Ebook / Caderno de resumos

Transcrição

Ebook / Caderno de resumos
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE
PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Natal, 21 a 24 de novembro de 2013
Caderno de Resumos
MARGINÁLIA
Grupo de Estudos Transdisciplinares em Comunicação e Cultura
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Seção de Informação e Referência
Catalogação da publicação na Fonte. UFRN/Biblioteca Central Zila Mamede
Encontro Nacional de Redes de Grupos de Pesquisa em Comunicação (2. : 2013 : Natal, RN).
Pesquisa em comunicação / Organizadores Alex Galeno... [et al.].– Natal : EDUFRN, 2013.
Evento realizado de 21 a 24 de novembro de 2013.
ISBN 978-85-425-0118-6
1. Comunicação – Epistemologia – Congressos. 2. Comunicação – Ciência – Congressos. I. Galeno, Alex. II. Título.
RN/UF/BCZM
2013/77
CDD 302.201
CDU 007
APRESENTAÇÃO
Colegas,
Vocês têm em mãos um roteiro da navegação do nosso
evento. Uma bússola que apresenta direções e passagens que
indicam as coordenadas: resumos expandidos, títulos e horários
das sessões temáticas, conferências e os breaks.
Pedimos a atenção e empenho dos navegantes na leitura e cumprimento do roteiro. Do contrário, o nosso barco terá
dificuldades para acessar “cidades esplêndidas” (Rimbaud).
Mesmo sendo um barco ébrio e ávido por acontecimentos
intensivos, devemos evitar possíveis ice bergs organizativos ou
riscos de naufrágios. Cada tripulante, portanto, sinta-se partícipe e mobilize seus remos para que façamos a travessia com
beleza, leveza, imersão e experimentação.
Os Organizadores
GRUPOS PARTICIPANTES
GRUPO/LIDERES
PESQUISADOR PARTICIPANTE
MARGINÁLIA – UFRN
Josimey Costa
- Alex Galeno
Alex Galeno
- Josimey Costa
Maria Rita Xavier
Ana Eliza Trajano Soares
Fagner França
Thiago Tavares
Carmem Rivera Parra
Jucieude Lucena
Betânia Franklin
Angela Almeida
Gerlúzia Azevedo
Michelle Medeiros
Soraia Hopfner
Renato Maia
Juliana Bulhões
Ana Cecília Aragão
Patrícia de Carvalho Silva
Ana Tázia Patrício de Melo
Cardoso
FILO COM – ECA / USP /
UNISO
- Ciro Marcondes
AMORCOM – UCS
- Maria Luiza Cardinale
Ciro Marcondes
Lauren Colvara
Elenildes Dantas
Danielle Naves
Ana Paula Gouveia
Bruna Queiroga
Tales Thomaz
Malú Damazio
Aldrin Jonathan
Maurício Liesen
Vanessa Matos dos Santos
Tarcyanie Cajueiro
Felipe Maia Ferreira
Maria Luiza Cardinale Baptista
Ricardo Augusto de Souza
Lais Allende Prates
Jennifer Bauer
Ronaldo Velho Bueno
Renata Chies Paschoali
Natalia Biazus
Jessica Souza
Jonatas dos Reis Silva
Rafael Muller
ESPACC – Espaço/
Visualidade/
Comunicação/Cultura
- Lucrecia D’ Alessio Ferrara
- Regiane de Oliveira
Nakagawa
Adriano Miranda
Fábio Sadao Nakagawa
Lucrécia D´Alessio Ferrara
Regiane de O. Nakagawa
Adriana Maciel Gurgel Santos
Marília Santana Borges
Michiko Okano
Adriana Vaz Ramos
Thiago Machado Balbi
Comunicação, Cultura e
Erly Guedes Barbosa
Política – UFRJ
Thiago Araújo Ansel
Liv Sovik
Camila Calado Lima
Grupo de Pesquisa
Suzana Rozendo Bortoli
Jornalismo e a Construção Alice Mitika Koshiyama
da Cidadania/USP
Lieli Karine Vieira Loures
- Alice Mitika Koshiyama
Cristiane Oliveira Reimberg
Ben-Hur Demeneck
Tatiana Aoki Cavalcanti Silva
Davi Lopes Gentilli
Grupo de Estudos
Gustavo Fortes Said
e Pesquisa em
Leila Sousa
Comunicação, Cultura e
Afonso Rodrigues
Identidade-UFPI/PI
Núbia Andrade
- Gustavo Fortes Said
Raquel de Holanda
Nina Cunha
Narrativas
Contemporâneas – UFPE
- Eduardo Duarte
COM VERSAÇÕES
- Gustavo de Castro
Grupo de Pesquisa em
Comunicação e Práticas
de Consumo – ESPM/SP
- Rose Melo Rocha
Grupo de Estudos em
Cultura Visual/UFC
Silas de Paula
Eduardo Duarte Gomes da Silva
Daniel Monteiro do Nascimento
Raquel do Monte Silva
Mariana Maciel Nepomuceno
Georgia da Cruz Pereira
Lylian Caroline Maciel Rodrigues
Márcia Larangeira Jácome
Gustavo de Castro
Ciro Inácio Marcondes
Gabriela Pereira de Freitas
Luíza Spinola
Tiago Quiroga
Victor Stoimenoff
Verônica Guimarães Brandão
Simone Luci Pereira
Silas de Paula
Érico OLiveira
Aisthesis – Laboratório de
Eliany Salvatierra Machado
experimen-tação estética India Mara Martíns
e direção de arte – UFF
Eliany Salvatierra Machado
Grupo de Pesquisa
Midiatização e Processos
Sociais - Unisinos/RS
- Jairo Ferreira
Grupo de Pesquisa
Midiatização e Processos
Sociais - Unisinos/RS
- Pedro Gilberto Gomes
Grupo de Pesquisa
Midiatização e Processos
Sociais - Unisinos/RS
- José Luiz Braga
Grupo de Pesquisa
Midiatização e Processos
Sociais - Unisinos/RS
- Antônio Fausto Neto
Midia, Instituição e Poder
Simbólico
- Luis Mauro
Grupo de Pesquisa em Mídia
e Estudos do Imaginário
– UNIP
- Malena Segura Contrera
CISC- PUC/SP
- Norval Baitello Junior
Ana Paula Rosa
Ricardo Zimmermann
Fiegenbaum
Moisés Sbardelotto
Marcelo Salcedo Gomes
Jairo Ferreira
Monalisa Pontes Xavier
Pedro Gilberto Gomes
Paulo Roque Gasparetto
Carlos Sanchotene
José Luiz Braga
Caroline Cassali
Eloísa Klein
Carlos Jahn
Edu Jaques Filho
Antônio Fausto Neto
Viviane Borelli
Demétrio Soster
Luis Mauro
Maurício Ribeiro
Heirinch Fonteles
Relação das Sessões Temáticas e
Resumos Apresentados
Clique nos títulos para acessar os textos
ou em Sumário para voltar à relação.
22/11 – tarde
SESSÃO TEMÁTICA 1
Epistemologia e Comunicação
Bloco A
01 Radicais e Livres: Provocações para uma reforma
taxográfica a partir da comunicação
Danielle Naves de Oliveira
02 Tecnomídia: o pensamento do hoje via obsolescência e
disfunção do aparato midiático
Soraya Guimarães Hoepfner
03 EXCOMMUNICATIO – Por uma teoria negativa da
comunicação
Maurício Liesen
04 Os desdobramentos da Nova Teoria da Comunicação
Ciro Marcondes Filho
0 5 Comunicabilidade e dialogismo: possíveis aproximações
epistemo-lógicas entre William Stephenson e Mikail Bakhtin
Gustavo Said
06 Entremeios do Diálogo – Um Atravessar Comunicacional
Malu Damázio
07 Imagens-totens em circulação: fixação de valor entre
regulação e chancela
Ana Paula da Rosa
08 Espaços de indefinição ética nos processos midiáticos
Carlos Alberto Jahn
08a Interlocuções epistemológicas em comunicação
Tiago Quiroga
BLOCO B
9 O comunicar como objeto epistemológico
Lauren Ferreira Colvara
10 Um novo olhar sobre a comunicação e a forma de
estudá-la
Pedro Gilberto Gomes
11 A Experiência Sensível das Imagens: subjetividade,
imaginário e dinâmicas sociais
Eduardo Duarte
12 Festividade e o Outro: a alteridade em jogo
Aldrin Jonathan Souza Santos
BLOCO C
13 Caosmose e Afetiv(Ações) Inscriacionais do Acontecimento
Comunicacional Amoroso
Maria Luiza Cardinale Baptista
14 Comunicação-encontro: amorosidade e autopoiese no
encontro com o outro
Ricardo Augusto de Souza
15 Comunicação-viagem: a curiosidade como guia e o amor
como combustível
Rafael Muller
16 Comunicação-conflito: potência de narrativa e autopoiese
na zona de conflito
Jennifer Bauer Eme
17 Comunicação-caos: redescobrir-se, em meio ao caos e à
amorosidade
Jéssica Souza
18 Comunicação-trama de saberes e seres: cultivo do jeito
amoroso de ‘ser’
Jônatas dos Reis
19 Comunicação-campos de forças: autopoiese também nas
relações públicas
Natalia Biazus
20 Comunicação-movimentação desejante: o acionamento
de investig(ações)
Laís Alende Prates
21 Comunicação-complexa: afetivações inscriacionais
Renata Chies
22 Comunicação-teoria fluxo: contínuo movimento do devir e
hibridização
Ronaldo Velho Bueno
SESSÃO TEMÁTICA 2
Filosofia, Técnica e Subjetividade
BLOCO A
23 A inscrição das tecnologias nos processos de midiatização:
contexto, método e questões
Jairo Ferreira
24 A questão da técnica
Elenildes Dantas
25 Imagem, Corpo e Revolução Digital: Enfrentamentos SócioTecno-Culturais no Mundo Contemporâneo
Ana Cecília Aragão Gomes
26 Pensamento técnico e comunicação na cibercultura:
crítica do rótulo de “era da comunicação” para o mundo
tecnológico contemporâneo
Tales Thomaz
BLOCO B
27 Repensar os Audiovisuais Educativos em uma Proposta
Metapórica: A Dimensão do Sensível
Vanessa Matos dos Santos
28 O Ornamento do Caminho do Meio: Uma Lógica Filosófica
das Possibilidades Comunicacionais Ainda Pouco Explorada.
Ana Paula Martins Gouveia
29 Comunicação e Cidadania da Mulher: poder, valores e
práticas da sociedade brasileira Alice Mitika Koshiyama
30 Subjetividade e Cultura Mediática: Entre o desejo e a
responsabilidade social
Tarcyanie Cajueiro Santos
31 A complexidade do conceito de midiatização e a
construção de novas comunidades de pertencimento
Paulo Roque Gasparetto
23/11 – MANHÃ
SESSÃO TEMÁTICA 3
Literatura e Música
BLOCO A
32 Alimentação e Iconofagia: Rascunho para um Diagnóstico
Cultural
Michelle Medeiros
33 Uma literatura emancipatória
Carmen Rivera Parra
34 Balzac e a comunicação: elementos para pensar a Nova
Teoria da Comunicação?
Alexsandro Galeno Araújo Dantas
35 LÉVI-STRAUSS: mitos em composição musical
Betania Maria Franklin de Melo
36 Do grave ao agudo: fenômenos comunicacionais em
culturas sonoras
Felipe Maia Ferreira
37 Afetos químicos – comunicação e vínculos sociais nas
festas de música eletrônica
Thiago Tavares das Neves
38 Migração, comunicação e escuta musical – elementos
para um debate
Simone Luci Pereira
38a O som como elemento fundante da cultura
Luiza Spínola Amaral
SESSÃO TEMÁTICA 4
Cinema, Comunicação e Subjetividade
BLOCO A
39 Dispositivo e processo: a relação entre documentário
brasileiro contemporâneo e processo de criação
Georgia Cruz
40 Fraturas e errâncias no cinema contemporâneo
Raquel do Monte
41 Metáporos: uma proposta de pesquisa para estudar
Cinema
Eliany Salvatierra Machado
42 Gesto, Rosto e Morte na Joana D’arc de Dreyer
Ciro Inácio Marcondes
43 A Desorganização da Linguagem: A Contribuição de
Antonin Artaud e seu Cinema para o Estudo da Comunicação
Fagner Torres de França
44 A noção de acontecimento no documentário
Ana Tázia Patricio de Melo Cardoso
45 A estética singular de Luiz Fernando Carvalho
Mariana Nepomuceno
46 Ensaio Sobre Uma Visão De Mundo: Pensando A Civilização
através do Cinema
Renato Maia
47 A criação de atmosferas no audiovisual contemporâneo
India Mara Martins
48 A estética da paisagem urbana à luz do cinema
Raquel Holanda
49 Universos fílmicos dinâmicos: a promessa do filme interativo
na era da convergência midiática
Daniel Monteiro
BLOCO B
50 Dispositivos Interacionais & Circuitos de Comunicação
José Luiz Braga
51 Dispositivos interacionais “psi” na sociedade em
midiatização
Monalisa Pontes Xavier
52 Fé na mídia: a busca de legitimidade e autenticidade da
IURD via TV Record
Heinrich Fonteles
53 Intermitências do epistemológico na constituição das
Teorias da Comunicação
Luís Mauro
54 O Contato e as TIC em uma sociedade que se midiatiza
Marcelo Salcedo Gomes
55 Contribuições do Estudo da Midiatização para Renovar o
Olhar sobre a Comunicação
Ricardo Z. Fiegenbaum
56 Comunicação e religião: uma interface de pesquisa entre a
circulação e a reconstrução sociossimbólica
Moisés Sbardelotto
SESSÃO TEMÁTICA 5
Virtualidades
BLOCO A
57 Biopolítica e Estética nas experiências dos projetos sociais
de comunicação
Lylian Rodrigues
58 Jornalismo e redes sociais online: estratégias de contato e
captura do leitor no perfil de Zero Hora no Facebook
Carlos Sanchotene
59 Reciprocidade e dom no ciberespaço: uma análise dos
tutoriais no youtube
Ana Eliza Trajano Soares
60 Os relacionamentos amorosos na contemporaneidade
através das redes sociais da internet: o exemplo do Badoo
Maria Rita Pereira Xavier
61 Comunicação através dos amadores
Edu Jacques Filho­­­­­­­­­­­­­
23/11 – TARDE
SESSÃO TEMÁTICA 6
Visibilidades e cidades
BLOCO A
62 A cidade pelo gosto
Victor Stoimenoff
63 Assim é o que se parece (fotografia)
Angela Almeida
64 Desenho e Pintura em Antonin Artaud – A Estética da
Crueldade
Gerlúzia de Oliveira Azevedo
65 Considerações sobre fotografia contemporânea
Bruna Queiroga
66 Cultura Visual: a poética e a política das imagens
Silas de Paula e Érico Oliveira
66a Espaço, Imagem e Imaginário: considerações sobre o
problema do lugar no ambiente midiático
Maurício Ribeiro da Silva
BLOCO B
67 Mediação e interação: por uma arqueologia dos processos
comunicativos
Lucrécia D’Alessio Ferrara
68 O Minhocão: entre curvas e retas
Regiane Miranda de Oliveira Nakagawa
69 Nas dobras do tempo e da comunicação: os processos de
renovação urbana em São Paulo e Berlim
Adriana Maciel Gurgel Santos
70 Avenidas Paulistas possíveis: por uma epistemologia da
comunicação por meio do olhar
Marília Santana Borges
71 Entre Japão e Brasil – imagem de bairros multiétnicos
Michiko Okano
72 O circuito Barra-Ondina e a espetaculização da cidade do
carnaval
Fábio Sadao Nakagawa
73 Grafites, pichos e bombs: espetacularização e
carnavalização nas ilustrações da cidade
Adriana Vaz Ramos
74 Cartografia do Medo: as estratégias de poder da imagem
na cidade de São Paulo
Adriano Miranda Vasconcellos de Jesus
75 Espaços residuais: entre o aproveitamento e o descarte
comunicacional dos lugares da cidade
Thiago Machado Balbi
BLOCO C
76 Beleza brasileira
Gustavo de Castro
77 A Estética do Fluxo através da Artemídia Contemporânea
Gabriela Pereira de Freitas
78 Por uma beleza ampliada: imaginário do feio no Brasil
Verônica Guimarães Brandão
78a Comunicação e corpo: o caso da beleza brasileira
Liv Sovik
79 Consumo cultural e expressões de subjetividade nas
paisagens da cidade midiatizada
Josimey Costa da Silva
80 A Tessitura da Cidade que se Entretece: Comunicação
Urbana e Expressões Subjetivas na Produção e no Consumo
Simbólicos em Natal-RN
Patrícia de Carvalho Silva
Josimey Costa da Silva
81 Experiência estética e cidadania: a constituição da
experiência pública entre comunidades virtuais e espaço
urbano”
Márcia Larangeira Jacome
82 Olimpíadas 2016, o discurso da cidade integrada e as
remoções de favelas cariocas
Camila Calado Lima
83 Midiatização de mulheres em situação de rua: um novo
olhar sobre a comunicação
Suzana Rozendo Bortoli
84 Conflito Estético e as Formas Sujas da Cultura Popular
Thiago Araujo Ansel
SESSÃO TEMÁTICA 7
Imprensa, Jornalismo e Meios
BLOCO A
85 O cotidiano jornalístico: organização do trabalho, prazer e
sofrimento
Cristiane Oliveira Reimberg
86 Alimentação: diretrizes para uma nova abordagem
midiática
Tatiana Aoki
87 Jornalismo global e a construção da cidadania: jornalistas
e as respon-sabilidades diante de uma dissolução do binômio
assunto de interesse nacional/assunto externo
Ben-Hur Demeneck
88 Circulação de saberes em Jornalismo
Caroline Casali
89 Crise e Debilidade da Mediação Jornalística
Antonio Fausto Neto
90 Aproximações e tensionamentos entre a circulação crítico
midiática e o jornalismo
Eloísa Klein
91 Acoplamentos e Reconfigurações do Jornalismo
Demétrio de Azeredo Soster
BLOCO B
92 A Construção da Identidade Cultural Piauiense na Revista
Revestrés
Afonso Rodrigues Bruno Neto
93 Um Olhar Sobre Si: a oferta de identidades piauienses nas
Caravanas Meu Novo Piauí e TV Cidade Verde 25 anos
Leila Lima de Sousa
94 Identidade e Telenovela: As Representações do Piauí na
Novela Cheias de Charme da Rede Globo de Televisão
Núbia de Andrade Viana
95 Identidade Cultural do Piauí na Telenovela Cheias de
Charme: uma análise da personagem Chayene
Nina Cunha
96 Televisão e educação: reflexões sobre o uso da televisão
na escola
Jucieude de Lucena Evangelista
Márcia de Oliveira Pinto
Maria Soberana de Paiva
97 Direito à informação em emissora pública de
comunicação: análise do telejornal Repórter Brasil
Davi Lopes Gentilli
98 Crime sem castigo: questões de gênero na imprensa
brasileira: o caso Roger Abdelmassih
Lieli Loures
99 Interação entre jornal e leitor: regramentos, estratégias
discursivas e silêncios
Viviane Borelli
100 Construção discursiva do feminino marcado por
racialidades em revistas femininas e processos de
subjetivação de mulheres negras
Erly Guedes Barbosa
22/11 – tarde
SESSÃO TEMÁTICA 1
Epistemologia e Comunicação
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Bloco A
01 Radicais e Livres: Provocações para uma
reforma taxográfica a partir da comunicação
Danielle Naves de Oliveira
1. Anotações preliminares
No presente texto predomina o caráter especulativo,
embora a ambição seja de manifesto. Vemos nas Ciências da
Comunicação uma necessidade, simultânea, tanto de plasticidade teórica quanto de assentamento político. E é importante
cuidar para que essas duas instâncias não se confundam, já
que uma garante liberdade à outra.
Da plasticidade teórica, há boas noticias: nos últimos 20
anos, pelo menos, o debate epistemológico da Comunicação
tem mostrado avanços, como se constata no trabalho de vários
dos grupos aqui representados e também no GT da Compós.
As direções de pesquisa são diversas e não-unânimes, o que
pode ser lido como enriquecimento para a área.
Quanto ao assentamento político, as dificuldades são
maiores e sinalizam que ainda estamos longe de alcançar um
terreno minimamente propício, onde possamos trabalhar individualmente com autonomia e, coletivamente, pelo desenvol-
28
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
vimento científico do nosso campo. Num primeiro plano, há o
sufoco das exigências de produtividade, avaliações individuais
e institucionais, prazos e financiamentos. É no plano de fundo,
contudo, que vemos uma estrutura que não deixa margem
para conquistas políticas na Comunicação.
Essa estrutura são os “outros”, portanto, como diria Sartre, o
inferno. São os outros porque não fomos nós, os comunicólogos,
que a inventamos. Mesmo assim somos compelidos a alimentá-la. Limito-me, aqui, a apresentar o sintoma maior da estrutura,
a Tabela de Áreas do Conhecimento (TAC) da Capes, na qual
a Comunicação integra a grande área das Ciências Sociais
Aplicadas.
O título “radicais e livres” diz respeito justamente à posição
inadequada da Comunicação na TAC que, por sua vez, já na
distribuição das grandes áreas apresenta incoerências crassas.
Trata-se, assim, de um problema que começa na raiz da tabela
e cujos desdobramentos comprometem a liberdade das disciplinas específicas, dispostas nos galhos mais superficiais. Diante
disso, nossa atuação não pode seguir outro caminho que o da
radicalidade.
No termo “taxográfico” subentende-se, ao menos inicialmente, uma revisão não só de nomenclatura (taxonomia) e sim
da organização de uma nomenclatura já existente. A reforma,
portanto, implica mudanças em toda a tabela e não somente
na Comunicação. Afinal, esta última arroga-se como ponto de
partida da mudança.
29
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
2. Um passeio pelas grandes áreas
Tabelas são exigências de um mundo categórico. Cada
coisa em seu lugar. De acordo com o site da Capes, que apresenta a última versão da TAC, “a classificação das Áreas do
Conhecimento tem finalidade eminentemente prática, objetivando proporcionar aos órgãos que atuam em ciência e
tecnologia uma maneira ágil e funcional de agregar suas
informações”1.
Se a finalidade é “prática” e “funcional”, a causa é –
no mínimo – negligente. É possível que, em curto prazo, um
número considerável de pesquisadores, grupos, programas e
instituições de fomento se beneficiem de tal divisão alinhada
à mentalidade produtivista. Porém, o modelo não discute suas
próprias bases e não prevê espaço para o aparecimento de
novas disciplinas.2
1 Capes: http://www.capes.gov.br/avaliacao/
tabela-de-areas-de-conhecimento
2 Em 2005, formou-se uma nova comissão para reorganizar a tabela
(a terceira, em 20 anos, segundo Renato Janine Ribeiro). A comissão foi formada por: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS), Financiadora de Estudos
e Projetos (Finep), Secretaria Especial de Desenvolvimento Industrial
do Ministério do Desenvolvimento Industrial (SDI/MD), da Secretaria
de Ensino Superior do Ministério da Educação (Sesu/MEC) e da
Secretaria de Industria e Comércio, Ciência e Tecnologia do Estado
30
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A atual TAC é formada por quatro níveis: grande área,
área, sub-área e especialidade. Nesse contexto, a Teoria da
Comunicação faz parte do terceiro nível, portanto uma sub-área. Antes de entrarmos nesse detalhe disciplinar, consideremos as oito grandes áreas:
1. Ciências exatas e da terra
2. Ciências biológicas
3. Engenharias
4. Ciências da saúde
5. Ciências agrárias
6. Ciências sociais aplicadas
7. Ciências humanas
8. Multidisciplinar
À primeira vista, nenhuma das grandes áreas é exclusivamente teórica, podendo mesclar em suas bifurcações tanto
teoria como aplicação. Apenas à área 6 cabe a exclusiva
denominação “aplicada”, o que soa injusto, impreciso e incômodo. É importante lembrar que a aplicação não é nenhum
mal, pois oriunda da divisão aristotélica dos saberes, é fundamental para a realização científica. Em toda ciência há lugar
para teoria, aplicação, experimentação e produção.
Tomemos como exemplo a grande área 1, “Ciências exatas e da terra”. Nela, a organização parece mais harmônica
e simples do que nas outras. O segundo nível é formado por:
matemática; probabilidade e estatística; ciência da compude São Paulo. O resultado final, no entanto, mostrou poucos avanços
em relação à tabela anterior.
31
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
tação; astronomia; física; química; geociências. Em todas há
especialidades aplicadas e teóricas. Se quisermos observar o
terceiro nível, basta tomar a matemática, que tem desdobramentos conceituais, aplicados e experimentais.
O mesmo poderia acontecer com a Comunicação. Mas a
tabela é anômala por princípio. Se e a categorização é um mal
necessário, ela teria, pelo menos, que ser categórica e não misturar alhos com bugalhos. A grande área 6 é uma aberração
epistemológica – e restrita às ciências sociais. Em seu esquadro,
além da Comunicação, estão: direito; administração; turismo;
economia; arquitetura e urbanismo; planejamento urbano e
regional; demografia; ciência da informação; museologia;
serviço social. O problema é que há inúmeros outros saberes
aplicados espalhados por outros ramos das sete grandes áreas
restantes. Nas Humanas, de acordo com o princípio da TAC,
não deveria haver ciência aplicada, mas constam: filosofia,
sociologia e psicologia, com especialidades aplicadíssimas
como “treinamento de pessoal” ou “estimulação elétrica e
com drogas”.
Poderíamos passar horas pescando incoerências na TAC.
Mas passemos avante.
3. A Comunicação
À essa altura, já está claro que a grande área 6, “Ciências
sociais aplicadas” precisa ser eliminada para que uma nova
categorização seja gerada. A mudança não diz respeito uni-
32
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
camente à Ciência da Comunicação, mas a todas as outras
incluídas na classificação.
Seria muito precoce e impertinente, aqui, sugerir um novo
modelo, pois este deve resultar de um processo de discussão e
trabalho conjunto. Sabemos das dificuldades de implementação e andamento de comissões de TAC. Nos últimos 20 anos
aconteceram, pelo menos, três tentativas de reformulação,
com trabalhos exaustivos que, infelizmente, foram parcial ou
insuficientemente finalizados.
Igualmente importante é a realização de um levantamento histórico e documental das TACs no Brasil, com suas
influências, origens, expoentes, transformações e adaptações,
além de seus vínculos com instituições e sociedades de incentivo à pesquisa como CAPES, CNPq e SBPC.
A TAC deve representar não somente os grupos de pesquisa aqui reunidos, mas toda a Área Brasileira das Ciências
da Comunicação. Trata-se, portanto, de esforço conciliatório
e estabelecimento de diálogos com próximos e distantes. Sem
aspiração à unanimidade, a tentativa é a de uma realização
política que amplie e trate com justiça as conquistas de nossa
área, que reconheça sua trajetória e historicidade, que abranja
suas diversas especialidades teóricas, aplicadas e experimentais, e que, ainda, reserve fôlego para novas subdisciplinas e
temas de pesquisa emergentes.
33
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
02 Tecnomídia: o pensamento do hoje via
obsolescência e disfunção do aparato midiático
Soraya Guimarães Hoepfner
Este é um projeto de pesquisa performativo que tem
como objetivo investigar a natureza das tecnologias midiáticas (tecnomídia) a partir da observação do caráter particular
de determinados aparatos midiáticos quando na condição
de obsoletismo ou disfuncionalidade. Assim, os estados de
inatualidade e inatividade dos objetos midiáticos selecionados para a pesquisa são considerados o acesso fenomenológico essencial à compreensão fundamental da relação entre
existência humana-máquina (microdimensão técnica) e da
relação entre o existência humana-mundo (macrodimensão
temporal). Em seu estado de disfunção ou obsolescência, tais
artefatos midiáticos transcendem seu tempo e seu modo de
ser/atuar, servindo desta forma como evidência material dos
conceitos de imediaticidade e tecnicidade que buscamos
compreender.
A pesquisa tem caráter performativo, ou seja, a investigação baseia-se em uma intervenção analítica dos artefatos midiáticos selecionados. Tal caráter implica em que, neste
modo de investigação, a prática não constitui apenas a metodologia adotada, mas ela é integra, em especial, o objetivo da
pesquisa, enquanto modelo ideal de abordagem para estudos
transdiciplinares em filosofia da mídia, gerando ainda, além de
resultados qualitativos, o projeto também prevê gerar dados
34
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
quantitativos e visuais. Do ponto de vista de embasamento teórico, a pesquisa segue de perto uma abordagem fenomenológica inspirada nas contribuições de Martin Heidegger para
o pensamento da contemporaneidade, a saber, as premissas heideggerianas sobre tecnicidade e ser. O projeto almeja
ainda posicionar-se teoricamente para além das perspectivas
já estabelecidas pela filosofia da técnica e filosofia da mídia, ou
seja, o estudo busca eminentemente superar tecnicalidades e
midiaticidades, com vistas a repensar paradigmas dialéticos,
tais como tecnologia x natureza; teoria x prática; ação x pensamento; humano x máquina, etc.
Devido à necessidade de análise prática de aparatos
midiáticos obsoletos e disfuncionais tidos como evidências
fenomenológicas materiais, o projeto prentede estabelecer seu
estudo de caso a partir da vasta coleção de aparatos midiáticos do Séc. XX, mantidos pelo Medienarchäologischer Fundus
(arcevo de arqueologia da mídia) do Instituto de Ciências da
Música e da Mídia da Universidade Humboldt em Berlin (IMM –
HU). O projeto almeja os seguintes resultados: a) Ilustração dinâmica dos resultados da pesquisa na forma de um mapa GIS na
web; b) Elaboração de uma caracterização do fenômeno tecnomídia; c) Documentação de uma metodologia de pesquisa
performática, proposta como modelo padrão para estudos filosóficos da mídia.
Keywords: Tecnomídia, Tecnicidade, Filosofia da mídia,
Arqueologia da mídia, Filosofia da técnica
35
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Contribuição do projeto para os estudos da comunicação
O presente projeto situa-se em uma área de conhecimento híbrida, na qual o questionamento filosófico fundamenta e guia a investigação científica. O objetivo do projeto
é fornecer uma abordagem filosófica modelo para a análise
de tecnologias midiáticas, sendo parte essencial dessa proposta a adoção de um método investigativo adequado para
este ‘novo campo’, qual seja, o de uma pesquisa informativa,
na qual o processo é o resultado a ser alcançado, em vez da
tradicional comprovação prática ou teórica de uma hipótese
pré-formulada.
Não obstante o viés filosófico de questionamento, o
estudo tem como questão central um elemento caro aos estudos da comunicação: a reflexão acerca do que é mídia, formulada no presente projeto em termos de como é a mídia. Na
escolha pelo questionar filosófico que pergunta pelo modo de
ser (como é) em detrimento de um questionar científico que
domina o âmbito da quididade (o que é) do objeto de pesquisa, o projeto tenta abrir caminho para uma espécie de ‘filosofia aplicada’, acreditando ser este um modo de questionar
que em muito contribuiria para os estudos da mídia, sobretudo
porque, justamente, seu objeto de pesquisa tem um modo de
ser particular, diferente de outros objetos das ciências humans
e sociais. Deste modo, o fio condutor da investigação, a tentativa de uma caracterização da essência presente em todo
e qualquer objeto midiático, para além de qualquer que seja
expressão (discurso), forma (estrutura) e função (meio), finda
36
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
por corroborar a afirmação da particularidade deste objeto e,
consequentemente, a particularidade de um modo de investigar que ‘atende’ à especificidade do objeto, em vez do
contrário.
Em síntese, a investigação pressupõe que objetos midiáticos ‘quebrados’ ou ‘defasados’, em sua condição de estar,
respectivamente inativo e inatual nos fornecem um cenário
privilegiado de observação do fenômeno midiático. Assim, a
investigação prática orienta-se por três perguntas filosóficas?
1) Como pensamos tempo através da transcedência funcional
peculiar do objeto midiático obsoleto? 2) Como pensamos o
caráter essencial e geral do fenômeno midiático, exposto pela
dinâmica de aparência do objeto midiático ativo/inativo? 3)
Como estes objetos diferem de outros objetos técnicos, ou seja,
em que sentido se dá o sentido de mídia?
Deste modo, ao centrar-se na manipulação e observação de determinados objetos midiáticos e, neste processo,
analisar seus respectivos modos de ser quanto aos aspecto de
obsoletismo e disfuncionalidade, o projeto busca, acima de
tudo, superar os paradigmas da tecnicalidade e da medialidade, ou seja, equilibrar-se em uma interseção entre o que seria
a abordagem já bem-estabelecida da filosofia da tecnologia
ou da filosofia da mídia. Nesta interseção, acreditamos que
abriria-se o espaço no qual se daria o diálogo com os estudos
da comunicação social, sobretudo no tocante à necessidade
fundamental de uma interveção prático-analítica na qual é justamente esta manipulação/observação dos objetos midiáticos
o resultado determinante.
37
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
No tocante à questão central dessa pesquisa, a identificação de um sentido geral e essencial para o fenômeno denominado mídia, através da observação de objetos midiáticos em
estado de inatividade ou inatualidade, é importante contextualizarmos que, independentemente das diferentes escolas de
pensamento, parece ser um consenso a necessidade de legitimação do fenômeno mídia como uma entidade conceitual.
Isto não é outra coisa do que a sinalização da independência
e afirmação da teoria das mídias como campo de estudo, dentro do tradicional viés dos da comunicação. Já no âmbito de
uma investigação filosófica, denotamos que o questionar por
um sentido geral e essencial, no qual mídia seria compreendida
como uma região ontológica, é contribui para o exercício de
uma filosofia aplicada, voltada para pensar o hoje (princípio
filosófico per si). Deste modo, muito além do que poderia ser
visto como uma questão para os historiadores da filosofia ou
preocupação exclusiva dos bibliotecários, cada vez mais desafiados pelo movimento fusional das áreas do saber, a questão
sobre a determinação da mídia como autêntico problema
filosófico revela-se uma necessidade para a compreensão da
própria tarefa da filosofia em nossa configuração de mundo
atual, ou seja, a discussão do lugar da filosofia em tempos de
informação.
Na hipótese da indicação de um sentido geral, um signo
comum, que permearia a multiplicidade de aspectos e manifestações, esta se demonstraria possível, precisamente porque
à base de tais manifestações tecnológicas revela-se algo que
não está passível de ser investigado objetivamente, pois diz
38
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
respeito a uma situação de mundo, uma indicação do que
somos e como somos no presente. Neste sentido, pensamos
sobretudo em um diálogo com Heidegger e o que o filósofo
entende como facticidade, ou seja, a dimensão temporal do
presente na qual o acontecimento de mundo dá-se abertura
para pensar o sentido de ser. É justamente neste sentido que
pensar mídia passa a ser questão inevitável e necessária para a
filosofia, sem que contudo jamais possa ser equivocadamente
apreendida como seu objetivo final. Além disto, também com
Heidegger, nos voltamos para a dimensão ontológica da tecnicidade, e assim acreditamos ser possível adquirir também um
outro olhar sobre as tecnologias midiáticas. Somos capazes de
uma reflexão para além da agencialidade humana, intencionalidade histórica, utilitarismo. Na perspectiva heideggeriana,
passamos a perceber no fazer humano, na vontade política e
no determinismo tecnológico, o caráter elementar do advento
de ser. Tecnologias não são portanto modos de fabricação da
realidade, mas sim modos de aparição da realidade. Se optarmos por um diálogo com Heidegger, devemos aceitar que se é,
somente à medida que opera-se uma espécie de apropriação
eventual a partir da qual algo pode vir à luz; uma coisa, qualquer coisa surge enquanto tal. Centrarmo-nos em tal dimensão
temporal, na qual questionar ‘o que hoje é’ perfaz a tarefa da
filosofia, faz justamente com que uma reflexão sobre o modo de
ser das tecnologias midiáticas, enquanto fenômenos do nosso
hoje, tornem-se urgentes para uma tarefa do pensar. Assim,
a compreensão da presença e predominância das tecnologias midíaticas em todos os campos da vida, são como que
39
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
uma necessidade filosófica, onde no extremo da radicalização
uma filosofia da mídia soaria redundante. Um olhar para o hoje
não pode se furtar a um olhar sobre as tecnologias midiáticas
e nesta premissa da facticidade que baseia-se e justifica-se a
presente proposta de investigação.
Por fim, no tocante aos estudos da comunicação, embora
muito tenha se avançado nos últimos anos em direção a uma
abertura de fronteiras do conhecimento e de iniciativas transdiciplinares, podemos de maneira geral observar que é justamente
o caminho segmentado e compartimentalizado do saber, este
mesmo sob qual se ergueu o próprio conceito moderno de universidade, uma grande barreira para o lougro de resultados científicos nas áreas das humanidades. Por um lado, no tocante à teoria
da mídia, vemos a problemática da caracterização do objeto de
estudo (inerente à afirmação de um campo científico); em outra
instância, vemos o dilema do gap entre teorização e práticas de
comunicação, o que muitas vezes relega o trabalho de investigação neste campo ao tratamento cético igualmente dado
à pesquisa filosófica. Neste segundo ponto, advogamos por um
‘engajamento’ do pesquisador de teoria da comunicação com
seu objeto; no primeiro ponto, advogamos por uma aproximação
com um modo de pensar que, embora mantenha-se eminentemente científico, privilegie o questionar aberto, onde a fantasia
dos macro-conceitos (sociedade, homem, tecnologia, mídia) possam ser repensados e questionados. É justamente neste ponto que
o exercício de pensar filosófico, este que a todo momento volta ao
princípio, coloca-se como um desafio necessário aos comunicólogos e é precisamente esta contribuição que gostaríamos de fazer.
40
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
03 EXCOMMUNICATIO – Por uma teoria
negativa da comunicação
Maurício Liesen
Agora só espero a despalavra:
a palavra nascida para o canto – desde os pássaros.
A palavra sem pronúncia, ágrafa.
Quero o som que ainda não deu liga.
Quero o som gotejante das violas de cocho.
A palavra que tenha um aroma ainda cego.
Até antes do murmúrio.
Que fosse nem um risco de voz.
Que só mostrasse a cintilância dos escuros.
A palavra incapaz de ocupar o lugar de uma imagem.
O antesmente verbal: a despalavra mesmo.
Manoel de Barros
A tese aqui apresentada é o resultado de um trabalho
de doutorado desenvolvido durante quatro anos de pesquisas, cuja proposta é a de arruar uma despalavra: a excomunicação. Paradoxalmente, a ex-comunicação é a própria
ex-posição do reino da despalavra. E por ser ela mesma uma
despalavra, a excomunicação carrega em si uma dupla negatividade: é indefinível e, ao mesmo tempo, incontornável. O
prefixo ex assume aqui a mesma função do prefixo des do título
41
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
do poema de Manoel de Barros: ele atribui não apenas uma
simples negação, mas um deslocamento fundamental: ele é
o inegável que se pré-supõe, que constitui a comunicação,
mas que resiste à qualquer conceituação: ao mesmo tempo
em que possibilita, o prefixo ex assegura a impossibilidade da
sua re-presentação. Este trabalho é, portanto, uma tentativa
de expor um conceito outro de comunicação, de ex-pôr uma
figuração capaz de manifestar uma comunicação que não
se realiza no nível linguístico, mas no pré-representacional. Um
comunicar que não se estrutura em signos, mas se mostra: uma
comunicação existencial, intransitiva, inexprimível ou mística2.
A excomunicação no seu manifestar-se é percebida em
uma experiência radical de passibilidade. Revelação de uma
presença sem a Verdade, sem a plena comunhão com essências e dogmas incontestes, ela se dá na percepção – entendida como medialidade – a partir da presença do outro – o
além do mim que atrai e se retrai. A excomunicação é a manifestação de uma comunicação sem Deus: não apenas uma
negação de qualquer estrutura apriorística, mas também do
essencialismo metafísico. Excommunicatio: excomunhão e
excomunicação. Excomunhão que resiste à comunidade
que não permite excomungados. Excomunicação que resiste
ao apriorismo sígnico que não admite o inexprimível. Este é o
campo de tensões no qual se move a presente pesquisa. Nela
estão as linhas gerais para a proposta de uma teoria negativa
da comunicação, cuja defesa será efetivada a partir de uma
reelaboração negativa dos seus três conceitos fundamentais:
a comunicação, o medium e a comunidade. Estes três termos
42
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
são o ponto de partida para qualquer teoria que se proponha a descrever o fenômeno comunicacional. Grosso modo,
assume-se neste trabalho a comunicação como a figuração
de uma experiência radical de alteridade; o medium como
a descrição dos modos de percepção desta experiência e a
comunidade como a incorporação das possibilidades de sua
ocorrência. O pensamento da negatividade ajuda na aceitação do inexprimível ao desenvolvimento desses conceitos – ou
quase conceitos, já que atuam mais como modos de descrever fenômenos que escapam à qualquer sedimentação ontológica (a resposta ao “o que”) ou hermenêutica (“tal como”),
assumindo antes a característica do pronome relativo “que”3.
“Que” é a marca da presença de uma ausência fundamental:
ele marca o negativo da significação, ou seja, aquilo que não
possui nenhum conhecimento de si. A negatividade rabisca o
enigma da condição. Ela ressalta algo que se dá com ou na
comunicação, mas que não se comunica por ela. Ela se retrai
no momento da experiência. A excomunicação é inoperante.
Estes termos aparentemente nebulosos são insistentemente elaborados e reelaborados no decorrer deste trabalho,
na esperança de que eles se manifestem de forma mais enfática. Por sua vez, com o intuito de arruar a proposta de uma
teoria negativa da comunicação, são necessários três
anteparos que constituem a divisão dos capítulos desta
tese de doutorado, a saber: a descrição da dimensão existencial e mística do conceito de comunicação; a abordagem da
categoria filosófica do outro na constituição da experiência
43
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
comunicacional; e, por fim, a projeção dos conceitos negativos de medium, comunidade e comunicação.
Como já se deixa perceber, este trabalho não está alinhado aos estudos e teorias da comunicação que partilham
dos pressupostos linguístico, mediacional ou sígnico (como sistema de orientação, ponto de partida ou de chegada para
as suas reflexões). Ao contrário, ele busca atuar no limiar dessas abordagens: uma tentativa de evidenciar os limites de tais
apriorismos e mostrar o que – para além ou aquém deles – resta
para a comunicação. Mas o local desta tese é bem delimitado: as inquietações, conflitos e diálogos partem daquilo que
recentemente foi exposto como o campo pós-hermenêutico4.
A excomunicação é uma proposta para situar a comunicação – sob a perspectiva de uma filosofia negativa dos media,
elaborada principalmente pelo filósofo alemão Dieter Mersch5
– dentro de um contexto pós-hermenêutico. A caracterização
deste lugar, onde a presente tese vai buscar seus principais
referenciais teóricos, é abordado num tópico específico ainda
nesta introdução.
Antes deve-se ressaltar que esta proposta não significa,
sob qualquer hipótese, uma superação ou necessidade de
esquecimento de qualquer outra teoria do chamado campo
da comunicação. Muito mais do que uma revisão crítica dessas outras teorias, esta tese se propõe a apresentar um outro
caminho ou uma abordagem suplementar: um outro aparato
conceitual para se observar um mesmo fenômeno, ressaltando,
contudo, diferentes aspectos. Como demonstrado no decorrer
desta pesquisa, as implicações metodológicas da sua proposta
44
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
não são concorrentes com qualquer teoria. E as suas implicações éticas e políticas caracterizam-se de outra forma do que
aquelas apresentadas pelas teorias do a priori linguístico, mas
cuja reflexão é incontornável e
necessária para manifestação de um contraponto à atual
imposição de uma sociedade da comunicação.
Para exemplificar o posicionamento deste outro olhar,
pode-se recorrer à diferenciação entre as perspectivas medial
e sígnica das recentes teorias dos media, como proposta
pela filósofa alemã Sybille Krämer, em seu livro Medium, Bote,
Übertragung [Medium, Mensageiro, Transmissão], publicado
em 2008. Krämer aponta para duas abordagens: uma voltada
para o que é transmitido signicamente e outra para o que é traduzido medialmente: “Na perspectiva semiológica, o ‘oculto’
do sentido está atrás do sensual; na perspectiva mediológica,
ao contrário, o ‘oculto’ da sensação está atrás do sentido”6. Em
outras palavras, o signo deve ser perceptível, mas o que nele
é perceptível, é secundário: o significado é que é importante,
ou seja, aquilo que é tomado costumeiramente por ausente,
invisível, ou até mesmo imaterial. O signo é em geral concebido
como algo que está para uma outra coisa, que indica algo
além de sua materialidade. O medium, por sua vez, funciona
justamente ao contrário: o que nós percebemos é a própria
mensagem, que surge no acontecimento medial. O medium é
o secundário: ele se neutraliza, se recolhe no seu uso. Ao contrário da relação sígnica, que atrás do sensório encontra-se
o sentido, a perspectiva medial propõe que atrás da mensagem visível se esconde o medium invisível7. Tal concepção do
45
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
médium como algo que se esconde no momento da sua manifestação é desenvolvida extensivamente pela obra do filósofo
Dieter Mersch, cuja proposta culmina em uma teoria negativa
dos media. Para Mersch, os media possuem a capacidade de
esconder sua medialidade na medida em que ela ocorre: “Sua
presença tem o formato de uma ausência”8. A estrutura do
medial, portanto, não pode ser mediada. Ela se mostra. O que
é passível de observação não é o medium, mas a sua aparição fenomênica como medialidade, pois o medium é algo
que torna alguma coisa presente, mas que não se deixa apreender neste processo. Ele não pode ser tematizado. Daí a sua
negatividade. A partir dessa perspectiva, este trabalho busca
esboçar uma teoria negativa da comunicação. A insuficiência
é inerente à comunicação. Não é uma falta, como algo que
pode ser suprido ou preenchido por outra coisa que estava presente, mas sim, o insatisfatório, o inadequado. Por outro lado,
comunicar é algo que “ex-cede”, que se desdobra não como
a busca de um eu para um outro, mas como aquilo que cede,
um mim que se abre para a insuficiência como passibilidade. O
desenrolar desta tese busca exibir esta insuficiência fundamental. E dada a sua complexidade fenomenal, qualquer teoria
da comunicação reflete impreterivelmente essa insuficiência.
Mesmo com o risco de contrair o desgaste desta palavra, o
gesto de excomungar a comunicação do seu lugar-comum
teórico (semiose, troca, compreensão, tradução ou transmissão), torna-se necessário para ressaltar alguns aspectos em
torno deste termo que, se por um lado, foram deixados de lado
pela curta tradição das teorias da comunicação no Brasil, por
46
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
outro lado, está fortemente presente na história do pensamento
do século XX em sua tentativa de pensar os limites do próprio
pensamento.
Para abarcar tal proposta, cinco gestos teóricos são executados durante este trabalho: 1. A reflexão sobre os movimentos do pensamento ocidental nos quais a comunicação
foi tratada como categoria ou conceito; 2. a acentuação da
dimensão existencial da comunicação, pois ela surge como
um problema teórico na medida em que a existência humana
é tematizada; 3. a apresentação de uma abordagem negativa e pós-hermenêutica da comunicação; 4. a caracterização
da dimensão ética instaurada na acepção de uma comunicação como diferença, como insuficiência fundamental; 5. a
reelaboração negativa dos três conceitos fundamentais para
composição de uma teoria negativa da comunicação: comunicação, medium e comunidade.
O não é uma recusa de qualquer reivindicação construtivista de soberania, seja linguística ou estrutural, contra qualquer reivindicação totalizadora. A negatividade, portanto, é
uma abordagem do precário, do provisório. É a impossibilidade
de dispensa da presença, como algo que possa ser negado.
A negatividade é uma dupla figuração: “trata-se de uma
‘constelação quiasmática’ que produz um cruzamento entre
negação e afirmação e que se deixa apenas ser marcada indiretamente”9. É essa forma desviada, deslocada e crepuscular
que embala a despalavra excomunicação. É uma tentativa de
ex-pôr a não conceitualidade e incontornabilidade da excomunicação. A aposta da pós-hermenêutica se constitui na afir-
47
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
mação de que esse jogo de transparência e opacidade não
se distingue em esquemas de uma experiência “imediata” nem
nos fantasmas de uma mudez mística, mas sim que ele é inerente desde o princípio às práticas de significação ou mediação como uma co-lateralidade, uma co-ocorrência que não
se pode ignorar. Esse olhar fronteiriço não é novo. O filósofo alemão Friederich Nietzsche já havia denunciado desde o século
XIX o caráter frágil e provisório das interpretações. As investigações fenomenológicas de Heidegger já se movimentaram nas
margens do pensamento. A filosofia ética de Emmanuel Levinas
trouxe para o centro do pensamento aquilo que não pode ser
apreendido conceitualmente: o outro. O conceito de diférance de Jacques Derrida evidenciou o aspecto inapreensível
do infinito jogo de diferenças dentro da linguagem. O pensamento heterológico de Georges Bataille, o discurso noturno de
Maurice Blanchot, e a filosofia do fora e do aberto de Jan-Luc
Nancy fornecem os elementos para se pensar a comunicação
e a obra para além das categorias hermenêuticas, semióticas
ou estruturais.
Estes e outros autores aparecem no decorrer deste trabalho para subsidiar o argumento de que a comunicação, sob um
ponto de vista pós-hermenêutico, é uma experiência existencial
de perturbação de sentidos, cujo ruído – tão perseguido pelas
chamadas teorias matemáticas da comunicação – constitui-se
como um elemento chave para a figuração dos elementos que
escapam às tradicionais abordagens da experiência comunicativa. A excomunicação é justamente uma tentativa de tra-
48
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
zer para o palco aquilo que é resiliente aos lugares-comuns da
comunicação na própria experiência comunicativa.
1 Maurício Liesen é doutorando em Ciências da
Comunicação pela ECA/USP e pesquisador do FiloCom.
Mestre em Comunicação pela UFRJ (2010) e graduado em
Comunicação Social pela UFPB (2007), atualmente desenvolve suas pesquisas na Universität Potsdam como bolsista
do Deutschen Akademischen Austauschdienst (DAAD).
Homepage: mauricioliesen.wordpress.com.
2 Místico no sentido em que o filósofo austríaco Ludwig
Wittgenstein definiu em seu Tratactus Logicus-Philosophicus:
“Certamente há o inexprimível. Ele se mostra, ele é o místico”
[Es gibt allerdings Unaussprechliches. Dies zeigt sich, es ist das
Mystische] (WITTGENSTEIN, Ludwig. Werkausgabe in 8 Bänden –
Band 1: Tractatus logico-philosophicus.
Tagebücher 1914–1916. Philosophische Untersuchungen.
10 ed. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1997, p. 85
[6.522]). Todas as citações de obras em língua estrangeira,
cujas versões em português não sejam referenciadas, são traduções livres dos originais feitas pelo autor deste trabalho.
3 MERSCH, Dieter. Posthermeneutik. Hamburg: AkademieVerlag, 2010, p. 82 ss. e passim.
4 Cf. MERSCH, Dieter, op. cit.; GUMBRECHT, Hans-Ulrich.
Productions of Presence: what meaning cannot convey.
California: Stanford University Press, 2004; GUMBRECHT, HansUlrich. Corpo e forma: ensaios para uma crítica não-hermenêutica. Rio de Janeiro: EdUERJ, 1998.
49
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
5 MERSCH, Dieter. Was sich zeigt. Materialität, Präsenz,
Ereignis, München: Fink, 2002; MERSCH, Dieter.
Medientheorien zur Einführung, Hamburg: Junius Verlag,
2006; MERSCH, Dieter. Posthermeneutik, Hamburg: AkademieVerlag, 2010; MERSCH, Dieter. Tertium datur: Einleitung in eine
negative Medientheorie, in: In: MÜNKER, Sefan & ROESLER,
Alexander (orgs.). Was ist ein Medium?, Frankfurt am Main:
Suhrkamp Verlag, 2008; MERSCH, Dieter. Ereignis und Aura:
Untersuchungen zu einer Ästhetik des Performativen, Frankfurt
am Main: Suhrkamp Verlag, 2002.
6 KRÄMER, Sybille. Medium, Bote, Übertragung: kleine
Metaphysik der Medialität. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag,
2008, p. 34.
7 Ibid., p. 35.
8 MERSCH, Dieter. Tertium datur: Einleitung in eine negative
Medientheorie, p. 304.
9 MERSCH, Dieter. Posthermeneutik. Hamburg: AkademieVerlag, 2010, p. 26.
50
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
04 Os desdobramentos da Nova
Teoria da Comunicação
Ciro Marcondes Filho
Propôs-se no Projeto da Nova Teoria as bases de uma
investigação comunicação enquanto fenômeno autônomo,
que dispensa a salvaguarda e a tutela das ciências sociais.
Comunicação como ciência que estuda a forma como os dados
imediatos chegam à consciência, cujo patrono é Bergson, mas
cujas raízes vêm já de Espinosa; comunicação como ciência
da percepção, das afecções e das sensações, vista não da
perspectiva das ciências cognitivas, mas como “encarnação”,
no sentido de Francisco Varela, a saber, incorporando cultura
e sociedade, em uma palavra, a filosofia. Propôs-se que se
comece aqui efetivamente o estudo do processo que associa
sinais externos e mente humana, que investiga seu agir conjunto, a percepção, ponto nuclear da comunicação.
Husserl é representante de uma nova era da sociedade
humana – o último quartel do século XIX e o primeiro do
século XX – em que todas as idéias, as práticas sociais, a subjetividade sofrem um violento abalo em suas convicções em
vista da introdução de inovações técnicas que prenunciam a
sociedade da comunicação. Trata-se das máquinas que registram a imagem, o som, o movimento e a escrita dos homens
(aparelho fotográfico, fonógrafo, cinematógrafo, máquina de
escrever), que vão progressivamente ocupando o lugar dos
51
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
humanos, relegando-os à periferia do sistema; máquinas que
irão constituir um mundo paralelo ao materialmente vivido, um
mundo de glamour e de fantasias e que traz consigo o sonho
da humanidade, a relativização da morte com a instauração
da imortalidade através dos aparelhos técnicos de gravação e
reprodução.
As novas técnicas abalaram os rumos do pensamento filosófico e fizeram os pensadores se reposicionar diante da nova
realidade. Husserl, aprofundando-se na percepção, seguiu
um caminho paralelo às investigações de Bergson, influenciou
Merleau-Ponty, Levinas, Lyotard. Sua investigação centrou-se
no fenômeno humano da captação dos sinais externos e de
seu tratamento na interioridade de cada indivíduo. Todos esses
cérebros são precursores dos estudos de comunicação mas
não levam a obra às últimas consequências.
O mesmo contexto impressionou também Horkheimer e
Heidegger. O primeiro, iniciando os estudos críticos da era dos
grandes sistemas comunicacionais, aponta, ao chefiar a Escola
de Frankfurt, para a descoberta mais revolucionária no campo
das comunicações sociais, a indústria cultural, conceito este
que, apensar da magia, permaneceu subexplorado pelo seu
grupo e pela inteligência da época. Heidegger, ex-orientando
de Husserl, localizou o problema de seu tempo (os anos 20 do
século passado) na incapacidade de a cultura ocidental dissociar ser e ente, mantendo o ser preso a uma concepção metafísica, imóvel e platônica, forma essa mantida intacta até sua
época, deixando atrofiadas as potencialidades do ser. Mais
ainda, despertou a consciência do Ocidente para os equívo-
52
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
cos da técnica, que se apoderava do pensamento humano
sem que este pudesse perceber sua astúcia em fazê-lo cair em
suas tramas.
Mas nenhum deles construiu, de fato, uma ciência da
comunicação no verdadeiro sentido da palavra. No pós-guerra, herdeiros do Círculo de Viena voltaram a se reunir nos
Estados Unidos e constituíram o Círculo Cibernético, recolocando a questão da comunicação. Especialmente Heinz von
Foerster irá dizer que a comunicação não existe, é algo impossível, ou então, improvável (Niklas Luhmann). Eles põem efetivamente o dedo na ferida. E de uma nova forma, considerando
a cibernética, a importância do observador, as novas idéias
da auto-organização e da autopoiese, tudo isso atualizando
as proposições originais de Górgias. É desse mesmo círculo que
sai também Gregory Bateson, um dos pesquisadores do tema
que mais se aproxima daquilo que a Nova Teoria procurava, ou
seja, o mapeamento dos componentes da comunicação, de
sua qualidade, de seus equívocos e seus malentendidos.
Além dessa ontologia, que define a comunicação de
forma original, a Nova Teoria propôs um outro tipo de metodologia, um “quase-método”, modelo de estrutura de investigação que procura se adaptar às características dinâmicas,
moventes, permanentemente em transformação do fenômeno
comunicacional. Trata-se de um inédito modo de observação
que acompanha a vitalidade do fenômeno e que se constrói
em contiguidade com ele. Metáporo é o procedimento de pesquisa em que a atividade do pesquisador vai abrindo sempre
novos caminhos, criando continuamente outras formas, sempre
53
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
buscando um ajuste ao fenômeno que está sendo estudado,
que é, por sua vez, eternamente mutante.
Refinamento dos resultados do projeto anterior, voltamo-nos, no caso presente, a um aprofundamento operacional
dos fenômenos comunicacionais, neste caso, ao processo de
recepção/fruição da comunicação, especialmente aplicado
às formas “plásticas” da comunicação: fotografia, cinema,
manifestações estéticas, musicais, literárias, assim como às formas de comunicação presencial entre dois agentes, grupos e
círculos maiores. Este momento trata dos produtos culturais que
se utilizam da ficção para realizar a comunicação. Especial destaque se dá à fotografia e, mais particularmente, ao cinema.
Com base no referencial teórico e epistemológico da Nova
Teoria, esta proposta busca trabalhar intensivamente a comunicação engendrada por esses processos, especialmente no
que se refere à sua capacidade de quebrar modelos e hábitos
instalados no receptor. O cinema tem a potencialidade de produzir trepidações através de sua atuação específica no núcleo
empírico da realização da comunicação, ou seja, no processo
de afecção, percepção e dos perceptos, que Deleuze chama
de blocos de sensações . O cinema, de forma mais bem-sucedida que as demais artes, e incomparavelmente superior às
formas discursivas de comunicabilidade tem mais condições
de realizar a promessa de comunicação , carente em outros
meios, ou seja, produzir choques e violência perceptiva que
mexem com o pensamento.
Deixando o cinema, o projeto caminha na direção de uma
construção teórica das formas do sentir e do receber a comu-
54
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
nicação, trabalhando exaustivamente com os fundadores do
debate sobre a percepção, chegando até autores contemporâneos que elegeram, como nós, o fenômeno da comunicação
como o ponto central de toda uma trama de relações humanas, sociais e políticas que definem a contemporaneidade.
55
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
05 Comunicabilidade e dialogismo: possíveis
aproximações epistemológicas entre
William Stephenson e Mikail Bakhtin
Gustavo Said
A formação da subjetividade individual sempre foi um tema
controverso nas Ciências Humanas e Sociais. Grosso modo, as
discussões se dividiam entre duas correntes epistemológicas: o
subjetivismo idealista, que pregava a total e completa formação do sujeito conforme sua livre atuação e o papel de sua
consciência no meio social, e o objetivismo abstrato, que via
o sujeito amarrado à cultura e à linguagem, preso às estruturas de diversas ordens. Em ambas, não era possível pensar o
sujeito fora dos quadros de um psiquismo individualista regido
pela consciência nem de uma lógica metafísica que retirava
dele toda e qualquer liberdade de ação.
Das primeiras décadas do Século XX até agora, muita coisa
mudou no estudo da subjetividade. No entanto, do conceito
de self dos primeiros interacionistas simbólicos, passando pelo
inconsciente da psicanálise, da fenomenologia humanista de
Heidegger ao existencialismo sartreano, passando pela psicologia da gestalt e pela psicologia cognitivo-comportamental,
os diferentes aportes, nas diversas subáreas do conhecimento,
traduzem quase sempre as mesmas questões de fundo ontológico-epistemológico: quem é o sujeito? Como ele se forma?
Qual o papel dos outros na formação da subjetividade? Por
conseguinte, permanece como uma constante a velha dúvida
56
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
metodológica: é possível descrever e analisar a subjetividade?
Como é possível percebê-la?
Em 1935, o físico e psicólogo britânico William Stephenson
criou um método de estudo da subjetividade, conhecido por
Q. Essa metodologia possibilita uma tradução objetiva – números, fatores – de fenômenos subjetivos, através da comparação
dos pontos de vista de membros de um grupo, estabelecendo
relações entre a opinião ou impressão dos respondentes, no
que tange a uma determinada amostra de variáveis. O objetivo principal é identificar em processos interativos interpessoais o conjunto de elementos que conformam a subjetividade
individual.
A Metodologia Q foi desenvolvida especialmente para
estudar a subjetividade humana, entendida, nesse caso, como
o campo afetivo composto por sentimentos, motivações, atitudes, crenças e opiniões de cada indivíduo. Articulados, estes
elementos conformam um sistema através do qual as pessoas analisam o mundo e, a partir daí, tomam suas decisões,
baseadas nas relações que estabelecem com outras pessoas.
Desta forma, consciência, subjetividade e comunicação são
conceitos que se articulam na perspectiva de Stephenson.
Eles se coadunam num outro conceito, criado por Stephenson
para designar as formas de auto-expressão que resultam – e só
podem ser parte – da interação social: a comunicabilidade.
Para Roman & Apple (apud Alves-Mazzotti,1998), a subjetividade não pode ser identificada apenas com o que ocorre
“na cabeça das pessoas”. Segundo os autores, na medida em
que ela abarca a consciência humana, há que reconhecê-
57
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
-la como assimétrica, isto é, como sendo determinada por múltiplas relações de poder e interesses de classe, raça, gênero,
idade e orientação sexual, portanto, como um processo que é
instituído nas relações intersubjetivas, por sua vez mediadas por
fenômenos comunicacionais. Em consequência, o conceito de
subjetividade tem de ser discutido e problematizado em relação à consciência. Nesse sentido, não é forçoso admitir que
existem na Metodologia Q rastros epistemológicos de uma filosofia da consciência e de uma filosofia da linguagem.
Ao considerar a construção da subjetividade individual
dentro de uma rede de relações, dando margem à intersubjetividade, a Metodologia Q se aproxima do pensamento do filósofo russo Mikail Bakhtin, que, segundo Clark e Holquist (1998),
difere de outros filósofos que se dedicaram ao tema porque
construiu uma filosofia da linguagem que se aplica às preocupações relativas à vida cotidiana, colocando “a dinâmica social
da prática observável da linguagem como a força especificadora que estrutura as relações interpessoais no Zwischenwelt,
ou ‘mundo na consciência intermédia” (Ibid., p. 36). Cumpre
ressaltar que Bakhtin e Voloshinov, em Marxismo e Filosofia da
Linguagem (2004), já propunham a ultrapassagem da aporia representada pela dicotomia entre subjetivismo idealista e
objetivismo abstrato, seja porque, no primeiro caso, a língua é
vista como um ato meramente individual, descurando de seu
caráter social, seja, como na segunda proposta, pela supressão da consciência linguística dos interlocutores nas situações
concretas, históricas e reais de uso da língua. Na obra citada, o
foco da análise é desviado da língua para a linguagem, enten-
58
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
dida como forma específica – histórico-social – de interação
entre sujeitos intercomunicantes. Na perspectiva bakhtiniana,
a linguagem deve considerar o contexto (o lugar, o tempo),
as características e intenções dos interlocutores, as semiologias
verbais e não-verbais, as formas de interação, tudo aquilo que
participa da construção do sentido de um discurso.
Como se percebe pela reflexão anterior, a formação da
subjetividade individual, em Bakhtin, está relacionada à interação sígnica. Com efeito, a língua é pensada na sua inestabilidade, como um fluxo ininterrupto de atos de fala capazes
de atribuir valor aos objetos. Daí compreender-se três possíveis
desdobramentos dessa primeira assertiva: 1) não há consciência do eu sem linguagem, quer dizer, a própria consciência só
pode surgir e se afirmar como realidade mediante a encarnação material em signos; 2) não há consciência do eu sem o
outro, ou seja, o pensamento humano só se torna pensamento
autêntico sob as condições de um contato vivo com o pensamento dos outros, materializado na voz dos outros, na consciência dos outros, que só pode ser expressa na palavra; 3)
portanto, não há eu nem outro que não se expresse em termos
de linguagem. Numa leitura crítica do idealismo dialético hegeliano, Bahktin percebe no signo linguístico seu aspecto social e
ideológico, que relaciona a consciência individual com a interação social. Bakhtin, no entanto, não articula a configuração
teórica de seu pensamento a operações metodológicas que
possibilitem o estudo da subjetividade dentro da rede de interações sígnicas que conformam o contexto social em que se
molda interdiscursivamente o sujeito.
59
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Na tentativa de relacionar o pensamento do filósofo russo
com a metodologia desenvolvida por William Stephenson, esse
texto parte de uma questão – a subjetividade se conforma e se
expressa no diálogo e no confronto das diferentes vozes, como
pensa Bakthin? – e segue por uma possível resposta à mesma,
por sua vez encadeadora de uma nova pergunta: se a resposta
for afirmativa, os fatores de um estudo Q podem representar
em termos metodológicos esse diálogo entre vozes, o ponto
comum em que o pensamento subjetivo pode ser intuído do
contato com o pensamento dos outros, materializado na relação expressa com outros pensamentos?
Por outro lado, a relação entre o pensamento de Bakthin
e a Metodologia Q só pode se encetar dentro de um mesmo
quadro epistemológico, assumindo-se como plausível o argumento de que as ideias desenvolvidas por Stephenson pertencem também ao domínio da filosofia da linguagem e da
filosofia da consciência, nas quais se inscreve a obra bakhtiniana. Por suposto, assumindo-se que a metodologia criada
por Stephenson é apenas parte de um constructo teórico mais
amplo, a noção de subjetividade deverá ter elementos comuns
em ambas as proposições: haverá sujeito consciente de seus
pensamentos em Bakhtin e na Metodologia Q? Para essas duas
propostas, o sujeito é o autor exclusivo e único dos seus pensamentos? E mais: o sujeito é refém do outro ou a subjetividade é
produto da intercomunicação?
O ponto central apresentado nesse artigo é que os pensamentos, e, por conseguinte, a consciência, são resultantes
de relações intersubjetivas. Mas essas relações não tornam o
60
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
sujeito refém do ‘outro’. Ao contrário, para Bakhtin, segundo
Oliveira (2012, p.06):
nossa subjetividade é formada a partir do outro,
não nos fundimos nele. Produzimos sempre algo
novo. O sujeito cria em resposta às imagens
que lhe são dadas pelo outro. A imagem que
faço de mim nunca coincide com a imagem
do outro, mas sempre aprendo com a imagem
que tenho do outro, sempre transcendo aquela
imagem e crio um campo de potencial aberto.
Fundir levaria apenas a um empobrecimento
porque destruiria a exterioridade e a alteridade, substituindo processos interativos por
produtos consumados.
Por suposto, depreende-se que a relação com a alteridade, para Bakhtin, tem sempre um aspecto transformador e,
possivelmente, enriquecedor, no que tange à formação das
subjetividades. Na análise de obras literárias, Bakhtin percebe
um conjunto de vozes que se expressa no texto. Essas vozes se
manifestam de forma interativa, o que sugere existir em cada
texto uma heteroglossia dialogisada. Pode-se pensar analogamente em termos da construção da subjetividade: a presença
de vozes variantes em diálogo dentro de um mesmo texto ou
na consciência de um indivíduo pode ser demonstrada?
O objetivo desse texto é, exatamente, discutir a possibilidade de, usando-se a Metodologia Q e comparando-se os conceitos de dialogismo (Bakhtin) e comunicabilidade
61
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
(Stephenson), demonstrar a polifonia que performa a subjetividade individual.
Referências
ALVES-MAZZOTTI, A. J. O método nas ciências naturais e
sociais: pesquisa quantitativa e qualitativa. Sao Paulo:
Pioneira, 1998.
BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e de estética. Sao
Paulo: Hucitec, 1988.
______. Marxismo e filosofia da linguagem. Sao Paulo: Hucitec,
1992.
______. O autor e o heroi. In: ______. Estetica da criacao verbal.2. ed. Sao Paulo: 1997a. p. 23-215.
______. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro:
Forense Universitaria, 1997b
BIGRAS, Marc e DESSEN, Maria Auxiliadora. O Método Q na
avaliação
psicológica: utilizando a família como ilustração. Aval. psicol.
[online]. 2002, vol.1, n.2.
CLARK, Katerina; HOLQUIST, Michael. Micail Bakhtin. Sao Paulo:
Perspectiva,1998.
62
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
LAGO, Adriano; et al. Principais causas do não associativismo
entre
agricultores familiares do Município de Nova Palma (RS, Brasil)
e
Estratégias. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, RS, Brasil. Disponivel em: <http://www.sober.org.br/
palestra/5/310.pdf >. Acesso em: 21 de marco 2013.
MACHADO, Irene A. O Romance e a voz – A prosaica dialógica de Bakhtin. Imago/FAPESP, 2001.
STEPHENSON, William. How to make a good cup of tea. In:
BROWN, Steven. Operant Subjectivity – the Q Methodology
newslleter. Ohio: Kent State University, 1987.
______. Intentionality: or how do buy a loaf of bread. Operant
Subjectivity -journal of the international society for the scientific
study of subjectivity.Ohio: Kent State University, 1993.
OLIVEIRA, Miria Gomes de. Linguagem e os Processos de formação do Sujeito: implicações para uma sala de aula de
leitura de textos shakespeareanos. Disponivel em <http://
intranet.ufsj.edu.br/rep_sysweb/File/vertentes/Vertentes_31/
miria_gomes.p df> Acesso em 10/11/2012
TEZZA, C. A construcao das vozes no romance. In: BRAIT,
Beth (Org.). Bakhtin, dialogismo e construção do sentido.
Campinas: Ed. da Unicamp, 1996. p. 219-226
63
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
WOLF, Amanda. Q Methodology and its applications: reflections on Theory. In: Operant Subjectivity – the international journal of Q methodology. Ohio: Kent State University, 2011.
64
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
06 Entremeios do Diálogo – Um
atravessar Comunicacional
Malu Damázio
INTRODUÇÃO
Essa pesquisa parte da conceituação de comunicação
como um fenômeno, e se propõe a investigar a possibilidade
do Acontecimento comunicacional nos diálogos.
Entendendo que o diálogo é algo que atravessa as pessoas envolvidas, é possível supor que nem toda conversa pode
ser caracterizada como diálogo. A conversa trata de assuntos
triviais, da comunicação fática e não gera transformação nas
pessoas que dela participam. Já o diálogo é uma relação de
comunicação, um processo de mudança que produz efeitos
nas partes envolvidas, seja criando sentimentos, ou desconstruindo ideias. É algo que transforma e marca; é comunicacional. Além disso, há também a ocorrência de comunicação por
recursos não-verbais na situação de diálogo. A expressão corporal e o rosto podem comunicar tanto quanto a fala.
Eu não possuo o outro, não o submeto, mas considerando a alteridade tout court (o feminino),
eu o acolho, o recebo, o hospedo, o trago
65
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
para dentro de mim. Ao contrário, quando submeto o outro, cria se o tédio, o desinteresse.
(Marcondes Filho, 2010, p. 46)
As conversas podem se transformar em diálogos à medida
em que evoluem de um simples modo de se informar algo, para
uma espécie de comunicação que atravesse o Outro, que o
marque. Trocar informações é uma forma de interação social,
mas não é, necessariamente, algo que te faça perceber o
Outro, que te faça sentir que ele está ali e que te penetre de tal
forma que impacte sobre você.
MARCO-TEÓRICO REFERENCIAL E METODOLOGIA
A linha de pesquisa do professor Ciro Marcondes Filho
não segue os métodos tradicionais de pesquisa científica.
O FiloCom (Núcleo de Estudos Filosóficos da Comunicação)
adota o processo do metáporo, que integra a Nova Teoria da
Comunicação. A pesquisa metapórica baseia-se em um objeto
de estudo que se abre, que se revela ao pesquisador. É como
um poro que se permite mostrar e deixa transparecer a verdadeira essência do ser por um tempo, resultando em um acontecimento comunicacional. Esses poros se abrem e se fecham
rapidamente; são constituídos de uma substância efêmera.
Poros levam a uma saída. Essa saída aparece,
torna-se visível, efetiva, mas não fica, não se
estabelece, não perdura, escapa outra vez.
66
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
É como uma fulguração. É a chance que os
fatos dão ao observador de aparecerem.
(MARCONDES FILHO, 2010, p. 261)
A utilização do metáporo como forma de investigação da
comunicação, considera a dinâmica da experiência de mundo,
das relações que nele se inserem, tendo em vista a presença
intrínseca do pesquisador-observador e as correlações que se
estabelecem a partir dessa condição primeira. O metáporo é
a forma utilizada para a apreensão do Acontecimento comunicacional, fenômeno que se insere em uma conceituação de
comunicação como relação ativa a partir da alteridade.
O procedimento metapórico opera em três
momentos da pesquisa: no estabelecimento
das condições de possibilidade da mesma, no
ato da sua própria observação (o “caminhar”
nômade) e na apresentação final de seus resultados. (MARCONDES FILHO, 2010, p.265)
Portanto, o desenvolvimento desta pesquisa coloca o pesquisador como ponto de observação. Sendo assim, os diálogos serão percebidos e relatados a partir de uma relação de
alteridade entre o pesquisador e o Outro e os elementos ao
seu redor. Para uma ampla compreensão do assunto, o estudo
estará ancorado em uma bibliografia que aborde a Nova Teoria
da Comunicação, buscando, assim, uma base teórica para
melhor entendimento das questões relacionadas ao aconteci-
67
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
mento comunicacional, mais especificamente a assertivas que
envolvam o diálogo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A pesquisa está em seu início, e, desde já, podemos perceber alguns fatores que parecem influenciar na constituição
do diálogo, e formular algumas hipóteses acerca da ocorrência deles:
Os períodos do dia apresentam diferentes características,
se comparados, com relação à ocorrência de comunicação.
A noite parece acentuar o sentimento de alteridade e tornar o
ser mais aberto às informações que recebe. Isso faz com que
haja uma maior possibilidade de acontecer diálogos durante
esse período. Como e por que isso ocorre são perguntas estão
no roteiro de estudos da pesquisa. Uma hipótese é a comparação entre tarefas rotineiras do dia e da noite. A maioria das
pessoas trabalha em período diurno e tem tempo livre na parte
da noite, estando mais aberta e, principalmente, mais disponível a ouvir e perceber o Outro.
REFERÊNCIAS
MARCONDES FILHO, Ciro. Princípio da razão durante: o conceito de comunicação e a epistemologia metapórica, Tomo
V. São Paulo: Paulus, 2010.
68
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
MARCONDES FILHO, Ciro. O escavador de silêncios: Formas de
construir e de desconstruir sentidos na Comunicação – Nova
Teoria da Comunicação II. São Paulo: Paulus, 2004.
MARCONDES FILHO, Ciro. Até que ponto, de fato, nos comunicamos? São Paulo: Paulus, 2007
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São
Paulo: Martins Fontes, 1996.
69
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
07 Imagens-totens em circulação: fixação
de valor entre regulação e chancela
Ana Paula da Rosa
A palavra comunicação nunca esteve tão em voga.
Está em todos os lugares como sinônimo de dispositivo, se disseminando assim como se disseminam os próprios dispositivos
midiáticos, entendo-os para além de seu viés meramente tecnológico, mas também em suas dimensões semio-técnico e
discursivas (Ferreira, 2008). Contudo, isso não significa necessariamente que a facilidade de acesso ao uso de mecanismos
e ferramentas represente uma maior facilidade de comunicação, talvez o oposto. Da dificuldade de encontrar caminhos
para comunicar com o outro, consigo mesmo, dos processos
mais banais de trocas de mensagens, rumamos para a comunicação pela comunicação, onde o termo se esvazia, dirige-se
para o que Vilém Flusser (2008) chama de nulo-dimensão. Ou
seja, a comunicação que tanto se preconiza parece se afastar
da exequibilidade na mesma medida em que se defende a
sua existência, seria porque já ultrapassamos o momento de
discussão da comunicação como conceito ou porque sequer
chegamos a entendê-la e ao mesmo tempo estamos enredados em suas lógicas?
Diante de tais perguntas, recupero aqui as provocações
iniciais de David Gunkel no I Encontro da Rede Nacional de
Grupos de Pesquisa, ocorrido em 2012, em que o autor problematizava se a mudança do paradigma comunicacional estava
70
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
em responder o que era comunicação ou para quem comunicamos? Para tentar responder o questionamento deste ano,
quanto ao “em que a pesquisa em curso renova o olhar sobre a
comunicação e a forma de estudá-la?” é preciso primeiro fazer
um movimento de olhar para a pesquisa a partir da endogenia,
na concepção de Belting (1994), ou seja, de dentro para fora,
e depois fazer o movimento inverso, de exogenia, de fora para
dentro.
Os estudos comunicacionais que venho me dedicando
com maior atenção nos últimos anos no âmbito do mestrado,
do doutorado e na esfera do ensino superior, junto aos Grupos
de Pesquisa de Midiatização e Epistemologia na Unisinos,
mais recentemente no Grupo Estudos de Comunicação
Organizacional: Imagem, Discursos e processos Identitários da
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, que está sob
minha coordenação, e o GP Imagem e regimes de interação
do PPGCOM da Universidade Tuiuti do Paraná, dizem respeito
ao estudo das imagens inscritas na midiatização a partir do jornalismo. Constata-se que cada vez mais as imagens são inscritas
em dispositivos midiáticos sejam eles jornalísticos ou de atores
individuais que se reapropriam e reinscrevem estas imagens
fotojornalísticas em seus espaços, criando novas circulações.
Há aí um caráter replicante e reverberador da comunicação,
que parece se dar em eco. Não se trata mais de uma comunicação linear, de mão única como durante anos tratou-se
na teoria da comunicação e que já há muito se considera um
modelo ultrapassado. Porém, não se trata, também, de uma
comunicação circular simplesmente, focada em um feedback
71
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ou um em retorno. O que identifico em minhas pesquisas, e no
conjunto dos estudos que vem sendo feitos sobre midiatização
das imagens, refere-se a uma perspectiva de comunicação
em eco, onde as vozes se amontoam, se sobrepõem a partir
de um produzido, independentemente de quem seja o produtor inicial, ou o ponto de partidas das inscrições de sentido,
ainda que a circunstância desta produção seja fundamental
para ser investigada e compreendida. Isto implica dizer que as
inscrições múltiplas das imagens em dispositivos diversos revela
uma faceta dos estudos de hoje, a impossibilidade de pensar a
comunicação fora da circulação.
Entretanto de que ponto se fala em circulação? A temática já foi abordada por diversos autores, Verón (2004) a compreende, em seus estudos iniciais, como um espaço de defasagem
entre as gramáticas de produção e reconhecimento. Fausto
Neto (2010) como um lugar de produção, funcionamento e
regulação de sentidos, sendo que para Ferreira a circulação
se constitui como o aspecto central da midiatização. Como
tenho me dedicado à problemática da midiatização das imagens, em especial, penso a circulação como um jogo de regulações chancelado pelas instituições midiáticas jornalísticas,
que resulta em uma fixação de valor que é possível de ser retomada na distribuição, ainda que isso não signifique que a circulação seja apenas e somente distribuição. No entanto, a partir
desse pressuposto, é possível olhar para comunicação e para
a forma de estudá-la avançando, em certa medida, na mobilização do conceito de circulação ao considerar que se trata
de um consumo-produtivo e de uma produção-consumidora
72
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
que se equivalem em termos de força na inscrição de materiais
significantes, porém o lugar de chancela, de valorização ainda
cabe à esfera jornalística, como se esta legitimasse as demais
inscrições já feitas, restringindo a possibilidade de novas inscrições, ainda que estas existam e estejam disponíveis, mas não
tem poder de circular.
Para tratar do universo das imagens técnicas, nesta ambiência da midiatização, recorro à ideia de totem, um termo
que de algum modo permite buscar explicações não apenas
para o quê se comunica, mas para o que se convoca quando
se realiza a comunicação. Neste sentido, a sede do ver e do
ser visto, traduzida pela crise da visibilidade instaurada, revela
de um lado uma espécie de crença na imagem que circula,
que mesmo posta em distribuição repetidas vezes, é exposta à
exaustão não ampliando a possibilidade de perspectivas sobre
um determinado tema. De outro, há um descrédito da fotografia, que já se sabe não ser a cópia do real. Mesmo diante
disso, observa-se que algumas imagens ultrapassam os acontecimentos durando para além deles, é o caso do 11 de setembro que mesmo não sendo o foco, foi retomado e reacionado
diante da explosão da bomba na maratona de Boston seja
por jornais, seja por blogs ou mesmo por posts no facebook.
As imagens-totens são imagens autorreferenciais que são produzidas na circulação, que só existem nesta tramitação e que
permitem mobilizar a tríade freudiana de lembrança, repetição
e perlaboração. Isto é, a bomba de Boston trouxe à mente a
lembrança efetiva do acontecimento do 11 de setembro, com
suas imagens, seus horror, suas chamas. No entanto, recordar
73
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
o 11 de setembro, que teve recém comemorado seus 12 anos
de modo ritualístico, como diria Van Gennep, ou sincrônico na
visão de Harry Pross, nada mais é do que uma forma de impedir
a lembrança de outras imagens e cenas do acontecimento,
uma forma de restringir a interpretação do ocorrido, convocando imagens que já povoam o imaginário coletivo, que integram o universo do social. Assim, é possível perlaborar o
novo, ou seja, elaborar o atentado de Boston configurando-o a
partir da imagem do atentado do 11 de setembro.
Dito de outro modo, a imagem totêmica das torres
gêmeas é reacionada em 2013 como uma lembrança de um
acontecimento, inserida em dispositivos midiáticos jornalísticos,
ligando um caso ao outro. A restrição de acesso às imagens de
Boston diferentes das veiculadas jornalisticamente geram a sua
replicação em eco, de tal modo, que se torna impossível não
ver as fotografias que foram publicadas e reiteradas, ainda que
outras imagens tentem criar mecanismos de ruptura da hegemonia posta. Porém, a partir da imagem-totem elabora-se os
sentidos produzidos do acontecimento. Desta maneira, tem-se a circulação com um jogo de regulações, onde vários atores ofertam materiais significantes, porém somente as imagens
que são chanceladas pelas instituições jornalísticas, recebem
poder de fixação e, portanto, são valorizadas para serem novamente reinscritas, reinseridas e perambular nos dispositivos via
distribuição.
Todo este processo parece-me ser uma forma de pensar
como contribuir para renovar o olhar sobre a comunicação e
a forma de estudá-la. Um aspecto relevante é considerar que
74
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
a tecnologia, embora seja central na apropriação da comunicação, seja pela facilidade do uso dos equipamentos, seja
pelas profundas mudanças de usos e práticas sociais que se
instauraram em nosso cotidiano, não é a única responsável
pelo momento de transformação em que vivemos. As explicações para o que convocamos quando comunicamos parecem
cada vez mais necessárias porque dizem respeito às estruturas
profundas do social, na expressão de Cassirer (1994), ou à necessidade da construção de laços sociais que conforme Durkheim
(2009) é uma necessidade tão antiga quanto o próprio homem.
Então, tendo em vista a carência humana por laços, a paixão
por imagens, a sua voluntarização por se fazer imagem em dispositivos, como o Instagram por exemplo, e o consumo cada
vez maior de imagens pelas imagens, o que se propõe é pensar a fotografia jornalística como registro de um sentido social,
não como uma abstração, mas para verificar o efeito que a inscrição destas imagens em dispositivos difusos (blogs, youtube,
jornais,revistas) é capaz de gerar e como a circularidade das
mesmas imagens altera o próprio acontecimento jornalístico.
Parte-se da proposição organizadora, sobre o objeto em
análise, de que a totemização das imagens, identificável na distribuição, é circulação na medida em que resulta da produção
de valor (fixação simbólica), incidindo em processos de comunicação midiatizados, e, infere-se nos processos sociais correlatos ao tema do acontecimento. Do ponto de vista semiótico,
é acionado um processo de perda ou apagamento do referente, o qual é reforçado por operações de linguagem constituídas a partir da inscrição em dispositivos midiáticos difusos.
75
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Do ponto de vista sócio-interacional, trata-se de uma relação
social mediada por imagens, que convoca estruturas profundas do social, portanto, relações totêmicas (Cassirer, Durkheim),
sendo que as trocas de materiais significantes se dão em fluxos,
isto é, circulação. Porém, se de um lado as trocas são fluídas,
de outro, acredita-se que o midiático adere às imagens, hierarquizando o conjunto de imagens com “direito” de reconhecimento e inscrição na produção, que podem ou não ser postas
em circulação. Se isto renova o olhar sobre a comunicação, é
precipitado dizer, mas é possível dizer que provoca o olhar. E
todo tipo de provocação é motivador num espaço onde muitos questionamentos já foram feitos, nem sempre com respostas
acopladas, mas como afirma Braga (2007) as perguntas importam mais, talvez porque nos permitam continuar se movendo.
PALAVRAS- CHAVE: midiatização; circulação; imagens;
jornalismo
76
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
08 Espaços de indefinição ética
nos processos midiáticos
Carlos Alberto Jahn
1. Introdução
O contexto empírico da comunicação dos últimos 20
anos desafia a Epistemologia da Comunicação no sentido
de descrever, explicar e gerar programas de pesquisa que
deem conta do fenômeno da comunicação contemporânea.
É uma pauta implicada na agenda de constituição da área.
No PPG de Comunicação da Unisinos – área de concentração
em Processos Midiáticos – a Linha de pesquisa Midiatização
e Processos Sociais vem trabalhando a comunicação social
desde a perspectiva dos processos de midiatização. As relações estreitas entre os dois termos de denominação da Linha
constituem os objetos de pesquisa e o ângulo especial de
relacionamento.
Nesta compreensão, a perspectiva “midiatização” encompassa os processos semio-tecno-culturais da comunicação,
algo além das “ações da mídia” – seja esta assumida como
“indústria cultural”, seja enfatizada pelo ângulo das tecnologias
ou por ângulos deterministas apriorísticos das situações estudadas. O “objeto” investigado é a comunicação social que,
nas práticas sociais, é fator gerador de “situações indetermina-
77
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
das” e lugar privilegiado para pesquisa e produção de conhecimento. Por isso, leva a uma preocupação com as questões
metodológicas, epistemológicas e ontológicas do Campo da
Comunicação1.
2. Síntese de problema e sua angulação
O ponto de partida da nossa tese2 é que em processos
sociais em contexto de midiatização, a interação – de instituições, processos sociais, participantes implicados ou a sociedade – é o lugar onde ocorre o “fenômeno comunicacional”.
(Braga, 2012a). A comunicação é processo e resultado de
transformações, e, do ponto de vista “dos participantes”, um
processo tentativo. Nesta perspectiva, a tese investiga a invenção social de dispositivos interacionais e seus circuitos. Esses
dois ângulos intrigantes possibilitam caracterizar um conjunto
de “lugares de observação”: a invenção do dispositivo, as interações, os circuitos e suas ações comunicacionais, tentativas
do processo, os episódios comunicacionais, os episódios interacionais, além de eixos específicos.
1 Aqui nos apoiamos no texto O que nos faz pesquisadores da Linha
Midiatização&Processos Midiáticos, texto motivacional debatido na
atividade acadêmica, Seminário de Tese 2012, PPG Comunicação,
Unisinos.
2 O titulo provisório é Espaços de indefinição ética em processos
midiáticos. Um estudo de casos múltiplos a partir da caracterização
dos dispositivos de mediação, dos circuitos comunicacionais e das
lógicas tentativas dos processos.
78
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Assumimos que: 1) demandas institucionais – nas mais diferentes práticas sociais – lançam mão da multiplicação das tecnomediações setoriais, com usos da informação e das ações
comunicacionais; 2)ações institucionais convertem ferramentas
em dispositivos, inventam socialmente arquiteturas de mídia;
3)atores individuais inventam socialmente seus circuitos e fluxos comunicacionais à margem da mídia; 4) na mídia, seja no
entretenimento ou na imprensa, está em desenvolvimento um
redesenho das zonas de contato, lógicas de interface, articulação das plataformas ofertas de sentido e reestruturação das
organizações e das suas estruturas; 5) a comunicação social
traz um novo desafio ético – por articular múltiplos funcionamentos institucionais, econômicos, políticos, jurídicos e socioculturais – que afeta as éticas deontológicas.
À luz destas premissas, os processos interacionais são um
lugar de pesquisa do comunicacional. Neles se inscrevem os
redesenhos da gestão das sociedades, da reestruturação das
práticas sociopolíticas, dos processos coletivos de produção de
sentido e na condução de muitas pautas individuais. Por isso,
na invenção social dos dispositivos e dos circuitos (e seus ajustes!) emergem as múltiplas afetações e interdeterminações,
com diferentes ritmos (sociais, culturais, institucionais e pessoais), racionalidades, sensibilidades e insensibilidades.
Contudo, as lógicas e as operações padrão da comunicação seguem sendo as da mídia, mas os fenômenos comunicacionais em circulação estão para além da comunicação
produzida nos e pelos meios. Novos atores passaram a desenvolver dispositivos interacionais, arquiteturas de mídia, proces-
79
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
sos interacionais, circuitos e fenômenos comunicacionais. Os
processos comunicacionais ali gestados, decorrem dos direcionamentos social e interacional. A partir de demandas das
instituições e dos atores há invenções sociais sobre ferramentas
tecnológicas e sobre o direcionamento interacional. Os fenômenos comunicacionais (dos processos sociais e dos atores individuais) passam a afetar a estruturação dos processos sociais, a
comunicação entre os participantes sociais implicados nos processos, a comunicação com participantes de outros processos
sociais e com a mídia. São processos tentativos e, não raro, se
pode caracterizar seus circuitos como “circuitos canhestros”.
(Braga, 2012b).
Ao mesmo tempo, nos próprios processos midiáticos – historicamente tornados vigentes – surgem reavaliações, via críticas com especificidades. Em geral, essas criticas são ações
institucionais de ajuste do campo ao ambiente midiatizado e
nem sempre respondem satisfatoriamente às ações “novas” ou
criam espaços de indeterminação “novos” para os quais não
há respostas prontas. Desde o eixo da ética, pode-se caracterizá-los como situações onde os sentidos dos valores éticos e
ordenamentos de conduta vigentes nas práticas sociais vacilam e necessitam reconsideração e reelaboração. No contexto
das sociedades em midiatização, com sociedades pluralistas,
essas indeterminações (invenção social, processos tentativos e
“canhestros”) se tornam um problema ético que afeta a ética
aplicada.
Em cada atividade social – nos diferentes âmbitos da vida
– existem bens internos (“metas”) que trazem exigências morais
80
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
específicas3. (Cortina, 2005). Para trazê-los à tona na sociedade,
os especialistas de cada campo elaboram e assumem contratos coletivos de conduta que se traduzem em valores e hábitos.
Ambos são subjetivos, mas funcionam como contratos, como
gramáticas, que ordenam as condutas e estão voltados para
dentro das comunidades a quem são dirigidos. Permitem deliberação sobre meios para alcançar os fins e por isso lançam
mão de mecanismos específicos e estratégias para alcançar
os bens internos de cada atividade. A concretização (e percepção!) dos bens internos confere a moralidade e legalidade
(observância do quadro constitucional e da legislação complementar) da atividade social.
No contexto da midiatização ocorre uma reconfiguração
dos campos sociais, das suas lógicas e práticas, com atravessamento de campos. O estudo de processos sociais em contexto
de midiatização sinaliza que essa tendência envolve “tradução” (compartilhamento?) e incorporação de “novos” valores
e hábitos pelos membros das atividades sociais implicadas. Tais
atravessamentos e indeterminações geram indefinições éticas,
legais e de saberes. Exigem negociações e novos desenhos,
em geral criando “novos subcampos”.
Do ponto de vista do eixo da ética, um aspecto que nos
parece intrigante é a chamada ao “protagonismo moral das
3 Exemplos que caracterizam atividades sociais e seus respectivos
bens internos: da Saúde, bem estar físico-corporal do paciente; da
docência, a transmissão da cultura e a formação de pessoas críticas;
das biotecnologias, a pesquisa em prol de uma humanidade mais
livre e feliz.
81
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
instituições”. Para além das lógicas das ações individuais – a prática dos padrões de ação individual em cada área – ganham
destaque as lógicas da ação coletiva. Para que as consequências sejam benéficas e que os bens internos de uma atividade social apareçam, as instituições precisam desenvolver e
incorporar os “novos” valores e hábitos. Elas passam a ser vistas
como cristalizações da ação humana. Tal quadro de indeterminação suscita reflexões e demanda investigação sob o eixo da
ética e sobre a midiatização.
A título de conclusão do item, é importante frisar que
não nos colocamos sob o prisma de uma autocomunicação
dos campos ou dos indivíduos e nem de uma “creditação” da
midiatização ao aumento do número de tecnologias de comunicação disponíveis e em uso. Por outro lado, queremos reforçar
que nos colocamos numa perspectiva heurística sobre questões
da midiatização, anguladas desde o eixo da ética aplicada.
3. Corpus, Objetivos e observáveis
Para estudar essas problemáticas, nossa investigação articula um corpus com seis processos midiáticos em constituição
– observados em recortes temporais superiores a dois anos. São
eles: videomonitoramento de um trecho da BR-116; videomonitoramento de ruas e parques e audiomonitoramento de um
bairro (Canoas-RS); uma Atividade Acadêmica 100% EaD de
um curso de Especialização em Educação; duas colunas jornalísticas – Página 10 (Zero Hora) e José Simão (FSP) – e o blog
82
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Pergunte ao Urso. Os casos permitem um olhar transversal sobre
processos de diferentes atividades. Estão a serviço da mobilidade urbana, da produção da segurança pública municipal,
de processos de ensino-aprendizagem na educação superior,
da comunicação política e do entretenimento. É um corpus
que contempla casos em fase planejamento e implantação
dos processos interacionais e das práticas comunicacionais e
casos com usos consolidados, mas em remodelação.
A estratégia metodológica combina Estudo de Caso (Yin,
2005) com Paradigma Indiciário (Ginzburg, 2004). No momento
descritivo de cada caso trabalhamos com três operadores indutivo-dedutivos: a invenção social do dispositivo interacional; o
circuito comunicacional; e as lógicas tentativas dos processos
– subscritos ao eixo ética, especificamente, aos espaços de
indefinição ética. Algumas indagações orientam a coleta de
dados: Como o processo social (a atividade social ou as ações
institucionais) inventa, socialmente, o dispositivo interacional?
Em qual contexto ele está inserido? Quais lógicas articulam o
dispositivo e o processo interacional – internamente, em seus distintos estágios de desenvolvimento e em suas distintas relações
com os contextos e atores? Quais são os atravessamentos entre
atividades sociais? Como o dispositivo e o processo interacional dão respostas? Quais as especificidades comunicacionais
do caso? Quais as práticas comunicacionais? Quais fenômenos comunicacionais estão em circulação? Como o dispositivo
interacional afeta as ações do processo social? Como se dão/
deram as negociações, especialmente para a invenção do
circuito e dos fluxos comunicacionais? Quais os ajustes na ati-
83
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
vidade social e entre as atividades que compartilham o dispositivo? Quais indeterminações apareceram no recorte temporal
observado e como foram encaminhadas? As descrições destes
ângulos, a partir de cada caso, fornecerão uma rede ampliada
de implicações (Campbell, 2005) da qual inferiremos variáveis
de interesse e fontes de evidência.
Para fins prático-didáticos de operacionalização da investigação empírica escolhemos alguns casos “próximos”, com
“temáticas semelhantes”. Acreditamos que essa seleção preferencial ajudará a gerar contrastes e a evitar o perigo de absolutizações ou generalizações apressadas. Contudo, o Estudo de
Caso, não é isento de riscos. Há o perigo do perder-se na profusão de ângulos e busca de variáveis que poderiam levar à
excessiva dispersão e geração infinita de problemas da “ordem
do diagnóstico”.
Para “diluir essa ameaça” nos aproximamos do Paradigma
Indiciário. Ele ajudará a selecionar e organizar as variáveis, com
foco no gerar proposições de ordem geral sobre os espaços de
indeterminação. Outro desafio, na etapa de relacionar variáveis que caracterizam os fenômenos, está na operacionalização das seleções a partir do problema de pesquisa, em função
dos objetos – suas lógicas de articulação interna, desenvolvimento e relações com o contexto – e do conhecimento teórico
disponível (sobre os objetos e âmbitos em que esses se processam). Por isso, nos colocamos num horizonte que entende
a “Comunicação quando disciplina indiciária” (Braga, 2008);
então, se “parte para fazer proposições de ordem geral a partir
dos dados singulares obtidos” (p. 7).
84
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
As perguntas que a tese visa responder são: Como emergem os espaços de indeterminação nos processos sociais em
contexto de midiatização? Como os espaços de indeterminação geram espaços de indefinição ética? Como os espaços
de indefinição ética nas atividades sociais afetam a ética da
comunicação contemporânea? Quais proposições o estudo –
desde o eixo da ética – permite inferir sobre processos sociais
em contexto de midiatização?
O objetivo geral visa caracterizar processos sociais em
contexto de midiatização – sob o eixo da ética – a partir de um
desentranhamento. Para a consecução do objetivo geral definimos três objetivos específicos: 1.Descrever os dispositivos interacionais, os circuitos comunicacionais e as lógicas tentativas
dos processos midiáticos investigados; 2.Identificar os espaços
de indefinição ética emergentes nos casos investigados; 3.Inferir
proposições sobre os processos midiáticos e a sociedade em
contexto de midiatização.
4. Proposta de conhecimento comunicacional
Nos itens 2 e 3, indiretamente, estão referidos os aspectos metodológicos e teóricos a pesquisa está tentando gerar.
Nosso estudo está inscrito no horizonte da midiatização sob
uma perspectiva heurística onde as noções midiatização, circuitos, interações e dispositivos interacionais podem ser rediscutidos, não como conceitos prontos e nem mesmo subordinados
85
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
à Comunicação, mas “em desentranhamento” ao serem problematizados desde um eixo específico.
Referências
BRAGA, J.L. Interação como contexto da Comunicação.
Matrizes (2012a), v. 1. P.25-41, 2012a
----------------. Circuitos versus campos sociais. In: Mattos, Maria
Ângela; Janotti Junior, Jeder; Jacks, Nilda (org.) Mediação
& Midiatização. 1ª ed. Salvador/Brasilia: EDUFBA/COMPÓS,
2012b.
CORTINA, A. Ética. São Paulo: Loyola, 2005.
FAUSTO NETO, A; FERREIRA, J.; BRAGA, J.L.; GOMES, P.G. (orgs).
Midiatização e Processos Sociais. Aspectos Metodológicos.
Santa Cruz do Sul: Edunisc, 2010
GINSBURG, C. Chaves do Mistério: Morelli, Freud e Sherlock Holmes.
In: Eco, H. O Signo três (1991). São Paulo: Perspectiva, 2004.
MARTIN-BARBERO, J. Deconstrucción de la critica. Nuevos
itinerarios de la investigación. In: LOPES, M.I.V e FUENTES, R.N.
Comunicación: campo y objeto de estudio. Guadalajara, 2001.
RODRIGUES, A.D. Prefácio. In: Livro Compós 2012. UFBA, 2012.
Yin, R. Estudo de Caso. Planejamento e Métodos. 3ª edição.
Bookman, 2005.
86
Sumário
08a Interlocuções epistemológicas em comunicação
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Tiago Quiroga
O projeto Interlocuções Epistemológicas constitui-se
uma linha de pesquisa do Grupo de Estudos e pesquisas em
Comunicação Organizacional (GEPCOR) cujo objetivo é contribuir ao debate epistemológico em comunicação a partir
da constituição de um amplo diálogo temático entre pesquisadores de Teoria da Comunicação. Partindo do pressuposto
epistemológico que concebe cada área do conhecimento
como sendo constituída por realidades específicas, a disciplina pretende avançar em torno daquelas que seriam particularidades próprias ao campo da comunicação. Adota-se
a suposição de que, no presente círculo de estudos, uma das
principais demandas hoje refere-se à identificação (apresentação/nomeação) das questões que, de fato, constituem seu
debate epistemológico. Sugere-se que um destes temas seja
exatamente o problema de uma quase inexistente e interessada interlocução teórica nos domínios da comunicação.
Trabalha-se com a hipótese de que a proliferação dos discursos dedicados ao acompanhamento tecnológico não apenas
radicaliza a fragmentação do campo, posto que transforma
meios em fins, sacramentando o viés aplicativo da área, mas,
sobretudo, acaba também por chancelar uma atividade científica demasiadamente desreferencializada. Como resultado,
tem-se o aprofundamento da ausência de regularidades discursivas que poderiam produzir algum acúmulo epistemológico
87
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
comum. Não nos referimos ao alcance de concordâncias, mas
de marcos reflexivos compartilhados, fundamentais ao debate
em questão. Partindo, então, da atividade hermenêutica como
princípio de autonomia, a pesquisa pretende não apenas delinear uma crítica às abordagens instrumentais em que o fenômeno da comunicação aparece, cada vez mais, esvaziado de
qualquer ontologia, mas pensar efetivamente em que medida
não seria a própria interlocução, entre os pesquisadores da
área, um recurso epistemológico essencial ao enfrentamento
do imperativo da dispersão técnica, bem como do mimetismo teórico que têm marcado o campo da comunicação.
Como procedimento metodológico a ideia é realizar um amplo
mapeamento dos conceitos básicos em teoria da comunicação e, em seguida, a partir de seus domínios, iniciar os diversos
diálogos que os envolvem atentando para a possibilidade de
eleger questões comuns que possibilitem maior verticalização
em torno dos marcos reflexivos em comunicação. Em termos
epistemológicos o presente procedimento procura identificar
linhas de força que acenem ao que seria a produção de uma
originalidade interpretativa nas teorias a qual possa nos ajudar
a qualificar a proposição acerca de uma especificidade discursiva no campo da comunicação.
88
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
BLOCO B
09 O comunicar como objeto epistemológico
Lauren Ferreira Colvara
A comunicação como campo científico está marcada tanto pela forte contaminação da Sociologia e da
Antropologia, como também pela dinâmica da Sociedade da
Informação que fixa o pesquisador no meio material. As relações comunicativas teriam assim sido deixadas de lado, não
observadas. Por isso a proposta é da substituição da comunicação por um comunicar, ou seja, deixar a posição do passivo
(a ação pronta e dada como certa) para a incerteza, para o
fenômeno, o comunicar em seu acontecimento. Sendo assim,
esta substituição exige revisões. Foram elaborados quatro pontos matrizes a serem desenvolvidos em redes de tensões (pontos nodais), construir uma rede analógica de onde podem
sair infinitas retas para inúmeros cruzamentos. Um raio-objeto
(o comunicar) será o eixo inicial do qual sairá trajetórias que
atingirão outro ponto, constituindo assim uma posição completamente outra dentro do espaço analógicos das ideias. O
caminho da pesquisa se faz e se desfaz, o que restará são as
narrativas, os relatos das experiências teóricas e empíricas do
pesquisador. Estudar o comunicar é estar atento metaporicamente aos vários movimentos, aos pontos nodais que aparecem e desaparecem. Os quatro pontos serão traçados em um
89
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
plano, ou seja, em um objeto empírico, produções audiovisuais.
A intenção da exploração está na possibilidade de transformação durante a revisão. Afinal, estamos em novas relações, de
camadas de sensibilidade que foram alteradas pela virada tecnológica (tecnototemismo). O imprevisto não está somente no
fenômeno (objeto espistemológico), mas no uso das técnicas
(objeto empírico) o que traz a obrigatoriedade da flexibilização
do pesquisador para acompanhar o fenômeno vivo – científica, epistemológica e metaporicamente.
As bases estratégicas do estudo far-se-ão por meio de
pontos nodais traçados a partir destes pontos cardeais (o
comunicar; o fenômeno e o instante; as camadas do sentido;
o audiovisual). Tensões estabelecidas e traçadas pelo próprio
fenômeno em seu Acontecimento. Há em cada ponto cardeal
um aglomerado teórico e que se por demais próximos poderiam resultar em erros teóricos grotescos, mas que traçados e
ligações auxiliam a uma reflexão.
A primeira revisão seria baseada na necessidade da desconstrução da bipolaridade entre o material e o não material.
Admitindo-se que a primeira polaridade seria a comunicação
como o meio e suas dimensões e a segunda a comunicação
como a interação e a mediação, o que resulta na eterna confusão entre meios e objetos; entre objeto empírico e objeto epistemológico. A proposta é da substituição da comunicação por
um comunicar, ou seja, deixar a posição do passivo (a ação
pronta e dada como certa) para a incerteza, para o fenômeno,
o comunicar em seu acontecimento. A proposta seria o aprofundamento no debate triangulado por Ciro Marcondes Filho,
90
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
José Luiz Braga e Lucrécia D’Alessio Ferrara sobre o comunicar
como um fenômeno e a constituição do campo da comunicação. E posteriormente contribuindo, no intuito de contribuir
nesta discussão, inserir a problemática das camadas de sentido
e os paradoxos como condição do comunicar como estética
e percepção. (3º Círculo Cibernético com ênfase em Gergory
Bateson)
A segunda revisão estaria em assumir a fenomenologia
como uma episteme comunicante e social. Esse posicionamento do objeto epistemológico ser o comunicar é consequência direta das discussões alavancadas pela Nova Teoria da
Comunicação desenvolvida por Ciro Marcondes Filho, líder do
FiloCom. Há o estudo programado de autores da fenomenologia como Henri Bergson, Merlau-Ponty, Emmanuel Levinas.
O terceiro ponto estaria relacionado a medialidade
(Günter Anders), ou seja, em como o espaço do entre e do
indeterminado tem sido ocupado com sentidos prontos que
que impediriam/atrapalhariam o comunicar. O tecnototemismo que traz esta fixação no canal fariam os meios sentirem
e pensarem pelo sujeito? Tornando assim o comunicar algo
raro (MARCONDES FILHO) ou indeciso (FERRARA). A fixação do
canal e da imagem seria o ponto de partida para as experiências metapóricas. Essas inspiradas em trabalhos da Profa.
Marília Franco a cerca da memória afetiva audiovisual. Explorar
as camadas de sentido das imagens audiovisuais e da memória traz uma nova angulação para o comunicar, podendo ele
acontecer para além do instante, mas na duração da rememoração da lembrança. Para tanto usaremos as produções
91
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
audiovisuais e as camadas de sentido, explorar os quatro pontos, buscando a possibilidade da transformação e da revisão.
Afinal, para haver incomunicabilidade deve-se partir do pressuposto que há o comunicar, seja como intenção, seja como
sensibilidade.
92
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
10 Um novo olhar sobre a comunicação
e a forma de estudá-la
Pedro Gilberto Gomes
Para responder à questão sobre a contribuição que a
pesquisa sobre a Plurivocidade do Conceito de Midatização
pode dar para o estudo da comunicação, vou centrar-me em
duas perguntas e um deslocamento: a pergunta pelos processos midiaticos, a pergunta pela ambiência e o deslocamento
análise de uma sociedade dos meios para uma sociedade em
midiatização. Obviamente, são reflexões iniciais e sujeitas a críticas e complementações.
A pergunta pela pergunta nos processos midiáticos
Para qualquer desenvolvimento do conhecimento, a
pergunta é o ponto de partida. Quem não possui nenhum
problema, nenhum questionamento, não pode avançar na
produção do conhecimento. Duas situações impedem a pergunta: o pleno conhecimento (não há sobre o que indagar) e
a absoluta ignorância (não sabe sobre o que perguntar).
O processo de perguntar, contudo, não envolve apenas
uma resposta concreta a um desconhecimento externo. O
questionamento sobre algo envolve, necessariamente, inquirir-se sobre si mesmo. Isto é, quem somos nós que perguntamos?
Como nos posicionamos frente à vida e frente ao objeto de
nossa pergunta?
No caso concreto dessa reflexão, nossa pergunta volta-se
para alguns conceitos em particular: midiatização e ambiên-
93
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
cia. Como, na discussão, podemos compreender os processos
midiáticos? Qual o papel e que posição se encontram os dispositivos tecnológicos de comunicação? Como se pode compreender e explicitar o que entendemos por midiatização? Que
relação o conceito de ambiência entabula com aquele dos
processos midiáticos? Entretanto, para o que interessa nesse
momento, o centro da atenção está constituído pela pergunta
pelo conceito de midiatização.
2. A pergunta pela ambiência
Façamos uma pequena digressão pelo desenrolar da pesquisa em comunicação. O seu percurso começou com uma
abordagem quantitativa. Vale recordar que, inicialmente, ela
estava ainda tateando em busca de uma metodologia adequada. Devedora das outras ciências, a pesquisa em comunicação assumia os postulados das ciências sociais que, para
a compreensão da realidade, baseavam-se em dados quantitativos. Registre-se que havia uma influência muito grande das
ciências exatas. Exigia-se um universo grande de amostra que
permitisse a generalização para o todo. Era a busca pela representatividade na pesquisa,
Nesse momento, as ciências sociais descobriam e valorizavam os estudos qualitativos, tendo em vista a peculiaridade
do objeto pesquisado. Fiel à sua dívida com as ciências sociais,
a pesquisa em comunicação assumiu a dimensão dos estudos
qualitativos.
94
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Contudo, faltava-lhes a consideração dos macrofenômenos. Nessa perspectiva, os dispositivos tecnológicos são apenas
uma mínima parcela, a ponta do iceberg, de um novo mundo,
configurado pelo processo de midiatização da sociedade1.
Estamos vivendo hoje uma mudança epocal, com a criação
de um bios midiático2 que incide profundamente no tecido
social. Surge uma nova ecologia comunicacional3. É um bios
virtual. Mais do que uma tecno-interação, está surgindo um
novo modo de ser no mundo, representado pela midiatização
da sociedade. Esse modo de ser no mundo assume o deslocamento das pessoas do palco (onde são sujeitos e atores) à
plateia (onde sua atitude é passiva).
Assumindo-se a midiatização como um novo modo de ser
no mundo, tende-se a superar a mediação como categoria
para se pensar os meios hoje, mesmo sendo essa mais do que
um terceiro elemento que faz a ligação entre a realidade e o
indivíduo, via mídia, pois contempla a forma como o recep1 De acordo com Luhmann, (...) convence muito pouco a idéia de
que só se trata, de qualquer forma, de um anexo de outros sistemas
de função, que se servem dos meios de comunicação como um
meio técnico para divulgar suas comunicações. (...) Eles não podem
ser reduzidos, enquanto comunicação social de grande repercussão,
à mera técnica (LUHMANN, Niklas. A realidade dos meios de comunicação. São Paulo: Paulus, 2005. 119).
2 Na feliz expressão do pesquisador Muniz Sodré.
3 As idéias que seguem e embasam a reflexão foram desenvolvidas
em: GOMES, Pedro Gilberto. A filosofia e a ética da comunicação no
processo de midiatização da sociedade. São Leopoldo: Ed. Unisinos,
2006. Ver, principalmente, o capítulo 6.
95
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
tor se relaciona com a mídia e o modo como ele justifica e
tematiza essa mesma relação. Por isso, estrutura-se como um
processo social mais complexo que traz no seu bojo os mecanismos de produção de sentido social.
Entretanto, isso não basta. Estamos numa nova ambiência
que, se bem tenha fundamento no processo desenvolvido até
aqui, significa um salto qualitativo, uma viragem fundamental
no modo de ser e atuar.
Como foi afirmado acima, há um aspecto descurado na
reflexão das ciências sociais: a consideração da midiatização
como um processo sistêmico, mais abrangente e que está possibilitando uma visão de totalidade da sociedade. É imperioso
produzir ferramentas adequadas para trabalhar, sistemicamente, esse objeto complexo que desafia a argúcia dos pesquisadores das ciências da comunicação.
Para alcançar a totalidade do objeto, o pesquisador deve
tomar distância das manifestações particulares para contemplar o mosaico do ambiente formado. Os macrofenômenos, na
dimensão holística, aditam novas visões que transcendem o singular e permitem que se forme a imagem do que se estrutura
na sociedade em midiatização.
3. Da “sociedade dos mídias” à sociedade em midiatização
A reflexão meta-midiática leva-nos à contemplação da
questão da midiatização, como um ponto de chegada na
96
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
evolução e desenvolvimento a partir do que foi chamado de
“sociedade dos mídias”.
A trajetória da sociedade dos mídias à sociedade em
midiatização é um processo lento e gradual que se desenvolve
em dois eixos profundamente interligados. De um lado, temos o
eixo do tempo que nos insere na perspectiva de uma evolução
cronológica que vai dos primórdios da consciência e chega
aos dias atuais. O segundo eixo situa-se na dimensão qualitativa, de complexidade cada vez mais crescente nas relações,
inter-relações e interconexões humanas. É a bissetriz de ambos
que espelha a flecha simbólica da evolução humana..
Sobre a situação, Joel Rosnay4 afirma:
Estamos prestes a viver uma mudança de paradigma. Penso que essa mudança de paradigma
e essa transição entre a sociedade industrial e a
sociedade informacional são a causa de alguns
dos grandes problemas que temos hoje, tanto
sociológicos quanto socioeconômicos, políticos
ou culturais. Frente a essas mudanças, devem-se fazer três coisas. Em primeiro lugar, entender; em segundo, experimentar; e em terceiro,
aprender5.
4 ROSNAY, Joël de. “Un cambio de era”. In RAMONET, Ignacio. Las
post-televisión. Multimedia, Internet y Globalización. Madrid: Icaria,
sd., p.17-32.
5 Idem, p. 31.
97
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Fiquemos no primeiro passo utilizado por ele para fazer
frente às mudanças. Isto é, sublinhemos o passo do entendimento, da interpretação. Diz ele:
Não se trata de deixar passar esta revolução
tecnológica pretextando que se trata de tecnologia e que é mais uma que se soma às outras.
Não, já não estamos nas lógicas de substituição,
mas nas lógicas de integração. Lógicas de integração que abrem novos espaços. Depois da
logosfera da linguagem, limitada pelo espaço e
tempo, da grafosfera da escritura, não limitada
nem no tempo nem no espaço, e da midiosfera da televisão, entramos na ciberesfera, das
comunicações eletrônicas. Temos que inventar
novas relações que sejam compatíveis com
isso, caso contrário outros irão conquistar este
novo espaço no nosso lugar. Deve-se entender,
portanto, essas ferramentas6.
Até aqui se configura o que se pode chamar de sociedade
dos meios. Depois da quebra do paradigma da oralidade com
a invenção da escrita, a humanidade foi aperfeiçoando e sofisticando seus dispositivos comunicacionais num nível de complexidade crescente. O desenvolvimento da técnica esteve
(e está) umbilicalmente unido à especialização dos meios de
comunicação.
6 Idem ibidem.
98
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Não obstante, essa volta à tribo, a retribalização de
McLuhan, estrutura-se em bases totalmente distintas. Não é um
retorno idílico ao passado oral, mas a uma dimensão de aldeia
global: uma glo(tri)balização. É a síntese de algo novo com elementos do passado.
Entretanto, tal como aconteceu com a passagem da oralidade à grafia, em determinado momento, aquilo que parecia
ser um elemento a mais de complexificação da tecnologia existente, um degrau a mais a ser galgado no plano do desenvolvimento das tecnologias de comunicação, teve conseqüências
radicais para o modo de ser no mundo social.
Portanto, esse quarto estágio não é apenas um passo a
mais no processo de evolução. A ciberesfera representa um
salto qualitativo, com tanta força de rompimento quanto o foi
a invenção da escrita. Hoje acontece o que se poderia nomear
de salto quântico no processo de evolução social. Contudo,
esse salto acontece silenciosamente e vai transformando a existência da humanidade. Da Internet 1.0, passando pela Iternet
2.0, estamos observando, lentamente, a configuração de um
homem simbiótico, na feliz expressão de Joel Rosnay7.
Um dos primeiros que anteviram isso foi Pierre Teilhard
de Chardin. Wolfe comenta que, para o jesuíta francês, Deus
estava dirigindo, nesse exato momento, o século XX, a evolução do homem para a noosfera (...) uma unificação de todos
7 ROSNAY, Joel. Homem simbiótico. Perspectivas para o Terceiro
Milênio. Petrópolis: Vozes, 1997.
99
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
os sistemas nervosos humanos, todas as almas humanas, por
meio da tecnologia8. Teilhard de Chardin
menciona o rádio, a televisão e os computadores em especial com pormenores consideráveis, e alude à cibernética. [...] Esta tecnologia
estava criando um “sistema nervoso para a
humanidade”, escreveu ele, “uma membrana
única, organizada, inteiriça sobre a terra”, “uma
estupenda máquina pensante”. [...] “A era da
civilização terminou”, e a da “civilização unificada está começando”9.
Wolfe identifica a noosfera, a membrana inteiriça aduzida
por Chardin, com a rede inconsútil de McLuhan. Para ele, a
civilização unificada não é outra coisa que a aldeia global do
pensador canadense. Ainda citando Teilhard, Wolfe constata:
Podemos pensar (escreveu Teilhard) que essas
tecnologias são artificiais e completamente
“exteriores aos nossos corpos”, mas na realidade
elas são parte da evolução “natural, profunda”,
do nosso sistema nervoso. Podemos pensar que
estamos apenas nos divertindo”, ao usá-las,
“ou apenas desenvolvendo o nosso comércio,
ou apenas propagando idéias. Na realidade,
8 WOLFE, Tom. “Introdução”. In: MCLUHAN, Marshall. McLuhan por
McLuhan. Rio de Janeiro: Ediouro, 2005, p. 17.
9 Idem ibidem.
100
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
o que estamos fazendo é nada menos do que
continuar num plano superior, por outros meios,
a obra ininterrupta da evolução biológica. Ou,
para dizer de outro modo, completa Wolfe: “O
meio é a mensagem”10
A produção de Teilhard de Chardin é vasta e abrangente.
Entretanto, para o que aqui nos interessa, basta-nos o seu livro
sobre o futuro do homem. Numa série de conferências publicadas ao longo da década de 1940, Teilhard traça uma linha
de reflexão que procura compreender para onde caminha a
humanidade, tendo em conta o crescimento populacional e o
desenvolvimento científico e tecnológico.
Marshall McLuhan11, quase um quarto de século depois,
vai assumir muito dessa posição. Para ele, os meios elétricos tendem a criar uma espécie de interdependência orgânica entre
todas as instituições da sociedade, o que dá nova ênfase à
posição de Chardin de que a descoberta do eletromagnetismo
deve ser considerada como um prodigioso acontecimento biológico. Se as instituições políticas e comerciais adquirem um
caráter biológico por força dos meios elétricos de comunicação, é agora explicável que biologistas como Hans Selye pensem no organismo físico em termos de rede de comunicação.
Essa posição aparece claramente quando afirma:
10 Idem, p. 18
11 MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões
do homem. Tradução: Décio Pignatari. 8 ed. São Paulo: Cultrix, 1996.
101
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Depois de três mil anos de explosão, graças
às tecnologias fragmentárias e mecânicas, o
mundo ocidental está implodindo. Durante as
idades mecânicas projetamos nossos corpos no
espaço. Hoje, depois de mais de um século de
tecnologia elétrica, projetamos nosso próprio
sistema nervoso central num abraço global,
abolindo tempo e espaço (pelo menos naquilo
que concerne ao nosso planeta). Estamos nos
aproximando rapidamente da fase final das
extensões do homem: a simulação tecnológica
da consciência, pela qual o processo criativo
do conhecimento se estenderá como já se fez
com nossos sentidos e nossos nervos através
dos diversos meios e veículos. [...] São poucas
as possibilidades de responder a essas questões
relativas às extensões do homem, se não levarmos em conta todas as extensões em conjunto.
Qualquer extensão – seja da pele, da mão,
ou do pé – afeta todo o complexo psíquico e
social12.
Estes são apenas alguns pensamentos que poderão nos
ajudar na reflexão desse fenômeno fluido e quase inatingível
da sociedade em midiatização e a sua contribuição para o
estudo do fenômeno da comunicação hoje.
