observação do doente vertiginoso

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observação do doente vertiginoso
OBSERVAÇÃO DO DOENTE VERTIGINOSO
Rosmaninho Seabra
A observação de um doente com perturbação do equilíbrio deve incluir sistematicamente
a análise detalhada da história clínica e um exame físico objectivo cuidadoso. O diagnóstico
nestea area doente depende muitas vezes do rigor observado na colheita dos sintomas e
observação clínica do doente. Uma anamnese completa e exaustiva, que esclareça e evidencie
quais os problemas sentidos pelo doente e uma observação cuidada do estado do doente que
inclua a investigação e avaliação funcional, nomeadamente das funções relacionadas com os
reflexos vestíbulo-ocular e vestíbulo-espinal, são essenciais para o estabelecimento do
diagnóstico, e em consequência, para o delinear da estratégia terapêutica a seguir.
ANAMNESE
A colheita da história clínica pode ser efectuada da forma habitual, simplesmente
perguntando ao doente, as características do sintoma, formas de apresentação, duração,
factores desencadeantes ou agravantes, e enfim, tudo o que se relacione e seja relevante para o
esclarecimento da situação. Em alternativa, podemos optar por um dos muitos questionários
estandardizados que existem para o efeito. Estes questionários estandardizados – de que
apresentamos um exemplo na Tabela 1 – têm a vantagem de permitir uma mais fácil
comparação e avaliação da evolução do doente entre as diversas consultas, possibilitando
ainda uma análise estatística dos dados de vários doentes.
Seja qual for a via seguida, a história clínica de um doente com vertigem ou perturbação
do equilíbrio, deve sempre esclarecer os seguintes pontos:
• Tipo de perturbação do equilíbrio referida pelo doente – vertigem verdadeira com
ilusão de movimento (rotatório ou não), ou apenas uma sensação de insegurança ou
instabilidade;
• Forma de evolução do sintoma – recorrente, por crises, ou contínua;
• Frequência das crises com data da primeira e da última crise;
• Duração de cada crise – segundos, minutos, horas ou dias
• Factores desencadeantes da crise – averiguar se há factores que desencadeiem a crise
(por exemplo, a adopção de determinada posição como acontece na Vertigem Posicional
Paroxística Benigna )
• Factores de agravamento – qual ou quais os factores que se associam a um
agravamento ou intensificação do sintoma (por exemplo os movimentos da cabeça na
generalidade das vestibulopatias agudas)
• Sintomas acompanhantes – qual ou quais os sintomas que acompanham a perturbação
do equilíbrio, com referência específica aos sintomas neurovegetativos (náuseas, vómitos,
taquicardia, ansiedade) cocleares (hipoacusia e acufenos) e neurológicos (cefaleias,
parestesias, outros)
Frequentemente é possível uma aproximação muito importante ao diagnóstico correcto
com a simples análise atenta da resposta a estas questões.
EXAME FÍSICO
Deve incluir por sistema um exame objectivo completo de Otorrinolaringologia, com
especial realce para a otoscopia. A otoscopia é executada por rotina a todos os doentes. Deve
avaliar-se, entre outras, a patência do canal auditivo externo e as características da membrana
timpânica como a coloração, integridade e a sua mobilidade. O restante exame físico de ORL
deve ser sistematicamente efectuado, apesar de, na maioria dos casos, não mostrar alterações
relevantes.
Uma nota apenas para realçar a
importância da inclusão, nesta fase,
de um exame de acuometria. Por
sistema deve proceder-se à pesquisa
do Rinne (fig.1 - comparação entre a
Fig. 1 –Acuometria – Teste de Rinne
audição por via aérea e óssea) e do Weber (fig. 2 - comparação os dois
ouvidos).
Em termos de avaliação otoneurológica, realçamos a abordagem e
investigação das manifestações do reflexo vestíbulo-ocular – de que o
principal sinal é o nistagmo – e do reflexo vestíbulo-espinal com provas
de equilíbrio estático e dinâmico.
Fig. 2 –Acuometria
– Teste de Weber
Nistagmo
O único sinal objectivo quantificável no síndrome vertiginoso é o nistagmo.
O nistagmo (fig.3) é um movimento conjugado dos olhos, com um componente lento em
determinado sentido, a que se segue um movimento rápido
de sentido oposto, que traz o olho de volta à sua posição
inicial. O movimento lento, que afasta o olho da sua posição
inicial, é desencadeado pela patologia vestibular e dá-se no
sentido
Fig. 3 – Representação gráfica
de um nistagmo
do
vestíbulo
hipofuncionante.
O
segundo
movimento, rápido, mais fácil de identificar, reposiciona o
olho, e é um movimento corrector do primeiro. Por
convenção, o nistagmo é designado de acordo com o sentido deste movimento rápido. Assim,
dizemos que um nistagmo é para a direita quando o sentido da sua fase rápida é para a direita,
e para a esquerda quando a fase rápida é para a esquerda.
