auxilio; o cavalheiro que lá nos atendeu perguntou quanto tínhamos oferecido de “tip” no balcão da recepção. Como não tínhamos oferecido nada, voltamos ao hotel que mais gostamos, pedimos outra vez por quartos e oferecemos o nosso passaporte com algumas piastras dentro e o mesmo sujeito que disse meia hora antes que não havia quartos disponíveis, prontamente nos alojou à beira do Rio Nilo num hotel muito bacana. Para encontrar a Embaixada foi muito gozado; fomos a um ponto de táxis e solicitamos que algum motorista nos levasse lá. Ninguém sabia onde ficava nossa embaixada e, pior, estava difícil estabelecer qualquer tipo de comunicação porque os motoristas só falavam árabe. Finalmente chegou um motorista, sujo e com os cabelos cheios de palha como se estivesse dormido numa cama desse tipo, dizendo que sabia onde era mas que cobraria um valor fixo e não pelo taxímetro. Não tivemos outra alternativa, uma vez que estávamos sem hotel e cansados, e pagamos um valor alto para que ele nos atendesse. Entramos no carro, rodamos um quarteirão e a Embaixada lá estava. Tínhamos sido vítimas do “conto da embaixada”. Lá estava ela com sua bandeira, a duzentos metros de onde estávamos. A partir daí passamos a abrir os olhos onde quer que fôssemos com a esperteza dos árabes. Do Cairo, resolvemos ir a Luxor. Outra epopéia. Disseram que havia um trem noturno com cabines confortáveis e com ar condicionado, uma vez que fazia um calor infernal na ocasião. Prontamente topamos e lá fomos nós para a gare à procura do nosso trem. Quando o achamos 145 quase caímos sentados. A estação abrigava uma multidão de egípcios com todo tipo de volumes, comidas e até animais como cabras. Entretanto o nosso vagão de primeira classe parecia estar a salvo desse pandemônio. Ledo engano. A cabine era de um tamanho ridículo e de péssima aparência. Pedimos ao atendente do vagão uísque – e eureka! - ele disse que tinha. Quando tentamos bebê-lo quase vomitamos. Podia ser tudo menos uísque. Chegou a hora de deitar. Havia uma cama e em cima um beliche. Só que o beliche ficava a mais ou menos cinqüenta centímetros do teto onde estava o ar condicionado diretamente sobre ele. Quando ligamos o ar condicionado descobrimos que trazia para cima da gente um volume enorme de poeira a ponto de o lençol ficar marrom em alguns minutos. Resultado, passamos a noite toda brigando com o ar condicionado tentando achar a melhor solução para chegar vivo a Luxor. Em Istambul, na Turquia, houve um caso pitoresco. Havíamos contratado um tour de ônibus para uma excursão fora da área urbana da cidade. Quando o ônibus estava já saindo da cidade a guia, com a maior cara de pau, pediu aos passageiros para ter às mãos o passaporte com o visto para entrar na Rússia validado. A Rússia na época, era uma caixa preta no auge do comunismo e meio assustadora. Os viajantes então, assustados, pois ninguém avisou que íamos entrar na Rússia, começaram a ficar nervosos e um pequeno tumulto ocorreu no ônibus. Finalmente a guia abriu a brincadeira e disse a nós todos, infelizes ignorantes, que estávamos a léguas de distância da fronteira. Como é que fomos cair nessa? E caímos mesmo! No Marrocos o Ricky passou por uma experiência excitante. Estávamos viajando com um carro alugado, outra das nossas loucuras, uma vez que as placas e sinalizações eram todas escritas em árabe, 146 indo de Marrakesh para Fez. A estrada faz a volta nos Montes Atlas e segue um pedaço pela borda do deserto do Saara. Quando, distraídos, estávamos tentando acertar a rota e tentando ler placas que não davam para ler, subitamente somos rodeados por uma tropa de tuaregs que nos escoltaram por uns cinco ou dez minutos. Ficamos assustados pois são inúmeras as histórias de raptos e seqüestros patrocinados por marroquinos com turistas. Em Marrakesh fomos jantar num restaurante típico árabe, daqueles