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7.:Layout 1 10/4/10 7:31 PM Page 60 Instituto Cultural São Francisco de Assis Porto Alegre, Rio Grande do Sul Acordes mágicos O ano era 1991. A professora de música Cecília Rheingantz Silveira acabara de ser aprovada em um concurso público para dar aulas de música na Escola Municipal Heitor Villa-Lobos, em Porto Alegre. Apesar de levar o nome do mais importante maestro brasileiro, a escola não contava com a disciplina em sua grade curricular. A Lomba do Pinheiro, bairro onde fica o colégio, era mais conhecida na capital gaúcha por seus altos índices de violência. Passados quase 20 anos, os resultados obtidos por Cecília, demonstram que a música pode ser uma poderosa ferramenta de transformação social. A Orquestra Villa-Lobos, como hoje é conhecida, é o orgulho da comunidade, um exemplo de sucesso para dezenas de projetos semelhantes que se espalharam Brasil afora e, acima de tudo, uma esperança para dezenas de crianças e jovens da Lomba do Pinheiro. Vitor Hugo Ferreira Borba, de 7 anos, cursa o 2º ano do Ensino Fundamental. Morador da Vila Mapa, uma das comunidades da Lomba, está aprendendo a ler ao mesmo tempo a partitura e as letras do alfabeto. Antes mesmo de escrever uma frase completa, já era capaz de tocar músicas do início ao fim. Terceiro de quatro filhos, o cotidiano do pequeno Vítor, como de tantas crianças de comunidades pobres, seria passar as manhãs ocioso, em casa, aguardando o momento de ir para a escola. Por isso, a mãe, Francisca, procurou a professora da orquestra e insistiu para matriculá-lo na mesma turma de um dos seus irmãos mais velhos. Cecília percebeu que o garoto, apesar de muito novo, era esperto, e aceitou. “O Vitor é um menino muito interessado e gosta de música. Vejo o quanto ele se sente feliz aqui e fica chateado quando a aula acaba. E 7anos olha que ele chega aqui cedinho, de manhã”, diz Keliezy Conceição Severo, de 24 anos, ex-aluna da Orquestra, hoje professora, graduada em música. Feliz da vida, Vitor conta que está muito satisfeito em ter a flauta doce como companhia, mas – como quase todas as crianças dessa idade – sonha em ser bombeiro. Mesmo assim, se daqui a dez Vitor Hugo Ferreira Borba 7.:Layout 1 10/4/10 7:31 PM Page 61 7.:Layout 1 10/4/10 7:31 PM Page 62 anos Vitor vier a se tornar um músico profissional, não pedem para entrar no grupo, com total incentivo dos será surpresa para ninguém na comunidade. Não terá pais”, conta Cecília. “Sabe, me vejo um pouco no Vitor e em todos os sido o primeiro caso. Nem o segundo. Sequer o último. meus alunos. Sou como uma mãe coruja e fico querenAção exemplar do que sejam músicos. Mas sei que o importante é que Uma única ação, no caso uma orquestra, não é o levem o conjunto de regras que aprendem aqui, na Or- suficiente para mudar o perfil de um bairro, onde vivem questra, para suas vidas”, diz Keliezy. A moça começou aproximadamente 70 mil pessoas. Mas pode ser um na Orquestra aos 10 anos, em 1996. “Eu era uma criança exemplo que transforma a vida de crianças e adoles- muito agitada e a sala de aula não dava conta. Só a mú- centes, quebrando o paradigma do sucesso ligado às sica me motivava”, lembra. Hoje, ela faz parte da equipe drogas e à violência, modelo que impera nas periferias de 17 profissionais que acompanham a orquestra, insti- dominadas pelo tráfico. No caso da Orquestra Villa-Lobos, tucionalizada por meio do apoio do Criança Esperança. tudo isso se deu por meio da música e da criação de uma atividade extracurricular que começou com apenas 11 Profissionalização alunos interessados em aprender a flauta doce nos Com tantas respostas positivas, apenas as mãos da horários vagos. “Um ex-aluno nosso saiu da escola e professora Cecília não eram mais suficientes para reger entrou para o tráfico. Tempos depois, me procurou para essa turma toda. A Orquestra, então, se uniu ao Instituto voltar para o projeto. Foi a maneira que ele viu de