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REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 UTILIZAÇÃO DE INFORMAÇÕES RECEBIDAS DAS ADMINISTRADORAS DE CARTÃO DE CRÉDITO PELO FISCO: uma questão de legitimidade Antônio José de Albuquerque Moreira1 Soraia Mônica Fonseca Murta2 Resumo A voracidade com que os Órgãos de Fiscalização Estatais avançam em direção aos contribuintes, que impotentes quanto à defesa, buscam maneiras de evitar serem autuados, uma vez que ao serem apontados como possíveis sonegadores, já não conseguem mais provar a sua inocência. As Secretarias de Estado de Fazenda, de modo geral, utilizam como procedimento fiscal o cruzamento dos dados que lhe são fornecidos pelas administradoras de cartão de crédito, débito e similares, através das DAPI’s3, que são as declarações mensais de apuração do ICMS 4. Cada Estado da Federação possui sua legislação própria, que, mais que um arcabouço jurídico, é um calabouço de leis que complicam, confundem e oneram em tempo e dinheiro os contribuintes. A utilização de Informações Fiscais recebidas das administradoras de Cartão de Crédito e débito tem gerado muitos questionamentos quanto a Legitimidade da operação, quais sejam: a) A constitucionalidade de o Estado obrigar as empresas Administradoras de cartão de crédito e débito informar sobre as operações realizadas e, sobretudo para quem foram emitidas as faturas, haja vista a inviolabilidade do sigilo dos dados; b) A validade das provas adquiridas pelo Fisco, através da análise das informações apresentadas pelas Administradoras de Cartão de Crédito e débito; c) A necessidade de autorização do Poder Judiciário para a decretação de quebra do sigilo de dados, para que não configure a chamada cláusula de reserva de jurisdição. Palavras-chave: Direito Tributário. Sigilo Fiscal. Instituições Financeiras. Cartão de Crédito. Sumário: 1 Introdução. 2 Princípios constitucionais. 3 Imposto estadual – ICMS. 4 Procedimentos do fisco de Minas Gerais. 5 Considerações finais. 6 Referências. 1 Graduado em Administração de Empresas pela Universidade FUMEC. Pós-graduado em Administração Financeira pela Fundação Dom Cabral e Pós-graduado em Comércio Internacional pela Universidade de Alicante/Espanha. 2 Professora de Direito na Faculdade Arnaldo Janssen. Graduada em Direito pela PUC/MG e Mestre em Direito Constitucional pela UFMG. Advogada. 3 DAPI: Declaração de Apuração e Informação do ICMS 4 ICMS: Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação. Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 1 Introdução A obrigatoriedade do envio de informações fiscais, através de banco de dados, pelas Administradoras de cartão de crédito, débito e similares, está regulamentada em Minas Gerais desde dezembro de 2007, com a entrada em vigor da Lei estadual nº 17.247. O uso de informações fiscais pelas Secretarias Estaduais de Fazenda é objeto de constante embate entre as empresas, o Fisco e o Judiciário. O cotejo das informações prestadas pelos contribuintes, através da Declaração de Apuração e Informação do ICMS - DAPI apontam apenas indícios de omissão de receita de vendas, que além do descumprimento de obrigação acessória (mera obrigação administrativa), implica divergência relativa à supressão ou recolhimento a menor de ICMS, mediante utilização de técnicas uniformes e padronizadas nas Unidades Estaduais da Secretaria de Estado de Fazenda. Estes indícios constituem elementos que são obtidos no cruzamento de dados que são informados ao Fisco, através dos arquivos eletrônicos e contidos em bancos de dados das Secretarias de Estado de Fazenda. A possível conduta delituosa será apurada através de procedimento fiscal investigatório e quantificada em demonstrativos próprios, proporcionando, de antemão, ao contribuinte à denúncia espontânea. As Secretarias de Fazenda, de modo geral, defendem que o cruzamento de dados é uma importante ferramenta para o planejamento e desenvolvimento dos trabalhos de fiscalização e, que a legitimação do uso das informações fornecidas pelas administradoras de cartões de crédito débito e similares é garantida pelas leis e decretos estaduais. Sendo que a legislação contempla e classifica o cruzamento eletrônico de dados como procedimento fiscal auxiliar, o qual, não caracteriza início de ação fiscal. Esta legislação, em especial nos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Maranhão e Goiás é que dá legitimidade ao uso das informações fornecidas por administradoras de cartões de crédito, débito e similares, que sob pena de embaraço à fiscalização, obriga as empresas a prestarem informações à Fazenda Estadual. 