12 Idem, p. 17.
102
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
11 A Experiência Sensível das Imagens:
subjetividade, imaginário e dinâmicas sociais
Eduardo Duarte
A proposição em que me debruço nesse instante visa dar
continuidade as pesquisas desenvolvidas pelo grupo Narrativas
Contemporâneas, que tem trabalhado há 07 anos a imagem
como um propulsor de experiências sensíveis. O percurso da
experiência sensível do social prático objetivo, juntamente com
o social imaginário e a subjetividade individual que faz emergir
a constituição do sentido partilhado das performances comunicativas. Nosso interesse é estudar a interelação de instâncias
de experiências aparentemente distintas num quadro de processos sempre em movimento e em fluxo.
Nesse sentido, essa pesquisa se propõe, como projeto
“guarda-chuva” que abrigará empirias e fenômenos trazidos
por meus orientandos, conhecer a experiência que efeitos
estéticos de filmes, programas televisivos, games e outros conjuntos audiovisuais desencadeiam na constituição de sentidos ao imaginário, nas impressões sensíveis da subjetividade e
provocação de agenciamentos objetivos dinâmicos no grupo
social.
Trata-se de um desafio metodológico de composição multidisciplinar que possa compreender as diversas dimensões da
experiência.
103
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Percurso Teórico Conceitual
O que aqui pretendo delinear como um percurso teórico
conceitual serve também como a própria fundamentação
teórica da proposição a ser apresentada, pois do amadurecimento dessas reflexões novos questionamentos desdobraram a
inclusão de outros sistemas de pensamento que fundam as problemáticas dessa pesquisa. Nesse sentido, pretendo discorrer
brevemente sobre alguns apontamentos filosóficos que alicerçam a reflexão do grupo trazendo-os até o presente momento.
Começo apresentando o trabalho do físico Thomas Kuhn
(2000), que sugere que há em toda estrutura paradigmática
um componente sociológico aceito por uma maioria estável de
autoridades científicas que determinará a sua validade. Kuhn
aproxima o desenrolar das estruturas científicas ao longo da história ao evento da evolução biológica das espécies. Segundo
o físico, teorias e abordagens variadas e frequentemente díspares concorrem entre si para obterem a primazia e a legitimidade
sobre as descrições do real. Teorias que brotam de paradigmas
que sucumbiram num processo seletivo da história e da sociologia das ideias que acabam por tornarem-se periféricas, em
seguida fracas e, por fim, silenciam, diante da estabilização de
uma versão acerca da realidade. Mas o processo evolutivo das
estruturas científicas continua em movimento e quando uma
certa teoria não possui mais capacidade de adaptação em
seu meio histórico sociológico é obrigada a ceder lugar para
uma nova concorrência de sistemas de pensamento capazes
de fornecer uma mais adequada versão sobre o mundo.
104
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
O processo evolutivo descrito por Kuhn não se esgota apenas no ambiente científico. O que o físico tem por intenção na
obra A Estrutura das Revoluções Científicasé a proposição de
uma forma de abordagem da história cultural das mentalidades. Trata-se de um modelo que possui como meta a descrição de fenômenos em movimento. Movimentos orgânicos de
formação, de transformação, desenvolvimento e desaparecimento de ideias.
Apontando as mesmas instâncias, mas seguindo um outro
caminho, Gilles Deleuze (1998) produziu uma obra fundamental
sobre estados de impermanência estrutural, sobre fluxos de pensamentos que criam misturas cognitivas (em ciência, filosofia e
arte) que irão derivar de um olhar comprometido com o movimento. A Lógica do Sentido reconstrói e recoloca sob uma luz
contemporânea toda uma linhagem de filósofos pouco explorados até então. Algumas abordagens, como as dos Estóicos
e a de Epicuro, que haviam sido vencidas no processo seletivo
da evolução das ideias, são retomados por Deleuze em sua
intenção de construir um outro paideuma, um paideuma de
filosofias esquecidas.
Encontramos em Gilles Deleuze (1997) a intenção de definir a filosofia como sendo um discurso que tem por base o diálogo. Para ele a filosofia, máquina geradora de conceitos, se
constrói em diálogo com campos que não são os seus. Será
em diálogo com as descobertas científicas, com os perceptos
e afectos da arte que a filosofia gerará seus conceitos. Ou seja,
será no movimento de desterritorialização, no movimento de
abandono de identidades, na ação de ir em encontro com um
105
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
“não si mesmo” que o pensamento se processará inaugurando
um novo território. A “fuga”, o “abandono”, servirão de metáforas não apenas para as circunvoluções da filosofia em busca
de gerar seus conceitos. Em Deleuze encontramos estas imagens como esteio para a própria produção artística e comunicacional, seja ela audiovisual, literária ou plástica.
Nesse sentido, os conceitos de desterritorialização e reterritorializaçãodeleuzianos, são muito caros a esse projeto, pois
a reconstrução de estruturas narrativas a partir da fluência de
territórios estéticos distintos que se comunicam e geram uma
cognição nova é parte do fenômeno de construção de territórios comunicativos híbridos, que expressam uma nova espacialidade e temporalidade.
Essas estruturas híbridas que nascem de composições textuais distintas podem ser vistas como metatextos. O que nos
leva a reflexão do que Edgar Morin (1996, p. 268) chama de um
macroconceito. Ou seja, o resultado da articulação recíproca
de vários conceitos que se associam fazendo emergir um conceito macro, que não pode ser dito de outra forma que não
seja pela emergência da articulação dos conceitos associados. Fazer emergir esse metatexto conceitual é o grande desafio que não nos permite saber a priori quais os elementos e em
que ordem devem ser dispostos para fazer surgir uma imagem
esperada.
As estruturas narrativas híbridas comunicam-se, expressam-se em sua novidade, sem que essa antes pudesse ter sido
planejada. Ela é o resultado de uma abertura que a experimentação permite. Ela está para além do valor intencional de
106
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
seus realizadores, pois é no jogo comunicativo das valorações
sociais que ela assumirá um território móvel de sentido.
O cinema, por exemplo, se bifurca com o surgimento do
vídeo-clip e do vídeo game. Estes dois fenômenos narrativos
possuem componentes oriundos do cinema, porém reposicionam estes componentes somando-os a outros advindos de
novos avanços tecnológicos. As artes plásticas se bifurcam
quando fazem uso de câmaras de vídeo, criando narrativas
híbridas de cinema documentário com poéticas performáticas. A fotografia, por sua vez perde seu caráter de documento
quando assume as intervenções digitais no seu processo criativo e informativo, criando verdadeiros curto-circuitos entre
registro documental e composição imaginária, entre realidade
e ficção. A bifurcação do teatro ocorre quando o status de
“representação” passa a se confundir com o de “apresentação”, quando atores não simulam dores e prazeres, porém, se
impõem situações de dor e prazer reais. Por outro lado o teatro
pode aproximar-se da televisão através dos espetáculos-revista
ou dos programas de auditório. A estética da produção videográfica digital invade a estética cinematográfica criando o
cinema digital, um produto híbrido e com uma infinidade de
outras opções de criação narrativa.
No campo comunicacional
Neste sentindo, a multiplicidade de recomposições de
suportes narrativos da imagem desdobra novas possibilidades
107
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
à pratica comunicativa que por sua vez agenciam a emergência de níveis diversificados de efeitos sensíveis, dos mais sutis aos
mais impactantes; do desempenho comunicativo mais silencioso ao mais retumbante; das formas mensuráveis às impalpáveis e soturnas reconstruções do imaginário. Se cogitamos
essa dupla força do desempenho de uma imagem, criamos
espaços para reflexões mais qualitativas, observamos a participação de outras plataformas perceptivas dentro do mesmo
conjunto lógico e intencional da performance comunicativa.
O que se observa, com isso, é a possibilidade de construirmos
na mesma ideia, no mesmo conceito, campos de deriva para
a dimensão do sensível.
Essa combinação inspira a ideia que compreendo construir-se da performance comunicativa, que é ao mesmo tempo
racional, mensurável, lógica; como também produz marcas
emocionais de resposta imediata ou que se acumulam produzindo na dimensão imaginário um quadro de experiências
vividas. A performance sensível da comunicação não está no
espectro das mesmas possibilidades metodológicas de avaliação exclusivamente quantitativas, ou de registros descritivos restritos a evidências ou ainda a análises baseadas em categorias
rígidas. Os rastros desses ecos culturais evocam outros formatos
ou paradigmas e observações, que precisam ser descobertos
e/ou aprofundados, a fim de que as dimensões do imponderável possam ser minimamente equalizadas nas análises dos efeitos performáticos dos atos comunicativos.
A imagem surge para nós como um propulsor de experiências sensíveis. Exatamente isso me motiva indagar se é possí-
108
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
vel acompanhar as ramificações, ou melhor, as capilarizações
de efeitos sensíveis das imagens na prática social ativa, tanto
quanto nas dimensões do imaginário e da subjetividade. É possível acompanhar e conhecer a experiência que efeitos estéticos de filmes, programas televisivos, games, fotografias e outros
conjuntos audiovisuais desencadeiam na constituição de sentidos ao imaginário, nas impressões sensíveis da subjetividade e
provocação de agenciamentos objetivos dinâmicos no grupo
social? Seria possível criar práticas metodológicas que priorizassem o fenômeno da experiência, no estudo das imagens,
observando-a em seu percurso multifacetado de expressões
objetivas e subjetivas?
É o percurso da experiência sensível do social prático
objetivo, juntamente com o social imaginário e a subjetividade
individual que faz emergir a constituição do sentido partilhado
das performances comunicativas, entretanto, como é possível
conhecer as experiências sensíveis que se desencadeiam desses processos? É possível realmente estudar a interelação de
instâncias de experiências aparentemente distintas num quadro de processos sempre em movimento e em fluxo?
Aqui surge o desafio que trago da experiência do estágio
pós doutoral para as minhas pesquisas. As abordagens propostas pelos sistemas estudados nos abrem caminhos diferentes
para pensar o conceito de experiência e imaginar possibilidades operacionais na pesquisa científica em comunicação.
O que nos interessa conhecer está no movimento que os afetos produzem objetivamente no mundo, no que mobiliza seus
agentes nas práticas sociais, mas também no que imprime
109
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
sobre o imaginário e a subjetividade. Esse é o lugar em que me
encontro para observar a constituição da experiência estética,
ou a experiência sensível nos conjuntos de objetos audiovisuais,
como o cinema, programas de televisão, games, fotografia e
na cultura audiovisual, que me são propostos pelos projetos de
pesquisa de meus orientandos e nos meus artigos.
Por último, reapresento o que acabou por se transformar
numa hipótese de trabalho. A compreensão, como ponto de
partida, que o individual e o social estão profundamente imbricados numa mesma teia de relações auto recursivas. De onde
quer que partamos na indagação inicial sobre nossos temas e
problemas de pesquisa, creio ser possível acompanhar a experiência estética da imagem observando princípios que permitam
conhecer a construção de sentidos no imaginário, na subjetividade e suas articulações nos contextos sociais, ou vice versa.
Ou seja, conhecer onde o subjetivo é social e onde o social é
subjetivo na construção e partilha dos valores agenciados na
performance comunicativa da imagem. Metodologicamente
o desafio dessa proposição é a efetivação de uma análise multidisciplinar que possa compreender as diversas dimensões da
experiência.
110
Sumário
12 Festividade e o Outro: a alteridade em jogo
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Aldrin Jonathan Souza Santos
A pesquisa examina a questão da alteridade no âmbito
de festas promovidas por estudantes universitários. O referencial
teórico adotado consiste na Nova Teoria da Comunicação[1],
que entende a comunicação como algo não trivial e incomparável à mera troca de informações; ela pressupõe relação com
o Outro distinta de uma relação Eu-Coisa, que não modifica,
não abala e não produz nenhum sentido novo nos envolvidos.
O objetivo do estudo consiste na investigação sobre a natureza
das relações estabelecidas em festas promovidas por universitários: relação Eu-Tu – que se assemelha à alteridade, em que
eu me diluo no outro – ou relação Eu – Isso – que estabelece
uma relação em que nenhuma das partes é modificada.
O “método” de pesquisa proposto está vinculado às práticas que estruturam os projetos desenvolvidos pelo Núcleo de
Estudos Filosóficos da Comunicação (FiloCom), trata-se da epistemologia metapórica. O metáporo tem a intenção de deixar
que a pesquisa se revele ao observador, é mais um caminhar
do que propriamente um caminho. O pesquisador coloca-se na
posição de desbravador que vive e sente os efeitos da comunicação. O observador será parte integrante do ambiente,
não observando a construção da cena de longe, mas sendo
parte constuinte e indissociável desta. Busca-se a apreensão
sensível do real, sem conceitos e que se dá no durante do
acontecimento.
111
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
[1] Proposta encontrada em: MARCONDES FILHO, Ciro.
Princípio da razão durante: o conceito de comunicação e a
epistemologia metapórica, Tomo V. São Paulo: Paulus, 2010.
112
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
BLOCO C
13 Caosmose e Afetiv(Ações) Inscriacionais do
Acontecimento Comunicacional Amoroso
Maria Luiza Cardinale Baptista
O presente texto apresenta a reflexão sobre o contraponto
entre caosmose e afetivações inscriacionais, como elementos de proposição de uma teoria amorosa da Comunicação,
associada a práticas de investigação inscriacionais, essencialmente marcadas por afetivações especulares e desejantes. Entende-se que a proposição é coerente com o caráter
mutacional e caosmótico dos fenômenos comunicacionais,
considerados, aqui, como acontecimentos que resultam de
processos de desterritorialização e encontros de corpos afetivados. O texto é uma tentativa de responder à pergunta geral
do Encontro: “ Em que sua pesquisa pode renovar o olhar sobre
a comunicação e a forma de estudá-la?”. A produção desta
inscriação, deste texto, orientou-se por trilhas, que correspondem às linhas de vida, no sentido da Esquizoanálise, de Félix
Guattari e Gilles Deleuze e também em textos de Suely Rolnik.
Linhas que vêm se insinuando nos meus estudos, compondo-se,
combinando-se, como é próprio dos pressupostos com os quais
eu trabalho. No entrelaçamento das linhas, foram estabelecidos platôs, cuja marca é o que venho chamando de Trama de
Saberes.
113
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Nesse início de ‘viagem inscriacional’, alguns cuidados
são necessários. Pela dimensão de complexidade do percurso,
parece importante sinalizar as trilhas e platôs, como inscrições
referenciais, índices de um devir caminho a ser percorrido. O
termo platô está sendo usado, aqui, como “zona de intensidade contínua”, sentido atribuído por Gilles Deleuze e Félix
Guattari (1995, p.8). Mais do que para o leitor, percebo que
enuncio para mim mesma, na tentativa de não me perder, na
proporção do que isso é possível.
TRILHA
Visão complexa e sistêmica da teia da
vida (Edgar Morin, Fritjof Capra, Cremilda
Medina, Ilya Prygogine)
PLATÔ
Cenário de Mutações Contemporâneas da Ciência e
Trama de Saberes.
Esquizoanálise e o Paradigma Ético-Esté- Caosmose e Universos de
tico (Félix Guattari, Gilles Deleuze e Suely Referências Incorporais e aRolnik)
significantes, na composição
de campos de forças em
lógicas rizomáticas.
Biologia Amorosa e do Conhecimento
Autopoiese e enacção, no
(Humberto Maturana e Francisco Varela)
agenciamento
de
afetivações inscriacionais.
Nova Teoria da Comunicação
Comunicação e Amorosi(Ciro Marcondes Filho)
dade
Desterritorializações
desejantes e especulares.
114
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Platô Trama de Saberes – O cenário de mutações contemporâneas da Ciência foi referido por mim, em outros textos,
como cenário de desmanche, tempos de desmanche. Nesse
sentido, a mutação parece estar relacionada a uma alteração profunda de substâncias constitutivas do conhecimento.
Mudam as substâncias e os estados e encadeamentos em
que elas se apresentam. Não há solidez nas orientações, nem
mecânicas definidas a priori, em lógicas lineares, mecanicistas e
reducionistas, mas, cada vez mais, percebemo-nos imersos em
cenários mutantes que se desmancham e se constituem continuamente num frenesi semelhante a processos químicos de
ebulição. Poder-se-ia dizer, então, que os fenômenos parecem
ferver e, assim, evaporar-se rapidamente, desmanchando-se,
escorrendo-se por entre os nossos dedos, diante do nosso olhar
ou, até mesmo, da nossa imaginação.
No caos contemporâneo, percebe-se tanto a grandiosidade da complexidade, mas também a emergência de intensidades abstratas, na constituição de campos de forças, que
não só interferem nos fenômenos, mas, muitas vezes, tendem a
conduzi-los. Produzir ciência nesse cenário implica em acionamento de aberturas, de coragem, de ousadia e de reconhecimento de si mesmo no processo, bem como de ampliação da
percepção das relações e entrelaçamentos. Também implica
em desapego a macrovisões explicativas, os paradigmas totalizantes, para um processo também de desterritorialização de
saberes, de disposição para transitar em outros territórios e tentar ampliar a compreensão das conexões. Fica sinalizado aqui,
também, que em substituição à lógica da linearidade, entende-
115
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
-se ser pertinente considerar a lógica rizomática, na dimensão
de heterogênese maquínica, onde simultaneamente convivem
os territórios existenciais e os universos de referência incorporais
e a-significantes, a que se refere Guattari (1992).
Platô Caosmose – Platô contemporâneo, marcado pelo
caos em múltiplas dimensões, social, econômico, político e
também em termos de maquinismos e redes midiáticas. A
expressão dá título a um livro de Felix Guattari (1992), trazendo
a composição a partir de caos, osmose e cosmo. A associação
das palavras, nessa fusão, informa sobre a condição caótica
e de osmose que caracteriza o cosmo. Universos corporais e
incorporais. Dimensões visíveis e invisíveis, que se entrelaçam,
na composição da trama complexa, de saberes, de vivências,
de sujeitos, envolvidos em relação, por muitos agenciamentos, em uma engrenagem maquínica que se movimenta por
maquinismos abstratos, mais que nas expressões semiológicas e
nas axiomáticas territorializadas.
Interessante, nesse sentido, o que afirma Peres et al. (2000,
p.37): “[...]a perspectiva esquizoanalítica acredita que duas
lógicas permeiam a tessitura ética, na contemporaneidade: a
lógica pulsátil (presente nos corpos vibráteis, que não repelem
o mundo da sensorialidade, visto que procuram uma existência plena e para isso desejam afetar e ser afetados) e a lógica
maquínica (presente nos corpos transformados em máquinas
homeostáticas, que perdem qualquer potência de expressão
e constroem uma economia narcísica do sujeito)”. [grifo meu]
(PERES et al, 2000, p.37)
116
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Do próprio Guattari (1992, p.102), destaco a citação: “O
mundo só se constitui com a condição de ser habitado por
um ponto umbilical de desconstrução, de destotalização e
de desterritorialização, a partir do qual se encarna uma posicionalidade subjetiva”. Há várias conexões possíveis, a partir
dessa afirmação. A primeira delas é a das explosões geradoras de universos, com a desconstrução das estrelas. Parece
que, neste ponto, a visão de Guattari alinha-se com saberes
de outras áreas, como a da Astronomia, que ensina que uma
estrela só explode no ponto máximo de tensão e massa, no
seu ápice, como uma espécie de gozo do Universo, que gera
outra existência, outro tipo de existência, em síntese, gera
transformação. O mesmo parece ocorrer com sujeitos, grupos,
movimentos sociais, com a eclosão de processos subjetivos de
sujeitos singulares e coletivos. Dos estudos de Maturana, a partir
da célula, à compreensão do Universo físico, com Fritjof Capra,
tudo parece fazer parte de uma narrativa universal, permeada pela lógica da física quântica, pelos conhecimentos do
átomo. Somos o todo, somos integrantes do universo caosmótico. Entender isso parece um bom começo para entender processos comunicacionais, os acontecimentos e, principalmente,
a incomunicabilidade.
Aqui, vale ressaltar a conexão com o conceito de
autopoiese, conceito utilizado a partir de Maturana (1998).
Autopoiese é autoprodução, reinvenção de si, o que significa desconstrução para reconstruir posteriormente uma outra
condição de existência, desterritorializar, para reterritorializar
territórios existenciais, a partir de um ponto umbilical do qual
117
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
‘se encarna uma posicionalidade subjetiva’, para retomar a
citação de Guattari. É como se Guattari dissesse que a vida
se produz de explosões múltiplas e contatos de universos subjetivos, sob o que ele chama de ‘foco de caosmose’. Tem-se,
aqui, o que o próprio autor referiu como a reconciliação entre
o caos e a complexidade. O foco de caosmose relaciona-se
diretamente com o núcleo de autopoiese, “[...] sobre o qual se
realizam constantemente e se formam, insistem e tomam consistência os territórios existenciais e os universos de referências
incorporais” (GUATTARI, 1992, p.102)
Platô Afetivações Inscriacionais e Autopoiese – Platô
de acionamentos desejantes do sujeito, no sentido de
investig(ações), que permitam se inscrever, criar e produzir
ações voltadas a devires conhecimentos, pesquisas, devires processos comunicacionais. Nesse sentido, a lógica inscriacional
afetivante se propõe como algo que aciona os afetos, as pulsações do que Rolnik (1986) chama de corpo vibrátil do sujeito,
levando-o desse modo à produção de vida, às produções que
o provoquem continuamente a continuar produzindo o que lhe
dá alegria e renova a potência dos territórios existenciais e, ao
mesmo tempo, dos universos de referência incorporais.
Nesse platô, tem-se a sinalização para o agenciamento
da potência de subjetivação que põe o sujeito em movimento
de inscriação e autopoiese, ou seja, movimento de produzir
sua marca em ações que o inscrevem, reinventando-o como
‘sujeito que pode’, que tem a potência de realizar algo. Então,
acionamento de potência de realização e, na realização, produzir marca que inscriaciona, que inscreve, faz o registro do si
118
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
mesmo em condição e momento de entrega. Trata-se de processo de se mostrar e se entregar, condição por si só desafiadora. Mais detidamente, tenho pesquisado, há vários anos, o
que ocorre com os processos de escrita, uma das possibilidades inscriacionais potencializadoras do sujeito. Afirmo, nesse
sentido, que, quando o sujeito se inscreve, ele se reinventa, se
potencializa. É o que ocorre nos processos de escrita, que expliquei da seguinte maneira:
Os melhores textos também têm um tempo
de fervura, as ‘preliminares’, as afetiv(ações).
Assim, o autor vai sendo ‘afetivamente afetado’ pelo texto, em um processo semelhante
ao embriagar-se, perder-se de si mesmo.
Simultaneamente, busca a si próprio e ao outro,
a quem vai se entregar inscrito, inscriacionado.
São muitas provocações, muitos atiçamentos,
em um jogo de insinuações, em que o texto se
mostra e se esconde, assim, meio como quem ri
do nosso desejo de escrever...
Até que essa ‘fervura’ chega a um ponto do
soltar-se ... e o texto... jorra!
Resultado: alegria, prazer e contentamento
consigo mesmo e com o Outro.
119
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A proposta envolve os pressupostos da construção de
dispositivos afetivos de investigação em Comunicação, na
perspectiva da Amorosidade e Autopoiese. A ‘viagem’ que
proponho, aqui, neste texto, pretende partilhar elementos que
constituem o que eu venho chamando de os substratos inscriacionais de afetivação, resultantes da interação terna e afetiva
de sujeitos, na construção da investigação em Comunicação e
da produção de narrativas, que constituem território privilegiado
do acontecimento comunicacional. Esses substratos são agenciados pela desterritorialização. Parece que o deslocamento,
o engate, o que põe o sujeito em movimento, é uma das chaves para a criação de novidade, de (re)novação, de (re)invenção. Por isso, tenho dito que a desterritorialização desejante
da comunicação tem a potência de gerar o acontecimento,
em si, justamente porque o sujeito se desprega do ‘si mesmo’,
das amarras territorializadas dos maquinismos de subjetivação
dos seus territórios existenciais. Para o encontro-acontecimento
comunicacional, há que se pôr na estrada, em direção ao
Outro, ao acontecimento comunicacional amoroso.
Platô Acontecimento Comunicacional Amoroso – Fiquei
pensando que deveria começar a apresentação deste platô
enfrentando algumas resistências, com a pergunta: “E por que
não falar de amor?”. Tenho me deparado, nos últimos anos, com
olhares e risos, que expressam ‘textos vários’, demonstrando
tantas vezes desconforto ou menosprezo de algumas rodas de
conversa acadêmicas, com a temática do amor associada à
Ciência e à Comunicação. Curioso é que não estou sozinha e,
muito pelo contrário, estou bem acompanhada. Paulo Freire,
120
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Edgar Morin (2003), Ilyia Prigogine (2001), Humberto Maturana
(1998), Bauman (2004), Luís Carlos Restrepo (1998), Roland
Barthes (1986), para citar apenas alguns, ousaram, eles mais
que eu, a falar de amor, relacionado à produção de conhecimento, à educação, à comunicação e também à arte. Muito
bem, mas então, qual é o problema de considerar o acontecimento comunicacional pelo viés da amorosidade?
Compreendo que a abordagem vai contra a ciência dos
‘grupos-controle’, dos protocolos engessados, traduzidos em
seis línguas ou mais, testados 20 vezes, para ajustes das traduções, vai contra à matematização da vida e da metodologia
científica no viés tradicional, não metapórico. Também contraria e incomoda a lógica das hipóteses rígidas, cuidadosamente
construídas e marcadas pelo caráter premonitório presunçoso
do devir, do que deveria ser a descoberta, o resultado da pesquisa. Na ironia dos corredores, na brincadeira com a palavra
‘amor’, no silêncio engasgado ou no silêncio que ignora, percebo o incômodo. Prefiro pensar que se trata de uma condição
que, ao incomodar, pode vir a (des)acomodar, a engendrar
linhas de fuga, de reinvenção de percursos, de novos trajetos
de novas viagens investigativas, pode desterritorializar, o que,
pelos meus estudos, é uma possibilidade promissora.
Seguindo a lógica do princípio da razão durante e das proposições da Nova Teoria da Comunicação, entendo também a
comunicação no acontecimento e esse acontecimento como
sendo marcado pela heterogênese, pelo caos, pelas explosões cósmicas, caosmóticas, transmidiáticas, de confronto de
narrativas e cuja potência está na inscrição, nos acionamentos
121
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
desterritorializantes e reterritorializantes, o que só é possível com
acionamento desejante e especular, com amorosidade plena,
que é geradora de confiança. Afirmo, nesse sentido, que o
amor, a condição amorosa, aumenta a potência do acontecimento comunicacional. Nas condições de reconhecimento
do outro como legítimo outro na convivência tende-se a construir cumplicidades nos processos de significação que, na sua
lógica de acolhimento mútuo, possibilita maior entendimento
e realmente afetivação mútua e transformação dos sujeitos
envolvidos, que é o que caracteriza a comunicação.
A comunicação acontece efetivamente no encontro de
corpos subjetivos, no entremear-se, na conjunção significacional e, para isso, é necessário que exista uma espécie de contrato
amoroso, é preciso querer ‘estar no outro’, viajar para o território existencial do outro, a tal ponto de misturar-se e apreender
um pouco dos universos de referência incorporais. Isso nada
tem a ver com concordância ou subserviência amorosa. Isso
nada tem a ver com o amor romântico, cuja tradição é muito
mais o culto ao desequilíbrio, como algo que, ao mesmo tempo
em que é enaltecido pelos poetas como o ‘motor da vida’,
é desqualificado como condição que faz o sujeito escapar às
engrenagens produtivas e de valorização de uma sociedade
maquínica produtivista e classificatória, pela lógica da acumulação do capital. Nesse sentido, a ironia que emerge quando
se decide ‘falar de amor’ na academia parece relacionar-se
com a oposição arcaica emoção-razão, amor-produção.
Maturana (1998, p. 25) afirma, no entanto, que o “[...]
amor é o reconhecimento do outro como legítimo outro na
122
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
convivência” e que não há separação entre emoção e razão.
A emoção é o que aciona a ação, o que põe o sujeito em
ação, até mesmo nas situações aparentemente mais racionais.
Ora, se o outro é legítimo outro, o princípio ético, de respeito às
condições de cada sujeito envolvido tem que ser o platô referencial das relações, na vida, e, claro, também dos processos
comunicacionais. A Comunicação, em especial, precisa partir
desse pressuposto, já que as relações se produzem em função
de coordenações de relações, que se estabelecem no entrelaçamento de sujeitos. Os processos comunicacionais se fazem
com o agenciamento de redes de afetos que vibram, movimentando campos de forças que se compõem em planos de
significação emergente e com potência de devir. Depois, esses
planos misturam-se, mesclando-se, produzindo, aí sim, sentidos
partilhados.
Esses processos de afetivação tendencialmente permitem
vislumbrar as brotações de criatividade e de forças colaborativas que se entrelaçam, aglutinam e vão, através de sucessivas
recursões organizacionais, ganhando visibilidade, sonoridade,
existência territorializada. A expressão dos sinais e a potência
geradora de acontecimentos comunicacionais vão se dar
no movimento, no deslocamento e na composição interacional entre os sujeitos e processos envolvidos. A comunicação é
essa ‘viagem’, esse deslocamento em direção ao Outro. Nesse
sentido, o acontecimento comunicacional é amoroso, porque
implica o reconhecimento do outro, como legítimo outro na
convivência, implica em deslocamento do si mesmo para o
outro. Depende diretamente da disposição de encontro caó-
123
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
tico e conflitual, encontro de corpos vibráteis, de corpos intensidades, marcados mais ou menos por maquinismos abstratos,
mais ou menos regidos por lógicas do Capitalismo Mundial
Integrado ou por outros maquinismos de aprisionamento do
processo de subjetivação, que estiverem instalados.
Depois da viagem....
Assim, minha produção teórica parte do cenário de mutações contemporâneas da Ciência, da trama de saberes, de
caosmose, para tentar entender os fluxos e processos interacionais e de subjetivação, que se produzem entre os territórios
existenciais e os universos de referências incorporais e a-significantes, na composição de campos de forças em lógicas rizomáticas. A proposição de platôs, de intensidades contínuas,
que sinalizam para as afetivações inscriacionais autopoiéticas,
como geradoras de amorosidade e comunicação, a partir
de desterritorializações desejantes e especulares, parece ser
o que tenho para oferecer na discussão da Nova Teoria da
Comunicação.
REFERÊNCIAS
BAPTISTA, Maria Luiza Cardinale. Imagem, Sujeito e Mídia.
Projeto de Pesquisa. Caxias do Sul, 2011.
______. Usina de Saberes em Comunicação. Projeto de
Pesquisa. Caxias do Sul, 2012.
124
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
______. Desterritorialização desejante em Turismo e
Comunicação: Narrativas Especulares e de Autopoiese
Inscriacional. Projeto de Pesquisa. Caxias do Sul, 2013.
_______. Psicomunicação: a trama de subjetividades.
Disponível em: <http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/5f37
7526a305b8cd614e801f1c95e201.PDF>. Acesso em: 15 de abril
de 2013.
______. Emoção Subjetividade na Paixão-Pesquisa em
Comunicação. Revista On Line Ciberlegenda, www.infoamerica.org, v. 01, n. 4, p. 01, 2001.
______. Emoção e Desejo em Processos de Escrita Rumo a uma
Educação Autopoiética. Novos Olhares (USP), São Paulo, v. 1,
n. 6, p. 18-25, 2000.
______. Paixão Pesquisa: o Encontro com o Fantasminha
Camarada. Revista Textura, Canoas/RS, v. 01, p. 67-78, 1999.
______. Comunicação: trama de desejos e espelhos. Os metalúrgicos, a telenovela e a comunicação do sindicato. Canoas:
ULBRA, 1996.
______. Comunicazione come trama: La complessitá del processo. In: BECHELLONI, Giovanni, LOPES, Maria Immacolata
Vassalo de (org.). Dal controllo alla condivisione: studi brasiliani
e italiani sulla comunicazione. Roma: Mediascape Edizioni,
2002.
125
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
______. O dilúvio babelizante da contemporaneidade e a educação. In: Pauta: Interdisciplinaridade e pensamento científico, Pato Branco, v. 2, n. 1, p. 55-73, dez. 2003.
______. O sujeito da escrita e a trama comunicacional. Um
estudo sobre os processos de escrita do jovem adulto como
expressão da trama comunicacional e da subjetividade
contemporânea. 2000. 440. fls. Tese (Doutorado em Ciências
da Comunicação). Escola de Comunicações e Artes,
Universidade de São Paulo, 2000.
______. AFETIV(AÇÕES) DO TEXTO-TRAMA NO JORNALISMO
Ensino e produção de textos jornalísticos e científicos, em
tempos de caosmose midiática In: FÓRUM NACIONAL DE
PROFESSORES DE JORNALISMO (FNPJ) 2º ENCONTRO SULBRASILEIRO DE PROFESSORES DE JORNALISMO 5º ENCONTRO
PARANAENSE DE ENSINO DE JORNALISMO, 2013, Ponta Grossa
(PR). II Fórum Sul-Brasileiro de Professores de Jornalismo. , 2013.
CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida. Uma Nova Compreensão dos
Sistemas Vivos. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1997.
______. O Ponto de Mutação. A Ciência, a Sociedade e a
Cultura Emergente. 12. ed. São Paulo: Cultrix, 1991.
______. O Tao da Física. Um Paralelo entre a Física Moderna e o
Misticismo Oriental. 11. ed. São Paulo: Cultrix, 1990.
CREMA, Roberto. Introdução à Visão Holística. Breve Relato de
Viagem do Velho ao Novo Paradigma. São Paulo: Summus,
1989.
126
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
BARTHES, Roland. Fragmentos do Discurso Amoroso. 6 ed. Rio
de Janeiro: Francisco Alves, 1986.
BAUMAN,Zigmunt. Amor Líquido. Sobre a fragilidade dos laços
humanos. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários á
prática educativa. São
Paulo: Paz e Terra, 1996.
_______. Pedagogia do Oprimido, 17 ed.. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987.
_______. Á Sombra desta Mangueira, 5 ed. São Paulo: Olho
d’Água, 2003.
GUATTARI, Félix. As três ecologias. 3. ed. Campinas: Papirus,
1981.
______. Caosmose. Um Novo Paradigma Ético-Estético. Rio de
Janeiro: Ed. 34, 1992.
______. Linguagem, consciência e sociedade. In: LANCETTI,
Antonio. SaúdeLoucura, número 2. 3 ed. São Paulo: Hucitec,
1990.
______. Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. v. 1. Rio de
Janeiro: Ed. 34, 1995.
______. O insconsciente maquínico. Campinas: Papirus, 1988.
127
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
______. Revolução molecular. Pulsações Políticas do Desejo. 3.
ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Cartografias do desejo. 2. ed.
Petrópolis: Vozes, 1986.
MARCONDES FILHO, Ciro. O Projeto “Nova Teoria
da Comunicação” e Suas Aplicações na Pesquisa
Comunicacional Atual. São Paulo, 2013. Cópia.
______. O Princípio da Razão Durante. O conceito de comunicação e a epistemologia metapórica. Nova Teoria da
Comunicação III. Tomo V. São Paulo: Paulus,
______. Dicionário da comunicação. São Paulo: Paulus, 2009
MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e
na política. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
MATURANA, Humberto; VERDEN-ZÖLLER, Gerda. Amar e
Brincar. Funda-mentos esquecidos do humano. São Paulo:
Palas Athena, 2004.
MATURANA R., Humberto; VARELA G., Francisco J. De máquinas e seres vivos: autopoiese e a organização do vivo. 3. ed.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
MEDINA, Cremilda. (org.). Novo Pacto da Ciência. A Crise dos
Paradigmas – I Seminário Transdisciplinar. São Paulo, ECA/USP,
1990-1991.
128
Sumário
______. O Signo em Processo. XVII Congresso Brasileiro de
Pesquisadores em Comunicação, setembro de 1994a, xerox.
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
______. Entrevista. O Diálogo Possível. São Paulo, Ática, 1986.
______; GREGO, Milton. (orgs.). Novo Pacto da Ciência 3. Saber
Plural. O Discurso Fragmentalista da Ciência e a Crise de
Paradigmas. São Paulo, ECA/USP/CNPq, 1994b.
MORIN, Edgar. Amor, poesia e sabedoria. 6 ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2003.
______. Introdução ao pensamento complexo. São Paulo:
Instituto Piaget, 1991.
______. Para sair do século XX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1986.
______. O método 4. As idéias, habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina, 1998.
______. O pensamento em ruínas. In: ______. A decadência do
futuro e a construção do presente. Florianópolis: UFSC, 1993.
PERES, Rodrigo Sanches et. al. . A Esquizoanálise e a Produção
da Subjetividade: Considerações Práticas e Teóricas.
Psicologia em Estudo. DPI/CCH/UEM. v. 5 n. 1 p. 35-43, 2000.
PRIGOGINE, Ilya. Carta para as futuras gerações, Caderno
Mais!, Folha de São Paulo, 30 jan. 2000.
129
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
_______ . Ciência razão e paixão. In: CARVALHO, Edgard de
Assis e ALMEIDA, Maria da Conceição (org). Trad. Edgard de
Assis Carvalho, Isa Hetzel. Belém, Pará: Eduepa, 2001.
RESTREPO, Luis Carlos. O direito à ternura. Petrópolis: Vozes,
1998.
THUM, Carmo. Educação, História e Memória: silêncios e
reinvenções Po-meranas na Serra dos Tapes. Doutorado em
Educação. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, UNISINOS,
Brasil. 2009.
130
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
14 Comunicação-encontro: amorosidade
e autopoiese no encontro com o outro
Ricardo Augusto de Souza
O Amorcom!, Grupo de Estudos e Produção em
Comunicação, Amorosidade e Autopoiese nos proporciona um
espaço semanal – os encontros caóticos – em que, ao mesmo
tempo, desconstrói-se o formato clássico de comunicação e
trabalha-se a produção de outro, referenciado, sobretudo, na
dimensão social, no entrelaçamento humano e na constituição de uma ética das relações sociais. Diante disso, destaca-se a importância do (re)conhecimento do olhar do outro nesse
processo de construção coletiva de constante renovação. O
olhar do outro e o olhar para o outro. Isso está no fundamento
da compreensão do amor, como reconhecimento do Outro,
como legítimo outro, na convivência, com base em Maturana
(1998).
A proposta de um espaço no formato “roda de conversa”1
faz com que a aprendizagem da comunicação se dê na mais
simples das formas, ao mesmo tempo em que sinaliza para o
fato de que o processo de comunicação se efetiva no aconte1 A vivência das rodas de conversa é inspirada nos Círculos de
Leitura, de Paulo Freire, e, mais recentemente, em uma rica experiência de pesquisa na área de Educação, no sul do Rio Grande Sul,
ligada à comunidade de pomeranos. A tese de doutoramento de
Carmo Thum (2009) teve a supervisão de textos, metodológica e de
aspectos da escrita científica, feita pela coordenadora do Amorcom!
131
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
cimento do encontro com o outro (MARCONDES FILHO, 2010).
Esse outro carrega consigo um olhar e uma visão de mundo
que influenciam diretamente o processo comunicacional e,
portanto, a ocorrência ou não da comunicação. Durante os
Encontros Caóticos da Comunicação, ao ouvir a fala dos colegas, observo esses diversos “outros” e acabo me descobrindo
como “outro” também, estranhando-me e reinventando-me
no encontro.
O Amorcom!, então, na prática, alia-se à proposição de
uma nova forma de entender a comunicação. Aciona-se nas
produções das vivências e das pesquisas uma mistura – caótica – de olhares e realidades, ou seja, uma mistura de “outros”,
combinados numa construção coletiva, que tem como substrato e orientação o amor, conforme ensina Maturana (1998).
Essa mistura faz emergir do grupo um olhar “híbrido” e sensível.
Vejo nesse olhar um indicativo do que pode vir a ser uma Nova
Teoria da Comunicação, com um viés mais humano, uma teoria que seja comprometida com as diferentes realidades e que
se renove constantemente, diante das contradições produzidas pela vida em sociedade.
132
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
15 Comunicação-viagem: a curiosidade
como guia e o amor como combustível
Rafael Muller
Há poucos meses, descobrimos em grupo que pesquisa e enfado não são sinônimos, nem palavras derivadas
uma da outra. Pesquisar é o infinitivo de um verbo infinito.
Basta começar a conjugá-lo em nossas vidas e as pessoas
do singular unem-se no plural, na multiplicidade de conteúdos e vivências. Vivências essas tomadas por amorosidade
e autopoiese. Partindo do contato com o outro, edificamos
conhecimento sólido e permeável aos fluxos de informações
externas ao Eu.
O Amorcom! encanta e faz brilhar os olhos de cada
participante. Em certo sentido, todos voltam à infância,
frente ao desconhecido, por se sentirem acolhidos e com
confiança para avançar, resgatando o que Paulo Freire
chama de curiosidade epistemológica. A curiosidade serve
de guia; o amor, de combustível. E dessa maneira seguimos,
cada qual com seu objetivo. Nos encontros semanais, traçamos rotas, desbravamos caminhos, constituindo-nos como
turistas de nós mesmos e dos outros, porque comunicação
também é isso, segundo Baptista (2013): viajar ao lugar do
outro. Experimentar sensações novas, desfrutar da visão, do
horizonte e das percepções alheias. Enquanto isso, esculpimo-nos como pesquisadores. Então, no meio do caos dos
encontros, surge a vida, a teia da vida, lembrando Capra
133
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
(1997). Talvez esse viés conceitual relacionando comunicação à viagem seja também uma das contribuições do grupo
à Nova Teoria da Comunicação, a partir das formulações de
Baptista (2013).
134
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
16 Comunicação-conflito: potência de
narrativa e autopoiese na zona de conflito
Jennifer Bauer Eme
Desde minha primeira participação, no primeiro Encontro
Caótico, saí da sala me sentindo capaz. Não esquecerei nunca
mais da sensação que tive no final do nosso encontro. Saí me
sentido uma p e s s o a! O Amorcom! veio me mostrar algo que
estava muito próximo de mim que eu não enxergava, talvez
por estar mesmo tão próximo.
Pude expandir não só meus referenciais bibliográficos, mas
também meu círculo de amizades e, principalmente, a amorosidade em mim e minha potência de autopoiese. Hoje, fazendo
parte de um grupo como esse, tento levar para os outros campos da minha vida os saberes que partilhamos em nossos encontros. Tenho aproveitado cada informação trocada com meus
colegas e também com a professora. Percebo que minha afetividade se ampliou e ela tem me ajudado a ser mais racional
(por incrível que pareça). Ser afetiva tem me levado a pensar
mais, antes de tomar uma decisão que possa ou não envolver
só a mim.
Talvez por colocar essa afetividade em toda a minha vida,
meu foco de interesse de pesquisa é algo que me parece crucial para pensar o Jornalismo e a Comunicação como um todo.
Tenho me dedicado a pensar como um jornalista profissional
se comporta em uma zona de conflito. Que aspectos interferem nas práticas do profissional em um local tenso como este?
135
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Como se produz comunicação no conflito? Mais que isso: será
que, em certo sentido, em termos conceituais, a produção da
Comunicação é sempre conflito?
Penso que meus estudos podem contribuir para repensar
a forma como o jornalista é visto na sociedade. Além de profissional, esse jornalista tem seu lado humano, afetado em uma
zona de conflito. Quem consome informação precisa aprender
a se colocar no lugar do outro, nesse caso, de quem escreve.
Quem escreve, por sua vez, tem que se colocar no lugar de
quem vivencia diretamente o conflito. Talvez nesse ponto
esteja o cerne da questão: a necessidade de constantemente
ter que lidar com o lugar do outro, com o conflito em ‘terras
estranhas’, que é o Universo do outro, como algo inerente à
comunicação. Em ‘zonas de conflitos’ externos, essa condição
da Comunicação se exacerba e convida à reflexão profunda
do conceito e das práticas comunicacionais.
136
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
17 Comunicação-caos: redescobrir-se,
em meio ao caos e à amorosidade
Jéssica Souza
Quando que eu iria imaginar me encontrar e me redescobrir em meio ao caos e à amorosidade? Foi exatamente o
que aconteceu quando decidi entrar em um grupo de pesquisa que tem por base a complexidade interacional do amor.
Desenvolvendo um novo conceito teórico, o Amorcom! nos faz
perceber que a pesquisa está longe de ser algo maçante e que
nossos projetos são a reaplicação dos nossos próprios “EUS”.
Através de encontros caóticos, dos diálogos e da troca
de experiências, compreendemos que a essência da comunicação é a relação. Então, nada melhor do que essa relação ser harmônica e afetiva, embora, em sua prática, ela
seja, por essência, intensa e transformadora. Como ensina
a líder do grupo, professora Maria Luíza Cardinale Baptista:
“Comunicação é a interação de sujeitos, sendo que o sujeito
só existe em relação ao outro e o outro é tudo que não é eu”. E
assim vamos fazendo, das vivências, parte integrante do nosso
referencial teórico, pois, como propõe Maturana (1998), a emoção é o grande referencial do agir humano.
A autopoiese nos permite florescer junto às nossas produções e hoje entendo o que Baptista (1999-2001) chama de
“paixão-pesquisa” e o quanto essa paixão é o que nos move.
Dessa maneira, em meio a um caos de pensamentos e quere-
137
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
res, a partir dos encontros, fui vislumbrando, redescobrindo o
que é, de fato, “comunicação” e, mais do que isso, me descobri como uma ‘comunicadora e pesquisadora amorosa’.
138
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
18 Comunicação-trama de saberes e
seres: cultivo do jeito amoroso de ‘ser’
Jônatas dos Reis
Há um ano, aproximadamente, quando o projeto do
AMORCOM! Grupo de Estudos e Produção em Comunicação,
Amorosidade e Autopoiese ainda estava em fase inicial, na
Universidade de Caxias do Sul, eu apostei que pudesse ser algo
promissor. O grupo me foi apresentado, numa conversa casual,
por um amigo meu muito querido. “Vamos lá, você vai gostar.
É um grupo de pesquisa que está começando agora, mas tem
muito a nossa cara.” No começo, eu não entendi muito a proposta... “Amorcom?” me perguntei mentalmente: “que raios é
isso?”. E, confesso, fui ao primeiro encontro movido pela curiosidade. Naquele tempo, que hoje me parece tão longínquo,
só havia eu e meu amigo Ernani, no primeiro encontro caótico.
Estávamos só nós dois na sala, aguardando a chegada da
professora para o primeiro encontro caótico ter início. As palavras “encontro” e “caótico” passavam pela minha mente e os
momentos de espera que se seguiram foram de nervosismo.
Milhares de coisas passavam pela minha cabeça no momento.
As suposições. As ideias. O caos.
Nessas rodas de conversa, podemos ser nós mesmos e
debater sobre as mais diversas teorias e assuntos do dia a dia.
Acabamos, meio que por consequência, a vivenciar o conhecimento no momento que ele surge, experenciamos a ‘comunicação como acontecimento’. Conseguimos também trazer
139
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
nossas vivências, experiências e acontecimentos da vida fora
da universidade para dentro do Amorcom!, o que enriquece
e nos motiva mais como investigadores da comunicação em
si. O caos dos encontros, por outro lado, nada tem de caos
propriamente dito. O que outrora havia me deixado nervoso
no primeiro encontro, apenas me instiga mais a cada dia. O
caos referido diz respeito à diversidade, diversidade de idades,
diversidade de ideias, diversidade de ideais, diversidade de
cursos participantes do grupo (muitos inclusive fora dos galhos
da árvore ‘comunicação’)... Doutores, mestres ou estudantes
de graduação, todos têm muito que contribuir para a construção do conhecimento. Sinceramente, isso é o que me faz amar
tanto a comunicação, isso é o que me impulsiona a querer pesquisar e aprender cada vez mais. Isso é o que me fez brilhar os
olhos naquele primeiro encontro e me mantém Amorcom!.
140
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
19 Comunicação-campos de forças:
autopoiese também nas relações públicas
Natalia Biazus
Quem diria que eu participaria de um grupo de pesquisa
acadêmica nas sextas à noite? Quem diria que eu fosse pegar
o ônibus para casa com a Professora Doutora pela USP e conversar sobre coisas mundanas? Quem diria que eu fosse capaz
de ser uma pesquisadora em comunicação? Quem diria que
eu ouviria uma Professora Universitária falar sobre a importância
do amor no processo comunicacional e que isso faria sentido
para mim? Quem diria que eu estaria aqui escrevendo um relato
sobre minha participação no grupo Amorcom! para o Encontro
Nacional sobre discussões da Nova Teoria da Comunicação?
Quem diria que algum dia eu entraria em contato com a Nova
Teoria da Comunicação e com a Psicomunicação?
Sou acadêmica da habilitação em Relações Públicas e
estou no curso há mais de sete anos. Tempo esse marcado por
momentos de crise de identidade com o curso e muitas incompreensões. Até que foi chegado o momento em que acreditei que meu destino seria trabalhar dentro de empresas na
área de marketing, eventos ou comunicação interna, o que é
ensinado e aprendido dentro da Universidade. Acreditei que
estaria fadada eternamente a ser uma emissora que enviaria
uma mensagem por meio de um canal com a definição de
um código a um receptor; ou pior, que seria o próprio receptor,
sendo capaz de realizar seu grande feito de emitir um feed-
141
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
back, quase que uma prestação de contas ao emissor. O contato com o Amorcom!, no entanto, abriu novos horizontes.
Antes da percepção da comunicação de maneira diferente, os Encontros Caóticos proporcionaram perceber-me de
maneira diferente. E que maneira é essa? Uma maneira em
que me reconheço enquanto um sujeito complexo, como uma
espécie de campos de forças, marcado por múltiplas influências, conforme o conceito de Baptista (2013), em seu trabalho
teórico da Psicomunicação. Em que compreendo a importância do amor no processo comunicacional. E mais, aprendo
que o amor, nas palavras de Humberto Maturana, é o reconhecimento do outro como legítimo outro na convivência, e
que a aceitação do outro, parte também de uma aceitação
de si mesmo, e que para aceitar e respeitar a si mesmo deve
haver uma conexão entre os afazeres e o viver desse sujeito.
Essa compreensão abriu um questionamento: “como posso eu
aceitar-me e respeitar-me, se o que eu faço, minha atuação
profissional em Relações Públicas, não está adequado ao meu
viver?” Acredito ser importante ressaltar que esse processo de
“dar-me conta” até a compreensão da necessidade de voltar-me à teoria, aconteceu de maneira natural, sem haver um
caminho traçado com prazos e metas preestabelecidas. É um
processo vivo, ‘acontecendo no acontecimento’, na medida
em que eu participo, que crio condições para a chegada do
novo e que me permito estar presente.
Os Encontros Caóticos são o nosso alicerce, nosso ponto de
partida, que se renova a cada semana, nossa alavanca motivadora para seguirmos em nossas pesquisas e também acre-
142
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ditar em nós mesmos. Nós: eu, meus colegas, a Profe, o grupo,
todos juntos, todos sujeitos potentes. Hoje fica mais claro para
mim, quando leio nos textos da líder do grupo: “Sujeitos potentes têm redes de relações. Redes de relações afetivas em que
eles se mostram e são vistos como potentes, construindo ‘identidade em laço’.” (BAPTISTA, 2011). Vida longa ao Amorcom!
143
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
20 Comunicação-movimentação desejante:
o acionamento de investig(ações)
Laís Alende Prates
O Amorcom! por si só é um grupo que se diferencia na
graduação. No grupo temos uma possibilidade de ampliação
do conhecimento em dimensões mais sensíveis. Nas nossas
práticas, o conhecimento científico se mistura com as nossas
emoções e sentimentos. Somos instigados a enxergar através
do que os olhos podem ver, mas também a partir do que sentimos. Assim, vamos produzindo como sujeitos investigadores,
buscando compor nosso relato ético e cuidadoso da realidade
investigada.
A amorosidade está presente em nossos “Encontros
Caóticos”, como sugere o nome do grupo. Isso reflete a maneira
com que pensamos e agimos. Sentamos em forma de círculo.
Todos podem nos ver e conversar... À medida que vamos
falando, contamos o que está acontecendo em nossas vidas,
também falamos das leituras que estamos fazendo e as nossas
dúvidas e reflexões. A lógica é a da roda de conversa, que brota
de diferentes fios condutores, podendo ser alterado a qualquer
momento, conforme a vivência do grupo. Nesses momentos,
encaixamos teorias com a vivência. Nossas discussões vão surgindo a partir daí, onde trocamos leituras, pensamentos e experiências. Nossos encontros se traduzem em boas conversas,
troca de experiências sobre o dia a dia e compartilhamento
das discussões teóricas que estamos fazendo, bem como das
144
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
vivências da pesquisa de cada um. Durante os encontros somos
provocados a pensar aquilo que nos incomoda, mas também
aquilo que nos desperta interesse, também a questionar as coisas como são, as informações que recebemos e buscar novas
formas de exercer a profissão. Eu diria que o Amorcom! é um
grupo de movimentações. Estamos, aos poucos, nos movimentando em direção àquilo que desejamos e isso parece ajudar
a refletir aspectos intrínsecos à Comunicação, o que Baptista
chama de investimentos desejantes, em busca da felicidade.
A movimentação intrínseca ao processo de comunicação
depende do acionamento desejante do movimento.
Enquanto grupo, pensamos de maneira plural, respeitando as diferenças e entendendo que essas diferenças nos
possibilitam identificar e reconhecer semelhanças, assim como
agenciar ‘novos olhares e vivências’. Esse processo é marcado
pela transformação complexa dos sujeitos, na rede das relações. Acredito que a contribuição que podemos oferecer à
Nova Teoria da Comunicação são as pistas que temos a partir
da união nos encontros caóticos, do encontro de corpos que
transforma, do acionamento do desejo, da amorosidade, das
pulsões, de movimentos e ações e de querer, de fato, mudanças em nosso meio.
145
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
21 Comunicação-complexa:
afetivações inscriacionais
Renata Chies
Temos buscado, no Amorcom! e com a Nova Teoria
da Comunicação, a ampliação da compreensão da
Comunicação, que parte do desmonte do termo, com a ideia
de ação de tornar comum. O que se percebe, nesse sentido,
é a dimensão de imensa complexidade que existe em qualquer processo comunicacional, numa proporção infinita, que
se amplia todos os dias, em função da complexidade social e
tecnológica, além da própria condição do processo de comunicação, em si mesmo.
Caótico. Entendo que essa palavra pode descrever
tanto a comunicação quanto os encontros do Amorcom!
Comunicação, mistério e magia são apenas alguns dos ‘ingredientes’ que compõem esses encontros caóticos, nos quais
a pesquisa e a produção estão presentes. O que se produz,
a partir do encontro das experiências diversas, é algo meio
mágico, que se percebe derivar da abertura de cada um para
o encontro, em laços de amizade e de amor, no sentido de
Maturana (1998), atributos indispensáveis ao fazer comunicação. Em suma, no Amorcom!, pesquisamos envolvidos afetivamente em um processo desejante de recriação de nós mesmos,
no qual vamos cada vez mais a fundo na complexidade da
comunicação.
146
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
22 Comunicação-teoria fluxo: contínuo
movimento do devir e hibridização
Ronaldo Velho Bueno
Foi em uma noite de quarta-feira que surgiu-me o convite.
Sereno, mas avassalador; pacífico, mas insurgente; opúsculo,
mas aurora. A Professora Dra. Maria Luiza Cardinale Baptista
propôs-me os “Encontros Caóticos da Comunicação” como
alternativa ao ortodoxo sistema de erudição e pesquisa, profundamente atrelado ao pensamento positivista e mecanicista.
E eu, sendo um sujeito entrópico, sempre tendendo à ruptura
da ordem e ao caos, encarei o convite por um viés convocatório e instigante. De forma imagética, posso sintetizar e comparar meu contato com o AMORCOM! como o impacto entre
duas partículas atômicas, ou como a colisão cósmica entre
duas galáxias; um encontro que sempre resulta em transformações para ambas as partes.
Fundamentada sob a égide da Nova Teoria da
Comunicação, proposta por Ciro Marcondes Filho, e dos conceitos da autopoiese, de Humberto Maturana e da comunicação-trama de Maria Luiza Cardinale Baptista, o AMORCOM!
e nossos “Encontros Caóticos” propiciam-nos a pluralização
da teoria através de sua práxis. A autoprodução de conhecimento, possibilitada por um contexto pedagógico libertário,
objetivando a autonomia como via para o fomento do senso
crítico, como propôs Paulo Freire, ocasiona a horizontalização
do discurso, intrínseco à estrutura dialógica. Dessa forma, com
147
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
a democratização e a socialização do fluxo comunicacional,
o conhecimento passa a fazer parte de um processo coletivo, dialético e permanente. Não em busca de uma suposta
essência única, sublime e platônica, mas resultado do contínuo movimento e do devir, numa dialética sempre suscetível
à contestação e à negação. A contribuição de nossas produções no Amorcom! é são as práticas de subversão do estático,
dos padrões, do status quo; de afirmação das tramas/teias de
interação, sendo elas objetivas ou subjetivas; do debate e da
reflexão das individualidades e da coletividade, bem como
a proposição da autopoiese para a construção de conhecimento híbrido, profundo e vivo, que seja também um conhecimento que ajude a reinventar a própria comunicação.
REFERÊNCIAS
BAPTISTA, Maria Luiza Cardinale. Imagem, Sujeito e Mídia.
Projeto de Pesquisa. Caxias do Sul, 2011.
______. Usina de Saberes em Comunicação. Projeto de
Pesquisa. Caxias do Sul, 2012.
______. Desterritorialização desejante em Turismo e
Comunicação: Narrativas Especulares e de Autopoiese
Inscriacional. Projeto de Pesquisa. Caxias do Sul, 2013.
_______. Psicomunicação: a trama de subjetividades.
Disponível em: <http://www.portcom.intercom.org.br/pdfs/5f37
148
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
7526a305b8cd614e801f1c95e201.PDF>. Acesso em: 15 de abril
de 2013.
______. Emoção Subjetividade na Paixão-Pesquisa em
Comunicação. Revista On Line Ciberlegenda, www.infoamerica.org, v. 01, n. 4, p. 01, 2001.
______. Emoção e Desejo em Processos de Escrita Rumo a uma
Educação Autopoiética. Novos Olhares (USP), São Paulo, v. 1,
n. 6, p. 18-25, 2000.
______. Paixão Pesquisa: o Encontro com o Fantasminha
Camarada. Revista Textura, Canoas/RS, v. 01, p. 67-78, 1999.
______. Comunicação: trama de desejos e espelhos. Os metalúrgicos, a telenovela e a comunicação do sindicato. Canoas:
ULBRA, 1996.
______. Comunicazione come trama: La complessitá del processo. In: BECHELLONI, Giovanni, LOPES, Maria Immacolata
Vassalo de (org.). Dal controllo alla condivisione: studi brasiliani
e italiani sulla comunicazione. Roma: Mediascape Edizioni, 2002.
______. O dilúvio babelizante da contemporaneidade e a educação. In: Pauta: Interdisciplinaridade e pensamento científico, Pato Branco, v. 2, n. 1, p. 55-73, dez. 2003.
______. O sujeito da escrita e a trama comunicacional. Um
estudo sobre os processos de escrita do jovem adulto como
expressão da trama comunicacional e da subjetividade
contemporânea. 2000. 440. fls. Tese (Doutorado em Ciências
149
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
da Comunicação). Escola de Comunicações e Artes,
Universidade de São Paulo, 2000.
______. AFETIV(AÇÕES) DO TEXTO-TRAMA NO JORNALISMO
Ensino e produção de textos jornalísticos e científicos, em
tempos de caosmose midiática In: FÓRUM NACIONAL DE
PROFESSORES DE JORNALISMO (FNPJ) 2º ENCONTRO SULBRASILEIRO DE PROFESSORES DE JORNALISMO 5º ENCONTRO
PARANAENSE DE ENSINO DE JORNALISMO, 2013, Ponta Grossa
(PR). II Fórum Sul-Brasileiro de Professores de Jornalismo. , 2013.
CAPRA, Fritjof. A Teia da Vida. Uma Nova Compreensão dos
Sistemas Vivos. 9. ed. São Paulo: Cultrix, 1997.
______. O Ponto de Mutação. A Ciência, a Sociedade e a
Cultura Emergente. 12. ed. São Paulo: Cultrix, 1991.
______. O Tao da Física. Um Paralelo entre a Física Moderna e o
Misticismo Oriental. 11. ed. São Paulo: Cultrix, 1990.
CREMA, Roberto. Introdução à Visão Holística. Breve Relato de
Viagem do Velho ao Novo Paradigma. São Paulo: Summus,
1989.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários á
prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.
_______. Pedagogia do Oprimido, 17 ed.. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987.
_______. Á Sombra desta Mangueira, 5 ed. São Paulo: Olho
d’Água, 2003.
150
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
GUATTARI, Félix. As três ecologias. 3. ed. Campinas: Papirus,
1981.
______. Caosmose. Um Novo Paradigma Ético-Estético. Rio de
Janeiro: Ed. 34, 1992.
______. Linguagem, consciência e sociedade. In: LANCETTI,
Antonio. SaúdeLoucura, número 2. 3 ed. São Paulo: Hucitec,
1990.
______. Mil Platôs. Capitalismo e Esquizofrenia. v. 1. Rio de
Janeiro: Ed. 34, 1995.
______. O insconsciente maquínico. Campinas: Papirus, 1988.
______. Revolução molecular. Pulsações Políticas do Desejo. 3.
ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
GUATTARI, Félix; ROLNIK, Suely. Cartografias do desejo. 2. ed.
Petrópolis: Vozes, 1986.
MARCONDES FILHO, Ciro. O Projeto “Nova Teoria
da Comunicação” e Suas Aplicações na Pesquisa
Comunicacional Atual. São Paulo, 2013. Cópia.
______. O Princípio da Razão Durante. O conceito de comunicação e a epistemologia metapórica. Nova Teoria da
Comunicação III. Tomo V. São Paulo: Paulus,
______. Dicionário da comunicação. São Paulo: Paulus, 2009.
151
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
MATURANA R., Humberto; VARELA G., Francisco J. De máquinas e seres vivos: autopoiese e a organização do vivo. 3. ed.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
MATURANA, Humberto. Emoções e linguagem na educação e
na política. Belo Horizonte: UFMG, 1998.
MEDINA, Cremilda. (org.). Novo Pacto da Ciência. A Crise dos
Paradigmas – I Seminário Transdisciplinar. São Paulo, ECA/USP,
1990-1991.
______. O Signo em Processo. XVII Congresso Brasileiro de
Pesquisadores em Comunicação, setembro de 1994a, xerox.
______. Entrevista. O Diálogo Possível. São Paulo, Ática, 1986.
______; GREGO, Milton. (orgs.). Novo Pacto da Ciência 3. Saber
Plural. O Discurso Fragmentalista da Ciência e a Crise de
Paradigmas. São Paulo, ECA/USP/CNPq, 1994b.
MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. São
Paulo, Instituto Piaget, 1991.
______. O método 4. As idéias, habitat, vida, costumes, organização. Porto Alegre: Sulina, 1998.
______. Para sair do século XX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
THUM, Carmo. Educação, História e Memória: silêncios e reinvenções pome-ranas na Serra dos Tapes. Doutorado em
Educação. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, UNISINOS,
Brasil. 2009.
152
Sumário
SESSÃO TEMÁTICA 2
Filosofia, Técnica e Subjetividade
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
BLOCO A
23 A inscrição das tecnologias nos processos de
midiatização: contexto, método e questões
“em que sua pesquisa pode renovar o olhar sobre
a comunicação e a forma de estudá-la”
Jairo Ferreira
CONTEXTO PROPOSITIVO
A renovação do olhar sobre a comunicação é oferecida,
em primeiro nível, pela linha de pesquisa em que nos inscrevemos, Midiatização e Processos Sociais. Minha leitura da linha é
de que ela busca objetos que não estão definidos em outras
abordagens da comunicação que estão presentes na área:
a que acentua o maquinário-tecnologia em suas incidências
sobre a sociedade, o discurso e a comunicação; a que acentua a perspectiva da comunicação em geral desde fenômenos da natureza, anterior a cultura e sociedade humana; a
que acentua a comunicação como subsumida em processos
sócio-antropológicos (economia, política e cultura); e as que
acentuam o lugar do signo como chave para compreensão
154
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
dos processos sócio-antropológicos. A problemática da midiatização é relacional, e nasce de tentativas de elaborar questões, proposições, hipóteses e conceitos que se colocam na
interface entre essas abordagens.
É no âmbito do contexto dessa contribuição de linha de
pesquisa que desenvolvemos nossas contribuições específicas.
Elas podem ser situadas em três níveis em que desenvolvemos
nossas reflexões.
Primeiro nível é sobre a circulação. Consideramos que esse
é central para a compreensão da comunicação a partir dos
processos midiáticos. Nem produção, nem recepção, mas circulação. Não apenas codificação/decodificação, mas também usos e práticas nas interações com dispositivos midiáticos
como referência das (in) conversação social.
Estamos desenvolvendo o conceito de circulação
enquanto processo de valorização/desvalorização, ou construção-desconstrução de valores sociais. Ou seja, há circulação
se um determinado valor é questionado, integrado a outro,
negado, etc. Essa circulação é antesala da (in) conversação
social possível. A circulação enquanto valorização/desvalorização é uma perspectiva não desenvolvida no campo da
comunicação, e, nesse sentido, agrega no âmbito da linha de
pesquisa em que estamos ângulos que talvez permitam perceber processos não visíveis com outros ângulos.
A análise da circulação não é reduzida, em nossa perspectiva, às operações discursivas, nem aos fluxos sociais que são
referências das interações em análise. No primeiro dois casos,
a circulação é mais ou menos pressuposta nas análise sócio-
155
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
-discursivas. A midiatização, em nossa perspectiva, deve incluir,
sem excluir as duas anteriores, as incidências das técnicas e
tecnologias de comunicação. Esse tem sido um problema que
atravessa a nossa pesquisa há alguns anos.
O segundo nível de análise é sobre o conceito de dispositivos. É por estar inserido no âmbito da circulação que, em
nossa perspectiva, o objeto “dispositivo”, sem deixar de ser
objeto das teorias sociais críticas, é passível de “importação”
ao nosso campo epistemológico, para pensar a comunicação
midiática.
O central dessa importação é sua adaptação a linhagens
de investigação que estão presentes nas questões e problemas
quando se estuda a midiatização. Nesse sentido, ele condensa
mediações técno-tecnológicas, semio-discursivas e sócio-antropológicas. Nossa formulação propositiva: o dispositivo é
um lugar de inscrição e, também, operações estruturantes de
novos processos interacionais, usos e práticas sociais. Nesse sentido, o dispositivo não é mediação entre produção e recepção. É lugar de ruptura, descontinuidade.
O terceiro nível é sobre a transformação de instituições e
indivíduos. A hipótese é de que a comunicação midiática é
central na transformação de instituições e indivíduos, na medida
em que altera correlações discursivas, conversacionais, de uso,
apropriações e práticas que abrem novos processos de apropriação de signos na vida social.
Esse terceiro nível é o mais visível e compartilhado nas
análises de área. Ou seja, já é um senso comum da área a
afirmação de que indivíduos e as instituições midiáticas e não
156
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
midiáticas estão se transformando em processos articulados
com os processos midiáticos. Entretanto, esse senso compartilhado, é visitado por diversas angulações que agrupamos no
primeiro parágrafo deste resumo ampliado.
Nesse nível também – transformação das instituições – a
investigação sobre a midiatização, em nossa perspectiva, procura compreender os fundamentos dessas diversas angulações,
considerando processos empíricos em análise, de um lado, e os
pressupostos teóricos e filosóficos que informam os seus autores.
O MÉTODO ENQUANTO OPERAÇÃO COGNITIVA
Nossa proposições anteriores são construídas numa perspectiva de método que acentua o valor da inferência abdutiva. Nesse sentido, é uma ruptura com os processos dedutivos
e indutivos clássicos. A interposição da abdução em ambos
processos valoriza a criação de novas inferências no chão de
fábrica de uma formação midiatizada singular – o Brasil. Assim,
nos colocamos no contexto da geopolítica do conhecimento
científico. A força que temos é a abdução, ou seja, uma inferência, que articule, criativamente, teorias disponíveis e campo
de observação. Dividimos essas inferências entre as propositivas e as questionadoras.
Propositivas, no sentido de que toda a inferência não é
apenas uma diagnose, mas também é prognose e prescrição,
onde as dimensões objetivas (materiais) e subjetivas (imate-
157
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
riais) se articulam em cadeias sucessivas de argumentações
possíveis.
O diagnóstico é analítico e crítico. Crítico pois nenhum
pesquisador faz pesquisa á revelia de seus valores individuais,
pessoais, de suas ‘filosofias’. Essas filosofias acabam por retornar e “avaliarem” as situações analisadas. Aqui vale a máxima:
mesmo o se dizer sem filosofia é uma filosofia.
Já a prognose é a percepção de movimento que está
subjacente a sua análise e crítica (a prognose pode ser por
exemplo: de que o candidato X pode ganhar a eleições se fizer
ações R, S e T). Ela é pouco explorada no campo da comunicação, que ainda está tentando resolver sua dificuldade de diagnose e ser reconhecido perante outros campos científicos. Mas
ela será cada vez mais demandada, inclusive porque os ofícios
que se informam em sua epistemologia fazem, sem parar, diagnoses (o jornalismo e a publicidade em especial). A diagnose
com fundamentos em epistemologias herdeiras do cientificismo
certamente poderá trazer novos cenários interpretativos à vida
social, além daqueles desenhados pelas agências de MKT distribuídas em instituições midiáticas diversas e pelas consultorias
comprometidas com estratégias
A dimensão prescritiva da inferência remete ao caráter
político da pesquisa sobre midiatização e, especificamente,
sobre a circulação. Trata-se, nessa dimensão, de sugerir ações
estrategicamente orientadas. É nessa esfera que em que a
comunicação pode resgatar o seu lugar de “ciência social”.
A grande dificuldade dessa dimensão prescritiva é o estigma
deixado pela “ciência administrativa”, em que a comunicação
158
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
está a serviço de estratégias de instituições e do poder. Nessa
perspectiva administrativa, a prescrição é instrumental, com
baixo poder analítico e contaminado por diagnoses e prognoses marcadas ideologicamente.
Entretanto, mesmo a diagnose, prognose de prescrição
pós-instrumental, analítica e crítica, está subsumida nas filosofias de seus autores – anunciadas ou implícitas.
QUESTÕES ESPECÍFICAS EM CURSO
Nesse contexto teórico-propositivo e de método, nossa
pesquisa atual busca uma análise do lugar que as técnicas e
tecnologias ocupam nas investigações sobre processos midiáticos. Não se trata, assim, de dizer qual o lugar que ocupam em
nossas proposições, e sim de investigar que lugar ocupam nas
investigações conduzidas por outros pesquisadores que se referem explicitamente às técnicas e tecnologias digitais online.
O que há de compartilhado entre esses investigadores? Que
descontinuidades podemos observar entre eles? O que a intitulada Web 2.0 como processo ontológico (nos sentido de uma
experiência sócio-comunicacional real) vem possibilitando em
termos de enfoque epistemológico compartilhado e diferencial no campo de estudos constituídos pelas hipóteses sobre a
midiatização?
Nosso objetivo com a problematização a partir dessas
questões é questionar as nossas proposições apresentadas em
contexto.
159
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Um ano após iniciarmos essa investigação, concluímos
que essas questões/problema vem se constituindo em central
nos debates sobre midiatização. Ela é acentuada por autores
como Miège, Proulx, Flichy, Scolari, Carlon, entre outros que
estamos acompanhando em suas investigações. O que há
de compartilhado? Há uma ruptura entre os meios massivos e
os meios digitais online. Essa proposição se transformou quase
em senso comum, o que produz um problema epistemológico
às diversas perspectivas de pesquisa sobre processos midiáticos: como reconhecer essa ruptura sem passar pelo reconhecimento de que as técnicas e tecnologias não se constituem
apenas em meios, mas são operadores? Como reconhecer seu
lugar de operação sem neutralizar ou “zerar” outros operadores
(o signo e o discurso; a natureza; os usos, as práticas e as interações, conforme suas preferências de partida)?
160
Sumário
24 A questão da técnica
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Elenildes Dantas
A questão da técnica surgiu durante o mestrado quando
estudava o Imaginário do Aquecimento Global já que para
alguns estudiosos, é a capacidade técnica do homem que
está causando as mudanças climáticas, para o doutorado a
proposta é entender a relação entre imaginário e a capacidade técnica.
A importância desse estudo para a comunicação é evidente, a relação do homem com a técnica é hoje o tema mais
instigante das ciências humanas, pois o homem moderno ou
pós-moderno é essencialmente um homem envolvido pela técnica, de tal forma que se quer conseguimos perceber nosso real
grau de dependência. Vivemos na sociedade da imagem ou
telemática, criada pelo quarto bios, um mundo codificado, a
partir de um totalitarismo programado, que nos prende dentro
de uma caverna de espelhos, nos tornando indivíduos ‘tautistas’ e ‘disléxicos’, desejosos por ser máquina, ao mesmo tempo
em que sofremos com o horror vacui. A sociedade espectral
tornou-se um lugar deste vácuo, onde só vemos a nós mesmos e, falamos para nós mesmos, na qual o outro desaparece
inteiramente, e na qual, paradoxalmente, apesar de tanto progresso tecnológico em comunicação, ninguém se comunica.
Muniz Sodré (2002) descreve a existência de um quarto
bios formado pelos meios de comunicação e pela tecnocultura, além dos três definidos por Aristóteles: o bios theoretikos,
161
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
da vida contemplativa; bios politikos, da vida política; e o bios
apolaustikos, da vida prazerosa, vida do corpo, descritos no
texto Ética a Nicômaco. “Cada bios é, assim, um gênero qualificativo, um âmbito onde se desenrola a existência humana,
determinada por Aristóteles a partir do Bem (to agathon) e da
felicidade (eudaimania) aspirados pela comunidade.” (SODRÉ,
2002: 25).
O poder dos media como quarto bios seria a agenda-setting, ou seja, a capacidade de criar uma agenda coletiva,
tanto pelos assuntos que ela fala quanto pelos que ela cala.
Para ele, o que há de mais preocupante na tecnocultura é a
anulação da autorreflexão e aceitação sem questionamentos
dos discursos dos medias. Pois, segundo Sodré, a tecnocultura
implica uma transformação das formas tradicionais de socialização, além de uma nova tecnologia perceptiva e mental.
Implica, portanto, um novo tipo de relacionamento do indivíduo com referências concretas. (SODRÉ, 2002: 28).
Para Sodré, na tecnocultura, a diferença dos valores dissolve-se na equivalência geral da forma-produto. Em vez da
sedução da razão argumentativa, a fascinação tecnonarcísica obtida pela retórica do imaginário. Por isso, segundo ele,
o espaço público da contemporaneidade é cada vez mais
construído pelas dimensões variadas do entretenimento ou
da estética, em sentido amplo, cujos recursos provêm do imaginário social, do ethos sensorial e do subjetivismo primitivo.
“Profundamente afetada pela esfera do espetáculo, a vida
comum torna-se medium publicitário e transforma a cidadania
política em performance tecnonarcísica.”, (SODRÉ, 2002: 40).
162
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Mas, segundo Sodré, dos media para o público não parte
apenas influência negativa, mas principalmente emocional e
sensorial, com o pano de fundo de uma estetização generalizada da vida social, onde identidades pessoais, comportamentos e até juízos de natureza supostamente ética passam pelo
crivo de uma indivisível comunidade do gosto, segundo ele, o
gosto médio, estatisticamente determinado. “Não há dúvida
de que a opinião pública existe, mas como uma estratégia de
buscar o que de algum modo já se tem.”, (SODRÉ, 2002: 44).
Sodré define o ethos de um indivíduo ou de um grupo
como a maneira ou o jeito de agir, isto é, toda a ação rotineira ou costumeira, que implica contingência, quer dizer, a
vida definida pelo jogo aleatório de carências e interesses, em
oposição ao que se apresenta como necessário, como dever-ser, e conclui: “O grande problema da ética é o seu afastamento das questões de conteúdo e princípio, para aspectos
puramente formais ou simplesmente definidos por uma prática
profissional.”, (SODRÉ, 2002: 107).
A ideia de que os meios de comunicação, ou mais genericamente a tecnocultura, cria um quarto bios, ou seja, cria uma
nova forma de estar no mundo, de agir e perceber o mundo
já está presente em críticos da teoria da comunicação como
Vilém Flusser, Dietmas Kamper, entre outros por meio de conceitos como totalitarismo programado e caverna orbital.
O homem telemático, segundo Dietmar Kamper, teria
um parentesco entre o homem e a máquina, enquanto um
‘medial antropológico’. A palavra telemático, formada a partir das palavras ‘tele-comunicação’ e mais ‘auto-mático’, por
163
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
estudiosos franceses. Kamper afirma que o telemático de fato
surgiu, mas não pode mais acabar, porque o mundo genuinamente humano dos media sobrepôs-se, recalcou-se e, substituiu
de tal forma aquele outro mundo, que existe agora também
um mundo sem seres humanos, em que já não é mais possível
nenhuma manifestação direta sobre o senso do humano, assim
como também nenhum dito ou nenhum mito, a não ser através
da contestação da imanência medial do Imaginário contra a
prevalência do exterior e de toda transcendentalidade.
Para Dietmar Kamper, nossa sociedade mais do que um
mundo codificado é uma caverna orbital, pois nós continuamos
na caverna tal qual no mito de Platão, só que em uma caverna
de espelhos, onde só vemos a nós mesmos, cuja caverna é alimentada pelos meios de comunicação. Em contrapartida, nós
só olhamos para nós mesmos: o outro é uma figura mediática.
Este abastecimento promovido pela indústria cultural corresponde a uma energia circulante, embora só venhamos a ver
nós mesmos no contato mediático.
A questão levantada por Kamper é saber se existe algo
além da caverna de espelhos alimentada pelos media, ou se
é correto dizer que eles abrangem atualmente a totalidade da
sociedade, ou que constituem a última totalidade que faz referência à desagregação social, ou ainda se representam – da
mesma forma como o dogma determinou a sociedade medieval e o dinheiro, a sociedade burguesa –, fundamentalmente
estruturas das sociedades pós-modernas.
Segundo a visão do pensador alemão, a saída da humanidade seria a então redescoberta do corpo através das artes
164
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
e das danças. Pois, apesar de os corpos, por definição, não
aparecerem mais no interior dos novos meios visuais acelerados
de comunicação, eles são eficazes nos seus pressupostos da
mediação deles, sendo dependentes, quer seja como corpos
humanos, que produzem e consomem, quer seja como aparelhos e máquinas, que lançam, sustentam e carregam imagens,
sendo que quem acompanha a tendência da desmaterialização mediatizada já não os encontra mais.
Vilém Flusser, em O Mundo Codificado diz que para se
compreender o homem é preciso entender primeiro as suas
ferramentas, seu modo de fabricação. Segundo ele, o Homo
sapiens é antes de tudo um Homo faber, pois a capacidade
de criação foi que diferenciou os sapiens dos hominídeos anteriores, ou seja, a técnica faz parte da própria constituição do
homem sapiens e é por meio da técnica que permanecemos
evoluindo.
Flusser divide a história humana em três períodos marcados por revoluções industriais ou de capacidade de fabricação do Homo faber, de acordo com as ferramentas e técnicas
utilizadas pelo homem, tais como: mãos, ferramentas, máquinas e meios eletrônicos. A primeira Revolução Industrial teria
sido a das ferramentas, quando ocorre o nascimento do Homo
faber, onde o homem é a constante e a ferramenta a variante.
É quando o homem se afasta da natureza para então observá-la. A segunda Revolução Industrial é a revolução das máquinas, ocorrida a partir do século XIX, em que a máquina é então
a constante e o homem a variante, sendo que desta vez, o
homem é expurgado do processo produtivo, não apenas a
165
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
natureza. Já a terceira revolução industrial, é a que está em
curso, em que a substituição das máquinas mecânicas está
sendo realizada pelos equipamentos eletrônicos que pretendem converter em coisas as simulações de informações genéticas. A terceira revolução devolveu a mobilidade ao homem,
por meio da rede telemática, que transformou o mundo em um
mundo codificado. Assim, a terceira revolução é a revolução
biológica, ao contrário da revolução industrial predecessora
que era apenas mecânica.
Para Flusser, o mundo codificado está invadido de não-coisas, de elementos impalpáveis e de informações. E as
não-coisas são inapreensíveis, pois têm apenas a função de servirem a contextos meramente decodificáveis. Para ele ainda,
esta revolução cria um novo homem, o Homo ludens, que não
quer fazer, mais sim desfrutar, que não é homem de ação, mas
sim de busca de sensações. Além do mundo da natureza e da
cultura, também somos cercados pelo mundo do lixo, segundo
Flusser, que cada vez mais chama nossa atenção. Ele descreve
a história humana como um círculo vicioso, da natureza para
a cultura e da cultura para o lixo e, deste de volta para a natureza. Para ele, a história começa com a invenção da escrita.
Segundo Flusser, esta revolução em curso da sociedade
do futuro será sem classes, dotada por programadores programados, no que ele denomina de totalitarismo programado.
Mas um totalitarismo sem opressão, pois os indivíduos se sentirão livres por poder decidir em que tecla apertar, sem se darem
conta que não importa a tecla, pois o programa é que cria as
opções, ou seja, todas as opções já estão programadas. Sendo
166
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
assim, para Flusser, o objetivo do mundo codificado é esconder
que ele consiste em um tecido artificial. Seria como se vivêssemos numa Matrix.
Seguindo ainda esta mesma linha conceitual, o homem
pós-industrial ou pós-histórico seria programado por imagens.
Em cada revolução, a imagem teve um papel significativo. Na
primeira revolução industrial, a das ferramentas, a imagem significava uma revelação adquirida graças a um afastamento
do mundo, já na revolução das máquinas, a imagem representava uma contribuição particular para a história pública, que
exigia ser processada por outros, não obstante na revolução
dos equipamentos eletrônicos, as imagens vêm a significar um
método para se programar o comportamento dos funcionários
da sociedade pós-industrial. Assim, a imagem pré-histórica é
mítica, sagrada, enquanto a imagem história é engajada politicamente, ao passo que a imagem pós-histórica tem a função
de transformar o receptor em objeto.
Mas as formas imagéticas das quais se refere Flusser, não
são eternas porque estão fora do espaço e do tempo, não
prescindindo serem criações divinas ou do homem, sendo que
a cultura pós-industrial é a cultura do imaterial, que não se trata
de modificar a realidade, mas sim de realizar as possibilidades
dadas por ela.
No entanto, hoje se busca materializar as formas projetadas, ou os chamados modelos. Antes se buscava dar forma
às matérias, pois informar significa originalmente impor forma
à matéria. Sendo que fabricar é apoderar-se de algo da natureza, transformá-lo em outra coisa, dar-lhe uma aplicabilidade
167
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
e, utilizá-la para um devido fim. Flusser afirma, que por sermos
seres alienados, necessitamos dar sentido ao mundo por meio
de códigos. Neste aspecto, para ele, comunicação é também
substituição, pois ela substitui a vivência daquilo a que se refere.
Assim, a revolução técnica que teve início no século XIX,
culminando em meios de transporte e comunicação rápidos
que continuam, até hoje, a evoluir numa velocidade espantosa. Nossa relação com o mundo é cada vez mais imagial,
mediada pelos meios tecnológicos de comunicação. Sabemos
como é nosso planeta visto do espaço, por meio de imagens,
conhecemos até o formato de nossa galáxia por imagens telescópicas, podemos se quisermos ver até um bebê chupando o
dedo do pé ainda na barriga da mãe. Apesar de poucos terem
estado nos países asiáticos, conhecemos as grandes plantações de arroz do Vietnã, a grande muralha da China, o trânsito
caótico de Bombaim, ou seja, a oferta de imagens é cada vez
mais numerosa e variada.
Por outro lado, o horror vacui seria o mal-estar da civilização atual. No frenesi do mundo telemático, o homem se vê
obrigado a se manter em constante movimento, tendo horror
ao vazio e à lentidão, por medo de perder o bonde da história. “Quando me agito, quando busco fazer muitas coisas ao
mesmo tempo, quando não paro e só penso em mim mesmo,
o mundo não existe, eu só o toco superficialmente, epidermicamente, sou um autista”, (MARCONDES FILHO, 2007, p. 72).
Nesta acepção, o homem telemático é o homem que
deseja ser máquina, aquele que inveja a imortalidade das
máquinas. De certo modo, o homem telemático não só deseja
168
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ser máquina, mas deseja ser mercadoria também, ou seja, ser
um bem consumível. “A ligação entre moda e publicidade
não se atém às mercadorias; pessoas também são avaliadas
segundo critérios de objetos novos e com design atualizado”.
(MARCONDES FILHO, 2008, p. 142).
O discurso da sociedade telemática é tautológico, porque a mensagem que envio é a mesma que recebo e, porque vivemos num universo comum em que se fala a mesma
coisa no discurso pré-fabricado dos media. Vivemos todos num
contínuo atmosférico mediático comum e, tautológico, sendo
que temos o progresso técnico como nova teologia. Ou como
tautismo enquanto confusão entre realidade representada e
realidade expressa.
Bibliografia
FLUSSER, Vilém. O Mundo Codificado. São Paulo: Editora Cosac
Naify, 2008.
HEIDEGGER, Martin. A questão da técnica. Revita Scientia
Estudia. São Paulo, v.5, n.3, p. 375-398, 2007. Disponível em:
www.scientiaestudia.org.br/revista/PDF/05_03_05.pdf.
KAMPER, Dietmar. Imagem. Disponível em: www.cisc.org.br.
KAMPER, Dietmar. Imanência dos Media e Corporeidade
Transcendental. Tradução de MARCONDES FILHO, Ciro.
Disponível em: www.eca.usp.br/nucleos/filocom/traducao9.
html.
169
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
KAMPER, Dietmar, As Máquinas São Tão Mortais Como as
Pessoas. Tradução de MARCONDES FILHO, Ciro. Disponível em:
www.eca.usp.br/nucleos/filocom/traducao9.html.
MARCONDES FILHO, Ciro. Para entender a comunicação:
Contatos antecipados com a nova teoria. São Paulo: Paulus,
2008.
______Perca tempo: é no lento que a vida acontece. São
Paulo: Paulus, 2007.
______Até que ponto, de fato, nos comunicamos? São Paulo:
Paulus, 2007.
SFEZ, Lucien. Crítica da Comunicação. São Paulo, Edições
Loyola, 2000.
SODRÉ, Muniz. A Antropológica do Espelho: Uma Teoria da
Comunicação Linear e em Rede. Rio de Janeiro: Editora Vozes,
2002.
170
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
25 Imagem, Corpo e Revolução Digital:
Enfrentamentos Sócio-Tecno-Culturais
no Mundo Contemporâneo
Ana Cecília Aragão Gomes
A comunicação está no centro da grande mutação que
parece operar na cultura contemporânea. A comunicação
prolonga a filosofia realçando as grandes questões tradicionais
sobre o real, o vínculo, o imaginário, etc., com conceitos renovados. Nesse cenário, refletir sobre a importância da comunicação e em como as tecnologias de comunicação e informação
vêm modificando as relações humanas e o próprio conceito
de comunicação. Trata-se de uma análise que leva em consideração os múltiplos vetores sociais, históricos, subjetivos, temporais e culturais que constituem estes fenômenos. O estudo
entende comunicação como a construção de vínculos afetivos e comunicativos que o ser humano cria com o outro, e hoje
essas relações acontecem a partir dos excessos de informação
e imagens proporcionados pelas novas tecnologias de informação e comunicação. Compreende-se que há um impacto
e uma mudança significativa nas formas de produção imagética e nos processos de vinculações humanas (seja na comunicação, na construção da subjetividade e na sociabilidade),
ficando clara a relação existente entre o excesso e poder das
imagens produzidas por meio da tecnologia e seu impacto na
relação do homem com sua mídia primária, o corpo, na cultura
e na sociedade contemporânea. Haja vista que as manifesta-
171
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ções e os significados são produzidos em meio a um Zeitgeist,
em que cada vez mais somos cooptados por um sensorium
digital que corrobora para uma in-comunicação e para certa
escassez nas experiências cotidianas.
172
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
26 Pensamento técnico e comunicação
na cibercultura: crítica do rótulo de
“era da comunicação” para o mundo
tecnológico contemporâneo
Tales Thomaz
Desde o início do século XX a comunicação se tornou
questão central para o pensamento ocidental. O surgimento
das tecnologias do virtual, no último quarto do século, fez com
que a reflexão sobre o tema se tornasse ainda mais necessária
e urgente. Nesse sentido, a primeira questão que se coloca é o
que é a comunicação propriamente dita. Muitas foram as tentativas de compreender o fenômeno. O que começa a ficar
cada vez mais claro é que comunicação não é a transmissão
de alguma coisa entre duas pessoas, como costumava-se crer.
Em seu lugar, começam a ganhar espaço ideias alternativas,
como a que postula que a comunicação – em vez de algo
“transmissível”, quase material – é um evento, um acontecimento raro, algo que ocorre com uma pessoa e a altera, provoca e faz pensar.
Partindo desse ponto, uma nova perspectiva pode se abrir
no estudo a respeito do contemporâneo, especialmente em
relação ao fato de proliferarem tecnologias digitais de comunicação. Essas tecnologias marcam a história de tal maneira que
convencionou-se chamar de cibercultura os tempos atuais,
173
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
numa referência à ideia cibernética de controle e administração tecnológicos da existência. Ocorre que frequentemente
os estudos atuais que tocam no assunto das tecnologias da
comunicação tomam-nas como meros meios ou instrumentos
de realização dos fazeres humanos. Parece, inclusive, a própria continuação – seja vendo a situação de forma positiva,
seja anunciando a ruína da humanidade – do ideal cibernético
mencionado acima. Ao longo de toda a modernidade foi marcante a ideia de que a consciência humana está no centro, é
o sujeito, enquanto as demais coisas são objetos.
Mas há também a reflexão sobre o fenômeno tecnológico
que busca entender a essência da técnica, inspirada majoritariamente na obra do filósofo alemão Martin Heidegger. Além
dele, diversos outros pensadores procuraram pensar qual o sentido da técnica para o ser humano, em vez de concentrar suas
pesquisas nas possibilidades de uso e/ou abuso. Do ponto de
vista da essência da técnica, a tecnologia aparece muito mais
como a materialização de uma forma de saber do que como
um instrumento manipulável. É uma forma de saber que tenta
controlar tecnicamente as circunstâncias do entorno e que se
instala no ser humano ainda antes da própria existência dos
objetos tecnológicos da modernidade. É dessa forma de saber
que surgem, apenas posteriormente, os objetos tecnológicos
que vão dar a ilusão humana de controle. Nomeia-se aqui essa
forma de saber, bem como a ilusão de controle que emana
dela, como pensamento técnico.
Para muitos pensadores, o pensamento técnico está avançando na cibercultura, o que suscita alguns questionamentos
174
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
em relação à comunicação: qual é a relação do pensamento
técnico, definido como aquele em que o homem tenta se
apoderar do real e controlá-lo, com a comunicação? Como
fica o acontecimento comunicacional num contexto em que
a interpelação do real se dá de maneira exclusivamente técnica, entendendo-se técnica nesse sentido mais amplo? Como
o pensamento técnico se manifesta na cibercultura e qual é
a condição da comunicação virtual diante disso? É em torno
desses questionamentos que se desenvolve esta pesquisa.
Considerando-se a proposta da pesquisa, a discussão gira
basicamente em torno de três tópicos, que serão abordados
adiante neste resumo: [1] o pensamento técnico e a ilusão
humana de controle sobre a existência; [2] a comunicação
como acontecimento; e [3] a contemporaneidade como era
de avanço e primazia das tecnologias do virtual.
1. Pensamento técnico e ilusão de controle
A cultura ocidental moderna está fundada em pressupostos iluministas, segundo os quais o homem é o agente de
transformação do mundo e de si mesmo, sendo socialmente
investido de todo o poder para alterar a ordem vigente em
nome de um futuro melhor. A vida humana passa a ser descrita como o controle do sujeito sobre o objeto, privilegiando-se estabilidade, ordem, linearidade, unicidade, objetividade e
outros valores tipicamente modernos, todos apoiados sobre a
tríade razão-ciência-tecnologia. No pensamento ocidental da
175
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
modernidade, a consciência é tida como soberana, como fundamento do mundo. É, de fato, uma concepção antropocêntrica, humanista, que modela praticamente todo o Ocidente a
partir de então.
É esta concepção antropológica da existência que, no
entender de Martin Heidegger, funda o problema de uma
compreensão verdadeira da tecnologia e, especialmente,
da essência da técnica. Para Heidegger (2007), a concepção
antropológica da técnica, que vê a tecnologia como um instrumento, é correta numa avaliação superficial, mas esconde
o que realmente está em jogo na técnica moderna. Para
encontrar isso, seria preciso superar a dicotomia sujeito/objeto,
especialmente a visão humanista que garantia ao sujeito proeminência nessa relação.
Para Heidegger, a técnica é mais do que um meio ou
instrumento; é um modo de levar à luz algo que antes estava
oculto, um modo de desencobrimento ou desocultamento do
real. É um modo de produzir, um modo de fazer com que algo
que não estava presente anteriormente se mostre no reino da
existência. É isso que os gregos chamavam de aletheia, isto
é, verdade; verdade é desencobrimento, levar algo à luz. A
técnica é, portanto, um modo de verdade ou um modo de
saber. Esse modo de saber se baseia na capacidade de tudo
mensurar, de tudo representar numericamente, que a ciência
moderna – em especial a física – já apontava antes mesmo do
surgimento da tecnologia (MICKLE, 1998). Com o número vem
a capacidade de representar toda a natureza de forma calculável, e aumentam as possibilidades de manipulação do real.
176
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A técnica moderna está intimamente ligada com a conversão
do mundo em imagem na modernidade, ou seja, a concepção de que o real pode ser inteiramente representado.
Aquilo que é desencoberto ou desabrigado pela técnica moderna aparece, dessa forma, como disponibilidade
<Bestand> para uma finalidade específica. É um modo de dispor as coisas para um uso que o próprio esquema técnico já
pré-estabeleceu. O homem participa desse esquema como
aquele que atende ao apelo para desafiar a natureza. Ele é
invocado a desencobrir as coisas de maneira técnica. Sua participação não é como senhor do processo. Antes, ele é invocado a utilizar o pensamento técnico para desafiar a natureza
como disponibilidade. Essa é, para Heidegger, a essência da
técnica, Ge-stell, traduzida geralmente como “armação”. A
armação é o apelo ao homem para que interpele o real como
disponibilidade – esvaziado da sua condição própria – para
a reprodução única e exclusivamente do próprio esquema
posicionador.
Fica claro que a essência da técnica não está no fato de
ela ser um instrumento à disposição do homem, mas no fato de
ela ser uma forma de pensar responsável por inculcar a ideia
de medir, administrar e programar o real.
2. Comunicação como acontecimento
Por sua vez, o fenômeno da comunicação é pensado
nesta pesquisa a partir da perspectiva adotada da Nova Teoria
177
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
da Comunicação. Normalmente compreende-se a comunicação como algo que passa de um ponto ao outro, ideia lançada e consolidada pela teoria matemática da comunicação
e pela primeira cibernética. Entretanto, não existe a mera transmissão de algo quando se trata de seres humanos envolvidos.
Merleau-Ponty (2011) mostra que, quando se abandona a perspectiva antropocêntrica que proporcionava a dicotomia entre
sujeito e objeto, nota-se que essa espécie de espelhamento nos
dois pólos do suposto processo comunicacional simplesmente
não ocorre de fato.
Para Marcondes Filho, a comunicação acontece quando
um conjunto de informações provoca uma ruptura do modo
consolidado de pensar a respeito de algo, quando as diversas
sinalizações do cotidiano se rearranjam de tal forma na percepção que se produz sentido novo. A comunicação ocorre
quando há essa ruptura, ou seja, é um acontecimento.
A comunicação envolve necessariamente certo incômodo, alteração nos sistemas fechados. Dessa perspectiva, nem
toda troca de informação é comunicação – como no clássico
modelo linear de comunicação. Em vez disso, a comunicação
é acontecimento raro, que rompe a estabilidade do indivíduo
e provoca novos pensamentos, sentimentos e sensações.
Comunicação é um instante único, irrepetível, que efetivamente provoca mudanças na forma de pensar. Mas é preciso
lembrar que “a comunicação plena, absoluta, total é impossível” (MARCONDES FILHO, 2008, p. 16). Como diz Merleau-Ponty,
é impossível colocarmo-nos inteiramente dentro do outro. O
máximo que é possível é a constituição de um projeto comum,
178
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
mas que ainda é experimentado de forma individual por cada
um dos participantes. Além disso, há coisas que dificilmente
podem ser comunicadas.
É por isso que comunicação não existe como mera transmissão de informações ou emissão. Dessa forma, a comunicação parece se colocar fora da alçada do controle humano.
Esse é um ponto importante para discutir a questão da comunicação no pensamento técnico. Este pretende tudo controlar
e administrar. Pode-se afirmar que a concepção de comunicação como transmissão ou emissão está inserida na perspectiva do pensamento técnico. Mas, se a comunicação é esse
acontecimento raro, irrepetível, ela está mais para o objeto
“maligno” de Baudrillard (1996), que não se submete a escrutínio, do que para o objeto que obedece a todas as prerrogativas do sujeito, como dizia a lógica do pensamento técnico.
3. Cibercultura e comunicação
A ideia de que é possível controlar o real é ilusória; assim o
é também o querer-dominar a técnica para a realização das
finalidades humanas. O mundo tecnológico desenvolve-se em
rumo próprio, impossível de ser determinado pelo ser humano.
O mundo tecnológico se renova com tal rapidez, em comparação com o tempo histórico, e por caminhos tão imprevisíveis,
ao largo da visada das instâncias políticas típicas da modernidade, que somente por equívoco pode-se justificar a ilusão de
onipotência do sujeito de outrora, como se este estivesse no
comando da cibercultura.
No entanto, ainda assim, é possível dizer que persiste na
cibercultura o ideal do pensamento técnico. “Não é outra a uto-
179
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
pia da cibersociedade, apontada também por Arthur Kroker:
é o caráter da “capacidade de potencialização” humana, o
indivíduo podendo se apossar de tudo, inclusive do universo”
(MARCONDES FILHO, 2009, p. 64). Rüdiger (2007, p. 169) afirma
que, “aparentemente, o sentido essencial do que se projeta
via tecnocultura é a intervenção em um mundo construído
como espaço de controle absoluto e realização dos desejos do
sujeito”. A cibercultura seria, assim, a fase em que a armação
se encontra mais imbricada no cotidiano.
Já se vê por aí como o pensamento técnico parece ser um
empecilho para a ocorrência do acontecimento comunicacional. A comunicação é aquilo que não se programa, não se
controla, que não pode ser submetido na cadeia do esquema
posicionador da armação.
Na cibercultura, há êxtase de informação, mas não
comunicação. É excesso que no fim acaba se realizando no
seu próprio contrário. O excesso de informação – obsessão por
conexão, interligação, que leva à adesão à velocidade dos
media digitais – parece ser dessa natureza, realizando-se no
seu próprio contrário, a incomunicabilidade, em plena era de
saturação mediática. A lógica da velocidade e do excesso
que rege a interatividade tipicamente cibercultural está mais
para o sempre-igual de Adorno (1995) do que para o novo
pressuposto na comunicação. As sinalizações perdem a importância que teriam para o pensamento e para a comunicação,
convertem-se apenas em matéria-prima para a reprodução
do próprio esquema posicionador, em prol da perenização do
pensamento técnico.
180
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Na cibercultura, há profusão de informação, mas isso é
da ordem da estabilidade, a ilusão humana de controle. A
comunicação é do campo do objeto, do inesperado, daquilo
que surpreende. Dessa perspectiva, portanto, parece impossível sustentar que cibercultura seja incondicionalmente era da
comunicação, como muitas vezes se supõe.
Referências
ADORNO, Theodor. Palavras e sinais: modelos críticos 2.
Petrópolis: Vozes, 1995.
BAUDRILLARD, Jean. As estratégias fatais. Rio de Janeiro:
Rocco, 1996.
HEIDEGGER, Martin. A questão da técnica. Scientiae Studia,
São Paulo, v. 5, n. 3, 2007, p. 374-398.
MARCONDES FILHO, Ciro. Para entender a comunicação: contatos antecipados com a nova teoria. São Paulo: Paulus, 2008.
_______. Superciber: a civilização místico-tecnológica do
século 21: sobrevivência e ações estratégicas. São Paulo:
Paulus, 2009.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. 4.
ed. São Paulo: WWF Martins Fontes, 2011.
MICKLE, Enrique Muñoz. Techné y técnica, ousía y materia. In: CENTRO DE ESTUDOS DA ANTIGÜIDADE GREGA DO
181
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA DA PUC-SP. Technê. São Paulo:
Educ/Palas Athena, 1998. p. 18-27. (Coleção Hypnos).
RÜDIGER, Francisco. Introdução às teorias da cibercultura.
Porto Alegre: Sulina, 2007.
182
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
BLOCO B
27 Repensar os Audiovisuais Educativos em uma
Proposta Metapórica: A Dimensão do Sensível
Vanessa Matos dos Santos
Os movimentos de transformações vivenciados pelas
sociedades contemporâneas tem centralizado a questão dos
usos da mídia em situações educacionais. Comunicadores e
educadores encontram nos materiais audiovisuais diferentes
possibilidades de ensino e aprendizagem. Já não se trata apenas de potencializar o processo educativo, mas de explorar
novas formas de compreensão e explorar o relacionamento
diferenciado com o conteúdo. A utilização de diferentes sentidos implica uma ampliação das possibilidades de aprendizagem, porque o mesmo conteúdo pode ser disponibilizado
segundo diferentes aspectos.A linguagem audiovisual convoca diferentes posturas perceptivas do telespectador, desde
a imaginação até a reinvenção da afetividade.Soma-se a isso
o fato de que estes materiais também incorporam um potencial lúdico marcante que, por sua vez, também pode ser utilizado de forma educativa. Importante destacar que sob o rótulo
audiovisual “é possível perceber um amálgama de técnicas e/
ou materiais, de forma a possibilitar a experiência sensorial concreta e direta; experiência representativa e experiência simbólica” (SUBTIL; BELLONI, 2002, p.53).
183
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Ainda que impliquem uma tecnologia de alto custo de produção, os materiais audiovisuais são de grande valia em cursos
ministrados em formato de educação a distância (EAD), tanto
que este potencial logo foi percebido pelo setor de produção
audiovisual. Hoje, em uma busca rápida pela web, é possível
perceber que já existem produtoras que realizam apenas projetos educacionais. Em que pese o fato de muitas produções
terem excelente qualidade conteudística e técnica (qualidade
de som, imagem, roteiro etc), muitos ficam esvaziados em sua
dimensão mais essencial: a comunicacional. Destaque-se
que diferentes materiais audiovisuais, tais como filmes diversos, podem ser utilizados de forma educativa, dependendo
do planejamento do comunicador / educador. Entretanto, os
materiais aos quais nos referimos dizem respeito àqueles especialmente planejados com objetivos didáticos, quer seja para
uso em sala de aula ou em ambientes virtuais. Para início deste
debate, é importante resgatar a assertiva de Franco (s/a, p.9)
para quem os audiovisuais devem ser experimentados como
“vivência cultural escolar e não como suporte pedagógico de
disciplinas e conteúdos específicos”. Partir dessa compreensão
de uso dos audiovisuais já pressupõe, de antemão, superar o
viés puramente técnico de uso desses materiais e iniciar o percurso rumo à uma proposta de comunicação efetiva.
Recentemente, a discussão sobre os materiais audiovisuais
tem sido deslocada para a possibilidade da interatividade, ou
seja, para a obtenção de retorno mediante uma resposta ao
conteúdo exibido por meio dos vídeos de simulação. A grande
promessa está centrada no fato do Sujeito espectador poder
184
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
guiar a própria leitura, ritmo do conteúdo, possibilidade de gravar etc.
Embora apresentem um imenso potencial, esses materiais
ainda carecem de sistemas de avaliação no que se refere ao
conteúdo, estrutura, linguagem, estética etc. O mesmo ocorre
com relação à definição do gênero em que se enquadram,
para viabilizar uma avaliação séria e parametrizada. Ainda
assim, a avaliação padronizada não quer dizer, necessariamente, que o material vai sensibilizar o Sujeito para a aprendizagem de um determinado conteúdo. Ao mesmo tempo em
que qualifica a produção com a introdução de parâmetros, a
avaliação considera que todos os Sujeitos são iguais, gerando
um movimento de massificação. A massificação, por sua vez,
é um dos pontos nevrálgicos das propostas que envolvem a
EAD: a individualidade do Sujeito, com suas fragilidades e fortalezas, nem sempre é levada em consideração. O ideal de uma
educação personalizada acaba ficando cada vez mais distante. Isso, no entanto, não é exclusivo da EAD e pode fazer-se
presente também na sala de aula presencial. O que ocorre é
que, em situação de EAD, essa questão se torna mais evidente,
porque a sensação de solidão é iminente. Tal situação indica
que, de alguma forma, o processo de comunicação pode não
ter se efetivado a ponto de tocar o Sujeito e despertá-lo para
novas experiências, sensações, emoções e afetividades.
Nesse sentido, é importante destacar que compreendemos a comunicação de acordo com os pressupostos da Nova
Teoria da Comunicação que se respalda em uma proposta de
trabalho que respeita a dinâmica dos acontecimentos e con-
185
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
textos em que ocorrem.Um dos pontos mais intrigantes dessa
nova teoria está justamente concentrado na ideia de realizar
a pesquisa com base no metáporo, na apreensão do acontecimento comunicacional. Os audiovisuais, de acordo com
essa lógica, podem ser compreendidos além das fronteiras
cotidianamente conhecidas, o que abre um novo horizonte de
investigação científica ainda não explorado. Compreender o
audiovisual não apenas para entreter ou informar, mas para
potencializar uma experiência educativa por meio da comunicação, principalmente em situações de EAD constitui-se em um
desafio para o qual não estamos preparados. Os estudos sobre
a recepção e a construção de sentido, por si só,não conseguem
explicar o que efetivamente faz com que um audiovisual seja
mais bem compreendido em detrimento de outro. Inicialmente,
acreditava-se que a qualidade técnica fosse responsável por
transmitir a ideia de algo claro, transparente, próximo e, com
isso, pudesse aproximar conteúdo e Sujeito. O que se verifica,
após diversos investimentos em televisores de tela plana, LCD,
plasma, digital, 3D, interativos, entre outros adjetivos e características, é que vídeos caseiros conseguem aproximar muito
mais as pessoas do que fantásticas produções e efeitos visuais. Consideradas as proporções, é possível inferir que, embora
muita importância seja dada para a qualidade da imagem e
do som de uma produção audiovisual de uma maneira geral,
é a história que realmente se sobressai. Isso explica, por exemplo, porque os maiores índices de acesso e visualizações no
Youtube, por exemplo, não são necessariamente as melhores
produções do ponto de vista da qualidade da imagem e do
186
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
som. Não raro, não possuem qualidade alguma, visto que muitas sequer chegam a ser produzidas no sentido estrito da palavra, sendo apenas gravadas e compartilhadas. Ainda assim,
são as mais visualizadas, compartilhadas e, inclusive, traduzidas
para outras línguas. Isso, no entanto, não significa que exista
efetivamente um fenômeno comunicacional.
Os sujeitos se movem no sentido de acessar esses vídeos,
mas o alto número de acessos não quer significar que existe
comunicação efetiva ocorrendo. No máximo, o que está em
curso é um interesse por parte desses Sujeitos em acessar e
conhecer determinado vídeo.Muitos desses materiais não conseguem atingir o Sujeito, mexer com seu imaginário e alterar
as estruturas pré-estabelecidas com vistas a criar algo novo e,
em última instância, efetivamente estabelecer a comunicação
(MARCONDES FILHO, 2011). Parte-se, portanto, da hipótese de
que é possível re-pensar a produção de materiais audiovisuais
educativos para situações de EAD de acordo com a dinâmica
proposta pelo metáporo. Assume-se, de antemão, que por mais
claros e objetivos que possam parecer estes materiais, existem
camadas de silêncio não compreendidas entre os materiais produzidos e o Sujeito receptor. Destaca-se aqui a necessidade de
compreender a forma como cada Sujeito constrói os significados diante de uma obra audiovisual, bem como estar sensível
para compreender a forma como o imaterial o atravessa e o
modifica enquanto novo Ser.Fica claro, portanto, a comunicação acontece no entre, no durante.Isso implica em nos questionarmos em que medida a produção audiovisual realizada por
um produtor, jornalista, comunicador pode impactar o Sujeito
187
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
aprendiz que consome o material audiovisual. Mesmo ao realizar um esforço por reproduzir cenas do cotidiano do público
ao qual se destina o material, visando justamente impactar o
sujeito receptor, existe uma questão maior que envolve o acontecimento comunicacional que, por sua vez está relacionado
às dinâmicas do Sujeito diante dos fenômenos diversos. Isso
não pode ser dominado e nem compreendido por meio das
metodologias clássicas porque ultrapassa o plano da objetividade e recai sobre a apreensão do momento, do durante,
uma vez que a apreensão da dinâmica precisa ser feita na
brevidade que implica sua ocorrência como fenômeno natural
e espontâneo.Essas dinâmicas, permeadas pela subjetividade
dos Sujeitos, colocam novos desafios ao pesquisador que, distante de buscar padrões, busca justamente estar sensível para
a compreensão e registro do acontecimento comunicacional
que pode ou não ocorrer durante uma exibição audiovisual, por
exemplo. Nesse sentido, o pesquisador do metáporo não está
desconectado do contexto; ele faz parte daquilo que pesquisa
e sua sensibilidade pode e deve garantir um registro pormenorizado daquilo que observa, vivencia, compartilha, participa.
A saída para esta compreensão que, inclusive, autoriza o pesquisador a libertar-se das amarras do método, está justamente
em encontrar saídas pelos poros. Nesse sentido, e buscando
estes caminhos, esta pesquisa busca oferecer um relato metapórico dessas dinâmicas, viabilizando uma contribuição para a
aplicação da Nova Teoria da Comunicação na produção de
audiovisuais voltados para EAD.
188
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Palavras-chave: Audiovisuais
Educação a distância.
educativos,
Metáporo;
Referências
FRANCO, Marilia. Hipótese-cinema: múltiplos olhares.
Disponível em: http://www.educacao.ufrj.br/artigos/n9/2_hipotese_cinema_e_seus_multiplos_dialogos_8_a_3.pdf Acesso em:
15 jul 2013.
MARCONDES, Ciro. Princípio da razão durante, vol.III, tomo 5,
“O conceito de comunicação e a epistemologia metapórica”. São Paulo, Paulus: 2010.
SANTOS, Vanessa Matos. Materiais audiovisuais para a educação a distância: acontribuição dos estilos de aprendizagem.
315 fls. Tese (Doutorado em Educação Escolar) – Universidade
Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Faculdade de
Ciências e Letras, Campus de Araraquara – SP.
SUBTIL, Maria José; BELLONI, Maria Luiza. Dos audiovisuais à
multimídia: análise histórica das diferentes dimensões do uso
dos audiovisuais na escola. In: A formação na sociedade do
espetáculo. Edições Loyola, 2002.
189
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
28 O Ornamento do Caminho do Meio:
Uma Lógica Filosófica das Possibilidades
Comunicacionais Ainda Pouco Explorada.
Ana Paula Martins Gouveia
Resumo:
Neste projeto de pós-doutorado, pretendo traduzir,
comentar, contextualizar eatualizar (no sentido de aplicar à
questão específica a ser aqui desenvolvida) um dos textos mais
significativos da filosofia e da lógica budista tibetana e discutir
a relação direta deste com a Nova Teoria da Comunicação,
desenvolvida por Ciro Marcondes Filho, particularmente no que
concerne ao “quase método” proposto por ele, o Metáporo. O
texto a ser trabalhado, O Ornamento do Caminho do Meio (tib.:
dbu ma rgyan), foi originalmente escrito em sânscrito e, como
grande parte dos textos deste período, tem o seu original desaparecido; todavia, a tradução do mesmo para o tibetano foi
orientada e supervisionada pelo próprio autor, Shantarakshita,
um príncipe indianodo século VIII. O objetivo deste projeto é
identificar como a lógica da manifestação dos fenômenos e
as efetivas possibilidades comunicacionais entre os seres dentro da perspectiva apresentada no texto de Shantarakshita
toca, evidencia e talvez até amplie aspectos da Nova Teoria
da Comunicação apresentada e proposta por Ciro Marcondes
190
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Filho. Além disso, considero relevante ressaltar a importância
de trazer “à tona” um universo de conhecimentos oriundos do
pensamento filosófico tibetano/indiano que, mesmo quando
mencionado, em geral, é tratado de forma por vezes bastante
simplista ou pouco aprofundada. A proposta aqui é a de resgatar estes textos e poder tornar este conhecimento milenar mais
acessível tanto aos pesquisadores da comunicação, quanto
de outras áreas que possam se interessar por este campo ainda
pouco explorado, particularmente no contexto brasileiro.
“Se um tesouro inesgotável fosse enterrado no chão
embaixo da casa de um homem pobre, o homem não
saberia disso e o tesouro não lhe diria: Eu estou aqui!”
Ma i t r e y a ( T h e Ma h a y a n a U t t a r a t a n t r a
Shastra)
O objetivo deste projeto é identificar como a lógica da
manifestação dos fenômenos e as efetivas possibilidades comunicacionais entre os seres dentro da perspectiva apresentada
no texto de Shantarakshita toca, evidencia e talvez até amplie
aspectos da Nova Teoria da Comunicação apresentada e
proposta por Ciro Marcondes Filho. Além disso, considero relevante ressaltar a importância de trazer “à tona” um universo
de conhecimentos oriundos do pensamento filosófico iniciado
na Índia e posteriormente desenvolvido no Tibete que, mesmo
quando mencionado, em geral, é tratado de forma bastante
superficial no Brasil.
191
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Quando entrei em contato pela primeira vez com o projeto de pesquisas ligado à Nova Teoria da Comunicação
e sua respectiva proposta metodológica, o metáporo, tive
a certeza de que havia encontrado um campo de trabalho
frutífero em que minha formação na área da comunicação,
da filosofia oriental (particularmente da tibetana) e como tradutora pudessem se conciliar e trazer alguma contribuição a
comunidade científica brasileira, especialmente por saber da
extrema carência de pesquisas sérias que efetivamente consigam conciliar de forma produtiva um saber que, sob o olhar
de muitos, pode parecer tão “estrangeiro”. Posto que um dos
pilares do pensamento budista é justamente o aprimoramento
da nossa compreensão sobre os processos mentais, a partir
da investigação e descrição destes, para que pudessem ser
transmitidos a outros com os mesmos tipos de preocupação,
a possibilidade de poder trabalhar com tais processos dentro
do departamento de comunicação, particularmente ligada
ao núcleo de Estudo Filosóficos da Comunicação (FiloCom), ao
qual sou filiada, pareceu-me singularmente significativa, visto
que as áreas da comunicação e especialmente da filosofia –
enquanto campo de reflexão sobre a realidade, o mundo tal
qual se apresenta diante de nós, e mesmo nós enquanto seres
inerentes a estas possíveis realidades – são condizentes com os
principais focos de contemplação do pensamento filosófico a
ser investigado. Considero também importante ressaltar que,
de forma similar às investigações filosóficas da Madhyamaka,
a Nova Teoria da Comunicação de Marcondes rompe com as
investigações anteriores que se baseiam em evidências con-
192
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
cretas e não estão muito interessadas no que as coisas são,
mas sim como as coisas funcionam; o autor tira o foco deste
objeto de estudos sobre o funcionamento da comunicação e
efetivamente pensa no que é de fato tal comunicação.
Ciro Marcondes Filho propõe uma expansão do universo
perceptivo do ser que se comunica e que é comunicado,
quanto maior esta expansão, maior a possibilidade de que
o acontecimento comunicacional efetivamente aconteça;
entendendo por acontecimento comunicacional o momento
em que algo se transforma no ser que foi tocado, que foi comunicado. A “real” comunicação, que difere da mera informação
e mais ainda da simples sinalização, acontece no instante em
que algo se modifica na pessoa, o instante do insight, da metamorfose, do permitir que algo nos permeie, de estar aberto,
poroso, às trocas. O momento do acontecimento comunicacional “bem-sucedido”, teria uma força que, a meu ver, se
equipararia ao que Gaston Bachelard descreveu como instante poético, um instante de quebra, de rachadura do “lugar
comum”, onde a poesia fecunda e é fecundada.
Assim sendo, a comunicação “exige” do receptor uma
abertura, um poros, não necessariamente convencional, para
que possa acontecer. É como querer colocar água em um
vaso; se o vaso está cheio, a água imediatamente irá transbordar, mas quanto maior o espaço livre, maior a capacidade
de retenção da água. Refletindo sobre o conceito de vacuidade, quando menos a pessoa estiver “preenchida” mentalmente por seus ininterruptos fluxos de emoções, pensamentos,
percepções, julgamentos, maior será a capacidade de efeti-
193
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
vamente absorver informações provenientes das mais diversas
fontes comunicacionais externas e mesmo internas. Esta expansão seria uma condição quase que sine qua non do processo
de comunicação. Poder explicar como este processo ocorre
partindo das perspectivas do texto de Shantarakshita a ser trabalhado e sua confluência com as premissas da Nova Teoria
da Comunicação é um dos objetivos fundamentais desta
pesquisa.
No livro, O Escavador de Silêncios, de Ciro Marcondes
Filho, o autor, escreve: “Falou-se... do pensamento nômade,
na acepção de Vilém Flusser. Para este autor, nômades são as
pessoas que vão atrás de algo, não importando a meta perseguida; a busca nunca terminada, nem mesmo quando se a
atinge. Para o pensamento nômade, todas as metas são estações intermediárias, estão juntas ao caminho e, como totalidade, o caminhar é um método sem meta. O investimento
no caminho e o abandono da meta tem parentesco com o
budismo e com sua doutrina do vácuo. Há também uma proximidade entre a lei da produção condicionada do budismo
e o nosso pensamento nômade, pois, enquanto aquele fala
do manifestar-se de “fenômenos que são puramente ilusórios”,
nós sugerimos a apreensão do transitório em sua permanente
mutabilidade.”
Dentro deste contexto, acredito que poderia ter algo a
contribuir para a linha de pesquisas justamente neste aspecto.
Ao falar da “doutrina do vácuo”, que muitas vezes é também
conhecida como uma forma de percepção da vacuidade
dos fenômenos, este projeto tem por objetivo trabalhar com
194
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
um texto que se preocupa justamente em expor e refletir sobre
a vacuidade – em tibetano: stong pa nyid, que é um neologismo a partir do sânscrito shunyata. Segundo o erudito Yongey
Mingyur Rinpoche, o termo vacuidade (que é descrita como
a base que torna tudo possível), é provavelmente uma das
palavras, um dos conceitos, mais mal-entendidos da filosofia
budista. Muitos dos primeiros tradutores dos termos budistas em
sânscrito e tibetano interpretam a vacuidade como o “Vazio”
ou o “Nada” – erroneamente relacionando a vacuidade com
a idéia de que nada existe. Nada estaria mais longe da verdade de acordo com a percepção filosófica budista.
Quando Buda disse que a natureza da mente – na verdade, a natureza de todos os fenômenos – é a vacuidade, ele
não quis dizer que sua natureza fosse verdadeiramente vazia. A
palavra tongpa significa vazio, mas somente no sentido de algo
além da nossa habilidade em perceber com nossos sentidos e
nossa capacidade de conceitualizar. Uma sugestão alternativa
de tradução seria “inconcebível” ou “que não pode ser nomeado”. A palavra nyi, ao ser agregada a outra palavra, transmite
um senso de “possibilidade” – um senso de que tudo pode surgir, tudo pode acontecer. Quando se fala sobre a vacuidade,
não é sobre o “nada”, mas sim sobre o potencial ilimitado que
algo tem de surgir, mudar ou desaparecer.
Este pensamento, de alguma forma, também se reflete
nas novas teorias da física, mesmo no estado de vácuo, as
partículas continuamente aparecem e desaparecem. Assim,
apesar do aparente vazio, esse estado é, na verdade, muito
ativo, repleto de potencial para produzir algo. Neste sentido,
195
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
o vácuo compartilha certas características com a “qualidade
vazia da mente”. A mente é essencialmente “vazia” no sentido de que desafia a descrição absoluta; entretanto, todos os
pensamentos, emoções e sensações perpetuamente surgem
a partir dessa base indefinível e incompletamente conhecida.