que você senta em almofadas, ultra-desconfortáveis, pelo chão e com menu complicado. Pedimos torta de peito de pombo e um vinho para acompanhar. Como turistas ignorantes deveríamos saber que álcool é proibido nos países árabes. Entretanto o maitre sugeriu que podíamos comprar vinho numa loja vizinha ao restaurante e ele não faria nenhuma objeção que nós o tomássemos no restaurante. Ele então mandou comprar o vinho e nós o degustamos, agradavelmente, durante o jantar. Ao final o garçom nos disse que a loja é propriedade do dono do restaurante. Turista é mesmo um otário... Em Joinville, Santa Catarina, numa determinada tarde o Ricky cismou que havia uma veia dilatada na testa da Carminha. Foi um alvoroço. Chamou-se o serviço de emergência patrocinado pelo hotel, muito bom por sinal, e apareceu uma ambulância com um médico, um para-médico e uma enfermeira. Atenderam a Carminha e concluíram que havia problemas na cabeça, mas do Ricky... A Carminha vive pegando no pé do Ricky dizendo que ela quase morreu, mas de vergonha. 147 LEMBRANÇAS DA MINHA QUERIDA PRIMA CARMEN LYDIA JÚNIA BORGES BOTELHO – SETEMBRO 2004 As lembranças da minha afilhada de casamento remontam à época em que ela utilizava cadeirinha alta para se alimentar. Lembro-me perfeitamente da casa de nossa avó na rua Rafael de Barros, aonde Carmen morava com os pais. Havia uma cozinha que era passagem dos quartos, lá nos fundos, para as salas e embaixo era um porão maravilhoso, local de muitas brincadeiras. Tia Carmen colocava Carmen Lydia naquela cadeira, de madeira envernizada, muito alta e alimentava aquela gracinha de menina. Esta imagem está perfeitamente gravada e guardada em minha memória. Ela era a única filha da única irmã de minha mãe. Essas duas irmãs eram muito amigas sendo minha mãe nove anos mais velha que tia Carmen e eu quatro anos mais velha que Carmen Lydia, isso resultou em tratamento um pouco maternal de nossa parte nos primeiros anos de vida, depois se transformou em grande amizade baseada nas condições e relacionamento familiares existentes e também por ela ter vindo estudar no Colégio Batista, quando meu pai era diretor e nós residíamos na propriedade. Éramos muito próximas, saíamos muito, fazíamos “pic-nic” com outras amigas e primas, íamos à Igreja, muitas vezes ela ia passar férias e feriados na nossa casa da Vila Guilhermina na Praia Grande. A casa da Vila Guilhermina, uma das primeiras do loteamento, foi construída pelo meu pai em 1923, não havia eletricidade no bairro e muito menos água encanada, durante algum tempo era mencionada como casa de demonstração do loteamento. Era bastante grande com ampla varanda na frente e circundada por jardins, quadra de tênis, vôlei 148 e outras modalidades de esporte. Coincidentemente (sem conhecermos) o pai do Ricardo adquiriu um lote e também construiu uma casa no mesmo loteamento. A casa era freqüentada por muitos amigos de meus irmãos, primos e primas. Foi um período muito alegre e divertido. Ricardo e Carmen sem se conhecerem, passeavam, em grupos separados, pelo mesmo bairro na Vila Guilhermina. Foi provavelmente nesta casa, após ele se conhecerem lá no Parque Balneário, que a “paquera” foi se tornando em namoro amarrado. Logo após o casamento, em setembro de 1952, eles foram morar nos U.S.A. – Flint. Em fevereiro de 1953 eu fui visitá-la em Flint e como viajei de navio levei uma grande mala cheia de presentinhos (de toda a família) para o bebê que ia nascer. Mais uma vez com grande satisfação e alegria reencontrei-me com eles na época do nascimento do primeiro filho. Em junho do mesmo ano mamãe também foi para Flint e então nos reunimos mamãe, eu, tia Carmen, Ricardo, Carmen Lydia e o recémnascido Marcelo. A minha mãe foi muito corajosa por ter viajado sozinha, sem falar inglês exceto pela frase “Want go Flint”. Passamos alguns dias juntos, inclusive fizemos pequenas viagens de carro – as duas irmãs, as duas primas e o bebê. Na primeira parada a Carmen Lydia notou que tinha esquecido em casa a sacola do nenê. Providenciamos a compra de um “enxovalzinho” e pela primeira vez tomei conhecimento da fralda descartável. Assim como foi a primeira vez na minha vida que tomei “Nescafé” com leite, uma delícia e como era fácil de fazer. 