Aborto induzido: breves reflexões sob a perspectiva bioética

Transcrição

Aborto induzido: breves reflexões sob a perspectiva bioética
ARTIGO DE REFLEXÃO
REFLECTION ARTICLE
Aborto induzido: breves reflexões sob a perspectiva bioética
principialista
Induced abortion: brief reflections under the bioethics perspective principialista
Aborto inducido: breves reflexiones bajo la perspectiva de la bioética principialista
Autores
Rebeca Coelho de Moura Angelim 1,2
Danielle de Arruda Costa
1,2
Clara Maria Silvestre Monteiro de
Freitas 1
Fátima Maria da Silva Abrão 1,2
1
2
Universidade de Pernambuco.
Universidade Estadual da Paraíba.
Resumo
Objetivo: Refletir sobre a prática do aborto induzido frente os princípios bioéticos. Métodos: Trata-se de um
estudo reflexivo baseado no documentário “Blood Money” produzido nos Estados Unidos da América (EUA),
retratando a prática do aborto, legalizada há 40 anos. Resultados: O filme retrata depoimentos de profissionais
de saúde em geral, de mulheres que praticaram o aborto e os métodos utilizados pelas clínicas, sendo notórios
os interesses financeiros e a falta de esclarecimento acerca das consequências que esta prática pode acarretar
nas gestantes. Conclusão: Levando em consideração as consultas médicas realizadas com as mulheres grávidas
nas clínicas de aborto nos EUA pode-se concluir que os princípios da bioética não são devidamente respeitados,
havendo a necessidade de proporcionar maiores esclarecimentos acerca dos direitos e deveres dessas mulheres
e oferecer as mesmas uma assistência qualificada baseada na eficiência, eficácia e efetividade.
Palavras-chave: Aborto; Bioética; Pessoal de Saúde.
Abstract
Objective: To reflect on the practice of induced abortion front bioethical principles. Methods: This is a reflective
study based on the documentary “Blood Money” produced in the United States of America (USA), depicting the
practice of abortion, legalized for 40 years. Results: The movie depicts testimonials from health professionals in
general, of women who practiced abortion and the methods used by the clinics, being notorious financial interests
and lack of clarification about the consequences that this practice can result in pregnant women. Conclusion:
Taking into account the medical consultations conducted with pregnant women at abortion clinics in the USA it
can be concluded that the principles of bioethics are not properly respected, with the need to provide further
information about your rights and duties of women and offer the a qualified assistance based on efficiency,
efficacy and effectiveness.
Keywords: Abortion; Bioethics; Health Personnel.
Resumen
Objetivo: Reflexionar sobre la práctica del aborto inducido delanteros principios bioéticos. Métodos: Este es un
estudio reflexivo basado en el documental “Blood Money” producida en los Estados Unidos de América (EUA),
representando la práctica del aborto, legalizado por 40 años. Resultados: La película muestra testimonios de
profesionales de la salud en general, las mujeres que practicaron el aborto y los métodos utilizados por las
clínicas, siendo notorios intereses financieros y falta de aclaración sobre las consecuencias que esta práctica
puede resultar en mujeres embarazadas. Conclusión: Teniendo en cuenta las consultas médicas realizadas con las
mujeres embarazadas en las clínicas de aborto en los EUA se puede concluir que los principios de la bioética no
son debidamente respetados, con la necesidad de proporcionar más información sobre sus derechos y deberes
de las mujeres y ofrecer la misma una asistencia calificado basada en la eficiencia, eficacia y efectividad.
Palabras-clave: Aborto; Bioética; Personal de Salud.
Data de submissão: 08/01/2015.
Data de aprovação: 02/10/2015.
Correspondência para:
Rebeca Coelho de Moura Angelim.
Universidade de Pernambuco.
Rua Arnóbio Marques, 310, Santo Amaro,
Recife, PE, Brasil. CEP: 50100-130.
E-mail: [email protected]
DOI: 10.5935/2446-5682.20150019
Revista Enfermagem Digital Cuidado e Promoção da Saúde 1 (2) Julho/Dezembro 2015
http://www.redcps.com.br / e-mail: [email protected]
61
Reflexões acerca do aborto induzido
Angelim RCM, Costa DA, Freitas CMSM, Abrão FMS
Rev. Enf. 2015 Jul-Dez; 1(2):61-65
INTRODUÇÃO
lacerações uterinas, choque e em casos mais graves morte,
já no que tange o aspecto psicológico, destaca-se a culpa, a
vergonha e o estresse pós-traumático6.