52 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 Todavia, as Empresas alegam que a Secretaria de Fazenda só pode examinar estes documentos fiscais que lhes são enviados, quando e se houver um processo administrativo fiscal instaurado ou em processo judicial em curso contra a empresa. Na verdade, ultimamente, as inúmeras obrigações impostas aos contribuintes brasileiros, possibilitam ao Fisco efetuar uma espécie de investigação eletrônica sobre todas as pessoas, físicas ou jurídicas, através da análise dos dados, disponível em seus arquivos e, fornecidas por estas próprias pessoas. 2 Princípios constitucionais A Constituição da República Federativa do Brasil – CR/88, em seu Artigo 5º, busca assegurar através do princípio da dignidade humana, a privacidade e a ordem pública, que a vida em sociedade pressupõe e, incluída também a segurança e estabilidade, não podendo haver surpresas intempestivas; princípio do devido processo legal que tem como premissa básica o direito de acesso ao Judiciário. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...) XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; Analisando os dispositivos constitucionais, podemos supor que o sigilo de dados só poderá ser quebrado pelo Poder Judiciário, por ser direito individual da Pessoa, evitando com isso a insegurança jurídica, que pode gerar prejuízos imensuráveis à ordem jurídica nacional. A igualdade perante a lei mostra-se na substituição do governo dos homens pelo governo das leis, aproximando-se a isonomia do princípio da legalidade. A 53 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 igualdade na lei (ou através da lei) se mostra como a paridade entre pessoas perante situações semelhantes ou, no plano da diferenciação possível, como a disparidade entre pessoas, em face de situações dessemelhantes. É importante ressaltar, que a Constituição de República Federativa do Brasil respalda o direito coletivo, a isonomia dos benefícios sociais, que são estendidos a todos e que a arrecadação dos impostos, se faz necessária para possibilitar a efetiva distribuição dos benefícios sociais, saúde, transporte, educação, segurança dentre outros. Portanto, é função precípua do Estado, zelar pelo efetivo cumprimento dos deveres de recolhimento dos tributos, para que assim seja possível sua distribuição em forma de benefícios. Nesse sentido, o art. 6º da CR/88: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. O princípio da isonomia ou igualdade tributária está representado no Artigo 150, II da CR/88, nos seguintes termos: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...). II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; De acordo com Sabbag5, o princípio da isonomia fixa “a priori” de que todos são iguais perante a lei, não excluindo assim, a possibilidade de se promover tratamento baseado em premissas fixadas em lei, como por exemplo, a possibilidade do tributo progressivo e as isenções que visam incentivar determinadas regiões geográficas ou setores da economia. Este princípio é também conhecido por “princípio da proibição dos privilégios odiosos”, na medida em que visa coibir a discriminação, veiculadora de favoritismos por meio da tributação. 5 SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 54 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 a) Princípio da razoabilidade Para Paulsen6, o princípio da Razoabilidade aplica-se: - Primeiro, como diretriz que exige a relação das normas gerais com as individualidades do caso concreto, quer mostrando sob qual perspectiva a norma deve ser aplicada, quer indicando em quais hipóteses o caso individual, em virtude de suas especificidades, deixa de se enquadrar na norma geral; - Segundo, como diretriz que exige uma vinculação das normas jurídicas com o mundo ao qual elas fazem referência, seja reclamando a existência de um suporte empírico e adequando a qualquer ato jurídico, seja demandando uma relação congruente entre a medida adotada e o fim que ela pretende atingir e: - Terceiro, como diretriz que exige a relação de equivalência entre duas grandezas. A transgressão á razoabilidade na imposição de medidas tributárias, será flagrantemente inconstitucional, por ter caráter de arbitrariedade, permitindo eficaz controle pelo Poder Judiciário. b) Princípio da proporcionalidade De acordo com Paulsen7, este princípio tem sido aplicado pelo Supremo Tribunal Federal – STF, em decorrência dos princípios do Estado de Direito e do Devido Processo Legal (Artigo 1º e 5º, LIV, CR/888). Seguindo o mesmo caminho, a Lei nº 9.784/99 em seu artigo 1º, Parágrafo Único, VI, além de estabelecer a proporcionalidade como diretriz da Administração Pública, exige a sua atuação segundo o critério de adequação entre meios e fins, vedando a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquela estritamente necessária ao atendimento do interesse público. 6 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e Jurisprudência. 9 ed. Porto Alegre – Livraria do Advogado: ESMAFE, 2007, p.840. 7 Idem, nota 6. 8 CR/88: Constituição da República Federativa do Brasil – 1988. 