149 Nossa convivência sempre foi próxima e até intensa. A Carmen Lydia é a mais próxima de todas as primas e inegavelmente a grande amiga de toda a minha vida e à medida que nós avançamos em idade fomos ficando mais amigas e desenvolvemos mais interesses e assuntos em comum. Após a minha aposentadoria tive mais tempo de permanência em São Paulo, após de ter morado na França, Estados Unidos, interior de São Paulo e no Rio de Janeiro, mas este distanciamento não chegou a abalar nossa amizade. Quando me casei, sem mais as obrigações profissionais, torneime “dona-de-casa” e foi Carmen que ensinou-me a cozinhar, foi a minha orientadora culinária e surgiram mais afinidades, assuntos e motivações semelhantes em nossas vidas. Curioso que gostamos e implicamos com as mesmas pessoas. E as nossas conversas por telefone geram grandes lucros para as companhias telefônicas. Ficamos ainda mais próximas através do excelente relacionamento do Venedict com o Ricardo, talvez as viagens que nós quatro fizemos juntos contribuíram muito para maior aproximação. Em 1994 passeamos pelo Canadá e Estados Unidos incluindo South Dakota, Minneapolis e New York entre outros lugares. Lembro-me de fazer compras no setor de lingerie no MACY’s junto com a Carmen Lydia deixando os dois “senhores” sentados à espera das “madames” gastando dinheiro. Nós quatro nos demos muito bem, não havendo ocorrido momentos de desentendimento, sempre tivemos tolerância e paciência uns com os outros, mesmo naquele dia que o Ricardo reclamou “– Não é possível vocês ficarem duas horas na loja para comprarem soutiens”. Ficamos aproximadamente uma semana passeando de carro pelo Oregon com saída e volta para Seattle, depois de avião até 150 Vancouver onde deveríamos embarcar em navio até o Alaska. Entretanto o navio sofreu um acidente, a viagem foi cancelada. Ricardo que é uma pessoa muito positiva propôs e assim fizemos uma viagem de carro pelo Norte do Canadá. Foi um passeio lindo, tendo vivenciado o altíssimo nível de vida dos canadenses além de ter atravessado paisagens deslumbrantes de lojas cristalinas, picos nevados, tudo rodando por excelentes estradas. Enquanto Ricardo e Carmen foram passar uns dias com o Marcelo e os outros netos em Mineapolis, eu e Venedict fomos para Chicago. No ano seguinte, em 1995, nos organizamos para ir conhecer Escócia e Noruega, entretanto, como Venedict era russo e queria visitar São Petersburgo e Moscou que ele não conhecia, aproveitamos a oportunidade e estendemos o roteiro incluindo Finlândia, Estônia, Letônia e Lituânia. O interessante foi que não precisamos de interprete pois Venedict estava em sua terra natal, nunca o vi tão feliz, foram, sem dúvida, as férias mais felizes que ele teve. Fico até contente de tê-lo levado para a Rússia, nunca vi ou ouvi ele reclamando de alguma coisa, inclusive aquela noite no restaurante que fomos servidos com um prato de batatas fritas frio e sem mais nada, Venedict se expressando no idioma russo fez o garçom entender que não eram turistas, não demorou nada e vieram deliciosas e quentes batatas fritas. Três anos mais tarde fomos, finalmente, ao Alaska. Infelizmente Venedict não nos acompanhou, já estava muito enfermo e impossibilitado de viajar. A esposa do José Antônio, Conceição, embarcou conosco e foi uma companhia fantástica. Ricardo teve que 151 tomar conta das três mulheres. Nós quatro já tínhamos viajado juntos, antes de ter casado com Venedict fizemos um tour marítimo pelo