Os nistagmos são classificados de acordo com o seu plano de ocorrência, intensidade e
formas de aparecimento:
1. De acordo com a sua direcção e sentido os nistagmos podem ser horizontais – para a
direita ou para a esquerda – horizonto-rotatórios – no sentido do ponteiro do relógio ou
inverso – e verticais – para cima e para baixo.
2. A intensidade dos nistagmos pode ser classificada em 3 graus de acordo com a lei de
Alexander, como segue :
2.1. Grau 1 – nistagmo presente apenas no olhar descentrado na direcção da fase rápida
2.2. Grau 2 – nistagmo presente no olhar descentrado na direcção da fase rápida e no olhar
em frente
2.3. Grau 3 – nistagmo presente em todas as direcções do olhar
3. Em relação às formas de aparecimento os nistagmos dividem-se em: espontâneos –
quando o nistagmo surge sem qualquer manobra provocatória do examinador – ou
induzidos – quando surgem em resposta a uma manobra do examinador.
Na
prática
clínica,
a explo-
ração e pesquisa do
nistagmo
uma
assume
importância
enorme no estudo
Fig. 4 – Pesquisa de nistagmo espontâneo no olhar em frente e olhar descentrado
do doente vertiginoso. Habitualmente começamos por pesquisar o nistagmo espontâneo (fig.
4). Para isso pedimos ao doente para fixar o nosso dedo colocado no plano frontal, em frente
ao doente registando, se for o caso, a existência do nistagmo. Em seguida deslocamos o dedo
na horizontal, para um e outro lado, tomando o cuidado de não ultrapassar os 30º de desvio.
Pesquisamos
assim
o
nistagmo
espontâneo
no
olhar
descentrado.
Para pesquisa do nistagmo espontâneo com remoção da
fixação ocular, colocamos em seguida, ao doente os óculos de
Frenzel (fig.5). Os óculos de Frenzel são óculos com iluminação
própria e lentes de 20 dioptrias, que impedem a fixação visual.
Pedimos então ao doente para olhar sucessivamente em frente
para a esquerda e para a direita e registamos a ocorrência de
Fig. 5 – Pesquisa de nistagmo
com óculos de Frenzel
nistagmos se for o caso.
Em seguida procedemos à pesquisa de nistagmos induzidos por determinadas manobras
ou testes. Habitualmente fazemos o teste de “head shaking ” em que se pede ao doente para
abanar vigorosamente a cabeça no plano horizontal cerca de 20 vezes. A presença de
nistagmo após este teste indica disfunção vestibular.
Avaliamos também, ainda que grosseiramente, as características do nistagmo
optocinético, observando os olhos do doente enquanto fazemos rodar a cadeira de
observação. Podemos ainda testar a capacidade de abolição do nistagmo pela fixação ocular
observando o doente nas mesmas condições mas pedindo- lhe que olhe fixamente para o seu
dedo enquanto executa a prova.
É ainda fundamental para o diagnóstico pesquisar a presença de nistagmo em resposta a
determinadas manobras de posicionamento. As mais conhecidas são a prova de Dix- Hallpike
e a prova de Rose.
A prova de Rose consiste em, partindo da posição de doente sentado, colocá- lo em
decúbito dorsal com a cabeça hiperestendida em posição mediana procurando e anotando o
aparecimento de qualquer nistagmo.
A prova de Dix-Hallpike, consiste em, partindo da posição de doente sentado, colocá- lo
em decúbito lateral, posicionando a sua cabeça 30º para cima em relação à horizontal (fig.6).
Anotamos
as
características
de
qualquer
nistagmo
que
surja
nesta
posição,
Fig. 5 – Prova de Dix-Hallpike
incluindo a sua latência, duração, direcção e sentido. O mesmo procedimento é repetido para
o outro lado. Estas provas serão, pela sua importância, discutidas com maior detalhe mais
adiante.
Para finalizar esta avaliação do reflexo vestíbulo-ocular, podemos afirmar que a análise
das características do nistagmo é uma das fontes mais importantes para o estabelecimento do
diagnóstico. As suas características são, de facto, diversas consoante se trate de uma
manifestação de uma lesão periférica ou central. Assim, podemos falar de um nistagmo
periférico e de um nistagmo central, com características distintivas que estão resumidas na
tabela 2.
