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Diálogos em todas as cores e feitios
no Ano Europeu para o Diálogo Intercultural
Aqui pode encontrar
• Ensaio inédito de José António Gomes, Literatura para a infância e a juventude entre
culturas
• Leituras de Uma Questão de Cor, de Ana Saldanha, e Os Ovos Misteriosos, de Luísa Ducla
Soares, por José António Gomes, Sara Reis da Silva, Ana Margarida Ramos
• Bibliografia variada
• Links para saber mais
• Sugestões de leitura
No âmbito das Comemorações do Ano Europeu para o Diálogo Intercultural, a Casa
da Leitura decidiu associar-se à iniciativa através da disponibilização deste dossier onde
podem ser encontrados materiais diversificados sobre o tema, destinados aos mediadores
de leitura, com vista não só ao desenvolvimento da reflexão pessoal sobre a questão do
Multiculturalismo e da Interculturalidade, mas à selecção de leituras capazes de, junto
dos mais novos, promoverem uma abertura face ao Outro e a tolerância e a aceitação, no
sentido de integração, da diferença.
A realidade social portuguesa contemporânea é muito diferente da de alguns anos
atrás. Apesar de ainda existir em Portugal uma taxa elevada de emigração (crescente nos
últimos anos), a verdade é que o número de estrangeiros a viver a trabalhar em Portugal
cresceu exponencialmente. As escolas, por exemplo, são a prova viva dessa nova realidade
onde se cruzam crianças oriundas da Europa de Leste, nomeadamente da Ucrânia, da
Moldávia e da Rússia, com outras vindas da China, do Brasil, e dos Países Africanos de
Língua Oficial Portuguesa.
Atento a esta realidade, o Ministério da Educação já incluiu o Português Língua
Não Materna no Currículo Nacional, com orientações programáticas específicas para o
Ensino Secundário, para além de outros materiais de apoio, incluindo a caracterização
dos diferentes perfis linguísticos e testes diagnósticos.
A Literatura para a Infância também tem revelado atenção a esta realidade e
sucedem-se as publicações onde surgem personagens imigrantes, situações de intolerância
ou racismo e apelos mais ou menos implícitos à integração e à valorização da diferença.
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Literatura para a infância e a juventude entre culturas
José António Gomes*
RESUMO
Neste ensaio, o autor debate a questão candente do multiculturalismo nas sociedades contemporâneas,
contextualizando o fenómeno tanto do ponto de vista histórico como literário. A análise centra-se no
universo do livro para a infância, caracterizando as diferentes publicações que se ocupam, em registos
distintos e com objectivos igualmente diversos, desta questão, passando em revista os livros informativos, as
traduções, os livros bilingues e algumas das obras mais marcantes sobre a diversidade e a multiculturalidade
de autores portugueses. Pelo número de exemplos apresentados, merece referência a obra de Luísa Ducla
Soares, mas a leitura do autor estende-se a muitos outros nomes relevantes do panorama literário português
para a infância e juventude.
«Uma portuguesa, branca, disse então que não sentia, nos círculos onde se movia, nenhum
racismo. Explicou que era professora e, na escola onde estava, nas outras em que tinha estado,
nunca tinha sentido qualquer discriminação em relação aos alunos africanos. Brancos, negros
ou mulatos, os estudantes entendiam-se sem qualquer problema – e, para os professores, os
alunos não tinham cor.
Lembrei-me então de duas meninas cabo-verdianas de Pedreira dos Húngaros que, também
elas, me tinham dito que, na escola onde uma estava e a outra estivera até pouco tempo atrás,
não sentiam que houvesse qualquer discriminação. Disseram isto e quedaram-se a pensar. E
depois uma delas disse: “Mas nós jogamos andebol. E há uma equipa que, sempre que joga
contra nós, se ganha, está tudo bem. Mas, sempre que perde, chama-nos pretas – e eu não acho
que seja por sermos pretas que ganhamos. É só porque jogamos melhor do que elas!»
Diana Andringa, «Achas que tenho cara de judia?»,
Público, 28/5/1994
Na Mesquita de Córdoba
Recolheu ao seu berço, perseguido
Por um outro colega intolerante,
Alá, deus das Arábias ressequidas.
Cansado das securas do deserto,
Veio ver como era a Andaluzia;
E gostou deste chão de riso aberto
Onde o seu coração reverdecia.
Mas, corrido a orações e virotões,
Num minguante de moiras ilusões,
Lá se foi novamente às suas dunas
Caiar de branco a fé das açoteias.
E o seu palmar divino arquitectado,
Que aqui plantou, ondula mutilado,
Com saudades do dono e das areias.
Miguel Torga (1951), Antologia Poética.
Coimbra: 1981, p. 296
*NELA – Núcleo de Estudos Literários e Artísticos da Escola Superior de Educação do Porto
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1. O livro infantil nas sociedades multiculturais
O fluxo de pessoas que, por motivos vários, quase sempre dramáticos, se transferem
dos seus lugares de origem para outros países ou regiões é uma realidade desde o início
dos tempos. As expansões territoriais de tipo imperialista são um fenómeno quase tão
velho como o mundo; iniciadas muito antes do nascimento de Cristo, prolongam-se até
aos nossos dias. Entre os séculos XVII e XIX, milhões de africanos foram transportados
das suas terras de origem para as plantações do Novo Mundo. Ao longo da História da
humanidade, incontáveis são as situações em que refugiados por razões políticas, religiosas
ou económicas se vêem coagidos a procurar asilo noutros países que não os seus. As lutas
étnicas dos séculos XX e XXI, por exemplo, são responsáveis por milhões de refugiados.
De vários modos, em suma, muitos países do mundo se foram tornando multirraciais,
multiétnicos e multiculturais. Os actuais emigrantes não enfrentam apenas problemas
de sobrevivência física em novos ambientes; experimentam também dificuldades de
ajustamento emocional a uma nova situação e às inter-relações sociais que a caracterizam
(v. Segun, 1992: 101).
Na Europa, as sociedades do nosso tempo são, cada vez mais, sociedades
multiculturais. As palavras «multicultural» e «interculturalismo» entraram, há muito,
no vocabulário pedagógico, soam bem e tornam-se pretextos para belos discursos, sem,
contudo, conseguirem ocultar o seu «carácter ocidentalocêntrico». No entanto, daí
a sabermos o que estes termos verdadeiramente recobrem1, no quotidiano das nossas
sociedades, vai uma grande distância. Suzanne Bukiet (1991: 3) escreve:
«Se é “multicultural” tudo o que favorece um diálogo verdadeiro com o outro, com o
estrangeiro, aquele que fala uma outra língua, que tem porventura uma outra escrita, uma
outra religião, outras referências distintas das nossas, então direi que partimos mal, que
a nossa época apressada e superficial não é multicultural e que se encontra, além disso,
ameaçada por dois perigos mortais e contraditórios na Europa de hoje:
Testemunhamos, por um lado, a eclosão inquietante de nacionalismos e fundamentalismos
cegos. Ao mesmo tempo, assistimos ao avanço insidioso e vertiginoso de uma uniformização
redutora, sob a hegemonia de uma cultura e de uma língua dominantes. A pouco e pouco,
a insubstituível diversidade das línguas e das culturas corre o risco de nelas se diluir. É
pequena a distância que vai do homem (...) barricado nos seus particularismos ao homem
“unidimensional”.»
No Ocidente, afirma ainda a mesma autora, estamos particularmente desarmados
face a esta ameaça, já que, com os nossos media, o nosso nível de escolarização, as nossas
universidades, vivemos na ilusão de saber desmontar e compreender as outras culturas.
A verdade, porém, é que não sentimos uma curiosidade real e uma vontade autêntica de
Para uma definição e problematização destes conceitos e para um aprofundamento de noções e questões básicas
referentes ao contacto de culturas (aculturação, grupos étnicos e minorias, preconceito, discriminação, estereótipos,
xenofobia, racismo e outros), ver Ferreira (2003).
Sugere-se também a leitura de um artigo de Adalberto Dias de Carvalho (2007: 5), no qual é possível encontrar uma
«crítica da interculturalidade enquanto lugar-comum». Este é um dos autores que alertam também para o «carácter
ocidentalocêntrico» da noção de interculturalidade.
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conhecer os outros. Se pensarmos bem, interessa-nos menos o conhecimento do que o
espectáculo – e este nada mais é que «a espuma das coisas» (Bukiet, 1991: 3-4).
Seguindo de perto um texto publicado por Mabel Segun em 1992, recorde-se que
as sociedades multiculturais são complexas por natureza. As crianças que crescem no seu
seio são apanhadas no meio de duas culturas. Por vezes, os resultados são desastrosos,
como no caso de crianças adoptadas em Inglaterra que rejeitam os seus pais negros, a
sua identidade africana e, em casos extremos, se suicidam (Biggs, 1978, cit. por Segun,
1992). São conhecidas situações de filhos de afro-americanos tratados durante muito
tempo como cidadãos de segunda que perderam a sua auto-estima. A incompreensão
das culturas de outros povos origina, com frequência, graves clivagens entre crianças de
diferentes grupos étnicos. A infância necessita, assim, de estar preparada para viver em
sociedades multiculturais; mas deverá começar a ler, demasiado cedo, livros sobre a vida
neste tipo de sociedades?
A investigação tem mostrado que a criança nasce desprovida de preconceitos de
natureza racial. A partir dos dois anos e meio-três anos, o ambiente familiar, a educação
– por vezes os manuais escolares –, a televisão, o cinema e mesmo alguns livros para
crianças são responsáveis pela criação de preconceitos. Na literatura portuguesa dada
aos mais novos, não é difícil encontrar textos que veiculam, de modo mais ou menos
evidente, visões preconceituosas e de natureza racista, mesmo que mascaradas de um
paternalismo só na aparência não-racista. Textos cuja compreensão reclama o devido
enquadramento epocal e uma leitura que não pode ignorar a ideologia dominante em
determinado período histórico. Um punhado de exemplos colhidos ao acaso, alguns deles
porventura surpreendentes: certas obras de Ana de Castro Osório2 (pese embora o seu
progressismo republicano e feminista), de Virgínia de Castro e Almeida e de Fernanda de
Castro (cujas ligações ao Estado Novo são conhecidas), o livro Joanito Africanista (1ª ed.
1932; 2ª ed., Figueirinhas, 1949), de Emília de Sousa Costa, e o poema «O Preto-PapussePapão» de O Mundo dos Meus Bonitos (1ª ed. 1920; 2ª ed., Livraria Didáctica, 1951), de
Augusto de Santa-Rita (não vai longe o tempo em que este poema, por exemplo, figurava
em manuais escolares de Língua Portuguesa). Ainda sobre a presença de atitudes do
racistas na ficção juvenil, cite-se um circunstanciado estudo de Isabel Vila Maior centrado
na série de vinte e um volumes «Cinco Brancos e um Preto», publicada por Alice Ogando
entre 1961 e 1964 (na sequência de uma narrativa com o mesmo título editada em 1948),
série essa cujo hipotexto é «The Famous Five» de Enid Blyton. Uma das conclusões desta
análise refere que a série se esforça
«por representar um mundo que, conscientemente ou não, corresponde à ideologia de um
estado autoritário e remete para os acontecimentos que emergem com especial acuidade no
primeiro ano da sua publicação, 1961, o “ano de todas as crises” [segundo Fernando Rosas],
com especial relevo para a guerra colonial, o que explica a importância na série da personagem
Curiosamente, em livros em que se «promove o bom convívio entre as raças, por outro lado, reverte-se muito
facilmente para um discurso racista» – afirma-o, com justeza, Ferreira (2007: 51) na leitura que propõe de duas obras
de Ana de Castro Osório: Viagens Aventurosas de Felício e Felizarda ao Pólo Norte (Lisboa: Instituto Piaget, 1998) e
Viagens Aventurosas de Felício e Felizarda ao Brasil (Lisboa: Instituto Piaget, 1998), cujas primeiras edições datam,
respectivamente, de 1922 e 1927.
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do pequeno negro, submetido a um tratamento narrativo claramente paternalista, em que
o Outro é subsumido pelo Idêntico e a alteridade escamoteada e culpabilizada. O racismo
do homem comum, transversal a toda a série, é paralelo à insistência no papel das elites e da
juventude por elas educada na aceitação de uma “igualdade” racial em que a superioridade
pertence ao branco.» (Vila Maior: 2007: 91)
Vários estudos têm demonstrado que o contacto de crianças do Ensino Básico
com livros multi-étnicos e outros materiais de ensino com essas características contribui
positivamente para o desenvolvimento de atitudes de tolerância e aceitação das diferenças
culturais e étnicas. Abra-se, contudo, um parênteses para referir que o simples uso, neste
contexto, do termo tolerância não se acha isento de problemas e conotações perversas,
pois aquele que tolera é em geral o que se encontra em situação de dominância. E é a
partir desse estatuto hegemónico ou de poder que concede, por conseguinte, um espaço
ao outro – o dominado – e à sua cultura. Paradoxalmente, em suma, o recurso ao termo
tolerância tem implícita alguma dose do seu contrário, ou seja, a intolerância. Parece
ser, em parte, o que Paulo Mendes Pinto (2007) sublinha, em comentário ao projecto
internacional «Aliança de Civilizações»: «Todos sabemos que “toleramos” o que, nos
criando repulsa, temos de aguentar! O fim desta ideia e das suas práticas, profundamente
marcadas por uma visão centrada em si mesmo, é a base da criação de uma clara e
recíproca prática do respeito, a palavra mágica que pode abrir muitas portas, mesmo as
mais reticentes.»3 Reconheça-se, por outro lado, que a questão tolerância / intolerância
se complexifica ante uma sociedade ou comunidade em que se impõem, como «valores»
indiscutíveis, o não reconhecimento dos direitos da mulher, o esclavagismo ou o sistema
de castas, para não falar da opressão e da exploração do homem pelo homem – realidade
que, sejam quais forem os subtis eufemismos utilizados para a denominar, nunca deixou
de existir, por exemplo, nas sociedades ditas democráticas de tipo ocidental.