O coração da pesquisa, que é a relação direta com a Nova
Teoria e o Metáporo, e de como a possibilidade de comunicação se estabelece e eventualmente se efetiva dentro e fora do
discurso visível, digamos assim, será feita simultaneamente ao
processo de tradução e comentários do e sobre o texto e não
como um diálogo posterior; o que tornará possível um entremeio constante e uma apreensão mais acurada ligada a percepção de uma possível efetividade comunicacional; que, de
acordo com as premissas tratadas no discurso de Shantarakshita
a ser estudado, só seria possível através de uma realização da
natureza ilusória dos fenômenos e do processo da expansão
da própria percepção do receptor/emissor que abre espaço
para que a comunicação efetivamente possa acontecer. No
que concerne a metodologia, segundo Marcondes, “o metáporo é uma opção de procedimento da pesquisa que não se
confunde com a rigidez de um método. Tradicionalmente o
saber ocidental utiliza-se de métodos (meta + odos) como uma
rota instituída, caminho pavimentado, autopista marcada por
seus guard rails, da qual não se pode evadir. Para Heidegger,
ele é tecnologia, ele é Descartes e é de essência tecnológica,
vinculado a uma vontade prometeica de dominação. Um ato
investigativo que não observa o vivente mas o mata para dissecá-lo. O metáporo (meta + poros), ao contrário, é uma via se
196
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
faz e se desfaz o tempo todo, que escapa, que não tem existência prévia, que é geração contínua. Cada nova pesquisa
sugere uma recomposição de procederes. É a chance que os
fatos dão ao pesquisador de aparecerem, exigem a atenção
do observador”.
Se pensarmos no termo vacuidade como um campo de
possibilidades latentes, seria justamente partindo de um caminho não definido, mas possível, que se daria a aproximação do
pesquisador com os eventos comunicacionais a serem observados, posteriormente relatados e assumidos como integrantes
de um comunicar; sendo assim, o trabalho a ser desenvolvido,
traria à luz aspectos da filosofia tibetana, particularmente no
que concerne a natureza dos fenômenos e o potencial implícito na vacuidade de todas as coisas, que se imbricam neste
novo olhar sobre a comunicação proposto por Marcondes e o
princípio da razão durante descrito por ele. É interessante perceber que há alguns pontos em comum tanto em relação ao
metáporo e sua “falta” de uma “razão prévia” e, quem sabe,
até certo ponto, uma não tentativa de racionalização do intangível, e um ponto levantado por Immanuel Kant que está em
total acordo com as argumentações de Nagarjuna e do próprio Buda; onde se diz que a extensão da razão pura para além
da esfera empírica resulta não em conhecimento, mas em antinomias, contradições. Este é apenas um breve relato de um
universo muito mais denso e profundo, mas espero que tenha
sido possível expor os pilares da pesquisa para que, agora, se
possa abrir um diálogo.
197
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
29 Comunicação e Cidadania da Mulher: poder,
valores e práticas da sociedade brasileira Alice Mitika Koshiyama
Na realização de estudos sobre o tema mulheres e meios
de comunicação percebemos um crescimento dos estudos e
dos processos de veiculação dos direitos, o incremento de políticas públicas e de organizações não governamentais e governamentais destinadas a promover os direitos das mulheres. No
entanto, se as mulheres são consumidoras, trabalhadoras e sujeitos de direitos, não conseguimos ultrapassar as perspectivas conservadoras que tornam aceitáveis ações de violência e destrato
da mulher, em níveis de violência psicológica, moral e física. E
percebemos que os estudos da comunicação mostram uma
incapacidade científica de equacionar a questão, por trabalhar
em bases empiristas que impossibilitam o equacionamento do
tema a partir dos valores entranhados nas práticas legitimadas
nas relações sociais que definem os lugares sociais de homens
e mulheres ao longo da história. O trabalho fundamenta-se na
percepção da comunicação como parte do processo da história. Esta consiste no processo de construção, manutenção e
destruição de valores, conforme reflexões elaboradas por Agnes
Heller (O cotidiano e a história, Rio, Paz e Terra). No conjunto de
variáveis intervenientes na construção da história, em que consiste a comunicação? Eis o desafio que enfrentamos.
Palavras-chave: Jornalismo, Cidadania da Mulher, Gênero,
História.
198
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
30 Subjetividade e Cultura Mediática: Entre
o desejo e a responsabilidade social
Tarcyanie Cajueiro Santos
Este texto é um desdobramento de uma pesquisa financiada pela Fapesp, na modalidade jovem pesquisador, intitulada Comunicação, consumo e novas subjetividades: um
estudo sobre as práticas mediáticas, culturais e sociais na contemporaneidade, que teve início em 2008 e terminou em 2012.
Procura-se perceber as relações entre desejo e regulação social
nos anúncios publicitários, levando em conta a comunicação,
a cultura e as subjetividades. Trata-se de um estudo teórico, que
no primeiro momento se debruçará com autores que abordam
as subjetividades e depois a questão do desejo. A comunicação, entendida como “acontecimento” e “vínculo” é o eixo
sobre o qual a pesquisa se apoia. Debruçaremos-nos sobre os
contornos de uma nova cultura de consumo através da análise
dos anúncios publicitários que focam sobretudo, a sustentabilidade. Buscamos, desta forma, refletir sobre as transformações
no discurso publicitário e suas relações com o contexto sociocultural, assim como suas repercussões sobre as subjetividades,
procurando entender a importância do desejo e a forma como
este é canalizado na alta modernidade. Compartilhamos da
ideia comum a muitos autores de que a cultura do consumo
que hoje toma corpo não está mais alicerçada no entretenimento, status e hierarquia sociais, mas no que Giddens chama
de reflexividade, ou seja, no “uso regularizado de conheci-
199
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
mento sobre as circunstâncias da vida social como elemento
constitutivo de sua organização e transformação” (GIDDENS,
2002, p. 26), que incide diretamente sobre a autoidentidade
dos indivíduos no contexto das sociedades pós-tradicionais. A
publicidade é porta-voz de uma irradiação de valores e visões
de mundo que integra e perpassa a cultura da mídia, cuja narrativa e imagens veiculadas “fornecem os símbolos, os mitos e
os recursos que ajudam a constituir uma cultura comum para
a maioria dos indivíduos em muitas regiões do mundo de hoje”
(KELLNER, 2001, p.9).
O discurso midiático hoje predominante é o da sustentabilidade, tendo como foco o consumo consciente e a qualidade
de vida. Nesse caso, os anúncios publicitários sobre a sustentabilidade aparecem não apenas como canalizadores de visões
de mundo, como também seus irradiadores. O que chama
atenção em suas estratégias narrativas é a crescente preocupação com o homem e ao mesmo tempo a responsabilização
que este passou a ter sobre si próprio e o seu entorno, expressas
através da temática do consumo “responsável”, “consciente”,
“sustentável”, “socioambiental” ou “verde”. Tal preocupação
retoma corpo no pensamento ambientalista hegemônico internacional, que deixou de relacionar a crise ambiental ao crescimento demográfico, chamando atenção “para uma nova
forma de definir a principal causa dos problemas ambientais:
os hábitos de consumo e estilos de vida” (Portilho, 2005, p.15).
A importância desse discurso internacionalizado corresponde
a sua crescente hegemonia sobre as mais diversas esferas que
compõem o tecido social, como Organizações não gover-
200
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
namentais, entidades governamentais e as empresas que se
apropriaram desse discurso, só para citar algumas. Assim, independentemente dos termos utilizados e da luta ideológica em
torno dele, na publicidade brasileira, eles convergem, para o
que Rocha (1994;2005;2007) tem apontado em seus trabalhos
como a temática da “responsabilidade social” e da “qualidade de vida”.
Os discursos da “responsabilidade social” e da “qualidade de vida” inserem-se em um novo estágio na cultura do
consumo, cujo alicerce parece se constituir nas temáticas da
saúde e da autoconstrução de si, visando o indivíduo e a vida
como um bem supremo. O conceito de sustentabilidade condensa os discursos de qualidade de vida e responsabilidade
socioambiental. “Trata-se de permitir que a livre expressão, uma
das maneiras de interpretar e praticar a cidadania possa ser
exercida sobre a base material que sustenta a vida humana”
(RIBEIRO, 2010, p.339). Junto com a qualidade de vida e a responsabilidade socioambiental, a sustentabilidade aparece
como um paradigma que articula diversos segmentos da sociedade, uma nova utopia, tomando lugar das metanarrativas
orientadoras de sentido, como a apologia ao progresso e ao
desenvolvimento a qualquer custo. Os anos 1990, no Brasil, é o
momento em que a publicidade incorpora em sua temática as
causas sociais, que vão muito além dos valores da sociedade
de consumo por ela tradicionalmente defendidos.
O anúncio do Mcdonald’s3 aparece como um exemplo
desse processo ao fornecer ao consumidor informações de
como os seus produtos são produzidos, advertindo para o fato
201
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
de seu óleo de fritura não ter corantes, com baixíssimo teor de
gordura trans. Para os que se preocupam com os animais, o
anúncio diz que “os rebanhos são criados de acordo com a
política do bem-estar animal, que garante um tratamento digno
para os animais durante seu crescimento até o abate”. Neste
caso, o McDonald’s sabe que o consumidor não deseja apenas saciar a sua fome ou o seu desejo de comer um hambúrguer, por exemplo. O ato do consumo também é o de decidir
sobre a sua saúde, sobre a saúde dos animais e até mesmo do
planeta. E há um ponto aqui que talvez possamos associar ao
surgimento de um maior autocontrole por parte de determinadas pessoas ou segmentos sociais que, ao não tolerar viver com
mais riscos e incertezas, procuram evitar consumir produtos que
possam causar danos a elas ou a outros4. No consumo, todos os
prazeres devem ser permitidos, contudo, segundo Zizek:
A fim de ter uma vida repleta de felicidade e
prazeres, a pessoa tem que evitar os excessos
perigosos, manter a forma, levar uma vida saudável, não molestar os outros [...] De modo que
tudo é proibido se não estiver destituído de sua
substância e, assim, acabamos por levar uma
vida completamente regulada (ZIZEK, 1994,
p.98).
Por conseguinte, a publicidade ao retratar e mobilizar um
dado valor social quer seduzir o consumidor, oferecendo-lhe
mais do que um simples produto. Isto também pode remeter ao
processo chamado branding, ou seja, da importância do con-
202
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ceito, do estilo e experiência de vida associado à imagem da
marca em detrimento do produto em si, que foi personificado
em marcas como a Nike, com o slogan “Just do it” ou como a
Apple com o Think different. Aqui a marca adquire um significado, uma identidade, transcendendo em muito seu aspecto
meramente funcional, ou seja, mais do que um produto, a
marca personifica uma ideia. E esta lógica vai ser extrapolada,
ainda na década de 1980, por meio do “nonsense publicitário”
(Lipovetsky, 1989; Fontenelle, 2002), quando a publicidade leva
ao paroxismo a lógica do absurdo, “o jogo do sentido e do não
sentido, e isto num espaço em que, sem dúvida, a parada é a
inscrição da marca, mas que – e é este o ponto essencial – de
fato não se atribui os meios necessários para garantir a própria
credibilidade” (Lipovetsky, 1989, p.138). Por outro lado, a questão que fica é a de como podemos entender essa estratégia
da publicidade e do marketing que não se liga ao entretenimento nem ao absurdo ou ao simulacro de si próprio, mas ao
lado “espiritual”, “saudável”, ou mesmo “ético” do produto?
Estaria havendo aí uma mudança nos padrões de consumo e,
portanto, da cultura, razão pela qual, segundo Lipovetsky, “o
modelo dessa sociedade não é o mais o Dionísio, mas o zen”
(2006, p.6)? E do ponto de vista da comunicação midiática,
que mudanças estão ocorrendo já que é a indústria publicitária que assegura os recursos para o espaço midiático? Haveria
aí uma mudança no consumidor e na cultura de consumo em
geral, fazendo-nos pensar que já não se trata mais de uma cultura de massa pautada pelo entretenimento, mas de um outro
tipo de consumo, baseado numa “cultura do acesso”, como
203
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
defende Rifkin (2001) e de outro tipo de comunicação? Estas
são algumas questões nas quais nos apoiamos para futuras
reflexões. A metodologia utilizada baseou-se na análise de discurso dos anúncios publicados na revista Veja, cuja inspiração
vem de Foucault a partir da perspectiva da biopolítica e da
noção de dispositivo deste autor. Foucault (2008) considera a
linguagem central na construção da vida social, sem desconsiderar a importância de uma perspectiva histórica e social sobre
as condições de produção dos textos.
Referências
DELEUZE, G. Conversações (1972-1990). São Paulo: 34, 1992.
EHRENBERG, Alain. O culto da performance: da aventura
empreendedora à depressão nervosa. São Paulo: Ideias e
Letras, 2010.
FONTENELLE, I. O fetiche do eu autônomo: consumo responsável, excesso e redenção como mercadoria. Psicologia & sociedade, Florianópolis, v.22, n.2, p. 215-224, 2010.
FOUCAULT, M. Nascimento da biopolítica. In: Resumo dos cursos do Collège de France (1970-1982). Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1997, p.87-97.
______. Sobre a história da sexualidade. In Microfísica do
poder. Rio de Janeiro, Graal, 1979, p.243-276.
204
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
IASBECK; PEREIRA. Gestão de comunicação da marca – branding: Uma abordagem semiótica da marca nas organizações.
Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho “Comunicação
em Contextos Organizacionais”, do XX Encontro Nacional
da Compós, na UFRGS, Porto Alegre, RS, em junho de 2011.
Acesso em 20 de nov. 2011.
JAMESON, F. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo
tardio. São Paulo: Ática, 1996.
KELLNER, D. A cultura da mídia. São Paulo: EDUSC, 2001.
LIPOVETSKY, G. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras,
2007.
LUCAS, L.; HOFF, T. Sustentabilidade sócio-cultural no discurso
publicitário: o corpo em evidência. Comunicação: Veredas.
Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação.
São Paulo, Unimar, n.5, v.5, p.71-86, 2006.
MUNIZ, L. A publicidade de marcas como instância legitimadora da sociedade de consumo. 2004. 175f. Tese (Doutorado
em Comunicação e Semiótica). Programa de Estudos
Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2004.
PELBART, P. Vertigem por um fio: política da subjetividade contemporânea. São Paulo: Iluminuras LTDA., 2000.
205
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
PORTILHO, F. Sustentabilidade ambiental, consumo e cidadania. São Paulo: Cortez, 2005.
ROCHA. M.. A nova retórica do grande capital: a publicidade brasileira entre o neoliberalismo e a democratização.
Comunicação Mídia e Consumo, São Paulo, v. 1, n.2, p. 50-76,
2005.
______. O canto da sereia: notas sobre o discurso neoliberal na
publicidade brasileira pós-1990. Rev. bras. Ci. Soc., São Paulo,
v. 22, n. 64, p.81-90, Jun. 2007.
SFEZ, L. Crítica da comunicação. São Paulo: Loyola, 1994.
TAVARES, F.; IRVING, M. Naturesa S/A? – o consumo verde na
lógica do Ecopoder. São Carlos: RiMa Ed., 2009.
WALDMAN, M. Natureza e sociedade como espaço de cidadania. In: PINSKY, J.; PINSKY, C. (Org.). História da cidadania.
São Paulo: Contexto, 2010, p.545-561.
206
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
31 A complexidade do conceito de midiatização e a
construção de novas comunidades de pertencimento
Paulo Roque Gasparetto
A pesquisa se propõe a examinar o fenômeno da midiatização da religião e a forma como a mídia afeta as práticas
sociais a partir de duas dimensões – de caráter teórico para
contribuir para a explicação da complexidade do conceito de
midiatização, de modo que ele possa ser considerado um operativo para a pesquisa em mídia e religião – tomando como
referência e apontando-se para o fato de que a midiatização afeta as práticas religiosas e faz surgir novas formas de
“agrupamentos”. No entanto, ao lado desse papel central
da mídia, percebemos, também, que há uma religião que
emerge da relação da mídia com a sociedade que, por
sua vez, é permeada por diversas lógicas que ultrapassam o
controle da produção.
Palavras-Chaves: Complexidade; Midiatização; Religião;
Consideração Introdutória
No primeiro passo, partimos do uso do conceito referido na
esfera dos estudos num diálogo para realizar uma fenomenologia da midiatização da sociedade, que, o seu turno percebe
que o termo midiatização encontra-se em múltiplos textos. Ali,
207
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
estuda-se qual é o conceito de midiatização, que na verdade,
não possui uma compreensão unívoca nos diversos ambientes.
Como já se nota, o conceito de midiatização abarca
vários matizes e significado entre pesquisadores e programas
de pós-graduação dinamizados pelo trabalho teórico e por
operações metodológicas.
Os aportes de pesquisadores vinculados à Universidade do
Vale do Rio dos Sinos1 expressa um conceito de bios midiático
mais abrangente que a análise dos dispositivos tecnológicos. É
uma configuração de constituição de ambiências e de novas
interações. A técnica complexa, esgarçada, passa a redesenhar
o modo de ser dos campos sociais e dos seus processos. Ou seja,
as práticas midiáticas afetam práticas sociais, e também as práticas midiáticas afetam de tal ponto as práticas religiosas trazendo-as para o seu ambiente, nas suas lógicas e nas suas operações.
Segundo Pedro Gilberto Gomes, o que está surgindo é um
novo modo de ser no mundo, representado pela midiatização
da sociedade. Supera-se a mediação como categoria para se
pensar a realidade hoje. “Podemos dizer que a midiatização
nos coloca numa outra galáxia que supera a chamada Aldeia
Global. É um processo mais avançado do que uma simples
retribalização. A Galáxia Midiática (ou midiatizada) cria o fenô-
1 Programa de Pós-graduação em Ciências da Comunicação, que
tem os Processos Midiáticos como Área de Concentração, vinculados à Linha de Pesquisa Midiatização e Processos Sociais: Antônio
Fausto Neto, José Luiz Braga, Jairo Ferreira e Pedro Gilberto Gomes.
208
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
meno da glo(tri)balização.” 2 Segundo o autor, esse aspecto
sinaliza a possibilidade da busca de uma visão unificada da
sociedade. Um novo modo de ser no mundo configurado pela
midiatização social num retorno ao Uno.
Para Antônio Fausto Neto, na sociedade da midiatização é o desenvolvimento de processos e protocolos de ordem
sociotécnico-discursiva que vão redesenhando a questão dos
vínculos sociais.3 Estes são submetidos a uma nova ambiência,
cujo funcionamento decorre de novas estratégias enunciativas. “Tecnologias são convertidas em meios de interação e
redefinidoras de práticas sociais”.4
Neste sentido, a midiatização estrutura-se como um processo mais complexo que traz no seu interior os mecanismos de
produção de sentido social. Uma chave para a compreensão
e interpretação da realidade.
Alguns estudos, que dão “outros passos”, procuram ressaltar que conceitos e experimentações aonde vêm à midiatização como a assunção de realidades da vida cotidiana pelos
meios de comunicação por meios de coberturas jornalísticas.
2 GOMES, Pedro Gilberto. 2008. Midiatização e processos sociais na
América..., op. cit.
3 FAUSTO NETO, Antônio. Enunciação, auto-referencialidade e
incompletude. Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia, PUCRS
– Porto Alegre, n. 34, dezembro de 2007.
4 Idem, p. 80.
209
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Mesmo assim no âmbito da midiatização alguns autores
como Jean-Pierre Poitou5 considera que os dispositivos atuais de comunicação tornam manifesto o caráter essencial da
atividade mental de realizar-se graças aos mediadores. Neste
sentido, os processos cognitivos estão, necessariamente, inscritos dentro dos dispositivos. Isso faz com que a noção de dispositivo possua uma posição fundamental na antropologia do
conhecimento.
Nesse contexto de múltiplas vozes e da centralidade do
fenômeno da midiatização insere-se o trabalho investigativo
na esperança que estas pesquisas contribuam no processo de
compreensão do fenômeno da midiatização no mundo em
que vivemos.
Lugar da conversação
Tentamos, nesta parte final, examinarmos algumas “conversações” destas questões sobre de como as pesquisas podem
ajudar a compreender a complexidade dos processos midiáticos. Buscar uma compreensão mais aprofundada do assunto
nos remete necessariamente a um contexto vasto e complexo
no qual convergem uma série de fatores e perspectivas que
vão nos ajudar a descobrir a relevância desse estudo, desde
uma perspectiva midiática e comunicacional.
5 Jean-Pierre POITOU. Ce que «savoir s’y prendre » veut dire: Ou du
dialogue homme/machine, p. 49.
210
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Tendo como contexto de referência a midiatização da
religião. Estamos trabalhando sobre esse tema há pelo menos
dez anos. No mestrado mostramos uma parte do dispositivo
midiático na ação da produção. 6 No doutorado a proposta
visou investigar o processo comunicacional na instância da
recepção telemidiática religiosa. 7 Buscando descrever e compreender os sentidos e as estratégias de construção das novas
comunidades de pertencimento.
Na verdade ainda reconheçamos as dificuldades dessas
duas partes interligadas, fazer avanços sobre esses pontos de
articulação entre produção e recepção, juntamente com a
“plurivocidade do conceito de midiatização” continua o nosso
desafio. Segundo Verón, “é a articulação entre produção e
recepção dos discursos a questão fundamental. Compreender
essa articulação constitui, hoje, o desafio principal tanto no
6 GASPARETTO, Paulo Roque. A midiatização do neodevocionalismo religioso: a experiência da TV Canção Nova. Dissertação de
Mestrado. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos –
Unisinos Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação,
2005. O trabalho apresenta a reflexão sobre o papel das mídias na
construção da manifestação de novas religiosidades no Brasil, especialmente na elaboração de práticas televisivas neodevocionais.
7 GASPARETTO, Paulo Roque. Midiatização da religião: processos
midiáticos e a construção de novas comunidades de pertencimento.
Estudo sobre a recepção da TV Canção Nova. Tese de doutorado.
São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação, 2009.
211
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
plano da teoria como no da pesquisa”. 8 Assim, é um desafio
estudar produção e recepção por meio dos pontos de articulação entre um e outro.
Nesta nova ambiência, a religião não somente entra nas
casas das pessoas, mas também acaba reintroduzindo em seu
discurso a corporeidade, conseguindo fazer uma interação
com o cotidiano das pessoas. Os aportes de Verón nos ajudam a entender a relação entre produção e recepção, e de
modo especial o processo de apropriação que resulta dessa
negociação.9
Neste sentido, esta articulação dual é bastante semelhante à desenvolvida por mim em meu trabalho doutoral, a
partir do diagrama de Verón10 em que aparece a negociação entre produção e recepção gerando a apropriação, por
ângulos de reinterpretação próprios, parti dele para fazer um
8 VÉRON, Eliséo. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo, Editora
Unisinos, 2004.
9 VÉRON, Eliseo & LEVASSEUR, Martine. Ethnographie de l’exposition:
l’espace, le corps et sens. Bibliothèque publique d’information. Centre
Georges Pompidou, BPI, Paris, 1989.
10 Eliséo Véron faz uma análise do funcionamento de uma exposição cultural, em que as suas condições de produção pela instituição e as suas condições de leitura pelos visitantes, conduzem, de
acordo com o autor, a duas interrogações: qual é a natureza do ato
de expor e como esse ato afeta o sentido do que é exposto? A outra
interrogação referia-se ao peso relativo da motivação de visita e o
que é necessário construir para compreender os comportamentos
da visita?
212
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
segundo diagrama visando compreender os fluxos do processo
de interação em que a produção expõe e o nível da recepção
apropria-se das mensagens televisivas religiosas. Assim, para
tornar visível a problemática desses dois polos da produção e
da recepção construímos abaixo o nosso esquema, a partir do
texto de Verón da Ethnographie de L’exposition, onde ele apresenta na forma de diagrama o seu modelo.
>>>> VER ESQUEMA.
Vale destacar que a diferença entre o diagrama do Verón
e o nosso está na negociação que ocorre da apropriação. De
acordo com Verón, entre o “expositor” da obra de arte e os
“visitantes” que fazem o reconhecimento da mesma, existe
uma proposta sugestiva de certo roteiro para ser seguido pelos
consumidores da exposição. Já no nosso diagrama, abordamos a produção que propõe os programas televisivos religiosos
e a recepção que se apropria deles ao seu modo, conforme as
condições do mundo da vida.
Conforme dizíamos, é esse fluxo do processo de interação
entre produção e recepção, onde se realiza o processo de
apropriação. O nível da produção expõe e o nível da recepção
compõe a partir de operações que são feitas junto à oferta.
Dentro da perspectiva expressa, vivemos em um mundo
que os fluxos dessas relações são construídos tanto pelas instituições que produzem os conteúdos, quanto pelos receptores
que as recebem.
213
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Trata-se, evidentemente, do funcionamento das sociedades pós-midiáticas em que existe uma convergência tecnógica a nível de produção, mas aos mesmo tempo há uma
transformação radical nos modos de recepção, como nos diz
Verón: “La situación en que estamos entrando es radicalmente
diferente y nos obliga a repensar el concepto mismo de ‘recepción’, porque los procesos de consumo se vuelven mucho más
complejos. El receptor no es meramente activo: será el operador-programador de su proprio consumo multimediático”.11
Isso significa dizer, é claro, que estaríamos em algo novo,
uma nova forma de vida que faz emergir objetos complexos.
A recepção em tempos de complexidade é um novo objeto e
está associado diretamente na construção de novos coletivos
no âmbito da midiatização.
Como são construídos esses novos coletivos é uma questão crucial que tentamos persegui-los em nossas pesquisas. Na
verdade, os meios estão produzindo constantemente seus próprios coletivos obtidos por esforços permanentes na articulação entre a oferta e demanda, mas sempre “negociada” pela
recepção.
A preocupação central é a de perceber a extrema heterogeneidade dos discursos midiáticos quando trabalhamos a
produções e a recepção. A comunidade de pertencimento
11 VERÓN, Eliseo. La televisión, esse fenômeno masivo que conocimos, está condenada a desaparecer”. Entrevista con Carlos Scolari
y Paolo Bertetti, en Alambre: Comunicación, información, cultura,
Milão, Marzo de 2008.
214
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
não é produzida somente pela produção, mas pela apropriação que os fiéis fazem dessas mensagens no seu dia a dia.
Nota em conclusão
Dentro da perspectiva expressa é fundamental importância contribuir para a explicitação do conceito de midiatização
de modo que melhor sirva para explicar a realidade complexa
em que vivemos hoje.
Reconhecemos a centralidade da midiatização que
afeta as práticas sociais e faz surgir novas formas de “agrupamentos”. No entanto, ao lado desse papel central da mídia
percebemos, também, que há uma religião que emerge da
relação da mídia com a sociedade e, por sua vez, é permeada por diversas lógicas que envolvem processos de interações gerando-se interfaces entre produção e recepção de
discursos.
No âmbito dessa questão, situa-se a complexidade da relação entre a produção e a recepção que nos dá uma dimensão do ambiente no qual estas duas partes se gestam e que se
caracterizam pela multimodalidade de operações, cruzamentos, contatos e processualidades de complexos dispositivos.
A midiatização gera “efeitos”, mas não somente “efeitos”
de uma consequência imediata e unilateral da oferta produtiva. E também não são necessariamente aqueles efeitos previstos pela produção, mas aqueles que são consequência do
trabalho de apropriação realizada pelos receptores, inclusive
215
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
produzidos por lógicas diferentes. Uma nova realidade que faz
emergir relações complexas entre a produção e a recepção.
Referências
FAUSTO NETO, Antônio. Epistemologia do zigue-zague. Primeiro
Seminário de epistemologia e pesquisa em comunicação,
Unisinos, maio de 2009.
---------------------, Enunciação, auto-referencialidade e incompletude. Revista FAMECOS: mídia, cultura e tecnologia, PUCRS
– Porto Alegre, n. 34, dezembro de 2007.
GASPARETTO, Paulo Roque. Midiatização da religião: processos
midiáticos e a construção de novas comunidades de pertencimento.Estudo sobre a recepção da TV Canção Nova. Tese
de doutorado. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos
Sinos – Unisinos Programa de Pós-Graduação em Ciências da
Comunicação, 2009.
GOMES, Pedro Gilberto. 2008. Midiatização e processos sociais
na América Latina. Organizadores: Antônio Fausto Neto, Pedro
Gilberto Gomes, José Luiz Braga e Jairo Ferreira, São Paulo:
Paulus – (Coleção Comunicação).
VÉRON, Eliseo & LEVASSEUR, Martine. Ethnographie de
l’exposition: l’espace, le corps et sens. Bibliothèque publique
d’information. Centre Georges Pompidou, BPI, Paris, 1989.
216
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
-----------------------, Jean-Jacques. Sémiotique ouverte. Itinéraires
sémiotiques em communication, Paris, Lavoisier, Hermès
Science, 2007.
----------------------, La televisión, esse fenômeno masivo que
conocimos, está condenada a desaparecer”. Entrevista con
Carlos Scolari y Paolo Bertetti, en Alambre: Comunicación,
información, cultura, Milão, Marzo de 2008.
217
Sumário
23/11 – MANHÃ
SESSÃO TEMÁTICA 3
Literatura e Música
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
BLOCO A
32 Alimentação e Iconofagia: Rascunho
para um Diagnóstico Cultural
Michelle Medeiros
As bocas sugam um rio de carne, legumes e tortas vitaminosas.
Salta depressa do mar a bandeja de peixes argênteos!
Os subterrâneos da fome choram caldo de sopa,
olhos líquidos de cão através do vidro devoram teu osso.
Carlos Drummond de Andrade
O que são imagens? Que movimentos provocam em nós?
Como eram capazes de outrora realizar um movimento endógeno, de interiorização, no homem? Como a crise das imagens
relaciona-se com o movimento exógeno? O que é iconofagia?
Essas serão as questões norteadoras deste breve ensaio.
Para abordar o tema da imagem utilizarei como referencial as
ideias de Norval Baitello, semioticista da cultura, sobretudo em
seu livro A era da iconofagia (BAITELLO, 2005). A problemática
concreta que guiará a reflexão será a da alimentação: ontem,
tratada como alimento e, hoje, frequentemente, como consumo de imagens de alimentos. Trarei dois exemplos concretos:
um extraído da obra Em busca do tempo perdido de Marcel
Proust e outro de Roland Barthes, semiologista que influenciou-
219
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
-influencia até hoje o pensamento de alguns semioticistas da
cultura.
O trabalho está dividido em cinco seções: (1) As imagens: interiorização e exteriorização; (2) A busca da imagem
perdida: a produção da imagem interiorizada.; (3) Imagens
exógenas: os alicerces da iconofagia; (4) A iconofagia: uma
pista para pensar a crise na alimentação contemporânea e (5)
um fechamento.
As imagens: interiorização e exteriorização
O que são imagens? São fantasmagóricas em sua origem mais remota. Possuem a presença de uma ausência e a
ausência de uma presença. Fundaram seu próprio mundo, o
mundo das imagens, onde são independentes do mundo da
vida e das coisas e tentam a todo custo nos seduzir a nos transferirmos para lá. Imagens em um sentido mais amplo podem ser
configurações de distinta natureza, em diferentes linguagens:
acústica, olfativas, gustativas, táteis, proprioceptivas ou visuais.
A imagem nasce na caverna, nasce na palavra que conta a
origem do mundo, nasce no interior. Por isso, em seu movimento
natural deveria representar um vetor de recordação, de interiorização. Imagens com expressivos vetores de interiorização
são notáveis na história das imagens artisticamente produzidas:
pintura, fotografia, literatura, cinema, música, dança (BAITELLO,
2005, p. 46).
220
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Hans Belting é quem propõe as categorias de imagens
endógenas e exógenas, que permitem um tipo de análise de
impacto sobre o meio -ambiente comunicacnional, possibilitando um diagnóstico do potencial dialógico das imagens
como força imaginativa, quando seus vetores dominantes
conduzem à interiorização, ou como força desnvinculadora,
dissociativa, quando seus vetores são mera exterioridade, remetendo apenas à imagens exógenas (BELTING, 2007).
Vejamos um exemplo na literatura com Marcel Proust. A
cena, do primeiro volume da obra Em busca do tempo perdido,
exemplo de uma imagem endógena, tem uma fonte vetor de
interiorização, de recordação, ao narrar o efeito de uma taça
de chá de tília e um bolinho chamado madalena sobre o autor
(PROUST, 2009, p.71-3).
As imagens gustativas e olfativas aí funcionam como um
convite para um processo interior, de uma busca por algo que
não a imagem em si. A verdade buscada estava nele, no próprio narrador. A partir deste disparo imagético há a busca de
uma nova imagem, a imagem perdida, a imagem interiorizada.
A busca da imagem perdida: a produção da imagem
interiorizada
Ele, portanto, continua com seu mergulho em busca
da razão do frêmito que as imagens gustativas e olfativas lhe
causaram.
221
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
[...] Chegará até a superfície de minha clara
consciência essa recordação, esse instante
antigo que a atração de um instante indêntico
veio de tão longe solicitar, remover, levantar
no mais profundo de mim mesmo? Não sei. […]
(PROUST, 2006, p. 73)
Ainda que destaquemos uma certa disposição do narrador para o alcance da razão do frêmito de uma imagem feliz,
é importante salientar que o retorno à Combray, ao verdadeiro
paraíso interior, à casa natal e onírica, ocorreu pela memória
involuntária, que foi estimulada pelas imagens olfativas e gustativas. “Tudo isso que toma forma e solidez, saiu, cidade e jardins,
de minha taça de chá” (PROUST, 2006, p. 74).
Imagens como essas abrem as portas do nosso mundo
perceptivo e nos convidam a um processo rumo ao interior, às
nossas origens: à terra natal, a casa materna, à casa onírica,
do sonho, ao útero, à caverna. A partir dessa imagem literária somos capazes de empreender viagens a espaços interiores, verdadeiros processos de subjetivação. São imagens que
agenciam enunciações coletivas, como diria Gilles Deleuze em
Crítica y Clínica (DELEUZE, 1996).
O mundo das imagens, todavia, vive um processo inflacionário. Imagens que fecham as portas para o mundo por
serem construídas a partir de um forte vetor de exteriorização
são cada vez mais presentes hoje em dia (BAITELLO, 2005).
222
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Imagens exógenas: os alicerces da iconofagia
As imagens servem para nos fazer viajar no tempo, recordar e ressuscitar sensações e tempos perdidos. “[…] Quando
mais nada subsiste de um passado remoto, após a morte das
criaturas e a destruição das coisas, sozinhos, mais frágeis porém
mais vivos, […] o odor e o sabor permanecem ainda por muito
tempo, como almas […] suportando sem ceder, em sua gotícula impalpável, o edifício imenso da recordação” (PROUST,
2009, p. 73, 4). As imagens servem para eternizar. A motivação
primeira da criação das imagens pelo homem foi a fuga da
morte (BAITELLO, 2005).
Hoje, entretanto, as imagens convidam à fuga do corpo.
Estão em profusão por todos os lados. Distantes, abstratas e
desencarnadas de interioridades, vazias e ocas, fantasmas de
aparição súbita e efêmera, que serão sucessivamente substituídos por mais fantasmas, como uma imagem sucede à outra,
infinitamente, sem levar a qualquer outra coisa que não seja
uma imagem.
Essa sociedade imagética serial abre espaço para o
fenômeno, denominado por Norval Baitello de inconofagia:
devoração de imagens, por imagens e a gula das próprias imagens. Por medo da morte principiamos a produzir imagens dos
mortos. Por medo das imagens de morte aceleramos a produção das imagens para afastar a vivência da morte. As imagens
começam a se superficializar, de tal forma que remetem apenas a outras imagens, vivem um processo exógeno, portanto.
Ao falar dos degraus da iconofagia Baitello fala das (1) ima-
223
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
gens que se repetem e do (2) consumo de imagens: começamos a consumir imagens, não mais as coisas, mas apenas seus
atributos imagéticos. (BAITELLO, 2005).
A iconofagia: uma pista para pensar a crise na alimentação
contemporânea
Se a imagem endógena, literária, nos leva a um processo de subjetivação sobre o alimento, o mesmo não acontece com a imagem exógena: há uma desmaterialização da
comida por meio de imagens, cada vez mais eco, cada vez
menos oikos, como mostra Baitello (2005), cada vez menos se
comem alimentos, cada vez mais se comem imagens de alimentos (embalagens, cores, formatos, padrões de alimentos: o
termogênico, o hiperptotéico, a fibra).
Roland Barthes (2009), fez uma análise sobre as fotografias de alimentos apresentadas pela revista Elle e detectou um
convite à superficialidade do alimento, à cobertura. A contemplação de algo inacessível, consumido apenas pelos olhos e,
por isso, uma cozinha ornamental. Diz ele:
Nesse tipo de cozinha, a categoria substancial dominante é a cobertura; fazem-se todos
os esforços para alisar as superfícies, para arredondá-las: com o intuito de esconder o alimento sob o sedimento liso dos molhos, cremes,
fondants e geleias. É evidente que isso se deve
à própria finalidade da cobertura, que é de
224
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ordem visual, e a cozinha da Elle é uma cozinha puramente para a visão, sentido distinto.
(BARTHES, 2009, p. 130).
Fondants, coberturas, geleias. Coberturas. A devoração
da casca. O consumo de imagens de alimentos e não de alimentos em si. O mesmo convite à superficialidade pode ser
percebido nas numerosas capas de revistas que convidam à
perda de peso ao propor a dieta de algum macronutriente –
carboidratos, lipídeos, proteínas – ou vendendo a imagem de
alguma celebridade seminua. Consuma-me ou devoro-te.
Encontram solo propício, neste cenário, o sobrepeso e a
obesidade. Primeiro, como fruto desta inabilidade de o homem
lidar com o alimento-imagem. Vendido habilmente pela publicidade alimentar. E, segundo, como doença também por
serem incompatíveis com as imagens-padrão de beleza: os
corpos obesos fogem à lei da produção em série. Tais imagens
contemporâneas chegam para desprivatizar nosso espaço de
individualidade.
Fechamento
Portanto, percebemos que como instrumento de diagnóstico da cultura contemporânea, indo sempre em direção
às suas raízes, as ideias da semitótica da cultura prestam um
grande serviço analítico. Aqui exemplificamos utilizando a questão das imagens.
225
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A alimentação, na medida que é uma questão biológica,
é também uma questão cultural. Por isso, pensar a questão
atual da alimentação, requer uma passagem por este diagnóstico cultural. Aqui, as ideias de Norval Baitello demonstraram
ter um potencial gerador de reflexões centrais sobre o tema.
Destacou-se a importância das imagens endógenas, como a
literária, como um convite ao eu que come e que come alimentos. E das imagens exógenas como pistas para pensar
problemas relacionados ao tema contemporaneamente, por
exemplo, a obesidade.
Roland Barthes também parece ser um importante autor,
para pensar este diagnóstico cultural referente à alimentação
contemporânea. Em muitas de suas obras o tema da alimentação é uma constante: Mitologias (O vinho e o leite, O bife
com batatas fritas, Cozinha ornamental), A aventura semiológica (A cozinha dos sentidos), ensaio Por um psicossociologia
da alimentação contemporânea, O império dos signos (A água
e o floco, Palitos e A comida descentrada), Rumor da língua
(Leitura de Brillat-Savarin), Como viver juntos (seção Alimento),
O prazer do texto, Roland Barthes por Roland Barthes, Política
(Senhores e escravos: sobre Casa-Grande e Senzala de Gilberto
Freyre). Reflexões sobre o seu trabalho merecem desdobramentos neste campo de reflexão em ascensão: a alimentação
e a cultura.
226
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
REFERÊNCIAS
BAITELLO, Norval. A era da iconofagia. São Paulo: Hackers
Editores, 2005.
BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro: DIFEL, 2009.
DELEUZE, Gilles. Crítica y clínica. Barcelona: Anagrama, 1996.
BELTING, Hans. Antropología de la imagen. Buenos Aires/
Madrid: Kartz Editores, 2007.
PROUST, Marcel. Em busca do tempo perdido. São Paulo:
Editora Globo, 2006. ( O caminho de Swann, 1)
227
Sumário
33 Uma literatura emancipatória
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Carmen Rivera Parra
Em que sua pesquisa pode renovar o olhar sobre a
comunicação e os estudos de comunicação?
Eu estou começando uma pesquisa a partir dos ensaios
de Virginia Woolf sobre literatura: Um teto todo seu, Três guineias, O leitor comum. Neles a autora desenvolve sua conceição principal sobre a potência da escrita, sobre o que ela
pode: o ato de escrever pode ser um meio de emancipação
dos sujeitos envolvidos nele. A escrita tem sido um meio de difusão das ideias políticas, tem um rol fundamental em revoluções
e revoltas, em períodos de ditadura, mesmo na clandestinidade, tem sido a única via para que as ideias circulassem e
que os homens e as mulheres continuaram acrescentando seus
“espíritos” nos tempos de imposição da pobreza de ideias. A
escrita tem sido o meio de denúncia dessa pobreza, de denúncia da injustiça geral, assim como da reivindicação da justiça e
de novos mundos para os homens e as mulheres. Esse é um fato
incontestável. E poderia supor uma ligação evidente com algumas teorias da comunicação, as mais divulgadas. A palavra
escrita circula, viaja, pode atravessar fronteiras e proibições. Ela
tem como natureza essa viajem possível, pode cair nas mãos
de qualquer um, pode sempre achar um destinatário, mesmo
228
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
um destinatário nunca imaginado nem desejado. A palavra
escrita terá uma intenção quando ela fala, por exemplo, das
ideias da política, mas no seu caminho, na sua direção, podem
acontecer inúmeros desvios. Segundo Jacques Rancière será
esse aspecto da palavra que acha um destinatário qualquer
o que Platão sancionará com antecipação na sua critica da
palavra escrita: mesmo se o analfabetismo parece segurar a
correta correlação entre palavras e destinatários, no momento
que nas palavras podem circular no papel fica aberta a possibilidade de que qualquer um receba palavras que falam de
outros mundos, de outros desejos, numa outra língua que não
estava destinada para ele. Uns dos círculos da comunicação
seria quebrado por um desordem.
Mas o que nos interessa especialmente é essa outra língua.
Talvez a diversidade dos modos da língua não seja exclusiva da
palavra escrita. Todos conhecemos a diversidade e mudança
continua das “falas” da língua, a introdução de modalidades
novas de palavras, a invenção de outras, a mudança das significações, a variedade semântica dos giros gramaticais, etc.
E mesmo, essa outra língua ficaria para muitos fora da comunicação. Conhecemos o exemplo de autores como Jean-Paul
Sartre, quem para compreender a comunicação opera uma
distinção neta entre a língua ordinária, veículo de ideias, e a
língua poética, ocupada apenas em si mesma. A língua ordinária permite comunicar, pode ser o corpo de ideias, e essa é
a potência política que a língua ordinária tem na mudança do
estado de coisas do mundo. A poesia como a literatura, por
falar simplesmente, pouco poderia fazer neste mundo.
229
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Porém, também outros autores como Rancière acham
que a língua ordinária compartilha a mesma matéria da língua
da poesia, e por extensão, da literatura como gênero transversal da palavra escrita. A comunicação, mesmo a comunicação no sentido comunista, não precisaria se separar da
poesia e da literatura. O escritor não teria que estar envolvido
numa causa política especifica no afora da literatura para
que a sua escrita opere mudanças o suporte estados de coisas. Não haveria, em conclusão, um mundo do estado de coisas, e um mundo da língua que poderia agir sobre ele apenas
numa das suas modalidades possíveis. Por continuar falando
em mundos, antes bem haveria múltiplos mundos construídos
e comunicados por configurações diferenciadas e mesmo hierarquizadas da língua comum. Nesse sentido a comunicação
poderia talvez ser compreendida segundo sua capacidade de
ligar mundos, ou se queremos sair dessa denominação podemos nos referir a atores clássicos das ciências sociais: grupos
sociais, âmbitos laborais, classes econômicas, etc. A comunicação seria restrita ou aberta em diversos graus segundo sua
disposição para ligar mais ou menos mundos, âmbitos... Mas
essa disponibilidade, mais uma vez, não dependeria da língua
como matéria, não dependeria apenas, por exemplo, dum uso
corrente da mesma, o pelo contrário do uso de termos especializados como no caso dos jargões técnicos, do uso de palavras
sofisticadas ou o uso de palavras vulgares. Qualquer um pode
dispor de eles, mesmo com esforço, e mesmo se os usos e efeitos desses termos não coincidem com os previstos pelo autor.
Antes bem, essa disposição dependeria das relações que na
230
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
escrita mesma se estabelecem por meio dessa matéria comum
da língua: relações hierarquizadas, relações igualitárias, quase
na sintaxe mesmo, mas em relação também ao tipo de mundo
de relações que a escrita mesma constrói. A literatura não precisaria fazer referencia a um mundo exterior a ela do estado
de coisas para tentar estabelecer um mundo de relações. A
comunicação, nesse sentido, teria lugar no interior mesmo da
escrita, nessa superfície povoada de palavras que é a literatura
como arte geral da escrita. A outra língua da escrita, da literatura, seria então a conjunção dessa palavra sem destinatário
definido com essa língua das ligações que permite perceber
mundos diversos.
Nesse sentido concordaríamos com a conceição do professor Ciro Marcondes Filho da comunicação como um “encontro”. Quase estaríamos tentados de citar Foucault no prefácio
de As palavras e as coisas no fragmento da sua paráfrase de
Lautréamont: “Mas todos esses vermes e serpentes, todos esses
seres de podridão e de viscosidade fervilham, como as sílabas
que os nomeiam, na saliva de Eustenes: é aí que todos têm
seu lugar-comum, como, sobre a mesa de trabalho, o guarda-chuva e a máquina de costura...”. Talvez seja um exagero trazer a citação de Foucault, mas coloca de um jeito claro como
as relações são feitas de linguagem, e mesmo a mesa comum
onde elas esperam para ser retomadas.
No caso da minha pesquisa sobre a ligação da literatura
e a emancipação a partir da obra de Woolf, se tivermos que
a interrogar sobre a comunicação, e tendo em conta as reflexões que colocamos mais acima, começaríamos por interro-
231
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
gar os textos a partir das relações que eles estabelecem entre
sujeitos e capacidades, entre sujeitos e espaços, entre sujeitos
e sujeitos, entre os diversos mundos que eles mostram. Podemos
também dizer que interrogaríamos os processos de subjetivação que eles propõem, pois eles apresentam a existência e a
necessidade de emancipação das mulheres como um fato,
mas ligados, mesmo necessariamente, ao ato da escrita.
Nesse sentido, minha pesquisa, na atualidade, poderia
supor uma contribuição aos estudos sobre a comunicação sob
a pobre perspectiva da negação: em lugar de um processo
de transmissão de unidades de informação, tentaria estudar a
comunicação como um processo de encontro entre diversos
elementos que é passível de produzir mudanças nesses elementos e nos seus ambientes; em lugar de um esquema de orientação das capacidades humanas (e mesmo das máquinas) em
função de resultados conhecidos e limitados a uma utilidade,
tentaríamos compreender a comunicação como um processo
imprevisível nos resultados que opera nos sujeitos; em lugar de
um processo antropologicamente destinado a não se realizar,
a perder-se em obstáculos e barulho, como um processo que
está sempre tendo lugar mas que precisa de sujeitos que atuem
em relação a ele...
232
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
34 Balzac e a comunicação: elementos para
pensar a Nova Teoria da Comunicação?
Alexsandro Galeno Araújo Dantas
1 – Descrição dos objetivos
a) Objetivo Geral
Analisar imagens literárias que permitam uma reflexão
sobre elementos da Nova Teoria da Comunicação (NTC).
b) Objetivos específicos
Problematizar a relação entre literatura - comunicação
- sociedade
Identificar na NTC elementos epistêmicos que dialoguem
com a literatura
Elencar imagens literárias na obra de Balzac que possam
estabelecer conexões com a NTC
2 – Metodologia
Para problematizar a relação entre literatura-comunicação-sociedade será realizada revisão de literatura em obras –
livros, artigos e vídeos- que tratem sobre o tema específico.
Com o objetivo de identificar na NTC os elementos que
possam dialogar com a literatura, será realizada leitura dos sete
233
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
volumes da obra. Em seguida, será construído um diário digital
contendo notas e comentários sistematizados, apontando os
elementos de interesse para esta pesquisa.
Quanto ao trabalho com as obras literárias de Honoré
de Balzac, decorrerá da seguinte maneira: (1) leitura inicial da
obras do autor, especificamente, da Comédia Humana, que
somam 17 volumes; (2) eleição das obras de interesse para
uma análise mais aprofundada. As obras serão selecionadas
de acordo com a relação que estabeleçam com o tema geral
deste estudo; (3) nova leitura das obras escolhidas; e (4) produção de um arquivo, uma espécie de diário digital, contendo a
sistematização dos pontos de interesse para a análise.
Com tais dados em mãos, as categorias de análise serão
explicitadas e, em seguida, os resultados serão apresentados e
discutidos.
Como destaca Ciro Marcondes Filho, a partir de Flusser,
somos imaginadores e, por isso, vivemos mediados por imagens. A literatura, sobretudo, é uma grande usina de imagens.
Neste sentido, uma NTC não poderia prescindir do seu uso. De
romances, sobretudo, para problematizarmos sua ontologia e
epistemologia (MARCONDES FILHO, 2010).
3 – Justificativa
Como nos disse Georges Bataille “literatura é comunicação”, o que relembra Edgar Morin para quem a literatura nos
fornece “antenas para o mundo e vestimentas para a vida”.
234
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Morin evoca La Rochefoucauld para dizer que se não houvesse
romances de amor, provavelmente, este nunca seria conhecido. A literatura é fornecedora de imagens que dizem sobre
nossa ação diante do mundo. Das vezes em que lê-se alguns
romances de Balzac, percebe-se o apelo visual e, então, os leitores podem tornar-se leitores-espectadores no desenrolar das
leituras (BATAILLE,1989, p. 10; MORIN, 1997, p. 20)
Um exemplo disso é quando se é tomado pelo sentimento
da compaixão com o sofrimento do Pai Goriot em função do
abandono de suas filhas, ou quando percebe-se a soberba
do personagem Vautrin ou, ainda, quando o leitor se depara
com aspectos de uma ética da conveniência do personagem Eugène de Rastignac: um estudante provinciano que
deseja o reconhecimento social da burguesia francesa a todo
custo. Para Ítalo Calvino a literatura faz “chover na imaginação”. Assim, pode-se exercitar a condição de imaginadores
(CALVINO, 1990).
Escrever, assim como filosofar, como diz Montaigne, é
aprender a morrer. Significa o exercício de algo intranqüilo. Ou
ainda, como questiona Rilke em suas Cartas a um jovem poeta:
“Quais escritores seriam capazes de morrer se lhes fosse negada
a possibilidade de escrever?” O poeta aconselha que se escavem respostas profundas. (MONTAIGNE, 2010; RILKE, 2010, p. 25)
Essas é uma pergunta que jornalistas, escritores, cientistas
teriam de fazer. Pois não se trata meramente de um estilo de
escritura, mas de um exercício cotidiano para a vida. Mesmo
porque, como afirmou Roland Barthes, seja qual for o estilo e
seu refinamento, sempre haverá algo de bruto. Algo que toma
235
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
uma forma sem destino ou de um deslocamento nômade,
diria Gilles Deleuze, que viabilize a realização dos passeios, das
vagabundagens e dos nomadismos necessários na invenção
de seus textos (BARTHES, 2000; DELEUZE; GUATTARI, 1997).
Escrever, portanto, é uma vagabundagem estilística através do passeio das palavras. A palavra será o desnudamento
corporal e, também, o próprio abismo para quem escreve.
Diferentemente da fala, a escrita não deveria ser um fenômeno
de velocidade, mas algo pacientemente esculpido e denso.
Possivelmente, o rush das redações e do mercado editorial
impossibilitam o go slow, isto é, uma certa lentidão para que as
palavras não sejam um mero ajuntamento de letras reunidas
e compostas sobre assuntos que reproduzem rotineiramente a
vida. É claro que o jornalismo diário (diurnalis) não poderá deixar
de tratar dos fatos triviais, mas não deveria, nunca, descuidar-se com o frescor da escritura e com os bons “surtos florais” em
seu estilo. A literatura é um meio de evitar que a imaginação
jornalística se transforme em mero exercício retórico e enfadonho no cotidiano (BARTHES, 2000).
Por isso, será necessária uma outra formação. Aquela que
não é centrada no modelo tecnológico e na cultura comunicacional de produzir informações breves ou apenas Notícias
Breves, como já advertia Balzac (BALZAC, 1999). E é nesta direção que a NTC – Principio da Razão Durante, elaborada por
Ciro Marcondes Filho – caminha. Uma proposição epistemológica para se pensar a comunicação que privilegia aspectos
literários, artísticos e filosóficos:
236
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Para Proust, os signos, conforme leitura de Gilles
Deleuze, representam fielmente o alcance da
comunicabalidade; eles ‘violentam’ o pensamento e é isso que precisamos investigar nas
práticas comunicacionais. Juntando a isso,
dizemos que eles nos fazem pensar, nos forçam
a pensar, nada mais que isso, é a comunicação. Na opinião de Proust, somente pela arte
(em nosso caso: também pela pesquisa comunicacional) podemos sair de nós mesmos, saber
o que o outro vê a partir de seu universo, que
não é o nosso, emuma palavra, investigar a
incomunicabilidade humana tanto presencial
como diante dos sistemas e das tecnologias
virtuais da comunicação. (MARCONDES FILHO,
2012, p.77,8)
As idéias, como definiu Balzac em seu romance autobiográfico Luis Lambert, são como florações da natureza. A
literatura germina o imaginário e faz com que seus percursos
se prolonguem pelos passos vagabundos da escrita. Neste
aspecto, explicita-se a afirmação de Bataille de que “literatura
é comunicação”. Tal assertiva vale para problematizar qualquer media. Pensa-se, inclusive, que a internet deverá ser um
espaço de incentivo aos profissionais de comunicação, sobretudo, se for considerada a geração que não conheceu o exercício lento e paciente da escrita à lápis e no caderno. Geração
denominada por Michel Serres de Polegarzinhas. Surgirá uma
netliteratura? Uma webliteratura parece algo pertinente já
237
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
que é um tipo de comunicação horizontal e aberta ao infinito
(SERRES, 2013).
Não se pode esquecer que o escrever relaciona-se ao universo cultural do tecer. Como o vocábulo texto, que se origina
da antiga técnica feminina de tecer, o universo da internet
surge como metáfora de uma teia. Não teria Balzac, com a
sua Comédia Humana, antecipado uma comunicação hipertextual, na medida em que criou o método narrativo do reaparecimento de personagens em romances distintos? Romances
que se conectam e ou se linkam infinitamente. O universo rizomático da Comédia pode contribuir com uma nova epistemologia pelo seu modelo recursivo e de religação entre saberes
distintos? Balzac, acredita-se, recupera o sentido etimológico
da palavra complexus – o que tece em conjunto – e relaciona-se ao apelo ético das palavras complexere (abraçar), communicatio (comunicação) e communicare (comunicar, estar
em comunhão). A partir desses enunciados é que pretende-se
desenvolver esta pesquisa.
4 – Referências
Citadas
BALZAC, Honoré de. Os jornalistas. Rio de Janeiro: Ediouro,
1999.
BARTHES, Roland. O grau zero da escrita. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.
238
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
BATAILLE, Georges. A literatura e o mal. Porto Alegre: L&PM,
1989.
CALVINO, Ítalo. Seis propostas para o próximo milênio. São
Paulo: Companhia das Letras, 1990.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs. São Paulo: Editora
34, 1997. (Capitalismo e esquizofrenia, 5)
MARCONDES FILHO, Ciro. A nova teoria da comunicação.
Documento – base do Seminário: 10 anos de Filocom: A Nova
Teoria nos 44 anos de Eca, 22 a 26 de novembro de 2010, na
ECA – USP. São Paulo, 2010.
MARCONDES FILHO, Ciro. Fascinalção e miséria da comunicação na cibercultura. Porto Alegre: Editora Sulina, 2012.
MONTAIGNE, Michel de. Os ensaios. São Paulo: Penguin
Companhia, 2010.
MORIN, Edgar. Meus demônios. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997.
RILKE, Rainer Maria. Cartas a um jovem poeta. Porto Alegre:
L&PM, 2010.
SERRES, Michel. Polegarzinha. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013.
Base para a pesquisa
Honoré de Balzac: A comédia Humana (Editora Globo)
Ciro Marcondes Filho: Série Nova Teoria da Comunicação
(Editora Paulus)
239
Sumário
35 LÉVI-STRAUSS: mitos em composição musical
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Betania Maria Franklin de Melo
Este trabalho é parte da pesquisa de doutoramento
focado no estudo das Mitológicas de Claude Lévi-Strauss (19082009), no qual as linguagens, mito e música, estão relacionadas segundo o autor. Lévi-Strauss propõe que a compreensão
dos mitos ocorre de maneira similar com a partitura orquestral,
desta forma, a tese seguiu a tetralogiana investigação dos termos musicais usados na análise, como também, a nomeação
dada aos capítulos do primeiro volume principalmente. Vários
procedimentos de composição e formas intitularam a tetralogia. Compositores em pares foram categorizados como: Bach
e Stravinskipara o código, Beethoven e Ravel para a mensagem e Wagner e Debussy para os mitos. (LÉVI-STRAUSS, 2004a).
Na grandeza do estudo antropológico, na totalidade
deoitocentos e treze mitos da obra, (LÉVI-STRAUSS, 2005), criamos música para oito mitos até o momento, com texto baseado na narrativa. Selecionamos seis composições para este
artigo.A proposta de elaboração musical permite que oconhecimento desta cultura se amplie e sensibilize o ouvinte por meio
da percepção instrumental e vocal. No decorrer de mais de
vinte anos, o pesquisador francês, pesquisou tribos indígenas,
e iniciou no Brasil,(1935-1939), a academiafrancesa e brasileira
reconheceu a envergadura da obra, no entanto, estes mitos
ainda não foram escutados, em contraponto a mensagem do
240
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
autorqueos mitos não foram feitos para serem lidos e sim escutados.(LÉVI-STRAUSS, 2004a).
Lévi-Strauss ao tratar da comunicação entre os indivíduos
escreveu: “Em toda sociedade, a comunicação opera pelo
menos em três níveis: comunicação de mulheres; comunicação de bens e de serviços; comunicação de mensagens”.
(LÉVI-STRASS, 1980, p. 25). A partir disto, vemos que os mitos
comunicam entre si, como a música também. E, se foram estabelecidos entre estas linguagens uma relação, por que não
melodiar as narrativas e intensificar a forma de sensibilidade na
escuta?
Diante dos termos dados em oposição, contrastes ou em
simetria, temas como: o incesto, assassinato,demais acontecimentos e crenças fazem parte da sociedade que eleva a natureza como extensão da própria vida. Ao pensar a antropologia
harmonizada à música, Lévi-Strauss pontuou que a estrutura do
mito correspondia ao de uma partitura musical que também
pensamos, configura-se como uma estrutura rígida no uso da
linguagem específica da arte musical.
Nas narrativas,a sequência dos acontecimentos não se
dão como um romance com final feliz. Muitas vezes, não se
sabe o herói da história, porque um personagem da maldade
adiante se torna a vítima, como no mito referencial, o M1. LéviStrauss aplica: “O pensamento mítico, totalmente alheio à
preocupação com pontos de partida ou de chegada bem definidos, não efetua percursos completos: sempre lhe resta algo a
perfazer”(LÉVI-STRAUSS, 2004a, p. 24).De repente um animal se
transforma em humano e vice-versa, esta questão entre anima-
241
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
lidade e humanidade, e também os termos utilizados na obra,
em oposição como as categorias empíricas, O cru e o cozido,
o seco e o molhado, o mel e as cinzas refletem ambigüidades
míticas. Assim, mostrou que os mitos não têm fim e que a terra da
mitologia é redonda: “Porém, se a cadeia se fecha no mito dos
gêmeos, que encontramos duas vezes no caminho, talvez isto
se deva ao fato que a terra da mitologia é redonda ou, dito de
outra maneira, porque ela constitui um sistema fechado” (LÉVISTRAUSS, 2004b, p. 219). O Mito opera como um ritornello. Têm
meios, voltam, repetem são recriados, continuam e aparentam
ter um fim. Porém, são infinitos. “Não existe um verdadeiro término na análise mítica, nenhuma unidade secreta que se possa
atingir ao final do trabalho de decomposição. Os temas desdobram ao infinito”(LÉVI-STRAUSS, 2004a, p. 24). O ritornelloque é
um termo musical é também visto como elemento presente no
itinerário mítico, seja o herói ou outro personagem ele sempre
retorna ao seu lugar, propondo um estado de repetição ou de
circularidade.
O primeiro exemplo musical que apresentamos refere à
primeira narrativa ou M1, por ser eles numerados. Os acontecimentos históricos do desaninhador de pássaros se dão quando
as mulheres vão colher folhas para fabricação dos estojos
penianos para enfeitar os rapazes, uma delas é violentada,
e ao chegar em casa, o marido percebe que em sua cintura
havia penas do enfeite dos rapazes, e assim resolve provocar
uma dança para observar qual dos rapazes usa a mesma pena
que a esposa trouxera no cinto. Para sua surpresa, era seu pró-
242
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
prio filho. Sedento de vingança manda o filho para o Ninho das
Almas. (LÉVI-STRAUSS, 2004a, p.58-59).
Várias categorias estão envolvidas como: os personagens:
mulher, rapaz, esposo, avó; como os instrumentos: maracá,
chocalho; os animais: colibri, juriti, gafanhoto, lagartixa, urubu,
peixe, veado; os territórios: floresta, casa, praça da dança, a
casa da avó, o ninho das almas, a montanha e outros lugares. No universo destes elementos constitutivos é possível assinalar um pentagrama específico para cada categoria, como
a leitura de cada instrumento musical tem sua especificidade
no que concerne a alturae nesta abrangência de pentagramas a linguagem dos mitos pode ser estabelecida conforme a
associação dada pelo autor, uma grade orquestral refletindo a
riqueza sonora comparada a riqueza abrangente dos elementos que constituem os mitos.
O segundoe terceiro exemplo musical se encontra
emSonata das boas maneiras, título da segunda parte das
Mitológicas 1. Nesta, constam narrativas do Mito 14 ao Mito 64.
Sublinhamos dois mitos com mesmo título para contextualizar a
forma Sonata: o M14 A Esposa do Jaguar da tribo Ofaié e a o
M46 A Esposa do Jaguar da tribo Bororo. Na narrativa do M14,
o Jaguar deixa uma carcaça no mato e não aparece literalmente, e uma jovem ao encontrar no caminho revela o desejo
de comer muita carne. Ele se aproxima, promete o sonho
e casa-se com ela. A figura do Jaguar aparece como bom
e sedutor porque a mulher afirma a bondade do Jaguar em
proporcionar carne para todos da aldeia e permitir que escolham até o tipo da caça. Há como uma modulação diante da
243
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
dúvida anterior de seus familiares sobre a bondade do Jaguar.
Na narrativa do M46, o Jaguar por ter salvado a vida do índio,
recebe como recompensasua filha e casa-se com ela. Uma vez
grávida, ouve a recomendação do Jaguar antes de ir caçar,
que ela não risse, porque ao sorrir sentiria dores. A mulher não
conteve o riso estando grávida, sentiu dores e o Jaguar volta
e faz o parto, era de gêmeos. Novamente a figura do Jaguar
aparece como bom e sedutor em meio ao seu pedido. (LÉVISTRAUSS, 2004a, p.108).
O quarto exemplo musical refere-se ao mito M29, da tribo
Xerente, Origem das Mulheres. Este mito conta que não existiam
mulheres e que só havia homens homossexuais. Certo dia,todos
viram no reflexo da água de um pequeno rio, a imagem de
uma mulher. Tentaram pegar o reflexo e ela estava no alto
da árvore, fizeram descer a mulher e dividiram entre eles em
pedaços. Cada um levou o seu pedaço e puseram o pacote
na parede da cabana. E todos os pedaços foram transformados em mulheres. Assim, cada homem ficou com uma mulher
e todos levavam sua mulher quando iam caçar. (LÉVI-STRAUSS,
2004a, p. 139).
O quinto exemplo musical se atrela ao Mito, M81, da tribo
Tukuna, A vida breve. Nesta narrativa há um diálogo entre a
jovem e o espírito da velhice, possibilitando a troca entre a
juventude e a velhice. Assim, nos tempos antigos em que os
homens não conheciam a morte, uma jovem reclusa durante
o período de sua puberdade, não respondeu aos deuses imortais. Passado um tempo ela respondeu, o que foi considerado
erro, porque nesse diálogo o Espírito Velhice se instalou na sela
244
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
que ela estava, trocou de pele com ela, passando ele a ficar
jovem e ela a ficar velha. Desta forma, os humanos envelhecem e morrem, explica o mito. (LÉVI-STRAUSS, 2004a, p. 189).
O sexto e ultimo exemplo musical destaca a cultura do
hidromel. O mito, M214, do segundo volume das Mitológicas,
Do mel às cinzas. Este mitotraz a história de um tempo em que
o hidromel não era conhecido. Então, um velho experimentou
o mel com água, diluiu e bebeu, enquanto todos temiam ser a
bebida um veneno. Ele disse não ter medo da morte, bebeu e
caiu, ninguém quis beber o hidromel. Durante a noite, voltou a
si e explicou que o hidromel não era veneno e todos podiam
beber. No baixo tronco de uma árvore todos aceitaram e beberam todo o hidromel. O pássaro veio e construiu uma barrica e
transformou-se em homem. (LÉVI-STRAUSS, 2004b, p.100).
Na América do sul o mel e o tabaco se encontram em
correlação à oposição e também compartilham propriedades
com produtos naturais. O mito Hidromel que representa a junção do mel com a água também é narrado. O interesse se
dava na equivalência do mel fermentado com o veneno, a
invenção do Hidromel opera com a passagem da natureza à
cultura.
Sobre as duas modalidades da mitologia citadas por LéviStrauss (2011a),vemosa implícita que se refere à mitologia ritualista e a explícita às narrativas. Ou seja, a mitologia da literatura
oral consegue discernir o aspecto da descontinuidade e continuidade. A forma do ritual prevalece se houver descontinuidade
do pensamento mítico, uma maneira de ressurgir da memória
as evocações guardadas e os significados que só o ritual elege.
245
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A discussão na tetralogia repousa no fato que no ritual a afetividade se encontra no eixo das práticas. Dada a concepção de
mundo, há recusa nestas representações simbólicas:
O ritual não é uma reação à vida, é uma reação
ao que o pensamento faz dela. Não responde
diretamente nem ao mundo nem experiência
do mundo, responde ao modo como o homem
pensa o mundo. (LÉVI-STRAUSS, 2011, p. 656).
As manifestações afetivas influem no intelecto e esta operação caracteriza as ciências humanas. Explicou Lévi-Strauss, se
do contrário fosse, caberia à biologia ou a outras ciências tratar
disto. Do ritual, o autor diz tentar lançar a relação da mitologia
com a música, exemplificando a música vocal e a instrumental.
Da maneira que a música vocal ou o canto (diferente da instrumental) necessita da linguagem como suporte, o campo do
mito também. Por ser a linguagem articulada, a função que dá
significado ao mito faz intersecção e dependência da linguagem: “[...] pode-se dizer que os campos respectivos da linguagem articulada, do canto vocal e do mito interseccionam. Na
zona em que recobrem, manifesta-se uma afinidade entre eles,
atestada pelos casos frequentes em que os mitos são efetivamente cantados”. (LÉVI-STRAUSS, 2011, p. 646). Por isso, os mitos
se movem.
Passados mais de 70 anos da pesquisa dos mitos ameríndios, hoje se fossem devolvidos às sociedades a que pertencem
esta interpretação soldada no plano de origem – a narrativa
– não teria o mesmo som. A interpretação é móvel porque os
246
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
mitos traduzem a cultura e esta é dinâmica, tanto para as tribos
que os mitos emergiram como para os intérpretes. Os sons dos
mitos não são os mesmos para leitores de diferentes épocas,
para informantes nem tradutores das línguas. Mas a música dos
mitos em partitura se manterá como uma linguagem universal. A elaboração sonora descrita em partitura fará com que
os sons se tornem propagados para futuras interpretações. A
música comunica, mas para que exista necessita que a linguagem da semiótica a torne interpretada, a menos que a razão
sonora sobrepuje. Ou seja, a apreciação sem o conhecimento
da notação musical opere também como linguagem. Na narrativa, os sons estão instalados, porém não permitem que o
resultado sonoro seja estabelecido de forma universalizada,
como acontece na decodificação da música ocidental. Os
mitos dependem da linguagem, enquanto a música dos mitos
pode ser revelada pelo sentido sonoro fornecido pelo ouvinte.
Dizemos que a música dos mitos se encontra no plano
antecessor à partitura porque eles produzem sons e a música se
instala por e para esses. Na criação musical ao se ouvir o mito,
se transmite o sentido da audição dada aos sons.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LÉVI-STRAUSS, Claude. A noção de estrutura em etnologia;
Raça e historia; Totemismo hoje. Tradução de Eduardo P.
Graeff, Inácia Canelas, Malcom Bruce Corrie. 2. ed. São Paulo:
Abril Cultural, 1980. (Os pensadores).
247
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
______. O cru e o cozido. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés.
São Paulo: Cosac &Naify, 2004a. (Mitológicas, 1).
______. Do mel às cinzas. Tradução de Carlos Eugênio
Marcondes de Moura, Beatriz Perrone-Moisés. São Paulo:
Cosac Naify, 2004b. (Mitológicas, 2).
______. A origem dos modos à mesa. Tradução de Beatriz
Perrone-Moisés. São Paulo: Cosac Naify, 2006. (Mitológicas, 3).
______. O homem nu. Tradução de Beatriz Perrone-Moisés. São
Paulo: Cosac Naify, 2011. (Mitológicas, 4).
______. ERIBON, Didier. De perto e de longe. Tradução de Léa
Mello, Julieta Leite. São Paulo: Cosac Naify, 2005.
248
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
36 Do grave ao agudo: fenômenos
comunicacionais em culturas sonoras
Felipe Maia Ferreira
O sentido da visão é fundamental para marcos da filosofia
ocidental. A ideia atômica de Demóstenes, o plano das ideias
de Platão, o modo de pensamento cartesiano e o Iluminismo,
cujo próprio título traz a luz (essencial para ver), são exemplos
dessa importância. Mesmo o cristianismo, enquanto religião
sedimentar da cultura eurocêntrica, apoia-se no poder dos
olhos para criar uma, como manda o lugar-comum, visão de
mundo.
Por que não perguntar-se, contudo, sobre uma audição
de mundo?
Um dia nas grandes cidades significa estar sujeito a diversas ondas sonoras. O despertador do smartphone indica que
é hora de acordar. Os ruídos da cozinha sinalizam um café da
manhã. Os barulhos de automóveis em disparada, britadeiras
incansáveis e engrenagens operárias trazem a rotina. O silêncio incólume -- ou levemente rompido – dos escritórios também
impõe-se como som na ausência dele mesmo. Cada espaço
reveste-se de uma paisagem imagética, mas também sonora,
tão identitária quanto a primeira, mas relegada.
Pela sua própria natureza, esses sons espalham-se, refletem-se, reverberam, atacam, acomodam, incomodam, sensibilizam e morrem. Seus únicos limites são amplitude, frequência,
timbre e tempo.
249
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Paralelamente, a tecnologia que os produz, cria e reifica
outros modos de escuta pautados pela música. Pode-se dizer
que nunca ouviu-se tanta música quanto atualmente. Mais:
nunca produziu-se e distribuiu-se tanta música como atualmente. Se há pouco mais de um século o termo ainda vivia
somente em rituais sob o fardo das Artes, com A maiúsculo e
acompanhado pelo prefixo Belas ou sufixo Populares, hoje a
música torna-se palavra tão corriqueira quanto as práticas que
a cercam.
O mesmo smartphone que desperta também tem uma
coleção enorme de faixas em arquivos digitais. Senão, suas
conexão móveis permitem que musicotecas de Alexandria
sejam acessadas com poucos toques na tela. O café da manhã
pode vir acompanhado de canções do rádio, de um canal de
clipes da TV ou mesmo de toca-discos – que, em alguns modelos contemporâneos, consegue transformar ranhuras de vinil
em bits e bytes. No caminho para o trabalho, as ondas sonoras
urbanas podem ser interrompidas pelos alto-falantes do carro
ou pelos fones de ouvido conectados a um dispositivo que,
como o smartphone, oferece uma enxurrada musical. Mesmo
em ambientes de trabalho ela reside: a música segue a esteira
de onipresença do som aliada na célere renovação da tecnologia, na permeabilidade da rede e nas práticas de uma
sociedade que segue ajustando-se às mudanças enquanto
forças-motriz.
Dessa atmosfera de moléculas agitadas à qual se propõe
uma audição de mundo advêm o primeiro questionamento
250
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
desta pesquisa: quando, como, por quem e por que se dá o
acontecimento comunicacional nessas culturas sonoras?
Como corpus dessa indagação, foram escolhidas as
seguintes formas de escuta: a música ao vivo em bailes funk e
em festas de música eletrônica, o consumo de música online
pela internet e em dispositivos reprodutores de MP3, a audição de música em lugares urbanos por meio de pequenos
aparelhos individual e coletivamente e, por fim, a escuta de
música movida a grandes sistemas sonoros em locais públicos
e fechados.
A abordagem nessas modalidades tenta responder a
questão pedra-chave do trabalho, mas também sustenta-se na
sua busca por vivê-las. Fazer parte dessas ondas sonoras – graves, médias e agudas – como ente integrante e atuante delas
é condição sine qua non não só a pesquisa, que debruça-se
sobre a experiência comunicacional, mas também ao som. Ele,
em sua essência, só existe no indivíduo quando toca seu corpo.
A tomada perceptiva desse fenômeno cabe como uma luva
ou como uma onda que só ressoa sob determinada frequência.
Referências bibliográficas
AIELLO, RITA (org.). Musical Perception. Nova Iorque: Oxford
University Press, 1994.
BERTHOU, BENOÎT. La musique Du XXe siècle. Paris : Éditions de
la Seine, 2005
251
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
DYSON, FRANCES. Sounding New Media: Immersion and
Embodiment in the Arts and Culture. Los Angeles: University of
California Press, 2009.
HENRIQUES, JULIAN. Sonic Bodies: Reggae Sound Systems,
Performance, Techniques and Ways of Knowing. Nova Iorque:
Continuum, 2011.
IHDE, DON. Listening and Voice: Phenomenologies of Sound.
Nova Iorque: State of University of New York Press, 2007.
MARCONDES FILHO, CIRO J. (org.). Pensar-pulsar: cultura comunicacional, tecnologias, velocidade. São Paulo:
Edições NTC, 1996.
MERLEAU-PONTY, MAURICE. Fenomenologia da percepção.
São Paulo: Martins Fontes, 1999.
ROSS, ALEX. Escuta só: do clássico ao pop. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010.
SERRES, MICHEL. Musique. Paris: Éditions Le Pommier,2011.
TINHORÃO, JOSÉ RAMOS. História Social da Música Popular
Brasileira. 2ª Edição. São Paulo: Editora 34, 2010.
252
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
37 Afetos químicos – comunicação e vínculos
sociais nas festas de música eletrônica
Thiago Tavares das Neves
A dimensão dos afetos está completamente associada a
história da sociedade e da cultura. Não existiria vida social e
cultural se não fosse o afeto uma peça basilar na mediação
entre os homens. São os afetos que permitem a construção
da existência humana, afinal todos precisam criar vínculos, firmar laços para que a sociedade se estabeleça. O ser humano
é homo sapiens demens1, ser invadido pela racionalidade e
pela afetividade, movido pelas pulsões, por forças, pelo desejo.
Desejo de estar junto, de se comunicar, de ser reconhecido
pelo outro, de criar vínculos, de afetar e ser afetado.
O afeto é compreendido neste trabalho sob a ótica spinozista. Spinoza, filósofo do século XVII, já falava a respeito dos
afetos como ação de afetar. Spinoza compreendia os afetos
como afecções do corpo e as ideias dessas afecções. As afecções são imagens ou marcas corporais que remetem a um
estado do corpo afetado e implica a presença do corpo afe1 De acordo com Edgar Morin, a especificação homo sapiens permanece insuficiente para explicar o ser humano. Um ser que é exclusivamente constituído de razão excluindo as esferas da loucura e do
delírio, privado de vida afetiva, de imaginário, do lúdico, do estético,
do mitológico e do religioso. A terminação sapiens-demens inclui a
face da loucura, do delírio, da afetividade. (MORIN, 2005).
253
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
tante (o corpo que afeta). O afeto seria o processo de transição de um estado para o outro. Através das afecções não só
a potência de agir do afeto é aumentada ou diminuída, estimulada ou refreada, mas também as ideias dessas afecções.
Por exemplo, quando a potência de agir é aumentada surge o
sentimento da alegria, quando diminuída, da tristeza. É a potência que define a força de um afeto. A potência de agir varia
em função de causas exteriores. O afeto é uma ação quando
o sujeito é a causa de uma dessas afecções, e uma paixão
quando o indivíduo é afetado. (SPINOZA, 2010). Para Spinoza, o
corpo humano pode ser afetado de muitas maneiras, por corpos exteriores, por objetos e cabe a cada ser humano julgar,
de acordo com seu afeto, o que é bom e o que é mau. Uma
fotografia, por exemplo, pode afetar um sujeito de diversas
maneiras, seja ao trazer uma boa recordação, seja uma má
lembrança; um cachorro é afetado pela presença do dono
ao abanar o rabo de alegria, ou mordendo-o caso esteja com
raiva; o cheiro de uma comida afeta o sujeito seja despertando
a vontade de comer ou não. Spinoza reconheceu a existência
de apenas três afetos primitivos: a alegria, a tristeza e o desejo.
Todos os outros afetos estão relacionados a esses três.
De acordo com esses pressupostos teóricos pretende-se
enxergar as festas de música eletrônica como um grande laboratório do presente. Tais festas eventos possibilitam também a
formação de vínculos sociais por meio dos afetos e da comunicação ali estabelecida. Não são apenas expressões de um
vazio contemporâneo em busca de sentido, mas sim formadoras do cimento societal e estruturante da cultura.
254
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
As festas de música eletrônica englobam diversos eventos. Este universo abrange as raves comerciais, underground e
em lugares abertos em contato com a natureza. As comercias
geralmente têm grande divulgação na mídia. São realizadas
em arenas, estádios ou locais para shows, trazendo grandes
DJs2 conhecidos mundialmente. Há também as do tipo underground, em que a divulgação geralmente é pouca, comumente
realizada de forma oral, acontece em lugares abandonados,
e os frequentadores habitualmente já se conhecem entre si.
Outro tipo de festa de música eletrônica são as raves em lugares abertos: praias, sítios, granjas, cujo intuito é de destacar o
contato com a natureza.
É importante ressaltar as festas de música eletrônica que
acontecem em casas- noturnas (clubes e bares). Clubes e
bares também são relevantes no contexto desse tipo de festa,
porém não são raves em stricto sensu. Algumas vezes, o espaço
2 Dee Jay ou DJ (disk jockey) é o artista da festa, o que controla a
vibe (energia) dos dançantes. Ele mixa (mistura), a batida de duas
ou mais músicas na mesma velocidade, nas mesmas bpm (batidas
por minuto). A figura do DJ remonta à época dos músicos de Jazz
dos anos 50, na qual os fãs se reuniam num clube para escutar os lançamentos e dançar. Era o fã que durante o intervalo dos shows mostrava as músicas, para manter a vibração da galera. Nos dias atuais,
existem três tipos de DJs: o DJ móbile (móvel), o rádio DJ (opera nas
estações de rádios) e o club DJ (DJ oficial, “residente”, fixo de um
clube). Dados extraídos do texto “Sobre a cultura da música eletrônica e cibercultura” de Cláudio Manoel Duarte de Souza, retirado do
site http://www.pragatecno.com.br. Visitado no dia 7 de janeiro de
2009.
255
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
é reservado para raves mensais ou a rave acontece apenas
uma vez naquele clube. Tudo isso negociado com os promoters
da casa. Uma das diferenças das raves para festas em clubes,
de acordo com os frequentadores, incluem o horário que na
maioria das vezes não dura muito tempo nas casas-noturnas
(5 a 7 horas de duração), enquanto nas raves o tempo é bem
maior, algumas raves chegam a durar 12 a 24 horas. È relevante
ressaltar que a cena rave começou em clubes. Eles fazem parte
da história. (SYLVAN, 2005).
A pesquisa de análise qualitativa que está sendo desenvolvida tem o intuito de responder as seguintes perguntas: Qual
o significado dos afetos nas festas de música eletrônica? Que
tipos de afetos são desenvolvidos? Há relações afetivas entre
corpos e música? Os afetos são construtores de vínculos sociais
ou promovem apenas trocas comunicacionais naquele instante vivido?
A pesquisa espera fornecer recursos para compreender
como se dão as trocas afetivas nas festas de música eletrônica
e qual o significado dessas trocas para a sociedade e cultura
contemporânea. Dessa maneira, faz-se necessário combinar várias técnicas de investigação (observação etnográfica,
entrevistas em profundidade, aplicação de questionários, registro imagético, grupo focal) para tentar mergulhar no ambiente
desses indivíduos, e, a partir daí, procurar depreender o significado complexo dos afetos nestas festas, abrigando as dimensões do social, cultural, comunicacional, psicológico, biológico
e histórico.
256
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Os afetos nas festas de música eletrônica podem ser provocados pela ação da música sobre os indivíduos, dos participantes entre si ou por meio das drogas especialmente o ecstasy,
conhecido popularmente como E.
A música é um importante ativador do efeito desta substância no corpo, mas é possível sentir alguns dos seus efeitos
mesmo sem ingeri-la. O E se transformou no elemento-chave
das festas de música eletrônica, sendo consumido em bastante
quantidade desde as primeiras raves. O ecstasy pode propiciar uma profunda experiência de comunicação interpessoal
e de autodescoberta. Quando um grande número de pessoas
tomam E juntos, a droga cria uma atmosfera de intimidade
coletiva, um senso elétrico de conexão entre completos estranhos. As emoções comandam o corpo exaltando o sentimento
de estar-junto entre os participantes criando uma atmosfera de
excitação coletiva. As emoções são elevadas ao pico sob seu
uso e o principio do prazer, com intuito de alcançar a felicidade
naquele momento, parece dominar todo o corpo nessas festas.
O ecstasy ou outras drogas possibilitam uma maior abertura do
indivíduo ao outro, uma sensação de bem-estar que ajuda na
germinação da sociabilidade entre os dançantes.
A abertura para o outro só se dá por meio da comunicação. A comunicação é compreendida que como condição
da existência humana, é a construção de pontes para atravessar o vazio entre o “si” e o “outro”. De acordo com Georges
Bataille (1992, p.104): “A existência é comunicação – e que
toda representação da vida, do ser, e geralmente de ‘qualquer
coisa’, deve ser revista a partir daí.” Segundo sua etimologia,
257
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
a palavra vem do latim communicatio e significa estabelecer
uma relação com alguém, mas também com um objeto cultural. Os indivíduos estão entrelaçados na e pela comunicação
desde sua história filogenética. As moléculas, as células, os corpos tecem juntos uma teia comunicacional com o ecossistema,
estão imbricados nos organismos e na sociedade. A comunicação abraça dimensões físicas, químicas, biológicas, sociais,
históricas, filosóficas, psicológicas e culturais. É a espinha dorsal,
aquilo que liga. Para ser é preciso comunicar, tecer relações
com o mundo, com o outro. De acordo com Merleau-Ponty
(2006, p. 569): “É comunicando-nos com o mundo que indubitavelmente nos comunicamos com nós mesmos. Nós temos o
tempo por inteiro e estamos presentes a nós mesmos porque
estamos presentes no mundo.”.
Nas festas de música eletrônica, a comunicação acontece, principalmente, na instância corpórea. O corpo dança,
treme, pula, pulsa, emite, recebe, simboliza, transcende, extasia. Mídia primária por excelência, a primeira forma de diálogo do sujeito com o meio. (PROSS, 1990). A comunicação se
efetua por meio de uma simbologia corporal que se expressa
na dança, nos gestos, nas conversas, no comportamento, na
despesa de energia. Harry Pross (1980) fala da densidade de
comunicação, correspondente à uma mútua dependência
de um conjunto de signos que tendem ao reconhecimento
comum possibilitando o entendimento recíproco. Nas festas
de música eletrônica é notável esse reconhecimento, levando
sempre em consideração os signos que os participantes carre-
258
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
gam no corpo, vestindo-se, comportando-se e dançando de
forma parecida.
Há também comunicação sonora. A música conduz o
movimento dos dançantes, é ela quem manda no corpo.
Fazendo uso do pensamento de Ciro Marcondes Filho (2004), a
comunicação entre o corpo e a música encontra-se no meio
do caminho, na razão durante, na imputação de sentindo ao
processo comunicacional que ali se desenvolve. O simples ato
de escuta musical já é um exemplo, em alguns casos, é normal
nessas festas ver pessoas encostadas em caixas acústicas, às
vezes, até em cima delas tentando sentir o som ao máximo.
Não param de dançar. A música é o guia, melhor, é guiada
pelo DJ que cumpre papel relevante na interação entre a pista
de dança e o disk jockey.
Não se pode esquecer também do papel dos vínculos
sociais. De acordo com Norval Baitello (2009)3, o vínculo passa
a ser um dos conceitos centrais para a etologia, por ser o resultado de ações (inatas ou aprendidas) do ser vivo que o aproximam do outro ou reforçam e alimentam uma proximidade já
existente. O vínculo pode ser compreendido também como um
movimento de preenchimento de uma carência, que prenuncia uma nova carência. A incompletude dos seres humanos,
em especial, obriga à constituição emergencial e permanente
de vínculos sociais, que usam o corpo como meio para se
propagar.
3 FILHO, Ciro Marcondes (org.). Dicionário de Comunicação. São
Paulo: Paulus, 2009.
259
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
São diversos os fatores que favorecem o estabelecimento
de vínculos nas festas de música eletrônica. Quando o ecstasy
começa a fazer efeito, facilita a comunicação e aumenta a
empatia entre os presentes; a forma de dançar parecida permite que cada um se enxergue no outro; o gosto em comum
pela música; a maneira de vestir semelhante; e por ser uma
atividade ritualística que acontece com frequência as pessoas
são, na maioria das vezes, as mesmas e a criação de vínculos
sociais torna-se possível.
As festas de música eletrônica operam como fractais
necessários para enxergar a função do afeto para a comunicação e para edificação de vínculos sociais. A contribuição
de Spinoza é basilar para pensar os afetos na comunicação.
Por exemplo, quando há comunicação entre dois sujeitos,
ambos são modificados, afetados pelo processo, é uma troca,
uma partilha, uma ação de um sobre o outro. A comunicação
pode ser equivalente ao processo de transição de estados a
que Spinoza se referia. Um objeto, um signo, pode agir sobre
um sujeito e modificá-lo, o estado do indivíduo é alterado e
a comunicação acontece. A publicidade, por exemplo, tem
como principal objetivo afetar as pessoas, incitar o desejo e
despertar alegria nos consumidores ao adquirir o produto. Nas
festas de música eletrônica o processo não é diferente, uma
das hipóteses levantada pela pesquisa é que a lógica é a
mesma, e dentro dessa lógica a possibilidade de construção
de vínculos é essencial para se pensar a cultura e a sociedade
contemporânea com suas raízes arcaicas.
260
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Referências
BATAILLE, Georges. A experiência interior. São Paulo: Editora
Ática, 1992.
BAUER, MARTIN e GASKELL, G. (org.). Pesquisa qualitativa com
textos, imagem e som: um manual prático /. Petrópolis/RJ:
Vozes, 2002.
BETH, Hanno / PROSS, Harry. Introducción a la ciencia de la
comunicación. Barcelona: Anthropos, 1990.
DELEUZE, Gilles. Espinosa – filosofia prática. São Paulo: Escuta,
2002.
FILHO, Ciro Marcondes. Até que ponto, de fato, nos comunicamos? São Paulo: Paulus, 2004.
______.(org). Dicionário de comunicação. São Paulo: Paulus,
2009.
MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos – o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 2006.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São
Paulo: Martins Fontes, 2006.
PROSS, Harry. Estructura simbólica del poder. Barcelona:
Editorial Gustavo Gili, 1980.
261
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
SAUNDERS, Nicholas. Ecstasy e a cultura dance. São Paulo:
Publisher Brasil, 1996. SPINOZA, Benedictus de. Ética. Belo
Horizonte: Autêntica, 2010.
SYLVAN, Robin. Trance formation – the spiritual and religious
dimensions of global rave culture. New York: Routledge, 2005.
262
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
38 Migração, comunicação e escuta
musical – elementos para um debate
Simone Luci Pereira
Resumo
A partir das questões suscitadas pela pesquisa recém-terminada sobre imigrantes ouvintes do bolero em S.Paulo, busca-se discutir a questão da escuta musical e suas narrativas como
elementos que atuam na construção de imaginários e práticas
sociais relativas às diásporas e interculturalidade, em que a
memória surge como referência política para a construção e
apropriação de espaços materiais e simbólicos. Neste processo,
a produção musical, audiovisual e a as redes de sociabilidade
articuladas e apropriadas pelos imigrantes têm nas mídias e no
entretenimento canais de expressão e visibilidade na construção de formas de inserção social na esfera pública, articulando
de maneira complexa local, global, virtual.
263
Sumário
38a O som como elemento fundante da cultura
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Luiza Spínola Amaral
As mitologias da criação, às mais diversas e distantes,
apontam um traço originário comum proveniente do som, que
remete a experiência divina à esfera acústica. Seja pelo hálito
ou respiro de Deus, confirmado pelas escrituras hebraicas, basilares das três grandes religiões monoteístas ocidentais; seja
pela vibração da palavra inarticulada, OM, na tradição dos
Upanishads, como forma de expressão da sonoridade originária, o divino se revela enquanto som e depende, portanto, da
experiência auditiva. O som originário antecede não somente
a palavra, mas também a voz:
A confusão entre voz e som, que seria típica de
um pensamento místico arcaico, também perfaz um horizonte de sentido que parece constranger o vocálico a confrontar-se antes de
tudo com o âmbito dos sons, em vez de depender imediatamente do sistema da palavra.
(CAVARERO, 2011: 34-35).
Embora Cavarero, em sua tese de doutoramento, nos
revele o significado próprio da voz, ou seja, a unicidade carnal
do corpo que a emite e sua dimensão relacional, não deixa
de advertir sobre o desprezo filosófico pelo tema, proveniente
da inclinação grega para uma universalidade abstrata e sem
corpo do logos. A consequência, milênios depois, sobretudo no
264
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
campo da linguística, foi a redução da voz à perspectiva sistêmica e semântica da língua, onde a palavra aparece muda,
apenas como signo. Conforme descreve a autora, a situação
começa a mudar nas primeiras décadas do século XX com os
estudos sobre as culturas orais, onde a voz ressurge soberana:
“o semântico, ainda não submetido às leis congelantes da
escritura, dobra-se à musicalidade do vocálico” (idem: 25).
Interessante, entretanto, é o caminho escolhido pela
autora. Debruçada sobre a Bíblia hebraica, ela apresenta a
força que antecede a palavra pela soberania do vocálico, do
som da voz. A Palavra, modelada pelo texto bíblico, deveria
ser proclamada no ato da leitura, de forma que som e palavra
constituíssem dois lados de uma mesma moeda. Reflexo sintomático da própria escrita hebraica, composta por um alfabeto
consonântico que, até o século VI antes da compilação do
Texto Massorético, omitia as vogais, que deveriam ser inseridas
pela voz. Nesse sentido, podemos determinar dois níveis de
comunicação, um que se estabelece mediante a visualidade
e literalidade da palavra escrita, funcional para a transmissão
de conteúdos; e outro auditivo, denominado por Cavarero
“comunicação originária”, onde a Palavra é apenas percepção auditiva. Nas palavras da autora: “Na fase mais antiga da
religião hebraica, Deus é voz, ou mesmo sopro, não palavra”
(Idem: 36).
Dois termos recorrentes nas escrituras sagradas corroboram essa afirmativa. São eles, ruah e qol (hebraico), que na versão grega da Septuaginda1 foram traduzidos por, pneuma e
1 Nome da versão da Bíblia hebraica para o grego.
265
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
phoné. O sentido de ruah está mais próximo do sopro, do respiro
divino, já o qol é o som, o efeito acústico do sopro e a voz do
criador. “Ambos relativos à boca de Deus, [phoné e pneuma]
evocam a trama essencial entre voz e respiração, uma trama
que na Bíblia judaica é também autorrevelação pneumática e
sonora, bem como criação” (idem: 35). É daí que a leitura vocal
do texto se faz repleta de sentido, não apenas visual e literário,
mas, sobretudo, auditivo, onde som não se limita a significante
da palavra, mas é a própria Palavra que vibra. Observem:
[A ideia de comunicação encontrada na cultura hebraica] afirma que os falantes se comunicam entre si na voz de Deus que vibra no som
da língua deles. A vibração do qol divino na
palavra articulada é, de fato, a comunicação
originária que torna possível, ulterior e secundária, qualquer outra comunicação. (Idem: 37).
E conclui etimologicamente a autora:
Na tradição hebraica, a Palavra sagrada é,
antes de tudo, um evento sonoro confirmado
no próprio modo como é chamada a Bíblia,
miqrá, isto é, ‘leitura, proclamação’ (do verbo
qará, ‘chamar, proclamar, declarar’, presente
também no próprio termo ‘Corão’). (Idem: 38)
A leitura do Alcorão também confirma a esfera sonora
da Palavra e auditiva da experiência divina, na medida em
266
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
que exige a proclamação em voz alta com ondulação do
corpo. A musicalidade que provém da leitura em voz alta e
que vibra pela palavra, atualiza o som original, a voz de Deus.
Comungando da mesma origem semita dos hebreus, também
na antiga ciência árabe são recorrentes os vestígios que confirmam a presença do evento acústico originário como parte
sonora da linguagem, como confirmam os estudos do pesquisador Amnon Shiloah. Num pequeno artigo que compõe o livro
Variantology 5, ao analisar os escritos deixados por um dos mais
representativos nomes do início da alquimia árabe, Jabir ibn
Hayyan (séculos VIII e IX), analisa exatamente os fundamentos
teóricos e filosóficos capazes de trazer à tona a conexão entre
música e origem da linguagem. A base desse cruzamento,
como demonstra o autor, se dá justamente enquanto a palavra é som.
Em árabe, o termo correspondente ao qol hebreu é o sawt
que, de acordo com Shiloah, é a palavra chave nas discussões
que permeiam o tema, confirmando a dimensão sagrada na
rercepção auditiva. O papel predominante da voz como dispositivo de comunicação independente da palavra, está em
diversos escritos do alquimista árabe. Neles, também se encontram teorias acerca da função sonora das vogais na revitalização do texto escrito, e especulações embasadas nas leis
Pitagóricas da harmonia numérica como base metodológica
comum para se pensar a ciência da música, da poesia, da
morfologia, da melodia, do ritmo e da poesia; de forma que
a mesma lei regente dos fenômenos celestes se refletisse nos
terrenos. De acordo com Shiloah, “para os místicos, a voz sim-
267
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
bolizava a vida divina e colocavam o homem em ressonância com a vibração celeste e universal” (Variantology 5: 480). E
continua:
A prevalecente definição “harmonia dos números” dada ao ritmo e à música por Jabir remonta
a alma do mundo e a alma do indivíduo. A alma
do mundo contempla a alma do indivíduo, que
deve expressar ou incutir sua própria harmonia
em música e linguagem. (SHILOAH, 2011, p. 488)
2
Com o pressuposto de que o pensamento alquímico deve
ser compreendido pela lógica da mutação, ou da transmutação, podemos sugerir que, neste contexto, a preocupação de
Jabir ibn Hayyan era o de compreender de que forma o som
se transmutava em palavra e música. Ou, para ficarmos com
as palavras de Shiloah, como o “som instintivo” se transmutava
em “som inteligível”. Como coloca o autor, as discussões filosóficas da época giravam em torno da dúvida: se a voz é natural
ao homem, a linguagem e a música também o são? Fiquemos
então com a resposta do próprio Jabir, citada por Shiloah no
artigo aqui analisado:
2 Tradução Livre: “The prevailing definition “harmony of numbers”
given to rhythm and music by Jabir goes back to the soul of the world
and the individual soul. The soul of the world endows and permeates
the individual soul, which is said to express or to instill its proper harmony into man’s music and language.”
268
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A afirmação de que a linguagem se dá devido
a uma instituição e a uma convenção acidentais é errônea porque a linguagem é uma
substância de origem natural; portanto, não é
derivada de uma instituição, mas de uma intenção da alma e todos os seus atos são substanciais. […] (apud SHILOAH, 2011, p. 488) 3
O que pretendemos deixar claro até aqui é que embora
a ciência da linguagem de tradição grega tenha evoluído em
direção a um “logos desvocalizado” e, portanto, sem corpo,
como aponta Adriana Cavarero; na raiz arqueológica que fundamenta as bases teológicas das três maiores religiões monoteístas ocidentais, ou seja, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo,
o som da voz constitui parte indissociável da palavra, de forma
que ela a antecede enquanto evento sonoro, e a transcende
enquanto presença divina. A esfera visual e insonora da significação da palavra se torna secundária mediante a presença
divina audível. Como concordam ambos os autores aqui trabalhados, essa comunicação originária é não só anterior a linguagem, como fundamenta sua origem e transcende seu sentido.
Muitos séculos depois, e agora numa Alemanha subdividida em dois diferentes sistemas políticos, Joachim Ernst Berendt
(1922 - 2000), a voz mais importante para o jazz naquele país,
3 Tradução Livre: “The assertion pretending that language is due to
an institution and a convention and that it is but an accident is wrong
because language is a substance and of natural origin; hence, it does
not derive from an institution but from an intention of the soul and all
its acts are substantial.”
269
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
não mais interessado na música, mas justamente no elemento
que faz dela transcendência, elabora uma peça radiofônica
para tratar do som: Nada Brahma: die Welt ist Klang, que logo
se transformou num livro, com edição brasileira: Nada Brhma:
o mundo e o universo da consciência. No segundo capítulo,
Berendt retoma essa antiga questão filosófica, que remente a
hermética alquímica que vai da Voz à Palavra e que os filósofos
da linguística denominam som vocálico e linguagem, quando
reflete sobre as milenares fórmulas mântricas denominadas por
ele “substância primeva do mundo”. A substancialidade da linguagem, como na Palavra hebraica, já se mostra evidente na
abertura do capítulo. Observem:
O mundo é som. Imediatamente, põe-se a
questão: que tipo de som? Trata-se de uma
questão-chave, pois, pelo fato de o mundo
ser som, fazer essa pergunta significa o mesmo
que perguntar qual a substância primeva do
mundo. (Berendt, 1993: 31)
A resposta está evidente em diversos trechos do capítulo,
mas pode ser sintetizada nas palavras do sufi Hazrat Inayat Khan
citado por Berendt:
Ao estudar a ciência da respiração, a primeira
coisa que notamos é o fato de ela ser audível;
é uma palavra em si, pois o que chamamos
de palavra é só uma manifestação verbal da
respiração produzida pela boca e pela língua.
270
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Mediante a habilidade da boca, a respiração
se faz voz, daí por que o estado primevo de
uma palavra é a respiração. Se dissermos: ‘No
início era a respiração, isso é o mesmo que dizer
‘no início era o Verbo’ (apud: Berendt, 1993: 47)
Vemos assim, que também na sabedoria mística do sufismo,
voz e respiro são indissociáveis da palavra, de forma que o som,
ou a esfera audível dessa compilação, tem o mesmo sentido
de tornar perceptível a sonoridade da qual surge o universo e
o homem. Assim, antes da palavra, somos envolvidos pelo som,
pelo não expresso, que possibilita a comunicação originária
do encontro entre o homem e a boca de Deus ou o mergulho
na vibração primeva. O som se torna sentido da palavra. Daí
sua aproximação com os mantras budistas que, segundo Lama
Govinda na voz de Berendt, “expressam sentimentos, mas não
conceitos; afeiçoamentos, mas não ideias.” (apud Berendt,
1993: 40). E continua ele:
Assim como uma partitura musical escrita não
consegue transmitir a impressão espiritual e
emocional da música tocada ou ouvida, da
mesma forma a análise intelectual de um mantra não transmite a vivência de um iniciado,
nem revela seus efeitos profundos que só são
obtidos mediante uma prática persistente e
duradoura. (apud Berendt, 1993: 44).
271
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
As pequenas sílabas mântricas, assim como a arcaica
escrita sagrada, só produzem sentido quando pronunciadas,
que seria o mesmo que dizer, quando encarnadas. Como falar
é também se escutar, o encontro com a dimensão sagrada ou
dissolução do ego, se faz mediante a experiência sensória do
corpo, capaz de transcender os opostos, homem e Deus, ego
e universo. Assim, é pela dimensão audível da voz que o corpo
vincula-se ao transcendente, que é pré-racional, ilógico e inominável. De forma que, a comunicação originária só pode ser
alcançada mediante a experiência concreta do corpo. Neste
caso, o referente da palavra é o que a transcende; o significante, a presença divina e o significado, o corpo que ouve.
Se a palavra provém do Som e se a música, como o mantra e a leitura em voz alta, em última instância, pretende atingir
a dimensão audível da Palavra, concluiremos esse breve texto
com uma passagem de Vilém Fluesser quando, no seu livro
Los Gestos, analisa a singularidade do gesto de ouvir música,
que como ele mesmo coloca, diferencia-se radicalmente da
escuta do discurso, o “logos”, que precisa ser decifrado. Na
escuta musical, ou sonora, nos diz ele:
O ouvinte de música não se concentra propriamente, senão que concentra no interior de seu
corpo as ondas sonoras que lhe chegam. Isso
significa que na escuta musical o corpo se faz
música e a música se faz corpo. (Flusser, 1994:
74)
272
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Daí, podemos dizer que, na comunicação originária ou
transcendente a linguagem só pode ser pensada enquanto
percepção antropológica. E que o sagrado só pode ser compreendido enquanto experiência concreta, corpórea.
Referências Bibliográficas
BERENDT, Joachin-Ernst. Nada Brahma. Die Welt ist Klang. Nada
Brahma. A música e o universo da consciência. Tradução de Zilda
Schild e Clemente Mahl. São Paulo: Cultrix, 1993.
CAVARERO, Adriana. Vozes Plurais – filosofia da expressão vocal.
Tradução de Flávio Terrigno Barbeitas. Belo Horizonte: UFMG, 2011.
VILÉM, Flusser. Los Gestos. Fenomenología y Comunicación.
Barcelona: Herder, 1994.
ZIELINSKI, Siegfried. FURLUS, Eckhard. Variantology 5.
Neapolitan Affairs. On Deep Time Relations of Arts, Sciences
and Technologies. Editorial: König Köln, 2011.
273
Sumário
SESSÃO TEMÁTICA 4
Cinema, Comunicação e Subjetividade
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
BLOCO A
39 Dispositivo e processo: a relação entre
documentário brasileiro contemporâneo
e processo de criação
Georgia Cruz
A presente pesquisa está em desenvolvimento e visa a trabalhar com uma prática que tem se mostrado recorrente na
produção audiovisual contemporânea: a criação de dispositivos fílmicos que tem por objetivo estabelecer como central o
processo da filmagem em detrimento do controle sobre o que
dele devém. Ao abordamos essa centralidade do processo,
nos deteremos em filmes que integram a produção documentária brasileira, tomando como marco de referência temporal
o Cinema da Retomada.
Podemos citar como exemplos dessa produção as obras de
cineastas e documentaristas como Cao Guimarães (Acidente,
2003), Sandra Kogut (Passaporte Húngaro, 2001), Eduardo
Coutinho (Edifício Master, 2002; Jogo de Cena, 2007; Moscou,
2009), Kiko Goifman (33, 2003; e Filmefobia, 2009), dentre outros.
Realizadores cujas produções nos serão fundamentais
para compreender essa estratégia fílmica de explicitação do
processo como algo central para o projeto artístico, mais que
apenas a necessidade de chegar ao final da trajetória que
traçam, o processo se torna o personagem principal, indepen-
275
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
dente, no mais das vezes, da realização efetiva da proposta
que motiva o filme. A experiência do filme e a experiência do
processo de criação fílmica expostos pela imagem ganham
mais mportância.
Ao longo dos anos 2000 podemos observar um aumento
na presença de filmes de dispositivo na produção brasileira. “A
interseção com referências e trajetórias vindas da videoarte e
das artes plásticas parece estimular a aposta em filmes propositivos que criam protocolos, regras e parâmetros restritivos para
lidar com a realidade.” (Lins & Mesquita, 2008; p.58). Essas produções trabalham com a premissa de por em jogo, de estabelecer situações e ambientes, uma espécie de experimentação
com a realidade a fim de ver de que maneira essa realidade se
comporta, de que forma esse real atua.
Esse diálogo com as artes contemporâneas e visuais proporciona outros regimes de visualidade e formas de abordagem
temática, um redirecionamento do olhar para as possibilidades
imagéticas e narrativas. Além disso, há toda uma discussão que
se tem feito em torno do campo do documentário mesmo, bem
como da ética cinematográfica, da produção dessas obras,
uma forma de pensar o fazer cinema, haja vista haver uma
reflexão metacinematográfica que atravessa essas produções,
uma vez que os processos estão declarados, as regras do jogo
são apresentadas logo. Quando não apresentadas didaticamente, são possivelmente inferidas.
Esta centralidade no processo de construção do filme,
possibilitada pelos dispositivos armados pelos documentaristas, configura-se como um desafio que tem consequências de
276
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ordem estética, ética e política, cuja questão geradora passa
por definir novas regras para a prática documental.Seu estudo
passa por definir ainda outros caminhos para a compreensão
da imagem fílmica e o acesso que essa imagem proporciona
ao processo de criação fílmico.
Procedimentos que a cada produção integram, de forma
mais ou menos consequente, uma prática documental que se
põe sob o risco do próprio processo. Uma das questões que surgem dessa prática documental é a descentralização do poder
dos cineastas sobre a sua própria obra a um só tempo, que dá
ao processo de filmagem uma abertura explícita aos jogos e
tensões que o dispositivo pode acionar.
Dessa forma, pode-se dizer que os documentários que
se utilizam de dispositivos fílmicos – muitas vezes usados para
construir narrativas e em outras para descontruí-las – buscam
encontrar um tipo de abordagem a cada proposição, onde
o Outro – esse ente com o qual o cineasta se relaciona, seja
como temática, seja como personagem – faz parte de um jogo
de tensões entre controle e descontrole.
Mas de que forma se dá a relação entre os dispositivos
utilizados como estratégia narrativa e os processos de criação?
Como esse processo aparece no filme? De que forma se dá a
conhecer ao público? Todos esses questionamentos levantam
importantes discussões sobre essa produção contemporânea,
sobre os caminhos que o cinema documentário contemporâneo tem percorrido, quais apostas estéticas tem sido feitas,
quais as experiências que a imagem cinematográfica nos traz.
277
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A pesquisa aqui proposta surge como forma de responder
a estas questões acerca da relação dos modos de criação que
tem marcado a produção documentária brasileira contemporânea, mais propriamente a relação entre processo de criação
e dispositivo como estratégia narrativa.
Assim, dentre os documentários nacionais realizados na
última década, buscou-se aqueles que tivessem uma relação processual declarada na própria formulação de seus dispositivos. Os filmes preliminarmente selecionados abordam o
momento criador e não se colocam como obras acabadas.
São produções com um caráter híbrido tanto do ponto de vista
da narrativa, quanto do ponto de vista dos regimes de imagem que os compõem. Há ainda a presença marcante do
realizador (ou daquele que opera a câmera) dentro do quadro, como personagem desses documentários, em sua maioria,
autobiográficos.
Dessa forma, pretendo analisar o dispositivo narrativo nos
filmes e sua relação com o processo de criação explicitado
e perceptível na tela, as diferenças estabelecidas de acordo
com os dispositivos constituídos em cada um dos documentários e os regimes imagéticos resultantes de todo esse processo.
Existe um interesse claro sobre esse durante do processo fílmico,
essa experiência que se dá com o filme em curso, que acontece no entre.
O corpus preliminar levantado para realização desta pesquisa é constituído pelos filmes Rua de Mão Dupla (2002), de
Cao Guimarães; Passaporte Húngaro (2002), de Sandra Kogut;
Moscou (2009), de Eduardo Coutinho. Esse corpus vem sendo
278
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
repensado e no momento existe uma possibilidade de alteração dos filmes que o compõe, podendo ser acrescentadas
outras produções à medida que os resultados forem sendo
obtidos.
Metodologicamente temos trabalhado com as perspectivas da Crítica de Processo e da Análise Fílmica, além disso
temos incorporado o princípio da razão durante como um bom
aporte para compreender esse processo de criação que se dá
a perceber pelo próprio fluxo das imagens.
A Crítica de Processo, segundo Cecília Almeida Salles
(2008), visa a tratar o processo criativo artístico, em especial
na produção contemporânea, com o intuito de dar a esses
trabalhos e pesquisas – caracterizados pelo seu dinamismo
– “um olhar que seja capaz de abarcar o movimento, dado
que leituras de objetos estáticos não se mostram satisfatórias
ou eficientes.”(p.16). Dessa forma, além de pensar a obra de
arte, é preciso pensar também novas metodologias que deem
conta da variedade de obras, para acompanhar esses variados processos de criação.
A análise fílmica tem como propósito a fragmentação do
objeto analisado para que, a partir desse desmembramento e
sua subsequente recomposição, possa-se extrair uma análise,
uma conclusão (Vanoyé & Goliot-Leté, 2005). Segundo Aumont
& Marie (2009), a análise varia de acordo com o objeto de análise e seu objetivo é possibilitar uma melhor apreciação da obra
a partir de sua compreensão mais clara. Aqui analisaremos os
filmes que constituem o corpus a partir de uma perspectiva de
sua formulação narrativa de seus dispositivos e da estética.
279
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Já o princípio da razão durante nos traz a noção de quase-método (metáporo). Esses conceitos são desenvolvidos por Ciro
Marcondes Filho no projeto de desenvolvimento de uma Nova
Teoria da Comunicação e se apresentam como uma nova
forma de abordagem e percepção dos fenômenos comunicacionais. Há aqui uma outra perspectiva para o desenvolvimento
de pesquisas na comunicação, a relação dos pesquisadores
com seus objetos e o acompanhamento dos processos em
fluxo, no durante. O metáporo pretende um caminho de pesquisa em que a experiência do pesquisador com seu objeto
sejam levados em consideração, sendo essa experiência um
fator de legitimação dos resultados ao longo do processo de
pesquisa. A pesquisa aqui apresentada tem se baseado nos
três procedimentos do metáporo que dizem respeito ao entendimento das condições de aplicação do quase-método para
o objeto; a observação do objeto e a apresentação de seus
resultados.
Ao cruzar essas perspectivas de abordagem, essa pesquisa
contribui para o desenvolvimento da relação entre estudos de
comunicação, imagem fílmica, cinema documentário e análise de processo de criação. Uma vez que aqui pretendemos
abordar de uma maneira diferenciada os estudos de processo
de criação e sua inserção no campo.
280
Sumário
40 Fraturas e errâncias no cinema contemporâneo
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Raquel do Monte
A pesquisa de doutorado que desenvolvo versa sobre a
compreensão do fenômeno da errância no cinema mundial
contemporâneo. Para compreender esteticamente a materialidade visual desta experiência sensível percorro, partindo
dos filmes, epistemes distintas que possibilitam o diálogo transdisciplinar entre Filosofia, Comunicação e Artes. Neste sentido,
compreendo o objeto fílmico como catalisador de uma representação espaço-temporal de uma existencialidade que cartografa um estar no mundo, que abarca uma virada subjetiva,
que ressignifica a percepção, que desterritorializa os processos
miméticos.
Neste sentido, no trânsito, lanço olhares acerca de um
perder-se de si, espécie de ode do perder-se na cidade benjaminiano condição primeira do flâneur, o nômade citadino
moderno que entre encanto e nostalgia percorre um local em
constante alteração. Aqui, a cidade é uma imagem metafórica que nos indica o espaço de pensamento/conhecimento
que iremos desenhar com suas inúmeras vielas, grandes avenidas, largos, entroncamentos. Para traçar o caminho (método),
ou melhor, os caminhos da pesquisa pego alguns bondes. No
entanto, como nômades que somos, não descartamos a imprevisibilidade das nossas andanças. Como uma cartografia, os
vários mapas traçados a partir das inúmeras viagens vivenciadas e percebidas segundo um corpus preliminar, que se baseia
281
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
não apenas na noção restrita da viagem como deslocamento
de um ponto A ao B, mas indicam que a melhor vereda a percorrer deve ser aquela que considere a rede, o imbricado,
o rizomático. Usarei a linha de Ariadne invertida convicta da
sua impossibilidade de esgotamento, mas considerando a sua
natureza labiríntica e ainda as escolhas que se originam nos
processos. Esta opção aponta para a própria instabilidade do
sistema de pensamento que estou construindo, mas ao mesmo
tempo convoca à construção de uma topologia que articula
várias raízes epistêmicas, favorecendo desta maneira uma
arquitetura singular. Neste percurso as posições sujeito-objeto
são desconstruídas e no lugar desta dualidade surge uma unidade que é simultaneamente sujeito e objeto, ou seja, a observação do fenômeno comunicacional já pressupõe um cosmo
que se constitui holisticamente.
O movimento é pensado aqui através do fenômeno da
errância, que em si já indica um duplo: o êxodo dos personagens e a natureza da imagem cinematográfica. Diante disto,
o método escolhido orientar-se-á, inicialmente, pela busca
do espaço-entre, do pensamento fronteiriço. Para perceber o
espaço liso que abriga o acontecimento que testemunho, olho,
lanço mão, como instrumento, da intuição sensível que é articulada a partir das infinitas impressões ou descrições do fenômeno observado. Essa postura se opõe à intuição cartesiana,
exclusivamente intelectiva. Adota-se a intuição como forma
de conhecimento que navega entre a nossa consciência e o
interior do objeto. Sendo assim, sinto-me vinculada, preliminar-
282
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
mente, ao procedimento metapórico que, entre outras coisas,
reflete uma busca de captar no próprio objeto o seu sentido.
Com relação aos filmes que busco dialogar a proposição
passa por lançar-se a eles, misturar-se, contaminar-se com eles
para em seguida relatá-los já impregnada destes objetos artísticos. Sendo assim, a primeira vista, delimitamos o cruzamento
com viajantes como Travis, do filme Paris, Texas, de Wim Wenders,
1984, que entre paisagens, reaproximações e desencontros
cruza conosco e nos mobiliza a pensar o quão frágil é a nossa
memória, a nossa relação com o mundo, como sendo o ponto
arquetípico inicial da nossa trajetória. Travis está em todos nós
à medida que ao acompanhá-lo e ao aproximarmo-nos dele
especularmente revelamos a nossa fragilidade, o nosso reencantamento face ao mundo e acima de tudo a nossa busca
ancestral que aponta simultaneamente para o apaziguamento
e a exacerbação da nossa potência, rompendo e alinhavando
a nossa própria existência. Assim, pensar a representação dos
sujeitos diaspóricos contemporâneos na produção cinematográfica brasileira é tentar lançar olhares sobre o processo de
ressignificação existencial que extrapola a dimensão exclusivamente política e reconstrói novas possibilidades de estar no
mundo. Ele reduplica-se, de alguma maneira, em Gerry, narrativa dirigida por Gus Van Sant que apresenta dois personagens
que percorrem uma região desértica localizada em algum lugar
entre os Estados Unidos e a Argentina. Os passos dos Gerrys, os
seus corpos em movimento, somados aos procedimentos da
câmera, à paisagem, a experiência temporal que aquela visualidade nos convoca traduz a matéria sensível que me rela-
283
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ciono. Há ainda exemplos como a produção grega Paisagem
na neblina, Theo Angeloupolus, que traz Alexandros e Voula
movidos pelo desejo incessante de encontrar a si, ao outro, ao
estranho, à origem. Percorremos entre apreensão e ansiedade
os vários percursos que eles fazem intuitivamente para encontrar a ideação do pai. São nestas veredas que cruzamos com o
tempo que sempre foi objeto de reflexão no campo do cinema.
Na tradição narratológica ele era visto como uma categoria
de constante apreciação. Ao nos distanciar desses discursos
instituídos, vamos partir da empiria suscitada pela experiência
da temporalidade expressa nos filmes para compreender de
que maneira o cinema contemporâneo ressignifica este “dado
sensível”, instando-nos a um regime de vidência no qual quatro
linhas do tempo, demarcadas a partir da poética proustiana
apontadas por Deleuze – o tempo perdido (signos do amor), o
tempo que se perde (signos mundanos), o tempo que redescobrimos (signos sensíveis) e o tempo redescoberto (da arte) se
entrecruzam. Neste sentido, o contato com o filme pernambucano Eles voltam (2012), do diretor Marcelo Lordello e vencedor do último Festival de Brasília, conduz como a experiência
da temporalidade configura um estar no mundo que convoca
a uma errância que investe no fluxo, no trânsito permanente,
que alimenta simultaneamente um devir imagem e uma existência singular. Para tanto, partiremos de uma metodologia
que se ancora, sobretudo, no pressuposto bergsoniano da
intuição e por outro lado se nutre da proposta deleuziana de
que o cinema, através dos seus personagens e da sua técnica,
funciona como disparador conceitual: “A filosofia se ocupa
284
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
de conceitos; ela os produz, os cria. A pintura cria um determinado tipo de imagens, linhas e cores. O cinema cria outro
tipo de imagens, imagens-movimento e imagens-tempo;” “O
que me interessa são as relações entre arte, ciência e filosofia.
Não existe privilégio de uma dessas disciplinas sobre as outras.
Cada uma delas é criadora. O verdadeiro objeto da ciência
é criar funções, o verdadeiro objeto da arte é criar agregados
sensíveis e o objeto da filosofia é criar conceitos”. (MACHADO,
2010, p. 14). Sendo assim, acompanho a errância de Cris, adolescente abandonada na estrada pelos pais que empreende
uma viagem, dangerosíssima viagem de si a si mesma, percorre
lugares, desencontra-se, rever pessoas, volta pra casa. Cris e a
composição do planos, o tempo das sequências, os incontáveis
planos sequência, os movimentos de câmera, o ritmo da montagem. Todo este conjunto de signos convida a pensar as fragilidades, os estranhamentos, as ressignificações constantes e a
própria existência. Aqui, delineamos uma existência que acontece no movimento e reflete-se no acontecimento. “O acontecimento, na óptica de Deleuze, passa-se num tempo liso, não
pulsado, flutuante, aiônico. Ele é coextensivo aos devires, ao
meio, ao intempestivo, de certo modo à cesura”. (PELBART,
2004, p.61). Metafisicamente, observamos o acontecimento
como o momento de eclosão ou aparecimento através do
qual o ser acede àquilo que ele tem de próprio. É o próprio ser
que se revela aí, sendo, por isso, diferente dos demais acontecimentos históricos ordinários. O ser tem lugar no movimento,
que faz advir ele a si próprio, que lhe dá acolhida. Neste processo trans-subjetivo, encontramos também na compreensão
285
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
do Dasein, a ideia que abarca que a existência é a espera do
poder-ser, uma expectativa do chegar-se a si próprio o caminho para si de uma possibilidade. Sendo assim, a nossa busca
nesta altura do texto é tentar sentir e este ser que é ex-stase que
tem a habilidade de sair de si e ir na direção daquilo que já não
é ou ainda não foi, tudo viabilizado pela experiência temporal.
Os nossos olhares buscam perceber no filme as nuances das
questões filosóficas a partir da materialidade imagética, sendo
assim, possibilitamos um mergulho num conhecimento afetivo,
que ocorre nas bordas e que o tempo todo se desterriotorializa,
que é nômade por excelência.
