Ligação para o PDF sobre Movimento Browniano

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Ligação para o PDF sobre Movimento Browniano
Movimento Browniano
Michael Fowler
Universidade de Virgínia
Veja o ficheiro HTML anexo a este documento com a simulação do movimento Browniano.
Introdução: Agitando os Grãos de Pólen
Em 1827, Robert Brown, um famoso botânico, estudava as relações sexuais entre plantas, com particular
interesse nas partículas contidas nos grãos de pólen. Começou por estudar uma planta (Clarckia
pulchella) na qual observou que os grãos de pólen continham grânulos alongados de 5 micrómetros de
comprimento. Observou também que estes grânulos estavam constantemente em movimento, e esse
movimento não era provocado por movimentos de fluidos ou evaporação. Os grãos esféricos mais
pequenos, que inicialmente lhe pareceram alongados, tinham um movimento ainda mais expressivo. De
início julgou estar a observar para o equivalente ao esperma nas plantas – agitavam-se porque estavam
vivos. Para verificar esta hipótese, fez a mesma experiência com plantas mortas e continuou a observar o
mesmo grau de agitação. Talvez toda a matéria orgânica, tudo o que alguma vez esteve vivo, ainda
contivesse alguma força vital misteriosa a nível microscópico? Certo de ter encontrado a resposta,
observou o mesmo movimento em pequenos fragmentos de madeira fossilizada! Mas também o observou
em matéria que nunca pertenceu a nenhuma forma de vida – pequenas partículas do vidro de uma janela e
até o pó de uma rocha que tinha pertencido à Esfinge. O movimento não estava relacionado com o fato de
a substância ter estado viva ou morta, o que surpreendeu Brown. Então o que estava a provocar esse
movimento? Talvez fossem correntes de evaporação, ou a energia da luz incidente, ou apenas pequenas
vibrações nas quais Brown não tivesse reparado. Mas nenhuma destas explicações era satisfatória.
Meio século mais tarde, uma nova e possível explicação surgiu. A teoria cinética, desenvolvida por
Maxwell, Boltzmann e outros ganhava adeptos. Se todas as moléculas de um fluido possuíam de fato um
movimento expressivo, talvez estes pequenos grânulos se movessem por este constante “bater” que
sofriam de todos os lados, à medida que as moléculas do fluido se moviam. Mas havia um problema com
esta explicação: não violava a segunda lei da termodinâmica? Tinha sido demonstrado que a energia se
degrada, à medida que o atrito afeta o movimento e a energia cinética se transforma em calor. Parecia ser
o contrário do observado – o choque das moléculas devia-se certamente à energia sob a forma de calor,
mas quando o grânulo se movia, a sua energia cinética aumentava. Uma vez que muitos cientistas
consideravam a segunda lei da termodinâmica como uma verdade absoluta, permaneciam muito céticos a
esta explicação.
Em 1888, o experimentalista francês Léon Gouy investigou o movimento em detalhe, e descobriu que
este é mais intenso em líquidos de menor viscosidade. Demonstrou que não é afetado por uma iluminação
mais intensa ou por um campo magnético mais forte. Apesar da segunda lei da termodinâmica, Guoy
acreditava – corretamente – que este movimento aleatório era de fato gerado pela energia térmica
associada à colisão molecular.
É fácil de observar o movimento browniano ao observar através do microscópio o fumo de tabaco no ar.
Experimente!
A Teoria de Einstein: a Analogia da Osmose
Em 1905, Einstein publicou uma análise teórica sobre o movimento Browniano. Viu-o como um teste
crucial da teoria cinética, até mesmo da natureza atómica/molecular da matéria. As discussões prévias
sobre o fenómeno haviam sido todas qualitativas – Einstein demonstrou que a observação atenta do
movimento Browniano podia revelar o real tamanho das moléculas, isto é, encontrar o número de
Avogadro.
Se os resultados de tal experiência fossem consistentes com outras estimativas para o número de
Avogadro, com base em fenómenos não relacionados como as medições para a viscosidade de um gás e a
equação de estado de van der Waals para os gases reais, seria um poderoso argumento para a teoria
cinética. Por outro lado, se não existisse tal consistência, então a teoria cinética estaria em risco.
A abordagem de Einstein baseava-se numa analogia com a osmose: lembremo-nos que a osmose envolve
uma substância (o soluto) dissolvida noutra, o solvente. O soluto possui moléculas maiores. Agora
imagine um recipiente dividido em dois por uma membrana semipermeável, de modo a que as moléculas
de solvente conseguem passar pelos pequenos orifícios da membrana, mas as moléculas de soluto, por
serem maiores, não conseguem atravessar. Suponha que num dos lados da membrana está o solvente
puro, enquanto do outro lado está o solvente misturado com o soluto (assumindo que o soluto está
diluído) e, inicialmente, a pressão dos dois lados da membrana é a mesma. A pressão do lado que contém
o soluto é gerada pelas moléculas de solvente e pelas de soluto que chocam com a membrana, e por isso a
taxa com que as moléculas de solvente chocam com a membrana é menor do que do outro lado. Uma
percentagem das moléculas de solvente que chocam com a membrana conseguem atravessar para o outro
lado através das pequenas aberturas da membrana, e portanto o que acontecerá é que cada vez mais
moléculas conseguirão passar do lado do solvente puro para o lado que contém a solução, e gradualmente
a pressão aumentará do lado da solução até que o equilíbrio seja atingido e, em média, igual número de
moléculas de solvente consigam atravessar a membrana de ambos os lados.