A propósito da necessidade de os mais novos estarem preparados para viver em
sociedades multiculturais, Mabel Segun escreve ainda:
«Uma minoria de bibliotecários, professores, pais, intelectuais e grupos de cidadãos têm
defendido o uso de livros para crianças que contenham uma orientação positiva no sentido
de combater o racismo e restituir às crianças a sua auto-estima, dando-lhes um lugar e uma
boa imagem na literatura para crianças e fornecendo-lhes informação acerca dos seus países
de origem, para que se tornem equilibradas e bem adaptadas. Adicionalmente, estes livros
valem na medida em que mostram às crianças a riqueza que a diversidade cultural traz às
sociedades em que vivem, assim como a outras.» (Segun, 1992: 103)
Giacomo Marramao parece matizar um pouco melhor esta questão. Em conferência realizada na Fundação de
Serralves (Porto), em Março de 2007, e reportada por Andreia Azevedo Soares (2007), refere que «A mesa dos conflitos
de interesses e identidade deve ser entendida (…) “como um encontro/confronto de narrativas associadas à nova
organização desta sociedade global e oriundas de diversos contextos de vivências no mundo”. Cada uma dessas
narrativas, na opinião do filósofo italiano, deve ser lida à luz da sua contingência. Sem “tentações paternalistas”, sem
o discurso da tolerância que prega o respeito recíproco de culturas e identidades, mas não prevê o real intercâmbio
entre ambas as partes (com todas as asperezas que isso implica).» Não resisto a citar outra passagem deste texto,
pela pertinência das questões suscitadas: «O filósofo acredita haver hoje uma “pandemia” a que chama “obsessão
identitária”, uma espécie de vírus que contamina sobretudo os abastados (preocupados em demarcar o seu espaço,
o seu local de pertença), mas também os desfavorecidos (estes sim cada vez mais globais, uma massa migratória de
“inesperados convidados”). O caminho europeu para a construção de uma esfera pública global, capaz de encontrar
um equilíbrio dinâmico entre os conflitos de interesses e identidades, passa, na opinião de Giacomo Marramao, pela
valorização da filosofia que nos serviu de berço – os valores socráticos, por exemplo, baseados na dialéctica e no diálogo.
No encontro de narrativas múltiplas que encontrem “ouvidos e tradutores “entre diferentes experiências e culturas”.
“Ou, simplesmente, não haverá” caminho, concluiu o italiano.»
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O International Board on Books for Young People (IBBY), organização que pugna,
desde a sua fundação em 1953, pela promoção da leitura e das obras de qualidade
junto da infância e da juventude, tem defendido, justamente, a ideia de que «os livros,
enriquecendo os conhecimentos que os jovens possam ter dos valores e das tradições dos
países estrangeiros, contribuem para desenvolver a convivência entre os povos e estão ao
serviço da paz» (IBBY – International Board on Books for Young People, 1994 – desdobrável
da Secção Portuguesa do IBBY). A Associação Portuguesa para a Promoção do Livro Infantil
e Juvenil (APPLIJ, Secção Portuguesa do IBBY) – que agrupa investigadores, escritores e
ilustradores, editores, bibliotecários e educadores – pauta, igualmente, a sua acção por
este princípio. Daí que várias intervenções dos seus membros sempre tenham sublinhado
a relevância do livro no diálogo intercultural e posto em prática esse mesmo princípio,
quer através da cooperação com outras secções do IBBY, quer por meio da organização
de espaços de formação, estudo e discussão – como os Encontros Luso-Galaico-Franceses
do Livro Infantil e Juvenil, que há vários anos têm lugar no Porto, na Biblioteca Almeida
Garrett, e que por mais do que uma vez abordaram esta temática.
2. Livros informativos, traduções e obras bilingues
Em matéria de livros para crianças e jovens4, e no que respeita à promoção da
abertura a outros países e outras culturas, sublinhe-se a importância de três tipos de
obras: os livros informativos, os textos literários traduzidos (narrativa, drama ou poesia)
e os volumes bilingues.
• Os livros informativos de qualidade podem cumprir, entre outros, um papel de
mediação entre o mundo a conhecer e o leitor, colocando em evidência a diversidade
desse mesmo mundo. Existem obras deste tipo para todas as idades, quase sempre
profusamente ilustradas com desenhos ou fotografias. Os jovens leitores são confrontados
com a realidade de outros continentes e países, têm a oportunidade de conhecer a sua
História, os hábitos e costumes das comunidades humanas, bem como a fauna, a flora, o
clima de diversas regiões do globo, além das idiossincrasias deste ou daquele povo e os
traços mais marcantes das respectivas identidades culturais.
• As obras de ficção traduzidas revelam-se também fundamentais para o propósito
de promover a compreensão de culturas diferentes da do leitor. A vantagem destas obras
prende-se com a própria natureza da literatura e com as virtudes intrínsecas da leitura
literária. Importa por isso lembrar, em primeira instância, que:
Sobre a temática abordada no presente ensaio, sugere-se a leitura da obra coordenada por Roig Rechou; Soto
López; Lucas Domínguez (coord.) (2006) – volume que conta com a colaboração do autor destas linhas, no âmbito das
actividades da Rede de Investigação LIJMI (http://www.usc.es/lijmi/) – e ainda da obra de Leite; Rodrigues (2000). Ver
também Sarto Canet (dir.) (1994), AA VV (1995) e Pellón Incera (2007), entre outros títulos. Ver ainda as bibliografias dos
trabalhos mencionados.
De referir que o ensaio agora apresentado constitui uma versão refundida e aumentada do artigo «Literatura para
crianças: um mundo sem fronteiras. Os livros para crianças na sociedade multicultural» que publiquei no nº 17 da Revista
Internacional de Língua Portuguesa (Lisboa: Associação das Universidades de Língua Portuguesa, Julho, 1997), pp. 38-46.
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«A literatura permite (…) tempo de maturação e essa é a sua força, aquilo que tem de
insubstituível e de único para oferecer: a vivência lenta e processual das emoções e as
mudanças que elas provocam. A literatura permite não apenas a acção e o movimento,
mas a sensação, de angústia, de sonho, de terror, de alegria com o seu tempo durativo e
transformacional – o que a torna um extraordinário enriquecimento humano e nos permite
a todos, muito limitados a um espaço e a um tempo, viver mil vidas, duma forma quase
real: sermos rebeldes, aventureiros, marginais ou resignados. Sentirmos, nós funcionários
públicos e amanuenses de mornidões cinzentas, como íntima e nossa, a solidão de R. Crusoe
ou a vida selvagem de Jack London.» (Dacosta, 1984: 67).
As obras literárias transpostas para outras línguas requerem, porém, cuidados
acrescidos no que toca à qualidade do trabalho de tradução. Dele se espera que não
desvalorize, apagando-os, os traços nacionais que singularizam as obras – pois o diálogo
entre culturas não significa, bem pelo contrário, o esbatimento da diversidade5 e muito
menos o menosprezo pelas culturas e idiomas minoritários. A «Caminho Jovens», da
Editorial Caminho, foi, durante anos, um bom exemplo de colecção cujos livros puderam
contribuir para um conhecimento não superficial de outros espaços culturais. Reuniu um
notável conjunto de romances e novelas juvenis oriundos das mais diversas regiões do
mundo, muitos deles distinguidos com prémios literários de prestígio, internacionais ou
nacionais. Aí encontramos nomes consagrados da moderna ficção juvenil, como os norteamericanos Mildred D. Taylor, Esther Forbes, Scott O’Dell e Brock Cole, a colombiana
Lyll Becerra de Jenkins, o sul-africano Norman Silver, os ingleses Geoffrey Trease, Janni
Howker, Leon Garfield e Lynne Reid Banks, os nórdicos Tormod Haugen e Cecil Bødker, a
austríaca Christine Nöstlinger, a grega Alki Zei, o francês Jean Joubert, o italiano Gianni
Rodari e os espanhóis José María Merino e Joan Manuel Gisbert, entre outros.
No domínio dos álbuns (ou de obras em formato de álbum), destacarei, a título
exemplificativo, dois títulos, ambos publicados na colecção «Caleidoscópio», da Edinter
(actual AMBAR), e destinados a crianças entre os sete e os dez anos. Em O Segredo
de Salomão (1989), de Saviour Pirotta e Helen Cooper, deparamos, inicialmente, com
o quotidiano de um bairro negro, situado, possivelmente, numa cidade europeia. Na
companhia do velho senhor Zee – personagem bondosa mas de comportamento estranho
– o pequeno Salomão enceta uma viagem fantástica que o leva do quintal do seu amigo
ao deserto australiano, passando pela China e pela Índia.
Leïla (1989), de Sue Alexander, é uma obra admiravelmente ilustrada por Georges
Lemoine que narra a história de uma rapariguinha de dez anos pertencente a uma família
de Beduínos. A acção decorre algures no deserto de um país árabe e complica-se com o
desaparecimento de Slimane, o irmão de Leïla. Além de abordar aspectos da vida e da
Tal como acontece com o conceito de tolerância, a utilização do termo diversidade não é isenta de problemas. Leiamse, a este propósito, as palavras de Iara Tatiana Bonin (2007: 7): «Sobre a diversidade entendida como “natural”,
obviamente não é pensada como algo que possa ou deva ser superado, e sim como uma característica das sociedades
nacionais a ser aceite e suportada, desde que ordenada para que não se dissemine em rebeldia, para que não ofereça
riscos, nem desestabilize as frágeis certezas. Tomada como menor e subordinada, a diversidade complementa e fortalece
a identidade referencial. // Problematizar a pedagogia da diversidade implica considerar que as diferenças se produzem
em relações de poder e saber, prestando atenção aos processos de diferenciação, às estratégias de hierarquização e de
sujeição. Significa ir além do reconhecimento e do acolhimento de uma multiplicidade de sujeitos e de práticas, para que
se possa reflectir sobre o modo como identidades e diferenças vão sendo constituídas e posicionadas na cultura.»
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cultura dos povos árabes, a história configura uma lição sobre formas positivas de lidar
com a morte e com a ausência dos que nos são queridos, mantendo viva a sua imagem
através da memória e do poder evocativo da palavra.
Destacarei ainda um terceiro álbum, de Umberto Eco e Eugenio Carmi: Os Três
Cosmonautas (Quetzal, 1989). Como já tive ocasião de escrever noutro local (v. Gomes,
1991: 82), o livro narra a história de um americano, um russo e um chinês que, no decurso
de expedições espaciais simultâneas, aprendem gradualmente que as dissemelhanças entre
os seres humanos (sintomaticamente sinalizadas pelas diferenças ao nível da linguagem e
da cultura a ela subjacente), embora causadoras de equívocos, não podem ser impeditivas
da concórdia, da aceitação mútua de percursos individuais mas também da compreensão
do que lhes é comum. Em última análise, o conto confronta o leitor com a questão da
incomunicabilidade como elemento gerador de intolerância. Uma obra, em suma, que
sublinha a necessidade do diálogo, contrapondo-o à irracionalidade da desconfiança e
da violência.
• Os livros bilingues podem assumir, igualmente, um papel de relevo. Raras ainda
no nosso país, estas obras têm a virtude de não permitir à criança ignorar que se encontra
perante o outro. De facto, «o outro está presente em cada página nessa língua, nessa
escrita por vezes diferente. Para além da simples função linguística, o livro bilingue tem
um papel de sensibilização, de despertar da curiosidade, de familiarização e aceitação da
diferença.» (Bukiet, 1992: 5)
Vale a pena apontar, como exemplo, a «Estafeta do Conto», projecto de escrita
colaborativa concretizado em 2004 e 2005, com oito escritores e centenas de alunos
da Galiza e do norte de Portugal por iniciativa da Conselleria de Cultura da Xunta de
Galicia e da Delegação Regional de Cultura do Norte (Ministério da Cultura de Portugal),
com o apoio do Programa de cooperação transfronteiriça INTERREG III. Operação de
complicada logística, que implicou a assistência de professores e bibliotecários e exigiu
um considerável trabalho de coordenação, este projecto contou, numa das equipas, com
a participação dos escritores galegos Paco Martín e Gloria Sánchez e dos portugueses
Anabela Mimoso e João Pedro Mésseder, e, na segunda, com Fina Casalderrey, Xabier
Puente Docampo, pela Galiza, e Ana Luísa Amaral e Vergílio Alberto Vieira, por Portugal.
As línguas de trabalho foram o português e o galego e tudo se processou em interacções
presenciais dos autores com crianças de várias vilas e cidades do Minho, de Trás-osMontes e de diversas cidades galegas. Participaram na elaboração de ambas as histórias
mais de quatro centenas de jovens, com idades compreendidas entre os 10 e os 14 anos.
As sessões de brain storming e criação oral colectiva tiveram lugar quase sempre em
bibliotecas públicas e com o apoio indispensável de bibliotecários e professores. O saldo
final foi a publicação dos livros bilingues Como Um Pé-de-vento / Como Un Golpe de
Vento (Santiago de Compostela: Xunta de Galicia e MC – DRCN, 2006), com ilustrações
de António Modesto, no caso da primeira equipa, e Pasos de Música, Camiños de Auga
/ Passos de Música, Caminhos de Água (Santiago de Compostela: Xunta de Galicia e MC
– DRCN, 2006), com ilustrações de Xosé Cobas, no caso do segundo colectivo. Redigidas
e revistas pelos escritores envolvidos, trata-se de pequenas novelas de tipo fantástico,
em que se tornam visíveis traços culturais de duas regiões diferentes, mas irmanadas por
idiomas muito semelhantes e pela contiguidade geográfica.
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No conjunto das obras bilingues, merecem ainda referência dois livros em formato
de álbum: Sam e o Som / Sam and Sound (Caminho, 2006), em português e inglês, de
Ana Saldanha e Basil Deane (texto) com ilustrações de Gémeo Luís, centrado na infância
e juventude de um violoncelista irlandês; e ainda as narrativas em verso, em torno do
alfabeto, de Rua do Abecedário / Rue de l’Abécédaire (ASA / Éditions St.-Paul, 1993) de
Augusto Múrias (texto) e Romain Lenertz (ilustrações), obra editada em Portugal e no
Luxemburgo e com texto em português e francês.
