Anestesia de baixos fluxos:

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Anestesia de baixos fluxos:
Anestesia de baixos fluxos:
custos em euros
Low Flow Anesthesia: the costs in euros
27
Patricia Coimbra*,Lísia Barros.*, Roberto Matos*, Cristovão Matias*,
Araceli Vazquez**, Carmo Órfão**, Albertino Marques**
*Interno de Anestesiologia do Hospital Infante D. Pedro, Aveiro
**Assistente Hospitalar do Hospital Infante D. Pedro, Aveiro
Resumo
A Anestesia de Baixos Fluxos (ABF) é uma técnica segura e com múltiplas vantagens. Neste trabalho, foram calculados e
comparados os custos dos anestésicos voláteis em ABF e Anestesia de Altos Fluxos (AAF), demonstrando-se a redução
de custos quando são utilizados baixos fluxos. São também feitas algumas considerações acerca da técnica de ABF para
que possa ser utilizada com segurança.
Palavras Chave: Baixos fluxos, altos fluxos, anestésicos voláteis.
Abstract
The Low Flow Anesthesia (LFA) is a safe technique with multiple advantages.We have calculated and compared the costs of the
volatile gases in LFA and High Flow Anesthesia, demonstrating the reduction of costs when low flows are used.We also make some
considerations about the LFA technique, in order to use with safety.
Keywords: Low flows, high flows, volatile gases.
Revista SPA ‘ vol. 15 ‘ nº 4 ‘ Outubro 2006
Introdução
28
Primming Manutenção
do circuito
A ABF consiste na utilização de um fluxo de gás fresco
(FGF) inferior a metade do volume minuto. Pretendese com este trabalho calcular e comparar os custos
dos anestésicos voláteis em ABF e AAF, de modo a
sensibilizar os profissionais para a utilização de baixos
fluxos, rentabilizando os equipamentos de alta tecnologia
de que se dispõe actualmente.
Wash-out
Duração
(minutos)
10
60
10
FGF em AAF
(litros)
6
4
6
Volume de
sevoflurano (%)
2,0
2,0
0
Quadro II - Descrição das 3 fases na AAF com sevoflurano.
Metodologia
Para objectivar a redução de custos estabelecemos
um modelo matemático com o qual calculámos e
comparámos os custos da utilização de gases voláteis
durante 80 minutos numa anestesia geral balanceada.
Os custos dos fármacos endovenosos estão fora do
âmbito deste trabalho, pelo que não serão referenciados.
Os 80 minutos de utilização dos anestésicos
voláteis foram divididos em três fases: a primeira
corresponde ao priming do circuito; a segunda fase
representa a manutenção da anestesia; a terceira fase
corresponde ao wash-out do circuito.
Em ambas as técnicas, o priming do circuito é
feito com um FGF de 6,0L e tem por objectivo atingir
o equilíbrio entre a fracção alveolar (FA) e a fracção
inspirada (Fi). Também o wash-out é feito com fluxos
elevados (6,0L), de modo a permitir a eliminação rápida
e eficaz dos anestésicos voláteis. As concentrações
dos anestésicos voláteis (expressos em %) foram
estabelecidas tendo em conta que o FGF seria uma
mistura de oxigénio e ar. No nosso modelo, a única
variável entre as duas técnicas foi o fluxo utilizado
durante a manutenção: 1L para ABF e 4L para AAF.
Nos quadros seguintes, descrevem-se as 3
fases para cada técnica e anestésico volátil utilizado.
Primming Manutenção
do circuito
Wash-out
Duração
(minutos)
10
60
10
FGF em ABF
(litros)
6
1
6
Volume de
sevoflurano (%)
Manutenção Wash-out
Duração
(minutos)
10
60
10
FGF em ABF
(litros)
6
1
6
Volume de
desflurano (%)
De 0 a 2 minutos: 2,0
De 2 a 4 minutos: 3,0
De 4 a 6 minutos: 4,0
De 6 a 8 minutos: 5,0
De 8 a 10 minutos: 6,0
6,0
0
Quadro III - Descrição das 3 fases na ABF com desflurano.