Einstein afirmava que um líquido contendo um grande número de pequenas partículas, tal como as
observadas no movimento Browniano, não era diferente de um solvente contendo moléculas de soluto. É
verdade, as partículas Brownianas eram bastante maiores que as moléculas, mas tinham movimento e
chocariam por isso com as paredes do recipiente, gerando pressão. A análise deveria ser portanto a
mesma: a teoria cinética, considerando uma igual distribuição de energia, previa que teriam energia
cinética 1.5kBT. Se a concentração de partículas no mesmo espaço variasse, existiria um fluxo para tentar,
neste caso, manter o equilíbrio.
Uma vez mais Einstein utilizou uma analogia com a osmose: pense num recipiente cilíndrico, com uma
membrana semipermeável que se move livremente. A concentração de soluto é inicialmente maior do
lado esquerdo da membrana.
Membrana semipermeável que se move livremente.
A cor representa a concentração de soluto.
É óbvio que o fluxo de solvente ocorrerá para o lado esquerdo, aumentando a pressão aí, e portanto a
membrana move-se para o lado direito. As moléculas de soluto não conseguem atravessar a membrana, e
por isso a membrana irá mover-se até que a concentração de soluto dos dois lados seja igual.
O resultado torna-se surpreendente ao assumirmos uma igual distribuição de energia, a pressão na
membrana provocada pelo soluto de um dos lados é idêntica à que existiria se as moléculas de soluto se
movessem livremente no vácuo.
Apesar de a trajetória por onde se movem livremente ter sido encurtada, isso não é relevante: a pressão
depende apenas da concentração na vizinhança imediata da membrana, e da velocidade das moléculas. E
isto é igualmente verdadeiro, se as moléculas de soluto forem substituídas por esferas macroscópicas.
Pelo menos era o que Einstein afirmava, e forneceu uma prova baseada numa avaliação da energia livre,
assumindo que se tratava de um sistema de diluição (o que significa que as interações entre os grânulos
esféricos podem ser desprezadas).
Portanto podemos pensar nas pequenas esferas movendo-se livremente pelo espaço (!) e, apesar de as suas
trajetórias serem muito diferentes, os cálculos da pressão local baseados nesta ideia devem estar corretos:
a pressão nas paredes do recipiente causada pelos grânulos é assim dada pela lei dos gases ideais, pelo
que ficaria:
̅̅̅
̅̅̅̅̅̅̅̅
̅̅̅̅̅̅
Onde a energia cinética média é dada por W, e – se a teoria cinética estiver correta – deve igualar 1.5KBT.
Uma atmosfera de Esferas Amarelas
Como pode ser isto demonstrado experimentalmente? Como veremos já de seguida, a primeira
experiência utilizou pequenas esferas, todas do mesmo tamanho, em substituição dos grânulos. O
̅̅̅̅̅̅̅̅
primeiro pensamento óbvio é que se a previsão para
é 1.5KBT, talvez seja possível medir várias
vezes a velocidade de agitação da pequena esfera e efetuar a média dessas medições. Este processo,
contudo, ignora a natureza do movimento: uma molécula ressalta da superfície da esfera cerca de 1020
vezes por segundo, e embora isso tenha apenas uma ligeira influência na velocidade da esfera, num
centésimo de segundo o desequilíbrio médio, √N, será da ordem dos 109, o suficiente para provocar
alterações na velocidade da esfera. E todas as alterações sucessivas são completamente aleatórias no que
toca à direção, portanto é tão inútil como tentar medir a velocidade de moléculas de H2S no ar, ao libertálo numa ponta da sala e esperar que o cheiro atinja a outra ponta.
É necessário um método um pouco menos direto para determinar
̅̅̅̅̅̅̅̅
. É bem sabido que numa
atmosfera isotérmica composta por um gás ideal e sujeita à gravidade, a densidade diminui
exponencialmente com a altitude. Isto é demonstrado ao tentar equilibrar a força gavitacional com a
diferença de pressão entre a parte de cima e a de baixo de uma secção fina e horizontal de gás. Ocorreu ao
experimentalista francês Jean Perrin que este mesmo argumento se aplicava a um “gás” constituído por
pequenas esferas uniformes num fluido: a sua pressão é gerada pelo movimento Browniano. Em 1908,
começou a trabalhar com uma emulsão utilizada na pintura e que continha esferas amarelas e brilhantes
de vários tamanhos. Através de vários e engenhosos truques descritos no seu livro, foi capaz de separar da
emulsão esferas com aproximadamente o mesmo tamanho. Foi capaz de medir o tamanho e conhecia a
densidade - e a do “solvente” – de forma a conseguir determinar a atração gravitacional. Conseguiu
também de terminar a diminuição da densidade com a altitude num equilíbrio isotérmico.