3. Diversidade e outros temas em obras portuguesas para crianças e jovens
Abordarei, em seguida, algumas obras literárias ou paraliterárias (exceptua-se uma,
de natureza mais didáctica) da produção portuguesa para os mais jovens, as quais se
distinguem seja por tematizar a diferença e a diversidade, seja por abordar o confronto
com o estrangeiro, a condição de imigrante ou tópicos afins (v. também o Anexo ao
presente ensaio). Podem por isso favorecer uma reflexão sobre o diálogo de culturas e
concorrer para uma educação simultaneamente literária e social, enformada por valores
positivos subjacentes a esse intercâmbio.
Publicado pela primeira vez em 1976, O Meio Galo (Edições ASA), de Luísa Ducla
Soares, integra um conto breve intitulado «Meninos de todas as cores». Miguel, um
menino branco e contente da sua condição, parte para uma viagem que o leva a diferentes
continentes. Neles encontra crianças amarelas, pretas, vermelhas e castanhas, todas elas
satisfeitas com as cores das suas peles. No regresso à «sua terra de meninos brancos»,
Miguel afirma: «É bom ser branco como o açúcar / amarelo como o Sol / preto como as
estradas / vermelho como as fogueiras / castanho da cor do chocolate.» (ed. de 1982, p.
24). O narrador conclui que «enquanto na escola, os meninos brancos pintavam em folhas
brancas desenhos de meninos brancos, ele fazia grandes rodas com meninos sorridentes
de todas as cores.» (pp. 24-25).
O Soldado João (Estúdios Cor, s.d.), da mesma autora, relata o modo como um simples
soldado, que se distingue pela sua bonomia e é incapaz de se libertar de certos costumes
da terra natal, logra, um tanto involuntariamente, tornar absurda e desnecessária uma
guerra entre generais inimigos. É a instituição castrense posta a ridículo e o texto a
funcionar como parábola: um pequeno libelo a favor da paz e do convívio entre pessoas
provenientes de campos aparentemente opostos.
Em vez da tradicional rivalidade entre irmãos que inúmeras histórias infantis,
sobretudo tradicionais, abordam, Os Ovos Misteriosos (Afrontamento, 1994) – outra obra
escrita por Luísa Ducla Soares e ilustrada por Manuela Bacelar – propõe imagens de força
e solidariedade que assentam numa insólita aliança de animais de distinta natureza.
Indignada com o roubo sistemático dos seus ovos, uma galinha decide, na mata, chocar
cinco de diferentes tamanhos e feitios, conquanto apenas conheça a proveniência do
único por cuja postura é responsável. A sua prole deixa-a perplexa: um papagaio tagarela,
uma avestruz voraz, uma serpente com cócegas e um crocodilo; apesar de apenas o quinto
filho se comportar como um pinto, a mãe trata os cinco com igual desvelo. A história só
atinge, no entanto, o seu clímax quando um rapaz tenta roubar o frango: os outros
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animais perseguem-no e assustam-no, cada um deles mobilizando as «armas» que lhe são
próprias. Libertado o irmão, todos se reúnem à volta da mãe, festejando e entoando uma
canção que traduz bem a intencionalidade da obra.
Os Ovos Misteriosos não é pois uma história pueril – no sentido pejorativo da
expressão –, mas antes uma fábula em que a diferença de cada um é valorizada. Para
ser mais rigoroso, deveria talvez dizer que subjaz a este discurso a ideia de que a força
de um grupo não repousa apenas na identidade de estatutos e de interesses daqueles
que o compõem. Luísa Ducla Soares vem mostrar que cada elemento de uma pequena
ou grande comunidade possui individualidade própria e que o poder dessa comunidade
nasce, afinal, da combinação das várias idiossincrasias dos sujeitos que a compõem. Só
assim a união faz a força e consolida os laços entre estes, já que as peculiaridades de uns
complementam as dos outros.
Propondo uma visão das coisas situada nos antípodas do egoísmo, a história da
galinha e dos seus cinco filhos, destinada a crianças entre os cinco e os sete anos, não
prescinde, contudo, da valorização da identidade pessoal. Os laços de cumplicidade
afectiva aliados ao respeito pelas particularidades individuais surgem como condição
essencial da sobrevivência dos grupos. Por mais inocente que aparente ser, qualquer texto
de literatura para crianças está, pois, saturado de ideologia. Esta parece oportuna. Num
tempo como o nosso, assolado pela intolerância e por tentações de unanimismo acrítico,
não se poderia encontrar mensagem mais actual, neste caso transmitida com subtileza,
humor e economia de meios expressivos (v. Gomes, 1995).
Num livro de poesia significativamente intitulado A Cor que Se Tem (Plátano, 1986),
Maria Cândida Mendonça escreve, no poema com o mesmo título: «E assim / há-de chegar
/ o dia de acreditar / que o valor / de alguém / não se pode avaliar / pela cor / que tem. //
E então / tudo estará bem.» (p. 18). Outra composição («Mariana, menina cigana») é um
dos raros textos portugueses para a infância que abordam a discriminação dos ciganos:
«A amizade / aquece menos / que o sorriso / na tua face / Mariana / menina cigana. // Mas
o ódio / esse é menos frio / que a voz que te chama / esquecendo teu nome / e dizendo /
mordendo / cigana / CIGANA» (p. 32).
Para a colecção «Triciclo voador», de Edições Afrontamento, criou Manuela Bacelar
um álbum ilustrado, intitulado O Dinossauro (1990), próprio para crianças entre os cinco e
os sete anos. O gigantesco animal, adormecido há muitos milhares de anos e confundido,
por isso, com um monte, desperta um dia e inicia um passeio, transportando no dorso
uma aldeia inteira. Relatada num registo bem humorado, esta viagem bizarra vai permitir
aos aldeãos conhecer a diversidade do mundo. Atravessando regiões desérticas e países
frios, têm oportunidade de observar «gente igual» e «gente diferente», «casas de todos
os tamanhos» e feitios. Acompanhando a sucessão de imagens, o pequeno leitor contacta
com nórdicos, árabes, chineses, africanos e índios norte-americanos; vê a Torre de Pisa,
a Torre Eiffel, arranha-céus, vivendas, palhotas, igloos, tipis e outros tipos de habitações
e edifícios históricos. Eis, pois, como uma obra destinada a crianças pequenas pode
contribuir para uma iniciação ao conhecimento das culturas de outros povos.
Ainda com ilustrações de Manuela Bacelar e texto de Anita Burlet, Jan Powels
e Maria Praia, A Europa dos Direitos Humanos (RIF, 1993) é uma obra constituída por
dezasseis cartões de formato A4, plastificados e resistentes, que se destina a ser lida pelas
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crianças em contexto escolar e explorada com a orientação do professor. Como escrevi
noutro local (Gomes, 1994: 19), o trabalho obedece à seguinte estrutura: na frente de
cada cartão uma ilustração colorida dialoga com um pequeno texto narrativo que, no
verso, vai contando, de modo muito simples e claro, a história do conturbado continente
que a Europa sempre foi. Aí se explica a génese da Declaração Universal dos Direitos
Humanos e a sua importância para a construção de um mundo onde, como é dito no
texto, «as meninas e os meninos puderam (...) ser livres, sentir-se felizes, conviver e ter o
direito de aprender» – afirmação mais utópica do que real, não obstante os progressos
verificados. No verso de cada cartão, uma parte destinada aos docentes destaca pequenos
excertos da Declaração, isola os conceitos que lhes estão subjacentes e integra sugestões
de actividades que o professor pode desenvolver com os alunos a partir das imagens e
do texto. Estas propostas revelam a preocupação constante de relacionar os conceitos
em análise com práticas sociais vivenciadas pelos mais novos, sem esquecer a dimensão
cultural patente em muitas delas. A obra, enquadrada na problemática geral da dimensão
europeia na educação, e destinada sobretudo a crianças da escola básica, procura dar
resposta à seguinte questão: «Como solucionar a tremenda frustração de educar em
valores, princípios e direitos que a sociedade é incapaz de promover? Não se trata de
pensar utopicamente uma sociedade sem conflitos. A questão reside em como utilizar a
educação como contributo para a resolução desses conflitos.» (2º cartão, texto «A Europa
dos Direitos Humanos»). Trata-se, em suma, de um trabalho voltado para «uma educação
de vocação internacional, que desperte em cada um a responsabilidade solidária. Uma
educação para a compreensão do outro, para o respeito pelas liberdades fundamentais.»
– assim se pode ler num dos textos introdutórios.
«Por que não tens uma cor igual à nossa? Por que não cricrilas?» – perguntam à
personagem do Grilo Verde os outros grilos, na obra que António Mota publicou com o
título O Grilo Verde, em 1984 (1ª ed., Livros Horizonte; 4ª ed., Gailivro, 2005), um conto
em cujo subtexto se lê um apelo à aceitação da diversidade. Outros exemplos merecem
referência, como certos contos de Luísa Dacosta (História com Recadinho, Figueirinhas,
1986) e de Manuel António Pina – neste caso incluídos em O País das Pessoas de Pernas
para o Ar (1ª ed., A Regra do Jogo, 1973; reed., Pé de Página, 2007) e em O Têpluquê e
Outras Histórias (Afrontamento, 1995; reed., Assírio & Alvim, 2006) edição refundida de
dois livros inicialmente editados na década de setenta).
A seu modo, também a novela e o romance juvenil podem concorrer para o despertar
da curiosidade por experiências de vida noutros países ou para uma meditação sobre
problemas como o racismo ou a inadaptação social provocada pelo choque de culturas.
Encontram-se no primeiro caso alguns dos livros de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada
publicados pela Editorial Caminho na colecção «Uma aventura»: Uma Aventura no Deserto
(1988), Uma Aventura nas Ilhas de Cabo Verde (1990), Uma Aventura em França (1991) e
outros. Brasil! Brasil! (colecção «Viagens no tempo», Caminho, 1992), das mesmas autoras,
é uma narrativa centrada em aspectos da História do Brasil no século XIX, nomeadamente
a luta pela abolição da escravatura. A questão do racismo, nas suas várias dimensões,
atravessa por isso todo o texto.
O herói do romance Alex, o Amigo Francês (Caminho, 1989), de Carlos Correia,
é um jovem filho de emigrantes portugueses. A sua dificuldade de integração, tanto
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na sociedade de origem dos pais como no país de acolhimento, está na origem da sua
inadaptação social. Sobre este livro escreveu Alice Vieira (cit. por Oliveira (ed.), 1993:
11): «É uma história por onde passa o racismo, o trabalho precário, o biscate, o pequeno
delito, o bando – que leva o herói a recusar ambas as sociedades e a embarcar num
navio em busca de aventura. A recusa do final cor-de-rosa em favor da verdade. Por cruel
que esta seja. Um livro de emigração sem sabor a fados e guitarradas. Mas também,
evidentemente, sem sabor a javas ou valses musettes.»
Mais obras poderiam ser mencionadas, como Uma Questão de Cor (Edinter, 1995;
3ª ed., Caminho, 2006) ou Os Caçadores de Cabeças (Verbo, 1994), de Ana Saldanha e
Alexandre Honrado, respectivamente. Ambos são representativos de uma tendência
emergente na nossa narrativa juvenil para tematizar o racismo, a xenofobia e outros
tipos de exclusão – temas que ganharam uma triste actualidade na sociedade portuguesa
(v., a este propósito, Blockeel, 1996 e 2001).
4. Textos e intertextos, contos e recontos
Embora não abordem de modo directo tópicos como o racismo ou a aceitação das
diferenças nas sociedades multiculturais, as obras a que farei agora referência constituem
narrativas de qualidade literária, cuja génese as vincula a textos estrangeiros, de origem
dita popular ou erudita. Algumas resultam mesmo de um prolongamento dos enredos
que lhes servem de ponto de partida, como Sonhos na Palma da Mão (Porto Editora,
1990; 2ª ed., ASA, 2004), de Luísa Dacosta, ou O Pajem Não Se Cala (1ª ed., 1981; 2ª
ed., Civilização, 1992), de António Torrado, ambos inspirados por dois conhecidos contos
de Hans Christian Andersen, respectivamente «O rouxinol» e «A vestimenta nova do
imperador».
Em casos como estes, uma leitura orientada pode enfatizar a ideia de que a própria
criação literária é consequência de um diálogo frutífero, explícito ou implícito, com textos
que a precederam, muitos deles oriundos de outros universos culturais. A consciência
desta realidade, além de concorrer para o desenvolvimento da competência intertextual
(dimensão essencial da competência literária) confere novos matizes ao conceito de
interculturalismo. Um leitor habituado desde cedo a reflectir sobre este fenómeno estará,
porventura, mais aberto ao respeito pela arte e cultura de outros povos, desvalorizando,
assim, sentimentos exacerbados de nacionalismo cultural.
Neste sentido, a obra de Ilse Losa é exemplar a vários títulos, averbando algumas
narrativas e peças teatrais baseadas em contos populares alemães ou de outros países.
Silka (1ª ed. 1984; 2ª ed., Edições Afrontamento, 1991), por exemplo, toma como ponto
de partida uma história tradicional do norte da Europa (região báltica), tematizando
a perseguição de que pode ser vítima um povo de raça e cultura diferentes. É difícil,
aliás, não ler Silka como uma parábola focada na questão da intolerância étnica e como
dolorida meditação sobre o destino do povo judeu.
Falar da educação para a alteridade e para aquilo a que, com certa precipitação e não
poucas conotações perigosas, chamamos tolerância implica, aliás, recordar os três contos
originais publicados por Ilse Losa no seu livro A Minha Melhor História (Editora Nova
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Crítica, 1979). Alguma desta matéria ficcional encontra-se relacionada com a infância e
juventude da autora, vividas na sua Alemanha natal, nos anos que precederam a Segunda
Guerra Mundial, trazendo à memória – numa linha de intertextualidade homo-autoral
– outro belo livro de Ilse Losa: O Mundo em que Vivi (20ª ed., Afrontamento, 1990).