Nessa premissa, em se tratando de ações humanas, é
fundamental que o ser humano, como um indivíduo racional
e um cidadão nas suas mais diversas particularidades sociais,
culturais, biológicas e éticas, realizem ações com base nos
princípios da bioética, a qual é considerada um espaço de
reflexão, que procura incluir valores e promover princípios
fundamentais, além de ser um instrumento de transformação7.
Desse modo, torna-se relevante nortear discussões e reflexões
acerca do aborto induzido através da utilização do modelo
bioético principialista, ou seja, os princípios da beneficência,
não maleficência, autonomia e justiça, valendo ratificar que
a ilegalizado ocasiona maiores riscos à saúde das mulheres.
Nesta perspectiva, com base no documentário “Blood
Money” (Dinheiro de Sangue) o qual aborda depoimentos de
profissionais de saúde que se declaram contra o aborto, este
estudo objetivou refletir sobre a prática do aborto induzido
frente os princípios da bioética, por meio da literatura nacional.
Segundo a definição da Organização Mundial da Saúde
(OMS), um abortamento inseguro é um problema de saúde
pública a qual consta de um procedimento para finalizar
uma gravidez não desejada, realizado por indivíduos sem as
habilidades necessárias e/ou em ambiente abaixo dos padrões
médicos exigidos1.
A prática do aborto induzido é um assunto polêmico e
que ocasiona várias discussões na sociedade, perpassando
os aspectos religiosos, éticos, culturais e/ou morais,
principalmente no Brasil, visto que é considerado criminoso,
a não ser em caso de estupro, quando a mulher corre risco
de vida e também em casos de anencefalia conforme decisão
exarada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação
de Descumprimento de Preceito Fundamental de número 54.
Vale ressaltar que os serviços de saúde, em especial a
atenção primária devem atuar em conjunto com a população
promovendo promoção, prevenção e reabilitação da saúde.
Desse modo, dentre os direitos e deveres que consta para
todo indivíduo, há o direito a saúde sexual e reprodutiva,
o qual inclui a realização de um planejamento familiar
que busca evitar uma gravidez indesejada2. No entanto,
é notória a deficiência na realização desse planejamento,
e consequentemente corroborando para a ocorrência de
gestações não planejadas.
Existem diversas circunstâncias que favorecem a decisão
de mulheres optarem por realizar o aborto induzido, como
por exemplo, as condições financeiras, relações amorosas
instáveis ou em conflito entre os parceiros, influências dos
pais e familiares, além de razões ligadas ao desenvolvimento
pessoal, como a possibilidade de interrupção nos estudos
devido à gravidez3.
Diante dos dados epidemiológicos referentes à incidência
da taxa de aborto, vale destacar que estes tendem a não ser
fidedignos por se tratarem de um ato ilegal. Geralmente as
mulheres que buscam a assistência hospitalar encontram-se
em condições economicamente desfavoráveis e só recorrem
ao serviço em caso de complicações geradas pela tentativa de
abortar, as quais podem ser físicas ou psíquicas4.
No Brasil, em 2010, foi realizada uma pesquisa pelo Instituto
de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) e pela Universidade
de Brasília (UnB), com 2.002 mulheres alfabetizadas, sobre a
interrupção da gravidez, tendo como resultado que a cada
100 mulheres entrevistadas, 15 já haviam feito pelo menos
um aborto5. Tal incidência possibilita a compreensão de
um panorama que retrata a existência de práticas ilegais a
nível nacional, permeadas por percepções distorcidas, com
desconhecimento e sem aconselhamento prévio adequado,
corroborando assim para a prevalência de agravos à saúde.
Os agravos causados pelo aborto provocado corroboram
para o aumento da incidência de morbimortalidade feminina,
tendo conseqüências em diferentes instâncias, no caso do
âmbito físico podem ser identificadas hemorragias, infecções,
MÉTODO
Trata-se de uma reflexão realizada a partir de um
documentário intitulado Blood Money, que quer dizer
Dinheiro de Sangue. Desse modo, após a visualização assistida
atentamente por todos os componentes deste estudo, tornouse possível efetivar uma descrição objetiva e uma discussão
acerca da prática do aborto na perspectiva do modelo
principialista o qual abrange os princípios da beneficência,
não-maleficência, justiça e autonomia, através de estudos
que abrangeram essa temática, os quais foram identificados
por meio de pesquisa realizada na Biblioteca Virtual de Saúde
(BVS), com os descritores Aborto AND Bioética, no idioma
português, que estivessem disponíveis em texto completo,
nos últimos 10 anos (2005-2015), contabilizando 15 artigos.