55 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 Assim, um meio é adequado se promove o fim, um meio é necessário se, dentre todos aqueles meios igualmente adequados para promover o fim, for o menos restritivo relativamente aos direitos fundamentais, sendo, portanto, um meio é proporcional, em sentido estrito, se as vantagens que promove superam as desvantagens que provoca. Para Canotilho9, o princípio da proporcionalidade é um princípio constitucional que diz respeito à limitação do poder executivo, sendo considerado como medida para as restrições administrativas da liberdade individual e, conhecido também por princípio da proibição de excesso. Na qualidade de regra de razoabilidade e através dela, o juiz tenta avaliar caso a caso as dimensões do comportamento razoável tendo em conta a situação de fato e a regra do precedente. O Princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso é, hoje, assumido como um princípio implícito de controle exercido pelos Tribunais sobre a adequação dos meios administrativos à prossecução do escopo e ao balanceamento concreto dos direitos ou interesses em conflito. Portanto, é possível ao Cidadão, contestar a Administração Pública (o Poder Público de modo geral) quando este se sentir lesado por aquela, ou verificar se a Administração se pauta por critérios de necessidade, proporcionalidade e razoabilidade. Para Alexandre Moraes10, no campo tributário, o que se exige da Administração Pública é uma coerência lógica na utilização e imposição de suas competências tributárias, bem como na aplicação dessas medidas restritivas. Portanto, a imposição ou majoração de um tributo somente será adequada se, para alcançar sua finalidade desejada, causar o menor prejuízo possível ao contribuinte e se houver proporcionalidade entre as vantagens que dela derivam e suas desvantagens. c) Princípio da inviolabilidade 9 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 267-269. 10 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 28. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p 922. 56 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 Destaque do Ministro Celso de Mello11. ... a Constituição Federal prescreve em seu Artigo 145, §1º, que a Administração tributária está sujeita, na efetivação das medidas e na adoção de providências que repute necessárias, ao respeito incondicional aos direitos individuais, dentre os quais avulta, por sua indiscutível importância, o direito à inviolabilidade domiciliar. Daí a observação de Ives Gandra Martins reiterada por Sacha Calmon Navarro Coelho – no sentido de que os poderes de investigação do Fisco estão essencialmente limitados pelas cláusulas subordinantes da Constituição Federal, cujas prescrições proclamam a necessidade de efetiva submissão do poder Estatal aos direitos individuais assegurados pela lei Fundamental. Portanto, o direito de fiscalizar é um direito inerente à Administração dentro das regras próprias do direito administrativo. E como a Constituição garante os direitos individuais, à evidência, garante a inviolabilidade do domicílio nos termos do Artigo 5º, XI , com o que o Fisco, pela nova Constituição, não tem mais direitos do que aqueles que tinha com a Constituição pretérita. De acordo com Alexandre Moraes12 esta nova perspectiva é reiterada pelo STF, que afirma não serem absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da Administração tributária, pois o Estado, em termos de Tributação e fiscalização tributária, está sujeito à observância dos direitos e prerrogativas que assistem constitucionalmente aos Contribuintes e aos Cidadãos em geral e, consequentemente, ilícitas são as provas assim obtidas. A inviolabilidade do sigilo de dados, constante no Artigo 5º, XII da CR/88, complementa a previsão do direito à intimidade e vida privada do Artigo 5º, X, sendo que ambas pretendem assegurar proteção à vida privada da pessoa física ou jurídica. Há de ressaltar, que a inviolabilidade à intimidade e sigilo dos dados, são consideradas como cláusulas Pétreas da Constituição da República (Artigo 60, § 4º, IV) e, que portanto não podem ser abolidas ou mesmo modificadas. O Supremo Tribunal Federal13 tem decidido reiteradas vezes que a fiscalização tributária não pode ter acesso às informações de dados bancário ou fiscal, sem a devida autorização do Judiciário, por implicar indevida intromissão na privacidade do cidadão, 11 STF – Ação Penal Nº 370-3-DF, Serviço de Jurisprudência do STF, Ementário Nº 1.804-11 e RTJ 162/249-250. 12 Idem, p. 59-72. 