Particularmente tocante é o conto «Apesar de tudo», história de reconciliação, centrada
na festa de aniversário do pequeno Rolf, filho de um resistente ao nazismo. O conflito
interior vivido pela mãe, ante a eventualidade da presença na festa de outra criança,
filha de um criminoso nazi, é a questão central do conto, cuja acção principal se situa no
imediato pós-guerra. Superando, por momentos, a dor e o ódio provocados pela morte
do marido às mãos dos torcionários, a mãe de Rolf acaba por ceder à insistência do filho
e admitir a presença de todas as crianças na festa, independentemente do passado dos
pais. Ao recusar penalizar uma delas pelos terríveis erros cometidos pelo pai, a mãe de
Rolf afirma a sua superioridade moral. O conto termina com uma nota de esperança:
«Talvez fosse possível haver um futuro sem lugar para torturas de inocentes, um futuro
melhor do que o passado, para bem de seu filho, para bem daquelas crianças... para bem
do rapazinho que lhe sorri...» (p. 42).
Sophia de Mello Breyner Andresen – que, em O Cavaleiro da Dinamarca (Figueirinhas,
1964), esboçara já um belíssimo fresco da efervescência social, cultural e artística da Europa
entre o fim da Idade Média e a Renascença – dá a ler, em A Árvore (Figueirinhas, 1985),
duas recriações de histórias tradicionais do Japão, em que é possível descobrir diversos
elementos da cultura deste país.
A atracção que a literatura oral tradicional sempre exerceu sobre António Torrado
conduziu-o inevitavelmente a deixar-se cativar pelas narrativas tradicionais do Oriente.
É o que se verifica nos recontos que – à semelhança de Alice Vieira (v. Contos e Lendas
de Macau, Caminho, 2002) –, publicou na colecção «Contos e lendas de Macau», do
Instituto Cultural de Macau / Editorial Pública: O Coelho de Jade, A Noite Luminosa e A
Cerejeira da Lua, todos eles de 1990. «O rei fez justiça», história incluída em Dez Contos
de Reis (Edições O Jornal, 1990), inspira-se, por seu turno, num conto tradicional árabe.
E é a mesma atracção pelo mundo árabe que leva o autor de O Jardim Zoológico em
Casa a situar a acção da sua conhecida história «O mercador de coisa nenhuma» num
país do Médio Oriente (ver O Mercador de Coisa Nenhuma, 1ª ed., 1969; 2ª ed. revista
e aumentada, Civilização, 1994). Finalmente, em O Pajem Não Se Cala, Torrado retoma,
como foi dito, um dos mais conhecidos contos de Hans Christian Andersen prolongando-o
numa divertida parábola sobre a hipocrisia dos poderosos.
Andersen é também um dos autores de referência de Luísa Dacosta. Não se
estranhará, por isso, que, no já citado Sonhos na Palma da Mão, narrativa breve mas de
elaborada urdidura, a escritora regresse ao conhecido conto «O rouxinol», cuja acção
decorre na corte de um imperador chinês. Tive já oportunidade de escrever (v. Gomes,
1991) que o texto de Luísa Dacosta se estrutura em torno de três sonhos da pequena
protagonista da narrativa de primeiro grau, três etapas de um percurso que encontra, no
final, o seu momento de síntese. No primeiro sonho, o olhar da menina, a quem a avó
contava a velha história do autor dinamarquês, descobre uma dama nobre costurando,
no palácio do imperador, um minúsculo rouxinol. Ele destina-se a fechar a sua cabaia de
seda e a realçar ainda mais a sua beleza, provocando assim a inveja das outras damas da
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corte. No segundo sonho, os olhos da criança revelam-nos a rapariga pobre do conto de
Andersen a afeiçoar também um pequenino corpo de pássaro, com um retalho de seda
vermelha do quimono do imperador. Trata-se de um presente para a mãe, testemunho
simbólico do amor filial da personagem. O terceiro e último sonho prefigura um encontro
entre dois amantes. Uma vez mais, entram em cena personagens do conto de Andersen.
O pescador leva à amada – a criadinha do segundo sonho – um testemunho do seu amor:
um gancho com a forma de um pequeno pássaro, destinado a «prender a cascata negra»
(1ª ed., p. 22) do cabelo da jovem. A última cena do sonho sugere, então, o encontro
amoroso dos amantes. Eis-nos, em suma, perante três modos de realização amorosa,
que se não excluem mas ordenam, segundo um processo evolutivo. Os olhos da menina
encaminham-na de um amor narcisista (o da dama por si própria) para uma situação de
afecto num quadro parental (filha-mãe) e, finalmente, para uma relação amorosa fora
desse quadro: o encontro entre a criadinha e o pescador. Pelo meio, não se torna difícil
identificar elementos vários da cultura chinesa – que a ilustração de Ângela Melo sublinha
e enriquece –, alguns dos quais já se encontravam no conto de Andersen.
Registe-se ainda António e o Principezinho (1ª ed., Edinter, 1993; 2ª ed., AMBAR,
2004), de José Jorge Letria. Até certo ponto, pode afirmar-se que estamos perante a
continuação da existência de Saint-Exupéry após o seu desaparecimento no mar, na
sequência de um provável ataque de caças alemães, no dia 31 de Julho de 1944. O topos
da revisitação de uma vida inteira no momento que precede a morte torna-se irrecusável
ponto de partida para uma história, sobretudo se protagonizada por alguém como SaintExupéry, cuja personalidade vem sendo objecto de mitificação crescente. O narrador
encontra assim o dispositivo que lhe permite a rememoração de momentos fulcrais da
biografia do escritor-aviador (a infância na casa de Saint-Maurice, a escola em Friburgo,
o despertar da paixão pelo voo, as experiências como piloto...), bem como de lugares e
pessoas que marcaram a sua vida (a mãe, Léon Werther, Jules Védrines...). Homenagem
comovida ao autor de Vol de Nuit, o texto de Letria necessita, para um adequado
entendimento pelo pequeno leitor, de prévia referência ao intertexto, Le Petit Prince,
já que o guia de António (de Saint-Exupéry) nesta viagem ao passado é, justamente,
o Principezinho, reencontrado no fundo do mar, após a queda do avião. A dualidade
morte/regresso ao seio materno (origem da vida) surge, assim, associada ao elemento
aquático. Partindo da ambivalência simbólica desse espaço marinho, três linhas de leitura
se articulam: o regresso à infância/revisita do passado, a imortalidade do escritor (e sua
conversão em mito) e o aniquilamento físico do homem. Em jeito de confirmação, registese o desfecho da história, espécie de deriva metaliterária: o Principezinho leva António
«até uma página branca de um livro por escrever» e aí o deixa adormecer. O narrador
conclui: «António, quando acordou, já não pertencia ao mundo dos aviões e das viagens
feitas no dorso dos cometas. Tornara-se personagem de um livro interminável como só os
sonhos das crianças podem ser.» (1ª ed., p. 38). Antoine converte-se assim em personagem
de uma pequena biografia romanceada, realimentando desse modo o mito do homem e
do escritor (cf. Gomes, 1993: 15).
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Ao contrário do que possa parecer, não esqueci as palavras de Suzanne Bukiet citadas
no início deste artigo. O que implica deixar um último sublinhado. É manifestamente
insuficiente cingir a utilização do livro, no quadro de uma educação para a multiculturalidade
e o interculturalismo, à leitura de recontos numa segunda língua (exemplos, da autoria de
José Jorge Letria: Contos da China Antiga, 2002; Lendas e Contos Judaicos, 2003; Contos
e Lendas do Japão, 2004; Lendas e Contos Indianos, 2006; Contos Populares Árabes, 2007,
todos editados pela AMBAR), ou de obras literárias baseadas em textos provenientes da
literatura de outros povos (como alguns dos trabalhos mencionados de Luísa Dacosta
e António Torrado) ou ainda de antologias de contos tradicionais de países com o
mesmo idioma oficial (exemplo: Contos da Lusofonia: Os Mais Belos Contos Tradicionais
(Civilização, 1998), com recolha de M. Margarida Pereira-Müller). Sobre as vantagens
da tradução, Walter Benjamin (2007: 134-135) refere a «libertação do preconceito da
língua própria (o salto por cima da língua própria)» e ainda «o domínio dos movimentos
intelectuais coevos nos vários povos». Donde, conhecer e aprender a respeitar a cultura
do outro começa, sobretudo, na possibilidade de acesso a versões criteriosas de obras
literárias, originalmente editadas noutras línguas, que sejam representativas de culturas
diferentes da do leitor. E, neste aspecto, o panorama editorial português revela-se por
vezes confrangedor, em especial no domínio da ficção estrangeira destinada a crianças e
jovens (onde encontrar obras de autores latino-americanos, árabes, africanos e asiáticos?)
e sobretudo no que respeita à qualidade das traduções.
5. Notas finais
Sociedade multicultural, diálogo de culturas... Vivemos num mundo em que a chamada
globalização e o reforço de estruturas de governo e pólos de decisão supranacionais,
de mais do que discutível legitimidade democrática (União Europeia; multinacionais e
seu poder…), têm como paradoxal reverso o recrudescimento do preconceito racial e
da xenofobia e o reforço dos mecanismos de exclusão social e económica, indissociáveis
de um capitalismo discursiva e ideologicamente estribado na vulgata neo-liberal. Neste
quadro, há um longo caminho a percorrer no sentido de educar para algo mais do que a
mera curiosidade pelo outro e para a aceitação activa do que nele é, por vezes, da ordem
do radicalmente «diferente». (Refiro-me em especial à diferença étnica e cultural, numa
sociedade em que a maioria pertence a determinado grupo étnico. Mas poderia aludir a
outros tipos de diferença – termo também ele ambíguo e perigoso6 – como por exemplo
a social.) Os livros para crianças, designadamente as traduções de obras estrangeiras,
impõem-se como mediadores relevantes do diálogo entre culturas – estimulando a
curiosidade, dando a conhecer outros povos e etnias, contribuindo para a integração em
comunidades multi-étnicas, estimulando, enfim, atitudes de valorização das diferenças
que não ponham, contudo, em causa valores humanos fundamentais e universais.
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Releia-se o que ficou dito sobre os conceitos de tolerância e de diversidade, nomeadamente na nota 5.
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Ajudar os mais jovens a tomar consciência dos laços que se criam entre diferentes
universos culturais (refiro-me, sobretudo, às dimensões intertextual e inter-artística) parece
ser outra das virtudes da literatura. Para tal contamos com o inestimável trabalho de
criação e recriação levado a cabo pelos escritores. Para estes – como tantas vezes acontece
no que toca ao seu público preferencial: os mais novos – as fronteiras nem sempre têm
sentido. Como se a arte fosse, afinal, a linguagem do entendimento universal.
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Originalmente para: Multiculturalismo e Identidades Permeábeis na Literatura Infantil e Xuvenil, ROIG
RECHOU, Blanca-Ana, SOTO LÓPEZ, Isabel e LUCAS DOMÍNGUEZ, Pedro (coord.), Vigo: Edicións Xerais de
Galicia, pp. 109-119 (ISBN 84-9782-486-5).
Multiculturalismo, identidades permeáveis
e literatura infanto-juvenil
Comentário com vista à formação leitora de Os Ovos Misteriosos, de Luísa Ducla Soares
José António Gomes
Sara Reis da Silva
Ana Margarida Ramos
RESUMO
A abordagem que a seguir se apresenta centra-se em Os Ovos Misteriosos, conto infantil em formato
de álbum da autoria de Luísa Ducla Soares, com ilustrações de Manuela Bacelar. Trata-se de uma
obra em que isotopias como a convivência multicultural, a tolerância, a aceitação da diferença ou
a fraternidade são fundamentais. Na leitura efectuada, salientam-se, ainda, aspectos relativos à
arquitectura narrativa, à configuração simbólica de alguns elementos, bem como ao estilo quer da
autora, quer da ilustradora.
1.
Publicada, pela primeira vez, em 1994, pelas Edições Afrontamento, na colecção
«Triciclo Voador», a obra Os Ovos Misteriosos, de Luísa Ducla Soares (n. 1939, Lisboa) é uma
das mais divulgadas do extenso conjunto de textos desta autora, que se estreou na escrita
para os leitores mais jovens, em 1972, com A História da Papoila. O conto seleccionado
encontra-se traduzido em neerlandês e em francês, tendo sido também publicada, em
França, uma edição bilingue.
2.
Com mais de meia centena de títulos editados, um universo plural em que se
incluem recolhas e adaptações do património oral, colectâneas poéticas, narrativas,
desde o conto à novela juvenil, texto dramático e, ainda, outras obras com um fundo
mais didáctico, Luísa Ducla Soares é uma das autoras mais reconhecidas da Literatura
Portuguesa comummente designada como infantil e juvenil.
Na globalidade, na sua produção literária, como, em outros lugares, já foi explicitado
(Gomes, 1997; Florêncio, 2001; Silva, 2005), detecta-se a ficcionalização de temáticas como
a convivência social, a harmonia possível na diferença, a aceitação do Outro, a crítica
social (ao materialismo, à sociedade de consumo, ao racismo, por exemplo), sempre num
discurso muito expressivo, coloquial, marcadamente lúdico, por vezes, irónico, nonsensical
e humorístico, e sempre próximo do destinatário. É o que se constata na colecção «Sete
Estrelas» (Livros Horizonte), em que se inserem contos como A Menina Branca, o Rapaz
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Preto, O Homem Alto, a Mulher Baixinha ou A Menina Verde – alguns deles reeditados nas
colectâneas Gente Gira (2002) e Tudo ao Contrário (2002) –, em obras como O Soldado João
(1973), A Princesa da Chuva (1984/2005), A Festa de Anos (2004), ou no conto «Meninos
de todas as cores», incluído em O Meio Galo e outras histórias (1976). Este último texto
foi, aliás, a base de uma maleta pedagógica organizada pela UNICEF e pela OIKOS, em
1990, como apoio ao projecto escolar e à exposição «Um Mundo de Crianças».
3.