DESCRIÇÃO DO DOCUMENTÁRIO
O documentário intitulado “Blood Money - Dinheiro
de Sangue” é uma produção norte-americana, que retrata
a prática do aborto nos Estados Unidos da América (EUA),
legalizada há 40 anos. O filme traz depoimentos de mulheres
que praticaram o aborto e opiniões de profissionais de
saúde a respeito dessa prática, além de abordar os métodos
utilizados nas clínicas, os interesses financeiros e a falta de
esclarecimento acerca das consequências que são de ordem
emocional, psicológica e/ou física.
O filme relata que muito se tem discutido nos tribunais
sobre o início da vida humana, embora a ciência afirme
que a mesma se inicia no momento da concepção, quando
já existe um ser singular, com genomas distintos, sexo
determinado, 46 cromossomos, com batimentos cardíacos e
que se autodesenvolve, sendo este o princípio científico da
vida humana.
Revista Enfermagem Digital Cuidado e Promoção da Saúde 1 (2) Julho/Dezembro 2015
http://www.redcps.com.br / e-mail: [email protected]
62
Reflexões acerca do aborto induzido
Angelim RCM, Costa DA, Freitas CMSM, Abrão FMS
Rev. Enf. 2015 Jul-Dez; 1(2):61-65
Nesse sentido, vale destacar que a Constituição é a lei
máxima do país, que assegura o direito à vida, devendo o
juiz juntamente com a suprema corte federal preservá-la. No
caso famoso de Griswold x Connecticut, em 1965, a Corte
defendeu a proteção ao direito à privacidade, invalidando a
Lei que proibiria o uso de contraceptivos. Além desse, houve o
caso de Roe x Wade, em 1973, onde a Suprema Corte dos EUA
concebeu o direito da mulher sobre a decisão em continuar
ou não a gestação, ou seja, praticar o aborto. A partir de
tal acontecimento, abriu-se um precedente de modo que o
aborto pudesse ser realizado em vários casos, de acordo com
a decisão da mulher em conjunto com seu médico. Porém,
segundo o filme, para alguns profissionais de saúde, esses
precedentes não devem ser seguidos por irem de encontro com
a Constituição Federal, que na sua emenda 5ª e 14ª aborda o
direito à vida.
Por meio dos relatos apresentados no documentário, é
notório visualizar que os profissionais de saúde que atuam
em clínicas de aborto têm grande influência na decisão
das mulheres que pretendem realizar este ato, visto que as
mesmas se encontram em um momento conturbado diante
de uma gravidez que não foi planejada. Tal fato também está
relacionado aos interesses financeiros destes profissionais,
visto que é uma técnica de alto custo.
Além disso, visando o controle da natalidade, foi criado
nos EUA um Departamento de Controle de Paternidade
oferecendo um arsenal de contraceptivos, porém por se tratar
de métodos de baixo custo, por conseguinte eram de baixa
qualidade, acarretando às mulheres gravidez indesejadas e
consequentemente a realização do aborto.
No Brasil, este documentário foi apresentado inicialmente
na cidade de São Paulo. Seu conteúdo possibilita uma reflexão
acerca dos fatores biopsicossociais que permeiam o aborto
induzido, tendo em vista que no território brasileiro é um ato
criminoso e consequentemente ocasiona problemas de saúde
nas mulheres que o realizam de forma clandestina.
dos seres humanos à luz da teoria principialista, que orienta os
profissionais de saúde que se deparam com dilemas e conflitos
morais na vida cotidiana8.
Inicialmente, merece destacar que a gravidez é caracterizada
por uma fase transitória, regida de transformações na vida das
mulheres, as quais assumem uma maior responsabilidade
advinda da gestação. É válido ressaltar ainda, que esse ciclo
da vida, em muitas ocasiões possibilita mudanças positivas
no convívio familiar, diante da preocupação destes com o
bem-estar da gestante, corroborando no oferecimento de
melhores cuidados e suporte durante toda a trajetória da
mulher gravídica9.