13 2ª T. – HC – nº 85.088/EC. 57 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 garantia esta, expressamente amparada pela constituição da República em seu Artigo 5º, X. Porém, deve-se ressaltar que14: o sigilo bancário, espécie de direito à privacidade protegido pela Constituição de 1988, não é absoluto, pois deve ceder diante dos interesses público, social e da Justiça. Assim, deve ceder também na forma e com observância de procedimento legal e com respeito ao princípio da razoabilidade. O mesmo pretório excelso já declarou a nulidade do processo administrativo quando a constituição do débito se deu com base em uma prova obtida de forma ilícita por não ter autorização judicial. “Estados e municípios só poderão examinar documentos de instituições financeiras quando houver um processo administrativo fiscal instaurado ou um processo judicial em curso” 15. O lançamento de imposto não pode ser feito com base em mero indício, sem o prévio processo administrativo, os contribuintes autuados são usurpados de seu direito de defesa, ou seja, há pleno cerceamento de defesa. Evidente que as informações obtidas pelo Fisco sem autorização judicial prévia viola garantia constitucional de intimidade e de sigilo bancário, tornando-se prova ilícita. Outrossim, todo o arcabouço de provas obtidas por aquele meio são derivadas de provas ilícitas gerando assim, conforme a teoria dos frutos da árvore envenenada “fruits of poisonous tree” a ilicitude de todas as provas posteriores, mesmo que alcançadas somente com o fito de auxiliar o procedimento administrativo. O dever de instauração de processo administrativo antes de qualquer autuação está disciplinado na Lei do Sigilo Fiscal, Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001, no artigo 6º, abaixo: Art. 6º As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. 14 STF. AI 655.298 AgR/SP. Relator: Ministro Eros Grau. J: 4/9/07. DJ: 27/9/07. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2012-mar-01/fisco-quebrar-sigilo-fiscal-processoadministrativo-decide-trf>. Acesso em: 12/03/2013. 15 58 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 Além disso, o artigo 197, II, do Código Tributário Nacional, Lei Geral Tributária, determina a intimação prévia e escrita da instituição operadora de cartões de crédito para prestar informações sobre a movimentação financeira de cada indivíduo. O Tribunal de Impostos e Taxas16 decidiu veementemente: ICMS - FALTA DE PAGAMENTO DO IMPOSTO - OPERAÇAO CARTAO VERMELHO - OMISSÃO DE RECEITAS - MOVIMENTO REAL TRIBUTÁVEL APURADO COM BASE EM INFORMAÇÕES OBTIDAS JUNTO A ADMINISTRADORAS DE CARTÃO DE CRÉDITO - APLICAÇÃO DAS DISPOSIÇÕES DO ARTIGO 6° DA LEI COMPLEMENTAR N° 105/2001 - PRECEDENTES JUDICIAIS QUE CONDICIONAM A QUEBRA DO SIGILO FISCAL E BANCÁRIO À INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO - RECURSO ORDINÁRIO CONHECIDO PARA, EX OFFICIO, CANCELAR O AIIM EXORDIAL. Ademais, há situações as quais a operação realizada pelo Fisco não notifica os contribuintes da investigação em andamento, cerceando o contraditório e ampla defesa, bem como a possibilidade de apresentação dos livros registros. As informações unilaterais obtidas sem autorização judicial prévia ou sequer prova de que os informes tenham sido fornecidos de fato pelas operadoras de cartões de crédito caracteriza um possível abuso de poder17. d) Princípio da reserva de jurisdição De acordo com Alexandre Moraes18, este é o princípio, já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal – STF, pelo qual nem a Polícia Judiciária, o Ministério Público, a Administração Tributária, a Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI ou seus representantes, agindo por autoridade própria, podem invadir domicílio alheio com o objetivo de apreender, durante o período diurno, e sem ordem judicial, quaisquer objetos que possam interessar ao Poder Público. Nesse sentido, perdem, portanto a Administração Pública a possibilidade da autoexecutoriedade administrativa. 16 TIT. Recurso Ordinário 45573/2011. Relator: Rosana Ugiolini Benatti. DJ: 07/05/2012. http://www.conjur.com.br/2012-ago-11/acessar-dados-cartao-credito-autorizacao-afrontaconstituicao, acesso em 12/03/2013. 18 Idem, nota 10, p. 57. 17 59 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 3 Imposto estadual – ICMS O ICMS – imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, que representa aproximadamente 80% da arrecadação dos Estados e, está estabelecido no Artigo 155 da CR/88: Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (...) II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; O ICMS é um imposto de suma importância para o funcionamento dos Estados, portanto, eles utilizam todos os meios possíveis para controlar sua arrecadação e, evitar sua sonegação. Conforme a CR/88, artigo 155, XII e alíneas, caberá a União, através de Lei Complementar, implementar a arrecadação de ICMS. Aos Estados caberá legalizar e regulamentar, em lei ou decreto-lei, a obrigatoriedade de as Administradoras de cartão de crédito, débito e similares enviarem ao fisco, as informações contidas em seu banco de dados. De acordo com Sabbad19, o ICMS é um imposto gravame: a) Plurifásico (incide sobre o valor agregado, obedecendo ao princípio da não cumulatividade – Artigo 155 § 2º, I – CR/88); b) Real (as condições da pessoa são irrelevantes) e; c) Proporcional, tendo, predominantemente, um caráter fiscal. 