Primming
do circuito
Manutenção Wash-out
Duração
(minutos)
10
60
10
FGF em ABF
(litros)
6
4
6
Volume de
desflurano (%)
De 0 a 2 minutos: 2,0
De 2 a 4 minutos: 3,0
De 4 a 6 minutos: 4,0
De 6 a 8 minutos: 5,0
De 8 a 10 minutos: 6,0
6,0
0
Quadro IV - Descrição das 3 fases na AAF com desflurano.
Para o cálculo dos custos, de acordo com o modelo
acima exposto, recorremos à fórmula de Dion, publicada
em 1992 no Jornal Canadiano de Anestesiologia.
Fórmula de Dion:
V. F. T. M. P
Custo =
2,0
2,0
Quadro I - Descrição das 3 fases na ABF com sevoflurano.
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Primming
do circuito
0
d. 2412
Legenda:
V = volume de anestésico volátil em %
F = fluxo de gás fresco (L/min)
T = tempo (minutos)
M = peso molecular (sevo= 200g; desfl= 168g)
P= custo (sevo= 0,70 euros/L; desfl= 0,33 euros/L)
d= densidade (sevo= 1,530g/ml; desfl= 1,450g/ml)
40
36,42
30
27,31
Custo
(euros) 20
18,2
10
Nota: à data de realização deste trabalho um frasco de 250
ml de sevoflurano custava 173,69 euros e um frasco de 240
ml de desflurano custava 80,00 euros.
F=1,0L
F=4,0L
Custos de Sevoflurano
9,1
9,1
0
30
60
29
6,83
4,55
2,28
90
120
Tempo (min)
Gráfico 2 - Custos para a fase de manutenção com sevoflurano.
Resultados
Os resultados obtidos, para a utilização de
gases voláteis durante 80 minutos e de acordo com
o modelo descrito anteriormente, demonstram a
redução de custos em ABF.
Para o sevoflurano, com baixos fluxos, o custo
foi de 9,10 euros enquanto que em AAF, o custo foi
de 22,76 euros.
Com o desflurano, o custo da ABF foi de 9,5
euros e o de AAF foi de 26,63 euros.
F=1,0L
F=4,0L
Custos de Desflurano
50
45,65
40
34,24
Custo 30
(euros)
20
22,83
30
8,56
5,71
2,85
0
Graficamente:
11,41
11,4
10
60
90
Tempo (min)
120
Gráfico 3 - Custos para a fase de manutenção com desflurano.
ABF
Custo Total
AAF
30
25
26,63
22,76
Os nossos resultados foram comparados com as
tabelas publicadas por Eger e Yasuda, verificando-se
equiparação dos mesmos.
20
Custo
(euros) 15
10
9,1
9,5
Discussão
5
0
sevo
desfl
Gráfico I - Custo dos anestésicos voláteis para 80 minutos de anestesia
em ABF e AAF.
Podemos verificar que o custo da utilização
de gases voláteis, durante 80 minutos, é reduzido para
menos de metade quando se utilizam baixos fluxos.
Se considerarmos os custos ao longo do
tempo, apenas para a fase de manutenção, verificamos
que ao fim de 120 minutos o custo para ABF é quatro
vezes inferior ao custo de AAF.
A Anestesia de Baixos Fluxos permite a
redução dos custos, no entanto, para que a ABF seja
utilizada com segurança é necessário compreender a
sua dinâmica e interface doente/equipamento. De
seguida, serão feitas algumas considerações gerais
acerca da técnica de ABF, suas vantagens e riscos
potenciais.
Definição
Consiste na utilização de um FGF inferior a
metade do volume minuto. Existe sempre um pequeno
volume de gás que sai do circuito através do sistema
scavenger.
As características farmacológicas dos mais
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recentes anestésicos voláteis, sevoflurano e desflurano,
são as que mais se adequam à ABF 1,2. O seu baixo
coeficiente de partilha sangue-gás (baixa solubilidade),
confere rápida estabilidade à relação da fracção
alveolar/inspirada (FA/Fi) do anestésico, mesmo com
alterações fisiológicas (ventilação/perfusão), do FGF
e da duração da anestesia3.