Vale mencionar também que o acesso de qualidade à
saúde sexual e reprodutiva é um dos direitos que devem
ser assegurados a todas as mulheres, independente de raça,
cor, faixa etária e condição social, no entanto, identifica-se
que há um déficit na implementação de políticas públicas
voltadas à saúde da mulher, com ênfase na prevenção de
agravos, ocasionando o crescimento no número de gravidez
indesejada e consequentemente na interrupção voluntária
da gestação2.
Nessa perspectiva, em se tratando de uma prática
criminalizante no Brasil, é notória a presença de números
significativos de morte materna no país, principalmente em
mulheres com nível sócio econômico baixo, que estão sujeitas a
realizar um aborto inseguro ou clandestino, ficando susceptíveis
aos agravos à saúde10.
Segundo o Ministério da Saúde (MS), o aborto realizado
de forma insegura é causa de discriminação e violência
institucional contra as mulheres que buscam o serviço de
saúde. A violência está ligada ao retardo do atendimento, a
falta de interesse das equipes em atender essas mulheres
ou até mesmo a discriminação explícita através de palavras e
atitudes condenatórias e preconceituosas11.
Em face de tal realidade, pode-se observar que no caso
da prática dos profissionais de saúde, em especial os de
enfermagem, está previsto no Código de Ética dos Profissionais
de Enfermagem, artigo 28, que é proibido provocarem
aborto, ou cooperar em prática destinada a interromper a
gestação, entretanto, nos casos previstos em lei, o profissional
deverá decidir, de acordo com a sua consciência, sobre a
sua participação ou não no ato abortivo. Desse modo, as
mulheres que estão expostas a esse dilema, muitas vezes ficam
vulneráveis aos agravos na sua saúde, devido a não assistência
prestada por profissionais de saúde.
Dessa forma, sabendo que o profissional de enfermagem
pode se deparar com uma situação que exija uma conduta
em relação a uma questão de saúde e tal conduta pode,
muitas vezes, entrar em conflito com os seus valores pessoais,
religiosos e profissionais, é de suma importância que desde a
sua formação acadêmica de Enfermagem, ou seja, antes de
enfrentar tais situações, possa identificar e classificar seus
valores e ter consciência de suas responsabilidades éticas e
legais relacionadas a tais questões12.
DISCUSSÃO A RESPEITO DO ABORTO SOB A ÓTICA
PRINCIPIALISTA
A prática do aborto é uma temática que gera várias
discussões na sociedade em geral diante de vários fatores que
nela estão presentes. Dessa forma, surge o questionamento,
será que existe alguma solução ideal quanto ao ato abortivo
de modo que seja possível o alcance de um equilíbrio entre os
princípios principialistas? Em face dessa questão, este estudo
buscou interligar os princípios bioéticos frente às ações que
permeiam a mulher gestante que tenha realizado ou pretendeu
provocar um aborto induzido. Ainda nessa perspectiva, tais
discussões serão embasadas na literatura, por meio de estudos
que abrangeram a temática em questão.
A bioética é uma disciplina teórica que pode ser identificada
como a “ética biomédica” a qual é expressa como a ética do
exercício profissional relacionada ao processo saúde-doença
Revista Enfermagem Digital Cuidado e Promoção da Saúde 1 (2) Julho/Dezembro 2015
http://www.redcps.com.br / e-mail: [email protected]
63
Reflexões acerca do aborto induzido
Angelim RCM, Costa DA, Freitas CMSM, Abrão FMS
Rev. Enf. 2015 Jul-Dez; 1(2):61-65
Ainda que a gravidez não tenha sido planejada, deve-se
levar em conta que a gestação por si só é considerada um
período único na vida de cada mulher, e que por sua vez
pode acarretar sentimentos de medos e incertezas13. Sendo
assim, os aspectos biopsicossociais devem ser considerados
e respeitados pelos profissionais de saúde, familiares e
sociedade como um todo, antes de qualquer decisão tomada
pelas mulheres, para que dessa forma, as decisões possam ser
adotadas de forma consciente e seguras.
De acordo com o modelo principialista, os profissionais
de saúde e pesquisadores, assim como todo cidadão, têm o
dever de, segundo o princípio da não maleficência, de tentar
proteger os indivíduos de danos e malefícios, sejam eles
físicos, emocionais ou sociais7. Destaca-se ainda o princípio da
beneficência, “expresso no ato, no hábito, no compromisso, na
obrigação, no dever, na responsabilidade e na virtude de fazer
o bem. Não só fazer o bem, mas fazer o maior bem possível
ao maior número possível de pessoas”7.