4 Procedimentos do fisco de Minas Gerais 19 Idem, nota 5, p. 1.059. 60 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 A Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais - SEF/MG regulamentou, no âmbito estadual, a prestação de informações pelas administradoras de cartões de crédito e débito sobre as operações realizadas por contribuintes: 1) Instituição da obrigação através da Lei: 17.247 de 27 de dezembro de 2007, mediante a inclusão do § 5º do Artigo 50 da Lei: 6.763 /1975: Art. 50. (...) § 5º As administradoras de cartões de crédito, de cartões de débito em conta corrente e estabelecimentos similares deverão informar à Secretaria de Estado de Fazenda todas as operações e prestações realizadas por estabelecimentos de contribuintes cujos pagamentos sejam realizados por meio de seus sistemas de crédito, débito ou similar, na forma, no prazo e nas condições previstos em regulamento, relativamente aos períodos determinados pela legislação. 2) Instituição da forma, prazo e condições de entrega através do Decreto: 44.754 de 14 de março de 2008, por meio da inserção do inciso III do Artigo 132 do RICMS20: Art. 132. São considerados, ainda, documentos fiscais: (...) III - as informações prestadas pelas administradoras de cartões de crédito, de cartões de débito em conta corrente, por empresa que presta serviços operacionais relacionados à administração de cartões de crédito ou de débito em conta corrente ou por similares, relativas às operações e prestações realizadas por estabelecimentos de contribuintes do ICMS, cujos pagamentos sejam realizados por meio de sistemas de crédito, débito ou similar. 3) Inserção dos Artigos 10-A e 13-A do anexo VII do RICMS: Art. 10-A. As administradoras de cartões de crédito, de cartões de débito em conta corrente, as empresas que prestam serviços operacionais relacionados à administração de cartões de crédito ou de débito em conta corrente e as empresas similares manterão arquivo eletrônico referente a totalidade das operações e prestações realizadas no período de apuração por estabelecimentos de contribuintes do ICMS constantes do Cadastro Resumido de Contribuintes do ICMS disponível no endereço eletrônico da 20 RICMS: Regulamento do ICMS. 61 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 Secretaria de Estado de Fazenda, www.fazenda.mg.gov.br , cujos pagamentos sejam realizados por meio de seus sistemas de crédito, débito ou similares. Parágrafo único. Os arquivos eletrônicos de que trata o caput serão: I - mantidos de acordo com as instruções contidas no Manual de Orientação constante da Parte V do Anexo VII deste Regulamento e conterão todos os registros exigidos, inclusive o Registro Tipo 65; II - dispensados quando se referirem às operações e prestações realizadas pelos estabelecimentos das próprias administradoras dos cartões ou por estabelecimentos de empresas coligadas e desde que tais estabelecimentos mantenham e promovam a entrega do arquivo eletrônico a que se refere o art. 10 deste Anexo. (...) Art. 13-A. As administradoras de cartões de crédito, de cartões de débito em conta corrente, as empresas que prestam serviços operacionais relacionados à administração de cartões de crédito ou de débito em conta corrente e as empresas similares entregarão o arquivo eletrônico de que trata o art. 10-A deste anexo até o dia quinze de cada mês, relativamente às operações e prestações realizadas no mês imediatamente anterior. § 1º As empresas de que trata o caput deverão: I - gerar e transmitir os arquivos, utilizando-se do aplicativo Validador TEF disponível no endereço eletrônico www.sintegra.gov.br; II - verificar a consistência do arquivo, gerar a mídia e transmiti-la, utilizando-se da versão mais atualizada do aplicativo validador e transmissor. § 2º A omissão de entrega das informações a que se refere o caput sujeitará a administradora, a operadora e empresa similar à penalidade prevista no inciso XL do art. 54 da Lei nº 6.763, de 26 de dezembro de 1975. Para promover a transmissão dos arquivos eletrônicos, a empresa deverá verificar a consistência do arquivo, gerar a mídia e transmiti-la, utilizando a Versão 1.12.1 do aplicativo validador TEF21 e a versão 4.3.1 do aplicativo transmissor TED22. Todas as instruções e aplicativos necessários para geração e transmissão dos arquivos estão à disposição das empresas no sítio eletrônico da SEF/MG23. Desde março de 2009, as informações prestadas pelas administradoras de cartões de crédito, débito e similares, foram intensificadas através de ações no comércio 21 TEF: transferência eletrônica de fundos seja através de cartão de crédito, débito e similares, cujo comprovante financeiro da transação deve ser impresso somente no ECF. 22 TED: Transferência eletrônica de dados. 