Caribe. Realmente eu acho que Carmen Lydia e Ricardo têm grande valor por terem construído uma família unida. O Ricardo e a Carmen Lydia sabem se aproximar dos mais jovens, sabem ouvir, saber estar presentes, sem exigir nada em troca, saem daqui para assistirem a formatura dos netos nos Estados Unidos. Fazem com empenho, é uma construção, como minha mãe dizia “o casamento é o cultivo de uma plantinha que tem que ser tratada diariamente”. Eu acho que é isto que eles fizeram, construíram uma família com todas as alegrias, tristezas, problemas e dificuldades que eles foram transpondo, souberam aproveitar os bons momentos e superar as armadilhas. Juntos, atravessaram momentos difíceis como por exemplo a doença da tia Carmen, foram três meses que ela passou junto com a filha e o genro. Digo ainda que a tia Carmen passou a ser grande admiradora de Ricardo, ela realmente soube compreender e valorizar as qualidades que ele tem. O Ricardo sabe viver bem o momento presente, quando jovem aproveitou bastante, quanto teve que trabalhar, trabalhou bastante, ele vive bem e isto é muito importante. Sinceramente eu acho que o casamento que Carmen Lydia e Ricardo construíram através desses 50 anos foi o mais bem sucedido de todos os casamentos de nossa geração em nossas famílias. Eu fui muito feliz no meu casamento, mas foi de curta duração por ter me casado muito mais tarde e meu marido ter falecido. Eles souberam respeitar suas divergências de opiniões e personalidades mantendo-as intactas assim como souberam manter em alto nível o relacionamento pessoal, foi admirável a construção da 152 família. Consigo citar apenas alguns outros poucos casamentos tão bem sucedidos. Este meu relacionamento com o casal permaneceu sólido por algumas razões, em parte pela minha admiração pelas personalidades distintas do casal, pelo caráter de ambos, pela dignidade e pelo sincero desejo deles e de mim de querermos manter esta união preservada, também por uma série de afinidades e não só pelo fato de sermos parentes. No Ricardo, por exemplo, eu sempre admiro a alegria de viver que ele demonstra superando as dificuldades normais da vida, ele mantém o prazer de viver, o prazer da alegria dos pequenos e grandes acontecimentos. A Carmen Lydia também, mas sua maior característica talvez seja o senso de responsabilidade perante a sua família, este senso de responsabilidade sempre esteve presente desde criança, foi uma excelente aluna durante todo o período escolar, detentora das melhores notas. A seriedade com a qual ela conduz os seus atos. Acho que nós somos amigas porque temos nossas admirações, afinidades, o nosso contato é agradável, temos confiança mútua. Tudo isto nos traz prazer, segurança e bem estar na companhia uma da outra, prazer de vida, apesar de divergimos um tanto em nossos gostos. A Carmen dá grande valor à amizade na qual os parceiros têm ampla liberdade de expressão, assim como eu que tenho muitas amigas, mas pouquíssimas que me dão esta liberdade de expressão sentida com o casal. Por tudo isso nossa amizade resistiu e resiste, cada vez mais sólida, pela vida toda. 153 RECORDAÇÕES E COMENTÁRIOS DE JOSÉ ANTONIO JUSTINO E CONCEIÇÃO JUSTINO SETEMBRO 2004 Conheci o Ricardo quando tinha uns treze anos, portanto faz aproximadamente 65 anos que somos amigos. Essa amizade cresceu após meu casamento com Conceição e o casamento de Ricardo com Carmen. Assim, nós quatro nos tornamos amigos. Depois, nossos filhos também se tornaram amigos, três meus e dois do Ricardo, passamos a ser nove amigos. Quando os filhos eram pequenos, viajamos muitas vezes, empilhados, empacotados em um Ford Prefect 1949 - Cristina, Ana Maria e José Antônio (Totonho) e mais Marcelo e Neguinha. Passamos muitas férias juntos, íamos à Praia Grande – Jardim Guilhermina e depois, com as crianças (já adolescentes), íamos acampar em Verde Mar. Passeávamos