Nessa linha de pensamento, torna-se difícil o raciocínio
acerca dos princípios de beneficência e autonomia, ao levar
em consideração que existem duas entidades distintas na
reflexão, que é a gestante e o nascituro14.
Nessa perspectiva, embora a prática da interrupção
voluntária da gestação seja considerada criminosa no Brasil,
o que está em jogo são os malefícios que podem ser causados
tanto na mulher como no ser que se encontra em seu ventre,
no intuito de preservar o princípio da não maleficência e
beneficência. No entanto, o que se observou no documentário
foi que os profissionais de saúde que trabalham em clínicas
que realizam o aborto não se detém a preocupação com saúde
e bem-estar da mulher.
Além disso, os profissionais de saúde têm o dever de
orientar as gestantes quanto aos riscos e prejuízos às quais
estão expostas ao praticar o aborto, assim como proporcionar
um acompanhamento por toda equipe multiprofissional a
essas mulheres. Desse modo, sendo o enfermeiro integrante
de uma profissão caracterizada pela arte do cuidar, é através
dele, em especial, que deve ser realizado o apoio físico e
emocional, permeado pela escuta ativa e aconselhamento.
Através o Estratégia Saúde da Família (ESF), política
nacional implantada no Brasil, tornou-se mais fácil a realização
de um planejamento familiar exercido pelo enfermeiro,
corroborando para a possibilidade tanto de premeditar uma
gravidez desejada em conjunto pelos conjugues, como também
em atender as necessidades e dificuldades encontradas pela
mulher e seu companheiro ao se depararem com uma gestação
não planejada e/ou indesejada.
Contudo, em se tratando da prática abortiva induzida, é
necessário que haja uma maior atenção pelos profissionais de
saúde, proporcionando às pacientes uma assistência à saúde
qualificada, visando redução de danos e apoio psicossocial.
Dessa forma, é essencial que os profissionais de saúde,
saibam lidar com as mulheres em abortamento, a fim de
estabelecer uma relação não somente do ponto de vista
técnico, mas que demonstre interesse, afeto, respeito e
empatia, contribuindo para um melhor enfrentamento desse
momento difícil15. Sendo assim, ao identificar que por trás
da assistência há interesses financeiros, todo o manejo da
assistência humanizada à saúde fica prejudicada.
A polêmica sobre a prática do aborto envolve também
a discussão acerca do princípio bioético da autonomia,
sendo este a capacidade ou o poder de pensar, decidir e agir,
independentemente e sem pressões, isto é livremente7. A prática
do aborto baseada nesse princípio deve, portanto, envolver o
direito de escolha da mulher em decidir os rumos de sua
própria vida e de escolha sobre seu corpo, livre de interferências
externas não legítimas. De acordo com esse princípio, a
sociedade deve respeitar o autogoverno e a individualidade
da mulher nessa escolha, contudo é de extrema importância
também que essa escolha seja livre e, independente de pressões
e direcionamentos tendenciosos dos atores envolvidos nesse
processo, como os profissionais de saúde, a família e a religião.
O respeito à autonomia nunca deve ser parcial ou subjetivo
e, muito menos, restrito àqueles que aparentemente tenham
condições plenas de exercê-la, tem que existir para todos7.
É importante mencionar que dentre os quatro princípios
éticos o que mais se destaca na perspectiva bioética é o
princípio da autonomia, o qual tem sentidos diferentes nas
várias tradições filosóficas. No entanto, vale ressaltar que “na
tradição deontológica kantiana (e em parte na hermenêutica) a
autonomia é considerada como uma propriedade constitutiva
da pessoa humana, que enquanto autônoma escolhe suas
normas e valores, faz seus projetos, toma decisões e age em
conseqüência. Em suma, a autonomia associa-se à liberdade
individual, embasada na vontade”16.
Merece destacar ainda que no domínio da bioética, o
principal dilema está relacionado ao conflito que estabelecido
entre o respeito pela autonomia individual e o valor da vida
humana intra-uterina. A atribuição de um estatuto moral à vida
humana intra-uterina apresenta como principal argumento
uma perspectiva biológica do desenvolvimento humano,
evidenciando os marcos do desenvolvimento intra-uterino que
lhe conferem uma maior individuação e valoração ao nível das
sucessivas semanas de gestação14.