23 HTTP://www.fazenda.mg.gov.br/empresas/sistemas/sintegra/download.htm. 62 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 varejista mediante a utilização do cruzamento eletrônico de dados de Cartão de crédito e débito. Projeto este que consiste no confronto das informações de vendas declaradas à Receita Estadual pelos contribuintes, através de valores consignados nas DAPI, com as informações enviadas pelas administradoras de cartão de crédito, débito e similares. O objetivo é identificar preliminarmente, divergências relativas à omissão de saídas de mercadorias que impliquem em supressão ou recolhimento a menor de ICMS. Trata-se de procedimento fiscal auxiliar, utilizado pela SEF/MG, desenvolvido com o objetivo de aplicação simultânea, a uma grande quantidade de estabelecimentos contribuintes do ICMS, que praticam vendas com o uso dos sistemas de crédito, débito e similares. Para execução deste procedimento usam-se dados e/ou informações que são disponibilizados da seguinte forma: Bancos de dados: Os Bancos de dados da Receita Estadual e das Operadoras e administradoras de cartão de crédito, débito e similares são fontes de informações para o levantamento e a apuração de eventuais irregularidades. - Banco de dados STI24 – arquivos eletrônicos transmitidos pelas administradoras de cartão, os quais discriminam as operações de vendas efetuadas pelos contribuintes mineiros com pagamento através de cartão de crédito, débito e similares; - Banco de dados das DAPI – contem o montante das vendas realizadas, por período, a ser confrontado com as informações prestadas pelas operadoras e administradoras de cartão. De acordo com os critérios de relevância serão selecionados os contribuintes que serão submetidos ao procedimento auxiliar de fiscalização; 24 STI: Superintendência de Tecnologia da Informação. 63 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 -Sintegra25 e SAPI26 – arquivos eletrônicos com as operações de entrada e saída, espelho da escrita fiscal, transmitidos pelo contribuinte. Constituem fontes importantes para o cálculo da alíquota média de saídas, necessária pra o cálculo do montante do ICMS devido; Fundamentação Técnica: A SEF/MG apura irregularidades detectadas na omissão de receita de vendas, através do descumprimento da obrigação principal e acessória. Esta omissão pode significar uma subtração no recolhimento de ICMS, que pode tratar-se de indício de irregularidades. Até a comprovação da materialidade, mediante procedimento fiscal investigatório e quantificação em demonstrativos próprios, configurando prova inequívoca da conduta delituosa estará resguardado o direito do contribuinte à denúncia espontânea. Compete ao fisco demonstrar, por meio de procedimento tecnicamente idôneo, os valores omitidos, nos termos do RICMS/MG/02: Art. 194. Para apuração das operações ou das prestações realizadas pelo sujeito passivo, o Fisco poderá utilizar quaisquer procedimentos tecnicamente idôneos, tais como: I - análise da escrita comercial e fiscal e de documentos fiscais e subsidiários; II - levantamento quantitativo de mercadorias; III - levantamento quantitativo-financeiro; IV - levantamento quantitativo de mercadorias e valores (quantivalor); V - verificação fiscal analítica e conclusão fiscal; VI - aplicação de índices técnicos de produtividade no processo de industrialização ou relacionados com a prestação de serviço; VII - exame dos elementos de declaração ou de contrato firmado pelo sujeito passivo, nos quais conste a existência de mercadoria ou serviço suscetíveis de se constituírem em objeto de operação ou prestação tributáveis; VIII - auditoria fiscal de processo produtivo industrial; IX - análise da pertinência do itinerário, distância e tempo extraídos da leitura de registrador instantâneo e inalterável de velocidade e tempo (tacógrafo), com a operação ou prestação de serviço constante do respectivo documento fiscal”. Fundamentação legal: 25 SINTEGRA: Sistema integrado de Informações sobre operações Interestaduais com mercadorias e Serviços. 26 SAPI: Sistema de Apuração e Pagamento Informatizados do ICMS, era o sistema de apuração simplificado de Minas antes de existir o Simples Nacional. 64 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 A fundamentação legal leva em consideração os valores informados pelas administradoras de cartão de crédito, débito e similares e, omitidos pelos contribuintes, em que pese à admissão de prova em contrário (júris tantum) que configuram saídas desacobertadas de documentação fiscal, conforme legislação vigente {Lei: 6.763/75 Decreto: 44.747/2008 - RPTA27, RICMS/MG/02, RICMS/MG/ML – (Simples Minas) e Lei Complementar LC: 123/2006 – (Simples Nacional)}, quanto: - à tipificação; - ao fato gerador; - à base de cálculo; - à alíquota; - à sujeição passiva; - às infringências - às penalidades; Com relação à obrigatoriedade de prestação de informações adicionais à fiscalização, por administradoras de cartão de crédito e débito e contribuintes em geral, destacam-se: - Cláusula segunda, § 1º - do Protocolo ECF28 04/01; - Artigo 50, § 5º - da Lei: 6.763/75; - Artigo 10-A - do Anexo VII - do RICMS/02; - Artigo 132, II, III - Parte Geral do RICMS/MG/2002. Os desdobramentos das atividades decorrentes do cruzamento de informações prestadas pelas Administradoras de Cartão de Crédito possibilitam ao Contribuinte adotar por iniciativa própria, a postura que considere adequada, admitindo ou não as irregularidades eventualmente apontadas em uma das seguintes formas: - Manifestar interesse em regularizar as divergências, por meio de denúncia 27 28 RPTA: Regulamento do Processo e dos Procedimentos Tributários e Administrativos. ECF: Emissor de Cupom Fiscal. 