muito, havia um entrosamento muito grande que permanece até hoje. O crescimento dos filhos trouxe um certo distanciamento, por parte deles, mas a amizade perdurou, até mesmo porque os nossos netos se relacionam bastante. Éramos e somos como irmãos, Conceição e Carmen são amigas muito próximas, confidentes. Com Ricardo sempre fomos tolerantes. Lembro-me uma vez, estávamos lá no sítio do padrinho do Ricardo, o Agenor, no sopé do Jaraguá, na casa não havia cobertor ou mesmo agasalhos, tinha levado um capote de lã bem grosso, parte da vestimenta do tiro de guerra, passei frio, Ricardo roncava aquecido pelo meu capote. Em outra ocasião fomos fazer uma pescaria, em Cotia, 154 prevenido como sempre levei “embornal” com um baita lanche mas Ricardo tinha levado um embrulhinho com “canapés”, estava fazendo regime, mas não passou fome, tive que dividir o meu lanche, apesar de te-lo escondido muito bem, mas ele descobriu e daí a divisão foi compulsória. Ricardo também sempre cedeu, foi tolerante com as minhas chatices, mas, recentemente não temos feito nada em conjunto a não ser nos visitarmos e nos encontrarmos quando vou para São Paulo ou nos aniversários que não são poucos. Quando ainda éramos solteiros cheguei até a ser “sócio” do Ricardo. Montamos no porão da rua Jaguaribe uma “oficina de concerto de máquinas de escrever”. Eu tomava conta da parte comercial – procurava as máquinas para serem concertadas e Ricardo era da parte técnica. Posteriormente tentamos vender revelações de filmes e cópias de fotografias. Apesar dos negócios não terem sido bem sucedidos, a amizade continuou a mesma. A nossa amizade não foi alimentada por interesses ou objetivos em comum, foi mais espontânea, desprendida, desenvolveu-se através dos laços familiares. Eu morava na Rua Fortunato pertinho da casa dos pais do Ricardo, na rua Jaguaribe. Morávamos nas casas dos pais. A minha mãe era irmã da mãe do Ricardo, nossos pais também eram amigos. Eles eram religiosos e meu pai ajudava na organização das quermesses da Igreja Vicentina, mantinha uma barraca de salgadinhos e bebidas. Eu e Ricardo ajudávamos transportando materiais da minha casa para a barraca. Certa vez a tentação foi maior e cada leva foi precedida por vários goles de vinho, aquele vinho de garrafa envolta em palha. 155 Foram tantos goles e tantas idas e vindas que, bêbados, fomos dormir no galinheiro instalado no fundo do terreno da quermesse. Em outra ocasião fomos comemorar o aniversário do “Strasburgo”, na casa dele, serviram brigadeiro e meia de seda. Todos ficaram tontos –prébêbados– decidimos que deveríamos ir embora evitando vexame, mas, já na rua decidimos amarrar um porre. Éramos eu, Ricardo, Junqueira, Garcia e Nelson. Ricardo confiou uma garrafa de gim, tomou um gole, passou a garrafa para mim, tomei um gole e passei a garrafa para o próximo que assoprou em vez de beber, os três sacanas mancomunados assopraram em vez de beberem, eu e Ricardo ficamos tão bêbados que dormimos no portão do Cemitério da Consolação. A Conceição, quando éramos recém-casados, não gostava do Ricardo, detestava, apesar de achá-lo lindo de morrer. “O Ricardo era muito mentiroso, ele aparecia lá em casa com uma porção de caixas de remédios vazias dizendo que uma tia estava doente, passando muito mal, e que precisava do Zé Antonio para ajudá-lo a levar novos remédios para a tal tia, era tudo mentira, ele queria é tirar o Zé Antônio de perto de mim. Depois conheceu a Carmen Lydia, ficou mais acomodado e também parou de mentir para mim. Era ele que levava meu marido para a gandaia, foi a Carmen que pôs ele nos eixos. Depois que nos casamos e fomos morar no sítio ele, às vezes, aparecia por lá, levava até amigos, como o Garcia e aprontavam, montavam em bezerros, desciam nos poços d’água, comiam frango guardado em lata de banha (vizinhos) e coisas assim”. A Carmen, eu só vim a conhecê-la depois de casada. Carmen foi mantida em segredo por muito tempo, estava escondida pelo Ricardo. Finalmente um dia eles apareceram lá na casa dos pais do Zé Antônio. 