Ao articular todas estas cinematografias pretendo desenhar uma cartografia de uma nova dimensão topográfica
constituída através das experiências que envolvem as dimensões temporais e espaciais, compreendendo, sobretudo, como
os discursos cinematográficos, através da sua materialidade
imagética, ressignificam esteticamente os fluxos existenciais
experienciados pelos personagens fílmicos e ancoram lugares
de concretização de experiências estéticas que representam
um devir existencial na interface com o humano.
286
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
41 Metáporos: uma proposta de
pesquisa para estudar Cinema
Eliany Salvatierra Machado
Apresentação da proposta de pesquisa
Após dez anos acompanhando as pesquisas e os estudos
do Filocom, grupo de pesquisa coordenado por Ciro Marcondes
Filho na Escola de Comunicação e Artes da Universidade de
São Paulo, voltei meus estudos para questões filosóficas do tipo:
“o que é Educomunicação?”,“O que é pesquisa fenomenológica?” e“O que é estética?”.
Durante a pesquisa do doutorado, na mesma Escola de
Comunicação e Artes, no período de fevereiro de 2005 a fevereiro de 2009, estudei o que estava se consolidando ou, provisoriamente, amalgamando-se com o nome de Educomunicação.
Parto da questão do pesquisador Marcondes Filho sobre o
que é Comunicação para refletir e, principalmente, analisar a
Educomunicação.
Na tese defendida em 2009,trabalhamos com os filósofos
Emmanuel Levinás e Martín Buber, para discutir o diálogo e a
alteridade, questões-chave para a Educomunicação. Para
pensar a metodologia do fenômeno educomunicativo apresento o metáporos.
287
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Atualmente, trabalhando no departamento de Cinema
e Vídeo da Universidade Federal Fluminense, estudamos o
metáporos como uma proposta de pesquisa para observar o
fenômeno estético com o cinema. Como parte da pesquisa,
rastreamos o termo “estética” em textos considerados clássicos
pela filosofia.
Em 2012,juntamente comos alunos, estudamos Platão, trecho do livro III de “A república”; Aristóteles, Capítulos I a XII da
“Poética”; Plotino, Trecho de “Sobre a Beleza”; Sto. Tomás de
Aquino, Trechos de “Contra Gentiles” e “Suma Teológica” e D.
Hume, “Do padrão do Gosto”.
Em 2013, já estudamos: Baumgarten, Parte III da “Estética”;
Kant, Parágrafos selecionados da “Crítica da Faculdade do
Juízo”; e Schiller, “Sobre a Educação Estética do Homem em
uma Sequência de Cartas”.Está previsto o estudo dos seguintes
pensadores até o final do atual período letivo: Schelling, Hegel,
Schopenhauer, Marx, Nietzsche, Heidegger, Adorno, Walter
Benjamin, Merleau-Ponty e Deleuze.Todos foram selecionados
por tratarem do termo ou das questões da estética.
Introdução à Comunicação como acontecimento
Para que possamos entender o que significa realizar o
metáporos como um procedimento de pesquisa, consideramos
necessário compreender anteriormente o que Marcondes Filho
propões por comunicação como acontecimento. Com esse
objetivo, começamos definindo o que não é comunicação
288
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
para o pesquisador:troca, compartilhamento e muito menos
passagem. Antes disso, comunicação é aquilo que nos força
a pensar, que nos incomoda, que mexe conosco, com as nossas ideias e está associado à expressão estética.Comunicação
como expressão estética no sentido de aisthesis – relação sensível com o mundo.
Para Marcondes Filho, uma comunicação densa, acontecimento, está próxima da arte, ambas como forma de apreensão sensível do mundo. Ocorre igualmente em contato com
objetos culturais das produções televisivas, cinematográficas,
teatrais, nos espetáculos de dança, nas performances, nas instalações, na possibilidade de criação de situações similares,
inclusive em ambientes de relacionamento virtual.
Pensando a Comunicação como acontecimento,surge a
essência de um projeto de pesquisa intitulado“Metáporos: uma
proposta de pesquisa para estudar cinema”. O que ocorre entre
uma pessoa e um filme que toca; que atravessa; que força a
pensar? Como ocorre o fenômeno da comunicação, na perspectiva do acontecimento, entre o espectador e o filme? É
possível capturar a comunicação, a estesia no momento que
ela acontece durante o filme?
Introdução ao metáporos
Após vinte anos estudando o território dos fenômenos comunicacionais e suas ocorrências fenomenológicas, Marcondes
Filho apresenta, em 2008, o debate sobre “Metáporo”.
289
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
O estudo sobre uma nova teoria da comunicação e outra
forma de pesquisar os fenômenos comunicacionais denominada por Marcondes Filho de metáposfaz parte da pesquisa
intitulada“Princípio da razão durante, uma ontologia e uma
epistemologia dos fenômenos comunicacionais”.
Metáporo está relacionado com o que tradicionalmente
na academia se entende por “método” de pesquisa. Porém,
paraMarcondes Filho, o termo “método” carrega a ideia de
caminho já traçado (meta + odos = caminho que vai para o
outro lado). Ao que ele considera: “percurso necessário, camisa
de força da pesquisa, conjunto de procedimentos estabelecidos aos quais ela (pesquisa) tem que se dobrar.”
O Metáporo é uma proposta que respeita o seu objeto,
que é a comunicação – entendida aqui como acontecimento.
O processo tenta, então, apreender a fugacidade, a efemeridade e o caráter fortuito do acontecimento comunicacional.
São características básicas do acontecimento comunicacional, segundo Marcondes Filho:
1. O objeto é novo, ágil, cobrando do procedimento
investigativo uma atitude igualmente dinâmica;
2. O objeto é transitório, exige que o pesquisador atribua
legitimidade a esse estadopassageiro;
3. O objeto está assentado no movimento, daí impondo
ao estudioso uma atitudeemparelhada no mesmo
processo;
4. O acontecimento não avisa que irá se dar: cabe ao
pesquisador a identificação de suafulguração e a ini-
290
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ciativa de acompanhá-la. As quatro características –
novidade, efemeridade, movimento e imprevisibilidade
– ficam mais evidentes quando as definimos segundo
a razão inversa: o objeto não é conhecido nemconceituado; não permanece por muito tempo; não está
parado, estacionado ou “congelado” e, por último,
não avisa quando irá acontecer novamente.
No Metáporo, escreve Marcondes Filho, cabe apelar
para a estratégia de uma preservação do não-conhecido, do
ainda-não-desvendado, assegurando-lhe a potencialidade de
continuar a existir.
O pesquisador no metáporos
O pesquisador precisa participar, misturar-se com o objeto
(comunicação). É necessário fazer o jogo para pegar o enredo,
acompanhar os movimentos, participar do clima, imergir no
processo para viver com ele, para sentir sua pulsação.
Ao contrário do que alguns métodos de pesquisa
propõem(o afastamento, a objetividade e a imparcialidade),
no metáporos a indicação é a “mistura”, “fazer parte”. Não se
trata, propriamente, de apreender e muito menos de compreender, masde sentir as vibrações, a força, a energia própria e
encontrar uma forma de apresentá-lo ao outro, repassá-lo, de
manter os efeitos vibrantes.
O desafio é conseguir pensar em uma ciência transitória.
Um saber que se dedique aoinstável, àquilo que só se mostra
291
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
no exato momento por efeito das forças que interagemno aqui
e no agora. Desta maneira, esse processo nunca será capturado em sua totalidade, pois ésempre transitivo.
O pesquisador, nessa linha de pensamento, deve focalizar
o exame da ocorrência como esta se dá, que efeitos provoca,
qual a lógica de seu impacto, de sua atração, de seu mecanismo de sedução, numa atitude em que “não se visa um saber
final, uma construção aser reverenciada, uma descoberta que
irradie pelos tempos futuros”.
Metáporo se inicia pela apreensão do fenômeno porintermédio da intuição sensível e intelectual. Não se trata de um
método dedutivo, tampoucoindutivo, “mas da apresentação
de constatações, impressões ou descrições relativaa umsenso
artístico, que nos revela aquilo que os seres são em si próprios,
por oposição aoconhecimento discursivo e analítico que
exerce uma abordagem do conhecimento do exterior”.
Marcondes Filho explica que o Metáporo toma como modo
de apreensão do real a captura instantânea, sensível,sem conceitos, tal qual se observa na relação estética com o mundo.
Ele permite um tipo deinferência pela qual podemos captar o
que não está presente. A evidência não é exterior, como pensava o idealismo, mas do próprio mundo, do mundo vivido.
Com a intuição sensível, com o ato de nos transportarmos
para o interior de um objeto, realizamos asimpatia, isto é, fundimo-nos com o que há de único no objeto. Diferente das ciências positivas, o Metáporo não analisa, não adota um ponto de
vista sobre a coisa, não disserta sobre ela, mas buscacaptá-la
nasua próprio concretude.
292
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
O pesquisador deve considerar três coisas:
A primeira delas éque ele é um observador ou, nas palavras de Marcondes Filho, um espectador que, em movimento,
vê a vida também em movimento.
A Segunda, é entender o seu lugar no Metáporo: estamos
no mundo, não estamos fora dele oususpensos, ou seja, não
estamos desconectados.
Por último, a terceira é que o mundo, em movimento, dá-nos uma “infra-estrutura de operações do pensamento, nos dá
um campo aberto, um espaço livre do saber.”
O pesquisador, ao colocar-se no espaço liso deve fazer
as observações e o seuinstrumento é a sua intuição sensível. O
pesquisador deve ser objetivo, mas com uma objetividade sem
aspas, pois ele se envolve, participa, é uma objetividade subjetiva. Por isso, Marcondes Filho critica trabalhos que são escritos
com distanciamento, nos quais não percebemos o pesquisador
e diz: “não é só a gramática que busca a objetividade com
aspas. É também a orientação dada ao pesquisador, pois a
academia não vê com bons olhos a escrita na primeira pessoa”.
O que devemos ver? Ou o que é possível ver no metapóro?
Possíveis respostas são:
• A construção de sentido;
• A realização do acontecimento; e
• Atransformação incorpórea promovida pela efetivação do ato comunicacional.
O sentido, contudo, não está relacionado, aqui, com significado, e sim com as sensações. O caminho proposto por
Marcondes Filho aponta para a possibilidade de sairmos de um
293
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
método que nos aprisiona. Trata-se de uma saída pelos poros:
“Os poros são a única coisa que podem conduzir da obscuridade à luz”.
Para explicar a ideia de poros, o autor cita Sarah Kofman.
Poros é a abertura de uma passagem num espaço caótico;
ele introduz vias, cria direções possíveis, caminhos de fuga, ele
vence a aporia. Poros, diz ela, dissipam a obscuridade que
reina na noite das águas primordiais, abrindo as vias por onde o
sol pode levar à luz do dia e as estrelas são capazes de traçar
o céu de rotas luminosas das constelações. É a opção para
quem não pretende seguir umcaminho estriado, contaminado
por uma teoria imóvel, rígida, travada, mas que busca o caminho liso, aberto, indeterminado, difuso, livre.
Os poros são a possibilidade de saída, repete Marcondes
Filho, mas é uma saída que não se torna o caminho definitivo,
é uma saída sempre com outras saídas. Por isso, ele nãofala de
métodos, mas de Metáporos (meta + poros). Poros, uma passagem, um vislumbro, uminsight.
Metáporos é, pois, um procedimento. Contudo, reconhece os limites do ver, a impossibilidade de se chegar a um
todo. O pesquisador deve ser despretensioso ereconhecer que,
quando vê algo de frente, jamais, ao mesmo instante, conseguirá visualizar a parte de trás. Marcondes Filho fala de poros
enquanto passagem: “construir uma passagempara o outro
lado, cavar na superfície da água, no monte de grão, abrindo,
no vento, atos que desfazem em seguida tudo o que acabamos de abrir.”
294
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Dentro de tantas novas possibilidades, como não se apaixonar pelo conceito de Metáporos? Contudo, não para possuí-lo, mas para vivenciar a energia de ser espectador dealgo que
está vivo, pulsante, e não morto. O grande desafio, contudo, é
a capacidade narrativa do estudioso, sua habilidade emtransformar, para o registro não apenas o acontecimento, como
também o que o envolve, material e imaterialmente, tentando
repassar para o leitor a força, o ânimo, a vitalidade, emsuma: a
vida do evento comunicacional.
O Cinema, o filme como evento comunicacional
Como percebemos um filme? Quais são os elementos que
estão presentes no momento comunicacional na recepção
fílmica?
A apreensão de um filme é estética? Como ocorre?
São essas as questões que estamos tentando tratar na presente proposta de pesquisa.
Bibliografia
DUARTE, Rodrigo. O belo autônomo: textos clássicos de estética, Belo Horizonte, Ed. UFMG, 1997.
MARCONDES FILHO, Ciro. O princípio da razão durante: o conceito de comunicação e a epistemologia metapórica: nova
teoria da comunicação III: tomo V, São Paulo, Paulus, 2010.
295
Sumário
42 Gesto, Rosto e Morte aa Joana D’arc de Dreyer
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Ciro Inácio Marcondes
Gesto e cinema silencioso
A relação entre o cinema silencioso e os paradigmas dos
olhar e do gesto é por si só autoevidente e necessária, mas
talvez, em seus detalhamentos, menos óbvia do que possa
parecer. Dentro de um espectro de expectativas que incluem,
ao mesmo tempo, a diminuição ou apagamento da fala, e
um multidimensionamento da imagem, o cinema silencioso
parece conservar em suas contingências um difícil registro de
seus sentidos, um desarranjo de suas próprias pistas, deixando
restar apenas o traço daquilo que um dia poderia ter sido. De
alguma forma, a metáfora de máscara mortuária da realidade,
preconizada por Bazin para todo tipo de cinema, parece ser
ainda mais vigorosa no âmbito da tela silenciosa. Os personagens do cinema mudo parecem mais fantasmagóricos, mais
esquemáticos, mais oblíquos e mais morfológicos em relação à
realidade do que aqueles do cinema falado, que são simplesmente melhor mentidos, mais magistralmente falseados.
Se estes personagens silenciosos se parecem, portanto,
mais como anagramas fílmicos da própria realidade (e veremos adiante como o rosto destes personagens pode ser uma
completa tábua de leitura do mundo), se sua relação com o
296
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
mundo que os gerou, de maneira indexical (foram “capturados” deste mesmo mundo pelo processo de revelação fotográfica), não passa de tangencial, se se assemelham a uma série
de estilemas de composição que buscam uma totalidade (ver
Eisenstein), que tipo de representação é a que efetivamente
norteia a leitura de um filme mudo? De início, antes mesmo
que possamos pensar especificamente no filme O martírio de
Joana D’Arc (La passion de Jeanne D’Arc, de Carl Theodor
Dreyer, 1928), que tão bem problematiza estes tensionamentos,
podemos pensar, a priori, em como as instâncias do gesto e do
olhar intuem uma proposição geral para a experiência do filme
mudo. Ao mesmo tempo, a velha correlação entre a profundidade geral da imagem, coadunada à expertise imbuída no
trabalho da montagem acabam formando um quadrado de
possibilidades para estes personagens geométricos, anagrâmicos, pensados como estruturas sempre em função da arte do
filme silencioso.
O martírio de Joana D’Arc pertence um período muito
específico de filmes crepusculares da história do cinema silencioso. Mais precisamente, está localizado em uma instância
histórica que não vai mais ser aquela do amadurecimento técnico e do engrandecimento narrativo da arte cinematográfica,
entre O nascimento de uma nação (1914), de Griffith, e a chegada de um cinema de vasta conotação simbólica, altamente
plasmado nas vicissitudes de imagens geradoras de outras infinitas imagens, cristais, como as definia Gilles Deleuze. Estes filmes, não fazendo parte das chamadas vanguardas heroicas
(Buñuel, Man Ray, René Clair, Duchamp, entre outros) dos anos
297
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
1920, coincidem primeiro em sua periodicidade, curiosamente
muito próxima da chegada do cinema falado, e também
por estarem encarregados do fardo de fazer do cinema um
instrumento de representação não-convencional (ou sequer
um instrumento de representação), fazendo de suas sequências, dínamos. A razão histórica e a motivação estética para
que, em cantos diferentes do mundo, alguns filmes apresentassem essa motivação, em um período tão curto da história do
cinema, é ainda alvo de especulação. Porém, o filme francês
O martírio de Joana D’Arc, realizado pelo mestre dinamarquês
Carl Theodor Dreyer em 1928, certamente se junta a outros feitos notáveis – como os de Murnau (Aurora, 1927), Dovzhenko
(Terra, 1930), Kinugasa (Página de loucura, 1926) ou Vertov
(Homem com uma câmera, 1929) –, como um dos mais singulares da história desta forma de arte.
Uma das motivações da forte impressão que o filme
causa sobre o espectador incauto é certamente o uso do primeiro plano, à época ainda restrito, em praticamente qualquer
outro filme, a um elo narrativo que se encadeia à necessidade
de se mostrar alguma coisa com mais proximidade, para fins
de esclarecimento da narrativa. Este uso, griffthiano, ganha
em Dreyer uma potência até então praticamente inédita no
cinema. Sem pudor, o diretor dinamarquês vai costurar as falas,
retiradas diretamente dos autos originais que condenaram
Joana D’Arc à fogueira, a uma sintaxe composta praticamente
apenas por rostos. Este desfile de perfis dura praticamente
todos os 110 minutos do filme, tornando-o uma experiência de
298
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
robusta proximidade com os atores (todos, sem maquiagem),
uma experiência exótica do olhar e um exercício do gesto.
O fulcro experimental que norteia O martírio de Joana
D’Arc está concentrado na atuação de Maria Falconetti.
Encontrada em um pequeno teatro em Paris, sem nenhuma
experiência anterior ou posterior com a arte do cinema, a atriz
ganhou a história com uma atuação de difícil definição. Em
primeiro lugar, é quase apenas seu torso e seus gestos faciais
que aparecem no filme, graças à predileção de Dreyer pelo
primeiro plano, o close e o hiperclose como código primário
de sua narrativa. Em segundo lugar, Dreyer concentra toda a
história do filme (sua fábula, na terminologia de Bordwell) no
processo de Joana D’Arc, submetendo a personagem a um
intenso interrogatório por parte da igreja e dos juízes ingleses,
deixando a personagem no tenebroso limite entre a revelação, a angústia e a tortura. Maria Falconetti, na pele de Joana
D’Arc, é, portanto, uma figura transtornada e confusa, abatida
pelo cativeiro e pelos diversos processos (máquinas de tortura,
sangrias) às quais ela vai sendo submetida até que pudesse,
enfim, confidenciar que mentira, que não era enviada por
deus, que não ouvia vozes que a ordenavam que libertasse a
França do jugo da Inglaterra (durante a Guerra dos Cem Anos).
Por fim, a direção de Dreyer, realizando cortes longitudinais nos
rostos dos personagens, ou posicionando-os geometricamente
nas laterais dos planos, ou fixando a câmera no olhar oblíquo,
misto de angústia e loucura, de Maria Falconetti, faz do filme
um deslizamento na superfície destes rostos, tornando-os significantes, peças para um mapeamento dos códigos gestuais e
299
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
faciais humanos, revolucionando a arte de atuar. É sabido (Cf.
filme Radiografia da alma) que Dreyer pressionava Falconetti a
jamais sair de sua personagem, mesmo enquanto dormia. Esta
técnica, um tanto tirânica, da possessão, acabou por render
uma atuação que transcendia, até então, todo o sentido para
o qual a atuação cinematográfica se dirigia. Dreyer fez, de sua
apropriação do primeiro plano e da atuação em minúscula
distância, uma sintaxe nova para o cinema. Os rostos de seus
personagens e as molduras nas quais estes rostos se inseriam se
tornaram um guia para a própria compreensão da realidade
do cinema. Nunca, antes ou depois, o conceito de fotogenia
proposto por Louis Delluc teve tanta pregnância. Agigantados,
os aspectos destes rostos se tornam mapas de decodificação
do insuportável. Frequentes, repetidos, fantasmagóricos, estes
são rostos insuportáveis, que ultrapassam até mesmo o realismo proposto pelo diretor a respeito do filme: “[...] o resultados
dos primeiro planos era que o espectador recebia o mesmo
impacto que Joana recebendo as perguntas, e sendo torturada por elas” (DREYER apud GÓMEZ GARCÍA, 1997, p. 125). As
atuações, neste filme, são impactadas, portanto, pela tortura:
não apenas a tortura sofrida pela personagem, mas a tortura
das imagens em si, que não são imagens de coisas torturantes, mas sim de rostos torturantes. Em poucos filmes somos tão
impactados por este tipo de fantasmagoria do rosto. Esta aporia derridiana que o filme nos sugere (rostos insuportáveis, mas
que, no entanto, temos a obrigação de suportar) vai se ligar,
conforme veremos, ao sentido geral do filme, relacionado com
o martírio e a morte, em uma primeira instância, e o conceito
300
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
levinasiano de esforço, em uma segunda. Antes, porém, é
necessário investigar mais a maneira como o gesto e o olhar se
ligam a estes rostos insuportáveis, e de que maneira estas duas
estruturas, alinhadas pela montagem fílmica de Dreyer, tornam
o próprio filme um acontecimento possível.
O gesto é um conceito caro a Giogio Agamben. Para o
filósofo italiano, o século XX desaprendeu a praticar seu gestual.
Esta conclusão ele tira a partir de estudos sobre a síndrome de
Tourette, um quadro clínico comum no final do século XIX, em
que o doente passa a perder controle de seus movimentos, executando um gestual aleatório ou repetitivo, constantemente. O
desaparecimento deste modelo de Tourette no início do século
XX é para Agamben não um sinal de que esta doença tenha
encontrado cura definitiva, mas sim o de que a atribuição de
“doença” para este fenômeno tenha sido largada para trás e
que toda a sociedade ocidental tenha se adequado ao gestual patológico de Tourette, perdendo a naturalidade gestual
original:
A dança de Isadora e Diaghilev, o romance
de Proust, a grande poesia de Pascoli a Rilke e,
enfim, no modo mais exemplar, o cinema mudo
traçam o círculo mágico no qual a humanidade procurou pela última vez evocar aquilo
que lhe estava escapando das mãos para sempre (AGAMBEN, 2007, p.11).
Para Agamben, portanto, a fantasmagoria principal do
cinema mudo residiria em sua tentativa de cristalizar o gesto,
301
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
já perdido ou desaparecido fora de suas instâncias midiáticas.
Não surpreende, portanto, que ele posicione o gesto, e não a
imagem, como elemento central do cinema, já que “em toda
imagem está sempre em ação uma espécie de ligatio, um
poder paralisante que é preciso desencantar, e é como se de
toda história da arte se elevasse um mudo chamado para a
liberação da imagem no gesto” (Idem, p. 12). Esta centralidade
do gesto em busca de uma fuga da representação é vital para
que um filme como O martírio de Joana D’Arc se assente em
termos conceituais. Afinal de contas, se os múltiplos olhares do
filme se dirigem para longe de uma significação direta, ou seja,
representacional, para onde eles se dirigem? Qual seria uma
ontologia para este gestual? Agamben aponta o gesto como
movimento que tem em si mesmo seu próprio fim, a exibição da
própria medialidade (daí o cinema chamando atenção para o
coração de suas próprias articulações estruturais), a comunicação de uma comunicabilidade. O gesto, portanto, se basta, já
que se concentra na possibilidade de uma comunicabilidade,
e um filme feito inteiramente de gestos, como O martírio de
Joana D’Arc, busca uma relação entre seus temas principais (a
morte, o esforço...) e esta mesma comunicabilidade, fechando
um ciclo não representacional, não hermenêutico, mas estrutural, esquemático, programa de suas próprias possibilidades de
comunicação.
Bibliografia
302
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
AGAMBEN, Giorgio. “Notas sobre o gesto”. In: IANNINI, Gilson.
(Org.). Artefilosofia. No 4. Ouro Preto: IFAC, 2008.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs. Capitalismo e esquizofrenia. Vol. 3. São Paulo: Ed. 34, 1996.
DERRIDA, Jacques. Apories. Paris: Éditions Galilée, 1996.
GÓMEZ GARCÍA, Juan Antonio. Carl Theodor Dreyer. Madrid:
Fundamentos, 1997.
LEVINAS, Emmanuel. Existence and existents. Amsterdam:
Martinus Nijhoff/The Hague, 1978.
SLOTERDIJK, Peter. Esferas II. Madrid: Siruela, 2004.
303
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
43 A Desorganização da Linguagem: A
Contribuição de Antonin Artaud e seu
Cinema para o Estudo da Comunicação
Fagner Torres de França
RESUMO
Segundo uma famosa sentença de Jacques Lacan, o
inconsciente humano é estruturado pela linguagem. Em outras
palavras, a linguagem é a morada do ser. Esta é a base da
psicanálise, como a conhecemos pelo menos desde o doutor Freud. Foi ele quem elaborou aquilo que ficou conhecido
como “talkingcure”, ou seja, a cura pela palavra. A fala é a
janela pela qual o inconsciente libera suas injunções internas,
seus traumas, faltas, desejos, compulsões, neuroses, psicopatias. Não que o inconsciente carregue um sentido. Mas através
da palavra pode-se chegar à origem de doenças nervosas as
quais o sintoma apenas sobrenada na superfície. Seguindo esse
caminho seria possível trabalhar o processo de cura. O estudo
da comunicação humana também tem seu alicerce, em geral,
nesse tipo de proposta. Desde as primeiras escolas, os estudiosos do fenômeno comunicativo tentam lastrear suas conclusões
principalmente na compreensão de alguns elementos básicos
como emissor, receptor, mensagem e meio, entre alguns outros
que foram sendo acrescentados com o passar do tempo. Mas
304
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
praticamente todas elas têm a palavra como principal foco de
atenção. A proposta desse resumo é problematizar, a partir do
cinema idealizado por AntoninArtaud(Marselha, 4 de setembro
de 1896 — Paris em 4 de março de 1948), a comunicação que
está para além (ou aquém) da linguagem, aquilo que transcende o especificamente linguístico, que está fora do texto.
No campo da comunicação, esta tem sido também uma
das preocupações do jornalista e sociólogo Ciro Marcondes
Filho (2010). Ao evocar as lembranças trazidas por certos objetos ou situações, por uma memória involuntária suscitada por
uma situação puramente sensitiva, Marcel Proust, estudado por
Marcondes Filho,proporciona uma reflexão sobre a comunicação que se desenrola dentro de uma noção de Acontecimento,
caro na obra de Deleuze, ou seja, de certa forma, fora do
tempo, para além dele, para além da linguagem, aquilo que
não pode ser simplesmente descrito, mas apenas vivido, uma
única vez. Isso significa que a racionalidade pura e simples não
nos transporta voluntariamente para o evento, mas é preciso
uma série de linhas de força que se cruzam para formar a singularidade da situação e o seu reavivamento, embora não da
mesma fora e somente uma vez. Tal “revival” não é alcançado
por uma narrativa pura e simples. Está mais perto do estado
da arte. Por isso as palavras apenas não o alcançam. O que
Van Gogh tenta nos comunicar poderia ser transmitido em linguagem? E o que dizer de Bach ou Beethoven? Por mais que
se sente explicar sua nona sinfonia, nada substitui a escuta
silenciosa e atenta e o deixar-se transportar. Dá-se o mesmo
quando aspiramos um perfume, vemos o céu pintar-se com as
305
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
cores idênticas aquele dia especial, ao ouvirmos aquela canção marcante, ao comermos aquela comida saborosa que
uma vez provamos em Veneza ou Madagascar.
É nesse sentido de uma comunicação total que trabalha
AntoninArtaud em sua arte. O teatro de AntoninArtaud propõe
uma linguagem para além da simples representação baseada
na palavra escrita, em textos lineares, encadeados, dotados
de lógica e coerência internas. Trata-se de fazer a linguagem
exprimir o inabitual, o inusitado, uma violência primordial, seminal, originária, arcaica. Em O teatro e seu duplo (2006), sua
obra mais conhecida, Artaud trata do teatro como arte independente e dotada de autonomia. Sua força estaria na possibilidade de separar-se da escrita, da palavra pura, liberando sua
capacidade de experimentação para além das formas fixas.
A linguagem dos signos poderia atingir o espectador de forma
mais imediata, dispensando a iniciação aos códigos escritos
que dificultam a experiência mais diretamente comunicativa
com a arte. Ao invés da cultura pela palavra, que paralisa o
pensamento, Artaud aposta na cultura pelo gesto espontâneo.
Esta operaria por meio de gritos, sinais, onomatopeias e modulações vocais associadas à expressões corporais, exploração
do espaço e diálogo entre objetos cênicos. O modelo para
esta reflexão é o teatro oriental, o qual, segundo Artaud, soube
conservar da linguagem mais que sua articulação gramatical,
mas sua relação com o corpo, o movimento, a respiração e
seus aspectos eminentemente sonoros.
O mesmo se dá no campo da sétima arte. Para ele, um
cinema que apela aos sentidos, capaz de reduzir a participa-
306
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ção do entendimento levaria a uma compressão enérgica do
texto, pois as palavras “pouco falam ao espírito; a extensão e os
objetos falam; as imagens novas falam, mesmo que feitas com
palavras” (ARTAUD, 2006a, p. 98). O cinema seria como uma
verdadeira liberação, necessária e precisa, de todas as forças
sombrias do pensamento (ARTAUD, 2006b), um choque infligido
aos olhos, tirado da própria substância do olhar, agindo diretamente no cérebro sem intermédio do discurso, não proveniente
de circunstâncias psicológicas. Artaud busca o que ele chama
de cinema visual, mais que textual, no sentido de exibir os nossos atos em sua barbárie original e profunda.
Artaud atuou em cerca de vinte filmes. Escreveu sete
roteiros, dos quais apenas um foi filmado, A concha e o clérigo
(1928), sob a direção de GermaineDulac, com quem tentou
pôr em prática seu ideal estético cinematográfico. A disposição
formal do roteiro é dominada por três elementos: a rapidez, a
metamorfose e a transparência. São acontecimentos que se
sucedem com extrema rapidez e formas que se encadeiam
e dissolvem-se umas nas outras. Em uma das cenas, segundo
o próprio roteiro, uma mulher aparece “ora com a bochecha
inchada, enorme, ora mostrando a língua, que se alonga até o
infinito e na qual o clérigo se agarra como se fosse uma corda.
Ora ela aparece com o seio terrivelmente inchado” (2006b, p.
163).
Para sua principal biógrafa, Florence de Mèredieu (2011),
com esse filme Artaud pretendeu excluir todo aspecto narrativo em favor unicamente da dimensão plástica, embora também considerar-se contra um cinema puramente abstrato. Sua
307
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
“terceira via”, diz Mèredieu, é a de encontrar uma lógica de
imagens, “que se engendram, se deformam, se combinam. Ele
desenvolve isso criando uma concepção orgânica e – finalmente – muito bergsoniana (ou deleuziana) de cinema: a de
um vivente que se move, se transforma” (p. 359).
Embora tenha atuado em duas dezenas de filmes,
Artaud não conseguiu realizar seu projeto pessoal de cinema,
nem deixou herdeiros. O cinema artaudiano, portanto, está
por vir. “Gosto de todos os tipos de filme. Mas todos os tipos
ainda estão por criar” (ARTAUD, 2006b, p. 169), diz. Aqui foi possível apenas trabalhar com uma hipótese, no sentido de gerar
pensamento. Por isso, embora Bazin (1989) discuta a ideia de
cinema crueldade com base em outros diretores, fica quase
impossível formular um exemplo de experiência concreta efetivamente artaudiana, com exceção de A concha e o clérigo.
Aliás, ele próprio ficou insatisfeito com o resultado das filmagens
e promoveu, junto com um grupo de surrealistas, um tumulto no
dia de sua primeira exibição pública. O presente texto serve,
no entanto, como ponto de partida para se fazer essa reflexão,
que será desenvolvida ao longo dos próximos anos.
REFERÊNCIAS
ARTAUD, Antonin. Linguagem e vida. São Paulo: Perspectiva,
2006a.
ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. São Paulo: Martins
Fontes, 2006b.
308
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
BAZIN, André. O cinema da crueldade. São Paulo: Martins
Fontes, 1989.
MARCONDES FILHO, Ciro. O principio da razão durante. O conceito de comunicação e a epistemologia metapórica. Nova
teoria da comunicação III / Tomo V. São Paulo: Paulus, 2010.
MÈREDIEU, Florence de. Eis AntoninArtaud. São Paulo:
Perspectiva, 2011.
309
Sumário
44 A noção de acontecimento no documentário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Ana Tázia Patricio de Melo Cardoso
A presente pesquisa consiste na reflexão sobre a noção de
acontecimento, à luz do pensamento de Edgar Morin, particularmente refletida em documentários. Neste sentido, a pesquisa
extrai do fazer documental o foco nas questões cotidianas, de
onde se parte dos fatos para se questionar as realidades sociais.
Observamos atentos o quanto os estudos da Comunicação
têm traçado esforços e reflexão para compreender as nuances
desta sociedade.
Desta forma, para a reflexão que nos propomos nesta pesquisa, descobrimos que todo documentário deve ser observado
a partir do acontecimento instante, aquele fato acionador, e
reiteramos o pensamento de Morin (2005), quando apresentamos uma possibilidade conceitual para designar a noção de
‘acontecimento’, como aquele que incita no fazer documentário. Com Lins e Mesquita (2008) descobrimos um pensamento
crítico a respeito de uma lógica midiática, pois também acreditamos que o interesse hoje está na forma minuciosa de como
a mídia organiza os acontecimentos do “interior” – onde tudo
acontece dentro de uma lógica midiática, capturando de
forma simultânea todos os envolvidos, e na maioria das vezes
atua como uma formadora de consensos, que podemos também constatar nas coberturas jornalísticas a perda ou a redução do sentido.
310
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Assim, no exemplo documentário, analisamos a hipótese
de como o procedimento documental, com foco em revelar
uma história particular, pode de fato fazer com esse particular
reflita o universal, o que finda por configurar-se em uma sociologia do presente, conforme proposta por Edgar Morin, que
busca estudar os acontecimentos da atualidade, o questionamento da tendência do momento, a curiosidade voltada para
o cotidiano, partindo dos fatos para questionar as realidades
sociais.
Ao percebermos essa não delimitação do campo, como
bem aponta Morin (1969), devemos assim viver a tensão permanente entre o singular e o universal, o fenomênico e o fundamental, o empírico e o teórico, a compreensão e a explicação.
É preciso saber propor questões universais, assim como obter
reflexões gerais. Na história, qualquer “campo” encontra-se
aberto e é atravessado por correntes que ultrapassam seus limites geográficos.
Por partir de uma relação com o real, o documentário
muitas vezes é relacionado a funções sociais, e não a serviço
da arte e do entretenimento, mas sim, como um canal às minorias, fazendo denúncias, revelando o lado desconhecido do
cotidiano das pessoas. Neste sentido, ao valorizar essa aproximação com o real, a liberdade de criar a partir dos acontecimentos pode ficar em segundo plano, correndo-se o risco
do gênero documentário ser vinculado mais ao jornalismo – do
que ao cinema.
Vimos que assim como outras indústrias, o audiovisual também utiliza de estratégias de divulgação e comercialização
311
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
com seus produtos. Segundo Lipovetsky (2009, p. 232) “não se
trata mais de informar o público sobre o lançamento de um
filme, mas sim, de elevá-lo à condição de acontecimento, de
espetáculo imperdível do qual todo mundo fala e que ‘é preciso ver’”. Para ele “a comunicação do cinema é, antes de
mais nada, cinema da comunicação. Não cinema dentro do
cinema, mas cinema acontecimento, cinema global”. Nesse
sentido que consideramos também importante trazer à discussão os processos de registro e difusão de imagens e símbolos,
num processo de mediação, pois são tantas as ideias que surgem no dia-a-dia da grande legião de documentaristas em
nosso país.
Mesmo dedicado à trajetória de um único indivíduo, o
documentário não se esgota numa subjetividade. Bazin (2005,
apud Novaes, P. 82) observa os filmes documentais como um
recorte cultural do mundo fundado em conceitos visuais de
construção do outro, e do mundo. Observamos que a mídia é
um importante elo entre o que acontece no mundo e a representação das imagens desses acontecimentos, ela atua como
uma formadora de consensos. Em grande parte das coberturas
midiáticas, vimos a perda ou a redução do sentido.
Entendemos, então, que os acontecimentos intervêm de
maneira múltipla e decisiva na história humana, conforme já
apontamos, tanto externamente à vida social, por catástrofes naturais, como de cunho social, mas externas a uma dada
sociedade, por guerras, invasões. Como também aspectos
internos às sociedades, como os acontecimentos políticos, os
conflitos sociais ou as crises.
312
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Podemos aproximar a noção de acontecimento de
Foucault à acepção que Morin dá a ela: presente o acontecimento é impedi-lo de se dissipar na dispersão do tempo, no
esquecimento, é guardá-lo no espírito como aquilo que deve
ser pensado. Recolher do já pensado – memória como pensamento sobre aquilo que foi pensado, no sentido ainda, de
aguardar o não pensado que aí se esconde (Foucault, 1972, p.
153-155).
O que buscamos é levantar a discussão no que
tange o aspecto acionador do que será tratado pelos documentaristas em seus roteiros, em suas produções. Nesta perspectiva é aquilo que está na esfera do escondido, nas camadas
submersas da sociedade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Arguments (Argumentos), t. 1, 1956-1960, t.2, 1960-1962, edições integrais publicadas com o apoio do Ministério da
Cultura, Toulouse, Privat, col. “Réflexion faite” (Reflexão feita).
BAZIN, André.(1985). Ontologia da imagem fotográfica. Paris:
Cerf.
BERNARDET, Jean Claude. (2003). Cineastas e imagens do
povo. São Paulo: Companhia das Letras.
CANCLINI, Néstor Garcia. (2000). Culturas Híbridas: estratégias
para entrar e sair da modernidade. Tradução de Ana Regina
Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. 3. ed. São Paulo: Edusp.
313
Sumário
CASTORIADIS, Cornelius. (1982). A instituição imaginária da
sociedade. Rio de Janeiro: Paz e Terra.
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
DELEUZE, Giles. (1990). A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense.
FOCAULT, Michel. (1977). Eu, Pierre Rivière, que degolei minha
mãe, minha irmã e meu irmão.Tradução de Denize Lezan de
Almeida. Rio de Janeiro: Edições Graal.
GALENO, Alex. (2008). Brasil em tela: cinema e poéticas do
social. Porto Alegre: Sulina.
LINS, Consuelo. (2004). O documentário de Eduardo Coutinho:
televisão, cinema e vídeo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
LINS, Consuelo; MESQUITA, Cláudia. (2004). Filmar o real: sobre
o documentário brasileiro Contemporâneo. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed..
LIPOVETSK, Gilles, SERROY, Jean. (2009). A tela global: mídias
culturais e cinema na era hipermoderna. Porto Alegre: Sulina.
MACHADO, Arlindo. (2000). A televisão levada a sério. São
Paulo: Senac.
MORIN, Edgar. (1981). Sociologia do presente. In: SOCIOLOGIA.
Paris: Fayard.
______. (1998). Sociologia: a sociologia do microsocial ao
macroplanetário. Portugal: Europa-América.
______.(1962). L`Esprit Du Temps (Cultura de massas no Século
XX). Paris: Grasset.
314
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
______. L`Esprit Du Temps 2.(1975). Nécrose (Cultura de massas
no Século XX: Necrose). Paris: 1975.
______. Le Cinéma ou I´Homme imaginaire (O Cinema ou o
Homem Imaginário). Paris: Minuit, 1956; Les Stars (As estrelas).
Paris: Seiul, 1957.
______. Lá Méthode. T. 4, Les idées. Leur habitat, leur vie, leurs
moeurs, leur organization [O método, t.4, As ideias. Seu habitat, sua vida, seus costumes, sua organização]. Paris: Seuil,
1991.
______. Alarme em Orleães. Paris, Seuil, 1969.
______. Por um novo cinema-verdade. In: CRÔNICA DE UM
VERÃO: TEXTOS EDGAR MORIN E JEAN ROUCH. Rio de Janeiro:
Coleção Vídeofilmes, 2004.
______. Método 4: as idéias. 3 ed. Porto Alegre: Sulina, 2002.
______. Ciência com consciência. 9. ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2005.
______. Cultura de massas no século XX.: o espírito do tempo II:
necrose. Rio de Janeiro: Forense-Universitária,1999.
______.. O Cinema ou o Homem imaginário. Portugal: Ed.
Grande Plano, 1997.
______. As Estrelas: o mito e sedução no cinema. Tradução de
Luciano Trigo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989.
315
Sumário
______. O ano zero da Alemanha. Paris: La Cité universelle,
1946.
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
______. O método. Paris: Seuil, 1977.
______. O Homem e a morte. Paris: Seuil, 1970.
NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Tradução de
Mônica Saddy Martins. Campinas: Papirus, 2005.
NOVAES, Sylvia Cauby. O nascimento do cinema documental
e o processo não civilizador. In: O imaginário e o poético nas
ciências sociais. Bauru, Edusc: 2005.
PENA-VEGA, Alfredo; LAPIERRE, Nicole. Edgar Morin em foco.
São Paulo: Cortez, 2008.
STAM, Robert. Introdução à Teoria do Cinema. Campinas:
Papirus, 2003.
WEBER, Max. A objetividade do conhecimento nas ciências
sociais. In: Weber. Organização de Gabriel Cohn. São Paulo:
Ática, 1979.
XAVIER, Ismail. O olhar e a cena. São Paulo: Cosac & Naif,
2003.
______. Entrevistas (Encontros). Rio de Janeiro: Beco do
Azougue, 2009.
______. O cinema brasileiro moderno. São Paulo: Paz e Terra,
2001.
316
Sumário
______. Humanizadores do Inevitável, Sinopse. Revista de
cinema, ano IV, n. 10, dez. 2004.
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
______ .O cinema brasileiro dos anos 90. (p. 104)
_______. Ismail Xavier – Encontros. Org. Adilson Mendes. Ismail
Xavier – Encontros. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2009.
I Fórum Nacional de Tv´s Públicas: Diagnóstico do Campo
Público de Televisão – Brasília: Ministério da Cultura, 2006.
317
Sumário
45 A estética singular de Luiz Fernando Carvalho
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Mariana Nepomuceno
A proposta de estudo que proponho envolve a produção
televisiva recente do diretor Luiz Fernando Carvalho, a partir de
Hoje é Dia de Maria, em 2005.Esta minissérie marca o começo
de uma trajetória de experimentações estéticas que já poderiam ser observadas de forma sutil na série Os Maias, baseada
na obra do escritor português Eça de Queirós. Os Maias foi ao
ar no mesmo ano (2001) que Lavoura Arcaica, primeiro longa
do diretor, com roteiro baseado no livro homônimo de Raduan
Nassar. Ambas possuem aproximações de estilo que geram
uma singularidade e até um certo traço de autoria do diretor
mas que não se configuram da mesma forma a partir da minissérie de 2005.
A produção recente de Luiz Fernando Carvalho se destaca
por levar à televisão comercial um mix de linguagens e de referências estéticas que conduzem o espectador a uma queda
livre, a um salto no escuro. Em Afinal o Querem as Mulheres, conceitos de Freud e ironias sobre o duplo são diluídos em um ritmo
alucinante comum ao cinema e pouco visto na televisão brasileira. Mesmo quando ele trabalha a partir de textos literários,
inclusive aqueles que já pertencem ao imaginário cultural brasileiro e, por isso mesmo, são facilmente acessados. Exemplos:Hoje
é Dia de Maria é inspirada em contos da oralidade popular brasileira condensados por Câmara Cascudo; A Pedra do Reino
surgiu a partir do livro Romance d´A Pedra do Reino e o Príncipe
318
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
do Sangue do Vai-e-Volta, de Ariano Suassuna; Capitu é uma
transposição de Dom Casmurro, de Machado de Assis. O texto
de Machado de Assis ganha tons de ópera bufa, apresentadas
em imagens filmadas num único espaço.
Talvez justamente por utilizar recursos que podem ser
considerados singulares (a recusa em usar narrativa em off
em Capitu, a mistura entre o sonho e a realidade em Afinal
o que querem as mulheres? por exemplo, a permanência da
atmosfera medieval do universo de Ariano Suassuna recriada
em Taperoá, na Paraíba), o diretor evita situar o seu trabalho
com textos já existentes como adaptações, preferindo o uso
do termo aproximação. Ainda assim, ele busca colocar as
obras de que se aproxima dentro de questões relevantes para
o contemporâneo: “Na minissérie (Capitu), estou reafirmando
a dúvida presente em Dom Casmurro como parte do processo
cultural da modernidade, como processo dialético da modernidade, e acredito que isso não é amoral ou imoral, isso não é
um pecado”.Alicerçada por essa visão do diretor, percebe-se
nas minisséries uma linguagem visual complexa que desafia os
limites da TV comercial e coloca em xeque a relevância da
audiência e da crítica para o que é produzido para a televisão.
Aproximações – caminhos possíveis
Se a tragédia do amor entre dois irmãos une a tessitura de
Os Maias à Lavoura Arcaica, Capitu se diferencia por jogar não
luz, mas sim ironia a tudo aquilo que poderia ser igualmente
319
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
fatídico a seus personagens. O fio que costura as duas séries
é a presença de textos literários situados temporalmente no
passado. Mas, em Capitu, esse passado é transformado, é um
fragmento reconstruído não só da memória de Bentinho, cuja
ação de recontar a vida já às vistas da morte é inspirada nas
Memórias Póstumas de Brás Cubas, também de Machado de
Assis. Provavelmente, é no rastro desta obra que a amargura
de Bentinho em Dom Casmurro cede lugar para a espirituosidade tomada de empréstimo de Cubas. O respaldo para essas
homenagens de Carvalho a Machado de Assis, autor que faz
parte da tradição da Língua Portuguesa encontram eco na
importância que o conceito de nostalgia assume para compreender o contemporâneo. Podemos seguir a proposta de BOYM
(2001), que sugere um passado recontado, contaminado pelos
olhos do presente, uma nostalgia que coloca a reflexão sobre o
passado a partir da reconstrução através de uma narrativa irônica e fragmentária. Uma recriação mítica tangenciada pela
nostalgia e pelo tom farsesco que está presente, por exemplo,
no sebastianismo da microssérie A Pedra do Reino. A produção
traz um passado ficcional que não se compromete com a historiografia oficial do Brasil.
Existe uma demarcação não necessariamente territorial dessas questões. Na apresentação do site do Projeto
Quadrante4, do qual fazem parte A Pedra do Reino e Capitu,
encontra-se um texto integrante do caderno de anotações de
Luiz Fernando Carvalho afirmando o seguinte: “Como dizia o
grande Guimarães Rosa, ‘a brasilidade é indizível’. É apenas
4 Inserir explicação. Atenção para as referências!
320
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
uma tentativa, um desejo de reencontrar e contar o meu país”.
Esse “contar o país” não se prende a nacionalismos. Na verdade, parece se tratar de um movimento de busca de singularidades abertas ao atravessamento.
A presença da estética teatral, a movimentação de câmera
e os planos longos típicos do cinema, além dos cortes de cenas
semelhantes à estrutura narrativa dos quadrinhos apontam
uma hibridização de expressões estéticas presente na obra de
Luiz Fernando Carvalho. Essa possibilidade está afinada com a
percepçãoque SHOHAT & STAM (2006) possuem sobre o sincretismo no cinema brasileiro, tanto em relação à temática quanto
à forma. Em Afinal o que querem as mulheres, por exemplo, é
assumido o diálogo com a estética da pop art dos anos 60. Em
A Pedra do Reino, a direção de arte foi inspirada nas obras de El
Greco, Goya e Velásquez. Já Suburbia tem um tom documental
e recebeu influência da blaxpoitation na trilha sonora.
Se em Capitu o século XIX é trazido para os tempos atuais,
com direito a abertura da série filmada em um metrô, o passado desaparece face o presente. A atmosfera onírica toma
força e o espaço também perde delimitação. Este pequeno
exemplo aliado à presença do passado, ao excesso presente
nas imagens sugere, como perspectiva operativa de leitura
investigações sobre o barroco. Michel Maffesoliresgata as origens portuguesas dessa palavra, inicialmente usada como
designação dada à pérola irregular, assimétrica. A incorporação do conceito do barroco mais corrobora que afasta as intuições comentadas sobre a presença da nostalgia e da ironia
nas obras de Carvalho realizadas desde Hoje é Dia de Maria.
321
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
O barroco lembra, de acordo com Maffesoli, que o múltiplo é
o que tem muitas partes, mas também “o que é dobrado de
muitos modos”. Ele cita a ênfase dada por Deleuze ao labirinto
contínuo da alma, algo que a modernidade não pôde resolver
cartesianamente. A estética barroca resgata o que não é retilíneo, o que não é definido nem definitivo:
Neste ponto da pesquisa, enxergo a experiência estética
disparada pelas microsséries Hoje é Dia de Maria, A Pedra do
Reino, Capitu, Afinal o Querem as Mulheres e Suburbiapossível
de ser alcançada não somente pelas proximidades com o conjunto artístico delimitado pelo Barroco referendado por Wölfflin
como acontece em Os Maias e Lavoura Arcaica. O encontro
com as microsséries pode ser tomado como um encontro a partir
do barroco como um tipo de sensibilidade, conforme Maffesoli
aponta. Ele intui que uma das chaves, um dos segredos do
barroco, é sua movimentação: do interior ao exterior, enraizamento-tensão para o alto, matéria-espírito, objetivo-subjetivo,
história-tempo. Para resumir essas dialéticas, ele sugere o sair de
si contido na etimologia da palavra êxtase. O contemporâneo
seria uma multiplicidade desses êxtases, hábeis ao escape de
condições doutrinárias, e que possibilitam o deslocamento“a
um estado quase mágico de fusão do interior e do exterior”.
No campo comunicacional
Luiz Fernando Carvalho é um dos diretores de núcleo da TV
Globo, principal emissora do país. Nos últimos anos, a empresa
322
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
tem se inserido em um cenário complexo, em que sua liderança
éameaçada tanto pela concorrência de outras emissoras de
TV aberta, principalmente pela Record, quanto pelos canais
de TV fechada e pelo crescimento do público que trocou a
televisão pela Internet. Nesse campo minado, a Globo tem buscado opções que possam trazer novos ares as suas produções.
Recentemente, a novela Avenida Brasil trouxe estratégias distintas das suas antecessoras – poucos personagens, movimentação de câmera aproximada com a do cinema, jogos de claro
e escuro, por exemplo. Amor à Vida, novela que está no ar, usa
constantemente uma câmera nervosa com enquadramentos
irregulares, na tentativa de dar mais realismo ás cenas. É neste
contexto que projetos com maior liberdade de criação audiovisualtêm ganhado força, como aqueles liderados pelo núcleo
do diretor Guel Arraes (o programa Esquenta, que busca manter um vincula com os morros do Rio de Janeiro, é um exemplo).
Dentro deste contexto, a pesquisa sobre a estética da obra
recente de Luiz Fernando Carvalho vale-se para pensar perspectivas e possíveis sinais e sintomas das narrativas imagéticas
trazidas pelo audiovisual e pela televisão aberta contemporânea. Não caminhando para um aprisionamento desta produção mas buscando integrar a seu fluxo pensamentos e imagens
que possam estar ao seu lado. Neste primeiro momento,a companhia de caminhada é a sensibilidade barroca e as expressões
estéticas que estão alinhadas a esta sensibilidade, com todas
as suas multiplicidades, metamorfoses e instabilidades que lhes
são próprias e estão presentes no cinema de Peter Greeanaway
e Ettore Scola e nos quadros de Giuseppe Arcimbold.
323
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
46 Ensaio sobre uma Visão de Mundo:
Pensando a civilização através do cinema
Renato Maia
RESUMO EXPANDIDO
A proposta desta pesquisa é pensar sobre civilização através do cinema relacionando ao que não percebemos; que
não conseguimos enxergar no processo civilizador. Os filmes
utilizados abordam a cegueira física e metafórica. Tal escolha
é determinante justamente por ter a característica de contraposição à crítica unilateral que generaliza como negativo
o “excesso de imagens” da contemporaneidade, ou seja, os
filmes estudados abordam criticamente o oculacentrismo, a
centralidade no olhar em detrimento dos demais sentidos, que
fundamenta as relações na atualidade. Portanto, a afirmação
é que o cinema pode ser utilizado para subverter os possíveis
aspectos alienantes que a profusão de imagens pode causar.
Tomo como estratégia sociológica a tipificação ideal de
uma civilização onde as formas institucionalizadas e perpetuadas através do adestramento e da domesticação causaram e
continuam a causar mal-estar e desarmonia social. A tentativa
de fuga do caos que se instaura é fator determinante para a
cegueira generalizada.
324
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Assim, procuro subsídios para a pesquisa nos filmes sobre
cegueira e nas teorias de pensadores como: Edgar Morin,
Norbert Elias, Sigmund Freud, Jack Goody, John Zerzan, entre
outros que, em alguns momentos, as teorias se colidem e também conseguem despertar mais dúvidas, instigando ao pensar
e elaborar ideias convergentes e novas teorias que possibilitem
perceber o que se camufla na história das ideias, das invenções,
do “progresso”, da “evolução”, das anomias e dos consensos que fizeram se concretizar a civilização ocidental. A atenção também se volta para as cegueiras existentes até mesmo
nas teorias e filmes que estruturam a construção da pesquisa:
até que ponto não há uma espécie de imposição colonialista e sujeição voluntária e involuntária através da produção
de conhecimento? Mais uma questão inquietante. Contudo,
talvez o obstáculo mais difícil de transpor e que se evidencia
como grande desafio é superar as minhas próprias cegueiras,
mas como Clarice Lispector já dizia: “é necessário certo grau de
cegueira para poder enxergar determinadas coisas”; a tática
adotada é seguir o exemplo das pessoas com limitações visuais
que desenvolvem outras formas de percepção contra o condicionamento/adestramento a qual somos submetidos desde
que nascemos. A produção do conhecimento se caracteriza
assim como um malabarismo de ideias procurando realizar a
partilha de saberes em movimento, resgatar a vivacidade e o
imprevisível do fazer científico.
A pesquisa propõe a utilização de ferramentas ainda não
totalmente reconhecidas pela academia, como o uso de filmes
na análise sociológica. Isso talvez contrarie alguns leitores bem
325
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ajustados ao habitus acadêmico e da, ainda predominante,
exigência de objetividade na produção de textos científicos.
Talvez esta exigência obedeça ao paradigma positivista que
acreditava/acredita na necessidade de separar o sujeito do
objeto científico para evitar a “contaminação” com valores
ideológicos do pesquisador. No entanto, o desenvolvimento do
trabalho, fundamentado através da autocrítica, está submetido
à constante vigilância epistemológica apontada como um critério fundamental para a produção científica desde a década
de 1940 por Gaston Bachelard e desenvolvida na contemporaneidade por Pierre Bourdieu (2004). A vigilância é permanente,
mas também sem autopoliciamento, sem as preocupações
comuns aos textos científicos onde se almeja rebuscar a escrita
para conseguir a legitimidade acadêmica enquanto produto
científico. A sociologia aqui é construída realmente como um
esporte de combate1; combate até mesmo às imposições das
instâncias de consagração2.
1 Referência ao documentário produzido sobre Pierre Bourdieu em
2001 por Pierre Charles. Em um período de três anos (1998-2001),
Bourdieu é acompanhado em palestras, manifestações sociais, entrevistas para rádio e TV, tentando registrar suas posições teóricas e seu
processo de criação. No documentário Bourdieu afirma que a sociologia é um esporte de combate, não uma ferramenta para validar as
decisões da elite dominante. As pessoas precisariam da sociologia
para entender as origens das dissimetrias, das violências simbólicas, e
reagir, buscando uma saída para o fatalismo econômico da ideologia hegemônica atual.
2 Conceito proposto por Pierre Bourdieu para definir as instituições
que credenciam o que é legítimo ou ilegítimo na produção cultu-
326
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Como em um filme que consegue subverter os padrões de
gêneros cinematográficos (drama, documentário, aventura,
romance, etc.) a tentativa deste trabalho é não se enquadrar
nas ortodoxias acadêmicas, nas disciplinas impostas e isoladas
e também pretende ir além das pré-noções e paixões que o
envolvimento com o tema propicia investigando sociologicamente através das potencialidades cognitivas do cinema as
cegueiras produzidas pelo período da vida humana denominado “civilização”.
A conceituação de cinema tenta superar a afirmativa de
mais um meio de comunicação de massa, produto da indústria
cultural e potencial veículo de legitimação ideológica. A tentativa é ir além desse aspecto redutor e realizar o contrário: investigar e enaltecer a perspectiva do cinema como ferramenta
de pesquisa e instrumento de auxílio metodológico.
Para possibilitar um desenvolvimento teórico que permita
unir a teoria do cinema com a análise sociológica, busquei
desenvolver uma ferramenta conceitual que extraísse a potência do conceito primeiramente proposto por Émile Durkheim de
fato social, conceito ampliado por Marcel Mauss posteriormente
como fato social total, mas que não ficasse restrita a concepção
proposta por Durkheim/Mauss. Se o fato social total compreende,
na teorização de Mauss (2003), fenômeno também jurídico, ecoral de uma sociedade. Instituições como a escola, academia, igreja,
família, etc., são responsáveis pelas construções simbólicas que consagram determinadas formas de expressão artísticas e culturais. Ver:
BOURDIEU, Pierre. O mercado dos bens simbólicos. In: A economia
das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1987.
327
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
nômico, de morfologia social, estético, etc. e que coloca em
ação a totalidade da sociedade e de suas instituições, o fato
social complexo também obedece à mesma definição com a
diferença de possuir o caráter complexo permitindo perceber o
fenômeno de forma não mutilada e também não generalizante,
ou seja, não obedece ao paradigma da simplificação.
Ao utilizar o cinema como fato social complexo é possível
perceber o tecido de acontecimentos, ações e também interações e retroações; determinações, acasos e não a análise
linear e rigidamente estabelecida que, possivelmente, estaria
inadequada para o estudo do cinema no formato aqui proposto. Cinema que é simultaneamente um fenômeno de comunicação, mas também artístico, industrial, diversificadamente
cultural. Fenômeno que ao mesmo tempo produz e é produzido de forma recursiva, que a todo momento é submetido a
interferências, deslocamentos, ambiguidades. Uma tecnologia
que resulta justamente de uma produção da civilização, ao
mesmo tempo em que produz filmes que contestam a forma
do ser civilizado. A teoria da complexidade possibilita enfrentar,
conviver e saber trabalhar com esse tipo de contradição.
A apropriação do conceito de fato social que proponho
retira a ambição de totalidade. A inserção do complexo tem o
objetivo justamente de fazer compreender que existe a possibilidade da incerteza, da incompletude e que jamais poderemos
ter um saber total.
O cinema tem conquistado relativo espaço como mídia
pedagógica principalmente por professores que atentam para
o que tem acontecido na contemporaneidade na proliferação
328
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
das relações mediadas por imagens, no que Michel Maffesoli
(1995) chamou de “mundo imaginal”. No entanto, grande parte
do uso do cinema com fins educativos ainda acompanha a
superficialidade propiciada pelas imagens do entretenimento
e do espetáculo. Tanto como recurso pedagógico em sala de
aula quanto como fundamentação teórica nos escritos acadêmicos a utilização de imagens permanece ainda como um
aditivo, um suporte ilustrativo. Na sala de aula há o sério desvirtuamento do uso de filmes como forma de compensação dos
horários sem aulas. Os filmes perdem o potencial de fazer pensar, de propiciar o debate e o aprendizado. Nos escritos acadêmicos, os filmes geralmente são utilizados para exemplificar
alguma teoria ou como demonstração retórica e de erudição
dos autores. Poucos são os que conseguem perceber o cinema
como ferramenta que potencializa o aprendizado e pode ser
usada como um fim em si e não apenas como acessório.
Ensaio sobre a cegueira (2008), A pessoa é para o que
nasce (2004), Dançando no escuro (2000), A cor do paraíso (1999), entre outros, são filmes que abordam a questão da
cegueira e estarão incorporados nesta pesquisa não obedecendo à análise fílmica tradicional. Os conteúdos narrativos,
as formas representacionais, as questões estéticas e as técnicas inerentes à produção de cada filme não são analisadas
separadamente, mas fazem parte também do corpus teórico
conciliando a teoria fílmica com a análise sociológica e com
elementos da antropologia sócio-audiovisual. Os filmes estruturam o trabalho dando uma ordem sequencial como dispositivos
de provocação do pensamento.
329
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A pesquisa sendo realizada neste formato se evidencia
como de fundamental importância para pensarmos as possibilidades de utilização dos meios de comunicação para além das
suas funções determinadas. O cinema como ferramenta de
pesquisa sociológica contribui, assim, diretamente para novas
abordagens comunicacionais e científicas.
330
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
47 A criação de atmosferas no
audiovisual contemporâneo
India Mara Martins
Resumo
O objetivo desta etapa da pesquisa “A criação de atmosferas no audiovisual contemporâneo” é refletir sobre as noções
de visível e invisível a partir dos estudos fenomenológicos e a sua
crítica para ampliar o entendimento da categoria “atmosfera”
e sua presença no universo fílmico e nas interfaces digitais. Deste
modo pretendemos problematizar a relação das pequenas percepções (Leibniz) com a criação de atmosferas no audiovisual
contemporâneo. A atmosfera faz parte dos fenômenos invisíveis,
apesar de ser constituída a partir de elementos filmicos concretos. As pequenas percepções fazem parte do regime do visível,
mas contribuem para revelar as imagens nuas, que são imagens
despojadas de sua significação verbal, mas que arrastam consigo conteúdos-não conscientes, subliminares e fenomenológicos (GIL, 1996).
Palavras-chave: Atmosfera; Audiovisual; Production Designer;
Tecnologia
331
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Introdução
O que motivou este ensaio foi a tentativa de entender
o campo de estudo dos fenônemos do invisível, ou metafenônemos1, como propõe José Gil. Especialmente a atmosfera
fílmica, que apesar de ter origem em situações presentes no
regime do visível, se configura como sensações que não são
visíveis. Inês Gil define a noção de atmosfera como sendo um
espaço mais ou menos energético, composto por forças visíveis ou invisíveis, que têm o poder de desencadear sensações e
afetos nos receptores. É a natureza dessas forças, o seu ritmo e
a sua relação que determinam o seu caráter (GIL, 2005, p. 22).
De acordo com Gil, a atmosfera é um sistema de forças que está ligado a um espaço determinado. Mas como é
este espaço em se tratando do espaço cinematográfico? Ao
se deparar com a imagem cinematográfica o espectador se
defronta com um espaço diverso de seu universo cotidiano, que
é o espaço da superfície da imagem. E não somente, já que
outra relação se constituirá através dos elementos de percepção, pois além de perceber a superfície da imagem também
entrará em contato com um espaço representado, ou seja, um
espaço tridimensional ilusório, mas referente ao espaço real
devido a certos graus de analogia. Todos os elementos referentes à percepção do espaço possuem correspondentes em
relação aos graus de analogia com a realidade, sendo os índi1 É o estudo do vastíssimo campo de fenômenos de fronteira e de um
invisível radical, não inscrito, não manifesto, mas que tem efeitos (por
isso mesmo) no visível. (GIL, )
332
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ces de profundidade (alcançados com a perspectiva linear)
um dos mais importantes. Contudo, Aumont destaca que as
atuações da luz e da cor (perspectiva tonal), além da expressão da matéria também possuem um papel decisivo. Quando
se materializa através dos recursos do dispositivo cinematográfico, o espaço passa a ser um “lugar”.
O texto fílmico também pode produzir além destes significados já associados ao lugar real, certo número de significados
próprios. No caso da localização num espaço completamente
fictício, o sentido deste se torna mais livre. Mesmo quando os
lugares entram num filme, ligados a uma referência geográfica
existente, seu valor semântico não fica a este restrito. A direção de arte através da criação de lugares pode organizar um
sistema de produção de sentido. Este é um dos motivos pelos
quais o cinema é considerado uma arte do espaço por alguns
autores: “O cinema faz da duração uma dimensão do espaço”
(FAURE, 1953). “Jamais antes do cinema nossa imaginação fora
arrastada a um exercício tão acrobático da representação do
espaço quanto aquele que nos obrigam os filmes” (EPSTEIN,
1948).
Embora tenha esta ligação com o espaço, a atmosfera
não deve ser confundida com clima ou ambiente. Na linguagem corrente e na meteorologia, a atmosfera está associada
ao ar. Uma atmosfera leve é entendida como moléculas de
ar dispersas. Já uma atmosfera carregada sugere uma forte
pressão, que pode levar um aumento da densidade do ar.
O Clima pode ser entendido como uma série de estados de
atmosfera. Gil acredita que podemos relacionar estes “estados
333
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
naturais” aos estados do clima cinematográfico. A atmosfera
é uma consequência do clima. É porque existe certo tipo de
clima que uma atmosfera determinada pode se manifestar.
Por exemplo, num clima de terror, várias atmosferas coexistem: tensa, pesada, densa, etc.. O clima é fundamentalmente
mais geral do que a atmosfera. As diferenças entre as noções
podem ser as seguintes: o contexto (de opressão política, por
exemplo) é o espaço de criação do clima (tenso), que está
no primeiro plano, apresenta-se estável, e é geral. A atmosfera
(pesada) também está em primeiro plano, mas é versátil e particular (uma piada sobre o ditador pode dispersar a tensão e
gerar uma atmosfera menos tensa). Já o ambiente (pode ser
uma reunião familiar, uma festa, etc.) está em segundo plano,
apesar de versátil, é geral. No cinema, “o ambiente é como um
pano de fundo, que dá certo tom à cena fílmica, mas não tem
um papel semântico fundamental” (GIL, 2005, p.32).
De acordo com Inês Gil a atmosfera cinematográfica se
divide em duas categorias principais: a atmosfera espectatorial, que estuda o fenômeno que existe entre o espectador e o
filme a partir da crença ou do reconhecimento de representação, que põe em causa os processos do reconhecimento de
identificação e de distanciamento, entre outros, e a atmosfera
fílmica, que se interessa pelos elementos fílmicos visuais e sonoros e pela relação entre eles. Contudo, cada vez mais observamos que esta divisão funciona do ponto de vista da criação e
da análise da atmosfera no audiovisual. Mas como a atmosfera
depende da percepção do espectador para existir, observamos uma relação de dependência da atmosfera fílmica, ou
334
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
talvez, uma possibilidade de pensar a atmosfera como uma
noção conceitual ligada diretamente aos estudos de espectatorialidade. Pois os elementos fílmicos são utilizados para gerar
uma determinada atmosfera, mas em última instância, para
que ela ocorra, depende do espectador.
Na tentativa de sistematizar ainda mais os estudos sobre
atmosfera, Gil propõe que no interior da atmosfera fílmica, temos
dois tipos de atmosfera: a dramática e a fílmica. A primeira é a
atmosfera dramática, porque é expressa essencialmente a partir da diegese. Podemos dizer que esta é a atmosfera encontrada especialmente em alguns gêneros (drama, terror) e para
se concretizar nas telas do cinema dependia de uma série de
fatores e sua interrelação (a direção, a fotografia, a iluminação,
a cenografia, a performance dos atores e a própria relação
da equipe, que colaborava para criar um clima propício para
o desenvolvimento de certas atmosferas). Um cineasta contemporâneo que desenvolve a atmosfera dramática de modo
interessante é o taiwanês radicado nos EUA Ang Lee, em filmes
como Lust, Caution (2007) e O segredo de Brokeback Mountain
(2005).
O segundo tipo de atmosfera é associada aos elementos plásticos porque diz respeito à forma da imagem fílmica, e
aos elementos que constituem o seu espaço plástico. A atmosfera fílmica se diferencia da dramática, por ter sua ênfase nos
aspectos visuais e poder ser constituída de forma independente, sem a presença de todos os elementos citados anteriormente. Um bom exemplo são os cenários do filme Capitão Sky
e o Mundo de Amanhã, Kerry Conran (2003), que foram desen-
335
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
volvidos em diferentes produtoras de efeitos visuais ao redor do
mundo. Neste caso, a atmosfera está relacionada diretamente
à criação de mundos possíveis, para os quais não basta apenas criar um espaço físico, mas transmitir ao espectador uma
atmosfera psíquica, que é gerada por este espaço. Esta tem
sido uma necessidade também de outras mídias audiovisuais,
como os games. É no campo do design que encontramos uma
abordagem que coloca a atmosfera como um dos elementos
fundamentais para representar o espaço de forma verossímel
em suas diferentes dimensões (inclusive psicológica), seja no
cinema, animação ou em um game. Weiye Yin, designer chinês
especializado na área de “scene design”, acredita que através
da atmosfera acentuamos certos temas ou sugerimos determinadas emoções, que ativam a subjetividade do público e
fazem uma ilustração ganhar “magnitude”. Novamente, temos
o processo de espectatorialidade como o destino final da
atmosfera criada.
2. A atmosfera: perspectivas e apropriações das pequenas
percepções no campo do audiovisual
Inês Gil afirma a percepção da atmosfera faz-se através dos sentidos: da vista, do olfato, do ouvido, do gosto ou
do tato. Ela se refere a Tellenbach, que ressalta o aspecto intimista e particular da atmosfera, quando a associa ao gosto
em Goût et Atmosphère. Mesmo a atmosfera muito específica,
dita “abstrata”, é do domínio da percepção sensorial, porque,
336
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
de uma maneira ou de outra, ela atravessa os pontos da pele
do espectador e se materializa enquanto sensação física (GIL,
2005, p. 21). É, portanto, um elemento fílmico que se constitui
nos momentos da produção/pós-produção e se estende até
a etapa final do processo da realização cinematográfica, na
exibição, quando é sentida de maneira emocional através da
experiência individual do espectador. Considerando o modo
de percepção da atmosfera, observamos uma aproximação
da noção de atmosfera com as imagens nuas.
As imagens-nuas são imagens despojadas de sua significação verbal (isso inclui todo tipo de imagem, não apenas as
de conteúdo psíquico como o sonho) desde um pedaço de
muro cinzento, que é entrevisto ao virar da esquina, ao conjunto de formas e cores que constitui uma pintura (GIL, 1996).
Para o filosofo português estes exemplos revelam que estamos
mergulhados num mundo de imagens-nuas; que a imensa
maioria das percepções que preenchem os nossos dias é de
imagens-nuas; que são elas que provocam os sonhos, como
observava Freud (imagens anódinas, que passavam desapercebidas no fluxo das macropercepções). À elas se associam
também os pensamentos fugidios e imperceptíveis que Leibniz
chamava “pensamentos voadores” (pensées volantes) e que
vão ter importância decisiva na associação livre da cura analítica; que formam o material imagético das técnicas publicitárias, do cinema e de todas as artes; que a cada instante, nas
relações entre os seres humanos, são os milhares de imagens-nuas que constituem a imagem do rosto e do corpo do outro,
337
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
que transportam significações mudas e informações muito mais
ricas que as verbais (GIL,1996).
De acordo com José Gil quando analisadas estas imagens revelam características insuspeitadas, pois “arrastam
consigo conteúdos não-conscientes de sentido, de uma não-consciência que convém distinguir do inconsciente freudiano
por um lado, e de todos os claros obscuros”subliminares” ou
fenomenológicos por outro” (GIL, 1996). Tais conteúdos são
produtores de pequenas percepções, o que implica toda uma
semiótica particular, já que não entram facilmente nas diferentes classificações conhecidas de signos (em particular, na de
Peirce). José Gil vai lembrar que Leibniz já observara, que as
pequenas percepções encontram-se associadas a forças: a
percepção das imagens-nuas provoca um apelo de sentido,
como se estimulasse o espírito à procura da significação verbal
ausente. Para José Gil é através da descrição dessas forças e
movimentos, que iremos nos aproximar da imagem-nua.
No audiovisual contemporâneo observamos uma articulação entre as macro-percepções, quando temos a percepção de espaços imensos em sua totalidade e das pequenas
percepções, como é o caso da violência de um pelo de barba
irrompendo sobre a pele de uma pessoa (abertura do seriado
televisivo Dexter)2, a representação dos elementos do san2 Em Dexter, observamos que são as pequenas percepções, que
revelam a violência intrínseca ao personagem, através do primeiríssimo plano, nas atividades cotidianas como fazer a barba, fritar ovos
com bacon, vestir sua camisa, que se torna uma espécie de máscara
sobre o seu rosto.
338
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
gue, vistos através do microscópio. Este último é um exemplo
de situações que não seriam visíveis sem a tecnologia apropriada. Mas se já tínhamos esta tecnologia para ver o micro,
hoje temos a possibilidade de representá-lo através da tecnologia digital. Mas isso não se limita à representação das pequenas percepções, mas de fenômenos que seriam invisíveis para
o olho humano, como é o caso da trajetória de uma flecha
ou de uma gota d’ água antes de atingir o chão (Hero, 2000,
Zhang Yimou).
Consideramos as pequenas percepções, o aspecto visível, apesar de não nomeado das imagens nuas, que criam
determinadas atmosferas e envolvem o espectador. Neste sentido, entendemos que o estudo da atmosfera fílmica faz parte
da comunicação, é claro que uma outra noção de comunicação. Comunicação como expressão estética no sentido de aisthesis – relação sensível com o mundo. Encontramos esta noção
explicitada na proposta de uma nova teoria da Comunicação
por Ciro Marcondes Filho. A nova teoria entende como comunicação, o acontecimento e, apresenta como método o
Metáporo, que nos parece adequado como metodologia
para esta pesquisa, porque é uma proposta que respeita o seu
objeto. Pois busca apreender a fugacidade, a efemeridade e
o caráter fortuito do acontecimento comunicacional. A atmosfera também apresenta uma instabilidade como fenômeno,
por isso não pode ser pesquisada a partir de métodos que não
considerem esta instabilidade e fugacidade como parte intrínseca do objeto e definidora de sua essência.
339
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Referências bibliográficas
DELEUZE, G. DELEUZE, Gilles. Francis Bacon: Lógica da
Sensação, tradução equipe Roberto Machado, Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007. Cap. 6 e 8.
GIL, Inês. A Atmosfera no Cinema: o Caso de A Sombra do
Caçador de Charles Laugthon entre o Onirismo e Realismo,
Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, FCT, 2005.
GIL, José. A Imagem-Nua e as Pequenas Percepções, Lisboa,
Relógio d´Água, 1996.
GIL, José. Fernando Pessoa ou a Metafísica das Sensações,
Lisboa, Relógio d´Água, 1998.
MARTINS, I. M. Do Figurativo ao Figural: uma Reflexão sobre a
Figura em Francis Bacon e Ryan. Revista Eco-Pós, 2010, v. 13, n.
2, pp 37-58. , v.13, p.37 – 58, 2010. Disponível em: http://www.
pos.eco.ufrj.br/ojs-2.2.2/index.php?journal=revista&page=issue
&op=view&path%5B%5D=24.
MERLEAU-PONTY, M. Phénoménologie de la perception. Paris:
Gallimard, 1945.
______. Le visible et l’invisible. Paris: Gallimard, 1964.
MITRY, Jean. Estética e Psicologia del Cine. Siglo Veintiuno de
España Editore.
340
Sumário
48 A estética da paisagem urbana à luz do cinema
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Raquel Holanda
Andar pelas ruas e praças públicas de uma cidade,
acompanhar o seu movimento cotidiano, o ritmo próprio
estabelecido pela vida urbana, diante das relações sociais e
comerciais que nela se desenvolvem. Despertar sentidos numa
cidade a partir de seus cheiros, fragmentos de lembranças estimulados por ambientes, lugares, objetos e rostos andarilhos que
fazem de um passeio em uma cidade uma experiência única.
Ver isso através de um filme é perceber certo olhar sobre uma
realidade factual, que traz consigo valores e conceitos próprios
de um tempo, de um dado momento.
Esses olhares tornam visíveis as mudanças que acontecem nas cidades, suas transformações físicas e sociais.
Considerando a Revolução Industrial como um dos estopins
das alterações no modo de vida urbano, as inovações no sistema de produção deflagraram, a partir do final do século XVIII,
uma série de acontecimentos que redirecionou as funções das
cidades e motivou o surgimento dos grandes centros urbanos.
O ritmo que a produção fabril implantou no desenvolvimento
das técnicas produtivas também teve consequências nas formas de comunicação da sociedade, aperfeiçoando os meios
já existentes e inventando novas formas de expressão como
maneira de atender as necessidades da nova vida urbana.
Nos primeiros anos do século XX, esse crescimento avassalador das cidades dirigia os olhares de jovens cineastas que, se
341
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
utilizando de técnicas ainda experimentais e ensaísticas deste
novo meio de expressão artística e comunicacional, produziam
filmes que revelavam a urbanização da vida nas cidades. Em
Pernambuco, por exemplo, este movimento foi acompanhado
por Gentil Roiz, Jota Soares, Ary Severo, dentre outros cineastas que registraram o Recife e suas transformações através de
produções cinematográficas como Retribuição (1923/25), de
Gentil Roiz, A Filha do Advogado (1926), de Jota Soares, Aitaré
da praia (1925) de Gentil Roiz; e outros filmes do conhecido
Ciclo do Recife.
O modo de vida capitalista e a imersão da vida urbana
num circuito cada vez mais inerente aos preceitos de uma sociedade da comunicação de massa resignificou não só as formas
das produções artísticas, mas suas próprias categorizações. O
valor artístico da categoria “arte” ultrapassou as barreiras da
arquitetura, pintura, escultura e agora acompanha o delineamento das chamadas artes menores. Mas de que maneira
essas transformações incidem nas modificações da paisagem
urbana? Esta é apenas uma das indagações que esta pesquisa
pretende observar através dos registros cinematográficos e das
produções ficcionais que expõem a cidade como uma personagem de suas obras (CUNHA FILHO, 2006).
A cidade pensada enquanto o ponto de partida de
toda construção, um organismo cultural complexo, é uma realidade inseparável da tida sociedade urbana. Mas analisar este
espaço através de produções cinematográficas pode ter sentido enquanto valor histórico-artístico? Como um lugar pode ser
enquadrado? Para Peixoto (2004), “o lugar é inscrito no tempo,
342
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
fugitivo e efêmero” (PEIXOTO, 2004, p. 259). Pensar, então, a
cidade nos dias atuais é observar, cada vez mais, este lugar
como uma paisagem fluída, insculpida em frágeis e tênues
imagens. A paisagem contemporânea, segundo Peixoto, é um
extenso lugar de trânsito:
As paisagens são a arquitetura da cidade das
imagens. (...) Paisagens entre pintura, fotografia e cinema. Paisagens entre essas linguagens
e o vídeo, lugar de composição das imagens.
Paisagens entre todas essas formas artísticas e a
arquitetura, que se confunde com o imaginário
da cidade. Grande cruzamento que constitui
a paisagem contemporânea. (PEIXOTO, 2004,
p.233)
As paisagens urbanas surgem, como descreve Argan
(2010), nos “itinerários urbanos diários” de uma pessoa que
“deixa trabalhar a memória e a imaginação: anota as mínimas
mudanças, a nova pintura de uma fachada, o novo letreiro de
uma loja...” (ARGAN, 2010, p.232). As paisagens urbanas podem
ser tidas como dados visuais construídos mediante valores e
sentidos de uma pessoa, grupo ou sociedade referente a uma
cidade.
As incessantes transformações vivenciadas pela cidade,
desde o final do século XIX e que ganhou impulso após metade
do século XX, alteraram também a forma como a cidade se
relaciona com a cultura, com a arte. A arquitetura, por exemplo, vista no início desse processo como uma extensão da arte
343
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
que pensaria a criação de espaços de vivência social, aos
poucos foi vendo suas obras e organizações sendo resignificadas, sem levar em considerações suas proposições iniciais. O
uso dos espaços urbanos como ambientes de experiência com
a cultura desse lugar também deixou de ser algo habitual.
Ao tempo em que as cidades se modernizavam e atualizavam ao novo modo de vida que o capitalismo industrial
condicionava, se expandia na Europa e nos demais continentes a utilização do cinema como forma de expressão artística
e registro desse momento. O cinema dá início a uma realidade
onde a experiência através da imagem nunca foi tão pródiga.
E acompanhar as transformações das paisagens urbanas através do cinema, além de uma experiência estética é a utilização de um fenômeno estético para tal finalidade.
O cinema revela imagens que não se pode descrever,
proporciona uma experiência estética que frui os sentidos
daquilo que é inefável. Desde seu surgimento, quando apenas
as imagens contavam suas histórias, o cinema já mostrava as
paisagens construídas pelos ambientes nos quais as suas tramas
se desenrolavam, Deleuze ao falar sobre o cinema mudo argui:
O cinema mudo sempre mostrou a civilização,
a cidade, o apartamento, os objetivos de uso,
de arte ou de culto, todos os artefatos possíveis. Todavia, ele lhes comunica uma espécie
de naturalidade, que parece ser o segredo e
a beleza da imagem muda. (DELEUZE, 2009, p.
268).
344
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
O cinema, aqui, é colocado como um meio capaz de
nos mostrar a cidade de maneira excepcional, dando sentidos
que seriam outrora, difíceis de serem verbalizados, inexprimíveis.
O encanto gerado pela imagem e som cria “verdadeiro sentido de espaço a todos os seus elementos ilusórios” (PEIXOTO,
2004, p.259).
Diante do contexto até o momento discutido, esta pesquisa tem como questão central a investigação das transformações das paisagens urbanas das cidades de Recife e
Amsterdam a partir das imagens captadas pelo cinema, fonte
documental indispensável para acompanhar essas mudanças.
Essa pesquisa objetiva-se a uma a investigação das transformações das paisagens urbanas a partir das imagens encenadas pelo cinema. Partindo do conceito de fruição estética,
a experiência proporcionada pelas imagens das cidades de
Recife e Amsterdam, captadas em filmes realizados em diferentes momentos, será o ponto de partida da análise das incessantes modificações da paisagem urbana dessas cidades a fim
de exprimir a(s) estética(s) surgida(s) a partir desta experiência,
assumindo um olhar crítico sobre as transformações urbanas
físico-culturais nos dias de hoje, que permitirá pensar sobre a
efemeridade do espaço urbano e reflexões sobre a relação
entre cinema, história e cidade.
A memória da paisagem urbana das cidades de Recife
e Amsterdam. Este é o ponto de partida desta pesquisa que
de maneira interdisciplinar busca nos estudos cinematográficos, filosóficos, históricos e sociais um aporte para uma reflexão
sobre as transformações na paisagem urbana dessas cidades.
345
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Compreender a maneira como a paisagem urbana de
uma cidade se encontra nos dias de hoje requer um retorno
ao passado, à memória dessa cidade. A imagem da cidade é
uma decorrência de sua história, do seu processo construtivo,
das agregações sociais que a vivência em sociedade atribui
a estes espaços. A cidade e suas imagens são, assim, formas
sensíveis, apropriando-se, aqui, do conceito de Rancière: “toda
forma sensível é falante, trazem em si marcas de sua história e
os signos de sua destinação” (RANCIÈRE, 2009, p.35). A cidade
se adaptou à produção em massa, inseriu nos usos cotidianos
de seus habitantes o tempo da vida moderna, fez dos meios
de comunicação elementos indispensáveis para a interação
social e o reconhecimento do que acontece no seu contexto.
A experiência estética, sem sombras de dúvida, é diferente
nesses novos ambientes.
Como é na cidade que grande parte da existência do
homem se dá, é também a cidade a fonte das imagens criadas em nossas memórias. Argan (2010) argumenta que essas
imagens do espaço urbano real que servem para a “existência-na-cidade” podem ser “visuais ou auditivas e, como todas as
imagens, podem ser mnemônicas, perceptivas, eidéticas”.
Por isso, ao se falar em cidade, muitas imagens ou assuntos podem vir à tona, muitos deles sendo uma das causas ou
consequências dos problemas de integração da vida social ao
contexto econômico e tecnológico que há algumas décadas
tornou-se a prioridade quando a questão é modernização. A
cidade não consegue mais coordenar de maneira funcional
seus “diversos aglomerados sociais, a aparelhagem de vastos
346
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
territórios” (ARGAN, 2004, p.512), a paisagem urbana construída deixa de ser vista a partir de suas qualidades estéticas individuais, alterando-se para um sentido perceptível a partir dos
grandes planos de observação.
O cinema, como arte de recepção coletiva, proporciona
a revelação da cidade de maneira fragmentada e individualizada, formada por um conjunto de imagens que constituem
o espaço urbano real de uma pessoa, e que nos revela suas
memórias e percepções dessa paisagem urbana. Esse sentimento de pertencimento a um lugar é visto por Cullen (2008),
como “o recinto, ou compartimento exterior, constitui, possivelmente, o meio mais eficaz e mais imediato de provocar nas
pessoas essa sensação de posição ou de identificação com
aquilo que as rodeia” (CULLEN, 2008, P. 31).
No cinema, a paisagem urbana pode ser compreendida
como a protagonista da experiência estética com esse tempo,
com essas constantes transformações; a cidade enquanto
espaço em que os indivíduos e os diversos grupos sociais se inserem e vivem no sentido amplo.
Relacionar as imagens da cidade com as fruições estéticas que despontam a partir da experiência de sua exibição
em obras cinematográficas é mergulhar num campo investigativo que concebe tais imagens como formas que fixam e visualizam um determinado ponto de um contexto urbano. Uma
visão sobre aquele cenário urbano encenada pelas imagens
de um filme. Imagens que juntas revelam a paisagem urbana
da cidade.
347
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Como reflexão acerca do contexto cultural que atualmente o Recife e Amsterdam vivem, esta pesquisa acredita
que a lacuna que a crítica cultural e a academia deixa aberta
quando se propõe a analisar as constantes mutações nas formas
de produção artísticas de maneira individualizada e sem acompanhar a evolução da própria cidade que serve de berço para
tais experimentações é um ponto que necessita de investigação.
Referências
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia
das Letras, 2004.
______. História da arte como história da cidade. 5ªed. São
Paulo: Martins Fontes, 2010.
CULLEN, Gordon. Paisagem Urbana, Edições 70, Lisboa,2008.
CUNHA FILHO, P. C. . A representação visual da memória: imagens e melancolia na cidade periférica. In: Angela Prysthon.
(Org.). Imagens da cidade: espaços urbanos na comunicação
e cultura contemporâneas. 1ed.Porto Alegre: Editora Sulina,
2006, v. 1, p. 219-234.
DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2009.
PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens Urbanas. 3ªed. rev. e ampl.
São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004.
RANCIÈRE, Jacques. O inconsciente estético. São Paulo: Ed.34, 2009.
348
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
49 Universos fílmicos dinâmicos: a promessa do
filme interativo na era da convergência midiática
Daniel Monteiro
O presente resumo do meu projeto de pesquisa de mestrado em desenvolvimento no Programa de Pós-Graduação
em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco
(PPGCOM-UFPE) traz como ponto nevrálgico uma discussão acerca do filme interativo como um problema cultural e
comunicacional.
Se ainda hoje os meios de comunicação broadcasting,
em especial a TV, mantêm um padrão hegemônico de distribuição de bens culturais a partir do conceito de grade de programação, organizada por horários fixos de difusão em fluxo
contínuo. Por outro lado, a digitalização dos meios de comunicação, a convergência e a integração entre as mídias e a
difusão da tecnologia móvel de comunicação estão mudando
nossa percepção de tempo e de espaço. Uma nova subjetividade tempo-espacial está transformando o modo de pautar as
políticas públicas capazes de configurar a linha de produção
da cadeia produtiva, formatar hábitos de consumo e, especialmente, organizar socialmente o fornecimento de informação e
entretenimento.
Vale ainda destacar que, na última década, a convergência dos meios de comunicação está redirecionando a
construção da narratividade pela possibilidade de hibridismos
narrativos em diferentes suportes de mídia, em especial na hiper-
349
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
mídia (meio e linguagem da internet). A partir do momento em
que esses hibridismos narrativos se mesclam no ambiente do
ciberespaço (atual ambiente de convergência das mídias) e o
espectador, e também usuário, pode interagir com os artefatos
digitais, surge a possibilidade da emergência de novas experiências estéticas com produtos audiovisuais desenvolvidos especialmente para esse ambiente. Não perdendo de vista que a
cadeia produtiva midiática abrange tanto um conceito e um
método quanto um estilo de vida, buscamos problematizar a
transmidiação (transmediation) e a ludificação (gamefication)
enquanto tecnologias criativas e sociais necessárias e/ou suficientes para que a interatividade se torne fenômeno social
mais amplo, principalmente, no que tange à fruição de bens
culturais audiovisuais.
Se por um lado, a produção cultural ainda hoje é pensada, primordialmente, como modelo de negócio e tudo isso
está cada vez mais se consolidando, redirecionando e agendando a mídia e consequentemente, nossas vidas. Nossas
formas de sentir. E de pensar. Por outro lado, a convergência
midiática tende a expandir a possibilidade de participação
nesse modelo porque permite maior acesso à produção, ao
consumo e à circulação de bens culturais.
A TV digital interativa e a hipermídia inauguram complexidades novas para o audiovisual, mais semelhantes ao videogame do que ao cinema e à TV propriamente dita, onde
os bens culturais fluem em múltiplas direções (um para todos,
todos para todos, todos para um etc.) de produção, distribuição e consumo. É dentro desse panorama emergente das
350
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
novas mídias digitais e das artes narrativas que o filme interativo
se insere enquanto um problema cultural e comunicacional. E,
como tal, buscamos tratar o tema escolhido com rigor metodológico, porém, sem perder o olhar crítico e sensível.
Transcinemas, hiperfilme, cinema digitalmente expandido,
filme-jogo, ciberfilme, machinema, filmes de audiência móvel,
filme interativo. Muitos são os nomes encontrados para os produtos audiovisuais interativos realizados até hoje. Esses são os
universos fílmicos dinâmicos que propomos como foco de nossa
discussão.
Nossa questões norteadoras são: I) Quais são as provocações que esses novos produtos audiovisuais estimulam no imaginário social enquanto experiências estéticas? II) Como essas
experiências provocam o público a provarem novas vivências
emocionais e ontológicas, gerando uma reorganização do
imaginário social, da produção e do consumo da ficção audiovisual contemporânea?
Não podemos deixar de frisar que, a priori, o que nos interessa como objeto de estudo são os produtos audiovisuais que
permitem ao espectador/usuário/interator (EUI) agir e interagir
pela: condução narrativa da história; opção de acompanhar
o ponto de vista do personagem escolhido – narrativas audiovisuais multilineares e/ou multissequenciais e/ou multiformes,
que possuem ramificações em suas histórias, sejam eles convergentes, que possuem mais de uma opção de caminho a
ser seguido, mas que sempre levará o EUI a um final único, ou
divergentes, que além de possuir mais de uma opção de caminho, também possuem mais de um final –; ou o acesso a con-
351
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
teúdos complementares por meio da interatividade, através do
uso de mouse, teclado, joystick, tela sensível ao toque, ou um
embrionário sensor de movimento em suportes como os tablets,
ou mesmo por meio de sensores que captam movimento e/ou
voz como o kinect para o vídeo-game X-box 360, da Microsoft.
Como exemplo temos: I) A Gruta (2008), o filme interativo
do brasileiro Filipe Cotijo que possui 11 (onze) finais diferentes e
30 (trinta) possibilidades de interação. Onde, a interatividade
se dá por links textuais nos quais se podem escolher as ações
dos personagens e conduzir a narrativa e/ou ponto de vista dos
personagens e; II) a série de quatro filmes interativos chamada
Touching Stories (2010), aplicativo desenvolvido para o iPad, na
qual a interação se dá tocando, balançando e girando o próprio equipamento. Desse modo, se pode navegar, abrir e revelar variações em cada uma dessas histórias.
Como fundamentação teórica, partimos da reflexão de
que as novas mídias digitais são estruturas híbridas que nascem
de composições textuais distintas (assumindo por texto, aqui,
qualquer produto semiótico), ou seja, são metatextos. O que
nos leva à reflexão do que Edgar Morin chama de um macroconceito. Também encontramos em Gilles Deleuze e Felix
Guattari, outro caminho de fundamentação teórica através da
Filosofia. Para eles a Filosofia, máquina geradora de conceitos,
se constrói em diálogo com campos que não são os seus. Ela se
faz em diálogo com as descobertas científicas e tecnológicas,
com os perceptos e afectos da literatura, do cinema e demais
artes narrativas, assim a filosofia gera seus conceitos.
352
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A partir dos estudos da narrativa em novas mídias, transmidiação e hipermídia – Manovich; Murray; Simons; Gosciola,
Fechine e etc. – de um levantamento sobre teorias, pesquisas
e abordagens nas áreas de narratologia – Barthes; Eco; Vogler,
entre outros – e da ludologia (game studies) – Ryan; Jull; Frasca
e etc. –, buscamos investigar a emergência da noção de
texto por referência à de máquina: a noção de cibertextualidade. E por esta em relação à hipermídia (meio e linguagem).
Destacamos também a importância da ludologia no contexto
do estudo das narrativas clássicas (orais, literárias e fílmicas)
para analisar esses novos conjuntos sensíveis capazes de resignificar o eu e o outro na realidade contemporânea. Por isso,
também nos é caro a noção de ludificação – a incorporação
de elementos e mecânicas de jogos para enriquecer contextos
diversos normalmente não relacionados a jogos. Em particular,
nos interessa o contexto relacionado à experiência sensível proporcionada a partir dos filmes interativos.
É pertinente reiterar que a digitalização dos meios de
comunicação e a convergência e integração entre as mídias
iniciaram um novo momento de experimentação de novas linguagens e formatos audiovisuais: A possibilidade de misturar o
audiovisual com estruturas cibertextuais para se obter uma narrativa fílmica interativa.
Por fim, e não menos importante, destacamos que o projeto apresentado possibilita um estudo interdisciplinar a partir
do diálogo com pesquisas realizadas por professores, mestrandos e doutorandos dos Programas de Pós-graduação em
Comunicação Social, Design e Informática. Inclusive já existe
353
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
parcerias e debates entre essas áreas do conhecimento diretamente envolvidas no desenvolvimento dos jogos digitais, e aplicativos interativos para a hipermídia e a TVi nos Programas de
Pós-graduação da UFPE.
354
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
BLOCO B
50 Dispositivos Interacionais &
Circuitos de Comunicação
José Luiz Braga
1. Introdução
Essa é uma questão de trabalho delicada – pois uma
determinada interpretação de seu sentido implicaria defender
a importância e a originalidade daquilo que estamos pesquisando – para o quê nos faltaria provavelmente distanciamento.
A efetiva contribuição de uma pesquisa ou de um encaminhamento reflexivo depende do acolhimento, dos usos e da processualidade agonística que a área de conhecimento resolva
dar às questões, procedimentos e resultados da pesquisa.
Em outro ângulo, porém, a questão em debate no II
Encontro evidencia toda sua relevância. Trata-se, aqui, de
fazer observar o que uma pesquisa está tentando gerar. Em vez
de simplesmente mostrar o que estamos pesquisando, devemos refletir sobre sua especificidade e explicitar, para além dos
objetivos próprios de conhecimento a respeito de seus objetos
em investigação, o sentido dessa busca enquanto conheci-
355
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
mento comunicacional. Ou seja: qual o “ângulo específico de
entrada” da pesquisa no espaço de reflexão da área.
A diferença entre apenas mostrar a pesquisa e explicitar
tais reflexões é sutil. Trata-se, no segundo caso, ainda de mostrar a pesquisa – como o fazemos em geral em todas as circunstâncias em que exista essa possibilidade ou requerimento – em
congressos, seminários, proposições da pesquisa para agências
de fomento, relatórios subsequentes, reuniões de linha ou grupo
de pesquisa; ou bancas de defesa, quando somos mestrandos
e doutorandos. A pergunta que nos foi oferecida para esse
encontro especial exige, porém, um pequeno deslocamento
de nosso próprio olhar sobre a pesquisa. Devemos dar um passo
atrás para ampliar o campo de visão – e perceber a pesquisa
como uma ação relativa ao campo de conhecimento em que
se inscreve.
Em síntese, mais que defender a oferta (o que corresponderia àquela interpretação do primeiro parágrafo, referida
como de execução delicada), trata-se de esclarecer a oferta
que toda pesquisa por definição faz, refletindo sobre que conhecimento é este. Esse gesto de esclarecimento já qualificaria a
reflexão como um movimento de ordem epistemológica.
2. A pesquisa em andamento
A pesquisa que tenho em andamento (2011-2016) denomina-se “Dispositivos Interacionais – estudo de casos em contexto de mediatização”. É importante evitar a interpretação
356
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
de que “dispositivos”, aqui, se refeririam a meios ou tecnologias. Diversamente, entendemos “dispositivos” como sistemas
de relações, em sentido foucaultiano; como matrizes organizadoras dos episódios comunicacionais que os acionam. Para o
estudo desta questão, proponho hipóteses sobre o conceito de
“dispositivo interacional”, sobre aspectos tentativos da comunicação, sobre relações entre “código” e “inferência” nos dispositivos e sobre os circuitos em mediatização. Assinalando a
variedade de tipos de dispositivos e circuitos, a pesquisa trata
de analisar um pequeno número destes: de comunicação crítica; de experiência estética; de aprendizagem; de processos acadêmicos; de ação social; de interação polêmica; de
produção colaborativa; de formação de comportamento;
de apoio psicológico; de articulação entre meios de massa e
redes sociais, entre outros. São tomados casos singulares correspondentes. Cada caso é investigado por meio de análise performativa, como processo para perceber as lógicas implícitas
das práticas observadas. O objetivo é caracterizar os fenômenos comunicacionais e perceber componentes relevantes de
cada interação e seu sistema de relações, descrevendo as tentativas dos processos e de suas articulações com o contexto.
Para o desenvolvimento desse programa, o ponto de
partida é um conjunto de proposições em elaboração desde
pesquisas anteriores, já complementadas nas investigações em
curso. São adotadas como bases heurísticas para o trabalho
descritivo-inferencial dos observáveis as seguintes perspectivas:
1. A comunicação é sempre uma ação entre participantes – o modo pelo qual a sociedade produz seus varia-
357
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
2.
3.
4.
5.
6.
358
dos processos interacionais viabiliza o funcionamento
de ambientes de articulação, dando espaço (parcialmente normatizado) para os participantes sociais exercerem suas estratégias de fala e de escuta.
A comunicação é tentativa – se realiza probabilisticamente, com graus variados de “sucesso”.
O episódio comunicacional, que é a comunicação singular, se desenvolve no âmbito de “dispositivos interacionais” produzidos em processo histórico e acionáveis
nos contextos específicos dos participantes.
Os dispositivos interacionais, por sua vez (assim como os
códigos, para-códigos e sistemas de normas acionados
em uma interação) são gerados, desenvolvidos, mantidos e transformados pelos próprios episódios interacionais que tentativamente os exercem, em sua tática
para ampliar a probabilidade de resultados de interações sociais sucessivas.
O conceito de “código”, em comunicação, deve ser
alargado, para abranger todas as normas, regularidades e informações – que aparecem como elementos
compartilhados entre participantes de uma interação
ou que possam servir de referência comum a estes,
mesmo por acionamentos díspares.
“Códigos” são sempre necessários para o processo
interacional; mas, mesmo na concepção alargada
proposta acima, são insuficientes, dependendo ainda
de inferências ad-hoc.
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
7. É preciso, porém, evitar um dualismo entre códigos e
inferências, como se fossem coisas não só diferentes
mas também mutuamente impenetráveis. A comunicação é transformadora dos códigos que viabilizam
a interação porque estes não são outra coisa senão o
estado provisório das coisas já compartilhadas.
8. Em cada episódio interacional, mesmo os mais simples,
entra em cena uma pluralidade de códigos, com ponderação relativa não pré-estabelecida.
9. Uma apreensão abrangente do comunicacional não
pode esquecer a escala em que a comunicação é
criadora de códigos. Mesmo fazendo uma distinção
entre comunicação fraca (usuária de códigos) e uma
comunicação forte (criadora, transformadora), a diferença entre elas é apenas de escala, de perceptibilidade, de intensidade temporal.
10.Os dispositivos interacionais são modulados pelos contextos e processos institucionais específicos em cujo
ambiente ou referência se desenvolvem.
11.A circulação comunicacional deve ser pensada para
além do “círculo curto” de “manifestação/resposta”.
É sobretudo um fluxo contínuo “adiante” que, embora
produza retornos e “contrafluxos”, não se organiza
em termos de um “ponto de partida” e um “ponto de
chegada”.
12.Cada setor da sociedade participa de circuitos múltiplos. Os circuitos interacionais alargados da sociedade
em mediatização atravessam campos sociais estabele-
359
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
cidos, modificando sua “esfera de legitimidade” e sua
capacidade de refração – e isso ocorre inclusive no
que se refere ao “campo dos media”.
Proposições deste tipo não têm pretensão explicativa a
respeito da Comunicação. Trata-se, expressamente, de hipóteses inferidas em processo abdutivo, formuladas de modo a
serem utilizadas como estimulação heurística, para gerar novas
perguntas e observações mais finas. É sobre os observáveis
empíricos que essas hipóteses são testadas – não para confirmar
sua pertinência, e sim para aperfeiçoar e substituir conforme a
solicitação do que se perceba na ocorrência interacional em
estudo. Esse é, aliás, o modo de derivação das proposições e
perguntas até agora elaboradas.
3. O sentido dessa perspectiva enquanto “busca de
conhecimento comunicacional”
Em um campo de conhecimento em formação (sem
bases teóricas abrangentes e consensuais, como referência de
partida), entendo que o fenômeno comunicacional ocorrente
na prática social é o que deve ser observado, para a reflexão
e para a inquirição. Por mais que existam preferências diversificadas sobre os ângulos pelos quais esse fenômeno complexo
deva ser observado, estamos todos convencidos de sua existência; e temos perspectivas de senso comum a seu respeito.
Trata-se, então, nessa linha reflexiva, de refletir sobre o
senso comum, buscando ir além dele na caracterização do
360
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
fenômeno. As descobertas e proposições feitas sobre essa base
permitirão, nos debates da área, elucidar sua produtividade
epistemológica e aperfeiçoar as próprias percepções, propostas e conceitos tentativos desenvolvidos.
Creio que a interação social é o objeto mais produtivo
e abrangente, em sua diversidade, como fenômeno no qual
podemos encontrar pistas sobre o “comunicacional”. Para trabalhar esse objeto, procuro observá-lo em duas configurações
principais, enquanto “dispositivos interacionais” e enquanto
“circuitos de comunicação”. Essas duas configurações viabilizam inquirições muito diversificadas – o que é necessário, dada
a variedade de modos de aparição do fenômeno.
As bases reflexivas de explicitação desses dois conceitos
têm servido como heurística para minhas observações; e estas,
por sua vez, têm direcionado aquelas reflexões. Algumas das
proposições heurísticas assim trabalhadas são aquelas listadas
acima, no item 2 deste texto.
Um segundo ângulo de abordagem complementa esse
trabalho de caracterização do fenômeno. Com base em
algumas referências histórico-filosóficas sobre produção de
conhecimento em áreas novas (Alain, 1947: 295-304), considero
que um trabalho necessário, no âmbito da comunicação é o
desenvolvimento de perguntas e hipóteses que estão fora do
horizonte de percepção das disciplinas de Ciências Humanas e
Sociais estabelecidas. Assim, aquele modo de caracterização
do fenômeno comunicacional não tem o objetivo de propor
uma teoria explicativa da comunicação. Volta-se antes para
estabelecer bases mínimas sobre as quais possam ser feitas
361
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
perguntas tentativas (não chanceladas pelas disciplinas vizinhas). É por esse processo que a pesquisa busca desentranhar
o comunicacional.
O que tenho em elaboração, portanto, corresponde
a uma construção reflexiva sobre aqueles ângulos bastante
abrangentes a respeito de um fenômeno referido, através de
conjecturas que funcionam como movimento heurístico – isto é,
servem de base para desenvolver perguntas que, por sua vez,
levam a novas hipóteses; que viabilizam ainda outras perguntas. Nesse jogo sucessivo, a expectativa é a de uma apreensão
crescentemente aprofundada de características do fenômeno;
de realização de correções de percurso; e de alguns desenvolvimentos reflexivos mais abstratos, em nível conceitual.
Os artigos em que tais perspectivas vêm sendo desenvolvidas são os seguintes:
Braga, José Luiz. Comunicação, disciplina indiciária. Matrizes,
Ano 2, vol. 1, série 2. São Paulo: ECA/USP, p. 73-88, 2008.
_____. “Comunicação é aquilo que transforma linguagens”,
Alceu, PUC-RIO, vol. 10, série 20, p. 41-54, 2010.
_____. “Experiência estética & Mediatização”, in Souza Leal,
Bruno; Mendonça, Carlos; Guimarães, César (orgs.). Entre o
sensível e o comunicacional. Belo Horizonte, Autêntica, p.
73-87. 2010.
_____. Nem rara, nem ausente – tentativa. Matrizes, Ano 4, nº 1,
jul./dez. São Paulo: ECA/USP, p. 65-81, 2010.
362
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
_____. Dispositivos Interacionais. Apresentado ao Grupo de
Trabalho Epistemologia da Comunicação, no XX Encontro da
Compós. Porto Alegre, UFRGS, 2011.
Disponível em <http://www.compos.org.br/data/biblioteca_1657.doc>.
_____. La política de los internautas es producir circuitos. In
Carlón, Mario e Fausto Neto, Antonio (orgs.) Las políticas de los
internautas, Editora La Crujia, Buenos Aires, Argentina, 2011.
_____. “Uma teoria tentativa”. E-Compós, vol. 15, série 3, p.
1-17, 2012.
_____. “Circuitos versus campos sociais”, in Mattos, Maria
Ângela; Janotti Júnior, Jeder; Jacks, Nilda (orgs.) Mediação &
Midiatização. Salvador, EDUFBA, p. 31-52, 2012.
_____. “Interação como contexto da comunicação”. Matrizes,
vol. 1, série 6. São Paulo: ECA/USP, p. 25-41, 2012.
_____. “O que a comunicação transforma?” (inédito)
363
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
51 Dispositivos interacionais “psi” na
sociedade em midiatização
Monalisa Pontes Xavier
No contexto da sociedade em acelerado movimento de
midiatização, nos deparamos com uma série de transformações que atravessam os mais variados campos sociais, redefinindo-os segundo emergentes lógicas de funcionamento e
regulação social. À medida que a mídia passa a atuar como
processo interacional de referência (BRAGA, 2006), se capilarizando em tantos espaços quanto possível e promovendo outros
modos de interação social, atentamos para a importância de
olhar para os processos que neste espaço se configuram, a fim
de compreender os dispositivos tentativos que os fazem funcionar, bem como os próprios campos que tendem a se movimentar nos tensionamentos, muitas vezes se reconfigurando, seja
nos limites de suas próprias fronteiras, seja nos agenciamentos
produzidos com outros campos, dos quais resultam construções
híbridas.
Um exemplo dessas construções híbridas é o que ocorre
com o campo social “psi” que, como tantos outros campos
sociais, se viu atravessado por novas circunstâncias que findaram por colocar em movimento suas regularidades. Os “peritos da subjetividade” passaram a constituir experiências sociais
de produção de circuitos e de dispositivos interacionais que
estão continuamente conduzindo a questionamentos de seus
tradicionais códigos de interação no contexto da midiatiza-
364
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ção. Assim, outras interações e outros dispositivos vão sendo
tentados, testados, inventados, abandonados, recriados, miscigenados no espaço dos agenciamentos constituídos entre
esses saberes e as instâncias de mídia. É o que ocorre quando a
produção de informação/conhecimento “psi” se faz presente
em sites que se proliferam cada vez mais rápido, em inúmeras
revistas femininas, em programas de rádio, em quadros em programas de tevê, em jornais de grande circulação local e/ou
nacional, etc.
Com isso, no espaço dessas construções midiatizadas, a
circulação de saberes e práticas “psi” aponta para significativos indícios de alterações nos modos de comunicação que
a sociedade cria e nos conduz a pensar por novos olhares os
insurgentes e proliferantes dispositivos interacionais que delineiam as tentativas invenções sociais para comunicar. Dentre
eles, situamos um amplo conjunto de âmbitos de circulação dos
saberes e práticas “psi” na sociedade em geral, que abrange
desde livros a situações cotidianas de tensão social, passando
por congressos, debates, demandas sociais, problemas “psi”
socialmente formulados, discussões abrangentes de sofrimentos, patologias, relações entre sofrimento e cultura, interfaces
com a filosofia, o senso comum e/ou a auto-ajuda, espaços interativos de sites e serviços de atendimento online, publicações
jornalísticas e matérias televisivas, entre tantos outros espaços
de circulação, a partir do qual selecionamos nosso observável, que diz respeito a produções “psi” presentes na mídia que
apontam para uma possível transformação da consulta.
365
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Para falar da consulta transformada vamos nos ocupar
dos agenciamentos entre campos, que é uma criação própria
da sociedade em midiatização e sintetiza as experimentações
que conduzem a coisas novas, a descobertas, a atualizações,
a validações em diferentes contextos, fazendo vivo o conteúdo
de nossa investigação e livrando-o de se tornar obsoleto frente
à historicidade do mundo. Nesta sociedade, como sabido,
dentre os inúmeros dispositivos interacionais insurgentes, destacamos os que caracterizamos como dispositivos interacionais
“psi”, ou seja, aqueles que promovem um certo tipo de interação pautada na abordagem de questões referentes a conteúdos de ordem psíquica e/ou subjetiva.
Aconselhamentos amorosos e comportamentais, soluções de problemas de relacionamento, respostas para conflitos interpessoais e de sexualidade, auxílio no controle das
emoções, prescrições de modos de ser e bem-estar, dúvidas
sobre condutas e criação de filhos, entre tantos outros fazeres
que se proliferam resguardados pela legitimidade de um perito
“psi” e popularizam os saberes e práticas assim caracterizados,
tornando-os acessível ao grande público e, assim, passando a
participar da constituição de modos de ser, da produção de
subjetividade. Este tipo de interação, no cenário da midiatização, se desloca para ambiência midiática, marcando também
um deslocamento de objeto e de processos que nos leva a afirmar a existência de uma modalidade de consulta que passa a
coexistir com o formato canônico, a qual estamos nomeando
“consulta transformada”.
366
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Ilustrativos da situação interacional que é a consulta
transformada são: a coluna Vida Íntima do Jornal o Globo,
de autoria do psiquiatra, psicanalista e literato Alberto Goldin,
a participação consulente da psicóloga Anahy D’amico no
Programa Casos de Família, do SBT, e o circuito psicológico elaborado por Olga Tessari em seu site www.ajudaemocional.com.
Nos três casos pesquisados, nos deparamos com uma prática
deambulante que se inscreve no entre espaço do aconselhamento, da autoajuda e da afirmação perita resguardada pela
titulação de profissional “psi”. Os mesmos nos levam a problematizar a transformação da prática nestes espaços vigente,
chamando-nos a atenção para a especificidade da interação
que aí se erige, bem como para os tensionamentos de campo
estabelecidos, que vão marcar as singularidades dos campos
sociais envolvidos – Psicologia/Psicanálise e Comunicação – na
atualidade.
Goldin recebe cartas de seus leitores e responde aos conflitos que os afligem. Nas respostas, uma espécie de crônica
pautada em significativos referentes do fazer psicanalítico,
com acionamentos teóricos e técnicos que, ao mesmo tempo
em que o diferem do literato, o aproximam de algumas regularidades canônicas que garantem o marca do psicanalista
na coluna. D’amico, por sua vez, já se apresenta no programa
Casos de Família como a psicóloga responsável pela mediação
e emissão de parecer perito a respeito dos casos apresentados,
sendo sua fala uma espécie de finalização técnica – um misto
de prescrição e aconselhamento – dos problemas exposto no
dia. Por fim, Olga Tessari é autora de um site de ajuda psicoló-
367
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
gica – como ela própria nomeia – que oferta os mais variados
serviços: consulta mediada por computador, aconselhamento,
leituras, palestras, vídeos, participação em programa de rádio
e web-tevê, entre tantas outras possibilidades de ajuda psicológica mediada por recursos tecnológicos.
Os três profissionais desenvolvem práticas em ambientes que tensionam a forma tradicional de fazer Psicologia/
Psicanálise, embora exemplifiquem abordagens contemporâneas das questões psíquicas frente às quais o próprio conselho profissional da categoria – Conselho Federal de Psicologia
– passa a se posicionar a respeito, como é o caso da Resolução
12/2005, que regulamenta em termos experimentais o atendimento psicológico mediado por computador. Temos que dispositivos de interação são tentados, ganham evidência e buscam
legitimação nos diferentes contextos. Cabe-nos, diante disso,
buscar compreender a produção desses dispositivos de interação que passeiam na interface das questões “psi” no que se
refere aos modos possíveis de interação por eles proporcionados na sociedade contemporânea.
A partir desta proposta, acreditamos estar em consonância com um objetivo maior que é o de refletir sobre o campo
da Comunicação no momento em que este se encontra. Ao
transpor as elaborações próprias à Comunicação, pensando
suas afetações e reverberações nos múltiplos espaços de produção de conhecimento e delineamento de práticas contemporâneos, a partir de um estudo de interface, embora não
figure como novidade, nos parece importante para problematizar a área de conhecimento em questão e assim fazê-la
368
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
avançar, renovando o olhar direcionado para ela, bem como
a forma de estudá-la, na medida em que o balizamento sobre
este processo se desloca do que a Comunicação nos diz sobre
ela mesma para o que as incidências da Comunicação nos
espaços sociais nos diz sobre este campo de saber.
Isto se justifica na medida em que concebemos que os
processos interacionais, ao mesmo tempo em que nos falam de
uma produção socialmente circulante, também caracterizam
a Comunicação. Logo, ao assumir como ângulo de entrada
na pesquisa em Comunicação o olhar pela interface que produz um tipo distinto – talvez novo – de interação, cremos estar,
em grandes linhas, falando das apropriações sociais dos dispositivos e processos interacionais, da produção de modos de
ser e das complexas dinâmicas de relação entre a mídia e a
sociedade, ou seja, estamos pensando o próprio movimento
de midiatização da sociedade em sua articulação com os processos sociais.
Novidade aí não nos parece ser a renovação de olhar ou
a forma de estudar, até porque em se tratando de um campo
aberto, em processo contínuo de constituição, talvez seja difícil – se não desnecessário – marcar a novidade, muito embora
este novo se concretize nas mais variadas tentativas e criações
que daí possam brotar, já que o lugar de intercessão entre os
campos em questão aponta para o devir: devir interagir, devir
comunicar, devir “psi”.
369
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
52 Fé na mídia: a busca de legitimidade e
autenticidade da IURD via TV Record
Heinrich Araujo Fonteles
Resumo expandido:
A fé nas imagens da mídia (IURD-TV Record) demonstra,
não só a atualidade do fenômeno religioso, que, na superfície
da magicização, exacerba o processo do desencantamento
do mundo com uma aparência de um recrudescimento do
encanto da fé, mas também ilustra a forma pela qual os diversos segmentos sociais e religiosos podem ser reconhecidos na
cultura: via mobilidade virtual. As práticas e ações comunicacionais das neorreligiões apontam, descrevem e exemplificam
esse fenômeno da midiatização da comunicação religiosa, o
qual se pode nomear como fé na mídia. O estudo apresenta as
mudanças implementadas na Rede Record pela IURD a partir
de 2006 para ter mais legitimidade e autenticidade na sociedade brasileira ao promover um pseudo afastamento da religiosidade ao focar-se nas imagens calcadas no telejornalismo.
A aposta no jornalismo é uma busca por legitimação e mais
autenticidade, mas isso não aconteceu por acaso, e sim como
estratégia deliberada, visto que a entidade dissimula a ideia de
um afastamento religioso ao não usar o veículo como meio de
propagar uma mensagem dominantemente religiosa. Esta foi
370
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
transferida para o horário da madrugada e para espaços comprados em outras emissoras. Esse percurso demonstra como um
campo social faz usos de diferentes meios e estratégias para se
firmar na cultura, reproduzindo esse sistema econômico midiático, legitimando seus suportes dominantes, na medida em
que, como componente das representações sociais, deposita
fé neles. Assim, o uso do processo da realidade e da religiosidade exposto por Flusser (2002) interessa na medida em que o
campo social (religioso ou midiático) precisa se impor para proteger/esconder o outro. A ida da IURD para a TV (representativa
desse fenômeno das tele religiões) faz com que esta opere por
meio das imagens visuais à distância, sentidas por um esquema
de proximidade (jornalismo), camuflando as complexidades
inerentes das proximidades. Assim, observa-se como o campo
religioso saiu da periferia das decisões (burgo) para a centralidade da vida moderna, fazendo usos dos meios modernos
de comunicação, enaltecendo e justificando um paradigma
econômico que se encontra em exaustão. A pesquisa fundamentou-se nas teorias da imagem e mídia para tentar explicar
e entender a cultura imagética por que passa a contemporaneidade, na qual tanto o segmento neopentecostal, matriz da
IURD quanto a mídia, retratada pela mídia e jornalismo atual,
expressam a atualidade do fenômeno da passagem do texto
escrito para as imagens técnicas propostas por Flusser e que
essas mesmas só tem adquirido poder por que se estruturam
em mídia terciária teorizada por Pross. Por fim, as imagens visuais técnicas ascenderam a uma categoria na qual parecem
substituir as narrativas míticas. E essa substituição favorece um
371
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
esquema de continuidade e sobrevivência do segmento religioso no paradigma de mercado, numa cultura calcada na
imagem midiática. A IURD e as demais neorreligiões nesse
esquema expõem um momento histórico da crise entre texto
e a imagem. Imagem midiática que sinaliza uma nova relação
do sujeito com a fé. Fé esta que confia na mídia como estratégia de sobrevivência.
Palavras-chaves: Fé na Mídia; TV Record; IURD
372
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
53 Intermitências do epistemológico na
constituição das Teorias da Comunicação
Luís Mauro
A interpretação das questões disciplinares e institucionais
da área de Comunicação como um problema epistemológico
é um dos principais desafios do Projeto de Pesquisa “Teorias da
Comunicação: Processos, Instituições e Epistemologia”, desenvolvido pelo Grupo de Pesquisa Mídia, Instituições & Poder Simbólico,
do PPG em Comunicação da Faculdade Cásper Líbero. Em linhas
gerais, a proposta poderia ser descrita como uma oportunidade
de apreender alguns dos processos de institucionalização das
questões epistemológicas da área, tal como se apresentam, em
particular, no ensino da disciplina Teorias da Comunicação.
Embora a princípio esse problema possa ser tomado como
uma questão vinculada a uma pedagogia da Comunicação,
o vínculo que se busca aqui não é pensar a questão como um
problema de ensino-aprendizagem, mas de observar como as
questões epistemológicas efetivamente se inscrevem dentro
do discurso de uma disciplina fundamental dentro dos cursos
de Comunicação. É possível dizer que a visibilidade das problemáticas epistemológicas trabalhadas em revistas acadêmicas,
grupos de pesquisa e, em particular, no GT Epistemologia da
Comunicação da Compós, de alguma maneira encontra sua
objetivação no momento em que orientam, ou podem orientar, a definição do que será efetivamente construído como
o “canon” da área. Na medida em que a visibilidade desse
373
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
“canon” deve ser haurida de algum lugar específico, é possível eleger uma disciplina acadêmica específica como eixo ao
redor do qual se desenvolvem as questões de pesquisa.
Uma das premissas fundamentais da pesquisa, desenvolvida a partir de trabalhos preliminares, é a ausência de consensos a respeito de questões epistemológicas básicas da área de
Comunicação (Martino, L. M. S., 2008; 2011). Há inúmeros aportes,
conceitos e teorias vinculadas aos estudos da área, bem como
diversas proposições a respeito dos temas e objetos de estudo,
métodos e problemáticas. Mesmo sua constituição disciplinar/interdisciplinar é objeto de dissenso, assim como a validade de determinados aportes epistemológicos diante dos cenários midiáticos
que se apresentam diante da investigação em Comunicação.
Essa pluralidade, sem dúvida, pode ser vista como um
indício da vitalidade da área, sobretudo quando se observam os caminhos tomados pelas discussões epistemológicas
desde o início dos anos 2000. Nota-se, mesmo sem uma pesquisa exaustiva, na observação das discussões institucionalizadas nos espaços de discussão, como revistas acadêmicas e
os Encontros da Compós, entre outros, a definição de alguns
caminhos, as mudanças de foco a respeito do que deve ser
discutido, a inclusão/exclusão de temas referentes ao universo
das pesquisas em Comunicação. Dessa maneira, se em perspectiva sincrônica nota-se uma pluralidade de abordagens,
uma observação diacrônica revela igualmente uma genealogia de debates, proposições diversas e debates que sugerem
uma pluralidade de vozes no propósito de se pensar, em termos
quase metalinguísticos, o próprio saber da área.