30
Vantagens
• Redução do custo dos anestésicos voláteis: após o
priming do circuito e a obtenção do equilíbrio entre
FA/Fi, a fase de manutenção pode ser feita com baixos
fluxos, o que permite diminuir a quantidade de gás
que sai pelo sistema scavenger. Quando se utilizam
altos fluxos, há um grande volume de anestésico volátil
que é vaporizado, mas este acaba por ser desperdiçado
ao sair pelo sistema scavenger.
• Redução da poluição: ao serem utilizados volumes
menores, é também menor a quantidade que vai poluir
o ambiente.
• Preservação do calor e humidade: a utilização de
baixos fluxos, permite a minimização da perda de calor
e humidade pelo doente.
Riscos Potenciais
• Alterações na concentração do anestésico volátil,
em ABF, requerem mais tempo: quando se pretende
alterar a concentração do anestésico nas fracções
inspirada e expirada com rapidez, deve-se aumentar
o FGF e ajustar o vaporizador para a concentração
que se pretende.
• A concentração inspirada é menor do que a que se
marca no vaporizador: a utilização de baixos fluxos
implica que a quantidade de anestésico volátil, em
volume, é menor do que quando se utilizam altos
fluxos, apesar de a concentração ser a mesma (é a
percentagem marcada no vaporizador).
• Risco de hipóxia:
- À semelhança do que acontece com os gases
voláteis, também o oxigénio sofre uptake pelos
tecidos do doente. O volume de oxigénio que
é fornecido no FGF tem de ser superior a
esse consumo, de modo a que não haja uma
mistura hipóxica no circuito. A Fi O2 deve ser
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sempre superior a 40%.
- A hipoxia pode surgir devido à libertação de
nitrogénio pelos tecidos do doente, e que,
por acumulação, pode levar a uma hipoxia
dilucional.
• Risco de hipercapnia: o uso de baixos fluxos leva a
que o absorvente de CO2 seja mais utilizado, podendo
surgir aumento da concentração de CO2, quando
ocorre a sua exaustão.
• Risco de condensação de humidade por excesso de
humidade.
• Risco de re-inalação de compostos degradados: está
descrita para sevoflurano, no entanto não está
efectivamente documentada.
Monitorização em ABF
Para que a técnica de baixos fluxos possa ser
executada com segurança a monitorização é
imprescindível.
• Monitorização standard: deve ser monitorizados
todos os parâmetros recomendados pela ASA para
qualquer anestesia.
• Para além desta, é essencial a monitorização contínua
múltipla da fracção inspirada e expirada dos gases em
circulação (O2, CO2, N2O, halogenados).Através desta
monitorização, podemos evitar os riscos potenciais
de hipoxia, hipercapnia e discrepâncias entre a
concentração marcada no vaporizador e a fracção
inspirada e expirada do anestésico volátil.
Conclusões
A ABF é segura e facilmente aplicável na rotina
anestésica. Os elevados custos dos mais recentes
anestésicos voláteis podem ser reduzidos com a
utilização de baixos fluxos, tirando assim partido do
seu baixo coeficiente de partilha sangue-gás que lhes
confere maior compatibilidade com a prática de ABF.
Ao mesmo tempo, é feita também uma maior
rentabilização dos equipamentos actualmente
disponíveis e que permitem uma monitorização rigorosa
do doente, facilitando o recurso a baixos fluxos.
Bibliografia
1. Eger El. Uptake and Distribution. In: Miller RD, eds. Miller´s Anesthesia. Churchill Livingstone, 2005: 131-151.
2. Muzi M, Robinson BJ, Ebert TJ, O´Brien T. Induction of anesthesia and tracheal intubation with sevoflurane in
adults. Anesthesiology, 1996; 85:3: 536-543.
31
3. Hargasser S, Hipp R et al. A lower solubility recommends the use of desflurane more than isoflurane, halothane
and enflurane under low flow conditions. Journal of Clinical Anesthesia,1995: 7: 49-53.
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