salvar São Francisco de Assis, uma ONG ligada à Ordem sua vida. Foi acolhido com a condição de voltar a Franciscana. Hoje são 310 alunos, 13 atividades e 67 estudar. Passou de referência como traficante a refe- turmas, de manhã à noite, seis dias por semana. rência como músico. Posso garantir que é um percus- Violoncelo, violino, piano, cavaquinho, flauta doce, violão sionista de primeira”, orgulha-se Cecília. e percussão compõem a orquestra. Ainda há oficinas A música, diz Cecília, “devolve a autoestima às de expressão corporal, montagem de instrumentos a crianças com muita vivacidade, já que, em pouquíssimo partir de sucata e um coro formado por professores e tempo, é possível ver os resultados do aprendizado”. ex-alunos da Escola Villa-Lobos. Para a professora, é visível a mudança de perspectiva da É grande a disputa para fazer parte do seleto time de comunidade. “No início, os pais não frequentavam as 40 músicos, que já gravou dois CDs e se apresenta 60 vezes reuniões, porque achavam que só iam ouvir que os filhos por ano, em Porto Alegre, no interior gaúcho e em outros estavam indo mal e desinteressados. Hoje eles acom- estados brasileiros. Desde sua criação, a orquestra fez panham de perto cada avanço e as próprias crianças 800 apresentações para um público de 200 mil pessoas. 62 7.:Layout 1 10/4/10 7:31 PM Page 63 “A música é um meio de sensibilização, e as crianças aqui estão precisando disso”, diz Keliezy, ela mesma uma menina criada na Lomba e até hoje moradora da comunidade. “Se a gente quer mudar nossa vida, tem que se esforçar, e nossos alunos aprendem isso aqui na prática do dia a dia”. Para as mães dos alunos, Keliezy é um exemplo: se ela conseguiu, os filhos delas também podem. Apesar do nítido orgulho com que Cecília vê os ex-alunos seguindo seus passos, ela sabe que este não é o foco do projeto. “A música coletiva ensina o dia a dia, e isso é o mais rico do projeto. Mais do que capacitar para o mercado, a intenção é descobrir as competências do grupo, ajudá-los a se organizar para que saibam improvisar não apenas na música, mas na vida, quando estão longe dos instrumentos”, compara a criadora da orquestra. Meses atrás, a mãe de um dos alunos chegou à escola com um recorte de jornal. Na verdade, a capa. No destaque, a foto de um dos meninos durante uma apresentação. Naquele dia, como em muitos outros em que a Orquestra é notícia, a Lomba do Pinheiro foi manchete – e não por causa da violência. Orquestra Villa-Lobos é um dos orgulhos do bairro da Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre. Os 40 músicos já gravaram dois CDs e fazem 60 apresentações por ano. 63 CONTEXTO 7.:Layout 1 10/4/10 7:31 PM Page 64 1992 Defesa da infância ganha força política; erradicação do trabalho infantil entra na agenda Campanha Criança Esperança é premiada por suas ações de divulgação em prol da infância. Xuxa e os Trapalhões também. A cidade natal de Renato Aragão recebe o prêmio Criança, Paz e Educação Em 1992, a campanha Criança Esperança foi reconhecida por sua contribuição na luta contra os problemas que afligiam a infância brasileira e recebeu medalha no Encontro Mundial de Cúpula pela Criança (World Summit for Children). Durante o show deste ano, realizado no estádio Gigantinho, em Porto Alegre, a apresentadora Xuxa Meneghel também foi homenageada. O especial teve a paz como tema. No ano de 1992, o poder público assumiu compromissos mais definidos quanto à concretização dos direitos afirmados no Estatuto da Criança e do Adolescente. As informações sobre o tema foram transmitidas às regiões mais distantes do país, onde as crianças e os adolescentes pouco ou nada sentiam em relação aos avanços assegurados pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. A luta pela erradicação do trabalho infantil ganhou força, e o país avançou muito nas estratégias de imunização de doenças entre as crianças menores. Compromisso público Os governadores de 24 estados e do