374
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Essas discussões, no entanto, ganham uma dimensão específica quando se pensa nas demandas de objetivação institucional desses saberes, observáveis sobretudo na constituição
de disciplinas acadêmicas que serão responsáveis por compartilhar com os quase dois mil estudantes de Comunicação que
se graduam todos os anos nas diversas habilitações o que é o
pensamento da área. Pensar a comunicação, nesse sentido,
não está desligado de se estudar a Comunicação, na medida
em que a organização disciplinar dos saberes não está desligada das discussões a respeito do que é ou não constitutivo
dos espaços de investigação da área.
A escolha dos saberes que devem convergir no espaço de
ensino e pesquisa deriva de critérios e premissas referentes às
considerações de validade desses saberes; ao escolher determinados conceitos ou autores para compor um programa de
ensino ou para balizar uma disciplina teórica, pesquisadores e
professores deparam-se com o desafio epistemológico de distribuição dos espaços de luz e de sombra a determinados saberes, definindo, ainda que de maneira tentativa e provisória, o
que constitui a base teórica dos saberes da área – veja-se, por
exemplo, Sholle (1995) ou Silva (2006). Os critérios de escolha de
alguma maneira indicam a articulação dos indivíduos e instituições com o espectro de saberes da área, tecendo uma intersecção ambivalente entre o institucional e o epistemológico, como
recordam Sánchez e Campos (2009) ou Lozano e Vicente (2010).
A questão reveste-se de especial destaque quando se
pensa, nesse aspecto, que o epistemológico, em seu vínculo
com o institucional, não escapa das demandas técnicas, buro-
375
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
cráticas, políticas e econômicas presentes nesse processo. A
escolha de temas para compor uma disciplina acadêmica
nem sempre é objeto de livre decisão por parte dos docentes
e pesquisadores, por vezes levados a observar programações
pré-definidas institucionalmente ou a partir de “demandas de
mercado” que, em tese, teriam as condições de definir o que
interessa ou não para determinada formação acadêmica.
Se a pluralidade de pontos de vista referentes a uma epistemologia não deixa de ser, em si mesma, objeto de disputa
pela definição de significados e valores, o espaço institucional pode dar outra dimensão a essa questão, amplificando-a, como recorda Braga (2006) ou, em perspectiva diferente,
Mattos (2003), no terreno da formação. Por se tratar da definição de critérios de escolha referentes à constituição de saberes da área de Comunicação, a perspectiva aqui é trabalhar a
institucionalização como um problema epistemológico.
A eleição da disciplina “Teorias da Comunicação” como
ponte entre o institucional e o epistemológico deve-se a uma
série de fatores relacionados a várias instâncias. À beira do
truísmo, seria lícito esperar de uma disciplina que traz em seu
título nome da área acompanhado de uma indicação conceitual oferecesse um repertório teórico para se pensar as temáticas incluídas dentro dessa fronteira disciplinar, como definem
Russi-Duarte (2010) e Luiz C. Martino (2007). No entanto, é nesse
momento que o dissenso epistemológico se objetiva: a disciplina Teorias da Comunicação parece refletir as indefinições
teóricas, metodológicas e conceituais da área, apresentando-
376
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
-se como um espaço privilegiado para se observar a inscrição
desses problemas dentro do espaço institucional.
Vale marcar uma diferença entre “Teoria da Comunicação”
enquanto disciplina curricular e o problema do estabelecimento
de Teorias vinculadas/pertencentes à área de Comunicação.
Os dois problemas, no entanto, caminham paralelos, de maneira
que seria no mínimo redutor pensar a questão do estabelecimento de Teorias da Comunicação, enquanto questão epistemológica, da disciplina “Teorias da Comunicação”, quanto
mais porque esse é exatamente um espaço privilegiado de
disciplinarização das discussões epistemológicas ou, em outros
termos, sua inscrição em um conjunto de práticas e definições
de práticas vinculadas a espaços institucionais.
Certamente há, nos cursos de Comunicação, inúmeras “disciplinas teóricas” costumeiramente opostas “técnicas”
ou “práticas”, que poderiam ser estudadas a partir do que se
propõe. No entanto, vale observar que algumas dessas disciplinas, como Sociologia da Comunicação ou Psicologia da
Comunicação parecem se constituir, ao menos pela observação dos nomes, na intersecção de outras áreas do saber
constituídas, enquanto Teoria da Comunicação parece se
direcionar na constituição de um núcleo de discussões, ideias
e teorias específicas da Comunicação, critério a partir do qual
se elege essa disciplina como eixo para o desenvolvimento das
pesquisas.
Nesse sentido, a observação das proposições epistemológicas, se por um lado pode se distanciar ligeiramente da perspectiva de uma discussão a respeito de método e objeto que
377
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
enfoque essas problemáticas em si, abre espaço para que se
pense, em termos próximos de uma arqueologia institucional
das práticas do saber, o que foi ou vem sendo considerado
“epistemológico” dentro da área de Comunicação.
Em termos mais amplos, se é possível ou mesmo desejável
pensar em algum tipo de articulação próxima a essas questões,
pode-se dizer que os padrões de institucionalização de uma
área são articulados e interseccionados com suas problemáticas epistemológicas na medida em que essa relação não se
firma apenas sobre uma base política, econômica, de campo
ou paradgimática, no sentido que uma “sociologia da ciência”, no sentido de Bourdieu (2006), ou uma “arqueologia”, na
perspetiva de Foucault (2001) poderia propor; pensar a institucionalização como problema epistmeológico significa, neste
caso, observar como as indagações a respeito de método,
objeto, limites e fronteiras teóricas de uma área se articula com
as questões institucionais. Para usar os nomes e as coisas, partir
da Epistemologia da Comunicação para observar a elaboração das Teorias da Comunicação, seja como quadro teórico
de referências, seja como disciplina acadêmica.
Referências
BOURDIEU, P. Os usos sociais da ciência. São Paulo: Unesp,
2006.
378
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
BRAGA, J. L. Ensino e pesquisa em Comunicação:da teoria versus prática à composição contexto & profissão.
Comunicação & Educação. 12(2), Maio/Agosto 2007.
FOUCAULT, M. História da Sexualidade. Rio de Janeiro: Graal,
2001.
LOZANO A., C. y VICENTE M., M. (2010): La enseñanza universitaria de las Teorías de la Comunicación en Europa y América
Latina. Revista Latina de Comunicación Social, 65. La Laguna
(Tenerife): Universidad de La Laguna, pp/ 255 a 265
MARTIN ALGARRA, M. La comunicación como objeto de
estudio de la teoría de la comunicación. Anàlisi 38, 2009, pp.
151-172.
MARTINO, Luiz Cláudio.Uma questão prévia: Existem Teorias da
Comunicação? XXX Congresso da Intercom. Santos – SP, 2007.
MARTINO, L. M. S. A disciplina interdisciplinar. Texto apresentado no GT Estudos Interdisciplinares no XVI Intercom Sudeste.
São Paulo, 10 a 12 de maio de 2011.
MARTINO, L. M. S. A ilusão teórica no campo da comunicação.
Famecos, no.38. Junho-. Agosto. Porto Alegre, 2008.
MATTOS, M. A. Paradigmas, teorias, modelos constitutivos da
formação teórica em Comunicação Social. Trabalho apresentado no Núcleo de Teorias da Comunicação, XXVI Congresso
da Intercom. Belo Horizonte/MG, 02 a 06 de setembro de 2003.
379
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
PINEDA, M. Los paradigmas de la comunicación; nuevos enfoques teórico-metodológicos. Diá-logos de la comunicación,
pp. 264-271.
RUSSI-DUARTE, P. Por que ensinar teorias (da comunicação)?.
Trabalho apresentado no XXXII Congresso da Intercom.
Curitiba: Universidade Positivo, 2009.
SÁNCHEZ, L. e CAMPOS, M. La Teoría de la comunicación:
diversidad teórica y fundamentación epistemológica. Dialogos
de la Comunicación. No. 78, Janeiro-Julio 2009, pp. 24-38.
SHOLLE, D. Resisting Disciplines: Repositioning Media Studies in
the University. Communication Theory, 5 (2), 1995, pp.130–143.
SILVA, M. L. Currículo e ensino de comunicação. UNIrevista –
Vol. 1, n° 3, julho 2006, pp. 12-25.
TEMER, A. C. Teorizar é pensar a prática: uma reflexão sobre o
ensino das Teorias da Comunicação nos Cursos de Jornalismo.
Texto apresentado no 10º Encontro Nacional de Professores de
Jornalismo – Goiânia-GO – 27 a 30 de abril de 2007.
380
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
54 O Contato e as TIC em uma
sociedade que se midiatiza
Marcelo Salcedo Gomes
Tendo em vista a “precisão cirúrgica” da questão central do evento: “Em que sua pesquisa pode renovar o olhar
sobre a comunicação e a forma de estudá-la?” Propomos uma
resposta organizada a partir de três eixos que correspondem
a produção de nosso período de mestrado na linha de pesquisa Midiatização e Processos Sociais do PPG em Ciências da
Comunicação da Unisinos (2011-2012). A divisão proposta, além
de organizar de forma racional nossa possível contribuição ao
campo da comunicação, serve de autoreflexão para o início
de nosso processo de doutoramento. Tendo em vista a ênfase
na questão de um olhar renovado, seccionamos nossa exposição em: I. Relato dos resultados achados em nossa dissertação
de mestrado; II. Explorações sobre o papel das TICs em uma
sociedade em midiatização e seu impactos na sociedade e na
cultura e III. Proposta de uma caminho metodológicos para se
entender as imagens a partir de uma interface entre semiótica
peirceana e processos sociais.
***
I. Nossa pesquisa de mestrado, que culminou na dissertação A midiatização do Contato nos retratos da National
Geographic (GOMES, 2013), almejou algum grau de inovação,
quando propôs compreender a representação fisionômica
dos rostos e da presença humana nas fotografias da revista,
381
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
como pontencializadoras, não só de discursos midiáticos, mas
também da dimensão preliminar de um certo tipo de “fotojornalismo de afecções” que se produz através do conceito de
“Contato”.
O Contato, em nossas elaborações, é uma qualidade,
especificamente comunicacional, que certos tipos de retratos
têm de despertar a nossa percepção do “outro”, mobilizada
através da expressão do afeto no rosto e no olhar. Uma sensação pré-cognitiva de atração e proximidade com o rosto retratado que produz um nível de intimidade como se pudéssemos
“ver suas almas”. É a midiatização de um olhar presente em
determinados tipos de imagens em primeiro plano, viabilizada
por processos de produção técnica, que tem como sua principal característica nos levar a alteridade que de outra maneira
só ser realizaria presencialmente. Desta maneira nos (re)coloca
na condição de observadores ativos, mesmo no regime de
mediação fotográfica.
Esta tendência ao reconhecimento da face como instância comunicativa primeira é algo que nos é inato, que faz parte
da constituição do nosso aparelho psíquico e integra a nossa
cognição. Neste sentido o Contato não é visto como fisicalidade, como algo que precisa estar ligado ou conectado, mais
como uma função da própria comunicação. Este Contato,
portanto, não é a expressão de um retrato em uma circunstância particular, mas a expressão da qualidade de uma comunicação mais genérica que desperta um conjunto de afetos que
têm a potencialidade de tornarem-se ícones culturais. Há uma
disposição psíquica para o Contato, é como se estivéssemos
382
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
preparados para nos comunicar, seja face-a-face ou através
de mediações técnicas e, neste último sentido, caberia falar de
midiatização do contato.
Talvez o Contato que intentamos desvelar esteja relacionado com a necessidade de interação com o “outro”, que na
sociedade midiatizada se realiza por meio de ligações socio-técnicas, cujas indícios se encontram nas materialidades dos
retratos, ou seja, o signo imagético toma o lugar do “outro” na
representação da fisionomia e da presença humana nas fotos.
Suportado pela técnica, reproduz-se um Contato que é, originalmente, de origem sócio-antropológica, mas que aqui se
(re)configura via dispositivo midiático para dar conta da falta
deste outro presencial.
Quando nos referimos a signo fotográfico, adotamos as
concepções da Semiótica peirciana que nos permitiu pensar
na dimensão do Contato como primeiridade, ou seja de uma
qualidade fundamental da própria comunicação. Peirce chamaria de primeiridade do signo icônico, e que é um primeiro
nível da estruturação da semiose comunicacional. Só a partir
deste primeiro Contato se segue a estabilização da dimensão indicial da secundidade que atualiza o objeto no espaço/
tempo, para finalmente culminar na ordem do simbólico da terceiridade, na qual se daria a significação. Desta forma, parece
que o Contato está mais relacionado com uma dimensão pré-significado, algo que estaria no nível da imagem-afecção, em
Deleuze (1983).
O trabalho originou-se de questionamentos que surgiram a partir de respostas obtidas em nossa pesquisa anterior
383
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
(GOMES, 2010). Apesar de nossas descobertas acerca de o porque as fotografias parecem “fantásticas”, a partir de um estudo
sobre a produção fotográfica da revista, ainda nos intrigava o
fato de que certos retratos possuem uma dimensão expressiva
que sensibilizam o leitor independentemente dos processo de
significação postos em marcha pelo discurso jornalístico.
Na busca por algo que fizesse avançar a pesquisa, nos
deparamos com questões epistemológicas de primeira grandeza. Se, por um lado, uma parte dos teóricos do campo da
comunicação defendem que as fotografias só poderiam ser
analisadas em seu contexto discursivo, conteúdo e representação, portanto submisso a certos pressupostos socio-antrológicos, outros trabalham com a possibilidade de compreender
as fotografias em sua essência como imagem. Divergências
à parte, nosso esforço foi de congregar alguns conhecimentos destes dois modos de pensar, construindo um modelo próprio que, por um lado, visa à descoberta das característica de
certos retratos em primeiro plano, portanto ontológicas. E por
outro se inscreve em um contexto sócio-histórico denominado
midiatização, ou seja, o Contato que se estabelece através dos
retratos da National Geographic é característica da sociedade
midiatizada.
A delimitação de nossa questão de pesquisa veio de inferências abdutivas a partir da observação dos próprios retratos
nas páginas da revista. Percebemos, depois de muito observar
os materiais, que na visualização do rosto humano em primeiro
plano, produz-se uma experiência que sensibiliza o observador.
É como se despertasse uma caracterísica comunicacional que
384
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
nos é inata, sem a preocupação de significar simbolicamente
qualquer discurso. Por um momento se abstrai a situação
espaço-temporal e a expressão da fisionomia vista em detalhes ampliados nos retratos ganha o valor intrínseco do todo, de
uma qualidade fundamental que denominamos de Contato.
Ciente de que estamos inscritos em um programa com área de
concentração em Processos Midiáticos, não buscávamos um
estudo de semiótica pura, ou de estética das imagens, ou de
análise do discurso, ou ainda de sociologia/antropologia visual.
O que almejávamos era uma compilação destes ou de outros
conhecimentos disponíveis, que nos ajudassem a entender que
possíveis características, presentes nas fotografias da National
Geographic, asseguram sua autenticidade comunicacional.
Alguns autores afirmam que, em boa medida, parte
da representação que os norte-americanos constroem dos
“outros” povos do mundo e de sua própria identidade, como
apontam Lutz e Collins (1993) e Baitz (2004 e 2005) se apresenta
através de signos imagéticos advindos da National Geographic
durante mais de um século de publicação. Já Hawkins (2010),
acredita que este processo é mais complexo, existindo mediações que permitem um maior diálogo entre a produção e a
recepção. Nós poderíamos, outrossim, estudar o discurso jornalístico produzido pela revista, os processos de representação
deste ou daquele povo, ou tentar “desvendar” a construção
de sentido a partir de determinado tema ou grupo social. Ao
invés disto, preferimos nos propor o desafio de descobrir o que
há nas próprias fotografias, ainda que sirvam para potencializarem e referendarem os discursos ideológicos e culturais dos
385
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
veículos de comunicação, que lhe atribuem uma dimensão
comunicacional tão expressiva a ponto de tornarem-se ícones
da cultura globalmente midiatizada.
É neste ínterim que se trata de um tipo específico de
fotojornalismo que produz determinados discursos que afetam
e são afetados pela sociedade (midiatização), mas que, simultaneamente, determinados tipos de fotografias da revista possuem uma dimensão que é um primeiro nível da estruturação
de uma semiose comunicacional (Contato). E aí ocorre uma
cisão com os estudos que assumem que toda fotografia de
imprensa possui a mesma classificação e está necessariamente
subsumida pelos discursos das mídias. Em boa medida, é isto
que a pesquisa intenta desmistificar. Nem toda a fotografia de
imprensa possui a mesma categoria, se analisada em termos
semióticos. E nem mesmo as fotografias de um mesmo suporte,
como a revista National Geographic, poderiam ser classificadas como homogêneas. Está certo que é o conjunto das fotografias, envolucradas em um dispositivo midiático denominado
National Geographic Magazine juntamente com artigos, títulos,
legendas, editoriais e todo projeto gráfico, que têm sido considerado como extraordinário ao longo do tempo. Todavia,
podemos notar que há certos tipos de retratos que ganham
notoriedade e extrapolam as páginas da revista, tornando-se verdadeiros ícones culturais, como é o caso da celebrada
Menina Afegã.
Estas fotografias, de uma antropológica midiatizada,
digamos assim, desde as primeiras edições, retratam povos que
“devem ser desvendados” pelos olhares ocidentais civilizados.
386
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Neste jogo de representações, o fotógrafo assume o papel do
explorador, do desbravador de novos horizontes, aquele que
aponta sua câmera para o desconhecido, enquanto os retratados assumem o papel do “outro”, do “quase selvagem” que
causa estranhamento e admiração. Os retratos, mais que os
demais grandes temas fotográficos da revista (vida animal,
botânica, paisagens, objetos arqueológicos, inovações científicas etc), parecem trazer à tona com maior clareza a dimensão
interacional em que opera a comunicação midiatizada.
A representação da fisionomia humana através do rosto
nos retratos é a forma mais expressiva de que o fotojornalismo
pode dispor para tentar estabelecer afetos que serão não
mais da ordem da inteligibilidade dos sentidos ofertados, mas
da potencialidade de engendramento de sentidos a serem
construídos no próprio fluxo comunicacional. A figura humana
na imagem se constitui pelo processo de reconhecimento de
uma identidade, que poderá ser de personalidade (personagens midiáticos consagrados) ou de tipo étnico, sendo que,
na quase totalidade das vezes, na National Geographic será
deste último, estabelecido através dos modos da presença do
indivíduo na imagem: as vestes, o cenário, a pose, os gestos, a
expressão corporal, a fisionomia facial etc. Além da tipicidade
étnica, cada rosto humano representado nos retratos é portador da singularidade pessoal que ativa nossa capacidade psicológica de reconhecimento facial, uma das mais elaboradas
faculdades humanas. Como afirmou Benjamin (1989, p. 102):
387
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
(...) renunciar ao homem é para o fotógrafo a
mais irrealizável de todas as exigências. Quem
não sabia disso, aprendeu com os melhores
filmes russos que mesmo o ambiente e a paisagem só se revelam ao fotógrafo que sabe
captá-los em sua manifestação anônima, num
rosto humano. Mas essa possibilidade é em
grande medida condicionada pela atitude da
pessoa representada.
Nas imagens fotojornalísticas, entretanto, parece não
ser possível analisar a representação fisionômica sem levar em
conta o contexto no qual foi capturada a cena, que normalmente se refere a um regime discursivo complexo. O que significaria dizer que toda individualização dos sujeitos, possível
na recognoscibilidade dos retratos nos álbuns de família, por
exemplo, fica assimilado, no caso da fotografias de imprensa, à
situação do instante fotográfico e sua dimensão espaço/temporal de significação. Todavia, há uma dimensão comunicacional em um tipo específico de fotografia, as imagens de “rosto
em primeiro plano”, que parecem conter um vetor intrínseco a
toda comunidade humana, que independe do contexto histórico para nos mobilizar os afetos (EKMAN, 1999). É como se este
fenômeno fizesse parte da comunicação, independentemente
do “realismo” da cena formada pelo discurso jornalístico, mas
que não deixa de ser verdadeiro na medida em que existe na
realidade empírica, pois nos afeta pela sua expressão e não
pela sua significação, assim como o faz a arte.
388
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Diante do exposto acima, o foco da pesquisa recai sobre
um conjunto de retratos da National Geographic (fotografias
que contêm a presença de humanos) e sua relação com o
aspecto comunicacional do fotodocumentarismo midiatizado
da revista. A investigação buscou analisar de forma empírica a
presença humana nas imagens e suas implicações no afeto e
no sensível como também a dimensão pela qual a fisionomia
dos rostos humanos em primeiro plano se constitui como uma
espécie de Contato sensorial e psicológico, que opera dentro
de um projeto midiático amplo.
Percebemos, em nossas análise empíricas, que há uma
tendência, observada pelo padrão da produção imagética
da revista National Geographic, para a sensibilização do leitor acerca das fotografias do periódico. Essa sensibilização,
no sentido mesmo de despertar emoção através da visualização de tais imagens, oferecida pela instância produtora,
parece não decorrer apenas do conteúdo: diversidade cultural, étnica e sócio-econômica das pessoas retratadas; mas
de um fenômeno que percebemos quando folhamos a revista
e nos deparamos com fotografias em que há a presença de
seres humanos, muitas das quais ocupam uma ou duas páginas
inteiras da publicação. A técnica fotográfica utilizada, em muitos casos, estabelece uma espécie de intimidade entre observadores e retratados, principalmente quando produz grandes
closes que mostram a fisionomia em detalhes tão particulares
que, fora do universo fotográfico, só uma relação muito próxima poderia produzir.
389
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Não estamos afirmando que o Contato é uma característica dominante de todas as imagens da revista. Nota-se
que são as fotografias de pessoas, denominadas de retratos,
em que a busca pelo Contato fica mais evidente ou mais aparente. A “beleza melancólica”, encontrada no rosto humano,
como observou Benjamin (1989, p. 174), seria a “última trincheira da aura”. Percebemos que em muitos destes retratos
há uma dramaticidade que nos move em busca do “outro”
(os olhos fixos em direção ao observador, a expressão enigmática que nos interpela, a naturalidade da cena, a ideia
de que alguma ação está, esteve ou irá acontecer, a busca
pela informação extra-quadro, a tentativa de adivinhar o pensamento do retratado na hora da tomada da foto), mas, ao
mesmo tempo, ainda estão lá as informações sobre a cultura
do ser fotografado, suas roupas típicas, seus acessórios, objetos
pessoais e o próprio cenário que o distingue em seu contexto
social e cultural. Desta forma, a questão da pesquisa foi: Qual
é a natureza do Contato viabilizado pelos retratos da National
Geographic? Partimos da premissa de que, na visualização
destes retratos humanos, produz-se uma espécie de Contato
que é de uma dimensão comunicativa abstrata que neutraliza, ou torna secundário em um primeiro momento, o contexto
sócio-histórico em que foram produzidas. A partir da análise da
fisionomia facial e da presença humana nos retratos étnicos da
revista, pretendíamos entender a importância das implicações
deste Contato na constituição do ato comunicacional e do seu
papel no trabalho do dispositivo midiático.
390
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
O estudo buscou refletir teórica e criticamente sobre as
características, propriamente comunicacionais deste tipos de
imagens midiatizadas, que dão sustentação ao discurso jornalístico (stricto sensu) e midiático (lato sensu), mas simultaneamente, possuem uma potência icônica de despertar afetos.
Consideramos que a investigação colabora com os estudos
teóricos sobre fotojornalismo, especialmente fotodocumentarismo da revista National Geographic e seus ícones globais,
que, segundo nosso levantamento bibliográfico, mostraram-se
raros não só no Brasil, como internacionalmente.
Nosso trabalho almejou contribuir, com os estudos sobre a
midiatização e os processos sociais, foco de nossa linha de pesquisa. A investigação, espera-se, deve colaborar com reflexões
sobre a midiatização das imagens, em especial da fotografia
de imprensa. A relevância deste trabalho está, sobretudo, na
proposta de demonstrar que as imagens utilizadas na comunicação midiatizada, ainda que sirvam para potencializarem
e referendarem os discursos ideológicos e culturais dos veículos de comunicação, possuem também uma dimensão de
Contato que é própria da comunicação humana.
***
II. Esta segunda dimensão se refere a pesquisas realizadas em interação com as reflexões da linha de pesquisa
Midiatização e Processos Sociais, principalmente referentes a
produção de 2 artigos a partir dos seminários: I Seminário da
Escola de Altos Estudos – Fundamentos Sociais das TICs, com
o Professor da Universidade de Grenoble, Dr. Bernard Miège; II
Seminário da Escola de Altos Estudos/Capes, intitulado Mutação
391
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
da comunicação: Emergência de uma cultura da contribuição
na era digital, com o professor Prof. Dr. Serge Proulx. Tais trabalhos, abrangem questões que propõe a investigação de questões novas sobre a midiatização e as tecnologias digitais.
O primeiro artigo, Uma perspectiva sociotécnica das tecnologias da comunicação e informação e sua importância na
constituição de uma sociedade midiatizada, discute a fundamentação sociotécnica das TIC na configuração da comunicação midiatizada contemporânea à luz do pensamento de
Bernard Miège. A partir da definição de alguns conceitos como
mídia e inovação, problematiza-se a pregnância dos discursos
tecnodeterministas e a supervalorização de uma espécie de
comunicação experimental viabilizada por atores sociais considerados revolucionários, mas que quando submetida a uma
análise empírica mostra-se frágil. As tecnologias convertidas em
meios parecem estar se encaminhando mais para a complementação do modelo comunicativo tradicional do que para
lhe causar rupturas radicais.
Contrariando um bom número de estudos realizados no
Brasil, os quais assumem as chamadas “novas mídias” (ligadas
principalmente a tecnologias digitais) como protagonistas na
realização dos processos comunicativos contemporâneos,
Bernard Miège (2009) considera que há uma certa euforia por
parte de tecnólogos, representantes da indústria e do marketing, determinados atores sociais e pesquisadores de diversas
áreas (informática, economia, administração etc; e mesmo
da comunicação) ao realizarem seus prognósticos, muito mais
392
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
sobre suas próprias crenças e esperanças do que sobre a análise empírica dos fatos.
Miège nos alerta que, durante as últimas três décadas,
alguns teóricos têm apostado suas fichas naquilo que denomina “tecnodeterminismo”, ou seja, na proliferação de discursos sociais que atribuem os problemas da comunicação/
informação às questões técnicas, como que acreditando que
as “inovações” pudessem garantir uma espécie de revolução
tecnológica e comunicacional que por sua própria constituição poderia arrastar a reboque processos e práticas sociais. De
forma ponderada e consistente, Miège argumenta que as próprias concepções do que sejam estes “novos meios de comunicação”, tanto para as correntes francófonas denoninadas TIC
(Techniques de l’information et de la Communication), quanto
para as de origem anglo-saxônicas, chamadas New Media,
parecem confusas e imprecisas.
Nos parece evidente, portanto, que as mídias tradicionais estão implicadas com as TIC, na medida que estas últimas
configuram uma complementaridade do modelo de comunicação já enraizado pelos denominados “meios de massa”.
Reformulações sociotécnicas têm descolcado os estudos de
comunicação para a dinâmica da circulação e do papel do
dispositivo midiático nas construções de sentido e na organização social. Esta ecologia comunicacional, composta, tanto
pelas mídias tradicionais (TV, rádio, Imprensa Impressa etc)
como por novas “tecnologias convertidas em meios”, configuram uma nova ambiência comunicacional complexa, um
393
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
novo entorno midiático, que alguns teóricos estão chamando
de midiatização.
Se por um lado, o discurso do tecnodeterminismo se
mostra frágil e, por vezes fantasioso, por outro, rupturas sociais
importantes tem ocorrido pela viabilização de uma comunicação midiatizada mais horizontal e plural. O mês de junho de
2013 já pode ser considerado um marco na história política,
social e, por que não dizer, comunicacional do Brasil. A onda
de manifestações por melhores serviços públicos que tomou as
ruas do país mobilizando milhões de pessoas deixou atônitos os
políticos brasileiros acostumados com a passividade do povo.
Os conglomerados midiáticos foram surpreendidos pelas
críticas dos manifestantes à sua forma monolítica de comunicação. Diante deste cenário, o segundo artigo, objetivou, a
partir do conceito de “sociedade em rede” (CASTELLS, 2002),
propor um debate sobre esta espécie de “revolução midiatizada” que vem ocorrendo globalmente. Entendemos a midiatização, assim como Fausto Neto (2010) e Ferreira (2011), como
uma reorganização sócio-tecno-discursiva que altera o modo
de interação humana e constitui um novo ambiente no qual
a realidade inteligível se constrói via processos midiáticos na
dinâmica da circulação e segundo o fluxo da própria rede.
O movimento brasileiro, salvo suas particularidades, converge com uma postura que vem sendo adotada por jovens do
mundo todo, como se viu nos Indignados da Espanha, Occupy
Wall Street, Primavera Árabe, Revolta na Turquia e alguns outros,
que têm como características comuns: mobilização a partir das
“redes de relacionamento” (Twitter, Facebook etc), apartida-
394
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
rismo, descrença nas formas de representatividade da política
tradicional, ausência de líderes, descentralização das pautas
reivindicatórias que, genericamente, giram em torno da construção de um mundo mais justo e participativo, assim como a
propõe Proulx (2010). Resta-nos saber como esta expansão da
comunicação mediada por computador (peer-to-peer) potencializa um novo modelo de cultura da participação que visa
suplantar as deficiências da Sociedade Moderna?
Para tal empreendimento, analisamos a circulação de
materiais relativos aos protestos, tanto nas redes de relacionamento quanto no jornalismo tradicional, procurando entender a complexidade das disputas simbólicas e da construção
dos sentidos. Nossa proposição central é que na medida que
os atores sociais se midiatizam, ou seja, começam a produzir
comunicação segundo lógicas de mídia, o poder representativo político e as instituições midiáticas corporativas se enfraquecem pela própria obsolescência dos modelos existentes.
Criou-se a possibilidade das pessoas obterem informação independentemente dos meios de comunicação tradicionais, de
se auto-organizarem sem a necessidade de lideranças, de se
mobilizarem nos espaços urbanos sem a necessidade da convocação de partidos políticos ou sindicatos, ou seja, diminui-se
o papel das instituições mediadoras.
***
III. No contexto societal contemporâneo, as imagens
ganham cada vez mais espaço na vida dos indivíduos e grupos, constituindo os imaginários e operando como vetores de
sentido. O mundo midiatizado parece estar se (re)descobrindo
395
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
em termos de imagens. Prova disso é a avalanche de fotografias, ilustrações, animações, vídeos etc, que alcança o sujeito
urbano diariamente. Desde as peças publicitárias dispostas
pelas cidades, passando pelos meios de comunicação social,
pela internet. Até os ícones dispostos nas pequenas telas dos
telefones celulares parecem apontar para uma proliferação
do signo imagético.
Reconhecendo a natureza sígnica da imagem, propomos pensar a fotografia, objeto central de nossas investigações,
a partir da semiótica de Charles Sanders Peirce, por se tratar
de uma lógica que contém as categorias universais presentes
nos mais diversos fenômenos, portanto, adequada à análise da
visualidade de um modo geral e fotográfica em particular. Uma concepção que nos parece bastante promissora é a de
Verón (1997, p. 51) no texto De la imagen semiológica a las discursividades: El tiempo de una fotografia, no qual o autor relata
a fracasso de alguns autores estruturalistas, como Greimas, na
tentativa de estabelecer uma “semiológia de la imagen”: “La
supuesta universalidade de una teoría lingüística ha sido transferida com excesso a objetos que no pueden separarse de
prácticas sociales específicas”. Para Verón, os estudos sobre
as imagens precisa passar de semiologia a semiótica, levando
em consideração o que estes dois termos significam históricamente. O primeiro está ligado a uma tentativa de conceber
uma técnica de análise de corpus, como se fosse possível instituir uma espécie de gramática da imagem, o segundo está
relacionado com a obra de Peirce e se estabelece como uma
teoria geral dos sentidos da sociedade e da cultura, portanto
396
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
não se traduz na tentativa de estabelecer um disciplina capaz
de traduzir signos de “maneira imperialista”, conforme Verón
(1997, p. 68): “[...] la semiótica, en la medida en que es una teoría da la producción de sentido puede (y debe) articularse con
las conceptualizaciones de la historia, de la antropologia, de la
sociología, de las ciencias políticas y de la economía”.
A solução que Verón oferece, parece resolver de uma
vez por todas o problema da pretensão pouco produtiva e
exaustiva de estabelecer um método que possa dar conta da
analise de signos sem levar em conta que na nossa sociedade
midiatizada há uma quantidade infinita de semioses possíveis a
partir de dois distintos movimentos do discurso. O primeiro é uma
“convergência” entre produção e recepção, dinamizado por
uma constante busca pela articulação, e o segundo a “divergência”, resultante da evolução da sociedade, e porque não
dizer da sociedade que se midiatiza, onde ocorre constantes
disputas de sentido.
REFERÊNCIAS
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. In: BENJAMIN, Walter. Mágia e técnica, arte
e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. São
Paulo: Brasiliense, 1989, p. 165-196.
DELEUZE, Gilles. A imagem-movimento. São Paulo: Martins
Fontes, 1988.
397
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
EKMAN, Paul. Emotion in the Human Face: Guidelines for
Research and an Integration of Findings. Oxford: Pergamon
Press, 1972.
FAUSTO NETO, Antônio. A circulação além das bordas.
In: Mediatización, Sociedad y Sentido – Diálogos Brasil –
Argentina. Rosário: UNR, 2010.
FERREIRA, Jairo. As instituições e os indivíduos no ambiente
das circulações emergentes. Paper: PPGCOM – Unisinos, São
Leopoldo, 2001.
GOMES, Marcelo Salcedo. A midiatização do Contato nos
retratos da National Geographic. Dissertação de Mestrado.
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2013, 187 p.
______. As fantástica fotografias da National Geographic.
Trabalho de Conclusão de Curso – Comunicação Social,
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo, 2010, 124 p.
MIÈGE, Bernard. A sociedade tecida pela comunicação:
técnicas da informação e da comunicação entre inovação e
enraizamento social. São Paulo: Paulus, 2009.
PEIRCE, Charles Sanders. Collected Papers. 8 vols. Cambridge:
Harvard University Press. 1931-1958.
PROULX, Serge; MILLERAND, Florence e RUEFF, Julien. Web
social, mutation de la communication. Québec: Presses de
l’Université du Québec, 2010.
398
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
VERÓN, Eliseo. Fragmentos de um tecido. São Leopoldo:
UNISINOS, 2004.
______. De la imagen semiológica a las discursividades: El
tiempo de una fotografia. In: VEYRAT-MASSON, Isabelle e
DAYAN, Daniel. Espacios Publicos em Imagenes. Barcelono:
Gedisa, 1997.
399
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
55 Contribuições do Estudo da Midiatização
para Renovar o Olhar sobre a Comunicação
Ricardo Z. Fiegenbaum
Discorro brevemente sobre a questão que se coloca
para este encontro: “em que minha pesquisa pode renovar o olhar sobre a comunicação e a forma de estudá-la”.
Desenvolverei uma tentativa de resposta em dois pontos. No
primeiro, faço um relato suscinto sobre a minha pesquisa; no
segundo, coloco o acento sobre o desenvolvimento embrionário de uma perspectiva epistemológica da midiatização e
processos sociais. Mas como se verá, ao final, essa divisão não
é assim tão severa.
1. Minha pesquisa estuda os processos de midiatização
da sociedade. Mais especificamente, volta-se para a análise
das implicações da dinâmica midiática sobre instituições não
midiáticas, instituições midiáticas e atores individuais. Busca
compreender como a midiatização afeta cada uma dessas
instâncias em suas estratégias de difundir valores, obter visibilidade e estabelecer e manter vínculos. Nessa perspectiva,
afirma a centralidade dos dispositivos midiáticos, porque é
neles que se realizam esses embates estratégicos que configuram o mercado discursivo midiatizado. Eles atuam como organizadores e dinamizadores dos processos de interação em que
aquelas três instâncias estão implicadas.
O conceito de dispositivo baseia-se em Ferreira que
os toma na perspectiva de acoplamentos sistêmicos de três
400
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
dimensões – sócio-antropológica, semiolinguística e técnica-tecnológica. Nesse sentido, dispositivo midiático é uma materialidade tecnológica, simbólica e social, ou seja, tem uma
consistência técnico-tecnológica visível, que é inseparável de
sua essência simbólica (de lugar de circulação de sentidos),
portanto, discursiva, e que serve para produzir comunicação
auto e heterorreferenciando-se continuamente. É um sistema
articulado de operações tecno-simbólicas e sociais, no qual se
materializam os processos de produção, circulação e consumo
de sentidos, por meio da organização e da dinamização dos
processos pelos quais as estratégias de valores, de visibilidade e
de vínculos se realizam. É um operador sistêmico de estratégias
de valores, de visibilidades e de vínculos. Os dispositivos midiáticos constituem-se, assim, como o lugar observável dos processos midiáticos. São midiáticos porque suas operações são
presididas pelo habitus midiático e porque possibilitam a oferta
coletiva de sentidos num mercado discursivo (Verón).
Essa perspectiva teórico-metodológica que afirma a centralidade dos dispositivos midiáticos no processo de interação
das três instâncias, acolhendo, organizando e dinamizando as
suas estratégias de valor, visibilidade e vínculo, desloca a análise da midiatização dos polos de produção e de recepção
para a dinâmica da circulação, tanto dos sentidos nos dispositivos como dos próprios dispositivos. Ressalte-se, ainda, que os
dispositivos midiáticos não se constituem a si mesmos ao acaso.
Eles são constituídos por uma das instâncias, as quais exercem
sobre eles uma espécie de força gravitacional. Por causa dessa
relação original, que os dipositivos midiáticos têm com a sua
401
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
instância instituidora, é que se pode mobilizar as categorias de
auto e heterorreferencialidade para observar a circulação.
Em síntese, portanto, minha pesquisa visa estudar os processos de midiatização nos quais instituições não midiáticas,
instituições midiáticas e atores individuais estão implicados,
analisando as operações sistêmicas que ocorrem nos dispositivos midiáticos. Resulta daí, de um lado, a necessidade de qualificar os conceitos de dispositivo midiático e de midiatização;
de outro, a exigência de explicitação das categorias analíticas
de valor, visibilidade e vínculo e de auto e heterorreferencialidade. Essas duas demandas da pesquisa, se levadas ao seu
refinamento, poderão abrir novas perspectivas para renovar
o olhar sobre a comunicação e a forma de estudá-la (assim
espero). Em outras palavras, significa colocar os dispositivos
midiáticos como objetos de estudo da comunicação contemporânea e desenvolver, a partir das categorias explicitadas,
metodologias de análise que podem resultar numa compreensão melhor dos fenômenos comunicacionais das sociedades
midiatizadas.
2. Isso posto como plano geral da pesquisa, exponho,
nesse segundo tópico, algumas considerações para pensar
uma epistemologia da midiatização e processos sociais, inserindo-me, assim, no âmbito dos estudos do Grupo de Pesquisa
Epistemologia da Comunicação (Epistecom). Parto da hipótese
de que discursos e práticas sociais se constituem enquanto processos paralelos e mutuamente implicados que têm na midiatização o seu ponto de acoplamento. Essa proposta sustenta-se
sobre uma abordagem teórica-metolológica que consiste da
402
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
relação campo/sistema e envolve necessariamente o conceito de dispositivo midiático e as categorias referidas anteriormente. A fim de tornar mais clara essa relação, tomo como
objeto analisável as recentes manifestações de rua e a cobertura jornalística.
Os processos sociais, como os recentes protestos das ruas,
e a circulação midiática desses acontecimentos colocam em
paralelo dois processos simultâneos, que, no entanto, se afetam mutuamente. De um lado, um processo social de prática
política que toma as ruas e alcança as esferas de poder instituídos; de outro, um processo midiático de produção de sentidos, que se realiza no âmbito das redes sociais e das instituições
jornalísticas tradicionais. A observação dessas práticas sociais
e discursivas em sua dinâmica processual é singular para compreender como a sociedade midiatiza-se ao passo célere em
que os dispositivos midiáticos vão ocupando o lugar central de
mediação, organização e dinamização dessas práticas.
A teoria dos campos sociais de Bourdieu e a teoria dos
sistemas de Luhmann são a base teórica para essa análise.
Conforme assinala Pfeilstetter “operando a la vez con una teoría
de la comunicación y una teoría de las prácticas, tenemos dos
instrumentos útiles para distinguir entre acción y discurso, vinculándolos comparativamente al mismo tiempo en un marco
teórico común” (PFEILSTETTER, 2012, p. 507). Além disso, “los
conceptos de campo/sistema proporcionan modelos suficientemente abstractos para permitir observar estructuras sociales
complejas y ausentes de centros únicos que marcan las sociedades modernas, como para asegurar que son los procesos y no
403
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
los elementos el centro de nuestro análisis” (PFEILSTETTER, 2012,
p. 507, grifo meu). Em outras palavras, Bourdieu e Luhmann têm
como objeto de análise os processos e não as estruturas que
constituem a sociedade. Essa perspectiva permite estudar a
midiatização como circulação, na qual práticas sociais e discursos se implicam mutuamente enquanto operam a dinâmica
social com suas disputas de poder e de sentidos.
Assim, se na Sociologia de Bourdieu, o objeto de estudo
são as formas de poder ou capitais que se revelam pela observação das práticas sociais, sendo as práticas sociais o resultado do embate entre duas estruturas em conflito: o habitus e
o campo, em Luhmann, o objeto da Sociologia é a suceção
de atos comunicativos que estabelecem ou não conectividade. Em outras palavras, não são as relações de poder que
lhe interessam, mas a comunicação – Bourdieu, a seu tempo,
entende a comunicação como uma expressão de poder, ao
que Luhmann contrapõe que essa evidência é, antes, um resultado da comunicação, ou seja, a comunicação vem antes de
qualquer esquema de diferenciação social e é pela comunicação que os elementos da estrutura social são comunicáveis e
socialmente partilhados.
Resulta daí que essa dinâmica processual, que envolve a
prática dos agentes no campo político e a prática discursiva
que caracteriza o midiático constitui, em minha perspectiva,
o modo como a sociedade se midiatiza. E aqui estamos trazendo a relação campo/sistema para o campo da comunicação. Nesse sentido, prática social e prática discursiva operam
acoplamentos de uma sobre a outra, produzindo discursos e
404
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ações políticas. A midiatização é o processo pelo qual o midiático produz diferença nas práticas sociais e discursivas. Altera
o habitus, como sistema de estruturas estruturadas e estruturantes, modificando o próprio campo e reorganizando as disputas de poder dos seus agentes, qualificando os capitais em
jogo, e modifica também a comunicação, na medida em que
opera sobre as práticas discursivas. Nesse sentido, a diferenciação que Luhmann diz que os meios de comunicação simbolicamente generalizados produzem no sistema e que os leva a
distinguir entre auto e heterorreferencialidade é também, em
minha perspectiva, a diferenciação que se pode observar no
habitus na presença dos meios como dinheiro, poder, amor,
etc. Em ambas teorias, os processos sociais envolvem, simultaneamente, autonomia e dependência. Essas operações resultam em tensões (Bourdieu) ou irritações (Luhmann) que por
meio de processos de seleção auto e heterorreferentes mantêm o habitus e o sistema de comunicação operando as suas
estratégias.
Na perspectiva de Luhmann, esse processo visa reduzir a
complexidade do ambiente para que o sistema continue operando em seus limites. Em Bourdieu, isso oferece ao agente um
modo de atuação e de percepção dessa atuação dentro de
um campo. Em ambos os casos, estabelecem-se aí as fronteiras,
que são, de um lado limites de sentido e, de outro, de poder.
Mas o que permite o acoplamento dos processos e a operação de um sobre o outro são os dispositivos midiáticos. Neles se
manifestam as disputas de poder e de sentido e construímos,
assim, um novo olhar sobre os estudos da comunicação. Ao
405
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
observar as estratégias realizadas pelas instituições não midiáticas, pelas instituições midiáticas e pelos atores individuais nos
dispositivos midiáticos, percebe-se o trabalho dos sistemas de
valor, de visibilidade e de vínculo de cada instância em movimentos de resistência, de acomodações e de acoplamentos.
Os dispositivos midiáticos, pelas caracaterísticas acima descritas, são singulares no acolhimento dessas estratégias, organizando e dinamizando esses processos.
No fim, o que resulta é mesmo a midiatização como resultado de uma sociedade que atua e se comunica cada vez
mais por processos midiáticos organizados e dinamizados pelos
dispositivos midiáticos.
Nada disso, porém, é certeza. Antes, são angústias genuínas de quem se sabe em processo e que entende que produzir
conhecimento é tarefa coletiva, de interlocução crítica e desafiadora, e que não basta apenas colocar questões ou elencar
perguntas. Antes, o que estimula a mente para que se afadigue em busca de uma verdade, de uma crença, é a existência
de uma dúvida real e viva, capaz de poder colocar em dúvida
também as próprias premissas (PEIRCE, 1877, p 1-15). Por isso,
responder a questão colocada para este seminário a respeito
das novidades de nossa pesquisa é buscar a saída para deixar
a irritação da dúvida e abraçar o aconchego da crença, ou
seja, deixar o estado de desconforto em que a inquirição nos
coloca, para encontramos a indicação mais ou menos segura
de como pesquisar no campo da comunicação.
406
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Referências
BOURDIEU, Pierre. A Distinção. Crítica social do julgamento.
Tradução de Daniela Kern e Guilherme J. F. Teixeira. São Paulo:
Edusp, Porto Alegre: Zouk, 2007.
______. Questões de Sociologia. Tradução de Jeni Vaitsman.
Rio de Janeiro: Marco Zero. 1983.
______. Razões Práticas. Sobre a teoria da ação. Tradução de
Mariza Corrêa. Campinas: Papirus, 1996.
BRAGA, José L.Sobre “mediatização” como processo interacional de referência. GT Comunicação e Sociabilidade, 15º
Encontro Anual da Compós, Bauru, junho de 2006, cd-rom.
DELEUZE, Gilles. Foucault. Tradução de Claudia Santana
Martins. São Paulo: Brasiliense, 2005.
FERREIRA, Jairo. Uma abordagem triádica dos dispositivos midiáticos. Líbero (FACASPER), v. 1, p. 1-15, 2006.
KUNZLER, Caroline de Morais. A teoria dos sistemas de Niklas
Luhmann. Estudos de Sociologia, Araraquara, 16, p.123-136,
2004.
LOYOLA, Maria Andréa. Pierre Bourdieu. Entrevistado por Maria
Andréa Loyola. Rio de Janeiro: Eduerj, 2002.
LUHMANN, Niklas. A improbabilidade da comunicação.
Tradução de Anabela Carvalho. 4. ed. Lisboa: Vega, 2006.
407
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
_____ . A realidade dos meios de comunicação. São Paulo:
Papirus, 2005.
_____ . O conceito de sociedade. In: NEVES, C. B.; SAMIOS, E.
M. B. (Orgs.). Niklas Luhmann: a nova teoria dos sistemas. Porto
Alegre: UFRGS, 1997.
_____ . Soziologische Aufklärung 6. Die Soziologie und der
Mensch. Opladen: Westdeutscher Verlag, 1995b.
MAINGUENEAU, Dominique. A cena da enunciação. Análise
de textos de comunicação. São Paulo: Cortez, 2000.
MOUILLAUD, Maurice et al. O jornal: da forma ao sentido.
Brasília: Paralelo 15, 1997, p. 85-144.
PEIRCE, Charles Sanders. A fixação das crenças. Popular
Science Monthly. Tradução de Anabela Gradim Alves. Beira:
Universidade da Beira Interior. Nº 12 (November 1877), p. 1-15
(versão inglesa),
PERAYA, Daniel. Médiation et médiatisation: le campus virtuel? In: Le Dispositif – Entre usage et concept. Hermes, 25:
Cognition, Comunicacion, Politique. Paris: CNRS Editions, 1999.
PFEILSTETTER, Richard. Bordieu y Luhmann. Diferencias, similitudes, sinergias. Revista Internacional de Sociologia, Vol. 70. Nº
3, Septiembre-Diciembre, 2012, pg. 489-510.
RODRIGUES, Adriano Duarte. A gênese do campo dos mídia.
In: SANTANA, R. N. (Org.). Reflexões sobre o mundo contemporâneo. Teresina: Ed. Renan, 2000, p. 201-214.
408
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
______. Estratégias da comunicação. 2. ed. Lisboa: Presença,
1997, p.152-160.
SAMPAIO, Inês Sílvia Vitorino. Conceitos e modelos da comunicação. Ciberlegenda, n. 5, 2001. Revista do Programa de
Pós-Graduação em Comunicação (Mestrado e Doutorado)
da Universidade Federal Fluminense. <http://www.uff.br/mestcii/ines1.htm>
VERÓN, Eliseo. Esquema para la análisis de la mediatización.
Revista diálogos, n. 37, Lima, 1987.
409
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
56 Comunicação e religião: uma interface
de pesquisa entre a circulação e a
reconstrução sociossimbólica
Moisés Sbardelotto
Em que sua pesquisa pode renovar o olhar sobre a comunicação
e a forma de estudá-la?
Introdução
Nossa atual pesquisa em nível de doutoramento nasce de
nosso interesse por uma interface específico dos estudos em
Comunicação, a saber, a midiatização da religião, ou os processos comunicacionais e midiáticos que embebem as atuais
práticas religiosas das sociedades contemporâneas.
Nossa pesquisa anterior1, em nível de mestrado, abordou
os chamados rituais online em sites católicos brasileiros2, bus1 Seus resultados foram publicados em livro, intitulado E o Verbo
se fez bit: A comunicação e a experiência religiosas na internet
(Aparecida: Santuário, 2012).
2 O interesse pelo âmbito católico se deve a muitos fatores. Os resultados do último Censo Demográfico 2010 mostram o crescimento da
diversidade dos grupos religiosos no Brasil. Embora com uma perda
de fiéis (em 1872, 99,7% da população brasileira era católica), o
perfil religioso da população brasileira ainda se mantém: em 2010,
o país continua conservando a histórica maioria católica. De 73,6%
410
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
cando compreender, a partir de uma perspectiva comunicacional, como se dão as interações entre fiel-sagrado para a
vivência, a prática e a experiência da fé nesses rituais. Pudemos,
assim, aprofundar a reflexão sobre a complexidade da interface entre o fenômeno da comunicação – em suas ocorrências concretas, como o caso das práticas comunicacionais
desenvolvidas na internet – e o fenômeno religioso – a partir da
apropriação de dispositivos midiático-comunicacionais para a
sua ocorrência.
Em nível de doutoramento, nossa pesquisa busca aprofundar como se dão os processos de circulação e de reconstrução
do “católico” no fluxo comunicacional das redes sociodigitais.
Ou seja, analisar desdobramentos que a midiatização digital e
a conectividade das redes sociodigitais geram na experiência,
na prática e na doutrina católicas, além de examinar processualidades comunicacionais (interfaces, protocolos e lógicas)
que estão implicadas na reconstrução dos construtos católicos
que circulam nas redes sociodigitais. Pois, nelas, a vida social
encontra-se em constante pulsação a partir das conversas
sobre “o que está acontecendo”3. Nessas interações sociais
em 2000, os católicos eram 64,6% em 2010. Portanto, há uma grande
relevância sócio-histórico-cultural da Igreja Católica no Brasil, dentro
de um cenário de grande mobilidade e sincretismo religiosos. Dados
disponíveis em http://migre.me/dXrg7.
3 Chama a atenção que em duas das principais redes sociodigitais, o Twitter e o Facebook, essa expressão encontra-se ipsis litteris
em suas páginas principais. O Twitter afirma: “Bem-vindo ao Twitter.
Descubra o que está acontecendo, agora mesmo, com as pessoas
e organizações que lhe interessam” (grifo nosso). Já no Facebook,
411
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
tecnologicamente mediadas, manifestam-se lógicas midiatizadas nas práticas dos indivíduos, que envolvem também as
estratégias de instituições sociais como a Igreja. As instituições
religiosas, assim, precisam se reposicionar nesse novo cenário e
vão sendo impelidas pela nova complexidade social a modificar suas próprias estruturas comunicacionais e sistemas internos
e externos de significação do sagrado.
Um olhar comunicacional sobre o religioso
Nossa pesquisa, nesse sentido, parte de um ponto de vista
específico sobre o religioso: o comunicacional. Não se trata de
uma pesquisa sobre a Comunicação a partir do ponto de vista
teológico ou das Ciências da Religião, mas sim uma pesquisa
da Comunicação sobre um âmbito social, a saber, o religioso.
Em nosso objeto específico, podemos ver fluxos de sentido
em rede que moldam e fazem circular comunicacionalmente
(por meio de imagens, textos, vídeos etc.) construtos “católicos”. Nisso, percebemos ainda a circulação comunicacional,
na qual a sociedade diz “isto é católico”, “isto não é”. Nos fiéis
comuns que tomam a palavra e dizem o “católico” midiaticamente para a sociedade em geral, entrevemos a reconstrução
e a ressignificação das crenças e das práticas religiosas, provocando deslocamentos e alterações muito relevantes para a
pesquisa, mediante as trajetórias comunicacionais dos sentidos
o usuário se depara com a seguinte pergunta: “O que está acontecendo, [nome do usuário]?”.
412
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
e discursos. No fluxo comunicacional de sentidos incessante que
marca as mídias digitais, o “católico” é, assim, uma complexa
construção social a partir dos mais variados polos da circulação
comunicacional, não delimitados aos papéis de “produção” e
“recepção”, mas constituindo-se enquanto tais justamente em
sua “ação circulatória”. Não nos interessa analisar que “católico” é esse, mas sim como ele se forma e se constitui – isto é, os
processos comunicacionais envolvidos nessa ação social.
Nesses ambientes digitais, portanto, há inúmeros sentidos religiosos em circulação, por meio de certas lógicas e regularidades.
Não apenas as instituições eclesiais, nem somente as instituições
midiáticas, mas também a sociedade em geral, nos mais diversos
âmbitos da internet, falam sobre e fazem algo com o “católico”.
E isso se dá em um processo simultâneo de “procepção” (produção-recepção) ou “prossumo” (produção-consumo). O religioso
passa a circular nos meandros da internet , e esse cruzamento de
sentidos colabora para a circulação e a reconstrução do “católico”, fomentando o surgimento de um “novo” catolicismo – marcadamente midiatizado.
Nesse sentido, o “âmbito de feixes de relações que se estruturam cada vez mais em redes complexas de discursividades e
de funcionamento dos signos” (FAUSTO, 2009, p.3) será analisado, dentro dos limites da pesquisa, em “sua totalidade, com
suas relações, conexões e interconexões” (GOMES, 2009, p.13),
a partir da perspectiva da midiatização. Assim, ultrapassa-se
o objeto em si para buscar a apropriação da totalidade dos
processos midiáticos, não buscando mais sua fragmentação
413
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
em produtor, produção, conteúdo, veículo, público, receptor,
recepção (cf. GOMES, 2009).
Midiatização e tecnologias digitais
Para além da experiência religiosa, portanto, nossa pesquisa
busca perceber como se dá a experimentação religiosa nas redes
sociodigitais. Para além do caráter privado de um ritual online,
interessa-nos como se constituem as manifestações públicas do
fenômeno religioso nas redes digitais. Para além de uma prática
ritual de fé, queremos analisar como se dá a prática sociocomunicacional sobre o “católico”. Em suma, o que os usuários fazem
para além da oferta religiosa disponível na internet, em termos de
reconstrução e de circulação dos sentidos e discursos religiosos
católicos, nos fluxos comunicacionais do ambiente digital.
Nesse sentido, nossa análise nasce de pistas e indícios que
nos afetam e que observamos especificamente em interações
via Twitter e grupos de temática religiosa no Facebook. “Se a
realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais, indícios –
que permitem decifrá-la” (GINZBURG, 1989, p.177). Assim, minúsculas particularidades das interações entre internautas podem
ser pistas para reconstruir grandes transformações sociocomunicacionais, pois, “quando as causas não são reproduzíveis, só
resta inferi-las a partir dos efeitos” (Ibid., p.169).
Em termos comunicacionais, os meios passam a ser “marca,
modelo, matriz, racionalidade produtora e organizadora de
sentido” (MATA, 1999, p.84), inclusive das práticas religiosas da
414
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
sociedade. Por isso, é preciso “transcender os fenômenos individuais e se concentrar na análise dos processos midiáticos mais
amplos, com suas inter-relações, interconexões na sociedade”
(GOMES, 2009, p.8). Segundo Verón (1997, p.14), supera-se,
assim, uma noção puramente linear entre “causa e efeito” para
uma configuração de processos e um “emaranhado de circuitos de feedback”. Em síntese, “quanto mais uma sociedade se
midiatiza, tanto mais ela se complexifica” (VERÓN, 2002, p.13,
tradução nossa).
Assim, dentro da lógica da midiatização, os processos
sociais midiáticos passam a incluir, a abranger os demais, como
o religioso, “que não desaparecem mas se ajustam” (BRAGA,
2006, p.2). Como afirma Mata (1999), surge uma nova racionalidade que supera a interação propriamente dita e manifesta-se
mais em um nível sociocultural: nasce, assim, uma nova natureza sócio-organizacional (cf. FAUSTO NETO, 2005). É o caso da
religião, que passa a se remodelar e a se reconstruir a partir
desse novo contexto social.
Assim, baseamo-nos em um aporte metodológico de
pesquisa baseado no pensamento sistêmico e complexo – da
midiatização – em busca de uma perspectiva de análise mais
ampla: a do “objeto organizado ou sistema cuja explicação
não pode mais ser encontrada unicamente na natureza dos
seus constituintes elementares, mas se encontra também em
sua natureza organizacional e sistêmica, que transforma o caráter dos componentes” (MORIN, 2002, p.127).
Nossa pesquisa, portanto, pode contribuir em termos epistemológicos e metodológicos para conjugar uma perspectiva
415
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
micro (“ginzburguiana”, a partir das microinterações no interior de redes digitais) com uma perspectiva macro (da midiatização, a partir dos efeitos sociais dessas microinterações no
caldo do fenômeno religioso contemporâneo). Especialmente
por se situar numa “fronteira” comunicação com o fenômeno
religioso, nossa pesquisa pode permitir a percepção de um
polo de tensão social contemporâneo, além de oferecer, no
contato com o fenômeno religioso, um ponto de vista marginal,
fronteiriço, interfacial dos processos sociomidiáticos.
Por outro lado, para compreender o fenômeno da reconstrução e da circulação do “católico” nas redes sociodigitais,
é importante acompanhar Miège (2009) em sua definição
de mídia, conceito que permeia também a sua definição do
fenômeno da midiatização. Segundo o autor, as mídias não
são entendidas apenas como aparatos tecnológicos, mas sim
como “dispositivos sociotécnicos e sociossimbólicos, baseados
cada vez mais no conjunto de técnicas (e não mais em uma
única técnica, como antigamente)” (MIÈGE, 2009, p.110). Nesse
contexto, as tecnologias da informação e da comunicação
propriamente ditas são apenas a “base material das mídias”
(MIÈGE, 2009, p.111). As mídias, portanto, são dispositivos técnicos que ganham sentido a partir dos usos e práticas sociais.
São interfaces sociotécnicas que passam a estabelecer redes
complexas de circulação comunicacional.
Nesse contexto, a midiatização pode ser entendida como
uma “ação das mídias”, pois aponta para “os fenômenos
midiatizados pelo intermédio não das numerosas instâncias de
mediação social, mas pelo intermédio de mídias no sentido
416
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
específico do conceito” (MIÈGE, 2009, p.83). A midiatização
revela aquilo que, “nas relações interindividuais e mesmo intergrupais ou intraorganizacionais, se produz quando uma Tic, ou
melhor, um dispositivo, interpõe-se entre Eu e Você, Eu e Nós,
Nós e Nós”. Ou seja, as “modificações dos próprios atos de
comunicação”, também em âmbito religioso.
A circulação em ação
Com a midiatização digital da religião, ocorre um desvio da autoridade eclesial e uma autonomização dos fiéis em
práticas religiosas conectadas. Com o avanço da internet, “os
amadores ocuparam o centro do palco” e “se encontram hoje
no coração do dispositivo de comunicação”. Isso porque “as tecnologias digitais são profundamente marcadas pelos comportamentos de autonomia individual e de ‘conectividade’ [mise en
connexion]” (FLICHY, 2010, p.15, tradução nossa), contribuindo
para o desenvolvimento de novas práticas sociais e religiosas.
Vemos aí que não é possível falar em midiatização sem
levar em conta os processos de circulação. Nas redes sociodigitais, podemos perceber que, para além da “produção” eclesial histórica e tradicional do “Católico” oficial, entra em jogo
também uma instância que não apenas “recebe informação”,
mas também reconstrói o que é recebido e faz circular a sua
reconstrução. Dessa maneira, a circulação pode ser entendida
como “um trabalho complexo de linguagem e técnica”, que
manifesta uma “atividade construcionista” (FAUSTO NETO, 2010,
417
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
p.3). Portanto, não há circulação sem reconstrução e, vice-versa,
não há reconstrução sem circulação, pois ações respondem a
outras ações e atuam sobre outras ações, e sentidos só têm sentido sobre outros sentidos. Ao abordar a reconstrução do religioso
em redes sociodigitais, nossa pesquisa também pode contribuir
com o entendimento desse “dispositivo central” do processo de
comunicação que é a circulação (FAUSTO NETO, 2010).
Nesse âmbito, é importante destacar que “circular é produzir um efeito de distinção”, diferenciação essa que ocorre “a
partir dos capitais econômicos, culturais e políticos [e religiosos]”
(FERREIRA, 2005, p.76) dos agentes midiáticos envolvidos no processo de produção de sentidos. O que o estudo da circulação
no permite é identificar, justamente no processo de circulação,
“relações explicativas sobre o próprio sucesso da reprodução,
transformação e constituição de poder simbólico no campo
das mídias” (Ibid.), e também para além dele, incluindo agentes de outros campos, como o religioso, no caldo da midiatização. Como indica Ferreira (2010, p.74), “a comunicação como
circulação está na base da proposição da comunicação dialógica”, e “o valor do diálogo enquanto comunicação pode
traduzir o esquema básico da circulação, em que cada um
dos interlocutores é, idealmente, produtor e receptor dos atos
de linguagem”. Nossa pesquisa contribui, nesse sentido, com a
análise dos processos de circulação em um âmbito específico
de “diálogo”, a saber, religioso, em que processos de produção de sentido e atos de linguagem ocorrem continuamente
em redes sociodigitais.
418
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Nossa pesquisa, também, contribui com uma compreensão mais acurada da interface comunicação/religião e da
circulação a partir especificamente do papel da tecnologia
nessas práticas sociocomunicacionais, daquilo que, concreta
e especificamente, conecta esses dois âmbitos, possibilita a
circulação e provoca o interesse de pesquisa comunicacional
(para além dos efeitos sociais acima abordados). Analisando
uma sociotecnicidade específica da contemporaneidade, a
saber, os meios digitais, poderemos aprofundar a compreensão das mídias como “dispositivos sociotécnicos e sociossimbólicos” (MIÈGE, 2009, p.110), ou seja, uma relação sinérgica de
processos sociais e processos tecnológicos para a produção de
sentido social.
Miège (2009) se recusa a analisar a técnica como uma
instância exterior à sociedade. Para o autor, é preciso analisar “os desenvolvimentos técnicos através de suas determinações sociais [...] e das lógicas sociais da comunicação”, que
se manifestam como processo, ou seja, como “movimento da
sociedade bem identificado, em curso, feito de mutações e
mudanças diversas, e em torno do qual, a longo prazo, se afrontam e se confrontam as estratégias dos atores sociais envolvidos” (MIÈGE, 2009, p.18). Ou seja, “a esfera técnica também é
feita de social” – ou seja, manifesta-se uma “dupla mediação”,
que “é ao mesmo tempo técnica, pois a ferramenta utilizada
estrutura a prática, mas a mediação é também social, porque
os motivos, as formas de uso e o sentido atribuído à prática se
alimentam no corpo social” (JOUËT apud MIÈGE, 2009, p.46).
419
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Segundo o autor, é importante perceber como essa dupla
mediação – técnica e social – se articula, sem pensar que o
social é determinado pela, depende da ou se adapta à técnica. Ao invés de determinismo, Miège (2009, p.21) prefere
falar em “enraizamento social” de determinadas “determinações técnicas”. Para o autor, “todo dispositivo técnico modifica numa certa medida a comunidade, e institui uma função
que torna possível o advento de outros dispositivos técnicos”
(MIÈGE, 2009, p.45). Portanto, ocorreria uma “tecnicização da
ação” (JOUËT apud MIÈGE, 2009, p.47), que se manifesta, em
nosso caso de estudo, também na construção e vivência do
religioso. As práticas e processos religiosos, dessa forma, também passam a operar mediante novos modos de fazer, estruturados a partir da “racionalidade da técnica” (JOUËT apud
MIÈGE, 2009, p.47).
Essa racionalidade, hoje, baseia-se no fenômeno da
midiatização digital, por exemplo, a partir das redes sociodigitais. Segundo Miège (2009, p.32), a inovação sociotécnica
atual está centrada no digital (digitalização, compressão dos
dados) e na internet (rede física integrada). Aí se manifestam
novas modalidades midiáticas como a self-media, a automedia ou ainda a plurimedia. A digitalização, portanto, manifesta-se como uma “construção social, cujos contornos resultam ao
mesmo tempo das limitações ligadas às lógicas socioeconômicas dominantes e da ação mais ou menos eficiente de diversos grupos sociais” (TREMBLAY & LACROIX apud MIÈGE, 2009,
p.37). Assim, também no digital manifestam-se determinações
420
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
técnicas que se articulam e se complexificam a partir de uma
construção social.
Essas determinações técnicas da sociotecnicidade contemporânea apresentam “determinadas matrizes interacionais e
modos práticos compartilhados para fazer avançar a interação”
comunicacional na e entre a sociedade (BRAGA, 2011, p.5).
Chamamos essas matrizes de dispositivos conexiais, ou seja, sistemas sócio-técnico-simbólicos heterogêneos de conexão digital
que organizam a comunicação entre os atores em rede, sejam
eles indivíduos ou instituições. Em suma, os dispositivos dispõem o
mundo e a sociedade; o mundo e a sociedade dispõem os dispositivos; e por meio deles a sociedade dispõe o mundo. E se a
“essência de toda rede” é a conectividade (KERCKHOVE, 1999),
a internet é “o meio [mídia] conectado por excelência, é a tecnologia que torna explícita e tangível essa condição natural da
interação humana” (Ibid., p.25, tradução nossa). Nesse sentido,
as interações sociais possibilitadas pelos dispositivos conexiais,
portanto, vão além dos laços sociais tradicionais: elas operam por
reconexões sócio-técnico-simbólicas. Ou seja, conexões “novas”,
“ultraconexões” que vão além do já dado em termos sociais, técnicos e simbólicos sobre o religioso, e nas quais que se manifesta
a invenção social sobre o “católico” nos processos de circulação
comunicacional. É na reconexão que os internautas constroem a
partir do que já existe social, técnica ou simbolicamente por meio
de “práticas conectadas” (MIÈGE, 2009, p.185), que se somam a
práticas mais tradicionais de construção do “católico”.
Portanto, a partir de nosso estudo, poderemos analisar as
redes sociodigitais não como estruturas já dadas, bastando ana-
421
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
lisá-las e explicá-las. Toda rede é uma ação de conexão, um trabalho em rede (network), que se dá a partir de condicionamentos
do dispositivo (interfaces, protocolos). Ou seja, as conexões não
existem “em si mesmas”, mas são construídas e mantidas constantemente pela ação social de comunicação via dispositivos
conexiais. Elas existem enquanto relações de poder, disputas por
controle, ações de reconstrução, invenção e também subversão
dos indivíduos em rede. Indo além de uma análise meramente
tecnológica ou computacional das chamadas “redes sociais”,
reconhecemos que a essência das redes não está apenas na
rede, mas em seus complexos modos de apropriação pela sociedade. E a interface religiosa é um âmbito privilegiado – embora
ainda fortemente negligenciado – para a análise desses processos comunicacionais.
422
Sumário
SESSÃO TEMÁTICA 5
Virtualidades
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
BLOCO A
57 Biopolítica e Estética nas experiências
dos projetos sociais de comunicação
Lylian Rodrigues
A investigação está inserida no campo comunicacional
das interações sociais, que compõem o mundo comum em
suas fronteiras e fraturas. Os processos sociotecnológicos, em
suas combinações técnicas, culturais e práxis, estão em vias de
constituição de instituições e linguagens da midiatização e não
podem dispensar estudos sobre a produção e troca de sentidos
– representações, memórias – assim como os modos de vínculos – lugar de percepção do outro e efeitos estéticos. A comunicação é o lugar de transmissão de tradições, regularidades,
cognição, conectividade tanto quanto de expressões pessoais,
partilhas de sentido e do sensível e vinculação. A partir destes
elementos, são construídas noções de estrutura social, utopias
tecnológicas, autonomia individual, fluxo de pensamentos e
valores.
Os processos comunicacionais compõem, contemporaneamente, a formação de uma esfera social a partir da apropriação e produção, tecnológica e difusa, na mão do pólo
da escuta (ou usuário). Cada vez mais, o indivíduo particular e
midiático, pode fazer-se ver e ouvir pelo coletivo, pluralizando
a cadeia de experiências e provocando (potencialmente)
424
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
experiências estéticas a partir dos textos, das imagens e dos
sons que se compõem. Propomos pensar os efeitos estéticos
da experiência singular (DEWEY, 2010) como um deslocamento de consciência e, portanto, também de subjetivação.
Alterar a percepção sobre o outro e, conseqüentemente, sobre
mim mesmo tem estreita relação com a construção dos vínculos sociais. É no campo da comunicação, pelas interações
de troca, difusão e mediação de experiências, nas relações
entre tecnologia e vida, racional e sensível, que se mobilizam
as dimensões estéticas sobre deslocamentos e sobre a constituição social de uma esfera pública racional e sensível.
Problematizamos, nesta tese, como os processos sociotecnológicos vêm afetando práticas sociais no que tange à
emancipação política do sujeito, em suas fronteiras de público
e privado, indivíduo e massas, nas ações comunicativas, assim
como nas fraturas provocadas sobre o lugar-comum de quaisquer pessoas. É um estudo sobre os possíveis modos de inserção
política e social pela tecnologia eletrônica, avaliando legitimidades, discursos, partilhas e experiências das pessoas denominadas vulneráveis sociais, a priori, excluídas socialmente.
Questionam-se as apropriações, as transmissões e a circulação
estética da experiência nas redes sociais para compreender as
partilhas de sentido e visibilidade dessas pessoas.
Partimos dos vídeos do YouTube e algumas de suas materialidades -comentários, sinalizações, links-, exploramos as
expressões reprodutivas, reinventadas, em suas heterogenias
culturais e seus efeitos de visibilidade, espetáculo e partilha sensível. Para tanto, foi necessário colocar as primeiras questões
425
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
sobre a condição do sujeito vulnerável social, determinante
social e individual e, em seguida, a estrutura eletrônica e virtual,
fracionando, especialmente, o lugar da emissão na economia
informacional e cultural.
A ação do indivíduo sobre a representação e a apresentação de lugares de pertencimento passa pelas práticas
sociais herdadas, de valores e julgamentos, e atualizadas, no
cotidiano, na bricolagem e na tecnologia. A virtualidade eletrônica acumula noções de organização diferenciada sobre os
arranjos sociais, em suas divisões de tarefas, papéis estabelecidos e exercício de poder institucional a partir de processos descontínuos sobre a economia, o usuário e a esfera pública. Ao
mesmo tempo, é notório no processo comunicativo o aspecto
relacional, em que o fluxo é processual e emerge das partes
em relação, usuários, mídias de massa e governo, passado e
presente, crítica e experimentação.
Os vídeos e as expressões humanas sobre os vídeos demandaram uma observação em fluxo, produzindo efeitos de sentido e estéticos sobre um corpo social. Emergindo, a partir de
então, possibilidades de circularem realidades e recriar realidades sobre a percepção do outro, e sobre si mesmo. Neste
momento, nos escapavam as subjetividades dos que postavam seus vídeos. Por isso, houve a recuperação (em memória
e atualizações) da experiência do estágio docência. Naquele
período, o material audiovisual foi disparado junto ao grupo de
alunos para perceber a interação com os produtos em circulação estética e experimentar questões de investigação.
426
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A intenção era compreender as possibilidades de legitimar a emancipação política não só do mundo simbólico
dos sujeitos que circulam suas experiências, mas também no
mundo da vida prático. Neste último caso, a partir de emails
trocados, relatos escritos e conversas informais, mas, sobretudo,
das evidências sensíveis da partilha com este grupo, a investigação permite compreender deslocamentos e movimento do
pensamento que legitimam experiências estéticas e produção
de conhecimento a partir da comunicabilidade inteligível entre
pensamento, imagem, som e inventividade humana.
À ação de pertencimento social tela-à-tetê tornou-se
imprescindível a relação tetê-a-tetê. No que diz respeito às
expectativas de movimento e fluxos de pensamento e da ação
social, tecnologia e estética dispararam graus de interatividade,
distância e proximidade que provocam diferentes sentidos e
sensibilidades. Instaurou-se durante a pesquisa níveis e desníveis
sobre a emergência social e pragmática, por um lado, e, por
outro, a sensação de pertencimento a um mundo simbólico.
Ambas, não parecem excluir o valor subjetivo de inserção na
vida comunitária, mas dão diferentes graus de interatividade e
efeitos de sentido e estético.
A emancipação política da pessoa do vídeo passa pela
compreensão que ela vê em si mesma uma razão para ganhar
o mundo. Tal construção de subjetividade que se constitui nos
processos sociais em vias de midiatização, não é mais apenas
exterior; pois ela também é uma mídia e processa rompimentos de determinações, potencialmente. Ao mesmo tempo, se
insere no mundo comum, legitimada por discursos regulares,
427
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
estereotipados e tradicionais. Desse modo, não se define uma
emancipação ou intervenção política universal ou centralizada, completamente nova ou diferente de tudo que já fora
visto, mas calcada em rede, em micro espaços, em passos sem
saltos, com experiências cumulativas que se compõem de narrativas dispersa, fragmentadas, vividas, reflexivas, difusas e híbridas sobre lugares e tempo.
Como minha pesquisa inova o campo científico da
comunicação?
Em realidade, não vislumbro um campo de debate original, novo ou inovador. Acredito que esta investigação é um
corpo tão coletivo de autores da área e colegas interlocutores do doutorado e mestrado, em comunicação, que não teve
pretensão em fraturar ou romper com pessoas tão dialógicas
com o trabalho. Portanto, no máximo, ele está inserido em um
fluxo de pensamento sobre a área da comunicação que se
encontra questionando os vínculos sociais não só a partir de
suas representações e significações, mas das suas concepções
simbólicas e, sobretudo, estéticas.
A linguagem, que me torna comum ao outro, ganha outras
dimensões além de palavras, imagens, visualidades ou sonoridades. Não se trata do olho que vê, o ouvido que escuta ou a
mão que tateia. Há algo que envolve a percepção, um campo
que se expressa no mundo e parte dele, mas não se coagula
nele. Parece-me um sopro ao ouvido, ligeiro. Ao mesmo tempo,
428
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
uma pausa, no vazio. É como os olhos, as mãos e o ouvido percebem o mundo ao redor e conecta-se a ele e a outras criaturas humanas, criando e inventando relações possíveis que
caminha meus interesses de investigação.
Redigindo os últimos fragmentos da tese, ainda há questões e são muitas. Inclusive a que duvida sobre o que se soube
ao longo do processo. Certamente, não sinto que cheguei a
um fim, porque nem mesmo afirmo que consegui fechar um
problema ou redigir em palavras o conhecimento adquirido
com os estudos estéticos. Há aí um grande desafio, se é que
há chance de ser tomado como tarefa: redigir a percepção.
Julgo que ela pode ser capturada, em sua fração no acontecimento, de modo despercebido e desconhecido, especialmente no imediato dos nossos sentidos. Como? Não sei. Mas,
indico ainda que ao acionar a memória para resgatá-la, muitas intervenções a reinventam. Neste caso, a inventividade
humana tornou-se questão fundamental para a continuidade
desta investigação.
429
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
58 Jornalismo e redes sociais online:
estratégias de contato e captura do leitor
no perfil de Zero Hora no Facebook
Carlos Sanchotene
Resumo
Novos protocolos e dispositivos interacionais estão transformando as relações do jornalismo com seus leitores, afetando,
de modo específico, o trabalho voltado para a constituição
de vínculos das organizações jornalísticas com seu público.
Nesse sentido, o artigo busca compreender tais transformações
a partir de um caso específico: o perfil do jornal Zero Hora no
Facebook. Ao estudarmos o jornalismo em redes sociais online,
apreendemos uma nova arquitetura comunicacional decorrente dos processos crescentes de midiatização que já produzem mudanças no âmbito da produção e circulação dos
discursos. Assim, buscamos responder algumas questões: Como
se dão as mudanças de práticas jornalísticas em redes sociais
online? Que estratégias de vínculos com o leitor, o jornal Zero
Hora adota em sua página no Facebook? Ao refletirmos sobre
o assunto estaremos contribuindo com as pesquisas no campo
da comunicação, uma vez que as redes sociais online constituem-se como objetos em constante mutação, sendo necessário perceber, debater e analisar seus funcionamentos enquanto
430
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
dispositivos interacionais fortemente caracterizadores da sociedade atual.
Palavras-chave: jornalismo; redes sociais, Facebook; contatos;
vínculos.
431
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
59 Reciprocidade e Dom no Ciberespaço:
Uma Análise dos Tutoriais no Youtube
Ana Eliza Trajano Soares
RESUMO
Esta pesquisa trata dos vídeos tutoriais do Youtube e as
relações criadas a partir deles na perspectiva da reciprocidade
baseada na teoria da Dádiva. Entendemos o Youtube como
uma rede social e para a pesquisa utilizaremos vários tutoriais,
onde serão analisados: motivações e as formas da comunicação e trocas estabelecidas. A análise partiu do clássicoMauss
e as suas releituras comCaille e Godbout auxiliados porAime e
Cossetta. Um fenômeno que chama a atenção pela grande
repercussão, crescimento da modalidade dos vídeos e também pela grande utilidade dos mesmos na rede. Elementos
para análise que vêm do paradigma clássico e a pesquisa no
ciberespaço faz com que este surja cheio de possibilidades,
pois se trata de um território em expansão e reconfiguração
constante.
A teoria do Dom de Marcel Mauss aponta que as prestações, a vida social são pautadas em três ações: dar, receber
e retribuir. Ele reconhece que não há ações desinteressadas,
desde as sociedades arcaicas das quais ele realiza sua pes-
432
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
quisa observa as formas de trocas e estando em questão não
só coisasmateriais, mas também favores e serviços:
“Ademais, o que eles trocam não são exclusivamente bens e riquezas, bens móveis e imóveis, coisas úteis economicamente. São, antes
de tudo, amabilidades, banquetes, ritos, serviços militares, mulheres, crianças, danças, festas,
feiras, dos quais o mercado é apenas um dos
momentos (...)” (MAUSS, 2003, p. 191)
Ele aponta que a partir destas trocas os vínculos sociais
iam sendo tecidos, os contatos entre as tribos e famílias, porémdepois do estabelecimento do sistema capitalista essas trocas
pautaram-se em sua maioria por valores estabelecidos economicamente, o que hoje conhecemos tão naturalmente como
compra e venda, a predominância do mercado.
As reflexões primeiras apontam a cerca da dádiva que na
sociedade atual, as formas encontradas desta na sua maioria
se restringem a prestações de determinadas comemorações
ou festas durante o ano. O dom estar no sentido colocado
por Mauss e resgatado por releituras contemporâneas principalmente de Caille e Godboutcomo algo que obrigação e
liberdade se misturam“A dádiva é um jogo constante entre liberdade e obrigação”(GODBOUT,1998) e seu principal valor não é
o monetário como observamos na sociedade capitalista“Uma
primeira característica de um sistema de dádiva consiste no
fato de que os agentes sociais buscam se afastar da equivalência de modo deliberado(...)” (GODBOUT, 1998). Essas práticas
433
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
com traços de antigas tradições são fundamentais também
hoje para a manutenção e o surgimento de relações com os
outros(Sennett, 2004), estes que nos são na maioria das vezes
devido à complexidade da teia onde estamos inseridos os nossos estranhos.
As novas configurações destes rituais de Dom são o foco
do nosso trabalho, e as observaremos a partir do ciberespaço,
este entendido como um espaço de trocas, aberto, múltiplo
e em constante crescimento. O objeto de nossa análise são
os tutoriais do Youtube,que são vídeos sobre os mais diversos
assuntos que consistem basicamente em ensinam através de
um passo a passo o funcionamento de algo, ou como realizar alguma determinada atividade. Algo que pode ser uma
lanterna de espião ou um motor, e atividades que vão desde
como maquiar-se até descobrir senhas de email.
Nossa pesquisa ainda em fase de andamento trata dessa
rede de relações aqui entendida como uma dinâmica da reciprocidade, o dom como colocado pela Teoria da Dádiva é
promotor de relações. O fluxo da comunicação que acontece
a todo instante no Youtube proporciona uma rede complexa
de doadores e recebedores a uma primeira vista estes os são
estranhos uns aos outros, e a partir dessas relações onde não
se põe em comum somente o resultado do trabalho, mas também algo de si como coloca Mauss: “a coisa dada não é uma
coisa inerte” (MAUSS, 2003, p.200).
As questões levantadas para a pesquisa consistem em
entender as motivações de dedicar-se a uma atividade que
demanda tempo, conhecimento e experiência, como são
434
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
os tutoriais que estamos analisando. Selecionamos canais de
vídeos sobre programação de computadores, esses canais
têm as características de não possuírem propagandas e na
sua maioria não revelam as identidades dos seus donos principalmente em relação as suas imagens. Essas características
foram observadas a partir das descrições dos seus perfis e dos
próprios vídeos. E nos questionamos: para qual retorno? Existe
um retorno material, tendo em vista que no nosso sistema capitalista tempo é dinheiro? Qual a motivação de tal dedicação?
Como se dar a relação entre estes usuários? E ainda entender
a criação dos vínculos nesta rede social.
A possibilidade apresentada pela internet de uma comunicação mais horizontal que vertical atrai e suscita muitas
questões, encontra-se quase tudo free, qualquer um que estar
conectado a web pode ser o emissor e esta pode ganhar muitas utilidades. O caso dos tutoriais do Youtubeque iremos nos
debruçar na pesquisa, será colocado como uma das formas
modernas de dádiva na internet, como colocam os autores:“Di
certo il web, attraversolareciprocitàdelloscambio, crearelazione, comunità, gruppi, persino, tribù. Spazioaperti, chefanno
da ponte verso altrimondi e luoghi e spazi(...)” (AIME e COSSETTA,
2010, p.8)pois já identificamos pesquisas com o software livre, os
blogs, as redes sociais, a wikipedia e o file sharing.
Procurar através de a pesquisa buscar um aspecto positivo
da internet, espaço onde se podem enxergar várias expressões
de trocas e reconhecimento pelo outro mesmo que esse me
seja um total estranho. A “novidade” que podemos tentar trazer na pesquisa é a comunicação aqui abordada como essa
435
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
troca recíproca que faz com que surja a relação entre diferentes, entre estranhos, a relação entre mim e o outro, uma troca
que não tenha como finalidade a equivalência, tendo em vista
a complexidade da relação entre os seres que não pode ser
reduzida a uma racionalidade econômica.
Referências
AIME, Marco; COSSETTA, Anna. Il dono al tempo de Internet.
Torino: Giulio Einaudieditore, 2010.
CAILLÉ, Alain. Nem holismo nem individualismo metodológicos
– Marcel Mauss e o paradigma da dádiva. Revista Brasileira de
Ciências Sociais, São Paulo, v. 13, n. 38, p. 5-37, out. 1998.
GODBOUT, J.T..Introdução à dádiva. Rev. bras. Ci.
Soc. [online]. 1998, vol.13, n.38, pp. 39-52. ISSN 0102-6909.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69091998000300002. MAUSS, Marcel. Sociologia e antropologia. São Paulo: Cosac e
Naify, 2003.
SENNETT, Richard. Respeito: A Formação de um Caráter em um
Mundo Desigual. Rio de Janeiro: Record, 2004.
436
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
60 Os relacionamentos amorosos na
contemporaneidade através das redes
sociais da internet: o exemplo do Badoo
Maria Rita Pereira Xavier
A pergunta principal deste trabalho é saber em qual estado
predomina as relações afetivas entre casais heterossexuais na
contemporaneidade. Uma característica contemporânea que
chama a atenção é a troca de parceiros instantânea e a ressignificação do amor enquanto valor ético-moral, na sociedade atual. (mudança dos padrões do amor romântico, do
casamento, da família) – uma problematização sobre a cultura
amorosa. O amor e como ele se traduz nos relacionamentos no
Badoo.
O Badoo é uma rede social voltada para conhecer pessoas e expandir o círculo de amizades.O serviço é gratuito, até
certo ponto, e permite que o usuário crie uma conta ou utilize o login de outras redes sociais como o Facebook, Yahoo,
Google, etc. Após o cadastro, se pode interagir com pessoas
que estão ao seu redor através de um comunicador instantâneo na própria rede. Uma das opções do programa é que o
perfil indique sua localidade e aproxime pessoas que estão na
mesma cidade, por exemplo.
“O Badoo ocupa um terceiro espaço entre
redes sociais comuns e os sites de namoro.
No Facebook, por exemplo, há um constran-
437
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
gimento em tentar adicionar gente nova. Já
no site de namoro, após achar uma pessoa, o
usuário tende a deixar o serviço”, explica Alice
Bonasio, diretora de marketing da empresa no
Brasil. (Simão, 2012).
A proposta da pesquisa é realizar uma investigação a respeito de uma possível transformação no amor, através do comportamento de usuários em um site na internet. O site Badoo.
Pretendo problematizar a cultura da sociedade atual através
dos relacionamentos amorosos na internet. O enfoque do trabalho diz respeito ao comportamento dos indivíduos contemporâneos nessas relações, para apreender de que maneira a
configuração da cultura na modernidade líquida e sociedade
do consumo, atua sobre as relações no campo emocional e
também que papel a internet desempenha neste contexto.
A partir desta proposição, pretendo mobilizar os campos
teórico e empírico identificando os possíveis efeitos do consumo nessas condutas amorosas. O campo empírico se constituirá através de uma cartografia do comportamento atual das
pessoas em relação ao amor e as suas perspectivas de buscar,
ou não, um envolvimento amoroso na internet, mais especificamente na rede social chamada Badoo. A inovação deste trabalho para a comunicação se dá por meio desta investigação
na internet, para pensar como essa alteração radical nos meios
de comunicação, proporcionada pela internet, reverbera na
comunicação interpessoal dos usuários de redes sociais.
As condutas emocionais, assim como todos os outros tipos
de relação, são projetos da cultura. Entende-se aqui o con-
438
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ceito de cultura empreendido por Bauman em “O mal-estar da
pós modernidade” (1998), no qual o modelo seria o de cultura
como consumidor cooperativo, onde não se distingue facilmente o “autor” do “agente” e espera-se que cada membro
atue em ambos os papéis. Deste modo, cada sociedade modifica ou desenvolve uma fórmula mais geral pelo qual as pessoas
se relacionam, seja no amor, no trabalho, nas amizades, etc.
Mobilizo Zygmunt Bauman, especialmente, porque minha
hipótese principal surge da sua categoria de “Liquidez” aplicada ao campo afetivo, na qual se supõe que os valores
sociais atribuídos aos relacionamentos amorosos contemporâneos foram perpassados pelos valores do consumo, ou seja,
relações cada vez mais rápidas, sem perspectivas de compromisso e com expectativas semelhantes às que são atribuídas às
mercadorias, em geral.
Proposições como as de Bauman (2004), Sennett (2012)
e Illouz (2011) apontam para uma modificação nas relações
interpessoais da sociedade atual. Ambos apostam em afrouxamento de laços entre as pessoas e na intervenção do consumo
e/ou capitalismo, que parece estar ocupando uma posição de
mediação nessas relações. A tentativa deste trabalho é apreender para a maneira na qual as relações amorosas/afetivas
estão sendo afetadas pela estrutura social vigente.
A internet, então, aparece como um dispositivo potencializador desta tendência de comportamento ao tornar possível
que se tenha ao mesmo tempo o impulso de liberdade e a ânsia
por pertencimento, através do ‘aproximar-se’ e do ‘afastar-se’;
ao proporcionar proteção através da distância, proporciona
439
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
também “proteção” das consequências que estes anseios trazem em relação ao Outro. O ideal de conectividade luta para
apreender a difícil dialética desses dois elementos inconciliáveis, pois promete uma navegação segura entre a solidão e o
compromisso. Para Bauman, nos chats o que importa não são
as mensagens em si, mas a circulação delas. O ir e vir que formam a mensagem, se pertence à conversa e não ao conteúdo dela. (BAUMAN, 2004, Pg. 25)
O mercado, então, atua como intermediário nas atividades de estabelecer e desmanchar relações interpessoais, ao
aproximar e separar as pessoas, conectá-las e desconectá-las,
aceitá-las e deletá-las, etc. Segundo Illouz (2011) a criação do
capitalismo caminhou concomitante a criação de uma cultura
afetiva intensamente especializada, e que quando nos concentramos na dimensão dos sentimentos podemos ter condições para revelar outra organização social do capitalismo.
Na nova cultura da afetividade, desenvolvida ao longo
do Séc. XX, o “eu” privado foi publicamente posto em ação
e atrelado aos discursos e valores das esferas econômicas e
políticas. O capitalismo afetivo pode ser traçado como uma
cultura em que os discursos e práticas afetivos e econômicos
moldam uns aos outros, produzindo um movimento abrangente
em que o afeto se torna um aspecto essencial da vida econômica e a vida afetiva segue a lógica das relações econômicas
e da troca.(Illouiz, pag.11, 2011)
Nesta linha de raciocínio o mercado também altera as
relações humanas no trabalho e no lar, no domínio público e
nos mais íntimos domínios privados. Narra o viver como uma
440
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
sucessão de problemas que quase sempre têm sua solução disponível nas prateleiras das lojas. Vende atalhos para todos os
tipos de objetivos, fornece engenhocas e serviços sem os quais,
na ausência de habilidades sociais, “relacionar-se” com outras
pessoas e desenvolver um modus vivendi duradouro seriam
tarefas assustadoras para um número cada vez maior de pessoas. Transmite aos lares a mensagem de que tudo é ou poderia
ser uma mercadoria e como tal deve ser tratado. Isso significa
que como as coisas deveriam ser “como mercadorias” devem
ser encaradas com suspeita ou rejeição caso se recusem a se
enquadrar no padrão de objeto de consumo.(BAUMAN, 2007)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUMAN. Zygmunt. Vida Líquida. Tradução de Carlos Alberto
Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
________. Zygmunt. Amor Líquido. Sobre a fragilidade dos
laços humanos. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2004.
________. Zygmunt. O Mal-Estar da Pós-Modernidade. Tradução
de Mauro Gama e Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1998.
COSTA, J. F. (1998). Sem fraude nem favor: estudos sobre o
amor romântico. (5a ed.). Rio de Janeiro: Rocco
441
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
FAUST, André. O negócio do flerte na web com o Badoo.
Reportagem, 19.10.2011. Disponível em: http://exame.abril.
com.br/revista-exame/edicoes/1002/noticias/o-negocio-do-flerte-na-webConsultado em: 05.05.2013.
ILLOUZ, Eva. O amor nos tempos do capitalismo. Trad. Vera
Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2011
ROMANINI, Vinicius. Badoo, uma rede social de paquera.
Reportagem, 17/05/2012. Disponível em: http://exame.abril.
com.br/revista-exame-pme/edicoes/0048/noticias/badoo-uma-rede-social-de-paqueraConsultado em: 08.05.2013.
SIMÃO, Mairins. Badoo: um dos virais mais bem sucedidos da
história. Entrevista em 10.05.2012. Disponível em:http://www.
administradores.com.br/entrevistas/marketing/badoo-um-dos-virais-mais-bem-sucedidos-da-historia/78/ Consultado em:
05.05.2013.
SENNETTT, Richard. Juntos. Os rituais, os prazeres e a política da
cooperação. Tradução de Clóvis Marques. Rio de Janeiro-São
Paulo: Editora Record, 2012.
442
Sumário
61 Comunicação através dos amadores
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Edu Jacques Filho
Poderíamos considerar que a massa foi a categoria analítica privilegiada nos estudos de comunicação iniciais, então na
primeira metade do século XX (MIÈGE, 2000).As incertezas sobre
a ação dos meios, premente naquele momento, ocupava a
atenção dos analistas, ainda inexperientes com esse tipo de
objeto. Durante o mesmo século a engenharia proporcionou
inovações na forma de nos comunicarmos individualmente e
em grupo. O mais recente advento que vem estabelecer-se
como desafio à constituição de um saber científico no nosso
campo é a internet.
A consolidação de uma infraestrutura possibilitou que
a tecnologia de redes digitais se expandisse comercialmente
e se tornasse referência no início do século XXI. O problema,
para nós, nascente dessa aposta comunicacional é a crítica
dos modelos de pesquisa tradicionais. A pergunta centrada
naquela categoria, massa, necessita de revisão.
O contexto formado a partir da rede infotécnica e a
apreensão dos agentes sociais sobre seus mecanismos adquire
um estatuto diferenciado no marco histórico que experimentamos. O conceito ainda em desenvolvimento de midiatização
vem auxiliar nessa problemática. Um fenômeno compreendido
segundo discursos diferidos e difusos (BRAGA, 2007).
Em pesquisa de mestrado ainda em curso atentamos a
esses tópicos. Tomamos como problema os modos como fãs
443
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
de Harry Potter desviam os sentidos da narrativa industrial. Ora
a derivação que denominam de fanfictionsou através de postagens no Facebook, eles ilustram a capacidade de ação do
indivíduo em posse das ferramentas digitais. O agente tratado
usualmente como consumidor foi dotado assim de capacidade
de expressão, não necessariamente com interesse de auferir
lucro.
Esses grupos amadores, sejam fãs ou outra forma de organização, demonstram a capacidade de auto-organização
através da internet. Tal apropriação social é gradualmente
incorporada ao mercado, já que as ações despretensiosas acabam por se tornar oficinas às corporações. São exemplos disso
as transformações de jogos modificados em títulos à venda,
como Counter Strike e Defense of the Ancients, ou, no domínio
da literatura, a publicação da “ex-fanfiction”50 Tons de Cinza.
O objeto empírico na dissertação são as maneiras pelas
quais fãs transformam os sentidos fundados pela escritora
Joanne Rowling em criações com motivos distintos. Ainda estamos em um momento preliminar para efetuar apontamentos
sobre em que consistem esses motivos, se necessidade de
expressão, se vontade lúdica etc. Entretanto, as formas em que
tomam a narrativa se tornaram exemplopara organização de
fãs na era da internet.
O método empregado sustenta a via da construção de
hipóteses para enriquecer a análise.É dizer, além de reconhecer as inferências clássicas das ciências, a dedução e a indução, recorremos a uma inflexão que pretende construir o caso
da pesquisa (FERREIRA, 2012).
444
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Mas se pode estabelecer um corte epistêmico nessa abordagem: são aquelas iniciativas fenômenos de experimentação,
de reconhecimento, ações livres, ou seriam práticas construídas
num espaço de tempo com essência cristalizada seja qual for?
Essa pergunta de aspecto simples coloca as pesquisas dentro de
uma amplitude temporal. Problematizando sua reposta podemos entender se as inferências poderão se estender no futuro
ou seu significado é momentâneo (MIÈGE, 2009).
Assim propomos um trabalho a partir desses grupos de
amadores a agir com as ferramentas digitais. A plataforma chamada de web 2.0, embora forme um conceito vago, representa
a aposta em investimentos coletivos de conteúdo. Temos como
exemplo mais claro a wikipedia, mas também blogs, Twitter,
Facebook. Os agenciamentos que decorrem desses espaços,
à exceção do primeiro, são aparentemente descoordenados,
o que exige aproximações frequentemente quantitativas para
analisar seus termos. É nessa encruzilhada sobre os rumos que o
pesquisador deve tomar que apostamos na construção do caso.
Apesar da liquidez dos usos individuais que se desenvolvem atualmente podemos estabelecer alguns pontos de referência. Já citamos Harry Potter sobre a razão do fandom1 e
wikipedia como enciclopédia coletiva. Uma no âmbito da cultura e outra no do conhecimento. Outros projetos emergem
1 Neologismo de língua inglesa que mistura as formas fan e domain.
Em tradução equivaleria a domínio dos fãs. É aplicado a objetos
específicos, como o fandom de Harry Potter, o fandom de Game of
Thrones.
445
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
com gratuidade na internet,seja com o tema de acesso à informação (wikileaks) ou petições digitais (Avaaz).
O discurso tecnológico que testemunhamos por vezes
reclama características herdadas da cibernética do século XX.
Mas a interconexão não resolve imediatamente problemas de
ordem política. Estudamos, na dissertação, o âmbito da cultura,
mas mesmo nessa aproximação são observadas assimetrias nas
relações entre agentes. Há moderadores, postadores, designers
que condicionam a organização do material de modo que a
nuvem de conteúdo não seja tão arbitrária assim. Ademais, é
claro que alguns indivíduos se destacarão na esfera da internet,
obtendo maior audiência que os demais. Aí que entendemos a
importância desses grupos organizados como âncoras.
No caso de fãs temos uma comunidade que se autodenomina fandom e possui normas tácitas no seu modo de agir. Não
é uma iniciativa recente, fãs existem, pelo menos em relação
a produtos mediáticos, desde os anos 1970 (JENKINS, 1992). O
que ocorre é uma mutação na forma de se organizarem e sua
expansão com a internet (FLICHY, 2010). Desses núcleos deslizam sentidos tanto para a indústria como para agentes comuns
que se deparam com as criações em circuitos abertos, como
o Facebook.
A dinâmica de amadores (fãs, modificadores...) representa o potencial de investimento do indivíduo fora das leis
de mercado, fora das exigências do ofício. A pesquisa em
Comunicação pode apreendê-los como modelo de estudo
mesmo para as ações, instáveis, que executam, pois delas florescem novos hábitos de consumo e expressão simbólica. O ato
446
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
de escrever, de assistir a conteúdos de humor, de se instruir, de
escutar música, podem estar se inspirando em plataformas que
foram apostas individuais mais do que projetos corporativos. A
sociedade parece reconhecer a si mesma a partir dos usos que
são manifestados nos dispositivos digitais. É claro que boa parte
desse cenário enfrenta ora a utopia política da igualdade (de
acesso e de expressão), ora a invasão do setor financeiro (vide
bolha das pontocom), mas esses momentos são incidentais e
parecem não demover a midiatização de ser assumida aos
poucos através de práticas.
Um bom ponto de partida para analisarmos na pesquisa é
a observaçãodo que se repete como qualidade ao longo desses processos, o que é análogo na sua constituição ao longo
dos projetos amadores, e qual o sentido que eles incorporam no
conjunto social. Esse último tópico, sobre as funções, as homologias, é menos aparente e necessita de esforço aprofundado.
As perguntas que direcionamos ao campo da Comunicação
são as seguintes: como podemos assumir os atores individuais
fora de sua aura de massa, já em posse das tecnologias digitais?
Como tal fenômeno modifica as relações sociais?
Referências
BRAGA, José Luiz. Midiatização como processo interacional
de referência. In: Imagem, visibilidade e cultura midiática –
Encontro da XV Compós. MÉDOLA, Ana Silvia; ARAÚJO, Denize
Correa; BRUNO, Fernanda (orgs.). Porto Alegre: Sulina, 2007.
447
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
FERREIRA, Jairo. O caso como referência do método: possibilidade de integração dialética do silogismo para pensar a
pesquisa em comunicação. In: Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n.
27, p. 161-172, dez. 2012.
FLICHY, Patrice. Le sacre de l’amateur: Sociologie des Passions
Ordinaires à L’Ère Numérique. Seuil: Paris, 2010.
JENKINS, Henry. Textual Poachers: television fans and participatory culture. New York: Routledge, 1992.
MIÈGE, Bernard. O pensamento comunicacional. Petrópolis:
Vozes, 2000.
___. A sociedade tecida pela comunicação: técnicas da informação e comunicação entre inovação e enraizamento social.
São Paulo: Paulus, 2009.
448
Sumário
23/11 – TARDE
SESSÃO TEMÁTICA 6
Visibilidades e Cidades
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
BLOCO A
62 A cidade pelo gosto
Victor Stoimenoff
Resumo
O gosto constitui-se numa das formas por excelência de
conformar hierarquias. O capital cultural, tal como definido por
Bourdieu, é inegavelmente um forte fator de segmentação, de
diferenciação social. Um conceito que reduziria a ideia de cultura a uma de suas acepções clássicas, uma espécie de sinônimo
de educação formal. O excessivamente popular, dentro desta
visão dicotômica, estaria direcionado ao grupo formados pelos
supostos “menos exigentes”. A chamada música brega sempre
foi alvo de acaloradas controvérsias entre a autoproclamada
elite cultural, bem como entre os críticos musicais e jornalistas
que associavam o gênero a uma produção de gosto duvidoso,
de menor qualidade musical e artística. Inúmeros artistas consagrados pelo grande público receberam ao longo da carreira
um tratamento diferenciado por parte da crítica especializada
por possuírem atributos supostamente bregas.O Brasil dos últimos anos testemunhou diversas transformações econômicas e
sociais que, obviamente, reverberam na ideia de nação e de
450
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
beleza compartilhada fora e dentro do país. A ideia do brasileiro comum reificada pela mídia nativa, vive um processo de
contínua mudança. Fenômenos como a ascensão das classes
C e D certamente contribuem para subverter o que seria entendido por brasilidade e por bom gosto ou, dito de outra maneira
o que é considerado bonito no país e aquilo que não deve ser
mostrado.O interesse recente da mídia hegemônica em torno
do tecnoberga paraense parece romper as fronteiras geográficas e simbólicas tradicionais da indústria fonográfica e midiática nacional. Ao introduzir um alargamento do imaginário de
Brasil para além do eixo Rio -São Paulo, o fenomeno contribui
para difundir uma estética duplamente periférica: a periferia
brasileira sendo projetada por meio da periferia de Belém.
451
Sumário
63 Assim é o que se parece (fotografia)
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Angela Almeida
Minha obsessão tanto na pesquisa quanto no próprio ato
de fotografar é compreender o que ultrapassa os limites do visível na fotografia, tentando assim captar os sentidos que extrapolam a forma ou o que pode surgir entre o real e o imaginário,
a ficção e a verdade, a cultura e a natureza, o belo e o feio; ou
até mesmo a fotografia que pode sugerir mais do que expor.
Como método de escrita e análise, eu me inspirei na enciclopédia chinesa de Borges, que ordena e divide os animais
em categorias como: pertencentes ao imperador, embalsamados, domesticados, fabulosos, cães em liberdade etc. Nesse
sentido, passei a transferir essa taxonomia esse corpo para o
universo das imagens fotográficas, de modo que ordenei algumas categorias como: pertencentes à abstração; ao universo
das coisas; a uma certa desordem estética; à cultura do corpo;
ao humano em sua relação de fé; às sombras que se humanizam; ao humano.
Fazendo referência à enciclopédia de Borges, Foucault
(1992, p. 9), no prefácio do seu livro As palavras e as coisas,
comenta:
[...] é que a enciclopédia chinesa citada por
Borges e a taxinomia que ela propõe conduzem
a um pensamento sem espaço, a palavras e
categorias sem tempo nem lugar mas que, em
452
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
essência, repousam sobre um espaço solene,
todo sobrecarregado de figuras complexas, de
caminhos emaranhados, de locais estranhos,
de secretas passagens e imprevistas comunicações [...].
No rastro também de construir espaços assim, “pensamentos sem espaço”, “palavras sem tempo”, figuras complexas, fui
me alimentando de imagens de fotógrafos como Numo Rama,
Marcelo Buainain, Juan Esteves e Eustáquio Neves.
Quanto a este trabalho, tanto a narrativa como as imagens não estão dispostas de forma linear e sim se propõem a
transitar por territórios estranhos e talvez desconhecidos, em
constante processo de “imprevistas comunicações”. E se estamos falando de imprevistas comunicações, nada como lançar
laços ao pensamento inovador do teórico da comunicação,
Ciro Marcondes Filho (2004, p. 15), que desenvolve um conceito
em que pensa a comunicação como
[...] algo não estável, fixo, consistente; nela
nada se transfere, ela não é “uma coisa”, menos
ainda uma coisa única que como vai, assim é
recebida. Por isso, “não sendo nada”, ela não
pode encerrar nenhuma verdade, não pode
ser traduzida, não há uma chave que nos diga
o que a coisa significa, quer dizer, representa.
O mesmo autor mostra, ainda, que comunicação é “[...]
um processo, um acontecimento, um encontro feliz, o momento
453
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
mágico entre duas intencionalidades, que se produz no atrito
dos corpos” (MARCONDES FILHO, 2004, p. 15). Assim, a comunicação, para ele, realiza-se também no silêncio, no contato
dos corpos, nos olhares, nos ambientes. Podemos exemplificar,
então, como a possibilidade no ato de contemplação de uma
imagem, uma possibilidade de comunicação (MARCONDES
FILHO, 2010).
Ademais, tomei o rumo das ideias desenvolvidas por Aby
Warburg quando trata as imagens como portadoras de uma
memória coletiva, as quais são capazes de criar pontes entre
os tempos históricos (DIDI-HUBERMAN, 2013). Para isso, segundo
Didi-Huberman (2013, p. 31), Warburg pôs em prática um constante deslocamento “[...] no pensar, nos pontos de vista filosóficos, nos campos de saber, nos períodos históricos, nas
hierarquias culturais, nos lugares geográficos”.
A partir dessas ideias, as imagens aqui foram selecionadas e se colocam por vizinhanças de sentidos, muito mais do
que por autoria. Por exemplo, as imagens da série Riobaldos:
homens imaginários (de minha autoria) podem se avizinhar de
algumas das da série Diáspora, do autor Numo Rama. Já a fotografia de Numo pode, do mesmo modo, avizinhar-se da fotografia de Koudelka que, por sua vez, pode avizinhar-se da de
Marcelo Buainain, ou de alguma das imagens de Juan Esteves,
de Eustáquio Neves e assim por diante. Por conseguinte, os percursos aqui são bifurcados, fluídos e, às vezes, incertos.
Nessa perspectiva, mesmo sendo bastante complexas
essas ideias de Warburg, seguir alguns rastros inspirado nelas é
tentador. Para Warburg, as imagens são circulares, elas regres-
454
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
sam em culturas variadas e tempos variados, de forma que a
arquitetura desse pensamento o impulsionou a organizar seus
livros a partir de afinidades eletivas. Seus livros passaram, então,
a ser colocados nas estantes a partir de vizinhanças de assuntos
e relações e não pelo sistema intrínseco de seu conteúdo.
Outrossim, as imagens aqui selecionadas colocam-se também na fluidez dos tempos históricos, nos limites das categorias
estéticas, no deslocamento do pensamento, na diversidade
das autorias. Ressaltando também que o importante na escolha de qualquer dessas imagens é o sentido dos limites de visibilidade que se justifica no conjunto desta obra.
Talvez essa cartografia desejada mostre-se muito próxima
do termo “bodenlos”, criado por Vilém Flusser, que significa
“sem chão”, “sem fundamento”. Flusser emprega essa expressão em vários sentidos, escolho aqui o da possibilidade e procura de sentidos arrancados da realidade, porém já não reais
ficcionais como a própria fotografia e o que ela pode exprimir
como fantasmagoria (FLUSSER, 2007).
Na série Diáspora, do fotógrafo Numo Rama (paraibano,
radicado em Natal-RN), podem-se ordenar categorias como:
pertencentes à abstração; ao humano; à natureza e descrevê-las em sentidos, quais sejam: a) rasgos de um movimento entre
galhos e parede; b) cruzes na estrada; c) sombra de um corpo
preso numa cerca circular; d) urubus em fila observando uma
carcaça; e) bicho morto no mato; f) homem entrando no mato;
g) flores que nascem próximas a palhas secas; h) sombra de um
animal e corda; i) criança na estrada; j) árvores retorcida e prédios ao longe.
455
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
No entanto, nenhuma dessas imagens nos chega facilmente, nada é dado prontamente. É preciso um tempo para
absorvê-las, chegar mais perto, pensar, relacionar, questionar,
amar, odiar, não entender; é necessário estabelecer vínculos
com elas. Como diz Giordano Bruno (2012, p. 40): “Todas as coisas que podem ser atadas por vínculo são, de alguma forma,
sensíveis, e, na substância dessa sensibilidade, observa-se uma
determinada espécie de conhecimento e determinada espécie de apetite”.
A meu ver, as fotografias de Numo Rama avizinham-se
das fotografias de Josef Koudelka. Nesse sentido, o escritor
Bernard Cuau (2012, Notas) descrevendo sobre as fotografias
de Koudelka diz que: “As fotografias importantes são invisíveis
para as pessoas apressadas. É verdade que não sabemos mais
olhar a não ser de um jeito estranho”. Ele mostra, também, que
Koudelka mistura-se à sua comunidade quando fotografa,
conhece o rosto de todos e todos conhecem o dele. Nessa
perspectiva, podemos dizer o mesmo de Numo Rama, uma vez
que ele fotografa sua comunidade, os que estão bem próximos
dele, tanto o humano quanto a natureza, as plantas, as paisagens, os bichos, as pedras, todos integrados em um só sentido.
Em relação a Koudelka, Cuau (2012, Notas) acredita que
“Seus valores vêm de longe e se reduzem ao elementar: dar
vida, amar, sofrer, morrer. E, para aqueles que ficam não esquecer”. Nesse caso, é outra característica que também podemos
transferir e dizer sobre Numo Rama.
Assim, não são apenas os homens que se encontram,
mas também suas obras. A esse respeito, Geoff Dyer (2008, p.
456
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
139) diz que: “Todos os grandes fotógrafos são capazes de se
metamorfosear em outros fotógrafos, mesmo que só de vez em
quando e por acidente. Todos tiraram fotografias que parecem
fotografias de outros grandes fotógrafos”.
Porém, Numo também tem o seu próprio mundo, seu
olhar singular de registrar as coisas ao seu redor. É um criador
de imagens que desencadeiam em nós o inesperado, o surpreendente, o indefinível e também o completamente estranho, desconhecido (visto sobre outro prisma) e profundamente
humano. Ele registra o que está dentro, nas bordas, nas sombras,
no rastro, no que não foi dito. Ele nos força a mudar a forma de
ver para poder perceber suas imagens, pois compreender já é
pedir demais. São imagens que lembram um verso do poeta E.
E. Cummings “Nalgum lugar em que eu nunca estive”.
Neste trabalho, incluo também as minhas fotografias,
mesmo confessando certa insegurança em operar, nesse caso
específico, em um campo tão próximo, que é a inserção da própria produção. Porém, tento conduzir um afastamento necessário para não cair na presunção, mesmo tendo a consciência
de que narrativas assim podem gerar imagens menos lúcidas.
Quanto às imagens, a série de fotografias denominada de
Riobaldos: homens imaginários são representações de vaqueiros de qualquer sertão, homens de qualquer lugar imaginário,
porque são imagens que transitam entre o real e o fantástico, o
mítico e o festivo, o lírico e o poético, a terra seca do sertão e
até o verde exuberante quando nela brota. É também, é claro,
uma referência ao personagem Riobaldo, da obra Grande
Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa.
457
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Sob essa ótica, são fotografias próximas de subjetividades
que podem relatar um tempo não linear, um tempo de silêncio,
de solidão, de melancolia, de certezas e incertezas, de sertões
reais ou talvez apenas sonhados. Imagens como síntese de uma
estética do sertão e ao mesmo tempo expandidas, próximas
da pintura, porque foram construídas a partir dos processos da
arte.
Elas são também como ruídos, desvios, imperfeições da
experiência estética, isto é, imagens rasgadas, perfuradas
como o sertão poético de Câmara Cascudo (1926, p. 4) em
seu poema, que diz:
[...] Prefiro o sertão vermelho, bruto, bravo,/com
o couro da terra furado pelos serrotes/ hirtos,
altos, secos, híspidos / e a terra é cinza poalhando um sol de cobre / e uma luz oleosa e
mole escorre/ como óleo amarelo de lâmpada
de igreja.
São imagens também que se metamorfoseiam e compõem cenários ficcionais na intenção de reinventar o real, de
extrair o invisível das coisas e o fantástico. Para mim, elas lembram a metáfora criada por Michel Serres (1993), o casaco de
Arlequim, sobre o Rei Lua que, diante de seu público, vai se
despindo e à medida que retira seu casaco, outros e outros
vão surgindo e, enfim, quando consegue ficar nu, sua pele é
tatuada, revelando, então, seu sexo hermafrodita e até o seu
sangue mestiço, impuro.
458
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Do mesmo modo, facilmente o olhar capta a construção
dessas fotografias, compostas por camadas como o casaco
de Arlequim, construídas a partir de fragmentos de imagens e
editadas sobrepostas, transformando em uma imagem infinitamente possível de ser recriada e nunca acabada em si. A esse
respeito, o fotógrafo e escritor Joan Fontcuberta (2010, p. 31)
constata que: “Fotografar, em suma, constitui uma forma de
reinventar o real, de extrair o invisível do espelho e de revelá-lo”.
Nesse sentido, todas as fotografias aqui selecionadas
fogem do que Vilém Flusser (2008, p. 28) enquadra como imagens “prováveis”, do ponto de vista do programa dos aparelhos, uma vez que “[...] é preciso utilizar os aparelhos contra seus
programas. É preciso lutar contar a sua automaticidade”.
Até mesmo no sentido da recepção, ao olhar naturalmente uma imagem pode-se apenas captar a aparência de
seu conteúdo. Contudo, para entendê-la, é necessário conhecer a reconstituição das dimensões abstratas no seu momento
de feitura. Sob esse prisma, Flusser (2008) procura a intencionalidade tanto de quem constrói a imagem quanto de quem a
observa, tendo em vista que o conhecimento desses processos
de construção das fotografias torna-nos mais conscientes de
nossas relações entre as imagens e o mundo.
Essa concepção leva-nos, ainda, ao texto do fotógrafo
Juan Esteves, quando escreve a respeito de uma fotografia de Marcelo Buainain (Campo Grande – Mato Grosso do
Sul) confirmando que: “A sensibilidade do nosso consciente e
inconsciente, reflexo de nosso despertar, se mostra na fotografia” (ESTEVES, 2013a, Impressões). A obra de Marcelo Buainain
459
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
é, portanto, brenha de imagens compostas por meio de uma
técnica primorosa, exuberante e elegante. Além disso, grande
parte de sua obra procura registrar os caminhos dos homens
pela fé e para a fé.
A respeito da arte de fotografar, Pedro Vasquez, na
apresentação de do mais recente livro de Marcelo Buainain,
MiAmasVin, comenta: “Como fotografar o invisível? Como
expressar o indizível? Seria realmente possível oferecer um vislumbre do universo metafísico através de um meio de expressão
tão atrelado ao mundo visível quanto a fotografia?” (VASQUEZ,
2012, Apresentação).
Marcelo Buainain responde a essas perguntas a partir de
sua obra. Ele sabe que os humanos jamais cessaram de pedir
ajuda e proteção às suas divindades celestiais, como bem
disse Edgar Morin (CASSÉ; MORIN, 2008). E, assim, ele percorre
o mundo para captar instantes entre o homem e sua fé nas
divindades. Talvez seja a fotografia a expressão que mais se
aproxime da verdade desse momento, porque a escrita sempre estará mais distante pelo próprio ato de interpretação.
Se nos permitirmos mergulhar profundamente nas fotografias de Marcelo, as imagens nos arrancarão o coração como o
teocal do México (os sumos sacerdotes astecas que sacrificavam centenas de adolescentes arrancando-lhes o coração) e,
quando de nosso retorno a terra, com certeza, estaremos com
os olhos enxertados de dor.
Há entre nós e os retratados de Marcelo Buainain uma
espécie de pacto de silêncio ou uma entrega, como bem definiu Juan Esteves (2013b): “Buainain é o instrumento desta ação,
460
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
nos leva a correr juntos, a fechar os olhos. Nos entregamos tão
destemidos com eles”.
Já o campo da fé, que pode nos levar à nudez da alma,
também pode levar à nudez do corpo. Nesta outra obra que
avizinho aqui, corpos e seus fetiches cruzam várias fronteiras:
o amor, a perversidade, o mito, a prisão ou o encantamento.
Nesse caso, estamos nos referindo à série fotográfica Nus dos
arames, de autoria do fotógrafo Juan Esteves, a qual apresenta
fotografias que se deslocam do campo da fé para cair numa
espécie de atrator. Em relação ao termo “atrator”, Canevacci
(2008, p. 16) assim descreve: “[...] anula temporariamente o
movimento do olho exercendo um poder que une o olhar e a
coisa e que determina os novos cursos dos fetichismos visuais”.
Dos fotógrafos aqui tratados, Juan Esteves (Santista-SP) talvez seja o mais metropolitano, não só pela origem, pelos próprios temas, ou pela estética, mas por sua própria obra. Um
fotógrafo com um imenso lastro de retratos de personalidades
da cultura brasileira de sua geração (cujos trabalhos foram
publicados em livros de referência, tendo ainda fotografias em
coleções de grandes museus aqui e fora do país), mantendo
também uma constante produção que faz uso de tecnologias
digitais através de aplicativos e, inclusive, com inserção desse
material em redes sociais. Entretanto, vamos no ater apenas à
série de fotografias citada acima e alguns trabalhos com aplicativos que se avizinham de algumas fotografias já citadas.
Quanto à série de fotografias Nus dos arames, apresenta
corpos femininos, longilíneos. Às vezes se mostram tímidos, outros
destemidos, expostos de forma até exibicionista (as poses são
461
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
próximas da linguagem publicitária). Nesse sentido, o nosso
olhar se mistura com o olhar voyeur do autor, mas, as retratadas, por sua vez, nunca nos olham, nunca encaram seu predador (o fotógrafo). São fotografias que esteticamente lembram
gravuras.
Além disso, há alguma coisa nelas de perverso e amoroso ao mesmo tempo. Os arames não perfuram os corpos, os
corpos não sentem os arames, não há possibilidade de união,
como visto no ensaio de Péter Esterházy (2010, p. 51): “Há uma
mulher. Sente por mim o que eu sinto por ela, me odeia, me
ama. Quando ela me odeia eu a amo, quando ela me ama,
eu a odeio. Não existe outra possibilidade”.
A esse respeito, é possível até mesmo dizer que o corpo e os
arames são como a relação do toureiro com o animal, na tauromaquia, que segundo Michel Leiris (2001, p. 48), pode ser uma
relação em que: “[...] o sortilégio se desata: depois de tantas
carícias mais e mais lancinantes, os dois parceiros separam-se,
doravante estranhos um ao outro”. Essas imagens passam-nos
a impressão de que algo nunca é dado completamente, nem
mesmo roubado.
Outras imagens do autor – feitas com aplicativos para celular e difundidas em redes sociais como o facebook – são imagens
que ele divulga e produz mais constantemente. Em sua maioria,
tratam da arquitetura da cidade de São Paulo estendendo-se
também como imagem de sentido “atrator”. Desse modo, consistem em arquiteturas que se movem, se imbricam, se penetram
como corpos (sem desmedidas), embora não se dilatem umas
nas outras. São corpos que se tornam transparentes (dissolução
462
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
do concreto), porém nunca líquidos, nem fluxos, apenas entrelaçados e hibridizados como os corpos e os arames.