Tabela 2 – Características dos nistagmos periféricos e centrais
ORIGEM PERIFÉRICA
ORIGEM CENTRAL
Usualmente horizontal ou horizonto-
Pode ser vertical
rotatório
Direção fixa, independente do olhar
Direção altera com a posição do olhar
Intensificado quando olha na direção
Intensidade não altera com posição do
da fase rápida
olhar
Fatigável
Não fatigável
Suprimido pela fixação do olhar
Não suprimido pela fixação do olhar
Avaliação da marcha e equilíbrio
A avaliação da marcha do doente, base de sustentação ao andar, velocidade com que
caminha, facilidade com que se vira ou dá meia volta, são parâmetros que devem ser
avaliados e tidos em conta. Por rotina, executamos as seguintes provas:
o
Prova de Romberg – Consiste em pedir ao doente que permaneça na posição
estática, de pé, com os olhos fechados durante cerca de um minuto. Esta prova pode ser
avaliada quantitativamente através da Craneocorpografia, ou de uma forma mais empírica
em normal ou anormal conforme as amplitudes de oscilação do doente em relação à
posição média de estabilidade
o
Prova de Unterberger-Fukuda – Nesta prova pede-se ao doente para marcar
passo, dando cerca de 80 passos, com os olhos fechados. No final avalia-se o percurso do
doente em termos fundamentalmente de grau de oscilação lateral e desvio angular para a
esquerda ou para a direita. O desvio angular é indicativo de lesão periférica e indica o lado
do vestíbulo hipovalente. Esta prova pode também ser avaliada de uma forma quantitativa
através da craneocorpografia
o
Prova da marcha e marcha com rotação da cabeça no plano horizontal
o
Marcha calcanhar-hallux – mais sensível a lesões cerebelosas pois a visão
compensa os deficits vestibulares crónicos
É ainda essencial proceder a uma avaliação neurológica global nomeadamente exame dos
pares craneanos e principalmente uma avaliação cerebelosa exaustiva, pois que muitos dos
problemas relacionados com o equilíbrio dependem directa ou indirectamente da função do
cerebelo. Assim, as provas de investigação da função cerebelosa, como a prova dedo- nariz ou
calcanhar joelho são fundamentais para o estudo destes doentes.
Para finalizar, gostaria de salientar a importância da observação do doente - colheita da
história clínica e exame físico completo e rigoroso, com enfoque especial na investigação e
avaliação das funções relacionadas com o equilíbrio, nomeadamente o reflexo vestíbuloocular e o reflexo vestíbulo-espinal – para o estabelecimento de um diagnóstico correcto e
assim para a prescrição de uma estratégia terapêutica adequada que leve à cura do doente.
BIBLIOGRAFIA
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Troubles de l’equilibre et vertiges – J. Magnan, G. Freyss, C. Conraux et al.- Société
Française D’Oto-Rhino-Laryngologie et de Pathologie Cervico-Faciale - 1997
Vestibular Rehabilitation – Susan J. Herdman
Vertigo – Its multisensory syndromes – Thomas Brandt Ed. Springer 2 ed.
Practical Management of the dizzy patient – Joel A. Goedel – Lippincott Williams & Wilkins
Neurotology – Robert Jackler and Derald Brackmann - Mosby
TABELA 1
ANAMNESE NEURO-OTOLÓGICA - NODEC IV
Nome....................................................... Profissão.......................
Data de nascimento................ .............. Data da consulta............
1. Sintoma vertigem
Oscilação
(
Elevação
(
Rotação
Dir.( ) Esq. (
Sens. Lateralização Dir.( ) Esq. (
"Black out"
(
Instabilidade
(
2. Sintomas veqetativos
Suores frios
(
Náuseas
(
Vómitos
(
Colapso
(
3. Mecanismos desencadeantes
Cinetose
(
Rotação da cabeça
(
Abaixar
(
Levantar
(
Lateral ização do olhar
(
4. Início dos sintomas
Horas
(
Dias
(
Semanas
(
Meses
(
Anos
(
Décadas
(
5. Duração dos ataques
Segundos
(
Minutos
(
Horas
(
Dias
(
Semanas
(
Meses
(
Longos períodos
(
Períodos irregulares
(
6. Alterações do olfacto
Anosmia
(
Parosmia
(
7. Alterações visuais
Visão t u r v a
(
Diplopia
(
Oscilopsias
(
Cegueira
Dir.( ) Esq. (
Cefaleias
(
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
)
8. Sintomas auditivos
Acufenos
Dir.(
Hipoacusia
Dir.(
Cofose
Dir.(
Cir. ouvido
Dir.(
9. Alterações do gosto
Ageusia
Parageusia
10. Sinais do trigémio
Direitos
Esquerdos
11. Paralisia facial
Periférica
Dir.(
Central
Dir.(
12. Traumatismos craneanos
De trânsito
Laborais
Desportivos
Domésticos
13. Afecções neurológicas
14. Afecções ca rdio-circulat.
Hipertensão
Hipotensão
Aterosclerose
Insuf. cardíaca
Infar t o d o miocárdio
15.. Diabetes
16. Doenças renais
17. Medicamentos e tóxicos
Álcool
Nicotina
Cafeína
Salicilatos
Estreptomicina
Gentamicina
Contraceptivos
Sedativos
Antivertiginosos
Outros
18. Evolução do tratamento
Igual
Ligeiramente melhor
Muito melhor
Ligeiramente pior
Muito pior
1 9. Outras
) Esq.
) Esq.
) Esq.
) Esq.
(
(
(
(
)
)
)
)
(
(
)
)
(
(
)
)
) Esq.( )
) Esq. ( )
( )
( )
( )
( )
( )
(
(
(
(
(
(
(
)
)
)
)
)
)
)
(
(
(
(
(
(
(
(
(
(
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)
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(
(
(
(
(
)
)
)
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