Também da narrativa breve seleccionada, Os Ovos Misteriosos, emerge uma das
linhas ideotemáticas fundamentais, como temos vindo a sugerir, da produção literária
de Luísa Ducla Soares. É esta a do “elogio da diferença”, tópico para o qual acabam por
convergir outros vectores como o da tolerância, da solidariedade e, muito particularmente,
o da convivência multicultural, aspectos que determinaram a nossa opção por este
texto.
Tratando-se de um conto profusamente ilustrado por Manuela Bacelar, a obra
escolhida para este comentário destina-se preferencialmente às primeiras idades,
situando-se tipologicamente na categoria do álbum narrativo.
Do ponto de vista estrutural, em Os Ovos Misteriosos, a trama narrativa, pautando-se
pela brevidade, pela linearidade e pela univocidade, desenvolve-se segundo a arquitectura
tradicional do conto, que se traduz numa situação inicial – neste caso, de desequilíbrio
para a protagonista –, nas peripécias, num ponto culminante e no desenlace, momento
em que se soluciona o conflito, em que a acção se fecha de modo eufórico e em que se
reafirmam alguns dos valores que, ao longo de todo enredo, se ensaiam. Desde o início, o
discurso literário rege-se por uma simplicidade lexical e sintáctica, por um tom coloquial,
pela presença de segmentos dialogais, pela tendência para o visualismo e ainda pela
integração expressiva de pequenos segmentos poéticos – quase sempre quadras rimadas
com uma estrutura repetitiva –, um conjunto de estratégias que favorecem, de um modo
determinante, a adesão dos leitores mais novos. Mesmo o enigma que o título introduz a
partir do nome «ovos» e do próprio adjectivo «misteriosos», coadjuvado, à medida que a
acção vai avançando, pela capacidade de facultação doseada ou paulatina da informação,
desempenha um relevante papel na captação da atenção do destinatário extratextual.
Os Ovos Misteriosos, uma «fábula simples e bem-humorada» (Gomes, 1997: 47)
introduzida a partir da fórmula hipercodificada «Era uma vez», coloca em primeiro plano
uma galinha, figura anónima, como todas as outras com quem “contracena”, que se
revela, desde o início, como uma personagem personificada, com alma, voz, um forte
desejo e muita determinação:
«Era uma vez uma galinha que todos os dias punha um ovo. E todos os dias vinha a
dona, com uma cestinha tirar-lho.
– Já pus 1.000 ovos. Podia ser mãe de mil filhos. Mas não tenho nenhum por causa
da gente gulosa – cacarejou certa manhã a galinha. – Vou fugir.» (Soares, 1994).
O sonho da maternidade, que, muitas vezes, quer na literatura tradicional, quer na
literatura de potencial recepção infantil, surge associado à figura animal mencionada,
aliado ao da liberdade, motivam a partida da futura mãe-galinha que, assim, deixa para trás
um lugar de cativeiro para se aventurar num espaço desconhecido, a mata ou o bosque, e
cumprir a sua vontade. Capoeira e mata/bosque, espaços físicos da acção narrada, opõem| 19 |
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se do ponto de vista simbólico. Na verdade, enquanto o primeiro espaço é dominado
pela clausura, pelo aprisionamento, pela solidão/isolamento e pela frustração, o segundo
destaca-se pela relativa segurança, pela intimidade e pela superação do “obstáculo” que
possibilita, funcionando, ainda, enquanto cenário de conhecimento e de confronto com
a perspectiva do Outro. Aliás, é neste espaço de liberdade que se situa, ainda, um outro,
o ninho, local matricial da coexistência harmoniosa, da diversidade e da concretização
do sonho. A pluralidade de seres, que este «ninho cheio de ovos de todos os tamanhos e
feitios» (Soares, 1994) guarda, surpreende e faz prever a possível coabitação de figuras
diversas, à semelhança, aliás, do que acontece em outros textos de potencial recepção
infantil, como, por exemplo, no clássico O Patinho Feio, de H. C. Andersen.
As cinco diferentes personagens animais, escondidas nos distintos ovos – o
papagaio, a serpente, a avestruz, o crocodilo e o pinto –, unidas por fortes laços de
fraternidade, convivem de modo saudável, agem de acordo com a sua essência e unemse numa difícil situação de perigo. A ligação que entre si celebram, bem como as várias
acções apaziguadoras da mãe-galinha, do ponto de vista simbólico, parecem redundar
num cenário de ordem e perfeição. O respeito pela singularidade de cada um dos seus
filhos, bem como a compreensão e o amor maternais que determinam a actuação da
protagonista, constituem elementos prevalecentes e fundamentais não só em relação à
construção diegética, mas também quanto “efeito de espelho”, ou seja, ao reflexo do
mundo ficcional no mundo social e real que a leitura deste conto possibilita.
De facto, o comportamento das personagens animais deixa antever alguns
dos sentidos, dos valores, das críticas e dos “recados” que Luísa Ducla Soares veicula,
com invulgar vivacidade, na narrativa seleccionada. A galinha, verdadeira heroína,
manifestando a sua felicidade e o seu amor por todos os seus diferentes filhos, a quem
dedica, por igual, afecto, atenção e respeito, vê-se confrontada com uma atitude explícita
de marginalização e de preconceito por parte das suas congéneres:
«– Olhem a minha ninhada! – mostrava ela às galinhas do mato. – É tão variada, é
tão engraçada.
– Trata só do teu pinto. Não ligues aos outros bichos – aconselhava a perdiz.
Mas como podia ela abandoná-los depois de os ter chocado com tanto amor? Que
outra mãe havia de tratar deles?» (Soares, 1994).
Na verdade, estas figuras testemunham, à semelhança do que ocorre nas fábulas, o
comportamento humano e, mesmo, alguns dos aspectos inerentes à sociedade coeva, como
sejam, por exemplo, a rejeição da diferença, o racismo ou a valorização das aparências.
Em Os Ovos Misteriosos, verifica-se, ainda, um confronto ou um conflito desigual
entre as personagens animais e as personagens humanas, aparentemente mais fortes,
determinadas em exercer o seu poder sobre aquelas, desrespeitando o valor da sua
vida e desempenhando o papel próximo do vilão, uma recriação em que parece estar
implícita uma carga pejorativa, através da qual se “desumaniza os humanos” e se
denunciam genericamente – note-se que estas personagens são anónimas – alguns dos
seus defeitos.
O desenlace positivo e exemplar suscita, portanto, o (re)encontro com as isotopias
estruturantes desta narrativa fechada. Com imaginação e humor, a resolução do conflito é
apenas possível pela compreensão mútua, pela união – que faz a força –, pela entreajuda
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e, somente desta forma, as personagens deste conto, em particular a galinha, vêem
concretizados os seus desejos.
Num estilo que Natércia Rocha apelida de «sereno e decidido» (Rocha, 1984: 110),
expressão a que acrescentaríamos o adjectivo vivo, Luísa Ducla Soares propõe, em Os
Ovos Misteriosos, um encontro literário, visivelmente enriquecido pelo discurso artístico
de Manuela Bacelar, com um mundo afectivo em que a pluralidade de espécies animais
e a sua tranquila convivência sinalizam, com subtileza, a possibilidade de que o mundo
dos Homens também assim possa existir. A pluralidade cromática das extensas ilustrações
(muitas vezes, em página dupla), o seu predomínio em relação ao texto linguístico, que,
frequentemente, surge em locais “secundários” da página, bem como a representação
expressiva das emoções que vão dominando as personagens intervenientes, um percurso
estético em tudo consentâneo com a própria narrativa verbal, funcionam como factores
de atracção do leitor e também como sugestivos elementos de reiteração das temáticas
basilares que o conto em análise esboça. De salientar ainda que Manuela Bacelar opta,
neste livro, por aquele seu registo mais alinhado com uma linguagem que se apresenta
como misto de caricatura e de cartoon. Tal registo sublinha em geral as virtualidades
humorísticas de narrativas para os mais novos e distingue-se claramente da linha mais
dramática da ilustradora, marcada pelos tons escuros e suportada pelo recurso ao óleo ou
ao acrílico, como é visível em Silka (1989), de Ilse Losa, A Sereiazinha (1995), de Andersen
e em outras obras.
4.
Em Os Ovos Misteriosos, conforme procurámos aflorar ao longo da nossa análise,
Luísa Ducla Soares aborda um dos tópicos mais recorrentes na sua escrita. Nesta narrativa
atemporal, em que actua um número restrito de personagens, predominantemente
animais, seguindo alguns dos modelos da escrita de potencial recepção infantil, a autora
testemunha uma singular capacidade narrativa, que espelha a opção por um conjunto de
estratégias discursivas (como o tom humorístico ou o carácter dialógico) bastante eficazes
no processo de aproximação ao receptor. Sem moralismos forçados, Os Ovos Misteriosos
reveste-se de uma importante dimensão ética, ficcionaliza temáticas fundamentais, como
a paz na diferença ou a união e a solidariedade, e espelha simultaneamente um olhar
atento sobre o real e o sonho de um mundo melhor. Neste, como em outros textos, Luísa
Ducla Soares parece apenas querer dizer que, para os Homens, no que toca à convivência
com o Outro, “é preciso crescer”, sem esquecer que, felizmente, há “meninos de todas as
cores”.
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GOMES, José António (1997). Para uma História da Literatura Portuguesa para a
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Sul as Cores dos Livros (Encontros sobre Literatura para Crianças e Jovens, Beja, 2001 e
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SOARES, Luísa Ducla (2001). O Meio Galo. Porto: Asa (ilustrações: João Machado) (5ª
ed.).
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Originalmente para: Multiculturalismo e Identidades Permeábeis na Literatura Infantil e Xuvenil, ROIG
RECHOU, Blanca-Ana, SOTO LÓPEZ, Isabel e LUCAS DOMÍNGUEZ, Pedro (coord.), Vigo: Edicións Xerais de
Galicia, pp. 189-201 (ISBN 84-9782-486-5)].
Multiculturalismo, identidades permeáveis
e Literatura infanto-juvenil
Comentário com vista à formação leitora de Uma Questão de Cor, de Ana Saldanha
José António Gomes
Sara Reis da Silva
Ana Margarida Ramos
RESUMO
Neste texto, é apresentada uma leitura da obra Uma Questão de Cor, de Ana Saldanha, incidindo
nas principais linhas temáticas ligadas à promoção da tolerância e do multiculturalismo. São, ainda,
considerados os elementos relativos à construção narrativa do texto e à definição do estilo da autora,
tomando como ponto de referência o universo dos destinatários preferenciais.
A novela de Ana Saldanha, Uma Questão de Cor, foi publicada pela primeira vez em
1995 pela Edinter e reeditada, sob a chancela da Caminho, em 2002, com novas ilustrações
de José Miguel Ribeiro – artista que vem somando à sua ligação ao livro infantil um singular
e premiado percurso na área do cinema de animação. Esta obra foi ainda integrada em
vários manuais1 do 8º ano de escolaridade, pela Porto Editora.
O texto de Ana Saldanha em análise foi recomendado pelo IBBY e seleccionado para
as Olimpíadas da Leitura de 1996. Foi, igualmente, obra finalista do Prémio Unesco de
Literatura Infantil e Juvenil em Prol da Tolerância de 1997. Para a distinção do texto terá
certamente contribuído o tratamento da temática da multiculturalidade, a valorização da
tolerância perante as diferenças e a denúncia do racismo, associado à incompreensão e ao
desconhecimento do Outro. A pertinência da promoção de uma educação intercultural
tem vindo a ser salientada frequentemente, sobretudo nos países ocidentais, a braços
com problemas graves de integração efectiva de minorias étnicas, culturais e religiosas.
A educação intercultural2 apresenta-se, pois, como um paradigma alternativo ao nível da
formação, visando desenvolver, tanto nos grupos maioritários como nos minoritários, uma
Confrontar com: Com todas as Letras – Língua Portuguesa – 8.º Ano, de Fernanda Costa e Luísa Mendonça (Porto Editora); A Casa da Língua – Língua Portuguesa – 8.º Ano, de Sofia Melo e Manuela Rio (Porto Editora).
1
2
Confrontar com Ouellet (1991) e (2002) e Perotti (1997).
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| 23 |
maior capacidade de comunicação entre os indivíduos de culturas diferentes, comunicação
essa baseada na compreensão das especificidades das diferentes culturas e grupos. Deste
modo, é objectivo da educação intercultural a promoção de atitudes adaptadas ao
contexto da diversidade cultural em que nos situamos. Assim, é evidente a articulação
desta política educativa com a educação para a cidadania, numa interacção3 pautada por
cinco linhas de força essenciais: a coesão social; a aceitação da diversidade; a igualdade de
oportunidades; a participação na vida democrática e a preocupação ecológica.
Aliás, a leitura da novela de Ana Saldanha enquanto texto promotor de uma educação
intercultural terá estado, acreditamos, na origem da selecção da obra como de leitura
integral sugerida pelos manuais escolares. A actualidade e a pertinência das temáticas
tratadas, assim como a proximidade discursiva em relação aos leitores preferenciais,
explicarão o sucesso da obra junto de leitores adolescentes e juvenis.
Uma Questão de Cor4 estrutura-se em dez pequenos capítulos a que correspondem
quase cem páginas, numa clara opção pela brevidade e condensação discursiva para a qual
concorrem a inexistência de momentos descritivos ou de pausa na narração da acção. Esta
ideia é igualmente reforçada pela presença insistente do diálogo e utilização sistemática
do discurso directo, imprimindo agilidade à narrativa que segue o fluxo discursivo das
personagens e é assim marcada pela isocronia. Esta questão revela-se particularmente
pertinente logo na abertura da novela que é introduzida por um segmento de diálogo5
sem qualquer contextualização. Desta forma, o leitor, em vez de ler informação (descrições,
por exemplo) acerca das personagens, “ouve-as” em acção e constrói, de forma rápida
(e com recurso à caracterização indirecta), o seu retrato, estabelecendo os nexos de
proximidade ou de afastamento existentes entre elas. O diálogo é ainda caracterizado
pelas frases curtas ou mesmo muito curtas, que se sucedem a um ritmo vivo e que surgem,
muitas vezes, entrecortadas pelos comentários da narradora.