Juan, nesse trabalho, deixa as formas curvas de um corpo
feminino para entrar na linguagem geométrica dos concretistas. Nessas fotografias facilmente encontramos referências que
lembram as obras de artistas como Waldemar Cordeiro, Luis
Sacilotto, Franz Weissmann e Willys de Castro. O próprio fotógrafo confessa sua admiração pela gravura e passagem por
algumas de suas técnicas.
Essa espécie de cartografia (imagens e textos) também
pode nos dizer que, se algumas dessas imagens nos fazem pensar, também terá o poder de comunicar (tomando o conceito
de comunicação desenvolvido por Marcondes Filho, 2010).
Assim é o que parece.
REFERÊNCIAS
BRUNO, Giordano. Os vínculos. Tradução: Elaine Sartorelli. São
Paulo: Hedra, 2012. (Coleção Bienal).
BUAINAIN, Marcelo. Impressões. Disponível em: http://www.
buainain.com/ impressao/#.UcxvHW2oBGM. Acesso em:
27/06/2013.
CANEVACCI, Massimo. Fetichismos Visuais – Corpos Erópticos e
Metrópole Comunicacional. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.
CASCUDO, Luis da Câmara. Não gosto de sertão verde. In:
______. Terra roxa e outras terras. v. 1, n. 6. Rio de Janeiro, 1926.
463
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
CASSÉ, Michel; MORIN, Edgar. Filhos do céu: entre vazio, luz e
matéria. Tradução: Edgard de Assis carvalho, Mariza Perassi
Bosco. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.
CUAU, Bernard. Notas. In: KOUDELKA, Josef. v. 10. Tradução:
Irene Ernest Dias. São Paulo: Cosac Naify, 2012. (Coleção
Photo Poche).
DIDI-HUBERMAN, Georges. A imagem sobrevivente: história da
arte e tempo dos fantasmas segundo Aby Warburg. Tradução:
Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Contraponto, 2013.
DYER, Geoff. O instante contínuo: uma história particular da
fotografia. Tradução: Donaldson M. Garschagen. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008.
ESTERHÁZY, Péter. Uma mulher. Tradução: Paulo Schiller. São
Paulo: Cosac Naify, 2010.
ESTEVES, Juan. Impressões. In: BUAINAIN, Marcelo. 2013a.
Disponível em: http://www.buainain.com/impressao/#.
Uc4IV9gQPaE. Acesso em: 26/06/2013.
ESTEVES, Juan. Nos entregando a uma imagem. In: BUAINAIN,
Marcelo. 2013b. Disponível em: http://www.buainain.com/
convidado-juan/#.Uczm9NgQPaE. Acesso em: 27/06/2013.
FLUSSER, Vilém. Bodenlos: uma autobiografia filosófica. São
Paulo: Annablume, 2007.
______. O universo das imagens técnicas: elogio da superficialidade. São Paulo: Annablume, 2008.
464
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
FONTCUBERTA, Joan. O beijo de Judas – Fotografia e Verdade.
Tradução: Maria Alzira Brum Lemos. Barcelona: Editora
Gustavo Gili, 2010.
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia
das ciências humanas. Tradução: Salma Tannus Muchail. 6a.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 1992.
LEIRIS, Michel. Espelho da tauromaquia. Tradução: Samuel
Titan Jr. São Paulo: Cosac Naify, 2001.
MARCONDES FILHO, Ciro. O princípio da razão durante: o conceito de comunicação e a epistemologia matapórica. Nova
teoria da comunicação III; tomo V. São Paulo: Paulus, 2010.
______. Até que ponto, de fato, nos comunicamos? São Paulo:
Paulus, 2004.
SERRES, Michel. Filosofia mestiça. Tradução: Maria Inez Duque
Estrada. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.
VASQUEZ, Pedro Afonso. Apresentação. In: BUAINAIN, Marcelo.
MiAmasVin. Natal, 2012. Disponível em: http://www.buainain.
com/mi-amas-vin-livro/. Acesso em: 26/06/2013.
465
Sumário
CADERNO DE IMAGENS
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Fotografias da série Riobaldos: Homens imaginários e Fulô
(autoria: Angela Almeida)
466
Sumário
467
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
468
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Fotografias de Numo Rama
469
Sumário
470
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Fotografias de Marcelo Buainain
471
Sumário
472
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
473
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
474
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
475
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Fotografias de Juan Esteves
476
Sumário
477
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
478
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
479
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
480
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
64 Desenho e Pintura em Antonin
Artaud – A Estética da Crueldade
Gerlúzia de Oliveira Azevedo
RESUMO
Nos propomos pensar / construir um caminho no qual possamos perceber a estética da crueldade, a partir dos desenhos
e da pintura presentes na obra de Antonin Artaud, visualizando,
assim, a Arte como registro da cultura, portanto, como duplo
da vida, que nos possibilita um olhar para a sociedade mais
critico e consciente. Nesse contexto, como pensar a arte e sua
relação com a cultura por meio de uma perspectiva artaudiana da estética da crueldade? Nessa construção, temos
como base um aporte teórico fundamentado no pensamento
de Antonin Artaud, no que tange suas reflexões acerca da cultura, da arte e da vida. Muitos autores têm versado acerca do
potencial poético e artístico – direcionado ao Teatro – inerente
a Antonin Artaud e, diante de tantos escritos sobre ele, ressaltamos que não fora apenas nas áreas da literatura – poesia – e
do teatro seu destaque como ser, como um ser-no-mundo. Há
uma presença marcante de Artaud também em todas as linguagens da arte, seja no teatro, na música, na dança ou nas
artes plásticas. É um pensador cujas obras transcendem áreas
distintas do conhecimento. Existe certa transversalidade em seu
481
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
pensamento, e isso é notório quando trata da linguagem, da
arte, da cultura, da vida e mais especificamente quando não
admite separação entre civilização e cultura.
Palavras-chave: Vida. Cultura. Estética da crueldade.
482
Sumário
65 Considerações sobre fotografia contemporânea
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Bruna Queiroga
Resumo
Da contemporaneidade. Primeiro centenário da contemporaneidade. O Palais dês Beaux-Arts, em Bruxelas, recebeu
em 2000 a exposição “Look! 100 Years of Cotemporary Art”
dedicada à arte do século XX, com curadoria de Thierry de
Duve. Século XXI e ainda denomina-se arte atual como “contemporânea”. Um dos grandes desafios de se propor a estudar a fotografia contemporânea é estipular este tempo atual.
Procurando entender este período nos deparamos com vários
conceitos históricos e filosóficos, mas primeiramente é preciso
se debruçar sobre a questão do tempo. Proponho um diálogo
do “contemporâneo ocidental” com o “aqui e agora” oriental.
Como ponto de partida o artigo procurará expor uma breve
leitura sobre o tempo e espaço na cultura japonesa, onde o
tempo é um fluir irreversível, e se reflete em todas as expressões
artísticas.
Da experiência fotográfica. O crescimento da fotografia
com a proliferação de câmeras fáceis reforça que ela sempre foi um meio de massa. Qualquer pessoa pode produzi-la ou
reproduzi-la. Ela está na construção da imagem da família através dos álbuns, na construção da imagem de perfil em redes
483
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
sociais, na construção de notícias. Esteve ao lado da indústria,
da arte e da sociedade. Por isso, a crítica benjaminiana de que
a fotografia é apenas uma simulação do olhar que leva a uma
crise da percepção.
No entanto, é justamente este acesso facilitado à tecnologia da fotografia que permite um desenvolvimento epistemológico e fenomenológico dela. Fotografar mais pode significar
excesso de imagem o que leva uma atrofia do olhar, mas ao
mesmo tempo significa que a experiência do gesto fotográfico,
da presença da câmera, é muito relevante. A fotografia atual
fotografa o banal, o ordinário, o superficial, o “estar receptivo
ao instante” que propunha Cartier-Bresson. Longe dos retratos
tradicionais que tinham preocupações históricas e sociológicas, busca o “aqui e agora”.
A tentativa de desvinculação com a massa colocou a fotografia definitivamente do mercado de arte. Ganhou espaço
na medida em que a obra de arte passou a ser pensada muito
mais enquanto objeto do que experiência, trocou a valorização da obra pela imagem.
A reprodução invertia a hierarquia entre indivíduo e
sociedade. A época que Charles Baudelaire desenvolveu tal
crítica, fazer fotografia pertencia a um determinado grupo.
Atualmente, a percepção antes alterada pela reprodução,
como disse Walter Benjamin, é novamente alterada pelo gesto
fotográfico. Quando se faz, se repensa a si próprio.
Da percepção. Voltando-se primeiro para o fazer para
depois preocupar-se com o resultado plástico, chega-se a
resultados tão expressivos que muitos que fotografam pensam
484
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
estar, automaticamente, fazendo arte. Um exemplo disso é a
Lomografia, um movimento que surgiu retomando a concepção fotográfica de equipamento analógico de baixo custo
com propostas de capturar o acaso, se permitir o imprevisível. Tornou-se um movimento artístico não apenas pelo apelo
plástico, mas inclusive pela experiência fotográfica de seus
praticantes.
Temos então a técnica da câmera com os gestos do corpo,
os olhos e os dedos. Para Merleau-Ponty, o sentido expõe-se no
gesto, confunde-se com a estrutura do mundo, pois o corpo,
onde estão os gestos, é fronteira interior e exterior, é por ele que
habito o mundo. É pelo corpo que percebo e sinto. É o corpo
que nos orienta no mundo, que nos possibilita significação e
existência. Encontra-se entre o mundo e a consciência, onde
psiquismo e organismo movimentam-se e misturam-se. É seu
ponto-de-vista, possibilidade de criar perspectivas únicas em
espaço e tempo. Incorporando este pensamento, a fotografia
pode encontrar seu potencial de comunicar.
485
Sumário
66 Cultura Visual: a poética e a política das imagens
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Silas de Paula e Érico Oliveira
Introdução
As possibilidades de relacionar estética e política, nas
imagens, não são simples. Ora, estamos em uma instrumentalização de uma pela outra, ora estamos na constatação de
que ambas estão imbricadas, mas talvez ainda faltem sempre
algumas complexificações que permitam efetivamente uma
entrada no problema. A separação do estético e do político
já foi, em certa medida, posta em crise, sobretudo se partirmos
das contribuições de Rancière (2005), e dos desdobramentos
gerados pelas operações conceituais propostas por ele. É de
todo ainda aberta a dimensão de articulação que se pode traçar entre uma política da arte e uma estética da política, entre
uma política no campo das sensibilidades e um regime de visibilidade articulado à política – e a própria filosofia de Rancière
nos movimenta justo para sempre questionar e gerar problemas
nesses lugares do entre, regiões de incertezas e de risco.1
O estudo da cultura visual caminha em direção a uma
teoria da visualidade que tem como meta analisar o que é tornado visível, quem vê o quê e como vê; sem esquecer que
nesse processo o conhecimento e o poder estão sempre inter1 Ver Silas de Paula, Érico Oliveira e Leila Lopes, 2013.
486
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
-relacionados. Parece que a nossa cultura está muito mais
baseada naquilo que vemos do que no que lemos e, portanto,
é necessário avaliar o ato de ver como um produto das tensões
criadas pelas imagens externas e os processos mentais internos.
Argumentamos em outro texto2 que o conceito de representação está sob ataque cerrado, mas o poder da visualidade
sobreviveu. Embora a crise da visão seja apontada por vários
teóricos e a relação háptica do corpo (HANSEN, 2004) retire
dela o papel de sentido mais nobre, a imagem – seja ela digital
ou analógica – ainda exige a visão como sentido fundamental,
mesmo que a percebamos com os olhos da mente. Para Marin
(2001), existe uma diferença crucial, entre ver e olhar. “Olhar”
é o ato natural de receber nos olhos a forma e a semelhança.
Já “ver”, é considerar a imagem e a tentativa de conhecê-la
bem, fazendo com que o observador constitua-se como sujeito.
As imagens nos fazem sonhar, sofrer, delirar, rir e até compartilhar desejos, pois o ser humano é movido pelos imaginários
que inventa. Mas são imagens e, portanto, partes de narrativas que podem ser alteradas por novas sensações e aprendizados. Algumas tentam o tempo todo escapulir da prisão que
é o museu imaginário. Difícil segurá-las pois são velozes, muitas
vezes confusas, desobedientes e intempestivas. Mas não escapam tão facilmente e só conseguem passagem para a vida se
estiverem atreladas à construção da nossa ficção cotidiana:
um paradoxo das imagens midáticas, trabalham com a realidade mas não se submetem incondicionalmente a ela.
2 Idem.
487
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Nicholas Bourriaud (2002) nos instiga a pensar sobre um
velho adágio talmúdico segundo o qual um texto (e por extensão, qualquer outro objeto) não adquire o seu real valor senão
a partir do momento em que foi sujeito a um comentário.
Arquivos fotográficos: Adros de um pensamento.
Silas de Paula
Adro já significou um lugar aberto, uma passagem; hoje
pode cercar espaços ao redor de igrejas e, nas mais antigas, é
comum a existência de cemitérios em seu interior. Mas templos
são espaços sagrados, onde os corpos ao redor buscam a salvação da alma. A procura de redenção nos arquivos modernos
tem mais a ver com o vazio que nos olha. Não são, simplesmente, depósitos de corpos ou lugares sagrados, mas espaços
repletos de fragmentos de vida, com fronteiras temporais que
são limites a serem cruzados numa tentativa de encontros sempre complexos na diversidade, mas compartilhando o mesmo
espaço subjetivo da vida vivida. Imagens que, enquanto descansam, esperam que o inconformismo com olhares guardados transforme os vazios da incompletude numa diversidade
de caminhos possíveis – esses fragmentos são adros visuais de
um pensamento.
A construção da memória é uma questão fundamental para a fotografia, desde seu surgimento como método
de reprodução em massa e disseminação. Criamos imagens
materiais e mentais para uma descrição perspicaz e pessoal
488
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
do cotidiano, o que nos ensina um pouco sobre como vivemos
ou procuramos viver os sentimentos mais arraigados da nossa
existência. Entre sonho e realidade, ambiguidades são replicadas e, de certo modo, caracterizam o olhar como um sólido e
perceptível espaço, produto de muitos construtores que modificam constantemente a estrutura por razões particulares. Difícil
controlar o seu crescimento e forma. Não existe um resultado
final, mas somente uma contínua sucessão de fases numa
peça impregnada de memórias e significações. Kevin Lynch
(1960), ao falar sobre a imagem da cidade, argumenta que
“não somos apenas observadores deste espetáculo, mas uma
parte ativa dele, participando com outros num mesmo palco”
(pg. 11). Podemos utilizar o mesmo argumento na construção
do arquivo fotográfico.
Seguindo W.J.T. MITCHELL (2005), parto do princípio que o
ato de fazer/criar a imagem é um sintoma do desejo. E, “desenhar desejo” significa não só a descrição de uma cena ou
figura que se apresenta para tal, mas também indica a maneira
como o próprio desenho é a performance dele. Assim, as relações imaginárias entre o real que a foto mostra e o que o sujeito
viveu, fundem-se: algo que está na imagem e o que lhe falta.
O que foi e o que ficou. Talvez seja este um dos aspectos constitutivos da imagem, elas estão predispostas a serem tomadas,
incorporadas. Embora fotos e quadros possam ser destruídos, as
imagens podem viver, nos assombrar, provocar, tentar ou nos
inspirar.
Então, qual é a importância do realismo fotográfico em
relação aos paradigma do arquivo? Walter Benjamin (1999)
489
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
argumentava que a fotografia sem algo construído, sem algo
artificial, colocado para ancorar o seu significado seria sempre
muito vaga para funcionar de forma crítica. Além disso, a percepção das mudanças estéticas e estilos das imagens naturalistas, ou realistas, sugere mais do que um simples mapeamento
ou progresso nas história das imagens. São formas variadas de
ver, de conhecer o mundo, e diferentes visões sobre valores e
significados. Muitas ideias sobre realismo coexistiram através da
história.
A questão aqui não é apontar qual abordagem resulta na
mais acurada representação do mundo contemporâneo, mas
o que podemos encontrar e o que a visualidade nos diz sobre
cultura e política em um determinado contexto. Não existe
padrão universal para o realismo e ideias sobre ele podem variar
profundamente. Nós temos a tendência em acreditar que a
imagem que reproduz algo de forma “realmente” parecida
é realista. E, provavelmente, assumimos que reconhecemos
um trabalho realista quando o vemos. Na maioria das vezes,
esquecemos que o realismo tem sido ligado a uma variedade
surpreendente de de convenções e abordagens. Cada período da história tem diferentes epistemes para ordenar as coisas
ou representar o conhecimento sobre elas3.
O termo Realismo refere-se (tipicamente) a
um conjunto de convenções, estilo de arte,
ou representação, compreendidos num dado
momento histórico como forma acurada de
3 Ver M. Foucault, 2000
490
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
representar a natureza ou o real e transmitir e
interpretar significados universais sobre pessoas,
objetos e eventos no mundo. (…) Porém, isto
não nos diz como a realidade é compreendida na cultura de qualquer momento histórico
dado, e quais convenções são consideradas as
mais corretas para representá-la nesses contextos. (STURKEN e CARTWRIGHT, 2009: 146)
Os códigos e as convenções do realismo continuaram a
mudar com as tecnologias visuais eletrônicas. Com a imagem
digital podemos vivenciar uma multiplicidade de mundos virtuais na mesma tela. O ciberespaço e as tecnologias virtuais
são distintas do espaço cartesiano tradicional – físico, tridimensional e mensurável matematicamente. O espaço virtual, criado
por tecnologias digitais, não pode ser mapeado ou medido de
forma matemática.
O que procuramos, como projeto, é seguir um caminho
análogo ao de Thomas Demand, fotógrafo alemão. Partindo
do arquivo fotográfico, abordar as questões de veracidade que
permanece no centro do ato fotográfico como modelador de
histórias incompletas, guardadas em arquivos como adros de
um pensamento, e o seu retorno à mostra, à esposição de sua
realidade material, num momento em que o campo cultural
é modelado gradativamente pelo uso de representações eletrônicas. Pensar, como faz Demand, sobre uma das principais
questões do nosso tempo: “as políticas de representação em
um mundo desestabilizado e hipermediatizado” (LAXTON, 2008:
89).
491
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A perspectiva aqui está na ordem de uma resistência:
operar entre a estética e a política. Resistir não como forma de
criar dicotomias, opor organizações sensíveis em detrimento de
outras, uma modalidade de atuação no mundo contra outra.
A resistência é compreendida mais na dimensão de uma fenda
ou de uma brecha que se abre, para desordenar o que está
posto. Não é, simplesmente, uma questão de tomar um poder,
mas tentar instaurar novas relações de espaço e de tempo,
outras maneiras mesmas de tornar comum, operações singulares e ramificadas, que não se agregam em blocos uniformes,
mas são dispersas e intermitentes. A imagem que resiste opera
no limiar para fazer fugir e para instaurar dissentimentos, ela é
insubordinada e inconstante, metamórfica e pensativa.4
Trabalhar com as imagens, não como arquivos históricos
tradicionais, mas com fotos sem textos, sem indicação temporal ou local. Lembrando ao espectador da impossibilidade de
reconstituição de eventos históricos a partir dessas informações
fotográficas. Uma possibilidade de prováveis acusações de
esteticismo, de sublimação do traumático (a arte fotográfica
como fetiche), de supressão da memória histórica. No entanto,
o espectador ao ser confrontado com a ausência de informações, com fotografias que se recusam a satisfazer a expectativa do conhecimento e da informação objetiva prometida
pelas imagens midiáticas, pode se ver cercado de importantes
implicações, como por exemplo, nosso consumo acrítico das
imagens fotográficas.
4 Ver Silas de Paula, Érico Oliveira e Leila Lopes, 2013.
492
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Novamente, como argumentamos em texto anterior5, se a
fotografia expande as próprias possibilidades de produção, mistura procedimentos, opera pontes, liberta-se de compromissos
que se imaginavam necessários e fundantes, já teríamos aí um
encaminhamento político. Quando a produção de imagens nos
tira do lugar de conforto, das seguranças e das expectativas,
pode-se pensar em reconfigurações de uma cena partilhada.
A operação estético-político estaria no âmbito da insubordinação, daquilo que pode instalar querelas e desorganizar o que
estava consensualmente distribuído em funções e lugares fixos.
É preciso colocar-se nesse lugar, enfrentar o desafio que o problema nos coloca. É em torno dessas potências que o projeto
deve se situar, em adros de um pensamento.
Imagens urgentes em Glauber Rocha
Érico Oliveira
Diante do cinema de Glauber Rocha – e assim também
da vida do próprio realizador – vem a percepção de uma
multiplicidade. Essa me parece ser uma experiência estética
desencadeada pelas imagens e também uma proposta que
me move para trazer a importância de seguir os trabalhos de
Glauber, no perceber brechas e bifurcações. Compondo com
o pensamento deleuzeano, diria que é importante considerar
o caráter rizomático dos caminhos do diretor no cinema, na
arte e na vida. É assim que as questões propostas para entrar
5 Ver Silas de Paula, Érico Oliveira e Leila Lopes, 2013.
493
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
nesse universo de imagens glauberianas partem de um recorte
que tentará captar potências de filmes em que o embate com
o mundo dá-se segundo novas modulações e numa dimensão capaz de suscitar acontecimentos estético-políticos. Claro
(1975), Di Cavalcanti (1977) e A Idade da Terra (1980) operariam, por perceptos e afectos, a matéria fílmica e as dimensões
do sensível numa proposição de novos lugares e novos mundos. Para a discussão aqui, trago com maior ênfase a figura da
urgência suscitada por essas obras.
Di Cavalcanti (1977) é realizado num impulso. Há um gesto
de arrancar imagens e sons do mundo, produzir cinema num
movimento tomado por forças cósmicas e por uma abertura
ao descontrole. Mergulha-se em experiência de tensão com
modalidades de planejamento e regra. “Di Cavalcanti foi
feito num impulso. Acordei de manhã, sete e meia, li que o Di
Cavalcanti tinha morrido, nove horas fui filmar” (ROCHA, 2006,
p.332), retoma o realizador. A imagem é ela mesma um processo de experimentação. É no limite que Glauber filma e monta
o curta. No limiar das possibilidades de efetivar uma filmagem
de um velório e de um sepultamento, vai com a câmera em
close-up no rosto do pintor que morreu. “Corta! Dá um close
na cara dele!”, grita o realizador, na faixa sonora incluída após
as filmagens, quase numa descrição do processo. Estamos
no entremeio de uma experiência estética porosa, aberta às
trocas, intempestiva. O que se dá nesse meio, nessa zona de
indiscernibilidade que passa a ser delineada? Poderíamos falar
em um composto sensível Di-Glauber? É de qual ordem esse
494
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
encontro tão urgente? Glauber desencadeia um processo que
faz a mistura entre olhares, sensibilidades e temporalidades.
Todo o caos promovido em Di Cavalcanti tem a ver com
pesquisas estéticas em que o aleatório, o simultâneo e o descontrole seriam condutores da fabricação fílmica. Nessa
experiência, a questão é deixar-se tomar por forças capazes
de arrastar para algo novo. Trata-se de fazer o movimento e
desencadear transformações. Nos encontros promovidos pela
imagem, é possível gerar torções e resistir aos enquadramentos dos corpos, que podem se libertar em percursos de relação
com o outro. A experiência estética nessa região perde uma
direção clara e faz fissura com uma organicidade e com uma
linha dominante e ordenadora da percepção. No turbilhão, o
que se tem é alteração de si, dos sentidos, uma incapacidade
de síntese, de organização de significados. Uma polifonia barroca prolonga as intensidades e multiplica as vozes, que aqui já
não remetem a uma verticalidade capaz de reunir o conjunto,
mas estão a todo o momento em choques e rodopios, em trajetos disjuntivos.
Filmar como quem não sabe filmar. Filmar sem o cálculo
ordenador da experiência, abrir-se às bifurcações de possíveis
que o próprio processo pode desencadear. A imagem não tem
clareza, os corpos não estão com lugar marcado e direcionamento claro. Com Di, o realizador acrescenta possibilidades
para a produção de olhares. Prolifera mesmo os possíveis para
fazer cinema, numa estética com gritos, misturas, impurezas,
desordenamento. É toda uma ocupação de espaço marcada
pela errância: era assim já nas filmagens de Câncer, em 1968,
495
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
quando ia para as ruas do Rio de Janeiro sem planejamento
do que fazer, sem roteiro, apenas com a proposta de deixar
ações acontecerem em frente a uma câmera ligada, em planos-sequência; era assim na experiência do exílio, com Claro
(1975), perambulador das ruas de Roma, dando orientações
sobre os enquadramentos no ato de filmagem, com posteriores
sobreimpressões de camadas, fusões na imagem, simultaneidades de blocos sensíveis reunidos na montagem.
Essas experiências de urgência são operações de risco,
poderia ser dito. Um cinema que se dá na tensão com o
mundo, que parte para o encontro numa tentativa de escapar
ao controle dos programas, no que trago as discussões desenvolvidas por Comolli (2008). Se a roteirização da vida se espalha, é preciso buscar outros métodos para fazer com que os
filmes aconteçam. A proposição de Comolli marca uma defesa
de uma postura do documentário frente ao caráter consensual
dos roteiros. A experimentação do risco faz surgir cenas, que
se constituem de forma aberta e em meio a um imponderável. Fugir ao controle de uma previsibilidade, sair de zonas de
segurança, desarranjar, borrar. “Os filmes documentários não
são apenas ‘abertos para o mundo’: eles são atravessados,
furados, transportados pelo mundo” (COMOLLI, 2008, p.170).
Deixar-se furar pelo mundo seria uma postura política que se
constitui como um modo de agir na polis, em gesto indisciplinado. Furar: há na proposta de Comolli uma radicalidade que
diz respeito mesmo a uma maneira de se dispor ao encontro.
Pois não basta a postura da abertura. É preciso uma atitude
mais drástica que se opera na escritura mesma do filme, um
496
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
movimento de deixar que o mundo faça a fissura no filme, crie
buracos e fendas. Quando furo, exponho algo ao indecidível,
invento caminhos e permito que sejam traçadas bifurcações.
A figura conceitual da fissura tem grande importância aqui,
como modo de resistência potente para pensar a experiência
estética do cinema. “Longe da ‘ficção totalizante do todo’, o
cinema documentário tem, portanto, a chance de se ocupar
apenas das fissuras do real, daquilo que resiste, daquilo que
resta, a escória, o resíduo, o excluído, a parte maldita” (2008,
p.172). O que resiste faz fugir, inventa outras perspectivas para
apreender o mundo, para recortar o espaço e o tempo, para
constituir mise-en-scènes. A parte maldita é tensionadora de formas majoritárias de organizar a experiência. Ela é o que resiste
apesar de tudo (DIDI-HUBERMAN, 2012a). Mas como lidar com
essa parte maldita? Quais procedimentos estão envolvidos na
tensão gerada pelo pequeno, pelo resíduo, pelo menor? Seria
uma questão de incluir aquele que está fora?
Imagens urgentes, imagens que queimam (DIDIHUBERMAN, 2004, 2008, 2012b). Dentre outras maneiras, elas
queimam “com seu movimento intempestivo, incapaz de parar
no caminho (como se diz ‘queimar as etapas’), capaz de sempre bifurcar-se, de ir bruscamente a outra parte (como quando
se diz ‘arder de inquietude’)” (DIDI-HUBERMAN, 2008, p.52). Ao
tocarem o real, as imagens incendeiam, desencadeiam modos
inquietantes para o ver, lançam outras perspectivas de temporalidades, maneiras outras de ter com o mundo. Elas não se
adequam a uma lógica formatada do sensível, tomam espaço
com um movimento que não pode ser parado, na constante
497
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
sístole e diástole e no jogo de tensores de uma experiência cindida. Elas não são uma organização clara e bem ordenada
do sensível, mas um rodopio, uma maneira de se espalhar e de
confrontar o turbilhão. O cinema que queima pode teimar em
ser enquadrado num modelo e também evitar ser ele mesmo
um indicador autoritário de posturas de corpos dos seres filmados, sejam os corpos de homens ordinários, sejam mesmo as
paisagens como corpos – a cidade, talvez, como um ser, em
processos de individuação.
O que é preciso fazer para que haja um filme? Existem
condições de possibilidade? O impulso da realização em Di
Cavalcanti traz que implicações para as maneiras de fazer e
pensar cinema? O gesto fílmico do curta de Glauber implica
desejo. É a partir daí que são reunidos amigos, para celebrar a
vida do pintor Di Cavalcanti, também ele amigo do realizador.
É como produção desejante que a equipe parte para as ruas
e arrisca fazer imagens no velório e no enterro do artista. Risco
no contato com o mundo, risco na criação de uma relação.
Já um outro sentido para a ardência da imagem: “A imagem
queima com o desejo que a anima, com a intencionalidade
que a estrutura, com a enunciação, inclusive com a urgência
que manifesta (como quando se diz ‘ardo de desejo’ ou ‘ardo
de impaciência’)”. (DIDI-HUBERMAN, 2008, p.51). O trabalho de
homenagem ganha contornos de uma experiência que perturba a ordem da cerimônia configurada para o ato de despedir-se dos mortos. A chave do transe, tão cara ao pensamento
cinematográfico de Glauber, vai aqui operar mesmo uma ideia
498
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
de transformação e de delírio, na elaboração de um ritual descentrado, marcado por desequilíbrios e pelo caos.
Também sem passar por longo período de preparação,
Claro (1975) é rodado durante 15 dias em Roma, numa abordagem ensaística que mistura blocos de deriva nas ruas e cenas
de interior em que se esboçam situações ficcionais. Como destaca Mateus Araújo Silva (2012), todo o filme fica pronto em
cerca de dois meses e meio, após um processo sem roteiro prévio, com amigos, câmera na mão e som direto. Aqui há um
mergulho delirante em relação com a própria cidade, com
questões tão caras a Glauber, em crítica ao capitalismo. As
imagens têm nelas mesmas uma processualidade, uma escritura marcada por planos que não estão previamente estabelecidos, por tensões com os que passam e estranham Juliet Berto
em movimentos errantes pelas ruas, por uma câmera que vai
expondo a própria busca nos caminhos que experimenta. “A
incursão de Glauber e Juliet é uma aventura em terreno desconhecido, atravessada pela instabilidade de um gesto desmedido e insólito” (SILVA, 2012, p.262).
As questões de A Idade da Terra, ao mesmo tempo que
expandem pesquisas de Di Cavalcanti, podem também ser vistas com uma torção rumo a uma composição heterogênea
mais próxima a um mural. Um filme que tem a urgência de sair
do próprio espaço destinado à exibição convencional de filmes. Uma obra que já parece não caber na tela, na medida
em que explode a narração e também coordenadas de
enquadramento, de plano e de relação entre as imagens. Seria
possível arriscar e dizer que Glauber faz um cinema apesar do
499
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
cinema? Questão, certamente, complicada e cheia de riscos.
E também paradoxal. Como colocar os problemas do plano e
da montagem nessa obra? Como pensar o tempo e o espaço,
a articulação da parte com o todo, a passagem mesma das
imagens, as relações com os sons? É de um extrapolamento
da própria arte cinematográfica que se trata. A Idade da Terra
opera uma desconstrução na própria mudança repentina de
ritmos, na mistura de procedimentos, no descompasso e na surpresa. Nunca se sabe o que está para vir, não só se tratamos
daquilo que está na cena, mas também de como a encenação se constituirá, de como os cortes irão acontecer, de como
a câmera vai se movimentar. O efeito de desorientação faz
sentir a imagem e o som em pura plasticidade e porosidade,
em quedas e subidas, em uma produção no aqui e agora,
como a trilha sonora feita ao vivo ou os giros que, num impulso,
são feitos com a câmera.
A abordagem de A Idade da Terra é da ordem do que
desorganiza, do que não tem resultados, não é redondo. Mais
do que o confronto com o cinema comercial, merece destaque uma tensão fora do campo dos dualismos e que me parece
mais ampla, uma tensão que se dá com o próprio cinema. Não
para negá-lo, opor-se a ele ou ultrapassá-lo, numa leitura que
seria teleológica, de etapas. Mas um problema constituinte,
que tem a ver com um processo de passagens, para fazer um
filme desenraizado de um território cinema, um filme-vibração,
filme-terra, filme-onda. E ainda assim uma obra que lida com
questões cinematográficas, mas para fazer delas um outro uso,
500
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
para torcer e fazer ponte com um fora. A Idade da Terra como
uma obra estrangeira dentro do próprio cinema.
Referências bibliográficas
BENJAMIN, W. “Little History of Photography” (1931) In:
JENNINGS, M.; EILAND, H.; SMITH, G. (eds). Walter Benjamin:
Selected Writings vol.2. Cambridge: Harvard Univ. Press, 1999.
BOURRIAUD, N. Relational Aesthetics: Documents sur l’art. Paris:
Presses du réel, 2002. COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder – a
inocência perdida: cinema, televisão, ficção, documentário.
Editora UFMG, 2008
DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo (Cinema 2). São Paulo:
Brasiliense, 1990
______. Lógica do Sentido. São Paulo: Perspectiva, 2011
DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. Kafka: para uma literatura
menor. Lisboa, Assírio e Alvim, 2003
DE PAULA, Silas; OLIVEIRA, Érico; LOPES, Leila. “Imagens que
pensam, gestos que libertam: apontamentos sobre estética e
política na fotografia”. In: BRASIL, André; LISSOVSKY, Maurício;
MORETTIN, Eduardo (Orgs.). Visualidades Hoje. Salvador:
EDUFBA, 2013.
DIDI-HUBERMAN, Georges. Imagens apesar de tudo. Lisboa :
KKYM, 2012a
501
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
______. “La emoción no dice ‘yo’. Diez fragmentos sobre la
libertad estética”. In: Alfredo Jaar: La política de las Imágenes.
Santiago de Chile: ediciones metales pesados, 2008
______. “L’image brûle. In: Zimmermann”, L., Didi-Huberman, G.,
et al, Penser par les images. Autour des travaux de Georges
Didi-Huberman, Editions Cécile Defaut, Nantes, 2006, pp. 11-52.
______. “Quando as imagens tocam o real”. In: Pós: Belo
Horizonte, v. 2, n. 4, p. 204 – 219, nov. 2012b
FOUCAULT, M. As Palavras e as Coisas: Uma Arqueologia das
Ciências Humanas. São Paulo: Ed. Martins Fontes, 2000.
HANSEN, Mark. New Philosophy for new media. Mass.: MIT Press,
2004.
LAXTON, S. “What photographs don’t know”, in VAN GELDER,
H. e WESTGEEST, H. Photography: Between Poetry and Politics.
Leuven: Leuven Univ. Press, 2008.
LYNCH, K. Imagens da Cidade. Lisboa: Ed. 70, 1960.
MARIN, LOUIS. On Representation. Stanford: Stanford University
Press, 2001
RANCIÉRÈ, J. A partilha do sensível: estética e política. São
Paulo: Ed. 34, 2005.
ROCHA, Glauber (organização: Ivana Bentes). Cartas ao
mundo: Glauber Rocha. São Paulo: Companhia das Letras,
1997.
502
Sumário
______. O século do cinema. São Paulo: Cosac Naify, 2006
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
______. Revolução do cinema novo. São Paulo: Cosac Naify,
2004
SILVA, Mateus Araújo. “Glauber Rocha e os Straub: diálogo de
exilados”. In: GOUGAIN, Ernesto; TADDEI, Fernanda; MOURÃO,
Patricia; ARAUJO, Mateus; FRANCA, Pedro. (Org.). E. Gougain,
F. Taddei, P. Mourão e M. Araújo Silva (orgs.). Straub-Huillet.
São Paulo: Centro Cultural Banco do Brasil, 2012, p. 243-263.
STURKEN, M.; CARTWRIGHT, L. Practices of Looking: An
Introduction to Visual Culture. Oxford: Oxford Univ. Press, 2009
503
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
66a Espaço, Imagem e Imaginário: considerações
sobre o problema do lugar no ambiente midiático
Maurício Ribeiro da Silva
Se o século XX, por um lado, passa para a história como
o momento onde se consubstancia o projeto relativo à prevalência, por meio da técnica, da razão como validadora dos
processos relacionados à compreensão e explicação dos fenômenos do mundo, por outro é nele onde se consolidam as bases
do que podemos definir como característica categórica deste
início de século XXI: a onipresença da imagem estabelecida a
partir de suportes midiáticos.
Gilbert Durand (2004) constata o paradoxal embate iniciado no ocidente com os filósofos gregos (com posterior apoio
com teor iconoclasta promovido pela teologia do monoteísmo
judaico-cristão-islâmico) entre Razão e Imagem, sendo consequente a valorização do primeiro termo em detrimento do
segundo. Neste contexto, se a imagem – compreendida aqui
como veículo de elementos simbólicos vinculados ao imaginário – tem seu valor epistemológico reduzido ou quase aniquilado
em nome do discurso promovido pelo Método, são justamente
os feitos baseados no conhecimento científico fundado nos
processos racionais que propiciam os instrumentos tecnológicos a partir dos quais passa a imagem a se apresentar como
objeto representativo da verdade factual, objetiva e, portanto,
portadora de significados relativos ao mundo que ela enseja.
504
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Obviamente, tomados “instantâneos” relativos à caracterização da imagem no passado anterior ao Renascimento
(representativas dos processos vinculados à subjetivação e
interpretação do mundo) e no presente (relacionadas à objetividade e constituídas a partir das tecnologias eletroeletrônicas), há enormes diferenças, não restritas somente ao âmbito
das técnicas constituídas no contexto do distanciamento temporal ou histórico, mas vinculadas à própria episteme. Flusser
(1985:13) indica que
Imagens são superfícies que pretendem representar algo. Na maioria dos casos, algo que
se encontra lá fora no espaço e no tempo. As
imagens são, portanto, resultado de se abstrair
duas das quatro dimensões espaciotemporais
para que se conservem apenas as dimensões
do plano. Devem sua origem à capacidade de
abstração específica que podemos chamar de
imaginação1. No entanto, a imaginação tem
dois aspectos: se, de um lado, permite abstrair
duas dimensões dos fenômenos, de outro, permite reconstituir as duas dimensões abstraídas
na imagem. Em outros termos: imaginação é a
capacidade de codificar fenômenos de quatro
dimensões em símbolos planos e decodificar as
mensagens assim codificadas. Imaginação é a
capacidade de fazer e decifrar imagens.
1 Grifo do autor.
505
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Tomada tal definição como padrão para a compreensão
do caráter vinculado à imagem, o filósofo define, então, que
a imagem produzida no contexto das máquinas constituídas
para este fim relaciona-se ao universo das imagens técnicas ou
tecnoimagens, tratando-se de
(...) imagem produzida por aparelhos.
Aparelhos são produtos da técnica que, por
sua vez, é texto científico aplicado. Imagens
técnicas são, portanto, produtos indiretos de
textos – o que lhes confere posição histórica e
ontológica diferente das imagens tradicionais.
Historicamente, as imagens tradicionais precedem os textos, por milhares de anos, e as imagens técnicas sucedem os textos altamente
evoluídos. Ontologicamente, a imagem tradicional é abstração de primeiro grau: abstrai
duas dimensões do fenômeno concreto; a imagem técnica é abstração de terceiro grau: abstrai uma das dimensões da imagem tradicional
para resultar em textos (abstração de segundo
grau); depois, reconstituem a dimensão abstraída a fim de resultar novamente em imagem.
Historicamente, as imagens tradicionais são pré-históricas; as imagens técnicas são pós-históricas. Ontologicamente, as imagens tradicionais
imaginam o mundo; as imagens técnicas imaginam textos que concebem imagens que imaginam o mundo. (FLUSSER, op.cit.:19)
506
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Nesta rápida diferenciação a partir de Flusser, percebe-se a obliteração dos processos imaginativos vinculados à
Imagem – tanto no âmbito de sua elaboração quanto sua
decifração – que, constituída como tecnoimagem, de certo
modo, sucumbe ao processo de objetivação do mundo promovido pela Razão Instrumental, alinhando-se, mesmo que
com diferenças, ao desenvolvimento apresentado por Durand.
Entretanto, em lugar de estar estabelecida – digamos – a falência do imaginário presente no contexto das imagens, o paradoxo apontado por Durand constitui-se pelo fato de que, a
despeito do consistente e paulatino processo promovido pela
Razão de esvaziamento simbólico da Imagem que lhe servia
de veículo, o imaginário conserva-se, ainda que sua existência
não se apresente no âmbito consciente, relativo – nos termos
de Flusser – à capacidade de imaginá-las, ou lhe seja atribuído
o devido valor.
Sendo, então, a imagem questão central tanto sob o
ponto de vista cultural quanto tecnológico neste princípio de
século, trabalhamos com a hipótese de que os processos concernentes à relação entre imaginário e imagem suplantam os
limites reconhecidamente vinculados ao espaço da superfície,
seja ela estabelecida no suporte físico e bidimensional ou nas
formações nulodimensionais constituídas a partir dos pixels ou
bits. Assim, se a valorização da Razão implicou, filogeneticamente falando, na objetivação da Imagem e na consequente
crise de seu estatuto como representação (Belting, 2007), consideramos que o processo, vinculado à cultura, não se limita ao
contexto até aqui discutido: as imagens técnicas, decorrentes
507
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
que são do saber científico (agenciado pela lógica do mercado), ao imaginarem o mundo (conforme dito por Flusser) o
fazem em sua plenitude espacial, não se atendo às fronteiras
da superfície própria dos suportes imagéticos (tecnológicos ou
não), pelo contrário, superando-as em direção à tridimensionalidade de nossos espaços e corpos.
Nossa pesquisa, portanto, pode renovar o olhar relativo
à área de comunicação incluindo no âmbito das discussões
relativas à teoria da imagem, a compreensão dos processos
que antecedem sua formação, isto é, ainda no contexto do
espaço tridimensional do qual Flusser parte para estabelecer
sua Escalada da Abstração.
508
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
BLOCO B
67 Mediação e interação: por uma
arqueologia dos processos comunicativos
Lucrécia D’Alessio Ferrara
Resumo da pesquisa
Situando-se no domínio de uma epistemologia que procura delinear a ontologia da comunicação através do estudo
das suas dimensões metodológicas empíricas, esta pesquisa
procura superar a sinonímia que tem caracterizado os conceitos de mediação e interação e, para tanto, analisa e compara
as características da interação que se confronta com a mediação mas dela se distingue, porque estabelece um processo
cognitivo que se manifesta em diferentes movimentos sintetizados em três dominantes fundamentais:
a) o domínio da mediação caracteriza uma comunicação de mão única de caráter transmissivo e, frequentemente, persuasivo;
b) o domínio da interação caracteriza uma comunicação que ocorre na possibilidade incerta do comunicar ao
processar-se no intercâmbio de emissores e receptores e
509
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
se apresentam instáveis no desempenho mutável dos seus
papeis,
c) entre mediação e interação inscreve-se um domínio
comunicativo que se constrói nas fronteiras do comunicar
e se manifesta como imprevisibilidade, embora subjugue
ou reduza os códigos mediativos.
A discriminação e análises dessas dominantes centralizam
o objeto epistemológico que se fundamenta em várias bases
teóricas (Bateson, Foucault, Deleuze, Derrida, Searle, Lotman,
Agamben, Virno, Esposito) e em estratégias metodológicas que
observam a indeterminação do objeto empírico que se apreende nos processos de interações comunicativas.
Palavras-chave: comunicação, epistemologia, mediação,
interação
Objeto e etapa atual do desenvolvimento da pesquisa
O objeto da pesquisa está concentrado no levantamento
empírico de processos mediativos e interativos que se apresentam na cidade, entendida como laboratório comunicativo e
onde podem ser encontradas manifestações inusitadas daqueles processos. A pesquisa está na sua fase empírica de levantamento e análise de manifestações que têm a cidade como
cenário ou suporte, no caso de processos eminentemente
mediativos, ou como ator, no caso de manifestações onde se
510
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
observa as marcas ou rastros que podem ser originários de distintas temporalidades, mas manifestam com vivacidade sua
energia interativa (v. relatórios parciais de pesquisa).
Como consequência, a cidade se apresenta como território empírico adequado para teste de hipóteses que, caracterizando a natureza das mediações e interações, têm levado a
verificar o modo como se escrevem, na cidade, distintas epistemologias da comunicação que se manifestam através de
meios de massa ou de novas tecnologias digitais. Nos dois casos,
entretanto, tem-se observado que, na cidade entendida como
fenômeno comunicacional, os processos de mediação e interação se inscrevem em fronteiras mais ou menos perceptíveis e
conforme o grau da atividade que transforma a cidade em território planejado onde se reduz a comunicação a uma mediação que, ao ordenar, inibe a livre manifestação do comunicar.
Porém e apesar desse processo ordenador, encontra-se denso
processo comunicativo, através do qual é possível traçar uma
resistência informal, mas suficiente para apreender a cidade
que se faz ver através dos lugares das suas trocas interativas.
As atuações empíricas desenvolvidas têm sido fundamentais para apreender, de um lado, a necessidade da atividade
empírica para estudar, de modo concreto, em que consiste a
comunicação que se registra em um objeto que, ao se afastar
do domínio manipulado pelos meios técnicos, se apresenta de
modo inusitado e imprevisível. De outro lado, esse exercício tem
sido suficiente para analisar manifestações comunicativas que
apresentam dimensões midiáticas de ordem ética e estética
com desdobramentos políticos e morais que colocam, para
511
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
uma empiria da comunicação, outras e novas temáticas que
precisam ser estudadas, porque atingem o cerne da sua ontologia e sugerem outros parâmetros epistemológicos.
512
Sumário
68 O Minhocão: entre curvas e retas
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Regiane Miranda de Oliveira Nakagawa
Inaugurado em 1971 pelo então prefeito Paulo Maluf, o
elevado Costa e Silva, mais conhecido como Minhocão, possui
3,4 km e liga a praça Roosevelt ao Largo Padre Péricles. Para
evitar acidentes noturnos e, por causa do barulho, o Minhocão
é fechado após às 21:00hs de segunda a sábado. Aos domingos e feriados, o elevado é interditado ao longo de todo o dia.
Nesses períodos, o Minhocão adquire outra configuração, pois se transforma numa grande área de lazer, em virtude
da apropriação realizada pelas pessoas que residem no seu
entorno. À noite, é possível observar a presença de corredores
e ciclistas que aproveitam a imensa passarela para se exercitarem. Aos domingos, é maciça a presença de esportistas, grupos
de amigos e famílias inteiras, que transformam o elevado numa
espécie de praça “horizontal”, onde realizam inúmeras atividades de lazer. Em ambos os casos, nota-se que o uso feito do
espaço não se coaduna com aquele para o qual ele foi projetado. É justamente por meio dessa relação tensiva, na qual
se observa a contínua fricção entre o programa instituído pelo
urbano e o movimento da cidade, que intentamos observar
a relação que se estabelece entre mediação e interação na
cidade, como também, o modo pelo qual a urbe constrói uma
retórica própria.
Com base numa série de derivas realizadas no Minhocão
a partir do segundo semestre de 2012, foi possível delinear um
513
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
caminho investigativo para a pesquisa. Em primeiro lugar, cumpre salientar que a visualidade do Minhocão não se dissocia
dos prédios alocados no seu entorno, cujo diálogo é essencial
para apreender a diversidade de relações e vínculos que distinguem a sua comunicabilidade. Outro aspecto distintivo da sua
visualidade diz respeito à horizontalidade, como também, às
curvas presentes ao longo do seu trajeto. No caso da primeira,
nota-se como ela se coloca como condição de possibilidade
para o estabelecimento de novas associações, a começar
pela própria concepção de “praça horizontal”. Além disso, a
horizontalidade também contribui para a constituição de uma
visualidade em perspectiva, gerando uma “espacialidade
ótica”, marcada pelo direcionamento perceptivo, enquanto
as curvas tendem a romper com o ponto de fuga, ocasionando
a edificação de uma “espacialidade háptica”, marcada por
um maior envolvimento sensório-perceptivo, do qual resulta
a constituição de novas formas associativas. A partir dessas
observações iniciais, foi possível aventar duas hipóteses para
a pesquisa: 1) as diferentes associações geradas pelo elevado
tendem a constituir uma espécie de “memória comum” que,
por sua vez, geram novos usos nos quais se observa a dominância ora da mediação, ora da interação; 2) tais usos permitem
apreender a constituição de diferentes formas argumentativas
na cidade, nas quais se observa a correlação entre processos
lógicos e sistêmicos.
514
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
69 Nas dobras do tempo e da
comunicação: os processos de renovação
urbana em São Paulo e Berlim
Adriana Maciel Gurgel Santos
O presente trabalho tem como objeto empírico a cidade, especificamente o centro de São Paulo (marcado pelo edifício Copan,
projetado na década de 1950 por Oscar Niemeyer) e o bairro berlinense Hansaviertel (concebido no final da década de 1950, de
acordo com as premissas do Movimento Moderno). Empreendimento
idealizado para as comemorações do IV Centenário de São Paulo,
o Copan teve sua construção inserida no programa de renovação e modernização da cidade, que se preparava para comemorar 400 anos. Dentro deste contexto, o edifício explicita, em sua
forma, escala, dimensões e programa, o ideário desenvolvimentista
moderno. Em Berlim, o antigo Hansaviertel foi praticamente destruído pelos bombardeios da Segunda Guerra, e sua reconstrução foi
objeto de uma requalificação urbanística e arquitetônica vinculada à realização de uma exposição internacional de arquitetura
(INTERBAU – Internationale Bauausstellung), que ocorreu em 1957.
Situada no momento histórico do pós-guerra, marcada pela divisão
de Berlim e pela concorrência entre os sistemas capitalista e socialista, a exposição, que tinha como lema “a cidade do amanhã”
(die Stadt von Morgen), desejava refletir, a partir da arquitetura e
urbanismo modernos, uma sociedade livre e democrática. Oscar
Niemeyer projetou um edifício habitacional para o Hansaviertel, e foi
o único representante latinoamericano da INTERBAU.
515
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Por meio do levantamento empírico de processos ora
mediativos, ora interativos, ou ainda, situados entre a mediação
e a interação, busca-se investigar o confronto (e o possível diálogo) entre distintas representações flagradas na cidade como
meio técnico (cidade planejada, racionalmente projetada a
partir do ideário que caracterizou o Movimento Moderno, registrada em mapas, desenhos e textos de projetos, textos acadêmicos e de periódicos) e na cidade como meio comunicativo
(modelada pelo cotidiano vivido e por suas manifestações
signicas – icônicas, indiciais e simbólicas; cidade metodologicamente flagrada a partir de deslocamentos feitos à deriva,
orientados por manifestações comunicativas). Estas duas categorias de análise da cidade (como meio técnico e como meio
comunicativo) são trabalhadas a partir de suas variáveis de
espacialidade, temporalidade e visualidade, indo além, no
entanto, da descrição e da análise fenomênica. Deste confronto, e enquanto objeto epistemológico da pesquisa, procura-se apreender, por meio daquelas variáveis, os processos
cognitivos que podem constituir paradigmas para uma possível
epistemologia da comunicação na cidade. O objetivo deste
trabalho consiste, assim, na investigação daquelas representações (flagradas nos espaços do habitar em São Paulo e em
Berlim) como signos de uma visualidade icônica e indicial que
comunicam modos de vida na cidade. Trabalha-se principalmente com a hipótese de que estas representações podem
promover uma incessante renovação comunicativa dos lugares urbanos, capaz de engendrar o conhecimento da cidade
como laboratório comunicativo.
516
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
70 Avenidas Paulistas possíveis: por uma
epistemologia da comunicação por meio do olhar
Marília Santana Borges
A presente pesquisa empírica tem como objeto de trabalho a Avenida Paulista. Inaugurada no fim do século XIX, a
avenida, em um primeiro momento, configurou-se como um
grande bulevar, que abrigava os casarões da burguesia industrial e cafeeira paulistana. A sua afirmação como importante
artéria de ligação e crescente verticalização a definiram como
principal centro financeiro de São Paulo, condição abalada a
partir da década de 1980, com a efetivação de outros centros de negócios, como a Berrini, por exemplo. Porém, o caráter
emblemático e simbólico da Paulista permanece muito forte
e, em conjunto com sua história que perpassa distintas fases, a
tornam um rico e complexo laboratório para a pesquisa.
Nela, pulsa o confronto de uma avenida institucionalizada
e planejada, que conta seu percurso sob a ótica do progresso
e usufrui do título de grande símbolo da cidade, com outra
que resiste e cotidianamente se reinventa, aflorando de suas
brechas e fissuras distintas narrativas, espacialidades e temporalidades. Os recentes protestos realizados em São Paulo também destacaram a Paulista como principal palco de disputa
entre o Estado e os manifestantes, ratificando sua condição de
espaço iluminado. Entender o porquê desse peso simbólico,
assim como evidenciar os distintos processos comunicativos de
caráter mediativo e interativo que nela se apresentam e a res-
517
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
significam, transitando entre essas esferas, é o objetivo desta
pesquisa.
Como estratégia metodológica, derivas estão sendo realizadas pela avenida, com o intuito de flagrar tais processos no
calor do momento. Tais vivências serão analisadas e confrontadas com a deriva ‘em quadrinhos’ empreendida por Luiz Gê
em seu romance gráfico Avenida Paulista, publicado em 2012
pela Companhia das Letras, já que os quadrinhos possuem uma
interativa relação com as ambiências urbanas.
Nesta HQ, Luiz Gê conta a história da criação e afirmação
da avenida, desde a sua fundação, mas não de uma forma
linear, cronológica e meramente informativa, ratificando um
discurso oficial. Ao contrário, o quadrinista a constrói como uma
fábula, superpondo tempos, mesclando memórias, empregando alegorias, trabalhando elementos gráficos da linguagem, apontando caminhos, o que enriquece a sua montagem
e a experiência cognitiva do leitor, além de traduzir, sob a sua
ótica, as tensões que atravessam e cotidianamente reinventam a cidade.
Coloca-se, com isso, a pergunta: ‘como diferentes maneiras de olhar apresentam possíveis Avenidas Paulistas?’, inferindo-se a hipótese que desconstruir e colocar em relação
dialógica essas distintas derivas – realizadas pela pesquisadora
e por Luiz Gê em sua HQ -, esgarçam qualquer configuração
semiótica ou conceituação de cidade, cruzando olhares distintos que revelam a tensão de seus processos, produzindo, com
isso, uma epistemologia da comunicação por meio do olhar.
518
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
71 Entre Japão e Brasil – imagem
de bairros multiétnicos
Michiko Okano
O presente trabalho pesquisa a imagem de dois bairros multiétnicos que se destacam sobremaneira como bairros
coreanos: o Bairro do Bom Retiro, em São Paulo, Brasil, e o Bairro
de Shin-ôkubo, em Tóquio, Japão. Estudam-se as visualidades
que representam o existir e o viver de um bairro multiétnico
e analisa-se como elas nos provocam e convocam a pensar
sobre a questão de ser o “outro”, isto é, viver num país no qual
não se nasceu, de ser, enfim, estrangeiro. Foram escolhidos dois
bairros de países diferentes, um ocidental e outro oriental, a fim
de que seja possível estabelecer diálogos não somente entre
as suas diferenças, mas encontrar também similaridades. Este
estudo vem sendo desenvolvido desde 2009, com viagens para
o Japão por 4 anos consecutivos para acompanhar o desenvolvimento do bairro de Tokyo.
A análise da imagem desses bairros realiza-se por meio
dos conceitos comunicativos de mediações e interações, os
quais possibilitam desvendar o que subjaz na relação entre
ambas; em que aspectos o bairro multiétnico se mostra como
tal; o que permite pensar com base nessas características e o
que se recusa a revelar.
Foram, preliminarmente, adotadas cinco variáveis para
a análise dos bairros: deslocar, agrupar, mostrar, esconder e
conviver. O deslocamento é, neste caso, de pessoas que atra-
519
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
vessam as fronteiras nacionais, distanciam-se da sua terra natal
e tentam uma nova vida nas cidades: são produtos de novas
diásporas criadas pelas migrações pós-coloniais. No Bairro do
Bom Retiro, esses deslocamentos englobam nacionalidades
variadas, que abrangem os italianos, cuja imigração se mostra dominante a partir de 1880, judeus, desde 1920, gregos, na
década de 1950, coreanos, de 1970 em diante, e bolivianos
nestas últimas três décadas. Em Shin-ôkubo, a maior concentração de coreanos ocorre a partir de 1950 e a de pessoas do
sudeste asiático (Tailândia, Índia, Filipinas, Sri Lanka) inicia-se na
década de 1990.
Tal agrupamento de nacionalidades distintas faz do
bairro étnico ou multiétnico, o qual ocorre em várias localidades do mundo, um lugar singular, construído pela necessidade
de conservar e fortalecer a identidade dos imigrantes em sua
condição de ser o “outro” num país estrangeiro.
O mostrar-se significa o modo fenomenológico pelo qual
essa multiculturalidade se manifesta em um lugar específico
de concentração de etnias. No Bom Retiro, os setores comerciais lugarizam espaços: etnias misturam-se de acordo com o
comércio local de confecções, ao passo que, em Shin-ôkubo,
as etnias lugarizam espaços: elas são os elementos simbólicos
da comercialização. No bairro brasileiro, o que se mostra para
vender é o produto comercial (confecções) e, no japonês, o
caráter étnico é o que se apresenta para o estabelecimento
das relações comerciais (restaurantes, mercadorias pop, gêneros alimentícios, cosméticos, etc.).
520
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
O ocultar está presente nas minorias étnicas do bairro,
como no caso dos bolivianos no Bom Retiro ou dos asiáticos do
sudeste em Shin-Ôkubo. Também se manifesta nos vestígios de
imigrações não mais dominantes do bairro (tal qual os judeus
no Bom Retiro) ou num lugar que se destina exclusivamente
ao uso dos imigrantes, como uma mesquita ou um restaurante
sem indicação de placa na língua do país onde se localiza, ou,
ainda, num museu que denuncia o biopoder japonês contra os
coreanos.
A convivência de várias nacionalidades num mesmo
lugar produz diversas visualidades conforme a etnia, guiada
por uma intencionalidade coletiva comercial do mundo capitalista. Mas também se referem à coexistência de atividades
de tempos distintos, como hotéis, lojas musicais, restaurantes e,
em Shin-ôkubo, comércio pop coreano. O conviver traz outro
parâmetro, o da tolerância, traduzido no permitir-se viver em
comunidade, porque os imigrantes, na maioria das vezes, não
são agasalhados pelo governo local.
A hipótese levantada é a de que a imagem de um bairro
multiétnico é dominantemente sustentada por uma comunicação mediada, em que a interação é pouco observada, por
se tratar de um espaço do biopoder. No entanto, diferenças
podem ser notadas entre um país aberto à imigração como o
Brasil e um país que possui um sistema mais fechado, como o
Japão.
521
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
72 O circuito Barra-Ondina e a
espetaculização da cidade do carnaval
Fábio Sadao Nakagawa
Trata-se de uma pesquisa que está sendo desenvolvida
pelo grupo de pesquisa ESPACC em parceria com o Programa
de Educação Tutorial da Faculdade de Comunicação da UFBa.
A pesquisa visa elucidar o funcionamento da cidade como um
meio de comunicação, tendo por objeto de investigação o circuito carnavalesco localizado na orla da cidade de Salvador,
conhecido como Circuito Dodô ou Barra/Ondina. O Circuito é
constituído por 4,5 quilômetros, onde passam diferentes blocos
e trios elétricos, em um percurso que dura em média quatro
horas. A programação de 2013 começou no dia 7 e terminou
no dia 12 de fevereiro. Sobre ele, incide a seguinte questão: de
que maneira o Circuito Barra/Ondina altera a cidade por meio
de processos mediativos e interativos, caracterizando a cidade,
ao mesmo tempo, como meio técnico e comunicativo?. Para
o desenvolvimento da pesquisa, partimos das seguintes caracterizações: 1) em função do carnaval, o trecho que parte do
Farol da Barra até a Avenida Adhemar de Barros transforma-se
num espaço de espetáculo e, com isso, produz sobre a cidade
um local de visibilidades pública e privada; 2) a cidade funciona como suporte de mensagens e programas padronizados, sendo redesenhada como um grande palco de atrações.
Dessa forma, é possível verificar a predominância da tecnosfera
sobre a psicosfera por meio do confronto entre a cidade pro-
522
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
gramada/ imaginada e a cidade indicial, oriunda do devir do
cotidiano. Enquanto a primeira consiste numa esfera da racionalidade produtiva que lhe confere uma caracterização altamente programática, a segunda refere-se à esfera das ideias
e crenças, em que os significados são produzidos no embate
com o cotidiano do espaço vivido. A metodologia de análise tem como base a realização de pesquisa de campo por
meio de visitas “exploratórias” junto aos bolsistas do PETCOM
sob a minha tutoria nas quais está sendo feita a discriminação
semiótica do local, com o objetivo de apreender o modo pelo
qual se opera a interação entre tecnosfera e psicosfera para
a construção do espaço de visibilidade e de exponibilidade. A
primeira etapa da coleta de dados foi feita antes e durante o
carnaval deste ano. Munidos de câmeras fotográficas, eu e os
alunos registramos a orla de Salvador e acompanhamos o processo de montagem dos camarotes e, posteriormente, o desfile
dos trios elétricos e a movimentação dos carnavalescos. Até
o momento, conseguimos identificar dois trechos com visualidades distintas: 1) do Farol da Barra até o Morro do Cristo e 2)
Do Morro do Cristo até final do Circuito, no bairro de Ondina.
No primeiro trecho, há a diálogo entre a orla e os camarotes,
favorecido pela perspectiva gerada pelo ponto de vista de
quem está no início do circuito até o Morro do Cristo, que permite a construção da horizontalidade. Dessa forma, surge uma
pista linear semelhante às passarelas dos desfiles das escolas de
samba do Rio de Janeiro e de São Paulo. Ocorre a publicização do espaço público e a exponibilidade é gerada com base
nessa grande passarela. No segundo trecho, forma-se um pare-
523
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
dão por meio dos dois corredores paralelos de prédios, morros
e camarotes. Nesse trecho, estão os principais camarotes, tais
como o da Band Folia e da Cláudia Leite. A visibilidade do mar
desaparece e a passarela adentra uma espécie de espaço
fechado pela claustrofobia produzida pelos paredões. A festa
pública continua na rua, mas outro espaço se ilumina: o interior
dos camarotes. Dessa forma, o eixo é invertido. Da privatização
do espaço público, surge a publicização do espaço privado.
No primeiro, a rua é o espaço predominante de exposição e,
no segundo, o camarote passa a ser o principal local de visibilidade. A pesquisa, ainda em construção, terá um segundo
momento de exploração do campo, que ocorrerá no carnaval de 2014. Além do circuito Barra-Ondina, será investigado
também o circuito Batatinha, localizado no Centro Histórico de
Salvador. Trata-se de circuito mais antigo, que ainda mantém
marcas da tradicional festa pública frequentada pelos habitantes da cidade. A intenção é construir um contraponto entre
os circuitos para conseguir elucidar o funcionamento do processo de espetaculização presente no circuito Barra-Ondina.
Além disso, busca-se comprovar ou não a presença do o envolvimento dos carnavalescos com a cidade com a intenção de
criar a singularidade da multidão distinta do ambiente geral de
espetacularização do carnaval.
524
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
73 Grafites, pichos e bombs: espetacularização
e carnavalização nas ilustrações da cidade
Adriana Vaz Ramos
O objeto empírico dessa pesquisa são as ilustrações feitas
nos muros da ligação Zona Leste/ Zona Oeste da cidade de São
Paulo, mais especificamente, do Largo Padre Péricles (ZO) até o
entorno da construção do Estádio do Corinthians, em Itaquera
(ZL). Tal ligação é uma autovia expressa da cidade, cuja função
principal é conectar o Elevado Costa e Silva, o Minhocão, à via
axial mais conhecida como Radial Leste, porém esta designação não é oficial, porque ao longo de sua extensão esse trajeto
possui diversos nomes diferentes. Trata-se de uma via horizontal
com características bastante semelhantes em toda sua extensão e, por essa unidade sugerir um corredor, é também identificada como “a continuação do Minhocão”. Construída entre o
final da década de 1960 e o início dos anos 1970, a Radial Leste,
assim como o Minhocão, gerou inúmeras polêmicas por contribuir para a degradação das regiões que tiveram suas ruas
seccionadas, sobretudo na Baixada do Glicério e no bairro da
Bela Vista, na região do Bixiga.
Ainda na fase inicial da pesquisa, a adoção da deriva
como estratégia metodológica para observação da ligação
ZL/ ZO tornou evidente a existência de diferentes formas de
ilustrações, feitas nos muros dos prédios e no concreto dos viadutos. Nestes suportes, foi possível registrar grafites, pichos e
bombs, pinturas que, embora possam ser confundidas entre
525
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
si por um olhar apressado, marcam processos comunicativos
muito distintos.
Atualmente o grafite possui maior aceitação que as
demais formas de ilustração da cidade e já é considerado
como uma forma de expressão incluída no âmbito das artes
visuais. Em geral, são desenhos de complexa elaboração, feitos com muitas tintas coloridas, podem ser encontrados até
mesmo nas galerias de arte, no Brasil e no exterior. Aceitos pelo
poder público e muitas vezes oficialmente patrocinados, tanto
que, no corredor estudado, são protegidos por grades de ferro,
contra possíveis atos que os destruam.
Encontra-se na mesma região, em maior quantidade os
pichos e bombs que são vistos como contravenções e vandalismos. Bombs e pichos assemelham-se por serem ações desautorizadas, realizadas com rapidez, em locais estratégicos de
grande visibilidade. Os bombs são pinturas de letras grandes,
encorpadas e arredondadas, executadas em pouco tempo e
com poucas cores. Quase sempre são produzidos por artistas
organizados em grupos, denominados por eles de crews. Em
maioria, essas inscrições são assinaturas de pseudônimos de
seus autores. Os pichos são quase sempre feitos em letras mais
finas, de uma só cor. Podem tanto ser assinaturas como expressões de protestos. Por esse caráter de ação ilegal e também
por serem inscrições quase criptografadas, de difícil leitura, o
senso comum já os associou às ações do PCC. Entretanto, essas
ilustrações são manifestações de cultura urbana, comum às
outras cidades estrangeiras e também ligadas a diversos outros
movimentos originados nas periferias, tais como o hip hop, que
526
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
possuem fabulações próprias, distante das práticas de cultura
elitista.
A tensão existente entre essas duas formas de ilustrações
urbanas, presentes na ligação ZO/ ZL, é o interesse dessa pesquisa. As formas de representação mencionadas guardam em
si o desajuste inerente aos processos comunicativos mediativos
e aqueles caracterizados pela interação. Os grafites são ilustrações espetacularizadas, toleradas por serem compreendidas
como formas de embelezamento urbano e correspondem ao
“lado a” das pinturas das cidades. Os pichos e bombs utilizam
os mesmos suportes e os mesmos materiais dos grafites, entretanto podem ser compreendidos como o “lado b” dessa forma
de expressão. Invertendo o conceito construído a respeito dos
grafites como forma de representação, as crews de pichos e
bombs parecem gerar estratégias de biopolítica.
Busca-se trabalhar com a hipótese de que as crews que
agrupam os pintores de bombs e de pichos possuem intencionalidades coletivas, traduzidas por suas inscrições nos muros
públicos, no sentido de ressignificar o uso que é feito da ligação
ZO/ ZL. Talvez seja possível encontrar, em meio à visibilidade
desordenada dessas ilustrações, uma forte carga de informação, capaz de transportar o observador mais atento ao nível
da visualidade intrínseca à essa forma de expressão urbana,
voz de artistas da periferia, não inseridos no mainstream.
527
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
74 Cartografia do Medo: as estratégias de
poder da imagem na cidade de São Paulo
Adriano Miranda Vasconcellos de Jesus
Em busca de uma governabilidade eficiente, o estado
constrói novas estratégias para a atuação no território midiático. Entre elas está a construção do medo como forma de
controle do imaginário e da ação. A midiatização do poder do
Estado parte da necessidade de ordenação do mundo sensível
pela utilização de estratégias figurativas.
A presente pesquisa se ocupa deste medo como potencialidade de instituições sociais autônomas e indutoras do
imaginário social. Na observação da produção midiática de
massa dos últimos vinte anos, destaca-se o posicionamento de
uma Cultura Dirigente preocupada com a eficiência da atuação estatal capaz de assegurar os direitos adquiridos no âmbito
urbano. Atuando através de vetores como Vigiar, Sanear,
Alertar, Deslocar e Formalizar, o poder gera imagens em um
sistema de coordenadas que possibilitam observar suas formas
de intencionalidades recorrentes. O objeto de estudo refere-se ao medo implantado a partir do ambiente comunicativo
das cidades, recuperado e ordenado espetacularmente pelas
mídias de massa, expandidos pelos processos de comunicação (espontâneos ou não) e dissolvidos na cultura cotidiana.
Partindo de variáveis do território urbano onde o medo é uma
manifestação visual identificável, a pesquisa considera como
hipóteses: 1) o meio comunicativo induz o medo em suas pro-
528
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
duções para estimular um modo ordenado de relações com
o espaço, 2) a midiatização do poder gera imagens estratégicas que procuram induzir a aceitação das suas próprias atuações de controle do imaginário, 3) aquelas imagens procuram
concretizar intencionalidades coletivas que têm como objetivo
assegurar uma resposta afirmativa à ação induzida.
A pesquisa tem como corpus os elementos que se alojam
nos resíduos não planejados da cidade, os bairros da cidade
de São Paulo que não possuem visibilidade midiática e o modo
como criam sua própria mídia informal. O foco estará nas estratégias da midiatização presente na diferença entre o poder
da mídia formal e a mídia informal em regiões selecionadas da
cidade de São Paulo. Tal pesquisa empírica partirá das ações
complexas e tensivas ocorridas nas áreas residuais de São Paulo
partindo das cartografias dos incêndios de favelas em um período de 2006 a 2013 relacionados aos projetos e leis aprovadas com características de alterar as formas de uso e costumes
da região e a consequente repercussão na mídia. Pretende-se
que os resultados obtidos na presente pesquisa caracterizem
um viés de um objeto mais epistemológico do que empírico.
529
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
75 Espaços residuais: entre o aproveitamento e o
descarte comunicacional dos lugares da cidade
Thiago Machado Balbi
O termo espaço residual é usado para designar aquelas
espacialidades geradas pelas inúmeras “sobras” acumuladas
no processo de construção das cidades através do seu percurso histórico. Toda cidade possui seus terrenos baldios, imóveis
abandonados, canteiros, jardins, alças de viadutos, escadarias, empenas cegas, muralhas, linhas férreas, becos e inúmeras
outras “sobras” que são, não só inevitáveis, mas, muitas vezes,
necessárias para o seu funcionamento e existência. Nota-se
que o termo é abrangente e difícil de definir com precisão. No
entanto, a partir dos exemplos anteriores, é possível perceber
que alguns espaços já surgem como residuais: a empena cega
de um edifício, a alça de um viaduto, um terreno baldio... E
outros, por sua vez, se tornam residuais com o passar do tempo,
como nos casos de abandono, tanto de imóveis, como de praças e equipamentos públicos. Assim, o uso – ou melhor, a falta
de uso – é uma das características mais evidentes do espaço
residual. O primeiro caso revela que o projeto não considerou
o uso de um determinado espaço ou considerou um uso muito
limitado, específico e previsível. Já o segundo, revela que seu
uso foi diluído – enfraquecido – com a ação do tempo.
Há, no entanto, um terceiro caso, que se refere àqueles
espaços que surgem residuais mas assumem usos imprevistos.
O gramado de uma alça de viaduto pode virar um campo de
530
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
futebol para a vizinhança, um canteiro pode ser ocupado por
vendedores informais ou moradores de rua e uma escadaria
pode se tornar um museu de arte urbana; são infinitas as formas
de reaproveitamento, ou reciclagem, de espaços residuais.
Nesse contexto abrangente e complexo não há como
especificar precisamente o que é um espaço residual, mas
apenas constatar que a cidade – sobretudo através da ação
de seus usuários – descarta alguns espaços, transformando-os
em resíduos, ao mesmo tempo em que recicla outros. Assim,
mais do que um conceito estanque, o espaço residual é marcado por vetores, por tendências, que levam ao seu descarte
ou sua reciclagem.
A problemática do espaço residual, não é muito diferente
da do lixo. Sabe-se que o lixo – um dos sinônimos de resíduo
– não é necessariamente descartável; com as preocupações
ambientais contemporâneas o lixo se tornou algo muito mais
complexo do que o simples descarte. A reciclagem do lixo,
além de reduzir impactos ambientais, possuí um alto potencial produtivo e criativo. O primeiro, estende o ciclo de vida
de alguns materiais ou os transforma em combustíveis, adubos,
etc. Já o segundo, é notável nas incontáveis formas de reaproveitamento de resíduos – embalagens e outros objetos – que
são ressignificados por artesãos e designers. Os casos em que
o espaço residual é apropriado por usos imprevistos parecem
ser fruto desse potencial produtivo e criativo que envolve o resíduo/lixo. Assim como o espaço residual, o lixo também é atravessado por vetores, tendências, que levam ao seu descarte
ou sua reciclagem.
531
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Essa condição complexa permite afirmar que esse processo de ressignificação pelo qual o resíduo/lixo passa quando
não é descartado é, também, um processo semiótico. Desse
modo, para além dos aspectos construtivos e materiais, que
caracterizam os espaços residuais enquanto meio técnico,
este estudo inclina-se pra a interpretação dessas espacialidades como meio comunicativo. Ou seja, os aspectos semióticos
e informacionais devem ser observados e interpretados a fim
de apreender as tendências de transformação dos espaços
residuais nas relações de mediação e interação engendradas
entre os usuários e tais espacialidades.
O trabalho terá como base empírica a cidade de São
Paulo. As operações de observação e interpretação dos espaços residuais serão fruto de uma série de derivas em lugares
aleatórios pela capital paulistana e, portanto, não é a sua
localização que interessa neste estudo empírico, mas, sobretudo, os movimentos e transformações dos espaços residuais no
espaço/tempo. Através da estratégia metodológica da deriva
pretende-se flagrar essas espacialidades pelos seus indícios e
“assinaturas” que podem revelar o modo como se desenvolvem os processos e mediação e interação estabelecidos entre
os usuários e os espaços residuais.
Com base nestes aspectos levantados, que vão muito
além de uma condição inerte e permanente do espaço, o que
interessa para este trabalho não são os espaços residuais em si,
mas a potencial residualidade presente em diversas espacialidades. O termo “espaço residual” passa uma ideia de constante, já a “residualidade do espaço” abrange a variável que
532
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
faz com que estes possam ser descartados e/ou reciclados;
assim como o lixo.
A hipótese levantada nessa fase inicial do trabalho consiste
no fato de que, enquanto meio comunicativo, os espaços residuais apresentam, pelo menos, duas formas de residualidade.
Uma “residualidade mediativa”, marcada por “uma comunicação de mão única de caráter transmissivo”, e, por outro
lado, uma “residualidade interativa”, fruto de “uma comunicação que ocorre na possibilidade incerta do comunicar ao
processar-se no intercâmbio de emissores e receptores”. A primeira, estaria relacionada aos espaços residuais descartados,
e a segunda, aos reciclados.
533
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
BLOCO C
76 Beleza Brasileira
Gustavo de Castro
A pesquisa visa colher, tratar, sistematizar e explorar dados
quantitativos e qualitativos, imagens, documentos, bibliografias, narrativas e índices dos imaginários da beleza brasileira. A
investigação problematiza o trajeto sociocultural, antropológico e econômico do final da década de noventa do século XX
até a primeira década do século XXI. Trata-se de investigação
estética (dos imaginários sociais, poéticas periféricas, afetos no
espaço da vida cotidiana, moda e cosmetologia, movimentos
artísticos locais, periféricos e regionais, tendências e percursos
do belo e do feio contemporâneo) da beleza brasileira. Envolve
para isso corpo significativo de pesquisadores1 em torno do
problema do “complexo da beleza” no contemporâneo, impli1 São 15 pesquisadores da Universidade de Brasília – UnB, de quatro faculdades diferentes: Faculdade de Comunicação (FAC),
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), Instituto de Artes (IDA)
e Faculdade de Administração (FA). São professores com dedicação
exclusiva, alunos de doutorado, mestrado e especiais. São sete pesquisadores de outras instituições: Universidade Católica de Brasília/
UCB, Universidade Estadual do Rio de Janeiro/UERJ, Universidade
Federal do Rio Grande do Norte/UFRN, Universidade Estadual do
Rio Grande do Norte/UERN e Ministério da Cultura/MinC. Contamos
ainda com três técnicos; um pesquisador-colaborador.
534
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
cando na inclusão do feio como parâmetro de análise estética.
As pesquisas aqui sugeridas devem resultar obrigatoriamente
na produção de artigos científicos a serem apresentados em
seminário específico reunindo os pesquisadores, alunos e colaboradores envolvidos, além de convidados. Estes artigos serão
compilados na forma de livro organizado pelo coordenador do
projeto, professor Dr. Gustavo de Castro e pela professora Dra.
Cláudia Maria Busato, com apresentação de ambos, a ser lançado no segundo semestre de 2015.
A questão da beleza é complexa no Brasil por que passa
pelo imaginário (individual, grupal e social) do brasileiro e, também, sobre a prática socioeconômica de um país que é o
segundo maior consumidor de cosmetologia do mundo. O projeto propõe investigar os percursos, imagens e imaginários do
belo e do feio no Brasil para que se possa compreender a situação da esfera estética em nosso país. Esteticamente, como o
brasileiro se vê? Quais são as reflexões e práticas formais a respeito dos valores estéticos e das representações sobre o corpo,
a arte, os símbolos que se pode elaborar/analisar/pensar/re-pensar e que aponte uma nova visão da beleza (ou uma visão
ampliada de Brasil). Ver o país a partir da dimensão do sensível,
do feminino e dos afetos da vida cotidiana é uma das inovações desta proposta.
O problema a ser enfrentado nesta pesquisa é o da complexidade da beleza brasileira. Em uma estrutura social o modelo
estético é uma “opção cultural” em que os indivíduos que dela
participam produzem e são produtos de classificações estéticas. Atualmente, a beleza brasileira tornou-se um produto de
535
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
venda por excelência, de marketing e de políticas do desejo.
Os brasileiros foram definidos por processos culturais que definiram o seu processo estético. A investigação desses processos é aqui central. As representações da beleza e da feiura no
campo cultural, nos diversos setores do conhecimento (ciências da religião, mitologia, filosofia, história, antropologia, psicologia, arte, comunicação, vida cotidiana, entre outras) têm
como pressuposto a ordenação de um conjunto de estratégias
utilizadas para suscitar um determinado conjunto de efeitos
nos seus receptores. Percebendo o espaço acadêmico como
meio de compreensão, constante reflexão sobre os processos,
relações sociais e imaginárias, explicita-se a importância desta
pesquisa para um diálogo entre o audiovisual e a arte, que se
dá justamente pela proposta de discussão teórica do imaginário, audiovisual, artes e estéticas com foco na beleza e no
feio, além de suas replicações na mídia brasileira. Para pensar a
beleza que se constrói nos corpos, obras e gestos na sociedade
brasileira contemporânea, rica pela diversidade étnica e as
influências interculturais, faz-se necessário delinear alguns marcos ou registros do embelezamento nas últimas décadas. Nesta
perspectiva cabe, em primeira instância, divisar estudo que
pense as práticas individuais da beleza e os rituais coletivos que
marcaram seus deslocamentos de sentido. É importante ressaltar, inclusive, que o arcaico (ancestral) está presente no programa gestual e expressivo contemporâneo. O Corpus desta
pesquisa compreende os seguintes recortes: 1) O tecnobrega
de Belém do Pará, de Goiânia, Salvador e Recife); 2) O feio e
o belo na arte produzida nas pequenas cidades (expedições a
536
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
partir dos grandes centros); 3) A arte de rua e as intervenções
urbanas; 4) a arte digital em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro;
5) As pomba-giras e a imagem do feminino sagrado-e-profano
nos terreiros e Umbanda e Candomblé pelo Brasil; 6) Os afetos e
as narrativas da vida cotidiana nos espaços da cidade; 7) Feio,
grotesco e deboche a partir dos arquivos da mídia; 8) A estética da moda e os bancos de dados da economia da beleza
(São Paulo e Rio de Janeiro); 9) O discurso, o imaginário e as
narrativas da mídia sobre a beleza e 10) Mapeamento icônico
da beleza brasileira. A presente proposta investigativa prevê
quatro etapas: 1) Pesquisa de campo e documental sobre a
beleza brasileira; 2) Produção de artigos/ensaios (científico) a
partir da pesquisa realizada; 3) Evento para apresentação dos
artigos/ensaios e 4) Produção de livro.
A ideia de nação como comunidade imaginada parece
mais explícita do que nunca, embora sempre reconfigurável,
por seu próprio caráter discursivo e, por conseguinte datada
historicamente e sempre provisória. Assim, a brasilidade, inspirada no conceito de “inglesidade”, citado por Hall (2003, p. 49)
estaria aberta a toda uma série de ressignificações. A ideia de
Brasil que se quer mostrar, do brasileiro comum, reificado pela
mídia nativa, estaria em processo de plena mudança. Sem pretender ser genérico, antes o estudo pretende ser complexo2,
lança um olhar que busca a unidade na multiplicidade, isto por
2 Edgar Morin, sobre a necessidade de um pensamento complexo,
afirma que “não podemos isolar uma palavra, uma informação; é
necessário ligá-la a um contexto e mobilizar nosso saber, a nossa cultura” (MORIN, 2003, p. 13).
537
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
que o Brasil dos últimos anos testemunhou diversas transformações econômicas e sociais que, obviamente, reverberam na
própria ideia de Brasil compartilhada fora e dentro do país. A
ascensão da nova classe média, o aumento de seu poder econômico/aquisitivo, é um fenômeno que traz consigo uma série
de impactos culturais.
Faz-se mister nessa análise a compreensão do gosto como
uma das formas de conformar hierarquias. O capital cultural, tal
como definido por Bourdieu (2008), é inegavelmente um forte
fator de segmentação, de diferenciação social. Um capital
que reduziria o conceito de cultura a uma de suas acepções
clássicas, a uma espécie de sinônimo de educação formal. O
excessivamente popular, dentro desta visão dicotômica, estaria direcionado ao grupo formado pelos supostamente “menos
exigentes”. Sem embargo, as identidades e hierarquias simbólicas contemporâneas revelam de maneira explícita as suas
incongruências e fissuras. A ideia de um sujeito estável, produto
de uma mentalidade positivista, parece desmoronar ante a
profusão de novos significados atribuídos por diversos lugares
simbólicos partilhados por um mesmo sujeito. A própria ideia de
nação é um bom exemplo de como o grupo de pertencimento
por excelência padece do mesmo mal das instituições contemporâneas: a precariedade.
Elencam-se duas categorias a serem exploradas dentro da
temática “beleza brasileira” e que ajudarão no sentido de articular funcionalmente a busca pela resolução do problema de
pesquisa apresentado. São elas: Os imaginários e As paisagens.
538
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A primeira categoria visa tratar as questões relacionadas
ao momento de reconfiguração da beleza no Brasil – no final
do século XX ao início do século XXI, as tensões e hierarquias
conceituais: pureza x mistura; natureza x cultura; culto x inculto;
popular x erudito; comunicação x incomunicação, passando
pelos mitos fundadores: o feminino, o idílio; o paraíso; “inferno
verde”, o universo fantástico, chegando finalmente às imagens
e imaginários da beleza e da feiura no Brasil. A investigação
dos “campos imaginários comuns” possibilita, por exemplo, a
compreensão e o valor dado às curvas e cores no Brasil; os ícones da beleza sincrônica e diacronicamente associados; assim
como explorar a dinâmica de gestualidade, o riso, o deboche
e a gargalhada como fatores de resistência sociocultural; os
afetos; os espaços sociais e a vida cotidiana, entendidos a partir do prisma da sedução, paixão, amizade, amor e a simpatia,
a atração e a repulsão.
A segunda categoria, “paisagens”, visa problematizar as
diversas estéticas, centrais e periféricas, além de questões de
natureza semiótica como o rosto do brasileiro, a moda, o vestuário, o corpo, a sexualidade, sensualidade, elegância, vulgaridade, artes visuais, cultura visual e intervenções urbanas,
revistas, catálogos de moda, blogs, publicidade, cinema, jornalismo, a economia do feminino e o consumo da beleza.
Entre estes impactos “paisagísticos” pode-se citar o fenômeno do “tecnobrega paraense” que vem, neste contexto,
rompendo as fronteiras geográficas e simbólicas tradicionais da
indústria fonográfica nacional, introduzindo um alargamento da
visão de Brasil reificada pelas mais diversas mídias para além do
539
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
eixo Rio-São Paulo ao difundir uma estética duplamente periférica: a periferia do Brasil sendo projetada por meio da periferia
de Belém.
O primeiro registro estético feito sobre o povo brasileiro
foi positivo (registro português/europeu). Primeiro estavam (os
brasileiros) despidos, depois foram vestidos, tiveram os corpos
domesticados/apropriados/modelados pela cultura.
São longínquas as matrizes da beleza no Brasil. Nesta história de pouco mais de quinhentos anos, a beleza feminina
ornamentou a natureza em regimes estéticos os mais sublimes e
perturbadores. São paisagens que, de século em século, reverberaram em textos e representações que reiteram uma visão
comum do belo, em um Brasil feito de curvas e sensualidades
marcadas pela insistente e instintiva erotização de seus corpos e
rostos. São igualmente paradigmáticas as belezas de Iracema,
Iemanjá e a musa de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, celebrada na antológica música-símbolo da bossa nova, Garota
de Ipanema. Não menos inquietante foi o rosto da transexual
Roberta Close nos idos de 1980 que, evocada pela música Dá
um close nela, de Erasmo Carlos, produziu um misto de riso e fascínio por uma beleza que se construiria sob a égide do híbrido
e do mitificado no limite do grotesco ou incomum. A música,
aliás, foi sucesso estrondoso nas rádios e a modelo, que encantou uma geração de admiradores, não parou de ser notícia nas
revistas e programas de televisão da época.
Imagens dessa ordem são recorrentes. Surgem estampadas e descritas liricamente em imaginários literários, religiosos e
poéticos. Algumas provocaram o gozo de um olhar masculino,
540
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
entre estas se destacam: a bela e lânguida virgem tupiniquim
Iracema de José de Alencar, a fulgurante deusa do candomblé Iemanjá e a beleza alva e sensual dos corpos femininos nas
areias da praia de Ipanema, no Rio de Janeiro. Em Iracema é
clara a descrição da beleza sensual e das práticas corpóreas
− o banho, o hábito de adornar o corpo, a perfumaria − categoria considerada neste estudo como constitutiva do itinerário
do belo no Brasil.
O imaginário do belo e do feio está intimamente ligado à
história, literatura, artes e à mídia brasileira. Já em 1926, Mário
de Andrade está preocupado com a identidade nacional, tentando reconstruir um perfil do brasileiro que reunisse a superação da dicotomia feio-belo. No livro Macunaíma – O herói sem
nenhum caráter, o personagem é descrito vindo do mundo
mítico da selva amazônica. Da sua rede se ouve sempre o grito:
“Ai! Que preguiça!...”. Sua virtude é andar pela vida sem nunca
precisar trabalhar. Se ele se levanta uma vez, se deita imediatamente em cima de três meninas num bordel em São Paulo.
Macunaíma é negro, preguiçoso e feio. “Um brasileiro bem brasileiro”. No livro, Mário de Andrade (1893-1945) o descreve:
No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma,
herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do
medo da noite. (...). De primeiro passou mais
de seis anos não falando. Si o incitavam a falar
exclamava: “Ai! Que preguiça!...”. (...). O divertimento dele era decepar cabeça de saúva
(1993, p. 237).
541
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Identifica-se em Macunaíma o riso já ligado à estética da
vida e à dinâmica de resistência. O riso e o humor negro que
está por trás da história da inquietante na cultura literária brasileira. O primeiro romance publicado no país chamou O Diabo
Coxo – verdade sonhada e novela da outra vida, de Alain René
Lesage e, de acordo com informações levantadas por Alfredo
do Valle Cabral, em 1881, no Anais da Imprensa Nacional do Rio
de Janeiro de 1808 a 1822, este romance satírico e picaresco,
marca, em certo sentido, o início faustico da literatura brasileira. Em levantamento preliminar, o diálogo feio-belo aparece
revestido no humor, no absurdo e na aparição dos mitos, monstros e seres encantados de nossa literatura e cultura popular.
Nos caminhos e descaminhos da história de formação
do povo, desde o “descobrimento”, o imaginário que se construiu, revela um discurso que parece “ensinar” a necessidade
de superar a dicotomia belo-feio como condição de possibilidade de uma beleza ampliada. A mídia descobriu muito cedo
a necessidade de estimular o grotesco e o deboche no mercado da atenção. O feio e o belo (e suas zonas de diálogos,
incertezas e trocas) estão impregnados no imaginário muito
antes dos programas televisivos patrocinarem a mudança de
fisionomia. Os quadros e programas de mudança de fisionomia entraram com força na disputa da audiência do entretenimento televisivo.
542
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
77 A Estética do Fluxo através da
Artemídia Contemporânea
Gabriela Pereira de Freitas
Temos observado com frequência em muitos estudos
recentes da área de Comunicação – principalmente aqueles
relacionados às configurações da imagem e do audiovisual
-, bem como em outras áreas das Ciências Sociais, o uso de
uma palavra para caracterizar o que parece ser uma espécie
de ‘sintoma’ da contemporaneidade: fluxo. Tomemos como
exemplo amplamente conhecido as reflexões do sociólogo
Zygmunt Bauman, para quem o mundo, em várias de suas esferas, vive atualmente num estado líquido, sempre relacionado
ao seu aspecto de fluidez.
O constante uso do vocábulo, no entanto, carece de uma
investigação mais profunda que leve a uma compreensão do
conceito de fluxo e suas implicações. Nesta pesquisa nos interessa, particularmente, buscar o fundamento dessa palavra
e seus desdobramentos estéticos no contemporâneo. Em um
artigo sobre estética contemporânea, Priscila Arantes (2008)
atenta ao fato de que estamos passando por um momento de
transição de uma estética da forma a uma estética do fluxo.
A partir daí levantamos algumas perguntas: podemos falar
em estética do fluxo? O que seria isso? Esses questionamentos
deram o ponta-pé inicial para a construção do que viria a ser
o nosso problema de pesquisa. Para isso voltamos nosso olhar
inicialmente para as artes, principalmente para a artemídia.
543
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
O artista está sempre em busca de ampliar os limites, “ele
cria o possível ao mesmo tempo que o real quando executa
sua obra” (BERGSON; 2006:118). Assim, acreditamos que as
artes – com destaque para artemídia -, ao se apropriarem de
meios de comunicação e recursos multimídia, antecipam usos
e processos que posteriormente serão adotados pela própria
Comunicação, num devir midiático das artes, como aponta
Ivana Bentes (2006:102). Portanto, se quisermos investigar o contemporâneo e suas manifestações, encontraremos nas artes um
campo profícuo. Conforme ressalta Giorgio Agamben (2009),
o contemporâneo não coincide exatamente com o tempo
corrente. Pertence ao contemporâneo aquele que consegue
se distanciar do atual para percebê-lo, assim como fazem os
artistas.
Pelo aspecto pujante da convergência entre arte e comunicação na artemídia é que optamos, num primeiro momento,
por esse recorte, na busca por compreender o que se chama
de fluxo nesse contexto. No entanto, ainda se faz necessário o
suporte de um referencial teórico que contemple o conceito
de fluxo. Por isso, procuramos pesquisar as raízes tanto etimológicas quanto filosóficas do termo, criando um diálogo entre filósofos que se inicia na Grécia antiga, com Heráclito, e repercute
em vários outros filósofos ao longo dos séculos.
Essa pesquisa, aliada à observação de nosso objeto nos
levou a ratificar a importância de uma abordagem estética
do tema fluxo. É com a arte contemporânea que o observador passa a interferir na obra, tornando-se parte dela, que, por
sua vez, só se completa mediante essa interferência. O ponto
544
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
de vista subjetivo, tanto do artista quanto do participador bem
como sua experiência na fruição da obra ganham destaque,
consolidando uma relação de caráter estético entre a obra e
aquele que a vivencia.
Diante desse cenário, nos propomos a formular, com mais
convicção, uma das hipóteses que guiarão nossos percursos
investigativos e que reforça uma percepção geral do que chamamos aqui de ‘sintoma’ do contemporâneo: o fluxo, na contemporaneidade, não se manifesta apenas como conceito,
mas como uma estética.
Ressaltamos que a discussão estética acerca da artemídia se faz cada vez mais necessária frente ao deslumbramento
tecnológico que sobrepõe a ela a discussão técnica. O olhar
que nos interessa parte da observação de que na interação
que constitui a experiência do participador com a obra (por
meio de aparatos tecnológicos) existe uma produção de subjetividade que funda um sujeito – um dos muitos sujeitos contemporâneos, no caso, um sujeito em fluxo. Portanto, não é
de se estranhar que o aporte teórico apresentado aqui, e que
será usado na investigação acerca do conceito de fluxo, terá
uma abordagem fenomenológica ao objeto de estudo. Diante
disso, formulamos nossa segunda hipótese: para pensar o fluxo
e, consequentemente, uma estética do fluxo, devemos considerar o ponto de vista subjetivo.
Assim, diante de tais hipóteses, acreditamos que o problema desta pesquisa se norteará pela seguinte pergunta:
Como as recorrências da sensação de fluxo na experiência de
545
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
obras da artemídia se articulam na constituição de uma estética do fluxo?
METODOLOGIA
Bergson, em seu livro O pensamento e o movente (2006),
faz uma reflexão sobre como abordar a realidade fluida em que
estamos inseridos. Como analisar algo que está, por sua própria
natureza, em constante movimento? Como aplicar recortes a
uma realidade sem tirá-la de sua duração em fluxo? Estamos
habituados à tradição cartesiana da ciência, no entanto, permanecer restrito aos seus métodos de análise não será suficiente para a compreensão de um objeto de estudo que está
em contínua mudança. Devemos pensar numa forma de aliar
a análise tradicional a um pensamento e uma metodologia do
fluxo, afim de entender uma estética decorrente daí.
Assim, Bergson vai desenvolver uma reflexão acerca de
como pensar o movente a partir da ‘intuição’: “Intuição, portanto, significa primeiro consciência, mas consciência imediata, visão que mal se distingue do objeto visto, conhecimento
que é contato e mesmo coincidência” (2006:29). Ele complementa: “A intuição é aquilo que atinge o espírito, a duração, a
mudança pura” (2006:31).
A percepção do objeto, portanto, – mais do que apenas
observação, pois irá assumir a dimensão da experiência – não
se desvincula do sujeito, repercutindo uma metodologia de
abordagem fenomenológica. Assim, dando importância ao
546
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ponto de vista subjetivo, a experiência daquele que analisa
também torna-se fundamental – lembremos do personagem
que adentra o rio, em Heráclito. Somente dessa maneira, por
meio da intuição e da experiência somos capazes de apreender as coisas, participando delas. No entanto, para proceder à
análise, já estando imerso no objeto, necessitamos estabelecer
um distanciamento da coisa em si, por meio da observação de
uma imagem da coisa, como propõe Martin Heidegger (2002).
Para Heidegger, quando falamos da imagem de algo quer
dizer que o próprio objeto está diante de nós. Nesse processo
devemos, portanto, conceber o mundo como imagem, ou
seja, olhar o mundo de fora, ao mesmo tempo em que fazemos
parte dele – aí somos sujeito e objeto concomitantemete. Ao
colocarmos o próprio mundo diante de nós, por meio de sua
representação imagética, podemos contemplá-lo segundo
o princípio da mundividência, conforme nos mostra o filósofo:
“mundividência significa intuição de vida” (2002:117), e pressupõe a vivência do observador como sujeito em meio àquilo
que se propõe observar.
Assim, nesta pesquisa procuramos trabalhar sempre na
relação entre diferentes abordagens, de maneira a conseguirmos um estado de suspensão momentânea de alguns
processos, colocando-os entre parênteses enquanto levantamos outros elementos, sejam eles conceituais, analíticos ou
subjetivos, para depois retomá-los e estabelecer um diálogo
segundo múltiplos pontos de vista. Consideramos que essa seja
uma forma pertinente de contemplar um objeto em constante
547
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
mutação: um método que encontra repercussão também no
pensamento da complexidade.
Ao discorrer sobre o tema, Edgar Morin atenta para alguns
perigos em que podemos incorrer. Damos destaque aqui para
alguns deles. O primeiro se refere à possibilidade de cairmos
numa redução simplista que apenas crie categorizações, colocando cada elemento em sua respectiva caixa, dando a falsa
sensação de multiplicidade e transcisciplinariedade (2005:138).
Devemos, portanto, buscar uma organização que constitua,
ao mesmo tempo, uma unidade e uma multiplicidade: “A complexidade lógica de unitas multiplex nos pede para não transformarmos o múltiplo em um, nem o um em múltiplo” (MORIN;
2005:180).
Nesse sentido, Morin nos apresenta o princípio hologramático. Ele é particularmente interessante por se apoiar metaforicamente sobre uma imagem muitas vezes usada pela
artemídia: a imagem holográfica. No holograma cada um de
seus pontos incluem quase toda a informação do conjunto que
ele representa. Temos, portanto, uma situação em que não só
a parte está no todo, mas o todo está na parte. Ao princípio
hologramático, Morin acrescenta o princípio dialógico pois
acredita que somente mediante o diálogo conseguimos realizar uma abordagem multidimensional, num trabalho de tessitura de contrários que formam um todo complexo1.
Ao falar em ‘todo complexo’ devemos, mais uma vez, ter
cautela, pois pensar dentro de uma lógica de manutenção das
relações todo/partes, uno/diverso também pode resultar num
1 Complexus = aquilo que é “tecido junto” (MORIN; 2005:215)
548
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
reducionismo que simplifica o pensamento. Este é o grande
desafio da complexidade: trata-se de um sistema aberto e, por
isso, passível de constantes mudanças – tal qual o fluxo. Morin
afirma que esse todo pode ser maior ou menor do que as partes
e do que o próprio todo, assim como as partes podem ser maiores ou menores que a própria parte. Justamente por se constituir
num sistema aberto, devemos pressupor que “o progresso não
está necessariamente na constituição de totalidades cada vez
mais amplas; pode estar, pelo contrário, nas liberdades e independências de pequenas unidades” (MORIN; 2005:262).
Diante disso, retomamos nossa proposta de trabalhar na
relação entre diferentes abordagens que, aqui, constituirão um
tripé teórico metodológico, construído, por sua vez, no trânsito
entre os campos da Ciência, das Artes e da Filosofia – assim
como também propõe Morin. Nesse caso, para não cairmos
nas armadilhas reducionistas de uma má aplicação do método
complexo, vamos procurar olhar para essa relação pela intuição, contemplando o ponto de vista subjetivo não apenas do
pesquisador, mas do artista e, também, do participador da
obra de arte, quando possível, tendo em mente que essa postura mantém a análise aberta e sujeita a constantes mudanças, de acordo com as características próprias de cada obra
que constitui nosso objeto.
Ainda ressaltamos que a escolha por um método complexo apoiado na relação entre os campos da ciência, arte
e filosofia não pretende constituir uma solução a primeira vista
confortável que englobaria múltiplos pontos de vista que poderiam contemplar o objeto como um todo, pelo contrário. Por
549
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ser aberto, concebemos o objeto como estando em constante
mudança e nossa análise (ou experienciação) apenas como
uma possibilidade de compreensão e abordagem desse objeto
no fluxo de sua existência. Eis como pretendemos articular tais
campos:
No campo filosófico, a discussão se desenvolverá inicialmente com uma pesquisa a partir das raízes etimológicas da
palavra fluxo, ligando-a às noções desenvolvidas por filósofos
que trataram do tema desde a antiguidade, buscando o fundamento e o sentido do conceito. A pesquisa contemplou a
etimologia nas línguas portuguesa e latina, inicialmente e, após
o contato com Heráclito, principalmente, acabamos sendo
levados às raízes gregas do termo também. Dentre os filósofos que pensaram o movimento e, consequentemente, o fluxo
ao longo dos séculos, nos voltamos mais especificamente às
reflexões de Heráclito de Éfeso (535 a.C. – 475 a.C., aproximadamente) e como ela repeercutiu em outros filósofos, principalmente em Platão (2001); Giordano Bruno (1998); Heidegger
(1998, 2008, 2008a); Hegel (2011); Nietzsche (1999, 2007, 2012);
Bergson (2006, 2010) e Deleuze (1995, 1997, 2007, 2009). O importante aqui é termos sempre a cautela de não recorrer à filosofia
como única guardiã de uma suposta verdade acerca dos conceitos. Por isso, recorreremos ainda às abordagens científica e
artística
Na esfera científica, faremos um levantamento dos recursos tecnológicos usados na composição da obra e que tornam possível a interação, que consistirá, mais especificamente
em: 1) Descrever fisicamente a obra, percebendo a relação
550
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
dela com o participador e o espaço que ocupa; 2) observar
os recursos multimídia apropriados para realização da obra (e
outros recursos tecnológicos não multimídia também) e como
eles constituem uma interface de interação com o visitante.
A articulação com o campo artístico é intrínseca ao próprio
objeto. Acreditamos que é no campo das artes, por motivos já
manifestados anteriormente, que conseguiremos compreender
o que é o fluxo no contemporâneo e desdobrar essa compreensão na elaboração de uma estética. Além disso, também já
mencionamos o fato de os artistas e as artes nos despertarem
percepções que ainda não somos capazes de ver, o que faz
com que a artemídia – no caso desta pesquisa -, ao se apropriar de recursos multimídia, antecipe usos que, mais tarde, possivelmente serão comuns aos meios de comunicação.
Assim, partiremos de uma compreensão da noção de
fluxo a partir de um levantamento etimológico e filosófico que
formará a base conceitual para a análise das obras de artemídia contemporânea, priorizando, ao nos guiarmos pela intuição, a vivência da obra (seja do ponto de vista do artista, do
participador ou de quem a analisa, de acordo com o caso).
Em seguida, procuraremos comprender como essa noção de
fluxo se configura numa estética, buscando eluciar as categorias que a compõem e que nos guiarão pelos caminhos da
experienciação das obras.
Portanto, depois de definir como serão articulados cada
campo de nosso tripé teórico-metodológico, surge a questão: o que buscamos como consequencia dessas relações?
Acreditamos que, mediante essa rede, poderemos partir da
551
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
intuição à análise, a partir da noção de fluxo e construir uma
compreensão acerca de uma estética do fluxo por meio da
experienciação de obras de artemídia através de suas categorias constituintes.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
6.1. Bibliografia consultada para qualificação
AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo e outros
ensaios. Chapecó: Argos, 2009.
ARANTES, Priscila. @rte e mídia: perspectivas da estética digital. São Paulo: Editora Senac,
2005.
______. Tudo que é sólido se derrete: da estética da forma à
estética do fluxo. In: ARANTES, Priscila. SANTAELLA, Lucia (orgs.).
Estéticas tecnológicas: novos modos de sentir. São Paulo:
Educ, 2008, pp. 21-33.
______. Arte e mídia no Brasil. Perspectivas da estética digital.
ARS (USP). São Paulo, vol.3 no.6, p.52-65, 2005.
AZEVEDO, Francisco Ferreira dos Santos. Dicionário Analógico
da língua portuguesa. 2 ed. Rio de Janeiro: Lexikon, 2010.
552
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos. Ensaio sobre a imaginação da matéria. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
BENTES, Ivana. Mídia-arte ou estéticas da comunicação e seus
modelos teóricos. In: BRUNO, Fernanda; FATORELLI, Antonio
(orgs.). Limiares da imagem: tecnologia e estética na cultura
contemporânea. Rio de Janeiro: MauadX, 2006, pp. 91-108.
BERGSON, Henri. Matéria e memória. Ensaio sobre a relação
do corpo com o espírito. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes: 1999.
______. O pensamento e o movente. São Paulo: Martins Fontes:
2006.
______.Duração e simultaneidade. São Paulo: Martins Fontes:
2006.
______. A evolução criadora. São Paulo: Ed.UNESP: 2010.
BRAGA, S.J.; PEREIRA, Isidro. Dicionário Grego-Português
Português-Grego. 7 ed. Lisboa: Livraria Apostolado da
Imprensa,1990.
BRUNO, Giordano. A causa, o princípio e o Uno. São Paulo:
Nova Stella Editorial: 1998.
COSTA, Alexandre. Heraclito. Fragmentos Contextualizados.
Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda: 2005.
CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico da língua
portuguesa. 4 ed. São Paulo: Lexikon, 2010.
553
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 1. São Paulo: Ed. 34, 1995.
______.Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 4. São Paulo:
Ed. 34, 1997.
DELEUZE, Gilles. Bergsonismo. São Paulo: Editora 34, 1999.
______.A imagem-tempo. Cinema 2. São Paulo: Brasiliense,
2007.
______. A imagem-movimento. Cinema 1. 2 ed. Lisboa: Assírio &
Alvim: 2009.
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio. 5
ed. Curitiba: Editora Positivo, 2010.
FLUSSER, Vilém. Língua e realidade. 3a ed., São Paulo:
Annablume, 2007.
______. O universo das imagens técnicas: elogio da superficialidade. São Paulo: Annablume, 2008.
GUADAGNINI, Silvia R. Gráfico Crononógico da arte e tecnologia no Brasil (1949 – 2007). Disponível em: <http://parametros.
ceart.udesc.br/linhadotempo.htm> Acessado em: 10/01/2013.
HEGEL, G. W. Friedrich. Ciência da lógica (excertos). São
Paulo: Barcarolla, 2011.
HEIDEGGER, Martin. Heráclito. Rio de Janeiro: Relume Dumará:
1998.
554
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
______.Caminhos na Floresta. Lisboa: Fundação Calouste
Gulbenkian, 2002.
______. Ser e Tempo; tradução revisada e apresentação de
Márcia Sá Cavalcante Schuback; pósfácio de Emmanuel
Carneiro Leão. 3 ed. Petrópolis: Vozes, 2008.
HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
Rio de Janeiro: Editora Objetiva: 2009.
ITAÚ CULTURAL. Enciclopédia Arte e Tecnologia. Disponível em:
< http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/home.php> Acesso
em: 10/01/2013.
LAURENTIZ, Silvia. Imagem e (I)materialidade. In: DOMINGUES,
Diana. VENTURELLI, Suzete (orgs.). Criação e poéticas digitais.
Caxias do Sul: Educs, 2005, p. 87-96.
LUCCHESI, Bárbara. Filosofia dionisíaca. Vir-a-ser em Nietzsche
e Heráclito. Cadernos Nietzsche (USP), São Paulo, no. 1, p.
53-68, 1996.
MACHADO, Arlindo. Máquina e Imaginário: O desafio das poéticas tecnológicas. 2 ed. São Paulo: EdUSP, 1996.
______. O quarto iconoclasmo e outros ensaios hereges. Rio de
Janeiro: Rios Ambiciosos, 2001.
______. Arte e mídia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2010.
MACIEL, Katia (org.). Transcinemas. Rio de Janeiro: Contra
Capa, 2009.
555
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 2005.
MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 8 ed. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2005.
MORIN, Edgar, et al. O problema epistemológico da
Complexidade. Mira-Sintra: Europa-América: 2002.
NIETZSCHE, Friederich. Os pensadores. São Paulo: Nova Cultural
1999.
______. O nascimento da tragédia. São Paulo: Companhia das
Letras, 2007.
______.A filosofia na era trágica dos gregos. Porto Alegre:
L&PM, 2012.
OLIVEIRA, Jelson R. Nietzsche e o Heráclito que ri: solidão, alegria trágica e devir inocente. Veritas (PUC-RS), Porto Alegre, v.
55, no. 3, p. 217 – 235, 2010.
PARENTE, André (org.). Imagem Máquina. A era das tecnologias do Virtual. Rio de Janeiro: Editora 34, 1993.
PLATÃO. Crátilo. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.
SANTAELLA, Lúcia. Por que as artes e as comunicações estão
convergindo? 2a edição. São Paulo: Ed. Paulus, 2007.
______. A estética das linguagens liquidas. In: ARANTES, Priscila.
SANTAELLA, Lucia (orgs.). Estéticas tecnológicas: novos modos
de sentir. São Paulo: Educ, 2008, pp. 35-53.
556
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
SARAIVA. F.R. dos Santos. Dicionário Latino-Português. Belo
Horizonte: Garnier, 2006.
SLOTERDIJK, Peter. Esferas I. Microsferología (Burbujas). 3ed.
Madrid: Siruela, 2009.
WEISZFLOG, Walter. Michaelis. Moderno Dicionário da Língua
Portuguesa. São Paulo: 2004.
6.2. Levantamento bibliográfico para prosseguimento da
pesquisa
ALLEN, Graham. Intertextuality. The new critical idiom. New
York: Routledge, 2000.
ARANTES, Priscila. SANTAELLA, Lucia (orgs.). Estéticas tecnológicas: novos modos de sentir. São Paulo: Educ, 2008.
ASCOTT, Roy. Telematic embrace: visionary theories of art,
technology and consciousness. Los Angeles: University of
California Press, 2003.
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. 2 ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2008.
BALL, Steven; CURTIS, David et al. Expanded Cinema. Art,
Performance, Film. London: Tate, 2011.
BELLOUR. Raymond. L’Entre Images. Photo. Cinéma. Vidéo.
Paris: La Différence, 2002.
557
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
______. L’Entre Images 2. Mots, Images. Paris: P.O.L., 1999.
BELLUZZO, Ana Maria; AMARAL, Aracy, A.; RESTAGNY, Pierre;
PIGNATARI, Decio. Waldemar Cordeiro: uma aventura da
razão. São Paulo: MAC – Museu de Arte Contemporânea da
Universidade de São Paulo, 1986
BELTING. Hans. An Anthropology of Images. Picture, Medium,
Body. Princeton: Princeton University Press: 2011.
CALVINO, Italo. Seis propostas para o próximo milênio: lições
americanas. São Paulo: Companhia das letras, 1990.
CINTRÃO, Rejane; NASCIMENTO, Ana Paula. Grupo Ruptura.
São Paulo: Cosac & Naify: 2002.
COELHO, José Teixeira. Coleção Itaú Contemporâneo – Arte
No Brasil 1981-2006. São Paulo: Itaú Cultural, 2007.
______. Itau Moderno – Arte No Brasil 1911-1980. São Paulo: Itaú
Cultural, 2008.
COSTA, Mario. L’estetica della comunicazione: cronologia e
documenti. Salermo: Palladio, 1988.
CRARY, Jonathan. The techniques of the observer. On Vision
and Modernity in the 19th Century. Cambridge: MIT Press: 1990.
DOMINGUES, Diana. A arte no século XXI. A humanização das
tecnologias. São Paulo: Editora UNESP, 1997.
DOMINGUES, Diana. VENTURELLI, Suzete (orgs.). Criação e poéticas digitais. Caxias do Sul: Educs, 2005.
558
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
GUADAGNINI, Silvia R. Imersão e Interação nas instalações
interativas de três artistas brasileiros: Diana Domingues,
Equipe Interdisciplinar SCIArts e Gilbertto Prado. 2007. 172 f.
Dissertação (Mestrado em Artes Visuais) – Centro de Artes,
Universidade do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, 2007.
GUASQUE ARAUJO, Yara R.; GUADAGNINI, Silvia R. et al.
Parâmetros para o entendimento das mídias emergentes e a formação de um público especializado no Brasil,
2007. Disponível em: <pl02.donau-uni.ac.at/xmlui/handle/10002/412>. Acessado em: 10/01/2013.
GRAU, Oliver. Virtual Art. From illusion to immersion. Cambridge:
MIT Press: 2003.
MANOVICH, Lev. The language of new media. Cambridge: MIT
Press, 2001.
MERLEAU-PONTY. Maurice. Fenomenologia da Percepção.4
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
______. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2009.
NAUGRETTE, Catherine (org.). Qu’est-ce que le contemporain?
Volume I. Paris: L’Harmattan, 2011.
______. Le contemporain en Scène. Volume II. Paris:
L’Harmattan, 2011.
OSORIO, Luiz Camillo. Abraham Palatnik. São Paulo: Cosac &
Naify, 2004.
559
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
OSTHOFF, Simone. De musas a autoras: mulheres, arte e tecnologia no Brasil. ARS (São Paulo). São Paulo, vol.8 no.15, p.74-91,
2010.
PARENTE, André. Cinema em Trânsito. Cinema, arte contemporânea e novas mídias. Rio de Janeiro: Beco do Azougue, 2011.
PARFAIT, Fraçoise. Video: un art contemporain. Paris: Regard,
2001.
POPPER, Frank. From Technological to Virtual Art.Cambridge,
Massachusetts, London, England: The MIT Press, 2007.
RANCIÈRE. Jacques. Le destin des images. Paris: La fabrique,
2003.
ROSE. Frank. The art of immersion. How the digital generation
is remaking Hollywood, Madison Aenue and the way we tell
stories. New York: W.W. Norton & Company: 2011.
RUSH, Michael. New Media Art. London: Thames & Hudson,
2005.
SLOTERDIJK, Peter. Esferas II. Macrosferología (Globos). 2ed.
Madrid: Siturela, 2011.
______. Esferas III. Esferología Plural (Espumas). 2ed. Madrid:
Siturela, 2009.
SANTOS, Nara Cristina. História da Arte: contexto e entorno
em arte e tecnologia no Brasil. In: XXIX Colóquio do
Comitê Brasileiro de História da Arte, 2009, Vitória. Anais
560
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
do XXIX Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte.
Disponível em: < http://www.cbha.art.br/coloquios/2009/
coloquio_2009anais.html>. Acessado em 10/01/2013.
561
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
78 Por uma beleza ampliada:
imaginário do feio no Brasil
Verônica Guimarães Brandão
O primeiro registro estético feito sobre o povo brasileiro
foi positivo (registro português/europeu). Primeiro estavam (os
brasileiros) despidos, depois foram vestidos, tiveram os corpos
domesticados/apropriados/modelados pela cultura.
Etimologicamente, a palavra estética deriva das palavras
gregas aisthesis, “sentimento”, e ica, “relativo à”; a definição
seria então, atendendo as raízes: ciência relativa aos sentimentos. Ciência que trata do belo em geral e do sentimento que
ele desperta em nós; beleza. O que desejamos é não ficar,
apenas, em conceitos do “belo”. Intenta-se ir além do “belo/
beleza/bondade” em busca de uma estética bem brasileira,
com foco na feiura.
A beleza baseada na imagem e na simetria procurou
ocultar seus elementos perturbadores e inquietantes (aspectos
trágicos, feios, cômicos, a desmesura do sublime), mas acabou
revelando-os de forma ainda mais essencial. Diferentes modelos de beleza coexistem em uma mesma época. A beleza atrai
o olhar e deleita os sentidos. Para o filósofo e escritor espanhol
Adolfo Sánchez Vázquez (1915-2011) temos a estética como
ciência do belo:
562
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
As dificuldades desta definição derivam exatamente do lugar central que nela ocupa o belo.
Fora dela resta o que não se encontra nas coisas
belas: não só sua antítese o feio, mas também
o trágico, o cômico, o grotesco, o monstruoso,
o gracioso etc.; ou seja, tudo que, mesmo não
sendo belo, não deixa de ser estético (1999,
p.38).
Na obra “História da Feiúra” (2007), o feio é associado a
valores negativos como a monstruosidade ou a maldade. Mas,
Eco, em longa exposição, afirma que a feiura triunfou na contemporaneidade. E que, hoje, os limites entre o belo e o feio não
são tão nítidos assim. É exatamente este limiar (ainda incerto e
complexo) no movimento entre beleza e feiura no Brasil que
este estudo pretende explorar.
O imaginário do belo e do feio está intimamente ligado à
história, literatura, artes e à mídia brasileira. Já em 1926, Mário
de Andrade(1893-1945) está preocupado com a identidade
nacional, tentando reconstruir um perfil do brasileiro que reunisse a superação da dicotomia feio-belo. No livro Macunaíma
– O herói sem nenhum caráter, o personagem é descrito vindo
do mundo mítico da selva amazônica. Da sua rede se ouve
sempre o grito: “Ai! Que preguiça!...”. Sua virtude é andar pela
vida sem nunca precisar trabalhar. Se ele se levanta uma vez,
se deita imediatamente em cima de três meninas num bordel
em São Paulo. Macunaíma é negro, preguiçoso e feio. “Um
brasileiro bem brasileiro”. Identifica-se em Macunaíma o riso já
ligado à estética da vida e à dinâmica de resistência. O riso e
563
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
o humor negro que está por trás da história da inquietante na
cultura literária brasileira.
Nos caminhos e descaminhos da história de formação
do povo, desde o “descobrimento”, o imaginário que se construiu revela um discurso que parece “ensinar” a necessidade
de superar a dicotomia belo-feio como condição de possibilidade de uma beleza ampliada. A mídia descobriu muito cedo
a necessidade de estimular o grotesco e o deboche no mercado da atenção. O feio e o belo (e suas zonas de diálogos,
incertezas e trocas) estão impregnados no imaginário muito
antes dos programas televisivos patrocinarem a mudança de
fisionomia. Os quadros e programas de mudança de aparência entraram com força na disputa da audiência do entretenimento televisivo.
O grotesco1, para o jornalista Muniz Sodré e a escritora
Raquel Paiva na obra “O Império do Grotesco” (2002), é o riso;
a sexualidade, o horror, a crueldade, o nojo, a baixaria, a animalidade, o choque, a estética transgredida (foge as leis da
natureza, desproporção).
1 Grotesco vem do latim grotto, do italiano grotta, que significa
gruta, porão, pequena caverna, e foi aplicado em algumas pinturas
antigas fora de toda regra, de todo o sentido comum, com figuras
tanto ridículas como monstruosas. Imagens grotescas encontrada
em construções abaixo do solo (fim do século XV), em criptas e cavernas antigas, especialmente no palácio romano de Nero (a Domus
Aurea) e nas Termas de Tito em Roma. São imagens para ofender
ou imitar a natureza de uma forma bizarra, e tornou-se sinônimo de
ridículo, esquisito (ornamentos com formas de vegetais/caracóis) e
extravagante. (SODRÉ; PAIVA, 2002), (ECO, 2007).
564
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
O grotesco é assunto corrente em nossos estudos acadêmicos. O brega é estilo e a tragédia, assunto de todos os dias
no noticiário. O deboche (escárnio, ironia, zombaria, excesso)
como dissolução da identidade nacional. No país é visível a
inversão de papéis. O barroco contemporâneo, o carnaval, as
belezas naturais e a mistura étnica contribuem mundialmente
com a erosão dos ideais clássicos de beleza. O feio assumiu o
papel de protagonista pelas mãos do cômico, do grotesco e
do deboche. Schiller, na obra “Sobre a Educação Estética do
Homem”, afirma que “é pela beleza que se vai à liberdade”
(1990, p. 26). Mas é pela feiura, o riso, o deboche ̶ armas de
resistência ̶ que a busca da liberdade se torna um fato do
cotidiano. O fait diver das ruas e esquinas.
Não só no Brasil a beleza é um tema-força. Ela surge em
horizontes disciplinares os mais díspares: etólogos, psicólogos,
antropólogos e mitólogos destacam sua função social. Para
estes, o homem é objeto de cultivo da própria imaginação. O
pesquisador da PUC-SP, Norval Baitello Junior, aponta que “a
possibilidade de construir-se, do refazer-se, do melhorar-se ou
piorar-se, do embelezar-se ou enfeiar-se, constitui a ponte para
a superação das amarras da realidade físico-biológica”, chamada de “Primeira Realidade” pelo semioticista Ivan Bystrina
de (1997, p. 26). O tcheco Ivan Bystrina cita a “segunda realidade” como a realidade da qual faz parte o vestir, os gestos,
as artes, as danças, os rituais, a literatura, os mitos, o morar e
suas formas individuais e sociais, os hábitos (comer, beber, cumprimentar, relacionar-se), as religiões, os jogos e os brinquedos.
“Segunda realidade”são os fenômenos que superam os limites
565
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
da natureza e o mais incontornável deles, a própria morte, oferecendo como soluções de nível simbólico textos imaginativos
e criativos da cultura.