65 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 espontânea - autodenúncia; - Atender a intimação, reconhecer a omissão na DAPI de vendas que realizou, protocolizar o termo de denúncia espontânea - autodenúncia, mas não recolher ou recolher a menor o valor da entrada prévia; - atender à intimação e apresentar detalhamento das vendas, mas não promover a denúncia espontânea - autodenúncia; - não gerar e/ou não transmitir as informações através dos arquivos eletrônicos, nem as DAPI’s, mas a administradora informar os repasses das operações para o mesmo; - gerar e/ou não transmitir as informações através dos arquivos eletrônicos e as DAPI’s, mas negar ter realizado operações com cartão de crédito, débito ou similar; - não responder e nem atender à intimação. Dependendo da postura adotada pelo contribuinte, culmina em: - Quitação/ parcelamento do valor devido (denúncia espontânea); ou. - Lavratura de auto de infração. Fundamentação Jurisprudencial: Refere-se à possibilidade de observação das experiências anteriores, de tribunais coletivos, administrativos ou judiciais, proferidas num mesmo sentido, em face de matéria de direito assemelhada: ou seja, os acórdãos, as sentenças e outras decisões, quando reiteradas, tendem a ser consideradas na interpretação das regras envolvidas e nesse sentido, serão informados a seguir julgados que envolvem a “omissão de receita de vendas”, constatada por meio do “cruzamento de operações de crédito, débito e similares”, a exemplo de alguns acórdãos publicados pelo Conselho de Contribuintes do Ministério da Fazenda – CC/MF: - Acórdão CC/Ministério da Fazenda: 16-20002/09/5º. Ementa - Omissão de Receita. Repasses de cartão de crédito. 66 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 - Acórdão CC/Ministério da Fazenda: 16-16156/05/1º. Ementa: Omissão de Receitas, valores repassados por administradoras de Cartão de Crédito. Prova Direta não ilidida pela autuada. - Acórdão CC/Ministério da Fazenda: 16-14563/07/2º - Ementa: omissão de Receita. Repasses de Cartões de crédito. Presunção Simples. - Acórdão CC/Ministério da Fazenda: 08-13635/08/4º. Ementa: lucro Presumido – Omissão de Receitas. 5 Considerações finais A legalidade em que se baseia o Fisco para exigir o informe eletrônico das Operações realizadas pelas Administradoras de Cartões de crédito, débito e similares, está amparada por lei em alguns Estados brasileiros como MG, SP, MT, GO, MA, RS. Todavia, o sigilo dos dados de qualquer Pessoa, Natural ou Jurídica, é inviolável, apesar de não ser absoluto na Constituição da República, reconhecido como cláusula Pétrea constitucional, enquadrando-se dentro do direito à inviolabilidade do sigilo de dados, privacidade, intimidade e liberdade, devendo, portanto, ser tratado como direito e garantia individual da pessoa. A Justiça Federal, através de jurisprudência, garante que o lançamento de impostos estaduais não pode ser feito com base em mero indício de sonegação e, que os Estados só poderão examinar documentos de instituições Administradoras de cartão de crédito, débito e similares, quando houver um processo administrativo fiscal instaurado ou, um processo judicial em curso. Sinalizando uma possível inconstitucionalidade material das leis estaduais por violarem a Constituição. O Fisco Mineiro promove o cruzamento de informações constantes no banco de dados, apenas para buscar indícios de irregularidade e posteriormente, demonstrar através de procedimento tecnicamente idôneo, se houve alguma omissão de recolhimento do ICMS. Os trabalhos de cruzamento de informações fiscais são permanentes e sistemáticos, haja vista a criação, na SEF/MG, de estrutura informatizada 67 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 para o controle das operações de compra e vendas internas e interestaduais. Num primeiro momento, a ação se desenvolverá em nível de procedimento auxiliar, tendo um caráter educativo; em caso de persistência e reincidência na prática da irregularidade, medidas igualmente legais, porém mais rigorosas, poderão ser adotadas e aplicadas. Para Paulsen29, a Tributação, no Estado de Direito Democrático, constitui instrumento de sociedade. É através das