Trata-se de uma estratégia narrativa e discursiva que caracteriza os textos de Ana
Saldanha destinados a um público juvenil e que visa a captação imediata da atenção dos
leitores, promovendo a sua identificação não só com os temas tratados, mas também
com a linguagem, muito ágil e fluida, favorecendo uma leitura sem sobressaltos e sem
momentos de rotina e de paragem. Os capítulos mais extensos apresentam marcas gráficas
que estabelecem uma separação entre as diferentes cenas ou momentos narrados,
permitindo uma organização da acção.
Além disso, a autora procura recriar universos particularmente próximos dos
vivenciados pelos seus leitores, sobretudo o familiar e o escolar, dando conta de algumas
das suas principais características – às vezes fortemente tipificadas – tensões e problemas.
A questão do conflito de gerações, da falta de diálogo no meio familiar, a problemática
3
Confrontar Ouellet (2002).
Sara Reis da Silva (2005) apresentou uma conferência onde estabelece as principais linhas de força, quer do ponto de
vista ideotemático quer estilístico, da produção de destinatário juvenil de Ana Saldanha e onde inclui referências à obra
aqui analisada.
4
Confrontar com: «– Nina, o jantar está na mesa.
Já vou.
– Nina, vem jantar.
Só mais um bocadinho. Estou quase a conseguir acabar a paciência.
– Nina, olha que o jantar está a arrefecer» (Saldanha, 2002: 9).
5
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de integração dos jovens no grupo, a dificuldade da afirmação de uma individualidade
num universo muito codificado e regido por normas muito estereotipadas são algumas
das linhas de força que também contribuem para o costurar da narrativa.
As personagens, construídas com realismo e a pinceladas muito vivas e rápidas,
promovem a identificação do leitor pela idade, hábitos, gostos, actividades desenvolvidas,
relação com os adultos (pais, familiares, professores) e com os colegas. O facto de se tratar
de uma narrativa de primeira pessoa, de focalização interna, facilita a adesão do leitor
ao ponto de vista do narrador, uma vez que é o seu olhar sobre o mundo e sobre os
outros que prevalece. Este olhar reveste-se, ainda, de mais pertinência quando assume
uma postura interrogativa (por vezes mesmo de incompreensão) acerca do que o rodeia,
dando conta de incertezas e de muitas dúvidas. É evidente o tom confessionalista, próximo
do utilizado no diário, que caracteriza a narrativa e que permite uma aproximação ao
interior da personagem, incluindo a sua intimidade, os seus pequenos segredos e o seu
lado mais obscuro e menos solar…
O texto, apesar de breve e muito condensado, não deixa de conter uma série de
referências culturais, históricas e políticas particularmente pertinentes para a temática
central do texto. É assim que entendemos, por exemplo, as referências ao apartheid na
África do Sul e ao papel de Nelson Mandela na conquista de direitos para a população
negra desse país. No contexto português, são feitas alusões às manifestações dos estudantes
angolanos vivendo em Portugal ou ao simbolismo do primeiro deputado português negro,
Fernando Ka, também presidente da Associação Guineense de Solidariedade Social. Nas
referências a Nelson Mandela, por exemplo, a narradora privilegia a apresentação, sob a
forma de uma listagem, de alguns momentos cruciais da sua vida, destacando, através de
casos muito concretos e perfeitamente objectivos, exemplos concretos de descriminação.
O capítulo, intitulado “herói (breve história de um)”, recria, de forma acessível mas
extremamente completa, a vigência e o fim do apartheid na África do Sul.
Os temas aflorados são muito variados e apesar, como o título o indicia, de a questão
central da novela ser o racismo, ela é entrecruzada por outros eixos ideotemáticos como
a amizade, a tolerância e os afectos. A este propósito, veja-se a forma como, no texto, é
construída a relação entre Nina e Vítor, entre os pais da narradora e, de alguma forma,
entre os seus avós, apresentando várias facetas das relações amorosas, em sentido mais
restrito, e humanas, em sentido geral. Aliás, a família reveste-se de particular relevo na
narrativa, como as três gerações presentes dão a perceber. O equilíbrio familiar acontece,
apesar dos conflitos geracionais e culturais que se vão sucedendo, sustentado pela
confiança e por um diálogo que se mantém do início ao fim da obra.
A questão da informática funciona mais como pretexto para o desenvolvimento
da narrativa, permitindo empréstimos vários, tanto ao nível da própria comunicação
narrativa, como nos planos linguístico e temático, e funciona como forma de caracterizar
Nina, individualizando-a, por exemplo, face ao primo e inserindo-a num grupo definido
por determinados gostos e interesses. Permite também a sugestão de cómico, aquando da
construção das bases de dados de Nina sobre os seus ódios de estimação, ou das confusões
da avó com software e tupperware (Saldanha, 2002: 14 e 15), acentuando as diferenças
entre gerações ao nível dos interesses e da relação que estabelecem com a inovação.
Particularmente interessante é o aproveitamento deste vocabulário específico em
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contextos diferentes dos habituais. Assim, o fecho da narrativa surge como uma simulação
do fecho ou encerramento do programa de computador ou do próprio sistema.
O discurso da narradora é, ainda, marcado pelo humor, por um registo familiar e
por um estilo coloquial. Verifica-se a utilização, com moderação e pertinência, de alguns
vocábulos e expressões da gíria juvenil e/ou escolar. A narrativa desenrola-se a um ritmo
quase alucinante, cativando o leitor da primeira à última página.
O ambiente escolar e o familiar são reconstruídos com pormenor e realismo, sugerindo
o conhecimento preciso pela autora destes universos que revisita com assiduidade nos
seus textos, como o provam as publicações de Cinco Tempos, Quatro Intervalos (1999) ou
Doçura Amarga (1999).
A questão do racismo, sugerida desde o título como central no desenvolvimento
da novela, é aflorada pela primeira vez na página 47, pelo pai da narradora, queixandose da forma como tinha sido tratado no hospital. Mais tarde, é no diálogo de Vítor e
Daniel que aparece explícita a referência à “pele escura” do primo de Nina, através do
uso de expressões com claras conotações pejorativas como «primo escurinho» (Saldanha,
2002: 52), «não sabia que tinhas disto6 na família» (idem), «é bem tostadinho» (idem,
ibidem: 53), «pretinho tão giro» (idem, ibidem: 56). Neste caso concreto, saliente-se o
valor semântico dos diminutivos e o recurso ao pronome indefinido invariável usado para
referir Daniel.
Verifica-se, pois, o tratamento de um conjunto muito diversificado de temáticas
reais e complexas, cuja seriedade não é posta em causa pela forma acessível e clara como
são tratadas na obra, sem ligeirezas, facilitismos ou moralismos. Há, sobretudo, uma
desmistificação de algumas ideias e conceitos que, apesar de extraordinariamente actuais,
nem sempre são facilmente percebidos, como é o caso do racismo. Mais do que uma lição
de moral sobre a igualdade, a multiculturalidade e a tolerância, a narrativa desmonta
o conceito, apresentando-o como consequência de comportamentos estereotipados,
irreflectidos e acríticos que não têm em conta a individualidade da pessoa humana.
No texto, percebe-se que o racismo não é monopólio das classes sociais mais baixas ou
culturalmente menos esclarecidas, mas atravessa diferentes grupos e gerações, como
se percebe no capítulo 5, pertinentemente intitulado “Estupidez (como controlar a)”,
através das descrições das reacções dos colegas de Nina e dos professores quando insistem
na ideia de que Daniel não pode ser originariamente português: «Disse-lhe o nome do
subúrbio onde vivem a tia Liz e o tio André. A professora voltou à cara: – Não, eu pergunto
donde é que ele é mesmo7» (Saldanha, 2002: 54).
Aliás, não deixa de ser curioso (além de particularmente relevante) o facto de a
informação aos leitores sobre a cor da pele de Daniel não ser dada por Nina, aquando do
surgimento da personagem em cena, e ser apenas percebida através da reacção dos seus
colegas na escola. Desde o início, o leitor percebe que os problemas de Nina em relação
ao primo nada têm a ver com esse “pormenor” que a narradora nem sequer valoriza ao
ponto de não o registar, mas com as diferenças etárias e de maturação psicológica (além
das de sexo) existentes entre ambos. O facto de Nina ser filha única combinado com
6
Negrito nosso.
7
O itálico é usado no original.
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a chegada inesperada do primo causam grande ansiedade e irritação na personagem,
sobretudo porque, mesmo inconscientemente, se vê privada do monopólio dos espaços,
dos objectos e, sobretudo, dos afectos dos pais, dos avós e dos colegas. Assim, o tratamento
da diferença é realizado de forma desenvolvida e a autora não se limita à distinção mais
óbvia da cor. O texto aponta para um conjunto mais vasto de dissemelhanças entre as
personagens, como é o caso da idade e da própria nacionalidade (com implicações ao
nível da língua e de hábitos culturais e sociais, por exemplo), referidos a propósito da Tia
de Nina, mãe de Daniel.
No que toca ao racismo e às suas manifestações, convém destacar que a novela
acaba por questionar todo um conjunto de ideias feitas do senso comum. Desta forma,
mais do que insistir em actos de violência mais ou menos gratuita sobre pessoas de
outra cultura ou cor, a autora fomenta a auto-análise e a desconstrução do mito de
que em Portugal não existe racismo. Assim, são descritas situações concretas em que é
evidenciada a tomada de consciência da diferença, como as cenas passadas na escola
ou, principalmente, a cena do autocarro8. A ideia de que os negros são imigrantes que
“roubam” o emprego e as regalias sociais aos “verdadeiros” portugueses encontra
algum eco na sociedade, promovida, inclusivamente, por alguns discursos populistas e de
inclinação xenófoba. Não deixa de ser curioso, por isso mesmo, que a desmontagem do
argumento seja feita por Nina, quando questiona a senhora sobre o facto de os seus filhos
também não estarem a estudar e, nesta medida, não serem prejudicados pelos privilégios
concedidos aos estudantes angolanos9. O facto de Nina se revelar particularmente sensível
em relação à discriminação (sobretudo na escola e no grupo de amigos) de que o primo
Daniel é alvo permite a adesão do leitor ao ponto de vista na narradora e a constatação
das injustiças cometidas. A promoção da tolerância resulta do tratamento, na vida do
quotidiano, da questão em concreto e não de um discurso abstracto sobre este assunto.
O final feliz (resultante da resolução dos problemas vivenciados ao longo da diegese e da
reinstauração do equilíbrio – pessoal, familiar e escolar – momentaneamente perdido) e
o (r)estabelecimento de laços afectivos entre as personagens – também promovidos pela
interferência da avó – vão ao encontro das expectativas dos leitores e permitem suavizar
a densidade e a complexidade da temática proposta.
O tratamento do tempo é importante na construção da narrativa. A analepse inicial
permite explicar a chegada do computador a casa de Nina e é introduzida de forma
muito simples, através das memórias da personagem, activadas por uma alusão10. No
Confrontar com: «Estudantes? E o que é que eles têm de andar a estudar à minha custa? Olha, filha, aprende que eu
não duro sempre: que eu tenho três lá em casa que desde a idade de catorze anos que dão ali no duro, trabalham de sol
a sol. E vêm para aí os pretos tirar-nos o lugar.
Ouviam-se vozes no autocarro a apoiar esta tirada (…).
Que ignorância! Virei-me para a senhora e disse:
– Mas se os seus filhos trabalham desde os catorze anos, os estudantes negros não lhes estão a tirar os lugares na Universidade.» (Saldanha, 2002: 59 e 60).
8
Na discussão aí gerada, não deixa de ser relevante o facto de várias pessoas intervirem, de forma animada, levantando
questões relativas à descolonização. De forma subtil, a autora levanta questões que, mesmo nos nossos dias, não estão
completamente resolvidas e que se relacionam com a identidade nacional e com a reconfiguração geográfica e política
que se seguiu ao 25 de Abril de 1974.
9
Confrontar, por exemplo, com: «Esta piada repete-se ano após ano, desde que me recordo. Desde muito novinha que
deixei de acreditar no Pai Natal. (Foi a tia Luís quem me tirou as ilusões, quando eu tinha cinco anos. – Pai Natal? – disse
ela. – Mas tu acreditas nessa treta?)» (Saldanha, 2002: 12).
10
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início da obra, é a partir da referência ao Pai Natal que são evocadas lembranças relativas
a Natais passados e às prendas recebidas. Assim, é visível uma gestão muito pessoal,
subjectiva mesmo, do tempo narrativo, uma vez que os acontecimentos relatados seguem
o fio mental da narradora que os manipula de acordo com as suas vivências. É, pois,
através das suas memórias que conhecemos, de forma rápida mas totalmente eficaz, a
vivência em África do tio, as relações entre os avós, a aproximação de Vítor, entre outros
aspectos. São intercaladas referências a tempos diferentes, ainda que a acção se prenda,
preferencialmente, no episódio da chegada a Lisboa do primo Daniel.
A narrativa, essencialmente de tipo diarístico, é ainda entrecortada pela presença
de outras tipologias textuais, como é o caso da epistolar. Quando Nina decide escrever
uma carta à avó entretanto internada11, essa carta é introduzida na narrativa, ocorrendo
alterações ao nível gráfico e visual na apresentação do texto, através da simulação da
caligrafia da personagem e da demarcação dos limites da página. Estratégia semelhante
pode também ser observada logo no índice, uma vez que os nomes dos capítulos surgem
ordenados alfabeticamente (das letras A a J), assemelhando-se a um manual de instruções
ou a uma espécie de índice onomástico que permitisse a leitura livre, não sequenciada da
narrativa.
A narrativa dialoga, desta forma, como outros textos (e mesmo outras tipologias
discursivas, se atentarmos também no recurso à linguagem informática, em sentido literal
e metafórico), simulando uma aproximação mais efectiva (e também mais “realista”) ao
quotidiano das personagens.