A ideia de um sujeito estável, produto de uma mentalidade positivista, parece desmoronar ante a profusão de novos
significados atribuídos por diversos lugares simbólicos partilhados por um mesmo sujeito. A própria ideia de nação é um bom
exemplo de como o grupo de pertencimento por excelência
padece do mesmo mal das instituições contemporâneas: a
precariedade.
A investigação dos “campos imaginários comuns” possibilita, por exemplo, a compreensão e o valor dado às curvas
e cores no Brasil; os ícones da beleza sincrônica e diacronicamente associados; assim como explorar a dinâmica de gestualidade, o riso, o deboche e a gargalhada como fatores de
resistência sociocultural; os afetos; os espaços sociais e a vida
cotidiana, entendidos a partir do prisma da sedução, paixão,
amizade, amor e a simpatia, a atração e a repulsão.
Como eu, brasileiro, me narro esteticamente (filosófica
e artisticamente)? Como a mídia, um meio mediador, narra
o “brasileiro bem brasileiro” (lembrando Macunaíma)? O que
é belo no Brasil? O que é feio no Brasil? Como tais conceitos
são formados? Faz-se necessário perceber, interpretar as hibridações e os dialogismos da feiura; do grotesco, do escárnio
(humor, riso, avacalhamento), do exótico, como forma de resistência e espírito lúdico do povo brasileiro na mídia nacional (e
suas possíveis reverberações internacionais). O problema a ser
enfrentado nesta pesquisa é o da complexidade da beleza
566
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
brasileira. Um problema do “complexo da beleza” no contemporâneo, implicando na inclusão do feio como parâmetro de
análise estética.
Em uma estrutura social o modelo estético é uma “opção
cultural” em que os indivíduos que dela participam produzem e
são produtos de classificações estéticas. Atualmente, a beleza
brasileira tornou-se nosso melhor produto de venda, de marketing, de políticas do desejo. Os brasileiros foram definidos por
processos culturais que definiram nosso processo estético. A
investigação desses processos é aqui central. As representações da beleza e feiura no campo cultural, nos diversos setores
do conhecimento (ciências da religião, mitologia, filosofia, história, antropologia, psicologia, arte, comunicação, vida cotidiana, entre outras) têm como pressuposto a ordenação de
um conjunto de estratégias utilizadas para suscitar um determinado conjunto de efeitos nos seus receptores.
Investigação estética (dos imaginários sociais, poéticas
periféricas, afetos no da vida cotidiana, tendências e percursos do belo e do feio contemporâneo) da beleza brasileira. A
questão da beleza é complexa no Brasil por que passa pelo
imaginário (individual, grupal e social) do brasileiro.
Percebendo o espaço acadêmico como meio de compreensão, constante reflexão sobre os processos, relações sociais e
imaginárias, analisamos a importância desta pesquisa para um
diálogo entre o audiovisual e a arte, que se dá justamente pela
proposta de discussão teórica do imaginário, audiovisual, artes
e estéticas com foco na beleza e no feio.
567
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A tentativa de uma pesquisa exploratória com observações e análise históricas sobre nossa beleza ampliada2 traz
certa diversidade que produz complexidade. Não há unidade
possível a esta diversidade a menos que seja compreendida
dentro de uma noção de “Aberto” bachelardiano3. A necessidade de superação desta dicotomia deve-se a uma aposta
(hipótese) importante em nossa investigação: a de que o Brasil
expande a noção de beleza ao incluir/retrabalhar/adaptar o
feio ao seu sistema de beleza, gestando-a como elemento de
apreciação, deleite e até prazer estético.
Há poucas pesquisas sistemáticas e estudos direcionados
do percurso histórico que envolve contemporaneamente e
conjuntamente a questão da estética, simbologia e a sociologia do belo e do feio no Brasil. A pouca bibliografia, geralmente
muito localizada, e as poucas pesquisas de campo apontam
para o imaginário (por vezes semelhante ao senso comum) da
“diversidade”, sendo que este recorte, no sentido do belo não
foi ainda devidamente elucidado mediante o percurso sistemático de pesquisa científica.
2 Aquilo que chamamos de beleza ampliada é a dilatação e a contaminação dos espaços do feio pelo belo e do belo pelo feio. É a
dilatação das fronteiras definidoras e matemáticas da estética.
3 Para Bachelard, o discurso científico e o discurso poético devem
dialogar, através de um espaço dinâmico e aberto da imaginação.
Somente o imaginário pode preservar, reatualizar e exprimir as relações do futuro com o passado e com nossas imensas intimidades.
Somos um organismo inacabado, inocupado, um organismo “aberto”
(1978, p. 78).
568
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Como (e com que parâmetros) podemos entender o Brasil
a partir do sensível, do feminino4, dos afetos, das interações
belo-feio, enfim, do “complexo da beleza”, complexidade que
vai do imaginário do brasileiro sobre a questão até a realidade
de um país que é o segundo maior consumidor de cosmetologia do mundo? Qual a história, o imaginário, os mitos, a simbologia, as visões e aparições, assim como qual a produção, o
consumo, a economia e a sociologia da beleza no Brasil, em
sentido amplo, qual a “unidade múltipla” desta beleza?
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
ANDRADE, Mário. Macunaíma, o herói sem nenhum caráter.
Rio de Janeiro: Villa Rica Editoras Reunidas, 1993.
BACHELARD, Gaston. A filosofia do não; O novo espírito científico; A poética do espaço. Seleção de textos de José Américo
Motta Pessanha; Traduções Joaquim José Moura Ramos et al.
São Paulo: Abril Cultural, 1978.
BAITELLO, Norval. O animal que parou os relógios. São Paulo:
Annablume, 1997.
ECO, Umberto. História da Beleza. Tradução de Eliana Aguiar.
Rio de Janeiro: Record, 2004.
4 Do arquétipo feminino entendido como uma leitura que se aproxima do sensível como não meramente inteligível associado historicamente ao masculino.
569
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
____________. História da feiúra. Tradução Eliana Aguiar. Rio de
Janeiro: Record, 2007.
HALL, Stuart. A identidade cultural da pós-modernidade. Rio
de Janeiro: DP&A, 2003.
SCHILLER, Friedrich. Sobre a educação estética do homem.
São Paulo: Iluminuras, 1990.
SODRÉ, Muniz; PAIVA, Raquel. O império do Grotesco. Rio de
Janeiro: MAUAD, 2002.
VÁSQUEZ, Sánchez, Adolfo. Convite à estética. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1999.
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO CONSULTADO
AZEVEDO, Thales. Os brasileiros: estudo de caráter nacional.
Salvador: Centro Editorial e Didático da Universidade Federal
da Bahia, 1981.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução de
Maria Ermanita Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins Fontes,
1997.
BODEI, Remo. As formas da Beleza. Tradução de Antonio
Angonese. São Paulo: EDUSC, 2005.
BOSI, Alfredo. Cultura Nacional: temas e situações. São Paulo:
Ática, 1987.
570
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
CASTORIADIS, Cornelius. A instituição imaginária da sociedade.
Tradução de Guy Reynaud. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.
CHAUÍ, Marilena. Conformismo e Resistência: Aspectos da cultura popular no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1987.
HUGO, Victor. Do grotesco e do sublime. São Paulo:
Perspectiva, 2010.
DAMATTA, Roberto. O que faz o Brasil, Brasil? Rio de Janeiro:
Rocco, 1993.
DUAILIBI, Roberto; PECHLIVANIS, Marina (Org.). Duailibi essencial: minidicionário com mais de 4.500 frases essenciais. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2006.
DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário:
introdução a arquetipologia. Tradução de Hélder Godinho.
São Paulo: Martins Fontes, 2002.
FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições
Loyola, 1996.
FLUSSER, Vilém. Fenomenologia do Brasileiro. Rio de Janeiro:
Eduerj. 1998.
FREIRE, Gilberto. Casa-grande e senzala: formação da família brasileira sob o regime patriarcal. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1980.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social.
São Paulo: Atlas, 2008.
571
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
GOMES, Roberto. Crítica da Razão Tupiniquim. São Paulo: FTD,
1994.
JORGE, Ana Maria Guimarães. Introdução à percepção: entre
sentidos e o conhecimento. São Paulo: Paulus, 2011.
KAY, Patrícia. Metodologia de pesquisa em comunicação. São
Paulo: abreOlho, 2001.
KUJAWSKI, Gilberto de Mello. Idéia do Brasil: a arquitetura
imperfeita. São Paulo: SENAC, 2001.
MORIN, Edgar. Da necessidade de um pensamento complexo.
In: MARTINS, Francisco Menezes; SILVA, Juremir Machado
(Org.). Para navegar no século XXI. Porto Alegre: Sulina/
EDIPUCRS, 2003.
PRANDI, Reginaldo. Herdeiras do Axé. São Paulo: Hucitec,
1996.
572
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
78a Comunicação e corpo: o
caso da beleza brasileira
Liv Sovik
Antecedentes
O discurso identitário brasileiro produzido nos meios de
comunicação, principalmente na música popular, é a formação discursiva que venho explorando há quase duas décadas.
Na tese de doutorado, busquei entender a qualidade pós-moderna de um país “periférico” através da examinação dos
sentidos do tropicalismo e suas implicações para a teoria de um
pós-moderno brasileiro. Depois, veio o foco no debate público
intelectualizado em que se discutia a globalização às custas
do pós-moderno, na segunda metade dos anos 90. Durante os
anos 2000 a 2008, as figurações de relações raciais em diversas
obras da música popular e também na imprensa e na TV foram
o foco, na busca de entender a valorização de ser branco em
um país declaradamente mestiço. Estas reflexões acabaram
constituindo um livro, Aqui ninguém é branco, que saiu nos últimos dias de 2009.
Uma pesquisa em figurações brasileiras do corpo brasileiro
como emblema da nacionalidade começou em 2008. De certa
forma é a continuação lógica do trabalho anterior: depois de
um livro sobre identidades raciais que também eram de gênero
573
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
vem um interesse pela questão de gênero, marcada por racialidades. A questão da pesquisa era sobre como o Brasil se
“vende” no exterior a partir da “sensualidade” ou da qualidade
sexy ou “tchan” de sua população, sobretudo as mulheres, e
como, ao mesmo tempo, há uma tradição brasileira, presente
nos meios de comunicação, de mulheres independentes que
não falam sobre sua condição: Chiquinha Gonzaga, Pagu,
Carmen Miranda. Quanto ao estereótipo, ele é sustentado
por um número grande de “comprovações”, é sobredeterminado (Gilman, 1989). Uma das principais determinações é a da
identidade étnicorracial da população brasileira: são negros e
negro-mestiços, sobretudo negras e negro-mestiças, que são
dotadas, no imaginário mundial, de uma maior liberdade corporal e de uma sensualidade que chega a ser considerada
excessiva, mas que também uma vantagem, no momento em
que brasileiras e brasileiros se comparam com as populações
do hemisfério norte.
Um dos objetivos da pesquisa sobre “raça” na cultura contemporânea era de elaborar uma intervenção no debate sobre
raça, na academia e entre intelectuais fora dela. Logo depois
de adotar “gênero” como a próxima temática, também me
dei conta da impermeabilidade do espaço público ao discurso
crítico aos estereótipos femininos. Onde a crítica que fazia aos
discursos raciais parecia ainda revelar algo novo (a presença
do branco e suas implicações para entender a formação de
hierarquias raciais), os papéis de gênero parecem primais, não
há espaço onde não são naturalizados. Assim, pelo menos, dá
para explicar a resistência enorme à crítica, fora da acade-
574
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
mia e também em grande parte dela. Desmontar estereótipos
da brasileira gostosa e do capoeirista ou jogador de futebol
cuja inteligência reside no próprio corpo, então, logo se esgotou como tática que pudesse render algo novo. Daí, tomou a
dianteira a exploração de Chiquinha e também Chica da Silva,
uma espécie de tela sobre a qual se projetam diversas versões
da feminilidade brasileira.
Mas isso chegou a um limite também. Abordando a questão de outra maneira, podemos afirmar que a época é pós-identitária. Isso não significa que os discursos identitários não
tenham mais impacto político (viz. o nacionalismo extremado
do Tea Party ou a violência anti-gay na Avenida Paulista), mas
sua análise crítica não parece fazer impacto sobre o debate
público. Quando Angela Merkel declarou que o ideal multikulti
fracassara na Alemanha no mesmo discurso em que afirmou
que o islã já fazia parte da Alemanha contemporânea, expressava essa paradoxal convivência entre as diferenças culturais
e a falta de interesse intrínseca das identidades. Uma década
antes de Merkel, em Refashioning Futures (1999), David Scott
propôs que a demanda da crítica já não era a descolonização
do presente, como era na esteira de Orientalismo, de Edward
Said, e seguidores. Na sua proposta de uma “crítica estratégica” que alargasse as possibilidades no presente, disse,
o que está em jogo não é a afirmação (ou ressurreição) da humanidade do colonizado. O
que está em jogo não é se o colonizado acomodou ou resistiu. O que está em jogo, sim, é
como o poder (colonial) alterou o terreno em
575
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
que a acomodação/resistência foi possível
para começar. (Scott, 1999: 16)
Assim, este projeto quer passar além da análise dos lugares ocupados pelo equivalente, no Brasil, do colonizador, dos
prejuízos, lucros e tramas do menosprezo do negro e da mulher.
A intenção é virar-se para o que resta uma vez desfeitas essas
tramas, uma vez que a dinâmica de desejo e rejeição simultâneos (ver Bhabha, 1994) que produz e reproduz o estereótipo é
colocada de lado. Voltando à pergunta que sustenta todas as
pesquisas que fiz desde o doutorado, o que resta da diferença
cultural? O foco da nova pesquisa é no corpo, pois é ele que
carrega e estrapola o estereótipo.
O objetivo geral desta pesquisa é, então, de entender a
força comunicativa e epistemológica do corpo, através do
desenvolvimento de uma análise da beleza brasileira para
além de sua história na colonização, na escravidão, na modernização periférica e no patriarcado.
O objeto
O corpo como local do conhecimento vem sendo tema
de pesquisas em outra subarea, a de tecnologias de comunicação, e foi motivo de uma matéria jornalística recente, intitulada
“O meu presente é meu corpo”. Aqui, trata-se de uma nova
sensibilidade política, brasileira e mundial, de acordo com um
pesquisador de tecnologias digitais em relação a problemas
ambientais:
576
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Parece claro que as formas de protestos e atuação contemporâneas têm um horizonte mais
imediato e menos político e ideológico. Este
mecanismo traz uma maior atenção do que
é próximo, do que é físico, corporal, ligado ao
presente. [...] Afinal, o meu presente é o meu
corpo. O social deixa de buscar utopias astrais,
deixa de buscar a sociedade perfeita e uma
justiça absoluta para se tornar um tipo social
mais próximo das exigências corporais. (Di Filice
apud Torres, 2013)
As novas discussões do corpo como local da política presumem, elidem e não prestam atenção ao que nos interessa
aqui: o corpo como fato cultural.
Cada corpo guarda um tipo de conhecimento que se mostra na sexualidade, na dança, no esporte. Fazer amizade pode
ter também um componente corporal, pois parece que a convivência produz afetos e conhecimento mútuos. Isso é tema de
muitos filmes em que se observa o encontro de casais e outras
duplas incongruentes – em Gran Torino (2008) de Clint Eastwood
ou Whatever Works (2009) de Woody Allen, por exemplo. Outro
tipo de acúmulo de conhecimento corporal se faz presente na
experiência subjetiva de mudar-se de uma cultura a outra: ao
viajar de avião do Rio de Janeiro para a Bahia, ou de um país a
outro, por exemplo, quem viveu em ambos pode sentir a transformação da postura, maneira de falar e de se relacionar em
cada um dos lugares. O encaixe rápido e fácil é do corpo e é
quase involuntário. Prova mais uma vez da diferença epistemo-
577
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
lógica entre ler a respeito e estar em um local, diferença sobre
a qual sabemos muito pouco, na nossa área. O que podemos
dizer, em ambos os casos, na convivência humana e geográfica, é que o conhecimento parece ser físico, prático.
Questões de abordagem
A bibliografia a ser acionada nesta pesquisa ainda está
sendo definida. Começa com Nietzsche e a filosofia (1962/1985),
de Gilles Deleuze, que traz uma discussão do corpo como
produto (nega a pre-existencia do corpo como campo) do
embate entre forças dominantes e dominados, ativos e reativos, em busca de uma hierarquia. Outros autores tratam o
corpo como coisa. Barbara Johnson (2008) cita, nesse sentido,
Heidegger e Freud, enquanto elabora uma teoria da retórica,
do desejo e da materialidade das coisas tratadas como pessoas, na literatura e na cultura contemporânea. Existe também
um acervo teórico ligado à arte e particularmente à dança.
Escreve André Lepecki, “é um fenômeno curioso e under-theorized que, na última década, a dança tem se tornado um
referente crucial para pensar, fazer e curar a arte visual e de
performance” (2012). Os teóricos da dança como imagem do
corpo formam outro acervo para pensar a que o belo corpo
brasileiro está atrelado, qual seu significado para além de sua
história na colonização, na escravidão e no patriarcado.
O projeto se inicia agora, com dois trabalhos a ser apresentados em congressos:
578
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
“Caetano Veloso’s Recanto, conjunctural analysis and bodies
that sing”
Until the demonstrations in the streets of Brazil’s major cities,
in June 2013, there seemed to be little popular resistance to official discourse on Brazilian economic and social development,
its dynamism and success in redistributing income, its positive
results overall. One harbinger of the current, more critical ethos
is singer-songwriter Caetano Veloso. Ever tuned to the zeitgeist,
his compositions for Gal Costa’s 2011 disc, Recanto, provide
both a multifaceted retrospective and contemporary view of
his and Gal’s lives and a reaction to, perhaps an analysis of,
current cultural and social trends. This paper, part of a research
project on the body as both a stereotype of nationality and
communicative value in Brazilian social life, starts from Deleuze’s
reading of Nietzsche by which the body is constituted by active
and reactive forces in relations of tension that form a hierarchy,
and in which the dominant or “active” forces are not available
to consciousness. Recanto is read, then, as a series of references
to the forces that constitute the Brazilian body, sometimes particularized by biography, others understood as generic. The aim
and expected result is to answer questions about the current
conjuncture and examine Caetano’s apprehension of the body
as Brazilian self.
“Pornochanchada versus o cinema erótico escandinavo: uma
investigação da singularidade corpórea”
579
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A promoção da mulher sexy brasileira enquanto menina
dourada de biquini ou mulata de lantejoulos, vistas por um
olhar implicitamente masculina, causa uma certa fadiga de
parte de observadores críticos – gera mais indiferença do que
impulso analítico. Por outro lado, algo da singularidade cultural
brasileira permanece depois que as determinações coloniais e
patriarcais foram retiradas do estereótipo. Esse resto é, às vezes,
identificável na vida cotidiana, marcada por hábitos, gestos e
movimentos, pela presença corporal. Talvez algo novo possa
ser dito sobre a singularidade cultural brasileira a partir do conceito do corpo que Deleuze elogia em Nietzsche: o corpo constituído por uma relação entre forças dominantes e dominadas.
Este trabalho examina o corpo feminino brasileiro e as forças
que o constituem no pornochanchada e, como ponto de comparação, os corpos de mulheres no cinema erótico escandinavo dos anos 70 e 80. O que significa ser sexy, em cada um
dos casos?
Em que a pesquisa pode renovar o olhar sobre a comunicação e a forma de estudá-la?
Será a primeira vez, que eu saiba, que o impasse teórico-político do esgotamento da análise do estereótipo, que é do
campo da política cultural (cultural politics), e a preocupação
com o corpo como arquivo e presença se juntam em uma pesquisa em Comunicação. Essa junção é de uma concepção de
Comunicação como algo imediato, presencial, estético como
580
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
outra, do acúmulo de imagens e repertórios que lemos, quando
apreendemos o corpo do outro.
REFERÊNCIAS
Bhabha, Homi. The Location of Culture. London: Routledge,
1994.
Deleuze, Gilles. Nietzsche and Philosophy. New York: Columbia
University Press, 1983 (1962).
Gilman, Sander. Difference and Pathology. Ithaca: Cornell,
1985.
Johnson, Barbara. Persons & Things. Cambridge, MA: Harvard
University Press, 2008.
Lepecki, André (org). Dance. London: Whitechapel Gallery/
Cambridge, MA: MIT Press, 2012.
Scott, David. Refashioning Futures: Criticism after postcoloniality. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1999.
Torres, Bolívar. “O meu presente é o meu corpo”: A urgência do presente pode ser uma grande aliada na luta por um
mundo sustentável. O Globo, caderno “Amanhã”, 9/07/2013.
Disponível em: http://oglobo.globo.com/amanha/o-meu-presente-o-meu-corpo-8970846. Acessado em 13/08/2013.
581
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
79 Consumo cultural e expressões de subjetividade
nas paisagens da cidade midiatizada
Josimey Costa da Silva
Resumo expandido
O corpo e seu modo de perceber o mundo, na perspectiva
de Maurice Merleau-Ponty, são base da aproximação desta
investigação sobre o ser que habita a cidade midiatizada.
Segundo o princípio da recursividade, basilar na epistemologia
complexa de Edgar Morin, a pregnância da esfera simbólica
se reflete nesse corpo representado midiaticamente e que se
representa por si mesmo na paisagem urbana. A função constitutiva do simbolismo é inspirada por Ernst Cassirer e Harry Pross,
assim como os conceitos de mediapaisagem e bodyscape
são inspirados nas formulações de Arjun Appadurai e Massimo
Canevacci. Michel de Certeau contribui com a discussão sobre
lugar e espaço. Milton Santos, por seu turno, argumenta que
a cidade representa a acumulação desigual de tempos e sistemas diferentes, que fazem do lugar o resultado de ações
multilaterais, conforme Milton Santos. A experiência urbana é,
portanto, a da multiplicidade de estímulos e a da profusão das
imagens, da extrema proximidade física e da maior distância
psíquica, da velocidade e da simultaneidade, o que é discutido
582
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
com base em Georg Simmel, Walter Benjamin, James Hilmann e
Rose de Melo Rocha.
O pressuposto da pesquisa é a existência e as interrelações de subjetividades que alteram a paisagem da cidade,
que por sua vez penetra nas subjetividades de seus habitantes,
conferindo-lhes modos de ser peculiares a uma territorialidade
ao mesmo tempo física e simbólica. O território da cidade
são seus símbolos e nele a uma cidade local e arcaica subsiste juntamente com uma cidade universal e contemporânea
perceptíveis na comunicação urbana, no aparato midiático
e nas expressões dos corpos que produzem e consomem os
bens simbólicos da cidade. Buscam-se os símbolos da cidade
e as expressões de seus habitantes nas as imagens das ruas
(edifícios, ocupação das calçadas, outdoors, letreiros, fachadas comerciais, cartazes, faixas de propaganda, intervenções
gráficas nas edificações, mídias alternativas da comunicação
urbana, trânsito de veículos, resíduos sólidos abandonados, lixo,
ruídos, odores) e nas imagens dos seres (movimento e apresentação dos corpos, vestuário, modas, atitudes de convivência,
afetações mútuas, expressão das emoções, falas, música e
outros elementos a serem observados e que sejam constitutivos
dos hábitos urbanos de consumo e fruição simbólicos nas ruas
da cidade.
O consumo é outra noção central da abordagem. Com o
apoio das propostas teóricas de Lévi-Strauss, Mike Featherstone,
Néstor García Canclini, é possível delinear uma cidade que
se realiza por meio de trocas incessantes, que são materiais e
simbólicas: o consumo, o comércio, a circulação de pessoas
583
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
que oferecem e adquirem mercadorias de todos os tipos e os
diferentes modos como fazem tudo isso representam espaços
vitais para a convivência urbana. As trocas em grupos sociais,
segundo Lévi-Strauss, têm função simbólica. Isso implica em
considerar um som, um gesto, um ser, não apenas por si mesmo,
mas como símbolo de outra coisa, como linguagem e como
comunicação. As relações e as trocas, sejam elas matrimoniais
ou econômicas, são parte integrante de um sistema maior de
troca e de reciprocidade, e podem ser estudados do ponto de
vista linguístico e comunicacional, pois constituem um princípio
de ordenação que implica em circulação de bens econômicos e de mensagens entre os grupos.
Na sociedade contemporânea de massa, a mediação
tecnológica da comunicação social é grandemente enfatizada. Livros, jornais, filmes, revistas, novelas de televisão são
formas de transmissão de informação, que resultam dos mecanismos e procedimentos culturais de textualização. Os sistemas comunicativos têm sempre a função ordenadora dentro
das sociedades porque, através deles, os símbolos regram as
relações entre membros de um mesmo grupo por intermédio
do estabelecimento de significados e valores compartilhados
através das convenções e, portanto, ordenam, tecem redes de
sociabilidade.
Estabelecer uma relação é criar um vínculo, construir um
sentido, o que só se faz com o circuito completo: emissão, veículo, recepção, sem esquecer código, mensagem, contexto e
ruído. Os textos culturais em seu conjunto constituem a cultura
de uma sociedade e se relacionam num encadeamento de
584
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
signos, ao qual se incorpora a temporalidade. Esses textos são
construídos nas singularidades individuais tanto quanto no todo
social. Por isso, a comunicação midiática é muito mais do que
o aparato tecnológico; torna-se um espaço socioeconômico e
cultural, uma dimensão da sociabilidade contemporânea, em
que as relações entre os indivíduos se pautam por uma sensibilidade profundamente alterada pela mediação técnica, por um
espaço que é simultaneamente reduzido (distância eliminadas
no processo de comunicação) e ampliado (raio de abrangência do contato midiático com outras culturas geograficamente
distantes) e por um tempo que é expandido tecnicamente.
Edgar Morin, ao discutir as referências mais primordiais
para a constituição do ser humano, ajusta o foco sobre o imprinting cultural, que se inscreve cerebralmente desde a infância
pela estabilização seletiva das sinapses, manifestando os seus
efeitos mesmo nas percepções visuais (MORIN, 1998). Em suas
cidades, os cidadãos constroem discursos de toda a ordem que
reproduzem a cidade não como ela é, mas como a percebem
e representam. Isso ocorre porque os imprintings culturais estão
na base das representações. Embora estas se situem para além
do verificável, são um olhar legítimo da sociedade sobre si,
ultrapassando os sentidos de verdade e falsidade. Além disso,
manifestam o sentido do conjunto de questões cruciais para
uma abordagem sistemática. (Silva, 1996, p.15).
Norval Baitello Jr. (1997) considera que a construção de
um texto qualquer seleciona não somente a perspectiva através da qual um acontecimento é visto, mas seleciona o próprio acontecimento enquanto fragmento perceptível dentro
585
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
de um fluxo. As imagens da paisagem urbana constroem a
cidade para quem a vê e para quem vive nela. Como esclarece Deleuze sobre o cinema, e que pode ser aplicado para as
imagens vividas na cidade, “a imagem torna-se pensamento,
capaz de apreender os mecanismos do pensamento” (DELEUZE,
1992, p.76-95).
Cada uma das imagens escritas, gravadas, faladas, materializadas sob todas as formas pelos cidadãos, é a cidade, à
maneira do que ocorre com os fractais. Hologramaticamente,
a cidade é o todo, que é mais que a soma das partes, mas
cujas partes contêm, em si, também o todo. Os menores detalhes do contexto urbano vivido por seus habitantes são fonte
material de produção e comunicação de criações alegóricas,
que significam uma coisa na palavra e outra no sentido1. A
comunicação de massa, por sua vez contexto determinante
da cultura citadina, está na mente de quem a vive, bem como
é reconstruída por essa mente.
Deleuze descobre, na imagem, um tempo que é a coexistência de todos os níveis de duração; daí, que “... o imaginário não se ultrapassa em direção a um significante, mas em
direção a uma apresentação do tempo puro” (DELEUZE, 1992,
p.85). O real, que me impressiona, também pode ser lido como
um texto. Objetos, antes secundários, tornam-se significativos.
O novo se entrelaça necessariamente com o velho; a cidade
não conta, mas contém o seu passado. Importa o significado,
mas também o significante (a forma). Os olhos não vêem coisas, mas figuras de coisas que significam outra coisa, e estão
1 Sobre isso, v. CANEVACCI (1993).
586
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
incorporados às coisas mesmas (DELEUZE, 1992, p.57). Assim,
os textos culturais que, em seu conjunto, constituem a cultura
da cidade, se relacionam num encadeamento de signos, ao
qual se incorpora a categoria “temporalidade” (Baitello jr.,
1997, p.28-41). Esses textos são construídos nas singularidades
individuais tanto quanto no todo social. A construção das significações é parte da rede simbólica que constitui a vida e as
coisas. A simbolização se dá a nível do imaginário humano. É
nesse patamar, o do imaginário, que tentam intervir os mídias
e a indústria cultural. Assim podem ser vistas as muitas cidades
reunidas sob o nome Natal.
A cidade de todos os dias e de cada dia é uma cidade
comunicativa, está em todo lugar, no espaço, no comportamento dos indivíduos e no seu modo de ser e agir.
Hologromaticamente, no sentido a que se refere Morin (1998),
o indivíduo e a cidade estão em constante transformação, em
constante metamorfose. Organismos vivos, ambos informam,
emitem sinais e símbolos. Esta simbiose produz a comunicação
urbana. A comunicação é compreendida neste estudo como
um processo, um acontecimento, um entendimento, um estar
em relação, um tornar comum, segundo a etimologia da palavra comunicação. Comunicação não se confunde com sinalização nem com informação, pois na natureza e na sociedade
tudo sinaliza. Animais, seres humanos, acontecimentos, sensações. Qualquer coisa ao redor do individuo sinaliza algo, que
podem ou não ser convertidos em componentes do processo
comunicacional. Essa sinalização pode tornar-se uma informação ou comunicação.
587
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A cidade é o locus da comunicação, do coletivo de imagens midiáticas que dominam a paisagem urbana. A comunicação urbana surge aqui como premissa para o desvelamento
da urbe. Nesse desvelar, a mídia, o corpo e as imagens apontam para uma paisagem urbana em constante transformação.
Em Natal, os imprintings se revelam nas imagens da comunicação urbana e nas pessoas que transitam por suas ruas, mostrando em seus corpos a face visível desses imprintings
Na cidade, o corpo que se estende para além da pele
dos indivíduos. As imagens na/da cidade em conjunto com os
indivíduos compõe a dupla hélice de DNA que forma o corpo
urbano. Um corpo que flutua entre os interstícios2 da metrópole
comunicacional, dando-se a ver como um bodyscape3. De
acordo com Massimo Canevacci, o sufixo –scape se junta ao
prefixo body para acentuar um conceito flutuante de corpo,
que estende à observação alheia e própria enquanto panorama visual repleto de signos. O corpo do sujeito se entrelaça
em tais panoramas intersticiais criando novos sistemas percep2 De acordo com Massimo Canevacci: “Os interstícios são zonas que
estão entre (in-between) áreas mais ou menos conhecidas, onde se
inserem como parasitas freqüentemente temporários. Eles se localizam nos limites incertos entre diversos quarteirões, entre velhos cruzamentos abandonados pelas novas redes viárias, ou ainda no interior
dos quarteirões que se acredita conhecer muito bem e que, ao contrário, mantêm alguns nichos deslocados.” (CANEVACCI, 2008, p. 33).
3 Segundo Massimo Canevacci (2008), o bodyscape é um corpo
panorâmico, além da pele, que flutua entre os interstícios da metrópole comunicacional. Corpo-espaçado.
588
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
tivos, novas sensorialidades, descobrindo as zonas mortas entre
o que é percebido ou, de todo modo, já visto e o que está
brotando. Fala-se de um corpo que não é somente natural porque, em cada cultura e em cada indivíduo, o corpo é constantemente preenchido por sinais e símbolos. A pele não é o seu
limite: ela se liga aos tecidos ‘orgânicos’ da metrópole. O corpo
expandido em edifícios, coisas-objetos-mercadorias, imagens,
um corpo-panorama. (CANEVACCI, 2008).
A comunicação urbana, sob esta, é composta de imagens midiáticas disseminadas pela cidade que podem ser visualizadas como extensão do corpo natural, em que o sujeito se
enxerga na imagem e a imagem se reflete no sujeito. O corpo
se funde na mediapaisagem, noção tomada de empréstimo
à Appadurai (2004). Segundo o autor, é possível pensar paisagens para além do ambiente físico, assim como é possível
juntar mídia e migração, globalização e circulação infinita e
permanente de imagens. As noções de identidade, localidade
e imaginação estão alteradas na sociedade contemporânea;
o movimento simultâneo de imagens e corpos criou identidades híbridas, à maneira de Canclíni (2008), localidades em
mutação e imaginários sem referentes territoriais rígidos.
Para Norval Baitello Jr. (2005), há uma multiplicação desordenada de imagens no ambiente urbano por causa da rarefação de sua capacidade de apelo imagens. Se assim é, essa
imagens se articulam umas às outras, formando um continuum
comunicativo criador do ambiente comunicacional. Muitas
vezes, as imagens remetem a outras imagens, esvaziadas de um
enraizamento cultural mais peculiar, tornando-se passíveis de
589
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
manipulação devoradora de singularidades. Simultaneamente,
as imagens se vinculam ao que há de mais arcaico e estruturante no ser individual e social, que é o imaginário. Imagens
que se vinculam a corpos, que se vinculam a cidades, que se
vinculam a imagens compondo a paisagem urbano-midiática.
O ciclo é continuo e recursivo. O bodyscape e as mediapaisagem passam a ser operadores conceituais fundamentais para
compreender a comunicação metropolitana.
Palavras-chave: Cidade . Corpo. Comunicação. Consumo.
Subjetividades.
Contribuição à pesquisa e teoria da comunicação
A cidade assim vista reivindica uma cartografia transdisciplinar, capaz de promover um processo cognitivo que permita a rearticulação de visões de mundo numa nova direção,
pois não se olha a paisagem e o ser de forma fragmentada;
cada um só pode existir na realimentação do outro. A mídia em
expansão e seu alto consumo auxiliam a construção da subjetividade na cidade; essa ecologia comunicacional, conforme
Vicente Romano, com sua hipersensibilização de alguns sentidos e anestesia de outros, cria uma noosfera específica, que
por sua vez recria o sujeito.
Assume-se, reiteradamente, o pressuposto de que a comunicação midiática produz imagens em profusão, que configuram paisagens no cenário da convivência urbana entre diversos
indivíduos e segmentos sociais. Essas imagens se articulam umas
590
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
às outras, formando um continuum comunicativo criador de um
ambiente comunicacional. Muitas vezes, as imagens remetem
a outras imagens, esvaziadas de um enraizamento cultural mais
peculiar, tornando-se passíveis de manipulação devoradora de
singularidades. Simultaneamente, as imagens se vinculam ao
que há de mais arcaico e estruturante no ser individual e social,
que é o imaginário. Que paisagens midiáticas são constituídas
a partir das várias formas de comunicação midiática urbana? E
que paisagens psíquicas, constituídas de imagens endógenas,
são formadas a partir das imagens exógenas veiculadas pela
mídia da comunicação social urbana?
591
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
80 A Tessitura da Cidade que se Entretece:
Comunicação Urbana e Expressões Subjetivas na
Produção e no Consumo Simbólicos em Natal-RN
Patrícia de Carvalho Silva
Josimey Costa da Silva
Resumo
Este artigo é produto de trabalho de campo e leituras
concernentes ao projeto de pesquisa MÍDIA, CORPO E CIDADE:
Comunicação urbana e expressões subjetivas na produção e
no consumo simbólicos em Natal-RN1. Sob esse aspecto tem
como objetivo pensar e analisar a cidade como espaço de
convivências, em que o massivo, o popular e o sofisticado de
alguma forma dialogam e representam o passado materializado no patrimônio histórico imaterial, configurando importante referência da relação orgânica entre passado, presente
e futuro, a qual precisa ser repensada e questionada a partir
da dinâmica social do espaço e de suas disposições, marcos,
representações e possibilidades. Como metodologias foram
utilizadas a pesquisa de campo e a observação participante,
1 O projeto de pesquisa “MÍDIA, CORPO E CIDADE: Comunicação
urbana e expressões subjetivas na produção e no consumo simbólicos em Natal-RN teve trabalho de campo nos seguintes bairros da
cidade do Natal-RN: Alecrim, Capim Macio e Petrópolis. Neste artigo,
especificamente, será tratada a pesquisa de campo em Capim
Macio.
592
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
tendo como principal referência bibliográfica o autor Massimo
Canevacci2.
Palavras-chave: cidade; comunicação; consumo; espaço;
mídia.
Paris muda,
mas nada em minha melancolia
mudou: palácios novos, massas,
velhos subúrbios, cenários, tudo
se transforma para mim em alegoria,
e mais que rochas gravam as lembranças
mais caras.
(Massimo Canevacci)
Assim, a cidade se constitui, com seus monumentos, suas
praças, sua história, com sua população, com suas pessoas e
com essas pessoas dentro da cidade. Pessoas que correm, que
vivem suas ilusões, suas decepções, suas morosidades, suas
angústias, alegrias e tristezas. Perto delas, somos também pessoas. Nos reconhecemos ou não, nos falamos, nos tocamos ou
não e continuamos pessoas. Dividimos o consciente coletivo
2 Livro fundamental utilizado neste projeto de pesquisa. CANEVACCI,
Massimo. A cidade polifônica: ensaio sobre a antropologia da comunicação urbana. Tradução: Cecília Prada. ­– 2ª ed. – São Paulo: Studio
Nobel, 1997. – (Cidade Aberta).
593
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
em uma sala de cinema e, ao mesmo tempo, somos pessoas.
Individuais e únicas. Mas também inseridas no todo, que se
constituem em suas partes e em sua totalidade.
Assim, como na epígrafe, a melancolia é única. É a
melancolia do indivíduo. Cada ser carrega consigo a sua e
guarda as memórias individuais de acordo com os fatos que
por algum motivo lhe chamaram atenção e lhe lembram de
acontecimentos públicos. Mas a história também é dos espaços, que também guardam, igualmente, em si, histórias e segredos, em suas construções, cenários e velhos subúrbios que se
transformam em alegoria e mais que rochas gravam as lembranças mais caras. Desta forma, a ideia do projeto de pesquisa intitulado MÍDIA, CORPO E CIDADE: Comunicação urbana
e expressões subjetivas na produção e no consumo simbólicos
em Natal-RN teve como objetivo observar a cotidianidade, a
expressividade de alguns bairros da cidade do Natal-RN, bem
como seus marcos, seus fluxos, suas dimensionalidades3 e suas
pessoas. Assim, procurou-se observar as paisagens humanas e
não-humanas. As paisagens das construções e das convivências, em trechos4 localizados na Avenida Engenheiro Roberto
3 Os trechos a serem observados durante pesquisa de campo do
projeto de pesquisa mencionado foram previamente determinados
em reunião do grupo de pesquisa Marginália, coordenado pela Prof.
Dra. Josimey Costa. Os trechos foram escolhidos mediante conhecimento prévio dos integrantes do grupo sobre os fluxos nos locais a
serem observados.
4 No meu caso, durante o período em que estive no projeto de pesquisa, a observação se deu somente no bairro de Capim Macio.
594
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Freire. Esta Avenida é de considerável importância na cidade
do Natal-RN, dando acesso aos bairros de Capim Macio e
Ponta Negra, bem como a outros espaços e vias da cidade do
Natal-RN. É por ela que se chega à Ayrton Senna, à BR, à praias,
ao centro da cidade, aos bares, às petiscarias, supermercados
e shoppings. Nesta Avenida estão localizados três supermercados: Nordestão, Hiper Bompreço, Favorito; uma universidade:
a Universidade Potiguar Laureate Universities; faculdades: a
Maurício de Nassau e a Fatern5. Também nela está localizada
o Praia Shopping, além de um shopping de artesanato.
Esta Avenida é também de conhecido e considerável
movimento, de transeuntes que chegam e saem. De carros
que vão e que vem e que em suas idas e vindas, comunicam.
Observando esses trechos da Avenida, parando para observá-los, vê-se que: “Cada detalhe mínimo do contexto urbano não
é mais só ele mesmo: ele se agita como fonte material que produz e difunde –­­­ comunica – criações alegóricas, em busca de
outros significados” (CANEVACCI, 1997, p. 100).
E essa disposição da cidade produz novas formas de pensar e de agir, além de novas vias de comunicabilidade(s).
Para os senhores, acostumados à Natal antiga, o espaço
do supermercado, na Avenida Engenheiro Roberto Freire, passou a ser um novo espaço de encontro com amigos de mesma
idade, ou mesmo espaço para novas amizades. De chapéus, de
camisas de pano, eles se cumprimentam, pois já se conhecem,
posto que costumeiramente estão ali, senão cotidianamente,
pelo menos algumas vezes por semana, aos fins de tarde. Depois
5 Universidade Estácio de Sá.
595
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
dos saudosos encontros na Ribeira, bairro histórico e boêmio da
cidade do Natal-RN, esses senhores migraram, com a descentralização do bairro (da Ribeira) ou da mudança de endereço
dessas pessoas, ou de seus filhos para outros lugares da cidade,
o espaço do café da tarde, badalado e comentado, passou
a acontecer neste supermercado da Avenida. É lá que entre
um gole e outro do líquido preto, se conhece e se reconhece.
A si e ao outro. A conversa pode girar em torno da política, da
economia, dos assuntos que foram manchetes em jornais no dia
anterior. Os senhores se (re) encontram nesses espaços. Estes
espaços, por sua vez,
produz(em) novas sensibilidades, desorienta(m)
as percepções tradicionais e estáveis: um
tapete pode recobrir verticalmente uma ponte,
sobre a qual estender-se com o olhar ou com
a imaginação. Ou então é a ponte quem se
apresenta como um enorme tapete sobre
o qual passear como um flanêur. Ou ainda a
cidade inteira é um cartaz imenso no qual se
transita indiferentemente entre pontes, tapetes,
cisnes, Andrômedas. Este é o poder surreal do
fragmento: ele pode viajar em qualquer direção. Mas só a grande cidade tem esta estranha
liberdade (...) (CANEVACCI, 1997, p. 101).
Na observação dos trechos, que foram do supermercado
Nordestão até as imediações da loja de carros Ponta Negra Fiat
(trecho 01) e do Praia Shopping até as imediações do shopping
596
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
de artesanato e, no sentido inverso, até pouco mais do estacionamento do Praia Shopping (trecho 02), a Avenida Engenheiro
Roberto Freire, como um todo, além de localizar os espaços já
supracitados, de grande confluência, também é um espaço
disputado de comércio, em sua maioria espaços de restaurantes, barzinhos, ambientes de venda de comida e, alguns
bancos, como o Itaú e o Bradesco, além de floriculturas e lojas
de carro (a Jac Motors e a Ponta Negra Fiat). Nesta Avenida
encontram-se também de espaços sofisticados, notadamente
frequentados por pessoas classificadas como pertencentes à
classe econômica “A”, à lugares mais rústicos e menos oponentes economicamente6. O espaço também pode ser classificado como local de disputa para colocação de outdoors e
letreiros eletrônicos.
No primeiro dia de pesquisa de campo no local, uma performance era realizada na rua asfaltada, mediante o fechamento do semáforo. Dois performistas encenavam.
6 Segundo Gramsci: a hegemonia é a capacidade de um grupo
social assumir a direção intelectual e moral sobre a sociedade, sua
capacidade de construir em torno de seu projeto novo sistema de
alianças sociais, um novo “bloco histórico”. A noção de hegemonia,
desta forma, desloca a de classe dominante, cujo poder residiria inteiramente em sua capacidade de controlar as fontes do poder econômico. Na análise de poder, introduz a necessidade de considerar
negociações, compromissos e mediações (MATTELART, 2009, p. 108).
597
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
E, em trabalho de campo realizado7 posteriormente
observou-se um quiosque rústico, de cipó e madeira, com acabamento em pintura verde. O proprietário do local, com um
brilhante no dente frontal da arcada superior, observou a nossa
admiração pelo lugar e veio até o grupo. Tratava-se de um
baiano, de apelido Jhonny, que havia mudado da cidade de
Salvador-Ba para a cidade do Natal-RN, em busca de qualidade de vida. Jhonny havia começado seu negócio com um
quiosque de acarajé, ao chegar em Natal-RN, mas passou o
ponto à frente e agora estava somente com a venda de água
de coco e pastéis, principalmente. Ao lado deste estabelecimento há um lugar, igualmente rústico, que vende espetinhos,
tapiocas, entre outras comidas.
7 Refere-se à pesquisa de campo realizada no mês de abril de 2013.
598
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Fig. 1: Quiosque de Jhonny
599
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Fig. 2: Quiosque vizinho ao de Jhonny
Fig. 3: Espaço entre os quiosques
600
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Nesta observação participante, a oralidade é figura permanente, por meio de formas hospitaleiras de venda e abordagem ao consumidor por funcionários e proprietários de
estabelecimentos, junto à escrita presente em outdoors e letreiros eletrônicos. Assim, Canevacci (1997, p. 104) diz:
Oralidade e escrita estão presentes em simultâneo para a antropologia, que deve fazer
reviver experiência direta com pessoas distantes, dando voz e subjetividade ao informador,
utilizando a dialógica e as novas formas experimentais de escrita. O informador ­­– termo ambíguo com vago sabor policial – finalmente torna
a ser também um narrador de poesias, um intérprete e, por que não, um ativo transformador
da imagem de um romancista (e de uma certa
antropologia) fechado em si mesmo.
Nesses trechos observados, há também o fluxo de pessoas.
Percebeu-se que o maior fluxo nos pontos de ônibus, ocorre no
fim da tarde, entre 16 e 17 horas e se dá no sentido Avenida
Roberto Freire – Centro. E que, neste mesmo horário, as pessoas
caminham enquanto conversam, pelo calçadão construído
com esse interesse, e que o som da Avenida muda quando o
semáforo fecha, indicando a passagem para os transeuntes.
Quando isso acontece pode-se observar um silêncio que toma
conta do ambiente ao redor e causa uma sensação de acon-
601
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
chego. Junto a esse momento, do outro lado da rua, onde se
encontra um shopping, pode-se observar uma reserva de mata
atlântica, o Parque das Dunas8. Mas agora a reserva é observada de uma forma diferente do comumente observado no
corre-corre do dia-a-dia. A mata parece mais verde e exuberante, parecendo ter vida própria. No corre-corre, do dia-a-dia,
essas observações não podem ser feitas. Com a pressa de chegar ao trabalho, de chegar à universidade, à academia, ao
curso, ou com a pressa de voltar para casa depois de um dia
exaustivo de trabalho. A cidade, assim, é narrada por um coro
pluriverso e polifônico
no qual os vários itinerários musicais ou os materiais sonoros se cruzam, se encontram e se fundem, obtendo harmonias mais elevadas ou
dissonâncias, através de suas respectivas linhas
melódicas. A cidade se apresenta polifônica
8 O Parque das Dunas, constitui uma unidade do IDEMA- Instituto
de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande do
Norte, órgão vinculado à SEPLAN – Secretaria de Planejamento do
Estado do Rio Grande do Norte. O Parque Estadual Dunas de Natal
“Jornalista Luiz Maria Alves” foi criado através do Decreto Estadual
nº 7.237 de 22/11/1977, sendo a primeira Unidade de Conservação
Ambiental implantada no Estado do Rio Grande do Norte, possui
1.172 hectares de mata nativa, sendo parte integrante da Reserva
da Biosfera da Mata Atlântica Brasileira e exerce uma grande importância para a qualidade de vida da população da cidade de Natal.
Disponível em: < http://www.parquedasdunas.rn.gov.br/apresentacao.asp > Acesso em: 26 de abril de 2013.
602
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
desde a primeira experiência que temos dela (...)
é possível elaborar uma metodologia da comunicação urbana mais ou menos precisa, com a
seguinte condição: a de querer perder-se, de ter
prazer nisso, de aceitar ser estrangeiro, desenraizado e isolado, antes de se poder reconstruir
uma nova identidade metropolitana. O desenraizamento e o estranhamento são momentos
fundamentais que – mais sofridos do que predeterminados – permitem atingir novas possibilidades cognitivas, através de um resultado “sujo”, de
misturas imprevisíveis e casuais entre níveis racionais, perceptivos, e emotivos, como unicamente
a forma-cidade sabe conjugar (CANEVACCI,
1997, p. 15 – 16).
Ainda segundo Canevacci (1997, p. 22),
Um edifício se ‘comunica’ por meio de muitas
linguagens, não somente com o observador
mas principalmente com a própria cidade na
sua complexidade: a tarefa do observador é
tentar compreender os discursos ‘bloqueados’
nas estruturas arquitetônicas, mas vívidos pela
mobilidade das percepções que envolvem
numa interação inquieta os vários espectadores
com os diferentes papéis que desempenham.
Espectadores que, por sua vez, ao observarem
por meio de sua própria bagagem experimental e teórica, agem sobre as estruturas arquite-
603
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
tônicas aparentemente imóveis, animando-as
e mudando-lhes os signos e o valor no tempo
e também no espaço. Existe uma comunicação dialógica entre um determinado edifício
e a sensibilidade de um cidadão que elabora
percursos absolutamente subjetivos e imprevisíveis. Por exemplo: eu posso preferir determinadas ruas, em determinadas horas do dia, razão
pela qual escolho meus itinerários urbanos não
somente em termos vantajosos quanto à rapidez dos movimentos, mas também pelo fluxo
emotivo que se libera quando atravesso essas
ruas, e não outras. Cada forma arquitetônica
tem o poder inexaurível de comunicar-se através de todo o aparelho perceptivo – emotivo e
racional – do espectador, que muda de papéis
segundo o tempo e o espaço (...) Uma cidade
é também, simultaneamente, a presença mutável de uma série de eventos dos quais participamos como atores ou como espectadores, e que
nos fizeram vivenciar aquele determinado fragmento urbano de uma determinada maneira
que, quando reatravessamos esse espaço, reativa aquele fragmento de memória.
Afinal, uma cidade é também, e se constitui também,
pelo conjunto de recordações individuais e coletivas, que
dela emergem assim que o nosso relacionamento com ela é
604
Sumário
estabelecido, fazendo com que ela se anime com as nossas
recordações.
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
E que ela seja também agida por nós, que não
somos unicamente espectadores urbanos, mas
sim também atores que continuamente dialogamos com os seus muros, com as calçadas
de mosaicos ondulados, com uma seringueira
que sobreviveu com majestade monumental
no meio da rua, com uma perspectiva especial, um ângulo oblíquo, um romance que
acabamos de ler. As memórias biográficas elaboram mapas urbanos invisíveis. Por este motivo
a comunicação urbana é do tipo dialógico e
não unidirecional. E, algumas paisagens urbanas, com o passar do tempo um conjunto de
signos se estratifica (na memória individual, de
um casal ou de um grupo), tornando-as exemplos de alguns comportamentos que podem
criar tendências: isto é, retomam os movimentos comportamentais de estratos significativos
da população, os quais terminam por assumir
uma função que atrai também os outros extratos, como um modelo onde se experimenta e se
realiza o grande jogo dos códigos urbanos (...)
Eles (panoramas) formam uma constelação:
quanto mais nos distanciamos, melhor percebemos o desenho que sua borda representa. Neles
não se desenvolve somente a neutralidade
indiferente dos códigos a serem interpretados
605
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
como frequentemente se pensa; pelo contrário, dentro deles se manifesta o conflito, ou pelo
menos um dos conflitos mais significativos da
nossa sociedade contemporânea, o que não
quer dizer que todos os outros conflitos – especialmente os de classe, sexo e etnia – sejam
anulados ou superados. Significa que a atual
sociedade da comunicação exprime os próprios conteúdos conflituais também através da
competição dos signos, do crescente processo
de dessimbolização, da luta dos códigos e do
status, que envolvem todos os outros âmbitos
da sociedade contemporânea (CANEVACCI,
1997, p. 22- 23).
Além das pessoas, que vão e que vem e, dos estabelecimentos já citados, o lado direito da Avenida Engenheiro
Roberto Freire é disputado por empresas que pretendem divulgar sua marca e novas propostas ao seu cliente, além de tentar conquistar novos públicos. Entre as empresas que anunciam
em outdoors desta Avenida estão principalmente empresas
de tecnologia, universidades/faculdades e motéis, conforme
pode-se ver nas imagens abaixo9. A linguagem desse tipo de
publicidade é a comumente já conhecida: linguagem persuasiva, de convencimento, que leva o cliente para uma nova
possibilidade de compra, ou o mantém na zona de conforto
(de clientela) em que ele já está.
9 As imagens exibidas neste artigo são de minha autoria.
606
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Fig. 4: Publicidade de Motel
Fig. 5: Publicidade de Empresa de Tecnologia
Junto a esses outdoors, convivendo lado a lado, estão os
letreiros nos muros. Estes, geralmente, com inscrições de prestação de serviços, tais como anúncios de empréstimos, como nas
imagens abaixo.
607
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Fig. 6: Anúncio pregado em poste
Fig 7: Anúncio de recarga de cartucho, pintado em muro.
608
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Fig 8: Anúncio de pessoa desaparecida. Pregado em poste.
Fig. 9: Anúncios de imóveis e de loja de carros.
609
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
E, como não poderia deixar de ser, a Avenida Engenheiro
Roberto Freire é também o espaço da consumação e do
consumo, tanto dos bares, restaurantes, pizzarias e barzinhos
padronizados e sofisticados, como do comércio informal, dos
lanches rápidos e sobremesas que têm seus restos descartados diretamente no ambiente, fora dos cestos de lixo. Nesse
aspecto, o sofisticado conflitua com o mau hábito. No trabalho
de pesquisa de campo encontrou-se desde latinhas e garrafas
de refrigerante, em sua maioria de Coca-Cola, à recipientes
de água descartável, papéis de bala, cupons fiscais e casquinho de sorvete. O lixo acumulado na Avenida se junta principalmente entre os canteiros centrais, e contrasta com as bem
podadas árvores do ambiente, conforme as imagens10 abaixo.
Fig 11: Fachada de lojas
10 As imagens exibidas também são de minha autoria.
610
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Fig. 10: Fachada de restaurantes
Fig. 12: Shopping e copo descartado
611
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Fig. 13: Coca-Cola descartada
Fig. 14: Mala de viagem descartada
612
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Fig. 15: Casquinho de sorvete descartado
Fig. 16: Nota fiscal abandonada
613
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Fig. 17: Lixo acumulado no canteiro central da Avenida
(...) ‘Espaço-vida’ em que estão em jogo as
relações entre um organismo e seu meio e no
qual se define a conduta do indivíduo como
resultante de suas relações com o meio físico
e social que age sobre ele, e no qual ele se
desenvolve (...) a maneira pela qual as ‘forças’
ou ‘vetores’, de intensidade e direção variadas,
que atuam entre um e outro indivíduo, entram
em ação para tentar resolver a “tensão” produzida por certas necessidades em um organismo
(MATELLART, 2009, p. 53).
Afinal, segundo Silverstone (2005, p.21), “é pelo senso
comum que nos tornamos aptos (...) a partilhar nossas vidas
uns com os outros e distingui-las umas das outras”, o que conforme Martin-Barbero (2006), com sua teoria das mediações
sociais, implica em uma sociologia dos processos de comunica-
614
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ção particularmente atenta aos contextos sócio e subculturais
específicos, nos quais se produz a recepção e os usos sociais
dos bens simbólicos e das mensagens dos meios de comunicação massivos às práticas sociais, aos movimentos populares e
à experiência cultural dos distintos segmentos da população.
Assim, é oportuno lembrar que,
[...] toda e qualquer sociedade constrói, por
pactos semânticos ou semióticos, regimes auto-representativos ou de visibilidade pública de si
mesma. Os processos públicos de comunicação, as instituições lúdicas, os espaços urbanos
para os encontros da cidadania integram tais
regimes (SODRÉ, 2001, p. 16).
e que segundo Silverstone (2005, p. 34-35):
(...) A mediação implica o movimento de significado de um texto para o outro, de um discurso
para o outro. Implica a constante transformação de significados, em grande e pequena
escala, importante e desimportante, à medida
que textos da mídia e textos sobre a mídia circulam em forma escrita, oral e audiovisual, e à
medida que nós, individual ou coletivamente,
direta ou indiretamente, colaboramos para sua
produção. A circulação de significado, que é
a mediação, é mais do que um fluxo em dois
estágios – do programa transmitido via líderes
de opinião para as pessoas na rua –, como Katz
615
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
e Lazarsfeld (1955) defenderam em seu estudo
seminal, embora ela apresente estágios e realmente flua. Os significados mediados circulam
em textos primários e secundários, através de
intertextualidades infindáveis, na paródia e no
pastiche, no constante replay e nos intermináveis discursos, na tela e fora dela, em que nós,
como produtores e consumidores, agimos e
interagimos, urgentemente procurando compreender o mundo, o mundo da mídia, o mundo
mediado, o mundo da mediação.
Considerações
Quando se pensa em uma cidade, as primeiras imagens
que costumam vir à mente são de origem material, assim surgindo os monumentos, os prédios, os acidentes geográficos,
as construções humanas ou naturais que representam aquele
espaço. Mas, conforme se demonstrou neste artigo e, segundo
Arrais, Andrade e Marinho (2008), a cidade não pode ser resumida à suas construções físicas, pois no denso espaço citadino
se equilibram diversos interesses e ações que transformam cotidianamente os espaços públicos e privados da cidade. As próprias construções materiais resultam de interesses e ações que
desejam mudar o espaço urbano. A cidade só é completa com
a união às práticas imateriais dos seus moradores, atribuindo
significados e significações às estruturas materiais, “[...] pois
616
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
somente por meio das práticas, dos usos, os espaços ganham
sentido” (ARRAIS; ANDRADE; MARINHO, 2008, p. 129).
A cultura é, assim, percebida como compondo um sistema
social, manifestada em comportamentos e produtos de comportamentos, percebedora de como seus membros percebem,
pensam, sentem, a partir de valores que são conscientemente
construídos e absorvidos. Representações imaginárias sociais,
construídas e reconstruídas nas relações cotidianas dentro de
uma organização. E assim, reforçam os valores compartilhados,
os ritos, as narrativas, e utilizam objetos, atos e eventos como
forma de significados, atentando para as interações, para os
processos de comunicação, como elementos que podem ajudar a desvendar a cultura, além dos artefatos visíveis, situando,
sempre, “os processos comunicativos em perspectivas e conjunturas históricas, sociais e culturais” (SANTAELLA, 2010, p. 57;
64).
Compreendendo, como fizeram Foucault, Kristeva e
Derrida (apud DUARTE, 2009, p. 208), a alteridade e a construção de significados com base na relação do eu com o outro,
que faz com que a desconstrução social possa construir novas
formas de significação e produção social da significação, processos que são realizados pelos sujeitos que se comunicam e os
enunciam. Seguindo esse pensamento...
... tal reconhecimento é possível somente dentro do espaço da comunicação, segundo
modalidades diferentes para a produção e a
compreensão, o fazer persuasivo e o fazer interpretativo – quer dizer, em suas relações intertex-
617
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
tuais (...) A semiótica e a semiologia de origem
francesa (...) fornecem a compreensão do
sentido expressivo, do espaço do discurso, da
representação, da construção dos simulacros
significantes, e também do sujeito, do corpo, da
sensação, do tempo vivido que sempre insiste
em se reinvestir na imagem (...) O corpo, reconfigurado num tipo específico da forma da indumentária, manifesta os conceitos e os valores
veiculados em e para essa situação (DUARTE,
2009, p. 209).
Assim, os significados mediados, como os que se encontrou em trabalho de campo e observação participante no
projeto de pesquisa MÍDIA, CORPO E CIDADE: Comunicação
urbana e expressões subjetivas na produção e no consumo simbólicos em Natal-RN, puderam ser medidos por meio do tempo
e de espaços. Públicos e privados, institucional e individual e
vice-versa. Conforme Silverstone (2005, p. 37), eles (os espaços
e o tempo) são fixos nos textos e fluidos nas conversas. São visíveis em quadros de aviso e sites da Internet e enterrados nas
mentes e nas lembranças (...) a mediação é infinita, produto do
desenredamento textual nas palavras, nos atos e nas experiências da vida cotidiana, tanto quanto pelas continuidades da
mídia de massa como da mídia segmentada.
Referências
618
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ARRAIS, Raimundo; ANDRADE, Alenuska; MARINHO, Márcia. O
corpo e a alma da cidade: Natal entre 1900 e 1930. Natal, RN:
EDUFRN, 2008.
CANEVACCI, Massimo. A cidade polifônica: ensaio sobre a
antropologia da comunicação urbana. Tradução: Cecília
Prada. – 2 ed. – São Paulo: Studio Nobel, 1997. – (Cidade
Aberta).
DUARTE, Jorge; BARROS, Antônio (Orgs.). Métodos e Técnicas
de Pesquisa em Comunicação. 2 ed., São Paulo: Atlas, 2009.
MATTELART, Armand e Michele. História das teorias da comunicação. 12 ed. São Paulo: Loyola, 2009.
MUNIZ SODRÉ. Antropológica do Espelho: uma teoria da comunicação. 4. Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.
SANTAELLA, Lucia. Comunicação e pesquisa: projetos para
mestrado e doutorado. 2 ed., São José do Rio Preto, SP:
Bluecom Comunicação, 2010.
SILVERSTONE, Roger. Por que estudar a mídia? 2. Ed. São Paulo:
Edições Loyola, 2005.
619
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
81 Experiência estética e cidadania: a
constituição da experiência pública entre
comunidades virtuais e espaço urbano
Márcia Larangeira Jacome
Este resumo do meu projeto de pesquisa visa compreender qual é o lugar da experiência estética na constituição de
uma experiência pública, a partir de uma aproximação entre
estética e cidadania, tomando como foco de investigação a
comunicação como possível vetor de mobilização de afetos,
considerando o papel do ativismo político – online e presencial
– em processos massivos de mobilização social.
Nesta perspectiva, o projeto toma as relações entre comunicação e estética como um campo em permanente construção, ao mesmo tempo em que enfoca a comunicação como
processo por meio do qual torna-se possível o estabelecimento
de relações entre diferentes e a construção de um comum que
não elimine diferenças, mas antes, que se constitua a partir do
reconhecimento do princípio igualitário como condição para
que todos tomem parte na política (Rancière, 2011a). Pois se
assim o é, têm um caráter contingente, ou seja, trazem em si as
possibilidades de participação igualitária de qualquer pessoa, a
emergência do dissenso e a constituição de uma comunidade
inédita, compreendida por Rancière (2011b) como aquela que
institui vozes dissonantes em nome da igualdade entre diferentes, fazendo emergir o dano e transgredindo a ordem.
620
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Para empreender uma leitura de como essa construção
do comum ocorre, os elementos que dela fazem parte, as tensões e contradições emergentes, que exigem enfrentamento
coletivo, observamos as revoltas populares contemporâneas.
Contestadores do sistema político estabelecido, esses protestos
ganharam novos contornos a partir das articulações traçadas
por meio de fluxos comunicacionais que produzem narrativas
diversas e, muitas vezes, conflituosas, em um entrelugar situado
entre territórios na internet e no espaço urbano. Por outra parte,
trazem implícita a possibilidade de instituir novas comunidades
a partir de multidões anônimas e plurais, esboçando novos contornos da esfera pública e colocando em cena novas problematizações sobre os sentidos de coletividade.
De modo geral, essa onda de insurgências, que emerge
em grandes metrópoles no biênio 2011-2013, tem se enraizado
nos territórios nacionais nos quais se originam, ao mesmo tempo
em que sua difusão pela internet conecta e potencializa experiências similares pelo mundo, gerando processos de retroalimentação. Tais fluxos de comunicação potencializam a articulação
de estratégias para o enfrentamento do establishment em meio
ao deslocamento do centro do poder dos Estados nacionais
para os conglomerados financeiros (Bauman, 1999), gerados
por uma economia globalizada que também provoca o deslocamento de pessoas, bens simbólicos e materiais, além de
recursos financeiros.
Dentre as principais características dessas experiências
públicas contemporâneas, é possível perceber a dimensão
multitudinária, marcada pelo anonimato e a horizontalidade
621
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
nos processos de decisão e potencializada pelo compartilhamento de trabalho em redes. Acreditamos que tais experiências sugerem haver uma preocupação com a tentativa de
recriar os sentidos da vida em comum para confrontar subjetividades forjadas pelo modelo de capitalismo neoliberal. No
entanto, problematizar os limitadores desse processo. Assim, nos
perguntamos se o caráter difuso dessas experiências públicas
potencializa uma articulação de forças ou se coloca em risco
a própria reconstrução dos sentidos de coletividade em torno
da construção de um comum e, com isso, coloca em risco também o resgate da política como dimensão cotidiana, da qual
todos podem tomar parte de maneira igualitária.
Para fazer uma leitura dessa situação, este projeto busca
compreender de que modo os processos de comunicacionais operam na construção do comum no âmbito das revoltas populares que vêm ocorrendo pelo Brasil desde o início
de junho de 2013. Por este motivo, consideramos a existência
de dois momentos distintos nesse acontecimento. No primeiro
momento, há um deflagrador dessa mobilização reconhecido
amplamente, que é a luta pelo passe livre e melhoria da qualidade do transporte coletivo em diferentes capitais. Com a incidência da repressão policial às manifestações ocorridas no Rio
e São Paulo, produz-se um recorte, a partir do qual se constitui
um segundo momento, marcado pela convocação da população às ruas para resistir à violência de Estado. Tal convocatória
produz adesão massiva e, com ela, o surgimento de diferentes
pautas que torna visível o alto grau de insatisfação popular e
622
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
produz evidências de que algo maior se coloca em jogo: “Não
se trata de 0,20. É uma questão de democracia.”
Importa olhar para este fenômeno no Brasil como parte
de um contexto internacional mais amplo. Em todos eles, a
democracia é ‘um guarda-chuva’ que agrega todas as lutas:
da resistência às ditaduras, na Primavera Árabe (Tunísia, Egito,
Líbia, Síria, 2011) à exposição dos limites das democracias ocidentais filiadas ao modelo neoliberal, como é o caso #DerinGezi,
(Turquia, 2013), o #15M ou Indignados! (Espanha, a partir de
2011), Occupy Wall Street (EUA, 2011) e #OccupySintagma
(Grécia, 2011), Que se lixe a Tróika (Portugal, 2012), entre outros.
Estas revoltas já vinham impactando o Brasil, assinalando
mudanças em curso nas formas de organização social. Em
2012, já vinham ocorrendo mobilizações que, de alguma forma,
delas se aproximavam – seja pela semelhança de temas, pelo
uso de símbolos, seja construção de estratégias de comunicação e mobilização que articulam a formação de comunidades
de redes sociais na internet com a reocupação de ruas e praças. Porém, mantendo características ainda muito diferenciadas, em especial no que diz ao grau de radicalidade das ações
levadas a termo. Estamos nos referindo à algumas iniciativas de
cunho local, de críticas à gestão pública das cidades ou estados, como o #ForaMicarla, em Natal, #OcupeEstelita, em Recife
e #Quemderaserumpeixe, em Fortaleza; outras de abrangência nacional, como a luta contra a corrupção na política, deflagradora d o # FichaLimpa, ou de luta por moradia e território
rurais e urbanos, a exemplo de #SomostodosGuarani-Kaiowá,
#SomostodosPinheirinho, e, por fim, outras vinculadas a iniciati-
623
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
vas internacionalizadas, a exemplo da #MarchadasVadias, pelo
direito das mulheres ao corpo – território primeiro da existência.
Nossa hipótese é que tais mobilizações funcionaram como um
balão de ensaio, fomentando a criação de um ambiente favorável à eclosão da chamada “Revolta do Vinagre”1.
No entender de Manuel Castells (2013), estamos diante
de movimentos que são, principalmente, emocionais, motivados por um fato que funciona como dispositivo para ampliar
os motivos de indignação. Esse forte caráter emocional pode
ser percebido, também, como um componente importante da
comunicação entre diferentes países que unifica todas essas
experiências. Se olharmos para tais processos como parte de
um contexto global, perceberemos nessas experiências evidências que nos fazem indagar: estaríamos vivendo um processo
de quebra de paradigmas, de modo a propiciar o resgate da
política de um contexto de crise? Dentre essas evidências, interessa particularmente a este projeto de pesquisa, fazer uma leitura sobre as tentativas de se recriar os sentidos da vida em
comum por meio de atos estéticos que, ao ganhar vida nas
ruas e praças – como ocupações, passeatas e/ou assembleias
– se constituiriam como parte das condições propiciadoras da
retomada da política como dimensão da vida cotidiana.
Se tomarmos esses movimentos como ambientes potencializadores dos afetos, seu caráter estético, necessariamente,
se dará a ver aqui. Assim, a abordagem da comunicação que
1 A alcunha de Revolta do Vinagre é uma alusão ao uso desse produto – que mininiza os efeitos do gás lacrimogêneo – como método
de resistência à violência policial.
624
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
nos propomos a fazer evidencia ser não apenas plausível como
também necessário o rompimento com a dicotomia entre a
razão e o sensível para tecer uma compreensão dos fluxos de
afetos presentes na construção do comum.
Sobre o problema de pesquisa
Uma vez que a eclosão da Revolta do Vinagre ocorreu em
seguida à construção do projeto de qualificação, provocando
novas questões que abriram uma mudança nos rumos que
vínhamos tomando na construção do objeto e do problema,
o momento atual é de reconfiguração do projeto. O problema
de pesquisa está sendo redefinido, contando apenas com um
esboço inconcluso. De todo modo, a construção do problema
se localiza na perspectiva de buscar responder as seguintes questões: em um tempo histórico no qual as tecnologias
mediam cada vez mais as experiências coletivas, os processos
de comunicação que emergem entre o ambiente virtual e o
espaço urbano na constituição da Revolta do Vinagre têm sido
capazes de dar sustentação à experiência sensível do comum?
Se isso ocorre, essa comunicação contribui com a restauração
da plenitude dos sentidos como parte da experiência corporal,
compreendida como dimensão da construção de relações de
alteridade, que possibilita transformar as formas do ‘viver junto’
em sociedade? Essa comunicação tem propiciado uma circulação e potencialização de princípios e valores associados à
625
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
democracia, que propiciam uma reconfiguração da partilha
do sensível?
Tais considerações nos apoiam a pensar sobre qual tem
sido o papel das comunidades de redes sociais nesses processos
de compartilhamento de uma experiência sensível, mas também como a própria experiência pública, cria uma atmosfera,
envolve a presença corpórea, favorece, de um lado, a gestão compartilhada do espaço e a participação direta, transformando subjetividades no ambiente da rua. Por outra parte,
não se pode deixar de considerar que as contradições também
se fazem presentes aí e, portanto, não podem ser desprezadas.
Não raro, tem sido possível observar nos debates ocorridos na
internet entre manifestantes de diferentes tendências, expressões de autoritarismo e intolerância e preconceito – homofobia, racismo, preconceito de classe nacionalismo. Este é um dos
paradoxos que só em um regime democrático é possível ver. E
assim sendo, torna-se uma questão central observar e analisar
como a comunicação faz emergir na internet tensões que se
colocam entre manifestantes, a partir do dissenso interno a esse
ambiente plural, e seus desdobramentos nos modos como as
pessoas se expressam nas ruas.
Principais referenciais teóricos
Para caracterizar as mobilizações, será necessário identificar e distinguir as nuances entre concepções de correntes
teóricas de campos diversos que usam os mesmos conceitos
626
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
com interpretações diferentes ou que tratam de maneira aproximada conceitos tão variados e passíveis de serem confundidos, tais como: comunidades, comunidades virtuais, redes,
redes sociais, redes sociais na internet, redes digitais, associativismo, cyberativismo e movimentos sociais. Tais distinções nos
permitem eleger conceitos e categorias de análise mais adequadas, bem como não perder o foco na análise da experiência estética como parte de experiências coletivas – algumas
das quais ainda vigentes.
Além das recentes produções de Maria da Glória Gohn
(2011), que trazem um panorama do debate contemporâneo
sobre movimentos sociais, consideramos pertinente tomar em
consideração os aportes de Manuel Castells (2011) sobre o que
ele considera como auto-comunicação de massas como estratégia de contra-poder e que pode nos ajudar a compreender
a crescente participação de indivíduos anônimos nas mobilizações contemporâneas; Deleuze e Guatarri (1992) nos apoiarão
na discussão sobre a complexificação das maneiras pelas quais
se organizam, hoje, as ações em redes horizontalizadas e que
se valem do potencial das tecnologias de comunicação para
colocar em prática os princípios do rizoma, a saber, conexão,
heterogeneidade, multiplicidade, ruptura, cartografia e decalcomania; Raquel Recuero (2005), a partir das teorias das redes,
nos apoia na construção de argumentos sobre os riscos que
existem na vulgarização do conceito de ‘redes sociais’ para
identificar o que na verdade constitui-se como ‘comunidades
de redes sociais digitais’.
627
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Tomamos como um pressuposto o fato de que a comunicação no ambiente a ser analisado é composta por diferentes fluxos comunicacionais concomitantes, que se articulam e
mesmo se sobrepõem: no ambiente digital das comunidades
de redes sociais; entre as redes sociais e o espaço urbano e no
próprio ambiente de praças e ruas. Deste modo, buscaremos
demonstrar como a comunicação atravessa a experiência
coletiva sendo dela constituinte.
Para este fim, nos basearemos na articulação das postulações de Marcondes Filho (2010) acerca da comunicação,
no que ela se difere da informação e dos signos. Interessa-nos,
particularmente, a afirmação de que a comunicação se dá
na medida em que torna possível mudar nossas formas de ver,
sentir e pensar o mundo. E seu diálogo com a obra de Serres,
quando este afirma o corpo como lugar prioritário, onde se elabora o conhecimento pois, afirma Marcondes Filho, é daí que
se pode pensar a participação na comunicação, entendida
como “relação, como clima, ambiente criado entre pessoas no
interior de um grupo, entre homens e obras. O acontecimento
só ocorre se se atinge essa fulguração, essa mudança qualitativa no ato de comunicar” (Ídem, p. 31).
Tais considerações nos apoiam a pensar sobre qual tem
sido o papel das comunidades de redes sociais no compartilhamento de experiências sensíveis de caráter público, criando
uma atmosfera que envolve a presença corpórea que pode
favorecer a gestão compartilhada do espaço e a participação direta, transformando subjetividades no ambiente da rua.
Nesse sentido, acreditamos que se colocam em franco diá-
628
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
logo com as concepções de Dewey (2010) sobre experiência
e, como constituintes dessa, a experiência estética e a própria
comunicação, pois como afirma este autor “Comunicar é o
processo de criar uma participação, de tornar comum o que
era isolado e singular, e parte do milagre que ele realiza é que,
ao ser comunicada, a transmissão de sentido dá corpo e definição à experiência, tanto de quem enuncia quanto daqueles
que escutam.” (Dewey, 2010, p.427)
Se as experiências coletivas no espaço das ruas são atos
estéticos que cocorrem para construção de uma comunidade
inédita, torna-se pertinente averiguar se estaríamos diante
de um acontecimento paradoxal: no sentido aportado por
Marcondes Filho (2010, p. 30), quando afirma que o acontecimento, ao contrário de um processo, é “fulguração singular”.
Mas também no sentido aportado por Rancière (2007, p.5),
referindo-se à ação política dos sem parte, afirma ser o acontecimento não uma irrupção política, mas antes uma “transformaciones del paisaje común [...] una transformación del tejido
común” , que encerra em si o desafio de não fixar-se como um
fim em si mesmo, pois a política estaria vinculada à necessidade de “universalización de la capacidad de cualquiera”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTELLS, Manuel. Redes de indignación y esperanza: los
movimientos sociales en la era de internet. Madrid: Alianza
Editorial S.A., 2012. 294 p.
629
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
_______. A mídia de massas individual. In: Dossiê 01 – Le Monde
Diplomatique Brasil. Ano 1.Janeiro de 2011. São Paulo: Le
Monde Diplomatique Brasil. Disponível em: http://diplomatique.uol.com.br/edicoes_especiais_artigo.php?id=3 Acessado
em 08/07/2011
DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Felix. Mil Platôs: Capitalismo e
esquizofrenia. Vol.1. 1ª edição. São Paulo: Editora 34. 1995 (6ª
reimpressão – 2009). 96 p. (Coleção TRANS)
DEWEY, John. Arte como experiência. 1ª ed. SP: Martins Fontes,
2010. 646 p.
GUATTARI, Felix e ROLNIK, Suely. Micropolítica. Cartografias do
desejo. Petrópolis: Vozes, 1986
GOHN, Maria da Glória. A revolução será tuitada. In: Dossiê A
Esquerda na Encruzilhada. Cult – Revista Brasileira de Cultura,
nº 169. São Paulo: Editora Bregantini, junho/2012. pp.23-27.
______. Teorias sobre os movimentos sociais: o debate contemporâneo. In: XV Congresso Brasileiro de Sociologia, 2011,
Curitiba. ANAIS do XV SBS, 2011. 19 p. Disponível em: www.
sbsociologia.com.br/portal/. Acessado em: 07 nov. 2012.
MARCONDES FILHO, Ciro. O princípio da razão durante. O conceito de comunicação e a epistemologia metapórica: nova
teoria da comunicação III – Tomo V. São Paulo: Paulus, 2010.
389p. (Coleção Comunicação)
630
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
PALLASMAA, Juhani. Os olhos da pele. A arquitetura e os sentidos. Porto Alegre: Bookman, 2011. 76 p.
RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento. Política e filosofia.
São Paulo: 1996. 138p. (Coleção TRANS)
______. A partilha do sensível. Estética e política. 1ª ed. São
Paulo: EXO experimental.org, editora 34, 2005a. 71 p.
______. Política da arte. In: ENCONTRO INTERNACIONAL
SITUAÇÃO #3: ESTÉTICA E POLÍTICA. São Paulo: SESC Belenzinho,
17 a 19 de abril de 2005b. 12p.
______. O mestre ignorante. Cinco lições sobre a emancipação
intelectual. Belo Horizonte: Autêntica Editora. 2011a, 192 p.
______. A comunidade como dissentimento. In: PEIXE, Bruno;
NEVES, José. A política dos muitos. Tradução de Miguel Serras
Pereira. Portugal: Tinta da China, 2011b.
RECUERO, Raquel. Comunidades Virtuais em Redes Sociais na
Internet: Uma proposta de estudo. Ecompos, Internet, v. 4, n.
Dez 2005, 2005. 19p.
SENNETT, Richard. Carne e pedra: o corpo e a cidade na civilização ocidental. Rio de Janeiro: BestBolso, 2008, 417 p.
TUAN, Yi-Fu. Espaço e lugar. A perspectiva da experiência. São
Paulo: Difel, 1983. 250 p.
631
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
82 Olimpíadas 2016, o discurso da cidade
integrada e as remoções de favelas cariocas
Camila Calado Lima
A pesquisa discute as controvérsias da inserção das favelas
no projeto de reinvenção do Rio de Janeiro para as Olimpíadas
de 2016, pensando especialmente sobre as práticas de remoções em curso na cidade. Partedas narrativas elaboradas
acerca da favela no projeto de candidatura Rio 2016, Live
yourpassion;passa pelas atuais políticas públicas e o discurso
oficial da cidade integrada, à luz do biopoder, por Foucault
(2005); e, a partir de Lafuente e Corsín (2011), analisa a comunicação da resistência, que emerge diante das remoções.
A comoção generalizada e o forte apoio popular presentes na vitória do Rio de Janeiro à sede dos Jogos Olímpicos e
Paraolímpicos de 2016, em outubro de 2009, parece ter se desestabilizado, ao longo desses anos que seguiram, com os preparativos para o megaevento. Se a percepção crítica acerca do
projeto de cidade que se pretende construir ainda não abarca
a totalidade dos moradores do Rio de Janeiro, é possível notar
um aumento na composição do grupo. O forte argumento do
legado para a cidade, sagazmente construído na candidatura
do Rio, contribuiu para o apoio popular da grande transformação a ser implementada na cidade, mas, aos poucos, foi
sendo colocado em questão: afinal, legado para quem? Tais
indagações começam a vir à tona quando o prefeito Eduardo
Paes, apenas três meses após a eleição do Rio como futura
632
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
sede olímpica, divulgou uma lista de 119 comunidades a serem
removidas até o ano de 2012. Com o início das remoções, a
realidade altera-se de modo significativo.
Uma multiplicidade de atores passa a manifestar-se
a respeito das irregularidades nos processos de remoções
de comunidades do Rio de Janeiro. Corpos moventes em
torno de um desejo comum, da luta por um bem comum. Às
diversas comunidades afetadas, unem-se ONGs, instituições
acadêmicas,movimentos sociais e outros, em um movimento
de luta por justiça. Reúnem-se, ocupam as ruas, reivindicam
direitos de cidadão e exibem suas vozes no ambiente online. É
assim que se constitui o Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas
como coletivo de resistência à construção de uma cidade
de exceção e de luta pelo estabelecimento “de um processo
amplo e democrático de discussão sobre qual deve ser o real
legado dos Megaeventos” (COMITEPOPULARIO, 2011).
Os pressupostos teóricos de Lafuente e Corsín(2011) ajudam no entendimento da constituição dessa comunidade. Os
teóricos propõem a noção comunidades de atingidos para
pensar comunidades de “estranhos, emergentes e em luta”,
de pessoas que se sentem ameaçadas e sentem falta de algo
que consideram crucial, desde que lhes foi retirado. (LAFUENTE,
CORSÍN, 2011, p. 13). De “um lado, a todos lhes aperta o sapato
no mesmo lugar e, de outro, decidiram lutar contra o que consideram uma agressão [...] comunidades de atingidos que
tentam ser de empoderados e, até, em caso extremo, de afetos”. (LAFUENTE, CORSÍN, 2011, p. 13). São comunidades que se
633
Sumário
mobilizam para não renunciar seus direitos enquanto cidadãos
e seres vivos.
O comum se constituiria a partir da ação colaborativa de uma comunidade que, por meio das tecnologias da
comunicação, alcançaria a visibilização das suas práticas e
reivindicações, por um processo de “contraefetuar oditame,
o instituído, o consensual e, com certeza, o que é imposto”
(LAFUENTE,CORSÍN,2011,p. 8) ou, em outros termos, de trazer
à tona e pôr em relevo o problema da comunidade, a partir da exposição do seu contexto de produção. Tais comunidades sãoconvidadas a ser epistêmicas, tendo em vista que
o empoderamento das mesmas dependerá da capacidade
de se apropriarem do conhecimento e das novas tecnologias
(LAFUENTE, CORSÍN,2011).
O Comitê Popular Rio construiu as remoções como problema pelo viés da legalidade, a partir da evocação da legislação vigente que concede direitos aos moradores e regulamenta
as ações de reassentamentos por parte do poder público, e da
exposição das violações de direitos dos moradores nas atuais
práticas do poder municipal. Além do campo jurídico, também
aproximaram-se do campo científico. À experiência cotidiana
dos moradores de favelas, somaram-se o saber dos pesquisadores do Comitê Popular Rio, através de assessoria técnica para
produção de laudos sobre as áreas marcadas para remoçãoe
da elaboração de projetos de urbanização, que excluam a
necessidade de remoção de comunidades, garantindo a permanência das mesmas.
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Aliada à produção e divulgação dos novos saberes, encontram-se estratégias de visibilização das remoções comoum
problema da cidade, por meio da criação de perfis em redes
sociais, de mobilizações populares,da realização de debates
acadêmicos e de evento de lançamento do Dossiê de violação
dos direitos. Além da circulação da narrativa da violação do
direito, também é comum a circulação da narrativa dos interesses mercadológicos, do caráter turístico das obras que estão
sendo realizadas e dos movimentos de valorização imobiliária,
intimamente associados às obras e à expulsão de moradores
de regiões de interesse do capital imobiliário. Os moradores das
favelas são narrados enquanto vítimas na medida em que têm
seus direitos violados, mas também como sujeitos ativos na luta
pelos seus direitos e pela afirmação identitária da favela.São
inscritos de uma realidade do que é e do que deveria ser. Uma
luta por novas posições, novas relações, pela ressignificação
do espaço e pela construção de uma identidade própria que
diverge da imagem instituída e se forma a partir de experiências diversas.
Todo o movimento de resistência e de denúncia das ilegalidades nas práticas de remoções acontecia simultaneamente
ao desenvolvimento por parte do poder público do discurso da
cidade integrada, que trata as remoções como ações a favor
da vida dos moradores e abarca políticas públicas também
voltadas para a melhoria da vida na favela. As Unidades de
Polícia Pacificadora visariam oficialmente recuperar os territórios ocupadospelo tráfico de drogas e, com isso, devolver a paz
para o cotidiano dos que lá residem. O Morar Carioca e o Porto
635
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Maravilha, por sua vez, propunham intervenções urbanísticas
nas favelas, com vistas a urbanizar tais territórios, com melhorias
em infraestrutura, saneamento básico, legalização dos serviços
de luz e TV paga, construção de planos inclinados e teleféricos,
com vistas a, segundo o discurso oficial, facilitar a circulação e
a acessibilidades dos moradores, dentre outras obras.
Compete ainda ao Morar Carioca lidar com o problema
de moradia de algumas comunidades, por meio do desadensamento de áreas de intensa ocupação ou percebidas como
insalubres, e do reassentamento de moradores de regiões de
risco. Há também casos de remoçõesmotivados por obras a
serem realizadas nas favelas, por exemplo, a construção de
teleférico, ou pelas obras dasinstalações olímpicas, que culminam na retirada de comunidades localizadas no trajeto olímpico ou, simplesmente, como alguns casos denunciam, nas
proximidades das instalações.
Os principais argumentos eleitos pelo poder público para
justificar as remoções são: (a) risco de vida; (b) proteção ambiental; e (c) megaeventos. O argumento dos megaeventos para
justificar as remoções estariaintimamente vinculado ao discurso
do legado olímpico para a cidade, mais uma vez, ressaltando
os benefícios para a vida dos seus habitantes e para o desenvolvimento do Rio. Em relação à problemática do risco de vida,
destaca-se as palavras do prefeito Eduardo Paes: “não podemos continuar vendo, todos os anos, vidas sendo perdidas na
época das chuvas [...] Por isso, podem me xingar, mas quem vive
em área de risco no Rio terá que sair de casa. Vamos dar uma
alternativa digna”. (PAES apud BRITTO, 2011). Em vários outros
636
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
textos jornalísticos, o discurso da remoção pela vida do morador
dafavela é reforçado, seja por meio de declarações do prefeito
Eduardo Paes, do secretário de Obras Pezão ou de outros.
De prática autoritária, a remoção se transformaria em
algo benéfico para os favelados. Nesta construção, destaca
Magalhães (2012, p. 50), “ninguém poderia ser contra a retirada
de pessoas que estivessem em áreas de risco”. Os críticos à tais
práticas seriam ainda considerados “‘demagogos’ e aproveitadores que não se preocupariam com a vida dos moradores
destas localidades”. (MAGALHÃES, 2012, p.50). Este movimento
discursivo tenta superar o tabu histórico sobre o tema, vez que,
nas demais reformas urbanas da cidade, a favela era claramente tratada pelo poder público como um problema para
acidade que se remodelava, como um incômodo à nova urbanidade proposta. No atual projeto de reconfiguração urbana
do Rio, o discurso é suavizado e ressignificado como ação a
favor do favelado, o que evidencia a percepção de que o jeito
brasileiro de lidar com as diferenças internas se dá por meio
da cordialidade. O discurso da cordialidade, como elemento
da identidade nacional, estariasendo acionado para legitimar
ações de segregação social.
A postura de Paes, em entrevista à BBC, é denunciativa:
“as mudanças farão do Rio uma melhor cidade para se morar
e trabalhar, mais igualitária e mais gentil com sua população.
[...] O que está sendo feito na cidade é principalmente para o
carioca médio, o carioca mais pobre”. (PAES apud CARNEIRO,
2012, grifo meu). Enquanto o discurso oficial da prefeitura
defende as remoções para o bem do favelado, todavia, a
637
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Secretaria Municipal de Habitação marca casas no meio da
noite econtribui para a redução da pobreza no Rio Olímpico,
para o desenvolvimento turístico e a valorização imobiliária dos
territórios. O atual projeto de resgate das maravilhas do Rio, de
projeção de uma cidade integrada e pacificada, tem como
ações a retirada/exclusão de pobres. Trata-se da gestão do
lugar do pobre na cidade, da gestão da circulação na cidade.
Para Sovik (2009), “o afeto é uma metáfora para a unidade
nacional, para a maneira brasileira de lidar com a diferença
interna”. Essa metáfora, complementa a autora, “ajuda a transpor barreiras entre o ideal (e a realidade) do Brasil hospitaleiro
e os fatos, visíveis em cada esquina, da desigualdade social e
racial”. A afetividade e a cordialidade – no sentido expresso
pelo senso comum – como representações da brasilidade seriamnarrativas bastante eficazes no cotidiano de desigualdades
do país e, por isso mesmo, constantemente evocadas em discursos de políticos e de políticas públicas implementadas aos
principais sujeitos que vivenciam as desigualdades.
Os discursos de mestiçagem e democracia racial, que se
proporiam a falar de um país de maioria não branca, ainda
minimizam a presença de negros, valorizam a branquitude e
ressaltam-na como valor estético, apesar de, a princípio, propor seu silenciamento. Discursivamente, ressaltam a ideia de
um país em que não há ódio racial, religando diferentes setores
sociais desiguais, mas a hierarquia social, como se sabe, ainda
se faz presente, explicitamente ou não, enfraquecendo a posição do negro (SOVIK, 2009). De modo semelhante, o discurso
da cidade integrada propõe a superação das hierarquias
638
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
sociais entre morro e asfalto, e a melhoria da vida dos moradores de favelas, que passariam a dispor de melhores habitações,
serviços e mais segurança no cotidiano. A realidade, todavia,
denuncia que as práticas remocionistas, inseridasno sistema de
biopoder (FOUCAULT, 2005), expõem favelados à morte, a riscos
e à exclusão pelo bem da vida na cidade. Separa-se a boa da
má circulação. Elimina-se o adversário – o perigo – que coloca
em risco a vida daqueles que o Estado deveria proteger.
O projeto político da cidade integrada se fortalece, no
plano discursivo, com as intervenções urbanísticas no território
das favelas, apesar de os moradores das comunidades definitivamente não serem os maiores beneficiados. As remoções
servem a um projeto político-econômico de cidade e o mito
da cordialidade brasileira contribui para legitimá-las. O resultado é a ressonância cada vez maior para além dos limites das
nações do discurso de um Novo Rio Olímpico e integrado, que
suplantaria as violações de direitos dos favelados e os interesses político-econômicos em jogo nas mudanças urbanísticas,
de modo semelhante à disseminação do discurso da mestiçagem, que supostamente superaria a noção de racismo internamente, mas que, ao final, sustenta a prevalência branca e
serve a um projeto político de Estado.
Referências
BRITTO, Thaís. Paes lança projeto de remoções no Morro da
Providência. O Globo, Rio de Janeiro, 16 jan 2011. Disponível
639
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
em: <http://oglobo.globo.com/rio/mat/2011/01/16/
paeslanca-projeto-de-remocoes-no-morro-da-providencia-923516588.asp>. Acesso em: 25 jul. 2011.
CARNEIRO, Júlia Dias. Olimpíada é ‘desculpa fantástica’ para
mudar o Rio, diz prefeito.
BBC. 9 mar. 2012. Disponível em: <http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/03/ 120308_eduardo_paes_entrevista_
jc.shtml>. Acesso em: 10 nov. 2012
FOUCAULT, Michel. Aula de 17 de março de 1976. In: Em
Defesa da Sociedade– Curso no Collège de France (19751976). São Paulo: Martins Fontes, 2005.
LAFUENTE, Antonio; CORSÍN JIMÉNEZ, Alberto. Comunidades de
atingidos, o comum e o dom expandido, Revista Galáxia, São
Paulo, n. 21, p. 10-25, jun. 2011. Disponível em: <http://revistas.
pucsp.br/index.php/galaxia/article/view/6257/4600> Acesso
em: 06 fev. 2012.
MAGALHÃES, Alexandre. A gramática da ordem na cidade:
a reatualização da remoção de favelas no Rio de Janeiro.
In: E-metropolis: Revista eletrônica de estudos urbanos e
regionais, Rio de Janeiro, ano 3, n. 8, mar. 2012. Disponível
em: <http://www.emetropolis.net/index.php?option=com_
edicoes&task= artigos&id=23&lang=pt>. Acesso em: 16 jun.
2012.
SOVIK, Liv. Aqui ninguém é branco. Rio de Janeiro: Aeroplano,
2009.
640
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
83 Midiatização de mulheres em situação de
rua: um novo olhar sobre a comunicação
Suzana Rozendo Bortoli
O presente projeto de doutorado, desenvolvido no
Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM) da
Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São
Paulo (USP), está inserido na área de concentração “Estudos
dos meios e da produção mediática”. Tal área abarca a linha
de pesquisa “Informação e mediações nas práticas sociais”,
que estuda os processos de produção, difusão e recepção da
informação no universo midiático, sob a perspectiva dos valores
da cidadania, ética e interesse público, com ênfase nos vetores da produção da narrativa jornalística (percepção e reconstrução discursiva da realidade). Voltada à compreensão da
comunicação noticiosa, ao estudo das relações éticas na construção dos produtos informativos, à reflexão sobre a informação como direito fundamental do cidadão, esta linha também
inclui o debate entre o discurso hegemônico e o alternativo.
Dentro deste escopo, elegemos estudar a midiatização de
mulheres adultas em situação de rua. Antes de seguir com
detalhes do projeto, vale a pena explicar que trabalhamos
com população de rua desde o nosso Trabalho de Conclusão
de Curso em Jornalismo (UFMS/2008), quando produzimos do
documentário “Droga de Rua”. Posteriormente, em 2012, no
Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade
Federal de Santa Catarina, defendemos a dissertação “Ocas e
641
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Hecho en Buenos Aires: um outro tipo de jornalismo na América
Latina?”, que relacionou o trabalho de pessoas em situação de
rua com revistas jornalísticas.
Durante nossa trajetória de estudos, percebemos que
existe um ofuscamento desses referentes nas matérias de jornais, nos sites e na TV. Em geral, o repórter, não os escuta como
fontes ou pede que outras pessoas falem por eles, desqualificando publicamente a imagem da população de rua. Se o
bom exercício do jornalismo pede que os dois lados da história
sempre sejam ouvidos, nesses casos, alguns códigos deontológicos da profissão são facilmente “esquecidos”.
Esta realidade pesa ainda mais, quando o desfavorecido é do sexo feminino, considerando que a mulher, historicamente, vem sendo relegada ao ostracismo político, social
e cultural desde o advento da propriedade privada (ENGELS,
2000). Partindo da hipótese de que as mulheres adultas em situação de rua são invisíveis nos relatos jornalísticos, justifica-se a
escolha do recorte da pesquisa por serem elas a minoria de
uma minoria. Além disso, para sobreviver nas ruas das grandes
cidades, precisam criar estratégias, andar em grupos e oferecer alguns serviços como troca de proteção. Não raro, são vítimas de estupros coletivos, sofrem mais intensamente as rupturas
familiares e adoecem por não terem alimentação adequada e
pela falta de acesso a postos de saúde. Na maioria das vezes,
são vistas como as culpadas pela situação em que se encontram e pelo abandono dos filhos. Estigmatizadas pela realidade
vivenciadas nas ruas, adotam o uso de álcool e de outras drog
as em suas vidas como forma de amortizar as dores físicas e
642
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
psíquicas, o que dificulta o caminho de volta para uma vida
considerada “normal”.
Os motivos pelos quais algumas mulheres passam a viver
nas ruas são diversos. Englobam desde drogadição, adoecimento, dívidas, desastres ambientais, perda de emprego a brigas familiares. Em alguns casos, a violência doméstica é maior
que nas ruas e a única “opção” é o abandono do lar.
Na cidade do Rio de Janeiro, onde a pesquisa de campo
deste projeto será desenvolvida, somam-se outros três fatores
contemporâneos. Primeiro, a especulação imobiliária: pesquisas indicam que o aluguel residencial na cidade é o mais caro
do Brasil e é o terceiro mais caro do mundo. Segundo, em função dos megaeventos que o município sediará, muitas famílias
estão sendo removidas das favelas e sendo levadas para locais
sem infraestrutura adequada, o que pode aumentar gradativamente o número de mulheres vivendo nas ruas nos próximos anos.
E, por fim, a distância do local de trabalho aliada aos problemas
de mobilidade urbana. Segundo dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE), é no Estado do Rio de Janeiro
onde as pessoas perdem mais tempo se deslocando de casa
para o trabalho, podendo chegar esse tempo a quatro horas
de viagem em transportes públicos superlotados. Assim, muitas
vezes, é preferível dormir nas ruas próximas ao emprego dur
ante a semana e ir para casa apenas nos sábados e domingos
a chegar à residência tarde da noite e acordar de madrugada
para trabalhar.
O objetivo principal da presente pesquisa é desvendar
como a mídia cobre mulheres em situação de rua. Como
643
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
objetivo secundário, porém não menos relevante, pretendemos cruzar a análise desse conteúdo com os depoimentos das
mulheres em situação de rua e dos profissionais das mais diversas áreas que trabalham diretamente com elas, apontando os
possíveis “erros” e os “acertos” midiáticos.
Nesse sentido, foram elaboradas algumas estratégias
metodológicas que serão desenvolvidas por etapas. O primeiro
passo consiste em realizar entrevistas com mulheres em situação de rua e com profissionais que trabalham com elas. Nesta
fase, interessa-nos investigar por quais problemas essas pessoas
passam diariamente; o que elas entendem por mídia; por quais
meios elas se informam nas ruas e nos albergues, abrigos públicos e instituições de caridade; e se elas se sentem representadas midiaticamente. Alguns contatos com os profissionais já
foram estabelecidos (conforme Apêndice A).
A partir do depoimento das mulheres adultas em situação
de rua sobre meios pelos quais elas acessam as notícias, faremos um levantamento desses materiais durante um período
que seja possível ter uma amostragem suficiente para se chegar a alguma conclusão. Nesta etapa, o procedimento metodológico utilizado será a análise de conteúdo.
Como embasamento teórico, o trabalho será orientado
por ideias nucleares, difundidas por: Stoffles (1977); Goffman
(1988); DaMatta (1997); Bursztyn (2000); Elias e Scotson (2000);
Giorgetti (2007); Bourdieu (2008); Silva (2009), Franco (2008),
Cunha (2008), Paulino (2009), Frazão (2010) e Ijuim (2013).
Enfim, buscando responder à pergunta proposta pelo
“II Encontro nacional da Rede de Grupos de Pesquisa em
644
Sumário
Comunicação”: “Em que sua pesquisa pode renovar o olhar
sobre a comunicação e a forma de estudá-la?”, acreditamos
que, se de fato a hipótese inicial de que as mulheres em situação de rua são invisíveis nos discursos midiáticos for comprovada, os profissionais de comunicação precisam estar cientes
de sua implicância nesta realidadee, com isso, esperamos
que eles passem a abrir espaço na mídia para grupos minoritários excluídos; representar esses grupos de forma correta e
sem generalizações; ouvi-las como fontes quando em situações de inferioridade ou acusação, mantendo o princípio da
imparcialidade e, por fim, dispensar um olhar mais humanizadoe horizontalizado à referida clientela, retomando os princípios negados pelo modo de produção jornalística atual, que
é superficial e atrofiado pelo maniqueísmo e pela urgência de
uma instantaneidade.
Entretanto, é importante ressaltar que esta pesquisa ainda está em fase embrionária e sujeita a alterações e, portanto, apenas os estudos e as constatações
futuras poderão apontar considerações mais conclusivas.
Palavras-chave: Jornalismo, Cidadania, Mulheres adultas em
situação de rua, Gênero.
Referências
ARRUNÁTEGUI GADF, Gisele Aparecida Dias Franco. Olhares
entrecruzados: mulheres em situação de rua na cidade de
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
São Paulo. [Tese de Doutorado]. São Paulo. Faculdade de
Saúde Pública da USP, 2008.
BOURDIEU, Pierre et al. A miséria do mundo. Petrópolis: Vozes,
2008.
BURSZTYN, Marcel (Org.). No meio da rua: nômades, excluídos
e viradores nômades excluídos e viradores. Rio de Janeiro:
Garamond, 2000.
CUNHA, Marcelo Antonio da. No olho da rua. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2008.
DAMATTA, Roberto. A casa e a rua. 5. Ed. Rio de Janeiro:
Rocco, 1997.
ELIAS, Norbert; SCOTSON, John L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma
pequena comunidade. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
ENGELS, Friedrich. Barbárie e civilização. In: A origem da família, da propriedade privada e do Estado. São Paulo: Ática,
2000.
FRAZÃO, Theresa Christina Jardim. O morador de rua e a
invisibilidade do sujeito no discurso jornalístico. 2010. [Tese
Doutorado]- Programa de Pós-Graduação em Linguística.
Universidade de Brasília, Brasília, 2010.
GIORGETTI, Camila. Poder e contrapoder : imprensa e moradores de rua em São Paulo e Paris. São Paulo: FAPESP, EDUC, 2007.
646
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
GOFFMAN, Erving. Estigma : notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4a ed. Rio de Janeiro, GUANABARA, 1988.
IJUIM, Jorge Kanehide. As diferenças e o diferente: o respeito ao outro como forma de humanizar o jornalismo. In: XIII
Congresso Internacional Ibercom, Santiago de Compostela,
29-31, maio 2013. Anais ...p.1-14.
PAULINO, Fernando Oliveira. Responsabilidade social da mídia:
análise conceitual e perspectivas de aplicação no Brasil,
Portugal e Espanha. Brasília: Casa das Musas, 2009.
SILVA, Maria Lucia Lopes da. Trabalho e População em
Situação de Rua no Brasil. São Paulo: Cortez, 2009.
STOFFLES, Marie-Ghislaine. Os medios na cidade de São
Paulo: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro, Paz
e Terra, 1977.
647
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
84 Conflito Estético e as Formas
Sujas da Cultura Popular
Thiago Araujo Ansel
Contexto, objetivos
O projeto parte de uma hipótese: a existência de um conflito estético, entre o sublime e o vulgar, constitutivo da produção erudita1 – acadêmica ou não – sobre as culturas populares
urbanas, na última década. Orientado por esta suspeita, o trabalho quer demonstrar a articulação de regimes de visibilidade
1 As narrativas midiáticas e a produção criativa, articuladas a partir dos espaços populares ou sobre eles são objeto de reflexão de
expressiva parcela dos pesquisadores da área de Comunicação
nesta década. Muitos dos professores vinculados ao programa de
Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da UFRJ investigaram,
no mínimo, de forma transversal aspectos das culturas periféricas e
suas diferentes expressões (HERSCHMANN, 2000; COUTINHO; PAIVA,
2006; FILHO; HERSCHMAN; PAIVA, 2004; SOVIK, 2000, 2012; VAZ, 2005;
VILLAÇA, 2007, 2007b, 2008, 2012; JAGUARIBE, 2007; BENTES, 2001,
2002, 2007, 2010, entre outros). Ainda sobre a produção acadêmica,
tomando também como ilustração apenas o Programa de PósGraduação em Comunicação da UFRJ, entre os anos de 2004 e 2011,
foram apresentadas entre teses e dissertações, 17 trabalhos que tratam de iniciativas ou problemas de comunicação diretamente relacionados às favelas e periferias.
648
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
e discursivos que orientam diferentes mediações e atores sociais
(como a universidade, a mídia e outros) na produção de representações das culturas populares urbanas neste período. Com
isto pretende-se, inicialmente, traçar um panorama da rede
conceitual que cria espaços onde certas figuras e figurações
do popular são possíveis e outras não.
Entre os anos de 1990 e 2000, começam a aparecer com
mais força na cena pública projetos sociais e artístico-cultuais
envolvendo a participação de jovens, moradores de favelas.
Estas iniciativas
[p]rimeiro, fazem parte de uma nova forma
de ação pública que não passa tanto pela
mobilização social e pressão sobre governantes quanto pela abertura de avenidas para o
reconhecimento da população pobre, através
da mídia e da quebra de barreiras de discriminação de classe e raça. Favelados do Vidigal
apresentam Shakespeare em Londres, Olodum
toca no Central Park, MV Bill faz Falcão, transmitido no Fantástico, e participa de Malhação,
os projetos de percussão do Afro Reggae formam a polícia mineira em direitos humanos, e
a novela das oito da TV Globo é protagonizada
por um galã negro. (SOVIK, 2012, p.2)
Parte da produção cinematográfica brasileira da última
década articulou-se com tais projetos artístico-culturais em
favelas e periferias para produzir suas narrativas sobre o uni-
649
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
verso dos pobres. Similarmente, em paralelo, a academia (e
aqui destaco o campo da comunicação) também se utilizou
deste tipo de mediação para produzir conhecimento sobre as
culturas periféricas urbanas, gerando uma quantidade notável
de trabalhos sobre o tema.
Contudo, o problema é que os pobres alçados a condição de objeto do saber, sofrem uma assepsia que lhes despe
da “vulgaridade”, do “cafona” (termo que marca hierarquias),
do “orkutizado”2 e de outras características – aqui chamadas
de sujas – teoricamente indignas de participarem da constituição de objetos nobres do pensar.
A hipótese da omissão/esquecimento do pobre sujo surgiu
de minha dissertação (ANSEL, 2011), na qual procurei demonstrar que a construção da identidade de favelado, longe da
univocidade representada pelo binário “falsificação midiática
versus alteridade radical”, se dá a partir de um regime de verdade sustentado por atores sociais e instituições tão variados
quanto a mídia, a academia, as organizações da sociedade
civil, o Estado e a gestão pública em suas diferentes áreas, além
dos próprios favelados. A principal pergunta a partir da qual a
investigação se estruturou foi: “o que significa ser favelado na
contemporaneidade?” Dirigi a indagação aos textos midiáti2 O termo “orkutização” é uma forma pejorativa de se referir à mídias
sociais quando começam a ser utilizada por todos os tipos de públicos e, em especial, por pobres. O termo ficou bastante conhecido
depois que a colunista do jornal O Globo, Cora Rónai, escreveu sobre
o tema em setembro de 2011. Participar, portanto, de redes sociais
mais “exclusivas”, é também um signo de distinção na Internet.
650
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
cos, às produções acadêmicas e artísticas sobre o tema e a
favelados (numa etapa de inspiração etnográfica da pesquisa,
realizada numa favela da Zona Norte do Rio de Janeiro).
No trabalho de campo entrevistei pessoas comuns (trabalhadores, estudantes, donas de casa etc.) que residem no
Complexo da Cidade Alta, composto por três conjuntos habitacionais e cinco favelas, no bairro de Cordovil, Zona Norte do
Rio de Janeiro. Percebi que seus moradores mobilizavam uma
multiplicidade de discursos sobre a favela, articulados de forma
contraditória, de acordo com estratégias próprias. Ouvi, por
exemplo, falas de contestação dos discursos criminalizantes da
grande mídia sobre estes espaços, combinadas com definições
de favelado que o descreviam como aquele que “Num lugar
diferente da favela, não sabe se portar”, “Pessoa baixa, pessoa porca...”; “o cara assim desorganizado, não tem hora pra
nada, não tem hora pra dormir, não tem hora pra trabalhar”.
Eram discursos que, do ponto de vista do traçado de estratégias de construção identitária, não podiam ser resumidos pela
mera reprodução de estereótipos midiáticos e nem a “pura”
contestação dos valores dominantes – visões mais recorrentes
em diferentes abordagens sobre as experiências dos pobres
das cidades.
Buscando uma nova forma de compreender um tema
mais ou menos estabelecido na área – neste caso, as figurações do popular -, pretende-se seguir a suspeita de que, pelo
menos nos últimos dez anos, há um personagem ausente da
reflexão erudita sobre as culturas periféricas: aquele que não
participou de projetos sociais e culturais e talvez construa rela-
651
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ções diversificadas (que não se resumem à submissão e rejeição) com os estereótipos midiáticos. Pretendo me ocupar das
razões para a sua ausência em parte representativa do imaginário intelectual, além de que consequências isto trouxe para a
história da constituição da cultura popular urbana como objeto
de estudo, em especial, no campo da comunicação.
A preocupação, entretanto, não é apontar para uma
identidade mais idêntica a si mesma que fora ignorada, mas
mostrar justamente as condições não subjetivas que possibilitam
o aparecimento de experiências subjetivas. Aqui as perguntas
são análogas àquelas formuladas por Foucault sobre a loucura:
não é “como o poder/saber destrói o homem?”, mas “como o
poder/ saber produz subjetividades?” Portanto, a investigação
não se dirige à busca por uma identidade essencial, mas sim
à possibilidades de pensar um tipo de experiência subjetiva –
forjada também pelas narrativas da mídia, pela academia e
instituições -- talvez pouco exploradas no imaginário erudito nos
últimos anos. Que saberes/poderes contribuem para constituir
a experiências dos pobres das cidades? Responder talvez seja
possibilitar a abertura de novas políticas de produção de verdades sobre as culturas populares urbanas.
Questões de método e abordagem
Suponho que as formas sujas da cultura popular, quando
incluídas entre os objetos da reflexão erudita, podem dar lugar a
substitutas mais “limpas”. E talvez esta seja uma das razões pelas
652
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
quais o diálogo da academia com os projetos artístico-culturais
nas periferias, nos últimos 10 ou 15 anos, se faça tão frequente,
uma vez que o que caracteriza a arte, além do aval institucional
é a nobreza de seus temas (“Para que um determinado fazer técnico – um uso das palavras ou da câmera – seja qualificado como
pertencendo à arte, é preciso primeiramente que seu tema o
seja”) (RANCIÈRE, 2009, p.47-48). Mas o que determina a nobreza
destes temas? Os exemplos a seguir podem fornecer pistas.
A “Revista O Globo”, suplemento dominical do jornal
homônimo, estampou no dia 23 de setembro de 2012 em sua
capa, o quadro “A Origem do Mundo”, de Gustave Courbet,
que retrata uma genitália feminina (FIG 1). O que autoriza tal
imagem, passível normalmente de censura, a figurar numa
seção de destaque de um noticioso fortemente identificado
com o conservadorismo da classe média carioca?
FIG 1. “A perseguida”. Fonte: Revista O Globo. Ano 9, nº426, 23
653
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
de setembro de 2012.
Stallybrass e White, analisando as origens do nojo burguês, em The Politics & Poetics of Transgression destacam como
Bakhtin percebe a diferença entre a apreensão da representação do corpo humano nas festividades populares e na estatuária clássica da Renascença. O linguista russo descobriu como
esta iconografia podia existir em registros completamente diferentes. As estátuas aparecem sempre no alto de pedestais -que remetem a elevação, monumentalidade e distanciamento
da comunalidade --, em oposição ao corpo grotesco (também
representado pela indumentária das festividades populares),
sempre mais múltiplo e partícipe da multidão. (STALLYBRASS;
WHITE, 1986, p.21-22) Stallybrass e White afirmam que o corpo
clássico se tornou, então, muito mais do que um padrão estético ou modelo, sendo constituido de forma caracteristicamente identificada com os discursos elevados da filosofia, da
arte de governar, teologia e direito, assim como da literatura.
“Gradualmente, os protocolos do corpo clássico vieram para
marcar a própria identidade do racionalismo progressivo”,
observam. (STALLYBRASS; WHITE, 1986, p.21-22)
Embora Courbet seja um pintor do século XIX e não da
Renascença, a estrutura da análise de Stallybrass e White ainda
é útil para pensar a relação que hoje “A Origem do Mundo”
mantém com o cânone estético, além de como isto autoriza a
genitália feminina a estampar a “Revista O Globo”. Colocando
de outra maneira, que formas não canônicas de representar
o mesmo objeto retratado pelo artista francês estampariam
capa do suplemento dominical do jornal? O que oferece tão
654
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
poderoso álibi para o olhar tão diretamente um objeto proibido
em nossa cultura?
Miller (2013, p.77) observa que a moldura correta se torna
invisível, transmitindo o modo exato pelo qual devemos ver
aquilo que ela enquadra. De outro lado, quando a moldura é
inadequada, imediatamente o espectador se torna consciente
de sua existência. Radicalizando tal visão se pode chegar a
conclusão de que a arte e a nobreza de seus objetos existem
simplesmente por causa das molduras.
A questão não se restringe, entretanto, ao campo das artes.
O que ocorre a respeito das conformações estéticas que licenciam tal voyeurismo, pode também se aplicar ao discurso científico. Citando o caso de Saartje Baartman, a Vênus Hotentote
(FIG. 2) -- uma mulher africana exibida como atração de circo na
Europa do século XIX --, Hall mostra como o discurso do interesse
científico também permite que observadores se sintam autorizados a continuar olhando de forma minuciosa o corpo da escrava,
negando ao mesmo tempo a natureza sexual de seu olhar.
Etnologia, a ciência, a busca por evidências
anatômicas aqui desempenham o papel de
‘disfarce’, de negação, que permite que o
desejo ilícito opere. Permite que um duplo
enfoque seja mantido olhando e não olhando
-- que um desejo ambivalente seja satisfeito. O
que é declarado diferente, hediondo, ‘primitivo’, deformado, é ao mesmo tempo obsessivamente apreciado mais demoradamente
porque é estranho, ‘diferente’, exótico. Os cien-
655
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
tistas podem olhar, analisar e observar Saartje
Baartman nua e em público, classificar e dissecar cada detalhe de sua anatomia, tendo o álibi
perfeitamente aceitável que ‘tudo está sendo
feito em nome da ciência, do conhecimento
objetivo, da evidência etnológica. (HALL, 1997)
FIG. 2. “A Vênus de Hottentot”, Saartje Baartman Fonte: HALL, 1997.
Estas reflexões suscitam até agora um conjunto maior de
questões. São elas:
1) Existem formas intoleráveis para a reflexão erudita?
2) Qual o significado de tantos trabalhos acadêmicos cujos
objetos são produtos ou processos próprios de projetos artístico-culturais nas periferias, nesta última década?
3) As molduras que determinam o que é arte sempre
podem “limpar” as formas sujas? Em que ocasiões isto seria
impossível?
656
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Resultados
A pesquisa completará, ao fim de julho de 2013, seu primeiro semestre. Portanto, não há como apresentar resultados.
Todavia, o grande ganho desta fase inicial pode ter sido um
insight metodológico a partir do qual o trabalho etnográfico se
desloca e toma como objeto, não mais o discurso dos pobres,
mas os eruditos e sua produção sobre as culturas populares
urbanas na última década. Esta nova estratégia metodológica,
ao lado do exame de produções acadêmicas e midiáticas
deste período, pode ajudar a compor um retrato da rede conceitual mencionada já no primeiro parágrafo deste resumo.
Referências
ANSEL, Thiago. Novos Mediadores, Representação da Favela e
Produção Cotidiana da Identidade de Favelado. Dissertação
(mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de
Comunicação, Programa de Pós-Graduação em Comunicação, 2011.
HALL, Stuart. “The spectacle of the Other”. In: Representation:
Cultural Representations and Signifying Practices. London: Sage,
1997, p 223-290.
MILLER, Daniel. Trecos, Troços e Coisas: Estudos Antropológicos
sobre a Cultura Material. Rio de Janeiro: Zahar, 2013.
SOVIK, Liv. “Os projetos Culturais e seu significado social”. No prelo,
2012.
657
Sumário
SESSÃO TEMÁTICA 7
Imprensa, Jornalismo e Meios
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
BLOCO A
85 O cotidiano jornalístico: organização
do trabalho, prazer e sofrimento
Cristiane Oliveira Reimberg
Em nossa pesquisa de doutorado, iniciada em fevereiro de
2011, estudamos como se dá a relação de sofrimento e prazer no trabalho do jornalista. Para isso, traçamos a organização
do trabalho no jornalismo, relacionando estudos da sociologia
do trabalho com os aspectos organizacionais encontrados em
obras sobre o jornalismo. Esse mapeamento é complementado
com as entrevistas com profissionais que atuam na área, de
diferentes faixas etárias e com experiência em diferentes meios.
Pretendemos trilhar um caminho de reconstrução das palavras
e recuperação das vivências dos jornalistas no trabalho por
meio dessa parte qualitativa da pesquisa. Por fim, observaremos a partir da análise de conteúdo das entrevistas quando
o sofrimento no trabalho é transformado em prazer e quando
esse sofrimento leva ao adoecimento. O nosso referencial teórico, nesse sentido, é a psicodinâmica do trabalho.
A abordagem de nossa pesquisa pode contribuir para
renovar o olhar sobre a comunicação ao trazer uma visão interdisciplinar para refletir sobre o trabalho do jornalista. Pensamos
a comunicação a partir do ponto de vista do trabalho desses comunicadores. Ao pensar o trabalho, problematizamos
659
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
as condições organizacionais e as práticas jornalísticas, o
que reflete no universo de como ocorrem esses processos de
comunicação.
Também acreditamos inovar ao utilizar a psicodinâmica
do trabalho para realizarmos a análise de conteúdo das entrevistas. Apesar de não pretendermos fazer um estudo de psicodinâmica do trabalho, o que requer outra metodologia,
utilizaremos seus estudos como referencial teórico.
A psicodinâmica do trabalho, criada por Christophe
Dejours na França, olha para o sujeito e tem caráter interdisciplinar. Inspira-se em conceitos da psicanálise, como os mecanismos de defesa, e da ergonomia, por exemplo, a relação
entre trabalho prescrito e real. Assim analisa o sofrimento e as
defesas contra os aspectos nocivos da organização do trabalho à saúde mental. Esse sofrimento estará sempre presente, no
entanto, criamos defesas para superá-lo e não adoecermos.
Dejours (2011a, p.13) aponta que a normalidade resulta
“de uma luta entre o sofrimento provocado pelos constrangimentos organizacionais e as estratégias de defesa inventadas
pelos trabalhadores para conter esse sofrimento e evitar a descompensação”. O sofrimento pode ser, então, transformado
em prazer.
Assim o trabalhar é apontado por Dejours (2011b) como
consubstancial ao humano, e o trabalho tem a ambiguidade
de poder gerar saúde e acréscimo de vida ou a doença e a
morte. O trabalho tem o poder de ordenar o mundo, objetivar
a inteligência e produzir a subjetividade. Como sujeito inacabado, eu me construo enquanto trabalho.
660
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A psicodimâmica do trabalho pleiteia em favor da hipótese segundo a qual o trabalho não é redutível a uma atividade de produção no mundo objetivo. O trabalho é sempre
uma provação para a subjetividade, da qual esta sai sempre
ampliada, engrandecida ou, ao contrário, reduzida, motificada. Trabalhar constitui, para a subjetividade, uma provação
que a transforma. Trabalhar não é apenas produzir, mas ainda
transformar-se a si próprio e, no melhor dos casos, é uma ocasião oferecida à subjetividade de provar-se a si mesma, de realizar-se. (DEJOURS, 2012, p. 33-34)
Dejours (2011a) destaca que o trabalho pode ser um
mediador importante para o prazer e para a construção da
saúde mental. A boa adequação entre organização do trabalho e estrutura mental se apoia numa “análise precisa da
psicodinâmica da relação homem/trabalho” (DEJOURS, 1992,
p.134-135). Essa situação é alcançada quando “as exigências intelectuais, motoras ou psicossensoriais da tarefa” vão ao
encontro das necessidades do trabalhador, assim, o exercício
da tarefa se origina de uma descarga ou de um “prazer de
funcionar”.
Outra possibilidade ocorre quando o “conteúdo do
trabalho é fonte de uma satisfação sublimatória. Nesse caso,
concepção do conteúdo, do ritmo de trabalho e do modo
operatório são deixados em parte nas mãos do trabalhador. A
organização do trabalho pode ser modificada conforme seu
desejo ou suas necessidades e até variar “com seus próprios
ritmos biológicos, endócrinos e psicoafetivos” (Ibid).
661
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
No caso do jornalismo, o prazer pode ser uma defesa?
Dejours (Ibid) fala de artistas e pesquisadores, que apesar de
sacrifícios materiais os fazerem sofrer, o prazer do trabalho é a
melhor defesa que possuem. No caso dos jornalistas, isso também seria possível? O trabalho pode ser aliado aos seus desejos
ou a forma como é organizado impede que isso aconteça?