156 Ficamos todos muito bem impressionados, ela era simpática, meiga e ficamos amigas desde aquele momento, amizade eterna, 52 anos. Quantas recordações boas, felizes, nós estávamos sempre juntas, inclusive os filhos que só se separavam de nós à noite, quando dormiam e nós jogávamos baralho. Eramos eu e o Flávio que era o melhor jogador, contra Ricardo e José Antônio que sempre ganhavam porque roubavam durante o jogo inteiro. Em nossas vidas não existiu uma amizade maior, mais bonita, mais profunda do que a nossa. Esta amizade se estendeu para filhos e netos. Recentemente, Thiago (neto de José e Conceição) foi o cicerone da Karin (reside nos U.S.A., neta de Carmen e Ricardo) que estava em férias passeando com amigas aqui no Brasil. Karin e Thiago foram muito amigos quando menores até estudaram no mesmo colégio. Às vezes Karin dormia na casa do “Totonho” (José Antônio Filho e pai do Thiago) e assim desenvolveram uma amizade – o Totonho atualmente é o Dr. Justino, Presidente da Johnson & Johnson do Brasil. Por convite e motivação do Ricardo viajamos algumas vezes para o exterior. Tenho boas recordações daquela viagem para Manaus, Cidade do México, Parques Nacionais Americanos, Yosemite e Sequoia, Detroit e Flint. Em outra ocasião fomos para o Canadá, Chicago e depois Mineapolis visitando os sobrinhos. Foram e são várias vidas repletas de amizade que estão sendo perpetuadas pelos nossos descendentes. 157 Nota do Autor. As citações, depoimentos e recordações acima foram feitos na varanda, à beira de um lago do Restaurante Lagoa da Peixada, localizado na estrada que liga Pedreira com Montes Claros, cidade moradia de José Antônio e Conceição. A gravação ocorreu com a participação das cinco pessoas presentes, que vivenciaram juntas, muitos dos momentos lembrados. Foi uma conversa amiga, descontraída, alegre, saudosa, transcorrida no correr de várias horas antes, parcialmente, durante e após o almoço. Deixei de transcrever alguns outros tópicos como: a estória do tamanco da Conceição que em vez de um par tinha comprado duas peças do mesmo pé, o encontro do José Antônio Filho, da Baby com a tia Nenê, a caçada da onça no Jaraguá, as aulas de hidroginástica, as frescuras do Ricardo com comidas, a leitoa assada que o Ricardo queria, Ricardo fazendo e assando pão no forno do sítio e fazendo feijão com toucinho e ainda o papo sobre velhice e a partida final. Tivemos a satisfação de vivenciar momentos de amizade sem interesses, pretensões ou mesmo objetivos. 158 FOI DADA A PARTIDA PARA A ETERNIDADE 159 Aquele elo procurado durante toda uma vida finalmente apareceu: Ciro, neto de Ricardo e Carmen, casou-se no dia 17 de dezembro de 2004. Com Fabiana. O primeiro neto que se casa. Isto quer dizer que o elo com a eternidade pode estar a caminho e que o sangue, a pele, a alma, o DNA – para falar com maior modernidade – de Carmen e Ricardo, poderão estar prestes a ser reproduzidos em pedacinhos esparsos em alguma entidadezinha que qualquer dia destes aparece neste mundo, berrando. E quem não berra ao nascer? O bisneto amado poderá chegar a qualquer momento. Foi dada a partida. E bem no momento em que esta biografia ficou pronta. Coincidência? Há quem afirme que elas não existem: tudo está escrito em algum lugar, num livro, nas nuvens, nas estrelas. Não importa onde. Uma vida de mais de cinqüenta anos de união – uma vida reta, sem mentiras, sem recuos, sem falsidades, uma vida cheia de clareza, de retidão de caráter e de harmonia vai, finalmente, criar seus elos com a eternidade. Parabéns, Ricardo e Carmen, pelo casamento do Ciro. Parabéns pelo futuro. Parabéns pela eternidade. Regina Helena de Paiva Ramos 160