Distrito Federal reuniram-se em Brasília para assinar uma Declaração de Compromissos. No documento, comprometeram-se a dirigir suas gestões para a qualidade e a eficiência de quatro pontos básicos: saúde, ensino fundamental, combate a todas as formas de violência contra a criança e cumprimento das metas estabelecidas na Cúpula Mundial pela Infância. Era um período de forte ebulição em relação à infância. Um grupo de comunicadores organizou-se para criar uma instituição que trabalhasse as informações sobre o tema de forma dirigida aos jornalistas que atuavam nas redações, para qualificar o noticiário. Assim, surgiu a Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), com sede em Brasília. Da capital federal, a Andi criou uma rede nacional de “Jornalistas Amigos da Criança”, aumentou o escopo de sua atuação e, anos mais tarde, contou, como muitas outras ONGs brasileiras, com o apoio do Criança Esperança. Trabalho Para diminuir o dramático número de crianças trabalhadoras, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) lançou o Programa Internacional para Erradicação do Trabalho Infantil (IPEC). Com o apoio técnico da instituição, o Brasil foi um dos seis primeiros países a aderir ao programa. Era preciso adotar medidas urgentes: segundo a própria OIT, em 1992, cerca de 3,8 milhões de crianças e adolescentes brasileiros de 10 a 14 anos trabalhavam – o equivalente a mais de 22% das pessoas nesta faixa etária no país. Nesse meio tempo, a Folha de S. Paulo, seguindo as denúncias feitas pelos movimentos 64 em defesa da infância no Norte e no Nordeste, publicou uma série de reportagens, relatando a realidade das meninas exploradas sexualmente na Amazônia. O jornal denunciou leilões de virgens, abortos precoces e cativeiros com escravas sexuais de 12, 13 anos em garimpos distantes. Com o material, publicou o livro “Meninas da noite”. Dois anos depois, o tema ganhou visibilidade no exterior, ao ser exibido em um documentário produzido pela rede norteamericana ABC News. Of Human Bondage: Slavery Today (Servidão humana: escravidão hoje) revelou que, novamente, havia meninas escravizadas sexualmente em garimpos brasileiros. Foi a última onda de que se teve notícia das pequenas escravas nessa região do país nos anos 1990. O documentário recebeu diversos prêmios. Sarampo Avanço marcante também foi feito na área da saúde infantil. Em 1992, foi implementado o Plano Nacional de Eliminação do Sarampo – doença que, até o início da década de 1990, era endêmica no país, tendo picos epidêmicos a cada dois ou três anos. Com a combinação das vacinas SR e MMR, oferecida a crianças e adolescentes de 9 meses a 14 anos de idade nos postos de saúde, dava-se início ao quadro de diminuição significativa do número de casos de rubéola e sarampo. Foto: Arquivo Pastoral da Criança 7.:Layout 1 10/4/10 7:31 PM Page 65 Nelson Arns Neumann Coordenador da Pastoral da Criança Internacional Coordenador adjunto nacional da Pastoral da Criança “Lembro ainda hoje da alegria de minha mãe, Zilda, vendo o primeiro show do Criança Esperança e, depois, da sua participação na TV. Ela sempre comentava, entusiasmada, sobre o alcance do Programa na valorização do trabalho voluntário da Pastoral da Criança e no reforço do compromisso coletivo dos brasileiros na busca de uma vida plena para todas as crianças. Ainda que os recursos sejam fundamentais para a Pastoral, esses aspectos que levantei têm ainda maior valor. A Pastoral da Criança recebe apoio do Criança Esperança, em especial para a Educação de Jovens e Adultos, para as Ações nos Municípios de Risco do Norte e Nordeste e para a Ação Brinquedos e Brincadeiras, que defende o direito de a criança brincar, além do apoio e incentivo a diversas campanhas. Parabéns, Criança Esperança! Somos parceiros há 24 anos, demonstrando à população brasileira que a vida em abundância é possível para todas as nossas crianças.” 65
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