Podemos pensar nos jornalistas que trabalham como
“free-lancer” e conseguem organizar o seu trabalho a partir dos
seus desejos e necessidades. Em relação ao desejo, quando
consegue aliar a pauta da matéria a assuntos que gosta e que
tem a ver com o que acredita. Já sobre os ritmos, como “frila”
pode tentar adequar a produção dos textos ao seu ritmo biológico com mais liberdade do que um jornalista que deve cumprir
horário em uma empresa, com uma organização fechada. No
entanto, não deixa de estar submetido a uma organização do
trabalho, pois mesmo quando pega um “frila” está submetido a
um prazo e a uma empresa. Além do que, se o valor pago por
matérias for baixo, pode ser necessário pegar um grande número
de matérias e também se submeter a um ritmo alucinante. Ainda
há de se considerar aqueles que são chamados informalmente
de “frila fixo”, submetendo os jornalistas a condições de trabalho precárias, sem direitos trabalhistas, com jornada excessiva
e presença no local de trabalho como se fosse um celetista. Sobre o prazer, acreditamos, que pode existir, tanto para
o profissional “free lancer” quanto para o contratado de um
veículo de comunicação, desde que o exercício da tarefa lhes
traga satisfação e eles afiram um valor positivo ao que realizam.
Isso também acontece quando existe o reconhecimento do
662
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
trabalho. Outro aspecto importante é a liberdade para sugerir
pautas e exercer sua criatividade na elaboração das matérias.
Além disso, partimos da hipótese de que o imaginário
construído pelos jornalistas sobre o seu trabalho faz com que
suporte as contradições da organização do trabalho e com
que sofrimento e prazer caminhem lado a lado. Vemos, assim,
no jornalismo a possibilidade de existência de um prazer proveniente do conteúdo significativo e simbólico do trabalho.
Em nossas pesquisas, temos visto que há um imaginário em torno da profissão do jornalista, que a vê como missão
e com certa superioridade em relação a outras profissões.
Acreditamos que isso pode ser uma ideologia defensiva para
enfrentar as longas jornadas e estar sempre pronto a trabalhar,
o que deixa de ser visto como um trabalho, quando caracterizado como missão. Isso é utilizado pelas empresas para explorar
o profissional e obter mais produção e dedicação ao trabalho.
Em um cenário de exploração em que não há reconhecimento, o sofrimento pode levar ao adoecimento no trabalho.
Para Dejours (1992, p. 133), o “sofrimento, de natureza mental,
começa quando o homem, no trabalho, já não pode fazer
nenhuma modificação na sua tarefa no sentido de torná-la mais
conforme às suas necessidades fisiológicas e seus desejos psicológicos”. Dessa forma, “a relação homem-trabalho é bloqueada”.
Uma de nossas hipóteses é que a forma como o trabalho do
jornalista é organizado leva a um ritmo acelerado, que pode levar
ao adoecimento e a uma piora da qualidade do texto por não se
ter tempo para fazer uma apuração adequada, o que gera mais
sofrimento. A vida mental do jornalista pode ser neutralizada pela
663
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
padronização existente da atividade e uma organização do trabalho fechada, que inibe a criatividade e autonomia, regida por
manuais de redação e por pouca liberdade de atuação.
Outro aspecto importante, apontado por Dejours (2011a),
é que a forma como a avaliação individual tem sido desenvolvida leva a destruição das possibilidades de trabalho coletivo,
de cooperação e solidariedade. Esse tipo de organização do
trabalho está relacionado aos “processos de servidão voluntária e de deterioração da saúde mental no trabalho”. Dessa
forma, o sujeito fica sozinho frente à dominação, à injustiça e ao
assédio. Pretendemos observar em quais momentos o ambiente
de trabalho jornalístico é dominado pela competitividade em
um cenário sem solidariedade e propício ao assédio moral.
Dejours (2012) afirma que o sujeito tem que lidar com o
prescrito e o real do trabalho, o qual resiste aos procedimentos. Na relação de sofrimento no trabalho, “o corpo realiza a
um só tempo a experiência do mundo e de si mesmo” (p.24).
“Trabalhar bem implica infringir as recomendações, os regulamentos, os procedimentos, os códigos, os termos de referência,
a organização prescrita” (p.32) A organização do trabalho na
atualidade privilegia a avaliação objetiva e quantitativa do trabalho e recorre a individualização da concorrência, do desempenho e de metas, levando a quebra da solidariedade (p.42).
As consequências destes princípios organizacionais do
trabalho é, de um lado, o aumento extraordinário da produtividade e da riqueza; mas de outro, incluímos a erosão do lugar
acordado à subjetividade e à vida no trabalho. O resultado é
um agravamento das patologias mentais do trabalho em todo
664
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
o mundo ocidental, o aparecimento de novas patologias, os
suicídios perpetrados no próprio local de trabalho, o que não
ocorria, em hipótese alguma, antes do domínio neoliberal, bem
como o desenvolvimento da violência no trabalho, o agravamento das patologias de sobrecarga, a exposição das patologias do assédio. (DEJOURS, 2012, p. 43)
Em Heloani (2003), vemos relatos de jornalistas que mostram a relação agressiva da chefia. Um dos entrevistados afirmou: “Sei de colegas que ouviram coisas horríveis. Uma garota
na minha sala foi falar sobre o aumento de salário e o chefe
respondeu assim: ah, vocês vão continuar tomando no cu até
o fim do ano” (p.61).
O aspecto do desgaste mental, em nossa pesquisa, será aprofundado a partir de Seligmann-Silva (2011), que além de explorar
a questão dos transtornos mentais, também aborda a fragilização
dos vínculos sociais e as transformações do mundo do trabalho. A
autora aponta a precarização da saúde mental, que acompanha
as precarizações social, do trabalho e do meio ambiente. Seligmann-Silva (2011, p.472) afirma que “o trabalho
humano tornou-se, cada vez mais, um trabalho dominantemente mental. Porém o cansaço mental do trabalho intelectual
intensificado e a exaustão emocional foram igualmente ignorados nas reestruturações”. A desregulamentação e a flexibilização do trabalho trazem impactos para a saúde, e até mesmo as
relações interpessoais são flexibilizadas. O trabalho precarizado
e dominado, que traz em si a impotência, tem repercussões psicossomáticas. Essas reflexões da autora nos ajudarão a entender o sofrimento no trabalho e a ocorrência do adoecimento.
665
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
O trabalho do jornalista, marcado por essa relação de
sofrimento e prazer, é a parte do universo da comunicação que
estamos estudando. Acreditamos que esse olhar pode inovar o
campo da comunicação, por trazer a questão do trabalho e do
sujeito que faz a comunicação acontecer a um lugar central. Palavras-chave: Cidadania; Organização do Trabalho;
Jornalismo; Saúde do Jornalista.
Referências
DEJOURS, Christophe. A loucura do trabalho– estudo de psicopatologia do trabalho. São Paulo: Cortez, 1992.
______. Psicopatologia do trabalho – Psicodinâmica do trabalho. Laboreal, vol. VII, n.1, 13-16, 2011a.
______.“Trabalhar” não é “derrogar”. Laboreal, vol. VII, n.1,
76-80, 2011b.
______. Trabalho Vivo II: Trabalho e emancipação. Brasília:
Paralelo 15, 2012b.
HELOANI, José Roberto. Mudanças no Mundo do Trabalho
e Impacto na Qualidade de Vida do Jornalista. São Paulo,
Fundação Getúlio Vargas, NPP – Série Relatórios de Pesquisa –
Relatório n° 12/2003.
SELIGMANN-SILVA, Edith. Trabalho e desgaste mental. São
Paulo: Editora Cortez, 2011.
666
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
86 Alimentação: diretrizes para uma
nova abordagem midiática
Tatiana Aoki
A pesquisa objetiva fornecer diretrizes na abordagem da
alimentação, de forma que se disponibilizem subsídios práticos a quem se propõe a tratar do tema e a ampliar o debate
acerca do assunto.
Pode-se afirmar que as mídias que abordam dieta e
nutrição baseiam-se no nutricionismo – a ideologia oficial da
dieta ocidental – cujo foco é tratar o alimento como se ele
fosse somente a soma de seus nutrientes, sempre sob aval do
saber científico. A mídia também dispõe a alimentação como
campo predominantemente voltado à dieta e nutrição, e
constrói o discurso de que a alimentação do indivíduo e, por
consequência, sua saúde, é uma responsabilidade individual
e pouco vinculada a aspectos como à cultura e à política.
Na ausência de um veículo midiático que contrastasse com
essa abordagem, foi adotado como objeto de estudo o
material didático do Projeto Educando com a Horta Escolar
(PEHE), que surgiu em 2005 e foi realizado pelo Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação (FNDE), em parceria
com a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e
Alimentação (FAO). A metodologia do PEHE consiste em uma
estratégia em Segurança Alimentar e Nutricional, de maneira
que se efetivem os princípios do Direito Humano à Alimentação
Adequada (DHAA) e da Soberania Alimentar. De caráter trans-
667
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
disciplinar, seu material comunicativo propõe a execução de
uma horta comunitária, bem como um laboratório para abordar temas como saúde, nutrição e economia.
Como resultados são fornecidas 32 diretrizes na abordagem da alimentação, divididas em quatro temas centrais. No
que concerne à análise do PEHE, foram detectadas seis temáticas centrais. E, tanto as diretrizes quanto a apreciação crítica
do objeto se deram pelo método da análise temática, em conjunção com a pesquisa documental.
Pode-se afirmar que as diretrizes trazem à tona quanto o
questionamento do tema alimento é intersetorial, político e, por
consequência, de interesse público. E, ao tornarem públicas tais
questões, os diversos setores envolvidos – sobretudo o Estado, a
indústria alimentícia e o jornalismo – deverão rever suas políticas
e estratégias em torno do alimento.
Palavras-chave: comunicação, cidadania, alimentação,
saúde, promoção da saúde
668
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
87 Jornalismo global e a construção da
cidadania: jornalistas e as respon-sabilidades
diante de uma dissolução do binômio assunto
de interesse nacional/assunto externo
Ben-Hur Demeneck
A pesquisa acima proposta pode renovar o olhar sobre
a comunicação porque explora um conceito em construção:
o jornalismo global. Um dos objetivos da investigação é interpretar o fenômeno e, em algum nível, captar a participação
de jornalistas brasileiros em um modelo de comunicação que,
ao ter um impacto global, cobra responsabilidades de mesma
ordem.
As discussões sobre o futuro do jornalismo passam pelo
estabelecimento de uma perspectiva que não se resuma a
uma divisão entre assuntos de ordem nacional/internacional.
Por muito tempo, uma discussão semelhante foi feita acerca
de algo próximo “ética global” num âmbito filosófico, como
quando um Emmanuel Kant teorizava sobre o cosmopolitismo.
No entanto, com a aceleração dos processos de globalização,
ela se tornou uma questão prática para os produtos e processos do jornalismo.
O jornalismo global surge como uma demanda na medida
em que a globalização se consolida com a crescente conectividade das tecnologias, mobilidade pelo mundo e o apagamento de fronteiras (BERGLEZ, tradução livre, 2013, p.855). Ou
669
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
seja, há necessidades de diversas origens – econômica, política, cultural, ecológica, entre outras (id.). Ainda que a tecnologia conduza a comunicação a uma abrangência global, uma
perspectiva global depende, sobretudo, de fundamentos epistemológicos para ser promovida.
Uma perspectiva global seria, primeiramente, uma busca
de compreensão das relações complexas estabelecidas ao
redor do globo, observa Berglez. No entanto, tal perspectiva
não garante a assunção de pressupostos de uma ética universal/global (BERGLEZ, tradução livre, 2013, p. 848). É onde
surge um campo fértil para a discussão da Comunicação
no que compete ao campo da ética, uma vez que há problemas, temas e deveres que podem surpreender devido
a amplitude e a diversidade de culturas que envolve.
Uma das definições provisórias a um jornalismo com perspectiva global seria aquele cuja informação produzida teria um
caráter intercontinental, “potencialmente incluindo tanto as
relações internacionais (entre estados-nação) quanto os processos transnacionais, como as ameaças ecológicas e as
pandemias” (id). Não faltam razões para a transformação do
jornalismo em jornalismo global. Stephen Ward organiza uns
pontos em seu favor: a) a crescente globalização dos meios de
comunicação; b) impactos globais conduzem a responsabilidades globais; c) um jornalismo global se faz necessário para
dar visibilidade a uma pluralidade de visões de religiões e de
grupos étnicos, representada numa maior variedade de valores e de agendas; d) um jornalismo de visão global ajudaria
cidadãos a entender os problemas globais da pobreza, degra-
670
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
dação ambiental, desigualdades tecnológicas e instabilidade
política; e) uma ética global é necessária para unir jornalistas
na construção de uma mídia honesta e informada (WARD, tradução livre, 2008, p. 144).
Em contrapartida, permanecem as barreiras nacionais
e mesmo uma cultura jornalística “transnacional” enquadra
temas em conformidade a um binômio nacional/internacional
(ou, em outras palavras, assuntos domésticos / assuntos externos). Para Ward, “a ética jornalística foi desenvolvida para um
jornalismo de um alcance limitado, cujo interesse público é
assumido até que pare na fronteira” (id., tradução livre, p. 143).
Citando trabalhos de Ronning (1994) e de Christians & Traber
(1997), observa que a “busca” por uma ética global enfrenta o
problema de como fazer justiça tanto para o particular como
para o universal (id., p. 144).
Quanto às relações entre jornalismo e cidadania, elas
importam na medida em que um “jornalismo global” presume a
assunção de uma “cidadania global”. Norberto Bobbio (1992)
é um dos pensadores que vai buscar na Cosmópolis kantiana e
na Declaração Universal dos Direitos do Homem ilustrações da
“evolução” dos direitos de um sentido apenas individual para
os direitos políticos e, depois, aos sociais. Uma quarta fase seria
pensar o planeta como fosse potencial cidade de todos. De
certa maneira, Bobbio já sugeria em “Era dos Direitos” essa discussão que a pesquisa procura aprofundar, embora seu enfoque fosse jurídico.
Se a cidadania diz respeito à participação política, o jornalismo se apresenta como um campo em que se manifestam
671
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
e silenciam lutas sociais travadas dentro do sistema capitalista
desde a modernidade. A articulação entre um e outro se dá
ora em aproximações, ora em tensionamentos quando há luta
por direitos sociais, ao exemplo das quebras de monopólios
(EUA, século XIX) e as manifestações brasileiras em 2013, iniciadas com a luta pelo Passe Livre. Dentro desse contexto, para
Sylvia Moretzsohn, “o jornalismo vive em permanente tensão
entre seu compromisso de esclarecimento, que exige uma desnaturalização dos fatos, e a tendência à naturalização” (2007,
p. 251).
A naturalização, segundo Moretzsohn, está ligada às rotinas de produção e as expectativas de público a favorecem e
a ajudam se consolidar. Até mesmo a característica comercial
das empresas de comunicação, não retira o papel do jornalismo na construção da cidadania, ainda que os interesses se
tornem mais promíscuos em tempos de conglomerados. Para
Victor Gentilli, um jornal pode se manter uma instituição social
mesmo que seja privado porque ele serve de “combustível para
o aprofundamento democrático e a melhoria na própria qualidade do serviço que está sendo oferecido” (2005, p. 145-146).
Através da promoção do direito à informação, o jornalismo
poderia “construir a cidadania” uma vez que, ao assegurar
esse direito, ele permite acesso a outras prerrogativas sociais.
Quanto ao o referencial teórico da pesquisa desse doutoramento, há uma associação entre os conceitos de objetividade jornalística, ética e jornalismo global. Como observado
acima, discussões de ordem epistemológicas e deontológicas
antecipam a compreensão do tema estudado. Importante
672
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
reforçar que o quanto da teoria do jornalismo se deu diante
de reflexões dentro de bordas das fronteiras nacionais e não
“com” elas. Ward é um dos comentadores desse indicador,
subjacente em diversos críticos da Comunicação. No entanto,
há uma consciência que vínculos nacionais e lingüísticos são
fatores de identidade e proximidade e não serão substituídos
por um jornalismo global, mas sim passarão a coabitar os mesmos espaços de mídia.
Complementarmente, interessa-nos identificar como jornalistas brasileiros com alguma inserção nos debates globais
se mostram conscientes ou não de estarem construindo uma
forma de jornalismo além do binômio nacional / internacional.
Assim que houver resultados da pesquisa, eles serão divulgados. Devido a lacunas acerca de uma maneira de pensar esse
jornalismo (grande parte das publicações são desses últimos
dez anos e de origem internacional), há um caráter exploratório presente na pesquisa, porém, com oportunidades de inovação bastante promissoras.
Outro ponto a somar no estudo pretende se dar feito junto
a centros de debate em ética, a centros de excelência de jornalismo, a escolas de jornalismo e a “usinas de idéias”, como o
Poynter Institute, Nieman Journalism Lab e a Fundación Nuevo
Periodismo Iberoamericano (FNPI). Se houver essa análise, avaliar-se-á como esses canais conseguem avançar ou não na discussão de um jornalismo global e não apenas de um jornalismo
que se faça dentro em organizações de impacto global.
Palavras-chave: Jornalismo Global, Cidadania, Ética, Futuro
do jornalismo.
673
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Referências
BERGLEZ, Peter. What is Global Journalism?: Theoretical and
empirical conceptualisations. In: Journalism Studies, 2013; 9:6,
845-858.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson
Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
CANCLINI, Néstor García. A globalização imaginada. São
Paulo: Iluminuras, 2003.
GENTILLI, Victor. Democracia de Massas: Jornalismo e
Cidadania: estudo sobre as sociedades contemporâneas e o
direito dos cidadãos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. 180p.
IANNI, Octavio. A sociedade global. 4. ed. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1996.
MELLADO, Claudia; MOREIRA, Sonia V; LAGO, Claudia.
HERNÁNDEZ, María E. Comparing journalism cultures in
Latin America: The case of Chile, Brazil and Mexico. In: The
International Communication Gazette, 2012, 74(1) 60–77.
MORETZSOHN, Sylvia. Pensando contra os fatos: Jornalismo e
cotidiano: do senso comum ao senso crítico. Rio de Janeiro:
Revan. 2007.
REESE, Stephen D. Understanding the Global Journalist: a hierarchy-of-influences approach. In: Journalism Studies, Volume 2,
Number 2, 2001, pp. 173–187.
RIBEIRO, Jorge Cláudio. Sempre Alerta – Condições e
674
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Contradições do Trabalho Jornalístico. São Paulo: Editora
Brasiliense e Olho Dágua, 1994.
WARD, Stephen J. A. Philosophical Foundations for Global
Journalism Ethics. In: Journal of Mass Media Ethics: Exploring
Questions of Media Morality, 2005, 20:1, 3-21.
_____. Global Journalism Ethics:Widening the Conceptual Base.
In: Global Media Journal. Canadian Edition, 2008. Volume 1,
Issue 1, pp. 137-149.
675
Sumário
88 Circulação de saberes em Jornalismo
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Caroline Casali
1. Preâmbulos sobre a investigação
Episódios recentes como os protestos políticos organizados nas redes sociais e que tomaram as ruas brasileiras, em junho
de 2013, permitem inferir que existe um público que domina a
lógica midiática; esse público não apenas consome, mas também produz e reproduz informações, atuando ativamente na
circulação de temas, angulações e sentidos. Portanto, falamos
de uma parte da sociedade que, mesmo sem utilizar termos
técnicos, consegue entender as lógicas midiáticas e explicar
seu funcionamento. E de que forma os saberes acadêmicos
sobre Jornalismo se relacionam com esse novo contexto?
A pesquisa que conduzo, sob orientação do Professor
José Luiz Braga, reflete sobre a circulação de saberes em
Jornalismo na sociedade midiatizada, problematizando a questão da dupla ruptura epistemológica proposta por Boaventura
de Souza Santos (1979). Considera-se, de antemão, que se não
há como separar o eu-pesquisador do eu-sujeito social, não
há como pensar em rupturas entre conhecimento de senso
comum e científico, simplesmente porque não se pode mensurar o momento exato em que essas rupturas aconteceriam.
Como dizer que, enquanto pesquisadores, rompemos com esse
676
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
“senso comum” dos sujeitos midiatizados em prol de um conhecimento científico? Quem garante que o conhecimento desses
sujeitos já não é parte de uma “segunda ruptura”? Seria possível operacionalizar a identificação dessas etapas tão estanques de rupturas epistemológicas?
Investindo nas questões acima elencadas, nos pareceu
mais plausível o estudo de circuitos de inscrições do conhecimento acadêmico do que a utopia de mensurar rupturas, até
porque “as rupturas epistemológicas com o universo mental do
homem comum costumam levar, via de regra, tão somente a
um pseudoconhecimento do geral. Nada mais.” (GUSMÃO,
2012, p.31).
Ao inscrever os saberes sobre Jornalismo na problemática
dos circuitos, entende-se que “novos processos de circulação
de mensagens e, de modo especial de produção de sentidos,
organizam uma nova arquitetura comunicacional, afetando
as condições de vínculos entre produtores e receptores, ensejando novos modos de interação entre instituições, mídias e
atores sociais” (FAUSTO NETO, 2010, p.01). Significa dizer, em
Midiatização, que a circulação não é apenas o movimento
do produto midiático da produção à recepção ou a resposta
direta desta àquela. Trata-se também das reações do subsistema de resposta social: “o fluxo comunicacional não pára e
um novo circuito, diferenciado, se inicia: o das leituras e apropriações” (BRAGA, 2011, p.05). Hoje, pesquisamos objetos que
não são apenas praticados pelos atores sociais, mas também
são pensados, refletidos e discutidos por eles.
677
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
É claro que esse circuito inverso existe desde
sempre – mas se torna socialmente evidente
em uma sociedade em midiatização. Mais
que evidente: torna-se processo comunicacional inarredável, componente para o que quer
que se faça ou se pretenda, comunicacionalmente, fazer. Aspecto este que parece ser uma
característica da sociedade em midiatização.
No contrafluxo, passamos a produzir a partir
das respostas que pretendemos, esperamos ou
receamos. (BRAGA, 2011, p.07).
Ao trazer a ideia de dispositivos e circuitos para a produção de saberes em Jornalismo, queremos destacar que
(a) o conhecimento é da ordem da circulação e só podemos alcançá-lo quando ativamos circuitos; (b) esses circuitos
envolvem também os processos que antecedem e sucedem o
acionamento de um dispositivo; (c) existem alguns dispositivos
já conhecidos na produção de saberes (produtos midiáticos,
eventos científicos, projetos de extensão, revistas de divulgação, etc.), mas outros tantos podem ser desvelados a partir da
investigação empírica desta tese. Consideramos que o conhecimento não é produto científico, nem tampouco de senso
comum; outrossim, é o acúmulo e a ação de saberes que atualizamos em nossas relações sociais e, diante disso, destacamos como objetivo central da pesquisa desvelar circuitos na
circulação do conhecimento em Jornalismo, principalmente
no que concerne aos objetivos específicos de (a) compreender a relação entre Jornalismo e práticas sociais em tempos de
678
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
midiatização, (b) revelar relações entre as práticas jornalísticas
e os saberes de senso comum com as ações acadêmicas na
área, e (c) desvelar circuitos em que se inscrevem os saberes
em Jornalismo na sociedade, a partir de ações acadêmicas
institucionalizadas e atos individualizados.
Em síntese, o propósito da tese é desvelar circuitos não
planejados pelas instituições mas que, mesmo na informalidade,
compõem sentidos sobre o Jornalismo. Para isso, tomamos por
caso de pesquisa a investigação de diálogos sobre Jornalismo
empreendidos pela pesquisadora Márcia Franz Amaral,
docente do Departamento de Ciências da Comunicação do
Centro de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM) e do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação da UFSM, e líder do grupo de pesquisa Estudos
de Jornalismo (CNPq/UFSM). As ações da pesquisadora a serem
investigadas são (1) as postagens publicadas em sua página
pessoal do Facebook, especialmente entre os dias 27 de janeiro
e 28 de fevereiro de 2013, relacionadas à tragédia na cidade
de Santa Maria; (2) suas ações de ensino na graduação e na
pós-graduação; (3) suas ações de pesquisa no Programa de
Pós-Graduação em Comunicação da UFSM; (4) os circuitos
institucionalizados de divulgação científica de que participa;
(5) as atividades de extensão que desenvolve ou que deixa de
desenvolver; (6) demais circuitos de diálogo com a sociedade
que a pesquisadora aponte como importantes para a circulação de sentidos sobre o Jornalismo. É importante salientar que
todas essas ações serão analisadas não como estanques, mas
679
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
em relação umas às outras e, principalmente, em conexão
com demais sujeitos (acadêmicos ou não).
O estudo de caso está sendo conduzido a partir da análise das postagens em questão, bem como de documentos
de ensino, pesquisa e extensão que envolvam a pesquisadora
(tais como planos de aula, artigos científicos, participação em
eventos, projetos de pesquisa e extensão, etc). Prevê-se, ainda,
a realização de entrevista em profundidade com a pesquisadora, no sentido de complementar inferências sobre ações
de diálogo empreendidas por ela e não endereçadas nesses documentos analisados. Interessa a essa análise entender
como, a exemplo das práticas sociais e do debate social sobre
o Jornalismo, também a academia se vê à mercê da midiatização e encontra nela suportes para outros diálogos não necessariamente previstos pelas instituições.
2. Ângulos de contribuição de nossa pesquisa ao
conhecimento comunicacional
Na sociedade dos meios, os papéis dos sujeitos da comunicação eram facilmente identificáveis – estudávamos ora a
instância de produção, ora o produto ou a recepção. Não problematizo se alguma vez na história humana a Comunicação
foi efetivamente linear, mas destaco que o estudo de suas instâncias era mais preciso em termos de mensuração de papéis e
funções. Falar em processo de midiatização é justamente questionar essa linearidade da comunicação, pensando em circuitos
680
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
que envolvem diferentes instâncias sem que necessariamente
uma seja ativa e outra passiva no processo comunicacional.
Assim, como assinala Fortunati (2005, p.34), em
vez de meramente se adaptar à lógica midiática, os atores sociais passam a ter a possibilidade de abrir canais próprios para se comunicar
diretamente com o público em geral ou com
audiências específicas. Configuram-se, assim, as
condições de realização do modelo democrático de comunicação pública da ciência, que
se pauta por uma relação dialógica e igualitária, em termos de interlocução, entre cientista e
público (CUEVAS, 2008), da qual os chamados
blogs científicos são a expressão mais recente
(AGUIAR, 2012, p.34).
Entendemos que sujeitos sociais fundaram práticas que
se tornaram protocolos ao fazer-midiático, bem como sujeitos
discutem e reestruturam, hoje, a rotina dos meios de comunicação de massa – ainda que em movimentos tímidos. Sendo
assim, não podemos ignorar que as ações acadêmicas sejam
também retrabalhadas em falas individuais e informais, muitas vezes à revelia de registros institucionais. E de que forma os
estudos em Jornalismo têm lidado com essa circulação? De
certa forma, as pesquisas acadêmicas respondem ao cenário
de circuitos, ao trabalharem questões como jornalismo colaborativo ou agendamento em redes sociais. Contudo, não se
encontram trabalhos que deem conta da circulação das falas
681
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
acadêmicas sobre o Jornalismo em circuitos não institucionais.
É justamente sobre isso que se debruça nossa investigação:
buscamos desvelar circuitos de saberes em Jornalismo fora dos
muros universitários.
Com essa pesquisa, tensionamos não apenas o fluxo
comunicacional de produção midiática como também refletimos sobre os circuitos que estão envolvidos na produção de
diferentes tipos de saberes em Jornalismo. Partimos da hipótese
de que os saberes acadêmicos devam servir de insumo prático,
analítico e/ou reflexivo também para problemas extra-acadêmicos e queremos analisar como essa circulação de saberes se
dá no que concerne ao Jornalismo.
Os estudos realizados por ocasião da confecção da
tese não se pretendem como conclusões definitivas acerca
da circulação do conhecimento na área para uma sociedade
midiatizada. Nem pretendemos fundar teorias generalizantes
sobre saberes acadêmicos e não acadêmicos. Em contrapartida, acreditamos que a análise da produção de circuitos ao
entorno das realizações da pesquisadora Márcia Amaral possam suscitar dados relevantes, que permitam realizar inferências
sobre a relação entre práticas institucionalizadas e atividades
individualizadas na composição dos saberes em Jornalismo.
Pretendemos estabelecer inferências e possibilidades sobre a
maneira como atos individuais incidem sobre práticas institucionalizadas e, por vezes, burlam essas práticas. Ou seja, nos interessa – e cremos que essa seja uma contribuição ao campo –
entender de que maneira as novas lógicas de circulação midiática incidem também sobre as circulações acadêmicas.
682
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUIAR, Sonia. O papel das universidades na midiatização
das ciências: cenários, processos e estratégias. In: FAUSTO
NETO, Antonio (org.). Midiatização da ciência: desafios e possibilidades. Campina Grande: EDUEPB, 2012.
BRAGA, José Luiz. Dispositivos Interacionais. Anais. Trabalho
apresentado ao Grupo de Trabalho Epistemologia da
Comunicação, do XX Encontro da Compós, na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.
FAUSTO NETO, Antonio. A circulação além das bordas. Texto
apresentado no Colóquio “Mediatización, sociedad y sentido”. Convênio CAPES/MYNCT, Agosto/2010, Universidade
Nacional de Rosário, Argentina, 2010.
GUSMÃO, Luís de. O Fetichismo do Conceito: Limites do
conhecimento teórico na investigação social. Rio de Janeiro:
TopBooks, 2012.
SANTOS, Boaventura de Souza. Introdução a uma ciência pós-moderna. Rio de Janeiro: Graal, 1989.
683
Sumário
89 Crise e Debilidade da Mediação Jornalística
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Antonio Fausto Neto
As lógicas e operações digitais que estruturam e dinamizam a ‘relação com o outro’ e a ‘relação com os dados’ afetam e produzem transformações complexas nas instâncias de
mediações, que historicamente, se colocaram como ‘elos de
contatos’ entre os sistemas complexos e os atores sociais. Na
condição de ‘peritos’ que receberam delegações dos seus
próprios campos sociais,os mediadores se percebem atravessados pela presença de ‘exércitos de amadores’ que fustigam suas identidades, põem em questão seus diplomas, como
‘emblema de reconhecimento’, e manejam, segundo procedimentos de auto-instrucionalidades conhecimentos que, até
então, eram propriedade de corpos de especialistas e regulados, segundo código profissionais. O ‘assédio’ que afeta o
mundo dos especialistas, de modo geral, debilita também o
campo jornalístico, especialmente a atividade dos seus funcionários. Registros destes processos se manifestam na organização
dos ambientes produtivos, que se estruturam segundo novos
modelos de rotinas produtivas; no status, perfil e nos processos
formativos dos seus atores; nas especificidades de um trabalho
enunciativo fundado na autonomia e na testemunhalidade do
jornalista, enquanto o mediador, constituído por uma representação delegada pelos demais campos sociais: e também nas
suas relações com os leitores. A formulação de Robert Dahrton
– “noticia, tudo que couber a gente publica” – que simbolizava
684
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
a autonomia que o jornalismo/ta gozava para construir/relatar
realidades, parece debilitada ou mesmo, condenada ao desaparecimento, na medida em que tal atividade de mediação
se mostra crescentemente afetada por dinâmicas, de processos e de operações sócio-tecnico-discursivos que constituem a
‘sociedade em vias de midiatização’. Nos valemos de registros
que emanam de manifestações do campo jornalístico, especialmente as suas relações com ‘acontecimentos complexos’.
A recente exibição ‘ao vivo’ pelo Jornal Nacional, durante 4
minutos, de imagens sobre as manifestações rua, enviadas
pelos tele expectadores, é um dos exemplos desta nova dinâmica que põe em questão o status mediacional do dispositivo
midiático.
685
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
90 Aproximações e tensionamentos entre a
circulação crítico midiática e o jornalismo
Eloísa Klein
Ao pensarmos em processos comunicacionais, buscamos
compreender como se constituem as relações entre pessoas,
objetos, produtos, meios tecnológicos, instituições, campos
sociais, ambiente – considerando-se os contextos histórico,
social, cultural, econômico como pertinentes para o que comunicacionalmente fazemos. Estas relações são buscadas como
forma de superar a limitação a um pensamento esquemático
de comunicação, frequentemente associado ao modelo de
produção dos grandes conglomerados midiáticos, com tendência a tratar de produtos culturais como criação unilateral
de uma “esfera de produção”, à revelia dos interesses e do
contato com a “recepção”, sendo que à recepção se imporiam, igualmente, as características do meio tecnológico usado
para a fabricação, disseminação e uso de um produto.
Pela crítica epistemológica ao enquadramento esquemático, demanda-se a complexificação do olhar à comunicação,
pensada, assim, como processualidade. Estudos de Discurso
pensam a circulação social de sentido, superando a ideia de
uma produção que inaugura um conteúdo em sua totalidade e
o impõe ao social. Em perspectiva similar, os estudos de Gênero,
na linha dos estudos culturais, procuram observar como socialmente se formam “parâmetros de reconhecimento” de produtos culturais. Em relação ao jornalismo, a visada relacional
686
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
contempla a busca do leitor inserido no jornalismo, a análise da
crítica de mídia, a constituição social de abordagens e reflexões sobre o discurso jornalístico, os processos organizacionais,
institucionais e de relacionamento com pessoas de outros campos como parte do trabalho do jornalismo.
Os estudos culturais e de recepção desenvolveram a crítica à concepção limitada da participação das pessoas que
acessam os produtos culturais como receptoras passivas de
conteúdo e de formatos pré-programados de meios tecnológicos – observando que, ao contrário, as pessoas estabelecem
suas próprias significações (GOMES, 2004, p. 174). Pesquisas
com visada interacional pensam como as interações sociais
constroem a realidade, por processos intersubjetivos, que em
sociedades mediatizadas são atravessados por questões tecnológicas e midiáticas diversas. No âmbito da interface de
Comunicação e Educação, são elaboradas considerações
sobre o desenvolvimento de habilidades e competências
pela relação contínua com a mídia. Entre os estudos sobre
Tecnologias da Informação e Comunicação, encontramos
perspectivas que se preocupam com as transgressões e desvios
nos usos das tecnologias, que acabam resultando na reconfiguração de produtos existentes e desenvolvimento de outros.
Consideradas estas angulações, podemos pensar que os
processos comunicacionais estão a se realizar continuamente,
com transformações e permanências, com agregação de novidades e manutenção de características de coisas previamente
experimentadas – sendo que o pensamento linear, com a busca
de começo e fim de cadeias comunicacionais, não contempla
687
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
a complexidade destas processualidades. Podemos pensar,
igualmente, que há uma cotidianidade da presença de objetos desenvolvidos tendo a comunicação como objetivo, bem
como a cotidianidade das instituições midiáticas e “indústrias
culturais”. Esta cotidianidade nos permite questionar a ideia
de produtos controladores de circuitos comunicacionais, posto
que podemos pensar que há uma bagagem da experiência
com a mídia que participa tanto da elaboração destes produtos como do modo como eles circulam socialmente. Além
disso, se admitimos que as pessoas atuam na significação, e
se considerarmos a ação de crítica midiática (considerando-se mídia corporativa, mídias sociais e outras experiências de
‘mediação tecnológica’), podemos pensar também que fazemos coisas, o tempo todo, com a mídia e com nossos circuitos comunicacionais, convocados para a realização das mais
variadas atividades.
A reflexão a respeito dos processos comunicacionais como
sendo contínuos, sobre a cotidianidade dos objetos, instituições
e práticas midiáticas entre nós, e acerca da atividade social
sobre a mídia e sobre os circuitos comunicacionais fundamenta
a compreensão de processos de circulação que vão além
da ideia de distribuição, disseminação ou troca de produtos/
informações. Braga (2011) considera a circulação “como um
fluxo incessante de ideias, informações, injunções e expectativas que circulam em formas e reconfigurações sucessivas”.
Este fluxo interacional é abrangente e “não se manifesta como
uma ida-e-volta entre participantes” (quando o emissor fala e o
receptor devolve um retorno), mas por “um fluxo comunicacio-
688
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
nal contínuo e adiante” (BRAGA, 2011b, p.6). Esta circulação
ocorre “em processos diferidos e difusos”, envolvendo múltiplos
circuitos, que se embaralham, fazendo com que “ideias, proposições, imagens, posições polêmicas e tendências expressas” se reforcem, se contraponham, despareçam ou retornem
(2011b, p.6).
Esta circulação envolve, ainda, pela mediatização da
sociedade, uma articulação crescente aos processos de escuta
e produção centrada no receptor – com o que Braga observa
um contrafluxo, da recepção à produção: “alguma coisa
retroage, ‘modificando’ a produção a partir das expectativas
sobre sua recepção e pela repercussão destas expectativas na
configuração das falas” (idem, p. 7). Sendo a comunicação
“tentativa”, estes processos experimentais incidem sobre os
dispositivos interacionais, que são “as matrizes sociais que vão
sendo tentativamente elaboradas para assegurar a interação”
(BRAGA, 2011, p. 15).
Considerando-se a característica de “fazer coisas com a
mídia”, observamos que a circulação envolve tanto a experiência cotidiana sobre a mídia, como uma fala mais ou menos
organizada sobre esta experiência, que participa de uma
espécie de conversação dispersa, que eventualmente possibilita a manifestação de crítica, de ressignificação de conteúdos, ou o desenvolvimento de produções midiáticas e de
outros circuitos comunicacionais. Envolve, também, a disseminação de produtos midiáticos, imagens, textos, sons, vídeos
em circuitos sociais. Nestes casos, é possível que haja adição
de comentários ou transformações materiais e de conteúdo, a
689
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
reutilização, elaboração de materiais com características distintas das originais, a colocação de produtos, objetos, ideias
em circuitos além daqueles originariamente previstos – como
também o retorno deste trabalho social aos circuitos comunicacionais que os impulsionaram. Tais âmbitos da circulação
foram historicamente difusos, diluídos na experiência social.
Contemporaneamente, as redes sociais na internet têm nos
permitido observar processos de circulação singulares, que se
desenvolvem de forma associativa às características destas
redes, ao mesmo tempo acionando características de formas
de comunicação anteriores.
Algumas questões atuam na acelerada diversificação
das possibilidades de realização da circulação comunicacional e midiática. O acesso a meios tecnológicos que permitem
o registro imagético e audiovisual de aspectos da realidade,
e disponibilizam ferramentas de edição e manipulação deste
conteúdo, favorece a disseminação de uma pluralidade de
vozes e de informações sobre locais, eventos, pessoas, culturas.
A possibilidade de conexão “permanente” facilita a disseminação de conteúdos e elaboração “coletiva” de variações destes, ou criação de outros conteúdos, e também permite que
assuntos sejam continuamente comentados, que ideias e imagens fragmentadas sejam parte das sociabilidades contemporâneas, que uma ação ou evento singular sejam replicados no
mundo inteiro. Desde minha trajetória de pesquisa, uma das
questões em investigação, contemporaneamente, é a de que,
se a comunicação alternativa de resistência à ditadura nos
anos 1970 demandava a criação de outros meios de comuni-
690
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
cação (e estes meios também acabavam possibilitando a criação de circuitos comunicacionais e políticos em torno de si), as
visadas alternativas em relação aos circuitos comunicacionais
midiáticos do século XXI estão em boa medida ancoradas na
própria circulação comunicacional, a partir dos circuitos difusos criados, sobretudo, a partir da internet, redes digitais e tecnologias móveis.
A acelerada diversificação da circulação repercute no
modo como pensamos os processos comunicacionais. Entre
as perspectivas visualizadas a partir do contexto contemporâneo destaca-se a ideia de um esvaziamento da mediação
– que afetaria substancialmente o campo jornalístico, constituído como campo profissional especializado na realização da
mediação das informações entre os vários campos, entre os
cidadãos e o Estado, entre os habitantes de lugares variados.
Uma das apostas é a de que as pessoas estariam a todo tempo
envolvidas com a realização dos acontecimentos do mundo –
e não mais dependeriam da atividade de síntese de eventos,
de condensação de conteúdos, de aglutinação de falas feito
pelo jornalismo e que demandaria, assim, uma periodicidade,
um ponto temporal específico para a atividade de “se informar”. Rompidas as barreiras de tempo e espaço, esta periodicidade perderia sua justificativa, como também aquele modo
de narrar (do jornalismo) perderia espaço, em detrimento desta
experiência total do contato, conexão, circulação.
À parte algum nível de “previsão” sobre as transformações
na comunicação, observo a pertinência da demanda de tais
perspectivas teóricas para a realização de um tensionamento
691
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
aos processos comunicacionais que predominaram, com relação às instituições midiáticas, no século XX, a partir da formulação de questões sobre os contextos atuais e por análise de
casos empíricos.
Em minha pesquisa de doutoramento (KLEIN, 2012), com
o estudo do programa Profissão Repórter, observei que, em
alguns momentos, o jornalismo convoca a circulação como
parte de seus processos de constituição de produtos, aproveitando o conhecimento prévio sobre a mídia para a atualização
de sua linguagem, prevendo e contando com a realização de
atividade crítica sobre a emissão original, e com a circulação
diversa, inclusive com interferências e transgressões.
Pesquisas do campo da Comunicação apontam para a
reinserção do jornalismo nos circuitos comunicacionais mediatizados por tecnologias digitais, com transformações nas
características discursivas, na temporalidade, nas rotinas de
trabalho de seus profissionais, no tipo de proposta de vínculo
com o público. De alguma forma, os fluxos dispersos dos circuitos comunicacionais em redes digitais confluem com o jornalismo e suas características de trabalho com informações e
relação com o mundo. Minha pesquisa contemporânea tem a
preocupação de observar como se desenvolvem estas confluências, quais as relações estabelecidas entre a circulação e o
jornalismo e como elas nos contam sobre a complexidade dos
processos comunicacionais contemporâneos. Estas interrogações também nos permitem pensar sobre as continuidades e
transformações na relação do jornalismo com os acontecimen-
692
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
tos, com um tipo de discurso informativo, com as pessoas e sua
experiência no mundo.
Referências
BRAGA, José Luiz. Mediações e Mediatização. Circuitos versus
Campos Sociais. São Leopoldo: Unisinos, 2011.
______. A política dos internautas é produzir circuitos. São
Leopoldo : Unisinos, 2011b.
______. Dispositivos interacionais. Trabalho apresentado ao
Grupo de Trabalho Epistemologia da Comunicação, do XX
Encontro da Compós, na Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, de 14 a 17 de junho de 2011. 2011c.
693
Sumário
91 Acoplamentos e Reconfigurações do Jornalismo
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Demétrio de Azeredo Soster
RESUMO
A pesquisa em processo busca compreender as reconfigurações que se estabelecem na práticas jornalísticas quando
seus dispositivos, mais que vetores de midiatização, são afetados pela processualidade dessa, midiatizando-se. Ao fazê-lo,
provocam afetações tanto no âmbito dos dispositivos (jornais,
revistas, rádios, televisões, livros, sites etc.) quanto no sistema em
que se inserem, jornalístico. O foco da pesquisa, nesse momento,
recai sobre o acoplamento estrutural que se verifica entre o sistema jornalístico e o literário, e que transforma a ambos, em
uma perspectiva relacional. Denominamos esse movimento,
o diálogo entre dois sistemas, de “dialogia”, e o identificamos
como característica do jornalismo midiatizado, ao lado das já
nominadasauto-referência, co-referência, descentralização e
atorização. O recorte analítico se estabelece sobre o que chamamos de livros-reportagem e biografias de natureza jornalística. Ou seja, dispositivos cuja natureza discursiva é jornalística,
mas que se valem, em suas operações,de elementos da narrativa literária para gerar sentidos e estabelecer, assim, diferenças
que gerem diferenças.Ao fazê-lo, a) garantem sua manutenção como dispositivos do sistema jornalístico e b) fortalecem
694
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
seus traços identitários b.1) frente aos demais sistemas e b.2)
ao meio em que se insere,complexificando, dessa forma, toda
uma ecologia comunicacional.Isso se verifica, para ilustrarmos
com um exemplo, quando, nesse cenário, as fontes jornalísticas
sofrem uma mudança de estatuto e passam a ocupar o lugar
de personagens da narrativa em questão.
PALAVRAS-CHAVE: jornalismo midiatizado, midiatização,
dialogia
695
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
BLOCO B
92 A CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE CULTURAL
PIAUIENSE NA REVISTA REVESTRÉS
Afonso Rodrigues Bruno Neto
INTRODUÇÃO
Quando se fala na região Nordeste, é comum ter em mente
os elementos culturais ligados à cultura sertaneja. De fato, a
região foi construída historicamente utilizando o sertão como
critério de distinção das demais regiões do país. O Nordeste surgiu como área tipicamente sertaneja, castigada pelas secas,
terra de um povo sofrido e lutador, que encontra na devoção
e na religião um alento para os períodos de calamidade.
A identidade cultural piauiense, seguindo essa perspectiva, é, até hoje, associada quase que exclusivamente à tradição, seja por segmentos da história, seja pelas políticas culturais
oficiais. Além disso, o Piauí repetiu historicamente o discurso
vitimológico, colocando o atraso econômico, social, político,
tecnológico e cultural como suas marcas identitárias, o que
construiu uma identidade piauiense sob o estigma da inferioridade, com problemas em sua auto-estima.
696
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Ocorre que o momento em que se vive permite uma reflexão crítica a respeito das identidades culturais. Os processos
de globalização, acelerados desde a década de 70 do século
XX, permitem um maior fluxo de pessoas entre as regiões do
planeta, e isso, por sua vez, possibilita um ambiente em que
os encontros e trocas culturais são cada vez mais constantes,
gerando culturas híbridas, resultado do cruzamento entre a tradição e o moderno e entre o local e o global.
Essa discussão, do hibridismo cultural e do papel das tradições locais na sociedade global, pode ser trazida ao contexto local, com o debate sobre os novos caminhos para se
pensar a identidade cultural piauiense a partir das transformações ocorridas desde o processo de modernização da capital,
Teresina, até os dias de hoje, em especial no que toca à produção cultural.
OBJETIVOS
O objetivo desta pesquisa é analisar a identidade cultural
piauiense construída na revista Revestrés, publicação piauiense
do gênero jornalismo cultural, de periodicidade bimestral,
surgida no ano de 2012, que aborda a produção cultural
piauiense, seja nas artes, na música, no teatro ou na literatura,
e traz, ainda, a palavra de intelectuais, em artigos de opinião
e entrevistas.
Para tanto, surge a necessidade de discutir determinados conceitos referentes ao estudo das identidades no cenário
697
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
atual, como os de nação, comunidade imaginada, cultura da
mídia e tradição. Além disso, é preciso, também, contextualizar
a problemática, a partir do estudo de como a identidade cultural piauiense foi construída historicamente.
METODOLOGIA
Para atingir os objetivos a que se propõe, este trabalho
adota a técnica da análise de conteúdo categorial, de caráter descritivo e qualitativo, aqui explorada a partir dos conceitos de Bardin (1977) e Gomes (2008). Cumpre destacar, nesse
aspecto, que a análise qualitativa preocupa-se com a presença ou ausência de determinados temas nos textos analisados e segue as etapas de descrição, categorização, inferência
e interpretação, momento em que se vai além do material para
se alcançar uma discussão mais ampla, o que permite, no caso
concreto, inserir a produção jornalística no contexto histórico
e social e, a partir daí, analisar a identidade cultural piauiense
construída nas edições de Revestrés.
Cumpre destacar, ainda, que o corpus desta pesquisa são
as cinco primeiras edições da revista Revestrés, lançadas no
ano de 2012.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após a leitura das edições da revista, chegou-se a seis
categorias de análise, que são: a relação tradição/contem-
698
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
porâneo; o espaço urbano e a memória; a produção cultural
piauiense; os personagens da comunidade imaginada; a integração do local ao nacional; e, por fim, o hibridismo cultural.
Quanto à relação tradição/contemporâneo, existe, na
revista, um diálogo entre o novo e o velho, entre a tradição e
o contemporâneo, em que um não anula o outro, mas ambos
se transformam e se complementam, e fornecem material para
uma nova forma de ver a identidade piauiense.
No que diz respeito ao espaço urbano e à memória,
Revestrés fornece elementos da arquitetura e da paisagem que
remetem a lembranças capazes de despertar identificação,
construindo, assim, uma comunidade imaginada piauiense.
Uma terceira categoria da análise cuida da visibilidade
dada pela revista à produção cultural piauiense. A leitura das
cinco edições da revista sugere que o estado possui uma produção rica no campo da cultura, o que vai de encontro à imagem de atraso que marcou a identidade piauiense no século
XX.
Já quanto aos personagens da comunidade imaginada,
é recorrente em Revestrés a presença de matérias que destacam um personagem e sua história, representados a partir de
uma relação de proximidade tal que permite inferir que eles
fazem parte do imaginário popular local.
A integração do local ao nacional é uma questão cara à
historiografia piauiense, visto que o estado ressentia-se do isolamento geográfico e do abandono oficial desde o período
colonial. Observa-se, nesse sentido, em Revestrés, a presença
de mecanismos que tentam inserir o Piauí na história brasileira.
699
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A sexta categoria, que cuida do hibridismo cultural, revela-se como uma espécie de categoria central, que engloba as
demais, visto que, em todas elas, há aspectos das transformações decorrentes do encontro entre culturas diferentes, seja nas
tradições revisitadas, nas mudanças operadas pela modernização no espaço urbano, na nova produção cultural, inserida nos
grandes eixos urbanos, seja na integração do Piauí com o Brasil,
que revela, na verdade, um encontro entre o local e o global.
CONSIDERAÇÕES
Percebe-se, das análises já empreendidas, que há em
Revestrés uma tentativa de reformular a ideia de identidade
cultural piauiense. A tradição não é esquecida ou rejeitada,
mas não ocupa mais o lugar de única marca identitária da
comunidade. Ao invés disso, o Piauí é retratado como espaço
de transformações, em que convivem o antigo e o atual, o local
e o global, e nesse encontro ambos se ressignificam. Pode-se
falar, assim, em uma identidade híbrida, fragmentada, plural.
Mais do que isso, a identidade cultural piauiense encontra-se
em uma fase reflexiva e aberta.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do
Nordeste e outras artes. 2ed. São Paulo: Cortez, 2001.
700
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ALENCASTRE, José Martins Pereira de. Memória Cronológica,
Histórica e Corográfica da Província do Piauí. Teresina:
COMEPI, 1981.
ANDERSON, Benedict. Comunidades Imaginadas. São Paulo:
Companhia das Letras, 2008.
BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. Lisboa : Persona
Edições, 1977.
BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as consequências humanas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.
______. Identidade: entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2003.
CANCLINI, Néstor García. Consumidores e cidadãos: conflitos
multiculturais da globalização. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 1999.
CASTELLS, Manuel. O poder da identidade. São Paulo: Paz e
Terra, 1999.
CASTELO BRANCO, Renato. O Piauí: a Terra, o Homem, o Meio.
2 ed. São Paulo: Quatro Artes, 1970.
FEATHERSTONE, Mike. Cultura Global: nacionalismo, globalização e modernidade. 2ed. Petrópolis: Vozes, 1998.
GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole. 6ed. Rio de
Janeiro: Record, 1999.
701
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
GOMES, Romeu. Análise e interpretação de dados de pesquisa qualitativa. In: MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.).
Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 27ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2008.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de
Janeiro: DP&A editora, 2006.
HARVEY, David. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre
as origens da mudança cultural. São Paulo: Edições Loyola,
1992.
HOBSBAWN, Eric; RANGER, Terence (org.). A invenção das tradições. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia. Bauru: EDUSC, 2001.
NUNES, Odilon. O Piauí na História. Teresina: COMEPI, 1975.
QUEIROZ, Teresinha. Do Singular ao Plural. Recife: Edições
Bagaço, 2006.
SAID, Edward. O Orientalismo. São Paulo: Companhia das
Letras, 1990
SILVA, Tomaz Tadeu (Org.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
SOUZA, Paulo Gutemberg de Carvalho. História e Identidade:
as narrativas da piauiensidade. Teresina: EDUFPI, 2010.
THOMPSON, John B. A Mídia e a Modernidade: uma teoria
social da mídia. 7 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
702
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
93 Um Olhar Sobre Si: a oferta de identidades
culturais piauienses nas Caravanas Meu
Novo Piauí e TV Cidade Verde 25 anos
Leila Lima de Sousa
Quando se pensa na região Nordeste não é difícil vir à
mente a imagem do vaqueiro ou de outros símbolos que de
uma maneira geral remetam à cultura sertaneja. Isso acontece
pelo fato da região ter sido construída historicamente tendo no
sertão o critério de distinção em relação às outras regiões do
país. Por isso, quando se fala em seca, messianismo e pobreza
não é difícil que se trace um paralelo com a região nordestina.
O Nordeste foi construído no imaginário social como a
região da seca e para Antunes (2002, p. 125) a identificação
entre ambos é “perfeitamente natural e compreensível, pois
a seca foi a matriz, a “mãe” da região, aquilo que, desde o
início (finais do século passado) lhe conferiu uma identidade
própria”. As identidades nordestinas foram arquitetadas tendo
a imagem do sertão como elemento simbólico definidor, assim
elas estão ligadas às péssimas condições climáticas e sociais, à
pobreza, ao sofrimento, a luta e a fé, o forte apego à religião
como forma de creditar à natureza e à vontade divina a responsabilidade pelos problemas da região, tornando-os dessa
forma, imutáveis.
Representado na mídia nacional como uma cultura fortemente ligada às tradições, ao messianismo, saudosismo e
romantismo, o Nordeste foi inventado pelo Sul, construído pelo
703
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
olhar do “Outro”, o de São Paulo, que era tido na década de
30, como o centro econômico e político do país. São Paulo, aos
intelectuais da época, assemelhava-se à Europa e o Nordeste,
tinha uma imagem medieval, de subdesenvolvimento econômico, político e social, marcado pelo atraso em relação ao restante do país (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2006).
Com o Piauí não foi diferente. As identidades piauienses foram construídas historicamente, internalizadas e naturalizadas no imaginário social fazendo analogia à imagem do
vaqueiro, à simbologia do boi e do couro. A identidade cultural
piauiense foi construída tendo como base o determinismo econômico, devido ao período da colonização em que a pecuária
constituía a principal atividade econômica do Estado. E muito
embora hoje a pecuária já não tenha papel fundamental na
economia do Estado esta tradição ainda é muito divulgada
pela mídia local e pelos governos como forma de ofertar ao
piauiense, um lugar de identificação e perpetuar relações de
poder.
Através da ideologia da cultura sertaneja, a memória histórica do piauiense é acionada no sentido de observar estes
símbolos como autênticos representantes da identidade cultural do Piauí. É fácil perceber que ainda há um esforço de instituições, da política local e da própria mídia para enfatizar a
valorização da tradição e dos costumes como elemento definidor da identidade piauiense. Desse modo, as identidades
piauienses foram construídas tendo como pano de fundo o sentimento da nação, a comunidade imaginada que oferta aos
sujeitos a ideia de estarem aglutinados a experiências comuns,
704
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
uma espécie de “camaradagem” instituídos como verdade nas
mídias nacionais e locais e que garantem, em certa medida, a
perpetuação de tradições que já não traduzem mais a realidade (HALL, 2000a; FEATHERSTONE, 1997).
Para Souza (2010), a historiografia a partir do século XIX,
teve papel fundamental na construção, ou como propõe o
autor, na “invenção das identidades culturais piauienses”.
Foi neste período que os primeiros registros da identidade do
Estado passaram a ser descritos. As primeiras caracterizações
da província Piauí vieram com os historiadores Clodoaldo
Freitas, Abdias Neves e Higino Cunha e a interpretação que
estes fizeram “sobre as origens históricas e a colonização do
Piauí, bem como as suas explicações quanto ao atraso material e intelectual do Estado, atravessaram décadas” (SOUZA,
2010, p. 257). Assim, a identidade piauiense foi historicamente
arquitetada pelos conceitos “do abandono, do isolamento e
do determinismo geográfico para explicar o atraso material e
cultural (que teria se prolongado no tempo), tal como formularam os intelectuais-historiadores” (p.257).
Mas não foi só a história a responsável pela construção
das identidades piauienses. Também na música, na literatura,
nas artes e nas imagens midiáticas, a figura do vaqueiro e os
símbolos que remetem ao sertão aparecem como elementos
definidores da identidade do Estado. Neste sentido, as tradições locais seguem os elementos desta identidade histórica,
fato que pode ser percebido nas brincadeiras infantis, nas cantigas, nas danças e também, como apregoa Fortes Said (2003,
705
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
p. 343), na caracterização do “nome de cidades, pelo vestuário, pelas expressões de fala”.
No entanto, com as intensas modificações sociais, políticas, culturais e econômicas ocasionadas a partir da década
de 60, do século XX, através da intensificação do processo de
globalização, faz-se necessário verificar as identidades culturais
e sua constituição a partir de uma postura crítica. A globalização trouxe consigo o desenvolvimento do turismo e o barateamento e aprimoramento dos meios de transporte, fato que
possibilitou migrações e a emergência de intensos fluxos culturais, resultantes da troca e do encontro entre diferentes culturas. Podemos dizer que as culturas são cada vez mais híbridas
e resultam do diálogo entre o novo e o antigo, o tradicional e
o moderno, gerando elementos novos. Levando em consideração que o Piauí vivencia as consequências do processo de
globalização, da desterritorialização e do diálogo com diferentes identidades, partindo da concepção da identidade como
algo que é reconstruído, ressignificado e remodelado constantemente, interessa saber as particularidades ou não dos discursos da mídia local, na construção e/ou ressignificação das
identidades piauienses.
O objetivo desta pesquisa é, portanto, descrever, analisar
e mapear a oferta de elementos identitários piauienses visibilizados nos programas Caravana TV Cidade Verde 25 anos e
Caravana Meu Novo Piauí, programas especiais produzidos
pelas emissoras regionais piauienses TV Cidade Verde e Meio
Norte, que visitaram e narraram durante determinado período
de tempo a história de alguns municípios do Estado.
706
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Mas, afinal, o que são “Caravanas”? Denominados de
“Caravanas”, os programas da TV Meio Norte (Televisão regional – independente) e TV Cidade Verde (afiliada do SBT) são
compostos por uma série de matérias especiais resultantes de
um “passeio” pelos municípios piauienses. Mensalmente uma
equipe jornalística e de técnicos de ambas as Tvs, era enviada
para determinada cidade piauiense, e lá narravam a história
do local e de seus habitantes, exaltando e apresentado as
particularidades e potencialidades de cada localidade, bem
como enfocando características marcantes da população.
A caravana realizada pela TV Meio Norte foi exibida de
julho de 2009 a fevereiro de 2010 e recebeu a denominação
“Caravana Meu Novo Piauí”1 . A Caravana em questão foi produzida no momento em que a emissora começava a implantar
o seu processo de regionalização. Buscava-se naquele instante,
entre outras coisas, aproximações maiores com os espectadores do restante do Estado. Ao todo três equipes de jornalistas da
TV, jornal e Portal Meio Norte, além de técnicos, fizeram parte
do projeto. Na TV, as reportagens realizadas foram veiculadas
diariamente, uma semana por mês, nos telejornais “Agora” no
período vespertino, e “70 Minutos”, no período noturno.
1 Ressaltamos que nomenclatura do programa da TV Meio Norte
coincide com o slogan adotado pelo Governo do Estado, em peças
publicitárias que tratam de investimentos em obras de melhoria nos
municípios piauienses, exibidas nas Tvs abertas locais tanto na época
de realização da Caravana(Governo Wellington Dias, PT), como
atualmente(Governo Wilson Martins, PSB).
707
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
O programa da TV Cidade Verde foi conhecido como
“Caravana TV Cidade Verde 25 anos”, pois marcava as comemorações das bodas de prata da emissora, e teve a duração
de um ano (de janeiro a dezembro de 2011). A equipe de trabalho era formada por mais de 30 profissionais, entre fotógrafos,
repórteres de TV e portal, produtores, técnicos, cinegrafistas,
entre outros.
Os programas da “Caravana TV Cidade Verde 25 anos”
foram veiculados uma vez por mês no Jornal do Piauí (horário
do começo da tarde), que saía dos estúdios onde a TV está
localizada (cidade de Teresina, capital do Piauí) e era transmitido ao vivo de cada cidade visitada. As reportagens especiais
de ambas as Caravanas foram produzidas a partir do levantamento de informações dos municípios visitados que diziam
respeito a questões econômicas, políticas, culturais, sociais
e de infraestrutura, bem como através de entrevistas com a
população, inclusive com empresários e políticos locais. Cada
cidade escolhida foi “vivida” durante um espaço de tempo
pela equipe jornalística (mais ou menos uma semana) que fez
uso desse período para eleger os sentidos identitários de cada
cidade que mereciam ser veiculados e também para a definição de entrevistados e das histórias a serem contadas.
O corpus de análise desta pesquisa é constituído por 20
programas, 11 da Caravana Meu Novo Piauí (quantidade
total dos programas) e nove da Caravana TV Cidade Verde
25 anos (quantidade total dos programas). Por se tratar de um
número relativamente pequeno e ser possível analisá-lo dentro
do tempo que se dispõe para a realização do estudo, opta-
708
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
mos por utilizar o universo como um todo, o que caracteriza
a pesquisa como censitária, e não apenas parte deste, fato
último que caracterizaria a pesquisa por amostragem (Noveli,
2006). O recorte temporal é o período no qual foram exibidas
as Caravanas: Caravana Meu Novo Piauí, julho de 2009 a fevereiro de 2010; Caravana TV Cidade Verde 25 anos, de janeiro a
dezembro de 2011.
Esta pesquisa, que ainda está em fase de experimentação, traz uma discussão e análise dentro dos estudos de comunicação, para a necessidade de observar a influência que os
meios de comunicação e, em especial, a televisão, detêm na
formação identitária dos sujeitos. Partimos do pressuposto de
que os meios de comunicação, em especial a televisão, instituem identidades coletivas, propagam estereótipos e representações sociais. A televisão assume hoje um papel que vai
muito além de sua caracterização como um eletrodoméstico.
Ela ocupa o lugar de meio socializador, sendo grande a sua
influência na educação e na formação dos sujeitos. É por meio
do consumo midiático que os atores sociais têm contato com o
mundo que os cercam e com as identidades que com as quais
irão se identificar. Na sociedade brasileira, a influência da televisão adquire uma importância grandiosa, dado o modo como
os brasileiros incorporaram o uso dessa tecnologia de entretenimento e informação em seu cotidiano, de modo que não é
difícil ouvir falar que determinado fato só terá credibilidade se
veiculado na TV, tal como propõe o estudo de Correia e Vizeu
(2008).
709
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Nesta pesquisa, verificamos, sobretudo, as estratégias utilizadas por emissoras regionais para criar laços de credibilidade
e confiança para com o público telespectador. O público sente
nessas emissoras que é representado, cria um laço de familiaridade, um lugar de visibilidade. Ao fazer uso da cultura local,
as emissoras redefinem a identidade. Narram novas histórias,
enfatizam elementos comuns, criam espaços de intercâmbio
entre a empresa de comunicação e o público. Trata-se então
de uma estratégia que tem feito modificações no próprio fazer
jornalístico. Antes o que se percebia era uma certa distância
entre público e a programação das emissoras, os canais de
participação eram menores. Hoje, aos poucos vamos percebendo que a produção jornalística busca estar mais próxima
do público, seja através da cobertura cada vez mais interligada entre as grandes redes e suas afiliadas, de modo a oferecer espaço global/nacional (já que as emissoras nacionais e
também locais podem ser acompanhadas através de sites, em
tempo real) a acontecimentos locais ou através das próprias
emissoras regionais que buscam veicular os principais acontecimentos da região em que atuam.
Palavras- Chave: Televisão, Identidades, Piauí, Caravanas
Referências
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do
Nordeste e outras artes. 2ed. São Paulo: Cortez, 2001.
710
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
ANTUNES, Nara Maria de Maia. Caras no espelho: identidade
nordestina através da literatura. In: BURITY, Joanildo A. Cultura
e Identidade: Perspectivas interdisciplinares. Rio de Janeiro:
DP&A, 2002. p. 125-141.
CORREIA, João Carlos; PEREIRA JR, Alfredo Eurico Vizeu (org.).
A sociedade do telejornalismo. Petrópolis: Vozes, 2008.
FHEATERSTONE, Mike. O desmanche da cultura: globalização,
pós-modernismo e identidade. Tradução de Carlos Eugênio
Marcondes de Moura. São Paulo: Studio Nobel SESC, 1997.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de
Janeiro: DP&A, 2000a.
NOVELI, Ana Lucia Romero. Pesquisa de opinião. IN: BARROS,
Antonio; DUARTE, Jorge. Métodos e técnicas da Pesquisa em
Comunicação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2006.
SAID, Gustavo. Dinâmica cultural no Piauí contemporâneo. In:
SANTANA, R. N. Monteiro de (org.). Apontamentos para a história cultural do Piauí. Teresina: FUNDAPI, 2003.
SOUZA, Paulo Gutemberg de Carvalho. História e Identidade:
as narrativas da piauiensidade. Teresina: EDUFPI, 2010.
711
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
94 Identidade e Telenovela: As Representações
do Piauí na Novela Cheias de Charme
da Rede Globo de Televisão
Núbia de Andrade Viana
Resumo
Vivemos num período onde a questão da identidade se
volta não mais para uma única essência, mas para o constante
atravessamento de referências diversas, nas quais a fluidez
da comunicação garante o contato entre os mais inatingíveis
locais, causando uma desconstrução de velhas identidades,
antes pensadas como imutáveis. Mas como entender essa rede
de significados? Ainda tentamos eleger características que nos
diferenciam e, mesmo diante da rapidez das transformações,
ainda buscamos nos fixar a uma ideia de pertencimento. A
mídia é um dos lugares onde esse tipo de caracterização é praticada. Conforme Martim-Barbero (2001), a mídia surge como
um dos lugares “de onde se outorga o sentido ao processo
dacomunicação”, ou seja, um espaço que produz entendimentos. Neste caso, a mídia seria uma grande força constituidora de padrões que geram sentido.
Segundo Stuart Hall (1997), culturalmente partilhamos
valores, significados e um conjunto de práticas, portanto, podemos entender que nos são oferecidos modelos que nos fazem
712
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
inserir todas as coisas num padrão, velho, novo, feio, bonito,
bom, ruim.É importante esclarecer que esses modelos não são
imutáveis, mas essas distinções categorizadas servem para nos
diferenciarmos uns dos outros e de nós mesmos. Tudo isso é
apreendido ao longo da nossa existência e se ressignifica ao
longo da história do mundo. Não se perguntar como esses conceitos foram construídos é naturalizá-los.
Diante da problemática sobre a identidade na contemporaneidade, procuramos entender como o Piauí, que já teve
sua identidade tradicionalmente construída com base na família, na religião, tendo no vaqueiro uma figura de destaque,
se apresenta atualmente em termos simbólicos-identitários. O
estudo aqui proposto elege o Piauí como local simbolicamente
construído ou propositalmente inventado�a partir de um produto midiático, a telenovela. Dentre as novelas que já foram
apresentadas ao longo de mais de 50 anos, Cheias de Charme
(2012), é a única telenovela que destaca o estado com mais
relevância. Com o intuito de compreender como o estado é
representado por esta telenovela e quais características são
eleitas como estereótipos na constituição identitária do Piauí
nesta narrativa analisaremos a competência representacional1
da telenovela, além da constituição e variação de identidades
piauienses que aparecem na mesma.
Com 143 capítulos, a telenovela de Felipe Miguez e Isabel
de Oliveira é o objeto de estudo desta pesquisa. Sua sinopse
revela a história de três Marias, Maria do Rosário, Maria da Penha
1 A capacidade de representar da Telenovela, sua competencia
em descrever algo.
713
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
e Maria Aparecida, três empregadas domésticas, que num
golpe de sorte gravam um clipe que vira sucesso na internet.
As três tem seu sucesso atrapalhado pela cantora Chayene,
uma piauiense que já foi aclamada rainha do eletroforró e que
está com a carreira em queda. Ajudada por sua conterrânea
e empregada doméstica, Maria do Socorro, Chayene arma
diversos planos para separá-las.
Nessa pesquisa analisaremos a telenovela podendo vislumbrá-la como um objeto sociocultural capaz de revelar traços culturais da sociedade em que se projeta. A reflexão será
sobre as identidades manifestadas na amostra da telenovela.
Não trataremos de seu aspecto mercadológico ou político.
Diante das inúmeras possibilidades que o objeto empírico oferece, optamos por um que se adapte à problemática e aos
objetivos propostos.
Especificamente falando, é necessário compreender
como a identidade piauiense se configurou nessa telenovela,
quais elementos se destacam como piauiensese quais elementos novos a novela agrega às identidades do povo piauiense
sempre em constante ressignificação. Para essa análise destacamos as cenas ambientadas no Piauí, além das cenas dos
quatro personagens piauienses e das cenas em que são mencionados. Esses elementos apresentam-se significativamente
para a identificação de marcas identitárias.
Precisamente a pesquisa parte de uma problemática
geral: como a telenovela Cheias de Charme representa o Piauí
ou os piauienses? A partir daí dá lugar a perguntas mais específicas, como:
714
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
1. Quais os elementos identitários dos indivíduos piauienses construídos na telenovela?
2. Quais os estereótipos afirmados pela telenovela em
relação ao Piauí?
3. Como os personagens piauienses são construídos em
relação aos outros (sudestinos)?
A telenovela afirma estereótipos baseados nos erigidos
para o Nordeste no início do século XX, e o Piauí, como parte
dessa região, também se baseia nestes estereótipos. Alguns
deles são: a ignorância, a pobreza, o apego a tradições, a
força, a cordialidade, as comidas exóticas, o sotaque acentuado, a religiosidade. Em oposição a esses estereótipos podemos citar a aproximação com o contemporâneo, como no
caso de Chayene no quesito uso de tecnologias e moda. No
entanto, ela apresenta aspectos que caracterizam o homem
primitivo, como sua impulsividade, passionalidade e crenças
em mitos e curas populares. O Piauí que aparece é um híbrido
entre personagens de uma cidade pequena do litoral, Lagoa
de Sobradinho, e a vivência deles no Rio de Janeiro, ou seja, o
resultado da mistura entre o moderno e o tradicional.
A metodologia adotada neste estudo é análise de conteúdo categorial, que toma como ponto de partida a mensagem
e que se estrutura num conjunto de procedimentos que permite programação adequada às necessidades da pesquisa. A
análise de conteúdo pode se organizar a partir das seguintes
etapas: preparação da informação, unitarização ou codificação, categorização, descrição e interpretação.
715
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
A pesquisadora francesa Laurence Bardin (1988) é a responsável por uma estruturação do método da análise de conteúdo, dando a ele cinco fases: 1) Organização da análise; 2)
Codificação; 3) Categorização; 4) Inferência; 5) Tratamento
informático e interpretação. Na pré-análise e exploração do
material, foi decidido trabalhar apenas as cenas da novela em
que os personagens piauienses atuavam e os momentos em
que outros personagens os citavam, na tentativa de compreender a relação dual de representação, tanto a partir dos personagens, quanto da concepção que outros personagens faziam
deles. Dentre essas cenas definiu-se: as cenas de Chayenne, as
cenas de Maria do Socorro, as cenas de Rivonaldo, as cenas
de Dona Epifânia e as cenas de outros personagens falando
sobre eles.
A categorização semântica foi demarcada a partir dos
seguintes temas: patriarcalismo e cordialidade; tipo físico; cangaço; fome e seca; falta de instrução; irracionalidade ou primitivismo; religiosidade exacerbada e tradição. Em oposição a
esses temas temos os que aparecem na novela como características dos personagens do Sudeste: racionalismo, acesso
ao estudo e ao desenvolvimento tecnológico, cientificidade,
entre outros. Além desses é importante incluir categorias referentes ao Piauí baseados na cultura indígena, a cultura do
vaqueiro e a valorização da família. Dentre os conceitos que
nortearam a pesquisa estão os de identidade, de Stuart Hall
e Manuel Castells, os de cultura, de Nestor Garcia Canclini,
HommiBhabha e Edward Said, os da constituição identitária
do Brasil, com Sergio Buarque de Holanda, e sua relação com
716
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
a constuitição do Nordeste, de Durval Muniz de Albuquerque,
além da história do Piauí com Teresinha Queiroz, Claudete Dias
e Tanya Brandão.
O entendimento sobre essa provável elaboração de identidade, parte do Piauí, como um lugar simbólico construído
nacionalmente a partir da mídia. Essa foi oferecida por uma
grande emissora nacional, portanto, com maior pregnância.
No entanto, sabe-se que nenhuma identidade é fixa, são múltiplas, contraditórias, deslocadas, em constante movimento2.
Portanto o que a telenovela apresentou foi apenas um rascunho de algo que ainda se desenha e talvez não pare de ser
rabiscado nunca.
2 HALL, Stuart. A identidade Cultural da Pós-Modernidade. Rio de
Janeiro: DP&A, 2007
717
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
95 Subjetividades e telenovela: representações
midiáticas do narcisismo contemporâneo
Nina Cunha
A telenovela pertence a um gênero de ficção televisiva
seriada que apresenta uma história contada por meio de imagens, diálogos e ação. De acordo com Vassalo Lopes (2003),
a telenovela pode ser considerada um dos fenômenos mais
representativos da modernidade brasileira e objeto de estudo
privilegiado, em se tratando de cultura e sociedade. Os autores, ao produzirem enredos, mesmo que ficcionais, levam em
consideração situações reais do cotidiano, recortam histórias
da realidade brasileira, geram discussões, favorecem debates
e, assim, instigam a curiosidade do público em acompanhar os
capítulos.
A produção midiática de ficção, em geral, reflete as culturas que as produzem e consomem, abordam tendências,
hábitos, atitudes, ideias, crenças e valores. Sugerem pontos de
contestação ou, na maioria dos casos, reforçam algumas práticas sociais. O código estabelecido entre produção e público
tem que estar ao menos em sintonia, uma vez que a telenovela encontra-se subjugada a questão mercadológica, diretamente ligada à resposta da audiência.
Conforme França (2007), a telenovela ocupa importante
lugar na cultura e na sociedade brasileira, pois edifica um cotidiano na tela em estreita relação com a realidade social em
que se situa, trazendo para a construção dos personagens as
718
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
preocupações, valores e os temas que cruzam a vida dos telespectadores e despertam sentimento de identificação. É na
própria vida cotidiana que emergem os temas a serem trabalhados na ficção. Essa íntima relação entre telenovela/ sociedade e ficção/realidade tornou-se marca essencial do folhetim
brasileiro.
Os produtores de narrativas vão, de algum modo, refletindo conceitos atuais que surgem na complexidade das novas
configurações sociais para galgar a identificação (e atenção)
do público. Atualmente, há um cenário de mudanças significativas alastradas por todos os setores da sociedade: economia,
cultura, política. Tais transformações afetaram a constituição do
sujeito, que já foi encarado como centralizado e hoje é reconhecido por sua fragmentação e pluralidade. Compreendida
como um bem cultural, a telenovela no Brasil pode ser interpretada como um texto sociocultural que muito diz sobre a sociedade contemporânea e a conformação subjetiva dos sujeitos
que nela vivem.
Para Guatarri & Rolnik (1996), a subjetividade não remete
a uma posse, mas a uma construção constante, através do
encontro com o outro. Sendo este outro, o outro social, a natureza, os acontecimentos e as invenções, ou seja, tudo aquilo
que produz efeitos na maneira de enxergar o mundo. Para
estes autores, participam do processo subjetivação vários componentes, resultantes da apreensão que o sujeito realiza de
uma vasta heterogeneidade de elementos presentes no contexto social.
719
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
O sujeito, segundo Deleuze (2001), é construído continuamente de acordo com a experiência, no contato com os acontecimentos e na relação com a alteridade. O sujeito se constitui
pela ação das forças que circundam fora, e que, através de
enfretamentos, afetam e passam a circular também dentro de
si. Daí a importância do contexto sociocultural na construção
das subjetividades.
Nessa perspectiva, a subjetividade é composta e reformulada continuamente por múltiplos componentes exteriores, que
conquistam relevância coletiva e são interpretados de variadas
maneiras, de acordo com a vivência do sujeito. Embora uma
construção pessoal, a subjetividade sofre influência fundamental do contexto histórico e das configurações sociais, em um
processo concomitante de forças. Dessa maneira, para compreender a subjetividade contemporânea de maneira geral,
ou ao menos algumas de suas principais características, há de
se relevar as condições econômicas, sociais, políticas e culturais de nossa época.
Diversas esferas da sociedade vivenciam mutações,
cujas consequências, de acordo com Bauman (2001), esgarçam o tecido social, fazendo com que as instituições percam
a solidez, sendo caracterizadas justamente pela fluidez e pluralidade. A modernidade líquida (BAUMAN, 2001) seria, então, o
tempo de desapego, da efemeridade e da individualização,
responsável por acarretar uma crise no sujeito, que se apresenta cada vez mais desnarrativo e fragmentado. Ao contrário
da subjetividade moderna que se apoiava nas noções de interioridade e reflexão sobre si mesmo, a subjetividade contempo-
720
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
rânea se apoia no autocentramento e se associa, de maneira
contraditória, ao valor da exterioridade. Portanto as subjetividades adquirem um formato mais estético. As individualidades
se transformaram em objetos descartáveis e o que se sobressai
é a exaltação gloriosa do próprio eu. (BIRMAN, 2000).
Para Jameson (1997), as mudanças socioculturais da
sociedade desestabilizaram a narrativa consolidada do sujeito
de outrora, forçando emergir uma subjetividade engajada em
jogos de diferenças flexíveis, que ultrapassou o individualismo e
a rigidez da identidade burguesa, tornando-se hipernarcisística
e alienada da participação coletiva. Na visão de Lipovetsky
(2005), o descrédito dado à política e a dessindicalização trouxeram esse esvaziamento no sentido de coletividade, apresentando um sujeito que galvaniza todas as suas energias e esforços
ao redor do eu. Essa supervalorização pessoal representa o
último momento de uma sociedade que está se liberando da
ordem disciplinar e completando a privatização sistemática já
iniciada pelo consumismo desenfreado.
Um dos aspectos mais relevantes das subjetividades, que
ascendem no final do século XX, relaciona-se justamente as
características do narcisismo, responsável por inaugurar, de
acordo com Christopher Lasch (1983), um perfil inédito de
sujeito. Este sujeito, destituído do sentido de uma continuidade
histórica, seria indiferente ao passado e ao futuro, amedrontado
pela velhice e pela obsolescência do corpo. Assim, “viver para
o momento é a paixão predominante – viver para si, não para
os que virão a seguir, ou para a posteridade”. (LASCH, 1983,
p.15) Embora mediante o investimento pessoal aguçado, o nar-
721
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
cisista contemporâneo necessita do olhar do outro para validar
sua autoestima e para admirá-lo pela beleza e celebridade.
Mas ao tratar de narcisismo, não se pode deixar de lado
a pioneirismo de Freud ao desvela-lo em “Introdução ao
Narcisismo” (1914/1990). O narcisismo aparece, nesta obra,
como um estágio de auto-erotismo, correspondente a um narcisismo primário, em que a libido se agruparia no Ego. Esse direcionamento da energia libidinal para o Ego primitivo serviria de
proteção, além de fonte criadora de fantasias megalomaníacas, marcando uma etapa natural do desenvolvimento psíquico humano. Mas o narcisismo como uma metáfora para a
condição existencial humana na contemporaneidade beira a
patologia, de uma cultura consumista e midiática que aguça
fragilidades e carências e aprofunda a dependência da admiração de outrem. Esse estágio narcisístico também assume
uma característica defensiva, mediante as ameaças aterradoras apresentadas pelo mundo externo.
As telenovelas, acompanhando o cenário sociocultural
em que estão inseridas, incorporaram às suas representações a
transitoriedade das relações sociais e da constituição subjetiva
na contemporaneidade e abordam, em algumas produções,
características da sociedade atual e desse sujeito pertencente
a uma cultura de propriedades narcisistas, pautada no consumo, na presença maciça da mídia e na economia capitalista.
Foi o que se constatou nas representações exibidas pelas telenovelas da Rede Globo, sobretudo do horário das sete horas,
em que o apelo temático circunda principalmente temas atuais. Os personagens, sobretudo os antagonistas, demonstram
722
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
características que remetem ao sujeito narcisista, com direcionamento para a consagração do próprio eu, imerso em todas
as implicações sociais requeridas para este expediente.
A escolha se deu porque o enredo das telenovelas das
sete, além do atributo da atualidade, geralmente envolve o
atributo da comédia. Com pitadas de humor e exagero dramático revelam, através de sátiras e deboches, aspectos importantes da sociedade brasileira. Diante do exposto, procura-se
discutir como a telenovela, que se propõe a retratar ficcionalmente recortes da realidade, representa a subjetividade contemporânea, sobretudo acerca das questões que circundam
o narcisismo? Utilizando, para este fim, cenas de personagens e
as respectivas relações estabelecidas com os “outros” sociais,
dentro do construto ficcional da produção televisiva.
De início foram escolhidas as duas últimas novelas veiculadas pela emissora no horário das sete horas, “Cheias de
Charme” e “Sangue Bom”, excluindo “Guerra dos sexos” que
se configura em um remake1 . As novelas selecionadas apresentam como núcleo central o mundo dos famosos e das celebridades, a primeira através da música e a segunda de moda
e televisão, ambas envoltas pelo espetáculo midiático e de
consumo.
No entanto, por conta do caráter inicial da pesquisa, os
materiais ainda estão sendo coletados, enquanto se solidifica a
construção teórico-metodológica. Para análise das peças será
utilizada “análise textual”, que pode ser compreendida como
1 Nova versão, refilmagem de antigos clássicos da teledramaturgia
brasileira. Guerra dos Sexos foi exibida pela primeira vez em 1984.
723
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
um processo auto-organizado de edificação interpretativa, em
que novos entendimentos surgem através de uma sequencia
composta por três fases: a desconstrução dos textos do corpus; o processo de categorização, através do estabelecimento
de relações entre os elementos averiguados e, por fim, a compreensão emergente da interpretação. (MORAES, 2003) Esse
método visa o entendimento criativo e detalhado do objeto
a ser pesquisado, de acordo com aprofundamento intenso
do referencial teórico utilizado para analisar o texto (entenda-se por texto qualquer produção cultural passível de ser lida,
interpretada).
Esta pesquisa, que ainda dá seus primeiros passos, lança
um olhar sobre a comunicação em dois eixos: mídia e processo
comunicativo. O primeiro focalizando o conteúdo da produção
dos meios, de acordo com as estruturas socioculturais. Os textos
não podem ser analisados dissociados de uma análise cultural dos processos sociais e das complexas práticas imbricadas
neste. A telenovela passa a ser entendida, enquanto produto
midiático, relacionada com outras instituições da sociedade e
interessa compreender como essa interação reflete no seu próprio conteúdo.
No segundo, o viés comunicacional engloba o estudo
das subjetividades contemporâneas, uma vez que a construção subjetiva, ainda que em uma representação ficcional,
prescinde da relação de trocas simbólicas e linguísticas com a
alteridade, tratando-se, assim, de um processo comunicativo/
relacional. Além disso, nesta circunstância de edificação subjetiva do sujeito contemporâneo, em muito colabora o diálogo
724
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
estabelecido com a potencialidade comunicativa apresentada pelos próprios meios de comunicação de massa.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. 1ed. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2001.
BIRMAN, Joel. Mal estar na atualidade: a psicanálise e a novas
formas de subjetivação. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2000.
DELEUZE, Gilles. Empirismo e Subjetividade: ensaio sobre a
natureza humana segundo Hume. São Paulo: Editora 34, 2001.
FRANÇA, Vera; SIMÕES, Paula Guimarães. Telenovelas, telespectadores e representações do amor. ECO-PÓS- v.10, n.2,
julho-dezembro 2007, pp. 48-69.
FREUD, Sigmund. Sobre o narcisismo: uma introdução. In:
FREUD, S. Edição Standard brasileira das obras psicológicas
completas de Sigmund Freud. v.14. Rio de Janeiro: Imago,
1990.
GUATTARI, Félix. ROLNIK, Suely. Micropolítica: cartografias do
desejo. Petrópolis: Vozes. 1996.
JAMESON, Frederic. Pós-Modernismo: a lógica cultural do
capitalismo tardio. São Paulo: Editora Ática, 1997.
725
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
LIPOVETSKY, Gilles. A Era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Barueri: Manole, 2006.
LOPES, Maria Immacolata Vassalo. Telenovela brasileira: uma
narrativa sobre a nação. Comunicação & Educação, São
Paulo, v. 1, n. 26, p. 17-34, 2003.
MORAES, Roque. Uma tempestade de luz: a compreensão possibilitada pela análise textual discursiva. Ciência & Educação,
v. 9, n. 2, p. 191-211, 2003
726
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
96 Televisão e educação: reflexões
sobre o uso da televisão na escola
Jucieude de Lucena Evangelista
Márcia de Oliveira Pinto
Maria Soberana de Paiva
O presente texto pretende apresentar algumas reflexões
acerca da relação estabelecida entre os meios de comunicação e a educação. Elas foram elaboradas a partir de resultados
obtidos no projeto de iniciação científica intitulado A Televisão
na Escola1. A pesquisa foi desenvolvida entre os anos de 2009
a 2012, envolvendo nos dois primeiros anos professores e alunos do ensino médio, respectivamente, da Escola Estadual Prof.
Abel Freire Coelho do município de Mossoró – RN. No último ano
a pesquisa envolveu também as famílias dos estudantes pesquisados nesta escola. Utilizamos uma metodologia de pesquisa
quantitativa, baseada na aplicação de questionários estruturados, que abordaram as formas de apropriação da televisão
por parte dos sujeitos e como eles percebiam esse meio como
espaço de formação e socialização.
1 O projeto A Televisão na Escola foi desenvolvido nos anos de
2009 a 2012 com o apoio do CNPq. O projeto é vinculado ao Grupo
de Pesquisa em Comunicação, Cultura e Sociedade – GCOM do
Departamento de Comunicação Social em parceria com o Grupo
de Pesquisa do Pensamento Complexo – GECOM, da Universidade
do estado do Rio Grande do Norte-UERN.
727
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Entendemos a educação como um fenômeno social complexo que não se inicia nem se encerra na escola, que envolve
diferentes espaços e processos de formação e de socialização, portanto, não se apresenta apenas de maneira formal,
mas também não-formal. Deste modo, abordamos as relações
entre comunicação e educação considerando basicamente
três espaços de socialização em que ocorrem os processos
educativos: a escola, a família e os meios de comunicação.
Dentre os meios de comunicação, elegemos a televisão como
objeto particular de nossa pesquisa por conta de sua ampla
penetração social, que a coloca no lugar de principal meio de
informação e de entretenimento entre os brasileiros.
Ao consideramos a presença da televisão na escola, não
a concebemos apenas a partir da apropriação de alguns de
seus conteúdos específicos como suporte aos conteúdos curriculares. Consideramos também as interações que podem ser
estabelecidas por meio da assistência televisiva comum entre
professores e estudantes, através de programas como telejornais, telenovelas e filmes, entre outros, que integram o cotidiano desses sujeitos fora do ambiente escolar. Nossos dados
revelaram, porém, que as abordagens em relação ao uso da
televisão na educação formal, não buscam as aproximações
entre a escola e os meios de comunicação como espaços de
formação e de socialização. Conforme 88% dos professores
pesquisados, suas aulas seguem prioritariamente as recomendações do livro didático, salvo algumas contribuições pessoais
de cada docente.
728
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Ao serem indagados sobre a utilização de conteúdos
televisivos em sala de aula, 65% dos professores investigados
demonstraram que acreditam que eles tanto podem ajudar
como podem atrapalhar a prática do ensino e a aprendizagem dos alunos. Dados que não correspondem as expectativas de 83% dos estudantes pesquisados, que afirmaram que a
utilização dos conteúdos televisivos em sala de aula poderiam
ajudar no seu aprendizado. Fato também admitido pelas famílias dos estudantes, pois 79% dos pais acham que a televisão e
seus conteúdos podem ajudar seus filhos na escola.
Entendemos que a televisão além de atuar como agente
de informação e entretenimento, ela também desempenha
papel formador, independente das instituições legitimadas
para tal, família e escola. Ela transmite valores sociais e padrões
de comportamento, que podem contribuir diretamente sobre
a construção do universo de saberes e visões de mundo. Por
outro lado, há a tendência por parte da escola de rechaçar os
conteúdos televisivos de modo geral, estabelecendo a incomunicabilidade entre esses espaços. Esta perspectiva é construída
com base em alguns estereótipos atribuídos à televisão: 1) A TV
é encarada por alguns professores como inimiga da educação
formal, pois transmite conteúdos nocivos para a educação dos
jovens; 2) A TV é espaço do não-sério, com conteúdos que vão
de encontro com matérias e assuntos pedagógicos; 3) Cabe
exclusivamente à escola a função de educar (GOMEZ, 2008).
A freqüência e o tempo que os sujeitos pesquisados destinam à televisão nos levam ao entendimento de que é importante estabelecer pontos de interação entre o saber escola e a
729
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
cultura midiática. Nossos dados revelaram que 85% dos alunos
pesquisados assistem televisão todos os dias da semana, 36%
deles afirmaram passar de uma a duas horas diárias em frente
à TV, 27% disseram ficar entre três a quatro horas, 17% entre
quatro e cinco horas e 20% afirmaram que passam seis horas
ou mais em frente à televisão. Esses números são expressivos
considerando que, do total dos sujeitos, 64% dedica três horas
diárias ou mais à televisão, se compararmos ao tempo gasto
na escola, que é de quatro a cinco horas diárias. A partir da
variável tempo, entendemos que a televisão pode ocupar um
espaço tão importante quanto a escola no cotidiano desses
estudantes, pode inclusive substituir outras atividades de lazer e
horas que seriam dedicadas a tarefas escolares.
Não propomos aqui uma inserção intensa da televisão
na sala de aula. Mas acreditamos que uma postura diferente
em relação à televisão possa favorecer a aproximação entre
os conteúdos curriculares e a cultura midiática, contribuindo
para aproximar também a educação escolar do cotidiano.
Esta aproximação poderia também despertar ainda um olhar
mais curioso e instigador sobre a televisão, além possibilitar que
os estudantes estabeleçam suas próprias conexões e reflexões
entre o espaço escolar e o espaço midiático.
Estamos pensando a televisão na sua relação com a educação, para além do seu uso instrumental, ou seja, para além
de um suporte ou de uma ferramenta pedagógica destinada
à transmissão de um determinado conteúdo. Pensamos na sua
apropriação cotidiana como meio de informação e de entretenimento fora do ambiente escolar, por parte de estudantes
730
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
e professores. A sala de aula aparece como espaço em que
ocorrem fluxos derivados de outros espaços e que possibilita
pontos de contato e cruzamentos entre esses fluxos.
Deve-se atentar [...] para o fato de ocorrer,
hoje, na escola o cruzamento tanto das manifestações vinculadas ao discurso pedagógico
formal – questões curriculares e de conteúdo
mais específicos das disciplinas, por exemplo –
como também das estruturas discursivas que,
pelo menos na aparência, não fazem parte
dos programas levados a termo pelos docentes
e onde podem ser incluídas as linguagens da
comunicação e das novas tecnologias.
[...] a sala de aula ganhou a condição de lugar
onde ocorre ainda que de forma nem sempre
visível e sistemática – uma complexa intersecção de ordens discursivas diversas e não necessariamente ajustadas ou complementares
(CITELLI, 2000, p. 17-18).
Assim, a televisão está presente na escola através de
diversos ícones e produtos da cultura midiática, que aparecem
estampados no material escolar, nas brincadeiras com bordão
engraçado do personagem da novela, da notícia sobre corrupção que faz o adolescente dizer que não gosta de política,
enfim, a cultura dos meios de comunicação permeia o universo
731
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
escolar de muitas formas, estão lá em potência, mas dificilmente
são problematizados ou considerados pelos educadores.
Buscamos assim, refletir sobre a problematização das mensagens televisivas no ambiente educacional. Sabemos que a
lógica da produção simbólica da televisão atende principalmente à lógica do espetáculo e da superficialidade. A televisão explica muito pouco, não mostra os fatos contextualizados,
mas oferece respostas prontas e imediatas. Então, como se
apropriar positivamente desse aspecto das mensagens televisivas? Acreditamos que o professor pode aproveitar as lacunas
deixadas pela televisão e preenchê-las, mostrar que a explicação pronta e os fatos, geralmente descontextualizados, são
partes de processos sociais, históricos, econômicos, culturais,
naturais, enfim, que são mais complexos que o relato circunstancial de um telejornal, por exemplo. Assim, é possível re-significar um aspecto negativo e estimular uma nova experiência de
recepção e novas posturas em relação à televisão.
O processo de recepção inicia antes de estarmos diante
da televisão e se desdobra após o contato direto com suas
mensagens, pois o impulso para assistir a televisão tem relação
direta com formas rotineiras de passar o tempo que são uma
expressão da maneira como aprendemos a ser telespectadores (GOMEZ, 2008, p. 67).
Para Masetto (2000), a utilização das tecnologias no processo de ensino, tendo o professor como motivador da aprendizagem, constitui uma verdadeira ponte entre o aprendiz, o
professor e novas formas de ensinar e de aprender. O diálogo
estabelecido com as tecnologias de comunicação e a cul-
732
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
tura midiática se torna assim um importante mecanismo para o
desenvolvimento dessas novas formas de ensino e de aprendizagem. Através da TV, além de outros meios de comunicação
e diferentes linguagens, o estudante completa seu mundo de
informações e conhecimentos:
[...] o aprendizado das gerações atuais se realiza pela articulação dos ensinamentos das instituições tradicionais da educação [...] com
os ensinamentos das mensagens, recursos e
linguagens midiáticos. A educação contemporânea está vivendo um conjunto de transformações que influenciam a natureza de nossas
relações pessoais e sensibilidade e, consequentemente, passam a condicionar as instituições
que regulam nosso aprendizado, nossa formação cognitiva, afetiva, psicológica, portanto,
nossas percepções sobre o mundo. (SETTON,
2010, p.24).
Pensando o espaço da família nesse contexto complexo,
a partir de nossa pesquisa, observamos que cem por cento dos
pais concordam que os conteúdos veiculados pela televisão
exercem influência na formação dos seus filhos, pois transmite
visões de mundo, estilos de vida e informações que os jovens
também tomam como referência. Porém, este entendimento
não corresponde à atenção dada ao conteúdo televisivo que
seus filhos têm acesso. Metade dos pais afirma ter atenção ao
que os filhos assistem na TV, mas afirmou também que não pro-
733
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
cura manter diálogo sobre os conteúdos televisivos de interesse
deles. Por outro lado, 21% dos pais afirmam não se preocupar
com o tipo de conteúdo que seus filhos assistem na TV, pois
considerando que são adolescentes, já teriam maturidade suficiente e não necessitam de nenhum tipo de orientação em
relação ao que assistem na televisão. Diante disso levantamos
a questão: como a escola pode mediar a relação entre os educandos e a televisão quando a própria família não participa
desse processo? A família não pode abster-se de seu papel formador, nem a escola pode assumir sozinha esse papel. A família
e a escola realizam papéis diferentes no processo de formação
de crianças e jovens, e esta relação é ainda mais complexa
porque, juntamente com elas estão os meios de comunicação, produzindo, reproduzindo e transmitindo valores e saberes
que podem ser ao mesmo tempo conflitantes, concorrentes e
complementares.
Percebemos que nem a família, nem a escola estão preparadas ou apontam para um caminho que busque o diálogo
com a cultura midiática ou a problematização dos meios de
comunicação em seu cotidiano. Atualmente, a preocupação
maior de famílias e instituições educacionais está direcionada
às novas tecnologias articuladas em torno da internet. As famílias se preocupam com a quebra das fronteiras entre o espaço
público e o espaço do lar, que já não garantem mais proteção quando os filhos estão conectados à internet. A escola se
ocupa com a inserção das novas tecnologias – ou novas “ferramentas” – para otimizar os processos de “transmissão” dos conteúdos curriculares. Mas indagamos: como lidar com as novas
734
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
tecnologias de comunicação, se não aprendemos a lidar com
os meios mais antigos? Acreditamos que o problema é cumulativo. A televisão nunca alcançou um status verdadeiramente
positivo na relação com a educação familiar e escolar, ela foi
predominantemente instrumentalizada ou rechaçada, mas
não compreendida como fenômeno cultural. Nunca aprendemos a desenvolver uma experiência reflexiva sobre a televisão,
aprendemos apenas a usá-la, assim como as novas tecnologias.
Assim, escola e família também têm dificuldade de desenvolver
usos e estabelecer diálogos mais produtivos com a televisão. É
necessário um exercício recursivo, na medida em que exercitamos uma nova relação com a televisão, exercitamos também
a reflexão sobre ela, ao mesmo tempo que a reflexão sobre a
televisão constrói com ela uma nova relação.
REFERÊNCIAS
DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio. Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação. 2ed. São Paulo: Atlas, 2009.
FAUSTO NETO, Antonio. Ensinando à televisão. João Pessoa:
Editora Universitária/UFPB, 2001.
GOMEZ, Guillermo Orozco. Professores e meios de comunicação: desafios, estereótipos. Comunicação & Educação. Brasil,
v. 3, n. 10, 2008. Disponível em: http://www.revistas.univerciencia.org/index.php/comeduc/article/view/4368/4078. Acesso
em 03 mai. 2010.
735
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
MASETTO, Marcos T. Mediação pedagógica e o uso da tecnologia. In: MORRAN, José Manuel; MASETTO, Marcos T.; BEHRENS,
Marilda. Novas tecnologias e mediação pedagógica. São
Paulo: Papirus, 2000.
MARCONDES FILHO, Ciro. Televisão. São Paulo: Scipione, 1994.
MARTÍN-BARBERO, Jesus. Dos Meios às Mediações: comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2003.
MORIN, Edgar. A cabeça bem feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
SETTON, Maria da Graça. Mídia e educação. São Paulo:
Contexto, 2010.
736
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
97 Direito à informação em emissora pública de
comunicação: análise do telejornal Repórter Brasil
Davi Lopes Gentilli
A construção da cidadania no Brasil passou por diversos
momentos de disputas. Um desses campos dessas disputas é
o da comunicação social. Em nossa pesquisa, resgatamos as
conceituações clássicas acerca da cidadania e da construção
dos direitos. Fazemos um paralelo do desenvolvimento histórico da cidadania e do jornalismo. Percebemos que os valores atribuídos à prática do jornalismo, ao longo da sua história,
determinaram a sua interface com o Estado e as demandas de
direitos que tangem essa prática, culminando no que conhecemos hoje como o direito à informação.
O direito à informação é um direito que pode ser considerado tanto como direito civil como direito social. Direito civil num
sentido que proclama a liberdade do câmbio de informação
sem empecilhos para que os demais direitos possam ser efetivados e para a realização da democracia. Ou social quando
implica a obrigação de o Estado difundir informações públicas originadas em si que permitam o cidadão de se informar
acerca daquilo que intermedeia sua relação com o Estado.
O nosso trabalho buscou verificar se o telejornal Repórter
Brasil, da TV Brasil, atende aos princípios do direito à informação.
Fizemos um histórico das televisões públicas no Brasil chegando
a formação da Empresa Brasil de Comunicação – empresa
737
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
pública que opera a TV Brasil – discutindo as diferentes perspectivas acerca da comunicação pública.
O que nos levou a eleger o Repórter Brasil como objeto de
análise é o fato de ser um telejornal novo emitido por uma televisão pública nacional, a TV Brasil. Percebemos que as determinações econômicas que sofrem os veículos de comunicação
comercial são a origem de seus problemas e das determina
como é realizado o seu jornalismo. Discutiremos o jornalismo
em veículos públicos de comunicação em vistas a pensar as
possibilidades de um jornalismo diferente para a realização do
direito à comunicação.
As perspectivas dos estudos que abordam a comunicação
pública, em grande parte, a considera a partir da mediação cultural que ocorre por meio da comunicação eletrônica devido
ao seu papel econômico de produção e circulação de bens
culturais audiovisuais. Perspectivas que abordam mais especificamente o jornalismo, geralmente, pensa o jornalismo público
como uma alternativa à comunicação privada, pautando
temas ignorados pelos veículos comerciais, ou abordando os
mesmos assuntos a partir de uma perspectiva diferente. A questão que nos colocamos é que a comunicação pública, dessa
forma, se colocaria simplesmente complementar, acrescentando pautas e perspectivas faltantes no jornalismo dos veículos
de mídia predominante. Nosso ver, entretanto,não enxerga o
jornalismo do veículo público por meio de um papel político de
contraposição ou complementarização do jornalismo comercial, mas como uma forma de conhecimento do mundo por
meio de procedimentos jornalísticos alimentado pelos aconte-
738
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
cimentos cotidianos. O veículo público, portanto, tem a relevância por ser, potencialmente, um veículo que dá condições
para que a prática do jornalismo se dê livre das determinações
econômicas inerentes aos veículos privados de comunicação.
Por sua configuração comercial, esses veículos, por um lado
reproduzem uma lógica ideológica de produtividade nas redações que impedem a reflexão necessária na prática jornalística,
por outro atuam deliberadamente defendendo seus interesses
econômicos.
Palavras-chave: Jornalismo, Cidadania, Direito à informação,
Telejornal, Repórter Brasil.
739
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
98 Crime sem castigo: questões de gênero na
imprensa brasileira: o caso Roger Abdelmassih
Lieli Loures
Pensar a comunicação como um direito fundamental
para garantia de outros direitos humanos, em especial, os direitos das mulheres. Este é o pano de fundo da pesquisa que aqui
se apresenta. O caminho escolhido para esta reflexão foi a
análise do discurso da imprensa na cobertura de casos de violência de gênero que, na definição do Artigo 5º do código Civil
Brasileiro, é entendida como qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico,
sexual, moral, patrimonial ou psicológico à mulher, tanto no
âmbito público como no privado. A violência de gênero é uma
manifestação de relações de poder historicamente desiguais
entre homens e mulheres. O corpus da pesquisa é a cobertura
do caso Roger Abdelmassih, médico especialista em reprodução in vrito, condenado por estuprar várias de suas pacientes.
Antes de dar continuidade a descrição do trabalho, cabe
ainda definir o conceito de gênero, introduzido na academia
durante na metade da década de 70, nos Estados Unidos.
Nas palavras de Gayle Rubin, antropologa norte americana a
quem se atribui a origem do conceito, o sistema sexo/gênero
é um conjunto de arranjos através dos quais uma sociedade
transforma a sexualidade biológica em produtos da atividade
humana, e na qual estas necessidades sexuais transformadas
são satisfeitas (RUBIN, 1975). A estrutura do pensamento de
740
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
Rubin encontra origens no pensamento marxista. Ao entender
o sexo como uma matéria-prima, Rubin isenta-o de questionamentos a respeito do seu caráter construído sócio-culturalmente. No vocabulário feminista, a categoria biológica “sexo”
foi substituída pelo “gênero”, que abarca toda divisão social
estabelecida entre o masculino e o feminino. Na nossa cultura
existe uma gama de símbolos que nutrem um repertório heterogêneo para homens e mulheres. São conceitos normativos,
socialmente reproduzidos e cultivados que vão sendo naturalizados e ajudam a perpetuar relações desiguais de poder.
As relações desiguais de poder entre os gêneros permeiam
a estrutura de nossa sociedade e o jornalismo não está isento.
Propomos a investigação do discurso da imprensa nos casos
de violência de gênero, por considerá-lo o principal elemento
de negociação entre as práticas comunicacionais e a cultura.
Entendemos que ao tornar público os casos de agressões contra mulheres, a imprensa se vale de um discurso que, em última
instância, culpa a mulher pela agressão sofrida. Entendemos
ainda que tal discurso só é passível de sustentação se encontrar respaldo na cultura. É justamente no nó entre a cultura e a
comunicação que localizamos o espaço para reflexão sobre
a responsabilidade e a possibilidade que o discurso jornalístico
encontra de interferir nas estruturas sociais.
Entendemos que a informação numa sociedade de massa
é fundamental para a ampliação da democracia, afinal, é
também no espaço midiático que os cidadãos adquirem o
conhecimento necessário para o exercício de seus direitos civis,
sociais e políticos. Devido à tal importância, chama a atenção
741
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
o modo como a imprensa brasileira cobre os casos de violência de gênero. Enquadrando a questão em cadernos como
‘Cidade’, ‘Policial’, ‘Cotidiano’ as reportagens, geralmente,
reduzem a violência contra mulher ao recinto doméstico ou às
relações pessoais, negligenciando o caráter social que é inerente à questão. Para exemplificar o problema, destacamos
dados apresentados no relatório ‘Progress of the world’s women
2011-2012: in pursuit of justice.’, divulgado em julho de 2011 pela
Onu, que mostram que “a violência doméstica é proibida em
125 países, apesar disto, 603 milhões de mulheres ainda vivem
em países onde esta forma de violência não é considerada
crime. No Brasil, segundo dados coletados a partir da aplicação da Lei Maria da Penha, entre 2008 e 2012, 15.889 homens
foram presos pela prática de violência doméstica. Seria interessante pensar quanto isso representou para os cofres públicos (tanto no que se refere ao gastos com sistema judicial e
penitenciario, quanto ao que se refere aos gastos no sistema
público de saúde para as vítimas das agressões). Ao invés de
tratar o problema por este angulo, vemos a imprensa encerrar
a questão no âmbito doméstico, tratando-a preferencialmente
sob a ótica do espetáculo, como ocorrido no caso do goleiro
Bruno ou, nem isto, como no caso Roger Abdelmassih.
Repensar as escolhas jornalísticas quando o assunto é violência de gênero pode significar o questionamento de uma
estrutura patriarcal e machista em prol do debate mais plural. O
autor Victor Gentilli (2005) coloca o jornalismo como instrumento
para a construção da cidadania quando aponta o direito à
informação como sendo crucial para a consolidação da demo-
742
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
cracia de massa. Nesse sentido, pensar o imbricamento entre a
comunicação de massa e a construção da imagem feminina
é repensar a construção do conceito de cidadania, uma vez
que a igualdade, premissa básica da democracia, pressupõe o
nivelamento das desigualdades. Como democracia de massa,
o autor define o usufruto dos direitos sociais pela população,
pelo cidadão comum, derrubando a ideia de um ser humano
genérico e hipotético. Ele explica que os direitos sociais fazem
surgir “personagens como sujeitos de direito: o trabalhador, a
mulher, a criança, o idoso, o doente, o d eficiente físico, o consumidor” (GENTILLI, 2005, p. 105).
Parece-nos impossível pensar a evolução dos direitos civis, sociais e políticos excluindo o peso que a informação teve e tem neste processo. Apesar do jornalismo não
ser um campo da ciência, Gentilli ressalta que o jornalismo
enquanto campo de mediação é de valor singular para cientistas e historiadores (GENTILLI, 2005, p. 9). Nesta perspectiva,
consideramos a análise do discurso da imprensa na cobertura da violência de gênero uma possibilidade de verificar
sua contribuição para a construção da cidadania – especificamente no que diz respeito à posição social da mulher.
Para pensar a estrutura narrativa que pauta as coberturas da
imprensa utilizaremos como referencial teórico a Análise Crítica
do Discurso, além da bibliografia feminista sobre o tema e autores relevantes do campo da comunicação. O autor Teun A.
Van Dijk (2008) nos fala das posições ideológicas embutidas no
discurso da imprensa que, em última análise, refletem o pensamento hegemônico e os valores exaltados pelo senso comum –
743
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
conceito este que será trabalhado a partir da definição de script
do autor. A relação entre a linguagem e o posicionamento ideológico é inevitável para Van Dijk. Reproduzindo suas palavras,
“uma abordagem discursiva analítica é apropriada porque a
maior parte da manipulação, como nós entendemos essa noção,
desenvolve-se através da fala e da escrita” (DIJK, 2008, p. 234).
Esta pesquisa em nível de mestrado encontra-se acolhida no
Programa de Pós-Graduação em Comunicação (PPGCOM)
da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da Universidade de
São Paulo (USP) cuja área de concentração são os “Estudos dos
meios e da produção mediática”. Tal área abarca a linha de
pesquisa “Informação e mediações nas práticas sociais”, que
estuda os processos de produção, difusão e recepção da informação no universo midiático, sob a perspectiva dos valores da
cidadania, ética e interesse público, com ênfase nos vetores da
produção da narrativa jornalística (percepção e reconstrução
discursiva da realidade). Voltada à compreensão da comunicação noticiosa, ao estudo das relações éticas na construção
dos produtos informativos, à reflexão sobre a informação como
direito fundamental do cidadão, esta linha também inclui o
debate entre o discurso hegemônico e o alternativo.
Palavras-chave: Jornalismo, Roger Abdelmassih, Violência
de gênero, Feminismo, Análise do Discurso, Informação e
Cidadania.
744
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
99 Interação entre jornal e
leitor: regramentos, estratégias discursivas e silêncios
Viviane Borelli
Resumo
A pesquisa “A dinâmica das interações entre produção e
recepção nos jornais do Rio Grande do Sul”1 analisa as estratégias discursivas utilizadas por seis jornais do interior gaúcho na
busca de vínculos com seus leitores e de ampliação do contato para além da materialidade do jornal. Os jornais estudados são: A Razão e Diário de Santa Maria (Santa Maria, RS),
Pioneiro (Caxias do Sul, RS), Gazeta do Sul (Santa Cruz do Sul,
RS), O Nacional (Passo Fundo, RS) e A Plateia (Sant’Ana do
Livramento). São analisados os protocolos e as estratégias discursivas utilizadas pelos jornais para ampliar seu vínculo com
os leitores. Descreve-se ainda como e de que forma os leitores contatam o seu jornal por meio das redes sociais e dos
portais. Em termos metodológicos, foram analisados os jornais
impressos, a publicação de conteúdo nos dispositivos digitais
e entrevistados editores e jornalistas. Para interpretação e análise dos dados utiliza-se a semiologia dos discursos sociais que
permite análise do contexto em que esses discursos são oferta1 Com apoio financeiro do Governo do Estado do Rio Grande do Sul
por meio da Fapergs (PqG 2011/2013).
745
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
dos, buscando marcas dos processos de produção de sentidos.
A pesquisa desenvolve-se no contexto de uma sociedade em
processo de midiatização em que há um novo redimensionamento das práticas sociais em função dos processos midiáticos
e é nessa ambiência que novos processos de interação são travados entre os jornais e seus leitores. A pesquisa contribui para
pensarmos as mutações no jornalismo para além da questão
estrita da técnica ou da tecnologia, mostrando também que
estratégias os ‘jornais do interior’ desenvolvem para dar conta
da convergência tecnológica, da perda de leitores e da sociedade em processo de midiatização.
746
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
100 Construção discursiva do feminino marcado
por racialidades em revistas femininas e
processos de subjetivação de mulheres negras
Erly Guedes Barbosa
A pesquisa propõe-se a discutir os processos de interpretação, leitura e apropriação por mulheres negras do Rio de
Janeiro dos discursos jornalísticos das revistas de comportamento direcionadas para mulheres Claudia e Marie Claire.
Estudar os processos de consumo mediático, leitura e
apropriação a partir de uma perspectiva de gênero e de raça
implica conhecer como e por que as mulheres negras se aproximam das revistas femininas nas quais o discurso preponderante é carregado de estereótipos, em que contexto leem suas
mensagens, de que forma essa leitura/recusa/reelaboração
acontece.
Portanto, entende-se a comunicação como um processo
de interação em que a interlocutora tem a possibilidade de dar
novos sentidos ao texto de acordo com seu universo cultural
ou reiterar os sentidos propostos nesses discursos. Essa perspectiva de estudo oferece as bases necessárias ao desenvolvimento desta investigação, que busca entender a) como se dá
a produção de sentidos pelo público feminino negro a partir
dos discursos mediáticos excludentes, e b) como esses discursos podem influenciar nos processos de subjetivação dessas
mulheres.
747
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
O que é uma revista afinal? Tentando responder a esta simples, mas instigante pergunta, Marília Scalzo (2008, p. 11) afirma:
“Uma revista é um veículo de comunicação, um produto, um
negócio, uma marca, um objeto, um conjunto de serviços, uma
mistura de jornalismo e entretenimento”. E avisa: “Nenhuma das
definições acima está errada, mas também nenhuma delas
abrange completamente o universo que envolve uma revista
e seus leitores”.
As revistas femininas brasileiras adotam uma política de
silêncio e estereotipia em relação a mulheres negras, forjando
um discurso fundado no mito da democracia racial e na ideologia do branqueamento. Observam-se duas principais estratégias discursivas engendradas pelas revistas em relação às
mulheres negras especificamente: por um lado, esboçam o
perfil da mulher ideal ou padrão de normatividade a partir de
associações que tendem a homogeneizar o gênero feminino e
reservar a mulheres negras o território do não-dizível; por outro
lado, configuram os valores, aptidões, possibilidades, comportamentos, desejos e modelos dessas mulheres, inserindo-as nas
fronteiras do dizível somente por meio de estereótipos. Entender
como mulheres negras se apropriam dos discursos dessas revistas é compreender de que forma essa leitora se percebe no
mundo, de quais recursos se utiliza para funcionar nesse mundo
e qual a relação entre essa visão de si e os discursos midiáticos.
Interessa nesse estudo entender, ainda, como se dá o
diálogo entre discursos atravessados pelo racismo e sexismo
engendrados mensalmente pelas/nas revistas femininas e as
representações de mundo que as leitoras negras configuram
748
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
em outras tessituras da vida social. Como e em que medida essa
dissonância de discursos e de sentidos interfere ou condiciona
o processo de leitura e apropriação? Quais os efeitos dessa dissonância? Esses discursos dissonantes são racionalmente percebidos pelas leitoras? Se sim, como explicar a permanência
do consumo, tendo em vista que as leitoras são seletivas e tendem a se expor a produtos mediáticos que estejam de acordo
com as estruturas de classificação do mundo social condizentes com suas experiências?
De que forma as práticas de consumo, interpretação e
apropriação dessas revistas femininas ensejam a construção de
experiências, leituras e sociabilidades e, a partir daí, a formação de subjetividades?
Para dar conta desta questão, recorre-se neste estudo,
ainda, à noção de subjetividade conceituada por Foucault
(2004, p. 236) como “a maneira pela qual o sujeito faz a experiência de si mesmo em um jogo de verdade, no qual ele se
relaciona consigo mesmo”. Dessa forma, as subjetividades – de
onde o sujeito é um efeito provisório – mantêm-se flutuantes,
uma vez que cada indivíduo abriga os componentes de subjetivação em circulação e concomitantemente os emite, conjecturando essas trocas como uma dinâmica construção coletiva.
Assim como Foucault, Deleuze (2001, p. 118) rompe com a
noção atribuída ao sujeito como uma unidade, um ser prévio
que permanece. Para este autor, o sujeito não está dado, mas
se constitui na experiência, no contato com os acontecimentos,
com o outro. “E, olhando bem, isso é tão-só uma outra maneira
de dizer: o sujeito se constitui no dado”. Nessa perspectiva de
749
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
análise, o conceito de sujeito só pode ser considerado a partir de uma processualidade, de uma construção constante, de
um vir a ser que não se estabiliza de maneira definitiva.
Sob esse viés, a produção do sujeito envolve um movimento constante, afinal, o sujeito não está dado de uma vez
por todas. Pensar os processos de subjetivação de mulheres
negras e as variações produzidas pelos encontros com o outro
– discursos jornalísticos das revistas femininas – a partir da noção
de sujeito empreendidas por Foucault e Deleuze, remete a um
campo complexo de problematizações: afinal, que pode vir a
ser no encontro com o dado de cada experiência que a elas
advém? Com quais outras forças podem se compor e o que
pode devir desse movimento?
Por força dos debates estabelecidos com a orientadora
nesse primeiro momento de pesquisa exploratória, o trabalho
passa a buscar um diálogo mais direto com as noções de apropriação (SILVERSTONE, 2007) e fruição ou prazer (BARTHES, 2013)
para um escopo teórico metodológico, num movimento de
deslocamento da pergunta inicial a nortear a pesquisa: como
as mulheres negras recebem os discursos das revistas femininas? Apoiava-se, assim, nos conceitos e modelos apontados
nos estudos de recepção latino-americana, em especial propostos por Martín-Barbero (1998).
Entre as hipóteses consideradas para essa pesquisa destacamos que essas mulheres estabelecem uma leitura que
envolve uma resposta prazerosa ou o consumo prazeroso do
texto. Barthes (2013, p. 26), destaca que o conceito de prazer
não é invariavelmente triunfante pois pode assumir a forma de
750
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
uma deriva: “A deriva advém toda vez que eu não respeito o
todo e que, à força de parecer arrastado aqui e ali ao sabor
das ilusões, seduções e intimidações da linguagem, qual uma
rolha sobre as ondas, permaneço imóvel, girando em torno da
fruição intratável que me liga ao texto (ao mundo)”.
O interesse em estudar as relações entre as apropriações
dos media e o gênero feminino marcado por racialidades
nasce da comprovada insuficiência de pesquisas que abordem gênero e raça como categorias teóricas e explicativas
para o consumo midiático, assim como da curiosidade de
entender como funciona o processo de recepção de discursos dissonantes em relação ao público. Além dessas justificativas para o campo da comunicação, explico o empenho em
compreender essas questões pelo envolvimento com o estudo
das representações de mulheres negras em revistas femininas
iniciado em discussões no Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da
Universidade Federal do Maranhão, do qual fiz parte desde
2008. O tema também foi abordado no trabalho de conclusão
de curso.
Em termos metodológicos, o trabalho procura se desenvolver em campo para fazer uma pesquisa híbrida teórica e
empírica em que há revisão de literatura e definição de categorias de análise e dos conceitos capazes de dar conta das
particularidades do objeto. Elegeu-se como metodologia
suporte a coleta de dados por meio de aplicação de questionário sociocultural e com entrevistas semi-estruturadas, acerca
do consumo dos exemplares publicados, com 16 mulheres frequentadoras ou funcionárias de dois salões de beleza locali-
751
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
zados na cidade do Rio de Janeiro. Nesse aspecto, o salão é
um espaço de discursos múltiplos que intermedeia a circulação
de sujeitos de diversas classes sociais, raças, gêneros, graus de
escolaridade.
Segundo Lüdke e André (1986), a entrevista semi-estruturada se traduz numa técnica que implica na relação de interação entre o sujeito e o pesquisador, havendo uma atmosfera de
influência recíproca entre quem pergunta e quem responde,
sendo desenvolvida por um esquema básico, que permite ao
entrevistador fazer as adaptações que julgar necessárias. Além
disso, tal técnica apresenta como vantagem o fato de permitir a captação imediata e corrente da informação desejada.
As informações apreendidas serão analisadas com o auxílio do
quadro teórico utilizado na investigação.
REFERÊNCIAS
BARTHES, R. O prazer do texto. 6 ed. Trad. J. Guinsburg. São
Paulo: Perspectiva, 2013.
DELEUZE, G. Empirismo e subjetividade: ensaio sobre a natureza humana segundo Hume Trad. L. B. L. Orlandi. São Paulo:
Editora 34, 2001.
FOUCAULT, M. A ética do cuidado de si como prática da liberdade. In: FOUCAULT, M. Ética, sexualidade e política. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 264-287.
752
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
LÜDKE, M.; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em Educação:
Abordagens qualitativas. São Paulo: Editora Pedagógica e
Universitária Ltda., 1986.
MARTÍN-BARBERO, J. Dos meios às mediações: comunicação,
cultura e hegemonia. Trad. Ronald Polito e Sérgio Alcides. Rio
de Janeiro: Editora UFRJ, l998.
ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento. Campinas:
Pontes, 1996.
RABINOW, P.; DREYFUS, H. Michel Foucault: Uma trajetória filosófica para além do estruturalismo e da hermenêutica. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 1995.
SILVERSTONE, R. Media and Morality: on the rise of the mediapolis. Cambridge: Polity Press, 2007.
753
Sumário
II ENCONTRO NACIONAL DA
REDE DE GRUPOS DE PESQUISA EM COMUNICAÇÃO
COMISSÃO CIENTÍFICA
Alex Galeno
Ciro Marcondes Filho
Josimey Costa
COMISSÃO DE ORGANIZAÇÃO
Alex Galeno
Alysson Araújo
Angela Almeida
Gerlúzia Azevedo
Kênia Maia
Lauren Colvara
Michele Medeiros
E-book
Organização
Alex Galeno
Angela Almeida
Gerlúzia Azevedo
Maria Rita Xavier
Projeto gráfico
Helton Rubiano

Documentos relacionados