O cálculo foi o seguinte: para uma camada horizontal de espessura dh, com n esferas por unidade de
volume, cada uma de volume φ e densidade Δ, num líquido de densidade δ (utilizo aqui a notação de
Perrin), a força gravitacional descendente na camada é ndh φ(Δ - δ), que é equilibrada pela diferença de
pressão:
.
Pode-se facilmente integrar para obter o perfil exponencial da densidade vertical.
.
Perrin conseguiu estabelecer, por observação e medição, todos os termos da equação exceto W, e portanto
esta foi a forma de medir W, assumindo que a teoria cinética é válida.
Igualando agora W a 1.5kBT obtém-se o valor da constante de Boltzmann, e assim, por via da constante
dos gases R = NAkB, um valor para o número de Avogadro.
Perrin repetiu a experiência para um grande número de substâncias, e os resultados obtidos para o número
de Avogadro oscilavam entre 5x1023 e 8x1023. Perrin notou que se os grânulos maiores se comportassem
como um gás ideal, 1 mole teria uma massa de 200 000 toneladas! Os resultados eram consistentes com
os obtidos por outros métodos diferentes na determinação do número de Avogadro, e estas experiências
convenceram até os mais relutantes céticos da teoria atómica. A teoria cinética estava totalmente
demonstrada.
Teoria de Langevin
Em 1908, Langevin tratou o movimento Browniano de forma mais direta. Concentrou-se em seguir o
movimento de agitação de uma partícula. Vamos seguir o seu raciocínio, restringindo o movimento a
apenas uma dimensão – assumindo que as colisões moleculares que originam o movimento são
completamente aleatórias, os movimentos nas três direções não estão relacionados, e por isso podem ser
trabalhados separadamente e em seguida adicionados. Por último, vamos desprezar a gravidade, bem
como outros campos de forças externos.
Vamos assumir, então, que estamos a seguir um pequeno objeto esférico, de massa m e raio a. Este sofre
uma força de atrito, devido à viscosidade, de valor
(a fórmula de Stokes). Designaremos a força
devida às colisões moleculares aleatórias por X, que tem um valor médio de zero.
Assumindo que a igual distribuição de energia se aplica também à energia cinética da nossa esfera,
̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅
sendo a média obtida num intervalo de tempo grande.
A equação do movimento ma = F é:
.
Ao multiplicar tudo por x, fica
.
que pode ser escrita
(
)
(
)
Efetuaremos agora a média para um intervalo de tempo grande:
̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅
Uma vez que X é aleatório, ̅̅̅̅
. E
̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅̅
(
)
̅̅̅̅̅̅̅̅̅
̅̅̅̅̅̅̅
. As operações da média e da derivação em
função do tempo são comutativas, por isso:
̅̅̅
Para resolver esta equação diferencial, escreve-se
̅̅̅̅
̅̅̅
̅̅̅
.
. Obtém-se:
A solução é
.
Para os sistemas examinados experimentalmente, o termo exponencial desaparece em bem menos que um
microsegundo, portanto para uma partícula que parte da origem:
̅̅̅
De modo que:
̅̅̅
Realizando múltiplas experiências e médias, a constante de Boltzmann, kB, pode ser determinada, e a
partir dela o número de Avogadro.
Repare que
̅̅̅
também aparece na discussão das trajetórias e do movimento molecular aleatório – é
tudo o mesmo.
Exercícios:
1 – Estime qual o tempo de decaimento do termo exponencial na expressão integrada de y(t) discutida
anteriormente. Será necessário determinar a viscosidade da água, e estimar o tamanho da esfera como
sendo de poucos micrómetros.
2 – Estime o quão rapidamente a densidade das esferas amarelas diminui com a altitude na atmosfera de
Perrin.
3 – Repare que a distância média percorrida na última equação demonstrada depende da energia cinética,
do tamanho e da viscosidade. Isso significa que uma pequena esfera de chumbo irá percorrer a mesma
distância, em média, que uma pequena esfera de óleo do mesmo tamanho. Mas não está o chumbo a
mover-se mais lentamente, uma vez que tem a mesma energia cinética? Explique.
Bibliografia
Sobre o trabalho de Brown, ver A Source Book in Physics, W. F. Magie, Harvard, 1963, onde várias
páginas do documento original são reproduzidas.
Albert Einstein: Investigations on the Theory of the Brownian Movement, Dover, New York, 1956.
Jean Perrin: Brownian Motion and Molecular Reality, Dover, New York, 2005.
Tradução de notas de Langevin: Am. J. Phys. 65 (11), Novembro 1997, 1079.
Wolfgang Pauli: Pauli lectures on Physics Volume 4, Statistical Mechanics. Dover, New York, 2000,
página 64.
© Michael Fowler, Universidade de Virgínia
Casa das Ciências 2012
Tradução/Adaptação de Nuno Machado e Manuel Silva Pinto

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