Quanto ao princípio da Justiça, a maior de todas as virtudes,
segundo Comte-Sponville, envolve as noções de igualdade,
equidade e universalidade. O Princípio da Justiça implica
também no acesso e na disponibilidade de informações
(inclusive polêmicas e controversas), que pode também ser
chamado de “princípio ao direito de informação”, relacionadas
aos possíveis malefícios e benefícios de qualquer atitude ou
intervenção na área de saúde ou em uma pesquisa como à
participação no debate sobre o uso dessas informações7. Sendo
assim, é direito da mulher ser informada adequadamente sobre
as consequências, sejam positivas ou não, do ato abortivo.
Ao se deparar com relatos de mulheres com gravidez
indesejadas, é notório visualizar alguns conflitos as quais
as mesmas enfrentam, que independem de aspectos
Revista Enfermagem Digital Cuidado e Promoção da Saúde 1 (2) Julho/Dezembro 2015
http://www.redcps.com.br / e-mail: [email protected]
64
Reflexões acerca do aborto induzido
Angelim RCM, Costa DA, Freitas CMSM, Abrão FMS
Rev. Enf. 2015 Jul-Dez; 1(2):61-65
socioeconômicos, como o conflito moral (fazer ou não um
aborto?), que evidencia a tensão existente entre a sacralidade
da vida [humana] e a qualidade da [sua própria] vida; os motivos
que norteiam a decisão a favor ou contra, os quais é sabido que
um dos principais pretextos é a falta de apoio do parceiro ou da
família; e quanto a decisão de não progredir com a gravidez surge
o questionamento: como fazê-lo? Pois é ilegal. Como resolver
esse problema? Essa situação demonstra contraposição entre o
princípio da justiça, associado à liberdade nas escolhas sexuais e
reprodutivas, e a norma legal proibitiva ou restritiva4.
Diante do exposto, as situações que permeiam a prática
do aborto, de alguma forma, conduzirão conflitos de direitos,
sejam eles voltados ao direito à vida do feto, seja ao direito
de autonomia da mulher. Dessa forma, sendo o aborto
compreendido como um tema polêmico torna-se necessário
estimular discussões e reflexões bioéticas sobre tal temática
entre profissionais de saúde frente aos conflitos éticos e morais,
de modo que aborde a dimensão íntima do indivíduo, suas
crenças e moralidade12.
Vale salientar que apesar do aborto ser considerada uma
prática ilegal no território nacional brasileiro deve-se levar em
consideração a saúde dessas mulheres ao realizarem um aborto
inseguro, de forma clandestina, correndo risco de agravar a
saúde, além de que, desse modo não está sendo respeitada a
autonomia dessa mulher ao decidir realizar ou não o aborto.
Portanto, é inegável a importância da atuação dos
profissionais de saúde ao lhe darem com essas mulheres que
se apresentam num serviço de saúde com sequelas ou sinais
e sintomas decorrentes de um aborto induzido realizado de
forma imprudente. A assistência prestada deve ser conduzida
de modo a respeitar as crenças e valores do paciente,
garantindo dessa forma sua autonomia, tendo como premissa
básica que cada pessoa crer e defende os preceitos éticos e
religiosos que acredita.
criminosas e, portanto são tratadas como “alguém diferente
de mim”, que por ter cometido um ato ilegal, diante da
legislação, não “merece ser cuidada”. A reflexão sobre esse
tema trás o entendimento de que a assistência à saúde da
mulher deve buscar compreender que a prática do aborto
induzido está relacionada a um sofrimento que envolve
fatores biopsicossociais. Intervir nestes fatores permitirá a
compreensão e intervenção precoce que possibilitará uma
maior eficiência, eficácia e efetividade no cuidado à mulher.
Diante do exposto, vale ressaltar que apesar dos avanços
nas discussões e estudos sobre o aborto provocado, faz-se
necessário abranger ainda mais as reflexões acerca dessa
temática, visando aperfeiçoar a assistência prestada às
mulheres que vivenciam tal realidade.
REFERÊNCIAS
1. OMS (Organização Mundial da Saúde) 2013. Abortamento seguro:
orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde - 2ª ed.
Catalogação-na-fonte: Biblioteca da OMS: 2013.