Mas as sugestões de “subversão”, sobretudo ao nível da derrogação das expectativas
dos leitores, surgem ainda nas alusões ao Inferno e ao seu peculiar simbolismo, uma
vez que em lugar de estar conotado com um espaço terrível e assustador ao qual as
personagens são condenadas por acções vis, como a referência no índice sugere, sobretudo
pela articulação com “Juízo final”, surge como espaço de eleição e de desejo, uma vez que
se trata de um original restaurante da moda… Mais do que condenação, a ida ao Inferno
(um espaço repleto de sugestões vicentinas) representa a recompensa das personagens e a
pacificação das relações pessoais existentes entre elas. A linguagem revela-se como forma
subjectiva e particular de modelizar o mundo a partir do ponto de vista da personagem/
narradora, obrigando à sua leitura não só em sentido literal, mas também simbólico.
Do ponto de vista visual, merece ainda referência a discreta, mas presente,
componente ilustrativa da publicação. As ilustrações, a preto e branco, estão presentes
no início de cada capítulo e integram uma espécie de legenda, através de uma frase ou
apenas algumas palavras retiradas do texto. O paratexto da contra-capa é composto por
uma série de interrogações cuja resposta, supostamente, será dada pela narrativa. Trata-se,
assim, de captar a atenção do leitor pela sugestão de diversos “mistérios” que perpassam
pela obra. A opção por caracteres de tamanho significativo e por uma mancha gráfica
não muito compacta acentua a celeridade da leitura, actuando de forma decisiva ao nível
da captação da atenção e da adesão dos leitores. Uma nota ainda sobre o desenho da
11
Mesmo o internamento, para o qual vão sendo fornecidos vários indícios, é explicado pormenorizadamente, com recurso a terminologia médica e científica específica. A analogia entre o sistema informático e o corpo humano é sintomática
da forma como Nina compreende o que se passa à sua volta. Veja-se, por exemplo, como a questão dos “problemas de
sistema” são tratados, através do estabelecimento de afinidades com o corpo humano e os limites físicos que tanto o
computador como o homem podem suportar.
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capa, o qual dá a ver, em primeiro plano, uma mão manipulando um «rato» junto a um
computador, conjunto luminoso e em cores vivas, que parece aludir, metonimicamente,
à própria narradora-personagem. Em fundo, uma figura masculina abre uma porta,
recortando-se a sua silhueta escura sobre a luz provinda de um compartimento contíguo,
enquanto uma silhueta idêntica, em tons claros, surge no ecrã do computador. Lembrando
uma vinheta de banda desenhada, num registo a que José Miguel Ribeiro nos habituou,
este desenho atractivo, mas de problemática interpretação para quem desconheça o texto,
indicia, no seu jogo de claro-escuro, as tensões que os eventos narrados farão emergir,
sugerindo ao mesmo tempo a entrada de alguém na vida social e interior de outrem. Ao
impor-se pela sua atmosfera de mistério, a imagem da capa torna-se assim um elemento
susceptível de aliciar potenciais leitores.
Em termos globais, Ana Saldanha parece ter encontrado uma das “fórmulas
mágicas” de contar histórias aos jovens, tratados como leitores de pleno direito, em que
ficcionaliza a partir de um conhecimento muito próximo da realidade, os seus problemas,
preocupações, desejos e pontos de vista, em suma, a sua cosmovisão.
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http://www.interculturaldialogue2008.eu/fileadmin/
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Ensaio de Cláudia Brites, Vera Silva, da Biblioteca Municipal
do Seixal,
A Intervenção Social da Biblioteca na Comunidade: Qualificação
Individual e Crescimento Colectivo
Sugestões de leitura
As preocupações do Billy
Anthony Browne, Anthony Browne (ilustrador)
As preocupações do
Billy, Anthony Browne,
Anthony Browne (ilustrador),
Kalandraka, 2006
Este conto em formato de álbum, escrito e ilustrado pelo inglês
Anthony Browne, Prémio Andresen 2000, é protagonizado por
Billy, uma personagem infantil, e desenvolve-se em torno de um
nó problemático singular, como sugere o seu título. O pequeno
herói debate-se com preocupações diversas – chapéus, sapatos,
nuvens, chuva, pássaros gigantes e, em particular, ficar em
casa de outras pessoas. A solução para os seus problemas é-lhe
dada pela avó e por uns pequenos bonecos, os bonecos das
preocupações, que, colocados debaixo da almofada, servem de
alívio à criança. Como se explicita em nota de fim, esta história
é baseada numa antiga tradição originária da Guatemala.
Neste livro, a interacção entre as palavras e as ilustrações é
muito fértil e, portanto, a narrativa, verbalmente económica
e pautada, não raras vezes, por estruturas reiterativas e/ou
paralelísticas, ganha contornos renovados quando lida em
consonância com a componente pictórica, atendendo-se, em
especial, aos jogos cromáticos que nesta se observam.
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O Dinossauro
O Dinossauro, Manuela
Bacelar, Manuela Bacelar
(ilustrador), Afrontamento,
1990
O menino de cor
(adaptado de um conto tradicional
africano)
Ale+Ale (ilustrador)
Recriação, sob a forma de um álbum ilustrado de pequenas
dimensões, de um conto tradicional africano, este livro alerta,
com humor e de forma desmistificadora, para a questão do
racismo e da intolerância perante a diferença. Estabelecendo
várias comparações entre uma criança branca e uma criança
negra, a narrativa permite concluir acerca da inutilidade de
alguns preconceitos verbalizados sob a forma de expressões
como “menino de cor”, valorizando ideias como a igualdade e
a tolerância face ao outro. As ilustrações, com recurso a várias
técnicas, exploram a questão da variação cromática ao mesmo
tempo que sublinham a dimensão afectiva e até humorística do
texto, propondo diferentes situações facilmente identificáveis
e reconhecíveis.
O menino de cor (adaptado
de um conto tradicional
africano), Ale+Ale (ilustrador),
Livros Horizonte, 2007
O Pintainho & o Patinho
O Pintainho & o Patinho,
Brigitte
Sidjanski,
Sarah
Emmanuelle Burg (ilustrador),
Âmbar, 2007
Manuela Bacelar, Manuela Bacelar (ilustradora)
Em O Dinossauro, a enunciação discursiva, aparentemente
infantil, efectua-se na primeira pessoa, estratégia que, a par do
humor e do papel determinante que a componente pictórica
possui, facilita a aproximação do leitor infantil da mensagem
narrativa que o livro vai progressivamente desvendando. As
ilustrações, sempre de dimensão superior à mancha vocabular,
precedem e alargam o sentido do texto verbal, que, aliás,
se pauta por uma natural contenção. A riqueza figurativa
e a luminosidade policromática do texto icónico cativam
o pequeno leitor que segue com entusiasmo as pisadas do
gigante dinossauro, que aparentava ser um monte, que viajou
com várias pessoas no seu dorso e que viu e fez ver «gente
igual, gente diferente» e «casas de todos os tamanhos». De
ressaltar o desenlace inesperado e a tonalidade cómica com
que encerra este álbum.
Brigitte Sidjanski, Sarah Emmanuelle Burg (ilustrador)
Narrativa protagonizada por animais publicada em formato
de álbum, O Patinho & o Pintainho tematiza a questão
da diferença, defendendo a tolerância e a amizade como
forma de a superar. As personagens que dão título à história
interrompem uma sólida amizade por imposição familiar
devido à incompreensão de que um e outro são alvo. Contudo,
os afectos e afinidades que os unem permitem derrubar
preconceitos e conduzir à aceitação das diferenças, na criação
de laços entre as respectivas famílias. De temática multicultural,
o livro conta ainda com ilustrações particularmente expressivas
que recriam as diferenças existentes entre os protagonistas,
tanto ao nível físico como do habitat a que pertencem, assim
como dão conta das variações de humor existentes ao longo da
acção. O recurso a formas arredondadas e a cores fortes, assim
como a combinação do desenho de linhas pouco definidas com
a pintura asseguram a verosimilhança dos cenários e permitem
a sua fácil identificação.
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Tanto, tanto!
Trish Cookie, Helen Oxenbury (ilustrador)
Tanto, tanto!, Trish Cookie,
Helen Oxenbury (ilustrador),
Gatafunho, 2006
Álbum narrativo de grandes dimensões e fortes jogos
cromáticos, Tanto, tanto! tematiza, com recurso a um enredo
linear, muito simples e de estrutura paralelística, a manifestação
dos afectos em família, em particular junto dos bebés, como
forma de promover a união e o equilíbrio. As ilustrações, ao
completarem o sentido do texto, recriam, com humor e de
forma pormenorizada e com recurso ao movimento e à acção,
uma família singular na qual o bebé ocupa uma posição de
destaque, uma vez que é segunda a sua perspectiva que a
acção se desenrola. Original, sobretudo no panorama editorial
português, é o facto de a família retratada ser de cor negra,
permitindo a representação de elementos culturais particulares
e incentivando o diálogo sobre as situações propostas.
A Flor vai pescar num bote
Alves Redol, José Miguel Ribeiro (ilustrador)
O enredo de A Flor Vai Pescar num Bote, de Alves Redol, retoma
o final de A Flor vai ver o mar, aprofundando o contacto do
grupo de protagonistas com o ambiente marítimo, desta vez
através da participação colectiva numa pescaria em alto mar.
A alegoria recriada permite que cada uma das personagens
encarne diferentes personalidades, conduzindo a uma leitura
simbólica da sua actuação. As ilustrações de José Miguel
Ribeiro, através do recurso à aguarela e a linhas muito finas,
recriam, com subtileza, as personagens e os ambientes por
onde elas se movem.
A Flor vai ver o mar
Alves Redol, José Miguel Ribeiro (ilustrador)
A Flor vai ver o mar é o primeiro volume de quatro narrativas
versificadas, da autoria de Alves Redol, protagonizadas por
uma flor e pelo seus companheiros de aventuras. História
alegórica de uma amizade (mas duradoura e cúmplice) entre
uma flor, um pau, uma rã, um cão e um boi, a narrativa em
causa é ainda um texto que seduz pela linguagem, pelos jogos
de palavras, pelas repetições e paralelismos, pelo ritmo e feitos
sonoros, aproximando-se, por esta via, do universo das rimas
infantis com as quais reparte as vertentes lúdica e melódica. O
texto também dá conta da irresistível atracção das personagens
por outras paisagens e ambientes, neste caso os marítimos,
levando-as a ultrapassar as suas limitações físicas.
A Flor vai pescar num bote,
Alves Redol, José Miguel
Ribeiro (ilustrador), Caminho,
2006
A Flor vai ver o mar, Alves
Redol, José Miguel Ribeiro
(ilustrador), Caminho, 2006
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Cotãozinho e os seus irmãos
Daniel Barradas, Carla Pott (ilustrador)
Álbum narrativo sobre a questão da diferença e da integração,
Cotãozinho e os seus irmãos retrata, com particular
expressividade e sem moralismo explícito, uma mensagem de
tolerância e de inclusão da diferença, valorizando a ideia da
união e da amizade. Protagonizada por um cotão, a narrativa
adopta uma perspectiva singular da realidade, valorizando um
universo esquecido. Apostado em representar o olhar infantil
sobre o mundo, o texto recorre ainda à rima e aos jogos sonoros,
criando cumplicidades muito relevantes com a imagem.
Organizado de forma a tirar partido da relação muito estreita
entre texto e imagem, este livro surpreende pela novidade do
tema trabalhado e pela perspectiva adoptada.
Do ponto de vista visual, atente-se no grande investimento ao
nível da ilustração e na curiosa particularidade de a contra-capa
e as páginas introdutórias e finais apresentarem esquissos e
rascunhos das imagens presentes no livro, dando a conhecer ao
leitor/espectador o processo criativo que antecede a publicação
e que habitualmente se encontra escondido e fora do alcance
do seu olhar. Ainda no que às imagens diz respeito, saliente-se
as várias perspectivas e pontos de vista adoptados, em perfeita
simbiose com o texto e com o seu ritmo e sentido(s), os efeitos
de movimento e dinamismo. AMR
Primeiro Livro de Poesia
Sophia de Mello Breyner Andresen, Júlio Resende (ilustrador)
A autora clarifica, em posfácio, que quis fazer uma recolha
de poemas de poetas de todos os países de língua oficial
portuguesa, havendo o cuidado de começar pelos mais simples
para chegar aos mais complexos, ou seja, acompanhar o
crescimento da infância à adolescência. Assim, vamos encontrar
textos poéticos do património tradicional como A Nau Catrineta
ou a Cantiga dos Reis, lado a lado com poemas muito acessíveis
de Eugénio de Andrade ou de Sidónio Muralha que convivem
com outros de Nemésio, Manuel Bandeira, Craveirinha, ou
Jorge Lauten; ora recuamos no tempo, para ler João Roiz de
Castelo Branco ou Camões, ora lemos O’ Neill ou Miguel Torga.
Não há infantilismo, porque a criança não é pateta.
Esta é uma colectânea de «poemas em língua portuguesa
para a infância e a juventude», publicada, pela primeira vez,
com o apoio do Ministério da Educação. De um rápido olhar
pelo índice da obra em análise facilmente se conclui acerca da
variedade de textos aqui reunidos, uma variedade evidente,
por exemplo, ao nível da origem, da nacionalidade, da autoria
e até das tendências e dos períodos literários. Cruzam-se, aqui,
vozes poéticas de vários séculos de Portugal, do Brasil, de
Angola, de Timor, de Cabo Verde, da Guiné Bissau e de São
Tomé e Príncipe, sendo possível ler ou reler textos tão distintos
como uma popular «Cantiga de Reis», como algumas estâncias
do episódio do Adamastor, d’Os Lusíadas de Luís de Camões, ou
Cotãozinho e os seus
irmãos, Daniel Barradas,
Carla Pott (ilustrador), Dom
Quixote, 2004
Primeiro Livro de Poesia,
Sophia de Mello Breyner
Andresen,
Júlio
Resende
(ilustrador), Caminho, 1991
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como os poemas «Alforreca e Faneca», resgatado à colectânea
Fala Bicho, de Violeta Figueiredo, e «Canção de Leonoreta», da
obra Aquela Nuvem e Outras, de Eugénio de Andrade. D. Dinis,
Bocage e Luís de Camões convivem, neste livro, com Miguel
Torga, Fernando Pessoa, Eugénio de Andrade e Alexandre O’
Neill, apenas para citar alguns, todos num diálogo fraterno
também com João Cabral de Melo Neto, Ruy Cinatti, José
Craveirinha ou Glória de Sant’ Anna, entre outros. Quanto a
este livro, as palavras de Sophia de M. B. Andresen dizem tudo:
«o [este] livro está por isso aberto a todos para que a todos
esteja aberto o acesso à sua plena possibilidade.» (Andresen,
1999: 185), porque a poesia é, acima de tudo, «mestra da fala:
quem, ao dizer um poema, salta uma sílaba, tropeça, como
quem ao subir uma escada falha um degrau» (idem, ibidem:
186). SRS
Querida avó, Birte Muller,
Birte Muller (ilustrador),
Âmbar, 2004
Querida avó
Birte Muller, Birte Muller (ilustrador)
Com este álbum em formato extenso, inspirado nas tradições
da América do Sul, viajamos até um espaço longínquo, uma
aldeia no alto dos Andes, e conhecemos Felipa, uma menina
que se esforça por perceber e por conviver com a perda da avó.