receitas tributárias que são viabilizadas a manutenção da estrutura política e administrativa do Estado e as Ações de governo. Portanto, o dever de pagar impostos é um dever fundamental. O imposto não é meramente um sacrifício, mas sim uma contribuição necessária para que o Estado possa cumprir suas tarefas no interesse do proveitoso convívio de todos os cidadãos. Quando falamos em cidadania, ser Cidadão de um país representa cumprir com as obrigações pertinentes a esta condição e, pagar impostos é uma delas. Ao pagar os impostos, é justo que se tenha retorno destes em forma de benefícios sociais (segurança, transporte, saúde, educação, moradia, lazer e etc.) a toda sociedade, depois de descontadas as despesas com a manutenção da máquina pública (Poder Público de modo geral). O questionamento que se faz presente é a transferência ao Estado, de, em nome dos Cidadãos, buscar o cumprimento do dever de pagar impostos, usando de todos os meios legais possíveis, para poder levar aos seus, os benefícios sociais esperados. Porque sabemos que quando poucos pagam impostos, pagam muito e, para pagar pouco é necessário que muitos o paguem. Então, até que ponto a legitimidade do Estado pode avançar, dentro da legalidade, a fim de atender os anseios de seus Cidadãos? Até que ponto está o Estado invadindo o direito da inviolabilidade e privacidade particular? São perguntas que podem ser respondidas tendo em vista os princípios constitucionais, como da proporcionalidade e razoabilidade, como diretriz da Administração Pública, adequando sua atuação entre meios e fins. 29 Idem, nota 6, p. 03 e 14. 68 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 Utilización de informaciones de los administradores de tarjeta de crédito por la fiscalía: una cuestión de legitimidad Resumen La voracidad con que los órganos de control del Estado se mueven hacia los contribuyentes, que impotentes cuanto a su defensa, buscan formas de evitar sean demandados, una vez que sean nombrados como posibles evasores de impuestos, ya no pueden más probar su inocencia. Las Secretarias de Estado de Finanzas, en general, utilizan como procedimiento tributario, el cruce de los datos que les son proporcionados por los administradores de Tarjeta de Crédito, Débito y similares, a través de la DAPI’s30, que son las declaraciones mensuales de cálculo del ICMS31. Cada Estado de la Federación tiene su propia legislación que, más que un marco legal, es un enmarañado de leyes que complican, confunden y carga en tempo y dinero a los contribuyentes. La utilización de Informaciones tributarias recibidas de los administradores de Tarjeta de Crédito y Débito ten generado muchos cuestionamientos en cuanto a la legitimidad de las operaciones, cuáles sean: a) La constitucionalidad del Estado obligar a los Administradores de tarjetas de crédito y débito informar sobre las transacciones realizadas y, sobre todo para quién han sido emitidas las facturas, debido a la inviolabilidad de sigilo de los datos; b) La validad de las evidencias adquiridas por las autoridades fiscales, mediante el análisis de las informaciones presentadas por los administradores de tarjeta de crédito y débito; c) La necesidad de autorización del Poder Judicial para la violación de los datos de carácter confidencial, para que no se configure la llamada cláusula de reserva de jurisdicción. Palabras-clave: Derecho Fiscal. Sigilo Fiscal. Instituciones Financieras. Tarjeta de Crédito. 6 Referências BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, COELHO, Inocêncio Martines, MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 3 ed.. São Paulo: Saraiva, 2008. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988 – Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2011. 30 DAPI: Declaración de Apuntamientos y Informaciones del ICMS ICMS: Impuesto sobre Operaciones Relativas à Circulación de Mercancias y sobre Servicios del Transporte Interestadual y Intermunicipal y de Comunicaciones. 31 69 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014. REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO PADRE ARNALDO JANSSEN ISSN Impresso 1983-5108 ISSN Eletrônico 2316-6673 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 7. Ed. Edições Almedina: Coimbra, Portugal, 2010. FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2010. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional .28 ed. revista e atualizada. São Paulo: Atlas, 2012. PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: constituição e código tributário à luz da doutrina e jurisprudência. 9. ed. revisada e atualizada. Porto Alegre: Livraria do Advogado; ESMAFE, 2007. SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 70 Disponível em: <http://revistaarnaldo.costatecs.com.br/index.php/faculdadedireitoarnaldo/index>. Revista Faculdade Arnaldo Janssen Direito, Belo Horizonte/MG, v. 6, n. 6, p. 51-70, jan./dez. 2014.