2. Anjos KF. Aborto no Brasil: a busca por direitos. Saúde e Pesquisa.
2013;6(1):141-152.
3. Orjuela-Ramirez ME. Aborto voluntario y actividad laboral. Reflexiones
para el debate. Rev Salud Pública (online). 2012;14(suppl.1):112-121.
4. Sandi SF, Braz M. As mulheres brasileiras e o aborto: uma abordagem
bioética na saúde pública. Revista Bioética. 2010;18(1):131-153.
5. Diniz D, Medeiros M. Aborto no Brasil: uma pesquisa domiciliar com técnica
de urna. Ciência & Saúde Coletiva. 2010;15(Supl.1):959-966. DOI: http://
dx.doi.org/10.1590/S1413-81232010000700002
6. Souza ZCSN, Diniz NMF. Aborto provocado: o discurso das mulheres sobre
suas relações familiares. Texto & Contexto Enfermagem. 2011;20(4):742-750.
7. Molina A, Dias E, Pinheiro JT, Silva JJ, Albuquerque MC, Roffé R. A ética,
a bioética e o humanismo na pesquisa científica: breves apontamentos e
principiais documentos. Recife: EDUPE; Centro de Documentação Oliveira
Lima, 2003. 212 p.
8. Dejeanne S. Os fundamentos da bioética e a teoria principialista.
Thaumazein. 2011;4(7):32-45.
9. Santos CC, Wilhelm LA, Alves CN, Cremonese L, Castiglioni CM, Venturini
L, Junges CF, Ressel LB. A vivência da gravidez na adolescência no âmbito
familiar e social. Rev Enferm UFSM. 2014;4(1):105-112. DOI: http://dx.doi.
org/10.5902/217976929860
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discussão do aborto sob a luz dos princípios da bioética
evidenciou a importância de refletir sobre o cuidado diante
da prática do aborto induzido, mesmo que ilegal no Brasil.
A mortalidade materna é um indicador que possibilita
perceber deficiências no cuidado em saúde às mulheres, que
rotineiramente se submetem a essa prática sem que tenham
o princípio da justiça plenamente respeitado. O direito de a
mulher conhecer os possíveis efeitos do aborto induzido sobre
sua vida não costuma ser considerado, pela falta de informação
decorrente do tabu relacionado à criminalidade dessa prática.
Sem o direito à informação, o direito à autonomina também é
ferido, visto que a mulher não tem a livre escolha sobre sua vida,
sendo influenciada por informações cheias de juízos de valor dos
outros indivíduos, dificultando sua livre escolha responsável.
No tocante à discriminação e violência institucional por
parte de alguns profissionais de saúde contra as mulheres
que buscam o serviço de saúde, percebe-se que as mulheres
que praticam aborto induzido são muitas vezes consideradas
10. Freire N. Aborto seguro: um direito das mulheres? Cienc. Cult.
2012;64(2):31-32.
11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento
de Ações Programáticas Estratégicas. Política nacional de atenção integral
à saúde da mulher: princípios e diretrizes. Brasília: 2004.
12. Rates CMP, Pessalacia JDR. Posicionamento ético de acadêmicos de
enfermagem acerca das situações dilemáticas em saúde. Revista Bioética.
2010;18(3):659-675.
13. Frigo J, Ferreira DG, Ascari RA, Marin SM, Adamy EK, Busnello G. Assistência
de enfermagem e a perspectiva da mulher no trabalho de parto e parto.
Cogitare Enferm. 2013;18(4):761-766. DOI: http://dx.doi.org/10.5380/
ce.v18i4.34934
14. Chaves JHB, Pessini L, Bezerra AFS, Rego G, Nunes R. Abortamento
provocado na adolescência sob a perspectiva bioética.Rev. Bras. Saúde
Matern. Infant. 2010;10(Supl.2):S311-S316.
15. Pereira VN, Oliveira FA, Gomes NP, Couto TM, Paixão GPN. Abortamento
Induzido: vivência de mulheres baianas. Saúde Soc. 2012;21(4):1056-1062.
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902012000400022
16. Segre M, Silva FL, Schramm FR.O Contexto Histórico, Semântico e Filosófico
do Princípio de Autonomia. Revista Bioética. 1998;6(1):1-9.
Revista Enfermagem Digital Cuidado e Promoção da Saúde 1 (2) Julho/Dezembro 2015
http://www.redcps.com.br / e-mail: [email protected]
65

Documentos relacionados