É, assim, em torno de uma situação de desequilíbrio vivenciada
por esta personagem infantil que a história vai crescendo,
sempre num registo verbal e icónico feito de cores fortes e
quentes, a condizer com um cenário cultural bastante exótico.
Pela temática ficcionalizada e pela forma delicada como é
textualizada, bem como pelo facto de se tratar de um livro que
promove o contacto com um rico e dominante discurso plástico
e com um registo literário fundado num notório humanismo,
esta obra cativa, de imediato, o leitor.
Todas as crianças da Terra
Sidónio Muralha, Fernando Lemos (ilustrador)
Em Todas as crianças da Terra (1978), de Sidónio Muralha,
encontramos uma tentativa de definição da Paz através de
inúmeras metáforas. O livro, que resulta muito conotado
temporal e ideologicamente, como até é visível nas opções
cromáticas e no tipo de ilustração seleccionado, estabelece
claramente, desde a primeira página, um conjunto de oposições
entre a guerra e a paz, associando a primeira ao «capacete
de guerra [com] ar carrancudo» por oposição à beleza da flor,
conotada com a paz. O capacete, contudo, pode ser reutilizado
ao serviço da paz, servindo de vaso à flor, o que remete para a
desconstrução dos símbolos bélicos, tal como acontece com o
canhão que se personifica e humaniza, colocando-se ao serviço
da liberdade: «A paz é quando um canhão, muito feio e de
poucas falas, sente bater um coração e dispara cravos em vez
de balas».
Todas as crianças da Terra,
Sidónio Muralha, Fernando
Lemos
(ilustrador),
Livros
Horizonte, 1978
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Todo o texto é construído de acordo com as normas do género
lírico, percorrido por uma poeticidade que também resulta de
aspectos rítmicos e sonoros, como as rimas e as repetições, é
uma definição de paz, associada a elementos da natureza, a
afectos e a emoções, a actividades humanas, à cultura e ao
saber. Nesta longa enumeração, ganham especial relevo,
até pela simbologia que encerram, algumas das ideias-chave
(hoje quase estereotipadas pela sua clara conotação políticoideológica) do período pós-revolucionário em que se insere
a publicação: “[a paz é] o povo todo unido”, “as papoilas
vermelhas”, “é o trabalho, a mesa, a seara de trigo”, “são as
madrugadas”… AMR
A Cerejeira da Lua e Outras Histórias
Chinesas
António Torrado, Alain Corbel (ilustrador)
Quatro histórias, localizadas na China, confrontam-nos com
a sabedoria oriental em torno da dimensão humana. Em A
cerejeira da Lua, o sonho do imperador de ir à Lua concretiza-se
no puro acto da imaginação: fechando os olhos e agarrando o
bordão do mago. No segundo conto, o altruísmo constante de
uma lebre é recompensado por Buda que a coloca no panteão
lunar. Em A noite luminosa, um archeiro triste refugia-se no Sol
ao passo que a sua mulher, ao engolir a pílula da eternidade, se
transforma em rã e é atirada para a Lua. “Para chamarmos às
paisagens nossas, temos de combater por elas”, pensa o poeta
pintor ao receber um bolo com a senha que irá unir o povo no
levantamento contra o ditador mongol.
A Viagem de Djuku
A Cerejeira da Lua e
Outras Histórias Chinesas,
António Torrado, Alain Corbel
(ilustrador), Asa, 2003
A Viagem de Djuku, Alain
Corbel, Éric Lambé (ilustrador),
Caminho, 2003
Alain Corbel, Éric Lambé (ilustrador)
Partindo de uma das questões mais relevantes da actualidade
– a imigração e a integração de estrangeiros na sociedade
portuguesa – este conto, com soberbas ilustrações de Éric
Lambé, repletas de exotismo e recriando com expressividade o
encontro de culturas de que o texto fala, apela a um olhar mais
atento, e também mais solidário e tolerante, perante o outro, a
sua cultura e a sua especificidade. A multiculturalidade ganha,
pois, neste livro, uma particular atenção, talvez pelo facto de
os seus autores serem estrangeiros. Identidade e alteridade
são algumas das linhas de leitura de um texto particularmente
poético que revela a faceta de escritor de um dos ilustradores
que tem marcado o panorama editorial português dos últimos
anos.
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Barbatanar nas cores do Arco-Íris
Barbatanar nas cores do
Arco-Íris, Carlos Canhoto,
Marc (ilustrador), Pé de
Página, 2006
Desejos de Natal
Desejos de Natal, Luísa Ducla
Soares, Ricardo Rodrigues
(ilustrador), Civilização, 2007
História com Reis, Rainhas, Bobos,
Bombeiros e Galinhas e A Guerra do
Tabuleiro de Xadrez
História com Reis, Rainhas,
Bobos, Bombeiros e Galinhas
e A Guerra do Tabuleiro de
Xadrez, Manuel António Pina,
Campo das Letras, 2004
Carlos Canhoto, Marc (ilustrador)
Nesta narrativa, repleta de incidentes felizes e infelizes,
conhecemos a história de Flu, um peixe muito colorido que
vive, com a família, no estuário de um grande rio, cheio de
barbos, bogas, bordalos, pimpões, tainhas, carpas e muitos
outros. O discurso, vivo, marcadamente sensorial e pontuado
de animados diálogos, desenvolve-se em torno das vivências da
pequena protagonista Flu, a mais curiosa e audaz, mas também
a mais distraída e incauta da família. Entre Flu, uma perca-sol,
e Sara, um saramugo, nasce uma amizade em que a diferença
de “cores” pouco importa. Humor, aventura, desafio, perigo,
alegria e solidariedade são ingredientes fundamentais neste
conto, uma história em que apetece mesmo “barbatanar”.
Luísa Ducla Soares, Ricardo Rodrigues (ilustrador)
Três belos contos integram este livro de Luísa Ducla Soares:
“A Carta para o Pai Natal”, “O Carro Vermelho” e “Na Cova
da Moura”. A primeira história é protagonizada por Zeca, um
menino órfão que vive numa barraca com o tio Arnaldo, um
guarda-nocturno, e que tem grandes dificuldades em acreditar
no Pai Natal. Numa noite especial, tem, porém, uma surpresa
e acaba por perceber que, afinal, vale a pena não desistir
de sonhar. O herói do segundo conto é um menino chinês
de oito anos que ajuda os tios numa loja e que se apaixona
irremediavelmente por um carro vermelho telecomandado.
Acaba, no entanto, por perdê-lo e por ver o seu sonho desfeito.
A última narrativa possui como figura central Tino, um menino
em idade escolar, representante das muitas infâncias roubadas
ou da inocência quase destruída pelo contexto dos bairros
sociais. A simplicidade diegética e discursiva destas narrativas,
a construção predominantemente dialógica e coloquial, bem
como a presença de figuras infantis com as quais o potencial
leitor facilmente se identifica são fundamentais do ponto
de vista receptivo. As ilustrações, compostas com recurso a
cores fortes, em formato extenso e muito expressivas, além
de recriarem o universo narrativo, colocando especial ênfase
nas personagens e articulando-se, assim, com a componente
verbal, contemplam, ainda, aspectos que esta não inclui.
Manuel António Pina
Neste volume, ressurgem duas peças breves, editadas, pela
primeira vez, pela Pé de Vento, Companhia responsável pela
sua encenação, nos anos 80. O primeiro título, arquitectado,
a partir de segmentos de outros textos já levados à cena
pela Companhia referida, é dominado pelo nonsense e
pelo burlesco, um espaço povoado de bobos, tropelias,
trampolineiros, pantomineiros, “dançadores, cantadores” e
tantos outros. O segundo texto tematiza, recorrendo a uma
construção alegórica, baseada no jogo do xadrez, um singular
conflito bélico, uma guerra com um desfecho feliz.
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Olá, Brasil!
José Jorge Letria, João Fazenda (ilustrador)
Olá, Brasil!, José Jorge
Letria, João Fazenda
(ilustrador), Terramar, 2000
Quinhentos anos após a chegada de Pedro Álvares Cabral
ao Brasil (1500), José Jorge Letria poetiza, de modo criativo,
esse “achamento”, bem como alguns dos sucessivos encontros
da História luso-brasileira, celebrando, em Olá, Brasil, um
reencontro com esse “país-sonho” dos marinheiros do Rei D.
Manuel. A memória da relação multissecular de Portugal com
o Brasil lê-se, assim, através de um conjunto de personagens
históricas, de espaços novos - exóticos, até -, de episódios
individuais e colectivos ou de aventuras, que imprimem um
estatuto de verosimilhança a este texto lírico.
A poesia faz-se de História, uma história fraterna que acolhe
em si, em primeiro lugar, o momento do encontro dos
«camponeses do mar» ou dos «cavaleiros de mil viagens»,
que partiram de Portugal nas treze naus de Cabral, com esse
«grande mundo» feito de Índios «espantados» e «bronzeados»
e de «cheiros fortes e raros» das terras de Vera Cruz. Percorre,
depois, algumas cidades nascidas desse encontro, bem
como importantes personagens referenciais - da religião à
literatura -, como Pedro Álvares Cabral, Pêro Vaz de Caminha,
Diogo Álvares Correia, Padre António Vieira, Tomás António
Gonzaga ou Gregório de Matos. Deparamos com um discurso
apelativo e muito conciliador, cujo alcance pedagógico
passa, inclusivamente, pela valorização da fraternidade, da
tolerância e da aceitação multicultural, vectores ideológicos
sugeridos, por exemplo, nos versos «pressentem depressa a
diferença / que é preciso compreender / para não chamarem
selvagens / aos homens vestidos de lua / que habitam essas
paragens...»; «enquanto palavras ariscas / se desencontram no
ar / com sílabas tão diversas / que não dão para se juntar.».A
testemunhar essa espécie de fundo formativo inerente à obra,
impõem-se, ainda, as ilustrações de João Fazenda, imagens
sugestivas, multicoloridas e simbólicas, que acompanham e
alargam a escrita de J. J. Letria, transportando o leitor para um
universo transbordante de novidade e de tonalidades fortes.
Uma questão de cor
Ana Saldanha, José Miguel Ribeiro (ilustrador)
Ana Saldanha, uma das autoras portuguesas mais originais
que se tem dedicado à escrita para jovens, revela, uma vez
mais, nesta novela conhecimento profundo do universo social
e psicológico em que se movimentam os adolescentes dos
nossos dias. Nesta narrativa, conhecemos Nina ou Catarina,
personagem e narradora hábil de uma história do quotidiano,
do seu próprio quotidiano, que, com uma invulgar capacidade
discursiva, nos faz ingressar na sua vida familiar e escolar. O
relato , muito fluído, bem doseado e a não deixar o leitor
escapar, constrói-se sempre num registo coloquial e próximo
do receptor, fazendo-o participar das vivências de Nina que,
como uma vulgar menina de treze anos, se vê confrontada,
Uma questão de cor, Ana
Saldanha, José Miguel Ribeiro
(ilustrador), Caminho, 2002
leitores medianos, leitores
autónomos
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por exemplo, com algumas crises familiares, com o ataque
cardíaco da avó Olga, que tem uma professora de Português
que, quando se zanga, manda fazer composições de 200
palavras, que tem de ceder o seu quarto ao primo Daniel que
vem para a sua escola e que acaba por ter de encarar diversas
situações de racismo. Tendo como base a presença de Daniel,
a quem os colegas de escola se referem pejorativamente como
«tostadinho» ou «escurinho», Ana Saldanha textualiza o tema
da discriminação racial, encontrando-se a narrativa pontuada
de informações referindo também alguns comportamentos
sociais tipificados e reprováveis acerca dos africanos em
Portugal.
Ynari A Menina das Cinco Tranças
Ondjaki, Danuta Wojciechowska (ilustrador)
Esta é uma história protagonizada por uma menina, como
o título sugere, co-adjuvada por um homem pequenino que
encontrou no capim alto, um amigo que transforma as armas
em barro e que acaba por conduzir a heroína num percurso de
descoberta do valor simultaneamente relativo e infinito das
palavras. Propondo uma viagem até ao continente africano e
um ingresso no seu espaço natural quente e colorido, pontuado
de pequenas aldeias, de «peixes a saltar da água», de pássaros
verdes e de palancas negras gigantes, Ynari, porque «cada
um tem de descobrir a sua magia», percebe que é nas suas
cinco tranças que se esconde a possibilidade de reordenar
ou apaziguar pequenos mundos em conflito. Com as suas
cinco tranças, Ynari visita cinco aldeias, aqui a representar
simbolicamente os cinco continentes, oferece as suas cinco
tranças e concretiza a palavra “permuta”, delidindo a violência
(aí instalada pela ausência de ouvir, falar, ver, cheirar e sentir
o sabor) e estabelecendo a paz. A trajectória maravilhosa de
Ynari e do seu companheiro de pequena estatura perfaz, assim,
um roteiro de ligação ao Outro e de participação na construção
de um mundo melhor, linha ideotemática que sustenta toda a
construção artística deste livro.
Ynari A Menina das Cinco
Tranças, Ondjaki, Danuta
Wojciechowska (ilustrador),
Caminho, 2004
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